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A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento I Maria Augusta de Magalhães Barbosa Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento Universidade Fernando Pessoa Porto, 2013

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  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    I

    Maria Augusta de Magalhes Barbosa

    Responsabilidade Social Empresarial

    e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro

    desenvolvimento

    Universidade Fernando Pessoa

    Porto, 2013

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    II

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    III

    Maria Augusta de Magalhes Barbosa

    Responsabilidade Social Empresarial

    e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro

    desenvolvimento

    Universidade Fernando Pessoa

    Porto, 2013

    Trabalho apresentado Universidade

    Fernando Pessoa como parte dos

    requisitos para obteno do grau de

    Mestre em Aco Humanitria,

    Cooperao e Desenvolvimento.

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    IV

    Resumo

    A Responsabilidade Social Empresarial, uma noo relativamente recente, constitui-se

    como instrumento em busca de equilbrio e sustentabilidade econmica a nvel global.

    Surge como propulsor de mudanas socioeconmicas favorveis criao de condies de

    acesso a uma vida mais digna da pessoa humana.

    Por seu lado, a Doutrina Social da Igreja [Catlica] constitui-se igualmente como reflexo e

    instrumento de transformao da sociedade, na sua vertente econmica, com visto o bem-

    estar social universal.

    Este trabalho visa identificar o percurso e as propostas dos dois discursos e identificar em

    particular as linhas principais que tornam a Responsabilidade Social Empresarial e a

    Doutrina Social da Igreja paralelas ou divergentes nas questes do bem-estar e do

    desenvolvimento.

    Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial, Doutrina Social da Igreja, bem-estar,

    desenvolvimento, dignidade humana, Direitos Humanos.

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    V

    Abstract

    Corporate Social Responsibility, as such a recent notion, is built as a tool in search for

    equilibrium and economic sustainability at a global level. It is developed as a motor of

    change for more favorable social and economic conditions of access to a more decent life

    of human beings.

    On its side, the Social Doctrine of the [Catholic] Church also represents a reflexion and a

    tool to transform society, on its economic aspects, with a view on a universal social

    welfare.

    This work aims at identifying the way and proposals of the two discourses, and to identify

    in particular the main lines that make Corporate Social Responsibility either parallel or

    different from the Church Social Doctrine on the issues of welfare and development.

    Keywords: Corporate Social Responsibility, Churchs Social Doctrine, Welfare,

    Development, Human Dignity, Human Rights.

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    VI

    Agradecimentos

    A Deus, minha fonte e minha Foz!

    Em Quem me perco sem diluir-me!

    No Qual me encontro sempre que O busco;

    Porque antes de me buscar, ininterruptamente, me procura Ele!

    Aos meus pais que acolheram a torrente da vida, a cuidaram e, Doutos na Universidade da

    Vida, me incutiram a abertura aos valores perenes e a adeso relatividade do mutvel e

    efmero.

    Congregao do Bom Pastor, que me acolheu como seu membro e no cessa de me

    estimular fidelidade na trajectria da vida que me oferecida como vocao, projecto e

    processo.

    Aos muitos Anjos, com quem vou tropeando: os que conheo mas no menciono, por

    serem muitos e pelo respeito sua expressa vontade de discrio, impeditiva de os fazer

    levantar voo impulsionados por quaisquer ventos; os que no conheo e a quem tanto devo,

    pelo bem realizado e a cuja sombra protectora vivo acariciada

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    VII

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ACT Actos dos Apstolos

    ADCE Associao de Dirigentes Cristos de Empresas

    AES Agenda Europeia

    BM Banco Mundial

    CA Centesimus Annus

    CIC Catecismo da Igreja Catlica

    CDSI Compendio de Doutrina Social da Igreja

    CELAM Conferncia Episcopal Latino Amrica

    CNJP Comisso Nacional Justia e Paz

    DH Dignitatis Humanae

    DQ Didaqu

    DR Divini Redemptoris

    DT Deuteronmio

    DV Donum Vitae

    DN De Nabothae

    EPNQ European Foundation For Quality Management

    EU Unio Europeia

    EX. xodo

    GC Global Compact

    GME Guidelines for Multinational Enterprises

    GN Genesis

    GRI Global Report Initiative

    G.S Gaudium et Spes

    IAPMEI Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas

    IS. Isaas

    ISO Organizao Internacional de Normalizao

    JO. Joo

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    VIII

    Lv. Levtico

    LE Laborem Exercens

    MB Mit Brennender

    MC Marcos

    MM Mater et Magistra

    MT Mateus

    NP Norma Portuguesa

    OA Octogesima Adveniens

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    ONG. Organizao No Governamental

    ONU Organizao das Naes Unidas

    RM Rdio Mensagem

    RN Rerum Novarum

    PT Pacem in Terris

    PP Populorum Progressio

    PR Provrbios

    QA Quadragesimus Annus

    1Rs 1Livro dos Reis

    SRS Sollicitudo Rei Socialis

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    IX

    INDICE GERAL

    INDICE GERAL IX

    INDICE DE FIGURAS XI

    Introduo 1

    Captulo I. Especificidade da Responsabilidade Social Empresarial 3

    1. O conceito 3

    2. Evoluo do conceito de RSE 5

    3. Alternativas ao conceito 9

    4. A actualidade do conceito de RSE 12

    5. A RSE um conceito multiverso 15

    6. Enquadramento internacional e europeu do conceito de RSE 18

    7. Princpios operativos da RSE 22

    8. Intercepo: RSE e Gesto Estratgica 25

    9. O estatuto da Filantropia no contexto da RSE 26

    10. Caratersticas da RSE e seus objectivos 27

    Captulo II. A Doutrina Social da Igreja e as suas fontes 29

    1. O conceito 29

    2. Contextualizao dos primeiros passos da DSI 30

    3. As fontes da DSI 30

    3.1 Antigo Testamento 31

    3.2 O Novo Testamento 32

    3.3 Os Primeiros sculos da Igreja 34

    3.3.1 Santo Ambrsio 35

    3.3.2 So Baslio 37

    3.3.3 So Gregrio Nazianzeno 39

    3.3.4 So Joo Crisstomo 40

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    X

    Captulo III. Evoluo da Doutrina Social da Igreja 42

    1. A DSI no Magistrio de Leo III 42

    2. A DSI no Magistrio de Pio XI 43

    3. A DSI no Magistrio de Pio XII 44

    4. A DSI no Magistrio de Joo XXIII 45

    4.1 A Encclica Mater et Magistra 45

    4.2 A Encclica Pacem in Terris 47

    5. A DSI na ptica do Vaticano II 47

    6. A DSI no Magistrio de Paulo VI 48

    6.1 A DSI na Encclica Populorum Progressio 48

    6.2 A DSI na Encclica Octagesima Adveniens 49

    7. A DSI no Magistrio de Joo Paulo II 53

    7.1 A DSI na Encclica Laborem Exercens 53

    7.2 A DSI na Encclica Sollicitudo Rei Socialis 59

    7.3 A DSI na Encclica Centesimus Annus 66

    Captulo IV. Princpios da Doutrina Social da Igreja relevantes para a RSE 74

    1. Princpio da dignidade humana 74

    2. Princpio do respeito pela vida humana 75

    3. Princpio de associao 76

    4. Princpio da participao 76

    5. Princpio da opo preferencial pelos Pobres 77

    6. Princpio da solidariedade 78

    7. Princpio da subsidiariedade 80

    8. Princpio do bem comum 82

    9. Princpio do destino universal dos bens 83

    Concluso 88

    Bibliografia 94

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    XI

    INDICE DE FIGURAS

    Figura 1. Nveis de Responsabilidade Social 7

    Figura 2. Responsabilidade Social das Empresas e conceitos afins na dcada de 90 11

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    1

    Introduo

    O presente trabalho, nascido duma vontade tenaz de crescer na capacidade de servir melhor

    aqueles que constituem o objecto do carisma e misso da Congregao Religiosa a que

    perteno, incide sobre a Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja,

    numa perspectiva de anlise textual sobre as duas temticas.

    Num contexto histrico de crise escala global, sintomtica de perversas ideologias e

    sistemas em que assenta a organizao social, com expresso nos mais diversos pontos de

    vista: poltico, financeiro e econmico-social, ambiental e humano entre outros; sente-se a

    urgncia de um novo paradigma de desenvolvimento, portador de solues e

    procedimentos, um slido corpo de valores e relaes que deem suporte a uma aco

    interactiva e responsvel, em direco ao bem comum de cada pas e da humanidade inteira

    (Bento XVI, 2009).

    No cenrio que Bento XVI nos descreve, e a todos envolve, que contributos podero ser

    encontrados na Responsabilidade Social Empresarial e na Doutrina Social da Igreja em

    vista de uma nova ordem econmico-social? Ser possvel uma economia sucednea quela

    que o mesmo Papa classifica de irresponsvel e imoral, que sirva a pessoa e no a ditadura

    do lucro (Bento XVI, 2009) em tempos de eroso tica? (Flix, 2009).

    Poder tal economia contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado e abrangente da

    pessoa toda e de todas as pessoas, em cujo horizonte se situam os recursos de toda a

    espcie que a terra e o trabalho do homem fornecem? (Roland, 2009).

    Na rea da Responsabilidade Social Empresarial, sendo, embora, um discurso relativamente

    recente, existem j vrios estudos e importantes documentos que a suportam juridicamente

    (Almeida, 2010).

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    2

    Quanto Doutrina Social da Igreja o percurso so mais longo e a literatura muito

    abundante. Irei ater-me s suas fontes: Bblia e Tradio da Igreja e aos documentos do

    Magistrio da Igreja posteriores entre 1846 e 2005, ano que encerra o pontificado de Joo

    Paulo II.

    Na impossibilidade de abordar a Doutrina Social de todas as Igrejas Crists, de que

    resultaria um trabalho de excessiva dimenso, limitarei a minha pesquisa ao mbito da

    Doutrina Social da Igreja Catlica sem, com tal procedimento, pretender diminuir o seu

    valor, enquanto discurso que respeito e valorizo, ou desconsiderar os benefcios para a

    humanidade decorrentes do seu compromisso social em que as mesmas Igrejas,

    empenhadamente, se envolvem.

    Proponho-me uma anlise documental comparativa dos dois conceitos em estudo, tendo em

    vista o contedo dos documentos: sua anlise, seus princpios e suas propostas.

    Considero que este trabalho possa ser relevncia para mim prpria e para a Congregao a

    que perteno (validade interna) e para as Instituies de Solidariedade Social em que a

    Congregao est comprometida directa e indirectamente, na sua misso de acolhimento e

    proposta de aquisio de competncias a pessoas socialmente desintegradas, em vista de

    uma posterior reintegrao social, no somente desejada como bem-sucedida (validade

    externa).

    Sendo dois os conceitos tomados neste estudo a base para a hiptese formulada:

    Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja pressupostos de uma

    outra economia e de um outro desenvolvimento seguirei a ordem da sua indicao no

    ttulo: A Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja.

    Como estrutura do Corpo Textual ter quatro captulos A especificidade da

    Responsabilidade Social Empresarial; A Doutrina Social da Igreja e suas fontes; A

    evoluo da Doutrina Social da Igreja; e os princpios da Doutrina Social da Igreja que

    sero seguidos de uma concluso.

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    3

    Captulo I. Especificidade da Responsabilidade Social Empresarial

    A necessidade de olhar o mundo sempre em mutao, tambm na esfera das mutaes a que

    est sujeita a ordem econmica, a qual sempre anda interligada s politicas sociais e

    culturais, que por sua vez implicam a adaptao entre as diversas instituies, mercados e

    organizaes da sociedade, faz emergir reflexes e conceitos tipicamente contextualizados

    no percurso das civilizaes e da histria, com a finalidade de conduzir a mesma sociedade

    para uma sempre almejada melhoria de qualidade de vida globalmente entendida que, no

    raro, traz consigo a necessidade de compartilhar objectivos, unir esforos, para,

    posteriormente, se poder desfrutar resultados.

    1. O conceito

    As mutaes dos sistemas de organizao poltica das ltimas dcadas, com as

    consequentes repercusses na gesto poltico-financeira dos Estados, adicionando o

    desenvolvimento tecnolgico facilitador da transformao do Universo numa aldeia global,

    originaram uma corrente de questionamentos acerca do mercado que tendencialmente se

    vai organizando mesma escala. neste contexto que muitas empresas se viram

    confrontadas com o imperativo de rever seus sistemas de cadeia produtiva e definir, ou

    mesmo redefinir, seus princpios e suas formas de gesto empresarial (Almeida, 2010).

    Thiry-Cherques (2003) afirma As empresas () vm-se na contingncia de reavaliar o

    peso dos efeitos da sua conduta. Elas esto sendo responsabilizadas pela indiferena, pelo

    equvoco e pela imprudncia que nos trouxeram situao de risco () que nos trouxeram.

    () Dentre as atitudes possveis para enfrentar esse desafio, a mais rpida parece ser a de

    sacudir a letargia e tentar dar conta do que est evidentemente errado. Trata-se de buscar

    uma nova identidade para as empresas (cit. in Almeida, 2010, p. 53). As primeiras

    manifestaes sobre este tema surgiram, no incio do sculo xx, em trabalhos de Charles

    Elliot (1906), Arthur Hakley (1907) e John Clarck (1916). No entanto, tais manifestaes

    no receberam apoio, pois foram consideradas de cunho socialista.

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    4

    Os primeiros estudos que tratam da responsabilidade social tiveram incio nos Estados

    Unidos, na dcada de 50. Em 1953 Howard Bowen e Joseph Mcguire em 1963 desafiaram

    a viso liberal, esvaziadora da funo social das mesmas e contrapem viso liberal a

    necessidade das empresas fazerem acompanhar o seu aumento de poder por um crescente

    aumento da sua responsabilidade, a tornar-se visvel atravs da adopo de polticas e

    prticas de timbre social: intervenes focalizadas na resoluo de problemas sociais e

    parcerias com o Estado na rea scio econmica, particularmente no local de sua

    implantao.

    com o livro Social Responsibilities of the Businessman, de Howard Bowen, defendo o

    tema, que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE em ingls CSR ou Corporate

    Social Responsibility) recebeu ateno e ganhou espao. Considerado o fundador da RSE,

    questiona-se sobre os impactos das decises dos liders empresariais e das aces concretas

    avanadas pelas empresas. Considerando este autor que se impunha a necessidade de

    compreender o agir empresarial, advoga a importncia de obter conhecimento sobre as

    actividades empresariais e sugere o recurso s auditorias. Estavam em causa os conflitos

    emergentes que colocavam em oposio as grandes empresas e a sociedade civil. Sendo,

    poca, o Pas com uma posio dominante no mundo, enquanto nao em que o capitalismo

    forjava os seus alicerces e de cujo resultado se viria a verificar o seu poderio monopolista e

    hegemnico, embora se possam atribuir ao debate questes de ordem histrica e cultural, o

    factor da supremacia econmica o mais forte a impulsionar o debate da RSE.

    medida que as empresas privadas progrediam em grandeza e capacidade de influncia, na

    sociedade emergia e consolidava-se a fora reivindicativa e multiplicavam-se os grupos

    organizados com essa misso. crescente acumulao de lucros obtidos tornava-se, assim

    se acreditava, um quase imperativo obter uma melhor qualidade de vida, condies mais

    dignas no exerccio da actividade laboral, aumentar ordenados, operar uma melhoria

    relacional entre os trabalhadores e patres.

    O binmio expanso global da economia e o controle social dos cidados forou as

    empresas adopo de polticas sociais, econmicas e ambientais bem como concepo

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    5

    de estratgias de divulgao de suas novas atitudes, conscientes de que tal se impunha para

    garantirem o apreo e o respeito por parte dos cidados e, em consequncia, assegurarem a

    sua competitividade (Almeida, 2010).

    2. Evoluo do conceito de RSE

    Um novo olhar se apresentava, ento, sobre a forma de integrar factores diversos, inter-

    relacionados ou at sobrepostos, que os sistemas socio-polticos e financeiros em processo

    de consolidao crescente faziam emergir e dos quais se tornara, em boa parte, centro. Nos

    anos70 nasceram associaes de profissionais interessados em estudar o tema: American

    Accouting Association e American Institute of Certified Public Accountants. a partir da

    que a RSE deixou de ser considerada uma mera curiosidade e adquiriu um estatuto de tema

    vlido para estudo sobre o crescimento das empresas, conquistando importncia decisiva.

    Perdendo o atributo de simples curiosidade, a responsabilidade social deixou de ser algo

    insignificante, transformou-se num novo objecto de estudo, e comeou a ser encarada cada

    vez mais como um factor decisivo para o desenvolvimento e crescimento das empresas.

    Na Europa os primeiros estudos sobre a RSE surgem nos anos 60 (Bicalho, 2003). Na

    dcada de 60 a 70 surgem uma ampla variedade de conceitos. Em 1963 Mc Guire, exclui o

    cumprimento das normas legais e econmicas das prticas da RSE e defende o seu carcter

    de mero voluntariado, o que viria a ser secundado por Walton em 1967 (Almeida, 2010, p.

    65). Nesta dcada, destacam-se Friedman e Carrol. Friedman, para quem o nico propsito

    das empresas deveria ser aumentar os seus lucros, defendia que ao gerar lucros as empresas

    contribuam para o bem-estar social, gerando empregos e pagando salrios justos o que

    melhorava a qualidade de vida dos cidados e com o pagamento de impostos, contribua

    para a funo do Estado no seu mnus de velar pelo bem-estar pblico.

    Carrol advogava que a responsabilidade social das empresas implicava ir ao encontro das

    expectativas econmicas, legais, ticas e filantrpicas da sociedade contextualizada.

    (Oliveira, 2010) e citando Walton (1967, p. 18) afirma que a RSE abrange o

    reconhecimento da ntima relao entre empresa e a sociedade e que esta relao deve estar

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    6

    presente nos gestores de topo e evidenciar-se ao ritmo da concretizao dos objectivos,

    tanto ao nvel da empresa como dos grupos com quem esta se relaciona. Temos, com

    Carrol, a atribuio s empresas de uma responsabilidade social extensiva a vrios nveis:

    Figura 1. Nveis de Responsabilidade Social

    Nveis Caracterizao

    Responsabilidade Econmica

    As empresas tm uma responsabilidade de

    natureza econmica. Tm a responsabilidade de

    produzir bens e servios que a sociedade

    necessita e deseja e vend-los de forma a obter

    lucros.

    Responsabilidade Legal

    A sociedade espera das empresas que elas cumpram a sua misso econmica dentro dos

    parmetros legais estabelecidos na sociedade

    onde se inserem.

    As leis a cumprir pelas empresas so as

    elaboradas para as condies de segurana e

    proteco ambiental

    Responsabilidade tica

    Abrange os comportamentos ticos esperados das empresas, sintonizados com cdigos e valores

    morais implcitos na sociedade envolvente;

    honrando os direitos dos outros, cumprir os seus

    deveres e evitar prejudicar os outros.

    Responsabilidade Filantrpica

    Significa o interesse por actividades desenvolvidas no mbito da interveno social

    das empresas, apoiando causas que visem a

    melhoria das condies de vida de pessoas com

    dfice socioeconmico que lhes permita a

    satisfao das necessidades bsicas, extrapolando

    as meras obrigaes legais e ticas

    Fonte: Construda a partir de Carrol, 1979; 1999, referido por Leal (s/d, p. 5) e Almeida (2010, p. 65).

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    7

    A visibilidade das diferenas conceptuais destes dois autores de fcil alcance, como fcil

    a constatao da superioridade em abrangncia e em justeza a posio de Carrol sobre

    Friedman.

    Observando a figura podemos verificar a evidncia atribuda por Carrol (Almeida, p. 65)

    Responsabilidade Econmica. Com efeito, ela est na base e constitui o suporte das outras

    Responsabilidades assumidas pelas empresas, segundo a prioridade em linha sequencial,

    com destaque para as responsabilidades ticas e filantrpicas. Se as primeiras apontam para

    comportamentos no exigveis mas desejveis socialmente e justificadas pela tica, as

    segundas envolvem de forma directa as empresas atravs dos contributos financeiros,

    transparncia de meios, atitudes proactivas em vista do crescimento do bem-estar social e

    econmico.

    de realar a elevao da filantropia categoria de dimenso de Caracterstica de

    Responsabilidade Social, o que se enquadra na vincada tradio dos Estados Unidos que faz

    com que a sociedade se posicione de forma expectante ao ver associado o binmio:

    filantropia/empresa, embora a filantropia tenha na escala uma integrao de dimenso

    inferior s demais caractersticas da RSE.

    Deve-se a Carrol a primeira tentativa de conciliao das vrias teorias sobre a RSE, o

    conceito de Preston e Post (1975) e a viso de Sethi (1979), que tipificava a

    Responsabilidade Social da Empresa como a configurao de princpios de

    responsabilidade social, processos de resposta social e de polticas, programas e resultados

    observveis associados sociedade.

    ainda este autor quem primeiro refere os compromissos econmicos como caractersticas

    da RSE, sem, todavia, opor os fins lucrativos s restantes dimenses que identifica nela,

    contrariando os adeptos da teoria de que o lucro constitui a fonte de todos comportamentos

    indicadores da sujeio das pessoas ao domnio de interesses egostas. Em segundo lugar,

    desafia, com a incluso da responsabilidade legal no modelo que apresenta, uma posio

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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    dominante para a qual a responsabilidade social nas empresas, tinha a lei como fronteira. E,

    finalmente, considera que as responsabilidades sociais no tm estanques na sua

    operacionalizao, apenas pode verificar-se em tal exerccio, a varivel dimensional das

    empresas, da filosofia de gesto da estratgia corporativa, das caractersticas da indstria ou

    das condies gerais da economia. Em sntese, a convico que se afirma a pertinncia do

    cumprimento de objectivos econmicos sem desrespeitar a lei e o assumir de compromissos

    ticos em vista da melhoria da qualidade de vida da sociedade (Almeida, 2010, p. 65). tica

    e transparncia ho-de tornar-se um caminho para o conhecimento e dilogo entre as partes

    interessadas sem o qual a RSE no poder atingir o seu potencial de relevncia.

    Apesar da inexistncia de um acordo geral sobre um conceito abrangente de RSE, temos j

    alguns princpios considerados fundamentais, que as empresas devem respeitar, para que

    sejam reconhecidas como empresas socialmente responsveis:

    Reconhecimento do impacto que produzem sobre a sociedade onde se inserem;

    - Gesto dos impactos ambientais a nvel local e global;

    - Efectivo dilogo sobre as caractersticas anteriores com as partes interessadas, adoptando

    a estratgia das parcerias com outros grupos e organizaes, em vista do dilogo que se

    impem.

    Paulatinamente, a RSE impem-se como tema amplamente debatido no campo da gesto,

    envolvendo a sociedade em geral e, dentro dela grupos especficos: polticos, empresariais e

    acadmicos. No debate que se trava apontam-se as implicaes multilaterais da vida

    econmica e social, com incidncia nas delimitaes das fronteiras ticas da interveno

    das empresas: Surgem questionamentos sobre os impactos sociais das actividades

    empresariais no bem-estar social, a interaco do Estado com as empresas, atendimento s

    situaes de vulnerabilidade financeira e entendimento sobre o tipo de relaes vinculativas

    das empresas com a sociedade (Almeida, 2010).

    tambm neste contexto, em que as empresas detm um controlo monopolista, que surgem

    os questionamentos ticos no mbito dos negcios e da gesto empresarial.

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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    3. Alternativas ao conceito

    Se na primeira metade do sculo XX a reflexo crtica reivindicava a filantropia das

    grandes empresas e combatia a injustia social, que o processo acumulativo de bens

    proporcionado pelo sistema capitalista gerava, ao caminhar para o fim do sculo a mesma

    reflexo direcionou-se para as responsabilidades que competiriam s empresas assumir para

    com a sociedade e ao papel da empresa como agente de transformao social relevante.

    Com a evoluo das condies sociopolticas e econmicas decorridas, evoluiu

    paralelamente a concepo da RSE, que assumiu uma funo legitimadora da aco

    empresarial e a elevou categoria de agente moral, sujeito de apreciao tica, e o

    discurso comeou a conter referncias explcitas a direitos e deveres.

    Apenas na dcada de 80 se acrescentou ao debate a vertente da sustentabilidade, assim

    como o conceito de Stakeholders, vocbulo que agrega conjunto de todos os grupos e

    pessoas abrangidas pelas actividades das empresas.

    Dcada marcada por menos definies, mas mais aplicaes e estudos empricos sobre o

    tema, apresenta-nos como autores que se debruaram sobre esta rea, Jones (1980),

    Drucker (1984), Cochran e Wood (1984). De entre estes autores evidencia-se Drucker para

    quem as empresas deveriam olhar a RSE e a rentabilidade como noes complementares, e

    considerar a ideia de que proveitoso ao negcio, converter as responsabilidades sociais

    em oportunidades de negcio (Leal, s/d). Esta sugesto de encarar os problemas sociais

    como oportunidade de negcio constitui um acrscimo, at ento raramente considerada.

    Nos anos 90, verifica-se que a evoluo se manteve, que uma multiplicidade de noes se

    veicula de forma nem sempre articulada, chegando mesmo a ser sobreposta, o que

    evidencia o interesse de que continuou a ser alvo e com orientao tripartida: terica,

    descritiva e prescritiva.

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    10

    A tabela que segue d-nos uma panormica dos conceitos surgidos e com a incluso de

    complementaridade inerente que o desenvolvimento ocorrido comportava.

    Figura 2 Responsabilidade Social das Empresas e conceitos afins na dcada de 90

    Conceito Definio Autores

    Corporate Social

    Performance

    Conjunto de princpios de responsabilidade

    social, processos socialmente responsavaveis,

    polticas, programas e resultados observveis

    que evidenciem relaes da empresa com a

    sociedade.

    Wartick e

    Cochran (1985)

    citados por Wood

    tica nos negcios

    Apresenta a forma como a empresa integra um

    conjunto de valores considerados essenciais

    nomeadamente os valores da honestidade,

    confiana, respeito e justia; nas suas decises,

    polticas, prticas no mbito de toda a sua

    organizao e envolvendo o cumprimento de

    normas e padres legais externos e internos.

    Borger (2001)

    Social Responsiveness

    Capacidade para responder s presses

    emergentes da sociedade, respondendo a novos

    desafios de forma responsvel, antecipando o

    surgir de questes sociais, desenvolvendo um

    conjunto de polticas antecipatvas como

    estratgia de gesto.

    Frederick (1978)

    Borger (2001)

    Cidadania Empresarial

    Inclui preocupaes bsicas, como promover o

    desenvolvimento da competncia empresarial, a

    sustentabilidade da empresa, prevenir a boa

    reputao da empresa e o cuidado com o bem-

    estar dos seus funcionrios.

    Stakeholder Theory

    O conceito de partes interessadas, acrescenta a

    noo de que as empresas tm obrigaes que

    extrapolam os interesses dos accionistas,

    devendo, por isso, preocupar-se com a satisfao

    dos grupos existentes na sociedade, e a quem a

    sua aco empresarial envolve, englobando

    aqueles grupos especficos que devero ser

    atingidos na actuao social discernida.

    Freeman (1984)

    Fonte: adaptado a partir de Leal (s/d) e Almeida (2010).

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    11

    Ainda na dcada de 90 e impulsionado pela discusso no seio da Associao de Dirigentes

    Cristos de Empresas (ADCE) nasceu, no Brasil o Instituto Ethos de Empresas de

    Responsabilidade Social, o qual veio a tornar-se um dos mais importantes impulsionadores

    do debate sobre a RSE por parte dos empresrios e consequente introduo de novas

    prticas da mesma.

    Em 2001, Froes defendia que as empresas necessitavam de escolher os focos de aco no

    mbito do ambiente, estratgia de aco e papel social a desempenhar, sem todavia,

    apresentar uma definio definitiva do conceito, embora elencasse amplamente as

    diferentes vises a seu respeito, partindo das motivaes subjacentes aco das empresas

    e efeitos pela mesma demonstrada. Por considerar as empresas disseminadoras de novos

    valores, j perceptveis nos frutos apresentados na melhoria da qualidade de vida da

    sociedade, Froes considerava tais efeitos um salto qualitativo da RSE e atribuiu s empresas

    portadoras desses novos valores a designao de empresas cidads (Froes, 2001).

    Tambm em 2001 surgiu o Livro Verde da Comisso Europeia, que veio a tornar-se um

    documento de acentuado valor no respeitante ao tema da RSE. Segundo a Unio Europeia,

    a responsabilidade social das empresas, foi definida como sendo, essencialmente, um

    conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntria, contribuir para uma

    sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo (Comisso Europeia 2001.20). Ser

    socialmente responsvel extrapolava o cumprimento de todas as obrigaes legais

    implicava ir mais alm atravs de um maior investimento em capital humano, no ambiente

    e nas relaes com outras partes interessadas e comunidades locais demonstrando que

    existia, ento, na esfera empresarial a percepo de que o sucesso das empresas e os

    benefcios duradouros para os agentes seus associados, no se obtm somente atravs da

    maximizao de lucros a curto prazo, mas sim de um comportamento, que sem deixar de ter

    em conta os interesses do mercado, necessita de coerncia e responsabilidade (Comisso

    Europeia, 2001, pp. 21-27).

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    12

    Perante estas circunstncias, cada vez mais as empresas se decidem, em maior nmero, por

    uma cultura de responsabilidade social (Comisso Europeia, 2001, p.1).

    4. A atualidade do conceito de RSE

    O conceito de Responsabilidade Social Empresarial um conceito que emerge do debate

    sobre a interaco das empresas e sociedade civil, pelos anos noventa, desencadeado pelo

    fenmeno da globalizao.

    A aceitao alargada e crescente de que beneficia, fica a dever-se aceitao do chamado

    desafio global do desenvolvimento sustentvel. Perante o crescimento econmico que

    implica, sobretudo para os pases mais pobres e populaes desfavorecidas nos pases

    industrializados, cujo bem-estar depende de um maior e melhor acesso a bens de consumo e

    mecanismos de desenvolvimento, uma reflexo se foi impondo, para que os desvios sempre

    possveis nos comportamentos humanos, quando o factor econmico, intrinsecamente nsito

    na vida humana, se lhes associa, tenham algum limite.

    Sendo o sector privado a principal fora impulsionadora desse crescimento, a ele que

    cumpre o desafio de prevenir desvios e garantir uma efectiva contribuio para que a

    sustentabilidade do desenvolvimento se faa de forma a controlar o fluxo interactivo das

    problemticas ao nvel econmico, ambiental e social, que um desenvolvimento

    selvagem pode potenciar e alimentar.

    Pese embora a ampla gama de abordagens da RSE, as suas principais caractersticas renem

    consenso generalizado que permite ensaiar uma tentativa de delimitao conceptual.

    Por RSE entende-se um comportamento que as empresas adoptam voluntariamente e para

    alm de prescries legais, porque consideram ser do seu interesse a longo prazo; est

    estreitamente associada ao conceito de desenvolvimento sustentvel: as empresas tm de

    integrar nas suas operaes o impacto econmico, social e ambiental; a RSE no , ento,

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    13

    um acrescentoopcional s actividades nucleares de uma empresa, mas sim forma como

    esta gerida.

    Sendo essencialmente um conceito que permite s empresas decidir voluntariamente quais

    os compromissos que assumem a nvel econmico, social e ambiental, para alm dos

    compromissos impostos por lei nas mesmas reas, resulta da que podemos encontrar

    diferentes definies elaboradas no seio das diversas organizaes, desde organizaes

    internacionais como a OIT e OCDE at organizaes de empresas e mesmo, empresas

    singulares. Assim, ao longo do percurso feito pela RSE podemos encontrar as seguintes

    abordagens ao conceito como por exemplo:

    - A RSE. a integrao voluntria, por parte das empresas, das preocupaes sociais e

    ambientais nas suas operaes produtivas e nas interaces com os seus interlocutores ()

    implica ir mais alm do que a mera obedincia aos requisitos legais, atravs de um maior

    investimento no capital humano, no ambiente e nas relaes com os seus interlocutores.

    um instrumento voluntrio, mas que deve ser implantado de forma fivel, a fim de

    promover a confiana e a segurana dos seus interlocutores. (Agncia Europeia para a

    Segurana).

    - A RSE. a integrao voluntria de preocupaes sociais e ambientais por parte das

    empresas nas suas operaes e na sua interaco com outras partes interessadas (Comisso

    Europeia).

    - A RSE um conceito, segundo o qual, as empresas decidem, numa base voluntria,

    contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo. Com base nesse

    pressuposto, a gesto das empresas no pode, e/ou no deve, ser norteada apenas para o

    cumprimento de interesses dos proprietrios das mesmas, mas tambm pelos de outros

    detentores de interesses como, por exemplo, os trabalhadores, as comunidades locais, os

    clientes, os fornecedores, as autoridades pblicas, os concorrentes e a sociedade em geral

    (Livro Verde da Comisso Europeia).

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    14

    - A RSE a integrao voluntria de preocupaes sociais e ambientais nas suas aces e

    na sua interaco com todas as partes interessadas, pelas quais as empresas contribuem para

    a satisfao das necessidades dos seus clientes, gerindo simultaneamente as expectativas

    dos trabalhadores e da comunidade local. Consequentemente, as empresas contribuem, de

    forma positiva para a sociedade, gerem os impactos ambientais das suas actividades

    empresariais e obtm de retorno vantagens directas para o negcio j que asseguram a sua

    competitividade a longo prazo (IAPMEI).

    - A RSE a forma de gesto que se define pela sua relao tica e transparente da

    empresa com todos os pblicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas

    empresariais compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando

    recursos ambientais e culturais para as geraes futuras, respeitando e promovendo a

    reduo das desigualdades sociais (FPNQ, 2005).

    - A RSE o compromisso permanente dos empresrios em adoptar um comportamento

    tico e contribuir para o desenvolvimento econmico, melhorando, simultaneamente, a

    qualidade de vida dos seus empregados e de suas famlias, da comunidade local e da

    sociedade como um todo (FPNQ, 2005).

    -A RSE o compromisso de uma organizao perante a sociedade, atravs de actos e

    atitudes positivas, de forma ampla, ou especfica, agindo de maneira proactiva e coerente,

    exercendo um papel especfico na sociedade. Desta forma, a organizao assume

    obrigaes de carcter moral, que possam contribuir para o desenvolvimento sustentvel da

    sociedade a que est agregada, a questo dos direitos humanos dos empregados, dos

    consumidores e dos grupos de interesse, o envolvimento comunitrio, a relao com os

    fornecedores, monitorizao e avaliao de desempenho (ETHOS).

    - A RSE representa o compromisso com a ideia de organizao como conjunto de pessoas

    que interagem com a sociedade. Assume o princpio de que as organizaes tm sua origem

    e seus fins essenciais nas pessoas, as quais se organizam e se dispem em diversos grupos

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    15

    de interesses, com peculiaridades e distintos tipos de relao. Contempla o impacto da

    aco da empresa em sua trplice dimenso: econmica, social e ambiental, tende como

    meta principal a consecuo do desenvolvimento sustentvel (AECA, 2004).

    -A RSE uma iniciativa de carcter voluntrio que promove actividades com

    repercusses positivas sobre a sociedade e afirmam os princpios e valores pelos que se

    regem as empresas que promotoras, tanto em seus prprios mtodos e processos internos

    como em sua relao com os demais actores (OIT).

    - A norma Portuguesa de Responsabilidade Social, 4469 de 2008, em cumprimento da

    recomendao da ISO 26000 no sentido de cada Pas criasse uma resposta direccionada

    sua realidade, define-a como sendo as aces voluntrias das organizaes, tendo em

    vista a maximizao dos seus impactos positivos, bem como a reduo ou eliminao dos

    seus impactos negativos. Essas aces devem ser consistentes com os interesses da

    sociedade, baseadas na conformidade com a legislao aplicvel, com instrumentos

    governamentais e com instrumentos emanados de instituies internacionalmente

    reconhecidas, e integradas nas actividades em curso na organizao. O processo de dilogo

    que implica deve centrar-se nas questes das problemticas relacionadas com o ambiente,

    esfera econmica e social (NP 2008.1), e subscreve a remisso para os documentos e

    convenes internacionais indicados na ISO 26000.

    5. A RSE: um conceito multiverso

    Em geral, no h um significado preciso de responsabilidade social, surgindo assim,

    conhecimentos tericos com diferentes conceitualizaes responsabilidade social como

    obrigao social (Friedman, 1970); responsabilidade social como aprovao social (Davis

    & Blomstrom, 1975) e responsabilidade social como abordagem sistmica dos stakeholders

    (ZadeK, 1998).

    Melo Neto Froes (2001) identifica um conjunto de vises da RSE como sendo a melhor

    forma de analisar o conceito.

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    16

    A responsabilidade social como atitude e comportamento empresarial tico e

    responsvel: dever e compromisso da organizao assumir uma postura transparente,

    responsvel e tica em suas relaes com os seus diversos pblicos (governo, clientes,

    fornecedores e comunidade).

    A responsabilidade social como um conjunto de valores: No incorpora apenas

    conceitos ticos, mas uma srie de outros conceitos que lhe proporciona sustentabilidade,

    como por exemplo, auto estima dos funcionrios, desenvolvimento social e outros.

    A responsabilidade social como postura estratgica empresarial: A busca da

    responsabilidade social vista como uma aco social estratgica, que gera retorno positivo

    aos negcios, ou seja, os resultados so medidos atravs da facturao e vendas.

    A responsabilidade social como estratgia de relacionamento: Voltada para a

    melhoria de qualidade do relacionamento com seus diversos pblicos-alvo, a

    responsabilidade social usada como estratgia de marketing de relacionamento,

    especialmente com clientes, fornecedores e distribuidores.

    A RSE como estratgia de valorizao de produtos/servios: O objectivo no

    apenas comprovar a qualidade dos produtos/servios da empresa, mas tambm

    proporciona-lhes o estatuto de socialmente correctos.

    A RSE como estratgia de insero na comunidade: A empresa busca aprimorar suas

    relaes com a comunidade e a sociedade e tambm a definio de novas formas de

    continuar nela inserida.

    A RSE como estratgia social de desenvolvimento na comunidade: A

    responsabilidade social vista como uma estratgia para o desenvolvimento social da

    comunidade. Dessa forma, a organizao passa a assumir papel de agente do

    desenvolvimento local, junto com outras entidades comunitrias e o prprio governo.

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    17

    A RSE como promotora da cidadania individual e colectiva: A empresa, mediante

    suas aces, ajuda seus colaboradores a tornarem se verdadeiros cidados e contribui para

    a promoo da cidadania na sociedade

    A RSE como exerccio de conscincia ecolgica: A responsabilidade social vista

    como responsabilidade ambiental. A empresa investe em programas de educao e

    preservao do meio ambiente, e consequentemente, torna-se uma difusora de valores e

    prticas ambientalistas.

    A RSE como exerccio de capacitao profissional: Neste caso, o exerccio de

    responsabilidade social opera a capacitao profissional dos membros da comunidade e

    empregados da empresa.

    A RSE como estratgia de integrao social: Esse conceito parte do pressuposto de

    que o maior desafio histrico da nossa sociedade actual o de criar condies para que se

    atinja a efectiva incluso social no pas.

    A RSE como estratgia de valorizao da empresa, isto , como meio para agregar

    valor, pois se considera que reputao e valor de aces no mercado se conjugam bem.

    (Georgete Pereira, 2000)

    A RSE como estratgia de angariao e manuteno de recursos humanos, que

    conduz as empresas a promover aces dirigidas aos seus colaboradores e seus

    dependentes, tendo por objectivo satisfaz-los e, em consequncia, manter os melhores

    talentos e fazer crescer o volume de produo.

    A RSE como forma de gesto integrada. O Livro Verde da Comisso Europeia

    defende que a Responsabilidade Social deve ser abordada e gerida de forma integrada, o

    que significa numa fase inicial, que as empresas comecem por adoptar uma declarao de

    misso, um cdigo de conduta, valores fundamentais e responsabilidades para com as

    diversas partes interessadas. Em seguida, as empresas devero aplicar estes valores a toda a

    sua organizao, desde as estratgias de programao de operacionalidade at s decises

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    18

    correntes. Isto pressupe que a dimenso social ou ambientalmente responsvel esteja

    presente no planeamento estratgico, planos de actividades e oramentos.

    A responsabilidade social como estratgia de marketing institucional: O foco est na

    melhoria da imagem institucional da empresa. So os ganhos institucionais da condio de

    empresa cidad que justificam os investimentos em aces sociais encetadas pela empresa

    com o objectivo de satisfaz-los e, consequentemente, reter seus principais talentos e

    aumentar a produtividade.

    Percebe-se ento que inmeras so as interpretaes e definies de Responsabilidade

    Social Empresarial, e que cada empresa acaba actuando de uma forma determinada perante

    si mesma e frente sociedade. Em geral, no h um significado preciso de responsabilidade

    social, surgindo assim, conhecimentos tericos com diferentes conceptualizaes:

    responsabilidade social como obrigao social (Friedman, 1970); responsabilidade social

    como aprovao social (Davis & Blomstrom, 1975) e responsabilidade social como

    abordagem sistmica dos stakeholders (Zadek,1998).

    6. Enquadramento internacional e europeu do conceito de RSE

    Observamos, no decorrer da identificao da diversidade de conceitos sobre a RSE o acenar

    da questo tica atinente gesto empresarial. Temos, posicionamentos mltiplos, de cariz

    jurdicos, emanados de Instncias Europeias e Transeuropeias

    Das instncias transeuropeias, destacam-se a ONU, a OCDE, a OIT, e o BM, abarcando

    os perodos que vo de 1948 a esta data. Ao nvel europeu, em particular, diversas

    declaraes iniciam-se em 1995 e foram-se sucedendo at ao presente.

    Como tentativa de resposta ao acenar tico na RSE, a Organizao Internacional de

    Normalizao, nascida em 1946 com o objectivo de criar normas que facilitem o comrcio

    e promovam boas prticas de gesto e avano tecnolgico, atravs da Comisso de Poltica

    do Consumidor, formou um grupo a quem confiou a misso de estudar o ponto da situao

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    19

    da Responsabilidade Social Empresarial no mundo. Deste estudo veio a resultar a deciso

    de elaborao de normas para a gesto das reas contempladas na RSE ao longo do seu

    percurso. Trata-se de normas que abrangem todos os aspectos das condies de trabalho,

    relaes industriais e poltica social; vinculam todos os pases que as rectificaram, e tm

    por objectivo assistir os Estados membros na implantao desses direitos na sua legislao

    e nas suas prticas para que seja possvel a rectificao das convenes, os pases obtenham

    condies de trabalho saudveis e se desenhem orientaes abrangentes em esquema

    triangular: governos, entidades empregadoras e operrios.

    Das posies definidas a este nvel transeuropeu temos:

    - A Global Reporting Initiative (1997) com o objectivo de alcanar a qualidade, o rigor e a

    utilidade dos relatrios de sustentabilidade;

    - O Documento Global Compact (1999) o qual prope que as empresas abracem e ponham

    em prtica um conjunto de nove princpios relacionados com a observncia dos direitos

    humanos, dos referenciais do trabalho e proteco ambiental, com o objectivo de humanizar

    o mercado. Estes nove princpios, pela sua pertinncia na rea da RSE, sero apresentados

    aps a descrio dos instrumentos que est a ser feita;

    - Normas que fornecem s empresas internacionais recomendaes para uma conduta

    empresarial responsvel (GME) da OCDE 2000.

    - A ONU elaborou um conjunto de normas sublinhando as obrigaes sociais e econmicas

    das empresas transnacionais baseadas, maioritariamente, nos direitos humanos e

    referenciais de trabalho existentes e aprovadas pela Comisso para a Promoo e Proteco

    dos Direitos Humanos da ONU, 2003;

    - Da Legislao Internacional Extra Europeia destacam-se, ainda: a norma ISO 8000 em

    2001 ISO 9000 para a gesto qualidade; a ISO 14000 para a gesto do ambiente e a ISO

    26000 que visa introduzir um sistema de gesto para introduzir valores, princpios,

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    20

    sustentabilidade e responsabilidade social empresarial nas Organizaes, cujos requisitos se

    relacionam com os princpios inerentes Igualdade de Oportunidades entre Homens e

    Mulheres, Trabalho Infantil, Trabalho Forado, Sade e Segurana, Liberdade de

    Associao e Direito Negociao Colectiva, Discriminao, Prticas Disciplinares,

    Horrio de Trabalho e Remunerao;

    - De acordo com a ISO 26000, iniciada em 2004 e concluda em 2010, as Organizaes

    devem respeitar a legislao nacional e outra aplicvel em questes de igualdade de

    oportunidades, bem como as normas consignadas nas convenes da OIT, Declarao dos

    Direitos Humanos, Conveno das Naes Sobre os Direitos da Criana, Conveno das

    Naes Unidas para Eliminar Todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres.

    Das Convenes da OIT, referem-se os nmeros:

    - 29 e 105 (Trabalho Forado e Trabalho Escravo);

    - 87 (Liberdade de Associao);

    - 98 (Direito de Negociao Colectiva);

    - 100 e 111 Remunerao Equivalente para trabalhos masculinos e femininos por trabalho

    equivalente);

    - 135 (Conveno dos Representantes dos Trabalhadores);

    - 138 (Recomendao 146 (Idade Mnima);

    - 155 (Recomendao 164 (Sade e Segurana Ocupacional);

    - 159 (Reabilitao Vocacional e Emprego/Pessoas com Deficincia);

    - 177 (Trabalho em Domiclio);

    -182 (Sobre as piores Formas de trabalho Infantil) (cf. igualmente a Norma Internacional

    IS0 2011).

    - Estabelecimento de padres de conduta para empresas europeias, particularmente para as

    que actuam em pases em desenvolvimento, sobre o trabalho infantil, anti corrupo e

    sustentabilidade ambiental (Parlamento Europeu, 1999);

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    21

    - Norma que fornecem s empresas internacionais recomendaes para uma conduta

    empresarial responsvel (GME da OCDE 2000).

    Encontra-se igualmente um suporte significativo ao enquadramento europeu da RSE nos

    elementos seguintes:

    - Apelo s boas prticas no sentido de responsabilidade social das empresas direcionado

    para uma economia baseada no conhecimento, mais competitiva e dinmica do mundo,

    capaz de um crescimento sustentvel com mais e melhores empregos e maior coeso social

    (Conselho Europeu, 2000);

    - Pedindo que se inicie o processo para estabelecer uma rede para o dilogo europeu que

    encoraje o sentido da RSE (Conselho Europeu da Feira, 2000);

    - Convite ao estabelecimento de parcerias entre a Comisso Europeia, empresas, ONGs,

    autoridades locais e entidades que gerem servios sociais com o objectivo de fortalecer a

    RSE (Conselho Europeu, 2000);

    - Reconhecimento de que a RSE um meio para modernizar o Modelo Social Europeu e

    Estratgia para o desenvolvimento sustentvel (Conselho Europeu, 2001);

    - Elenco dos principais vectores da RSE no Livro Verde sobre a mesma, pela Comisso

    Europeia. (Comisso Europeia) 2001, que conduziria Comunicao da Comisso sobre a

    RSE como sendo um contributo para o desenvolvimento sustentvel que empresas,

    governos e sociedade civil devem divulgar (Comisso Europeia, 2002);

    - Incluso de diversos organismos polticos e da sociedade civil no frum European Multi

    Stakeholder para aumentar o entendimento sobre a RSE e melhor-la conjuntamente.

    (Comisso Europeia) 2002; O frum viria a apresentar o seu prprio relatrio em 2004;

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    22

    - Apelo criao de um Selo Social Europeu para contrariar a apropriao indevida dos

    benefcios da RSE por parte dos agentes econmicos. (Parlamento Europeu 2002); seguida

    da norma que obriga a elaborao de relatrios sociais e ambientais por parte das empresas

    emanada pelo TCC em 2003. Dever de publicao de relatrios anuais sobre as mudanas

    de gesto e impacto das suas actividades sociais (Comisso Europeia, 2003);

    Reconhecimento, por parte da Comisso Europeia, do quanto o mercado interno europeu

    beneficiou da RSE e de como convm melhorar a legislao sobre ela (2005). Insistncia,

    por parte de Conselho Europeu, ao desenvolvimento da RSE em todos os estados membros.

    (Conselho Europeu, 2005-2008. Identificao e promoo de uma cultura europeia do

    esprito empresarial como prioridade a desenvolver (Comisso Europeia, 2006).

    - A norma Portuguesa de Responsabilidade Social, 4469 de 2008, em cumprimento da

    recomendao da ISO 26000 no sentido de cada Pas criasse uma resposta direccionada

    sua realidade remete para a legislao internacional, e declara que as aces de RSE devem

    ser consistentes com os interesses da sociedade, baseadas na conformidade com a

    legislao aplicvel, com instrumentos governamentais e com instrumentos emanados de

    instituies internacionalmente reconhecidas, e integradas nas actividades em curso na

    organizao. O processo de dilogo que implica deve centrar-se nas questes das

    problemticas relacionadas com o ambiente, esfera econmica e social (NP 2008.1) e

    subscreve a remisso para os documentos e convenes internacionais indicados na ISO

    26000.

    Todos estes instrumentos nos conduzem percepo do quanto a RSE se veio a impor fruto

    de um debate que fez caminho e manifestou, pelos frutos produzidos, o potencial de

    benefcios para as sociedades modernas, que incubava o seu surgimento.

    7. Princpios operativos da Responsabilidade Social Empresarial

    Tomando os princpios como normas de relevncia indicadores de orientao nas aces a

    empreender, no campo da RSE deparamo-nos com uma vasta e dispare gama de

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    23

    indicadores. Apresentamos exemplos de posicionamentos com origem Institucional

    diversificada onde se pode comprovar essa disparidade. Segundo a Global Compact de

    1999, que tem por objectivo encorajar as empresas na implantao de polticas e prticas

    com valores e objectivos aplicveis internacionalmente e acordados universalmente,

    estabelecem-se nove princpios:

    1 - Apoiar e respeitar a proteco dos direitos humanos proclamados internacionalmente;

    2 - Evitar a cumplicidade nos abusos dos direitos humanos;

    3 - Defender a liberdade de associao e o reconhecimento efectivo do direito negociao

    colectiva;

    4 Eliminar todas as formas de trabalho forado ou compulsrio;

    5 Erradicar efectivamente o trabalho infantil;

    6 Eliminar a discriminao no emprego e na ocupao;

    7 Apoiar uma abordagem preventiva para os desafios ambientais;

    8 - Promover uma maior responsabilidade ambiental;

    9 Encorajar o desenvolvimento e a difuso das tecnologias ambientalmente sustentveis.

    Em 2000 a Global Compact conjunto com a OIT, reafirmam os nove princpios e

    acrescentam o princpio do combate corrupo em todas s suas formas, ficando assim

    contempladas as reas dos direitos humanos, direitos laborais, ambiente e corrupo.

    O Conselho Europeu convida a integrar os princpios da declarao tripartida da OIT e os

    princpios do Rio que foram apresentados no ponto 1.6.1 relacionados como meio

    ambiente, desenvolvimento sustentvel e erradicao da pobreza.

    Na Norma ISO 26000 temos princpios gerais no mbito dos valores que visam explicitar

    uma inspirao superior, como por exemplo o respeito pela lei; temos valores que dizem

    respeito a situaes que poderamos chamar substantivas como por exemplo promover a

    diversidade, e temos valores operacionais, como por exemplo: transparncia

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    24

    Podemos identificar na ISO 26000 os seguintes princpios de RSE e respectivas menes:

    - Respeito pelos direitos humanos: 19

    - Transparncia: 18

    - Princpios da OIT para s relaes de trabalho e negociao: 6

    - Convenes internacionais/legislao laboral: 6

    - Eliminao do trabalho infantil: 5

    - Respeito pela lei Universal: 5

    - Responsabilidade: 4

    - Comportamento tico: 4

    - Equidade/igualdade de oportunidades: 4

    - Envolvimento das partes interessadas: 4

    - Eliminao da pobreza: 3

    - Igualdade/no discriminao: 3

    So dez os princpios de RSE consignados na Norma Portuguesa de Responsabilidade

    Social n4469 de 2008 os quais contemplam as orientaes das normas NP EN ISO

    9001:2000, NP EN ISO 14001:2004 e NP 4397:2001:

    - Cumprimento da lei, dos instrumentos de regulamentao colectiva e regulamentos

    aplicveis;

    - Respeito pelas convenes e declaraes reconhecidas internacionalmente;

    - Adopo do princpio de precauo;

    - Reconhecimento do direito das partes interessadas em serem ouvidas e o dever de reagir

    por parte da organizao;

    - Reconhecimento dos aspectos da responsabilidade social directos e indirectos da

    organizao, tendo em conta todo o ciclo de vida dos seus produtos;

    - Privilgio preveno da poluio na origem;

    - Actuao transparente, partilha de informao e comportamento aberto;

    - Responsabilizao pelas aces e omisses da organizao e prestao de contas pela sua

    conduta face s legtimas preocupaes das partes interessadas;

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    25

    - Integrao dos aspectos da responsabilidade social nos sistemas de gesto da organizao

    e no seu processo de tomada de deciso;

    - No regresso, isto , no utilizando as disposies desta norma como fundamento para a

    reduo dos nveis de desempenho em responsabilidade social j alcanados pela

    organizao.

    8. Intercepo: RSE e Gesto estratgica

    A viso da RSE como estratgia de marketing institucional levanta a questo do

    equacionamento entre a harmonizao ou contradio do binmio: contribuio para

    objectivos de ndole social e prossecuo de objectivos comerciais.

    Vimos que o contexto nascente da RSE um contexto que evidencia o conflito entre os

    males do capitalismo e a conscincia de que a maior lucro deveriam corresponder melhores

    salrios e correlativas melhorias na qualidade de vida dos operrios e pessoas que deles

    dependiam. As crticas dirigidas por alguns autores s empresas incidiam no que parecia

    configurar uma contradio entre o prosseguir de objectivos comerciais e contribuir para os

    objectivos da sociedade (Almeida, 2010).

    Uma leitura dos conceitos e vises descritas atrs permite-nos ver como os dois factores se

    interceptam. Numa vertente temos a RSE como parte de uma cultura, de misso e valores

    da empresa a exigir um compromisso na descrio da misso da empresa, no marketing e

    nos processos de comunicao com as partes interessadas; enquanto uma alternativa mais

    radical aponta para o papel das empresas num enfoque de prossecuo de objectivos sociais

    consistentes, a articular com os interesses econmicos da mesma, a curto e longo prazo,

    pelo que se pede a definio de polticas e programas que envolvam a sociedade. Por

    conseguinte, uma nova estratgica empresarial tem de desenhar-se. Se a RSE se torna parte

    integral dos negcios, do processo de tomada de deciso e deve ser documentalmente

    apresentada, necessariamente as empresas tm que definir o que apoiam, o que desejam da

    sua relao com as partes interessadas, o que esperam de contrapartidas, os valores e

    princpios ticos em que aliceram o seu agir, quer quanto s relaes a estabelecer, quer

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    26

    quanto ao contexto de suas polticas e prticas (Borger, 2001cit in, Leal /sd).As empresas

    esto assim, perante novos desafios que segundo McGee consistem na necessidade de:

    - Pensar os objectivos estratgicos;

    - Incorpor-los nos processos de gesto estratgica;

    - Existncia de um negcio claramente racional;

    - Alinhar os processos com a cultura da empresa e sua estrutura;

    - Gerir os processos de forma to eficaz como eficiente.

    9. O estatuto da Filantropia no contexto da RSE

    Para Saiia e outros autores a RSE aparece classificada como filantropia estratgica pois

    ajuda a alcanar os objectivos estratgicos do negcio. Tratando-se de boas aces que

    beneficiam tanto os negcios como a sociedade, investir em aces que contribuam de

    forma activa e voluntria para a resoluo de problemas sociais e melhoria da qualidade de

    vida da sociedade em geral, implicam o envolvimento da empresa de forma directa pois

    efectuam, com essa finalidade, contribuies financeiras e transferem recursos. Procedendo

    assim a filantropia gera expectativas na sociedade em relao s empresas que nela operam

    (Almeida, 2010).

    Para Porter e Kramer (2002, cit. in Almeida 2010), a maioria das aces designadas de

    filantropia estratgica raramente so verdadeiramente estratgicas. Cada vez mais, a

    filantropia encarada como uma forma de relaes pblicas ou de marketing.Com a

    maioria das aces filantrpicas as empresas tm em vista muito mais aumentar a

    visibilidade da empresa do que a promoo de um verdadeiro impacto social. As doaes

    verdadeiramente estratgicas visam alcanar simultaneamente objectivos sociais e

    econmicos, escolhendo reas do contexto competitivo onde, tanto a empresa como a

    sociedade, beneficiam porque a empresa produz activos e competncias nicos. Isto no

    significa que todas as despesas da empresa levaro a benefcios sociais ou que todos os

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    27

    benefcios sociais aumentem a competitividade. S quando estas despesas produzem

    ganhos sociais e econmicos que a filantropia e os interesses dos stakeholders

    convergem. O fenmeno da economia ambulante disso uma forte expresso.

    A estratgia sempre contempla o contexto competitivo como factor de desenvolvimento da

    empresa e consequente criao de valor. Ter trabalhadores satisfeitos e dotados disponveis,

    infraestruturas locais propcias, ver crescer a dimenso do mercado local, so condies que

    favorecem a expanso e consequentemente, a capacidade competitiva das empresas

    .

    Segundo Porter e Kramer (2002):

    o ambiente competitivo da empresa determinado por quatro factores inter-relacionados do

    negcio que moldam a produtividade potencial: condies dos factores, ou recursos disponveis

    para a produo; condies da procura; o contexto estratgico e rivalidade empresariais; e as

    indstrias relacionadas e de suporte. Fraquezas em qualquer parte deste contexto podem deteriorar

    a competitividade de uma nao ou regio tal como a localizao de uma empresa/negcio.

    (Porter e Kramer, 2002 cit. in Leal, s/d).

    Os mesmos autores argumentam que os investimentos filantrpicos pelos membros de um

    grupo econmico, individualmente ou colectivamente, podem ter uma forte repercusso na

    competitividade do mesmo e na imagem de todas as empresas que o constituem. A

    filantropia pode revelar-se uma das formas mais eficiente seno a nica maneira de

    melhorar o contexto competitivo. Por exemplo:

    contribuies para uma universidade podem ser a forma menos dispendiosa de reforar

    competncias avanadas de um conjunto de trabalhadores numa dada regio. Analisando com

    cuidado os elementos do contexto competitivo, uma empresa pode identificar as reas que

    proporcionam valor social e econmico e que melhoram a competitividade da empresa e dos seus

    concorrentes. (Leal, s/d).

    10. Caractersticas da RSE e seus objectivos

    So seis as principais caractersticas da RSE:

    Natureza Voluntria: As empresas adoptam voluntariamente um comportamento que vai

    para alm das obrigaes legais a que tm de obedecer.

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    28

    Defesa da sustentabilidade: As empresas tm de integrar nas suas actividades, o impacto

    econmico, social e ambiental.

    Tem uma relao directa com a forma como a empresa gerida: A RSE e governao

    empresarial so as duas faces de uma mesma moeda.

    O seu carcter global: Segundo o Livro Verde, reflete-se o facto de cada vez mais as

    empresas estarem a desenvolver a sua actividade a nvel global.

    O Dilogo que estabelece com todas as partes envolvidas: Segundo a Comisso

    Europeia, manifesta-se esta responsabilidade tanto em relao aos trabalhadores, como em

    relao com as diversas partes interessadas, em ordem aos resultados a atingir.

    Quanto aos seus objectivos sobressaem como evidentes, embora de forma sumria:

    proteger e defender o ambiente, apoiar causas sociais e promover um desenvolvimento

    econmico sustentvel.

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    29

    Captulo II. A Doutrina Social da Igreja e as suas fontes

    1. O conceito

    Desde o ano 1846 encontramos tomadas de posio oficial, isto , por parte do Magistrio

    Oficial da Igreja, de forma individual pontifcia ou colegialmente assumidas, defendendo

    princpios, valores, direitos e relaes sociais ao nvel econmico, laboral; organizaes

    sindicais e greves, iniciativa privada e instituies econmicas, deveres do patronato e do

    estado, hierarquia de valores e afins, que no s constituem apoio ao discernimento de

    atitudes socialmente correctas e justas como iluminam mentes empenhadas e caminhos por

    desbravar. A este conjunto de ensinamentos, constante em numerosas encclicas e

    pronunciamentos dos Papas, inseridos na multissecular tradio que tem a sua origem nos

    alvores do Cristianismo, e que tm por finalidade apontar princpios, critrios e directivas

    gerais a respeito da organizao sociopoltica dos povos e naes; convidando as pessoas a

    agir, de forma responsvel, com base em pressupostos alicerados numa sadia reflexo

    racional e coadjuvada pelo contributo das cincias humanas, em vista da construo duma

    sociedade justa (Joo Paulo II, 1988) designamos de Doutrina Social da Igreja.

    Como conceito assim intitulado Doutrina Social da Igreja surge contudo no sculo

    XX atribudo aos ensinamentos e orientaes do magistrio de Pio XI, cujo pontificado vai

    de 1922 a 1939 Todavia, j outros papas anteriores se tinham mostrado preocupados com a

    questo social, nomeadamente Gregrio XVI (1831-1846) na encclica Mirari Vos, em

    1832 e Pio XI (1846-1878) nas encclicas Nostis et Nobiscum e Quanta Cura em 1846.

    Enquanto corpo de princpios de orientao sobre a organizao social e poltica dos povos,

    a Doutrina Social da Igreja resulta do dilogo Igreja-Sociedade como busca de razes

    fundantes para o agir da Igreja no mbito dos problemas sociais caractersticos de cada

    poca. Porque a Igreja sempre vive na histria concreta da sociedade, a mtua relao

    impe uma reflexo e dilogo em contnua compreenso e abertura para apontar respostas

    novas para os problemas emergentes da sociedade atingida pelos sinais da provisoriedade;

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    30

    respostas que so implicaes socias da F professada e cujas fontes se situam no

    longnquo Antigo e Novo testamento, relidos pela Tradio da Igreja, os quais apontam

    para uma viso antropocntrica aberta dimenso sobrenatural. Referir-nos-emos a este

    conceito, ao longo deste trabalho pela sua sigla: DSI.

    2. Contextualizao dos primeiros passos DSI

    A designao, enquanto tal, surge no sculo XIX para complementar o tratado da tornou

    Teologia Moral que abrangia as questes da justia e as normas legais que regiam a sua

    prtica, merc do peso que a questo social adquirira. A sociedade Industrial tinha feito

    surgir um contexto social que no se revia mais nas estruturas organizativas da sociedade

    que lhe antecedia. As relaes entre o Capital e o trabalho articulado com a massa de

    operrios assalariados nascente, determinaram fortes mudanas na organizao do tecido

    social, fazendo com que o Capital e o Trabalho fossem vistos de maneira at ento

    completamente ignorada. Era um poder novo, o das estruturas de produo e o capital,

    detido por poucos, que subjugava as massas proletrias e lhes negava o gozo de direitos

    elementares. Lentamente os representantes da Igreja aperceberam-se de que as novas

    formas scio econmicas produziam efeitos nefastos na vida dos indivduos com reflexos

    numa justa estrutura social, e com af grupos de cristos tomam iniciativas pioneiras em

    busca de respostas para problemas de pobreza, doenas, carncia de servios de sade e

    educao. O Magistrio da Igreja, por sua vez, d incio produo documental movido

    pela urgncia de orientar os cristos perante o crescendo dos problemas surgidos e

    tendentes mundializao da questo social despoletada, nos diferentes mbitos de

    convivncia (VK, 2012; CDSI, 2005).

    3. As fontes da DSI

    A DSI, nascida e desenvolvida a partir do encontro da mensagem crist com os problemas

    sociais, tem por fontes inspiradoras a Revelao, a Tradio da Igreja e a Razo.

    Com o contributo das cincias humanas, a Igreja procura compreender as realidades

    temporais e ilumin-las com a mensagem crist, pois acredita que faz parte da sua misso

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    31

    defender o projecto de Deus para cada ser humano, numa sadia defesa dos atributos

    humanos, que o mesmo Deus lhe outorga.

    Sendo a DSI parte integrante, e simultaneamente resultante da concepo crist da vida, e

    nascendo duma experincia religiosa, tem na Bblia os seus primeiros alicerces.

    3.1 Antigo Testamento

    No livro do Gnesis temos a apresentao de Deus como origem de toda a existncia, e

    como algum presente no meio dos homens, que lhes garante os meios de que necessitavam

    para usufrurem de condies bsicas de vida e com presena que interpela a conscincia

    humana a agir moralmente, tanto a nvel pessoal como social, no uso dos bens que so para

    todos e na relao de uns com os outros.

    O declogo do Sinai (Ex. 34) traduz bem esta situao. Os dez mandamentos, que

    constituem um extraordinrio caminho de vida, indicam as condies mais seguras para

    uma existncia liberta da escravido e contm uma expresso privilegiada da lei natural.

    Eles apontam para a verdadeira liberdade da pessoa, pem em relevo os deveres essenciais

    e fundamentais inerentes pessoa humana, seja a nvel pessoal seja em contexto de

    interaco.

    Surge, com particular relevo, nas relaes sociais, no declogo, o que tem vindo a ser

    definido como o direito do pobre. Se houver junto de ti um indigente entre os teus

    irmos () no endurecers o teu corao e no fechars a tua mo ao necessitado. Abre-

    lhe depressa a tua mo, empresta-lhe, de acordo com as necessidades, aquilo que lhe

    faltou. (Dt 15,7-8). E em relao aos estranhos o livro do levtico concede os mesmos

    requisitos de direito ajuda de que carea: Se um estrangeiro vier residir contigo na tua

    terra, no o oprimirs. O estrangeiro que reside convosco, ser tratado como um dos

    vossos compatriotas. (Lv.19, 33-34). Os escravos beneficiavam de uma libertao total

    regulada por detalhadas prescries sobre o tratamento a dar aos escravos e venda dos

    produtos da terra, contidas no livro de xodo (23,10-11) Levtico (25,1-28) e

    Deuteronmio (15, 1-6).

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    32

    A Lei do ano sabtico e do ano jubilar, prescrevendo o repouso das terras, a remisso das

    dvidas e uma libertao geral de pessoas e bens, so um instrumento fundacional da vida

    social, poltica e econmica de Israel, e tambm, o princpio regulador das problemticas

    inerentes pobreza econmica e injustias sociais. Propem-se a lei do ano sabtico e do

    ano jubilar, eliminar descriminaes e desigualdades provocadas pelo progresso

    socioeconmico de ento, o que, no pensamento de Joo Paulo II, constitu uma doutrina

    social em estado embrionrio (Joo Paulo II, 1995) e pem em evidncia como os

    princpios da justia e da solidariedade constituem um valor correctivo de prticas

    impulsionadas por interesses e objetivos egostas.

    O processo de interiorizao de tais valores normativos, em cujo empenho se destacaram os

    profetas, faz aprofundar o real impacto da conscincia adquirida em vista do agir social e

    gera uma progressiva universalizao de atitudes de justia e solidariedade. Desta

    conscincia vai brotando, tambm, o posicionamento da humanidade perante o cosmos de

    que se sente cultivadora e guardi (CDSI, 2005).

    3.2 O Novo Testamento

    Nos escritos Paulinos vemos afirmado o escndalo da revoluo social proposta pela

    vida, palavra e aco de Jesus Cristo que, morrendo e ressuscitando revela humanidade

    aquilo que chamada a ser: uma fraternidade. Vs no recebestes um Esprito que faz de

    vs escravos e vos atemoriza mas um Esprita que faz de vs filhos adoptivos pelo qual ns

    clamamos: Pai! (Rm. 8,15 e paralelos).

    Na interpretao deste pensar Paulino e evocando o mandamento novo em que nos dito

    para fazermos como Ele fez Como Eu vos amei, amai-vos vs tambm (Jo.13,34), o

    Conclio Vaticano II infere da que a lei da vida do povo cristo deve inspirar, purificar e

    elevar todas as relaes humanas, seja na esfera social seja na esfera poltica.

    Joo Paulo II, olhando para o fenmeno cultural, social, econmico e polticos

    contemporneos afirmou em 1988 que este fenmeno de interdependncia, revelam e

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    33

    tornam evidentes quanto os vnculos que unem a famlia humana reflectem o modelo de

    unidade do gnero humano que a Revelao Bblica prope.

    Apelando a uma salvao humana universal e integral, abarca a qualidade de vida pessoal,

    social, espiritual, corprea, histrica e transcendente, o Novo Testamento confirma a

    incindbilidade e o nexo entre a relao que a pessoa chamada ter com Deus e a

    responsabilidade tica com o prximo, no concreto das situaes histricas, e manifesta,

    ainda que concomitantemente com erros e confuses, a atitude de toda a humanidade e

    sentido existencial e da verdade, de que as tbuas da lei e a pregao proftica so exemplo.

    (CDSI,2005).

    Ao escriba que perguntava a Jesus, querendo saber qual era o maior dos mandamentos,

    Jesus responde, pondo em igual patamar de importncia, adorao a Deus e o amor ao

    prximo, amor que poderia em sua concretizao pedir a entrega de vida a Seu exemplo:

    O primeiro mandamento : Ouve Israel: O senhor, nosso Deus, o nico Senhor; amars

    o Senhor teu Deus, com todo o teu corao, com toda a tua alma, com todo o teu

    entendimento e com todas as tuas foras. O segundo este: amars o teu prximo como a

    ti mesmo. No h outro mandamento maior do que estes maior do que estes (Mc. 12, 29-

    31). E prestes a iniciar-se o processo da Sua condenao, Cristo diz aos seus que lhes d um

    mandamento novo pelo qual todos reconhecero que eles sero seus discpulos: amar como

    Ele nos amou e at ao fim. E acrescenta que a maior prova de amor dar a vida por quem

    se ama (Jo.15,12-14).

    No sendo uma linguagem de todo comum, esta atitude de amor que se d at ao limite, vai

    mudando a vida de quem se d e a vida de quem acolhe os frutos semeados na entrega, por

    vezes sofrida, qual pressuposto essencial de uma real renovao nas relaes humanas e

    empenho autntico e eficaz por um mundo mais justo e mais humano escala planetria

    (CDSI,2005).

    O Papa Joo Paulo II dizia neste contexto de raciocnio: No possvel amar o prximo

    como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem a firme c constante determinao de se

  • A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

    34

    empenhar em prol do bem de todos e de cada um, porque todos ns somos

    verdadeiramente responsveis por todos (SRS, 1988, n38).

    Abrangida neste dever de amar e respeitar, esto tambm o universo criado e as operaes

    mltiplas inerentes ao seu cuidado e transformao. A viso crist do homem e do mundo

    aponta para a autonomia das realidades terrestres reconhecendo que estas tm suas leis e

    valores prprios, em descoberta progressiva e portadoras, no cerne mais profundo, do

    direito a serem respeitadas. (GS, n36) Porm, acima de toda a importncia e poder

    csmico, est a pessoa A pessoa humana em si mesma e na sua vocao que transcende o

    horizonte do universo criado, da sociedade e da histria (CIC, 2244). O seu fim ltimo a

    comunho com Deus e com os outros. Viver fora deste dinamismo de acolhimento de vida,

    esforo e obteno de progressiva melhoria de qualidade de vida, participao consciente e

    responsvel na organizao social, sistemas de produo de bens de consumo construtoras

    de solidariedade infra-humanas, viver fora da fraternidade querida e proposta por Deus e

    constitu o estado de alienao.

    Do estatuto de pertena a esta fraternidade, porque todos filhos do mesmo Pai que Deus

    (Jo. 20,17; Mt.5,16;6.9) segundo o Novo testamento, deriva que:

    - Todas as pessoas so essencialmente iguais;

    - Todas as pessoas gozam do direito liberdade;

    - Os bens da terra a todos pertencem e a todos devem servir;

    - O trabalho possui uma dignidade intrnseca

    - A caridade, a justia e a sinceridade devem ser as leis regentes de toda a conduta social.

    3.3 Os primeiros sculos da Igreja

    Logo de seguida aos tempos apostlicos, enraizada na Palavra de Deus, a Igreja vai

    crescendo na conscincia de que f e compromisso social so inseparveis. Tal vinculo

    passa de gerao em gerao tradio da Igreja e temos, assim, no seguimento dos

    escritos Neotestamentrios, abundantes fontes literrias que nos do conta como leigos e

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    35

    pastores, animam, organizam e constroem a vida nos primeiros sculos do cristianismo:

    cartas, sermes, comentrios bblicos, poesias e hinos, em todos estes documentos se

    evidencia a mesma certeza: a F em Cristo inseparvel da caridade para com os mais

    vulnerveis. A Solida