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Outubro de 2004 Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul Campo Grande – Mato Grosso do Sul Pedro Ângelo da Rosa Resenha Histórica de Mato Grosso (Fronteira com o Paraguai) Edição anotada por Hildebrando Campestrini

Resenha Historica de Mato Grosso 1-40

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Outubro de 2004Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul

Campo Grande – Mato Grosso do Sul

Pedro Ângelo da Rosa

Resenha Históricade Mato Grosso

(Fronteira com o Paraguai)

Edição anotada porHildebrando Campestrini

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Revisão e diagramação:H. Campestrini

Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do SulRua Rui Barbosa, 2.624 – Centro79002-365 – Campo Grande – MS

fone: (67) 384-1654 – fax: (67) 382-1395www.ihgms.com.br

e-mail: [email protected]

Sem fins lucrativos.

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3Resenha Histórica de Mato Grosso

Nota do editor

Dentro do propósito do Instituto Histórico e Geográfico deMato Grosso do Sul de disponibilizar (em sua biblioteca eletrônica:www.ihgms.com.br) para o público em geral as obras significa-tivas da historiografia sul-mato-grossense, surge este trabalho,sem dúvida indispensável para se conhecer melhor determinadosacontecimentos, principalmente em Ponta Porã e, por extensão,na fronteira.

Escrito em linguagem simples, direta, quase depoimento,o livro traz o testemunho de quem assistiu a muitas daquelas o-corrências ou delas participou ou, ainda, teve a oportunidade decolher as informações junto aos que foram atores, justamente deum trato muito importante da história da fronteira, que vai dopovoamento até o Território de Ponta Porã.

O texto foi atualizado na ortografia, corrigindo-se algunserros tipográficos evidentes e algumas datas, por óbvio erro derevisão ou contradição com o próprio texto.

Duas notas são do autor. Para contextualizar melhor os fatosou desfazer possíveis confusões, foram inseridas outras trinta eduas, indicadas com a expressão: nota do editor.

Campo Grande, outubro de 2004.

Hildebrando CampestriniPresidente IHG-MS

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PrólogoPara a confecção deste modesto trabalho, ampliei algo do

meu opúsculo anteriormente publicado, intitulado ANAIS PONTA-PORENSES, para cujo fim, aproveitei muito das informações queouvi, desde menino, de meu avô, capitão João Antônio da Trin-dade, veterano da guerra de 1870, e um dos heróis da Retiradada Laguna, vindo do Rio de Janeiro para Mato Grosso, ainda nostempos do Império (ver nota 15).

No decorrer de vários anos, procurei pessoas idôneas, ve-lhos moradores no Estado, e que tomaram parte, muitas delas,nos acontecimentos aqui relatados, as quais me prestaram seusvaliosos depoimentos.

Consultei também algumas obras que versam sobre a his-tória de Mato Grosso, e particularmente desta região fronteiriça.

A partir de 1921, época em que me alistei nas fileiras doPartido Republicano Conservador, já caído em Mato Grosso, pas-sei a tomar parte nos acontecimentos políticos do Estado, hipo-tecando minhas simpatias a vários movimentos que agitaram o paíse tiveram repercussão em nosso ambiente.

Porém, ao relatar os fatos, no desenrolar do agitado dramada história política desta fronteira, procurei somente a verdade,observando estrita imparcialidade, fazendo justiça aos seus pro-tagonistas, sem idéias preconcebidas e sem as veleidades do fa-voritismo.

A História é como um grande palco, onde se apresentam osfatos e aparecem seus atores, que falam por si mesmos, conformeos papéis que desempenharam.

Ponta Porã, 28 de julho de 1962.

Pedro Ângelo da Rosa

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Índice

1. Ponta Porã, teatro de acontecimentos da guerra de 1870.a) Epopéia de Dourados – 9.b) A colônia militar do Iguatemi – 10.c) Ponta Porã, zona deserta. Origem do seu nome – 11.d) A Retirada da Laguna – 12.e) Expedição do tenente-coronel Moura

a Iguatemi. O destino – 15.f) Operações finais da campanha.

Lopez se dirige a Ponta Porã – 16.g) Demarcação dos limites da fronteira – 18.

2. Descoberta dos ervais em Mato Grosso.Tomás Laranjeira e a Empresa Mate – 19.

3. Ponta Porã. Fundação e distrito.a) O primeiro destacamento militar

que chega a Ponta Porã – 24.b) A fundação de Ponta Porã. João Antônio da Trindade – 26.c) Criação do distrito de Ponta Porã – 28.

4. Começam a chegar a Mato Grosso as comitivasdo Rio Grande do Sul. As causas dessaimigração e sua epopéia – 29.

5. Demandas sobre a posse das terras dePonta Porã e sul de Mato Grosso.a) Questão com os herdeiros de D. Elisa Lynch – 33.b) Pretensão dos herdeiros do barão de Antonina – 34.

6. Criação do município – 36.a) Instalação – 37.b) Ata de instalação – 37.c) Nomeação de autoridades. A visita do

Ex.mo Sr. Presidente do Estado – 39.

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7. Criação e instalação da comarca – 40.

8. Desenvolvimento cultural e esportivo – 41.

9. Movimentos revolucionários no sul do Estado.a) Muzzi – 43.b) Mascarenhas – 45.c) Bento Xavier – 46.d) A revolta do regimento em Ponta Porã – 50.e) Antônio Gomes – 52.

10. Movimentos nacionais que repercutiramno sul de Mato Grosso.a) 1922 – 54.b) 1924 – 54.c) 1930 – 60.d) 1932 – 62.

11. O Território Federal de Ponta Porã.Sua criação e extinção – 64.

12. As duas correntes migratórias – 67.

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1. Ponta Porã, teatro deacontecimentos da guerra de 1870.

a) Epopéia de Dourados.Ao irromper a guerra do Paraguai, em fins do ano de 1864,

quando a província de Mato Grosso foi invadida pelo exército de So-lano Lopez, existia em toda a faixa fronteiriça, que não tinha aindasido demarcada, a Colônia Militar de Dourados1, criada no minis-tério Caxias, a 10 de maio de 1861, sediada nas cabeceiras do rioDourados, a oito léguas de distância da atual cidade de Ponta Porã.

1. A Colônia Militar do Dourados (o autor prefere de Dourados)situava-se nas proximidades da atual cidade de Antônio João,onde se encontra um parque que lembra o episódio narrado aseguir. Chama-se do Dourados porque está nas cabeceiras dorio Dourados. Não confundir com a cidade de Dourados. (Notado editor).

O pequeno destacamento compunha-se de dezesseis ho-mens, comandados pelo tenente Antônio João Ribeiro, e foi ata-cado a 29 de dezembro daquele mesmo ano, por uma força com-posta de duzentos e vinte paraguaios, sob o comando do majorUrbieta, integrante da coluna do general Resquin, que coman-dava um exército e trazia o objetivo de invadir a província deMato Grosso.

O tenente Antônio João, recebendo intimação do inimigopara render-se, apesar da inferioridade numérica de sua tropa,não quis entregar-se e ofereceu resistência aos atacantes. Inicia-do o combate, às primeiras descargas, caiu morto junto à bandei-ra nacional, em companhia de seus soldados. Não quis o tenenteAntônio João evitar aquele sacrifício, retirando-se para Miranda,pois sabia notícias da aproximação dos paraguaios, e preferiu ofe-recer a vida em holocausto à Pátria, nos primórdios daquela longae penosa campanha.

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Ao coronel Dias da Silva, comandante do distrito militar deMiranda, mandou ele um emissário, comunicando a aproxima-ção das forças paraguaias, o qual foi aprisionado pelo inimigo,encontrando-se em seu poder a nota que finalizava com os dize-res: Sei que morro mas o meu sangue e de meus companheirosservirá de protesto solene contra a invasão do solo de minha Pátria.

O feito de Antônio João causou admiração ao próprio chefedas forças paraguaias, major Urbieta, que dele fez menção na suaparte.

A Colônia Militar de Dourados ficou abandonada ainda al-guns anos depois de terminada a guerra, até a chegada de seunovo comandante, capitão Rogaciano Monteiro de Lima, que, de-pois de muitos anos de residência ali, passou o comando ao capi-tão João Manuel Gomes, que foi o último a comandar a Colônia,até sua extinção.

b) A colônia militar do Iguatemi.A fim de assegurar os direitos de ocupação das nossas fron-

teiras no extremo sul de Mato Grosso, que nos tempos coloniaisnão estavam fixadas, existindo contestações e controvérsias en-tre os espanhóis e portugueses, e em vista do tratado de 1750,mandou o Morgado de Mateus2 fundar a colônia militar do Igua-temi, em 1767, à margem do rio Iguatemi.

2. O Morgado de Mateus (Luís Antônio de Sousa), governa-dor da capitania de São Paulo, recebera de Portugal ordens pa-ra expandir o território português e assegurar as terras de seudomínio. Para tanto, promoveu o reconhecimento dos sertões dorio Tibagi (no Paraná) e a ocupação das terras do Iguatemi,fundando, ali, em 1767, a Povoação e Praça de Armas NossaSenhora dos Prazeres e São Fernando de Paula. (Nota do edi-tor).

A colônia, depois de fundada e ocupada pelos portugueses,foi atacada e destruída por forças espanholas vindas de Assun-ção, sob o comando do coronel D. Agostinho Fernandez de Pinedo,no ano de 1777.

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Os vestígios daquela fundação acham-se nos fundos dafazenda Vigente, hoje município de Amambai3, onde tivemos ocasiãode ver os fossos enormes que se projetam para as bordas do rio I-guatemi, fechando o reduto em cuja área existe um grande laranjal ese encontram ainda algumas telhas, restos de habitações antigas.

3. Em Mato Grosso do Sul o uso corrente consagrou a pronúnciaAmambai (com i final átono) para o nome do município. Con-serva-se com i final tônico nos demais nomes próprios: serra deAmambaí, rio Amambaí. (Nota do editor).

O povo que reside nos arredores daquelas ruínas deu aolugar a denominação de Trincheiras e supõe tenha sido ela umafundação jesuítica.

c) Ponta Porã, zona deserta. Origem de seu nome.Antes da guerra do Paraguai, Ponta Porã constituía uma zona

deserta, habitada somente por índios selvagens, sobressaindo-se as tribos caiuás e guaranis, que se alimentavam da pesca e dacaça. Os animais selvagens abundavam por toda a região. Situa-da no espigão da serra de Amambaí4, aqui se defrontam as ca-beceiras dos rios que correm em direções opostas, no divisordas águas entre as bacias hidrográficas do Paraná e Paraguai, oque foi tomado por base pelo tratado de limites entre os doispaíses, Brasil e Paraguai.

4. A serra de Maracaju, de Paranhos à cabeceira do Estrela, éconhecida também por serra de Amambaí. (Nota do editor).

A topografia do lugar oferece ao viandante o majestoso qua-dro de intérminas campinas, onduladas de suaves coxilhas, orladasde extensas matas e capões, que se destacam a grandes distân-cias, no fundo azulado, como ilhas de um oceano verde.

Pela altitude do lugar, 634 metros acima do nível do mar, eausência de acidentes geográficos que sirvam de anteparo, asbrisas suaves do verão sopram constantemente, amenizando-lheo clima. Desse aspecto peculiar da natureza, adveio-lhe o nomeespanhol-guarani de Punta Porã, dado pelos paraguaios, antes daguerra de 1870, e que literalmente significa em português: ponta

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bonita. O ponto de referência que deu origem ao batismo foi umpontão de mato existente em Capivari5, na boca da picada doChirigüelo, termo da estrada que, partindo de Conceição, Paraguai,dá acesso ao alto da serra.

5. Capivari fica no Paraguai, a pouco mais de duas léguas an-tes da atual Ponta Porã. A picada do Chirigüelo, única ligaçãoentre a cidade de Conceição com a região fronteiriça, alcançavao alto da serra nas imediações de Ponta Porã hoje. (Nota doeditor).

O nome, que inicialmente designava toda a zona, aportugue-sou-se na forma de Ponta Porã, e depois de constituídas as duaspovoações xifópagas passou a designar somente a parte brasi-leira, passando a outra a chamar-se Pedro Juan Caballero, emhomenagem a um dos próceres da independência do Paraguai.

Ponta Porã começou a formar-se em frente à picada do Chiri-güelo, escoadouro da erva-mate que daqui era transportada parao porto de Conceição, no Paraguai, e por onde transitavam as tro-pas de carretas puxadas por bois, trazendo mercadorias. Naque-les tempos a Noroeste não tinha ainda penetrado em Mato Gros-so, e era por essa estrada, que os fazendeiros do nosso interioriam ao Paraguai buscar sal, gêneros alimentícios e tudo o mais deque necessitavam.

A serra que se estende do lado do Paraguai, em sentido lon-gitudinal, paralela à fronteira, era inacessível ao trânsito, excetonos lugares onde foram abertas picadas carreteiras que dão aces-so a Ponta Porã, Bela Vista, Ipeum6 e Nhuverá, formando-se alinúcleos de povoamento.

6. Ipeum é a atual cidade de Paranhos, no sul do Estado. Nhu-verá, a atual cidade de Coronel Sapucaia. Segundo Hélio Serejo,Ipeum significa pássaro-preto; Nhuverá, campo brilhante. (Notado editor).

d) A Retirada da Laguna.A guerra contra o Paraguai já durava dois anos e as forças

aliadas concentravam-se no ataque à fortaleza de Humaitá, quan-do partiu do Rio de Janeiro, em abril de 1866, uma expedição

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destinada a invadir aquela república pelo norte, a fim de causardispersão de suas forças.

Os expedicionários desembarcaram em Santos e seguirama cavalo, atravessando o Estado de São Paulo, sendo a coluna or-ganizada em Uberaba, com o efetivo de três mil homens, sob o co-mando do coronel Manuel Pedro Drago. Depois de atravessar ossertões de Minas e Goiás, a coluna entrou pelo norte de Mato Grosso,passando por Coxim e acampou em Miranda. Ali a tropa foi aco-metida de febres palustres e beribéri, que lhe causaram muitasvítimas, agravando-se o seu estado geral, pela falta de recursosna região, que tinha sido invadida e devastada pelos paraguaios.

Tendo o comandante da coluna, Manuel Pedro Drago, se-guido para Cuiabá, assumiu a chefia o coronel Galvão (ver nota10), o qual, tendo sido acometido pela epidemia, foi substituídopelo coronel Carlos de Morais Camisão.

Prosseguindo a marcha, chegou a coluna a Nioaque, queencontrou incendiada pelos paraguaios, que dali se haviam reti-rado. De Nioaque, dispondo de parcos recursos, seguiu para BelaVista, guiada pelo sertanista José Francisco Lopes, estabelecidona sua fazenda Jardim, e cuja esposa, D. Senhorinha, e demaismembros da família, tinham sido aprisionados pelos paraguaios etransportados para Horqueta.

Chegando a Machorra, onde existia um estabelecimentoparaguaio, foram encontradas as casas incendiadas e recém-aban-donadas pelo inimigo, e prosseguindo a marcha rumo à fronteira,a coluna transpôs o Apa, entrando em território paraguaio a 21 deabril de 1867.

Ali havia a esperança de serem aprisionadas algumas resespara abastecimento da tropa, porém os paraguaios, ao se retira-rem, incendiaram as casas, como já vinham fazendo em outros lu-gares, e arrebanharam todo o gado, nada deixando ao inimigo, queespreitavam de longe, observando todos os seus movimentos.

De Bela Vista paraguaia, marchou a tropa, estacando no Apa-Mi, a 30 de abril, chegando à Laguna a 1° de maio, a cinco léguasde distância. Ali travaram-se alguns encontros com o inimigo e a

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coluna começou a sentir a escassez de víveres, falta de muniçãoe também a cavalhada estava exausta, não havendo a possibili-dade de ser trocada, sendo que o inimigo dispunha de tropadescansada e recebia recursos de sua base em Conceição, deonde lhe chegavam reforços.

Foi, por esses motivos, iniciada a retirada da coluna, a 7 demaio, e a 8, foi repelido um ataque paraguaio, travando-se o com-bate de Baendê7.

7. Baendê – do guarani. O que é você?Nota do editor. Este combate se travou ainda em territórioparaguaio, já perto do rio Apa.

A 11 a tropa brasileira transpôs o Apa, sendo que os para-guaios já haviam tomado a dianteira, no intuito de lhe cortar opasso. Nesse dia travou-se o combate de Nhandepá8, onde entra-ram em ação cerca de três mil homens de ambos os lados, caindona ação para mais de duzentos e trinta combatentes, e sendo apequena tropa de gado, de que dispunha a coluna, arrebanhadapelos paraguaios.

8. Nhandepá – jenipapo. Nome dado ao lugar pelos índios.Nota do editor. Este combate se deu em Bela Vista, numa en-costa, perto do atual cemitério.

Os paraguaios, comandados pelo major Urbieta, seguiramhostilizando a coluna por todos os lados, e somente a nossa artilha-ria conseguia mantê-los a certa distância. Começaram a incendiar amacega, obrigando-a a duros sacrifícios a fim de combater o fogo,que lhe causou prejuízos e algumas vítimas. Também as chuvascomeçaram a cair com violência e vieram alguns temporais, agra-vando a situação dos retirantes, e logo manifestou-se o cólera,ceifando vidas e aumentando diariamente o número de enfermos,que não podiam ser mais carregados, dada a falta de transportes.

A coluna foi conduzida por atalhos, pelo guia Lopes, e viu-se na dura contingência de ter que abandonar os coléricos, que nãopodiam mais ser conduzidos, e seguiu atravessando rios e banha-dos, sempre com o inimigo à vista. Assim chegou à fazenda Jar-dim, onde veio a falecer o guia, vitimado pelo cólera, morrendo alitambém vários oficiais, inclusive o comandante, coronel Camisão.

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Após a passagem do rio Miranda, assumiu o comando omajor José Tomás Gonçalves, e os remanescentes, em númeroreduzido a menos da metade, chegaram a Nioaque a 4 de junho,encontrando a vila totalmente destruída. Ao penetrarem na igre-ja, que foi a única casa encontrada de pé, alguns soldados foramvítimas de tremenda explosão, resultante de um estratagema pre-parado pelo inimigo.

Somente ao passar Nioaque, e retomada a estrada de Aqui-dauana, cessaram as perseguições do inimigo, e amainaram as du-ras provas a que foi submetida aquela gente heróica e abnegada.

e) Expedição do tenente-coronel Moura a Iguatemi. O destino.Corria o mês de dezembro de 1869, e a guerra se aproxima-

va do fim. Lopez estava acampado em Panadero, com todo o seuestado-maior e o resto do exército paraguaio. As tropas brasilei-ras achavam-se em Curuguati.

Foi nessa época, como minuciosamente narrou o viscondede Taunay, na sua obra intitulada CARTAS DA CAMPANHA, que seudeu o episódio ocorrido no arroio Espadim, de que foi protagonis-ta o arrojado tenente-coronel Antônio José de Moura (ver § 3° dotítulo 4, p. 29-30) , natural do Rio Grande do Sul.

Tinha ele uma irmã casada com um português, que residiahá tempos em Vila Rica, no Paraguai, onde faleceu seu marido,sendo ela aprisionada, por motivo de sua nacionalidade, e força-da a marchar para as margens longínquas e desertas do Iguatemi,na confluência do arroio Espadim, em companhia das degreda-das que ali se encontravam.

Moura, sabendo dessas notícias, e no intuito de salvar suairmã, ofereceu-se para uma diligência naquele local e seguiu comtrinta e um homens de cavalaria, sob seu comando. Viajando dia enoite, galgou a serra, abrindo picadas por desvios da estrada se-guida pelo inimigo, que estava atravancada de árvores derruba-das por toda parte.

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Após dois dias e noites de marcha ininterrupta, conseguiuchegar a altas horas da noite, num local onde encontrou três ran-chos, iluminados por grandes fogueiras, rodeadas por algumasmulheres e crianças. Dali foram duas mulheres ao acampamentogeral onde se encontravam as destinadas, levando o aviso, e quelogo depois, foram seguidas por Moura.

À uma hora da madrugada, chegaram às margens do arroioEspadim, no lugar de sua embocadura, no Iguatemi, onde avis-taram grande quantidade de ranchos, rodeados de enormes fo-gueiras. A sua chegada causou um alarido enorme entre aquelasmulheres famintas, descalças e seminuas, que o rodearam, che-gando algumas a chorar de emoção e alegria. Os guardas, quedespertaram com o ruído e se aproximaram, foram aprisionados.

Apareceram então as duas sobrinhas de Moura, vindo elea saber que sua irmã havia falecido dez dias antes, vitimada peloúltimo grau de inanição.

Moura, prevendo a possibilidade da chegada de reforços doinimigo, que se achava próximo dali, seguiu sem perda de tempo,levando mais de quatrocentas mulheres, e apresentou-se em Curu-guati, ao comando do Exército, onde aquelas mulheres foram abri-gadas e socorridas.

No destino, achavam-se mulheres das mais destacadas fa-mílias de Assunção, cujos chefes haviam caído no desagrado deLopez, e ali se achavam condenadas à morte, pela inanição, antea falta absoluta de recursos.

f) Operações finais da campanha. Lopez se dirige a Ponta Porã.Em começo do ano de 1870, Lopez, saindo de acampamen-

to de Panadero, galga a cordilheira de Amambaí, passando porCerro Turim, na região das cabeceiras do rio Iguatemi, e chega aolugar denominado Curralito, onde existia um pequeno bosque,margeado por um brejo, próximo da atual vila de Amambai. Oexército de Lopez saíra de Panadero em estado de penúria e vinhaqueimando as carretas, carneando os bois e desfazendo-se das

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cargas que não podiam ser transportadas. Nesse lugar foi aban-donado o piano de Mme. Lynch, fato que lhe valeu o nome de IslaPiano, que se conserva hoje com a versão portuguesa de ilha Pia-no. (Isla, em espanhol, tem a mesma significação portuguesa deilha, mas tanto indica uma porção de terra cercada de água comotambém um pequeno mato isolado no meio do campo, o que cha-mamos capão). Desse lugar marchou Lopez para fazer a travessiado rio Amambaí, e acampou no ponto onde foi construída a pontedo Galão, trabalhada por oficiais, sob sua direção.

Nas margens do rio Amambaí, Lopez esteve acampadodurante trinta dias e, segundo depoimento do coronel Gaona, que ou-vimos, e que fazia parte daquela tropa, esta se compunha de cin-co mil pessoas, entre as quais se encontravam dois mil soldados. Atropa acampava em formato de círculo e no centro estavam colo-cados os grandes panelões, onde se cozinhavam palmitos e outroscomestíveis rebuscados nas matas. Não havendo mais carne paraalimentação, Lopez ordenou ao general Caballero que fosse comum piquete até a zona de Dourados ou Miranda9, para trazer gado.

9. Refere-se aqui às Colônias Militares do Dourados e do Mi-randa. (Nota do editor).

Feita a travessia do rio Amambaí e dos rios Verde e Corren-tes, seguiu o exército sua lenta marcha pela lombada da serra,rumando para Ponta Porã. Viajando mais ou menos três léguaspor dia, fez acampamento em Lagoa Bonita, Emboscada, Tagi,Rincão de Júlio e Cabeceira Vinte e Cinco, lugar que tomou essenome, segundo depoimentos de pessoas contemporâneas, porterem sido fuzilados ali vinte e cinco sentenciados.

De Cabeceira Vinte e Cinco, o exército de Lopez passou porPonta Porã, indo acampar em Capivari, por onde penetrou na pi-cada do Chirigüelo, dirigindo-se para Cerro Corá, seu último acam-pamento, onde foi batido e morto, pelas forças do general Câma-ra, às margens do rio Aquidaban-Bigui, a 1° de março de 1870. Na-quele dia, foi encerrada a última página da mais longa e penosacampanha, na qual foram sacrificadas milhares de vidas na maiscruenta campanha travada no continente sul-americano.

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Falando acerca desse acontecimento, diz o visconde deTaunay, no final de um capítulo da já citada obra CARTAS DA CAM-PANHA: “A combinação gloriosa do general Câmara não podia fa-lhar. Com efeito, fizera o coronel Bento Martins dar uma grandecurva, passando pelas colônias de Miranda e Dourados, e ir tomarPonta Porã, lugar em que bifurcam as estradas de Chirigüelo, quedesce para o sul até Panadero, e a de Cerro Corá. O dia 2 de marçoera o marcado para essa ocupação, e, se no dia 1° Lopes tivesseainda podido fugir, no seguinte esbarraria com os brasileiros, porisso que nesse tempo Bento Martins, contra toda a expectativa,ocupava a encruzilhada.”

Ponta Porã foi, portanto, designada como ponto final das o-perações da cordilheira de Amambaí. Naqueles tempos, não esta-vam demarcados os limites da fronteira, mas é indiscutível quePonta Porã foi o último ponto do território nacional onde se realiza-ram as operações da guerra de 1870.

Bem próximo daqui, na Colônia Militar de Dourados, soa-ram os primeiros tiros dos invasores, componentes da coluna docoronel Resquin, e também, já no final da guerra, por aqui passouo marechal Lopez com os remanescentes do seu exército, paratombar em Cerro Corá, distante cinco léguas da atual cidade dePonta Porã.

No solo de Ponta Porã se desenrolaram os primeiros e os úl-timos acontecimentos da guerra de 1870. O seu solo foi pisado pe-los invasores no início da campanha, e trilhado pelos remanescen-tes do exército de Lopez, que, em retirada, procurava escapar-sedo inimigo que vinha em sua perseguição. Aqui tiveram lugar acon-tecimentos marcantes no prólogo e no epílogo da guerra de 1870.

g) Demarcação dos limites da fronteira.Terminada a guerra e firmado o tratado de limites entre o

Império do Brasil e a República do Paraguai, foi nomeada a comis-são para demarcá-los, tomando por base o divisor das águas, quenesta faixa parte das cabeceiras do arroio Estrela e, pelo espigãoda serra Maracaju, vai até o rio Igureí, afluente do Paraná.

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A comissão, chefiada pelo coronel-de-engenharia RufinoEnéias Gustavo Galvão10, depois barão e visconde de Maracaju,partiu do Rio de Janeiro a 6 de junho de 1872.

10. O coronel Rufino Enéias Gustavo da Fonseca Galvão erairmão do tenente-coronel Antônio Enéias Gustavo Galvão (ba-rão do Apa), que participou da retirada da Laguna (comanda-va o 17° de Voluntários da Pátria). Ambos eram filhos do briga-deiro José Antônio da Fonseca Galvão, comandante da ForçaExpedicionária de Mato Grosso, falecido de beribéri às mar-gens do rio Negro (MS), em 1866. (Nota do editor).

Tendo chegado a Mato Grosso a 2 de agosto do mesmo ano,logo foram iniciados os trabalhos da demarcação, que ficaram ter-minados a 24 de outubro de 1874. A comissão fez a demarcaçãode limites em toda a extensão da faixa fronteiriça, partindo da fozdo Apa até o Paraná, nas proximidades da foz do Iguaçu. Nas prin-cipais cabeceiras das águas contravertentes, foram construídosgrandes marcos de pedra e cal, como ainda tivemos ocasião dever em Estrela, Rincão de Júlio e Ipeum. Em Ponta Porã, SangaPuitã e outros pontos intermediários, existiam postes de madeirade lei, que demarcavam a linha divisória.

A condução de víveres para os trabalhadores da comissão erafeita em carretas do fornecedor, do qual eram empregados ErnestoPaiva e Tomás Laranjeira. Nessa ocasião Tomás Laranjeira desco-briu os ervais da zona do planalto, que depois veio a explorá-los, fun-dando a Empresa Mate Laranjeira, e fazendo para si dez possesde grandes áreas de terras virgens, de Ponta Porã até Bela Vista.

2. Descoberta dos ervais em Mato Grosso.Tomás Laranjeira e a Empresa Mate.

Tomás Laranjeira, filho da cidade de Bagé, província do RioGrande do Sul, trabalhava em companhia de Ernesto Paiva, comocaixeiros na loja de um português, em Porto Alegre, quando, aoterminar a guerra de 1870, foi nomeada a comissão demarca-dora dos limites da fronteira Brasil – Paraguai. Laranjeira expôsao patrão a sua idéia de virem, ele e seu companheiro, para Mato

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Grosso, a fim de trabalharem como fornecedores da comissão.Acertaram as contas e partiram. Assim vieram em 1872 TomásLaranjeira e Ernesto Paiva para o sul de Mato Grosso, como em-pregados do fornecedor da comissão de limites.

Terminados que foram os trabalhos da comissão, no ano de1874, estavam os pagamentos em atraso, o que era natural naque-les tempos, em lugares tão distantes e sem ligações com a corte.Então o patrão, chamando seus dois empregados, para liquida-ção de contas, propôs repartir entre eles o pouco dinheiro de quedispunha na ocasião, entregando-lhes três carretas com bois euma casa em Porto Alegre. Ernesto Paiva, que tinha deixado suanoiva naquela cidade, aceitou a oferta da casa e voltou à sua ter-ra natal. Tomás Laranjeira aceitou as carretas e começou desdeentão a trabalhar na elaboração da erva-mate, para o que foi aoRio Grande do Sul, de lá trazendo os auxiliares de que necessita-va, para organização dos trabalhos.

De início, o sr. João Lima passou a gerenciar e organizar aempresa; Antônio Inácio da Trindade (ver nota 15) e Francisco Xa-vier Pedroso eram incumbidos da compra do gado e Gabriel Ma-chado encarregado da fazenda Santa Virgínia, que foi fundada paraabastecer de gado os ranchos ervateiros, aonde começavam a che-gar os peões trazidos de Conceição (Paraguai) por João Lima.

O depósito central e a administração da empresa ficaramestabelecidos em Capivari, na boca da picada do Chirigüelo, noParaguai, e por onde era o produto conduzido em carretas paraConceição, a fim de ser embarcado por via fluvial para a Argenti-na. Algumas remessas entravam também pelas picadas de Nhu-verá e Ipeum.

A fim de legalizar os seus trabalhos, Tomás Laranjeira foi àcorte e, pelo Decreto n. 8.799, de 9 de dezembro de 1882, obtevedo governo imperial o privilégio para exploração da erva-matenos terrenos devolutos da fronteira, entre o marco Rincão de Júlioe a cabeceira do rio Iguatemi. Depois dessa concessão, em datade 25 de julho de 1883, foi estabelecido um arranchamento à mar-gem direita do rio Verde, e que oficialmente marca o início dos tra-balhos da empresa, à qual se haviam associado já os irmãos Mur-

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tinho, mato-grossenses destacados no cenário político da corte.Mais tarde, alentado com a prosperidade sempre crescente do ne-gócio, o então comendador Tomás Laranjeira obteve novas conces-sões do governo. Depois, retirou-se Laranjeira da empresa, transferin-do os direitos aos seus sócios, doutores Joaquim, Manuel e Francis-co Murtinho, ficando constituída a Companhia Mate Laranjeira.

Em 1892, a S.A. Banco Rio Mato Grosso comprou ao majorBoaventura da Mota a fazenda Três Barras, sita à margem do rioParaguai, para ali ser construído um porto destinado à explora-ção da erva-mate, proveniente de Ponta Porã. Pela companhia, foidoada ao Estado uma área de 3.660 hectares de terras, onde foierigido um povoado, que tomou o nome de Porto Murtinho, emhomenagem ao estadista mato-grossense dr. Joaquim Murtinho.

Por aquele porto era feita a exportação de todos os produtosdo sul de Mato Grosso e por ali entravam também as mercadoriasprovenientes do Paraguai, Argentina e Europa, destinadas ao con-sumo da população.

A erva mato-grossense passou, desde então, a ser exporta-da exclusivamente para a firma Francisco Mendes & Comp., deBuenos Aires, sociedade fundada em 1874, pelo comendador Fran-cisco Mendes Gonçalves, e que tinha seu escritório em Assunção.

Algum tempo depois, passou o comendador Francisco Men-des Gonçalves a fazer parte da sociedade, e foi constituída a firmaLaranjeira Mendes & Cia., sendo o arrendamento transferido aesta firma, mediante contrato com o governo do Estado, lavradoa 4 de fevereiro de 1904.

Quando a Companhia Mate começou a fazer exportação daerva-mate por Porto Murtinho, foi mudada a administração paraSanto Tomás, no Brasil, em frente a Capivari. Na estrada carreteirapara Porto Murtinho, por onde viajavam as tropas, foram construí-dos grandes armazéns e depósitos em Limeira, Margarida, Per-dido e São Roque, que serviam como pontos de abastecimento erecursos às referidas tropas. De São Roque a Porto Murtinho, foiconstruída uma via férrea.

A erva-mate era assim transportada de Ponta Porã até asmargens do rio Paraguai, numa distância de 360 quilômetros, mais

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ou menos. Esse meio de transporte, no entretanto, acarretava e-normes dispêndios para a Companhia, com a manutenção de cen-tenares de carretas, oficinas, pessoal e imensa tropa de bois, paraas longas viagens.

Buscando a administração da Companhia outra via para aexportação do produto, que fosse mais econômica, organizou aadministração de Nhuverá, sob a direção de Raul Mendes Gonçal-ves, e passou a transportar a erva-mate em chatas, pelos canaisnavegáveis dos rios Amambaí, Iguatemi, Dourados, Brilhante e I-vinhema11, que deságuam no Paraná. A erva era assim levada aGuaíra, situada em frente ao mercado da Argentina.

11. Em verdade, os rios Dourados e Brilhante são os formado-res do Ivinhema, que deságua no Paraná. (Nota do editor).

Nessa fase da sua administração, a Companhia fez cons-truir rodovias, amplas carreteiras nas matas, para dar acesso aosportos; construiu pontes de madeira para travessia dos rios, re-des telefônicas e uma ferrovia no Paraná, ligando Guaíra ao portoMendes, por onde era feito o transporte da erva.

Em 1918, foi inaugurada a administração de Campanário, quepassou para a gestão do sr. Raul Mendes Gonçalves, o qual dedi-cou todos os seus esforços no sentido de nacionalizar a Companhia,de acordo com o que exigiam as leis brasileiras. Mais tarde a Com-panhia passou para a direção do capitão Heitor Mendes Gonçal-ves. Em Campanário foi edificada uma vila, com habitações higiêni-cas para todos os empregados. Foi construído o grupo escolar, hos-pital, hotel, armazém, farmácia, jardim, campos esportivos. A vila foidotada de telefone, luz elétrica, enfim, de todo conforto moderno.

Os trabalhadores empregados na elaboração da erva-mateeram na totalidade paraguaios, provenientes da zona ervateiranorte do Paraguai, e ambientados com o meio selvagem e inóspi-to dos caatins12.

12. Caatins eram os lugares da mata onde se encontrava con-centração de árvores de erva-mate. (Nota do editor).

Durante muitos anos teve a Companhia Mate Laranjeiragrande ascendência13 na situação política e econômica do muni-

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cípio de Ponta Porã e do Estado de Mato Grosso, para o qual con-tribuía, nos primeiros anos da república, com um terço da suaarrecadação.

13. José de Melo e Silva, que foi juiz de direito em Ponta Porã eBela Vista, escreveu dois livros de indiscutível importância paraa histogriografia sul-mato-grossense: FRONTEIRAS GUARANIS(1937) e CANAÃ DO OESTE (1947). Principalmente no primeiro,apresenta extenso estudo sobre a Mate Laranjeira. (Nota doeditor).

É incontestável que a Empresa Mate desbravou zonas inóspi-tas, abriu estradas e portos para o transporte da erva-mate, e quehoje estão entregues ao domínio público. Foi ela uma poderosafonte de recursos, que de muito serviu a muitos que a procuraram.Mas a sua zona de arrendamento ultrapassava de muito a áreaque devia ocupar; constituía naqueles tempos um vasto monopó-lio, abrangendo os limites do atual município de Ponta Porã, atéas margens do rio Paraná. Sua longa ocupação muito entravou opovoamento do sul de Mato Grosso.

Surgiram muitos conflitos e pleitos judiciários, quando co-meçaram a chegar as levas de rio-grandenses, que vinham do sul,e procuravam se estabelecer nas terras devolutas do Estado. Osseus requerimentos não obtinham despacho favorável, diante dosprotestos da Empresa, que explorava toda aquela zona, delimita-da pelos rios Dourados, Ivinhema, Amambaí e Paraná, fechando aárea com a fronteira do Paraguai.

Somente em 1916, o então presidente do Estado, generalManuel Caetano de Faria e Albuquerque, passou a conceder aosocupantes das terras situadas na zona ervateira o direito de justi-ficação de posse, como preliminar para a aquisição do título defi-nitivo. Naquele ano, houve o conflito entre o presidente do Estadoe a Assembléia Legislativa, constituída na sua totalidade por ele-mentos do Partido Republicano Conservador, que eram favorá-veis à Empresa Mate, o que deu causa à revolução, que terminoucom a queda daquele partido.

Decretada a intervenção federal em Mato Grosso, realiza-ram-se novas eleições, sendo eleito presidente do Estado o bispo

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D. Aquino Correia, apoiado pela corrente do Partido RepublicanoMato-Grossense, chefiada pelo coronel Pedro Celestino. Foram en-tão despachados os primeiros títulos de terras sitas na zona erva-teira, caindo a preliminar exigida, de acordo com os interesses daEmpresa, de que as matas não podiam ser vendidas, partindo asconfrontações pelas sombras destas.

O contrato de arrendamento dos ervais foi renovado, poréma área ocupada foi reduzida, e novas posses foram constituídas elegalizadas. Na defesa dos posseiros, muito trabalhou o denodadocausídico dr. João Batista de Azevedo, advogado formado pelaFaculdade de Direito de Pernambuco, que se radicou em PontaPorã, onde veio a ser chefe municipal do Partido RepublicanoMato-Grossense.

Contra o arrendamento dos ervais, pela Empresa Mate,muito lutou o dr. Moura Carneiro, pela imprensa, e surgiu tambéma rebelião armada, chefiada por João Ortt, em 1932, na qual per-deram a vida algumas pessoas, inclusive ele, em conseqüênciadaqueles fatos.

Finalmente, criado o Território Federal de Ponta Porã, pelogoverno do dr. Getúlio Vargas, em 1943, foram definitivamente li-beradas aquelas terras, com a denegação de provisão ao contratode arrendamento dos ervais, e feitas concessões aos posseiros,pelo governador, coronel Ramiro Noronha, o que foi continuadopelo dr. José Alves de Albuquerque, último governador, até a ex-tinção do Território.

3. Ponta Porã. Fundação e distrito.

a) O primeiro destacamento militar que chega a Ponta Porã.

Procedente de Nioaque, a 1° de julho de 1880, chegava à Co-lônia Militar de Dourados, então comandada pelo capitão Ro-gaciano Monteiro de Lima, o alferes Feliciano Ramos Nazaré, a-companhado de sua família, e que trazia sob suas ordens um des-tacamento do 1° corpo de cavalaria estacionado naquele posto

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militar. O alferes Nazaré trazia a missão de ocupar o lugar deno-minado Ponta Porã, situado na fronteira com o Paraguai.

Como a região, a partir da Colônia do Dourados para o sul,era desabitada e desconhecidos os caminhos pelo alferes Nazarée seus comandados, o capitão Rogaciano mandou em sua compa-nhia um velho paraguaio, conhecedor do terreno, desde a retiradade Lopez, para guiá-lo até Ponta Porã.

Encetada a viagem, a 6 de julho, chegava a expedição àsmargens de uma lagoa, onde acampou, ao receber a informaçãodo guia: Es aqui Punta Poran14. Nesse mesmo dia, o alferes Nazaréiniciou a construção de ranchos, cobrindo-os de colmos de pal-meiras, a fim de abrigar a tropa das intempéries do inverno.

14. Elpídio Reis (em PONTA PORÃ – POLCA, CHURRASCO E CHI-MARRÃO, Rio, 1981, p. 56) explica: “Punta – em língua castelhanaquer dizer ponta. Porã – em linguagem guarani quer dizer bo-nita. Ponta aí se referia à ponta de mato que se iniciava à mar-gem do rio São João e que é, de fato, bonita.” (Nota do editor).

Passava ali a estrada carreteira que vinha de Amambaí (cor-dilheira), e por onde viajavam as tropas de carretas da Compa-nhia Mate Laranjeira, trazendo a erva-mate que era conduzidapara Conceição, no Paraguai, e de onde vinham os recursos ne-cessários aos seus trabalhadores.

Por intermédio do sr. João Lima, gerente da Companhia,obtinha o destacamento os artigos de que necessitava, tais comoroupas, calçados, sal, açúcar e outros gêneros vindos do Paraguai.

Devido à distância da capital e à falta de comunicações, osvencimentos das praças chegavam a atrasar para mais de um a-no, fato que obrigava o comandante do destacamento a desdobrar assuas atividades a fim de poder suprir a si e a seus comandados,dedicando-se intensamente aos trabalhos da lavoura, que execu-tava pessoalmente, em companhia das praças.

Fazia já um ano que aqui chegava o destacamento, quando,a 14 de julho de 1881, engalanara-se o lar do alferes Nazaré, com onascimento de um menino, que tomou o nome de Boaventura,sendo depois registrado em Nioaque, já que, naqueles tempos,não existia cartório em toda a extensão desta faixa fronteiriça.

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Boaventura Nazaré foi o primeiro filho de Ponta Porã, o pri-mogênito da terra.

Em 1892, o destacamento retirou-se para a sua sede, emNioaque, e Boaventura Nazaré ali passou sua infância e juventu-de, somente vindo a conhecer sua terra natal depois de adulto.Seguiu ele a carreira militar, ingressando no Exército no ano de1902. A 27 de maio de 1909, foi promovido ao posto de tenente.Fazendo o curso superior de Intendência de Guerra, foi promovi-do ao posto de capitão em 1921, ao de major em 1923, tenente-coronel em 1931 e ao de coronel em 1937. Em 1939, passou parareserva, a pedido, sendo agraciado com a medalha de ouro, pelosserviços prestados ao Exército.

b) A fundação de Ponta Porã. João Antônio da Trindade.

No ano de 1892, chegava a Ponta Porã, o capitão João Antô-nio da Trindade15, natural da cidade do Rio de Janeiro, veteranoda guerra do Paraguai, e um dos heróis da Retirada da Laguna, oqual, em companhia de sua família, aí fixou residência. Foi ele o pri-meiro morador que definitivamente se estabeleceu no local ondese formou a povoação que hoje constitui a próspera cidade de PontaPorã. Nesse tempo existia no lugar um posto fiscal sob a direçãode Emílio Calhau, o qual tinha atribuições de arrecadar os impos-tos de exportação da erva-mate, e que algum tempo depois foi ex-tinto. Também, nesse tempo, aí residiram os senhores OlímpioMonteiro de Lima16 e Maranhão, que depois se mudaram, indo o pri-meiro fixar-se nas terras onde constituiu sua fazenda, dedicando-se aos trabalhos de criação de gado. Próximo de Ponta Porã exis-tia também a fazenda S. Máximo, de D. Maria Joana Pereira (D. Ma-riquinha), viúva de um veterano da guerra de 1870, de nome Nelo.

15. João Antônio da Trindade é, com freqüência, confundidocom Antônio Inácio da Trindade. João Antônio, como está regis-trado nesta obra, chegou a Ponta Porã em 1892, natural do Riode Janeiro, veterano da guerra do Paraguai e um dos heróis daRetirada da Laguna. Estabeleceu-se no local onde se formou apovoação. Nas diversas listas de participantes da Retirada da

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Laguna não aparece o nome de João Antônio da Trindade.Faleceu em 1920.

Por sua vez, Antônio Inácio da Trindade nasceu em Cruz Alta(RS), em 1838 e, por volta de 1874, foi contratado por TomásLaranjeira para ser comprador de suprimentos para a empre-sa. Em 1875, Antônio casou-se com Elisa Almeida Melo, daregião de Aquidauana. Estabeleceu-se na região da fronteira,às margens do Estrela, na fazenda de mesmo nome. Partici-pou da contra-revolução de Mato Grosso, sob as ordens deJango Mascarenhas, sendo seu tenente-coronel do estado-maior. Na guerra com o Paraguai fora tenente do famoso Cor-po de Voluntários da Pátria e que havia servido na cavalariagloriosa do general Osório (Astúrio Monteiro de Lima, em MATO

GROSSO DE OUTROS TEMPOS – PIONEIROS E HERÓIS, p. 167). Era co-nhecido como Trindade Brabo. Faleceu em Campo Grande em1915. (Ver GENEALOGIA DA FAMÍLIA TRINDADE, Campo Grande,2000). (Nota do editor).

16. Olímpio Monteiro de Lima é pai de Astúrio Monteiro deLima (nascido em 1898), autor de MATO GROSSO DE OUTROSTEMPOS – PIONEIROS E HERÓIS (citado em notas), que retrata asprimeiras décadas da fronteira. Olímpio, por sua vez, era filhode Rogaciano Monteiro de Lima, que reconstruiu a ColôniaMilitar do Dourados em 1880. (Nota do editor).

O povoamento de Ponta Porã teve início na periferia de umvasto brejo, atoladeiro impenetrável, que hoje não existe mais,que ia findar na orla de espessa mata virgem, situada aos fundos.Ao norte, delimitava essa zona a cabeceira do córrego S. João e aosul a do córrego Estêvão. Na frente, a poucos metros de distância,estavam os marcos de madeira de lei, indicando a linha divisóriacom o Paraguai.

Em Ponta Porã passou o capitão João Antônio da Trindade oresto da sua vida, vindo a falecer a 11 de novembro de 1920. Foiele, naqueles tempos remotos, o homem mais culto do lugar, ca-bendo-lhe importante papel na formação política e social do nú-cleo que começava a formar-se.

A fundação de Ponta Porã, como a de tantas outras cidades,não constituiu ato premeditado de ninguém, por isso não se lhepode fixar uma data precisa. O lugar foi evoluindo aos poucos, e opovo vinha fixar residência aí, de preferência, onde mais tarde se

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estabelecia o comércio do lado do Paraguai e depois no Brasil,em razão da proximidade da picada do Chirigüelo, por onde vinhade Conceição toda a mercadoria necessária ao seu consumo,inclusive o sal para as fazendas de criação, já que naquelestempos não existia outra zona de abastecimento mais próxima,em território brasileiro.

É, portanto, indiscutível que João Antônio da Trindade foio pioneiro da formação de Ponta Porã. Foi ele o primeiro moradora fixar-se definitivamente no lugar, e que durante muitos anos foidos que mais trabalharam pelo seu progresso e desenvolvimento.

A partir do ano de 1895, Ponta Porã começou a receber mai-or impulso no seu povoamento com a chegada contínua da gentevinda do Rio Grande do Sul, sendo que muitos traziam suas famí-lias e aqui fixavam residência, indo outros ocupar os camposdevolutos, onde fundavam fazendas de criação de gado.

c) Criação do distrito de Ponta Porã.A falta de garantias nesta parte da fronteira era completa,

pela ausência de autoridades. Desde a retirada do destacamentocomandado pelo alferes Nazaré, a zona ficou entregue à sua pró-pria sorte.

Em 1897 chegava a Ponta Porã o major do Exército Francis-co Marcos Tury Serejo17, velho maranhense, veterano da guerrado Paraguai, comandando um destacamento composto de vintepraças e um sargento do 7° regimento de cavalaria, e mais algu-mas praças da milícia do Estado, o qual passou a administrar aagência fiscal, cobrando os impostos de exportação da erva-matepara o Paraguai e a reprimir o contrabando.

17. Francisco Marcos Tury Serejo é pai de Hélio Serejo (1912), oincomparável escritor do mundo ervateiro. O pai foi fazendeiroe, depois, ervateiro. (Nota do editor).

Três anos foram passados, quando veio a Resolução n. 255,de 10 de abril de 1900, do governo do Estado, criando a paróquiade Ponta Porã, sendo nomeado juiz de paz o senhor João Antônio

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da Trindade, que pelo espaço de doze anos exerceu o cargo, tendocomo escrivães, sucessivamente, os cidadãos Orcírio Freire, JúlioAlfredo Mangini e Policarpo de Ávila.

Ponta Porã, naqueles tempos, estava subordinada à jurisdi-ção da comarca de Nioaque e mais tarde passou a constituir dis-trito policial de Bela Vista, quando foi criado aquele município18.

18. Bela Vista foi elevada a município em 1908 e a comarca em1910. (Nota do editor).

Em virtude da Lei (estadual) n. 294, de 11 de abril de 1901,foi criada a primeira escola mista de Ponta Porã, e nomeado pro-fessor o sr. Júlio Alfredo Mangini, velho português residente nolugar, e com seus direitos já adquiridos de cidadão brasileiro, pelagrande naturalização concedida pela república de 1889.

Ponta Porã passou assim alguns anos evoluindo lentamen-te, como sede de um simples distrito de paz e tendo uma escola,que era então a única em toda a extensão desta faixa fronteiriça.A sua população começou a aumentar, mais tarde, com a chegadacontínua dos filhos do Rio Grande do Sul, que aqui vinham fixar-se, como descreveremos no tópico seguinte.

4. Começam a chegar a Mato Grosso ascomitivas do Rio Grande do Sul.

As causas dessa imigração e sua epopéia.Terminada a guerra do Paraguai, em 1870, a zona sul de

Mato Grosso se tornara conhecida pelos componentes da colunado general Câmara, que operou nas cordilheiras de Amambaí eMaracaju, na sua fase final.

Feita a desmobilização, os que regressaram à sua províncianatal do Rio Grande do Sul levaram a notícia de que aqui existiamcampos devolutos, próprios para a criação de gado, e imensasmatas virgens, onde se encontrava a erva-mate nativa.

Proclamada a República do Brasil, no ano de 1889, começa-ram as agitações no Estado do Rio Grande do Sul, entre elemen-

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tos do Partido Federalista e o Partido Republicano, que apoiava ogoverno. Acirravam-se os ódios, com a prática contínua de atosde vandalismo, e as vinganças recrudesciam de um e outro lado.Culminou a situação com o assassinato do coronel Antônio Joséde Moura (protagonista da expedição ao Iguatemi, em Mato Gros-so, descrita pelo visconde de Taunay), e que pertencia às hostesdo Partido Federalista19.

19. A revolução federalista (1892-95), no Rio Grande do Sul,fruto da passagem do regime monárquico para o republicano,como em Mato Grosso, foi terrível: durou 31 meses e fez mais dedez mil vítimas, sem contar os imensos prejuízos materiais(HISTÓRIA GERAL DO RIO GRANDE DO SUL, de Artur Ferreira Filho).Em Mato Grosso, em 1892, houve a revolução que depôs opresidente Manuel José Murtinho. A contra-revolução, no norte,foi comandada por Generoso Ponce (que afastou do poder os re-volucionários) e, no sul (a partir de Nioaque), por Jango Mas-carenhas. A respeito, sugere-se a leitura de NIOAQUE – EVO-LUÇÃO POLÍTICA E REVOLUÇÃO DE MATO GROSSO, de Miguel A.Palermo. (Nota do editor).

Irrompeu então a revolução de 1893, que terminou em 1895,com a vitória dos republicanos. Foi essa luta que constituiu a cau-sa da saída em massa de elementos daquele Estado, que busca-vam outras paragens, levados por motivos políticos ou condiçõeseconômicas, que os obrigavam a buscar outras paragens ondepudessem prosperar e viver em paz e tranqüilidade.

Já desde o ano de 1890, estavam radicados no sul de MatoGrosso vários rio-grandenses, entre os quais citaremos: Davi Medei-ros, Constantino de Almeida20, José Leite Penteado, Antônio Falcão,Pedro Gomes de Oliveira, Loureiro, Felipe de Brum, Adão de Bar-ros e outros, que constituíram posses em vários pontos desta região.

20. Astúrio Monteiro de Lima (em MATO GROSSO DE OUTROS TEM-POS – PIONEIROS E HERÓIS) relata a viagem desse gaúcho. (Notado editor).

Durante a revolução de 1893, teve lugar uma grande imi-gração do Rio Grande para a República Argentina, integradapor pessoas que não queriam ser envolvidas na luta impiedosa ecruenta, que tanto dessangrava aquele Estado sulino.

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Ao terminar aquela revolução, teve início a saída das cara-vanas que se dirigiam para o sul de Mato Grosso. A luta tinhacausado devastação de vulto nas fazendas, com a matança desor-denada do gado, incêndios e saqueio, reduzindo os proprietáriosà situação de completa miséria. E ainda muitos se achavam com-prometidos perante o partido dominante.

Foi então que esses brasileiros, levados pelas notícias e porcartas recebidas daqueles que já se achavam em Mato Grosso, sou-beram que aqui havia lugar para todos, e tomaram a resolução dedeixar os seus pagos e buscar outro rincão da nossa grande pátria.

A partir do ano de 1895, começaram a aportar às fronteirasde Mato Grosso as levas de rio-grandenses que vinham se radicarneste recanto do solo brasileiro. Desde então, o sul começou acrescer e a povoar-se, com a integração desses elementos, quedefinitivamente se afixavam ao solo.

Partiam do Rio Grande do Sul as levas que se dirigiam a Ma-to Grosso, qual novas bandeiras, que não mais voltariam aos pa-gos, mas iam ser recolhidas no seio da mesma Pátria, preenchen-do os claros que as esperavam nas fronteiras despovoadas doextremo Oeste do Brasil, em Mato Grosso. Em quase todos os mu-nicípios do Rio Grande do Sul e principalmente em São Luís Gon-zaga e São Borja, organizavam-se as comitivas, compostas de cin-qüenta, cem e mais pessoas, onde vinham famílias inteiras, condu-zidas por carretas puxadas a bois, e às quais se agregavam cavalei-ros e até gente que, desprovida de outros recursos, viajava a pé.

Aqueles que possuíam casa, terras e outros bens vendiam-nos, invertendo tudo na compra de animais cavalares e formandotropas de mulas, que conduziam através de longa e penosa jorna-da, atravessando territórios da República Argentina e Paraguai,para entrar em Mato Grosso.

Os itinerantes atravessavam o rio Uruguai, dizendo o últimoadeus aos seus pagos, e entravam na Argentina, pela provínciade Corrientes, seguindo pelo território de Misiones, até a capitalPosadas. Dali, transpondo o rio Paraná, entravam no Paraguai, emVila Encarnação. De Vila Encarnação, alguns subiam o rio Paranáe desembarcavam no porto Adela, para entrar em Mato Grosso.

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A grande maioria, porém, seguia por terra, fazendo a tra-vessia do território paraguaio, passando por Vila Rica e São Pedro,para entrar no Brasil por Ipeum (hoje Paranhos). Outros seguiampor Assunção e Conceição, às margens do rio Paraguai, e dali se-guiam por terra até Horqueta, dirigindo-se pela picada do Chiri-güelo até Ponta Porã, e ainda alguns seguiam para Bela Vista, quefoi o caminho de Bento Xavier e seus companheiros. Ao entrar emMato Grosso, contavam os itinerantes com os parcos recursos quelhes sobravam daquela longa e penosa viagem e, valendo-se tam-bém da ajuda dos que já estavam radicados na terra, estabele-ciam residência nas margens do Amambaí, Iguatemi, em PontaPorã e Dourados; seguindo outros mais adiante, penetravam naszonas de Aquidauana, Campo Grande e Miranda.

Muitos tiveram auxílio de seus conterrâneos Felipe de Brume Adão de Barros, que já residiam aqui e tinham fazendas de cria-ção de gado vacum.

Na viagem empreendida, que durava de dois a seis meses,percorriam os itinerantes mais de 300 léguas e defrontavam-se osseus componentes com toda a sorte de dificuldades que se possaimaginar. Passavam por dois países estrangeiros, atravessando ser-tões inóspitos, para chegar a Mato Grosso exaustos de todos os re-cursos para encetar nova vida. Na passagem pela Argentina eParaguai, muitas comitivas se viam na contingência de fazer lon-gas paradas, aproveitando a estação apropriada, para a derrubadade matas e plantio de roças, onde aguardavam as colheitas paraabastecerem-se de víveres, depois do que prosseguiam a viagem.

No caminho para Mato Grosso tudo era perigo. Os sertõesda Argentina, naqueles tempos, eram infestados pelos bandos deGato Moro, célebre bandoleiro, que andava assaltando os viajan-tes e roubando-lhes as tropas que traziam. As feras rondavam osacampamentos à noite. Nas pousadas, dentro das matas deser-tas e sombrias, era necessário fazer rondas a noite inteira, e acen-der grandes fogueiras, a fim de afugentar o ataque do tigre famin-to e traiçoeiro. Naquela travessia, por onde não existiam cami-nhos, era necessário abrir picadas, que às vezes tinham que serabandonadas pela natureza do terreno que as tornava intransi-

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táveis, procurando-se outros que pudessem dar acesso à passa-gem dos animais e carretas. Continuamente se perdiam animaiscavalares e bois das carretas, o que obrigava os itinerantes afalhar muitos dias nas pousadas, a fim de procurá-los.

As enfermidades também acometiam as pessoas da comi-tiva, que não contavam com recursos de espécie alguma paradebelar o mal, de que muitos sucumbiam. Raras vezes, podiamser atendidos pela homeopatia, administrada por alguém que jálhes merecia o tratamento de doutor.

E assim vieram do Rio Grande do Sul para o sul de Mato Gros-so famílias inteiras, milhares de pessoas de todas as classes soci-ais e condições econômicas, muitos federalistas e também algunsrepublicanos e neutros, que procuravam seu bem-estar e sua tran-qüilidade nestas paragens longínquas do território brasileiro. Quaisnovos bandeirantes do século XIX, traçaram uma epopéia nessalonga e penosa travessia, por onde vieram reentrar na nossa grandepátria, vieram povoar estes rincões abandonados e desertos, vieramimbuídos pelo sonho que os alucinava, em busca dos campos azu-líneos e recortados de suaves e onduladas coxilhas, orlados pelasmatas verdejantes do planalto da cordilheira de Amambaí, onde nãoexistem o diamante nem o ouro, mas onde é constante um climasuave, amenizado pela brisa que sopra do sul. Aqui encontrarama tranqüilidade e a fartura, com os duros esforços do seu trabalho.

Fixaram-se eles ao solo, construindo suas casas, plantandoe criando gado, quando aqui predominava ainda uma populaçãoadventícia, gravitando em torno da órbita da Empresa Mate.

5. Demandas sobre a posse das terras dePonta Porã e sul de Mato Grosso.

a) Questão com os herdeiros de D. Elisa Lynch.No mês de abril de 1900, Venâncio Solano Lopez, filho do

marechal Lopez, intentou no juízo federal de Mato Grosso, contraa União e o Estado, uma ação ordinária, pela qual pretendia rei-vindicar a posse das terras situadas entre os rios Ivinhema ao

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norte, Paraná ao leste, Iguatemi ao sul e a serra de Amambaí aooeste, num total de 33.175,30 km² quadrados.

O requerente alegava que aquelas terras tinham sido obti-das por sua mãe, D. Elisa Lynch, a título de compra do governo doParaguai, e que, pelo tratado de limites celebrado entre o Brasil ea República do Paraguai, promulgado pelo Decreto n. 4.911, de27 de março de 1872, elas haviam passado para o domínio doBrasil. Pretendia o requerente provar seu domínio privado e pediarestituição de todo o território ocupado pelo Estado, pagamentode sua utilização e indenização dos danos causados.

Subindo os autos à instância do Supremo Tribunal Federal,este proferiu a sentença em dezembro de 1902, considerando queas referidas terras eram devolutas e, como tais, fazendo parte dopatrimônio da nação e, nos termos do art. 64 da Constituição Fe-deral, passaram a pertencer ao Estado de Mato Grosso.

b) Pretensão dos herdeiros do barão de Antonina.Toda a região do sul de Mato Grosso, no ano de 1849, era um

vasto sertão, dominado unicamente pelos índios selvagens, so-bressaindo-se entre eles, pela ferocidade, os guaicurus, índioscavaleiros e inimigos de todos. Somente pela região do norte ha-viam penetrado alguns sertanistas de São Paulo e Paraná, afixan-do-se ao solo.

Naqueles tempos, as terras, que eram todas devolutas, per-tenceriam ao primeiro desbravador que as descobrisse e delastomasse posse, arbitrando a área pretendida e delimitando-a pe-las águas e outros acidentes naturais.

Foi nessa época que o barão de Antonina, influente políticoe senador do Império, residente na sua fazenda da Faxina do Ita-peva, situada na comarca de Curitiba, então pertencendo à provín-cia de São Paulo, arquitetou o plano para se apossar das terras do sulde Mato Grosso. Sabia ele que o Parlamento estava elaborando aLei de Terras, que foi promulgada sob o n. 601, de 18 de setembrode 1850, e cuja finalidade era assegurar os direitos de todos quetinham posse efetiva de qualquer área de terras no país.

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Planejou o barão de Antonina apossar-se das terras do sulde Mato Grosso, a fim de gozar dos benefícios da lei, assim quefosse promulgada. Para esse fim, incumbiu o sertanista JoaquimFrancisco Lopes, que já havia feito uma excursão a Mato Grosso,que viesse percorrer esta região, arranjando escrituras feitas porparticulares em que figurassem supostas vendas e cessão de di-reitos em nome do barão de Antonina.

Joaquim Francisco Lopes veio ao sul de Mato Grosso, acom-panhado de uma comitiva, todos bem armados, e trazendo uten-sílios que distribuíam com os índios mais mansos, com os quaispuderam ter contato. Por intermédio dos índios, obtiveram infor-mação de nomes dos rios e outros informes necessários. Na comi-tiva vinha também um estrangeiro agrimensor e cartógrafo21, afim de confeccionar os mapas.

21. Trata-se de João Henrique Elliott. (Nota do editor).

De posse dos dados, assim coligidos, aliás muito precários,o preposto do barão de Antonina seguiu para Miranda, e ali man-dou fazer as escrituras, por um tal Luís Pedroso Duarte, em virtu-de das quais os supostos posseiros vendiam as terras, conformeinstruções que recebera.

Morto o barão de Antonina em 1875, os seus herdeiros fize-ram venda da fazenda Sete Voltas, que era realmente a sua únicaposse legítima em Mato Grosso, ficando as demais glebas aban-donadas, que continuaram a constituir patrimônio do governo doEstado. No ano de 1901, porém, um dos herdeiros do barão reque-reu o registro das terras em questão, ao diretor da repartição deterras do Estado de Mato Grosso.

Nessa altura, já era interessado no negócio o dr. João Timó-teo Pereira da Rosa, engenheiro residindo em Cuiabá e encarre-gado da reorganização de terras e da consolidação das leis sobreo assunto. O pretendido registro foi feito, no governo do Estado,coronel Alves de Barros. Logo a seguir, procedeu-se ao o inven-tário das posses, e vendidas englobadamente ao dr. João Abbott,o qual, por escritura posterior, lavrada a 23 de julho de 1906, seconfessou devedor do espólio.

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A negociata estava sendo explorada pelos herdeiros do ba-rão de Antonina e apoiada por um poderoso sindicato de capita-listas, que pretendiam se apossar de nove extensas glebas de ter-ras do Estado e que abrangiam quase a totalidade dos municípiosde Ponta Porã, inclusive Dourados, Amambai, Bela Vista e Nioaque,avaliadas na extensão de 2.500 léguas quadradas, equivalendo àárea do Estado de Santa Catarina ou Paraná. Chegaram os preten-dentes de tão audaciosa empresa a requerer a penhora das terras,que foi executada, tendo sido a demarcação impedida pelo povo.

Os posseiros e moradores, homens do povo e pessoas in-fluentes do sul de Mato Grosso, lutaram abertamente contra aconsumação do latifúndio. Encabeçados pelos senhores Felisber-to Marques, João Antônio da Trindade e outros, foram feitos abaixo-assinados, levando o protesto ao governo do Estado e mais tardetambém o advogado dr. José Rangel Torres, pelas colunas do “OProgresso”, muito se debateu pelos direitos do povo contra a in-tenção dos herdeiros do barão de Antonina.

O Estado de Mato Grosso defendeu então os seus direitos,patrocinados pelo advogado Astolfo Rezende. Feita a prova teste-munhal, foram ouvidos todos os moradores mais antigos da re-gião, e derrubadas perante o Supremo Tribunal Federal, de umavez para sempre, as pretensas reivindicações da célebre questãodas terras do barão de Antonina.

6. Criação do município.Por efeito da lei abaixo transcrita, do Excelentíssimo Senhor

Presidente do Estado, foi criado o município de Ponta Porã:Resolução n. 617, de 18 de julho de 1912.O doutor Joaquim Augusto da Costa Marques, Presidente

do Estado de Mato Grosso:Faço saber a todos os habitantes que a Assembléia Le-

gislativa decretou e eu sancionei a seguinte resolução:Art. 1° – Fica criado o município de Ponta Porã, com sede

na povoação do mesmo nome, que será desde logo elevadaà categoria de vila.

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Parágrafo único. Os limites do novo município serão osmesmos do atual distrito.

Art. 2° – O Poder Executivo providenciará como for devi-do, para que se realizem, oportunamente, todos os atos ne-cessários à instalação do novo município.

Art. 3° – Revogam-se as disposições em contrário.Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhe-

cimento e execução da referida resolução pertencer, que acumpram e façam cumprir fielmente.

Palácio da Presidência do Estado em Cuiabá, 18 de julhode 1912, 24° da República. (L.S.) Joaquim A. da Costa Mar-ques. Manoel Paes de Oliveira.

a) Instalação.Realizadas as primeiras eleições em Ponta Porã, foi eleito

para o cargo de intendente municipal o sr. Ponciano de Matos, econselheiros municipais os senhores Felisberto Marques, ManuelMoreira, Heliodoro José de Almeida, Valêncio de Brum e para ocargo de suplente o senhor João Maria da Silva.

A 25 de março de 1913, com grande solenidade, e compareci-mento do povo e autoridades locais e também da vizinha cidade dePedro Juan Caballero, Paraguai, foi instalado o município de Ponta Po-rã. O fato foi consignado na lavratura da ata, cujo teor é o seguinte.

b) Ata de instalação.Aos vinte e cinco dias do mês de março de mil novecentos e

trese, às 10 horas da manhã do mesmo dia, neste povoado de PontaPorã, comarca de Bela Vista, Estado de Mato Grosso, república dosEstados Unidos do Brasil, em casa prèviamente alugada para nelafuncionar a Intendência Municipal, presentes S.S. o Sr. cap. FerminCasco, Leonardo Gupp, Victor Alfaro, Hector Franco, sucessivamenteautoridades de República visinha do Paraguay, sendo o últimoindustrial, e Francisco Silvino de Camargo, Romario Cabral e AntonioMachado Salgueiro também negociante do Paraguay; S. Ex.a o Sr.

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Coronel Balthasar Saldanha, chefe do Partido Republicano local,o Sr. Ponciano de Matos Pereira, eleito Intendente Municipal donovo Município; Valencio de Brum, criador no Município; HeliodoroJosé de Almeida, também criador no Município; Manoel Moreira,criador e capitalista no Município. João Antonio da Trindade, Juizde Paz; Polycarpo de Ávila, escrivão do Registro de Casamentos Ci-vis, e demais senhores localisados no logar e que firmam a presentecomigo, Ramiro Machado, secretário nomeado, ouvimos de S. Ex.a

o Sr. Balthasar Saldanha, que se efetuava a presente instalaçãodo Município, com autonomia propria, sujeita à comarca de BellaVista e obedecendo à Constituição do Estado, correlata e consci-ente com a da Republica e que fora elevado a esta cathegoria porato do Govêrno legislativo do Estado e votado por S. Ex.a o Sr.Presidente, datado de 18 de julho de 1912, sob o número 617.

Ponta Porã, 25 de março de 1913.(Assinados) Fermin Casco, Cap. del Ej. N. del Paraguay; Leo-

nardo Gupp, cirurjano de la Guarn. del Paraguay. V. Alfaro, Juez dePaz Sup. de la R. del P.; Hector Franco, industrial; Francisco S. Ca-margo, comerciante no Paraguay; Romario Cabral; A. M. Salgueiro;Balthasar Saldanha, chefe do partido local; Ponciano de Mattos Pe-reira, Intendente eleito; Valencio de Brum, Conselheiro Municipal;Heliodoro José de Almeida, Conselheiro Municipal; Manoel Moreira,Conselheiro Municipal; J. A. Trindade, Juiz de Paz; Bento de Mattos,Sub-Delegado de Policia do segundo Distrito de Dourados; LydioNunes, Alferes Comte; João Maria da Silva; Henrique Carlos Guati-mosin; José Alves da Silveira; João Gualberto Cabral; Pompilio Azza-lini; Joaquim Silveira Dutra; Sergio Martins; Flaubiano Barros Lei-te; Antonio Fernandes; A. J. Brandão; Alfredo de Oliveira Martins;O. Mantilha; Aparicio Martins; José Gabriel Martins; Luiz Pinto deMagalhães; João da Trindade; João Baptista dos Santos; João J. daSilva; Amandio de Mattos Pereira; João Ferreira; Joaquim Silveirados Santos; Laucidio Paes de Barros; Franklin dos Santos; NelsonMartins; Clodoaldo Biermen; Silvano Paula; Accyndino Sampaio;João S. Brandão; Gervasio Godoy de Oliveira; Valeriano da Silva Brum;Olavo Souza Vasques; José Luis Moreira; Virgilio Antonio Vieira.

Às 10 e 55 minutos da manhã, do mesmo dia, fica encerradaa presente sessão, e, em respeito as disposições acima, assinadas

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pelas pessoas presentes. Comigo assina o Sr. Coronel FelisbertoMarques, por ter comparecido depois da abertura da sessão, comseus companheiros.

Ponta Porã, 25 de março de 1913.(As.) Felisberto Marques; Henrique Fernando dos Santos; João

Escobar Vasques; Constancio A. Almirão; Novembrino Niemayer;Bento de Oliveira Moraes; Antonio H. Bello; Pedro N. Bello; BentoMarques; Carlos Vargas; Marciliano Maciel; Saturnino H. dos San-tos; Miguel Vasconcellos; Manoel Soares da Silva; Ramiro Macha-do, Secretário.

Terminada a cerimônia da instalação do município, prestoucompromisso o intendente eleito, senhor Ponciano de Matos, en-trando em exercício do cargo. No mesmo dia teve lugar a primeirareunião do conselho municipal, sendo, por unanimidade de votosescolhido o nome do sr. Felisberto Marques para presidente, o qualprestou o compromisso de estilo, junto aos demais conselheiros.

Nesse período, ocuparam a secretaria da intendência suces-sivamente, os senhores Ramiro Machado, João Antônio da Trinda-de e Afonso de Miranda Kraemer, e no cargo de tesoureiro estive-ram os senhores Emílio Brandão e João Maria da Silva.

O orçamento para o ano de 1914 consignou a verba de Cr$.......15.000,00 para a receita e Cr$ 15.000,00 para a despesa.

As primeiras obras mandadas executar pelo intendente domunicípio foram o cemitério, matadouro e uma ponte na cabeceira docórrego que atravessa uma rua da vila. Também começaram osconsertos nas ruas, que eram intransitáveis, em virtude dos antigoscaminhos de carretas, e por efeito da erosão das águas pluviais.

c) Nomeação de autoridades. A visita do Ex.mo Sr. Presidente do Estado.

Logo após a criação do município, foram nomeadas as au-toridades policiais, sendo a 19 de abril de 1913, empossados ossenhores Luís Pinto de Magalhães no cargo de delegado de políciae João Gualberto Cabral no cargo de suplente.

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A 1° de novembro desse mesmo ano, Ponta Porã recebeu avisita honrosa de S. Excelência, o dr. Joaquim Augusto da CostaMarques, presidente do Estado, que fazia uma excursão22 pelosmunicípios do sul. Sua Excelência, acompanhado da comitiva pre-sidencial, fazia viagem a cavalo, desde Porto Murtinho, e foi cari-nhosamente recebido pelas autoridades e o povo de Ponta Porã,que lhe prestaram as devidas homenagens.

22. O presidente do Estado chegou a Ponta Porã em 31-10-1912.Lá soube que o contrabando da erva-mate (posto que reduzido)alcançava 1.400.000 quilogramas; a povoação não tinha telé-grafo nem linha de Correios; a correspondência, na região, erafeita pelo Correio da República vizinha; constatou que as escolaspúblicas de Ponta Porã também não funcionavam, por falta deprofessores, obrigando as crianças brasileiras a freqüentar aulasno lado paraguaio, em língua castelhana. Visitou, com interesse,as oficinas da Companhia Mate Laranjeira em Santo Tomás, adois quilômetros do povoado. (As citações são do relatório dopróprio presidente). (Nota do editor).

O dr. Costa Marques demonstrou todo carinho e interessepelo desenvolvimento do novo município, a que deu todo apoio nagestão do seu governo. Disse ele, no seu discurso, ao ser recebido pe-las autoridades, povo e alunos da Escola Primária do professor Fran-cisco Faustino de Mecenas: Ponta Porã é a flor de Mato Grosso.

Por efeito da Lei n. 658, de 15 de junho de 1914, foram cria-dos dois distritos de paz no novo município, compreendendo umos distritos policiais de Amambai e Ipeum, com sede em Nhuverá;e outro, abrangendo os dois distritos policiais de Dourados, comsede no patrimônio de Dourados.

Nesse ano, a estatística feita pela prefeitura constatava a exis-tência, em todo o município, de 2.325 casas e 17.340 habitantes.

7. Criação e instalação da comarca.Por efeito da Lei n. 716, de 20 de setembro de 1915, sanci-

onada pelo presidente do Estado, General Caetano de Albuquerque,ficou o Poder Executivo autorizado pela Assembléia a desapropri-ar à firma Laranjeira Mendes & Cia., área de 3.600 hectares, para