213
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS ANA PAULA DA SILVEIRA RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA: ANÁLISE DA VALIDADE DA NORMA SOB O PRISMA DO DIREITO EMPRESARIAL Nova Lima 2012

RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

0

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

ANA PAULA DA SILVEIRA

RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA:

ANÁLISE DA VALIDADE DA NORMA SOB O PRISMA DO

DIREITO EMPRESARIAL

Nova Lima 2012

Page 2: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

1

ANA PAULA DA SILVEIRA

RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA:

ANÁLISE DA VALIDADE DA NORMA SOB O PRISMA DO

DIREITO EMPRESARIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de

Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Linha de pesquisa: As sociedades empresárias e suas atividades: o novo paradigma do Direito Falimentar – a recuperação e a preservação das empresas. Orientador: Vinícius José Marques Gontijo

Nova Lima 2012

Page 3: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

2

SILVEIRA, Ana Paula da S587 r Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista: análise da validade da norma sob o prisma do direito empresarial. / Ana Paula da Silveira. – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2012.

213 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.

Referências: f.199 - 211

1. Restituição. 2. Crédito trabalhista. 3. Direito de propriedade. I. Gontijo, Vinicius José Marques. II. Faculdade de Direito Milton Campos. III. Título

CDU 336.2 (043) 347.72

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

Page 4: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

3

Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista: análise da validade da norma sob o prisma do direito

empresarial”, de autoria da mestranda ANA PAULA DA SILVEIRA, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Orientador

Prof. Dr. Osmar Brina Corrêa-Lima

Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Junior

Nova Lima, __ de _______ de 2012.

Alameda da Serra, nº 61 – Bairro vila da Serra – Nova Lima/MG – CEP: 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel.: (31) 3289-1900

Page 5: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

4

AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que contribuíram para o desenvolvimento deste

trabalho, aqui expresso a minha gratidão, em especial:

À minha família, principalmente aos meus pais e minha irmã, pelo amor

incondicional, pelo apoio e pela paciência.

Ao Professor Vinícius José Marques Gontijo, meu orientador, pelos

ensinamentos, pelo comprometimento e pela dedicação.

À Professora Flávia Lasmar, pelo apoio e pela ajuda.

Aos colegas e professores do Mestrado, pela troca de conhecimentos.

Aos funcionários da Faculdade, pela presteza e disponibilidade.

Enfim, a todos que, de alguma forma, contribuíram para o

desenvolvimento desta Dissertação.

Page 6: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

5

RESUMO

O pedido de restituição consiste numa ação judicial que visa a

desconstituir o ato de arrecadação de determinado bem em processo de

falência. Por isso, em regra, ela deverá ser proposta pelo proprietário deste

bem. As suas hipóteses de cabimento estão previstas nos art. 85 e 86 da Lei

nº. 11.101/2005, dentre as quais, ganha ênfase aquela decorrente do direito de

propriedade. Normalmente, as restituições são implementadas pela entrega do

próprio bem que houver sido objeto de arrecadação. Porém, quando este não

mais existir, ela será realizada pelo seu equivalente em dinheiro segundo o

valor da avaliação do bem, quando este houver perecido em poder da massa

falida, ou pela entrega do produto apurado com a alienação do mesmo pela

massa. Ocorre, no entanto, que o art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005 estabelece que as restituições em dinheiro somente serão

implementadas depois do pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos

três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários

mínimos por trabalhador. Alguns autores entendem se tratar de norma

inconstitucional por violar o direito fundamental de propriedade previsto no art.

5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Outros,

porém, defendem-na sob o argumento de que ela prestigia a dignidade do

trabalhador. Como se verá adiante, trata-se de um tema polêmico que ainda

não tem uma solução definitiva no âmbito da doutrina e da jurisprudência.

Contudo, conforme será demonstrado no desenvolvimento desta Dissertação,

nosso entendimento está de acordo com a primeira corrente doutrinária

mencionada.

Palavras-chave: Restituição. Crédito trabalhista. Direito de propriedade.

Page 7: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

6

ABSTRACT

The restitution request is a lawsuit that seeks to deconstitute the act of

collecting certain thing in bankruptcy. Therefore, as a rule, it must be filed by the

owner of that thing. Your chances of appropriateness are foreseen in article 85

and 86 of Law no. 11.101/2005, among which earns emphasis that resulting

property rights. Normally, refunds are implemented by delivery of the goods

themselves been subject to any collection. The restitution request is a lawsuit

that seeks to deconstitute the act of collecting certain thing in bankruptcy.

Therefore, as a rule, it must be filed by the owner of that thing. Your chances of

appropriateness are foreseen in art. 85 and 86 of Law no. 11.101/2005, among

which earns emphasis that resulting property rights. Normally, refunds are

implemented by delivery of the goods themselves been subject to any

collection. However, when it no longer exists, it is held by its equivalent in

money according to the assessed value of the thing, when it perished there in

the possession of the estate, or the delivery of the product discharged from the

sale of the mass. It happens, however, that art. 86, sole paragraph, of Law no.

11.101/2005 states that cash refunds will only be implemented after the

payment of workers' claims accrued in the three months preceding the

declaration of bankruptcy, up to five minimum wages per worker. Some authors

believe it is standard unconstitutional by violating the fundamental right to

property under article 5, XXII, the Constitution of the Federative Republic of

Brazil in 1988. Others, however, defend it on the grounds that it honors the

dignity of the worker. This is a controversial topic that does not have a

permanent solution in the framework of doctrine and jurisprudence. However,

as will be demonstrated in the development of this thesis, our understanding is

consistent with the first current doctrinal mentioned.

Key words: Restitution. Labor credit. Property rights.

Page 8: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

7

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

AI – Agravo de Instrumento

Ap. – Apelação

Art. – Artigo

BACEN – Banco Central do Brasil

C/c – combinado com

CAE – Comissão de Assuntos Econômicos

CC/2002 – Código Civil de 2002

CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania

CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNI – Confederação Nacional da Indústria

CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

LREF – Lei de Recuperação de Empresas e Falência

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PL – Projeto de Lei

QGC – Quadro Geral de Credores

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

SRF – Secretaria da Receita Federal

SRP – Secretaria da Receita Previdenciária

SRFB – Secretaria da Receita Federal do Brasil

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais

TST – Tribunal Superior do Trabalho

Page 9: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9

2 PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRABALHISTA NA FALÊNCIA ................. 16

2.1 Espécies de preferências legais: garantia e privilégio ...................... 16

2.2 Efeitos da falência sobre o contrato de trabalho................................ 19

2.3 Verbas que compõem o crédito trabalhista ........................................ 30

2.4 Classificações do crédito trabalhista .................................................. 35

3 AÇÃO RESTITUITÓRIA ......................................................................... 59

3.1 Conceito e finalidade ............................................................................ 59

3.2 Origem .................................................................................................... 64

3.3 Legitimidade para a ação restituitória ................................................. 73

3.4 Pressuposto e requisitos do pedido de restituição ........................... 75

3.5 Cabimento da ação restituitória ........................................................... 77

3.6 O pedido de restituição em virtude da titularidade de direito real .... 83

3.7 O pedido de restituição em virtude de contrato ................................. 87

3.7.1 Contrato de compra e venda a crédito .................................................... 87

3.7.2 Do contrato de mandato mercantil e comissão mercantil ........................ 90

3.7.3 Da administração de coisa alheia ............................................................ 94

3.7.4 Do contrato de depósito .......................................................................... 94

3.7.5 Do contrato estimatório ........................................................................... 99

3.7.6 Do contrato sobre adiantamento de câmbio .......................................... 101

3.7.7 Do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva

de domínio ...................................................................................................... 104

3.7.8 Do patrimônio de afetação (Lei nº. 10.931/2004) .................................. 107

3.7.9 Do contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974) ................ 110

3.8 O pedido de restituição de contribuições previdenciárias

descontadas e não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991)...................... 112

3.9 O pedido de restituição com fundamento no art. 86, III, da Lei nº.

11.101/2005 ................................................................................................... 117

3.10 Distinção entre a ação restituitória e os embargos de terceiro ...... 118

4 A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA .................................................. 125

4.1 Considerações iniciais ........................................................................ 125

4. 2 Direito Positivo e Direito Natural........................................................ 127

Page 10: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

9

4.3 Positivismo jurídico ............................................................................. 131

4.4 A validade da norma para Hans Kelsen ............................................. 145

4.5 Pós-positivismo .................................................................................... 152

5 DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE E SUA

POSSÍVEL RELATIVIZAÇÃO ....................................................................... 155

5.1 Considerações iniciais ......................................................................... 155

5.2 Colisão entre princípios constitucionais/ direitos fundamentais .... 157

5.3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental de

propriedade ................................................................................................... 165

6 RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E O DIREITO DE PROPRIEDADE....... 174

7 CONCLUSÃO ........................................................................................ 190

REFERÊNCIAS ......................................................................................199

Page 11: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

9

1 INTRODUÇÃO

A falência é um processo judicial de execução coletiva, na qual os

credores do devedor habilitam os respectivos créditos, sendo o patrimônio do

falido arrecadado e liquidado para pagamento dos credores pelos valores

constantes da decisão definitiva de habilitação dos créditos e segundo a ordem

de preferência prescrita em lei.

Para que esse procedimento logre êxito, é necessário que os credores

sejam tratados com igualdade na partilha do produto apurado com a venda dos

bens que compõem o patrimônio do devedor, ressalvados os privilégios

conferidos pela lei a determinados credores. Por isso, decretada a falência

deverá o administrador judicial arrecadar os bens e direitos que se encontrarem

em poder do falido, a fim de proceder à futura alienação para pagamento dos

credores, na ordem legal de privilégio.

Prescreve o caput do art. 108 da Lei nº. 11.101/2005 que, após a

decretação da falência e a assinatura do termo de compromisso pelo

administrador judicial, este procederá à arrecadação dos bens e documentos

em posse do falido, além da avaliação desses bens, separadamente ou em

bloco, no lugar onde se encontrarem.

É possível que, no momento em que o administrador judicial ingressa no

estabelecimento empresarial do devedor, sejam encontrados bens que, embora

estejam em sua posse, não sejam de sua propriedade. Nesse caso, o

administrador judicial não pode transigir quanto ao seu dever de arrecadá-los,

mesmo que haja terceiros que se apresentem como legítimos proprietários ou

possuidores, cabendo-lhe, apenas, anotar a reivindicação apresentada pelo

interessado, pois este é quem deverá propor a medida judicial cabível para

reaver a posse sobre o bem. Assim sendo, caberá ao proprietário do bem

indevidamente arrecadado manejar o pedido de restituição por meio de ação

própria a fim de ver reintegrada a sua posse, em conformidade com os art. 85 a

93 da Lei nº. 11.101/2005.

Dessa forma, percebe-se que a ação de restituição tem natureza

possessória (semelhante àquelas previstas nos art. 920 a 933 do Código de

Processo Civil – CPC) e visa a reintegrar o verdadeiro titular na posse sobre o

bem indevidamente arrecadado, pelo administrador judicial, em poder do falido.

Page 12: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

10

Essa ação pode se fundar no direito de propriedade, nos termos do art. 85 da

Lei nº. 11.101/2005, ou em expressa disposição legal, conforme art. 86, II e III,

da Lei nº. 11.101/2005, e a sua propositura suspende a disponibilidade do bem

até o trânsito em julgado da ação (art. 91, caput, da Lei nº. 11.101/2005).

O pedido de restituição se fundará no direito de propriedade, nos termos

do art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005, quando o legítimo proprietário do bem

arrecadado em poder do falido reclamar a sua posse ou nos casos de bens

vendidos a crédito e entregues nos quinze dias anteriores à decretação da

falência (art. 85, parágrafo único da Lei nº. 11.101/2005). Esta última situação

refere-se à restituição extraordinária, fundada na boa-fé do vendedor, conforme

será examinado.

O art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, por sua vez, trata das hipóteses em

que a restituição se fará em dinheiro, estabelecendo, nos incisos II e III, os

casos fundados em expressa disposição de lei. Além disso, existem hipóteses

de restituição previstas em legislação especial, sendo algumas delas

corroboradas pela Lei nº. 11.101/2005, como é o caso do contrato sobre

adiantamento de câmbio (art. 75 da Lei nº. 4.728/1965 c/c art. 86, II, da Lei nº.

11.101/2005), do patrimônio de afetação (31-A a 31-F da Lei nº. 4.591/1964,

introduzido pela Lei nº. 10.931/2004, c/c art. art. 119, IX, da Lei nº.

11.101/2005), da restituição decorrente de contratos empresariais, do contrato

de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974 e pela Resolução nº. 2.309, de

28 de agosto de 19961, do Banco Central do Brasil – BACEN), da restituição de

contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados e não

recolhidas à Previdência Social (art. 51, parágrafo único, da Lei nº.

8.212/1991).

O inciso I do art. 86 da mesma lei, embora também trate da restituição

em dinheiro, encontra o seu fundamento no direito de propriedade, tal como o

art. 85, pois se refere às hipóteses em que a coisa de propriedade de terceiro e

indevidamente arrecada não mais exista ao tempo do pedido. Nesse caso, o

mesmo dispositivo legal determina que a restituição far-se-á em dinheiro, pelo

1 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível

em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012.

Page 13: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

11

valor de avaliação do bem ou pelo preço de venda, caso haja perecido ou

tenha sido alienado pela massa falida.

Ocorre, porém, que o próprio art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 determina,

no seu parágrafo único, que a restituição em dinheiro apenas ocorrerá após o

cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, ou seja, somente

após o pagamento dos ―créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial

vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de

5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador...‖2. Isso viola o direito fundamental

de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), pois o dinheiro é a expressão

financeira do direito de propriedade sobre as coisas passíveis de valorização

econômica.

Dessa forma, o tema da dissertação consiste na invalidade

constitucional do privilégio prescrito no parágrafo único do art. 86 da Lei nº.

11.101/2005 sob o prisma do direito fundamental de propriedade, previsto no

art. 5º, XXII, CRFB/1988.

O objetivo de se desenvolver a Dissertação segundo o tema proposto é

perquirir se o parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 seria

inconstitucional por violar o direito/garantia fundamental de propriedade, uma

vez que determina que o proprietário do bem indevidamente arrecadado pelo

administrador judicial somente será satisfeito após o pagamento dos credores

trabalhistas nos termos previstos no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

Fazendo-se uma interpretação literal de referido dispositivo, percebe-se

que o legislador visou dar preferência aos credores trabalhistas (quanto ao

pagamento das verbas de natureza salarial, vencidas nos três meses

anteriores à decretação da falência e até o limite de cinco salários mínimos por

trabalhador), nos termos do art. 151, sobre a satisfação do direito do terceiro à

restituição do valor que lhe é devido em razão do perecimento ou da alienação

do bem de sua propriedade em poder da massa falida.

No entanto, deve ser ressaltado que o terceiro que tem direito à

restituição com fundamento no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 não é

2 BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a

extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.

Page 14: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

12

credor, mas proprietário, e, por isso não se submete à ordem de pagamento da

execução concursal, diferentemente dos trabalhadores de uma sociedade

falida, que são credores privilegiados (uma vez que estão localizados na

primeira classe dos créditos extraconcursais e concursais).

Por isso, torna-se questionável a constitucionalidade da norma contida

no parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, pois, ao determinar o

pagamento de determinada quantia aos credores trabalhistas antes do

cumprimento das restituições em dinheiro, referido dispositivo legal pretere o

direito do proprietário do bem indevidamente arrecadado pela massa falida,

podendo este não receber a quantia que lhe caiba caso a massa não comporte.

Cumpre ressaltar que foram propostas duas Ações Diretas de

Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a

constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei nº. 11.101/2005. A primeira,

ADI nº 3.934-23, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, impugnando os

art. 60, parágrafo único; art. 83, I e VI, ‗c‘; e art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005

em face dos art. 1º, III e IV; art. 6º; art. 7º, I; e art. 170 da CRFB/1988, julgada

totalmente improcedente e publicada no DJU de 06.11.2009. E a segunda, ADI

nº. 3.4244, também de relatoria do Ministro Riccardo Lewandowski, arguindo a

inconstitucionalidade dos art. 83, I e VI, ‗c‘, e §4º, art. 84, V, e art. 86, II, da Lei

nº. 11.101/2005 por suposta violação ao art. 5º, XXII, da CRFB/1988, que ainda

se encontra em tramitação. Porém, de acordo com pesquisa realizada no sítio

eletrônico oficial do STF, atualmente não tramita qualquer ação do controle

concentrado de constitucionalidade questionando especificamente a validade

do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005.

Para o desenvolvimento do tema acima proposto serão elaborados sete

capítulos, incluindo a introdução e a conclusão, sendo que cada capítulo

abordará um dos institutos contidos no título desta Dissertação.

3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator:

Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2544041>. Acessado em 13 jun. 2012. 4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3424. Relator:

Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília. Processo em tramitação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2277278>. Acessado em 31 jul. 2012.

Page 15: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

13

Na introdução (primeiro capítulo), será apresentado o tema objeto da

Dissertação, contextualizando-o dentro do Direito Falimentar brasileiro por se

tratar de um instituto desse ramo do Direito de Empresa, além do objetivo

dessa escolha, da justificativa e da metodologia que será utilizada para o

desenvolvimento da pesquisa.

O segundo capítulo conterá a análise do privilégio do crédito trabalhista

na falência, tratando, inicialmente, da distinção entre as espécies de

preferência existentes no Direito brasileiro, depois, das verbas que compõem o

crédito trabalhista e, por último, da posição ocupada pelo crédito trabalhista na

ordem de classificação legal para pagamento dos credores.

O terceiro capítulo tratará do principal instituto desta Dissertação, o

pedido de restituição (ou ação restituitória), abordando o seu conceito,

finalidade, natureza jurídica, origem, legitimidade, pressupostos, requisitos,

cabimento, as hipóteses nas quais se admite a propositura da ação restituitória,

bem como a distinção entre o pedido de restituição e os embargos de terceiro.

O quarto capítulo conterá uma análise sobre tema de Filosofia do Direito.

Tratará da validade da norma jurídica, abordando a distinção entre Direito

Natural e Direito Positivo, o Positivismo Jurídico, a teoria da validade da norma

jurídica concebida por um dos maiores juspositivistas da história do Direito,

bem como a superação desta corrente jusfilosófica (o Pós Positivismo

Jurídico), sem, contudo, abandonar algumas construções importantes por ela

feitas, entre as quais se inclui a teoria da validade normativa de Hans Kelsen.

O quinto capítulo, por sua vez, analisará o direito/garantia fundamental

de propriedade e sua possível relativização, analisando a técnica da

ponderação de interesses de Robert Alexy como medida para solução do

problema da colisão entre princípios constitucionais ou direitos fundamentais e

fazendo um contraponto entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o

direito/garantia fundamental de propriedade.

O sexto capítulo tratará da restituição em dinheiro e do direito/garantia

fundamental de propriedade, contrapondo a posição de autores

contemporâneos, tanto aqueles da doutrina do Direito do Trabalho, como da

doutrina do Direito de Empresa, que se manifestam (favorável ou

contrariamente) às normas jurídicas objeto de estudo (art. 85, caput; art. 86, I, e

parágrafo único; e art. 151 da Lei nº. 11.101/2005).

Page 16: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

14

Por fim, será apresentada a conclusão desta Dissertação (sétimo

capítulo) contendo as impressões pessoais apreendidas sobre a validade

normativa da regra constante do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005 que prescreve que a restituição em dinheiro, ao proprietário do

bem indevidamente arrecadado na falência do devedor e alienado pela massa

falida ou que tenha perecido em poder desta, será realizada somente após o

pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à

decretação da falência, limitados a cinco salários mínimos por trabalhador (art.

151).

Essa norma pode causar sérios prejuízos aos terceiros proprietários de

bens indevidamente arrecadados na falência, titulares do direito à restituição

dos mesmos, especialmente se a massa falida não tiver recursos suficientes

para suportar o pagamento previsto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 antes de

proceder à implementação das restituições devidas.

A metodologia a ser utilizada para o desenvolvimento desta Dissertação

será a dogmática kelseniana, pois será analisado se o dispositivo legal em

exame (art. 86, parágrafo único, da Lei 11.101/2005) encontra-se em

consonância com a norma superior do ordenamento jurídico brasileiro que lhe

confere validade.

Dessa forma, será realizada uma pesquisa teórica, envolvendo as

normas que tratam dos institutos centrais objeto deste trabalho, além de

institutos periféricos que precisam ser abordados antes de se chegar ao ponto

central proposto; a pesquisa bibliográfica, envolvendo a doutrina e artigos

eletrônicos em sites da internet; e uma pesquisa prática, que analisará como os

Tribunais brasileiros vêm decidindo essa matéria.

Ao contrário do método indutivo (que parte da análise de casos

específicos e individualizados, para, só então, se chegar a uma análise geral e

abstrata, baseada na lei), neste trabalho será observado o método dedutivo,

pois a pesquisa partirá de uma análise geral e abstrata do assunto proposto,

baseada na norma jurídica (a Lei nº. 11.101/2005 e a CRFB/1988), para,

depois, se chegar à análise de casos concretos, segundo o entendimento dos

Tribunais brasileiros sobre a questão.

O método dedutivo é o mais adequado ao presente caso, pois será feita

uma relação de compatibilidade entre a norma infraconstitucional e a norma

Page 17: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

15

constitucional, com a posterior análise de como a matéria vem sendo decidida

pelo Poder Judiciário.

As principais obras utilizadas para desenvolver esta Dissertação são os

livros de Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, 4ª

edição, Atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos, Rio de

Janeiro: Forense, 1999, volumes 1, 2 e 3; Frederico Augusto Monte Simionato,

Tratado de Direito Falimentar, 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008 e a obra

coletiva organizada pelo Professor Doutor Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio

Mourão Corrêa Lima intitulada Comentário à Nova Lei de Falência e

Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, 1ª ed.

Rio de Janeiro: Forense. 2009. Isso porque, aquela obra é um clássico que,

apesar de escrita sob a vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945, trabalha os

institutos mantidos pela legislação nova de forma clara, exaustiva e com

aplicação essencialmente atualizada. Já estas últimas contêm uma importante

e profunda análise do Direito Falimentar elaborado segundo as alterações

promovidas pela Lei nº. 11.101/2005, incluindo as principais críticas e

impressões do autor sobre os diversos institutos abordados neste trabalho.

Além disso, serão utilizadas diversas obras de outros ramos do Direito e

de Filosofia do Direito para desenvolver os assuntos relacionados ao tema

principal.

A elaboração desta Dissertação observará as normas da Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Padrão de Normatização da

Faculdade Milton Campos, no que tange à sua formatação.

Page 18: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

16

2 PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRABALHISTA NA FALÊNCIA

2.1 Espécies de preferências legais: garantia e privilégio

A regra geral de que o patrimônio do devedor garante as suas dívidas

perante os seus credores em igualdade de condições sofre exceções por

expressa disposição legal, especialmente em matéria de Direito Falimentar.

São as chamadas preferências legais.

Nas palavras de Miranda Valverde,

Vigoram na falência as preferências estabelecidas pelo direito comum, civil ou comercial, ou ainda constantes de leis especiais, pois que é na falência do devedor que tais preferências encontram o seu mais amplo campo de aplicação. A Lei de Falências pode, por outra, criar privilégios e fixar certas condições para a sua validade no concurso, competindo-lhe também distribuir convenientemente os créditos pelas categorias determinadas, segundo a natureza ou qualidade dêles.

5

Primeiramente, cumpre ressaltar que, ontologicamente (ou seja, na

essência), não há distinção entre o crédito trabalhista, o crédito tributário, os

créditos com privilégio (geral ou especial) e o crédito quirografário, pois, em

todos os casos, o credor tem o patrimônio do devedor como garantia de

adimplência da obrigação. A distinção entre esses credores está na ordem

estabelecida pela lei para o pagamento dos respectivos créditos.

Gontijo6 observa que a preferência dos créditos é o gênero que

comporta duas espécies: a garantia e o privilégio. Para esse autor, enquanto o

privilégio somente pode ser conferido pela lei, a garantia pode decorrer da lei

ou do contrato.

Nesse sentido, Requião afirma que

Os institutos são perfeitamente delineados no Código Civil. O art. 1.557, com efeito, distingue entre os privilégios e os direitos reais de garantia, espécies que são do gênero preferência: ―Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais‖.

5 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Forense. 1962. Vol. II. p. 167-168. 6 GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução

de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128.

Page 19: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

17

[...] É fácil, pois, compreender que os créditos preferenciais são de duas ordens: os resultantes de direitos reais de garantia e os créditos privilegiados. Aqueles decorrem de contratos e estes são estabelecidos pela lei.

7

A garantia é instituto de direito material que visa a assegurar o

cumprimento de uma obrigação, podendo ser real (quando tiver por título um

direito real) ou fidejussória (quando tiver por título um direito pessoal).

Na garantia pessoal ou fidejussória, há a celebração de um negócio

jurídico acessório ao principal com um terceiro estranho à relação jurídica

originária (aquele que presta a garantia), mediante a imputação pessoal da

responsabilidade pelo pagamento do débito a fim de assegurar o adimplemento

da obrigação caso o devedor principal não pague a dívida. São exemplos de

garantia fidejussória previstas no ordenamento jurídico brasileiro a fiança

(disciplinada no Código Civil de 2002 – CC/2002, nos art. 818 a 839) e o aval

(modalidade de garantia cambial prevista no CC/2002, entre outros, nos art.

897 a 900, e em leis especiais que regulam os títulos de crédito).

Essa classificação não possui maior relevância para o estudo da ordem

de pagamento dos créditos na falência, uma vez que a Lei nº. 11.101/2005

atribui ao detentor de garantia pessoal a classificação de credor quirografário.

A garantia real, por sua vez, é modalidade de direito real que visa a

garantir o adimplemento de uma obrigação por meio da afetação de um

determinado bem, integrante ou não do patrimônio do devedor (uma vez que

um terceiro também poderá ser onerado com esse gravame, caso concorde),

ao pagamento de uma dívida. Está prevista no CC/2002, nos art. 1.419 a

1.510, e comporta três espécies: o penhor, a hipoteca e a anticrese.

Penhor é o direito real sobre coisa alheia que consiste (em regra) na

entrega de um bem móvel ou imobilizado ao credor, que terá a sua posse

(assumindo a função de depositário do mesmo) até que a obrigação seja

cumprida. Ele está tratado nos art. 1.431 a 1.472 do CC/2002, entre os quais

estão previstas espécies de penhor que não implicam a transmissão da posse

sobre o bem ao credor, uma vez que os objetos dados em garantia são

destinados ao uso pelo devedor; são eles: o penhor rural (art. 1.438 a 1.446), o

7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 17ª ed., atualizada por Rubens Edmundo

Requião. São Paulo: Saraiva. 1998. Vol.1. p. 217.

Page 20: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

18

penhor industrial e mercantil (art. 1.447 a 1.450) e o penhor de veículos (art.

1.461 a 1.466).

A hipoteca está prevista nos art. 1.473 a 1.505 do CC/2002 e consiste no

direito real sobre coisa alheia que recai sobre bem imóvel (assim considerados,

aqueles previstos nos art. 79 a 81 do CC/2002), navio e aeronave, visando

garantir a adimplência da obrigação sem que haja, contudo, transmissão da

posse sobre o mesmo ao credor.

Por fim, a anticrese (art. 1.506 a 1.510) é o direito real sobre coisa alheia

que recai sobre bem imóvel, consistente na afetação do mesmo ao pagamento

de uma dívida por meio da percepção de seus frutos ou rendimentos para

compensação do débito.

Segundo Venosa8, todos esses direitos reais têm natureza acessória,

pois a garantia, em si, não é o negócio jurídico principal. Este consiste na

relação jurídica de natureza obrigacional que será assegurada pela garantia.

Dessa forma, a garantia é apenas um instrumento para reforçar a adimplência

da obrigação.

Na falência, os credores com direito real de garantia têm privilégio no

recebimento dos valores devidos pelo falido, estando situados na segunda

classe dos créditos concursais (art. 83, II, da Lei nº. 11.101/2005), atrás apenas

dos créditos concursais trabalhistas e acidentados do trabalho, dos créditos

extraconcursais e dos créditos prioritários.

Os credores com garantia pessoal (ou fidejussória) não têm o mesmo

privilégio na falência do devedor e, normalmente, estão classificados na sexta

classe dos créditos concursais, como quirografários, nos termos do art. 83, VI,

da Lei nº. 11.101/2005.

Entende-se, por crédito quirografário, aquele no qual o credor tem, como

garantia de adimplência da obrigação, o patrimônio do devedor globalmente

considerado, não havendo o destacamento de um bem individualizado para

garantir o pagamento da dívida.

O privilégio é instituto de direito processual e significa a ordem de

vocação dos credores na partilha da garantia comum: o patrimônio do devedor.

Por isso, o privilégio somente emerge quando vários credores promovem a

8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. V.

Page 21: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

19

execução sobre o mesmo bem, na falência ou na insolvência civil. Isso porque,

os bens que integram o patrimônio do devedor respondem pelo pagamento das

dívidas por ele contraídas, com exceção dos bens absolutamente

impenhoráveis, previstos no art. 649 do CPC, e do bem de família, disciplinado

pela Lei 8.009/90.

Nesse sentido, Gontijo afirma

Em verdade, o privilégio representa a ordem de vocação do crédito na partilha dos ativos do devedor, externando-se basicamente, no caso de mais de um credor promover a execução, sobre a mesma coisa; ou, mais comumente, quando vários credores executam de maneira colegiada a garantia comum: o patrimônio do devedor.

9

Dessa forma, todos os credores do falido têm privilégio. O que os

distingue é a classe por eles ocupada segundo a ordem legal de preferência, a

qual determinará a ordem de pagamento dos créditos.

O privilégio ora mencionado não se confunde com aquele previsto no art.

83, IV e V, da Lei nº. 11.101/2005, que trata dos créditos com privilégio geral e

especial, pois estes consistem, tão somente, em dois tipos de classificação

especial de pagamento dos credores, ao lado das demais classes (entre as

quais se inserem os créditos trabalhistas e aqueles decorrentes de acidente do

trabalho). Trata-se, dessa forma, de uma relação na qual o privilégio, tratado

neste tópico, é gênero e o privilégio geral e especial são duas das oito espécies

de privilégio previstas no art. 83 da Lei nº. 11.101/2005.

Realizadas essas considerações iniciais diferenciando as duas

modalidades de preferência, cumpre passar à análise do privilégio do crédito

trabalhista na falência do empregador.

2.2 Efeitos da falência sobre o contrato de trabalho

Em razão dos princípios da unidade, da indivisibilidade e da

universalidade do Juízo, previstos nos art. 76, 115 e 126 da Lei nº.

11.101/2005, que prescrevem que o Juízo da falência (e da recuperação

9 GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução

de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128, p. 232.

Page 22: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

20

judicial) é uno e indivisível com competência para julgar todas as ações

(universal) envolvendo os negócios do falido, a Lei de Recuperação de

Empresas e Falência (Lei nº. 11.101/2005), no Capítulo II, que trata das

Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à Falência, traz um dos

principais efeitos da sentença que decreta a falência (ou defere o

processamento da recuperação judicial) do devedor.

Trata-se da disposição contida no art. 6º, que estabelece a suspensão

de todas as ações e execuções individuais ajuizadas em face do falido,

ressalvadas aquelas que versarem sobre quantias ilíquidas, aquelas que

tramitarem nas Justiças Especializadas e as execuções fiscais. Entre elas,

podemos citar as demandas trabalhistas propostas na Justiça do Trabalho, pois

as Varas e Tribunais do Trabalho são os órgãos jurisdicionais competentes

para conciliar e julgar os dissídios entre trabalhadores e empregadores (art.

114 da CRFB/1988).

Nesse sentido, Requião afirma que ―Apresentando-se o credor

trabalhista com crédito duvidoso, deve primeiro passar pelo filtro do julgamento

na Justiça do Trabalho, para em seguida, executando a sentença, habilitá-lo na

falência, mesmo como retardatário se for o caso‖.10

Segundo Simionato, ―As ações de natureza trabalhista na falência terão

prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para

representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo, podendo o

devedor funcionar como assistente‖11. Nesse caso, ainda de acordo com esse

autor12, o administrador judicial atuará na defesa da massa falida, devendo ser

diligente e não podendo transigir quanto às parcelas controversas.

Apurados os valores devidos no Juízo competente, deverá o credor

trabalhista habilitar o seu crédito na falência do seu empregador, uma vez que,

por influência dos princípios acima mencionados, não poderá iniciar a

execução na Justiça Especial.

Para evitar eventuais prejuízos com a possível demora na solução do

litígio na Justiça do Trabalho, o art. 6º, §3º, da Lei nº. 11.101/2005 permite ao

trabalhador requerer, ao Juiz do Trabalho, que oficie ao Juízo da falência

10

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 217. 11

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 52. 12

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 52.

Page 23: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

21

determinando a reserva da quantia que estimar devida para futura inclusão na

classe própria do Quadro Geral de Credores (QGC) após a liquidação.

Não havendo necessidade da propositura de demanda trabalhista por já

serem certos e líquidos os valores, caberá ao trabalhador habilitar o seu crédito

na falência do seu empregador perante o administrador judicial, a fim de

integrar o QGC para futuros rateios. Isso ocorre quando não houver

controvérsia sobre os valores devidos ao empregado em razão da existência

de provas sobre o respectivo crédito, como, por exemplo, o termo de rescisão

do contrato de trabalho não pago, documentos que comprovem o não

pagamento de salários, entre outros.

Percebe-se, assim, a incidência da regra do art. 6º, caput, da Lei nº.

11.101/2005 de forma mitigada em relação aos credores trabalhistas, pois

aquelas quantias que dependerem de ação judicial para serem liquidadas

serão objeto de discussão na Justiça Especializada para apuração do valor

devido, não sendo suspensas com a decretação da falência. Depois da

liquidação desses valores, não poderá o credor iniciar a execução individual na

Justiça do Trabalho, devendo habilitar o seu crédito na classe própria a fim de

integrar o QGC e participar de futuros rateios, aplicando-se, a partir de então, o

comando legal contido no mencionado dispositivo.

Da mesma forma, o prazo prescricional relativo ao cumprimento das

obrigações trabalhistas (depois de liquidadas) ficará suspenso após a sentença

que decretar a falência do devedor (ou deferir o processamento da

recuperação judicial), retomando o seu curso no dia em que transitar em

julgado a sentença de encerramento da falência (art. 6º c/c art. 157 da Lei nº.

11.101/2005). Essa regra já estava contida no art. 4713 da antiga Lei de

Falências (Decreto-lei nº. 7.661/1945) que, nas palavras de Requião,

Assim, justifica-se o princípio legal de que durante o processo da falência fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade do falido (art. 47). A sentença declaratória da falência, com efeito, dando início ao estado de falência, apenas suspende a prescrição; não a interrompe.

14

13

Art. 47. Durante o processo de falência fica suspenso o curso de prescrição relativa a obrigações de responsabilidade do falido. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 14

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 214.

Page 24: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

22

Sabe-se que a falência de um empresário (pessoa natural ou jurídica)

produz efeitos sobre os negócios jurídicos por ele celebrados, repercutindo

sobre os contratos unilaterais e plurilaterais a depender do caso concreto. Com

o contrato de trabalho não é diferente.

Os contratos bilaterais não são automaticamente resolvidos pela

decretação da falência, cabendo ao administrador judicial, após autorização do

Comitê de Credores, decidir pelo seu cumprimento caso isso possa reduzir ou

evitar o aumento do passivo ou seja necessário à manutenção ou à

preservação do ativo (art. 117 da Lei nº. 11.101/2005). Para tanto, deverá o

contratante interpelar o administrador judicial para que se manifeste a respeito,

dentro do prazo de 10 (dez) dias, sendo que sua declaração negativa ou o seu

silêncio dão àquele o direito de pleitear a indenização cabível.

Ressalte-se que, desde a vigência da antiga Lei de Falências,

doutrinadores clássicos como Miranda Valverde15 já entendiam que a falência,

por si só, não resolve os contratos bilaterais. Nesse sentido,

As obrigações a cargo do falido, quer resultem de contratos unilaterais, quer representem a contraprestação devida por força de um contrato bilateral, já totalmente cumprido pela outra parte, o credor, vencem-se no dia da abertura da falência (art. 25

16).

Quanto aos negócios jurídicos patrimoniais bilaterais (contratos em sentido estrito), ainda não cumpridos no todo, ou em parte, pelos contraentes, é ponto firmado em doutrina e assinalado pela nossa lei, que eles, em princípio, não se resolvem com a falência de qualquer dos contraentes.

17

Segundo Simionato18, caberá ao administrador judicial decidir pelo

cumprimento ou não do contrato bilateral segundo a conveniência para a

massa falida e os interesses dos credores. E isso pode ser verificado pela

análise do agravamento da situação econômica da própria massa.

15

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. 4ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Forense. 1999. Vol. I. 16

Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945. 17

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1999. Vol. I, p. 297. 18

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 25: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

23

Felipe Peixoto Braga Netto19, em obra coordenada por Osmar Brina

Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima, afirma que a bilateralidade ou a

unilateralidade de um contrato não se caracteriza pela pluralidade de sujeitos

que o celebram, pois um contrato pressupõe sempre a presença de mais de

uma parte. A distinção reside na reciprocidade de obrigações entre os

contratantes.

Dessa forma, nos contratos unilaterais, apenas um dos contratantes tem

obrigações em relação ao outro, havendo benefício apenas para uma das

partes. Já nos contratos plurilaterais, os contratantes têm obrigações

recíprocas, com benefícios para ambas as partes, mediante vantagens e

sacrifícios por todos que o pactuam.20

O contrato de trabalho é bilateral, pois, nele, encontra-se presente mais

de uma parte, com vontades convergentes e obrigações e direitos recíprocos.

Logo, segundo a regra geral estabelecida no art. 117 da Lei nº. 11.101/2005,

esse pacto não é automaticamente rescindido com a decretação da falência do

empregador, podendo o administrador decidir permanecer com alguns

empregados até que haja a alienação do estabelecimento empresarial, caso

em que se iniciará um novo contrato de trabalho entre os empregados e o

adquirente da unidade produtiva.

Nesse sentido, Almeida afirma que

A falência, pois, por si só, não põe fim à relação de emprego, mesmo porque diversas são as hipóteses que podem ocorrer, dando continuidade às atividades mercantis, malgrado a decretação da quebra, a saber: a) Continuação do Negócio pelo Falido

21 [...]

b) Concordata Suspensiva22

[...] c) Venda do Estabelecimento na sua Integridade (o Fundo de Comércio

23) [...]

19

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Coordenação: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. 20

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto Braga; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 21

Almeida ressalta que, nesse caso, não será o próprio falido que dará continuidade a sua atividade, uma vez que ele perdeu a livre administração de seus bens com a sentença de quebra, mas terceira pessoa idônea nomeada pelo juiz e sob fiscalização do síndico (figura típica do Decreto-lei nº. 7.661/1945). 22

Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, já que a obra foi escrita quando vigia referido diploma normativo.

Page 26: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

24

d) Continuação de Sociedade pelos Credores [...] e) Cessão do Ativo a Terceiro [...]

24

Nesse caso, os valores devidos, aos empregados, pelo trabalho

desempenhado durante o período de continuação provisória da atividade

empresarial serão considerados créditos extraconcursais (art. 83 da Lei nº.

11.101/2005) e serão pagos antes dos créditos concursais (art. 84 da Lei nº.

11.101/2005).

O contrato de trabalho, segundo Souza25, é caracterizado pela

permanência, pois ele não se esgota com o cumprimento de determinada

prestação. Para esse autor26, apesar de serem fixadas no início do contrato, as

condições de trabalho podem sofrer modificações com o tempo. Essas

alterações, em regra, devem decorrer de ajuste entre as partes e não podem

ser prejudiciais ao empregado. Poderão, contudo, ser feitas unilateralmente

pelo empregador em determinadas hipóteses, de acordo com a função

desenvolvida pelo empregado (de direção, por exemplo, quando há

necessidade de mudança do local de trabalho) ou quando não causarem

prejuízo ao obreiro. Todavia, há situações nas quais as modificações do

contrato de trabalho independem da vontade das partes envolvidas nessa

relação (a exemplo da falência do empregador). 27

De acordo com Souza28, devido à continuidade da relação de trabalho,

eventuais novos ajustes de ordem objetiva, como aumento de salário ou

transferência de local de trabalho, por exemplo, não acarretam a necessidade

da celebração de um novo contrato, uma vez que essas alterações não

implicam a sua rescisão.

Da mesma forma, o contrato de trabalho está sujeito a mudanças de

ordem subjetiva relacionadas à pessoa do empregador (em relação ao

23

A terminologia ―fundo de comércio‖ era empregada quando da vigência ―Parte Primeira‖ do Código Comercial de 1850, que tratava ―Do Comércio em Geral‖. Com o advento do CC/2002, passou a ser utilizada a expressão ―fundo de empresa‖. 24

ALMEIDA, Amador Paes de. Os Direitos Trabalhistas na Falência e Concordata do Empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr. 1998, p. 97-103. 25

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr. 2006. 26

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 27

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 28

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006.

Page 27: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

25

empregado, essa alteração não é possível, pois o contrato é intuito

personae).29 Mas, em regra, a alteração do polo empregador não acarreta a

extinção do contrato de trabalho, implicando apenas o instituto denominado

sucessão de empregador (ou sucessão trabalhista).

Segundo Delgado30, a sucessão de empregadores (tratada nos art. 10 e

448 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) é o instituto jurídico ―em

virtude do qual se opera, no contexto da transferência de titularidade de

empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de créditos e

assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos‖.31

A sucessão trabalhista visa a manter inalterados os contratos de

trabalhos em curso e íntegros os direitos trabalhistas dos obreiros contratados,

mesmo diante de eventuais alterações na estrutura jurídica da entidade

empregadora. Ela pode ocorrer em virtude da alienação do controle da

sociedade empregadora, da sua fusão com outra sociedade (art. 1.119 a 1.121

do CC/2002 e art. 228 da Lei nº. 6.404/1976), da sua incorporação por outra

(art. 1.116 a 1.118 do CC/2002 e art. 227 da Lei nº. 6.404/1976) ou mesmo da

cisão (art. 229 da Lei nº. 6.404/1976), bem como pela simples alienação do

estabelecimento empresarial.

Para Delgado,

O objetivo da ordem jurídica com o instituto da sucessão trabalhista é assegurar a intangibilidade dos contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial em alteração ou transferência, ou mesmo na parcela transferida dessa organização.

32

Com isso, ocorrendo a transferência do controle de determinada

sociedade ou a alienação de parte das suas unidades produtivas, haverá a

transmissão automática de todos os direitos e obrigações trabalhistas (ainda

que contraídos antes da alienação) do sucedido ao sucessor trabalhista, que

será considerado o novo empregador para todos os fins legais.

Contudo, quando essa transferência se dá em virtude de alienação em

processo de falência (ou de recuperação judicial, conforme art. 60, parágrafo

29

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 30

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr. 2006. 31

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006. p. 406. 32

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 419.

Page 28: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

26

único, da Lei nº. 11.101/2005), não haverá a sucessão trabalhista e o

arrematante adquirirá o estabelecimento (ou a sociedade empresária) livre das

obrigações resultantes dos contratos trabalhistas anteriores, ainda que não

tenham sido integralmente adimplidas pelos pagamentos efetuados com o

produto apurado na venda do ativo do devedor (art. 14133, II c/c §2º da Lei nº.

11.101/2005). Isso ocorre porque, encerrada a falência (após o pagamento de

todas as classes de credores) os créditos ficarão subrogados no produto da

realização do ativo do falido (art. 141, I).

Todavia, conforme dispõe o §1º do mencionado art. 141, a aquisição do

estabelecimento ou da sociedade empresária livre de ônus não ocorrerá

quando o arrematante for: sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada

por esta ou pelo falido; parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou

colateral até o quarto grau, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou

―agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão‖.34

Referida previsão legal causou polêmica, pois alguns autores da

doutrina trabalhista (a exemplo de Câmara35) criticam-na por entendê-la

violadora do princípio protetivo e da continuidade da relação de emprego,

implicando a transferência do risco da atividade empresarial aos empregados.

33

Devido à importância do mencionado dispositivo para o estudo ora realizado, optamos por citá-lo; in verbis: ―Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. § 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. § 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.‖ (BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318) 34

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 35

CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: LTr. 2006.

Page 29: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

27

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou uma ADI no STF,

autuada sob o número 3.934-2 (ADI nº 3.934-236), de relatoria do Ministro

Ricardo Lewandowski, questionando os art. 60, parágrafo único; art. 83, I e VI,

‗c‘; e art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005, por suposta violação aos art. 1º, III e

IV; art. 6º; art. 7º, I; e art. 170 da CRFB/1988. Mencionada ADI recebeu a

seguinte ementa:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV (sic)

37, c, E 141, II,

DA LEI Nº. 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTENCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou de recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente. (STF. ADI nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009)

Analisando, conjuntamente, a constitucionalidade do art. 60, parágrafo

único, e do art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005 (em virtude da semelhança que

guardam entre si, uma vez que aquele prescreve a ausência de sucessão

trabalhista na alienação de estabelecimento em processo de recuperação

judicial e este, na falência), o Relator entendeu inexistir afronta à CRFB/1988

por dois motivos: a) em primeiro lugar, porque a CRFB/1988, segundo o

Ministro Relator, não trata expressamente sobre o direito de cobrança do

crédito trabalhista em face do adquirente dos ativos de sociedade em

recuperação judicial ou em falência; b) em segundo, por inexistir afronta direta

aos valores protegidos pela CRFB/1988, podendo-se vislumbrar, no máximo,

uma colisão entre princípios constitucionais que, no entanto, não permite

afirmar a invalidade de um deles em detrimento do outro, mas a ponderação de

36

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 37

A ementa citou o art. 83, IV, da Lei nº. 11.101/2005, quando, na verdade, quis se referir ao art. 83, VI, da mesma lei.

Page 30: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

28

ambos de modo que a realização de um se dê em maior ou em melhor medida

em relação ao outro.38

Segundo o Relator,

No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que entendeu mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se defrontou. Assim, o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas, na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário no tocante aos valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia.

39

Para o Ministro, além de ter resultado de amplos debates com os

diversos setores da sociedade por ela atingidos, a Lei nº. 11.101/2005 ―surgiu

da necessidade de preserva-se o sistema produtivo nacional inserido em uma

ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela concorrência

predatória entre seus principais agente e, de outro, pela eclosão de crises

globais cíclicas altamente desagregadoras‖.40

O Ministro Relator41 verificou que, nesse contexto e diante da

ponderação de valores constitucionais de igual hierarquia, o legislador optou

por estabelecer que os adquirentes dos estabelecimentos ou das sociedades

empresárias alienadas judicialmente em processo de falência não assumiriam

a responsabilidade pelos débitos trabalhistas anteriores, não caracterizando,

dessa forma, o instituto da sucessão trabalhista. Segundo o Ministro42, isso é

vantajoso para os trabalhadores, pois torna mais interessante a arrematação,

aumentando as chances de lances maiores e, consequentemente, da garantia

dos próprios trabalhadores, que são os primeiros a receber. Além disso,

38

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 15-16. 39

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 17. 40

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 41

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 42

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20.

Page 31: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

29

aumenta as chances de venda dos estabelecimentos em bloco, possibilitando a

continuação da atividade e a preservação dos postos de trabalho.

De acordo com o parecer do Senador Ramez Tebet para a Comissão de

Assuntos Econômicos – CAE, 2003 (p.11-13), citado pelo Ministro, ―Nada pode

ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a

empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus

créditos e ainda perdem seus empregos‖.43

Ainda para o Ministro,

... salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades – não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada –, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais

exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da Lei Maior. 44

Objetivando a preservação da empresa, conforme prescreve o art. 47

(no que tange à recuperação judicial) e o art. 75 (no que diz respeito à

falência), a Lei nº. 11.101/2005 busca incentivar a aquisição em bloco,

primeiramente da sociedade empresária e, secundariamente, dos

estabelecimentos empresariais que a integram, todos da forma ―porteira

fechada‖, a fim de possibilitar ao arrematante, tanto quanto possível, prosseguir

na atividade anteriormente exercida pelo falido, mantendo ativa a unidade

produtora e preservando os postos de trabalho por ela já gerados.

Diante disso, o Ministro Relator45 finalizou entendendo que os art. 60,

parágrafo único, e 141, II, da Lei nº. 11.101/2005 são constitucionais ao

estabelecerem a ausência de sucessão trabalhista na alienação de

estabelecimento empresarial ou da própria sociedade realizada nos processos

de recuperação judicial e de falência, pois o legislador, numa ponderação de

princípios constitucionais de igual hierarquia, optou por otimizar os valores da

livre iniciativa e da função social da propriedade em detrimento de outros de

43

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 44

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 21. 45

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25.

Page 32: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

30

―igual densidade axiológica‖46, por reputar mais ―adequado ao tratamento da

matéria‖.47

Neste ponto, todos os Ministros que participaram do julgamento

(Cármem Lúcia, Ellen Gracie, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio,

Carlos Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluzo) acompanharam o Relator e

julgaram improcedente a ADI nº. 3934-2.

Dessa forma, a partir de 06 de novembro de 2009, está pacificada a

questão da ausência de sucessão trabalhista quando a rescisão do contrato de

trabalho se dá em virtude da alienação judicial realizada em processo de

falência ou de recuperação judicial, em virtude da declaração de

constitucionalidade do art. 60, parágrafo único, e art. 141, II, da Lei nº.

11.101/2005.

2.3 Verbas que compõem o crédito trabalhista

Incluem-se na categoria privilegiada dos créditos trabalhistas a

totalidade da remuneração devida aos empregados, das indenizações

decorrentes da legislação do trabalho e de acidentes do trabalho, inclusive as

verbas rescisórias previstas nos art. 477 e seguintes c/c art. 479 da CLT,

excetuada a remuneração dos administradores das sociedades empresárias

que não sejam considerados empregados.

Os valores devidos serão corrigidos monetariamente até a data da

decretação da falência, pois a correção monetária tem a função de recompor a

desvalorização da moeda, não sendo considerado acréscimo.

Segundo Miranda Valverde, por salário, deve-se entender não apenas o

valor percebido pelo empregado em virtude da atividade desempenhada ―mas

também qualquer remuneração do trabalho, estipulada por contrato, mesmo na

forma de participação nos lucros, percentagens, comissões, prestações in

natura e gratificações‖ 48, incluindo a importância devida em virtude de férias,

46

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 47

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 48

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 211.

Page 33: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

31

ainda que anotados em eventual conta-corrente que o empregado mantenha

com seu empregador.

Ainda de acordo com esse autor49, os demais valores devidos pelo

empregador ao seu empregado que não se originem das relações de trabalho,

ou nelas se baseiem, e não tenha natureza de crédito salarial ou de

indenização trabalhista, serão considerados crédito quirografário ou

privilegiado, conforme dispuser a lei.

Também estão incluídos nesta classe os valores devidos ao empregado

eleito para integrar algum cargo de direção ou o Conselho de Administração da

sociedade, aos procuradores ou mandatários comerciais e aos representantes

comerciais, pessoa natural ou jurídica, segundo Requião (art. 44 da Lei

4.886/65, alterado pela Lei 8.420/92).50

Na vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945, o Superior Tribunal de Justiça

(STJ) tinha entendimento sumulado no sentido de que ―Os créditos decorrentes

de serviços prestados à massa falida, inclusive a remuneração do síndico,

gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas‖ (enunciado nº. 219 da Súmula

do STJ51).

No entanto, com a Lei nº. 11.101/2005, referido crédito foi previsto na

primeira classe dos extraconcursais (art. 84, I), ao lado dos créditos trabalhistas

pelos serviços prestados ao falido em razão da continuação provisória de suas

atividades e daqueles decorrentes de acidentes do trabalho ocorridos neste

período. Com isso, como se verá pelas explicações adiante, referido enunciado

de Súmula restou, em parte, prejudicado, pois a antiga Lei de Falências (após

a alteração introduzida pela Lei nº. 3.726/1960) prescrevia que o crédito

trabalhista teria preferência absoluta sobre quaisquer credores e seria pago,

integralmente, antes mesmo dos encargos e dívidas da massa.

Para Delgado52 e Almeida53, a extinção do estabelecimento empresarial

provocada por falência é fato inerente ao risco empresarial assumido em razão

49

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 211. 50

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 51

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº. 219. Diário de Justiça, Brasília, 25 mar. 1999. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0219.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. 52

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006. 53

ALMEIDA, Amador Paes de. Os Direitos Trabalhistas na Falência e Concordata do Empregador. 1998.

Page 34: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

32

do princípio da alteridade, expresso no art. 2º da CLT. Esse princípio prescreve

que os riscos da atividade econômica são de inteira responsabilidade do

empregador, não podendo o empregado ser por eles prejudicado. Por isso, as

verbas rescisórias decorrentes da dispensa sem justa causa são assumidas

pela massa falida, que ficará isenta apenas do pagamento da multa pelo atraso

no pagamento dessas parcelas (art. 477, §§ 6º e 8º da CLT). Nesse sentido,

Delgado afirma que

A jurisprudência tem considerado que a extinção do contrato em decorrência de falência da empresa isenta a massa falida do pagamento da multa por atraso rescisório estipulada no art. 477, §§ 6º e 8º da CLT (ex OJ 201, SDI-I/TST

54; Súmula 388, TST). Não há

razão consistente, porém, para considerar-se que a falência não se enquadre nos riscos inevitáveis do empreendimento, necessariamente suportados pelo empregador (princípio da alteridade; art. 2º, caput, CLT). Em conseqüência, as parcelas rescisórias clássicas da dispensa sem justa causa também incidem na presente situação extintiva.

55

No mesmo sentido, Negrão56, mencionando decisão do TST (acórdão nº.

673.453, de 10.11.2000), ressalta que a massa falida não será obrigada ao

pagamento da multa relativa ao inadimplemento das parcelas incontroversas

(art. 467 da CLT), nem da multa pela rescisão do contrato de trabalho (art. 477,

§§ 6º e 8º, da CLT). Isso porque, não pode a massa ser penalizada por uma

conduta que o administrador judicial está impedido de praticar, já que ele não

pode fazer pagamentos fora do concurso de credores.

Os valores devidos em virtude do encerramento do contrato de trabalho

são diferentes conforme seja ele por tempo determinado ou indeterminado.

Dessa forma, as verbas devidas pela massa falida em virtude da

rescisão do contrato de trabalho por prazo indeterminado são: aviso prévio

(indenizado, no caso, em razão da rescisão do contrato de trabalho provocado

pela falência); décimo terceiro salário proporcional (art. 7º, VIII, da

CRFB/1988); férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional (art. 7º,

XVII, da CRFB/1988); indenização pelas férias eventualmente não gozadas;

54

A OJ 201 da SDI-I do TST foi convertida no enunciado nº. 388 da Súmula deste Tribunal que tem a seguinte redação: ―Massa falida. Arts. 467 e 477 da CLT. Inaplicabilidade. A Massa Falida não se sujeita à penalidade do art. 467 e nem à multa do §8º do art. 477, ambos da CLT.‖ 55

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.135. 56

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. Vol. 3. p. 426.

Page 35: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

33

liberação dos depósitos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),

com acréscimo de 40% (quarenta por cento) do valor depositado a esse título

(de natureza indenizatória).

Negrão57, citando decisão do TST (acórdão nº. 654.319, de 23.08.2000),

afirma que, em relação ao acréscimo indenizatório devido sobre o FGTS, se

aplica o art. 18, §2º, da Lei nº. 8.036/1990 e o valor da multa pela rescisão do

contrato de trabalho cai para 20% (vinte por cento) por decorrer, a dispensa, de

força maior. Isso porque, segundo o TST, ―Na falência não se tem por

caracterizada a arbitrariedade do empregador na dispensa do empregado‖.58

No que tange aos valores devidos a título de férias vencidas e não

gozadas e ao aviso prévio, Requião59 menciona decisão da 6ª Câmara Cível do

Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que referidas quantias também

gozam do privilégio ora tratado.

No caso dos contratos de trabalho com prazo determinado, há que se

fazer uma distinção para definir as verbas que serão pagas pela massa falida.

Assim, a extinção desse contrato pode ser normal ou anormal.

A extinção normal desse contrato de trabalho ocorre pelo advento do

respectivo termo final prefixado, gerando ao trabalhador direito ao

percebimento das seguintes parcelas: décimo terceiro salário proporcional;

férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional (independentemente do

prazo do contrato); indenização pelas férias eventualmente não gozadas e

levantamento dos depósitos mensais de FGTS, sem o acréscimo rescisório de

40% (quarenta por cento).

Já a extinção anormal verifica-se em razão da rescisão antecipada do

contrato de trabalho, que pode ocorrer por vontade do empregado ou do

empregador. Nesses casos, deve ser analisado se os respectivos pactos têm

―cláusula de antecipação do término contratual‖60 (ou ―cláusula assecuratória

de direito recíproco de rescisão antecipada‖)61.

57

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. p. 427. 58

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 427. 59

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 330. 60

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.125. 61

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.125.

Page 36: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

34

Não existindo referida cláusula no contrato, a massa falida deverá pagar

ao trabalhador os salários porventura devidos; o décimo terceiro salário

proporcional; as férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional;

indenização pelas férias eventualmente não gozadas; os depósitos mensais de

FGTS, sem o acréscimo de 40% (quarenta por cento); e a indenização prevista

no art. 479 da CLT (ou seja, metade da remuneração a que teria direito o

empregado até o termo final do contrato).

Por outro lado, havendo a cláusula de rescisão antecipada no contrato

de trabalho, as verbas devidas serão as mesmas dos contratos por prazo

indeterminado, conforme prescreve o art. 481 da CLT, quais sejam: aviso

prévio indenizado; décimo terceiro salário proporcional; férias proporcionais,

acrescidas do terço constitucional; indenização pelas férias eventualmente não

gozadas; e FGTS, com acréscimo de 40% (quarenta por cento) a título de

indenização pela dispensa.

Ressalte-se que, também nesses casos, a multa de 40% (quarenta por

cento) sobre os depósitos de FGTS, devida pela rescisão do contrato de

trabalho em virtude da falência do empregador, passa para 20% (vinte por

cento) em razão do art. 18, §2º, da Lei nº. 8.036/1990 e de decisão do TST (a

exemplo do acórdão nº. 654.319, de 23.08.2000, mencionado por Negrão62).

Caso o pedido de rescisão do contrato com prazo determinado seja feito

pelo trabalhador e o pacto não tenha a cláusula mencionada, as únicas

parcelas devidas ao obreiro serão o décimo terceiro salário proporcional e as

férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional, além da indenização

pelas férias eventualmente não gozadas (a qual sempre é devida). Havendo a

cláusula de rescisão antecipada do contrato, aplicar-se-ão as regras dos

contratos por prazo indeterminado (art. 481 da CLT), ressaltando que, nesse

caso, o aviso prévio deverá ser indenizado ao empregador (em virtude do

pedido de dispensa ter sido feito pelo empregado) e a massa falida terá direito

de crédito contra o trabalhador.

Essa última hipótese, de rescisão do contrato de trabalho por prazo

determinado a pedido do empregado é muito pouco comum na falência, uma

62

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 37: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

35

vez que este fato é o que normalmente ocasiona a extinção do pacto e não o

contrário.

Em relação aos juros, também se aplica a regra do art. 124 da Lei nº.

11.101/2005 aos contratos trabalhistas, sendo eles devidos somente até a data

da decretação da falência. Depois deste marco, os juros não terão curso, salvo

se a massa falida os comportar.

Assim, conjugando o caput do art. 449 da CLT63 com os dispositivos

constantes da Lei nº. 11.101/2005, verifica-se que, quando a alienação do

estabelecimento empresarial (ou a própria sociedade empresária) ocorre em

processo de falência (ou de recuperação judicial) e havendo a rescisão dos

contratos de trabalho, em que pese a inexistência de sucessão trabalhista em

virtude do comando legal contido no art. 141, II, c/c §2º, da Lei nº. 11.101/2005

os direitos dos empregados subsistirão, mas serão satisfeitos pelo pagamento

dos valores devidos (remuneração, verbas rescisórias e indenizações, inclusive

aquelas decorrentes de acidente do trabalho) até o limite da quantia apurada

com a realização do ativo (sem que haja transferência de eventual saldo

devedor ao adquirente).

2.4 Classificações do crédito trabalhista

Primeiramente cumpre ressaltar que, em virtude da redação originária do

art. 449, §1º64, da CLT, os créditos trabalhistas tinham privilégio geral quando

ocorria a falência do empregador ou do tomador de serviços.

Referido dispositivo legal prescrevia que a totalidade dos salários dos

empregados e um terço das indenizações a que tinham direito constituíam

―crédito privilegiado‖ na falência do seu empregador, sendo considerado crédito

quirografário os dois terços restantes das indenizações.

63

O art. 449, caput, da CLT prescreve que ―Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa‖. 64

Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. § 1º Na falência e na concordata, constituirão crédito privilegiado a totalidade dos salários devidos ao empregado e um terço das indenizações a que tiver direito, e crédito quirografário os restantes dois terços. [...] (BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 691-759.)

Page 38: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

36

Ao mencionar a palavra ―privilégio‖, sem qualquer adjetivação posterior,

entendia-se que ele só podia ser o geral, uma vez essa espécie de preferência

decorre da lei e, por implicar exceção à regra da igualdade entre os credores,

deve sofrer interpretação restritiva. Nesse sentido, Gontijo afirma que

A Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1.º.05.1943, não cuidou de assegurar ao crédito trabalhista qualquer garantia real e mesmo o privilégio era limitado e sem definição de classe (privilégio geral, especial ou modalidade extraordinária), sendo certo que o caput do art. 449 apenas prescreveu que os direitos materiais decorrentes do contrato de emprego subsistiriam em caso de processo concursal empresarial falimentar ou, à época, concordatário; direitos como a irredutibilidade salarial ou férias remuneradas, sem, contudo, assegurar qualquer modalidade de preferência especial para o crédito daí decorrente.

65

Corroborando esse entendimento, a antiga Lei de Falências (Decreto-lei

nº. 7.661/1945), na redação original do seu art. 102 (que disciplinava a

classificação dos créditos na falência), prescrevia que os salários dos

empregados e um terço da indenização a que tinham direito constituíam

privilégio geral na falência do empregador, sendo considerado crédito

quirografário os dois terços restantes da indenização devida em virtude do

contrato de trabalho (art. 102, §3º, III, c/c §4º66).

Posteriormente, a Lei nº. 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, alterou o art.

10267 do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e derrogou tacitamente o §1º do art. 449 da

65

GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128, p. 232. 66

Art. 102. Ressalvada a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: [...] 3º Têm privilégio geral: [...] III - os créditos dos empregados, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho; 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial não entram nas classes I, II e III dêste artigo, os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento e o restante de indenização devida aos empregados. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 67

Art. 102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sôbre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho, e, depois dêles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: (Redação dada pela Lei nº 3.726, de 11.2.1960) I – créditos com direitos reais de garantia; II – créditos com privilégio especial sôbre determinados bens; IIl – créditos com privilégio geral; IV – créditos quirografários

Page 39: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

37

CLT, para conferir privilégio absoluto aos créditos trabalhistas, incluindo

remuneração e indenizações. Com isso, a partir de 2 de janeiro 1958, os

valores devidos aos empregados passaram a gozar de privilégio sobre os

demais, sendo pagos em primeiro lugar na falência do empregador.

Alguns anos depois, foi publicado o Decreto-lei nº. 192, de 24 de

fevereiro de 1967, que, visando conceituar a expressão ―indenizações

trabalhistas‖ nos textos legais que menciona (entre as quais se incluía o

Decreto-lei nº. 7.661/1945), remeteu a matéria à redação originária do art. 449,

§1º, da CLT para afirmar que as ―indenizações trabalhistas‖ referiam-se apenas

―a um terço da indenização devida‖68.

Com o fim de corrigir o retrocesso provocado pelo Decreto-lei nº.

192/1967, foi editada a Lei nº. 6.449, de 14 de outubro de 1977, que alterou o

art. 449, §1º, da CLT para deixar expresso que ―Na falência constituirão

§ 1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade. § 2º Têm o privilégio especial; I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; II – os créditos por aluguer de prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o mobiliário respectivo: III – os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre comerciantes resulta de suas relações de negócios. § 3º Têm privilégio geral: I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; II – os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e pensões, pelas contribuições que o falido dever. § 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II e III deste artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 68

Art. 1º. A preferência assegurada pelo art. 102 do Decreto-lei número 7.661, de 21 de junho de 1945, na nova redação que lhe deu a Lei número 3.726, de 11 de janeiro de 1960, bem como pelo art. 1º da Lei número 4.839, de 18 de novembro de 1965, às "indenizações trabalhistas", corresponde, na forma do disposto no § 1º do art. 499, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a um têrço da indenização devida. (BRASIL. Decreto-lei nº 192, de 24 de fevereiro de 1967. Fixa o entendimento da expressão "indenizações trabalhistas" nos textos legais que menciona. DOU de 27 fev. 1967. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-192-24-fevereiro-1967-376010-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 04 jun. 2012.).

Page 40: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

38

créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a

totalidade das indenizações a que tiver direito‖.69

Dessa forma, na falência regida pelo Decreto-lei nº. 7.661/1945, após a

alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960, entre o período de 2 de janeiro de

1958 até 24 de fevereiro de 1967 e de 14 de outubro de 1977 até a entrada em

vigor da Lei nº. 11.101/2005 (9 de junho de 2005, em razão do art. 201 desta

lei), os créditos trabalhistas gozaram de preferência absoluta sobre os demais

(chamados créditos concorrentes), inclusive sobre os encargos e dívidas da

massa falida (previstos no art. 124 do mesmo diploma normativo).

Os encargos e dívidas da massa falida eram semelhantes aos atuais

créditos extraconcursais, previstos no art. 84 da Lei nº. 11.101/2005 (com

algumas diferenças que serão brevemente expostas), sendo despesas

resultantes de trabalhos e compromissos assumidos posteriormente à

decretação da falência. Segundo Miranda Valverde,

Esta divisão corresponde à diversidade de origem das obrigações, nascendo as primeiras das relações internas da massa falida, do andamento do processo de falência e de seus incidentes, surgindo as segundas das relações dos órgãos da massa com terceiros, com o mundo exterior.

70

Assim, os encargos da massa estavam previstos no art. 124, §1º71, da

antiga lei, e compreendiam os gastos e as despesas necessárias à

69

BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 691-759. 70

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 271. 71

Art. 124. Os encargos e dívidas da massa são pagos com preferência sobre os créditos admitidos a falência, ressalvado o disposto nos artigos 102 e 125. (Redação dada pela Lei nº 3.726, de 11.2.1960) § 1º São encargos da massa: I – as custas judiciais do processo da falência, dos seus incidentes das ações em que a massa fôr vencida; Il – as quantias fornecidas a massa pelo síndico ou pelos credores: III – as despesas com a arrecadação, administração, realização de ativo e distribuição do seu produto, inclusive a comissão de síndico; IV – as despesas com a moléstia e o enterro do falido, que morrer na indigência, no curso do processo; V – os impostos e contribuições públicas a cargo da massa e exigíveis durante a falência; VI – as indenizações por acidentes do trabalho que, no caso de continuação de negócio do falido, se tenha verificado nesse período. [...] (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.)

Page 41: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

39

arrecadação e administração dos bens, bem como à realização do ativo para

pagamento dos créditos segundo a ordem legal de preferência.

Já as dívidas da massa, previstas no art. 124, § 2º72, do Decreto-lei nº.

7.661/1945, envolviam as custas judiciais pagas pelo credor que requereu a

falência; as obrigações resultantes de negócios jurídicos válidos praticados

pelo síndico entre as quais estavam incluídos os tributos devidos pela massa

falida em razão da continuação provisória de suas atividades, os contratos

celebrados pelo síndico, nesse período, nos interesses da massa falida, os

contratos bilaterais celebrados pelo falido (antes da decretação da falência)

que o síndico decidir cumprir; e as obrigações decorrentes de enriquecimento

ilícito da massa, as quais se assentavam no trinômio enriquecimento de um,

empobrecimento de outro e ausência de causa jurídica (desde que ocorrido

após a decretação da falência).

Antes, porém, do pagamento de todos os encargos e dívidas da massa,

deveriam ser pagos os credores trabalhistas na sua totalidade, nos termos do

art. 102, caput, da antiga lei. Os demais créditos previstos nos incisos do art.

102, os chamados créditos concorrentes, seriam pagos após os encargos e

dívidas da massa.

Requião resume a ordem de pagamento na falência regida pelo Decreto-

lei nº. 7.661/1945 da seguinte forma:

Resta-nos, pois, compulsando a legislação em seu estado atual, modernizar o esquema de classificação dos créditos apresentado naquele dispositivo de lei. É o seguinte: 1º) Crédito resultante de indenização por acidente do trabalho (art. 102, caput, do Dec.-lei nº 7.661, de 21-6-1945). 2º) a) Créditos dos salários e das indenizações dos empregados (CTN – Lei nº 5.172, de 25-10-1966, art. 186; CLT, art. 449, §1º; e Dec.-lei nº 192, de 24-2-1967) [...] b) Créditos por comissões vencidas e vincendas, indenização do aviso prévio e indenização pelo rompimento injusto do contrato, e outros créditos, devidos aos representantes comerciais (art. 44 da Lei nº 4.886, de 9-12-1965, com a redação dada pela Lei nº 8.420, de 8-5-1992).

72

Art. 124. § 2º São dívidas da massa: I – as custas pagas pelo credor que requereu a falência; II – as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados pelo síndico; III – as obrigações provenientes de enriquecimento indevido da massa. [...] (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.)

Page 42: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

40

3º) Créditos tributários da União, Estados e Municípios, no mesmo plano de igualdade (art. 60, parágrafo único do Dec.-lei nº 960, de 17-12-1938; arts. 186 e 187 da Lei nº 5.172, de 25-10-1966; e Constituição Federal de 1988, art. 145). 4º) Créditos parafiscais tais como contribuições do SINPAS (INPS), SESC, SESI, SENAC, SENAI, FGTS, PIS etc., no mesmo plano que os créditos tributários da União. 5º) Créditos por encargos da massa (art. 124, §1º, da Lei de Falências). 6º) Créditos por dívidas da massa (art. 124, §2º, da Lei de Falências). 7º) Créditos com direitos reais de garantia. 8º) Créditos com privilégio especial sobre determinados bens. 9º) Créditos com privilégio geral. 10º) Créditos quirografários.

73

Referida classificação, porém, restou superada com a Lei nº.

11.101/2005 que alterou algumas disposições legais antigas.

Cumpre ressaltar, ainda, que, na falência regida pelo Decreto-lei nº.

7.661/1945, depois da alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960, os

credores trabalhistas e os acidentados do trabalho tinham privilégio absoluto no

pagamento, sendo pagos antes mesmo dos encargos e dívidas e da massa. No

entanto, tais créditos não eram pagos antes da realização das restituições

devidas, que eram feitas com precedência absoluta sobre qualquer outro

pagamento, fossem elas pelo bem específico (in natura), fossem pelo seu

equivalente em dinheiro (quando o bem não mais existisse quando de sua

implementação).

Segundo Sérgio Mourão Corrêa Lima74, em obra sob coordenação

própria e de Osmar Brina Corrêa-Lima, essa era a jurisprudência do STJ, após

sucessivos julgados da 3ª e 4ª turma.

Atualmente, porém, a literalidade da Lei nº. 11.101/2005 determina que,

em primeiro lugar, proceder-se-á às restituições devidas, desde que seja pelo

bem in natura arrecadado pelo administrador judicial e reclamado em ação

própria pelo legítimo proprietário ou pelo contratante de boa-fé que houver

vendido mercadoria a crédito ao falido e entregue nos quinze dias anteriores ao

requerimento de falência, desde que não tenham sido alienados pelo falido (art.

85).

Segundo Negrão75, feitas as restituições pela entrega do bem

especificado, a Lei nº. 11.101/2005 determina que se passe ao cumprimento do

73

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 327-328. 74

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 43: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

41

disposto no art. 151 (ou seja, o pagamento dos créditos trabalhistas, de

natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à

decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador)

e das demais despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à

administração da falência.

De acordo com o mesmo autor76, depois disso, o administrador judicial

implementará as restituições em dinheiro dos bens indevidamente arrecadados

pela massa falida e que tenham perecido em poder desta ou tenham sido

alienados pelo administrador judicial (art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005), passando-se, em seguida, ao pagamento dos créditos

extraconcursais e dos créditos concursais, respectivamente.

A princípio e de forma bastante simplificada pode-se dizer que a Lei nº.

11.101/2005 estabeleceu três ordens distintas de classificação dos créditos

admitidos ao concurso universal de credores da falência: a primeira é aquela

que Negrão 77 chama de créditos prioritários (art. 151, 150 e 86); a segunda

são os créditos extraconcursais (art. 84); e a terceira compreende os créditos

concursais (art. 83). Contudo, essa análise não é tão fácil quanto parece, pois,

dentro de cada uma dessas classes, existem várias subclasses.

Para Negrão78, existem três classes de credores prioritários, com

preferência absoluta sobre os demais credores, que serão pagos na seguinte

ordem:

a) os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, com o dinheiro disponível em caixa (art. 151); b) as despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência (art. 150); e c) as restituições em dinheiro, nas hipóteses indicadas no art. 86 (arts. 149, caput, e 86, parágrafo único).

79

75

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 76

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 77

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 78

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 79

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 520.

Page 44: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

42

De acordo com Negrão80, as despesas de pagamento antecipado

indispensáveis à administração da falência são o gênero que compreende as

duas categorias constantes do art. 151 e 150 da Lei nº. 11.101/2005 como

espécies.

A primeira delas, com preferência absoluta no recebimento do seu

crédito, é aquela prevista no art. 151. Para que esteja incluído nessa categoria,

o crédito deve ter natureza estritamente salarial. Isso significa que, caso tenha

natureza indenizatória, o crédito trabalhista não será classificado como

prioritário e sim concursal privilegiado ou extraconcursal, conforme o caso.

Além disso, devem estar presentes o requisito temporal (o crédito deve estar

vencido nos três meses anteriores à decretação da falência) e quantitativo (a

quantia não pode ser superior a cinco salários mínimos por trabalhador).

Essa interpretação se deve à literalidade do art. 86, parágrafo único, c/c

art. 151, que determina o pagamento imediato desses credores, tão logo haja

disponibilidade em caixa, antes mesmo das restituições em dinheiro, depois

apenas das restituições in natura.

Negrão81 entende que a quantia prevista no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 não importa em mera antecipação dos créditos trabalhistas

concursais (art. 83, I), representando, dessa forma, uma espécie de

superprivilégio decorrente de uma nova classificação promovida pelo

mencionado dispositivo. Para ele82, enquanto o art. 151 refere-se às verbas de

natureza estritamente salarial, o art. 83, I, refere-se a qualquer crédito

decorrente da legislação trabalhista, não havendo que se falar em desconto

das quantias pagas em razão do cumprimento do disposto no art. 151 daqueles

valores devidos em virtude da classificação prevista no art. 83, I.83 Nas

palavras desse autor,

O trabalhador receberá até 5 salários mínimos se tiver trabalhado na empresa falida e fizer jus a verbas estritamente salariais relativas aos últimos três meses que antecederam à falência. Habilitará até 150

80

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 81

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 82

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 83

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 45: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

43

salários mínimos na classe trabalhista, pelo montante de qualquer natureza que lhe for devido pela legislação trabalhista e, ainda, o que sobejar a este valor na classe dos credores quirografários.

84

Segundo Negrão85, por serem equiparados aos créditos trabalhistas, os

valores devidos ao representante comercial estão sujeitos à mesma disciplina

daqueles. Assim sendo, o disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 também

se aplica a essa categoria profissional, da mesma forma que os art. 83, I, e 84,

I, deste diploma normativo.

Negrão86 ensina que, após o cumprimento do comando legal contido no

art. 151, procede-se ao pagamento das importâncias indispensáveis à

administração da falência, em conformidade com o art. 150 da Lei nº.

11.101/2005. Para ele87, esse dispositivo refere-se aos créditos extraconcursais

que devem ser imediatamente pagos, não podendo esperar a fase de

liquidação para tal providência. Tratam-se de ―despesas necessárias à

continuação provisória da atividade empresarial‖88 e do ―pagamento de

fornecedores, em especiais os decorrentes de contratos de prestação

simultânea (água, energia elétrica, aluguéis etc.)‖.89

Rocha, Zavanella e Silva90, Souza91, Simionato92, Abrão93, Salles94,

Junqueira95, Almeida96, Simão Filho97 e Coelho98 também entendem que o

84

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 524-525. 85

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 86

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 87

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 88

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 522. 89

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 522. 90

ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. Campinas/SP: LZN. 2006. 91

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 92

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 93

ABRÃO, Carlos Henrique; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão (cood.). 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. 94

SALLES, Marcos Paulo de Almeida; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Morais Pitombro (coord.). 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. 95

JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coord. Rubens Approbato Machado. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

Page 46: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

44

cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 deve preceder a

qualquer outro pagamento, inclusive à implementação das restituições em

dinheiro previstas no art. 86 da mesma lei, em razão do comando normativo

contido no parágrafo único deste último dispositivo. Contudo, alguns desses

autores fazem observações relevantes sobre a exegese dos art. 151, 150, 149,

86, 85, 84 e 83 da Lei nº. 11.101/2005.

Souza99 ensina que a disposição contida no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 é uma tentativa do legislador em minimizar os prejuízos causados

aos empregados em razão do atraso no pagamento dos salários. Por isso,

denomina referida parcela de ―pronto-pago‖ 100, utilizando-se da nomenclatura

adotada no art. 16 da Lei nº 24.522/95 da Argentina.

Segundo o mesmo autor101, a legislação espanhola traz a previsão de

um fundo destinado ao pagamento de uma ―importância não superior à

resultante da multiplicação do dobro do salário mínimo ―interprofissional‖ diário

pelo número de dias de salário pendente, com no máximo 120 dias‖102, sendo

que o ―salário mínimo ―interprofissional‖ é o vigente no momento da declaração

da insolvência‖103. Esse fundo é denominado de ―FOGASA‖ (―Fondo de

Garantía Salarial‖), ―criado em 1976 e regulado, em suas linhas básicas, pelo

art. 33 do Estatuto dos Trabalhadores (ET) e pelo Decreto Real n. 505/1985, de

6 de março‖.104

96

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Luiz Fernando Valente de Paiva (coord.). São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil. 2005. 97

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 98

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. 99

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 100

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 251. 101

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 102

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 103

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 104

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252.

Page 47: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

45

Souza105 considera que o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 foi tímido ao

estipular o requisito temporal para o pagamento dos créditos trabalhistas que

menciona, limitando-o aos três meses anteriores à decretação da falência. Para

ele106, o legislador deveria utilizar um critério variável relacionado ao período do

contrato de trabalho de cada empregado.

Junqueira107, interpretando mencionados dispositivos, afirma que o

pagamento, na falência, deve obedecer à seguinte ordem: a) pagamento dos

créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da

falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador (art. 151); b)

implementação das restituições108 (art. 85 e 86 c/c art. 149); c) pagamento aos

credores extraconcursais (art. 84 c/c art. 149); e d) pagamento aos credores

concursais na ordem prescrita pelo art. 83.

Simão Filho109 afirma que o pagamento será feito, primeiramente,

àqueles credores definidos pela lei como de ―pagamentos imediatos contra

disponibilidade de caixa‖, depois passa-se aos credores extraconcursais e, por

último, aos credores concursais. Os primeiros (―pagamentos imediatos contra

disponibilidade de caixa‖) abrangem os seguintes créditos, respectivamente:

―Despesas indispensáveis à administração da falência (art. 150)‖; ―Despesas

decorrentes da continuação provisória das atividades (art. 150)‖; ―Créditos

decorrentes de salários vencidos nos 03 meses anteriores à quebra, até o

limite de 05 salários-mínimos por trabalhador (art. 151)‖110; e as restituições,

sejam elas pelo bem especificado, sejam pelo seu equivalente em dinheiro (art.

85 e art. 86 da Lei nº. 11.101/2005).111

105

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 106

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 107

JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2007, p. 253. 108

A autora não faz distinção entre as restituições em dinheiro e as restituições do bem in natura. 109

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 110

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 111

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005.

Page 48: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

46

Coelho112, por sua vez, explica que existem três tipos de antecipação de

pagamento na execução concursal. A primeira refere-se às despesas

indispensáveis à administração da falência (art. 150); a segunda diz respeito

aos valores indispensáveis à continuação provisória das atividades do falido; e

a terceira compreende o pagamento dos ―salários em atraso‖113 de que trata

(segundo esse autor) o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

Coelho114 entende que a previsão contida no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 consiste em uma simples antecipação de pagamento dos créditos

concursais trabalhistas devidos pela massa falida, devendo essa quantia ser

atualizada e deduzida quando do momento do pagamento de que trata o art.

83, I. Referido adiantamento refere-se apenas às verbas de natureza salarial,

pois visa a atender aos salários em atraso dos empregados, tratando-se,

segundo esse autor, de ―medida de tutela da dignidade do empregado‖115,

devido à natureza alimentar desses valores.

Para Coelho116, por se tratar de mera antecipação do pagamento dos

créditos trabalhistas concursais, o art. 151 não estabelece uma nova espécie

de preferência do crédito trabalhista. Por isso, se não houver recursos

suficientes para o pagamento dos credores extraconcursais, não deverá o

administrador pagar os créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores

à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador,

sob pena de responsabilização pessoal pela impossibilidade do pagamento dos

créditos preferenciais.

Se houver recursos para tanto, Coelho117 afirma que, após a realização

das três espécies de antecipação mencionadas, o administrador judicial

procederá ao pagamento dos créditos extraconcursais, depois implementará

112

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 113

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 114

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 115

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 116

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 383. 117

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007.

Page 49: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

47

todas as restituições devidas (em dinheiro ou pela entrega do bem

especificado) e, por último, pagará os créditos concursais.

Referido entendimento de Coelho118 é bastante peculiar e não nos

parece o melhor, pois ele coloca o terceiro (que não é credor) com direito à

restituição em dinheiro atrás dos créditos extraconcursais, ou seja, atrás dos

credores da massa falida.

Para Sztajn119, a norma contida no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 visa

ao pagamento dos créditos trabalhistas referentes aos salários atrasados, por

isso, em regra, terão prioridade sobre os créditos concursais e extraconcursais.

No entanto, a autora120 não se manifesta sobre a posição de mencionado

crédito em relação às restituições (em dinheiro ou in natura). Ainda segundo

Sztajn121, as despesas de pagamento antecipado indispensáveis à

administração da falência e os recursos necessários à continuação provisória

da atividade empresarial (art. 150), quando houver interesse para a massa,

serão pagas com precedência absoluta, inclusive sobre os credores

trabalhistas enquadrados no art. 151, pois visam a proporcionar o próprio

desenvolvimento do processo de falência e beneficiar a comunidade de

credores.

Lima122 e Souza Junior123 interpretam esses dispositivos de outra forma.

Segundo Lima124, somente depois de implementadas todas as

restituições devidas (pelo bem especificado ou em dinheiro) é que devem ser

pagos os créditos extraconcursais, na ordem disposta no art. 84 da Lei nº.

11.101/2005. Para esse autor125, a intenção do legislador, com o art. 150, é

permitir que a sequência disposta no art. 84 seja invertida, excepcionalmente,

para realizar os pagamentos ―indispensáveis à administração da falência,

118

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 119

SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005, p. 405. 120

SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005. 121

SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005. 122

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 123

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 124

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 125

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 50: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

48

inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades‖126. Ele127,

ainda, cita, como exemplo, a possibilidade de antecipação do pagamento das

―despesas com administração da massa‖, previstas no art. 84, III, quando

necessário; das despesas com ―arrecadação, remoção e a guarda de bens‖, a

fim de preservar o ativo do devedor e permitir o pagamento dos credores; bem

como daquelas ―indispensáveis à continuação provisória das atividades da

empresa‖, com o objetivo de preservar os bens tangíveis e intangíveis do falido

até a venda do estabelecimento empresarial (art. 140 e 141), desde que isso

seja conveniente para a massa falida; e até das ―obrigações resultantes dos

atos jurídicos válidos‖ e tributos originários de fatos geradores praticados nesse

período (art. 84, V).128

Ainda de acordo com Lima129, nesse caso, caberá ao administrador

judicial requerer, motivamente, ao Juízo da falência a antecipação do

pagamento das classes de credores extraconcursais que sejam indispensáveis

à administração da falência e/ou continuação provisória das atividades. O juiz

responsável pelo processo poderá, por sua vez, autorizar a tomada dessas

providências caso entenda necessário; tudo de forma fundamentada.

Em relação ao comando normativo contido no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005, Lima130 entende se tratar de uma simples antecipação de

pagamento referente aos créditos trabalhistas concursais a ser feita depois do

pagamento dos créditos extraconcursais.

No mesmo sentido Souza Junior131 se posiciona. Verbis,

De acordo com o art. 149, créditos concursais só serão satisfeitos após pagos os créditos extraconcursais (art. 84) e as restituições, especialmente aquelas em dinheiro (art. 86), e se restar saldo para tanto. Em se mantendo concursal o crédito trabalhista – ainda que parte dele seja pago antecipadamente –, só poderia o administrador

126

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 127

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 128

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.014-1.015. 129

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.015. 130

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 131

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.

Page 51: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

49

realizar seu pagamento se tivesse certeza de que haveria recursos suficientes para satisfazer todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro, sob pena de responder pelos prejuízos causados aos eventuais prejudicados pela pretensa inversão de ordem. Em vista de tudo isso, seria de concluir-se facilmente que, por coerência, o art. 151, assim como o art. 150, devem referir-se à antecipação de pagamento, a ocorrer só no caso de suficiência de recursos. Não se admitiria, neste caso, qualquer espécie de inversão na ordem de classificação dos créditos, não se cogitando de ―superprivilégio‖ ou título que o valha. Ocorre que, como elemento de confusão, há expressa determinação para que as restituições em dinheiro, inclusive de créditos de Adiantamento de Contrato de Câmbio – ACC (art. 86, II), só sejam realizadas após o pagamento dos valores previstos neste art. 151 (art. 86, parágrafo único). A exceção gerou preocupação do Senador Ramez Tebet em limitar os valores pagos aos trabalhadores antes do pagamento dos ACC. E é ela que fundamenta a confusão que tende a levar à defesa da prioridade absoluta dos créditos trabalhistas até 5

salários mínimos, numa espécie de ―superprivilégio‖.132

Para Souza Junior133, a classificação dos créditos trabalhistas não foi

alterada pelo art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 e as restituições continuam com

precedência absoluta na sua satisfação, independentemente da forma que

sejam implementadas.

Segundo esse autor134, o art. 86, parágrafo único, somente será aplicado

quando o administrador verificar a existência, na massa falida, de recursos

suficientes para realizar os pagamentos que antecedem aos créditos

trabalhistas concursais (quais sejam: as restituições e os créditos

extraconcursais). Por isso, Souza Junior135 admite que o adiantamento previsto

no art. 151 seja feito parcialmente, de acordo com as condições financeiras da

massa falida, realizando-se o rateio entre os credores trabalhistas que se

enquadram no mencionado dispositivo a fim de preservar os interesses dos

terceiros titulares do direito à restituição e dos credores extraconcursais.

Em suma, Lima136 e Souza Junior137 advogam a tese de que todas as

restituições, sejam elas pelo bem in natura ou em dinheiro, devem ser

132

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 511-512. 133

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 134

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 135

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 136

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 52: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

50

implementadas antes do pagamento de qualquer credor sob pena de violação

ao direito fundamental de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CRFB/1988.

Assim, para esses últimos autores, a ordem de pagamento dos créditos, na

falência, é a seguinte: em primeiro lugar, realizam-se todas as restituições

devidas (art. 85 e 86); em segundo, passa-se ao pagamento dos créditos

extraconcursais (art. 84); em terceiro, realiza-se a antecipação de pagamento

prevista no art. 151; e em quarto, pagam-se os créditos concursais (art. 83).138

Referido posicionamento parece ser o mais adequado ao ordenamento

jurídico brasileiro uma vez que a CRFB/1988 alçou o direito de propriedade à

categoria de direito fundamental individual. Portanto, a legislação

infraconstitucional deve com ele se compatibilizar sob pena de

inconstitucionalidade. Ao preterir o direito fundamental de propriedade em prol

do pagamento dos credores do falido, o art. 86, parágrafo único, da Lei

11.101/2005, quando trata da restituição em dinheiro fundada no direito de

propriedade, incorre em grave vício de validade. Essa questão será examinada

com maior cuidado nos capítulos seguintes.

Os créditos extraconcursais são aqueles oriundos de obrigações

contraídas após a decretação da falência ou o deferimento da recuperação

judicial. Envolvem as custas judiciais com o processo de falência e seus

incidentes; as despesas de arrecadação, administração e liquidação do ativo;

os tributos oriundos de fatos geradores praticados após a decretação da

falência ou o deferimento da recuperação judicial; bem como das obrigações

resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial

(art. 84).

Ressalte-se que, entre os créditos extraconcursais, incluem-se os

valores decorrentes de obrigações assumidas durante a recuperação judicial

do devedor, caso esta seja convolada em falência. Em outras palavras, se o

devedor não conseguir se recuperar e a sua falência for decretada, os créditos

oriundos das obrigações assumidas nesse período serão considerados

extraconcursais e pagos com preferência sobre aqueles resultantes das

relações jurídicas anteriores ao deferimento da recuperação judicial.

137

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 138

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 53: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

51

Diante do conceito apresentado, verifica-se uma grande semelhança

entre os atuais créditos extraconcursais e os antigos encargos e dívidas da

massa falida. Contudo, essas espécies de classificação não se confundem,

pois estes últimos não abarcavam os valores devidos em virtude de obrigações

e negócios jurídicos válidos praticados durante a concordata, os quais

continuavam sendo considerados créditos concorrentes no caso de decretação

da falência do concordatário e seguiam a ordem prevista no art. 102 do

Decreto-lei nº. 7.661/1945 para pagamento.

Conforme disposição legal expressa do art. 84, I, da Lei nº. 11.101/2005,

os créditos trabalhistas devidos pelos serviços prestados após a decretação da

falência e aqueles decorrentes de acidentes do trabalho ocorridos nesse

período, juntamente com os valores devidos ao administrador judicial e seus

auxiliares pelos serviços prestados durante o trâmite do processo de falência,

constituem a primeira classe dos créditos extraconcursais. Após o pagamento

desta, passa-se para as demais classes dos créditos extraconcursais, previstas

nos incisos II, III, IV e V do art. 84, quais sejam: as ―quantias fornecidas à

massa pelos credores‖; as ―despesas com arrecadação, administração,

realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do

processo de falência‖; as ―custas judiciais relativas às ações e execuções em

que a massa falida tenha sido vencida‖; as ―obrigações resultantes de atos

jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, [...] ou após a

decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a

decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83‖139, que

trata das classes de créditos concursais.

Pagos todos os créditos extraconcursais, inicia-se o pagamento dos

concursais ou concorrentes, que consistem naqueles constituídos antes da

decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial do devedor.

Eles estão ordenados nas oito classes previstas no art. 83 da Lei nº.

11.101/2005.

139

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.

Page 54: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

52

Segundo Lima140, o CC/2002 traz uma orientação geral de privilégio ao

prescrever, no seu art. 961, que ―O crédito real prefere ao pessoal de qualquer

espécie; o crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao

geral‖.141

Contudo, essa preferência sofre exceção, pois, conforme já mencionado,

ontologicamente, não há diferença entre o crédito trabalhista e o crédito

quirografário; ou seja, na essência, o crédito trabalhista é quirografário. Porém,

o legislador, desde 1960, atribui ao credor trabalhista privilégio sobre os demais

a depender da categoria em que se encontre e do critério temporal e/ou

quantitativo (a partir da entrada em vigor da Lei nº. 11.101/2005).

Dessa forma, a primeira classe de credores concursais prevista no inciso

I do art. 83, compreende os créditos trabalhistas até o limite de 150 (cento e

cinquenta) salários mínimos por trabalhador e os créditos decorrentes de

acidente de trabalho (sem limite quantitativo, neste caso). Os créditos que

porventura excederem à quantia acima referida serão classificados como

quirografários e cairão para a sexta posição no rateio.

Em outras palavras, tanto os créditos decorrentes de acidentes do

trabalho como os créditos trabalhistas derivados da legislação do trabalho,

todos proveniente de relações jurídicas anteriores à decretação da falência,

estão inseridos na mesma classe dos credores concursais (primeira). Porém,

enquanto aqueles serão pagos integralmente com precedência sobre os

demais credores concursais, os créditos trabalhistas (de natureza salarial ou

indenizatória) terão preferência limitada a 150 (cento e cinquenta) salários

mínimos por credor. A quantia excedente a esta será incluída entre os créditos

quirografários constantes do QGC.

Alguns autores do ramo do Direito do Trabalho como Câmara142, Rocha,

Zavanella e Silva143 e Souza144, defendem que a limitação do privilégio

140

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 141

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 142

CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. 2006. 143

ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. 2006. 144

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006.

Page 55: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

53

trabalhista a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos é inconstitucional por

afrontar a garantia constitucional à irredutibilidade e intangibilidade salarial em

razão da natureza alimentar dos créditos decorrentes da relação de emprego.

Além disso, para eles, viola princípios trabalhistas como da proteção e da

alteridade, pois vulnera a tutela dos empregados e transfere a estes o risco da

atividade empresarial. Para esses autores, referida limitação visa a preservar,

em maior grau, os credores do empregador do que os empregados que

percebem salários menores, pois trará maior benefício àqueles do que a estes

propriamente.

Nesse sentido, Câmara ainda afirma que ―limitar o valor a ser percebido

preferencialmente na falência, analogicamente pode ser comparado a (sic)

dedução mensal de parcela do salário dos empregados para saldar dívida do

empregador‖.145

Contudo, para a doutrina de Direito Empresarial, especialmente para

Lima146, referida limitação, além de constitucional, é necessária para evitar que

grande parte do ativo do devedor seja consumido pelo pagamento dos

trabalhadores credores de altos valores. Isso permite que todos participem do

rateio de forma proporcional caso não haja dinheiro suficiente para satisfação

de todos os créditos. Além disso, evita que sejam feitos altos pagamentos a

―falsos credores‖ que, em conluio com o devedor, porventura possam simular

elevados valores de créditos com o objetivo de propiciar, ao falido, a

recuperação de parcela das quantias despendidas para pagamento dos

créditos simulados, em prejuízo dos demais credores. Nas palavras desse

autor: ―Na prática falimentar, a limitação é louvável, porque: (a) prestigia os

trabalhadores com menor remuneração; e (b) evita fraudes recorrentes nas

falências brasileiras‖.147

Sobre essa questão, o STF, na já mencionada ADI nº. 3.934-2, ajuizada

pelo PDT, tendo sido admitido como amicus curiae o Sindicato Nacional dos

Aeroviários e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), não vislumbrou

qualquer inconstitucionalidade no fato de o art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 ter

145

CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. 2006, p. 37. 146

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 147

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 537.

Page 56: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

54

limitado a preferência do crédito trabalhista a 150 (centro e cinquenta) salários

mínimos, atribuindo à eventual valor excedente a classificação de crédito

quirografário.148

Para o Relator149, Ministro Ricardo Lewandowski, essa limitação de valor

para o privilégio trabalhista não viola a CRFB/1988 porque não implica a ―perda

de direitos por parte dos trabalhadores‖150, já que esses créditos ―não deixam

de existir nem se tornam inexigíveis‖ 151, mas apenas mudam de classificação.

Ressaltando a mudança de paradigma promovida pela Lei nº.

11.101/2005 em relação ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, passando da proteção

ao credor para a preservação da empresa enquanto entidade geradora de

renda e de riqueza, o Ministro Relator152 mencionou a adequação do art. 83, I,

da Lei nº. 11.101/2005 ao art. 7.1 da Convenção 173 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT)153 que admite a limitação do privilégio

trabalhista em caso de falência do empregador, desde que garantido o ―mínimo

essencial à sobrevivência do empregado‖154. Verbis, ―Art. 7 — 1. A legislação

nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um

montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente

aceitável‖.155

148

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 149

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 150

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 26. 151

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 26. 152

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 153

A Convenção 173 da OIT ainda não foi ratificada pelo Brasil. 154

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 155

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27.

Page 57: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

55

Segundo o Relator, o valor fixado no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 é

razoável e abriga ―uma preocupação de caráter distributivo‖156, pois estabelece

―um critério o mais equitativo possível no que concerne ao concurso de

credores‖.157 Ainda para ele,

... ao fixar um limite máximo – bastante razoável, diga-se – para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei nº. 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.

158

De acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski159, referido valor não é

injusto ou arbitrário, pois, conforme dados do Tribunal Superior do Trabalho

(TST), poucos trabalhadores percebem remuneração superior a 150 (cento e

cinquenta) salários mínimos e aqueles que recebem estão entre os que

ocupam os cargos mais elevados das sociedades.

Nas palavras do Ministro,

Foi precisamente o dever estatal de proteger os direitos dos trabalhadores que determinou a fixação de regras que tornem viável a percepção dos créditos trabalhistas pelo maior número possível de credores, ao mesmo tempo em que se buscou preservar, no limite do possível, os empregos ameaçados de extinção pela eventual quebra da empresa sob recuperação ou em processo de falência.

160

Finalizando, concluiu o Relator161 que o art. 83, I e VI, da Lei nº.

11.101/2005 não viola a CRFB/1988, porque não inviabiliza o pagamento

integral do crédito trabalhista e protege o patrimônio do trabalhador,

156

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 157

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 158

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27-28. 159

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 28-29. 160

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 29. 161

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 30-31.

Page 58: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

56

principalmente dos mais vulneráveis economicamente. Da mesma forma, não

há inconstitucionalidade na fixação dos créditos trabalhistas privilegiados em

salários mínimos, pois a CRFB/1988 veda que ele seja utilizado como índice

―indexador de prestações periódicas, e não como parâmetro de indenizações

ou condenações‖. 162

Com os argumentos sinteticamente reproduzidos acima, o Relator julgou

improcedente a ADI nº. 3.934-2, no que foi acompanhado, neste ponto, pelos

Ministros Cármem Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluzo, Ellen

Gracie, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O Ministro Carlos Britto, isoladamente,

votou pela inconstitucionalidade do art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005.

O Ministro Cezar Peluzo163, acompanhando o Relator, ressaltou, ainda,

que a CRFB/1988 não traz nenhum dispositivo que reconheça a existência de

um direito subjetivo dos trabalhadores à homogeneidade no pagamento de

seus créditos na falência e na recuperação judicial, tratando-se de matéria

específica da legislação infraconstitucional.

O Ministro Marco Aurélio164, em seu voto, foi além do Ministro Cezar

Peluzo ao mencionar que a CRFB/1988 não traz nenhum dispositivo que trate

da preferência dos créditos trabalhistas na falência classificando-os como

privilegiado ou quirografário. Portanto, esta matéria é integralmente regulada

pela legislação infraconstitucional. Ressaltou, ainda, este Ministro165 que, se

alguma inconstitucionalidade há no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005, esta

reside apenas na vinculação do valor do crédito trabalhista privilegiado ao

salário mínimo, em contrariedade ao disposto no art. 7º, IV, da CRFB/1988.

162

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 30-31. 163

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 43. 164

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 50-51. 165

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 50-51.

Page 59: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

57

O Ministro Carlos Britto166, em divergência, votou pela declaração de

inconstitucionalidade, com redução de texto do art. 83, I, da Lei nº.

11.101/2005, para que sejam considerados privilegiados ―Os créditos derivados

da legislação do trabalho, limitados a legislação do trabalho‖ 167, devido à

natureza alimentar de referido crédito e do direito social ao salário. Porém,

esse entendimento foi isolado.

Com isso, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ADI 3.934-2, no

que tange à suposta inconstitucionalidade do art. 83, I, e VI, ‗c‘, da Lei

11.101/2005.

No que tange à cessão dos créditos sujeitos à falência, tem-se que o art.

286 do CC/2002 concede essa possibilidade ao credor desde que não haja

oposição da parte contrária, da lei ou da natureza da obrigação. Nesse caso,

em regra, também se aplica o art. 349 do CC/2002, que determina a

transferência, ao novo credor, de ―todos os direitos, ações, privilégios e

garantias‖168 do credor originário, pois a classificação dos privilégios baseia-se

na natureza do crédito e não do credor. Dessa forma, em regra, cedido um

crédito com privilégio especial a terceiro, este manterá o mesmo privilégio do

credor primitivo; cedido um crédito quirografário, este assim se manterá,

independentemente da pessoa do cessionário; e assim por diante.

Contudo, essa regra sofre exceção no que tange à cessão de créditos

trabalhistas, pois o §4º do art. 83 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve que o

crédito trabalhista cedido a terceiro será considerado crédito quirografário,

caindo, dessa forma, drasticamente de classificação quando da implementação

dos pagamentos. O objetivo disso é evitar especulações financeiras em torno

da cessão de créditos trabalhistas, obstaculizando a sua ―comercialização‖ em

prejuízo dos trabalhadores.

Depois do pagamento dos créditos concursais de primeira classe, passa-

se às demais, em conformidade com o art. 83 da Lei nº. 11.101/2005, na

seguinte ordem: os ―créditos com garantia real até o limite do valor do bem

166

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 40. 167

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 40. 168

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215.

Page 60: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

58

gravado‖; os ―créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo

de constituição, excetuadas as multas tributárias‖; os ―créditos com privilégio

especial‖ assim considerados aqueles previstos no art. 964 do CC/2002, em

outras leis civis e comerciais, salvo se houver impedimento estabelecido pela

Lei nº. 11.101/2005, e aqueles aos quais a lei confira direito de retenção sobre

o bem dado em garantia; os ―créditos com privilégio geral‖ assim entendidos

aqueles previstos no art. 965 do CC/2002, no parágrafo único do art. 67 da Lei

nº. 11.101/2005 (ou seja, os créditos quirografários sujeitos à recuperação

judicial dos fornecedores que continuaram mantendo relações jurídicas com o

devedor durante o período de recuperação, em caso de convolação desta em

falência), e aqueles ―assim definidos em outras leis civis ou comerciais, salvo

disposição contrária‖ da Lei nº. 11.101/2005; os ―créditos quirografários‖, tais

como ―aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo‖, ―os saldos dos

créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu

pagamento‖ e ―os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que

excederem o limite‖ de 150 salários mínimos por trabalhador; ―as multas

contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou

administrativas, inclusive as multas tributárias‖; os ―créditos subordinados‖

como aqueles ―previstos em lei ou contrato‖ e ―os créditos dos sócios e dos

administradores sem vínculo empregatício‖.169

Diante dessas considerações, verifica-se a existência de quatro

situações distintas para classificação do crédito trabalhista, quais sejam: ―os

créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três)

meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-

mínimos por trabalhador‖170 (art. 151); os créditos extraconcursais (que

compreendem os créditos trabalhistas e os créditos decorrentes de acidente do

trabalho ocorridos após a decretação da falência), entre os quais se incluem os

valores devidos ao administrador judicial e seus auxiliares (art. 84, I); os

créditos concursais de primeira classe, ou seja, aqueles derivados da

legislação do trabalho, até o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos

169

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 170

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.

Page 61: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

59

por trabalhador, e de acidente do trabalho, sem limitação (art. 83, I); e os

créditos concursais de sexta classe, isto é, os créditos trabalhista que

excederem o limite estabelecido no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 (art. 84,

VI, ‗c‘), além daqueles dessa natureza cedidos a terceiro (art. 84, VI, ‗c‘, c/c

§4º).

Percebe-se, dessa forma, que o privilégio preconizado pela Lei nº.

11.101/2005 não é mais tão absoluto como aquele instituído pelo Decreto-lei

nº. 7.661/1945 (após alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960).

O legislador da Lei nº. 11.101/2005, apesar de ter estabelecido uma

nova divisão para as classes de credores que concorrem na falência (no nosso

entendimento, mais organizado que a ordem prevista na antiga lei), procurou

manter o privilégio trabalhista em cada uma delas a fim de preservar a

preferência dos trabalhadores sem prejudicar os outros credores (da mesma ou

de outra classe), além de tentar preservar a atividade empresarial.

3 AÇÃO RESTITUITÓRIA

3.1 Conceito e finalidade

A ação restituitória é uma ação incidental à ação falimentar, de rito

ordinário, proposta pelo legítimo titular de determinado bem arrecadado pelo

administrador judicial (ou síndico, segundo o Decreto-lei nº. 7.661/1945) em

poder do falido, a fim de reaver a posse sobre o mesmo. Segundo Requião, ―o

pedido de restituição constitui uma verdadeira ação de natureza incidente em

relação ao procedimento falimentar‖.171

Abrão172 ensina que a restituição não importa em empobrecimento da

massa falida, pois ela apenas destaca do patrimônio do falido o bem que não

lhe pertence, evitando-se, com isso, prejuízo a terceiro. Nas palavras desse

autor,

171

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 278. 172

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda. – LEUD. 1991.

Page 62: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

60

A restituição não tem o condão de per si de empobrecer a massa falida e reduzir o patrimônio que serve de garantia aos credores. Ao revés, o procedimento tem o intuito de identificar e atribuir a legitimidade em relação a determinado bem, impedindo que o súbito desapossamento acarrete prejuízo irreparável.

173

Existem duas espécies de ações restituitórias: a ordinária e a

extraordinária. Todavia, elas se diferem apenas quanto ao aspecto de direito

material, pois, no âmbito do direito processual, o procedimento é o mesmo para

ambas.

A primeira está prevista no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 e

pauta-se no direito de propriedade, pois pode ser manejada pelo proprietário do

bem arrecadado pelo administrador judicial no juízo falimentar para reaver a

posse sobre o mesmo.

A segunda, por seu turno, é proposta pelo credor que vendeu

mercadoria a crédito ao falido e cuja entrega efetivou-se nos quinze dias

anteriores à protocolização do pedido de falência (art. 85, parágrafo único, da

Lei nº. 11.101/2005). Ela se funda no princípio da boa-fé, já que, nessas

hipóteses, o legislador presume que o devedor realizou negócio jurídico a

crédito ciente do seu estado de insolvência, em prejuízo do vendedor. No

entanto, a ação restituitória somente poderá ser ajuizada sob esse fundamento

se referidos bens não tiverem sido alienados pelo falido a terceiros de boa-fé;

caso em que deverá o credor habilitar o seu crédito na classe respectiva.

Abrão174 ensina que a ação restituitória extraordinária surgiu após o

crash da Bolsa de Nova Iorque, com o Decreto nº. 5.746/1929 que prescrevia o

cabimento do pedido de restituição a fim de permitir ao vendedor reaver ―As

coisas vendidas a crédito nos quinze dias anteriores ao requerimento da

concordata preventiva ou decreto de falência, que ainda se encontrassem em

poder do devedor‖ (art. 138, §5º, do Decreto nº. 5.746/1929).175 Essa questão

será tratada de forma mais detalhada nos próximos subtítulos deste capítulo.

O revogado Decreto-lei nº. 7.661/1945, no art. 76, previa expressamente

a possibilidade do pedido de restituição fundado em direito real ou em contrato.

Nesse sentido, afirma Miranda Valverde176 que quando fundada no direito de

173

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 174

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 175

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 14. 176

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II.

Page 63: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

61

propriedade, a ação tem natureza real reivindicatória; por outro lado, quando

fundada em direito obrigacional, a ação tem natureza pessoal restituitória.

Verbis,

Quando o fundamento do pedido é a propriedade, temos a ação real reivindicatória, de natureza extracontratual e subsidiária; quando o pedido se baseia em relação de obrigação, de origem contratual, temos a ação pessoal restituitória.

177

Waldemar Ferreira178 também entende que essa ação tem dupla

natureza jurídica: quando fundada no direito de propriedade terá natureza de

direito real, porém com a especificidade de ser cabível apenas no processo

falimentar; se, porém, fundar-se no direito obrigacional, sua natureza será de

ação pessoal com finalidade de reivindicação. Nas palavras do autor,

Podendo-se, na conformidade do art. 76179

, pedir a restituição de coisa arrecada em poder do falido, quando devida em virtude de direito real ou contrato – tem-se, da mesma ação, duas espécies distintas. É a primeira a ação em virtude de direito real, que compete ao senhor da coisa, que foi arrecadada em poder do falido, a fim de a reaver. É a ação de reivindicação. Funda-se no direito de propriedade ou em qualquer dos direitos elementares do domínio; mas se compadece com as contingências do estado de falência. É a segunda a ação em virtude do contrato, por efeito da nulidade, condição ou inadimplência dêste. Anulado ou resolvido, devolver-se-á a coisa que, sem violência e por efeito do contrato, o falido adquirira a crédito. É a ação de restituição, ação pessoal, que contém, ínsita em sua essência, a reivindicação. Resolver-se-á o domínio, que volverá ao contratante, pela conversão do direito de crédito no de propriedade, que autorizará o pedido de restituição.

180

No mesmo sentido, Abrão afirma que ―A objetividade exposta nos

intuitos propostos, indica a existência de uma ação reivindicatória calcada no

direito real e uma reivindicatória imprópria lastreada em direito pessoal‖.181

Decretada a falência do devedor, o administrador judicial nomeado pelo

juiz será chamado a assinar o termo de compromisso de que trata o art. 33 da

Lei nº. 11.101/2005. Depois disso, ele efetuará a arrecadação dos bens e

direitos em poder do falido, procedendo a sua avaliação, isoladamente ou em

177

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 47-48. 178

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º. 179

Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 180

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 96. 181

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 32.

Page 64: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

62

bloco, no local onde se encontrarem, os quais ficarão sob a sua guarda ou de

outra pessoa por ele designada (art. 108 da Lei nº. 11.101/2005).

A ação restituitória, conforme ensina Simionato182, tem a única finalidade

desconstituir a arrecadação de bens de terceiro pela massa falida a fim de

evitar o enriquecimento ilícito desta em prejuízo daquele. Isso porque, o

administrador judicial tem o dever legal de arrecadar todos os bens, direitos e

documentos que encontrar na posse do falido sob pena de responsabilidade

civil, penal e destituição da função, independentemente de haver terceiro que

se apresente como legítimo titular em decorrência de direito real ou de

contrato.

Nesse caso, cabe ao administrador judicial anotar a reivindicação do

interessado, ficando este com o encargo de ajuizar a ação restituitória no juízo

falimentar, pois somente o juiz da falência é competente para declarar esse

direito e determinar a restituição do bem in natura ou o seu equivalente em

dinheiro.

A petição inicial da ação restituitória deve ser fundamentada,

descrevendo a coisa reclamada, e será autuada em autos apartados ao da

falência juntamente com os documentos que a instruem, sendo que a sua

simples distribuição já é suficiente para suspender a disponibilidade do bem até

o trânsito em julgado da demanda.

Almeida183 defende a possibilidade da antecipação de tutela na ação

restituitória, desde que haja pedido do autor, sejam obedecidas as disposições

do art. 273 do CPC e seja prestada caução pelo requerente. Verbis,

―Concluímos, por fim, sobre a possibilidade da antecipação de tutela feita em

pedido de restituição, quando preenchidas as hipóteses do artigo 273 do

Código de processo Civil e desde que garantida por meio de caução.‖184

182

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 183

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 184

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 322.

Page 65: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

63

Prescreve o art. 89 da Lei nº. 11.101/2005 que, julgada improcedente a

restituitória, a sentença ―quando for o caso‖185, incluirá o reivindicante na

devida classificação do quadro geral de credores (QGC).

Já o art. 77, §5º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945, ao dispor que ―A

sentença que negar a restituição, pode mandar incluir o reclamante na

classificação que, como credor, por direito lhe caiba‖186, parecia estabelecer

uma faculdade, ao juiz, para que assim procedesse.

Segundo Abrão187, o art. 77, §5º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945 trazia

uma possibilidade conferida pela lei ao julgador a fim de prestigiar a economia

processual. Esse autor188, contudo, não explica se referido comando normativo

conferia uma faculdade ao juiz de determinar a inclusão do nome do autor do

pedido de restituição no QGC ou um direito subjetivo ao reivindicante

sucumbente na ação restituitória (ou seja, um dever do juiz). Nesses termos,

Poderá, outrossim, o julgador negar a restituição e, de forma específica, mandar incluir o terceiro na qualidade de credor, por direito que lhe caiba, de acordo com o disposto no artigo 77, §5º, do Decreto (sic) 7661/45. Cuida-se, a toda evidência, de mecanismo que objetiva economia processual e evita que o terceiro se veja prejudicado por eventual delonga na lide incidental, permitindo-lhe a classificação direta do seu crédito, como quirografário. Repelida a restituição, eis que indemonstrados os respectivos requisitos de fundo, sai o terceiro da situação peculiar que o nomen iuris lhe assegura e não é mais titular de um valor extraconcursal, mas apenas credor comum por força da declaração emanada do decisório.

189

O art. 89 da Lei nº. 11.101/2005, ao estabelecer que ―A sentença que

negar a restituição, quando for o caso, incluirá o requerente no quadro-geral de

credores, na classificação que lhe couber...‖190, parece conceder um direito

subjetivo ao reivindicante sucumbente e não uma faculdade ao magistrado.

Isso porque a expressão ―quando for o caso‖ não denota possibilidade. Assim,

185

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 186

BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 187

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 188

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 189

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 143-144. 190

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.

Page 66: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

64

se, ao julgar improcedente a ação restituitória, o juiz entender estar provado

que não se trata de hipótese de restituição, mas de verdadeiro crédito (sem

indícios de fraude na propositura da demanda para prejudicar a massa falida),

incluirá o nome do seu autor no QGC, na classe que couber.191

A sentença de procedência determinará a restituição do bem no prazo

máximo de quarenta e oito horas, caso em que a massa falida, se não

contestar o pedido, não será condenada em honorários advocatícios.

A decisão que julgar o pedido é recorrível por apelação sem efeito

suspensivo. Se, porém, o reivindicante pretender a restituição do bem

reclamado antes do trânsito em julgado da ação, deverá prestar caução a fim

de acautelar eventual reforma da sentença.

Obtendo êxito na restituição, o requerente deverá ressarcir, à massa

falida ou àquele que tiver sido incumbido da sua guarda, as despesas com a

conservação do bem.

Tendo de ser feita em dinheiro a restituição e havendo vários

requerentes sem que haja saldo suficiente para tanto, far-se-á o rateio

proporcional entre os reivindicantes. Mas, conforme dispõe o art. 151 da Lei nº.

11.101/2005, isso somente poderá ocorrer após o pagamento dos créditos

trabalhistas de natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à

decretação de falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador.

Percebe-se, com clareza, a preterição do direito à restituição em dinheiro em

prol do pagamento dos credores trabalhistas em grave violação ao art. 5º, XXII,

da CRFB/1988. Contudo, a validade dessa regra será mais bem analisada no

decorrer deste trabalho.

3.2 Origem

191

Apenas a título de exemplo, no julgamento do REsp nº. 501.401/MG, o Ministro Barros Monteiro, julgou improcedente a ação restituitória, mas votou pela inclusão do nome da autora reivindicante na classe dos credores quirografários do QGC. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 501.401/MG. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Segunda Seção Diário de Justiça, Brasília, 03 nov. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=420290&sReg=200201768250&sData=20041103&formato=PDF>. Acessado em 25 out. 2012)

Page 67: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

65

Os antecedentes históricos da ação restituitória, tal como a conhecemos

hoje, é tratado por Carvalho de Mendonça192 e Requião193. Segundo esses

autores, ela teve origem na ação romana da reivindicatio (ação reivindicatória)

do Direito Civil, porém com hipóteses de cabimento mais amplas na falência,

pois fundada não apenas no direito real, mas também em direito pessoal.

O Código Napoleônico (Code de Commerce) manteve a acepção

abrangente da antiga ação reivindicatória do Direito Romano, garantindo a

qualquer pessoa o direito de reivindicar a coisa (móvel ou imóvel) que lhe

pertença quando do decreto falimentar, mas se encontre, legitimamente ou

não, em poder do falido.

Segundo Carvalho de Mendonça,

Se, pois, declarada a fallencia, se encontram na posse, ou méra detenção do devedor, bens de alheia propriedade, ou que a lei manda expressamente afastar da massa, impõem-se a separação e a restituição desses bens aos seus donos. O direito de afastar, de retirar da massa activa da fallencia, a qual se juntaram sómente de facto, bens, ou direitos de terceiros, diz-se a reivindicação na fallencia, phrase aliás não muito feliz, porque esta reivindicação é mais extensa do que a reivindicação em direito civil, desde póde ter por base não só um direito real, mas, tambem, um direito pessoal.

194

E ainda,

Os principios da reivindicação in genere, principalmente sobre as cousas moveis, são, entretanto, no instituto da fallencia, modificados para se emprestar os direitos de proprietario a credores do fallido que, dispondo, por occasião da declaração da fallencia, de uma acção pessoal (um direito obrigacional, um direito de credito), por motivos particulares, merecem da lei protecção ou condescendencia especial. No trafico, muitas vezes, o proprietario cede a outrem a posse de cousas suas, com fundamento em uma daquellas varias e multiplas relações, que se originam nas necessidades da vida mercantil.

195

192

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 2ª ed. atualizada por Achilles Bevilaquia e Roberto Carvalho de Mendonça. Livro V: da Fallencia e da Concordata preventiva. Livraria Editora Freitas Bastos. 1934. Vol. VIII. 193

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 194

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 273. 195

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 275.

Page 68: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

66

Conforme observa Requião196, o Código Comercial brasileiro de 1850197

(primeira legislação brasileira a tratar da falência), seguindo o modelo do

Código Napoleônico, criou a classe especial dos credores de domínio nos art.

873198 e 874199, que passaram a se chamar credores reivindicantes após a

edição do Decreto nº. 917, de 24 de outubro de 1890200, o qual revogou

tacitamente a ―Parte Terceira do Código Comercial‖ que tratava ―Das Quebras‖.

Nas palavras de Carvalho de Mendonça201, eram chamados

―reivindicantes‖ aqueles a quem a lei atribuía o ―direito de reivindicação‖. Essas

expressões, segundo ele, merecem crítica, ao contrário da doutrina alemã que

denomina ―separatistas‖ aqueles que possuem o ―direito de separação‖. Nestes

termos,

Na legislação allemã, o direito de reivindicar na fallencia denomina-se, conforme as fontes romanas, direito de separação (Aussonderungrecht), e aquelles a quem cabe se chamam

196

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 197

BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 198

Art. 873 - Os credores do falido serão descritos em quatro relações distintas, segundo a natureza dos seus títulos: na primeira serão lançados os credores de domínio: na segunda os credores privilegiados: na terceira os credores com hipoteca: e na quarta os credores simples ou chirografários (sic). (BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 199

Art. 874 - Pertencem à classe de credores do domínio: 1 - Os credores de bens que o falido possuir por título de depósito, penhor, administração, arrendamento, aluguel, comodato, ou usufruto; 2 - Os credores de mercadorias em comissão de compra ou venda, trânsito ou entrega; 3 - Os credores de letras de câmbio, ou outros quaisquer títulos comerciais endossados sem transferência da propriedade (art. 361 n. 3); 4 - Os credores de remessas feitas ao falido para um fim determinado; 5 - O filho famílias, pelos bens castrenses e adventícios, o herdeiro e o legatário pelos bens da herança ou legado, e o tutelado pelos bens da tutoria ou curadoria; 6 - A mulher casada: I. pelos bens dotais, e pelos parafernais que possuísse antes do consórcio, se os respetivos títulos se acharem lançados no Registro do Comércio dentro de quinze dias subsequentes à celebração do matrimônio (art. 31): II. pelos bens adquiridos na constância do consórcio por título de doação, herança ou legado com a cláusula de não entrarem na comunhão, uma vez que se prove por documento competente que tais bens entrarão efetivamente no poder do marido, e os respectivos títulos e documentos tenham sido inscritos no Registro do Comércio dentro de quinze dias subsequentes ao do recebimento (art. 31); 7 - O dono da coisa furtada existente em espécie; 8 - O vendedor antes da entrega da coisa vendida, se a venda não for a crédito (art. 198). [...] (BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 200

BRASIL. Decreto nº. 917, de 24 de outubro de 1890. Reforma o codigo commercial na parte III. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 13 mar. 2012. 201

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII.

Page 69: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

67

separatistas ex jure dominii. Essas expressões são incontestavelmente mais justificaveis do que aquellas outras.

202

Entre os chamados credores de domínio, estavam incluídos os

proprietários de coisas que estivessem em poder do falido a título de posse ou

detenção, o credor pignoratício, o depositante, o locador, o comodante, o nu

proprietário (no caso de usufruto), bem como aqueles que tivessem confiado

bens à administração do devedor; os credores de mercadoria em comissão de

compra ou venda; os credores de letra de câmbio endossada, mas sem

transferência da propriedade; e os credores de remessas monetárias feitas

pelo falido para fim específico.

O art. 875 do Código Comercial de 1850 estabelecia quais bens não

estavam incluídos nessa classe; Verbis:

Art. 875. O depósito de gênero sem designação da espécie, e o dinheiro que vencer juros, não entram na classe de créditos do domínio; desta natureza são também as somas entregues a banqueiros para serem retiradas à vontade, vençam ou não juros.

203

O Decreto nº. 917/1890 foi posteriormente revogado pela Lei nº. 859, de

16 de agosto de 1902204, que estabeleceu, no seu art. 76205, as classes dos

202

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 273-274. 203

BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 204

BRASIL. Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 22 ago. 1902. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-859-16-agosto-1902-584407-republicacao-108160-pl.html>. Acessado em 17 mar. 2012. 205

Art. 76. São credores reivindicantes, quer tenham acção real ou reipersecutoria, quer não, propriedade plena ou jus in re: a) o dono de cousa adquirida pelo fallido de quem não era o proprietario; b) o dono de cousa em poder do fallido por titulo de deposito, penhor, antichrese, administração, arrendamento, commodato, usofructo, uso ou habitação; c) os donos de mercadorias em commissão de compra ou venda, transito ou entrega; d) o dono de cousa, embora fungivel, em poder do fallido por effeito de mandato, inclusive dinheiro, effeitos de commercio ou titulos a elles equiparados, endossados sem transferencia de propriedade, ainda não pagos ou em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da fallencia; e) o dono de cousa furtada, roubada, extorquida ou obtida por falsidade, estellionato ou outras fraudes; f) o dono de titulos ao portador, que forem perdidos, furtados, roubados, extorquidos ou obtidos por falsidade, estellionato ou outras fraudes, si o fallido for quem os achou ou obteve por esses meios, ou os recebeu sabendo a origem viciosa da posse; g) o vendedor de bens immoveis, embora feita a tradição, ainda não pago do preço da venda, salvo si o tiver creditado ao comprador; h) o vendedor depois da entrega da cousa vendida a credito, si reservou a propriedade até o pagamento ou si, á venda a credito, foi induzido por dolo do comprador;

Page 70: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

68

credores reivindicantes por meio da ação real ou reipersecutória, mantendo

algumas previsões das leis anteriores.

Em 17 de dezembro de 1908, foi publicada a Lei nº. 2.024206, de autoria

de Carvalho de Mendonça, instituindo a ―Lei sobre Falência‖, cujo Título IX

tratou da reivindicação, estabelecendo no seu art. 138207 os bens que podem

ser objeto dessa ação. Essa lei também contemplava os embargos de terceiro

senhor e possuidor no art. 140208, que poderiam ser manejados por terceiros

i) o vendedor de cousa expedida ao fallido, si a este não foi entregue o conhecimento, antes de declarada a fallencia; j) a mulher casada pelos bens: I, dotaes estimados para qualquer effeito; II, paraphernaes; III, incommunicaveis sob o regimen da communhão; IV, que não respondam por dividas anteriores ao casamento; V, pelas arrhas o doações ante-nupciaes, feitas pelo futuro marido, quando insinuadas; k) os filhos menores, legitimos, legitimados ou reconhecidos, pelos bens castrenses, quasi castrenses e adventicios; l) os tutelados e curatelados pelos bens que lhes pertencerem; e quanto ás cousas adquiridas pelo tutor ou curador, em seu proprio nome, com bens ou producto de bens dos mesmos tutelados ou curatelados; m) os herdeiros e legatarios pelos bens da herança ou legado; n) os que tiverem feito remessas para um fim determinado. [...] (BRASIL. Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 22 ago. 1902. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-859-16-agosto-1902-584407-republicacao-108160-pl.html>. Acessado em 17 mar. 2012) 206

BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012. 207

Art. 138. Poderão ser reivindicados na fallencia os objectos alheios encontrados em poder do fallido, e tambem, nos seguintes casos especiaes, ainda que fundados em um direito pessoal: 1. As cousas em poder do fallido a titulo de mandato, deposito regular, penhor, antichrése, administração, arrendamentos commodato, usofructo, uso e habitação. 2. As mercadorias em poder do fallido a titulo de commissão de compra ou venda, transito ou entrega. Cessará a reivindicação si as mercadorias tiverem sido vendidas e o preço creditado em conta corrente por autorização ou ordem do dono. 3. Os titulos de credito á ordem transferidos ao fallido para effectuar a cobrança e guardar o valor por conta do dono ou mesmo a applicar a pagamentos designados, ainda que se achem em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da declaração da fallencia. Esta disposição se applica tambem aos titulos ao portador. 4. As cousas não pagas integralmente, expedidas pelo vendedor ao fallido, emquanto não chegarem ao poder do mesmo fallido, de seu agente ou commissario. Não poderão ser reivindicadas, porém, as mercadorias que o fallido, antes da fallencia, revenderá sem fraude, á vista das facturas ou conhecimentos de transporte, entregues ou remettidos pelo vendedor, embora taes mercadorias não tivessem ainda chegado effectivamente ao poder do mesmo fallido, seu agente ou commissario. 5. As cousas vendidas a credito nas vesperas da fallencia e ainda em poder do fallido, tendo sido o vendedor induzido por dólo ou fraude do mesmo fallido. [...] (BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012.) 208

Art. 140. Si entre os bens sequestrados ou arrecadados pela massa se acharem bens de terceiro, estes poderão logo reclamal-os por embargos de terceiro senhor e possuidor,

Page 71: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

69

esbulhados em sua posse nas hipóteses não contempladas pela ação

reivindicatória.

Em 1929, com o crash da bolsa de valores dos Estados Unidos, houve o

aumento da insegurança jurídica devido à instabilidade econômica que se

instaurava causando a crise de diversos comerciantes, o que culminou no

crescente número de pedidos de falência e concordata. Esse fato gerou a

necessidade de maior intervenção do Estado na ordem econômica a fim de

conferir maior estabilidade às relações jurídicas tão fragilizadas à época.

A fim de proteger os interesses dos comerciantes que celebravam, entre

si, contratos de compra e venda mercantil a prazo o legislador pensou numa

ação que tivesse a mesma finalidade da ação reivindicatória, porém, como

instituto próprio do Direito Falimentar, criando a ação reivindicatória

extraordinária (além da ação reivindicatória ordinária, já existente).

Nesse contexto histórico, foi publicado o Decreto nº. 5.746, de 9 de

dezembro de 1929209, que manteve a nomenclatura até então utilizada,

tratando da reclamação reivindicatória nos art. 138 a 143 e prevendo, no art.

138210, aquilo que poderia ser reivindicado na falência.

deduzindo o seu direito em tres dias contados da data do despacho proferido em sua petição, juntando titulo de dominio e provando, no mesmo prazo, posse natural ou civil com effeitos da natural. § 1º Autoada a petição e recebida por embargos, em apartado, haverão vista os syndicos ou liquidatarios por tres dias, dentro dos quaes juntarão documentos e produzirão qualquer outra prova. § 2º Findo o triduo, o juiz dará a sua sentença, da qual cabe aggravo de petição, que poderá tambem ser interposto por qualquer credor. (BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012) 209

BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012. 210

Art. 138. Poderão ser reivindicados na concordata preventiva e na fallencia os objectos alheios encontrados em poder do fallido, e tambem, nos seguintes casos, ainda que fundados em um direito pessoal. 1º As cousas em poder do fallido a titulo de mandato, deposito regular, penhor, antichrése, administração, arrendamento, commodato, usufructo, uso e habitação. 2º As mercadorias em poder do fallido a título de commissão de compra ou venda, trânsito ou entrega. Cessará a reivindicação si as mercadorias tiverem sido vendidas e o preço creditado em conta corrente por autorização ou ordem do dono. 3º Os titulos de crédito á ordem transferidos ao fallido para effectuar a cobrança e guardar o valor por conta do dono ou mesmo a applicar a pagamentos designados, ainda que se acham em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da declaração da fallencia. Esta disposição se applica tambem aos titulos ao portador. 4º As cousas não pagas integralmente, expedidas pelo vendedor ao fallido, emquanto não chegarem ao poder do mesmo fallido, de seu agente ou commissario.

Page 72: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

70

O Decreto nº. 5.746/1929 trouxe duas importantes modificações no

cabimento da ação reivindicatória: a primeira foi a previsão da reivindicatória

extraordinária (atual restituitória extraordinária), permitindo ao vendedor de

mercadorias compradas a crédito pelo falido nos quinze dias antecedentes ao

decreto falimentar reaver a posse das mesmas; a segunda foi a extensão da

reclamação reivindicatória (que até então tinha cabimento restrito à falência) à

concordata preventiva, visando à restituição de coisas existentes no patrimônio

do concordatário e podendo ter fundamento em direito real ou pessoal (art.

139211). Segundo Miranda Valverde,

Sob o título ―Da reivindicação‖, tratava a lei revogada212

do direito à restituição de coisas existentes na massa falida, baseado em duas ordens de relações jurídicas: I, direito à restituição, fundado em relação de domínio; II, direito à restituição, fundado em relação de obrigação, compreendendo: a) direito à restituição preexistente à

Não poderão ser reivindicadas, porém, as mercadorias que o fallido, antes da fallencia, revendera sem fraude, á vista das facturas ou conhecimentos de transporte, entregues ou remettidas pelo vendedor embora taes mercadorias não tivessem ainda chegado effectivamente ao poder do mesmo fallido, seu agente ou commissario. 5º As cousas vencidas a credito nos 15 dias anteriores ao requerimento da concordata preventiva ou á declaração da fallencia, que ainda se encontrarem em poder do devedor. 6º As cousas vendidas a credito nos 40 dias anteriores ao requerimento da concordata preventiva ou á declaração da fallencia, que ainda se encontrarem em poder do devedor, tendo sido o vendedor induzido por dolo ou fraude do mesmo devedor. (BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012.) 211

Art. 139. A reclamação reivindicatoria será dirigida, ao juiz, contendo a exposição do facto e allegação do direito applicavel. § 1º O juiz mandará autoar em separado o requerimento e documentos, que o instruirem, e ouvir o fallido e o syndico ou liquidatario, que responderá dentro do prazo de cinco dias, tendo em vista a disposição do art. 83, princ. § 2º O escrivão avisará, pela imprensa, nos interessados que se acha em cartorio a reclamação, sendo-lhes concedido o prazo de cinco dias a contar do dia da primeira publicação, para a contestarem, ou allegarem o que entenderem. § 3º As contestações do fallido, do syndico ou liquidatario, ou de qualquer credor, que, tenha cumprido a disposição do art. 82, serão articulado em forma de embargos e o juiz, recebendo-as marcará o prazo de dez dias para a prova. Finda a dilação, a sentença será proferida dentro do prazo de oito dias, ouvido préviamente o representante do Ministério Público. § 4º Da sentença do juiz poderão aggravar por petição o reclamante, o fallido, o syndico ou liquidatario e qualquer credor, ainda mesmo que não tivesse offerecido embargo. § 5º Não se oppondo o fallido, o syndico ou liquidatario, nem credor algum, e nenhuma duvida mais havendo sobre direito do reclamante, o juiz mandará entregar logo a cousa reclamada. § 6º A sentença que julgar improcedente a reivindicação determinará que o reivindicante faça, querendo, a declaração do seu credito nos termos do art. 82 ou 87. § 7ª As despezas da reclamação, quando não contestadas, serão por conta do reivindicante: si contestadas, serão pagas pelo vencido, sendo-o pela massa quando for vencido o syndico o liquidatario ou o fallido. (BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012) 212

Trata-se do Decreto nº 5.746/1929.

Page 73: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

71

falência, ou que se podia efetivar independentemente da falência; b) direito à restituição decorrente do fato da falência.

213

Posteriormente, foi publicado o Decreto-lei nº. 7.661, de 21 de junho de

1945214, que consagrou a expressão ―pedido de restituição‖ e disciplinou a

ação restituitória e os embargos de terceiro nos art. 76 a 78, após o Título que

trata da arrecadação e guarda dos documentos, livros e bens do falido,

admitindo também o manejo dessa ação na concordata preventiva (art. 166215).

Referido diploma normativo restringiu as hipóteses de cabimento

previstas nas legislações anteriores (sob a denominação de ação

reivindicatória), mantendo a previsão para as situações que tutelassem o direito

real de terceiros e o direito obrigacional decorrente de contrato.

Abrão216 elogia a técnica legislativa empregada em 1945 ao afirmar:

É inolvidável nesta perspectiva que o Decreto-lei 7661/45, no tratamento da matéria concernente ao pedido de restituição é fruto de longa maturação, uma vez que, alhures, a problemática encerrava outro ângulo de abordagem. A exagerada especificação e a desnecessária estruturação dos casos foram enfrentadas pelo legislador atual sob a técnica da concisão e senso prático. Estabeleceu-se, prima facie, uma regra geral que torna despiciendo o arrolamento das hipóteses nas quais é facultada a intervenção do terceiro. A regra matriz do art. 76 contém uma facultas agendi, sendo permitido o atingimento do bem arrecadado, para efeito de devolvê-lo ao terceiro reclamante.

217

Waldemar Ferreira218, citando a exposição de motivos do projeto de lei

que deu origem ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, afirma que a restituição de que

trata o mencionado diploma normativo não se restringe àquela proposta pelo

proprietário do bem indevidamente arrecado em poder do falido, sendo também

fundada em contrato. Nas palavras do autor,

213

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 46. 214

BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 215

Art. 166. Ressalvadas as relações jurídicas decorrentes de contrato com o devedor, cabe na concordata preventiva pedido de restituição, com fundamento no art. 76, prevalecendo, para o caso do parágrafo 2º, a data do requerimento da concordata. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012) 216

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 217

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 25. 218

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º.

Page 74: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

72

―O instituto da reivindicação‖ – conta da exposição ministerial justificativa do projeto, que na lei se convolou – ―sofre, no projeto, modificações que, não sendo essenciais, concorrem para que seja mais exatamente definido e aplicado. A reivindicação admitida no processo da falência não se reduz apenas à ação promovida pelo titular da propriedade, para restituição da coisa a seu dono. Estende-se, em rigor, à restituição pleiteada por quem, a título de direito real ou de contrato, tenha o direito de reaver a coisa arrecada em poder do falido. Atribui-se, excepcionalmente, êste direito ao vendedor, depois de já ter realizado a tradição da coisa.‖ Com isso, pretendeu-se dar ―ao instituto o seu verdadeiro aspecto‖ e o projeto, acrescentando-se, ―teve em mira evitar as conseqüências errôneas a que pode levar a opinião de que a reivindicação tratada na lei de falências coincide inteiramente com a tutela concedida ao proprietário privado da posse‖. Como dessa exposição resulta, a lei suprimiu a expressão reivindicatória que na anterior se tinha. Mas conservou, sob a epígrafe de pedido de restituição, o instituto da reivindicação.

219

Rubens Requião220 afirma que a legislação brasileira inspirou-se na

germânica, remodelando a restituitória a partir da reivindicatio do Direito

Romano.

Para Simionato, ―a ação de restituição deixa de ser simples ação de

reivindicação, para se tornar um instituto eminentemente falimentar, que existe

em benefício de terceiro, cuja cousa sua foi arrecadada, indevidamente, pelo

órgão da falência‖.221

A atual Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei nº.

11.101/2005) tratou do pedido de restituição nos art. 85 a 93, localizados na

Seção III (Do Pedido de Restituição) do Capítulo V (da Falência), após a Seção

que trata da classificação dos créditos na falência e antes daquela que

disciplina o procedimento para decretação da falência, na qual está inserida o

art. 108 e seguintes, que regulam a arrecadação e custódia dos bens.

De acordo com Simionato222, o legislador da Lei nº. 11.101/2005 não

primou pela técnica ao inserir o pedido de restituição e os embargos de

terceiros antes da arrecadação dos bens do falido, por não haver o que restituir

antes da arrecadação. Por isso, defende que o Decreto-lei nº. 7.661/1945

tratava a matéria de forma mais técnica. Nesses termos,

219

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 92-93. 220

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 221

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 606. 222

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 75: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

73

O regramento do pedido de restituição está disciplinado nos artigos 85-93 da Lei. [...] o pedido de restituição, artigos 85-93, foi inserido entre os capítulos da classificação de créditos (artigos 83 e 84) e do procedimento para a decretação da falência (artigos 94-102). O que será restituído quando ainda não foi sequer arrecadado? [...] O pedido de restituição, classicamente, deveria estar disciplinado após o processo de arrecadação. A medida restituitória visa a evitar que determinados bens sejam arrecadados, e por isso seu regramento lógico somente poderia vir após as normas que disciplinam a arrecadação, jamais antes.

223

A principal ratio da ação restituitória (qual seja: a reivindicação de bens

arrecadados em poder do falido que pertençam a terceiros em virtude de direito

real ou pessoal – contrato) sempre esteve presente na história do Direito

Falimentar, pois é possível a ocorrência de arrecadação de bens de terceiro

pela massa falida, já que é dever do administrador judicial (antigo síndico)

arrecadar todos os bens, documentos e livros que encontrar em poder do

devedor, quando da decretação de sua falência.

A evolução histórica caracterizada pela necessidade de aperfeiçoamento

do instituto implicou uma mudança positiva, pois aquilo que antes era tratado

como instituto de Direito Civil e protegido pela ação reivindicatória do Direito

Processual Civil ganhou disciplina própria nas diversas leis falimentares,

culminando na ação restituitória, tal como a conhecemos atualmente.

3.3 Legitimidade para a ação restituitória

O legitimado ativo a propor a ação restituitória é o terceiro que se

entende por legítimo titular do bem indevidamente arrecadado na falência, em

virtude de direito real ou de direito obrigacional (no caso da ação restituitória

ordinária), ou, ainda, o vendedor de mercadoria comprada a crédito pelo

devedor e entregue nos quinze dias anteriores ao requerimento da falência (no

caso da ação restituitória extraordinária).

Essa pessoa não é credora, portanto, não concorre com os credores do

falido ou da massa falida e tem preferência na satisfação de seu direito.

223

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 605.

Page 76: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

74

Abrão224 assim se manifesta ao tratar da impropriedade do termo

―reivindicação‖, empregado na legislação sobre falência editada entre os anos

de 1850 a 1829. Verbis, ―A impropriedade do termo se verifica no fato de não

se tratar de credor, mas de terceiro com o vínculo – jus in re, não um jus ad

rem, isto é, não recebe a coisa em razão desta origem, mas sim pela qualidade

de proprietário‖.225 Nas palavras de Carvalho de Mendonça,

Manifesta-se sensivel a differença entre a reivindicação e o privilégio: a reivindicação tem como resultado a restituição do objecto in natura ao dono ou proprietário; o privilegio confere ao credor apenas o direito de ser pago preferencialmente a todos os outros sobre o valor ou producto da venda do objecto que lhe serve de garantia.

226

Não se trata, portanto, de privilégio e sim de preferência. Conforme

observa Gontijo227, a preferência dos créditos é o gênero que comporta duas

espécies: a garantia e o privilégio. O privilégio é instituto de direito processual e

significa a ordem de vocação dos credores na partilha da garantia comum: o

patrimônio do devedor. Já a garantia é instituto de direito material que visa

assegurar o cumprimento de uma obrigação, podendo ser real (quando tiver

por título um direito real) ou fidejussória (quando tiver por título um direito

pessoal). Enquanto o privilégio somente pode ser conferido pela lei, a garantia

pode decorrer da lei ou do contrato.

Dessa forma, nos termos do art. 149, caput, da Lei nº. 11.101/2005, o

terceiro que tem direito à restituição é o primeiro a receber o que, na falência,

lhe caiba (seja o bem específico ou outro nele subrogado, seja o seu

equivalente em dinheiro), antes mesmo dos credores extraconcursais (art. 84)

ou concursais (art. 83). De acordo com a interpretação literal do art. 86,

parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, a única exceção a essa regra

encontra-se prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, que determina a

prioridade no pagamento dos créditos trabalhistas, de natureza estritamente

salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o

limite de cinco salários mínimos por credor. Isso nos remete ao questionamento

224

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 225

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 14. 226

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 277. 227

GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128.

Page 77: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

75

sobre a validade de mencionado dispositivo legal, pois pretere o direito do

proprietário em receber o equivalente, em dinheiro, do bem que integra o seu

patrimônio, em prol dos credores trabalhistas. Essa análise, contudo, será feita

nos capítulos seguintes.

Por sua vez, o legitimado passivo para a ação restituitória é a massa

falida e não o falido, uma vez que, com a decretação da falência, o devedor

perderá a posse e administração de todos os bens e direitos em seu poder,

fazendo surgir um ente despersonalizado distinto (a massa falida subjetiva,

formada pela comunidade de credores), que os administrará provisoriamente

por meio do administrador judicial até a liquidação do ativo para pagamento do

passivo, na medida em que o acervo patrimonial (a massa falida objetiva,

formada pelos bens e direitos do devedor) comportar.

O falido poderá eventualmente intervir na ação restituitória como

assistente simples228 (art. 50 do CPC), mas não comporá o polo passivo da

lide.

Contudo, o art. 87, §1º, da Lei nº. 11.101/2005, confere legitimação ao

falido, ao Comitê de Credores e ao administrador judicial para impugnarem o

pedido de restituição no prazo de cinco dias a contar da intimação, valendo

como contestação qualquer manifestação contrária.

3.4 Pressuposto e requisitos do pedido de restituição

A disciplina legal da ação de restituição está localizada nos art. 85 a 93

da Lei nº. 11.101/2005, estando as hipóteses que autorizam a sua propositura

previstas nos art. 85 e 86 do mesmo diploma normativo.

Em termos semânticos, pressuposto é aquilo que se supõe

antecipadamente, é circunstância que necessariamente antecede outra. Por

outro lado, requisito é condição que deve ser satisfeita para se dar andamento

a determinado processo ou alcançar certo fim.

228

Segundo Theodoro Júnior, assistente simples é aquele que tem interesse jurídico na solução de uma lide entre duas partes e nela intervém para coadjuvar uma delas, prestando-lhe colaboração a fim de obter uma sentença favorável, sem, contudo, defender direito próprio direto, pois o proveito que poderá auferir com o resultado favorável para o assistido será apenas indireto. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007. Vol. I.)

Page 78: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

76

O pressuposto básico do pedido de restituição é a decretação da

falência do devedor e a preexistência de uma relação jurídica, de direito real ou

obrigacional, que o vincule ao reivindicante.

O art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 traz os requisitos para o pedido de

restituição, quais sejam: a) para o titular de direito real, que o bem de sua

propriedade esteja na posse do devedor na data da decretação da falência e

haja a sua arrecadação pelo administrador judicial em favor da massa falida; b)

para o contratante, que tenha havido venda a crédito com entrega nos quinze

dias antecedentes à distribuição do pedido de falência, desde que não tenham

sido alienados pelo devedor e hajam sido arrecadados pelo administrador

judicial.

Nas palavras de Simionato,

Conforme a doutrina clássica, quer seja o fundamento do pedido a propriedade da coisa, quer seja uma relação obrigacional, dois requisitos são absolutamente necessários para justificar a restituição: a) que a coisa tenha sido arrecadada em poder do falido; b) que ela lhe seja devida em virtude de um direito real ou de um contrato. O objeto do pedido de restituição pode ser coisa móvel, imóvel, fungível (dinheiro), por que no caso de numerário identificável, em espécie, pode ser objeto da reivindicação [...].

229

Para Pacheco230, somente se justifica a restituição se o bem tiver sido

efetivamente arrecadado na falência ou se estiver entre os bens arrecadáveis,

mas que ainda não o foram. Nesse sentido,

... devemos frisar que somente justifica o pedido de restituição ou os embargos de terceiro o fato de ter sido arrecadado como sendo do falido bem que é de terceiro. Se o bem não é arrecadado, não se há de pensar em restituição. Entretanto, se ainda não foi arrecadado, mas se encontra entre os bens da falida e, por isso, será arrecadado, nada impede o pedido, competindo ao síndico verificar a procedência da alegação e apressar a arrecadação, nos termos do art. 70, §6º, IV

231.

No caso, porém, de o bem, cuja restituição se pede não se encontrar entre os bens arrecadados, nem sequer se encontrar entre os ainda arrecadáveis, vale dizer que não foi pelo síndico encontrado, de restituição não se pode cogitar.

232

229

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 608. 230

PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998. 231

Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 232

PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998, p. 416.

Page 79: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

77

Waldemar Ferreira também escreve sobre isso, afirmando que ―a coisa

reivindicanda deverá achar-se na posse atual do falido‖.233

O mesmo posicionamento é manifestado pelo Superior Tribunal de

Justiça, no REsp 98.109-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em

16/05/2002.

FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. BEM NÃO ARRECADADO. - Não tendo sido arrecadada a coisa, descabe o pedido de restituição. O crédito será incluído como quirografário. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 98.109-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ 16/09/2002)

234

Percebe-se, dessa forma, que o art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, enumera,

ao mesmo tempo, o pressuposto e os requisitos autorizadores do pedido de

restituição, restando ao art. 86 do mesmo diploma prescrever os casos em que

a restituição far-se-á em dinheiro.

3.5 Cabimento da ação restituitória

O art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve que:

Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição. Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não alienada.

235

Segundo Simionato236, a ação restituitória de que trata o caput do art. 85

da Lei nº. 11.101/2005 é cabível com fundamento no direito real ou em

233

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15, p. 89. 234

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 98.109/RS. Relator: Min. Barros Monteiro. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 16 set. 2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600369755&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 16 mar. 2012. 235

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 236

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 80: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

78

contrato. Esse autor237 critica a redação do referido dispositivo ao autorizar o

pedido de restituição de bem ―que se encontre em poder do devedor na data da

decretação da falência‖238, sob o fundamento de ser o art. 76, caput, do

revogado Decreto-lei nº. 7.661/1945 mais claro ao prever que ―pode ser pedida

a restituição de coisa arrecadada em poder do falido quando seja devida em

virtude de direito real ou de contrato‖239. Nesse sentido, afirma que, apesar da

difícil compreensão, não há diferença entre ambos os dispositivos legais, já que

eles têm o mesmo significado, admitindo-se a ação restituitória em razão de

direito real ou obrigacional. Nas palavras do autor,

Dizia o art. 76, caput, do saudoso Decreto-lei 7.661, que pode ser pedida a restituição de coisa arrecada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato. A Lei 11.101/05, obviamente, conseguiu piorar a redação da antiga Lei, dizendo que o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou em (sic) que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir a sua restituição (art. 85). A expressão ―ou em (sic) que se encontre em poder do devedor‖ significa, com outras palavras, o direito à restituição derivante de certos contratos, ou, como dizia a Lei de 1945, quando seja devida em virtude de contrato. A péssima redação não impede a boa interpretação do art. 85, caput, e não é pelo fato que a Lei 11.101/05 deixou de fazer constar expressamente referência à restituição nos contratos que isso poderia causar confusão na aplicação deste dispositivo legal.

240

Ressalte-se, contudo, que a ação restituitória somente terá cabimento

depois da efetiva arrecadação dos bens, não bastando a simples decretação

da falência do devedor.

Apesar de Negrão241 não manifestar com veemência a crítica acima

mencionada, ele admite a restituição em virtude de contrato:

O direito – antigo e novo – pressupõe que o devedor e a massa detêm a coisa reivindicada, situação que pode decorrer de inúmeros contratos anteriormente firmados. Uma vez demonstrado, por instrumento hábil, que o domínio da coisa arrecada pertence ao

237

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 238

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 239

BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 240

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 610. 241

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 81: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

79

reivindicante, a restituição será de rigor, mesmo se a posse decorra de contrato como ocorre nos casos acima mencionados e, ainda, na locação de bens móveis, comodato, depósito etc.

242

No mesmo sentido, Ulhoa Coelho243 afirma existirem quatro tipos de

pedido de restituição na Lei nº. 11.101/2005, dentre os quais se encontram

aqueles fundados em direito real e em direito obrigacional:

a) aquele fundado em direito real sobre o bem arrecadado; b) o fundado na entrega de mercadoria às vésperas da falência, cujo objetivo é coibir a prática da má-fé; c) na antecipação nos contratos de câmbio; d) aquele que atende ao contratante de boa-fé, nas hipóteses de resolução do contrato celebrado com o devedor agora falido.

244

Em sentido contrário, Marcus Elidius Michelli de Almeida245, em obra sob

a coordenação de Luiz Fernando Valente de Paiva, entende não ser mais

cabível o pedido de restituição com fundamento em contrato. Verbis:

A nova redação dada pela Lei 11.101/05, ao abordar o pedido de restituição, estabelece a possibilidade do mesmo quando se tratar de bem de propriedade do requerente, ao invés da redação da lei anterior que estabelecia ser possível o pedido quando estivéssemos diante de um bem devido em razão de direito real ou de contrato. Verifica-se, assim, que o atual texto reduz a uma única hipótese a restituição, qual seja, ser proprietário do bem. Neste caso, devemos interpretar propriedade da forma mais ampla, uma vez que a lei não fez nenhuma restrição. Conclui-se, portanto, que não existe mais a possibilidade de pedido de restituição fundado meramente na existência de contrato, reduzindo assim o alcance do pedido de restituição.

246

Lima247 também trata da matéria de forma diferente, admitindo que a

ação restituitória se fundamente, em regra, no direito real de propriedade e,

excepcionalmente, no direito obrigacional, desde que haja expressa disposição

legal a respeito. Nestes termos,

242

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 472. 243

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. Vol. 3. 244

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 2005. Vol. 3, p. 332. 245

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 246

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 309. 247

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 82: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

80

Portanto, o direito de restituição assegurado pela legislação falimentar apenas faz aportar, no âmbito dos processos de execução concursal, a garantia fundamental à propriedade, insculpida no art. 5º da Constituição da República. [...] As três situações, descritas no parágrafo único do art. 85 e nos incisos II e III do art. 86, não revelam direito real de propriedade; são excepcionais, porque versam sobre direito obrigacional de crédito. Por não se enquadrarem na regra do caput do art. 85 da Lei de Falências, as hipóteses precisaram ser expressamente descritas pelo legislador, de forma a equipará-las à regra.

248

Muitas hipóteses que Simionato249 trata como direito à restituição

decorrente de contrato250, Lima251 explica que têm origem no direito de

propriedade.

Conforme se observa dos posicionamentos acima colacionados, apesar

de a Lei nº. 11.101/2005 não estabelecer de forma expressa, é forte a

tendência doutrinária em admitir a ação restituitória em virtude de direito

obrigacional (ou seja, decorrente de contrato). Por esse motivo, trataremos da

matéria segundo o entendimento de Simionato252.

Deve-se mencionar, ainda, uma controvérsia doutrinária existente sobre

a palavra ―coisa‖ empregada no art. 76 do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e em

diversos dispositivos que tratam do pedido de restituição na Lei nº.

11.101/2005 (a exemplo do art. 85, parágrafo único, e do art. 86, I).

Há quem entenda, a exemplo de Miranda Valverde253, que esse

vocábulo remete àquilo que é corpóreo, querendo indicar que apenas os bens

materiais podem ser objeto de restituição na falência.

Objeto do pedido de restituição, quer fundado em direito real, quer em contrato, há de ser coisa corpórea, móvel ou imóvel (corpus certum), arrecadada em poder do falido, a qual deverá ser designada por seus sinais característicos, se é móvel, pela sua situação e confrontações, se é imóvel.

254

248

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 586-587. 249

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 250

Como o contrato de mandato mercantil e comissão mercantil, da administração de coisa alheia, do contrato de depósito, do contrato estimatório, do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva de domínio, inclusive no caso do contrato de arrendamento mercantil e dos valores descontados dos salários dos trabalhadores a título de contribuição previdenciária e não recolhidos à União. 251

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 252

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 253

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 254

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 49.

Page 83: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

81

Por outro lado, existe posição em sentido contrário, como aquela

defendida por Requião255, no sentido de que houve um equívoco do legislador

ao empregar o termo ―coisa‖ querendo se referir a ―bens‖. Segundo esse

autor256, podem ser objeto de restituição na falência todos os bens, materiais

ou imateriais, de terceiros que se encontrem em poder do falido e sejam

arrecadados pela massa. Verbis:

Difícil seria a um tribunal negar ao titular de uma patente de invenção, por exemplo, arrecadada pelo síndico em poder do falido devido a um contrato de licença, que não se lhe reconhecesse o direito de reclamar a restituição da mesma. A patente, sabe-se, constitui apenas o certificado da concessão de privilégio, isto é, de um direito imaterial ou incorpóreo.

257

Abrão258 também defende o cabimento do pedido de restituição nessa

hipótese. Para ele, ―bens incorpóreos, marcas e patentes podem estar na

alçada do falido no momento da arrecadação, tornando correto que o terceiro

exija a integração daquilo que foi arrecadado e o afastamento da situação

comum de rateio‖.259

Pacheco260, após citar ambas as correntes doutrinárias, filia-se à

segunda posição acima mencionada. Nestes termos:

Expostas as duas orientações, no campo doutrinário, cabe-nos concluir que: a) O legislador, ao redigir o art. 76

261, usou, propositadamente, a

palavra ―coisa‖, para designar o bem material quantificado e medível, o bem corpóreo, em consonância com a doutrina, consubstanciada na 1ª orientação, por nós acima esboçada

262.

b) Contudo, existindo bens incorpóreos, apreendidos pela arrecadação e sobre eles tenha alguém qualquer vínculo real ou obrigacional, capaz de justificar o pedido de restituição, não se pode deixar de ter este como viável e procedente. Desde que haja bens arrecadados – corpóreos ou incorpóreos, materiais ou imateriais – sobre os quais não tenha o falido ou a

255

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 256

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 257

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 282. 258

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 259

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 30. 260

PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998. 261

Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 262

Orientação segundo a qual se entende cabível o pedido de restituição apenas para reaver a posse de bens materiais.

Page 84: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

82

massa qualquer direito ou titularidade, e esta seja demonstrada por terceiro, cabível o pedido de restituição.

263

No mesmo sentido, Pontes de Miranda explica que ―não há distinguir-se

dos direitos sôbre os bens corpóreos os direitos sôbre os bens incorpóreos,

nem dos direitos reais os pessoais, uma vez que se nega a titularidade pelo

falido, pelo menos, a penhorabilidade abstrata do bem.‖264

Entendendo-se que a ação restituitória possa ter por objeto bem

corpóreo ou incorpóreo, convém que se faça referência a palavra ―bem‖, cujo

significado é mais amplo que ―coisa‖, já que esta última nos remete àquilo que

seja palpável.

Prosseguindo na explanação; o pedido de restituição é cabível ainda que

os bens arrecadados em poder do falido já tenham sido alienados pela massa

falida (após a declaração da falência) ou que hajam perecido, caso em que a

restituição far-se-á em dinheiro pelo valor da alienação ou da avaliação.

Todavia, segundo Negrão265, caso o bem tenha sido consumido ou

alienado pelo falido (ou seja, em data anterior à sentença falimentar), não é

cabível a ação restituitória e o terceiro que se apresenta como legítimo titular

será considerado credor do falido, devendo habilitar seu crédito na classe

respectiva (normalmente quirografário) dos créditos concursais (art. 83 da Lei

nº. 11.101/2005). Isso porque, segundo esse autor266, nesse caso, a massa

falida será terceira em relação ao negócio jurídico entabulado entre o devedor

e aquele que se apresenta como titular do bem, não podendo ser prejudicada

pelos atos culposos ou dolosos praticados pelo falido. Nesses termos,

O privilégio decorrente do credor concentra-se no próprio bem, que, uma vez desaparecido, faz igualmente extingui-lo. Seria injusto transferir a outros bens o privilégio que o credor perdeu. O falido, eventualmente, responderá criminalmente pelo fato, mas a massa não se obriga a esse ressarcimento.

267

263

PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998, p. 420-421. 264

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXVIII. p. 81 265

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 266

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 267

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 471.

Page 85: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

83

Negrão268, citando diversos acórdãos, (dentre eles, os mais recente são:

Recurso Especial n. 176.011-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.

31-8-2000; Recurso Especial n. 142.720-RS, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 24-

11-1998; Recurso Especial n. 93.677-SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 15-

10-1998) afirma que a jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido.

Enumerados os casos passíveis de restituição, passemos à análise

individualizada de cada um deles na seguinte ordem: ação restituitória fundada

na titularidade de direito real, ação restituitória fundada em contrato e ação

restituitória prevista em legislação especial.

3.6 O pedido de restituição em virtude da titularidade de direito real

O primeiro caso que autoriza o ajuizamento da ação restituitória está

previsto no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 e fundamenta-se na

titularidade do direito real de propriedade, ainda que já tenha havido alienação

do bem.

Segundo Negrão269, três são os requisitos para que a ação restituitória

seja manejada com esse fundamento: a arrecadação do bem em poder do

falido; ser ele devido em virtude do direito real de propriedade; e a

possibilidade de perda ou alienação do bem arrecadado após a sentença que

decreta a falência. Nesse sentido:

Decorre de disposição legal, portanto, que os requisitos essenciais para o exercício do direito à restituição são: a) a coisa deve ter sido arrecadada, depois da falência, em poder do falido; b) a coisa é devida ao reivindicante em virtude de direito real de propriedade; c) a coisa pode ter sido consumida ou alienada posteriormente ao decreto de falência pela massa.

270

A razão na qual se baseia esse fundamento está no fato de o direito real

de propriedade consistir também em um direito e, ao mesmo tempo, em uma

268

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 471. 269

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 270

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 470.

Page 86: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

84

garantia fundamental, conforme será tratado no capítulo pertinente. Por isso,

não é razoável que se imponha ao terceiro que espere o final do processo

falimentar para que obtenha a tutela do seu direito, pois ele não é credor e sim

proprietário.

De acordo com Fassi e Gebhardt,

A ideia que preside o comando legal, é que o terceiro que é dono de bem que o falido conserva em seu poder, não espere o resultado do concurso geral, mas obtenha resposta e o retorno imediato dos bens entregues sem intenção de transferir o domínio, pagando a comunidade de credores pelos gastos de conservação que foram desembolsados.

271

Assim sendo, ressarcida a massa falida das despesas com a

conservação do bem, impõe-se a sua imediata restituição ao proprietário a fim

de dar cumprimento ao próprio comando normativo contido no art. 5º, XXII, da

CRFB/1988.

O direito de propriedade será novamente examinado no capítulo

pertinente, mas, a princípio, é importante pontuar que consiste no direito real

previsto no Título III do Livro III da Parte Especial do CC/2002, que assegura

ao seu titular todos os poderes inerentes ao domínio sobre determinada coisa,

facultando-lhe usar, gozar e dela dispor, bem como reavê-la do poder de quem

injustamente a possua ou detenha (art. 1.228, CC/2002).

A arrecadação do bem pela massa falida não lhe retira nenhum dos

poderes inerentes ao domínio mencionados no art. 1.228 do CC/2002, por isso

o reivindicante não busca a declaração do seu direito de propriedade ou seu

domínio sobre o bem e sim o restabelecimento de sua posse. Para tanto,

deverá provar o domínio sobre o bem que lhe pertence e a mera detenção ou

posse injusta da massa falida sobre o mesmo.

271

Texto original: ―La idea que preside la directiva legal, es que el tercero que es dueño de bienes que conserva en su poder el fallido, no aguarde el resultado del concurso general, sino que obtenga respuesta en la pronta devolución de los bienes dados sin intención de transferir el dominio, bien que solventándole al concurso los gastos de conservación que hubiera desembolsado.‖ (FASSI, Santiago C.; GEBHARDT, Marcelo. Concursos y quiebras: comentario exegético de la ley 24.522, Jurisprudencia aplicable. 8ª ed. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo DePalma. 2005, p. 463)

Page 87: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

85

Nos termos do art. 1.200 do CC/2002, ―é justa a posse que não for

violenta, clandestina ou precária‖272. Disso retira-se, a contrario sensu, a

definição do que seja posse injusta.

A posse é violenta, quando obtida por meio do uso da força física. É

clandestina, quando obtida de modo furtivo ou às escondidas, ou seja, sem o

que seu titular tome ciência. E, por fim, é precária, quando alguém recebe a

coisa com a obrigação de restituí-la, mas deixa de devolvê-la ao seu legítimo

titular.

A massa falida, ao arrecadar indevidamente bem de propriedade de

terceiro, tem a posse precária do mesmo. E a posse precária não é passível de

convalidação. Conforme ensina Simionato,

... a posse precária, ou seja, da massa falida sobre o bem indevidamente arrecadado, jamais convalesce. A massa retém indevidamente a coisa e a sentença que mandar restituir é a prova que a posse foi precária. A posse precária é uma posse viciada, morta, que o direito não quer tolerar. Por isso, não convalesce, jamais. Esse vício da posse, morta desde seu nascimento, não permite que ela produza efeitos no mundo jurídico.

273

Há detenção quando alguém detém poder sobre algo por meio de mera

permissão ou tolerância, de forma expressa ou tácita (art. 1.208 do CC/2002).

Caracteriza-se a permissão quando o verdadeiro proprietário ou

possuidor da coisa cede-a a outrem para que dela faça uso, devendo ser,

portanto, prévia. Já a tolerância, por seu turno, ocorre quando alguém assume

o poder sobre algo para usá-lo, diante das vistas do legítimo titular, e este, por

ato de benevolência, permite que nessa situação continue; é, portanto, a

posteriori.

Dessa forma, é perfeitamente factível que a massa falida seja detentora

de um bem que encontre em seu estabelecimento e seja utilizado para a

continuação provisória de suas atividades, por simples tolerância ou permissão

do legítimo proprietário, tendo, portanto, a posse precária sobre o mesmo.

Em que pese o art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 se referir

expressamente ao proprietário, Simionato entende que todos os direitos reais

272

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 273

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 609.

Page 88: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

86

previstos no art. 1.225 do CC/2002 são passíveis da ação restituitória. Nesses

termos:

Conforme o art. 1.225 do Código Civil, são direitos reais: a) a propriedade; b) a superfície; c) as servidões; d) o usufruto; e) o uso; d) a habitação; g) o direito do promitente comprador; h) o penhor; i) a hipoteca; j) a anticrese

274. Em todos esses casos o direito de

restituição é certo.275

Esse entendimento está embasado na redação do art. 76, caput, do

Decreto-lei nº. 7.661/1945, que trazia a possibilidade da ação restituitória com

fundamento em direito real, sem distinções. Verbis: ―Art. 76. Pode ser pedida a

restituição de coisa a arrecadada em poder do falido quando seja devida em

virtude de direito real ou de contrato. [...]‖276

Miranda Valverde277 ensina que o pedido de restituição baseia-se em

qualquer espécie de direito real (embora, na prática, tenha como fundamento

mais frequente o direito de propriedade). Nesses termos,

O pedido de restituição de coisa arrecada em poder do falido, ou se alicerça em direito real, isto é, ―na propriedade em qualquer de suas manifestações‖, ou em relação de obrigação preexistente à falência, ou desta decorrente, a qual assegura ao reclamante o direito de reaver a coisa arrecada.

278

Em qualquer hipótese que se entenda cabível a ação restituitória (seja

ela fundada em direito real de propriedade ou em qualquer outro direito real),

não mais existindo o bem ao tempo da propositura da demanda, a restituição

dar-se-á em dinheiro pelo preço apurado na sua venda ou pelo valor de

avaliação, caso tenha perecido em poder da massa falida. Em ambos os casos,

o valor será corrigido monetariamente (art. 86, I, da Lei nº. 11.101/2005).

Todavia, não se pode descuidar do comando contido no parágrafo único

do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, o qual prescreve que as restituições em

dinheiro a que se referem o caput do mencionado dispositivo somente poderão

274

A Lei 11.481/2007 inseriu mais dois direitos reais no art. 1.125 do CC/02: a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso. 275

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 608. 276

BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar.2012. 277

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 278

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 47.

Page 89: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

87

ser realizadas após o cumprimento do disposto no art. 151 da mesma lei, que,

por sua vez, determina o pagamento prioritário dos créditos trabalhistas de

natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação de falência,

obedecendo-se ao limite de cinco salários mínimos por trabalhador.

Conclui-se, dessa forma, que o legislador ordinário que elaborou a Lei

nº. 11.101/2005, em dispositivo de duvidosa constitucionalidade, optou por dar

preferência aos credores trabalhistas sobre quaisquer outros, inclusive sobre

os titulares do direito à restituição que, como já tratado, não são credores.

3.7 O pedido de restituição em virtude de contrato

3.7.1 Contrato de compra e venda a crédito

Nos termos do parágrafo único do art. 85 da Lei nº. 11.101/2005,

―também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao

devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se

ainda não alienada‖.279

O fundamento dessa modalidade de ação restituitória encontra-se,

segundo Simionato280 e Abrão281, na equidade. Isso porque o legislador

presume que o devedor, ao celebrar contrato de compra a crédito dias antes do

requerimento de sua falência, já tinha conhecimento do seu estado de ruína

econômica. Por esse motivo o ordenamento jurídico deve proteger o vendedor

de boa-fé, tutelando-a nas relações negociais.

Conforme já explicado, trata-se da ação restituitória extraordinária que

surgiu, no ordenamento jurídico brasileiro, com o art. 38, §5º, do Decreto nº

5.746/1929.

Originariamente, permitia-se que o terceiro pedisse a restituição de

coisas vendidas a crédito nos quinze dias anteriores à decretação da falência

279

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 280

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 281

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991.

Page 90: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

88

ou da concordata preventiva, desde que o bem ainda estivesse em poder do

devedor.

O Decreto-lei nº. 7.661/1945, no entanto, modificou a disciplina

normativa dessa modalidade de restituição para definir que o prazo de quinze

dias anteriores à decretação da falência seja contado da data da entrega das

mercadorias e não da realização do negócio jurídico.

Dessa forma, enquanto na legislação do ano de 1929 fixava, como

marco inicial, a data da realização do negócio jurídico, a lei de 1945

estabeleceu que o dia a quo seria a efetiva entrega da mercadoria.

A atual lei de falência, por sua vez, contém redação semelhante ao art.

76, §2º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945, com uma ressalva. Enquanto este

dispositivo exigia que a mercadoria não houvesse sido alienada pela massa

falida, o art. 85, parágrafo único, da Lei 11.101/2005 impõe que o bem, para

ser objeto dessa espécie de restituição, não tenha sido alienado pelo falido

(segundo a doutrina e a jurisprudência majoritária, conforme menciona

Negrão282).

O mesmo entendimento se infere pela leitura do enunciado nº 495 da

Súmula do STF que dispõe,

A restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a terceiro.

283

Nesse sentido, também se manifesta Requião; verbis: ―Destaca-se,

portanto, o direito se a cousa foi vendida pelo devedor antes da falência; nesse

caso, o credor se habilita como quirografário‖.284

Essa ressalva visa a tutelar a boa-fé nas relações negociais, protegendo

terceiros adquirentes da mercadoria comprada, originariamente, a crédito.

Pelo mesmo motivo, não poderá o vendedor obstar a entrega das

mercadorias alienadas a crédito ao devedor e ainda em trânsito se este as

282

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 283

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 495. Diário de Justiça, Brasília, 10 dez. 1969. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0495.htm>. Acessado em 29 mar. 2012. 284

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 280.

Page 91: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

89

houver revendido, sem fraude, antes do requerimento da falência (art. 119, I,

da Lei nº. 11.101/2005).

Negrão285 ensina que, por outro lado, sendo a coisa alienada pelo

administrador judicial ou tendo perecido em poder da massa falida, o vendedor

terá direito à restituição em dinheiro, limitada ao valor de venda, no primeiro

caso, ou ao preço apurado na avaliação, no segundo.

O fato que determina se o pedido de restituição tem ou não cabimento

(de acordo com o art. 76, §2º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e o art. 85,

parágrafo único, da Lei 11.101/2005) é a data da entrega da mercadoria, ou

seja, é aquela em que o devedor obteve a posse sobre os bens, não

importando que a data em que efetivamente se deu a transferência da

propriedade (data da compra) seja superior a 15 (quinze) dias. Dessa forma, se

a entrega da mercadoria for feita em período superior ao previsto, não será

cabível o pedido de restituição e o vendedor deverá habilitar o seu crédito na

respectiva classe. Nesse sentido dispõe o enunciado nº 193 do STF que,

embora editado anteriormente à Lei nº. 11.101/2005, continua tendo aplicação.

Simionato286 explica que o terceiro com direito à restituição não poderá

exigir a diferença por eventual desvalorização dos bens.

No mesmo sentido, Carvalho de Mendonça afirma que

O reivindicante não tem direito de reclamação contra a massa, quando, por um acontecimento frequente no commercio, as mercadorias reivindicadas acharem preço inferior áquelle mediante o qual haviam sido vendidas. O reivindicante suportará esse prejuizo da differença, pois sómente elle deve soffrer as consequencias da sua

confiança. 287

Negrão288 entende, ainda, que se o reivindicante não pedir, ao juízo da

falência, a reserva do valor necessário à satisfação do seu direito à restituição

e iniciar-se o pagamento dos credores antes de resolvida a ação restituitória,

não poderá exigir a repetição dos rateios já realizados, restando-lhe, apenas, o

direito ao recebimento dos valores ainda não atribuídos até a satisfação de seu

285

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 286

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 287

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 238. 288

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 92: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

90

direito, descontadas as custas pelo retardamento. Isso, para o autor289, se deve

à aplicação analógica do art. 10, §§3º e 4º, da Lei nº. 11.101/2005.

Nesse sentido também é o entendimento de Abrão290 ao afirmar que

eventual atraso na propositura da ação restituitória prejudicará o terceiro

legitimado, pois, na falência, é vedada a repetição dos rateios já realizados.

Simionato291 trata, também, da hipótese de ter sido decretada a falência

do vendedor da mercadoria comprada a crédito. Para ele292, nesse caso,

operada a tradição simbólica da mercadoria (ou seja, havendo a transferência

da propriedade, mas não da posse) e ainda não efetuado o pagamento pelo

comprador, terá este direito à restituição de referidos bens, caso arrecadados

pelo administrador judicial, devendo recolher, à massa falida, o preço ajustado

entre ele e o vendedor falido.

O mesmo doutrinador293 explica que, por outro lado, se o comprador

houver pago antecipadamente o preço da mercadoria, não caberá a ação

restituitória para haver o bem arrecadado, nem para reaver a quantia paga,

devendo o adquirente habilitar o seu crédito na classe dos quirografários.

Ultrapassada a análise da ação restituitória fundada no art. 85, parágrafo

único, da Lei 11.101/2005, cabe passar ao exame do pedido de restituição que

Simionato294 defende estar embasado em outras espécies de contratos

empresariais.

3.7.2 Do contrato de mandato mercantil e comissão mercantil

Ambos os contratos estavam previstos no Código Comercial de 1850,

sendo o mandato mercantil, nos art. 140 a 164 e a comissão mercantil, nos art.

165 a 190 do Código Comercial de 1850, posteriormente revogados pelo

CC/2002 que passou a disciplinar a matéria a fim de unificar o direito

289

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 290

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 291

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 292

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 293

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 294

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 93: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

91

obrigacional. Todavia, apesar de revogados referidos dispositivos, os conceitos

desses institutos continuam aplicáveis para definir essas espécies contratuais.

O mandato mercantil é o contrato por meio do qual um empresário

(denominado mandante ou comitente), por instrumento público ou particular,

confia a terceira pessoa (chamada mandatário) a gestão de seus negócios

empresariais, que agirá em nome do mandante e a este obrigando.

O CC/2002 passou a tratar do contrato de mandato nos art. 653 a 692,

revogando os dispositivos do Código Comercial de 1850 que disciplinavam a

matéria, e aplicando-se ao direito obrigacional em geral, ou seja, tanto às

relações jurídicas entre particulares, como naquelas celebradas entre

empresários.

A falência do mandatário extingue o contrato, podendo o mandante

reclamar a restituição dos bens entregues àquele para a execução do pacto

firmado desde que sejam objetos do mandato, se encontrem em poder do

mandatário quando da decretação de sua falência e sejam arrecadados pela

massa falida.

Contudo, cabe salientar que, para que se torne possível a restituição, é

necessário que os bens confiados ao mandatário estejam individualizados e

destacados no patrimônio deste, pois a restituição far-se-á pelo próprio bem

entregue ao falido ou aquele subrogado em seu lugar.

Segundo Simionato295, se o objeto do contrato consistir na compra de

bens pelo mandatário e este o fizer utilizando-se de fundos próprios, o

mandante somente terá direito à restituição depois de pagar o preço à massa

falida. Por outro lado, sendo essa aquisição realizada pelo mandatário com

recursos adiantados pelo mandante para tal finalidade, este terá direito à

restituição do respectivo bem.

Na hipótese, porém, de falência do mandatário antes do cumprimento do

contrato, o mandante terá direito à restituição do numerário entregue, desde

que este se encontre identificado e destacado do patrimônio do mandatário

falido; caso contrário, não será possível a restituição e o mandante será credor,

devendo habilitar o seu crédito como quirografário.296

295

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 296

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II.

Page 94: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

92

Também é possível que o objeto do mandato recaia sobre quantia em

dinheiro (como, por exemplo, a cobrança de uma dívida), caso em que,

igualmente, somente será possível a restituição da quantia que estiver

individualizada e destacada do patrimônio do mandatário falido. Não sendo

possível identificar o numerário, por já ter se confundido com os bens do falido,

não poderá o mandante pedir a sua restituição, devendo habilitar seu crédito na

falência do mandatário na respectiva classe. Nesse sentido, ensina Valverde,

O direito à restituição de coisa entregue ao mandatário, abstraindo-se mesmo da relação de domínio, para só se agitar a questão dentro das regras que normalizam o contrato de mandato, acha-se prêso à existência de coisa certa, em espécie, entregue pelo mandante ao mandatário e ainda permanecendo, como tal, no patrimônio do último. Se o dinheiro não foi individuado, não é possível identificá-lo no patrimônio do falido, pois se operou a confusão. O mandante terá, assim, direito de crédito contra o mandatário, correspondente à importância do dinheiro por êste recebido e aos juros devidos, porquanto é materialmente impossível a restituição do próprio dinheiro e inconcebível a restituição do valor do dinheiro. E será um crédito quirografário.

297

Esse é o entendimento sumulado do STF, manifestado no enunciado nº

417. Verbis: ―Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do

falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse

ele a disponibilidade‖.298

Referido enunciado de Súmula também pode fundamentar a ação

restituitória no que tange aos contratos de mandato mercantil, comissão

mercantil, depósito, estimatório e na ação restituitória para haver o valor das

contribuições previdenciárias descontadas da remuneração dos empregados e

não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991).

A comissão mercantil, por sua vez, é o contrato por meio do qual o

comissário (que deve necessariamente ser empresário), em seu próprio nome,

realiza a aquisição e venda de bens à conta do comitente (que pode ou não ser

empresário), sem mencionar ou declarar o nome deste. Dessa forma, o

comissário ficará diretamente obrigado para com as pessoas com quem

297

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 60-61. 298

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 417. Diário de Justiça, Brasília, 06, 07 e 08 julho 1964. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0417.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 95: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

93

contratar, as quais não terão direito de ação contra o comitente, nem este

contra elas, salvo se aquele ceder seu direito a qualquer das partes.

Os artigos do Código Comercial de 1850 que tratavam desse negócio

jurídico foram revogados pelo CC/2002, que passou a discipliná-los nos art.

693 a 709.

O comissário, ao receber a mercadoria para venda, ficará como

depositário da coisa até que o negócio se concretize ou até que a ordem de

venda seja revogada pelo comitente. Se o comissário falir com os bens em seu

poder, o contrato de comissão se extingue e o comitente terá direito à

restituição dos mesmos.

Segundo Carvalho de Mendonça299, o dinheiro recebido pelo comissário

também pode ser restituído quando da falência deste, salvo se creditado em

conta-corrente por autorização ou ordem do comitente; hipótese em que este

será credor daquele e deverá habilitar o seu crédito como quirografário. Por

outro lado, se o comissário receber a mercadoria do comitente com a

determinação de não a vender sem ordem expressa e aquele a vende sem

autorização deste, o comitente terá direito à restituição do preço recebido na

falência do comissário. Nestes termos, Carvalho de Mendonça escreve:

A reivindicação do committente não se limite, porém, ás mercadorias, no todo ou em parte, encontradas ainda não vendidas em poder do commissario, por ocasião da fallencia deste. O preço recebido pelo commissario antes da sua fallencia substitue a mercadoria (pretium succedit loco rei), salvo se é creditado em conta-corrente, por auctorização ou ordem do dono (committente), caso em que este passa a ser credor chirographario. Se o commissario, recebendo a mercadoria com determinação expressa do committente de não vendel-a sem ordem ou aviso prévio, transgride essa instrucção, e a vende, o committente póde reivindicar o preço na fallencia daquelle.

300

Por fim, ainda segundo Carvalho de Mendonça301, na hipótese de

comissão de compra, o comissário, ao receber o valor para adquirir a

mercadoria, será considerado comprador em relação ao terceiro vendedor e

mandatário para com o comitente, não adquirindo a propriedade dos bens

299

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII. 300

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 293-294. 301

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 293-294.

Page 96: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

94

comprados. Dessa forma, falindo o comissário antes da expedição das

mercadorias ao comitente, este, na qualidade de proprietário em virtude do

contrato de comissão, poderá ajuizar a ação restituitória para imitir-se na posse

das mesmas.

Dessa forma, percebem-se dois contratos eminentemente mercantis nos

quais, apesar de a Lei nº. 11.101/2005 nada mencionar a respeito, a ação

restituitória tem cabimento em virtude da própria natureza da avença

celebrada.

3.7.3 Da administração de coisa alheia

Segundo Simionato302, igualmente é cabível o pedido de restituição

quando o falido atuar na administração de coisa alheia. Isso porque, nesse tipo

de contrato, o devedor terá a posse e administração de bens de terceira

pessoa e deverá atuar como se proprietário fosse, tendo deveres para com

aquele que lhe confiou o bem em administração, dentre os quais se incluem a

diligência, a lealdade e a prestação de contas.

Em caso de falência do administrador, a restituição se impõe em favor

daquele que lhe entregou os bens, já que o proprietário é o terceiro e não o

falido.

3.7.4 Do contrato de depósito

O depósito voluntário (previsto nos art. 627 a 646 do CC/2002) é um

contrato por meio do qual alguém (depositante) entrega um bem móvel

infungível a outra pessoa (depositário) para que o guarde por determinado

período.

Determina o art. 631 do CC/2002 que, ―Salvo disposição em contrário, a

restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As

302

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 97: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

95

despesas de restituição correm por conta do depositante‖.303 Contudo, este

dispositivo legal não trata da ação restituitória na falência.

Enquanto para o Direito Civil, a palavra ―restituição‖ tem o sentido de

devolução, para o Direito Empresarial, significa o direito que o terceiro tem de

reaver a posse sobre o bem de sua propriedade ou devido em virtude de

contrato, indevidamente arrecadado na falência de outrem, o qual se

materializa por meio de ação judicial própria.

Simionato304 entende que, no contrato de depósito, o direito de

restituição previsto na Lei nº. 11.101/2005 acompanha a coisa onde quer que

se encontre; mesmo em caso de cessão do contrato a terceiro pelo depositário

(falido).

Característica inerente ao contrato de depósito é o direito de retenção

em favor do depositário, que consiste na faculdade atribuída a este de manter-

se na posse da coisa até que o depositante lhe restitua as despesas com sua

guarda e conservação ou outra retribuição devida (caso o contrato seja

oneroso). Nesse caso, não será possível a compensação de dívidas, devendo

o depositante pagar à massa falida o que for devido para poder exercer seu

direito à restituição.

Há que se ressaltar, contudo, que essas regras apenas aplicam-se no

depósito de coisa infungível, ou seja, aquela específica, que não se consome

com o simples uso ou guarda e não pode ser substituída por outra de mesma

espécie e qualidade.

Miranda Valverde305 entende que o bem fungível somente pode ser

objeto do pedido de restituição se permanecer identificável no patrimônio do

devedor, não tendo a ele se misturado. Nestes termos,

As coisas fungíveis, não tendo individualidade própria (espécie) não podem, em regra, ser reivindicadas. Mas, desde que se não tenham confundido com coisas do mesmo gênero e sejam identificáveis, já podem ser objeto de pedido de restituição. O próprio dinheiro corrente, se passa de gênero à espécie, e é, assim, identificável, pode, como é sabido, ser objeto de reivindicação [...].

306

303

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 304

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 305

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 306

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 50.

Page 98: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

96

No mesmo sentido, é o entendimento de Pacheco307 e Pontes de

Miranda308. Nas palavras desse último doutrinador, citando o autor italiano

Navarrini,

Desde que o direito de propriedade não se transferiu, ou o direito real limitado não se transferiu, ou não se constituiu a favor do falido, como, de regra, em se tratando de species, e não de genus, há reivindicabilidade, ou vindicabilidade. Se houve transferência ou constituição a favor do falido, o que se tem é o direito à prestação do tantundem e em rateio, (cf. U. NAVARRINI, Trattato di Diritto fallimentare, II, 66).

309

Para esses autores, recaindo este contrato sobre coisa fungível, como

ocorre com o contrato de depósito bancário em conta corrente, o depositário

terá a disponibilidade da coisa, havendo a transferência da propriedade desta

tal como ocorre no contrato de mútuo, não sendo possível, dessa forma, o

ajuizamento da ação restituitória. Trata-se, segundo eles, de depósito irregular,

como já decidiu o STJ, em mais de uma oportunidade, na hipótese de

liquidação ou falência de instituição financeira.

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO. FALÊNCIA. DEPÓSITO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO. I - A impugnação da parte é viabilizada pelas razões de decidir da decisão agravada, não havendo qualquer prejuízo na ausência de publicação do leading case adotado. Precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal. II - Não há falar, in casu, em ausência de interesse recursal do Banco Central do Brasil, pois o agravante não logrou demonstrar a definitividade da sentença que julgou a ação revocatória noticiada, sendo impossível verificar seus efeitos. III - Ao Superior Tribunal de Justiça compete, exclusivamente, unificar o direito infraconstitucional, não havendo lugar para se discutir, com carga decisória, preceitos constitucionais. IV - O contrato de depósito bancário não é depósito comum, pois nele a instituição financeira detém a disponibilidade do dinheiro depositado, ficando afastada, a incidência do artigo 76 da Lei de Falências. Precedente. Agravo improvido. (STJ; AgRg no REsp 586.522/MG; Rel. Min. Castro Filho; T3 – Terceira Turma; julgado em 19.10.2006; DJ 13.11.2006)

310

307

PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998. 308

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 309

NAVARRINI apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX, p. 81. 310

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 586.522/MG; Relator: Min. Castro Filho. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 13 nov. 2006. Disponível em:

Page 99: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

97

Instituição bancária. Falência. Restituição do depósito. Art. 76 da Lei de Falências. 1. No contrato de depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei de Falências. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ; REsp 501.401/MG; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; Segunda Seção; julgado em 14.04.2004; DJ 03.11.2004)

311

Em sentido contrário, Corrêa-Lima e Lima 312 admitem a possibilidade do

pedido de restituição sobre os valores depositados em conta corrente bancária,

à vista, a prazo ou em poupança.

Defendem esses autores313 que, em virtude do enunciado nº. 417 da

Súmula do STF, é pacífico o entendimento jurisprudencial a respeito da

possibilidade de a restituição recair sobre dinheiro de terceiro em poder do

falido e arrecadado pela massa. Em se tratando de instituição financeira, esse

dinheiro é proveniente de contrato de depósito.

Corrêa-Lima e Lima314 ensinam que, enquanto a instituição financeira

depositária é solvente, terá ela a disponibilidade sobre os valores depositados

pelos correntistas juntamente com estes, pois coexistem ―as disponibilidades

do depositante e do Banco‖315. Contudo, a do depositante tem prioridade sobre

a do banco, mas não a exclui.

Com a falência da instituição financeira, ―não mais coexistem as

disponibilidade do depositante e do Banco [...], porque este perdeu o direito de

dispor de seus bens‖, persistindo ―apenas a disponibilidade do depositante‖.316

Nesse caso, para Corrêa-Lima e Lima, ―a disponibilidade da Massa Falida do

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=32>. Acessado em 16 mar. 2012. 311

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 501.401/MG. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Segunda Seção Diário de Justiça, Brasília, 03 nov. 2004. 312

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. In: Revista dos Tribunais – Edições Especiais: Doutrinas Essenciais, Direito Empresarial. Arnoldo Wald (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. Vol. VI: Recuperação Empresarial e Falência, p. 1.229-1.244. 313

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI. 314

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI. 315

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 316

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234.

Page 100: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

98

Banco [...] se acha exposta à disponibilidade do depositante‖317 e ―a

disponibilidade do depositante limita o poder de dispor que tem a Massa Falida

do Banco...‖.318

Ocorre, porém, que, decretada a falência da instituição financeira,

persiste, para ela, ―a obrigação de restituir o dinheiro transferido [...] pelo

depositante‖319. E, de acordo com o art. 76, caput, do Decreto-lei nº.

7.661/1945 (art. 85 e 86 da Lei 11.101/2005), a via processual adequada para

o depositante obter a restituição do numerário entregue ao banco é a ação

restituitória.320

Corrêa-Lima e Lima321, citando diversas decisões do STJ e de outros

tribunais, ensinam que há precedência absoluta na implementação das

restituições (sejam elas em dinheiro ou in natura) sobre o pagamento de

quaisquer outros créditos, por mais privilegiados que sejam (inclusive sobre o

crédito trabalhista).

Por fim, esses autores322 concluem afirmando que o correntista deposita

dinheiro no banco em seu próprio nome. Com a falência da instituição

financeira, esse dinheiro é arrecadado pela massa falida (representada,

atualmente, pelo administrador judicial), fazendo com que o correntista perca a

disponibilidade sobre o numerário depositado, não podendo mais sacá-lo

quando lhe aprouver. Para tanto, precisará de autorização judicial proveniente

de decisão em ação restituitória.

Dessa forma, segundo Corrêa-Lima e Lima, o enunciado nº. 417 da

Súmula do STF está em ―perfeita sintonia com dispositivo legal específico da

Lei de Falências para a hipótese de bens fungíveis‖323, podendo ser ―objeto de

317

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 318

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 319

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.236. 320

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.236. 321

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.238. 322

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.242-1.243. 323

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243.

Page 101: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

99

restituição, na falência do Banco [...], dinheiro arrecadado em poder‖324 deste,

recebido ―em nome do correntista-depositante‖325 ou ―do qual (do dinheiro), ele,

o correntista-depositante não tem disponibilidade, por lei (in casu, a Lei de

Falências, que determina a arrecadação) de todos os bens encontrados em

poder do falido.‖326

3.7.5 Do contrato estimatório

O contrato estimatório, previsto nos art. 534 a 537 do CC/2002, é

também conhecido como venda em consignação; por meio dele, o ―o

consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a

vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo

estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada‖.327

Não sendo possível a restituição da coisa em sua integralidade, mesmo

sem culpa do consignatário, este não se exime do pagamento do preço

ajustado.

Segundo Simionato328, este contrato diferencia-se do depósito

voluntário, pois este, em regra, é gratuito, ao passo que o contrato estimatório

é oneroso e as partes já estipulam antecipadamente um preço mínimo para a

venda da coisa consignada.

O art. 536 do CC/2002 reafirma o direito de propriedade do consignante

ao prescrever que a coisa consignada não poderá ser objeto de penhora ou

sequestro pelos credores do consignatário enquanto não for integralmente

efetuado o pagamento acordado.

Como decorrência lógica dessa disposição legal, Simionato329 entende

que o objeto consignado também não poderá ser arrecadado pela massa

324

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 325

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 326

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 327

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 328

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 329

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 102: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

100

falida, na falência do consignatário, legitimando-se, dessa forma, ao

consignante a propositura da ação restituitória para reaver a posse sobre o

mesmo. Nesse caso, o consignante somente poderá dispor do bem após a sua

efetiva restituição ou após a comunicação da decisão que julgou a demanda

procedente.

Não mais existindo a coisa consignada quando da decretação da

falência (seja por já ter sido alienada e o valor indevidamente contabilizado

pelo consignatário, seja por ter perecido, ainda que sem culpa deste) a

restituição far-se-á em dinheiro.

Elucidativo o acórdão do STJ a seguir citado.

DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO. ALIENAÇÃO DE MERCADORIAS RECEBIDAS EM CONSIGNAÇÃO ANTES DA QUEBRA. CONTABILIZAÇÃO INDEVIDA PELA FALIDA DO VALOR EQUIVALENTE ÀS MERCADORIAS. DEVER DA MASSA RESTITUIR (sic) OU AS MERCADORIAS OU O EQUIVALENTE EM DINHEIRO. SÚMULA 417 DO STF. - O que caracteriza o contrato de venda em consignação, também denominado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estimatório, é que (i) a propriedade da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida coisa, o consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao consignante. - Os riscos são do consignatário, que suporta a perda ou deterioração da coisa, não se exonerando da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua. - Se o consignatário vendeu as mercadorias entregues antes da decretação da sua falência e recebeu o dinheiro da venda, inclusive contabilizando-o indevidamente, deve devolver o valor devidamente corrigido ao consignante. Incidência da Súmula n.° 417 do STF. - A arrecadação da coisa não é fator de obstaculização do pedido de restituição em dinheiro quando a alienação da mercadoria é feita pelo comerciante anteriormente à decretação da sua quebra. Recurso especial ao qual se nega provimento. (STJ; REsp 710.658/RJ; Rel.(a) Min.(a) Nancy Andrighi; Terceira Turma; julgado em 06.09.2005; DJ 26.09.2005)

330

Na mencionada decisão, o STJ entendeu pela incidência do enunciado

nº 417 da Súmula331 do STF que, embora possa ser aplicada com mais

330

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 710.658/RJ. Relatora: Min.(a) Nancy Andrighi. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 26 set. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+de+coisa+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acessado em 16 mar. 2012. 331

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 417. Diário de Justiça, Brasília, 06, 07 e 08 julho 1964. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0417.htm >. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 103: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

101

adequação ao contrato de depósito, também incide na hipótese de

contabilização indevida, pelo consignatário, dos valores recebidos pela venda

da coisa consignada.

3.7.6 Do contrato sobre adiantamento de câmbio

O contrato sobre adiantamento de câmbio é aquele realizado entre o

empresário exportador ou produtor rural com negócios no exterior e a

instituição financeira autorizada pelo BACEN a atuar nesse mercado, que

consiste numa antecipação de recursos em moeda nacional a fim de financiar a

fase de produção visando a uma futura exportação.

O art. 75 da Lei nº. 4.728/1965 o prevê, mas não o regulamenta. Tarefa

que fica a cargo do Conselho Monetário Nacional e do BACEN, nos termos do

art. 2º, IV, da mesma lei.

O BACEN, na Resolução nº. nº. 3.568, de 9 de maio de 2008332, e na

Circular nº. nº. 3.280, de 9 de março de 2005333, regulamenta as operações de

câmbio do mercado de capitais, fixando prazos de duração para esses

contratos conforme a modalidade pactuada.

É a própria Lei nº. 4.728/1965, no seu art. 75, §3º, que autoriza o credor

do contrato sobre adiantamento de câmbio a pedir a restituição das quantias

adiantadas ao devedor, no caso de falência ou concordata deste.

Segundo orientação consolidada do STJ, inclusive objeto de enunciado

de Súmula (nº. 307334), essa possibilidade decorre do fato de que os valores

adiantados ao falido não integram o seu patrimônio, mas o do credor, e por

332

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº 3.568, de 9 de maio de 2008. Dispõe sobre o mercado de câmbio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2008/pdf/res_3568_v7_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005. 333

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.280, de 9 de março de 2005. Divulga o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, contemplando as operações em moeda nacional ou estrangeira realizada entre pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País e pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/2005/pdf/circ_3280_v1_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005. 334

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 307. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 2004. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0307.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 104: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

102

isso, deverá ser atendido antes do pagamento de qualquer crédito, inclusive

trabalhista.

Contudo, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 prescreve

que essa restituição somente será feita após o cumprimento do disposto no art.

151 da mesma lei, ou seja, depois do pagamento dos créditos trabalhistas de

natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à

decretação da falência, e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador.

Portanto, percebe-se que, diante do novo sistema falimentar brasileiro, o

enunciado nº 307 da Súmula do STJ ficou parcialmente prejudicado, já que os

credores trabalhistas têm, nos limites determinados pelo mencionado art. 151,

preferência sobre os titulares do direito à restituição em dinheiro das quantias

adiantadas em virtude de contrato de câmbio. Não há inconstitucionalidade

nisso porque essa espécie de restituição decorre de disposição legal, não

tendo fundamento no direito fundamental de propriedade.

Ressalte-se, ainda, que, no valor a ser restituído ao credor inclui-se a

correção monetária, conforme autoriza o enunciado nº 36 da Súmula do STJ.

Verbis: ―A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de

adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência‖.335

Ainda de acordo com o entendimento do STJ, sedimentado no

enunciado nº 133 de sua Súmula336, a restituição da quantia adiantada em

contrato de câmbio independe de ter sido a antecipação realizada nos quinze

dias anteriores à decretação da falência ou ao requerimento de concordata.

Nesses termos,

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA EXTINTIVA. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXAME DO MÉRITO DA DEMANDA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. CONCORDATA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO. CONTRATO DE MÚTUO. DIFERENCIAÇÃO. SÚMULAS 05 E 07/STJ.

335

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 36. Diário de Justiça, Brasília, 17 dez 1991. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0036.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. 336

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 133. Diário de Justiça, Brasília, 26 abr. 1995. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0133.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 105: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

103

1. Nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do CPC, 34, VII e XVIII, e 254, I, do RISTJ e 38 da Lei 8.038/90, é permitido ao Ministro Relator, nos autos de agravo de instrumento interposto com fundamento do artigo 544 do Código de Processo Civil, apreciar monocraticamente o mérito do recurso especial. 2. O Tribunal ad quem está autorizado a adentrar no mérito da causa, ainda que o processo, na instância de origem, tenha sido extinto sem julgamento do mérito, se se cuidar de demanda envolvendo questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. Aplicação da Teoria da Causa Madura (art. 515, § 3º, do CPC). 3. Consoante jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, é cabível o pedido de restituição baseado no adiantamento de contrato de câmbio, pois os valores dele decorrentes não integram o patrimônio da massa falida ou da empresa concordatária (art. 75, § 3º, da Lei nº. 4.728/1965 - Lei do Mercado de Capitais). 4. A teor da Súmula 133 do STJ, "a restituição da importância adiantada, a conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores à decretação da concordata" ou da falência, não incidindo, portanto, a condição temporal prevista no art. 76, § 2º, da antiga Lei de Falências. 5. "A restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência [ou concordata], deve ser atendida antes de qualquer crédito" (Súmula 307 do STJ), ainda que seja o mesmo de natureza trabalhista. 6. O Tribunal de origem, com base nos fatos e provas da causa, entendeu que o contrato celebrado era de câmbio à exportação, e não de mútuo (financiamento), de forma que chegar a conclusão diversa encontra óbice nas Súmulas 05 e 07 do STJ. 7. "A natureza jurídica de compra e venda do contrato de câmbio com adiantamento do preço impõe a sua conclusão com o consenso e a assinatura dos contratantes, a partir de quando se considera perfeito e acabado, sendo irrelevante a não-realização da exportação a ele vinculada" (REsp 30.516/MG, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 10.06.1996). 8. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ; AgRg no Ag 510.416/RJ; Rel. Min. Vasco Della Giustina – desembargador convocado do TJ/RS –; Terceira Turma; julgado em 04.02.2010; DJ 23.02.2010)

337

Em que pese esses enunciados terem sido editados sob a vigência do

Decreto-lei nº. 7.661/1945, eles continuam sendo aplicados por serem

compatíveis com a lei de falências vigente.

A possibilidade da restituição das quantias recebidas pelo credor em

contrato sobre adiantamento de câmbio que, na vigência do Decreto-lei nº.

7.661/1945, estava prevista apenas no art. 75, §3º, da Lei nº. 4.728/1965, foi

expressamente tratada no art. 86, II, da Lei nº. 11.101/2005, que traz a

seguinte redação:

337

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 586.522/MG; Relator: Min. Castro Filho. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 13 nov. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=32>. Acessado em 16 mar. 2012.

Page 106: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

104

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente; [...]

338

Além das considerações já realizadas que se mantêm aplicáveis sobre a

exegese da lei vigente, Simionato339 faz uma observação relativa à parte final

do dispositivo mencionado (―desde que o prazo total da operação, inclusive

eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da

autoridade competente‖340).

Segundo esse autor341, como o contrato sobre adiantamento de câmbio

caracteriza-se por ter prazo certo e determinado fixado por ato normativo do

BACEN, a ação restituitória somente poderá ser proposta pelo credor para

reaver os valores ainda não pagos, se o contrato estiver dentro do prazo

máximo estabelecido pelas autoridades competentes, incluídas eventuais

prorrogações. Ultrapassado esse limite, não mais será cabível o pedido de

restituição, pois o contrato de câmbio se degenera em mútuo oneroso, devendo

o credor habilitar o seu crédito na classe dos créditos quirografários.342

3.7.7 Do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva

de domínio

Primeiramente, cabe ressaltar que se tratam de contratos distintos,

porém, que serão tratados no mesmo item por trazerem o mesmo fundamento

a autorizar o pedido de restituição.

338

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 339

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 340

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 341

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 342

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 107: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

105

Nos termos do art. 1.361 do CC/2002, considera-se fiduciária a

propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor (fiduciário)

transfere ao credor (fiduciante), com o objetivo de garantir o pagamento de

uma dívida. Por ela, dá-se o desdobramento da posse e, enquanto o devedor

fiduciário terá a posse direta do bem, o credor fiduciante se manterá na

propriedade e na posse indireta do mesmo.

A palavra ―fiduciária‖ vem de fidúcia, que significa confiança. Assim, o

credor é fiduciante porque acredita que o devedor pagará a dívida assumida e,

por isso, tem a obrigação de transferir-lhe a propriedade do bem após dar-lhe

quitação integral do débito.

O devedor, por sua vez, é fiduciário, pois, sobre ele, recai a confiança de

cumprimento integral da parte da obrigação que lhe caiba, mantendo-se

depositário do bem até o integral pagamento do preço ajustado. E na condição

de depositário, não poderá dispor do bem objeto da garantia sem anuência do

credor fiduciante, assumindo todos os riscos pela sua perda ou deterioração.

Segundo Venosa343, entende-se por propriedade resolúvel aquela que

está sujeita à condição ou termo que, uma vez implementada, extingue-se em

relação ao seu titular, desaparecendo também todos os direitos reais sobre ela

concedidos durante sua pendência.

No caso da propriedade fiduciária, com o advento da condição

(pagamento do débito ajustado), a propriedade se resolve para o credor,

consolidando-se nas mãos do devedor. Este, por sua vez, adquire-a com

efeitos retroativos desde a data da transferência da propriedade fiduciária ao

credor.

Por estar inserida entre os direitos reais como espécie de propriedade,

ela se constitui com o registro do título que lhe deu origem no Cartório de

Títulos e Documento ou na repartição competente para o licenciamento, com

anotação no certificado de registro, em se tratando de veículos.

O título que dá origem ao direito é o contrato de alienação fiduciária (art.

1.362 do CC/202), que pode ser realizado por instrumento público ou particular.

Por meio desse contrato, o credor (fiduciante) se compromete a

emprestar determinada soma em dinheiro ao devedor (fiduciário) para que este

343

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. III.

Page 108: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

106

adquira determinado bem móvel ou imóvel. O fiduciário, por sua vez,

compromete-se a transferir a propriedade resolúvel da coisa ao credor que,

nesta condição permanecerá até o integral pagamento da dívida. Com isso

ocorre o desdobramento da posse, na qual a posse direta se manterá com o

devedor e a indireta será do credor.

Dessa forma, a propriedade fiduciária se distingue do contrato de

alienação fiduciária em garantia, pois este tem natureza obrigacional, sendo o

título necessário para a aquisição daquela, de natureza real. Por esse motivo, o

direito à restituição decorrente da alienação fiduciária em garantia tem origem

em contrato.

O STJ admite que o credor faça uso da prerrogativa que lhe confere os

art. 85 e 86 da Lei nº. 11.101/2005 ou que habilite o seu crédito como privilégio

especial, na classe dos credores concursais. Verbis,

COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FALÊNCIA DO DEVEDOR. PRETENSÃO DE HABILITAR O CRÉDITO COMO PRIVILEGIADO. POSSIBILIDADE. 1. Em caso de falência do devedor, o crédito decorrente de contrato garantido por alienação fiduciária deve ser habilitado como privilegiado. Não se exclui, ainda e por óbvio, a possibilidade de o credor requerer a restituição do bem (Art. 7º do Decreto-lei nº. 911/69). 2. A circunstância de o credor - proprietário fiduciário – haver exercido ação executiva não desconstitui o direito real resultante da alienação fiduciária. (STJ; REsp 791.194/RS; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Terceira Turma, julgado em 14.12.2006; DJ 05.02.2007)

344

Segundo Negrão345, esse entendimento se aplica a todos os tipos de

alienações fiduciárias em garantia previstas no ordenamento jurídico brasileiro,

as quais estão previstas nos seguintes dispositivos legais: no art. 66-B da Lei

nº. 4.728/1965, para aquela praticada pelo mercado financeiro e de capitais,

abrangendo bem móvel, fungível ou infungível, e título de crédito; no art. 7º do

Decreto-lei nº. 911/1969, para bens móveis; no art. 151, §2º, da Lei nº.

344

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 791.194/RS. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 05 fev. 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=669879&sReg=200501792380&sData=20070205&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. 345

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 109: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

107

7.565/1986, para aeronaves; e no art. 20 da Lei nº. 9.514/1997, para bens

imóveis.

Em situação diversa, sendo decretada a falência do credor, o devedor

deverá pagar o débito à massa falida no prazo ajustado no contrato (uma vez

que não haverá vencimento antecipado dessa obrigação), resolvendo-se a

propriedade em seu favor com o adimplemento da obrigação.

A venda com reserva de domínio (art. 521 a 528 do CC/2002) é uma

cláusula especial ao contrato de compra e venda de bens móveis, por meio da

qual o vendedor estipula expressamente que se manterá na propriedade da

coisa alienada até que o preço seja integralmente pago.

Diferentemente da alienação fiduciária em garantia, em regra, o

comprador não será depositário do bem vendido, mas apenas comodatário,

salvo expressa disposição em contrário.

Dessa forma, em caso de falência do comprador, poderá o vendedor

propor a ação restituitória para reaver o bem que se encontra no patrimônio do

falido, pois, até o adimplemento da obrigação, será seu proprietário.

Enquanto as hipóteses de restituição nos contratos de alienação

fiduciária em garantia estão previstas em diversos diplomas legislativos, no

caso do contrato de compra e venda com reserva de domínio, a própria Lei nº.

11.101/2005 traz essa previsão no seu art. 119, IV.

Em que pese a ação restituitória fundar-se, nesse caso, no direito real de

propriedade, tem ela origem em contrato, uma vez que o vendedor somente

terá garantido esse direito se houver expressa disposição no contrato de

compra e venda, com posterior registro no Cartório de Títulos e Documentos do

domicílio do comprador. Se a avença contiver essa cláusula, mas não estiver

registrada, o pacto será válido apenas para as partes, sendo inoponível a

terceiros; e não se pode esquecer que a massa falida é terceira nessa relação

obrigacional.

3.7.8 Do patrimônio de afetação (Lei nº. 10.931/2004)

Page 110: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

108

Outra hipótese na qual a Lei nº. 11.101/2005 trata da restituição na

falência fora dos art. 85 e 86 é a do patrimônio de afetação de que trata o art.

119, IX.

O patrimônio de afetação tem cabimento no contexto do contrato de

incorporação imobiliária e está previsto nos art. 31-A a 31-F da Lei nº.

4.591/1964 (Lei de Incorporação Imobiliária), inseridos pela Lei nº.

10.931/2004.

Segundo o art. 28, parágrafo único, da Lei nº. 4.591/1964, ―considera-se

incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e

realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou

conjunto de edificações compostas de unidades autônomas‖.346

Caracteriza-se, portanto, a incorporação imobiliária quando uma pessoa

física ou jurídica realiza empreendimento visando à edificação (de forma direta,

por empreitada ou por administração) de unidades autônomas de diversas

naturezas, visando à futura venda.

O contrato de incorporação imobiliária, por sua vez, surge quando o

responsável pela construção celebra negócio jurídico com terceiro interessado

na aquisição de fração ideal do imóvel ligado à futura unidade autônoma.

Frequentemente o incorporador realizava contratos de mútuo ou

financiamento bancário oferecendo o terreno a ser edificação e outros bens

destinados à construção a fim de garantir o adimplemento da obrigação.

Com a falência do devedor, o credor excutia a garantia e, aos

adquirentes das unidades autônomas, cabia apenas habilitar os valores já

pagos ao incorporador, como credores quirografários.

Isso gerava graves problemas sociais, especialmente levando-se em

conta que a parte mais débil da relação (geralmente consumidores em busca

de residência própria) era a mais prejudicada, pois os mutuantes (normalmente

instituições financeiras) dificilmente não receberiam o valor do seu crédito, já

que eram os primeiros a ser pagos devido à titularidade de direito real de

garantia.

346

BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário de Justiça, 21 dez. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 111: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

109

Diante disso, a Lei nº. 10.931/2004 inseriu os art. 31-A a 31-F à Lei nº.

4.591/1964, criando o patrimônio de afetação e disciplinando essa situação em

caso de falência do incorporador.

Patrimônio de afetação é a separação patrimonial realizada pelo

incorporador que, mediante averbação no Cartório de Registro de Imóveis,

afetará o terreno, as acessões objeto de incorporação imobiliária e os demais

bens e direitos a ela vinculados, ao fim específico de possibilitar a edificação da

incorporação correspondente e entrega das unidades imobiliárias aos seus

adquirente.

Com isso, o incorporador terá dois patrimônios distintos, sendo um deles

destinado à implementação do empreendimento e cumprimento dos contratos

de incorporação imobiliária, o qual se manterá separados dos demais bens até

a adimplência da obrigação contraída com a instituição financeira e entrega das

unidades autônomas.

Para tanto, determina o art. 31-A, §§3º e 6º, da Lei nº. 4.591/1964, que

os bens e direito que integram o patrimônio de afetação somente poderão ser

objeto de garantia real em operação de crédito destinada à consecução da

edificação e entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes,

sendo, ainda, os recursos financeiros que o integram utilizados exclusivamente

para o pagamento e reembolso das despesas com a incorporação.

A fim de tutelar mais efetivamente o direito dos adquirentes das

unidades autônomas, o art. 31-F, caput, da Lei nº. 4.591/1964, determina que o

patrimônio de afetação não se sujeita aos efeitos da falência e não integrará a

massa falida objetiva (―massa concursal‖347). O objetivo disso é conferir certa

segurança aos adquirentes das unidades autônomas que passam a ter maior

garantia no recebimento dos respectivos imóveis em caso de falência do

incorporador.

No entanto, a Lei nº. 10.931/2004 nada tratou sobre a ação restituitória

em caso de falência do incorporador.

Aproximadamente um ano depois, a Lei nº. 11.101/2005, no art. 119, IX,

estabeleceu que o patrimônio de afetação a que se refere a Lei nº 4.591/1964

347

BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário de Justiça, 21 dez. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.

Page 112: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

110

permanecerá separado dos demais bens, direitos e obrigações do falido até

advento do termo de sua vigência ou cumprimento de sua finalidade; momento

em que caberá ao administrador judicial arrecadar o saldo em favor da massa

falida ou inscrever, na classe própria, o crédito que contra ela remanescer.

Simionato348 entende que o patrimônio de afetação, em nenhuma

hipótese, poderá ser arrecadado na falência do incorporador, podendo ser

objeto da ação restituitória pelos adquirentes das unidades imobiliárias caso

isso ocorra. Segundo ele349, isso se deve ao uso do termo ―separados‖ no

mencionado dispositivo, usado pela doutrina antiga para designar os credores

separatistas que tinham direito à ―reivindicação‖ na falência (posteriormente

substituída pela expressão ―pedido de restituição‖ pelo Decreto-lei nº.

7.661/1945).

Não sendo possível prosseguir na construção das edificações, prescreve

o art. 43, III, da Lei nº. 4.591/1964, que os adquirentes das unidades

autônomas serão credores privilegiados pelas quantias pagas antes da falência

do incorporador, o qual terá responsabilidade pessoal subsidiária pelos débitos

daí resultantes.

3.7.9 Do contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974)

O contrato de arrendamento mercantil ou leasing está disciplinado pela

Lei nº. 6.099/1974 e pela Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996350, do

BACEN.

O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº. 6.099/1974, conceitua

arrendamento mercantil como negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica,

na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de

arrendatária, que tem por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela

arrendadora segundo as especificações da arrendatária e para uso desta.

348

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 349

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 350

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012.

Page 113: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

111

Existem três tipos de arrendamento mercantil: o leasing financeiro, o

leasing operacional e o leasing back (ou de retorno). Os dois primeiros estão

previstos na Resolução nº. 2.309/1996 do BACEN. O terceiro não tem previsão

no ordenamento jurídico brasileiro, sendo modalidade prevista no direito norte

americano.

O leasing financeiro (art. 5º351 da Resolução nº. 2.309/1996 do BACEN)

é a modalidade de arrendamento mercantil tradicional e mais comumente

praticada no mercado, na qual o arrendatário aluga um bem integrante do

patrimônio da arrendadora, mediante o pagamento de determinado preço e por

período certo, tendo, ao final do contrato, o direito de optar pela renovação da

locação, devolução do bem ou a sua aquisição, pagando o preço para o

exercício do direito de compra e o valor residual garantido. Nessa modalidade

de leasing, é de responsabilidade exclusiva da arrendatária a manutenção dos

bens arrendados e a prestação de assistência técnica.

O leasing operacional (art. 6º352 da Resolução nº. 2.309/1996 do

BACEN) é semelhante ao arrendamento mercantil financeiro, com as seguintes

diferenças: o valor das prestações do contrato não poderão ultrapassar 90%

351

Art. 5º Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que: I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado. (Alterado pela Resolução 2465, de 19/02/1998). (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012) 352

Art. 6º Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que: I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação à disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do "custo do bem;" II - o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem; III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado; IV - não haja previsão de pagamento de valor residual garantido. Parágrafo 1º As operações de que trata este artigo são privativas dos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil. Parágrafo 2º No cálculo do valor presente dos pagamentos deverá ser utilizada taxa equivalente aos encargos financeiros constantes do contrato. Parágrafo 3º A manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado podem ser de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária. (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012)

Page 114: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

112

(noventa por cento) do valor de custo do bem; o contrato deverá ter a duração

inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da vida útil do objeto arrendado; o

preço para a opção de compra será o respectivo valor de mercado, não

havendo previsão de pagamento do valor residual garantido; e a possibilidade,

mediante previsão contratual, da prestação dos serviços de manutenção e

assistência técnica do bem arrendado pela arrendadora.

O leasing back ou leasing de retorno não possui regulamentação no

ordenamento jurídico brasileiro, sendo criado pelo Direito norte americano.

Segundo essa modalidade de arrendamento mercantil, o arrendatário aliena

um bem que integra o seu patrimônio ao arrendador para que este,

posteriormente, lhe ceda o mesmo bem em locação, permanecendo o

arrendatário com as três opções, já mencionadas, ao final do contrato. O

objetivo primordial desse contrato é gerar renda ao contratante (arrendatário)

para reemprego em sua atividade econômica.

Em todos os casos, segundo Negrão353, o arrendador, na qualidade de

proprietário dos bens alugados ao arrendatário, terá direito à restituição dos

bens arrendados que se encontrem na posse do devedor quando da

decretação de sua falência.

3.8 O pedido de restituição de contribuições previdenciárias descontadas

e não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991)

O art. 51, parágrafo único, da Lei nº. 8.212/1991, faculta ao Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS), em caso de falência da entidade

empregadora, a reivindicação dos valores descontados da remuneração dos

empregados e não recolhidos aos cofres públicos.

Entretanto, cabe aqui um esclarecimento.

Inicialmente, INSS era a entidade responsável por fiscalizar, arrecadar e

cobrar as contribuições previdenciárias (além de gerir os recursos e efetuar o

pagamento dos benefícios previdenciários), ficando os demais tributos sob a

responsabilidade da Secretaria da Receita Federal (SRF).

353

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 115: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

113

Com a Medida Provisória nº. 222, de 4 de outubro de 2004,

posteriormente convertida na Lei 10.098/2005, foi criada a Secretaria da

Receita Previdenciária (SRP), órgão integrante do Ministério da Previdência

Social, com a atribuição para fiscalizar, arrecadar, cobrar e recolher as

contribuições previdenciárias previstas no art. 195, I, ‗a‘, e II, da CRFB/1988,

para posterior repasse ao INSS. Este permaneceu apenas com a função de

administrar os recursos para o pagamento dos benefícios previdenciários. As

outras contribuições sociais (previstas no art. 195, I, ‗b‘ e ‗c‘; III e IV, da

CRFB/1988), juntamente com os demais tributos federais, eram arrecadadas

pela Secretaria da Receita Federal (SRF).

Posteriormente, a Lei nº. 11.457, publicada em 16 de março de 2007,

extinguiu a SRP e a SRF, criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil –

SRFB (também chamada ―Super Receita‖), órgão integrante do Ministério da

Fazenda responsável pela fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento

de todos os tributos federais, inclusive das contribuições previdenciárias para

posterior repasse ao INSS.

Com isso, a faculdade prevista no art. 51, parágrafo único, da Lei nº.

8.212/1991, atualmente, é atribuição da SRFB e não mais do INSS.

Pois bem. Esclarecido esse ponto, cabe ressaltar que os valores que

possibilitam o ajuizamento da ação restituitória, pela SRFB, são aqueles

efetivamente descontados do salário dos empregados e não recolhidos à

União. Dessa forma, não realizado qualquer desconto, não será cabível o

pedido de restituição e a Fazenda Pública deverá cobrar a quantia devida a

título de contribuição previdenciária por meio da ação de execução fiscal, de

competência da Justiça Federal, ou habilitando seu crédito na falência.

Segundo o STJ, os valores descontados dos salários dos empregados e

não recolhidos aos cofres públicos não integram o patrimônio do falido,

incidindo também, à hipótese, o enunciado nº 417 da Súmula do STF. Isso

porque, além de os créditos devidos ao INSS se equipararem aos da União,

gozando dos mesmos privilégios desta, o art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 é claro

ao dispor que os valores descontados a título de contribuição previdenciária e

não recolhidos pertencem ao INSS e não ao falido.

Page 116: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

114

PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO REPASSADA À SEGURIDADE SOCIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO MOVIDA PELO INSS. CONCURSO DE CREDORES. PREFERÊNCIA. SÚMULA 417 DO STF. 1. "Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade." (Súmula 417 do STF) 2. As contribuições previdenciárias descontadas pela massa falida, dos salários dos empregados, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, porque se trata de bens que não integram o patrimônio do falido. Incidência da Súmula nº 417 do STF. (Precedentes: REsp 780.971/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 21/06/2007; REsp 769.174/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006 ; REsp 686.122/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005 ; REsp 511356/RS, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ de 04.04.2005; REsp 631529/RS, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 30.08.2004; REsp 557373/RS, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJ de 28.04.2004; RESP 284276/PR, Primeira Turma, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 11.06.2001) 3. É que o caput do art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 explicita o privilégio dos créditos do INSS, os quais equipara aos créditos da União, deixando claro que os valores descontados dos empregados pertencem à autarquia previdenciária, a qual poderá reivindicá-los, litteris: "Art. 51. O crédito relativo a contribuições, cotas e respectivos adicionais ou acréscimos de qualquer natureza arrecadados pelos órgãos competentes, bem como a atualização monetária e os juros de mora, estão sujeitos, nos processos de falência, concordata ou concurso de credores, às disposições atinentes aos créditos da União, aos quais são equiparados. Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS reivindicará os valores descontados pela empresa de seus empregados e ainda não recolhidos." 4. A Lei de Falências vigente à época dos fatos (Decreto-lei 7.661/45), a seu turno, autoriza a restituição de coisa arrecadada, verbis: "Art. 76. Pode ser pedida a restituição de coisa a arrecadada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato." 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.183.383/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 05.10.2010, DJ 18.10.2010)

354

Para Abrão355, o pedido de restituição é cabível nessas hipóteses

porque, ―Descontando a percentagem incidente sobre os salários dos

empregados, o falido assume a condição de depositário destas importâncias,

354

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1.183.383/RS. Relator: Min. Luiz Fux. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1009322&sReg=201000362724&sData=20101018&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. 355

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991.

Page 117: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

115

podendo muito bem ter dado outra destinação, antes da quebra, ao

numerário...‖.356

De acordo com Negrão357, a incidência do enunciado nº 417 da Súmula

do STF ao art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 influenciou a disciplina de todos os

casos de restituição em dinheiro, pois o legislador optou por dar prioridade aos

créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da

falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Verbis:

O assento jurisprudencial serviu, por aplicação extensiva, para ordenar todos os demais casos de restituição em dinheiro, tendo o legislador priorizado o pagamento de créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação de falência, até o limite de cinco salários mínimos (art. 86, parágrafo único, e art. 151).

358

Esse autor359 também entende que a propositura da ação restituitória

depende do efetivo pagamento da remuneração dos empregados sobre a qual

incidiria o tributo. Ou seja, não tendo sido paga a remuneração dos

empregados, não terá cabimento a restituição, devendo a SRFB promover a

cobrança da quantia correspondente por meio da ação de execução fiscal ou

da habilitação do crédito na falência do devedor.

Existe também posição jurisprudencial que, em analogia ao que ocorre

com as contribuições previdenciárias, admite o ajuizamento da ação

restituitória pela Fazenda Pública para haver o valor de outros tributos

descontados de terceiros em razão de substituição tributária, a exemplo do

imposto de renda retido na fonte, e não recolhidos aos cofres públicos. Como

exemplo, ementa de acórdão de Agravo de Instrumento (AI) exarado pelo

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. UNIÃO. Valores não repassados a titulo de imposto de renda.

356

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 35. 357

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 358

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 475. 359

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 118: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

116

Mostra-se cabível a pretendida suspensão do pagamento dos credores habilitados no processo falimentar, ainda que trabalhistas. Sendo perfeitamente cabível a restituição, não é nem cogitável que a União tenha que se submeter ao concurso de credores. O imposto de renda retido e não recolhido aos cofres públicos, que jamais integrou o patrimônio da empresa falida. (TJRS, AI nº. 70027699057, Rel. Desembargador Leo Lima, Quinta Câmara Cível, DJ 22.05.2009)

360

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manifestou entendimento

semelhante no julgamento da Apelação Cível nº 1.0672.05.183600-1/001.

Verbis:

FALÊNCIA - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO - IMPOSTO DE RENDA ARRECADADO DE EMPREGADOS - MONTANTE QUE NÃO INTEGRA O PATRIMÔNIO FALIMENTAR - ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. O pedido de restituição de imposto de renda arrecadado dos empregados da sociedade empresária falida pode ser formulado em observância ao previsto no artigo 76, do Dec.Lei 7.661/45, situação que inviabiliza a extinção do processo por ausência de interesse processual. (TJMG, Ap. Cível nº. 1.0672.05.183600-1/001, Re. Desembargador Edilson Fernandes, Sexta Câmara Cível, DJ 10.08.2010)

361

Contudo, esse entendimento ainda não é pacífico na jurisprudência, pois

existem decisões, inclusive do mesmo tribunal (TJMG), que não admitem a

propositura da ação de restituição pela Fazenda Pública nessas hipóteses.

Nesses termos:

APELAÇÕES CÍVEIS - REEXAME NECESSÁRIO - AGRAVOS RETIDOS - PRESCRIÇÃO -DECRETO-LEI N. 7661/45, ART. 47 - INOCORRÊNCIA - PROVAS - REJEIÇÃO - DESNECESSIDADE NOS AUTOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTENTE - MÉRITO - FALÊNCIA - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CORRESPONDENTES AO DESCONTO DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE SOBRE OS SALÁRIOS DE EMPREGADOS DA EMPRESA FALIDA E NÃO REPASSADOS AOS COFRES DA UNIÃO - DESCABIMENTO - INADMISSIBILIDADE DO PRIVILÉGIO PRETENDIDO - OBRIGATORIEDADE DE RESPEITO AO CRITÉRIO

360

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº. 70027699057. Relator: Desembargador Leo Lima. Quinta Câmara Cível. DJ 22.05.2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?as_q=&tb=proc>. Acessado em 22 ago. 2012. 361

MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível nº. 1.0672.05.183600-1/001. Relator: Des. Edilson Fernandes. Sexta Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 10 ago. 2010. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=5&totalLinhas=13&paginaNumero=5&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012.

Page 119: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

117

DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS FALIMENTARES - ORDEM LEGAL - OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NÃO TEM PREFERÊNCIA SOBRE OS ENCARGOS DA MASSA E OS (sic) NATUREZA TRABALHISTA E ALIMENTARES - EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMAR A SENTENÇA, PREJUDICADOS OS RECURSOS. (TJMG, Ap. Cível/Recurso necessário nº. 1.0024.05.820840-6/001, Rel. Desembargador Roney Oliveira, Segunda Câmara Cível, DJ 07.10.2008)

362

Diante desse quadro de divergência, resta-nos aguardar as futuras

decisões dos tribunais brasileiros para aferirmos se foi criada,

jurisprudencialmente, uma nova hipótese de cabimento da ação restituitória.

3.9 O pedido de restituição com fundamento no art. 86, III, da Lei nº.

11.101/2005

Ação revocatória é a ação por meio da qual se pretende obter a

declaração de ineficácia, em relação à massa falida, de determinados atos

praticados pelo devedor. Trata-se de uma declaração de ineficácia e não de

nulidade ou de anulabilidade, pois nada será desconstituído, mas apenas

declarado inoponível aos credores (massa falida subjetiva).

Segundo Pontes de Miranda, ―a declaração de ineficácia segundo o art.

52 do Decreto-lei n. 7.661 nada desconstitui. Os bens continuam no patrimônio

do adquirente; apenas o valor dêles está subordinado aos efeitos falenciais‖.363

De acordo com Negrão364, existem duas espécies de ações revocatórias.

A primeira está prevista em hipóteses taxativas constantes do art. 129 da Lei

nº. 11.101/2005 e se destina à declaração pura e simples de ineficácia, em

relação à massa falida, do ato praticado pelo devedor e terceiros,

independentemente do conhecimento dos contratantes sobre o estado de ruína

362

MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível/ Recurso necessário nº 1.0024.05.820840-6/001. Relator: Des. Roney Oliveira. Segunda Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 07 out. 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=13&totalLinhas=13&paginaNumero=13&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012. 363

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 1960. Tomo XXVIII, p. 325-326. 364

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.

Page 120: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

118

econômica do devedor ou de haver ou não intenção de fraudar os credores,

pois se baseia em presunção absoluta de má-fé.

A segunda, por seu turno, está tratada no art. 130 da mesma lei e

consiste na revogação, em benefício da massa falida, do ato praticado pelo

devedor e o terceiro, mediante prova do conluio fraudulento, a finalidade de

fraudar credores e o efetivo prejuízo sofrido pela comunidade de credores.365

A sentença que declara ineficaz determinado ato ou contrato produzirá

efeitos retroativos, fazendo com que as partes retornem ao estado anterior.

Nessas hipóteses, sempre que houver enriquecimento indevido da

massa falida em detrimento do terceiro contratante de boa-fé, terá este direito à

restituição da quantia entregue ao falido, com fundamento no art. 86, III, da Lei

nº. 11.101/2005. No entanto, não havendo enriquecimento indevido da massa

falida, o bem será arrecadado e o contratante deverá habilitar seu crédito na

classe dos credores quirografários.

Nas palavras de Simionato, ―O que o art. 86, III, da Lei, quer evitar é o

enriquecimento indevido da massa falida. Por isso, alberga a restituição

unicamente na hipótese de a massa enriquecer, efetivamente, com a

declaração de ineficácia do ato‖.366

A restituição, nesses casos, far-se-á em dinheiro com preferência sobre

todos os credores (extraconcursais ou concursais) habilitados na falência,

ressalvada a situação prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

3.10 Distinção entre a ação restituitória e os embargos de terceiro

Conforme os ensinamentos de Theodoro Júnior367, os embargos de

terceiros são ação de natureza constitutiva (negativa), autônoma ao processo

de execução e de rito sumário, que visa a desconstituir o ato judicial de

constrição sobre determinado bem a fim de proteger a posse ou a propriedade

do requerente, podendo fundar-se em direito real ou pessoal.

365

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 366

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 619. 367

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed. Forense: Rio de Janeiro. 2008. Vol. II.

Page 121: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

119

Segundo Pontes de Miranda, ―os embargos de terceiro não são ação de

credor‖ e têm o objetivo de ―afastar a eficácia da arrecadação‖368. Para esse

autor, trata-se de uma ação que visa a restituir a posse ao terceiro senhor,

possuidor ou retentor de um bem indevidamente arrecadado pela massa falida.

O Decreto-lei nº. 7.661/45 tratava dos embargos de terceiro no art. 79,

cuja redação levantava grande celeuma na doutrina, pois admitia que os

embargos de terceiro fossem opostos no lugar da ação restituitória, caso

ambos fossem cabíveis. Verbis,

Art. 79. Aquele que sofrer turbação ou esbulho na sua posse ou direito, por efeito da arrecadação ou do seqüestro, poderá, se não preferir usar do pedido de restituição (art. 76), defender os seus bens

por via de embargos de terceiro.369

Segundo Pontes de Miranda370, os embargos de terceiro se prestam a

proteger a posse, o domínio e a retenção do terceiro cujo bem foi arrecadado

na falência de outrem, podendo ser manejado em alguns casos em que seja

cabível o pedido de restituição.

Para este tratadista371 (na vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945), havia

casos em que o terceiro não poderia escolher entre pedir a restituição do bem

indevidamente arrecadado pela massa falida ou opor embargos de terceiro

para reaver a posse sobre o mesmo. Quando se tratasse de hipótese de

simples turbação, essa medida não seria possível por não ter havido ainda o

ato efetivo de arrecadação ou sequestro do bem em virtude da sentença

judicial que decreta a falência do devedor, mas apenas a ameaça de tal ato.372

368

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. p. 113. 369

BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 370

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 371

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 372

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX.

Page 122: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

120

Nestes termos, ―por vêzes, quem pode pedir restituição lato sensu

também poderia opor embargos de terceiro, mas isso não ocorre sempre. Nem

se há de pensar em restituição se o caso é de simples turbação‖.373

Miranda Valverde374 também doutrinava nesse sentido, defendendo a

impossibilidade do terceiro em escolher reaver a posse sobre o bem por meio

de ação restituitória ou de embargos de terceiro na hipótese de simples

turbação possessória por ato de arrecadação judicial; caso em que somente os

embargos de terceiro teriam cabimento. Nesse sentido, ―Assim, na hipótese de

mera turbação, em que o bem continua em poder do terceiro, a fórmula

restituitória é, evidentemente, inadequada.‖375

Requião376, seguindo a linha de entendimento de Pontes de Miranda377 e

Miranda Valverde378, defendia a possibilidade de escolha entre a oposição dos

embargos de terceiro ou a propositura da ação restituitória para aquele que

sofrer esbulho em sua posse, em decorrência de ato de arrecadação judicial ou

sequestro na falência. Essa faculdade, contudo, não se estendia à hipótese de

turbação, por não ter havido ainda o desapossamento do bem, mas apenas a

ameaça de tal ato em virtude de decisão judicial. Nesses termos,

O preceito legal se refere à turbação ou esbulho, numa evidente impropriedade, pois na hipótese de turbação não será possível o pedido restituitório. Não houve, nessa hipótese, arrecadação, mas

apenas ameaça de realização.379

No mesmo sentido, preceitua Waldemar Ferreira ao afirmar:

Decretada a falência e, na arrecadação, feita pelo síndico, abrangidos bens de terceiro, então é que êste poderá optar pelos embargos ou pela ação de restituição. Mas, ainda assim, para a oposição dos embargos, é necessário que efetivamente seus bens tenham sido abrangidos pela arrecadação.

373

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX, p. 111. 374

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 375

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 97. 376

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, 377

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 378

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 379

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 295.

Page 123: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

121

Antes, ou na iminência desta, não. Os embargos de terceiro não

constituem medida cautelar.380

A Lei nº. 11.101/2005 trata da matéria de forma diferente ao prescrever,

no art. 93, que o terceiro poderá manejar embargos, nos termos da legislação

processual civil, nas hipóteses em que não couber o pedido de restituição.

Os embargos de terceiro estão previstos nos art. 1.046 a 1.054 do CPC

e, segundo este diploma normativo, têm cabimento quando aquele que não é

parte no processo se vê ameaçado de sofrer turbação ou esbulho na posse de

seus bens, por ato de constrição judicial, nos casos de ―penhora, depósito,

arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário,

partilha‖381, dentre outros.

Dessa forma, no processo falimentar, os embargos de terceiro

atualmente têm cabimento restrito às hipóteses de turbação ou esbulho por ato

de constrição do Juízo Falimentar, visando à proteção do domínio ou qualquer

outra espécie de direito (real ou pessoal) que garanta ao embargante a posse

sobre o bem indevidamente arrecadado na falência.

De acordo com a atual sistemática da Lei nº. 11.101/2005, não mais é

possível a oposição dos embargos de terceiro no caso de simples direito de

retenção em virtude do disposto no art. 116, I, da mesma lei, o qual prescreve

que a decretação da falência suspende o direito de retenção sobre os bens

sujeitos à arrecadação, devendo ser estes entregues ao administrador judicial.

Para Pacheco,

De um modo geral, apresentam-se os embargos de terceiro como remédio processual que a lei coloca à disposição do senhor e possuidor, ou apenas possuidor, que não sendo parte do processo de falência, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens, em

virtude da arrecadação.382

380

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 125. 381

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 218-309. 382

PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 2ª ed. Forense: Rio de janeiro. 2007. p. 227.

Page 124: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

122

Segundo Teixeira383, os embargos de terceiro, sob a égide do Decreto-

lei nº. 7.661/1945, eram preferíveis à ação restituitória, pois ofereciam a

vantagem da possibilidade de obtenção de decisão liminar. Ainda de acordo

com esse autor384, apesar da resistência de uma parte da doutrina, a

jurisprudência admitia o manejo dos embargos no lugar da ação restituitória,

beneficiando os particulares que se encontrassem nessa situação. No entanto,

o mesmo autor385 afirma que, atualmente, a ação restituitória também admite o

pedido de antecipação de tutela, não havendo, por isso, prejuízo para aqueles

que não puderem manejar os embargos de terceiro.

Requião386, pelo mesmo motivo, também entendia que os embargos de

terceiro ofereciam vantagem em relação à ação restituitória, já que aqueles

permitiam a reintegração de posse liminarmente ao embargante; possibilidade

não estendida ao pedido de restituição.

No atual sistema falimentar brasileiro, contudo, essa possibilidade de

escolha não mais existe, pois o art. 93 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve

expressamente que os embargos de terceiro têm hipótese de cabimento

residual.

Por isso, de acordo com Teixeira387, o manejo dessa ação se tornou

mais restrito devido à dificuldade de se identificar o cabimento dos embargos

de terceiro na falência, em hipótese na qual o falido e o terceiro se apresentem,

ao mesmo tempo, como possuidores de um bem e não seja cabível a ação

restituitória. Nesses termos,

Nesse quadro, espera-se que o instituto ora em análise seja pouco utilizado nas falências, visto ser difícil identificar-se um caso em que um bem seja arrecadado por se encontrar na posse do falido, mas

sobre o qual outrem também exerça posse legítima.388

383

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 384

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 385

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 386

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 387

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 388

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 636.

Page 125: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

123

Em outros termos, segundo a legislação em vigor, os embargos de

terceiros tem seu cabimento restrito àquelas hipóteses de esbulho ou turbação

na posse do terceiro que, concomitantemente ao falido, também possua o bem

em virtude de direito real ou pessoal.

Várias são as hipótese nas quais o terceiro e o falido poderão ser

possuidores de um mesmo bem simultaneamente. Contudo, o desdobramento

da posse nos contratos de sublocação e subcomodato é o maior exemplo em

que se visualiza a possibilidade da oposição dos embargos de terceiro.

Segundo Venosa389, o desdobramento da posse é o instituto de Direito

Civil que permite a cisão da posse em direta e indireta. Ele tem cabimento

quando duas partes entabulam um negócio jurídico no qual o poder de fato

sobre um bem será atribuída a uma delas (denominada possuidora direta) e a

posse indireta será atribuída à outra (denominada possuidora indireta). Por

isso, esse fenômeno jurídico somente é possível diante de uma relação

obrigacional envolvendo o objeto da avença.

Essa situação pode ser verificada nos contratos locação, comodato,

sublocação e subcomodato, por exemplo. Nestes últimos, o locatário ou

comodatário celebram novo contrato de locação ou comodato com o devedor

(passando aquele à condição de sublocador ou subcomodante e este à

condição de sublocatário ou subcomodatário) e, sobrevindo a falência deste, os

bens são arrecadados pela massa falida.

Nesse caso, o embargante poderá ser tanto o possuidor direto como o

indireto do bem arrecadado, desde que, em virtude de contrato, tenha direito ao

seu uso.

Ainda tomando essas mesmas hipóteses como exemplo, se for o

proprietário do bem quem pretende reavê-lo, deverá propor a ação restituitória

de que trata o caput do art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, com fundamento no

direito real de propriedade.

Também se pode pensar no manejo dos embargos de terceiro quando o

bem for de propriedade do falido, mas o terceiro, em virtude de contrato, tenha

direito à sua posse.

389

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 2007. Vol. III.

Page 126: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

124

Situação clássica e mais corriqueira que possibilita isso é o contrato de

locação, em que o falido figura como locador e o terceiro como locatário. Nesse

caso, prescreve o art. 119, VII, da Lei nº. 11.101/2005 que a falência do locador

não resolve o contrato de locação e a do locatório permite ao administrador

judicial denunciar o contrato.

Sobre essa hipótese decidiu o STJ, no Recurso Especial nº.

579.490/MA, em acórdão de relatoria do Ministro Ari Pargendler390,

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial. Recurso especial não conhecido. (STJ, Resp. nº. 579.490/MA, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ 17/10/2005)

Além disso, tem-se a disposição do art. 117 da mesma lei que

estabelece que a declaração da falência, por si só, não resolve os contratos

bilaterais, que poderão ser cumpridos pelo administrador judicial se isso

contribuir para reduzir o passivo ou for necessário à manutenção ou

preservação dos ativos, mediante autorização do Comitê de Credores e após a

manifestação do administrador judicial nesse sentido.

Nesse caso, é bem provável que a manutenção do contrato de locação,

na hipótese de ser o falido o locador, seja interessante para a massa, por gerar

renda e possibilitar o aumento do ativo.

Em síntese, tanto a ação restituitória como os embargos de terceiro são

ações de conhecimento que visam a reintegrar o terceiro na posse sobre o bem

arrecadado pelo administrador judicial no processo de falência. Ambos são de

competência do Juízo da falência e correm em autos apartados aos principais:

o da falência.

Contudo, a ação restituitória tramita sob o rito ordinário previsto no CPC

e têm seus pressupostos, requisitos e hipóteses de cabimento previstos nos

art. 85 e 86 da Lei nº. 11.101/2005 e na legislação especial.

390

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 579.490/MA. Relator: Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 17 out. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=cabimento+e+embargos+de+terceiro+e+fal%EAncia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acessado em 26 abr. 2012.

Page 127: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

125

As hipóteses que autorizam o pedido de restituição estão previstas na lei

de forma expressa, inclusive para aquelas que Simionato391 entende serem

fundadas em contrato, pois este tem como fundo, em última análise, o direito

de propriedade do terceiro que celebra negócio jurídico com o falido.

Os embargos de terceiro, por seu turno, tramitam sob o rito sumário

previsto no CPC e visam à reintegração ou à manutenção da posse daquele

que não pode manejar a ação restituitória para buscar a tutela do seu direito

sobre o bem arrecadado na falência. Portanto, atualmente, o seu cabimento é

residual. Dessa forma, para a sua propositura é necessária a posse

concomitante, sobre determinado bem, do terceiro e do devedor falido, desde

que não seja possível o pedido de restituição, ou seja, desde que o possuidor

embargante não seja também proprietário do bem reivindicado. Isso porque

somente o possuidor (direto ou indireto) poderá manejá-los, já que, ao

proprietário, restará a via do pedido de restituição.

Em suma, segundo a legislação atual, poderá o proprietário ou o

possuidor fazer uso dos embargos de terceiro para reaver a posse sobre o bem

arrecadado pelo administrador judicial, quando da decretação da falência do

devedor, nas hipóteses em que a ação restituitória não seja cabível. Fato que,

repita-se, se deve ao caráter residual dos embargos de terceiro, conforme

determinação legal expressa constante do art. 93 da Lei nº. 11.101/2005.

4 A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA

4.1 Considerações iniciais

Segundo Bobbio, ―A expressão ―positivismo jurídico‖ não deriva daquela

de ―positivismo‖ em sentido filosófico‖; porém, no século XIX havia ligação

entre ambas, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas

filosóficos. No entanto, para esse autor392, deve ser ressaltado, que, apesar de

391

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 392392

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone Editora Ltda. 2006. p. 15.

Page 128: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

126

parecidos, a origem de ambos é diferente, pois o positivismo jurídico (também

chamado juspositivismo) surgiu na Alemanha e o positivismo filosófico na

França.

Para Barroso, ―O positivismo jurídico foi a importação do positivismo

filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciência

jurídica, com características análogas às ciências sociais‖.393

O positivismo filosófico teve Augusto Comte como um de seus maiores

precursores. Em síntese, ele propunha a aplicação de valores eminentemente

humanos à existência humana, com o afastamento da teologia e da metafísica,

e dando uma interpretação das ciências baseada numa ética estritamente

humana. O método utilizado para empregar essa ideologia era o da observação

dos fenômenos, pois a experiência sensível, segundo os positivistas filosóficos,

é a única capaz de produzir a verdadeira ciência, já que trabalha com dados

concretos.

Um ponto importante da teoria Comteana é a Lei dos Três Estados, que

diz respeito aos estágios de evolução da racionalidade humana. De acordo

com ela, o primeiro estado é o teológico, segundo o qual o homem explica as

coisas existentes na natureza, na sua vida e os fenômenos naturais por meio

de ―entidades supranaturais‖394, ou seja, como sendo fruto da vontade dos

deuses; o segundo estado é o da metafísica, no qual o homem explica as

coisas por meio de ―entidades abstratas‖395, representando um estágio de

transição entre a ―teologia e a positividade‖396 (entre o primeiro e o terceiro

estado); por fim, o terceiro estado é o estágio mais avançado da racionalidade

humana, em que o homem busca explicações racionais com base na

observação de situações concretas para descrever os fenômenos sociais e

naturais.

393

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 20032003enovar, 2003, p. 1-48. 394

ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012. 395

ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012. 396

ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012.

Page 129: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

127

De acordo com Bobbio, o positivismo jurídico deriva da ―locução direito

positivo‖ 397 em contraposição ao direito natural. Assim sendo, para se tratar do

tema proposto, primeiramente, cumpre distinguir direito positivo e direito

natural.

4. 2 Direito Positivo e Direito Natural

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que, inicialmente, não havia

diferença hierárquica entre o direito natural e o direito positivo, mas apenas

campos distintos de aplicação de um e de outro. Com o positivismo jurídico,

essa distinção ganhou maior relevância uma vez que esta corrente somente

concebe o direito enquanto positivado no ordenamento jurídico de um Estado.

Hervada398 afirma que algumas coisas são atribuídas pela natureza e

outras pela vontade humana, sendo neste ponto que reside a distinção entre o

direito positivo e o direito natural.

Para esse autor399, direito natural é todo direito cujo título não advém da

vontade humana e sim da natureza humana, podendo ter como medida a

natureza do homem ou das coisas.

De acordo com Hervada400, para o direito natural, uma coisa é justa, em

si mesma, quando estiver em conformidade com os postulados naturais da

razão natural, e injusta, em si mesma, quando contrariá-los. Assim sendo, será

de direito natural aquilo que a razão natural determina como justo e, contrário a

ele, aquilo que for determinado como injusto. Ou seja, pertence ao direito

natural aquilo que é justo em si mesmo.

Ainda segundo Hervada, ―o direito natural não quer dizer outra coisa

além de que, em determinadas esferas da ação humana, há condutas racionais

e condutas irracionais, há condutas condizentes com a reta razão e condutas

contrárias a ela‖401. A razão humana capta coisas que são justas ou injustas

em si, ―porque conhece algo objetivo, com realidade e consistência próprias,

397

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 398

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 399

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 400

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 401

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 67-68.

Page 130: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

128

que é critério objetivo do justo e do injusto‖402. Esse critério objetivo é a pessoa,

porque ela é uma individuação da natureza do homem, pois a razão capta que

―a pessoa é titular de direitos‖403 e ―a natureza é fundamento e critério desses

direitos‖404. Em resumo, a razão conhece aquilo que é justo e injusto.

Segundo Bobbio405, os adeptos do direito natural eram chamados

jusnaturalistas. Eles defendiam a existência de um ―estado de natureza‖406, ou

seja, de uma sociedade que existisse por meio das relações intersubjetivas

entre os homens, sem a necessidade de um ―poder político organizado‖407. De

acordo com esse autor408, o Estado teria a função apenas de regular e tornar

estáveis essas relações jurídicas intersubjetivas entre as pessoas.

Saindo da breve análise sobre o direito natural e tratando rapidamente

do direito positivo, cabe ressaltar, primeiramente, que positivo significa aquilo

que é ―posto‖ (instituído) pelo homem (e não dado ao homem pela natureza);

por isso, ele também é chamado de ―direito legal‖.409

De acordo com Hervada410, o direito positivo preconiza que somente é

direito aquilo cujo título e medida seja definido pela vontade humana, por meio

das leis, costumes ou contrato. Assim, as relações humanas estão numa

constante redistribuição de coisas e essas mudanças podem ocorrer pela lei ou

pelo contrato. Nas palavras desse autor, ―Os direitos originados ou modificados

por essa ação humana são os direitos positivos.‖ 411

Segundo o mesmo autor412, a capacidade do homem para constituir e

regular direitos não abrange todo o âmbito da vida social, havendo limites para

isso cujo critério encontra-se na esfera do indiferente. Após citar Aristóteles,

que afirmava a existência de coisas que são ―indiferentes em si‖ e coisa que

não o são, ele413 conclui que o homem somente pode criar e regulamentar

direitos que estão situados na esfera do indiferente.

402

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 403

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 404

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 405

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 406

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 407

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 408

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 409

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 16. 410

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 411

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 61. 412

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 413

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 63.

Page 131: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

129

Indiferente é aquilo que, no que toca à justiça e à moral, não importa

adotar uma ou outra posição proposta, pois nenhuma delas ferirá a justiça ou a

moral. Mas, para saber o que ferirá a justiça ou a moral é preciso diferenciar o

justo ou injusto (o moralmente correto ou incorreto) e o padrão de

comportamento socialmente aceito.

Uma conduta que seja ou não socialmente aceita pode gerar uma

consciência de agir bem ou agir mal, que não pode se confundir com aquilo

que é justo ou injusto. Nas palavras de Hervada,

O padrão de comportamento social aceitável produz a captação do sociologicamente normal ou anormal e, conseqüentemente, o julgamento de conveniência de se adaptar ao normal ou a reação de inconformismo; por outro lado, a captação do justo ou injusto, do bom e do mau, em sentido moral, produz a consciência de conformidade ou desconformidade com o que a natureza do homem postula.

414

Pertencem ao campo do indiferente os padrões de comportamento

socialmente aceitos. Ao contrário, aquilo que corresponde à justiça nem

sempre é indiferente, pois o que não é indiferente pode ser injusto.

Assim sendo, a matéria possível de ser delimitada pelo direito positivo

reside no campo daquilo que é ―indiferente‖. E, o grau de indiferença de uma

norma em relação à natureza humana determina se ela será de direito positivo

ou de direito natural: sendo indiferente, será de direito positivo; não sendo

indiferente, será de direito natural. Contudo, deve-se frisar que, segundo

Hervada415, a matéria é indiferente até ser instituída como regra de direito

positivo pela vontade humana, pois, depois de transformada em norma, não

será mais indiferente e sim justa em relação a seu titular e deverá ser cumprida

por todos.

Para Bobbio416, Aristóteles distingue o direito natural e o positivo por dois

critérios: primeiro, porque o direito natural tem a mesma eficácia em qualquer

local do mundo e o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades em

que é posto; segundo, porque enquanto o direito natural traz ações que

independem do juízo de valor feito sobre elas, existindo independentemente de

parecerem boas ou más (pois existem segundo a sua natureza), o direito

414

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 64. 415

HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 65. 416

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 17.

Page 132: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

130

positivo prescreve ações que devem ser cumpridas pelos homens pelo simples

fato de estarem previstas na lei, independentemente de prévio juízo de valor

sobre a sua bondade. Isso porque o direito natural estabelece o que é bom de

acordo com o critério moral e o direito positivo estabelece aquilo que é útil

segundo o critério econômico ou utilitário.417

Adiante, Bobbio418 também menciona que o jus gentium corresponde ao

que se conhece por direito natural, porque decorre da natureza, e que o jus

civile corresponde ao direito positivo, pois representa aquilo que é posto pelo

homem. Esse autor419 estabelece outra distinção afirmando que, enquanto o

primeiro não tem limites, o segundo está restrito à determinada comunidade em

que é posto; e que, enquanto o primeiro é posto pela natureza, o segundo é

posto pela vontade humana, ou seja, pelo Estado.

Em outras palavras: o direito natural é universal e imutável no tempo e

no espaço, ao passo que o direito positivo sofre limitações dessas duas

naturezas.

O conhecimento sobre o direito natural é obtido por meio da razão, pois

esta também deriva da natureza das coisas, segundo Bobbio420. Já o direito

positivo é conhecido por meio de uma declaração de vontade do Estado-

legislador.

Bobbio resume a distinção entre o direito natural e o positivo destacando

seis critérios distintos:

a) o primeiro se baseia na antítese universalidade/particularidade e contrapõe o direito natural, que vale em toda parte, ao positivo, que vale apenas em alguns lugares (Aristóteles, Inst. – 1ª definição); b) o segundo se baseia na antítese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, o positivo muda. (Inst. – 2ª definição –, Paulo) [...]; c) o terceiro critério de distinção, um dos mais importantes, refere-se à fonte do direito e funda-se na antítese natura-potestas populus (Inst. – 1ª definição –, Grócio); d) o quarto critério se refere ao modo pelo qual o direito é conhecido, o modo pelo qual chega a nós (isto é, os destinatários), e lastreia-se na antítese ratio-voluntas (Glück): o direito natural é aquele que conhecemos através da nossa razão. [...] O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação); e) o quinto critério concerne ao objeto dos dois direitos, isto é, aos comportamentos regulados por estes: os comportamentos regulados

417

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 19. 418

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 419

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 420

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 133: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

131

pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo (é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado) (Aristóteles, Grócio); f) a última distinção refere-se ao critério de valoração das ações e é enunciado por Paulo: o direito natural estabelece aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil.

421

Apesar de traçar essa distinção entre o direito natural e o direito positivo,

Bobbio422 afirma que não há diferença entre essas espécies de direito no que

tange à qualidade e à qualificação, pois ambos são igualmente considerados

direito. O que ocorre é que elas são colocadas em gradação ou planos

distintos, a depender da época em que são analisados.

Assim, por exemplo, na época clássica, ambos os direitos tinham o

mesmo grau de importância, mas o direito natural era entendido como o ―direito

comum‖423 e o direito positivo era especial em relação ao direito comum. Com

isso, havendo conflito entre uma norma integrante do direito comum e outra

integrante do direito positivo, este prevalecia por ser especial em relação

àquele. Por outro lado, na Idade Média, para Bobbio424, essa relação se invertia

e o direito natural era considerado superior ao direito positivo por ser norma

posta pela vontade de Deus e revelada aos homens.

Com o tempo, direito positivo e direito natural deixaram de ser

considerados duas espécies equivalentes de direitos, pois aquele ganhou

prevalência em relação a este, passando a ser considerado como a forma mais

perfeita de direito. Isso representou um campo fértil para o surgimento do

positivismo jurídico.

4.3 Positivismo jurídico

O positivismo jurídico surgiu com a formação do Estado moderno e o

declínio da sociedade medieval marcada pela pluralidade de ordenamentos

jurídicos pertencentes a agrupamentos sociais distintos.

421

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 22-23. 422

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 423

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 25. 424

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 25.

Page 134: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

132

Com o surgimento do Estado, que passou a concentrar em si todos os

poderes, em especial aquele de produzir as leis, o ordenamento jurídico

passou a ser uno e o Direito deixou de ser posto pela sociedade civil, havendo,

segundo Bobbio, um ―processo de monopolização da produção jurídica por

parte do Estado‖.425

Até este momento histórico, o magistrado, ao julgar um caso, poderia

aplicar tanto as normas emanadas pelo Estado, como aquelas elaboradas pela

sociedade (a exemplo dos costumes), uma vez que ele tinha liberdade de se

valer tanto do direito positivo como do direito natural para resolver a questão (já

que não havia hierarquia entre eles).

Contudo, com a formação do Estado moderno, o juiz passou a ser órgão

do Estado, titularizando um dos poderes deste e vinculando-se às normas

elaboradas pelo órgão estatal encarregado da produção legislativa ou àquelas

que, apesar de ainda não positivadas, pudessem ser reconhecidas pelo

Estado. As normas decorrentes do direito natural não mais poderiam ser

aplicadas pelos magistrados se não estivessem abrigadas pela lei.

Nesse momento histórico, direito natural e direito positivo não mais eram

considerados equivalentes, pois este começou a ser concebido como ―o único

e verdadeiro direito‖ 426 a merecer aplicação pelos tribunais.

Nesse contexto, o positivismo jurídico surgiu na Alemanha a partir do

século XIX, tendo como um de seus maiores precursores o austríaco Hans

Kelsen e propagando um conjunto de teorias que só concebiam o Direito

enquanto positivo.

Para os positivistas jurídicos, enquanto o direito natural não seria direito,

mas apenas um conjunto de regras morais ou valores relativos, o direito

positivo seria entendido como o Direito posto pelo Estado soberano por meio

da elaboração de normais gerais e abstratas, ou seja, por meio das leis.

Dessa forma, o positivismo jurídico ou juspositivismo nasce quando a lei

se torna a fonte primordial do Direito, impulsionando o movimento pela

codificação.

Bobbio427 ressalta dois princípios ideológicos de origem racionalista que

embasaram o movimento pela codificação da legislação: a prevalência da lei

425

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 27. 426

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29.

Page 135: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

133

como principal fonte do Direito, compreendendo este último como o

―ordenamento racional da sociedade‖428, que não pode ―nascer de comandos

individuais e ocasionais‖429 de determinados grupos sociais, ―mas somente de

normas gerais e coerentes postas pelo poder soberano da sociedade‖430; e a

prevalência da lei como principal fonte do Direito e medida mais apta a

propiciar ao homem a mudança da sociedade por meio da renovação das leis

que a regulam, porque somente normas postas racionalmente pelo Estado se

prestam a tal finalidade, uma vez que as demais (como os costumes, por

exemplo) são fruto de atuação inconsciente e irrefletida por parte das

pessoas.431

De acordo com Bobbio, essa tendência mundial à produção legislativa

nasceu da exigência de ―pôr ordem ao caos do direito primitivo e de fornecer ao

Estado um instrumento eficaz para a intervenção na vida social‖.432 Nas

palavras desse autor,

O impulso para a legislação não é um fato limitado e contingente, mas um movimento histórico universal e irreversível, indissoluvelmente ligado à formação do Estado moderno. Nem todos os países formularam a codificação (resultado último e conclusivo da legislação), mas em todos os países ocorreu a supremacia da lei sobre as demais fontes de direito.

433

Sob esse prisma, Bobbio434 apresenta sete pontos ou problemas que

resumem as características fundamentais do positivismo jurídico.

1) O primeiro problema diz respeito ao modo de abordar, de encarar o direito: o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor. [...]; o jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juízos de valor. [...] 2) O segundo problema diz respeito à definição do direito: o juspositivismo define o direito em função do elemento da coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito. [...] 3) O terceiro problema diz respeito às fontes do direito. [...] O positivismo jurídico elabora toda uma complexa doutrina das relações

427

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 428

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 429

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 430

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 431

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 432

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 433

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 434

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 136: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

134

entre a lei e o costume (excluindo-se o costume contra legem ou costume ab-rogativo e admitindo somente o costume secundum legem e eventualmente o praeter legem), das relações entre lei e direito judiciário e entre lei e direito consuetudinário. [...] 4) O quarto ponto diz respeito à teoria da norma jurídica: o positivismo jurídico considera a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito, que se subdivide em numerosas ―subteorias‖, segundo as quais é concebido este imperativo: como positivo ou negativo, como autônomo ou heterônomo, como técnico ou ético. Há, em seguida, o problema das ―normas permissivas‖, isto é, se estas normas fazem manifestar em menor grau a natureza imperativa do direito; e, enfim, trata-se de estabelecer a quem são dirigidos os comandos jurídicos, de onde deriva o problema dos destinatários da norma. 5) O quinto ponto diz respeito à teoria do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade. [...] 6) O sexto ponto diz respeito ao método da ciência jurídica, isto é, o problema da interpretação (entendendo-se o termo ―interpretação‖ em sentido muito lato, de modo a compreender toda a atividade científica do jurista: interpretação stricto sensu, integração, construção, criação do sistema): o positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito [...]. [...] 7) O sétimo ponto diz respeito à teoria da obediência. Sobre este ponto não se podem fazer generalizações fáceis. Contudo, há um conjunto de posições no âmbito do positivismo jurídico que encabeça a teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, teoria sintetizada no aforismo: Gesetz ist Gesetz (lei é lei). [...]

435

Em relação ao primeiro ponto apresentado por Bobbio436, há que se

ressaltar que o positivismo jurídico prega o estudo do Direito enquanto fato e

não enquanto valor, ou seja, o Direito é analisado como ele verdadeiramente é

e não como devia ser. Não se faz qualquer juízo de valor sobre a norma ser

boa ou má, pois ela é norma e deve ser assim estudada. Dessa forma, o

positivismo jurídico considera apenas a validade da norma e não o seu valor.

A norma é válida quando produzida pelo órgão estatal para tanto

legitimado com o fim de integrar o ordenamento jurídico vigente em um dado

Estado. Por outro lado, a norma é ―valoroza‖437 quando está de acordo com o

―direito ideal‖438, ou seja, com os valores idealizados pelo direito natural; em

resumo, a norma tem valor quando é justa.

435

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 131-133. 436

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 437

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 137. 438

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 137.

Page 137: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

135

O jusnaturalismo, para Bobbio439, defende que uma norma somente é

válida quando é justa (tem valor); com isso, o conceito de validade é reduzido

ao de valor.

Já o positivismo jurídico (segundo a sua posição típica, isto é,

majoritária440), de acordo com Bobbio441, sustenta que o juízo de valor sobre o

Direito se afasta da ciência jurídica, a qual deve se limitar ao juízo de validade.

Em que pese a possibilidade de existência de um Direito válido que não seja

justo e vice-versa, essa distinção não é relevante para a ciência jurídica,

segundo o positivismo jurídico, pois este busca se afastar da análise sobre o

juízo de valor do Direito, uma vez que ele visa se aproximar de uma definição

estritamente fatual.442

Nesse ponto, o positivismo jurídico não se preocupa com a eficácia da

norma, ou seja, com a sua real e efetiva aplicação na sociedade, mas apenas

com a validade, pois considera o Direito como a ―realidade normativa‖.443

Em relação ao segundo problema apresentado por Bobbio444, cumpre

ressaltar que o positivismo jurídico atribui à sanção o elemento essencial do

Direito. Para o juspositivismo, não há como conceber o Direito sem sanção,

pois essa concepção decorre do monopólio estatal na produção do Direito (das

leis).

Essa é a principal questão que diferencia o Direito da moral, pois,

embora ambas as normas (legais e a morais) cominem sanção para o seu

descumprimento, somente o Direito pode ser executado pelo Estado por meio

da força, já que as normas morais trazem sanções também morais desprovidas

de conteúdo coercitivo.

A concepção clássica da coação, segundo a qual ela é o meio para

implementar as normas jurídicas e que entende o Direito como ―conjunto de

normas que se fazem valer coativamente‖445, ganhou nova interpretação de

uma teoria moderna da coação preconizada pelo juspositivista Hans Kelsen.

439

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 440

Segundo Bobbio, existe uma posição mais radical do positivismo jurídico, defendido por Hobbes, que sustenta que o direito somente é justo enquanto for válido. 441

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 442

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 443

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 143. 444

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 445

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 155.

Page 138: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

136

Bobbio446 afirma que Kelsen entende a coação como objeto da norma

jurídica. Por isso, ele concebe o Direito como ―conjunto de normas que regulam

o uso da força coativa‖.447 Com isso, a coação deixa de ser meio para

implementação das normas e passa a ser o objeto destas, ou seja, ―um

elemento essencial da estrutura da norma‖.448

No que tange ao problema da teoria das fontes do Direito, importa

salientar a sua íntima conexão com a validade das normas jurídicas. Fontes do

Direito, para Bobbio449, são entendidas como regras produzidas pelo órgão

estatal competente para orientar a produção legislativa. Nas palavras desse

autor, fontes do Direito são ―aqueles fatos ou aqueles atos aos quais um

determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de

produzir normas jurídicas‖.450

O positivismo jurídico prega a prevalência da lei como a principal fonte

do Direito. Mas, para que essa análise seja feita, é necessária a existência de

mais de uma fonte do Direito num mesmo Estado (ou seja, que o ordenamento

jurídico seja complexo) e que essas fontes não tenham a mesma hierarquia

(isto é, faz-se necessário que o ordenamento jurídico seja estruturado de forma

hierárquica de modo que algumas fontes estejam subordinadas às outras).

Num ordenamento jurídico simples, ou seja, naquele em que haja

apenas uma fonte do Direito, não há que se falar em predominância de uma

sobre a outra.

Da mesma forma, também não há que se falar em prevalência de uma

fonte sobre outra que seja do mesmo status hierárquico. Nesse caso, o juiz

poderá utilizar uma ou outra fonte do Direito para decidir o caso concreto,

porém, aplicando o critério cronológico para saber qual das normas deverá

regular a situação, pois a norma posterior derroga a anterior de igual hierarquia

(“lex posterior derogat priori”).451

Estando o ordenamento jurídico organizado de forma hierarquizada, o

conflito entre normas emanadas de fontes diferentes é resolvido pelo critério

hierárquico, segundo o qual a norma proveniente da fonte de grau superior

446

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 447

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 155. 448

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 156. 449

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 450

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 161. 451

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 163.

Page 139: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

137

derroga aquela derivada de fonte de grau inferior, mesmo que esta seja

cronologicamente posterior àquela (“lex superior derogat inferiori”).452

Para o positivismo jurídico, a fonte do Direito que se encontra no grau

hierárquico superior a qualquer outra é a lei, pois ela é a manifestação do

poder soberano do Estado, o qual detém o monopólio da produção legislativa

na sociedade. São as chamadas ―fontes de qualificação jurídica‖453 produtoras

de normas jurídicas propriamente ditas.

As demais fontes do Direito são consideradas apenas subordinadas à

lei. São as chamadas ―fontes de conhecimento jurídico‖454, que produzem

regras não qualificadas, por si mesmas, como normas jurídicas, pois recebem

essa designação da fonte superior (lei). E por serem fontes subordinadas, não

podem derrogar a fonte principal. Exemplos de fontes subordinadas do Direito

que podem ser citadas são os costumes, a equidade455, as decisões judiciais.

O quarto ponto ou problema apresentado por Bobbio como fundamento

do positivismo jurídico é a teoria da norma jurídica, intimamente relacionada à

concepção segundo a qual o Estado é entendido como única fonte legítima do

Direito e a lei é a expressão normativa do seu poder soberano. Dessa forma, a

lei é a única norma jurídica válida num Estado, pois emanada do órgão

competente para tanto e fruto da vontade de seus integrantes.

De forma diversa, as demais fontes (como os costumes, a equidade,

entre outras) não são abarcadas pela teoria da norma jurídica, pois não

decorrem da vontade soberana do Estado, sendo fruto de uma manifestação

espontânea da população.

Segundo essa teoria, as normas jurídicas em regra são imperativas, pois

contém um comando que determina uma obrigação. Essas normas podem ser

positivas, quando determinarem que uma conduta seja praticada, ou negativas,

quando impuserem uma proibição aos destinatários das normas.

452

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 163. 453

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 166. 454

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 166. 455

A equidade está prevista no direito brasileiro na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei nº 4.657/42), no art. 5º, que prescreve: ―Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.‖ (BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 778-779.)

Page 140: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

138

Existem também as normas permissivas, que não contém um comando

determinante, podendo ser ―permissivas‖456 em sentido estrito, quando

conferirem uma faculdade a seu destinatário, ou ―atributivas‖457, quando

atribuírem um poder. Em outras palavras, ―nas normas permissivas stricto

sensu, poder significa ser lícito, enquanto nas atributivas significa, em vez

disto, deter o poder‖.458 Elas também podem ser negativas ou positivas, tais

como as normas imperativas.

Segundo Bobbio459, as normas permissivas em sentido próprio não

contrariam a teoria imperativista das normas jurídicas ―pelo fato de não serem

normas autônomas, mas simples disposições normativas que servem para

limitar (isto é, para negar entre certos limites ou em certos casos) um

imperativo anteriormente estabelecido‖.460 Em outros termos, essas normas

tem o objetivo de permitir determinados comportamentos, de acordo com as

peculiaridades de cada situação concreta, excepcionando o comando contido

em uma norma imperativa semelhante.

Já as normas atributivas, para o mesmo autor461, são aqueles tipos de

normas imperativas, nos quais o legislador se expressa, impondo ou proibindo

determinada conduta, na forma de poder.

Em relação ao quinto ponto fundamental do positivismo jurídico

apresentado por Bobbio462, a teoria do ordenamento jurídico, cumpre salientar

que se trata da característica mais marcante desta corrente jurídica, pois,

diferentemente da maioria das teorias juspositivistas, esta foi criada pelo

próprio positivismo jurídico, de forma a se entender o ordenamento jurídico

como o conjunto de todas as normas produzidas pelo Estado (enquanto

detentor do poder soberano de legislar) e ordenadas em um sistema jurídico

uno.

Segundo Bobbio463, essa teoria surgiu no final do século XVIII e início do

século XIX, tendo como o seu maior expoente Hans Kelsen464, que visou dar

456

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 457

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 458

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 459

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 187. 460

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 187. 461

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 462

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 463

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 141: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

139

maior segurança jurídica à sociedade e ―unidade a um conjunto de normas

jurídicas fragmentárias, que constituam um risco de incerteza e de arbítrio‖.465

Para Bobbio466, a teoria do ordenamento jurídico se baseia em três

características fundamentais: a unidade, a coerência e a completude.

Pela unidade, entende-se o ordenamento jurídico como o conjunto de

leis válidas na medida em que são postas pelo Estado. Trata-se, portanto, de

uma unidade formal analisada sob o prisma da validade, ou seja, sobre a

regularidade da produção legislativa.

Kelsen467 considera a existência de dois tipos de ordenamentos

jurídicos: um de forma estática e outro de forma dinâmica. Este concebe o

Direito de forma positiva e aquele de forma naturalista (pois suas normas

pertencem à moral).

De acordo com Bobbio468, os adeptos do jusnaturalismo entendem que o

direito natural constitui um sistema unitário na medida em que suas normas são

deduzidas logicamente de outras até que se chegue à norma mais geral do

ordenamento, que ―constitui um postulado moral autoevidente‖.469

Já os juspositivistas, para o mesmo autor470, concebem a unidade do

ordenamento jurídico na medida em que as normas sejam deduzidas

logicamente uma das outras, pois todas elas são postas pelo Estado, ou seja,

pela mesma fonte originariamente legitimada para criar o Direito.

Esse raciocínio nos remete à teoria das fontes do Direito (dispostas de

forma hierarquizada num ordenamento jurídico complexo e cuja prevalência

encontra-se nas leis que constituem a única ―fonte de qualificação‖471 jurídica) e

ao entendimento da legitimação do Estado como fonte suprema do Direito. O

poder de produzir as leis que vão reger a sociedade é atribuído pela norma

fundamental, a qual, todavia, não é posta por nenhum outro órgão ou poder

existente no mundo empírico, mas suposta pelo jurista e pelo Estado como um

postulado ou pressuposto para a compreensão do Direito. Surge, com isso, a

464

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2009. 465

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 198. 466

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 467

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 468

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 469

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 199. 470

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 199. 471

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 142: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

140

Teoria da Norma Fundamental, idealizada por Hans Kelsen, que será mais bem

tratada no próximo subtítulo. 472

As características da coerência e da completude do ordenamento

jurídico estão intimamente relacionadas (mas, por ora, serão mencionadas

apenas resumidamente, já que sua análise está reservada ao próximo

subtítulo).

A coerência nos diz que o ordenamento jurídico é coerente e harmônico

entre si não podendo existir normas contraditórias, ou seja, antinômicas, sob

pena de apenas uma ou de nenhuma delas ser considerada válida. Havendo

normas que se contradizem e não possam conviver harmonicamente no

ordenamento, uma delas deve ser afastada. Para resolver o problema da

antinomia utilizam-se os critérios hierárquico, da especialidade e cronológico.

Por outro lado, a completude defende que o ordenamento jurídico é

completo e não possui lacunas normativas. Essa característica se assenta em

dois princípios fundamentais: o primeiro determina que o juiz não pode criar o

Direito e o segundo estabelece que o juiz não pode se recusar a julgar um

litígio.

Segundo Bobbio473, a inexistência de lacunas no ordenamento jurídico,

para o positivismo jurídico, se assenta em duas teorias: ―a teoria do espaço

jurídico vazio e a teoria da norma geral exclusiva‖.474

Para esse autor, ―a teoria do espaço jurídico vazio tem seu maior

expoente em Bergbohm e foi sustentada na Itália principalmente por Santi

Romano‖475. Por ela, não há lacunas no ordenamento jurídico, pois, ou existe

uma norma que regule determinada situação, ou não existe porque o fato é

―juridicamente irrelevante‖476, estando situado no ―espaço jurídico vazio‖.477

Já a ―teoria da norma geral exclusiva‖478, de acordo com Bobbio, ―tem o

seu maior expoente em Zitelmann e foi retomada na Itália principalmente por

Donati‖479. Ela preconiza que não existem lacunas no ordenamento jurídico e

nem fatos juridicamente irrelevantes, pois cada norma jurídica particular que

472

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 200. 473

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 474

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 475

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, 208 476

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 477

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 478

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209. 479

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209.

Page 143: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

141

regula certa situação contém, em si, uma norma implícita que exclui da sua

disciplina todos os atos por ela não previstos, submetendo-os a uma

―regulamentação jurídica antitética‖ 480. Dessa forma, será permitido tudo o que

não for proibido pelo comando normativo.

De acordo com Bobbio481, quando os operadores do Direito falam que

existe uma ―lacuna‖ no ordenamento, para o positivismo jurídico, referido termo

não está sendo usado no sentido técnico-jurídico da palavra ―lacuna‖ e sim no

sentido ideológico, pois eles se referem à ausência de uma determinada norma

para disciplinar uma situação específica.

O termo ―lacuna‖ também é utilizado para se referir aos casos em que a

letra da lei diverge do seu espírito (―mens legis‖), ou seja, quando há uma

dissociação entre ―a vontade expressa e a vontade presumida do legislador‖482,

pois ―a norma não abrange todos os casos que o legislador pretendia

disciplinar‖.483

Para Bobbio484, embora seja possível, esses casos não representam

lacuna do ordenamento jurídico, pois as normas podem ser completadas por

outras dentro do próprio sistema por meio da utilização de recursos de

integração da norma, como a analogia e os princípios gerais do direito, os

quais não importam em criação do Direito, mas mera interpretação.

No que tange ao sexto problema apresentado por Bobbio485, deve-se

salientar que, para o positivismo jurídico, a jurisprudência não tem o papel

criativo na produção do Direito, mas apenas interpretativo. Ao julgador é

vedado produzir norma nova para decidir determinado caso concreto, pois sua

atividade está limitada a buscar, dentro do próprio ordenamento jurídico, a

solução mais adequada ao caso. Dessa forma, o juiz está limitado a uma

análise silogística na qual ele interpreta a norma (premissa maior), aprecia os

fatos postos sob exame (premissa menor) e aplica ou não a norma ao caso

(conclusão).

Nas palavras de Bobbio, ―o positivismo jurídico concebe a atividade da

jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o

480

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209. 481

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 482

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 210. 483

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 210. 484

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 485

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 144: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

142

direito, isto é, para explicitar com meios puramente lógico-racionais o conteúdo

de normas jurídicas já dadas‖.486 Por isso, o juspositivismo propõe dois tipos de

interpretação da norma jurídica: a textual e a extratextual.

A interpretação textual é aquela na qual o julgador se utiliza do próprio

texto da norma para interpretá-la. Existem quatro meios de interpretação

textual: a gramatical (o julgador busca a definição do significado dos termos

contidos na própria norma interpretada), a teleológica (o juiz procura interpretar

a norma de acordo com a finalidade para a qual foi produzida), a sistemática (o

interprete busca esclarecer o significado da norma com base numa análise

conjunta de todo o sistema normativo) e a histórica (interpreta-se a norma com

base no contexto histórico no qual ela foi produzida).

A interpretação extratextual consiste na permissão que o ordenamento

jurídico concede ao juiz para que ele supra eventual ausência de norma por

meio de técnicas de integração legislativa extraídas do próprio sistema

normativo. São três os meios de interpretação extratextual: analogia legis, a

interpretação extensiva e a analogia juris ou princípios gerais de direito487.

Por meio da analogia legis, o interprete, diante da ausência de norma

específica para disciplinar determinado caso concreto posto sob análise, pode

aplicar uma norma criada para disciplinar situação semelhante. E essa

semelhança está na ratio legis (ou seja, a razão que orientou o legislador a

disciplinar o caso objeto de regulamentação legal também deve estar presente

naquele desprovido de previsão normativa).

Na interpretação extensiva, o julgador amplia a hipótese de incidência de

uma norma a fim de abarcar um caso não expressamente previsto, mas similar

ao que está regulamentado.

A analogia juris é a utilização dos princípios gerais de direito presentes

no ordenamento jurídico para buscar a solução para um caso posto em exame.

Por ela, o juiz extrai uma norma geral e abstrata não elaborada expressamente

pelo legislador (princípio geral de direito), mas extraída de diversas normas que

486

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 212. 487

Essas formas de integração da norma estão previstas no art. 4º da LINDB, que prescreve: ―Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.‖ (BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 778-779.)

Page 145: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

143

regulam situações singulares semelhantes, e a aplica ao caso particular que

não foi objeto de regulamentação legislativa.

O positivismo jurídico concebe o Direito de modo formalista, pois dá

prevalência às formas na atividade interpretativa. E essa é uma das críticas

sofridas por esta doutrina, pois, segundo os antipositivistas, o juspositivismo

prefere a forma em detrimento da realidade social. Por isso, essa corrente

entrou em declínio, cedendo (um pouco) do seu espaço ao realismo jurídico,

que estuda a ciência jurídica com base na realidade vivenciada pela

sociedade.488

De acordo com o sétimo ponto ou problema, Bobbio489 afirma que o

positivismo jurídico, além de ser uma teoria, é também uma ideologia.

Para esse autor, ―a teoria é a expressão da atitude puramente

cognoscitiva que o homem assume perante uma certa realidade e é, portanto,

constituída por um conjunto de juízos de fato, que têm a única finalidade de

informar os outros acerca de tal realidade‖490. Já a ideologia ―é a expressão do

comportamento avaliativo que o homem assume face a uma realidade,

consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal realidade, juízos

estes fundamentados no sistema de valores acolhidos por aquele que o

formula, e que têm o escopo de influírem sobre tal realidade‖491. Por isso,

segundo Bobbio, pode-se dizer que uma teoria é ―verdadeira ou falsa‖492, mas

uma ideologia só pode ser ―do tipo conservador ou do tipo progressista‖.493

O positivismo jurídico também é uma ideologia, porque, além de ser uma

corrente que visa a informar as pessoas sobre a ciência jurídica, é também

concebida como uma forma de ―querer o direito‖494, na medida em que

preconiza o ―dever absoluto ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal‖495.

Dessa forma, a obediência à lei é, antes de tudo, uma obrigação moral e as

pessoas devem fazê-lo por convicção e não apenas pelo medo da coação.

Esse pensamento de obediência incondicional à lei nasceu com o

surgimento do Estado moderno e com a concepção de que o Estado detém o

488

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 489

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 490

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 491

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 492

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 493

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 494

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 224. 495

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 225.

Page 146: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

144

monopólio da produção legislativa, sendo, portanto, a única fonte legítima do

Direito de uma sociedade. Isso representou um campo fértil para o

absolutismo.

Nesse contexto, para Bobbio496, surge o que se entende por positivismo

ético. Existem duas versões do positivismo ético: a extremista e a moderada.

Em ambas, o Direito possui um valor enquanto tal e deve ser respeitado por

toda a sociedade. Porém, na versão extremista, a lei é justa enquanto

produzida pelo órgão estatal legitimado a fazê-lo; o Direito, portanto, tem um

―valor final‖. Já a versão fraca não vincula a justiça da norma à sua validade;

ela entende o Direito enquanto meio necessário para realizar um valor, que é a

ordem, tratando-se, dessa forma, de um ―valor instrumental‖.497

Segundo Bobbio498, para o positivismo ético moderado, a lei é a forma

mais perfeita de Direito, porque ela representa um comando jurídico que possui

generalidade e abstração; características que faltam às outras fontes do

Direito.

A lei é geral, pois prescreve o comportamento de um grupo de pessoas,

não se ocupando de descrever condutas individualizadas. Ela visa dar

tratamento igual àqueles que se encontram numa mesma categoria (concepção

de igualmente formal). E ela é abstrata por prever um conjunto de condutas a

serem, em tese, realizadas, e não apenas uma ação ou omissão singular.

No entanto, sabe-se que existem leis que são singulares e concretas,

fugindo à regra preconizada pelo positivismo jurídico (que descreve a lei como

deveria ser e não como ela é).

Os adeptos do realismo jurídico criticam o juspositivismo sob o seu

aspecto teórico, pois alegam que o Direito preconizado por este último não

reflete a realidade social. Já os jusnaturalistas criticam o aspecto ideológico do

positivismo jurídico na medida em que este robustece o absolutismo pregando

a obediência incondicional à lei, possibilitando a prática de arbitrariedades por

parte do poder estatal soberano, inclusive, com o desrespeito aos direitos

naturais.

496

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 497

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 330. 498

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 147: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

145

Esses são os sete pontos que Bobbio usa para explicar o positivismo

jurídico, porém, nem todos os adeptos acolhem todos eles; fato que não

descaracteriza o pensamento juspositivista. No entanto, alguns desses pontos

representam traços mais marcantes que outros e devem estar presentes no

pensamento de todos os adeptos do juspositivismo, como a teoria do

ordenamento jurídico, por exemplo, que fundamentou a teoria de um dos mais

famosos autores desta corrente a respeito da validade das normas jurídicas.

4.4 A validade da norma para Hans Kelsen

Conforme mencionado no subtítulo anterior, o positivismo jurídico teve

como uns dos seus principais pontos a adoção da teoria do ordenamento

jurídico, a qual defende que este é caracterizado pela unidade, pela coerência

e pela completude.

Neste momento, vamos nos ater à questão da coerência, por estar em

íntima relação com a teoria da validade na norma concebida por Hans Kelsen.

A coerência defende a ausência de antinomias entre as normas

jurídicas, pois o ordenamento, por ser uno, em tese não possui contradições.

Por isso, havendo duas normas que se contradizem entre si, somente uma

delas ou nenhuma será válida, não podendo ambas permanecer no

ordenamento, já que é condição necessária para a validade de uma norma a

sua compatibilidade com as demais.

Assim sendo, existindo conflito entre mais de uma norma, deve o

magistrado determinar qual delas vai prevalecer e qual será excluída do

ordenamento jurídico. E ele assim o fará com base nos critérios hierárquico, da

especialidade e cronológico que estão previstos, no ordenamento jurídico

brasileiro, no art. 2º da LINDB.

Segundo o critério hierárquico, a norma de grau superior prevalece

sobre a de grau inferior (“lex superior derogat inferior”).499 De acordo com o

critério da especialidade, a norma especial prevalece sobre a norma geral (“lex

specialis derogat generali”).500 Por fim, o critério cronológico preconiza que a

499

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 205. 500

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 205.

Page 148: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

146

norma posterior prevalece sobre a norma anterior (“lex posterior derogat

priori”).501

Porém, para Bobbio502, existem situações nas quais esses critérios não

são suficientes para solucionar o problema da antinomia. Isso ocorre quando

houver conflito entre eles próprios ou quando nenhum for passível de aplicação

no caso concreto.

Assim sendo, havendo conflito entre o critério hierárquico e o

cronológico (quando uma norma posterior for contrária a uma norma anterior de

maior hierarquia), prevalecerá aquele. Existindo conflito entre o critério da

especialidade e o cronológico (quando a norma anterior e especial for

antinômica à outra norma posterior e geral), aplicar-se-á aquele em detrimento

deste. Por fim, na hipótese de conflito entre o critério hierárquico e o especial

(quando norma geral de grau superior for antinômica à norma especial de grau

inferior) prevalece o entendimento de que o critério cronológico será utilizado

de forma subsidiária e será aplicada a norma mais recente, não importando

que seja de grau superior e geral ou inferior e especial.

Para Bobbio503, os três critérios acima explicitados não poderão ser

aplicados quando houver mais de uma norma contemporânea, de mesmo grau

hierárquico e de mesma categoria (geral ou especial). Nesse caso, quando a

antinomia ocorrer entre normas de Direito Público, aplicar-se-á o critério da lei

mais favorável (assim entendida como a norma permissiva) sobre a lei mais

prejudicial ao indivíduo (assim considerada a norma imperativa, ou seja, a que

determina um comando), pois a situação normal da pessoa é a sua liberdade

de atuação. Por outro lado, se o conflito envolver normas de Direito Privado,

não se pode aplicar esse critério sob pena de se beneficiar uma das partes em

detrimento da outra, pois, nas relações privadas, uma mesma norma pode

impor um comando a uma parte e uma permissão ou benefício à outra.

Na hipótese de as normas em conflito serem imperativas (uma impõe um

comando e a outra proíbe uma conduta) também não será possível aplicar o

critério da lei mais favorável e as normas não serão contraditórias e sim

501

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 204. 502

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 503

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.

Page 149: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

147

contrárias, eliminando-se reciprocamente. Dessa forma, para Bobbio504,

nenhuma das normas em conflito será válida, uma vez que ambas estão em

desconformidade com o ordenamento jurídico.

A doutrina de Kelsen é semelhante à de Bobbio, mas tem alguns pontos

de distinção que constituem o seu traço mais marcante.

Kelsen505 afirma que uma norma jurídica é válida quando está em

conformidade com uma norma ―figurativamente designada como norma

superior‖.506 Esta última, por sua vez, será válida quando estiver de acordo com

uma norma superior e assim por diante até se chegar à Constituição de um

país. Para Kelsen507, o fundamento de validade de uma Constituição é a

Constituição imediatamente anterior e assim sucessivamente até se chegar à

primeira Constituição de um Estado, quando, então, o fundamento de validade

desta última será a norma fundamental.

Uma norma jurídica é válida, segundo Kelsen508, não por possuir

determinado conteúdo (pois, em tese, qualquer conteúdo pode ser

transformado em norma e integrar o ordenamento jurídico), mas por ser

produzida de uma determinada forma ditada pela norma fundamental. Assim

sendo, é a norma fundamental que confere ao Estado o poder de criar uma

Constituição e de produzir leis que regularão a sociedade, por isso também as

autoridades investidas no poder de legislar deverão respeitar e obedecer às

normas que criaram, já que todas elas decorrem de uma norma superior (a

norma fundamental).

Em resumo: de acordo com Kelsen509, o fundamento de validade de uma

norma somente pode ser outra norma. E a norma fundamental, que é o

fundamento maior de validade de qualquer norma do ordenamento jurídico, tem

necessariamente que ser uma norma; porém, não se trata de uma norma posta

e sim pressuposta.

Segundo Kelsen510, a norma fundamental é a norma mais elevada de

uma ordem normativa (ou ordenamento jurídico) e sua validade não pode ser

504

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 505

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 506

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 215. 507

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 508

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 509

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 510

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.

Page 150: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

148

questionada. Ela não é posta pela vontade dos homens ou do Estado, mas

pressuposta pelo costume que deu origem à primeira Constituição de um

Estado, pelo primeiro ato constituinte da história de uma nação ou pelo poder

constituinte sobre o qual se funda a ordem jurídica. Nas palavras de Kelsen,

Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da criação do Direito positivo.

511

Ainda de acordo com esse autor512, uma ordem normativa é formada por

todas as normas cujos fundamentos de validade possam ser conduzidos a uma

mesma norma fundamental. Dessa forma, haverá tantas ordens normativas

quantos forem os grupos de normas que possuírem uma norma fundamental

como fonte comum de validade entre elas.

Em outras palavras, o fundamento de validade de determinada norma

jurídica será sempre a norma fundamental do ordenamento jurídico que ela

integra, ou seja, a análise da validade de qualquer norma jurídica passará pela

sua conformidade com a norma fundamental, cuja função primordial é

―fundamentar a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva‖.513

O silogismo a ser realizado, neste caso, consiste na análise comparativa

entre a premissa menor (norma cuja validade se questiona) e a premissa maior

(norma fundamental), sendo a conclusão a afirmação ou a negação da validade

da norma.514

Como as normas do ordenamento jurídico têm a norma fundamental

como seu fundamento de validade, Kelsen515 afirma que a ordem jurídica é una

e não pode conter normas contraditórias entre si. Dessa forma, havendo

contradição lógica entre duas normas (uma proíbe e a outra ordena

determinada conduta), impõe-se que uma delas seja falsa. Contudo, para esse

autor516, não é correto dizer que uma norma seja verdadeira ou falsa; fala-se

511

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 222. 512

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 513

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 226. 514

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 515

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 516

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.

Page 151: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

149

em validade ou invalidade de uma norma conforme ela esteja ou não

consoante a norma fundamental.

Segundo Kelsen517, o conflito entre normas de mesma hierarquia se

resolve pelo (já mencionado) critério cronológico. Assim, no conflito entre duas

normas individuais ou duas decisões de tribunais distintos, o órgão competente

para executar a norma escolherá qual será aplicada e a outra, se permanecer

sem eficácia durante muito tempo, para Kelsen518, perderá a sua validade. Isso

está em conformidade com a norma fundamental porque, de acordo com esse

autor, ―A eficácia é estabelecida na norma fundamental como pressuposto da

validade‖.519

Havendo conflito entre duas normas, sendo uma de hierarquia superior à

outra, prevalecerá aquela de grau mais alto, pois a norma de grau inferior retira

o seu fundamento de validade da norma superior. A existência de contradição

entre ambas significa que o legislador violou essa regra e, portanto, a norma

hierarquicamente inferior deverá ser declarada inválida.520

Isso ocorre porque, segundo a doutrina de Kelsen521, uma norma

somente é válida num determinado ordenamento jurídico na medida em que for

produzida da maneira determinada por outra norma de status superior a ela,

pois a norma inferior retira o seu fundamento de validade imediato da norma

superior e todas têm, na norma fundamental, o fundamento último de validade.

Kelsen522 afirma que a norma jurídica de direito positivo que possui a

posição mais elevada na hierarquia normativa de uma ordem jurídica é a

Constituição de um Estado.

Para ele523, a Constituição é um documento legislativo que dispõe sobre

a produção de normas jurídicas gerais (legislação) do ordenamento jurídico,

podendo ou não trazer prescrições sobre outras matérias politicamente

importantes. A fixação das regras para produção normativa pode se dar tanto

no que diz respeito à disciplina do processo legislativo, como no conteúdo das

leis que serão criadas.

517

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 518

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 519

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 232. 520

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 521

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 522

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 523

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.

Page 152: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

150

A norma imediatamente seguinte à Constituição na escala hierárquica,

segundo Kelsen524, são as normas gerais integrantes da legislação e dos

costumes (neste caso, apenas se a Constituição estabelecer o costume como

fonte do Direito produtora de normas gerais).

De acordo com Kelsen525, as normas imediatamente seguintes à

legislação de normas gerais são as leis editadas pelo parlamento e os decretos

(atos normativos provenientes do Chefe do Poder Executivo).

Assim sendo, a escala normativa kelseniana526 está hierarquizada da

seguinte forma: em primeiro lugar a norma fundamental; em segundo, a

Constituição; em terceiro, a legislação de normas gerais e os costumes; e em

quarto, as leis editadas pelo parlamento e os decretos provenientes de

autoridade administrativa.

A teoria de Kelsen sobre a validade das normas foi criada no contexto do

positivismo jurídico da Europa.

O juspositivismo, apesar da sua importância no estudo das ciências

jurídicas, foi alvo de algumas críticas. Isso proporcionou o surgimento do pós-

positivismo jurídico, que implicou a introdução de conceitos morais no

ordenamento jurídico por meio do fortalecimento de princípios constitucionais

(como a dignidade da pessoa humana, o bem estar social, a igualdade

material, dentre outros) e da análise da validade das normas integrantes do

ordenamento jurídico com base nos princípios e direitos fundamentais previstos

na Constituição.

Contudo, algumas características do positivismo jurídico ainda

permanecem, pois a lei continua sendo a principal fonte do Direito na nossa

sociedade e a Constituição continua sendo o fundamento de validade das leis

no ordenamento jurídico de diversos países, dentre eles, do Brasil.

Dessa forma, a ordem jurídica brasileira adota a teoria de Kelsen sobre a

validade das normas, mas com algumas ponderações.

As espécies normativas existentes no Brasil estão previstas no art. 59 da

CRFB/1988 e compreende: as emendas constitucionais, as leis

524

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 525

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 526

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.

Page 153: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

151

complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias,

os decretos legislativos e as resoluções das Casas Legislativas.

As emendas constitucionais, depois de promulgadas, se incorporam ao

texto da Constituição e possuem a mesma força normativa das demais normas

constitucionais.

Depois de aprovadas conforme o devido processo legislativo previsto

nos art. 61 a 69 da CRFB/1988, as leis delegadas e as medidas provisórias se

equiparam às leis ordinárias e possuem o mesmo status normativo destas. A

distinção entre elas reside nas formalidades para elaboração da lei e nas

restrições materiais às leis delegadas e às medidas provisórias previstas no art.

68, §1º, e art. 62, §1º, da CRFB/1988, respectivamente.

As leis complementares, apesar de exigirem um processo legislativo

mais rigoroso para a sua aprovação, não são hierarquicamente superiores às

demais espécies normativas (à exceção das emendas constitucionais). O que

as distingue é que o campo material de competência reservado à lei

complementar está taxativamente previsto na CRFB/1988, ficando as demais

leis com competência residual, respeitadas as restrições constitucionais.

Os decretos legislativos e as resoluções são atos normativos infralegais,

de competência exclusiva das Casas Legislativas, e se destinam, em regra, à

disciplina dos respectivos regimentos internos, do funcionamento das Casas e

da organização dos trabalhos.

Os decretos emanados do Poder Executivo são normas infralegais que

não podem inovar no ordenamento jurídico, mas apenas disciplinar matéria já

prevista na legislação ordinária, para dar fiel execução à lei. Portanto, têm

status normativo inferior ao das leis (complementares e ordinárias).

Em suma: a ordem jurídica brasileira está dividida, hierarquicamente, em

três níveis. No topo da escala, está a Constituição (incluindo as emendas

constitucionais regularmente promulgadas); no segundo grau, estão as leis

complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas e as medidas provisórias;

no terceiro grau estão os decretos emanados do Poder Executivo. Assim

sendo, o fundamento de validade destes últimos são as leis a que visam

regulamentar e dar cumprimento (as quais estão em segundo grau na escala

hierárquica) e o fundamento de validade destas é a CRFB/1988 (que ocupa o

primeiro grau na hierarquia normativa).

Page 154: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

152

Dessa forma, no Brasil, para que uma norma integrante da legislação

ordinária seja válida, ela deve estar em consonância com o sistema

constitucional, ou seja, com as normas previstas na CRFB/1988, consideradas

em seu conjunto.

Com base nessas considerações, percebe-se que, diante de uma

análise puramente formal, o art. 86, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, no

que tange à restituição em dinheiro decorrente do direito de propriedade, é

inconstitucional por contrariar a literalidade do art. 5º. XXII, da CRFB/1988. A

possibilidade de preservação de referido dispositivo com base numa

relativização de direitos fundamentais será analisada no próximo capítulo.

4.5 Pós-positivismo

Com o decurso do tempo e o desenvolvimento de sua teoria, o

positivismo jurídico sofreu fortes críticas. A maior parte delas fundada no

excesso de legalismo do Direito que concebia a norma como legitimação da

ordem jurídica estabelecida e na concepção que relegava ao segundo plano a

análise acerca da justiça. Segundo Barroso, ―O Direito reduzia-se ao conjunto

de normas em vigor, considerava-se um sistema perfeito e, como todo dogma,

não precisava de qualquer justificação além da própria existência‖.527

Com o tempo e a grave violação aos direitos humanos praticados a

pretexto de cumprir a lei, o juspositivismo entrou em declínio.

Para Barroso528, o positivismo jurídico almejou ser uma doutrina jurídica

baseada em juízos de fato (afastando-se dos juízos de valor), pois o jurista

deveria assumir uma postura eminentemente cognoscitiva em relação à norma

e à realidade, na medida em que sua atividade se limitaria a uma análise

silogística, aplicando a lei (premissa maior) aos fatos (premissa menor) e

extraindo a conclusão (solução para o caso posto em juízo). No entanto, ele

acabou se tornado uma ideologia, ―movida por juízos de valor, por ter se

527

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 25. 528

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26.

Page 155: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

153

tornado não apenas um modo de entender o Direito, como também de querer o

Direito‖.529

Esse autor530 critica o juspositivismo, afirmando que o Direito não pode

se limitar à descrição da realidade, porque ele também atua sobre a realidade,

transformando-a e conformando-a, na medida em que representa, sobretudo,

uma criação e não um mero dado a ser estudado. Por isso, a objetividade e a

neutralidade do jurista preconizada pelo positivismo jurídico não podem ser

totalmente concretizadas.

O dogma legalista pregava a obediência incondicional à lei distanciada

da análise da justiça, conferindo à norma jurídica um caráter legitimador da

ordem jurídica vigente, independentemente do seu conteúdo. Isso possibilitou a

ascensão de regimes autoritários, em especial o nazismo da Alemanha e o

fascismo da Itália, que cometeram graves violações a direitos humanos sob o

pretexto de cumprir a lei e respeitar as ―ordens emanadas da autoridade

competente‖.531

Barroso532 aponta, como um dos marcos da queda do positivismo

jurídico (além do surgimento de novos movimentos filosóficos na Europa), a

superação desses regimes totalitários. Para ele, ―Ao fim da Segunda Guerra

Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei

como um (sic) estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer

produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido‖.533 Isso

porque ―A troca do ideal racionalista de justiça pela ambição positivista de

certeza jurídica custou caro à humanidade‖.534

Nesse contexto, começou a surgir uma nova corrente filosófica

concebendo o Direito enquanto a ciência (jurídica) que não se limita apenas a

uma análise cognoscitiva da norma baseada no silogismo, mas também

529

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 530

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 531

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 532

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 533

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 534

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003.

Page 156: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

154

valorativa, fundada no ideal de justiça e na sobrelevação de princípios

constitucionais e direitos fundamentais. Nas palavras de Barroso,

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais.

535

O pós-positivismo não surge com a pretensão de superar totalmente o

positivismo jurídico. Pelo contrário, ele defende a permanência, porém com

certa relativização, do dogma da legalidade, e da introdução de conceitos

morais, da concepção de justiça, da equidade e da legitimidade no

ordenamento jurídico. Esses valores passaram a integrar o texto constitucional

explícita ou implicitamente, importando em princípios ou vetores a serem

seguidos pelos Poderes Públicos e por toda a sociedade. Com isso, Barroso

afirma que ocorre a reaproximação entre o Direito e a Ética.536

Os princípios possuem alto conteúdo axiológico, pois manifestam os

valores fundamentais do ordenamento jurídico, dão unidade ao sistema e

condicionam a atividade do intérprete. No entanto, eles também ganharam

grande carga normativa e passaram a ter o mesmo status das normas

positivadas na Constituição (regras), ganhando eficácia jurídica e aplicabilidade

direta e sendo parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e atos

normativos do ordenamento jurídico para análise da validade da norma jurídica

(tais como as regras positivadas). Para Barroso,

A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos supra-positivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central.

537

535

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26-27. 536

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 537

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 30.

Page 157: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

155

Ainda para esse autor ―o Direito é um sistema aberto de valores‖538 e ―A

Constituição, por sua vez, é um conjunto de princípios e regras destinados a

realizá-los, a despeito de se reconhecer nos valores uma dimensão

suprapositiva‖.539

Com isso, tornou-se admissível a possibilidade de colisão entre

princípios constitucionais e entre estes e as regras. Nesse caso, ao contrário

do conflito entre as regras, que pode ser resolvidos pelos critérios hierárquico,

cronológico e da especialidade, a colisão entre princípios será resolvida pelo

emprego de uma técnica concebida por Robert Alexy, denominada ponderação

de valores ou de interesses (que será tratada no capítulo seguinte).

Essa mudança de paradigma influenciou a hermenêutica constitucional,

pois se entendeu que a sociedade vivencia inúmeras possibilidades e o Direito

não é capaz de disciplinar todas elas. Assim, a interpretação constitucional se

abre a todos os destinatários da norma, possibilitando a resolução de casos

concretos por meio das regras, dos princípios (explícitos ou implícitos) ou da

conjugação de ambos.

Apesar do declínio do positivismo jurídico, deve-se salientar que não

houve a sua completa superação, pois o sistema jurídico não abandonou as

regras jurídicas positivadas pelo Estado-legislador, a concepção de ser a lei a

principal fonte do Direito, bem como a escala hierárquica das diferentes

espécies normativas. O que o pós-positivismo defende é a coexistência

harmônica entre regras e princípios no ordenamento jurídico de forma a

concretizar os ideais de segurança jurídica e justiça.

5 DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE E SUA POSSÍVEL RELATIVIZAÇÃO

5.1 Considerações iniciais

538

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 35. 539

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 35.

Page 158: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

156

Sem tratar dos pormenores sobre a evolução dos princípios durante a

história do Direito, uma vez que esse não é o tema desta Dissertação, mas a

fim de contextualizar o leitor, é importante fazer algumas observações (de

forma sucinta) antes de adentrar ao tema proposto.

Segundo Fernandes540, inicialmente, os princípios foram concebidos sob

o dogma do direito natural (ou jusnaturalismo), sendo entendidos pelos adeptos

dessa corrente filosófica como ―supranormas‖ ou ―elementos norteadores da

conduta humana, que atuam definindo padrões substanciais de justiça‖.541

Para esse autor542, com a mudança de paradigma do jusnaturalismo

para o juspositivismo, os princípios, enquanto normas não positivadas, foram

excluídos do ordenamento, pois o Direito limitava-se às normas postas pelo

Estado.

Posteriormente, o declínio do positivismo jurídico e a busca por uma

corrente jusfilosófica que primasse pela inserção dos conceitos de justiça e dos

valores morais no Direito a fim colocar o ser humano no centro do ordenamento

jurídico (e não mais as normas positivadas), os princípios foram paulatinamente

adquirindo força normativa e, ao lado das regras, passaram a integrar a ordem

jurídica com normatividade vinculante para todos os cidadãos e órgãos

estatais.

Conforme já mencionado no capítulo anterior, essa ascensão dos

princípios ao status de norma jurídica marca o início do surgimento do pós-

positivismo jurídico, caracterizado pela incorporação de valores no sistema

jurídico estatal (em especial no texto da Constituição). Esses valores são

entendidos como ―escolhas culturais de uma dada sociedade‖543, as quais ―têm

um caráter ético-político e marcam a existência de uma forma de vida tida

como desejável e querida por seus membros‖.544

Nesse sentido, segundo Fernandes545, a doutrina constitucionalista

busca definir a existência de vários tipos de princípios constitucionais, como os

princípios estruturantes ou fundamentais previstos nos art. 1º a 4º da

540

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Colaborador Flávio Quinaud Pedron. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2011. 541

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 201. 542

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 543

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 203. 544

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 203. 545

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011.

Page 159: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

157

CRFB/1988, dentre os quais se encontram o princípio republicano, o princípio

federativo, o princípio da separação dos poderes. Além disso, fala-se, ainda,

em princípios gerais constitucionais, que representam especificação ou

desdobramento dos princípios fundamentais, entre os quais estão inseridos

direitos fundamentais individuais previstos no art. 5º da CRFB/1988.

Isso nos permite afirmar que os direitos fundamentais previstos na

CRFB/1988, muito mais que simples direitos subjetivos, são princípios

constitucionais. E, como tais, além de orientar a atuação de toda a sociedade e

dos órgãos públicos, trazem a carga normativa e as características a eles

inerentes, inclusive no que tange à aplicação da técnica da ponderação de

interesses para solução de possíveis colisões.

5.2 Colisão entre princípios constitucionais/ direitos fundamentais

Robert Alexy546 é um dos mais famosos autores a tratar da força

normativa dos princípios e da distinção entre estes e as regras. Para ele547,

ambos são normas jurídicas, pois contém um comando, uma permissão ou

uma proibição. Nas palavras desse autor,

Tanto as regras como os princípios são normas porque ambos estabelecem o que é devido. Ambos podem ser formulados, com a ajuda de expressões deônticas básicas do mandato, da permissão e da proibição. Os princípios, tais como as regras, são razões para realização de juízos concretos de dever ser, ainda quando sejam razões de um tipo muito diferente. A distinção entre regras e princípios é então uma distinção entre dois tipos de normas.

548

546

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. Traducción y estudio introductorio de Carlos Bernal Pulido. 2ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. 547

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 548

Texto original: ―Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos establecen lo que es debido. Ambos pueden ser formulados, con la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, el permiso y la prohibición. Los principios, al igual que las reglas, son razones para llevar a cabo juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distinción entre reglas y principios es entonces una distinción entre dos tipos de normas.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 64-65)

Page 160: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

158

Alexy propõe que essa diferenciação seja feita por meio da análise da

resolução dos conflitos existentes entre essas normas jurídicas. E isso somente

pode ser feito no momento da aplicação do Direito ao caso concreto.549

Dessa forma, para ele550, as regras se diferem dos princípios na medida

em que elas contêm ―mandados definitivos‖ 551 e são regidas pela ―dimensão da

validade‖552, pois são dotadas de uma estrutura fechada, que envolve a lógica

do ―tudo ou nada‖553. Não é possível que duas regras contraditórias

permaneçam, ao mesmo tempo, válidas no ordenamento jurídico. Nessa

hipótese, uma deverá uma ser excluída ou extirpada, salvo se houver uma

cláusula de exceção em uma dela. Assim, a regra será ou não aplicada à

determinada situação caso ela seja ou não válida e haja possibilidade de

subsunção ao fato sob análise.

Já os princípios, ao contrário, por terem uma estrutura mais aberta e

dotada de maior flexibilidade, não são tão conservadores quanto as regras, e,

por isso, são resolvidos pela ―dimensão do peso‖ 554. Os princípios são

entendidos como ―mandados de otimização‖555, na medida em que a sua

aplicação se dará na maior ou na melhor medida possível de acordo com as

peculiaridades do caso posto sob apreciação, pois eles possuem pesos

diferentes que somente podem ser avaliados casuisticamente.

Assim sendo, Alexy556 afirma que, na solução do conflito entre princípios,

o aplicador da norma deverá fazer uma gradação das normas em colisão e

avaliar qual delas melhor se adéqua à situação específica que está sendo

analisada, ou seja, qual delas poderá ser aplicada na maior ou na melhor

medida possível. Quanto mais o intérprete se aproximar de um princípio, mais

ele se distanciará do outro, porém ambos os princípios em conflito

permanecerão validos e aplicáveis no ordenamento jurídico, porque essa

análise é casuística e, em outra situação (podendo, inclusive, envolver um

embate entre os mesmos princípios), a perspectiva poderá mudar. Segundo

Alexy,

549

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 550

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 551

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 552

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 553

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 554

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 555

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 556

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.

Page 161: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

159

O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam porque podem cumprir-se em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas se determina pelos princípios e regras opostos. Ao contrário, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Por isso, as regras contêm determinações no âmbito do factual e juridicamente possível. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma é ou bem uma regra ou bem um princípio.

557

Haverá a colisão entre princípios quando o exercício de um direito

fundamental por parte do seu titular puder implicar a necessária restrição de

outro direito igualmente relevante do mesmo ou de titular diverso.

Para Mendes, Coelho e Branco, ―Tem-se, pois, autêntica colisão apenas

quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de proteção de outro

direito individual.‖558 Nesse sentido, é comum se verificar a situação de embate

entre o direito à informação (liberdade de imprensa) e o direito à intimidade de

pessoas famosas ou entre o direito à vida e a dignidade da gestante que

carrega em seu ventre um feto anencéfalo.

Segundo esses autores559, não se pode falar em colisão entre direitos

fundamentais quando houver apenas uma situação de ―conflito aparente‖560, na

qual a concretização de um direito não se encontra inserida no âmbito de

557

Texto original: ―El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que se caracterizan porque pueden cumplirse en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas se determina por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces debe hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 67-68) 558

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica – Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. 2000, p. 280. 559

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 280. 560

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 280.

Page 162: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

160

proteção de outro. Nesses casos, afirmam que não se pode cogitar de

aplicação da técnica da ponderação sob o pretexto de resolver a colisão entre

direitos a fim de se buscar a legitimação para condutas como, por exemplo,

cometer assassinato no palco de teatro em nome da liberdade artística ou

cometer poligamia em nome da liberdade de religião.561

A flexibilização de direitos fundamentais é uma medida extrema que

deve ser realizada de forma criteriosa e apenas quando absolutamente

necessária à tutela dos próprios direitos fundamentais. Ela não pode ser usada

quando houver uma colisão meramente aparente entre direitos em casos nos

quais o exercício de um não interfere no âmbito de proteção do outro.

Objetivando evitar subjetivismo ou decisionismos por parte do Poder

Judiciário, Alexy562 propõe o uso de um critério (segundo ele) racional para

resolução dos conflitos entre as normas jurídicas. Esse critério é a ponderação

de valores (ou interesses), que consiste em ―estabelecer qual dos interesses,

que tem a mesma classificação em abstrato, possui maior peso no caso

concreto‖563. E, para realizar essa ponderação, utiliza-se o princípio da

proporcionalidade (com seus três subprincípios: adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito). De acordo com esse autor,

Esta situação de decisão responde exatamente à colisão de princípio. As diferença são só de tipo terminológico. Não se fala de uma <<colisão>> senão de uma <<situação de tensão>> e de um <<conflito>> e aquele que entra em colisão e, que é objeto da ponderação, não se chama <<princípio>> mas <<dever>>, <<bem>>, <<direito fundamental>>, <<pretensão>> e <<interesse>>. É perfeitamente possível apresentar a situação de decisão como uma colisão de princípios.

564

561

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 562

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 563

Texto original: ―... establecer cuál de los intereses, que tienen el mismo rango en abstracto, posee mayor peso en el caso concreto‖. (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 72) 564

Texto original: ―Esta situación de decisión responde exactamente a la colisión de principios. Las diferencias son sólo de tipo terminológico. No se habla de una <<colisión>> sino de una <<situación de tensión>> y de un <<conflicto>> y aquello que entra en colisión y, que es objeto de la ponderación, no se denomina <<principio>> sino <<deber>>, <<bien>>, <<derecho fundamental>>, <<pretensión>> e <<interés>>. Es perfectamente posible presentar la situación de decisión como una colisión de principios.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 72)

Page 163: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

161

Percebe-se, dessa forma, que, para Alexy565, é terminologicamente mais

correto se falar em conflito ou tensão de interesses, bens, deveres, pretensões

ou de direitos fundamentais. Mas a expressão ―colisão de princípios‖ está

consagrada na doutrina brasileira, por isso usaremo-la indistintamente junto

com as demais.

Assim, numa situação de conflito entre princípios, para Alexy566, existem,

pelo menos, duas normas jurídicas (direitos, bens ou interesses), sendo que

uma delas limita a incidência ou possibilidade de aplicação da outra, mas

nenhuma é eliminada definitivamente do ordenamento jurídico. Também não

há necessidade de introdução de uma cláusula de exceção em uma delas, pois

a tensão entre princípios não se resolve pela dimensão da validade e sim do

peso. Cabe frisar, novamente, que essa análise somente poderá ser feita à luz

de um determinado caso concreto, pois, segundo o próprio autor567, em cada

situação o raciocínio do julgador poderá ser diferente.

Segundo Alexy568, a ponderação entre princípios sempre poderá ser

realizada, pois não existem princípios absolutos. Para ele569, todos os

princípios são relativos e, em uma situação de tensão, podem ceder espaço ao

outro que com eles conflitam no caso concreto. Nesse sentido, Alexy570 afirma

que até o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser ponderado e

ceder espaço à aplicação de outros. O maior exemplo disso, de acordo com o

autor571, é a possibilidade de imposição de prisão perpétua a um criminoso

perigoso para proteger a sociedade. Verbis,

Que o princípio da dignidade humana, com o fim de definir o conteúdo da regra da dignidade humana, se pondere frente a outros princípios, é algo que se mostra de maneira especialmente clara na Sentença sobre a prisão perpétua onde se diz que a <<dignidade humana [...] não é lesionada quando a execução da pena é necessária devido ao permanente perigo que o detento representa e, por esta razão, não está permitida a sua soltura>>. Com esta fundamentação se constata que a proteção da <<comunidade estatal>>, sob essas condições, tem precedência frente ao princípio

565

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 566

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 567

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 568

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 569

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 570

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 571

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.

Page 164: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

162

da dignidade humana. Se as condições mudarem, a preferência pode ser fixada de outra forma.

572

Para Alexy573, existe a regra e o princípio da dignidade da pessoa

humana. Este é sempre relativo e poderá ser ponderado com outro que com

ele colidir. Ao contrário, de acordo com esse autor574, a regra da dignidade da

pessoa humana (como toda regra) é absoluta e nunca poderá ser ponderada

ou relativizada e sim aplicada, ou não, ao caso concreto se estiverem

presentes as condições para a sua subsunção.

Segundo Alexy575, a regra da dignidade da pessoa humana é a norma

jurídica que dá à dignidade da pessoa humana, em determinadas situações, o

caráter de superioridade absoluta sobre outros direitos, tal como ocorre na

proteção ao direito à vida, à integridade física e aos direitos da personalidade,

por exemplo. Já o princípio da dignidade da pessoa humana é a norma jurídica

dotada de maior abertura e vagueza semântica, depreendido de forma reflexa

das situações em que incide por decorrer de alguma outra norma, direito ou

valor em questão.

Em suma: as regras, ao contrário dos princípios, são absolutas e regem-

se pela dimensão da validade. Por isso, em caso de colisão entre elas, o juiz

deverá usar a técnica da subsunção e escolher qual das normas conflitantes se

aplica ao caso concreto, sendo que a opção por uma elimina a possibilidade de

aplicação da outra. Nas situações mais complexas, envolvendo princípios

colidentes, deverá ser realizada a ponderação de interesses com a utilização

do princípio da proporcionalidade. Porém, a maior incidência de um princípio

não invalida o outro (que permanece no ordenamento jurídico), mas apenas

reduz a sua força normativa na hipótese específica em análise.

572

Texto original: ―Que el principio de la dignidad humana, con el fin de definir el contenido de la regla de la dignidad humana, se pondere frente a otros principios, es algo que se muestra de manera especialmente clara en la Sentencia sobre la prisión perpetua en donde se dice que la <<dignidad humana […] tampoco es lesionada cuando la ejecución de la pena es necesaria debido a la permanente peligrosidad del detenido y, por esta razón, no está permitido el indulto>>. Con esta formulación se constata que la protección de la <<comunidad estatal>>, bajo las condiciones indicadas, tiene precedencia frente al principio de la dignidad humana. Si se dan otras condiciones, la preferencia puede ser fijada de otra manera.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 88) 573

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 574

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 575

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.

Page 165: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

163

Alexy576 afirma que as normas definidoras de direitos fundamentais são

princípios e, citando a Corte Constitucional Federal Alemã, afirma que o

princípio da proporcionalidade deriva dos próprios direitos fundamentais. Dessa

forma, numa situação de tensão entre estes, deverá o julgador se valer, no

caso concreto, do princípio da proporcionalidade para resolver o conflito. Para

ele577, essa solução é a mais racional e capaz de evitar o subjetivismo dos

juízes.

O princípio da proporcionalidade é composto de três subprincípios: a

adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito578.

Alexy579 afirma que os subprincípios da necessidade e da adequação

são entendidos como mandados de otimização relacionados a ―possibilidades

fáticas‖580, pois envolvem, em cada caso, uma análise pontual e específica das

possibilidades concretas de relativização. Assim, pelo subprincípio da

adequação, analisa-se se o meio empregado é apto a possibilitar o alcance do

fim pretendido e, pelo subprincípio da necessidade, verifica-se se foi usada a

medida menos gravosa possível para se atingir o objetivo visado.

A proporcionalidade em sentido estrito é um mandado de otimização que

permite a relativização dos princípios com base nas ―possibilidades jurídicas‖581

da aplicação de uma norma. Ou seja, o julgador deve analisar os princípios em

conflito e verificar qual deve ser flexibilizado para dar prevalência ao outro a fim

de causar o menor prejuízo possível, sacrificando o princípio de menor peso no

caso concreto. De acordo com Alexy,

O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, é dizer, o mandato de ponderação, resulta da relativização relacionada às possibilidades jurídicas. Se uma norma de direito fundamental com caráter de princípio entra em colisão com um princípio contraposto, então as possibilidades jurídicas para a realização da norma de direito fundamental dependem do princípio contraposto. Para chegar a uma decisão, é indispensável realizar uma ponderação, no sentido da lei da colisão. Como está ordenado aplicar os princípios válidos, quando eles são aplicáveis, e que para sua aplicação nos casos de colisão é indispensável realizar uma ponderação, então, o caráter de princípio das normas de direito fundamental implica resolver uma

576

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 577

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 578

Texto original: ―idoneidad‖, ―necessidad‖ e a ―proporcionalidad en sentido estricto‖. (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 92) 579

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 580

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 93. 581

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.

Page 166: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

164

ponderação quando elas entram em colisão com outros princípios contrapostos. Isto quer dizer que o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é dedutível do caráter de princípio das normas de direito fundamental.

582

Em outros termos: caberá ao aplicador da norma, ao ponderar dois

direitos fundamentais de igual hierarquia, aferir qual dos valores em questão

possui maior peso no caso concreto, analisar se a relativização do princípio de

menor peso é adequada e necessária para a otimização daquele de maior peso

e se o direito que se pretende implementar em maior medida justifica a

aplicação da regra da ponderação.

Apesar da existência de críticas, a teoria de Robert Alexy encontrou

adeptos e se difundiu em diversos países do mundo, sendo hoje uma

realidade.

No Brasil, o Poder Judiciário tem admitido a relativização de direitos

fundamentais por meio da aplicação da técnica da ponderação de interesses.

Isso se manifesta em diversos julgados da jurisprudência do STF, entre os

quais podem ser citados, como exemplos, o RE nº 153.531-8/SC, Rel. Ministro

Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 13.03.1998583 (conflito entre o direito de

manifestação cultural e direito ambiental de proteção aos animais), e o RE nº

363.889/DF, repercussão geral, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ

16.12.2011584 (conflito entre a segurança jurídica protegida pela coisa julgada e

582

Texto original: ―El subprincipio de proporcionalidad en sentido estricto, es decir, el mandato de la ponderación, se sigue de la relativización con respecto a las posibilidades jurídicas. Si una norma de derecho fundamental con carácter de principio entra en colisión con un principio contrapuesto, entonces las posibilidades jurídicas para la realización de la norma de derecho fundamental dependen del principio contrapuesto. Para llegar a una decisión, es indispensable llevar a cabo una ponderación, en el sentido de la ley de la colisión. Dado que está ordenado aplicar los principios válidos, cuando ellos son aplicables, y que para su aplicación en los casos de colisión es indispensable llevar a cabo una ponderación, entonces, el carácter de principio de las normas de derecho fundamental implica que está ordenado llevar a cabo una ponderación cuando ellas entran en colisión con otros principios contrapuestos. Esto quiere decir que el subprincipio de proporcionalidad en sentido estricto es deducible del carácter de principio de las normas de derecho fundamental.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 92) 583

COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da Constituição Federal, no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ―farra do boi‖. (STF, RE nº. 153.531-8/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 13 mar. 1998). 584

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA

Page 167: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

165

o direito da personalidade consistente no conhecimento da própria origem

genética).

Apesar de não haver menção expressa sobre essa possibilidade no

ordenamento jurídico brasileiro, a ponderação de interesses é aplicada pelo

Poder Judiciário sempre que o exercício de um direito é capaz de interferir

diretamente no âmbito de proteção de outro de modo que ambos não possam

ser implementados, em igual medida, em determinado caso concreto.

O próprio legislador ordinário, por vezes, realiza essa restrição quando

há necessidade de compatibilizar direitos/garantias fundamentais, tal como

ocorre, por exemplo, com o direito de propriedade e a necessidade de

cumprimento da função social da propriedade privada. E isso se dá exatamente

em razão de uma das características desses direitos, que é a relatividade.

Contudo, essa flexibilização deve ser sempre cuidadosa e seguida de uma

análise racional sobre os direitos envolvidos, não podendo ser indiscriminada.

5.3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental de

propriedade

EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (STF, RE nº 363.889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ 16 dez. 2011).

Page 168: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

166

Fernandes585 afirma que os direitos fundamentais são direitos de defesa

do indivíduo contra o Estado, pois impõem a este uma omissão frente ao

cidadão a fim de evitar violação das liberdades individuais e, ao mesmo tempo,

garantias, porque também impõem ao Estado que tome medidas positivas

concretas para possibilitar o exercício dessas mesmas liberdades.

Ainda para esse autor, ―os direitos fundamentais representam garantias

fundamentais de caráter instrumental‖586, pois permitem ―ao cidadão acionar os

Poderes Públicos – mas principalmente o Judiciário – para a proteção de

outros direitos, representando, assim, meios processuais para o

reconhecimento e asseguramento de direitos‖.587 Para ele, ―falar em direitos

fundamentais é falar em condições para a construção e o exercício de todos os

demais direitos previstos no Ordenamento Jurídico, e não apenas em uma

leitura reducionista, como direitos oponíveis contra o Estado‖.588

De acordo com a doutrina constitucionalista, em especial para

Fernandes589, os direitos fundamentais são os direitos humanos que passaram

por um processo de positivação na ordem jurídica (em especial, na

Constituição) de determinado Estado. Os direitos humanos, por sua vez, são os

direitos naturais inerentes à pessoa humana existentes independentemente

das circunstâncias de tempo e lugar e desprovidos de normatividade; são,

portanto, direitos de caráter universal tratados no plano do Direito Internacional.

A CRFB/1988 traz, em todo o seu texto (e não apenas no art. 5º),

direitos fundamentais sem criar uma hierarquia entre eles. Por isso, é possível

que, eventualmente, haja colisão entre mais de um direito fundamental numa

situação concreta. Nesse caso, o julgador deverá usar a técnica da ponderação

de interesses ou ponderação de valores para decidir.

Segundo Fernandes590, atualmente, o STF tem entendido o princípio da

dignidade da pessoa humana como um ―super princípio‖ 591 que deve servir de

norte para a interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico,

inclusive dos demais direitos fundamentais previstos na CRFB/1988. Em outras

585

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 586

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 225. 587

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 225. 588

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 227. 589

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 590

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 591

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 267.

Page 169: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

167

palavras, o princípio da dignidade da pessoa humana nos permite reinterpretar

todos os direitos fundamentais de modo a conformá-los à proteção da pessoa

humana, não apenas como simples sujeito de direito, mas como o fim último da

ordem jurídica.

Nas palavras desse autor, a dignidade da pessoa humana ―irradia

valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais,

exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente

e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca

como meio (coisas) para satisfação de outros interesses ou de interesses de

terceiros‖.592

Para ele593, não é correto se referir à dignidade da pessoa como um

princípio, haja vista a sua superioridade em relação aos demais princípios

constitucionais/direitos fundamentais, pois estes ―sempre‖594 (nas palavras do

autor) deverão ceder espaço à aplicação daquela. Todavia, nesta Dissertação

nos referiremos ao ―princípio da dignidade da pessoa humana‖, por já estar

consagrada essa expressão na doutrina e na jurisprudência brasileira.

Segundo Fernandes595, na Alemanha, a dignidade da pessoa humana

consiste no respeito aos direitos humanos fundamentais de todas as pessoas,

em igual medida, independentemente de características relacionadas a sexo,

raça, religião, ideologia política, nacionalidade, condições sociais, econômicas

e culturais, entre outras. Isso se deve aos efeitos nefastos provocados pela

ideologia nazista que afirmava a superioridade genética da raça ariana sobre

as demais. Essa concepção foi adotada no Direito brasileiro como regra.

Fernandes596 ensina que, por outro lado, na Itália, esse princípio refere-

se à ―dignidade social‖597 do indivíduo, relacionando-se a um conceito

―econômico-social‖ 598, na medida em que preconiza que o ser humano terá

dignidade enquanto tiver uma função e contribuir para o progresso da

sociedade com o seu trabalho. Assim sendo, a dignidade da pessoa humana,

no Direito italiano, possui conexão com os direitos sociais relacionados ao

592

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 268. 593

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 594

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 268. 595

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 217-218. 596

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 597

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 218. 598

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 218.

Page 170: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

168

trabalho, com os direitos fundamentais relativos à propriedade e à própria

participação do cidadão na vida da sociedade.

Ainda de acordo com esse Fernandes599, o STF ainda não desenvolveu

um conceito sistematizado sobre o que seja a dignidade da pessoa humana,

mas aponta diretrizes para o seu reconhecimento por meio da análise dos

princípios da igualdade material, do direito de liberdade, do direito de

propriedade, do reconhecimento dos direitos da personalidade, entre outros.

Bornholdt600 afirma que a dignidade da pessoa humana é um princípio

aberto, pois seu conceito não é fixo, mas adaptável e moldável à realidade

vivenciada em uma dada sociedade, sem se descuidar dos valores essenciais

inerentes ao ser humano. Para ele601, esse princípio deve orientar a

interpretação de todas as demais normas do ordenamento jurídico, bem como

dos próprios direitos fundamentais, em caso de conflito. Nas palavras do autor,

Imbuído desse conteúdo, o princípio da dignidade da pessoa humana confere uma unidade de sentido aos direitos fundamentais. Pelas suas características já apontadas, como a abertura, além de uma maior densificação que se realiza conforme as diversas circunstâncias histórico-sociais, através de outros princípios, informa ele a compreensão dos demais, devendo os casos de conflito ser resolvidos mediante sua utilização no caso concreto.

602

Isso ocorre porque, de acordo com esse autor, ―O princípio da dignidade

humana tem sido considerado como a pedra angular, a base essencial de todo

o sistema de direitos fundamentais‖.603

No mesmo sentido, Morais afirma que a dignidade da pessoa humana

―concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às

personalidades humanas‖.604 Para ele,

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e

599

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 600

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 86. 601

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005. 602

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005, p. 86. 603

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005, p. 86. 604

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2007, p. 16.

Page 171: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

169

responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos;

605

De acordo com esse autor606, o exercício dos direitos fundamentais por

parte dos indivíduos é requisito necessário à implementação do princípio da

dignidade da pessoa humana e, por isso, a limitação desses direitos deve ser

excepcional. Ou seja, a relativização de direitos fundamentais vulnera esse

metaprincípio e só pode ser feita quando absolutamente necessária ao

desenvolvimento dos próprios direitos fundamentais.

O direito/garantia fundamental de propriedade, por seu turno, segundo o

modelo constitucional de 1988, apresenta características individualistas

(construídas na época do Estado Liberal sob a égide do capitalismo) e sociais

(oriundas do Estado Democrático de Direito). Assim, atualmente, a propriedade

é, ao mesmo tempo, meio para satisfação dos interesses do seu titular e

instrumento voltado ao desenvolvimento da sociedade e à concretização do

próprio princípio da dignidade da pessoa humana.

O direito de propriedade está previsto em vários momentos na CRFB/88,

dentre os quais podemos citar, como os mais importantes para esta

Dissertação, o art. 5º, XXII (direito fundamental individual) e o art. 170, II

(princípio da ordem econômica).

No âmbito do Direito Civil, o direito de propriedade é espécie de Direito

Real e tem caráter pleno porque assegura ao seu titular as faculdades de usar,

gozar, dispor da coisa e reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha

(art. 1.228 do CC/2002).

Na atual concepção constitucional, ele é mais abrangente, pois inclui o

patrimônio da pessoa (entendido como o complexo de relações que integram a

sua esfera jurídica – art. 91 do CC/2002), abarcando, dessa forma, não só os

direitos reais, mas também os direitos pessoais e as obrigações que titulariza.

Nesse sentido, Mendes, Coelho e Branco afirmam que

605

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 2007. 606

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 2007.

Page 172: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

170

A garantia constitucional da propriedade assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos direitos a serem eventualmente constituídos. Garante-se, outrossim, a propriedade enquanto instituto jurídico, obrigando o legislador a promulgar complexo normativo que assegure a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito. Inexiste, todavia, um conceito constitucional fixo, estático de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico.

607

O direito de propriedade, portanto, assegura ao seu titular proteção legal

ampla, sendo entendido, ao mesmo tempo, como direito e garantia

fundamental. Ele compreende não só a proteção às prerrogativas do indivíduo

sobre o bem objeto de direito (concepção civilista relacionada aos Direitos

Reais), mas também garante o acesso (aquisição) à propriedade privada,

impondo ao Estado que se abstenha de praticar atos que impeçam o livre

exercício desse direito de forma arbitrária e sem o devido processo legal (art.

5º, LIV, da CRFB/1988). Para Mendes, Coelho e Branco, o ―núcleo

essencial‖608 desse direito é garantir a utilidade da propriedade privada.

Contudo, atualmente, o direito de propriedade ganha uma

reinterpretação à luz do princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CRFB/1988),

pois o seu exercício legítimo se condiciona ao cumprimento da função social

prevista, não só no art. 5º, XXIII, da CRFB/1988, mas em todo o texto

constitucional.

Em outros termos: hoje, a função social é o elemento conformador da

propriedade, pois o proprietário não poderá mais dar a destinação que

pretender ao seu bem. Ao contrário, o direito de propriedade terá a proteção

estatal, enquanto direito fundamental, quando a propriedade atender também

ao interesse da sociedade, ou seja, quando for produtiva e gerar riqueza.

Nesse sentido, Fernandes afirma que

... a função social da propriedade é elemento integrador do conceito de propriedade como objeto constitutivo do mesmo, não se confundindo com os elementos limitadores do direito de propriedade. Isto é, não poderá ser juridicamente considerado proprietário aquele

607

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 217-218. 608

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000.

Page 173: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

171

que não der ao bem uma destinação compatível e harmoniosa com o interesse público.

609

Mendes, Coelho e Branco610 ensinam que a propriedade não pode ser

colocada à disposição do Estado ou da sociedade, devendo ter o seu ―núcleo

essencial‖611 (âmbito de proteção) preservados de forma a se garantir a

utilidade do bem para o seu titular. Assim, o intérprete e o legislador devem ter

ambas as acepções desse direito em mente ao criar e aplicar uma norma que

possa limitá-lo, ponderando sempre sob o prisma do princípio da

proporcionalidade.

Os direitos fundamentais previstos na CRFB/1988 não são absolutos

(mas relativos) e estão situados no mesmo plano normativo, porque não há

hierarquia entre eles, exceto no que tange ao princípio da dignidade da pessoa

humana, considerado pela doutrina moderna (a exemplo de Fernandes612) e

pelo STF (segundo mencionado autor613) como um metaprincípio. Por isso,

eles devem se comunicar, constituindo um sistema harmônico e integrado de

direitos fundamentais.

A própria CRFB/1988 admite formas de intervenção do Estado na

propriedade privada quando houver interesse público que recomende a medida

(e isso está previsto tanto no texto constitucional como na legislação

infraconstitucional, podendo ser citadas, como exemplo, a desapropriação, a

servidão administrativa, a requisição administrativa, a limitação administração,

a ocupação temporária e o tombamento).

A relativização ou flexibilização do direito de propriedade pode ocorrer

no caso de colisão entre este e outros direitos fundamentais ou princípios

constitucionais, sendo resolvida por meio da utilização da técnica da

ponderação de interesse.

No entanto, essa análise não pode se dar de forma indiscriminada diante

de qualquer embate entre o direito de propriedade e qualquer outro direito

fundamental sob pena de se aniquilar esse direito e fazer do art. 5º, XXII, da

609

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 302. 610

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 611

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 302. 612

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 613

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011.

Page 174: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

172

CRFB/1988 letra morta. Pelo contrário, ela deve ser muito cuidadosa e pautada

no princípio da proporcionalidade.

Mendes, Coelho e Branco614 tratam da possibilidade da relativização do

direito/garantia fundamental de propriedade pelo próprio legislador ordinário.

Afirmando estar a jurisprudência da Corte Constitucional Federal Alemã

(Bundesverfassungsgericht) firmada nesse sentido, esses autores615 defendem

ser permitindo tal flexibilização desde que seja para conformar a propriedade

privada ao cumprimento de sua função social. Nas suas palavras,

Nesse passo, deve-se reconhecer que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária. As disposições legais relativas ao conteúdo têm, portanto, inconfundível caráter constitutivo. Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições legais sejam adequadas, necessárias e proporcionais.

616

O legislador deverá realizar uma ponderação sobre os bens jurídicos ou

valores envolvidos em determinada norma infraconstitucional sem se descuidar

do ―núcleo essencial‖617 de cada um dos direitos em questão. Dessa forma, não

poderá o legislador, sob o pretexto de concretizar a função social e a dignidade

da pessoa humana, retirar a utilidade da proteção estatal ao direito de

propriedade do indivíduo, pois incorreria em grave vício de

inconstitucionalidade e aniquilaria a força do art. 5º, XXII, da CRFB/1988.

Deve-se ressaltar, ainda, que o direito de propriedade é fundamental

para a implementação do próprio princípio da dignidade da pessoa humana,

pois possibilita aos indivíduos a aquisição da propriedade privada e a sua

conservação, garantindo o patrimônio mínimo necessário à existência da

614

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 615

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 616

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 218. 617

MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000.

Page 175: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

173

pessoa humana (Teoria do Patrimônio Mínimo, mencionada por Farias e

Rosenvald618).

Para Farias e Rosenvald619, a Teoria do Patrimônio Mínimo preconiza

que é condição indispensável para concretização do princípio da dignidade da

pessoa humana que o ordenamento jurídico estatal proteja um mínimo de

patrimônio que possibilite ao indivíduo ter as suas necessidades elementares

atendidas (como moradia, alimentação, educação, saúde, trabalho, previdência

social, entre outras). Com isso, o patrimônio ganha uma nova função,

passando a ser entendido como ―instrumento de cidadania‖620, com a finalidade

de proteger a pessoa humana e reconhecê-la como um ser dotado de

dignidade.

Em outras palavras, segundo esses autores621, é inconcebível se falar

em tutela da dignidade da pessoa humana se o ordenamento jurídico não

garantir aos indivíduos um patrimônio capaz de assegurar o mínimo essencial

ao reconhecimento da própria dignidade.

Farias e Rosenvald622 exemplificam, apontando a proteção ao bem de

família conferido pela Lei nº. 8.009/1990 e a previsão dos bens absoluta e

relativamente impenhoráveis previstos nos art. 649 e 650 do CPC. Dentre

esses bens podem ser citados, além do imóvel necessário à moradia da

família, os equipamentos, máquinas, livros, utensílios e materiais necessários

ao desempenho da atividade profissional da pessoa.

O direito de propriedade representa um direito fundamental e, ao mesmo

tempo, um instrumento para proteção da pessoa humana, pois garante meios

capazes de proporcionar uma vida digna aos indivíduos. A tutela da

propriedade privada proporciona a obtenção e a conservação de bens

necessários ao desempenho do trabalho para aquisição de renda,

possibilitando o sustento e a satisfação das necessidades mais elementares da

pessoa e de sua família. Além disso, a proteção a esse direito torna possível o

próprio desenvolvimento de uma nação, uma vez que a ambição (inerente ao

618

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, Vol. 1. 619

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008, p. 348. 620

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008, p. 348. 621

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008. 622

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008.

Page 176: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

174

ser humano) impulsiona o trabalho, o surgimento de empreendedores e,

consequentemente, a geração de renda, movimentando a economia de um

país.

Com base em tudo o que foi exposto neste capítulo, em especial, no

entendimento de Morais623 (acima mencionado), conclui-se que o Estado deve

procurar, ao máximo, a tutela do direito/garantia fundamental de propriedade,

permitindo-se a sua flexibilização apenas quando absolutamente necessário

para implementar outros direitos fundamentais de igual hierarquia, porém mais

relevantes segundo as peculiaridades do caso concreto posto. Para tanto,

deverá o Estado-juiz (ou o Estado-legislador, se se tratar de relativização desse

direito por meio de lei) se valer da técnica da ponderação de interesses (de

Robert Alexy) e analisar, segundo o princípio da proporcionalidade, qual, dentre

os direitos fundamentais em real colisão, deve ser relativizado em prol do outro,

a fim de alcançar a solução mais justa e equânime na situação específica sub

judice.

6 RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E O DIREITO DE PROPRIEDADE

O caput do art. 149 da Lei nº. 11.101/2005 traz a ordem geral de

pagamento dos créditos na falência, prescrevendo que serão realizadas as

restituições, pagos os créditos extraconcursais (art. 84) e os créditos

concursais (art. 83), nesta ordem. Verbis,

Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias.

624

623

Segundo o qual o exercício dos direitos fundamentais é essencial à própria tutela da dignidade da pessoa humana e, por isso, somente deve haver a relativização dos mesmos quando absolutamente necessário ao desenvolvimento dos próprios direitos fundamentais. 624

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.

Page 177: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

175

Todavia, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 determina

que as restituições em dinheiro somente poderão ser realizadas após o

cumprimento do disposto no art. 151 da mesma lei (que prescreve o

pagamento, aos credores trabalhistas, dos créditos de natureza estritamente

salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o

limite de cinco salários mínimos por trabalhador).

Simionato625 afirma que o comando normativo contido no art. 86,

parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 se aplica a toda e qualquer restituição

em dinheiro e não apenas àquelas previstas nos incisos I, II e III do caput de

referido artigo. Assim, para ele626, as restituições decorrentes de direito de

propriedade (art. 85, caput), quando o bem não mais existir ao tempo da sua

efetivação (por já ter sido alienado pela massa falida ou por ter perecido em

poder desta), a mercadoria vendida a crédito entregue nos quinze dias

anteriores à decretação da falência (art. 85, parágrafo único), quando já

alienadas pela massa falida, a restituição relativa às quantias devidas em

virtude de contrato (tratadas no capítulo pertinente) e aquelas previstas na

legislação extravagante (como a Lei nº. 8.212/1991) somente serão realizadas

após o pagamento dos credores trabalhistas, nos termos do art. 151 da Lei nº.

11.101/2005.

De acordo com esse autor627, trata-se de uma obrigação legal do

administrador judicial, a qual determina que ele não poderá, sob pena de

responsabilidade civil, iniciar o pagamento dos credores na ordem disposta no

art. 149 da nº. Lei 11.101/2005 sem antes cumprir o disposto no art. 151 da

mesma lei. Para ele628, o art. 86, parágrafo único, excepciona a regra do art.

149, inserindo uma classificação absolutamente prioritária no recebimento de

pecúnia na falência, qual seja: a dos créditos de natureza estritamente salarial

vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência e até o limite de

cinco salários mínimos por trabalhador. Referida categoria, segundo

Simionato629, ficaria atrás apenas das restituições in natura.

625

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 626

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 627

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 628

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 629

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 178: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

176

Simionato630 não vê qualquer irregularidade na disposição contida no art.

86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 e parece concordar com o seu

conteúdo ao afirmar, com bastante ênfase, que

Nada tem preferência de pagamento sobre o art. 151 da Lei. Todos os outros, restituição, extraconcursal e quadro geral de credores, não recebem um único centavo enquanto não se liquidar e solver a obrigação trabalhista derivante do texto legal, art. 151. As restituições somente serão efetuadas após o pagamento previsto pelo art. 151, tudo conforme o art. 86, parágrafo único, da Lei. O administrador judicial está impedido de pagar o art. 149 antes de pagar os créditos trabalhistas, no montante previsto pelo art. 151 da Lei, sob pena de responsabilidade civil. O valor, que o art. 151 estabelece, pode, ademais, ser objeto de arresto, caso não seja observada a regra legal.

631

Segundo Sérgio Mourão Corrêa Lima632, em obra sob sua coordenação

e de Osmar Brina Corrêa-Lima, o art. 149 da Lei 11.101/2005 determina que as

restituições serão realizadas antes do pagamento de qualquer crédito, sejam

elas pelo bem individualizado ou pela respectiva importância em dinheiro.

Segundo esse autor633, o proprietário com direito à restituição não é

credor e, por isso, não pode se sujeitar à execução concursal. O que o difere

dos credores do falido é que estes são titulares de direito crédito em virtude de

uma obrigação assumida pelo devedor, podendo apenas exigir o seu

adimplemento. Já o proprietário que tem direito à restituição, em razão do

disposto no art. 1.228 do CC/2002 e no art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, poderá

reaver o bem de sua propriedade na execução concursal da falência sem

precisar se submeter às mesmas regras aplicadas aos credores. Nesse

sentido, Lima634 afirma que o art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 obedece ao

comando normativo contido no art. 5º, XXII, da CRFB/1988 na medida em que

implementa a proteção ao direito/garantia fundamental de propriedade.

630

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 631

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 642. 632

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 633

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 634

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 179: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

177

Assim sendo, Lima635 elabora, muito didaticamente, a sequência de

pagamento que entende adequada na falência, de acordo com a interpretação

que faz dos art. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 da Lei nº. 11.101/2005. Verbis:

A interpretação conjugada dos arts. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 conduz à sequência ainda mais precisa: (1º) implementação das restituições; (2º) satisfação dos créditos extraconcursais, ―cujo pagamento seja indispensável à administração da falência‖, que ―serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa‖; (3º) destaque de recursos para satisfação dos créditos extraconcursais que não requeiram pronto pagamento; (4º) pagamento dos ―créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador‖, pagos com recursos disponíveis em caixa; e (5º) pagamento dos créditos contra o falido, observada a classificação prevista no art. 83.

636

Percebe-se que, para Lima637, o cumprimento do disposto no art. 151 da

Lei nº. 11.101/2005 somente poderá se dar depois da implementação de todas

as restituições devidas, sejam elas in natura ou em pecúnia. Por isso, de

acordo com esse autor638, o art. 149 prescreve que as restituições antecedem

ao pagamento de quaisquer credores, independentemente de sua classe ou

ordem. Trata-se, segundo ele639, de consolidação do entendimento

sedimentado no STJ ainda quando da vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e

manifestado, entre outros, no REsp nº 90.068/SP e no REsp 730.824/RS.

FALÊNCIA. PREFERÊNCIAS. RESTITUIÇÃO AO INSS DAS CONTRIBUIDAS PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS PELO FALIDO E NÃO REPASSADAS À SEGURIDADE SOCIAL. CRÉDITOS TRABALHISTAS. CUSTAS. DÍVIDAS. ENCARGOS DA MASSA. ORIENTAÇÃO DA 2ª SEÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Após as Leis 3.726/60 e 6.449/77, os créditos trabalhistas detêm preferência sobre os demais, inclusive os relativos a custas, dívidas e encargos da massa. Entende a Segunda Seção, entretanto, que na

635

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 636

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.003. 637

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 638

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 639

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.004.

Page 180: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

178

categoria de créditos trabalhistas se incluem os oriundos da prestação de serviços à massa. II – As restituições devem efetivar-se antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, posto referir-se a bens que não integram o patrimônio do falido. III – As contribuições previdenciárias descontadas dos salários e retidas pelo empregador constituem bens da previdência, que não integram o patrimônio do falido, sujeitando-se ao regime das restituições, devendo ser entregues à credora com prioridade absoluta. IV – Exceção a essa regra constituem as contribuições relativas ao período posterior à vigência do Decreto-Lei 66/66 até a entrada em vigor da Lei nº. 8.212/1991, tempo em que tais verbas gozaram apenas do privilégio atribuído aos tributos devidos à União, havendo de ser atendidas após os créditos trabalhistas. (STJ. Recurso Especial nº. 90.068/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. DJU 15.12.1997)

640

TRIBUTÁRIO. FALÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO REPASSADA À SEGURIDADE SOCIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO MOVIDA PELO INSS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. JUROS DE MORA. OBEDIÊNCIA ÀS REGRAS DO CONCURSO DE CREDORES. 1. As contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, pelo falido, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, porque se trata de bens que não integram o patrimônio do falido, incidindo a Súmula 417, do STF, à espécie. (REsp 284276/PR, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 11.06.2001; REsp 506096/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 15.12.2003; REsp 557373/RS, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 28.04.2004; AGA 498749/RS, desta relatoria, DJ de 24.11.2003; REsp 90068/SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15.12.97; REsp 511356/RS, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ de 04.04.2005). 2. Precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicabilidade da Súmula 417/STF: RE 93355/MG, DJ de 27.03.1981, Relator Ministro Cordeiro Guerra; RE 91367/RS, DJ de 28.09.1979, Relator Ministro Rafael Mayer; RE 89345/PR, DJ de 19.04.1979, Relator Ministro Moreira Alves; RE 88828/RS, DJ de 01.06.1979, Relator Ministro Rafael Mayer; e RE 86069/MG, DJ de 29.09.1978, Relator Ministro Soares Munoz. 3. Os juros de mora, posto não decorrerem de obrigação de terceiro, mas do inadimplemento do dever do responsável tributário de repassar à autarquia as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, contribuintes da exação, não se subsumem ao regime da restituição. 4. Consectariamente, cabendo ao responsável tributário, o falido, o encargo financeiro referente aos juros moratórios derivados de seu inadimplemento no prazo oportuno, revela-se inaplicável o regime das restituições, devendo o referido crédito sujeitar-se ao concurso de credores, nos termos dos artigos 102, da Lei de Falências, vigente à época do ajuizamento da ação, e 186 e seguintes, do Código

640

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 90.068/SP. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 1997. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600150036&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012.

Page 181: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

179

Tributário Nacional (Precedente da Primeira Turma: REsp 666351/SP, desta relatoria, DJ de 26.09.2005) 5. Recurso especial desprovido. (STJ. Recurso Especial nº. 730.824/RS, Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. DJU 21.09.2006)

641

O julgamento do REsp nº 90.068/SP, acima mencionado, foi realizado

quando da vigência da antiga Lei de Falências (Decreto-lei nº. 7.661/1945),

quando não havia disposição semelhante àquela dos art. 86, parágrafo único, e

151 da Lei nº. 11.101/2005. O REsp 730.824/RS, apesar de ter sido julgado

quando da vigência da Lei nº. 11.101/2005, foi decidido com base nas normas

contidas no Decreto-lei nº. 7.661/1945 por questões de direitos intertemporal.

Não foram encontrados julgados do STJ ou do STF envolvendo o

questionamento sobre a validade do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005 no que tange às restituições em dinheiro decorrentes do direito de

propriedade. Tampouco foram encontradas decisões que envolvessem

pretensões de terceiros pleiteando a restituição de quantias de que são

titulares antes do cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

Foram propostas duas ADI no STF questionando dispositivos da Lei nº.

11.101/2005. A primeira, ADI nº. 3.934-2/DF642, de relatoria do Ministro Ricardo

Lewandowski, impugnando os art. 60, parágrafo único, art. 83, I e VI, ‗c‘, e art.

141, II, da Lei nº. 11.101/2005 em face do art. 1º, III e IV, art. 6º, art. 7º, I, e art.

170 da CRFB/1988, julgada integralmente improcedente em novembro de

2009. E a segunda, ADI nº 3.424/DF643, também de relatoria do Ministro

Ricardo Lewandowski, arguindo a inconstitucionalidade do art. 83, I e VI, ‗c‘, e

§4º644, art. 84, V, e art. 86, II, da Lei nº. 11.101/2005 em face do art. 5º, XXII, da

CRFB/1988, que se encontra ainda em tramitação.

641

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 730.824/RS. Relator: Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 21 set. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500370756&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012. 642

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 643

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.424. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília. Processo em tramitação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2277278>. Acessado em 31 jul. 2012. 644

A ADI 3.424/DF deverá ser julgada prejudicada no tocante a este ponto, pois a ADI 3.934-2/DF, que versava sobre a inconstitucionalidade, entre outros, do art. 83, I e VI, ‗c‘, e §4º da Lei 11.101/2005, foi julgada improcedente, conforme tratado no primeiro capítulo desta Dissertação.

Page 182: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

180

Porém, não há arguição de inconstitucionalidade referente ao art. 86,

parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 no que se refere à restituição em

dinheiro decorrente do direito de propriedade. Portanto, a princípio, essa

discussão tem ficado apenas no âmbito doutrinário e apenas alguns autores

(dentre os quais Lima645 é o de mais destaque) posicionam-se pela

inconstitucionalidade de referido dispositivo se interpretado literalmente.

Souza646 considera positiva a redação do art. 151 da Lei nº. 11.101/2005

por reputar um progresso em relação à proteção à dignidade da pessoa do

trabalhador, mas não se manifesta sobre a validade da disposição contida no

parágrafo único do art. 86 da mesma lei no que tange à tutela do

direito/garantia fundamental de propriedade prevista no art. 5º, XXII, da

CRFB/1988.

Esse autor647 critica o critério temporal fixado em referido dispositivo,

afirmando que ele não poderia ter sido preestabelecido pela legislação, de

forma fixa, devendo ser proporcional ao prazo dos contratos de trabalho em

curso.

Rocha, Zavanella e Silva648, doutrinadores de Direito do Trabalho, ao

contrário de Souza649, apenas ensinam sobre a regra constante do art. 151 da

Lei nº. 11.101/2005, sem, contudo, manifestarem-se favoravelmente a ela.

Simionato650 não defende expressamente a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade de mencionado dispositivo. Contudo, conforme já citado,

muito enfaticamente esse autor651 ensina que os créditos trabalhistas vencidos

nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco

salários mínimos por trabalhador, têm preferência sobre o pagamento de

qualquer outra importância na execução concursal, inclusive sobre as

restituições em dinheiro tratadas pelo art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 e

645

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 646

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 647

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 648

ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. 2006. 649

SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 650

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 651

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.

Page 183: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

181

legislação especial, perdendo apenas para as restituições in natura. A ênfase

de Simionato nessa explicação nos permite concluir que ele concorda com

essa regra.652

Os demais autores contemporâneos pesquisados, da doutrina do Direito

Empresarial, e que tratam do assunto, como Pacheco653, Negrão654,

Almeida655, Junqueira656, Abrão657 e Salles658, limitam-se a ensinar sobre a

norma do art. 86, parágrafo único, c/c art. 151 da Lei nº. 11.101/2005,

afirmando a precedência absoluta do credor trabalhista enquadrado neste

último dispositivo legal no recebimento do respectivo crédito, inclusive sobre a

implementação das restituições em dinheiro decorrentes do direito de

propriedade. Eles também não se manifestam sobre a (in)constitucionalidade

do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005.

Isso nos permite concluir que mencionados doutrinadores não veem

problemas na redação do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, pois,

se assim não o fosse, teriam se manifestado expressamente a respeito.

Simão Filho659 entende que as restituições previstas nos art. 85 e 86 da

Lei nº. 11.101/2005 somente serão implementadas após os ―pagamentos

imediatos contra disponibilidade de caixa‖ 660, entre os quais se incluem as

despesas necessárias à administração da falência (art. 150), aquelas

decorrentes da continuação provisória da atividade do falido (art. 150) e os

créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da

falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador (art. 151).

652

SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 653

PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 2ª ed. Forense: Rio de janeiro. 2007. 654

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 655

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 656

JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2007. 657

ABRÃO, Carlos Henrique; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Saraiva. 2005. 658

SALLES, Marcos Paulo de Almeida; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 659

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 660

SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 541.

Page 184: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

182

Coelho661, em entendimento isolado e bastante peculiar, defende que as

restituições (pelo bem especificado ou em dinheiro) somente sejam satisfeitas

após o pagamento dos créditos trabalhistas enquadrados no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 e de todos os créditos extraconcursais.

Esse entendimento, diga-se de passagem, é questionável uma vez que,

conforme já mencionado exaustivamente nesta Dissertação, o terceiro titular do

direito à restituição de bem ou de dinheiro não é credor e, por isso, deve

receber o que lhe cabe antes do pagamento aos credores do falido.

No Projeto de Lei nº. 4.376662, de 1994 (posteriormente convertido na Lei

nº. 11.101/2005), constante da Mensagem nº. 1.014/93 do Poder Executivo,

enviada à Câmara dos Deputados e publicada no Diário do Congresso

Nacional em 22 de fevereiro de 1994, não continha dispositivo semelhante ao

constante do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, o qual foi fruto de

emenda parlamentar durante a tramitação do referido projeto. O pedido de

restituição estava previsto nos art. 137 e 138, que tinham a seguinte redação:

Art. 137. O terceiro que for atingido pela arrecadação pode reaver o bem arrecadado, reivindicando-o, no juízo da falência, até dez dias após a publicação do edital de venda. § 1º. O embargante instruirá a petição com o título de seu direito real, prova do contrato em que se fundamenta o pedido e rol de testemunhas. §2º. Ouvidos o falido e o síndico, no prazo comum de cinco dias, o juiz proferirá decisão, em cinco dias ou, se houver necessidade de produção de prova, designará audiência de instrução e julgamento, observado o disposto no §3º e seguintes do art. 38. Art. 138. Se o bem tiver sido alienado pelo síndico, o reivindicante haverá o preço recebido pela massa e, em caso de perecimento, o valor estimado, sem prejuízo, em qualquer hipótese, dos rateios anteriores.

663

Os art. 163, 175 e 176 tratavam do privilégio do crédito trabalhista da

seguinte forma:

661

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas: (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 662

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 663

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012.

Page 185: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

183

Art. 163. Os créditos derivados das relações de trabalho e as indenizações trabalhistas gozam de preferência sobre todos os outros créditos.

664

[...] Art. 175. Os créditos trabalhistas serão pagos logo que haja recursos disponíveis ou que sejam obtidos com o produto dos bens objeto de privilégio. Art. 176. As importâncias obtidas com a realização do ativo serão distribuídas na seguinte ordem: I – pagamento das despesas, inclusive quantias adiantadas ao síndico, e dívidas contraídas para a administração da falência ou a continuação autorizada do negócio do falido; II – pagamento dos créditos admitidos com direito real de garantia ou privilégio sobre as coisas vendidas, segundo a graduação das respectivas preferências; III – pagamento dos créditos quirografários, na proporção da importância pela qual cada um foi admitido, inclusive os mencionados no inciso anterior, se a garantia não tiver sido realizada ou o preço não bastou para o pagamento do total da dívida. Parágrafo único. Caberá ao juiz estabelecer a graduação dos créditos mencionados no inciso II.

665

Durante os doze anos de tramitação do PL nº. 4.376, de 1994, foram

apresentadas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal666, diversas

emendas parlamentares e substitutivos que culminaram na Lei nº. 11.101/2005,

na redação como a conhecemos. O art. 86, parágrafo único, e o art. 151, foram

inseridos no projeto original sem que houvesse qualquer parecer contrário das

Comissões de Constituição e Justiça das respectivas Casas Legislativas

(Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania – CCJC, na Câmara dos

664

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 665

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 666

De acordo com a informação disponível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, foram apresentadas, em torno de 484 (quatrocentos e oitenta e quatro) emendas parlamentares nesta Casa Legislativa, incluindo-se os substitutivos, e 1 (um) substitutivo no Senado Federal. (Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20846>. Acessado em 13 ago. 2012).

Page 186: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

184

Deputados, e Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, no

Senado Federal).667

Passando à análise específica da validade da regra constante do art. 86,

parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, cumpre ressaltar, conforme já

mencionado, que Lima668 defende, veementemente, que a interpretação mais

correta para os art. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 da mesma lei é aquela que

concede precedência absoluta ao terceiro proprietário com direito à restituição,

seja ela pelo bem especificado ou pelo seu equivalente em dinheiro. Para

ele669, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 não pode ser

interpretado literalmente sob pena de grave violação ao art. 5º, XXII, da

CRFB/1988.

Afirma esse autor670 que o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 comporta

duas interpretações, sendo uma delas literal e isolada no sistema normativo no

qual está inserido e a outra sistêmica.

De acordo com a primeira, os recursos disponíveis em caixa devem ser

utilizados para pagar os créditos trabalhistas de natureza salarial vencidos nos

três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários

mínimos por trabalhador, pouco importando que não reste dinheiro suficiente

para a implementação das restituições fundadas no direito de propriedade (art.

85, caput) ou para o pagamento dos créditos extraconcursais (art. 84).671

Segundo Lima672, essa não é a interpretação mais adequada.

Por outro lado, a segunda exegese nos conduz a um caminho diferente

que, para Lima673, é mais consentâneo com o atual sistema falimentar e a

CRFB/988. Nesse caso, o cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 somente deve ocorrer quando houver ―disponibilidade em

667

Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20846>. Acessado em 13 ago. 2012. 668

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 669

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 670

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 671

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 672

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 673

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 187: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

185

caixa‖674. E considera-se ―disponibilidade em caixa‖675 os recursos que

restaram depois da realização das restituições em dinheiro fundadas no direito

de propriedade e da reserva de recursos para pagamento dos créditos

extraconcursais (art. 84) indispensáveis à continuação provisória das atividades

do falido (art. 150).676 Nas palavras desse doutrinador,

A interpretação sistêmica deve prevalecer, porque: (a) concilia os diversos dispositivos da Lei de Falências (arts. 149, 150, 151, 85, 84 e 83); (b) impede que a antecipação de pagamento dos créditos trabalhistas comprometa a implementação das restituições fundadas em direito real de propriedade (art. 85, caput); e (c) propicia que o pagamento das despesas extraconcursais, indispensáveis ao desenvolvimento do processo falimentar, anteceda o adiantamento aos credores trabalhistas.

677

Lima678 afirma que o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005

deve ser interpretado de forma diferente conforme seja a restituição fundada no

direito de propriedade ou ―decorrente de equiparação legal‖679, pois referido

comando normativo somente se refere àquelas hipóteses de restituição

previstas no art. 86, II e III, da Lei nº. 11.101/2005, não abrangendo aquelas

previstas nos art. 85 e 86, I, da mesma lei. Raciocínio diverso implicaria grave

vício de inconstitucionalidade do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005 por violação ao direito/garantia fundamental de propriedade

previsto no art. 5º, XXII, da CRFB/1988.680 Nas palavras do autor,

... a antecipação aos credores trabalhistas somente pode ocorrer depois de implementadas as restituições fundadas em direito real de propriedade (art. 85, caput). Todavia, pode anteceder aquelas por

674

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 675

BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 676

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 677

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 678

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 679

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 680

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.

Page 188: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

186

equiparação legal (incisos II e III do art. 86), conforme dispõe o parágrafo único do art. 86.

681

Assim, às hipóteses de restituição em dinheiro por ―equiparação

legal‖682, fundadas em direito obrigacional, aplica-se a regra prevista no

parágrafo único do art. 86, sendo implementadas somente após o pagamento

prioritário de que trata o art. 151. Por outro lado, as restituições em dinheiro

fundadas no direito de propriedade (art. 86, I) terão prioridade absoluta e serão

realizadas antes mesmo do cumprimento do disposto no art. 151. Segundo

Lima, ―Entender de outra forma seria sustentar a preterição do direito real de

proprietários (art. 85, caput) em favor de direitos obrigacionais de credores (art.

83, I), em evidente afronta ao art. 5º da Constituição da República.‖683

Ainda de acordo com esse autor684, não haveria inconstitucionalidade se

o legislador estabelecesse que a restituição de que trata o art. 85, parágrafo

único, da Lei nº. 11.101/2005 (mercadoria vendida a crédito e entregue nos

quinze dias anteriores à decretação da falência) somente fosse implementada

após o cumprimento do disposto no art. 151. Isso porque, essa hipótese de

restituição não se funda no direito de propriedade e sim em direito obrigacional

que, em virtude da boa-fé do terceiro vendedor, recebe da lei essa prerrogativa.

Contudo, afirma Lima685 que essa espécie de restituição não está incluída entre

aquelas atingidas pelo comando normativo contido no art. 86, parágrafo único,

da Lei nº. 11.101/2005, sendo, portanto, realizada também antes do

pagamento dos créditos tratados no art. 151.

Souza Junior686, em obra sob sua coordenação e de Antônio Sérgio A.

de Moraes Pitombo, entende que a quantia a que se refere o art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 representa uma antecipação do pagamento do valor que cabe aos

681

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.018. 682

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 683

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 684

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 685

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 686

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.

Page 189: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

187

credores trabalhistas concursais. Trata-se, para esse autor687, de uma

antecipação de pagamento que somente poderá ser realizada se o

administrador judicial verificar a existência de recursos suficientes em caixa

para implementar as restituições em dinheiro e pagar os créditos

extraconcursais. Atitude diversa ensejaria a responsabilização civil do

administrador judicial pelos prejuízos causados em razão da indevida inversão

na ordem de pagamento.688 Dessa forma, para ele689, não há que se falar em

um ―superprivilégio‖ 690 trabalhista.

Nas palavras de Souza Junior,

O simples fato de determinar-se o pagamento das restituições após a satisfação do quanto previsto no art. 151 não autoriza a conclusão de que teria sido alterada a classificação dos créditos concursais trabalhistas, expressamente consignada no art. 83. Da mesma forma, o art. 149 simplesmente não faz qualquer menção às despesas previstas no art. 151, quando esclarece a ordem dos pagamentos na falência. A preferência a que se refere o art. 86, parágrafo único, só se dá ―se‖ e ―quando‖ houver garantia da sobra de recursos para pagamento dos credores concursais, e na exata medida dessa sobra. E lembre-se que as restituições em dinheiro se dão em algum momento após a decretação da falência e antes do pagamento dos credores. O art. 151 determina, assim, que, em havendo certeza da suficiência de recursos para pagamento de todos os credores extraconcursais (indispensáveis à solução da falência) e restituições em dinheiro, deverão ser antecipados os pagamentos dos créditos trabalhistas privilegiados, até o montante de 5 salários mínimos por trabalhador, a quem sejam devidas verbas estritamente salariais vencidas nos três meses anteriores à decretação da falência. Neste caso, e somente nele, as restituições em dinheiro só poderão ocorrer após antecipados os valores devidos, em virtude do previsto no art. 151.

691

Isso ocorre porque, segundo entendimento desse mesmo doutrinador692,

as restituições devidas na falência, sejam elas realizadas pelo bem

individualizado ou em dinheiro, têm precedência sobre o pagamento de

qualquer crédito, seja ele concursal ou extraconcursal, uma vez que o terceiro

687

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 688

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 689

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 690

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 511. 691

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512. 692

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.

Page 190: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

188

com direito à restituição não é credor da massa falida e não se sujeita à ordem

de pagamento prevista nos art. 83 e 84 da Lei nº. 11.101/2005.

Para Souza Junior693, a antecipação de pagamento prevista no art. 151

da Lei 11.101/205 visa a proporcionar o pagamento dos salários dos

empregados em atraso devido ao caráter alimentar do mesmo. Por isso,

havendo dinheiro suficiente em caixa para reserva de recursos para

implementação das restituições em dinheiro e pagamento dos créditos

extraconcursais, que têm prioridade aos créditos trabalhistas concursais, estes

últimos poderão ser parcialmente antecipados.694

Nas palavras de Souza Junior, ―o pagamento a que se refere o art. 151

pressupõe a verificação de dois requisitos: (a) a existência de recursos

disponíveis em caixa; e (b) certeza de que o montante da massa será suficiente

para pagar todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro‖. 695

Para ele, consideram-se recursos disponíveis em caixa aqueles que,

―com segurança, puder o administrador judicial concluir que não serão

necessários ao pagamento de despesas extraconcursais, especialmente

aquelas que requerem pagamento imediato, nos termos do art. 150‖.696

Diante do quadro acima apresentado, percebe-se a existência de

divergência doutrinária sobre o tema da restituição em dinheiro decorrente do

direito de propriedade e do pagamento prioritário dos créditos trabalhistas a

que se refere o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

Os doutrinadores do Direito do Trabalho que se manifestam sobre o art.

151 consideram positiva essa modificação do instituto da restituição na

falência, em relação ao sistema normativo vigente à época do Decreto-lei nº.

7.661/1945. Porém não se manifestam sobre a validade do art. 86, parágrafo

único, da Lei nº. 11.101/2005.

A maioria dos autores contemporâneos, da doutrina do Direito

Empresarial, citados apenas ensina a regra contida no art. 86, parágrafo único,

e art. 151 sem se manifestar sobre eventual invalidade daquele dispositivo.

693

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 694

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 695

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512. 696

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512.

Page 191: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

189

No entanto, existe um entendimento minoritário (ao qual nos filiamos)

capitaneado por Lima697 e Souza Junior698 que defendem a realização de uma

interpretação que compatibilize o art. 86, parágrafo único, e o art. 151 da Lei nº.

11.101/2005 com a CRFB/1988 a fim de preservar o direito/garantia

fundamental de propriedade dos terceiros que têm direito à restituição em

dinheiro. Este posicionamento nos parece mais adequado uma vez que

promove uma interpretação sistemática dos art. 149, 150, 151, 83, 84, 85 e 86

da Lei nº. 11.101/2005 (em substituição a uma exegese isolada do art. 86,

parágrafo único, e art. 151), passando pelo filtro da CRFB/1988, em especial,

dos direitos e garantias fundamentais nela previstos.

697

LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 698

SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.

Page 192: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

190

7 CONCLUSÃO

A falência é, ao mesmo tempo, um instituto de direito material e de

direito processual.

No aspecto processual, a falência é um procedimento executivo

concursal, regido pelos princípios da universalidade, unidade e indivisibilidade

do juízo. Os credores do falido habilitam seus créditos e concorrem, em regra,

em igualdade de condições na partilha da garantia comum representada pelos

bens que integram o patrimônio do devedor, ressalvados os bens

absolutamente impenhoráveis (Lei nº. 8.009/1990 e art. 649 do CPC).

Essa regra, no entanto, sofre exceções, pois a própria lei estabelece

uma ordem de preferência para a realização desses pagamentos. Tratam-se

dos privilégios legais, previstos nas diversas legislações brasileiras que

trataram da quebra699 e constantes dos art. 83 e 84 da Lei nº. 11.101/2005.

A princípio, os credores trabalhistas não tinham preferência no

pagamento de seus créditos, sendo classificados como quirografários.

Com a aprovação da CLT, em 1943, eles passaram a ter privilégio geral

no pagamento da totalidade de seus salários e sobre o valor correspondente a

um terço das indenizações a que tivessem direito, ficando os dois terços

restantes na classe dos créditos quirografários (art. 449, §1º, da CLT).

Posteriormente, em 1960, a Lei nº. 3.726/1960 modificou o art. 102 do

Decreto-lei nº 7.661/45 conferindo aos créditos trabalhistas a prioridade

absoluta no seu pagamento em relação à totalidade dos salários e das

indenizações devidas. Essa regra, porém, ficou suspensa entre os anos de

1967 (com a publicação do Decreto-lei nº. 192/1967) até 1977 (com a edição

Lei nº. 6.449/1977), pois o Decreto-lei nº. 192/1967 conceituou o termo

―indenização trabalhista‖ como o valor correspondente a um terço das

indenizações devidas em virtude da legislação do trabalho. Esse decreto-lei,

posteriormente, foi revogado pela Lei nº. 6.449/1977, que modificou a redação

do §1º do art. 449 da CLT para estabelecer que as ―indenizações trabalhistas‖

constituem crédito privilegiado na falência do empregador pela sua totalidade.

699

Art. 873 a 879 e art. 880 a 892 do Código Comercial de 1850; art. 67 a 70 do Decreto nº. 917/1890; art. 75 a 79 da Lei nº. 859/1902; art. 91 a 99 da Lei nº. 2.024/1908; art. 91 a 99 do Decreto nº. 5.746/1929 e art. 102 e 124 do Decreto-lei nº. 7.661/1945.

Page 193: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

191

A partir de então, o crédito trabalhista voltou a ter o privilégio absoluto na

execução concursal da falência, conforme previsto no art. 102 do Decreto-lei

nº. 7.661/1945, com a redação dada pela Lei nº. 3.726/1960, pois era

integralmente pago antes de qualquer outro crédito, inclusive daqueles

decorrentes dos encargos e dívidas da massa (art. 124 da mesma lei).

A Lei nº. 11.101/2005, no entanto, estabeleceu uma nova distribuição

para o pagamento dos créditos na falência que, sem retirar o privilégio do

crédito trabalhista sobre os demais, dividiu-o em quatro classes distintas.

A primeira delas é aquela prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005,

que prescreve o pagamento dos créditos trabalhistas de natureza salarial

vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, limitados a cinco

salários mínimos por trabalhador. Trata-se de um adiantamento dos valores

devidos em virtude da classificação dos créditos concursais previstos no art.

83, I, da mesma lei, e cuja prioridade se destina, precipuamente, ao pagamento

dos salários dos empregados em atraso.

A segunda classe é a dos créditos trabalhistas extraconcursais, previstos

no art. 84, I, da Lei nº. 11.101/2005, relativos aos créditos trabalhistas

(independentemente da natureza) e às indenizações decorrentes de acidente

do trabalho ocorridas no período compreendido entre a decretação da falência

e a efetiva liquidação do passivo.

A terceira classe refere-se aos créditos trabalhistas concursais (art. 83, I,

da Lei nº. 11.101/2005), que possuem preferência no pagamento das

indenizações por acidentes de trabalho e dos créditos trabalhistas limitados a

cento e cinquenta salários mínimos por credor. Os valores eventualmente

excedentes à referida quantia são classificados como créditos quirografários

(art. 83, VI) e inscritos na respectiva classe (quarta classificação dos créditos

trabalhistas).

Percebe-se, dessa forma, que não há mais que se falar em

―superprivilégio‖ trabalhista pela totalidade dos valores devidos haja vista a

existência das mencionadas quatro subclassificações dessa espécie de credor.

Os credores admitidos na falência, sejam os credores do falido (créditos

concursais) ou da massa falida (créditos extraconcursais), somente poderão

ser pagos com o produto apurado com a alienação dos bens de propriedade do

devedor arrecadados pelo administrador judicial quando da decretação da

Page 194: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

192

falência. É evidente que bens de propriedade de terceiros não poderão ser

usados para pagar esses créditos sem a anuência do respectivo titular. Se

assim não o fosse, estaríamos diante de esbulho possessório e flagrante

violação ao direito/garantia fundamental de propriedade (art. 5º, XXII, da

CRFB/1988).

Por essa razão, foi criado o instituto da restituição na falência, chamado

pelo Código Comercial de 1850, pelo Decreto nº. 917/1890, pela Lei nº.

859/1902, pela Lei nº. 2.024/1908 e pelo Decreto nº. 5.746/1929 de

reivindicação, e de restituição pelo Decreto-lei nº. 7.661/1945 e pela Lei nº.

11.101/2005.

O pedido de restituição (ou ação de restituição) é a demanda judicial de

rito ordinário, incidental ao processo falimentar, cabível para possibilitar ao

legítimo proprietário de um bem indevidamente arrecadado na falência do

devedor reaver a posse sobre o mesmo. Trata-se, portanto, de uma ação de

natureza eminentemente possessória, porém especial em relação àquelas

previstas nos art. 920 a 933 do CPC.

Em regra, as restituições são implementadas para entrega do próprio

bem in natura que tenha sido indevidamente arrecadado na falência (art. 85,

caput, da Lei 11.101/2005). No entanto, se o bem objeto do pedido não mais

existir, esse direito será satisfeito pela entrega do dinheiro apurado na

alienação do mesmo, caso esta seja feita pela massa falida, ou pelo valor da

sua avaliação, caso tenha ele perecido em poder da massa (art. 86, I, da Lei

nº. 11.101/2005).

Existem dois tipos de ação restituitória: a ordinária e a extraordinária.

Ambas são iguais em relação ao rito processual aplicável, diferindo-se apenas

quanto ao fundamento.

Enquanto a restituição ordinária é fundada no direito de propriedade (art.

85, caput, da Lei nº. 11.101/2005), a restituição extraordinária tem fundamento

na boa-fé do vendedor que aliena mercadoria a crédito ao devedor,

desconhecendo o estado de ruína econômica deste (art. 85, parágrafo único,

da Lei nº. 11.101/2005). Nesse caso, a lei presume a má-fé do devedor em

realizar negócio jurídico a crédito omitindo o seu estado de insolvência.

Esta última espécie de restituição tem, porém, restrições: que a

mercadoria tenha sido entregue ao devedor nos quinze dias anteriores à

Page 195: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

193

decretação da falência e que não tenha sido alienada pelo falido a terceiros de

boa-fé. Nessa situação, deverá o vendedor contratante habilitar o seu crédito

na respectiva classe e concorrer com os demais credores do falido no rateio

dos bens que integram o patrimônio do devedor.

Existem também hipóteses de cabimento da ação restituitória baseadas

em negócios jurídicos que implicam a transferência da posse de um bem do

seu proprietário ao devedor falido (a exemplo do contrato de mandato mercantil

e comissão mercantil, o depósito, a administração de coisa alheia, o contrato

estimatório, os contratos de alienação fiduciária em garantia e de compra e

venda com reserva de domínio).

Há, ainda, hipóteses de restituição fundadas em disposição legal ou

regulamentar, como o contrato sobre adiantamento de câmbio (art. 86, I, da Lei

nº. 11.101/2005 e art. 75 da Lei nº. 4.728/65), o patrimônio de afetação (art.

119, IX, da Lei nº. 11.101/2005 e art. 31-A a 31-F da Lei nº. 4.591/64), o

contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/74 e Resolução nº. 2.309/96

do BACEN), a restituição de contribuições previdenciárias descontadas dos

salários dos empregados e não recolhidas à União (art. 51, parágrafo único, da

Lei nº. 8.212/91) e a restituição dos valores entregues ao falido, pelo

contratante de boa-fé, e cujo negócio jurídico tenha sido anulado ou revogado,

nos termos do art. 136 da Lei 11.101/2005, caso tenha havido enriquecimento

indevido da massa falida (art. 86, III, da Lei nº. 11.101/2005).

As legislações anteriores que tratavam da quebra estabeleciam que as

restituições seriam implementadas antes do pagamento de qualquer credor na

falência, inclusive dos trabalhistas, pois o terceiro que tem esse direito não é

credor e sim proprietário e não se sujeitaria ao concurso de credores. Pagar

credores antes da realização das restituições em dinheiro devidas ao

proprietário equivaleria saldar dívidas de uma pessoa com dinheiro de terceiro,

sem a autorização deste.

Porém, a Lei nº. 11.101/2005 prescreve, no art. 86, parágrafo único, que

as restituições em dinheiro somente serão realizadas depois do cumprimento

do disposto no art. 151 da mesma lei, ou seja, depois do pagamento dos

créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses

anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por

trabalhador.

Page 196: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

194

No entanto, a própria Lei nº. 11.101/2005 traz uma contradição ao

estabelecer, no art. 149, que os créditos concursais somente serão pagos

depois da implementação das restituições, sem especificar se in natura ou em

dinheiro, e do pagamento dos créditos extraconcursais respectivamente.

Assim, temos o art. 86, parágrafo único, que determina que as

restituições em dinheiro somente serão realizadas depois do cumprimento do

disposto no art. 151 e a norma do art. 149 que estabelece que as restituições

são as primeiras a serem satisfeitas na falência, antes mesmo do pagamento

dos créditos extraconcursais, das quantias indispensáveis à administração da

falência e à continuação provisória da atividade empresarial.

Vimos que, diferentemente das normas-princípios, duas normas-regras

contraditórias não podem permanecer, ao mesmo tempo, válidas no

ordenamento jurídico, pois uma exclui a aplicação da outra, salvo se houver

uma cláusula de exceção em alguma delas.

Assim, num conflito entre normas-regras contraditórias, é possível que

uma ou nenhuma delas seja válida, mas ambas não poderão ser assim

consideradas, salvo se uma delas trouxer algum dado que excepcione a

incidência da outra. E, para aferirmos a validade de qualquer norma do

ordenamento jurídico brasileiro, especialmente para estabelecer qual das

regras em conflito deverá permanecer no sistema normativo, devemos analisar

a consonância delas com a CRFB/1988, porque este é o fundamento de

validade das normas no Brasil.

Também é possível que, diante da análise da constitucionalidade de

uma norma, o órgão do Poder Judiciário deixe de pronunciar a sua invalidade

visando a preservar outro direito fundamental ou princípio constitucional por ela

abrangido numa verdadeira ponderação de interesses. Porém, isso somente

será possível quando uma norma produzir reflexos sobre mais de um valor

jurídico inserido no seu âmbito de proteção e for impossível ao julgador dar

concretude a todos eles ao mesmo tempo. Nesse caso, estaríamos diante de

uma flexibilização de princípios ou de direitos fundamentais.

A relativização de direitos fundamentais é medida excepcional que

somente deverá ser realizada quando dois princípios constitucionais,

igualmente importantes, entram em conflito real num determinado caso

concreto. Os conflitos meramente aparentes entre princípios ou direitos

Page 197: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

195

fundamentais não autorizam a aplicação da técnica da ponderação. Isso

porque, os direitos fundamentais são indispensáveis ao desenvolvimento do

princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que protegem o

indivíduo, em diversos aspectos, e a sua flexibilização indiscriminada implicaria

a própria vulneração deste metaprincípio.

A CRFB/1988 e algumas leis podem estabelecer limites ao exercício de

determinados direitos fundamentais a fim de proporcionar uma melhor

convivência social e desenvolver outros princípios fundamentais, a exemplo da

conformação do direito/garantia fundamental de propriedade ao cumprimento

da sua função social. Mas isso também é excepcional e só ocorre quando o

Poder Público deseja coibir o exercício abusivo de um direito.

Nesse sentido, diante da contradição apresentada na Lei nº.

11.101/2005, temos, por um lado, o art. 86, parágrafo único, que viola o

direito/garantia fundamental de propriedade do terceiro que tem seu bem

indevidamente arrecadado na falência ao prescrever que em caso de perda ou

alienação do mesmo pela massa falida o seu direito somente será satisfeito

depois do pagamento dos créditos trabalhistas de natureza salarial vencidos

nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco

salários mínimos por trabalhador (art. 151). E, por outro lado, o mesmo

dispositivo protege os trabalhadores, pois proporciona um pagamento parcial

antecipado dos respectivos créditos a fim de saldar as dívidas decorrentes de

possíveis salários em atraso.

Há quem defenda ser salutar mencionada regra, pois protege a

dignidade dos trabalhadores na medida em que possibilita o pagamento de

valores emergenciais de uma parte da remuneração do trabalhador que tem

caráter alimentar.

Outros, porém, argúem a inconstitucionalidade do art. 86, parágrafo

único, da Lei nº. 11.101/2005 (segundo uma interpretação literal), quando se

estabelece a preferência de créditos trabalhistas sobre o direito do proprietário

de obter a restituição em dinheiro, pois este não é credor e não pode ser

preterido em benefício de um credor, por mais privilegiado que seja.

Entendemos que não há como defender a validade do art. 86, parágrafo

único, da Lei nº. 11.101/2005 (segundo a sua interpretação literal), mesmo que

em razão de uma pretensa ponderação de interesses entre o direito/garantia

Page 198: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

196

fundamental de propriedade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Isso

porque, a norma contida no art. 149 da Lei nº. 11.101/2005, ao determinar a

precedência das restituições (sem especificar se seriam realizadas em dinheiro

ou não), não viola qualquer direito fundamental dos empregados, muito menos

o princípio da dignidade humana. Pelo contrário, essa norma apenas respeita o

direito/garantia fundamental de propriedade daquele que não é credor da

massa falida e, por isso, não pode responder pelos débitos desta.

Em outros termos: não há que se falar em violação à dignidade do

trabalhador de uma norma que determina que os proprietários não credores,

com direito à restituição em dinheiro, receberão a expressão econômica do

bem que integra o próprio patrimônio antes do pagamento dos salários em

atraso dos empregados, tal como já ocorria no Decreto-lei nº. 7.661/1945 e nas

legislações anteriores.

Não se trata de uma real colisão entre direitos fundamentais, pois a

dignidade da pessoa humana não está inserida no âmbito de incidência do art.

149 da Lei nº. 11.101/2005, não sendo sequer tocada por esta norma. Quando

muito, se poderia falar em uma colisão aparente; o que, na verdade, não é

considerado conflito que autorize a aplicação da técnica da ponderação.

Porém, o direito/garantia fundamental de propriedade encontra-se

inserido no âmbito de incidência do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005 quando esse dispositivo estabelece que a restituição em dinheiro

ao proprietário do bem indevidamente arrecadado na falência será preterida em

prol do pagamento de parcela dos valores devidos aos credores trabalhistas.

Ressalte-se, ainda, que, conforme decidido pelo STF no julgamento da

ADI nº. 3.934-2700, não existe o direito fundamental dos empregados de

receber seus créditos prioritariamente na falência de seu empregador, pois a

CRFB/1988 não disciplina a matéria relativa ao privilégio legal dos empregados

na execução concursal. Trata-se de questão afeta à legislação

infraconstitucional. Por isso, não há inconstitucionalidade, segundo o próprio

STF, em lei que disponha de modo diverso sobre o privilégio do crédito

trabalhista na falência.

700

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009.

Page 199: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

197

Isso reforça ainda mais nosso entendimento de que o art. 86, parágrafo

único, da Lei nº. 11.101/2005, quando se refere à restituição em dinheiro

decorrente do direito de propriedade (art. 86, I), é inconstitucional. Esse

dispositivo restringe indevidamente um direito fundamental previsto na

CRFB/1988 em prol da implementação de um direito não previsto na

CRFB/1988 (o privilégio do crédito trabalhista na falência).

Ressalte-se, ainda, que a propriedade privada, em países capitalistas,

tem aptidão para gerar riqueza e proporcionar o exercício de um trabalho ou

profissão. Além disso, é meio para o desenvolvimento da própria dignidade do

seu proprietário, na medida em que o protege e garante um mínimo de

patrimônio para participar da vida social dignamente.

Trata-se, igualmente, de um direito fundamental que deve ser observado

pelo Estado e pelos indivíduos. Não se pode permitir interpretações extensivas

de exceções. Isso legitimaria o desrespeito aos diversos direitos e garantias

fundamentais dos indivíduos conforme os interesses envolvidos na discussão,

pois sempre haverá uma justificativa alegadamente nobre para se relativizar

algum princípio constitucional em prol de outro, até se chegar ao ponto em que

nenhum deles seja plenamente respeitado.

Além disso, admitir a plena validade do art. 86, parágrafo único, da Lei

nº. 11.101/2005 equivaleria a permitir o pagamento de dívidas de uma pessoa

com bens de outra que nem sequer participou do negócio jurídico originário.

Seria como se uma pessoa fosse constituída garantidora hipotecaria ou

pignoratícia de um débito que não fosse seu, sem a sua anuência e, pior, que

essa garantia fosse excutida sem a prévia notificação do proprietário.

A situação fica ainda mais complicada se a massa falida não tiver ativo

suficiente para realizar o pagamento de todos os empregados na forma do art.

151 e realizar todas as restituições em dinheiro. Nessa hipótese, haveria

verdadeira expropriação de bem de terceiro para pagamento de dívida da

massa falida sem a correspondente e justa indenização em dinheiro.

Diante de tudo o que foi exposto, nossa proposta é que seja introduzia,

por meio de lei, uma cláusula de exceção no art. 86, parágrafo único, da Lei

11.101/2005 para ressalvar que a restituição em dinheiro aos proprietários de

bens indevidamente arrecadados em processos de falência seja feita

Page 200: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

198

juntamente com a restituição dos bens in natura e antes do cumprimento do

comando normativo contido no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.

No entanto, isso dependeria da apresentação de projeto de lei no

Congresso Nacional e sua regular tramitação. Contudo, como sabemos que o

processo legislativo brasileiro é moroso, é provável que uma norma com

conteúdo semelhante, ainda que seja objeto de uma proposição legislativa,

demore a ser promulgada.

Para resolver esse problema, propomos, ainda, que seja dada uma

interpretação conforme a constituição pelos órgãos do Poder Judiciário para

adequar o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 ao art. 149 da

mesma Lei e ao art. 5º, XXII, da CRFB/1988.

Dessa forma, diante de um caso concreto posto sob apreciação, o juiz

somente permitiria que o administrador cumprisse o disposto no art. 151 da Lei

nº. 11.101/2005 depois da reserva de importância suficiente para a integral

satisfação das restituições em dinheiro, especialmente aquelas decorrentes do

direito de propriedade (art. 86, I, da Lei nº. 11.101/2005). Se, porém, a massa

falida não tiver recursos suficientes para realizar os pagamentos previstos no

art. 151 e as restituições em dinheiro previstas no art. 86, I, estas deverão ser

implementadas em primeiro lugar, juntamente com as restituições em espécie

previstas no art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, pois elas decorrem do direito de

propriedade.

O fato é que, atualmente, questões como esta não têm chegado aos

tribunais, motivo pelo qual não sabemos a posição do Poder Judiciário

brasileiro sobre o assunto. Nosso entendimento, depois deste estudo, formou-

se contrariamente à interpretação literal do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.

11.101/2005, na medida em que referido comando normativo não pode se

aplicar à hipótese da restituição em dinheiro decorrente do direito de

propriedade (art. 86, I), sob pena de grave vício de inconstitucionalidade.

Page 201: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

199

REFERÊNCIAS

ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda. – LEUD. 1991. ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Balanceamento e Racionalidade. Blackwell Publishing Ltd 2003. 9600 Garsington Road, Oxford OX4 2DQ, UK and 350 Main Street, 021480, USA. Traduzido para fins acadêmicos por Menelick de Carvalho Netto. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Ratio Juris. Vol. 16, n. 2, junho de 2003 (p. 131-40). ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Traducción y estudio introductorio de Carlos Bernal Pulido. 2ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. ALMEIDA, Amador Paes de. Os Direitos Trabalhistas na Falência e Concordata do Empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr. 1998. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.280, de 9 de março de 2005. Divulga o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, contemplando as operações em moeda nacional ou estrangeira realizada entre pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País e pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/2005/pdf/circ_3280_v1_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº 3.568, de 9 de maio de 2008. Dispõe sobre o mercado de câmbio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2008/pdf/res_3568_v7_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito

constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In

BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional.

Page 202: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

200

Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:

Renovar, 2003, p. 1-48.

BATALHA, Wilson de Souza Campos; RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Falências e Concordatas. 3ª ed. São Paulo: LTr. 1999. BIOLCHI, Osvaldo Anicetto; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão (cood.). 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005.

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone Editora Ltda. 2006.

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 21-106. BRASIL. Decreto nº. 917, de 24 de outubro de 1890. Reforma o codigo commercial na parte III. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 13 mar. 2012. BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012. BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 691-759. BRASIL. Decreto-lei nº 192, de 24 de fevereiro de 1967. Fixa o entendimento da expressão "indenizações trabalhistas" nos textos legais que menciona. DOU de 27 fev. 1967. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-192-24-

Page 203: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

201

fevereiro-1967-376010-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 04 jun. 2012. BRASIL. Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Diário de Justiça, 03 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0911.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 778-779. BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 22 ago. 1902. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-859-16-agosto-1902-584407-republicacao-108160-pl.html>. Acessado em 17 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 19 dez. 1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário de Justiça, 21 dez. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965. Regula as atividades dos representantes comerciais autônomos. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 817-820.

Page 204: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

202

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 218-309. BRASIL. Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974. Dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências. DJU 13.09.1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6099.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 902-936. BRASIL. Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. Diário de Justiça, 20 dez. 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7565.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de mar. de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.005-1.006. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. BRASIL. Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004. Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei no 911, de 1o de outubro de 1969, as Leis no 4.591, de 16 de dezembro de 1964, no 4.728, de 14 de julho de 1965, e no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências. Diário de Justiça, 03 ago. 3004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm>. acessado em 28 mar. 2012. BRASIL. Lei nº 11.098, de 13 de janeiro de 2005. Atribui ao Ministério da Previdência Social competências relativas à arrecadação, fiscalização, lançamento e normatização de receitas previdenciárias, autoriza a criação da Secretaria da Receita Previdenciária no âmbito do referido Ministério; altera as Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.480, de 2 de julho de 2002, 10.683, de 28 de maio de 2003; e dá outras providências. Diário de Justiça, 14 jan.

Page 205: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

203

2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11098.htm>. Acessado em 29 mar. 2012. BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. BRASIL. Medida Provisória nº 222, de 4 de outubro de 2004. Atribui ao Ministério da Previdência Social competências relativas à arrecadação, fiscalização, lançamento e normatização de receitas previdenciárias, autoriza a criação da Secretaria da Receita Previdenciária no âmbito do referido Ministério, e dá outras providências. Diário de Justiça, 05 out. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Mpv/222.htm>. Acessado em 29 mar. 2012. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem 1.014/93 – Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Brasília, Diário de Justiça, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: LTr. 2006. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas: (Lei 11.101, de 9-2-2005). 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. Vol. 3. CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. In: Revista dos Tribunais – Edições Especiais: Doutrinas Essenciais, Direito Empresarial. Arnoldo Wald (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. Vol. VI: Recuperação Empresarial e Falência, p. 1.229-1.244. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr. 2006.

Page 206: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

204

Dicionário Online de Português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br>. Acessado em 14 mar. 2012. ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Pós Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-positivismo>. Acessado em 30 jun. 2012. ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012. ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo Jurídico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo_jur%C3%ADdico>. Acessado em 20 jun. 2012. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. 2008. Vol. 1. FASSI, Santiago C.; GEBHARDT, Marcelo. Concursos y quiebras: comentario exegético de la ley 24.522, Jurisprudencia aplicable. 8ª ed. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo DePalma. 2005. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Flávio Quinaud Pedron (colaborador). 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2011. LUIZI, Fernando Fiorezzi de. O Pedido de Restituição na Falência e na Concordata. Artigo eletrônico disponível em: <http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/ffl.pdf>. Acessado em 14 mar. 2012. FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º: o Estatuto da Falência e da Concordata. GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128. HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico.

1ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2006.

Page 207: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

205

JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Rubens Approbato Machado (coord.).

2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2009. LISBOA, Marcos de Barros; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Luiz Fernando Valente de Paiva (coord.). São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil. 2005. MARTIN, Antonio; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Morais Pitombro (coord.). 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica – Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. 2000. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 2ª ed. atualizada por Achilles Bevilaquia e Roberto Carvalho de Mendonça. Livro V: da Fallencia e da Concordata preventiva. Livraria Editora Freitas Bastos. 1934. Vol. VIII. MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível/ Recurso necessário nº 1.0024.05.820840-6/001. Relator: Des. Roney Oliveira. Segunda Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 07 out. 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=13&totalLinhas=13&paginaNumero=13&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012. MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível nº. 1.0672.05.183600-1/001. Relator: Des. Edilson Fernandes. Sexta Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 10 ago. 2010. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=5&totalLinhas=13&paginaNumero=5&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e

Page 208: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

206

tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXVIII. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2007. MOREIRA, Alberto Caminã; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima (coord.). 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. Vol. 3. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 173: Proteção dos Créditos Trabalhistas na Insolvência do Empregador. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/prote%C3%A7%C3%A3o-dos-cr%C3%A9ditos-trabalhistas-na-insolv%C3%AAncia-do-empregador>. Acessado em 13 jun. 2012. PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998. PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 2ª ed. Forense: Rio de janeiro. 2007. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 17ª ed., atualizada por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva. 1998. Vol.1. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº. 70027699057. Relator: Desembargador Leo Lima. Quinta Câmara Cível. DJ 22.05.2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?as_q=&tb=proc>. Acessado em 22 ago. 2012.

Page 209: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

207

ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. Campinas/SP: LZN. 2006. SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2008. SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr. 2006. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Agravo n. 510.416/RJ. Relator: Min. Vasco Della Giustina. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 23 fev. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=11>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 586.522/MG; Relator: Min. Castro Filho. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 13 nov. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=32>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 36. Diário de Justiça, Brasília, 17 dez 1991. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0036.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 133. Diário de Justiça, Brasília, 26 abr. 1995. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0133.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº. 219. Diário de Justiça, Brasília, 25 mar. 1999. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0219.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 307. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 2004. Disponível em:

Page 210: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

208

<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0307.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 90.068/SP. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 1997. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600150036&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 98.109/RS. Relator: Min. Barros Monteiro. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 16 set. 2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600369755&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 501.401/MG. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Segunda Seção Diário de Justiça, Brasília, 03 nov. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=420290&sReg=200201768250&sData=20041103&formato=PDF>. Acessado em 25 out. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 579.490/MA. Relator: Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 17 out. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=cabimento+e+embargos+de+terceiro+e+fal%EAncia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acessado em 26 abr. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 710.658/RJ. Relatora: Min.(a) Nancy Andrighi. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 26 set. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+de+coisa+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 730.824/RS. Relator: Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 21 set. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500370756&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 791.194/RS. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. T3 – Terceira Turma. Diário de

Page 211: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

209

Justiça, Brasília, 05 fev. 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=669879&sReg=200501792380&sData=20070205&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1.183.383/RS. Relator: Min. Luiz Fux. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1009322&sReg=201000362724&sData=20101018&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial. n. 1996/0036975-5. Relator: Min. Barros Monteiro. T4 – Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 16 set. 2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+de+coisa+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=7>. Acessado em 16 mar. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3424. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília. Processo em tramitação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2277278>. Acessado em 31 jul. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2544041>. Acessado em 13 jun. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 193. Diário de Justiça, Brasília, 06 julho 1964. Disponível em: < http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0193.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 417. Diário de Justiça, Brasília, 06, 07 e 08 julho 1964. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0417.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 495. Diário de Justiça, Brasília, 10 dez. 1969. Disponível em:

Page 212: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

210

<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0495.htm>. Acessado em 29 mar. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº. 153.531-8/SC. Relator: Min. Marco Aurélio. Segunda Turma. Diário de Justiça, Brasília, 13 mar. 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211500>. Acessado em 26 jul. 2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 363.889/DF. Relator: Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 16 dez. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28direitos+fundamentais+e+relativiza%E7%E3o%29&base=baseAcordaos>. Acessado em 26 jul. 2012. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007. Vol. I. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed. Forense: Rio de Janeiro. 2008. Vol. II. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Enunciado de Súmula nº 388. Diário de Justiça, Brasília, 20, 22 e 25 abr. 2005. Disponível em: < http://www.dji.com.br/normas_inferiores/enunciado_tst/tst_0361a0390.htm#sumula-388>. Acessado em 28 mar. 2012. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Orientação Jurisprudencial nº 201. Subseção I da Seção de Dissídios Individuais. Diário de Justiça, Brasília, 20 abr. 2005. VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. 4ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Forense. 1999. Vol. I. VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1962. Vol. II. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. III.

Page 213: RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA

211

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. V. VIVANTE, César. Derecho Mercantil. Traducción, prólogo e notas por Francisco Blanco Constans. Tribunal Superior de Justiça del Distrito Federal. Dirección General de Anales de Jurisprudencia y Boletín Judicial. Madrid: La España Moderna. Cuenta Sto. Domingos,16. 2002.