RESENHA A FORMAÇÃO DA LEITURA NO BRASIL

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EPARTAMENTO DE

ETRAS

RESENHA

A FORMAO DA LEITURA NO BRASIL

Leonardo Barros Medeiros

(UCP)

Marisa Lajolo & Regina Zilberman.

A

formao da leitura no Brasil

. So Paulo:

tica, 1996.

(http://www.editoraatica.com.br)

Trata-se de um livro que aborda a trajetria do surgimento do

pblico leitor ilustrado co m fragmentos dos clssicos da literatura

brasileira e com livros historiogrficos, reformulando a histria do

leitor no Brasil. A ob ra focad a em q uatro captulos que mo stram

como o leitor representado nos clssicos, o mercado das letras no

sculo XIX, o leitor na sala de aula e como as leitoras ad quiriam sua

autonomia.

A figura do leitor est associada ao desenvolvimento da soci-

edade burguesa. O livro co mea explanando o surgimento do leitor,

indicando a famlia b urguesa como cultivadora da leitura. Co m as

revolues europeias no sculo XVIII, as famlias reestruturam o seu

pad ro, tornando-se uma instituio democrtica. E neste novo

molde que se intensifica o gosto pela leitura. O saber ler era necess-

rio formao moral dos indivduos, as leituras religiosas tornavam-

se cada vez mais comuns nas famlias crists.

No Brasil, s p or volta d e 1840 que comea a expandir-se a

leitura, no Rio de Janeiro, como sede da mo narquia, que se obtm

espaos propcios para a difuso da prtica fortalecendo os primeiros

leitores brasileiros, de maneira que se desenvolve a criao literria e

a sua circulao atravs de livrarias e bibliotecas.

Os escritores passam a ter, de modo geral, certo comprome-

timento com os seus leitores, dialogando com eles. Os recursos esti-

lsticos ev idenciam a preocup ao do autor, que estabelece contato

com o seu leitor. Outras formas de preparao dos primeiro s leitores

brasileiros foram: simular as reaes do leitor nas obras; dar ao leitor

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uma posio de superioridade; compartilhar um ambiente comum

tudo isso comprovando o comprometimento e a delicadeza do escritor.

Esse escritor paternal logo abre espao para um escritor mais

exigente em relao aceitao do leitor com a obra criando o autor

cmplice que divide o mesmo espao ntimo com o ledor. O leitor

passa, ento, a se identificar com o s personagens, tornando-se teste-

munha privilegiada do autor.

No primeiro captulo, o livro apresenta as diversas funes do

leitor nas obras nacionais. As autoras fazem diversas vezes compara-

es das formas de tratamento que os au tores d o aos seus leitores. O

autor d sempre passos e passagens, sempre compartilhado com o

leitor.

Dois aspectos so essenciais no texto: o leitor e o narrador.

A

Formao da Leitura no Brasil

aborda estas duas tangentes, ao ana-

lisar os diversos tipos de narradores. Ao relatar o livro, o narrador

antecipa a recepo de seus leitores perante a obra. Graciliano [p or

exemp lo] cria um narrado r para quem o leitor a ltima porta aberta

para a comunicao (p. 56).

Fazendo uma clivagem,

A Formao da Leitura no Brasil,

conta detalhes do s bastidores da histria do livro, sua passagem do

processo artesanal para a industrializao e a sua popularizao. E-

xamina a histria d o livro desd e a ideia na cabea do escritor at co-

mo objeto na estante da livraria.

O escritor tende ao co mpromisso tambm com o livro, pois

ele, o escritor, altamente dicotomizado: o gnio que tem a ideia -

nica na cabea e o ser que precisa da rend a gerada p elo comrcio do

livro, surgindo assim, de forma mais insensvel, o compromisso do

autor co m o seu leitor.

No Brasil do sculo XIX no foi possvel para a maioria de

seus escrito res viverem de literatura. O atraso deve-se ao analfabe-

tismo de cerca de 70% dos brasileiros; ao alto preo dos livros, que

eram importados, e principalmente pela falta de tipografias no Brasil.

O escritor chegava at a vender suas obras de porta em porta pro-

cura de interessados, tudo para baratear o custo de venda de suas pu-

blicaes. Essa precariedade do mercado editorial brasileiro era, ao

mesmo tempo, causa e consequncia da infra-estrutura inconsistente.

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As autoras narram as dificuldades dos escritores para publicar

suas obras, seus pedidos de auxlios para mecenas e de que forma al-

ternavam o modo de ganhar seu po cotidiano, ora trabalhando como

jornalistas, ora sendo fu ncionrios pblicos.

Imprensa e literatura so formaes discursivas diferentes, emanadas

de lugares sociais igualmente distintos; mas ambas integram o mesmo

sistema da escrita. No se confundem, posto sejam intercomunicantes. E

o fato de a imprensa,

durante certos tempos e certos casos, financiar a

litera-

tura , talvez, a manifestao mais visvel desta intercomunicabilidade (p. 87).

No final do sculo XIX, para sanar a carncia dos meios de

divulgao do trabalho literrio, surgem escritores e intelectuais no

pap el de editores. Con forme iam aparecendo os editores, surgia em

paralelo o interesse dos autores pelos direitos de suas obras. Contra-

tos foram redigidos pelos editores e autores, beneficiando ambo s. As

letras comeam a ser remuneradas (muito mal, mas remuneradas),

tradues e obras por encomenda aparecem com mais frequncia.

Este movimento transformador na literatura culmina na for-

mao da Academia Brasileira d e Letras que como princip al inten-

o reunir e cano nizar escritores j consagrados.

Outra vertente a pub licao de livros didticos. Destacando

a formao das escolas no imprio d e D. Joo VI e com isso a neces-

sidade de livros didticos, Lajo lo e Zilbermam afirmam q ue o livro

didtico o primo-p obre da literatura, texto para ler e botar fora,

descartvel. Por outro lado, ele o primo -rico das editoras. No dei-

xando de ser um formador de leitores, vinculado a todas as etapas da

escolarizao p assando a ser o propulsor no s da ampliao e da

formao do pblico leitor, mas da prpria empresa editorial brasileira.

Percorrendo pelo papel da escola na formao dos seus leito-

res, critica o mau desenvolvimento que a escola d para seus discen-

tes, a forma de tratamento a que eles so sujeitad os, como se d o

processo didtico e a formao precria dos p rofessores.

Mais frente aponta que a soluo para a ampliao da leitura

e de bons leitores foi a criao d a Real Biblioteca, em 1814, uma bi-

blioteca carente de obras atuais, com um acervo enorme, repleto da

literatura clssica, mas com pequenos visitadores. Com esse passo D

Joo VI d um pontap inicial para o surgimento de outras bibliotecas.

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As autoras exemplificam o papel do livro didtico com cita-

es retiradas da literatura, trechos estes que enfatizam a experincia

dos autores ou dos p ersonagens na escola, com a didtica dos seus

mestres, do contato com a leitura das obras clssicas e principalmen-

te a experincia com os autores dos livros didticos.

Os livros didticos inicialmente importados de Portugal no

tinham compromisso com a realidade brasileira; somente a literatura

portuguesa figurava nestas obras. Tardou para que a literatura brasi-

leira fosse inclusa nos didticos. Um dos efeitos previstos [dessa in-

sero] integrar o indivduo ao coletivo e ptria, civilizando-o e

tornando -o um cidado til sociedade... (p. 232).

De modo p anormico, o livro em pauta permite ao leitor ab-

sorver o p rocesso de formao das leitoras, buscando na literatura o

modo como os autores ilustram as mulheres que leem. Observa,

sociologicamente, o papel da mulher na sociedade do sculo XVIII e

como se desenvolve a sua educao , pontuando o difcil acesso da

mulher ao mundo dos livros. Contribuem para o enriquecimento da

obra diversas citaes, retiradas dos autores consagrados, apontando

a mulher na sociedade e seu grau de instruo.

A mulher professora e formadora de leitores surge na socie-

dad e como uma faceta da emancipao feminina.

A Formao da Lei-

tura no Brasil r

evela que a leitura que d mulher a sua libertao.

Em sntese,

A Forma o da Leitura no Bra sil

analisa em pro-

fundidad e a histria do modo de produo, circulao e consumo da

literatura brasileira. A obra um palco de vrios atores sociais: escri-

tores, crticos, mecenas, editores, leitores, livreiros e professores.

Permeia academias, universidades, ministrios e imprensa traando o

surgimento, fortalecimento e a transformao de prticas brasileiras

de leitura.

Rastrear a histria do leitor brasileiro ingressar num proces-

so que ainda no se completou. O trabalho de Lajolo e Zilberman

tem cunho inovador, pois a literatura tambm analisada sob a tica

das leis, dos contratos e dos regulamentos. Tendo como fo co a prti-

ca de leitura, as autoras recorrem a diverso s dados e documentos pa-

ra determinar d iversos pontos em que a literatura e a sociedade cru-

zam-se.

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ENTREVISTA SOBRE A NOVA ORTOGRAFIA

Clarissa Josgrilberg Pereira

(UNIGRAN)

entrevista

Jos Pereira da Silva

(UERJ)

[email protected]

Professor Jos Pereira, o que a reforma ortogrfica?

A reforma ortogrfica que agora se implementa no Brasil,

Clarissa, resultado de um acordo internacional celebrado entre os

oito pases que usam o portugus como lngua oficial. Trata-se de um

acordo assinado h d ezenove anos, em 1990, dep ois de vrios anos

de discusso, e tem co mo finalidade estabelecer uma ortografia nica

para essa comunidade.

Por que ela foi feita?

Semp re se procurou simplificar a ortografia da lngua por-

tuguesa, estabelecendo critrios seguros para isto, mesmo quando

Portugal era o nico pas que a tinha como lngua oficial. Muitas ten-

tativas de refo rma tm sido feitas, ora por indivduos preocupados

com o ensino/aprendizagem da lngua escrita (Pero de Magalhes de

Gandavo, Duarte Nunes de Lio, Lus Antnio Verney, Aniceto dos

Gonalves Viana etc.), ora p or instituies como a Academia Brasi-

leira de Letras, a Academia de Cincias de Lisboa e os governos do

Brasil e de Portugal.

Esta refo rma que agora se imp lementa tem razes histricas

no incio do sculo XX, pois a sua base contin ua sendo a

Ortografia

Nacional

, de Gonalves Viana. Trata-se, portanto, de um debate

mais que secular, um sonho muito antigo, que se tentou concretizar

diversas vezes, tanto no Brasil quanto em Portugal.

Esta reforma ainda est sendo feita por ns, agora. No Brasil,

sua implementao dever ser concluda somente em 201 2, e, em

Portugal, s em 2018.

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