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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Direito LEILA GIOVANA IZIDORO Nº USP 7636346 REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS: O CASO DA UCRUS PIT-CNT NO URUGUAI Orientador Professor Doutor Flávio Roberto Batista São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Direito

LEILA GIOVANA IZIDORO

Nº USP 7636346

REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS:

O CASO DA UCRUS PIT-CNT NO URUGUAI

Orientador Professor Doutor Flávio Roberto Batista

São Paulo

2016

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LEILA GIOVANA IZIDORO

Nº USP 7636346

REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS:

O CASO DA UCRUS PIT-CNT NO URUGUAI

Tese de Láurea apresentada à Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo como

requisito final para a obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Orientador Professor Doutor Flávio Roberto

Batista.

Departamento de Direito do Trabalho e da

Seguridade Social.

São Paulo

2016

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AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não teria sido possível se não tivessem cruzado meu caminho tantas

pessoas e recordações que me aumentaram a alma. Nesse momento em que um ciclo se

encerra e outros se iniciam – graças a Exu – agradecer é uma forma de reconhecer que nesta

estrada não andei só.

Primeiro, agradeço infinitamente à minha mãe, Cida, a quem dedico este trabalho, por

toda a confiança e apoio que sempre depositou em mim, pelo seu exemplo de força e

determinação, por me fazer acreditar. À memória de meu pai, Tião, e de seus olhos

contemplativos, por ter me ensinado a enxergar a grandeza das coisas mais simples. Ao meu

irmão, Diego, pelas gargalhadas e pelas ideias mirabolantes que me fazem voltar a ser criança.

Às minhas amigas loucas de sempre, Aline Sodré e Mari Kinjo, pelas inúmeras aventuras

e conversas de bar. À Marilove, pela parceria desde o primeiro ano e pelo papo-reto. Ao

Horácio, pela conexão e por fazer a vida menos medíocre. À Lary, Paulo, André e Mateus,

por fazerem da Casa do Estudante um bom lugar. Às companheiras do Coletivo Dandara,

especialmente à Carol Costa e Ana Flora: nossas lutas marcaram minha graduação e tornaram

a faculdade um espaço menos hostil para as mulheres. Aos companheiros do SAJU

Cooperativas; ao Maranhão, pelos bons tempos de MPT; à Sarah, pelos truques e pelo apoio

no NUDEM; ao Ilú Obá de Min, pelo axé.

Às pessoas que conheci durante o intercâmbio e que fizeram deste uma experiência tão

incrível! À Roberta, pela energia; à Priscila, pelas reflexões; ao Pablinho, por tudo que

aprendemos com nossas diferenças; ao Michael, pelos patins; e à Tatiana, pelos mates

compartilhados. À rambla montevideana, fonte de inúmeras inspirações. Ao genial Daniel

Cajarville, pela amizade que cruzou fronteiras, pelas longas caminhadas e pela ajuda neste

trabalho.

À Prof.ª Beth Weisz e ao Fernando Texeira, pela aproximação do tema na Faculdade

de Psicologia e na Unidad de Estudios Cooperativos da UdelaR. Ao Carlos Aulet, da ANERT

e do PIT-CNT, pela troca de conhecimentos. Ao Prof. Flávio, pela orientação. E, sobretudo,

aos clasificadores e clasificadoras da UCRUS, aqui representados nos nomes de: Juan Carlos

Silva, Tabaré Pirez, Julia Araujo, Juan Soria, Alejandra Canario e Gustavo Fernandez.

Vamos arriba!!!

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El Norte del mundo genera basura en cantidades asombrosas.

El Sur del mundo genera marginados.

¿Qué destino tienen los sobrantes humanos?

El sistema los invita a desaparecer.

Les dice: "Ustedes no existen".

(Eduardo Galeano, Úselo y tírelo:

El mundo visto desde una Ecología Latinoamericana)

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RESUMO

Há mais de dez anos a Unión de Clasificadores de Residuos Urbanos Sólidos (UCRUS) vem

reunindo uma parcela crescente de trabalhadores informais no Uruguai, os clasificadores de

resíduos sólidos, que, muitas vezes, se organizam em cooperativas. A UCRUS é o único

sindicato de clasificadores de que se tem notícia na América Latina e conta com o apoio da

central sindical Plenario Intersindical de Trabajadores - Convención Nacional de

Trabajadores (PIT-CNT).

A partir da realidade sindical uruguaia, propõe-se verificar como os clasificadores, que

constituem um setor informal da indústria da reciclagem, são representados por um sindicato

– organização tradicionalmente direcionada a trabalhadores assalariados. O presente estudo

visa analisar especificamente as formas de representação sindical dos trabalhadores

cooperados da UCRUS e evidenciar a convivência entre sindicalismo e cooperativismo na

persecução de direitos trabalhistas e proteção social à categoria dos clasificadores.

Palavras-chave: sindicalismo, cooperativismo, reciclagem, representação sindical.

RESUMEN

Desde hace más de diez años que la Unión de Clasificadores de Residuos Sólidos (UCRUS)

viene reuniendo una parte creciente de trabajadores informales en Uruguay, los clasificadores

de residuos sólidos, quienes a menudo se organizan en cooperativas. La UCRUS es el único

sindicato de clasificadores del que se tiene conocimiento en Latinoamérica y cuenta con el

apoyo de la central sindical Plenario Intersindical de Trabajadores - Convención Nacional de

Trabajadores (PIT-CNT).

A partir de la realidad sindical uruguaya se propone investigar cómo los clasificadores, al

constituir un sector informal de la industria del reciclaje, están representados por un sindicato

- organización dirigida tradicionalmente a los trabajadores asalariados. Este estudio tiene

como objetivo analizar específicamente las formas de representación sindical de los

trabajadores cooperados de la UCRUS, así como poner en evidencia la convivencia entre

sindicalismo y cooperativismo en la persecución de derechos laborales y protección social de

la categoría de los clasificadores.

Palabras-clave: sindicalismo, cooperativismo, reciclaje, representación sindical.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................07

2. PANORAMA HISTÓRICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO URUGUAI.....12

2. 1. Direito Coletivo do Trabalho: Conselhos de Salários e a negociação coletiva ............ 12

2. 2. Sindicalismo e a criação do Plenario Intersindical de Trabajadores - Convención

Nacional de Trabajadores .................................................................................................... 15

2. 3. Cooperativismo e autogestão: caminhos rumo à institucionalização ........................... 20

3. CLASIFICADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS: O RECONHECIMENTO DA

CATEGORIA..........................................................................................................................25

3. 1. De hurgadores à clasificadores .................................................................................... 26

3. 2. Organización San Vicente e a criação das primeiras cooperativas ............................... 27

3. 3. A criação da Unión de los Clasificadores de Residuos Urbanos Solidos .................... 29

4. O TRABALHO EM PERSPECTIVA: MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

URBANOS EM MONTEVIDÉU...........................................................................................33

4. 1. A estruturação da indústria da reciclagem e a inserção dos clasificadores .................. 34

4. 2. Intendencia de Montevideo e a Lei 17.849/2004 .......................................................... 37

4. 3. Ministerio del Desarrollo Social e o Programa Uruguay Clasifica ............................ 41

5. REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS.............44

5. 1. Relação entre o sindicato e as cooperativas .................................................................. 45

5. 2. Ações frente ao Poder Público ...................................................................................... 49

5. 3. Relacionamento com a central sindical......................................................................... 54

5. 4. Principais reinvindicações do sindicato atualmente ..................................................... 57

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................62

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7

1

INTRODUÇÃO

O ponto de partida para entender o debate proposto nesta pesquisa se dá no processo de

reestruturação produtiva do capital, ocorrido, sobretudo, depois da década de 1970. A

emergência do neoliberalismo e do capitalismo flexível1 colocou em xeque as estruturas que

baseavam o trabalho enquanto categoria central de análise do pensamento social. O resultado

foi o enfraquecimento das organizações sindicais e do próprio Direito do Trabalho, o que

levou muitos autores a concluírem pelo fim da centralidade do trabalho enquanto uma

máxima dos novos tempos 2

.

Paralelamente ao crescimento da precariedade do trabalho, por meio da informalidade e da

terceirização, começaram a ser difundidas experiências de economia solidária, protagonizadas

por trabalhadores que perderam seus empregos ou que nunca estiveram inseridos no mercado

formal de trabalho. Tais experiências foram uma reação à crise da sociedade salarial e podem

ser vistas, tanto como um modo para superá-la a partir do estabelecimento de uma nova

ordem, quanto como um instrumento para aprofundá-la a partir da perda de direitos sociais

outrora adquiridos.

Ao mesmo tempo em que tem se proliferado a criação de empreendimentos cooperativos e

autogestionários como forma de organização dos trabalhadores, os sindicatos também têm

buscado se fortalecer e reafirmar o seu compromisso histórico com a classe operária, cada vez

mais heterogênea. Por isso, torna-se necessário entender que tipo de relação tem sido travada

entre o sindicalismo e o cooperativismo na atualidade, sobretudo no que se refere à

representação dos trabalhadores em torno de seus interesses em comum.

A representação sindical, conforme a conhecemos no Direito Coletivo do Trabalho, se dá

entre uma organização de trabalhadores assalariados e subordinados frente a uma organização

1 “A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo.

Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de

consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de

fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação

comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões do

desenvolvimento desigual, tanto entre os setores como entre regiões geográficas (...).” (HARVEY, 2005, págs.

140-141) 2 Essa é uma discussão teórica que não pretendemos abordar neste estudo. No entanto, conforme aponta Luís

Antônio Cardoso (2011), “a classe trabalhadora nunca foi totalmente, nem parcialmente, eliminada. Muito

menos se assistiu, até hoje, ao fim da propriedade privada dos meios de produção e dos serviços, ou da classe

capitalista”.

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patronal. Essa concepção clássica exclui os trabalhadores informais e cooperados da

possibilidade de negociação, o que pode ser modificado a partir de uma interpretação

extensiva das relações atípicas de trabalho que evidencie a responsabilidade do Estado e das

empresas em determinados setores produtivos que se beneficiam da informalidade.

Um exemplo desse cenário pode ser observado na indústria da reciclagem, em que os

recicladores – catadores, clasificadores, cartoneros – realizam um trabalho informal e, muitas

vezes, se organizam em cooperativas como forma de melhorar suas condições de vida. A

reciclagem também tem se mostrado um novo campo de disputa do capitalismo atual, seja

pela importância econômica que a ela é dada pelos discursos ecológico-desenvolvimentistas,

seja pela concepção popular de combate às desigualdades sociais oriundas da exploração dos

recursos naturais.

Diante da conjunção destes fatores, a pesquisa se concentrará no estudo de caso da Unión

de Clasificadores de Residuos Sólidos (UCRUS), no Uruguai. A UCRUS possui uma

particularidade, pois é a única organização sindical – que se tem conhecimento na América

Latina – que congrega clasificadores informais em suas mais variadas formas de trabalho,

dentre as quais se encontram os trabalhadores em cooperativas de reciclagem e nas plantas

municipais de classificação de resíduos.

A escolha em tratar a intersecção do sindicalismo e do cooperativismo a partir da

realidade uruguaia se deu pelo fato de neste país haver se desenvolvido um modelo sindical

bastante diferente do sistema confederativo adotado pelo Brasil. O Uruguai ratificou

importantes convenções da OIT, como a 87 e a 98, já na década de 1950; possui garantias

coletivas mínimas constitucionais e estabeleceu, a partir da ascensão do Frente Amplio,

legislação de fomento à negociação coletiva. Esse cenário de expansão da liberdade sindical,

sem as amarras do corporativismo brasileiro, tornou-se mais propício para o desenvolvimento

do tema.

A diferenciação entre os modelos sindicais do Brasil e do Uruguai pode ser observada de

forma mais clara a partir da explicação trazida pelo jurista Arion Sayão Romita, ao analisar

duas concepções opostas de categoria, uma ontológica (Brasil) e outra voluntarista (Uruguai):

Inerente ao exercício da liberdade sindical é a faculdade que goza o sindicato

de determinar o âmbito profissional da organização. Este é o punctum

saliens da questão: o confronto entre a concepção ontológica e a concepção

voluntarista de categoria. Segundo a primeira corrente, a categoria é um

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prius lógico do sindicato, é um dado a priori ao qual a organização sindical

deve adequar-se; portanto, a lei pode fixar o âmbito profissional da entidade

sindical. Para a corrente oposta, é no grupo que reside a fonte de

autodeterminação da área de interesses comuns; o campo de atuação do

sindicato não pode ser, então, fixado por lei, mas sim pelos grupos

organizados no processo de livre formação. Nas palavras de Mattia Persiani,

a liberdade de organização sindical também significa, ao contrário de quanto

previsto pelo ordenamento corporativo, a liberdade de definir o âmbito no

qual a entidade sindical vai atuar, mesmo que este não coincida com o setor

mercadológico no qual se desenvolve a atividade. (ROMITA, 1996, p. 52)

Tal realidade denota os desafios enfrentados no desenvolvimento da pesquisa no que se

refere aos vícios trazidos pela concepção de Direito Coletivo do Trabalho, conforme este se

dá no modelo brasileiro. Nesse sentido, é necessário fazer uma crítica à forma com que o

Direito é ensinado em sala de aula, pois, na maioria das vezes, ele é tido como uma realidade

dada e não como um ramo do conhecimento construído historicamente. Por essa razão, ao

entrar em contato com novos modelos sindicais, abriu-se um prisma a partir do qual surgiram

novas perspectivas a serem trabalhadas, desatando-se das velhas amarras do ensino

“bancário3”.

Em decorrência disso, se privilegiou a utilização de obras uruguaias para explicar as

especificidades do país e de autores que analisam a divisão internacional do trabalho para

expandir o debate acerca das periferias globais. Tais referências objetivaram esclarecer o

posicionamento adotado ao longo da pesquisa e evidenciar os fenômenos que têm marcado o

desenvolvimento do capitalismo. Contudo, conforme o historiador João Bernardo, “para este

fim não pode recomendar-se melhor fonte do que a leitura dos jornais e revistas, a

participação ativa nos conflitos do nosso tempo — em suma, andar na rua4”.

A hipótese que se pretende trabalhar é a de como a representação sindical de

trabalhadores cooperados pode influir na organização de um setor informal que visa o

reconhecimento de seu trabalho como categoria institucionalizada e de sua existência

enquanto sujeitos de direito. Esse processo de reconhecimento desemboca na discussão dos

3 “Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências,

recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única

margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem

para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são

os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção ‘bancaria’ da educação. Arquivados, porque,

fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que,

nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na

invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o

mundo e com os outros. Busca esperançosa também”. (FREIRE, 1987, pág.33) 4 BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Expressão Popular, 2009, pág.392.

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limites entre o formal e o informal e entre o legal e o ilegal. Tais limites são estabelecidos em

benefício da produção capitalista, uma vez que a atividade exercida por estes trabalhadores –

coleta de matérias-primas para a produção de novas mercadorias – possui valor não pago pela

indústria.

A primeira questão dessa problemática é entender como o sindicalismo uruguaio se

construiu historicamente, bem como em que contexto surgiram e foram modificados os

Conselhos de Salários, principal instrumento de negociação coletiva no país. Paralelamente, é

necessário ter em conta como se deu o desenvolvimento do cooperativismo e das novas

correntes de autogestão dentro das próprias organizações sindicais. Esse cenário foi

acompanhado pela ascensão do Frente Amplio ao poder nacional em 2005, o que trouxe

alguns avanços sociais, tais como o fomento à autogestão e à negociação coletiva.

Uma das reivindicações da UCRUS tem sido a participação nos Conselhos de Salários e

em outras instâncias de negociação. Nesse sentido, a segunda questão a ser abordada é como

os clasificadores têm se inserido na cadeia produtiva da reciclagem. Essa discussão engloba

tanto o papel desempenhado pelas empresas geradoras e recicladoras de resíduos, como

também a responsabilidade do poder público na gestão da limpeza urbana. A partir desses

dados é possível configurar quem são os agentes que se beneficiam do trabalho informal

desenvolvido por estes trabalhadores e que também são as partes frente as quais o sindicato

protesta e visa negociar.

Atualmente, a grande crítica da UCRUS tem sido dirigida à Lei 17.849/2004 (Ley de

Envases) e à sua forma de implementação pela Intendencia de Montevideo, por não

representar os interesses dos clasificadores. O debate acerca desta normativa é, portanto, uma

terceira questão a ser apreendida neste trabalho. O sindicato já vinha apoiando a construção

de um Plano de Gestão Integral de Resíduos que incluísse os trabalhadores formalmente em

plantas de classificação (centrais de triagem de resíduos), ao mesmo tempo em que apoiava a

criação de cooperativas autogeridas como forma imediata de geração de renda.

No entanto, quando o poder público inseriu essas cooperativas nas plantas de classificação

previstas em lei, estas passaram a ser intermediadas por ONGs, o que descaracterizou

qualquer possibilidade de se tornarem empreendimentos de economia solidária e mesmo de

real formalização do trabalho dos clasificadores nos moldes de uma relação de emprego.

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Cumpre ressaltar que algumas questões relativas à organização político-administrativa do

Uruguai são distintas do Brasil e podem causar certo estranhamento ao longo do texto. Por

exemplo, ao tratarmos de Intendencias estamos falando de um nível de governo que até 2009

era equivalente ao municipal. Após a Lei de Descentralização e Participação Cidadã, pela qual

foi inserido um terceiro nível de governo, as Intendencias passaram a ser departamentais5.

Dessa forma, em Montevidéu foram criados oito Municípios, que seriam equivalentes às

Subprefeituras de São Paulo ou Rio de Janeiro. Essas denominações não são tão relevantes

para o tema, mas sim para o entendimento das especificidades que o circundam.

Além disso, quanto à interseccionalidade do tema com as questões de gênero e raça,

certamente estes são enfoques patentes à temática dos recicladores no mundo todo. Contudo,

no que se refere à realidade uruguaia, sua população é composta por apenas 8%6 de

afrodescendentes, de forma que a questão racial se torna um fator de pequena relevância no

debate sobre os clasificadores. Em relação à questão de gênero, apesar de no país mais da

metade da população ser composta por mulheres, a participação das clasificadoras na

atividade é de 18% do setor7. Situação diferente da brasileira, em que mais de 60% dos

catadores se autodeclaram negros ou pardos e mais de 30% são mulheres8. Por essa razão, o

debate de gênero, apesar da extrema importância que possui, não será explicitamente

abordado nesta investigação. A utilização da linguagem inclusiva também se tornaria de

difícil sustentação ao longo do texto, de forma que fica implícito que ao discorrermos sobre os

clasificadores, estamos tratando de homens e mulheres que vivem da classificação.

Diante de todo o exposto, o argumento construído a partir desta pesquisa pretende apontar,

por meio do caso da organização e representação sindical dos clasificadores cooperados,

como a categoria trabalho ainda é central na atualidade. Tal fato será observado, ao longo do

texto, na construção das reivindicações e ações do sindicato em busca de reconhecimento e de

direitos sociais frente à lógica da informalidade e das políticas públicas focalizadas no

combate à pobreza.

5 Válido para cidades com mais de 2.000 habitantes, conforme versa a Lei 18.567/2009.

6 INMUJERES- MIDES (2010). “La población Afrodescendiente en Uruguay desde una perspectiva de género”

7 Dados obtidos por meio do Censo de Clasificadores de Montevidéu (IM, 2008), que, apesar das dificuldades

em estabelecer números precisos, ainda assim, aponta uma porcentagem bem menor em relação àquela

apresentada pelo IPEA para o Brasil. 8 Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), essa cifra chega a 70% de

mulheres, tendo em vista às dificuldades do IPEA em abarcar as trabalhadoras do setor que não se identificam

com a atividade por manterem outras identidades laborais, como a de trabalhadora doméstica. Mulheres são

maioria entre catadores de materiais recicláveis. Disponível em: <www.mncr.org.br/noticias/noticias-

regionais/mulheres-sao-maioria-entre-catadores-organizados-em-cooperativas>. Acessado em 17/04/2016.

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12

2

PANORAMA HISTÓRICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO

URUGUAI

A história do Uruguai pode ser entendida por meio da metáfora trazida pelo

historiador Carlos Real de Azúa, em 1964, no título de seu livro El impulso y su freno9. O

autor, ao criticar duramente o Batllismo10

, já advertia para os limites da dinâmica de reformas

trabalhistas que o país havia percorrido nos anos anteriores. Estas reformas eram constituídas

em bases frágeis, que eventualmente levariam a seus freios, e em seguida, ao fracasso.

Tal discussão é essencial ao problematizar, na atualidade, quais têm sido os avanços e

as limitações dos diversos atores sociais na obtenção de direitos trabalhistas no Uruguai. As

origens das conquistas atuais remontam a uma trajetória onde se cruzam a construção da

unidade do movimento sindical, a assunção de um partido de esquerda no poder e o

fortalecimento da autogestão.

2. 1. Direito Coletivo do Trabalho: Conselhos de Salários e a negociação coletiva

O Direito do Trabalho surge enquanto forma jurídica capaz de regular as relações

entre capital e trabalho e de criar uma institucionalidade particular entre elas. Seu segmento

coletivo, por sua vez, orienta especificamente as relações inerentes à chamada “autonomia

privada coletiva”, isto é, aquelas relações entre organizações coletivas de empregados e

empregadores, abrangendo também as demais relações surgidas na dinâmica da representação

coletiva dos trabalhadores11

.

No início da história do Uruguai, o Direito Coletivo do Trabalho foi marcado por um

forte abstencionismo estatal, estando a lei presente apenas em casos específicos e pontuais.

Américo Plá Rodriguez (1988) explica tal escassez normativa pela origem anarquista do

movimento sindical e pela inexistência de uma organização de trabalhadores unida a grupos

políticos com possibilidade real de chegar ao governo.

9 AZÚA, Carlos Real. El impulso y su freno. Tres décadas de batllismo. Montevidéu: Ediciones de la Banda

Oriental, 1964. 10

Batllismo é o nome de uma corrente ideológica, nascida no início do século XX, dentro do Partido Colorado e

inspirada pelas ideias políticas de José Batlle y Ordóñez. Em síntese, apregoa a ideia de um Estado benfeitor,

intervencionista e redistribuidor de riquezas. 11

DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014.

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13

Essas características foram observadas durante o Primeiro Batllismo (1903-1933).

Apesar da realização de importantes reformas trabalhistas neste período, bem como de um

pretenso apoio aos movimentos operários, não foram realizadas intervenções na organização e

na representação sindical. Prevaleceu, portanto, o modelo abstencionista estatal em matéria de

Direito Coletivo do Trabalho e um movimento operário fortemente libertário, que se

desenvolveu à parte da institucionalidade.

Na década de 1930, no entanto, com a ratificação de Convenções da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) 12

e a promulgação da Constituição de 1934 – que

reconheceu a liberdade sindical e o direito de greve – houve maior interferência institucional

sobre o tema. Nessa época, o país adotou uma política de substituição de importações, tendo

em vista os efeitos da Crise de 1929 no cenário mundial. Por essa razão, as reivindicações dos

trabalhadores, nesse período, possuíam forte conteúdo distributivo, isto é, versavam

basicamente sobre a questão salarial.

Na década seguinte, como resposta à necessidade de se garantir uma política salarial

eficiente, surgiram os chamados Conselhos de Salários, criados por meio da Lei 10.449/1943.

Estes foram instaurados como organismos tripartites – isto é, formados pelo Estado,

empresários e trabalhadores – e que se tornaram um marco legal da negociação coletiva no

país. A escolha pelo tripartismo, nessa época, deveu-se à influência das próprias orientações

da OIT nesse sentido, passando o Estado a exercer papel de mediador, ou de árbitro, das

relações trabalhistas.

Nos Conselhos de Salários, as decisões eram tomadas pela maioria de seus integrantes,

que, naquele momento, constituíam-se em três delegados do governo, dois empresários e dois

trabalhadores, organizados por ramo ou setor econômico. Os delegados governamentais eram

eleitos pelo voto secreto da totalidade das pessoas representadas, isto é, tanto trabalhadores

como empresários, e eram tidos como partes neutras, pois não exerciam intervenção ativa nas

negociações. Apesar de os efeitos produzidos por esses acordos estarem restritos a aspectos

distributivos, já alcançavam diversos ramos de atividade em todo território nacional.

Os avanços advindos dos Conselhos de Salários, no entanto, receberam um duro golpe

nas décadas seguintes, com a instauração da Ditadura Cívico-Militar Uruguaia (1973-1985).

12

Ratificaciones de Uruguay. Disponível em:

<http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:11200:0::NO::P11200_COUNTRY_ID:102876 >.

Acessado em 08/04/2016.

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14

Nesse período foi restrito ou diretamente proibido o exercício da liberdade sindical, da

negociação coletiva e do direito de greve. Além disso, a política salarial aplicada nesta época

gerou uma queda significativa do salário real e um progressivo declínio na taxa de emprego.

A não convocação dos Conselhos e a inexistência de qualquer outro tipo de instância de

fixação salarial com participação dos trabalhadores fizeram com que as únicas formas de

ajuste de salários fossem a vontade unilateral do empregador e as decisões administrativas do

Governo.

Com a Redemocratização do Uruguai, em 1985, os Conselhos de Salários voltaram a

funcionar, dessa vez englobando setores econômicos que até então não faziam parte da

negociação coletiva. Esse período ficou marcado pela volta de um modelo protetor das

relações trabalhistas, que, no entanto, foi freado pelo avanço do modelo pós-industrial de

flexibilização e terceirização do trabalho, na década seguinte.

A não convocação dos Conselhos de Salários a partir dos anos 1990 significou a

vitória da concepção neoliberal das relações socioeconômicas e teve como consequência uma

nova diminuição do salário real. As transformações ocorridas nesse período denotaram a

influência da globalização econômica nos processos produtivos, o que modificou

radicalmente as relações trabalhistas, provocando maior desenvolvimento do setor terciário,

bem como a crise do ator sindical.

No entanto, esse quadro se modificou a partir de 2005, com a chegada do Frente

Amplio13

na Presidência. Tal vitória representou a primeira experiência de ascensão da

esquerda uruguaia e de um partido político “não tradicional” – não caracterizado pelo

bipartidarismo entre Partido Nacional e Partido Colorado – no governo. Foram convocados

novamente os Conselhos de Salários, tripartites, setoriais e que hoje funcionam em

conformidade com as mudanças trazidas pela Lei 18.566/2009 (Sistema de Negociación

Colectiva)14

. Esse novo contexto implicou uma clara ruptura com as tendências

flexibilizadoras que haviam sido aplicadas nos últimos anos na área social.

13

O Frente Amplio é uma força política uruguaia formada por vários partidos, movimentos e agrupações

localizadas à esquerda do espectro político nacional. Foi fundado em 1971, como fruto das discussões geradas no

Congreso del Pueblo sobre a necessidade de uma unidade da esquerda organizada contra a crise institucional que

o país vinha enfrentando. 14

República Oriental del Uruguay. Poder Legislativo. Ley nº 18.566. Sistema de Negociación Colectiva.

Disponível em:

<https://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/ELECTRONIC/82623/90639/F1130755569/URY%202009%20L%20826

23.pdf >. Acessada em 17/04/2016.

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15

Nessa nova conjuntura, as reivindicações trabalhistas, que antes tinham um forte

cunho salarial, agora passavam também a focar na questão da formalização do trabalho. Em

decorrência disso, a negociação começou a trazer soluções em matéria de relações atípicas, ao

incluir trabalhadores de ramos de atividades que nunca haviam tido o poder de negociar

coletivamente. Os Conselhos incluíram pela primeira vez o setor rural e criaram um espaço de

negociação salarial para os funcionários públicos. As empregadas domésticas também foram

abarcadas nos Conselhos, dentro do grupo intitulado Grupo 21: Trabajadoras del hogar o

servicio doméstico15

e, mais recentemente, os trabalhadores clasificadores de materiais

recicláveis passaram a participar de sua organização.

Tais mudanças denotam uma maior participação do Estado nos Conselhos de Salários,

sobretudo por meio do Ministerio de Trabajo y Seguridad Social (MTSS) 16

. O MTSS,

durante o governo frenteamplista, assumiu uma posição de negociador junto aos demais

atores sociais, fomentando a negociação e aplicando a regra do consenso. Essa conjuntura foi

possível pela existência de um governo com maior proximidade das reivindicações sindicais,

o que sugere que o sistema de relações coletivas de trabalho no Uruguai, apesar de

tradicionalmente definido como não regulado, tem se caracterizado, recentemente, pela

heteronomia e pelo intervencionismo estatal.

Essa sugestiva heteronomia “à uruguaia”, não totalmente postulada, mas instalada e

vigente, pode ser vista como uma política progressista assentada em bases frágeis. Não se

sabe se no futuro as conquistas sociais trazidas pelo governo do Frente Amplio serão

aperfeiçoadas ou vistas como mais um momento de impulso que teve, na sequência, o seu

freio conservador. No entanto, não se pode negar que cada etapa conservadora da história

uruguaia preservou alguns elementos da etapa anterior ou serviu como impulso para novas

reivindicações.

2. 2. Sindicalismo e a criação do Plenario Intersindical de Trabajadores - Convención

Nacional de Trabajadores

A história do movimento sindical está atrelada à consolidação do capitalismo enquanto

modo de produção, o que pressupõe processos de industrialização que criem uma massa de

15

Ministerio de Trabajo y Seguridad Social - Consejos de Salarios.

Disponível em: <http://www.mtss.gub.uy/web/mtss/consejos-de-salarios >. Acesso em 07/04/2016. 16

A existência do MTSS remonta à criação do Ministerio de Industria, Trabajo e Instrucción Pública, em 1907,

durante o Primeiro Batllismo.

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16

proletários urbanos. Em decorrência das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores,

bem como da influência das correntes socialistas do pensamento, é criada a consciência de

classe e se promove a organização do movimento operário.

Historicamente, o Uruguai demorou a desenvolver uma massa urbana significativa, em

relação aos países vizinhos. Como era um país pouco povoado até o final do século XIX, o

poder se encontrava descentralizado no seu interior, articulando sistemas de governo paralelos

e autônomos em face do Estado. Por essa razão, o governo do Coronel Lorenzo Latorre

buscou adotar, já no final do século XIX, uma política econômica fortemente ligada ao

mercado agroexportador e à solidificação das bases de um Estado centralizador.

Durante esses anos, foram adotadas medidas de cercamento dos campos e a aprovação

do Código Rural, que consolidaram a afirmação da propriedade privada e uma concepção

capitalista de exportação agropecuária. Como consequência, houve a expulsão de uma grande

massa de pessoas da área rural, o que engrossou a população urbana de Montevidéu.

Nessa época, a capital uruguaia também foi palco da chegada de inúmeros imigrantes,

por conta da adoção de políticas nacionais de fomento à imigração como forma de “povoar o

país” e como consequência da crise econômica europeia de inícios do século XX. Dessa

forma, pode-se dizer que o surgimento da classe trabalhadora uruguaia se dá a partir da

mistura heterogênea de imigrantes, pessoas deslocadas do meio rural e pequenos artesãos.

Essa massa de trabalhadores não podia ser absorvida em sua totalidade pela pequena indústria

nacional, formando-se um exército de reserva que ocasionava a diminuição do valor da

remuneração.

Essa situação gerou condições de vida e de trabalho insalubres, fazendo surgir no país

a chamada questão social ou questão obreira17

. Além das desigualdades sociais que estavam

emergindo, ressaltam-se as bases teóricas trazidas pelos imigrantes, sobretudo anarquistas, na

busca de estratégias de ações que visassem não só melhorias trabalhistas, mas também a

criação de novas estruturas político-econômicas.

O sindicalismo uruguaio, desde as suas origens, teve forte inclinação à busca pela

unidade18

como forma de conseguir maior êxito em suas reivindicações e projetos. No início,

17

CASTEL, Robert. Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. 18

A unidade sindical é a existência de um único sindicato, decorrente de livre manifestação dos interessados e da

liberdade das organizações sindicais. Não há que se confundir com a unicidade sindical que, por sua vez, ocorre

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17

essa inclinação foi observada junto às tentativas federalistas libertárias, que buscavam

constituir Federações Regionais. Naquela época, não havia muitas adesões e em pouco tempo

essas federações terminaram se transformando em experiências frustradas, servindo, no

entanto, como precedentes de futuras ações.

Assim, em 1905, com o surgimento da Federación Obrera Regional Uruguaya

(FORU), de orientação anarquista, se verificou a primeira experiência de central sindical no

país. Já em 1923 surgia a Unión Sindical Uruguaya (USU), que pode ser considerada como

uma tentativa de superar as barreiras ideológicas ao unir sindicatos de correntes anarquistas e

comunistas. No entanto, as discrepâncias surgidas no interior dessas organizações eram

tamanhas que essas centrais não conseguiram conformar uma real unidade sindical, logo se

dissolvendo.

Nesse sentido, a década de 1930 trouxe consigo mudanças na classe trabalhadora que

foram cruciais para seu posterior desenvolvimento em busca da consolidação da unidade

sindical. Esse período foi conhecido como sindicalismo de transição e pôs fim à estrutura de

organização sindical de ofícios19

e de caráter finalista e anarquista. Com a política de

substituição de importações adotada no período, houve o aumento do número de trabalhadores

industriais e também da importância das correntes marxistas dentro do movimento sindical.

Nascia então um sindicalismo de massas, organizado por ramo de atividade econômica, e que,

além da transformação social, buscava alcançar metas mais imediatas.

Na sequência, a década de 1940 foi caracterizada por certa institucionalização do

movimento sindical, com a criação dos Conselhos de Salários e o fortalecimento da

negociação coletiva. A criação da Unión General de Trabajadores del Uruguay (UGT) em

1942, de maioria comunista, representou mais uma tentativa de unidade sindical, mas

fracassou em seu intento por conta da dispersão provocada pela polarização ideológica das

correntes de esquerda frente à Guerra Fria.

Somente na década de 1960 que começou a se verificar a imprescindibilidade da

unidade sindical. O país passava pela crise do modelo substitutivo de importações e pelo

desgaste das políticas neobatllistas de cunho social. Por essa razão, surgiu, em 1961, a Central

com a obrigatoriedade em existir apenas um sindicato na mesma área de atuação, sendo uma forma de negação

da liberdade sindical. 19

Na terminologia anarcosindicalista, sindicatos de ofício seriam aqueles sindicatos organizados por profissões,

em contraposição aos sindicatos de ramo, organizados por ramo de atividade ou setor produtivo.

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18

de Trabajadores de Uruguay (CTU), que nasceu como símbolo do consenso entre diversas

correntes ideológicas dentro do movimento, visando à elaboração de um programa de

soluções para a crise político-econômica.

Como consequência, foi criada a Convención Nacional de Trabajadores (CNT), em

1964, como organismo permanente de coordenação e de luta frente a um contexto de

experiências neoliberais dos governos blancos20

. Sob o lema “Soluções, sim; golpe, não!”, a

CTU realizou uma greve geral em protesto contra a crise e convocou todos os setores

populares ao Congreso del Pueblo, realizado em 196521

. Nesse congresso, a CNT se

converteu na central única e permanente dos trabalhadores.

Os anos 1970 foram marcados pelo autoritarismo e pela derrota do movimento

guerrilheiro tupamaro de Libertação Nacional (MNL-T), culminando no Golpe de Estado de

1973. Diante desse cenário, a CNT declarou, mais uma vez, greve geral e a ocupação dos

locais de trabalho, que durou quinze dias e recebeu apoio do movimento estudantil e de

alguns grupos políticos, como o recém-criado Frente Amplio. Após tal mobilização, a CNT foi

ilegalizada e passou a funcionar na clandestinidade, recebendo apoio de várias centrais

sindicais europeias.

O ensaio para uma abertura política começou a ocorrer na década de 1980, quando,

com a criação da Lei 15.137/1981 – Ley de Asociaciones Profesionales – possibilitou-se o

retorno da organização social. Nesse contexto, os grupos de trabalhadores que se reuniam até

então de forma clandestina passaram a se organizar novamente na legalidade e realizaram um

ato público no 1º de Maio de 1983, em frente ao Palácio Legislativo. A partir desse ato foi

criado o Plenario Intersindical de Trabajadores (PIT).

Dessa forma, a atual denominação da central sindical única uruguaia, Plenario

Intersindical de Trabajadores – Convención Nacional de Trabajadores (PIT-CNT), surgiu

como fruto da junção da experiência das lutas dos trabalhadores contra a Ditadura Cívico-

Militar, ao mesmo tempo em que recorreu às tradições históricas do movimento. A partir da

Redemocratização, com o retorno do funcionamento dos Conselhos de Salários, a criação do

20

O Partido Blanco, na história política do Uruguai, sempre representou os setores mais conservadores do

espectro partidário. 21

Naquela época, havia fortes rumores golpistas, em consequência da nomeação do General Moratorio como

Ministro da Defesa Nacional e também pelo golpe de Estado ocorrido no Brasil em 1964 e que tirou João

Goulart do poder. Por esse motivo, a resposta de diferentes sindicatos se orientou no sentido de encontrar

soluções a uma possível ruptura constitucional, apelando para a greve geral.

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19

PIT- CNT também foi importante pelo seu desempenho nas negociações coletivas.

No entanto, as mudanças ocorridas na década de 1990 refletiram radicalmente na

organização dos trabalhadores. A crise do setor industrial gerou a perda de postos de trabalho

e as vagas criadas no setor terciário não tinham correlação com a filiação sindical. O advento

de terceirizações e outras modalidades de flexibilização do trabalho significou para os

sindicatos maior dificuldade de representar diversas vontades. Além disso, a construção de

uma identidade comum entre os trabalhadores ficou prejudicada e o trabalho em pequenas

empresas dissolveu a possibilidade de encontro e, consequentemente, a dinâmica da própria

atividade sindical.

Essas mudanças foram resultado, em grande parte, das políticas econômicas aplicadas

pelos governos do período de 1990-2004, mas também obedeceram ao rumo da economia

mundial em processo de globalização econômica. Para o movimento sindical, esta foi uma

etapa de grande instabilidade e debilitação, inclusive no que se refere ao perfil dos

trabalhadores. O sindicalista tradicional uruguaio, desde a década de 1940, era homem, de

meia idade e trabalhava em grandes estabelecimentos do setor industrial. Agora, esse modelo

estava sendo radicalmente modificado com o ingresso massivo de mulheres e jovens no setor

terciário do mercado de trabalho.

A não convocação dos Conselhos de Salários na década de 1990 significou mais uma

derrota para o movimento sindical. Verificou-se uma redução das negociações coletivas, que

não deixaram de ocorrer, mas foram realizadas de forma descentralizada e ao nível de

empresas. Além disso, houve a diminuição do número de trabalhadores amparados por

convenções coletivas, fato que aumentou a flexibilização do trabalho. Essa debilidade na

negociação por parte dos sindicatos também foi percebida por meio de uma notória queda da

taxa de filiação, que passou de 220.000 filiados em 1990 a aproximadamente 100.000 em

200322

.

Só a partir de 2005, com a vitória do Frente Amplio, é que houve, novamente, um

fortalecimento do movimento sindical. A restituição dos Conselhos de Salários nesse período

significou uma maior centralização da negociação coletiva e a ampliação do número de

trabalhadores abarcados por ela. Isso se refletiu em um importante aumento da participação de

trabalhadores na vida sindical, alcançando-se um recorde histórico de filiados ao PIT-CNT –

22

NOTARO, Jorge, QUIÑONES, Mariela, SENATORE, Luis e SUPERVIELLE, Marcos. Las políticas públicas

en la reestructura del mundo del trabajo. Uruguay 2005-2009. p. 104. Montevidéu: Ediciones Universitarias.

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20

no congresso de 2011, estimavam-se cerca de 330.000 filiados, três vezes mais do que no

Congresso de 200323

.

Pode-se destacar que, tanto no governo de Tabaré Vásquez (2005-2010) como no de

José “Pepe” Mujica (2010-2015), o Frente Amplio obteve maioria parlamentar própria, o que

facilitou a aprovação de leis que estimulassem a atividade sindical. A Lei 17.940/2006 – Ley

de Fuero Sindical – por exemplo, teve papel importante nesse período, ao buscar garantir o

pleno exercício da liberdade sindical, simbolizando mais um rompimento com a tradição

uruguaia de abstencionismo legislativo em matéria de relações coletivas de trabalho.

Até o momento em que o Frente Amplio assumiu o poder, era evidente para o

movimento sindical o seu papel como ator social, de clara oposição às políticas que os

governos anteriores haviam adotado em matéria socioeconômica. No entanto, com o advento

da esquerda, o Estado deixa de ser “o inimigo”, havendo muitas coincidências históricas entre

programas e reivindicações do governo e do movimento sindical. Nesse cenário, discute-se

qual tem sido o grau de intervencionismo do Estado na autonomia privada coletiva dos

sindicatos.

Atualmente, algumas correntes do PIT-CNT se identificam com o governo, enquanto

outras mantêm suas diferenças e continuam reivindicando certas pautas que ainda não foram

atendidas. Ressalta-se que em 2015 foi criada uma nova central sindical, a Confederación

Sindical y Gremial del Uruguay (CSGU) 24

, com onze sindicatos dissidentes do PIT-CNT.

Essa nova central sindical, apesar de seu pequeno porte, evidencia os novos desafios traçados

na relação entre sindicalismo e Estado e a insatisfação de alguns setores com a proximidade

entre eles.

2. 3. Cooperativismo e autogestão: caminhos rumo à institucionalização

O movimento cooperativista ou de autogestão tem dois grandes marcos na história

ocidental. O primeiro deles, durante a Primeira Internacional, no final do século XIX, foi

sinalizado pela busca de um projeto alternativo de sociedade pelos socialistas utópicos e

teóricos libertários como Proudhon e Bakunin. O segundo marco pode ser caracterizado, no

23

Idem. 24

Los puntos que separan a la nueva central del PIT-CNT. El Observador, Montevidéu, 6 nov. 2015. Disponível

em <http://www.elobservador.com.uy/los-puntos-que-separan-la-nueva-central-del-pit-cnt-n690249>. Acessado

em 21/04/2016.

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21

final da década de 1960, como resposta aos regimes totalitários, a partir do surgimento de

novos movimentos sociais em busca de processos mais democráticos e participativos.

A grande chave para entender esse movimento reside no tema do trabalho assalariado.

O formato autogerido, em princípio, implica a quebra da lógica empresarial baseada na

dicotomia entre empregados e empregadores. Nessa pesquisa, serão considerados

empreendimentos cooperativos ou de autogestão todos aqueles que se enquadrarem nos

preceitos da Economia Solidária, isto é, toda unidade econômica em que a propriedade e

administração dos meios, os direitos e obrigações e a gestão sejam compartilhados

solidariamente por todos os integrantes25

.

O movimento cooperativista uruguaio teve em sua origem uma vinculação muito clara

com outros movimentos sociais, sobretudo os grêmios e sindicatos. A princípio, os objetivos

cooperativos se confundiam com os mutuais26

, como na criação da Sociedade de Socorros

Mútuos de Tipógrafos, em 1870. Mas as cooperativas propriamente ditas surgiram com maior

força a partir de 1920, década em que se desenvolveram várias tentativas legislativas e

institucionais a fim de conquistar seu reconhecimento.

No entanto, essas tentativas não tiveram êxito e só na década de 1940 que se logrou

estabelecer marcos legais mais concretos sobre o tema, como a Lei 10.761/1946 – Sociedades

Cooperativas. Essa norma ficou conhecida como “Lei Geral”, pois abarcava vários setores de

atividade, como consumo, produção e trabalho. Desde então ficou estabelecido que todas as

cooperativas formalmente constituídas deveriam obter personalidade jurídica e observar uma

série de procedimentos distintos segundo cada modalidade de organização.

Durante o período da Ditadura Militar, as cooperativas cumpriram um importante

papel, pois se tornaram verdadeiras “ilhas de liberdade” em pleno cenário de autoritarismo e

clandestinidade. E com a restituição democrática, o movimento cooperativista uruguaio

alcançou um novo patamar, por meio da aliança entre diferentes federações cooperativas em

torno da Mesa Nacional Intercooperativa (MNI). A Mesa possuía finalidade de promover

interação entre as cooperativas de diversos setores, o que motivou a criação da Confederación

Uruguaya de Entidades Cooperativas (CUDECOOP), em 1988.

25

SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. 26

O Mutualismo aqui é entendido enquanto movimento que visava à prestação de ajuda mútua a seus

integrantes, por meio da criação de um fundo comum. É reconhecido como precursor dos modernos sistemas de

seguridade.

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22

A CUDECOOP, na década de 1990, conseguiu estabelecer um acordo com o

Executivo, por meio do qual foi organizada a primeira Comissão Honorária de

Cooperativismo. O objetivo era fomentar o desenvolvimento econômico e assessorar o

governo na fixação de uma política nacional em matéria cooperativa. No entanto, o

funcionamento dessa comissão não foi regular, tendo sido mais uma investida de escassa

repercussão que logo se dissolveu.

Apesar dos avanços que organizações como a CUDECOOP conseguiram obter, é

importante lembrar que o cooperativismo uruguaio não foi reconhecido enquanto um setor

econômico próprio, mas sim como uma das formas que a gestão empresarial adota. Tal fato,

somado a sua forte presença no interior do país e a sua acentuada autonomia e pluralidade, foi

distanciando o movimento cooperativista das ações e posicionamentos adotados pelo

sindicalismo.

Portanto, o cooperativismo tradicional, existente no Uruguai desde o começo do

século XX, teve, ao longo da história, várias limitações quanto ao seu intento de

transformação social. Sem dúvida, essas experiências criaram postos de trabalho, distribuíram

a renda de forma distinta de uma empresa capitalista e formaram trabalhadores a respeito do

cooperativismo. Mas do ponto de vista do impacto social, não tiveram muita influência. E é

nesse sentido que o sindicalismo uruguaio, por meio da unidade sindical, teve um papel mais

ativo em suas reivindicações.

A autogestão no Uruguai surgiu então, em meados dos anos 2000, como forma de

suprir a necessidade de transformação social não abarcada pelo cooperativismo tradicional.

Por isso, buscou-se o diálogo, desde o início, com o movimento sindical. A partir de

iniciativas de trabalhadores que já eram filiados ao sindicato e ao mesmo tempo trabalhavam

em cooperativas ou empresas recuperadas, iniciou-se o debate sobre autogestão dentro dos

sindicatos de origem. Esse processo se desenvolveu continuamente até estabelecer um maior

contato com a central sindical.

Em um primeiro momento, a tentativa de diálogo entre sindicalismo e autogestão foi

infrutífera, por conta das tensões históricas com o movimento cooperativista. Os sindicatos

ainda não haviam desenvolvido uma discussão madura sobre o tema da autogestão,

principalmente em relação à consciência de classe. No entanto, devido a questões pragmáticas

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23

e econômicas, em busca de alternativas de trabalho em tempos de crise, o movimento sindical,

por fim, inseriu a autogestão em suas pautas.

Então, a partir do diálogo entre diversas organizações – como o Secretariado do PIT-

CNT, a Unión Nacional de Trabajadores Metalúrgicos y de Ramas Afines (UNTMRA), a

Federación de Cooperativas de Produción del Uruguay (FCPU) e a Asociación Nacional de

Empresas Recuperadas por los Trabajadores (ANERT)27

– surgiu a Mesa de Encuentro por

la Autogestión y la Construcción Colectiva (MEPACC), que cumpriu importante papel de

articuladora dentro da central sindical. Com o apoio técnico da Universidad de la República

(UdelaR), através da Unidad de Estudios Cooperativos (UEC)28

, a MEPACC elaborou um

documento oficial e central do PIT-CNT que estabelecia a autogestão como um elemento

aliado do movimento sindical e que dava perspectiva de desenvolvimento produtivo.29

A elaboração desse documento repercutiu tanto dentro do sindicalismo quanto dentro

do cooperativismo. Por um lado, havia setores do movimento sindical que não estavam muito

convencidos da possibilidade de o trabalhador ser dono dos próprios meios de produção. E,

por outro, a FCPU e outras entidades representativas do cooperativismo sentiram que o

movimento sindical talvez estivesse interferindo ou tentando substituir demasiadamente o seu

espaço.

Toda essa discussão pressionou o governo a fim de melhorar o funcionamento do

Fondo para el Desarrollo (FONDES), criado durante a Presidência de José “Pepe” Mujica

com a finalidade de financiar projetos de autogestão em setores estratégicos da economia. O

FONDES representou um marco de institucionalização do cooperativismo no Uruguai. O país

já vinha adotando esta tendência com a criação do Instituto Nacional del Cooperativismo

(INACOOP)30

em 2008. No entanto, após 2015 houve mudanças na administração do

FONDES – com aumento da participação do INACOOP – e surgiram denúncias de má

27

Tanto a FCPU como a ANERT são organizações bastante representativas do setor cooperativo de produção e

das empresas recuperadas, apesar de suas trajetórias serem bem distintas: a primeira surgiu na década de 1960 e

a segunda nos anos 2000. 28

A UEC é uma unidade de extensão universidade que, desde 1988, contribui tecnicamente com diversos

empreendimentos solidários, por meio do Curso de Cooperativismo e da Incubadora de Empreendimentos

Solidários. 29

Mujica: "No parar jamás". República, Montevidéu, 26 jul. 2012. Disponível em:

<http://www.republica.com.uy/mujica-no-parar-jamas/160282/>. Acessado em 07/04/2016. 30

O INACOOP foi criado durante a primeira gestão do Frente Amplio, por meio da Lei Geral de Cooperativas –

18.407/2008 – enquanto figura de direito público estatal e visando a promoção do desenvolvimento econômico,

social e cultural do setor cooperativo no país.

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24

utilização de seus recursos31

. Esse cenário demonstra que, embora as políticas de fomento à

autogestão não estejam bem consolidadas, elas existem institucionalmente e abrem um campo

de disputa política e de afirmação de direitos.

Percebe-se, portanto, que com a ascensão do Frente Amplio na Presidência, o governo

uruguaio passou a adotar medidas de fomento à autogestão que já eram, inclusive,

reivindicações antigas do próprio cooperativismo tradicional. Este, no entanto, demonstra-se

atualmente mais distante dos trabalhadores e fechado em suas estruturas burocráticas,

enquanto o movimento por autogestão tem conseguido fortalecer suas reivindicações por meio

das alianças junto ao sindicalismo.

Algumas organizações de trabalhadores, no entanto, ainda possuem muitos problemas

em relação à persecução de seus objetivos, por terem se originado do processo de

reestruturação produtiva. Esses trabalhadores não eram organizados enquanto classe

profissional anteriormente. O caso dos clasificadores de resíduos sólidos no Uruguai é

emblemático, nesse sentido, por representar uma parcela de trabalhadores que visa se

organizar a partir da intersecção de diversas forças sociais, sobretudo do sindicalismo e do

cooperativismo, buscando integrar-se nos campos de decisões de políticas públicas estatais.

31

Preparan denuncia penal por pérdidas del Fondes. El País, Montevidéu, 03 abr. 2016. Disponível em:

<http://www.elpais.com.uy/informacion/preparan-denuncia-penal-perdidas-fondes.html>. Acessado em

07/04/2016.

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25

3

CLASIFICADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS: O

RECONHECIMENTO DA CATEGORIA32

A discussão acerca da organização do setor de clasificadores de resíduos sólidos no

Uruguai está entrelaçada por diversos pontos de bifurcação dentro da realidade urbana

montevideana. A urbanização, sobretudo a partir dos anos 1990, muda seu foco das

referências campo-cidade para a consolidação de uma sociedade de consumo. Uma tradução

importante para entender a realidade dos clasificadores, nesse contexto, se dá pela forma com

que são descartadas as “sobras” da sociedade de consumo: os resíduos sólidos urbanos, de um

lado, e os próprios trabalhadores sobrantes33

que trabalham com a reciclagem, de outro.

Se o capitulo anterior trazia uma trajetória histórica esperançosa, sobretudo em relação

à luta pela democracia e às conquistas trabalhistas de um governo de esquerda recém-chegado

ao poder, este se aprofundará em como o papel deste governo na efetivação de direitos tem

sido controverso. O caso dos clasificadores traz um bom panorama de como os dispositivos

de exceção têm se instalado no interior da normalidade democrática, como forma de combate

e exclusão “daqueles indivíduos que não se portam de modo a oferecer ‘embasamento

cognitivo’ suficiente de que se comportarão conforme o direito34

”.

É a partir dessa perspectiva que entendemos a luta desses trabalhadores por

reconhecimento, pois se encontram naquilo que Vera Telles (2010) chama de fronteira entre o

formal e o informal e entre o legal e o ilegal. Dessa forma, antes de adquirir relevância

jurídica no que se refere à representação sindical, a organização dos clasificadores é uma

32

Nesse caso, entende-se o termo “categoria” no sentido de “setor”, “classe” ou “profissão”, tal como se

encontra na Declaração do 2º Encontro Nacional de Clasificadores: “1 - Que se reconozca oficialmente la

categoría de clasificador de residuos como ocupación permanente y sustentable de un importante número de

trabajadores”. 33

Conforme Rosalina Burgos (2013): “(...) a denominação ‘trabalhadores sobrantes’ se refere aos trabalhadores

pobres urbanos que, à margem do mercado de trabalho, são (re) inseridos produtivamente, sem, contudo, se

emanciparem da condição de sobrantes. São trabalhadores que perderam seu emprego no setor formal (no

contexto de reestruturação produtiva) ou que nunca conseguiram nele ingressar”. 34

MACHADO, Marta Rodrigues A. & José Rodrigo RODRIGUES. Dossiê Estado de Direito e Segurança.

Novos Estudos, no. 83, 2009.

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26

realidade sociológica, uma vez que a atividade realizada por eles não era considerada como

parte da divisão social do trabalho até poucas décadas35

.

Portanto, nesse capítulo iremos analisar a heterogeneidade do setor e sua organização

em busca de reconhecimento institucional, que se traduza em direitos e em maior participação

nas decisões de seus interesses. Nesse cenário, questionam-se quais são os limites da

organização deste setor: é possível uma organização voluntarista ou apenas com interferências

externas?

3. 1. De hurgadores à clasificadores

No Uruguai, a existência de pessoas que trabalham de maneira informal com a

reciclagem de resíduos sólidos remete ao século XIX, ainda que esses materiais fossem

utilizados para o consumo próprio ou como matéria-prima nos processos produtivos de caráter

artesanal e familiar. A presença desses trabalhadores se tornou mais visível na segunda metade

do século XX, a partir da proibição da queima domiciliar de dejetos e da abertura de aterros

sanitários, sistema de gestão de resíduos adotado pelo governo de Montevidéu na década de

196036

. Com o tempo, esses trabalhadores passaram a se instalar ao redor desses aterros,

formando assentamentos irregulares, chamados cantegriles37

.

Pichis, bichicomes, requecheros, bolseros e, mais comumente, hurgadores eram

termos utilizados para se referir a essas pessoas e que ainda se encontram presentes no

linguajar popular. Esses nomes possuem uma conotação pejorativa e discriminatória que afeta

os trabalhadores do setor e se traduz nas representações que eles têm de si mesmos quando

expressam que seu trabalho é só um bico ou que se consideram desempregados38

. Dessa

forma, observa-se como a questão dos resíduos sólidos está intrinsecamente ligada com a

35

Chabalgoity, M.; Taks, J.; Goñi, A.; Fernández, L.; Gonzalo Bustillo, A. y Blanco, M. (2006): “Gestión de

Residuos Sólidos Urbanos, un abordaje territorial desde la perspectiva de la inclusión social, el trabajo y la

producción”. Revista Pampa. Año 2, N° 2, 2006. Santa Fe. 36

“En este período (década de 60) los clasificadores eran objeto de fuertes represiones y eran visualizados por

las autoridades policiales, municipales y sanitarias como un problema a combatir. (…) A fines de los años 70, en

el periodo de Dictadura Militar en el país, los clasificadores viven varios decomisos de carros y caballos, así

como también la quema de carros. (…) A principios de los años 80, la IMM prohíbe el ingreso de clasificadores

a las Usinas de disposición final de residuos. Se produce en estos años la muerte de algunos clasificadores por

enterramientos en estos lugares, así como también una serie de enfrentamientos con los funcionarios municipales

encargados de la seguridad de esta zona, por los intentos de ingreso a las Usinas.” (DOMENECH, 2005) 37

Para melhor entendimento, pode-se entender o termo “cantegriles”, sem perda de sentir, como agrupamento de

casas precárias e irregulares, equivalente as favelas no Brasil. 38

FERNÁNDEZ, Lucía (2007). De hurgadores a clasificadores organizados. Análisis político institucional del

trabajo con la basura en Montevideo. IN: Schamber y Suárez (Comp.) Recicloscopio. Miradas sobre

recuperadores urbanos de residuos de América Latina. Buenos Aires, Prometeo Libros, UNLA e UNGS.

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exclusão social, pois tal como os dejetos são descartados fora do centro urbano, os próprios

trabalhadores vivem nessas periferias.

Portanto, a fim de denotar a importância do trabalho realizado por essas pessoas, na

década de 1990 passou-se a ser adotado o termo clasificador para denominar o trabalhador

que vive da reciclagem. Em 2000, a Intendencia Municipal de Montevideo (IMM) e o

Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), no documento “Úselo y

tírelo... para que otros lo reciclen”, definiram o clasificador como:

...quien recolecta de manera informal los residuos sólidos urbanos, los

traslada y clasifica para abastecerse de lo útil y vender lo de valor reciclable

o reusable al mercado. Si bien el término se refiere sólo a la función de

clasificar – y en este sentido es incorrecto – lo respetamos porque es el que

este sector eligió para identificarse. (IMM-PNUD, 2010)

Tal nomenclatura, apesar de não englobar todo o processo de reciclagem realizado por

esses trabalhadores, surgiu a partir de experiências de organização do setor, sobretudo pela

influência de algumas ONGs de cunho religioso, entre as quais se destaca a Emaús39

e a

Organización San Vicente (OSV). Esta última, nascida da obra do Padre Cacho40

, teve

importante papel ao visibilizar a existência dessas pessoas, bem como a importância

ambiental e econômica da atividade que elas exerciam.

3. 2. Organización San Vicente e a criação das primeiras cooperativas

A atividade dos clasificadores nos aterros começou a aumentar na década de 1970,

quando as consequências econômicas da crise do modelo fordista foram sentidas mais

fortemente. Essa também foi uma época politicamente repressiva, pois o país vivia os anos da

Ditadura Militar, o que se refletiu em diversas ações de criminalização da pobreza. Em 1979

foi realizado um censo de clasificadores com a finalidade de expulsar esses trabalhadores dos

locais que ocupavam irregularmente e de confiscar suas carroças e cavalos. Foi nesse ano

também que os vizinhos de um dos bairros mais pobres de Montevidéu, Aparício Saravia, na

zona norte da capital, entraram em contato com o Padre Cacho e passaram a organizar

39

O trabalho realizado pela Emaús na zona oeste de Montevidéu teve como elemento de destaque o impulso à

criação do primeiro depósito cooperativo de materiais gerido pelos trabalhadores, La Redota, em 1985, e que

funcionou até 1992. 40

Rubén Isidro Alonso, conhecido como Padre Cacho, foi um sacerdote uruguaio que, na década de 1970,

passou a morar em um “cantegrile”, na região de Aparício Saravía, na Cuenca de Casavalle, zona norte de

Montevidéu.

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28

conjuntamente uma associação de moradores, onde discutiam melhorias básicas para a

população local.

A região de Aparício Saravía era formada por moradias irregulares (cantegriles), com

insuficiência de serviços sanitários e educacionais e ausência de oportunidades de trabalho.

Diante dessa situação de precariedade, as famílias que moravam neste bairro tinham como

principal meio de vida a classificação de resíduos, que era realizada no próprio domicílio.

Frente às tentativas da municipalidade em tomar seus meios de produção e desalojar a

população local, os vizinhos se uniram, com o apoio do Padre Cacho e criaram a

Organización San Vicente (OSV), em 1985.

Na década de 1980, o governo de Montevidéu continuou adotando uma postura de

criminalização do setor, ao sancionar a proibição da entrada dos clasificadores na usina de

disposição final de resíduos – o que, na prática, dependia da permissividade da guarda. Nessa

época, a cidade também adquiriu caminhões compactadores, que impediam que os resíduos

chegassem em condições aceitáveis para a coleta realizada pelos clasificadores nos aterros.

Tais fatos deram início a um período de fortes conflitos entre os trabalhadores e a Intendencia

Municipal de Montevideo e fez com que os clasificadores saíssem às ruas em busca da coleta

de materiais.

Ao saírem da periferia da cidade e ocuparem os centros consumidores, esses

trabalhadores tornaram-se visíveis por parte da sociedade e da institucionalidade pública. De

forma que, na década de 1990, com o aumento progressivo de clasificadores no país e o

triunfo do Frente Amplio na gestão departamental, a Intendencia de Montevidéu passou a

adotar uma postura de aparente reconhecimento do setor e de sua presença nas ruas da cidade.

Nesse novo cenário, o trabalho da OSV foi determinante para que o setor começasse a se

nuclear em cooperativas e conseguisse apoio institucional, por meio de convênios com a

IMM.

Atualmente, a Organización San Vicente desenvolve trabalhos em três grandes áreas:

moradia, educação e clasificadores. No que diz respeito a esta última, o trabalho da

organização se dá pelo acompanhamento de empreendimentos cooperativos, gestão de

convênios educativos e capacitação de trabalhadores. Dentre os empreendimentos

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supervisionados pela OSV, se encontram o GRAMIC, a COCLAM, o CRECOEL, a UCAP, a

CIL e a cooperativa Sol Naciente41, todas formalmente conveniadas com a IMM.

Como observado, uma das características que distingue o processo organizativo dos

clasificadores em relação aos trabalhadores formais é que ele se origina impulsionado por

agentes externos ao setor, principalmente ONGs. Como veremos mais adiante, esse traço

também se transporta ao processo de criação do sindicato e dos demais empreendimentos

associativos do setor, bem como da inserção desses trabalhadores nas plantas de classificação

do município.

3. 3. A criação da Unión de los Clasificadores de Residuos Urbanos Solidos

No início do século XXI houve um importante aumento quantitativo de clasificadores

no Uruguai, sobretudo em consequência da crise econômica de 2002. Por essa razão, em 20

de abril deste mesmo ano foi criada a Unión de Clasificadores de Residuos Urbanos Sólidos

(UCRUS), cujo objetivo, segundo definição do próprio sindicato, era unir e representar os

clasificadores de resíduos sólidos de todo o país para se defenderem “frente a lo que nos

quiera imponer el municipio, el Mides, las Ongs y los depositeros”42

.

Durante o período fundacional, a UCRUS reunia apenas os trabalhadores que

realizavam a coleta de resíduos nas ruas, de forma individual ou familiar. A vinculação com os

clasificadores dos aterros se estabeleceu a partir de um conflito protagonizado pelos

trabalhadores de Felipe Cardoso, aterro localizado na região de Cruz de Carrasco. O conflito

teve como marco final a assinatura de um convênio entre a UCRUS, o PIT-CNT e a IMM,

através do qual o município concedia a um grupo de 157 clasificadores um local para

realizarem seu trabalho e 30 caminhões diários de resíduos. Esse fato constituiu um

antecedente-chave do posterior processo de organização da Cooperativa Felipe Cardoso

(COOFECA)43

, em 2005.

Durante esse período, a UCRUS teve um papel importante administrando os conflitos

e apoiando o processo de organização desse grupo de clasificadores em cooperativa.

41

OBRA PADRE CACHO. Organización San Vicente. Disponível em:

<http://www.cepal.org/ilpes/noticias/paginas/1/36861/presentacion_red_ideea.pdf>. Acessado em 17/04/2016. 42

UCRUS. ¿Qué es la Ucrus?. Disponível em: <http://ucrus-pit-cnt.weebly.com/iquestque-es-la-ucrus.html>.

Acessado em: 17/04/2016. 43

Conforme aponta Elizalde (2011), a adoção do modelo cooperativo correspondeu a uma exigência da IMM,

mais do que uma motivação dos próprios clasificadores. Tal intervenção da IMM pode ser compreendida como

um mecanismo de pressão, mas também como uma oportunidade nova para que aqueles clasificadores tivessem

acesso, enquanto resulta algo novo para os clasificadores em relação às experiências anteriores.

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30

Ressalta-se também o apoio dado pelo Plenario Intersindical de Trabajadores – Convención

Nacional de Trabajadores (PIT-CNT) a esses trabalhadores, o que se refletiu na filiação da

UCRUS à central sindical – a partir de sua Secretaria do Meio Ambiente e de Saúde do

Trabalho – o que se formalizou no VIII Congresso Nacional do PIT-CNT, realizado em 2003.

Conhecido por ser o primeiro sindicato representativo do setor, não só no Uruguai,

como no mundo, a UCRUS surgiu em um contexto de criminalização do movimento e de

busca de reconhecimento institucional. Esses traços podem ser observados por meio da ação

direta realizada pelo sindicato em protestos, tais quais: a marcha de carroças realizada em

2002 contra a privatização da coleta no centro da cidade; as marchas de 2008 contra o

confisco de carroças44

e contra a privatização do aterro sanitário da Usina 5, em Felipe

Cardoso45

; as marchas de 2012 em defesa de suas fontes de trabalho; a de 2013 contra o

decreto que não incluía o setor no plano de gestão de resíduos do município e a realizada em

2014 contra a exclusão do trabalho dos clasificadores em algumas zonas da cidade46

.

Conforme comunicado do 1º Encontro Nacional de Clasificadores, realizado em 2012:

Los clasificadores hoy estamos frente a uno de los mayores desafíos:

conquistar nuevos avances en el reconocimiento pleno de nuestros derechos

como trabajadores por parte de toda la sociedad. Por eso vemos necesario

mostrar cómo a través de nuestro esfuerzo y labor, contribuimos cada día a

generar riqueza recuperando miles de toneladas de materias primas, creando

centenares de puestos de trabajo en otros sectores de la economía, a la vez

que protegemos la vida al cuidar el medioambiente. Hacernos visibles,

llegando a cada rincón del país como un sector que plantea demandas y

propone soluciones, actuando con responsabilidad, madurez y firmeza. Para

que se entienda y acepte que el nuestro es un trabajo; no somos ni mendigos,

ni delincuentes. Podremos ser pobres, pero jamás miserables. Creemos que

es fortaleciendo nuestro sindicato y haciendo de él una herramienta que nos

unifique en nuestras luchas que podremos avanzar hacia el futuro. Hoy, los

44

Recicladores invadieron IMM y lograron tregua en requisas. Ultimas Noticias, Montevidéu, 14 fev. 2008.

Disponível em: < http://www.ultimasnoticias.com.uy/hemeroteca/140208/prints/act13.html>. Acessado em

18/04/2016. 45

Comunicado de la UCRUS. 3ra Marcha de Carros de los Clasificadores de Residuos (cartoneros). La Haine,

Montevidéu, 28 nov. 2008. Disponível em: <http://www.lahaine.org/mm_ss_mundo.php/3ra-marcha-de-carros-

de-los-clasificador>. Acessado em 18/04/2016. 46

Clasificadores duermen en la explanada. El País, Montevidéu. 9 set. 2014. Disponível em:

<http://www.elpais.com.uy/informacion/clasificadores-duermen-explanada.html>. Acessado em: 18/04/2016.

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31

clasificadores y clasificadoras nuevamente nos juntamos para escribir la

historia, ¿cuál?, la nuestra, esa que es tan antigua como nuestra dignidad.

(FERNANDÉZ, 2012)

Dessa forma, além das reivindicações contra a criminalização do setor – ocorrida por

meio do confisco de seus meios de produção e de proibições de acesso às fontes de matéria-

prima – há a busca do reconhecimento do trabalho realizado, dentro de uma concepção de luta

de classes47

. Nesse sentido, as principais reinvindicações do setor residem no reconhecimento

do trabalho dos clasificadores perante os organismos nacionais e internacionais competentes –

como o Ministerio del Trabajo y de la Seguridad Social (MTSS) e a OIT – o que se reflete na

formalização e no cumprimento de acordos trabalhistas com as Intendencias e na criação de

formas de remuneração e de cobertura social que possibilitem a dignificação do trabalho dos

clasificadores.

Atualmente, o sindicato representa uma heterogeneidade muito grande de

clasificadores, o que se traduz nas formas de trabalho adotadas: há trabalhadores que fazem a

coleta com carroças movidas a cavalo, com carrinhos de mão, de bicicleta ou a pé, nas usinas

de disposição final, os que trabalham em domicílio familiar ou vicinal, os que trabalham em

cooperativas e aqueles que trabalham para ONGs e nas plantas municipais de classificação.

Dentro das cooperativas, por sua vez, estão as que surgem vinculadas ao sindicato, depois de

2002; as obras “apadrinhadas” por ONGS durante a década de 1990; e outras recentemente

promovidas pelo poder público, todas elas funcionando a partir de lógicas diferentes, de

acordo com os objetivos de cada instituição48

.

A heterogeneidade do setor também se traduz nas diferenças geracionais entre os

trabalhadores, uma vez que a reciclagem é uma atividade desenvolvida por homens e

mulheres, jovens, adultos e idosos, com diferentes durações de permanência da tarefa – há

aqueles que são clasificadores há muito tempo, inclusive a segunda ou terceira geração na

família, e outros que começaram recentemente. Essa situação evidencia a divisão sexual do

trabalho dentro do setor, a questão da seguridade social para os aposentados ou em vias de se

aposentar e, sobretudo, estabelecem diferentes representações e significações do trabalho, o

47

FAU. Sindicato de Clasificadores de Residuos: una realidad. Disponível em:

<http://federacionanarquistauruguaya.com.uy/2011/04/21/sindicato-de-clasificadores-de-residuos-una-

realidad/>. Acessado em 17/04/2016. 48

ELIZALDE, Maria Lucia. 2011. Montevidéu. Monografia final: Residuos y Clasificadores: configuración

socio política de la gestión de residuos urbanos sólidos en la ciudad de Montevideo. Monografia Final (Serviço

Social) - Faculdade de Ciências Sociais, UdelaR, 2011, p. 21.

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32

que dificulta a organização.

Por essa razão, o processo de criação da UCRUS esteve fortemente ligado ao impulso

de agentes externos, como militantes sociais e profissionais universitários, que acompanharam

seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, também havia internamente lideranças com

experiência sindical em outros ramos de atividade e trabalhadores que já haviam participado

de diversas formas associativas de caráter comunitário. Esse cenário evidencia, mais uma vez,

a heterogeneidade do setor e seu desenvolvimento a partir de situações de crise econômica e

de perda de estabilidade financeira.

Portanto, para entender melhor a lógica organizativa dos clasificadores, é necessário

observar como eles se reinseriram produtivamente, neste contexto de crise econômica, e qual

tem sido a relação estabelecida com os demais agentes da cadeia da reciclagem. Para isso,

propomos, no próximo capítulo, percorrer o caminho dos resíduos na cidade de Montevidéu.

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33

4

O TRABALHO EM PERSPECTIVA: MANEJO DE RESÍDUOS

SÓLIDOS URBANOS EM MONTEVIDÉU

A indústria da reciclagem – forma com que chamamos o conjunto de atividades que

transformam resíduos sólidos urbanos (RSU) em novas mercadorias – se estruturou mais

fortemente como tal no contexto das políticas neoliberais. Esta indústria reinseriu, em sua

base, trabalhadores sobrantes dos mais diversos setores produtivos, na condição de

clasificadores. O último censo de clasificadores realizado em Montevidéu, em 2011,

apontava um total de 3.20049

trabalhadores nesta ocupação, número que só vem aumentando

ao longo dos anos.

Apesar de a responsabilidade pela gestão dos RSU ser compartilhada com os

geradores de resíduos, a limpeza urbana é um dever da Intendencia de Montevideo (IM). A

IM é administrada pelo Frente Amplio desde os anos 1990, fato que foi considerado um

ensaio geral para o que veio a ser o governo nacional a partir de 2005. No entanto, ainda que

tenha sido admitida como uma administração visionária e de rupturas com os governos

anteriores50

, ela também apresentou continuidades com o discurso neoliberal, sobretudo

porque o contexto econômico mundial não se modificou substancialmente nos últimos anos.

Dessa forma, o poder público, ao tentar regulamentar a base da indústria da

reciclagem, tem trabalhado a questão dos clasificadores a partir da aplicação de políticas de

combate à exclusão social. Esta é entendida como um fato inerente à realidade de

determinados grupos e não como consequência direta da exploração do trabalho, o que tem

dificultado a conquista de direitos sociais por parte desses trabalhadores.

49

Há controvérsias sobre essa cifra, a própria UCRUS reivindica que hoje existam 9.000 clasificadores na

cidade e 20.000 em todo o país. Além disso, na base do PANES de dezembro de 2007 se estimavam 7.667

clasificadores em Montevidéu e em 2008, 5.010 clasificadores estavam registrados na División de Limpieza da

IM. IMM maneja distintas cifras sobre clasificadores de la ciudad. El Observador, Montevidéu, 4 jun. 2014.

Disponível em: <www.elobservador.com.uy/imm-maneja-distintas-cifras-clasificadores-la-ciudad-n280169>.

Acessado em: 17/04/2016. 50

Carlos Montaño (2002) aponta que o governo do Frente Amplio em Montevidéu tem tido dificuldades para

determinar suas políticas orientadas na contracorrente da onda neoliberal, muito mais quando defendem

princípios socialistas e/ou “trabalhistas”.

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34

Diante disso, buscamos analisar neste capítulo a forma precária pela qual se dá a

inserção dos clasificadores na cadeia produtiva da reciclagem e quais têm sido as relações

estabelecidas entre o poder público, a iniciativa privada e as organizações dos trabalhadores.

4. 1. A estruturação da indústria da reciclagem e a inserção dos clasificadores

De acordo com o último censo populacional de Montevidéu, realizado em 2011, a

cidade possui ao redor de 1.300.000 habitantes. Essa população gera aproximadamente 1.600

toneladas de lixo urbano por dia. Dentre esses resíduos, metade é potencialmente reciclável,

sendo que 71% dessa fração é enterrada no sistema de disposição final do município. Apenas

29% é de fato recuperada em quase sua totalidade, de maneira informal, pelo trabalho dos

clasificadores – o que representa 232 toneladas por dia51

.

Segundo dados da Divisão de Limpeza52

, a Intendencia de Montevideo tem um custo

de U$S 46 por tonelada para coletar os RSU e de cerca de U$S 12 por tonelada para sua

disposição final. Dessa forma, o trabalho realizado pelos clasificadores gera uma economia de

U$S 14.000 diários – ou cerca de U$S 5.142.000 por ano – para a IM. Há que se somar a estes

valores o fato de os materiais não serem enterrados, o que evita que os aterros alcancem sua

máxima capacidade com matérias não degradáveis.

Com isso, o Estado se converte no primeiro grande ator que se apropria do trabalho

realizado pelos clasificadores, na primeira etapa do processo de reciclagem, que é a de coleta

e retirada dos RSU da condição de lixo. Nessa fase, evidencia-se o monopólio da IM, que

detém a responsabilidade legal sobre os resíduos. Na prática, ela terceiriza parte da coleta com

empresas privadas e “habilita” os clasificadores a realizar a atividade – que incorpora

indiretamente a limpeza urbana – mas sem reconhecê-la formalmente, nem assumir os custos

de seu serviço.

A segunda etapa da indústria da reciclagem é formada por uma rede de intermediários,

constituída de pequenos depósitos a grandes armazenadores que comercializam diretamente

com a indústria recicladora. Esse nível da cadeia funciona inteiramente na informalidade, o

51

UDELAR. Los Clasificadores en la Cadena Económica de Residuos. Proyecto Más allá de la basura,

Montevidéu, ago. 2015. 52

Plan de gestión de Montevideo para la recuperación de residuos de envases no retornables – Agosto 2012.

Disponível em: <http://www.ciu.com.uy/innovaportal/file/49856/1/pge_montevideo_plan_2012-08-

24_definitivo.pdf>. Acessado em 17/04/2016.

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35

que dificulta a realização de pesquisas sobre o tema e evidencia a falta de interesse do poder

público em regular a intermediação que se dá nessa fase da cadeia.

No entanto, sabe-se que na intermediação os preços dos materiais recicláveis

aumentam entre 30% e 40%53

. Essa situação evidencia a desvantagem dos clasificadores, que

vendem seus materiais a preços baratos por não terem as condições de armazenamento que os

permitam subir de nível e comercializar diretamente com grandes depósitos ou empresas

recicladoras.

Na última parte da cadeia, no topo da pirâmide, estão as empresas da reciclagem, que

realizam o tratamento final. É nessa etapa que se formaliza o processo produtivo, que se

desenvolve em plena informalidade nos níveis anteriores. Essas empresas constituem um

oligopsônio – isto é, um pequeno grupo de compradores articulados e com grande capacidade

para determinar preços e volumes de comercialização – que se torna o segundo grande ator de

apropriação do trabalho dos clasificadores.

As empresas de reciclagem se caracterizam por possuírem grandes depósitos e pouca

inversão de capital. O único valor agregado dessas empresas provém de sua capacidade de

armazenamento de grandes volumes e de operações simples como a lavagem e prensagem dos

materiais. Apesar disso, os empresários desse setor possuem uma importante rentabilidade ao

se apropriar de mais de 60% do valor produzido nas fases anteriores da cadeia54

.

Essa apropriação se dá pela grande quantidade de trabalhadores informais e indiretos

na base da indústria, o que se traduz na ausência de encargos trabalhistas e na diminuição de

custos na fabricação de novos produtos cuja matéria-prima é reciclável. Somam-se a esses

fatores o abatimento de multas ambientais na participação das empresas em programas que

promovam a gestão dos resíduos sólidos e os incentivos fiscais ao se envolverem na

elaboração de projetos sociais.

Diante dessa situação, as possibilidades de os clasificadores imporem condições para

negociar as regras que regem esse campo são muito pequenas. Por essa razão, a formação de

cooperativas de reciclagem, nesse contexto, pode ser vista a partir de dois ângulos principais:

(i) como forma de solucionar a questão imediata de geração de renda e trabalho para os

53

UDELAR. Los Clasificadores en la Cadena Económica de Residuos. Proyecto Más allá de la basura,

Montevidéu, ago. 2015. 54

Idem.

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36

clasificadores e como estratégia de enfrentamento à imposição dos preços dos materiais pelos

intermediários e empresas recicladoras55

, ou (ii) como forma de a base da indústria da

reciclagem permanecer na informalidade, gerando lucros para as empresas finais56

.

Esse segundo ângulo evidencia a intermediação de ONGs na organização dos

clasificadores em cooperativas, na base dessa indústria. As primeiras ações focalizadas na

institucionalização desses trabalhadores se deram por meio de políticas filantrópicas,

sobretudo voltadas à população de rua e à questão da moradia digna. No entanto, atualmente

prevalecem as políticas de empreendedorismo57

para geração de trabalho e renda,

disseminadas com mais força no final do século XX por meio do modelo de Parcerias

Público-Privadas (PPPs).

No contexto de crise estrutural do sistema capitalista, as PPPs se situam no pacote de

soluções neoliberais de enfrentamento da pobreza. O Estado passa a desregular seu papel

neste âmbito social, ao transferir suas responsabilidades para as “comunidades” – sob a

intermediação das ONGs – por meio de contratos com o setor privado. Nesse sentido, apesar

de os financiamentos público-privados fornecem apoio material e logístico às cooperativas,

acabam cerceando a ação do próprio movimento, que gradativamente substitui sua capacidade

de contestação pela docilidade das parcerias institucionais.

Portanto, observa-se que empresas e Estado, por meio de um discurso fundamentado

na “sustentabilidade”, “responsabilidade social” e na “ética comercial”, apropriam-se das

condições sociais dos clasificadores e aprofundam a divisão do trabalho. A informalidade

desses trabalhadores, “autorizada” pelo Estado, contribui para agregar ao material reciclado

valor não pago pelas indústrias. Como veremos a seguir, a concentração de poder empresarial

na cadeia da reciclagem é aumentada a partir de políticas governamentais que tem dado ainda

mais protagonismo a essas empresas, particularmente após a implementação da Lei

17.849/2004.

55

Ou seja, a criação de cooperativas seria uma estratégia de reconhecimento social, nem sempre formalizada

juridicamente, e que também simboliza uma tentativa de melhorar as condições de saúde do trabalho e,

sobretudo, de aumentar as chances de competição frente aos intermediários, tentando negociar diretamente com

as empresas recicladoras. 56

Nesse sentido, Rosalina Burgos (2013) afirma: “Ora, o que a institucionalização da base da indústria promove

é um ajuste jurídico que mantém velada e cindida a relação capital-trabalho. Porque, afinal de contas, as

empresas socialmente corretas investem na implantação das cooperativas e, sobretudo pressionam o governo a

fazê-lo (ainda que em nome de seu Terceiro Setor), gerando trabalho e renda... indiretos”. 57

“(...) desde o início da década de 1970, a mudança do administrativo urbano para algum gênero de

empreendedorismo continua sendo um tema persistente e recorrente. (...) Há uma concordância geral de que a

mudança tenha ver com as dificuldades enfrentadas pelas economias capitalistas a partir da recessão de 1973”

(HARVEY, 2005, pag.168).

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37

4. 2. Intendencia de Montevideo e a Lei 17.849/2004

O atual sistema de gestão de resíduos sólidos adotado pela Intendencia de Montevideo

– e que ainda está em fase de implantação – é fruto de uma discussão construída ao longo dos

anos sobre o papel do Estado, das empresas e da sociedade civil na consecução da limpeza

urbana. A visibilidade econômica da cadeia produtiva da reciclagem e o crescimento do

discurso ambiental podem ser considerados alguns dos motivos pelos quais esse tema tem

sido dotado de tanta importância nas últimas décadas. A dimensão social do problema, no

entanto, só tem sido incluída no debate recentemente, apesar de, na prática, existirem

trabalhadores que sobrevivem da reciclagem há décadas.

Segundo a Lei Orgânica Municipal – Lei nº 9.515/1935, a gestão dos resíduos sólidos

urbanos é responsabilidade dos governos municipais. Dessa forma, configura como

competência das Intendencias “la limpieza de las calles y de todos los sitios de uso público;

la extracción de basuras domiciliarias y su traslación a puntos convenientes para su

destrucción, transformación o incineración"58.

Já a Lei nº 17.283/2000, de Proteção ao Meio Ambiente –– que foi criada para

regulamentar o artigo 4759 da Constituição uruguaia – indica quais são os princípios da

política e da gestão ambiental no âmbito nacional. Estabelece, em seu artigo 8º, que ao Poder

Executivo, por meio do Director Nacional de Medio Ambiente (DINAMA) – órgão do

Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente (MVOTMA)60 –

corresponde a coordenação exclusiva da gestão ambiental neste nível de governo.

A partir dessa atribuição de competência às Intendencias e ao DINAMA/MVOTMA,

foi elaborado em 2004, um Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Área Metropolitana de

Montevidéu. Esse plano, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e

realizado por intermediação da Oficina de Planeamiento y Presupuesto (OPP) da Presidência,

definia quais eram as linhas estratégicas a serem seguidas na gestão de resíduos sólidos

urbanos. Segundo o plano, “las actividades del Sector Informal deberán ser reguladas en

58

Artigo 174, parágrafo 24, ítem D e E da Lei Orgânica Municipal. Disponível em:

<http://normativa.montevideo.gub.uy/node/62915>. Acessado em: 17/04/2016. 59

Artículo 47. La protección del medio ambiente es de interés general. Las personas deberán abstenerse de

cualquier acto que cause depredación, destrucción o contaminación graves al medio ambiente. La Ley

reglamentará esta disposición y podrá prever sanciones para los transgesores. 60

O MVOTMA foi criado mediante a Lei 16.112/1990 e sua competência se insere na formulação, execução e

supervisão dos planos nacionais de proteção ao meio ambiente, dando especial importância ao papel

desempenhado pelo DINAMA.

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38

cuanto a las condiciones de trabajo, trabajo de menores, etc. Se sugiere implementar el

sistema de separación en origen y recolección selectiva, de forma obligatoria”61.

Nesse sentido, a Ley de Uso de Envases No Retornables – Lei nº 17.849/2004 –

aprovada pelo Parlamento em dezembro de 2004, se tornou um marco ao unir a questão da

limpeza urbana com a proteção ao meio ambiente. A questão da inserção do trabalho dos

clasificadores, no entanto, só veio em 2005, quando o MVOTMA convocou, com a

colaboração do Ministerio del Desarrollo Social (MIDES), uma reunião com vários atores

públicos e privados envolvidos na gestão de resíduos. O resultado foi a criação do Decreto

260/2007, que regulamentou a Lei 17.849/2004 e que inseriu a questão da inclusão social dos

clasificadores aos sistemas implementados, bem como destacou a articulação e coordenação

de atores públicos e privados em sua aplicação.

Há que se levar em consideração neste processo, a introdução de aspectos vinculados à

Lei 18.567/2009, de Descentralização e Participação Cidadã, que incorporou um terceiro nível

de governo denominado “município” às localidades com mais de 5000 habitantes62

. A partir

de então, a Intendencia Municipal de Montevideo (IMM) passou a representar apenas o

segundo nível de governo, departamental, adotando o nome Intendencia de Montevideo (IM),

cujo território foi dividido em oito municípios. Para este trabalho, no entanto, essa

diferenciação não será substancial, uma vez que a limpeza urbana continua sendo

competência das Intendencias.

Em 2011, a IM, por meio da Resolução 5055/2011, estabeleceu a responsabilidade de

toda empresa geradora em elaborar um Plano de Gestão de Resíduos Sólidos, que deveria ser

aprovado pela autoridade competente departamental (IM) e nacional (MVOTMA-DINAMA).

Nesse mesmo ano, a IM apresentou novo Plano Diretor de Limpeza, substituindo o elaborado

em 2004 e trazendo bases para a elaboração do Plan de Gestión de Envases (PGE)

departamental, conforme as mudanças trazidas pelo Decreto 260/2007.

Os Planes de Gestión de Envases são os instrumentos pelos quais a Lei nº 17.849/2004

é aplicada. Eles foram elaborados nos distintos departamentos do país por meio de convênios

61

MVOTMA. Plan Director de Residuos Sólidos de Mvdeo. y Área Metrop. - Plano 16. Disponível em:

<www.mvotma.gub.uy/ciudadania/biblioteca/documentos-de-ambiente/item/10002963-plan-director-de-

residuos-sólidos-de-mvdeo-y-área-metrop-plano-16.html>. Acessado em: 17/04/2016. 62

Em 2015, tal divisão passou a valer para cidades com mais de 2000 habitantes. En 2015 se sumarán 11 nuevos

municipios. República, Montevidéu, 12 mar. 2013. Disponível em: <www.republica.com.uy/11-nuevos-

municipios/>. Acessado em: 17/04/2016.

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entre as Intendencias, MVOTMA, MIDES e Cámara de Industrias del Uruguay (CIU) –

organização que nucleia as empresas privadas. A implementação dos planos supõe o seguinte

circuito, denominado “circuito limpo”: separação dos resíduos sólidos na origem, coleta

diferenciada por parte dos governos departamentais (seja por pontos de entrega, coleta

seletiva ou por contentores) e classificação e valorização dos materiais por meio da

comercialização.

Em Montevidéu, o PGE começou a funcionar efetivamente em março de 2014, sob o

lema "Tu envase sirve" 63 e com a inauguração das plantas de classificação manual de

resíduos. Além disso, nesse mesmo ano a IM começou a implementar o novo sistema de

coleta diferenciada de resíduos domiciliários nos bairros centrais – Ciudad Vieja, Centro,

Cordón, Barrio Sur, Palermo, Parque Rodó e Tres Cruces – com previsões de extensão para

outras zonas da cidade.

A criação das plantas de classificação de resíduos sólidos foi uma das medidas

adotadas pelo governo municipal para formalizar o trabalho dos clasificadores. Por meio do

incentivo à criação de cooperativas e da intermediação de ONGs, o Plan de Gestión de

Envases delimitou a construção de quatro plantas: La Paloma, Géminis, Burgues e Durán. Em

conjunto, essas centrais empregam atualmente 128 clasificadores, o que significa 4% do total

de trabalhadores do setor em Montevidéu64.

Já o novo sistema de coleta de resíduos domiciliários adotado pela IM em 2014 foi

baseado no critério de separação na origem, em que a população seleciona em suas casas os

tipos de resíduos e os deposita nos contentores aptos a sua coleta diferenciada. Esses

contentores caracterizam-se por serem “invioláveis” 65 e dividem-se em dois tipos: um para

depositar a fração seca e reciclável dos resíduos e outro para os dejetos úmidos e não

reaproveitáveis. Tal sistema beneficia as empresas coletoras privadas que trabalham em

convênio com a IM e que têm feito parte do processo de coleta nos últimos anos.

63

UdelaR. Gestión de Residuos Asimilables a Domésticos en la Universidad de la República – nov. 2014.

Disponível em: <http://www.universidad.edu.uy/retema/files/2015/02/Informe-Residuos-UdelaR-final.pdf>.

Acessado em 18/04/2016. 64

Tomando por base a cifra de 3.200 clasificadores do Censo de 2010/2011 realizado pela IM e não os dados da

UCRUS – que apontam a existência de pelo menos 9.000 clasificadores na cidade – o que denotaria uma

porcentagem bem menor que 4%. 65

Estes novos contentores foram elaborados de tal forma que há apenas um pequeno espaço para a disposição

dos resíduos, o que impede o acesso dos clasificadores informais aos dejetos.

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40

No entanto, com o PGE de Montevidéu, as empresas que passaram a ter maior

protagonismo na gestão de RSU foram aquelas que colocam materiais no mercado e os

reutilizam a partir da reciclagem realizada na etapa final da cadeia produtiva. Essas empresas,

reunidas na CIU, financiam aproximadamente 70% dos PGEs e têm uma importante

representação na Comisión de Seguimiento de la ley66. Tal financiamento se traduz em uma

contribuição financeira em função das embalagens recicláveis lançadas no mercado, e com a

qual são pagos os “salários” dos grupos de clasificadores cooperados das plantas de

classificação67, como se pode observar no quadro a seguir:

Fonte: PNUD-PNUM Iniciativa de Pobreza y Medio Ambiente; Implementación de la Ley de Envases.

Informe de Evaluación. Proyecto URU/09/2009. Virginia Chiesa.

Com essa nova normativa se delimita, portanto, uma separação entre os clasificadores

informais – que trabalham nas ruas – e os ditos “formais”, que realizam suas atividades por

meio de cooperativas institucionalizadas nas plantas municipais. Dessa forma, o PGE adotado

em Montevidéu não solucionou a questão dos clasificadores que trabalham nas ruas, apenas

se estes se organizarem em cooperativas e passarem a trabalhar nas plantas municipais. Por

outro lado, as próprias cooperativas que trabalham nas plantas são geridas por ONGs e não

pelos cooperados, o que evidencia a tutela exercida por essas organizações na autonomia dos

trabalhadores.

66

Segundo o Convênio estabelecido entre IM, CIU, MVOTMA e MIDES em 2012, o compromisso da CIU é

financiar a implementação do PGE na Etapa 1 – primeiro ano – com cerca de 46 milhões de pesos uruguaios e

facilitar suas modificações na Comisión de Seguimiento para a Etapa 2, financiada com 61 milhões de pesos

uruguaios. Convenio IMM. Disponível em

<http://www.montevideo.gub.uy/sites/default/files/convenio_montevideo.pdf >. Acessado em 14/05/2016. 67

Os clasificadores recebem, pela sua atividade, o equivalente a um salário mínimo nacional (em 2015, $10.000,

aproximadamente R$1.250), o que se soma ao que arrecadam pelas vendas dos materiais recuperados. O

pagamento é realizado por intermédio das ONGs, com fundos do MIDES, Intendencia e CIU.

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41

Além disso, no que se refere à recuperação de resíduos realizada nas quatro plantas de

Montevidéu, elas têm um potencial de classificação de 400 toneladas de materiais por mês.

No entanto, segundo dados do DINAMA, todas as plantas do país recuperaram cerca de 300

toneladas/mês em 2014, concluindo-se que as plantas de Montevidéu estiveram abaixo do seu

potencial. Enquanto isso, o volume de material vendido pelos clasificadores informais foi de

aproximadamente 5.000 toneladas/mês no mesmo ano, ou seja, muito superior ao potencial

das plantas.

Evidencia-se assim que a problemática dos clasificadores não foi objeto de

preocupação inicial no texto original da lei, só se incorporando depois, com o decreto

regulamentar. Questiona-se também que as políticas públicas adotadas, em conjunto, pela IM

e pelo MIDES incluem uma quantidade muito pequena de trabalhadores e, pelo modo com

que vem sendo desenvolvidas, não têm implicado uma ruptura com a dinâmica informal de

trabalho, já que persistem estratégias que combinam ambas as lógicas.

4.3. Ministerio del Desarrollo Social e o Programa Uruguay Clasifica

A necessidade de formalização do setor clasificador começou a ser evidenciada a

partir de iniciativas governamentais, propostas pela administração do Frente Amplio. Dessa

forma, o processo de discussão da regulamentação da Ley de Envases (Lei nº 17.849/2004) se

deu concomitantemente com a ascensão de uma política mais progressista no combate à

pobreza, evidenciando o papel realizado pelos clasificadores na limpeza urbana das cidades.

Em 2005, no primeiro governo de Tabaré Vásquez, foi criado o Ministerio de

Desarrollo Social (MIDES), organismo responsável pela implementação e administração de

políticas sociais. O MIDES, por meio da elaboração do Plan de Atención Nacional a la

Emergencia Social (PANES), buscou a criação de oportunidades e instrumentos de

enfrentamento à exclusão socioeconômica das populações mais vulneráveis.

De acordo com relatório do MIDES, 6%68 das famílias inscritas no PANES em 2006

possuíam ao menos uma pessoa na ocupação de clasificador. Esses dados refletiam, na

realidade, as condições com que o trabalho informal dos clasificadores era realizado:

primeiramente a coleta nas ruas e depois a classificação nos próprios domicílios, com a

68

Segundo dados do relatório “Perfil social de clasificadores inscriptos en el Panes - Programa Uruguay

Clasifica” foram identificados 8.729 clasificadores – 1,8% das pessoas inscritas – no PANES de 2006.

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42

contribuição do trabalho de crianças e adolescentes que compõem o núcleo familiar, além das

más condições sanitárias decorrentes da acumulação de resíduos nos seus terrenos69.

Como forma de solucionar essa questão específica dos clasificadores, foi criado em

2006, no âmbito do MIDES e com financiamento dos Fundos para a Convergência Estrutural

do Mercosul (FOCEM), o Programa Uruguay Clasifica (PUC), voltado, sobretudo, a ações

no interior do país. O programa se apoia em três linhas de ação: a inclusão do trabalho de

classificação de RSU em circuitos limpos, por meio dos planos municipais de gestão de

resíduos; a organização dos clasificadores em cooperativas ou outras formas coletivas de

trabalho; e a promoção da educação ambiental na comunidade local.

A modalidade de trabalho proposta pelo PUC, portanto, é vinculada à associação dos

clasificadores em grupos de cooperativas. Esses grupos passam a adquirir acesso às plantas

municipais, que são os terrenos – públicos ou privados – cedidos para armazenar e classificar

adequadamente os resíduos. Tais ações foram propostas visando a melhoria das condições de

trabalho do setor, uma vez que a classificação não seria mais realizada em suas casas com

apoio do trabalho familiar. Com isso, se reduziriam os riscos ambientais e sanitários, além de

solucionar a questão do trabalho infantil.

Quanto à forma de implementação do programa, em cada região é contratada uma

ONG que proporciona acompanhamento, capacitação e supervisão técnica aos grupos de

clasificadores conformados em cooperativas. O trabalho das ONGs é realizado junto às

Intendencias, formalmente responsáveis pela gestão de resíduos, e ao PUC-MIDES, que

promove os equipamentos de trabalho e os uniformes. Configura-se uma parceria público-

privada, em que as ONGs recebem apoio financeiro do poder público e repassam esses

valores aos clasificadores como contrapartida por seu trabalho.

Segundo o programa, o acompanhamento das ONGs é planejado para as primeiras

etapas de maturação dos grupos de clasificadores, até estes terem condições para se

converterem em cooperativas autônomas. Tal proposta coloca os trabalhadores em uma

posição marginal, com escasso poder de decisão, ao esperar um longo prazo para que possam

alcançar certa autonomia.

69

DINEM. Programa Uruguay Clasifica (PUC) MIDES-FOCEM – Edição 2010. Disponível em:

<dinem.mides.gub.uy/innovaportal/file/35545/1/uruguay-clasifica.-evaluacion-y-monitoreo-del-programa.-

2010.pdf>. Acessado em: 17/04/2016.

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Apesar de o PUC-MIDES possuir como norte a melhoria das condições de vida dos

clasificadores e representar uma alternativa para a geração de remuneração estável, o

Programa alcança uma parcela limitada de trabalhadores. Estes, ao serem intermediados por

ONGs, não possuem capacidade real de participação nas decisões e não são empregados

diretamente pela IM, o que evidencia os limites da proposta de formalização.

Enquanto isso, o restante dos clasificadores se mantém na informalidade e trabalhando

em piores condições, dadas as restrições impostas no acesso aos resíduos e aos seus próprios

meios de trabalho. Esta situação denota a existência de riscos de fragmentação e polarização

no setor, dificultando a organização dos clasificadores. A tutela do MIDES e das ONGs

torna-se um empecilho para a legitimidade da própria ferramenta sindical que os

clasificadores têm construído há mais de uma década.

Diante de todo o panorama exposto até o momento, se ainda restam dúvidas acerca das

razões pelas quais os clasificadores, enquanto trabalhadores não assalariados, se organizam

em um sindicato, estas serão discutidas com maior profundidade no próximo capítulo.

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5

REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS

O pano de fundo para analisar as formas com que a representação sindical se dá

atualmente reside no entendimento do processo histórico de acumulação capitalista, por meio

do qual houve a ampliação em escala global do assalariamento e da subordinação trabalho-

capital. O trabalho assalariado e subordinado esteve, portanto, no alicerce da própria

construção do Direito do Trabalho enquanto mecanismo de intervenção estatal nesta seara.

Nesse mesmo cenário é que os sindicatos surgiram enquanto forma de organização70

e

de representação coletiva dos interesses dos trabalhadores. Para o jurista uruguaio Héctor

Hugo Barbagelata (2002), “la expresión representación sindical – aún cuando pueda tener

diversas significaciones – en su acepción principal designa la operación de intermediación

de un actor colectivo y sus portavoces, que se sustituyen espontáneamente a los actores

individuales, en las negociaciones con su contraparte.”

A representação sindical, consequentemente, nasce como instrumento de reivindicação

dentro da lógica das relações tipicamente capitalistas, pois pressupõe a existência de duas

partes diametralmente opostas – empregado-empregador, proletariado-burguesia. Por outro

lado, as relações produtivas propostas pelo cooperativismo, enquanto prática da economia

solidária, são baseadas no trabalho e não no capital. Tal fato denota uma aparente contradição

na possibilidade de representação sindical de trabalhadores cooperados, uma vez que estes

não são assalariados ou subordinados.

No entanto, nas últimas décadas, as formas jurídicas de “cooperativas” e “associações”

têm sido utilizadas pela própria lógica capitalista como instrumento de flexibilização de

direitos trabalhistas. Por essa razão é que há correntes extensivas do Direito do Trabalho que

visam combater a utilização fraudulenta de cooperativas que dissimulem a relação de

emprego e fixar garantias mínimas para os trabalhadores de empreendimentos legítimos de

economia solidária, pois estes não escapam à realidade que os circunda.

70

Utilizamos o conceito de “organização” trazido pela Convenção nº 87 da OIT, ratificada pelo Uruguai em

1954: Art. 10 — Na presente Convenção, o termo ‘organização’ significa qualquer organização de trabalhadores

ou de empregadores que tenha por fim promover e defender os interesses dos trabalhadores ou dos

empregadores.

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Nesse sentido, não há motivo para espanto frente à existência de uma organização

sindical que represente uma heterogeneidade de trabalhadores, dentre os quais se encontram

aqueles organizados em cooperativas. Não obstante, os desafios da representação71

, em seu

sentido estrito, residem no estabelecimento das partes com as quais os trabalhadores devam

encetar seus conflitos e negociações.

É a partir desta perspectiva que buscamos trazer neste capítulo os eixos centrais das

reivindicações do sindicato e as relações que este tem travado com os demais atores sociais

envoltos na problemática da reciclagem e da representação sindical.

5.1. Relação entre o sindicato e as cooperativas

Como já destacado anteriormente, a própria existência da UCRUS está ligada à

criação de uma cooperativa, a COOFECA, surgida em 2002 a partir da organização dos

clasificadores que trabalhavam em Felipe Cardoso. Este foi um dos primeiros marcos de

intersecção entre o movimento sindical e o fomento ao cooperativismo, sendo este entendido

como exigência da IM para assinatura de convênio com a UCRUS e o PIT-CNT. Além dessa

experiência, ao longo dos anos outras cooperativas se aproximaram do sindicato, como La

Lucha, La Resistencia, Ahora se puede, Juan Cacharpa e Independencia de la Mujer.

O caso do empreendimento associativo La Lucha teve como principal característica

seu surgimento como projeto do sindicato, evidenciando os desafios da UCRUS enquanto

espaço representativo do setor. As cooperativas La Resistencia e Ahora se puede, por outro

lado, eram monitoradas, respectivamente, pelo PUC-MIDES e pela Unidad de Estudios

Cooperativos (UEC/UdelaR). Por fim, Juan Cacharpa e Independencia de la Mujer72

surgiram a partir do contato com cooperativas de catadores no Brasil, sendo esta última

formada apenas por clasificadoras, denotando a preocupação de gênero trazida em sua

organização.

Além das cooperativas impulsionadas diretamente pela UCRUS, existem aquelas

vinculadas à OSV, como a COCLAM, que possui um convênio junto à IM desde 2004.

71

Cumpre ressaltar que no sistema de pluralismo sindical uruguaio, não é necessário uma grande diferenciação

entre os dois conceitos de “representatividade” e “representação”. Conforme Hector Babace (1993), “siempre

que haya representatividad habrá representación y para que haya representación es indispensable la

representatividad”. 72

Trabajamos con la basura, pero no somos basura. La Red 21, Montevidéu, 24 fev. 2008. Disponível em:

<www.lr21.com.uy/mujeres/305719-trabajamos-con-la-basura-pero-no-somos-basura>. Acessado em

20/04/2016.

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46

Apesar de a UCRUS se solidarizar com estes trabalhadores frente aos atrasos de pagamento

por parte da ONG73

, a cooperativa nunca teve de fato uma integração ao sindicato, preferindo

manter como sua referência a OSV. Também se encontra vinculada a esta organização a

CRECOEL, formada por clasificadores que antes trabalhavam nos Pontos Verdes74

.

Outro marco do setor foi a criação, em 2006, da Unidad de Incorporación de Valor de

los Reciclables (UNIVAR)75

, onde trabalhavam três cooperativas (COCLAM, Ahora se puede

e La Lucha). Esta foi uma experiência piloto de planta de classificação, reivindicada pelo

sindicato como forma de transformar as condições de desenvolvimento da atividade e de

trazer maior participação do setor na gestão municipal de resíduos sólidos urbanos.

Atualmente, a UNIVAR foi substituída pelo sistema de plantas municipais previsto no PGE

de Montevidéu.

Por fim, também existem aquelas cooperativas criadas por meio do PUC-MIDES, que

geralmente são as mais distantes da UCRUS. As próprias ONGs que gerem essas cooperativas

tendem a criar nos cooperados uma reação temerosa frente ao sindicato, como se este fosse

tirá-los de sua fonte de trabalho76

. Nesses empreendimentos e nas plantas de classificação, os

próprios cooperados perdem, gradativamente, a identidade de trabalhador e passam a adotar a

de empreendedor, se distanciando da UCRUS. Nesse sentido, a postura do sindicato frente às

políticas públicas de inserção laboral adotadas pelo PUC-MIDES e pela IM tem sido de

desconfiança e de questionamentos.

De todo modo, percebe-se que o auge de todas essas experiências associativas é

posterior à crise de 2002. Tal fato revela uma motivação político-econômica, seja dos próprios

trabalhadores ou de agentes externos, em adotar o modelo cooperativo como uma estratégia

para melhorar as condições de trabalho do setor. No caso da UCRUS, no seu processo de

73

Conforme Licandro & Pardo (2013), a OSV intermedia a relação da COCLAM com a IM e transfere parte da

contrapartida à cooperativa, retendo o restante como contribuição para seus projetos. Tal dinâmica, somada à

necessidade de renovação anual do convênio com a IM, evidencia a instabilidade que os atrasos no pagamento

constituem para o êxito do empreendimento cooperativo. 74

Os Pontos Verdes e Ecopontos foram embriões do sistema de plantas de classificação. Segundo noticia

publicada pelo jornal El Observador, em 12/06/2012, aqueles, na prática, se converteram em lixões a céu aberto.

IMM quiso hacer hacer Puntos Verdes y terminó en basurales. El Observador, Montevidéu, 12 jun. 2012.

Disponível em: <http://www.elobservador.com.uy/imm-quiso-hacer-puntos-verdes-y-termino-basurales-

n225890>. Acessado em 17/04/2016. 75

A planta UNIVAR foi uma política municipal desenvolvida dentro do projeto de Saneamento Urbano de

Montevidéu, conforme assinala Texeira (2011). 76

ELIZALDE, María Lucia. Residuos y Clasificadores: configuración sócio política de la gestión de residuos

urbanos sólidos en la ciudad de Montevideo. 2011. Monografia Final (Serviço Social) - Faculdade de Ciências

Sociais, UdelaR, 2011, p. 85.

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47

consolidação enquanto organização sindical, foi defendido dentro de suas linhas de ação o

fomento à criação de cooperativas como forma de fortalecimento do setor frente aos agentes

decisórios dos preços, a partir de uma perspectiva próxima à economia solidária.

Já o poder público tem se utilizado de políticas que visem à organização desse setor

informal, encontrando na criação de cooperativas uma forma de conciliação de interesses de

distintos atores. Tal cenário foi possível por meio da utilização de parcerias público-privadas

como política de “formalização laboral” do setor. As PPPs são uma forma de financiamento

privado da infraestrutura pública, nas quais o parceiro privado se torna responsável pelo

investimento inicial e pela operação de serviços ao longo da concessão, sendo remunerado

pelo governo em contraprestações.

Nessa lógica, a partir de 2014, com a implementação do PGE em Montevidéu, a maior

parte das cooperativas organizadas pelos próprios trabalhadores e pela OSV foi englobada

pelas plantas de classificação da cidade. Algumas plantas, como La Paloma, foram criadas

com a utilização dessas cooperativas pré-existentes; outras por grupos de clasificadores

individuais que se tornaram cooperados pela primeira vez, como é o caso de Géminis.

Um dos efeitos da utilização do modelo cooperativo dentro das plantas de

classificação foi o esvaziamento do cooperativismo enquanto ferramenta da economia

solidária. Tal fato fica implícito na estratégia da IM em impor a cooperativização massiva

como condição para o acesso dos clasificadores ao trabalho “formal” nas plantas municipais.

Nesse sentido, a figura jurídica de “cooperativa” corresponde a uma forma determinada por

políticas públicas para a gestão da precariedade relacionada ao trabalho com resíduos

urbanos77

.

Além da falta de autonomia dos clasificadores cooperados por conta da tutela do

MIDES e das ONGs, somam-se os problemas já existentes na própria consolidação das

cooperativas baseadas na economia solidária. A quebra de paradigmas com a relação típica de

trabalho, a falta de capital de giro e o individualismo obstaculizam os próprios clasificadores

a enxergarem nas cooperativas uma alternativa permanente de trabalho em detrimento de um

bico ou de um emprego formal.

77

TEXEIRA, Fernando. Clasificador de residuos y procesos asociativos. Una mirada desde la construcción de

significaciones en el trabajo con la basura: La experiencia de la UNIVAR. Tese (Mestrado em Psicologia) –

Faculdade de Psicologia, UdelaR, 2011, p. 415.

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48

O recorrente número reduzido de participantes também dificulta a consecução de

apoio financeiro por parte do poder público e a criação de estratégias efetivas para o setor,

inviabilizando economicamente estes empreendimentos. De forma que tais cooperativas não

têm sido exitosas no propósito para o qual foram criadas: fazer frente à imposição dos preços

nas etapas posteriores da cadeia da reciclagem.

Ainda que essas cooperativas fossem exemplos de geração de renda, elas não

atingiriam todo o setor e o problema da desigualdade na cadeia da reciclagem persistiria. Tal

cenário denota a necessidade de medidas governamentais que visem ao equilíbrio da cadeia

produtiva, garantias trabalhistas aos clasificadores e uma gestão de RSU eficiente. No

entanto, as propostas de inserção dos clasificadores por parte da IM não têm resolvido a

questão da informalidade e da precarização do setor, ao contrário, têm garantido os lucros das

empresas recicladoras.

Por isso, o apoio da UCRUS aos clasificadores cooperados e trabalhadores das plantas

municipais tem sido central. Ao mesmo tempo, não podem ser esquecidas as demandas dos

trabalhadores de rua, os carreros, que lutam pelo acesso às matérias-primas e pelo fim do

confisco de seus meios de trabalho. Dessa forma, ao longo dos catorze anos de história da

UCRUS, tem-se observado que um dos grandes desafios do sindicato tem sido representar

uma heterogeneidade muito grande de formas de trabalho do setor.

Conforme Mariana Fry:

Es en este contexto que le corresponde al sindicato un papel clave, como

potencial aglutinador de intereses heterogéneos de trabajadores que realizan

su actividad desde modalidades diversas pero que comparten la posición que

los define como sector. Es esta construcción de un interés común lo que

posibilitará el desarrollo de capacidades para actuar en el nivel de la política,

disputando la posibilidad de transformar aquellos aspectos estructurales que

definen las condiciones de vida de quienes se dedican a la clasificación de

residuos. (Fry; 2010:43)

Atualmente, a UCRUS tem visto com receio a possibilidade de que os trabalhadores

que se tornem “formalizados” sejam utilizados, no futuro, contra os informais. No entanto,

frente ao fracasso da Ley de Envases em englobar as demandas dos clasificadores, o sindicato

tem sido reconhecido inclusive pelos trabalhadores das plantas de classificação enquanto

representativo de seus interesses. Nesse sentido, a relação do sindicato com as cooperativas

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hoje perpassa pela construção de novas alternativas à lei existente, que possam, de fato,

englobar todo o setor e trazer melhores remunerações e condições de trabalho.

5.2. Ações frente ao Poder Público

A relação entre os clasificadores e o poder público historicamente é caracterizada pela

existência de conflitos. No entanto, após a conformação do sindicato, tem se buscado cada vez

mais a negociação como forma de estabelecer acordos que beneficiem as condições de

trabalho do setor. A IM é o principal ator com quem o sindicato tenta negociar, pois é a

responsável pela gestão de resíduos sólidos urbanos.

Conforme Raúl Zibechi, ao longo dos anos, a relação do setor com a IM tem passado

por algumas modificações:

Atrapada entre dos fuegos, la historia de las relaciones de la Intendencia con

los clasificadores ha oscilado entre el paternalismo y la amenaza de

represión. Por un lado está el problema social de marginación que

representan los recicladores. Pero también está el problema del tráfico, la

imagen, la limpieza de la ciudad y, sobre todo, las presiones de muchos

vecinos que no quieren ver que detrás de cada carrito emerge un nuevo

Uruguay que nos resistimos a aceptar. Ahí entran a jugar desde

consideraciones que tienen que ver con la lógica del funcionamiento de la

ciudad – ‘problemas de tráfico’ – hasta ciertos prejuicios sociales – ‘afean,

ensucian’ – pasando por el desconocimiento liso y llano – ‘algunos ganan

mucho dinero’ – que están llevando a desencuentros y choques entre las

autoridades municipales y los clasificadores. (ZIBECHI, 1993)

A repressão e criminalização dos clasificadores é um velho problema. Desde a década

de 1980 são relatados casos de expulsão de trabalhadores dos aterros sanitários, proibição de

circulação em certas zonas da cidade e confisco de seus meios de transporte78

. A partir da

década de 1990, apesar da ascensão de um governo progressista – o que possibilitou um

avanço no debate social – a repressão aos clasificadores continuou sendo uma realidade. Um

exemplo foi a criação do Registro de Clasificadores de Residuos, por meio da Resolução nº

1468/2002, que tinha como finalidade estabelecer zonas de acesso e de exclusão para estes

trabalhadores. A referida resolução também previa a realização de um Censo Obrigatório de

78

RODRÍGUEZ, Walter. Los Clasificadores de Residuos en Uruguay: Experiencias de Negociación con la

Intendencia de Montevideo. Disponível em: <www.utrein.org/documentos/3.OtrasExperUruguayUCRUS.pdf>.

Acessado em: 14/04/2016.

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50

Clasificadores, para que estes fossem matriculados e tivessem uma inscrição no registro

municipal79

.

Tal tendência se repetiu com a Resolução 5383/2012, em que foram regulamentadas as

formas de gestão de resíduos sólidos urbanos, assim como os atores habilitados para sua

coleta, manipulação e transporte. Essas medidas objetivavam, direta ou indiretamente,

eliminar paulatinamente a circulação de carroças nas áreas centrais e turísticas da cidade80

,

legitimando a ideia de que elas atrapalhavam o trânsito e de que a utilização de cavalos fosse

uma forma de maus tratos aos animais81

.

Por fim, a instalação do novo sistema de contentores invioláveis na zona central de

Montevidéu também contribuiu para dificultar o acesso dos clasificadores às áreas de maior

consumo e de descarte de resíduos. Esses fatores potencializaram a conflitividade entre o

Estado e os trabalhadores, que, por meio da UCRUS, organizaram diversas marchas contra as

medidas repressivas e a favor do reconhecimento de seu trabalho.

As marchas têm sido um instrumento de protesto muito utilizado pelos clasificadores

para visibilizar suas demandas e seus desacordos com decisões do poder público que os

afetam diretamente. A partir destas manifestações, o sindicato tem conseguido algumas

conquistas no que se refere à assinatura de acordos e comprometimentos por parte da IM, da

Junta Departamental, do MIDES, do MTSS e de outras instituições na persecução do

reconhecimento do setor.

Nesse sentido, o poder público também tem vislumbrado novas formas de controle da

movimentação desses trabalhadores na cidade, a partir do reconhecimento de seu trabalho

pela institucionalidade. Nas últimas décadas, o crescimento da população que se encontrava

abaixo da linha da pobreza – o que também aumentou o número de clasificadores nas ruas –

fez com que a Intendencia adotasse estratégias para a organização do setor e criasse políticas

públicas focalizadas no combate à pobreza e na capacitação de trabalhadores82

.

79

IMM. Segundo Informe Ambiental. 2002. Disponível em:

<http://www.montevideo.gub.uy/sites/default/files/informe_ambiental_2002.pdf>. Acessado em: 17/04/2016. 80

LIMA, M. E., IMM busca impedir el ingreso de los clasificadores clandestinos. El País, Montevidéu, 2013.

Disponível em: <www.elpais.com.uy/informacion/imm-busca-impedir-ingreso-clasificadores.html>. Acessado

em 24/05/2016. 81

Clasificadores denuncian a protectora de animales. El País, Montevidéu, 29 out. 2014. Disponível em:

<www.elpais.com.uy/informacion/clasificadores-denuncian-protectora-animales.html>. Acessado em:

17/04/2016. 82

Gabriel Fajn (2002) aponta que as capacitações não são um ato de vontade e interesse dos clasificadores, mas

uma contrapartida, uma devolução que faz parte dos acordos com o poder público e privado. Questiona-se que

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51

A implementação da Ley de Envases em Montevidéu demonstrou essa postura de

“formalização” dos clasificadores, ainda que coexistam medidas repressivas. Como

demonstrado nos capítulos anteriores, a elaboração do PGE da cidade não levou em

consideração, de forma satisfatória, a participação dos clasificadores organizados. Como

consequência, as plantas de classificação previstas no plano não conseguiram responder às

demandas do setor – englobando menos de 4% de seu total – e tampouco construíram um

modelo produtivo de gestão, o que se denota hoje pela sua baixa capacidade de reciclagem83

.

É evidente que, em comparação com o cenário anterior, de plena criminalização,

houve maior visibilidade da problemática dos clasificadores e um avanço na elaboração de

possíveis soluções. Esse cenário tem sido possível por conta da existência da UCRUS

enquanto mecanismo de pressão e de um governo departamental e, posteriormente, nacional,

de caráter progressista. No entanto, as ações que têm sido adotadas por este mesmo governo,

nos últimos anos, estão entrelaçadas com discursos que dissimulam a exploração inerente à

relação trabalho-capital dentro da indústria da reciclagem.

No campo da reciclagem também tem predominado um discurso que aprofunda a

divisão do trabalho, por meio do aumento da importância das empresas neste setor. A

tendência das políticas de gestão RSU em todo o mundo tem se baseado em um tripé

envolvendo empresários, poder público e sociedade84

. Por essa razão é que pensar a relação

do sindicato com o poder público, atualmente, também diz respeito à relação que este possui

com a iniciativa privada.

Nesse sentido, o impulso às cooperativas por parte do poder público não possui a

finalidade de criar um projeto econômico alternativo e viável para o setor, nos moldes da

economia solidária, senão tutelar os clasificadores em um plano de inclusão social de curto

prazo85

. O próprio tratamento da problemática desses trabalhadores no âmbito da

vulnerabilidade social denota o papel que o MIDES tem adquirido na elaboração de políticas

tipo de reconhecimento da profissão é esse, sendo que as capacitações também não têm se traduzido em

melhores remunerações. 83

DELISA, C. La mitad de los residuos que van a las plantas de clasificación no sirve. El Observador,

Montevidéu, 10 mai. 2016. Disponível em: <www.elobservador.com.uy/la-mitad-los-residuos-que-van-las-

plantas-clasificacion-no-sirve-n908154>. Acessado em: 17/04/2016. 84

Esse modelo faz parte das recomendações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 85

Segundo Claudio Viera, coordenador do turno da manhã da planta La Paloma, pertencente à ONG

Solidariedad, "esto no va a limpiar Montevideo, es por la inclusión social". La primera planta de clasificación de

residuos todavía no concretó ninguna venta. El Observador, Montevidéu, 1º mai. 2014. Disponível em:

<http://www.elobservador.com.uy/la-primera-planta-clasificacion-residuos-todavia-no-concreto-ninguna-venta-

n277587>. Acessado em 20/05/2016.

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públicas separadas do MTSS e da centralidade que o trabalho realizado pelos clasificadores

representa na indústria da reciclagem.

Também houve tentativas por parte da IM em retirar os clasificadores da ocupação

enquanto carreros e integrá-los a outros setores produtivos, como à construção civil 86

, a

partir de acordos com empresas privadas. No entanto esses acordos alcançaram uma pequena

parcela de trabalhadores, dispostos a receberem capacitação para ingressar neste ramo de

atividade, assumindo como contrapartida que não mais iriam trabalhar com carroças e cavalos

nas ruas, nem repassá-los para outros trabalhadores. Essas ações demonstram uma defasagem

entre as propostas do poder público e suas formas de implementação frente às necessidades do

setor.

Por outro lado, o reconhecimento da atividade prestada pelos clasificadores enquanto

trabalho permanente e a criação de plantas municipais de classificação são, em parte,

resultado de demandas do próprio sindicato. Caracteriza-se, assim, um processo contraditório

entre a funcionalidade dessas reivindicações na lógica de acumulação capitalista e a

representação dos direitos dos trabalhadores.

Isso pode ser observado a partir das propostas apresentadas pela UCRUS para a gestão

integral de resíduos sólidos, conforme a seguir:

La UCRUS desde sus comienzos defendió la GESTIÓN INTEGRAL DE

RESIDUOS. Estábamos, estamos, para que la basura se clasifique en la casa

del vecino, en el galpón de la fábrica, en donde sea, en ORIGEN. Se traslade

sin volverla a mezclar (colecta selectiva), y que culmine en grandes

PLANTAS DE CLASIFICACIÓN, a introducir gradualmente en la

sociedad, y con participación de todos los actores, entre los cuales somos

parte esencial. Entre otras cosas, es la forma de obtener circuitos limpios,

para la dignificación de nuestra función de rescatar de la basura materia

prima reutilizable. Sólo nosotros lo hacemos. Y por ello somos el eslabón

imprescindible de una larga cadena productiva. Necesitamos impulsar un

GRAN PLAN NACIONAL, a través de la GESTIÓN INTEGRAL, por el

manejo sustentable de los residuos. Con todo el apoyo para cambiar la

cultura de la sociedad, desde los centros educativos, primaria, secundaria,

UTU, universidad, hasta los grandes canales de televisión, radios, diarios,

etc. no con raquíticos emprendimientos como la bolsita o el contenedor

naranja, que no son sino intentos por la negativa, de mostrar que toda

86

REILLY, A. L. Recicladores cambian carros por trabajos en obra pública. El País, Montevidéu, 2011.

Disponível em: <http://historico.elpais.com.uy/110907/pciuda-591698/ciudades/recicladores-cambian-carros-

por-trabajos-en-obra-publica/ >. Acessado em: 17/04/2016.

Page 53: REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS: O CASO … · 2017-10-10 · REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE TRABALHADORES COOPERADOS: O CASO DA UCRUS PIT-CNT NO URUGUAI Tese de

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iniciativa de separación en origen va al fracaso. Esta política llevada

adelante por algunos jerarcas municipales, al servicio de intereses ajenos al

pueblo ya ha demostrado aceptar (en principio) la privatización de la basura,

para enterrarla a costos superiores, incluso al costo público actual.

(Declaração da UCRUS, 25/02/2010)

A própria UCRUS, ao reivindicar modelos de gestão participativos, visibiliza o

trabalho dos clasificadores enquanto “agentes ambientais” e se utiliza do discurso da

“sustentabilidade”, o que denota que estes termos possuem um conteúdo em disputa. Apesar

da influência de agentes externos, a posição do sindicato tem sido de evidenciar que estes

trabalhadores são capazes de desenvolver um trabalho não só produtivo economicamente, mas

também comprometido com questões políticas ambientais87

.

Por conta deste enfoque dado ao trabalho, a participação nas negociações coletivas

dentro dos Conselhos de Salários, no MTSS, tem sido uma das reivindicações do setor. O

reconhecimento do trabalho realizado pelos clasificadores proposto pela UCRUS denota,

portanto, a necessidade de que os direitos sociais destes trabalhadores sejam reconhecidos

como os de qualquer outro setor formal.

Nesse sentido, em maio de 2015, a UCRUS, juntamente ao PIT-CNT, conseguiu um

acordo, dentro dos Conselhos de Salários, com os representantes das ONGs que gerem as

plantas de classificação. A partir deste acordo, os clasificadores das plantas passaram a ter um

salário mínimo fixo de 15.000 pesos uruguaios, sendo 10.300 a base salarial e o restante a

contrapartida pela venda dos materiais recicláveis. O ajuste deste salário se dará nas próximas

negociações, segundo o Grupo 16, Subgrupo 7, de “ensino não formal”88

.

Essa nova realidade gera alguns questionamento quanto às partes da negociação

coletiva proposta. Afinal, a negociação não deveria ser com a IM, legalmente responsável

pela limpeza pública, ou com as empresas geradoras de resíduos? No entanto, o acordo é

estabelecido com as ONGs que intermediam a atividade, pois a partir do cenário criado pela

87

Tal posição do sindicato se direciona no sentido do ecologismo popular – que reivindica o acesso comunitário

aos recursos naturais frente à depredação ambiental realizada pelo mercado e pelo Estado, que geram

desigualdades sociais – e da reciclagem popular – projeto produtivo que visa a distribuição da riqueza, do poder

e dos conhecimentos gerados a partir dos RSU. 88

Clasificadores acuerdan aumento de salario pero no alcanzan condiciones deseadas. 180, Montevidéu, 16 mai.

2015. Disponível em: <www.180.com.uy/articulo/55346_clasificadores-acuerdan-aumento-de-salario-pero-no-

alcanzan-condiciones-deseadas>. Acessado em: 17/04/2016.

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Ley de Envases, as empresas, por meio da CIU, já estão financiando a política de gestão de

RSU de reponsabilidade da IM, que a transfere para as ONGs.

Frente a estas contradições, bem como ao insucesso que a implementação da Ley de

Envases tem representado em suas propostas ambientais e econômicas, tanto a UCRUS

quanto o próprio Estado têm se manifestado no sentido de criação de uma nova lei de gestão

de resíduos sólidos urbanos. O MVOTMA já anunciou que um novo projeto de lei está em

fase de elaboração e deve ser apresentado até o final de 201689

. Dessa forma, abre-se mais

uma oportunidade para que o sindicato dispute a criação de uma nova lei em que os

clasificadores tenham participação efetiva, o que denota que sua relação com o poder público

tem sido cada vez mais propositiva 90

.

5. 3. Relacionamento com a central sindical

O PIT-CNT possui uma heterogeneidade muito grande de sindicatos filiados e dispõe

de amplo reconhecimento do poder público por conta de sua trajetória política e de suas

conquistas históricas. Tal reconhecimento pode ser observado pela participação da central

sindical na Comissión de Seguimiento da Ley de Envases em Montevidéu, junto à CIU,

MVOTMA, MIDES e IM.

A UCRUS, por outro lado, tem reclamado maior participação em instâncias de poder

que tratem assuntos de seu interesse. No entanto, a existência de um sindicato de

clasificadores ainda parece ser uma novidade com a qual as autoridades não sabem lidar.

Também há uma dificuldade na própria organização dos clasificadores sindicalizados, pois

muitas vezes eles têm necessidades mais imediatas a resolver. Por essas razões, em algumas

ocasiões a central sindical tem representado indiretamente os interesses dos clasificadores.

Contudo, apesar de o PIT-CNT apoiar formalmente a UCRUS desde a sua criação, nas

lutas concretas do sindicato sua presença não tem sido uma constante91

. Dessa forma, há um

distanciamento dos debates realizados internamente no sindicato em relação às discussões

89

El gobierno estudia un impuesto a los residuos. El País, Montevidéu, 14 mai. 2016. Disponível em:

<www.elpais.com.uy/informacion/gobierno-estudia-impuesto-residuos.html>. Acessado em: 17/04/2016. 90

Por el reconocimiento de los recicladores en Uruguay. Red LACRE, 29 jan. 2016. Disponível

em:<www.redrecicladores.net/es/temas-de-interes/442-por-el-reconocimiento-de-los-recicladores-en-uruguay>.

Acessado em 17/04/2016. 91

Mariana Fry (2010) aponta que no início da história da UCRUS, a Asociación de Empleados y Obreros

Municipales (ADEOM) é quem esteve mais presente nas lutas concretas do sindicato.

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travadas dentro da central sindical, o que denota que a representação do PIT-CNT nem

sempre abrange as reivindicações dos próprios clasificadores.

Um exemplo das diferenças entre as lógicas do sindicato e da central se dá ao observar

como a pauta do cooperativismo dentro dos empreendimentos clasificadores passa longe

daquela sustentada nos espaços de autogestão do PIT-CNT. Na realidade, o espaço de

autogestão da central nasce como fruto de um debate proposto, sobretudo pela experiência do

Sindicato dos Metalúrgicos (UNTMRA) com a Cooperativa PROFUNCOOP92

, sobre a

intersecção entre o sindicalismo e a autogestão.

Apesar da existência de diferentes correntes ideológicas que versam sobre os conceitos

de “autogestão” e “cooperativismo”, trataremos de ambos levando em consideração as

categorias marxistas de trabalho e capital. Nesse sentido, tanto a autogestão quanto o

cooperativismo podem ser entendidos dentro da lógica da economia solidária, enquanto

conjunto de práticas de valorização do trabalho em detrimento do capital. Como

consequência, essas práticas constroem relações de trabalho não assalariadas e com ausência

de subordinação.

Por um lado, essa realidade coloca em xeque a própria intervenção do Direito do

Trabalho, uma vez que este nasce para regular as relações tipicamente capitalistas. Nesse

sentido, muitos autores, como Pablo Guerra93

, sustentam que não há que se falar em “salário”

94 quando se trata de empreendimentos de economia solidária, mas sim em “crédito” ou

“retribuição”.

Por outro lado, há correntes de caráter expansivo que buscam incidir os princípios do

Direito do Trabalho às novas fórmulas de trabalho presentes na realidade, a fim de combater a

precarização. Nesse sentido, recorre-se ao conceito de salário como unidade de medida para a

consecução de garantias trabalhistas mínimas. É o que se observa na legislação uruguaia, com

92

PROFUNCOOP é uma cooperativa ligada a este mesmo sindicato e que trabalha com o fornecimento de

postes de iluminação para a Intendencia de Montevideo. 93

GUERRA, Pablo. La discusión salarial en el cooperativismo. Revista Estudios Cooperativos. Montevidéu,

Ano 13, n. 1, dez/2008. Acessado em: 17/04/2016. 94

Convenção 95 da OIT: “Art. 1 — Para os fins da presente Convenção, o termo ‘salário’ significa, qualquer que

seja a denominação ou o modo de cálculo, a remuneração ou os ganhos suscetíveis de serem avaliados em

espécie ou fixados por acordo ou pela legislação nacional, que são devidos em virtude de um contrato de aluguel

de serviços, escrito ou verbal, por um empregador a um trabalhador, seja por trabalho efetuado, ou pelo que

deverá ser efetuado, seja por serviços prestados ou que devam ser prestados.”

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a inclusão do conceito de “laudo salarial” 95

, produto da negociação coletiva, na Lei

17.978/2006, de Cooperativas Sociais; e com a Lei 17.794/2004, de Cooperativas de Trabalho

Associado, que assinala que os sócios receberão como remuneração mensal o equivalente ao

salário do ramo de atividade.

Desse modo, no PIT-CNT, essa discussão perpassa as reivindicações do FONDES e de

outros mecanismos de fomento à autogestão. A princípio, tais mobilizações em busca de

apoio do próprio Estado podem parecer contraditórias, no entanto, são essenciais para a

viabilidade econômica desses empreendimentos autogestionários. É nesse sentido que há

correntes dentro do PIT-CNT que reivindicam a autogestão enquanto forma permanente de

organização frente às crises sistêmicas do capitalismo e ao desgaste das políticas progressistas

adotadas nos últimos 10 anos no país96

.

Do outro lado do debate estão as cooperativas de clasificadores, que, mesmo quando

criadas enquanto empreendimentos de economia solidária, possuem inúmeros desafios

organizacionais. A lógica do trabalho não assalariado e sem subordinação, funcional para

setores como os próprios metalúrgicos de fábricas recuperadas e cooperativas de produção, se

torna contraditória frente à relação de exploração em que os clasificadores se encontram, nas

bases da indústria da reciclagem. Soma-se a isso o fato de realizarem um trabalho de

responsabilidade do poder público, o que denota mais uma vez as limitações da criação de

cooperativas autônomas.

Nesse sentido, o apoio do Estado à criação de cooperativas tem servido para

invisibilizar o processo pelo qual os clasificadores produzem um valor que é apropriado pela

indústria e pela própria IM. De forma que as perspectivas de formalização do setor

clasificador têm se realizado, atualmente, pela lógica capitalista da inclusão social, com o

apoio do Terceiro Setor.

É interessante observar que os próprios clasificadores cooperados, em muitos casos,

reivindicam modelos de gestão de RSU, como o brasileiro, em que a criação de cooperativas

tem sido exitosa – em relação à questão imediata da geração de renda – com a parceria entre

95

"Laudos" são decisões dos Conselhos de Salários que versam sobre questões salariais e decorrem de um

processo de negociação tripartite e atípica, conforme RIMOLO (2011). 96

"Autogestión, un rumbo de todos": el PIT-CNT, Economía Solidaria y la Udelar definieron plan de trabajo.

PIT-CNT, Montevidéu, 22 fev. 2016. Disponível em: <www.pitcnt.uy/index.php/sala-de-prensa/item/1253-

autogestion-un-rumbo-de-todos-el-pit-cnt-economia-solidaria-y-la-udelar-definieron-plan-de-trabajo>. Acessado

em: 17/04/2016.

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Terceiro Setor e o próprio Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis

(MNCR). Rosalina Burgos, ao criticar que a instância maior de representação dos catadores

no Brasil não esteja na esfera do sindicalismo, versa que:

Se alguma rebeldia persiste [no setor], ela parece mais propensa entre os

catadores com menor grau de organização (a exemplo dos próprios avulsos),

que enfrentam o poder de polícia na disciplina do uso dos espaços públicos,

das ruas e dos lixões. (BURGOS, 2013)

No caso uruguaio, a UCRUS, apesar de também ter englobado em suas pautas

reivindicações de fomento ao cooperativismo, após a criação das plantas de classificação em

Montevidéu tem revisto suas ações. Nesse sentido, o fato de ser uma organização sindical e

estar vinculada ao PIT-CNT97

tem sido de grande importância ao centralizar sua atuação em

demandas por direitos e não meramente por políticas de assistência ou de inclusão social,

como veremos a seguir.

5. 4. Principais reinvindicações do sindicato atualmente

A Declaração do 1º Encontro Nacional de Clasificadores, realizado em 2012, trazia as

seguintes reivindicações: (a) reconhecimento do trabalho de clasificador como uma das

atividades laborais do país, com todos seus direitos, frente aos organismos competentes

nacionais e internacionais (MTSS, OIT, etc.); (b) denunciar o confisco indiscriminado de

carroças como método intimidatório e que atenta contra a digna subsistência do clasificador;

(c) reivindicar a formalização e cumprimento de convênios trabalhistas com as Intendencias

de todo o país; (d) reivindicar a formação de um âmbito de discussão com os organismos de

seguridade social para estudar a forma de remuneração e cobertura social que possibilite a

dignificação do trabalho do clasificador; e (e) denunciar as tentativas de instalação de usinas

de incineração ou similares, que implicam na perda de trabalho de todas as modalidades de

classificação e exigir a diminuição do número de aterros, a fim de recuperar a maior parte do

material em benefício do clasificador.

97

A UCRUS também tem criticado a relação estabelecida entre o PIT-CNT e o Frente Amplio. CX 36 Radio

Centenario. Entrevista a Héctor Brum, Presidente del Sindicato de UCRUS, (Unión de Clasificadores de

Residuos Sólidos). “Las cosas tienen que cambiar, ¿cómo las cambiamos?, no en un relacionamiento de central

obrera y trabajadores con el futuro gobierno EP-FA, no un relacionamiento entre las organizaciones sociales

con el futuro gobierno del EP-FA, no es un problema de relacionamiento, es un problema de participación”.

Disponível em: <http://www.radio36.com.uy/entrevistas/2004/06/100604_brum.htm>. Acessado em:

20/05/2016.

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Já no 2º Encontro Nacional de Clasificadores, ocorrido em 2015, as pautas anteriores

foram apresentadas da seguinte forma: (a) reconhecimento oficial da categoria de clasificador

de resíduos sólidos como ocupação permanente e sustentável de um número significativo de

trabalhadores, abarcando todos os tipos de clasificadores (das plantas, os carreros, os de

cooperativas, empregados de ONGs, de carroça e bicicleta, etc); (b) fim da repressão aos

clasificadores, especialmente em Montevidéu, onde houve um incompreensível aumento no

confisco de carroças e outros veículos – inclusive fora da zona de exclusão da Ciudad Vieja –

sem terem sido criados postos de trabalho necessários para dar resposta àqueles trabalhadores

que estão impedidos de realizar suas tarefas naquela zona; (c) remuneração mensal de dois

salários mínimos nacionais98

– estudando cada situação particular em relação à contrapartida a

ser pedida aos clasificadores; e (d) convocação de uma Comissão Tripartite Nacional para

estudar as condições específicas de trabalho dos clasificadores, de acordo com as Convenções

Internacionais de Trabalho e o Decreto 291/07 do MTSS (Seguridade e Saúde dos

Trabalhadores e Meio Ambiente de Trabalho).

Percebe-se que houve a necessidade de caracterizar o trabalho dos clasificadores

enquanto trabalho permanente e que abarca uma heterogeneidade de formas de realização. Da

exigência da realização e cumprimento dos convênios com as Intendencias, o sindicato passa

também a reivindicar uma remuneração mensal de dois salários mínimos, sobretudo para

aqueles trabalhadores que já estavam, de alguma forma, “formalizados”. Além disso, no que

se refere à Seguridade Social, o sindicato apresenta uma proposta de Comissão Nacional que

discuta as condições do trabalho dos clasificadores de acordo com as normativas da OIT e

MTSS. Por fim, a pauta “e”, em relação às tentativas de incineração, foi retirada tendo em

vista que a implementação da Ley de Envases supriu esse debate.

Ademais, a partir do 2º Encontro Nacional, o sindicato passou a pleitear a (f)

instalação de uma comissão nacional com o objetivo de criar uma nova Ley de Envases e um

novo Plano Nacional de Gestão Integral de Resíduos, que dê mais proteção e direitos aos

clasificadores e que inclua o estabelecimento de uma taxa à geração de resíduos, cujo valor

seja destinado exclusivamente à implementação do referido plano; e a (g) criação de um

organismo nacional para centralizar a negociação coletiva, a remuneração e o estabelecimento

de preços de referência nacional para os materiais recuperados, enquanto não avance na

98

O valor do salário mínimo uruguaio para 2016 está em 11.150 pesos. El salario mínimo nacional se eleva a

$11.150; el aumento es de un 11,5%. El País, Montevidéu, 22 fev. 2016. Disponível em:

<http://www.elpais.com.uy/economia/salario-minimo-se-eleva-aumento-gobierno-decreto.html>. Acessado em:

20/05/2016.

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prática o plano incluído no ponto anterior. Acrescenta também o apoio à luta dos

clasificadores das plantas de classificação, propondo a formação de uma Comissão de

Delegados das Plantas para estudar suas demandas particulares e levar adiante as negociações

no MTSS.

No 3º Encontro Nacional de Clasificadores, realizado no dia 14 de maio de 2016, a

UCRUS lança nota sustentando que os clasificadores estão convencidos de que a única

inclusão social sustentável para o setor é pelo reconhecimento real do valor de seu trabalho99

.

Dessa forma, retomam a ideia de criação de uma Lei Nacional de Resíduos que substitua a

atual Ley de Envases, conforme itens (f) e (g), anteriormente discutidos. Além disso, o

sindicato lança a ideia de impulsionar a elaboração de uma Ley de Reconocimiento al

Clasificador que promova ações para melhorar sua qualidade de vida. Por fim, propõe a

realização de um censo aberto obrigatório de todos os clasificadores, tendo em vista que,

segundo a UCRUS, os dados que têm sido divulgados pela IM estão longe de representar a

realidade do setor.

Paralelamente, tem se estudado a partir do Estado – mais especificamente do

MVOTMA, em parceria com OPP, Ministerio de Economía y Finanzas (MEF) e Intendencias

– a criação de uma nova Ley de Envases, pois, o próprio poder público reconhece que a

referida lei não tem sido exitosa naquilo que se propõe. Nesse sentido, o projeto de lei que

vem sendo construído busca a passagem da gestão dos RSU do setor privado para a

administração pública, por meio de taxas de valorização de resíduos, que devem ser pagas

pelas empresas responsáveis pela geração de impactos negativos no meio ambiente 100

.

Diante desse cenário, percebe-se que a UCRUS tem amadurecido em suas

reivindicações, reconhecendo as realidades e possibilidades das cooperativas, ao mesmo

tempo em que tem apostado em formas mais concretas de valorização do trabalho. A

discussão em torno da criação de uma nova Ley de Envases também tem trazido uma

oportunidade de atuação propositiva do sindicato. Além disso, a articulação entre a UCRUS e

a Red Latinoamericana de Recicladores (Red LACRE), atualmente tem demonstrado a

importância de alianças que permitam criar espaços de intercambio de conhecimentos e

experiências na região.

99

UCRUS. Comunicado de prensa 3er. Encuentro Nacional de Clasificadores. Disponível em: <ucrus-pit-

cnt.weebly.com/comunicados.html>. Acessado em 25/05/2016. 100

El gobierno estudia un impuesto a los residuos. El País, Montevidéu, 14 mai. 2016. Disponível em:

<www.elpais.com.uy/informacion/gobierno-estudia-impuesto-residuos.html>. Acessado em: 17/04/2016.

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6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta investigação, buscou-se responder as seguintes questões: é possível

trabalhadores cooperados serem representados sindicalmente? A lógica que se confere ao

trabalho em cooperativas é compatível com aquela que conhecemos no Direito Coletivo do

Trabalho? No caso dos clasificadores, observamos que estas questões estão ligadas,

sobretudo, à lógica da informalidade do trabalho por eles realizado, o que os distingue de

outros ramos de atividade com ampla tradição sindical e reconhecimento por esta área do

Direito.

Diante de um cenário de crescente despolitização e desmobilização de trabalhadores

organizados pelo Terceiro Setor, a UCRUS vem reivindicando que a atividade realizada pelos

clasificadores seja reconhecida enquanto trabalho formal. Esse foi o posicionamento do

sindicato, em sua Carta ao PANES, elaborada em 2005:

Se debe reconocer el trabajo del clasificador como trabajo rentable, como

una actividad digna, reconocida en el 8vo Congreso del PIT-CNT, que

genera a pesar de su denominación de “trabajo informal”, trabajo formal en

las industrias, a través de su aporte de materia prima, y divisas económicas

en nuestro país.101

Como destaca Vera Telles (2010), são nas dobras entre o formal e o informal que os

negócios são feitos, as oportunidades aparecem e a riqueza circula. Nesse sentido é que a

informalidade do trabalho dos clasificadores tem beneficiado a acumulação de capital por

parte das empresas e as ações de formalização desses trabalhadores – isto é, de inclusão

precária102

– têm sido estabelecidas com o fito de o Estado controlar e limitar a organização

do setor. Não a toa, ainda persiste a criminalização dos clasificadores carreros nas ruas da

cidade, o que evidencia o entrelaçamento entre o mercado de trabalho e o sistema punitivo.

101

Tirando del Carro - clasificadoras y clasificadores: viviendo de basura o trabajando con residuos.

PUC/MIDES. Disponível em: < http://www.cempre.org.uy/docs/biblioteca/PUCTirando_Carro.pdf>. Acessado

em 17/04/2016. 102

“O que a sociedade capitalista propõe hoje aos chamados excluídos está nas formas crescentemente perversas

de inclusão, na degradação da pessoa e na desvalorização do trabalho como meio de inserção digna na sociedade.

(...) A grande perda que a classe trabalhadora no mundo inteiro está sofrendo com essa transformação brutal é a

perda ou a atenuação dos direitos conquistados durante mais de cem anos de luta social”. (MARTINS, 2012)

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As organizações cooperativas, nesse cenário, se constituíram como uma das saídas de

resistência e sobrevivência para os clasificadores. No entanto, estas organizações – que, na

maioria das vezes, são de fato e não de direito – não têm conseguido se expandir como forma

alternativa de produção. Isso se deve ao fato de os clasificadores serem uma categoria

organizada recentemente, surgida a partir do processo de reestruturação produtiva, e estarem

subordinados à lógica do capital, na base da indústria da reciclagem, o que dificulta a

autonomia proposta pela autogestão.

Por outro lado, a tentativa de formalização realizada pelo poder público tem sido no

sentido de facilitar a obtenção da forma jurídica “cooperativa” por parte dos clasificadores e

de aproveitá-la a fim de mascarar a exploração destes trabalhadores na cadeia da reciclagem.

Este aparente reconhecimento denota a concepção neoliberal das políticas adotadas pelo

Estado, ao transferir parte de sua responsabilidade na gestão de RSU às ONGs que

intermediam o trabalho dos clasificadores, o que tem afetado, inclusive, o recente acesso à

negociação coletiva do setor nos Conselhos de Salários.

A partir destas políticas adotadas, observa-se que a questão social que envolve os

clasificadores não tem sido tratada como resultado da exploração econômica que ocorre na

cadeia produtiva, mas sim como um fenômeno autônomo e de responsabilidade do próprio

setor atingido. Essas concepções se refletem na adoção de políticas públicas focalizadas no

combate à pobreza em contraposição a ações que visem o acesso universal a direitos

sociais103

.

Percebe-se que essas circunstâncias provocam demandas que não podem ser geridas

adequadamente pela organização cooperativa, surgindo daí a pertinência da organização

sindical. Por essa razão, muito embora o Direito Coletivo do Trabalho tenha surgido a partir

da lógica tradicional de emprego, para os clasificadores, enquanto trabalhadores informais, a

filiação em uma organização sindical tem se tornado um caminho para a construção de sua

identidade de classe, a partir da qual suas lutas por reconhecimento formal se fortalecem.

103

Essa realidade abre espaço para questionamentos e críticas ao papel que tem sido desempenhado pelos

governos progressistas no Uruguai e na América Latina. Raúl Zibechi (2007), ao tratar do tema, cita que “los

planes estatales para enfrentar la pobreza son un segundo y crucial desafío para los movimientos. Estos planes,

en particular ‘Bolsa Familia’, en Brasil, ‘Jefes y Jefas de Hogar’ en Argentina y el ‘Plan de Emergencia’

[PANES] en Uruguay (…) no representan una ampliación de derechos sino una expansión de las políticas

focalizadas y compensatorias diseñadas por los organismos financieros internacionales. (…) Alivian la pobreza,

pero no modifican la distribución de la renta ni evitan la creciente concentración de ingresos en los estratos

privilegiados. Al afectar la capacidad de organización de los movimientos más activos, se convierten en un

factor que dificulta su crecimiento.”

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