Resumo de "Notes on the Post-colonial"

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Resumo do artigo "Notes on the Post-Colonial" de Ella Shohat

Citation preview

  • Resenha de Notes on the Post-colonial, de Ella Shohat !! O termo ps-colonial utilizado hoje com um significado pouco claro, podendo se referir, dentre outras possibilidades, a um campo de estudos, um movimento intelectual, um perodo histrica ou uma condio subjetiva. Um trabalho seminal de investigao e reflexo sobre a polissemia desse termo foi feito por Ella Shohat em 1992, ano em que o ps-colonial estava em processo de consolidao como referencial terico-epistemolgico na academia anglfona. Em Notes on the Post-colonial, a autora argumenta que o termo ps-colonial comporta potenciais desdobramentos que se contrapem s prprias intenes polticas e tericas abrigadas sob essa rubrica. Shohat parte da constatao de como, ao contrrio dos termos termos neocolonialis-mo e imperialismo, o ps-colonial no enfrenta resistncia institucional alguma nos grandes centros de produo acadmica. Ao mesmo tempo, nos movimentos de oposio acadmica ordem poltica no evocavam o ps-colonial no aparece como um conceito. Por que, ento, o status quo prefere essa denominao e o que ele interdita e esmorece no discurso poltico contra a nova ordem mundial e a hegemonia ocidental? A autora levanta como hiptese a possibilidade proporcionada pela prpria impreciso do termo ps-colonial de se abordar o colonialismo como uma experincia histrica j superada. Localizando-o como um fenmeno histrico datado, evita-se discutir as implicaes econmicas, polticas e culturais decor-rentes de formas de colonialismo contemporneas. Evita-se, portanto, uma crtica geopolti-ca do tempo presente e uma reconsiderao mais explcita sobre as relaes de poder vi-gentes no mundo contemporneo. A ambiguidade que, para a autora, central nessa manobra de despolitizao do ps-colonial constituda por uma dupla teleologia marcada por nfases referenciais distintas. Por um lado, o ps de ps-colonial identifica a superao de uma corrente terica antiquada no caso, a dos nacionalismos anti-colonialistas. Por outro, ele se refere ao fim do colonial-ismo enquanto um momento histrico precisamente datado. Melhor explicado nas palavras da prpria autora:

    Echoing post-modernity, post-coloniality marks a contemporary state, situation, condition or epoch. The prefix post, then, aligns post-colonialism with a series of other posts post-structuralism, post-modernism, post-marxism, post-feminism, post-deconstructionism all sharing the notion of a movement beyond. Yet while these posts refer largely to the super-cession outmoded philosophical, aesthetic and political theories, the post-colonial implies both going beyond anti-colonial nationalist theory as well as a movement beyond a specific point in history, that of colonialism and Third World nationalist struggles. In that sense the prefix post aligns the post-colonial with another genre of posts post-war, post-cold war, post-inde-pendence, post-revolution all of which underline a passage into a new period and a closure of a certain historical event or age, officially stamped with dates. Although periodizations and

  • the relationship between theories of an era and the practices which constitute that era always form contested terrains, it seems to me that the two genres of the post are non the less distinct in their referential emphasis, the first on disciplinary advances characteristic of intellectual his-tory, and the latter on the strict chronologies of history tout court. (SHOHAT, 1992, p. 323) !

    Marcado por essa tenso entre uma concepo terica e um momento histrico, o ps-colo-nial acabaria por ter sua preciso comprometida enquanto conceito designador de um movimento acadmico ou poltico, alm de ter implicaes universalizantes, a-histricas e despolitizantes. A partir disso, ela aponta alguns problemas que identifica no uso feito do termo ps-colonial todos relacionados, em algum grau, com a tenso explicitada acima. O primeiro de-les que no fica claro a quem o ps-colonial se refere. possvel afirmar que praticamente o mundo inteiro foi marcado pela experincia do colonialismo, quer no lugar de colonizador, quer no de colonizado. Seguindo essa lgica, h usos, como o de Bill Ashcroft, Gareth Grif-fiths e Helen Tiffin, na introduo da seminal obra The Empire Writes Back: theory and practice in post-colonial literatures, que defendem o uso do termo ps-colonial a contextos to diferentes entre si como os EUA, Sri-Lanka, Nova Zelndia, India, os pases do Caribe, enfim, a todas as ex-colnias. Contrapondo-se a essa concepo, Shohat aponta que a exper-incia da colonizao no marcou s a constituio do ex-colonizado, mas tambm do ex-colonizador e de seus intermedirios. Assim, o ps-colonial poderia marcar a perspectiva e localizao tanto do nativo ex-colonizado, como do europeu ex-colonizador, do ex-colono branco ou ainda dos imigrantes hbridos deslocados nas metrpoles do primeiro mundo. (SHOHAT, 1992, p. 324) Implcito nessa crtica est sendo colocada tambm a necessidade de se considerar as diferenas entre as experincias de colonizao ao redor do mundo. Pas-es como os Estados Unidos, o Peru e o Egito pouco tm em comum alm de terem respondi-do a uma autoridade geograficamente distante em alguma poca de suas histrias. Nas palavras da autora, esse uso proposto do ps-colonial

    equates early independence won by settler-colonial states, in which Europeans formed their new nation-states in non-European territories at the expense of indigenous populations, with that of against Europe, but won it, for the most part, with the twentieth century collapse of Eu-ropean Empires (p. 325)

    Um segundo problema destacado pela autora decorre do conflito entre esse efeito homogenizador do termo ps-colonial e a imensa diversidade histrica a qual se pretende dar conta com seu emprego. Para Shohat, o ps-colonial implica uma temporalidade unifi-cada e ignora que os lugares possuem cronologias distintas, correndo o risco, portanto, de impor uma normatividade acerca do ps-colonial. Como j foi dito, o ps-colonialismo pre-tende identificar uma superao ao mesmo tempo de um momento histrico de colonizao, como das teorias e discursos da intelectualidade nacionalistas que lutou pelas independn-

  • cias. Tendo isso em vista, no preciso muita imaginao para perceber que as questes ps-coloniais no so as mesmas em todas as ex-colnias. O discurso pela independncia poltica num pas como o Brasil, por exemplo, foi forjado a partir de uma srie de questes totalmente distintas do discurso anti-colonialista Argelino, por exemplo, que postulava uma oposio clara entre nativos e invasores. possvel afirmar que o ps-colonial foi constitu-do, e grande parte, por um movimento occorido na academia angfona e, dessa forma, os pensadores da ex-colnias britnicas acabaram assumindo protagonismo no que diz respeito s questes a experincias elencadas para constituir um repertrio e um enquadramento terico ps-colonial. Se esse vis anglfono for combinado com uma disposio para carac-terizar o ps-colonial enquanto uma condio contempornea universal, se torna possvel a renovao de um discurso colonialista capaz de acusar outros lugares de no serem ps-coloniais o suficiente. De acordo com Shohat:

    The unified temporality of post-coloniality risks reproducing the colonial discourse of an al-lochronic other, living in another time, still lagging behind us, the genuine post-colonials. The globalizing gesture of the post-colonial condition, or post-coloniality, donwplays multiplicities of location and temporality, as well as the possible discursive and political linkages between post-colonial theories and contemporary anti-colonial, or anti-neo-colonial struggles and dis-courses. (p. 325) !

    Assim, Shohat refora que situar o termo ps-colonial geograficamente, historicamente e culturalmente imprescindvel para se evitar os riscos de se cair em um novo universalismo comprometido com um projeto de dominao poltica. (p. 332) O terceiro problema importante destacado no texto se refere a um paradoxo entre o projeto terico ps-colonial de descentramento do mundo e a centralidade que o colonialis-mo assume atravs do termo ps-colonial. As perspectivas tericas nacionalistas anti-colo-nialistas localizam a Europa ou o Ocidente como os centros produtores da dominao, e, por-tanto eram um campo que tinha um claro alvo de crtica. Segundo a autora, um movimento importante que os ps-coloniais fizeram em relao a esses discursos foi o de desmontar o binmio colonizador-colonizado, apontando para a importncia de relaes de dominao de outros tipos, como entre o homem e a mulher colonizados ou entre a burguesia nacional e o campesinato. (p.328) No entanto, o termo ps-colonial reproduz linguisticamente a central-idade do colonialismo como referncia numa narrativa que justamente busca comportar a complexidade, a polifonia e a pluralidade de perspectivas. Alm de discutir o ps-colonial, Shohat se dedica a discutir brevemente o conceito mais prontamente identificado com o campo: hibridismo. Para a autora, o conceito apresen-ta um rendimento analtico altamente problemtico por trs razes principais. Primeira-mente, ele no constitui exatamente uma novidade em boa parte do mundo. Salvo lugares onde se clama por uma pureza tnica e distines raciais e nacionais continuam a desem-penhar polticas excludentes, o tema da miscigenao cultural e racial j foi amplamente dis-

  • cutido na Amrica Latina e inclusive incorporado polticas oficiais de nacionalidade e iden-tidade to excludentes quanto. Em segundo lugar, o elogio ao hibridismo ignora como a bus-ca por um passado comum desempenhou e pode continuar a desempenhar um papel impor-tante na superao de relaes de dominao injustas. Tanto a autora como a maior parte dos autores ps-coloniais concordam que as intenes imperialistas continuam a agir no mundo contemporneo e, por vezes, a demarcao de diferenas claras atravs do recurso histria por parte dos alvos dos projetos de dominao tem de ser considerada estrategica-mente independente do valor esttico e tico que so dados pelos ps-coloniais s interpene-traes culturais. Por fim, o conceito de hibridisimo abriga diversas modalidades de mistura, como a assimilao forada, auto-rejeio internalizada, cooptao poltica, conformismo social, mmica cultural e criao transcendente. (p. 331) Em suma, Notes on the Post-colonial pode ser considerado um grande alerta aos efeitos colaterais que o termo ps-colonial pode causar. O esforo de Shohat nesse artigo parece ser sobretudo chamar ateno tanto para a potncia despolitizante que o ps-colo-nial carrega, enquanto designao de um movimento terico-acadmico, assim como para a potncia universalizante que desconsidera a pluralidade de questes e ansiedades que carac-terizam os espaos e histrias marcados pela experincia da colonizao. Portanto, Shohat segue de certa forma o mesmo posicionamento reflexivo que caracteriza o campo ps-colo-nial, confirmando a afirmao de Bart Moore-Gilbert, Gareth Stanton e Willy Malley de que difcil pensar em uma prtica intelectual moderna que tenha sido sujeita a mais auto-crti-ca. (Moore-Gilbert, Stanton e Malley, 2003, p. 1)