113
1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANO AMBIENTAL DECORRENTE DE POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: ASPECTOS DESTACADOS JOÃO SOARES DE SOUZA Biguaçu (SC), junho de 2008.

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANO

AMBIENTAL DECORRENTE DE POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA:

ASPECTOS DESTACADOS

JOÃO SOARES DE SOUZA

Biguaçu (SC), junho de 2008.

Page 2: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

2

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANO

AMBIENTAL DECORRENTE DE POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA:

ASPECTOS DESTACADOS

JOÃO SOARES DE SOUZA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito.

Orientador: Professor Doutor Artur Jenichen Filho

Biguaçu (SC), junho de 2008.

Page 3: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

3

AGRADECIMENTO

Agradeço ao orientador do conteúdo, Professor

Doutor Artur Jenichen Filho, por sua dedicação e,

principalmente, pela paciência e incentivo na

orientação, fatores imprescindíveis para a execução

e conclusão desta monografia.

A minha família que, com muito carinho e apoio, não

mediram esforços para que eu chegasse até esta

etapa de minha vida.

E especialmente a minha esposa Sirley que muito

me incentivou e ajudou chegar até a etapa final deste

curso.

Finalmente, a todos aqueles que, de uma forma ou

de outra colaboraram para a construção do presente

trabalho.

Page 4: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

4

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu (SC), 16 de junho de 2008.

João Soares de Souza

Graduando

Page 5: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

5

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando João Soares de Souza, sob o título

Responsabilidade Internacional dos Estados por Danos Ambientais decorrentes de

Poluição Transfronteiriça: aspectos destacados, foi submetida em 16/06/2008 à

banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Artur Jenichen

Filho (presidente), Professor Rafael Burlani (membro) e Guilherme Bez Marques

(membro), e aprovada com a nota 8,3 (oito vírgula três).

Biguaçu (SC), 16 de junho de 2008.

Prof. Artur Jenichen Filho

Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsíca

Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

Page 6: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

6

ROL DE ABREVIATURA E SIGLAS

CDI: Comissão de Direito Internacional da ONU (Genebra)

CIJ: Corte Internacional de Justiça (Haia)

ECO/92: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992)

OCDE: Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Paris)

OEA: Organização dos Estados Americanos (Washington)

ONG: Organização Internacional Não Governamental

ONU: Organização das Nações Unidas (New York e Genebra)

PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Nairob)

TCA: Tratado de Cooperação Amazônica (Brasília)

Page 7: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

7

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o autor considera estratégicas à compreensão

do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Direito Internacional do Meio Ambiente

Conjunto de regras do Direito Internacional devidamente desenvolvidas, tendo em

vista a preservação do meio ambiente. (SILVA, 1995, p. 7)

Meio Ambiente Internacional:

Recursos naturais, seja abióticos seja bióticos, como o ar, água, a fauna e a flora, e

a interação de tais fatores; propriedade que formam parte da herança cultural; e os

aspectos característicos da paisagem” (SOARES, 2003, p. 893).

Espaços Ambientais Internacionais

Aqueles que não tem referencial necessário aos limites dos Estados, mas que se

definem em função de normas ambientais internacionais, tais como habitat de

animais protegidos, o clima, o ozônio que envolve a atmosfera terrestre e outros

fenômenos tipificados pela norma jurídica internacional (SOARES, 2003, p. 99).

Dano Ambiental

Perda ou dano por prejuízo ao meio ambiente, na condição de que a compensação

pelo prejuízo ao meio ambiente, outra que aquela relativa a lucros cessantes de tal

prejuízo, seja limitada a custos ou medidas de restabelecimento efetivamente

tomadas ou a serem tomadas” (SOARES, 2003, p. 893).

Poluição

“Todo o tipo de transformação ou degradação da qualidade ambiental decorrente de

qualquer conduta ou atividade humana que, voluntária ou involuntariamente, ilícita

ou licitamente, possa alterar, contaminar, destruir, ou descaracterizar os bens ou

recursos integrantes do meio ambiente (naturais, culturais, sanitários),

comprometendo, diante do conseqüente desequilíbrio ecológico-ambiental, direta ou

Page 8: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

8

indiretamente, tanto a vida, a saúde e o bem-estar da pessoa humana e as

condições sócio-econômicas das pessoas físicas e jurídicas (de direito público e de

direito privado) como as condições de vida de todas as espécies animais, vegetais e

microorgânicas terrestres e aquáticas.” (CUSTÓDIO, 2006, p. 556).

Poluição Transfronteiriça

Designa a poluição cuja fonte física se situa total ou parcialmente numa zona

submetida à jurisdição nacional de um Estado e que produz efeitos danosos numa

zona submetida à jurisdição de outro Estado (SOARES, 2003, p. 216)

Responsabilidade Internacional

“A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude do qual

o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional deve uma

reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido.” (MELLO, 2000, p. 485).

Responsabilidade Internacional Subjetiva

A Responsabilidade Internacional Subjetiva é o instituto que tem como fato gerador

um ato comissivo ou uma abstenção (elemento objetivo), qualificados como ilícitos,

atribuíveis ao Estado (elemento subjetivo), que são a causa de uma obrigação de

reparar (...). (MELLO, 2000, P. 735)

Responsabilidade internacional Objetiva:

Consiste na reparação devida em função da prática de um ato lícito, que, embora

permitido no Direito Internacional, culmine em prejuízos para outro Estado. O dever

de reparar independe de culpa. (SOARES, 2003, p. 722)

Page 9: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

9

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................... X ABSTRACT ...........................................................................................XI INTRODUÇÃO ........................................................................................1 CAPÍTULO 1............................................................................................6 DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE .............................. 6 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................................................................6 1.2. FONTES DAS OBRIGAÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE ..............................................................................................8 1.2.1. OS TRATADOS INTERNACIONAIS............................................................. .11 1.2.2. COSTUME INTERNACIONAL ...................................................................... 12 1.2.3. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO .........................................................13 1.2.4. AS DECISÕES JUDICIÁRIAS E A DOUTRINA INTERNACIONAIS..........................................................................................13 1.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE..............15 1.3.1. PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA...........................15 1.3.2. PRINCÍPIO DO ACESSO EQÜITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS .....................................................................................................16 1.3.3. PRINCÍPIOS DO USUÁRIO-PAGADOR E POLUIDOR PAGADOR .....................................................................................................18 1.3.4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO .......................................................................19 1.3.5. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO .......................................................................20 1.3.6. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO ........................................................................21 1.3.7. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO.......................................................................22 1.3.8. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO ...................................................................23 1.3.9. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DO PODER

PÚBLICO........................................................................................................24 1.4. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE ................................................25 CAPÍTULO 2 .........................................................................................31 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS..............................................................................................31 2.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL .............................31 2.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS ..................................................31 2.2.1. ATO ILÍCITO ..................................................................................................31 2.2.2. IMPUTABILIDADE .........................................................................................33 2.2.3. DANO .............................................................................................................34

Page 10: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

10

2.3. OS ATOS DOS ÓRGÃOS DO ESTADO ...........................................................36 2.4. ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS .............................................39 2.5. AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS.....................................................42 2.5.1. A CESSAÇÃO DO COMPORTAMENTO ILÍCITO .........................................42 2.5.2. A REPARAÇÃO STRICTU SENSU................................................................44 2.5.3. INDENIZAÇÃO ...............................................................................................47 2.5.4. A SATISFAÇÃO..............................................................................................50 2.5.5. AS SEGURANÇAS E GARANTIAS DE NÃO REPETIÇÃO DO COMPORTAMENTO ILÍCITO....................................................................................51 CAPÍTULO 3 .........................................................................................53 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA DOS ESTADOS..............................................................................................53 3.1. A POLÊMICA ACERCA DO TEMA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS ESTADOS...............................................................................54 3.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E AS CONSEQÜÊNCIAS PELOS DANOS CAUSADOS ........................................................................................55 3.3. A POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA ...........................................................................57 3.3.1. POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA ...............................................................57 3.4. A CONVENÇÃO EUROPÉIA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RESULTANTES DE ATIVIDADES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE – CONVEÇÃO DE LUGANO..........................................................66 3.5. AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS .................................................................................................72 CONCLUSÃO ........................................................................................78 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ............................................85 ANEXOS ................................................................................................88

Page 11: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

11

RESUMO

A evolução histórica da responsabilidade civil está alicerçada na

doutrina subjetiva da culpa. Entretanto, as transformações sociais que passaram a

ocorrer desde o século XIX, com a Revolução Industrial, e mais tarde no século XX,

com a Revolução Tecnológica, reclamaram uma mudança desse modelo

subjetivista, em virtude de sua insuficiência em fornecer respostas adequadas e

justas ao cenário então instalado decorrente dessas transformações. É nesse

cenário que surge a intitulada responsabilidade objetiva, a qual se fundamenta na

teoria do risco, dispensando a prova de culpa para viabilizar a indenização. A

presente pesquisa busca averiguar o sistema de responsabilização internacional do

Estado, especificamente quanto aos danos causados ao meio ambiente pela

poluição transfronteiriça. Para tanto, serão feitas algumas considerações iniciais

concernentes ao histórico do Direito Internacional Ambiental, seguindo-se de uma

breve exposição sobre as fontes do Direito Ambiental Internacional, consideradas as

mesmas fontes do Direito Internacional. Mais adiante, cuida do assunto

propriamente dito: a teoria da responsabilidade internacional do Estado,

aprofundando o tema com a pesquisa das teorias de responsabilização subjetiva ou

por culpa e objetiva ou por risco, construídas pela doutrina, ressaltando-se a atuação

da CDI na codificação da responsabilidade internacional do Estado. A ênfase recai

nos projetos Ago e Arangio-Ruiz, assim conhecidos em face dos nomes de seus

relatores (Roberto Ago e Arangio-Ruiz). Na seqüência dirige-se à análise específica

da poluição transfronteiriça e à Responsabilidade Internacional Objetiva, inserindo-

se, neste título, a análise do Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por

Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu

Depósito (Protocolo da Basilléia) e da Convenção Européia sobre Responsabilidade

Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente

(Convenção de Lugano). Por fim, adentrou-se pormenorizadamente nas causas de

exclusão da responsabilidade internacional, nos seus dois sistemas (subjetiva e

objetiva).

Palavras-Chave: responsabilidade internacional, meio ambiente,

poluição transfronteiriça.

Page 12: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

12

ABSTRACT

The historical development of civil liability is based on the subjective

theory of fault. However, the social changes that have occurred since the nineteenth

century, with the Industrial Revolution, and later in the twentieth century, with the

technological revolution, called for a change in that theory, because of its failure to

provide fair and appropriate responses. It is in that scenario that appears the

objective liability, based on the theory of risk, with no need of the proof of guilt to

demand the payment of the damages. This research tries to analyze the international

liability system of the governments, specifically when the damage is caused to the

environment by cross border pollution. To achieve that purpose, there will be some

initial considerations concerning the history of International Environmental Law,

followed by a brief explanation about the sources of International Environmental Law,

considering the the same sources of international law. Later on, it takes care of the

matter itself: the theory of international liability of the government, refining the theme

with the research of the subjective and objective theories of liability, caused by fault

or risk built by the doctrine emphasizing the role of CDI in creatind an international

code of the liability of the government. The emphasis are on projects Ago and

Arangio-Ruiz, known by these names after the name of Roberto Ago and Arangio-

Ruiz. Later on, this research specifically analyzes the cross border pollution and the

International Objective Liability, including the analysis of the Protocol on Liability and

Compensation for Damages Resulting from Cross Border Movement of Hazardous

Wastes and their deposit (Basilléia Protocol) and the European Convention on Civil

Liability for Damage Resulting from Environmental Harmful Activities (Lugano

Convention). Finally, it is analyzed, in details, the causes the international

responsibility is excluded, in the two systems (subjective and objective).

Keywords: international liability, environment, cross border pollution.

Page 13: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

1

INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje, o progresso científico e tecnológico, aliado a uma

crescente capacidade comercial, impulsionou o homem a interferir cada vez mais no

ambiente.

Ante a degradação crescente do meio ambiente, a atingir todo o

planeta no decorrer do século XX, intensificou-se a preocupação com tal questão.

O tema obteve projeção no cenário internacional a partir da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo (Suécia), em 1972, que proclama, em seu princípio n° 1, o meio ambiente

como um direito fundamental do ser humano.

A partir daí, o problema ambiental ultrapassou as barreiras nacionais

e passou a ser considerado como de responsabilidade de toda a humanidade,

traspassando fronteiras. Já não basta a ação isolada dos Estados, uma vez que as

conseqüências das ações agressivas ao meio ambiente não conhecem fronteiras

políticas. Daí a necessidade de unificação das políticas ambientais dos Estados.

Desde então, os Estados e as organizações internacionais buscam

ampliar a cooperação internacional para a proteção do meio ambiente, que já

ostenta um número considerável de tratados e convenções.

A presente monografia tem por objeto investigar as circunstâncias

que poderão levar os Estados a ser responsabilizados internacionalmente por danos

ambientais decorrentes de poluição gerada em seu território, mas de conseqüências

transfronteiriças.

A escolha do tema, além da curiosidade e da vontade de aprofundar

a questão da responsabilidade internacional nos casos de poluição ocorrida num

Estado e com conseqüências noutro, teve influência dos vários desastres ocorridos

com derramamento de petróleo nos rios brasileiros, muitos deles por desaguarem

em rios internacionais podem atingir os países vizinhos, caso em que poderia haver

responsabilização do Estado poluidor. Cita-se o desastre ocorrido em 16 de julho de

Page 14: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

2

2000, na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, da Petrobrás, localizada no município

de Araucária, a 24 quilômetros de Curitiba, que teria culminado com o vazamento de

cerca de 4 milhões de litros de petróleo. A mancha de óleo atingiu o rio Barigüi,

afluente do rio Iguaçu, preocupando os países vizinhos, já que o rio Iguaçu deságua

no rio Paraná, seguindo o curso entre o Paraguai e a Argentina.

Outro exemplo a ser destacado é o caso da usina termoelétrica de

Candiota, em Bagé, no Rio Grande do Sul que provoca a formação de chuvas

ácidas no Uruguai. Estes casos comprovam a dispersão do gás poluente citado

através do vento, que ocorre chuvas ácidas não apenas no local da emissão do gás,

mas também em outras áreas, muitas vezes com grande distância.

O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo,

“Direito Internacional do Meio Ambiente”, será introduzido por uma contextualização

histórica do Direito Internacional Meio Ambiente, em que se destaca a Declaração

sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, ressaltando sua

importância como documento a partir do qual, alavancados por seus princípios, se

multiplicaram os instrumentos internacionais que buscam a preservação do meio

ambiente. A seguir, será destacado o sistema jurídico internacional, com a

identificação dos fundamentos e das fontes do Direito Internacional Meio Ambiente,

consideradas as mesmas fontes do Direito Internacional, ou seja, aquelas

enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que seriam os

tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito e,

como meios auxiliares para determinação do significado e alcance das primeiras, as

decisões judiciais e a doutrina internacional. Foram acrescentadas a essas fontes

internacionais as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos

jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas

organizações internacionais.

Nesse capítulo, também serão evidenciados os princípios do Direito

Internacional do Meio Ambiente segundo a doutrina de Paulo Affonso Leme

Machado, a maioria dos quais tem apoiado em declarações internacionais. Os

princípios são a base do ordenamento jurídico, verdadeiros norteadores dos

legisladores na confecção de nova legislação, dos próprios aplicadores do direito no

exercício da profissão e das pessoas que se relacionam com o meio ambiente.

Page 15: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

3

Assim, para que o Direito Ambiental tenha aplicabilidade e efetividade, é de capital

importância que, além da ciência das leis e das demais legislações ambientais,

sejam do senso comum seus princípios fundamentais, pois são estes as normas de

valor genérico que orientarão sua compreensão, aplicação e integração ao sistema

jurídico como um todo, estando tais princípios positivados ou não. Assim, serão

associados os princípios do direito à sadia qualidade de vida; do acesso eqüitativo

aos recursos naturais; do usuário-pagador e poluidor pagador; da precaução; da

prevenção; da reparação; da informação; da participação; e da obrigatoriedade da

intervenção do poder público. Por fim, serão estabelecidas as bases conceituais do

instituto da responsabilidade.

No segundo capítulo, “A Responsabilidade Internacional Subjetiva

dos Estados, será analisada a responsabilidade internacional subjetiva do Estado,

tida pelo Professor Guido Soares como sistema geral, para, no capítulo seguinte, ser

abarcado o sistema especial (objetiva), conforme regulamentado em textos

normativos. Após conceituação e delimitação dos elementos constitutivos da

responsabilidade subjetiva, prosseguir-se-á com a análise da conduta proveniente

do Estado que tenha o condão de impulsionar esta responsabilização (atos dos

órgãos do Estado), bem como do tema relativo ao esgotamento dos recursos

internos. A seguir, serão analisadas as conseqüências jurídicas da responsabilidade

internacional subjetiva do Estado, quais sejam a cessação do comportamento ilícito,

a reparação strictu sensu, a indenização, a satisfação e as seguranças e garantias

de não-repetição do comportamento ilícito.

O terceiro capítulo abordará o tema “A Responsabilidade

Internacional Objetiva dos Estados”, evidenciando a problematização que envolve a

responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a

necessidade de previsão nos tratados e de que as ações realizadas pelos Estados

sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional, prosseguindo-se com o

esclarecimento dos elementos constitutivos e a análise das conseqüências pelos

danos causados. Na seqüência será realizada uma pequena digressão acerca do

conceito de poluição, classificando-a de acordo com os setores ambientais que são

afetados, onde será ressaltado o conceito de transfronteiriço e sua ligação ao

conceito de poluição, em cujo item, com intuito de conhecer a forma pela qual se

disciplinam as conseqüências por eventuais prejuízos causados ocasionado por um

Page 16: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

4

Estado no Território do outro, será analisado o Protocolo sobre Responsabilidade e

Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos

Perigosos e seu Depósito, conhecido como o Protocolo da Basiléia e, também, com

o mesmo fim, será analisada a Convenção Européia sobre Responsabilidade Civil

por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente, denominada a

Convenção de Lugano. Completando o capítulo, serão estudadas as causas de

exclusão da responsabilidade internacional, nos seus dois sistemas (subjetiva e

objetiva).

Os autores cujas obras serviram como marcos teóricos foram,

principalmente, Paulo Affonso Leme Machado, com sua obra o Direito Ambiental

Brasileiro, e o professor Guido Soares, com suas obras “Curso de Direito

Internacional Público” e “Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência,

Obrigações e Responsabilidades”. Destarte, muitas das referências doutrinárias

neste estudo terão como fonte os ensinamentos deste mestre, em face do

reconhecimento por muitos autores de sua valiosa contribuição doutrinária acerca do

tema, a exemplo de Luís Cezar Ramos Pereira, que afirma, em sua obra “Ensaio

sobre a Responsabilidade Internacional do Estado”, que o autor esgota o assunto

sobre a responsabilidade internacional estatal sobre a questão do meio ambiente,

asseverando que depois daquele escrito, não há o que se falar sobre o tema, pois,

seria repetitivo.” (PEREIRA, 2000, p. 215).

A monografia encerra com as considerações finais, nas quais são

apresentados os pontos conclusivos destacados, seguidos de estimulação à

continuidade dos estudos e de reflexões sobre a responsabilidade internacional dos

Estados por poluição transfronteiriça.

Em razão de sua importância para o Direito Internacional do Meio

Ambiente, integram, ainda, a presente monografia os seguintes anexos: Anexo I -

Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, 1972; e Anexo II –

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a

ECO/92.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Page 17: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

5

1. Existe um Direito Internacional do Meio Ambiente com

características próprias e separadas do Direito Internacional ou Privado, a ponto de

constituir-se num ramo autônomo da Ciência Jurídica.

2. A responsabilidade internacional dos Estados pela reparação do

dano ambiental é objetiva e baseada na teoria do risco integral. Quem exerce

atividades suscetíveis de causar danos ao ambiente sujeita-se à reparação do

prejuízo, independentemente de ter agido ou não com culpa.

Quanto à Metodologia empregada, foi adotada na fase de

investigação o Método Indutivo, e as demais fases (tratamento dos dados e relatório

dos resultados), foram compostas na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas, do

Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Page 18: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

6

CAPÍTULO I

DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza, realizado

em Paris, no ano de 1923, é reconhecido por muitos como o primeiro evento voltado

para a preservação do meio ambiente.

Para GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, referido

evento “representa o primeiro passo importante no sentido de abordar o problema no

seu conjunto.” No entanto, nesta época, o enfoque não era o da proteção da

natureza, mas sim “(...) a proteção dos interesses econômicos e comerciais. Em

outras palavras, o objetivo era evitar a extinção de importante fonte de renda.”

(1995, p. 25).

O destaque dado a tal evento, reconhecido como o primeiro voltado

para a preservação do meio ambiente, pode dar a impressão de não ter havido, até

então, uma preocupação com a preservação do meio ambiente. Relatos históricos

mostram, contudo, que tal preocupação pode ter origem nos primórdios da

civilização.

CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO informa que:

(...) o direito florestal surgiu na Babilônia em 1900 a.C.; o Código Hitita, redigido entre 1380 a 1340 a.C., tem norma proibindo a poluição da Água. Em 1370 a.C. o faraó Akenaton cria a primeira reserva natural. No século III a.C. o imperador Asoca adota um edito protegendo diferentes espécies de animais selvagens. A bíblia tem passagem pregando a moderação e responsabilidade no uso de recursos naturais. (1997, p. 1169).

Outros acontecimentos importantes ocorridos antes do I Congresso

Internacional para a Proteção da Natureza também demonstram a preocupação

com a preservação ambiental, como bem assinala GERALDO EULÁLIO DO

NASCIMENTO E SILVA (1995, p. 25), a exemplo da proclamação real de 1306, do

rei Eduardo I, proibindo o uso do carvão em fornalhas abertas, na cidade de

Page 19: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

7

Londres. No Brasil, pode-se citar a criação, em 1635, das primeiras conservatórias

visando à proteção do pau-brasil como propriedade real, a assinatura, em 1796, da

primeira Carta Régia sobre a conservação das florestas e madeiras e a fundação do

Jardim Botânico, em 1808, por Dom João VI.

O enfoque econômico começou a mudar a partir de 1954, com a

Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição do Mar por Óleos, sendo

este “(...) o primeiro tratado de defesa do meio ambiente ou, mais precisamente,

contra a poluição.” (SILVA, 1995, p.26).

A doutrina considera a Conferência sobre o Meio Ambiente de

Estocolmo, de 1972, como ponto de partida do movimento ecológico internacional.

“Apesar de não estabelecer regra concreta, essa declaração propiciou a primeira

moldura conceitual abrangente para a formulação e implementação estruturada do

Direito Internacional do Meio Ambiente” (WOLD, 2003, p. 7).

GUIDO SOARES assim afirma que:

A partir de 1960, a movimentação dos Estados em favor de uma regulamentação global do meio ambiente foi notável. Até a data memorável do decêndio de 5 a 15 de junho de 1972, quando se realizaria a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, várias convenções internacionais afirmariam a pujança do direito que então emergia, o Direito Internacional do Meio Ambiente, o qual teria sua certidão de maturidade plena firmada naquele evento na Suécia. (2003, p. 50)

Assevera o autor que a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano,

adotada em Estocolmo pela referida Conferência das Nações, pode ser considerada:

“[...]como um documento com a mesma relevância para o Direito Internacional e para a Diplomacia dos Estados que teve a Declaração Universal dos Direitos do Homem (adotada pela Assembléia Geral da ONU em 10-12-1945) [...]”, uma vez que “[...] ambas as Declarações “têm exercido o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar tanto nas legislações domésticas dos Estados, quanto na adoção dos grandes textos do Direito Internacional da atualidade.” (SOARES, 2003, p. 55).

Desde então, alavancados pelos princípios ou pelo processo de

formulação da Declaração de Estocolmo, de 1972, multiplicaram-se os instrumentos

internacionais que buscam a preservação do meio ambiente.

Page 20: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

8

Além disso, logo após a edição da Declaração de Estocolmo, de

1972, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),

primeiro projeto ambiental internacional voltado à coordenação de esforços da

comunidade internacional para questões relativas ao meio ambiente e sua proteção

jurídica.

Muito embora se tratem de importantes e significativos eventos, “(...)

o Direito Internacional do Meio Ambiente permaneceu como um campo

significativamente restrito durante as décadas de 1970 a 1980 (...)”, modificando-se

esse quadro em 1992, com a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (UNCED), ocorrida no Rio de Janeiro. (WOLD, 2003, p. 7).

O Direito Internacional do Meio Ambiente é, portanto, uma resposta

ao interesse público transnacional que despertara, à medida que os problemas

ambientais tornavam-se mais sérios. Com o agravamento dos problemas ambientais

e com o estabelecimento de uma consciência ecológica na opinião pública

internacional, a qual passou a exigir uma tutela internacional do meio ambiente,

surge o Direito Internacional do Meio Ambiente ao longo do século XX.

1.2. FONTES DAS OBRIGAÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO

AMBIENTE

A comunidade internacional é regida por normas internacionais, as

quais criam direitos e deveres para seus destinatários. Essas normas são reveladas

por meio do estudo das fontes do Direito Internacional, havendo nítida inter-relação

entre elas (SOARES, 2002, p. 57).

Adotam-se como parte das fontes formais do direito internacional,

tradicionalmente, aquelas constantes do artigo 38 da Corte Internacional de Justiça,

ou seja, os tratados internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de

Page 21: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

9

direito e, como meios auxiliares para determinação do significado e alcance das

primeiras, as decisões judiciárias e a doutrina internacional.1

As fontes positivadas naquele documento, contudo, não são

taxativas, remanescendo, portanto, outras de igual magnitude.

Nesse sentido, assevera GUIDO SOARES:

“Contudo, já à época de sua adoção [Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional que fora aproveitado pela atual Corte Internacional de Justiça], não representava o melhor rol das fontes do Direito Internacional, pois não consagrava duas realidades então existentes: a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época e, com alguma justificativa, b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais (hoje denominadas OIGs, por oposição às ONGs”. (2002, p. 55).

A doutrina informa que também são fontes formais do Direito

Internacional as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos

jurídicos no âmbito do Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas

organizações internacionais.

É oportuno salientar que, diferentemente do que ocorre no

ordenamento jurídico brasileiro, onde as normas constitucionais possuem evidente

supremacia sobre todas as outras, as fontes do Direito Internacional possuem a

mesma hierarquia.

GUIDO SOARES, ao tratar do assunto, preleciona:

“Na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, nos dois dispositivos em que o jus cogens se encontra expressamente mencionado, em nenhum momento há referência a hierarquia de fontes; eles referem-se a hierarquia entre normas e ambos se relacionam a questões referentes à validade dos tratados internacionais. Trata-se do art. 53 (insculpido em seção relacionada à nulidades de tratados) e do art. 64 (em seção relacionada à extinção e à suspensão da execução de tratados), ambos incluídos na Parte V da Convenção, que se auto-intitula: “Nulidade, Extinção e Suspensão da Aplicação dos Tratados”. (2002, p. 132).

1 O art. 38 da Carta das Nações Unidas, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 19.841 de 22.10.1945, dispõe o seguinte: “1. A corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) convenções internacionais, de caráter geral ou especial, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como lei; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas; d) sem prejuízo dos dispositivos do artigo 59, as decisões judiciais e os ensinamentos dos publicistas mais qualificados das diferentes Nações, como meios auxiliares para determinação de regras de direito. 2. Este dispositivo não prejudicará o poder que tem a corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes concordarem com isto.” (MAZZUOLI, 2004, p. 39).

Page 22: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

10

Importante, também, salientar a lição de JOSÉ FRANCISCO REZEK acerca do tema:

“Não há hierarquia entre as normas de direito internacional público, de sorte que só a análise política – de todo independente da lógica jurídica – faz ver um princípio geral, qual o da não-intervenção nos assuntos domésticos de certo Estado, como merecedor de maior zelo que um mero dispositivo contábil inscrito em tratado bilateral de comércio ou tarifas.” (2002, p. 2).

Como visto, são consideradas fontes do Direito Internacional do Meio

Ambiente, tradicionalmente, as mesmas fontes do Direito Internacional, ou seja,

aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, verbis:

“ 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob reserva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.” (SOARES, 2003, p. 171).

Tal rol foi elaborado por ocasião do final da Primeira Guerra e, já

naquela época, não representava a melhor relação das fontes do Direito

Internacional, uma vez que não previa duas realidades então existentes:

“(a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época; e com alguma justificativa, (b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais [...], entidades que, naquele momento histórico, eram bastantes tímidas em sua atuação e limitadas em sua competência internacional [...]” (SOARES, 2003, p. 171-172).

Acrescenta que, com a proliferação das Organizações

Intergovernamentais:

“a lacuna do citado art. 38 do Estatuto da CIJ tem-se tornado ainda mais injustificada, em particular, com a emergência das organizações regionais de integração econômica, em que, no tipo ‘mercado comum’ (como a Comunidade Européia e o Pacto Andino), órgãos comunitários, por delegação de poderes expressos dos Estados-partes, podem elaborar normas especiais e regionais, dirigidas aos Estados, aos próprios órgãos comunitários, a indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno.” (SOARES, 2003, p. 171-172).

Page 23: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

11

Assim, as fontes formais do Direito Internacional do Meio Ambiente

representam uma releitura das fontes formais do Direito Internacional sob a ótica

ambiental.

1.2.1. Tratados Internacionais

O Direito Internacional Público tem, nos tratados internacionais que

realiza, a forma normativa de relações entre países, destacando-se que estas não

correspondem a normas cogentes em todos os casos pactuados.

A definição de tratado pode ser colhida no principal deles – a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - que define, em seu artigo 2º, alínea a:

“tratado” significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular. (SOARES, 2003, p. 174).

Cabe lembrar que tratado é uma expressão genérica, podendo ser

denominado convenção, protocolo, convênio ou declaração, à guisa de

exemplificação, dependendo da forma, conteúdo, objeto ou seu fim. Para ser

considerado válido, é necessário que as partes “tenham capacidade para tal; que os

agentes estejam habilitados; que haja consentimento mútuo; e que o objeto do

tratado seja lícito e possível.” (ACCIOLY, 1996, p. 22).

Os tratados internacionais são considerados fontes por excelência

do Direito Internacional do Meio Ambiente. GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO

E SILVA afirma que, “além de outras vantagens, os tratados têm a virtude de

determinar, de maneira nítida, ou quase nítida, os direitos e obrigações das partes

contratantes” (1995, p. 8).

Referido autor classifica os tratados ambientais como genéricos ou

específicos ou, geograficamente, globais, regionais, sub-regionais ou bilaterais, com

grande tendência, em face da evolução rápida do Direito Ambiental, para os tratados

genéricos (Umbrella Conventions). Nesse tipo de tratado, por suas características,

são traçados os princípios gerais, deixando-se para os protocolos suplementares as

regras específicas. Cita como exemplo a Convenção de Viena para a Proteção da

Page 24: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

12

camada de Ozônio (1985), complementada pelo Protocolo de Montreal sobre

substâncias que destroem a Camada de Ozônio (1987). (SILVA, 2003, p. 8-9).

Embora de singular importância para o Direito Internacional do Meio

Ambiente, os tratados, via de regra, não obrigam países não signatários, podendo,

ao longo do tempo, servir como espécie de obrigação moral ou até se

estabelecerem, nos Estados que não os firmaram, como direito costumeiro.

1.2.2. Costume Internacional

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça – CIJ, em seu artigo 38,

acima transcrito, se refere ao costume internacional como prova de “uma prática

geral aceita como sendo o direito”, ou seja, para o estabelecimento de um costume,

exige-se a existência de uma “prática geral”. Significa dizer que deve haver uma

freqüência repetitiva, bem como um período de tempo durante o qual a prática tenha

ocorrido entre os Estados.

O costume é, portanto, fruto de usos freqüentes de determinadas

práticas aceitas durante longo período. O fator tempo é tido como um de seus

elementos constitutivos.

Com o progresso científico e tecnológico, em conseqüência do

aparecimento de novas situações e relações sociais, são exigidas soluções

imediatas que não podem depender de um costume de formação lenta, embora sua

importância como fonte do Direito internacional ainda perdure.

Nesse sentido, assevera HILDEBRANDO ACCIOLY:

“A supremacia do costume na formação do DIP cessou depois da segunda guerra mundial em virtude do surgimento de novos problemas e do aumento no número de membros da comunidade internacional desejosos de deixar a sua marca no ordenamento mundial através de tratados negociados nos organismos intergovernamentais. O aparecimento de novas situações, criadas na maioria dos casos pelos avanços da tecnologia, exigiu soluções imediatas que não podiam depender de um costume de formação lenta.” (1996, p.36)

No que respeita ao Direito Internacional do Meio Ambiente,

embora sendo um ramo tão novo do Direito, o costume internacional vem sendo

Page 25: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

13

invocado por julgadores ou árbitros em litígios internacionais entre Estados,

aproveitando-se do tempo de maturação das práticas internacionais de outros ramos

do Direito.

1.2.3. Princípios Gerais de Direito

A terceira fonte enunciada pelo Estatuto de Haia abarca os princípios

gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Entre todas as fontes

elencadas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, os princípios

gerais do Direito são os mais vagos e os que mais criam polêmica entre os

doutrinadores (ACCIOLY, 1996, p. 38)

Discute-se se os princípios gerais do Direito servem apenas para

interpretar e para superar as dificuldades ou lacunas das regras convencionais e

costumeiras ou se, além disso, servem também de método autônomo de criação,

modificação e extinção de direito.

É inegável, contudo, que as funções desempenhadas pelos

princípios gerais do Direito no plano internacional são muito importantes, tanto que

eles têm prioridade sobre a teoria da absoluta liberdade dos Estados, segundo a

qual estes princípios não estariam sujeitos a nenhuma obrigação, a não ser aquelas

obrigações que tivessem sido contraídas livremente por vontade expressa nos

tratados ou de maneira tácita pelos costumes.

O Direito Internacional moderno depende cada vez menos desta

fonte de Direito Internacional, pois a maioria dos princípios gerais do direito já se

encontra fixada no direito consuetudinário ou no direito dos tratados.

1.2.4. Decisões Judiciárias e a Doutrina Internacionais

As decisões judiciais internacionais, ou jurisprudência, abrigam as

decisões dos tribunais arbitrais, das cortes de justiça internacionais e dos tribunais

Page 26: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

14

nacionais, além das decisões dos tribunais de determinadas organizações

internacionais.

As sentenças da Corte Internacional de Justiça são, sem dúvida, as

mais importantes e utilizadas como jurisprudência, pois, ao interpretarem os tratados

internacionais e esclarecerem o real conteúdo e significado dos costumes

internacionais e dos princípios gerais do Direito, fazem com que todas as incertezas

existentes no Direito Internacional sejam eliminadas e que eventuais lacunas sejam

preenchidas. Porém é fato que a tendência da Corte Internacional de Justiça é

sempre guiar-se por sua jurisprudência, fazendo com que ela não se afaste de

decisões anteriores e propicie, por sua vez, a intensificação do recurso das partes

aos antecedentes (ACCIOLY, 1996, p. 40-41).

O autor CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO faz especial

referência às decisões das organizações internacionais, isto é, à lei internacional.

Esta corresponde às normas obrigatórias para os Estados-membros,

independentemente de qualquer ratificação por parte deles.

Segundo o autor, a lei internacional se manifesta nos atos da vida

internacional, como:

1 – “nas convenções internacionais do trabalho que obrigatoriamente deverão ser levadas à aprovação do Poder Legislativo. Estas convenções fogem às regras normais do processo de conclusão dos tratados, que o Executivo só submete à aprovação do Legislativo se quiser e, uma vez aprovados por este poder, a ratificação ainda é um ato discricionário do Executivo; 2 – As convenções em matéria sanitária da OMS entram em vigor se os Estados não declaram a sua não aceitação em determinado lapso de tempo, isto é, as convenções podem se tornar obrigatórias para os Estados independentemente de ratificação; 3 – As comunidades européias constituem as denominadas organizações supranacionais, cuja característica, entre outras, está em suas decisões (majoritárias) serem diretamente exequíveis, sem qualquer transformação, no território de cada um dos Estados-membros, e, em conseqüência, serem obrigatórias para os Estados, mesmo contra a sua vontade; 4 – Na OACI, o seu Conselho, pelo voto de 2/3, adota padrões de segurança, eficiência etc., da aviação civil, que se tornam obrigatórios para os Estados no prazo de três meses (ou mais, conforme prescrição do Conselho), se neste período a maioria não manifesta a sua desaprovação”. (MELLO, 2000, p. 299-300).

Para o autor, não considerar as decisões das organizações

internacionais é não reconhecer o processo de integração da comunidade

Page 27: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

15

internacional, uma vez que são normas obrigatórias para sujeitos de direito,

independentemente de sua vontade.

No que tange à doutrina, opiniões de juristas tiveram papel relevante

no início da formação do Direito Internacional Público, visto que, naquela época,

este campo do Direito era extremamente lacunoso, de poucas normas escritas e de

poucos costumes internacionais reconhecidos.

Apesar de pouco utilizada atualmente, pois até mesmo a Corte

Internacional de Justiça tem evitado utilizar a doutrina em seus julgamentos, as

opiniões dos juristas ainda são bastante consultadas nas exposições dos governos e

nos votos em separado, o que demonstra ainda seu verdadeiro valor.

A doutrina não cria regras novas, ela apenas identifica e esclarece

regras já existentes, ou seja, a doutrina contribui como um meio auxiliar para a

prova, apresentação e interpretação das normas jurídicas internacionais.

1.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO

AMBIENTE

Assim como todos os ramos do Direito, o Direito Internacional do

Meio Ambiente tem princípios próprios.

Tais princípios, segundo CRHIS WOLD, “que emergiram na

Declaração de Estocolmo/72, tornaram-se, a partir de 1992, muito mais concretos,

estruturando-se em formulações mais precisas e detalhadas (...)”. (2003, p. 8).

Os princípios a seguir expostos seguem a doutrina de PAULO

AFFONSO LEME MACHADO, a maioria dos quais tem apoio em declarações

internacionais.

1.3.1. Princípio do direito à sadia qualidade de vida

Esse direito foi reconhecido pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo, em 1972, princípio 1, que disciplina:

Page 28: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

16

“O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.”2

Tal princípio foi reafirmado pela Declaração do Rio sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (princípio 1), que afirma: “Os seres humanos

constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento

sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio

ambiente.”3

Nesses dois instrumentos, o equilíbrio ecológico é bem essencial à

sadia qualidade de vida, traduzindo uma nova projeção do direito à vida, com

dignidade e qualidade.

O direito à saúde passa a ter uma nova ótica, à medida que passa a

abranger a manutenção daquelas condições ambientais que são suportes da própria

vida. “Leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza – águas, solo, ar,

flora, fauna e paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado de

sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres

humanos.” (MACHADO, 2006, p.54).

PAULO AFFONSO LEME MACHADO afirma que “essa ótica

influenciou a maioria dos países, e em suas Constituições passou a existir a

afirmação do direito a um ambiente sadio.” (2006, p. 54).

1.3.2. Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais

O princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais integra os

bens ao meio ambiente, como água, ar e solo, os quais devem satisfazer às

necessidades comuns de todos os habitantes da Terra.

2 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/

agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 3 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 29: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

17

Para PAULO AFFONSO LEME MACHADO, o meio ambiente é um

bem de uso comum do povo, isto é, todos podem utilizá-lo. O acesso aos bens

ambientais pode traduzir-se no consumo do bem (utilização dos recursos hídricos, a

caça e pesca), na poluição dos recursos naturais (lançamento de poluentes no ar, na

água ou no solo) e na contemplação da paisagem.

Observa, porém, que o acesso com eqüidade aos recursos naturais

deve ser utilizado sem seu esgotamento, pensando-se nas gerações futuras (2006,

p. 57).

E acrescenta que “[..] Não basta a vontade de usar esses bens ou a

possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade

dessa utilização, devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária,

negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos.” (MACHADO, p.

56)

Essa preocupação fez parte do rol dos princípios integrantes da

Declaração de Estocolmo, de 1972 (princípio 5), que dispõe: “Os recursos não

renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem

exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a

humanidade.”4

O princípio 3 da Declaração do Rio/92 contempla, de modo

expresso, a eqüidade: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a

permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades das gerações

presente e futuras.”5

Além disso, segundo o autor, “o acesso dos seres humanos à

natureza supõe a aceitação do Princípio I da Declaração do Rio de Janeiro/92, que

diz: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o

desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em

harmonia com a natureza””

4 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 5 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 30: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

18

De ressaltar, por último, que o acesso eqüitativo aos recursos

naturais dependerá do regime de propriedade dos bens ambientais adotado pela

legislação de cada país.

1.3.3. Princípios do usuário-pagador e poluidor-pagador

O princípio do poluidor-pagador foi introduzido pela Organização

para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, pela adoção, no ano de

1972, da Recomendação C(72) 128, do Conselho Diretor, que trata de princípios dos

aspectos das políticas ambientais, também adotado pelo princípio 16 da Declaração

do Rio sobre Meio Ambiente, de 1992:

“Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.”6

PAULO AFFONSO LEME MACHADO considera que “o princípio

usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que

obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada.”

(2006, p. 59).

Esses princípios têm por objetivo fazer com que os custos não sejam

suportados pelo Poder Público ou por terceiros, mas pelos utilizadores. Constitui-se

em tornar o causador da poluição responsável pelos custos das medidas de

prevenção e luta contra a poluição, sem receber nenhum tipo de ajuda financeira

compensatória. É uma busca pela internalização de custos, ou seja, o objetivo é

fazer com que o poluidor arque com todos os custos de sua atividade e não os

transfira à sociedade sob a forma de poluição (atmosférica, hídrica, térmica etc), pois

"o poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes

invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o

direito de propriedade alheia".(MACHADO, 2006, p. 59-60).

6 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 31: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

19

Nessa Linha, PAULO AFFONSO LEME MACHADO ensina que “o

uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do

usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor

escala fica onerada.” (2006, p. 59).

Acrescenta que “para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do

recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o

poluidor estão cometendo faltas ou infrações”, bastando verificar o efetivo uso do

recurso ambiental ou sua poluição. Além disso, deve ficar assente que o princípio do

poluidor-pagador não deve ser compreendido como um aval concedido a um agente

para que, em possuindo condições econômicas de arcar com tais ônus, venha a

lesar o meio ambiente. Na realidade, a intenção foi de, não tendo sido obtido êxito

na salvaguarda do recurso natural atingido, impor-se àquele que dele fez uso ou que

ocasionou o dano uma conseqüência pecuniária (MACHADO, 2006, p. 60).

1.3.4. Princípio da precaução

O princípio da precaução fundamenta-se no fato de a degradação

ambiental e os danos ambientais serem, via de regra, irreparáveis e irreversíveis.

A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima,

em seu artigo 3º - Princípio 3 :

“As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível.” (MACHADO, 2006, p. 65-66).

Tal princípio se encontra, de igual modo, previsto no art. 15 da

Declaração do Rio de Janeiro/92, que dispõe:

“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas necessidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão

Page 32: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

20

para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. 7

O princípio da precaução estabelece que não se deve utilizar a falta

de certeza científica sobre a possível ocorrência de um dano como permissão para

executar determinadas ações. Assim, somente havendo certeza científica de que

certa atividade não acarretará danos "sérios ou irreversíveis" é que se pode agir ou

deixar de agir, no caso de ações que visem a não permitir a ocorrência do dano. A

falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que

seja adiada a adoção de medidas eficazes, em função dos custos para impedir a

degradação ambiental.

A implementação do princípio da precaução não objetiva imobilizar

as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo

vê catástrofes ou males. O objetivo é resguardar a durabilidade da qualidade de vida

sadia e a continuidade da natureza existente no planeta. Tal deve ser entendido não

só em relação às gerações presentes, mas também no que se refere ao direito ao

meio ambiente das gerações futuras. Esta é uma grande inovação para o Direito: a

tutela jurisdicional das futuras gerações.

1.3.5. Princípio da prevenção

O princípio da prevenção encontra-se previsto, de modo expresso,

na Declaração de Estocolmo, de 1972 (princípio 6):

“O despejo de substâncias tóxicas ou de outras substâncias e de liberação de calor em quantidades ou concentrações que excedam a capacidade do meio ambiente de absorve-las sem dano, deve ser interrompido com vistas a impedir prejuízo sério e irreversível aos ecossistemas.” 8

O objetivo desse princípio é, portanto, a utilização dos recursos

ambientais, para que eles estejam permanentemente disponíveis.

Segundo Édis Milaré:

7 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 8 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007

Page 33: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

21

“O principio da prevenção é basilar o Direito Ambiental, concernindo à prioridade de que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.” (2005, p. 166).

JOSÉ ADERCIO LEITE SAMPAIO assevera que “a prevenção é a

forma de antecipar-se aos processos de degradação ambiental, mediante adoção de

políticas de gerenciamento e de proteção dos recursos naturais.” (2003, p. 70).

Muitos autores entendem intimamente ligados os princípios da

precaução e da prevenção.

JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO cita a posição de algum deles:

“Milaré (2005, p. 118) engloba o primeiro no segundo: a prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba a precaução ‘pelo seu caráter possivelmente específico.’ Para autores como Antunes (2002, p. 36), há diferenças significativas entre ambas no entanto. A prevenção se aplica a impactos ambientais já conhecidos, informando tanto o estudo de impacto e o licenciamento ambientais; enquanto a precaução diz respeito a reflexos ao ambiente ainda não conhecidos cientificamente.(...). (2003, p. 71)

A respeito do princípio, adverte PAULO AFFONSO LEME MACHADO:

"sem a informação organizada e sem pesquisa não há prevenção. Por isso, divido em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção: 1º) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2º) identificação e inventário dos ecossistemas, com a colaboração de um mapa ecológico; 3º) planejamento ambiental e econômico integrados; 4º) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; 5º) Estudo de Impacto Ambiental". (2006, p.82).

É importante destacar que para o princípio em tela se realizar,

imprescindível a tomada de uma consciência ecológica pelos sujeitos que intervêm

de qualquer forma no meio ambiente, a fim de que passem a compreender a

necessidade de evitar a causação de danos .

1.3.6. Princípio da reparação

O princípio da reparação encontra-se previsto na Declaração do Rio

de Janeiro de 1992 (princípio 13):

Page 34: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

22

“Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração de novas normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob o seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição.”9

A respeito de tal princípio, sustenta PAULO AFFONSO LEME

MACHADO a necessidade de se estender a reparação também ao meio ambiente

danificado e não somente “[...} indenização às vitimas”, como previsto no princípio

transcrito (2006, p. 83).

Acrescenta que, na ocorrência de dano ao meio ambiente, no plano

internacional, a obrigação da reparação “[...] dependerá da existência de convenção

onde esteja prevista a responsabilidade objetiva ou sem culpa ou a responsabilidade

subjetiva ou por culpa”, problemas estes, segundo ressalta o autor, em estudo na

Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, com o escopo de possibilitar

aos Estados “[...] chegar a incorrer em responsabilidade pelas conseqüências

prejudiciais de atos não proibidos pelo Direito Internacional (responsabilidade por

danos causados, ainda que sem ato ilícito.” (MACHADO, 2006, p. 83-84).

1.3.7. Princípio da informação

O princípio da informação encontra-se presente em diversos

documentos, os quais ressaltam a necessidade de os governos fomentarem a

circulação de informações sobre o meio ambiente.

O Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe:

“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos

9 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 35: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

23

judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos.”10

A Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do

Público no Processo Decisório e o Acesso à Justiça em Matéria de Meio Ambiente

dispõe, em seu art. 2º, item 3, o seguinte:

“A expressão ‘informações sobre meio ambiente’ designa toda informação disponível sob a forma escrita, visual, oral ou eletrônica ou sob qualquer outra forma material, sobre: a) o estado do meio ambiente, tais como o ar e a atmosfera, as águas, o solo, as terras, a paisagem e os sítios naturais, a diversidade biológica e seus componentes, compreendidos os OGMS, e a interação desses elementos; b) fatores tais como as substâncias, a energia, o ruído e as radiações e atividades ou medidas, compreendidas as medidas administrativas, acordo relativos ao meio ambiente, políticas, leis planos e programas que tenham, ou possam ter, incidência sobre os elementos do meio ambiente concernente à alínea a, supramencionada, e a análise custo/benefício e outras análises e hipóteses econômicas utilizadas no processo decisório em matéria de meio ambiente; c) o estado de saúde do homem, sua segurança e suas condições de vida, assim como o estado dos sítios culturais e das construções na medida onde são, ou possam ser, alterados pelo estado dos elementos do meio ambiente ou, através desses elementos, pelos fatores, atividades e medidas visadas na alínea c, supramencionada.” (MACHADO, 2006, p. 85).

De outra banda, o meio ambiente vem impondo que haja

mecanismos de troca de informações entre os Estados, as quais, na concepção de

PAULO AFFONSO LEME MACHADO, devem ser transmitidas à sociedade civil,

ressalvando-se as que envolvem segredo industrial ou de Estado. (2006, p. 88).

Acrescenta, ainda, que “a não-informação de eventos

significativamente danosos ao meio ambiente por parte dos Estados merece ser

considerada crime internacional.” (MACHADO, 2006, p. 88).

1.3.8. Princípio da participação

Refere-se tal princípio à participação de todos os membros da

sociedade. Em nível nacional, procura integrar os cidadãos na discussão relativa à

utilização dos recursos naturais e às formas de protegê-los. No âmbito internacional,

diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos que permitam uma maior

10 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 36: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

24

integração dos Estados, iniciativa voltada à distribuição de parcelas de poder de

decisão quanto ao uso dos recursos naturais.

Segundo PAULO AFFONSO LEME MACHADO, o princípio da

informação já passou a ser objeto das constituições de vários países. (2006, p. 89).

A Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe, textualmente: “O melhor

modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a participação de

todos os cidadãos interessados, no nível pertinente.” (art. 10).11

1.3.9. Princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público

“A gestão do meio ambiente não é matéria que diga respeito

somente à sociedade civil, ou uma relação entre poluidores e vítimas da poluição.

Os países, tanto no Direito interno como no Direito internacional, têm que intervir ou

atuar.” (MACHADO, 2006, p. 96).

Esse é o fundamento do princípio da obrigatoriedade da intervenção

do poder público, previsto na Declaração de Estocolmo de 1972: “Deve ser confiada

às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar, administrar e controlar a

utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade

do meio ambiente.”12

A Declaração do Rio de Janeiro/92 dispõe, ainda, que “Os Estados

deverão promulgar leis eficazes sobre o meio ambiente.” (princípio 11).13

11 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007. 12 Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: acesso em 02/09/2007 13 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. acesso em 03/09/2007.

Page 37: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

25

1.4. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE

O tema a ser investigado refere-se à responsabilidade internacional

do Estado pela poluição de águas transfronteiriças. Para tal, necessário se faz,

previamente ao aprofundamento do tema específico, relembrar, ainda que em breve

síntese, o caminho já percorrido pelo instituto da responsabilidade.

Segundo JOSÉ DE AGUIAR DIAS, o termo spondeo, que seria a

“(...) fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos

verbais do direito romano”, deu origem à palavra responsabilidade. (1995, p. 2)

Em termos gerais, é aceito que repouse, na idéia de

responsabilidade, um sentido de equivalência, contraprestação. A partir daí, seria

possível:

(...) fixar uma noção, sem dúvida, ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado. (DIAS, 1995, p. 2).

A idéia dessa repercussão obrigacional do homem nem sempre foi a

mesma, tendo como grandes propulsores os próprios problemas que vinham sendo

gerados pelo aumento das relações interpessoais no seio da sociedade, uma vez

que toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade (DIAS,

1995, p. 1).

No Direito Romano, aceita-se que a primeira forma de reação a uma

lesão ocasionada pela atuação de um outro ser humano tenha sido a vingança

privada, derivada da reação pura e simples do ofendido contra o ofensor. (VIANNA,

2004, p. 78).

Posteriormente, na Lei das Onze Tábuas, veio a ser esculpida a

regra jurídica do Talião, segundo a qual a vítima poderia renunciar à vindicta

(vingança) e acatar a indenização fixada pelo Estado, a quem incumbia fixar a

circunstância em que alguém deveria ser considerado ofendido e em que proporção

poderia ser sua reação. Surge, então, a publicização da responsabilidade civil, muito

embora não se cogitava a idéia de culpa, tampouco se distinguia a responsabilidade

Page 38: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

26

civil da penal, o que veio a ocorrer com a Lex Poetela Papilia (326 a.C.)14. (VIANNA,

2004, p. 78)

Após, surgiu o período da composição, pela qual se atenuavam:

(...) as suscetibilidades por demais irritáveis do homem primitivo. Já agora o prejudicado percebe que mais conveniente do que cobrar a retaliação (...) seria entrar em composição com o autor da ofensa, que repara o dano mediante a prestação da poena, espécie de resgate da culpa, pela qual o ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido. (DIAS, 1995, p.17).

Na seqüência, a autoridade trouxe para si aquilo que se encontrava

absolutamente sob a autonomia da vontade das partes, na determinação do que

deveria ser fixado para o resgate da culpa, ou seja, um terceiro, ela própria,

estabelecia as regras e as delimitações para a realização da composição.

Nesse estágio, a autoridade tomou para si a condução da solução

dos litígios no âmbito de sua comunidade. Assim:

(...) evoluiu da justiça punitiva exclusiva, reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva, percebendo que, indiretamente era também atingida por certas lesões irrogadas ao particular porque perturbavam a ordem que se empenhava em manter. Resultou daí a cisão dos delitos em duas categorias: os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Aqueles eram reprimidos pela autoridade, como sujeito passivo atingido; nos últimos, intervinha apenas para ficar a composição, evitando os conflitos. (DIAS, 1995, p.18).

No passo seguinte, a concepção da responsabilidade se desdobrou,

ou seja, “o Estado assumiu, ele só, a função de punir: quando a ação repressiva

passou para o Estado, surgiu a ação de indenização..” (DIAS, 1995, p. 18).

A partir daí, surgiu a distinção entre a responsabilidade penal e a

civil. Já na Lei de Aquília surgiu um princípio geral de reparação de dano. Originou-

se aí a expressão “culpa aquiliana”, designando a responsabilidade extracontratual

em oposição à contratual. Sua maior inovação foi substituir as penas fixas por

indenizações proporcionais aos danos causados. Assim, “dano que não causava

prejuízo não dava lugar à indenização”.

No Direito Romano, a responsabilidade tinha um caráter

genuinamente objetivo. A indenização não consistia do elemento representativo da

14 (Lei que extingue o princípio de que o corpo do devedor respondia pelas suas dívidas)

Page 39: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

27

soma paga, e sim na “poena” (pena). Somente se considerava a causalidade pura e

simples.

Cita-se o ensinamento de JOSÉ AGUIAR DIAS:

É na Lei Aquília que se esboça afinal, um princípio regulador de reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome característico. ( 1995, p. 18).

Com os códigos justinianeus, a noção de culpa passou a subjetivar a

responsabilidade. Originou-se a necessidade de diferenciação dos termos inuria (ato

contrário ao direito) e culpa. O primeiro representava os casos de um dano

produzido sem direito, ou seja, quem quer que produzisse um dano sem nenhum

direito permanecia obrigado, ainda que, para evitar o fato, houvesse se procedido

com a mais escrupulosa diligência.

Com a introdução da noção de culpa, a jurisprudência clássica

isentou o agente de toda e qualquer responsabilidade quando houvesse procedido

sine culpa (sem culpa). Dessa forma, a culpa foi considerada elemento básico da

responsabilidade.

No período final da República, o Direito Romano tornou a expressão

inuria (ou ato contrário ao direito) sinônimo de culpa, ou seja, o dano é resultado de

ato positivo do agente, praticado com dolo ou culpa.(DIAS, 1995, p. 18).

Em breve síntese, a partir dos ensinamentos de JOSÉ DE AGUIAR

DIAS, viu-se que o Direito Romano evoluiu da vingança privada ao princípio básico

de que não é lícito fazer justiça com as próprias mãos, com a imposição da

autoridade do Estado. Evoluiu da pena como reparação para a distinção entre

responsabilidade civil e responsabilidade penal, por instituição do elemento subjetivo

de culpa.

Acerca especificamente da responsabilidade internacional do

Estado, cabe ressaltar, ainda que sinteticamente, seu contexto histórico.

Com a evolução da organização da sociedade, desde os tempos em

que o homem vivia reunido em suas tribos até a organização dos Estados liberais,

Page 40: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

28

os membros da sociedade internacional tiveram de passar a conviver e a

respeitar-se mutuamente.

Nas vezes em que este respeito mútuo não se fazia presente,

eclodiam os conflitos regionais ou generalizados.

Com a evolução das relações sociais, a força bruta foi perdendo

terreno e sendo substituída por um poder legitimado, a partir de institutos como a

hereditariedade, no caso dos regimes monárquicos, e a escolha popular, nos

regimes republicanos de perfil democrático.

Após o surgimento e consolidação das figuras dos Estados

Nacionais, ao término do período feudal, as antigas relações entre os grupos dos

comerciantes, que já vinham desde os mais remotos tempos, passaram a sofrer a

regulamentação e a encampação desses novos personagens.

Da mesma forma, estes Estados passaram a relacionar-se entre si.

Destes relacionamentos, cujo conteúdo abarcava temas econômicos, políticos ou

jurídicos, nasceram direitos e deveres para ambos os lados, inclusive em relação ao

meio ambiente.

Assim, daquela absoluta situação, traduzível do conhecido brocardo

da common law de que o Rei não erra (the King can do no wrong), passou-se a

aceitar que os Estados estariam sujeitos a sanções caso viessem a desrespeitar

obrigações internacionais perante outros Estados ou seus súditos.

Observa LUÍS CEZAR RAMOS PEREIRA:

Tanto na antiguidade, passando pela Grécia e Roma a irresponsabilidade estatal campeava solta, até a Alta Idade Média. Neste último período, então, os regimes absolutistas imperavam sobre a responsabilidade estatal, anulando-a com máximas equivalentes “a quod principi placuit habet legis vigorem” (O que agrada o Rei tem forma de Lei); “L’État c’est moi” (o Estado sou Eu), ou outra frase francesa “Lê Roi ne peut faire mal”, retirada, talvez, da expressão utilizada na Common Law: “The King can do no wrong”. (2000, p. 37).

Desde os séculos XVII e XVIII, “[...] a responsabilidade vinha sendo

tratada dentro do capítulo teórico dos direitos e deveres do Estado, de que um ato

culposo, que causasse dano a outro Estado (em geral, a forma de um desrespeito

ao direito de um estrangeiro), daria ensejo a duas situações: legitimar ações de

Page 41: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

29

represálias contra o violador da norma e/ou dar causa a uma obrigação de reparar,

que deveria ser declarada e executada pelas formas tradicionais da diplomacia.”

(SOARES, 2003, p. 720).

Apesar de a evolução histórica da responsabilidade civil estar

alicerçada na doutrina subjetiva da culpa, as modificações fáticas que passaram a

ocorrer desde o século XIX, com a Revolução Industrial, e no século XX, com a

Revolução Tecnológica, reclamaram “uma mudança de modelo, ante a insuficiência

do sistema subjetivista em fornecer respostas adequadas e justas para o panorama

então instalado. É nesse cenário que vem a eclodir a denominada responsabilidade

objetiva”, fundada na teoria do risco, dispensando a prova de culpa para viabilizar a

indenização. (VIANNA, 2004, p. 81).

Mostra GUIDO SOARES que o instituto da responsabilidade

internacional, até meados do século XX, compreendia:

[...] a regulamentação da responsabilidade por atos proibidos pela norma internacional, portanto centrado na noção de culpa, quando então seriam adotados em âmbito internacional global os primeiros textos de convenções e tratados por atos não proibidos pelo Direito Internacional, coincidentemente na regulamentação do regime jurídico de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente (usos pacíficos da energia nuclear). A partir de então, as tímidas tentativas da doutrina jusinternacionalista de estudar tal aspecto foram fortalecidas pelo jus scriptum, tendo sido trazida para dentro do Direito Internacional a noção da responsabilidade gerada por atos permitidos pelo direito (responsabilidade objetiva ou por risco), criação paciente dos sistemas dos Direitos internos dos Estados, a partir do século XIX. (2003, p. 722-723).

A responsabilidade internacional dos Estados assumiu grande

importância, o que fez com que as Nações Unidas, logo após o final da Segunda

Guerra Mundial, instituíssem uma comissão, integrante de sua estrutura, almejando

positivá-la, a fim de retirar do costume internacional e dos precedentes

jurisprudenciais os postulados da matéria. Cuida-se da Comissão de Direito

Internacional das Nações Unidas, cujo tema já constava de sua agenda de trabalho

desde 1944 (primeira sessão da CDI), com uma iniciativa renovada em 1955, em

razão da Resolução 799, da ONU, que determinava à Comissão iniciar os trabalhos

sobre o tema (SOARES, 2003, p. 728).

Em 1969, a Comissão, em sua 21ª sessão, começaria a dedicar-se

ao tema da Responsabilidade dos Estados, data em que foi examinado o Relatório

Page 42: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

30

Preliminar do Prof. Roberto Ago, o qual estruturou o futuro projeto sobre o tema.

(SOARES, 2003, p. 729).

Desse modo, serão examinados alguns dispositivos dos projetos Ago

e Arangio-Ruiz, assim conhecidos em face dos nomes de seus relatores.

GUIDO SOARES cria uma divisão para fins de estudo, em que

separa em dois grupos a responsabilidade do Estado no Direito Internacional do

Meio Ambiente: O primeiro, a responsabilidade subjetiva ou por culpa, que

decorreria da prática de atos ilícitos praticados pelos Estados, denominado sistema

geral; e outro, a responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional,

que seria a objetiva ou por risco, denominado sistema especial. (2003, p.727).

Dessa forma, no item seguinte, será estudada a responsabilidade

subjetiva, ficando para o item posterior a questão da responsabilidade objetiva, ou

sistema especial, naquilo que interessar ao tema do presente estudo.

Page 43: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

31

CAPÍTULO 2

A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS

ESTADOS

2.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

Acerca do conceito de responsabilidade internacional do Estado,

JOSÉ FRANCISCO REZEK sustenta que “o Estado responsável pela prática de um

ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado

dano uma reparação adequada. (2006, p. 269).

CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, por sua vez, afirma:

“A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional deve uma reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido.” (2000, p. 485)

Prosseguindo, acrescenta suas características genéricas:

(...) a) ela é sempre uma responsabilidade com a finalidade de reparar o prejuízo; o DI praticamente não conhece a responsabilidade penal (castigo, etc.); b) a responsabilidade é de Estado a Estado, mesmo quando é um simples particular a vítima ou o autor do ilícito; é necessário, no plano internacional, que haja o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, ou, ainda, o Estado cujo particular cometeu o ilícito é que virá a ser responsabilizado. (...) Outras características podem ser apontadas: a) é um instituto consuetudinário (a tentativa de codificação da SDN na Conferência de Haia, em 1930, fracassou); b) ela tem um aspecto político (surgiu para evitar a guerra e limitar o emprego da força). Tem sido apontado quando um fato ilícito é especialmente grave, o interesse não fica limitado ao Estado vítima, mas atinge a toda a sociedade internacional (apartheid) (MELLO, 2000, p. 485).

2.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL SUBJETIVA DOS ESTADOS

2.2.1. Ato ilícito

No tocante ao assunto, preleciona GUIDO SOARES:

Page 44: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

32

A responsabilidade do Estado, no sistema da “responsabilidade subjetiva ou por culpa”, tem como fato gerador um ato comissivo ou uma abstenção (elemento objetivo), qualificados como ilícitos, atribuíveis a esse Estado (elemento subjetivo), que são a causa de uma obrigação de reparar (ou, nos termos do art.. 1º do Projeto Ago, na tradução livre, verbis: “todo fato internacionalmente ilícito de um Estado, dá lugar à sua responsabilidade”, (...). (2003, p. 735).

De acordo com o citado projeto de Roberto Ago, na concepção

teórica da CDI, os elementos do fato internacionalmente ilícito seriam:

“Artículo 3. Elementos del hecho internacionalmente ilícito del Estado. a) um comportamiento consistente em uma acción u omistón es atribuible según el derecho internacional al Estado; y b) esse comportamiento constituye uma violación de uma obrigación internacional del Estado.” . (SOARES, 2003, p. 736)15

Como se verifica, a Comissão de Direito Internacional (CDI) evitou

empregar qualquer expressão que tivesse como conseqüência algum tipo de

vinculação com a vontade do agente produtor da ação ou responsável pela omissão,

ou seja:

(...) propositalmente, evitou o emprego da expressão “imputável ao Estado”, tendo em vista que em certos sistemas jurídicos, em particular no Direito Penal, ‘imputar um ato a alguém “ significa avaliar o estado de sanidade do agente, seu entendimento e vontade, como base da atribuição da autoria, e assim determinar a responsabilidade criminal, e nos quais a ‘imputação’ significaria a inculpação de uma pessoa pela autoridade judicial. (SOARES, 2003, p. 736).

A Comissão de Direito Internacional (CDI) também não incluiu no

rol dos elementos do fato internacional ilícito a palavra culpa.

Ressalta GUIDO SOARES:

Igualmente ao privilegiar o enfoque no conceito de “fato ilícito”, como o que se encontra em contradição com a norma, evitou empregar qualquer adjetivo que se referisse a “culpa” (elemento volitivo ligado aos atos praticados por indivíduos, que os autores consideram inaplicável quando se trata do Estado, como pessoa jurídica); desde Anzilotti, como referido, o ato gerador da responsabilidade internacional é considerado “um ato em oposição ao direito internacional”, e não um ato culposo, no sentido dos direitos internos dos Estados. (2003, p. 736).

Importante destacar, ainda, a posição de LUIS CEZAR RAMOS

PEREIRA sobre o tema:

(...) a existência de um ato, fato ou omissão que viole uma obrigação estabelecida por uma norma de Direito Internacional (evitamos utilizar as expressões Direito internacional Público ou Privado, tendo em vista que o

15 Artigo 3. Elementos do fato internacionalmente ilícito do Estado: um comportamento consistente em uma ação ou omissão atribuível segundo o direito internacional ao Estado; e esse comportamento constitui uma violação de uma obrigação internacional do Estado. (Tradução do autor).

Page 45: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

33

ferimento das normas pode atingir tanto um, quanto o outro ou ambos), Consuetudinário e/ou Convencional, vigentes no Estado que praticou tal ilícito (ou ato lícito) e no Estado ou súdito deste Estado, que teve o seu direito atacado e lesado. (2000, p. 69).

Assim, a ilicitude de um ato ou de uma omissão de um Estado tem

referência apenas no Direito Internacional, “[...] sendo irrelevantes as motivações

justas e a legalidade do ato ou omissão, pela ordem jurídica interna dos Estados.”

(SOARES, 2003, p. 739).

2.2.2. Imputabilidade

Como visto, o relator Roberto Ago não se preocupou em incluir a

imputabilidade como requisito da responsabilidade subjetiva do Estado, ausência

que também se mostra em desacordo com a doutrina majoritária.

No que diz respeito ao elemento da imputação, é de se observar a

presença da chamada relação de causualidade, qual seja aquela que estabelece

uma relação direta entre a falta a uma obrigação do Estado.

Ao comentar o assunto, LUIS CESAR RAMOS PEREIRA afirma ser

imperioso que o ato ou fato seja atribuído ao Estado como pessoa jurídica (2000, p.

69).

HEE MOON JO também deixa claro que a imputabilidade é o nexo

que ligará o ato ou fato ilícito a quem é responsável por ele. Ressalta que, muitas

vezes, seu autor poderá não ser responsabilizado por ele perante a ordem

internacional. Em tal hipótese, caberá ao Estado responder por este ato ilícito (2000,

p. 393).

GUIDO SOARES, ao tratar do tema, deixa claro que não importa o

instrumento cuja violação gerará a responsabilidade internacional do Estado: poderá

ser a quebra de uma obrigação prevista em tratado ou apenas a não-observância de

um costume internacional.

A origem da obrigação, que, violada, engendra a responsabilidade do Estado, é uma norma de direito internacional, quaisquer que sejam os modos de sua expressão: um tratado ou convenção internacionais, de caráter geral, regional ou de vigência bilateral entre o Estado autor do delito

Page 46: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

34

e a vítima, um costume internacional, uma sentença de um tribunal internacional (limitada às partes do litígio), um princípio geral de direito reconhecido pela comunidade dos Estados, e, com algumas limitações os atos unilaterais de organizações intergovernamentais (em particular aos de integração econômica regional). (2003, p. 740).

Não por acaso, também é este o teor do artigo 17 do projeto Ago,

verbis:

“Artículo 17. No pertinencia del origen de la obrigación internacional violada. 1. Um hecho de um Estado que constituye una violación de una obligación internacional es um hecho internacionalmente ilícito sea cual fuere el origen, consuetudinário, convencional u outro, de esa obrigación. 2. El origen de la obrigación internacional violada por un Estado no afectará a la responsabilidad internacional a que dé lugar el hecho internacionalmente ilícito de esse Estado.” (SOARES, 2003, p. 740).

São, então, as citadas fontes do Direito Internacional Público que,

tendo introduzido no mundo jurídico uma obrigação, posteriormente desrespeitada,

poderão fundamentar a responsabilidade internacional subjetiva do Estado.

2.2.3. Dano

Como dito, o projeto Ago também preferiu não fazer menção à

ocorrência de dano como um dos elementos constitutivos do fato ilícito internacional.

A respeito desse elemento, assevera GUIDO SOARES:

(...) o dano, como elemento gerador da responsabilidade, é inerente ao sistema da responsabilidade objetiva, mas nada impediria que, no sistema da responsabilidade por culpa, pudesse ser incluído ao lado do conceito de violação de uma obrigação internacional. Na verdade, o dano, baseado na conceituação de ilícito internacional, conforme a visão da CDI, é uma conseqüência do ilícito, e relevante tão-somente no momento de determinar o quantum debeatur, e este depende da configuração do ilícito, e a conseqüente instauração da responsabilidade, ou seja, de ter-se previamente respondido afirmativamente à questão: an debeatur. Tanto é assim que, no Projeto da CDI, na Segunda Parte (já sob a responsabilidade do Rel. Prof. Arangio-Ruiz), que versa sobre o conteúdo, as formas e os graus da responsabilidade internacional (portanto, na hipótese de já se ter configurado um ilícito e instaurada a obrigação secundária de reparar , ou seja, criado um direito subjetivo à reparação lato sensu ao dano) irá despontar uma das quatro formas de reparação stricto sensu: a indenização (ao lado de outra três formas: a restituição em espécie, a satisfação e o comprometimento e/ou garantia de não repetir-se o ilícito, segundo o art. 6º da Segunda Parte do Projeto CDI), como se verá mais adiante. (2003, p. 736-737).

Page 47: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

35

Na visão do autor, a concepção do projeto da CDI, relativamente à

responsabilidade subjetiva, é contrária à prática internacional, que vem

considerando o dano como elemento fundamental da responsabilidade:

Na verdade, o dano não deve ser tratado como um simples incidente ligado à questão de determinar o grau de responsabilidade, em particular no momento de realizar a liquidez do débito, pois há inúmeros precedentes em julgamentos internacionais, especialmente da atual Corte Internacional de Justiça, e abundante doutrina, que considera o dano como elemento fundamental no sistema da responsabilidade por culpa. (SOARES, 2003, p. 737).

No tocante à natureza dos danos, a doutrina é pacífica no sentido de

que poderá haver conseqüências tanto pela produção de danos materiais quanto

pelos danos morais.

LUIS CEZAR RAMOS PEREIRA defende:

Este dano pode ser de ordem material ou imaterial (neste último caso, mais especificamente o dano moral, para pessoas físicas estrangeiras, ou até mesmo para Estados, onde ele se sinta moralmente atingido como, por exemplo, ultraje à bandeira/pavilhão ou armas nacionais). Fique bem entendido que a produção do efetivo prejuízo ou dano, pode ser em muitos casos a colisão ou ferimento com uma norma de uma obrigação internacional. (2000, p. 72).

Ressaltem-se, ainda, os ensinamentos de HEE MOON JO:

O dano é elemento essencial da responsabilidade; na verdade, sem dano não há responsabilidade. O dano, como já dito anteriormente, não será necessariamente material, nem terá expressão econômica. Há danos imateriais, suscetíveis de reparação destituída de valor econômico. (2000, p. 393).

Assim, o elemento essencial para estabelecimento da

responsabilidade internacional do Estado no sistema da responsabilidade subjetiva

ou por culpa é a existência de um ato ou omissão que viole uma norma de Direito

Internacional vigente no Estado que praticou o ato ilícito e no Estado que sofreu o

dano, por ter seu direito lesado, sendo irrelevantes, no dizer de GUIDO SOARES,

“as motivações justas e a legalidade do ato ou omissão, pela ordem jurídica interna

dos Estados [...]”. (2003, p. 739).

Page 48: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

36

2.3. OS ATOS DOS ÓRGÃOS DO ESTADO

Merece destaque, também, o fato de o próprio projeto Ago prever

que a ilicitude de um fato do Estado se dará de acordo com as regras de Direito

Internacional (Art.4º).16

Os atos ou omissões atribuíveis a um Estado são, portanto, apenas

o que o Direito Internacional assim considerar, independentemente de sua validade

no âmbito interno, podendo tais atos provir do Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Também é importante destacar a responsabilidade internacional do

Estado em relação à conduta de pessoas sem qualquer atribuição oficial ou

vinculação com o Estado do qual são nacionais ou a que estejam submetidas.

Segundo GUIDO SOARES, muito se tem discutido acerca da

possibilidade de responsabilização do Estado por atos ilícitos praticados por

pessoas de Direito privado interno.

Os exemplos mais corriqueiros são os casos de invasões de missões

diplomáticas ou crimes praticados por particulares contra pessoas comuns,

situações que gerariam a possibilidade de um Estado requerer indenização ao

Estado que deveria controlar sua população.

Na área do Direito Internacional do Meio Ambiente, recorda o autor:

No campo da proteção internacional do meio ambiente, salvo o Caso Cosmos 954 (tendo em vista que a exploração espacial, na atualidade, é atribuída, por convenção internacional ad hoc, ao Estado lançador do engenho), bem como nas situações acontecidas com o Caso Amoco Cadiz (caso a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969, de Bruxelas, fosse vigente entre EUA e França), e no caso Chernobyl (regulado por convenção especial sobre responsabilidade por acidentes nucleares, da qual a Rússia não era

16 “Artículo 4º . Calificación de um hecho del Estado de internacionalmente ilícito. El hecho de um Estado solo podrá calificarse de internacionalmente ilícito segün el derecho internacional. Em tal calificación no incluirá el qie el mismo hecho este calificado de licito según el derecho interno. (PEREIRA. id. p. 395). Tradução do autor: Artigo 4º. Classificação de um fato do Estado internacionalmente ilícito. O fato do Estado somente poderá classificar-se como internacionalmente ilícito segundo o direito internacional. Em tal classificação não incluirá se o mesmo fato estiver classificado como lícito segundo direito interno.

Page 49: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

37

parte, na ocasião), todos os demais casos citado no capítulo 11 atestam os fenômenos descritos: de um particular poder eventualmente dar causa à responsabilidade do Estado, o qual tinha vínculos relevantes com causador de um dano. (SOARES, 2003, p. 746).

Importa ressaltar a posição de ROBERTO AGO a respeito da

responsabilidade do Estado por ato de particular, a qual, segundo GUIDO SOARES,

minudencia a teoria de maior aceitação na atualidade:

O Estado é internacionalmente responsável tão só pela ação e, mais frequentemente, pela omissão de seus órgãos, que são culpados de não terem tudo feito dentro de suas atribuições, para evitar o ato injurioso do indivíduo ou para puni-lo convenientemente, no caso em que tenha aquele, mesmo assim, ocorrido. É responsável por haver violado não a obrigação internacional com a qual a ação do indivíduo pode estar em contradição, mas pela obrigação geral ou especial de impor a seus órgãos o dever de prover proteção, e não seria necessário definir aqui o exato teor e finalidade daquela obrigação. (2003, p. 747).

Para GUIDO SOARES, tal orientação se mostrou benéfica à

questão ambiental:

Em termos de proteção internacional ao meio ambiente, são evidentes as conseqüências benéficas de tal princípio que o sistema de responsabilidade subjetiva do Estado engendra: não havendo possibilidade de dissociar-se, no Direito Internacional, em termos de responsabilidade do Estado, a conduta da pessoa de direito privado da pessoa do próprio Estado, o efeito é dar causa para os Estados adotarem leis internas, que estejam mais conformes com suas obrigações internacionais, com a conseqüente determinação de exigirem o cumprimento delas pelas pessoas que lhes são sujeitas. O exemplo mais ilustrativo em tal sentido foi a adoção da Diretiva Seveso pela Confederação Suíça, sobre a qual pairava a possibilidade de uma responsabilização por danos a outros Estados, após a poluição do Reno, por conseqüência do acidente na fábrica Sandoz, fato esse que certamente aprimorou sua legislação interna de prevenção de acidentes industriais, seja locais, seja com efeitos transfronteiriços ao longo do Rio Reno. (2003, p. 748).

Registra, ainda, GUIDO SOARES as particularidades

existentes na responsabilidade do Estado por ato a ele atribuído que tenha sido

praticado por particular, em que duas realidades normativas se fazem presentes e

devem ser consideradas:

[...] a) as obrigações violadas nascidas de normas internacionais imediatamente aplicáveis aos particulares (portanto, independentemente da adoção de normas internas) e (b) as obrigações nascidas de normas internas que foram adotadas em virtude de obrigação internacional endereçada aos Estados (portanto, normas internas que tiveram origem numa obrigação anterior exigível do Estado); no primeiro caso, a responsabilidade do Estado advém de negligência in vigilando, no concernente a permitir comportamento ofensivo às normas internacionais, ao passo que, no segundo, de uma negligência por omissão, relativa a sua

Page 50: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

38

obrigação de adotar uma legislação conforme as normas internacionais. (SOARES, 2003, p. 757).

Ainda segundo o autor, a responsabilidade internacional do Estado

por dano ambiental mereceu uma interessante disciplina da Comissão de Direito

Internacional quando ROBERTO AGO inseriu, em seu projeto, a diferenciação entre

as obrigações de meio e de resultado.

Prossegue asseverando que o pós-guerra, com o aprimoramento da

organização jurídico-institucional da União Européia, trouxe uma grande colaboração

para a observação dessa diferenciação.

O arcabouço jurídico da União Européia é formado por normas que

são auto-aplicáveis diretamente aos Estados-membros (artigo 189, § 2º, do Tratado

da Comunidade Econômica Européia) ou aos destinatários designados, Estados ou

pessoas de direito interno (as decisões). Há, de igual modo, as normas que apenas

indicam os objetivos que os Estados devem perseguir, a partir da modificação de

suas leis e de sua organização administrativa, que são denominadas directivas.

Para GUIDO SOARES, tais obrigações de resultado, geradas a partir

das directivas, possuem um papel de extrema relevância na proteção ambiental

internacional.

Tal dispositivo é relevante na questão da proteção internacional do meio ambiente, na medida em que permite a um Estado retificar uma legislação interna, ou um ato administrativo, a tempo de evitar um ilícito internacional. (...) Ainda no caso das obrigações de resultado, no que respeita aos atos do Poder Judiciário e que podem dar causa à responsabilidade internacional do Estado, conforme já se acentuou anteriormente, devem os ilícitos internacionais ser examinados sob a óptica da falha da legislação doméstica, no relativo à discriminação do acesso de estrangeiros à Justiça interna (com as recomendações contidas no Princípio 10 da Declaração do Rio); no que respeita a não estrangeiros, ou seja , aos nacionais do Estado violador da norma (et pour cause os plurinacionais, como fixou o precedente no Caso Canevaro)¹ e aos apátridas, inexiste no Direito Internacional Geral (salvo nos casos adiantes considerados) qualquer regra que permita a um nacional argüir a responsabilidade do próprio Estado, por desrespeito a normas internacionais, inclusive aquelas que regulam o direito fundamental de a pessoa humana ter livre acesso aos Poderes Judiciários dos Estados. (2003, p. 757-758).

Apresentada a discussão acerca da conduta proveniente do Estado

que tenha o condão de impulsionar uma responsabilização, passar-se-á ao estudo

sobre a necessidade ou não de se esgotar os recursos internos previamente ao

estabelecimento de um litígio internacional.

Page 51: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

39

2.4. ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS

Impossível incursionar pelo instituto da responsabilidade

internacional subjetiva do Estado sem passar pelo tema relativo ao esgotamento dos

recursos internos.

De acordo com ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, há

que se iniciar o estudo deste instituto atentando-se para dois princípios do Direito

Internacional Público: 1) o de que, previamente ao início de um litígio internacional, o

Estado reclamante deve esgotar os meios legais previstos no ordenamento jurídico

do Estado reclamado; e 2) o de que a idéia da responsabilidade internacional

decorre da evolução do antigo instituto da represália.

A respeito do assunto assevera:

É um princípio clássico do Direito Internacional que a responsabilidade internacional de um Estado por danos causados a estrangeiros só pode ser implementada a nível internacional depois de esgotados os recursos de Direito Interno pelos indivíduos em questão, isto é, depois que o Estado reclamado tenha se valido da oportunidade de reparar os supostos danos por seus próprios meios e no âmbito de seu ordenamento jurídico interno. (TRINDADE, 1997, p. 21)

A respeito do assunto, GUIDO SOARES, lembra que esse

esgotamento é uma condição para se verificar o inadimplemento das obrigações

internacionais.

No fundo, a responsabilidade internacional do Estado, no sistema da responsabilidade por atos ilícitos, é uma relação que se estabelece entre dois pólos, ambos constituídos por Estados (individualmente ou em grupo): num pólo, o Estado responsável (seja o causador de um ilícito o próprio Estado, por meio de seus órgãos ou pessoas que exerça uma atividade atribuível ao Estado, seja ainda uma pessoa de direito privado ou a ela similada que motivaram o ilícito .atribuído aos mesmos) e, no outro pólo, outro Estado ou grupo de Estados, vítimas do dano resultante do ilícito. Na verdade, a CDI evita empregar o termo vítima, dadas as conotações dos direitos internos, em participar no Direito Penal; em seu ligar, emprega a expressão Estado lesado. (2003, p. 759).

Nesse contexto de esgotamento dos recursos internos, em

decorrência de o Estado do nacional do ofendido decidir não endossar sua

reclamação, somando-se as restrições à utilização dos foros internacionais por

Page 52: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

40

particulares, surge a situação de o particular ter de dirigir-se aos órgãos judiciários

internos daquele Estado para lutar por suas pretensões.

Logo, a ação judicial será intentada e julgada conforme a legislação

nacional do país, embora, necessariamente, as leis de Direito material aplicáveis

para a solução do conflito possam não ser as nacionais, visto que muitas vezes o

legislador pátrio remete à legislação estrangeira o fundamento das soluções dos

litígios em tramitação em seu Poder Judiciário. É o caso do Direito brasileiro,

conforme os artigos 7º e 13 da Lei de Introdução ao Código Civil.17

Aproveitando-se a oportunidade, em que se discute o esgotamento

dos recursos internos, empregando-se os meios judiciários do país ofensor, veja-se

a hipótese inversa: o particular ofendido opta por ajuizar demanda contra o Estado

ofensor perante seu próprio aparelho judiciário. Tal situação gerará um conflito

envolvendo a denominada imunidade de jurisdição dos Estados.

Lembra GUIDO SOARES que, até há pouco tempo, por influência de

uma teoria medieval de que um país não tem jurisdição sobre outro (par in paren

non habet juditium), vigia em todos os países a teoria da imunidade absoluta dos

Estados, o que significava dizer que os Estados estrangeiros não poderiam ser

submetidos a processos perante os foros de outros.

Tal situação vem sendo flexibilizada com o tempo, especialmente no

que se refere a questões relacionadas com atividades nas quais os Estados

realizam negócios com particulares.

GUIDO SOARES divide em duas as providências que foram

adotadas para relativização da imunidade absoluta:

a) em alguns sistemas jurídicos da família romano-germânica, a jurisprudência, levando em conta a tradicional distinção entre direito público e direito privado, elaboraria uma sutil distinção, em que se passou a distinguir a natureza dos atos praticados pelos Estados estrangeiros ou por pessoa em seu lugar: atos que só um Estado pode praticar (e que seriam imunes ao exame dos juízes, denominados das mais variadas formas, como “atos de império”, “atos públicos”) e aqueles outros que tanto os Estados quando uma pessoa de direito privado podem praticar (que seriam

17

Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da

personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. (...)

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos

meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

Page 53: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

41

susceptíveis de serem apreciados pelos juízes locais, tais como os atos de pessoas físicas ou jurídicas de direito interno, igualmente denominados de forma variada, como “atos de gestão”, “atos negociais”, ”atos privados do Estado”); b) em alguns sistemas da Common Law, que desconhece a oposição entre direito público e direito privado, foram votados statutes (normas escritas) que passaram a arrolar nominalmente os tipos de atos imunes e os outros que não o são (ou, ao contrário, os atos que não são imunes e os outros), os quais, sem denominar as classes, acabaram por produzir os mesmos efeitos que a distinção jurisprudencial estabelecida pelos países romano-germânica. (2003, p. 767).

Cabe referir que a União Européia, em seu projeto de ampla

integração regional, procurou disciplinar a matéria da imunidade de jurisdição.

Em 1962, na Basiléia, foi assinada a Convenção Européia sobre

Imunidades do Estado e Protocolo Adicional, sob os auspícios do Conselho da

Europa. Tal convenção promove uma distinção entre os atos do Estado estrangeiro

que, submetidos à apreciação de um dos tribunais dos Estados envolvidos, devam

ser considerados imunes.

Lembra GUIDO SOARES que tal convenção e seu protocolo

adicional são aplicáveis só aos Estados-membros do Conselho Europeu, se bem

que se encontrem em vigor internacional (a Convenção, a partir de 1976, e o

Protocolo Adicional, de 1985). São aplicáveis, contudo, na atualidade, apenas entre

os Estados que os ratificaram: Áustria, Bélgica, Chipre, Países Baixos, Reino Unido

e Suíça. (2003, p. 768).

No Brasil, segundo a visão de GUIDO SOARES, a melhor

interpretação de como se encontra a matéria foi dada no julgamento de recurso

ordinário julgado pelo Supremo Tribunal Federal, na Apelação Cível nº 9.696-3/SP

(apelante Genny de Oliveira e apelada a Embaixada da então República

Democrática Alemã, publicado no Diário da Justiça de 24/10/90, p. 11.828, em

republicação), pelo Ministro José Francisco Rezek, que rejeitou as alegações de

imunidade de jurisdição invocadas pelo Consulado, depois Embaixada da então

República Democrática Alemã, apresentadas em reclamação trabalhista, fundada

em contrato de trabalho entre esta e uma pessoa física domiciliada no Brasil.

Page 54: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

42

2.5. AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA RESPONSABILIDADE

INTERNACIONAL SUBJETIVA DO ESTADO

Uma vez configurada a hipótese de responsabilidade internacional

do Estado, impor-se-á o dever de promover a reparação pelo dano causado.

Nesse particular, GUIDO SOARES, com apoio no projeto da

Comissão de Direito Internacional, na seção sob a responsabilidade de ARANGIO-

RUIZ, tratou a reparação stricto sensu ao lado das outras duas conseqüências da

responsabilidade internacional ─ a cessação do comportamento ilícito e a

legitimação de contramedidas aplicadas pelos Estados lesados ─, destoando,

portanto, da tradicional doutrina sobre o assunto, que se concentrava apenas nos

aspectos da reparação stricto sensu (2003, p. 770).

O autor brasileiro aponta três diferentes acepções para a expressão

reparação do dano (que está contida no projeto ARANGIO-RUIZ):

a) o conjunto dos remédios que o Direito Internacional coloca à disposição do Estado lesado; portanto, reparação do dano, em seu sentido lato, seria o próprio sinônimo das mencionadas sanções (por exemplo: na afirmação de que a um ilícito que cause um dano segue-se o dever de uma reparação do mesmo) que no Projeto Arangio-Ruiz compreende três modalidades: cessação do comportamento ilícito, reparação stricto sensu.e contramedidas aplicada pelo Estado lesado; b) por outro lado, reparação por dano stricto sensu,.como sinônimo de restitutio in integrum., é uma das subespécies de sanção ao descumprimento de uma obrigação internacional, que compreende quatro modalidades: (1) a restituição em espécie, (2) a indenização, também denominada “compensação” (3) a satisfação e (4) as medidas assecuratórias e garantias de não-repetição do ato delituoso (conforme dispõe o art. 6-bis do Projeto Arangio-Ruiz, a seguir analisado); c) por fim, tomada num sentido impróprio (designação da espécie pelo gênero); reparação do dano pode tanto significar uma restituição em espécie, como um pagamento a título indenizatório (compensação), como uma medida de caráter satisfativo a um dano moral. (SOARES, 2003, p. 770-771).

2.5.1. A Cessação do comportamento ilícito

Dispõe o artigo 6º, 2ª parte, do relatório do projeto ARANGIO-RUIZ:

“El Estado cuyo.comportamiento constituye um hecho internacionalmente ilícito de

Page 55: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

43

carácter contínuo está obligado a hacer que cese esse comportamiento, sin

perjuicio de la responsabilidad em que ya haya incurrido. (SOARES, 2003, p. 771).18

Discute-se, quanto ao pedido de cessação do comportamento ilícito,

se ele seria, efetivamente, um dos remédios aplicáveis ao ilícito internacional.

GUIDO SOARES, citando ARANGIO-RUIZ, arrola os fatos que

poderiam justificar sua aceitação como tal:

[...} (a) um Estado lesado em seus direitos, em seu pedido, visa a um comportamento positivo do Estado infrator, e as exigências fazem-se num quadro mais amplo de uma exigência de reparação; (b) quando se instaura um procedimento em que se perquire sobre a responsabilidade de um Estado, o fato ilícito já teve fim e já produziu seus efeitos danosos; (c) no caso de persistirem os efeitos danosos, o Estado demandante solicita medidas provisionais ou conservatórias, sendo que a ilicitude ainda se encontra em fase de definição (e, portanto, um pedido de cessação só seria viável no momento em que o órgão competente já tivesse declarado a ilicitude). (2003, p. 771).

Assim, vê-se que tais restrições à sua aceitação como um dos

remédios postos à disposição do Estado lesado não têm procedência. O que deverá

ser observado, no caso concreto, é com que obrigação a cessação requerida está

relacionada.

Recorde-se que a obrigação primária é a descrição variável que

estabelece a conduta do Estado ou o que ele deve evitar, ao passo que a obrigação

secundária descreve qual será a reparação a que está obrigado ou o remédio para

sua observância.

GUIDO SOARES cita como exemplo de um fato em que a cessação

do ilícito se equipararia a uma restituição integral a cessação de uma ocupação

territorial. A partir de outro exemplo, mostra que há casos em que se poderia

cumular um pedido de cessação com pedido de reparação de danos; neste, o

exemplo escolhido é o famoso caso da Fundição Trail: além do pedido de

fechamento da fábrica ou de redução de suas atividades pelos norte-americanos aos

18“O Estado cujo comportamento constitui um fato internacionalmente ilícito de caráter contínuo está obrigado a fazer que cesse esse comportamento, sem prejuízo da responsabilidade em que haja incorrido” (tradução do autor)

Page 56: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

44

canadenses, aqueles requereram indenização pelos danos sofridos. (2003, p. 771-

772).

Em relação à questão do meio ambiente, o pedido de cessação

encontra uma grande relevância e um papel de destaque, conforme assevera

GUIDO SOARES:

Ressalte-se, pois, que na responsabilidade internacional dos Estados por danos ao meio ambiente, o remédio consubstanciando na cessação de um comportamento ilícito seja o mais importante entre os outros, tendo em vista os valores de necessidade de cooperação interestatal na preservação do mesmo que são a tônica do Direito Internacional do meio Ambiente. Por outro lado, o caráter preventivo que se vislumbra em tal tipo de sanção à inadimplência de uma obrigação internacional relativa ao meio ambiente constitui outra faceta das normas internacionais de proteção ao meio ambiente: evitar o dano a qualquer custo. Como os outros remédios à infração de uma norma internacional são providências ex pos .factun, torna-se clara a prevalência das medidas de cessação da atividade danosa sobre as outras. (SOARES, 2003, p. 772-773)

É importante destacar que, em casos de poluição, o Estado

lesionado poderá limitar-se a solicitar que o Estado agressor suspenda a atividade

prejudicial, cessação que ocuparia, inclusive, um papel de destaque dentro da

questão ambiental internacional:

2.5.2. A reparação strictu sensu

A reparação stricto sensu do dano, também conhecida como

restitutio in integrum19, é a forma mais tradicional de sanção por violação de uma

obrigação adotada pela doutrina do Direito Internacional das responsabilidades.

(SOARES, 2003, p. 770).

Acerca da reparação strictu sensu, o artigo 6-bis do PROJETO

ARANGIO-RUIZ estabeleceu:

1. El Estado lesionado.podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito la íntegra reparación del daño causado em forma de restitución em especie, indemnización, satisfacción y seguridades y garantías de no repectión, indistintamente o por varias de esas formas, a tenor de lo dispuesto em los artículos 7, 8, 10, y 10bis. 2.En la determinación de la reparación se tendrá em cuenta la negligência o la acción u omisión dolosa:

19 Tradução do autor: Restituição na íntegra

Page 57: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

45

a) del Estado lesionado o b) del nacional de ese Estado, em nombre del cual se interponga la demanda que haya contribuído al daño. 3. El Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito no podrá invocar las disposiciones de su derecho interno como justificación del incumplimiento de su obligación de reparar íntegramente el daño causado. (SOARES, 2003, p. 773).20

GUIDO SOARES, citando ARANGIO-RUIZ, lembra que, na doutrina,

a reparação stricto sensu é compreendida sob duas diferentes maneiras:

a) consistiria ela no estabelecimento do status quo ante, ou seja, em criar-se uma situação que existia antes do acontecimento ilícito, de maneira a restabelecer a relação original entre as partes (Vischer, Bissonnette, Verdross, Zemanek, Nagy, Eustathiadés, Giuliano); (b) consistiria ela num meio de restabelecer uma situação que existiria ou que teria existido, se o lícito não tivesse ocorrido, ou, em outras palavras, o restabelecimento de uma situação hipotética que teria existido na ausência da infração (Anzilotti, Strupp, Reitzer, Morelli, Jiménez de Aréchaga). No primeiro entendimento, a ênfase é colocada na função meramente restitutiva da reparação, ao passo que, no segundo, integram-se na reparação aquela função e outra de natureza indenizatória. Os precedentes dos tribunais internacionais consagraram, ambos os entendimentos. (2003, p. 774).

Para o primeiro caso, cite-se o exemplo do julgamento de 9 de

março de 1917, pela Corte de Justiça Centro-Americana (primeira Corte

Internacional de Justiça da história, de breve existência), num caso entre El Salvador

e Nicarágua. El Salvador requereu e foi vencedor de uma demanda em que

reclamava que um tratado firmado entre a Nicarágua e os Estados Unidos da

América, cujo objeto era a concessão, em favor dos Estados Unidos da América, de

uma área para a instalação de base naval, ameaçava sua segurança nacional.

A Corte entendeu que “o Governo da Nicarágua deve restabelecer e

manter a situação jurídica que existia anteriormente ao Tratado Bryan-Chamorro

entre as partes em litígio”. (SOARES, 2003, p. 774).

Para a segunda hipótese, cita-se o caso da Fábrica de Chorzow,

litígio em que se opuseram a Alemanha e a Polônia pelo fato de esta ter promovido

20 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que haja cometido o fato internacional ilícito a íntegra reparação do dano causado em forma de restituição em espécie, indenização, satisfação e seguranças e garantias de não repetição, indistintamente ou por várias dessas formas, a teor do disposto nos artigos 7, 8, 10 e 10. 1. Na determinação da reparação se levará em conta a negligência ou a ação ou omissão dolosa: a) do Estado lesionado ou b) do nacional desse Estado, em nome do qual se interponha a demanda que tenha contribuído ao dano. 3. O Estado que tenha cometido o fato internacional ilícito não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do descumprimento de sua obrigação de reparar integralmente o dano causado. (Tradução do autor)

Page 58: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

46

a nacionalização da fábrica homônima do caso, cujo capital acionário era

majoritariamente alemão, em desrespeito ao Tratado de Versalhes de 1919. A Corte

Permanente de Justiça Internacional decidiu nos seguintes termos:

“O princípio essencial contido na atual noção de um ato ilegal - princípio que parece estar estabelecido pela prática internacional e por decisões de tribunais arbitrais - é que a reparação deve, na medida do possível, fazer desaparecer (wipe out) todas as conseqüências do ato ilegal e restabelecer a situação que teria, com toda probabilidade, existido se aquele ato não tivesse sido cometido”.(SOARES, 2003, p. 774).

E acrescenta:

“Restituição em espécie ou, se tal não for possível, pagamento de uma soma correspondente ao valor que a restituição em espécie suporia; a concessão, se necessário, de perdas e danos pelo prejuízo sofrido, e que não estariam cobertos pela restituição em espécie ou pagamento no seu lugar - tais são os princípios que serviriam para determinar o total de compensação devida por um ato contrário ao direito internacional”. (SOARES, 2003, p. 775).

No que tange à restituição em espécie, a mais comumente utilizada

nos litígios internacionais, cite-se o artigo 7º, 2ª parte, do Projeto da CDI (Relator

Especial Prof. Arangio-Ruiz):

(“Artículo 7. (2ª Parte) Restituição em espécie. El estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito la reparación en especie, es decir, el restabelecimiento de la situación que existía antes de haberse cometido el hecho ilícito, siempre que y en la medida en que esa restitución en especie: a) no sea materialmente imposible; b) no entrañe la violación de una obligación nacida de uma norma imperativa de derecho internacional general; c) no entrañe un carga totalmente desproporcionada en relación con la ventaja que se derivaría para el Estado lesionado de la obtención de la restitución en especie en vez de la indetermnización; o d) no comprometa gravemente la independencia política o la estabilidad económica del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito, siendo así que el Estado lesionado no resultaría afectado del mismo modo si no obtuviese la restitución en espécie.”) (SOARES, 2003, p. 775)21

A restituição em espécie pode assumir duas modalidades: a material

e a jurídica.

21 Artigo 7 (2ª parte) Restituição em espécie. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito a reparação em espécie, ou seja, o restabelecimento da situação que existia antes de ter cometido o fato ilícito, sempre que e na medida em que esta restituição em espécie: a) não seja materialmente impossível; b) não gere a violação de uma obrigação nascida de uma norma imperativa de direito internacional geral; c) não gere uma carga totalmente desproporcional em relação a vantagem que se derivaria para o Estado lesionado da obtenção da restituição em espécie em vez da indeterminação; ou d) não comprometa gravemente a independência política e a estabilidade econômica do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito, sendo assim que ao Estado lesionado não resultaria afetado do mesmo modo se não obtivesse a restituição em espécie. (tradução do autor)

Page 59: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

47

A restituição material não oferece maiores dificuldades quanto à sua

compreensão. Ela consiste de fazer com que o Estado ao qual pode ser imputada a

prática do fato internacional ilícito receba a determinação de promover o retorno à

situação anterior ao próprio fato, o que, não raras vezes, é praticamente impossível.

A outra modalidade de restituição em espécie é a denominada

restituição jurídica.

Observa GUIDO SOARES:

“ A citada distinção, contudo, tem sua utilidade, quando se considera a questão da impossibilidade material da restituição ao status quo ante. No caso de uma restituição material, pode colocar-se a impossibilidade de sua realização, o que não se verifica no caso de uma restituição jurídica. Assim no caso do desaparecimento de uma coisa infungível, e tornando-se impossível sua restituição, há de partir-se para outras formas de reparação, como substitutivas daquela. Ora, tal fenômeno, em termos de Direto Internacional do Meio Ambiente, tem suas conseqüências. No caso de uma ação delituosa, por exemplo, uma poluição constante, pequena e tida como “histórica” de efeitos transfronteiriços, cuja descontinuidade não melhorará, de imediato, a atmosfera ou a água de um Estado vizinho, com um meio ambiente já poluído pelas próprias atividades, poderá ser considerada como um caso de restituição impossível e, portanto, dar causa a uma indenização (ou, em outras palavras, o Estado poluidor poderá “comprar”, por meio de várias indenizações, o direito de poluir o meio ambiente transfronteiriço). (2003, p. 776).

Evidencia-se, assim, que esta modalidade pode ser bastante útil no

Direito Internacional do Meio Ambiente.

2.5.3. Indenização:

GUIDO SOARES assevera que as questões envolvendo o tema da

responsabilidade internacional do Estado, na sistemática culposa, quanto à

reparação do dano, tradicionalmente tendem a empregar de maneira alternativa ou

cumulada a restituição em espécie e a indenização. (2003, p. 777).

A hipótese de indenização está prevista no artigo 8º (2ª parte) do

projeto da CDI:

1. El Estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito una indemnización por el daño causado por ese hecho, si el daño no há sido reparado mediante la restituición en especie y en la medida en que lo haya sido.

Page 60: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

48

2. A los efectos del presente artículo, la indemnización cubrirá todo daño económicamente valorable que haya sufrido el Estado lesionado y podrá incluir los interesses y, cuando proceda, las ganancias dejadas de obtener”. (SOARES, 2003, p. 777-778)22

E se caracteriza por não ter:

[...] função punitiva ou aflitiva em relação ao Estado violador da norma internacional, típicas de outras modalidades de reparação (como a satisfação ou garantias de não repetição do ilícito), mas de uma compensação, no sentido técnico-jurídico, de equalização de valores entre coisas fungíveis. Portanto, só se pode referir a situações em que o dano pode ser mensurado em valores fungíveis, em particular, econômicos. Enfim, dado seu caráter compensatório, a indenização visa tão-somente cobrir os danos materiais diretamente suportados pelo Estado lesado, sem qualquer outra finalidade de servir de medida exemplar (os exemply remedies da Common Law como doble ou trebble damages, entram em outra categoria de medidas). (SOARES, 2003, p. 778).

A respeito da indenização, um dos pontos que gera maior discussão

doutrinária se refere à ligação existente entre os danos indenizáveis e sua causa.

Um dos critérios adotados para concluir quanto à possibilidade ou

não de indenização por determinado dano é aquele que divide os danos em diretos

e indiretos. Os danos diretos seriam aqueles decorrentes da ação. Os danos

indiretos, por sua vez, estariam associados àquelas conseqüências negativas que

decorreram do ato, embora não vinculadas a ele diretamente.

Segundo GUIDO SOARES, tal critério vem sendo utilizado pouco a

pouco, em face de sua imprecisão.

Em que pese a essa posição refratária, tal critério chegou a ser

aditado para solucionar controvérsias internacionais, sendo que, quando de sua

utilização, surgia novo ponto de controvérsia: se seriam cabíveis lucros cessantes

cumulativamente aos danos emergentes.

No caso de avaliação dos danos diretos ao Estado, a jurisprudência e a doutrina internacionais são uniformes em conceder indenização pelo dano emergente (damnum emergens)23, mas não tão pacífica no caso de lucros cessantes (lucrum cesans)24. Na verdade, as dificuldades em conceder os

22 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito uma indenização pelo dano causado por esse fato, se o dano não tiver sido reparado mediante a restituição em espécie e na medida em que tenha sido. 2. Aos efeitos do presente artigo, a indenização cobrirá todo dano economicamente valorável que haja sofrido o Estado lesionado e poderá incluir nos interesses e, quando proceder, os lucros deixados de obter (tradução do autor). 23 danos emergente (tradução do autor). 24 lucros cessantes (tradução do autor).

Page 61: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

49

lucros cessantes prendem-se à intricada questão da determinação dos nexos causais entre o dano e o ilícito (a questão dos danos indiretos, num sentido particular desse conceito, a que se referiu anteriormente) e a outra não menos complexa, da previsibilidade do autor do dano em relação aos resultados danosos à pessoa lesada. (SOARES, 2003, p. 780).

GUIDO SOARES cita como clássico o seguinte precedente:

[...] o caso do baleeiro Canadá, que ôpos Brasil a EUA, julgado por arbitragem, no final do século XIX, a 11-7-1870, pelo qual, num acidente náutico com um baleeiro norte-americano, “Canadá”, colisão com rochas no litoral brasileiro e pela ação das autoridades brasileiras que teriam impedido a tripulação de salvar a embarcação, foi o Brasil julgado responsável pelo naufrágio e declarado devedor de indenização por perdas e danos; a corte arbitral, contudo, não concederia lucros cessantes, decorrentes da perda dos ganhos na estação de pesca da baleia, pois tal incidente foi julgado incerto, e, portanto, inindenizável (cf. Arangio-Ruiz, Second report..., Yearbook 1989, v.2. Parte I, p.18). (2003, p. 780-781).

A concepção mais restritiva à indenização pelos lucros cessantes é a

mais antiga, sendo que, modernamente, se alterou tal conceito para compreender-se

que o lesado teria, em verdade, direito subjetivo à indenização.

O caso clássico é o do apresamento do baleeiro norte-americano Cape Horn Pigeon, por um cruzador russo, ato ilícito ocorrido em 9-9-1892, decidido por arbitragem a 29-11-1902, no qual, tendo a Rússia reconhecido sua responsabilidade, caberia ao árbitro único decidir sobre o montante da indenização. O julgador decidiu fixar uma indenização que cobriria não só as perdas presentes, como os lucros não auferidos, com a argumentação: “considerando que o princípio geral do direito civil de que os danos devem incluir compensação, não só pela perda sofrida (the injury sustained) mas também pelos lucros perdidos, também se aplica nos procedimentos internacionais, e a fim de aplicá-lo, a soma dos lucros não necessita ser fixada com certeza, sendo suficiente demonstrar que, na ordem natural das coisas, teria sido possível obter lucros, que foram perdidos, por causa do ato que deu origem ao pedido[...]” (SOARES, 2003, p. 781).

Assim, a solução da discussão sobre o que seria ou não indenizável

estaria na simples constatação dos bens ou interesses que foram atingidos pela

prática do ato danoso.

O segundo critério empregado seria o que adota a noção da

previsibilidade, sendo este o utilizado pela doutrina, majoritariamente.

Segundo esse critério, “[...] é indenizável o dano, seja quando as

ligações entre o dano e sua causa forem ligações naturais e normais, estabelecidas

por uma previsibilidade por parte do autor do ilícito [..]” (SOARES, 2003, p. 779).

Page 62: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

50

Não se olvide que, tendo o Estado lesionado contribuído para o

resultado danoso, sua participação será considerada para reduzir a responsabilidade

do Estado responsável.

Na indenização, o Direito Internacional inclui os danos materiais, de natureza patrimonial, sofridos pelo Estado e pelas pessoas físicas ou jurídicas sob a jurisdição do Estado lesado, bem como os danos morais (portanto não materiais, mas incluídos no patrimônio moral das pessoas de direito interno) por estas sofridos (sendo que os danos morais suportados pelo Estado são cobertos por outra modalidade de reparação, a satisfação, conforme será visto mais além). Nesse particular, a doutrina e a jurisprudência internacionais têm denominado os danos ao patrimônio material do Estado, danos diretos e os causados (materiais ou morais) a pessoas de direito interno, danos indiretos ou “danos pessoais”. No caso de danos pessoais, a jurisprudência internacional tem seguido a linha dos direitos interno dos Estados, concedendo às pessoas de direito interno, no caso de responsabilidade internacional do Estado, o mesmo tratamento dispensado aos danos patrimoniais (em particular, no referente a critérios de avaliação da vida humana). (SOARES, 2003, p. 779).

Verifica-se, assim que as questões envolvendo o tema da

responsabilidade internacional do Estado, na sistemática culposa, quanto à reparação

do dano, tradicionalmente tendem a empregar de maneira alternativa ou cumulada a

restituição em espécie e a indenização.

Verifica-se, assim, uma tendência a empregar alternada ou

cumulativamente, a restituição em espécie e a indenização, no sistema de

responsabilidade internacional do Estado por culpa, no que pertine Pà reparação do

dano.

2.5.4. A Satisfação

A respeito dessa modalidade, prescreve o artigo 10 do projeto da

Comissão de Direito Internacional, sob a responsabilidade de Arangio-Ruiz:

“Artículo 10. (2ª parte) – Satisfación 1. El Estado lesionado podrá obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito una satisfacción por el dano, en particular el dano moral, causado por esse hecho, si ello es necesario para que la reparación sea íntegra y en la medida en que sea necesario. 2. La satisfaccióm podrá darse en una o varias de las siguientes formas: a) disculpas;

Page 63: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

51

b) daños y perjuícios simbólicos; c) en caso de vulneración manifesta de los derechos del Estado lesionado, indemnización de daños y perjuícios correspondiente a la gravedad de esa vulneración; d) en caso de que el hecho internacionalmente ilícito sea consecuencia de falta grave de funcionarios públicos o de comportamiento delictivo de funcionários públicos o de particulares, medidas disciplinarias contra los responsables o castigo de éstos. 3. El derecho del Estado lesionado a obtener satisfacción no justifica demandas que menoscaben la dignidad del Estado que ha cometido el hecho internacionalmente ilícito.” (SOARES, 2003, p. 783).25

Essa modalidade de conseqüência da responsabilidade internacional

do Estado traz ínsita a idéia de que o dano que lhe deu causa é de ordem política ou

jurídica.

Segundo lembra GUIDO SOARES, há autores que preferem não

empregar a terminologia moral por entenderem ser inadequada para uma referência

a danos sofridos por um Estado na ordem internacional. (2003, p. 784).

Concorda a doutrina em compreender a satisfação como:

[...] uma forma de reparação do dano, de caráter aflitivo e não compensatório, como a restituição em espécie ou a indenização, as quais têm como função realizar equivalência em valores econômicos, entre uma perda quantificável e a situação do status quo ante. (SOARES, 2003, p. 784).

Segundo GUIDO SOARES, trata-se a satisfação de uma das formas

mais típicas da reparação do dano em Direito Internacional, no sistema da

responsabilidade por culpa.

2.5.5. As seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito

A última modalidade de reparação de um ilícito internacional exigível

de um Estado, no sistema da responsabilidade por culpa, compreende as

seguranças e garantias de não-repetição do comportamento ilícito.

25 Tradução do autor: Artigo 10 (2ª parte) – Satisfação 1. O Estado lesionado poderá obter do Estado que tenha cometido o fato internacionalmente ilícito uma satisfação pelo dano, em particular o dano moral, causado por esse fato, se ele for necessário para que a reparação seja íntegra e na medida em que seja necessária. 2. A satisfação poderá dar-se em uma ou varias das seguintes formas: a) desculpas; b) danos ou prejuízos simbólicos; c) em caso de vulneracion manifesta dos direitos do Estado lesionado, indenização de danos ou prejuízos correspondente a gravidade dessa vulneracion; d) em caso de o fato internacional ilícito seja conseqüência de falta grave de funcionários públicos ou de comportamento delituoso de funcionários públicos ou de particulares, medidas disciplinares contra os responsáveis ou castigo destes. 3. O direito do Estado lesionado a obter satisfação não jusitifca demandas que menosprezem a dignidade do Estado que haja cometido o fato internacional ilícito.

Page 64: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

52

A respeito do tema, o projeto da CDI assim dispõe:

“Artículo 10 bis (2ª parte) – Seguridades y garantías de no repetición El Estado lesionado poderá, cuando proceda, obtener del Estado que haya cometido el hecho internacionalmente ilícito seguridades o garantias de no repetición de esse hecho.” (SOARES, 2003, p. 785).26

Segundo GUIDO SOARES, as solicitações podem estipular

obrigações de resultado ou de conduta por parte dos Estados infratores. Transcreve-

se:

Os pedidos de garantias, segundo análise no Relatório mencionado, mostram, por inúmeros exemplos de atos de protestos formais de Governos que se sentiram injuriados em seus direitos, as seguintes hipóteses de tratar-se de obrigações de resultado: (a) pedidos de garantias de não-repetição do ato ilícito, sem qualquer outra especificação (em geral presente em notas de protesto); (b) pedidos de garantias de melhor proteção às pessoas e propriedades nacionais (em geral, nos casos de ofensas a particulares estrangeiros), portanto, sendo obrigações de resultado, deixam ao Estado ofensor a incumbência de escolher os modos de implementá-las. Há, igualmente, obrigações de conduta, que aquele Professor, por meio de casos ocorridos, agrupa em três categorias: (a) pedidos de comprometimento a que o Estado ofensor reconheça uma situação em relação ao Estado lesado; (b) pedidos a que o Estado ofensor instrua seus funcionários a que passem a adotar um comportamento específico; e (c) pedidos de garantia a que o Estado ofensor passe a adotar um comportamento apto a prevenir a criação de condições das quais se originou o ilícito. (2003,p. 786).

Concluída a análise acerca da responsabilidade internacional

subjetiva dos Estados, a qual foram evidenciadas as questões mais importantes a

respeito do tema, passa-se ao estudo da responsabilidade internacional Objetiva dos

Estados, evidenciando a problematização que envolve a responsabilização do

Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a necessidade de previsão

nos tratados e de que as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas

pelo Direito Internacional.

26 Artigo 10 (2ª parte) – Seguranças e Garantias de não repetição O Estado lesionado poderá, quando proceda, obter do Estado que haja cometido o fato internacionalmente ilícito seguranças ou garantias de não repetição desse fato. (Tradução do autor).

Page 65: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

53

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA DOS ESTADOS

Neste capítulo, em que será analisada a responsabilidade objetiva,

diferentemente do que se viu até o momento, não mais se investigará acerca da

ilicitude do ato imputável ao Estado, sequer se discutirá sobre a presença da culpa

na conduta do agente. A partir de agora, serão estudadas as hipóteses em que a

reparação será devida em função da prática de um ato lícito, que, embora permitido

no Direito Internacional, culmine em prejuízos para outro Estado, ou seja, a

responsabilidade internacional objetiva, ou por risco.

GUIDO SOARES observa que a responsabilidade por risco, no

Direito Internacional, nasceu com textos do jus scriptum, sendo a Convenção sobre

Responsabilidade Civil contra Terceiros no Campo da Energia Nuclear, adotada em

Paris desde 1960, a primeira a versar sobre a responsabilidade internacional do

Estado, muito embora alguns autores, a exemplo do Embaixador Quentin-Baxter,

primeiro relator na CDI acerca do tema, considerem o caso da Fundição Trail27,

julgado por arbitragem entre os Estados Unidos da América e o Canadá, em 1941, e

o caso do Estreito de Corfu28, entre a Albânia e a Grã-Bretanha, julgado pela CIJ,

em 1949, as primeiras manifestações a respeito do tema, qual seja, a

responsabilidade internacional objetiva dos Estados por dano ao meio ambiente.

27 Caso da Fundição Trail, assim conhecido na jurisprudência internacional, refere-se a um contencioso arbitral bilateral, entre Canadá e Estados Unidos, no qual este último apresentava uma reclamação visando solucionar uma questão de poluição por dióxido de enxofre provocada pela fundição de zinco e chumbo em território canadense, com graves conseqüências no Estado de Washington. “Na falta de normas ou princípios que regulassem a situação, o tribunal arbitral desvendaria uma regra proibitiva, que logo seria escrita no Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, considerado de tal maneira relevante que seria repetido e melhorado no Princípio 2 da Declaração do Rio (...)” (SOARES, 2003, p. 211). 28 Caso do Estreito de Corfu, assim denominado na jurisprudência internacional, refere-se ao incidente ocorrido no Estreito de Corfu entre o Reino Unido da Grã Bretanha e a Irlanda do Norte v. Albânia, relativo ao choque de dois destróieres britânicos que se chocaram com minas em águas albanesas. Este caso “representa um ponto essencial no Direito Internacional do Meio Ambiente, uma vez que fixou a regra de que ‘nenhum Estado pode utilizar seu território para fins de prática de atos contrários ao Direito Internacional’”. (SOARES, 2003, p. 209)

Page 66: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

54

3.1. A POLÊMICA ACERCA DO TEMA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO

ESTADO.

Cabe lembrar, inicialmente, que a Comissão de Direito Internacional

das Nações Unidas separou a regulamentação do estudo da responsabilidade

internacional do Estado em dois grupos: o primeiro, relativo à responsabilidade sob a

ótica subjetiva, pela prática de atos ilícitos; o segundo, relativo à responsabilidade

objetiva, resultante da prática de atos lícitos perante o Direito Internacional. O tema,

no entanto, não é pacífico entre os doutrinadores.

A responsabilidade objetiva, segundo GUIDO SOARES e JOSÉ

FRANCISCO REZEK, decorre apenas das hipóteses em que tenha havido previsão

nos tratados e as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo

Direito Internacional.

Assim, GUIDO SOARES, após enumerar os tratados e as

convenções internacionais que se encontram em vigor na esfera internacional e que

versam sobre a responsabilidade internacional do Estado, segundo o sistema da

responsabilidade objetiva, tais como os que se referem aos danos nucleares, à

poluição marinha por óleo, aos danos causados por objetos espaciais e também

aqueles que já se encontram assinados, porém, ainda, não se encontram em vigor

internacional (Convenção sobre Responsabilidade dos Operadores de Navios

Nucleares, Convenção sobre o Regime Jurídico das Atividades Relativas aos

Recursos Minerais da Antártica, Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos

Causados durante o Transporte de Produtos Perigosos por Rodovias, Ferrovias ou

por Barcos de Navegação Interior, Convenção “Européia” sobre Responsabilidade

Civil por Danos Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente

(Convenção de Lugano) e Convenção Internacional sobre Responsabilidade e

Reparação por Danos Relacionados com o Transporte de Substâncias Tóxicas e

Perigosas por Mar), assevera que “são os únicos que contemplam a

responsabilidade internacional dos Estados, segundo o sistema da responsabilidade

por risco”. (2003, p. 790).

No mesmo sentido é o entendimento de JOSÉ FRANCISCO REZEK:

Igualmente certo, contudo, é que não se admite em direito das gentes uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos, disciplinados por convenções recentes. (2006, p. 270).

Page 67: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

55

Outros autores, a exemplo de LUIS CEZAR RAMOS PEREIRA,

aceitam eventual responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, em

virtude da prática de um ato ilícito e independentemente de qualquer dispositivo

internacional prevendo a matéria:

A Teoria mais aceita ultimamente tem como seu maior difusor o Professor Anzilotti e Guggenheim, e foi denominada como “Teoria do Risco” ou da “Responsabilidade Internacional Objetiva do Estado”. [...] Contudo, o maior defensor e difusor da responsabilidade objetiva foi Anzilotti, ou seja, se houve a efetiva violação de normas tidas e aceitas como de direito internacional, causando danos injustos a outrem o Estado é responsável internacionalmente, sem se apurar o elemento culpa (mais incisivamente o elemento psicológico da culpa), devendo reparar o dano causado.

[...] Esta teoria (objetiva), despoja a responsabilidade internacional de todo o elemento subjetivo e se funda exclusivamente no fato de que houve um ferimento às normas tidas e aceitas de direito internacional, juntamente com o fato de que o dano haja sido produzido ou causado efetivamente: e, de que haja um nexo causal entre este dano e o agente que causou. Linha esta que também adoto, com um adicional ao ato praticado pelo Estado, tanto pode ser ilícito como lícito, sendo que para este último fique configurado que houve dano a outrem e que tenha havido a devida consciência, por parte do Estado, de que tal ato lícito irá provocar um determinado dano. (2000, p. 107-109).

Entretanto, adotando a orientação da CDI, a responsabilidade por

risco, ou objetiva, decorrerá apenas das hipóteses em que tenha havido previsão em

tratados e as ações realizadas pelos Estados sejam aceitas como lícitas pelo Direito

Internacional.

3.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E AS CONSEQÜÊNCIAS PELOS DANOS

CAUSADOS

No que tange a seus elementos constitutivos, pode-se dizer que são

os mesmos apresentados no tópico relativo à responsabilidade por culpa, porém,

apenas com o diferencial de que os atos que serão atribuíveis aos Estados não

serão ilícitos, mas atos lícitos que acabaram por gerar conseqüências desastrosas

para o meio ambiente ou, num sentido mais amplo, para interesses tutelados pelo

Direito Internacional do Estado ofendido.

As conseqüências pelos danos causados, por sua vez, são aquelas

contidas nos próprios documentos internacionais que descrevem as condutas e as

hipóteses de incidência.

Page 68: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

56

Isso implica em se aceitar a hipótese da responsabilidade objetiva

apenas naquelas situações que disciplinam a responsabilização a partir de atos

lícitos, mas que causem prejuízos a terceiros. Para todas as demais situações, será

imprescindível que se demonstre a culpa do Estado ao qual a ação pode ser

atribuída.

As razões de se firmar este entendimento se fundam na posição

sólida adotada em todos os precedentes internacionais, os quais relacionam a

conseqüência do fato ilícito à verificação da presença da culpa e aos próprios

projetos adotados pelas Nações Unidas.

Oportuno e pertinente destacar os documentos internacionais mais

importantes que contemplam normas acerca da responsabilidade dos Estados por

atos não proibidos pelo Direito Internacional, ou seja, no sistema de

responsabilidade objetiva dos Estados: 1) Convenção sobre Responsabilidade Civil

contra Terceiros no Campo da Energia Nuclear, “Convenção de Paris”, de 20-07-

1960; 2) Convenção Suplementar de Bruxelas sobre Responsabilidade Civil contra

Terceiros no Campo da Energia Nuclear, de 1963 (Convenção complementar à

“Convenção de Paris” de 1960); 3)Convenção de Viena sobre Responsabilidade

Civil por Danos Nucleares, Viena, 1963; 4) Convenção Relativa à Responsabilidade

Civil no Campo do Transporte Marítimo de Material Nuclear, Bruxelas, 1971; 4)

Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por

Poluição por Óleo, Londres, 1976; 5) Convenção para o Estabelecimento de um

Fundo Internacional para Compensações por Danos de Poluição por Óleo, Bruxelas,

1971; 6) Convenção sobre Responsabilidade Civil por Dano Decorrente de Poluição

por Óleo Resultante de Exploração de Recursos Minerais do Subsolo Marinho,

Londres, 1977; 7) Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos

Causados por Objetos Espaciais, Londres, Moscou e Washington, 1972. (SOARES,

2003, p. 787-788).

Em síntese, no sistema da responsabilidade objetiva, se não ocorrer

violação de uma norma internacional primária que institui direitos e deveres dos

Estados, inexistirá a norma secundária que instituirá a obrigação de reparar o dano,

uma vez que, nesse sistema, a responsabilidade só existe a partir de dispositivos

contidos em convenções internacionais que descrevem condutas e atribuem suas

conseqüências, sempre para os atos não proibidos no Direito Internacional.

Page 69: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

57

3.3. A POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA E A RESPONSABILIDADE

INTERNACIONAL OBJETIVA

Preliminarmente ao estudo de como se disciplinam as

conseqüências por eventuais prejuízos causados em territórios de outros Estados, a

partir de atividades permitidas no Direito Internacional, há que se fazer uma pequena

digressão acerca do conceito de poluição transfronteiriça.

3.3.1. Poluição Transfronteiriça

Valendo-se da Resolução do Conselho da OCDE, de 14-11-1974,

GUIDO SOARES conceitua poluição:

“Introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio ambiente que causem conseqüências prejudiciais de modo a colocar em perigo a saúde humana, prejudicar recursos biológicos ou sistemas ecológicos, atentar contra atrativos (‘agréments’) ou prejudicar outras utilizações legítimas do meio ambiente” (2003, p. 214).

Num conceito mais amplo, HELITA BARREIRA CUSTÓDIO define

poluição como sendo:

“todo o tipo de transformação ou degradação da qualidade ambiental decorrente de qualquer conduta ou atividade humana que, voluntária ou involuntariamente, ilícita ou licitamente, possa alterar, contaminar, destruir, ou descaracterizar os bens ou recursos integrantes do meio ambiente (naturais, culturais, sanitários), comprometendo, diante do conseqüente desequilíbrio ecológico-ambiental, direta ou indiretamente, tanto a vida, a saúde e o bem-estar da pessoa humana e as condições sócio-econômicas das pessoas físicas e jurídicas (de direito público e de direito privado) como as condições de vida de todas as espécies animais, vegetais e microorgânicas terrestres e aquáticas.” (2006, p. 556).

As diversas implicações pertinentes à poluição transfronteiriça são

questões mais recentes no Direito Internacional. Sempre houve fenômenos

ocorridos no território de um Estado com efeitos no território de outros Estados, a

exemplo dos reflexos extraterritoriais de uma norma a ser aplicada nas relações

envolvendo pessoas de direito privado submetidas a sistema jurídico diverso, tais

como os efeitos do casamento, de um divórcio. Não havia, até há pouco tempo

atrás, o conceito de um efeito danoso transfronteiriço, qual seja a poluição

transfronteiriça.

Page 70: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

58

O conceito de poluição transfronteiriça, segundo GUIDO SOARES,

foi “introduzido na linguagem jurídica a partir da citada definição da OCDE, em 1974.

Ele, com pequenas variantes, é retomado em vários atos internacionais, tendo

recebido uma conceituação mais extensa na Convenção de Genebra de 1979, sobre

Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa Distância (...)”, nos seguintes

termos:.

“A expressão poluição atmosférica transfronteiriça de longa distância’ designa a poluição atmosférica cuja fonte física se situa total ou parcialmente numa zona submetida à jurisdição nacional de um Estado e que produz efeitos danosos numa zona submetida à jurisdição de outro Estado, numa distância tal que geralmente não é possível distinguir as contribuições de fontes individuais ou de grupo de fontes de emissão.” (SOARES, 2003, p. 216)

Salienta o autor que a poluição transfronteiriça presssupõe a ação

do homem, a introduzir elementos prejudiciais ao meio ambiente, não se

considerando como poluição os fenômenos da natureza que dele não dependam,

direta ou indiretamente, tais como a ruptura de barragem (SOARES, 2003, p.217).

A poluição transfronteiriça envolve diversas espécies e ou tipo de

agressão ao meio ambiente, como se pode constatar no rol adiante apresentado,

formulado por GUIDO SOARES (2003, p. 219), a saber:

I. poluição dos mares e oceanos;

II. poluição das águas doces compartidas e dos rios transfronteiriços;

III. poluição atmosférica;

IV. poluição relacionada com a utilização da energia nuclear para fins pacíficos;

V. poluição de atividades de origem industrial relacionadas com a sanidade dos

locais de trabalho, produção e comercialização internacional de produtos de alta

toxicidade, manejo, disposição e transporte de resíduos tóxicos. 29

No tocante à poluição transfronteiriça dos mares e oceanos, a

regulamentação internacional tópica é vasta. Em parte, em decorrência do Direito

Marítimo e, principalmente, em virtude dos grandes acidentes envolvendo

29 Não foi adotada exatamente a divisão efetuado pelo autor, preferindo-se, por questões metodológicas, subdividir o último item, o qual encontra-se assim redigido: “regulamentação setorial de atividades de origem industrial, relacionadas com a sanidade dos locais de trabalho, produção e comercialização internacional de produtos de alta toxidade, manejo, disposição e transporte de resíduos tóxicos, e as questões específicas relacionadas com a utilização da energia nuclear para fins pacíficos.”

Page 71: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

59

derramamento de óleo, a alertar sobre a necessidade de regulamentação da

questão relativa à poluição das águas marinhas. Destaca-se, a título de exemplo, a

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar30, a qual define e delimita, de

maneira pormenorizada, os espaços marítimos.

A respeito da poluição das águas doces compartidas e dos rios

transfronteiriços, é importante destacar que, segundo GUIDO SOARES, na base do

conceito de poluição transfronteiriça, desponta o conceito de fronteira, ou seja,

definição jurídica dos limites do espaço físico onde incide a totalidade do

ordenamento jurídico de um Estado, não se aplicando tal conceito a bens

ecológicos que se situam por entre fronteiras, a exemplo dos animais migratórios ou

em espaços onde não incide nenhuma soberania, como a Antártica, o alto-mar e seu

solo e subsolo (2003, p. 217).

Em virtude dessa noção de confronto entre soberanias dos Estados,

emerge o conceito de “rios transfronteiriços”, partindo-se da classificação dos rios

em nacionais e internacionais.

Na doutrina é unânime o conceito de rios nacionais como sendo os

cursos de água que se localizam no território de um único Estado.

Por sua vez, no que se refere aos rios internacionais, ressalta-se a

dificuldade dos doutrinadores em estabelecer e adotar um conceito único.

CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO entende que a melhor

definição para rio internacional é a que se baseia em um critério jurídico, isto é, “os

cursos de água que se encontram em território de mais de um Estado,” podendo ser

contíguos e sucessivos. (2000, p. 1215).

Já, GUIDO SOARES aponta que um rio, na concepção clássica do

Direito Internacional, era tido como internacional quando fronteiriço, sucessivo ou

completamente internalizado. O critério para distingui-lo de um rio nacional

decorreria das limitações de um Estado quanto a seus poderes para controlar sua

navegabilidade. (2003, p. 241.).

A partir dos anos 60, a classificação dos rios, levando-se em conta

critérios relativos a fins demarcatórios e como vias de navegação, foi sendo

30 Conhecida como a Convenção de Montego Bay, Jamaica, de 1982 (SOARES, 2003, p. 121)

Page 72: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

60

abandonada, surgindo novos critérios, guiados por outras finalidades, quanto aos

rios internacionais, tais como a geração de energia elétrica, o uso doméstico e o uso

agrícola, cujos aspectos da poluição da água se tornam relevantes.

Para GUIDO SOARES, o conceito de “transfronteiriço” está ligado ao

conceito de poluição, portanto com conexão acentuada no Direito Internacional do

Meio Ambiente. Já nos aspectos que não sejam de poluição transfronteiriça,

prevalecem os critérios tradicionais, estreitamente ligados ao conceito de

navegabilidade. (2003, p. 112).

Por fim, observa-se que, dada a peculiaridade geográfica dos rios

internacionais ou das bacias hidrográficas, sua regulamentação é assunto tópico.

Nesse sentido, enfatiza:

Dada a inexistência de regras universais de jus scriptum, as normas dos tratados e convenções ora dizem respeito a enfatizar os aspectos da poluição em alguns rios ou de bacias hidrográficas especialmente nomeadas, em todas as sua formas, ora a estabelecer um regime complexo de utilização múltipla e, colateralmente, além dos aspectos tradicionais da regulamentação de sua navegabilidade, a evitar a poluição dos recursos aqüíferos.” (SOARES, 2003, p. 108).

GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA aponta para a

introdução de uma nova temática no Direito Internacional Fluvial, além dessa

classificação clássica:

“Trata-se de uma tese defendida pela International Law Association cujas regras foram aprovadas em 1966 e passaram a ser conhecidas como as Helsinki Rules, segundo as quais ‘uma bacia de drenagem internacional é uma área geográfica que cobre dois ou mais Estados determinada pelos limites fixados pelos divisores de água, inclusive as águas de superfície e as subterrâneas, que desembocam num ponto final comum’” (1996, p. 510).

Contudo a CDI adota a metodologia de não se referir a rios

internacionais, rejeitando, conseqüentemente, o conceito de bacia integrada, para

adotar o conceito de “cursos d’água internacionais”, definindo-os, portanto, como

aqueles em que algumas de suas partes se encontram em Estados distintos,

enquanto os “cursos d’água” se traduziriam num “sistema de águas de superfície e

subterrâneas que, em virtude de sua relação física, constituiriam um conjunto

unitário e fluiriam, normalmente, a um término comum”, abarcando, assim, os rios

principais, seus afluentes, lagos, aqüíferos, glaciais, represas, canais e lençóis

freáticos, à medida que estejam relacionados entre si.” (SOARES, 2003, p. 110-

111).

Page 73: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

61

Com o propósito de evidenciar tal realidade, são relacionados os

tratados e as convenções internacionais sobre rios e bacias internacionais (ou

“transfronteiriços”) e lagos compartidos entre Estados, no que se refere à proteção

do meio ambiente, de acordo com GUIDO SOARES (2003, p. 112).

1. Protocolo Relativo à Constituição de uma Comissão Internacional para a

Proteção do Mosela contra a Poluição, Paris, 1961;

2. Acordo Relativo à Comissão Internacional para a Proteção do Reno contra a

Poluição , Berna, 1963;

3. Convenção e Estatuto Relativo ao Desenvolvimento da Bacia do Chad, Fort

Lamy (N’Djamína), 1964;

4. Convenção relativa ao “Status” do Rio Senegal e Convenção que estabelece a

Organização de Desenvolvimento do Rio Senegal, Nouakchott, 1977;

5. Convenção sobre a Proteção do Reno contra Poluição, Bonn, 1976;

6. Convenção sobre a Proteção do Reno contra Poluição por Cloretos, Bonn, 1976;

7. Tratado da Bacia do Prata, Brasília, 1969, promulgado pelo Decreto nº 81.351,

de 17-2-1978;

8. Tratado de Cooperação Amazônica, Brasília, 1978, promulgado pelo Decreto nº

85.050, de 18-8-1990;

9. Convenção para a Criação da Autoridade da Bacia do Níger e Protocolo relativo

ao Fundo de Desenvolvimento da Bacia Níger, Faranah, 1980;

10. Acordo sobre um Plano de Ação para uma Gestão Ambiental Correta do Sistema

Comum do Rio Zambeze, Harare, 1987;

11. Convenção sobre a Proteção e Utilização dos Cursos d’Água Transfronteiriços e

Lagos Internacionais, Helsinque, 17-3-1992;

12. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Utilizações dos Cursos

d’Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação, New York, 21-5-1997.

Relativamente à poluição atmosférica transfronteiriça, ressalta-se a

poluição decorrente das chuvas ácidas, atinentes ao efeito estufa, à camada de

ozônio e a seus efeitos sobre o clima global.

Page 74: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

62

O combate a esse tipo de poluição é muito difícil, em face da

impossibilidade de individualização das fontes causadoras da poluição atmosférica.

Assim, sua regulamentação geralmente estabelece normas gerais de cooperação, a

fim de que sejam implementadas, pormenorizadamente, por outros atos.

No que tange à regulamentação que combate esse tipo de poluição,

destaca-se a Convenção sobre Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa

Distância, adotada em Genebra, em 1979, a qual, como já fora citado, define

poluição atmosférica e também estabelece normas a respeito da obrigatoriedade dos

Estados em estabelecer estratégias e políticas nacionais a respeito do lançamento

de gases na atmosfera. De igual importância, a Convenção de Viena, de 1985, para

Proteção da Camada de Ozônio, vigente no Brasil, por força do Decreto nº 99.280,

de 1990, tendo por objetivo proteger a saúde humana e o meio ambiente contra

efeitos adversos, resultantes de modificações da camada de ozônio, assim como o

Protocolo de Kyoto, que visa à redução da emissão de gases poluentes responsáveis

pelo efeito estufa e o aquecimento global.

Em relação às atividades relacionadas à utilização da energia

nuclear para fins pacíficos, considerados seus efeitos altamente tóxicos e

persistentes no meio ambiente, é certo que estão merecendo a devida e necessária

atenção no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente.

Inúmeros são os atos internacionais referentes ao tema, destacando-

se a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, de

1963, no Brasil, promulgada pelo Decreto 911, de 1993.

No que se refere à poluição decorrente de atividades de origem

industrial, destaca-se que a produção de produtos químicos cada vez mais tóxicos,

em sua maioria não recicláveis, podem acarretar em conseqüências desastrosas ao

meio ambiente local, regional e global. Muitos desses elementos não podem ser

reutilizados e nem reciclados, tornando-se presentes no meio ambiente, o que tem

representado um enorme desafio às atividades de controle e de combate a este tipo

de poluição.

As normas jurídicas vêm regulando as atividades relativas a

aspectos de produção, estocagem, utilização e transporte transfronteiriço,

Page 75: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

63

destacando-se a Convenção da Basiléia sobre Controle de Movimentos

Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.

A Convenção da Basiléia, firmada em março de 1988, numa

conferência diplomática promovida pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente, objetivou preparar uma proposta de convenção internacional

para controlar o transporte transfronteririço de resíduos perigosos, entrando em vigor

em maio de 1992.

No Brasil, a Convenção da Basiléia foi aprovada pelo Decreto nº 34,

de 16-06-1992, e promulgada por meio do Decreto nº 875, de 19-07-1993. (MILARÉ,

2005, p. 1017).

Segundo EDIS MILARÉ, a Convenção de Basiléia nasceu da

preocupação referente aos embarques de resíduos desde as nações industrializadas

até os países em desenvolvimento, possuindo três objetivos principais:

“(I) Estabelecer obrigações com vistas a reduzir ao mínimo os movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos , e exigir que seu manejo seja feito de maneira eficiente e ambientalmente segura;

(II) Minimizar a quantidade e a toxicidade dos resíduos gerados, garantir seu tratamento ambientalmente seguro e próximo da fonte geradora (depósito e recuperação) e assistir aos países em desenvolvimento na implementação de suas disposições;

(III) Proibir seu embarque para países que não tenham capacidade para eliminar resíduos perigosos de forma ambientalmente segura.” (2005, p. 1015).

Acrescenta o referido autor que “a Convenção da Basiléia está

baseada no princípio do consentimento prévio e explícito para a importação e o

trânsito desses resíduos, coibindo o tráfico ilícito. Assim, a Convenção não proíbe a

movimentação transfronteiriça de resíduos perigosos em si, mas estabelece

mecanismos para o seu controle e acompanhamento.” (MILARÉ, 2005, p. 1015).

Em 1999, complementando tal documento, por determinação de seu

artigo 12,31 foi firmado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por

Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu

Depósito, também denominado Protocolo de Basiléia.

31 Artigo 12. As partes deverão cooperar com o objetivo de adotar, tão pronto quanto possível, um protocolo que estabeleça normas e procedimentos adequados no campo da responsabilidade e compensação por danos provocados pelo movimento transfronteiriço e depósito de resíduos perigosos e outros resíduos. (SOARES, 2003, p. 885)

Page 76: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

64

Cabe referir que, muito embora tenha nascido por força do art. 12 da

Convenção da Basiléia, GUIDO SOARES entende que não deve ser compreendido

como uma mera regulamentação do Convênio, senão como “uma realidade e força

normativa própria, inclusive com a possibilidade de haver disparidade de Estados

envolvidos num e noutro ato internacional.” (2003, p. 886).

Tal documento define regras quanto à responsabilidade financeira e

à compensação por danos causados por derramamento acidental de resíduos

perigosos durante a exportação e a importação ou sua disposição.

Seu texto evidencia todos os elementos caracterizadores da

responsabilidade objetiva, razão pela qual a importância de sua análise, ainda que

breve, no presente estudo.

O primeiro elemento evidenciado no referido protocolo é a tipificação

legal do dano, o qual, a partir de sua ocorrência, dá origem à obrigação de indenizar

o ofendido:

Art. 2º. Definições: (...) c) Dano significa: i) perda de vida ou dano pessoal; ii) perda ou dano à propriedade, outra que aquela pertencente à pessoal responsável conforme o presente Protocolo; iii) perda de rendimentos, diretamente resultantes de interesses econômicos em qualquer uso do meio ambiente, levando-se em conta poupança e custos; iv) os custos de medidas de restabelecimento do meio ambiente degradado, limitados aos custos de medidas efetivamente tomadas ou a serem tomadas; e v) os custos de medidas preventivas, inclusive quaisquer perdas ou danos causados por tais medidas, na medida em que o dano se origine ou resulte das propriedades perigosas dos resíduos envolvidos no movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos sujeitos à Convenção [de Basiléia de 1989]; (...) ( SOARES, 2003, p. 886).

Observa-se o cuidado que tiveram os responsáveis pela elaboração

deste protocolo ao relacionar as várias situações que podem ser reconhecidas como

resultado do deslocamento das mercadorias nocivas arroladas na Convenção da

Basiléia.

Verifica-se, também, que os eventos considerados como danosos

podem ser aqueles que repercutem sobre a pessoa, diretamente considerada, ou

aqueles que são produzidos no meio ambiente atingido pelo produto tóxico.

Page 77: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

65

Além disso, deverá ser considerado dano a repercussão econômica

gerada pela necessidade de adoção de medidas incidentes sobre o ambiente

atingido, fundamentais para sua recuperação.

Outra característica evidente do sistema de responsabilidade

objetiva neste protocolo é o direcionamento da responsabilidade para pessoas

claramente identificadas, presente no art. 4º da Convenção da Basiléia.

Art. 4º. Responsabilidade Civil. A pessoa que notifica, segundo o art. 6º da Convenção [de Basiléia de 1986], será responsável pelos danos, até que o encarregado do depósito tenha entrado na posse dos resíduos perigosos e outros resíduos. A partir de tal fato, o encarregado do depósito será responsável pelos danos, Se o Estado de exportação é o notificador, ou se nenhuma notificação tenha sido feita, o exportador será responsável pelos danos, até que o responsável pelo depósito tenha entrado na posse dos resíduos perigosos e outros resíduos. (SOARES, 2003, p. 887).

Destaque-se, ainda, a fixação dos limites mínimo e máximo para as

indenizações como outra característica presente em documentos internacionais que

regulam a responsabilidade internacional objetiva do Estado. Observou GUIDO

SOARES a respeito do assunto:

“De extrema importância no Protocolo de Basiléia são os limites financeiros envolvidos nos valores que devem ser desembolsados pelas pessoas nas quais se acha canalizada a responsabilidade civil, como se recorda, um dos elementos característicos da responsabilidade por risco, uma vez que comporta elementos que permitem tornar viáveis as contratações de seguros.” (2003, p. 887).

O protocolo atendendo às regras gerais dos documentos

internacionais que regulam a responsabilidade objetiva, também apresenta as regras

acerca de questões processuais, indicando os tribunais com competência para

conhecer e julgar as demandas embasadas nas situações nele previstas e os

incidentes quanto à lei aplicável.

Concluída a necessária digressão acerca do conceito de poluição

transfronteiriça e sua classificação, com a introdução do tópico a seguir com a breve

análise do Protocolo da Basiléia, passa-se ao estudo de como se disciplinam as

conseqüências por eventuais prejuízos causados em territórios de outros Estados, a

partir de atividades permitidas no Direito Internacional. Para tal, será analisado o

documento internacional que trata da responsabilidade civil por danos resultantes de

atividades perigosas ao meio ambiente.

Page 78: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

66

Cuida-se da denominada Convenção de Lugano, principalmente em

razão de sua finalidade eminentemente ambientalista e por regular, de maneira

direta, a responsabilidade internacional objetiva.

3.4. A CONVENÇÃO EUROPÉIA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR

DANOS RESULTANTES DE ATIVIDADES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE –

CONVENÇÃO DE LUGANO.

A gênese da Convenção de Lugano está no incidente ocorrido em

Schwzwehalle, na Suíça, onde, em 1986, ocorreu um gigantesco incêndio na fábrica

da Sandoz. Em decorrência do incêndio e da combustão de 1.200 toneladas de

produtos químicos (inseticidas, herbicidas) formou-se uma nuvem tóxica que acabou

por se depositar no rio Reno e alterar o ecossistema local, além de causar vários

danos patrimoniais a agricultores e pescadores da região.

A Convenção de Lugano estabelece um regime de responsabilidade

objetiva e canalizada sobre o controlador de atividade convencionada como perigosa

ao meio ambiente, relativamente aos danos causados pela atividade ou algum

incidente em seu curso que afetem tanto o meio ambiente quanto a terceiros em

seus interesses individuais.

Prevê, expressamente, as regras sobre a solidariedade nas

hipóteses de sucessão no negócio, pluralidade de estabelecimentos causador do

dano e encerramento da atividade antes da manifestação do dano.

Da mesma forma, a Convenção estabelece as causas de exclusão e

de atenuação da responsabilidade, consagrando, entre outras, a de força maior e de

fato a elas equiparado.

A primeira observação que pode ser feita ao se estudar a

Convenção de Lugano, de 1993, que disciplina a responsabilidade civil por danos

resultantes de atividades perigosas ao meio ambiente, é que ela pode ser

considerada a primeira convenção internacional que tratou do tema da

responsabilidade internacional por atividades perigosas ao meio ambiente,

Page 79: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

67

declarando, expressamente, sua finalidade preservacionista (SOARES, 2003, p.

834).

Ao comentá-la, GUIDO SOARES demonstra que a vocação

ambientalista da convenção é explícita já em seu preâmbulo:

(...) (a) ao reconhecer a existência de perigos específicos causados por certas atividades aos quais estão expostos o homem, o meio ambiente e as propriedades; (b) ao observar que o fato de emissões geradas em um pais podem causar danos em outro e que portanto os problemas de uma adequada compensação por tal dano são igualmente de natureza internacional; (c) ao considerar que é desejável que se estabeleça, neste campo, um sistema de responsabilidade por risco, levando em conta o princípio do “poluidor-pagador”; (e) ao relembrar a obra já realizada no âmbito internacional, em particular na prevenção do dano e no trato com danos causados por substâncias nucleares e no transporte de mercadorias perigosas; (f) ao tomar nota do Princípio 13 da Declaração da ECO/92 (integalmente transcrito no Preâmbulo); e (g) ao reconhecer a necessidade de adotarem-se medidas adicionais para o trato com as graves e iminentes ameaças de danos resultantes de atividades perigosas e facilitar o ônus da prova a pessoas que buscam compensação por tais danos. (SOARES, 2003, p. 835).

Esse documento, igualmente ao protocolo analisado anteriormente,

segue a tradição de explicitar, em seu texto, as definições dos institutos que nele

são regulados.

Veja-se o artigo 2º, que relaciona e estabelece o conceito de vários

termos que compõe este documento:

“Art. 2º Definições Para os efeitos desta Convenção: 1. ‘Atividade perigosa’ significa uma ou mais das seguintes atividades, na condição de serem exercidas profissionalmente, inclusive atividades exercidas por autoridades públicas: a) a produção, manipulação, estocagem, uso ou descarga de uma ou mais substâncias perigosas ou qualquer operação de natureza similar que lide com tais substâncias; b) a produção, cultivo, manipulação, estocagem, uso, destruição, disposição liberação ou qualquer outra operação que lide com um ou mais: - organismos geneticamente modificados, que, como resultado das propriedades dos organismos, das modificações genéticas e das condições sob as quais a operação é realizada, criam um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou para a propriedade; - microorganismos que, como resultado de suas propriedades e das condições sob as quais a operação é realizada, criam um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade, tais como os microorganismos patogênicos ou que produzem toxinas; c) a operação de uma instalação ou local para incineração, tratamento, manipulação ou reciclagem de resíduos, tais como as instalações e locais especificados no Anexo 2, se a quantidade envolvida causar um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade; d) a operação de um lugar para o depósito permanente de resíduos (SOARES, 2003, p. 836-837).

Page 80: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

68

Já no início do texto são evidenciadas as atividades perigosas que

terão o condão de gerar a responsabilização civil por danos resultantes das

atividades nocivas ao meio ambiente

A modernidade de seu conteúdo pode ser observada quando já

insere no rol das atividades perigosas as manipulações com microorganismos

geneticamente modificados, quando destas eclodam situações de risco para o

homem e o meio ambiente.

Prossegue o dispositivo definindo o que deve ser compreendido

como substância perigosa:

“2. ‘Substância perigosa’ significa: a) substância ou preparados cujas propriedades constituem um risco significativo para o homem, o meio ambiente ou a propriedade. Uma substância ou preparado que é explosiva, oxidante, extremamente inflamável, altamente inflamável, inflamável, muito tóxica, tóxica, prejudicial, corrosiva, irritante, sensibilizante, carcinogênica, mutagênica, tóxica para a reprodução ou perigosa para o meio ambiente, conforme o Anexo 1, Parte A desta Convenção deverão, em qualquer caso, ser considerados como constituindo tal risco; b) substâncias especificadas no Anexo 1, Parte B, desta Convenção. Sem prejuízo da aplicação do subparágrafo acima, o Anexo 1, Parte B, poderá restringir a especificação de substância perigosas a certas quantidades ou concentrações, a certos riscos ou determinadas situações; (SOARES, 2003, p. 836-837).

Na seqüência, é abordada a temática da engenharia genética:

“3. ‘Organismo geneticamente modificado’ significa qualquer organismo no qual o material genético tenha sido alterado de tal modo que não ocorra naturalmente por acasalamento e/ou recombinação natural. Contudo, os seguintes organismos geneticamente modificados não são cobertos pela Convenção: - organismos obtidos por mutagênese em condições que a modificação genética não envolva o uso de organismos geneticamente modificados como organismos-recipientes; e - plantas obtidas por fusão de células (inclusive por fusão de protoplasta) se a planta resultante pode igualmente ser produzida por métodos tradicionais de reprodução e em condições que a modificação genética não envolva o uso de organismos geneticamente modificados como organismos parentes. ‘Organismo’ refere-se a qualquer entidade biológica capaz de replicação ou de transferir material genético. 4. ‘Microorganismo’ significa qualquer entidade microbiológica, celular ou não celular, capaz de replicação ou de transferir material genético. (...) (SOARES, 2003, p. 837-838).

Por esses dispositivos, percebe-se que seus autores não se

descuidaram da evolução da ciência, classificando e definindo os microorganismos e

anotando as conseqüências nocivas de sua manipulação.

Importante destacar o item nº 7, que apresenta o significado de

dano:

Page 81: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

69

(...) 7. ‘Dano’ significa: a) perda de vida ou ferimentos pessoais; b) perda ou dano à propriedade outra que a própria instalação ou propriedade submetida ao controle do operador, no lugar da atividade perigosa; c) perda ou dano por prejuízo ao meio ambiente, na medida em que não seja considerado dano no sentido dos subparágrafos (a) e (b) acima, na condição de que a compensação pelo prejuízo ao meio ambiente, outra que aquela relativa a lucros cessantes de tal prejuízo, seja limitada a custos ou medidas de restabelecimento efetivamente tomadas ou a serem tomadas; d) os custos de medidas preventiva ou qualquer perda ou dano causado por medidas preventivas, na medida em que a perda ou dano referidos nos subparágrafos de (a) a (c) deste parágrafo emerjam ou resultem das propriedades que criam riscos (hazardous properties) das substâncias perigosas, dos organismos geneticamente modificados, dos microorganismos, ou emerjam ou resultem de rejeitos.” (SOARES, 2003, p. 838).

A Convenção de Lugano, em seu art. 2º, item 10, ainda se

preocupou em traçar, ainda que em linhas gerais, a definição de meio ambiente

como sendo os recursos naturais, abióticos ou bióticos, como o ar, a água, o solo, a

fauna e a flora, bem como a interação entre tais fatores, as propriedades que

formam parte da herança cultural e os aspectos característicos da paisagem (item

10).

Igualmente em linhas gerais, o referido artigo, em seu item 11,

definiu incidente como sendo qualquer ocorrência súbita ou contínua ou série de

ocorrências que tenham a mesma origem e causem dano ou criem uma grave e

iminente ameaça de causar dano.

No que se refere à adoção da responsabilidade objetiva, a

Convenção de Lugano estabeleceu, em dois de seus artigos, o seguinte: 1) no artigo

6º, que trata da responsabilidade em relação a substâncias, organismos ou certos

lugares ou instalações para resíduos, os operadores serão os responsáveis pelos

danos causados pelas atividades que estiverem ou estiveram realizando e que

ocasionaram o incidente; 2) no art. 7º, que se refere à responsabilidade em relação a

locais para depósito permanente de resíduos, prevê o documento, tal qual no artigo

anterior, a responsabilidade dos operadores, podendo, também, em ambas as

hipóteses, ser estabelecida solidariedade entre eles.

Seu art. 8º prevê, contudo, regras de exoneração da

responsabilidade, quais sejam:

“O operador não será responsável nos termos desta Convenção pelo dano que prove:

Page 82: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

70

a) ter sido causado por um ato de guerra, hostilidades, guerra civil, insurreição ou fenômeno natural de caráter excepcional, inevitável ou irresistível; b) ter sido causado por um ato praticado com a intenção de causar dano, por terceira pessoa, a despeito de medidas de segurança apropriadas no tipo de atividade perigosa em questão; c) ter resultado necessariamente do acatamento de ordem específica ou de medida compulsória de uma autoridade pública; d) ter sido causado por níveis toleráveis de poluição, nas relevantes circunstâncias locais; ou e) ter sido causado por uma atividade perigosa legalmente exercida no interesse da pessoa que sofreu o dano, em virtude do qual foi razoável em relação a esta, expô-la ao risco da atividade perigosa.” (SOARES, 2003, p. 840).

Outra regra inovadora e grande importância para o tema relativo ao

meio ambiente, constante do referido documento, diz respeito às disposições

constantes do artigo 10 (causalidade):

Art. 10. Causalidade Ao considerar as provas do vínculo causal entre o incidente e o dano ou, no contexto da atividade perigosa conforme definida no art. 2º, § 1º, subparágrafo d, entre a atividade e o dano, o tribunal (judiciário) deverá levar na devida consideração o perigo acrescido de causar tal dano, inerente à atividade perigosa.

Segundo GUIDO SOARES, as demais convenções que tratam do

assunto do meio ambiente mencionam um único incidente ou, ainda, acontecimentos

de forma continuada, porém decorrentes de um único fato gerador, silenciando,

portanto, quanto à poluição de forma continuada originada por atos não proibidos

pelo Direito, atos estes difíceis de ser obstaculizados, pois, ao ressarcirem os danos

mediante indenizações julgadas legítimas, “compram” o direito de poluir.

Com essas disposições, a Convenção de Lugano, após ter definido,

em seu art. 2º, § 1º, incidente como “qualquer ocorrência súbita ou contínua, ou

qualquer série de ocorrências que têm a mesma origem”, permitiu aos juízes

“considerar a relação de causa e efeito entre o incidente e o dano, bem como a

cumulatividade do grau de perigo nas atividades relativas à operação de lugares

para depósito permanente de resíduos (art. 2º, § 2º, d, conforme referido no art. 10

transcrito) (...)”, abrindo “uma porta a que se restrinja o conceito de coisa julgada,

impedindo que a rigidez inerente a tal conceito transforme-se num direito de poluir,

pagas as indenizações em processos judiciais anteriores.” (SOARES, 2003, p. 840-

841).

Page 83: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

71

Tal disposição é reforçada em seu art. 11, o qual cria uma

solidariedade entre os operadores de incidentes ocorridos em instalações ou lugares

de depósito permanente de resíduos.

Por último, destaca-se o capítulo 3, que regula as hipóteses do

direito a informações:

a) informações de posse de quaisquer autoridades pública (definidas como qualquer órgão da Administração no âmbito nacional, regional ou local, e que não estejam atuando na capacidade judicial ou legislativa), cujo acesso deverá ser permitido a qualquer pessoa, em matéria não restritas definidas na Convenção (...); b) informações de posse dos órgão com responsabilidades públicas para com o meio ambiente, facultadas a qualquer pessoa e que são reguladas da mesma maneira que as anteriores (...); c) informações específicas de posse dos operadores, fornecidas somente por ordem judicial, facultadas a pessoas que sofreram um dano, a qualquer tempo e à medida que aquelas se tornem necessárias para estabelecer a existência de um vínculo causal com o dano (art. 16, § 1º, ou facultadas a outros operadores, em procedimentos administrativos ou judiciais, para prova de sua parte na participação em dano causado a um particular ou de seu direito a uma indenização por parte de outro operador (...)” (SOARES, 2003, p. 841-842).

A inclusão, em seu texto, do princípio da informação, um dos

princípios basilares do Direito Internacional do meio Ambiente, vem a reforçar o

caráter moderno e inovador do documento.

Assim, destacadas as principais disposições da Convenção de

Lugano, ainda que em breves linhas, pode-se ter a noção de como estão

disciplinadas as conseqüências por eventuais prejuízos causados nos territórios de

outros Estados, a partir de atividades permitidas no Direito Internacional.

Há que se realçar que, no sistema da responsabilidade objetiva, o

dever de reparar é inerente à própria definição da conduta tipificada na norma, não

necessitando do pressuposto da definição do que seja lícito. O dever de reparar é a

própria obrigação primária.

Por fim, após terem sido destacados os pontos que entendemos

como os mais importantes e caracterizadores da responsabilidade internacional

subjetiva e objetiva, bem como analisado um ato internacional que regulamenta os

efeitos dos prejuízos decorrentes de uma atividade lícita, causados por um Estado

no território de um outro, passar-se-á à delimitação das causas de exclusão da

responsabilidade internacional, objeto do tópico seguinte.

Page 84: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

72

3.5. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS

ESTADOS

Para análise das causas de exclusão da responsabilidade dos

Estados por atos internacionais ilícitos, será tomado como base o trabalho da

Comissão de Direito Internacional, que encerra a codificação das normas

costumeiras sobre a matéria.

Relativamente à responsabilidade subjetiva internacional, a obra da

CDI, no relatório do prof. Ago, são apresentados os casos e as circunstâncias que

excluem a conduta ilícita do Estado, 32quais sejam:

1. Consentimento do Estado atingido pela conduta ilícita;

2. Contramedidas tomadas a respeito de um acontecimento internacionalmente

ilícito ocasionado por outro Estado;

3. Força maior e caso fortuito;

4. Perigo extremo;

5. Estado de necessidade;

6. Legítima defesa (SOARES, 2003, p. 868)

A respeito do consentimento, o projeto dispõe que significaria um

acordo entre o Estado violador e o Estado lesado:

“Artículo 29. Consentimento 1. El consentimiento validamente prestado por un Estado a la comisón por outro Estado de un hecho determinado que no esté en conformidad con una obligación del segundo Estado para con el primeiro excluirá la ilicitud de tal hecho en relación con ese Estado siempre que el hecho permanezca dentro del ambito de dicho consentimiento. 2. El párrafo 1 no se aplicará si la obligación dimana de una norma imperativa de derecho internacional general. Para los efectos del presente proyeto de artículos, una norma imperativa de derecho internacional general es una norma aceptada y reconocida por la comunidad internacional de Estados en su conjunto como norma que no admite acuerdo en contrario y que suelo puede ser modificada por una norma ulterior de derecho

32 “O Projeto da CDI não pretendeu esgotar as possibilidade, tendo mesmo afirmado que ‘a Comissão é suficientemente consciente da natureza evolutiva do Direito Internacional para acreditar que uma circunstância que hoje não é tida como possuindo o efeito de excluir a ilicitude de um ato do Estado não conforme com uma obrigação internacional poderá ter tal efeito no futuro’ (SOARES, 2003, p. 868-869)

Page 85: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

73

internacional general que tenga el mismo caráter.” 33 (SOARES, 2003, p. 869).

Assim, consentimento, na visão da CDI, ocorre quando um Estado

consente que outro realize um ato que, em tese, seria considerado um ilícito

internacional. Desse modo, se um Estado consentir que outro pratique ato ou

omissão que vá causar efeitos em seu território, este não poderá pedir a

responsabilização daquele Estado pelo dano perpetrado. É importante ressaltar,

entretanto, que o ato deve ater-se aos limites do que foi consentido.

Outra circunstância que exclui a ilicitude diz respeito à prática de um

ato ilícito com o fim de exercer uma contramedida, que, por tal razão, passa a ser

lícito.

O artigo 30 do projeto da CDI assim dispõe:

“Artículo 30. Contramedidas respecto a un hecho internacionalmente ilícito. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación de ese Estado para con outro Estado quedará excluída si el hecho constituye una medida legítima según el derecho internacional contra ese outro Estado, a consecuencia de un hecho internacional ilícito de ese outro Estado.”34

Dessa forma, as contramedidas contra um ato internacional ilícito

ocorrem quando um Estado é vítima de um ato ilícito de um outro Estado e, desse

modo, toma medidas para responder por ele. Um exemplo comum de contramedida,

na atual realidade internacional, é a aplicação de sanções econômicas contra

Estados que atuem em desacordo com o Direito Internacional.

Tal como ocorre com o consentimento, as contramedidas contra um

Estado violador têm o efeito de legitimar os atos que, em circunstâncias outras,

seriam ilícitos, porém somente em relação às partes em confronto.

33 Artigo 29 – Consentimento. 1. O consentimento validamente prestado por um Estado à Comissão de outro Estado de um fato determinado que não está em conformidade com uma obrigação do segundo Estado para com o primeiro excluirá a ilicitude de tal fato em relação a esse Estado sempre que esse fato permaneça dentro do âmbito do dito consentimento. 2. O parágrafo 1 não se aplicará se a obrigação originar de uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos do presente projeto, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados em seu conjunto como norma que não admite acordo em contrário e que somente pode ser modificada por uma norma posterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter. (Tradução do autor). 34 Artigo 30. Contramedidas a respeito de um fato internacionalmente ilícito. A ilicitude de um fato de um Estado que não esta em conformidade com uma obrigação desse Estado para com outro Estado, restará excluída se o fato constituir uma medida legítima segundo o direito internacional contra esse outro Estado, a conseqüência de um fato internacional ilícito desse outro Estado. (tradução do autor).

Page 86: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

74

A ocorrência de força maior e de caso fortuito também exclui a

ilicitude da conduta de um Estado em relação a outro. A CDI assim disciplina:

“Artículo 31. Fuerza mayor y caso fortuito 1. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obrigación internacional de ese Estado quedará excluída si el hecho se debió a una fuerza irresistible o a un acontecimiento exterior imprevisible ajenos a su control que hicieron materialmente imposible que ese Estado procediera en conformidad con tal obligación o que ser percatara de que su comportamiento no era conforme a esa obligación. 2. El párrafo 1 no será aplicable si el Estado de que se trata há contribuído a que produzca la situación de impossibilidad material.”35

Assim, a força maior e o caso fortuito ocorrem quando o Estado não

age em conformidade com uma obrigação internacional em virtude de força

irresistível ou um evento não previsto, fora do controle do Estado, que torne

impossível o cumprimento dessa obrigação internacional. Essa excludente não

será válida, entretanto, caso a situação de força maior se deva, somente ou em

conjunção com outros fatores, à conduta do Estado que a invoca ou quando

tenha ele assumido o risco de que a situação ocorresse.

Diferentemente dos casos anteriores, em que havia a ocorrência da

manifestação de uma vontade ilícita, tem-se uma situação em que não é possível

dar cumprimento a uma obrigação internacional, ocorrendo o ilícito sem que haja

a vontade do Estado.

Outra excludente de ilicitude de uma conduta se refere à violação de

uma obrigação, sob a circunstância de perigo extremo. Tal circunstância está

prevista no projeto da CDI, da seguinte forma:

“Artículo 32. Peligro extremo 1. La ilicitud de um hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional de ese Estado quedará excluída si el autor del comportamiento que constituya el hecho de ese Estado no tenía outro medio, en una situación de peligro extremo, de salvar su vida o la de personas confiadas a su cuidado. 2. el párrafo 1 no será aplicable si el Estado de que se trata ha contribuído a que produzca la situación de peligro extremo o si era probable que el conportamiento de que trata originara um peligro comparable o mayor.36 (SOARES, 2003, p. 875)

35 Artigo 31. Força maior e caso fortuito. 1. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com a obrigação internacional desse Estado restará excluída se o fato deveu-se a uma força irresistível de um acontecimento exterior imprevisível alheios a seu controle que torna materialmente impossível que esse Estado proceda em conformidade com tal obrigação. 2. O parágrafo 1 não será aplicável se o Estado de que se trata haja contribuído para a produção da situação de impossibilidade material. (Tradução do autor). 36 Artigo 32. Perigo Extremo. 1. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional desse Estado restará excluída se o autor do comportamento que constitui o fato desse Estado não tinha outro meio, em uma situação de perigo extremo, de salvar sua

Page 87: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

75

O perigo ocorre quando o autor do ato não possui nenhum outro

meio razoável, além do desrespeito a uma obrigação internacional, para salvar sua

vida ou de pessoas sob seu cuidado. Somente não se pode invocar "perigo" quando

a situação de perigo foi causada, só ou em combinação com outros fatores, pelo

próprio Estado ou quando o ato puder criar uma situação de perigo comparável ou

maior.

Como visto, essa excludente de responsabilidade se refere a valores

pessoais, ou seja, de pessoas atuando por conta do Estado.

Exclui, também, a ilicitude, o estado de necessidade. Assim como

nas circunstâncias vistas anteriormente, a conduta ilícita de um Estado, que, em

rigor, incorreria na obrigação de reparar um dano, é excluída em razão do estado de

necessidade.

No que tange ao estado de necessidade, a CDI assim dispôs:

“Artículo 33. Estado de necesidad 1. Ningún Estado podrá invocar un estado de necesidad como causa de exclusión de la ilicitud de un hecho de esse Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional del Estado a menos que: a) ese hecho haya sido el único medio de salvaguardar un interés esencial del Estado contra un peligro grave e inminente; y b) esse hecho no haya afectado gravemente un interés esencial del Estado para con el que existia la obligación. 2. En todo caso, ningún Estado podrá invocar un estado de necesidad como causa de exclusión de la ilicitud: a) si la obligación internacional con la que el hecho del Estado no esté en conformidad dimana de uma norma imperativa de derecho internacional; o b) si la obligación internacional con la que el hecho del Estado no esté en conformidad há sido establecida por un tratado que, explícita o implicitamente excluya la posibilidad de invocar del estado de necesidad com respecto a esa obligación; o c) si el Estado de que trata há contribuído a que produzca el estado de necesidad.”37

vida ou das pessoas confiadas a seu cuidado. 2. O parágrafo 1 não será aplicável se o Estado de que se trata haja contribuído para a produção da situação de perigo extremo ou se era provável que o comportamento de que trata originara um perigo comparavelmente maior. (Tradução do autor). 37 Artigo 33. Estado necessidade. 1. Nenhum Estado poderá invocar o estado de necessidade como causa de exclusão da ilicitude de um fato desse Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional do Estado a menos que: a) esse fato tenha sido o único meio de salvaguardar um interesse essencial do Estado contra um perigo grave e iminente; e b) esse fato não tenha afetado gravemente um interesse essencial do Estado para com o que existia na obrigação. 2. Em todo caso, nenhum Estado poderá invocar o estado de necessidade como causa de exclusão da ilicitude: a) se a obrigação internacional com a qual o fato do Estado não está em conformidade com originar de uma norma imperativa de direito internacional, ou b) se a obrigação internacional com a qual o fato do Estado não está em conformidade tenha sido estabelecida por um tratado que, explícita ou implicitamente exclua a possibilidade de invocar o estado de necessidade com respeito a essa obrigação; ou c) se o Estado de que trata tenha contribuído para a produção do estado de necessidade. (tradução do autor).

Page 88: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

76

Dessa forma, a necessidade ocorre quando não há outra maneira de

o Estado resguardar interesse essencial contra uma situação de perigo iminente e o

não-cumprimento de uma obrigação internacional não afeta seriamente um interesse

essencial de outro Estado, grupo de Estados ou a comunidade internacional. O

artigo 33, acima transcrito, exclui a possibilidade de invocar tal excludente caso a

obrigação internacional em questão exclua essa possibilidade ou o Estado tenha

contribuído para a situação de necessidade.

Cabe ressaltar os elementos distintivos do estado de necessidade

em relação a outras circunstâncias excludentes da responsabilidade. Nos casos de

força maior ou caso fortuito e de perigo iminente, existem fatores que tornam o ato

ilícito involuntário ou, pelo menos, com motivações alheias à vontade do infrator. No

caso do estado de necessidade, o ato ilícito é perfeitamente motivado por uma

vontade do Estado que o comete, sem ter havido qualquer provocação do lesado ou

qualquer motivação independente da vontade do agente.

Tem-se, ainda, a legítima defesa, como caso de exclusão da

responsabilidade dos Estados, segundo o projeto da CDI:

“Artículo 34. Legítima defesa. La ilicitud de un hecho de un Estado que no esté en conformidad con una obligación internacional de esse Estado quedará excluída si ese hecho constituye ua medida lícita de legítima defensa tomada en conformidad con la Carta de la Naciones Unidas.”38

A diferença entre essa medida e o estado de necessidade reside no

fato de que a adoção da legítima defesa ocorre como resposta a uma conduta

agressiva de outro e por meio de medidas de intervenção armada.

Examinados os casos de exclusão da responsabilidade internacional

dos Estados, de acordo com a CDI, é importante ressaltar que essas excludentes

não anulam ou extinguem a obrigação internacional. Elas somente são uma

justificativa para o não-exercício dessa obrigação pelo período em que a

circunstância subsistir. Elas podem ser aplicadas para justificar quaisquer tipos de

ilícitos, exceto aqueles para os quais haja normas claras dispondo em contrário.

Como visto, para configuração da exoneração da responsabilidade

internacional subjetiva, faz-se necessário que o Estado cometa um ato contrário ao

38 Artigo 34. Legítima defesa. A ilicitude de um fato de um Estado que não está em conformidade com uma obrigação internacional desse Estado restará excluída se esse fato constituir uma medida lícita de legítima defesa tomada em conformidade com a Carta das nações Unidas. (Tradução do autor).

Page 89: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

77

Direito Internacional. Hipóteses presentes na própria norma, contudo, retiram seu

caráter ilícito, ou seja, retiram os efeitos da conduta que deveria gerar a obrigação

de reparar o dano.

No que tange à responsabilidade internacional subjetiva, por não

estar especificamente regulada no jus scriptum, há necessidade de exame dos

costumes, da jurisprudência e da doutrina internacionais, que fundamentaram o

projeto da CDI, acima examinado. Tal característica, inclusive, justifica a não-

inclusão da proteção do meio ambiente nesse sistema de responsabilidade, uma vez

que se trata de um assunto relativamente novo no Direito Internacional.

No que se refere à responsabilidade internacional objetiva, as

responsabilidades são determinadas pela leitura direta dos respectivos textos, sendo

que, no caso de inaplicabilidade, poderão ser analisados, indiretamente, “os campos

que não se encontram legislados numa convenção particularmente examinada. Por

exemplo, os danos que não sejam considerados “danos nucleares” internacionais

(...) ou, no caso da Convenção de Lugano, os danos ao meio ambiente que não se

encontram arrolados em suas definições.” (SOARES, 2003, p. 868).

Percebe-se, ainda, que a responsabilidade objetiva se funda,

exclusivamente, no fato de ter havido o ferimento às normas tidas e aceitas de

Direito Internacional, juntamente com o fato de que o dano haja sido produzido ou

causado efetivamente e de que haja um nexo causal entre ele e o agente que o

causou, despojando-se, por assim dizer, de todo o elemento subjetivo.

Page 90: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

78

CONCLUSÃO

A presente monografia teve como escopo investigar as

circunstâncias que podem levar os Estados a serem responsabilizados

internacionalmente por danos ambientais decorrentes de poluição gerada em seu

território, mas de conseqüências transfronteiriças.

Atendo-se ao rumo que se lançou a trilhar, qual seja identificar os

elementos caracterizadores da responsabilidade internacional dos Estados

relativamente ao meio ambiente, particularmente no que concerne a danos

ambientais decorrentes de poluição transfronteiriça, dividiu-se o trabalho em três

capítulos.

No primeiro capítulo, tratou-se, inicialmente, da contextualização

histórica da evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente, ressaltando-se a

importância da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo,

como sendo o documento a partir do qual, alavancados por seus princípios,

multiplicaram-se os instrumentos internacionais que buscam a preservação do meio

ambiente. Em breves linhas, foram identificados os fundamentos e as fontes do

Direito Internacional do Meio Ambiente, consideradas estas aquelas enumeradas no

art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ou seja, os tratados

internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito e, como meios

auxiliares para a determinação do significado e alcance das primeiras, as decisões

judiciais e a doutrina internacional, acrescentando-se a tais fontes internacionais as

declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do

Direito Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais,

passando-se, a seguir, para uma análise dos princípios do Direito Internacional do

Meio Ambiente. Assim, foram tratados os princípios do direito à sadia qualidade de

vida, do acesso eqüitativo aos recursos naturais, do usuário-pagador e poluidor-

pagador, da precaução, da prevenção, da reparação, da informação, da participação

e da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público. Por fim, foram estabelecidas

as bases conceituais do instituto da responsabilidade.

Page 91: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

79

No segundo capítulo, tratou-se, com particularidade, da

responsabilidade internacional subjetiva dos Estados, a partir de sua conceituação e

da delimitação de seus elementos constitutivos, passando-se, após, à análise da

conduta proveniente do Estado que tenha o condão de impulsionar esta

responsabilização (atos dos órgãos do Estado) e, também, do tema relativo ao

esgotamento dos recursos internos. Voltou-se, ao final, à análise das

conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional subjetiva do Estado,

especificamente a cessação do comportamento ilícito, a reparação strictu sensu, a

indenização, a satisfação e as seguranças e garantias de não-repetição do

comportamento ilícito.

Finalizou-se o trabalho com o terceiro capítulo, em que se abarcou o

outro sistema de responsabilidade internacional, qual seja a responsabilidade

internacional objetiva dos Estados, evidenciando-se a problematização que envolve

a responsabilização do Estado, segundo um critério objetivo, mais precisamente a

necessidade de previsão nos tratados e que as ações realizadas pelos Estados

sejam aceitas como lícitas pelo Direito Internacional. Prosseguiu-se, em tal contexto,

com o esclarecimento de seus elementos constitutivos, as conseqüências pelos

danos causados e com uma pequena digressão acerca do conceito de poluição,

classificando-a de acordo com os setores ambientais afetados. Ressaltou-se, ainda,

o conceito de transfronteiriço e sua ligação ao conceito de poluição, em cujo item,

com intuito de conhecer a forma pela qual se disciplinam as conseqüências por

eventuais prejuízos causados por um Estado em território de outro Estado, foi

analisado o Protocolo sobre Responsabilidade e Compensação por Danos

Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito,

conhecido como Protocolo da Basiléia. Também, com o mesmo fim, foi analisada a

Convenção Européia sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de

Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente, denominada Convenção de Lugano. Por

fim, adentrou-se, pormenorizadamente, as causas de exclusão da responsabilidade

internacional, em seus dois sistemas (subjetiva e objetiva).

Em relação às duas hipóteses levantadas no início deste trabalho,

registre-se que a primeira não foi confirmada e que a segunda, ainda que em parte,

foi corroborada.

Page 92: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

80

Especificamente sobre a primeira, cuja hipótese consistiu de

indagação sobre a existência de um Direito Internacional do Meio Ambiente com

características próprias e desgarradas do Direito Internacional ou Privado, a ponto

de se constituir num ramo autônomo da Ciência Jurídica, cabe referir, inicialmente,

que o Direito Internacional do Meio Ambiente, de uma forma geral, ainda caminha

em construção. O fato de se ter elaborado um termo para definir um conjunto de

normas e regulamentos sobre matéria ambiental, no âmbito internacional, demonstra

uma preocupação em se tutelar, na esfera internacional, o meio ambiente, embora

ainda esteja longe de ser considerado um ramo autônomo do Direito Internacional.

Os princípios e normas do Direito Internacional Público e do Direito

Internacional Privado continuam sendo adotados para solução dessa nova temática,

preservando-se seus elementos, que os tornam bem definidos como ramo da

Ciência Jurídica.

Pode-se observar, porém, que, embora muitas normas não sejam

coercitivas, o esboço jurídico gerado internacionalmente, na questão ambiental, já se

mostrou capaz de criar uma maior consciência ambiental nas relações internacionais

e de influir nas legislações internas, além de estabelecer padrões, sinalizando para a

adoção futura de normas internacionais coercitivas e para um gerenciamento

ambiental mais eficiente por parte dos Estados.

No que tange à segunda hipótese, restou confirmado que a

responsabilidade internacional dos Estados pela reparação do dano ambiental é

objetiva e baseada na teoria do risco integral. Quem exerce atividades suscetíveis

de causar danos ao ambiente se sujeita à reparação do prejuízo,

independentemente de ter agido ou não com culpa.

Notou-se, entretanto, a prevalência do modelo da responsabilidade

subjetiva, isto é, da responsabilidade do Estado por danos ilícitos, a qual se encontra

sujeita ao exame da culpa, tendo em vista que as regras sobre responsabilidade

objetiva são específicas para algumas atividades, tais como danos nucleares e

queda de objetos espaciais.

Evidenciam-se, ainda, as seguintes considerações:

O tema ambiental obteve projeção no cenário internacional a partir

da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

Page 93: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

81

Estocolmo (Suécia), em 1972, que proclama, em seu princípio n° 1, o meio ambiente

como um direito fundamental do ser humano.

Com o agravamento dos problemas ambientais e com o

estabelecimento de uma consciência ecológica na opinião pública internacional, a

qual passou a exigir uma tutela internacional do meio ambiente, surge o Direito

Internacional do Meio Ambiente ao longo do século XX.

As fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente são as mesmas

fontes do Direito Internacional, ou seja, aquelas enumeradas no art. 38 do Estatuto

da Corte Internacional de Justiça, acrescentadas pela doutrina as declarações

unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do Direito

Internacional) e as decisões tomadas pelas organizações internacionais.

A responsabilidade internacional dos Estados assumiu grande

importância, o que fez com que as Nações Unidas, logo após o final da Segunda

Guerra Mundial, instituíssem uma comissão, integrante de sua estrutura, almejando

positivá-la, a fim de retirar do costume internacional e dos precedentes

jurisprudenciais os postulados da matéria.

A responsabilidade internacional subjetiva do Estado sempre

decorrerá de um ato ilícito internacional, seguindo o conteúdo de todas as fontes de

Direito Internacional, a fim de determinar a ocorrência deste fato contrário aos

próprios ditames deste ramo do Direito.

O elemento essencial para estabelecimento da responsabilidade

internacional do Estado no sistema da responsabilidade subjetiva ou por culpa é a

existência de um ato ou omissão que viole uma norma de Direito Internacional

vigente no Estado que praticou o ato ilícito e no Estado que sofreu o dano, por ter

seu direito lesado.

Os atos ou omissões atribuíveis a um Estado são apenas o que o

Direito Internacional assim considerar, independentemente de sua validade no

âmbito interno, podendo tais atos provir do Executivo, Legislativo ou Judiciário ou

decorrer da conduta de pessoas sem qualquer atribuição oficial ou vinculação com o

Estado do qual são nacionais ou a que estejam submetidas.

Ante a insuficiência do sistema subjetivista em fornecer respostas

adequadas e justas para os problemas relativos ao meio ambiente, surge a

Page 94: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

82

denominada responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, dispensando a

prova de culpa para viabilizar a indenização.

A responsabilização objetiva ficará adstrita àquelas situações

prejudiciais a alguém decorrentes da prática de atos lícitos, regulamentadas,

especificamente, por atos internacionais e que tenham sidos incorporados na ordem

jurídica de cada Estado.

A modalidade objetiva alcançou algum sucesso, a partir do

surgimento de atos internacionais que delimitaram suas hipóteses de incidência.

A teoria objetiva retira da responsabilidade internacional todo seu

caráter subjetivo e se funda, exclusivamente, no fato de que houve um ferimento às

normas tidas e aceitas de Direito Internacional, de que o dano teria sido produzido

ou causado efetivamente e de que tenha ocorrido um nexo de causalidade entre

este dano e o agente que o causou.

O conceito de transfronteiriço está ligado ao conceito de poluição,

portanto com conexão acentuada no Direito Internacional do Meio Ambiente.

As diversas implicações pertinentes à poluição transfronteiriça se

constituem numa questão relativamente moderna no Direito Internacional, tendo sido

introduzidas na linguagem jurídica a partir da definição da OCDE, em 1974.

A poluição transfronteiriça pressupõe a ação do homem, a introduzir

elementos prejudiciais ao meio ambiente, não se considerando como poluição os

fenômenos da natureza que dele não dependam, direta ou indiretamente.

A partir dos anos 60, a classificação dos rios, levando-se em conta

critérios relativos a fins demarcatórios e como vias de navegação, vai sendo

abandonada, surgindo novos critérios, guiados por outras finalidades aos rios

internacionais, tais como a geração de energia elétrica, o uso doméstico e o uso

agrícola, cujos aspectos da poluição da água se tornam relevantes.

Em 1999, complementando a Convenção da Basiléia, por

determinação de seu artigo 12, foi firmado o Protocolo sobre Responsabilidade e

Compensação por Danos Resultantes do Movimento Transfronteiriço de Resíduos

Perigosos e seu Depósito, também denominado Protocolo de Basiléia. Em seu texto,

Page 95: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

83

ficaram evidenciados todos os elementos caracterizadores da responsabilidade

objetiva, razão pela qual a importância de sua inclusão no presente estudo.

A Convenção de Lugano, que disciplina a responsabilidade civil por

danos resultantes de atividades perigosas ao meio ambiente, é considerada a

primeira convenção internacional que tratou do tema da responsabilidade

internacional por atividades perigosas ao meio ambiente, havendo declarado,

expressamente, sua finalidade preservacionista.

O caráter inovador da Convenção de Lugano consiste,

especialmente, de um rol das atividades perigosas, tais como as manipulações com

microorganismos geneticamente modificados, quando destas eclodam situações de

risco para o homem e o meio ambiente, assim como pela inclusão em seu texto do

princípio da informação, um dos princípios basilares do Direito Internacional do Meio

Ambiente.

As excludentes da responsabilidade internacional não anulam ou

extinguem a obrigação internacional. Elas somente são uma justificativa para o não-

exercício dessa obrigação pelo período em que a circunstância subsistir.

As excludentes da responsabilidade internacional podem ser

aplicadas para justificar quaisquer tipos de ilícitos, exceto aqueles para os quais haja

normas claras dispondo em contrário.

Para configuração da exoneração da responsabilidade internacional

subjetiva, faz-se necessário que o Estado cometa um ato contrário ao Direito

Internacional. Hipóteses presentes na própria norma, contudo, retiram seu caráter

ilícito, ou seja, retiram os efeitos da conduta que deveria gerar a obrigação de

reparar o dano.

Já no caso da responsabilidade objetiva, se não ocorrer violação de

uma norma internacional primária que institui direitos e deveres dos Estados,

inexistirá a norma secundária que instituirá a obrigação de reparar o dano, uma vez

que, nesse sistema, a responsabilidade só existe a partir de dispositivos contidos em

convenções internacionais que descrevem condutas e atribuem suas

conseqüências, sempre para os atos não proibidos no Direito Internacional. Na

responsabilidade subjetiva, por seu turno, as situações são diversas. Com efeito, o

Page 96: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

84

estudo comparativo das causas de exclusão dos dois sistemas de responsabilidade

(subjetiva e objetiva) deve ser feito por metodologias diferentes.

Por fim, há de se destacar que, dada a indivisibilidade do meio

ambiente, o dever de protegê-lo deve se dar tanto na órbita interna como

internacional, sendo que a quebra deste dever importará em responsabilização.

Page 97: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

85

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, Eulálio do Nascimento. Manual de direito

internacional público. 12 ed. São Paulo: Saraiva. 1996.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,

2002.

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade Civil por Danos ao Meio

Ambiente, Campinas, SP: Millennium, 2006.

DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed. Rio de Janeiro, 1995.

JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. São Paulo: LTr, 2000.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito ambiental brasileiro. 14ª ed.

ver., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros 2006. p. 54MELLO, Albuquerque Mello .D.

Curso de direito internacional publico. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de direito internacional. 2. ed.

ampl. atual. até 01.01.2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 11ª ed..

Rio de Janeiro: Renovar. 1997.

________. Curso de direito internacional público. 12ª ed. rev. e aum. Rio de

Janeiro: Renovar. 2000.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed.

rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.

Page 98: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

86

PEREIRA, Luis Cezar Ramos. Ensaio sobre a responsabilidade internacional do

Estado e suas conseqüências no direito internacional: (A saga da

responsabilidade internacional do Estado). São Paulo: LTr, 2000.

REZEK, J.F. Direito internacional público: curso elementar. 10 ed. ver. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2006, 2ª tiragem. p. 269.

SAMPAIO, José Adércio Leite. WOLD, Chris. NARDY, Afrânio José Fonseca.

Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo

Horizonte: Del Rey, 2003.

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional: meio

ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial.

Rio de Janeiro: Thex Ed.: Biblioteca Estácio de Sá, 1995.

_____. A utilização dos rios internacionais e o Mercosul. In: CASELLA, Paulo Borba

(Coord.). Contratos internacionais e direito econômico no Mercosul após o

término do período de transição. São Paulo: LTr. 1996.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, São

Paulo: Atlas, 2002. v. I.

______. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e

responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos

direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p.21.

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Responsabilidade civil por danos ao meio

ambiente. Curitiba: Juruá, 2004.

WOLD, Chris . Introdução ao estudo dos princípios de direito internacional do meio

ambiente. In. Princípios de direito ambiental: na dimensão internacional e

comparada. Belo Horizonte: Del Rey , 2003.

Page 99: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

87

Declaração de Estocolmo, de 1972 (tradução livre). Disponível em:

http://www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/ _arquivos/estocolmo.doc: Acesso em

02/09/2007

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Disponível

em:http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idconte

udo =576. Acesso em 03/09/2007.

Page 100: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

88

ANEXOS

DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO39 (tradução livre)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em

Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de

princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para

preservar e melhorar o meio ambiente humano,

Proclama que:

1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o

qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se

intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça

humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração

da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras

maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do

meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do

homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida

mesma.

2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão

fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do

mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos

os governos.

3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar

descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do

homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a

todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de

enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder

39 Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em 02/SET/2007.

Page 101: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

89

pode causar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio ambiente. Em nosso

redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas

regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres

vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e

esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde

física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente

naquele em que vive e trabalha.

4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão

motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo muito

abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana digna, privada

de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de condições de saúde e de

higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimento devem dirigir seus

esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade

de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os países

industrializados devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos

países em desenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientais

estão geralmente relacionados com a industrialização e o desenvolvimento

tecnológico.

5. O crescimento natural da população coloca continuamente, problemas relativos à

preservação do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e medidas

apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do mundo, os seres

humanos são a mais valiosa. Eles são os que promovem o progresso social, criam

riqueza social, desenvolvem a ciência e a tecnologia e, com seu árduo trabalho,

transformam continuamente o meio ambiente humano. Com o progresso social e os

avanços da produção, da ciência e da tecnologia, a capacidade do homem de

melhorar o meio ambiente aumenta a cada dia que passa.

6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos em

todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o meio

ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos imensos e

irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bem-

estar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo e uma ação mais

prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nossa posteridade,

condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as

Page 102: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

90

necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar a qualidade do

meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É preciso entusiasmo,

mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro e sistemático. Para chegar

à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e, em harmonia com ela, o homem

deve aplicar seus conhecimentos para criar um meio ambiente melhor. A defesa e o

melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se

converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo

tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do

desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, e em conformidade com

elas.

7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e comunidades,

empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que

possuem e que todos eles participem eqüitativamente, nesse esforço comum.

Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o meio

ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades.

As administrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições, são as

responsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicações de

medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Também se requer a

cooperação internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos países

em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. Há um número cada vez

maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de alcance regional ou

mundial ou por repercutir no âmbito internacional comum, exigem uma ampla

colaboração entre as nações e a adoção de medidas para as organizações

internacionais, no interesse de todos. A Conferência encarece aos governos e aos

povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em

benefício do homem e de sua posteridade.

II

PRINCÍPIOS

Expressa a convicção comum de que:

Princípio 1

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de

condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe

Page 103: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

91

permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de

proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este

respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial,

a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação

estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.

Princípio 2

Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e

especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser

preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma

cuidadosa planificação ou ordenamento.

Princípio 3

Deve-se manter, e sempre que possível, restaurar ou melhorar a capacidade da

terra em produzir recursos vitais renováveis.

Princípios 4

O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar

judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se

encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores

adversos. Consequentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico deve-se

atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres.

Princípio 5

Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o

perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe

dos benefícios de sua utilização.

Princípio 6

Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais que

liberam calor, em quantidades ou concentrações tais que o meio ambiente não

possa neutralizá-los, para que não se causem danos graves o irreparáveis aos

ecossistemas. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os países contra a

poluição.

Princípio 7

Page 104: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

92

Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos

mares por substâncias que possam por em perigo a saúde do homem, os recursos

vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir

outras utilizações legítimas do mar.

Princípio 8

O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem

um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições

necessárias de melhoria da qualidade de vida.

Princípio 9

As deficiências do meio ambiente originárias das condições de subdesenvolvimento

e os desastres naturais colocam graves problemas. A melhor maneira de saná-los

está no desenvolvimento acelerado, mediante a transferência de quantidades

consideráveis de assistência financeira e tecnológica que complementem os

esforços internos dos países em desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam

requerer.

Princípio 10

Para os países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a obtenção de

ingressos adequados dos produtos básicos e de matérias primas são elementos

essenciais para o ordenamento do meio ambiente, já que há de se Ter em conta os

fatores econômicos e os processos ecológicos.

Princípio 11

As políticas ambientais de todos os Estados deveriam estar encaminhadas par

aumentar o potencial de crescimento atual ou futuro dos países em desenvolvimento

e não deveriam restringir esse potencial nem colocar obstáculos à conquista de

melhores condições de vida para todos. Os Estados e as organizações

internacionais deveriam tomar disposições pertinentes, com vistas a chegar a um

acordo, para se poder enfrentar as conseqüências econômicas que poderiam

resultar da aplicação de medidas ambientais, nos planos nacional e internacional.

Princípio 12

Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento do meio

ambiente tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países

Page 105: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

93

em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de medidas de

conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a

necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistência técnica e

financeira internacional com este fim.

Princípio 13

Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar

assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e

coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique

assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger

e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população.

Princípio 14

O planejamento racional constituI um instrumento indispensável para conciliar as

diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a

necessidade de proteger y melhorar o meio ambiente.

Princípio 15

Deve-se aplicar o planejamento aos assentamento humanos e à urbanização com

vistas a evitar repercussões prejudiciais sobre o meio ambiente e a obter os

máximos benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos. A este respeito

devem-se abandonar os projetos destinados à dominação colonialista e racista.

Princípio 16

Nas regiões onde exista o risco de que a taxa de crescimento demográfico ou as

concentrações excessivas de população prejudiquem o meio ambiente ou o

desenvolvimento, ou onde, a baixa densidade d4e população possa impedir o

melhoramento do meio ambiente humano e limitar o desenvolvimento, deveriam se

aplicadas políticas demográficas que respeitassem os direitos humanos

fundamentais e contassem com a aprovação dos governos interessados.

Princípio 17

Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar,

administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estado, com o fim

de melhorar a qualidade do meio ambiente.

Page 106: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

94

Princípio 18

Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social deve-se

utilizar a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que

ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem

comum da humanidade.

Princípio 19

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto

às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da

população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública

bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades

inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do

meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os

meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio

ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a

necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-

se em todos os aspectos.

Princípio 20

Devem-se fomentar em todos os países, especialmente nos países em

desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento científicos referentes aos

problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre

intercâmbio de informação científica atualizada e de experiência sobre a

transferência deve ser objeto de apoio e de assistência, a fim de facilitar a solução

dos problemas ambientais. As tecnologias ambientais devem ser postas à

disposição dos países em desenvolvimento de forma a favorecer sua ampla difusão,

sem que constituam uma carga econômica para esses países.

Princípio 21

Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito

internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos

em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de

que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu

controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas

fora de toda jurisdição nacional.

Page 107: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

95

Princípio 22

Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional no

que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros

danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob o controle

de tais Estados causem à zonas fora de sua jurisdição.

Princípio 23

Sem prejuízo dos critérios de consenso da comunidade internacional e das normas

que deverão ser definidas a nível nacional, em todos os casos será indispensável

considerar os sistemas de valores prevalecentes em cada país, e, a aplicabilidade

de normas que, embora válidas para os países mais avançados, possam ser

inadequadas e de alto custo social para países em desenvolvimento.

Princípio 24

Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação

e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e

melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar,

reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se

realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio ambiente,, mediante acordos

multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania

e os interesses de todos os estados.

Princípio 25

Os Estados devem assegurar-se de que as organizações internacionais realizem um

trabalho coordenado, eficaz e dinâmico na conservação e no melhoramento do meio

ambiente.

Princípio 26

É’ preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas nucleares e de

todos os demais meios de destruição em massa. Os Estados devem-se esforçar

para chegar logo a um acordo – nos órgãos internacionais pertinentes- sobre a

eliminação e a destruição completa de tais armas.

Page 108: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

96

DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO40

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo

se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração

da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em

Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o

objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de

novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os

indivíduos, trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que

respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio

ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente

da Terra, nosso lar, proclama que:

Princípio 1

Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento

sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a

natureza.

Princípio 2

Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do

direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos

segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a

responsabilidade de assegurar que atividades sob sus jurisdição ou seu controle não

causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da

jurisdição nacional.

Princípio 3

O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam

atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente

das gerações presentes e futuras.

Princípio 4 40 Disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. Acesso em 03/SET/2007.

Page 109: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

97

Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte

integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada

isoladamente deste.

Princípio 5

Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o

desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a

pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às

necessidades da maioria da população do mundo.

Princípio 6

Será dada prioridade especial à situação e às necessidades especiais dos países

em desenvolvimento, especialmente dos países menos desenvolvidos e daqueles

ecologicamente mais vulneráveis. As ações internacionais na área do meio ambiente

e do desenvolvimento devem também atender aos interesses e às necessidades de

todos os países.

Princípio 7

Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação,

proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.

Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente

global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países

desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional

do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas

sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros

que controlam.

Princípio 8

Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada

para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de

produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas.

Princípio 9

Os Estados devem cooperar no fortalecimento da capacitação endógena para o

desenvolvimento sustentável, mediante o aprimoramento da compreensão científica

por meio do intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e mediante a

Page 110: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

98

intensificação do desenvolvimento, da adaptação, da difusão e da transferência de

tecnologias, incluindo as tecnologias novas e inovadoras.

Princípio 10

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no

nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada

indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que

disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e

atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar

dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a

participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será

proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive

no que se refere à compensação e reparação de danos.

Princípio 11

Os Estados adotarão legislação ambiental eficaz. As normas ambientais, e os

objetivos e as prioridades de gerenciamento deverão refletir o contexto ambiental e

de meio ambiente a que se aplicam. As normas aplicadas por alguns países poderão

ser inadequadas para outros, em particular para os países em desenvolvimento,

acarretando custos econômicos e sociais injustificados.

Princípio 12

Os Estados devem cooperar na promoção de um sistema econômico internacional

aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento

sustentável em todos os países, de forma a possibilitar o tratamento mais adequado

dos problemas da degradação ambiental. As medidas de política comercial para fins

ambientais não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável,

ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações

unilaterais para o tratamento dos desafios internacionais fora da jurisdição do país

importador. As medidas internacionais relativas a problemas ambientais

transfronteiriços ou globais deve, na medida do possível, basear-se no consenso

internacional.

Princípio 13

Page 111: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

99

Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à

indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão

também cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do

direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por efeitos

adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por

atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle.

Princípio 14

Os Estados devem cooperar de forma efetiva para desestimular ou prevenir a

realocação e transferência, para outros Estados, de atividades e substâncias que

causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana.

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando

houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica

absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Princípio 16

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos

ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem

segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a

devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos

investimentos internacionais.

Princípio 17

A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as

atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o

meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional

competente.

Princípio 18

Os Estados notificarão imediatamente outros Estados acerca de desastres naturais

ou outras situações de emergência que possam vir a provocar súbitos efeitos

Page 112: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

100

prejudiciais sobre o meio ambiente destes últimos. Todos os esforços serão

envidados pela comunidade internacional para ajudar os Estados afetados.

Princípio 19

Os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados,

notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades que possam vir a

ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e se

consultarão com estes tão logo seja possível e de boa fé.

Princípio 20

As mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e no

desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial para se alcançar o

desenvolvimento sustentável.

Princípio 21

A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser mobilizados

para criar uma parceria global com vistas a alcançar o desenvolvimento sustentável

e assegurar um futuro melhor para todos.

Princípio 22

Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais,

têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de

seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer

e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições

para sua efetiva participação no atingimento do desenvolvimento sustentável.

Princípio 23

O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a opressão,

dominação e ocupação serão protegidos.

Princípio 24

A guerra é, por definição, prejudicial ao desenvolvimento sustentável. Os Estados

irão, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à proteção do meio

ambiente em tempos de conflitos armados e irão cooperar para seu

desenvolvimento progressivo, quando necessário.

Princípio 25

Page 113: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR …siaibib01.univali.br/pdf/Joao Soares de Souza.pdf · “A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude

101

A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e

indivisíveis.

Princípio 26

Os Estados solucionarão todas as suas controvérsias ambientais de forma pacífica,

utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das Nações

Unidas.

Princípio 27

Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de

parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para

o desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do

desenvolvimento sustentável.