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Resenha do “Suspiro dos Oprimidos”
de Rubem Alves
As ciências do comportamento humano consideram a religião
como fator alienante para onde o homem se volta buscando
aplacar seu medo e como apoio a sua eterna insegurança. Tal era
a idéia de Marx ao definir a religião como “ópio do povo”. Freud
já a definia como “uma ilusão criada pela mente neurótica”.
Enfm, chegaram por caminhos diferentes à mesma conclusão: a de
que o fenômeno religioso é uma forma d eenfermidade.
Assim, investido da autoridade que seus nomes representam,
através de um discurso forte, convergem a um ponto comum que
persuade os homens a aceitarem seus argumentos como corretos. O
que não se percebe é que esta convergência não nasce do nada
para uma conclusão, ou seja, ela já possui um ponto de partida
inserido no inconsciente coletivo tecnológico ou metafísica do
inconsciente, como define Rubem Alves. A pesquisa, partindo de
uma hipótese conhecida pelo inconsciente é direcionada pelos
dados e conceitos escolhidos que, inevitavelmente, vão levar a uma
conclusão esperada e já previamente formulada na hipótese. O
autor explica que essa metafísica teve seu conteúdo ideológico
formado no Iluminismo e daí expandiu-se e infiltrou-se no
inconsciente coletivo.
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Partindo do pressuposto de que “conhecer é reduplicar”, acreditou-
se que o pensamento apreendia de fato o que captava através da
atividade sensível. Dessa forma, os sentidos foram promovidos a
captadores da verdade e a meios confiáveis de verificação de
dados empíricos. Mas, se cada homem possui sua singularidade na
apreensão e compreensão dos objetos e a
ciência só trabalha com dados, como definir os parâmetros dessa
apreensão? Quem saiu em
socorro da ciência foi Freud, afirmando que o comportamento
seria considerado normal se não
fosse baseado em valores, mas sim ajustados totalmente aos
processos que se apresentam. Em outras palavras, foram elaborados
padrões de normalidade psicossociais para se estabelecer e
normatizar a apreensão da realidade pelos sentidos.
Um terceiro ponto de pressuposição da metafísica do inconsciente é
que ela coloca o homem em uma posição irrelevante diante das
forças que movem a história, importando apenas “o que é e o que o
homem se verá obrigado a fazer como decorrência dessa
realidade”, como ensinava Marx. Assim, o homem para Marx se
tornava um agente alienado da própria corrente histórico-
filosófica, uma vez que ele se “verá obrigado” a empreender uma
ação, mesmo sem ter consciência de como ela foi incentivada nele.
Dentro da concepção materialista marxista, é a estrutura
material que explica a consciência e não o inverso, como esclarece
o autor. Alguns pensadores apresentaram seus argumentos: Peter
Blau explicou que as organizações e sistema econômicos
solidamente estabelecidos adquirem identidade própria e
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independem das pessoas que as fundaram ou que fazem parte dela
e Althusser afirmou que o mundo humano só pode ser conhecido se
o homem for extraído do seu estudo.
Dentro das ciências do homem, a psicologia também não ficou
fora desse processo de convergência, o que bem demonstra a Teoria
Comportamental ou Behaviorismo de Skinner. Para esta linha de
estudo, o comportamento do homem é determina pelos estímulos
que recebe, algo como o princípio de ação e reação de Newton.
Tudo bem científico, positivista. Isso significa que o homem não
tem controle de si mesmo e seu comportamento é condicionado aos
determinismos materiais (sempre material!) em que ele se
encontra preso. Não é o homem que faz a sua própria história.
A imaginação também é pressuposta como uma patologia, como
bem demonstrou Freud em seus escritos sobre a neurose e Marx ao
atacar os socialistas utópicos. A imaginação em nada alteraria a
realidade do homem, uma vez que ela não seria capaz de
reduplicar os dados objetivos.
Diante da incapacidade do homem de participar e influir no
contexto histórico-social e do fato da imaginação ser uma
patologia, o autor propõe que a única conclusão possível na
metafísica do inconsciente é a de que a religião também é uma
enfermidade. Ele explica que a religião e a imaginação estão
intrínsecas entre si, principalmente porque a religião não é
epistemológica e tenta sistematizar seus dados, ou seja, ela
trabalha com a imaginação, conforme salientou Feuerbach.
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Rubem Alves não responsabiliza somente os cientistas, mas também
os profissionais da religião que, cedendo ao cientificismo,
tentaram desmitologizar o evangelho, esquecendo-se de que “as
evidências científicas se assentavam sobre uma mitologia
inconsciente acerca da estrutura da realidade”. Salienta ainda
que a teologia da secularização aceitou a irrelevância da
imaginação e com isso, o fim da era da religião.
Ao contrário do que previa a metafísica do inconsciente de nossa
época, o pensamento objetivo não suplantou a imaginação. Pelo
contrário, houve uma reação denominada contra-cultura que
rejeitou o pensamento teórico, os padrões de produção e consumo,
enfim, a consciência que se julgava sufocada e refém das
estruturas sociais se viu sem a segurança prometida pela ciência,
que não conseguiu o objetivo de substituir a religião. Os deuses da
religião foram substituídos pelos heróis cientificistas, que
sucumbiram à própria arrogância. Diante do caos que se tornou
esse mundo coletivo, a alternativa do homem foi buscar apoio no
seu mundo doméstico, onde teria algum controle. Mas nem ai ele
está seguro, pois como preservar seu microcosmo pessoal em um
macrocosmo cosmopolita? A solução é se voltar aos deuses
substituídos pelos heróis fracassados.
Afinal, a religião é uma forma de alienação ao se basear na
imaginação? A ciência mesmo dá a resposta ao assumir que os
sonhos são uma manifestação simbólica do real que, através da
imaginação expressam realidades inconscientes. Ora, se a religião
é uma manifestação do sonho e/ou imaginação não pode ser
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tratada como enfermidade. O que ocorre é que a ciência, apesar
de admitir o conteúdo real do sonho ainda não o incorporou em
suas maneiras de investigar a realidade, como explica o autor,
que conclui que “a era que descobriu o inconsciente é mais
inconsciente dele do que qualquer outra”.
O homem reage ao seu mundo com emoção, não consegue
contempla-lo com uma atitude desinteressada. Trata-se de uma
reação visceral muito antes de ser refletiva e passível de
verbalização, que necessita de símbolos para representar para si
mesma essa “vivência inconsciente”, que não pode ser expressada
pela lógica sujeito-objeto. E é a religião que, através dos seus
símbolos oferece a possibilidade ao homem de apreender o mundo
em que vive e preservar seus valores num espaço interior à sua
imaginação, num mundo utópico.
O marxismo dentro de sua visão materialista da sociedade, previa
que se esta fosse justa, a religião desapareceria. Esta foi a sua
utopia, que foi solapada pela sua própria impossibilidade; Marx foi
vítima do que ele mesmo execrava. A religião, tendo como aliada
a imaginação e sua hermenêutica dos símbolos, oferece ao homem
o que a mente cientificista não pode por não poder especificar: a
esperança. É por isso que a religião sempre estará presente, como
afirmou Durkheim. Enfim, é a religião que tem a capacidade de
oferecer uma “crítica do real”, coisa que a ciência, como afirma
Rubem Alves, não tem condições por ser prisioneira de sua própria
metafísica.