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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA RESCISÃO DO CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO CONSUMIDOR LOUISE CRISTINA GONZAGA Itajaí (SC), 30 de outubro 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

RESCISÃO DO CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO

CONSUMIDOR

LOUISE CRISTINA GONZAGA

Itajaí (SC), 30 de outubro 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

RESCISÃO DO CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO

CONSUMIDOR

LOUISE CRISTINA GONZAGA

Monografia submetida à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Dr. Diego Richard Ronconi

Itajaí [SC], 30 de outubro de 2009.

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AGRADECIMENTO

Agradeço, primeiramente, a Deus, que ilumina meus caminhos.

Agradeço aos meus pais, Luiz e Marilene, pelo amor incondicional e conselhos

preciosos.

Agradeço às minhas grandes amigas de trabalho, Samantha e Dra. Vera, pela

paciência e ensinamentos de grande valia.

Agradeço ao meu namorado, Eduardo, pelos momentos de compreensão e lealdade.

Agradeço ao meu orientador pela sincera atenção.

Por fim, agradeço todos aqueles que, de alguma forma, me ajudaram a finalizar essa

etapa tão importante de minha vida.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, pessoas extraordinárias e razão de minha vida.

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DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 30 de outubro de 2009

Louise Cristina Gonzaga Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando LOUISE CRISTINA GONZAGA , sob o

título RESCISÃO DO CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO CONSUMID OR, foi

submetida em 17 de novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Diego Richard Ronconi (Orientador e Presidente da Banca) e

Natan Ben-Hur Braga (Membro e examinador) e aprovada com a nota 10,0 (dez).

Itajaí (SC), 17 de novembro 2009.

Dr. Diego Richard Ronconi

Orientador e Presidente da Banca

Msc. Nat an Ben-Hur Braga

Membro e examinador

Antônio Augusto Lapa

Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT Ato de Disposições Constitucionais Transitórias

art., arts. Artigo, artigos

BACEN Banco Central do Brasil

CC/2002 Código Civil (2002)

CDC Código de Proteção ao Consumidor

COPRODECON Código de Proteção ao Consumidor

CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

EC Emenda Constitucional

ed. Edição

Inc Inciso

Nº. , nº Número

p., pp. Página, páginas

Prof., Professor

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

vol., vols. Volume, volumes

§ Parágrafo

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ROL DE CATEGORIAS

Estas são as categorias que a autora da presente monografia

entende necessárias para melhor entendimento da pesquisa realizada.

CONSUMIDOR

Pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final1.

CONTRATOS BANCÁRIOS

É a indicativa, em que uma das partes é um banco ou uma instituição financeira2.

CONTRATO DE ADESÃO

São os que não permitem liberdade, devido à prepoderância da vontade de um dos

contratantes, que elabora todas as cláusulas. O outro adere ao modelo de contrato

previamente confeccionado, não podendo modifica-las: aceita-as ou rejeita-as, de forma

pura e simples [...]3.

FORNECEDOR

Todo comerciante ou estabelecimento que abastece, ou fornece, habitualmente uma

casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários a seu

consumo4.

LESÃO

Meio de viciar o negócio jurídico, caracteriza-se, em síntese, pela desproporcionalidade

1 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor . Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 28. 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e atos unilaterais. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 643. 3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro . Contratos e atos unilaterais. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 75. 4 SILVA, Plácido e. Vocabulário jurídico . vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 138.

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existente nas prestações5.

PRÁTICAS ABUSIVAS

Desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao

consumidor6.

RELAÇÃO DE CONSUMO

Existência de sujeitos do direito em pólos opostos, que interagem para a transmissão

de bens (objeto do direito) e a consecução dos fins que a deram origem à formação da

relação7.

RESCISÃO

Deve ser empregado, no entanto, em boa técnica, nas hipóteses de dissolução de

determinados contratos, como aqueles em que ocorreu a lesão ou que foram

celebrados em estado de perigo8.

5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 472. 6 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor. 6ª ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1999, p. 306. 7 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2000, p. 296. 8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro . Contratos e atos unilaterais. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 183-184.

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SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................... 12

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13

Capítulo 1

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA D O

CONSUMIDOR

1.1. CONCEITO E OBJETIVOS DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO

CONSUMIDOR (COPRODECON) ....................................................................................... 15

1.2. CONCEITOS DE RELAÇÃO DE CONSUMO, DE CONSUMIDOR E DE

FORNECEDOR ...................................................................................................................... 18

1.3. AS TEORIAS MAXIMALISTA E FINALISTA NAS RELAÇÕE S DE CONSUMO . 23

1.4. A RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO S ERVIÇO ............... 26

1.5. A RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO ............. 31

1.6. AS PRÁTICAS ABUSIVAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO . ........................... 33

1.7. PROTEÇÃO CONTRATUAL DO CONSUMIDOR ............ ..................................... 35

1.8. AS CLÁUSULAS ABUSIVAS E OS CONTRATOS DE ADESÃO ........................ 37

Capítulo 2

A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

DIANTE DE ALGUMAS ATIVIDADES BANCÁRIAS

2.1. CONCEITO DE BANCO ............................ ............................................................ 40

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2.2. O BANCO CENTRAL DO BRASIL E SUA IMPORTÂNCIA JU NTO ÀS

INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS .......................... .......................................................... 42

2.3. O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR X CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR BANCÁRIO ..................... .............................................. 48

2.4. OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR ........... .......................................... 50

2.4.1. Direito à Segurança ....................... .................................................................. 52

2.4.2. Direito à educação para o consumo ......... ...................................................... 53

2.4.3. Direito à informação adequada e clara ...... ..................................................... 54

2.4.4. Direito à proteção contra a propaganda engan osa e coerção ..................... 54

2.4.5. Direito à modificação das condições contratu ais .......................................... 56

2.4.6. Direito à indenização ...................... .................................................................. 57

2.4.7. Direito de Acesso à Justiça e à facilitação da defesa ................................... 58

2.4.8. Direito à prestação de serviços públicos ade quados e eficazes .................. 60

Capítulo 3

CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESCISAO DO CONTRATO BANCÁRIO POR

LESÃO AO CONSUMIDOR

3.1. DIGRESSÕES HISTÓRICAS ACERCA DO INSTITUTO DA L ESÃO .................. 62

3.1.1. Da lesão no direito romano ................. ............................................................. 62

3.1.2. Da lesão no direito luso-brasileiro ........ .......................................................... 64

3.1.3. Da lesão no direito brasileiro anterior ao C ódigo Civil de 2002 .................... 65

3.2. CONCEITO DE LESÃO E SEUS REQUISITOS ......... .......................................... 67

3.3. DAS ESPÉCIES DA LESÃO ....................... ......................................................... 71

3.4. LESÃO X ONEROSIDADE EXCESSIVA ................ .............................................. 74

3.5. HIPÓTESES DE OCORRÊNCIA DA LESÃO NO CONTRATO B ANCÁRIO ........ 76

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3.6. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DAS CLÁUSULAS DO CONTRATO E A

FIGURA DA LESÃO ................................... .................................................................. 79

3.7. CONSIDERACÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE RESCI SÃO DO

CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO CONSUMIDOR ....................................... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ............................................................ 90

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ................... ............................................... 92

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RESUMO

A presente monografia versa sobre a ocorrência da lesão nos contratos bancários e a

possibilidade do consumidor postular pela rescisão do mesmo. A pesquisa

desenvolveu-se, inicialmente, sob o foco da proteção emanada pelo Código de Defesa

do Consumidor e os reflexos diretos nas relações jurídicas entabuladas, abordando as

teorias maximalistas e finalistas para a conceituação de consumidor. Ao final, procura-

se direcionar o trabalho à verificação da possibilidade do consumidor em postular em

juízo pela rescisão do contrato bancário em face da ocorrência da lesão, instituto

introduzido ao direito brasileiro pelo Código Civil de 2002, abordando as principais

características, digressões históricas de tal instituto e a aplicação das normas civilistas.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo o estudo da possibilidade

de “rescisão do contrato bancário por lesão ao consumidor” e, como objetivos:

institucional, produzir uma monografia para a obtenção do grau de bacharel em Direito,

pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, pesquisar na legislação e na

doutrina, a forma de ocorrência da lesão nos contratos bancários e as respectivas

consequências, focando, primordialmente, na rescisão do pacto contratual, e específico,

abordar tema de grande ocorrência no cotidiano dos negócios jurídicos, em especial

àqueles que envolvem em um dos pólos as instituições financeiras.

O trabalho foi dividido em três capítulos, sendo que o primeiro

deles trata do Código de Proteção ao Consumidor, abordando o conceito de relação de

consumo, consumidor sob o enfoque das teorias maximalista e finalista e fornecedor,

ressaltando também a responsabilidade pelo fato e vício do produto ou serviço e as

práticas abusivas nos contratos bancários.

O segundo capítulo traz à tona a aplicabilidade do Código de

Defesa do Consumidor diante de algumas atividades bancárias, ressaltando o conceito

de banco, a importância do Banco Central do Brasil junto às instituições financeiras,

Código de Proteção do Consumidor Bancário e os direitos dos consumidores frente aos

negócios jurídicos entabulados.

O terceiro e último capítulo aborda considerações acerca da

rescisão do contrato bancário por lesão ao consumidor, trazendo, inicialmente,

digressões históricas acerca do instituto da lesão, seu conceito e requisitos, bem como

suas espécies. Ao final, diferenciou-se a lesão da onerosidade excessiva, ressaltando

as hipóteses de ocorrência da primeira no contrato bancário e a possibilidade de

rescisão do contrato bancário por lesão ao consumidor, abordando, finalmente, a

utilização subsidiária do Código Civil para invocar a rescisão contratual.

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Realizou-se a pesquisa com base nas seguintes hipóteses: a) A

lesão poderá ensejar a anulação do negócio jurídico, resolvendo, desta forma, o

contrato celebrado entre as partes; b) Consumidor é o destinatário final do produto ou

do serviço; e c) A figura da lesão infringe o princípio da obrigatoriedade das cláusulas

do contrato, podendo a parte lesionada furtar-se ao cumprimento integral do que foi

contratado.

Quanto à Metodologia9 empregada, registra-se que nas fases de

Investigação e do Relatório dos Resultados, foi utilizado o Método Indutivo10, acionadas

as Técnicas do Referente11, da Categoria12, do Conceito Operacional13 e da Pesquisa

Bibliográfica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, aduzindo-se sobre a confirmação ou não das hipóteses

trabalhadas, seguido da estimulação à continuidade dos estudos e de reflexões sobre o

tema.

9 Na categoria metodologia estão implícitas duas Categorias diferentes entre si: Método e Técnica ”. In:

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 9. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 103. (destaque no original).

10 O referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” In: PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 104.

11 “REFERENTE é a explicitação prévia do (s) motivo (s), dos objetivo (s) e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 62.

12 Categoria é “a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 31.

13 “Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56.

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CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

1.1 CONCEITO E OBJETIVOS DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DE FESA DO CONSUMIDOR (COPRODECON)

O Direito do Consumidor é matéria demasiadamente discutida na

jurisprudência e doutrina, já que é palco de discussões judiciais acirradas, envolvendo,

pois, a relação obrigacional meramente de consumo, ou seja, aquelas que envolvem o

consumidor e o fornecedor. É necessário salientar que o Código de Proteção ao

Consumidor, além de regular as relações consumeristas, é composto de princípios

constitucionais fundamentais, prevalecendo sobre os demais sistemas reguladores,

com exceção da Carta Magna.

Nesse sentido, o doutrinador Nunes14 assenta que:

Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior –, sendo aplicável às outras normas de forma supletiva e complementar.

Lucca15 explica a razão pela qual o Direito do Consumidor possui

uma elevada dimensão:

É claro que, sob certo ângulo de análise, o interesse dos consumidores em geral penetra em quase tudo: o direito à saúde, à previdência, à assistência social, à educação, etc são de certa maneira, direitos dos consumidores.

14 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor . 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005,

p.65. 15 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor . Aspectos práticos: perguntas e respostas. 2ª ed. São

Paulo: Edipro, 2000, p. 22-23.

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Portanto, a edição do Código de Proteção ao Consumidor, Lei

8.078/90, inaugurou um novo modelo jurídico dentro do Sistema Constitucional

brasileiro, eis que foi editado face à determinação constitucional, conforme artigo 48 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal16, o que

revela o primeiro elemento de ligação entre ele e a Constituição Federal.

Nesse diapasão, tem-se que “não apenas o Código de Defesa do

Consumidor tem por base constitucional (Art. 48 do ADCT) como, mais amplamente,

todo o princípio da proteção acha-se constitucionalmente assegurado”17.

Isso porque o Código de Proteção ao Consumidor é

estruturalmente baseado em princípios, razão pela qual pode ser denominado como

uma lei principiológica, modelo inexistente no Sistema Jurídico Nacional até sua edição.

Engloba-se como lei principiológica aquela que ingressa no

sistema jurídico, atingindo, no caso do CDC, toda e qualquer relação jurídica que possa

ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma

jurídica infraconstitucional18.

Na verdade, o caráter principiológico do Código de Proteção ao

consumidor é a concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde

a vigência da Constituição Federal – 05 de outubro de 1988- como cláusulas pétreas,

razão pela qual não pode ser alterado.

Efetivamente, as normas consumeristas tornam explícitos os

comandos constitucionais para as relações de consumo, aclamando os princípios

fundamentas da Constituição, que norteiam o regime constitucional e os direitos e

garantias fundamentais.

16 “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código

de defesa do consumidor”. 17 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor , p. 34. 18 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 66.

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A propósito, o que a lei consumerista faz é tornar explícitos, para a

relações de consumo, os comandos constitucionais. Dentre estes destacam-se os

Princípios Fundamentais da República, que norteiam todo o regime constitucional e os

direitos e garantias fundamentais19.

Dessa forma, a aplicação do Código de Proteção ao Consumidor

às relações obrigacionais cabíveis está atrelada aos princípios e garantias

constitucionais fundamentais, razão pela qual se verifica seu caráter principiológico.

Sustentando tal assertiva, Nunes20 afirma que:

À frente de todos está o superprincípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), como especial luz a imantar todos os demais princípios e normas constitucionais e apresentando-se a estes como limite intransponível e, claro, a toda e qualquer norma de hierarquia inferior.

A seguir, no texto constitucional estão os demais princípios e garantias constitucionais que são reconhecidos no CDC e que aqui relembramos: o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput, e inciso I); a garantia da imagem, da honra, da privacidade, da intimidade, da propriedade e da indenização por violação a tais direitos de modo material e também por dano moral (CF, art. 5º, V, c/c, os incisos X e XXII); ligado à dignidade e demais garantias está o piso vital insculpido como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à maternidade etc. (CF, art. 6º); e unidos a todos esses direitos está o da prestação de serviços públicos essenciais com eficiência, publicidade, impessoalidade e moralidade (CF, art. 37, caput).

Todavia, vale ressaltar a divergência doutrinária existente acerca

da caracterização do ramo consumerista como autônomo, eis que existe tanto o

entendimento de que possui vida própria, quanto que pelo fato de abranger várias

ramificações do direito público e privado não pode ser considerado auto-suficiente.

Acalorando a discussão, pode-se citar o seguinte entendimento:

É preciso que se estabeleça claramente o fato de o CDC ter vida própria, tendo sido criado como subsistema autônomo e vigente dentro do subsistema constitucional brasileiro21.

19 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 66. 20 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 66.

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18

Discordando de tal entendimento, cita-se:

Este Código é, de fato, um microssistema normativo, de natureza multidisciplinar por abranger vários ramos do direito público e privado. Dessarte, não nos parece aceitável a tese de que o direito do consumidor é um ramo autônomo do direito22.

Assim, verifica-se que embora o Código de Proteção ao

Consumidor tenha sido sancionado em 11 de setembro de 1990 e entrado em vigor

após 180 dias contados da referida data, ainda existem controvérsias que não foram

rechaçadas pelos estudiosos do ramo.

Ressalta-se, contudo, que, historicamente, a Lei 8078/90 tinha de

vir, pois o Código Civil de 1916 e demais institutos reguladores das relações emanadas

pelo regime privatista, já não alcançavam as situações de massa impulsionadas pela

relação de consumo, razão pela qual fazia-se necessária a existência de uma lei capaz

de dar conta das relações jurídicas materiais que haviam surgido e estavam a pleno

vigor, todavia, à mercê de suporte jurídico que impusesse limites e impedisse a prática

de abusos que estavam sendo praticados.

Felizmente, a partir de 11 de março de 1991, com a entrada em

vigor da lei consumerista, as referidas situações foram regulamentadas e,

conseqüentemente, submetidas aos parâmetros normativos da Carta Magna.

1.2 CONCEITOS DE RELAÇÃO DE CONSUMO, DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR

É consabido que a aplicabilidade do Código de Proteção ao

Consumidor abrange toda e qualquer relação obrigacional em que estejam envolvidos o

consumidor (destinatário final) e o fornecedor de produtos ou serviços, caracterizando-

se, principalmente, pela relação jurídica celebrada entre os mesmos.

21 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 65. 22 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor . 4ª ed. São Paulo: LTr,

1999, p. 28.

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19

Assim, pode-se conceituar a relação de consumo como aquela

estabelecida entre o consumidor e o fornecedor com o objetivo primordial de

transacionar produtos e serviços.

Nessa senda, Lisboa23 expõe que a relação jurídica de consumo

“envolve a existência de sujeitos do direito em pólos opostos, que interagem para a

transmissão de bens (objeto do direito) e a consecução dos fins que a deram origem à

formação da relação”.

Não discrepando de tal conceituação, Gama24 assevera que

relações de consumo são aquelas que:

Se estabelecem ou podem vir a se estabelecer quando de um lado porta-se alguém com atividade de ofertador de produtos ou serviços e, de outro lado, haja alguém sujeito a tais ofertas ou sujeito a algum acidente que venha ocorrer com a sua pessoa ou com seus bens.

E ainda complementa:

[...] ocorrem relações de consumo nas vezes em que de um lado há alguém dedicado às atividades de prestar serviços ou fornecer bens, seja este alguém pessoa física ou jurídica ou na condição de ente despersonalizado e, de outro lado, alguém que esteja sujeito às práticas comerciais e aos contratos de fornecimentos ou que seja vítima de um acidente de consumo, capaz de atingir sua pessoa ou seus bens25.

Portanto, as relações de consumo podem ser caracterizadas como

aquelas transações comerciais em que se envolvem a figura do consumidor, seja

pessoa física ou jurídica, como destinatário final e, do lado oposto, o fornecedor de

produtos ou serviços.

Quanto ao conceito de consumidor, verifica-se que o próprio

legislador se encarregou de elaborá-lo, inserindo na redação do artigo 2º do CDC que

“consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço

23 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2000, p. 296. 24 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor . Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 23-24. 25 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 23-24.

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como destinatário final”, sendo completado por outros dois artigos do mesmo livro

norteador, quais sejam, 1726 e 2927.

A doutrina, por sua vez, conceitua consumidor como “toda a

pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final”28.

E ainda:

[...] personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial29.

Numa análise superficial da leitura, denota-se que consumidor é a

pessoa física, natural ou pessoa jurídica que adquire, a título gratuito ou oneroso, ou

utiliza o produto. Isso porque a norma define como consumidor não só o adquirente do

produto, mas também aquele que o consume ou utiliza-o mesmo sem tê-lo comprado,

por exemplo, “se uma pessoa compra cerveja para oferecer aos amigos numa festa,

todos aqueles que a tomarem serão considerados consumidores”30.

Para Marques31, na definição legal de consumidor, a única

característica restritiva seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final.

Em verdade, a grande discussão relacionada ao conceito de

consumidor versa no uso do termo “destinatário final”, já que em inúmeros casos

ocorrem dúvidas acerca da possibilidade ou não de enquadrar o adquirente em tal

conceito e, conseqüentemente, invocar o manto do Código de Proteção ao Consumidor. 26 “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. 27 “Para fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. 28 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 28. 29 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor. 6ª ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2005, p. 26. 30 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 73. 31 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor . 5ª ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2006, p. 303.

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A propósito:

A lei 8.078 faz distinção entre o consumidor final e o consumidor intermediário, ao qual nos reportamos inicialmente, expressando, pelo art. 2º, que somente a aquisição para uso próprio, individual, será considerada como consumo, deixando à margem de sua proteção a aquisição de bens ou serviços para a aplicação em sua atividade final. Ocorre, no entanto, que em algumas disposições do código encontramos lapsos no texto legal que nos permitem enquadrar como consumidor também o adquirente de matéria-prima, insumos para sua transformação e recolocação no mercado32.

Elucidando a existência da referida dúvida:

O problema do uso do termo “destinatário final” está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final, mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo, pode ser considerado consumidor?33.

Na realidade, o exemplo supramencionado versa sobre bens de

produção, ou seja, aqueles que serão utilizados para o desenvolvimento de atividade,

razão pela qual não se pode aplicar o Código de Proteção ao Consumidor, eis que, a

uma, o caso não se identifica com os princípios e finalidades da norma consumerista e,

a duas, representaria um obstáculo às relações comerciais entabuladas.

Nesse diapasão, colhe-se da doutrina:

Em casos nos quais se negociam e adquirem bens típicos de produção, o CDC não pode ser aplicado por dois motivos óbvios: primeiro, porque não está dentro de seus princípios ou finalidades; segundo, porque, dado ao alto grau de protecionismo e restrições para contratar e garantir, o CDC seria um entrave nas relações comercias desse tipo, e que por muitas vezes são de grande porte34.

32 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. v. III. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1996, p. 168. 33 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor . 2005, p. 73. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 76.

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Ademais, o Código de Proteção ao Consumidor regula situações

em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer

pessoa os adquira, como destinatária final.

O doutrinador Nunes35 explica que “ai está o caminho indicativo

para a solução. Dependendo do tipo de produto ou serviço, aplica-se ou não o Código,

independentemente de o produto ou serviço estar sendo usado ou não para a produção

de outros”.

Em verdade, “destinatário final é aquele destinatário final e

econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica”36.

A conceituação de fornecedor, por sua vez, encontra-se delineada

no art. 3º, caput, do Código de Proteção ao Consumidor, veja-se:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Para Plácido e Silva37, fornecedor, derivado do francês fournir,

founisser, é todo comerciante ou estabelecimento que abastece, ou fornece,

habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias

necessários a seu consumo.

Nesse mesmo norte:

Tem-se, por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual38.

35 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 77. 36 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 303. 37 SILVA, Plácido e. Vocabulário jurídico . vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 138. 38 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 40.

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E ainda:

[...] O Código elenca como fornecedor toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira e até os entes despersonalizados que mantenham as atividades de fornecer bens ou serviços. Aquela pessoa que eventualmente venda um bem ou preste um serviço sem caráter de habitualidade, não é fornecedora e os negócios feitos com ela não são abrangidos pelas proteções ensejadas pelo CDC39.

Entende-se por fornecedor denominado de ente despersonalizado

aqueles que “embora não dotados de personalidade jurídica, quer no âmbito comercial,

quer no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços”40.

Conseqüentemente, considera-se fornecedor todos aqueles que

participam da relação de consumo, propiciando a oferta de produtos e serviços,

independente de ser pessoa física, jurídica ou entes despersonalizados.

Importante destacar que o direito do consumidor e, como

conseqüência, a caracterização do consumidor e fornecedor, encontra-se sustentado

por duas teorias clássicas, que serão objeto de análise do próximo título.

1.3 AS TEORIAS MAXIMALISTA E FINALISTA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

É sabido que o consumidor é sujeito detentor de direitos

fundamentais, razão pela qual o Código de Proteção ao Consumidor identifica-se como

sistema de normas e princípios que objetivam simplesmente proteger o mesmo, que se

mostra, incontestavelmente, como parte vulnerável da relação de consumo.

Marques41, ao interpretar o art. 2º do CDC, sintetizou a existência

de duas tendências do consumerismo, quais sejam, finalistas e maximalistas,

ensinando que:

39 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 29. 40 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 40. 41 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 373/374.

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A interpretação finalista nada mais é do que uma interpretação conforme à Constituição (princípio constitucional da igualdade e proteção da dignidade e direito fundamental do cidadão à proteção do Estado, como consumidor – art. 5º, caput e inciso XXXII, da CF/88), interpretação conforme a nova ordem econômica constitucional (art. 170 da CF/88) e a importância da identificação do sujeito de direito a tutelar de maneira especial, o consumidor! É interpretação do art. 2º do CDC utilizando todos os métodos clássicos de interpretação: literal, lógico-sistemático e teleológico. A teoria contrária – maximalista – propugna uma interpretação apenas literal da expressão “destinatário final”, concluindo que basta ser destinatário final fático do produto ou serviço.

Em relação à corrente finalista, ensina que:

A interpretação finalista, que defendo, tem sua base na vulnerabilidade (presumida ou comprovada) do sujeito de direitos tutelado e restringe conscientemente a figura do consumidor stricto sensu àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família e permite a equiparação dos arts. 17 e 29 do CDC somente com base em prova de equiparação. Consumidor não seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável42.

Daí decorre o caráter de proteção do Código do Consumidor, haja

vista que, segundo a corrente finalista, tutela os interesses dos mais fracos com a

finalidade de concretizar os direitos humanos, fundamentais, subjetivos, garantindo,

assim, o equilíbrio nas relações de consumo.

Marques43 afirma ainda que a interpretação da expressão

destinatário final deve se dar de forma restrita, identificando, à luz dos princípios do

Código do consumidor, o caráter fático e econômico da relação jurídica mantida entre o

consumidor e o fornecedor do produto ou serviço.

Discordando de tal posição, Lisboa44 ressalta que “não cabe ao

intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu”, porque “subverter-se-ia a

42 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 380. 43 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 378. 44 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos: meio ambiente, trabalho, agrário, locação,

autor. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 300-301.

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estrutura do sistema, transformando-se o aplicador da lei em legislador, o que não pode

ser infenso às críticas”45.

Todavia, bem sabido é que, para a aclamação das normas não só

consumeristas, mas gerais, por vezes, o operador da lei se vê frente à situações que

necessitam de sua rápida e perspicaz interpretação, sob pena de ver fadado ao

insucesso o pleito de um direito que já se faz presente no mundo jurídico.

Em contrapartida, a corrente maximalista considera o CDC uma

forma de regular a sociedade de consumo, instituindo normas para todos os agentes

mercado e, por esta razão, defende uma maior aplicabilidade do estatuto consumerista.

Nesse mesmo sentido, tem-se que:

A definição do CDC deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço46.

Desse modo, em que pese a boa intenção inserida pela teoria

maximalista nas relações jurídicas de consumo, isto é, estender a aplicabilidade do

CDC ao maior número possível de transações, verifica-se que é alvo de críticas e

discordâncias, veja-se:

Dizer-se, como querem os assim denominados pela autora retrocitada ‘maximalistas’, que se aplica o Código, sem qualquer distinção, às pessoas jurídicas, ainda que fornecedoras de bens e serviços, seria negar-se a própria epistemologia do microssistema jurídico do que se reveste47.

Contudo, na prática forense, é a teoria maximalista a acolhida com

mais freqüência, conforme a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

45 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 300-301. 46 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor – o novo regime das

relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 67-69. 47 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 31.

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À luz da teoria maximalista, predominantemente aplicada por este egrégio Tribunal de Justiça, basta que a pessoa física ou jurídica enquadre-se no conceito de destinatário final fático do produto ou serviço adquirido para que sejam aplicadas as disposições constantes no CDC. [...] (Agravo de Instrumento n. 2007.011000-3, de Curitibanos. Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva. Decisão em 05/06/2007)48.

[...] Contrato de leasing - produto para atividade empresarial - filiação à teoria maximalista - destinatário final - aplicação do código de defesa do consumidor (CDC). [...]. (apelação cível n. 2001.022035-0, de abelardo luz. relator: des. ricardo fontes. decisão em 21/06/2007)49.

Justifica-se a mencionada aplicabilidade porque a teoria

maximalista se coaduna com o preceituado na legislação consumerista, encarando

como principal requisito que a pessoa seja destinatária final do bem ou serviço para ser

consumidora.

1.4 A RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO S ERVIÇO

O Código de Proteção ao Consumidor enfrenta também a questão

da responsabilidade do fornecedor e, restritivamente, do comerciante em relação à

qualidade, quantidade, informação e desempenho dos produtos ou serviços por ele

oferecidos.

Ilustrando tal responsabilidade, o art. 12 do referido estatuto

consumerista explicita que:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos [...].

48 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 2007.011000-3. 05/06/007.

Disponível em <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia> acesso em 15 mar. 2009. 49 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina . Apelação cível n. 2001.022035-0. 21/06/2007.

Disponível em <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia> acesso em 15 mar. 2009.

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É sabido que a ação positiva ou negativa humana pode ensejar a

realização de um fato jurídico, principalmente quando se trata da relação consumerista,

que engloba não só os interesses dos pólos envolvidos na relação, mas também uma

série de outros direitos50.

Vale ressaltar que:

Entende-se por fato jurídico o acontecimento ou ocorrência que interessa ao direito, de vez que sua repercussão importa na necessidade de regulação por parte da norma jurídica (imperativo autorizante de caráter sancionatório)51.

Lisboa52 explica que:

O acidente de consumo é fato jurídico que prejudica o direito à vida, à saúde ou à segurança do consumidor ou das vítimas do evento (art. 17, da Lei 8078/90), que tem como causa o produto ou serviço defeituoso lançado no mercado.

Efetivamente, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

decorre dos possíveis vícios de qualidade existentes no bem ou na prestação de um

serviço que frustam o resultado esperado pelo consumidor em relação à utilização do

mesmo.

Assim, “a responsabilidade pelo fato ou serviço decorre da

exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a

legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição”53.

Destarte, quando se trata da responsabilidade pelo fato do produto

ou serviço refere-se, basicamente, aos acidentes de consumo, que podem atingir o

consumidor fisicamente ou economicamente diante da insegurança do produto ou

serviço.

50 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 323. 51 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 323. 52 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 323-324. 53 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 31.

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A propósito, Gama54 leciona que:

Quando tratamos da ‘responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço’, estamos nos atendo aos chamados ‘acidentes de consumo’. Podem ser fatos que ocorram com os produtos ou serviços e que atinjam física ou economicamente aos consumidores. Podem ser fatos que ocorram com as pessoas ou os bens dos consumidores quando dos atos de consumir. Ou podem ser seqüelas decorrentes dos atos de consumir.

No mesmo sentido:

O acidente de consumo pode ocorrer tanto com o destinatário final do produto ou serviço, como atingindo alguma vítima que seja equiparada ao consumidor [...]. Podem ser vítimas da inadequação por insegurança do produto ou serviço [...]. Tome-se como exemplo, um acidente de consumo ocorrido no interior de uma residência. A genitora adquirente de um eletrodoméstico e o filho – que é terceiro em relação ao negócio jurídico- poderão ser vítimas relacionados ao mesmo negócio jurídico celebrado, se, ao ligarem corretamente o eletrodoméstico adquirido, vierem a sofrer os efeitos decorrentes de choque elétrico proveniente do mesmo55.

Entende-se por insegurança o vício de qualidade que se agrega

ao produto ou serviço como elemento de desvalia. De resto, em ambas as hipóteses,

“sua utilização ou fruição suscita um evento danoso (eventus damni) que se

convencionou designar ‘acidente de consumo’”56.

Ressalta-se, por oportuno, que o legislador ao tratar da

responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço objetivou atingir todos os partícipes

do ciclo produtivo-distributivo. Contudo, em via primária elegeu o fabricante, o produtor,

o construtor e o importador, deixando a figura do comerciante para ser responsabilizado

em segundo plano.

Nesse diapasão, Lisboa57 ensina que a responsabilidade direta é

do fornecedor mediato, quais sejam, o fabricante, o produtor, o construtor ou o

54 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 55. 55 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 325-326. 56 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 152. 57 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 324.

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importador, o qual responde pelos defeitos do produto ou do serviço que cause dano ou

ameacem algum direito personalíssimo do consumidor.

Pode-se considerar defeituoso o produto ou serviço que não

proporcione ao consumidor a segurança que se espera, em virtude de sua natureza,

características, apresentação, uso, circulação no mercado e outras circunstâncias

ponderáveis.

Todavia, ressalta-se que, à luz dos artigos 12, §2º e art. 14, §2º,

ambos do CDC, não se pode considerar defeituoso o produto ou serviço pelo fato de

ser colocado no mercado outro de melhor qualidade.

Comentando o assunto, Lisboa58 ensina que “a inserção de um

produto ou de um serviço de melhor qualidade ou mais aperfeiçoado tecnicamente não

torna defeituoso o produto ou o serviço anterior ou mesmo posterior colocado no

mercado de consumo”.

O fornecedor imediato, por sua vez, é chamado pelo Código

Consumerista de comerciante, possuindo, pois, uma acepção mais ampla do que

aquela dada pelo Código Comercial, já que mesmo não exercendo atos tipicamente de

comércio poderá ser caracterizado como tal59.

Sobre o Fornecedor imediato (comerciante) recairá a

responsabilidade pelos danos causados pelos acidente de consumo somente quando o

fornecedor mediato não for identificado ou quando não conservar adequadamente os

produtos perecíveis60.

Aliás, o art. 13 do Código de Proteção ao Consumidor assevera

que:

58 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 324. 59 MARQUES, Claudia lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 1213. 60 MARQUES, Claudia lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 1213

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30

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I- o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II- o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III- não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Urge salientar que o Código de Proteção ao Consumidor, ao tratar

da responsabilidade pelo fato ou vício do produto ou serviço adotou a responsabilidade

objetiva, ou seja, aquela que prescinde de culpa.

Nesse norte:

O Código de Defesa do Consumidor consagrou, tal como fez na responsabilidade pelo fato do produto e serviço, a responsabilidade objetiva dos fornecedores pelo vício do produto e serviço. Dessa feita, a responsabilidade é objetiva e solidária de todos os fornecedores mediatos e imediatos, que compuseram a cadeia do consumo61.

Marques62, ao comentar o assunto, assenta que a

responsabilidade adotada pelo CDC parece ter surgido pela influência de dois sistemas,

quais sejam, o norte-americano – partindo das idéias implícitas (contratuais) chegou à

responsabilidade objetiva – e o Diretiva da Comunidade Européia – adotando que os

defeitos dos produtos industrializados introduzidos no mercado pelo fornecedor

imputaria responsabilidade objetivamente ao fabricante.

Retomando os dizeres do art. 13 do Código de Proteção ao

Consumidor, denota-se a adoção da solidariedade relativa à responsabilidade entre o

comerciante e o fabricante, produtor, construtor ou importador, ou seja, todos

respondem igualmente pelo dano causado ao consumidor, salvo se existente alguma

daquelas hipóteses elencadas pelo supramancionado artigo, bem como das inseridas

61 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 329. 62 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 1213.

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31

pelo art. 14, §3º, inciso I, II e III do mesmo estatuto, quais sejam, defeito inexistente e

culpa do consumidor ou de terceiro.

Assim, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou

estrangeiro, e o importador são os responsáveis principais pela reparação dos danos

causados ao consumidor por defeito do produto, independentemente de culpa. O art. 12

estaria, assim, em relação ao art. 13, instituindo uma hierarquia de responsáveis. Por

sua vez, em casos especiais, a norma do art. 13 acrescenta mais um responsável

solidário à lista do art. 12, o fornecedor final ou comerciante63.

Comentando o assunto, Benjamin64 expõe que “o CDC prevê três

tipos de responsáveis: o real (fabricante, construtor e produtor), o presumido (o

importador) e o aparente (o comerciante quando deixa de identificar o responsável real)

[...]”.

Assim sendo, conclui-se que a responsabilidade pelo fato do

produto ou serviço deve ser atribuida não somente ao fornecedor mediato, mas também

ao imediato, alcançando, pois, a todos aqueles que contribuirem de alguma forma para

o evento danoso originado pela relação consumerista.

1.5 A RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO S ERVIÇO

Ressalta-se, inicialmente, que vício e defeito não possuem o

mesmo significado, pois o primeiro reduz o produto à imprestabilidade ou à redução de

seu valor econômico, enquanto o segundo não proporciona a segurança que dele se

espera.

Nesse sentido, tem-se que:

63 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 1210. 64 BENJAMIM, Antônio Herman de Vanconcelos e. Código brasileiro de defesa do consumidor

comentado pelo autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 55.

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32

Defeito de produto é a ausência da segurança que dele legitimamente se espera (art.12). Vício do produto é de qualidade ou de quantidade que o torna impróprio para consumo ou que lhe reduz o valor65.

Assim, à luz do art. 18, caput, da Lei 8078/90, os consumidores de

serviços duráveis ou não duráveis poderão pedir reparação quando o produto é

impróprio para o destino esperado ou tenha seu valor economicamente diminuído em

razão da presença de vício de qualidade ou quantidade.

Cabe salientar que a responsabilidade pelo vício do produto ou

serviço não possui similaridade à responsabilidade tratada anteriormente, haja vista que

seu fundamento recai sob os vícios de qualidade ou quantidade que, ao revés dos

vícios redibitórios, podem ser aparentes ou ocultos66.

Desta forma, os vícios redibitórios são caracterizados quando

existente uma relação contratual, vício grave e defeitos contemporâneos à celebração

do contrato, porquanto se forem supervenientes cabe a invocação da garantia,

enquanto nas relações de consumo leva-se em consideração a existência ou não do

vício, sem sequer mensurá-lo.

Vislumbra-se, pois, que o estatuto consumerista mostra-se mais

rigoroso na defesa do hipossuficiente, não se limitando a permitir reclamação contra os

vícios redibitórios mediante propositura de ação edilícia, mas responsabilizando o

fabricante pelos defeitos de fabricação e impondo a substituição do produto por outro

da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, e a restituição imediata da quantia

paga, devidamente corrigida, além das perdas e danos, ou ainda abatimento no

preço67.

65 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor , p. 269. 66 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor , p. 272. 67 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das obrigações e teoria geral do

contrato. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 130-131.

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33

Por oportuno, consigna-se que a responsabilidade emanada pela

presença de vícios de qualidade ou quantidade nos produtos ou serviços independe de

culpa, ou seja, é igualmente objetiva68.

De resto, a responsabilidade por vícios de qualidade ou

quantidade não se identifica, ontologicamente, com a responsabilidade por danos, nem

recorre a fatores extrínsecos, envolvendo apuração da culpa do fornecedor. Este

modelo de responsabilidade é consectário do inadimplemento contratual: o fornecedor

tem a obrigação de assegurar a boa execução do contrato, colocando o produto ou

serviço no mercado do consumo em perfeitas condições de fruição69.

1.6 AS PRÁTICAS ABUSIVAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

As práticas comerciais dos fornecedores de produtos e serviços

encontravam disciplina somente nas normas de direito comercial e nos princípios

norteadores da profissão do comerciante70. Assim, o prejuízo sofrido pelo consumidor

só era reclamado se respaldado na responsabilidade extracontratual (art. 159 do

Código Civil de 1916).

O Código de Proteção ao Consumidor renovou o ordenamento

jurídico brasileiro, estabelecendo, através dos artigos 39, 40 e 41, as vedações em

relação à utilização de uma série de cláusulas consideradas abusivas na relação

comercial e prevendo uma série de comportamentos, contratuais ou não, que abusam

da boa-fé do consumidor e, portanto, podem ser consideradas ilícitas

independentemente de causarem danos.

68 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil . V. III:

Responsabilidade civil. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 305. 69 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 178. 70 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 178.

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Entende-se por práticas abusivas “a desconformidade com os

padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor”71, ou seja,

representam irregularidades da negociação consumerista que acabam por afetar o

bem-estar de um dos envolvidos na relação.

Nunes72 explica que as práticas abusivas “são ações e/ou

condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente

de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado”.

Desse modo, são práticas abusivas a colocação no mercado de

produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade (art. 10), a

comercialização de produtos e serviços impróprios (art. 18, §6º e, 20, §2º), o não-

emprego de peças de reposição adequadas (art. 21), a falta de componentes e peças

de reposição (art. 32), a ausência de informação, na venda a distância, sobre o nome e

endereço do fabricante (art.32), a veiculação de publicidade clandestina (art. 36) e

abusiva (art. 37, §2º), a cobrança irregular de dívidas de consumo (art. 42), o arquivo de

dados sobre o consumidor em desrespeito aos seus direitos de conhecimento, de

acesso e de retificação (art. 43), a utilização da cláusula contratual abusiva (art. 51)73,

entre outras. Ou seja, as referidas práticas encontram-se espalhadas por todo o

ordenamento consumerista.

Lisboa74 ensina que:

O art. 51 da Lei 8.078/90 não apresenta rol taxativo, mas exemplificativo. Veda-se o uso de cláusulas abusivas, posto que é fundamento das relações de consumo a necessidade de equilíbrio e da harmonia, em benefício da estabilidade socioeconômica da coletividade, de seu desenvolvimento, e da busca de benefícios iguais para os que realizam negócios jurídicos em mesmas bases.

71 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 306. 72 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 512. 73 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 308. 74 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e Coletivos , p. 349.

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Considera-se, ainda, como cláusula abusiva outros

comportamentos empresariais que afetem o consumidor diretamente, mesmo com

previsão em legislação diversa do Código do Consumidor.

Consigna-se, por oportuno, que as práticas abusivas podem ser

classificadas em pré-contratuais, surgem antes de se firmar o contrato, compondo a

oferta ou a ação do fornecedor que pretendia atrair o consumidor a adquirir seus

produtos ou serviços, pós-contratual, apresentam-se como ato do fornecedor em razão

de uma relação de consumo preexistente e, por fim, contratual, ou seja, ligada ao

conteúdo expresso ou implícito das cláusulas estabelecidas no contrato de consumo75.

1.7 PROTEÇÃO CONTRATUAL DO CONSUMIDOR

Na relação de consumo, há sempre dois polos, sendo um

composto pelos fornecedores e outro pelos consumidores, caracterizando a

bilateralidade do contrato.

Os consumidores realizam contratos de consumo com os objetivos

de obterem bens e serviços que satisfaçam suas necessidades, gerando, desta forma,

relação econômica de cunho patrimonial e cumutativo. Deste modo, na busca de lucros,

os fornecedores estipulam condições e obrigações aos consumidores e estes, visando

à satisfação de suas necessidades, aceitam as propostas mesmo diante das poucas

possibilidades de negociar melhores e maiores vantagens76.

Desta forma, faz-se necessária a intervenção estatal para

equilibrar as relações de consumo, que através do Código de Defesa do Consumidor,

harmoniza e dá maior transparência às relações contratuais celebradas no mercado

brasileiro.

75 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 512. 76 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 97.

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Gama77 ressalva que:

Tanto em razão da imensa competividade no mercado livre, quanto em razão do objetivo de serem evitados abusos aos direitos dos consumidores, criam-se nos estados de economia livre normas protetoras nos negócios, que, em geral, limitam as liberdades de contratar por parte dos fornecedores. Estas limitações estão sempre encaradas sob o aspecto da proteção à parte mais fraca no mercado [...].

Ademais, a proteção ao consumidor além de objetivar o equilíbrio

das relações comerciais, resguarda os interesses do consumidor, que se apresenta

como parte hipossuficiente do negócio e nem sempre possui meios para a discussão da

obrigação que está sendo contraída.

Isso porque o incremento da vida contratual e, consequentemente,

a massificação dos contratos, que passaram a serem elaborados unilateralmente pelas

empresas e pelo Estado, detentoras de capitais e força econômica, levaram a um

desequilíbrio marcante nas relações contratuais entre consumidores e fornecedores,

exigindo-se, portanto, uma ação protetora do estado em relação aos mais fracos e

vulneráveis78.

Vale ressaltar que o Código de Proteção ao Consumidor introduz

no ordenamento jurídico brasileiro, dois novos princípios, quais sejam, princípio da

transparência e o princípio da boa-fé ou lealdade no momento da formação do contrato

de consumo, refletindo, pois, a aproximação entre o fornecedor e o consumidor na fase

de elaboração do instrumento contratual e, conseqüentemente, do nascimento do

vínculo contratual entre os mesmos79.

Para Marques80, o princípio da transparência representa o dever

do fornecedor em prestar informações claras e corretas sobre o produto a ser vendido e

o contrato a ser celebrado, utilizando-se da lealdade e respeito para a celebração das

77 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 98. 78 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 709. 79 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 714. 80 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 715.

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relações comerciais, mesmo na pré-fase contratual, ou seja, fase de negociação dos

contratos.

Ora, denota-se que a intenção do Código de Proteção ao

Consumidor é assegurar a seriedade e veracidade das manifestações do fornecedor, o

qual deve informar não só as características do produto ou serviço, mas também sobre

o conteúdo do contrato, a fim de evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor.

1.8 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS E OS CONTRATOS DE ADESÃO

As cláusulas abusivas podem ser definidas de duas formas, quais

sejam, através de uma aproximação subjetiva, conectando a abusividade mais com a

figura do abuso do direito, ou através de uma aproximação objetiva, isto é, relaciona-a

com a boa-fé como se seu elemento principal fosse o prejuízo grave sofrido pelo

consumidor81.

Em verdade, as cláusulas abusivas nem sempre se mostram como

atividades enganosas, pois, muitas vezes, não ferem o requisito da veracidade,

contudo, inflam a imoralidade econômica e de opressão ou causam danos substanciais

contra o consumidor.

A doutrina assenta que as cláusulas abusivas:

Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesa, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las82.

O Código de Proteção ao Consumidor elenca em variados artigos

os tipos de cláusulas abusivas, concentrando-se, porém, o rol exemplificativo no artigo

51 do Diploma já mencionado, o qual estabelece, efetivamente, àquelas relativas ao

81 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 899. 82 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa ao consumidor , p. 307.

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fornecimento de produtos e serviços que podem ser consideradas nulas de pleno

direito.

Destarte, verifica-se que o Código de Defesa do Consumidor,

diferentemente do Código Civil, reconhece somente a nulidade absoluta de pleno

direito, razão pela qual não há o que se falar em cláusula abusiva que possa ser

validada. Isso porque o consumidor não está obrigado a cumprir qualquer obrigação

que lhe tenha sido imposta através de uma cláusula abusiva83.

Assim sendo, “a cláusula abusiva é nula, tem de ser destituída de

validade e efeito do pronunciamento judicial. Não há por que aguardar que se busque a

declaração de algo que de fato já é”84.

Tal nulidade funciona, basicamente, como um sistema de controle

dos contratos de adesão, objetivando, pois, equilibrar a relação contratual celebrada

entre as partes e minimizar os efeitos das cláusulas leoninas que, em tese, impõem os

interesses de uma das partes.

Pode-se considerar contratos de adesão aqueles que não

permitem a discussão livre entre as partes sobre as condições contratuais, devido à

preponderância de uma das partes, responsável pela elaboração de todas as

cláusulas85.

Gonçalves86 citando Messineo:

Contrato de adesão é aquele em que as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, de modo que o outro não tem o poder de debater as condições, nem introduzir modificações no esquema proposto; ou aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro.

83 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 622. 84 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 622. 85 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro . Contratos e atos unilaterais. V. III. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 75. 86 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 75.

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Assim sendo, a impossibilidade de negociação entre as partes

implica em situações de disparidades econômicas e, consequemente, psicológicas,

motivo pelo qual o Código de Proteção ao Consumidor se dedicou a regulamentar

algumas facilidades que podem ser utilizadas em face da parte hipossuficiente da

relação.

A exemplo disso tem-se o art. 54, §1º, da Lei nº 8078/90, que

permite a inserção de cláusula ao contrato sem que isso desconfigure a natureza da

adesão do contrato ou afaste a posição previligiada do proponente, bem como o § 3º do

mesmo artigo, que menciona que a redação deve ser redigida em termos claros e

legíveis, facilitando, assim, a compreensão pelo consumidor.

Ademais, as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de

maneira mais favorável ao consumidor, conforme estatui o art. 47 do Código de

Proteção ao Consumidor, haja vista que quase que na totalidade dos negócios

celebrados é a parte desfavorecida em relação às obrigações contraídas.

Portanto, para a interpretação do contrato de adesão celebrado no

âmbito consumerista faz-se necessário a consideração da boa-fé contratual e usos

sociais dos termos empregados no instrumento87, a fim de equilibrar a relação

estabelecida entre os interessados e resguardar os interesses da parte hipossuficiente.

Resta, portanto, verificar de que forma do Código de Proteção ao

Consumidor pode ser invocado para a proteção da parte mais fraca nos negócios

jurídicos celebrados com as instituições, o que será objeto de estudo do próximo

capítulo.

87 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo , 1996, p. 196.

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CAPÍTULO 2

A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DIANTE DE ALGUMAS ATIVIDADES BANCÁRIAS

2.1. CONCEITO DE BANCO

As funções de receber e emprestar dinheiro se originaram na

antiguidade, quando os indivíduos que trabalhavam nos mercados públicos eram

encarregados de guardar as moedas que lhe eram confiadas para posterior

devolução88.

Tais operações eram efetuadas em bancas, originando, pois, o

termo banco, o qual, por sua vez, surgiu na idade média com o papel de atender

comerciantes que intencionavam efetuar a troca de moedas.

Atualmente, os bancos são responsáveis pela realização da

mobilização do crédito, mediante o recebimento de depósito do capital de terceiros e

empréstimo aos que necessitam de capital89.

O art. 17 da Lei 4595/64 conceitua banco:

Como sendo atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros [sic].

Oliveira90 citando Carvalho de Mendonça define banco como

sendo uma empresa comercial cujo objetivo principal:

88 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins . Campinas: CS Editora.

2003, p. 550. 89 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 550. 90 OLIVEIRA, Celso Mendonça de. Teoria geral dos contratos . Tratado de Direito Bancário. Campinas:

LZN Editora, 2002, p. 13.

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Consiste na intromissão entre os que dispõem de capitais e os que precisam obtê-los, isto é, em receber e concentrar capitais para, sistematicamente, distribuí-los por meio das operações de crédito.

Na terminologia do moderno Direito Comercial, banco é empresa,

cuja função é harmonizar o capital e o trabalho para o exercício de uma atividade

econômica e não mero estabelecimento91.

Contudo, retomando os norteamentos do direito bancário, denota-

se que os bancos, pessoas jurídicas, públicas ou privadas, desenvolvem atividades

econômicas em benefício do desenvolvimento do país, pois inexiste classe social que

não se dirija a ele para efetuar depósitos, levantar empréstimos, receber salários, entres

outras operações comerciais92.

Nesse sentido, Abrão93 explica que:

A mobilização dos recursos, as respectivas aplicações e o direcionamento das importâncias para uma pulverização acentuada explicam em parte a relevância social que identifica as instituições financeiras, donde subministra a preponderância do público sobre o privado, nessa multissecular relação diagnosticada entre o consumidor e a atividade desenvolvida pelo banqueiro.

As instituições bancárias, além de praticarem as atividades

principais, consideradas por uns a mobilização do crédito e por outros a intermediação,

desenvolvem atividades acessórias, almejando, assim, viabilizar a principal.

Evidente, portanto, que:

[...] os bancos desenvolvem duplicidade de atividades, que têm color de meio e fim, ao mesmo tempo, fator que se pontua com mais relevo no momento que se discute eventual subordinação tributária, na realização de operações que redundam numa prestação de serviços94.

91 ABRÃO, Nelson. Direito bancário . São Paulo: Saraiva, 2000, p. 16-17. 92 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 550. 93 ABRÃO, Nelson. Direito bancário , p. 17. 94 ABRÃO, Nelson. Direito bancário , p. 17.

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Importante ressaltar que as operações realizadas pela instituição

bancária se caracterizam principalmente pelo conteúdo econômico que possuem,

podendo ser consideradas ativas ou passivas. Na primeira, os bancos se tornam

credores de seus clientes, empregando não somente seu capital como o de terceiro,

cobrando remuneração, já na segunda apresentam-se como devedores, recebendo

depósitos pecuniários ou emitindo notas bancárias95.

Por derradeiro, vislumbra-se que a intensificação e a expansão da

atuação dos bancos decorre da necessidade de desenvolvimento de atividades

produtivas ou de consumo que dependem de crédito, já que muitas vezes os agentes

financeiros, ou sejam, envolvidos numa relação comercial, não dispõem do montante

financeiro suficiente para gerir os negócios, razão pela qual recorrem às agências

bancárias a fim de realizar operações financeiras que, na maioria das vezes, são

formalizadas através de contrato de adesão.

2.2 O BANCO CENTRAL DO BRASIL E SUA IMPORTÂNCIA JU NTO ÀS

INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

O Banco Central do Brasil é uma autarquia federal, possui

personalidade jurídica e patrimônio próprio, este constituído dos bens, direitos e valores

que lhe são conferidos pela Lei da Reforma Bancária, nº 4.595, de 31 de dezembro de

1964, bem como da apropriação dos juros e rendas resultantes96.

Historicamente, tem-se que:

O banco Central do Brasil foi fruto da chamada ‘segunda etapa’ da reforma financeira realizada pelo Governo Castelo Branco, tendo sido instituído pela Lei de Reforma Bancária, lei nº 4595 de 31 de dezembro de 1965, pelo seu art. 8º, artigo este que abre o capítulo III desta lei, entitulado ‘Do Banco Central do Brasil [...].

95 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 550. 96 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria geral dos contratos , p. 46.

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A criação de um Banco Central no Brasil já tinha sido idealizada já na década de trinta, influência advinda com a visita ocorrida, em 1931, de Otto Niemeyer. Mas o primeiro projeto elaborado foi o de nº 401, apresentado e, 1950 por Correa e Castro, Ministro do Governo Dutra. Este projeto pretendia criar um Banco Central como órgão executor de política monetária, e também o Conselho como órgão normativo, além de pretender estabelecer outros cinco bancos estatais especializados nas áreas rural, industrial, investimento, hipoteca, exportação e importação.

O banco Central do Brasil foi, portanto, criado com a promulgação da Lei nº 4595, na forma de autarquia federal, sendo parte integrante do Sistema Financeiro Nacional97.

Ressalta-se que o Banco Central do Brasil é administrado por uma

diretoria composta por 05 (cinco) membros, sendo um presidente, escolhido pelo

Conselho Monetário Nacional e possui competência para cumprir e fazer cumprir as

disposições que lhe são atribuídas pela legislação atual e pelas normas expedidas pelo

Conselho Monetário Nacional98.

Destaca-se, por oportuno, que é competência privativa da referida

instituição bancária em emitir moeda-papel e moeda metálica, nas condições e limites

autorizados pelo Conselho Monetário Nacional, executar os serviços do meio circulante,

determinar o recolhimento de até 100% do total dos depósitos a vista e de até 60% de

outros títulos contábeis das instituições financeiras, podendo adotar porcentagem

diferentes em função das regiões geoconômicas, das prioridades que atribuir às

aplicações ou da natureza das instituições financeiras, e determinar percentuais que

não serão recolhidos, desde que tenham sido reaplicados em financiamento à

agricultura, receber os recolhimentos compulsórios e os depósitos voluntários a vista

das instituições financeiras, realizar operações de redescontos e empréstimos a

instituições financeiras bancárias e aquelas referidas no art. 4º, inciso XIV, alínea “b”,

no §4º do art. 49 da Lei de Reforma Bancária.

E ainda exercer o controle do crédito sob todas as suas formas,

efetuar o controle dos capitais estrangeiros, ser depositário das reservas oficiais de 97 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 746. 98 ABRÃO, Nelson. Direito bancário , p. 35.

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ouro de moeda estrangeira e de direitos especiais de saque e fazer com estas últimas

todas e quaisquer operações previstas no Convênio Constitutivo do Fundo Monetário

Internacional, exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as

penalidades previstas, conceder autorização às instituições financeiras a fim de que

possam funcionar no país, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, ser

transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas, praticar operações de câmbio,

crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal,

ações, debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito ou imobiliário, ter

prorrogados os prazos concedidos para funcionamento.

Como se não bastasse, são atividades privativas do BACEN

alterar seus estatutos, alienar ou transferir o controle acionário, estabelecer condições

para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições

financeiras privadas, assim como àquelas instituídas em conformidade com as normas

da Conselho Monetário Nacional, efetuar operações de compra e venda de títulos

públicos federais, determinar que as matrizes das instituições financeiras registrem os

cadastros das firmas que operam com suas agências há mais de 01 (um) ano, nos

termos do art. 10 da Lei da Reforma Bancária.

Tais funções podem ser consideradas atividades típicas da

Autoridade Monetária, haja vista a finalidade relativa à gestão da moeda e,

consectariamente, movimentação da política monetária do país.

Nesse sentido, colhe-se da doutrina:

A maioria dos Bancos Centrais do mundo exercem algumas funções que são consideradas ‘clássicas’, ou típicas da Autoridade Monetária, e isto se dá em decorrência da evolução histórica que proporcionou o seu surgimento, mas fundamentalmente em razão de sua finalidade. Sem dúvida são estas funções aquelas relacionadas, de um modo geral com a gestão da moeda [...].

Pode-se ainda mencionar as funções históricas de ser o financiador do governo, de ser o responsável pela administração das reservas estrangeiras, e de ser o gestor da política monetária de um país, da política cambial, da política de crédito. O banco Central brasileiro possui

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estas funções, que estão fixadas no artigo 10 da Lei nº 4595 de 31 de dezembro de 196499.

As funções atípicas, por sua vez, são aquelas que embora

desenvolvidas pelo Banco Central não possuem necessidade de serem exercidas

exclusivamente pelo mesmo100.

O artigo 11 da referida lei, elenca a competência não privativa do

Banco Central do Brasil em entender-se, em nome do Governo Brasileiro, com as

instituições financeiras estrangeiras e internacionais, promover, como agente do

Governo Brasileiro, a colocação de empréstimos internos ou externos, podendo

também encarregar-se dos respectivos serviços, atuar no sentido de funcionamento do

mercado cambial, efetuar compra e venda de títulos de sociedades de economia mista

e empresas do Estado, emitir títulos de responsabilidade própria, de acordo com as

condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, regular a execução dos

serviços de compensação de cheques e outros papéis, exercer permanente vigilância

nos mercados financeiros e de capitais de empresas que interfiram nesses mercados e

em relação à modalidade ou processo operacional que utilizem, prover, sob controle do

Conselho Monetário Nacional, os serviços de sua Secretaria.

Sobre o relacionamento mercantil do Banco Central do Brasil,

Nelson Abrão101 ensina que:

O relacionamento do Banco Central se dá exclusivamente com as instituições financeiras, públicas ou privadas, não operando com o público em geral, salvo com pessoas jurídicas expressamente autorizadas por lei.

Outrossim, não se pode deixar de mencionar que as instituições

financeiras podem ser públicas ou privadas, sendo que a primeira modalidade é

representada pelos bancos públicos, mantidos pelo Governo Federal ou estadual,

encarregado de executar a política de crédito dos respectivos governos, enquanto a

99 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 754. 100 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 754-755. 101 ABRÃO, Nelson. Direito bancário , p. 37.

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segunda pode ser considerada como os bancos comerciais em geral, que,

obrigatoriamente, possuem forma de sociedades anônimas, compreendendo também

as cooperativas de crédito, as quais possuem forma jurídica própria102.

Nesse sentido, cita-se o conceito de instituição financeira

preconizado pelo artigo 17 da Lei nº 4.595/64:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Efetivamente, o Banco Central do Brasil, juntamente com o

Conselho Monetário Nacional, exerce importante papel em relação ao funcionamento

das instituições bancárias públicas ou privadas, haja vista que, como já ressaltado, é

responsável pelas coordenadas e autorização dos serviços essenciais ao

funcionamento das mesmas e desenvolvimento das atividades necessárias à

movimentação do mercado comercial.

A exemplo disso, pode-se citar:

[...] A atividade bancária sujeita à normatização do Código do Consumidor e propriamente da Resolução nº 2.878/01, a relação jurídica que o banco celebra com o consumidor ou usuário do sistema financeiro ou correntista bancário é propriamente de consumo. Assim, para não apenas delimitar o que já está consagrado nas normas de defesa do consumidor ou em nossa legislação civil e comercial, vem o Banco Central do Brasil, por meio do Conselho Monetário Nacional, delimitar os poderes das instituições financeiras e Administradoras de Cartões de Crédito com a resolução nº 2878103.

Como se não bastasse, a fiscalização das instituições financeiras

cabe ao Banco Central do Brasil, bem como a aplicação das penalidades cabíveis

quando necessárias, funções que lhe foram outorgadas pela Lei da Reforma Bancária

102 ABRÃO, Nelson. Direito bancário , p. 40. 103 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Código de defesa do consumidor e os contratos bancá rios .

Campinas: LZN Editora, 2002. p. 100.

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(nº 4595/64) e pela Lei 7730/89, em concordância com a Constituição Federal de 1988.

Desta forma, compete ao Banco Central brasileiro exercer a

fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas, como já

ressaltado anteriormente.

Cabe salientar que, o referido instrumento de condução monetária

não é independente, haja vista que se apresenta como uma autarquia, logo,

subordinado às ordens do Poder Executivo, que recebe diretamente do povo a

responsabilidade de gerir os interesses políticos do país, e ao legislativo, que edita as

normas que possibilitam a realização de forma transparente e estável de tais

objetivos104.

Em relação à autonomia do Banco Central do Brasil existem

divergências, já que “alguns apontam que esta autonomia é necessária e

fundamental”105, outros defendem que “não é possível o que se chama de ‘autonomia’,

pois se daria um poder político de decisão de um assunto fundamental a um país, a um

órgão que não possui legitimidade para tanto”106. Contudo, o fato é que se não houver

um mínimo de autonomia nas decisões do Banco Central do Brasil, por certo o Poder

Executivo acabaria tomando a frente da direção dos assuntos monetários e,

consequentemente, utilizar recursos financeiros ou até mesmo intervir na política

monetária107.

Aliás:

[...] Para que fosse possível uma autonomia, seria necessária uma lei que tornasse o Banco Central brasileiro numa ‘verdadeira autarquia com autonomia administrativa, patrimonial e operacional’ para a condução da política monetária do país. E certamente para que tal pudesse se

104 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 762. 105 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 762. 106 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 762. 107 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 763.

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desenvolver com segurança, algumas medidas seriam necessárias para torna-lo realmente independente [...]108.

Em verdade, o Banco Central do Brasil faz parte da administração

pública, instituído pelo Poder Executivo, cujas funções primordiais são emitir a moeda

nacional, nas condições que lhe forem estipuladas pelo Conselho, controlar a

instabilidade da política monetária e fiscalizar as instituições financeiras, aplicando

penalidades quando necessárias.

2.3 O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR X CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BANCÁRIO

O Código de Proteção do Consumidor é um conjunto de normas

destinadas, basicamente, à proteção do consumidor, parte hipossuficiente nas relações

de consumo, incluindo, inclusive, as operações realizadas com o banco.

Aliás:

[...] O Código de Defesa do Consumidor adveio de expressa e aprazada determinação que o Poder Constituinte Originário inseriu no art. 48 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, tendo por objetivo ‘o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência (rectius: transparência) e harmonia das relações de consumo’, consoante dispõe o art. 4º da Lei 8078/90109.

Contudo, as instituições financeiras nem sempre cumprem os

ditames protetivos do Código de Proteção ao Consumidor, razão pela qual o Banco

Central do Brasil normatizou os procedimentos que devem ser respeitados pelos

bancos, originando, pois, a resolução nº 2878, de 26 de junho de 2001.

Nesse sentido, colhe-se da doutrina:

108 SILVA, Geraldo José Guimarães et al. Direito bancário e temas afins , p. 764. 109 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Código de defesa do cliente bancário . Campinas: LZN Editora, 2002.

p. 36.

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O Código de Defesa do Cliente Bancário ou Código de Defesa do Consumidor Bancário que conferiu de forma regulamentadora os preceitos positivados pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente no Capítulo III – Dos Direitos Básicos do Consumidor, no Capítulo V – Das Práticas Comerciais, subdividido em 05 (cinco) seções, trata da oferta, da publicidade, das práticas abusivas (como no caso de ‘venda casada’, disposta no art. 39, I), da cobrança de dívidas e dos bancos de dados e cadastros dos consumidores, e os artigos, também, elencados no Capítulo VI que envolve a Proteção do Consumidor110.

Referido meio normativo objetiva, em suma, assegurar a

transparência nas relações contratuais, resposta tempestiva às consultas, clareza e

formato que permitam fácil leitura dos contratos celebrados com clientes, recepção

pelos clientes de cópia dos contratos formalizados e efetiva prevenção e reparação de

eventuais danos patrimoniais e morais causados aos clientes e usuários.

O Código de Proteção ao Consumidor prevê o dever de prestação

de informação ao consumidor/cliente, aplicando a obrigação nas fases pré-contratual,

contratual e pós-contratual. Na mesma direção, o Código de Defesa do Consumidor

Bancário (Resolução nº 2.878/01) sedimenta, através do artigo 2º, que as instituições

financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil

devem colocar à disposição dos clientes todas as informações que assegurem total

conhecimento acerca das situações que possam implicar recusa na recepção de

documentos ou realização de pagamentos, demonstrando, pois, sua identificação com

os preceitos já dispostos no primeiro.

Por oportuno, ressalta-se que:

[...] É mister registrar que os contratos bancários são regidos pela Lei nº 8078/90 – o Código de Defesa do Consumidor – cujo art. 3º, caput, estabelece que ‘fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços’ e, em seguida, no seu §2º, dispõe que ‘Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’.

110 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Código de defesa do cliente bancário , p. 31.

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Assim sendo, é de registrar que a Resolução nº 2878 do Banco Central do Brasil confirma o tema em questão, pois o direito do consumidor ou usuário dos serviços bancários pelo complexo jurisíco-obrigacional envolve uma relação de consumo atinente ao direito-garantia insculpido no art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, assim fazendo parte de direitos fundamentais individuais, difusos e coletivos dos cidadãos. Por conseguinte, cogentemente indisponíveis, de modo absoluto111.

Portanto, a resolução nº 2878/01 assevera um conjunto de normas

tutelares deferidas ao consumidor e usuários dos serviços bancário como meio de

ratificação dos direitos esculpidos no Código de Proteção ao Consumidor (Lei 8078/90),

objetivando, em síntese, a delimitação do poder das instituições financeiras e demais

entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

Vale ressaltar que o Banco Central do Brasil, através da resolução

nº 2892/01, realizou a primeira alteração no Código de Defesa do Consumidor

Bancário, entabulando direitos relativos à proteção do consumidor, como por exemplo,

prestação de informações de forma clara, disposição do Telefone da Central de

Atendimento ao Público do Banco Central do Brasil para denúncias e reclamações,

segurança em relação ao conhecimento pleno dos termos do contrato celebrado com a

instituição, entre outros.

2.4 OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

O desenvolvimento industrial e, como consequência, a grande

variedade de produtos e serviços a serem comprados e contratados, impulsionou a

exteriorização em massa das relações de consumo, de modo que o legislador procurou

proteger os interesses do consumidor, inserindo no Código de Defesa do Consumidor

direitos básicos que visam equilibrar o negócio celebrado entre as partes.

Ressalta-se, por oportuno, que embora referidos direitos estejam

preconizados em especial no estatuto consumerista, estão presentes também no Direito

111 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Código de defesa do cliente bancário , p. 35.

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Civil, Direito Comercial, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Administrativo e,

inclusive, Direito Constitucional112.

Aliás, “o art. 6º do mesmo Código, portanto, é uma síntese do que

o intérprete irá encontrar nos dispositivos do direito material e processual”113, já que

preconiza os principais direitos dos consumidores, quais sejam:

a) Direito à segurança;

b) Direito à educação para o consumo;

c) Direito à informação clara;

d) Direito à proteção e relação à propaganda enganosa e coerção;

e) Direito à modificação das cláusulas contratuais;

f) Direito à indenização;

g) Direito de acesso à justiça;

h) Direito à facilitação da defesa;

i) Direito aos serviços públicos e eficazes.

Tais direitos servem como escudo ao desequilíbrio e a vantagem

exagerada em relação ao consumidor, o qual, conforme já explicitado, é considerado,

na maioria das vezes, parte hipossuficiente da relação de consumo, conforme será

tratado nos próximos tópicos deste título.

112 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor . 8ª ed. Rio de Janeiro:

Universitária, 2005, p 132. 113 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 133.

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2.4.1 Direito à Segurança

Dispõe o Código de Proteção ao Consumidor que:

Art. 8º. Os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Nunes114 assenta que:

A norma está, de fato, tratando de expectativa. Uma espécie de expectativa tanto do consumidor em relação ao uso e consumo regular de algum produto ou serviço quanto do fornecedor em relação ao mesmo aspecto.

Em verdade, o direito à segurança e a previsão da lei se referem,

basicamente, à normalidade e previsibilidade da utilização do produto ou serviço de

maneira positiva, dispondo ainda que, caso haja risco de nocividade ou periculosidade,

o fornecedor deverá informar o consumidor de modo a prevenir eventuais acidentes.

Aliás, colhe-se da doutrina que:

Nesses direitos estão a preocupação quanto à incolumidade das pessoas nos atos de consumo. Os produtos ou serviços nocivos ou perigosos devem conter advertências ou sinais ostensivos sobre os perigos que acarretam115.

Desta forma,

Os consumidores e terceiros não envolvidos em dada relação de consumo incontestáveis direitos de não serem expostos que atinjam sua incolumidade física, perigos tais representados por práticas condenáveis no fornecimento de produtos e serviços116.

114 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p.141. 115 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 46. 116 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 137.

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Assim sendo, tal direito vislumbra resguardar os interesses do

consumidor não só em relação à utilização do produto, mas também em relação a

eventuais riscos que a respectiva utilização poderá lhe ensejar.

2.4.2 Direito à educação para o consumo

A educação tratada pelo art. 6º, inciso II, do Código de Proteção

ao consumidor deve ser considerada sob dois aspectos, quais sejam, formal e informal.

No primeiro, deve-se tratar basicamente da qualidade dos produtos expostos ao

consumo, enquanto no segundo a abordagem direta será em relação à

responsabilidade do fornecedor pelos danos causados ao consumidor e o dever

daquele em informar as características dos produtos e serviços117.

A propósito:

Efetivo trabalho educativo não tem apenas a finalidade de alertar os consumidores com relação a eventuais perigos representados à sua saúde, por exemplo, na aquisição de alimentos e com certas características que podem indicar sua deteriorização, mas também para que garanta ao consumidor liberdade de contratação, informando-o previamente das condições contratuais, e para que ele não seja surpreendido posteriormente com alguma cláusula potestativa ou abusiva118.

No mesmo sentido, Gama119 ensina que “todo o produto ou

serviço ofertado deve estar acompanhado de folheto explicativo sobre a forma de se

utilizar ou consumir, visando a não permitir erros por parte do consumidor”.

Tal prerrogativa objetiva, em tese, proporcionar ao consumidor a

educação necessária para a utilização dos produtos e serviços como forma de garantir

117 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 137. 118 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 138. 119 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 47.

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o uso positivo do que lhe é interessante sem causar-lhe posteriores surpresas

desagradáveis.

2.4.3 Direito à informação adequada e clara

O direito à informação adequada e clara nada mais é do que uma

extensão da interpretação do art. 6º, inciso II, do Código de Proteção ao Consumidor,

haja vista que resguarda exatamente o dever do fornecedor em especificar

corretamente as quantidades, características, composição, qualidade e preço, bem

como os riscos que a utilização do produto possam acarretar riscos ao consumidor120.

Em relação ao dever de informar, prerrogativa imposta ao

fornecedor, Nunes121 explica que:

No que tange o dever de informar das pessoas em geral e das pessoas jurídicas com natureza jurídica privada, é o Código de Defesa do Consumidor que estabelece tal obrigatoriedade ao fornecedor. Tendo em vista que a Lei 8.078/90 nasce, como vimos, das determinações constitucionais que obrigam a que seja feita a defesa do consumidor, implantada em meio a uma série de princípios, todos interpretados e aplicáveis de forma harmônica, não resta dúvidas de que o dever de informar só podia ser imposto ao fornecedor.

A exemplo do dever ora comentado, pode-se mencionar que

quando houver menção de preço a prazo, deve constar obrigatoriamente a informação

de quantidade de prestações, o valor de cada uma deles e o preço à vista122.

Trata-se, portanto, do dever de informar os consumidores sobre as

características importantes do produto ou do serviço para que possam adquiri-los ou

contrata-los sabendo exatamente o que deles poderá esperar.

120 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 138. 121 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 52. 122 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 48.

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2.4.4 Direito à proteção contra a propaganda engano sa e coerção

A propaganda ou publicidade é o meio pelo qual o produto ou

serviço é divulgado objetivando atrair o consumidor para a formação da relação de

consumo.

Ressalta-se que referido instrumento de divulgação possui guarida

constitucional, ingressando como princípio capaz de orientar a conduta do publicitário

no que diz respeito aos limites da possibilidade de utilização desse instrumento123.

É importante expor que publicidade e propaganda não possuem

qualquer distinção, posto que ambos significam a busca do anunciante em divulgar e

comercializar o produto ou serviço.

Nesse diapasão, colhe-se da obra de direito do consumo:

Tomado pela etiologia, vê-se que o termo ‘propaganda’ tem origem no latim ‘propaganda, do gerundivo ‘propagare’, ‘coisas que devem ser propagadas’. Donde afirmar-se que a palavra comporta o sentido de propagação de princípios, idéias, conhecimentos ou teorias.

O vocábulo ‘publicidade’, por sua vez, aponta para a qualidade daquilo que é público ou do que é feito em público.

Ambos os termos, portanto, seriam bastante adequados para expressar o sentido buscado pelo anunciante de produto ou serviço124.

Contudo, a propaganda ou publicidade não pode faltar com a

verdade em relação aquilo que anuncia, seja por afirmação ou omissão, pois, para fins

de divulgação de matéria de consumo, a verdade é um valor ético fundamental.

Isso porque a oferta é um dos aspectos mais relevantes do

mercado de consumo, não podendo estar aliada a fatos inverídicos para propagar a

comercialização do produto ou serviço.

123 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 60-61. 124 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor , p. 61.

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A propósito, cabe gizar que propaganda enganosa pode ser

entendida como:

[...] Informação ou a comunicação publicitária inteira ou parcialmente falsa ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, da característica, da qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem, do preço e de quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços125.

Com efeito, o direito ora comentado decorre do sistema trilhado

pela Lei 8078/90, buscando o controle efetivo dos produtos e serviços oferecidos ao

consumidor no que diz respeito à qualidade, adequação e segurança.

2.4.5 Direito à modificação das condições contratua is

O Código do Consumidor, baseado nos princípios da boa-fé e

equilíbrio contratual, garante o direito relativo à modificação das condições contratuais

que sustentem prestações desproporcionais e excessivamente onerosas.

As prestações desproporcionais, segundo Gama126:

São valores ou obrigações da responsabilidade do consumidor e que – na aplicação da cláusula contratual – estabelecem vantagem descomunal em favor do fornecedor de produtos ou serviços.

Destarte, se o consumidor foi levado a erro e assumiu obrigação

demasiadamente desproporcional à contraprestação assumida pelo fornecedor, poderá

pleitear pela modificação das cláusulas abusivas, também conhecidas como leoninas.

Em verdade, tal princípio objetiva equilibrar a relação obrigacional

mantida entre as partes e exteriorizada através do contrato, o qual deve estar

125 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 49. 126 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 49.

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respaldado pela harmonia de interesses, prestações e contraprestações equivalentes

ou proporcionais127.

2.4.6 Direito à indenização

Os produtos e serviços prestados ao consumidor podem, sem

qualquer sombra de dúvida, causar danos de ordem patrimonial ou moral, sendo,

portanto, devida à indenização correspondente independemente da culpa do

fornecedor.

É sabido que os danos morais se distinguem dos patrimonias, pois

os primeiros versam a respeito do abalo moral e psíquico da pessoa, enquanto o

segundo decorrem dos prejuízos meramente materiais.

A respeito disso, colhe-se da doutrina que o “O dano patrimonial

traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular128”,

enquanto o dano moral “trata-se, em outras palavras, do prejuízo ou lesão de direitos,

cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o

caso dos direitos de personalidade [...]”129.

No âmbito consumerista, os danos podem ser classificados ainda

como individuais, ou seja, atingem uma única pessoa ou sua família, bem como

coletivo, isto é, prejudicam um determinado grupo social ou a várias pessoas de grupos

sociais diferentes130.

Porém, a prevenção da ocorrência do dano moral ou material é

uma das principais ferramentas utilizadas pelo Código de Proteção ao Consumidor. Até

porque ao regulamentar os direitos do consumidor, o legislador objetivou prevenir

127 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 50. 128 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 45. 129 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 49. 130 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor , p. 51.

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possíveis danos, seja de ordem moral ou patrimonial, que pudessem atingir a parte

hipossuficiente.

Nessa vertente, colhe-se da doutrina que:

No âmbito da reparação, o que o Código se prontifica a fazer é dotar o consumidor, sobretudo, organizado, de instrumentos processuais dos mais modernos e eficazes, para que se dê a prevenção de danos, como já atrás assinalado, bem como sua reparação131.

Acertadamente, o legislador inseriu a prevenção e a reparação

dos danos como forma de garantir que o consumidor não arque com danos que lhe

foram causados em virtude do uso adequado de produtos e serviços, objetivando, desta

forma, a punição do agente causador do ilícito e a reparação dos sentimentos negativos

ou redução do patrimônio experimentados pela parte hipossuficiente.

2.4.7 Direito de Acesso à Justiça e à facilitação d a defesa

A proteção de acesso aos órgãos administrativos e judiciais para

prevenção e garantia de seus direitos enquanto consumidores é ampla, implicando

numa série de vantagens como por exemplo abono e isenção de taxas e custas

nomeação de procuradores para defende-los, atendimento preferencial, entre outros132.

Ademais, o consumidor goza de algumas regalias em relação à

produção de provas durante a instrução de um processo judicial, o que efetivamente é

permitido em consonância com os principais elementos basilares da proteção do

consumidor, quais sejam, a vulnerabilidade do consumidor, a hipossuficiência e a

responsabilização objetiva do fornecedor.

É sabido que a produção das provas deve respeitar o art. 6º,

inciso VII, do Código de Proteção do Consumidor, o qual, além de resguardar direito

131 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 141. 132 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor . 4ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2009. p. 149.

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básico do consumidor, chama a atenção do julgador para a aplicação da inversão do

ônus da prova.

E a razão pela qual assim se dispõe o Código de Defesa do

Consumidor consiste na circunstância da vulnerabilidade do consumidor, que, como

visto em passo anterior destes comentários, não detém o mesmo grau de informação,

inclusive técnica, e outros dados a respeito dos produtos e serviços com que se

defronta no mercado, que o respectivo fornecedor detém, por certo133.

Contudo, para a aplicação do instituto da inversão do ônus da

prova o juiz deverá verificar a presença da verossimilhança das alegações e a

hipossuficiência da parte comprometida com a dilação probatória.

Nunes134, discorrendo sobre o assunto, dispõe que “o significado

de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC não é econômico. É

técnico”.

Todavia, tal entendimento implica num dissenso doutrinário, haja

vista que vários autores defendem que o consumidor é a parte hipossuficiente não só

pela inferioridade técnica, mas também patrimonial. A propósito, Gama consigna que o

hipossuficiente é o “detentor da força de trabalho, economicamente frágil, em face do

detentor do capital, seu empregador, que detém o poder de subordinação”135.

De qualquer forma, a hipossuficiência da parte depende de

reconhecimento expresso do caso pelo magistrado, devendo, obviamente, se

manifestar no processo dizendo se a inversão foi reconhecida ou não, posto que não

acontece automaticamente, até porque depende da presença dos requisitos já

mencionados.

133 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 147 134 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor , p. 152. 135 GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de direito do consumidor , p. 51.

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Visualiza-se, pois, que a inversão do ônus da prova [...] é uma

mera faculdade do juiz da causa, cuida-se de um direito da parte lesada quando se

cuidar de publicidade enganoso ou abusiva136.

Portanto, verifica-se que a inversão do ônus da prova é o meio

pelo qual a parte hipossuficiente fica desobrigada de conduzir a dilação probatória em

razão de determinação expressa do julgador da lide.

2.4.8 Direito à prestação de serviços públicos adeq uados e eficazes

O direito à adequada e eficaz prestação de serviços públicos

decorre do princípio maior da eficiência previsto na Constituição Federal, acrescendo

como elemento obrigatório da adequação do serviço público a eficiência.

Para melhor ilustração do direito ora comentado, vale ressaltar

que serviço público é “todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados,

sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou

secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado”137.

A redação do art. 22, caput, do Código de Proteção ao

Consumidor, assevera que:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Na verdade, não basta que o serviço seja adequado ou esteja à

disposição das pessoas, é necessário que seja realmente eficiente, prestando-se para o

136 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor , p. 150. 137 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . 30 ed. São Paulo, 2005, p. 323.

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fim almejado138, satisfazendo, desta forma, a previsão legal inserta no Código de

Proteção ao Consumidor.

Importante realizar considerações acerca da abusividade

empreendida nos contratos, em especial bancários, a fim de verificar a ocorrência da

lesão e a possibilidade de resolver o pacto celebrado, o que será assunto de

abordagem do próximo capítulo.

138 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor , p. 156.

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CAPÍTULO 3

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO

CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO CONSUMIDOR

3.1 DIGRESSÕES HISTÓRICAS ACERCA DO INSTITUTO DA LE SÃO

Cumpre, inicialmente, proceder uma rápida abordagem da figura da

lesão e, principalmente, seu surgimento e importância no Direito Clássico.

3.2.1. Da lesão no direito romano

No direito romano clássico, coube ao pretor, durante a

organização da política, a evolução jurídica, elaborando o direito pretoriano ou

honorário, conferindo, pois, proteção a direitos reconhecidos, mas não garantidos pela

lei139.

A magistratura era temporária, dando-se em, via de regra, para o

período de 01 (um) ano e, visando o não rompimento das normas pretorianas, era

freqüente o novo pretor, assumindo o cargo, repetir, as fórmulas do antecessor além

das que apresentava140.

Bittar141 ensina que:

Criavam os pretores exceptiones e actiones, as quais paulatinamente abrandaram o estrito, rígido e conservador ius civile, valorizando e trazendo à baila a equidade. Como decorrência dos entrechoques do ius strictum e das eaquitas, surgiram várias instituições, entre as quais a restitutio in integrum.

139 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual . Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.

56. 140 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 56-57. 141 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 57.

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Tal instituição consistia, basicamente, na reposição das partes ao

statu quo ante, para o devido restabelecimento da igualdade, conforme critério do

magistrado.

Vale ressaltar que, os requisitos para a concessão da restitutio

eram: possibilidade de restituição, existência de lesão sofrida por aquele que pleiteasse

e conseqüente ao ato contra o qual fosse pedida, justa causa para a reparação e, por

derradeiro, inexistência de outro meio capaz de prevenir ou reparar o mal142.

Na realidade, a figura da lesão foi desenhada no período pós-

clássico, decorrente de dois fragmentos do Código Justiniano, mencionando,

respectivamente, duas constituições de Dioclesiano e Maximiliano, que haveriam sido

baixadas no terceiro século depois de cristo (Anos 285 e 294 d.C), sendo que o

primeiro texto é denominado de “Lei segunda” e ressaltava que, se o vendedor

alienasse a coisa por metade do valor, rescindia-se o contrato, com supedâneo na

figura da lesão143.

A propósito, Gomes144 ensina que:

O instituto da lesão deita raízes no Direito Romano, de onde foi recolhido. Por ele, oportunizava-se o desfazimento de contratos de compra e venda sempre que o comprador pagasse menos da metade do valor da coisa. Em tal caso, cogitava-se da ocorrência da laesio enormis – lesão enorme. Mais tarde, na Idade Média, sob a interferência da ética católica, passou-se a debater a respeito do justo preço das coisas. Surgiu, então, a noção de lesão enormíssima, que se caracteriza quando a contraparte sofresse prejuízo superior a dois terço do justo valor da coisa, caso em que o contrato poderia ser rescindido. A partir dessas bases, a lesão passou para o Direito moderno.

Vale ressaltar que a figura da lesão não incidia sobre os contratos

aleatórios, mas nas situações em que existisse defeito objetivo do próprio contrato,

tarifando-se a desproporção em mais da metade do justo valor145.

142 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p.57. 143 PEREIRA, Caio Mário. Lesão nos contratos . 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 35. 144 GOMES, José Jairo. Direito civil . Introdução e parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 430. 145 PEREIRA, Caio Mário. Lesão nos contratos , p. 62.

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3.2.2. Da lesão no direito luso-brasileiro

A disciplina da lesão, no direito lusitano, remonta às Ordenações

Afonsinas e Manuelinas, inspiradas indiscutivelmente no direito justinianeu, mas

temperadas pela influência canônica.

Nas ordenações Filipinas, a figura da lesão assumiu caráter

objetivo, isto é, incidente sobre a desproporção das prestações avençadas146,

abrangendo as alienações de bens móveis ou imóveis. Contudo, diferentemente do

direito romano, facultava também ao comprador requerer a rescisão sob a invocação de

lesão, conferindo-lhe o direito de receber o valor que pela coisa deu ou refazer-lhe o

justo preço, que se provar que valia ao tempo do contrato147.

Tratava-se, pois, não de uma obrigação alternativa em benefício

do lesado, mas de uma obrigação facultativa, isto é:

O vendedor só podia pedir a retomada da coisa, e o comprador apenas tinha ação para postular a rescisão do contrato. Tão-somente a parte contrária possuía o direito de optar por uma das duas opções148.

Ademais, previa-se também nas ordenações a lesão enormíssima,

que ocorria quando alguém recebia apenas a terça arte do valor da coisa149.

As ordenações não permitiam a renúncia ao benefício da lesão,

derrogando, pois, o direito comum, impondo, ainda, que desfeita a venda ou a compra,

bem como optando-se pela retomada da coisa, com ela deveriam ser restituídos os

frutos150.

146 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil . V. I: Parte geral.

2º ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 374. 147 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p.63. 148 PEREIRA, Caio Mário. Lesão nos contratos , p. 83. 149 PEREIRA, Caio Mário. Lesão nos contratos , p. 81. 150 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p.66.

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Verifica-se, pois, que, no início, o perfil da lesão era

eminentemente objetivo, ou seja, para se configurar bastava que as prestações fossem

desproporcionais nas medidas assinaladas. No princípio não se cogitava consciência,

tampouco aproveitamento do beneficiado em relação à situação de inferioridade,

concentrando-se exclusivamente na injustiça do contrato151.

3.2.3. Da lesão no direito brasileiro anterior ao C ódigo Civil de 2002

O Código Civil de 2002 prevê a ocorrência de lesão “quando uma

pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga prestação

manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” (Art. 157, CC).

Contudo, tal codificação só foi possível com o passar dos anos e o

crescimento da relação comercial, que, por vezes, impede a discussão das cláusulas

contratuais, obrigando, em tese, o consumidor a adquirir produtos e serviços sem ao

menos poder discutir os termos do negócio.

A lesão foi tratada pela primeira vez, no Brasil, pela Lei n. 1521,

de 26 de dezembro de 1951 (Lei de Economia Popular), que, em seu art. 4º

mencionava:

Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

(...)

b) Obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.

151 GOMES, José Jairo. Direito civil , p. 430.

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O comportamento ilícito do agente também repercutiria na seara

cível, autorizando, pois, a invalidação do negócio152.

Nesse sentido, argumenta Rizzardo153:

Evidentemente, se os contratos desta espécie constituem delitos, desprovidos de valor jurídico se encontram. Não se trata de uma mera analogia aos contratos de direito civil. Há uma incidência direta da lei, caracterizando de ilegais os negócios com lucros ou proveito econômico excedente a um quinto do valor patrimonial da coisa envolvida na transação.

Após a decorrência de quase 40 (quarenta anos), a Lei n. 8078,

de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), inseriu como direito do

consumidor “a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais” (Art. 6º, inciso V) e, mais adiante, capitulou como prática abusiva

“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva” (Art. 39, inciso V) a fim de

combater a lesão nos contratos de consumo.

Além disso, o estatuto supramencionado considerou nulas de

pleno direito as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,

que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com

a boa-fé ou a eqüidade” (Art. 51, inciso IV).

Gagliano154 ensina que:

É bom que se diga, neste ponto, que a lesão prevista no Código de Defesa do Consumidor (lesão consumerista) exige, para a sua caracterização e reconhecimento, apenas a desvantagem obrigacional exagerada (desproporção entre as prestações), em detrimento do consumidor, prescindindo de qualquer elemento subjetivo, inclusive o dolo de aproveitamento por parte do fornecedor do produto ou serviço.

152 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 372. 153 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos . Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 372. 154 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 373.

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O Código Civil de 1916, por sua vez, excluiu do rol de defeitos do

negócio jurídico a lesão, o que foi contornado pela atual legislação Civilista, conforme

será abordado no decorrer deste capítulo.

3.2 CONCEITO DE LESÃO E SEUS REQUISITOS

A lesão se caracteriza como o prejuízo sofrido pela parte na

conclusão de um negócio, consubstanciado na manifesta desproporção entre as

prestações estipuladas, conforme exteriorizado pelo já mencionado art. 157 do Código

Civil.

Coelho155 conceitua lesão como sendo:

[...] O defeito de consentimento em que a vontade de uma parte é constrangida por necessidade premente (não se manifesta livre) ou pela inexperiência (não se manifesta conciente), resultando negócio jurídico em que contrai obrigação manifestamente desproporcional à prestação da outra parte.

No mesmo diapasão:

A lesão, em linhas gerais, consiste no prejuízo que um contratante experimenta em contrato comutativo quando não recebe da outra parte valor igual ou proporcional ao da prestação que forneceu [...]. A lesão tem seu campo de atuação, de fato, como modalidade de aplicação da decantada boa-fé objetiva nos contratos sinalagmáticos ou comutativos156.

Colhe-se ainda da doutrina que:

Pode-se genericamente definir lesão como prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes157.

155 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 332. 156 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil . 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 449. 157 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.

325.

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E ainda:

Nosso direito pré-codificado concebeu, portanto, o instituto da lesão com estas duas figuras, caracterizando a lesão enorme como defeito objetivo do contrato: o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava na injustiça do contrato em si, já a lesão enormíssima fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que tirava o proveito desarrazoado porém dolo presumido ou do ex re ipsa, que precisa ser perquirido na intenção do agente158.

Conforme já salientado acima, no Direito Romano, ocorria o vício

quando havia desproporção entre as prestações recíprocas, assim, o conceito era

somente objetivo159. No direito atual, para a caracterização da lesão, se faz necessária

a presença dos requisitos objetivo e subjetivo.

O requisito objetivo ou material se consubstancia pela

desproporção das obrigações assumidas entre os celebrantes, enquanto que o

subjetivo, também conhecido como imaterial ou anímico, está intimamente ligado à

inexperiência ou leviandade da parte lesada e o dolo de aproveitamento da parte

beneficiada160.

Nessa seara, Venosa161 ensina que:

O requisito objetivo configura-se pelo lucro exagerado, pela desproporção das prestações que fornece um dos contratantes. Pelo que se depreende da lei dos crimes contra a economia popular, tal requisito foi tarifado em um quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Esse tarifamento sempre pareceu inconveniente deixar a caracterização para o prudente arbítrio do julgador em cada caso concreto, como faz a redação do vigente Código Civil. Nenhuma legislação estrangeira estabelece cifra determinada.

O requisito subjetivo consiste no que a doutrina chama de dolo de aproveitamento e afigura-se, como dizem os diplomas legislativos, na

158 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , p. 325. 159 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 59. 160 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 374. 161 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil , p. 450.

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circunstância de uma das partes aproveitar-se da outra pela inexperiência, leviandade ou estado de premente necessidade. Tais situações psicológicas são aferidas no momento do contrato. Não há necessidade de o agente induzir a vítima à prática do ato, nem é necessária a intenção de prejudicar. Basta que o agente se aproveite dessa situação de inferioridade em que é colocada a vítima, aferindo lucro desproporcional e anormal.

Necessário ressaltar que a necessidade mencionada na legislação

como meio de caracterização da lesão é de premência negocial, contratual, não se

identificando com o estado de necessidade ou estado de perigo.

Ademais:

É irrelevante o fato de o lesado dispor de fortuna, pois a necessidade se configura na impossibilidade de evitar o contrato; a necessidade contratual, portanto, independe do poder econômico do lesado. O conceito envolve também o estado de penúria pelo qual pode passar a vítima, mas não é o único elemento. O lesado vê-se na premência de contratar impulsionado por urgência inevitável. Caracteriza-se a necessidade, por exemplo, numa época de seca, quando o lesado paga preço exorbitante pelo fornecimento de água162.

Além da necessidade, o vício pode ser caracterizado face à

inexperiência do lesado, isto é, falta de conhecimentos de valores, pessoa

desacostumada no trato de determinado negócio ou dos negócios jurídicos em geral.

Todavia, mesmo o erudito pode ser lesado sob determinadas circunstâncias, se não

conhece as técnicas no negócio que se envolve163.

Sobre o assunto, a doutrina ressalta que:

É preciso que se diga que a constatação da “premente necessidade” ou “inexperiência” deve levar em conta as condições pessoais do lesado, assim como se dá na apreciação da coação. Se a desvantagem contratual decorre exclusivamente da desídia de quem contratou, inserindo-se na própria aléa contratual, não há o que se falar em invalidação do negócio, em respeito ao princípio da segurança jurídica.

162 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 451. 163 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil , p. 451.

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Discorrendo sobre as características gerais do instituto da lesão,

tem-se que:

a) A lesão só é admissível nos contratos comutativos, porquanto

nestes há uma presunção de equivalência entre as prestações; por conseguinte, ela

não compreende nos ajustes aleatórios onde, por definição mesmo, as prestações

podem apresentar considerável desequilíbrio;

Entende-se por contratos comutativos aqueles de prestações

certas e determinados, isto é, “as partes podem antever as vantagens e os sacrifícios,

que geralmente se equivalem, decorrentes de sua celebração, porque não envolvem

nenhum risco”164.

Ressalta-se, por oportuno, que a assertiva discriminada no item a,

é defendida pela maioria dos doutrinadores que tratam do assunto, a exemplo, Pablo

Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Washington Monteiro de Barros, Silvo de

Salvo Venosa, entre outros. Contudo, Gomes165 citando Analise Becker ressalta que os

contratos aleatórios, aquele que “pelo menos um dos contratantes não pode antever a

vantagem que receberá, em troca da prestação fornecida”166, podem ser constituídos

de lesão quando:

A vantagem que obtém as partes é excessiva, desproporcional em relação à aléa, ou ao risco normal do contrato, desde que essa vantagem se produza mediante o aproveitamento da necessidade, leviandade ou inexperiência do co-contratante.

b) A desproporção entre as prestações deve verificar-se no

momento do contrato e não posteriormente. Pois, se naquele instante não houver

disparidade entre os valores, inocorreu lesão167;

164 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 72. 165 GOMES, José Jairo. Direito civil , p. 431. 166 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 73. 167 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil , p. 451.

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c) A desproporção deve ser considerável. Aliás, a Lei Segunda

falava em diferença superior à metade do preço verdadeiro: minus autem pretium esse

videtur, si nec dimidia pars veri pretii soluta sit168.

Destarte, a lesão, diferentemente dos demais vícios de

consentimento, se consubstancia diretamente por meio do prejuízo sofrido pela parte

diante da desproporção das prestações estipuladas na conclusão do negócio.

3.3 DAS ESPÉCIES DA LESÃO

A lesão pode ser desdobrada nas seguintes espécies: lesão

enorme, lesão propriamente dita ou enormíssima, lesão usurária ou usura real, lesão

especial e lesão consumerista169, as quais serão tratadas individualmente no decorrer

desta pesquisa.

Ressalta-se, outrossim, que o elemento comum entre os três

mencionados tipos é o benefício excessivo de uma das partes em detrimento do

prejuízo do outro170.

A lesão enorme, propriamente dita ou enormíssima se traduz,

basicamente, pelo excesso de vantagens e desvantagens, traduzindo, pois, o defeito

exclusivamente objetivo171.

Rosenvald e Farias172 revelam que referida lesão “materializava-se

a partir de um critério tarifado, bastando, v.g, que no contrato de compra e venda

ocorresse desproporção superior à metade do justo preço”.

168 RODRIGUES, Silvio. Direito civil . 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 375. 169 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 97. 170 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 97. 171 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil. Teoria geral. 7ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 478. 172 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil , p. 479.

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Sua função é simplesmente restabelecer o sinalagma genético

rompido. Surgiu no direito Romano pós-clássico e foi consagrada nas Ordenações

Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo abolida pelo liberalismo individualista do

Código Civil brasileiro173.

Importante ressaltar que, a tendência das doutrinas atuais é

afirmar que, como regra, a conceituação da lesão enorme retoma os termos amplos da

tradição perseguida pelo direito atual, em especial pelo Código de Proteção do

Consumidor.

Tal premissa encontra base na seguinte citação:

De fato, no sistema do Novo Código Civil, a lesão se configura com: (i) a desproporção entre as prestações; e (ii) a inexperiência ou necessidade da parte prejudicada.

O novo estatuto dispensa, na sua literalidade, o requisito do aproveitamento, tradicionalmente presente na formulação do instituto segundo o direito comparado.

Já a lesão usurária ou usura real exsurge por meio de uma

situação de necessidade, inexperiência ou leviandade de uma da partes e existência de

dolo de aproveitamento pela outra partes.

Tal espécie originou-se no direito Alemão, tendo sido

recepcionado pelo ordenamento brasileiro através da via penal, isto é, Lei 1.521/51.

Sobre tal espécie:

Contemplada na Lei de Economia Popular, originada nas influências do BGB, § 138, exigindo para a sua concretização, além do requisito objetivo, outros de ordem subjetiva: b.1) o estado de necessidade, a inexperiência ou a leviandade da parte que declara a vontade e b.2) a consciência da parte que causa a lesão, se beneficiando de forma dolosa, sabendo estar lesando a parte contrária (é o chamado dolo de aproveitamento, exigível em face do caráter penal da lesão usurária).

173 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 98.

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Veja-se que não se investiga a vontade da vítima, mas a do autor da lesão, que pratica ato contrário aos bons costumes174.

A lesão especial, por sua vez, se consubstancia na existência de

excesso nas vantagens e desvantagens, causadas pelo fato de parte contratante ser

inexperiente e não se ater na má-fé ou na ilicitude do comportamento da outra parte

envolvida no negócio jurídico.

A previsão legal da lesão especial se dá no artigo 157 do projeto

634-B, de a915: “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade ou

inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da

prestação oposta”.

Do ponto de vista funcional, o fim almejado pela lesão especial é

restabelecer o equilíbrio entre as partes celebrantes do negócio jurídico, protegendo a

parte que se mostra mais hipossuficiente.

Sobre as espécies de lesão, Bittar175 ensina que:

a) para a caracterização da lesão propriamente dita, basta haver esse excesso de vantagens e desvantagens (defeito exclusivamente objetivo); b) para a caracterização da segunda, exige-se uma situação de necessidade, inexperiência ou leviandade de uma das partes, com dolo e aproveitamento da outra (má-fé); c) no que concerne à lesão especial, limita-se ela à mesma exigência de excesso de vantagens, causada pela situação de necessidade ou inexperiência de uma das partes, ao contratar, sem, no entanto, a indagação da má-fé ou da ilicitude do comportamento da outra (não se cogita dolo de aproveitamento)”.

Por derradeiro, a lesão consumerista, identificada pelo Código de

Defesa do Consumidor, se revela na presença simples do elemento objetivo,

dispensando, portanto, a perquirição subjetiva.

Contudo, “não há tarifamento da desproporção existente entre as

prestações, cabendo ao juiz analisar a sua ocorrência caso a caso”176.

174 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil , p. 478. 175 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 97. 176 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil , p. 478.

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Vislumbra-se, pois, que todas as espécie se voltam especialmente

às vantagens e desvantagens percorridas pelas partes no negócio jurídico celebrado e

os respectivos efeitos, objetivando, pois, a proteção da parte lesada177.

3.4 LESÃO X ONEROSIDADE EXCESSIVA

Conforme já ressaltado, a lesão se consubstancia no “prejuízo

resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio

jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de

um dos declarantes”178.

A onerosidade excessiva “permite aos contraentes recorrerem ao

Judiciário, para obterem alteração da convenção e condições mais humanas, em

determinadas situações”179.

Isso porque:

A teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalteralidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, p. ex.), que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu inadimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente”180.

Destarte, considerando que ambos os institutos podem ser

facilmente confundidos, faz-se necessário discorrer sobre as diferenças existentes entre

eles:

177 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Da lesão no direito brasileiro atual , p. 99. 178 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 370. 179 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 30. 180 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 30.

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a) A lesão nasce com a celebração do contrato e se dá na

vigência do mesmo, enquanto que a onerosidade excessiva decorre de novos e

imprevisíveis acontecimentos que se originaram em tempo futuro à contratação;

b) A lesão decorre especificamente da “premente necessidade, ou

por inexperiência” (Art. 157, CC), enquanto a onerosidade excessiva não necessita de

tais elementos, já que se dá única e exclusivamente por força de futuros

acontecimentos que oneram demasiadamente as prestações contraídas;

c) A onerosidade excessiva está abarcada pela teoria da

imprevisão, decorrente do desenvolvimento teórico da cláusula rebus sic stantibus181,

enquanto a lesão é socorrida somente pelos elementos que a constituem;

d) A lesão gera a anulação do negócio, conforme art. 171 do

Código Civil, enquanto a onerosidade excessiva impõe a revisão das cláusulas

exorbitantes182.

Tais diferenças, obviamente, não são as únicas e, aos olhos de

cada estudioso, poderão ser elencadas outros aspectos no rol de diferença, contudo, as

supramencionadas, sem qualquer sombra de dúvidas, são as mais gritantes e definem,

na essência, cada figura.

Lotufo183 ensina que:

Quando a desproporção entre as partes não se verifica no momento da constituição do negócio jurídico, mas no momento das obrigações contraídas, não é o caso de lesão, mas sim de onerosidade excessiva.

No mesmo sentido:

A diferença é relevante, já que a lesão é causa de anulação do negócio jurídico, enquanto a onerosidade excessiva autoriza apenas a revisão

181 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil , p. 376. 182 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 32. 183 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado . São Paulo: Saraiva, 2003, p. 443.

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das cláusulas pactuadas, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio entre as prestações184.

Desta forma, denota-se que, apesar de em muitas oportunidades

a lesão e a onerosidade serem utilizadas como sinôminos, são figuras extremamente

diversas e, inclusive, aplicadas em tempo e forma diferentes.

3.5 HIPÓTESES DE OCORRÊNCIA DA LESÃO NO CONTRATO BA NCÁRIO

Entende-se por contrato bancário aqueles em “que uma das

partes é um banco ou uma instituição financeira”185, geralmente se constituem por

adesão, isto é, não permitem a liberdade de escolha, aderindo o interessado ao modelo

de contrato previamente confeccionado sem modificá-lo.

Gonçalves186 citando Messineo ressalta que:

Contrato de adesão é aquele em que as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, de modo que o outro não tem o poder de debater as condições, nem introduzir modificações no esquema proposto: ou aceita tudo em bloco ou aceita tudo inteiro (‘ é pegar ou largar’).

Desta forma, sendo o contrato bancário, em geral, de adesão, é

possível a ocorrência da figura da lesão, eis que, a uma, a parte interessada não possui

a possibilidade de discutir as cláusulas impostas pela instituição financeira e, a duas, a

parte se vê na necessidade premente ou até mesmo se mostra inexperiente para

discutir o que está lhe sendo proposto, aderindo, obrigatoriamente, o que lhe está

sendo oferecido.

Sobre o assunto, Oliveira187, citando a pesquisadora Belga

Françoise Domont-Naert, revela que:

184 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, p. 333. 185 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 643. 186 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 75.

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O abuso não resulta do fato de que o consumidor é obrigado a aderir a este ou aquele texto pré-impresso, mas, efetivamente, do conteúdo eventual de uma convenção de cuja redação ele não participou, e que ele não poderá modificar, tendo em vista a relação de forças existentes entre as partes confrontadas, e que provavelmente ele encontrará uniformizada no setor respectivo. A abusividade de cláusulas, adianta a autora, cria, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio flagrante entre os direitos e os deveres recíprocos dos parceiros da relação. Daí a qualificação desta lesão em qualificada, e, uma vez verificada, o contrato fica eivado de vício insanável, acarretando a nulidade absoluta, já que constitui culpa in contrahendo o fato de se comportar para com o contratante de forma contrária à boa-fé.

Pereira188, esgota o assunto da lesão assentando que:

Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.

É exatamente o que ocorre na maioria dos pactos celebrados

junto à uma instituição financeira, oportunidade em que os consumidores, por vezes se

submetem à deveres extremamente desproporcionais e em desconformidade com a

legislação atual, isso porque se vêem obrigados a realizarem transações comerciais,

submetem-se à aceitação do que lhe foi proposto sem liberdade para discutir sobre a

possibilidade ou não do cumprimento.

Desta forma, vale ressaltar que o requisito necessidade se justifica

em razão do comércio existente na sociedade atual, o que, por si só, implica na

premente utilização de contas bancárias ou realização de atividades que remontam

contratos bancários, como por exemplo, abertura de conta corrente, utilização de

cartões de crédito, limite especial, financiamento, entre outros.

187 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Contratos bancários e o Código de defesa do consumi dor .

Campinas: LZN Editora, 2002, p. 61. 188 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , p. 325.

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A inexperiência ou leviandade se traduz, em tese, na falta de

conhecimento por parte do consumidor na oportunidade da celebração de um contrato

bancário.

Isso porque nem sempre as instituições financeiras informam

claramente as taxas, multas e juros aplicados no pacto contratual, implicando, por

vezes, em lesão ao interessado, que se vê obrigado a honrar compromisso inteiramente

desproporcional e lesivo, destruindo, destarte, o equilíbrio contratual.

A propósito:

[...] A “inexperiência” do lesado demonstra-se por sua ingenuidade e sua falta de intimidade com o negócio em que se envolveu. Cuida-se da ausência de habilidade para aquele negócio em particular. Nesse sentido, mesmo o indivíduo diplomado pode ser inexperiente.

Ademais, mesmo que assim não fosse, tem-se que:

O CDC também não fala em necessidade ou inexperiência, o que é lógico, pois o consumidor não depende delas para se qualificar a um estado de inferioridade. É vulnerável por definição e presunção (Art. 4, I, do CDC).

Portanto, em tese, bastará que o consumidor tenha sido vítima de uma desproporção manifesta entre as prestações para que seja possível a invocação da lesão no contrato de consumo.

Sem qualquer sombra de dúvida:

A lesão destrói o equilíbrio das prestações do negócio jurídico já na respectiva concepção, no nascedouro (quebra do sinalagma genético); trata-se, pois, de instituto inspirado na justiça comutativa (proportio rei ad rem), cujo objetivo é a garantia de igualdade das relações econômicas dos indivíduos entre si, caracteristicamente, aliás, na seara contratual189.

Assim sendo, de qualquer sorte, o instituto da lesão possibilita a

anulação do negócio jurídico realizado pelas partes, a fim de possibilitar que o

consumidor não se veja obrigado a cumprir os termos de um contrato que privilegie a

189 BITTAR, Carlos Alberto Filho. Lesão no Direito Brasileiro atual , p. 43-44.

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desproporcionalidade entre as partes, levando-o à discussão judicial para, querendo,

resolve-lo.

3.6 PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE DAS CLÁUSULAS DO CONTRATO E A

FIGURA DA LESÃO

O princípio da obrigatoriedade das cláusulas de contrato privilegia

a “força vinculante das convenções”190, razão pela qual também é conhecido como

princípio da força vinculante dos contratos.

Antes de abordar o significado de tal princípio e seus reflexos nos

contratos celebrados, vale ressaltar que, em razão da autonomia da vontade, ninguém

é forçado a contratar, já que a ordem jurídica atual concede aos indivíduos a liberdade

de contratar e definir os termos e objeto da avença191.

Desta forma, escolhendo as partes a celebração do contrato,

devem cumpri-lo integralmente, não podendo furtar-se às conseqüências, salvo com a

anuência do outro contratante, dando espaço, pois, à obrigatoriedade das cláusulas do

contrato.

Gonçalves192 ensina que:

O aludido princípio tem por fundamentos: a) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir a palavra empenhada, gerando a balbúria e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontade faz lei entre as partes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. Qualquer modificação ou revogação terá de ser, também, bilateral. O seu inadimplemento confere à parte lesada o direito de fazer uso dos instrumentos judiciários para obrigar a outra a cumpri-lo, ou a indenizar pelas perdas e danos, sob pena de execução patrimonial”.

190 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 28. 191 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 28. 192 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 28.

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No mesmo sentido, Pereira193 ressalva que “o princípio da força

obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra

empenhada”.

Na concepção clássica, a única limitação existente a esse

princípio era a escusa por caso fortuito ou força maior, prevista no art. 393, parágrafo

único, do Código Civil de 2002, correspondente ao art. 955 do Código Civil de 1916:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Após a segunda guerra mundial, de 1914 a 1918, observaram-se

situações contratuais que se tornaram insustentáveis, acarretando cláusulas

demasiadamente onerosas aos contraentes. Na mesma época, ocorreram mudanças

de orientação, passando a aceitar, em caráter excepcional, a possibilidade de

intervenção judicial do conteúdo de certos contratos, a fim de possibilitar um certo

equilíbrio às partes194.

Acabou-se, desta forma, difundindo-se no direito atual a convicção

de que o Estado deve intervir nos contratos celebrados entre as partes, seja por meio

de aplicação de leis de ordem pública em benefício do interesse coletivo, seja mediante

intervenção judicial, quando solicitada, na economia do contrato, revelando, pois, a

possibilidade de escusa, por óbvio justificada, do cumprimento das cláusulas

contratuais.

No entanto, a suavização do princípio da obrigatoriedade não

significa que não deva mais ser invocado pelos contratantes, eis que continua sendo

imprescindível para os negócios formalizados por meio de contrato a segurança

jurídica, tanto que o atual Código Civil, em inúmeros artigos, prevê a responsabilidade

193 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , p. 07. 194 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 29.

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do inadimplente em reparar os danos sofridos pelo lesionado face ao descumprimento

do pacto legalmente celebrado.

Aliás:

Daí o Código Civil, atento a essa tendência de amenização do rigor do princípio, ter incorporado expressamente em seu texto a cláusula rebus sic stantibus ao contratos de execução continuada e deferida (art. 478 a 480), assim como os institutos da lesão (art. 157) e do estado de perigo (art. 156), que permitem a ingerência estatal, seja para resolver, seja para revisar as condições a que se obrigaram as partes195.

Assim, ante a nova realidade legal, a interpretação do princípio da

obrigatoriedade deve se dar no intuito de manter e proporciar a continuidade da

execução, de acordo com as regras da eqüidade, equilíbrio contratual, boa-fé objetiva e

função social do contrato196.

Finalizando o assunto, colhe-se da doutrina:

Falar-se em pacta sunt servanda, com a conformação e o perfil que lhe foram dados pelo liberalismo dos séculos XVIII e XIX, é, no mínimo, desconhecer tudo o que ocorreu no mundo, do ponto de vista social, político, econômico e jurídico nos últimos duzentos anos. O contratante mais forte impõe as cláusulas ao contratante mais débil, determina tudo aquilo que lhe seja mais favorável, ainda que em detrimento do outro contratante, procedimentos que quebram as regras da boa-fé objetiva e da função social do contrato, e ainda quer que esse comportamento seja entendido como correto pelos tribunais, invocando em seu favor o vetusto brocardo romano pacta sunt servanda197.

Deste modo, as partes não estão necessariamente obrigadas ao

cumprimento de cláusulas contratuais amplamente abusivas ou em desconformidade

com as suas respectivas possibilidades, principalmente quando presentes no negócio

jurídico figuras que importem em desvantagens entre as partes, como é o caso da

lesão.

195 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo

código . 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30. 196 NERY, Nelson Junior. Contratos no código civil . São Paulo: LTr, 2003, p. 29. 197 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 29-30.

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Resta, pois, verificar se, diante da ocorrência da lesão, em

especial nos contratos bancários, é possível a parte lesionada postular pela rescisão do

contrato, assunto que será objeto de abordagem do próximo capítulo.

3.7 CONSIDERACÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE RESCIS ÃO DO

CONTRATO BANCÁRIO POR LESÃO AO CONSUMIDOR

Durante muito tempo a lesão foi considerada crime de usura real,

em conformidade com os ditames da Lei de Proteção à Economia Popular (Lei nº

1521/51). Entretanto, o Código Civil de 2002, instituiu a lesão no rol dos vícios de

consentimento (Art. 157) e, como tal, torna o negócio celebrado anulável.

Tal anulação está prevista pelo art. 171, inciso II, do Estatuto

Civilista:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Corroborando com o pensamento de que o contrato que previligiar

a lesão deve ser anulado, o art. 178 do Diploma civilista assenta que:

Art. 178 . É de 4 (quatro) anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negocio jurídico, contado:

I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em se realizou o negócio jurídico;

III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade;

Evidente é que, conforme já ressaltado, os contratos bancários

não permitem que as partes discutam as obrigações a serem contraídas, pois se tratam

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de modalidade adesiva, isto é, não possibilitam às partes a discussão daquilo que foi

contratado.

Explicando o fenômeno dos contratos de adesão, Marques198

revela que:

Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar em blocos (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateralmente e uniformimente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado. O elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a falta de um fase pré-negocial decisiva, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e, sim, sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor se manifesta por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens e serviços.

Assim, considerando que os contratos bancários são contratos,

em tese, de adesão, já que se destinam se destinam à criação, regulamento ou

extinção de uma relação que tenha por objeto a intermediação do credito199, lógico é

que as instituições financeiras estipulem obrigações que lhe previligiarão, exsurgindo,

pois, a figura da lesão.

Em regra, verifica-se que é perfeitamente possível a ocorrência da

lesão nos contratos bancários, porquanto, a uma, os consumidores, em geral, não

possuem condições de discutir o que lhes foi imposto por meio de pacto contratual, seja

por desconhecimento técnico ou impossibilidade de indagar acerca da legalidade ou

não de certa obrigação e, a dois, as transações bancárias, no cotidiano atual, são

extremamente necessárias aos indivíduos que se envolvem em transações comerciais

e, por força de tal premissa, acabam se envolvendo em contratos amplamente

desproporcionais e desleais.

Destarte, evidente é a ocorrência da lesão.

198 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 71. 199 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria geral dos contratos , p. 119.

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Faz-se necessário, contudo, discorrer acerca da diferença entre as

cláusulas abusivas e a lesão, bem como seus efeitos ao negócio jurídico, a fim de

justificar a possibilidade da aplicação do Código Civil mesmo quando o negócio jurídico

for realizado sob a égide consumerista.

Colhe-se da doutrina que:

É inconfundível a distinção entre a lesão e a cláusula abusiva, de vez que naquela há a análise da condição da pessoa que se submete a uma desvantagem excessiva, em prol do outro contraente ou de terceiro. Para tanto, verifica-se se o contratante se aproveitou da situação de inexperiência, leviandade ou premência da parte adversa, na formação ou na execução do contrato.

Assim, verifica-se que a lesão abordada neste trabalho, isto é,

àquela prevista pelo Código Civil, não se coaduna com as cláusulas abusivas previstas

pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor, tratando-se ambos de “abusos”

extremante diversos e com efeitos que não se assemelham.

Tanto que o CDC prevê que “são nulas de pleno direito, entre

outras, as cláusulas contratuais” que “estabeleçam obrigações consideradas abusivas,

que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatível com a

boa-fé e a equidade” (Art. 51, inciso IV, CDC), enquanto o Código Civil revela que os

negócios que se estabeleçam sob o enfoque de lesão a uma das partes são anuláveis

(Art. 171, CC).

Destarte, importante consignar algumas considerações acerca da

diálogo das fontes civilistas e consumeristas, a fim de sustentar a aplicabilidade do

Código Civil também nas relações de consumo, nas quais o Código de Defesa e

Proteção do Consumidor se mostra como ordem principal.

Mister frisar que:

O Código Civil de 2002 traz ao direito privado brasileiro geral os mesmos princípios já presentes no Código de Defesa do Consumidor (como a função social dos contratos, a boa-fé objetiva etc.). Realmente, a convergência de princípios entre o CDC e o CC/2002 é a base da inexistência principiológica de conflitos possíveis entre estas duas leis

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que, com igualdade ou equidade, visam a harmonia nas relações civis em geral e nas de consumo ou especiais.

Assim, embora o Código Civil de 2002 nada mencione acerca da

relação mantida entre os consumidores e fornecedores, denota-se que “os dois códigos

possuem os mesmos princípios e até mesmo muitas cláusula gerais coincidentes”200.

Em verdade, verifica-se que a base lógica do Código de Defesa do

Consumidor é justamente o equilíbrio das desigualdades/vulnerabilidade dos

consumidores e, na mesma direção, o Código Civil se preocupa com a regulamentação

e a unificação do direito comercial e civil, abordando profundamente a teoria e a

normatização dos contratos, que também podem ser os de consumo201.

Dessa forma, em que pese a afirmação de que o Código Civil

deva ser aplicado aos casos cabíveis de forma subsidiária, verifica-se que os direitos

dos consumidores podem estar em outras leis e não só no CDC, devendo-se utilizar as

normas que se mostrarem mais favoráveis aos interesses do consumidor.

Colocando fim à celeuma abordada, cita-se os ensinamentos de

Marques202:

Sendo assim, parece-se que o CC/2002 traz também novos direitos aos consumidores. Também suas cláusulas gerais, de responsabilidade sem culpa pela atividade de risco, de responsabilidade sem culpa das empresas e empresários individuais pelo fato do produto, de redução da prestação ou alteração da forma de execução do contrato de mútuo por onerosidade excessiva, a redução da cláusula penal, poderão complementar a aplicação do CDC ou mesmo superá-la se forem mais favoráveis aos consumidores (imagino, por exemplo, o caso de prescrição da ação ou de excludente específica do CDC, que não esteja presente no sistema geral do CC/2002 – uso, pois, CC/2002, como lei mais favorável). Assim, neste diálogo de complementaridade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais entre o CDC e o CC/2002, as cláusulas gerais do CC/2002 podem encontrar uso subsidiário ou complementar em caso regulado pelo CDC, se mais favoráveis ao consumidor. O juiz, no caso concreto, irá, pois, concretizar

200 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 672. 201 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 686. 202 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor , p. 692-693.

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o favor debilis expressamente permitido no art. 7º do CDC, que menciona inclusive a equidade, sua ratio maior.

Verifica-se, pois, que a anulação do negócio jurídico á a medida

acertada quando presentes no contrato o instituto da lesão privilegiando as instituições

financeiras e se mostrar medida mais benéfica ao consumidor. Isso porque “não há

dúvida, pois, de que a lesão tem como substrato a quebra da comutividade do negócio

jurídico, sendo instrumento para a obtenção da justiça contratual”203, devendo ser

invocada nos contratos que exteriorizem desproporcionalidade das obrigações entre as

partes contratantes.

Tal possibilidade não deve ser vista como destino natural dos

contratos, sob pena de infringir de modo lesivo o princípio da obrigatoriedade das

cláusulas contratuais, mas suscitada quando as obrigações forem altamente

insuportáveis e de difícil cumprimento, por força do da desvantagem exagerada.

Até porque, possível é a recomposição do negócio jurídico por

meio de revisão contratual, assunto já abordado nesta pesquisa.

Aliás, a doutrina assenta que:

A anulação do negócio não é fatal, inexorável. Poderão as partes salva-lo, recompondo sua equação econômico-financeira. Nesse sentido, dispõe o §2º, do art. 157, do CC: não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.204.

Tanto que a parte lesionada possui a faculdade de postular pela

anulação do contrato e reposição do status a quo ante, ou restabelecimento do

equilíbrio das prestações, para impor ao beneficiado pagar ou restituir a diferença205.

203 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil , p. 483. 204 GOMES, José Jairo. Direito Civil . Introdução e parte geral. 2006, p. 434. 205 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 38.

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Destarte, verifica-se que o negócio jurídico realizado sobre a égide

lesiva pode ser tanto anulado, a requerimento da parte, ou, revisado diante da

complementação das obrigações ou redução do proveito.

Nessa seara, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em

seu art. 39, inciso V, veda a exigência de vantagem manifestamente excessiva ao

consumidor.

Por derradeiro, resta abordar a forma de extinção do contrato,

como meio de proporcionar melhor entendimento ao trabalho desenvolvido.

É sabido que os contratos podem ser extintos de duas formas:

com ou sem adimplemento, sendo que o modo normal de extinção se dá com a

execução e cumprimento das cláusulas pactuadas206.

Assinala Theodoro207 que:

Ao contrário dos direitos reais, que tendem à perpetuidade, os direitos obrigacionais gerados pelo contrato caracterizam-se pela temporalidade. Não há contrato eterno. O vínculo contratual é, por natureza, passageiro e deve desaparecer, naturalmente, tão logo o devedor cumpra a prestação prometida ao credor.

Sobre o assunto, Gonçalves208 ressalta:

A extinção dá-se, em regra, pela execução, seja instantânea, diferida ou continuada. O cumprimento da prestação libera o devedor e satisfaz o credor. Este é o meio normal de extinção do contrato.

Todavia, algumas vezes, o contrato se extingue sem ter alcançado

o fim desejado, isto é, sem que as obrigações tenham sido cumpridas, acarretando,

pois, a extinção anormal do pacto.

206 GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 154. 207 THEODORO, Humberto Júnior. O contrato e seus princípios . 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2002, p.

100. 208 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 154.

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Justifica-se a ocorrência da extinção anômala pelas causas

anteriores ou contemporâneas ou supervenientes à formação do contrato, sendo a

primeira qualificada por defeitos decorrentes do não preenchimento de seus requisitos

subjetivos (capacidade das partes e livre consentimento), objetivos (objeto lícito,

possível, determinado ou determinável) e formais (forma prescrita em lei), que afetam a

validade do negócio, acarretando a nulidade absoluta ou tácita209.

As causas supervenientes à formação do contrato são verificadas

posteriormente à criação do contrato, pondo fim ao pacto por meio de resolução,

resilicão ou rescisão210.

É certo que nem sempre os contratantes conseguem cumprir a

prestação avençada, impedindo, face à ocorrência de situações supervenientes, a

execução do que foi pactuado. A extinção do contrato por meio de resolução tem como

causa a inexecução ou incumprimento por um dos contratantes.

Gomes211 ensina que resolução é “um remédio concedido à parte

que para romper o vínculo contratual mediante ação judicial’’, podendo ocorrer de forma

voluntária (comportamento culposo de um dos contratantes) ou não voluntária (decorre

de fato não imputável às partes, isto é, caso fortuito ou força maior).

A resilição não deriva de inadimplemento contratual, mas

unicamente da manifestação da vontade, que pode ser bilateral ou unilateral e, nesse

sentido, colhe-se da doutrina:

Resilir, do latim resilire, significa, etimologicamente, “voltar atrás”. A resilição bilateral denomina-se distrato, que é o acordo de vontades que tem por fim extinguir um contrato anteriormente celebrado. A unilateral pode ocorrer somente em determinados contratos, pois a regra e a impossibilidade de um contraente romper o vinculo contratual por sua exclusiva vontade.

209 GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 155. 210 GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p. 161 211 GOMES, Orlando. Contratos , 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 190.

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A rescisão do contrato, por sua vez, apesar de empregado como

sinônimo de resolução de resilição,deve ser empregado nas hipóteses de dissolução de

determinados contratos, por força da ocorrência de lesão ou aqueles que foram

celebrados em estado de perigo.

Alias, Gonçalves212 citando Messineo ensina que:

Dois são os casos em que se admite a rescisão: a) quando o contrato e celebrado em estado de perigo e em condicoes iniquia; b) quando acarreta uma lesao sofrida por uma das partes, determinada por uma situação de necessidade que a impulsionou a conclui-lo. No seu conceito, a lesão consiste na desproporção ou desequilíbrio entre a prestação executada ou prometida pela parte a que deve receber (que e de menor extensão): desproporção que decorre do estado de necessidade que se encontrava, que foi motivo determinante do negócio e do qual se aproveitou a parte para obter vantagem.

Dessa forma, em se tratando de lesão, a anulação do negócio

jurídico celebrado deve se dar por meio de rescisão, modo específico de extinção dos

contratos, quando presente a lesão a um dos contratantes, conforme já ressaltado,

devendo a ação judicial ser promovida no prazo de 04 (quatro) anos, contados do dia

em que se celebrou o contrato.

Por derradeiro, verifica-se que o consumidor não está obrigado ao

cumprimento daquilo que enseja a figura da lesão, pois a legislação atual, a fim de

evitar as desproporções desleais e, consequentemente, enriquecimento ilícito das

instituições financeiras e demais partes que se privilegiarem com as prestações

desiguais, asseverou a possibilidade da anulação do que foi pactuado.

212 GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro , p.156.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho teve como objetivo fundamental examinar a

possibilidade de rescisão do contrato em função da ocorrência da lesão ao consumidor.

Vislumbra-se que, a relação de consumo é aquela que se

estabelece entre o consumidor e o fornecedor com o objetivo primordial de transacionar

produtos e serviços, razão pela qual, considera-se os contratos de consumo, por serem,

em geral, de adesão, isto é, as partes não possuem plena liberdade para discutir as

obrigações que lhe são impostas, palco de grandes abusividades contratuais.

O trabalho direciona a pesquisa aos contratos bancários sob a

justificativa de que, em tese, atualmente, todos os indivíduos necessitam realizar

transações comerciais, utilizando-se, pois, dos serviços bancários entabulados por meio

de contrato, que, deverás, estipulam obrigações demasiadamente onerosas e de difícil

cumprimento, ao passo de que o consumidor não possui a possibilidade de discutir o

que lhe é imposto em face da premente necessidade ou inexperiência para indagar

acerca da possibilidade ou não de tais imposições.

Daí decorre as noções introdutórias do instituto da lesão,

recepcionada pelo Código Civil de 2002, como uma das modalidades de vício ou defeito

de consentimento, e conceituada como prejuízo em que um dos contratantes

experimenta, por meio de contrato, por contrair para si prestação demasiadamente

desproprorcional ao valor da obrigação oposta, sob premente necessidade ou

inexperiência.

Sem qualquer sombra de dúvida, a lesão destrói o equilíbrio das

prestações do negócio jurídico já na respectiva concepção, cuidando-se de instituto ou

figura jurídica inspirada na justiça comutativa (proportio rei ad rem), cujo objetivo e a

garantia da igualdade dos indivíduos na seara contratual, razão pela qual deve ser

aplicada também aos contratos de consumo, especialmente àqueles que envolvem as

instituições financeiras, eis que, como tratado na pesquisa, o Código Civil tem aplicação

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subsidiária ao Código de Defesa e Proteção do consumidor, devendo ser invocado

como norma principal sempre que se mostrar mais benéfico ao consumidor.

Destarte, verifica-se que, se o consumidor considerar que a

anulação do contrato se mostra medida mais benéfica aos seus interesses, poderá

invocar as normas do Código civil para postular pela rescisão contratual.

Isso porque o reconhecimento da figura da lesão implica na

consagração da justiça contratual, razão pela qual se faz possível a anulação do pacto,

desde que seja mais benéfico ao consumidor, já que os ditames do Código Civil serão

aplicados de forma subsidiária ao Código de Proteção do Consumidor, devendo a parte

lesionada requerer em juízo, no prazo de 04 (quatro) anos, contados da data de

celebração do negócio jurídico, a rescisão do contrato.

Enfim, as conclusões de cunho jurídico lançadas no trabalho

confirmam as hipóteses inicialmente lançadas a fim de direcionar a presente pesquisa

e, apesar de não esgotarem o tema, lançam ao menos o desafio de novos debates, de

novas reflexões e até de futuras e novas conclusões, sempre levando em consideração

a busca de um sistema processual capaz de servir de forma eficiente caminho à paz

social e a consequente Justiça.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Nelson. Direito bancário . São Paulo: Saraiva, 2000.

BENJAMIM, Antônio Herman de Vanconcelos e. Código brasileiro de defesa do

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