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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES FRENTE À LEI Nº 8.935/94 SANDRO CARLOS VIDAL Biguaçu, novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES FRENTE À LEI Nº 8.935/94

SANDRO CARLOS VIDAL

Biguaçu, novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES FRENTE À LEI Nº 8.935/94

SANDRO CARLOS VIDAL

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Renato Heusi de Almeida

Biguaçu, novembro de 2008

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AGRADECIMENTO

Ao meu pai Aldo Vidal e à minha mãe Ana Maria Broering Vidal, que sempre me apoiaram, que

acreditaram e torceram por mim;

Aos meus filhos Carol Lückmann Vidal e Hugo Lückmann Vidal, meus amores, meus tesouros;

À minha querida Fernanda Maria Besen Couto que com seu amor, carinho e dedicação, soube me compreender nos momentos de aflição, me

incentivou e esteve sempre presente durante todo o desenvolvimento deste trabalho;

Ao meu professor e orientador MSc. Renato Heusi de Almeida, por toda dedicação e atenção

no desenvolvimento deste trabalho e pela sabedoria repassada;

MUITO OBRIGADO!

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho:

Ao meu irmão PAULO ROBERTO VIDAL, in memorium, que esteve ao meu lado em todos os momentos da minha vida e que independentemente de onde esteja, tenho certeza, estará olhando por mim.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, novembro de 2008

Sandro Carlos Vidal Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Sandro Carlos Vidal, sob o título

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES FRENTE À

LEI Nº 8.935/94, foi submetida em 11 de novembro de 2008 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: MSc. Renato Heusi de Almeida, Fabiano

Pires Castagna e MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica, e aprovada com a

nota [8,73] ([oito vírgula setenta e três]).

.

Biguaçu, novembro de 2008

Professor MSc. Renato Heusi de Almeida Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS

art. Artigo

CC Código Civil

CPP Código de Processo Penal

inc. Inciso

n. Número

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Delegação

“[...] 1. Ação de delegar. 2. Comissão que permite a uma ou mais pessoas

representar quem a concedeu. 3. Conjunto de pessoas que representa país,

cidade, etc. • Dir. Cessão, cedência”1.

“Derivado do latim delegatio, de delegare (confiar, nviar, atribuir, constituir),

exprime na linguagem jurídica, em sentido amplo, a concessão ou a transmissão

de um poder, atribuído ou inerente a uma pessoa, promovida por esta a outrem

para que pratique atos, que lhe eram confiados, ou exerça função, que lhe era

atribuída ou confiada”2.

Notário

“Diz-se do oficial público de notas; do tabelião”3.

“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do

direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial

e de registro”4.

“Vem do latim notariu, com o significado de aquele que anota, estendido, depois,

para indicar pessoa com competência para recolher declarações testamentárias.

Com a evolução, o termo veio a designar o profissional habilitado para receber

declarações relativas a negócios entre vivos ou disposições sobre o patrimônio

para após a morte, providos de fé pública”5.

1 LAROUSSE CULTURAL. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Círculo do Livro Ltda., 1992. p. 121. 2 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. p. 247. 3 NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. 2. ed. Rio de Janeiro: Fase, 1988. p. 565. 4 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 5 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 43.

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Oficiais de Registro

“Denominação especial dada aos oficiais ou aos serventuários públicos, cujas

atribuições se restringem às funções pertinentes aos cartórios ou ofícios de

registros públicos, como exemplo, o registro imobiliário”6.

Perda

“Diz-se da privação, ou do desaparecimento de uma situação, da posse ou da

coisa possuída. Diz-se, por extensão, do prejuízo”7.

Registro de Imóveis

“O registro de imóveis pode ser conceituado como sendo o ato de ofício praticado

pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis, revestido de fé pública, no sentido

de fazer constar no assento registral permanente em livro próprio, os atos de

aquisição e transmissão inter vivos et mortis causa, da propriedade imóvel,

objetivando-a segundos os requisitos da lei, de modo a assegurar o direito de

propriedade ao seu titular, ou adquirente, bem como assegurar a publicidade de

seus direitos reais a ela relativos diante de terceiros”8.

Responsabilidade Civil

“[...] a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a

outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”9.

“[...] obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma

circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma

meramente objetiva”10.

6 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 571. 7 NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. p. 758. 8 BORGES, Antônio Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. CL Edijur – Leme/São Paulo, 2007. p. 116. 9 RODRIGUES, Silvio apud SAVATIER. Direito civil: responsabilidade civil. 19. ed. atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 06. 10 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil (fontes acontrauais das obrigações – responsabilidade civil). 4. ed. rev. e atualizada por Miguel Maria de Serpa Lopes. v. V. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1995. p. 160.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 15

DA RESPONSABILIDADE CIVIL...................................................... 15 1.1 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..............................................15 1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ...............................................19 1.2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE PENAL ....................................21 1.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL............................................24 1.3.1 CONDUTA HUMANA: AÇÃO OU OMISSÃO ...........................................................25 1.3.2 CULPA...........................................................................................................26 1.3.3 DANO ............................................................................................................31 1.3.4 NEXO DE CAUSALIDADE ..................................................................................35 1.4 TIPOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................38 1.4.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ....38 1.4.2 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E RESPONSABILIDADE OBJETIVA .......................41 1.5 EXCLUDENTES DE REPARAÇÃO ...............................................................44

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 50

DOS SERVIÇOS DE REGISTRO PÚBLICO..................................... 50 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA REGISTRAL NO BRASIL............50 2.2 OS PRINCÍPIOS QUE REGEM AS ATIVIDADES DOS REGISTRADORES.55 2.3 CONCEITO DA FUNÇÃO REGISTRAL E CONSIDERAÇÕES GERAIS.......59 2.4 NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE DE REGISTRO...............................63 2.5 DO INGRESSO NA ATIVIDADE DE REGISTRO...........................................66 2.6 DAS ATRIBUIÇÕES DOS REGISTRADORES..............................................72 2.7 DOS DIREITOS E DEVERES DOS REGISTRADORES ................................76

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 85

DA RESPONSABILIDADE DOS TITULARES DOS CARTÓRIOS... 85 3.1 DA COMPETÊNCIA PARA A CONCESSÃO DA DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS REGISTRAIS.....................................................................................85 3.2 DAS RESPONSABILIDADES CIVIS E CRIMINAIS DOS TITULARES .........89 3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE DOS SERVIÇOS DE REGISTRO .....................................................................................................98 3.4 DAS INFRAÇÕES A QUE SE SUJEITAM ...................................................104 3.4.1 INFRAÇÕES DISCIPLINARES............................................................................104 3.4.2 DAS PENALIDADES .......................................................................................107 3.5 DA EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO ...............................................................109 3.6 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO POR PERDA DA DELEGAÇÃO........114

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CONCLUSÃO.................................................................................. 117

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS......................................... 121

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RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo, descrever as

características e peculiaridades da responsabilidade civil dos notários e

registradores frente à Lei nº 8.935/94, segundo ensinamentos extraídos da

legislação e doutrina pátria vigente. Utilizou-se o método dedutivo, analisando-se

inicialmente a responsabilidade civil, para depois os serviços de registro público e,

finalmente, a responsabilidade dos titulares dos cartórios e seus respectivos

tópicos, buscando fornecer ao leitor através de pesquisas bibliográficas, subsídios

para o desenvolvimento do tema em tela. Procurou-se proceder no primeiro

capítulo, uma análise do histórico, conceito e elementos da responsabilidade civil,

tais como, conduta humana (ação ou omissão), culpa, dano e nexo de

causalidade, assim como dos tipos de responsabilidade civil e excludentes de

reparação. No segundo capítulo, portanto, pretendeu-se tratar a respeito dos

serviços de registro público, dos aspectos históricos do sistema registral no Brasil,

dos princípios que regem as atividades dos registradores, como também do

conceito de função registral e considerações gerais, natureza jurídica e ingresso

na atividade de registro, para, por derradeiro, abordar-se as atribuições, direitos e

deveres dos registradores. Finalmente, no terceiro capítulo, passou-se a efetuar

um estudo direcionado da responsabilidade dos titulares dos cartórios, da

competência para a concessão da delegação dos serviços registrais, das

responsabilidades civis e criminais dos titulares, bem como da responsabilidade

civil do Estado em face dos serviços e registro, das infrações a que se sujeitam os

titulares, quais sejam, infrações disciplinares e penalidades, assim como sobre a

extinção da delegação e o processo administrativo por perda de delegação.

Palavras chave: Delegação. Notário. Registrador. Perda.

Responsabilidade Civil.

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ABSTRACT

This research had as objective, describe the features and

peculiarities of the civil responsibility notaries and registrars face the loss of the

delegation, according lessons from existing law and doctrine homeland. It was

used the deductive method, analyzing firstly the civil responsibility, then after the

services of public record and, finally, responsibility of holders of offices and their

respective topics, seeking to provide the reader through bibliographic searches,

subsidies for the development of the subject. It was carried in the first chapter, an

analysis about the history, concept and elements of the civil responsibility, such as

the human conduct (action or omission), fault, damage and causation, as well as

the types of civil responsibility and excluding repair. In the second chapter, it was

intended to talk about the services of public record, of the recording system’s

history aspect in Brazil, of the principles governing the activities of registrars, but

also the concept of registry function and general considerations, legal and join in

the activity of record, for last, approaching the powers, rights and duties of

registrars. Finally, in the third chapter, it was realized a study in direction to the

responsibility of holders of offices, competence for the granting of the delegation of

services of recording, civil and criminal liabilities of holders, as well the civil

responsibility of State face to the services and record, the infractions that are

exposed to the holders, namely, disciplinary infractions and penalties, such as the

extinction of the delegation and the administrative procedure for loss of delegation.

Key words: Delegation. Notary. Recorder. Loss. Civil

Responsibility.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto tratar da

responsabilidade civil dos notários e registradores frente à Lei nº 8.935/94.

O objetivo do presente trabalho acadêmico é pesquisar na

legislação e na doutrina jurídica brasileira os aspectos controvertidos da

responsabilidade profissional dos notários e registradores, titulares dos

Tabelionatos e Cartórios de Registro civil ou de imóveis, mais especificamente no

caso das atividades ligadas ao Registro de Imóveis.

A experiência profissional do acadêmico que exerce

atividade junto a um Cartório de Registro de Imóveis, ao se deparar com as

possibilidades de incorrer em infrações disciplinares no exercício das atividades

inerentes aos serviços prestados, em caso de falhas da execução das tarefas

diárias, podendo sofrer as sanções inerentes a cada caso, viabilizou o exame do

assunto aqui tratado.

Portanto, buscar-se-á analisar a origem das atividades

exercidas, encargo este inerente ao serviço público, ligado ao Poder Judiciário

brasileiro, desde os primórdios da colonização brasileira, quando da destinação

das primeiras áreas de terras aos que chegaram ao solo brasileiro para iniciar

suas atividades profissionais.

Dos primeiros aspectos históricos, verificar-se-á na

legislação brasileira as normas jurídicas que nortearam a atividade do registro

público no Brasil, principalmente as alterações ocorridas a partir das Leis nº

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6.015/73 e 8.935/94 que disciplinaram e regulamentaram o registro público

brasileiro

Com base na legislação brasileira atual, a pesquisa foi

direcionada para a busca de elementos capazes de elencar as possíveis infrações

administrativas, civis e penais que possam ser praticadas pelos notários e

registradores, bem como as penas a que eles ficam sujeitos quando as cometem,

nas três esferas acima.

Deve-se destacar a controvérsia doutrinária existente sobre

classificação profissional dos titulares dos cartórios. Enquanto alguns autores

consideram os titulares serventuários públicos, outros entendem que a atividade é

fruto de delegação do poder público e não existe vinculação deles com o serviço

público direto, como agentes públicos.

No corpo do trabalho serão selecionados os doutrinadores

defensores de cada uma das duas correntes, trazendo-se os principais

fundamentos de suas linhas de pensamento.

Diante do posicionamento conflitante da doutrina em relação

à vinculação profissional, constata-se que na responsabilização também

permanecem antagônicas as posições doutrinárias. Alguns autores entendem que

a responsabilidade dos notários e registradores é objetiva enquanto os

defensores de outra corrente defendem a idéia de ser subjetiva, controvérsia esta

que se pretende analisar no corpo do presente trabalho acadêmico.

No final, analisar-se-á as sanções, após descrever as

características e peculiaridades da responsabilidade civil dos notários e

registradores frente à Lei nº 8.935/94, que poderá levar à perda da delegação,

segundo os ensinamentos extraídos da legislação e doutrina pátria vigente.

Para tanto, principiar-se-á, no Capítulo 1, através da análise

histórica da responsabilidade civil no direito brasileiro, principalmente, após o

advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Buscar-se-á na doutrina os conceitos da responsabilidade

civil e os elementos que a caracterizam, como a culpa, o dolo, o nexo de

casualidade e o dano causado. Foram analisados os tipos de responsabilidade

civil e as excludentes de reparação, capazes de isentar a responsabilidade do

autor em indenizar o dano.

No Capítulo 2, a pesquisa estará direcionada à análise dos

serviços públicos afetos aos notários e registradores civis e de imóveis, sendo

analisados os aspectos históricos do sistema notarial e registral no Brasil, dos

princípios que regem as atividades dos tabeliães e, com maior ênfase, dos

registradores, como também do conceito das referidas funções, bem como sobre

considerações gerais, natureza jurídica e forma de ingresso nas atividades, para,

finalmente, abordar-se as atribuições, direitos, obrigações e deveres dos notários

e, em especial, dos registradores.

No Capítulo 3, a pesquisa será direcionada para a análise da

responsabilidade dos titulares dos cartórios públicos de tabelionato e de registro

público. Outro ponto abordado na pesquisa é sobre a competência constitucional

para a concessão da delegação dos serviços notariais e registrais, posteriormente

regulada pela Lei nº 8.935/94, que tratou de definir as responsabilidades civis,

administrativas e criminais dos titulares dos cartórios.

Com base nos defensores da responsabilidade objetiva

ponderar-se-á sobre a possibilidade jurídica do envolvimento do Estado, órgão

que concede a delegação e tem a responsabilidade de fiscalização das atividades

dos notários e registradores, em assumir o dever de indenizar o prejudicado

sempre que se verificar a responsabilidade civil do titular do cartório.

Da mesma forma, a análise também tratará dos aspectos da

responsabilidade subjetiva, ao buscar o limite da vinculação do Estado quanto à

fiscalização das atividades delegadas, que deve ser feita pelo Poder Judiciário,

analisando-se inclusive a possibilidade da perda da delegação.

O presente Trabalho de Pesquisa se encerrará com a

Conclusão, na qual serão apresentados pontos conclusivos destacados sobre o

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tema abordado, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores frente à

legislação vigente, podendo, inclusive, ter a conseqüência, da perda da

delegação.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Dedutivo, e, o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica Dedutiva.

Nas diversas fases da atividade de pesquisa, foram

acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Este capítulo está direcionado ao estudo da

responsabilidade civil em um contexto geral, e tratará de suas transformações

históricas, conceito, elementos caracterizadores, tipos de responsabilidade, e, por

fim, da abordagem das excludentes de responsabilidade.

1.1 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A transformação histórica do instituto da responsabilidade

civil apresenta-se através dos tempos de uma forma totalmente dinâmica, sendo

que todas as conquistas jurídicas refletem um desejo de adequação social.

Nos primórdios da civilização humana, imperava a vingança

coletiva, onde o grupo, em reação conjunta, se opunha ao agressor pela ofensa

causada a um de seus componentes13.

Na seqüência, surge uma reação individual, ou seja, a

vingança privada, onde a justiça era realizada pelas próprias mãos, sob os efeitos

da Lei de Talião, onde o princípio era a retribuição do mal pelo mal, que era

sintetizada pela fórmula “olho por olho, dente por dente”. Contudo, com o intuito

de coibir abusos, o poder público intervinha para dizer à vítima quando e como

seria o seu direito de retaliação14.

Na Lei das XII Tábuas, encontram-se vestígios da vingança

privada, com a interferência do poder público, exatamente na tábua VII, lei 11ª: “si

membrum rupsit, ni cume o pacit, tálio esto (se alguém fere a outrem, que sofra a

13 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. v. 7. São Paulo: Saraiva: 2007. p. 10. 14 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 16.

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pena de Talião, salvo se existiu acordo)”15. Tem-se aqui, mais uma evolução do

instituto, permitindo a composição entre a vítima e o agressor, evitando-se a

aplicação da pena de Talião, propondo que em vez de sofrer um dano idêntico ao

da vítima, o autor do dano pague à título de poena (pena), valor em dinheiro ou

outros bens, a critério da vítima, se o delito fosse considerado privado, ou a

critério da autoridade pública, se este fosse perpetrado em desfavor à res publica

(coisa pública)16.

A Lei do Talião se resumia em um princípio da retribuição do

mal pelo mal, “olho por olho”, princípio este de natureza humana, reagindo a

qualquer injusto perpetrado contra si ou terceiros17.

O principal marco da evolução histórica da responsabilidade

civil deu-se com a edição da Lex Aquilia (Lei Aquília). Para tanto, de acordo com

ensinamentos de Venosa:

A Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Este diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente18.

A Lex Aquilia de damno (Lei Aquília do dano) foi a base da

responsabilidade extracontratual, que estabeleceu uma forma pecuniária de

indenização pelo dano causado, apresentou um valor para a indenização e

guardou relação com o valor da coisa lesada. Esta lei regulava o damnum injuria

datum (dano produzido pela injúria), consistente na destruição ou deterioração da

15 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 16 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 17 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 16. 18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 16.

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coisa alheia por uma ação que atingisse coisa corpórea ou incorpórea, sem

justificativa legal19.

Embora sua finalidade principal fosse referente ao

proprietário da coisa lesada, com a influência da jurisprudência e através das

extensões do pretor, a efetiva doutrina romana da responsabilidade

extracontratual foi construída20.

De uma forma clara, Alvino Lima sintetiza a visão da

responsabilidade civil na Antigüidade:

Partimos, como diz Ihering, do período em que o sentimento de paixão predomina no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão-somente a satisfação do dano e infligir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem, responsabilidade penal e civil não se distinguem. A evolução operou-se, conseqüentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferençar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da idéia da pena, no fixar a responsabilidade aquiliana, a verdade é que a idéia de delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio da sua aplicação diminuir, à vista da admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória. A função da pena transformou-se, tendo por fim indenizar, como nas ações reipersecutórias, embora o modo de calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança; o caráter penal da ação da lei Aquília, no direito clássico, não passa de uma sobrevivência21.

Contudo, foi o direito francês que ampliou o conceito da Lei

Aquília, onde os juristas compreenderam que o fundamento da responsabilidade

civil tem como base a quebra do equilíbrio patrimonial dos envolvidos. Então,

abstrai-se a idéia centralizadora da culpa, para substituí-la pela noção de

19 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 20 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. rev., atual e reform. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11. 21 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 26-27.

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reparação do dano sofrido22. Essas novas concepções foram incorporadas no

Código Civil de Napoleão, influenciando diversas legislações do mundo, inclusive

o Código Civil de 191623.

Com as alterações ocorridas nos países e proporcionadas

pelo desenvolvimento tecnológico, econômico e industrial, após a Segunda

Guerra Mundial, os princípios acerca do dever de indenizar foram revistos e

tenderam a não deixar o Direito, alheio à realidade social24.

O conceito clássico de culpa já não abrangia as

necessidades dos casos concretos, havendo em muitas situações a não

reparação do dano, pela impossibilidade de comprovação do elemento subjetivo

do agente. Neste sentido, foram surgindo novas teorias dogmáticas, que

estabeleciam a reparação do dano, exclusivamente pelo fato ou pelo risco

criado25.

Com essa nova criação doutrinária, os tipos de

responsabilidade se diferem, existindo, portanto, a responsabilidade subjetiva,

ancorada no conceito de culpa, e a responsabilidade objetiva, baseada na teoria

do risco. Assim, segundo os ensinamentos de Diniz:

A noção de risco prescinde da prova da culpa do lesante, contentando-se com a simples causação externa, bastando a prova de que o evento decorreu do exercício da atividade, para que o prejuízo por ela criado seja indenizado. Baseia-se no princípio do ubi emolumentum, ibi ius, isto é, a pessoa que se aproveitar dos riscos ocasionados deverá arcar com suas conseqüências26.

22 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 23 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 6. 24 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 25 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 12. 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 12-13.

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Porém, a teoria do risco não anulou a clássica e tradicional

teoria da culpa, que continua sendo o alicerce da responsabilidade civil27.

O ordenamento jurídico brasileiro tem como regra geral a

teoria subjetiva, sendo que haverá responsabilidade, sempre que houver culpa,

conforme dispõe o artigo 186 do Código Civil. A reparação do dano tem como

pressuposto a prática de um ato ilícito e sem a prova de culpa não há a reparação

do dano. Como exceção, há a utilização dos princípios da responsabilidade

objetiva, consagrados principalmente no artigo 927, parágrafo único, do Código

Civil, e demais dispositivos desse Codex e, mesmo, em leis esparsas, a culpa é

presumida28.

Passa-se, então, ao título subseqüente que abordará o

conceito de responsabilidade civil.

1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra responsabilidade possui diversos significados,

podendo em plano vulgar, ser expressão sinônima de diligência e cuidado, e, no

plano jurídico, significar a obrigação pelo ato praticado29.

A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino

respondere, o qual significa que alguém se constituiu garantidor30, respondendo

pelas conseqüências de seus atos.

No entanto, o termo responsabilidade não surgiu para

exprimir o dever de reparação pelo dano causado, mas variou da expressão

sponsio, da figura stipulatio, onde o devedor confirmava ter com o credor uma

obrigação que era garantida por uma caução ou responsor. Essa noção de

27 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 33. 28 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 8. 29 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. – 7. ed. rev. atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 111. 30 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 12-13.

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responsabilidade, como garantia de pagamento de dívida está totalmente

desvinculada com a noção de culpa31.

Para René Savatier, a responsabilidade é a obrigação de

alguém reparar o dano ocasionado por ato próprio, ou ainda por fatos e atos de

coisas e pessoas que dele dependam32.

Josserand, ampliando o conceito de responsabilidade,

entende que esta não é uma mera questão de culpabilidade, e sim uma divisão de

prejuízos, que equilibra os direitos e interesses, sendo que em uma concepção

moderna há dois pólos: o objetivo, onde reina o risco criado, e o subjetivo, onde a

culpa impera33.

Serpa Lopes menciona que a responsabilidade nada mais é

que a obrigação de apurar um dano, decorrente de culpa, ou de qualquer outra

circunstância que a justifique, como, por exemplo, a culpa presumida, ou uma

circunstância meramente objetiva34.

Diniz, assim define a responsabilidade civil:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral e patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal35.

31 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 112 apud COSTA, Judith Martins. Os fundamentos da responsabilidade civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, São Paulo, v. 93, out./1991 apud ZULIANI, Reparação de danos. ADV – Seleções Jurídicas – Coad, São Paulo (edição especial sobre Erro médico – Responsabilidade civil médico-hospitalar), v. 3. p. 34-39, abr./2004). 32 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 112 apud SAVATIER, René. Traité de la Responsabilité Civileen Droit Français. 10. ed. Paris: LGDJ – R. Pichon e R. Durand Auzias, 1951, v.1, p. 1). 33 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 34 apud JOSSERAND. Évolutions et actualités, Paris, Sirey, 1936. p. 29/49. 34 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 112-113 apud LOPES, Serpa. Curso de direito civil. 2. ed. v. 5. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 187. 35 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 34.

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Portanto, a responsabilidade civil é uma instituição

assecuratória de direitos violados, sendo o resultado de um acontecimento que

não ocorreu secundum ius. É, assim, conseqüência e não uma obrigação

original36.

Exposto o conceito de responsabilidade civil, verifica-se no

próximo título as considerações acerca da responsabilidade civil versus

responsabilidade penal.

1.2.1 Responsabilidade civil e responsabilidade penal

A responsabilidade jurídica divide-se em nosso ordenamento

em responsabilidade civil e responsabilidade penal.

A responsabilidade penal requer a violação dos deveres do

cidadão para com a coletividade, uma turbação social, o acarretamento de um

dano social em razão da violação de uma norma penal garantidora de direitos,

devendo o agente causador do dano, responder pessoalmente à pena imposta

pelo órgão judicante, cumprindo a pena estabelecida pela lei penal37.

Em contrapartida, a responsabilidade civil pressupõe um

prejuízo a terceiro, particular ou Estado. Visa restabelecer o equilíbrio jurídico em

razão da lesão sofrida, onde a vítima poderá requerer a reparação de seu prejuízo

traduzido por uma indenização em dinheiro38.

Ressaltando o entendimento acima esboçado, Gagliano e

Pamplona afirmam:

Na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma

36 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 112. 37 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 23. 38 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 23-24.

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compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano), enquanto, pela responsabilidade penal ou criminal, deve o agente sofrer a aplicação de uma cominação legal, que pode ser privativa de liberdade, restritiva de direitos ou mesmo pecuniária39.

A teoria da responsabilidade funda-se, basicamente, na

existência de ato ilícito. Alguns atos ilícitos, em razão de sua gravidade, podem

ensejar tanto a responsabilidade penal como a responsabilidade civil, não

havendo em tal circunstância bis in idem, em razão das diferentes esferas

tuteladas40.

Há de frisar, ainda, o princípio da independência da

responsabilidade civil relativamente à criminal, inserido no artigo 935, do Código

Civil, que assim estabelece:

A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decidas no juízo criminal41.

Trata-se, porém, de uma independência relativa, pois, com o

trânsito em julgado da sentença penal condenatória será possível obter um título

judicial passível de execução no cível (CPP, art. 63), sem o questionamento do

fato ou do autor, somente com a apuração do quantum devido. Contudo, se a

sentença no juízo criminal for absolutória, dependendo de seus fundamentos,

poderá ou não intervir na esfera cível. Ambos os processos podem ser suspensos

para a conclusão de um deles (CPP, arts. 92, 94 e 64)42.

Outra diferenciação entre as responsabilidades ora

abordadas, é que a responsabilidade penal é pessoal e intransferível,

39 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 4. 40 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 25. 41 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 42 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 25.

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respondendo o causador do dano com a privação de sua liberdade, e em razão

desse preceito é cercado com várias garantias contra o Estado, devendo arcar

sempre com o ônus da prova. Na responsabilidade civil a regra actori incumbit

probtio (incumbe ao autor o ônus de provar) vem sofrendo exceções, pois a vítima

do dano encontra-se, muitas vezes, em desvantagem com relação ao autor do

dano, dispondo de mecanismos de ordem legal e jurisprudencial para obter o

ressarcimento de seu prejuízo43. Exemplo é o artigo 6º, inciso VIII, da Lei nº

8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que permite a inversão do ônus da

prova em favor do autor44.

Distingue-se ainda, enquanto na responsabilidade penal o

fato concreto deve ser perfeitamente adequado à tipicidade do crime imposto, ao

passo que na responsabilidade civil, qualquer ação ou omissão pode violar direito

de alguém e, com isso, nasce o dever de indenizar45.

Há a questão da diferenciação das culpabilidades. Na esfera

cível há culpa levíssima, há o dever de indenizar, em contraponto, na esfera

criminal, onde nem toda culpa acarreta a condenação do réu46.

A imputabilidade também diferencia as responsabilidades

civil e criminal. Não há imputabilidade aos menores de 18 (dezoito) anos, mas o

ato ilícito praticado por estes é de responsabilidade objetiva (CC, art. 933) dos

pais ou responsável legal (CC, art. 923, I e II). Se o pai ou representante legal não

detiver condições financeiras para reparar o dano, responderá o menor, desde

que não fique privado de seu próprio sustento e/ou seus dependentes (CC,

parágrafo único, art. 928)47.

Por fim, a responsabilidade penal é pessoal e intransferível,

respondendo o agente do dano com a privação de sua liberdade, ou a restrição

43 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 20-21. 44 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 45 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 21. 46 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 21. 47 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 46-47.

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de direitos, como já vislumbrado. Na responsabilidade civil há a perseguição do

patrimônio do devedor para garantir suas obrigações. Existem apenas duas

exceções para a privação da liberdade do devedor na esfera cível: nos casos de

depositário infiel e o devedor de pensão alimentícia decorrente do direito de

família48.

Vistas as considerações acerca da responsabilidade civil e

da responsabilidade penal, verifica-se no próximo título os elementos da

responsabilidade civil.

1.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A doutrina não é uníssona quanto à classificação dos

elementos caracterizadores da responsabilidade civil.

O artigo 186, do Código Civil é a base fundamental da

responsabilidade civil no ordenamento jurídico, o qual consagra o princípio

nemimem laedere, ou seja, a ninguém é dado causar prejuízo a outrem, conforme

se vê: “[...]. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito”49.

Do referido dispositivo extrai-se os seguintes elementos da

responsabilidade civil: 1º. conduta humana (comissiva ou omissiva); 2º. culpa ou

dolo do agente; 3º. dano ou prejuízo; e, 4º. nexo de causalidade50.

Na seqüência, far-se-á um estudo um pouco mais

aprofundado sobre esses elementos da responsabilidade civil.

48 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 21. 49 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 50 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 05.

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1.3.1 Conduta humana: ação ou omissão

Tem-se como elemento primário da responsabilidade civil a

conduta humana, comissiva ou omissiva, voluntária e contrária ao ordenamento

jurídico vigente51.

Diniz, de uma forma ampla, assim conceitua a ação:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado52.

A responsabilidade decorrente de ato ilícito funda-se na

culpa, e a responsabilidade sem culpa baseia-se na teoria o risco, ante a

ausência de culpa para amparar a ocorrência de tantos danos53.

Na esfera jurídica, segundo Diniz, a conduta humana

voluntária pode ser classificada de duas formas: 1ª. – positiva; e, 2ª. – negativa54.

A conduta positiva (ação) representa a prática de um

comportamento ativo, um ato que não deveria se efetivar, enquanto a conduta

negativa (omissão) é a não observância de um dever de agir ou a prática de

algum ato que deveria ter sido realizado55. A conduta omissiva é um non facere

relevante para a esfera jurídica, sempre que atingir um bem jurídico tutelado56.

Contudo, o elemento fundamental da conduta humana,

capaz de gerar responsabilidade civil é a voluntariedade como ensinam Gagliano

e Pamplona:

51 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 129. 52 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 38-39. 53 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 39. 54 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 39. 55 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 39. 56 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 130.

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O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz57.

Mas a voluntariedade da conduta humana não pode ser

traduzida como a intenção de gerar dano, que seria um elemento definidor do

dolo, mas tão somente na consciência daquilo que se faz. Nesse patamar de

consciência tem-se o conhecimento dos atos materiais praticados, não se

exigindo a consciência subjetiva da ilicitude do mesmo58.

Segundo Venosa, a voluntariedade está estreitamente ligada

ao conceito de imputabilidade “porque a voluntariedade desaparece ou torna-se

ineficaz quando o agente é juridicamente irresponsável”59.

Por fim, o ato de vontade, no campo da responsabilidade,

deve revestir-se de ilicitude, e será caracterizado por uma sucessão de atos

ilícitos, que através de um comportamento voluntário transgredirá um dever60.

Apresentados os aspectos da conduta humana (ação ou

omissão), examina-se a seguir sobre o elemento culpa.

1.3.2 Culpa

Em seu sentido amplo, culpa é a falta de cumprimento de

um dever que o agente devia conhecer e observar61.

Para Diniz, a culpa compreende:

Violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou

57 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 27. 58 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 28. 59 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 21. 60 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 21. 61 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 22.

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cautela, compreende: dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas conseqüências62.

Em seu sentido estrito, Stoco define a culpa como o

“comportamento equivocado da pessoa, despida da intenção de lesar ou de violar

direito, mas da qual se poderia exigir comportamento diverso, posto que erro

inescusável ou sem justificativa plausível e evitável para o homo medius”63.

A culpabilidade abrange o dolo, que é a vontade consciente

de violar um direito, com um propósito ilícito, e a culpa que pode ser representada

pela imprudência (comportamento sem cautela, precipitação), pela imperícia (falta

de habilidade ou inaptidão para a prática de certo ato) e, por fim, pela negligência

(inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade e

discernimento)64.

A culpabilidade é elemento essencial da responsabilidade

civil65, podendo-se dizer que, em regra geral, não há responsabilidade sem culpa,

exceto nos casos de responsabilidade objetiva, expressos na lei66.

Washington de Barros Monteiro classificou a culpa da

seguinte forma: a) culpa lata, leve ou levíssima; b) culpa contratual e

extracontratual ou aquiliana; c) culpa in eligendo e culpa in vigilando; d) culpa in

committendo, in omittendo e in custodiendo; e, e) culpa in concreto e culpa in

abstracto. Culpa lata ou grave é aquela falta imprópria ao comum dos homens,

sendo considerada a espécie mais próxima do dolo. Culpa levíssima é aquela

falta evitável e com atenção extraordinária, com habilidade ou algum

62 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 41. 63 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 130. 64 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 41. 65 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 131. 66 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – v.7: responsabilidade civil. p. 41.

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conhecimento singular. A culpa extracontratual ou aquiliana é a que decorre de

violação de um dever fundado em um princípio geral de direito, como por

exemplo, o do respeito à determinada pessoa e à bens alheios. Já, a culpa

contratual é a violação de um certo dever que decorre de contrato. Diz-se de

culpa in eligendo a originária de má opção do empregado, do preposto ou do

representante; in vigilando aquela que decorre de ausência de fiscalização, seja

no tocante à pessoas ou a bens; in committendo quando uma pessoa pratica um

ato positivo; in omittendo quando decorrente de uma abstenção; e, in custodiendo

a resultante de falha na cautela ou na atenção de alguma pessoa, animal ou

objeto que estejam sob cuidados do agente. Outrossim, a culpa in abstracto

requer comparação entre o bonus pater familias do direito romano, se o agente

afastar-se do zelo, conquanto a culpa in concreto depende de um reconhecimento

do exame de cada ato em particular, de cada fato67.

Em relação à reparação do dano segundo Gonçalves, não

há distinção entre dolo e culpa, nem mesmo quanto aos graus desse último:

Tenha o agente agido com dolo ou culpa levíssima, existirá sempre a obrigação de indenizar, obrigação esta que será calculada exclusivamente sobre a extensão do dano. Em outras palavras, mede-se a indenização pela extensão do dano e não pelo grau de culpa. Adotou o legislador a norma romana, segundo a qual a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar (in lege Aquilia et levíssima culpa venit)68.

O Código Civil em seu artigo 944 assim dispõe:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização69.

67 Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direitos das obrigações 2ª parte. 34. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 449-453. 68 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 532. 69 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Contudo, em vários casos a teoria da culpa, no qual a

responsabilidade civil está fundamentada, não oferece solução satisfatória em

relação aos danos gerados pelos progressos técnicos e, conseqüentemente a

ocorrência de maior quantidade de acidentes, tendo, então, a corrente objetivista

desvinculado o dever de reparar o dano da idéia de culpa, baseando apenas a

reparação do dano na atividade ilícita ou no risco que ela produz70.

Assim, o dever do agente de ressarcir surgirá sempre com a

ocorrência de algum dano, independente de haver culpa, pois sua

responsabilidade impera da lei e, ainda, sem a necessidade de apelo ao recurso

da presunção71.

A responsabilidade objetiva, ou seja, fundada no risco, é

imposta por lei à certas pessoas, ou mesmo em razão da própria atividade

desenvolvida pelo lesante capaz de causar risco a terceiro. Consiste na obrigação

de indenizar o dano produzido pela atividade produzida no interesse do agente e

sob a sua fiscalização e controle, sem o questionamento da culpa do lesante,

havendo, somente, a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente

causador72.

O artigo 927, do Código Civil, além de dispor sobre a

responsabilidade subjetiva em seu caput, não afasta a responsabilidade objetiva,

em certos casos, como se vê:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Todavia, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente da culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem73.

70 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 50. 71 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 50. 72 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 51. 73 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Ponto importante a destacar, ainda, no estudo da culpa é a

questão da imputabilidade. A imputabilidade é elemento constitutivo da culpa e

atende aos elementos pessoais daquele que praticou o ato danoso74.

Diniz explica que “são imputáveis a uma pessoa todos os ato

por ela praticados, livre e conscientemente. Portanto, ter-se-á imputabilidade,

quando o ato advier de uma vontade livre e capaz”75.

O que caracteriza a imputabilidade de um agente é a sua

capacidade de discernimento e autodeterminação nos seus atos76.

Bolzani afirma que “o modo de imputação pode ser por culpa

ou por risco”77. O primeiro decorre da concepção clássica da responsabilidade

civil contida no artigo 186 do Código Civil, enquanto o segundo advém do risco

produzido em certas situações, delineado pelo parágrafo único, do artigo 927, do

citado Codex78.

Porém, existem exceções à imputabilidade, situações estas

que o agente não possui capacidade intelectual para definir seu ato como ilícito,

ou, até mesmo, circunstâncias vivenciadas pelo agente que lhe obriguem a

praticar um ato contrário à lei.

Conforme artigo 928, parágrafo único, do Código Civil,

somente os maiores de 18 (dezoito) anos são responsáveis, civil e criminalmente,

por seus atos. Contudo, na esfera cível, admite-se a responsabilização do menor

de 18 (dezoito) anos, através de seus responsáveis, desde que não fiquem

privados do necessário para sua subsistência ou de seus dependentes79.

74 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 63. 75 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 45. 76 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 11. 77 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. São Paulo: LTr, 2007. p. 21. 78 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 21.

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Também não são imputáveis pelos atos ilícitos praticados,

os loucos ou dementes, respondendo apenas mitigadamente e de forma

subsidiária, quando a vítima não conseguir ressarcimento através do responsável

legal (CC, art. 928)80.

Há ainda inimputabilidade ao lesante quando a própria

vítima, capaz e com discernimento para entender os riscos a que se expõe,

através de vontade livre e consciente, escolhe um interesse em detrimento de

outro. Essa anuência pode se dar de forma direta, sacrificando um bem para obter

um outro de seu interesse, ou de forma indireta, assumindo os riscos normais de

uma situação escolhida81.

Ainda, em regra, são inimputáveis os causadores de atos

ilícitos provenientes de exercício regular de um direito; em estado de necessidade

e em legítima defesa, pois tais atos não constituem ilícitos, sendo excludentes de

imputabilidade conforme reza o artigo 188, do Código Civil82.

Por fim, são, ainda, excludentes de responsabilidade, pois

impedem que o nexo causal se concretize, o fato de terceiro, o caso fortuito e a

força maior e, no âmbito contratual, a cláusula de não indenizar83.

Portanto, abordado o elemento culpa, estuda-se a seguir

sobre o dano no âmbito da responsabilidade civil.

1.3.3 Dano

Dano é o prejuízo sofrido pelo agente, que pode ser

individual ou coletivo, material ou moral84.

Para Stoco:

80 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 15. 81 Cf. DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 47-48. 82 Cf. DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 48-50. 83 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 46. 84 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 31.

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O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses expressamente previstas, seja de ato ilícito, ou de inadimplemento contratual, independentemente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva85.

Não há responsabilidade civil sem dano, haja vista ser este

elemento caracterizador e indispensável ao dever de indenizar86.

O ato de indenizar significa restabelecer a vítima à condição

em que se encontrava antes da ocorrência do dano, ou seja, ao statu quo ante.

Contudo, essa situação nem sempre é possível, onde, então, se busca uma

compensação na forma de indenização pecuniária87.

Para que o dano seja indenizável deverá possuir os

seguintes requisitos: diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou

moral, pertencente a uma pessoa; efetividade ou certeza do dano; causalidade;

subsistência do dano; legitimidade; e, ausência de causas excludentes de

responsabilidade88.

A lesão ao patrimônio, material ou moral de uma pessoa é

requisito essencial para a ocorrência do ato de indenizar. Os prejuízos

ocasionados ao lesante podem ser de vários tipos, tais como, dano estético,

incapacitação física ou intelectual, de ordem material, moral, sendo que não há

dano sem lesão, pois a indenização do dano só pode ser reclamada daquele que

sofreu esta última89. Em relação ao lesado pode ser este, direto quando se tratar

da própria pessoa que sofreu a lesão e, indireto, tais como os familiares ou

excepcionalmente, um terceiro90.

85 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 131. 86 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 35. 87 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 588. 88 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 63-65. 89 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 63. 90 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 65-66.

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Requisito indispensável para a ocorrência do dano é que

seja este efetivo e certo. A lesão nunca poderá ser hipotética ou irreal. O dano

deverá ser real, sendo necessária sua demonstração em face dos acontecimentos

e sua repercussão sobre o lesado ou seu patrimônio, com exceção nos casos de

dano presumido91. Ainda, o dano pode ser atual ou futuro, sendo este uma

conseqüência certa e inevitável e previsível da ação. Diniz, com propriedade

ensina que “a certeza do dano, portanto, constitui sempre uma constatação de

fato atual que poderá projetar, no futuro, uma conseqüência necessária, pois, se

esta for contingente, o dano será incerto”92.

Gonçalves, em relação à certeza do dano, assim explana:

O requisito da “certeza” do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar. Tanto assim que, na apuração dos lucros cessantes, não basta a simples possibilidade de realização do lucro, embora não seja indispensável a absoluta certeza de que este se teria verificado sem a interferência do evento danoso. O que deve existir é uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, como se infere do advérbio “razoavelmente”, colocado no art. 402 do Código Civil (“o que se razoavelmente deixou de lucrar”). Tal advérbio não significa que se pagará aquilo que for razoável (idéia quantitativa) e sim que se pagará se puder, razoavelmente, admitir que houve lucro cessante (idéia que se prende à existência mesma do prejuízo)93.

Ainda em referência ao requisito da certeza do dano, a

doutrina aventa-se a respeito da reparabilidade do dano que decorre da “perda da

chance”. A chance nada mais é que a possibilidade de uma pessoa obter ganhos

no futuro. Contudo, essa chance deverá ser sempre analisada quanto à sua

certeza, caso contrário, o ganho futuro seria hipotético, não devendo ser

indenizável94.

91 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 63. 92 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 64. 93 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 589. 94 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 33-34.

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Venosa ainda explica:

Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo final, que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou a data da morte95.

Haverá de ter causalidade entre o dano e o fato gerador

deste, podendo se dar da forma direta, quando o dano é produzido imediatamente

pela ação lesiva, havendo uma relação imediata entre o bem tutelado

juridicamente e a perda sofrida pelo lesado, enquanto na forma indireta, o dano

produzido é conseqüência da perda mediata sofrida pelo lesado, representado

pela repercussão em outros bens que não os diretamente atingidos pela lesão,

denominando assim o dano por mero reflexo, ou em sua denominação francesa

como dommage par ricochet96. No dano por reflexo, desde que seja certa a

repercussão do dano principal e que seja devidamente comprovada, haverá o

dever de reparação97.

Por último, o dano deverá ser subsistente quando da

reclamação do lesado; a vítima ou lesado (ou beneficiários) deverá ser o titular do

bem lesado atingido; e a ação lesante não poderá ser amparada pelas

excludentes de responsabilidade98.

O dano indenizável pode ser de ordem patrimonial, ou seja,

suscetível de avaliação pecuniária, ou de ordem moral, traduzindo-se em danos

emergentes, como aquilo que efetivamente se perdeu, e em lucros cessantes, ou

seja, aquilo que se deixou de ganhar, conforme estabelece artigo 402, do Código

Civil99.

95 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 34. 96 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 64. 97 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 592. 98 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 65. 99 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 128.

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O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de

pessoa física ou jurídica provocada pelo evento danoso. Sua indenização não

pode ter equivalência patrimonial, é expresso por um valor convencionado, não

podendo levar aquele que paga à ruína, e ao enriquecimento aquele que

recebe100.

Conforme Súmula 37 do STJ “se dano material e o moral

decorrerem do mesmo fato, as indenizações serão acumuláveis”101.

No Direito Penal nem sempre se exige um resultado danoso

para se estabelecer a punibilidade do autor do fato, ao contrário do âmbito civil,

onde a extensão do dano é que irá dar a dimensão da indenização a ser paga102.

O artigo 944 do Código Civil assim estabelece: “a indenização mede-se pela

extensão do dano”103.

Após exposição do que consiste o elemento dano, estuda-se

a seguir sobre o nexo de causalidade.

1.3.4 Nexo de causalidade

Nexo de causalidade é o vínculo entre a conduta e o

resultado lesivo. Contudo, o conceito de nexo causal não é jurídico, mas deriva

das leis naturais, constituindo apenas a relação de causa entre a conduta e o

resultado danoso104.

Diniz afirma que:

Não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que produziu. Bastará que se verifique que o dano não

100 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 128. 101 BRASIL. In: Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Jurisp/Download/verbetes_asc.txt>. Acesso em: 01 set. 2008. 102 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 128. 103 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 104 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 150.

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ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência105.

Na busca pelo nexo causal, tem-se a problemática da

identificação do fato que originou o dano, haja vista quando este dano é

ocasionado por diversas causas, não podendo se estabelecer num primeiro

momento a sua causa determinante106.

A doutrina possui três teorias clássicas que tentam explicar o

nexo de causalidade, quais sejam: a) teoria da equivalência de condições; b) a

teoria da causalidade adequada; e c) a teoria da causalidade direta ou

imediata107.

Na teoria da equivalência de condições (conditio sine qua

non) todo elemento causal, todo o antecedente que tenha concorrido para o

evento danoso é tido como causa, ou seja, todos os fatores causais se equivalem,

não possuindo uma causa determinante. Essa teoria foi adotada pelo nosso

Código Penal, e está interpretada pelo artigo 13 do Codex. O inconveniente dessa

teoria é que poderá levar a uma investigação infinita de concausas, podendo levar

a imputação do dever de indenizar a um número também infinito de agentes108.

A teoria da causalidade adequada, somente considera

causa, o antecedente abstratamente idôneo e capaz de comprovação à produção

do efeito danoso109. Gonçalves explica que “se tal relação de causa e efeito existe

sempre em casos dessa natureza, diz-se que a causa era adequada a produzir o

efeito”110. Este antecedente abstratamente apto na produção do resultado danoso

tem que também ser passível de um juízo razoável de probabilidade, entrando 105 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 107. 106 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 45. 107 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 86. 108 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 86. 109 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 88. 110 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 581.

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aqui a experiência do juiz, analisando o caso concreto para determinar a causa

que produziu o evento passível de reparação111.

Por último, a teoria da causalidade direta ou imediata, pode

ser também chamada de teoria da interrupção do nexo causal ou teoria da

causalidade necessária entende como causa apenas o antecedente fático que

possui um vínculo de necessariedade ao evento que produziu o dano, sendo uma

conseqüência direta e imediata112.

Não há por parte dos juristas e doutrinadores adesão

apenas a uma dessas teorias, oscilando estes entre a teoria da causalidade

adequada e a teoria da causalidade direta113.

O Código Civil adotou a teoria da causalidade imediata,

conforme se vê: “[...] Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as

perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito

dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”114.

Existem situações que há o rompimento do nexo de

causalidade, excluindo a responsabilidade do agente, sendo as principais

excludentes da responsabilidade civil: o estado de necessidade, a legítima

defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar e o caso

fortuito ou força maior115.

Examinados os elementos da responsabilidade civil, vê-se

no tópico seguinte as peculiaridades inerentes aos tipos de responsabilidade civil.

111 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 90. 112 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 90. 113 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 45. 114 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 115 Cf. DINIZ, Maria Helena Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 109-112.

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1.4 TIPOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil pode ser estudada sob vários

aspectos, conforme a perspectiva em que é abordada. Na seqüência, abordar-se-

á algumas espécies mais freqüentes de responsabilidade civil no ordenamento

jurídico brasileiro.

1.4.1 Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual

A responsabilidade civil contratual surge do inadimplemento

da obrigação prevista em um contrato previamente acordado pelas partes e no

ordenamento jurídico brasileiro está prevista nos arts. 389 e s. e 395 e s., do

Código Civil116.

Diniz conceitua a responsabilidade contratual como:

Inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar117.

Numa outra conceituação sobre o tema abordado, Stoco,

conforme lição de Savatier, assim define: “a responsabilidade contratual é a

inexecução previsível e evitável, por uma parte ou seus sucessores, de obrigação

nascida de contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores”118.

Na responsabilidade contratual há o descumprimento do

convencionado pelas partes, tornando-se o infringente inadimplente119.

116 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 117 DINIZ, Maria Helena Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 127. 118 STOCO. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 140, apud Caio Mário, Responsabilidade civil. p. 154 apud Savatier. 119 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 27.

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Esse tipo de responsabilidade, ou seja, advinda de uma

convenção entre as partes, é baseada em um dever de resultado, o que

acarretará na presunção de culpa naquele que inadimpliu as condições

previsíveis e evitáveis prejudiciais à outra parte120.

Contudo, excepcionalmente, há a permissão para que um

dos contratantes assuma em cláusula expressa, o encargo da força maior ou caso

fortuito. Será também possível, na responsabilidade contratual, incluir no contrato

cláusula de redução ou exclusão de indenização, desde que não contrarie o

ordenamento jurídico, nem mesmo os bons costumes121.

Um dos pressupostos da responsabilidade contratual é,

antes da mais nada, a existência de um contrato, que pode ser escrito, tácito e até

mesmo verbal, entre credor e devedor. Na seqüência, estabelecido o contrato,

após a formalização ou sem ela, cada um dos contratantes tem o dever jurídico

de cumprir com o seu dever, conforme estabelecido, salvo se o objeto for

impossível ou ilegal, ou se o contrato for nulo. Se quaisquer das partes não

cumprir o dever a qual se obrigou pelo contrato, surge o ilícito contratual pela

inexecução, que se materializa pelo inadimplemento ou com a constituição em

mora, salvo se provar que a inexecução se deu em razão de motivos alheios à

sua vontade, ou ainda por excludentes de responsabilidade. A parte contratante

prejudicada pela inexecução do contrato pode pedir à rescisão do contrato, além

de outras obrigações previstas em lei, como juros, multa, correção monetária,

perdas e danos, e em alguns casos especiais, dano moral122.

Já a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana pode

ser entendida como aquela que deriva de um inadimplemento do ordenamento

jurídico em geral e está prevista nos arts. 186 a 188 e 927 e s. do Código Civil123.

Diniz assegura que a responsabilidade extracontratual é

120 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 127. 121 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 127. 122 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 143. 123 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Resultante do inadimplemento normativo, ou melhor, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz (CC, art. 927), visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. A fonte dessa responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica124.

Para Stoco a responsabilidade extracontratual é definida

como:

O encargo imputado pelo ordenamento jurídico ao autor do fato, ou daquele eleito pela lei como responsável pelo fato de terceiro, de compor o dano originado do ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem125.

Na responsabilidade civil extracontratual o onus probandi é

da vítima, devendo esta provar a culpa do causador do dano, e caso não consiga

comprovar a culpa do autor do fato lesante, ficará sem ressarcimento126.

Destaca-se também que na responsabilidade civil

extracontratual há uma ampliação da responsabilidade delituosa dos incapazes,

conforme se verifica no artigo 928 do Código Civil, podendo estes responderem

caso as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não

dispuserem de meios suficientes127.

Em relação à diferenciação entre as responsabilidades ora

discutidas, Stoco, sabiamente, conclui dizendo que “a responsabilidade

extracontratual e a contratual regulam-se racionalmente pelos mesmos princípios,

porque a idéia de responsabilidade, como já enfatizado, é una”128.

124 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 128. 125 STOCO. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 140. 126 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 128. 127 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 29. 128 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 141.

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Demonstrada a diferença entre a responsabilidade contratual

e a responsabilidade extracontratual, examina-se no título a seguir a

responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva.

1.4.2 Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva

Em razão do fundamento que se dê à responsabilidade, a

culpa será ou não elemento essencial da obrigação de reparação ao dano129.

Assim sendo, em relação ao seu fundamento, ou seja, a

culpa, a responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva130.

Gonçalves ao tratar sobre a responsabilidade subjetiva

assegura:

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa131.

Corroborando, Diniz conceitua a responsabilidade subjetiva

como aquela que encontra “sua justificativa na culpa ou dolo, por ação ou

omissão, lesiva a determinada pessoa. Desse modo, a prova da culpa do agente

será necessária para que surja o dever de reparar”132.

A responsabilidade subjetiva está tratada no Código Civil

pelos arts. 186 187 e 927 no qual se transcreve ipis literis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

129 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 21. 130 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 05. 131 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 22. 132 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 128.

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Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo133.

Gagliano e Pamplona, ao analisarem a responsabilidade

subjetiva, ensinam:

A noção básica da responsabilidade civil, dentro da doutrina subjetiva, é o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa – unuscuique sua culpa nocet. Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu134.

Contudo, há hipóteses em que não é necessário o elemento

culpa para caracterizar a responsabilidade civil, casos em que se configurará a

responsabilidade objetiva135.

Então, nessa espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa

na conduta do agente causador do dano é totalmente irrelevante juridicamente,

sendo somente necessários os demais elementos caracterizadores da

responsabilidade, ou seja, o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do

agente para surgir a obrigação de indenizar136.

Diniz sobre a responsabilidade civil objetiva leciona:

[...] Se fundada no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens. É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo

133 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 134 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 14. 135 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 05-06. 136 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 14.

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sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar137.

A responsabilidade civil objetiva surgiu com o

desenvolvimento da teoria da culpa presumida (inversão do ônus da prova), pois

com a multiplicação das oportunidades e das causas de danos restou evidenciado

que a responsabilidade subjetiva era insuficiente para cobrir todos os casos de

reparação138.

Corroborando com esse entendimento, Venosa explana:

O âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta significativamente em vários segmentos dos fatos sociais. [...] A questão tem a ver com os princípios de dignidade humana do ofendido e da sociedade como um todo. Muito cedo se percebeu no curso da história que os princípios da responsabilidade com culpa eram insuficientes para muitas das situações de prejuízo, a começar pela dificuldade da prova da própria culpa139.

O atual Código Civil abandonou em grande parte a idéia de

culpa presumida, para adotar, ainda que de forma excepcional e sempre de forma

expressa e numerus clausus a responsabilidade objetiva, como é o caso do

parágrafo único, do artigo 927; artigo 928; artigo 932 e artigo 938140.

Destaca-se ainda, que existem outras legislações que

aplicam a responsabilidade civil objetiva, como, por exemplo, o Código do

Consumidor – Lei n. 8.078/90; Lei de Acidentes do Trabalho, Código Brasileiro de

Aeronáutica, Lei n. 6453/77 (que estabelece a responsabilidade do operador

nuclear), dentre outras.

Assim sendo, a responsabilidade objetiva somente pode ser

aplicada em casos permitidos por lei expressa ou ainda na análise do caso

137 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 128. 138 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 155. 139 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 11. 140 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 156.

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concreto, conforme faculta o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, do

qual se faz a transcrição:

Art. 927. [...]

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem141.

Por fim, rege o ordenamento jurídico pátrio uma regra geral

dual de responsabilidade civil, sendo a responsabilidade subjetiva a regra geral

inquestionável, coexistindo com a responsabilidade objetiva, regra excepcional,

porém, ambas fundamentadas no preceito fundamental do nemimem laedere, ou

seja, de que ninguém deve ser lesado pela conduta alheia142.

Sendo assim, observa-se a seguir, as excludentes de

reparação na responsabilidade civil.

1.5 EXCLUDENTES DE REPARAÇÃO

As causas excludentes de responsabilidade civil devem ser

interpretadas como todas as circunstâncias que tem por finalidade atacar um dos

elementos caracterizadores da responsabilidade civil, impedindo a concretização

do nexo causal, terminando assim com qualquer pretensão indenizatória143.

São causas excludentes da responsabilidade civil e no qual

abordar-se-á sinteticamente cada uma delas: 1. estado de necessidade; 2.

legítima defesa; 3. exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever

legal; 4. caso fortuito e força maior; 5. culpa exclusiva da vítima; 6. fato de

141 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 142 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 16. 143 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 101.

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terceiro144. Há também a cláusula de não indenizar, mas que não será abordada

no presente trabalho por fazer parte da responsabilidade contratual, o que por ora

não se configura importante em razão do objetivo da presente pesquisa

acadêmica.

O estado de necessidade no campo da responsabilidade

civil está delineado nos arts. 188, II, 929 e 930 do Código Civil145.

Há nessa hipótese um conflito de interesses, onde um

indivíduo a fim de remover perigo iminente a um direito seu, ofende direito alheio.

Stoco ensina:

Na escusativa fundada no estado de necessidade, existe um ato que seria ordinariamente ilícito. No entanto a lei o justifica eximindo o agente do dever de indenizar, tendo em vista preservar os bens mediante a remoção de perigo eminente. [...] O agente vê-se colocado numa alternativa irrefugível e, para preservar a coisa própria, tem de optar pelo sacrifício da alheia146.

O agente, atuando em estado de necessidade, não está

totalmente isento de total responsabilidade civil, devendo atuar sempre nos

estritos limites de sua necessidade para a remoção do perigo, pois será

responsabilizado pelos excessos em que cometer147.

Entretanto, se o terceiro atingido não for o causador da

situação de perigo, poderá exigir reparação civil do agente que atuou em estado

de necessidade, sendo que este deverá ingressar com ação regressiva contra o

verdadeiro culpado pela situação, conforme estipula o artigo 929, do Código

Civil148.

144 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 145 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 146 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 187. 147 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 102. 148 Cf. GONÇALVES, Carlos Gonçalves. Responsabilidade civil. p. 786.

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O fundamento da legítima defesa como excludente de

reparação está prevista no artigo 188, do Código Civil, inciso I, primeira parte149.

A diferença entre a legítima defesa e o estado de

necessidade é que naquela o indivíduo encontra-se numa situação atual ou

iminente de injusta agressão, contra si ou de terceiro, não suportável150.

A lei civil não conceituou a legítima defesa, buscando sua

conceituação no âmbito penal e pode ser definida segundo Stoco “uma agressão

injusta, dirigida contra a própria pessoa ou seus familiares, ou contra os seus

bens, onde o indivíduo adota medida defensiva com que repelirá o agressor”151.

Ressalta-se que somente a legítima defesa real, e praticada

contra o agressor estará isenta de responsabilidade civil152. Cumpre ainda

esclarecer que os excessos na legítima defesa também são passíveis de

reparação153.

Por último, se o autor do fato for preposto do Estado, ainda

que este haja em legítima defesa, estará obrigado a reparação civil, por força do

artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988154.

Não haverá responsabilidade civil em situações em que o

agente atuar no exercício regular de um direito reconhecido, segundo artigo 188,

do Código Civil, inciso I, segunda parte. Assim, em uma simples leitura do artigo

supramencionado, pode-se concluir que se alguém atua amparado pelo direito,

não poderá estar contra ele155.

149 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 150 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 104. 151 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 201. 152 Cf. GONÇALVES, Carlos Gonçalves. Responsabilidade civil. p. 791. 153 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 54. 154 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 202. 155 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Porém, quando atuar no exercício de um direito, o sujeito

deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar excessos,

produzindo assim um ato ilícito, ou seja, o abuso de direito, passível de

condenação na seara penal e civil156.

Também não haverá obrigação de reparação quando estiver

o agente agindo de acordo com o estrito cumprimento do dever legal. (art. 188, I,

segunda parte, do Código Civil)157.

Para Stoco “quem age limitando-se a cumprir um dever que

lhe é imposto por lei penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento

desse dever não ingressa no campo da ilicitude”158.

Destaca-se que o dever deverá ser imposto pelo direito

positivo, e não pelo dever social, moral ou religioso, e ainda não deverá ser

cumprido com excessos159.

Nos casos de estrito cumprimento do dever legal, a vítima

pode buscar o ressarcimento do Estado em razão dos termos do artigo 37, § 6º,

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988160.

As excludentes de reparação, caso fortuito e força maior,

são polêmicas em nossa doutrina quanto a sua definição, não encontrando um

consenso acerca dos temas.

Segundo Diniz a diferenciação pode ser entendida da

seguinte maneira:

Na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como, p. ex., um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica

156 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 54. 157 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 158 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 189. 159 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 189. 160 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida, ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos etc. Já no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, explosão de caldeira de usina, e provocando morte161.

O caso fortuito e a força maior são inevitáveis e devem partir

de fatos totalmente estranhos à vontade do devedor ou do interessado162.

Há também excludente de reparação civil quando a culpa

pelo evento danoso é exclusiva da vítima163.

Afirma Gonçalves que “no caso de culpa exclusiva da vítima,

o causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. Não há liame de

causalidade entre o seu ato e o prejuízo da vítima”164.

Mas existem situações onde a vítima possui apenas uma

parcela de culpa, sendo que então haverá a repartição de responsabilidades, de

acordo com o grau de culpa de cada um dos envolvidos no evento danoso165. Em

casos de concorrências de culpas, a ponto dessas se igualarem e anularem a

imputabilidade do dano, também não haverá indenização166.

Por último, o fato de terceiro também é causa excludente de

responsabilidade civil, pois rompe o nexo causal existente entre o agente do dano

e a vítima167.

161 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 113. 162 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 49. 163 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 110. 164 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 795. 165 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 795. 166 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 186. 167 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 116.

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Em matéria de responsabilidade civil, entretanto,

prepondera o princípio da obrigatoriedade do causador direto, em reparar o dano,

por isso, a culpa de terceiro não dispensa o autor direto do dever de indenizar168.

Essa excludente encontra-se disciplinada pelos arts. 929 e

930 do Código Civil, sendo que o autor do dano terá ação regressiva para dispor

daquilo que pagou em razão da culpa de terceiro169.

Para que haja a força exoneratória dessa excludente é

imprescritível a ocorrência de um nexo de causalidade, entre o dano e o fato de

terceiro; que o fato de terceiro não haja sido provocado pelo ofensor, pois seria o

caso de concorrência de culpa; que o fato de terceiro seja ilícito; que o

acontecimento seja normalmente imprevisível e inevitável170.

Isto posto, analisados os aspectos concernentes da

responsabilidade civil, examina-se no capítulo subseqüente sobre os serviços de

registro público.

168 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 799. 169 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 799. 170 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 112.

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CAPÍTULO 2

DOS SERVIÇOS DE REGISTRO PÚBLICO

No presente capítulo abordar-se-á as generalidades dos

serviços de registro público, com enfoque no Brasil, iniciando-se a partir da sua

criação e transformações, principais características, findando com as exigências,

responsabilidades e particularidades daquele que presta tal serviço, ou seja, o

registrador.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA REGISTRAL NO BRASIL

O início das atividades registrais, no Brasil, remonta à época

de seu descobrimento por Portugal171.

Nos primeiros anos após o descobrimento, a Coroa

Portuguesa delegou tarefas de exploração há alguns funcionários designados,

para vincular as terras brasileiras aos posseiros e ao Rei de Portugal. Essas

terras concedidas a particulares eram chamadas de sesmarias, ou seja, terras

consideradas incultas ou abandonadas, mas eram cedidas somente para aqueles

que tinham condições econômicas de cultiva-las172.

Essas terras doadas pela Coroa Portuguesa, as sesmarias,

eram devidamente registradas e o Rei sabia exatamente a quem e quanto foi

doado173.

Lecionam Siqueira & Siqueira sobre o assunto

171 Cf. BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 99. 172 Cf. BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 48. 173 Cf. RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. Rio de Janeiro: Elseiver, 2008. p. 102.

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Em 1530, por meio de Carta Régia, foi nomeado o primeiro desses delegados, Martim Afonso de Souza, com competência para distribuir terras que fosse descobrindo. Com a implantação das Capitanias Hereditárias, a tarefa de delegado sesmeiro passou a ser exercida pelos donatários e, posteriormente, aos Governantes-Gerais do Brasil174.

A doação de terras por meio de sesmarias perdurou até a

independência do Brasil (07/09/1822), mas antes disso havia sido suspensa no

regime latifundiário, por meio da resolução da Coroa Portuguesa, em 17 de julho

de 1822175.

A Constituição Imperial de 1824 assegurou o direito à

propriedade em seu artigo 179, inciso XXII, conforme se pode verificar:

Art. 179, XXII – É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar est única excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação176.

Apesar de dispor sobre a propriedade, a Constituição de

1824 nada comentava sobre o registro de propriedades, surgindo somente com a

Lei Orçamentária n° 317, de 21 de outubro de 1843, posteriormente

regulamentada pelo Decreto n° 482, de 14 de novembro de 1846, que criou o

registro geral de hipoteca177.

Odemilson Roberto Castro Fassa, tece os pontos negativos

da Lei n° 317/1843:

Esta legislação deixava a desejar, já que não contemplava o registro de propriedade sobre o qual incidia a hipoteca registrada,

174 SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva; SIQUEIRA, Bruno Luiz Weiler. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 48, nº 273, Revista Jurídica Editora Ltda: Porto Alegre, 2000. p. 52. 175 Cf. BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. p. 48. 176 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 102. 177 Cf. RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 102.

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porque até essa data se adquiria a propriedade pela tradição, herança, como vimos, do direito romano, cujos efeitos ainda se faziam sentir178.

Com o advento da Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850,

denominada da Lei da Terra, surgiu a categoria das terras devolutas,

representando os imóveis públicos que não pertenciam ao domínio privado179.

A Lei n° 601 foi regulamentada pelo Decreto n° 1.318 de 30

de janeiro de 1854, no qual atribuiu-se aos vigários de cada freguesia do Império

a tarefa de receber as declarações dos possuidores de terras, lançar dados no

Livro de Registro que permanecia em seu poder, e também deviam enviar ao

Delegado do Diretor-Geral de Terras Públicas da sua respectiva província, no

qual permanecia arquivado na paróquia o exemplar da declaração apresentado

pelo possuidor180.

Em comentário a regulamentação da Lei n° 601/1850,

Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro explana:

O referido Registro do Vigário foi criado pelo Decreto n° 1.318/1854 em regulamentação à Lei n° 601/1850 e tinha por base tão-somente natureza declaratória, ou seja, não realizava qualquer tipo de transferência da propriedade, pois até aqui a propriedade não se transmitia por contrato, mas sim pela entrega do bem181.

Para Odemilson Roberto Castro Fassa, alguns anos mais

tarde, o Registro do Vigário passou a não mais atender os interesses do Império,

assim:

O Registro do Vigário atendia ao interesse do Império, que tinha por objetivo separar do domínio particular as terras públicas,

178 FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 26. 179 Cf. BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. p. 48. 180 Cf. FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 26. 181 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 102.

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especialmente as devolutas, as quais seriam alienadas, proporcionando recursos ao tesouro, mas deixava a desejar na solução de um grave problema que já grassava no Império, qual seja, as hipotecas que tinham na terra a principal base de crédito e que acabavam oculta aos terceiros182.

Para solucionar referido problema, entrou em vigor a Lei n°

1.237, de 14 de setembro de 1864, que criou o Registro Geral, complementada

posteriormente pelo Decreto nº 169-A e seu Regulamento, e pelo Decreto nº 370,

ambos de 1890, que dentre outras coisas, instituiu que a transferência do bem

imóvel seria concretizada através de transcrição no registro e não mais pela

simples tradição. Contudo, as falhas neste sistema persistiram, pois continuava a

reger o princípio pelo qual o registro não induzia prova do domínio, perdurando no

essencial o sistema da Lei Imperial até o advento do Código Civil183.

O novo Registro Geral não fazia prova de domínio, sendo

omisso nesse ponto, tornando-o falho, mas por outro aspecto, permitiu a

amplitude de publicidade dos seus registros. Nas palavras de Odemilson Roberto

Castro Fassa:

O novo sistema de transcrição do título de transmissão da propriedade imóvel, ainda que não fosse o ideal, pois se omitiu naquilo que hoje lhe é primordial, ou seja, a prova de domínio, representou significativo avanço em relação ao sistema anterior dado a publicidade que lhe era peculiar184.

Com o surgimento do Código Civil Brasileiro, através da Lei

n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916, o Registro Geral foi substituído pelo Registro

de Imóveis, que instituiu em seu artigo 530, inciso I, e artigo 856 e seguintes, que

182 FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 27. 183 Cf. CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com alterações da Lei nº 6.216, de 1975, Lei nº 8.009, de 1990, e Lei nº 8.935, de 18.11.1994. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 04. 184 FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 27.

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a propriedade imóvel se adquire pela transcrição do título de transferência no

registro de imóveis185.

Mais tarde, a Lei nº 6.015/1973 reuniu e aprimorou os

princípios e procedimentos do Direito Registral Imobiliário, criando o instituto da

matrícula de imóveis e, principalmente, dividindo os atos concernentes ao registro

de imóveis em: registro e averbação, o primeiro referindo-se aos direitos e ônus

reais e o segundo, em relação as mudanças na matrícula186.

Atualmente, com o advento do atual Código Civil, Lei n º

10.406, de 10 de janeiro de 2002, foi dada ênfase ao registro de imóveis,

conforme transcrição dos artigos 1.227 e 1.245, conforme se vê:

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis187.

Por fim, há que se comentar que os atos de aquisição de

imóveis, transmitidos por ato causa mortis também precisam de consolidação de

domínio através da efetivação de seu registro no Cartório de Registro de Imóveis

competente188.

Estudados os aspectos históricos do sistema registral no

Brasil, vê-se a seguir os princípios que regem as atividades dos registradores.

185 Cf. RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 103. 186 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 187 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 188 Cf. BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 119.

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2.2 OS PRINCÍPIOS QUE REGEM AS ATIVIDADES DOS REGISTRADORES

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

em seu artigo 236, caput, assim estabelece: “Os serviços notariais e de registro

são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”189.

O artigo 1º, da Lei nº 8.935 de 18 de novembro de 1994,

regulamentou o referido artigo, com a seguinte redação: “Serviços notariais e de

registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a

publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”190.

Assim sendo, os mais importantes princípios do ato registral

são: a publicidade, autenticidade, segurança jurídica e sua eficácia191.

O princípio da publicidade se faz presente nos efeitos

conferidos ao ato registral, conforme artigo acima aludido, e segundo os

ensinamentos de Ceneviva possui tríplice missão:

a) transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou não interessados a informação do direito correspondente ao conteúdo do registro, excetuados apenas os sujeitos ao sigilo;

b) sacrifica parcialmente a privacidade e intimidade das pessoas, informando sobre bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias advindas do registro;

c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização pública192.

Fassa ainda complementa dizendo que “não raro,

publicidade é a própria condição de validade do ato jurídico, para se adquirir,

resguardar, transmitir, modificar ou extinguir direitos”193.

189 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 190 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 191 Cf. BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 125. 192 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 16. ed. atual até 30 de junho de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 37-38.

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Sobre a autenticidade do ato registral, Antonino Moura

Borges tece seus comentários:

É a qualidade do que é confirmado por ato de autoridade sobre documentos e coisas ou negócios, que passam a constituir prova plena na justa expressão da lei.

Devido o fato de passar pela conferência, ou exame do aspecto formal do documento, atestação dos notários e do próprio oficial do registro a autenticidade adquirida com isso, nos remete à presunção de verdade. Devemos salientar que a autenticidade que emana do registro é do ato do registro e não a autenticidade do negócio194.

Para Salles a autenticidade significa:

Não é só aquilo que se contrapõe ao falso, pois, quando destacamos que um documento ou um ato é autêntico, não estamos apenas indicando que este é ‘verdadeiro’, mas, além disso, que o ato ou o documento ostenta a seu favor presunção de regularidade que o qualifica com um ato de especial eficácia195.

Ainda sobre o princípio da autenticidade, ensina Ceneviva

que esta é:

Qualidade do que é confirmado por ato de autoridade: de coisa, documento ou declaração de verdadeiros. O registro cria presunção relativa de verdade. É retificável, modificável e, por ser o oficial um receptor de declaração de terceiros, que examina segundos critérios predominantemente formais, não alcança o registro o fim que lhe é determinado pela definição legal: não dá autenticidade ao negócio causal ou ao fato jurídico de que se origina. Só o próprio registro tem autenticidade196.

A segurança jurídica emanada pelo ato registral caracteriza-

se pelo fato de serem os procedimentos dos registros imobiliários fiscalizados e

193 FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 31. 194 BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 125. 195 SALLES, Venicio. Direito registral imobiliário. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 02. 196 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 05.

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disciplinados pelo Poder Judiciário, com um rígido controle de suas formalidades,

com transparência na evolução dos assentos e suas alterações, objetivando

assim a plenitude de conhecimento de terceiros197.

Esta segurança jurídica emana do próprio registro na

matrícula, ou seja, o registro de propriedade, que tem por objetivo identificar quem

é o proprietário do imóvel e os direitos reais que incidem sobre este.

Refere-se sobre este assunto o artigo 1.245, § 1º, do Código

Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel198.

Ceneviva conclui dizendo que:

A segurança, como libertação do risco, é, em parte, atingida pelos registros públicos. Aperfeiçoando-se seus sistemas de controle e sendo obrigatórias as remissões recíprocas, tendem a constituir malha firme e completa de informações199.

Outro princípio que caracteriza o ato registral é a eficácia,

que se entende ser a circunstância revestida de aptidão para o ato ou documento

cobrir-se de efeitos jurídicos, tornando-se totalmente apto para constituir prova no

mundo jurídico200.

Utilizando-se ainda dos ensinamentos de Ceneviva, este

refere-se a eficácia com sendo:

197 Cf. BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 126. 198 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 199 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 05. 200 Cf. BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 126.

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Aptidão de produzir efeitos jurídicos, calcada na segurança dos assentos, na autenticidade dos negócios e declarações para eles transpostos. O registro, propiciando publicidade em relação a todos os terceiros, no sentido mais amplo, produz o efeito de afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos baseados na presunção de certeza daqueles assentamentos201.

Salles entende que o princípio da eficácia está devidamente

entrelaçado ao princípio da publicidade e assim explica:

O registro imobiliário do contrato ou da escritura, bem como da decisão judicial, por força da publicidade inerente a este ato de registro, imprime ao negócio e à decisão uma expansão eficacial, na medida em que esta passa a produzir e a irradiar efeitos também para a órbita de direitos de terceiros, conferindo ao ato jurídico abrangência erga omnes.

Ocorre, portanto, esse alargamento eficacial provocado pelo registro, que é uma das marcas ínsitas ao direito de propriedade, que tem como característica a sua oponibilidade contra todos e não só contra o alienante ou ex-titular do domínio202.

Além dos princípios comentados, o Direito Registral possui

influência de vários princípios, como função pública que é, sofre influência dos

princípios norteadores do ato administrativo, ou seja, do artigo 37 da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988, bem como por princípios registrais de

ordem estrutural, segundo classificação de Salles, quais sejam: princípio da

unitariedade; princípio da legalidade; princípio da instância; princípio da

legitimação registral; princípio da prioridade; princípio da continuidade e princípio

da especialidade; e, ainda, existem os princípios de ordem operacional, sendo

estes o princípio da primazia da realidade ou da verdade e o princípio da eficácia

da vontade203.

201 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 05. 202 SALLES, Venicio. Direito registral imobiliário. p. 04. 203 Cf. SALLES, Venicio. Direito registral imobiliário. 2.ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 01.

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Demonstrados os princípios que regem as atividades dos

registradores, vê-se, por derradeiro, o conceito da função registral e

considerações gerais sobre esta.

2.3 CONCEITO DA FUNÇÃO REGISTRAL E CONSIDERAÇÕES GERAIS

O presente trabalho está direcionado para análise da função

registral inerente ao Registro de Imóveis, motivo pelo qual o tema será conduzido

neste enfoque.

Bolzani define a atividade registral da seguinte forma:

Consiste em serviços colocados à disposição da sociedade como um todo, organizados de forma técnica e administrativa, com a finalidade primordial de dar publicidade, autenticidade e eficácia aos atos jurídicos, garantindo a segurança nas relações jurídicas204.

Para Parizatto os serviços de registros consistem em:

Inscrições ou as transcrições de documentos em livros públicos mantidos pelos ofícios de registro, realizadas por oficiais públicos, para imprimir existência legal, dando forma pública a certos atos jurídicos que para terem validade dependem de tal inscrição ou transcrição, embora o registro possa ser feito facultativamente pelo interessado como medida de segurança, nos casos em que o mesmo é dispensado205.

Para Ribeiro:

O Direito Registral Imobiliário visa a constituir ou declarar o direito real, por meio da inscrição do título respectivo, dotando as

204 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 42. 205 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. Brasília/DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1995. p. 13.

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relações jurídicas de segurança, dando publicidade registral erga omnes (ou seja, a todos indistintamente) até prova em contrário206.

Ainda sobre a atividade registral Bolzani tece alguns

comentários sobre a atividade registral:

Representam uma atividade inerente à própria Soberania Estatal. Ou seja, é o Estado que intervém nos atos da vida particular para lhes conferir segurança jurídica, instrumentalizando, publicizando, autenticando e conservando os atos jurídicos emanados das relações sociais. Constituem-se, em sua essência, de verdadeiros serviços públicos, prestados através de atos complexos dotados de fé pública207.

A fé pública que emana da atividade registral vem da

delegação de poderes ao particular pelo Poder Estatal, para que este exerça por

meio dessa delegação, um serviço público208.

O artigo 1º e seu parágrafo 1º, da Lei nº 6.015 de 31 de

dezembro de 1973, define os serviços referentes aos Registros Públicos,

conforme segue in verbis:

Art. 1º. Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.

§ 1º. Os registros referidos neste artigo são os seguintes:

I – o registro civil de pessoas naturais;

II – o registro civil de pessoas jurídicas;

III – o registro de títulos e documentos;

IV – o registro de imóveis209.

206 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 02. 207 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 42. 208 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 14.

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O artigo 1º da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que

regulamentou o artigo 236, caput, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, como já mencionado acima, determina a função registral210.

O artigo 236, caput, da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, assim prescreve:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Ainda sobre o assunto, o art. 3º, da Lei nº 8.935/94, preceitua:

Art. 3º. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

“Os serviços de registro estão vinculados à disciplina e

corregedoria do Judiciário, por isso é serviço delegado, mas considerados

serviços auxiliares da Justiça e por isso são revestidos de fé pública”211.

Ainda, sobre a fé pública, referida no artigo 3º, da Lei nº

8.935/94, acima referida, Ceneviva anota:

A fé pública afirma a certeza e a verdade dos assentamentos que notário e oficial do registro pratiquem e das certidões que expeçam nessa condição, com as qualidades referidas no art. 1º. A fé pública: a) corresponde à especial confiança atribuída por lei ao que o delegado declare ou faça, no exercício da função, com presunção de verdade; b) afirma a eficácia de negócio jurídico ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário. O conteúdo da fé pública se relaciona com a condição atribuída ao notário e ao registrador, de profissionais do direito212.

Por fim, conclui Parizatto sobre a função registral: 209 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 210 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 211 BORGES, Antonino Moura. O registro de imóveis no direito brasileiro. p. 116. 212 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 33.

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Face a relevância dos serviços notariais e de registro, desempenhados por particulares em nome do Estado, e considerando-se o interesse público de tais atividades, tem-se a preocupação desse último, em estabelecer que os serviços devem ser prestados de forma eficiente e adequado, de modo a propiciar a finalidade destes em prol dos usuários. A eficiência dos serviços notariais e de registro e sua adequação, evidentemente às prescrições legais, embora impostas legalmente, caberão unicamente aos próprios notários ou oficiais de registro, cabendo unicamente ao Poder Judiciário, representando o Estado, a fiscalização da eficiência e adequação dos mesmos, o que poderá ocorrer ex officio ou através de reclamação feita por qualquer interessado a respeito das atividades exercidas pelo notário ou oficial de registro213.

Diante de todo exposto e ainda fazendo referência aos

parágrafos 2º e 3º, do artigo 236, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, as principais características do serviço registral, segundo Siqueira

e Siqueira são: a) exercidos em caráter privado; b) delegado pelo Poder Público;

c) sob fiscalização do Poder Judiciário; d) lei regulará as atividades e disciplinará

a responsabilidade civil e criminal dos executores dos serviços delegados; e)

ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos; e, f) lei

federal estabelecerá para fixação de emolumentos relativos aos serviços notariais

e de registro214.

A maioria desses aspectos serão abordados com maior

profundidade no capítulo 3 do presente trabalho.

Assim, estuda-se a seguir sobre a natureza jurídica da

atividade de registro.

213 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 17. 214 Cf. SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva; SIQUEIRA, Bruno Luiz Weiler. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 48, nº 273, Revista Jurídica Editora Ltda: Porto Alegre, 2000. p. 65.

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2.4 NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE DE REGISTRO

A análise deste tópico é de suma importância, pois tem o

objetivo de se entender a natureza jurídica que vincula os registradores ao

Estado, e com isso determinar as situações de responsabilidade pelos seus

atos215.

Anteriormente à promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, os serventuários de cartórios, e, portanto, os oficiais

registradores, eram considerados servidores públicos, ou seja, eram considerados

pessoas físicas que prestavam serviços com vínculo empregatício ao Estado ou

as suas entidades da Administração Indireta, com remuneração paga pelos cofres

públicos216.

Bolzani explana que mesmo depois da promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e de se ter estabelecido

que a atividade registral dar-se-ia através de delegação, conforme artigo 236,

caput, da referida Carta, havia divergência nos Tribunais:

No passado, após a Constituição Federal de 1988, este era o principal debate acerca da natureza jurídica. Ou seja, o que hoje é posicionamento isolado, anos atrás ganhava consideráveis atenções. Embora estivesse estabelecida ser por delegação a atividade notarial e de registro no caput do art. 236 da Carta Magna, aplicava-se aos notários e registradores institutos jurídicos próprios dos servidores públicos stricto sensu, inclusive sendo as lições que predominavam na jurisprudência pátria217.

O Supremo Tribunal Federal, mesmo depois da

promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

continuou a decidir que os notários e registradores, por desempenhar atividade de

caráter público, eram considerados servidores públicos, conforme decisões: RE nº

215 Cf. BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil do notários e dos registradores. p. 59. 216 Cf. RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 04. 217 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 60.

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178.236/RJ, datado de 7.3.1996, sob a relatoria do Ministro Otávio Gallotti; e RE

nº 234.935/SP, datado de 24.6.1999, cuja relatoria foi do Ministro Celso Mello218.

O marco para a mudança da natureza jurídica dos notários e

registradores foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/1998, que

modificou o artigo 40 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

que possuía anteriormente a referida Emenda, a seguinte redação: “O servidor

será aposentado: (...) II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com

proventos proporcionais ao tempo de serviço”219.

Após a aprovação da Emenda Constitucional nº 20/1998, o

artigo 40 passou ao seguinte texto:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos [...]220.

Sobre a significativa mudança, Bolzani explana:

O art. 40 modificado passou a prescrever não mais somente a expressão ‘servidor público’, como a redação anterior assim o fazia, mas ‘servidores titulares de cargos efetivos’. Ou seja, excluiu-se os notários e registradores no caput (visto que não são titulares de cargos de provimento efetivo), [...]221.

Atualmente, a posição doutrinária é majoritária em entender

ser o registrador agente público e não há mais discussões quanto a sua natureza

jurídica, considerando os mesmos como agentes delegados, conforme lição de

Meirelles, que neste sentido, afirma que eles são:

218 Cf. BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil do notários e dos registradores. p. 60. 219 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 220 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 221 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 63.

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Particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nesta categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo222.

Corrobora sobre este entendimento, Ceneviva, ao explicar,

que:

No direito brasileiro, notário e registrador são agentes públicos, considerando-se que o Poder lhes delega funções, subordinados subsidiariamente, em certos casos, a regras colhidas no regime único previsto na Constituição, sem jamais atingirem, porém, a condição de servidores públicos223.

Contudo, Bolzani entende ser híbrida e atípica a natureza

jurídica dos registradores:

A expressão caráter privado conduz os notários e registradores da seara do direito público para a do direito privado, deixando eles de integrar a estrutura do Estado, passando a ser colaboradores do Poder Público, atuando em recinto particular e contratando seus empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho. [...].

Entretanto, mantiveram-se preceitos administrativos que se aplicam somente a servidores públicos, evidenciando-se sua natureza jurídica híbrida e atípica. O ingresso na atividade se dá somente via concurso público, que é o meio próprio para a admissão no serviço público. A delegação de serviço público, sabido, não se dá via concurso, mas através de licitação, em que

222 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 75. 223 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 32.

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se habilitam os que desejam presta-lo. Reforçando este entendimento da natureza híbrida, atípica, a Lei nº 8.935/94 determina, em seu art.25, a proibição de acumulação do exercício da atividade notarial ou de registro com a ocupação de qualquer cargo público224.

Por fim, os registradores mesmo detendo delegação do

Poder Estatal para exercerem atividade pública, continuam com suas qualidades

privadas, porém, obedientes às regras de execução e fiscalização emanadas por

este poder, contudo, são totalmente alheios ao Estado225.

Apresentada a natureza jurídica da atividade de registro,

estuda-se no tópico subseqüente sobre o ingresso na atividade de registro.

2.5 DO INGRESSO NA ATIVIDADE DE REGISTRO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

em seu artigo 236, § 3º, preceitua que o ingresso na atividade notarial e de

registro dependerá de concurso público de provas e títulos, conforme transcrição

literal:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

[...]

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por mais de seis meses226.

O artigo supra foi regulamentado pelo artigo 14, da Lei nº

8.935/1994, que assim reza:

Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

224 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 70. 225 Cf. RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 04 226 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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I – habilitação em concurso público de provas e títulos;

II – nacionalidade brasileira;

III – capacidade civil;

IV – quitação das obrigações eleitorais e militares;

V – diploma de bacharel de direito;

VI – verificação de conduta condigna para o exercício da profissão227.

Assim sendo, para adquirir a delegação dos serviços

notariais e de registro, além da aprovação no concurso público de provas e títulos,

o candidato terá que cumprir as exigências aludidas pelo artigo 14 da Lei nº

8.935/94228.

Sobre o concurso público, para possibilitar a pessoa para o

exercício da função notarial ou de registro, Parizotto expõe:

Tal forma de ingresso, ainda, que trate-se de delegação outorgada pelo Poder Público, é uma maneira de se obter eficiência e moralidade do serviço a ser executado e de dar a devida oportunidade a todos que desejam exercer tais funções, observando-se assim, o princípio da isonomia (Constituição Federal, art. 5º, caput), servindo, ainda, para que seja dentre os candidatos, escolhido aquele que melhor demonstrar conhecimento nas provas229.

Ainda sobre o ingresso na atividade de registro através de

concurso público de provas e títulos, Ceneviva argumenta:

O concurso consiste em provas de suficiência intelectual e administrativa e de títulos, esses contados pontos para a classificação final, na forma prevista pela lei estadual e pelo regulamento do próprio concurso, explicitado no edital ou referido

227 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 228 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 229 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 48.

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neste, mantida igual oportunidade de acesso a todos os potenciais candidatos.

Todos, em fidelidade à regra geral do art. 37, II, da Constituição Federal, refere-se àqueles que podem ingressar na atividade notarial e de registro somente através de concurso público aberto para provimento ou remoção no prazo máximo de seis meses contar da vacância, na forma do art. 236 da Carta Magna. A ponderação do valor das provas e dos títulos não pode gerar desequilíbrio entre os concorrentes, sob pena de ferir o mesmo art. 37230.

Para que o candidato preste o concurso público para

ingresso na atividade notarial e de registro é necessário que o mesmo esteja

habilitado para tal, sendo que os requisitos habilitadores devem constar

transparente e explicitamente no edital de abertura do mesmo, sob pena de

nulidade do certame231.

Outro requisito para o alcance da delegação da atividade

notarial e de registro é ter o candidato nacionalidade brasileira, podendo, ser nato

ou naturalizado, conforme consta do artigo 14, II, da Lei nº 8.935/94232.

De acordo com o disposto no artigo 12, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 podem ser considerados brasileiros:

Art. 12. São brasileiros:

I – natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

230 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 150. 231 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 150. 232 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;

II – naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira233.

A capacidade civil, requisito elencado no artigo 14, inciso III,

da Lei nº 8.935/94, deve ser compreendida como a aptidão legal, por condições

pessoais ou profissionais, para exercer certos direitos234.

O Código Civil, em seu artigo 1º, considera toda pessoa

humana capaz de direitos e deveres, segue: “Toda pessoa é capaz de direitos e

deveres na ordem civil”235.

Contudo, existem situações que em que estas pessoas não

possuem capacidade civil plena, segundo artigos 3º, 4º, da referida Lex:

Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

233 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 234 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 235 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial236.

Referindo-se ainda aos requisitos para a concessão da

delegação da atividade de registro, o candidato deverá demonstrar a quitação das

obrigações eleitorais e militares, artigo 14, inciso IV, da Lei nº 8.935/94237.

Ceneviva discorre que:

Exige-se do candidato que esteja no pleno exercício dos direitos políticos, quites com suas obrigações eleitorais (ter título de eleitor e ter votado na última eleição ou pago multa respectiva) e militares (ter recebido o certificado, expedido pela autoridade competente)238.

Quanto ao requisito de exigência que o candidato seja

bacharelado em direito, artigo 14, inciso V, da Lei nº 8.935/94, Ceneviva a

considera constitucional, em suas palavras:

A exigência de bacharelado em direito é constitucional. A Carta Magna admite (art 5º, XIII) capacitação especial para cargos ou trabalhos determinados. Explica-se por que a atividade dos

236 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 237 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 238 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 153.

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delegados aqui considerados os refere como profissionais do direito (LNR, art. 3º), só admitindo a exceção prevista no art. 15239.

A exceção referida na citação acima encontra-se no

parágrafo segundo, do aludido artigo, no qual se transcreve:

Art. 15. [...]

§ 2º. Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos de exercício em serviço notarial ou de registro240.

O último dos requisitos refere-se a verificação de conduta

condigna para o exercício de tais atividades, artigo 14, inciso VI, da Lei nº

8.935/94241.

Nos ensinamentos de Ceneviva:

A conduta condigna deve ser vista sob a luz do dever imposto ao delegado (art. 30, V) de proceder de forma a dignificar a função exercida, inclusive na vida privada. O passado, os antecedentes, o modo de vida, o comportamento social, familiar e individual do candidato à outorga são examinados quanto a todo o período anterior à inscrição. Não se trata, porém, de avaliação subjetiva, em que os critérios políticos predominam em benefício dos protegidos do poder. [...] se mede pela reputação do candidato em seu ambiente social, na comunidade em que vive e é conhecido. O critério adotado na lei corresponde ao resultante da Constituição, para outras funções, com a exigência de reputação ilibada242.

Por fim, este ingresso na atividade registral, como visto, se

dará através de concurso público, realizado pelo Poder Judiciário, com

participação em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do 239 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 153. 240 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 241 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 242 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 153.

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Ministério Público, de um notário e de um registrador (artigo 15, da Lei nº

8.935/94)243.

Portanto, estuda-se a seguir sobre as atribuições dos

registradores.

2.6 DAS ATRIBUIÇÕES DOS REGISTRADORES

Sobre as atribuições dos Registradores o artigo 12, da Lei nº

8935/94, definida como Lei dos Notários e dos Registradores, preceitua:

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas244.

A legislação pertinente que o artigo 12 acima se referiu é a

Lei nº 6.015/1973, tida como a Lei dos Registros Públicos, que em seus artigos

167 a 171 trazem as atribuições relacionadas ao oficial de registro de imóveis.

O artigo 167, incisos I e II, da Lei nº 6.015/73, se refere aos

registros e averbações que serão feitos nos Registros de Imóveis, contudo,

Ceneviva explana:

A enumeração constante do n. I do art. 167 é exemplificativa, na medida em que não esgota todos os registros possíveis. [...] A nomenclatura constante da legislação esparsa, anterior à vigência da LRP, deve ser ajustada, pelo intérprete, ao art. 168245.

243 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 244 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 245 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 356.

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Citado o artigo 168, da Lei dos Registros Públicos nº

6.015/73, transcreve-se: “Na designação genérica de registro, consideram-se

englobadas a inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis”246.

Além dos atos de registro e averbação descritos no artigo

167, da Lei nº 6.015/73, compete também aos oficiais de registro, em primeiro

lugar, receber o documento para registro ou averbações, examiná-lo e avaliar a

sua registrabilidade, de uma forma extrínseca. Na seqüência, o oficial de registro,

optando por registrar ou averbar o conteúdo do documento deverá assentá-lo em

um dos livros imobiliários competentes, e, caso não aceito, o título será devolvido

ao interessado. Caso o oficial tenha dúvida quanto ao ato de registro ou

averbação, deverá suscitar dúvida ao juiz competente, que através de sentença

deverá sanar a dúvida247.

É da atribuição do oficial de registro conservar os livros,

papéis e documentos em caráter permanente, dando publicidade ao ato praticado.

Ao oficial de registro ainda incumbe a atribuição de comunicar atos, expedir

certidões, arquivar documentos, etc...248.

O oficial de registro de acordo com artigo 173, da Lei nº

6.015/73 deverá ter como obrigatórios os seguintes livros:

I – Livro nº 1 – Protocolo;

II – Livro nº 2 – Registro Geral;

III – Livro nº 3 – Registro Auxiliar;

IV – Livro nº 4 – Indicador Real;

V – Livro nº 5 – Indicador Pessoal249.

246 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 247 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 351. 248 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 125. 249 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Ceneviva ainda menciona a obrigatoriedade de outros livros,

como “o livro de registro de aquisição de imóveis rurais de estrangeiros, o livro

para registro das comunicações relativas a diretores e ex-administradores de

sociedades em regime de intervenção e liquidação extrajudicial”250.

Além das atribuições incumbidas pela Lei nº 6.015/73, outras

leis também trazem atribuições aos oficiais registradores, que imputam a este a

obrigação de comunicação à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado e ao

INCRA, trimestralmente, as aquisições de imóveis rurais feitas por pessoa física

ou jurídica estrangeira, especificando todos os dados pertinentes ao comprador e

da área adquirida251. Quando o imóvel adquirido estiver em área de segurança

declarada, a comunicação de aquisição segue para a Secretaria Geral do

Conselho de Defesa Nacional252.

Neste sentido, é redação do artigo 11, da Lei nº 5.709, de 7

de outubro de 1971, in verbis:

Art. 11 - Trimestralmente, os Cartórios de Registros de Imóveis remeterão, sob pena de perda do cargo, à Corregedoria da Justiça dos Estados a que estiverem subordinados e ao Ministério da Agricultura, relação das aquisições de áreas rurais por pessoas estrangeiras, da qual constem os dados enumerados no artigo anterior.

Parágrafo único. Quando se tratar de imóvel situado em área indispensável à segurança nacional, a relação mencionada neste artigo deverá ser remetida também à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.

Outro exemplo de atribuições é a estipulação do artigo 25 da

Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, que impõe ao oficial registrador a

conferência da quitação do Imposto sobre a Propriedade Rural – ITR, antes do

250 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 380. 251 A Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, “Regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, e dá outras providências”. 252 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 351.

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registro de quaisquer atos envolvendo imóvel rural, sob pena de responsabilidade

pelo pagamento do referido imposto253.

Ainda, sobre as imputações do cargo de oficial de registro,

conforme artigo 3º-A, do Decreto-Lei nº 2.398/87, os oficiais de registro são

obrigados a apresentar a Declaração sobre Operações Imobiliárias em terrenos

da União, quando envolvam terrenos da União254.

Os §§ 7º e 8º do artigo 22, da Lei nº 4.947/66, com redação

que lhe foi dada pela Lei nº 10.267/01, criaram duas comunicações obrigatórias,

mensais, ao INCRA255. Caso o oficial de registro não consiga cumpri-las no prazo

determinado, deverá comunicar ao INCRA e ao juízo corregedor para evitar sua

responsabilidade.

Muitas são as atribuições do oficial de registro, inseridas na

Lei nº 6.015/73; Lei nº 8.935/94, e em outras leis esparsas, como alguns dos

exemplos explicitados, sem a pretensão de esgotamento de todas atribuições,

haja vista a extensão da matéria.

253 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 37. 254 Cf. Art. 3o-A Os cartórios deverão informar as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos Cartórios de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos que envolvam terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante a apresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terrenos da União - DOITU em meio magnético, nos termos estabelecidos pela Secretaria do Patrimônio da União. 255 Cf. Art. 22 - A partir de 1º de janeiro de 1967, somente mediante apresentação do Certificado de Cadastro, expedido pelo IBRA e previsto na Lei n º 4.504, de 30 de novembro de 1964, poderá o proprietário de qualquer imóvel rural pleitear as facilidades proporcionadas pelos órgãos federais de administração centralizada ou descentralizada, ou por empresas de economia mista de que a União possua a maioria das ações, e, bem assim, obter inscrição, aprovação e registro de projetos de colonização particular, no IBRA ou no INDA, ou aprovação de projetos de loteamento. § 7o Os serviços de registro de imóveis ficam obrigados a encaminhar ao INCRA, mensalmente, as modificações ocorridas nas matrículas imobiliárias decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os imóveis rurais, inclusive os destacados do patrimônio público. § 8o O INCRA encaminhará, mensalmente, aos serviços de registro de imóveis, os códigos dos imóveis rurais de que trata o § 7o, para serem averbados de ofício, nas respectivas matrículas.

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Por fim, cabe mencionar que as atribuições deste delegado

estão sujeitas a limitação de sua jurisdição, ou seja, onde o oficial de registro

exerce sua atividade, em suas limitações geográficas256.

Sendo assim, observa-se a seguir os direitos e deveres dos

registradores.

2.7 DOS DIREITOS E DEVERES DOS REGISTRADORES

O capítulo V, da Lei nº 8.935/94, em seus artigos 28, 29 e

30, elenca os direitos e deveres dos registradores257.

Trata o artigo 28, da Lei nº 8.935/94 de assegurar ao

registrador o direito a independência no exercício de sua função, mencionado

ainda o direito a percepção de emolumentos de forma integral pelos atos que são

praticados em sua serventia e equivocadamente reza ainda sobre a perda da

delegação, conforme transcrição:

Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei258.

Para Ceneviva, a independência de que trata o artigo 28

possui limitações e não pode ser considerada absoluta:

A independência é relativa, pois se fosse absoluta seria inconstitucional, tendo em conta a condição de delegados do Poder Público; leva o cotejo com as normas da Lei dos Registros Públicos, tendo em vista o artigo ora analisado, em conjunto com o art. 41, que incumbe os delegados de praticarem,

256 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 30. 257 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 258 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços259.

Sobre o assunto, Parizatto argumenta:

[...] os oficiais de registro não mantém caráter de subordinação com quem quer que seja, nem mesmo com o Poder Público, ressalvada a fiscalização dos serviços prestados por esse, através do Poder Judiciário como se infere do art. 37 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. De tal modo e como se insere também do art. 21 da mencionada lei, os notários e os oficiais de registro tem livre direção na prática dos atos atinentes aos serviços que prestam, cabendo-lhes, ainda, de forma livre, o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que diz sobre as despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe, ainda, o direito de estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções de seus prepostos260.

Conclui Ceneviva que no exercício das atribuições de

registrador este possui limitações, e:

A independência se subordina ao princípio da legalidade, dentro dos limites que a Carta de 88 impõe a todos os servidores públicos, de vez que assim se há de interpretar – em cada notário ou registrador – a condição de delegado do Poder Público261.

Outro direito inerente à função de registrador é a percepção

dos emolumentos, de forma integral, pelos atos praticados na serventia. (artigo

28, da Lei nº 8.935/94)262.

Parizatto entende por emolumentos, nesses casos, como as:

Taxas cobradas pela prática dos serviços notariais e de registro, pertencem integralmente aos notários e oficiais de registro,

259 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 205. 260 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 57. 261 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 208. 262 Cf. BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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porquanto como já observamos esses exercem tal função por conta própria, mercê de delegação recebida do Poder Público, referindo-se, assim, à remuneração digna do trabalho efetivamente exercido, cabendo a esses afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor, que devem ser observadas, cabendo aos notários e oficiais de registro, dar recibo dos emolumentos cobrados (Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, art. 30, incs. VII, VIII e IX)263.

Ceneviva não concorda quando se fala que os notários e

oficiais de registro percebem os emolumentos integralmente, pois, segundo ele

“não corresponde à realidade, tomada a palavra percepção como ingresso efetivo

no caixa, pois eles incluem taxas recolhíveis ao Estado e, em algumas unidades

da Federação, a outros beneficiários, até mesmo de natureza privada”264.

Desta feita, feitos os descontos pertinentes, os emolumentos

que sobrarem serão destinados aos notários e registradores como forma de

remuneração pelo serviço delegado prestado.

Segundo o artigo 29, da Lei nº 8.935/94, são ainda direitos

do registrador:

Art. 29. São direitos do notário e do registrador:

I – exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia;

II – organizar associações ou sindicatos de classes e deles participar265.

Assim sendo, em caso de parcelar uma serventia em duas, o

artigo 29, inciso I, acima referido, dá o direito de preferência ao oficial de registro

na escolha daquela em que preferir266.

263 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 58. 264 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 209. 265 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Acerca dos termos desmembramento e desdobramento,

Ceneviva assim esclarece:

No desmembramento (nova serventia é criada quando a comarca é dividida) e no desdobramento (cria-se nova serventia da mesma espécie, na comarca), o titular tem direito de primeira escolha entre permanecer na antiga ou passar a responder pela nova, resguardados todos os direitos pessoais de que, precedentemente, era portador267.

Quanto ao inciso II, do artigo 29, da Lei nº 8.935/94, acima

transcrito, é direito, dos oficiais de registro, liberdade associativa268. A

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ainda, em seu artigo 5º,

inciso XVII assegura a plena liberdade de associação para fins lícitos; no artigo 5º,

inciso XVIII garante a criação de associações; e faculdade de participação nessas

associações, conforme artigo 5º, inciso XX269.

Os deveres dos notários e registradores, segundo artigo 30

da Lei nº 8.935/94, são:

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

I - manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros;

II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza;

III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo;

266 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 267 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 213. 268 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 269 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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IV - manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade;

V - proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada;

VI - guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão;

VII - afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor;

VIII - observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício;

IX - dar recibo dos emolumentos percebidos;

X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;

XI - fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;

XII - facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas;

XIII - encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva;

XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente270.

Como os registros são ad eternum (para a eternidade), a

importância em sua conservação se impõe. O artigo 24, da Lei nº 6.515/77 e parte

final do artigo 4º, da Lei nº 8.935/94, também mencionam sobre o assunto:

Art. 24. Os oficiais devem manter, em segurança, permanentemente, os livros e documentos e respondem pela sua ordem e conservação271.

270 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Art. 4º. Os serviços notariais e de registro serão prestados de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos272.

O oficial de registro deverá atender aquele que procura

pelos seus serviços, com eficiência, urbanidade e presteza, conforme inciso

acima relacionado.

Ceneviva argumenta que:

Atender a parte com eficiência, urbanidade e presteza é dever próprio de todo prestador de serviço público”. Comenta ainda que este atendimento é fiscalizado pelo juiz competente, conforme preceitua o art. 38, da Lei nº 8.935/94, haja vista as partes não terem conhecimento de todas as formalidades que regem a atividade registraria273.

Deverá também o oficial de registro dar prioridade no

atendimento e solicitações das autoridades judiciárias ou administrativas, para a

defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo.

Parizatto não concorda com esta imposição, dizendo que

“fere a igualdade de direitos prevista na Constituição Federal, beneficia quem já

tem benefícios, porquanto as pessoas jurídicas de direito público gozam de

prazos especiais em juízo para a defesa de seus direitos”274.

Os registradores devem manter ainda em seus arquivos leis,

regulamentos, regimentos, enfim, tudo que faça referência a sua atividade, como

já explanado no inciso I, do comentado artigo.

271 BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6515.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 272 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 273 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 217. 274 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 60.

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Quanto ao dever do oficial de registro proceder de forma a

dignificar a função exercida, tanto na atividade profissional como na vida privada,

Ceneviva pondera:

O inciso V está evidentemente mal colocado. Explicita norma genérica de conduta, esperável de todo cidadão prestante, respeitador da ética e da lei, que deveria figurar, se fosse o caso de o incluir, como inciso I. O predicado proceder indica o comportamento do delegado segundo os parâmetros do inciso V, o que o sujeita a critérios não uniformes para ações de gravidade variável dos conceitos pessoais de seu corregedor, em cada comarca e para cada juiz que por ela passe275.

De um modo geral, diante da prestação de um serviço

público, o delegado, ou seja, o oficial de registro, deve dignificar a função

exercida, tanto em suas atividades profissionais, bem como em sua vida

privada276.

O dever de guardar sigilo sobre documentação ou assuntos

que tenha conhecimento em razão da atividade de oficial de registro é também

obrigação imposta ao oficial de registro. Constitui infração disciplinar, a violação

do sigilo profissional a cargo do notário ou oficial de registro, conforme artigo 31,

inciso IV, da Lei nº 8.935/94277.

Os oficiais de registros ainda devem afixar em locais visíveis

ao público as tabelas de emolumentos, dando conhecimento ao público em geral

o valor de cada ato; observando sempre as tabelas em vigor, emitindo recibo dos

emolumentos percebidos.

O cumprimento dos prazos estabelecidos por lei ou

determinação judicial é outro dever do oficial de registro. O inciso X acima aludido

faz alusão de forma genérica aos prazos legais. A Lei nº 6.015/73 estipula prazos

275 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 220. 276 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 60. 277 Cf. Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: [...]. IV - a violação do sigilo profissional.

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a serem cumpridos pelos oficiais de registro, bem como outras leis. O

descumprimento dos prazos para registro, além de constituir infração disciplinar,

poderá acarretar responsabilidade civil do oficial de registro em caso de prejuízo

às partes278.

Um dever importante que foi atribuído ao oficial de registro é

a fiscalização dos recolhimentos de impostos sobre determinados atos que são de

sua competência.

Este dever também é imposto pelo artigo 289, da Lei nº

6.015/73, conforme segue in verbis: “No exercício de suas funções, cumpre aos

oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos

por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”279.

Ceneviva alega que:

Fiscalizar, desse modo, não corresponde a entrar no mérito do encargo tributário, ao qual o ato se refere, mas apenas a exigir o documento expedido pelo órgão federal, estadual ou municipal que tenha competência para tanto280.

O oficial de registro deve encaminhar ao juízo competente

as dúvidas levantadas pelos interessados, de acordo com a sistemática da

legislação respectiva.

Nos ensinamentos de Ceneviva:

Dúvida define o procedimento administrativo, pelo qual o serventuário submete à decisão judicial, a pedido do interessado, a exigência apresentada por aquele e não satisfeita por este. O encaminhamento da dúvida é dever do titular, que, assim, não pode recusar-se a cumprir, nem retardar a providência,

278 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 62. 279 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 280 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 225.

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observando a Lei nº 8.935/94, a Lei de Registro Públicos e a legislação estadual aplicável281.

Por último, o oficial de registro deve sempre observar as

normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente, que nas palavras de

Parizatto são:

As diretrizes para funcionamento dos serviços notariais e de registro, expedidas pelo Poder Judiciário a quem cabe o dever de fiscalizar os serviços notariais e de registro, devem ser observadas pelos respectivos titulares, sob pena de constituir infração disciplinar282.

Diante de todo o exposto, apresentadas as peculiaridades

dos serviços de registro públicos, passa-se ao próximo e último capítulo que

tratará da problemática do presente trabalho, ou seja, da responsabilidade dos

titulares dos cartórios.

281 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 220. 282 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 64.

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CAPÍTULO 3

DA RESPONSABILIDADE DOS TITULARES DOS CARTÓRIOS

O escopo deste capítulo é identificar o poder delegante do

serviço de registro de imóveis; os principais elementos da responsabilidade civil e

criminal do oficial de registro; as infrações as que se sujeitam sempre que deixam

de cumprir as responsabilidades legais da atividade delegada por eles

desenvolvidas, bem como, ao final, o processo de perda da delegação e suas

conseqüências.

3.1 DA COMPETÊNCIA PARA A CONCESSÃO DA DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS REGISTRAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

em seu artigo 236, estabelece que os serviços registrais serão exercidos em

caráter privado, por delegação do Poder Público283.

Por delegação deve-se entender, segundo De Plácido e

Silva:

Derivado do latim delegatio, de delegare (confiar, enviar, atribuir, constituir), exprime na linguagem jurídica, em sentido amplo, a concessão ou transmissão de um poder, atribuído ou inerente a uma pessoa, promovida por esta a outrem para que pratique atos, que lhe eram confiados, ou exerça função, que lhe era atribuída ou confiada284.

Ceneviva argumenta que a Constituição Federal contempla

diversas espécies de delegação, no âmbito do Legislativo (arts. 49, V; 59, IV; 68, I

e § 2º), do Executivo (arts. 84, parágrafo único, e 87, IV) e do Judiciário (artigo

283 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 284 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 247.

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102, I, m), que são inconfundíveis com outros atos de direito administrativo.

Contudo, segundo este “a delegação prevista no artigo 236 é administrativa,

atribuída pelo Poder Executivo a prestadores de serviço público”285.

Hely Lopes Meirelles comenta:

O Poder Público pode realizar centralizadamente seus próprios serviços por meio dos órgãos da Administração direta, ou presta-los descentralizadamente, através das entidades autárquicas, ou ainda por entes paraestatais de cooperação e finalmente, por empresas privadas e particulares individualmente, cessionários, permissionários e autorizatários. (art. 21, XII e 175 da CF)286.

Afirma-se, então, que nos serviços delegados há uma

transferência da execução do serviço, por intermédio de contrato de concessão

ou ato permissionário e autorizatário negocial. Assim, o serviço somente será

outorgado por lei e delegado por meio de contrato, visto que a outorga possui

contornos de definitividade conquanto a delegação, diferentemente, sugere um

termo final prefixado287.

Também sobre a delegação de poderes emanada pelo

Poder Público ao particular para execução de serviço público, Galdino explana:

Preceitua o art. 236 da CF, c/c os artigos 14 e 17 da Lei nº 8.935/94, que os serviço notarial e registral é um serviço delegado pelo Poder Público mediante concessão, em que o particular, ou mais exatamente, o oficial do cartório, executa o serviço em seu nome, por sua conta e risco, remunerado na forma regulamentar (emolumentos), mediante delegação constitucional legal do Poder Público288.

285 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 7. 286 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 1999. p. 340. 287 Cf. ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo. 8. ed. rev. e atual. v. 19. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 159. 288 GALDINO, Maria das Graças Cabral. Direito imobiliário em debate: principais assuntos enfocados durante os 30 anos de vigência da Lei dos Registros Públicos. Maria Darlene Braga Araújo (organizadora). v. I. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 38.

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Ainda sobre esta delegação de poderes ao particular,

Ceneviva acrescenta:

A delegação de que se trata consiste em ato administrativo complexo (compreende desde o concurso público até a outorga) enquanto meio criado pelo direito para permitir a atuação do interesse público por meio de prestador de serviço de caráter privado, habilitado para a prática de atos cuja competência lhe é atribuída por lei289.

Contudo, em razão do veto mantido pelo Congresso

Nacional oposto pelo Presidente da República, em relação ao artigo 2º, da Lei nº

8.935/94, no qual trazia em seu corpo, a competência de delegação dos serviços

registrais ao Poder Judiciário, restou confirmada a delegação através do Poder

Executivo, confirmando o poder fiscalizatório do Poder Judiciário290.

O vetado artigo 2º, da Lei nº 8.935/94 assim dispunha: “Art.

2º. Os serviços notariais e de registro são exercidos, em caráter privado, por

delegação do Poder Judiciário do Estado-Membro e do Distrito Federal”291.

Ceneviva explana sobre as razões do veto:

Ao dispor que os serviços notariais e de registro seriam exercidos por delegação da União Federal, o projeto originário era inconstitucional, pois o texto magno alude à delegação do Poder Público, preservando a competência concorrente dos Estados.

Já o projeto n. 16/94 – que deu origem à lei vigente – restringia a regra constitucional, para dizer, sendo seguido nesse passo pelo texto aprovado no Congresso, que os serviços seriam exercidos por delegação do Poder Judiciário.

A restrição incluída (Poder Judiciário e não Poder Público) foi vetada. [...].

289 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 7. 290 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 7. 291 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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As razões do veto examinaram de modo correto a impropriedade do texto aprovado. O Poder Judiciário fiscaliza, mas não delega. A Carta, ao tornar expresso que a competência do Poder Judiciário é para a fiscalização – não acrescentando qualquer outra, que, aliás, também é estranha aos demais dispositivos constitucionais, estabeleceu a fronteira para a intervenção da Magistratura nos serviços notariais e de registro, acrescida da verificação disciplinar que dela decorre292.

Desta feita, a delegação dos serviços registrais é emanada

pelo Poder Executivo e fiscalizada pelo Poder Judiciário. Sobre esse poder de

fiscalização atribuído ao Poder Judiciário, Galdino conclui:

A fiscalização do serviço notarial e registral, no que se refere aos atos praticados, ou seja, ao produto oferecido ao usuário, foi atribuída pela Constituição no art. 236, parágrafo 1º, ao Poder Judiciário, prevendo a Lei Federal, no seu art. 37, que a fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita Estadual, e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação do interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte do notário ou de oficial de registro, ou de seu prepostos293.

Diante da menção do artigo 236, § 1º, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 e do artigo 37, da Lei nº 8.935/94,

transcreve-se os literalmente:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário294.

292 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 29. 293 GALDINO, Maria das Graças Cabral. Direito imobiliário em debate: principais assuntos enfocados durante os 30 anos de vigência da Lei dos Registros Públicos. p. 41. 294 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos295.

Galdino conclui dizendo que a fiscalização exercida pelo

Poder Judiciário trata-se “dos atos praticados em desacordo com os preceitos

legais, posto que a lei atribuiu, privativamente, ao Poder Judiciário a tarefa de

fiscalização dos atos praticados pelos agentes delegados”296.

Isto posto, examina-se a seguir sobre as responsabilidades

civis e criminais dos titulares.

3.2 DAS RESPONSABILIDADES CIVIS E CRIMINAIS DOS TITULARES

Os registradores possuem além das responsabilidades civil

e criminal, responsabilidades trabalhistas, que decorrem da relação de emprego

com seus escreventes e serventuários, bem como responsabilidades tributárias,

que decorre de seu poder fiscalizatório sobre o recolhimento de impostos dos atos

que devem praticar e também de encargos fiscais que deve satisfazer

pessoalmente, e ainda responsabilidades de cunho administrativo, haja vista que

são fiscalizados pelo Poder Judiciário297.

Sobre a responsabilidade civil e criminal dos oficiais de

registro a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo

236, § 1º, remeteu o assunto à lei ordinária, para disciplinar as responsabilidades

civis e criminais dos agentes delegados e seus prepostos:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

295 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 296 GALDINO, Maria das Graças Cabral. Direito imobiliário em debate: principais assuntos enfocados durante os 30 anos de vigência da Lei dos Registros Públicos. p. 41. 297 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 182.

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§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

[...]298.

O advento da Lei nº 8.935/94, de 18 de novembro de 1994,

teve a intenção de regulamentar o referido dispositivo constitucional, o que

efetivamente não ocorreu, apenas tratando do assunto no artigo 22, não definindo

se a responsabilidade dos agentes delegados e seus prepostos, era de ordem

objetiva ou subjetiva299.

Transcreve-se o artigo 22, da Lei nº 8.935/94, in verbis:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos300.

Bolzani ainda sobre a indefinição doutrinária acerca da

responsabilidade dos oficiais de registro e seus prepostos, comenta:

Questão de fundamental importância para a compreensão do sistema de responsabilidade civil destes agentes do Estado seria definir a teoria que se aplica aos mesmos no exercício de suas atribuições, teoria objetiva ou teoria subjetiva. Há posições nos dois sentidos, sustentadas por renomados juristas da doutrina pátria. A jurisprudência no país tem se inclinado a aplicar a teoria subjetiva301.

Stoco defende a teoria subjetiva da responsabilidade dos

oficiais de registro e explana:

298 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 299 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 74. 300 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 301 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 74.

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A verdadeira exegese do art. 22 da Lei n 8.935/94, segundo nos parece, não pode ser extraída de sua literalidade, ou seja, não há como aplicar a interpretação literal ou gramatical e sim teológica, de modo que se harmonize e conforte com a regra constitucional que lhe antecedeu.

Do contrário, mostrar-se-á em antinomia com o § 6º do art. 37 da CF/88 e, portanto, afetado pelo vício insanável da inconstitucionalidade302.

O artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, acima aludido, adotou a teoria da responsabilidade direta e

objetiva do Estado, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, traz a

seguinte redação:

Art. 37. [...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa303.

Desta feita, o que ocorre segundo os ensinamentos de Stoco

é que “estabelece-se uma cadeia de direitos de regresso, de modo que,

condenado o Estado, exsurge a obrigação de exigir do titular da serventia aquilo

que pagou e deste de obter do seu empregado o que ressarciu ao Estado”304.

Também é adepto da teoria da responsabilidade subjetiva

dos oficiais de registro o douto Ceneviva que assim argumenta:

A dupla condição de agente público e de atuante em caráter privado suscita a persistência da responsabilidade do Estado pelos danos causados, como decorrência do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição.

302 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 607. 303 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 304 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 608.

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A interpretação sistemática confirma a exegese proposta. A lei manda aplicar à responsabilidade penal e à apuração de condutas antijurídicas na serventia os preceitos relativos aos crimes contra a administração pública. Para esse efeito, é servidor público quem, embora transitoriamente e mesmo sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Na exegese literal, cabe-lhes assim responder por danos causados, ou seja, é deles a responsabilidade por prejuízos provocados por atos praticados no desenvolvimento dos serviços que lhes são cometidos por lei305.

Ceneviva complementa dizendo:

[...] quanto à natureza da relação entre delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa306.

Em contraponto com os doutrinadores que contemplam a

teoria da responsabilidade subjetiva dos oficiais registradores, há os que

acreditam que os atos praticados por estes que importarem dano a terceiros,

independente de dolo ou culpa, devem ser de ordem objetiva, permitindo o direito

de regresso aos serventuários que agirem com dolo ou culpa307.

Diniz também compactua do entendimento da

responsabilidade objetiva dos oficiais de registro, no qual comenta:

[...] no que diz com os serventuários privativos, incumbidos do registro imobiliário, até que a oficialização seja regulada e implantada pelo Poder Público, entendemos que, diante do art. 236, § !º, da CF/88, que é uma norma especial, ela se lhes aplicará, prevalecendo sobre o art. 37, § 6º, que é uma norma geral. Por isso, deve haver, como dissemos, a responsabilidade do oficial imobiliário por atos registrários, por ele praticados ou

305 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p.185. 306 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 186. 307 Cf. BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 76.

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pelos escreventes autorizados, com seu próprio patrimônio (CC, art. 942 e parágrafo único). Logo, a responsabilidade civil dos oficiais de registro e de seus prepostos, bem como a fiscalização de seus atos pelo Judiciário, estão reguladas, pelo fenômeno da recepção, pela Lei n. 6.015/73, arts. 9º, 21 e 28, enquanto outra não for promulgada e enquanto sua oficialização não se der. Essa é a nossa conclusão, baseada na norma constitucional e no fato de exercer o serventuário uma função pública sui generis308.

Transcreve-se os artigos supracitados por Diniz,

entendendo, assim, seu posicionamento:

CF/88. Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

CF/88. Art. 37. [...]. § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

CC/02. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Lei nº 6.015/73. Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.

Lei nº 6.015/73. Art. 21. Sempre que houver qualquer alteração posterior ao ato cuja certidão é pedida, deve o Oficial mencioná-la, obrigatoriamente, não obstante as especificações do pedido, sob pena de responsabilidade civil e penal, ressalvado o disposto nos artigos 45 e 95.

308 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 294.

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Lei nº 6.015/73. Art. 28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro.

Outro fundamento jurídico abordado pelos defensores da

aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva aos registradores situa-se no

Código Civil de 2002. Alegam que por haver uma lacuna na Lei nº 8.935/94, por

não definir a responsabilidade dos oficiais registradores como sendo subjetiva ou

objetiva, adotaram, subsidiariamente, o Código Civil brasileiro, especificamente o

parágrafo único, do artigo 927, que adota a teoria do risco309, veja-se:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem310.

Sobrepõem a este argumento o artigo 932, inciso III, do

Código Civil, que assim assevera:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Diniz corrobora com tal entendimento afirmando:

[...] o notário público autônomo, ante os arts. 186, 927 e 932, III, do Código Civil, responderá objetivamente com seu patrimônio não apenas por ato seu, mas também pelo comportamento irregular, doloso ou culposo, de seus servidores não concursados, enquanto em serviço, pouco importando se houve culpa in

309 Cf. BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 77. 310 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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vigilando ou in eligendo, tendo depois ação regressiva contra eles (CC, art.934)311.

A aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva por

atos danosos praticados por registradores não parece a mais acertada, conforme

seguem os motivos de vários doutrinadores a seguir.

Os doutrinadores adeptos a teoria da responsabilidade

subjetiva dos notários e registradores surge da interpretação do artigo 22, da Lei

nº 8.935/94 em conformidade com o artigo 37, § 6º, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, alcançando assim o seu verdadeiro sentido,

estabelecendo assim uma cadeia de direitos de regresso, no qual o Estado

responderá objetivamente frente ao prejudicado, com direito de regresso frente ao

registrador, no caso de dolo ou culpa, tendo este ainda direito de regresso contra

seu funcionário, em caso de dolo ou culpa312.

Stoco argumenta que a lei ordinária, Lei nº 8.935/94, não

possui o efeito de modificação da norma constitucional, criando apenas uma

cadeia de regresso:

Aliás, leitura atenta desse art. 22 da lei sub studio, e do art. 38 da Lei n. 9.492, de 10.9.1997 que regulamentou a atividade concernente ao protesto de títulos, em cotejo com a regra constitucional tantas vezes referida, conduzirá à conclusão inarredável de que o legislador ‘não’ pretendeu modificar aquilo que ficou consagrado desde os primórdios, a partir da Constituição do Império até os dias atuais. Não se estabeleceu a responsabilidade objetiva dos notários e registradores. Apenas e tão-somente estabeleceu-se uma cadeia de direitos de regresso [...]313.

Sonia Marilda Peres Alves em comentário ao artigo 22, da

Lei nº 8.935/94 e a responsabilidade civil subjetiva dos registradores explana:

311 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 289. 312 Cf. BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 79. 313 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 608.

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O art. 22 da Lei n. 8.935/94 disciplinou a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores e, assim dispondo, inovou para tão-somente atribuir legitimação extraordinária a esses profissionais, ou seja, para que eles possam figurar diretamente no pólo passivo das ações indenizatórias demandas pelos ofendidos, lesados por atos praticados no exercício das atribuições do serviços notariais e de registro, não só pelos atos do tabelião ou registrador, mas também, e aqui a novidade, segundo a autora, pelo atos de seus prepostos314.

Sonia Marilda Peres Alves ainda se contrapõe àqueles que

sustentam pela aplicabilidade do artigo 37, § 6º, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 para equiparar os notários e registradores à pessoas

jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, aplicando-lhes assim a

responsabilidade objetiva, ao afirmar:

O § 6º do art. 37 da CF direciona-se, tão-somente, às pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Ora, serventia não é pessoa jurídica – não é empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário. Ainda, serventia não tem capacidade processual, não tem patrimônio, não tem personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (...). A serventia, como o espólio, o condomínio e a massa falida constituem ficção jurídica315.

Quanto à responsabilidade criminal dos registradores assim

preceituam os arts. 23 e 24 da Lei nº 8.935/94:

Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal.

314 ALVES, Sonia Marilda Peres. Responsabilidade civil dos notários e registradores: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão trabalhista na delegação. In: Revista de Direito Imobiliário IRIB. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 25, n. 53, p.95, jul./dez. 2002 apud BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 83. 315 ALVES, Sonia Marilda Peres. Responsabilidade civil dos notários e registradores: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão trabalhista na delegação. p. 96-97 apud BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 84.

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Art. 24. A responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública.

Parágrafo único. A individualização prevista no caput não exime os notários e os oficiais de registro de sua responsabilidade civil316.

Observa-se que o artigo 23 faz uma referência fiel ao artigo

935 do Código Civil: “[...]. A responsabilidade civil é independente da criminal, não

se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu

autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”317.

Ceneviva comenta os objetivos das responsabilidades civil e

criminal:

O objetivo visado em uma delas, a civil, é a plena recomposição do patrimônio ofendido. Obter mais do que a recomposição constituiria enriquecimento sem causa. Na outra, a penal, o direito tem em vista preservar os bens de vida protegidos, públicos ou privados, cuja ofensa sujeita seu autor à sanção criminal, com pena restritiva da liberdade ou de direitos e multa318.

A individualização da pena, que faz referência o mencionado

artigo 24, da Lei nº 8.935/94 é garantia constitucional consagrada no artigo 5º,

inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual se

transcreve: “XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre

outras, as seguintes: [...]”319.

Por individualização da pena, entende-se, nos ensinamentos

de Ceneviva “adoção de critérios periciais, científicos e técnicos capazes de

316 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 317 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 318 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 193. 319 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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ajustar aos direitos do condenado e às necessidades sociais, permitindo a

classificação dele, segundo os programas de execução disponíveis”320.

Sendo assim, estuda-se a seguir sobre a responsabilidade

civil do estado em face dos serviços de registro.

3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE DOS SERVIÇOS DE REGISTRO

A doutrina pátria, em razão da interpretação do artigo 37, §

6º e artigo 236 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

conjuntamente com o artigo 22, da Lei nº 9.835/94, tem se dividido acerca da

ordem de responsabilização civil pelos atos danosos praticados pelos oficiais de

registro.

Para Bolzani há pacificação no entendimento que o Estado

possui a obrigação de indenizar os usuários dos serviços de registro, decorrente

da culpa contratual, e até mesmo em relação a terceiros prejudicados por esse

serviço, advindo da culpa aquiliana, porém o dissentimento é em relação a que

tipo de responsabilidade o Estado estará sujeito, segue em suas palavras:

A divergência encontrada tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca do tema seria se há ou não benefício de ordem neste dever de indenizar, ou seja, se seria subsidiária ou solidária a responsabilidade civil do ente estatal321.

Existem duas fortes correntes doutrinárias acerca da

responsabilidade civil do Estado frente aos atos praticados pelos oficiais

registradores, sendo estas: responsabilidade subsidiária entre o Estado e o

registrador e responsabilidade solidária entre o Estado e o registrador.

A primeira corrente, ou seja, a responsabilidade civil

subsidiária do Estado frente aos atos prejudiciais dos oficiais de registro, sugere,

segundo ensinamento de Bolzani:

320 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 194. 321 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 93.

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Que a ação indenizatória teria que ser proposta primeiramente contra o notário ou o registrador, para somente após, caso não tenham estes condições patrimoniais suficientes de recompor o dano, poder ser proposta contra o Estado322.

Acerca da teoria da responsabilidade civil subsidiária do

Estado, Bolzani comenta:

Os doutrinadores que caracterizam a natureza jurídica da atividade notarial e de registro como atípica e não de agente público, [...], também advogam pela subsidiariedade da responsabilidade civil do Estado, sendo direta e subjetiva a dos notários e registradores, não havendo espaço para se permitir, diretamente, ação contra o Poder Público, que responderia apenas subsidiariamente pelo equívoco na delegação323.

Sobre o assunto, Fassa explana:

A responsabilidade subsidiária do Estado em razão de dano oriundo da atividade registral de imóveis é admitida tanto por aqueles que sustentam a responsabilidade extracontratual subjetiva do registrador, bem como por aqueles que sustentam a responsabilidade extracontratual objetiva do registrador324.

Diante da citação da modalidade de responsabilidade

extracontratual subjetiva e responsabilidade extracontratual objetiva, faz-se

necessário entender que a primeira sugere que a obrigação de indenizar terceiros

pela prestação dos serviços delegados pelo Poder Público deve ser de ordem

pessoal e direta, por ato seu ou de seu preposto, tendo contra estes ação de

regresso, em caso de dolo ou culpa, enquanto a segunda, sugere que a obrigação

de indenizar terceiros por erro na prestação de serviços deve ser objetivamente,

contra o Poder Público, sem a demonstração de dolo ou culpa325

322 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 93. 323 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 94-95. 324 FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 121. 325 Cf. FASSA, Odemilson Roberto Castro. Registrador de imóveis e responsabilidade patrimonial. p. 80-81.

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Outro adepto da teoria da responsabilidade civil subsidiária

do Estado, responsabilizando assim de forma direta e objetivamente os atos

danosos praticados pelos oficiais de registro, é Hércules Alexandre da Costa

Benício que assim discorre:

É incontestável a natureza pública do serviço prestado pelos tabeliães e cartórios de registros, uma vez que a segurança jurídica e a garantia de eficácia contra terceiros interessa a toda a sociedade. Todavia, notários e registradores exercem suas atividades por suas próprias contas e riscos e não em nome do Estado, contratando o seu pessoal e remunerando-o de forma autônoma, sendo certo que os titulares recebem emolumentos condizentes com tais responsabilidades. A responsabilidade apenas subsidiária do ente estatal (oportunizada somente a comprovação de insolvência do titular do cartório) decorre não somente do fato de os emolumentos serem pagos diretamente por interessados pelos serviços, mas, principalmente, pela independência de gerenciamento administrativo e financeiro (Lei n. 8.935/94, art. 21) que caracteriza os serviços notariais e registrais326.

No mesmo diapasão, Ivan Ricardo Garisio Sartori, defensor

da aplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva aos notários e

registradores:

Se os delegados fazem sua vez, assumindo todos os encargos da atividade, justamente porque auferem todas as vantagens, inconcusso que fica mitigada a responsabilidade do Poder Público, a ocorrer somente supletiva ou subsidiariamente. (...) Mas, com a ‘devida vênia’ essa posição, se não existe essa supletividade, então não se vê razão para a delegação constitucional, parecendo mais adequado que o próprio Estado exerça as atividades sob exame. Ademais, o entendimento ao revés contraria o interesse público, em benefício do privado, minimizando a responsabilidade do notário ou registrador, que, como dito, desfruta de todas as vantagens da delegação327.

326 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. p. 249-250. 327 SARTORI, Ivan Ricardo Garisio. Responsabilidade civil e penal dos notários e registradores. In: Revista de Direito Imobiliário IRIB. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

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O Egrégio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a

responsabilidade objetiva dos notários e registradores, cuja ementa se transcreve:

RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO. RECONHECIMENTO DE FIRMA. CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do art. 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - § 6º do art. 37 também da Carta da República. (RE n. 201.595/SP; STF, 2ª Turma; Relator: Min. Marco Aurélio; julgamento: 28.11.2000; publicação: DJ data 20.4.01, pp. 00138).

Em oposição a esta teoria que, diga-se de passagem,

tornou-se a corrente majoritária, há os doutrinadores que sustentam pela teoria da

responsabilidade civil solidária do Estado, podendo a vítima propor a ação

indenizatória tanto contra o Estado, de forma objetiva, ou contra o registrador,

devendo comprovar a culpa ou dolo, tornando-a, assim, de ordem subjetiva.

Bolzani explica:

Os partidários da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil subjetiva que sustentam a responsabilidade solidária do Estado harmonizam as disposições dos artigos 22 da Lei n. 8.935/94 com as do § 6º do art. 37 da Constituição Federal do Brasil para fundamentar tal solidariedade. Afirmam que tal possibilidade decorre dos direitos de regresso estabelecidos nestes dispositivos legais. Segundo estes, caso a parte lesada escolha direcionar sua demanda contra o Estado, o fará sob a égide da responsabilidade civil objetiva, tendo este (o Estado) ação regressiva contra o notário ou o registrador, no caso de dolo ou culpa; caso a parte ofendida tenha por preferência direcionar sua demanda diretamente contra o notário ou o registrador, o fará sob a égide da responsabilidade civil subjetiva, discutindo-se,

ano 25, n. 53, julho-dezembro, 2002, p. 106-107 apud BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 93-94.

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obrigatoriamente, culpa ou dolo por parte dos registradores ou dos tabeliães328.

Ceneviva também compactua com o entendimento da teoria

da responsabilidade civil objetiva do Estado de forma solidária. In verbis:

A dupla condição de agente público e de atuante em caráter privado suscita a persistência da responsabilidade do Estado pelos danos causados, como decorrência do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição. (...) Para saber quem vai responder pelo prejuízo, na interpretação literal do art. 22, é irrelevante determinar qual o causador do resultado prejudicial (o titular, o escrevente que responde pelo serviço, os escreventes substitutos, os auxiliares). A vítima pode assestar a prestação reparadora diretamente contra o titular, pois para tanto a autoriza o uso do verbo ‘responder’. (...) à vista do que determina o art. 37, § 6º, da Constituição e da interpretação dada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal quanto à natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito de regressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa329.

Outro adepto da teoria da responsabilidade objetiva do

Estado por atos praticados por notários, aplicando a similitude aos oficiais

registradores é o civilista Venosa, que aponta:

Embora o notário exerça serviço de natureza especial e os serviços notariais apontados sejam desempenhados em caráter privado, cuidam-se de serviços públicos delegados, como tanto outros existentes. Os cartorários são detentores de cargos públicos e, portanto, funcionários em sentido amplo. Nesse prisma, o Estado responde objetivamente pelo dano causado por esses serviços como, por exemplo, reconhecimento falso de firma, procuração ou escrituras falsas. A responsabilidade emergirá quando o notário causar um dano a seus clientes, quando o fim colimado pelo serviço não for devidamente atingido ou quando houver vício. Leva-se em conta, em princípio a falha no serviço

328 BOLZANI, Henrique. A responsabilidade civil dos notários e dos registradores. p. 96. 329 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 185.

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público. Nesse sentido, é ampla a responsabilidade do notário, cuja repercussão deve ser analisada no caso concreto. Em princípio a ação indenizatória deve ser dirigida contra o Estado, embora entenda parte da doutrina que a ação pode também ser direcionada diretamente contra o notário, hipótese em que o autor deve provar culpa ou dolo, porque a responsabilidade objetiva é somente do Estado nessa hipótese330.

Siqueira & Siqueira entendem também que a

responsabilidade por eventuais danos causados a terceiros por ato de

registradores deve ser de ordem objetiva, respondendo o Poder Público de forma

direta (artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988),

e os registradores responderão, perante o Estado, em ação regressiva, quando

verificada a existência de culpa ou dolo331.

Ainda nas ponderações de Siqueira & Siqueira constata-se

que o terceiro prejudicado por atos decorrentes dos oficiais registradores podem

ingressar com a Ação Indenizatória no Poder Judiciário de duas maneiras

distintas:

a) diretamente contra o Estado, conforme responsabilidade objetiva consagrada pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988; portanto, independentemente de culpa (lato sensu), bastando apenas o dano e o nexo de causalidade entre o ato danoso e o serviço prestado. Cabendo ao Estado o direito de ação regressiva contra o agente causador do dano nos casos de culpa ou dolo do mesmo; ou b) diretamente contra o notário ou registrador, desde que o autor da ação prove a culpa ou dolo deste; logo, será responsabilidade subjetiva (Código Civil, art. 159)332.

A justificativa da responsabilidade do Estado ser objetiva

frente aos atos danosos praticados por oficiais de registro, segundo Gonçalves

330 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 258. 331 SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva; SIQUEIRA, Bruno Luiz Weiler. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. p. 82. 332 SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva; SIQUEIRA, Bruno Luiz Weiler. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. p. 82.

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refere-se ao fato destes serem considerados funcionários públicos no amplo

sentido, segundo pode-se constatar do seguinte posicionamento:

Parece-nos que se justifica plenamente a inserção dos serventuários da Justiça no rol dos servidores públicos, dos funcionários públicos em sentido lato, a despeito do “caráter privado” como são exercidos os serviços que lhes são pertinentes, pois ocupam cargos criados por lei, com denominação própria e em número certo, são nomeados pelo Poder Público, mediante concurso público,; gozam do direito a férias e licenças; estão sujeitos a regime disciplinar; contribuem para o instituto de Previdência do Estado; fazem jus à aposentadoria nos termos do Estatuto dos Funcionários Público. E, embora não remunerados diretamente pelos cofres públicos, o preço de seus serviços, pagos pelos usuários, decorre de tabelas também aprovadas pelo Poder Público333.

Apresentada a responsabilidade civil do estado em face dos

serviços de registro, passa-se ao título seguinte que versará sobre as infrações a

que se sujeitam.

3.4 DAS INFRAÇÕES A QUE SE SUJEITAM

Os oficiais de registro no exercício das atribuições de suas

funções delegadas pelo Poder Público sujeitam-se as regras impostas por este,

com o objetivo único de garantir um serviço de tecnicidade, legalidade e

satisfação perante a sociedade. Quando ocorre, por parte desse oficial a

desobediência às normas regulamentadoras, caracterizam-se as infrações

disciplinares e este passa a sujeitar-se às devidas penalidades impostas pela lei,

objeto de análise que se abordará na seqüência.

3.4.1 Infrações disciplinares

O artigo 31, da Lei nº 8.935/94 dispõe sobre as infrações

disciplinares a que estão sujeitos os oficiais de registro:

333 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 523-524.

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Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I - a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;

IV - a violação do sigilo profissional;

V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30334.

Parizatto define infração disciplinar como “a violação de

regras regulamentadoras impostas a alguém no exercício de suas funções”335.

Por derradeiro, explica Iêdo Batista Neves que a infração

disciplinar é aquela ação ou omissão do funcionário público, durante o

desempenho de seu cargo ou função, ou até mesmo fora dele, que compromete a

dignidade e o decoro inerente à administração pública336.

Sobre o conceito de infração disciplinar, Ceneviva ainda

comenta que:

Há infração disciplinar quando o servidor ou agente público não observa norma hierárquica ou de comportamento, determinada em lei ou regulamento, pra preservar a regularidade dos serviços administrativos e das relações funcionais. Sua caracterização, para efeitos punitivos, tem pontos de semelhança com a tipificação penal. Não se confunde, porém, com esta, pois abarca um campo mais amplo, sem o rigor das leis criminais, mas sem sacrifício da ampla defesa e do contraditório337.

334 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 335 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 64. 336 Cf. NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. p. 781. 337 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 230.

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Neste sentido, salienta-se que a infração disciplinar constitui-

se da prática de ilícitos administrativos contra a Administração Pública, devendo,

o Poder Público mediante sua competência disciplinar aplicar penalidades às

pessoas que se vinculam a esta, de alguma forma, seja ativa ou omissiva338.

Passa-se a comentar os incisos do artigo supramencionado,

relativo às infrações disciplinares cometidos pelos oficiais de registro.

Comete infração disciplinar o oficial de registro que não

observa as regras legais e normativas no cumprimento de suas atribuições,

deixando assim de praticar devidos atos em conformidade com a legalidade que

lhe é pertinente339.

A infração disciplinar descrita no inciso II, do aludido artigo,

ou seja, a conduta atentatória às instituições notariais e de registro, segundo

Parizatto pode ser definida como:

A atitude de quem age contra o procedimento moral que uma pessoa deve ter. O comportamento contra a moral afeta in casu as instituições notariais e de registro, de modo que seus notários e oficiais de registro não podem agir de tal forma, sob pena de cometer infração disciplinar340.

A cobrança indevida e excessiva de emolumentos por parte

dos oficiais de registro também se caracteriza como infração disciplinar, conforme

o rol transcrito acima, especificamente no inciso III, Ceneviva faz a seguinte

distinção entre a cobrança ‘indevida’ e a ‘excessiva’:

Indevida é a cobrança de custas ou emolumentos não previstos em lei para o ato praticado.

338 Cf. BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Considerações sobre o processo administrativo disciplinar. Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1847>. Acesso em: 01 set. 2008. 339 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 65. 340 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 65.

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Excessiva é a cobrança que, desrespeitando os regulamentos estaduais e as tabelas oficiais, exija mais pelo ato do serviço ou pelo conjunto dos atos solicitados do que o admitido na forma legal ou regulamentar341.

O dever de sigilo profissional do oficial de registro é inerente

de sua própria profissão, devendo guardar segredo sobre a documentação e

demais assentos de natureza reservada, constituindo-se infração disciplinar a

transgressão a este dever342.

Por fim, é ainda infração disciplinar o descumprimento de

quaisquer deveres descritos no artigo 30, da Lei nº 8.935/94. Contudo, o inciso V,

do artigo 31 tornou-se redundante, pois o inciso I constante do mesmo artigo

esgotou todas as possibilidades, ao mencionar que a infração disciplinar

decorrente da inobservância das prescrições legais ou normativas, inclui-se,

portanto, aos deveres descritos no artigo 30343.

Diante disto, verificam-se as penalidades a que se sujeitam

os oficiais de registro.

3.4.2 Das penalidades

O artigo 32, da Lei nº 8.935/94 preceitua os graus de

penalidades aplicáveis aos oficiais de registro que praticarem infrações, conforme

segue:

Art. 32. Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas:

I - repreensão;

II - multa;

III - suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta; 341 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 232-233. 342 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 66. 343 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 235.

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IV - perda da delegação344.

As penas descritas são destinadas apenas aos delegados,

sendo que os funcionários (escreventes e auxiliares), por obedecerem ao poder

de comando do titular, estão subordinados as suas regras, conforme legislação

trabalhista345.

Salienta-se que o referido artigo menciona o princípio

constitucional da ampla defesa, artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, sendo que o oficial de registro/tabelião/notário não

poderá ser apenado sem exercer antecipadamente seu direito de defesa.

Torna-se importante analisar cada um dos graus de

penalidade previstos. Portanto, Parizatto define a pena de repreensão, como

sendo:

A pena de repreensão, que é de natureza disciplinar, nada mais é do que uma censura feita ao notário ou oficial de registro, por falta ou transgressão de um dever cometida no exercício de suas funções. Trata-se de pena mais grave que a advertência, eis que essa constitui-se de um aviso e a repreensão representa uma censura ou admoestação a respeito da falta cometida, sendo, em regra, feita por escrito. Será cabível a pena de repreensão, no caso de falta leve, como prevê o art. 33, inc. I, da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994346.

A pena de multa para Ceneviva: “[...] é imponível ao oficial. A

norma legal comentada é aberta, ou seja, não determina critérios de valoração,

nem dá elementos de proporcionalidade entre a falta e a sanção econômica”347.

344 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 345 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 235-236. 346 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 67. 347 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 236.

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109

Já, a pena de multa, segundo artigo 33, inciso II, da Lei nº

8.935/94 será imposta quando houver reincidência ou no caso de cometimento de

infração que não seja grave348.

Em contrapartida, a pena de suspensão, significa o

afastamento do oficial de suas funções, pelo prazo inicial de 90 (noventa) dias,

podendo ser prorrogável por 30 (trinta) dias, pena aplicável em caso de reiterado

descumprimento dos deveres ou cometimento de falta grave, conforme

determinação do art. 33, III, da Lei nº 8.935/94349.

Por fim, ocorrerá a pena da perda da delegação do oficial de

registro, por cometimento de falta grave, e que não seja o caso da aplicação de

pena de suspensão, contudo, este apenamento disciplinar somente poderá

ocorrer nos termos do art. 35, da Lei nº 8.935/94, in verbis:

Art. 35. A perda da delegação dependerá:

I - de sentença judicial transitada em julgado; ou

II - de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa. [...]350.

Sendo assim, passa-se ao título seguinte que abordará a

extinção da delegação.

3.5 DA EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO

A delegação será extinta nas hipóteses elencadas no artigo

39 da Lei nº 8.935/94:

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:

348 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 349 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 67. 350 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008.

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I - morte;

II - aposentadoria facultativa;

III - invalidez;

IV - renúncia;

V - perda, nos termos do art. 35.

VI - descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997351.

Com a outorga da delegação do Poder Público ao titular,

este passa a ser investido de poderes que o habilitam a praticar atos

determinados por lei dentro da circunscrição de sua serventia. Com a extinção

dessa delegação, que pode se dar por ato voluntário, através do pedido de

aposentadoria e a apresentação da renúncia; ou ainda, por ato involuntário, como

no caso de morte ou invalidez do titular, e também com a perda decretada pela

autoridade competente; cessa imediatamente a investidura, sendo considerados

nulos todos os atos praticados após essa extinção352.

A primeira causa de extinção da delegação do oficial de

registro ocorre por um fator natural, a morte, definida pelo Código Civil, em seu

artigo 6º, como o término da existência da pessoa natural, não mais admitindo a

transferência das funções registrais aos sucessores do titular353.

O pedido de aposentadoria feito pelo titular é ato voluntário

da extinção da delegação.

A doutrina majoritária atribuiu aos delegados registrários a

categoria de titulares de cargos públicos, contudo, segundo o Supremo Tribunal

Federal, não resta dúvida na diferença deste com o servidor público efetivo de

que trata o caput do artigo 40, da Constituição da República Federativa do Brasil

351 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 352 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 280 353 Cf. PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 72.

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de 1988, após a edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de

1998354, bem como as Emendas Constitucionais nº 41 e 47, datadas em 19 de

dezembro de 2003 e 5 de julho de 2005, respectivamente.

É a redação do artigo 40, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo355.

Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro menciona:

É evidente que a nova redação do art. 40 da Constituição não mais permitiu a interpretação extensiva da expressão “servidor público”, estando sua aplicabilidade reservada ao servidor que, em sentido estrito, mantém vínculo direto com o Estado, dele fazendo parte na ocupação de um cargo efetivo diretamente remunerado. Verificamos, assim, a não-incidência da aposentadoria compulsória do art. 40, § 1º, da CF/1988 aos notários e registradores, isto é, estes têm regime previdenciário diferenciado do aplicável aos servidores públicos stricto sensu356.

Sobre o assunto, conclui Ceneviva dizendo que “a

aposentadoria facultativa fica submetida à vontade do beneficiado, desde que

satisfaça as condições previstas”357.

Passa-se a tratar da extinção da delegação por invalidez do

titular, sendo que para Plácido & Silva, no campo jurídico, invalidez significa:

354 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 283. 355 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 356 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito notarial e registral. p. 09. 357 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 285.

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Invalidez exprime o estado da pessoa que, por enfermidade ou velhice, se tornou fraca ou falha de forças para o exercício de certo trabalho ou atividade profissional.

Nesta razão, a invalidez quer exprimir a incapacidade física para o trabalho ou a impossibilidade material de exercer qualquer função ou atividade profissional358.

Diante do acima exposto, afirma-se que a invalidez é um

estado de incapacidade permanente, para o exercício de determinado cargo ou

função, e adquirida pelo respectivo titular359.

Em relação à extinção da delegação por invalidez do titular,

Parizatto comenta:

O dispositivo em apreço, ao prever que a invalidez é causa de extinção da delegação, deixou de especificar se a hipótese é de invalidez absoluta ou relativa, devendo se considerar que qualquer dessas será causa para a extinção da delegação360.

Para a obtenção da aposentadoria por invalidez, segundo

Ceneviva é necessário a “[...] verificação de incapacidade física ou psíquica, em

exame médico-pericial demonstrador da inabilitação para o exercício da atividade,

com a qual o trabalhador assegura sua subsistência”361.

A extinção da delegação do titular por ato de renúncia

consiste no ato formal e escrito à autoridade competente, de forma voluntária,

recusando a continuação dos encargos da delegação, bem como seus

benefícios362.

358 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 449. 359 Cf. NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. p. 852. 360 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 72. 361 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 283. 362 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 284.

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113

A perda da delegação como causa extintiva ocorre por

infrações praticadas pelo titular, conforme artigo 32, inciso IV, da Lei nº 8.935/94,

assegurado o direito a ampla defesa363.

Conforme já aludido alhures, a decisão que impõe a perda

da delegação ao titular dependerá, conforme já mencionado artigo 35, da Lei nº

8.935/94, de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de

processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado a ampla

defesa364.

A última causa extintiva da delegação é o descumprimento

da gratuidade estabelecida na Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997, infração

possível de ser cometida apenas pelos registradores civis de pessoas naturais.

Ocorrendo qualquer das causas de extinção da delegação

fica vago o respectivo serviço, dando o juízo competente as demais providências,

conforme preceitua artigo 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94:

Art. 39. [...]

§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso365.

A autoridade competente acima relacionada, com atribuição

de declarar vago a serventia, designação de substituto mais antigo e abertura de

concurso, em casos de extinção de delegação de notário ou registrador, é o

Chefe do Poder Executivo, com atribuição através de lei estadual ou do Distrito

Federal, haja vista que cabe a este o poder de outorga de delegação366.

363 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 364 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 365 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>. Acesso em: 01 set. 2008. 366 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 287.

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Estudadas as causas de extinção da delegação, examina-

se, por conseguinte, o processo administrativo por perda da delegação.

3.6 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO POR PERDA DA DELEGAÇÃO

O processo administrativo é uma das modalidades em que

pode ocorrer a decisão pela perda da delegação do titular, expedida pelo poder

delegante, contudo, apenas nas hipóteses previstas em lei367.

Meirelles define que o processo administrativo “é o meio de

apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas

sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da

Administração”368.

Acerca dos trâmites do processo administrativo pela perda

da delegação, Parizatto ensina:

O processo administrativo só pode ser instaurado pelo Poder Judiciário, através do juiz competente, a quem é atribuído o dever de fiscalização dos serviços notariais e de registro (Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, art. 37, sob pena de ferir-se o princípio de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (Constituição Federal, art. 5º, inc. LIII) representa o meio utilizado por esse para a apuração e eventual punição de faltas disciplinadores de natureza grave cometidas por tais delegados do Poder Público, no exercício de suas funções369.

Segue transcrição dos artigos supramencionados:

Lei nº 8.935/94 – Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância

367 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 261. 368 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 623. 369 PARIZATTO. João Roberto. Serviços notariais e de registro, de acordo com a lei nº 8.935 de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais. p. 69.

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de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

CF/88 – Art. 5º - LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Salienta-se que o procedimento administrativo será

instaurado por autoridade competente, definida por lei estadual ou do Distrito

Federal, que são os juízes de direito da circunscrição da serventia, assegurado ao

titular o direito de ampla defesa e contraditório, contudo, a conclusão do processo

administrativo é submetida a decisão do Poder Executivo370.

Existem duas possibilidades em que o exercício do cargo de

notário ou registrador poder ser interrompido por decisão de autoridade judiciária

provido de poderes administrativos, no qual Ceneviva expõe:

a) se os elementos constantes do caso contiverem indícios suficientes para configurar perda da delegação, o juízo competente pode suspender o registrador até final decisão e designar interventor para chefiar a serventia (art. 35, § 1º, da Lei nº 8.935/94);

b) se para apuração dos fatos for necessário o afastamento do titular, poderá a mesma autoridade suspendê-lo pelo prazo de noventa dias, prorrogável apenas uma vez, por mais trinta dias. (art. 36, da Lei nº 8.935/94)371.

A possibilidade de suspensão do exercício do cargo de

notário e registrador, esboçada acima pela letra a, encontra-se na Lei nº 8.935/94,

no art. 35, § 1º, porém, é tido como inconstitucional, haja vista que é contrário ao

direito que alguém cumpra pena por prazo indeterminado, sem outro critério para

o encerramento do processo que não o andamento da própria autoridade

processante. Ainda, é inconstitucional o art. 35, § 1º, por não aplicar o mesmo

critério de prazo de suspensão contido no art. 36, ou seja, o prazo máximo

370 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 12. 371 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. p. 12.

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admissível para a suspensão do notário ou registrador é de 120 (cento e vinte)

dias, dando solução igual para situações idênticas372.

372 Cf. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). p. 261.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho acadêmico de conclusão do curso de

direito tratou da análise sobre a atividade pública exercida pelos titulares dos

Tabelionatos e Cartórios de Registro Civil e de Imóveis, com aspectos destacados

para o Registro de Imóveis, onde se buscou conhecer as atividades exercidas em

cada um dos cartórios e a forma como é concedida a capacidade dos seus

titulares, bem como a forma de concessão dos poderes para exercer, em nome

do poder público, as atividades previstas na Constituição da República Federativa

do Brasil vigente, e disciplinada pela Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994.

Pode-se constatar que os titulares dos cartórios são pessoas

que recebem delegação do Poder Público, direito adquirido através de concurso

público, por intermédio de provas e títulos, conforme previsto no artigo 236, § 3º,

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Da mesma forma, verifica-se que os titulares dos cartórios

que exercem funções públicas delegadas ficam sujeitos à fiscalização de suas

atividades por parte do Poder Judiciário, a quem cabe o direito de acompanhar e

subsidiar os serviços inerentes aos Cartórios, no âmbito de sua jurisdição.

Uma questão não pacificada na legislação e na doutrina

brasileira refere-se à vinculação funcional dos titulares dos cartórios. Para uma

corrente, eles são serventuários da justiça, enquanto para outros doutrinadores a

atividade é de cunho privado, mas subordinada, funcionalmente, ao Poder

Judiciário, estando os titulares dos cartórios desvinculados do serviço público.

Deve-se notar que os cartórios estão vinculados ao serviço

previdenciário do poder público e os demais empregados dos cartórios tem sua

vinculação funcional regida pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho e a

previdenciária subordinada à legislação do INSS.

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Verifica-se que a responsabilidade civil dos notários e

registradores pode ocorrer, sempre que for comprovado o dano contra a pessoa

usuária do serviço, possibilitando a esta última o direito de buscar a indenização

do prejuízo que lhe foi causado.

Pela distribuição de atribuições, caberá ao Poder Executivo

a aplicação do ato de perda da delegação, através de sentença judicial ou

resultado de processo administrativo instaurado pelo Poder Judiciário, dentro da

jurisdição do cartório.

Quanto à aplicação das penalidades, o Poder Executivo, que

possui a capacidade constitucional de conceder a delegação cartorial, da mesma

forma, tem a competência de retirar a delegação dada, deve respeitar o resultado

do processo administrativo ou judicial instaurado e apreciado pelo Poder

Judiciário, não cabendo a este último a aplicação da penalidade de perda da

delegação, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, em seu artigo 236, estabelece que os serviços registrais serão exercidos

em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Compreende-se que a delegação exprime na linguagem

jurídica e em sentido amplo, a concessão ou transmissão de um poder, atribuído

ou inerente a uma pessoa, promovida por esta a outrem para que pratique atos,

que lhe eram confiados, ou exerça função, que lhe era atribuída ou confiada.

Destarte, verifica-se que os registradores possuem além das

responsabilidades civil e criminal, responsabilidades trabalhistas, que decorrem

da relação de emprego com seus escreventes e serventuários, bem como

responsabilidades tributárias, que decorrem de seu poder fiscalizatório sobre o

recolhimento de impostos dos atos que devem praticar e também de encargos

fiscais que deve satisfazer pessoalmente, e, ainda, responsabilidades de cunho

administrativo, haja vista que são fiscalizados pelo Poder Judiciário.

Depara-se com a aplicação da legislação vigente em duas

correntes doutrinárias, sendo que uma delas defende ser a responsabilidade do

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titular do cartório objetiva, cabendo ao Estado somente a responsabilidade

complementar de ressarcir os danos caracterizados e quantificados.

Enquanto isso, os defensores da teoria da responsabilidade

subjetiva entendem que o titular do cartório e o Estado são co-responsáveis na

obrigação de indenizar o ofendido pelo dano causado.

Defende-se a teoria subjetiva da responsabilidade dos

oficiais de registro, como também a teoria objetiva da responsabilidade destes,

que se situa no Código Civil de 2002. Quanto à segunda, alegam alguns

doutrinadores, que por haver uma lacuna na Lei nº 8.935/94, por não definir a

responsabilidade dos oficiais registradores como sendo subjetiva ou objetiva,

adotou-se, subsidiariamente, o novo Código Civil brasileiro, especificamente o

parágrafo único, do artigo 927, que versa da teoria do risco.

Outrossim, salienta-se que é pacífico o entendimento de que

o Estado possui a obrigação de indenizar os usuários dos serviços de registro,

decorrente da culpa contratual, e até mesmo em relação a terceiros prejudicados

por esse serviço, advindo da culpa aquiliana, porém o dissentimento é em relação

a que tipo de responsabilidade o Estado estará sujeito.

Existem duas grandes correntes doutrinárias acerca da

responsabilidade civil do Estado frente aos atos praticados pelos oficiais

registradores, sendo estas, divididas em responsabilidade subsidiária entre o

Estado e o registrador e responsabilidade solidária entre o Estado e o registrador.

Nesta feita, observa-se que os oficiais de registro nas

atribuições de suas funções delegadas pelo Poder Público sujeitam-se às regras

impostas por estes, com o objetivo único de garantir um serviço de tecnicidade,

legalidade e satisfação perante a sociedade. Quando ocorre por parte desse

oficial a desobediência às normas regulamentadoras, ocorrem as infrações

disciplinares, sujeitas às devidas penalidades impostas pela lei.

Portanto, o artigo 31, da Lei nº 8.935/94 dispõe sobre as

infrações disciplinares a que estão sujeitos os oficiais de registro, conquanto o

artigo 32, da Lei nº 8.935/94 preceitua sobre as penalidades aplicáveis para os

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oficiais de registro que praticarem infrações, tais como, repreensão, multa,

suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta dias; penas estas que

são aplicadas pelo Poder Judiciário. .

A perda de delegação ocorrerá por cometimento de falta

grave e que não seja o caso da aplicação de pena de suspensão, contudo, este

apenamento disciplinar somente poderá ocorrer nos termos do artigo 35, da Lei nº

8.935/94, que disciplina que a perda da delegação dependerá de sentença judicial

transitada em julgado; ou de decisão decorrente de processo administrativo

instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa.

Da mesma forma e, em caráter independente da

responsabilidade civil e penal do titular da função delegada de titular do cartório,

poderá o Poder Público aplicar a pena administrativa da perda da delegação,

tirando a titularidade do cartório do faltoso, através de ato administrativo.

A extinção da delegação ao notário ou ao oficial de registro

dar-se-á pela morte; aposentadoria facultativa; invalidez; renúncia; perda nos

termos do art. 35, assim como por descumprimento, comprovado, da gratuidade

estabelecida na Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997.

Finalmente, anota-se que o processo administrativo é uma

das modalidades em que pode ocorrer a decisão pela perda da delegação do

titular, expedida pelo poder delegante, apenas nas hipóteses previstas em lei.

Assim, é este o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores

públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados

estabelecimentos da Administração.

Isto posto, afirma-se que o trabalho desenvolvido visou

elucidar eventuais dúvidas sobre a responsabilidade civil dos notários e

registradores frente à Lei nº 8.935/94, com o escopo não de esgotar o assunto,

porém de provocar novos estudos sobre este tema.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ALVES, Sonia Marilda Peres. Responsabilidade civil dos notários e registradores: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas

atividades e a sucessão trabalhista na delegação. In: Revista de Direito Imobiliário

IRIB. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 25, n. 53, p.95, jul./dez.

BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2005.

BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Considerações sobre o processo administrativo disciplinar. Disponível em:

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