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Divisão de poder e representatividade na Câmara dos Deputados: uma aplicação da Teoria dos Jogos Administração Pública Fábio Zugman Walter Fabrício de Castro Telli  Resumo Neste artigo procura-se analisar a dinâmica em processos de votação utilizando a Teoria dos Jogos como referencial teórico e a Câmara dos Deputados do Brasil como ilustração. A partir de dados recentes extraídos do IBGE e da Câmara através da Internet foram realizadas simulações e inferências sobre a dinâmica nessa instância legislativa através do cálculo dos chamados Valor de Shapley (Shapley, 1953) e Valor A Priori (Shapley e Shubik, 1954). Discrepâncias de poder e representatividade entre regiões, unidades federativas, partidos políticos e poder por habitante são identificadas no decorrer do estudo, revelando situações em que apenas duas regiões, seis unidades federativas ou quatro partidos possuem a influência necessária para dominar o process o de votação. Busca-se alcançar uma base científica para a discussão do processo de votação em situações de cooperação e conflito.  Demonstra-se o poder desproporcional exercido por determinados membros, bem como o poder que determinadas alianças podem adquirir.  Palavras-Chave: Representatividade, conflito, votação, Teoria dos Jogos.  1. INTRODUÇÃO A progressiva evolução do processo democrático brasileiro traz consigo um questionamento relacionado à representatividade dos cidadãos, após quase quinze anos da promulgação da Constituição em que se estabeleceram as regras para a divisão das cadeiras da Câmara dos Deputados entre as unidades federativas da República. Dada a importância das decisões tomadas nesse fórum, a necessidade de estabelecerem-se parâmetros para garantir o equilíbrio de poder e representatividade entre a população das unidades federativas torna-se auto- evidente. Esse artigo procura desenvolver uma discussão acerca do conceito de equilíbrio de poder utilizando como base científica a Teoria dos Jogos. O objeto de análise escolhido foi o processo deliberativo. Como uma aplicação específica, utilizou-se a estrutura de votação da Câmara dos Deputados brasileira devido à sua importância e ao fato de buscar-se uma proporcionalidade nessa casa, o que não ocorre no Senado. A partir de um artigo publicado em 1928, O matemático Von Neumann estabelecia os primeiros esboços de uma teoria científica especializada em lidar com o conflito humano matematicamente. A “Matemática das Ciências Sociais” (Davis, 1983) proposta preocupavase em estabelecer regras e rigor matemáticos no campo dos conflitos humanos, teoria essa que ficou conhecida como Teoria dos Jogos. A Teoria dos Jogos vem sendo aplicada para explicar diversos tipos de problemas das mais diversas áreas de atuação. 

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Divisão de poder e representatividade na Câmara dosDeputados: uma aplicação da Teoria dos Jogos 

Administração Pública Fábio Zugman Walter Fabrício de Castro Telli  Resumo Neste artigo procura-se analisar a dinâmica em processos de votação utilizando aTeoria dos Jogos como referencial teórico e a Câmara dos Deputados do Brasilcomo ilustração. A partir de dados recentes extraídos do IBGE e da Câmara atravésda Internet foram realizadas simulações e inferências sobre a dinâmica nessainstância legislativa através do cálculo dos chamados Valor de Shapley (Shapley,1953) e Valor A Priori (Shapley e Shubik, 1954). Discrepâncias de poder erepresentatividade entre regiões, unidades federativas, partidos políticos e poderpor habitante são identificadas no decorrer do estudo, revelando situações em que

apenas duas regiões, seis unidades federativas ou quatro partidos possuem ainfluência necessária para dominar o processo de votação. Busca-se alcançar umabase científica para a discussão do processo de votação em situações decooperação e conflito. Demonstra-se o poder desproporcional exercido por determinados membros, bemcomo o poder que determinadas alianças podem adquirir. Palavras-Chave: Representatividade, conflito, votação, Teoria dos Jogos. 1. INTRODUÇÃO A progressiva evolução do processo democrático brasileiro traz consigo um

questionamento relacionado à representatividade dos cidadãos, após quase quinzeanos da promulgação da Constituição em que se estabeleceram as regras para adivisão das cadeiras da Câmara dos Deputados entre as unidades federativas daRepública. Dada a importância das decisões tomadas nesse fórum, a necessidadede estabelecerem-se parâmetros para garantir o equilíbrio de poder erepresentatividade entre a população das unidades federativas torna-se auto-evidente. Esse artigo procura desenvolver uma discussão acerca do conceito de equilíbrio depoder utilizando como base científica a Teoria dos Jogos. O objeto de análiseescolhido foi o processo deliberativo. Como uma aplicação específica, utilizou-se aestrutura de votação da Câmara dos Deputados brasileira devido à sua importânciae ao fato de buscar-se uma proporcionalidade nessa casa, o que não ocorre no

Senado. A partir de um artigo publicado em 1928, O matemático Von Neumann estabeleciaos primeiros esboços de uma teoria científica especializada em lidar com o conflitohumano matematicamente. A “Matemática das Ciências Sociais” (Davis, 1983)proposta preocupavase em estabelecer regras e rigor matemáticos no campo dosconflitos humanos, teoria essa que ficou conhecida como Teoria dos Jogos. A Teoriados Jogos vem sendo aplicada para explicar diversos tipos de problemas das maisdiversas áreas de atuação. 

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Existem aplicações nas áreas: militar (Read, 1963), política (Banzhaf, 1965),econômica (Galbraith, 1952), psicologia (Pinker, 1998) e biologia (Reijnders, 1978,Robson, 1990) entre outras. Um exemplo de aplicações aparentemente distintasmas que se tornam semelhantes sob o prisma da Teoria dos Jogos são o estudo doassassinato entre amantes e o conflito nuclear (Pinker, 1998), ambos resolvidospelo que se convencionou chamar de estratégia da máquina do fim do mundo.Parte-se do seguinte problema: Um país fraco é ameaçado por uma grande

potência, sem chances de sobreviver a uma invasão. Existe uma saída para essepaís, que seria criar uma “máquina de destruição do mundo”, ou seja, dado umconjunto de regras, ele participa do jogo, ao ter sua sobrevivência ameaçada, aoinvés de se render, o país pode optar por destruir o mundo inteiro. Logicamente,esse país seria destruído, mas o custo para o país invasor se tornaria alto demais.Analogamente, um amante pode ameaçar e realizar o assassinato de seu par casoalgum limite seja atravessado – como por exemplo o adultério. Uma das primeiras aplicações na Ciência Política foi em 1954 em um estudorealizado por L. S. Shapley e M. Shubik para determinar a distribuição de poder noconselho de segurança da ONU, concluindo que o poder de uma coalizão não ésimplesmente proporcional a seu tamanho, ou seja, os cinco membrospermanentes possuíam um controle de 98% do poder de decisão. O índice de poder

utilizado nesse estudo passou a ser conhecido como Valor de Shapley . O índice pode ser aplicado em qualquer tipo de conselho onde os membros têm ounão o mesmo número de votos. A partir desse estudo, muitos outros foramrealizados em diversas situações, sendo reconhecido como uma abordagem válidapara se medir a distribuição de poder. Este artigo está estruturado da seguinte forma: primeiramente, é apresentado umadescrição de um caso histórico para demonstrar as dificuldades e nuances em seanalisar um processo de votação. A seguir, são descritos os conceitos principais,advindos da Teoria dos Jogos utilizados neste estudo. A metodologia é entãoapresentada, sendo realizada uma análise matemática de três formas deabordagem da Câmara dos Deputados. É realizado um cálculo de proporcionalidade

da fatia do poder que cada habitante dispõe do total de poder de seu estado.Finalmente, são apresentadas as conclusões e sugestões para estudos futuros.

2. HAMILTON E A REPRESENTATIVIDADE Um exemplo de como uma solução simples para um problema de votação podecausar grande confusão é conhecido como Paradoxo do Alabama. Segundo aConstituição dos Estados Unidos o número de membros na Casa dosRepresentantes de cada estado deveria ser proporcional à sua população. Em 1850um método de divisão das cadeiras da Casa dos Representantes proposto porAlexander Hamilton, que parecia ser racional e justo, foi adotado. À primeira vista, o problema e sua resolução parecem bastante simples. Calcula-se

o número ideal de representantes de cada estado com base na proporção simplesentre população e número de cadeiras disponíveis. Esse número ideal irá conteruma parte fracionária, mas os estados devem ter números inteiros derepresentantes. Esse método foi implementado em duas fases: primeiro, calculou-se o número ideal. Em seguida, cada estado recebeu o número inteiro derepresentantes. Um representante adicional foi dado àqueles estados que possuíamos maiores valores fracionários até o número total de representantes ser atingido. 

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 Em 1900 o método foi definitivamente descartado devido a problemasinsustentáveis do ponto de vista político. A razão pode ser entendida através desseexemplo: Dados três estados X, Y, Z com 380, 380 e 240 pessoas respectivamente.Considere dois casos: (1) a câmara dos representantes tem 14 cadeiras e (2) 15cadeiras. 

Embora a Câmara dos Representantes tenha aumentado e a população não sealterou, o estado Z perdeu representatividade. Esse problema ocorreu nos EstadosUnidos após o censo de 1900, quando, ao procurar definir-se um número derepresentantes entre 350 e 400, percebeu-se que o Colorado possuía trêsrepresentantes para qualquer número total, a não ser que o número escolhido fosse357, caso no qual perdia direito a 1 representante e ficava com 2. O problema éque o número 357 era exatamente o qual a coalizão da maioria procurava fixar. Asolução de Hamilton foi duramente criticada por representantes de estados queteriam a perder na decisão, e o total foi estabelecido em 356. Esse caso históricodemonstra como uma solução simples e intuitiva pode se transformar em umproblema complexo. (Davis, 1983) 3. ALGUNS CONCEITOS DE TEORIA DOS JOGOS O primeiro problema compreendendo um jogo de que se tem notícia, está presenteno Talmud – conjunto de leis judaicas compilado entre os anos 0 e 500. Nele trata-

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se a questão da divisão da herança de um marido entre três esposas, comresultados aparentemente contraditórios (Aumann, R. J. e M. Maschler, 1985).Modernamente, Charles Darwin parece ter resolvido o mistério da existência deuma proporção equilibrada entre os sexos de uma espécie utilizando-seimplicitamente da Teoria dos Jogos (Walker 2001).

 “A Teoria dos Jogos é uma teoria de tomada de decisão, ela preocupa-se como um

indivíduo deve tomar uma decisão e, em uma menor extensão, como ele realmentea toma” (Davis pg 3, tradução nossa). A Teoria dos Jogos preocupa-se com asdecisões tomadas por um indivíduo cujo ambiente responde às suas ações. Umgeneral não delineia simplesmente a melhor estratégia para seu exército, ele definesuas ações com base nas respostas que consegue prever de seu adversário. A Teoria dos Jogos preocupa-se com a estratégia de determinado jogador emdeterminada situação, ou jogo. Jogo é uma situação em que há pelo menos dois jogadores e cada um deverá adotar uma estratégia. Como resultado, haverá umarecompensa ou punição para cada jogador.  “Estratégia é um plano tão completo que não pode ser perturbado pela ação de uminimigo ou da natureza” (Williams, 1966, tradução nossa) Entende-se que toda

ação de um inimigo ou da natureza, juntamente com a ação do jogador fazemparte da descrição da estratégia. Uma estratégia, não necessariamente serásempre a melhor ou a mais benéfica para o jogador. Um jogador de pôquer podebaixar suas cartas sempre na primeira rodada.

Dada a dificuldade de se estudar e prever o comportamento humano, a Teoria dosJogos pode ser uma elegante abstração dos conflitos humanos. Podendo servircomo base ao estudo de estratégia pois jogos contêm ingredientes comuns a todasas situações imagináveis de conflito (Williams, 1966). Williams (1966) afirma que o desenvolvimento de teorias supersimplificadas é umadas principais técnicas da ciência, particularmente das ciências exatas. Se umbiofísico utiliza um modelo simplificado da célula e um cosmólogo um modelo

simplificado do Universo, pode-se assumir que jogos simplificados podem se tornarúteis no entendimento de conflitos complexos. O autor lembra que uma teoria podeser bastante simples, mas os fenômenos que elas explicam podem serextremamente complexos, colocando que apesar de sua simplicidade, a Teoria dagravitação de Newton mostrou-se adequada por dois séculos e meio, até serreexaminada por Albert Einstein. Uma definição importante para a teoria é o conceito de jogador. Um jogador é umagente com um interesse específico. Dois jogadores são entidades com interessesdivergentes, independentemente de quantos indivíduos estão representados porcada grupo. Por exemplo, todos os estados de uma região de um país podem servistos como um único jogador se atuarem em conjunto, ou coalizão. Uma coalizão éconsiderada vencedora quando possui votos suficientes para fazer passar suas

propostas e perdedora quando não possui. 

3.1 O Valor de Shapley Lloyd Shapley (1953) considerou o jogo do ponto de vista dos jogadores, tentandoresponder à questão: Qual o valor de um jogo para um jogador em particular?Matematicamente o Valor de Shapley, V(I), pode ser encontrado para um jogador Iem um dado jogo através dos seguintes passos: 

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Para cada coalizão S, seja D(S) a diferença entre os valores da coalizão S e acoalizão S sem o jogador I (se I não estiver em S, D(S)=0). Para cada coalizão Scompute: [(s-1)!(n-s)!/n!]*D(S) onde s é o número de jogadores na coalizão S, n éo número de jogadores no jogo. Somando todos os resultados de todas as coalizõesS, encontra-se o valor de Shapley. 

John Banzhaf (1965) propôs uma variação para o cálculo do índice de poder deShapley considerando a possibilidade de não haver comunicação ou capacidade de

coligação entre todos os jogadores. No entanto, o índice de Shapley ainda éconsiderado o mais adequado para problemas de votação em assembléias porexistir uma boa comunicação entre as partes. (Winkler, 1998) 3.2 O Valor A Priori de um jogador Shapley e Shubik (1954) encontraram uma maneira de determinar o valor de um jogador em uma assembléia de votação (câmaras legislativas, conselhosexecutivos) baseada no Valor de Shapley. Os autores definiram o poder de umacoalizão ou de um jogador como sendo a fração de todas as possíveis seqüênciasde votação em que esta coalizão ou este jogador tem em suas mãos o votodecisivo. Esta posição é denominada pivotal . O Valor A Priori de um jogador é entendido como o número de vezes em que esse jogador ocupa uma posição pivotal (decisiva) entre todas as seqüências possíveisde votação. Existindo n jogadores em um jogo, e todos possuindo o mesmo númerode votos, o poder de cada jogador será de 1/n. Um exemplo interessante é um jogo de três jogadores em que os respectivos pesosde votação são 2:2:1. Computando todas as possíveis seqüências de votaçãoobserva-se que o jogador com menos votos possui o mesmo poder dos outros dois,pois a vitória somente é alcançada quando dois jogadores formam uma coalizão,independentemente do número de votos de cada jogador. 

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 Uma aplicação prática pode ser encontrada na divisão de poder presente noConselho de Segurança das Nações Unidas. Quando Shapley realizou seu célebreestudo em 1954, o conselho era composto de cinco membros permanentes comdireito a veto e seis membros não permanentes. Partiu-se do princípio que eranecessário os votos de sete membros, incluindo os dos permanentes, visto que secontrariados, esses países poderiam exercer seu direito a veto.

Atualmente, o Conselho é composto pelos cinco membros permanentes e dezmembros não permanentes, sendo necessário o voto conjunto de nove membrosincluindo os permanentes para a aprovação de uma proposta. O cálculo do Valor APriori ficaria:

1) Seja P um membro permanente e N um não permanente; 2) O número total de permutações entre PPPPPNNNNNNNNNN é: 15!/5!*10! =3003; 3) Para determinar o valor do poder de um membro não permanente, calcula-se emquantas das seqüências existe um N pivotal como: (PPPPPNNN)N(NNNNNN); 4) A quantidade de seqüências é dada por: (8!/5!3!)(6!6!) = 56; 5) Os países não permanentes possuem apenas 56/3003 do poder, enquanto ospaíses permanentes possuem 2947/3003; 6) O índice de poder (Valor de Shapley) de cada membro é dado por: a. Permanente: 1/5*2947/3003 = 19,62% b. Não permanente: 1/10*56/3003 = 0,19% 7) A razão de poder entre um membro permanente e um não permanente é de105:1. Esse exemplo realizado a partir do estudo de Shapley e Shubik (1954)demonstra como as regras do jogo influenciam drasticamente a distribuição depoder entre os jogadores.

Um desdobramento do estudo de Shapley é a análise da formação de alianças(coalizões) entre os jogadores para aumentar seu poder em uma dada votação.Ilustrando as características da dinâmica de jogos com alianças, Davis (1983)propõe o seguinte caso: Sendo a estrutura de votos entre cinco jogadores (1,1,1,1,1), onde a soma dopoder individual de dois jogadores é de 2/5. Davis assinala a possibilidade de umaaliança entre dois jogadores, alterando a configuração para (2,1,1,1). O queprovocaria como efeito imediato um aumento do poder dessa coalizão, que passariapara 1/2. Davis ressalta, entretanto, que a composição de uma aliança e suas consequências

devem ser muito bem ponderadas, uma vez que esse tipo de formação podeprovocar respostas e retaliações por parte dos outros jogadores. Na ilustraçãoacima, outros dois jogadores também podem originar uma coalizão, transformandoa estrutura de votação para (2,2,1) e a equilibrando novamente. Cada bloco passaa possuir 1/3 do poder, ou seja, menos do que os 2/5 anteriores à aliança. 4. METODOLOGIA 

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O presente estudo procura analisar a representatividade e a distribuição de poderna Câmara dos Deputados do Brasil a partir do uso de conceitos advindos da Teoriados Jogos. Realizou-se uma breve descrição da Teoria dos Jogos e de seusprincipais conceitos utilizados nessa pesquisa, são eles: Valor de Shapley e Valor APriori de um jogador. Apresenta-se a atual situação da representatividade na Câmara dos Deputados

baseada em dados populacionais extraídos do website do IBGE (2003) e dadosreferentes ao número de representantes, o estado que representam e afiliaçãopartidária extraídos do website da Câmara dos Deputados (2003). Emergemcaracterísticas difíceis de serem percebidas sem o uso dessa teoria, como o casohistórico da heurística de Alexander Hamilton demonstrou. Foram utilizadas trêsabordagens para analisar a atual situação da representatividade. Primeiramente, um estudo comparativo da representatividade e do poder dasregiões é apresentado, onde cada região é vista como um conjunto único querepresenta todos os cidadãos dos estados participantes. Apesar de na prática talcoligação não ser usual, e dos Deputados de uma região não votarem sempre embloco, tal abordagem é útil na mensuração do poder relativo de cada região dopaís. Além do fato de que em alguns tipos de decisões, são observados

comportamentos típicos de votação em bloco conforme descritos pela Teoria dosJogos, como demonstrado no artigo de Winkler (1998) em um estudo sobrecoligações na União Européia. A segunda abordagem consiste em uma análise de poder por unidade federativa,onde é observada a representatividade da população em relação ao poder de seusrepresentantes e a influência de cada unidade federativa no processo deliberativodo país.

A terceira realiza uma análise sobre a distribuição de poder entre os partidospolíticos na sua configuração atual na Câmara dos Deputados. Ao final, é realizada a proporcionalidade do poder de cada unidade federativa em

face do número total de habitantes, chegando-se ao índice de poder por habitante. 5. ABORDAGENS DE ANÁLISE A seguir são descritas as análises efetuadas identificando a representatividade e adistribuição de poder dos representantes na Câmara dos Deputados por meio detrês abordagens: jogadores como regiões, unidades federativas e partidos políticos. 5.1 Estudo comparativo de representatividade e poder nas regiões O estudo comparativo por regiões brasileiras tem por objetivo analisar arepresentatividade e a distribuição de poder. Cada região representa um jogador noâmbito nacional. Apesar de raramente deputados da mesma região votarem em

bloco, essa é uma opção que existe e faz sentido nessa abordagem, uma vez que oque está sendo analisado é o poder relativo dado pelas possibilidades que cada jogador possui em dominar o jogo. A Teoria utilizada não despreza nenhumapossibilidade, portanto, não nos interessa se um estado recusa-se a se coligar comoutro, apenas que, possuindo essa possibilidade e a mesma sendo benéfica, opoder existe, podendo ser utilizado ou não, dependendo da escolha estratégica do jogador. A partir da população das regiões e o número de deputados que cada uma elege,obtemos a seguinte tabela: 

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Observa-se que a representatividade não é semelhante para todas as regiões,

enquanto na região Norte, existe 1 deputado para cada 198.472 habitantesaproximadamente, na região Sudeste, este número sobe para 404.538, mais que odobro. A partir do levantamento inicial, chega-se aos seguintes valores para o número derepresentantes de cada região, representadas por uma letra: (A) Norte=65; (B)Nordeste=151; (C) Sudeste=179; (D) Sul=77; (E) Centro Oeste=41. A seguir, estão representadas todas as possibilidades de seqüência de votação porregião, com a posição pivotal (decisiva) sublinhada: 

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 A razão na representatividade de São Paulo para Roraima é de 13:1aproximadamente. É interessante notar que a razão entre estes mesmos doisestados em relação à distribuição de poder, segundo o Valor de Shapley, é 10:1aproximadamente.

Da mesma forma como realizado no cálculo de poder com as regiões como jogadores, calculou-se o índice de Shapley e a porcentagem do poder de cada

unidade federativa na Câmara: 

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 A distorção é significativa. O número mínimo de estados para se formar umacoligação vencedora é seis, ou seja, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia,Rio Grande do Sul e Paraná concentram 54,33% do poder na Câmara. Os estadosque possuem 8 representantes detêm 16,28% do poder. Deve-se, contudo, atentar para o fato de que se as seis unidades federativas commais representantes - que pela tabela possuem 54,33% do poder - formassem umacoligação elas venceriam sempre, já que detêm 269 votos, ou seja, teriam então,

pelo cálculo do Valor de Shapley, um índice de poder de 100%. Assim observa-seque a soma do poder de jogadores distintos é diferente do poder de uma coalizãoformada por estes mesmos jogadores. 5.3 Distribuição de poder entre os partidos políticos Apesar do caráter temporal, entende-se a importância do estudo do poder dospartidos políticos por essa abordagem ser interessante e relevante para acompreensão do processo político uma vez que a coligação entre deputados do

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mesmo partido e entre partidos é comum. Para efeito de análise, os deputados sempartido foram considerados uma única coligação. 

Através dos dados da tabela acima, pode-se observar que os quatro partidos commaior número de representantes na Câmara, possuem juntos 300 cadeiras, o quesignifica 60,75% do poder em uma votação em que é necessária metade mais umdos votos, e 60,96% do poder em uma votação em que são necessários 3/5 dos

votos. Um fenômeno interessante é que neste segundo tipo de votação, mesmo tendo seupoder aumentado, esses partidos não teriam - apenas com seus votos - condiçõesde impor sua vontade, uma vez que são necessários 308 votos para a aprovação. Mas por que isso ocorre? Como um grupo de quatro partidos no caso da votação demaioria simples, detendo 60,75% do poder consegue ter o número de votosnecessários para passar sua proposta, e na votação de 3/5 dos votos, tendo60,96% do poder, não consegue? Para esclarecer este fenômeno, na tabela aseguir foi realizada uma simulação onde esses quatro partidos foram consideradosum único partido. 

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 O que acontece nesse exemplo pode ser explicado entendendo-se que nos doiscasos, os índices 60,75% e 60,96% de poder, respectivamente, dos quatroprincipais partidos representam apenas a soma de seus índices de poderindividualmente. Essa porcentagem não representa o índice de poder de umaaliança entre esses partidos. Em outras palavras, a soma dos índices de poder dospartidos não é igual ao índice de poder da coligação formada por eles. Para que o índice de uma eventual coligação seja calculado é preciso considerartodos em uma mesma aliança como apenas 1 jogador, ou seja, todas as decisões e

movimentos são realizados em uníssono. Observa-se na tabela a distribuição de poder, onde a coligação (PT-PFL-PMDBPSDB)possui 100% do poder numa votação de maioria simples, já que detém 300 votos,suficientes para a aprovação. Enquanto que no segundo caso ela não tem os 308votos necessários, sendo, por isso, obrigada a buscar novas alianças para fazervaler sua vontade, logo seu poder não é 100%, e sim 88,25%. 6. PODER DE REPRESENTATIVIDADE INDIVIDUAL O artigo 14 da Constituição brasileira atesta: "a soberania popular será exercidapelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,nos termos da lei, mediante: plebiscito; referendo; iniciativa popular". Essa

proposição é válida no caso de uma eleição presidencial, onde é o número absolutoque cada candidato alcança o responsável pela sua vitória ou derrota. Aimportância do voto de um cidadão independe de sua localização. Analogamente a sobernia popular também deveria ser exercida com valor igualpara todos na constituição do poder legislativo nacional. Na tabela abaixo, foirealizado o cálculo do índice de poder que cada habitante possui, alcançado atravésda divisão do índice de poder que a unidade federativa detém pelo seu número dehabitantes. 

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Em seguida, para melhor análise das distorções, realizou-se a padronização relativaao estado de São Paulo, cujo índice de poder por habitante foi o menor encontrado.O número final demonstra quantos habitantes de São Paulo equivalem a umhabitante de outro estado.

Observa-se que a maior discrepância encontrada se dá entre os estados de SãoPaulo e Roraima. Onde, aproximadamente 11,3544 habitantes de São Paulocompartilham do mesmo poder que um único habitante de Roraima. Esta razão nãoestá longe da encontrada para o poder relativo aos estados, de 10,054:1. Essa análise traz consigo um dilema interessante: O estado mais poderoso, SãoPaulo, possui uma população cerca de 114 vezes maior que Roraima, estado que seencontra entre os menos poderosos. Em uma tentativa teórica de equalizar arepresentatividade dos dois estados de forma que a relação habitantes/deputadofosse a mesma, o índice de poder de um habitante de São Paulo tornar-se-ia maiorque o de um habitante de Roraima, o que levaria a um novo problema. 

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Este resultado foi encontrado recalculando-se o índice de poder de cada unidadefederativa, agora assumindo que todas possuem a mesma relação derepresentatividade. A conclusão foi de que o índice de poder do estado de SãoPaulo seria cerca de 150 vezes maior que o de Roraima, ou seja, seriamnecessários 1,3 habitantes de Roraima para igualar o índice de poder de 1habitante de São Paulo. O dilema reside no equilíbrio entre a representatividade e igualdade de todos oshabitantes do país e a garantia de participação de todas as unidades federativas,por menores que sejam, no processo de decisão do governo. 7. LIMITAÇÕES DO ESTUDO Como se trata de um estudo teórico e matemático, este trabalho apóia-se emalguns pressupostos. O primeiro é que para viabilizar a análise considerou-se quesempre todas as votações ocorrem com todos os membros da Câmara dosDeputados presentes. A segunda é de que foram formados blocos heuristicamente, como por exemplo adivisão dos deputados por região, apesar dessas divisões serem possíveis em certas

ocasiões. O processo político é complexo, como menciona o ex-presidente FernandoHenrique Cardoso (1999): “A sofisticação dos procedimentos parlamentares, acomplexidade das discussões são difíceis para um não parlamentar acompanhar... émuito difícil entender porque, em certos casos, se precisa de 3/5 da votação e,noutros casos, a maioria de metade mais um, noutros a maioria simples... aimaginação parlamentar é infinita.”  Outro fator é a instabilidade partidária: “Quando parlamentares ou outrosocupantes de cargos eletivos se sentem desconfortáveis nos partidos que oselegeram, podem recorrer, a qualquer momento a troca de agremiação” Castor(2000). Constitui-se também como limitação a escolha de apenas algumas possibilidades de

arranjos dos membros da Câmara dos Deputados, pois há um número muitogrande de possíveis coligações entre eles. 8. CONCLUSÕES Esse artigo procurou demonstrar como a Teoria dos Jogos pode ser aplicada paraanalisar a dinâmica em processos de votações. A teoria utilizada permitiu identificarcaracterísticas do processo deliberativo da Câmara dos Deputados em face de umavisão teórico-empírica. Foram identificados fatos como a existência de dois grandes jogadores na dinâmicaregional, seis entre as unidades federativas e quatro entre os partidos políticos.Também fez-se evidente a discrepância de representatividade entre as unidades

federativas e a concentração de poder em todas as abordagens estudadas. Asdiferenças entre o poder relativo de cada cidadão ficaram evidentes ao sedemonstrar a equivalência de poder de onze habitantes de São Paulo emcomparação a um habitante de Roraima. A importância e o potencial de uma coligação ficam explícitos através dos exemplosescolhidos, onde o delicado balanço de influências e poder pode se alterarsignificativamente, podendo garantir as vontades de seus integrantes. 

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Descrições de casos como o Paradoxo do Alabama e o da influência dos membrosdo Conselho de Segurança das Nações Unidas serviram para demonstrar como aTeoria dos Jogos pode ser utilizada em sistemas de votação para desvendar fatosignorados pelo senso comum, deixando claro o perigo de se implementar soluçõessimplificadas e sem base científica utilizando regras que muitas vezes servem ainteresses puramente políticos. Demonstrou-se através da análise uma sutileza da teoria, a conclusão de que nemsempre o número de votos é proporcional ao poder de um jogador, mostrando queo processo político é mais complexo e intrincado do que uma análise superficialindicaria. Foi levantada a problemática de que o ajuste de representatividade entre asunidades federativas (mesma proporção de habitantes por representante) não levanecessariamente a uma igualdade de poder entre os cidadãos, visto que um novodesequilíbrio de poder ocorreria. Procurou-se trazer uma análise científica baseada na Teoria dos Jogos à arenapolítica, buscando incentivar o debate sobre o processo democrático do país,processo essencial à construção de uma sociedade mais equilibrada. Uma iniciativa no sentido de corrigir as distorções de poder e representatividade naprática parece ser bastante improvável, visto que os membros que perderiam poderdificilmente concordariam com tal mudança, votando pela manutenção do statusquo. Como sugestões para futuros trabalhos, dada a natureza da Teoria dos Jogos,incentiva-se a proliferação de estudos descritivos e prescritivos sobre a estratégiade determinados partidos ou coligações em diversas esferas políticas, visando a umentendimento do processo político brasileiro como um todo, entendimento este quepossa propiciar seu avanço e melhoria. À medida que a Teoria dos Jogos é desmistificada, procura-se estimular o seu usoem situações práticas, demonstrando como ela pode ser aplicada no auxílio aoplanejamento e análise de situações de conflito e cooperação em processos de

decisão coletiva em empresas, conselhos deliberativos, assembléias ou quaisqueroutras instâncias em que um grupo necessite tomar uma decisão. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUMANN, R. J. ;MASCHLER, M. Game Theoretic Analysis of a Bankrupcy Problem from the Talmud. Journal of Economic Theory, p. 195-213, 1985. BANZHAF, J. F. Weighted Voting Doesn´t Work: A Mathematical Analysis. Rutgers Law Review, v. 19, p. 317-343, 1965. CARDOSO, F. H. Reforma política: prioridades e perspectivas para a nação brasileira. Parcerias Estratégicas,p. 5-20, 1999. CASTOR, B. V. J. O Brasil não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho.Curitiba: EBEL: IBQP-PR, 2000. DAVIS, M. B. Game Theory: A Nontechnical Introduction. New York: Basic Books, 1983. GALBRAITH, J. K. American Capitalism - The Concept of Countervailing Power. Boston: Houghton MifflinCo., 1952. IBGE - Instituto brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ 2003.Acessado em 25/04/2003. PINKER, S. Como a Mente Funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.READ, T. Nuclear Tactics for Defending a Border. World Politics, v. 15, p. 390-402, 1963. REIJNDERS, L. On the Applicability of Game Theory to Evolution. Journal of Theoretical Biology, v. 75, p.245-247, 1978. ROBSON, A. J. Efficiency in Evolutionary Games: Darwin, Nash and the Secret Handshake. Journal of Theoretical Biology, p. 379-396, 1990. SHAPLEY, L. S. A Value for n-person Games. Princeton University Press, p. 307-317, 1953. SHAPLEY, L. S. ;SHUBIK, M. A Method for Evaluating The Distribution of Power in a Committee System.American Political Science Review, p. 787-792, 1954. Site da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br 2003. Acessado em 25/4/2003 

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