9
24 {Investigação Os principais estudos realizados no contexto da Vela ligeira têm-se centrado em parâmetros fisiológicos e no processo de tomada de decisão. O presente estudo tem como objectivos, identificar os principais factores psicológicos evidenciados pelos velejadores e determinar quais aqueles que permitem predizer o rendi- mento em Vela. Para tal, 43 jovens velejadores (32 rapazes e 11 raparigas) com idades compre- endidas entre os 10 e os 15 anos de idade (M= = 12.86, SD= 1.39) preencheram o Perfil Psico- lógico de Prestação. Os procedimentos estatís- ticos utilizados foram o teste t de Student, e a regressão linear múltipla. Os factores mais evi- denciados pelos velejadores foram a motivação e a autoconfiança. Contudo, revela-se como essencial o controlo do negativismo, na medida em que foi a única variável que distinguiu os melhores velejadores (top-10) dos restantes e foi o factor com menor valor médio. As únicas variáveis psicológicas que permitiram definir o rendimento em Vela ligeira, foram a visualização e a motivação, evidenciando-se a importância destas variáveis na diminuição de erros, definição espacial do campo de regatas, controlo atencional e melhoria auto-referenciada. Palavras-chave: perfil psicológico, Vela, negativi- dade, controlo atencional. Psychological profile and sailing perfor- mance Studies in competitive Sailing have centered their efforts in physiologic parameters and in the decision-making process. The purpose of the present study is to identify the main psycho- logical factors evidenced by sailors and deter- mine which of them better contribute to predict performance in Sailing. Forty three young sailors (32 boys and 11 girls) with ages between 10 and 15 years (M= 12.86, SD= 1.39) completed the Psychological Performance Inventory. The used statistical procedures were the Student’s t test and the multiple linear regression analysis. The psychological factors with the highest scores were motivation and self-confidence. The negativity control was defined as crucial. This variable was the only that distinguished the best sailors (top-10) from the remaining ones and the factor less valued by the sample. The only psychological variables that allowed predicting Sailing performance were visualization and motivation, evidencing the importance of these in the errors decrease, spatial definition of the regattas mark, attention control and self-referenced improvement. Keywords: psychological profile, Sailing, negati- vity, attentional control. Resumo Abstract Data de submissão: Maio 2007 Data de Aceitação: Julho 2007 Perfil psicológico e sua importância no rendimento em vela Hélder M. Fernandes, C. Bombas, João P. Lázaro, J. Vasconcelos-Raposo CIDESDH - Gabinete de Psicologia do Desporto, Exercício & Saúde Fernandes, H.; Bombas, C.; Lázaro, J; Vasconcelos- -Raposo, J.; Perfil psicológico e sua importância no rendimento em vela. Motricidade 3(3): 24-32

Resumo Abstract - SciELO · destas variáveis na diminuição de erros, definição espacial do campo de regatas, controlo atencional e melhoria auto-referenciada. ... confiança,

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24 {Investigação

Os principais estudos realizados no contextoda Vela ligeira têm-se centrado em parâmetrosfisiológicos e no processo de tomada de decisão.O presente estudo tem como objectivos,identificar os principais factores psicológicosevidenciados pelos velejadores e determinarquais aqueles que permitem predizer o rendi-mento em Vela. Para tal, 43 jovens velejadores(32 rapazes e 11 raparigas) com idades compre-endidas entre os 10 e os 15 anos de idade (M= = 12.86, SD= 1.39) preencheram o Perfil Psico-lógico de Prestação. Os procedimentos estatís-ticos utilizados foram o teste t de Student, e aregressão linear múltipla. Os factores mais evi-denciados pelos velejadores foram a motivação e a autoconfiança. Contudo, revela-se comoessencial o controlo do negativismo, na medidaem que foi a única variável que distinguiu osmelhores velejadores (top-10) dos restantes e foio factor com menor valor médio. As únicasvariáveis psicológicas que permitiram definir orendimento em Vela ligeira, foram a visualizaçãoe a motivação, evidenciando-se a importânciadestas variáveis na diminuição de erros, definiçãoespacial do campo de regatas, controlo atencionale melhoria auto-referenciada.

Palavras-chave: perfil psicológico, Vela, negativi-dade, controlo atencional.

Psychological profile and sailing perfor-mance

Studies in competitive Sailing have centeredtheir efforts in physiologic parameters and in thedecision-making process. The purpose of thepresent study is to identify the main psycho-logical factors evidenced by sailors and deter-mine which of them better contribute to predictperformance in Sailing. Forty three young sailors(32 boys and 11 girls) with ages between 10 and15 years (M= 12.86, SD= 1.39) completed thePsychological Performance Inventory. The usedstatistical procedures were the Student’s t testand the multiple linear regression analysis. Thepsychological factors with the highest scores weremotivation and self-confidence. The negativity control wasdefined as crucial. This variable was the only thatdistinguished the best sailors (top-10) from the remainingones and the factor less valued by the sample. The onlypsychological variables that allowed predicting Sailingperformance were visualization and motivation,evidencing the importance of these in the errors decrease,spatial definition of the regattas mark, attention controland self-referenced improvement.

Keywords: psychological profile, Sailing, negati-vity, attentional control.

Resumo Abstract

Data de submissão: Maio 2007 Data de Aceitação: Julho 2007

Perfil psicológico e sua importância no rendimento em velaHélder M. Fernandes, C. Bombas, João P. Lázaro, J. Vasconcelos-Raposo

CIDESDH - Gabinete de Psicologia do Desporto, Exercício & Saúde

Fernandes, H.; Bombas, C.; Lázaro, J; Vasconcelos--Raposo, J.; Perfil psicológico e sua importânciano rendimento em vela. Motricidade 3(3): 24-32

25 {Investigação

IntroduçãoO presente estudo visou identificar alguns

factores psicológicos que contribuem para aobtenção do estado ideal de prestação desportiva(EIPD) em jovens velejadores, tal como definidopor diversos autores6,12,14, surgindo na consecuçãode outros estudos realizados em nadadores4,13.Como afirma Hogg5, o EIPD em que os prati-cantes se revelam prontos para participar nascompetições, é alcançado quando os jovens sesentem completamente preparados e prontospara realizarem as tarefas da sua modalidade deuma forma controlada e consistente. Váriassituações associadas às exigências competitivas edefinição das suas percepções de competênciapodem determinar alterações no EIPD.

Como Pinsach e Corominas8 afirmam, a Velaé um desporto algo peculiar e distinto dos restan-tes. Realiza-se num meio pouco usual (aquático),distante do contacto com o público, em que ascondições envolventes (nomeadamente atmosfé-ricas) são muito inconstantes, sendo uma activi-dade muito rica na quantidade de informaçãofornecida. Tal deriva do facto do velejador exercera sua actividade com base em três comandosessenciais à sua prestação: propulsão, direcção eequilíbrio, sendo que o último constitui umafonte de perturbação emocional importante,primordialmente em atletas inexperientes. Usual-mente, associa-se a velejadores “experts” umaelevada capacidade atencional e de antecipação,facilidade na resolução de problemas e elevadosníveis de autoconfiança na tomada de decisões,bem como, uma constante preocupação na me-lhoria auto-referenciada (orientação motivacionalpara a mestria/tarefa). A prática da Vela tambémrequer uma boa capacidade de visualizaçãoespacial dinâmica. Na situação de regata, o vele-jador realiza estimações constantemente, nabusca de relacionar a sua posição com as bóias(percurso) e com os adversários. Para tal, éfundamental saber detectar a direcção do vento

real e dispor de indicadores fiáveis. A dificuldadeem definir este processo, repercute-se numadiminuição dos níveis de auto-confiança, acom-panhado de insegurança nas manobras e dificul-dades de antecipação (idem).

Igualmente, verifica-se que para os jovensvelejadores existem outras situações passíveis de alterar os seus estados emocionais e psico-lógicos: (i) elevado número de decisões a tomar;(ii) afastamento da zona terrestre, realizando aprova de forma solitária e sem acompanhamentotécnico; (iii) elevado número de focos distraccio-nais, estando a configuração especial do percursosomente delimitada pela direcção do vento e depoucas bóias de sinalização; e, (iv) elevadasexigências atencionais.

Como tal, todas estas situações exigem muitatolerância à frustração (saber lidar com o fra-casso) e auto-controlo emocional em jovenspraticantes, dado que em diversos momentossucedem alterações de posição, o que facilmenteinduz oscilações nos níveis de motivação,autoconfiança e concentração. O instrumento deavaliação que nos propomos utilizar neste estudoquantifica sete variáveis, nomeadamente: auto-confiança, negatividade, atenção/concentração,visualização, motivação, positivismo e atitudecompetitiva. A relevância destas variáveis para aprática da vela é algo que carece fundamentação.A importância da preparação psicológica destesatletas parece-nos inquestionável, uma vez ascondições de “isolamento” em que a competiçãodecorre, a isso obriga. Acreditar nas suas capa-cidades (autoconfiança), manter-se em controloda situação, com ausência de negatividade, estaralerta para todos os indicadores necessário paraa identificação atempada das circunstâncias que devem educar as suas decisões (atenção//concentração), com regularidade, ao logo dacompetição, reafirmar as suas capacidades e/oudeterminação (atitude competitiva) são aspectos

26 {Investigação

essenciais para a manutenção de um estadopsicológico compatível com as exigências im-postas pela competição. O desenvolvimento dascapacidades de visualização são um dos instru-mentos a que os velejadores podem recorrer parareconstruir os contextos em que as suas decisõesforam tomadas e quais as suas consequências,quer no imediato quer no resultado da regata.Face a estes aspectos parece-nos de interesseexplorar a relevância que o Inventário do PerfilPsicológico de Prestação possa ter no contextoda vela, uma vez que já evidenciou validadediscriminativa em outras modalidades e perfis de atletas.

Contudo e tendo em conta os (poucos)estudos realizados no contexto da Vela ligeira,denota-se uma lacuna no conhecimento dosfactores psicológicos revelados pelos atletasdurante a competição (principalmente os maisjovens), pelo que os principais trabalhos cientí-ficos têm-se centrado na tomada de decisão emsituação “laboratorial”1, 2, 3 ou em parâmetrosfisiológicos9.

Deste modo, duas questões orientam oobjectivo do presente estudo: Qual é o perfilpsicológico de prestação dos velejadores, talcomo aferido pelas variáveis em estudo nopresente trabalho? Destas variáveis, quais são asque determinam o rendimento em Vela ligeira?Assim, pretendemos definir as características queos melhores velejadores evidenciam (top-10) econhecer quais dos factores psicológicosintegrantes do EIPD, permitem determinarmelhores classificações desportivas.

Metodologia

Amostra

Quarenta e três jovens velejadores da classeOptimist participaram no estudo, de formavoluntária e anónima. Tinham idades compreen-didas entre os 10 e os 15 anos de idade (M= 12.86;SD= 1.39). Quando diferenciados por género,

Perfil psicológico e sua importância no rendimento em velaHélder M. Fernandes, C. Bombas, João P. Lázaro, J. Vasconcelos-Raposo

32 (74.4%) eram do sexo masculino (M= 12.81;SD= 1.38) e 11 (25.6%) eram do sexo feminino(M= 13.00; SD= 1.48). A amostra engloba atotalidade de alunos participantes no EncontroNacional de Actividades Náuticas, inserido noCampeonato Nacional de Desporto Escolar 2004.Considerando o panorama nacional da moda-lidade, a presente amostra possui uma granderepresentatividade nacional, dado os alunosenvolvidos nesta competição escolar tambémpertenceram (na sua maioria) a clubes federados.

Procedimentos

Aplicou-se o questionário Perfil Psicológicode Prestação desenvolvido por Loehr6 etraduzido para a população portuguesa porVasconcelos-Raposo13. Consiste em 42 itens res-pondidos de acordo com uma escala tipo Likertde 5 pontos (1: quase nunca; 5: quase sempre),agrupados em sete variáveis: auto-confiança,negatividade (negativismo), atenção (concen-tração), visualização, motivação, pensamentospositivos (positivismo) e atitude competitiva.Atletas de elite e com treino mental incorporadona sua preparação, apresentam valores superioresa 26, pelo que atletas com valores inferiores a 26evidencia-se a necessidade de integrar o treino de competências psicológicas nas suas rotinas de treino. O seu preenchimento decorreu noperíodo pré-competitivo, em ambiente calmo e sereno e demorou cerca de quinze minutos,não ocorrendo quaisquer dúvidas quanto à inter-pretação dos itens.

Posteriormente, procedeu-se à recolha da clas-sificação final dos velejadores após seis regatas.Para uma melhor interpretação dos resultados,define-se que para esta variável, valores maisbaixos estão associados a melhores rendimentos(classificações). Todos os dados foram recolhidosde forma anónima, pelo que somente se utilizouo número da vela para posterior atribuição daclassificação aos questionários preenchidos.

27 {Investigação

EstatísticaQuanto aos procedimentos estatísticos, ini-

cialmente procedeu-se a uma inspecção à nor-malidade dos dados, recorrendo aos valores deskewness e kurtosis. Dada a normalidade demons-trada, para a comparação de grupos utilizou-se oteste t de Student para amostras independentes.Por fim, determinaram-se quais as variáveispsicológicas mais determinantes para a classifi-cação obtida, através da regressão linear múltiplamétodo backward (critério de remoção: Fé0.10).Para todos os procedimentos estatísticos foi defi-nido um valor de significância de 5% (* pç0.05;** pç0.01).

ResultadosO quadro 1 apresenta os valores da estatística

descritiva utilizada no que concerne a medidasde tendência central, dispersão, assimetria eachatamento.

Os resultados da análise descritiva indicamque os velejadores evidenciam valores médiosmais elevados para a motivação e autoconfiança.As variáveis com menores valores são os denegatividade e atenção. Para todos os factorespsicológicos verificou-se uma distribuição normal,na medida em que os valores absolutos doscoeficientes de assimetria e achatamento nãoforam superiores a 17.

Autoconfiança

Negatividade

Atenção

Visualização

Motivação

Positivismo

Atitudes competitivas

0.91

- 0.39

- 0.67

- 0.52

- 0.68

- 0.57

- 0.39

kurtosis

0.22

- 0.55

- 0.03

0.33

- 0.34

0.22

- 0.04

Skewness

29

24

26

28

30

29

29

Máximo

18

13

13

16

17

18

16

Mínimo

23.23 ± 2.98

19.70 ± 2.87

20.16 ± 3.48

21.26 ± 3.10

24.60 ± 3.53

22.95 ± 2.65

22.42 ± 3.06

M±SD

Quadro 1: Estatística descriva das variáveis dependentes.

De seguida, analisaram-se as diferenças entreos jovens velejadores classificados nas dez pri-meiras posições (top-10) e os restantes (> top-10)é indicada no quadro 2.

Autoconfiança

Negatividade

Atenção

Visualização

Motivação

Positivismo

Atitudes competitivas

24.40 ± 2.46

21.10 ± 1.45

21.50 ± 2.22

21.33 ± 2.85

26.30 ± 3.30

23.70 ± 2.79

22.60 ± 2.07

top 10M±SD

22.88 ± 3.07

19.27 ± 3.06

19.76 ± 3.71

21.00 ± 4.00

24.09 ± 3.49

22.73 ± 2.60

22.36 ± 3.32

> top 10M±SD

1.43

2.60

1.83

0.29

1.78

1.02

0.21

t

0.16

0.01*

0.08

0.77

0.08

0.31

0.83

p

Quadro 2: Análise comparativa por classificação obtida.

28 {Investigação

Os melhores velejadores apresentaram valoresmédios mais elevados para todas as variáveispsicológicas. Contudo, somente se verificou umadiferença significativa para o factor negatividade(t(32.92) =2.60; p=0.01) (quadro 3).

Perfil psicológico e sua importância no rendimento em velaHélder M. Fernandes, C. Bombas, João P. Lázaro, J. Vasconcelos-Raposo

Por fim, os resultados obtidos a partir daanálise de regressão linear. Todas as variáveispsicológicas foram incorporadas inicialmente no modelo estimado, pelo que o método utili-zado somente definiu como variáveis preditivas,aquelas que melhor se ajustavam ao modelo emaior percentagem de variância explicavam.

Deste modo, o método utilizado demonstrouque os factores visualização e motivação permitemexplicar 21% da variância das classificaçõesobtidas pelos jovens velejadores, sendo por isso,variáveis importantes a considerar na definiçãodo rendimento em Vela ligeira. É interessantedenotar que a totalidade das sete variáveis contri-buem para explicar um total de 29% da variânciadas classificações (rendimento), contudo atravésde um modelo inadequado (F(7)= 2.05; p=0.076).

Modelo 1a

Modelo 1b

Modelo 1c

Modelo 1d

Modelo 1e

Modelo 1f

0.076

0.044*

0.023*

0.013*

0.012*

0.009**

p

2.05

2.44

2.98

3.62

4.15

5.34

F

0.149

0.171

0.191

0.200

0.184

0.171

R2 ajustado

0.291

0.289

0.287

0.276

0.242

0.211

R2

0.539

0.538

0.536

0.525

0.492

0.459

R

Quadro 3: Análise de regressão linear múltipla.

Nota: variáveis preditivas em cada modelo de regressão linear.a atitudes competitivas, visualização, negatividade, pensamentos positivos, autoconfiança, motivação e atenção;b atitudes competitivas, visualização, negatividade, pensamentos positivos, autoconfiança e motivação;c atitudes competitivas, visualização, pensamentos positivos, autoconfiança e motivação;d atitudes competitivas, visualização, autoconfiança e motivação;e visualização, autoconfiança e motivação;f visualização e motivação.

DiscussãoO contributo da caracterização psicológica

dos atletas e principalmente das dimensões queconstituem o seu perfil psicológico tem-se desen-volvido no contexto nacional12,13. O seu principalâmbito de aplicação tem sido a natação, tendocontudo sido extrapolado para outras moda-lidades desportivas, assumindo-se como umóptimo meio para a definição dos factores queafectam a prestação desportiva e maximizaçãodas capacidades humanas através da implemen-tação de técnicas de treino mental. Deste modoe dada a pouca investigação realizada em Velaligeira quanto à importância dos factores psico-lógicos, o presente estudo pretende ser um con-tributo, para melhorar esta situação, apresen-tando um tipo diferente de estudo na área dapsicologia do desporto no contexto da Vela emgeral, e em particular em atletas jovens.

29 {Investigação

A importância dos factores psicológicos na definição do rendimento desportivo é algoque está sobejamente estudado, pelo que certasreferências atribuem uma importância àdimensão psicológica entre 40 a 90% do sucessodesportivo14. Igualmente é sugerido que quantomaior o nível competitivo, maior importânciaesta dimensão assume6,13. Um dos exemplosmais popularizados na literatura é a afirmaçãodo nadador Mark Spitz, que referiu que 99% do seu sucesso nos Jogos Olímpicos se deveu à preparação mental e não física ou técnica13,14.

Os resultados obtidos no presente estudodemonstram que os elementos desta amostrarevelam valores médios mais elevados quanto àmotivação e autoconfiança, e o negatividade é avariável psicológica com valores mais baixos. Nanossa opinião, esta última situação é problemá-tica, na medida em que persiste como variáveltipificadora do perfil psicológico de prestaçãodos atletas Portugueses, independentemente damodalidade desportiva em questão. Esta cons-tatação existe na literatura da especialidade, vaipara mais de 10 anos. Vasconcelos-Raposo13

afirma que a negatividade está presente em todosos níveis do sistema desportivo nacional e deve--se, em parte, ao facto dos treinadores seremmuito relutantes quanto à utilização do feedbackpositivo. Alguns problemas inerentemente citadostêm sido a falta de conhecimento técnico ecientífico respeitante à intervenção pedagógicaou, ainda, a uma preocupação exacerbada comos resultados da competição, menosprezando aqualidade da prestação. O controlo da negati-vidade, entre outros mecanismos ou estratégias,pode ser alcançado através da reestruturaçãocognitiva, promovendo uma orientação para oprocesso e que toma forma no desenvolvimentoda capacidade de percepcionar situações difíceiscomo desafiadoras, em vez de problemáticas oufrustrantes. Assim, a importância que o treinadorassume, refere-se à delimitação do feedbackfornecido e como este é percebido pelo atleta4.Por outro lado, deve-se proporcionar o controloda negatividade e de dúvida por parte do atleta,

através da substituição de um pensamentonegativo por um positivo, preferencialmente jápercepcionado em competição, numa situaçãode relaxamento muscular12. Considerando aespecificidade da Vela, tal deve decorrer numafase pré-competitiva ou entre regatas, na medidaem que a negatividade interfere na autoconfiançae na capacidade atencional, e consequentementena tomada de decisões. Como tal, na fase depreparação do atleta deverá existir a preocupaçãoem integrar momentos que conduzam o atleta aevocar mentalmente (“mental recall”) situaçõespositivas e gratificantes, associadas a um diálogointerno (“self-talk”) positivo 8 e que seja transfe-rível para o contexto da competição. Os mesmosautores salientam que a negatividade estão muitorelacionados com a atenção estreita-interna, peloque quanto mais o atleta se preocupa com estes,menor controlo haverá sobre o que se sucede no exterior.

Quanto à definição dos factores mais eviden-ciados pelos jovens velejadores com melhorprestação (incluídos no top-10), somente se deno-taram diferenças significativas para a variávelpsicológica negatividade. Sem querer repetiraspectos mencionados anteriormente, convémdestacar que tais pensamentos são fontes deinterferências e distracções que indiciam umaatitude negativa perante a competição. Destemodo, existe uma interferência desta variávelnos processo atencionais e, consequentemente,com o processo de tomada de decisão, namedida em que a informação não é conveniente-mente percepcionada e processada10.

Como referem Pinsach e Corominas8, a Velaé diferente de outras modalidades desportivas, namedida em que é necessário manter e modificara atenção durante muito tempo e considerandodiversos elementos distintos, proporcionando,assim, diversas mudanças de foco atencional.Deste modo, os níveis atencionais dos velejadoresdevem ajustar-se à actividade em si, tendo emconta que na situação de regata recorre-se aosquatro tipos de atenção (como definidos porNideffer) e que a capacidade fundamental será

30 {Investigação

transitar de um tipo atencional para o outro,rapidamente, sem efeitos residuais e controlandoas interferências. Os mesmos autores propõemuma diferenciação psicológica para os veleja-dores de diferentes níveis competitivos, referindoque os melhores velejadores apresentam níveismais elevados de atenção e concentração,reconhecendo e antecipando mais facilmente assituações com que se deparam. Tal é evidenciadonos resultados obtidos no presente estudo, quan-do comparamos atletas englobados no top-10,com os restantes.

O controlo da negatividade proporcionamaiores níveis de concentração, possibilitandouma melhor selecção da informação. Osvelejadores “experts” serão capazes de adquiririnformação vantajosa do movimento dos seusadversários e do envolvimento, para a tomada de decisão e preparação da acção usando ummodelo antecipatório (Loehr, 1986). Como tal, odesenvolvimento do “expertise” nesta modalidadeprocessa-se através da optimização da relaçãovelocidade/precisão na redução do número deacções a desenvolver e no aumento da sua efi-cácia, delimitando-se uma melhor hierarquia deprioridades comportamentais em cada momentode prova e evitando uma sobrecarga informa-cional1. Em suma, pretende-se diminuir a ocor-rência de erros, de modo a reduzir os efeitosnefastos da negatividade associados.

No que concerne às variáveis psicológicasque permitiram predizer a classificação obtida porparte dos jovens velejadores, somente a visua-lização e a motivação integraram o modelo obtido.Como referido anteriormente, este desportorequer uma boa capacidade de visualizaçãoespacial dinâmica. Caso o velejador reveledificuldades na definição da direcção do vento,tal reduzirá os seus níveis de autoconfiança e promoverá negatividade, traduzida em dificul-dades na antecipação e insegurança nas manobrase rondagens de bóias.

Entende-se por visualização, o processo dereviver mentalmente situações conhecidas oudesconhecidas, sem percepção de informação

Perfil psicológico e sua importância no rendimento em velaHélder M. Fernandes, C. Bombas, João P. Lázaro, J. Vasconcelos-Raposo

exterior, seguindo uma sequência fiel à suaexecução real. Na Vela, este factor assume impor-tância na medida em que permite a redução deerros na situação desportiva real. Igualmentepossibilita visualizar situações pouco usuais(inesperadas), o que promove a autoconfiança,na medida em que o velejador desenvolveestratégias alternativas para a resolução dessetipo de problemas8. No estudo realizado porVasconcelos-Raposo13 com atletas de elite portu-gueses constatou-se que a visualização era umadas práticas que mais diferenciava os altletas deelite dos outros de nível menos competitivo.Como refere Loehr6, a visualização é um dosmeios mais eficazes no treino mental. Talpermite aos atletas, exercerem controlo absolutosobre os seus vários subsistemas, especialmenteo esquelético-motor e respectiva integraçãomente-corpo12,13. Do mesmo modo, o desenvolvi-mento deste factor psicológico – visualização –permite uma boa capacidade de configuraçãoespacial do campo de regatas, o que auxilia nadefinição de um plano de prova (e respectivosobjectivos) e sua operacionalização.

A outra variável a contribuir para a definiçãodo rendimento foi a motivação. A sua influênciana prestação desportiva está sobejamente estudada,existindo mesmo autores que assumem como omais importante dos factores psicológicos6.Considerando as diversas situações passíveis deocorrer numa regata, é essencial manter elevadosníveis motivacionais, para além de que neste tipode provas não existe a possibilidade de receberqualquer tipo de incentivos/reforços por partede elementos externos (público, treinador, ...).Deste modo, uma das preocupações centraisdos treinadores no período de formação dejovens velejadores é promover a autonomia e apredominância de atribuições causais internasnos atletas, para que estes definam uma orien-tação motivacional centrada na mestria/tarefa8,11.Deve-se evitar a comparação normativa com osadversários, na medida em que esta informaçãonão permite uma correcta definição da evoluçãodo rendimento. Como tal, em todo este processo,o treinador deve auxiliar na definição de objec-

31 {Investigação

tivos atingíveis e concretos, avaliando a prestaçãodo velejador (processo) e não unicamente o seuresultado (produto). Pinsach e Corominas8

também salientam a importância de considerar aevolução dos velejadores ao longo do tempo, namedida em que a transição para outras classes,pode indiciar uma diminuição dos níveis motiva-cionais, originando o abandono desportivo.

Em suma, o presente estudo salienta a impor-tância de integrar o treino de competênciaspsicológicas nas rotinas de treino de jovensvelejadores. Inicialmente, deve-se promover atomada de consciência por parte do atleta sobrea forma como tende a reagir às várias situaçõescom que se depara antes das competições edurante as mesmas12 possibilitando, assim, adiminuição da ocorrência de negatividade, queinterferem na autoconfiança e controlo atencional.Os factores psicológicos mais demonstradospela amostra foram a autoconfiança e a moti-vação, sendo que estas variáveis são muitoimportantes no auto-controlo emocional. EmVela, este processo assume-se como essencial,

dado as diversas exigências específicas damodalidade quanto à propulsão, equilíbrio edirecção (definição da direcção do vento, manu-tenção do equilíbrio atleta-barco e sucessivasalterações de posição). A visualização e a moti-vação permitiram predizer o rendimento obtidopelos velejadores, evidenciando a importância da visualização na diminuição de erros e nadefinição espacial do campo de regatas e damotivação na definição de uma melhoria auto-referenciada centrada na autonomia. Estudosfuturos deverão centrar-se na delimitação doEIPD em outras classes (laser, star, tornado, ...) ena influência da integração de um treino decompetências psicológicas em velejadores, querde formação, quer de elite.

CorrespondênciaJosé Vasconcelos-RaposoRua Dr. Manuel Cardona5000-558 Vila Real. PortugalE-mail: [email protected]

32 {Investigação

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