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Reportagem sobre a USF Âncora

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A edição de Junho do Jornal Médico publica uma reportagem de várias páginas sobre a USF Âncora, a primeira a avançar no Algarve e a evoluir para Modelo B.

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Solidez, maturidade e coesão são os três grandes pilares que têm contribuído para o bom desempenho da equipa da USF Âncora, em Olhão, a primeira a avan-çar no Algarve e a evoluir para Modelo B. “No início, foi precisa muita coragem”, re-conhece a coordenadora, Irene Cardoso.

“Já conhecíamos o Regime Remune-ratório Experimental (RRE), mas também este teve muitas dificuldades para se afir-mar. Apesar disso, quando surgiu a ideia das USF, decidimos avançar. Na altura, a responsável do Centro de Saúde de Olhão, Filomena Neto, estava um pouco cansada das tarefas inerentes à direção e considerou que este era um modelo atrativo para os profissionais. Mas não foi fácil constituir a equipa. Desejávamos

integrar um sexto elemento na equipa médica, mas não o conseguimos porque existia muita desconfiança em relação à sustentabilidade do modelo. A equi-

USF ÂNCORA

Motivação e entusiasmo renovam-se a cada diaO momento é crítico, reconhecem os profissionais da USF Âncora. A crise económica que o país atravessa não pode deixar de ter impacto no setor da Saúde. Contudo, longe de desanimar, a primeira USF a surgir no Algarve continua a trabalhar com o mesmo entusiasmo de sempre. “Não podemos estagnar”, afirma a coordenadora. Novos projetos de intervenção junto de grupos de risco e a acreditação da USF são os próximos passos da equipa.

Reportagem USF Âncora

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Jornal Médico | 21junho 2013

Reportagem

pa avançou, assim, com cinco médicos, cinco enfermeiros e cinco secretários clínicos.”

Até 2011, a USF teve um horário alargado, das 8 às 22 horas, incluindo a abertura aos sábados, das 8 às 14 horas. No ano seguinte, esse alargamento de horário foi retirado. Contudo, a médica de família considera conveniente voltar ao sistema anterior, dadas “as vantagens que oferece às pessoas em idade ativa e em termos da solução de situações agudas e urgentes da generalidade dos utentes, evitando o recurso ao Hospital de Faro”.

Nesse sentido, Irene Cardoso con-gratula-se com a possibilidade, avançada pelo secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Leal da Costa, de au-mentar o horário de funcionamento das USF e UCSP, embora isso possa implicar um esforço adicional e a reorganização da equipa. Esta é responsável por uma popu-lação de mais de 9500 utentes, o que sig-nifica existirem listas de 1900 utentes por médico, com elevadas taxas de utilização dos serviços.

“Em 2012, a taxa de cobertura global atingiu os 67%. Trata-se de uma população

muito carenciada economicamente que recorre, maioritariamente, aos serviços da USF.”

Além disso, a USF possui uma carteira adicional de utentes do Centro de Saúde de Olhão que não têm médico de família atribuído. “Prestamos cuidados ao nível da Saúde Materna, do Planeamento Familiar e da Saúde Infantil. Muitos deles são imi-grantes ou pessoas em trânsito.” Contudo, este compromisso deverá chegar ao fim dentro em breve, à semelhança do que acontece com outras USF do ACES Central.

“Por razões económicas”, avança a co-ordenadora, que lamenta a perda de mais esta valência da carteira adicional, “gosta-mos daquilo que fazemos, é uma popu-lação diferente daquela a que nós assisti-mos e vamos deixar de ter a possibilidade de prestar cuidados a muitos imigrantes”.

Aplicação dos incentivos institucio-nais não chega aos 30%

Em 2012, a equipa atingiu a maioria das metas contratualizadas e desde 2011 que recebe quer incentivos financeiros, quer institucionais. O processo de aplica-

ção destes últimos decorre, no entanto, “com alguma morosidade”. Essencialmen-te, “têm sido direcionados para formação dos profissionais da USF, mas ainda não conseguimos concretizar muitos dos pro-jetos. O ACES dá o aval positivo, mas a ARS tarda em responder”.

Até agora, “foram aplicados menos de 30% dos incentivos institucionais, o que resulta um pouco desmotivador para a equipa, cujos projetos incidem sobretudo na melhoria das instalações”. Nomeada-mente, intervenções de beneficiação da sala de arrumos e do equipamento da copa, renovação das fardas do secretaria-do clínico, transformação da atual sala de reuniões num consultório médico e apro-veitamento de um espaço do centro de saúde, contíguo à USF, para uma sala de reuniões mais ampla do que a atual.

Apesar deste aspeto poder conduzir a alguma desmotivação da equipa, um risco apontado pela própria coordenado-ra numa recente reunião da USF, “fiquei satisfeita ao ouvir uma colega argumentar que, se estamos a trabalhar bem, é para continuar assim, independentemente das nossas condições não serem as melhores.

Existe uma procura muito elevada ao nível da consulta do dia. A equipa procura educar os utentes no sentido de a utilizar apenas em caso de doença aguda, mas a população demora a compreender.

Irene Cardoso terminou o curso de Medicina no Instituto de Ciências Biomédi-cas Abel Salazar, no Porto, em 1992. Realizou o Internato Geral no Hospital de Faro e em 1994 fez o Internato Complementar de MGF, no Centro de Saúde de Olhão, onde mais tarde desenvolveria a sua atividade como médica de família.

Quando, há cerca de seis anos, a então diretora do Centro de Saúde de Olhão, Filomena Neto, a desafiou para integrar uma USF, aceitou de imediato. Agradava-lhe, sobretudo, o trabalho em equipa e a autonomia organizacional. Aliás, “alguns dos modelos que aplicava na minha consulta foram adotados na USF, pelo que me sinto muito satisfeita”.

Em 2012, assumiu a função de coordenadora da USF, cargo que mantém em 2013, de acordo com o desejo da equipa que, todos os anos, elege o seu represen-tante em assembleia-geral. “Já todos os membros da equipa médica assumiram a responsabilidade da coordenação da USF. Isso significa que todos conhecemos a responsabilidade e o desafio inerentes a esta função.”

Casada e com dois filhos, não desiste dos seus tempos livres, dedicados à leitura, bordados e jardinagem. Gosta ainda de viajar e do exercício ao ar livre. Aos fins de semana troca o automóvel pela bicicleta e todas as manhãs, por volta das 6.30 h., não falha uma caminhada matinal com um grupo de amigas. É que, explica, “no final do dia estamos esgotados e precisamos de tempo para a família”.

Irene Cardoso

A arte de conciliar o dever com o prazer

O ACES Central, que conta com sete das nove USF existentes na ARS

Algarve, decidiu reforçar a cooperação entre as suas unidades de saúde

familiar através de reuniões periódicas. O objetivo é trabalhar e discutir,

em conjunto, assuntos difíceis ou sensíveis. “Todos os dias surgem

ideias novas do ministério e temos que estar preparados”, explica Irene

Cardoso, para quem “a união entre as USF é essencial, até para não nos

sentirmos sozinhos”.

No ACES Central USF reforça-se a cooperação

USF Âncora

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Reportagem USF Âncora

De facto, a nossa maior motivação é a satisfação revelada pelos utentes relativa-mente ao nosso trabalho”.

Autonomia organizacional permite melhorar a resposta no terreno

A autonomia organizacional é uma das vertentes mais interessantes das USF. A este nível, Irene Cardoso salienta a intersubs-tituição, a capacidade de organizar os ho-rários dos profissionais de acordo com as necessidades da população abrangida, as reuniões clínicas quinzenais e as reuniões de trabalho mensais com toda a equipa.

“No início, como estávamos habitua-dos a que as orientações viessem de cima, o processo deu um pouco de trabalho, mas pouco depois a equipa entrou em velocidade de cruzeiro. Estamos no terre-

no, conhecemos as necessidades da nossa população e respondemos em conformi-dade.”

Por exemplo, existe uma procura muito elevada ao nível da consulta do dia. “Não possuímos um sistema de tria-gem, de modo que procuramos educar o doente para que só nos procure em caso de doença aguda. Mas a população estava habituada a recorrer ao SAP (Serviço de Atendimento Permanente) e muitas pes-soas mantêm o mesmo comportamento. O secretariado clínico procura organizar os doentes e mesmo no que se refere à consulta do dia, é feita a marcação da hora, o que evita que o utente aguarde na sala de espera. Contudo, muitos conti-nuam a preferir ficar quando, na realida-de, com a consulta do dia marcada, o seu tempo de permanência na USF poderia

As USF vieram alterar radicalmen-te a organização do trabalho na área do secretariado clínico. Ana Aura, já com uma experiência profissional de 16 anos, aponta que, “antigamente, trabalhávamos de uma forma muito in-dividualista – cada administrativo dava apoio a dois médicos – e não existia um trabalho em equipa. Hoje, a nossa responsabilidade é maior, mas reali-zamos um trabalho coeso no seu con-junto. Falamos todos a mesma língua, utilizamos os mesmos métodos de tra-balho e tudo é mais transparente para os utentes”.

A entrada em funcionamento do quiosque eletrónico, em 2010, consti-tuiu uma mais-valia na organização do front office. “Os utentes dirigem-se ao quiosque eletrónico, onde colocam o seu cartão de cidadão, e selecionam o

seu médico de família através do touch screen. A informação surge imediata-mente nos nossos computadores, o que

agiliza e facilita grandemente os proce-dimentos administrativos. No caso de o utente estar isento de taxa moderado-ra, basta simplesmente aguardar que o seu número de senha surja nos visores localizados na sala de espera para sa-berem onde se devem dirigir. No caso de utentes não isentos, o processo de atendimento processa-se normalmente de forma igualmente rápida e imedia-tamente surge no sistema informático dos médicos e enfermeiros a indicação de que o utente já se encontra na sala de espera”.

No início, a equipa trabalhava com o SAM e a mudança prejudicou alguns indicadores nesse ano de viragem, uma vez que o Medicine One possui algumas características de registo que a equipa desconhecia, mas o certo é que “valeu a pena”.

Ana Aura | Hoje, a nossa responsabilidade é maior, mas realizamos um trabalho coeso, no seu conjunto. Falamos todos a mesma língua, utilizamos os mesmos métodos de trabalho e tudo é mais transparente para os utentes

Secretariado clínico

Organização, transparência e coesão

Trabalhar mais para a comunidade e avançar com a acreditação da USF são os principais projetos da equipa a médio prazo.

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oscilar entre meia hora e uma hora, de-pendendo de cada situação específica”.

O trabalho domiciliário é outra ver-tente importante do trabalho desenvol-vido pela equipa da USF. Cada médico realiza uma média de 10 domicílios por mês, mas, na área da enfermagem, esse número é mais elevado. “Respondemos a todos os pedidos de domicílios, quer por doença crónica, quer por doença aguda.”

A população abrangida pela USF é muito envelhecida. “Transitoriamente, alguns idosos poderão precisar de apoio domiciliário e. para nós, é uma grande satisfação verificar como alguns, progres-sivamente, recuperam a autonomia”.

Ligação por telemedicina ao Hospital de Faro

O Centro de Saúde de Olhão está equipado com telemedicina. O equipa-mento é utilizado pelas várias unidades localizadas no edifício do centro de saú-de, na valência de Dermatologia, em liga-

ção ao Hospital de Faro. “Estamos a oito quilómetros do hospi-

tal, mas, em virtude da escassez de recursos humanos desta especialidade, o colega do hospital consegue resolver muitos casos à distância”, explica a coordenadora. “Alguns utentes não necessitam sequer de deslocar--se ao hospital. Quando isso acontece, as

consultas são marcadas muito rapidamen-te, o que constitui uma vantagem em caso de suspeita de malignidade”.

Por facilitação de uma companhia farmacêutica, a USF conta ainda com uma consultadoria periódica do Núcleo de Diabetes do Hospital de Faro.

“Não possuímos estatísticas, mas te-

mos a perceção de que os nossos utentes não recorrem muito aos cuidados de saúde secundários. Normalmente, quando têm uma consulta no hospital comunicam--nos e trazem-nos uma carta do colega. São mais os casos que nós referenciamos, por motivo de urgência e de necessidade de cuidados hospitalares, do que aqueles

ReportagemUSF Âncora

Ficha técnicaCaracterização da população inscrita na USF Âncora (dados do final de 2012):Nº de utentes – 9472Nº de idosos – 1920Nº de crianças e jovens – 2281Nº de mulheres em idade fértil – 1995Total de nascimentos – 98

Total de consultas médicas efetuadas em 2012: Consultas programadas: 12.458Consultas não programadas: 11.995Contactos indiretos: 6929

Contactos:Total de contactos de enfermagem – 46.473Visitas domiciliárias – 596 dom. Enf. e 266 dom. Méd.

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que vão por iniciativa própria. Também, de acordo com os nossos internos, que realizam trabalho no Hospital de Faro, são raros os utentes da USF que recorrem às urgências. Sobretudo agora, que as taxas moderadoras são muito elevadas no hospi-tal, fazemos um esforço suplementar para atender o máximo de doentes possível, mesmo aqueles que chegam pouco antes das oito da noite. Ficamos até mais tarde, mas vamos para casa satisfeitos porque evi-tamos que o doente se tenha que deslocar ao Hospital de Faro ou esteja toda a noite em sofrimento. Como eu costumo dizer, uma infeção urinária ou uma amigdalite não é uma emergência, mas dói! Obviar o sofrimento dos nossos utentes representa uma grande satisfação para todos nós.”

Acreditação da USF será o passo seguinte

Em termos de projetos futuros, além da melhoria das instalações, através da aplicação integral dos incentivos institu-cionais, Irene Cardoso salienta: “Gosta-ríamos de trabalhar mais para a comuni-dade, com projetos de ensino a grupos específicos, como aquele que desenvolve-mos, atualmente, em relação aos doentes diabéticos.” E, simultaneamente, avançar com o projeto de candidatura à acredita-ção da USF junto da Direção-Geral da Saú-de. “Não podemos estagnar. A acreditação representa muito esforço da equipa, mas também uma evolução, e vamos trabalhar para a conseguir.”

A USF constitui um serviço público inte-ressante, que proporciona uma qualidade de tratamento elevada, é a opinião de Armando José Gonçalves. “Os profissionais são exce-lentes e, no que diz respeito à organização, frequento regularmente a USF desde há dois anos e estou plenamente satisfeito”.

O mesmo não acontece relativamen-te ao custo das taxas moderadoras: “São elevadas e isso condiciona o acesso.” Na sua opinião, o Governo “maneja o setor da saúde a seu bel-prazer, o que gera des-contentamento e mal-estar nas pessoas”.

A qualidade assistencial e de atendi-mento prestados pela equipa da USF são igualmente destacadas por Arnaldo Ci-priano, segundo o qual a única coisa que tem a apontar é “o facto de estar doente e ter que cá vir”. De resto, a equipa é “exce-lente” e a organização não lhe fica atrás. Já não existem longas filas de espera, como antigamente, se bem que muitos dos problemas, na sua opinião, resultassem

do facto de as pessoas, especialmente os idosos, recorrerem aos serviços por tudo e por nada, enquanto agora “só vêm aque-les que realmente precisam”.

Matilde Manuel não tem a mesma pers-petiva. O tempo de espera para a consulta

do dia “é demasiado longo”, afirma. Os médicos de família intercalam as consultas do dia com as consultas programadas e isso deixa-a insatisfeita. Gostaria que o atendi-mento fosse mais célere e, embora o motivo da sua presença no centro de saúde não seja

urgente do ponto de vista clínico, uma vez que vem pedir um exame ao seu médico de família por indicação de outro especialista, no que diz respeito às consultas do dia, opi-na que, “embora se tenham registado algu-mas alterações, não melhorou nada”.

Lúcia Sousa salienta o mesmo pro-blema: “Não posso dizer que seja mal atendida e nas consultas programadas o atendimento é rápido, mas quando queremos uma consulta no próprio dia os tempos de espera são longos.”

Utentes destacam qualidade do atendimento

A organização do trabalho de en-fermagem segundo a filosofia de en-fermeiro de família, a autonomia dos profissionais e o bom ambiente de tra-balho na USF são aspetos muito rele-vantes para a enfermeira Rocío Pulido que, em 2001, trocou Espanha por Por-tugal, onde as oportunidades de traba-lho eram, na altura, mais interessantes.

A integração na USF Âncora repre-sentou um desafio gratificante: “Os utentes conhecem o seu enfermeiro de família e sabem que têm em nós um apoio muito importante.”

Contudo, a atual situação econó-mica do país e os cortes na saúde co-meçam a ser motivo de preocupação: “Gostaria que nos deixassem continuar a trabalhar desta forma, mas tem havido tantas mudanças…”. Nestes momentos críticos, as restrições e as falhas de ma-terial começam a ser visíveis: preserva-

tivos, material para pensos, rolos para marquesas, por exemplo. “A minha es-perança é que, pelo menos, a situação não se agrave.”

Rocío Pulido | Os utentes conhecem o seu enfermeiro de família e sabem que têm em nós um apoio muito importante

Falhas de material começam a ser visíveisNo setor de enfermagem

Matilde Manuel | Não concorda que os médicos intercalem as consultas do dia com as consultas programadas

Arnaldo Cipriano | A equipa é excelente e a organização não lhe fica atrás

Armando José gonçalves | Frequenta regu-larmente a USF desde há dois anos e diz estar “plenamente satisfeito”

Lúcia Sousa | Gostaria que os tempos de es-pera para a consulta do dia fossem menores

Reportagem USF Âncora