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THAMIRIS BETTIOL TONHOLO RESSIGNIFICANDO O TRABALHO COM AS DATAS COMEMORATIVAS NA ESCOLA: OUTROS OLHARES PARA A PRÁTICA EDUCATIVA Londrina 2014

RESSIGNIFICANDO O TRABALHO COM AS DATAS … BETTIOL TONHOLO... · Que este seja apenas o ponto de partida na longa caminhada que teremos pela frente, e que sejamos sempre motivadas

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THAMIRIS BETTIOL TONHOLO

RESSIGNIFICANDO O TRABALHO COM AS DATAS COMEMORATIVAS NA ESCOLA: OUTROS OLHARES PARA

A PRÁTICA EDUCATIVA

Londrina 2014

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THAMIRIS BETTIOL TONHOLO

RESSIGNIFICANDO O TRABALHO COM AS DATAS COMEMORATIVAS NA ESCOLA: OUTROS OLHARES PARA

A PRÁTICA EDUCATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina como requisito parcial à obtenção do título de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Profª. Dra. Sandra Regina Ferreira de Oliveira

Londrina 2014

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THAMIRIS BETTIOL TONHOLO

RESSIGNIFICANDO O TRABALHO COM AS DATAS COMEMORATIVAS NA ESCOLA: OUTROS OLHARES PARA A

PRÁTICA EDUCATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina como requisito parcial à obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Orientadora: Profª. Dra. Sandra Regina Ferreira de Oliveira

Universidade Estadual de Londrina - UEL

____________________________________

Componente da Banca Prof. Dr. Celso Luis Junior

Universidade Estadual de Londrina - UEL

____________________________________

Componente da Banca Prof. Dr. Rovilson José da Silva

Universidade Estadual de Londrina – UEL

Londrina, 29 , de Maio, de 2014.

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Existiu um homem, rico em sua simplicidade, que todos se orgulhavam de ter conhecido. Ensinou a seus filhos e netos que a maior riqueza de uma pessoa é o caráter, a diginidade e o respeito, e que uma vez perdidos, perde-se tudo. Dedico este trabalho à memória de meu avô, João Bettiol. Obrigado pelo que sempre representou pra mim. Espero um dia estar ao seu lado e compartilhar contigo essa vitória. Pela enorme falta que sinto.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à Deus por renovar todos os dias minha fé e

esperança, por restaurar minhas forças e por manter vivo o desejo de ser a

cada dia uma pessoa melhor, mesmo em meio a tantas tribulações.

À minha família, meus pais, Benedita e Valdir, agradeço pela minha

vida e pela educação que me deram, por serem meu porto seguro e por

sempre acreditarem e apoiarem os caminhos que decidi seguir. Meu eterno

amor e gratidão a vocês. Ao meu irmão, Rafael, agradeço por existir, com você

descobri o que é amar incondicionalmente.

De maneira especial, a meus tios, Fábio e Liria, que desde pequena

estiveram presentes nos momentos importantes da minha vida, e que ao longo

da graduação, abriram as portas de sua casa e dos seus corações para me

acolher. Agradeço não só pela hospedagem e pelo cuidado durante esse

tempo todo, mas também pelos conselhos, pelas longas conversas e por todo

amadurecimento e crescimento pessoal que tive na convivência com vocês.

À minha orientadora, Sandra, agradeço por me acolher desde o

primeiro ano de graduação; por me apresentar os caminhos a serem seguidos

acreditando na minha autonomia, por vezes, mais do que eu mesma. Obrigada

pela paciência, pelos momentos de conversa, pela sua valiosa contribuição

acadêmica, e por me encorajar e acreditar desde o início que esse trabalho

seria possível. Sua garra, inteligência e competência tornam minha adimiração

cada vez maior. Muito obrigada!

A meus amigos e famíliares, de longe e de perto, que torceram,

vibraram e estiveram sempre juntos comigo por meio do laço de carinho que

nos une. Suas orações, conselhos e parcerias foram indispensáveis para que

eu chegasse à reta final. Com vocês, o caminho até aqui se tornou mais bonito

e feliz.

Agradeço também àqueles professores que, durante o curso, se

tornaram marcantes. Cada um a sua maneira, contrubuiu com conhecimentos e

experiências que transcendem a prática escolar, os quais levarei como

exemplo para toda vida.

Por último, mas não menos importante, agradeço de coração, mas sem

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despedir-me, de todas as companheiras de turma. Obrigada pela convivência

diária durantes esses quatro anos e meio de graduação e pelas trocas que

estabelecemos. Muitos foram os obstásculos que superamos juntas e maiores

foram os objetivos que juntas também alcançamos. Que este seja apenas o

ponto de partida na longa caminhada que teremos pela frente, e que sejamos

sempre motivadas a fazermos a diferença enquanto profissionais na árdua,

porém maravilhosa, tarefa que é educar.

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De tudo ficam três coisas: a certeza de que estamos sempre recomeçando, a certeza de que devemos continuar e a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Portanto, devemos fazer da interrupção um novo caminho, da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro.

Fernando Pessoa

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TONHOLO. Thamiris B. Ressignificando o trabalho com as datas

comemorativas na escola: Outros olhares para a prática educativa. 2014.

68 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) –

Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2014.

RESUMO

Centrando-nos na realidade de que nosso calendário está repleto de datas comemorativas, sejam elas de caráter civil, religioso ou cultural, é fato que as mesmas adentram o cotidiano escolar, influenciando o trabalho pedagógico e, principalmente, o que se ensina e o que se aprende na escola. A opção por trabalhar com datas comemorativas relaciona-se com a autonomia que toda equipe pedagógica tem para selecionar e organizar os conteúdos a serem ensinados para os alunos durante o ano letivo. Na maioria das vezes, tais datas justificam a realização de festas e/ou comemorações em torno da temática a qual se refere determinada data. O objetivo desse estudo é compreender a dinâmica da escola no que diz respeito à maneira como as mesmas interpretam e realizam um trabalho pedagógico em torno das datas comemorativas. Para alcançar tal objetivo, a metodologia pautou-se em uma pesquisa por dissertações no banco de dados da CAPES, no período de 2007 a 2011 que tivessem como objeto de estudo as datas comemorativas, a fim de conhecer o que se tem pesquisado sobre tal temática; uma pesquisa documental, onde foram analisados dois documentos oficiais que embasam os projetos pedagógicos das escolas municipais, com o intuito de evidenciar a presença e/ou a ausência, de orientações para o trabalho com as datas comemorativas; e pesquisa de campo, realizada em uma Escola Municipal da cidade de Londrina, onde desenvolvemos uma proposta diferente para ser trabalhado o “Dia da Criança”. Nesse sentido, foram propostas atividades que propiciaram aos alunos conhecer a origem dessa data por meio de pesquisas e entrevistas realizadas pelos mesmos; reconhecerem-se enquanto sujeitos de direitos e deveres assegurados por lei; exporem seus medos e desafios enquanto crianças na sociedade, entre outras. Somado a isso, consta nesse trabalho o relato das experiências vivenciadas no PIBID, no que se refere ao trabalho realizado com uma data comemorativa específica a partir do qual tal pesquisa foi pensada. O referencial teórico ancorou-se nos estudos de Sacristán sobre currículo, cultura curricularizada e tradição, procurando entender como algumas práticas pedagógicas são mantidas na escola, sendo que pouco ou nada, contribuem para que os alunos aprendam cada vez mais e melhor, no que diz respeito à transmissão de conhecimento sistematizado. Apresentamos os resultados obtidos, a partir das experiências destacadas, sobre as possibilidades de desenvolvimento de um trabalho que se mostrou significativo sobre a temática “Dia das Crianças”. Palavras-chave: Anos Iniciais; Cotidiano Escolar; Datas Comemorativas;

Ensino de História; PIBID.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Tabela de Conteúdos........................................................................37

Figura 2 - Tabela de Metodologia.................................................................58/59

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGB Associação dos Geólogos do Brasil ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPUH Associação Nacional de História CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBPR Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná CEEBJA Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos DCN Diretrizes Curriculares Nacionais ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ENPEH Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica LDB Lei das Diretrizes e Bases PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência SEED Secretaria de Estado da Educação TCC Trabalho de Conclusão de Curso UEL Universidade Estadual de Londrina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................13 CAPÍTULO I O QUE SE TEM PESQUISADO ACERCA DA TEMÁTICA DAS DATAS COMEMORATIVAS?.........................................................................................16 1.1 O ENSINO DE HISTÓRIA E AS DATAS COMEMORATIVAS: O QUE OS PROFESSORES

PENSAM A RESPEITO.............................................................................................17 1.2 A BUSCA PELA IDENTIDADE ESCOLAR NUM CURRÍCULO ORGANIZADO POR

DATAS..................................................................................................................21 1.3 CONSTATANDO A SUPERFICIALIDADE EM TORNO DO TRABALHO COM AS DATAS

COMEMORATIVAS.................................................................................................23 CAPÍTULO II ENTENDENDO O CURRÍCULO E A CULTURA CURRICULAR DAS ESCOLAS..........................................................................................................27 CAPÍTULO III O QUE CONSTA NOS DOCUMENTOS?.........................................................34 3.1 PRINCÍPIOS FILOSÓFICO-PEDAGÓGICOS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE

LONDRINA............................................................................................................34 3.2 ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA OS

ANOS INICIAIS.......................................................................................................37 CAPÍTULO IV O QUE OCORRE NAS ESCOLAS QUANDO UMA DATA COMEMORATIVA SE APROXIMA? RELATOS DA EXPERIÊNCIA NO PIDID.................................................................................................................46 CAPÍTULO V REPENSANDO A PRÁTICA EDUCATIVA: UMA PROPOSTA DIFERENTE PARA O DIA DAS CRIANÇAS NA ESCOLA.....................................................55 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................64 REFERÊNCIAS.................................................................................................67

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INTRODUÇÃO

Acreditamos que a origem de um tema de pesquisa parte de uma

inquietação, ou de alguma questão particular que temos ou desenvolvemos

sobre determinado assunto. Se tratando desse estudo, não escolhemos o

tema, mas fomos escolhidos por ele. Essa pesquisa é decorrente das

experiências vivenciadas nas ações do PIBID (Programa Institucional de Bolsa

de Iniciação à Docência) nos anos de 2011 a 2013, e vinculadas à intervenção

no Estágio dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, realizado no ano de

2013.

Por se tratar de uma pesquisa que se insere no âmbito das relações

humanas, acreditamos ser importante conhecer a trajetória e os caminhos

percorridos pela pessoa que a escreveu. Por isso, a opção por colocar nessa

introdução um breve memorial1.

No ano de 2011, quando cursava o segundo ano da graduação,

participei da seleção para compor a equipe do PIBID/Pedagogia da UEL

(Universidade Estadual de Londrina), programa este financiado pela CAPES

(Coordenadoria de Aprimoramento de Pessoal do Ensino Superior). No início o

grupo era pequeno, contava com a participação de onze bolsistas e duas

supervisoras, sendo uma de cada escola participante do programa, e uma

coordenadora geral, docente da UEL. Reuníamo-nos mensalmente para

planejarmos as ações que seriam desenvolvidas na escola durante o mês

seguinte. Nas referidas reuniões era discutido tudo o que havia sido realizado

na escola no mês anterior, desde as dificuldades encontradas na execução das

atividades, até as mudanças ocorridas dentro do que estava proposto no

planejamento.

Em um dos encontros, realizados no final de Agosto do mesmo ano,

quando conversávamos sobre as ações realizadas naquele mês, as discussões

encaminharam-se, sem prévio planejamento, para o que havia sido feito nas

escolas para comemorar o Dia dos Pais2. Por meio das falas das supervisoras,

1 O memorial será escrito em 1ª pessoa do singular, devido à tipologia subjetiva do texto.

2 A análise sobre essas informações foram aprofundadas no 4º capítulo.

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pude perceber a importância que as escolas atribuíam às datas

comemorativas.

A partir desse momento, surge e vai se delimitando o tema dessa

pesquisa, sobre o anseio de entender um pouco mais a dinâmica da escola no

que diz respeito à maneira como estas interpretam e realizam um trabalho

pedagógico em torno das datas comemorativas. Como futura pedagoga,

acredito ser importante entender sobre esse assunto e os seus

desdobramentos na escola. Essa pesquisa tem natureza de cunho qualitativo,

pois trabalha com o tratamento da informação.

Optamos por vincular nossa pesquisa de campo à intervenção do

Estágio dos Anos Iniciais, realizado no quarto ano, a qual por meio de uma

proposta de trabalho relacionada ao Dia das Crianças foi possível criar

estratégias de ensino que tornassem o trabalho com essa comemoração mais

significativo para os alunos quanto à construção de conhecimentos científicos.

O presente texto organiza-se em cinco capítulos. No primeiro,

apresentamos o resultado do levantamento de dados realizado no site da

CAPES, no qual buscamos por dissertações no período de 2007 a 2011, a fim

de conhecermos o que vinha sendo estudado sobre o tema. Dentre as

pesquisas encontradas selecionamos aquelas que mais se aproximavam com o

tema dessa investigação. Verificamos que, cada uma, a partir do recorte

estabelecido, trata do modo como as datas comemorativas são pensadas e

efetivadas nas escolas, constatando a falta de problematização e

sistematização no trabalho com as mesmas, e sobre o fato dessas adentrarem

no planejamento escolar sem maiores questionamentos, dentre outras

questões. Constatamos também que as datas comemorativas são somente

tratadas em seu momento de execução e articuladas a uma determinada área

de conhecimento, geralmente Artes e História.

No segundo capítulo, trazemos os estudos bibliográficos, o qual se

instituiu como o corpo teórico da pesquisa. Analisamos conceitos como:

currículo, cultura curricularizada e tradição, compreendidos a partir das

prerrogativas de José Gimeno Sacristán (1998 - 2005).

Este autor nos auxilia a compreender como algumas práticas

pedagógicas perduram na escola, sendo sustentadas por força de uma

tradição, que ano a ano, nos levam a repetir as mesmas ações, mesmo

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sabendo que tais práticas não trazem significativas contribuições para o

processo de aprendizagem das crianças. Tais práticas adentram o cotidiano

escolar, e constituem o que o autor denomina de cultura curricularizada, que

nem sempre encontra respaldo no proposto em documentos curriculares.

No terceiro capítulo realizamos a análise de dois documentos oficiais3

que subsidiam, ou deveriam subsidiar os projetos pedagógicos das Escolas

Municipais. Nosso objetivo com essa investigação foi evidenciar a presença, ou

a ausência, de referências sobre o trabalho com as datas comemorativas

dentro da escola. Após a leitura e análise dos documentos, concluímos que há

orientações superficiais sobre o tema, estando esse relacionado a conceitos

mais amplos, como tempo e calendário, mas sem orientações ou

especificações que norteiem esse trabalho.

No quarto capítulo, relatamos as experiências vivenciadas no PIBID do

qual, conforme dito anteriormente, surgiu o tema dessa pesquisa. Nesse

contexto, objetivamos aproximar a pesquisa do ambiente escolar por entre os

apontamentos que fomos traçando ao presenciar o modo, ou modos, como

essa temática é desenvolvida nas escolas. Elaboramos a hipótese de que a

forma como são trabalhadas as datas comemorativas na escola não

proporcionam ao aluno uma aprendizagem significativa, tratando-se da data

pela data, sem prolongar maiores questionamentos.

No quinto e último capítulo, tratamos da pesquisa de campo desse

estudo. Propomos a execução de uma proposta diferente para uma data

específica e comemorada todos os anos na escola, o Dia das Crianças. Dessa

forma, buscamos investigar as possibilidades de realizar um trabalho que tenha

uma intencionalidade pedagógica e permita aos alunos refletirem sobre o

porquê de determinada comemoração.

Acreditamos que a pesquisa aqui apresentada pode proporcionar

novos modos de pensar sobre esse tema, que é tão presente nas escolas, mas

que é pouquíssimo discutido no meio escolar.

3 Os referidos documentos são a Proposta Pedagógica do Município de Londrina (2009) e as

Orientações pedagógicas para o ensino de nove anos no Paraná (2010).

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CAPÍTULO I O QUE SE TEM PESQUISADO ACERCA DA TEMÁTICA DAS DATAS COMEMORATIVAS?

Nesse primeiro capítulo tecemos uma síntese dos resultados obtidos

por meio do levantamento de dados, a fim de conhecermos alguns estudos que

abordam direta, ou indiretamente, a temática das datas comemorativas.

Esperamos a partir deles, nortear os caminhos e os percursos da nossa

pesquisa.

A busca por tais estudos foi realizada no site da CAPES, no banco de

dados de dissertações entre os anos de 2007 a 2011utilizando a palavra-chave

“datas comemorativas”. Foram encontrados 21 estudos relacionados ao tema.

Optamos inicialmente pela leitura de todos os resumos e contatamos que as

temáticas tratadas são variadas e oriundas de diferentes áreas do

conhecimento. É importante destacar que a princípio, a ideia era encontrar

pesquisas relacionadas ao ensino de História, mas foram encontradas

investigações em diferentes áreas. Consideramos importante para nosso

estudo, apresentar algumas delas:

Educação Ambiental: Educação Ambiental no Ensino Fundamental: um

estudo da prática pedagógica em uma escola municipal de Palmas;

Educação Ambiental e desenvolvimento de práticas pedagógicas sob

um novo olhar da ciência química; Concepções de professores de

escolas públicas de são José do Rio Preto/SP sobre ensino de ciências

naturais e educação ambiental. Tais estudos apontam que as

abordagens realizadas para com as questões ambientais na escola,

restringem-me as datas comemorativas ou a alguma situação específica,

sendo realizados apenas discussões em sala de aula e poucas aulas

práticas, estando longe de ser um trabalho aceito e desenvolvido pela

escola e pelos professores.

Música: Representações sociais da dança do contexto da educação

física; Novos olhares sobre a dança no contexto escolar. Em linhas

gerais objetivou-se repensar a dança no contexto escolar, visto que a

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representação da mesma está particularmente ligada às festas

escolares e a datas comemorativas. Dentre outros.

Na leitura dos 21 resumos, identificamos que o tema é trabalhado a

partir de diferentes objetivos, metodologias e técnicas como: entrevistas,

revisão bibliográfica, questionários, observação e análise de conteúdos. A data

comemorativa é tratada, na maioria das pesquisas, em seu momento de

execução e articulada a uma determinada área de conhecimento.

Selecionamos algumas pesquisas que mais se aproximavam de nosso

objeto de estudo para uma leitura completa. Três dissertações foram

escolhidas, sendo uma referente ao ano de 2009; uma ao ano de 2010 e outra

ao ano de 2011.

Das dissertações encontradas e que se relacionam diretamente ao

tema, considerando o recorte estabelecido para o TCC (Trabalho de Conclusão

de Curso), duas são da área de Educação e a outra é indicada como

pertencente às áreas de Educação e História. As pesquisas foram realizadas

com alunos e professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e

Educação Infantil. No decorrer do texto, nos dedicaremos a detalhar cada uma

delas.

1.1 O ensino de História e as Datas Comemorativas: o que os professores

pensam a respeito?

Na dissertação intitulada Que história é essa? Percursos da história

ensinada às crianças em escolas do Ensino Fundamental, desenvolvida no ano

de 2010, na Universidade Federal do Espírito Santo, Miriã Lúcia Luiz apresenta

um estudo cujo foco foi investigar as práticas docentes de professoras das

Séries Iniciais4 visando compreender como se efetiva o ensino de História na

escola e as apropriações que as mesmas fazem das DCN’s (Diretrizes

Curriculares Nacionais) no contexto das Escolas Municipais de Mantenópolis,

Espírito Santo.

4 Será mantida a terminologia utilizada no texto pesquisado. Após a implantação do Ensino

Fundamental de nove anos, a terminologia correta é Ano e não mais Série. Lei n° 11.274 de 2006 regulamenta o Ensino Fundamental de nove anos.

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A autora baseia-se em Roger Chartier para estabelecer categorias de

análise dos livros didáticos e para compreender as apropriações que as

profissionais da educação fazem dos livros e dos conteúdos. Para isso, propõe

algumas questões norteadoras com o intuito de montar uma configuração

sobre o profissional que atua nas séries inicias, tais como:

[...] quem são as professoras que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental nas escolas públicas municipais de Mantenópolis? Como se configuram as diretrizes curriculares para o ensino de História nas séries iniciais do ensino fundamental no município? Como as professoras se apropriam [...] dessas diretrizes em suas práticas docentes? Qual o papel desempenhado pelo livro didático adotado pelas professoras e como se configura o seu uso no contexto investigado? (LUIZ, 2010, p.18)

Utilizando-se de uma narrativa sobre sua história de vida a autora

discorre no primeiro capítulo sobre aspectos que instigaram a concretização de

tal estudo ressaltando, em seguida, a escassez de pesquisas que envolvem

essas questões em nível nacional e também estadual. O caminho selecionado

para prosseguimento em seu estudo foi uma reflexão sobre os documentos

oficiais e as Diretrizes Curriculares de História.

No segundo capítulo da respectiva dissertação, constam apontamentos

sobre o ensino de História no Brasil focalizando aspectos importantes na

constituição da disciplina de História até os dias atuais. Para ilustrar tais

apontamentos, são apresentadas diversas pesquisas disponíveis no banco de

dados da CAPES, nos trabalhos publicados em anais da ANPED (Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), bem como trabalhos

apresentados em eventos voltados para o ensino de História, tais como o

ENPEH (Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História) e

Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, dentre outros.

No que diz respeito ao referencial teórico-metodológico, a autora

destaca que o estudo utiliza-se das proposições de Marc Bloch e Jacques Le

Goff para:

Sustentar teoricamente as discussões propostas na investigação sobre o ensino de História nas séries iniciais. É a partir das ideias desses autores que penso a História vivida, pensada e ensinada nas séries iniciais, à concepção de documentos, de tempo histórico e as demais discussões que proponho no decorrer da pesquisa. (LUIZ, 2010, p.19)

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Prossegue apresentando as outras categorias constantes em sua

pesquisa como formação docente, currículo e o papel do professor. Afunila as

análises para o uso do livro didático adotado pelas escolas investigadas,

configurando este como sendo o recurso mais utilizado para o ensino de

História e, no contexto da investigação, como mediador dos PCN’s (Parâmetros

Curriculares Nacionais) e da Proposta Curricular Municipal.

No processo final a autora indicou que o quinto capítulo é composto por

análises de observações realizadas nas escolas investigadas bem como os

documentos que compuseram a pesquisa. Nesse sentido, são desenvolvidas

as temáticas elencadas pelas professoras, para serem trabalhadas nas séries

iniciais, sendo elas: a temporalidade histórica, a história de vida da criança, a

história local e as datas comemorativas.

O percurso metodológico pautou-se na observação, análise

documental, entrevistas e aplicação de questionários semiestruturados com

professores e gestores das escolas Paulo Freire, Dermeval Saviani, Anísio

Teixeira e Fernando de Azevedo5. Na aplicação dos questionários foram

enfrentados alguns problemas, pois algumas professoras se ausentaram por

não terem tempo para respondê-lo por conta do envolvimento com atividades

inerentes à prática docente, de modo que alguns instrumentos não foram

devolvidos. Assim, a análise da autora pautou-se em 64% da totalidade de

questionários aplicados.

As observações ocorreram entre os meses de abril e julho de 2009.

Para além das observações e aplicação dos questionários, foram realizadas

também 27 entrevistas com professoras e pedagogas das escolas objetivando

aprofundar aspectos da formação dessas profissionais, tornando possível

compreender de que modo as professoras pensam e ensinam História e como

as pedagogas, orientam os trabalhos desenvolvidos por essas professoras.

A partir da análise dos dados dos questionários aplicados, foi possível

traçar o perfil das professoras que atuam nas séries iniciais e identificar os

conteúdos que elas consideram mais significativos para serem ensinados na

disciplina de História. Apresentam-se da seguinte maneira os dados coletados:

5 Nomes fictícios dados pela autora às escolas investigadas.

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[...] respostas de 22% das professoras, a temporalidade histórica aparece e, embora não seja aqui compreendida como um conteúdo, é percebida, por muitas professoras, como um saber a ser ensinado, e não como uma compreensão necessária para o ensino e a aprendizagem de História; 19% de suas respostas apontaram, como um dos conteúdos a serem ensinados, as datas comemorativas; A História de vida da criança aparece em 25% das respostas das professoras e, em 42% das respostas, aparece a História local como um dos conteúdos. (LUIZ, 2010, p. 130)

Percebe-se que, das professoras que responderam aos questionários,

19% elencaram a temática das datas comemorativas como sendo um dos

conteúdos necessários para ser trabalhado nas séries iniciais.

A partir das análises de tais respostas, a autora chama atenção para a

forma de como são abordadas as chamadas “datas comemorativas” na escola.

As mesmas fazem parte do cotidiano das professoras predominando o trabalho

pedagógico organizado a partir da comemoração em detrimento a

problematização e contextualização do assunto. Para a autora, “um trabalho

com o simples ato de ‘colorir’ um desenho que representa uma ‘data

comemorativa’ evidencia um trabalho limitado, pautado na superficialidade

onde são abordadas de modo descontextualizado” (LUIZ, 2010, p.13).

No que se refere ao trabalho efetivado nas escolas municipais onde tal

estudo foi realizado, Luiz (2010) percebe que a abordagem por parte das datas

comemorativas se ilustra de diferentes modos:

Por um lado, o ensino pautado nas práticas de se “lembrar” da data, colorindo desenhos, geralmente apresentados pelas professoras e, posteriormente, fixados na sala ou nos cadernos dos alunos. Por outro lado, há também o trabalho que busca contextualizar a data comemorativa, pela via de textos informativos e aulas expositivas sobre a origem e os sentidos da data. (LUIZ, 2010, p. 213)

No que diz respeito a essa temática, a autora tece algumas

considerações relacionadas ao fato de que o trabalho com as datas

comemorativas constitui um desafio para as professoras por serem muitas as

datas a serem “pensadas” ao longo do ano letivo, dificultando que se trabalhem

os demais conteúdos de História em decorrência da interlocução destes com

essas datas.

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O estudo de tal obra foi de grande importância para a presente

pesquisa, pois trouxe apontamentos sobre como o trabalho com as datas

comemorativas é pensado e efetivado pelas professoras em salas de aula,

sendo que apesar, de estarem sendo direcionadas à disciplina de História, não

há problematização nem sistematização das mesmas.

1.2 A busca pela identidade escolar num currículo organizado por datas

Na outra dissertação escolhida, intitulada O fio de Ariadne: a

religiosidade nas festas comemorativas escolares, a autora Ceci Mara

Spagnolla Bergamasco, por meio de um trabalho realizado numa escola

pública do Estado do Paraná, mais precisamente no município de Cornélio

Procópio, propõe como objetivo central do trabalho a análise da cultura escolar

festiva de nossas escolas, considerando que o estudo de aspectos simbólicos

contidos nos ritos das festas comemorativas pode ajudar a conhecer elementos

da identidade escolar e revelar aspectos importantes da estrutura de uma

escola pública laico-brasileira.

Para tanto faz uma análise da bibliografia clássica existente sobre a

temática “festa”, a fim de analisar a cultura escolar festiva, dialogando com

autores que discutem currículo e calendário festivo. Por fim, propõe uma

análise da festa enquanto evento que organiza o tempo e o espaço escolar.

Tais objetivos são articulados pela autora acerca das seguintes

perguntas:

Quais os sentidos das festas comemorativas religiosas, em uma escola pública e laica? A partir dessas, procura-se compreender: para que servem as festas comemorativas presentes no calendário escolar? Elas reiteram ou liberam as normas, tradições e valores institucionais? E quais suas implicações, na educação escolar, na formação desse aluno? Seria função da escola cultuar mitos e tradições? Seriam as festas escolares uma reminiscência do passado ou uma sobrevivência contemporânea, em relação à sua cosmo visão? Enfim, por que ainda celebramos festas religiosas em uma escola pública, uma vez que laica? (BERGAMASCO, 2009, p. 16)

Em relação às hipóteses pautadas no trabalho, as mesmas relacionam-

se com o reconhecimento de que a questão da religiosidade é um tema que

está presente na vida cotidiana de uma grande parcela das classes populares,

no que diz respeito também dos alunos da escola pública. Dessa forma,

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durante o desencadeamento da pesquisa, releva-se a confirmação da

coexistência entre celebrações religiosas e a determinação legal da laicidade

dentro do contexto escolar.

Quanto aos procedimentos teórico-metodológicos, a pesquisa

procedeu-se de uma revisão bibliográfica, enfatizando a literatura sócio-

antropológica sobre festa e religiosidade e adentrando nos estudos sobre a

organização da escola. Com relação à revisão bibliográfica, a autora relata que

enfrentou dificuldades, que consideramos importante serem ditas, pois

compartilhamos de algumas para a realização dessa fase inicial de nossa

pesquisa. Segundo ela:

A primeira dificuldade foi à escassez de estudos educacionais relativos às festas comemorativas escolares. Aliás, o estudo da festa é normalmente um ponto inserido nos estudos sócio-antropológicos ou nas teorias da religião. A segunda dificuldade referente à bibliografia é que pediam atualizações nem sempre existentes ou possível, e a discrepância entre a grande quantidade de trabalhos sobre festas e a qualidade de dados que é possível encontrar neles. São muitas as publicações que descrevem a festa em tom folclórico, saudosista, preconceituoso e que inferem juízos de valor. Ou que veem a festa apenas como uma prática de ensino. Pouco as descrevem em sua vitalidade e potencialidade, além de fonte de conhecimento sobre sua cultura, sua identidade, sobre sua história, seu caráter lúdico, sacro-profano, enfim, sobre um modo de refletir sobre sua própria experiência de estar no mundo. A terceira dificuldade significativa se deu em relação aos estudos acadêmicos da festa. Tais estudos são bastante recentes, embora seja possível encontrar trabalhos da década de 1930 ou mesmo anteriores. Muitos estudos não estão publicados, ou publicados por pequenas editoras de difícil acesso o que demonstra o quanto o estudo das festas e outras dimensões do lazer foram colocados à margem da vida social, privilegiando a dimensão do trabalho. (BERGAMASCO, 2009, p. 28)

Para realização do trabalho empírico, a autora fez uso de questionários

e entrevistas, por meio do qual procurou analisar a perspectiva dos professores

sobre religiosidade e festas comemorativas no cotidiano da escola. Os

questionários foram respondidos por 12 professores do CEEBJA (Centro

Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos) de Cornélio Procópio. Para

além dos questionários, optou-se pela realização de entrevistas, por meio de

um roteiro pré-formulado, contendo 18 questões, pois para a autora “se trata de

um instrumento adequado para a obtenção de dados e informações que nem

sempre evidenciam uma objetividade imediata, além do que esta técnica

permite uma interlocução dinâmica entre os envolvidos, sem a rigidez dos

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esquemas de perguntas e respostas padronizadas”. (BERGAMASCO, 2009, p.

26)

A autora ressalta que desde a análise das primeiras entrevistas, não

teve dificuldades em compreender que não havia grandes contradições entre

teoria e prática, ou seja, entre o que os autores pesquisados afirmavam na

teoria e o que os professores vivenciavam na prática.

Por fim, tece algumas poucas considerações, e afirma que as

perguntas e dúvidas iniciais se multiplicaram, indicando novos caminhos. No

entanto, após o percurso metodológico realizado na pesquisa, é válido pensar

em algumas contribuições em relação à cultura escolar festiva.

Nas palavras de Bergamasco:

As festas na escola são mediadoras. Fazem parte do calendário e do currículo escolar. Revelam contradições, encobrem preconceitos. Cabe destacar que a organização dos tempos e dos espaços escolares interfere na formação dos alunos, seja para conformar ou para produzir outras práticas de significação. Em suma, o currículo não pode ser pensado fora das relações sociais. Assim, o currículo, tal como a cultura, é compreendido como prática de significação, e, como tal, vinculado à prática produtiva, às relações sociais e de poder. Dessa forma, podemos falar que na escola a cultura é curricularizada. E o currículo não é neutro, posto que seja uma seleção da cultura. (BERGAMASCO, 2009, p. 90)

Acreditamos que a leitura deste estudo teve importante contribuição

para nossa pesquisa, pois apontou aspectos relacionados à temática das datas

comemorativas, ou festas, como nomeia a autora, que muitas vezes adentram

o cotidiano escolar, como é o caso das datas de caráter religioso, sem maiores

questionamentos, considerando que a escola e o ensino são laicos,

desvinculados de qualquer denominação religiosa. Compartilhamos também

das dúvidas e inquietações apontadas e esperamos que as mesmas possam

ser sanadas ao longo do nosso estudo.

1.3 Constatando a superficialidade em torno do trabalho com as datas

comemorativas

Analisamos por fim, a dissertação intitulada Educação Infantil: Com

quantas datas se faz um currículo? sob autoria de Marta Nidia Varella Gomes

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Maia. A autora inicia fazendo uma breve retrospectiva da história da Educação

Infantil no Brasil e busca suporte teórico em Manuel Jacinto Sarmento e Walter

Benjamin para os fundamentos da concepção sobre a problemática da infância

e seus avanços em relação aos direitos das crianças. Cita ainda algumas

publicações e políticas oficiais que garantem o atendimento escolar para os

sujeitos dessa faixa etária, como por exemplo, o Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999), entre outros. Destaca

como tema central do estudo, sua experiência durante a trajetória escolar

atuando como professora da Educação Infantil e supervisora educacional e o

fato de comumente o currículo estar organizado em torno das datas

comemorativas, sejam elas de caráter, civil, religioso ou cultural.

No segundo capítulo, demonstra as razões para pesquisar o currículo,

apresentando como o tema dessa pesquisa, que se encontra presente na

instituição de Educação Infantil, e que não vai ao encontro dos interesses,

desejos e necessidades das crianças. Um aspecto que merece destaque diz

respeito ao fato de que “muitas escolas organizam o currículo no ano letivo

começando pelo carnaval, passando pela páscoa, dia do índio, dia das mães,

festa junina, dia dos pais, dia do folclore, dia do soldado, dia da pátria, dia das

crianças e Natal” (MAIA, 2011, p. 23). Todos os anos as crianças que passam

pela escola comemoram estas datas, na maioria das vezes, de forma

desconectada de outros conhecimentos e atividades que permitam a criança

ressignificar o que aprende.

Chama atenção para o fato de que há pouca reflexão por parte dos

educadores sobre o trabalho com as datas comemorativas na Educação Infantil

e a razão da sua ação pedagógica pra com as mesmas. Relatos dos

professores são compostos por argumentos como: “Sempre foi assim”, “As

famílias gostam”, e às vezes, com dúvida: “Não sendo ‘isso’ o que é para

fazer?”.

Maia (2011) aponta que as pesquisas que se relacionam à Educação

Infantil e que apresentam análises sobre o trabalho com as datas

comemorativas no seu cotidiano, demonstra que essas estão presentes no

currículo dessa etapa de ensino.

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Sobre a organização do currículo em torno das comemorações

escolares, a autora considera que se corre o risco de “engessar” o mesmo no

cumprimento de um cronograma que, segunda ela:

Tem caráter monocultural distante do interesse real da criança e de não reconhecer a diversidade das experiências de crianças e adultos e em que perspectiva se dá a formação cultural desses sujeitos que produzem cultura e são constituídos em suas subjetividades na cultura. (MAIA, 2011, p. 27)

No terceiro capítulo, a autora descreve informações sobre o município

onde se desenvolveu a pesquisa, o seu sistema de ensino e as escolas

pesquisadas, bem como sobre o processo de aproximação e inserção no

campo.

A pesquisa foi realizada em duas escolas de Educação Infantil do

estado do Rio de Janeiro e se desdobrou entre a análise de questionários e de

documentos de orientação e planejamento da rede e das escolas, observação

da prática pedagógica e do planejamento, de entrevistas com gestores da rede

e das escolas, assim como com os docentes. Para tanto, fez-se necessário

mergulhar a fundo no cotidiano da escola no qual, por meio da observação, se

tentou conhecer o contexto da instituição, os sujeitos que a constituem, as

relações estabelecidas e seus significados, e também sobre como o currículo é

planejado e que outras ações existentes não planejadas também se

apresentam. Traça um panorama repleto de dados cuja análise foge aos limites

de nossa pesquisa, sobre o corpo docente, a gestão da escola, os alunos e a

própria escola.

No capítulo seguinte, a autora narra seu encontro com o campo, e

afirma que o mesmo não é uma tarefa simples, pois mesmo sendo educadora e

estando integrada no meio educacional, uma vez que para cada nova realidade

a que somos inseridos somos considerados sujeitos desconhecidos.

De acordo com Maia:

Algumas vezes foi preciso ir, aparentemente, para além do tema inicial – currículo e datas comemorativas – apontando não só sua complexidade, como também a sua interligação com questões administrativas, de formação e de concepções [...] A observação evidenciou aspectos como acolhimento, interações, disciplina, conteúdos, concepções de Educação Infantil e alfabetização,

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acompanhamento pedagógico, condições de trabalho, rotinas e tempos de espera, gênero e datas. (MAIA, 2011, p. 72)

Nesse sentido, foi possível entender a forma como os professores

organizam suas atividades na semana que antecedem as datas

comemorativas, como o corpo gestor da escola as incorpora no currículo e a

forma como a escola no seu todo articula e trabalha a problemática relacionada

a tal temática.

A autora conclui que a organização do currículo, por meio das datas

comemorativas é uma orientação curricular da rede, por isso está presente no

planejamento das escolas, sendo naturalizada pelos profissionais que não

cogitam a possibilidade de não adotá-las no seu trabalho. Estando assim o

currículo organizado, o mesmo seleciona conhecimentos e valores e os

professores pouco questionam sobre isso, mesmo estando comprometidos

com uma educação que delega uma perspectiva de humanidade e sociedade.

Acreditamos que esta pesquisa, mesmo tendo o foco voltado para a

Educação Infantil e não para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental que é

nossa área de estudo, teve, dentre as outras, maior aproveitamento no que diz

respeito às concepções de professores sobre currículo e o trabalho com as

datas comemorativas na escola, pois nos proporcionou pensar questões que

serão mais adiante exploradas.

A busca no bando de dados do site da CAPES por dissertações

relacionadas às datas comemorativas, apontou que tal questão aparece

contemplada dentro de uma temática maior e mais ampla, ora sobre isso, ora

sobre aquilo, relacionada a diferentes assuntos, porém as leituras e análises de

tais estudos foram fundamentais para a consolidação do nosso trabalho, pois

se por um lado mostrou que se trata de um estudo efetivamente original, por

outro aponta para a dificuldade quanto aos referenciais bibliográficos que não

tratam as datas como um tema central nos estudos anteriormente

apresentados.

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CAPÍTULO II ENTENDENDO O CURRÍCULO E A CULTURA CURRICULAR DAS ESCOLAS

Neste capítulo, avançamos nos estudos bibliográficos no sentido de

compreender como o currículo escolar é organizado e suas particularidades

enquanto instrumento que rege o trabalho escolar. Optamos por trabalhar com

o autor José Gimeno Sacristán. Formado em pedagogia pela Universidade

Complutense de Madrid, professor catedrático na área de Didática e

Organização Escolar na Universidade de Valencia6, pesquisa sobre a escola e

seus problemas educativos, de forma mais específica sobre currículo, fazendo

uma crítica à forma como o mesmo é organizado. Visamos descobrir se há

alguma referência nos estudos de Sacristán que se relacione com as datas

comemorativas e como as mesmas tornam-se parte do calendário escolar.

Os estudos sobre currículo são considerados relativamente novos, e as

primeiras definições foram feitas sobre a ótica do campo da administração.

Vários são os autores que pesquisam sobre o tema, formulando diversas

definições, concepções e perspectivas sobre o mesmo. Embasaremo-nos no

postulado de Sacristán para compreender a dinâmica da organização e

estruturação do currículo como práxis que concretiza os fins sociais e culturais

que atribuímos à educação escolarizada, na tentativa de entender como as

datas comemorativas tornam-se um trabalho efetivo na escola.

Numa primeira análise, o autor afirma ser importante compreender o

currículo para além de um conceito, mas como sendo uma construção cultural,

na qual o mesmo não deve ser entendido como uma definição abstrata, mas

como um modo para organizar práticas pedagógicas. Nesse sentido, fazendo

uma aproximação com o campo educacional, compreendemos de acordo com

Sacristán que:

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explicita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dela uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a

6 Informação retirada do site http://www.edicopedago.pt/loja/autores

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prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos. O currículo, como projeto baseado num plano construído e ordenado, relaciona a conexão entre determinados princípios e uma realização do mesmo, algo que se há de comprovar e que nessa expressão prática concretiza seu valor. É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam, etc. (SACRISTÁN, 1998, p. 15-16)

Ao mesmo tempo em que é o contexto de uma prática, é também

contextualizado por ela, sendo de extrema importância analisar o currículo nos

seus conteúdos e formas, para entender a missão da instituição escolar nos

seus níveis e modalidades. Nos currículos, se expressam o equilíbrio sobre as

atividades formais estabelecidas pelo sistema educativo, e por meio deles se

configuram os fins da educação no ensino escolarizado.

As escolas, no geral, independente do tipo de instituição, modelo de

educação ou nível educativo, adotam seus interesses, suas finalidades, sua

missão, e tudo isso se reflete nos currículos. Acolhem alunos de diferentes

origens sociais, idades, que estarão imersos em níveis diferentes de ensino,

em uma gama enorme de conteúdos, elementos esses também presentes nos

currículos escolares. Portanto:

Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de interação social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas relacionados com o currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição. (SACRISTÁN, 1998, p. 17)

Sobre esses argumentos, o autor sintetiza os aspectos do currículo,

sendo:

1) Que o currículo é a expressão da função socializadora da escola; 2) Que é um instrumento que cria toda uma gama de usos, de modo que é o elemento imprescindível para compreender o que costumamos chamar de prática pedagógica; 3) Além disso, está estreitamente relacionado com o conteúdo da profissionalização dos docentes. O que se entende por bom professor e as suas funções que se pede que desenvolva dependem da variação nos conteúdos, finalidades e mecanismos de desenvolvimento curricular;

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4) No currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas: pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos materiais, de controle sobre o sistema escolar, de inovação pedagógica, etc; 5) Por tudo o que foi dito, o currículo, com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e formas de desenvolvê-los, é um ponto central de referências na melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de inovação nos centros escolares. (SACRISTÁN, 1998, p.32)

Nesse sentido, numa última aproximação e significação ampla, o autor

define currículo como sendo um “projeto seletivo de cultura, cultural, social,

política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar

e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha

configurada” (SACRISTÁN, 1998, p. 34).

O que denominamos de currículo escolar, não deve se limitar a um

corpo de conhecimentos e um elencado de conteúdos, mas sim, instituir-se

num terreno para conexão de múltiplos agentes, envolvendo nessa dinâmica

uma gama das mais variadas práticas. Quando relacionamos o currículo com o

contexto, seus sujeitos, interesses e valores, compreendemos o mesmo como

práxis, organizado e contemplado num enfoque processual, de “configuração,

implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas

e em sua própria avaliação, como resultado das diversas intervenções que nele

se operam” (SACRISTÁN, 1998, p. 101).

Dessa forma, para entender o currículo enquanto prática é preciso

concebê-lo como sendo um objeto privilegiado para pensar as contradições

existentes entre as intencionalidades que se propõe e a prática educativa que

se executa. Quando não consideramos essas interações, não compreendemos

na verdade o que se aprende, o que se ensina, e os desdobramentos desse

processo nos contextos educacionais, sendo imprescindível reconhecer tais

contextos e as práticas que por meio dele interagem.

Sacristán (1998) denomina a prática pedagógica dos professores em

sala de aula de currículo em ação e estabelece um valor sobre essa prática

que vai além do fazer técnico, sendo o mesmo construído também por meio de

elementos que constituem a postura do professor durante sua trajetória

acadêmica, configurando-se como prática reprodutora ou inovadora.

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Sobre essa perspectiva, assinala alguns elementos que nos

possibilitam um olhar para o currículo em ação, identificando nele

características emancipatórias:

a) Deve ser uma prática sustentada pela reflexão enquanto práxis, mais do que ser entendida como um plano que é preciso cumprir, pois se constrói através de uma interação entre o refletir e o atuar, dentro de um processo circular que compreende o planejamento, a ação, e a avaliação, tudo integrado por uma espiral de pesquisa-ação; b) Uma vez que a práxis tem lugar no mundo real e não em outro, hipotético, o processo de construção do currículo não deveria se separar do processo de realização nas condições concretas dentro das quais se desenvolve; c) A práxis opera num mundo de operações que é o mundo social e cultural, significando, com isso, que não pode se referir de forma exclusiva a problemas de aprendizagem, já que se trata de um ato social, o que leva a ver o ambiente de aprendizagem como algo social, entendendo a interação entre o ensino e a aprendizagem dentro de determinadas condições; d) O mundo da práxis é um mundo construído, não natural. Assim, o conteúdo do currículo é uma construção social. Através da aprendizagem do currículo, os alunos se convertem em ativos participantes da elaboração de seu próprio saber, o que deve obrigá-los a refletir sobre o conhecimento, incluindo o do professor; e) Do princípio anterior se deduz que a práxis assume o processo de criação, de significado como construção social, não carente de conflitos, pois se descobre que esse significado acaba sendo imposto pelo que tem mais poder para controlar o currículo. (SACRISTÁN, 1998, p. 48-49)

Quando consideramos tais prerrogativas, olhando para uma prática

curricular específica, podemos identificar nela, componentes que nos ajudem a

concebê-la numa perspectiva inovadora, sendo que aquela possibilita

compreender o currículo em ação em decorrência “de uma práxis, que adquire

significado definitivo para os alunos e para os professores nas atividades que

uns e outros realizam”. (SACRISTÁN, 2000, p. 201)

Nessa medida, se entendemos o currículo como uma construção

social, consequentemente, o mesmo articula-se num determinado contexto e é

moldado pelas condições desse contexto e pelos sujeitos envolvidos no

processo. Sendo assim, pensar no currículo e nas práticas educativas a quem

ele se destina, requer pensar na cultura, nas ideologias, nos professores e,

principalmente, nos alunos (sujeitos), que em ultima instância, são a quem se

destina o currículo.

Para o autor espanhol, grande é a importância que se atribui ao

professor, tido como aquele que filtra o currículo, sendo um mediador entre o

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aluno e a cultura. Nesse sentido, o aluno torna-se um reflexo das práticas

pedagógicas que os professores desenvolvem de acordo com as

intencionalidades prescritas no currículo escolar, estando presentes nele os

conteúdos e conhecimentos a serem ensinados.

Considerando o currículo como uma produção cultural própria da

escola, Sacristán (2005) traz alguns posicionamentos sobre a cultura

curricularizada existente no interior das instituições escolares, nas quais

permanecem algumas práticas curriculares que não têm explicação do porque

são mantidas. Sendo as escolas lugares físicos repletos de objetos peculiares,

calendários e esquemas de organização do cotidiano que ordena atividades a

todos que nela convivem:

Ali se desenvolve uma série de ritos, são lugares onde se realizam tarefas de aprendizagem e que oferecem um meio social, bem como propõem um programa para aquisição de conhecimentos, habilidades e valores. Todo esse currículo explícito e oculto está regido por normas claras e não declaradas. É um impressionante invento cultural que demonstrou uma grande capacidade de sobreviver sem alterar muito as nervuras essenciais. Sua solidez se deve não só a simples presença na história da qual todos participamos, mas à utilidade de suas funções. (SACRISTÁN, 2005, p. 139)

Quando se refere à organização do espaço e tempo escolar, afirma

que cada atividade e cada tarefa acadêmica representam usos desses

elementos e que as possibilidades dos sujeitos encontram-se cercadas e

limitadas. Fixadas essas sequências que estruturam e criam hábitos nas

instituições escolares, uma vez que:

serão estes que reproduzirão a ordem do espaço e do tempo das salas de aula, a disposição interna das escolas, a regulação do ano escolar, a sequência das tarefas ao longo do dia, o papel dos professores e as atividades suscetíveis de serem desenvolvidas por professores e estudantes. (SACRISTÁN, 2005, p.143)

É por meio desse viés que o autor compreende como a escola vai

perpetuando práticas ou permanências, que não levam a lugar nenhum ou que

pouco contribuem para a aprendizagem, de tal maneira que essas práticas

adquirem autonomia e tornam-se permanentes. A organização do currículo e a

temporalidade do ensino padronizam a distribuição do tempo escolar, das

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atividades realizadas, nas quais uma vez fixada essa composição, incorpora-se

a resistência a mudanças.

É por meio desses apontamentos que Sacristán (2005) afirma que a

escola é permeada por práticas pedagógicas muito mais relacionadas a uma

tradição presente no dia a dia da organização escolar, repetidas ano após ano,

e que são colocadas em ação sem ao menos termos noção do que e do porque

de estarmos realizando-as.

Por meio dessas prerrogativas, é certo afirmar que a instituição escolar

tem uma função reprodutora de cultura, porém se tem reproduzido uma cultura

muito específica, pois mais do que transmitir o acervo cultural disponível, por

meio das práticas dos profissionais envolvidos no meio escolar, transmite-se

uma cultura curricularizada, ou curricular. Assim, disserta Sacristán que:

No processo de desenvolvimento do currículo, desde a declaração de um programa de intenções até a avaliação dos ensinamentos, feita pelo professor, as metas se concretizam em práticas. O que entendíamos ser uma síntese de saberes valiosos representados pelas matérias (ou pelos temas) pode ser visto concretizado no que os livros didáticos propõem; no que se explicam os professores e no que pede que os estudantes respondam as provas; podemos ver com clareza como o conteúdo sofre um processo de transformação que traça uma cultura muito peculiar. (SACRISTÁN, 2005, p. 161)

Organizar as instituições escolares, ordenar e regular os currículos, os

ritos que são fixados sobre as formas de se ensinar, constituem tradições que

legitimam as práticas educativas, dando sentido ao que se ensina, ao que se

transmite, e ao que se adquire nesse processo.

Para o autor, aprender na escola é uma forma de absorvermos um

saber que, na maioria das vezes, se justifica somente em função dele mesmo,

do que está submetido. Nesse sentido, a função de transmissão do caráter

cultural que a escola pretendeu a priori realizar, se efetua com base em e na

apropriação de uma tradição que considera e que classifica uns conteúdos,

matérias, conhecimentos e práticas, em detrimentos de outros. Ainda sobre o

referido autor:

Essa cultura curricularizada é uma invenção que costuma ser proposta ou imposta como única possibilidade para alimentar o desenvolvimento de todos os alunos, concretizando - ao mesmo

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tempo em que preenche de conteúdos – o valor da educação geral que queremos universalizar. (SACRISTÁN, 20005, p. 201)

Dessa forma, é como se seguíssemos um padrão acadêmico que

determina exigências as quais devemos nos submeter, ao invés de pensarmos

práticas adequadas, que possibilitem a todos crescerem intelectualmente, a fim

de desfrutar do direito universal à educação.

Acreditamos que nesse contexto, insere-se o trabalho com as datas

comemorativas na escola, uma vez que o mesmo é revestido de tradições sem

significados concretos para os alunos no que diz respeito à aquisição de um

conhecimento sistematizado. Essa discução será foco de análise dos próximos

capítulos.

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CAPÍTULO III O QUE CONSTA NOS DOCUMENTOS?

Este capítulo contempla a análise sobre o que consta no documento

Princípios Filosófico-Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação de

Londrina (S/D), doravante denominado neste texto por Proposta Pedagógica do

Município de Londrina, e nas Orientações pedagógicas para o ensino de nove

anos no Paraná (2010), documentos oficiais que apresentam referenciais para

o ensino de História nos Anos Iniciais. O objetivo foi evidenciar a presença, ou

ausência, de temáticas e ou quaisquer outras referências sobre o trabalho com

as datas comemorativas dentro da escola7.

3.1 Princípios Filosófico-Pedagógicos da Secretaria Municipal de

Educação de Londrina

A Proposta Pedagógica do Município de Londrina é um documento

criado no ano de 20098, que frente às mudanças ocorridas no campo

educacional, em nível estadual e nacional, apresenta a organização do trabalho

pedagógico da Secretaria Municipal de Educação, subsidiando a elaboração

das Propostas Pedagógicas das Escolas Municipais, de acordo com a atual

LDB nº. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Os princípios filosófico-pedagógicos que compõem o documento

esclarecem que a educação não tem um fim em si mesma, muito pelo

contrário, ela é considerada um instrumento de manutenção e transformação

social, pois:

O que contribui para uma educação de qualidade é a consciência daquilo que se faz, de como se faz e porque se faz. Para isso, é necessário o conhecimento da realidade: qual é a sociedade que se tem e qual sociedade se quer; qual é o papel do educador; qual é, enfim, a educação que se pretende. A reflexão sobre essas questões é fundamental para o direcionamento da prática em conformidade com os pressupostos filosóficos nos quais se acredita. Sem tais

7 O recorte proposto para essa investigação recai em um documento de âmbito Estadual e um

de âmbito Municipal. 8 No documento não conta o ano de criação. Chegamos a essa informação por meio de

questionamentos com técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Londrina. Entre os mesmos, houve divergência quanto ao ano de criação da proposta. Optamos por colocar a data que foi referendada por um maior número de técnicos.

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reflexões é impossível compreender a realidade e transformá-la, de acordo com as necessidades que se apresentam. (LONDRINA, S/D, p. 1 e 2)

Realizamos a leitura completa do documento que nos possibilitou um

panorama geral sobre o mesmo, e optamos por aprofundar a análise no texto

introdutório sobre os Princípios Filosófico-Pedagógicos da Secretaria Municipal

de Educação de Londrina, e na parte referente à Proposta Pedagógica de

História.

A concepção teórica da Proposta Curricular é baseada nos estudos de

Emília Ferreiro, educadora que teve grande influência no Brasil na década de

1980. Utiliza-se dos referenciais teóricos de Jean Piaget e Lev Semenovich

Vygotsky numa perspectiva construtivista sociointeracionista (S/D, p. 3).

Partindo do postulado desses autores, abordam as funções do professor como

sendo o mediador do ensino, o próprio processo de ensino-aprendizagem de

maneira gradual e significativa, e também apontamentos sobre os métodos

avaliativos formadores.

Tal documento contempla as propostas para a Educação Infantil

organizada pelos eixos norteadores Movimento, Música, Natureza e

Sociedade, Arte, Linguagem Oral e Escrita, Matemática. Para a Alfabetização,

destaca apontamentos sobre a concepção de letramento e alfabetização,

aquisição da língua oral e escrita, etc. Para o Ensino Fundamental, a proposta

organiza-se pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História,

Geografia, Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Ensino Religioso, com

apresentação dos pressupostos teórico-metodológicos, os conteúdos a serem

trabalhados por série e os procedimentos didáticos para a execução dos

mesmos. Os textos são de autoria de especialistas de cada área do

conhecimento.

Para além do elencado de disciplinas, enfatiza ainda o trabalho com

Temas Transversais, de modo que propiciem a construção da cidadania e dos

direitos individuais e coletivos. Temas como ética, pluralidade cultural, meio

ambiente, saúde e orientação sexual, devem ter origem por meio de

discussões, leituras, jogos, ou seja, no cotidiano da escola, e não como sendo

uma disciplina trabalhada de forma isolada. (Londrina, S/D, p. 15)

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Quando transportamos a História para o ensino, temos nesse trâmite

infinitas possibilidades de trabalho, pois o saber histórico se constrói por meio

do que vivemos dentro e fora da escola e compete a ela explorar essas

possibilidades. O pensamento histórico não envolve somente conceitos como:

cidadania, passado, independência, escravidão, etc., envolve também a

compreensão de conceitos abstratos inerentes ao saber histórico: fonte

histórica, narrativa, interpretação, e é por meio das experiências dos alunos

que ele se torna significativo.

A história não deve ser apresentada como a simples memorização de

uma informação do passado, ela deve ser construída a partir das mais diversas

fontes, fornecendo ferramentas intelectuais capazes de interpretar e explicar a

realidade e o presente. Nesse sentido, a construção do conhecimento histórico:

assume seu lugar quando os alunos aprendem e se desenvolvem, construindo significados adequados em torno de conteúdos que configuram o currículo escolar. Essa construção inclui a contribuição ativa e global do aluno, sua disponibilidade e conhecimentos prévios no âmbito de uma situação interativa, na qual o professor age como guia e mediador entre a criança e a cultura. (LONDRINA, S/D, p. 246)

Analisando a proposta, percebemos que não há uma especificação

direta para o trabalho com as datas comemorativas; elas aparecem apenas em

alguns casos como, no ensino de Matemática ao se trabalhar com medida de

tempo, quando dá orientação para a construção de calendário com datas

comemorativas, feriados, aniversariantes do mês, etc.

Nesse sentido, constatamos que mesmo não havendo uma orientação

específica para a utilização da temática em questão, há indicações para a

possibilidade do trabalho com a mesma, estando este vinculado a saberes

específicos e sistematizados, cabendo a quem se destina o documento, a

opção de elaborar um trabalho que desenvolva no aluno o entendimento sobre

o que é uma data comemorativa, e os outros tantos desdobramentos possíveis.

Na disciplina de História é curioso o fato de que, orienta-se para

trabalhar a cidadania por meio da noção de constituição dos símbolos

nacionais, chamando a atenção para não serem trabalhadas as datas

comemorativas, porém não há nada no texto que sustente essa prerrogativa.

Esclarecemos tal afirmação com parte do documento alocada a seguir:

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Figura 1 - Tabela de conteúdos

Fonte: Londrina, S/D, p. 252.

Ao trabalhar o conteúdo tempo e calendário na 1ª série, um dos

objetivos refere-se à percepção de que algumas festas e comemorações são

realizadas em datas ou épocas determinadas, porém os procedimentos

didáticos não fazem referência direta a essa temática. No entanto, há indicação

para o trabalho com a noção de ordenação e sucessão, conhecimentos esses

que podem ser relacionados às temporalidades: passado, presente e futuro.

Corroborando com nossos apontamentos, o documento destaca que:

O trabalho com a disciplina de história está centrado na forma como o aluno constrói a visão e sociedade, estimulando-o a construir o saber histórico desde os primeiros anos de escolaridade, esta construção do pensamento histórico é progressiva, gradualmente contextualizada em função das experiências vividas. (LONDRINA, S/D, p.245)

No caso do trabalho com as datas comemorativas, esse deslocamento

temporal é importante porque possibilita ao aluno entender como determinada

comemoração ocorre hoje na sociedade, como ocorriam em tempos passados,

e formular tentativas de imaginar como ocorrerão daqui há determinado

período, instigando a curiosidade e imaginação do educando.

3.2 Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Pedagógicas para os

Anos Iniciais

No âmbito Estadual, o documento Ensino Fundamental de Nove Anos:

Orientações Pedagógicas para os anos iniciais foi elaborado pela SEED

(Secretaria de Estado da Educação) do Paraná, no ano de 2010, com a

finalidade de reorganizar a Proposta Pedagógica deste nível de ensino, em

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decorrência da implantação da Lei n° 11.274 de 2006 que regulamentou o

ensino de nove anos, tornando obrigatória a matrícula da criança aos seis anos

de idade no primeiro ano do Ensino Fundamental.

A leitura completa do texto possibilitou-nos conhecer o que se indica

como mais importante em cada uma das disciplinas. Para o recorte

investigativo proposto nesta pesquisa, direcionamos a análise para o texto

completo da Introdução, que apresenta panorama sobre todas as áreas de

conhecimento constante no documento e para o texto referente à disciplina de

História, nosso foco de estudo.

O documento enfatiza a importância dos Anos Inicias de escolarização

e anuncia em cada área do conhecimento os pressupostos teóricos para as

mesmas. Concomitantemente, apresenta uma abordagem sobre a concepção

de infância, considerando importante destacar as transformações ocorridas

historicamente no Brasil, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, e que

são evidenciadas tanto na literatura, na legislação como em outras questões

educacionais. São exemplos que ilustram a importância de tal período alguns

documentos oficiais, como a própria Constituição Brasileira de 1988, o ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente) criado em 1990, a LDB nº. 9394/96,

dentre outros textos curriculares que incorporam a criança na sociedade como

sendo um sujeito de direitos assegurados pelo Estado.

Para tanto, compreender a concepção de infância:

orientará os conceitos sobre ensino, aprendizagem e desenvolvimento, a seleção dos conteúdos, a metodologia, a avaliação, a organização de espaços e tempos com atividades desafiadoras, enfim, o planejamento do trabalho organizado não apenas pelo professor, mas por todos os profissionais da instituição. (PARANÁ, 2010, p. 10)

Em seguida, tece algumas considerações a respeito da ampliação do

Ensino Fundamental de nove anos, que, para mais do que o aumento de um

ano do seguimento escolar, pretende reestruturar o processo de formação

desse nível de ensino para que o mesmo tenha uma nova organização

curricular que permita a permanência do aluno na escola de maneira

qualificada. Destaca-se no documento que:

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O desafio é pensar não apenas a criança de 6 anos que ingressa no Ensino Fundamental, mas também no conjunto de alunos de sete, oito, nove e dez anos que integram este nível de ensino. Assim, acredita-se que esta inclusão obrigatória das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental, é uma oportunidade para se refletir e efetivar uma práxis pedagógica que considere a infância, garantindo a aquisição do conhecimento nas dimensões artística, filosófica e científica, papel pedagógico essencial da instituição escolar, aliada à exploração da ludicidade também na escola de Ensino Fundamental. (PARANÁ, 2010, p. 14)

Para que sejam alcançados e superados esses desafios, a proposta

traz orientações teóricas e metodológicas para todas as disciplinas que

compõem o currículo desse nível de escolaridade: Alfabetização e Letramento,

Arte, Ciências, Educação Física, Ensino Religioso, Geografia, História, Língua

Portuguesa e Matemática. A parte destinada a cada disciplina contempla textos

com autoria de professores especialistas nas determinadas áreas do

conhecimento, nos quais são apresentados o histórico da disciplina em

questão, seus objetivos e finalidades para a formação crítica do aluno assim

como as orientações pedagógicas e direcionamentos teórico-metodológicos

para a prática pedagógica nessa etapa de ensino.

Sobre a disciplina de História, ao tratar do processo de ensino e

aprendizagem, consta no documento:

Ao discutirmos o processo de ensinar e aprender História na escola, quais seriam as mudanças se considerarmos duas questões: o processo de descoberta e a necessidade de significância que envolve o conhecimento histórico? A primeira questão nos indica que trabalhar História com crianças, deve considerar a curiosidade infantil. Essa curiosidade, mola propulsora que leva a criança a indagar e a buscar explicações para a realidade em que vive, não está limitada a tempos e espaços específicos. A segunda, a necessidade de significância, nos convida a inferir que a criança vive esse processo de conhecimento do outro, esteja esse outro em qualquer lugar ou tempo, considerando sempre, ou, buscando sempre o que confere significado a nossa existência. (PARANÁ, 2010, p.119)

Por esses motivos, a criança tem a necessidade de entender sobre a

vida da sociedade em outros tempos e lugares, sendo então, de suma

importância que a mesma se identifique enquanto sujeito histórico no mundo.

Para isso, não só no ensino de História, mas em toda prática educativa, é

preciso considerar o contexto no qual o aluno está inserido, e essa nem

sempre é uma tarefa fácil. Porém, se essa prerrogativa não for considerada,

por vezes, esvazia de sentido o trabalho realizado na escola, pois este, se

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distancia da realidade em que o aluno se encontra, afastando, cada vez mais, a

possibilidade dos conhecimentos aprendidos na escola possibilitarem ao sujeito

atuar no sentido de transformar a sociedade na qual vive.

O ensino de História tem passado por diversas mudanças buscando o

cumprimento desses pressupostos. Fazendo uma breve análise histórica,

evidenciamos as mudanças ocorridas na década de 1980, quando se avivaram

os estudos e pesquisas sobre o ensino e aprendizagem histórica e

organizaram-se entidades como a Associação Nacional dos Professores

Universitários de História (ANPUH), e Associação dos Geógrafos do Brasil

(AGB), gerando assim, diversas críticas quanto aos Estudos Sociais que

anuíam História e Geografia num único bloco de conhecimento.

Na transição dos anos 1980 para 1990, por meio das reformulações

curriculares, alguns estados, inclusive o Paraná, extinguiram os chamados

“Estudos Sociais”, apresentando propostas específicas para cada

área/disciplina. Enquadra-se nesse período a formulação do CBPR (Currículo

Básico para a Escola Pública do Paraná), principal documento norteador das

propostas curriculares para o estado durante os anos de 1990. No ano de

1997, um ano após a promulgação da LDB 9.394/96, o Governo Federal

estabelece os PCN’s para o primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental

e para cada disciplina específica. Esse documento, após o ano de 1997,

deveria oferecer parâmetros para a elaboração dos projetos pedagógicos a

serem elaborados nas escolas.

No entanto, ainda que pesem críticas ao proposto para a disciplina de

História nos PCN’s, assunto que ultrapassa os limites investigativos delimitados

para essa pesquisa, não houve uma apropriação dos encaminhamentos

teóricos e metodológicos indicado para a disciplina. Nas escolas prosseguiu-se

com práticas pedagógicas desvinculadas da investigação e ancoradas na

apresentação de conteúdos, sem maiores problematizações. Neste contexto,

enquadra-se o trabalho com as datas comemorativas, que são, na maioria das

vezes, abordadas de forma desvinculada de qualquer contexto ou

conhecimento sistematizado.

Equiparando-se com essa afirmação, no que se refere às datas

comemorativas e à relação com o ensino de História, o documento salienta

que:

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A partir da segunda metade da década de 1980, o ensino de História tem passado por várias e importantes mudanças, mas, ainda é recorrente encontrarmos em algumas salas de aula, permanências de um trabalho baseado na apresentação de conteúdos de forma linear e sem problematizações; um trabalho no qual as datas comemorativas são trabalhadas de forma desarticulada de todo um contexto; um método de avaliação ancorado na memorização de informações; uma não diferenciação entre as áreas de História e Geografia e, um trabalho no qual se coloca alunos, em “posição de sentido” frente à Bandeira, para se cantar o Hino Nacional, ainda que os mesmos não entendam o “sentido” das palavras que cantam. Por que essas características ainda permanecem no ensino da História? Pode-se buscar no histórico dessa disciplina elementos para compreendermos, historicamente, nossas atitudes. (PARANÁ, 2010, p. 120).

Ainda sobre o ensino de História, o documento enfatiza que sua

finalidade deve ser o desenvolvimento do pensamento histórico, e para isso se

faz necessário ter como base a epistemologia da História, ou seja, o

entendimento sob a forma como o conhecimento histórico é construído, sendo

fundamental contemplar no trabalho em sala de aula o trabalho com fontes, a

relação entre o passado e o presente, analisando os porquês das

permanências e transformações, e o trabalho com as diferentes

temporalidades.

Destaca também a importância de levar o aluno a entender como a

História é construída e, para tanto, é importante o trabalho com fontes.

Concomitantemente, orienta que:

Para além do conhecimento sobre fatos e histórias, os alunos devem aprender a lidar com o passado de uma maneira histórica. Isso significa indagar o passado a partir dos vestígios do presente a fim de conseguir determinadas respostas. Para isso, toda produção humana pode ser utilizada em sala de aula como fonte de investigação para o ensino de História. O principal objetivo do trabalho com fontes é levar o aluno a fazer inferências válidas, ou seja, perguntas pertinentes sobre o passado e que possam ter na fonte, um início de resposta. (PARANÁ, 2010, p. 125)

Nessa perspectiva, as fontes são propulsoras do desenvolvimento da

imaginação do aluno que, por meio delas, pode elaborar hipóteses e

suposições sobre o passado. De suposições válidas pode-se avançar para

raciocínios investigativos que ampliam o conhecimento para além da

observação ao buscar compreender o contexto de produção e uso das fontes

pesquisadas. Questões como: “Quem fez? Para que fez? Como se usava? O

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que esse objeto significava para as pessoas que o utilizavam?” (PARANÁ,

2010, p.126) são fundamentais nesse processo de descoberta sobre o

passado.

Sobre a relação entre o passado e o presente, destaca-se como sendo

importante criar nos alunos a consciência de que são as questões elaboradas

no presente que possibilitam indagar e compreender o passado. Desta forma,

não se justifica um trabalho com a História na escola que seja baseado

somente na apresentação do passado, pois o que vincula o passado com o

presente e torna o estudo concreto, é a mediação que o professor faz, no

sentido de apresentar aos alunos questões que permitam transitar pelas

diferentes temporalidades.

O tempo é considerado uma categoria fundamental para o ensino de

História e consequentemente para o aprimoramento do conhecimento histórico,

o que nos remete a pensar novamente na importância do trabalho voltado para

as problematizações feitas a partir do presente, da realidade do aluno, como

condição para o estabelecimento de elo entre passado e presente, condição

que possibilita ao aluno se perceber como sujeito histórico.

O documento contempla ainda, algumas estratégias que os

professores possam lançar mão para desenvolver nos alunos o pensamento

histórico, valorizando o conhecimento prévio dos mesmos:

[...] considerar os conhecimentos que os alunos já possuem sobre os mais variados assuntos, incentivando o diálogo entre todos e possibilitando que reconheçam a pluralidade de olhares oriundos das vivências cotidianas. É a partir desses conhecimentos do cotidiano que o professor pode pensar as questões que irão servir de ponte entre o passado e o presente. Em sala de aula tais procedimentos concretizam-se com atividades de resgate de memória, dos alunos e de outras pessoas próximas. Esses saberes oriundos do cotidiano devem ser registrados, para que, ao final do trabalho, comparações possam ser estabelecidas entre o que sabíamos e o que sabemos depois de estudarmos mais o assunto. Esses saberes do cotidiano precisam ser analisados a partir de questões que levem o aluno a se perguntar “porque penso assim”? [...] faz-se importante optar por atividades que levem os alunos a vivenciarem “experiências com significados”, no sentido de aproximá-los cada vez mais do conhecimento histórico. (PARANÀ, 2010, p.129)

Após a leitura e análise do documento, percebemos que não há

orientação direta relacionada ao trabalho com as datas comemorativas, nem

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como conceito ou conteúdo a ser trabalho, nem tampouco como estratégia de

ensino a ser utilizada pelos professores. Porém, não podemos negar o fato de

que há subsídios para que os professores, ao optarem por trabalhar com as

mesmas, realizem um trabalho eficaz e significativo com os alunos, explorando

por meio delas as diferentes temporalidades históricas, o uso de fontes, a

relação entre passado e presente, que são os elementos importantes e

indispensáveis no ensino de História.

Vejamos um exemplo. A temática família é contemplada como

importante para ser trabalha com os alunos na escola e principalmente em

História. Nas escolas comemoram-se todos os anos a Semana da Família e

também outras datas como Dia das Mães, Dia dos Pais, ou até mesmo Dia das

Crianças, que se relacionam direta ao tema Família. Um trabalho concreto e

sistematizado com as datas comemorativas, que vai além do feitio de

presentes e apresentações, pode ser realizado mediante as orientações que

constam no documento para o trabalho com o tema família, pensado a partir de

uma abordagem histórica, tratando das famílias em diferentes temporalidades e

pensando no que se modificou ao longo de um período sobre o conceito

família.

Ainda que não tenha sido explicitado no documento que essa seria

uma proposta para trabalhar as datas comemorativas que se enquadram

dentro da temática família, tais apontamentos norteiam e embasam uma prática

que se tornará muito mais sistematizada e revestida de significados, estando

vinculada aos conhecimentos que são necessários para a aprendizagem dos

alunos.

Outro exemplo é a disciplina de Artes. O documento trata da

importância de se retratar as cenas e manifestações artísticas do cotidiano,

sejam elas por meio da dança, teatro, desenho. Nesse sentido, aponta o

trabalho com as representações do folclore que são tão prestigiados na escola,

chamando a atenção para um trabalho que seja abordado em sua “dupla

dimensão de tradição e atualização da memória coletiva” (PARANÁ, 2010,

p.35). Nesse sentido, em nota de rodapé, chama a atenção para a

comemoração do Dia do Índio, pois a mesma:

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tem sido uma prática que sobrevive no tempo e no espaço escolar com características praticamente intocáveis. A Lei nº 10.639/03 alterada pela Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008 inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas e privadas com o objetivo de resgatar a contribuição desses povos na formação da sociedade brasileira em seus aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. (PARANÁ, 2010, p. 36)

Percebemos a preocupação em tratar dessa questão, para além das

comemorações que são comumente habituais, exigindo que seja realizado um

trabalho que objetive o enfoque histórico, que considere a cultura e os modos

de vida das populações indígenas, principalmente a forma como os mesmos se

inserem na sociedade contemporânea. Tal discussão abre um leque de

possibilidades para um trabalho que seja mais sistematizado, tanto para o Dia

do Índio em si, como para outras datas que se enquadram nessa perspectiva

de pluralidade cultural, como é o caso também do Dia da Consciência Negra.

De maneira geral, os dois documentos nos fazem refletir sobre o papel

da escola na construção de uma educação mais igualitária que possa contribuir

para a formação de indivíduos que sejam conscientes de seu papel na

sociedade. Apresentam suas concepções sobre cada área do saber

pertencentes ao Ensino Fundamental, e as orientações para cada disciplina

específica, bem como os conteúdos e os procedimentos adequados para tal.

No que tange ao ensino de História enquanto disciplina em si, cada

documento tem uma maneira peculiar de apresentar seus pressupostos

teórico-metodológicos, seus objetivos e os conteúdos da área, porém os dois

apontam a importância do desenvolvimento da atitude investigativa do aluno,

no que diz respeito à curiosidade, imaginação e percepção frente às noções de

deslocamento temporal, constituindo-se como sujeitos históricos e que

produzem cultura.

No que diz respeito à temática das datas comemorativas, concluímos

que as mesmas são apresentadas de maneira totalmente superficial na

Proposta Pedagógica da Prefeitura de Londrina, estando sempre relacionada a

conceitos mais amplos como temporalidade e calendário, em História, e

medidas de tempo e medidas, em Matemática. Nas Orientações Pedagógicas

do Estado, a temática é inexistente.

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A partir das leituras realizadas até o momento, percebemos que as

datas comemorativas são consideradas momentos expressivos dentro das

escolas, mas não constam nos documentos aqui estudados. Fica-nos então o

seguinte questionamento: por que mesmo não sendo contemplada nos

documentos oficiais, o trabalho com as datas comemorativas é uma prática

presente e valorizada pelas escolas? Por meio de nossas vivências que serão

relatadas no capítulo seguinte, esperamos contribuir na busca de respostas

para essa questão.

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CAPÍTULO IV

O QUE OCORRE NAS ESCOLAS QUANDO UMA DATA COMEMORATIVA SE APROXIMA? RELATOS DA EXPERIÊNCIA NO PIBID

Neste capítulo temos por objetivo aproximar a pesquisa sobre datas

comemorativas com a realidade do ambiente escolar, por meio das

experiências vivenciadas no PIBID. Nossa discussão caminha por entre os

apontamentos que fomos traçando ao presenciar o modo, ou modos, como

essa temática é trabalhada nas escolas.

Não julgamos por certo ou errado as atividades desenvolvidas com as

datas comemorativas, porém analisando a forma como são trabalhadas

partimos da hipótese de que as mesmas não proporcionam ao aluno uma

aprendizagem significativa, trabalhando-se apenas a data pela data sem

maiores aprofundamentos quanto ao contexto histórico de produção e

manutenção da mesma enquanto marcos comemorativos de uma sociedade.

Por aprendizagem significativa, nesta pesquisa, entendemos ser aquela que

possibilita ao aluno uma reflexão sobre o que está prendendo, articulando tais

conhecimentos com o contexto no qual está inserido, incorporando significado

ao que se aprende.

Tal hipótese é formulada a partir da concepção que temos sobre a

escola, aqui entendida como lugar de construção de saberes e potencializadora

da aprendizagem de alunos e professores, tendo como seu objetivo primeiro,

levar os alunos a aprender cada vez mais e melhor. Neste contexto, nosso

desejo é compreender quais as intencionalidades pedagógicas que norteiam o

trabalho com as datas comemorativas no cotidiano escolar.

A opção por trabalhar, ou não, com datas comemorativas na escola

relaciona-se com a autonomia, prevista na LDB 9394/96, que toda escola tem

para selecionar e organizar os conteúdos a serem ensinados para os alunos

durante o ano letivo. Na maioria das vezes, tais datas justificam a realização de

festas e/ou comemorações e são entendidas como temáticas importantes para

o ensino de História.

Centrando-nos na realidade de que nosso calendário está repleto de

datas, sejam elas de caráter civil, religioso ou cultural, e que a escola é parte

de um contexto social mais amplo, é inegável o fato de que tais datas adentram

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a instituição, tornando-se parte do cotidiano escolar, influenciando o trabalho

pedagógico e principalmente o que se ensina e o que se aprende em História

na escola.

No desenvolvimento das ações do PIBID, identificamos a grande

importância que as escolas envolvidas no Projeto davam para o trabalho com

as datas comemorativas. Em decorrência, percebemos a ausência de um

planejamento prévio sobre esse trabalho, que envolvesse no processo de

ensino e aprendizagem questões mais complexas, capazes de proporcionar

aos alunos a compreensão do que e o porquê de estarem realizando

determinada atividade.

De maneira geral, esses momentos se relacionam muito mais com a

cultura do presentear do que com a aprendizagem, o que não deixa de ser

importante se considerarmos a escola como um espaço que também corrobora

na formação afetiva dos sujeitos. Porém, é inegável o fato de que, hoje em dia

na sociedade, algumas datas comemorativas são impulsionadas por questões

comerciais.

Muitas vezes, tal ideia é incorporada na escola sem maiores

questionamentos. Por isso, se faz necessário refletir sobre a forma como são

trabalhadas as datas comemorativas dentro da instituição escolar, deixando de

ser apenas uma transmissão de conteúdos, apresentação de trabalhos para os

pais, ou como uma forma de instigar o consumo.

Quaisquer atividades realizadas na escola pressupõem uma relação

com o saber que é produzida por meio das concepções que se tem, na cultura

escolar, do que venha a ser aprender, ensinar, e sobre quais saberes tais

ações são realizadas. Nesse sentido, a aprendizagem para Charlot (2000) é

uma condição a qual todos os sujeitos estão submetidos desde o nascimento,

sendo composta por um triplo:

processo de ‘hominização’ (tornar-se homem), de singularização (torna-se um exemplar único de homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar nela). (...) Nascer, aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem sou, quem é o mundo, quem são os outros (CHARLOT, 2000, p. 53)

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Considerando tais prerrogativas, entendemos que a escolha do que se

ensina na escola, incluindo o trabalho com as datas comemorativas, se

tratadas de forma a levar o aluno a compreender mais sobre si mesmo e sobre

os outros, pode ser realizada de diversas maneiras que sejam significativas. O

que define a relação com o saber, segundo Charlot, não é o que se ensina,

mas a mobilização em torno do ensinar e aprender:

Mobilizar é pôr recursos em movimento. Mobilizar-se é reunir forças para fazer uso de si próprio como recurso. (...) A criança mobiliza-se, em uma atividade, quando investe nela, quando faz uso de si mesma como um recurso, quando é posta em movimento por móbeis que remetem a um desejo, um sentido, um valor. (CHARLOT, 2000, p. 55)

Entendemos que há mobilização no trabalho com as datas

comemorativas. No entanto, essa mobilização difere-se do postulado pelo

autor, pois em toda mobilização encontra-se a ideia de movimento, mas não

nos certificamos de que em todo movimento há uma ideia de mobilização. Nos

dias que antecedem alguma comemoração, o movimento nas escolas é muito

maior, acelerando assim o ritmo com que todas as ações são realizadas, fora e

principalmente dentro de sala de aula.

Cabe aqui lembrar que o início da pesquisa se deu quando, numa das

reuniões de planejamento do PIBID no mês de agosto, surgiu a discussão

sobre o que cada escola trabalharia em tal data. As duas escolas em questão,

denominadas aqui no texto como A e B, possuíam realidades extremamente

diferentes, principalmente no que se referiam as condições socioeconômicas e

aos índices no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)9, na

qual a Escola “A” apresentava 6.6 e a Escola “B” 4.4.

O trabalho que seria feito em torno da data comemorativa já estava

encaminhado e a discussão a esse respeito se consolidou, pois se tornava

visível a preocupação que as professoras demonstravam em relação a toda

demanda de trabalho que tiveram naquele mês, em especial para comemorar o

9 Nesse ano (2011) o PIBID atendia apenas duas escolas, e um dos pré-requisitos para a

participação no Programa era que fossem instituições com índices de IDEB diferentes.

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Dia dos Pais10. Apresentamos brevemente o que foi realizado em cada escola

a partir dos relatos dos professores proferidos na referida reunião.

A Escola “A” está situada na zona sul de Londrina, numa área bastante

peculiar e que atende crianças oriundas dos mais diversos bairros da cidade.

Estava em andamento projeto interdisciplinar sobre meio ambiente, e devido a

esse trabalho, optou-se por presentear os pais com mudas de árvores,

conseguidas, gratuitamente, junto ao viveiro municipal da cidade. Além disso,

cada aluno confeccionou um cartão para seu pai. O que nos chamou bastante

atenção nesse fato, foi à fala da professora quando verbalizou que o principal

foco da escola, naquele momento, era o Projeto Meio Ambiente, e que não

seria possível “perder muito tempo” fazendo presentes para comemorar o Dia

dos Pais.

A Escola “B” situa-se na zona leste da cidade, em um bairro periférico

composto de um lado por casas de padrão mediano e, de outro, por uma favela

que vem aos poucos sendo precariamente urbanizada, atendendo crianças

oriundas quase que exclusivamente desse entorno. O cotidiano da escola é

marcado por diversos problemas, dentre os quais se destaca a violência

doméstica, o tráfico de drogas, alto índice de gravidez em adolescentes do

bairro, alto índice de alunos que estão com pai ou mãe presos devido ao tráfico

e a roubos, o que resulta em uma situação na qual é grande a quantidade de

famílias cujo mantenedor é a avó. Para o Dia dos Pais, a opção foi comprar e

presentear com uma lembrancinha, no qual cada aluno teria que trazer uma

pequena quantia em dinheiro. Como nem todos puderam contribuir, a escola

tomou as providências para que ninguém ficasse sem levar o presente para o

pai, ou a pessoa responsável.

É fato que, para além do apelo comercial, e não adentraremos nesta

pesquisa, no sentido de historicizar como e por que se instituiu o Dia dos Pais

no calendário como uma data comemorativa, tal data é marcada por

lembranças e relações carregadas de afetividade. De qualquer forma, a

professora relata que em tais períodos a agressividade entre os alunos

aumenta e que a “escola fica tensa”.

10

Nas reuniões do PIBID utilizava-se o recurso de elaboração de atas cujo teor, posteriormente, eram redigidos em forma de textos breves e colocados no blog do PIBID Pedagogia da UEL. No dia em que esses relatos foram feitos não havia ainda a intenção deste TCC. Portanto, trata-se de um aproveitamento posterior dos mesmos como fonte de pesquisa.

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É fato também que as crianças precisam saber lidar com as frustrações

que a vida traz. Dessa forma, não se justifica a não realização de um trabalho

em torno dessa data com o intuito de poupar o sofrimento de um grupo de

alunos. Por outro lado, é impossível não se questionar: qual o objetivo com

esse trabalho, visto que a maioria dos alunos da escola tem o pai ausente?

Não haveria outras possibilidades pedagógicas no trato com tal data que

auxiliassem os alunos a compreenderem melhor as diferentes composições

familiares?

Foi a partir desse momento que as inquietações, angústias e dúvidas

começaram a surgir sobre o trabalho com as datas comemorativas na escola.

Perguntas como: “O que o aluno aprende quando trabalhamos com ele uma

data comemorativa? Haveria outras formas de trabalhar com o mesmo assunto

de forma diferente? Porque trabalhar a data comemorativa na escola?” Essas e

muitas outras questões foram o ponto de partida para o desenvolvimento dessa

pesquisa.

É preciso considerar que na escola há diferentes tipos de realidade,

famílias, formas de viver, crenças, religiões, e valores que norteiam a vida de

cada indivíduo e o trabalho com as datas comemorativas torna-se um grande

desafio, pois traz para dentro da escola toda essa diversidade.

Quando um trabalho executado na escola não é planejado e

sistematizado definindo o que se pretende que os alunos aprendam, corre-se

um grande risco de que as datas comemorativas incitem o consumo, firam a

liberdade religiosa ou a diversidade cultural da família de cada aluno ali

presente.

Desse modo, toda ação pedagógica na escola carece de planejamento

anterior, realizado tendo em vista um ou vários campo do conhecimento, no

caso das abordagens interdisciplinares, para que melhores resultados sejam

alcançados quanto à aprendizagem, pois o ato de ensinar precisa de começo,

meio e fim.

É nesse sentido que Saviani (1991) defende que o trabalho escolar

tende a ser descaracterizado quando, ao organizarmos o currículo da escola,

permitimos que o que é secundário torne-se principal no ensino, passando de

acessório para atividade primordial. Para o autor:

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Não é demais lembrar que este fenômeno pode ser facilmente observado no dia-a-dia das escolas. Dou apenas um exemplo: o ano letivo começa na segunda quinzena de fevereiro e já em março temos a semana da revolução, em seguida a semana santa, depois a semana das mães, as festas juninas, a semana do soldado, do folclore, a semana da pátria, jogos da primavera, semana das crianças, semana do índio, semana da asa, etc., e nesse momento já estamos em novembro. O ano letivo se encerra e estamos diante da seguinte constatação: fez- se de tudo na escola, encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado. É preciso, pois, ficar claro que as atividades distintivas das semanas, acima enumeradas, são secundárias e não essenciais à escola. Enquanto tais são extracurriculares e só tem sentido na medida em que possam enriquecer as atividades curriculares, isto é, aquelas próprias da escola, não devendo em hipótese nenhuma prejudicá-las ou substituí-las. (SAVIANI, 1991, p. 24)

Aliamo-nos ao postulado por Saviani (1991) quanto ao papel da escola

como lugar de transmissão de conhecimento científico sistematizado. A

escolha de tais conhecimentos é que vai compor os documentos curriculares.

Vimos no capítulo III que não há indicações específicas e tampouco maiores

detalhamentos quanto ao trabalho com as datas comemorativas nos

documentos oficiais que indicam parâmetros para o que ensinar nas escolas.

Por que, então, se mantém, e de uma forma pouco eficaz para a aprendizagem

dos alunos, o trabalho com as datas comemorativas?

Quando uma ação se repete todos os anos na escola e não é

efetivamente planejada quanto aos resultados que se quer obter, entende-se

que a mesma é mantida pela força da tradição, o que nos leva a não

questionarmos sobre os meios e os fins de tal ação, por isso definida como

tradição. Dentro desse contexto, é cabível pensar na função pedagógica por

trás do ato de repetir ano após ano, determinadas ações pautadas na tradição

e, para tanto, pautamo-nos no que Hobsbawm (1984) conceitua por “tradição

inventada”:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado apropriado. (HOBSBAWM, 1984, p. 09).

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O autor complementa ainda que tradição inventada “são reações a

situações novas que, ou assumem a forma de referência a situações

anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase

que obrigatória” (HOBSBAWM, 1984, p.10). Nota-se que o trabalho

desenvolvido com datas comemorativas está muito atrelado a essa concepção,

pois mesmo com outras orientações quanto ao trabalho a ser desenvolvido na

escola, a cada ano repetem-se rituais nos quais ainda que com outras músicas,

outros presentes, se mantêm as mesmas intenções educativas.

Nesse sentido, é preciso pensar, se queremos continuar repetindo tudo

somente pela tradição enraizada e a cada ano desenvolver as mesmas ações,

ou refletir sobre elas e transmitir aos alunos outros significados das datas

comemorativas, de modo que sejam propulsoras de uma aprendizagem

significativa, estando atreladas ao saber histórico de compreender como e

porque os homens, mulheres e instituições criaram tais datas e as elegeram

para permanecerem enraizadas na sociedade.

Aliamos ao conceito de tradição inventada o conceito de cultura escolar

compreendido a partir de Forquin (1993) como o conjunto organizado de

saberes de diferentes tipologias a partir dos quais agem gestores, professores

e alunos. Para este autor, a cultura escolar relaciona-se diretamente, com o

que acontece fora dela. Assim sendo, o que identificamos no interior de

qualquer escola dialoga diretamente com tudo o que ocorre em seu entorno,

mas, ainda conforme Forquin pode-se identificar um “mundo social” em cada

escola, definido pelo autor como as “características de vida próprias, seus

ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de

regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de

símbolos” (FORQUIN, 1993, p. 167).

Corroborando com essas premissas, Vinão Frago (2000) compreende

cultura escolar como a soma de todas as ações, ideias e normas que circulam

no cotidiano escolar e que definem como a escola age e se entende ser. Tais

ações são compreendidas, aceitas e quase nunca questionadas pela

comunidade escolar, tratando de algo invisível e presente a partir do qual as

decisões são tomadas para resoluções dos problemas do dia a dia da escola.

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Na cultura escolar as datas comemorativas são vinculadas, na maioria

das vezes, às disciplinas de História e Artes, predominando ações como feitio

de presentes e apresentações artísticas. No caso da História, podemos

entender que essa vinculação pode ser compreendida ao constatar,

historicamente, como tal campo de conhecimento chegou ao patamar de

conhecimento a ser ensinado na escola.

Segundo Bittencourt, ocorreram diversas variações no ensino de

História para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental com o objetivo de romper

com um conhecimento calcado na memorização de datas, nomes e feitos de

grandes homens “apresentados em atividades cívicas e como figuras

atemporais” (BITTENCOURT, 2008, p. 102).

Para os alunos dos Anos Iniciais, na faixa de seis a onze anos,

aproximadamente, a construção do conhecimento histórico se potencializa a

partir do estudo de temáticas que tenham significância para os mesmos. Para

Zamboni (2002, p. 73), “a reconstrução do passado é inteligível quando situado

no universo conhecido pelo aluno e diretamente relacionado a seus interesses”.

A partir dessa premissa poderíamos concluir que o trabalho com as datas

comemorativas revestem-se de significados porque estão relacionados

diretamente com o lugar o qual o aluno vive.

A princípio, tal relação apresenta-se como verdadeira. Um trabalho na

escola que dialogue com o que ocorre fora dela tem grandes possibilidades de

resultar em uma atividade significativa de aprendizagem. Porém, trabalhar com

a data comemorativa de forma significativa implica ampliar o olhar para outras

perspectivas, abrangendo de forma interdisciplinar os saberes decorrentes de

fora da escola, mas não se reduzindo somente a isso.

Um exemplo em relação do Dia dos Pais seria ampliar a abordagem

para o tema “cuidado familiar”, pensado a partir de outros questionamentos,

como “quem cuida da gente?” O sujeito em questão não necessariamente é a

figura do pai, mas aquela pessoa do convívio no lar (avô, tio, padrinho) ou fora

dele, amigos.

A partir de questões mais gerais, seleciona-se em que se quer

aprofundar, pois, na maioria das vezes, o trabalho com as datas

comemorativas fica na superficialidade, repetindo uma tradição ano após ano

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sem nos questionar a respeito do que estamos fazendo e ensinando para

nossos alunos.

Uma vez que as escolas têm optado por continuarem a realizar um

trabalho com as datas comemorativas, avançamos com nossa pesquisa com o

intuito de investigar sobre outras formas de se trabalhar com tal temática, o que

trataremos no próximo capítulo.

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CAPÍTULO V

REPENSANDO A PRÁTICA EDUCATIVA: UMA PROPOSTA DIFERENTE PARA O DIA DAS CRIANÇAS NA ESCOLA

O que constatamos no desenvolvimento dessa pesquisa, é que há, na

verdade, uma grande lacuna na escola que precisa ser investigada e

entendida. Os documentos, conforme apresentado no capítulo III, não

prescrevem um trabalho diretamente voltado para as datas comemorativas, no

entanto, não há nada mais presente no dia a dia das escolas do que as

referidas datas.

A partir das experiências pesquisadas, vivenciadas e relatadas nos

capítulos anteriores até agora, fica evidente que, apesar do trabalho com as

datas comemorativas nas escolas se constituírem de formas diferentes, na

maioria das vezes, em quase todas as escolas, os mesmos são superficiais.

Muda-se apenas a data em si, e a forma como a cada escola opta por

comemorá-las.

Considerando a influência e a importância que tal temática tem nas

instituições escolares, nas quais os professores e toda equipe pedagógica

mantém a organização do trabalho escolar em torno de tais datas, propusemos

a investigar as possibilidades de realizar um trabalho mais significativo a partir

de uma data muito presente no contexto escolar, o Dia das Crianças. Neste

capítulo, relatamos o que foi feito de maneira descritiva e avançamos na

tessitura de algumas conclusões.

Estabelecemos uma relação entre a pesquisa do TCC (Trabalho de

Conclusão de Curso) e o Estágio de Anos Iniciais, realizado no quarto ano do

curso de Pedagogia. Durante o estágio realizamos uma intervenção planejada

a partir da temática “Dia das crianças” e os dados coletados compuseram a

pesquisa de campo desse trabalho. O estágio foi realizado numa escola

municipal da cidade de Londrina em uma turma de 3º ano, com 28 alunos. A

intervenção deu-se durante duas semanas

A escola em questão localiza-se na zona norte de Londrina e foi

construída por meio de uma reivindicação da comunidade do conjunto

habitacional a qual pertence, junto à Prefeitura Municipal, sendo oficialmente

inaugurada no dia 18 de junho 1996. Atende alunos dos bairros próximos

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localizados a escola e no ano de 2013, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica) alcançado foi 6.0.

Foram realizadas algumas observações nos dias que antecederam a

semana do Dia as Crianças. Nesse período foi possível vivenciar como os

alunos se comportavam em sala de aula, o entrosamento entre eles, a postura

da professora frente as mais diversas situações ocorridas com os alunos, a

forma como a mesma organizava seu trabalho, os conteúdos que estavam

sendo ensinados, a rotina da escola, entre outros elementos que se fazem

presentes no ambiente escolar.

Por meio dessas observações, percebemos o aceleramento das

atividades, para que pudesse ser cumprido tudo o que era proposto em sala de

aula, pois naquela semana estavam sendo desenvolvidos alguns trabalhos que

seriam apresentados no Sábado Literário, e a professora relatava que na

semana seguinte, queria deixar os alunos mais tranquilos para se divertirem

durante as comemorações do Dia das Crianças.

A escola já estava organizada para tal festividade e a cada dia da

semana seria realizada uma determinada atividade lúdica ou recreativa para a

comemoração do Dia da Criança, para, além disso, nada mais seria feito,

principalmente dentro de sala de aula.

Foram programadas diversas atividades para a semana a serem

realizadas antes, após e até mesmo durante o intervalo. Num determinado dia,

foi realizado um Desfile de Fantasias, onde um tapete vermelho foi colocado no

pátio e os alunos de turma por turma, ao som de música e aplausos,

desfilavam caracterizados da forma como quisessem. Era visível a empolgação

das crianças durante desfile. Os alunos que por algum motivo particular não

foram caracterizados para a escola, ficavam de lado apenas assistindo. Num

outro dia, o lanche seria livre, cada aluno poderia trazer algo diferente de casa,

uma guloseima, para comer na escola durante o horário do intervalo. Aos

alunos que não trouxeram nada, foi servido o lanche da escola normalmente,

para que ninguém ficasse sem ter o que comer por conta dessa atividade.

Seguindo as comemorações, foi realizado também um Desfile do

Cabelo Maluco. Nesse dia a maioria das crianças foi para a escola com algum

penteado diferente no cabelo. Assim como no dia do Desfile de Fantasias, os

alunos que não participaram, também apenas assistiam. No dia seguinte, como

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forma de comemorar o Dia das Crianças, cada aluno pode levar um brinquedo

de casa para que em determinado momento da tarde, pudessem ser liberados

da aula para brincar livremente. Todos os alunos trouxeram brinquedo nesse

dia.

Finalizando as atividades que a escola propôs, foi realizado um

momento de recreação na quadra de esportes. Foram instaladas duas camas

elásticas e um escorregador inflável para que os alunos de todas as turmas

fossem brincar durante um período de mais ou menos uma hora. Em média

cada aluno podia ir duas vezes a cada brinquedo, devido à grande fila que se

formava, o que entristeceu a maioria deles, pois após o término da recreação

todos ainda queriam continuar brincando.

Durante as aulas, em sala, era visível a preocupação e a ansiedade

dos alunos, que a todo momento perguntavam quando seriam liberados para

brincar, o que prejudicou o desenvolvimento de qualquer outra atividade. Em

meio a todas essas programações extras, manteve-se a Hora do conto na

biblioteca, Educação Física na quadra de esportes, e aula de Moral e Ética11,

sem nenhuma relação com a temática “Dia da Criança”.

A partir dessas observações, inferimos que é muito mais complexo

elaborar um trabalho que envolva todos os professores em torno do estudo de

um tema, por isso, a opção de se trabalhar com o Dia da Criança como uma

temática extra, fora da sala de aula.

É evidente que os momentos de recreação são muito importantes para

criança. Não há nada mais saudável para uma criança do que a brincadeira, o

lúdico, e se tratando de Dia das Crianças, não poderia ser diferente. Porém,

sobre isso fica um questionamento: O que os alunos aprendem na escola sobre

o Dia das Crianças?

11

Quanto à aula de Moral e Ética, o modo como tal foi realizada, nos traz questões para serem pensadas no que diz respeito à escola pública ser uma instituição de Ensino Laica, onde não deveria haver a pratica de nenhuma denominação religiosa, para que não correr o risco de ferir a liberdade e os valores dos alunos e suas famílias. Nesse momento em específico, de mais ou menos vinte minutos, o pastor que conduzia a atividade, cantou um hino, que aparentemente todas as crianças sabiam, pois cantavam e dançavam juntas. Em seguida, leu na Bíblia, uma passagem que tratava da parábola do rico e do pobre. O encaminhamento da discussão feita pelo pastor transcendiam questões com julgamento de valor sobre riqueza e pobreza. Esse dado da realidade é pertinente para muitas outras discussões no campo da educação, que por ora, foge dos limites propostos para esse trabalho, designando essa reflexão para pesquisas futuras.

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Foi em meio a essa semana repleta de comemorações e atividades

extraclasse que nossa pesquisa de campo foi realizada. Optamos por elaborar

um projeto contendo cinco planos de aula para trabalhar com a data

comemorativa “Dia das Crianças”, de forma que a cada dia as atividades

apresentassem novas aprendizagens para os alunos.

Para definirmos o que seria trabalhado em cada dia da intervenção,

foram realizados estudos em busca dos saberes necessários para o

planejamento das atividades. Levantamos alguns pressupostos para serem

pesquisados e trabalhados acerca do tema, partindo de uma abordagem mais

ampla sobre o que são as datas comemorativas até chegarmos ao Dia das

Crianças em específico. Cada dia da semana foi organizado para ser

trabalhado da seguinte forma, conforme consta resumidamente na tabela a

seguir:

Figura 2 – Tabela de Metodologia

Proposta a ser trabalhada Metodologia

1º dia Sondagem sobre o que os alunos compreendem por data comemorativa.

Apresentação de imagens de acontecimentos relacionados a

alguma festividade (Papai Noel, máscaras de carnaval, índios,

bandeira do Brasil, soldado, etc.). Levantamento de questões

sobre cada uma delas. Explicação aos alunos sobre alguns

conceitos de datas comemorativas, como são comemoradas no

Brasil e a diferenciação entre datas cívicas, religiosas e culturais.

2º dia Discussão sobre Datas Comemorativas. Encaminhamento da discussão para a comemoração do Dia das crianças.

Retomada dos conceitos de data comemorativa, quais são ou não

trabalhadas na escola, e sua denominações (datas cívicas,

religiosas, populares ou culturais). Distribuição de um calendário

para cada grupo. Apontamento das questões norteadoras: Todos

conhecem o calendário? Por que e para que essas datas estão

marcadas no calendário? Qual a próxima data comemorativa que

consta no calendário? A partir dessa questão, para o próximo

encontro, solicitar uma pesquisa sobre o Dia das Crianças: No

Brasil, quando se comemora o Dia das Crianças? Por quê? O

que acontece nesse dia? Em outros países comemora-se o Dia

das Crianças? Quais, quando e como?

3º dia Discussão sobre Dia das Crianças. Discussão sobre Datas Comemorativas e comércio.

Retomada do que foi estudado no encontro anterior. Socialização

da pesquisa realizada pelos alunos, questionando o que

encontraram, onde pesquisaram etc. Explicação sobre a origem

do Dia das Crianças no Brasil, adentrando a questão comercial

existente por traz das datas comemorativas. Solicitar aos alunos

que sentem em grupos. Construção de um texto coletivo a

respeito dos dados encontrados nas pesquisas e da explicação

apresentada. Solicitar que os alunos representem em forma de

desenho como gostariam que fosse comemorado o Dia das

Crianças. Para o próximo encontro, realizar uma entrevista com

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um adulto sobre: Como era o Dia das crianças em sua época?

Como se comemorava? Existem diferenças na forma de como se

comemorava naquela época e hoje em dia?

4º dia Dias das crianças: Hoje e em outras

épocas.

Socialização das entrevistas dos alunos. Solicitação de um desenho representando como era comemorada na época do entrevistado e como é comemorado hoje.

5º dia Direitos das Crianças Transmissão de um vídeo sobre o ECA. Discussão sobre os direitos e deveres das crianças. Realização de um texto coletivo em grupo, apontando questões sobre: Como é ser criança no mundo em que vivemos? Quais os medos, os desafios enfrentados? Todas as crianças têm seus direitos assegurados pela lei? O que acontece quando esses direitos faltam? Apresentação dos textos para a turma.

Fonte: Dados da Pesquisa, 2013.

Dentre todos os recortes possíveis para se trabalhar a partir do tema,

Dia das Crianças, optamos, por trabalhar com a questão dos direitos das

crianças, na tentativa de fazer com que os alunos se questionassem sobre “O

que é ser criança hoje?”.

Percebemos desde a primeira sondagem realizada que os alunos

demonstraram interesse pelo tema e por aprender mais sobre os assuntos.

Participaram de forma ativa e, enquanto pesquisavam, debatiam, ou realizam

propostas que os desafiaram a construir conhecimento sobre a temática,

diminuía consideravelmente o interesse e a ansiedade com relação às

brincadeiras que se realizariam fora de sala de aula. O que constatamos é que

os alunos não se desinteressaram pelo que ocorreria no pátio, mas sim, se

interessaram também por uma aula que propiciava desafios quanto a aprender

mais sobre um assunto.

Todos os dias realizávamos alguma atividade, seja uma representação

em forma de desenho, texto escrito, ou pesquisas e entrevistas para serem

feita em casa e/ou com a família. Algumas dessas eram apresentadas para

turma, e os alunos se prontificavam para ir à frente da sala e comentar o que

havia feito, demonstrando interesse em socializar o que haviam descoberto

sobre.

Dentre todos os momentos significativos que ocorreram durante a

execução das atividades, optamos por nos ater em duas cenas12, as quais

serão relatadas abaixo, que em nossa opinião foram consideradas expressivas.

12

Os nomes dados aos personagens em todas as cenas são fictícios.

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Cena Um

A professora Lúcia anuncia aos alunos que as estagiárias13 iniciarão a

aula. Pede silêncio e esclarece que as regras de convivência estabelecidas

pela sala estariam valendo mesmo a turma estando sob a direção de outras

professoras. Numa roda, no fundo da sala, sentamos as crianças em um

tapete, já utilizado comumente pela turma e iniciamos dizendo que durante

aquela semana trataríamos de assunto muito legal que interessaria a todos. A

primeira atividade realizada tinha critério de sondagem para que pudéssemos

entender o que os alunos compreendiam sobre “Datas Comemorativas”.

Primeiramente, transmitimos com o auxílio de um aparelho de data show,

imagens de algumas comemorações aos alunos, a fim de que eles

adivinhassem de qual data específica se tratava e se sabiam quando as

mesmas eram comemoradas. À medida que íamos transmitindo as imagens, os

alunos diziam quais eram, porém não sabiam a data exata da comemoração.

Imagens referentes à Páscoa, Carnaval, Professor, Independência, Soldado,

Bandeira, Natal, Índio14, entre outras, serviram de ilustração de algumas datas.

À medida que íamos transmitindo todas as imagens, questionávamos os alunos

se eles reconheciam tal figura e do que se tratava. A grande maioria dos alunos

respondia que as imagens correspondiam a datas comemorativas. E partir

dessa afirmação, iniciamos os questionamentos sobre: Como chegaram a essa

conclusão? Porque é uma data comemorativa? O que se comemora nesse dia?

Quando questionamos o porquê de chamarmos esse acontecimento de “data

comemorativa”, o aluno Pedro respondeu que é porque nesse dia aconteceu

alguma coisa importante que é lembrada e comemorada até hoje. Todos os

alunos concordaram com o que Pedro disse. João ainda completou que não

comemoramos determinada data apenas comprando presentes, mas também

podemos comemorar brincando, visitando algum amigo ou parente e ficando

com a família ou até fazendo um piquenique no parque. Em seguida,

perguntamos quais datas eles se lembravam de ter comemorado na escola, em

casa ou em outros lugares. As respostas foram variadas, Dia das Mães, Dia

13

O estágio, nas duas escolas, foi realizado em dupla. 14

Os alunos não identificavam o mês da comemoração. Considerando que são alunos do terceiro ano, e que tais comemorações foram trabalhadas na escola nos anos anteriores, suscita questões sobre que aprendizagem é essa a respeito de tal datas.

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dos Pais, Dia do Índio, Dia do Professor, entre outros. Explicamos para os

alunos que há uma classificação existente para as datas comemorativas:

cívicas, que se refere aos acontecimentos relacionados ao patriotismo,

religiosas, que dizem respeito a algum preceito, dogma ou corrente religiosa, e

populares ou culturais, sendo aquelas que se referem a comemorações

populares, que resgatam a cultura de alguma coisa ou momento específico.

Percebemos que os alunos desenvolvem sua criticidade quando são

instigados e incentivados a pensar de tal maneira. Sem saber se estava correta

sua afirmação, os mesmos participavam da atividade, e demonstravam

interesse em saber um pouco mais sobre o tema, o que nos remete a

pensarmos que, o processo de ensino e aprendizagem dos alunos torna-se

mais prazeroso quando transmite significado para os mesmos e faz referência

ao contexto ao qual está inserido, desencadeando assim reflexões sobre o que

se aprende:

A partir desse processo de reflexão é possível entender os (pré) conceitos que reproduzimos e construir novos sentidos de orientação para nossas vidas. O aluno, ao refletir sobre porque têm determinado “saberes”, constrói noções de identidade, que o ligam a determinados grupos, e de alteridade, que o distingue de outros grupos. (PARANÁ, 2010, p. 129)

Nesse sentido, acreditamos que as datas comemorativas fazem parte

da realidade do aluno, pois também estão presentes fora da escola. Por se

tratar de um saber oriundo do cotidiano, podem ser aproveitadas como uma

temática potente para estabelecer relações entre o que acontece na sociedade

e o que se ensina na escola. Porém, faz-se sempre necessário, partir de

questões problematizadoras que levem os alunos a se questionarem, “o quê?”,

“como é?”, “por que tal data é comemorada?”, assim como, incitar uma atitude

crítica-reflexiva sobre o que o aluno pensa a respeito de tal data.

Cena Dois

No decorrer das atividades propostas, após trabalharmos com os alunos a

origem do Dia das Crianças, nos quais realizaram pesquisas em casa a fim de

conhecer mais sobre essa data comemorativa, optamos por focar a discussão

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na questão dos Direitos das Crianças. Sobre esse prisma, apresentamos um

vídeo sobre o ECA15 - Estatuto da Criança e do Adolescente - documento que

trata dos diretos e deveres assegurados por lei destinado as crianças e

adolescentes. Após a transmissão do vídeo, realizamos uma roda de conversa,

no qual foi possível discutir com os alunos sobre como é ser criança nos dias

de hoje. Os estudantes falaram sobre seus medos e os desafios que enfrentam

enquanto crianças. O aluno Carlos relata que sente medo da polícia que

aparece todos os dias, próximo a sua casa, pra resolver algum problema da

vizinhança. Bianca, conta que em sua casa, após a escola, ajuda sua mãe a

cuidar dos irmãos pequenos, enquanto a mãe trabalha fora para complementar

a renda, e comenta que também faz serviços domésticos. Sentados em grupos,

os alunos realizam uma atividade por meio de um texto coletivo sobre o que

discutiram e expressaram seus sentimentos acerca do que entendem por “Ser

criança nos dias de hoje”. Após o término da atividade, foi solicitado que cada

grupo apresentasse seu trabalho da forma como preferissem. Dois grupos de

alunos chamaram-nos a atenção pela forma como apresentaram seu texto. Em

um deles, por meio de um jogral, cada aluno, a sua vez, lia uma parte do texto.

O aluno Joaquim apresentava muita dificuldade na leitura. O grupo então

resolveu o “problema” propondo que Joaquim falasse sem ler. Joaquim então

ficou a frente do grupo e exclamou: “Esse é o grupo Pato16 e nós vamos

apresentar os direitos das crianças”. Após essa fala, cada membro do grupo lia

sua parte do texto. Num outro grupo, os alunos construíram uma narrativa,

contando a estória de dois irmãos que tem que cumprir inúmeras tarefas em

casa e vão à escola, afirmando que não é fácil ser criança.

Quando estimulamos os alunos a pensarem sobre como é ser criança

hoje, possibilitamos que os mesmo reflitam acerca dessa questão, a partir da

realidade em que se encontram, ou seja, o presente, e também, em outras

temporalidades. Sendo assim “ao levar seus alunos a estabelecerem esse

diálogo, o professor contribui para que ‘pensem historicamente’ sobre essas

15

Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 16

Cada grupo tinha um nome específico, Pato, Leão, Pinguim, Menininha, Girassol. Todos correspondentes a poemas de Vinícius de Moraes, e se referiam ao Sábado Literário que aconteceu na semana anterior.

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questões e analisem as questões do presente considerando sua historicidade”.

(PARANÁ, 2010, p. 127)

O trabalho possibilitou também que os alunos trouxessem para a

discussão os seus medos quanto ao viver em sociedade, e também quanto aos

desafios que enfrentam no seu cotidiano. O lado não tão festivo de ser criança

aparece na fala da menina que precisa ajudar a mãe a cuidar dos irmãos

pequenos. Tal trabalho propiciou também que esses sujeitos, refletissem sobre

sua condição social, condição primeira para compreender a sociedade em que

vivemos. É notória a constatação de que, as crianças possuem interpretações

quanto às dificuldades por elas vivenciadas, que limitam de certa forma,

usufruir os prazeres da infância.

Nesse sentido, constatamos que, tais atividades proporcionaram que

os alunos pensassem sobre quais os seus direitos e deveres na sociedade,

sobre o modo como se relacionam em casa e na escola e para, além disso,

compreenderem que são sujeitos históricos, presentes e atuantes na

sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa pesquisa nosso objetivo foi investigar como é realizado o

trabalho com as datas comemorativas na escola. Partimos da hipótese de que

o mesmo, da forma como é realizado, não proporciona aos alunos uma

aprendizagem significativa quanto à construção de novos conhecimentos.

A partir da hipótese traçada, algumas questões foram surgindo a esse

respeito: O que o aluno aprende quando trabalhamos com ele uma data

comemorativa na escola? Haveria outras formas de trabalhar com o mesmo

assunto de forma diferente? Porque trabalhar a data comemorativa na escola?

Tais inquietações foram o ponto de partida para a consolidação dessa

pesquisa. Nossa primeira ação, procurando responder a essas questões, foi

um levantamento de dados no site da CAPES, no qual buscamos dissertações

referentes ao ano de 2007 a 2011, utilizando como palavra-chave “datas

comemorativas”. Dentre os trabalhos encontrados, optamos pela análise

daqueles que faziam referência direta ao tema proposto para esse estudo.

Tais dissertações apresentam discussões pertinentes sobre a relação

da Data Comemorativa e o ensino de História, a organização do currículo

escolar imerso numa escola que prioriza as datas comemorativas, e a crítica

sobre o trabalho com as datas de caráter religioso presentes numa escola

pública e laica.

Em seguida, adentramos a discussão sobre o currículo, pois

consideramos importante a compreensão do mesmo para a interpretação de

como as datas comemorativas tornam-se parte da cultura escolar, sendo

repetidas ano após ano, sem maiores questionamentos, por força de uma

tradição existente, da qual muitas vezes, desconhecemos a origem, mas que

perpetua tais práticas.

A fim de confirmarmos a existência ou ausência de orientações

metodológicas para o trabalho com as datas comemorativas nas escolas, fez-

se necessária uma pesquisa documental e a análise de dois documentos

oficiais que auxiliam e norteiam as propostas pedagógicas das escolas. A partir

dessas investigações, confirmamos que não há uma indicação direta no que se

refere ao trato com as datas comemorativas, nem como conteúdo a ser

ensinado, nem quanto a realização de outras comemorações ou festividades,

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e, quando apresentadas, aparecem de forma superficial e relacionadas a

outros conceitos, como tempo, calendário, etc.

Apesar de não constarem orientações específicas sobre o tema,

concluímos que há subsídios para que os professores possam realizar um

trabalho significativo para o aluno, de modo a envolver questões mais

complexas que possibilitem ao mesmo, refletir sobre o que, e o porquê de

comemorar determinada data.

Sendo esse tema de investigação oriundo de discussões no âmbito do

PIBID/Pedagogia/UEL, realizamos uma sistematização de todas as

constatações que tivemos por meio das experiências realizadas durante a

participação no programa. Foi possível perceber a importância que as escolas

atribuem ao trabalho com as datas comemorativas, não abrindo mão delas.

Outro fato que nos chamou a atenção foi a fala das supervisoras, ao relatarem

que quando uma data comemorativa se aproxima, aligeiram-se os

encaminhamentos de todas as atividades no geral, para que possam dar conta

de cumprir tudo o que está programado.

Em decorrência dessas constatações, por meio de um plano de

intervenção vinculado ao Estágio dos Anos Iniciais, desenvolvemos a pesquisa

de campo desse estudo, propondo a realização de um trabalho, cujo tema foi o

Dia das Crianças.

Na semana do mês de Outubro de 2013, que antecedia tal

comemoração, paralelamente ao planejamento da escola, que se privilegiou a

realização de momentos de recreação e atividades extraclasses, nos

propusemos a realizar um trabalho que fizesse o aluno refletir sobre como

surgiu o Dia das Crianças e como ele é comemorado, adentrando a questão

dos direitos das crianças.

No decorrer dessa pesquisa, por meio das vivências, dos estudos e

das leituras realizadas, percebemos que as datas comemorativas são

momentos expressivos dentro da escola. Conforme as contribuições de Charlot

(2000) é possível afirmar que há uma grande mobilização no desenvolvimento

das mesmas, porém essa mobilização está mais relacionada à ideia de

movimento, no sentindo do que aceleram-se o ritmo e a forma como todas as

ações são realizadas.

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Como dado da realidade, comprovamos um hábito cristalizado nas

escolas, em torno de datas específicas, tais como: Dia dos Pais, Dia das Mães,

Páscoa, Dia do Índio, etc. No entanto, a forma como concebemos a escola,

sendo um lugar de construção de saberes e potencializadora da aprendizagem,

concluímos que a forma as mesmas vem sendo trabalhada, apenas a data pela

data, não propiciam avanços quando a aprendizagem mais aprofundada sobre

os temas.

Quando optamos por introduzir as datas comemorativas como conteúdo

a ser ensinado nas escolas, é importante atentar para os seguintes fatores: O

que meu aluno irá aprender? O que eu quero que ele aprenda? Qual o

significado essa comemoração para ele? Como e por que nossa sociedade

escolheu preservar tal data comemorativa no calendário? Caso contrário,

estaremos repetindo práticas pedagógicas ineficazes e criando situações, por

vezes até confusas, que em nada, ou em muito pouco, colaboram com o

processo de aprendizagem.

Esperamos que essa pesquisa possa fomentar novas discussões sobre

o tema, pois constatamos a ausência de estudos que tratem dessa temática

específica. Para além da divulgação de novos conhecimentos sobre o assunto

no meio acadêmico, é necessário que os mesmos cheguem às escolas, de

onde tal problemática é retirada, para que haja mudança nas práticas dos

professores e toda equipe pedagógica.

Por fim, consideramos que essa pesquisa contribuiu para que nós,

futuros profissionais, ao estarmos frente à sala de aula e imersos no ambiente

escolar, propensos a repetir as mesmas ações, repensemos sobre a nossa

prática educativa, mudando nossa postura diante da forma como lidamos com

o conhecimento a ser ensinado, nos dispondo a realização de novos projetos

que tragam mudanças ao processo de ensino e aprendizagem e aos seus

respectivos sujeitos.

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