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Escola Superior de Música de Lisboa A VOZ INSTRUMENTAL: PERSPECTIVA DOS CANTORES DE JAZZ SOBRE A INTERPRETAÇÃO E IMPROVISAÇÃO Sónia Filipa Jerónimo Oliveira Mestrado em Música Janeiro de 2017 Orientador: Prof. Dr. Ricardo Futre Pinheiro

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EscolaSuperiordeMúsicadeLisboa

AVOZINSTRUMENTAL:PERSPECTIVADOS

CANTORESDEJAZZSOBREAINTERPRETAÇÃOEIMPROVISAÇÃO

SóniaFilipaJerónimoOliveira

MestradoemMúsica

Janeirode2017

Orientador:Prof.Dr.RicardoFutrePinheiro

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VERSÃOFINAL

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EstetrabalhofoielaboradosemaplicaçãodoAcordoOrtográficode1990.

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“Ateseécomoumporco:nãodeitanadafora“

UmbertoEco

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Agradecimentos

O meu primeiro agradecimento vai para os professores João Moreira, Gonçalo Marques,

Maria JoãoGranchae JoãoPauloEstevesda Silva, queestimularamemmimcuriosidades

imensas ao longo dos últimos anos e que acabaram por me impulsionar a fazer este

trabalho.

Agradeço às cantoras que se disponibilizaram para partilhar comigo a sua experiência

pessoal:RitaMartins,LucianaSouza,SaraSerpaeRebeccaMartin.

AomeuorientadorRicardoPinheiro,que temsidoumexemplo,umafontede inspiraçãoe

umapoiocrucialhájáalgumtempo.

AosmúsicoseamigosCarlosGarcia,YuriDanieleJoãoVargasporabraçaremcomigoesta

ideiaeestamúsica.

ÀInêsPimentaeMiguelBarroso,porteremcaptadotãobememimagensosconceitosque

eulheexpliqueicompalavrasesons.

AoCláudioConde,pormetertransmitidoboaenergiaemotivaçãoemmomentosdegrande

dificuldade.

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Resumo

Orecursoàutilizaçãodavozinstrumentaléumarealidadenaperformancedascantorasde

jazzdesdeosprimórdiosdatradiçãojazzísticaatéaosdiasdehoje.

Sendoumaestéticaquesetemmodificadoao longodostempos,éhojeconsideradauma

das abordagens com mais liberdade criativa, que se verifica tanto no contexto mais

herméticodamúsicaescrita,comonamúsicaimprovisada.

Características de excelência são esperadas dos cantores que se equiparam a outros

instrumentos,tantonodomíniotécnicoeteóricocomonocampocriativoefilosófico.

Esteestudocentrou-senacompreensãodomodusoperandidequatrocantoras,nosentido

de entender como lidam elas com os aspectos da instrumentalização vocal na sua

performance.Sabercomoabordamaspeçasmusicaisdopontodevistateórico,emocionale

interpretativopretendeu seruma formade sistematizaresta informação,paraqueoutros

cantorespossamseguiressepercurso,seassimodesejarem.

Neste processo foi também fundamental compreender o percurso histórico da utilização

destes elementos, enumerar recursos e características, compreender o funcionamento do

aparelho vocal e estabelecer padrões que ajudem a perceber como se interpreta nestas

situações.

Palavras-chave:jazz;vozinstrumental;interpretação;improvisação;emoção.

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Abstract

The use of instrumental voice is present in the jazz singers’ performance since the

beginningsofthejazztradition.

Asanaestheticthathaschangedwithtime,itisconsideredanapproachthatallowsalotof

creativefreedom,whetherinwrittenorimprovisedmusic.

Characteristicsofexcellenceareexpected fromthesesingers,whoarecompared toother

instruments, both in the technical and theoretical domain as in the creative and

philosophicalfield.

Thisstudyfocusedonthemodusoperandioffoursingers,inordertounderstandhowthey

dealwithaspectsofvocal“instrumentalization”intheirperformance.Gettingtoknowhow

theyapproachmusicalpieces froma theoretical,emotionaland interpretivepointofview

wasintendedtobeawayoforganizingthisinformation,sothatothersingerscanfollowthis

path,iftheywantto.

Inthisprocess itwasalsovery importanttounderstandthehistoricalcourseoftheuseof

thevoiceasan instrument, toenumerate its featuresandcharacteristics, understandthe

functioningofthevocalanatomyandtoestablishpatternsthathelptounderstandhowone

interpretsinthesesituations.

Keywords:jazz;Instrumentalvoice;interpretation;improvisation;emotion.

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Índice

SecçãoI–Investigação 1

Introdução 3

Contextodaáreadeinvestigação 3

Objectivos 5

Objecto(pergunta)deinvestigação 7

Pertinênciaeenquadramentodaperguntadeinvestigação 8

RevisãoBibliográfica 9

Metodologia 19

EstratégiadeInvestigação 19

ConsideraçõesÉticas 24

Métododerecolhadedados 25

EnquadramentoHistórico 29

AnálisedeResultados 37

Conclusões 43

SecçãoII–PráticaMusical 45

Introdução 47

Repertório 48

Critériosdeescolhadorepertório 48

Brevedescriçãodorepertório 49

MúsicosConvidados 51

ReflexãoFinal 52

ReferênciasBibliográficas 53

Anexos 59

Entrevistas 59

Enquadramento 59

FormuláriosdeEntrevista 60

EntrevistaaRitaMartins 63

EntrevistaaLucianaSouza 71

EntrevistaaSaraSerpa 75

LeadSheets 85

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RelatóriodeProjectoArtístico

AVOZINSTRUMENTAL:PERSPECTIVADOSCANTORESDEJAZZ

SOBREAINTERPRETAÇÃOEIMPROVISAÇÃO

SecçãoI–Investigação

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Introdução

Contextodaáreadeinvestigação

Estainvestigaçãovemproporumaanálisesobretudoestética,mastambémdeumcarácter

musicológicoderelevância,sendoqueabordaráquestõesmuitodebatidassubjectivamente

entreosmúsicosdejazz,maspoucoanalisadasdeformaobjectivanestecontextomusical.

Trata-sedo fenómenodautilizaçãodavozenquanto instrumento,portantosemrecursoa

texto(músicasemletra, interpretaçãodemelodiasapenas),nocontextodo jazz,tantoem

músicaimprovisadacomoescrita.Apesardeestaserumaabordagemmuito,edediferentes

perspectivas,utilizadanapráticaperformativa,aáreadeestudopropostacontaaindacom

poucosestudosdeinvestigaçãoqueexploremtodaasuaabrangência.

Sendo este um assunto que está directamente relacionado com a performance, tem,

contudo, implicações teóricas importantes, namedida emque se vai impor a questão do

estudomusicaledoconhecimentoabrangentedetécnicaesonoridadevocais.

Um dos pontos-chave da investigação será a análise histórica do trabalho realizado até

agora, por diversos cantores ao longo da história do jazz, tanto em termos de melodia

escritacomodeimprovisação.Procurar-se-ásabercomoequandocomeçaramoscantoresa

utilizar o recurso da voz instrumental e de que modo foi conduzido esse processo. Será

tambémfundamentalcompreenderquaisosfactoresquedãooutiram“credibilidade”aum

cantorquandocantaumamelodiasemletra,eporquequeestaabordagemétantasvezes

alvodecríticanegativa,numparadigmaondeadualidadecantor-músiconãotem,conforme

referido por Sella (2015) a mesma validação bilateralmente. Procurar-se-á, também,

compreenderavertentecomunicacionaldestetipodeperformance,nosentidodediscernir

sesãotransmitidasideiaseemoçõesaoouvinte,aindaquesemorecursoàpalavra.

Pretende-se, por fim, relacionar a análise histórica com conceitos estéticos da

contemporaneidadeque permitam compreender as origens e direcções tomadas pela voz

enquantoinstrumento.

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Reunidos estes elementos, pretende-se culminar na composição de música original que,

contextualizada à realidade actual e à estética do investigador-performer, traduza os

princípiosmusicaisestudadosnoâmbitodavoz-instrumento.

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Objectivos

Desdeosprimórdiosdo jazzqueavozdetémumpapelmuitopresentenatransmissãode

mensagensmusicais.Primeiropelaspalavras,atravésdas letrasdascançõese,maistarde,

atravésda interpretaçãodemelodias improvisadasouescritas (STOLOFF, 1996).Desdeos

anos20doSéc.XXqueoscantoressedotaramda liberdadedecantarmelodiassemletra

(MARTIN,2005),tendosidoBessieSmithumadasprincipaispioneirasconhecidas,comasua

interpretaçãopeculiarde“BackWaterBlues”,em1927(MARTIN,2005).

Smith interpreta este tema em acto de solidariedade para com o sofrimento do povo de

Cincinatti,apósumperíododecheiasqueoshaviaatormentadograndemente.Tememsi

uma interpretação cheia de elementos que conduzem o ouvinte a um ambiente triste e

depressivo,comoeracaracterísticonosblues.Asnotasprolongadas,ovibratomelancólico,

osglissandosexageradoseum“arrastar“dosomvocaldenotaemnota,quasecomosede

umchorosetratasse,sãoalgumasdascaracterísticasquedistinguemestagravação.

Partindo do contexto do jazz vocal sem letra, podemos enquadrar este trabalho nos

seguintesobjectivos:

• Analisar historicamente a origem da utilização da voz enquanto instrumento e

compreender como a dinamizaram os cantores ao longo dos vários períodos da

históriadojazzatéàactualidade;

• Compreenderconcretamentedequeferramentasdispõemoscantoresparautilizara

voznoplanoinstrumental,sejamelasnoplanotécnico,estético,emocional,teórico

(harmónicasemelódicas)ouprático(recursosperformativos);

• Estabelecer possíveis diferenças de abordagem entre a música escrita e a música

improvisada;

• Compreenderdequemodosecomunicanestecontextoperformativo,discernindose

são transmitidas commais oumenos subjectividade ideias e emoções ao ouvinte,

semorecursoàpalavra;

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• Compreenderquaisosfactoresquedãooutiramcredibilidadeaumcantorquando

canta melodia sem letra e porque é que esta abordagem é tantas vezes alvo de

críticanegativa;

• Compormúsicaoriginalquetraduzaasideiaseconceitosestudados;

• Interpretaramúsicaoriginalcompostaemarticulaçãocommúsicajáexistenteque,

não só traduza estes conceitos como tenha, de algummodo, servido de impulsão

paraarealizaçãodoestudo.

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Objecto(pergunta)deinvestigação

Este estudo tem o jazz vocal como área geral de investigação.Mais especificamente, irá

estudar-seapresençadavoznumuniversoexclusivamenteinstrumental.

Sendo que a voz parece estar a assumir um papel cada vez mais presente no contexto

instrumental, impõe-se a necessidadede compreender esta suapresença edeque forma

esta se articula e dinamiza o cantor de jazz no contexto instrumental do seu próprio

instrumento.

Emtermosdeinvestigação,verificam-seaindaalgumaslacunasnestaáreadeconhecimento.

Falta, entre outras coisas, saber como lidam os cantores com as possibilidades de

comunicaçãoespecíficadeideiaseinterpretaçãodemúsicasemletra;comopensameagem

os intérpretes da voz no momento de improvisar, aliando a intuição ao conhecimento

teóricoetécnico.

Dequeformapoderáavoz,àsemelhançadeoutrosinstrumentos,terumcomportamento

exclusivamenteinstrumental?

Poderáistoacontecertantonocontextodamúsicaescritacomonodamúsicaimprovisada?

Transmitir-se-ãodefactoideiasespecíficasatravésdainterpretaçãodocantor,semrecurso

àpalavra?Ouapenasideiassubjectivas?

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Pertinênciaeenquadramentodaperguntadeinvestigação

Dado que existem cada vez mais cantores que utilizam uma estética vocal-instrumental,

começa a ser eminente a compreensão sistemática do seu enquadramento. Esta estética

pode ser encontrada em performers tão vastos como BobbyMcFerrin, Theo Bleckmann,

SaraSerpa,MariaJoãoGrancha,entremuitosoutros.

Seráestamúsicaapenasumcaprichodecertosnichosdemúsicamaissubjectiva,ouhá,de

facto,algoquealigaaopúblico,eafaztercadavezmaisadmiradores?

Há,comoénotório,umaumentodacompreensãoemrelaçãoaoqueéo“instrumento-voz”,

sendo que esta compreensão não parece ainda ser do domínio do chamado “grande

público”. Ainda que sejam feitas muitas comparações, como as que verificamos, por

exemplo,emrelaçãoaParlato“GretchenParlato'svoice isacello. It'samutedtrumpet,a

trombone. It'sanalto saxophone”. (GREENLEE,2009)ouaSpalding “thedelicate soundof

Spalding'svoicethatalmostreflectsthatofaviolin”(BERLANGA-RYAN,2011),amaioriadas

pessoas continuaanão compreenderporqueéqueos cantores se “tentamparecer” com

uminstrumentodesopro,ououtro(GOTO,2014).

Mas,seráqueisso,defacto,acontece?Estarãooscantoresa“imitar”outroinstrumento,ou

à procura do seu próprio som instrumental? E de que modo esse som instrumental se

diferenciadosomemitidoquandoexisteletra?Ecomosefundemessesdoistiposdesom

empeçasquecontenhammelodiascomesemletra,alternadamente?

As palavras de umamúsica são um indicador literário e comunicacional do sentido queo

compositorlhequeratribuir.Talcomoafalaéaformamaisnaturaldetransmitirumaideia

na oralidade, a existência de letra numa música faz com que a transmissão de ideias,

histórias e/ou sentido poético se centre no texto. Ainda assim, cantoras como as já

mencionadasGretchenParlatoouEsperanzaSpaldingtêmvindoademonstrarqueacarga

emocionaldeumamúsicapodeser transmitidamesmoquenãoserecorraàutilizaçãode

palavrasquepropriamenteaverbalizem.Conceitoscomo“quente”,“suave”,“ágil”,“terna”,

“simples” e “brilhante” são comummente associados às melodias cantadas, de modo a

caracterizá-laseadescreveroqueelastransmitem(SELLA,2015).

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RevisãoBibliográfica

Aolongodomeupercursoacadémicoquefuitendocontactocomasváriasabordagensque

avozpodeter.Tendoestudadonaáreado jazzedamúsica improvisada(Licenciaturaem

Música – Voz Jazz, Escola Superior de Música de Lisboa, 2014, e Licenciatura em Jazz e

MúsicaModerna, Universidade Lusíada de Lisboa, 2015) tive a oportunidade de perceber

várias perspectivas, tanto dos próprios cantores como de outros instrumentistas, que

nalgunscasostêmtambémnestecampoumapalavraderelevânciaadizer.Osprofessores

que mais me influenciaram nesta área foram os trompetistas João Moreira e Gonçalo

Marques, que devido à natureza do seu instrumento e à sua sensibilidade musical,

transpuseram para a voz (através das aulas de instrumento queme leccionaram)muitos

conceitos de interpretação melódica, articulação, opções musicais e estéticas e

improvisação.

Rapidamenteconcluíqueocanto,enquantoexpressãodavoz,éumaáreamuitoespecífica

dentrodomeiomusical,nãoporquesejanecessariamentediferentenaformacomoaborda

a música, mas porque é o único “instrumento” que não implica uma extensão do corpo

humano.Assim,aocontráriode,porexemplo,umguitarristaquenecessitadeumaguitarra

paraseexpressaroudeumsaxofonistaquenecessitadeumsaxofoneparaproduzirmúsica

(sendo os instrumentos extensões do músico propriamente dito), o cantor já tem em si

mesmo o seu instrumento e por isso acaba por lidar com ele todos os dias da sua vida,

competindo-lheaaquisiçãodecompetênciasparaqueosaibadirecionarparaaartemusical

versusvidaquotidiana.

Assim,ocantoréoúnicomúsicoquepassapelaexperiênciadeapenaseleprópriopoder

usaroseu“instrumento”,jáqueesteéoseuprópriocorpo(SÁ,1997).

Existemtambémespecificidadesnaformacomoosoméouvido.Senoutrosinstrumentoso

somproduzido é percepcionado por todos de forma igual, nos cantores o somque estes

ouvememitidoporsiprópriosédrasticamentediferentedosompercepcionadoporoutros

elementosexternos.Ninguémseouvea sipróprio comoosoutrosoouvem,eesseéum

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fenómenopuramentefísico.Cadaqualseouvesobretudoatravésdeconduçãoóssea,esó

muitoreduzidamenteporconduçãoaérea(SÁ,1997).

A voz humana consegue transmitir tanto ideias complexas como emoções subtis. Esta

característica é evidente logo na fala e pode facilmente ser incluída no grupo da

comunicação não-verbal. Através da expressão vocal é possível compreender o estado de

espíritodeumapessoa(inferindo,porexemploseelaestátristeoucontente).Dessemodo,

tambéma cantar asemoções se transmitemde formamaisoumenos fluida (APPELMAN,

1986).A importânciadavoznasociedademodernanãopodesersubestimada:trata-sedo

primeiroinstrumentoaoalcancedetodasaspessoas,desdequenascem,paraprojectarem

asuapersonalidadeeinfluenciarquemasrodeia(SATALOFF,2006).

Temavantagemdeterumautilizaçãoinataenquantoelementofísico,fazendo-sevalerde

processos fisiológicos relativamente automáticos e de ser, ainda, um elemento

personificador de cada individuo, tornando-o único, uma vez que cada voz é diferente e

tendencialmenteúnica(SÁ,1997).

A procura incessante de um conhecimento profundo, dos “como” e “porquê” das coisas,

traduzainquietudeintelectualdequemnãosesatisfazcomasaparênciasmas,aocontrário,

quer ir mais além, ao encontro do saber: de forma de comunicação apurada através do

processoevolutivodaespéciehumana,avozvemaconstituirprogressivamenteummeiode

expressãodossentimentos individuaisecolectivoscuja formasuperioremaissublimeéo

Canto(SÁ,1997).

Enquantoexpressãoartística,avozhumanafaz-nosentrar,atravésdasdiferentesformasdo

canto,nummundodesensaçõesetéreas,indizíveis,quenãopropriamenteindividualizamos

oucaracterizamos.Sensaçõespuraseúnicas,porquemuitoembora repetidas são sempre

diferentes,umavezqueresultamdainteracçãodonosso“estadodealma”comafluidezdas

sonoridadesquenoschegammoduladaspelavozhumanaatravésdoCanto(SÁ,1997).

Avozcantadasempreconstituiu,mitologicamente,umaformaencantatóriaqueaproximao

serhumanodasdivindades(SÁ,1997).

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Os cânticos solenesdosGregosestabeleciama comunicaçãocomApolo (figuramitológica

quesimbolizaabeleza)eDionísio(figuramitológicaquesimbolizaadevassidão),atravésdas

melodiasedospoemasquelhesdavamarítmica(SÁ,1997).

O“canto”foicultivado,deumaformaoudeoutra,portodosospovosquealcançaramum

certo grau de organização quotidiana e intelectual. Um exemplo interessante da

sistematizaçãoprimitivadestaarteedoseuensinoencontra-senaobradeZiryábque,nos

princípiosdo Séc. IX abandonoua cortedo famoso califa deBagdade se estabeleceuem

Córdoba, então em poder dos árabes. Segundo ele, o professor de canto ensinava

simultaneamenteamétrica,amelodiaeaornamentação.Oalunopassavapreviamentepor

certasprovas,entreelasentoarem“A”todososgrausdeumaescala(SÁ,1997).

Estando,então,clarificadaaespecificidadeesingularidadedavozhumana,asuaprojecção

noCantoealgumadahistóriarelativaàsuaimportânciaaolongodostempos,importasaber

quaisasestruturasfísicasprincipaisqueestãoenvolvidasnoprocessodecantar.

O canto é um mundo bivalente de sensações e de movimentação dos músculos de

respiração intercostais, abdominais e estruturas vibratórias a nível dos ressoadores (zona

dosdentesincisivossuperiores,lábios,cavum,seiosmaxilaresefrontais,entreoutros)(SÁ,

1997).

Fisicamente, o “canto” requer: grande ventilação pulmonar (musculatura desenvolvida da

parte expiratória e grande capacidade torácica); forte pressão abdominal; bom

funcionamento cardíaco; correcto funcionamento endócrino a nível da glândula tiroideia,

ovários (no caso das mulheres) e suprarrenais; bons mecanismos de defesa da parte

neuromuscularfonatória(GARDE,1969).

Psicofisiologicamente, o canto é um acto dinâmico de coordenação instantânea entre

sensações físicas e respiração (inspiração e expiração), fonação (acto de exteriorizar um

som), ressonância (formação de determinada vogal) e articulação (comunicar através da

junçãodevogaiseconsoantes).

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Esta definição está limitada a elementos psicofisiológicos porque não se considera haver

umadefiniçãoestéticaquesejaconsensual(APPELMAN,1986).

Cantaréaindaumaexperiênciaconceptual.

Um cantor não consegue cantar uma nota sem primeiro a conceber enquanto sensação.

Igualmente, um cantor não consegue estabelecer uma determinada qualidade vocal ou

controlar variações de intensidade, antes de compreender estes elementos enquanto

sensações(APPELMAN,1986).

Esãoessassensaçõesquenosvãoligaràsquestõesdainterpretação.

Ainterpretaçãoéameta,oclímaxdetodootrabalhovocal.

O objectivo final do canto é a comunicação de ideias, emoções e situações (ALDERSON,

1979),sendoqueinterpretarécomunicar(SÁ,1997).

Para se conseguir uma boa interpretação é necessário que o controlo respiratório, a

colocaçãodavoz,aarticulação,adicçãoeofraseadotenhamatingidoumelevadograude

perfeição.Sóassimseconseguiráobinómio“técnicavocal-emoção”.Por issoocantoé,à

semelhançadosprocessosatravessadosportodososrestantesinstrumentosmusicais,uma

artequesóéatingidaplenamentedepoisdeanosdeestudoematuração,dadoqueuma

boa interpretação, e consequente comunicação de mensagens, não apenas depende da

intenção ou sentimento certos, que podem ser relativamente inatos no individuo, mas

tambémdeumdomínioplenodoinstrumento,quesóépossíveladquiriraofimdealguns

anosdeexperiência(SÁ,1997).

Assim,podemosverificarquea interpretaçãoeacomunicaçãoestão intimamente ligadas.

Detectei, então, a necessidade de compreender como pode ser abordada a questão da

comunicaçãonocontextodainterpretaçãovocal.

Comunicaréumprocessoemqueumadeterminadamensagemépassadadeumelemento

emissorparaumelementoreceptor(LEVINSON,2013).

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Dessemodo,o cantor temao seu critérioa comunicaçãodemensagens,podendodecidir

quetipodeinformaçãocomunicaredequemodoofazer;esseéoseuprocessoprimeirode

interpretação(LEVINSON,2013).

Aindaassim,umacoisaéoqueocantorcomunica,outraéoqueeletransmite.

Seacomunicaçãoéalgointencionalecontroladoporquemcanta,atransmissãodeideias,

emoções,etc.,quasenuncaoé(LEVINSON,2013).

O que o cantor transmite numa performance permite à audiência inferir ideias sobre o

própriocantor,masnãonecessariamentesobreoqueocantorquerqueseinfirasobreele.

Éumprocessoquetemalgodedescontroladoesemintencionalidade(LEVINSON,2013).

Assim, enquanto a comunicação é um processo intencional, a transmissão de informação

pode ser definida como um fenómeno diferente, que nem sempre está nas intensões do

cantor e que tanto pode conter informação sobre o próprio cantor como sobre amúsica

propriamentedita.Éestacombinaçãodefenómenosquedáorigemaoprodutofinalqueéa

interpretação(LEVINSON,2013).

Ainterpretaçãomusicalé,então,oconjuntodeacçõestidasemperformance,quepermitem

que se comunique e transmita, dentro de um conceito musical, informação a um

determinadoreceptor(LEVINSON,2013).

Por definição, o cantor de jazz é aquele que, em performance, usa certos elementos

jazzísticos por si escolhidos: improvisação harmónica ou melódica, sincopa, swing e um

estilointerpretativocomparávelcomodeuminstrumentomusical,(SHIPTON,2012).

Seráqueainterpretaçãoéumprocessodiferenteparaoscantoresdejazz,emrelaçãoaos

cantoresdeoutrosestilos?

Otermo“cantordejazz”(“JazzSinger”)tevedestaquepelaprimeiravezem1927atravésdo

filme com omesmo nome, “The Jazz Singer”, com a participação de Al Jolson (SHIPTON,

2012).Assim,eapesardadiferençaentreoscantoresdejazzeoscantoresdeoutrosestilos

nemsempreestarperfeitamenteclara(SHIPTON,2012),verifica-sequenocontextodojazz,

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a interpretação tem uma dimensão grandemente pautada pelo discurso vocal na canção,

sejaessediscursocaracterizadopelapresençadeletraounão(LEVINSON,2013).

De grande influência é a personalidade do cantor e a liberdade com que ele aborda o

processodainterpretação(LEVINSON,2013).

Estasliberdades,quetambémpodemservistascomocondicionantesporquedefinemoque

seráoestiloemqueocantorseinsere,são:alteraçõesdamétrica,substituiçãodenotasda

melodia,substituiçãodepalavras,alteraçõesrítmicasrearranjoestilístico(porexemplo,no

arranjodeumabalada,convertê-laparaumritmodeswingoubossanova,ouapenasfazer

essasalteraçõesemdeterminadosmomentosdo tema), variaçõesdo tempo,entreoutras

(LEVINSON,2013).Àsemelhançadoqueacontececomosoutrosinstrumentos,autilização

destesrecursosvaidependerdaexperiênciapréviadocantor,doseusentidoestético,das

suashabilidadestécnicasedoseuestadodeespírito(LEVINSON,2013).

O Jazz vocal inclui liberdades de interpretação que lhe permitem pôr a melodia em

evidência,juntamentecomotextoeoseusignificado,bemcomofazerusoderecursosque

habitualmente pertencem aos instrumentistas, como a exploração do sommusical em si

mesmo (abdicando do recurso da letra) e o afastamento damelodia original (LEVINSON,

2013).Importatambémreferirqueantesdavozsebasearnosrecursosinstrumentais,jáos

instrumentos se baseavam nos elementos da voz. Esta característica vem desde os

primórdiosdamúsicaafricana,emqueos instrumentosmusicaisemulavamavozhumana

paratransmitirdeterminadainterpretação;estatécnicaveioaestender-seaojazz,incluindo

tambémosinstrumentosdepercussão(GIOIA,2011).

Perante esta abordagem da música pelos cantores, somos transportados para a

possibilidadedaimprovisação.

Qualquermúsicoquedêinicioaopercursodaimprovisação,sabequeestáperanteumdos

maioresdesafiosquelhepodemserpropostos,equeesteexigetodaamusicalidadequelhe

sejapossível(CROOK,2002).

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Devido à natureza complexa da improvisação,muitosmúsicos escolhemnão considerar a

enormevariedadedeinformaçãodisponível,emproldeumaabordagemmaisintuitiva.Isto

éumaverdadeparainstrumentistaseparacantores,tendomaisincidêncianosúltimos,uma

vezqueseoseuinstrumentoé,comoreferidoanteriormente,umrecursodocorpohumano

quecomeçaaserutilizadode formanaturale intuitiva,peloqueétambémnaturalquea

primeira (emais fácil) tendênciaemambientemusical seja tambémusara ferramentada

intuição(KELLER,2012).

O caminhoda intuição temalgumas vantagens óbvias, começando logo por evitar que se

pensedemais,umavezquehátantoemquepensar.Defacto,esteéométodomuitasvezes

preconizado como sendo o ideal para se improvisar, uma vez que é isento de um

pensamentoteóricodemasiadoelaborado,quepodetornarofraseadodemasiadoartificial

(CROOK, 2002). Assim, quando, por exemplo, um solista usa uma escala para improvisar

numadeterminadaharmonia,tendoemcontaapenasaescalaenãoimprimindonenhuma

emoçãoouintuiçãonoseusolo,oseusolovaiprovavelmentesoarapenasàescalautilizada

enãoaumafrasemelódicacomumsentidomusicaleumadirecçãoestética.

Sendo a intuição um dos métodos utilizados, esta tem, contudo, o problema de ser

francamentelimitada, jáquenecessitadofactor“sorte”paraaconteceremplenosucesso.

Noutraspalavras, talveza intuiçãodomúsico lhepermitaemdeterminadomomentocriar

algo valioso e criativo, interessante e estimulante, ou então talvez nada disso aconteça

(CROOK,2002).

Assim, torna-se vital que o músico não apenas pratique intuitivamente a improvisação,

através da utilização de notas que lhe pareçam soar bem em determinado contexto

harmónico,deformaquasealeatória,masdefinaummétododeestudoquelhepermitater

maisopçõesmusicaiseestéticas,nãodeixandooresultadofinalàmercêdasorte.

Improvisar de acordo com determinadas regras é um processo mais difícil, mas também

maisdesafiante,querequerdisciplinaeprecisão,equecriacapacidadesmusicaisdentrodas

limitaçõesespecíficasquesãoimpostas(CROOK,2002).

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Para improvisar o cantor necessita, então, de englobar características como a boa

musicalidade e intuição, mas também conhecimentos teóricos de música (como os

conhecimentodeharmoniaevoiceleading)etécnica(dinâmica,volume,articulação),bem

comoarticularousocriativodassuascaracterísticasvocaispessoais(timbre,cor,tessitura)

(MADURA,2015).

Quandoimprovisa,ocantordejazztendeanãousarpalavras,ouseja,ocantorusaasuavoz

apenas para cantar melodias, à semelhança da abordagem feita por qualquer outro

instrumento. Contudo, há outras abordagens possíveis, como a utilização de palavras

escolhidas no momento, ou sílabas que façam lembrar determinado dialecto ou língua

(STOLOFF,1998).

Uma das primeiras questões que surgem quando um cantor começa a usar a sua voz

instrumentalmente é “que sílabas devo usar?”. Cantores mais experientes caem muitas

vezesnasituaçãodeseconsideraremdemasiadorepetitivoseaborrecidos(STOLOFF,1998).

Apesardeoscantores“tradicionais”daépocadoscatusaremsílabasmuitocaracterísticas,

hoje em dia considera-se que esse deve ser um caminho pessoal de liberdade e

espontaneidade, que permita ter resultados relativamente imprevisíveis (STOLOFF, 1998).

Faz tudopartedeumprocessodeexperimentaçãoemquecadacantorvaidescobrindoo

quemelhorresultaparasi,emtermossonoroseestéticos(STOLOFF,1998).

Algunscantores,comoBobbyBcFerrinnotema“thinkinaboutyourbody” (Pertencenteao

álbum“Spontaneous Inventions”,de1986)usamaindasílabaspercussivasecantam linhas

de baixo para simular ritmos. Este é um exemplo particular de um “oneman band”,que

utiliza a voz de forma autónoma e explora todos os recursos possíveis desta; outros

exemplos desta utilização encontram-se particularmente em grupos acappella, que

procuram estabelecer, com linhas de baixo e de percussão, um determinado ritmo,

(STOLOFF,1998),comoéocasodogrupovocalbrasileiroOrdinarius.

Em resumo, todos os elementos anteriormente descritos (instinto, conhecimentomusical,

técnicavocal, articulaçãodevogais comconsoantes, sílabaspercussivas) são consideradas

ferramentas que o cantor tem à sua disposição para utilizar a voz na perspectiva

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instrumental (SELLA, 2015). Seja a cantar uma melodia escrita ou a improvisar, alguns

cantoresdejazzdacontemporaneidadesãocadavezmaisdefinidoscomoinstrumentosem

simesmos(SELLA,2015).Eestenãoéumfenómenodehoje.NoseutempoLouisArmstrong

jáeradescritocomoumcantorquecantavadamesmaformaquetocavatrompete,asnotas

gravesdeSarahVaughancomparadasaumsaxofonebarítonoeChetBakerconhecidopelo

seusomvocal“mutado”,comosedotrompetesetratasse,enoqualpareceteradquirido

grande parte da sua estética sonora como cantor (SELLA, 2015). São estéticas vocais de

abordagemmusicalqueincluemelementosdeinstrumentalidade,equeporissosetornam

aindamaissingulares(SELLA,2015).

Situação que se verifica, contudo, é a da necessidade de validação estética do trabalho

instrumentalrealizadopeloscantores.Tantodapartedoscríticoscomo,eespecialmente,da

partedosmúsicos,parecenãohaveraaceitaçãodequeavoztemacapacidadedetrazer

uma musicalidade fresca e criativa, especialmente em situação de improvisação (SELLA,

2015). Assim, dando o exemplo específico de Esperanza Spalding, uma cantora e baixista

contemporânea, o facto de ela tocar contrabaixo é visto como sinal de conhecimento,

criatividadeeinovação,enquantoofactodeelacantarérelacionadocomintuição,tradição

e teatralidade, sugerindo que as características de que usufrui no instrumento não são

usadospelavoz,mesmosetratandodediferenteselementosintegradosnamesmapessoa

(SELLA,2015).

O que é facto é que cada vezmais os cantores usufruem de um rol de opções que lhes

permite fazer quase tudo com o seu instrumento. Desde os recursos naturais, como a

intuição e toda a condição fisiológica inata da sua voz, possuem com grande solidez

características musicais como qualquer outro instrumentista, que os localiza no mesmo

patamardetodososoutrosmúsicos.Há,aliás,muitoscantoresdescritoscomo“músicos”,

nosentidoacadémicodaexpressão.Comumatradiçãoevivênciadeaprendizagensmusicais

edomíniodosconceitoscomplexosdateoriaeimprovisaçãoque,emúltimainstância,lhes

dão escolha. Escolha para se expressarem através do seu instrumento num misto de

humanidadecomtécnica,conhecimento,linguagem,criatividadeeemotividade.

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Metodologia

EstratégiadeInvestigação

Esteestudoinsere-senoparadigmadafenomenologia,dadoquefoiutilizadaumaamostra

pequena,osdadosgeradossãoqualitativos,subjectivos,masplenosdesignificadoeháum

interesse em gerar teoria decorrente do estudo. Pretende compreender como é, na

actualidade, utilizada a voz enquanto instrumento, não descuidando, contudo, o percurso

históricodestetipoabordagem.

A fenomenologia é um movimento que provém dos filósofos existencialistas alemães,

franceses e holandeses na segundametade do século XIX e do século XX. Visa descobrir

comoéqueomundoé constituído e comoo ser humanoo experiencia através de actos

conscientes(FORTIN,1996).Oqueadiferenciarelativamenteaoutrosmétodosqualitativos,

é o facto de procurar descobrir a essência dos fenómenos, a sua natureza intrínseca e o

sentidoqueoshumanoslheatribuem(MAANEN,1990).

Um estudo fenomenológico é aquele que se propõe estabelecer numa base liberta de

estereótiposparatodasasciências.(GIL,1999).Destemodo,esteestudopartedeprincípios

tidoscomoverdadeiros,possibilitandochegaraconclusõesemvirtudedasualógica.

Será tendencialmente um estudo descritivo, mas irá englobar também características de

estudoexploratório.

Amaiorpartedosestudosdescritivoslimita-seacaracterizarofenómenopeloqualalguém

seinteressa,projectandoumperfiladequadodepessoas,eventosousituações.

Os estudos descritivos fornecem uma descrição dos dados, quer seja sob a forma de

palavras, de números, ou de enunciados descritivos de relações entre variáveis (FORTIN,

1996).Osestudosdestegénerovisamdenominar,classificar,descreverumapopulaçãoou

conceptualizarumasituação.

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Assim,engloba-seaquiaformacomofoiabordadaatemática,dadoqueforamobservadas

performances e entrevistadas cantoras (maioritariamente no âmbito do jazz), sendo que

seráexpostaadescriçãodosdadosrecolhidos.

Alémdisso,aplicam-seaesta investigaçãocaracterísticasdeestudoexploratório,umavez

que se pretende também aprofundar conhecimentos neste tópico, produzindo elementos

teóricosnumaáreaqueenglobamuito saberempírico,masemqueesteaparentanão se

encontrarsistematizadonemorganizadoformalmente.

Osmétodos de recolha de dados são variáveis, podendo estes ser estruturados ou semi-

estruturados(FORTIN,1996).

Osmétodosdeanálisedosdadosvariamconsoanteotipodeestudo,atécnicadeamostrae

o grau de complexidade dosmétodos de recolha dos dados utilizados. Se osmétodos de

recolhadedadossãoqualitativos, sejamsemi-estruturadosounãoestruturados, recorrer-

se-áàanálisedeconteúdo(HUBERMANeMILES,1991),comoacontecenestetrabalho.

Comaajudadaanálisedeentrevistasnãoestruturadasépossívelextrairconclusõessobrea

experiênciadosparticipantes,demodoarelacionarosseuscomportamentoscomasideias

impressasnaliteratura(FORTIN,1996).

De acordo com Fortin (1996), as entrevistas não estruturadas convêm às abordagens

qualitativas,taiscomoaabordagemfenomenológica.,

Esteestudopodetambémserclassificadocomoqualitativo.

Osestudosqualitativostêmcomopontodepartida:

• Hipóteses;

• Fenómenos;

• Situaçõesespecíficas.

Comofenómenoinicialpodemosaquiconsiderarofactodeoscantoresjáteremumâmbito

deactividadeemqueutilizamoseuinstrumentodeformainstrumental,ouseja,cantando

apenasmelodias,semrecursoaletra.

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Comocaracterísticasprincipaistêm:

• Ofactodeseremtipicamenteindutivos(partindodaobservaçãoparachegarauma

teoria)–nesteestudocomeçouporseobservaroqueacontecenarealidadedojazz

emrelaçãoaestefenómenoqueéodocantor“instrumental”.

• Uma recolha e análise de episódios individuais – foram analisadas várias

performances e feitas entrevistas no sentido de compreender a experiência

individualdecadacantornestecampo.

• Análise de dados tendo como objectivo desenvolver uma perspectiva teóricamais

oumenosglobal (holística)– jáque seanalisaramasperspectivasde cantoresde

vários países, que se acredita serem significativos a uma escala global para esta

temática.

• Imersãonarealidadeaserobservada–umavezqueaorealizaroestudoprocedinão

sóaumacontextualizaçãoprofundanoassunto,masà concretizaçãoperformativa

destesconceitos,atravésdosconteúdosaserreveladosnorecitalfinal.

• Mododeanálisequenãosegueumalógicalinear(a->b)–dadoquecadarealidade

observadaéespecificaesingular,porsertãoprivadanaperspectivadecadacantor.

Dentrodosobjectivosdoestudoenglobam-seadescobertadenovas ideiasquepermitam

teorizar a prática, e assim obter explicações para os fenómenos para lá das hipóteses ou

teorias originais; produzir uma descrição clara e ampla sobre o fenómeno da voz

instrumental; entender porque os cantores reagem de determinadas formas, tomam

determinadasdecisõesoufazemcertasescolhas,quandonestecontextoestético.

Os dados foram analisados tendo em conta a forma como os participantes pensam em

relaçãoaoassuntoproposto,bemcomoasuarespostaemocionalaosfenómenosreferidos.

Este estudo apresenta também um carácter etnográfico: um método descritivo da

antropologia.Apoia-senoconceitodeculturaeprocuracompreenderumsistemacultural

dopontodevistadaquelesquepartilhamessacultura(AAMODT,1991).

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É o estudo da experiência humana na perspectiva do contexto cultural e social onde se

inserecomoobjectivodeconstruiruma“teorialocal”,ouumainterpretaçãodeumaspecto

oudetodaumacultura.

Anoçãode“temasculturais”écentralnestemétodo:sãoexpressõesquesurgemdeforma

recorrente nos discursos dos membros de um grupo cultural e que representam os

princípios organizadores do sistema cultural. Tende-se, no entanto, a abandonar esta

abordagemde cultura,preferindo-se frequentementeabordar a cultura comoumsistema

designificações(GEERTZ,1973).

Oinvestigadoragedeformaparticular:recolheinformaçãoemprimeiramão,envolvendo-se

directamente com os participantes e/ou informantes. A sua investigação resulta da

interacção com outros seres humanos, tanto por meio de conversas e/ou entrevistas

comoatravésdapartilhadeexperiênciasemocionaise/ourituais.

A codificaçãodasunidadesde significações faz-seentão segundoométodo interpretativo

herdadodahermenêuticaouaindasegundodiversosmétodosretiradosdaanálisedetextos

literários(FORTIN,1996).Nestaperspectiva,osconhecimentossãoapreendidosemrelação

comaexperiênciaenãoseparadosdela(SAILLANT,1988).

Os estudos etnográficos procuram estudar a realidade tal como acontece no seu meio

ambiente ‘natural’: o investigador procura ‘entrar’ no contexto que é objecto de

investigação.Assim,considera-sequesóépossívelinvestigararealidadesocialeculturalem

acção, dado que a complexidade da vida humana e da interacção social não podem ser

reduzidasaumestudoexperimentalconduzidoemlaboratório.

Existe, ainda, um carácter etnomusicológico no presente estudo, pela natureza particular

dos participantes – cantores de jazz, em que será feita uma observação “no terreno”. A

Etnomusicologia é o estudo antropológico para a compreensão da música dentro de um

contextosociocultural,atravésdoenvolvimentodo investigadorummeioqueopossibilite

estaremplenocontactocomoseuobjetodeestudo(FORTIN,1996).

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Uma tendência de quemouve o termopela primeira vez é pensar que o etnomusicólogo

estuda, tendencialmente,músicaespecíficadedeterminadosnichosaborígenes,departes

remotasdoplaneta,factoqueaconteceunosprimórdiosdestaciência.Essefactoacontece,

apesardehavertambémjámuitainvestigaçãocentradanamúsicaproduzidaspelasdiversas

“tribos”urbanas.

Pela sua abrangência, a etnomusicologia tem uma abordagem interdisciplinar, usando

ferramentas da teoria e análise musicais, musicologia comparada, acústica, antropologia,

sociologia,folclore,linguística,história,psicologia,ciênciaspolíticas,economia,entreoutras

disciplinas(FORTIN,1996).

O cantor de jazz é definido como aquele que, em performance, utiliza alguns, ou vários,

elementos do jazz: improvisação, ritmo sincopado e swing, bem como um estilo de

interpretaçãofacilmentecomparávelaodeumqualquerinstrumentistadejazz.Sendoesta

definiçãopassíveldealgumaflexibilidadeediscussãoconceptual,acaracterizaçãodopapel

doscantoresdejazztemvindoamutar-seaolongodosanos,conformeaprópriahistóriado

jazztemvindoarevelar(SHIPTON,2012).

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ConsideraçõesÉticas

Qualquerinvestigaçãoefectuadajuntodesereshumanoslevantaquestõesmoraiseéticas,e

o estudo realizado junto de cantores não foi excepção. A própria escolha do tipo de

investigação determina directamente a natureza dos problemas que se podem colocar

(FORTIN,1996).Apartirdomomentoemquesefizeramperguntassobreospensamentos

da pessoa em performance ou sobre a forma como dirigiu o seu percurso profissional,

entrou-senocampodaprivacidadeeintimidade.

Aética,noseusentidomaisamplo,éaciênciadamoraleaartededirigiraconduta.Paraos

especialistas,aéticasignificaaavaliaçãocríticaeareconstituiçãodosconjuntosdepreceitos

ede leisqueregemos julgamentos,asacçõeseasatitudesnocontextodeumateoriano

âmbitodamoralidade(FORTIN,1996).

Neste trabalho houve o cuidado de tomar todas as medidas necessárias para que os

envolvidosvissemprotegidososseusdireitoseliberdades,tendosidoconsideradososcinco

princípiosfundamentaisaplicáveisaossereshumanosdeterminadospeloscódigosdeética:

o direito à autodeterminação, o direito à intimidade, o direito à protecção contra o

desconfortoeoprejuízoe,porfim,odireitoaumtratamentojustoe leal(FORTIN,1996).

Foi dada a hipótese de sigilo, que nenhuma das entrevistadas requereu. Apesar de, pela

natureza artística e subjectiva do estudo, o percurso profissional poder cruzar-se com o

pessoal,nãoforamexpostoselementosdavidapessoaldasartistasentrevistadasqueestas

considerasseminvasivos.

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Métododerecolhadedados

Os dados foram recolhidos em várias fases. Primeiramente (e de forma paralela com a

revisãobibliográfica)foirealizadaumaanálisehistórica,combasenorecursoàliteraturae

discografiaenvolvidosnoprocessoevolutivodavozenquantoinstrumento.

Após compreendido o percurso histórico da voz enquanto instrumento, importou saber

comoéabordadoesseprocessonosdiasdehoje.

Foi feita uma análise do trabalho desenvolvido por alguns cantores e cantoras

contemporâneosqueusamavozenquanto recurso instrumentaleque,numaperspectiva

de improvisação, têm inovado tanto em termos técnicos (qualidade do som) como

interpretativos.

Sendoesteassuntoindissociáveldocontextodojazz,estefoitambémocentroestilísticoda

investigação:foramanalisadosapenascantoresdejazz.

Além disso, quando possível, além da análise performativa (feita pela observação de

concertosaovivooudevídeos),foramfeitasentrevistasaalgumascantorasquetêmvindoa

desenvolver esta estética na sua carreira, de modo a compreender “por dentro” a sua

abordagemaoinstrumento.

A recolha de dados emCiências Sociais implica sempre algum tipo de observação, já que

tudooquenãoépossívelobservarouidentificar,tambémnãoépossívelestudar.Umadas

vantagensdaobservaçãoéqueoinvestigadorconseguecolherdadossobreoseuobjectode

estudo tal e qual como ele decorre, ou seja, no seu contexto natural, o que lhe confere

maiorautenticidadeemrelaçãoàsobservações feitasemcontexto“laboratorial” (FORTIN,

1996).

Para este estudo em particular, foi importante poder observar performance sem que os

cantoressentissemqueestavamaserobservados(nocasodeconcertosaovivo)eanalisar

tambémdequemodosecomportam(emrelaçãoaoselementosaestudar)noseuambiente

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natural. O investigador não interferiu em nenhum momento dos acontecimentos

(investigadornãoparticipante).

A entrevista é um modo particular de comunicação verbal, que se estabelece entre o

investigador e os participantes, como objectivo de colher dados relativos às questões de

investigaçãoformuladas(FORTIN,1996).

As entrevistas variam em função de dois parâmetros: o grau de liberdade deixado aos

interlocutoreseograudeprofundidadedainvestigação.

De um modo geral, distinguem-se três tipos de entrevistas: a entrevista estruturada (ou

uniformizada) e a entrevista não estruturada (ou não uniformizada) e a entrevista semi-

estruturada(FORTIN,1996).

Otipodeentrevistarealizadanesteestudofoiaentrevistanãoestruturada,ouseja,aquela

emqueaformulaçãoeasequênciadasquestõesnãosãopredeterminadas,masdeixadasà

livre disposição do entrevistador. É o tipo de entrevista mais utilizado quando o

entrevistador pretende compreender a significação dada a um acontecimento ou a um

fenómeno na perspectiva dos participantes (FORTIN, 1996). Assim, foi criada uma linha

orientadora para as entrevistas, mas deixou-se que estas se configurassem na forma de

conversasmais oumenos informais, demodo a que não se perdesse informação nem se

impedisseoaprofundamentode temáticasqueasentrevistadas considerassem relevantes

parasi.Desdemodofoipossívelcaptaraindividualidadedecadacantoraeoquecadauma

tevedeespecialaacrescentaràinvestigação.

Foifeitaumatranscriçãoregulardaentrevista,emqueoinvestigadorselimitouaincluira

informaçãoprincipal,selecionando-aàmedidaquetranscreveu;foisimplificadaalinguagem

demodoatorna-laperceptível,efoiretiradaouadicionadainformaçãodemodoafacilitara

compreensão.

AscantorasentrevistadasforamRitaMartins,SaraSerpa,LucianaSouzaeRebeccaMartin.A

selecçãodascantorasaentrevistarbaseou-senotrabalhoquetêmvindoadesenvolverao

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longodosanos,queéparamimrelevantenaáreadavoz instrumental,umavezqueeste

temsidoumdosfocosdassuascarreirasenquantoperformers.

Denotarque,alémdascaracterísticas instrumentaise improvisacionais, foi tambémcerne

da investigação compreender a forma de transmissão de ideias e emoções através da

performancevocalinstrumental,istoé,semrecursoàpalavra.

Na sequênciada realizaçãodasentrevistas supramencionadashouveaindaummomento

para pôr alguns dos conceitos abordados em prática, através da realização de algumas

experienciasvocais.

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EnquadramentoHistórico

Correndo-se sempre o risco de esquecer nomes importantes para a história ou de,

inversamente,sesobrevalorizaremoutros,segue-seumaresumidaabordagemhistóricaque

pretendemencionarostraçosgeraisdosacontecimentosmusicaisquelevaramojazzvocal

no seu caminho ao longo dos tempos. É importante que se tenha uma abrangente

compreensão do caminho percorrido desde os primórdios da história, para se perceber a

actualidade,eposteriormentelevaracaboumareflexãosobreoquepoderáserofuturoda

voznamúsica.

NoiníciodoséculoXXavoztinhano jazzumpapelqueserevestiadediversoselementos

quelheconferiamespecialsingularidade(MARTIN,2005).

No início do jazz vocal (primeiros anos 20) este caracterizava-se por frases melódicas

dotadasdeumacertaliberdade.Assim,porvezes,determinadafraseiniciava-senotempo,

outrasvezesnocontratempo,emdiferentesmomentosdocompasso,emcontrastecomo

tipo de performance “sempre a tempo” que era cantado em contexto não jazzístico

(MARTIN,2005).

Anosdepois,ecomumagrandeinfluênciadoblues,foramdefinidasalgumascaracterísticas

baseadas em registos como a performance de Bessie Smith no tema “BackWater Blues”

(1927), que se verifica ter uma construção frásica relativamente livre, uma colocação

sincopada de notas e letra, notas offbeat, uso de slides, e outros ornamentos vocais

(MARTIN, 2005). No entanto, o cantor tinha o seu papel limitado à interpretação de

melodias com letra, não tendo uma função improvisadora. Apesar disso tinha bastante

destaque,umavezquecomapopularizaçãodobluesnosanos20,edoswingnosanos30,

asmúsicascantadastinhamgranderelevâncianonegóciodoentretenimento,mantendoos

cantoresnocentrodasatenções(ibid.,2005).

Osom instrumental-vocal (tambémmencionadona literaturacomo instru-vocal) foimuito

celebrizadoporváriosgruposqueutilizavamasvozespara criarharmonias,e começavam

discretamente a recriar o som de instrumentos ao longo dos arranjos das músicas.

Começava também a haver espaço para pequenas variações improvisadas nas linhas

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melódicas. São disso exemplo as Boswell Sisters (grupo activo entre 1925 e 1936) e as

Andrews Sisters (com carreira activa entre 1937 e 1967) (STOLOFF, 1996). Estes grupos

vocais femininos usavam sons instrumentais, cantando vários arranjos que continham

melodiassemletra,erecorriamaharmoniasfechadas,quefaziamlembrarumensemblede

metais, tanto no som criado, como na configuração rítmica, que muitas vezes se

caracterizavaporintegrarumapontuaçãotípicadebigband(GRIDLEY,2003).

O scatéa vocalizaçãode sonse sílabasque sãomusicaismasnão têm tradução literal e,

consequentemente,nãotêmqualquersignificado(STOLOFF,1996).

Têm sido utilizadas várias abordagens, que podem assemelhar-se com diversos dialectos,

apesardeosignificadosemanternulo(GRIDLEY,2003).

A escolha das sílabas é relativamente aleatória, com a excepção de que determinadas

sílabas,quando juntas,podemajudaracriar frasescomcaracterísticasespecificas,comoa

articulação,oglissando,oumesmoumaespéciedesintaxeemsimmesmas(GRIDLEY,2003).

O scat tem amesma idade do jazz, mas acabou por se definir essencialmente como um

idiomadobebop(STOLOFF,1996).

O elemento impulsionador do chamado scat singing foi Louis Armstrong (1901-1971)

(STOLOFF,1996).Figuraincontornáveldojazztantoenquantotrompetista,comoenquanto

cantor,eraorigináriodeNovaOrleães,masdesenvolveuamaioriadasuacarreiamusicalem

Chicago(STOLOFF,1996).

Oprimeiroscatacontecequaseporacidentequando,duranteasessãodegravaçãodotema

“Heebie Jeebies”, o papel onde estava escrita a letra da canção que interpretava cai

inesperadamentee,semconseguirveraletra,Armstrongoptarapidamentepor,emvezde

parar a gravação, continuar a cantar amelodia como se a estivesse a tocar no trompete.

Apesar de não haver testemunhas oculares deste episódio e de, por isso, haver quem

questioneasuaveracidade,épossívelouviraindahojeagravaçãodessasessão(editadaem

1926,pelaOKeh),sendoqueArmstrongfoi,certamente,oprimeiroagravarscat,emerece

reconhecimentoporotertransformadonumaformadearte(STOLOFF,1996).

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Asoluçãofuncionoutãobemqueacabouporsetornarumadasimagensdemarcadocantor

e trompetista, que começou a desenvolver uma linguagem própria em quemisturava as

letras dos temas com linhas de scat ao estilo do trompete, em fraseado que podia ser

cómico, sensual, obsceno ou mesmo imperativo. Como resultado destas características,

muitasdasgravaçõesnãoforaminicialmenteutilizadas,pelofactodeaseditorasasacharem

imprópriasparaograndepúblico(STOLOFF,1996).Cantoresdetodoomundoedetodasas

gerações ficarão para sempre em dívida a Louis Armstrong por este trazer a voz para o

patamardojazzinstrumental(STOLOFF,1996).

EmArmstrong,atendênciaeraqueoseuscatseparecesse,emarticulaçãoefraseado,ao

trompete,umavezqueeraoseuinstrumentobase.Nessamesmalinhatendencial,outros

cantoreshouvequeadoptaramascaracterísticassonorasdobaixo,daguitarra,dotrombone

oumesmodabateria(STOLOFF,1996).

Além do scat propriamente dito, o estilo vocal de Louis Armstrong influenciou muitos

cantorespopulares,comoLouisPrima,BillieHollidayeBingCrosby.Destemodo,Armstrong

acaboupordeixarumlegadoqueseestendeulargamentealémdasfronteirasdouniverso

jazzístico(GRIDLEY,2003).

No iníciodosanos40doséculoXX,começaramanotar-seosefeitosdos intensosestudo,

dedicaçãoecriatividadedosmúsicosquehaviamatravessadoaeradoswing.Começavaa

insurgir-seumageraçãodemúsicos chamados “modernos”que se afastavamdo conceito

tradicional do entretenimento que amúsica Swing articulava e que criaram o bebop (ou

apenasbop)(GRIDLEY,2003).Comcaracterísticasqueosafastavamdoconceitomainstream

deentretenimento,esteseramgruposmusicaispequenos(contrastandocomasbigbands),

com menos ênfase nos arranjos, que tocavam com um tempo médio mais alto que o

habitual até então e que punham na linha da frente a improvisação e o virtuosismo dos

solistas(GRIDLEY,2003).

Enquanto estilo musical, o bop tendia a ser menos popular: os músicos tinham uma

aparênciaséria,menosconvidativadoqueosfãsdojazzestavamhabituados.Erammúsicos

que tocavam pelo prazer da música e não com o objectivo de entreter as audiências

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(GRIDLEY,2003).Obopnãoeravisualmenteapelativo,eamúsicatambémnãoerafácilde

ouvirparaamaioriadaspessoas(MARTIN,2005).Enquantooscombosdeswingtinhampor

regra cantores (eatébailarinos),nos combosdebop raramentehavia cantores,peloque,

quandoexistiam,eramcantoresdotadosquecaracterísticasespecialmentediferenciadoras

(GRIDLEY,2003).

Damesma formaqueosmúsicosdobebopmudaramo rumodamúsica,uma linhavocal

especificatambémcomeçouasurgir,envolvidanessecontexto(GRIDLEY,2003).

EllaFitzgerald(1917-1996)cresceuaouvirLouisArmstrongeConnieBoswell. Iniciouasua

ascensão profissional nos anos 30 do século XX e com 17 anos ganhou um concurso de

talentosquedeuoimpulsoinicialaoqueviriaaserasuacarreira(MARTIN,2005).Começou

por cantarmúsicas populares no grupodeChickWebb,mas foi como seupróprio grupo

“Ella and Her Bop Boys” que veio, nos anos 40 do século XX, a evidenciar-se como uma

virtuosa do estilo “bop scat”. Na década seguinte cantou praticamente tudo o que havia

para cantar, passando pelo reportório de Cole Porter, Irving Berlin, os Gershwins, Halord

Arlen, Richard Rogers e Lorenz Hart, Duke Ellington e Billy Strayhorn. A sua voz era um

instrumento leve e ágil e a sua extensão vocal impressionante (MARTIN, 2005). Sem

sacrificar o significado das linhas melódicas dos compositores que interpretava, Ella

ornamentava frequentemente os temas com interessantes improvisações e riffs blues. O

ênfasequedavaaoconteúdomusicaleratalquepassou,acertaaltura,aserconsiderada

umasolistacomoqualquerumdosoutrosmúsicos(STOLOFF,1996).

Ella Fitzgerald trouxe originalidade e diferenciou-se nas suas interpretações damúsica do

CancioneiroNorteAmericano,adicionandocaracterísticaspessoaissemalteraraintegridade

damelodiaea“voz”doscompositores(STOLOFF,1996).

Comovocalistadescateraabsolutamenteincomparável,semrivais.

Ellaadoptouoidiomainstrumentaldobopeadaptou-oàvozhumana.Asuaimprovisaçãoe

musicalidadeerammusicaleverbalmentecriativas.

EllaFitzgetraldeLouisArmstrongsãoconsideradososgrandesrepresentantesdaessência

doscat(STOLOFF,1996).

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UmadascantorasmaisimportantesaemergirtambémdaerabopfoiSarahVaughan(1924

–1990).GravoucominstrumentistasdetopocomoDizzyGillespie,TaddDameroneClifford

Brown.Tinhaumcontrolovocalinvulgar,conseguindofazerusodosrecursosvocaistantodo

jazz como da música clássica (muitas vezes usava técnicas que são típicas da ópera)

(GRIDLEY, 2003). Era uma pianista exímia, conhecedora da harmonia e excelente

improvisadora.Contudonãotinhaohábitode improvisaraovivo,numestiloscat.Emvez

dissomantinha-sefielàletradascançõesefaziaantesalteraçõesimprovisadasdamelodia,

prolongandoouencurtandopalavras,usando-sede liberdadesqueerammaisornamentos

paraamelodiaoriginal(GRIDLEY,2003).

OutronomeincontornáveléodeBettyCarter(1929–1998).

Vista como uma das mais aventureiras cantoras de todos os tempos, idiossincrática na

abordagemestilísticaeincansávelimprovisadora,usouatéaolimiteosrecursosmelódicose

harmónicos,comoqualqueroutrosolistadebebop.

Eraumacantorafascinadapeladiferença,queseposicionavanumespectrodeabstracçãoe

subjectividade, combinadas com sofisticação. Chegava a fazer solos de 20 minutos,

recorrendoaumscatrápidoepreciso,ou,alternativamente,aumalinguagemdegemidose

suspirosbluesy(BAUER,2002).

Muitosoutrosnomesforamrelevantesparaaimprovisaçãovocalatéesteperíodo.Podemos

referir BillieHoliday eo seu sentidode liberdade rítmica ede fraseado; JoeWilliamsque

vem estabelecer um modo de cantar rico em conteúdo e timbricamente suave; Eddie

Jefferson e a introdução do Vocalese (técnica de introduzir letra em solos de jazz já

existentes);Lambert,Hendricks&Rosscomasuagenialcombinaçãodetexturasvocaisde

bigband,vocaleseescat;AnitaO’Dayeosseussentidosderitmo,dinâmicaemelodiaque

posicionaramasuaimprovisaçãoentreospioneirosdobop(EELLS,2004).

Nosanos60doséculoXXojazzteveumacentuadodecréscimonasuapopularidade.Como

movimentoexperimentaldofree-jazze,emsimultâneo,osurgimentodasbandasderock,

tornou-se difícil para a maioria dos músicos manter a sua carreira, e muito poucos se

mantiveramnumpatamarconfortável,profissionalmente(STOLOFF,1996).

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Oscat,quepoucaounenhumaexpressão teveno free jazz, começaa reaparecernoutros

contextos.

AlJareau(n.1940)foiumadasprimeirasemaisdestacadasestrelasdojazzvocaldadécada

de70doséculoXX.Asuainovaçãovocalafirmou-sedetalformaquefoipremiadodiversas

vezescomGrammy’sdeperformancevocal,nosestilosjazz,popeR&B.Outroexemplosão

os Manhattan Transfer, um quarteto vocal cujo reportório inclui scat e vocalese numa

variedadedetemasdojazzedamúsicapopular,comarranjosespecíficosparaoensemble.

Começaramainstalar-seosmovimentosmusicaisassociadosàsartesperformativas.

JohnCage(1912-1992),compositor,teóricomusicaleescritoramericano,instaloudeforma

crucial a vanguarda artística, tendo sido um pioneiro da música aleatória e da música

electroacústica. Usou como ninguém instrumentos não convencionais, ou instrumentos

convencionais de forma não convencional (SILVERMAN, 2010). Influenciou também os

cantores,nosusosalternativosdavoz,comoéoexemplodeMeredithMonk(n.1942)ea

sua abordagem multidisciplinar da arte, da qual surge a Extended Vocal Technique. Esta

envolve arranjos complexos e algo tensos, com a inclusão de gritos, uivos, respirações

associadas a movimentos tússicos e suspiros, para a criação de um efeito homogéneo

descritocomo“umacantorafolkcombinadacomumpássarobebé”(MARRANCA,2014).

É o tempoe o espaço emque a voz deixa definitivamente de imitar outros instrumentos

parasecomportarcomouminstrumentoespecíficoemsimesmo(MARRANCA,2014).

Nofinaldosanos70doséculoXXsãodedestacaroscantoreseuropeusUrszulaDudziake

LaurenNewton,eosamericanosJayClaytoneBobbyMcFerrin,enquantoimpulsionadores

deumconceitodescatexpandido,integrandoelementosdofolk,sonspoucoconvencionais

etécnicasvocaisinovadoras(STOLOFF,1996).

BobbyMcFerrin (n.1950) veio a ser omais conhecido e influente instru-vocalista de jazz.

Tendo ficado conhecido pelo grande público com o lançamento do hit “Don’tWorry, be

Happy”, tem em si características vocais, auditivas e conhecimento musical de enorme

amplitude(STOLOFF,1996).Temseguidoresemdiversosespectrosdepúblico,desdeojazz,

amúsicapopeamúsicaclássica(GRIDLEY,2003).

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Dono de uma extensão vocal do baixo ao soprano, McFerrin estabeleceu os padrões da

técnicainstru-vocalcomoelaépraticadanosdiasdehoje(STOLOFF,1996),tendopostoem

prática o conceito de vocal bass, na medida em que, nos seus concertos a solo, se

acompanha a si próprio, conseguindo fazer soar uma linha de baixo em relativa

simultaneidade com a linha melódica principal. Além disto ainda adiciona elementos

percussivos,atravésdepalmasoupequenaspancadasnopeitoououtraspartesdocorpo.

Tudo isto veiomudar a forma comopensamos na ideia de “oneman band” para sempre

(GRIDLEY,2003).

Numa perspectiva da contemporaneidade, podemos ainda verificar cantores que (alguns

tendojáiniciadoassuascarreirasháváriasdécadas)continuamatrazerinovaçãonocampo

vocal,apercorrerumcaminhodedescobertaea inspiraroscantoresquehojeestudame

desenvolvemasuaperformance.

ComoexemplopodemosverificarasasiáticasYounSunNah(n.1969)eJenShyu(n.1978),os

americanos Theo Bleckmann (n. 1966), Lalah Hathaway (n. 1968) e Gretchen Parlato (n.

1976),easportuguesasMariaJoãoGrancha(n.1956)eSaraSerpa(n.1979).

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AnálisedeResultados

Noâmbitodapresenteinvestigaçãotentouestabelecer-secontactocomdiversoscantores,

que considero terem uma palavra pertinente a dizer sobre o assunto estudado. Dos

contactosefectuados,apenasquatroderamfeedbackeaceitaramserentrevistados.

Ascantorasentrevistadasforam:RitaMartins,SaraSerpa,LucianaSouzaeRebeccaMartin.

Entreoscantoresquequenãofoipossívelentrevistarencontram-se:JacobCollier,Gretchen

Parlato,BeccaStevens,TheoBleckman,LalahHathawayeMariaJoãoGrancha.

RitaMartins foi entrevistada presencialmente, enquanto que Sara Serpa e Luciana Souza

responderam por escrito às questões da entrevista. Rebecca Martin foi entrevistada via

Skype, e foi a escolha mais controversa nesta selecção de cantores, uma vez que o seu

trabalho não se centra na exploração da voz instrumental. Por essemotivo, algumas das

questões formuladas foram ligeiramentediferentesdas feitasàs restantescantoras.Ainda

assim, veio a confirmar-se que tem uma perspectiva musical muito interessante a

acrescentar ao estudo realizado. Esta entrevista, obviamente feita em inglês, aparecerá

juntamente com as restantes, já traduzida para o português, no sentido de manter a

coerênciaexpositivadotrabalho.

AsentrevistasforamrealizadasentreJunhoeOutubrode2016.

Para o decorrer das entrevistas foi criado um formulário orientador, de modo a que se

usufruíssedeumacertaorganizaçãodeideiasefoconocaminhoemdirecçãoàrespostada

perguntadeinvestigação.

Contudo, foi deixado espaço para subtópicos e desenvolvimento de conversas mais ou

menos informais, de modo a captar toda a individualidade de cada cantora e recolher

qualquerinformaçãoextraquepudessesurgiretornar-sepertinente.

Osformuláriosdaentrevistaforamredigidosemduaslínguas,portuguêseinglês,demodoa

facilitaracomunicaçãocomtodosospossíveisinterlocutores.

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Cada entrevista começou pela procura de uma contextualização estética, demográfica e

cultural,nosentidodecompreenderondeseinseremascantorasentrevistadas,parasaber

comosurgiunasuacarreiraoconceitodautilizaçãodavozcomoinstrumento.Deummodo

geral,esteconceitosurgedacombinaçãodedoiselementos:partedaformainatacomque

surgeanecessidadenaturaldomúsico,enquantocriança, serpropensoàexperimentação

dasuavoz;ounocontextodoensinodamúsicaedainfluênciadosparesedasreferências

musicais.Tambémquestõescomaletraforamapontadas,nomeadamenteadificuldadeem

assimilar e articular letra numa língua estrangeira, tendendo a preferência a focar-se na

ausênciadeletra,enquantosolução.

Avozévistapelascantorasentrevistadascomouminstrumentoemsimesmo.

A maioria é unânime em afirmar que o processo de cantar instrumentalmente carece

sempre de umprincípio de imitação: damesma forma que as crianças imitamos adultos

paraaprenderafalar,aoaprendermosmúsica imitamososmúsicosmaisexperientespara

entrarnalinguagemmusical.Noentanto,todooprocessoéindividualerapidamentesefoca

na sua singularidade, pelo que a voz ganha uma dimensão própria, em termos de som e

personalidade,talcomoosoutrosinstrumentistasfazemcomoseuinstrumento(MONSON,

1996).

Étambémunânimeentreasentrevistadasqueofactodehaverounãoletramudaaforma

comoamúsicaéabordada.Contudo,pareceserosomoobjectivo final,emqualquerdos

casos.Secomaletraestáfacilitadooprocessodecomunicação(pelomenosdeumaforma

mais automática), sem letra ganha-se a liberdade de articular sem ter de pensar nos

detalhes da linguagem; passa a estar implícita a responsabilidade extra de

emocionar/interagir com o publico, recorrendo apenas àmelodia. Procura-se a coerência

sonora através das camadas texturais da voz e a sua relação comos outros instrumentos

(tambémdeumaperspectivadateoriamusical)paraumacomunicaçãoeficaz.

Paraareuniãodesteselementos,umadasfontesprincipaiséoestudomusicalemgeral,eo

dojazzemparticular.Ojazzparececonferirumaferramentadeliberdadeeinteracçãocom

outroselementosaestascantoras.Permite-lhesestarconfortáveisemdiferentesâmbitos,

segundo descrevem. Características como o ouvido treinado ou os conhecimentos de

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harmoniasãonomeadoscomobasesparaaformacomoagememperformance.Contudoé

precisoconsideraraimportânciadaexperimentaçãoedaintimidadecriadaentreocantore

amúsica, mesmo quando ela pertence a uma tradiçãomusical que não o jazz. Todas as

fontesmusicaispodemserconsideradasrecursospossíveis,dependendodecomoocantor

asabordaeasusaaseufavoremperformance.

Todasasentrevistadas concordamqueépossível transmitir emoções sem recursoa letra,

sendoqueamaioriaofazregularmente.

Os recursos que utilizam para o fazer são vários: o estudo das arquitecturas melódica e

harmónica,paracompreenderdequemodoelassemovemeapartirdaíganharliberdade

para criar algo novo (em vez de repetir o que já foi feito e refeito tantas vezes noutras

versões); o percurso e a característica pessoal de cada cantor, que lhe permite agilidade

perantecontextosmusicais complexos;a capacidade técnica, requeridapelaprofundidade

musical que omomento pede, a nível teórico, de conhecimento, de recursos auditivos e

tambémaumnívelpoético;ea sensibilidadeparadaràmúsicaaquiloqueelaprecisano

momento,paratransmitirumaideia.

Relativamente aos caminhos percorridos durante a improvisação, impõe-se sempre

primeiramente a questão da intuição. Sendo a voz um instrumento integrado dentro do

corpodocantor(“vivemosnonossoinstrumento!”),asuautilizaçãoéintuitivalogonafala,

duranteocrescimento,eclaro,acantar.

Depois impõe-seoconhecimento.Saberharmonia, interagir ritmicamente,esaberouviro

quesepassaànossavoltaéfundamental.Memorizaraharmoniadotemaajudaaganhar

independência em performance, e os conhecimentos teóricos, que também são uma

linguagem,tornam-secadavezmaisfluentesàmedidaqueospraticamos,demodoaque

chegamosaumasituaçãodeosarticularcomumanaturalidadecomparávelàintuição.

Nocampocomunicacionalpropriamentedito,omaisimportanteécontarahistória.

Nãodevemosesquecerqueaspalavraspodemrestringirdemasiadoosentidomusical.Uma

coisaéoquenósdizemos,outraéoquequeremosdizer,eoutradimensãoaindaéadas

coisas que nós dizemos e não queremos dizer, que acontece sobretudo por comunicação

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não-verbal.Assim,aausênciadepalavraprovidencialiberdade,masacarretaanecessidade

demaiorcontrolonoselementosnão-verbaisdacomunicação.

Também na questão de opinião sobre a credibilidade dos cantores, as respostas das

entrevistadassecomplementou,apesardeestapoderserumaexperiênciamuitopessoal,

tratando-sedavisãopessoaldecadauma.

Logoparacomeçar,éconsensualofactodecadacantorsentirnapeleadiscriminaçãoem

relaçãoaoutrosmúsicos.Primeironaescolademúsica,muitasvezesnão lheséexigidoo

mesmoqueaosoutros:“Éfundamentalumamudançadeatitudenasescolasemrelaçãoaos

cantores:deveser-lhesexigidoomesmoqueaosoutrosalunosinstrumentistas,mastambém

sedeve reconhecerqueavozéum instrumentosingulare fomentar/desenvolveroespaço

paraoscantorescrescerem/aprenderemdeumaformainclusivaecriativa”(SERPA,2016).

“ (...)Os cantores têmqueperceber que se querem fazer uma carreira de instrumentistas

vocais, têm de dominar um conjunto de linguagens e teorias onde se vai basear a sua

prática.É issoque fazemtodososoutrosmúsicos.Tudooque sejamenosque isso irá ser

criticado de forma severa, porque está simplesmente desenquadrado do contexto onde se

pretendeinserir.Cantarinstrumentalmentenãoselimitaadebitarnotasaleatóriasemcima

deumconteúdo.Éprecisoquehajaumacompreensãoaumnívelprofundodoqueestáa

acontecer”(MARTIN,2016).

Apartirdomomentoemqueotrabalhobaseforbemfeitopeloscantores,orestosegue-se-

lhe.

“Cantores competentes e profissionais não sofrem problemas de credibilidade”. (SOUZA,

2016).

“ (...)ésempreútil interrogarmo-nossobrequaléopapeldavozno jazzecomopodemos

continuara evoluir como instrumento, emvezdenos tentarmos incluir numcontextopré-

definido(SERPA,2016).

“Independentementedopúblico,(...)paraquemestá interessadoementrarnesseprocesso

[decantarinstrumentalmente],éessencialqueopossafazer.(..)Oqueéfundamentaléque

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existamespaçosecomunidadesquepreservemapossibilidadedevivênciadestanecessidade

(...).Porqueestanecessidade(...)essencial,estárelacionadacomapróprianecessidadede

criação. É um acto que me parece crucial para o desenvolvimento humano, musical,

intelectual,artísticoedeinteracçãocomooutro,quenãosepodeperder.

Portanto,desdequesepreservemessesespaços,pensoquefazsentidoevaisempreexistir

publico.

Podenãoseréaquantidadedepúblicoquenós,enquantoartistas,desejaríamos,masque,

aindaassim,se juntaemfestivaisououtrosmomentos,equeacreditoquevaicontinuara

existiraolongodotempo”(MARTINS,2016).

“O público está sempre preparado (...) e é mais inteligente do que os promotores (...)

normalmenteassumem”(SERPA,2016).

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Conclusões

Deacordocomosdadosrecolhidos,podemosconcluirque:

• Paramuitoscantoresavozentranoplanoinstrumentaldeformainata,partindodo

princípiodanecessidadenaturalquecadacriançatememexperimentarutilizarasua

voz, ou no contexto escolar do estudo do jazz, da influência dos pares e das

referências musicais. Apesar de esta ser uma premissa comum com os outros

músicos,noscantoresevidencia-seatendênciaaqueseperpetueapredominância

dasensibilidadeemrelaçãoaoestudomusical,pelanaturezadoseuinstrumento;

• Avozévista,pelascantorasentrevistadas,comouminstrumentoemsimesmo,que

apesardepoderencontrarinspiraçãonoutrosinstrumentos,nãopretendeimitá-los;

• É unânime que o processo de cantar instrumentalmente carece sempre de um

principiodeimitação:aoaprendermosmúsicaimitamososmúsicosmaisexperientes

paraentrarna linguagem,sódepoiscriamosanossaprópria linguagem(MONSON,

1996);

• Aocriamosanossapróprialinguagemavozganhaumadimensãoprópria,emtermos

desomepersonalidade(BERLINER,1994);

• Haver,ounão, letramudaaformacomoamúsicaéabordada.Contudo,osoméo

objectivo final, em qualquer dos casos: procura-se coerência sonora através da

exploraçãodecamadastexturaisdavozeasuarelaçãocomosoutrosinstrumentos;

• A coerência sonora é, de acordo com as entrevistadas, uma combinação entre o

timbrepessoaldecadacantor,a formacomoeste trabalhaa técnicavocaleoseu

mododeseposicionarmusicalmentenainteracçãocomoutrosmúsicos;

• Para a reunião destes elementos, uma das fontes principais é a aquisição de

influências (que darão pistas para que se defina qual o som especifico que cada

cantorprocuraemitir),oestudotécnicodavoz(muscularerespiratório),musical,e

osconhecimentosespecíficosdejazz;

• Éprecisoconsideraraimportânciadaexperimentaçãoedaintimidadecriadaentreo

cantoreamúsica,mesmoquandoelapertenceauma tradiçãomusicalquenãoo

jazz. A relação estabelecida pode ser muito particular. Como exemplo temos as

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diferençasencontradasemváriasinterpretaçõesdomesmotema,quesãotãovastas

como o número de cantores que as interpretam. Como exemplo das inúmeras

possibilidades interpretativas temos o tema “Summertime” gravado por Ella

FitzgeraldeLouisArmstrong(Álbum“Porgy&Bess”,1958),porJanisJoplin(Álbum

“BigBrother&theHoldingCompany”,1967),eaindaagravaçãodeLalahHathawaye

MarcusMiller(Álbum“Live&More”,1998),entretantasoutraspossibilidades;

• É possível transmitir emoções sem recurso a letra, sendo que as cantoras

entrevistadasafirmamfazê-loregularmente,atravésdoselementosqueincluemna

suainterpretação;

• Duranteocaminhoapercorrerparaaimprovisaçãoimpõe-sesempreprimeiramente

a questão da intuição e só depois o conhecimento, pelo facto da intuição já estar

presentequandooconhecimentosurge;

• Alguns cantores sentem-se discriminados na sua performance em relação a outros

músicos;

• “Cantores competentes e profissionais não sofrem problemas de credibilidade” por

parte dos seus pares ou de outros elementos da indústria. A competência e o

profissionalismo são vistos pelas cantoras entrevistadas como a aplicação de

características inerentesaqualquer instrumentista(lereescrevermúsica,exercera

suamusicalidadetambémcombaseempremissasteóricas);

• “ (...) é sempre útil interrogarmo-nos sobre qual é o papel da voz no jazz e como

podemoscontinuaraevoluircomoinstrumento,emvezdenostentarmosincluirnum

contextopré-definido;

• “Vaisempreexistirpublico”;

• “Opúblicoestásemprepreparado”.

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RelatóriodeProjectoArtístico

AVOZINSTRUMENTAL:PERSPECTIVADOSCANTORESDEJAZZ

SOBREAINTERPRETAÇÃOEIMPROVISAÇÃO

SecçãoII–PráticaMusical

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Introdução

Amúsicainstrumentalsempremeinspirou.

Desdemuito cedo os discos deMiles Davisme chamaram a atenção, especialmente pelo

tipo de som e articulação conseguidos pelo trompete, que permitiram trazer diversos

elementosàminhaabordagemenquantocantora.

Oestudorealizadosobreocarácterinstrumentaldavozfoiumanecessidadequesentiapós

vários anos de escuta e pesquisamusicais; um caminho que trilhei de forma individual e

muitonatural.

Começar a escrever música que se enquadrasse nesta linha estética foi, portanto, um

processológicoparamim.

Em2013fizaprimeiraexperiênciaconcreta,tendoescritoumtemaparaquinteto,ondea

melodiaépartilhadaentreavozeovibrafone,quecoabitamnumasimbiosemelódica.

Aolongodoúltimoanorecomeceiacompornessaóptica,explorandohipótesesdeligação

musical entre várias instrumentações, sempre excluindo a possibilidade de letra nas

melodiasvocais.

Desdeprocessofizeramtambémparteaescritadearranjosparatemasjáexistentes.

Este trabalhode investigaçãoepercursomusical seráconcluídocomumrecital finalonde

serão tocados os temas trabalhados, bem como expostos os conceitos estudados. A

performanceincluirámúsicacantadasemletra,tantocommelodiaescritacomoatravésde

improvisação vocal. Trabalhar-se-ão também questões da interpretação, no sentido da

transmissãodeemoçõesaopúblico.

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Repertório

Critériosdeescolhadorepertório

Para a selecção do repertório para recital o primeiro critério foi, naturalmente, escolher

músicas sem letra (ou que, tendo letra, esta não fosse utilizada), demodo a poderem-se

explorarosarranjosparaavozinstrumental.

Seleccionaram-se temas do universo do jazz contemporâneo e da música brasileira, não

tendoestesdeincluirforçosamentecantoresnassuasgravações/versõesoriginais.

Incluíram-setambémtemasoriginais.

Ostemasescolhidosforam:

1. Merge(JorgeRamos)

2. MúsicadasNuvensedoChão(HermetoPascoal)

3. Maracatu(YuriDaniel)

4. Lights(SóniaOliveira)

5. Aceitação(SóniaOliveira)

6. LamentoParaoMeuMenino(SóniaOliveira/CarlosGarcia)

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Brevedescriçãodorepertório

MERGE

“Notasdeprograma:

Esta composição surge por via de uma encomenda da cantora Sónia Oliveira. A ideia

proposta era uma tentativa de ligar/unir (merge) omundo clássico-erudito com omundo

jazzístico,usandoos instrumentospropostos.Assimsendo,procurei estudar características

do jazz (já que era a área que tinha estudado menos) para depois relacioná-las com as

técnicas clássicas-eruditas. Um exemplo disso é o suposto walking bass (normalmente

associadoao jazz) que aparece no decorrer da peça, progressivamente transformadopelo

erudito.”JorgeRamos,2015.

Nesta peça foi possível explorar diversas texturas da voz; sendo que se movimenta do

registograveatéaoagudo,requerbastanteagilidadetécnicaemuitaprecisãonaleiturada

notaçãomusical.

Tambémcaracterísticasdeumaescutacuidadasãoaquiexploradas,umavezqueocantor

apenasinteragecomoutroinstrumento,tendoesteumregistoqueemsimesmoseafasta

muitodovocal.

MÚSICADASNUVENSEDOCHÃO

TemaoriginaldeHermetoPascoal,editadonoálbum“CérebroMargnético”em1980,pela

editoraWarnerMusicGroup.

A leadsheetusadacomoreferenciapertenceao livro“TudoéSom”,elaboradoporJovino

SantosNeto,quejuntounestelivro(umaespéciede“RealBook”)asprincipaiscomposições

deHermetoPascoal.

Estetemafoiescolhidopelasuavariedadedeambientes.

Através da exploração da mesma melodia, o tema desenvolve-se primeiramente numa

secçãoemRubato,passandodepoisparaumaestruturaem7/4.Estadiversidadepodeser

relacionadacomaspalavras-chavedotítulo,“nuvens”e“chão”,querepresentandoimagens

quaseopostas,sãotambémassinaladaspormomentosmusicaisantagónicos.

Odesafioparaavozfoiintegrarestasideiasajudandoatransmiti-lasaopúblico.

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MARACATU

Este tema,originaldobaixistaYuriDaniel,pertenceaosegundoálbumdomesmo,“Ritual

Dance”,editadoem2015.

Tivecontactocoma suamúsicaatravésdoconcentrodeapresentaçãode“RitualDance”.

Estando as melodias a cargo do trompetista Johannes Krieger, para mim foi óbvia a sua

“cantabilidade”. Rapidamente decorei grande parte das melodias do disco (ao escutá-lo

algumasvezes)egosteimuitodoprocesso informaldeadaptarparaavozasarticulações

sugeridas pelo trompete. Funcionou como um exercício de evolução técnica, ao mesmo

tempoquemedivertiaaapreciaramúsica.

“Maracatu”diferenciou-seporseromeutemafavoritodestedisco.

LIGHTS(original)

Escritoem2013comoexercíciocriativosugeridopeloprofessorNunoCosta(guitarrista,na

épocaaleccionaradisciplinade“InstroduçãoaoEstudodaMúsicaPopular”,pertencenteao

CursodeLicenciaturaemJazzeMúsicaModernadaUniversidadeLusiada).

A inspiração para a composição foram as luzes nocturnas da cidade de Lisboa. Tem uma

estruturadeA+B+B+C+A+B+B, sendoqueparaaspartesAeBa imageméobservar luzes

enquantodeandaapé,enoCaobservaçãodasmesmasluzesseformos,porexemplo,de

carro,emqueestasganham“rastos”e“movimentos”.

ACEITAÇÃO(original)

Escritoem2016, representaocaminho irregularquepode representaraaceitaçãodeum

factoque,nãosepodendocontrolarnemmudar,estápresenteevaicontraanossaprópria

natureza.

LAMENTOPARAOMEUMENINO(original)

EscritoemcolaboraçãocomopianistaCarlosGarcia.

Pode ser ouvido como ummurmúrio que pretende passar umamensagem de pedido de

desculpas,entreomundodosvivoseomundodesconhecidodosmortos.

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MúsicosConvidados

ParacolaborarnestetrabalhoforamconvidadosocompositorJorgeRamos,opianistaCarlos

Garcia e o guitarrista José Miguel Vieira, que desde a génese do projecto têm vindo a

trabalhar comigo as dimensões do som vocal instrumental, bem como a composição e a

improvisaçãonestaóptica.

Estesmúsicoscolaboraramtantonacomposiçãodetemascomonaelaboraçãodearranjos.

Carlos Garcia e José Miguel Vieira trabalharam de perto nos arranjos da minha música

original, tendo sido elementos chave na ligação da voz com outros instrumentos; a

colaboraçãocomJorgeRamosfoimaisnosentidodaexploraçãodosomvocalpropriamente

dito.

Surgiu também a oportunidade de colaborar com o baixista Yuri Daniel, através de

composiçãoconjuntaerealizaçãodearranjos.

Osmúsicospresentesnorecitalserão:

CarlosGarcia–piano

YuriDaniel–baixoeléctrico

BrunoPedroso–bateria

JoãoVargas–Contrabaixo

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ReflexãoFinal

Aelaboraçãodeste trabalhopermitiu-me sobretudopassar a abordar a performance com

mais liberdade: em primeiro lugar, porque o aumento de conhecimentos de natureza

históricaecontextualmedotoudeummaiorconfortosobreumatemáticaqueparamim

estavaenvoltademuitasubjectividade,jáqueainterpretaçãoeatransmissãodeemoções

são conceitos bastante relativos e até com um carácter que pode assumir configurações

muito pessoais; em segundo, porque percebi que muitos dos instintos que tinha em

performanceeramválidos,nãohavendonadadeerradocomeles;apenasprecisavamdeser

trabalhadoseaprofundados.

Foi um processo de estudo que me obrigou a contactar mais aprofundadamente com o

universodavozinstrumental,oquemeestimulouartisticamenteparacomporeinterpretar

nestaóptica.

Ter conversado aberta e descontraidamente com várias cantoras foi uma importante

experiência. Muitas vezes já as tinha observado e assumido determinadas premissas.

Contudo,ocontactodirectocomassuasperspectivasdeu-meumavisãomaisabrangente

sobre como a música se processa para estas pessoas, justificando o modo como se

comportamemperformance.Alémdemúsicafalou-sedevida,decrençaedevisão,tendo-

sedadorelevoaassuntosquenemsempreestãoemdestaquenomeiomusical,comoéo

casodotemadasoberaniamasculina.

Naminhaopinião,econcluindo,ahonestidadeconstituiumpontocentralnaformacomoa

música (e toda a arte) deve ser abordada: cada músico fazer a música que o eleva

artisticamente, dedicando-se totalmente a ela e nãopoupandoesforços para a fazer com

competênciaedignidade.

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Anexos

Entrevistas

Enquadramento

Dosdiversoscontactosefectuados,ascantorasqueaceitaramserentrevistadasforam:Rita

Martins,SaraSerpa,LucianaSouzaeRebeccaMartin.

AsentrevistasforamrealizadasentreJunhoeOutubrode2016,presencialmente,viaSkype

ouporescrito.

Osformuláriosdaentrevistaforamredigidosemduaslínguas,portuguêseinglês,demodoa

facilitaracomunicaçãocomtodosospossíveisinterlocutores.

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FormuláriosdeEntrevista

Formulárioemportuguês:

1. Quando, no teu percurso, é que sentiste o apelo/necessidade de usar a voz num

contextoexclusivamenteinstrumental?Istoé,cantarcoisassemletra,oquetelevou

aisso?

2. Nessecontexto,sentesqueatuavozsecomportaàsemelhança/imitaçãodeoutros

instrumentos,ouconsiderasqueatuavozéuminstrumentoemsimesmo?Porquê?

3. Quais sãooselementosestéticos (timbre, clareza, arnavoz)queprocurasquando

cantasinstrumentalmente?Édiferentedequandocantascomletra?Sesim,oqueéqueédiferente?

4. Quais os recursos que utilizas? Onde os vais buscar? O jazz ajudou-te a ter essesrecursos?

5. Considerasqueterorecursodapalavra(letradamúsica)éessencialparatransmitir

umaideia?

6. Querecursosutilizasparatransmitirumaideiaquandonãoháletra?

7. Eaimprovisar,tensnoçãodequalopercursocognitivoquepercorres,ouseguesum

caminho intuitivo? Em que pensas? Tentas seguir uma ideia conceptual? Uma

estéticamusical?Ambas?Nenhuma?

8. Verifiqueipelaminhainvestigaçãoepráticaperformativa,quenemsempreocanto

instrumental é levado com grande credibilidade quando lado a lado com outros

músicos. Qual a tua opinião sobre a credibilidade dos cantores no planoinstrumental? Achas que já estão afirmados na cena jazz, ou ainda estamos a

atravessarumprocesso?Eopúblicoemgeral,estápreparadoparaestesconceitos?

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FormulárioemInglês:

1. Whendidyoufeeltheneedtouseyourvoiceinapurelyinstrumentalcontext?I

mean,singingwithoutwords,whatmadeyougoforthat?

2. Inthiscontext,doyoufeelyourvoiceasanimitationofotherinstruments,becauseit

hastheirinfluence,oryouthinkaboutyourvoiceasaninstrumentbyitself?Why?

3. Whataretheaestheticelements(tone,clarity,smoothness,etc.)you’relookingfor

whenyousinginstrumentally?It'sdifferentwhenyousingwithlyrics?Ifso,whatisdifferent?

4. Whatkindofresourcesdoyouuse?Wheredoyougetthem?DoesJazzmusichelpyoutohavetheseresources?

5. Doyouthinkthatwordsareessentialtoconveyanidea?Why?

6. Howdoyouconveyaspecificideawhentherearenowordsdosay/sing?

7. Aboutimprovisation,doyoufollowamental/cognitivepath,veryrational,orisit

mainlyanintuitivething?Whatareyouthinkinginthemoment?Doyoutrytofollow

aconceptualidea?Amusicalaesthetic?Both?None?

8. Ifoundthroughmyresearchandperformativepracticethatnotalwaysthe

instrumentalsingingistakenwithgreatcredibilitywhenalongsidewithother

musicians.Whatisyouropinionaboutthecredibilityofthesingersintheinstrumentalscene?Doyouthinksingersarealreadystatedinthejazzscenesideby

sidewitheverybodyelse,orarewethroughtheprocess?Andtheaudience,arethey

preparedfortheseconcepts?

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EntrevistaaRitaMartins

1. Quando, no teu percurso, é que sentiste o apelo/necessidade de usar a voz num

contextoexclusivamenteinstrumental?Istoé,cantarcoisassemletra,oquetelevou

aisso?

Começacomoumanecessidadenatural,pensoquenãosóminha,masgeral.

A ideia de não estarmos propriamente presos a conceitos que não estão associados a

palavras,masapartirdeumpontodevistaintuitivocomeçarmosatrautearmelodiassem

palavra.Desdecriança.Achoqueéumacoisaquenosdizrespeitoatodos.Tenteirespeitar

um bocadinho isso, eu estudei música formalmente mas nunca quis seguir um caminho

formal (risos). Eu sempre gostei de fazer música e depois as coisas aconteceram nesse

sentido.Agora,pensoqueessavontadeeapelosurgiramdeformamaisprementequando

estavanaadolescência,porvoltados14anos.

Aliás,começouamanifestar-sedeformamaisconscienteapartirdosmeus13/14anos.Isto

porqueeutrabalhavaamúsicaapartirdeumaperspectivaformaleumpoucorígida.Tinha

idoparaaescolaaprender,masefectivamenteligava-meàscoisasdeformamuitointuitiva

(semprefoiassim),porissomantivesempreumacertalutainterna,pormanteraliberdade

natural de criança em relação àmúsica e inclusivamente em relação à improvisação, que

acho que é a coisamais intuitiva que nós temos,musicalmente, desde uma idade tenra.

Portanto, entre os 13 e os 14 anos o que aconteceu foi o aparecimento da música

improvisada na minha vida, primeiro sobre uma perspectiva auditiva, em que me foi

possibilitada ahipótesede ir conhecendogrupos atravésdomeu irmão, queéumpouco

maisvelhoqueeueandavaaouvircoisasdiferentesnaaltura,eaquilofascinou-me.Deixou-

me num sítio muito diferente do que eu tinha estado até aí musicalmente e, como ele

tocava,começámosatocarjuntos.

Omeu irmão começapor fazerumgrupodemúsica improvisada commúsicosumpouco

mais velhos, inclusivamente comummúsicoque tocava sitara e essa experiência foi para

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mim como o abrir de um universo onde a música improvisada era uma forma de

comunicação, através da música de influência indiana. O que nós tentámos fazer foi a

aproximaçãopossívelàquiloquenósentendíamosseroespíritodeaberturaparaamúsica

improvisada.Efoiaíquesurgiuanecessidadedeeuconseguirexpressar-meumpoucomais

objectivamentedentrodeumcontextodemúsicasempalavras.Eaívaliaamensagemquea

músicatrazia.

Tentei sempre incluir-menum contextomusical pelo seu todo, houvessemounão, coisas

paradizernoplanoverbal.

2. Nessecontexto,sentesqueatuavozsecomportaàsemelhança/imitaçãodeoutros

instrumentos,ouconsiderasqueatuavozéuminstrumentoemsimesmo?Porquê?

Há uma parte que me parece essencial na imitação. É como aprender a falar: a

aprendizagem de qualquer linguagem implica uma certa imitação. Sem dúvida que me

revejo na ideia e na acção de imitar instrumentos, no sentido de satisfazer a minha

curiosidade em entender a música na primeira pessoa, e não cingindo o seu sentido à

significação verbal. Eu ouvia amúsica e pensava: “como é que eu hei-de reproduzir este

som?”.E tentava imitar isso.Tentava imitar todosos instrumentosdeumamúsicaqueeu

gostava. E começou um pouco por aí a ideia de que a música não é “só” uma melodia

principal,conduzidaporumavozquepodeterounãopalavras,ouporuminstrumentolead.

Mas por tudo o que faz a música, eu quero entender cada parte importante e quero

reproduziressaparte(easuaimportância),tentandotransporissoparaomeuinstrumento.

Emrelaçãoàminhavozenquantoinstrumentoemsimesmo,seemtemposhouveateoria

de que os instrumentos imitavama voz, e posteriormente a teoria de que a voz imita os

instrumentos, eu sinto que qualquer uma das visões é válida, e até que se influenciam

mutuamente.Existeumabilateralidade,enãouma relaçãoqueeuprivilegiedentrodesta

equação.

Sintoqueavozécomoqualqueroutroinstrumento.Associoomeuprocessodeidentidade

emrelaçãoàvoz,àbuscadaminhaprópriade identidade.Portanto,estabuscadaminha

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voz dentro daminha própria voz é um processo que eu acredito que vai demorar a vida

inteira,e issoaconteceráde formamuitoprogressiva.Vou-meapropriandodeelementos,

nomeadamenteatravésdaimitação,tendoemcontatantoapalavracomoavozenquanto

instrumento.Apalavrafoiimportanteparaaminhadescoberta,masnãosesobrepôsàvoz

propriamente dita, que consegue reproduzir sons que não têm de estar necessariamente

subjugadosaumasignificaçãoverbal.

3. Quais são os elementos estéticos (timbre, clareza, ar na voz) que procuras quando

cantasinstrumentalmente?Édiferentedequandocantascomletra?Sesim,oqueé

queédiferente?

Inevitavelmente a minha proposta altera-se consoante exista, ou não, letra. Se procuro

algum som específico, se faço um trabalho de procura de textura... quando estou a

improvisarouacantarsejaoqueforsemutilizarpalavras,essaprocuraémuitomaisatenta.

É a procura de um som que se adeque às necessidades do momento. Ou seja, quando

improvisonãoprocurodefinir-meespecificamentenumatextura,nãotenhonecessidadede

meunificaratravésdeumaproposta.Pensoantecipadamentenalgunselementos(sequero,

porexemplo,maisar,ouumsommaisnasal) tendoemcontaocontextoestético.Sópor

uma questão de sermais coerente é que escolherei determinados elementos específicos,

porque sei que esses elementos se enquadram dentro do contexto estético, e portanto

cinjo-meaeles,sendoqueesteselementospodem,ounão,incluirestasquestõestexturais.

Portanto há aqui dois elementosmuito importante para conciliar: não apenas a parte da

textura e do trabalho do som do meu instrumento, mas também o conteúdo “teórico”

musicalemquemeincluo.Juntandoestasduasperspectivas,tentochegaraumresultado

finalemquedefinoaminhaidentidadevocalepessoal.

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4. Quais os recursos que utilizas? Onde os vais buscar? O jazz ajudou-te a ter esses

recursos?

A fonte principal de recursos é, paramim, toda amúsica, seja ela jazz, ou não. Encontro

recursos em todas as tradições musicais. Quando seguimos uma determinada linha

escolástica acabamos por nos inserir mais nesse contexto, porque estamos a estudá-la

profundamenteetemosquenosapropriardelaparatermossucesso,peloquecomeçamosa

ganhar esses recursos.Mas o que faz comque eu sinta aminha voz própria é fazer uma

síntese daquilo que eu sou como elemento da tribo humana. E nessa perspectiva eu não

pertençosóaojazz,maspertençoatudooqueestáàminhavolta.Nóssomosportugueses

einevitavelmenteanossaabsorçãodojazzécompletamentediferentedequalquerpessoa

quevivanaAméricadonorte.Eesseésóumexemplo,atéporqueosprópriosamericanoso

farãodeformadiferenteentresi.Oqueeuconsideroéquecadatradiçãotambémpassapor

esseprocessodeteremsimesmaaimprovisaçãocomofontecriadora.Portantopodemosir

buscarrecursosa todasas tradições.Olhandoespecificamenteparaomeubackgroundeu

voupensarsempreprimeironamúsicaindiana,porqueessafoiaminhaprimeirainfluência

sólidaaníveldeimprovisação.

5. Considerasqueterorecursodapalavra(letradamúsica)éessencialparatransmitir

umaideia?Equerecursosutilizasparatransmitirumaideiaquandonãoháletra?

Eusempretiveoproblemaoposto.Aquestãodaspalavrasenainterpretaçãosempreforam

a grande barreira, porque eu não me sentia ligada a elas. Sempre senti que havia uma

restriçãomuitograndedoespectrodepossibilidadespotencialmente interessantesadara

uma determinadamelodia, que se perdia pelo facto de eu ter de utilizar palavras. Estas

podiamnãoterosignificadoouoconteúdoemocionalmelódicoquesepretendia,sejapor

influênciadaprogressãoharmónicaoudoqueaconduçãomelódicamelevavaasentir.Para

mim, expressar sentimentos objectivos (ou subjectivos) é um caminho que interessa

explorardopontodevistatextural,comtodososrecursosqueavoznosoferece:vibrato,ar,

tensão,entreoutraspossibilidades.

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O mais difícil não é, então, transmitir um sentimento (ainda que com toda a sua

subjectividade)semumpalavra,mastransmitirumsentimentoassociadoaumapalavraque

podenãosignificarexactamenteoquesequerdizer.Aindaqueteliguesemocionalmenteà

melodia,parece-memuitomaisdifícilqueooposto.Aspalavras restringem-tedemasiado.

Umacoisaéoquenósdizemos,outraéoquequeremosdizer,eoutradimensãoaindaéa

dascoisasquenósdizemosenãoqueremosdizer,queacontecesobretudoporcomunicação

não-verbal.

6. Eaimprovisar,tensnoçãodequalopercursocognitivoquepercorres,ouseguesum

caminho intuitivo? Em que pensas? Tentas seguir uma ideia conceptual? Uma

estéticamusical?Ambas?Nenhuma?

Existemváriosestádiosquetêmavercomanossamaturidademusical,e issovaiteruma

influênciaenormesobreacapacidadededaràmúsicaaquiloqueelanecessita.Achoquehá

várias componentes aquimuito importantes. A primeira é a nossa capacidade técnica de

poderdaràmúsicaoqueelaprecisanomomento.Eestapode,ounão,serumaquestão.Há

quem não tenha tanto domínio técnico mas que tenha uma sensibilidade acima da sua

médiatécnicaquelhepermiteinteragircomomomento,dando-lheaquiloqueénecessário

e não aquilo que o ego precisa.Há esta questão da pertinência, o analisar do sentido de

determinados “malabarismos” em certos momentos. Será que eles representam alguma

coisaanívelmusicaledeconteúdoemocional?Podenãorepresentar,maséummomento

técnico que permitiu ao cantor passar por aquele momento musical com determinada

validação.

Na minha experiência, quanto mais trabalhas com músicos pertencentes ao contexto da

música improvisada, (e isto não tem que passar necessariamente pelo jazz) mais te

confrontascomestetipodequestões,queeuconsiderointeressanteseessenciaisparatodo

e qualquer músico. Ou seja, não restringir o seu nível improvisatório a uma estética

específica, ainda que se possa ir buscar a essa estética os recursos para obter uma

sonoridadecaracterística.

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Resumindo, em primeiro lugar considero importante a capacidade técnica; depois vem a

sensibilidade para dar ao momento musical aquilo que ele requer de nós, sem cair em

exacerbaçõesdeego;edepois,alémdofactodetermosounãoacapacidadetécnica,é-nos

requeridaaprofundidademusicalqueomomentopede,anívelteórico,deconhecimento,

de recursosauditivose tambémaumnívelpoético.Chegamosaummomentoemque já

nãoseresumeaquantasescalassabemosousesabemosutilizaratensãoouarpejoX,mas

sim a nível poético comoé que podemos lidar comaquelemomento, ainda sem falar no

planodaspalavras;semqualquersignificadoverbalimplícito.

Outracoisaqueeugostavadeacrescentar,apesardenosestarmosafocarnaausênciade

palavras,éapossibilidadedapresençadepalavrasnaimprovisação.Umacoisanãotemde

excluir, necessariamente, a outra. Ou seja, considerar a própria exploração de fonemas e

palavras,tambémcomoabordagemdeimprovisação.Estaéumaáreadegrandeinteresse

paramimequeconsideronãoestardetodoexplorada,anãoserpelasfacçõesdohiphop,

dospokenword,ouentãoporcertosreflexosdaculturapopular,comoofadoàdesgarrada

ouosdespiquesnamadeira,queestãocingidosaumacomunidade/culturapequenas.No

casodohiphopnãoestamosafalardeumaculturapequena,mastemassuaslimitaçõesa

nívelimprovisatório.Nospokenwordjáencontramosumpoucomaisdestaabordagem:eu

dar aomomento aquilo que ele precisa a nível verbal,mas que isso tenha também uma

implicaçãomusical,poética,etc.

7. Verifiqueipelaminha investigaçãoepráticaperformativa,quenemsempreocanto

instrumental é levado com grande credibilidade quando lado a lado com outros

músicos. Qual a tua opinião sobre a credibilidade dos cantores no plano

instrumental? Achas que já estão afirmados na cena jazz, ou ainda estamos a

atravessarumprocesso?Eopúblicoemgeral,estápreparadoparaestesconceitos?

Inicialmente, quando comecei a improvisar, eu pensava que isto era uma coisa que

interessariaatodaagente.Eraesseomeupensamentoingénuo,talvezporestartãoaberta

aomundo,comocaracterísticadaminhaadolescência,quepenseiquetodaagenteestaria

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interessadanasmesmascoisasqueeu.Achoqueparaosadolescentestudoéinteressante,

oupelomenosdeveriaser.Naquelaalturaeuachavaquetodaagente teria interesseem

ouvir improvisações e que aquilo era extremamente estimulante e interessante.Mas aos

poucosfuipercebendoquenão.Efectivamenteaspessoasnãoestãoassimtãointeressadas.

Portanto,nestemomentooqueéessencialparamiméoprocesso.Independentementedo

públicoestar interessadoounão,paraquemestá interessadoementrarnesseprocesso,é

essencial que o possa fazer. Na minha perspectiva, o que é fundamental é que existam

espaços e comunidades que preservem a possibilidade de vivência desta necessidade

essencial.Porqueestanecessidadeaquechamoessencial,estárelacionadacomaprópria

necessidadedecriação.Éumactoquemeparececrucialparaodesenvolvimentohumano,

musical,intelectual,artísticoedeinteracçãocomooutro,quenãosepodeperder.

Portanto,desdequesepreservemessesespaços,pensoquefazsentidoevaisempreexistir

publico.

Podenãoseréaquantidadedepúblicoquenós,enquantoartistas,desejaríamos,masque,

aindaassim,sejuntaemfestivaisououtrosmomentos,equeacreditoquevaicontinuara

existiraolongodotempo.

Emrelaçãoàcredibilidade,aquestãoémaissensível,porquepodeserumaquestãodemera

opinião,sersubjectivaevariarmuito.

Háelementos formaisquenóspodemosquestionar se seenquadramounão,eesses são

observáveis.Desdequeseconheçaalinguagempodedizer-se“istofazsentido”ou“istonão

faz sentido”, sobumpontodevista formal. É,paramim,umaavaliaçãomuito superficial,

tendo em conta o que constitui depois a improvisação dentro de um tema. Esse é um

processoque,paramim,implicamuitomaisdoqueumamestriadoselementostécnicose

teóricos. Deve extravasar isto, completamente. Mas, num publico especializado, o que

acontece é que as pessoas estão preocupadas especificamente com a questão estética.

Haverãosempreadeptosedetractores.Eeucomissovivobem.Achoéqueporrespeitoà

estética,temosdeconheceroselementos,paradarcredibilidadeàarticulaçãoquefazemos

dosmesmos,paraqueacomunidadevalideanossaparticipação.E,novamente,istonãose

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aplicasóaojazz.Senãoentraresnessepadrão,serás,tendencialmente,alvodecrítica.Mas

paramim, isso é parte doque faz amúsica estar viva: conseguir extravasar das questões

técnicase trazeraminha identidadeparaaminhaformadecantar,hajaounãovalidação

porpartedequemouve.

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EntrevistaaLucianaSouza

1. Quando, no teu percurso, é que sentiste o apelo/necessidade de usar a voz num

contextoexclusivamenteinstrumental?Istoé,cantarcoisassemletra,oquetelevou

aisso?

Eu cresci numa família de músicos. Meu pai, Walter Santos, era compositor e cantor

autodidata. Minha mãe, Tereza Souza, letrista e poeta. Em nossa casa, muita música e

muitosmúsicossempre.Meupadrinho,HermetoPascoal.Cantarsemletra,comovocalise,

semprefoiumacoisaorgânica,natural. Oqueéamelodia? Éumasequênciadetonsem

movimento… Essa sempre foi a minha ideia… Não foi extrair a letra, mas sim cantar a

melodia.

2. Nessecontexto,sentesqueatuavozsecomportaàsemelhança/imitaçãodeoutros

instrumentos,ouconsiderasqueatuavozéuminstrumentoemsimesmo?Porquê?

Nãopenso na voz como imitação de outro instrumento. Claro, às vezes,me inspiro num

instrumentoquantoaarticulaçãoouproduçãodosom,masaideiadeimitarinstrumentos

nãomeatrai.Cadavozéindividualentãoéuminstrumento.

3. Quais são os elementos estéticos (timbre, clareza, ar na voz) que procuras quando

cantasinstrumentalmente?Édiferentedequandocantascomletra?Sesim,oqueé

queédiferente?

Émuitodiferente cantar com letrae sem letra. Sema letra, nãonospreocupamos tanto

comadicção,comadivisãosilábicadesejadaparacadapalavraeacomunicaçãoemotivada

letra.Semletra,podesfraseardeformadiferente.Mastambémtensaresponsabilidadede

contar a história da canção semaspalavras - tensqueemocionar como som. Isso tedá

liberdademastambémrequerumaatençãodiferente.Eumepreocupomuitocomosom,

clareza, afinação, timbre,vibrato…as questões técnicas temque ser resolvidas durante o

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processo de aprendizado da melodia sem letra (claro que o mesmo é verdade para as

canções com letra). Atéhoje, aos cinquentaanos, façoaulasde técnica vocal comminha

grandeprofessoraemNovaIorque,JeannieLovetri.

4. Quais os recursos que utilizas? Onde os vais buscar? O jazz ajudou-te a ter esses

recursos?

EumeconsideroumacantoradeJazzquandocantoqualquertipodemúsica.Aexperiência

jazzísticameoferecealiberdadedecriar,deimprovisaredeestarpresentecomosmúsicos

de forma diferente a cada momento, interagindo. Eu busco participar de projetos que

inspiremahonestidadeeaemoção. Euacreditoquecantoresdevempassarmuitotempo

fazendo ear-training, que é na verdade a familiarização do cantor com os aspectos da

música,deformaauditivapura.Oreconhecimentodemelodias,harmonias,ritmo;aescuta

profunda;aanálisedaformadacanção(comletraousem)…Aresponsabilidadedocantor

éde comunicarda formamaishumana - a vozhumana -o sentimentoeo temadapeça

musical.Ocantor,atravésdoeartraining,consegueterintimidadecomamúsica,gerando

liberdade.

5. Considerasqueterorecursodapalavra(letradamúsica)éessencialparatransmitir

umaideia?

Não. Como disse acima, penso que a melodia comunica. Também, é claro o ritmo e a

harmonia. Mas como falamos da voz, acredito ser possível comunicar emoção sem

necessariamenteterletra.

6. Querecursosutilizasparatransmitirumaideiaquandonãoháletra?

Penso na arquitetura damelodia e sua relação com o ritmo e a harmonia. Quais são as

formas da melodia? Linear? Ascende, descende? Os intervalos musicais, como são? A

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melodia é diatônica ou atonal? É cromática? Tudo isso me informa e vou criando uma

história sobre a melodia. Busco a Gestalt da melodia toda e dos episódios que a

formam. Há repetição, contraste? Do que é feita essa melodia. Uso esse método de

questionarpara tudoquecanto - com letraou sem. Essequebraraestruturade formaa

dissecaroqueo compositornosapresenta - esseprocessoparamimé fundamental. É a

única forma de ser genuinamente criativo e pessoal quando se canta. Senão, passas a

repetirtudooquetodosfizeramantes.

7. Eaimprovisar,tensnoçãodequalopercursocognitivoquepercorres,ouseguesum

caminho intuitivo? Em que pensas? Tentas seguir uma ideia conceptual? Uma

estéticamusical?Ambas?Nenhuma?

Ointuitoda improvisaçãovocal,paramim,éodecontarhistórias -comporsobreo tema

oferecido.Euusoosrecursosdeavailablechordscales(queescalasfuncionamnosacordes)

e também a intuição, é claro. Eu busco improvisar de forma musical e vocal - não

instrumental.Eunãosouumsaxofonistaenãoacreditoqueminharesponsabilidadesejade

cantar comoum,ou improvisar comoum. Oque tento fazeré comporumamelodiaque

façasentidosobreaharmonianocontextodacomposiçãooferecida.Fazsentido?

8. Verifiqueipelaminha investigaçãoepráticaperformativa,quenemsempreocanto

instrumental é levado com grande credibilidade quando lado a lado com outros

músicos. Qual a tua opinião sobre a credibilidade dos cantores no plano

instrumental? Achas que já estão afirmados na cena jazz, ou ainda estamos a

atravessarumprocesso?Eopúblicoemgeral,estápreparadoparaestesconceitos?

Acredito que cantores competentes e profissionais não sofrem problemas de

credibilidade.CantorascomoSarahVaughan,EllaFitzgerald,faziamseuscatsingingeeram

admiradaspormúsicospelacapacidadequetinhamdeimprovisar.Achoqueosmúsicosde

hojeemdiaestãomuitoligadosnopotencialdecantorasquecantamsemletra.Atravésdos

tempostemosexemplosdegrandesmúsicosdeJazzqueusamavozemseusensembles -

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PatMetheny,Maria Schneider,WayneShorter… A listaégrande. Acreditoqueopúblico

sabereconhecerqualidadeemumcantorquandoestecantacomletraousemela.

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EntrevistaaSaraSerpa

1. Quando, no teu percurso, é que sentiste o apelo/necessidade de usar a voz num

contextoexclusivamenteinstrumental?Istoé,cantarcoisassemletra,oquetelevou

aisso?

Quando entrei na Escola do Hot Clube, deparei-me com um novo contexto para fazer

música.Primeiro,euvinhadoConservatórioNacional,ondeaprendipianodurante10anose

ondecanteinumcorodesdeos8,e fui treinadadesdecedopara lere interpretarmúsica

“erudita”,masnuncaparaimprovisar.Nomeuprimeiroensembledejazz,foram-medadas

“leadsheet”destandardsdejazzondehaviapoucainformação,comparandocomoqueeu

estava habituada. Umamelodia simples, cifras de acordes por cima e nadamais. Era um

mistérioparamimcomoéqueosmúsicosdejazzusavamaqueletipodeinformação,enão

querendoserexcluídacomocantora/músico,comeceiaaprenderharmoniaparasercapaz

de improvisar. Quando descobri temas do Charlie Parker ou quando comecei a ouvir

instrumentos de sopro (trompete/saxofone) a improvisar, foi tentador imitar o que eles

faziam, talvez também por o registo ser semelhante. Foi sempre um processo muito

intuitivo,mas que era umdesafio paramim. Finalmente, o facto de nessa altura nãome

conectarmuitocomas letrasemInglêsdosstandardsde jazz, feztambémqueprocurasse

cantar mais música instrumental. Eu vinha de um ambiente em que era tratada como

instrumentista,equeriacontinuarnesselugar,nãodesejavaterospotlightsóparacantara

melodiacomletraedepoisnãoparticiparnoprocessodecriarmúsicadoensemble,queera

oqueeraesperadoqueumacantorafizesse.Nessaalturaaartedecantarumstandardcom

letraaindanãoeratotalmenteclaraparamim.

2. Nessecontexto,sentesqueatuavozsecomportaàsemelhança/imitaçãodeoutros

instrumentos,ouconsiderasqueatuavozéuminstrumentoemsimesmo?Porquê?

Creio que esta pergunta é ambivalente: sim, a minha voz comporta-se como outro

instrumentonumensemble, soumaisumsomno colectivo,quer cante com letraou sem

letra,eporissoétambémuminstrumento.Aminhavozéuminstrumento,eomeucorpoé

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omeuinstrumento.Seinicialmentehaviaumaambiçãodeimitaroutrosinstrumentos,para

aprender novo vocabulário, entender improvisação, articulação, ritmo e harmonia e

encontraromeulugarnestamúsica,hojeemdiainteressa-meosomdaminhavozeassumi-

locomoúnico.Otrabalhodeentender/aprenderamúsicaécontínuo.

3. Quais são os elementos estéticos (timbre, clareza, ar na voz) que procuras quando

cantasinstrumentalmente?Édiferentedequandocantascomletra?Sesim,oqueé

queédiferente?

Não penso muito nos elementos estéticos, mas sim no que cada música que tenho que

cantarrequeroupede.Cantomúsicamuitodistinta,porvezestotalmenteinstrumental,por

vezes com letra, tradicional ou contemporânea, com letra e sem letra, com pequenos e

grandesensembles.Tentoterumaaberturaemrelaçãoaoquepodeacontecereaceitaras

emoções que aparecemno acto de cantar. Se posso falar de alguma coisa queprocuro é

outravezsom,ressonância,equeomeucorpoeouvidoestejamdisponíveisparacomunicar

comosmúsicosquemeacompanhamecomosouvintes.

4. Quais os recursos que utilizas? Onde os vais buscar? O jazz ajudou-te a ter esses

recursos?

Estaperguntanãoémuitoclara:recursosqueutilizoparaquê?Praticar,entenderoque

ocompositorquer/ouveeestaromaisconfortávelpossívelcomamúsicaquetenhoque

cantar- penso que são recursos universais para quem faz música profissionalmente,

independentementedogénero.Comaexperiência,omais importanteéarotina,viver

comamúsicadiariamente,nemquesejaporpoucotempo.

5. Consideras que ter o recurso da palavra (letra da música) é essencial para

transmitirumaideia?

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Anossavozéusadaemmúltiplassituações,sejaemcomunicaçãoverbalounãoverbal.

Nãocreioquesejaessencialusar letrapara transmitiruma ideia:chorar, rir,gritarsão

exemplosdeformasdeusaravozsemterletra,esãouniversalmentecompreendidas.A

letra ajudaadefinir uma ideia, umaemoção,umahistória, permiteuma comunicação

maisdirecta.

6. Querecursosutilizasparatransmitirumaideiaquandonãoháletra?

Dependemuitodasituação.Nãoterletrapermiteumainterpretaçãomaisflexível.Aprópria

melodiaouharmoniada composiçãoque cantopodemser já suficientemente fortespara

transmitirumaideia.Gostosempredepensarqueasideiaspodemnascernopúblicoeque

cadaumpodeouvirouentenderimagensdistintas-permitiraimaginaçãodequemouvee

decomquemtoco.

7. Eaimprovisar,tensnoçãodequalopercursocognitivoquepercorres,ouseguesum

caminho intuitivo? Em que pensas? Tentas seguir uma ideia conceptual? Uma

estéticamusical?Ambas?Nenhuma?

Maisumavez,dependeda situaçãoemqueestoua improvisar.Oouvidoé fundamental,

mas se tenho uma harmonia concreta para improvisar, tenho que saber onde estou, que

notasestouacantar.O idealé teraharmonia interiorizada/memorizada,paraquenuma

situação de performance possa estar independente de ler a música no papel e interagir

melhorcomquemestouacantar.Saberharmonia, interagirritmicamente,esaberouviro

quesepassaàminhavoltaéfundamental.Hátambémopçõesrelativasaregisto(graveou

agudo), cantarmuito/pouco,dinâmicas... Praticar sozinhae tocar comoutrosmúsicos são

contextosdiferentes,querequeremabordagensdiferentes.

8. Verifiqueipelaminha investigaçãoepráticaperformativa,quenemsempreocanto

instrumental é levado com grande credibilidade quando lado a lado com outros

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músicos. Qual a tua opinião sobre a credibilidade dos cantores no plano

instrumental? Achas que já estão afirmados na cena jazz, ou ainda estamos a

atravessarumprocesso?Eopúblicoemgeral,estápreparadoparaestesconceitos?

Eusentinapeleessepreconceitoepor issotrabalheisemprenosentidoderespeitaremo

meu trabalho: escrevo e leio música, improviso e interajo com outros músicos, e canto

música diversa, minha e de outros compositores, como líder e como side-woman. É

fundamentalumamudançadeatitudenasescolasem relaçãoaos cantores:deve ser-lhes

exigidoomesmoqueaosoutrosalunos instrumentistas,mastambémsedevereconhecer

que a voz é um instrumento singular e fomentar/desenvolver o espaço para os cantores

crescerem/aprenderemdeumaformainclusivaecriativa.Ojazzéumamúsicaqueestáem

constantemudança,ecujaprópriadefiniçãoécontroversa,masnãosepodeesquecerou

ignoraropapelfundamentaldavozdesdeosbluesatéhojeemdia.Cadagrandecantorade

jazzafro-americanatrouxeumaabordagemmuitoindividualepersonalizadaaestamúsica,

e sempre foram respeitadas e admiradas pelos músicos que as ouviam. Penso que os

cantoresdevemtambém,duranteoprocessodeaprendizagem,serexpostosaváriostipos

demúsicaesituaçõesdeperformance.Creioqueésempreútilinterrogarmo-nossobrequal

éopapeldavoznojazzecomopodemoscontinuaraevoluircomoinstrumento,emvezde

nos tentarmos incluir num contexto pré-definido.Opúblico está semprepreparado, nada

distoénovo,eopúblicoénormalmentemais inteligentedoqueospromotores(ouquem

querquesejaquedefine“etiquetas/estilos”)normalmenteassumem.

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EntrevistaaRebeccaMartin

1. Quando,noteupercurso,équesentistealgumtipodeapelo/necessidadedeusara

voznumcontextoexclusivamenteinstrumental?Istoé,cantarcoisassemletra,oque

televouaisso?

Aminhaterranataléumlocalrural,ondeeucresciemcontactocomanatureza.Tudofluía

commuitanaturalidade, tantonomeucrescimento,comona formacomomerelacionava

comamúsica.QuandovimparaNovaIorque,cercados21anos,todaarealidadeeramuito

diferente.Acabeipormeverrodeadaporumgrupodemúsicosdejazz,quenãotinhanada

a ver com asminhas origens, tanto em termos de vivência e crescimento pessoal, como

musical.Nasuaessênciao jazznãofezpropriamentepartedomeudesenvolvimento,mas

acabeiporsentirodesejodeoaprenderemerelacionarcomeleparameadaptar.

Sempremeinteressouaformadeexpressãoatravésdecançõescomletra,poroposiçãoà

ausênciadeletra.

Eu sempreassocieiautilizaçãodavoz sem letraao scat,eo scatnunca foioqueeuquis

fazer.Nãosignificanadaparamim.Essapalavraé,ameuver,umaformadecatalogarum

modo de cantar que tem em si muito mais do que “shubidus”, como tantas vezes ele é

descrito, e isso é quase ofensivo, ameu ver. É uma palavra que pretende catalogar uma

acção que pode perfeitamente ser descrita no contexto de “um cantor integrante de um

agrupamento...”semterdehaveressaespecificaçãodatécnicaqueutiliza,comotambém

nãoéhabitualestaradescreverastécnicasutilizadaspelosoutrosmúsicosquandosefala

delesdeformarelativamentesuperficial.

Sejacomofor,umdospoucosmomentosemquefazsentidoparamimautilizaçãodavozde

formapuramente instrumental, équandoestouaescrevermelodias, a comporasminhas

canções.

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Eessaéumafasemuitoinicialdacomposição,ondeaindanãohámuitascondicionantese

ondeacaboporterespaçopara improvisar. Improvisoatéaomomentodetomardecisões

sobre a definiçãodamelodia, oumesmodaharmonia. Paramim, cantar sem letra, surge

então comoumanecessidadenomomento emquepegona guitarra para compor, numa

fasedeexperimentaçãoeindefiniçãoque,setudocorrerbem,definir-se-ádeseguida.

Outromomentoemquecantosemletraéaovivo.Aoouviroutrosinstrumentistasasolar,

voucaptandotrechosdossolosecriandomelodiasapartirdaí.Nãoparaconstruirumsolo

meu,masmaisparaacentuaroqueelesestãoafazer.Issoébastanteimportanteparamim

porquemeajudaacriartexturasaovivo,quesãoessenciaisnaminhamúsica.

2. Nessecontexto,sentesqueatuavozsecomportaàsemelhança/imitaçãodeoutros

instrumentos,ouconsiderasqueatuavozéuminstrumentoemsimesmo?Porquê?

Para mim a voz é um instrumento em si mesmo e muito específico. Trata-se do único

instrumentoqueconseguedizerpalavrasenquantoemitetambémumanota,eissofazdela

umacoisaúnica.Querdizer,maisnenhuminstrumentooconseguefazer!

Eeugostodeexpressarmensagensusandoessaferramentacompleta:maisdoquesóemitir

umsom,gostodepoderdizerpalavras.Ouseja,naverdadevoucantandoamelodiaeusoas

palavrasparaadefinir,nosentidodoquequeroquea interpretaçãoseja,bemcomopara

contaraminhahistória.

3. Quais são os elementos estéticos (timbre, clareza, ar na voz) que procuras quando

cantas?Édiferentecantarcomesemletra?Sesim,oqueéqueédiferente?

Sim,émuitodiferente.Aspalavrastêmsentidosesignificadosquenuncapoderiamexistirse

elasnãoestivessemlá.

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Esteticamente,oqueestousempreatentarfazerécriarumsentidodecoerêncianasfrases,

efaço-ousandováriastexturasdaminhavoz.Omeuregistovocalébastantegrande,eàs

vezesuso,porexemplo,notasdeumregistoagudosemmepreocuparseelasestãosuper

ligadasaoregistograve.Sãoelementosdachamada“perfeição”quenãomeinteressam.Ou

seháalgumarouquidão,ouseaminhavoz ficamaisagressivaemcertoregisto...nãoéo

objectivoqueaminhavozsoeperfeitaousuave,massimquesoeredonda,nosentidoda

coerênciadosom.

Quandocantosemletra,omeusomnãoficacompleto,domeupontodevista.

Porque,comousoaletraparadefiniramelodia,secantomelodiasemletraécomoseesta

estivesse de certomodo indefinida, ou inacabada. A própria articulação não sai como eu

quero.Nãoresultaparamim.

4. Quaisosrecursosqueutilizasparacompor?Ondeosvaisbuscar?

Aeducaçãomusicalnuncafoiumagrandefontederecursosparamim,porquenuncame

adapteiàescola.Tentei,masaminhaformadeabordagemeratãodiferentequeacabei

pornuncaconseguir fazeroquemepediamemambienteacadémico.Desenvolvi,sim,

umarelaçãodegrandeintimidadecomaguitarra,edaívierammuitosrecursosqueuso

paracompor.

Sempre fiz o meu percurso muito mais pela experiência, a fazer coisas, do que a

aprendê-lasteoricamente.Experimentarfoi,defacto,achave.Cometimuitoserrosem

publico,écerto,masvaleuapena.

Alémdissosemprelimuito...osmeusrecursossão,semdúvida,aexperiênciadevida,os

livros, a curiosidade e ouvir outros, percebendoquenovamúsica está a acontecer no

meuambiente.

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5. Querecursosconsiderasseremfundamentaisparatransmitirumaideiaquandonão

háletra?

Apesardeeunãomededicarafazê-lo,tenhoquedizerquesintoqueoutrosofazemeissoé

muitoinspirador.Dealgummodo,certosmúsicoscomoBradMehldau,KurtRosenwinkelou

Bill McHenry, conseguem transmitir-me ideias e sentimentos que me transportam para

espectros de reflexão que sãomuito profundos e poderosos para mim. É um bocadinho

misteriosoperceberporqueéquecertosmúsicosconseguemfazer issoeoutrosnão,mas

tambémacreditoqueissoacontecedeformadiferentedepessoaparapessoa(nomeucaso

sãoessesmúsicos,noutraspessoasserãooutros...).Terácertamenteavercomumaestética

pessoaldecadaum.

6. Eacompor(ondeimprovisas),tensnoçãodequalopercursocognitivoquepercorres,

ou segues um caminho intuitivo? Em que pensas? Tentas seguir uma ideia

conceptual?Umaestéticamusical?Ambas?Nenhuma?

No meu caso, não estou a pensar em nada, de todo, nunca. A compor gosto de me

transportarparaumcertoespaçoondepossofazertudo.Nãohábarreiras,nempublicopara

me julgar, por isso nada com que tenha realmente que me preocupar. É um trabalho

laboratorialmuitoseguroeprivado.

Deumaperspectivamaisteórica,achoque“falar improvisação”,podeservistocomofalar

umalínguaestrangeira:primeiroaprendestodaateoriaedepois,comaprática,odiálogo

começa a ser tão fluenteque acabaspor conseguir ser intuitivonoprocesso. E a estética

musicalestáimplícitaporqueéoteucontexto.

Interessa sobretudo que nos expressemos no nosso instrumento. E como cantores temos

um instrumento tão intuitivo e natural, que expressarmo-nos é tudo o que precisamos,

mesmoqueporvezesachemosqueissonãoésuficiente.

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7. Verifiqueipelaminha investigaçãoepráticaperformativa,quenemsempreocanto

instrumental é levado com grande credibilidade quando lado a lado com outros

músicos. Qual a tua opinião sobre a credibilidade dos cantores no plano

instrumental? Achas que já estão afirmados na cena jazz, ou ainda estamos a

atravessarumprocesso?Eopúblicoemgeral,estápreparadoparaestesconceitos?

Para mim, a primeira coisa que tem de acontecer é os cantores perceberem que vivem

dentrodoseupróprioinstrumento.Começamoslogoporumgrandetrabalhodeaceitação,

porquecadavozédiferente,únicaegenuínaeédifícilcriarpadrõesvocaisqueagradema

toda a gente, e a nós próprios também. Esse é o primeiro emais importante trabalho a

fazer.

Depois,oscantorestêmqueperceberquesequeremfazerumacarreiradeinstrumentistas

vocais, têm de dominar um conjunto de linguagens e teorias onde se vai basear a sua

prática.É issoquefazemtodososoutrosmúsicos.Tudooquesejamenosque isso iráser

criticadodeformasevera,porqueestásimplesmentedesenquadradodocontextoondese

pretendeinserir.Cantarinstrumentalmentenãoselimitaadebitarnotasaleatóriasemcima

deumconteúdo.Éprecisoquehajaumacompreensãoaumnívelprofundodoqueestáa

acontecer.Masissoétudorelativamenteóbvio...

À parte disso, eu considero que mesmo para as cantoras que estão num bom patamar

enquantoinstrumentistas,têmsempredeteraoportunidadedeseintegrarnumabanda,ou

então criar a sua própria banda, escrever a sua música. De um modo geral há poucas

oportunidades.Infelizmentetambémtendoarelacionaristocomaculturamachistaemque

vivemos. Eu tive a experiência pessoal deme ser dito por um cantor homem que se eu

quisesse realmente cantar jazz teria de ter o dobro das capacidades dele. Só porque sou

mulher.Masesse,apesardemetermarcado,podemuitobemtersidoumcaso isoladoe

nósnãotemosquecompactuarcomessamentalidade.Temoséquesaberondequeremos

chegar com a nossamúsica e o que fazer com a nossa voz. E já agora, rodearmo-nos de

músicosquenosrespeitemevejamascoisasdamesmaperspectivaquenós,queparamim

é a única forma de trabalhar com outras pessoas: numa base de respeito e admiração

mútuos.

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