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1 * Esmair Lopes Camargo, professor de História e Sociologia da Rede Estadual de Ensino da SEED (Secretaria de Estado da Educação) desde 1991, graduado em Ciências Sociais pela Faficla ( Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Arapongas), pós-graduado em Antropologia Filosófica pela FECILCAM (Faculdade Estadual Ciências e Letras de Campo Mourão), integrante do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) da SEED ( Secretaria de Estado da Educação) do Estado do Paraná nos anos 2007 e 2008. RESUMO Esse artigo entitulado “ O índio brasileiro no livro didático”, faz um estudo de como foi construída a imagem do índio no livro didático ao longo da história, analisando sobre quais condições se estruturou a cultura desses povos. Será feita uma investigação do que foi escrito sobre os índios pelos missionários que estiveram no Brasil no primeiro século de sua colonização, bem como uma análise do quadro “ A primeira missa do Brasil”, pintada por Victor Meirelles em 1860, baseada nos relatos do escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, relatando a primeira imagem que tiveram desses povos em 1500. Também será realizado um estudo de autores renomados como Darci Ribeiro, Gilberto Freire, Levi Strauss, sobre a cultura dos povos indígenas como a vestimenta, alimentação, pinturas,ornamentos, aproximando assim, a história com outras áreas do conhecimento como a antropologia, sociologia. Em seguida esse artigo propõe uma aprofundamento do que produzido por escritores contemporâneos como Circe Bittencourt, Luis Donizete Grupioni, Ronald Raminelli, Lúcio Tadeu Costa sobre os índios nos livros didáticos. Por fim,a análise do resultado do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Paraná (SEED) com os alunos da rede pública, permitiu-nos caminhar na direção de novas pedagogias de valorização dos povos indígenas. ABSTRACT This article titled "The Indian in the Brazilian textbook," is a study of how the image was built in the Indian textbook throughout history, analyzing what conditions are structured the culture of these peoples. There will be an investigation of what was written about by the Indians who were missionaries in Brazil in the first century of its colonization, as well as an analysis of the table "The first Mass in Brazil", painted in 1860 by Victor Meirelles, based on reports of the Registrar the squad of Pedro Alvares Cabral, reporting the first image that these people had in 1500. It will also be conducted a study of

RESUMO - diaadiaeducacao.pr.gov.br · índio no livro didático”, disponibilizado aos professores do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e alunos da educação básica da Rede Estadual

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* Esmair Lopes Camargo, professor de História e Sociologia da Rede Estadual de Ensino da SEED (Secretaria de Estado da Educação) desde 1991, graduado em Ciências Sociais pela Faficla ( Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Arapongas), pós-graduado em Antropologia Filosófica pela FECILCAM (Faculdade Estadual Ciências e Letras de Campo Mourão), integrante do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) da SEED ( Secretaria de Estado da

Educação) do Estado do Paraná nos anos 2007 e 2008.

RESUMO

Esse artigo entitulado “ O índio brasileiro no livro didático”, faz um estudo de como foi construída a imagem do índio no livro didático ao longo da história, analisando sobre quais condições se estruturou a cultura desses povos. Será feita uma investigação do que foi escrito sobre os índios pelos missionários que estiveram no Brasil no primeiro século de sua colonização, bem como uma análise do quadro “ A primeira missa do Brasil”, pintada por Victor Meirelles em 1860, baseada nos relatos do escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, relatando a primeira imagem que tiveram desses povos em 1500. Também será realizado um estudo de autores renomados como Darci Ribeiro, Gilberto Freire, Levi Strauss, sobre a cultura dos povos indígenas como a vestimenta, alimentação, pinturas,ornamentos, aproximando assim, a história com outras áreas do conhecimento como a antropologia, sociologia. Em seguida esse artigo propõe uma aprofundamento do que produzido por escritores contemporâneos como Circe Bittencourt, Luis Donizete Grupioni, Ronald Raminelli, Lúcio Tadeu Costa sobre os índios nos livros didáticos. Por fim,a análise do resultado do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Paraná (SEED) com os alunos da rede pública, permitiu-nos caminhar na direção de novas pedagogias de valorização dos povos indígenas.

ABSTRACT

This article titled "The Indian in the Brazilian textbook," is a study of how the image was built in the Indian textbook throughout history, analyzing what conditions are structured the culture of these peoples. There will be an investigation of what was written about by the Indians who were missionaries in Brazil in the first century of its colonization, as well as an analysis of the table "The first Mass in Brazil", painted in 1860 by Victor Meirelles, based on reports of the Registrar the squad of Pedro Alvares Cabral, reporting the first image that these people had in 1500. It will also be conducted a study of

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renowned authors as Darci Ribeiro, Gilberto Freire, Levi Strauss, on the culture of indigenous peoples such as clothing, food, paintings, ornaments, thus bringing the story to other fields of knowledge such as anthropology, sociology. Then this article proposes a deepening of that produced by contemporary writers such as Circe Bittencourt, Luis Donizete Grupioni, Ronald Raminelli, Lucio Costa on Tadeu the Indians in textbooks. Finally, the analysis of the outcome of the Working Group Network (TNG) of the Secretariat of State for Education of the State of Parana (SEED) with students from the public, allowed us to move in the direction of new teaching methods for recovery of indigenous peoples .

1.Introdução

A necessidade de construir práticas pedagógicas positivas, baseado nas

Diretrizes Curriculares Nacionais, para a educação étnico-racial e a atual

realidade em que vivem as comunidades indígenas nacionais, levou-nos a um

estudo do papel do índio na sociedade brasileira. A investigação sobre esses

povos, desde os primeiros contatos no descobrimento do Brasil, passando pela

construção da imagem de nação no século X1X até aos estudos da atualidade,

se faz necessário, já que os povos nativos do Brasil até então são estudos de

forma superficial, um apêndice da história.

A análise da imagem do índio no livro didático foi possível a partir das

reflexões históricas da Escola de Analles na década de 30 e da Nova História

Cultural da década de 70. A história das minorias étnicas foi relegada a

segundo plano em detrimento de uma história positivista ganhou espaço após

os anos 70.

Ao analisarmos dois clássicos da cultura brasileira - O povo brasileiro de

Darci Ribeiro e Casa Grande & Senzala de Gilberto Freire, foi possível entender

o papel do índio na formação da cultura nacional, uma vez que que esses dois

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autores muito colaboraram para entender a cultura desses povos.

Por meio do estruturalismo de Levi Strauss, a partir de algumas de suas

obras como “Tristes Trópicos”, “O cru e o cozido”,foi possível o entendimento

da cultura dos índios Kaingangs do Paraná . Um aprofundamento dos símbolos

e imagens na antropologia cultural, permitiu uma construção de outra imagem

desses povos.

A partir do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria

de Estado da Educação (SEED), foi produzido um folhas com o título “A visão do

índio no livro didático”, disponibilizado aos professores do Grupo de Trabalho

em Rede (GTR) e alunos da educação básica da Rede Estadual de Ensino do

Estado do Paraná. O ponto de partida foi uma nova análise dos alunos da

educação básica da Rede Estadual de Ensino do Paraná sobre o quadro “A

Primeira Missa do Brasil” de Victor Meirelles. Foi proposto outro olhar sobre as

condições em que o quadro foi pintado e uma análise histórica de como foi

conduzida a confecção desse quadro.

2. Desenvolvimento

A análise da dimensão social na historiografia está presente nas obras de

Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), fundadores da Escola de

Analles (1929), desde o início do século XX.

A opção por uma história social que substitua a orientação política da linha

positivista ,aproxima a história de outras áreas do conhecimento como a

sociologia, filosofia, psicologia, ocupa espaço cada vez maior dentro da

história. A influência de Analles ganhou espaço a partir da década de 50, onde

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aparece centenas de obras, artigos e teses que se distanciam do viés político

e econômico, aproximando-a da população simples e criando novas

metodologias a fim de valorizar a produção cultural das classes excluídas do

processo da construção do conhecimento.

A aproximação da história com a sociologia e antropologia, permitiu o

uso de fontes orais, inquéritos policiais, judiciais e inquisitoriais, até então

desprezadas pela história tradicional, possibilitando, assim uma nova visão

das classes populares.

Toda a produção etnográfica da antropologia pôs a história oral em

evidência, numa perspectiva de valorização da história do povo simples, dos

marginalizados e das minorias étnicas, proporcionando à ciência novas

possibilidades metodológicas, que não a história engessada e presa aos

ditames positivistas. Assim o aspecto descritivo e político dos grandes heróis e

impérios é substituído por uma abordagem cultural.

A partir de Annales a história não é ser mais a mesma, e uma renovação

acontece por toda a Europa e América. A Nova História Cultural , estruturada a

partir dessas mudanças vem para ficar no meio dos historiadores. Uma

grande mudança metodológica é introduzida a partir de Annales e uma

mudança de paradigmas surge a partir da Nova História Cultural na década de

70.

Lyn Hunt, em seu livro “ Nova História Cultural” diz que Thompson e Davis

da Nova Esquerda Inglesa, dão voz às massas de pessoas que produzem sua

própria cultura ao afirmar que as classes inferiores deixam de ser simples

presas de forças históricas dominantes, desempenhando papel relevante e

essencial na criação de sua própria história.

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Dentro dessa perspectiva uma nova abordagem metodológica do ensino

de história em sala de aula, a partir de uma leitura crítica das imagens contidas

nos livros didáticos sobre os índios, faz-se necessária. Precisamos superar a

visão microscópica que o índio teve na história brasileira, onde, quando

aparece, é coadjuvante do europeu no processo de colonização do Brasil por

Portugal, ou quando muito, alguns autores os tratam a partir da ótica da

curiosidade. A pluralidade cultural dos povos indígenas é rica e tem influência

direta na constituição do povo brasileiro. Uma análise dos primeiros habitantes

do Brasil, considerando as condições sócio-econômicas, política, cultural, irá

proporcionar as condições necessárias para a reconstrução de outra imagem

dos índios.

Segundo Circe Bittencourt (2004) uma história que não privilegie a Europa

em detrimento da americana, africana e brasileira é uma possibilidade real de

resgate do passado das minorias étnico-raciais, que foram silenciadas ao longo

dos anos. Cria-se assim, um quadro favorável para a substituição da histórica

descritiva por uma, onde a valorização da população passa a ser o eixo

central.

Dentro dessa realidade a reconstrução de uma nova história em novos

livros didáticos que valorize a população simples, redimensione a ação dos

grandes heróis possibilitará o aparecimento de novos paradigmas de uma

abordagem mais justa do nosso passado.

A história do índio que chegou até os livros didáticos foi produzida dentro

de uma perspectiva eurocêntrica, a partir do evolucionismo europeu do século

X1X. Os índios foram inseridos num estágio evolutivo inferior , tendo que

adquirir a cultura européia para progredir dentro dessa escala de evolução pré-

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determinada. Os relatos de viajantes, missionários, funcionários do governo,

descrevem o papel inferior do índio brasileiro, que, não professava o

cristianismo, nem possuía a cultura do velho continente. Os relatos de Theodor

de Bry nos revelam esse conjunto de representações criadas a partir do

imaginário europeu do século XV1. Os elementos da antropofagia dos índios

tupinambás nas cartas dos missionários que aqui estiveram, o politeísmo e

crenças nas forças animistas - concepção que toda a natureza tem vida própria

e interage com o homem- a poligamia que escandalizou a sociedade européia,

criaram a necessidade de um projeto salvacionista cristão aqui na América.

Sobre isso Ribeiro (2003, p.57) escreveu:

Aqueles índios tão diferentes dos europeus, que os viam e os descreviam, mas também tão semelhantes, seriam eles também membros do gênero humano, feitos do mesmo barro pelas mãos de Deus, à sua imagem e semelhança?Caíram na impiedade. Teria salvação? Ficou logo evidente que eles careciam, mesmo, é de um rigoroso banho de lixívia em suas almas sujas de tantas abominações, como a antropofagia de comer seus inimigos em banquetes selvagens; a ruindade com que eram manipulados pelo demônio através de seus feiticeiros; a luxúria com que se amavam com a naturalidade de bichos; a preguiça de sua vida farta e inútil, descuidada de qualquer produção mercantil.

O índio representado era o que interessava ao domínio econômico, pois o

branco não concordava com a concepção de trabalho do índio que diferenciava

do modelo capitalista. Foi criada a figura de um índio preguiçoso, sem cultura

para legitimar a ação do projeto colonizador da Europa na América.

Os índios sempre foram tratados de forma secundária em detrimento do

colonizador, dentro de uma história estanque, marcados pelos eventos da

história européia, ignorando o curso cultural do qual os índio eram

protagonistas. Ainda dentro desse contexto escreveu Grupioni, (1995, p.491):

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Nesse emaranhado de confusões, não é demais afirmar que os manuais escolares continuam a ignorar as pesquisas feitas pela história e pela antropologia no conhecimento do outro, revelando-se deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens sociais. É com esse material, equivocado e deficiente, que professores e alunos têm encontrado os índios em sala de aula. Preconceito, desinformação e intolerância são resultados mais que esperados desse quadro.

É mínima a participação do índio na história do Brasil e quando são

citados, aparecem como coadjuvantes do branco. Sempre foram enquadrados

numa perspectiva de preconceito e discriminação, numa visão eurocêntrica,

em que os europeus são identificados como cultura superior.

A obra “A Primeira Missa do Brasil” de Victor Meirelles pintada em 1876,

revela esse aspecto da superioridade étnica dos europeus sobre os primeiros

habitantes do Brasil, comum na época em que desejava-se construir uma

feição para o povo brasileiro.

No século X1X, época em que foi produzida a obra de Victor Meirelles, o

romantismo dominava os meios culturais e a temática indianista constituía

uma das características que norteava as obras literárias e as artes plásticas do

Brasil. O romantismo foi um movimento literário brasileiro que desejava criar

uma literatura nacional, abandonando as influências portuguesas e se

caracterizou pela exaltação da natureza e amor à pátria.

A atmosfera romântica do século X1X, que facilitou a criação da imagem

do índio como um membro da nacionalidade do povo brasileiro, forja a

verdadeira história desse povo após o descobrimento do Brasil, onde ele

aparece como co-autor na construção da nação, ocupando uma posição

secundária, cortando pau-brasil para os comerciantes europeus, ou

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simplesmente, caçadores que dependiam da natureza frente ao dinamismo do

capitalismo europeu do século XV1.

MEIRELLES, Victor. A primeira missa do Brasil.1860. Quadro

O quadro de Victor Meirelles, permite uma visão de como o uso da

imagem, como metodologia no estudo da história, podem transformar-se numa

armadilha iconográfica , onde determinada ideologia passa desapercebida.

Esse quadro, um dos mais reproduzidos nos livros didáticos de história,

inspirado nos escritos de Pero Vaz de Caminha, tornou-se para a academia e

professores de história, durante vários anos o início da nação brasileira.

Apesar de ser produzido há mais de três séculos após a carta de Caminha,

impõe-se de tal maneira, que parece ter havido um pintor que retratou o

momento na esquadra de Cabral em 1500. O estandarte da coroa portuguesa

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quadro atesta a autoridade política de Portugal, a cruz, o triunfo da Igreja

Católica em terras tropicais e a construção da nação brasileira no século X1X .

Enfim, toda a estratégia do quadro foi a de produzir a idéia de união e

integração entre os índios e europeus , tendo em vista a construção da nação

brasileira.

Segundo Terezinha Sueli Franz em sua obra entitulada “ Educação para

uma compreensão crítica da arte” uma análise mais profunda das obras de

artes, contribuirá para o desenvolvimento de um espírito crítico nos alunos,

despertando neles um olhar além daquilo que aparece num quadro. Para ela, o

estudo das obras de artes, tem o poder de fazer com que o aluno compreenda

toda a realidade cultural, em que a obra foi produzida , facilita o entendimento

de sua própria história, possibilitando, assim um desenvolvimento crítico nas

pessoas que estudam com cuidado os quadros pintados. A autora faz um

estudo sobre a obra “ A Primeira Missa do Brasil” (1860) de Victor Meirelles, por

ser uma das pinturas que mais se encontram nos livros didáticos e pelo desejo

de encontrar elementos no quadro que revelem a formação histórica do Brasil,

já que, segunda ela, existe entre os professores, educadores, artistas e alunos

um preconceito que não traduz a verdadeira intenção da obra, que é a de

harmonização do índio e branco na formação do povo brasileiro.

O prefácio da obra “Educação para a compreensão crítica da arte”,

elaborado por Fernando Hernández (2003, p.11) reflete bem esse pensamento:

Existe uma maneira de abordar a Educação das Artes Visuais que não passa pela identificação pura e simples, mas que vai além de uma concepção espontânea de aprender e do

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essencialismo estético. Há uma concepção onde se facilita a aprendizagem a partir do estabelecimento de relações entre imagens e seus contextos de produção, assim como desde seus efeitos nas construções identitárias nas diferentes audiências. Nesta concepção que tem em conta que a imagem transmite fatalmente outra coisa além de si mesma, a esta outra coisa não pode não manter uma relação com a sociedade que a produz e a consome.

Como observado na citação acima, há uma necessidade de pensar o

visual a partir de uma representação cultural, que estão inseridas num quadro

que traduz , um conjunto de práticas sociais que passam pelas relações de

poder, que se estruturam através das imagens, onde o caráter antropológico,

ou seja, o cultural dos povos indígenas é diluído na supremacia do europeu .

Reforçando o ideal de integração dessas duas culturas, iniciado no

Segundo Império ( 1840-1889), Gilberto Freire ( 1900-1987), antropólogo

brasileiro, construiu uma visão integradora entre os índios e os colonizadores

europeus na formação do povo brasileiro. Utilizou-se da ação dos jesuítas na

catequese dos índios para desenvolver suas idéias. O contato do europeu com

o índio do Brasil, proporcionou uma rica troca cultural, que contribuiu para uma

riqueza étnica, onde coexistem elementos desses dois povos em várias áreas

como na comida, vestimenta, pintura, danças etc. Um exemplo desse

intercâmbio cultural, que podemos encontramos na obra “Casa Grande e

Senzala” de Gilberto Freire é a troca de brinquedos entre meninos no pátio dos

colégios jesuítas, como o bodoque para a caça dos índios e o papagaio de

papel dos portugueses. Essa troca, muito contribuiu para a formação desse

caráter híbrido da cultura brasileira fazendo-se presente até hoje nas

brincadeiras infantis por todo o território nacional.

Esse intercâmbio cultural pode ser sentido em todas as dimensões da

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organização das duas culturas. Ainda nesse contexto, conforme destaca

Gilberto Freire, um exemplo dessa troca foi a completa vitória da tecnologia

no fabrico da mandioca indígena sobre a farinha de trigo da Europa. Desde o

período colonial até a atualidade os derivados da mandioca constitui-se na

alimentação básica de boa parte dos brasileiros e a técnica de produção não

sofreu grandes mudanças. A técnica da produção da farinha de mandioca entre

os índios remonta há séculos e continua o mesmo ritual das mulheres na maior

parte das tribos brasileiras. A mandioca, depois de lavada e descascada é

socada num pilão até formar uma massa homogênea que em seguida é

deixada numa vasilha para escorrer toda a água ,depois é levada para secar no

sol, para só depois ser levada ao forno. Além da farinha é variado o uso da

mandioca na culinária brasileira, a herança de receitas caseiras é passada de

geração a geração. Embora, muitas dessas receitas tenham perdido o elo

regional dos índios e caboclos nas Casas-Grandes a origem dessa técnica é

decisivamente é indígena.

Outro exemplo desse sincretismo alimentar da cultura brasileira, pode ser

observado na tapioca de coco, tão comum no nordeste brasileiro. A mandioca é

indígena, o coco e a canela originários da Ásia, o sal europeu e a técnica em

assar em folha de bananeira é de origem africana . Os quitutes, bolos, beiju,

mingau, tapioca, moqueca, pirão, bebidas, dentre outros são comidas de

origem indígena feita a partir da mandioca, tão comuns na região norte e

nordeste do Brasil, que tomaram lugar à mesa brasileira para não mais sair.

A forte ligação dos índios com a natureza, que determina toda a

organização cultural, pode ser observada em sua religiosidade. Para os índios,

o meio ambiente em que vivem tem sua própria dinâmica, que muito difere do

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branco. Todos os elementos da natureza, como os rios, floresta, sol, lua,

animais, trovão, chuva, tem vida própria e estão intimamente interligados com

a cultura indígena. O respeito ao meio em que vivem, ultrapassa os limites do

visível, tornando algo sagrado, pois faz parte de suas tradições, crenças,

integrando, assim, o consciente e inconsciente coletivo desses povos.

As histórias de bichos e de elementos ligados à natureza, que causam

tanta fascinação entre as crianças brasileiras são herança indígena. Quanto

menos influenciada pela cultura européia e mais próxima da simplicidade do

brasileiro, em especial, o nortista e nordestino, mais arraigadas estão essas

fantasias que povoam o imaginário popular das crianças brasileiras. A atração

irresistível dos animais e monstros, numa floresta viva e cheia de mistérios,

que sempre atraiu e pôs medo nas crianças, possui forte conotação indígena. É

um medo instintivo, comparado ao das crianças européias pelos lobos e ursos,

que permanece forte na cultura nacional. Não tem medo de um animal,

propriamente dito, mas de algo próximo a forma de animal que habita as

florestas. Sobre isso destaca Gilberto Freire na obra Casa Grande e Senzala ( p.

201) sobre o bicho místico, horroroso, indefinível; talvez “carrapatu”, ainda

hoje ninam os meninozinhos do Norte:

Durma, durma, meu filhinho

Lá no mato tem um bicho

Chamado carrapatu

Uma forte conotação preventiva, liga o imaginário indígena a tudo o que

existe na floresta, adquirindo um fim pedagógico na educação das crianças. O

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medo e temor ao desconhecido que habita o interior da floresta, resulta na

diversidade de rituais religiosos, roupas, apetrechos, pinturas, danças para

afastar o perigo das aldeias indígenas. O corpo pintado com tintas naturais,

extraídas do seio da floresta, os beiços, as orelhas, narizes, perfurados por

objetos como batoques, fusos, penas e brincos, dentes e ossos de animais

pendurados pelo corpo, em fim, tudo contribui para afastar os espíritos maus

da floresta e suas más influências.

Boa parte do brasileiro, incorporou esses rituais, que servem de amuletos

mágicos, para trazer boa sorte e afastar as desgraças de suas vidas. Dentes de

animais, figas de madeira e de ouro, medalhas milagrosas dos católicos são

formas herdadas dos indígenas e de seu meio natural, que incorporam o

cotidiano do brasileiro.

O projeto salvacionista dos jesuítas, nas reduções e colégios, utilizou-se

do ritmo e toada melancólica das danças e músicas indígenas, adaptando-os à

religião cristã. Os primeiros missionários, pouco conheciam da cultura indígena

quando aqui chegaram, mas manipulando o coração humano, introduziram os

valores do cristianismo no meio da cultura indígena. Esse sincretismo cultural e

religioso facilitou a formação de uma identidade única que influenciou a

constituição do pensamento brasileiro. Exemplo desse intercâmbio cultural,

destaca Gilberto Freire, são as cópias das quadras escritas pelos jesuítas para

os meninos dos seus colégios e missões no Brasil:

“ Ó virgem Maria

Tupan ey eté

Aba PE ara porá

Oicó endê yabê

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Tradução

Ó virgem Maria

Mãe de Deus verdadeiro

Os homens desse mundo

Estão bem convosco.

Essa estratégia utilizada pelos primeiros jesuítas contribuiu para um

comprometimento recíproco que marcaria a cultura do povo brasileiro, em

especial, o do norte e nordeste brasileiro.

Entretanto esse processo, não foi de todo homogêneo, pois a resistência

de muitos índios impediu a ação dos europeus. A imposição de uma moral

familiar dos jesuítas em terras indígenas, fundamentada nos princípios básicos

do cristianismo como o respeito da mulher para com o esposo , a criação dos

filhos e aceitação de uma base econômica agrícola, fundada no sedentarismo,

fez com que muitos indígenas fugissem, pois a organização tribal estava

estruturada em valores como a liberdade familiar, economia baseada na caça

e pesca, nomadismo que os diferenciava da cultura européia.

Escrevendo na mesma linha de integração de Gilberto Freire do indígena

com o europeu, outro autor que contribuiu para uma visão integradora das

culturas, européia e indígena foi Levi Strauss ( 1908 - ) antropólogo

francês, que esteve entre os índios bororo do Brasil Central , realizando um

estudo etnográfico que mudaria a concepção de cultura e inauguraria sua

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antropologia estruturalista. Para ele os índios podem ser estudados numa

escala cultura específica, sem serem reduzidos a graus inferiores, como no

pensamento evolucionista do século X1X, que classificou o índio num grau

inferior , pelo fato de não ter a cultura européia, não professar o cristianismo,

não praticar o capitalismo. Tristes trópicos (1955), Antropologia Estruturalista

(1958), O pensamento Selvagem (1962), O cru e o cozido (1964), Do mel às

cinzas (1967) e O homem nu (1973), são livros de Levi Strauss que discute o

aspecto cultural dos povos nativos numa perspectiva do relativismo cultural,

que pode ser traduzido pelo respeito às culturas primitivas.

O estudo dos mitos é de grande importância para a antropologia

estruturalista de Levi Strauss e revela os aspectos básicos da cultura dos povos

indígenas. Para ele o mito é a parte visível de um inconsciente coletivo que

regula toda a vida cultural dos índios. Os mitos são reveladores de uma cultura

no espaço em que vivem os primeiros habitantes do Brasil. A estabilidade

social só é possível por causa da existência desses mitos, que adquirem um

caráter integrador e socializador na comunidade indígena.

Toda a estrutura interior dos povos indígenas identificadas através do mito

é externalizada através de signos culturais bem definidos que dão vida à

cultura dos povos indígenas. Uma simples pintura, ou um adereço, como

brincos ou pulseiras, representa todo um complexo cultural desses povos, que

são explicados pelo mito.

A análise que Levi Strauss faz sobre o uso do estojo peniano dos índios bororo

do Brasil Central chamado “bá”, reflete a cultura projetada ao longo da

história desse povo, lançando luzes para a compreensão de sua antropologia

estruturalista.

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O uso do estojo está ligado ao ritual de iniciação dos jovens da tribo e tem

um significado todo especial por quem vai usá-lo e remonta de gerações. Todo

o jovem bororo ao chegar a certa idade terá que enfrentar um ritual de

iniciação onde passará da infância para a idade adulta, desligando-se das

mulheres e entrando definitivamente para sociedade masculina, aprendendo

tudo o que os homens precisam saber a fim de ocupar um lugar de destaque

em relação às mulheres. O ritual é longo e somente depois dele é que o

iniciado recebe o estojo peniano – espécie de invólucro enfeitado com penas de

aves – que cobre o pênis, simbolizando essa nova etapa de vida.

Todo jovem bororo ao chegar certa idade terá que passar da fase da

infância para a adulta, desligando-se da sociedade das mulheres e entrando

para a sociedade masculina, aprendendo tudo que os homens precisam saber a

fim de ocupar seu papel de destaque em relação às mulheres. O ritual é longo,

só depois é que o iniciado recebe o estojo peniano - espécie de invólucro

enfeitado com pena de aves - que cobre o pênis, simbolizando essa nova etapa

de sua vida. Segundo Lévi-Strauss 2044, pg 66:

O mito começa envocando os ritos de iniciação, que duravam um ano segundo Colbacchini (& Albisetti 1942); vários meses segundo a EB (v.624-42) e até que ocorra uma morte na aldeia, para que a fase terminal da iniciação possa coincidir com os ritos funerários. Apesar dessa contradição, que não é certamente insuperável, as duas fontes concordam sobre a dura existência dos noviços, durante a caminhada de centenas de quilômetros (“dezenas e dezenas de léguas id.ibid.:641) em que são conduzidos pelos anciãos. Ao serem, finalmente, trazidos de volta, peludos e magros, as mães tem que reconhecê-los sob a folhagem que os cobre por inteiro, pára em seguida lavá-los, depilá-los e penteá-los. Os noviços executam saltos rituais sobre o fogo, e a cerimônia de retorno se encerrava com um banho coletivo no rio (Colb.&Albisetti 1942:239-40). As mães recebiam os filhos chorando amargamente,

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com gritos e lamentos, como na morte de um ente querido. Choram porque, desde aquele momento, o menino, já emancipado, se destaca da sociedade das mulheres e entra na dos homens.

Há versões em que são as mulheres que entram mata adentro para

recolher folhas de babaçu para a confecção do estojo, já outras são os avós e

tios dos parentes próximos da mãe que o fazem. O estojo peniano está além de

um simples adereço que completa o ritual de iniciação, inclui uma série de

significados, essencial para a sociedade dos bororós, que determina a

regulamentação das relações entre os sexos opostos. O casamento do jovem

só deverá acontecer com a outra metade exogâmica da tribo. Entre os bororós,

a sociedade é dividida clãs, de tal modo, que um homem de um clã só pode

casar-se com uma mulher da outro clã. Inclusive, quem coloca o estojo peniano

deve pertencer à metade oposta do jovem iniciante. Uma vez feito esses

primeiros rituais o jovem está pronto para casar-se. Observa-se, portanto, que

os mitos e todo o ritual que o cerca, serve para dar sustentação e unidade às

relações sociais dos bororós. Os símbolos e significados do mito exercem um

papel essencial na organização e estruturação da sociedade dos bororós.

A pesquisa Levi Strauss sobre os indígenas brasileiros, forneceu-nos

subsídios para um aprofundamento da cultura indígena no Paraná, pois vem de

encontro com os anseios da Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo

206, destaca os direitos e proteção da cultura indígena e das Diretrizes da

Educação Escolar Indígena do Paraná que destaca a proteção e garantia de seu

território, bem como sua forma de organização social e produção sociocultural,

o ensino ministrado nas línguas indígenas e o reconhecimento dos processos

próprios de aprendizagem .

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À luz do estruturalismo de Levi Strauss a análise do papel do mito entre os

índios Kaingangs do Paraná, possibilita um entendimento da cultura desses

povos. Os Kaingang habitam os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul, pertencem ao grande tronco da família Jê e a população

atual no Paraná é estimada em 8.800 habitantes segundo censo 2006 da FUNAI

(Fundação Nacional do Índio), habitam as seguintes reservas: Barão de

Antonina em Arapongas, Queimadas em Reserva, Ivaí em Pitanga, Fioravante

Esperança em Palmas, Rio das Cobras e Boa Vista em Iguaçu, Apucarana em

Londrina, Manguerinha em Mangueirinha e José Maria de Paula em

Guarapuava.

O estudo de seus mitos lança luzes sobre uma uma nova visão de mundo,

além de fornecer elementos importantes para a compreensão do processo

histórico da formação do povo paranaense, bem como uma revisão de nossos

conceitos em relação a essa nação que muito contribuiu à cultura nacional.

A compreensão da organização cultural desses povos é facilitada pelo mito

da origem humana dos Kaingang:

Os primeiros Kaingangs foram Filtón e o iambrê ( cunhado) dele. Viveram muito, muito tempo antes da grande chuva que provocou a inundação de todo o mundo. Filtón era o chefe dos Kanherú e o outro o dos Kamé. Vieram do interior da terra. O chão tremeu e houve um estrondo. Enxergaram a claridade e saíram de dentro da terra. A princípio eram dois grupos somente, mas ao chegarem à superfície da terra fizeram também a divisão em Votôro e Venhiky, por causa das festas que iam realizar (SCHADEN, 1956, P.34) APUD Tomasino, Kimiye, Mota, Lucio Tadeu,Noelli,Francisco Silva. Novas Contribuições aos Estudos Interdisciplinares dos Kaingang.2004, P. 151, Eduel)

Os Kaingang, se organizam em dois grupos exogâmicos - o casamento e os

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serviços cerimoniais é feito entre membros de grupos diferentes - que se

complementam e estruturam toda sociedade. Os Kamés pintam-se com riscos

e os Kairu com círculos para distinguir cada metada dentro da tribo. O respeito

mútuo e a origem mítica que caracteriza toda a estrutura desses povos,

remonta há muito tempo e é parte integrante de sua sociedade.

A relação com a terra-mãe é indispensável para a sobrevivência da cultura

Kaingang, adquire uma conotação totalmente diferente do homem branco.

Enquanto que para estes últimos a terra é reduzida a questões capitalistas do

lucro, para os primeiros a terra é fonte de vida e manutenção de tradições

culturais expressadas em seus mitos.

A tradição de enterrar o umbigo após o nascimento de uma criança

Kaingang, para demonstrar essa ligação com a terra, o sepultamento de seus

mortos sobre esteiras de madeira e mato para evitar o contato com o solo, até

que se realize a festa dos mortos, momento em que o espírito sai do corpo e

vai para o mundo dos mortos, são exemplos da relação mítica que esses povos

tem em relação à terra.

O humano, a natureza e o sobrenatural estão reunidos em uma única

realidade, coexistem e se complementam num quadro de integração e

comprometimento. Os índios são parte integrante do meio em que vivem, não

classificam as realidades do meio ambiente e as sobrenaturais em categorias

separadas, pelo contrário, estão unidas intimamente. Exemplo elucidador, é o

fato de os Kaingang, passar mato e terra no corpo para ficar com o mesmo

cheiro do meio em que vivem. Uma pessoas estranha é distinguida a

quilômetros de distância pelo cheiro diferente que tem em relação a esses

povos.

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No imaginário Kaingang a floresta é povoada por ser espirituais e almas

dos parentes mortos que compartilham com da mesma realidade. Acreditam

que o espírito dos parentes “veinh kuprig” estão morando na floresta junto à

tribo e compartilham dos mesmos ideais. Podem levar os vivos para o mundo

dos mortos, de onde não existe mais retorno, se comerem alimento oferecido

oferecidos na sua chegada. Não são visíveis, entretanto através de um assovio

percebe-se sua presença.Existe também o “dét korég - espírito mal, espécie

de diabo dos brancos - que são visíveis e tem aparência feia, cheiro forte – que

causam grande pavor entre os Kaingang, principalmente quem destrói a

floresta além do necessário ao consumo.

A comunicação dos vivos com os mortos é realizada pelos “péin”, que

também acumula as funções cerimoniais nos rituais religiosos dos mortos.

Constituem um grupo especial que recebem esse dom desde criança e sua

função está relacionada a palavra “gá”, que significa terra e se pintam de

forma distinta das duas metades exogâmicas. Somente essa categoria pode

cuidar dos mortos e tratar dos assuntos sobrenaturais da tribo.

Observa-se entre os índios Kaingang, um rico significado cultural em toda

sua organização tribal. A pintura, a dança,as festas, os mitos são reflexos de

uma cultura que se perpetua há milhares de anos e que são passadas por

várias gerações. Sua história é atualizada em ritos e sinais que são respeitados

por todos os membros da comunidade e que dão sustentação a toda uma

ordem social.

Uma aproximação da história com áreas do conhecimentos que estuda a

cultura dos povos (sociologia e antropologia) no Grupo de Trabalho em Rede

(GTR) da Secretaria de Estado da Educação ( SEED), possibilitará um

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aprofundamentos dessas representações construídas ao longo de milhares de

anos e contribuirá de forma decisiva para a valorização da cultura indígena

3. Desenvolvimento do Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

No trabalho desenvolvido com os professores do Grupo de Trabalho em

Rede (GTR) da Secretaria da Estado da Educação foi solicitado um projeto da

aplicação do trabalho sobre os índios com os alunos da educação básica, com o

objetivo de despertar uma visão cultural que aproxime a história de outras

áreas do conhecimento. Foi trabalhado o folhas com o título “A imagem do

índio no livro didático”, sobre a visão que temos do índio no quadro “ A

Primeira Missa do Brasil” de Victor Meirelles e dos escritos de Jean de Lery

sobre os índios no período colonial do Brasil.

A Proposta foi um trabalho a ser desenvolvido com as turmas das primeiras

séries do Ensino Médio. Num primeiro momento, divide-se a turma em grupos

de cinco alunos cada, os quais receberão a incumbência de analisar diferentes

gravuras/imagens (uma para cada grupo), extraídas de obras da historiografia

indígena brasileira, procurando levantar, principalmente, considerações

relativas ao processo de inserção do elemento indígena no meio

social/econômico/político/cultural brasileiro da época, assim como sua

importância/influência em termos de contribuições. As observações terão,

como ponto de partida, as informações que puderem ser levantadas, nas

diferentes representações, e o que os educandos puderem extrair da análise de

tal matéria, a partir da discussão realizada . Em um segundo momento, os

alunos deverão fazer uma comparação entre a situação do indígena no período

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histórico representado nas gravuras e na época contemporânea. Feito isso,

serão compilados os dados das observações e comparações dos grupos, de

forma coletiva, com o professor registrando as principais conclusões da turma

no quadro. Como fechamento, nos mesmos grupos, os alunos deverão, então,

criar/produzir uma obra de arte, com liberdade para utilização de diferentes

técnicas, que represente o contexto em que vive e está inserido o indígena na

sociedade brasileira contemporânea. Tais trabalhos poderão ser expostos em

mural de fácil acesso aos demais alunos da escola, a fim de que as

informações estejam disponíveis e possam ser partilhadas com todos. Cabe

destacar, aqui, que essa proposta pode ser desenvolvida de forma

inter/multidisciplinar, ampliando aí, o leque de atividades, envolvendo

profissionais das áreas de, entre outras, História, Geografia e Língua

Portuguesa.

É importante observar que a aplicação do projeto está em fase de

implementação e não foi possível um resultado definitivo. Os resultados

preliminares do trabalho com algumas turmas, nos revelou o preconceito em

relação aos índios que são reforçados nos livros didáticos, onde são vistos

como uma figura exótica, fora do contexto histórico, um povo desorganizado

que necessita do conhecimento sistematizado pelo branco. Entretanto, a partir

do contato com a cultura indígena, através do material didático produzido no

Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da

Educação (SEED) do Paraná, a visão dos alunos começa a mudar. Os alunos

identificaram a contribuição indígena no cotidiano de suas vidas como o banho

diário, a pintura, os adereços, brincos, piercings, tatuagens, comida.

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Conseguiram ver a realidade do homem branco como fruto do sincretismo

cultural, dentro de uma construção histórica comum entre brancos e indígenas.

4.Conclusão

A aplicação das atividades do folhas “ A imagem do índio no livro

didático”, exigido como tarefa integrante do processo de formação em rede

pela Secretaria da Educação ( SEED) aos alunos do ensino fundamental e

médio, possibilitou-nos novas ferramentas pedagógicas que possibilitam a

valorização da cultura indígena, uma vez que esse povo tem grande

contribuição na formação da cultura brasileira.

Constatou-se com a apresentação do quadro “A Primeira Missa do Brasil”

de Victor Meirelles, que se reproduz a imagem do quadro como uma certidão

de nascimento do Brasil, um acontecimento fiel ao que aconteceu há mais de

quinhentos anos. A harmonia, curiosidade e o relacionamento cordial entre os

europeus com o índio que aqui habitava, comum nos livros didáticos, é

característica marcante no pensamento dos alunos.

A partir das atividades desenvolvidas como a festa religiosa do Kikikoi

dos povos Kaingangs, constatou-se um despertar nos alunos, pois estes

perceberam a mesma relação com a preocupação do branco com seus mortos

no dia de “Finados”. Toda a pintura e o significado que os índios Kaingangs

atribuem, em sintonia com o equilíbrio da natureza chamou a atenção dos

jovens estudantes que utilizam-se dela como uma forma de chamar a atenção

no meio da sociedade.

A partir de uma revisão do conhecimento histórico produzido nos livros

didáticos e com uma aproximação de outras áreas do conhecimento, está

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sendo possível criar condições que possibilite um aprofundamento da cultura

indígena e a construção de uma cultura de paz entre o branco e o índio.

Todo povo indígena representa sua cultura através significados próprios

que são exteriorizados através da arte, música, pintura, danças dentre outros.

A análise desses significados redimensiona a imagem que temos de um povo,

pois cria um relativismo cultural que inevitavelmente nos levará a respeitar

outras culturas.

Acreditamos que um investigação profunda da cultura indígena, sua

organização social, política, econômica e religiosa vai criar nos alunos e

sociedade uma consciência crítica, que, certamente, contribuíra para a

valorização desse povo.

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