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7 Introdução O movimento modernista é um tema recorrente na historiografia tanto brasileira quanto portuguesa por se tratar de um (acontecimento) fenômeno histórico complexo e de múltiplas interpretações. Diversos historiadores e críticos literários abordaram o tema partindo de pontos de vistas distintos que tanto defendem a composição estética modernista quanto criticam sua posição perante o contexto social e cultural de cada país. O modernismo no Brasil e em Portugal passou por processos semelhantes de apropriação e assimilação das vanguardas artísticas do início do século XX na Europa. Obviamente que em contextos diferentes, Portugal e Brasil viveram uma experiência que estabelece um vínculo de construção cultural pautada (em) por influências vanguardistas de outros países. No que diz respeito a esse processo de apropriação, Roger Chartier no capítulo “O mundo como representação” do livro Á beira da falésia diz que a ideia de apropriação é central para a história cultural. A apropriação, tal como o autor a apresenta, visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados com as suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem. Para Chartier dar atenção às condições e aos processos que, muito concretamente, sustentam as operações de construção do sentido é reconhecer, contra a antiga

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Introdução

O movimento modernista é um tema recorrente na historiografia tanto brasileira

quanto portuguesa por se tratar de um (acontecimento) fenômeno histórico complexo e

de múltiplas interpretações. Diversos historiadores e críticos literários abordaram o tema

partindo de pontos de vistas distintos que tanto defendem a composição estética

modernista quanto criticam sua posição perante o contexto social e cultural de cada país.

O modernismo no Brasil e em Portugal passou por processos semelhantes de

apropriação e assimilação das vanguardas artísticas do início do século XX na Europa.

Obviamente que em contextos diferentes, Portugal e Brasil viveram uma experiência

que estabelece um vínculo de construção cultural pautada (em) por influências

vanguardistas de outros países.

No que diz respeito a esse processo de apropriação, Roger Chartier no capítulo

“O mundo como representação” do livro Á beira da falésia diz que a ideia de

apropriação é central para a história cultural. A apropriação, tal como o autor a

apresenta, visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados com as

suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem.

Para Chartier dar atenção às condições e aos processos que, muito

concretamente, sustentam as operações de construção do sentido é reconhecer, contra a

antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são “desencarnadas”

e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, quer

sejam filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das

trajetórias históricas (CHARTIER, 2002: 68).

A apropriação, portanto, no caso do Brasil e Portugal, passou por um processo

de leitura, assimilação e ressignificação das vanguardas artísticas no contexto cultural e

social de cada país, o que Mônica Pimenta Velloso designa por “teoria da importação

das ideias”: considerando que em todo, processo de leitura há uma seleção de ideias,

uma absorção diferenciada que é ditada pelas necessidades do contexto político-cultural

(VELLOSO, 2006: 354).

Beatriz Sarlo em seu estudo Modernidade Periférica: Buenos Aires 1920 e 1930

estabelece uma análise da apropriação das ideias modernistas na Argentina a partir de

um ponto de vista autóctone. Com este mesmo objetivo, aqui apresento a ideia de

“modernidades periféricas” nos casos de Brasil e Portugal justamente por estes também

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passarem por um processo de empréstimo meticuloso de leituras e conceitos

importados, mas que geram um material que possibilita certa autonomia na

interpretação da particularidade de seus modernismos.

Por conseguinte, as reflexões deste trabalho procuram compreender esse

processo de apropriação e assimilação das diferentes vanguardas em ambos os contextos

culturais e políticos de Portugal e Brasil, estabelecendo uma ligação entre os dois

modernismos, apresentando rupturas e continuidades, aproximações e afastamentos

através dos periódicos lançados nos dois países, criando, portanto a ideia de uma

interpretação de dois modernismos que viveram em teoria processos semelhantes de

contato com as vanguardas, mas que, no entanto, diante de seus contextos sociais,

políticos e culturais adquiriram características próprias que ora dialogavam ora se

afastavam.

Esse processo de contato e afastamento será demonstrado através de diferentes

textos de três periódicos, um português, a revista Contemporânea (1922-1926) e as

brasileiras Klaxon (1922-1923) e a Revista de Antropofagia (1928-1929). Neste trabalho

privilegio a primeira fase da Revista de Antropofagia que durou até fevereiro de 1929, a

fase considerada menos radical do movimento antropofágico. A justificação para a

escolha destas fontes está relacionada com o fato das revistas ainda serem uma fonte de

pesquisa pouco explorada pela história cultural, e neste caso falo especificamente da

historiografia brasileira. Para além de que o recorte temporal em que tais revistas se

situam ainda não foi de todo explorado no sentido de buscar vínculos entre o

modernismo brasileiro e o modernismo português. Um dos principais estudos no qual

me pautei para fazer essa pesquisa é de autoria de Arnaldo Saraiva, mas que no entanto

se dedica a analisar um período anterior ao que escolhi para explorar nesta pesquisa, o

que demonstrou uma carência no estudo comparativo entre o modernismo português e

brasileiro dos anos de 1920.

Este trabalho considera as revistas como modos de interpretação de ações e de

pensamentos que integra uma forma de organização cultural que permite interpretações

diversas e novos questionamentos em relação à difusão das ideias modernistas tanto em

Portugal quanto no Brasil:

As revistas passam a ser pensadas, aqui, na sua dupla dimensão: como fonte

e como objeto de análise. Perspectiva essa que possibilita percebê-las na sua

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complexa historicidade e articulações específicas que estabelecem em relação

ao moderno. (VELLOSO, 2006b: 03)

As revistas apresentam-se como órgãos fundamentais na construção, veiculação

e difusão das ideias modernistas. São elas que ajudam a moldar a sensibilidade moderna

brasileira e portuguesa, permitindo diferentes leituras e sentidos.

Dividido em cinco capítulos que abordam diferentes temas, o presente trabalho

demonstra, portanto, a importância das revistas modernistas como difusoras e

reprodutoras dos ideais que os intelectuais do período defendiam.

O primeiro capítulo foi destinado a apresentar um breve contexto histórico da

Europa no início do século XX e a formulação da ideia de modernismo e vanguarda que

influenciou os dois países. Neste mesmo capítulo em linhas gerais apresento a trajetória

do modernismo em ambos os países em torno da importação das vanguardas assimiladas

em seus contextos sociais, culturais e políticos.

O segundo capítulo levanta a questão da importância do uso das revistas como

fontes de estudo da atual historiografia e em linhas gerais explica a formação dos três

periódicos utilizados na construção deste trabalho.

O terceiro capítulo tem por objetivo apresentar a apropriação das vanguardas

através de textos dos periódicos bem como o combate às antigas influências culturais

como o positivismo.

O quarto capítulo pretende estabelecer os principais vínculos entre Brasil e

Portugal e, ao mesmo tempo, salientar as particularidades de ambos os modernismos.

Neste capítulo encontram-se as aproximações e afastamentos, as críticas brasileiras ao

colonialismo, a importante teoria do ibero-americanismo e os vínculos de amizade entre

alguns representantes do modernismo brasileiro e português.

Por fim, e não menos importante, o tema do nacionalismo é abordado no quinto

capítulo demonstrando a importância desse processo ideológico para aquele período

histórico e para a constituição das principais ideias modernistas brasileiras e firmação de

teorias portuguesas em torno do iberismo; através de alguns textos dos periódicos

pinçamos alguns exemplos que apontam o caráter nacionalista de ambos os

modernismos neste momento.

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1. Múltiplos Modernismos: a trajetória do modernismo na Europa, em Portugal e no Brasil

1.1 O caso da Europa

A formação do sentido das palavras “moderno”, “modernidade” e

“modernismo” está estritamente relacionada com as mudanças na Europa na virada do

século XIX para o século XX.

Marshall Berman diz que para compreendermos os “timbres e ritmos” da

modernidade do século XIX na Europa industrializada a primeira observação feita é em

relação à nova paisagem: dinâmica, desenvolvida e diferenciada. Era formada por

engenhos a vapor, fábricas automatizadas, ferrovias, zonas industriais, cidades que

cresceram em ritmo acelerado, jornais diários, telégrafos, telefones e outros

instrumentos que estreitaram os canais de comunicação. Os Estados economicamente

mais fortes e o surgimento de conglomerados multinacionais de capital contribuíram

para a formação desse novo cenário. Observou-se a aparição de movimentos sociais de

massa que tentavam combater o processo de modernização de “cima para baixo”, um

mercado mundial que abrangia quase tudo e vivia uma crescente expansão. Os

modernistas do século XIX atacavam esse ambiente e se esforçavam para fazê-lo ruir e,

ao mesmo tempo, explorá-lo a partir do seu interior, apesar disto, todos se sentiam à

vontade, “sensíveis às novas possibilidades, positivos em suas negações radicais,

jocosos e irônicos em seus momentos de mais grave seriedade e profundidade.”

(BERMAN, 2007: 28)

Após 1880, a modernidade se tornou um slogan e o termo “vanguarda” em seu

sentido moderno tornou-se comum nas conversas de pintores e escritores franceses, a

distância entre o público e as artes mais ousadas estava reduzindo. De acordo com Eric

Hobsbawm isso se dava porque as ideias “avançadas” sobre a sociedade e a cultura

pareciam combinar-se naturalmente, em especial nas épocas de depressão econômica e

tensão social e, em parte, porque o gosto de importantes setores da classe média tornou-

se mais flexível, talvez pelo reconhecimento público das mulheres (das classes média e

alta emancipadas através do trabalho) e da juventude como grupos e devido à fase mais

livre e voltada para o lazer da sociedade burguesa. (HOBSBAWM, 2011: 354)

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Em relação à constituição de ideia de vanguarda e movimentos históricos de

vanguarda, Peter Bürger em A Teoria da Vanguarda diz que apenas nos movimentos

históricos de vanguarda os meios artísticos, em sua totalidade, passaram a estar

disponíveis como tais. Para ele, até esse período do desenvolvimento da arte, a

utilização dos meios artísticos era limitada pelos estilos de época, um cânone pré-

estabelecido de procedimentos permitidos, excedível apenas dentro de certos limites.

Segundo Bürger enquanto um estilo dominava a categoria meio artístico este não era

visível como geral:

Um sinal característico dos movimentos históricos de vanguarda consiste

exatamente no fato de eles não terem desenvolvido estilo algum: não existe

um estilo dadaísta ou surrealista. Antes, ao erigir em princípio a

disponibilidade sobre os meios artísticos de épocas passadas, esses

movimentos liquidaram a possibilidade de um estilo de época. Somente a

disponibilidade universal faz da categoria do meio artístico uma categoria

geral. (BÜRGER, 2012: 46)

O modernismo rompeu não apenas com a arte tradicional, mas também com a

cultura humanística tradicional, que estava vinculada ao processo histórico. “Nos

movimentos históricos de vanguarda, o choque do receptor se transforma no mais

elevado princípio de intenção artística”. (BÜRGER, 2012: 46)

Para Bürger os movimentos históricos de vanguarda não apenas pretendiam

uma ruptura com o sistema tradicional de representação, como também a superação da

própria instituição de arte:

Nesse caso, sem dúvida, temos algo de “novo”; apenas que esse “novo” é

qualitativamente distinto da transformação tanto dos procedimentos artísticos

de representação como de sistema de representação. Não é falso, na verdade,

o conceito de novo, mas ele é geral e inespecífico demais para descrever com

precisão a radicalidade de uma tal ruptura com a tradição. Mal deveria servir

para a descrição de obras vanguardistas, não apenas por ser geral e

indeterminado além do esperado, mas, sobretudo, por não oferecer

possibilidade alguma de distinção entre a inovação da moda (fortuita) e a

inovação historicamente necessária. (BÜRGER, 2012: 117)

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O modernismo foi responsável historicamente por ligar países e culturas que,

sob outros aspectos, pouco tinham em comum. Com a propagação das ideias modernas,

a cultura atravessou fronteiras. Os países relacionaram-se, independentemente do grau

de divergência política oficial, por meio de ideias modernas em literatura, música, arte e

tecnologia. (KARL, 1988: 20)

Segundo Frederick Robert Karl as narrativas deveriam mudar, não apenas em

literatura, mas também na pintura, música e escultura. As novas linguagens

determinariam direções inovadoras para todas as formas de arte e significariam que o

artista que esperava ser moderno deveria evoluir além das influências, teria de saltar em

território desconhecido. Tal “salto”, como diz o autor, seria sua carta de membro da

vanguarda. O que se pretende moderno compõe-se de tais vanguardas.

Karl afirma que uma constante em todo modernismo era o desafio à autoridade.

A autoridade poderia ser da geração ou do governo, ou poderia representar, de maneira

mais ambígua, o “Estado” ou a “sociedade”, ou “um outro”. Em qualquer estágio

determinado, o modernismo deveria romper não apenas com a arte tradicional, mas

também com a cultura humanística tradicional, que estava vinculada ao processo

histórico.

De acordo com Frederick Robert Karl, nas artes o modernismo corrompeu quase

sempre as ideias de coesão social, pois seus imperativos estéticos abriram fogo contra o

conteúdo de maneiras de pensar ou contra a comunidade e a sociedade, implicaram uma

“perigosa reorientação”:

A vanguarda é a linha de frente de qualquer espécie de modernismo. Num

breve prazo, no entanto, a vanguarda corrompe-se e é assimilada a algo mais

familiar, a que nós aplicamos o rótulo de moderno. Quando o moderno deixa

de ser estranho, mas é mais ou menos associado com uma paisagem familiar,

dizemos que é parte do modernismo, uma palavra ampla. No entanto,

modernidade é um termo totalmente diverso, que sugere o presente, em

contraste com algum passado histórico. A palavra modernidade também

sugere uma condição estática, ou seja, que se alcançou uma coisa ou outra;

enquanto vanguarda, moderno e modernismo significam o processo, assim

como o fato de que se está chegando a algum lugar. (KARL, 1988: 21)

A virada do século foi marcada por profundas mudanças no que diz respeito à

cultura, a avanços tecnológicos e científicos, a transformações sociais e políticas. O

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imperialismo e as novas conquistas territoriais por parte da Europa nos continentes

asiático e africano iniciaram um processo de dominação e expansão cultural. A tentativa

“civilizatória” por parte dos europeus em relação aos povos desses continentes afirmava

a posição dominadora e expansionista do sistema econômico vigente, o capitalismo. O

mesmo desenvolvimento industrial e conquista técnica-científica auxiliaram o processo

de criação de novos armamentos o que posteriormente influenciou a Primeira Guerra

Mundial.

O intervalo entre as duas grandes guerras foi um período de transformações

culturais, pois intimamente ligada à economia e à sociedade, a cultura tendia a

modificar-se com tais acontecimentos. Foi nesse espaço entre os eventos que vimos as

vanguardas europeias se consolidarem na sua forma mais radical. “O que fez os artistas

de avant-garde seguirem em frente não foi, portanto, uma visão do futuro, mas uma

visão invertida do passado.” (HOBSBAWM, 2011: 364)

Hobsbawm fala de um processo de ruptura entre duas formas de vanguardas

europeias, as do final do século XIX e as do início do século XX. Para ele, este

acontecimento ocorreu entre os anos de 1900 e 1910; em 1905 com o expressionismo,

em 1907 com o advento do cubismo e em 1909 com o Manifesto Futurista. Nos anos

que antecederam a Grande Guerra a maioria das vanguardas representativas já havia

surgido. As vanguardas pré-Primeira Guerra marcaram uma ruptura fundamental na

história das artes desde o Renascimento.

O futurismo, juntamente com o cubismo e o expressionismo, foi um dos

primeiros movimentos de vanguarda a surgir na Europa com a publicação inicial do

Manifesto do Futurismo assinado por Filippo Tommaso Marinetti, divulgado no jornal

francês Le Fígaro, em Paris, no dia 20 de fevereiro de 1909. Para além do primeiro

manifesto, o movimento futurista produziu outros, os mais importantes em relação à

literatura foram em 1912 o Manifesto técnico da literatura futurista e o Suplemento ao

manifesto técnico da literatura italiana.

O termo “ futurista ” não foi criado por Marinetti, no entanto foi ele o

responsável por dar a esse termo o sentido que conhecemos hoje, o de ser uma nova

forma de arte e ação. As principais ideias reiteradas no Manifesto Futurista são aquelas

que constituem seu núcleo; a “higiene do mundo” implicava a busca de definir uma

identidade nacional pela violência da guerra; o “antimuseu” era uma metáfora onde se

revelava a oposição ao passado; a “anticultura” era sinal de que os futuristas desejavam

retornar a um “estado original do mundo, na utopia da origem remota e magnífica”; a

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“antilógica” renegava a visão positivista do século XIX e valorizava o antirracionalismo

e o vitalismo da filosofia “bergsoniana”; o “culto do moderno” conduzia o movimento

ao culto da máquina, dos artefatos técnicos, da velocidade; a “destruição da sintaxe” foi

o princípio segundo o qual as palavras devem “estar em liberdade”, e a significação

devia se “irradiar” sem as amarras da organização tradicional da frase; a “imaginação

sem fios”, que depois do princípio anterior, acentuava a valorização da escrita por “elos

soltos”, fora das redes “lógico-gramaticais”, enfim, a escrita baseada na associação livre

dos elementos. (HELENA, 1996: 20)

O cubismo aparece primeiramente na pintura em 1907; a obra de Pablo Picasso

Les demoiselles d’Avignon é considerada a primeira obra cubista. Somente em 1913 o

cubismo apareceu na literatura, sob a forma de um manifesto-síntese lançado por

Guillaume Apollinaire, em Paris. O que se destaca neste manifesto é o esforço de

conjugar o intento de “destruição” ao de “construção”.

A pintura cubista era um questionamento da herança clássica do

“descritivismo”; de acordo com essa tendência, as coisas existiam a partir de “relações”

e mudavam de aparência de acordo com o ponto de vista escolhido para focalizá-las. A

natureza era captada pelos cubistas como uma estrutura de relações, o que significa

dizer que os cubistas rejeitavam a tridimensionalidade do Renascimento e procuravam

um “novo modo de representar o mundo.” Foram essas formulações que influenciaram a

literatura. (HELENA, 1996: 30)

Como principais representantes dessa literatura podemos citar Apollinaire,

Max Jacob, André Salmon, Blaise Cendrars, Reverdy e Cocteau. Os eixos norteadores

da literatura cubista eram: o ilogismo, a simultaneidade, o “instantaneísmo” e o humor.

O cubismo implicava uma representação “cinemática”, criava-se uma nova perspectiva

plana, fragmentavam-se os volumes das coisas espalhando objetos sobre planos inter-

relacionados e cambiáveis, tal como na pintura, e na literatura se entendia como uma

nova técnica de cortes e montagens, através do recorte e reorganização sintática de

elementos. (HELENA, 1996: 32)

No ano em que deflagrou a Primeira Guerra Mundial, o modernismo estava

consolidado com algumas das suas principais vanguardas: o cubismo, o expressionismo

e o futurismo (que se tornou o abstracionismo na pintura, funcionalismo e ausência de

ornamentos na arquitetura, mudanças na música, rompimento com a tradição na

literatura). Os principais nomes já eram conhecidos como Matisse e Picasso,

Schöenberg, Stravinsky, Proust, James Joyce, Thomas Mann, Franz Kafka, entre outros.

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Para Hobsbawm a única mudança significativa no que diz respeito ao modernismo

depois de 1914 seria o surgimento do dadaísmo e do surrealismo.

Podemos afirmar que de todos os movimentos de vanguarda o dadaísmo foi o

mais radical. Para Tristan Tzara, líder do movimento, “Dada não significa nada” e era

esse “nada” que permearia todo o movimento. Tal denominação então era considerada

gratuita e através dela os dadaístas queriam ressaltar o caráter acidental, casual, lúdico,

de non-sense da arte.

O movimento dadaísta foi fundado na Suíça em 1916 e os principais

integrantes do movimento eram Hugo Ball, Richard Huelsembeck, Hans Arp, Marcel

Janco, Tristan Tzara, Francis Picabia e Vicente Huidobro, todos de nacionalidades

distintas.

O movimento defendia alguns princípios, o de “destruição”, o de “ser contra” e

o repúdio ao bom-senso, a ideia de “improviso” também era utilizada pelo movimento,

a arte dadaísta era sempre lúdica e “reaproveitadora” de materiais, que deslocados de

seu contexto inicial ganhavam nova função e efeito, o “humor” também estava presente

no movimento dando um toque de “destrutividade” paródica.

Enfim, pode-se dizer que a proposta do movimento vai se caracterizar pela

oposição a qualquer tipo de hierarquia e de equilíbrio, tanto formal quanto de conteúdo,

por uma postura de “negatividade” radical. (HELENA, 1996: 34)

Nos anos de 1920 o surrealismo advém com a mesma proposta de combate à

arte, também permeado por escândalos e influenciado pela psicanálise, essa vanguarda

se configurou como uma das mais significativas no que diz respeito à representatividade

e posteridade no período que sucede as primeiras décadas do século XX. Combatia o

racionalismo valorizando o papel do inconsciente na produção artística através do

abstrato, do irreal e do subjetivo.

O principal manifesto desta vanguarda é o Manifesto Surrealista de 1924

publicado pelo escritor francês André Breton; nele encontram-se manifestações a favor

do inconsciente, uma nova percepção da loucura como um pressuposto de criação

artística, forte crítica à lógica e à realidade. O surrealismo contribuiu de forma autêntica

para as vanguardas e sua novidade causou impacto e incompreensão, provocando um

“riso embaraçado”, mesmo entre os membros das vanguardas mais antigas. No entanto,

o surrealismo foi visto como um movimento “admiravelmente fértil”, sobretudo na

França e em países hispânicos, de forte influência francesa. (HOBSBAWM, 1995: 180)

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O caminho percorrido pelo modernismo desde o século XIX foi, portanto, de

constante mudança, vivendo avanços e retrocessos, passando por conflitos ideológicos e

combates por parte de outras correntes artísticas. Neste clima de transformação ditado

pela velocidade das mudanças que o período proporcionava, os países europeus que

viveram a revolução modernista passaram a influenciar outros países que não tinham

contato direto com tais vanguardas. Essas vanguardas assimiladas, apropriadas e

ressignificadas criam características próprias tornando-se fundamentais para as

transformações culturais que a intelectualidade julgava passar, esses são os casos de

Portugal e Brasil, países que entraram em contato com as vanguardas históricas

tardiamente e sofreram grandes transformações no âmbito cultural e ideológico a partir

delas.

1.2 O caso de Portugal

Para analisarmos o contexto de formação do movimento modernista português,

devemos num primeiro momento entender as mudanças políticas, sociais e culturais do

período. O surgimento do modernismo em Portugal estava ligado a essas mudanças,

num período que coincidiu com a fase inicial da Primeira República, os intelectuais

portugueses desenvolveram um movimento que contestou a antiga forma cultural do

país, atingindo seu ápice em 1915, com o aparecimento da revista Orpheu que deu

início à vanguarda modernista portuguesa e caracterizou a primeira fase do movimento.

A situação política e social de Portugal não contentava a população desde o

final do século XIX. O processo de urbanização ocorreu durante a segunda metade do

século, no entanto, as cidades portuguesas eram de pequeno porte, ou seja, vilas

urbanas. O moderado crescimento urbano (com exceção de Lisboa) determinava que a

maioria da população portuguesa vivesse no meio rural (SERRA, 1997: 02). A

agricultura e a indústria tinham se desenvolvido, porém as mudanças não eram

significativas, o setor dos transportes sofreu algumas transformações, sobretudo

ferroviária, o sistema político se estabilizara, mas a modernização do país não era

suficiente para que a imagem de pobreza e do atraso se extinguisse.

No século XX a realidade era de um país relativamente atrasado em

comparação ao restante da Europa e esse atraso foi encarado com pessimismo pelas

elites intelectuais. A sensação de decadência e crítica à Monarquia obteve um forte

impacto na opinião pública desde o final do século XIX.

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Rui Ramos menciona que a Monarquia Constitucional portuguesa era

governada por homens de ideias liberais, que achavam que a República era uma

consequência lógica do progresso moderno. Em 1910 concordava-se que era preciso

sujeitar o governo ao controle do povo, e que era obrigação do Estado tomar

providências para a melhoria da condição dos trabalhadores. A República foi

implantada em 5 de outubro de 1910, dando início a um novo momento político e social

em Portugal. (RAMOS, 1994a: 336)

Dentre algumas mudanças decorrentes do regime republicano, destacam-se as

reformas trabalhistas e as reformas religiosas e do ensino, bem como uma abertura

cultural, fruto da liberdade de expressão e de imprensa que permitiu um aumento da

publicação de jornais, revistas e almanaques.

De acordo com Eduarda Dionísio, os cerca de quinze anos que corresponderam

à Primeira República se constituíram como um período cultural de grande ecletismo.

Ainda que existisse uma política cultural dominante, neste momento se permitiu o

surgimento de outras formas de organização da cultura e de modos específicos de

consumi-la, mas que, no entanto, não apareceu com uma “identidade própria do ponto

de vista da produção cultural, nomeadamente no domínio da criação literária e artística”

(DIONÍSIO, 1990: 09).

Para Dionísio a censura moderada, a “forte componente cultural da ideologia

republicana”, a importância dos aspectos culturais no projeto de sociedade e nos

programas políticos dos diferentes grupos republicanos, o papel preponderante da classe

média das cidades na instauração do novo regime e a relação com o operariado que se

desenvolveu e consolidou, são fatores que geraram um novo entendimento e uma nova

prática cultural na sociedade portuguesa de 1910 a 1926 (DIONÍSIO, 1990: 09).

A cultura era gerida pelas elites republicanas, empenhadas na

“democratização” do saber e do ensino, que era consumida e produzida pela população

e pelos trabalhadores das cidades, que habitavam o cotidiano burguês, “ora como

simples divertimento, ora como fonte e resultado da emancipação dos trabalhadores

(surgimento de uma literatura operária)”. (DIONÍSIO, 1990: 09)

A cultura burguesa e a cultura operária conviviam pacificamente num país que

desejava estabilidade por um modo de regime que dificilmente a alcançava e, ao mesmo

tempo, enfrentava os grandes acontecimentos europeus e mundiais como a Primeira

Guerra Mundial (na qual Portugal entrou em 1916) e a Revolução Russa de 1917 e as

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importantes transformações no domínio dos meios de comunicação social e da

informação.

Durante a Primeira República, Portugal manteve uma postura de valorização da

sua produção cultural a nível nacional, mas também mantinha as portas abertas para a

influência cultural estrangeira. Para Dionísio podia-se notar na produção cultural desta

época uma forte dimensão pública, coletiva e até de intervenção em outras

manifestações, uma feição individualista, que chegava a um “intimismo extremo”. Se

muitas das realizações culturais deste período tinham um caráter popular, ou pelo menos

“democrático”, muitas outras mantinham, reforçavam ou sustentavam o caráter

conservador e elitista. (DIONÍSIO, 1990: 10)

Os modelos de outros países como França, Itália, Espanha e Alemanha

influenciavam de maneira marcante a produção cultural portuguesa. Era uma geração de

artistas que havia se formado fora do país, e além disso muitos jovens por estas razões

tinham poucas afinidades com a ideologia republicana e os seus “mártires”. As maiores

rupturas aconteceram na literatura e nas artes plásticas, assumindo às vezes aspectos de

conflito de gerações. (DIONÍSIO, 1990: 11,12)

Nuno Júdice no capítulo intitulado “As vanguardas literárias”, da obra

Portugal Contemporâneo (vol. III) defende que o modernismo em Portugal se iniciou

da assimilação de dois movimentos literários: o simbolismo-decadentismo do final do

século XIX e do futurismo do início do século XX.

Antes da instauração da República, a literatura portuguesa teve a influência do

simbolismo que já prefigurava mudanças que ocorreriam após 1910. Essa corrente

surgiu na França no final do século XIX e os poetas que mais influenciaram os

escritores portugueses foram Stéphane Mallarmé e Paul Verlaine. Os dois maiores

representantes dessa estética em Portugal foram Eugénio de Castro e Camilo Pessanha

que era um seguidor de Verlaine.

Nuno Júdice afirma que o aspecto inovador do simbolismo não despertou uma

corrente. Não havia sinais de poesia e prosa, de liberdade das regras tradicionais da

versificação baseando a poesia no ritmo, não existia a proposta de uma nova sintaxe e

de subversão da gramática normal. Como representante tímida dessa forma de escrita

destacou-se a revista Ave Azul, de Viseu, que foi considerada no seu aspecto mais

conservador, ligada a Verlaine e à concepção de poema como forma musical ao invés de

objeto semântico. (JÚDICE, 1990: 253, 254)

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Apesar de não se popularizar no meio intelectual, o simbolismo foi o

responsável pela influência da forma de escrita que posteriormente deu origem às

vanguardas na literatura portuguesa do início do século XX. Suas principais

características eram a sinestesia, a sonoridade, musicalidade, subjetivismo,

transcendentalismo, valorização da fantasia, o vago, o indefinido e o impreciso.

Diante da proximidade com as influências francesas, os portugueses que

residiam no exterior começam a se dar conta das primeiras exposições cubistas, mas foi

o futurismo a principal vanguarda artística que despertou na cultura portuguesa

tendências significativas que resultaram em mudanças. O manifesto de Marinetti

apelava a favor da arte em consonância com o século XX, valorizava a eletricidade, o

automóvel, a velocidade, deixando de lado o espírito apagado e decadente do

simbolismo.

O Manifesto Futurista foi publicado no Diário de Açores, em 1909, sem

consequências imediatas. No entanto, o italiano colaborava no Mercure de France,

revista conhecida em Portugal e mantinha contatos com o país através da revista Poesia,

o que tornou seu nome conhecido nos meios literários. Foi preciso alguns anos para que

o futurismo influenciasse de maneira direta a literatura portuguesa. Em contraponto ao

simbolismo, a vanguarda exigia a exteriorização, não vivia sem o público e sem o

escândalo. Os cafés, o teatro, os cabarés se tornaram o palco para o desenvolvimento

dessa afirmação. (JÚDICE, 1990: 255)

A partir de 1910 temos a publicação da revista A Águia, no Porto, que a partir

de 1912 veio a ser o órgão da Renascença Portuguesa. Neste periódico notava-se forte

influência do decadentismo, que era uma estética muito próxima do simbolismo, que

buscava expressar o tédio, a busca de sensações novas, intensidade, morbidez, etc.

Fernando Pessoa numa série de artigos para a revista, intitulados “A nova poesia

portuguesa” reconhece nos autores que nela (contribuem) participam uma “ideação

vaga, sutil e complexa”. (JÚDICE, 1990: 256)

Outra estética que fez parte do processo de formação do modernismo português

foi o paulismo. Fernando Pessoa publicou o poema Pauis (que posteriormente foi

intitulado Impressões do Crepúsculo) em 1914 na revista A Renascença. Neste poema

encontrava-se “a sintaxe enigmática, o jogo das sonoridades, o clima secreto e

crepuscular, a introdução de substantivos comuns maiusculados, como nomes próprios”

(JÚDICE, 1990: 256), demonstrando uma forte influência simbolista. Esta nova estética

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representou mais uma mudança no âmbito de uma busca vanguardista na poesia

portuguesa.

O humorismo, associado ao modernismo, revelou e agregou novos artistas, em

Lisboa e no Porto (I Exposição de Humoristas e Modernistas, 1915). Perdeu o caráter

chocante que teve inicialmente e se misturou aos elementos da cidade (decoração de

bares e cafés, cartazes, anúncios luminosos) abriu espaço às ações “provocatórias” de

outros grupos e reuniu alguns pintores, escritores e músicos, em torno de várias

realizações como o surgimento de algumas revistas, congressos e conferências que

possuíam grande influência do cubismo, futurismo e dadaísmo (DIONÍSIO, 1990: 18).

Óscar Lopes designa o primeiro grupo modernista como a “Geração Orpheu”.

Este grupo deu origem às revistas Orpheu (1915), Eh real! (1915), Centauro (1916),

Exílio (1916), Ícaro (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926),

Athena (1924-1925), Revista Portuguesa (1923) e Sudoeste (1935).

Rui Ramos no capítulo Os Inadaptados, do sexto volume da História de

Portugal, dirigida por José Mattoso, diz que os membros do Orpheu vinham de um

meio cosmopolita e ativo em manifestações intelectuais. Em 1915, a revista Orpheu era

apenas uma entre outras dezoito revistas lançadas no mesmo ano, para além das

manifestações de Almada Negreiros no teatro em Lisboa tornando-se ativista do teatro

livre e moderno, fundando a Sociedade de Amadores Dramáticos em 1912. (RAMOS,

1994b: 642)

A influência do futurismo num primeiro momento não era séria, a invenção de

correntes literárias “estranhas” (paulismo, interseccionismo, sensacionismo, etc.) veio à

tona para “espantar amigos do café e jornais da Baixa” (RAMOS, 1994b: 643),

seguindo assim as influências que vinham da França, Itália, Alemanha e outros países

que viviam seu modernismo de modo mais desenvolvido:

A inspiração era o “futurismo”, anunciado pelo italiano Filippo Marinetti

num manifesto saído em Fevereiro de 1909 no muito lido diário parisiense Le

Figaro. Marinetti queria romper as convenções estéticas e morais através de

uma glorificação do que lhe parecia mais moderno do que qualquer outra

coisa: a tecnologia, o dinamismo e o poder das máquinas. A vontade de uma

experiência total, superior, justificava a glorificação do que até então fora

invariavelmente condenado: a guerra, as perturbações psíquicas e a

“perversão sexual”. (RAMOS, 1994b: 643)

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Para Ramos o futurismo teve seu alcance mais claro em Portugal na pintura, a

imagem trazia a exposição de alguns temas típicos através de palavras justapostas sem

pontuação e sem nexo.

O futurismo português teve uma atitude que o caracterizou de forma única,

tratava-se do “perspectivismo”, ou seja, a ideia de que havia mais do que um ponto de

vista correto – e de que a realidade é na verdade vários pontos de vista. Deste modo, a

única forma de aceder à compreensão da vida era a experiência de todos os pontos de

vista, o que implicava o desprezo dos limites e o surgimento da sensação de que uma

personalidade homogênea e única não bastava para conter tudo que um ser humano

poderia ser. (RAMOS, 1994b: 644)

O surgimento da revista Orpheu foi o início da manifestação modernista

portuguesa de forma consolidada. Fernando Guimarães afirma que notou-se a mudança

na forma de expressão: “o movimento modernista colocou em questão os processos de

expressão tradicionais, que se dirigiam a um público conservador que denunciou como

loucura o que os escritores modernistas realizavam”. (GUIMARÃES, 2004: 30)

Para José Seabra foi muito abrangente o alcance histórico-literário da geração de

Orpheu, podía-se chamar de “ecletismo direcionado” das revistas e das iniciativas

crítico-editoriais do movimento e seus mentores. Citando Fernando Pessoa sobre a

revista, Seabra aponta:

Por Orpheu entende-se umas vezes a revista com aquele nome, de que saíram

os dois números, em Março e Junho de 1915; outras vezes os que estiveram

ligados a ela, ainda que como simples espectadores próximos e amigos, e sem

que nela influíssem ou colaborassem; outras vezes ainda, aos que de facto

colaboraram no Orpheu. (SEABRA, 2003: 422)

Para o autor, nota-se que Fernando Pessoa não deixava assim codificar a

“emergência decisiva de uma modernista escrita geracional – a nova linguagem não

identificável senão como modernista” – e dos correspondentes “estados psíquicos” que

produziam uma obra literária do gênero da sua e da de Sá-Carneiro, incompatível com o

“saudosismo e o lusitanismo”:

Ao Primeiro Modernismo podemos talvez centrar no processo simultâneo de

protagonismo e desentramento do eu com colapso da presunção de

indentidade individualista e com a literatura a deixar de pretender-se

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expressão pessoal de um eu para passar a ser linguagem em clima de

“niilismo transcendental”, na consciência da exaustão do sentido e da absurda

versatilidade do real sobre as quais essa linguagem joga, no extremar da

visão irónica até ao discurso paradoxal, na motivação endógena da primazia

do Novo para uma consciência artística agora indissociavelmente criativa e

crítica. (SEABRA, 2003: 422)

Fica evidente que a figura de Fernando Pessoa foi definitivamente uma das mais

marcantes do movimento modernista português. Junto com Mário de Sá-Carneiro,

Pessoa foi um dos principais líderes do movimento. Segundo Lopes, Pessoa teve um

reconhecimento tardio, pois sua obra possuía certas inquietações e ansiedades que

passavam despercebidas no período. Na obra de Fernando Pessoa havia um mundo de

velhas certezas ou sinceridades que se desagregavam e expunham com uma “justeza

poética inexcedível”. Pessoa opunha-se à metafísica sentimentalista romântica, que

abstraía da razão a sensibilidade: “O que em mim sente está pensando.” (LOPES, 2001:

997)

Fernando Pessoa transbordava de uma grande tensão comunicável, como afirma

Lopes:

Aponta-se muitas vezes Sá-Carneiro como o poeta em que a consciência

sintética do mundo e da personalidade se desintegra e perde os seus suportes.

Todavia, é Fernando Pessoa o poeta que anula toda a metafísica mais

corrente (e inconsciente) acerca do mundo e da personalidade. Apesar do seu

namoro com as ciências ocultas, que, à luz dos valores literários produzidos,

conta como mais um “fingimento”, sincero pela negação das convicções e de

outras pretensões científicas e progressivas, a metafísica, o absoluto

transcendente aos homens, em Pessoa, parece quase sempre algo de

inapreensível, que só se depreende das suas poesias (e ensaios) pelo facto de

elas ficarem imprecisas quanto a qualquer perspectiva do devir humano; e o

sentido do mistério é, em Pessoa, quase inteiramente movediço, dialético,

alternado, se não coexistindo, com a própria lucidez, é a sombra

inevitavelmente projectada pela própria luz pensante. (LOPES, 2001: 1000)

Pessoa sentia-se muito consciente como poeta; simplesmente, os estados

poéticos de consciência são “autocontraditórios” e instáveis, pressupondo por isso a

consciência de não ser absolutamente consciente: a consciência de se ser sempre, de

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algum modo, inconsciente. Tal perplexidade da consciência-inconsciência percorre toda

a poesia de Pessoa. (LOPES, 2001: 1001)

Para além da sua posição como poeta, ainda nos deparamos com a questão da

heteronímia, que resulta de características pessoais referentes à personalidade de

Fernando Pessoa: o desdobramento do “eu”, a multiplicação de identidades e a

sinceridade do fingimento, uma condição que patenteou na sua criação literária.

Fernando Pessoa publicou na revista Orpheu 1 o poema Chuva Oblíqua que

deu origem ao interseccionismo, estilo de escrita que os modernistas portugueses

consideravam o cubismo em forma de poesia. Os diferentes níveis de realidade

expressos no interseccionismo caracterizaram esse movimento como vanguardista que

combinava interior e exterior, sonho e realidade, objetivo e subjetivo, presente e

passado e assim por diante. Como diz Fernando Guimarães em O Modernismo

Português e Sua Poética, o interseccionismo permitiu:

o desdobramento possível de imagens vindas do exterior ou da

nossa consciência, de proveniência visual ou auditiva, de experiências reais

ou de sonhos, etc., criando-se no poema […] registos ou séries imagísticas

objectivamente diferentes, mas devidamente ordenados. (GUIMARÃES,

1999: 71,72)

Concluindo este breve trajeto de Fernando Pessoa na formação do modernismo

português deve ressaltar-se a publicação do poema Ode Marítima na Orpheu 2 que

originou o sensacionismo. Estética próxima do futurismo onde as fronteiras do tempo e

do espaço foram abolidas, “numa absorção da experiência que a filosofia bergsoniana

descreve: o contínuo fluir da realidade exige metáforas dinâmicas ligadas a uma

sensação individual de percepção do mundo”. (JÚDICE, 1990: 257) Vemos que o

interccionismo e o sensacionismo desse modo tornaram-se duas correntes literárias que

estavam estritamente relacionadas com o futurismo.

Os futuristas se rebelaram contra o academismo em nome da necessidade de

dar expressão a realidades em movimento. Daí que nenhum “ismo” correspondia ao

modernismo, mas sim ao abandono de regras fixas, de um estilo certo. (RAMOS,

1994a: 645)

A revista Orpheu nunca teve seu terceiro número publicado e a morte de Mário

de Sá-Carneiro contribui para o fim deste “primeiro modernismo”. As revistas Centauro

e Exílio que surgem após este período já não possuíam o mesmo caráter contestador e

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radical como a revista Orpheu. Somente com a revista Portugal Futurista é que houve

um resgate das principais características vanguardistas.

A revista Centauro, portanto, foi lançada entre o primeiro e o segundo número

de Orpheu, mas não possuía as mesmas características da primeira revista modernista,

pois trazia traços decadentistas e paúlicos, o que Clara Rocha em seu livro Revistas

Literárias do Século XX em Portugal, considera um retrocesso aos avanços que os

literatos de Orpheu haviam alcançado. Em Centauro encontravam-se expressões

românticas e simbolistas e ainda a ideia de que a “marginalidade do poeta era condição

da sua superioridade”. (ROCHA, 1985: 352)

A segunda revista que antecedeu Portugal Futurista intitulava-se Exílio, a qual,

na opinião de Rocha possuía características idênticas a Centauro, fundada por

modernistas como Augusto de Santa-Rita, Pedro de Meneses, António Ferro e Armando

de Côrtes-Rodrigues, norteava-se por um “decadentismo estetizante” e, ao mesmo

tempo, continha um programa de índole nacionalista. Rocha diz que o periódico pelas

palavras de António Sardinha e António Ferro pretendia provocar o povo português

para que ele reagisse e acordasse da letargia.

Daniel Pires (Dicionário das Revistas Literárias Portuguesas do século XX)

afirma que a revista Exílio apresentou uma colaboração que se situou entre a

experiência ousada de Orpheu e a que abortou à nascença de Portugal Futurista:

O integralismo estava bem representado por António Sardinha, a facção

republicana por Teófilo Braga e Guerra Junqueiro de quem é publicado um

expressivo retrato; António Ferro, sempre ativo com um poema e uma crítica

de arte; o emérito etnógrafo Leite de Vasconcelos e o médico e multímodo

Cláudio Basto – que mais tarde arroteou as úberes terras da Portucale e

especialmente a Lusa. (PIRES, 1996: 157)

Exílio foi a preparação para vincular os ideais ditados por Marinetti e a formação

da revista Portugal Futurista. Em 1917, com a sua publicação, percebemos em Portugal

Futurista um novo processo de afirmação do movimento modernista português.

Clara Rocha ao se referir a esta revista afirma que ela despertou a euforia de

vencer o desânimo, só que, no entanto, não durou muito e com um número apenas foi

apreendida pela polícia1:

1 Portugal vivia a ditadura de Sidónio Pais, diante da censura o primeiro e único número da revista foi apreendido pela polícia após sofrer uma denúncia em relação à linguagem utilizada em seus textos.

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Órgão do Futurismo literário em Portugal, cadeia de transmissão dos

Futurismos estrangeiros, a revista assume-se como «missionária»,

«civilizadora» – à semelhança do que sucederá com a Contemporânea alguns

anos depois. Agressividade, surpresa, ruptura são as formas de provocação

que fazem parte da receita para tornar o português um europeu. O tom é

dado, desde a primeira página, pelo artigo de Almada sobre «Os bailados

russos em Lisboa». O projecto de renovação de Portugal passa pela abertura

europeia, pelo arejamento das mentalidades e pela revolução na arte.

(ROCHA, 1985: 354)

Rocha diz que as artes e a literatura acompanharam a mudança, e por isso

Portugal Futurista propôs uma verdadeira revolução nesses domínios. No que diz

respeito às letras, havia de “abolir o sentimentalismo triste, cantar o entusiasmo e a

energia, e libertar a forma”. (ROCHA, 1985: 356) Em relação à pintura, a autora aponta

a posição da revista afirmando que a pintura devia reagir contra o “convencionismo” e

explorar possibilidades ainda “insondadas” e conseguir exprimir o relativismo e o

“vertigismo”.

Com o fim prematuro de Portugal Futurista e a morte de mais dois grandes

nomes do modernismo português, Amadeo Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor, chega

ao fim a primeira fase do modernismo português. Tratando-se de revistas, a herança

dessa geração modernista voltou a aparecer em Contemporânea (1922-1927) e Athena

(1924-1925), na segunda saiu o texto “Para uma estética não aristotélica” do heterônimo

de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, documento que foi considerado o último em

relação à teoria vanguardista iniciada em Orpheu.

1.3 O caso do Brasil

Na formação do modernismo brasileiro, tal como ocorreu em Portugal, as

transformações políticas e sociais foram fundamentais para a fomentação e surgimento

de um movimento que contestasse as antigas formas e padrões culturais. Até à chegada

da Semana de Arte Moderna em 1922, o Brasil passou por um processo de

modernização constante. Na virada do século XIX para o século XX ocorreu uma série

de modificações técnico-industriais que alterou de maneira decisiva as condições sociais

no Brasil; o fim da guerra com o Paraguai funcionou como um divisor de águas entre o

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tempo antigo e o moderno. Nesse período era nítida “na geração de intelectuais a

mudança de percepção e sensibilidade sociais traduzidas no anseio de mudança no

mundo da política” (VELLOSO, 2006: 354). No fim do século XIX, há vários fatores de

importante contribuição para essas mudanças, como o Manifesto Republicano (1870)

com o pedido de abolição da escravidão e a instauração de uma República – fatos que

ococrreram efetivamnete em 1888 e 1889. Passos importantes para o Brasil ingressar no

mundo moderno.

A população brasileira de então era constituída basicamente por uma elite que

detinha o poder político no sistema de oligarquia, uma classe média que habitava os

centros urbanos em desenvolvimento, trabalhadores rurais que sustentavam a economia

com os produtos de base, e um grande número de imigrantes europeus e japoneses que

haviam se transferido para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida.

Paulo Sérgio Pinheiro no capítulo “Classes Médias Urbanas: formação,

natureza, intervenção na vida política” do livro História da Civilização Brasileira, ao se

referir ao processo de urbanização diz que as cidades se desenvolveram dentro da

dinâmica do sistema agrário-exportador; segundo o autor, essa situação marcou a

ambiguidade das classes médias urbanas que eram submetidas à “dupla influência dos

laços de dependência com as oligarquias e à ilusória autonomia que a participação nos

serviços comerciais ou na burocracia do Estado podia dar a seus membros”.

(PINHEIRO, 1990: 22)

A urbanização foi um processo que ocorreu atrás do desenvolvimento da

economia agrário-exportadora, a cidade colaborava na construção da dependência da

classe média em relação às classes dominantes oligárquicas. Somente após a Primeira

Guerra Mundial surgem protagonistas antioligárquicos, como profissionais liberais,

funcionários públicos e operários urbanos, que ampliaram o esquema de aliança política

contra as oligarquias dominantes. (PINHEIRO, 1990: 23) As classes médias, no entanto,

não atuavam e nem possuíam condições para promover uma mudança radical,

eventualmente tiveram como consequência a ampliação dos limites da sua presença

política na sociedade. Pinheiro considera que o papel das classes médias se restringiu ao

que ele chama de “mediadoras” da redefinição que o bloco no poder e o Estado

começaram a sofrer durante a Primeira República. O liberalismo ideológico conseguiu

integrar os novos grupos sociais sem haver uma transformação estrutural

socioeconômica, ou seja, não vemos transformações a nível de câmbio de poder, apenas

uma integração dos projetos políticos da classe média em detrimento das oligarquias.

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Outro fenômeno importante para compreensão do desenvolvimento social do

Brasil neste período é a imigração de europeus, a partir da segunda metade do século

XIX. Dois fatores importantes foram determinantes para este processo: a existência de

amplas áreas não ocupadas no sul do país, onde as condições climáticas eram muito

semelhantes às da Europa, e o avanço dos cafezais, principalmente em São Paulo, que

após a abolição da escravidão necessitavam de reposição e aumento da mão de obra.

(PETRONE, 1990: 95)

A Europa, no mesmo período em que ocorreram as grandes imigrações vivia

uma intensa movimentação campo-cidade e os espaços vazios iam sendo substituídos

por áreas de concentração, tornando as cidades polos de atração onde a industrialização

constituiu fator decisivo. Neste mesmo momento ocorriam grandes transformações nos

meios de comunicação, surgiam e expandiam-se as redes ferroviárias, tanto nos países

fornecedores, quanto nos receptores; a navegação a vapor foi incrementada; o telégrafo,

o telefone e o rádio surgiam sucessivamente neste mesmo período. (PETRONE, 1990:

95,96)

Os imigrantes além de se estabelecerem nas fazendas de café, também se

radicaram nas cidades, contribuindo para o processo de urbanização e também de

industrialização que se iniciou a partir da chegada de imigrantes que, como artesãos,

operários, empresários, participaram da industrialização de São Paulo. Em 1920, em

São Paulo, 64,2% dos estabelecimentos industriais pertenciam a imigrantes e dois terços

da população eram constituídos por estrangeiros e seus descendentes. (PETRONE,

1990: 120)

No que diz respeito ao desenvolvimento cultural deste período, podemos

salientar algumas correntes literárias que antecederam o modernismo e foram

fundamentais para a firmação da Primeira República. Alfredo Bosi, em As Letras na

Primeira República, diz que neste período se consolidaram as subculturas regionais. O

regionalismo até 1920 tinha uma característica mais definida que o “sertanismo

romântico”2. Era intencional, pensado, culto e às vezes polêmico:

A consciência aguda dos valores mineiros, paulistas, gaúchos – que deixa

para a retórica da ideologia geral o vago amor à brasilidade – é traço cultural

2 No livro História Concisa da Literatura Brasileira Alfredo Bosi defende a teoria do surgimento de vários tipos de sertanismo. Para o autor há o sertanismo romântico, naturalista, acadêmico e até modernista, que têm “sulcado” as letras no Brasil desde os meados do século XIX que nasceram do contado da cultura citadina e letrada com a matéria bruta, provinciana e arcaica do rural. (BOSI, 1996: 141)

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e emotivo que não encontrara condições felizes para espessar-se durante o

Império. A República foi, na sua fase equilibrada, uma construção de

fazendeiros e bacharéis das províncias em ascensão: o que deu uma

consistência ideológica a grupos locais e acabou envolvendo certa práxis

literária que se propunha reproduzir as realidades mais próximas do escritor.

(BOSI, 1990: 299)

De acordo com Alfredo Bosi, o regionalismo anterior a 1922 teve pontos de

contato com a literatura do sertão, paisagista e romântica, que ia de José de Alencar e

Bernardo Guimarães ao Visconde de Taunay, mas dela se distinguia por uma

“conaturalidade” mais evidente com as fontes: possuía maior coerência cultural e

remetia a um contexto social em decadência. A busca do registro folclórico e o cuidado

com a fidelidade na transcrição da fala rural assentavam em uma atitude que não era, na

raiz, científica. Reconhecia e valorizava o fundo étnico, mantinha o caráter peculiar,

irredutível à cultura citadina, “estrangeirada”. (BOSI, 1990: 299, 300)

Segundo o crítico e historiador José Veríssimo, falecido em 1919, integrante da

intelectualidade daquele período, já teria havido no Brasil meio século antes da Semana

de Arte Moderna de 1922 um movimento literário com raízes modernistas, onde Tobias

Barreto, Silvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha

destacaram-se como intelectuais que compunham esse grupo, conhecido como a

“geração de 1870”.

Em Euclides, Lobato, Hilário Tácito, Lima Barreto e na primeira fase de Graça

Aranha encontravam-se as oposições campo/cidade, branco/mestiço, rico/pobre,

cosmopolita/brasileiro, imigrante/nacional. Variavam no tempo e no espaço as

incidências dessas tensões: os desequilíbrios diziam respeito ora a problemas regionais,

que acabavam envolvendo o poder central, ora à estrutura da sociedade, feita de classes

e grupos de status que integravam de modo assimétrico e injusto o sistema da nação.

(BOSI, 1990: 304)

Em 1902, Euclides da Cunha publicou Os Sertões, apresentando o sertanejo

como um símbolo da nacionalidade. Em seu regionalismo vemos a raça e a terra serem

valorizadas como um fator da originalidade cultural brasileira. Esse resgate da

singularidade brasileira também ocorreu nos trabalhos de Sílvio Romero, que implicou a

coleta de contos e cantos do povo brasileiro.

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Ao se referir à “geração de 1870”3 e à influência que esta gerou aos

modernistas dos anos 1920, Mônica Pimenta Velloso diz:

Essa ideia é importante, pois revela a relação entre os intelectuais da geração

de 1870 e aqueles vinculados à cultura modernista dos anos posteriores. Não

importa quão precários sejam esses vínculos identificadores entre as

diferentes gerações intelectuais. É necessário considerar que em todo

processo de leitura há uma seleção de ideias, uma absorção diferenciada que

é ditada pelas necessidades do contexto político-cultural. Para a geração de

1870, ser moderno significava, sobretudo, buscar uma compreensão do

significado de ser brasileiro, compreensão essa que deveria ser mediada pelo

instrumental cientificista. Na geração de 1870 estão esboçadas várias

vertentes da brasilidade que, mais tarde, viriam a ser retomadas e

reelaboradas pelos modernistas paulistas. (VELLOSO, 2006, p. 354)

Compreendemos então a importância do período que vai da “geração de 1870”

até 1914, com a Grande Guerra, como um período de preparação para o crescimento de

um movimento modernista inteiramente engajado numa luta para modificações

culturais.

Como vimos, no início do século XX a situação geral da sociedade brasileira se

transformou devido aos processos de urbanização e à vinda de imigrantes europeus com

grandes levas para o centro-sul. Paralelamente deslocaram-se ou marginalizaram-se os

antigos escravos em vastas áreas do país. Engrossaram-se, em consequência, as fileiras

da pequena classe média, da classe operária e do subproletariado. Aceleraram-se ao

mesmo tempo o declínio da cultura canavieira no Nordeste que não pôde competir, nem

em capitais, nem em mão-de-obra, com a ascensão do café paulista. (BOSI, 1996: 304)

A combinação dos fatores sociais que modificaram o país e fizeram a cidade de

São Paulo se tornar uma das cidades mais importante econômica e politicamente

oferecia uma nova perspectiva com vários estímulos culturais, especialmente europeus,

que tornou possível o movimento modernista se formar e com ele acontecer a Semana

de Arte Moderna em 1922. Como diz Bosi, “a Semana pretendeu ser a abolição da

República Velha das Letras”. (BOSI, 1996: 304)

3 Portugal também teve uma “Geração de 70” constituída por acadêmicos de Coimbra que buscavam mudar a cultura portuguesa desde o âmbito político ao literário, esse processo de transformação cultural deu origem ao surgimento do realismo. Seus membros eram Antero de Quental, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, entre outros jovens intelectuais. Apesar de ser um movimento importante do final do século XIX, essa geração não influenciou de maneira direta o movimento modernista português tal como a “Geração de 1870” brasileira influenciou o modernismo no Brasil.

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Na Europa, os estilos que desmanchavam os versos, desarticulavam a sintaxe e

mudavam o vocabulário da literatura pós-naturalista e pós-simbolista influenciaram

diretamente os jovens intelectuais modernistas. 1922 foi o ponto de encontro de

escritores que incorporaram ao seu modo de escrita aqueles modos de pensar, falar e

criar. Assim, evidentemente, se opuseram ao Parnasianismo e à Academia; para se

reconhecerem deram as costas ao passado. A partir de 1922 é inegável a ruptura estética

que geraram as revistas como Klaxon, Estética, Terra Roxa e Outras Terras, todas

paulistas, os Manifestos Pau Brasil e da Antropofagia, apropriaram-se das ideias da

Semana e lhes deram novas nuances de poética e ideologia que, no conjunto, formaram

o legado teórico de 1922. (BOSI, 1990: 312, 313)

O movimento modernista brasileiro foi dividido em duas fases por alguns

historiadores e críticos: a primeira delas é a fase “heroica”, no início dos anos 1920, de

polêmica contra as formas contemporâneas da arte e cultura oficial. Esse período se

caracterizou pela inovação estética, pelo experimentalismo e a busca de uma nova

linguagem estética para atualizar as artes de acordo com o esprit nouveau gerado pela

modernização do país. A segunda fase é a “ideológica”, em que o projeto de elaborar e

edificar uma cultura nacional se torna central. (SHELLING, 1990: 75)

Para a compreensão do movimento modernista brasileiro é necessário entender a

“teoria da importação das ideias”, pois se interpreta o modernismo geralmente como

uma espécie de “movimento tupiniquim”, mera cópia em relação às vanguardas

artístico-culturais europeias. Essa análise não considera a releitura que os intelectuais

brasileiros fizeram em relação às vanguardas europeias. É importante salientar que

ocorreu uma leitura seletiva em que foram privilegiados determinados aspectos em

detrimento de outros. Tais aspectos, por sua vez, referem-se a um contexto político-

cultural em que os intelectuais estavam inseridos. (VELLOSO, 2006: 373)

As vanguardas europeias ao se expandirem, passando além de seus limites

territoriais, chegaram ao Brasil num momento em que a busca de uma nova

caracterização cultural apoiava-se em seus princípios apropriando-se deles e os

transformando para a realidade nacional. Esse período denominado “heroico” abrange o

início dos anos de 1920 aproximando-se de 1930, sendo que em 1922 ocorre a Semana

da Arte Moderna. Foi a sedução do irracionalismo, como atitude existencial e estética

apresentada por estas vanguardas, que deu o tom aos novos grupos, os modernistas, e

lhes infundiram aquele tom agressivo com que se põem em campo as colunas

parnasianas e o academismo em geral desse primeiro período. (BOSI, 1996: 305)

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Segundo Shelling a aversão pelo realismo que algumas vanguardas europeias

defendiam provocou no Brasil uma libertação de elementos culturais esquecidos. Desse

modo, facilitou a “assimilação do português falado no Brasil e a crítica ao português

escrito e ‘correto’” (SHELLING, 1990: 74):

A influência vanguardista possibilitou o estímulo para a criação de

uma “poética da vida cotidiana”, ou seja, o artista ia ao encontro das

realidades que não se encaixavam no molde daquilo convencionalmente

entendido como cultura – a qualidade imperfeita da fala cotidiana, a

“autenticidade” do folclore e da cultura popular, a velocidade crescente da

vida urbana. A prática dos modernistas, portanto, desencadeou a subversão

da “ideologia do colonialismo”, com a exploração e com a identificação da

cultura indígena e negra, com a valorização da beleza da natureza tropical e

uma recepção do “inconsciente coletivo”. A cultura popular, o folclore, o

arcaico e o mágico tornaram-se objetos de pesquisa estética e etnográfica.

(SHELLING, 1990: 74)

O combate ao romantismo era uma das atitudes sustentada pelos modernistas. A

concepção romântica da vida e das artes surgiu, aos seus olhos, também como expressão

de passadismo. O que mais atacavam, principalmente no romantismo literário, era o seu

aspecto piegas e sentimental, incompatível com a nova sociedade, dominada pela ação e

pelo dinamismo. (BRITO, 1997: 191) O realismo sofreu a mesma oposição por parte

dos modernistas, que atacaram Eça de Queiroz e Émile Zola com violência,

ridicularizando suas obras e descartando a possibilidade da importância delas para a

literatura.

Mário da Silva Brito em seu livro História do modernismo brasileiro:

antecedentes da Semana de Arte Moderna, afirma que o parnasianismo era uma forma

e, sobretudo, uma determinada fórmula. Os ataques que os modernistas faziam ao

modelo parnasiano de escrita dirigiam-se às suas regras de composição se afastando

assim da rima e da métrica parnasiana. Para além de ataques ao modelo parnasiano,

Mário de Andrade passou a atacar diretamente seus representantes no Brasil, numa série

de artigos que reconheciam os valores de alguns autores no parnasianismo, mas

proclamando-os mortos, mestres do passado que nada mais tinham a sugerir às novas

gerações. (BRITO, 1997: 194, 195) O regionalismo também era condenado pelos

modernistas. Para estes, o regionalismo dava do Brasil uma ideia que não correspondia

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à visão de progresso que São Paulo produzia. O caipira era o atraso, a miséria, em suma,

o oposto à grandiosidade paulista. (BRITO, 1997: 199) A questão da formação racial

também preocupava os modernistas. Assim, diz Mário da Silva Brito:

Essa questão deriva das oposições feitas ao passadismo, ao romantismo e ao

regionalismo. Peri é o símbolo de etapas históricas ultrapassadas, é também,

na mente dos modernistas, protótipo da literatura indianista, que, neste

momento polêmico, é negada integralmente, considerada falsa, romântica

numa palavra. Jeca Tatu representava, por sua vez, a quietação, o marasmo, o

brasileiro incapaz e fatalista, paralisado ante a paisagem e a vida. O repúdio

pelos modernistas à afirmativa de que três grupos étnicos fundamentaram a

raça brasileira prende-se ainda à negação ao parnasianismo, que, através de

célebre soneto de Bilac, consagrava o índio, o negro e o português como

fatores constitutivos da gente brasílica. (BRITO, 1997: 200)

Para além desta busca do nacionalismo e do repúdio pelas formas consagradas

pelo academicismo parnasiano e naturalista, por exemplo, girava também uma discussão

em torno na dependência cultural brasileira das matrizes internacionais impostas pela

colonização.

No entanto, apesar de buscarem uma valorização do nacional e se afastarem de

antigas estruturas, os modernistas não eram bem vistos neste período. Propuseram

rompimentos e novas descobertas, o que deixou os conservadores assustados e receosos

em relação às novas ideias. Sinal disso foi a crítica feita por Monteiro Lobato em 1917

ao que entendemos como uma das primeiras manifestações modernistas no país, a

exposição de Anita Malfatti em dezembro deste mesmo ano. Monteiro Lobato atacou

duramente a pretensão modernista de Anita, que retornava da Alemanha e dos Estados

Unidos, trazendo em suas obras traços do expressionismo e do cubismo, vanguardas

estas importantes para a formação do pensamento modernista brasileiro.

De 1917 até 1922 o Brasil observou a formação de um movimento organizado

que buscou expandir-se e apresentava suas ideias inovadoras a toda a sociedade.

Problemas políticos e sociais deste período foram importantes para a formação do

movimento, como a greve geral de São Paulo, a formação de núcleos de ação

anarquista, o impacto da Revolução Russa e os problemas de política interna. Uma

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efervescência nacionalista combateu a dependência cultural e econômica brasileira e

invadiu o cenário urbano. (HELENA, 1996: 44)

Tal como em Portugal, a vanguarda histórica que influenciou de maneira direta o

modernismo brasileiro foi o futurismo. Conhecido desde 1912 quando Oswald de

Andrade retornou da Europa com o Manifesto Futurista de Marinetti, tal vanguarda foi

a responsável por caracterizar os jovens intelectuais na construção do movimento. A

crítica conservadora reuniu os jovens modernistas brasileiros sob o título de “futuristas”,

não acertando na aplicação do rótulo, porém não errou em agrupá-los num mesmo

grupo que se distanciava da arte acadêmica de então. A palavra futurista não era

necessariamente a ideia de que fossem todos seguidores da estética italiana, mas sim

que não eram reconhecidos como “cultores da arte apoiada nos padrões estéticos aceitos

em tal período”. (BRITO, 1997: 159, 160)

A participação de Graça Aranha foi de extrema importância para a consolidação

do movimento, pois o autor viveu na Europa de 1900 a 1921, conheceu de perto a

agitação intelectual da Belle Époque, assimilando o sentido geral da renovação literária

que continuou através da Grande Guerra. Graça Aranha chegou ao Brasil trazendo o

“espírito moderno”, título, aliás, de sua conferência na Academia Brasileira de Letras

em 1924 (TELES, 1997: 275). Entrou em contato com os modernistas quando o

movimento estava em plena impulsão. Graça Aranha empenhou a importância do seu

nome para o êxito da juventude intelectual paulista. Por volta do ano de 1921, tinha-se

um movimento modernista consolidado, disposto a se apresentar para o Brasil. No final

deste mesmo ano a ideia da Semana de Arte Moderna já estava assentada.

Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, ocorreu a Semana de Arte Moderna,

realizada no Teatro Municipal de São Paulo. Com a adesão de Graça Aranha ao

movimento, os jovens lançaram-se na empreitada pela formação de um novo

pensamento intelectual nacional. Na primeira noite, a conferência de abertura foi feita

por ele, o que causou um forte impacto sobre os conservadores, pois Aranha era

membro da Academia Brasileira de Letras e renomado escritor.

Na segunda noite do evento, em meio a vaias do público e uma repulsa explícita,

Ronald de Carvalho recitou o poema Os Sapos de Manuel Bandeira que não estava

presente, Mário de Andrade recitou alguns trechos de Paulicéia Desvairada, Oswald de

Andrade criticou Castro Alves e leu fragmentos da poesia Pau-brasil e alguns trechos

do romance Os Condenados. Menotti Del Pichia, que era o apresentador da noite,

anunciou o concerto de Heitor Villa-Lobos, que provocou igualmente escândalo na

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plateia, por ter incorporado juntamente aos instrumentos tradicionais da orquestra,

outros inesperados como: instrumentos de congada, tambores e uma folha vibratória de

zinco. Além de apresentar-se com a roupa costumeira de espetáculos, usou um chinelo

devido a um ferimento no pé, mas que, no entanto, soou como ousadia por parte do

maestro.

A Semana de Arte Moderna foi de extrema importância, pois o evento ecoou

pela imprensa e abriu o caminho para a difusão dos três princípios fundamentais do

modernismo brasileiro, segundo Mário de Andrade: “o direito à permanência à pesquisa

estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma

consciência criadora nacional”. (HELENA, 1996: 47)

A Semana se tornou a concentração das ideias de várias tendências que antes

dela já haviam se iniciado. Ela permitiu a consolidação de grupos e a formação do

movimento, através de revistas, manifestos e obras que deram andamento ao que foi o

evento. De 1922 até aproximadamente 1930 o movimento modernista gerou renovações

estéticas e duros ataques aos antigos modelos literários. Neste período perto do fim da

década de 1920, surgiram movimentos distintos que se caracterizaram pela busca do

nacionalismo e da identidade cultural, valorizando o hibridismo cultural dos brasileiros.

Após a efervescência da Semana surgiram algumas revistas fundamentais para a

difusão do pensamento modernista. Elas eram caracterizadas por correntes ideológicas

que contestavam a cultura brasileira da época e tinham como intuito reivindicar através

de seus manifestos as mudanças culturais que almejavam para o Brasil e difundir os

novos pensamentos que giravam em torno da questão da cultura brasileira. As principais

revistas eram as paulistas: Klaxon (1922), Revista do Brasil (1925), Terra Roxa e

Outras Terras (1926), Revista de Antropofagia (1928). As cariocas: Estética (1924) e

Festa (1927). As mineiras: A Revista (1925) e Verde (1927). A baiana Arco e Flecha

(1928), Maracajá (1929) de Fortaleza e Madrugada (1929) de Porto Alegre.

A discussão em torno da questão do nacionalismo conferiu à segunda fase do

movimento a denominação de “ideológica”. A construção de uma cultura nacional e o

papel do povo e da cultura popular tornaram-se predominantes. Nesse período, surgiram

no Brasil dois movimentos divergentes nos caminhos culturais e estéticos que seguiam.

O problema da “brasilidade” (usando o conceito de Mário de Andrade) virou uma

questão polêmica separando os modernistas em dimensões fundamentais, formularam-

se concepções sobre uma cultura nacional utilizando símbolos parecidos, “mas cujo

ângulo revela suas diferenças”. (SHELLING, 1990: 75)

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A primeira corrente era formada por Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo e

Plínio Salgado. Criaram os movimentos Verde-Amarelo e o Grupo Anta4, suas ideias

eram divulgadas através de manifestos. O segundo movimento encabeçado por Oswald

de Andrade e Mário de Andrade criou o grupo Pau-Brasil e o Movimento Antropófago5,

ambos com manifestos levando o mesmo nome. As duas correntes eram contra a cultura

importada que caracterizava a cultura nacional. Com isso, a primeira corrente ideológica

formulou teorias em busca do integralismo e a valorização da raça brasileira, esse

movimento era altamente radical e possuía um cunho político forte, o que permitiu que

ele estivesse propenso ao totalitarismo. Já o segundo movimento, menos radical,

propunha em seus manifestos a descoberta de um Brasil por meio da desestruturação da

cultura importada, permitindo assim o desenvolvimento da cultura nacional.

O surgimento do movimento Pau-Brasil foi a origem do primitivismo na

literatura brasileira que em 1927 deu impulso ao Movimento Antropófago. Tal

movimento possuía a posição “requintada em sentido mitológico e simbólico mais

amplo, com uma verdadeira filosofia embrionária da cultura”. (CÂNDIDO;

CASTELLO, 1997: 13) Oswald de Andrade defendia uma atitude brasileira de

“devoração ritual” dos valores europeus, a fim de superar a civilização patriarcal e

capitalista, com as suas normas rígidas no plano social e os seus recalques impostos no

plano psicológico. Esta atitude, no fundo, era um desejo de retificação, de

desmascaramento e de pesquisa do essencial,

a ela se prendia o nacionalismo pitoresco, que os modernistas alimentam de

etnografia e folclore, rompendo o nacionalismo enfeitado dos predecessores.

No índio, no mestiço, viram a força criadora do primitivo; no primitivo, a

capacidade de inspirar a transformação da sensibilidade, desvirtuada em

literatura pela obsessão da moda europeia. (CÂNDIDO; CASTELLO, 1997:

13)

4 Em 1924, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Plínio Salgado fundaram o Movimento Verde-Amarelo, de tendência nativista, em oposição ao nacionalismo de Oswald de Andrade e o Movimento Nativista Pau-Brasil. Em 17 de maio de 1929, o Grupo da Anta publicou no jornal Correio Paulistano, o Manifesto Nhengaçu Verde-Amarelo de forte cunho nacionalista.5 Oswald de Andrade, Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp fundaram em março de 1924 o Movimento Nativista Pau-Brasil, com a publicação no jornal Correio da Manhã, do Manifesto da Poesia Pau-Brasil. Apresentava uma posição primitivista, buscando uma poesia ingênua, de redescoberta do mundo e do Brasil  inspirada nos movimentos de vanguarda europeus. Em 1928 foi escrito o Manifesto Antropofágico também de forte cunho nacionalista e de caráter primitivista.

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Não podemos pensar a questão da apropriação das vanguardas como

“modismo” uma vez que não existiu uma forma única de assimilação dessas correntes

estéticas no Brasil dando origem a um movimento com características únicas. Se fosse

apenas cópia e reprodução, essas vanguardas não teriam ativado sérios debates e

provocado o surgimento de forças latentes que se dispersaram: umas em direção ao

comunismo, outras ao integralismo, outras ao catolicismo e ao espiritualismo

universalista. Ainda que o “modismo” possa ter existido, ele surgiu por outras razões, e

não pelo argumento de que a adesão às vanguardas foi fruto de uma transcrição sem

adaptações, de efeitos de uma realidade em outra. (HELENA, 1996: 14)

O modernismo tanto em Portugal quanto no Brasil passou por um processo

semelhante de assimilação das diferentes ideias que eram difundidas na Europa.

Obviamente em contextos sociais e políticos diferentes que nos permite uma análise que

parte de um pressuposto em que as vanguardas europeias exerciam funções distintas nos

dois países e que algumas ideologias difundidas neste período eram apropriadas de um

modo que atendesse as necessidades de cada país, possibilitando a caracterização de

movimentos modernistas que respeitavam suas particularidades.

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2. As revistas modernistas: perspectivas e análises

Mônica Pimenta Velloso diz que a reflexão sobre as revistas vem ocupando espaço

significativo na produção historiográfica, mostrando-se, no entanto, ainda lacunar no

campo da história cultural. Entender como as pessoas liam, construíam, e transmitiam

significados, através da imprensa, é entender a sensibilidade e historicidade de uma

época. Ao ampliar-se a ideia de documento, ampliaram-se os usos a ele atribuídos.

(VELLOSO, 2006: 02)

A história da imprensa após a instauração da República tanto em Portugal quanto no

Brasil destaca-se por ser particularmente expressiva. É nesse momento que se inicia,

mesmo que em bases precárias, o processo da moderna comunicação de massa e

formação de uma opinião pública. As revistas desempenham aí papel estratégico e de

grande impacto social. Articuladas ao cotidiano, elas têm uma capacidade de

intervenção mais rápida e eficaz, funcionando, sobretudo, como “obra em movimento”

(VELLOSO, 2006: 02).

Os periódicos foram um dos mais importantes veículos de propagação das ideias

modernistas tanto em Portugal quanto no Brasil. Através de seus manifestos, os jovens

intelectuais podiam estabelecer suas novas regras e lançar novas ideias no que diz

respeito à mudança estética e percepção cultural. As revistas portuguesas e brasileiras

traziam em seus conteúdos a contestação e o espírito da mudança seja em novas poesias,

fotografias, reprodução de quadros, ou ainda em seus textos satíricos-humorísticos que

denunciavam uma cultura passadista e clamavam por novos rumos da arte. A escolha

dos seguintes periódicos para a análise se deu primeiramente pelo recorte temporal

proposto pelos anos de lançamento de cada revista que permite uma leitura do

modernismo em ambos os países durante a década de 1920.

Nesses periódicos encontram-se diversas formas de influência das vanguardas

artísticas, seja na métrica das poesias, ou no caráter militante de seus manifestos. O

futurismo, o cubismo, o dadaísmo, eram vanguardas presentes na formulação de novos

pensamentos e na formação estética das obras presentes nessas revistas. Deste modo,

para compreendermos o surgimento de cada uma delas e as diversas influências que

receberam, vamos apresentá-las separadamente por ordem de publicação e principais

características.

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2.1 Revista Klaxon, 1922-1923

A Revista Klaxon6: mensário de arte moderna foi publicada em São Paulo, de

maio de 1922 a janeiro de 1923, teve nove números e contava com a contribuição de

Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Rubens de Morais,

Oswald de Andrade, Sérgio Milliet e Manuel Bandeira. A revista possuía representantes

na França, Suíça e Bélgica, publicava textos de autores estrangeiros, em italiano e

francês7, e texto de brasileiros em francês. No Rio de Janeiro quem os representava era

Sérgio Buarque de Holanda e no Recife, Joaquim Inojosa.

Dentre tantas coisas que a Klaxon inovou, seguramente o que mais nos chama a

atenção é sua capa, a “programação visual”, como chama Lucia Helena, é de extrema

originalidade para o início da década de 1920. Na capa8 encontramos um grande “A”,

centralizado no meio da página em vermelho, esse mesmo “A” completa as palavras:

Klaxon, mensário, arte e moderna; depois em letras menores vemos que o “A” serve

para escrever São Paulo também. As campanhas publicitárias do chocolate “Lacta”9 e

do “Guaraná Espumante”10 também surpreendem em forma e conteúdo.

Os anos que se seguiram à Semana de Arte Moderna estavam situados naquele

período “heroico” de inovação estética. Nesse momento a Klaxon surgiu como uma das

produções mais representativas, onde se aplicavam os novos “princípios experimentais”

expostos no Prefácio Interessantíssimo de Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada.

Entre os recursos estéticos mais importantes salientam-se o verso livre, imagens

sintetizadas, técnicas de montagem, simultaneidade e “experiência cinemática”.

(SCHELLING, 1990: 89) O surrealismo estava presente na exploração do inconsciente;

o dadaísmo em relação ao “paradoxo” das formas levantou a complexa questão da

sinceridade na arte e linguagem; o expressionismo e o cubismo apareciam nas

distorções, denotando a heterogeneidade entre a arte e a natureza. As vanguardas

abriram novas possibilidades para outra definição do realismo, servindo à recriação

artística do primitivo natural e social do Brasil, aquilo que o diferenciava da Europa:

Com essas experimentações, os modernistas visavam a dois objetivos

diversos, mas relacionados entre si: a contribuição para uma arte universal

por meio da descoberta e recriação estética do “local”, juntamente com a

6 O nome do periódico é derivado do termo usado para designar a buzina externa dos automóveis.7 A única participação estrangeira em português foi do escritor António Ferro.8 Anexo A.9 Anexo B.10 Anexo C.

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destruição da “cultura oficial”. Essa “cultura oficial”, devido à sua natureza

importada e “transplantada”, era vista como uma capa de falsas aparências,

que teria de ser atravessada para se “alcançar a realidade”, para se criar uma

cultura que fosse nacional, autônoma, refletisse um modo “brasileiro” de

pensar e sentir e, assim, constituísse um meio de auto-reconhecimento.

(SCHELLING, 1990: 90)

Para Alfredo Bosi a Klaxon foi o primeiro esforço concreto do grupo para

sistematizar os novos ideais estéticos que haviam surgido durante a Semana de Arte

Moderna, e na revista permaneciam duas linhas: a futurista, linha de experimentação de

uma linguagem moderna, “aderente” à civilização da técnica e da velocidade; e a

primitivista, que buscava a libertação e projeção das “forças inconscientes”, de um

modo romântico; para Bosi o surrealismo e o expressionismo eram “neo-romantismos”

radicais do século XX.

Segundo este autor, pela análise dos textos publicados em Klaxon e das páginas

mais “representativas” da fase inicial do modernismo, nota-se que foram os

experimentos formais do futurismo, não só o italiano, mas também o francês que mais

firmemente dirigiram os poetas brasileiros no momento de inspiração artística. “Do

surrealismo tomaram uma concepção irracionalista da existência que confundiram cedo

com o sentido geral da obra freudiana que não tiveram tempo de compreender. Do

expressionismo, processos gerais de deformação da natureza e do homem.” (BOSI,

1996: 341)

Dentre todos os colaboradores da Klaxon, Mário de Andrade se destacou.

Manteve uma seção fixa na revista chamada “Luzes e Refracções” onde expunha

crônicas, ensaios sobre literatura e seus princípios estéticos. Era também da autoria de

Mário de Andrade o manifesto que inaugurava a revista, apesar de ser atribuído à equipe

redacional do periódico. O editorial-manifesto de Klaxon indicava que não se pretendia

mais com retórica passadista definir a modernidade, mas indicar que essa é uma tarefa

coletiva a ser ainda construída; visava-se prescindir do “nebuloso” conceito de “unidade

cósmica”, “totalidade” e correlatos, por uma consciência, menos “absoluta” e mais

objetiva dos princípios norteadores da arte moderna que, em Klaxon, se definiram como

sendo:

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O presente, o atual, a correlação entre nacional e internacional, o

moto lírico visto como seu propulsor, a valorização do progresso sem que

renegue o passado, a valorização das contribuições científicas da psicologia

experimental, a lição do cinema como a criação artística, mas representativa

da época, a autonomia de Klaxon em relação ao futurismo. (HELENA, 1996:

69)

A revista Klaxon queria tratar da arte de modo delimitado; Klaxon não trazia

“receitas” ou soluções, mas indicava uma procura, era movida pelo ímpeto construtivo;

seu “problema” era construir o presente artístico baseado na “alegria” sem se predispor

à “tradição de lágrimas artísticas”. (HELENA, 1996: 69) O projeto da Klaxon era dar

continuação positiva que acrescentava algo ao que os modernistas brasileiros haviam

conseguido na Semana de Arte Moderna.

2.2 Contemporânea, 1922-1926

A Contemporânea surgiu em maio de 1915 sob a direção de João Correia

d’Oliveira com apenas um número. Retornou sete anos depois e durou até outubro de

1926. Teve um total de quinze números. A partir de 1922 contou com dez edições na

sua primeira fase que terminou em 1924. Depois teve um número suplemento datado de

março de 1925 e em maio, junho e outubro teve suas últimas publicações (sendo a

última correspondente aos meses de julho a outubro) considerada “terceira série”. A

direção ficou a cargo de José Pacheco e entre os seus colaboradores encontravam-se

Almada Negreiros, Fernando Pessoa com seu heterônimo Álvaro de Campos, António

Botto, António Ferro, entre outros.

A revista se caracterizava por grande diversidade temática: a arte, a literatura, o

teatro, o esporte, a moda e a sociedade preenchiam as suas páginas. Valorizava a

imagem, entre reportagens fotográficas “de sabor fim de século”, como diz Daniel Pires,

e um grafismo “moderno” que apresentava obras de Almada, Barradas, Eduardo Viana,

Carlos Franco e José Pacheco. (PIRES, 1996: 115)

A capa11 tinha o formato de portfólio onde estavam inseridos seis cadernos de

oito páginas com textos, ilustrações e vinhetas coladas, além de três extratextos com

imagens (pintura, desenho, etc.).

11 Anexo D.

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A proposta da Contemporânea era ser um lugar de agitação e de convergência de

todos os que se interessavam pela arte em Portugal e que não dispunham de um espaço

onde pudessem expor suas opiniões e apresentar sugestões. Seguia os movimentos

vanguardistas da Europa, recusando o passadismo e o estado estático que a cultura

portuguesa mantinha. Defendia no seu programa que os seus colaboradores fossem “as

figuras mais brilhantes e variadamente individuais” das modernas correntes artísticas,

desde as mais simples às mais complexas de Portugal. Pretendia ser uma “revista para

gente civilizada, uma revista expressamente para civilizar gente”. (PIRES, 1996: 115)

A razão pela qual a revista Contemporânea foi relançada tem a ver com o

período em que os jovens estudantes e intelectuais influenciados pela movimentação

cultural de Paris regressaram a Lisboa e entram em contato com a Sociedade Nacional

de Belas-Artes, cuja a atividade estava circunscrita à organização de uma exposição

anual:

Planejavam uma adesão em massa àquela instituição e a subsequente

realização de eleições, facto que lhes propiciaria as rédeas daquela instituição

e a possibilidade de concretizarem os seus legítimos anseios. Abra-se um

parênteses para registar que os “Novos” – como passaram a designar-se e a

ser designados – não hostilizavam os artistas consagrados e pretendiam

exclusivamente “fazer arte” através de exposições, festas, bailes, chás,

concertos e representações, como refere José Pacheco em entrevista a um

vespertino de Lisboa. (PIRES, 1996: 116)

Segundo Daniel Pires, esta iniciativa foi, porém, contrariada pela direção da

Sociedade Nacional de Belas-Artes. Sem um espaço para poderem defender os seus

ideais de caráter artístico, e pretendendo denunciar a arbitrariedade a que tinham sido

sujeitos, os jovens artistas recuperaram o projeto iniciado em 1915 e, nesta

conformidade, em maio de 1922 a Contemporânea retornou (PIRES, 1996: 116).

Na edição digitalizada da revista, Rita Correia diz que diante das dificuldades

podemos compreender a irregularidade e a breve existência da Contemporânea, mas,

para a autora, a revista cumpriu com seu papel cultural de maneira plena na

caracterização do modernismo português:

É inquestionável que a revista cumpriu a sua missão «civilizadora», no

sentido em que confrontou a elite nacional, os agentes culturais e o público

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em geral (ainda que indirectamente, através das polémicas que ecoavam pela

imprensa) com as propostas artísticas e literárias dos «novos», tornando-se

um catálogo dos diversos «ismos» do modernismo. Uma acção

complementada com uma programação eclética promovida através da

Contemporânea e que lhe confere uma dimensão de projecto integrado de

renovação cultural, senão do país pelo menos da sua capital. (CORREIA,

2007: 02)

Na função de apresentar a Portugal as mudanças culturais europeias e o processo

de abertura ao modernismo, Correia diz que a revista Contemporânea “deu voz aos

defensores de uma aproximação entre Portugal e Espanha, sobretudo as que emanavam

do movimento Integralista que se guiava por princípios católicos, nacionalistas, anti-

liberais e monárquicos”. (CORREIA, 2007: 02) O periódico destina muitas páginas na

promoção dessa aproximação e divulga muitos textos e poemas em espanhol.

Para a compreensão da revista, nós a dividimos em duas fases, a primeira até

1924 e a segunda com as publicações de 1925 e 1926 onde nota-se uma aproximação

maior com o Brasil e as teorias do Ibero-Americanismo. Os dois primeiros números da

terceira série foram dedicados praticamente na sua íntegra no desenvolvimento deste

tema.

Em relação à aproximação com o Brasil, na Contemporânea já se encontrava a

contribuição brasileira de Monteiro Lobato com o texto Os Eucaliptos e com Barracão

dos Romeiros de Oswald de Andrade na primeira fase. Na segunda fase, no suplemento

de 1925, há uma Carta aberta a António Ferro sobre a arte e a literatura nova no

Brasil, de autoria de Oswald de Andrade. Dentre muitas questões importantes expostas

na carta como um balanço do modernismo no Brasil e a citação de alguns nomes

relevantes do movimento brasileiro, Oswald chama a atenção para a tentativa da

libertação da língua portuguesa do Brasil em relação à língua portuguesa lusitana,

afirmando que a língua no Brasil se desenvolvia de maneira própria adquirindo

características que a diferenciavam do português falado em Portugal.

A revista número 2 de junho de 1926 tinha em sua capa um quadro de Tarsila do

Amaral, outro membro do movimento modernista brasileiro, pintora influenciada pelo

cubismo. Nesta capa estava o seguinte título: Portugal, Brasil, Ibero, Americanismo,

Arte. Para além da capa, havia mais um quadro da pintora brasileira na revista e um

texto de autoria de Spencer Vampré, professor da USP, intitulado Aproximação Ibero-

Americana. O que deve o Brasil fazer para completar a sua independência, texto que

faz um resgate histórico da situação brasileira e defende a aproximação de Portugal e

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Brasil em nome da defesa da sua cultura. António Ferro também apresenta um texto

sobre Tarsila do Amaral e sua exposição em Paris.

A Contemporânea fez a ligação entre o primeiro e o segundo modernismo

literários, entre Orpheu e a Presença. Publicou obras inéditas de alguns dos principais

intelectuais da cultura portuguesa da época – Almada Negreiros, António Botto,

António Ferro, Aquilino Ribeiro, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro, Fernando

Pessoa, José Régio, Leonardo Coimbra, Mário de Sá-Carneiro, Teixeira de Pascoaes,

Teófilo Braga, entre outros12 (PIRES, 1996: 116).

2.3 Revista de Antropofagia, 1928-1929

Em 1928 foi fundada a Revista de Antropofagia e trazia em suas páginas o

Manifesto Antropófago. A revista teve duas fases, chamadas de dentições, e se

caracterizam de maneiras bem distintas: a primeira, como revista mesmo, tinha o

formato de 33 por 24 centímetros, com oito páginas, com dez números, editadas

mensalmente, de maio de 1928 a fevereiro de 1929, contava com a direção de Antonio

de Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp. A segunda fase passou a ser uma

página no Diário de São Paulo, cedida por Rubens do Amaral. Foram ao todo dezesseis

páginas no jornal, de 17 de março a 1 de agosto de 1929.

Augusto de Campos afirma na introdução à edição fac-símile da Revista de

Antropofagia: “a primeira dentição ainda estava marcada por uma consciência ingênua

oriunda do movimento de 1922”. (CAMPOS, 1976) Na primeira dentição há o

Manifesto Antropófago de Oswald e alguns textos de Plínio Salgado, que

posteriormente se tornaria concorrente da Antropofagia com o Movimento Anta.

Também encontramos o fragmento inicial de Macunaíma de Mário de Andrade, o

poema No meio do Caminho de Carlos Drummond de Andrade, Noturno da Rua da

Lapa de Manuel Bandeira, entre outros textos importantes. E até mesmo curiosidades

como os textos de Luis da Câmara Cascudo, poemas de Josué de Castro e uma crônica

de Santiago Dantas.

Na segunda dentição a revista adquiriu um caráter mais agressivo e se firmou

como movimento. Raul Bopp continuou na revista e revezava a direção com Jaime

Adour da Câmara. O secretário da redação era Geraldo Ferraz e Oswald de Andrade e

12 Nota-se um grande ecletismo na revista Contemporânea com diversas contribuições de diferentes escolas literárias, algumas que antecederam o modernismo, como o simbolismo.

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Oswaldo Costa se destacavam na revista com textos assinados com nome próprio ou

pseudônimos. Sendo transferida para a página do Diário de São Paulo, a Antropofagia

não perdeu a qualidade:

Ganhou dinamicidade comunicativa, a linguagem simultânea e

descontinua dos noticiários de jornal foi explorada ao máximo. Slogans,

anúncios, notas curtas, a-pedidos, citações e poemas rodeiam um ou outro

artigo doutrinário, fazendo de cada página, de ponta a ponta, uma caixa de

surpresas. Um contrajornal dentro do jornal. (CAMPOS, 1976)

Foi nesta segunda fase da revista que se tentou restabelecer a linha radical e

revolucionária do modernismo, que tinha perdido forças. Mas, para além disso, ela

lançou as bases de uma nova ideologia, que seria a última utopia de Oswald e que mais

tarde ele mesmo chamaria de marcha das utopias. (CAMPOS, 1976)

A Antropofagia não queria situar-se apenas no plano literário. Os seus autores

investiram contra os espiritualistas, os metafísicos e os nacionalistas de inspiração

fascista, mas recusaram também os extremismos da “esquerda canônica”. O sentimento

anarquista surgiu no grupo enquanto buscavam a definição de um novo “ser

humanismo”, revitalizado pela visão do homem natural americano. Mesmo não se

preocupando exclusivamente com a literatura, os antropófagos não deixaram de fazer

críticas internas ao modernismo e aos seguidores da primeira fase do movimento, que

seguira uma linha conservadora, moderada e reacionária. (CAMPOS, 1976) Suas

investidas eram contra Mário de Andrade, Antonio de Alcântara Machado, Graça

Aranha, Guilherme de Almeida, entre outros.

O Manifesto do Verdeamarelismo, ou Grupo da Anta, também foi duramente

atacado em um número da revista no artigo intitulado Uma adesão que não nos

interessa. Mesmo parecendo superficial, na segunda dentição os antropófagos

apresentaram os erros do modernismo, que havia nascido “comprometido e estava se

encaminhando para as Academias. Em suma, Oswald e sua tribo de antropófagos se

insurgiram contra a descaracterização e a diluição da revolução modernista”.

(CAMPOS, 1976)

A metáfora da antropofagia foi adotada por Oswald e seus companheiros

porque através da “devoração” crítica das influências culturais europeias, como as

vanguardas futuristas, dadaístas e surrealistas é que se abriu o caminho que

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singularizaria a nacionalidade brasileira. Pois estas vanguardas num processo de seleção

e assimilação em relação à realidade nacional constituíram o processo ideológico de

formação das teorias do nacionalismo no Brasil. Revisitava-se a ideia do antropófago,

que come a carne do inimigo no intuito de absorver as suas qualidades.

A cultura brasileira era fruto da experiência colonial, a sua cultura local foi

subjulgada e abafada durante o processo de dominação europeia. Posteriormente, com a

chegada dos africanos como força de trabalho escrava, essa cultura se modificou

tornando-se um híbrido de influências indígenas, europeias e negras. Para existir a

firmação dessa cultura se libertando dos moldes acadêmicos e eruditos, o movimento

antropófago se baseia na cultura popular e na sua valorização, se apropriando da cultura

oficial ou acadêmica e a ressignificando à realidade brasileira. Eduardo Jardim de

Moraes sobre este aspecto afirma:

O problema da Antropofagia se apresenta, no entanto, de forma mais

complexa. O instinto antropofágico, por um lado, destrói, pela aglutinação,

elementos de cultura importados; por outro, assegura a sua manutenção em

nossa realidade, através de um processo de transformação/absorção de certos

elementos alienígenas. Ou seja: antes do processo colonizador, havia no país

uma cultura na qual a antropofagia era praticada, e que reagiu sempre

antropofagicamente, mas com pesos diferentes, ao contato dos diversos

elementos novos trazidos pelos povos europeus. (MORAES, 1978: 144)

A Antropofagia adquiriu o estatuto de vanguarda no Brasil por se tratar de um

dos movimentos mais radicais do modernismo brasileiro. E foi também o movimento

que encerrou os anos de 1920 colocando fim ao processo de desenvolvimento e

firmação das estéticas modernistas.

De acordo com Maria Eugenia Boaventura, uma das principais características

da Revista de Antropofagia, bem como de todo o movimento antropofágico, era a

comicidade e a paródia13 na derrubada de mitos:

13 “Designa toda composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tem ou/e a forma de uma de uma obra séria. O intuito da paródia consiste em ridicularizar uma tendência ou um estilo que por qualquer motivo, se torna conhecido e dominante”. (MOISÉS, 1999: 388)

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O projeto antropofágico fez emergir os conflitos de uma produção de país

colonizado, procurou manter as características próprias, enquanto se

atualizava com as conquistas expressivas e as técnicas oferecidas pela

vanguarda estrangeira. A paródia estava intimamente ligada ao contexto

brasileiro; deste modo o seu mérito não diminuiu ao se constatar que a

inspiração vinha de fora. (BOAVENTURA, 1985: 23)

O cômico, como firmação de um estilo, “escritura desarticuladora e corrosiva”,

presente nas vanguardas foi um instrumento eficaz de ruptura. Boaventura diz que a

Antropofagia explorou bem a ordem ditada em seu Manifesto: “A alegria é a prova dos

nove”. Tal discurso da vanguarda antropofágica representou uma saída diante do

coservadorismo da literatura oficial, um desprezo por tudo, uma libertação. Foi o

recurso usado como arma para minar a realidade como alternativa para a discussão mais

acurada de certos problemas. (BOAVENTURA, 1985: 27)

Uma vez feito um breve panorama das revistas destinadas a análise que

constitui o cerne deste trabalho, pode-se compreender a trajetória da formação das

características e ideologias que definiam os modernismos tanto em Portugal, quanto no

Brasil. Abordamos dois momentos distintos do modernismo brasileiro e um período

controverso do modernismo português exemplificado através da Contemporânea, no

entanto, ao mesmo tempo reuniremos na presente pesquisa textos que exemplificam

afastamentos e aproximações, ligações e rupturas e características comuns em relação à

apropriação das vanguardas em ambos os modernismos.

3. Apropriações e combates: vanguardas artísticas e firmações estéticas

As vanguardas influenciaram de maneira direta a constituição dos periódicos

modernistas tanto no Brasil quanto em Portugal. Muitos dos seus textos fazem alusão a

estas vanguardas como os próprios manifestos e textos de aberturas das revistas.

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Iniciou-se esta análise pelo manifesto de abertura da Revista Klaxon de 1922 de

autoria de Mario de Andrade. Sobre o Manifesto de Klaxon Mário da Silva Brito

escreveu na introdução da edição fac-símile da revista, publicado em 1972 que nele se

identificavam algumas representações marcantes da atualidade, do moderno, do

progresso, que podiam ser reduzidas a alguns símbolos. São justamente desses símbolos

que tentaremos identificar e situar no contexto histórico de cada vanguarda. O autor cita

Guilherme de Almeida dizendo que a revista “é a voz da velocidade e do arrojo” e por

tratar-se da primeira revista modernista brasileira buscaremos nela todas essas

transformações.

A primeira parte do manifesto, chamada Significação, faz uma rápida

apresentação da revista, explica como as ideias sobre o movimento modernista se

iniciaram no Jornal do Comércio e no Correio Paulistano, levando à Semana de Arte

Moderna (que ele compara ao “Conselho Internacional de Versalhes14) o autor também

chama a atenção para os erros cometidos na Semana, e diz que na revista Klaxon os

erros cometidos pelo movimento durante a Semana de Arte Moderna foram corrigidos:

A lucta começou de verdade em principios de 1921 pelas columnas do

“Jornal do Commercio” e do “Correio Paulistano”. Primeiro resultado:

“Semana de Arte Moderna” – especie de Conselho Internacional de

Versalhes. Como este, a Semana teve sua razão de ser. Com elle: nem

desastre, nem triumpho. Como elle: deu fructos verdes. Houve erros

proclamados em voz alta. Pregaram-se idéias inadmissiveis. E’ preciso

reflectir: E’ preciso esclarecer. E’ preciso construir. D’ahi, KLAXON.

E KLAXON não se queixará jamais de ser incomprehendido pelo Brasil. O

Brasil é que deverá se esforçar para comprehender KLAXON. (ANDRADE,

1922a: 1)

Identificamos aí em primeiro plano a sátira, uma forma de se “caçoar” ou então

diminuir a importância da própria Semana de Arte Moderna ao citarem os erros que nela

aconteceram. Notamos também um amadurecimento daquele grupo ao iniciar um

processo de correção de um movimento que ainda se firmava, mas que, no entanto, já

conseguia enxergar suas primeiras dificuldades. Neste sentido podemos encarar a crítica

14 O Tratado de Versalhes foi um tratado de paz assinado pelas potências europeias em 1919 para colocar fim a Primeira Guerra Mundial. Dentre algumas imposições do tratado encontramos: indenização por parte da Alemanha em relação aos países vencedores mas que foram prejudicados pela guerra e perda de parte do seu território colonial.

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levantada em relação ao próprio movimento como uma explanação numa via de mão-

dupla, visto que ao mesmo tempo em que a Semana é “ridicularizada” ao expor seus

erros, os modernistas propõem a reparação desses erros.

Há ainda uma relação de “paródia” com o “Conselho Internacional de

Versalhes” ao se aproveitarem dele para comparação com o movimento modernista

brasileiro. Pois ao se apropriarem de um acontecimento histórico importante, no sentido

político e social, comparando tal acontecimento com a Semana de Arte Moderna

denotam a Semana a mesma importância histórica. Mesmo que em contextos diferentes,

o “Conselho de Versalhes” e a Semana de Arte Moderna possuem a mesma

significância para o autor.

Vemos também nessa primeira parte a tentativa de imposição da estética de

Klaxon, pois ao afirmar que “KLAXON não se queixará jamais de ser incompreendido

pelo Brasil. O Brasil é que deverá se esforçar para compreender KLAXON”, fica

evidente as principais características da fase heroica: a agressividade e os ataques ao

“antigo” Brasil em contraponto ao “novo” Brasil. Sabemos que o debate entre o velho e

o novo esteve presente na constituição do movimento modernista brasileiro e teve

presente no manifesto de Klaxon e em outros periódicos modernistas.

A segunda parte do manifesto é denominada Esthetica, nela ainda encontramos

tons agressivos, onde através de uma série de comparações Mário de Andrade nos

apresenta uma revista que se pretendia renovadora e única, valorizando os avanços

científicos e técnicos. Num primeiro momento nos deparamos com a afirmação do autor

que postulava a ideia da “atualidade” como o sentido mais amplo de “novidade”. Ser

moderno significava ser atual, viver de acordo com as mudanças dos “frenéticos anos

20”:

KLAXON sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente.

KLAXON não se preocupará de ser novo, mas de ser actual. Essa é a grande

lei da novidade. (ANDRADE, 1922a: 1)

Em seguida notamos uma afirmação no que diz respeito ao debate da época que

girava em torno do: nacionalismo versus internacionalismo. Pois neste momento os

países ainda viviam o processo de constituição dos seus ideários nacionalistas, e o Brasil

no início da década de 1920 começa a pensar sua posição diante dessas ideias. Assim a

Klaxon poderia ser extremamente moderna no seu sentido internacionalista, porém,

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“pela integridade da patria” ela morreria e seus membros também. A dualidade entre a

arte e a natureza também foi explorada pelo autor, numa contraposição da importância

da arte diante da natureza:

KLAXON sabe que a humanidade existe. Por isso é internacionalista. O que

não impede que, pela integridade da patria, KLAXON morra e seus membros

brasileiros morram.

KLAXON sabe que a natureza existe. Mas sabe que o modo lyrico, productor

da obra de arte, é uma lente transformadora e mesmo deformadora da

natureza. (ANDRADE, 1922a: 2)

Outra questão apresentada no manifesto é a ideia do progresso superando o

passado, com forte influência futurista, esse raciocínio foi fundamental para o

movimento modernista brasileiro. Pois o progresso estava relacionado ao

desenvolvimento cientifico e tecnológico que garantia as transformações sociais que

tornariam o país moderno. É neste excerto do manifesto que também encontramos a

busca pela liberdade e a derrubada dos preconceitos:

KLAXON sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado,

caminha para deante, sempre, sempre. O campanile de São Marcos era uma

obra prima. Devia ser conservado. Cahiu. Reconstruil-o foi uma erronia

sentimental e dispendiosa – o que berra deante das necessidades

contemporaneas.

KLAXON sabe que o laboratorio existe. Por isso quer dar leis scientificas á

arte: leis sobretudo baseadas nos progressos da psychologia experimental.

Abaixo os preconceitos artisticos! Liberdade! Mas liberdade embridade pela

observação. (ANDRADE, 1922a: 2)

Outra observação importante presente no manifesto é em relação ao cinema e

sua representatividade para o século XX. Num trecho o autor compara as atrizes Pearl

White e Sarah Bernhardt. A primeira era do cinema, famosa pelo seu porte atlético

interpretou filmes de ação em que seu físico era valorizado em voos de aeroplanos,

corridas de carro, nados, ou seja, ela representava a agilidade dos anos 1920, as grandes

transformações da modernidade, a velocidade, a tecnologia, a destreza. A segunda atriz,

Sarah Bernhardt era do teatro, conhecida pelos seus papeis dramáticos, representava a

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tradição do teatro, o “romantismo sentimental”, aquilo que naquele momento era

ignorado pelo modernismo e não tão valorizado quanto às mudanças que o cinema

trazia:

KLAXON sabe que o cinematographo existe. Perola White é preferivel a

Sarah Bernhardt. Sarah é tragedia, romantismo sentimental e techinico.

Perola é raciocinio, instrucção, esporte, rapidez, alegria, vida. Sarah Bernhard

= seculo 19. Perola White = seculo 20. a cinematographia é a criação artistica

mais representativa da nossa epoca. E’ preciso observar-lhe a lição.

KLAXON não é exclusivista. Apezar disso jamais publicará ineditos maus de

bons escriptores já mortos.

KLAXON não é futurista.

KLAXON é klaxista. (ANDRADE, 1922a: 2)

Por último identificamos no final desta parte do texto a necessidade do

movimento em se firmar como autêntico: “Klaxon é klaxista”, ou seja, apesar de toda a

influência vanguardista que a revista recebia naquele momento ela não se firmava como

futurista, ou cubista, ou dadaísta, se firmava como única, como “klaxista”, essa era a

busca interminável pela originalidade que permeava o movimento modernista brasileiro.

No manifesto encontramos influência dadaísta, a comparação, a sátira e a

desvalorização do que é antigo e arcaico, no entanto isso tudo aplicado ao Brasil ganhou

novo significado, pois todo avanço científico que chegava ao Brasil naquela época, tal

como as vanguardas, já havia se tornado obsoleto na Europa. O que faz com que cada

uma dessas características seja ressignificadas e aplicadas de modo a se adaptarem à

realidade nacional. Acreditamos que a menção ao cinema e ao laboratório, demonstra

como esses avanços técnico-científicos eram importantes para uma sociedade que

tentava se modernizar à pressa no intuito de alcançar as sociedades que já haviam se

desenvolvido, e essa mesma valorização que nos mostra a proximidade de Klaxon com

o futurismo, onde a agilidade, a velocidade, a máquina, os avanços científicos são

importantes e caracterizam a sociedade que está por vir, ou que no caso de São Paulo,

estava se formando.

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Notamos no manifesto a necessidade de se autofirmarem não futuristas, mesmo

nos deparando com as inúmeras proximidades de Klaxon com a vanguarda italiana,

sabemos que o estigma de futurista naquela época carrega uma conotação negativa.

Havia a necessidade de se esclarecer aquelas mazelas que surgiram na Semana de Arte

Moderna, por isso encontramos no manifesto de Klaxon tantas explicações e negações,

mas na verdade numa análise enxergamos de maneira clara as proximidades do

movimento com a importação das ideias que, ainda que negadas, não podem ser

apagadas.

A terceira parte do manifesto chama-se Cartaz, nela encontramos uma

apresentação do que a revista pretendia demonstrar nas suas páginas, é ali que as ideias

e os ideais de Klaxon apareceram de maneira específica, ao mesmo tempo o autor

através de maneira irônica defende a postura da revista contra as possíveis formas de

críticas que poderiam receber, Klaxon poderia ser “invejada, insultada”, mas ao mesmo

tempo era “feliz”. Identificamos também novamente a necessidade de se firmarem

atuais, isto fica evidente ao dizerem que a revista quer representar os anos de 1920

adiante, o passado não interessa mais, a novidade está na atualidade, o crescimento só

aconteceria no presente, passadismos não cabem mais neste momento:

KLAXON cogita principalmente de arte. Mas quer representar a epoca de

1920 em diante. Por isso é polymorpho, omnipresente, inquieto, cômico,

irritante, contraditorio, invejado, insultado, feliz.

KLAXON procura: achará. Bate: a porta se abrirá. Klaxon não derruba

campanile algum. Mas não reconstruirá o que ruir. Antes aproveitará o

terreno para solidos, hygienicos, altivos edifícios de cimento armado.

KLAXON tem uma alma collectiva que se caracterisa pelo impeto

constructivo. Mas cada engenheiro se utilizará dos materiaes que lhe

convierem. Isto significa que os escriptores de KLAXON responderão apenas

pelas ideias que assignarem. (ANDRADE, 1922a: 3)

Mais uma vez encontramos marcas do futurismo (apesar de negado no trecho

anterior do manifesto) aqui o notamos quando Mário de Andrade diz que “aproveitará o

terreno para solidos, hygienicos, altivos edificios de cimento armado”, o que nada mais

é do que outra menção à valorização da modernidade, do desenvolvimento urbano que

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encontramos presente no Manifesto Futurista de Marinetti e que aqui se aplica à cidade

de São Paulo como uma metrópole que prometia se desenvolver aos moldes futuristas.

A quarta e última parte do manifesto se chama Problema, é o fechamento do

manifesto e da exposição de ideias do autor. Nos deparamos com um rápido esboço dos

últimos anos de desenvolvimento artístico-literário brasileiro e, como todo o manifesto,

regido pela métrica cubista de escrita com desconstruções e frases curtas:

Seculo 19 – Romantismo, Torre de Marfim, Symbolismo. Em seguida o fogo

de artificio internacional de 1914. Ha perto de 130 annos que a humanidade

está fazendo manha. A revolta é justissima. Queremos construir a alegria. A

propria farça, o burlesco não nos repugna, como não repugnou a Dante, a

Shakespeare, a Cervantes. Molhados, resfriados, rheumatisados por uma

tradição de lagrimas artisticas, decidimo-nos. Operação cirurgica. Extirpação

das glandulas lacrimaes. Era dos 8 Batutas, do Jazz-Band, de Chicharrão, de

Carlito, de Mutt & Jeff. Era do riso e da sinceridade. Era de construção. Era

de KLAXON. (ANDRADE, 1922a: 3)

O romantismo e o simbolismo são designados como tradições literárias

igualadas a “torre de marfim”, ou seja, como algo que está fora da atmosfera real, é

inalcançável, é a onde a intelectualidade repousa seus questionamentos afastados das

práticas diárias. Neste caso, ambas as correntes estéticas do século XIX (romantismo e

simbolismo) estão afastadas da nova realidade cultural proposta pelos modernistas. Em

1914 a Primeira Guerra Mundial foi deflagrada, é como o autor chama de “fogo de

artifício internacional” destinando ao acontecimento uma alegoria burlesca, reduzindo

sua importância a um ato isolado de atitude dramática para chamar a atenção. Em

seguida Mário de Andrade afirma que “ha perto de 130 annos que a humanidade esta

fazendo manha”, o que se pode interpretar como uma crítica à Revolução Francesa que

havia acontecido a quase 130 anos e o processo de desenvolvimento cultural e social

ainda não estava consolidado, os ideias burgueses em teoria deviam atender a

necessidade de mudança, mas na prática essas mudanças não haviam acontecido.

O combate à tristeza, a recusa do lamento, das lágrimas é outra questão

apresentada neste trecho do manifesto. A alegria era a nova ordem, o moderno era

alegre, vivo, audaz. Os anos 1920 traziam grandes mudanças culturais, Mário de

Andrade dizia que se tratava de uma nova era, a era dos Oito Batutas, o conjunto

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musical brasileiro liderado por Pixinguinha que em seu repertório tocavam choros,

maxixes, estilos musicais que faziam parte da cultura popular brasileira, o cinema e o

humor de Carlitos, Mutt e Jeff representavam uma nova forma de humor através dos

quadrinhos diários em jornais, a música internacional era representada pela jazz-band,

essas eram as transformações que a modernidade trazia e essas mudanças eram

valorizadas, o restante permanecia na velha “torre de marfim”.

No texto O homenzinho que não pensou que é a resposta a uma crítica que

Klaxon sofreu em outro periódico O Mundo Literário, identificamos em Mário de

Andrade uma postura de apropriação, assimilação e ressignificação do futurismo

adaptado à realidade brasileira e ao movimento modernista do Brasil. A crítica de

autoria anônima afirma que: “Mau grado os seus ares de modernismo extremo

KLAXON mostra-se em matéria de arte francamente conservadora, reacionária

mesmo.” Em resposta a essa afirmação, Mário de Andrade defende:

Escreveramos: “KLAXON não se preocupará de ser novo, mas de ser actual.

Essa é a grande lei da novidade. Terá também o desplante de negar

actualidade a KLAXON o homenzinho que não pensou?” (ANDRADE,

1922b: 10)

A afirmação em torno da atualidade é o principal argumento de Andrade ao se

proclamar moderno. Modernidade tem a ver com o presente, com o atual, com aquilo

que acontecia naquele momento. Não se preocupavam com o futuro, não valorizavam o

passado. Klaxon era atual para o autor e esse era o seu maior sentido de modernidade, a

revista acompanhava os acontecimentos do momento, vivenciava as transformações

culturais e sociais que ocorriam naquele período.

A crítica em relação à Klaxon seguia assim: “A apresentação é uma repetição

synthetica do manifesto futurista de Marinetti, cousa que já vem creando bolor, ha não

menos de quinze annos…” Em resposta, Mário de Andrade exige que o autor da crítica

publique no O Mundo Literário o Manifesto Futurista de Marinetti de 1909 em

comparação ao texto de apresentação (manifesto) de Klaxon, provando assim que não

existiam similaridades entre os dois textos. E depois continua sua defesa:

Dos 11 parágrafos que formam o manifesto futurista, não aceitamos na

totalidade sinão o 5.o e o 6.o. KLAXON não canta “l’amor dei pericolo”

porque considera a temeridade um sentimentalismo. Não considera “Il

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coraggio, l’audacia, la revellione” elementos essenciais da poesia. Não acha

que até hoje a literatura “esaltó l’immobilitá pensosa, l’estasi e il sonno”,

porque a própria dor como elemento estético não é nada disso.

[…]

Em formidavel maioria os escriptores de KLAXON são espiritualistas. Eu

sou catolico. Poderiamos pois aceitar o 8.o paragrafo do manifesto futurista?

(ANDRADE, 1922b: 10)

Interpretamos a partir desse trecho a iniciativa de Mário de Andrade em

defender que o modernismo brasileiro fazia uma leitura seletiva das vanguardas

europeias. Que a “importação das ideias” acontecia, mas que, no entanto, eram

assimiladas de maneiras diferentes e adaptadas à realidade cultural do Brasil. O

Manifesto Futurista era declaradamente contra a religião, Andrade diz que os

intelectuais que contribuíam com a Klaxon eram “espiritualistas” e ele próprio católico,

temos aí uma adaptação do futurismo à condição do modernismo brasileiro.

Mantendo a postura comparativa entre o Manifesto Futurista e a revista Klaxon,

Mário de Andrade afirma:

Pelo 9.o glorificar-se-ha, além do patriotismo, o militarismo e a guerra. Não o

faríamos. (ANDRADE, 1922b: 10)

O modernismo brasileiro ainda em formação não possuía uma postura

nacionalista, não havia a necessidade de firmação patriótica e nem as divergências

ideológicas que veremos no decorrer deste trabalho que firmaram os pensamentos em

torno do nacionalismo brasileiro, uma corrente com um discurso primitivista de

valorização da cultura indígena e outra de caráter ufanista, que deu origem ao

movimento totalitário no Brasil com raízes fascistas. Neste momento, a influência

cultural futurista de caráter totalitária era ainda ignorada.

Em seguida, Mário de Andrade cita outro parágrafo do Manifesto de Marinetti e

defende:

No 10.o manda Marinetti que se destruam museus e bibliotecas.

Consideramos apenas a reconstrucção de obras que o tempo destroe “uma

erronia sentimental”. Respeitamos o passado sem o qual KLAXON não seria

KLAXON. (ANDRADE, 1922b: 10)

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O passado era em algumas interpretações ignorado pelos modernistas, a

atualidade representava suas transformações, o atual era o moderno, mas o moderno

nesta concepção de Mário de Andrade necessitava do passado para chegar a sua

construção. Sem o passado a atualidade não teria se desenvolvido, identificamos outro

processo de assimilação seletiva do futurismo. Pois no futurismo o passado deve ser

esquecido, os museus destruídos, as bibliotecas dizimadas, mas na “modernidade

periférica” brasileira, apagar o passado seria como apagar a trajetória de construção do

seu sentido de moderno. Para ser moderno Brasil dependia do passado e das suas

influências, a construção da identidade da cultura nacional estava pautada na

valorização da sua história, mas essa história não era a história contada pelos detentores

do poder, era a história que se desenvolvia dia após dia transformando o Brasil num país

atualizado e desenvolvido.

Dentre outros trechos que Mário de Andrade compara o movimento modernista

brasileiro e o futurismo, podemos salientar aquele em que Andrade afirma que: “Não

despresamos a mulher e cantamos o amor”. (ANDRADE, 1922b: 10) Outra concepção

futurista ignorada pelos modernistas brasileiros, a mulher no modernismo brasileiro tem

papel fundamental no seu desenvolvimento. Como vim

os a exposição da pintora Anitta Malfatti15 foi considerada uma das primeiras

manifestações modernistas do Brasil, também temos a participação de Tarsila do

Amaral16 outra artista plástica de renome que convive com a intelectualidade modernista

do período e Patrícia Galvão17 que participou do movimento modernista no final dos

anos de 1920 e mesmo jovem deixou grandes contribuições, esses são só alguns

exemplos da presença feminina na formação do pensamento modernista brasileiro.

Em resumo a ideia de apropriação do futurismo pela intelectualidade brasileira

modernista fica explicada pelas próprias palavras de Mário de Andrade ao afirmar que:

15 Em 1917 Anitta Malfatti realizou em São Paulo sua segunda exposição individual depois de ter retornado dos Estados Unidos. Esta exposição recebeu uma forte crítica de Monteiro Lobato publicada no jornal O Estado de São Paulo, despertando em Oswald de Andrade a necessidade de defender a pintora e a partir daí começar a articular a prematura intelectualidade brasileira em torno da necessidade de organização do movimento modernista.16 Em 1922 após retornar de Paris, Tarsila do Amaral passa a integrar a intelectualidade modernista brasileira. Apresentada por Anitta Malfatti a Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia, estes passam a frequentar seu ateliê formando o Grupo dos Cinco (o grupo defendia as ideias da Semana de Arte Moderna e tomou a frente do movimento modernista no Brasil).17 Patrícia Rehder Galvão conhecida como Pagu se integra ao movimento modernista em 1928 tornando-se membro do Movimento Antropofágico, liderado por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Suas maiores contribuições foram literárias e jornalísticas.

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E se em outras coisas aceitamos o manifesto futurista, não é para segui-lo,

mas por compreender o espírito de modernidade universal. (ANDRADE,

1922b: 10)

Demonstrando que existia a ligação com a vanguarda, mas que, no entanto, esta

ligação não era determinante para a caracterização de Klaxon. Para Mário de Andrade a

assimilação, seleção e ressignificação da vanguarda à realidade cultural e social

brasileira fazia parte da construção do modernismo do país.

Partindo para a análise da Contemporânea, no ano do lançamento do seu

“Número Spécimen”, em 1915, deu início ao seu projeto tipográfico através de um texto

intitulado Programa, no qual explicava os propósitos do aparecimento da revista. A

capa levava o nome: Contemporânea: arte – literatura – teatros – Sport – modas &

elegancias – sociedade; o que demonstrava o leque de assuntos que se pretendia discutir

nas suas páginas.

A tentativa de reunir numa única revista alguns artistas influenciados pelo

modernismo que retornavam de Paris para Lisboa não obteve sucesso. Em 1915, ano de

lançamento da revista Orpheu, a elite portuguesa mesmo buscando novidades e

publicações que demonstrassem a modernidade e o avanço social não estava preparada

para o aparecimento das duas revistas tão arrojadas para a época. (CORREIA, 2007: 01)

No Programa que inaugurou a Contemporânea não encontramos vínculos

diretos com as vanguardas artísticas, o texto apresenta a carência cultural e a

necessidade da criação de uma revista em Portugal que tratasse das discussões em torno

da arte, da cultura e da sociedade através de uma perspectiva modernista. No trecho que

a seguir se apresenta, denota-se alguma insatisfação pelo fato de até aquele momento

não ter sido iniciado um projeto que atendesse às necessidades do público intelectual no

que diz respeito ao desenvolvimento cultural e artístico sob a influência da

modernidade, o que não permitia a Portugal se equiparar aos outros países europeus:

A fundação da CONTEMPORÂNEA pretende dar a quantos em Portugal se

interessam pela elegancia na arte e na vida uma voz e como que uma

satisfação. Não há entre nós cousa alguma – club, grupo ou periodico – na

qual, ou em torno á qual, se possam reunir, ainda que em espírito, quantos

não viraram as costas á civilização moderna, nem se consideram vivendo na

Europa se de alguma maneira os não cerca qualquér evidéncia d’isso.

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O autor do Programa explicita a falta de um grupo ou uma revista que abordasse

os assuntos relacionados à modernidade. De forma subliminar nota-se a crítica à

sociedade portuguesa que não se considera inserida na realidade europeia em relação à

dinâmica cultural e artística trazida pelas vanguardas. Para os fundadores da

Contemporânea era uma necessidade urgente envolver Portugal na discussão estética e

de mudanças no campo cultural daquele período.

No excerto a seguir nota-se a insistência na firmação da importância de se criar

um espaço a onde a intelectualidade e o meio artístico português pudessem coexistir e

assim demonstrar seus anseios no que diz respeito às mudanças culturais que

pretendiam iniciar no país, dando enfim a essa intelectualidade a ideia de um grupo

coeso:

Temos gente culta – mais do que se crê; nem ha entre nós a deficiencia, que

se julga de espírito qualificaveis de elegantes. Mas não formam sociedade,

não se concentram. Não teem sequer uma revista que saibam que é lida pelos

seus pares com interesse, e em cujo manuseamento, portanto, se saibam

acompanhados por quantos consideram seus congéneres.

O reconhecimento da existência de uma intelectualidade carente de um espaço

para colocar suas ideias em pauta demonstra a necessidade da criação de um periódico

que recolhesse em suas páginas as novas estéticas e mudanças culturais.

O ano de 1915 foi importante para o desenvolvimento do movimento modernista

português. Com o lançamento da Orpheu, a elite intelectual preocupada com a nova

estética e influência modernista iniciou seu projeto de mudança cultural. Porém o

modernismo não foi bem recebido pelas críticas, ou muitas vezes foi até mesmo

ignorado, o que reduziu sua existência a uma elite intelectual restrita. A revista

Contemporânea pretendia ser mais um espaço de debate e lançamento de propostas

culturais influenciadas pelas vanguardas artísticas do restante da Europa. Ainda que

houvesse a crítica que defendia “a deficiência de espíritos qualificáveis de elegantes” os

criadores da Contemporânea pretendiam recuperar o atraso da intelectualidade

portuguesa, deste modo, o autor demonstra a necessidade da concentração dessa

intelectualidade para que suas ideias e teorias pudessem ser interpretadas pela elite ou

pessoas que comungavam da mesma forma de pensamento.

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O surgimento da revista não pretendia ser apenas um espaço de comunhão de

ideias modernistas. O autor do Programa no excerto que se apresenta a seguir aponta

duas necessidades fundamentais para o desenvolvimento artístico de Portugal: a

necessidade de um público, um meio culto que absorvesse a arte portuguesa do período

e compreendesse as transformações artísticas e culturais que aconteciam naquele

período; e a necessidade de uma crítica capaz de questionar ou então debater as

questões estéticas do momento. Com estas necessidades sanadas, talvez assim Portugal

tivesse um meio culto capaz de assimilar as transformações propostas pelos

modernistas:

De ahi não terem os nossos artistas nem publico nem ao menos critica. O

publico e a critica para as cousas da cultura, não os cria o mero numero de

gente culta num paiz, mas a facilidade com que, reunido-se, conjugando-se

ou pensando expontaneamente em commum, formam, não gente culta, mas

propriamente um meio culto.

A crítica cultural era importante para a caracterização de uma nova corrente

estética ou constituição de um novo movimento literário, era através das críticas que os

intelectuais podiam perceber o rumo de seus pensamentos; se eles agradavam o público

ou não. Para o autor do Programa a falta de crítica a esses jovens intelectuais

representava um silêncio sobre suas atitudes, seus escritos, suas teorias, suas obras não

possuíam um espaço de divulgação onde a crítica e o público pudessem entrar em

contato com eles e dessa forma moldar uma opinião sobre os acontecimentos de índole

cultural.

A revista Contemporânea não pretendia imitar os modelos de revistas europeias;

para o autor a revista se equiparia aos melhores modelos da Europa dentro deste gênero,

desde a sua qualidade gráfica aos conteúdos. Um projeto ambicioso que não obteve

sucesso, visto que em 1915 a revista lançou um número apenas:

O que queremos realizar, realiza-lo-hemos á plena altura do nosso proposito,

e de tal maneira que, desde a apresentação typographica até á medulla

intellectual e artistica, CONTEMPORÂNEA supporte triumphantemente

comparação com as melhores revistas congéneres dos mais difficeis meios do

Extrangeiro. Não se trata de as seguir, mas de as egualar.

Entenda-se bem. Não se pretende tentar uma obra artisticamente civilizada e

moderna. Pretende-se, sem tentamens, realiza-la logo, desde o principio.

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[…]

CONTEMPORÂNEA vai ser uma surpreza, uma revelação para toda gente.

[…]

Em CONTEMPORÂNEA encontrará o leitor tudo quanto possa interessar

uma curiosidade elegante, desde a reportagem photographica

escrupulosamente attenta em colher apenas o instante feliz das occorrencias,

até uma collaboração literaria e pictural que para sempre e deveras mostre

que nada temos a invejar aos outros paizes se nos decidirmos a conjugar os

nossos esforços e a disciplinar as nossas competencias.18

A Contemporânea, portanto, demonstra através de seu programa as intenções de

uma revista modernista comprometida com a arte e destinada a saciar a carência da elite

e dos intelectuais da época. Ainda que na redação do texto não encontremos menções

diretas as vanguardas artísticas, fica evidente que o propósito do periódico era inovar,

seguindo os moldes das publicações europeias do início do século XX. O programa

prometia conteúdos modernos, relacionados à fotografia, arte e literatura. Temas

contemporâneos às mudanças culturais do momento, a intenção de agrupar numa única

publicação diferentes formas de abordagens artísticas é mais uma característica do

modernismo. Mesmo que em 1915 a Contemporânea não tenha obtido o sucesso que

esperava, em 1922 com o seu retorno nos deparamos com um periódico que resgatava a

militância modernista de Orpheu e ao mesmo tempo permanecia aberto as mudanças

culturais dos frenéticos anos 20.

Em 1922 com o relançamento da revista Contemporânea: Grande Revista

Mensal, encontra-se textos que estabelecem um vínculo direto com as vanguardas

artísticas e alguns dos principais textos e poemas do modernismo português como: A

Cena do Ódio de Almada Negreiros, O Banqueiro Anarquista, O menino de sua mãe,

Mar Português de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, Pessoa

também lançou Lisboa Revisisted, de Mário de Sá-Carneiro Poemas de Paris, entre

outros.

18 Os trechos transcritos foram retirados respectivamente da versão digitalizada, não datada nem assinada, disponível em:http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/CONTEMPORANEA/1915/Nprog/Nprog_master/Prog.pdfAcesso em 24 de julho de 2013.

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Em relação ao vínculo com as vanguardas temos o artigo que intitula-se Carta a

um Esteta e é de autoria de Afonso de Bragança19 e inaugura o primeiro número da

revista deste ano.

O texto trata em linhas gerais de uma apresentação da revista para um esteta e de

maneira pontual estabelece uma visão sobre aquela geração de intelectuais os

desvinculando do futurismo, mas ao mesmo tempo se posicionando em relação à

contemporaneidade e a sua importância para o modernismo português resgatando alguns

princípios que a própria vanguarda futurista trouxe em 1910 como a valorização da

tecnologia, da ciência e a crítica ao passado:

A minha geração está realizando esse trabalho. Não são, como você

ingenuamente os capitula – futuristas. São apenas – contemporaneos. E com

que esforço, n’um país que não o é! E sabe você que é ser contemporaneo?

Você é capaz de se rir. De supor, perfeitamente e inegavelmente,

«contemporaneo». No entanto você – engana-se.

Você é um antepassado – um antepassado de si proprio. O aeroplano Foirey

que vae a caminho do Brazil, de tela e de alumínio, motor «Rolls-Royce»,

movido a gazolina, guiado por um homem sereno e pratico, de bigode á

americana e por um lobo do mar, glabro e irônico – despertou em você, meu

caro amigo, uma emoção romântica. Você viu-os ir, como quem vê partir –

uma caravela!

E no entanto o «raid» ao Brazil é um acto que só pode ser visto com olhos de

Hoje. Por isso você delirou de entusiasmo – quando eu queria que você

refletisse. Você tomou-o por um aventura heroica – quando se trada de uma

travessia matematica. Vê? Não se acha você – antepassado?

Mais. Você é mais antepassado do que seus antepassados. Os nossos avós em

1400 foram á Índia com um espírito muito mais pratico e scientifico do que

aquele com que você, em sonhos heroicos, os vê partir. (BRAGANÇA, 1922:

02)

O futurismo como vanguarda artística deu suporte teórico e estético aos

fundadores da revista Contemporânea, ao afirmar que “não são futuristas, são apenas

contemporâneos” o autor não nega propriamente o futurismo, mas estabelece com a

vanguarda um vínculo de influência responsável pela construção da ideologia

modernista. Encontramos no trecho transcrito elementos que demonstram essa

19 Afonso de Bragança era um jovem colaborador do Diário de Lisboa e teve apenas um texto seu publicado na revista Contemporânea, faleceu prematuramente em 1922.

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influência: a propósito da travessia área do Atlântico por Sacadura Cabral e Gago

Coutinho em 192220 critica a visão passadista que considerava a viagem dos dois

portugueses como um ato heroico em contraposição à visão contemporânea que

valorizava um viés que enaltecia o acontecimento não pela sua dimensão épica, mas sim

pelo avanço tecnológico e científico que representava para a época.

Ao comparar a visão do esteta sob a viagem dos dois aeronautas à partida de

uma caravela o autor demonstra a visão passadista que valorizava as antigas conquistas

portuguesas durante o período das Grandes Navegações, essas conquistas para os

intelectuais modernistas ainda eram importantes, no entanto, a contemporaneidade lhes

oferecia a possibilidade de estabelecer novos êxitos, mas não baseados nas glórias do

passado e sim no avanço cultural que a modernidade lhes proporcionava tal como a

ligação entre a velocidade, tecnologia e conquistas científicas sentidas pelo futurismo no

início do século XX.

O texto de Afonso de Bragança não se limita a valorizar a contemporaneidade,

nele também encontramos críticas às estéticas literárias e artísticas do passado, como o

classicismo realista e o naturalismo:

Você educou a sua vista n’umas suavidades de forma, n’uma nitidez de

pormenores, n’uma ordenação de planos, n’uma natureza por ordem

alfabética – que o impede de ver a Natureza tal qual é, ou seja: alguma coisa

de tão inédito sempre, de tão extranho, de tão inexplicado, de tão tumultuoso,

de tão contraditório, de tão vivo e de tão grande, que só vivel-a – absolve a

vida.

Você que aliás, tem o culto dos «nús», vê a vida vestida. D’ai a sua

incompreensão quando lh’a apresentam despida – despida de

convencionalismos, de hipocrisias, de retoques.

[…]

Você não é um homem que vê. E´ um homem que sabe. Você tem certezas.

E, ai! de quem for contra elas!

Você é um grego, – sans «blague».. Você é uma vitima do grande sonho de

Beleza Grega – o sonho de Harmonia, de Elegancia, de Extase que fez dos

Gregos cidadãos honorários da Eternidade, – e os deixou vencer por Roma. E

20 Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram os responsáveis pela primeira travessia área do Oceano Atlântico no contexto das comemorações do centenário da Independência do Brasil em 1922.

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se eles forma vencidos no seu tempo, – o que quer que lhe aconteça a si, no

nosso? (BRAGANÇA, 1922: 02)

Ao criticar antigas formas estéticas do final do século XIX, sobretudo o

naturalismo, o modernismo português estabelecia um novo espaço para difusão das

estéticas vanguardistas do início do século XX, que desconstruíam a visão de arte

tradicional que representava a vida real de forma perfeita e objetiva. A arte moderna

possibilitava novas interpretações e novas visões sobre a natureza e a condição humana.

As mudanças que ocorreram nos primeiros anos do século XX e posteriormente com a

Primeira Guerra Mundial alteraram a percepção dos intelectuais e dos artistas sob a

dimensão estética da arte.

Identifica-se também uma forte crítica ao racionalismo, quando o autor afirma:

“Você não é um homem que vê! E’ um homem eu sabe. Você tem certezas. E, ai! de

quem for contra elas!” Essa afirmação demonstra de maneira evidente a importância do

questionamento, das incertezas, do não concreto. A razão não é mais a “dona da

verdade” coma modernidade as perguntas podiam ser feitas e as respostas nem sempre

eram encontradas.

O estranho, o inexplicável, o tumultuoso e o contraditório que o autor refere

aponta para as grandes transformações culturais e sociais por qual a Europa e o mundo

passavam, sobretudo nos anos de 1920. O modernismo não permitia mais o

convencionalismo e, partindo desse pressuposto, Bragança indica uma nova visão sobre

a vida, livre do passadismo, da “perfeição” da arte naturalista, nas convenções sociais e

estereótipos tradicionalmente impostos.

Afonso de Bragança faz uma comparação entre a arte moderna e o naturalismo

influenciado pela arte clássica grega:

«A Arte Grega inspira Bondade» leu você em Anatole. Pois a Arte moderna,

inspira Alegria, Alegria e Força. Mais beleza, menos beleza? Não. Outra. A

Beleza é que mudou. E a Beleza que envelhece, – deixa de o ser…

(BRAGANÇA, 1922: 02)

Bragança cita Anatole France, escritor francês naturalista do final do século

XIX, para demonstrar a contraposição entre a arte naturalista com inspiração clássica

em relação à arte moderna: tratava-se de uma grande mudança nos paradigmas estéticos.

Ao afirmar que a arte moderna inspira a alegria, o autor demonstra a posição modernista

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que combatia as convenções, o conservadorismo, a perfeição e objetividade do século

XIX, estas são uma síntese do pensamento modernista português.

Por fim, o autor descreve a importância do surgimento de um novo estilo de arte

que combatia os estereótipos do passado e também demonstra a importância de se

iniciar um processo de reconstrução da arte, de retornar ao primitivo e iniciar um

projeto que dava molde a uma mudança cultural em Portugal:

Vocês esgotaram a vida. E o que é pior – esgotaram Portugal.Portugal como

vocês, não é «contemporaneo». Nem europeu. Perdeu o seu logar no tempo e

no espaço, por vossa causa.

O que nos resta? Voltar ao princípio. Começar de novo. Nós somos os

«primitivos» d’uma vida nova que se desenha. Vamos viver de novo Portugal

– com outros olhos, outras tintas, outra alma. Vamos vive-lo com azas, com

motores com movimento. Vamos dar a volta a Portugal – mas correndo-o no

sentido da rotação do mundo… (BRAGANÇA, 1922: 03)

Bragança critica o Portugal do passado, o Portugal decadente. Este Portugal não

fazia parte da Europa, não correspondia as expectativas da contemporaneidade, era

atrasado. Por isso a necessidade da criação do novo, as mudanças geradas pela

modernidade eram latentes no projeto dos modernistas dos anos de 1920. O mundo

estava em constante transformação: avanços científicos, descobrimentos de novas fontes

de energia, fim da guerra, acordos de paz entre os países, surgimento de novas

ideologias políticas em torno dos pensamentos fascistas, o desenvolvimento econômico

norte-americano influenciava as mudanças mundiais, as artes continuavam se

transformando e em 1924 uma das vanguardas mais importantes (o surrealismo)

surgiria. Portugal não podia permanecer estático diante de tantas transformações. O

autor do texto usa o sentido da palavra “primitivo” para designar um retorno à origem

da arte portuguesa, para reiniciá-la através da modernidade dos novos tempos.

Referindo ao Brasil, a Revista de Antropofagia fundada, em 1928, trazia em suas

páginas diversos textos sob a influência vanguardista europeia, principalmente dadaísta.

Em 1920 Francis Picabia criou a revista Cannibale que teve somente dois números, mas

que, no entanto, serviu de influência direta ao movimento antropófago brasileiro.

O primitivismo expressado através da metáfora do canibal deu à Revista de

Antropofagia não apenas uma fundamentação teórica em torno da “devoração” da

influência vanguardista, ela também possibilitou a transformação estética e permitiu o

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uso da expressão canibalesca como tema de muitos textos que ao mesmo tempo que

discutiam a importância da antropofagia apresentavam através do humor, da ironia, da

paródia uma nova abordagem literária.

Para ilustrar o reflexo da influência vanguardista presente na Revista de

Antropofagia apresentamos três textos. O primeiro é da revista número 1 e trata-se de

uma poesia chamada Fome de Guilherme de Almeida:

Em jejum na mesa do “Café Guarany”,

O poeta antropófago rima e metrifica o amorzi-

[nho se sua vida.

Elle tem saudades de ti.

Elle quer chamar “ti” de: estranha – voluptuo-

[sa – linda querida.

Elle chama “ti” de: gostosa – quente – bôa

[ – comida.

(ALMEIDA, 1928: 05)

A poesia exemplifica a questão do humor presente na vanguarda antropofágica

através de uma construção de linguagem que leva ao leitor a interpretar o texto como

uma declaração de amor a uma pessoa, mas que na verdade é a comida. O comer, o

devorar, o alimento são temas recorrentes em poesias e textos da revista como um

resgate direto do tema canibalesco.

Outra questão importante nesta poesia é a construção das rimas seguindo o

modelo de poesias cubistas. Palavras escritas pela metade, não seguindo uma métrica

uniforme, com símbolos e referências à modernidade, por exemplo, nomeadamente o

“Café Guarany”, pois os cafés eram o espaço de interação e debates dos intelectuais das

cidades modernas.

O segundo texto é um editorial de António de Alcântara Machado intitulado

Carniça e se trata de uma crítica direta ao positivismo:

Numa conferência há pouco realizada na Faculdade de Direito de São Paulo

Baptista Pereira esguichou um pouco de Cruzwaldina na epidemia positivista

que assolou e ainda hoje assola este país condoreiro. Pode parecer bobagem a

gente ainda se preocupar com tal cousa. Pode parecer só: porque não é.

Ninguêm está claro vai se dar ao trabalho de combater o positivismo hoje em

dia. Mas é preciso de uma vez por toda liquidar com êsse cadáver que

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enterrado desde muito na Europa foi exumado por meia dúzia de fivelas e

trazido para o Brasil onde continua empestando o ambiente (MACHADO,

1928a: 1).

Neste primeiro trecho António de Alcântara Machado salienta a importância do

combate ao positivismo forma de pensamento filosófico que perdurava entre alguns

meios intelectuais brasileiros desde o século XIX e do período da instauração da

República no Brasil e demonstra sua opinião contrária em relação à presença de tal

ideologia no Brasil. O positivismo foi uma corrente que influenciou muitos intelectuais

brasileiros durante o século XIX e principalmente na época da instauração da república

no Brasil.

Para os modernistas a sua permanência no seio da intelectualidade brasileira

constituía um atraso filosófico e político, por isso Machado a combate diretamente.

Sobre a ligação do positivismo com a República o autor diz:

Quási todas as tolices iniciais da República a gente deve aos austeros

namorados póstumos de dona Clotilde. Assim como entre nós sujeito mal

cheiroso é para todos os efeitos filósofo bastava alguêm fazer parte da

igrejinha Ordem e Progresso para ser considerado logo sábio, gênio,

armazém de virtudes, torre de honestidade (MACHADO, 1928a: 01).

Machado de maneira sarcástica demonstra a ligação entre o positivismo e a

instauração da República no Brasil, cuja a bandeira assumia o lema: “Ordem e

Progresso” de nítida inspiração positivista, da autoria do próprio Auguste Comte: "O

Amor como princípio e a Ordem como base; o Progresso como fim"

(em francês L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but.).

Usando a metáfora da “carne”, como vimos uma forma de expressar a

necessidade de “comer” ou “devorar” tal como uma ação canibal o autor aponta:

Não digo que se coma semelhante carne. É cousa que já a cozinha refugou, o

cachorro não quis, os corvos não aceitaram protestando virar vegetarianos

caso insistissem. Também deixar na dispensa envenenando as varejeiras não

é possível. (MACHADO, 1928a: 01)

Utilizando desta metáfora o autor aponta uma corrente filosófica que não atendia

mais as necessidades daquele período, o positivismo era para o modernismo uma forma

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de pensamento que significava atraso e devia ser combatido para que em seu lugar as

ideias modernistas pudessem continuar se desenvolvendo, não apenas na questão

literária, mas também em relação às questões políticas.

O terceiro e último texto desta análise foi publicado no número 6, era da autoria

de João do Presente21 e se intitulava O Homem que eu Comi aos Bocadinhos, que

reiterava a crítica ao positivismo e demonstrava a apropriação e ressignificação do

canibalismo com o propósito de “devorar” ideias:

Elle me amolava tanto que eu já o tinha de olho para um churrasco.

Uma vez elle falou em “Amor por princípio”.

Eu achei que uma citação dessa merecia uma dentada. E ferrei-lhe os

dentes.

Outra vez sahiu-se com “A ordem por base”.

Eu me indignei tanto que mordi-lhe de novo.

De uma feita, passeando com elle, ouvi de sua boca “O progresso

por fim”.

Era demais!

Rasguei a carde do “cidadão” a custa de dentadas.

Agora elle anda branquinho por causa da brancura do esqueleto.

Eu comi toda carne d’elle e somente deixei a língua avermelhando a

alvura da caveira.

Eu deixei a lnigua de propósito.

E quero ver si elle tem coragem de me dizer “Viver para outrem,

viver ás claras”.

Si elle disser, então morrerá como peixe: pela boca.

O coitado é positivista e talvez por isso estava com a carne mesmo

no ponte de ser comida.

E eu comi. (PRESENTE, 1928: 04)

O texto nos aponta primeiramente algumas características comuns presentes na

Revista de Antropofagia: o humor, a sátira e a metáfora do canibalismo como uma ação

de apropriação de determinadas ideias. Depois de uma forma direta aponta o combate ao

positivismo ao “castigar” o positivista toda vez que este citava Auguste Comte através

de seu lema político: L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but.

A cada dentada o autor quer representar a filosofia positivista sendo devorada

pelo antropófago, esta sendo digerida pela modernidade, não representando mais o

21 Possível pseudônimo de Oswald de Andrade.

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progresso que o positivismo defendia, pois este só acontecia naquele momento através

dos diferentes avanços da modernidade, através das indústrias, através da velocidade

dos acontecimentos, das descobertas e desenvolvimento científico, através da

transformação intelectual e cultural do povo que não estava pautada (ainda que a elite

intelectual fosse burguesa) nos princípios ideológicos da burguesia iluminista do final

do século XVIII.

As vanguardas, como vimos, permearam toda a formação dos movimentos

modernistas português e brasileiro, no entanto, ambos os modernismos passaram por um

processo de negação dessas vanguardas na tentativa de firmação da sua própria

originalidade artística e cultural. Ao mesmo tempo que as vanguardas possibilitaram a

transformação que os modernistas almejavam, elas limitavam seu desenvolvimento no

que diz respeito à valorização da cultura local. Num momento de combate à influência

estrangeira (no caso do Brasil principalmente) a apropriação das vanguardas era feita de

maneira seletiva e adaptada à realidade nacional.

As influências estéticas, políticas e filosófica de algumas doutrinas do final do

século XIX eram fortemente atacadas e combatidas, pois a busca pelo processo da

modernização da cultura necessitava de mudanças ideológicas, e tais mudanças

advinham com o modernismo.

4. Portugal e Brasil: afinidades e divergências

Buscar uma análise comparativa entre os modernismos brasileiro e português

não é inédito, no entanto, esses estudos pautaram-se por um viés diferente do proposto

neste trabalho. Seguramente uma das pesquisas mais significativa em relação ao tema é

a do Doutor Arnaldo Saraiva em seu livro Modernismo Brasileiro e Modernismo

Português: subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Neste

trabalho Saraiva resgata o período anterior ao surgimento do movimento modernista no

Brasil e em Portugal, defende a ideia de que o suposto rompimento entre os dois países

não existiu. Através de diferentes análises e fontes, o autor nos prova que ambos os

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países mantiveram relações durante o início do século XX, seja através de acordos e

tratados, seja pela busca da unificação da ortografia, ou ainda através da criação de

periódicos luso-brasileiros. Raquel dos Santos Madanêlo Souza, em sua tese de

doutorado intitulada Convergências e divergências: revistas literárias em perspectiva,

parte do ponto de vista de Arnaldo Saraiva e analisa dois periódicos que o autor em seu

trabalho destacou como importantes fontes que demonstravam a aproximação que era

considerada inexistente entre os dois países. As revistas em questão são A Águia, do

Porto, e Terra de Sol, do Rio de Janeiro, mas a autora inclui ainda na sua análise a

revista Seara Nova de Lisboa para auxiliar a justificação de suas comparações.

Tal como Arnaldo Saraiva, Raquel Souza deixou de lado a perspectiva mais

radical de ambos os modernismos não abrangendo estudos sobre as revistas Orpheu,

que como vimos inaugurou o movimento modernista português, Contemporânea que

ainda carregava o espírito da mudança e da contestação modernista em Portugal, a

Athena que surgiu resgatando alguns valores da Orpheu, sobretudo valorizando o

trabalho de Fernando Pessoa. Também não analisou as brasileiras Klaxon, primeira

revista modernista após a Semana de 1922 e a Revista de Antropofagia que foi

considerada de todas as revistas a mais vanguardista e radical do movimento brasileiro.

Partindo de outro prisma de análise neste capítulo, diferente de Arnaldo Saraiva

e de Raquel de Souza, apresentaremos uma forma de abordagem que mostra que mesmo

no seu teor mais radical ambos os movimentos dialogavam através de influências das

mesmas vanguardas históricas, das mesmas críticas ao passado e às antigas estéticas

literárias, das mesmas constituições de pensamentos nacionalistas, da aproximação de

alguns autores e presença desses nos periódicos dos dois países. Também

apresentaremos as divergências entre os discursos propostos pelos periódicos de Brasil e

Portugal, salientando algumas diferenças que mostram os pontos de vista que cada

intelectual aplicava ao movimento naquele período.

4.1 Crítica ao Colonialismo: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi

carnaval”

Como vimos, o movimento modernista brasileiro se caracterizou por alguns

discursos que negavam ou desvalorizavam o passado, no caso do movimento

antropofágico desejavam romper com as influências portuguesas e europeias como um

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todo, acreditava-se na apropriação e ressignificação das vanguardas e teorias vindas de

fora aplicadas e adaptadas à realidade brasileira. Na busca de uma afirmação cultural,

negar influências e tentar firmar a própria língua como algo original do país e não

importada pelo colonialismo foi um dos projetos que giravam em torno da ideologia

nacionalista da época. A crítica à forma de colonização que o país sofreu e à herança

deixada por ela foi um tema recorrente nas páginas da Revista de Antropofagia, ora com

humor, ora de forma agressiva os “antropófagos” atacaram Portugal e suas influências.

Para além do Manifesto Antropófago, nos editoriais de Alcântara Machado e em outros

textos iremos explorar esse caráter mais crítico em relação a Portugal presente na

Revista de Antropofagia.

No Manifesto Antropófago encontramos diversas menções a esta negação

proposta pelos modernistas, a primeira delas aparece quando Oswald de Andrade diz:

Queremos a revolução Carahiba. Maior que a revolução Francesa. A

unificação de todas as revoltas eficazes na direcção do homem. Sem nós a

Europa não teria siquer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

(ANDRADE, 1928: 3)

A diminuição da importância da Revolução Francesa frente a uma suposta

revolução de caráter popular, que carrega um nome indígena, que clama por uma revolta

maior que aquela que houve na Europa era uma forma de desvalorização da cultura

europeia diante do que estava por vir no Brasil com a chegada dos “antropófagos”. A

declaração dos direitos do homem, documento criado após a Revolução Francesa sob a

influência iluminista e da independência norte-americana demonstra a falta de

credibilidade do discurso dominante europeu frente à ideologia proposta pelo

movimento antropófago uma vez que tal discurso só existiu por influência de um país

das Américas.

Em mais um trecho do manifesto encontramos outra menção à Revolução

Francesa e às ideias iluministas, ao mesmo tempo uma aproximação desses

acontecimentos com a Revolução Russa de 1917 e o surgimento do surrealismo e a

filosofia de Keyserling. A mistura de acontecimentos históricos diferentes era um

recurso muito utilizado pelos modernistas que visava a desconstrução cronológica dos

fatos, interligando ao mesmo tempo interligavam acontecimentos importantes que de

algum modo possuíam proximidade ideológica ou estética:

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Filiação. O contacto com o Brasil Carahiba. Oú Villeganhon print terre.

Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao

Romantismo, á Revolução Bolchevista, á Revolução surrealista e ao barbaro

technizado de Keyserling. Caminhamos. (ANDRADE, 1928: 3)

Notamos também que há uma grande aproximação do Brasil em relação à

França no que diz respeito à formação intelectual, o que implica um afastamento de

Portugal e a desvalorização do legado da antiga metrópole. Ao citar Montaigne, o autor

do manifesto estabelece uma ligação entre o filósofo do século XVI e o iluminista Jean-

Jacques Rousseau. O primeiro, em seu ensaio Os Canibais descreve a vida dos índios

tupinambás do Brasil e questionava a opinião comum da época que considerava toda

forma de organização social diferente da europeia como “bárbara” ou “selvagem”. A

descrição dos indígenas de Montaigne não era necessariamente uma antecipação do

“bom-selvagem” de Rousseau, pois para ele os tupinambás eram violentos,

antropófagos, guerreiros e em alguns aspectos possuíam uma característica cruel

semelhante ao dos “homens brancos”. Já Jean-Jacques Rousseau defende uma imagem

diferente desta, idealizando o índio como um ser “não corrupto”, vivendo no estado

natural, para ele o homem não fazia mal ao próprio homem (em contestação ao “homem

como lobo do próprio homem” de Thomas Hobbes), sendo assim um “bom selvagem”

corruptível apenas quando entrava em contato com a civilização.

A primeira crítica direta a colonização portuguesa apareceu no seguinte trecho,

onde o Padre António Vieira é criticado e a coroa portuguesa ridicularizada:

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro emprestimo, para ganhar

commissão. O rei analphabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem

muito labia. Fez-se o emprestimo. Gravou-se o assucar brasileiro. Vieira

deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia. (ANDRADE, 1928: 3)

O Padre António Vieira fazia parte da Companhia de Jesus e chegou ao Brasil

em 1609, exerceu grande influência política e religiosa durante o século XVII através

das missões. A crítica direta à ligação do religioso com o poder régio demonstra como o

modo de colonização era reprovado pelos “antropófagos”, para eles toda forma de poder

exercida de fora, neste caso vindo da metrópole, significava o atraso e a dominação em

relação aos povos indígenas que habitavam o Brasil.

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Em outro trecho o desprezo pelo proselitismo cristão e pela influência

portuguesa aparece da seguinte forma:

Nunca fomos cathechisados. Fizemos foi Carnaval. O indio vestido de

senador do Imperio. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas operas de Alencar

cheio de bons sentimentos portuguezes. (ANDRADE, 1928: 3)

Ao desvalorizar a religião católica imposta pelos portugueses na sua chegada ao

Brasil transformando a catequese em uma festa popular como é o Carnaval, os

“antropófagos” demonstram uma atitude ofensiva e sarcástica em relação a essas

influências, nomeadamente ao clero. A Igreja Católica representava para os jovens

modernistas mais uma instituição que devia ser combatida, em primeiro lugar por se

tratar de uma religião que impunha dogmas que limitavam a liberdade do indivíduo e da

sociedade, em segundo lugar por estar estritamente ligada à colonização, pois esta

escorou-se na religião, visando catequizar e espalhar o catolicismo e em terceiro lugar

por representar um poder milenar totalmente passadista com raízes na Idade Média, ou

seja, uma forma de poder que para os modernistas face ao novo panorama social e

cultural não tinha mais razão de ser.

José de Alencar também é atacado pelos antropófagos, pois o autor costumava

retratar o indígena em suas obras com características portuguesas e sentimentos

europeus, às vezes semelhantes ao bom selvagem de Rousseau, um indígena ingênuo ou

civilizado sob a influência europeia, ao contrário do indígena antropófago, guerreiro e

violento representado pelo movimento.

Já tinhamos o communismo. Já tinhamos a língua surrealista. A edade do

ouro. Catiti Catiti Imara Notiá Notiá Imara Ipejú. (ANDRADE, 1928: 3).

Como se vê pelo excerto transcrito, Oswald de Andrade considerava a forma de

organização tribal dos indígenas e a divisão igualitária dos bens semelhante ao

comunismo. O marxismo é mais uma influência presente na Revista de Antropofagia,

posteriormente alguns membros da revista se filiaram ao Partido Comunista do Brasil.

A ligação feita entre a linguagem indígena e o surrealismo demonstra a influência desta

vanguarda ao que diz respeito no inconsciente e ao belo: o surrealismo que também era

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influenciado pela psicanálise de Freud, foi uma das apropriações da Revista de

Antropofagia.

Seguindo a lógica de crítica à influência portuguesa nos deparamos com mais

afirmações do manifesto que ironizavam a colonização lusitana no Brasil, sendo postas

em causa premissas histórico-culturais de caráter eurocêntrico: o “descobrimento” do

Brasil pelos portugueses; a evangelização e os missionários; a transferência da corte de

D. João VI para o Brasil como forma de salvar o país da dominação napoleônica; e

ainda a permanência da dinastia bragantina mesmo após a proclamação da

independência do Brasil:

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas pelas caravellas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um

antropófago, o Visconde de Cayrú: – É a mentira muitas vezes repetida.

[…]

Antes dos portuguezes descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a

felicidade.

[…]

Contra Goethe, a mãe dos Grachos, e a Côrte de D. João VIº.

[…]

A nossa independência ainda não proclamada. Frase typica de D. João VIº: –

Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça!

Expulsamos a dynastia. É preciso expulsar o espirito bragantino, as

ordenações e o rapé de Maria da Fonte. (ANDRADE, 1928: 7)

Ao serem contrários a qualquer forma de influência trazida de Portugal através

da colonização, os “antropófagos” reafirmaram a postura de negação do passado com a

menção aos “povos missionários”, Oswald demonstra de maneira direta que a crítica é

direcionada aos jesuítas portugueses que catequizaram os indígenas fazendo com que

estes passassem por um processo de perda da sua cultura durante o período das missões.

Conferindo ao Visconde de Cairu (José da Silva Lisboa) o estatuto de antropófago,

consideram-no devorador de algo que não lhe pertencia, tendo ele sido durante o

período de independência do Brasil um forte apoiante de D. João VI.

O ataque a Portugal está relacionado à dependência política e social do Brasil em

relação à antiga metrópole mesmo depois de 1822. Esta situação é representada por um

diálogo de D. João VI que demonstra o oportunismo em manter o poder depois da

independência nas mãos da família portuguesa. Pois somente depois da proclamação da

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República é que a dinastia lusa foi expulsa, porém, ainda que a família real tivesse

partido haviam deixado suas influências políticas no Brasil e era isso que Oswald de

Andrade pede para que seja retirado do país, ou seja, “o espírito bragantino”.

Em outro texto chamado A “descida” Antropophágica, de Oswaldo Costa,

encontramos em algumas partes as mesmas formas de crítica e o mesmo teor militante

do Manifesto Antropófago: “O que temos não é a cultura européa: é a experiência della.

Experiencia de quatro séculos” (COSTA, 1928: 8). Em outra parte, o autor satiriza a

civilização ocidental protagonizada no Brasil pelos portugueses:

Portugal vestiu o selvagem. Cumpre despi-lo. Para que elle tome um banho

daquella “innocencia contente” que perdeu e que o movimento antropophago

lhe restitue. O homem (falo o homem europeu, cruz credo!) andava buscando

o homem fóra do homem. E de lanterna na mão: philosophia.

Nós queremos o homem sem a duvida, sem siquer a presumpção da

existência da duvida: nu, natural, antropophago.

Quatro séculos de carne de vacca! Que horror! (COSTA, 1928: 08)

Ao culpar Portugal pela perda da inocência natural que pertencia ao indígena,

Costa aponta o Movimento Antropófago como a solução de um problema causado pelos

europeus que havia impelido seu sistema filosófico e cultural no novo continente. Ao

livrar o homem da filosofia estariam devolvendo a ele o seu estado natural sem a dúvida

da existência e da crença. O movimento antropófago clama pelo canibalismo como

fonte de alimento numa atitude irônica criticando a carne de vaca.

Os editoriais da Revista de Antropofagia assinados por Antônio de Alcântara

Machado também carregavam muitas críticas ao colonialismo. Selecionamos dois que

consideramos mais significativos no que diz respeito à influência cultural, política e

social portuguesa no Brasil. O primeiro inseriu-se no número 2 da revista e chama-se

Incitação aos Canibais; trata-se de um texto sobre a entrevista ao médico Fernando de

Magalhães que ao se referir à Sociedade Brasileira de Educação, disse que uma criança

de 12 anos respondera à sua pergunta dizendo que seu livro preferido era Os Lusíadas

de Camões. A esse respeito Alcântara Machado apresentou:

Ora, ora, ora, ora. Que brincadeira é essa? Então o raio do menino com doze

anos de idade já é assim tão imbecilzinho que prefere Camões a Conan

Doyle? E é isso que se chama resultado estupendo?

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O doutor Fernando diz troçar com a gente. Não tem que ver. Menino que

chupa Camões como se fosse pirolito de abacaxi não é menino: é monstro.

Mas que monstro: tôda uma coleção teratológica. É também para guris desse

quilate (e não só para os peraltas) que existe chinelo de sola dura.

Põe a gente triste verificar que um fenômeno assim é como não podia deixar

de ser brasileiro. Já no grupo escolar a molecada indígena ouve da bôca

erudita de seus professores que o Brasil foi descoberto por acaso e que

Camões é o maior gênio da raça. A molecada cresce certa dessas duas

verdades primarciais. Daí o mal: país descoberto por acaso é justo que

continue entregue ao acaso dos acontecimentos. (MACHADO, 1928b: 1)

Alcântara Machado primeiro critica a postura do menino em considerar Camões

o seu escritor preferido e depois critica o próprio médico por achar isso estupendo; a

questão defendida a partir da análise desse texto é que no momento em que a cultura

brasileira tenta se afirmar, combater a influência do passado, e, sobretudo dos

portugueses é a maneira dos modernistas buscarem a firmação da cultura brasileira. A

estética literária de Camões já não condiz com a realidade e estética do movimento

modernista brasileiro, pelo contrário, Camões representa o passado e a dominação

intelectual portuguesa sobre o Brasil durante o período de colonização.

Outra questão importante nesse editorial é o combate à teoria de que o país foi

encontrado por acaso por Cabral, para os modernistas o Brasil já possuía identidade

cultural própria antes da chegada dos portugueses e a ideia de que os portugueses

desembarcaram nas terras brasileiras por acaso era contestada pelos intelectuais uma

vez que já se falava na possibilidade de Portugal ter conhecimento das terras brasílicas

antes mesmo disso. Sobre “permanecer descoberto pelo o acaso”, o autor aponta a

importância de a interpretação correta da chegada dos portugueses no Brasil, para que a

ideia do “descoberto pelo acaso” não demonstre uma falta de importância dada ao país e

seu desenvolvimento, pois para Machado se o Brasil permanecesse no acaso não

chegaria a lugar nenhum.

O segundo editorial selecionado intitula-se Vaca e encontra-se no número 6. O

assunto proposto gira em torno da questão luso-brasileira no que diz respeito à questão

da língua. No Rio de Janeiro os membros da comunidade portuguesa haviam

homenageado o ministro brasileiro das Relações Exteriores pela defesa da língua como

um “patrimônio comum da raça”:

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Mais uma vez o Brasil defendeu o que em Portugal chama de patrimônio

comum da raça. Defesa que cabia aos lusitanos. Mas não tendo mais fôrça

nem autoridade para isso arranjaram advogado convencendo-o de que

tambêm tinha interesse na causa. De forma que não pagaram honorários.

Contentam-se em dar um presentinho de tempos em tempos.

Está tudo errado. A língua portuguesa não é patrimônio comum da raça.

Primeiro porque não há raça mas raças. Segundo porque não há língua mas

línguas.

O português diz que sim. Préga a unidade e tal. É cousa de sempre: quando

estava de cima só gritava eu, agora que está por baixo faz questão do nós.

(MACHADO, 1928c: 01)

Critica à aproximação do Brasil e Portugal em concordância com o fato da

língua portuguesa falada no Brasil ser a mesma de Portugal: um dos objetivos

defendidos pelos modernistas brasileiros era o reconhecimento do português do Brasil

ser diferente do português falado em Portugal. Mário de Andrade com a expressão

“brasilidade” já afirmava que a língua brasileira era diferente da língua portuguesa

tradicional. As influências indígenas e africanas haviam sido tantas que o linguajar

popular havia se modificado a tal ponto que não fazia sentido permanecer sob a mesma

instituição que o português de Portugal.

Outra questão importante levantada por Alcântara Machado é o fato do Brasil se

colocar numa posição inferior ao ceder e cooperar com Portugal, na visão do autor, o

Brasil passava por um momento de desenvolvimento cultural, social e econômico. O

movimento modernista representava a ruptura com algumas influências europeias e

principalmente ruptura com a influência colonizadora.

No mesmo número encontramos o texto Como me tornei escriptor brasileiro de

José Americo de Almeida que defende basicamente a mesma discussão proposta no

editorial de Alcântara Machado: a língua falada no Brasil era diferente da falada em

Portugal e para se tornar um autêntico escritor brasileiro o próprio deveria escrever em

“brasileiro”:

E para ser escriptor brasileiro ainda me faltava escrever em brasileiro.

Ora, eu nasci num tempo em que ainda se falava português no Brasil.

Inventei, assim, outro systema: ler os classicos (porque não posso deixar de

ler Bernardes, frei Luis de Souza, etc.) por cima, como quem está traduzindo,

fazendo de conta que é castelhano, procurando apenas o sentido.

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(Lingua pega como visgo).

Não sei se dará resultado. Mas o diabo é que, além das palavras, não acho

nada nos classicos… (ALMEIDA, 1928: 3)

O autor deixa clara sua posição em relação à língua, ao dizer que para ler os

clássicos em português tratá-los-ia como se estivesse traduzindo para extrair dali as

informações do livro; reescrevê-los em “brasileiro” é a tentativa explícita de

rompimento com o berço da língua do Brasil. Utilizando a ironia, típica da postura

modernista neste período, Almeida ainda nos fala que na tal tradução para além de

encontrar as palavras diferentes não encontrava mais nada nos clássicos, se apoiando em

mais um argumento modernista que combatia o academicismo, as obras clássicas e o

passado.

Francisco de San Tiago Dantas no número 9 nos apresenta o texto A festa do

guarda-chuva, permeado de crítica, ironia, apropriação e ataques. Essa forma de escrita

segue o estilo proposto pela Revista de Antropofagia. Critica a dominação europeia e

consequentemente a desvalorização da cultura nativa:

Quando S.M Mau Gosto unico volta de uma das victoriosas campanhas em

que se lança pelo espírito humano afora, traz um bando immenso de tropheus

e prisioneiros para mostrar à gente cá da cidade. Aqui, junto da Guanabara,

onde elle collocou a capital, sempre que se celebram esses triumphos Mau

Gosto sente cheio de prazer o vigor, a seiva com que lhe cresce o império:

Não faltam nunca as platéas. S.M. que não é mais, está claro, aquelle rei

semi-nú coberto de ouros e armas, vem de fraque e chapéu de palha. O sol,

electricista em chefe, derrama todo o calorão das apoteoses de rua. Desfilam

os trophéus. São as coisas preciosas que elle abiscoitou na conquista. E nem

faltam os melhores poetas e jornalistas que vêm para julgar e aplaudir (…).

A gente estava se enthusiasmando. Trouxe pavão da angola, trouxe tapete da

pérsia, trouxe negrão escravo pintado no sedenho. E outras coisinhas

amarellas, vermelhas, azues, contas, lacinhos.

Canibal velho agachado por debaixo das pernas, eh! Canibal sabido!, estava

salta não salta em cima daquillo. Índio toda vida gosta de continha. Só depois

de almirante é que não gosta mais (…).

Canibal não poude. – “Dá lincença!” Furou o povo, saltou de um pulo no

meio da calçada, agachado, com geito feroz. Muita moça correu. Cabibal

avançou pra uma, deu uma dentada gostoza no cotovelo. “Ai!” Panico.

Tumulto. Calçada ficou vazia. E Canibal rindo, dansou:

Calçadinha é minha, calçadinha é minha,

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Não é dos outros. (DANTAS, 1928: 02)

Neste texto encontramos num primeiro momento a crítica à dominação

portuguesa, a paródia em relação à constituição do império brasileiro com capital no Rio

de Janeiro, nota-se que essa forma de escrita que utiliza o humor, a paródia, a história

recontada através de um viés irônico permeia todas as páginas da Revista de

Antropofagia. O líder europeu exposto neste texto é tão caricato e ridículo quanto uma

personagem fictícia do humor. A apresentação dessa forma de apropriação da história é

um modo de autofirmação do processo de superação da cultura europeia que o Brasil

almejava. O autor indica vários elementos que caracterizam a dominação: a exposição

de prêmios e achados durante a viagem e por último apresenta a figura do indígena. Mas

nota-se que não é um indígena “bom selvagem” que serve de modelo de exibição para

uma plateia curiosa. O índio que Dantas descreve é um canibal, o índio antropófago,

aquele que possui características de guerreiro. O índio observa toda a situação em

dúvida se deve saltar sobre as pessoas ou não, e num determinado momento não resiste:

salta. Caracteriza-se de um jeito feroz, selvagem, causa pânico e medo. Ataca, morde e

espanta as pessoas que assistiam à chegada do europeu e por fim esse índio comemora o

esvaziamento da calçada, clamando que o espaço é dele e não dos outros. O Brasil é dos

seus naturais e não dos outros, o antropófago estava tentando provar essa perspectiva.

4.2 Relações improváveis: a amizade de António Ferro, Oswald de Andrade, Mário

de Andrade e Tarsila do Amaral

Se em 1928 a Revista de Antropofagia defendia o afastamento do Brasil em

relação a Portugal, a Klaxon, a primeira revista modernista brasileira não se mostrou tão

resistente às influências portuguesas. Em 1922 há em suas publicações dois exemplos

que demonstraram o diálogo entre os modernismos de ambos os países. Mário de

Andrade, numa atitude que demonstra uma abertura a novas ideias, permite que nas

páginas da Klaxon número 3, de julho de 1922, seja lançado o manifesto Nós22 de

António Ferro, com forte teor estético futurista e de caráter vanguardista, para além de

22 Anexo E.

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demonstrar muito apreço pelo escritor num texto de abertura da seção “Luzes e

Refracções” do número 5.

Mas a ligação de António Ferro não era estritamente com o periódico. Apesar de

não ter participado pessoalmente da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, a

sua contribuição com o manifesto lançado na Klaxon foi de enorme importância. No

mesmo ano Ferro se deslocou ao Brasil onde proferiu a conferência A idade do jazz-

band nas principais cidades brasileiras, despertando nos jovens modernistas grande

apreço e admiração (veremos posteriormente numa carta de Oswald de Andrade

exemplo dessas manifestações).

O texto da seção “Luzes e Refracções” da revista Klaxon, destinado a falar de

António Ferro carrega em suas linhas humor e leveza. Nos moldes de escrita

modernista, o fato da visita do escritor português ser importante para o Brasil é

demonstrado de maneira peculiar:

Está entre nós o escriptor portuguez Antonio Ferro. Ao autor dessa adorável

“LEVIANA” offereceram os Klaxistas um jantar. Houve alegria, amizades,

discursos e trocadilhos. Num dos momentos um dos convivas escreveu no

cardapio: “S. Paulo precisa importar ferro”. Ao que o homenageado

immediatamente respondeu: “porque Ferro se importa com S. Paulo”. O céu

escureceu. A Terra tremeu. E muitos mortos ressuscitaram. (ANDRADE,

1922c: 14)

A descrição do encontro de António Ferro com os “klaxistas” não poderia ser

feita de maneira melhor, Mário de Andrade salienta bem a alegria que o grupo sentia em

estar reunido e a suposta homenagem demonstra o vínculo de admiração que ambos os

intelectuais nutriam um pelo outro. A descontração no final do texto é o que desperta no

leitor a capacidade de compreensão da ironia que o movimento carregava.

A revista Contemporânea também se tornou palco para troca de elogios e

informações sobre ambos os movimentos. No número 5 de novembro de 1922, um texto

de Monteiro Lobato foi publicado na revista. Em 9 de março de 1923 o texto de Oswald

de Andrade intitulado O Barracão dos Romeiros foi lançado na revista, o que

demonstrava a aproximação entre os intelectuais brasileiros e portugueses no início dos

anos 1920. Na segunda fase da revista encontramos uma carta aberta de Oswald de

Andrade dedicada a António Ferro e um texto de apresentação da exposição da pintora

Tarsila do Amaral em Paris redigida pelo próprio Ferro.

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É justamente através da carta de Oswald de Andrade que se continuam a rastrear

as aproximações entre os dois movimentos. A carta foi lançada em março de 1925 no

suplemento da Contemporânea. O conteúdo apresenta os artistas brasileiros que

residiam em Paris naquele ano, comenta cenário cultural e literário do Brasil e critica

Graça Aranha. Porém, nesta mesma carta encontramos a menção por parte de Oswald

(lembremos a postura dele em relação à cultura portuguesa e as diferenças das línguas)

sobre a questão da língua falada no Brasil e a falada em Portugal, com uma abordagem

firme, repleta de argumentos e apelos para que o público português pudesse

compreender as dificuldades dos escritores brasileiros em ainda utilizarem as mesmas

regras ortográficas que os lusitanos. E também encontraremos um elogio e admiração

pela produção cultural portuguesa do final do século XIX e início do século XX que

muito se diferenciava da produção cultural brasileira:

Ninguém trabalha mais francamente pela libertação nacionalista da língua

brasileira e da arte brasileira. Nas minhas campanhas, não me tenho privado

de affirmar, mesmo em Lisbôa, quanto nos tem sido nefasta a prisão do falar

brasileiro nos moldes lusitanos. Referi-me em entrevista dada ao «Diário de

Lisbôa» em 1923, ao atrazo oucasionado á evolução da nossa língua própria

pelo inútil purismo do Conselheiro Ruy Barbosa. Nossa língua está tomando

caracter tão particular e independente quanto o inglez falado na America, já o

disse Paulo Prado. Os nossos escriptores têm um dever-fixar essa evolução

no sentido de sua pura liberdade. (ANDRADE, 1925: 03)

Para Oswald de Andrade era fundamental na firmação cultural brasileira o

rompimento entre as duas línguas faladas no Brasil e em Portugal, sobretudo, pelas

diferentes influências que o português sofreu com o contato com as línguas indígenas,

com as línguas africanas e a influência linguística europeia com a grande onda de

imigração para o Brasil. Fica evidente também um ataque à ortografia portuguesa

quando o autor se refere a um “atraso” da evolução da língua brasileira que se mantinha

ligada à ortografia portuguesa. Ainda que o autor desfira as críticas em relação à

questão da separação dos dois modos de se escrever e falar português, ele reconhece que

havia qualidade na literatura portuguesa numa época em que a literatura brasileira não

conseguia inovar:

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Isso não me impede de ver e admirar os bons exemplos que nos fornece

Portugal.

Duas grandes gerações sucessivas já tiveram representantes portuguezes á

altura das mais altas responsabilidades creadas – refiro-me ao movimento

symbolista e ao movimento actual. Eugenio de Castro combateu lado a lado

com Moreas e Regner, Antonio Nobre e outros seguiram-n’o, emquanto no

Brasil, a coudelaria parnasiana afinava a lyra manca espectral dos poetas de

30 annos atraz. Isso constitue apenas uma vergonha para a nossa historia

litteraria. Vergonha que melhor realça o valor da pesquiza portugueza.

(ANDRADE, 1925: 03)

Como vimos, o movimento simbolista foi um dos responsáveis pelo surgimento

do modernismo em Portugal, influenciou muitos escritores, sobretudo Fernando Pessoa

que renovou a estética literária portuguesa no início do século XX com uma forma de

escrita que resgatava as influências do simbolismo.

No Brasil, nesta mesma época, o parnasianismo era a estética literária em voga, a

que foi combatida e perseguida pelos modernistas, uma vez que representava o passado

em sua forma e métrica. Reconhecer que Portugal viveu um momento diferente,

sobretudo, “mais avançado”, aos olhos dos modernistas brasileiros, nos permite

estabelecer um vínculo de admiração e respeito por parte dos intelectuais brasileiros em

relação aos intelectuais portugueses, num momento em que o nacionalismo

(principalmente no Brasil) era considerado o principal discurso para a afirmação

cultural logo após o surgimento do Manifesto da Poesia Pau-Brasil em 1924 que

propunha muitas mudanças estéticas e buscava a verdadeira construção cultural

brasileira independente das influências europeias. Portanto, a aproximação e respeito

adquirido pelos modernistas brasileiros em relação aos escritores portugueses

contradiziam muitos argumentos que combatiam a influência portuguesa na cultura

brasileira. Veremos na próxima parte da carta um Oswald que se rende à influência

modernista portuguesa personalizada em António Ferro:

Actualmente, se Portugal nos atulha ainda de diccionarios caducos e regras

inviáveis de syntaxe e prosódia, manda-nos também a jovialidade combativa

de você, meu valente António Ferro. Porque, creia-me, a sua conferencia –

«A edade do jazz-band» realizada nas principaes cidades do Brazil, abriu lá

um respiradouro por onde entraram os barulhos desasticulados da nova

Europa, tão necessários as almas dos nossos dias esportivos e – oh ironia! tão

americanos.

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A sua estadia entre nós deu apoio á attitude iniciada pelos modernistas de São

Paulo, perante os voluveis letrados da capital. Sem você, mesmo com todos

os remorsos estheticos do inolvidável Graça Aranha, estaríamos mais

atrasados (ANDRADE, 1925: 03)

António Ferro foi editor da revista Orpheu, redigiu o manifesto Nós (publicado

na revista Klaxon) e colaborou nas revistas Contemporânea e Exílio, se assumiu

modernista artisticamente, “avesso às convenções estéticas estabelecidas e preconizador

de uma nova ordem; politicamente, fez apologia do Estado autoritário e intervencionista

que guia a sociedade e dirige as artes” (RIBEIRO, 2010: 1) e dirigiu o Secretariado da

Propaganda Nacional do Estado Novo português criado em 1933. Não se pode negar

tamanha influência intelectual que o português representava aos modernistas brasileiros

que ainda em 1925 se firmavam nas estruturas vanguardistas que já haviam passado por

Portugal. Mas não foi apenas António Ferro o modernista português reconhecido por

Oswald na carta; para além de recordar o artista plástico Amadeu de Souza Cardoso, o

brasileiro ainda dedicou algumas linhas a Aquilino Ribeiro:

Outra lição contemporânea que Portugal nos indica (sem contar a de Amadeu

de Souza Cardoso na pintura) é a que eu chamarei de phenomeno Aquilino.

De facto, reparou V. como Aquilino Ribeiro, sem desconfiar de nada, é um

modernista de melhor vanguarda? Eis um caso opposto ao de Graça Aranha

(este nome, cantando espalharei por toda parte). Emquanto Graça é um tijolo

acadêmico e mais nada, querendo á viva força figurar numa exposição de

motores, Aquilino é um motor que se esconde entre pedras as pedras de sua

serra (ANDRADE, 1925: 03)

Aquilino Ribeiro foi um importante escritor numa fase posterior à “geração de

Orpheu”, e pelos anos 1920 suas obras não passaram desapercebidas aos brasileiros.

Como o próprio autor da carta diz, Aquilino era vanguardista, sem a pretensão de o ser,

carregava na sua literatura os princípios do modernismo o que lhe garantiu essa

admiração por parte dos intelectuais brasileiros, chegando ao ponto de ser mais

valorizado que Graça Aranha, um dos fundadores do modernismo no Brasil.

A carta redigida por Oswald de Andrade é um dos exemplos que demonstra a

aproximação de ambos os movimentos. Ainda que os princípios estéticos modernistas

brasileiros tenham sido o da negação e afastamento em relação à Europa e Portugal, é

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inevitável que duas propostas artísticas concebidas de maneiras muito semelhantes não

tivessem seus pontos de convergência.

A valorização não parte apenas de Oswald, António Ferro mantém uma relação

amigável com o escritor brasileiro e com sua esposa a pintora Tarsila do Amaral. É na

Contemporânea número 2 (3ª série, 1926) que encontramos um texto de Ferro que

demonstra esse vínculo. Ao anunciar a exposição de Tarsila, Ferro não dispensa boas

referências à pintora e a seu marido que estavam em Paris para o evento:

Oswald! Oswald, na sua vibração contínua, na sua inteligência trepidante, na

sua inteligência eléctrica, no tumulto das suas imagens, das suas palavras que

atropelam como automóveis, é uma cidade, uma capital, um país. Ozwald é o

Brasil, o Brasil que se multiplica, o Brasil enorme, o Brasil que chega até

Paris. Junto de Ozwald, Tarsila do Amaral, a grande pintora Brasileira, o

maior pintor Brasileiro!!!!!!!!! (os pontos de admiração servem de arame

farpado. Preparo-me para a defesa. O meu grito – eu sei – é um grito de

guerra)

(…)

A arte de Tarsila é a bandeira do Brasil. «Ordem e Progresso». Ordem, muita

ordem. Tudo nos seus lugares, tudo perfilado, numa atitude de parada militar.

(…)

Bandeira Amarela e verde… Ordem e progresso… A ordem das coisas e das

figuras em continência, o progresso duma pintura nova, duma pintura

reveladora, universal e nacional… Como se está longe da pintura feminina e

bela de Marie Laurencin, da pintura «le petit col blane de ta robe est tout

propre», pintura que eu adoro como se adora um galgo ou uma se adora uma

mulher. Marie Laurencin não tem pátria: Marie Laurencin é de hoje. Tarsila é

de hoje e é brasileira. Marie Laurencin tem individualidade. Tarsila do

Amaral tem individualidade e tem raça (FERRO, 1926: 84-85)

Os elogios de António Ferro seguem os moldes modernistas, exclamações,

velocidade, eletricidade, são as influências dos frenéticos anos 20 definindo o artista

brasileiro. Apesar de notarmos no movimento modernista português a não participação

feminina e muitas vezes até uma atitude misógina, neste texto António Ferro destaca

Tarsila não só como pintora, mas como uma mulher influente na cultura brasileira.

Referia-se a Tarsila como: “esta cabeça cheia de certeza”; demonstrando como a força

das suas ideias era importante para a época. Outra constatação interessante por parte de

Ferro é a ligação da arte de Tarsila com os dizeres “Ordem e Progresso” da bandeira

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brasileira, fazendo alusão a uma parada militar, a visão de Ferro já tendia a uma

interpretação de um modernista que apreciava os valores autoritários, do movimentos e

ideologias de caráter fascista que emergiam neste momento.

O autor compara ainda a arte de Tarsila com Marie Laurencin que carregou o

título de única pintora cubista, o entanto, nas obras de Tarsila encontra-se forte

influência do cubismo, o que justifica as comparações de Ferro. Tarsila retratava o

cenário brasileiro e o processo de desenvolvimento urbano de São Paulo firmando as

características do modernismo brasileiro.

4.3 Portugal: as relações luso-hespanholas, o ibero-americanismo e o combate ao

imperialismo

Na revista Contemporânea encontramos dois assuntos que salientam o

fortalecimento das relações entre Portugal e Espanha e, por consequência, o

estabelecimento de um vínculo entre as duas nações e os países da América Latina.

Podemos identificar nas duas doutrinas uma atitude de defesa em relação ao

imperialismo norte-americano e à dominação econômica alemã e inglesa.

Os textos que demonstram as teorias do pan-iberismo são vários; durante toda a

primeira fase da Contemporânea encontramos textos em português e espanhol que

afirmam a importância dessa aproximação e a justificação econômica e social para tal

atitude.

César Antonio Molina no livro Sobre el iberismo y otros escritos de literatura

portuguesa, chama a atenção para o manifesto que apareceu no número inicial da revista

Contemporânea em maio de 1922 em lugar de destaque, ocupando a página que seguia

à folha de rosto:

O Director da CONTEMPORÂNEA propoz em assembleia geral da

Sociedade Nacional das Bellas Artes, realisada em 16 do corrente, a fundação

da SOCIEDADE DOS AMIGOS DA ESPANHA. – Propoz tambem socio

honorário S. Exca. o Sr. Conde de Romanones, presidente da Sociedade dos

Amigos de Portugal. – Pela Sociedade dos Amigos de Espanha! Pela

Sociedade dos Amigos de Portugal! Por Portugal! Por Espanha!23

23 Este texto encontra-se na versão digitalizada da edição número 1 da revista Contemporânea de maio de 1922 sem autoria. Disponível em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/CONTEMPORANEA/1922/N1/N1_master/N1.pdf Acesso

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Molina em relação a este tema fala sobre o discurso resposta de Ramón Gómez

de la Serna que se tratava de uma homenagem a revista Contemporânea destacando

algumas das novidades que a revista contribuía para a cultura portuguesa. A transcrição

deste discurso apareceu no número 7 da revista em janeiro de 1923.

Sobre António Sardinha24 César Molina fala que foi este pensador que Ernesto

Giménez Caballero em Amor a Portugal o colocava como um dos três portugueses que

entenderam a necessidade da comunhão peninsular com a América. Sobre a posição de

Sardinha no assunto referente ao iberoamericanismo, Molina afirma:

Sardinha habla de la necesidad de la incorporación iberoamericana y subraya

que para llevarla a cabo había que olvidar-se de esas luchas entre Portugal y

Castilla que son de carácter familiar y que solamente en família han de

resolver-se. El escritor portugués cmo la mayor parte de los ideólogos del

iberismo español, se inclina por una «unidad moral» que no tênia por qué ser

política. Sardinha habla de la coexistencia de dos estados que por sus

vínculos geográficos y raciales «podem chegar ao verdadeiro laço de união

entre a Europa, a America e a Africa…». Pero el autor de la Aliança

Peninsular va más Allá al hablar de peninsularismo en vez del iberismo «de

evidente marca masónica y revolucionaria» (MOLINA, 1990: 99).

O primeiro texto que analisamos é justamente de autoria de António Sardinha

intitulado O Pan-Hispanismo. Aí encontramos a apresentação do processo de

estreitamento de laços da Espanha com os países latino-americanos e a chamada de

atenção para que os portugueses se unissem aos espanhóis nessa empreitada. O autor

apresenta as semelhanças entre as duas nações (portuguesa e espanhola) no que diz

respeito ao processo de domínio além-mar do passado, o que serve para justificar a ideia

de um possível ibero-americanismo:

É a 12 de outubro que passa a comemoração da descoberta da América pelas

caravelas de Colombo. Já a Espanha consagrou esse dia como «dia da Raça»,

– como o dia da festa da sua civilisação. Evidentemente que «raça» se não

toma aqui num restricto significado éthico. Enche-se antes dum amplo

sentido cultural e histórico em que Portugal e o Brasil cabem perfeitamente,

em 06 de agosto de 2013.24 António Sardinha produziu uma obra que se afirmou como a principal referência doutrinária do Integralismo Lusitano. A sua defesa de uma monarquia tradicional, orgânica, antiparlamentar serviu de inspiração a uma influente corrente do pensamento político português da primeira metade do século XX.

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sem ofensa aos seus velhos pergaminhos nacionalistas. (SARDINHA, 1922:

49)

Refletindo sobre a aproximação da Espanha em relação aos países da América

Latina, Sardinha questiona por que Portugal e Brasil não haveriam de fazer o mesmo:

Porque motivo, brasileiros e portuguêses, não hão-de corresponder ao mesmo

sentimento, incorporando-se com entusiasmo na caravana que de dia para dia

vai engrossando? (SARDINHA, 1922: 49)

Levantar a questão da aproximação entre os países ibéricos e os países da

América Latina representava uma nova busca por fortalecimento econômico diante de

uma Europa que já havia passado por uma guerra e se encaminhava para outra. Na ótica

de Sardinha os Estados Unidos representavam uma grande ameaça imperialista para os

países da América Central e do Sul, países que após o processo de independência da

Espanha e Portugal necessitavam de fortes estruturas econômicas para se

desenvolverem, em contrapontos à dominação econômica norte-americana.

Sardinha defende oficialmente a importância da aproximação de Portugal e

Espanha, desvalorizando as desavenças do passado:

Logo veremos que as lutas de Portugal com Castela são lutas de família, que

em família sempre se resolveram. (SARDINHA, 1922: 49)

As disputas entre Portugal e Espanha deveriam ser superadas, ambos os países

deveriam olhar-se como irmãos na busca da união das duas nações, deixando para trás

as diferenças e estabelecendo um novo vínculo de prosperidade. Esse vínculo garantiria

o avanço econômico dos dois países e promoveria a união entre a Europa, América e

África:

Pois a hora presente é-nos, como nunca propicia! «Na opinião geral –

escrevia há já bastantes anos o general Rodrigues de Quijano – só Espanha e

Portugal pelos seus precedentes e índole especial raça podem chegar a ser o

verdadeiro laço de união entre a Europa, a América e a Africa…» Em

sucintas palavras, se condensa todo o futuro das duas pátrias peninsulares, se

olhando para a frente com a coragem e iniciativa, nos resolvermos a executar

tão belo programa de acção, para o qual, antes de tudo se estabelece como

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primeiro passo, a necessária aproximação de Portugal e Espanha.

(SARDINHA, 1922: 49,51)

Somente Portugal e Espanha poderiam dar início a uma ação de união entre os

continentes africano, asiático, americano e europeu. A “índole” e “especial raça” dos

povos ibéricos no discurso de Sardinha refletia seu posicionamento ideológico

integralista. A aproximação com a América Latina garantiria o afastamento da

influência norte-americana:

Assim, o desacreditado iberismo, de evidente marca maçonica e

revolucionária, será vencido pelo peninsularismo cujas raízes na geografia e

na historia, exigem logo de entrada, como condição prévia, que a tolerancia

política e económica dos dois Estados da Peninsula seja integralmente

respeitada. (SARDINHA, 1922: 49, 51)

O peninsularismo surgiu como uma proposta para substituir o projeto do

iberismo do século XIX que não obteve sucesso. Baseado na questão geográfica, ambos

os países teriam sua política e diversidade cultural respeitada, no entanto, estariam

apoiados economicamente em nome do desenvolvimento social da Península Ibérica.

A atitude combativa em relação ao imperialismo norte-americano e a

necessidade de aproximação urgente dos países da América Latina aparecem de maneira

mais clara e evidente no seguinte trecho:

Mas o peninsularismo não é senão a jornada inicial! Na margem oposta do

Oceano – do Oceano que nós tornámos algum dia como mare nostrum, num

perfeito lago familiar –, outras patrias existem que falam a nossa língua e que

não ficam insensíveis ao nosso apelo. O pan-hispanismo nos surge daqui

como conclusão lógica, constituído por dois elementos estructuraes – o

espanholismo e o lusitanismo «Voz clamorosa de la sangre, contra el pan-

americanismo,» – foi como definiu o pan-hispanismo o ano passado, por

ocasião da Festa da Raça, no seu formoso discurso do Teatro Real de Madrid

o conde de la Montera, D. Gabriel Maura Gamajo, acrescentando em seguida

que «los pueblos que no se agrupen en organisaciones más amplias que la

sociedad nacional, sucumbirán bajo el imperialismo». (SARDINHA, 1922:

51)

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Como já havíamos constatado, a aproximação entre Portugal e Espanha fazia

parte de um projeto maior que culimnara na aproximação dos países da Península com

os países da América Latina. A justificação através da antiga colonização é um

argumento recorrente nos discursos desse projeto: uma vez que Portugal e Espanha

conquistaram o Oceano Atlântico e dominaram as terras além-mar, possuíam agora o

direito e até o dever, mesmo depois da independência desses países, de evitar a

dominação imperialista norte-americana. Sendo os ibéricos uma espécie de “tutores”

desses territórios, não poderiam permitir que eles caíssem sob a influência de outros

países que não fossem eles mesmos.

No final do texto de Sardinha nos deparamos com o convite direcionado aos

portugueses para que fizessem parte dessa empreitada de aproximação com a Espanha e

Brasil, afirmando que a glória do passado em relação aos descobrimentos estava por vir

junto com as mudanças políticas e sociais propostas no ideal do pan-hispanismo:

Prepara-se Portugal, pela sua parte, reorganisando-se como nação forte e

estreitando cada vez mais os vínculos da sua amizade com a Espanha, nossa

irmã, e com o Brasil, nosso filho primogênito. E como numa primavera

nunca vista, a flor do internacionalismo hispânico abrirá as suas pétalas de

maravilha, ressuscitando a manhã longínqua em que a América se revelou em

toda a sua magnífica adolescência, aos pilotos de Christóvam Colombo e a

marujada de Pedro Alvares Cabral! (SARDINHA, 1922: 51)

O pan-hispanismo ou “internacionalismo ibérico”, como chama António

Sardinha, não se tratava apenas de uma estratégia de defesa contra o imperialismo, era

também um processo de crescimento e fortalecimento político e econômico de Portugal

e Espanha através da América Latina, como se os dois países desejassem reaver algum

controle econômico desses países para poderem deste modo também se fortalecer

perante a Europa e o mundo.

Em outro texto de autoria de Martinho Nobre de Melo25, intitulado As relações

luso-hespanholas: o pan-iberismo, encontramos um ponto de vista mais crítico em

relação a essa aproximação entre os dois países. O autor aponta a falha das nações ao se

aproximarem sem terem se organizado previamente política e socialmente, destina mais

atenção em relação a Portugal e demonstra como o país se não se esforçar no sentido de

25 Martinho Nobre de Melo foi um importante intelectual e jornalista cabo-verdiano, era professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi Embaixador de Portugal no Brasil e Ministro dos Negócios Estrangeiros em Portugal.

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melhorar sua estratégia de desenvolvimento social não conseguiria alcançar o prestígio

de formar uma corrente forte econômica com Espanha, Brasil e os outros países da

América Latina:

Pois é justamente neste momento, em que a nossa desordem no interior corre

parelhas com o desprestígio no extrangeiro, que muitos ousam empreender

um movimento de opinião em vista a criar-se um novo círculo de influencias

internacional, o bloco federativo das nações de língua hispânico-portugueza!

Só as nações poderosas, aureoladas de prestígio, podem promover systhemas

de allianças e criar círculos de influencia no conceito mundial. Poude-o a

Inglaterra com relação a Europa e não creio que, para a proteção dos nossos

interesses, tenhamos vantagens em deslocar-nos para a orbita política de

qualquer outra potencia europea. Pode-lo-ha porventura o Brazil com relação

á América, quando chegar sua hora. Mas, não ande o carro adeante dos bois.

Esperemos que, do outro lado do Atlantico, nos estenda a mão o Brasil. Até

lá muito tempos que fazer: arrumemos primeiro a nossa casa que anda disso

bem precisada. (MELO, 1922: 06)

Parece que a preocupação do autor é de caráter político. O Portugal republicano

vivia um clima de instabilidade política, por isso, para Nobre, resolver estas questões

eram fundamentais para poder dar continuidade ao projeto de extensão ibérica. Para o

autor, somente nações com prestígio político, econômico e social poderiam dar início a

um projeto desse porte. E ainda duvida da capacidade espanhola em se tornar um

possível líder de aliança entre países, pois para o autor não haveria vantagens em

deslocar Portugal de um vínculo com a Inglaterra para iniciar um novo com a Espanha.

Em relação a isso, Nobre afirma que o Brasil poderia exercer tal função futuramente em

relação aos países da América do Sul, talvez numa atitude combativa em relação aos

Estados Unidos, mas que a ajuda para Portugal deveria partir do Brasil e não o

contrário.

Outro texto de extrema importância que nos apresenta o projeto de aproximação

da Espanha e Portugal como uma ação fundamental ao desenvolvimento dos dois países

é de autoria de Eduino de Mora, escritor e diplomata cubano que então residia em

Lisboa em 1922:

A pesar de los estrechos vínculos forjados por la Naturaleza, España y

Portugal, que parece se sonrien cariciosas, han permanecido vueltas de

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espaldas, en absoluto divorcio espiritual. España, encerrada en la torre de

marfil de su soberbia ancestral, nunca quiso sabe que junto a ella alíenta un

cuerpo Hermano, y Portugal viendo siempre en el castellano el enemigo

secular de sua independência, echó por encima de la Península un puente de

unión com otras naciones de distinas características e sentimientos.

Pero estos dos pueblos que tan aparejadamente hicieron su gallarda

galopada por los abruptos montes de la Aventura, pueden llegar a

comprenderse y amarse, no formando una única entidad política, como

algunos ilusos quieren, olvidados de que ambos han tenido, tienen y tendrán,

próprios derroteros internacionales, sino en unión racial, sin ningún outro

nexo; el mismo ideal flotante de comunión anímica de España con sus veinte

y dos hijas americanas que en un futuro, no lejano tal vez, será una linda

realidad azul.

Y asi, con Portugal imperio colonial y Brazil, completa la grau família

ibérica, podrianse realizar elevadas aspiraciones reivindicativas que duermen

en un empolvado rincón del cérebro de la Raza…(MORA, 1922: 16)

O texto de Mora levanta a questão da importância do vínculo entre Portugal e

Espanha desejando que as diferenças do passado sejam ultrapassadas e possam realizar

projetos futuros de desenvolvimento econômico e social dos dois países. Só após a

superação das diferenças entre ambos é que seria possível iniciarem uma ligação com os

países da América Latina concluindo assim o projeto da expansão e aproximação

ibérica.

Com este texto concluímos a apresentação de testemunhos que abordam a

questão do pan-hespanismo. Para além destes trechos, encontramos na Contemporânea

outros de origem espanhola como a Conferencia cubista sobre la esquizofrenia

publicada originalmente na revista El Sol de Madrid, de autoria de Corpus Barga, e o

Discurso de Ramon de La Serna (revista número 7). O projeto de aproximação entre

Portugal e Espanha não era de todo inovador, como vimos desde o século XIX26

intelectuais de ambos os países almejavam esse vínculo, no entanto, o novo cenário

mundial dominado por grandes potências econômicas obrigava Portugal e Espanha a

repensarem as suas condições políticas, sociais e econômicas e agora com suas antigas

colônias independentes e com grandes potenciais de desenvolvimento econômico, viam

nelas a oportunidade de reaverem os antigos laços e assim estabelecerem novos acordos

e pactos de apoio financeiro, político e também cultural.

26 No século XIX predominava a ideia de união política entre Portugal e Espanha; na década de 1920 o projeto era de aproximação política, cultural à luz de uma ideologia antiliberal.

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O ibero-americanismo foi um projeto fruto do pan-hispanismo. Na verdade,

como vimos anteriormente, muitos autores não pensavam no processo de expansão

hispânica sem que este estivesse articulado com a aproximação aos países da América

Latina. No caso de Portugal, a aproximação com o Brasil era fundamental para o

sucesso do projeto e nesta altura não eram somente os portugueses e espanhóis que viam

no ibero-americanismo uma estratégia política e social importante, alguns brasileiros e

sul-americanos também comungavam das mesmas ideias.

Todos os textos referentes ao ibero-americanismo aparecem na segunda fase da

Contemporânea, isto é, a partir de 1926, as contribuições brasileiras também que

aparecem na revista portuguesa não partem de nehum membro do movimento

modernista do Brasil, o que nos leva a concluir que ainda que haja participação

brasileira neste projeto, ela não parte dos modernistas e sim de alguns intelectuais

isolados.

O texto do professor da Faculdade de Direito de São Paulo, Spencer Vampré,

nos apresenta uma abordagem partindo do ponto de vista do Brasil sobre o ibero-

americanismo. O título do texto é Approximação Ibero-Americana. O que deve o Brasil

fazer para completar a sua independência. O autor divide o texto em quinze partes,

dessas buscamos pontos específicos que demonstram a importância de tal projeto para o

Brasil:

Calculemos as vantagens de uma organização política, fundada na mais

profunda sympathia dos dois povos, autônomos, mas irmãos; independentes,

mas sócios; livres mas cooperantes. Computemos as consequências agrícolas,

mercantis, marítimas, dessa cooperação: – Portugal, abrindo para a America a

sua producção, e os seus portos europeus; – o Brasil, encontrando nas ilhas

atlânticas portuguezas – nos Açores, em Cabo Verde, na Madeira, – as

estações de sua navegação, as bases de sua defesa naval, os provimentos de

carvão e aguadas. (VAMPRÉ, 1926: 57)

Vampré apresenta um cenário otimista que possibilitava vantagens na união

luso-brasileira; para o autor ambos os países só tinham a ganhar estabelecendo novos

vínculos econômicos, mas ao mesmo tempo respeitando suas diferenças políticas, cada

país sob sua própria administração. Em seguida o autor diz:

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Imaginemos agora o Brasil e Portugal, unidos nas mesmas tendências de paz,

de justiça e de ordem internacional, a estender sobre o Atlântico os seus

navios pejados de productos industriaes e agrícolas, e as suas bandeiras

confederadas tremularem simultaneamente em todos os mares. (VAMPRÉ,

1926: 57)

A visão do autor beirava o utópico, dois países ligados por um único sistema

econômico, dominando a hegemonia do Oceano Atlântico, estabelecendo um pacto de

cooperação mútua em que os países comercializariam livremente seus produtos sem

taxações internacionais.

Vampré demonstra também as desvantagens do Brasil em não aceitar o pacto,

pois Portugal era considerado como a porta de entrada na Europa, isto é, nos mercados

europeus. Sobre o tema o autor aponta o seguinte:

Que valerá o café do Brasil, e o algodão do Brasil, o carvão, o ferro, o

manganez, as madeiras, se não os transportarmos, em concorrência com a

França e com a Inglaterra, pelo apparelhamento de uma marinha mercante

luso-brasileira que torne possível a concorrência dos nossos productos, nos

mercados da Europa, da America e da Asia? (VAMPRÉ, 1926: 58)

Para Spencer Vampré o desenvolvimento econômico do Brasil dependia dessa

aproximação com Portugal. E não somente com Portugal, mas também com a Espanha e

os outros países da América do Sul. O autor justifica tal argumento evocando a

necessidade de formação de uma frente sólida que fizesse contraponto ao bloco anglo-

americano:

A política, testificando que é urgente constituirmos um núcleo de resistência

ibero-americana, que se contraponha, de um lado, ao núcleo anglo-saxonico,

de outro ao panslavismo, e de outro ainda ao colosso nipponico, que ameaça

estender seus galfarros dominadores sobre a idealística America Meridional.

(…)

A historia, porque nos demonstra que, em todos os tempos, tenderam-se as

nações sul-americanas para a união e a fraternidade de seus ideais, desde as

épocas tão próximas, mas já lendárias em que Bolívar e San Martín pregaram

a «Liga das Nações Americanas», até as inesquecíveis manifestações de

amizade e sympathia ao Brasil no recente Centenário. (VAMPRÉ, 1926: 59)

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A consolidação do projeto do ibero-americanismo era complexa e extensa,

envolvendo todos os países da América Latina, além de Portugal e Espanha. Cada etapa,

desde a firmação entre Portugal e Espanha e depois com suas antigas colônias, dependia

de acordos e cooperações, sobretudo de índole econômica. Identificamos que a principal

necessidade que levou esses intelectuais a fomentarem a aproximação entre os seus

países foi o combate ao imperialismo estadunidense e o controle econômico inglês.

O combate ao imperialismo não foi uma atitude vinda apenas de Portugal. Os

intelectuais brasileiros também viam na influência norte-americana um entrave à

afirmação econômica, política e cultural do país. Ainda que o projeto ibero-americanista

não tenha sido apropriado pelos modernistas brasileiros, esses em seu modo particular

também combateram o imperialismo.

Ou seja, mesmo comungando destas ideias os modernistas portugueses e

brasileiros não dialogaram sobre o assunto; ainda que tenhamos visto a participação

brasileira na Contemporânea em relação ao ibero-americanismo essa participação não

estaria relacionada ao movimento modernista brasileiro.

Sobre a influência negativa do imperialismo, começamos analisando o texto de

Celestino Soares, escritor e oficial da armada portuguesa, intitulado Breve Comentário

à Política Íbero-americana (Contemporânea número 1), que nos possibilita uma

interpretação que entra em conflito com o argumento de Oswald de Andrade no

Manifesto Antropofágico, que aponta um processo de dominação colonizador português

violento que subjugou e levou os indígenas a um processo de aculturação. Já no texto de

Celestino Soares encontramos a apresentação do processo de dominação portuguesa em

relação aos indígenas no Brasil como um processo pacífico e solidário, que possibilitou

avanços para os autóctones do Brasil. A abordagem de Soares é apresentada no texto

numa contraposição a forma de dominação dos estadunidenses em relação aos povos

indígenas que habitavam a América do Norte, que para o autor haviam sido violentos e

desumanos neste processo.

O texto de Celestino Soares também se refere ao entendimento do processo do

ibero-americanismo:

Estamos assistindo á formação de um bloco de nações, das pequenas nações

que tém desempenhado na resistência contra o panamericanismo, contra a

estendida teoria de Monroe, uma eficacíssima oposição civilizadora.

Mantem-se assim inabsorviveis pela América do Norte as qualidades

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estruturais dos povos do Centro e do Sul, temperando os benefícios da

formidável realização yankee com as condições naturais dos povos ibéricos e,

conseguindo resistir na língua, nas tradições nas tendências espirituais, no

vigor, na expressão política, presta-se um altíssimo serviço á evolução da

humanidade. (SOARES, 1926: 1)

Nesta parte do texto o autor demonstra como os países da América Central e do

Sul resistem à influência imperialista norte-americana, elogiando suas características

ibéricas. Para o autor a resistência desses povos era um símbolo de “evolução humana”,

evolução esta ameaçada pela hegemonia norte-americana. Sustentando o mesmo

discurso de união entre os países da América Central e do Sul, o autor prossegue:

Dizia eu, que assistimos à formação de um bloco de pequenas nações

americanas, tendo à sua frente vigorosas e jovens potências, como o Brasil e

a Argentina, e constituído sob o patronato de facto espanhol e honoris causa

português. Os destinos dêsse bloco na política internacional estão bem

marcados. A sua acção civilizadora, que apontei, é o melhor testemunho

histórico da força formidável e indômita que o impele.

[…]

O bloco iberoamericano não é, pois, como vulgarmente se supõe, uma força

sentimental. É um agregado político que está realizando uma obra de

saneamento humano, uma barreira étnica que se contrapõe a uma corrente

étnica, e há-de-ser, mercê da evolução natural dentro da qual se constroem

todos os esforços superiores, uma realidade política com todas as

características intrínsecas e extrínsecas das fortes correntes da civilização.

(SOARES, 1926: 2)

A união entre os países da América Latina representava, portanto, a salvação

contra a lógica capitalista representada pelos norte-americanos.

Outro relevante texto da Contemporânea número 1, de autoria de um brasileiro,

também professor da Faculdade de Direito de São Paulo, o doutor Noé D’Azevedo,

intitulado A União Ibero-americana, tendências e necessidades sociológicas. No trecho

a seguir selecionado encontramos uma atitude explícita de combate à influência norte-

americana em relação ao Brasil e aos países da América do Sul:

A raça latina, as populações meridionaes teem diante de si um perigo

imminente, que é o imperialismo anglo-saxonico.

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[…]

Lá na Europa, é Portugal que sabe perfeitamente quem se tem ido aos poucos

apossando do sei vasto imperio colonial; aqui na América, somos nós os

ibero-americanos as victimas do mesmo engodo.

[…]

Ao lado d’essa política, o capitalismo imperialista estende, como um polvo,

os seus tentáculos dos empréstimos, com os quaes vai opprimindo, e

anniquilando a vida das pequenas nacionalidades, que mais cedo ou mais

tarde hão de ser completamente absorvidas pelo poder incontestável do dollar

(AZEVEDO, 1926: 21).

O combate por parte de Azevedo é nitidamente de caráter econômico, o autor se

mostra totalmente contrário a política capitalista que rege a economia dos países da

América Latina sob a tutela norte-americana. Segundo estes escritores, para os países

sul-americanos se defenderem de tal ameaça necessitavam do apoio dos países ibéricos,

por isso o estreito laço entre o a apologia do combate ao imperialismo e o ibero-

americanismo.

Como vimos anteriormente, os modernistas brasileiros não concordavam com o

vínculo com a Europa e Portugal, ainda que os textos analisados aqui estejam

relacionados à política internacional não identificamos o apoio modernista neste

assunto. As atitudes modernistas no Brasil que combatiam o imperialismo eram

geralmente provocativas e carregavam humor e ironia, como é o caso dos editoriais de

Alcântara Machado na Revista de Antropofagia.

O primeiro texto que analisamos é da Revista de Antropofagia, número 5,

intulado Pacto do Dia, que fala especificamente do Pacto Kellog-Briand que estipulava

a renúncia à guerra como um instrumento de política nacional, o pacto levava esse nome

por se tratar dos nomes do secretário de Estado dos Estados Unidos Frank B. Kellog e o

ministro das relações exteriores francês Aristide Briand:

Salta o pacto de Kellog com molho de hipocresia norte-americana!

Pois os senhores já viram imbecilidade mais revoltante?

Reúnem-se em grave assemblea os conhecidos bandoleiros Janjão Taco,

Neco Facão, Prazer das Morenas e Totó Sururú. E que é que resolvem?

Declarar o assassínio e roubo fora da lei. E o que o mundo inteiro aplaude o

pacto solene.

O norte-americano que inventou essa obra-prima de cinismo e falsidade é o

mesmíssimo norte-americano que intervem na Nicaragua e aumenta todos os

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dias a sua fôrça guerreira. E a Europa que nessa obra-prima colaborou é a

mesmíssima Europa que trucida chineses e africanos há muito tempo lavando

sua roupa ensanguentada em publico.

O Brasil foi convidado para aderir a essa pouca-vergonha. Mas antes de pôr o

seu jamegão no pacto deve perguntar que pândegos se só agora descobriram

que a guerra é uma infâmia. E se quizer participar da pagodeira que vá até

Paris munido de máscara contra gazes asfixiantes. Com gente de tal ordem

tôda a precaução é insuficiente.

Quanto a nós, deglutido o pacto de Kellog atacaremos a pombinha da paz.

(MACHADO, 1928d: 1)

A atitude de Machado, como em outros editoriais é ridicularizar o pacto: a

renúncia à guerra como uma ação para instituir a paz. O pacto como sabemos falhou.

Em dez anos a Europa enfrentava uma nova guerra ainda mais devastadora que a

primeira. Para além de ridicularizar o pacto em si, o autor aponta as atitudes norte-

americanas como hipócritas uma vez que os Estado Unidos não estavam interessados

em promover a paz já que exerciam seu poderio bélico. Nessa mesma situação

encontrava-se a Europa que explorava suas colônias e vivia um período de entre guerras

com a ameaça iminente de um novo conflito.

O humor, com qual o autor trabalha o assunto, tende a demonstrar como eram

absurdas as atitudes políticas de teor imperialista, reforçando mais uma vez a postura

dos modernistas contra essas ações que remetiam à dominação estadunidense.

Ainda sobre a influência econômica dos Estados Unidos em relação ao Brasil,

António de Alcântara Machado publicou um editorial na revista número 8 intitulado

Pescaria:

Hoover vem aí. Vem pescando no mar. E desce de anzol feito bengala. Na

terra continua a pescaria. Daqui a pouco a costa sul-americana do Pacífico

está no papo. É substituir a minhoca da isca. O pessoal todo já abriu a boca

esperando as comidinhas irresistíveis: panamericanismo, fraternidade

continental, a América dos americanos.

Hoover vem aí. Vem aí e vem pescando perguntar que fim levaram as nossas

tradições antropófagas.

Brasil meu amor, você também virou peixe? (MACHADO, 1928e: 1)

A referência é nítida, o autor se refere ao presidente dos Estados Unidos Herbert

Hoover, em exercício durante a Crise de 1929. As menções às “comidinhas irresistíveis”

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demonstram a sátira em relação ao projeto imperialista norte-americano. Para além de

apontar o presidente estadunidense como um pescador prestes a apanhar mais peixes na

América do Sul, nos levando à ideia de presas fáceis para o sistema econômico

capitalista dos EUA, Machado também questiona a postura do Brasil, se este se deixaria

levar pela influência política abandonando seu “caráter antropófago”, o guerreiro

canibal que deglute qualquer força exterior para seu próprio benefício.

Um texto que não aborda especificamente o imperialismo econômico, mas sim a

interferência da Europa e Estados Unidos em assuntos da América do Sul é o editorial

da revista número 9, intitulado Chaco27:

O conflito entre a Bolívia e o Paraguai a propósito do Chaco teve até agora

pelo menos uma vantagem: mostrar a inutilidade absoluta da Sociedade das

Nações.

Quando a macróbia Europa soube que dois meninos sul-americanos estavam

se preparando para um sururu de verdade pensou muito convencida: Eu

arranjo a cousa em dois tempos. Briand o cabeludo (como diz Daudet) se

incumbiu de redigir e assinar o telegrama pacificador. O telegrama partiu.

Briand deu entrevistas em que declarava terminado o incidente. Quem tem

prestígio é assim. Acabem com essa briga, seus borrinhas. Os borrinhas com

medo do chinelo abraçaram-se cordealmente.

Mas a Bolívia e o Paraguai receberam o despacho, leram e continuaram a

trocar beslicões. Nem ligaram. Briand encabulou. A Sociedade das Nações

encabulou. A Europa (que soube do negócio) encabulou.

Só depois que o pessoal da América se decidiu a intervir é que as cousas

tomaram melhor rumo. A’ voz da casa os briguentos cruzaram os braços. E

tudo parece acabar em santa paz.

Assim está certo. Com a intromissão da Europa estava errado. Era quási

preferível fazer a guerra. Só de pique (MACHADO, 1928f: 01)

António de Alcântara Machado para além de apresentar a Sociedade das Nações

como um órgão incapaz de promover a paz, também demonstra como a intervenção do

ministro francês Briand também não resulta nas Américas. Somente a interferência

norte-americana resultou no fim do conflito entre os dois países sul-americanos, Bolívia

e Paraguai, o que demonstra o poder dos Estados Unidos sobre o continente, e é

27 A Guerra do Chaco foi um conflito armado entre a Bolívia e o Paraguai. Originou-se pela disputa territorial da região do Chaco Boreal, tendo como uma das causas a descoberta de petróleo no sopé dos Andes. Deixou um saldo de 60 mil bolivianos e 30 mil paraguaios mortos, tendo resultado na derrota dos bolivianos com a perda e anexação de parte de seu território pelo Paraguai.

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justamente esta atitude que o autor tenta demonstrar, pois a interferência política é a

própria ação imperialista, a qual os modernistas condenavam. Machado também aponta

a fragilidade da Europa no final dos anos 20 sob a influência norte-americana; ainda que

os EUA sofressem a Crise de 1929 após se reerguerem dominaram a economia

europeia.

As páginas das revistas Contemporânea, Klaxon e Revista de Antropofagia nos

apresentam de modo significativo as ligações, aproximações, afastamentos e rupturas

entre os dois modernismos. A relação entre António Ferro e os jovens intelectuais do

Brasil nos possibilitou uma nova interpretação da aproximação de Brasil e Portugal no

que diz respeito à estética modernista.

Notadamente identificamos em ambos os países o desenvolvimento de uma

espécie de “modernidade periférica” (SARLO, 2010) e compreendemos como periférica

aquela literatura que incorpora ao mesmo tempo a estética moderna sem conseguir

emancipar-se inteiramente dos motivos tradicionais, cravados no imaginário de seu país

e cultura que de modo geral estava relacionado à sua condição social e política. Tanto

Brasil, quanto Portugal incorporaram as vanguardas artísticas num processo de fusão da

sua própria construção cultural, criando desse modo uma releitura do modernismo em

relação ao restante da Europa.

5 Nacionalismo e Modernismo

As ideologias nacionalistas forma de extrema importância no início do século

XX. Tanto o Brasil quanto Portugal tiveram contato com as ideias nacionalistas e estas

pautaram algumas das discussões modernistas do período.

Na década de 1920 a intelectualidade brasileira estava preocupada em firmar sua

posição cultural pautada em condições políticas e sociais estritamente relacionadas à

ideia de Nação e Identidade Nacional, Portugal também havia passado por este

momento no início do século XX, mas sem conotações diretas com o movimento

modernista português. A condição política e social portuguesa definiu outra postura no

que diz respeito à constituição da ideia de cultura nacional, ainda fortemente

influenciada pelos acontecimentos no restante da Europa, a valorização da sua cultura

tradicional e o resgate de elementos pertencentes ao cenário popular português não foi

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comum durante o modernismo, diferente do Brasil, que neste momento buscava em suas

raízes a firmação da sua condição cultural e social.

O nacionalismo, portanto passa por releituras diferentes nos dois países, mas de

forma fundamental auxilia a construção ideológica do modernismo nas suas duas

condições.

5.1 No Brasil

O nacionalismo é um dos temas que fortalecem o discurso modernista no Brasil,

onde na busca da construção da uma identidade cultural os intelectuais brasileiros se

debruçaram sobre as questões políticas fazendo delas um meio de afirmação de suas

teorias. Para além da constituição daquilo que os modernistas chamavam de “cultura

brasileira”, era preciso a solidificação da ideia de Estado-Nação, que desde a

proclamação da República tentava se firmar no imaginário do povo e dos intelectuais da

época. Romper com as formas de importação da cultura europeia, representava para eles

um dos caminhos para a chegada dessa ideia de produção cultural independente.

Mônica Pimenta Velloso, no estudo A Brasilidade Verde-Amarela: nacionalismo

e regionalismo paulista, afirma:

Na constituição do projeto do Estado nacional, literatura e política caminham

juntas como irmãs siamesas. A arte é definida como o saber mais capaz de

apreender o nacional e, portanto, o mais apto para conduzir a organização do

país. (VELLOSO, 1993: 91)

Segundo Eduardo Jardim de Moraes, o ano de 1924 constituiu um marco de

mudança de rumos no movimento modernista brasileiro. Tal mudança visava em

primeiro lugar elaborar uma literatura de caráter nacional, e num segundo momento um

projeto de cultura nacional que extrapolasse o limite da literatura e atingisse um sentido

mais amplo. Para além da importância das mudanças políticas de 1924, o contato dos

modernistas com as tendências europeias que nesta mesma época defendiam uma volta

ao primitivismo em matéria de arte foi crucial para a formação dos novos pensamentos

que giravam em torno do nacionalismo. Assim, houve uma “redescoberta do Brasil

pelos brasileiros”, porém tal descoberta só se fez através do contato da intelectualidade

brasileira com os círculos literários franceses. Esse nacionalismo literário que se

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esboçou no ano de 1924 e se ampliou nos anos seguintes, num projeto de construção de

uma cultura nacional, foi, resultante do contato da cultura brasileira com a Europa neste

período (MORAES, 1978: 79).

Esse retorno ao primitivismo estava expresso em algumas vanguardas, como o

expressionismo, o surrealismo e o dadaísmo, que permitiu aos escritores brasileiros

enxergar a realidade primitiva nacional:

As vanguardas do início do século XX fizeram do primitivismo um conceito

polêmico, o usaram de tal forma para traduzir ao máximo o afastamento da

arte nova em relação às tradições e convenções do passado. Representou, por

isso, a tendência para buscar os elementos originários da arte nos sentimentos

ou na descarga de emoções. O primitivismo dos pintores e poetas

expressionistas, dadaístas e surrealistas consistiu na expressão interior

dominante, através da emoção intensa, do sentimento espontâneo ou através

da provocação do inconsciente. (NUNES, 1970: XVIII)

Segundo Moraes, o primeiro passo dado no sentido de introduzir a problemática

do nacionalismo na literatura modernista pode ser considerado o Manifesto Pau-Brasil.

O manifesto de Oswald de Andrade, publicado em 18 de março de 1924 no Correio da

Manhã, propunha a inauguração do processo de redescoberta do Brasil, marcando uma

virada brusca dentro do caminho de renovação (MORAES, 1978: 82). O Manifesto

Pau-Brasil comportava o nível de destruição dos elementos de cultura que ocultariam a

verdadeira realidade e propunha, assim, uma nova visão da vida nacional.

Benedito Nunes diz que o ideal do manifesto foi conciliar a cultura nativa e a

cultura intelectual renovada: “era a junção da floresta com a escola num conjunto

híbrido que confirmaria a miscigenação étnica do povo brasileiro, e que ajustasse num

balanço espontâneo da própria história” (NUNES, 1970: XXI). O “bacharelismo”, o

“gabinetismo” e o “academismo”, “as frases feitas da sabedoria nacional, a mania de

citações”, serviu de matéria para a Poesia Pau-Brasil que:

Decompunha, ironicamente, o arcabouço intelectual da sociedade brasileira,

para retomar, através dele ou contra ele, no amálgama primitivo por esse

arcabouço recalcado, a originalidade nativa e fez desta o ingrediente de uma

arte nacional importável (NUNES, 1970: XXI).

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Em resposta ao Manifesto Pau-Brasil de Oswald de Andrade, em 1926, Cassiano

Ricardo, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia e Candido Motta Filho fundaram o grupo

Verde-Amarelo. Estes representavam uma vertente mais conservadora do modernismo

paulista. Para eles, a busca da brasilidade passou a ser concebida como um “retorno ao

passado”. Assim compreendia-se o passado como o reduto das tradições brasileiras mais

puras e verdadeiras (VELLOSO, 2006: 374). Monica Pimenta Velloso diz que o

passado é concebido como uma espécie de “Eldorado, o mito Tupi” – associado à

pureza, espontaneidade e originalidade – que aparece, então, como um dos elementos

fundadores da nacionalidade.

Foi no Manifesto do Nhengaçu Verde Amarelo, publicado em 17 de maio de

1929 no Correio Paulistano, que o grupo defendeu as fronteiras nacionais contra as

influências culturais estrangeiras. Para eles a compreensão da brasilidade modernista

devia dar-se através da geografia. Partiam do pressuposto que era a geografia que fazia

a história, alterando o seu curso de maneira decisiva. Inspiravam-se na tradicional teoria

dos dois Brasis – o legal (litoral) e o real (interior) – identificavam o interior com a

brasilidade e a autenticidade em contraposição ao litoral, associado à ideia de

cosmopolitismo, fachada e artifício (VELLOSO, 2006: 375- 376).

As propostas estéticas literárias verdes-amarelistas não se distanciavam muito

das enunciadas no Manifesto Pau-Brasil e, sucessivamente, no Manifesto Antropófago.

Existiu, contudo, uma diferença fundamental entre os dois grupos, uma

incompatibilidade ideológica28 que impediu que ambos percebessem tais afinidades. O

nacionalismo do grupo de Oswald era crítico, polêmico: não tinha receio de denunciar

os aspectos negativos do Brasil; ao contrário, indagava todos os campos, buscando uma

visão profunda, realista e sincera do país. Já o nacionalismo do grupo de Plínio Salgado

era do tipo sentimental, epidérmico, buscou justificações na exaltação de valores como

o patriotismo, a terra, a religião, a família, a ordem política vigente. (OLIVEIRA, 2002:

72)

28 O Movimento Verde-Amarelo que passou a ser chamado de Grupo Anta em 1927 seguia uma linha de orientação política declaradamente de direita e conservadora, da qual em 1930 surgiria o Integralismo fundado por Plínio Salgado, associado ao fascismo. Já o Movimento Antropofágico tinha suas raízes na filosofia de Karl Marx e seu fundador Oswald de Andrade nos anos de 1930 se filiou ao Partido Comunista.

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Em 1927, o Grupo Anta29, nova denominação do Verde-Amarelo reformulado,

assentou as bases ideológicas de seu nacionalismo numa “política brasileira com raízes

profundas na terra americana e na alma da pátria”. (NUNES, 1970: XXXVI) Assim, o

índio passou a desempenhar uma função de integração do caráter brasileiro.

Simbolicamente o índio tinha a possibilidade de representar aquilo que era

genuinamente nacional. Mais do que isso, para Plínio Salgado, o índio ocupava o lugar

da integração dos elementos aparentemente díspares que compunham a brasilidade.

(MORAES, 1978: 131)

A partir de 1928 o movimento antropofágico deu continuidade à perspectiva

Pau-Brasil, com a mesma crença na existência de uma realidade nacional implícita que

era preciso atingir. O Manifesto Antropófago publicado na Revista de Antropofagia em

maio de 1928 ampliou e aprofundou a reflexão sobre a brasilidade. Passou a defender a

ideia da aglutinação e da integração das culturas.

Concluímos que os partidários da Anta mitificaram o trajeto da história

brasileira, em que o índio entrava em contato com a civilização europeia num processo

histórico que já estava destinado a acontecer. Já Oswald de Andrade interiorizou na

Antropofagia o índio, mas como imagem do primitivo vivendo numa sociedade outra, e

movendo-se num espaço etnográfico ilimitado, que se confundia com o inconsciente da

espécie. Em comparação com o tupi, sublimado pelo verdamarelismo na figura do

primeiro antepassado, o “antropófago” era um antimito. (NUNES, 1970: XXXVIII)

Moraes nos fala que a crítica antropofágica incidia sobre a forma de integração

do indígena pretendida pela orientação de Plínio Salgado, como vimos, dentro do grupo

Anta, o encontro do português com o índio era visto como um processo de

desaparecimento objetivo do segundo e sua sobrevivência na alma do colonizador. Na

Revista de Antropofagia, surge uma visão diferente desta, trabalhavam-se os mesmos

elementos, porém o índio devorava o colonizador e, atribuindo-lhe novo valor, absorvia

os elementos aproveitáveis da figura do devorado. Assim vemos que o nacionalismo

antropofágico não era um simples primitivismo, ele sintetizava a pureza natural e os

resultados da técnica moderna. Na Revista de Antropofagia encontramos um exemplo

29 Sobre o significado da escolha dos animais que representavam os dois grupos, a anta no Grupo Anta e o jabuti no Movimento Antropofágico Eduardo Jardim de Moraes diz: “A anta é um animal eminentemente pacífico, já o jabuti, mencionado no texto do Manifesto de Oswald, é forte e vingativo. É violento. O jabuti devora no sentido da destruição, as formas de consciência e experiência ‘fechadas’. Mas ele também integra transformando outras formas de consciência e experiência alienígenas” (MORAES, 1978: 146).

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da proximidade das duas correntes através de um estudo de Plínio Salgado (revista

número 1, de 1928) sobre a língua tupi que demonstra a importância da valorização da

cultura nativa do Brasil. A divergência ideológica dos dois grupos só ficaria latente na

segunda fase da Revista de Antropofagia e, posteriormente com as preferências políticas

de seus líderes.

Como vimos, o nacionalismo era um tema recorrente nos modernistas

brasileiros, sobretudo depois de 1924. A Revista de Antropofagia trazia em suas páginas

alguns textos com fortes críticas políticas ao sistema de colonização pelo qual o Brasil

passou e a influência norte-americana e europeia. No que diz respeito à valorização da

cultura nacional, notamos nas páginas da revista muitos textos que recorriam à cultura

popular brasileira como forma de afirmação da cultura nacional. Na revista número 03

de 1928 Ascânio Lopes publicou o seguinte texto intitulado Sangue Brasileiro que

demonstra um forte teor nacionalista:

As matas espessas eram noites escuras de breu

com sacis cachimbando de cócoras.

Os tições dos olhos de braza das onças pintadas

espreitavam por traz dos troncos das árvores.

Na beirinha dos rios as mães dagua traiçoeiras

penteavam os cabelos verdes molhados.

E bulindo na treva um assombramento

enchia de pavor os índios bravios. (LOPES, 1928: 6)

Neste trecho identificamos a presença do folclore e da cultura popular para a

afirmação do discurso nacionalista em relação a valorização da cultura brasileira. Tal

abordagem era comum no modernismo, pois através do resgate dos elementos da

tradição popular teciam um meio de construção da identidade nacional. Mário de

Andrade foi um dos intelectuais modernistas que mais se dedicou a resgatar tais

elementos e valorizá-los, a aproximação entre o modernismo literário e a antropologia,

disciplina que se institucionalizava nas primeiras décadas do século XX, se deu através

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da amizade e contato entre o escritor e Luís da Câmara Cascudo, antropólogo e

historiador da época30.

Na segunda parte do texto iremos identificar a chegada dos europeus no Brasil e

as consequências desse processo:

Mas os homens de sangue azul saltaram das naus

e pizaram o paiz encantado.

Um homem disse que a terra era boa

e que o solo virgem daria de tudo.

E os descobridores guerreiros de sangue azulado

misturaram seu sangue com o sangue

preto dos negros retintos

com sangue vermelho

dos homens vermelhos de bronze.

E do solo virgem da terra

brotaram homens novos possantes

com músculos de cordilheira

e ímpetos violentos de luta no sangue assanhado de febre.

E eles desceram pelas serras e rios

dominando quebrantos

domando selvagens

brigando com onças

despertando sacis

assustando mães dagua

varando florestas cheirosas

pulando cachoeiras saltos e quedas.

Iam jogando sementes na terra

e da sola áspera de seus pés as cidades brotavam. (LOPES, 1928: 6)

30 Câmara Cascudo compartilhou com Mário de Andrade seu contato com escritores modernistas da América Latina, apresentou ao escritor paulista os principais nomes da pesquisa do folclore do Norte e Nordeste, assim como o contato com músicos, contadores de histórias, curadores. Câmara Cascudo foi apresentado por Mário de Andrade aos principais periódicos do Brasil tornando-se colaborador, e até ao final da década de 1930 publicou uma dezena de livros.

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A chegada dos portugueses é vista como algo positivo, ela é fundamental para a

formação da raça brasileira de acordo com o autor, o hibridismo entre as raças negra,

europeia e indígena deu origem a uma raça única no Brasil. O processo de dominação

territorial através do avanço dos bandeirantes31 com a expansão e conquista de terras

afastadas e o descobrimento de novos territórios foi fundamental para o

desenvolvimento da agricultura e novas formas de exploração e colonização dos

territórios.

Notamos no texto que ao mesmo tempo em que portugueses (ou descendentes

deles) dominavam novos espaços, iniciavam um processo de afastamento das antigas

culturas; percebemos esta questão quando no poema as personagens folclóricas típicas

do Brasil fugiam e se escondiam dos novos descobridores:

As mães dagua fugiram na beira das águas

e acabaram os feitiços e bruxedos da terra

e o negrume negrinho das florestas escuras.

Só a mula sem cabeça inda corria os caminhos… (LOPES, 1928: 6)

Ao afastar a antiga cultura surgiu um espaço para o desenvolvimento de uma

nova forma de cultura, neste caso, mais forte e importante perante a visão do autor que

agora se dedicava a construir um novo Brasil com as mistura das três raças e a riqueza

que a terra podia oferecer:

E os homens novos e ousados

cruzaram os rios largos molengos

e sonharam com pedras verdes numa serra encantada

e com ouro nos riachos cantantes

e com maravilhas no mato assombrado.

No sangue deles havia ímpetos violentos

e seu músculos de cordilheira ansiavam lutas tremendas

e o sangue deles quente impetuozo vibrante

31 Os bandeirantes eram sertanistas do Brasil Colonial, que, a partir do final do século XVI, penetraram nos sertões brasileiros em busca de riquezas minerais, sobretudo a prata e indígenas para escravização. A maioria dos bandeirantes eram descendentes de primeira e segunda geração de portugueses de São Paulo, sendo os capitães das bandeiras de origens europeias variadas, havendo não só descendentes de portugueses, mas também de galegos, castelhanos e cristãos novos, além de alguns casos de parentescos genoveses, bascos, sarracenos, napolitanos e toscanos, entre outros.

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estuava nas artérias com rios encachoeirados reprezos.

E o sol quente dos trópicos

tornou vermelhinho esse sangue

temperou a alma dos homens heroicos

na fornalha escaldante da terra. (LOPES, 1928: 6)

A descrição dos novos homens que agora habitam essa nova terra demonstra a

força e as qualidades deles e como a raça brasileira tornou-se boa e superior com as

transformações que estes passaram na terra que lhes oferecia o melhor para seu

desenvolvimento. A alma brasileira possuía o que havia de melhor das três raças.

Alma selvagem de lutas aventuras encantos

sangue selvagem borbulhante nas veias.

Sangue dos desbravadores da terra verde da Amazonia

sangue dos plantadores de ruas alinhadas de café

nas terras roxas de Piratininga

sangue do cavaleiros dos pampas

sangue dos cavaleiros heroicos das cavalhadas

sangue dos vaqueiros das correrias do sertão enorme

sangue herança dos negros dos borocotós

sangue herança dos índios dos pajés de Cunhambebe

sangue dos homens que não possuindo terras

vieram arrancal-as do seio verde do mar.

Brasileiro!

Esse é o teu sangue

que circulou mas veias dos dominadores de índios

e dos bandeirantes sonhadores valentes

e que estua que ruje nos nossos corpos amorenados pelo

sol vermelho e quente

que há de vibrar nas artérias de nossos filhos

para que eles possam continuar a obra imensa do domininio

da terra – a epopeia da raça. (LOPES, 1928: 6)

A valorização da raça brasileira fica evidente nesta parte final do texto quando o

autor relembra os grandes “heróis” da terra, mas podemos notar que existe um processo

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de “branqueamento” desse herói quando o sangue valorizado é dos exploradores

brancos, enquanto que o negro e o indígena são recordados como uma forma de

“herança”, como se estivesse excluídos da raça ainda que a compusessem. A teoria de

“embraquecimento” do povo brasileiro foi muito comum no final do século XIX e início

do século XX com a grande onda de imigrantes que se destinavam ao Brasil, mas no

entanto, não era um tema recorrente entre os intelectuais modernistas, ainda que neste

textos consigamos notar de modo subliminar essa postura.

Os modernistas brasileiros também criticavam o status do país, na tentativa de

apontar suas falhas e desse modo através do processo de desenvolvimento cultural pelo

qual passavam promoverem as mudanças. Num poema de João Dornas Filho

encontramos uma crítica forte em relação a visão do povo brasileiro em se considerarem

os “maiores do mundo” sobretudo no que diz respeito aos recursos naturais:

O que mais me admira no Brasil

não é o rio Amasonas – o maior do mundo!

E nem as florestas e as riquezas,

as maiores do mundo!

O que mais me admira no Brasil

é a preguiçosa confiança que nós temos

nessas coisas todas – as maiores do mundo!... (FILHO, 1928: 02)

A “mania de grandeza” criticada pelo autor se refere ao grande atraso industrial

e urbano que o país enfrentava ainda no início do século XX. Em comparação aos países

da Europa, o processo de modernização do Brasil foi tardio e a “preguiçosa confiança”

era uma condição que demonstrava um conformismo em relação à essa situação

O nacionalismo, portanto não foi simplesmente um tema explorado pelos

modernistas no Brasil, como vimos o nacionalismo foi uma das principais correntes

ideológicas defendidas pelos intelectuais e fundamental para a caracterização do

movimento e para a formação da identidade cultural brasileira, diferente do que ocorreu

em Portugal como veremos a seguir.

5.2 Em Portugal

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O nacionalismo em Portugal não foi um resgate cultural modernista

propriamente dito, ainda que e eles tenham se apropriado do nacionalismo de modo

superficial.

Rui Ramos afirma que o nacionalismo para os portugueses remonta ao final do

século XIX, mas foi com a implantação da República que ganhou mais força. Muitos

escritores da “geração de 1870” que se apoiavam nas “ideias modernas” para agitar a

sociedade burguesa revelavam certa “iconoclastia antitradicional”. Para José Mattoso

em seu estudo A Identidade Nacional, os autores desta época não se limitaram a tentar

explicar e propor soluções em relação à “decadência nacional” procuraram também

compreender a Nação definir e explicar as suas características, através de estudos sobre

as origens do povo português e a averiguação exata da sua história, propunham metas e

objetivos a alcançar, colaboravam na sua edificação, apontavam os caminhos através

dos quais a Nação podia regenerar-se ou adaptar-se ao mundo moderno, usando para

isso processos intelectuais, como a averiguação exata da história portuguesa, ou meios

mais realistas como o desenvolvimento dos transportes e a industrialização.

(MATTOSO, 2008: 38)

Com a “geração de 1890” notou-se uma mudança no discurso. Essa geração

acreditava que antes da sociedade burguesa existiu uma “realidade portuguesa”, uma

forma de vida que correspondia exatamente ao modo de ser dos portugueses, e que se

perdeu quando estes começaram a imitar os outros burgueses europeus. Esse modo de

vida naquele período só podia ser notado nas lendas históricas, em certos costumes

rurais, no artesanato, e em sentimentos como a “nostalgia por uma vida mais perfeita (a

saudade)”. (RAMOS, 1994b: 569)

Mattoso afirma que a partir de 1890 o movimento ultrapassa o âmbito da

população burguesa e minimamente instruída. Para o autor, o acontecimento que

desencadeou uma reação popular com caráter “nacionalista” foi o Ultimatum de 189032.

Para Rui Ramos o processo de “reaportuguesamento” correspondia ao que na

mesma época fazia a Inglaterra, a França e a Alemanha. Para o autor o

“aportuguesamento” constituiu um dos movimentos intelectuais mais radicalmente

modernos e cosmopolitas. Também um dos mais “democráticos”, no sentido em que

32 O Ultimatum de 1890 foi um ultimato britânico, liderado pelo Primeiro Ministro Lord Salisbury entregue em 11 de janeiro de 1890 na forma de um “memorando” exigindo que Portugal retirasse as forças militares chefiadas pelo major Serpa Pinto do território que compreendia as colônias de Moçambique e Angola (atuais Zimbabwe e Zâmbia).

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definiu uma arte para as classes médias, sem as “obscuras referências greco-latinas do

Antigo Regime”. (RAMOS, 1994b: 570-571)

Entre 1870 e 1890 houve a difusão da imprensa jornalística e a multiplicação das

escolas. O número de portugueses capazes de compreender a consciência da identidade

nacional e de assumir com um valor os interesses da Pátria tornou-se consequentemente

maior. A partir daí, a intervenção dos mentores da Nação deixou de se dirigir apenas

àqueles que tinham capacidade de decisão política, militar ou cultural, para se direcionar

às classes populares. Adquiriu a forma de apelo ao espírito cívico, como decorrente da

obrigação de qualquer cidadão, utilizando processos mais persuasivos, como as grandes

comemorações coletivas de feitos nacionais gloriosos nas datas de seus centenários ou a

exaltação aos heróis da Pátria. (MATTOSO, 2008: 39)

No horizonte do “portuguesismo” havia uma forma de protecionismo cultural.

Como exemplo Ramos cita a questão da dramaturgia, que neste momento aproveitou-se

da nova moda para expulsar as traduções francesas. Os jornais na época começaram a

avaliar as companhias pelo número de originais nacionais, ainda que o êxito dependesse

da opinião estrangeira. (RAMOS, 1994b: 580)

Em relação à assimilação da ideia de identidade nacional, José Mattoso afirma:

A ideia de identidade nacional depressa se tornou uma convicção

profundamente arreigada e passou a estar presente na consciência de todos.

Foi invocada por todos os regimes políticos a partir de então, desde o

liberalismo ao salazarismo, passando pelo republicanismo de todas as cores.

Só os anarquistas o puseram em dúvida. Por isso foram ferozmente

combatidos por republicanos e salazaristas (MATTOSO, 2008: 39)

No artigo Nacionalismo e Federalismo. Tópicos de pensamento político

português e europeu (1901-1926) de Ernesto Castro Leal, destacamos o papel do

nacionalismo cultural português. Para o autor o nacionalismo teve diferentes

características desde o final do século XIX que se manifestaram em artigos publicados

em periódicos como a Revista Lusitana (1887-1943), O Arqueólogo Português (1890-

1931), Portugália (1899-1908), Arquivo Histórico Português (1903-1921), A Águia

(1910-1932), Vida Portuguesa (1912-1915), Revista de História (1912-1928),

Arqueologia e História (1922-1932) ou Lusitânia (1924-1927). “Exemplos, pelo

contrário, da íntima conexão entre a crítica cultural e a acção política, foram os

periódicos católicos Imparcial (1912-1919) e Estudos (1922-1934). (LEAL, 2001: 41)

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A partir de 1914 os integralistas passaram a reivindicar para eles o monopólio do

nacionalismo cultural:

Na Nação Portuguesa, aliás, avançaram mesmo logo no primeiro número,

um projecto de “estado cultural” (como diria Marc Fumaroli: ver L’État

Culturale), com os típicos sistemas de “subsídios” às artes e instituições para

“defesa do património”. No entanto, o “reaportuguesamento de Portugal”

constituiu um movimento geralmente adoptado, não só por políticos, mas por

companhias comerciais sobretudo pelas classes médias. (RAMOS, 1994c:

581)

Ao longo dos anos 20, a mais importante polarização ideológico-cultural

aconteceu em torno da revista monárquica integralista Nação Portuguesa e da revista

republicana “socializante” Seara Nova evidenciando um “aguerrido polemismo dos dois

lados – do primeiro, António Sardinha ou Alfredo Pimenta, do segundo, António Sérgio

ou Raul Proença –, mas havia a percepção da necessidade de um campo comum na

crítica política e na crítica cultural ao vigente demoliberalismo republicano”. (LEAL,

2001: 43)

Rui Ramos conclui que o patriotismo do fim do século XIX começou a ter por

referência o estado como “corporização” da cultura do povo. Esta cultura não era a

cultura clássica, comum em toda Europa, nem a da civilização universal. Era a cultura

da tradição, costumes e obras de arte popular, produzida pelos naturais do país.

Esse processo de firmação nacionalista deu base aos projetos de intensificação

dos laços entre Portugal em Espanha no processo de pan-iberismo. Se por um lado não

notamos por parte dos modernistas portugueses uma assimilação direta com o

nacionalismo, por outro lado notamos uma valorização do próprio país em relação a

suas necessidades de ligação com os países da América Latina e com o vizinho da

Península Ibérica.

António Ferro na Contemporânea número 9, de 1923, num texto intitulado

Carta Aberta ao Portugal D’Hoje ao Portugal de Vinte e Tantos Anos chama a atenção

para a falta de conhecimento da cultura portuguesa no que diz respeito à literatura

modernista no Brasil. O autor havia estado no Brasil em 1922 ano da travessia do

Atlântico por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, ano também da Semana de Arte

Moderna em São Paulo e ficou surpreso com a abordagem por parte dos intelectuais

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modernistas brasileiros em relação ao desconhecimento do que se passava em Portugal a

nível cultural:

Quando eu desembarquei no Rio de Janeiro, êsse Rio de Janeiro para que

Deus pintou alguns dos seus mais belos scenarios, o Portugal moderno, o

Portugal Infante, o Portugal com olhos de estrelas e cabelos de ondas era um

segredo para o Brasil, um segredo absoluto, um segredo inexplicável… Os

escritores novos, todos aqueles que põem nas suas penas movimentos de

locomotiva, todos os pintores cujas almas voam doidas nas telas, como

colibris, todos os dramaturgos que souberam fazer dos bastidores os

autênticos scenarios, todos os escultores que sabem esculpir na carne com os

próprios dedos, todos, enfim, que tentam fazer deste Portugal de barba, um

Portugal escanhoado, eram desconhecidos no Brasil… Foi por isso que o

Brasil me preguntou admirado, mal cheguei, se eu era o único escritor novo

de Portugal… (FERRO, 1923: 151)

O que o autor tenta demonstrar é a total falta de relacionamento entre os dois

modernismos. Para Ferro, a imagem que o Brasil tinha de Portugal era a imagem de um

país atrasado, com forte radicação na cultura tradicional e parado no tempo. Esse

Portugal que os modernistas portugueses tentavam combater e através da vanguarda

modernista construírem uma imagem de um país moderno era ignorado pela

intelectualidade brasileira do período.

Compreendemos sobretudo que esta falta de valorização da cultura portuguesa

refletia na formação da uma ideologia nacionalista, António Ferro aponta esta falha ao

dizer que “o Portugal moderno, o Portugal Infante, o Portugal com olhos de estrelas e

cabelos de ondas era um segredo para o Brasil, um segredo absoluto, um segredo

inexplicável”, tal afirmação atinge o orgulho português e afeta a demonstração de

importância da cultura portuguesa. Ao mesmo tempo em que o autor aponta esta falha,

ele de certo modo valoriza a cultura do seu país, para que o leitor possa compreender o

quanto a cultura portuguesa modernista era importante e ao mesmo tempo ignorada no

exterior.

No trecho em seguida Ferro descreve também sua aproximação com os

modernistas brasileiros e como essa jovem intelectualidade o recebeu e difundiu o seu

trabalho pelo Brasil:

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Foram os novos que eu procurei, foram os novos que me rodearam, foram

eles que fizeram o meu triunfo, foram eles que afixaram o meu nome, em

grandes letras, por todo o Brasil, nas discussões, nos jornais e nos livros…

(FERRO, 1923: 151)

Os modernistas brasileiros receberam Ferro com grande estima, como vimos o

autor manteve relações de amizade por anos com Oswald de Andrade e Tarsila do

Amaral, e em 1922 Mário de Andrade escreveu sobre António Ferro nas páginas da

revista Klaxon, onde o autor português também publicou o texto intitulado Nós de

grande importância para a época.

A carta de António Ferro carrega para além da valorização da cultura

portuguesa, uma valorização nacionalista. O autor afirma em certo ponto: “antes de ser

um modernista, eu fui, no Rio, um português” (FERRO, 1923:152). Quando Ferro inicia

a campanha de defesa da cultura portuguesa no Brasil em seus discursos nas terras

brasileiras fala da viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, pretende deste modo

reafirmar a importância cultura portuguesa estando num país de língua lusófona para

Ferro a proximidade entre os modernismos brasileiro e português era possível. Mas

enquanto no Brasil António Ferro levantava a bandeira da cultura portuguesa, em

Portugal suas atitudes eram ignoradas, em face da recepção do modernismo entre o

público e crítica portuguesa o autor desfere forte crítica à imprensa portuguesa no

período por desvalorizar seu trabalho no exterior e não dar importância à difusão da

cultura nacional fora do país:

Cheguei a Portugal, convencido de que alguns desses jornalistas, hábeis

repórteres, tivessem feito, ao menos por instinto de profissão, a reportagem

dos meus discursos, de toda a minha campanha patriótica. Ao contrário de

tudo isso, encontrei calunias, encontrei misérias, encontrei torpezas…

(FERRO, 1923:152)

A imprensa portuguesa ignorou e desvalorizou a viagem de António Ferro,

diante do panorama histórico-político, o modernismo não possuía grande importância,

com exceção de uma elite intelectual que se preocupava em tentar igualar Portugal ao

resto dos países da Europa.

Ferro critica a atitude da imprensa e demonstra o quanto a falta de valorização

da cultura modernista influenciava a imagem exterior de Portugal, o autor justificou no

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começo do texto que a cultura portuguesa era desconhecida no Brasil e demonstra como

essa falta de conhecimento partia do próprio Portugal que não dava a devida

importância ao modernismo português.

Como vimos, a questão do nacionalismo no Brasil e em Portugal foi abordada de

maneiras distintas pelos movimentos modernistas. Na urgência da caracterização da

cultura brasileira, o nacionalismo foi um tema recorrente para sua firmação cultural, o

que posteriormente gerou correntes ideológicas diferentes, mas que se pautavam

igualmente na valorização da cultura raiz, sobretudo na valorização da cultura do

indígena. Portugal por sua vez, buscou durante a década de 1920 a sua firmação

nacionalista partindo de algumas correntes ideológicas que haviam surgido no final do

século XIX, porém, o discurso nacionalista que ganhou mais força neste período foi o

proposto pelo Integralismo, onde o “reaportuguesamento” de Portugal e a “defesa do

patrimônio” constituiu um movimento adotado pela classe média e por políticos.

Considerações finais

Estabelecer possíveis ligações entre os movimentos modernistas português e

brasileiro não suscitaria respostas definitivas sobre o tema. Ambos os países

possibilitam múltiplas interpretações historiográficas sobre seus movimentos.

Ao contrário do que se poderia pensar Portugal e Brasil dialogaram e,

estabeleceram vínculos significativos, mas ao mesmo tempo os intelectuais brasileiros

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mantiveram sua postura combativa no que diz respeito às influências europeias e ao

antigo espírito colonizador português.

As primeiras aproximações entre ambos os modernismo se dão justamente a

nível do seu caráter teórico, naquilo que apresentamos durante o trabalho como “teoria

da importação das ideias”, onde as vanguardas artísticas foram apropriadas, assimiladas

e ressignificadas ao contexto cultural, social e político de cada país, possibilitando desta

forma o surgimento não de um modernismo, mas sim, de modernismos, relacionados às

particularidades tanto de Portugal quanto do Brasil.

Compreendemos que o processo de formação do modernismo no contexto

europeu passou por diversos fatores que iam desde o econômico, ao político e ao social.

Estes fatores possibilitaram a caracterização estética das vanguardas artísticas que eram

altamente influenciadas pelos acontecimentos a nível global.

Para além da influência das vanguardas, Portugal e Brasil também foram

influenciados pelos acontecimentos históricos do período, como a Primeira Guerra

Mundial, a Revolução Russa, a grande onda imigratória de europeus para o Brasil e as

mudanças econômicas e sociais que estes acontecimentos geravam, abrindo assim um

leque de possibilidades de desenvolvimento cultural de seus modernismos.

Notadamente o trajeto de constituição dos movimentos modernistas respeitou as

condições de cada país desenvolvendo-se desse modo de maneira particular em cada um

de seus contextos.

Ao falarmos das revistas modernistas, compreendemos num primeiro momento a

importância do resgate desses documentos como fontes de análise para a história

cultural. Após a percepção dessa importância extraímos de cada periódico textos que

nos possibilitaram o entendimento de algumas questões propostas neste trabalho.

Primeiramente percebemos que as vanguardas estavam presentes na

caracterização inicial desses periódicos, em seus textos-manifestos ou editoriais e que

mesmo quando os intelectuais modernistas tentavam se afastar dos estigmas que

algumas vanguardas carregavam, em seus textos notávamos forte influência

vanguardista. Identificamos um forte combate por parte dos intelectuais brasileiros em

relação ao positivismo, o que firmava a postura agressiva que o modernismo brasileiro

adquiriu.

Os periódicos também nos possibilitaram a análise de alguns textos que

demonstravam os afastamentos e aproximações entre os dois países. Vimos uma grande

crítica ao colonialismo e a necessidade por parte do Brasil em negar suas influências

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portuguesas. Porém, também notamos a aproximação entre grandes representantes de

ambos os modernismos como é o caso de António Ferro, Mario de Andrade e Oswald

de Andrade.

As relações entre Portugal e Espanha também aparecem de forma significativa

em textos da revista Contemporânea, quando Portugal ressuscitava as teorias do

iberismo e, sobretudo, do pan-iberismo e iberoamaricanismo em combate à influência

norte-americana e inglesa.

O nacionalismo um dos temas mais importante e defendido pelo modernismo

brasileiro aparece de modo distinto nos movimentos modernistas de Portugal e Brasil.

No caso brasileiro adquiriu caráter ideológico fundamental na constituição do ideário de

cultura nacional e “brasilidade”, já em Portugal possuía raízes num nacionalismo do

final do século XIX, que através das ideias integralistas foi valorizado pelo movimento

modernista português através do sentido do patriotismo.

Diante deste panorama podemos afirmar que Brasil e Portugal estiveram lado a

lado durante o desenvolvimento de seus modernismos. Ainda que os intelectuais

brasileiros adquirissem uma postura ofensiva frente à influência portuguesa, é inegável

que ambos os movimentos dialogaram pelo menos em alguns momentos de suas

existências.

E não só o fato de dialogar, ou a aproximação ou afastamento dos dois

movimentos, a principal questão proposta neste trabalho era a compreensão do trajeto

desse modernismo em ambos os países naquilo que consideramos como apropriação e

ressignificação das vanguardas artísticas. Como foi dito anteriormente, Portugal e Brasil

se enquadram na realidade de “modernidades periféricas”, apesar de não criarem de

modo direto movimentos artísticos vanguardistas, aqueles que são incorporados pelo

seu desenvolvimento cultural adquiriram características únicas. A melhor analogia que

exemplifica tal questão é a do antropófago proposto pelo Movimento de Antropofagia

no Brasil como mostramos, a onde num processo de devoração das vanguardas essas

eram assimiladas e ressignificadas.

Portugal não viveu este canibalismo intelectual como o Brasil. Portugal

assimilou lentamente as influências vanguardistas do restante da Europa e com discrição

constituiu seu modernismo, moderado, menos radical que o brasileiro, mas igualmente

rico e múltiplo.

Este trabalho não se pretende como fim de um projeto de pesquisa, sobre o

modernismo brasileiro e português. A análise das fontes nos proporciona a abertura de

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um leque de abordagens temáticas em torno das discussões propostas. Os periódicos

demonstram ser uma fonte inesgotável e pouco explorada pela historiografia cultural, o

que nos permite o resgate deste debate em um futuro próximo.

A intenção deste trabalho era de levantar novos questionamentos, num primeiro

momento de seleção e organização das fontes foi cogitado analisar a revista portuguesa

Athena, mas devido à limitação de tempo este tema e o aprofundamento da análise sobre

o nacionalismo português e brasileiro, tal como um estudo da recepção das revistas

modernistas no âmbito da história da leitura ficam destinados a um projeto futuro de

continuação da pesquisa sobre o modernismo português e brasileiro.

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Índice de Anexos

ANEXO A. CAPA DA REVISTA KLAXON Nº 1………………………………………... 127

Edição Fac-símile da Revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna. Revista nº 1, 1922.

São Paulo: Martins; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São

Paulo, 1976.

ANEXO B. CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO CHOCOLATE LACTA ………………128

Edição Fac-símile da Revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna. Revista nº 1, 1922.

São Paulo: Martins; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São

Paulo, 1976.

ANEXO C. CAMPANHA DO GUARANÁ ESPUMANTE ………………………………129

Edição Fac-símile da Revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna. Revista nº 2, 1922.

São Paulo: Martins; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São

Paulo, 1976.

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126

ANEXO D. CAPA DA REVISTA CONTEMPORÂNE Nº 1……………………………..130

Versão Digitalizada da Revista Contemporânea, 1922. Lisboa: Hemeroteca Digital,

2007. Disponível em:

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/CONTEMPORANEA/Contemporanea.ht

m

ANEXO E. NÓS…………………………………………………………..………………….131

FERRO, António. In: Edição Fac-símile da Revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna.

Revista nº 3, 1922. São Paulo: Martins; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do

Estado de São Paulo, 1976.

ANEXO A. CAPA DA REVISTA KLAXON Nº 1

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ANEXO B. CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO CHOCOLATE LACTA

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ANEXO C. CAMPANHA DO GUARANÁ ESPUMANTE

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ANEXO D. CAPA DA REVISTA CONTEMPORÂNE Nº 1

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ANEXO E. NÓS

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