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Resenha do livro "O que é isso - Decido conforme minha consciência?" de Lênio Streck AUTOR: José Erigutemberg Meneses de Lima O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso quando de sua primeira intervenção no julgamento da Ação Penal 470 e ao declinar algumas linhas de suas “pré- compreensões sobre o tema”, aludiu não ser a interpretação e aplicação do direito nem atividade mecânica tampouco comportar precisão matemática. Deu a entender que a visão de mundo do intérprete jurídico pode, sim, fazer diferença na construção dos seus argumentos e nas escolhas que com freqüência precisam ser feitas no processo decisório. Percebe-se o mesmo juízo no depoimento do Ministro Luiz Fux que, desde o início da ação penal paradigmática, no qual declara que método de julgar consiste em, após procurar ver qual a solução justa, dar roupagem jurídica para a solução. [1] Não se deve apressadamente concluir que o decisionismo jurisdicional, aqui posto na qualidade de liberdade interpretativa, revelado pelos dois ministros paire unicamente sobre as cabeças laureadas a refletirem-se nas folhas do painel em mármore bege-bahia que decora o plenário do STF. O voto proferido pelo ministro Humberto Gomes de Barros, serve de exemplo da prática no Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. (...) Decido, porém, conforme minha consciência.”[2] Decerto, a atitude de juízes como Barroso, Fux e Gomes de Barros consistindo em decidirem de acordo com a concepção pessoal - obviamente influenciados pela concepção das pessoas que compõe seu ambiente familiar - deve ter dado o impulso à argúcia de Luis Alberto Warat para cunhar a jocosa afirmação de que em verdade “a fonte do direito são as sogras do juiz”.[3]

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Resenha do livro "O que é isso - Decido conforme minha consciência?" de Lênio Streck

AUTOR: José Erigutemberg Meneses de Lima

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso quando de sua primeira intervenção no julgamento da Ação Penal 470 e ao declinar algumas linhas de suas “pré-compreensões sobre o tema”, aludiu não ser a interpretação e aplicação do direito nem atividade mecânica tampouco comportar precisão matemática. Deu a entender que a visão de mundo do intérprete jurídico pode, sim, fazer diferença na construção dos seus argumentos e nas escolhas que com freqüência precisam ser feitas no processo decisório.

Percebe-se o mesmo juízo no depoimento do Ministro Luiz Fux que, desde o início da ação penal paradigmática, no qual declara que método de julgar consiste em, após procurar ver qual a solução justa, dar roupagem jurídica para a solução.[1]

Não se deve apressadamente concluir que o decisionismo jurisdicional, aqui posto na qualidade de liberdade interpretativa, revelado pelos dois ministros paire unicamente sobre as cabeças laureadas a refletirem-se nas folhas do painel em mármore bege-bahia que decora o plenário do STF. O voto proferido pelo ministro Humberto Gomes de Barros, serve de exemplo da prática no Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. (...) Decido, porém, conforme minha consciência.”[2]

Decerto, a atitude de juízes como Barroso, Fux e Gomes de Barros consistindo em decidirem de acordo com a concepção pessoal - obviamente influenciados pela concepção das pessoas que compõe seu ambiente familiar - deve ter dado o impulso à argúcia de Luis Alberto Warat para cunhar a jocosa afirmação de que em verdade “a fonte do direito são as sogras do juiz”.[3]

Para o professor e advogado argentino, é do costume dos juízes de decidirem primeiramente de acordo com as impressões da sogra à mesa do jantar e depois buscarem “roupagem jurídica”, como defendido por Luiz Fux, que surge a multiplicidade de decisões diametralmente opostas para situações concretas absolutamente idênticas. Raciocínio assemelhado ao de Warat, quiçá tenha inspirado

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o professor Lênio Luiz Streck para a construção do livro O que é isto? – decido conforme a minha consciência?[4].

Neste ousado libelo, lançado em meados de abril de 2010, o primeiro da Coleção O que é isto? O autor busca respostas de fundo hermenêutico para a fundamentação das decisões jurídicas, erigindo com suas idéias inovadoras as bases de uma teoria pós-positivista que venha ocupar espaço do mito do “decido conforme minha consciência”, arraigado na mente dos magistrados como acima se expôs.

Embora os fundamentos teóricos não se constituam em algo absolutamente inovador, desde que as idéias desenvolvidas freqüentam outras obras de Streck, a exemplo de Hermenêutica Jurídica e (m) Crise e Verdade e Consenso o livro presta-se à fermentação do debate havido entre a convicção pessoal do juiz e o critério por ele utilizado para resolver as determinações da lei. Claro que o novo acirra os ânimos e provoca críticas, isto é o que acontece quando uma obra surge recheada de variegada soma de curiosidades a serem desvendadas e debatidas após inúmeras leituras.

No esteio das curiosidades surge o próprio título aposto em forma de indagação. O que é isto: decido de acordo com minha consciência? Poderia ser substituído, conforme palavras do próprio autor, sem perda de substância, por O que é isto – mixar objetivismo e subjetivismo e tempos de virada lingüística? Outra curiosidade encerra-se na capa que destaca a Torre de Babel...

Polêmica e curiosa, a obra vem ouriçando o espírito tanto de inscritos no Doutorado Interinstitucional, DINTER, realizado entre UNISINOS e FURB quanto no de aspirantes à magistratura catarinense. Neste âmbito, o debate ganhou forças e proliferou nos fóruns e nas redes sociais, por conta de a banca elaboradora do concurso, ao tentar avaliar conhecimentos no âmbito da interpretação e aplicação do direito no paradigma do Estado Constitucional, ter exigido posicionamento acerca da panprincipiologia, do princípio da razoabilidade e do decisionismo tendo por base o tema: “A linguagem é o que está dado e, portanto, não pode ser produto de um sujeito solipsista (Selbstsüchtiger), que constrói o seu próprio objeto de conhecimento”.[5]

Não é preciso muito esforço ou gasto de tinta para deduzir que a grita foi geral e que, com a violência das águas de outubro provocou uma enxurrada de recursos com os mais diversos argumentos propostos

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por aqueles que não concordaram ter o saber avaliado mediante parâmetro estabelecido em teoria ainda em construção, não solidificada, e cujos princípios permeiam apenas as teses defendidas pelo jurista gaúcho.

Bom. Talvez a reação dos concurseiros faça parte da esperteza macunaímica inculcada na personalidade de intelectuais e broncos tupiniquins. Ou, de outro modo, em jargão mais sisudo, derive do decisionismo contra o qual Streck volta suas armas e eles (os futuros magistrados) aperfeiçoarão, após ultrapassarem o patamar da prova de conhecimento e títulos.

Os togados que se entendam. Deixe-se isso para lá. Aqui vale é saber, afinal, que bicho é este que tanto tingiu com as cores do assombro as futuras togas catarinenses e tanto entusiasma os doutorandos da FURB.

Generalizando: em curto período, o livro afronta as diversas formas de decisionismo ao discutir a chamada filosofia da consciência. Ponto. Isto porque em todas as linhas e entrelinhas o autor deixa antever que as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais, considerando-se a consciência psicologista do intérprete. Em um estado democrático de direito – segundo ele – não cabe mais dizer entre a lei e a minha consciência, opto pelo meu sentimento do justo que está na minha consciência.

Agora já numa abordagem mais pontual derivada de uma leitura sem aprofundamento, retiram-se da parte preambular do livro as noções de sujeito, objeto e o giro ontológico-linguístico, destacando o autor nesta fase a importância da filosofia para o direito. E após discorrer detalhadamente sobre como cada época lidou com os fundamentos da decisão termina o capítulo esclarecendo que “O que é importante ressaltar aqui é que o problema da verdade – e, portanto, da manifestação da verdade no próprio ato judicante - não pode se reduzir a um exercício da vontade do interprete (julgar conforme sua consciência), como se a realidade fosse reduzida à sua representação subjetiva”.[6]

Em seqüência, o autor procura desfazer o paradigma da consciência que entende que o direito é aquilo que o interprete (juiz, tribunal etc.) quer que ele seja. Trava combate com a tendência arraigada de que o juiz deve julgar em determinado momento segundo aquilo que ele sente, de acordo com sua consciência, possibilitando discricionariedades e arbitrariedades.

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Em canto avançado do livro, o autor dá resposta ao que a banca exigia dos participantes do concurso da magistratura, ao fazer menção ao critério da razoabilidade, decretando que “a maior parte das sentenças e acórdãos acaba utilizando tais argumentos como um instrumento para o exercício da mais ampla discricionariedade (para dizer o menos) e o livre cometimento de ativismo”.[7]

Adiantando-se mais, o autor identifica a existência de várias correntes teóricas pairando sobre o direito positivo moderno fazendo com que o magistrado possa defender esta e aquela posição, situação percebida no agir do Ministro Fux, citado alhures. Por este ponto, o autor alude, ainda, o papel decaído da doutrina no cenário jurídico atual fato que proporciona a submissão dos tribunais ao “império dos enunciados assertórios que se sobrepõe à reflexão doutrinária”, [8] a exemplo do visto com o voto do ministro Humberto Gomes de Barro.

Enfim, como se delineou acima, o livro ilustrado com a Torre de Babel começa e termina com indagações, como se o autor pego em ato falho reconhecesse que a teoria pós-positivista do direito por ele proposta - mesmo depois de estampada em vários livros que dão suporte teórico a este - ainda se acha em processo de formação. De toda sorte, o autor é feliz ao rediscutir a busca da superação do positivismo jurídico assentado no solipsismo do sujeito da modernidade.

Nesse sentido são as explanações de Streck: “Desse modo, quando falo aqui – e em tantos outros textos – de um sujeito solipsista, refiro-me a essa consciência encapsulada que não sai de si no momento de decidir. É contra esse tipo de pensamento que volto minhas armas. Penso que seja necessário realizar uma desconstrução (abbau) crítica de uma idéia que se mostra sedimentada (ou entulhada, no sentido da fenomenologia heideggeriana) no imaginário dos juristas e que tem se mostrado de maneira emblemática no vetusto jargão: ‘sentença vem de sentire…’(para citar apenas um entre tantos chavões, que, como já demonstrei, transformaram-se em enunciados performáticos).” [9]

Por último, atando as pontas do novelo ou fazendo a conexão entre a abertura do texto com seu final, o que recomenda a boa técnica de redação, resta dizer que, mesmo que Luis Roberto Barroso tenha declarado que a interpretação e aplicação do direito nem é atividade mecânica tampouco comportar precisão matemática, parceiro intelectual de Streck combate a corrente dos que ressaltam a

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decadência do paradigma jusprivatitico em detrimento da hermenêutica constitucional. [10]

[1] Disponível em:. Acesso em: 22 ago. 2013.

[2] Voto do ministro Humberto Gomes de Barros no AgReg em Resp nº 279.889/AL., julg. Em 03/04/2001, DJ 11/06/2001, STJ, citado às pág. 25

[3] Captura Criptica: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.2., jan./jun. 2010. P. 41. Disponível em:. Acesso em: 22 ago. 2013.

[4] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

[5] Disponível em:. Acesso em: 22 ago. 2013.

[6] Ibidem, p. 19

[7] Ibidem, p. 48

[8] Ibidem, p. 88

[9] Ibidem, p. 59

[10] OLIVEIRA, Vitor Costa. A formação do neoconstitucionalismo e sua prevalência na contemporaneidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em:. Acesso em: 23 ago. 2013.