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Produto: ESTADO - BR_B - 1 - 31/12/06 J1 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto 10% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100% O traço humorístico de Loreda- no e Léo Martins, as frases e as imagens que atordoaram 2006, os personagens que fizeram um ano mais virtual, mais nuclear, menos verde. Houve traição no Palácio e fidelidade nas urnas, intolerância exacerbada, gente queimada viva e um quê de cho- ro na Copa. Ao menos, no vôlei, sobrou alegria. Retratos de um tempo conturbado LOREDANO Fim das esperanças sem fim José de Souza Martins A política no país com “medo de existir” Renato Lessa A viagem dos lucros Horácio Lafer Piva Violência: a compulsão de prender Marcos Rolim Lições do Cardeal Ratzinger para Bento XVI Hans Küng Iraque: dividir para sobreviver Peter W. Galbraith No espelho retrovisor, a ameaça nuclear Hans Blix Meio ambiente: desastres “civilizados” Francisco Foot Hardman O que os muros não separam Demétrio Magnoli Todas as faces do populismo Luiz Felipe de Alencastro O legado de Fidel Castro Anthony DePalma Corpos em sacrifício, no altar das vaidades Maria Rita Kehl Música para reouvir, reouvir... Luiz Tatit Os artistas da fome no Pan Nuno Ramos I tube, You Tube, we all tube Sérgio Augusto Travessia ‘06/07 O ANO REVISTO ALIÁS ESCALAPB PB ESCALACOR COR %HermesFileInfo:J-1:20061231: O ESTADO DE S. PAULO J DOMINGO 31 DE DEZEMBRO DE 2006 7 8 9 10 11 12

Retrospectiva Estadão - 2006

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Produto: ESTADO - BR_B - 1 - 31/12/06 J1 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

OtraçohumorísticodeLoreda-noeLéoMartins,asfraseseasimagensqueatordoaram2006,ospersonagensquefizeramumanomaisvirtual,maisnuclear,menosverde.HouvetraiçãonoPalácioefidelidadenasurnas,intolerânciaexacerbada,gentequeimadavivaeumquêdecho-ronaCopa.Aomenos,novôlei,sobroualegria.

Retratosdeumtempoconturbado

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Fim das esperanças sem fim José de Souza MartinsA política no país com “medo de existir” Renato Lessa

A viagem dos lucros Horácio Lafer PivaViolência: a compulsão de prender Marcos Rolim

Lições do Cardeal Ratzinger para Bento XVI Hans KüngIraque: dividir para sobreviver Peter W. Galbraith

No espelho retrovisor, a ameaça nuclear Hans BlixMeio ambiente: desastres “civilizados” Francisco Foot Hardman

O que os muros não separam Demétrio MagnoliTodas as faces do populismo Luiz Felipe de Alencastro

O legado de Fidel Castro Anthony DePalmaCorpos em sacrifício, no altar das vaidades Maria Rita Kehl

Música para reouvir, reouvir... Luiz TatitOs artistas da fome no Pan Nuno Ramos

I tube, You Tube, we all tube Sérgio Augusto

Travessia‘06/07

O ANO REVISTOALIÁSESCALAPB PB ESCALACOR COR

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O ESTADO DE S. PAULO J DOMINGO31 DE DEZEMBRO DE 2006

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Produto: ESTADO - BR_B - 2 - 31/12/06 J2 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

❝Política não existesem mãos sujas. Não dápara fazer sem botar amão na merda❜❜● Paulo Betti, ator, que saiuem defesa do governo Lula,em jantar oferecido ao can-didato à reeleição na casado ministro Gilberto Gil

❝Derrotado não fala,espera. Eu estareiesperando, amandosempre a Bahia,cada vez mais❜❜● ACM, senador (PFL-BA),admitindo a derrota de seugrupo para Jacques Wagner

❝O mensalão não existiu.Havia apenas umesquema tradicionalde acertos de dívidasde campanha❜❜● Luiz Gushiken, ex-chefe doNúcleo de Assuntos Estratégi-cos, em entrevista ao Estado

❝Peço a você que, casodite uma sentença demorte, se dê conta de queSaddam é um homemmilitar e que a execuçãodeve ser feita por dispa-ros e não pela forca, co-mo qualquer criminoso❜❜● Saddam Hussein,ex-ditador do Iraque, quefoi condenado à forca

❝Os vizinhos doNorte não precisamse preocupar, pois nãopretendo exercer meucargo até os 100 anos❜❜● Fidel Castro, presidente daCuba, em um discurso de duashoras e meia

❝Falei com o generalPinochet e ele me disseque o único ouro queele possui é ode sua aliança decasamento❜❜● Pablo Rodríguez, advogadodo ex-ditador, sobre as acusa-ções de ter toneladas de ourodepositadas em Hong Kong

❝Nós temos umaburguesia muito má,uma elite brancamuito perversa❜❜● Cláudio Lembo, governadorde São Paulo, culpando a elitebrasileira pelos ataques do PCC

❝E o que os deputadosfazem? Não

roubamtambém?❜❜

● Marcola, emdepoimento à CPIdas Armas

❝Eu façoparte da

população. Tambémestou amedrontado❜❜● Márcio Thomaz Bastos, minis-tro da Justiça, sobre a onda deataques do PCC em São Paulo

❝Cansei de ganhardinheiro com meu corpo.Agora, quero ganhardinheiro com minhainteligência e esperteza❜❜● Bruna Surfistinha, em entre-vista a BBC de Londres

❝A qualidade caiubastante. Não gosto domodo como fazem efeitosobre o cérebro❜❜● Keith Richards, guitarrista dosRolling Stones, ao explicar porque parou de consumir drogas

❝Não há ninguém comoeu no mundo. Sou o íconeloiro da década❜❜● Paris Hilton, patricinhaamericana, em momentode humildade

❝Parece ummonte de velhinhosespertos querendo juntardinheiro pra pagarseus geriatras❜❜● Rita Lee, roqueira, sobrea volta dos Mutantes

❝Não queria namorar.Queria sexo mesmo❜❜●Hebe Camargo, apresentado-ra, sobre sua quedinha pelorei Roberto Carlos

Indomáveispensamentos

❝A Síria precisadizer ao Hezbollahque pare com todaessa merda ❜❜● George W. Bush, presidente dosEUA, em entrevista coletiva, sem per-ceber que o microfone estava ligado

❝Político que não é atornão transmite nada❜❜● FHC, ao dizer, em entrevista ao Estado, quefazer política é fazer arte

❝Um senhor em uma feirafalou que essa eleição tem orei da abobrinha (Lula) e ochuchu (Alckmin). Agoravai ter a pimentinha❜❜● Heloísa Helena, então presidenciável pelo PSOL,sobre os outros candidatos e seus perfis

❝Ontem o diabo esteveaqui. Portanto, cheira aenxofre esta mesa ondeme coube falar❜❜● Hugo Chávez, em discurso na Assem-bléia Geral da ONU, ao se referir ao arqui-rival George W. Bush

FRASES ‘06:O queelesdisseram(semquererouporquerer) emtiradasqueaindaecoamnamemória

❝Numa mesa de 12,um traiu Jesus, e na mesados Inconfidentes, umtraiu Tiradentes❜❜● Lula, dizendo-se traído pelos companheiros

❝Se você conhecer umapessoa muito idosaesquerdista, é porque elatem problemas❜❜● Lula, assumindo uma posição mais de centro

❝O Brasil é aextremidade mais sexydo catolicismo❜❜● Bono Vox , vocalista do U2, quandoesteve no País para dois megashows

❝Onde estava o Senhornaqueles dias?❜❜● Bento XVI, em visita ao campo deconcentração de Auschwitz

❝Se Newton Cardoso sealia com o lado bom do PT,imagine as alianças do ladomau. O problema serádistinguir os detalhesquando eles se reuniremno mesmo banho de sol❜❜● Fernando Gabeira, deputado (PV - RJ), sobreo ex-governador de Minas Gerais

❝Essa história de que Lula é ocandidato dos pobres é gogó. Atéporque eu sou mais pobre que ele ❜❜● Geraldo Alckmin, durantes as eleições presidenciais

❝Assim comoele falou que euestou gordo,ele bebe❜❜● Ronaldo Fenômeno,sobre o presidente Lula

LÉO MARTINS

LOREDANO

LOREDANO

LOREDANO

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‘● CAPA:Moema Cavalcanti ● PESQUISA “O ano revisto”: Natália Consonni Cesana

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J2 ALIÁS DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

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Produto: ESTADO - BR_B - 3 - 31/12/06 J3 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

O fim das esperanças sem fimJosé de SouzaMartins*

Chegamos ao final doséculo 20 com seisanos de atraso. Umséculo muito longo emuitovagarosoque,

para nós, brasileiros, começouem 1888 com o fim da escravi-dão negra e, um ano depois,comaRepública.Esselongosé-culo 20 foi um século de pro-messas históricas de redençãodo gênero humano, promessasde advento político do povo,promessasdesupressãodasin-justiças sociais e promessas deascensão social e política dospobres e desvalidos. Foi o sécu-lo das grandes lutas sociais, atéde revoluções populares, dosmovimentossociaisedeocupa-ção da fortaleza das estruturasreferenciais e duras do AntigoRegime brasileiro. Mas foi,também, o século da repres-são,da derrotadas revoltas po-pulares e dos movimentos so-ciais, o século de metas históri-cas realizadas pela metade edahistória inconclusa.

A reflexãosobre o ano que seinicia e a era que ele, em princí-pio, inaugura, para ter substân-cia, depende de que não se des-conheçam os fatores crônicosdessa lentidão e se identifi-quem padrões de recorrênciaque nos remetem, de modo in-sistente,paraareiteraçãodefa-tores de bloqueio na mudançasocialepolíticaenostornamre-féns do mesmismo. É bobagemdizer que o Brasil é um país tra-vado. Há governantes trava-dos,masopaísavançaaseumo-do. Encontra seus caminhos deprogresso nas veredas da or-dem, avança conciliando com apermanência.

Aqui o povo demorou muitoparase manifestarcomoprota-gonista de demandas sociais epolíticas próprias, para se dar aver como dono de vontade cole-tiva e de projeto social. Temossido, historicamente, um povodependente das instâncias dadominação política do Estado ecarente de vontade própria efi-caz. Nosso drama está no abis-mo que separa a sociedade civildoEstado.AquioEstadosemo-ve como se fosse outra socieda-de. A questão dos vencimentosdos deputados e senadores éum dos indícios dessa distâncianoperíodorecente: faltadecon-vicção democrática da políticacomo representação e delega-ção.Estadoesociedadeseapro-ximam unicamente no períododeeleições,demaneiraesquizo-frênica, um dizendo uma coisaea outraentendendo coisa bemdiversa. Essa é nossa herançaestruturaldaescravidão,daso-ciedade civil restrita e do povodescartável e irrelevante. Aparticipação política do povo é,noBrasil, quase que tão somen-te teatro e, não raro, comédia.

Na sociedade contemporâ-nea, as demandas e as esperan-ças se manifestam nos movi-mentos sociais. E aqui no Brasilépormeiodelesqueomeropro-cesso eleitoral ganhou, às ve-zes, um coadjuvante, uma revi-

são periódica, um conteúdo re-novado. Os países socialmentemaisdesenvolvidos,ondesurgi-ramos movimentos sociais mo-dernos, propriamente políti-cos, os incorporaram com cria-tividade e energia ao diálogocom o Estado. Isso não quer di-zerque oEstado nãotenhaumarazãoprópriaeque tambémelenão tenha que fazer ajustes,concessões e arranjos para re-conciliar-se continuamentecom a sociedade.

A compreensão e a realiza-ção desse equilíbrio é que defi-ne o chamado estadista. Gover-nar, qualquer um governa, so-bretudo porque o aparelho deEstado não raro voa no pilotoautomático. Vimos isso nesses

quatroanos.Oproblemaéquan-doopilotode carneeosso,oquedeve pensar, tem que tomar de-cisõesquandoopilotoautomáti-cochegaaolimitedesuaautono-mia. O verdadeiro estadista sepropõenosmomentosdetransi-ção, os difíceis momentos damudança inevitável, que pededecisão,criatividadeediploma-cia, momentos em que a brava-ta engana, mas não ajuda, nãotransforma, não cria.

Tivemos,nahistóriabrasilei-ra,algunsdessesmomentosde-cisivos e nem sempre tivemos àmãoum estadistaparaassumirasresponsabilidadesdamudan-ça com discernimento, capazdecompreendereexecutaraes-perança possível e substantiva.A independência com unidadee conciliação revelou que o Paísnascia pelas mãos de estadis-tas, como José Bonifácio.

Quando a questão do traba-lho servil se tornou incontorná-vel, embora o debate tenha searrastado durante décadas, asolução foi construída politica-mente de modo a não inviabili-zar um projeto de nação que co-meçara com a Independência.Entre abolição com reformaagrária, uma alternativa pro-posta pelo senador Sousa Dan-tas, da Bahia, e a abolição com apreservação da grande lavourade exportação, separada daquestão da propriedade, vin-gou a última. Gente como Antô-nio Prado amparava a tese deuma economia acumulacionis-ta contra a de uma economiadistributivista. Foi o que asse-gurou o desenvolvimento eco-nômico, a industrialização e amodernização do País.

O trabalho livre, por seu la-do, não assumiu a forma e ascaracterísticas do trabalho as-salariado. Não criou um prole-tariado agrícola e resultou emmudanças sociais que já conti-nham mecanismos de conten-ção do conflito social e da politi-zação das demandas sociais.Com a expansão industrial e aconveniência política da con-versão plena das relações labo-rais em relações contratuais, eo reconhecimento formal dotrabalholivrecomotrabalhoas-salariado, com a Revolução deOutubro de 1930, as novas lide-ranças criaram uma legislaçãopara a cidade que não se esten-diaaocampo.Preservavam,as-sim, o anseio de progresso nomarco da ordem. Mantiveramformas rentistas, socialmentearcaicas, de acumulação da ri-queza, combinadas com for-mas modernas e capitalistas desua reprodução.

A questão do trabalho nocampo explodirá na década de1950. O Brasil conseguira adiarpor mais de um século a trans-formação da questão do traba-

lho em questão política. Surgi-rá, inevitavelmente, associadaàquestãoagrária.Duranteadé-cada de 1950, o trabalho ruralse politiza como demanda porreformaagrária,remeteaques-tão laboral no campo para aquestão da propriedade da ter-ra. Essa forma de encaminha-mento da questão será atalha-da pela aprovação de um Esta-tuto do Trabalhador Rural, nogoverno de João Goulart, sepa-rando a questão trabalhista daquestão fundiária, tentativa deconciliação que não deu certo.

No entanto, o arcaísmo ru-ral, religioso e político autono-mizou a questão da proprieda-de e levou adiante a luta pelareforma agrária por meio degrupos sociais enraizados natradiçãoconservadora.Temsi-do assim desde então. Goulartnão conseguiu encontrar saídanapolíticadeconciliaçãodatra-dição republicana. Foi depostopelos militares porque, no fun-do, não agiu como estadista,criativamente,nomarcodopro-gresso na ordem.

Por isso, não é estranho queonde falhou a política tivessevingado a força: os militares,que haviam derrubado o presi-denteconstitucionalparaimpe-dir a reforma agrária radical,tomaramainiciativadepromo-ver a reforma constitucionalque viabilizava a reforma agrá-riae de propor ao País um Esta-tuto da Terra.

A criação das condições ins-titucionais da reforma agráriafoioúltimoajusteestruturalsig-nificativo da história brasileira,ainda no marco da conciliação.Fez dela a última grande de-manda das esperanças semfim, das esperanças de mudan-ças profundas a partir de con-tradições tópicas e de alcancelimitado. Essa é a característi-ca da história social brasileira:fragmentarascontradições,en-

fraquecê-las e resolvê-las sepa-radamente, sem revoluções.

A era que termina abre umcenário de protagonismo socialmediatizado. Hoje a ordem re-guladora tem como agentes oschamados grupos de media-ção, a extensa rede de institui-ções não estatais que servem aumaconcepçãodeEstadoequedirecionam as tensões sociais.Refiro-me às igrejas, em parti-cular à católica, ao MST e simi-lares, às ONGs, às muitas enti-dades supletivas do Estado,mastambémsupletivasdasfor-mas políticas de expressão davontade e das necessidades dopovo.Essaredenasceudafalên-cia dos partidos e da própria fa-lência do Estado, confinados do

ladodeládoabismoqueossepa-ra da sociedade. Esse é o coroa-mento de um longo e difícil pro-cessodeencaminhamentopolí-tico das demandas sociais. Nãotemostidoepisódiossignificati-vos em que o povo se apresentecomo protagonista eficaz desuaprópriahistória.Éfragmen-tário e manipulável. E nada nosdiz que esse cenário está mu-dando ou vá mudar.

Embora o povo tenha, final-mente, condições de atuar poli-ticamente, chegou tarde. Foichamado à festa de construçãopolítica do País quando a festajá estava terminada, as deci-sões tomadas, o edifício da par-ticipação política da sociedadecom suas estruturas erguidas,fora das quais pouco ou nada sepode fazer. Essa é a razão pelaqual esse povo tardio imagina-se no começo de uma festa

quando está no fim dela. Imagi-na-se com a missão de refazer ahistória quando, tudo indica,sua missão será a de cumpri-la,promovendo mudanças nos li-mites do que ficou.

Quando Lula fala numa elitede 500 anos que fez um país emseu próprio benefício, está di-zendo algo que não tem senti-do, a não ser justamente o deinduziropovoaver-se protago-nistadeumahistóriaquecome-çaria com o Partido dos Traba-lhadores. Quando as organiza-ções políticas sucessoras dosmovimentos sociais e das de-mandas populares querem re-começarumBrasilsemagrone-gócio, sem capital nem empre-sas, querem anular a históriaque as produziu. Se isso fossepossível,o desmonte dessa pro-blemática herança as desmon-taria também, porque são delaexpressões, na medida em quesuas demandas são impotentesporque já determinadas pelasestruturas políticas que herda-mos desse passado social. Nes-se sentido, o discurso de Lulanão está referido ao futuro, auma era que começa, mas auma era que acaba. Ele próprioe seu partido parasitaram osmovimentos sociais, trataramde institucionalizá-los, deamansá-loseprivá-losdecriati-vidade social e política. Institu-cionalizaram a esperança co-mo expectativa messiânica, co-mo retorno milenarista à inau-guração da história. Mas nossubterrâneos da sociedade po-demtersobrevividoosprotago-nistas insubmissos dos proble-mas sociais ocultados. A espe-rança, neste possível novo tem-po, vai depender de democra-cia e liberdade no protagonis-mosocial epolíticodo povo. ●

* José de Souza Martins éprofessor titular de Sociologia da

Faculdade de Filosofia da USP

23/3:O caseiro e o ministroO caseiro Francenildo Costa de-nuncia o ministro da Fazenda, An-tonio Palocci. Em reação, o gover-no quebra o sigilo bancário, fiscale telefônico de Nildo.

4/5:SanguessugasA Polícia Federal prende 46 pes-soas suspeitas de participar daquadrilha que fraudava proces-sos de licitação e compra de am-bulâncias para municípios, des-viando verbas do Orçamento daUnião. O comando do esquemaera da família Vedoin.

4/8:Não sobrou ninguémA operação Dominó da Polícia Fe-deral resulta na prisão dos presi-dentes da Assembléia de Rondô-nia e do Tribunal de Justiça. Nocômputo geral, 23 pessoas presassob acusação de “sangrar” os co-fres públicos em R$ 70 milhões.

15/9:Dossiegate

Às vésperas do pri-meiro turno das elei-

ções, uma reportagemda revista IstoÉ com oempresário Luiz AntônioVedoin, em que ele afirmater documentos que implicamGeraldo Alckmin e José Serrano caso dos Sanguessugas,desencadeia uma crise.

20/9:ONGs sob suspeitaA revelação de que Jorge Lorenzet-ti (outro personagem do dossiega-te) recebera R$ 18,5 milhões doscofres federais leva a oposição alançar a idéia de uma CPI parainvestigar todos os repasses fede-rais para ONGs ligadas a petistas.

15/12:Do outro lado do crimeOitenta policiais são presos emoperações da PF para desbaratarquadrilhas ligadas à venda de ar-mas para bandidos e à máfia doscaça-níqueis no Rio.

Travessia ‘06/07:O povo foi chamadoparaa festadaconstruçãopolítica.Maschegou tarde

BETO BARATA/AE JOEDSON ALVES/AE

ED FERREIRA/AE ROBERTO JAYME/AE

MENSALEIROS – OsdeputadosProfessor Luizinho, JoãoMagnoe João Paulo Cunha foram absolvidos

ALIÁSO ANOREVISTO

2006>>

BETO BARATA/AE

CELSO JUNIOR/AE

HÁ GOVERNANTESTRAVADOS. MASO PAÍS, ESTEAVANÇA A SEU MODO

O POVO PENSA QUE VAIREFAZER A HISTÓRIA,QUANDO SUA MISSÃOSERÁ CUMPRI-LA

SEGUNDOPLANO–Poucos são os episódios em que a população brasileira se apresenta como protagonista eficaz de seu próprio destino social

6escândalose6pizzas

BETO

BA

RA

TA

/AE

Saídos do forno, em dois sabores

SANGUESSUGAS - Os senadores Magno Malta, Ney Suassuna e SerysSlhessarenko também escaparam da punição

TASSO MARCELO/AE

ESCALAPB PB ESCALACOR COR

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DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J3O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J3

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Quedrama?Tudo intrigae tramaRenatoLessa*

NUNCANESTEPAÍS–Umavitóriadoesforço individualouumfenômenohistóricoepúblico?

11/4:Varig, Varig,VarigLuladizquedinheiropúbliconãodeve“salvar”empresaspriva-dasenãopagaadívidadeR$7bi-lhõesdaVarig.Pormesesos funcio-náriosdacompanhiaaérea fazemprotestos.Finalmente,aVarigLogcompraaVarig,queassimretomapartedasoperações.

8/7:Cotas? Depois...Planalto decide revero Estatuto da Igualda-de Racial, que obrigaà criação de cotaspara negros no servi-ço público. Alega-ção: cotas raciaiscriam mais proble-mas do que solu-ções. Intelectuais emilitantes do movimento negrobateram pesado e a votaçãoficou para 2007.

14/9:O gás não é nossoA 17 dias da eleição, o presidenteLula é surpreendido por uma de-cisão do colega boliviano, EvoMorales, que confisca as instala-ções e o fluxo de caixa das refina-rias da Petrobrás naquele país.Morales já havia pegado o governobrasileiro desprevenido em maio,

quando nacionalizou as reservasde gás e colocou tropas do Exérci-to na porta das refinarias.

18/10:O índio, a Vale e LulaCerca de 150 índios xicrins, daTerra Indígena Catete, invadem oNúcleo Urbano de Carajás (PA),onde está uma das principais mi-nas de minério de ferro da Vale doRio Doce. A intenção é pressionara companhia para aumentar o di-nheiro destinado à comunidadeindígena. Um mês depois, o presi-dente Lula afirma que questõesligadas aos índios, quilombolas eao meio ambiente são entraves aodesenvolvimento, causando a irade militantes e ambientalistas.

26/10:Começa o caosAtrasos de até 15 horas tomamconta dos aeroportos brasileiros.

Por causa do acidente com oBoeing da Gol, controladoresaéreos decidem adotar a opera-ção-padrão e reduzir o númerode vôos monitorados por profis-sional. Há um empurra-empurrade responsabilidades entre In-fraero e Anac e o caos se esten-de até o fim do ano. A ver.

13/12:Salário máximoDeputados e senadores decidemquase dobrar os próprios saláriose garantem aumentos automáti-cos no futuro. Os parlamentares,

que hoje recebem R$ 12.847,20,passariam a ganhar R$ 24.500.O episódio rendeu até sermão doarcebispo de Brasília diante dopresidente da Câmara, Aldo Rebe-lo. Foi pouco. O STF derrubou oaumento, mas os congressistasanunciaram que retomarão aquestão em 2007.

TRAVESSIA ‘06/07: Apolíticaentre “anônimos”e “famosos”nunca “públicos”

Ofilósofo portuguêsJoséGil,em seupro-vocativo livro Portu-gal, Hoje: O Medo deExistir(Lisboa:Reló-

gio D'Água, 2004), faz mençãoao dístico gravado por sagazgrafiteiro–eaquiadotadocomotítulo – ao longo da parede daescadaria de Santa Catarina,quedesceparao elevadordaBi-ca, em Lisboa: “Não há drama,tudo é intriga e trama”. Na cha-ve interpretativa de José Gil, acoisaaplica-seaPortugalequerdizerqueali“nadaacontece,na-da se inscreve – na história ounaexistência individual, navidasocial ou no plano artístico”.Quando li, pela primeira vez, olivro de José Gil – que sustentaser Portugal marcado por um“medodeexisitir”eporumhábi-to de “não-inscrição” –, antes dequalquer ímpeto de refutação,lembrei-medeumatradiçãofor-te e de excelente qualidade nareflexão e no ensaísmo portu-guês, marcada por uma percep-ção ácida a respeito da históriadaquele país. Oliveira Martins eseu magnífico Portugal Contem-porâneo(1881)vieram-meàmen-tedeimediato,paranãomencio-nar a lembrança da acidez deEça de Queiroz com seu país,um tanto atenuada, é certo, emA Cidade e as Serras.

Mas não é, infelizmente, deboa literatura que se trata. Aquestãoqueseimpõeéaseguin-te:oque pode significar uma ex-periência nacional de “não-ins-crição”, ou de “medo de exis-tir”? Não é o caso, para já, deatestarourefutaraplausibilida-de da interpretação oferecidapor José Gil para Portugal. In-terpretações não se prestam atais jogos de detecção da verda-de e do erro, posto que valemantespeloqueprovocamdoqueporaquiloquesupostamentere-velam. O que pretendo é reteras imagens, fixar-lhes algunssignificados e como que apre-sentá-las à experiência brasilei-ra recente, para ver o que dissopoderia resultar.

NadefiniçãoorigináriadeJo-sé Gil, aqui aludida de formamais do que telegráfica, a não-inscrição e o medo de existir re-levam de uma experiência de“espaçonão-público”ou,emou-traspalavras,deausênciadees-paço público. Desta forma, ostermos do filósofo estão a indi-car uma disposição negativa aqualquercoisa dotada de algumatributo público. São as “tira-nias da intimidade”, das quaisbem dizia mal Richard Sennet,eoapegoàumaexistênciavidei-rinha – para introduzir entrenós delicioso e auto-evidentetermo português – que se im-põemcomoreferênciasàidenti-dade pessoal e coletiva.

Pois bem, do lado de cá doAtlântico as linguagens da vidaprivadaparecem ter colonizadonossas percepções e nossos dis-cursos sobre a política. Há portoda parte fragmentos desseprocesso.Oúltimodebatedose-

gundoturnodacampanhapresi-dencial de 2006 foi, nesse senti-do, modelar.

Naquela altura, a emissorasemi-oficial do país, dotada deilimitadasoberanianadefiniçãodaestéticaedaagendadosdeba-tes, pôs os candidatos – Lula e opobre Alckmin – literalmenteem uma “roda”. A isso deu o no-me de “debate”. Uma arena, ro-deadaporespectadores–entre-vistadores – pessoas comuns ou“anônimos”, para utilizarmos oidioma celebrês – circunscreviao espaço circular, por onde osdois candidatos debatiam-seem jogos peripatéticos. O notá-vel do experimento deveu-se aofato de que as perguntas, dirigi-das pelos “anônimos” e temati-camentereferidasaquestõesdeprogramadegoverno,foramto-dasredigidasapartirdeumpro-blema pessoal. Todas elas, noato mesmo de sua enunciação,tiveram como preâmbulo umaestória pessoal narrada na pri-meira pessoa. Algum gênio daestética dos debates, imagino,julgou ser mais apropriadotransformar aqueles eleitoresem seres dotados do privilégio eda sorte de falar aos candidatosde seus problemas pessoais, co-mo introdução necessária aquestões de interesse público.Porlógicasimétrica,ostelespec-tadores foram julgados maiscaptáveisapartirdasua exposi-ção a narrativas próximas asuas experiências pessoais. Tu-do bem. Uma boa forma paravender sabão em pó. Por quenão aplicá-la à política?

O público, dessa forma, só sefazpresenteapartirdagenerali-zação de experiências privadasepessoais.Aslinguagensdades-politizaçãoedareduçãodoespa-ço público a uma oportunidadede exibição midiática e de apro-ximação com “famosos” aca-bam por dar o tom. Parece claroseremdescabidoslamentosapo-calípticos de tal sorte, mas, aacreditarmos na inevitabilida-deenanaturalidade dessespro-cessosde“modernização”dapo-lítica,érazoávele,sobretudo,de-cente mudarmos as expectati-vas. Para menos, é evidente.

Oproblematodoresidenofa-to de que tais jogos de reitera-ção de experiências privadasnão constituem uma linguagempública, e essa falta incide nega-tivamente sobre a qualidade dainterpelaçãoqueoscidadãospo-dem fazer diante dos que os go-vernam. Quando ativos, emer-gem na cena pública para bus-car reparações pessoais.

Assimcomoodemônio,ades-truiçãodoespaçoedavidapúbli-camoranos detalhes.Adeterio-raçãoespantosadosserviçosaé-reos do país – que não deixa deser um índice de precarizaçãodoespaçopúblico–éapresenta-da invariavelmente como umacoleçãodedramas,digotramas,e infortúnios pessoais: o fígadoque não chegou a tempo para otransplante do menino, o joga-dor de futebol que não chegou atempo para o Natal em família eassim por diante.

Não é que não haja indigna-ção.Aspessoasaparecemtrans-tornadas, as pressões cardía-cas,decerteza,sobem,impropé-rios e palavrões abundam, mastudoissodissolvidoemumocea-

no de danos inscritos no mundodo direito privado: é entrar naJustiça para obter reparação fi-nanceira. Não é o caso de per-guntar: e os danos à vida públi-ca, como “indenizá-los”? O quenão emerge, para já, é um esfor-ço de imaginação voltado parainscreveraalarvidadeaéreaemuma queixa de natureza públi-ca.Mascomofazê-lo,seosagen-tes tradicionais de politizaçãoda sociedade – os partidos, porexemplo – são os primeirosexemplos de raquitismo cívico?

Adissipaçãodadimensãopú-blica, além de morar nos deta-lhes, parece vir de cima. Maisumavez,obelofilmedeJoãoMo-reira Salles vale como peça deelucidação. Ali testemunhamosa saga do então candidato Lula,na direção de seu inexorável en-controcom a vitória no segundoturno de 2002. Ali, por toda par-te,ossinaisdeumavitóriainter-pretada pelo seu protagonistacomo ápice de uma biografiapessoal, pontuada por marcasexpostas na perspectiva da vidaprivadadopersonagem.Seuca-tivante e genuíno “lado huma-no”acabouporrepornavidapú-blica uma versão, com altas do-ses de condensação popular, dohomem cordial, descoberto/in-ventado por Sergio Buarque deHolanda. No filme de João Mo-reira Salles, a vitória eleitoral,mais do que expressão de ummovimento histórico e público,ali ficou registrada como umasensação inscrita na lógica dos

sentimentos e da emoção. Mo-mentomaiordecondensaçãodeum megaesforço coletivo etransgeracional e, nesse senti-do,dotadodefortedimensãopú-blica, mas temo que confinadona sensação pessoal de triunfo.Quem rever verá.

No avesso desse avesso, ain-da no campo da última campa-nha eleitoral, a exibição da ho-nestidade e das virtudes pes-soais, por parte de alguns, aca-bou por valer como esforço derefutação da ética privatista napolítica. Pensem no semblantedo senador Jefferson Peres, ou

na indignação de Heloísa Hele-na. Na melhor das hipóteses, fi-camos com exemplos de com-portamentosindividuaisvirtuo-sos, se tanto. Nada que nos tiredasombraedosonodoraquitis-mo cívico e da rarefação da at-mosfera pública. A certeza ínti-madapurezaépoucodiantedes-se passivo.

A gravitação exercida nocampo político pelos fatores deordem privada é velha conheci-da do ensaísmo brasileiro, comfreqüência tido como exercíciodepensadoressociaispré-cientí-ficos. As marcas desse fator são

legionárias.Ohomemcordial, jámencionado – para quem só háesfera privada e pessoal –, o ho-mo colonialis, de Oliveira Vian-na, animal dendrófilo e protóti-podeumasociabilidademínimae insolidária, e o predomínio dahonrapessoalnasinterações,re-velado por Maria Sylvia de Car-valho Franco, todas essas per-cepções, ainda que de pontos devistaecompropósitosdistintos,convergemnodiagnósticodara-refação da vida pública.

Emquesentidoseríamos,en-tão,nãoinscritosouafetadospe-lo medo de existir? Os termosoriginais de José Gil estão asso-ciadosaumasensaçãodeapatiaequietismogeneralizados.Umasombra salazarista ali insinua-se, e já vislumbramos os seus si-nais: a frugalidade da côdea depão,ocheirodesacristiaeohor-ror ao movimento e à qualquermudança. O que a experiênciabrasileira recente parece reve-lar, ao contrário, é antes um hi-perativismo social, fortementeinscritonadimensãoprivadadavida.Nolugardacôdeadepão,oreinodo apetitedesenfreado,aoinvés da sacristia, as teologiasdoprogressoindividual.E,éevi-dente, nada de imobilidade einércia. Se não inscritos na vidapública, os “anônimos” brasilei-rossãoprotagonistasdeumpro-cessosocialimparávelemovedi-ço. Atestam-no as incontáveisredes da informalidade e, porquenãodizê-lo,daprópriailega-lidade. Milhões de brasileiros ti-

veram – e seguem a ter – acessoa bens essenciais – e. g., habita-ção e transporte – por meio deempreendimentos fundados nailegalidade. O termo “informali-dade”, de extração recente, agecomoeufemismoquesuavizape-la palavra os inúmeros circuitosde um empreendedorismo queproduzrendaeincorporamulti-dões ao mercado.

O falecido escritor alemãoWilliam Sebald, em um de seuslivros de ensaios (Guerra Aéreae Literatura, publicado em1999), utiliza a bela expressão“história natural da destrui-ção” – da lavra de Solly Zucker-man – para com ela descrever omundo arruinado das cidadesalemãs, destruídas pelos bom-bardeios aéreos da SegundaGuerra. Os marcadores dessemundo, revelados pela expres-são, constituem-se de ruínas si-lenciosas, moscas gordas, plan-tas que crescem sobre montu-ros e uma ampla variedade deescombros humanos. Paraalém – ou aquém – das explica-ções e interpretações, haveriaum domínio bruto, espaço deuma história natural.

Uma história natural da so-ciabilidade brasileira teria mui-to a nos revelar sobre as suasredes e sua aversão generaliza-da à legalidade. Aqui, o mundodo trabalho precarizado, da se-mi escravidão, das milícias pri-vadas, do transporte “alternati-vo”, da economia política da ha-bitação popular, da predaçãoambiental,dadelinqüênciapoli-cial, da pirataria etc. está a indi-car uma fenomenologia comcontornos expansivos. Suporque essa energia social contém-seemsi mesma enão constitui ouniverso da autoridade públicaé coisa, aí sim, para aloprados.Seoespectrodailegalidaderon-da a vida pública e institucionalbrasileira,seadelinqüênciapolí-tica e administrativa afirma-secom força por toda parte, pensoser necessário associar as suasevidênciasdeproporçõesintoxi-cantes à singela suposição deque há, no país, forte demandasocialecultural porilegalidade.

Talhistórianatural impõe-secomo condição de inteligibilida-de dos hábitos políticos e admi-nistrativos correntes. A detec-ção dos problemas apenas noplanodasinstituiçõesenodare-presentação política corre o ris-codedesconsiderarumaspectoessencial da trama. A força doscircuitosdailegalidade,associa-da à ambivalência dos circuitoslegais – que freqüentam de for-ma desenvolta os mundos da in-formalidade –, parece exigiruma superestrutura complexae sagaz. Mas, para que a culpade tudo não incida sobre a mal-ta,éforçosodizerquesuainape-tência cívica nada possui de na-tural. Ela é, antes de tudo, umproduto da oferta política. Eis aíum mundo de perfeito equilí-brio:ofertaedemandaapresen-tam-se como figuras exemplar-mentesimétricas.Chamamais-so de mercado perfeito. E, porassimser,“nãohádrama,tudoéintriga e trama”.●

*RenatoLessaécientistapolíticodo Iuperj eautorde

PresidencialismodeAnimação(VieiraeLent,2006).

ALIÁS

FILIPE ARAUJO/AE

2006>>

NO BRASIL, OPOLÍTICO OFERECEA ILEGALIDADEQUE O POVO DESEJA

O ANOREVISTO

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J4 ALIÁS DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

Page 5: Retrospectiva Estadão - 2006

Produto: ESTADO - BR_B - 5 - 31/12/06 J5 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

O efeito bumerangue dos lucros

24/1:That’s all folks!O Grupo Walt Disneyfecha acordo paraa compra da PixarAnimation Stu-dios, numa opera-ção avaliada emUS$ 7,4 bilhões.No acordo de com-pra entre as empresas, que já ti-nham uma parceria, cada 2,3ações da Disney foram trocadaspor uma ação da Pixar. Ao térmi-no do acordo, o fundador da Ap-ple Computer e presidente da Pi-xar, Steve Jobs, torna-se o maioracionista individual da Disney,com 7% das ações.

2/5:Conta conjuntaO Itaú compra o BankBoston noBrasil em um negócio pago emações. Controlador do BankBos-

ton, o Bank of America recebe cer-ca de US$ 2,2 bilhões em açõesdo Itaú. Em novembro, o Itaú com-pra mais duas unidades do Bankof America no exterior: o BankBos-ton Internacional, com sede emMiami (EUA), e o BankBostonTrust Company Limited, com se-de em Nassau (Bahamas), porUS$ 150 milhões.

26/6:Conversa de giganteA Arcelor aceita ser adquirida

por 27 bilhões de euros pelarival Mittal Steel, pondo fim acinco meses de batalha numadas mais acirradas disputas daEuropa. A combinação dasduas maiores siderúrgicas domundo forma uma gigante comparticipação de mais de 10%do mercado mundial.

9/10:Os hits do momentoO Google compra o YouTube,

fundado por Steve Chen e ChadHurley, maior site de comparti-lhamento e distribuição de ví-deos, por US$ 1,65 bilhão. OYouTube cresce de maneiraexcepcional desde a sua funda-ção, em 2005. A cada dia, maisde 100 milhões de vídeos sãovisualizados no portal.

24/10:Rumo à liderançaA Companhia Vale do Rio Do-

ce (CVRD) compra 75,66% docapital da mineradora cana-dense Inco. A Vale, que era aquarta maior mineradora domundo, torna-se, assim, a se-gunda maior. O negócio é con-siderado a maior aquisição járealizada por uma empresa

brasileira.

19/12:Tem suco na CocaA Coca-Cola e a Femsa(engarrafadora da Co-ca e dona da Kaiser)anunciam um acordopara a compra de100% das ações damexicana Sucos delValle por US$ 380milhões. A etapa se-guinte será a união dafilial da Sucos del Val-le no Brasil com aSucos Mais, que per-tence à Coca-Cola.

Horacio LaferPiva*

ALIÁSO ANOREVISTO

Umaresultanteobri-gatória no sistemacapitalistaéagera-ção de lucro. E es-se lucro, onde quer

que ocorra, se tiver boas ra-zões, retorna de várias manei-ras ao seu ponto original. Nes-se caminho pode gerar mais oumenos benefícios, mas seu sal-do costuma ser positivo. Assimsendo,buscá-lo,apartirdepre-missas adequadas, tem uma ló-gicaquenão podeserconfundi-da com dispersão.

Não se pode acreditar quehá quem ainda não esteja con-vencido da inexorabilidade daglobalização. Deve-se discuti-la, questioná-la, temperá-lacompolíticasnegociaiseestru-turantesquantoàscontraparti-das vis-à-vis a velocidade dasaberturas comerciais, mas elaé uma realidade inconteste.

Num mundo onde bits ebytes movem-se livrementesem ter de se preocupar comtempoouespaço, fezbemoBra-sil de aceitar o desafio da inser-ção internacional. Aliás, era fa-zer ou fazer. Deveria, de fato,tersidomaisbem-cuidada,cer-tamente melhor negociada,mas, em tempos em que a cre-dencial principal é o conheci-mento, no qual ciência e tecno-logia estão convertidas em for-ça produtiva estratégica e agestão criativa abre espaço pa-ra mais ousadia, o caminho es-tava dado e negá-lo seria com-prometer o futuro.

Durante muitos anos fica-mos a discutir mecanismos deproteção que regulassem a ins-talaçãodeempresasouachega-da de produtos similares de fo-ra do país. Uma discussão vi-brante,oportuna em algunsca-sos, mas fadada a ter no futuroseu lugar apenas na história.

Parecechegada a hora,pois,de “invadir as praias dos grin-gos”. Embora sempre se possamostrar ao mundo que este éumpaíssemproblemasdefron-teiras,sempretensõeshegemô-nicas, sem complexas questõesraciais, sem crises naturais,com grande demanda reprimi-da, e, portanto, pronto paracrescer muito mais, é tempo delevarnossacriatividadeeexpe-riência de gerenciamento decrises e ciclotimias para outroslugares do mundo.

Difícil? Não. Não somentecada vez mais exportamos nos-sos executivos, reconhecidoscomo talentos na arena da ad-ministração, como já podemosver chineses andando em auto-móveis da General Motors fa-bricados no Brasil, voando emaeronavesdaEmbraer,proces-sando celulose de florestasplantadas da Aracruz. Há hojeárabes consumindo carne bra-sileira,russoscalçandomaissa-patos da Azaléia, americanosusando motores Weg, africa-nos movendo-se em ônibus daMarcopolo. Para não falar doboom das havaianas e do mer-

cadopotencialdeSonhodeVal-sa, Bis e Requeijão Poços deCaldas... Nossa presença, em-bora ainda tímida, é bem-acei-ta, crescente e multissetorial.

Estudos empíricos revelamque a empresa internacionali-zada normalmente tem produ-tividade e rentabilidade maio-res do que suas congêneres dosetor.Nãohácomprovação,co-mo alguns alegam, sobre a re-duçãodeexportaçõese,seocor-rem em um primeiro momen-to, certamente crescem em se-guidacomocomércio“intrafir-ma”. Além do que há uma con-cordância de que empresasmais competitivas fortalecema estrutura produtiva do país

como um todo.Foram-seantigospreconcei-

tos que bradavam contra a ex-portaçãode empregos, de capi-tal,desubstituiçãodasexporta-ções de bens do Brasil para aprodução no exterior, de au-mento do pagamento de tribu-tos em outros países. E não pe-lo que possam ter tido de válidoenquantoalertas,maspelodes-foque nesta quadra econômicado mundo.

Para aqueles que navegampor esse vetor, a resposta é queinvestimento no exterior é rea-ção das empresas, não a causade problemas. E que o governodeveria se preocupar em tor-nar o ambiente mais favorávele atraente aos negócios, commenos burocracia, mais infra-

estrutura, mais flexibilidadenas regras trabalhistas, menoscarga tributária, menor pre-sença do setor público.

Contudo, as razões são maiscomplexas, não obstante a li-ção de casa sistêmica que te-mos internamente de fazer.Companhias como a Vale doRio Doce, Petrobrás e outrassão casos de grande geração decaixa com visão de negóciosmundiais. Casos de sucessoque merecem ser estudados,corporaçõesquesatisfazemne-cessidades e criam novas opor-tunidades para elas mesmas etodasasoutrasqueconsciente-menteresolvam buscarocami-nhodocrescimentoforadoBra-sil, já que o que guia a expansãopara o exterior são a ousadia eas oportunidades de negócios.

Os motivos são vários. Hágrupos que desejam apenascriar uma percepção de que al-cançaram o padrão de globalplayers.Algumasindústriasad-quirem plantas, e com isto ele-vam a média de seus ratings,captando recursos a um customenor. Há ainda o caminho domercado de capitais, que quersaber quem é quem, e apreciaoperações sem fronteiras. Ouseja, há uma lógica produtivis-ta, mas não menos importanteque sua estratégia financeira.Demandasesubstituiçãodeim-portação locais, sinergia comos clientes, acompanhamentodos concorrentes, escala e re-cursos mais baratos são resul-tados diretos nesse ambientetão competitivo e, na maioriadas vezes, com reflexos nos in-vestimentos e nos bolsos dosacionistas.

Aliás, nos países avançados,festeja-se o sucesso. O lucronão é um pecado, entendido co-

momeioparaodesenvolvimen-to, que é a tradução de cresci-mento com justiça social.

Podemosreparar,entretan-to, que não são muitas, ainda,as empresas brasileiras comunidades produtivas no exte-rior. Claro, há aquelas que in-corporaram novas compa-nhias, mas operações greenfiel-ds ainda são esparsas. Não di-minui, entretanto, o valor doavanço geográfico, que por sisó, seja como for, costuma serum caminho sem volta.

Que não se perca muito tem-podiscutindoseaempresabra-sileira está ou não pronta paraomundo.Empresáriossãoprá-ticos, sabem fazer contas, ava-liamambientes,maximizamre-sultados, que é o que deles seespera. Compromissos comsustentabilidade e, novamen-te, com seus acionistas.

Embora a principal fonte definanciamentodainternaciona-lização ainda seja o capital pró-prio, o fato é que o mundo estáfinanciandoasoperaçõesbrasi-leiras como nunca. Prazos lon-gos, taxas baixas, garantias ra-zoáveis,reduçãoderiscoscam-biais ativo-passivos. A prospe-ridade mundial gera liquidez,que por sua vez procura ativosem empresas ou mercados ain-da não maduros. Procura comafinco, e nem sempre sucesso,já que o outro lado deste “pro-gresso” é a valorização dessespatrimônios, com múltiplos dealavancagem que inviabilizamalgumas das pretensas bem-vindas consolidações.

Não há garantia contudo, aocontrário, de que tal situaçãoperdure,demaneiraque temosde ser rápidos, lutar pela maiorfatiapossívelderecursosemer-cados, ganhando massa e con-

sistência para conquistar umainércia própria se e quando afase,sempre cíclica, das “vacasmagras” retornar.

Além disto, temos desenvol-vido em algumas de nossas es-trelasumaexcelênciatodapró-pria em gestão. Estas, por suavez, disponibilizam cada vezmais suas melhores práticas,gerando um ciclo virtuoso. Opotencial de crescimento, as-sim, inclusive nos seus valoresintangíveis, é enorme.

Ora, se o mercado internoandadébileseasempresasbra-sileiras são mais competitivasque seu próprio país, não há dese estranhar o movimento.

Ao contrário, quem sabe es-

tá-se a destravar nosso poten-cial de crescimento. Nessasdesbravadoras a inovação per-meia toda a organização, a tra-dicional hierarquia top-downse reinventa, os compromissossãocomresultadosefetivos.Es-tas empresas sabem superar oestágio de fatores, o da eficiên-cia e já navegam no da inova-ção. É natural que elas se sin-tam mais à vontade para saltosnovos, e que, fruto desta atitu-de, incorporem novos vetoresde crescimento.

Ora,sequeremosmaisresul-tados no País, façamos o que setem de fazer para tal. Os diag-nósticosesugestõesestãoàme-sa e são bem exeqüíveis. Mas,enquanto isso, aceitemos tam-bém que as margens geradas

em outras paragens retorna dealguma forma para o País, sejaem dividendos, seja em produ-tos ou respeito à maioridade denossas comparações.

Sem construção de um pa-drão de competitividade mun-dial, não há como conviver coma globalização e, simultanea-mente, reduzir a exclusão so-cial,valorizaracidadaniaedes-cortinar uma perspectiva aosbrasileiros, em especial aos jo-vens, para que possam vislum-brar o futuro não mais comouma possível ameaça mas co-mo uma efetiva promessa.

A única maneira de nos li-vrarmos desta dependênciaquase infantil dos humorescruéisdaglobalizaçãoéenfren-tando-a. Já há muito sabemosque o comércio internacional éuma fonte de crescimento. E asempresas descobriram que,além do aumento de produçãoe redução de custo, obtêm maistecnologia, seja pela importa-ção, ou mesmo pelo desafio dacompetição.

Buscar novas fronteiras é odestino,e bastante próximo, demuitas das corporações brasi-leiras. São bons sinais.

Não há que se simplificar asexplicações, mas também nãosofisticá-la em demasia. Cres-cernãoéumaexpressãodevon-tade, mas produto de ações, e aúnica forma de criar cresci-mento sustentado é por meiodas empresas privadas, semmedo do lucro responsável, on-de quer que ele aconteça.●

* Horacio Lafer Piva, empresárioe ex-presidente do sistema

Fiesp/Ciesp. Preside a Associa-ção Brasileira dos Fabricantes

de Celulose e Papel (Bracelpa) eo Instituto DNA Brasil.

2006>>

TRAVESSIA ‘06/07: Empresasbrasileiras investem lá fora eprovam daglobalização

6 grandesnegócios

O MUNDO ESTÁFINANCIANDO COMONUNCA AS OPERAÇÕESBRASILEIRAS

SEM UM PADRÃO DECOMPETITIVIDADE,COMO GLOBALIZAR EREDUZIR A EXCLUSÃO?

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Anefastasanhadeprendermais,mais...MarcosRolim*

28/1:Bebê da Pampulha“A droga dessa menina.” É assimque Simone Cassiano da Silva serefere à filha de 2 meses depois deconfessar ter colocado a criançana Lagoa da Pampulha, em BH,dentro de um saco de lixo.O bebê, encontrado vivo, foientregue a um casal queesperava na fila de adoções.

14/8:Facada emCopacabanaAs férias terminam de formacruel para a família portuguesaBordalo. O filho do casal, An-dré, 19 anos, é esfaqueado nabarriga por Claudeci Bezerrada Silva e morre na praia deCopacabana.

10/9:Morreu num sábado,após o drinqueSete meses depois que o Tribu-nal de Justiça anulou a condena-ção a 632 anos pelas 111 mor-tes no Carandiru, o coronel Ubi-ratan Guimarães é achado mor-to com um tiro na barriga. Tudoaponta Carla Cepollina, a namora-da, como suspeita. Ela foi indicia-da após forjar provas e ser des-mentida pelo porteiro do prédioonde morava o coronel.

29/10:Sem a filha e sem defesaDaniele Toledo do Prado é acusa-da de pôr cocaína na mamadeirada filha de 1 ano. A criança mor-reu. O laudo atesta que não haviadroga na boca do bebê. É solta. Nacadeia, foi espancada.

10/11:Seqüestro passionalAndré Luiz Ribeiro grita “Queromatar na frente da Globo!” Faza ex-mulher e 40 reféns por 10horas, num ônibus, na BaixadaFluminense. É preso.

11/12:Horror em BragançaA família de Eliana Faria da Silva érendida por dois homens. Assal-tam a loja onde ela trabalhava eincendeiam um carro com ela, omarido, o filho de 5 anos e uma

vendedora. Todos morreram.

28/12:À moda do PCCSó no incêndio de um ônibus inte-restadual morreram sete pes-soas. Numa madrugada de pâni-co, como que repetindo no Rio deJaneiro o horror do PCC, delega-cias e cabines de polícia forammetralhadas. Um soldado da PMque patrulhava a Lagoa, regiãonobre da cidade, morreu atingidopor 12 tiros. Durante o dia, houvearrastão em Bangu. O saldo final,até o fechamento desta edição, éde 18 mortos.

Governantes, gesto-res,magistrados, le-gisladores e forma-dores de opinião de-vem lidar com pro-

blemas reais e, tanto quantopossível, procurar soluções pa-ra eles. No Brasil, entretanto,tornou-se comum que, entrepessoas com responsabilida-des públicas, o compromissomais autêntico seja o de procu-rar estabelecer uma sintoniacom o senso comum e as expec-tativas socialmente dissemina-das – ainda que isto signifique,como ocorre normalmente,agravar os problemas reais.

Poucos temas atestam tãodramaticamente tal inclinaçãooportunista e demagógica co-moaquelessuscitadospelosde-safios da segurança pública. Osistema prisional e as políticasdeexecuçãopenalaparecemco-mo questões emblemáticas daincapacidadedos governos – detodos eles, bem entendido – emformatar políticas capazes deproduzirresultadosbenéficosàpopulação.

Em dezembro de 2005, se-gundo dados consolidados peloDepartamento PenitenciárioNacional (Depen-MJ), o Brasilpossuía pouco mais de 361 milpresos. Isto significa, tendo emconta a média de crescimentoda massa carcerária brasileira,que já ultrapassamos a barrei-ra dos 400 mil presos no País eque teremos, se nada for feito,cerca de 1 milhão de detentosnos primeiros anos da próximadécada.Hoje,apenasparasere-ceber o incremento anual depresos(parasemanter,portan-to, a situação de superpopula-ção prisional inalterada), seriapreciso construir, anualmente,cerca de 80 novos presídios pa-ra500presoscada.Oqueimpli-caria um custo de quase R$ 1bilhão, sem contar o que passa-ria a ser gasto com milhares denovos agentes e com o custeiodas novas instituições. Uma es-timativa que torna claro porque a idéia de “construir maispresídios”é,paraalémdaemer-gência e do desespero, uma“não-proposta”.

Ao contrário do que muitosacreditam,oBrasiléumdospaí-ses onde mais se aprisiona, sen-do que, na última década, maisdo que dobramos nossas taxasde encarceramento. Esta ten-dência, tornada mais nítida apartir da aprovação da “Lei dos

crimes hediondos” (Lei nº8.072/1990), está se acentuan-do por conta da extraordináriasensação de insegurança, moti-vada, em parte, pelo aumentodas ocorrências de determina-dos crimes – e, portanto, peloalargamento de experiênciasconcretas de vitimização – e, deoutra, pela transformação daviolênciaemumespetáculoren-tável por boa parte da mídia na-cional. Pressionados por resul-tados, policiais tendem a pren-der mais, promotores produ-zem mais denúncias e apelos,magistrados passam a decre-tar prisões preventivas comose estas fossem a regra do pro-cesso penal e a prolatar senten-ças mais longas e, last but notleast, os membros do Congres-soNacional alteraram a legisla-ção, criando novas figuras típi-cas, agravando penas e tornan-do a execução penal mais rigo-rosa.Taismedidas,sempresau-dadaspela opiniãopública, logose demonstram inócuas, mas ociclo da demanda punitiva – aoinvés de se fechar – retoma ocaminhojátrilhado, identifican-doasnovasmedidascomoinsu-ficientes ou “pouco rigorosas”.Como em um sintoma neuróti-coderepetição(wiederholenpa-ra Freud, ou “pedir novamen-

te”), insiste-se na mesma recei-ta de fracasso, exige-se mais domesmo.

Mas, como na psicanálise, orepetido nunca é exatamente omesmo. No caso da elevaçãodas taxas de encarceramento eda deterioração das condiçõesde vida nas prisões, o que fize-mos foi contribuir para o au-mento das séries causais e dasdinâmicastipicamentecriminó-genas. Em outras palavras:comacrescentedemandapuni-tiva e a generalização da recei-ta “prender mais” e “endurecero jogo com os bandidos”, o quese alcançou foi a produção demaiscrimesedemaisviolência.

Osespecialistasnaárea–pe-lomenosaquelesquenãoesque-ceram suas lições em troca decargos – sabem que legislaçõesmais rigorosas não significammenos crimes e que impunida-de tem muito mais a ver com aincapacidade de produção daprova do que com os marcos le-gais. As evidências são inúme-ras. Holanda e França, porexemplo, tiveram 12% de au-mento nas taxas criminais en-

tre 1987 e 1996, sendo que a Ho-landaencarcerou,nomesmope-ríodo, 20 vezes mais do que aFrança. Situações assemelha-das fizeram com que, em no-vembro de 2002, gestores dossistemas penitenciários de 44países do Conselho Europeu,reunidos em Estrasburgo, ob-servassemqueonúmerodepre-sosemcadanaçãoédetermina-do pelas respectivas políticascriminais e não pelas taxas cri-minais. Ou seja: cada sociedadepode escolher, por várias ra-zões, o número de presos quedeseja ter, se quer altas taxasdeencarceramentoounão.Fin-lândia, Canadá e Alemanha,por exemplo, escolheram dimi-nuir drasticamente suas popu-lações carcerárias sem que dis-to tenha resultado qualquer di-nâmica criminógena. Pelo con-trário, os estudos disponíveisapontam para o sucesso destasexperiências que apostaramem penas alternativas para agrande maioria dos delitos.

Para esta decisão, é precisosaber, primeiro, que a incapaci-tação produzirá, sempre, umefeito muito modesto sobre osfenômenoscontemporâneosdacriminalidade e da violência.Comalgunspoucosperfis infra-cionaisépossívelsealcançarre-sultados apreciáveis de redu-ção de crimes com a prisão (taléocaso,emregra,dascondena-ções de responsáveis por cri-mes sexuais, de latrocidas, deassassinosseriaisouderespon-sáveisporvárioshomicídios,dearticuladores de quadrilhas, detorturadores e de corruptos ecorruptores), mas, para o con-juntodascondenaçõesàprisão,os efeitos imediatos quanto àstaxascriminaisépróximodeze-ro. Estimativas do Home Office(doReinoUnido)apontampararedução de apenas 1% nas taxascriminais para cada aumentode 15% da população carcerá-ria. Uma relação considerada“otimista” por alguns pesquisa-

dores.Istoocorreporqueasfun-ções antes exercidas por aque-lesque foram encarcerados sãorapidamente ocupadas por ou-tros, sendo o tráfico de drogasapenas um dos exemplos.

Todos aqueles que manda-mos à prisão, dela sairão maiscedo ou mais tarde. E o fato éque saem ou mais habilitados apraticar crimes mais graves oumarcados de tal forma pelo es-tigma que jamais encontrarãouma chance de sobrevivênciaforadasalternativasilegais,ain-da que tentem. A experiênciade encarceramento tem sido,assim, um dos principais meca-nismos pelos quais se opera aprodução do crime em escala“industrial”. O que vale aindamais para as piores prisões, pa-ra aquelas que asseguram, so-bretudo, sofrimento, onde nãohá qualquer respeito à dignida-de dos detentos, onde a torturasebanalizou, ondenãohá inves-timentos em educação e profis-sionalização e onde os própriosfamiliaresdosapenadossãohu-milhados. Tal é, precisamente,o caso da esmagadora maioriadas prisões brasileiras.

O caso de São Paulo oferece,neste contexto, com o surgi-mento e consolidação do PCC,asevidências mais eloqüentes arespeito da produção do crimee da violência a partir de umaexperiência massiva de encar-ceramento, para adultos e ado-lescentes, construída com baseno desrespeito à lei e à dignida-de das pessoas. O Estado, comose sabe, possui cerca de 40% detodos os presos brasileiros e éaquele que mais investiu naconstrução de novas prisões.Mais do que isso, foi também olugarondeseconcebeuumregi-meespecialdeexecuçãopenal–o Regime Disciplinar Diferen-ciado –, pelo qual é possível iso-lar completamente um presopor até dois anos. Tal experiên-cia, assinale-se, foi colocada ini-cialmenteemvigoremSãoPau-

losemqualquerbase legal (a re-forma que trouxe o RDD para aLei de Execução Penal, de duvi-dosa constitucionalidade, sóocorreuem2003).Mas,quandose trata de descumprir a Leicontra condenados ou suspei-tos, não parece haver, de fato,maiores problemas no Brasil.Pelo contrário, o senso comum,aculturainstitucionalreprodu-zida pelas polícias e a condutada grande maioria dos agentespúblicos (incluindo nossa “qua-lificada” representação políti-ca e parcelas significativas dos

membros do Ministério Públi-co e da Magistratura) legiti-mam tais ilegalidades com mui-ta freqüência, por inação ou pe-lo tipo de militância anti-huma-nista que se alastrou como umapragaemmeioaestesrepresen-tantes das elites brasileiras ca-racterizadospeloseuânimoemfavor de políticas de tolerânciazero e inteligência idem.

O Estado democrático de di-reito, instituiçãoaindafrágilpe-lolegadodeautoritarismo,lassi-dão moral, ausência de espíritopúblicoeinsensibilidadedasca-madas privilegiadas, aguarda omomento de ser apresentadoàsinstituiçõesdesegurançapú-blicanoBrasil,oqueéverdadei-ro para as polícias e, sobretudo,para o sistema prisional.

Estamos, na verdade, dian-te do desafio de enfrentar, combase no diálogo com os acúmu-los teóricos e as evidências co-lhidas pela pesquisa científicaem todo o mundo, um caminhodemocrático capaz de produ-zir políticas de segurança pú-blica eficazes. Uma opção quese afirme desde a identificação

dos fatores de risco, preditivospara o crime e a violência, e dosagenciamentos que os tornamimediatamente possíveis – querompa, portanto, com a visãotacanha que reduz o tema dasegurança ao papel a ser de-sempenhado pelas polícias eque estruture a prevenção co-mo uma prioridade de Estado;que forme um Serviço Nacio-nal de Pesquisas de Vitimiza-ção e um Sistema Unificado deInformações Sobre Crime eViolência no Brasil; que refor-meprofundamentenossaspolí-cias, qualificando-as, remune-rando decentemente seus pro-fissionais, protegendo-os e as-segurando-lhes a perspectivade uma carreira profissional(reforma que não se fará sem adesconstitucionalização domodelo de polícia e sem que seexpurgue das corporações oscriminosos que lá atuam); quelance as bases para um direitopenal mínimo e para a emer-gência de formas inovadorasde tratamento de conflitos, co-mo a mediação comunitária e aJustiça restaurativa, entremuitos outros passos.

O Brasil não pode, em sínte-se, se permitir a irresponsabili-dade de seguir tratando do te-ma da segurança pública combaseno sensacionalismomidiá-tico e nas frases de efeito saca-das das estratégias de marke-ting político. Nem, tampouco,podemosautorizarqueaincom-petência governamental e a de-magogia reinante justifiquemsuasopções desastradas, mobi-lizando o medo. Senão por ou-tro motivo, porque, como o dis-se Samuel Taylor Coleridge,“em política, o que começa co-mo medo normalmente termi-na em loucura”. ●

*Marcos Rolim é jornalista,escritor e professor da Cátedra

de Direitos Humanos doCentro Universitário Metodista

IPA (Porto Alegre)

Travessia ‘06/07:Nossosistemaprisional só liberaa real incapacidadedos governos

ALIÁS

CELSO MEIRA/EFE

CLÁUDIA ANDRÉA MOREIRA/O TEMPO

NÚMERO DE PRESOSÉ DETERMINADO PORPOLÍTICAS, NÃO PORTAXAS CRIMINAIS

MELHOROU?–NasrebeliõesdoPCC,evidênciaseloqüentesdaproduçãodocrimeedaviolênciaapartirdaexperiênciadeaprisionamentomassivo

O ANOREVISTO

2006>>

JOS

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AO CONTRÁRIO DOQUE SE DIZ, O BRASIL ÉUM DOS PAÍSES ONDEMAIS SE ENCARCERA

ALEX SILVA/AE-14/05/2006

6 crimes e umcaso suspeito

ESCALAPB PB ESCALACOR COR

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J6 ALIÁS DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

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Produto: ESTADO - BR_B - 7 - 31/12/06 J7 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

As lições que o papa levouHansKüng*

NAMESQUITAAZUL-Aomenoscomosmuçulmanosopapaaprendeualgumacoisa

1/2:Charges e insultosOjornal francêsFrance Soir republi-caas charges sobre Maoméestam-padasemdiáriosda Dinamarca eNoruega, queaproximam areligiãoislâmicado terrorismo. Num deles,o turbantede Maoméé umabom-ba;noutro, o Profeta tenta barraros suicidasque chegamaoParaísodizendo“as virgensacabaram!”Elas revoltamosmuçulmanos, queentreumamanifestação eoutrafechamembaixadasnospaí-sesnórdicose boi-cotamprodutos.

26/4:BudismoespetacularDalaiLama,princi-pal líderespiri-tualdobudismotibetano,chegaa

SãoPaulo.Esbanjandobomhumor,falasobrevaloreshumanosepazentrereligiõesempalestrascujoingressocustaR$120.Celebrida-deseafinscomparecemempeso.

19/7:Bush e a bioética

Defendendo a tese de que aciência não tem o direitode interferir no que foifeito por Deus, o presi-dente norte-americanoGeorge W. Bush usaseu poder de veto pela

primeira vez e der-ruba a lei quepermitiria ofinanciamen-to público depesquisascomcélulas-tronco deembriõeshumanos.

Cientistas

reagem alegando que a cura devárias doenças depende dessetrabalho. O porta-voz da CasaBranca disse que o presidente nãoaprova a idéia de “pegar uma coi-sa viva e torná-la morta para finsde pesquisa científica”.

23/11:Revendo conceitosOVaticano finaliza relatóriomuito aguardado sobre o uso depreservativos como forma de com-bater o vírus HIV. Mesmo depoisde a ONU divulgar que os índicesde infecção no mundo têm cresci-do constantemente, a Igreja é cau-telosa ao liberar os resultados dodebate para que “a promiscuidadenão seja encorajada”.

3/12:Quem irásubstituí-lo em SP?Dom Cláudio Hummes parte parao Vaticano após oito anos comoarcebispo de São Paulo. Ele vaiassumir o cargo de prefeito daCongregação do Clero, responsá-vel pelos assuntos relativos a to-dos os 400 mil padres espalhadospelo mundo.

17/12:AumpassodasantidadeO Vaticano reconhece o segun-do milagre do beato frei Galvão:ter salvado a vida de mãe e be-bê em 1999, 177 anos após suamorte. Assim, ele já pode setornar santo em 2007, durantea visita do papa Bento XVI aoBrasil. Há oito anos, o frei foibeatificado por João Paulo II,que reconheceu as curas feitaspor meio das famosas pílulasdo frei Galvão.

2006>>

Em visita recente àTurquia,opapaBen-to XVI fez de sua re-tórica ainda maisque amistosa. O teó-

logo não virou um diplomata,comosugeriramalgunscomen-taristas,massuapassagemporlá mostrou que, desde seu dis-curso em Regensburg, em 12 desetembro, o pontífice aprende-ra uma lição.

As observações sobre o Islãque ele citou em discurso na-quela cidade alemã não foramapenaspoucodiplomáticas.Fo-ram erradas. A pregação doprofeta Maomé não foi, de ma-neira alguma, desumana. Eleelevou as tribos árabes ao nívelde uma nobre religião ética emonoteísta. O Islã não é umareligião de violência, mas umareligião de submissão ao Deusúnico, o mesmo Deus dos ju-deusedoscristãos.EAlá–tam-bém o nome pelo qual os cris-tãos árabes invocam o Senhor– não é nenhum Deus arbitrá-

rio, mas um de justiça e miseri-córdia.

Fica evidente que o papaaprendeu uma lição simples-mentepelofatodequeapolêmi-ca preleção que ele deu em Re-gensburg já foi revisada pelaterceiraveze,naúltima,30pas-sagens foram sutilmente corri-gidase13notasderodapéacres-centadasparaquemaisesclare-cimentos fossem feitos.

Entretanto, o esclarecimen-to poderia ser levado muitomais longe: por exemplo, a teo-logia muçulmana atribui parti-cular importância à afirmaçãode que a fé muçulmana é racio-nal e não requer a crença emquaisquer dogmas contrários àrazão. Em proveito do papa, 38ilustres eruditos muçulmanosde todo o mundo responderam,ponto por ponto, e de uma ma-neira admiravelmente concre-ta, aos enganos e incompreen-sões comuns entre cristãos.

Isso em si é um fato sem pre-cedentes.Eleéimportantetam-bém porque refuta enfim o pro-pagado clichê de que os muçul-manos não querem o diálogo.

Em sua viagem à Turquia, opapanãorepetiuascitações so-bre o Islã que havia feito na Ale-manha. Ao contrário, mostrou-se pessoal e publicamente dis-posto a aprender sobre a reli-giãocomopresidentedaautori-dade religiosa estatal, Ali Bar-dakoglu. Isto confirma o apelode Bento XVI por um diálogohonesto, porque tal diálogo re-quer que cada lado tenha aces-so a informações sérias sobre ooutro. Requer também empa-tia, sensibilidade em relação

aosoutros–etambémaquiBen-to XVI aprendeu uma lição.

Obviamente chocado com areação vigorosa e violenta asuas palavras por todo o mun-do muçulmano, o papa mos-trou sinais de empatia na Tur-quiaqueprovavelmentenãote-ria se permitido cogitar mesesantes. Ele foi admiravelmentecontido em Hagia Sophia (San-ta Sofia), o museu e ex-mesqui-ta construída para ser umaigreja cristã. Ele orou em silên-cio com o grande mufti na Mes-quita Azul, equivalente muçul-mano a Santa Sofia. Mais tar-de, agitou uma bandeira turca.

Essas imagens e gestos sãocom freqüência mais eficazesdo que muitas palavras. Em si,eles não são nada, a menos quesejamseguidosporumcompro-misso contínuo com o diálogo.Ainda assim, além da informa-ção e da empatia, esse diálogorequer um terceiro elemento:reflexão e autocrítica de ambasas partes.

A esse respeito, por exem-plo,odocumento“DominumJe-sus” – publicado em 2000 pelocardeal Joseph Ratzinger, cin-co anos antes de sua eleição co-mo papa, precisa ser revistocom urgência. Com frieza dog-mática, ele renova uma preten-são arrogante ao predomínioda Igreja Católica Romana tan-tosobreoutras igrejascomoso-bre outras religiões, uma pre-tensão que a maioria das pes-soas considerava extinta de-pois do Concílio Vaticano II(1962-1965).

Se a Igreja Católica precisaadotar um tom menos presun-çoso para com outras fés, paí-ses muçulmanos como a Tur-quia também precisam avan-çar no tratamento de suas mi-norias religiosas.

A senha é liberdade religio-sa. Sob o governo Erdogan, aTurquia está empenhada numexperimento momentoso parase ver até que ponto um Estadosecular e o Islã podem ser com-patíveis.Foramnecessáriossé-culos – até o Concílio VaticanoII – para a Igreja Católica final-menteaceitarosdireitoshuma-nos e, em particular, a liberda-dereligiosa.Maselafinalmenteo fez. Essa aceitação tambémdeveria ser possível no Islã.

Os desdobramentos na Tur-quia estão sendo atentamenteacompanhados em todo o mun-do islâmico: será que ela conse-guirá estabelecer um curso en-tre o secularismo anti-religiosoe o fundamentalismo religioso?De qualquer modo, os ataquesterroristas de 11 de setembrode2001,eossubseqüentes,pro-vocaram uma discussão inten-sa sobre violência e terrorismoem muitos países muçulma-nos. Isso também é importantepara um diálogo franco.

Um diálogo cristão-muçul-mano construtivo não deveriaerguer novas barreiras contra,porexemplo,amodernidadese-cular. A função da religião nãoé principalmente se opor, masapoiar, estar presente para ho-mens e mulheres de hoje.

É fato que a secularizaçãoinevitável da modernidade le-vou em parte ao consumismo,ao relativismo e ao niilismo

com conseqüências desuma-nas. Nisso as críticas levanta-das pelo islamismo e o cristia-nismo se justificam. Mas asduasreligiões,elaspróprias, fo-ram muitas vezes a origem decrueldades. Hoje deveriam semostrardefensorasdahumani-dade, coisa que felizmente temacontecidocomfreqüência.Es-te compromisso com o bem-es-tar comum deveria ocorrertambémentrehomensemulhe-res cujas idéias são seculares,com base nos valores e padrõeséticos básicos compartilhadosa que chamamos de uma éticahumana ou uma ética global.

E quanto à Igreja Ortodoxa?Melhorar as relações com essaigreja não teria sido justamen-te o principal objetivo da visitado papa à Turquia? Se esse pa-pa fez progressos nas relações

com o Islã, terá avançado tam-bém com cristãos que lhe sãomais próximos?

Dificilmente. Por mais li-ções que o papa tenha aprendi-do em outras áreas, muito pou-co aconteceu nesta frente. É fa-

to que Bento XVI tem invocadocom freqüência a unidade com-pleta entre a Igreja Católica e aIgreja Ortodoxa como uma me-ta,comofizeramseuspredeces-sores Paulo VI e João Paulo II.Agora, como eles, o papa estánovamente convidando líderes

ortodoxosaseunirem num diá-logo fraterno para determinarmaneiras em que o trabalho dePedro possa ser tocado semprejuízo do respeito à sua natu-reza e essência.

O que ele quer dizer com is-so? O que está realmente acon-tecendo?

Maisanosdetrabalhoemco-missõessobreassuntosrelacio-nados ao papado são completa-mente inúteis. As soluções pro-postas por teólogos e comis-sões têm sido postas na mesahá décadas enquanto o Vatica-no as ignora. Não há falta deconhecimento teológico. O queestá faltando é outra coisa: Ro-ma estar disposta a renunciaràssuaspretensõesdepoder,co-mungando do espírito cristão.

O queos chefes supremos denossas igrejas diriam aos cris-

tãos que querem se reconciliaruns comos outros, além de con-tinuar anunciando apenas no-vas conversações, pequenospassos, mais oração e esperan-ça no Espírito Santo? Eles cer-tamente ficariam impacientes,exigindo mais comprometi-mento, mais franqueza e maisdisposição de assumir riscos.Avançar com amor e abertura.

Será que podemos contarcomqueBentoXVItenhadispo-sição para esse compromisso?E será que ele terá a força ne-cessária?

Seu encontro com o Patriar-ca Bartolomeu I, ecumenica-mente aberto, foi decepcionan-te. Ele foi pouco além do beijofraternal que Paulo VI haviatrocadocomoPatriarcaAtená-goras em Jerusalém, no ano de1964. Naquela ocasião, as exco-munhõesmútuasde 1054,o anodo cisma, foram revogadas.Por que não restaurar final-mente, bons 40 anos depois da-quele encontro em Jerusalém,a primeira comunhão com umacelebração compartilhada daeucaristia?Emvezdisso,emIs-tambul, o bispo da Velha Romaapenas assistiu passivamenteà celebração da eucaristia pelobispo da Nova Roma.

O principal obstáculo à res-

tauração da antiga unidade daigreja é e continua sendo a pre-tensão do papa ao poder sobreas igrejas orientais, uma pre-tensão que vem sendo mantidadesde o século 11. Como argu-mentou meu colega em Tübin-gen, Joseph Ratzinger – e o fezpor escrito em 1982 –, Roma de-ve exigir do Leste uma doutri-na de primado não maior doque a que foi formulada e prati-cada no primeiro milênio.

Isso significa que não deve-ria haver nem um primado dejurisdição não bíblico sobre asigrejasorientais, talcomofoire-clamado por Roma a partir doséculo 11, nem um primado in-conseqüente de honra. Em vezdisso,na tradiçãocompartilha-da do primeiro milênio, o bispode Roma deveria gozar estrita-mente de um primado pastoralecumênico. Nisso João XXIIIpoderia servir de exemplo: elese limitou amplamente a lide-rança espiritual, inspiração,mediação e coordenação.

Meu conselho cordial a SuaSantidadeopapaBentoXVIse-ria: por favor, aprenda com oprofessor Joseph Ratzinger deTübingen! ●

*Hans Küng é padree um dos principais teólogos

católicos da atualidade.Por seus questionamentosao poder papal, o Vaticano

retirou sua autoridade eclesiásti-ca para lecionar em 1979.

Depois da proibição, foinomeado professor de teologiaecumênica na Universidade de

Tübingen, na Alemanha,onde se aposentou em 1996.

Travessia ‘06/07:Os entravesdodiálogocristão-muçulmanoe amodernidadesecular

ALIÁS

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QUANDO FALOUSOBRE O ISLÃ, NÃO FOIMAL COMPREENDIDO.O PAPA ERROU

A DIFICULDADE É QUEROMA NÃO ABRE MÃODE SEU PODER SOBREOS ORTODOXOS

NÃO É POSSÍVEL QUE40 ANOS DE DIÁLOGOENTRE IGREJAS NÃODÊEM RESULTADO

6 fatosreligiosos

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DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J7O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J7

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Produto: ESTADO - BR_B - 8 - 31/12/06 J8 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

UmIraquepartidoemtrês.Resolve?Peter W.Galbraith*

10/1:Ameaças nuclearesEmoutubro, a Coréiado Norteanunciou ter explodido, no subso-lo, seuprimeiro artefatoatômico.Meses antes, emjaneiro, o presidente do Irã,MahmudAhmadinejad,retomouo programanu-clearde seupaís.

5/5:Mogadíscio caiMilícias islâmicas tomama capital da Somália, am-pliando uma guerra que ma-tou mais de 350 civis só nos últi-mos três meses. Sem um governodesde 1991, o país é disputado portropas supostamente apoiadaspelos EUA, de um lado, e pela re-de Al-Qaeda, de outro. No fim doano, a Etiópia lança uma ofensivacontra os somális e declaraguerra ao país.

30/5:Estado de emergênciaXanana Gusmão, presidentedo Timor Leste, declara estadode emergência no país e assu-me o controle do Exército e dapolícia. Segundo o governo, adecisão foi tomada em conjun-

to com o primeiro-ministro. Oestopim dos conflitos teria si-do a demissão de 591 militaresque participaram de protestotrabalhista em março.

13/7:Israel cerca LíbanoMais de 50 libaneses – entreeles quatro brasileiros-libane-ses – morrem no segundo diade violentos ataques de Israel aalvos civis e do grupo xiita Hez-bollah em território libanês. Emagosto, foi assinado um cessar-fogo. Cerca de 1.100 pessoasmorreram no Líbano, sendo30% delas crianças com menosde 12 anos. No lado israelense,as baixas somaram 150.

2/8:A volta de quem não foiNum ataque suicida contra um

comboio da OTAN, 21 civis mor-

rem nas proximidades de Kanda-har, ao sul do Afeganistão. A cida-de é a capital do movimento Tale-ban, que voltou a mostrar-se forteem 2006. Foi o ano mais violento

desde a guerra de 2001. Os confli-tos custaram a vida de 3.900 pes-soas, segundo dados oficiais. Istoé: quatro vezes mais mortos doque em 2005.

Travessia ‘06/07:Aguerracivil queo ilusionismodeGeorgeW.Bushnão podecamuflar

Era bem cedo, na ma-nhã de 22 de feverei-ro de 2006, quandoinsurgentes iraquia-nos, certamente su-

nitas ligados à Al-Qaeda, explo-diram o santuário Askarya emSamarra. Não há como negarqueo derramamento de sanguee o caos no Iraque a partir destefato foram os detonadores deuma guerra civil.

Os xiitas acreditam que oMahdi, o 12º e último imã, desa-pareceu numa caverna debaixodaquele santuário em 878 e vol-tará um dia para promoverumaeradepazejustiça.Dopon-todevistadosxiitas iraquianos,a derrubada de Saddam Hus-sein e a vitória eleitoral delesnas eleições parlamentares de2005 constituíram um ato dejustiça há muito devido a umamaioria perseguida. Já os fun-damentalistas sunitas, aquelesque destruíram o santuário deAskariya,deram oseguinteavi-so: não aceitarão a nova ordemno Iraque.

Naquele dia da explosão, àtarde, líderes iraquianossereu-niramemBagdá,noquartel-ge-neral do líder curdo MassoudBarzani, onde eu estava hospe-dado.Apesardaspalavrascora-

josas conclamando a unidadenacional, deram-se conta doque estava por vir – a guerra ci-vil.E souberam que eram impo-tentes para impedi-la. Porém,se decidirmos acreditar nas pa-lavras do presidente George W.Bush e nas de seus principaisassessores, o que está havendono Iraque não é uma guerra ci-vil.Ou seja, a falta de disposiçãodo governo americano de en-frentararealidadeafeta direta-mentesuacapacidadedeplane-jar uma estratégia para lidarcom a catástrofe na qual setransformou o Iraque.

A explosão de violência queteve início em 22 de fevereiroatingiu proporções alarman-tes. Diariamente, atiradores,carros bombas e esquadrões damorte matam uma média de100a200sunitasexiitas.Acapi-tal iraquiana, antes uma mistu-ra heterogênea de sunitas e xii-tas com uma pequena parcelade curdos cristãos e masdeís-tas,estáagoradivididaentrexii-tas ao leste e sunitas a oeste. Oscurdoseasminoriasnãomuçul-manas cada vez mais buscam arelativa segurança do Curdis-tão, no norte do Iraque, ou sim-plesmente deixam o país. Paraos milhões que permanecem, avida é cheia de restrições e te-mores.

No leste de Bagdá dominadopelos xiitas, a segurança e o quese passa por lei e ordem é pro-

porcionado pelo ExércitoMahdi, uma milícia xiita ligadaao clérigo radical Muqtada al-Sadr.Nooestedominadoporsu-nitas,muitosbairrossãocontro-ladospelaAl-Qaeda,seusimita-dores e pelos baathistas.

As instituições públicas doIraque são uma piada. O alar-deado governo de unidade na-cional, liderado pelo primeiro-ministro Nouri al-Maliki, estáeternamente à beira de um co-lapso, incapaz de chegar a umacordo sobre qualquer questãopolítica importante e com seusmembrosxiitasconstantemen-teameaçando seretirarda coa-lizão.

OExército do Iraque está di-vidido entre batalhões xiitas,sunitasecurdosemgrandepar-te homogêneos. Estas unida-des rotineiramente se recusama cumprir ordens do líder civillegal, quando tais ordens en-tram em conflito com os dese-jos de seus líderes étnicos oureligiosos. Não é de surpreen-der que poucos iraquianos con-fiem na polícia ou no Exércitonacional.

Noiníciodenovembro,quan-do insurgentes sunitas massa-craram xiitas em Baquba, umacidademista a noroeste deBag-dá, os líderes xiitas locais nãopediram ajuda ao Exército ira-quiano nem aos americanosqueestavamnasproximidades.Em vez disso, chamaram oExército Mahdi de Bagdá, quematoudezenasdesunitasdeBa-quba – muitos deles sem qual-querrelaçãocomosataquesan-teriores. Os restantes, simples-mente foram expulsos da cida-de. Era isto, evidentemente, oqueosxiitaslocaisqueriamdes-de o início.

Autoridades do governoBush há muito vêm sustentan-do que as notícias provenien-tes do Iraque são muito melho-res do que as que aparecem namídia, pois 14 das 18 provínciasdo país estão seguras. O gene-ralGeorgeCasey,omais impor-tante de todos os comandantesamericanos a serviço por lá,chegou ao ponto de afirmarque o Iraque não está em guer-ra civil porque grande parte doterritório está pacífico, com 80a 90% da violência ocorrendosomente dentro de um raio decerca de 50 quilômetros ao re-dor de Bagdá. Pelos critériosde Casey, a Guerra Civil ameri-canatambém nãofoiuma guer-ra civil.

Namelhordashipóteses,no-ve das províncias estão segurase três destas estão localizadasnoCurdistão,que éconstitucio-nal e funcionalmente indepen-dente do restante do Iraque. Asoutras seis províncias segurasestão no sul xiita que tambémtem um governo separado da-quele em Bagdá e nas quais osmilicianos aplicam a lei islâmi-ca no estilo do Irã enquanto ig-noramde todoaliberdadequeaconstituiçãoiraquianasuposta-mente garante.

Quando há um quadro deguerra civil, uma estratégiacujo objetivo é construir um go-vernodeunidadenacionaleins-tituições nacionais de seguran-ça, tais como Exército e polícia,não funciona. Não apenas o go-verno de unidade nacional está

muito dividido como tambémnão governa nada, quanto maisBagdá.

O Grupo de Estudos sobre oIraque, bipartidário, presididopelo ex-secretário de Estadodos EUA, James Baker, e peloex-deputado democrata, LeeHamilton, recomenda que amaioriadossoldadosdecomba-te americanos se retirem poretapas até 2008. E que os solda-dos que restarem fiquem paratreinareoferecerapoioaoExér-cito e à polícia iraquiana. O queparece é que eles vêem polícia eExército como possíveis garan-tidores neutros da segurançapública. Mas, na verdade, elessão é sunitas ou xiitas, comba-tentesnumaguerracivil.Otrei-namento fará apenas com quefiquem mais letais.

O grupo também recomen-daaaberturadeconversas comIrã e Síria. Já que o governoBush não tem alternativas paralidar com as ambições nuclea-res do Irã e parece incapaz de

promover a paz entre árabes eisraelenses, faz sentido conver-sar com Irã e Síria. Neste está-gio, porém, nenhum dos doispaíses poderá fazer muito parasolucionar a crise no Iraque,

mesmo que estejam dispostos.Porque trata-se de uma guerracivil auto-sustentada e, a me-nos que haja uma grande mu-dança na relação de Síria ou Irãcom o Iraque, nenhum dos doispaíses tem qualquer motivo pa-ra ajudar os EUA a se livraremda encrenca.

Encarar o fato de que o Ira-que vive uma guerra civil deixaclaras as escolhas americanas.Os EUA podem tentar unir umpaísquenuncafuncionououen-

tão pode aceitar o fato de que opaísestáquebradoequeasaídaé buscar acordos bilateraiscom as regiões curda, sunita exiita. Na primeira opção, osEUAteriamqueservirdepacifi-cadores entre sunitas e xiitas,missão que exigiria muito maissoldados, duraria anos e produ-ziria incontáveis baixas. A se-gunda opção representa umasaída para os EUA.

UmIraque segmentado con-sistiria no Curdistão ao norte,umregiãoxiitacompostadeno-ve províncias no sul e outra re-gião, sunita, incluindo três dasprovíncias no coração da insur-gência – Anbar, Nineveh e Sa-lahaddin. Enquanto a fronteirada região xiita corresponderiaa províncias que já existem, afronteira entre a região curda ea árabe-sunita é matéria de de-bate. A constituição iraquianaprevê um referendo no fim de2007 para definir se a provínciade Kirkuk, rica em petróleo, fa-rá parte do Curdistão ou do Ira-

que árabe.Bagdá poderá ser a capital

única para todo o país, mas tal-vezpreciseserdivididapolitica-mentepararefletiradivisãoen-tre oeste sunita e leste xiita. OCurdistãocertamentesetorna-rá independente num futuronão muito distante, mas tantoos iraquianos xiitas quanto ossunitassearrogamumnaciona-lismo que talvez permita que osdois grupos permaneçam asso-ciados por laços frouxos numúnico Estado.

Solitáriosentreosoutrosira-quianos,osárabessunitasresis-tem à divisão – alguns por nos-talgia do tempo em que coman-davam, outros porque rejeitamtudo o que aconteceu desde queSaddam Hussein foi deposto.Mas como o Curdistão já existee o parlamento iraquiano jáaprovou uma lei formando umaregião xiita, os sunitas terão deescolher entre formar sua pró-pria região ou se transformarnum vazio entre o Curdistão e osul xiita.

Os sunitas podem ganharmuito com a divisão. A insur-gência sunita é impulsionadapela hostilidade contra os ame-ricanos e contra o governo cen-tral dominado por xiitas. Nasua própria região, os sunitaspoderão ter um Exército e cui-dar da sua própria segurança.Temem, contudo, serem priva-dos dos recursos do petróleo lo-calizados ao norte e ao sul. Parafacilitar a divisão, curdos e xii-tasjáfecharamumacordoasse-gurandoaossunitasumaparce-la proporcional das receitasprovenientesdopetróleodoIra-que. Além disso, há grandesáreas sunitas onde o petróleoainda não foi explorado.

OsvizinhosárabesdoIraquetemem que a dissolução possaestabelecer um precedente pa-raseusprópriospaíses,mastal-vez concluam que um sul domi-nado por iranianos é preferívelà dominação iraniana de todo oIraque.

ATurquia,ondevivem14mi-lhões de curdos, está preocupa-da que um Curdistão indepen-dente desperte sentimentos se-paratistas por lá. Se bem que ogoverno em Ancara tem reagi-do de forma pragmática, culti-vandolaçoseconômicosepolíti-cos com o Curdistão – que, co-moaprópriaTurquia,ésecular,não árabe, pró-Ocidente e pró-democracia. Um Curdistão in-dependente seria uma zona-tampão útil entre a Turquia eum Iraque dominado pelo Irã.

OqueestaguerracivilnoIra-que está dissolvendo é um paíscriado por forasteiros que, aolongo dos seus 80 anos de histó-ria,trouxesofrimentoparaqua-se todo o povo. A grande virtu-de da partição é que esta é umasolução iraquiana para um pro-blema iraquiano.

Será incrivelmente doloro-so, mas não há qualquer moti-vo para acreditar que a forma-lização desta divisão fará dascoisas piores. Se tudo der cer-to, pode até diminuir um quêda violência.●

*Peter W. Galbraith éex-embaixador dos EUAna Croácia e um dos que

expuseram crimes de Saddam

ALIÁS24/11:Violência pós-SaddamCercade160pessoasmorremematentadoemBagdá,nodiamaissangrentodesdeainvasãodosEUA,em2003.Emdezem-bro,enquantoacorteiraquianamarcavaparajaneiroaexecu-çãodeSaddamHus-sein,ogovernoameri-canodivulgaqueonúme-rodesoldadosmortosnoIraquesuperouodasvítimasdo11/9.

SEM RECONHECERQUE HÁ UMAGUERRACIVIL, NÃOHAVERÁ SAÍDA

A GUERRA CIVILDISSOLVE UM PAÍSQUE SÓ TROUXESOFRIMENTO AO POVO

ASKARYADESTRUÍDA–O ataquecontra santuárioxiitapartiudefinitivamenteo Iraque

ATEF HASSAN/REUTERS

O ANOREVISTO

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Como recolocar o gênionuclear na garrafaHansBlix*

2006>>

Travessia ‘06/07:OusadiasdaCoréiado Norteedelíriosdo Irã agitamoclubedos com-armas

Osacontecimentosre-centes na Coréia doNorte e no Irã fize-ram soaros alarmesemmuitaspartesdo

mundo. A Coréia do Norte tes-tou um míssil de longo alcanceem 5 de julho e uma bomba deplutônio em 8 de outubro e, ape-sar de nenhum dos dois testester sido um sucesso absoluto, aameaçaqueelesrepresentamfi-cou clara.

Em 11 de abril, o Irã anunciouque havia enriquecido uma pe-quena quantidade de urânio edeclarou que agora fazia partedo“clubenuclear”.Emboraoní-vel de enriquecimento tenha si-do baixo e os iranianos tenhamdito que seu objetivo é produzircombustível para usinas deenergia, quem consegue enri-quecerurânioa3,5%,comooIrãalegaterfeito,temacapacidadede enriquecê-lo até os níveismais altos necessários parauma bomba.

Pode-se dizer que China,França, Rússia, Reino Unido eEstadosUnidosformaramapri-meira onda de Estados com ar-masnucleares.QueÍndia,Israele Paquistão, a segunda. Estare-mostestemunhando agora umaterceira onda que poderá ini-ciardisseminaçãoaindamaior?

Creio que isto pode ser evita-do.Bastaqueosgovernosseate-nhamaoprojetooriginaldoregi-medenão-proliferaçãoquehojeestá sob pressão.

Nos anos 1960, ministros daDefesa de muitos países acha-vamque asarmas nucleares po-deriam se tornar indispensá-veis e comuns. Líderes como opresidente John Kennedy te-miam a instabilidade que se se-guirianum mundoemquedeze-nas de países tivessem dedosem gatilhos nucleares.

O Tratado de Não-Prolifera-ção (TNP), de 1968, visava ummundo sem armas nucleares.Para isto, os países que não astinham foram convidados a nãoadquiri-las. Em troca, ganha-riam acesso à tecnologia nu-clear pacífica. Os cinco que astinham se comprometeram anão disseminar o know-how en-quanto negociavam o própriodesarmamento.

Nos quase 40 anos desde en-tão, o número de países nuclea-res aumentou em apenas qua-tro. Três – Índia, Israel e Pa-quistão – jamais assinaram otratado.ACoréiadoNorteade-riu em 1985, mas se retirou em2003. Iraque e Líbia, que ha-viam aderido, violaram o acor-do, mas foram trazidos de voltaa ele pela força ou ameaça deforça. A África do Sul aderiudepois de ter desmanteladoseu próprio arsenal. Sobrouumúnicopaísque deveexplica-

ções neste caso: o Irã, que mui-tos observadores suspeitamter por objetivo a produção dearmas nucleares.

OspiorestemoresdeKenne-dy sobre a proliferação não seconcretizaram. Muitos paísescom a capacidade tecnológicanecessária renunciaram às ar-mas e aderiram ao tratado. OdesmantelamentodaUniãoSo-viéticadeixouBielo-Rússia,Ca-saquistão e Ucrânia como po-tências nucleares de facto, masos três cederam seu arsenal àRússia. Argentina e Brasil, queestiveraminclinadosaobterar-mas nucleares, terminaramaderindo ao tratado.

E no entanto, conforme che-ga 2007, muitos estão preocu-pados com as conseqüênciasque podem vir de a Coréia doNorte continuar este seu cami-nho armamentista ou de o Irãseguir seu exemplo.

A maioria dos países não nu-cleares que integram o TNPtambém está seriamente preo-cupada com o fato de os cincopaíses nucleares não estaremcumprindosuaobrigaçãodene-gociar o desarmamento. Elesreconhecem que o número dearmas nucleares caiu de um pi-co de mais de 50.000 durante aGuerra Fria para em torno das27.000 atuais mas criticam ospaísesnucleares por não teremfeito mais.

Em princípios do novo milê-nio, disse o secretário-geral daONUKofiAnnan,“acomunida-de internacional parece estarcaminhando como um sonâm-bulo” para o rearmamento.

Apesarde oCongresso ame-ricano ter se recusado a apro-var uma arma nuclear de pene-tração profunda, os EUA estãoem processo de selecionar umnovo padrão de bomba nu-clear. Eles também estão gas-tando bilhões em programasmilitares espaciais enquantorejeitam um pedido quase uni-versal de que a questão de ar-mamentosnoespaçosejadiscu-tida na conferência sobre de-sarmamento em Genebra.

Odesenvolvimentoamerica-no de um escudo de mísseis es-tá levando China e Rússia a de-senvolver meios de penetrarnesse escudo. No Reino Unido,o governo está propondo umprograma de armas nuclearespara suceder ao Trident após2020. As despesas militaresmundiais em 2005 foram esti-madasem U$1 trilhão,cerca demetade disto gastos apenas pe-los Estados Unidos.

Quase40anosdepoisdacon-clusão do TNP e cerca de 15 de-pois do fim da Guerra Fria, émais do que hora de os paísesnucleares tratarem seriamen-te não só da questão de impediroutros países de obterem ar-mas nucleares mas tambémdas ameaças representadaspor seus próprios arsenais. Éumcasoflagrante dedoispesose duas medidas quando China,Índia e EUA condenam a Co-réia do Norte por testar uma

bomba de plutônio enquantoeles próprios se abstêm de rati-ficar o Tratado Abrangente deBanimento de Testes, conser-vando assim a sua liberdade detestar tais armas.

Alémdanecessidadedereati-var o desarmamento no próxi-mo ano, também será precisoencontrar soluções para os ris-cosespecíficoseagudosrelacio-nadosàCoréiadoNorteeaoIrã.

NocasodaCoréiadoNorte,aformação de um estoque nu-cleareumnovodesenvolvimen-to de mísseis país seriam perce-bidoscomo uma ameaça mortalpela Coréia do Sul e pelo Japão.As ações recentes da Coréia doNorte já levaram autoridadesdo governo japonês a afirmarqueaConstituiçãodoJapãonãoexclui o desenvolvimento de ar-mas nucleares de autodefesa.Mesmo uma ação preventivanão poderia ser excluída.

Se esses desdobramentosocorrerem,astensõesnaregiãopoderiam crescer dramatica-mente. China, Japão, Coréia doSul, Taiwan e EUA têm um for-te interesse comum de evitaruma escalada destas e desviar aCoréia do Norte de seu cursopresente. Será que isso não po-de ser feito?

Quanto ao Irã, seu programadeenriquecimentodeurânioco-meçou em algum momento dosanos 1980, durante a guerracrueltravadapeloIraquedeSa-ddam Hussein. Desde então, ele

evidentementeavançou emlen-to passo de lesma.

Mas quase todo o mundoacredita que a continuação doprograma pode aumentar astensões numa região já volátil.Poderia haver efeito dominó –embora dificilmente no curtoprazo. Nenhum dos países nãonuclearesdaregiãoestáavança-do tecnologicamente.

Provavelmenteháumdesejoquase unânime em todo o mun-dodeque,apesardeoenriqueci-mento de urânio não ser vedadopelo TNP, o Irã suspenda seuprograma de enriquecimento.

PoderáoIrãserinduzidoa isso?Depoisdodebacledosameri-

canos no Iraque onde eles usa-rammeiosmilitaresparaerradi-car armas de destruição emmassa inexistentes, felizmenteégrande a resistência a ataquesmilitares contra a Coréia doNorte e o Irã.

Apesardeseouviremconver-sas ocasionais nos EUA sobreataques para eliminar instala-çõesnuclearesdaCoréiadoNor-te, parece improvável que umaopção militar seja bem-sucedi-da: ela ésimplesmente arrisca-

da demais.Seul, a capital da Coréia do

Sul, está dentro do alcance daartilharia da Coréia do Norte.Qualquer ataque por míssil dei-xaria armas nucleares, cujo nú-mero e localização não seriamconhecidos no exterior, nasmãos de um regime desespera-do. Mesmo simples ameaças deataque ou de esforços para der-rubar o regime da Coréia doNorte provavelmente o torna-riam mais agressivo e, talvez,mais irresponsável.

Também no caso do Irã, umaação militar ou ameaças distoprovavelmente seriam fúteis eaté contraproducentes, fortale-cendo a posição dos que alegamque o país precisa de armas nu-cleares para se defender.

Se a ação militar não é umaabordagem viável, o que podeser feito? Uma boa idéia seriaperguntar por que alguns paí-ses poderiam querer armas nu-cleares e então tentar removeresses incentivos, sejam elesreais ou percebidos.

Em 2003, a estratégia daUniãoEuropéiacontraaprolife-ração de armas de destruiçãoem massa recomendava que “amelhor solução para o proble-ma da proliferação de armas dedestruição em massa é que ospaíses não sintam mais a neces-sidadedeprecisardelas.Sepos-sível, soluções políticas deve-riam ser encontradas para osproblemasqueoslevamaprocu-

rar armas de destruição emmassa. Quanto mais seguros ospaíses se sentirem, mais prova-velmente eles abandonarão osprogramas”.

Nesta crise com a Coréia doNorte, a questão é se o regimepode ser induzido a substituir asegurança que ele percebe ad-quirir com sua capacidade nu-clear por ofertas de garantiasdesegurança,relaçõesdiplomá-ticas e o fim de seu isolamento.Assim, uma evolução parecidacomaseguidapeloVietnãpode-ria vir. É isto, creio, que tantoEUA quanto os outros cinco en-volvidos nas negociações deve-riam oferecer.

Atualmente,estáseevitandocorretamente o retinir dos sa-bres que poderia fortalecer acrença da Coréia do Norte deque a defesa nuclear é necessá-ria. A pressão econômica estásendo exercida não pelas san-ções ordenadas pela ONU e simporrecadosclarosdequeoregi-medeKimJong-ilnãodeveespe-rar nenhuma recompensa senão houver acordo.

Quanto ao Irã, ele deve serlevado a perceber que não estáameaçado e não precisa de ar-mas nucleares para garantir asua segurança. Não precisanem mesmo da capacidade deenriquecerurânio.Tudoissose-ria mais fácil se os EUA, em vezderepetiremseguidamentequetodas as opções estão na mesa,mostrassem ao Irã a mesmaprontidão para oferecer com-promissos contra ataques outentativasdearquitetarmudan-ça de regime que mostram paraa Coréia do Norte.

Da mesma maneira, nova-mente como é o caso da Coréiado Norte, uma oferta america-na de normalização das rela-ções poderia ser uma ajuda sig-nificativa para persuadir o Irã aabandonar o enriquecimentode urânio.

No fim, é difícil compreen-der por que virou condição pa-ra que as negociações aconte-çam a suspensão, por parte doIrã, do enriquecimento de urâ-nio de baixo nível. Afinal, estasuspensão é justamente o obje-tivo das conversas para come-çar. No caso da Coréia do Nor-te,afinal, todasaspartesprocu-ram ávidas a negociação mes-mo, com o país produzindo plu-tônio para armas a todo vapor.

O mais importante de tudotalvez seja que todas as partespercebam que a viabilidade e aurgência da não-proliferaçãonão terminaram por conta doque aconteceu este ano no Irã ena Coréia do Norte. É justa-mente o oposto: o que aconte-ceu torna mais urgente, em2007,quenãodesistamosdoes-forço de alcançar o objetivoque o mundo traçou para si em1968.●

*HansBlix foi ministro das Rela-çõesExteriores da Suécia e lide-roua comissãoda ONU que bus-

cou localizar armas de destrui-çãoem massa no Iraque, durante

ogoverno de Saddam

11/2:Soa o alarme na UEA Itália confirma a presença dovírus H5N1, causador da gripeaviária, depois que 17 cisnessão achados mortos no sul dopaís. Aves na Grécia, Bulgáriae Alemanha também apresen-tam o vírus letal. As autorida-des pedem calma.

24/5:A verdade de Al GoreO documentário Uma VerdadeInconveniente, dirigido por DavisGuggenheim, estréia nos EUA etraz o ex-vice-presidente Al Gorecriticando o efeito da emissão degases no aumento da temperaturado planeta. Sobra para Bush.

27/5:Indonésia à provaA Indonésia é palco de várias ma-nifestações naturais. Primeiroveio um terremoto de 6,3 graus naescala Richter, que matou mais de5 mil pessoas na ilha de Java.No mesmo local, dois meses de-pois, um tsunami, provocado porum novo tremor – este de 7,2graus na escala Richter –, matoumais de 550 pessoas.

10/8:Tufãona ChinaO tufão Saomai, o quinto do ano eo mais forte a atingir a China emmeio século, passa pela costa su-deste do país matando pelo me-nos 450 pessoas, destruindo 36mil casas e deixando 2,5 milhõesde desabrigados. Em julho, a tem-pestade Bilis matou 600 pessoasem dez dias.

24/10:Recursos finitosOsrecursosnaturais sãoconsumi-dospelohomemaumavelocidade25%maiordoquea naturezaéca-pazde repor.OdadoédoestudoPlanetaVivo2006,divulgadopelaONGFundoMundialpara aNature-za (WWF). Asituaçãoédevastado-ra: senada for feito, ossistemasnaturais vãoentrar emcolapsonametadedoséculo.

30/11:Debaixo d'águaChega o novembro mais chuvosodos últimos 28 anos: foram 230,7milímetros, 63% mais que a mé-dia histórica do mês. Nos diasseguintes, a chuva paralisou SãoPaulo. No dia 4 de dezembro, acidade registrou 101 pontos dealagamento. Geólogos do IPT aler-tam que a cidade terá de convivercom enchentes.

ALIÁS

HÉLVIO ROMERO/AE

POR QUE ALGUNSPAÍSES TANTOQUEREM ARMASNUCLEARES?

OUTROLADO–Soldadosnorte-coreanosobservamtestenuclear, a55KmdeSeul, capital daCoréiadoSul

O ANOREVISTO

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LEE JAE-WON/REUTERS

6 alertasda natureza

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Produto: ESTADO - BR_B - 10 - 31/12/06 J10-J11 - BRASILProduto: ESTADO - BR_B - 10 - 31/12/06 J10-J11 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

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...e Lula banhou-se ao sol, na Bahia que foi de ACM

2/11 - Lula se reelegecomvotaçãorecordee refugia-senaBahiaparase recuperardosegundoturno. “Deixaohomemdescansar”,declarou,parafraseandoseuslogan“Deixaohomemtrabalhar”.AsonecaaosolaconteceunabasenavaldeAratu, pertodeSalvador

22/7 – SuzaneVonRichthofeneos irmãosCravinhosprotagonizamojulgamentodoano.Elaécondenadaa39anose6mesesdeprisão

22/3 – DefensoradoPTenvolvidocomomensalão,ÂngelaGuadagninestréiaacoreografiaqueficouconhecidacomo“DançadaPizza”,nodiaemqueJoãoMagnoéabsolvidodoprocessodecassação

9/7 – Opresidente republicanoGeorgeW.BushestendeamãoàdemocrataNancyPelosi, depoisqueseupartido foiderrotadonaseleições.Ele ficounovácuoeela foi eleita líderdaCâmaradosRepresentantesdosEUAumasemanadepois

IMAGENS ‘06:AnoemquebombascorroeramoLíbano,prisõesserebelaramemSãoPaulo,cataratassecaramemFozdoIguaçu,deputadaeministrodançaramemBrasília,ocraqueperdeuacabeçanaAlemanha,olíderbarbudobaixouhospitalemHavana...

29/9 – Amaior tragédiadahistóriadaaviaçãobrasileiracomoveoPaís.O Boeing737daGol, que faziaovôo 1907entreManauseBrasília, desaparecepertodacidadedePeixotodeAzevedo (MT),depoisdesechocarcomumLegacy, daEmbraer.As 154pessoasabordomorrem

14/8 – Fidel recebevisitadeChavézedo irmão,RaúlCastro, presidenteinterinodeCuba.EstaéaprimeiraapariçãodeRaúlnocomando.ForadeCuba, diz-sequeFideltemcâncer.Na ilha,quesóoperouo intestino

28/7 – A faltadechuvaé responsávelpelamenorvazãoem18anosdasCataratasdo Iguaçu (PR): 225metroscúbicospor segundo,sendoqueo fluxomédioéde1.500m³/s.Nemtudoé frustraçãopara os turistas, afinal, não ésemprequeos paredõesaparecem

28/3 – Ex-homemforte dogoverno,AntonioPalocci passaocargodeministrodaFazendaparaGuidoMantega.Elegeu-sedeputado federal emoutubro

27/7 – Umjudeuultra-ortodoxoassisteaoscanhões israelensesatirandocontraoLíbano,próximoà fronteiraentreospaíses. Israel optaporbombardeiosaéreosemvezdeumaofensiva terrestrecontraoHezbollah.Oestragoégrande

9/7 – OcraqueZinedineZidane, daseleção francesa, golpeiao italianoMarcoMaterazzi na finaldaCopadoMundoeéexpulso.A justificativaéadequeo jogadorda Itália ofendeuamãeea irmãdo francês.Zidane perdeuacabeçaeaAzzurra ganhouo tetracampeonatomundial

WDR/EFE/AE

21/3 – Oalto comandodoPCCcoordena, emmarço,umasériede rebeliõessimultâneasnosCentros deDetençãoProvisóriadeFrancodaRocha,Mauá,MogidasCruzes,Diadema,Taubaté,PinheiroseOsasco.Osdetentosreclamamprincipalmentedasuperpopulaçãocarcerária eexigemo fimdoRegimeDisciplinarDiferenciado(RDD).Motinsse repetiriamemmaio,antecedendoaondadeataquesqueaterrorizouoEstadodeSãoPaulo

BETO BARATA/AE

CARLOS BARRIA/REUTERS

CELSO JUNIOR/AE

PAULO LIEBERT/AE

SEBASTIÃO MOREIRA/AE

REUTERS

SEBASTIÃO MOREIRA/AE KEVIN LAMARQUE/REUTERS

CELSO JUNIOR/AE

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J10 ALIÁS DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J11O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J11

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Produto: ESTADO - BR_B - 12 - 31/12/06 J12 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

Terra de Golias predadoresFrancisco FootHardman*

31/1:Alan GreenspanDepois de 18 anos (1988 a 2006)à frente do Federal Reserve(o banco central americano),Alan Greenspan deixa o cargo.

Conhecido por seu pragmatismoe alto grau de tecnicismo, elealcança a proeza de agradar a re-publicanos (Bush pai e filho) e ademocratas (Bill Clinton), além deconquistar o governo britânico – oprimeiro cliente de sua nova firmade consultoria. Seu substituto éBen Bernanke.

9/4:Silvio BerlusconiO resultado das eleições foi con-testado, mas a deci-são final da justiçaitaliana é clara: ocentro-esquerdis-ta Romano Prodi éo novo primeiro-mi-nistro, derrotandoSilvio Berlusco-ni. O empresá-rio deixa ocargo depoisde tê-lo exer-cido em dois

períodos: entre 1994 e 1995, e de2001 a maio deste ano.

31/7:Fidel CastroO líder cubano, de 79 anos,é submetido a uma complicadaoperação e passa o governo,em caráter provisório, a seu irmãomais novo, Raúl Castro,de 75 anos. Desde que assumiuo poder, em janeiro de 1959, é aprimeira vez que o comandante

transfere o cargo.

26/9:Junichiro KoizumiConhecido pelas reformas

econômicas feitas nosúltimos cinco

anos, Koizumideixa o cargode primeiro-ministro doJapão. Seusucessor, o

nacionalista Shinzo Abe, assumeo posto prometendo, entre ou-tras coisas, revisar a Constitui-ção pacifista e reabrir portas di-plomáticas com os vizinhos.

8/11:Donald RumsfeldA vitória dos democratas nas

eleições parlamenta-res dos Estados Uni-dos derruba o secre-tário de Defesa, Do-

nald Rumsfeld. Pres-sionado pelo generali-

zado descontentamentocom a condução daguerra no Iraque, elerenuncia. O escolhidopara ser seu substitutoé Robert Gates, ex-dire-tor da CIA.

11/12:Kofi Annan

Em seu discurso de despedida,o secretário-geral da ONU, KofiAnnan, pede mais cooperaçãoentre os países. Durante os 10anos em que esteve no cargo,sua posição sempre foi concilia-dora. O sul-coreano Ban Ki-Moon o substituirá no dia 1º dejaneiro, tornando-se o 8º secre-tário-geral da ONU.

TRÊSGARGANTAS–Hidrelétricachinesadilaceracidadesememórias

Travessia ‘06/07:oquenosdiferenciadeoutrosmamíferosé aperseverançanabuscadaauto-eliminação

ALIANÇACRIMINOSA–Ocomércio ilegal demadeiranaAmazôniaéumadaspontasdacadeiaquealiadelitosanegócio

Há muito soou o alarme. Ima-genstenebrosasdoaquecimen-to global povoam todos os diassites,canaisdeTV,revistas, jor-nais, documentários. Mas ain-da se trata dos fatos e inciden-tesdeformaisolada,comoeven-tosaleatórios.Agoramesmoce-lebra-se a passagem de doisanos do tsunami no Sudesteasiático.A palavra foiuniversa-lizada, ganhou ares de metáfo-ra no jornalismo econômico,noscadernosdecultura,naspá-ginas de moda, na imprensa defofoca. Tsunami adquiriu cono-taçãopositiva, ouseja,umamu-dançaimprevistamasbem-vin-da na vida das pessoas. A Indo-nésia continua a ser, para mui-tos, a terra do desastre distan-te, mesmo se ainda não tenhaterminado a contagem de seusmortos. Quase ausentes as aná-lises articuladas, que vinculemcatástrofesparticularesaopro-blema global.

A terrível seca de 2005 naAmazônia parece ser outroexemplo dessa desarticulação.Mas cientistas sérios e compe-netrados nos oferecem dados eimagens, quase diariamente,acerca do caos ambiental. Pormais concretos que sejam, o te-ma permanece pairando, emabstrato, como assunto longín-quono tempo eno espaço, espé-cie de ficção científica que nãonos toca. No entanto, a velha di-cotomia romântica campo X ci-dade, que segundo o historia-dor Raymond Williams terá si-do das mais duradouras e pro-dutivas oposições na culturaocidental desde a era das revo-luções industriais, já não é maiscapaz de dar conta das paisa-gens infernais que nos circun-dam,emescalaplanetária.Aex-plosão, há dias, de um oleodutoem Lagos, na Nigéria, apenasnos repõe diante do cotidianoinseguro e violento na maioriadasmetrópolesmundiais,espe-cialmentenasmaispobres.Avi-da no campo passou a ser emmuitos casos simulacro do caosurbano, sem seus atrativos.Praias e litorais são sinônimosde colapso no abastecimento,de multidões descascantes, dafalsa euforia cervejeira, deáguasimpróprias. Osricos bus-camresorts,seusrefúgiossepa-recendo cada vez mais com ca-samatas ou com mosteiros lai-cos feitos do exibicionismo desua careza e, normalmente,feiúra. Vivemos nossas ditadu-rasdafelicidade,emaltissonan-tes e iluminadíssimos cenários,em efemérides espetaculosas(quem se lembra, por exemplo,para além da breguice dessesdesfiles de papais noéis gigan-tes, tanto maiores quanto a ins-tituiçãofinanceiraqueospatro-cina, de algum conto verdadei-ro de Natal?), que se impõememmagnificênciamercadológi-caemproporção inversaàcrisemoral das instituições, ao vaziodasalmas,aosentimentodotra-balhodegradado e das energiasgastas em vão, por imprestá-veis ou, pior, devastadoras. A

catadora de lixo e filósofa popu-lar Estamira, do filme homôni-mo,reapareceemprimeiropla-no, com sua face de louca-lúci-da, com sua frase-denúncia: so-mos o que restou do GrandeDesperdício.

Temos atuado no mundo co-mo espécie predadora “por na-tureza” e parece que nosso des-tinoéodaauto-aniquilação.Tal-vez o que nos separe de nossosprimos primatas não seja mes-mo nenhum grau convincentede inteligência ou capacidadedelinguagem,oumesmoahabi-lidade na fabricação de instru-mentosdetrabalho.Alinhadivi-sória de nossas culturas – valedizer, a de humanos iluminis-tas, civilizados, tecnológicos –em relação às dos outros mamí-feros é a perseverança, a dispo-sição, o denodo com que conti-nuamos, há séculos, a buscar,seja por guerra, saque, escravi-dão ou uso indiscriminado dasfontes naturais de energia, nos-sa própria extinção. Incapazesde conviver pacificamente comaconsciênciadamorte,acelera-mos os relógios e corremos pa-ra ela, querendo fazer crer queessa atração irresistível para odesastrefatalpossaserbemjus-tificada “em nome do progres-so”, das miragens do moderno.

Corremos atrás de Tio Same agora corremos atrás da Mu-ralha da China. A ditadura dafelicidade é outro nome para aditadura do econômico. A Chi-na continua a fascinar os tecno-cratas ocidentais: capitalismodesembestado com Estado au-tocrático, abençoado por Sta-lin e Mao, é a franquia com quetodossonhavam,pois láotraba-lho escravo ou semi-escravo damaior população de espoliadosdoplanetapodevingarsemsus-to. Quem ainda se ilude com es-te modelito, veja por favor StillLife, novo filme de Jia Zhang-Ke, em que a megaconstruçãoda maior hidrelétrica do mun-do, a barragem das Três Gar-gantas, é representada no queproduziudetrabalhocompulsó-rio,nodeslocamentoinvoluntá-rio de populações inteiras, nodilaceramento das identidadespessoais e coletivas, no fimbrusco de cidades e memórias.E, claro, na diluição generaliza-da das ideologias.

Fim de ano, o século 21 avan-ça, sem utopias ao alcance denossos sonhos. Poderíamosadiarpor momentoa passagemdesta meia-noite e pensar noque o desenvolvimentismo aqualquer preço e o crescimentoa todo vapor estão nos propor-cionando, o que eles nos reser-vam em futuro próximo, a par-tir de qualquer prospecção me-dianamente realista. Mas pau-saspara reflexãosaíram demo-da há tanto tempo... Lingua-gens hoje são feitas para apro-priaçãoimediatademeiosepro-jeção confiável de resultados.Devem ser rápidas. Narrativassão bem-vindas se apenas fo-remmolduraspráticasepalatá-veis a projetos, de preferênciarepletos de estatísticas. Na im-possibilidadedeconstruirsenti-dosminimamentecompartilhá-veis,subjugamo-nosaoimpériode números anônimos, à atra-çãodegráficos emvárias cores.Pedimos ao primeiro conferen-cistadeplantãoeàprimeiramí-

dia no ar que nos proporcioneum tarô high-tec, com as taxasdo crescimento sustentável,sem se dar conta do absurdo eda operação irracional embuti-dosnessaoperaçãode“normali-zar o contingente”.

A ditadura do econômico étambém a ditadura do projeto,que, quanto mais extravagan-te, melhor. Essa categoria mi-grou da engenharia para a eco-nomia com facilidade. Arquite-tos e urbanistas muitas vezes autilizam sem perceber a arma-dilha em que se podem enre-dar.Aténateoria literária,tem-se como anátema aquele escri-tor que não revele, desde o iní-cio, seu “projeto literário”, con-ceito ambíguo, no mais das ve-zes construção ideológica doprópriocríticoparaautojustifi-car seu gosto estético, suas es-colhas políticas ou, pior, suaadaptação ao jogo de valoresda bolsa de sistemas teóricos.

Sepudéssemos defato refle-tir em tempo adequado, não orasodoimediatismo,masofun-do da posteridade geracional,veríamos que as políticas am-

bientais efetivas são as melho-resestratégiasdesenvolvimen-tistas de que dispomos. Deten-tores, não se sabe até quando,de invejável patrimônio hídri-co,vegetal,animalemineral,se-ria de esperar, na cena interna-cional, maior presença e até li-derança de nossa diplomacianasinstânciaseorganismosge-renciadores do meio ambienteglobal. Mas para isso, claro, ostantos espaços vermelhos daslabaredasque aindadesmatamgrandes extensões de nossascoberturas vegetais (vide, porexemplo, as imagens atualiza-das de queimadas do World Fi-re Atlas – WFA, da Agência Es-pacialEuropéia–ESA,disponí-veis na internet) teriam que di-minuir sensível e persistente-mente. Em mais essa ocorrên-cia trágica, passível de contro-le, nos igualamos ao continenteafricano. Ações de repressão ede prevenção têm sido feitas,com o Ministério do Meio Am-biente e o Ibama à frente, massão minúsculos gestos de Davicontra Golias hiperpredató-rios, descendentes diretos de

nossos colonizadores, muitobem organizados para assassi-natos florestais, muitas vezesem consórcio com o agronegó-cio de tipo mais oportunistanas fronteiras do Norte e Cen-tro-Oeste (onde a pecuária ex-tensiva em ondas expansivasdesmedidas é seu braço maistentacular). A venda ilegal demadeiras no mercado nacionale internacional é uma das pon-tas dessa cadeia que alia cri-mes a negócios.

Vimos, em vários momentosrecentes,aministraMarinaSil-vaeopresidentedoIbama,Mar-cus Barros, em investidas fir-mes contra “deflorestadores”contumazes.Tambémjáseveri-ficouque a questão das licençasambientais longeestádeseren-trave a projetos de rodovias, hi-drelétricas e termoelétricas,cujos atrasos são muito maisatribuíveis à burocracia entreinstâncias superpostas e à mágestãogovernamentale/ouem-presarial. É preciso, no entan-to, aumentar os recursos mate-riaisehumanos daPasta. A bio-grafia da ex-seringueira e hojeministra é sem dúvida motivode orgulho nacional, muito pa-raalémdequalquerpaixãopar-tidária. Sua seriedade e caris-ma, ademais, têm conquistadoaudiênciasimportantes,inclusi-ve no plano internacional.

Oconceitodesustentabilida-de, que preside a política do Mi-nistério do Meio Ambiente,sempre sujeito às análises críti-cas de cada processo em parti-cular, não colide com a idéia dedesenvolvimentoecomimpera-tivos de crescimento. Pensarnesses termos é reintroduzirum pensamento dualista e sim-plório ali onde a dialética temlugar mais acertado. Não se po-de, nem na microrregião, nemno plano nacional, nem no mun-dial, em se tratando de recur-sosnaturaisnãorenováveis,ra-ciocinarsemoslimitesepossibi-lidades impostos pela situaçãoa que o planeta foi conduzido.Istoé,consideradososníveisdeconsumo de energia e de uso detecnologias agressivas ao am-

biente pela população humanaem sua escala atual.

Se a economia política conti-nuar a ser feita por executivosurbanóides completamentealienadosdaquestãoambientalglobal estamos feitos, ou seja:continuaremos na trilha daGaia ao Caos, como as catástro-fes climáticas presentes estão,de bom tempo para cá, sinali-zando, cada vez de modo maiseloqüente. O aquecimento glo-bal não é mais conceito abstra-to, é realidade sensível nos po-rosdapele,acada dia,mês,ano.Nossas moças do tempo repe-tem,emperformancesmonóto-nas, a elevação de temperatu-ras médias em todas as esta-ções,continentes,paíseseEsta-dos.E tambémoaumento dodi-ferencialentremínimasemáxi-mas.Seriamcuriosidadesdeal-manaque, se não fosse o dramá-tico sintoma que revelam.

Permito-me finalizar comum apelo ao presidente Lula.Presidente, você, que tem cele-brado o Natal com os catadoresdepapelemSãoPaulo, fiqueempensamento nesta passagemde ano, não só com o seu passa-geiro governo, mas com a vidadas gerações que virão. Que taluma virada, uma marca, não sóna folhinha do novo calendário,mas na ação ecológica de longoprazo,estasim digna domelhorespírito desenvolvimentista?Assim como Gilberto Gil tem si-do das melhores surpresas naspolíticas culturais do País,creioquamanutençãoerevalo-rização das políticas ambienta-listas capitaneadas por MarinaSilva, pelodiálogo crítico ecria-tivo que poderá oferecer com achamada “área econômica”, é amelhor estratégia de quem nãopretende fazer do crescimentomero rito numérico, mero mitoinfernal. E sei que parcela pon-derável da sociedade brasileiratambém pensa assim.●

*Francisco Foot Hardmané professor titular de Teoria

e História Literária noInstituto de Estudos da

Linguagem da Unicamp

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6 despedidasdo poder

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Sobre muros e divisóriasDemétrioMagnoli*

LIMITES–Apesardevetoseprotestos, americanoscomeçaramaconstruir, noArizona,omuroquepoderá separarEstadosUnidoseMéxico.

29/8:ImigraçãoA vice-primeira-ministra da Espa-nha, Maria Teresa Fernández de laVega, pede ajuda à presidente daUnião Européia, Tarja Halonen,para repatriar imigrantes ilegaisque entraram nas Ilhas Canárias epatrulhar as costas do Sene-gal e da Mauritânia. Até en-tão, o número de refugiadosbeirava três ile-gais por hora.

13/10:ReligiãoA companhia aéreaBritish Airways proíbeuma funcionária deusar crucifixo pendu-rado em uma correntesobre o uniforme. Aose recusar a tirar o obje-to, ela foi suspensa porduas semanas. Na mesmaépoca, uma professora mu-

çulmana também é afastada, naInglaterra, por se negar a daraulas sem véu.

22/10:Raça“Hoje eles roubam sua vaga nasuniversidades públicas. Se você

não agir agora, quem ga-rante que eles não rouba-rão vagas nos concursos

públicos?” Sãoesses os dizeresdos cartazes quetrês jovens co-lamem São Pau-lo, protestando

contra o sistema de co-tas. Mesmo flagradospela polícia, dois rapa-zes respondem às acu-sações em liberdade.

30/10:Terrorismo

Forças paquistanesas dis-

param quatro mísseis contrauma escola, e 80 pessoas, den-tre professores e alunos, sãomortas. O governo justificou oataque dizendo que o local eraum campo de treinamento decombatentes do Taleban e ter-roristas da Al-Qaeda.

6/11:HomossexualidadeJudeus ortodoxos protestam, emJerusalém, contra a Parada Gay.Uma afronta à cidade santa, di-zem. O desfile fica restrito a umestádio cercado por policiais.

11/12:Briga de clãsSessenta balas são disparadaspor mascarados e matam trêscrianças em Gaza, filhas de umhomem ligado ao Fatah. Esse é oinício da guerra entre o partido eseu concorrente, Hamas. Apósanos de conflitos abafados, a vio-lência sanguinária assume definiti-vamente lugar na política internados palestinos.

Travessia06/07:Nossoestranhopendorparaconverter linhas imaginárias embarreiras

“Ahumanidadecometeu umgrave erroconstruindoo Muro de

Berlim e tenho certeza de quehoje os Estados Unidos come-tem um grave erro ao construirum muro junto à nossa frontei-ra norte.” O paralelo, que emer-giu numa declaração do presi-dente eleito do México, FelipeCalderón, é óbvio mas polêmi-co. O Muro de Berlim foi ergui-do pela Alemanha Oriental pa-ra impedir que seus cidadãosemigrassem rumo à mais felizAlemanha Ocidental. O muroao longo de mais de 1.100 quilô-metrosdafronteiraamericano-mexicanaseráerguidopelosEs-tados Unidos para impedir quecidadãos estrangeiros imigremilegalmente para seu território.Osdefensoresdabarreirainsis-tem na diferença, que não é in-significante.

O ato soberano de uma de-mocracia, aprovado por umparlamento livremente eleito,não é igual ao “ato soberano”de um Estado fundado sobre anegação da soberania popular,que se engajava na supressãodo direito desesperado à fugada opressão. Mas um muro ésempre um muro: a iniciativade converter a linha invisíveldefronteiranumabarreirama-terial, feita de aço e concreto,tem indisfarçáveis ressonân-cias simbólicas.

Tomemos um terceiro mu-ro, aquele que Israel ergue, sobargumentos de segurança, aolongo de uma linha que esco-lheu unilateralmente, para se-parar-se fisicamente da Cisjor-dânia.Abarreiraisraelenseins-creve-se na lógica da ocupação,pois invade áreas reconhecida-mente palestinas, e desafia ospróprios tratados internacio-nais que definem os direitos depopulações sob ocupação. Mas,mesmo se o traçado do “murode segurança” fosse retificadode modo a acompanhar as fron-teiras reconhecidas de Israel,ele ainda representaria umaoperação identitária.

A queda do Muro de Berlimfoi celebrada como marco deuma nova história, de uma erasemmurosnaqualahumanida-de passaria a compartilhar osvaloresda democracia e as delí-cias do consumo globalizado. OMuro de Berlim separava doissistemas políticos e econômi-cos e protegia a existência deum Estado que não se definiapela língua ou pela cultura, maspela ideologia. A sua constru-ção e a sua demolição assina-lam a abertura e o fechamentode um parêntesis na históriacontemporânea, que se chamaGuerraFria.Antesedepoisdes-se parêntesis, a humanidadeempregou sua diligência teóri-ca para erguer barreiras entre“Nós” e “Eles”.

Na narrativa do Gênesis, afragmentação da humanidadefoi uma determinação divina,

destinada a castigar a arrogân-cia dos construtores da Torrede Babel. A confusão das lín-guas e a divisão dos homens nu-ma miríade de povos, espalha-dos pela Terra, aparecem tam-bémnoCorãoeemoutrastradi-ções religiosas. Na história, aidentificação do “estrangeiro”representou, em todos os luga-res,umaetapacrucialnaconso-lidação dos poderes políticos.

O “estrangeiro” é uma fabri-caçãodopoderpolítico,quepro-duz o “Nós” por oposição à ima-

gem do “Eles”. Muçulmanos,cristãos e judeus conviviam emal-Andalus, a Espanha medie-val sob governo muçulmano,não em harmonia ou igualdade,como reclama o mito inventadobemmais tarde, mas sob um re-gime de oscilante tolerância. AEuropamodernafoigestadape-losreiscatólicosdeEspanhaen-tre 1492 e 1502, que impuseramprimeiro a conversão forçadaaocristianismoeemseguidaex-pulsaram os muçulmanos e ju-deus remanescentes. No inte-rior do muro invisível erguidonaquelesanosdefiniu-sea iden-tidade européia.

Há pouco, o primeiro-minis-troturcodesafiouaUniãoEuro-péiaa provarque não é um “clu-be cristão”, aceitando a pers-

pectiva de ingresso da Turquia.Não é um desafio menor para obloco que, não por acaso, esco-lheu Roma como lugar de assi-naturadoseudocumentodeba-tismo, na forma do tratado de1957.Umrelatóriooficialrecen-te, elaborado pela mesmaUnião Européia, documenta adiscriminação cotidiana a quesão submetidos os muçulma-nos na “Europa cristã”. Entreasentrevistaspublicadasno re-latório,constaoseguintedepoi-mento de uma jovem holande-sa: “Uma pergunta que ouvimuitas vezes é: ‘Quando vocêvai voltar?’. Eu respondo: ‘Nas-ci em Roterdã. Para onde eu de-veria ir?’. Essa é uma perguntamuito dolorosa e faz a gente sesentir estrangeiro, nos faz per-ceber que somos estrangeirosem algum momento.”

Os mísseis empregados peloHezbollah libanês e seus simila-resprimitivosusadosporpales-tinos a partir da Faixa de Gazaevidenciaram que o “muro desegurança” israelense não ofe-rece segurança. Nem por isso aconstrução da barreira em tor-no da Cisjordânia foi interrom-pida:antesdasegurança, trata-se da identidade.

O muro israelense associou-se ao governo de direita do pri-meiro-ministro Ariel Sharon,que tomou a decisão de erguê-lo em 2002. Mas a obra reflete aconvergênciahistóricadaspolí-ticas dos grandes partidos is-raelenses.Oconceitodasepara-çãofísicaentreIsraeleospales-tinos (“temos que decidir pelaseparação como filosofia”) foi

enunciadopeloprimeiro-minis-tro trabalhista Yitzhak Rabinem 1994, um ano depois do céle-bre aperto de mãos com YasserArafat que selou os acordos depaz de Oslo.

Rabin ergueu a barreira emtorno da Faixa de Gaza. Sharondevolveu Gaza, unilateralmen-te, aos palestinos, e deflagrou aobra de separação na Cisjordâ-nia. Os líderes dos partidos ri-vais foramtangidos por uma in-terpretação comum sobre o fu-turo de Israel. As taxas eleva-das de crescimento vegetativoárabe e o virtual esgotamentoda imigração judaica para Is-rael combinaram-se para pro-vocar uma inversão demográfi-ca no conjunto Israel/Palesti-na, onde já se registra umamaioria árabe. Na visão da elitedirigente israelense, essa ten-dênciademográficadelargadu-raçãoameaçaaexistênciadeIs-rael como Estado judaico, exi-gindo a adoção da “filosofia daseparação”.

Separação não implica paz,como se observa cotidiana-mente. Além do mais, ela pró-pria é uma meta ilusória. Co-mo separar judeus e árabesem Jerusalém, a cidade naqualvivemladoalado,nos bair-ros do distrito histórico? O quefazer com os árabes que resi-dem em Israel e têm cidadaniaisraelense, que somam 1,3 mi-lhão numa população de 7 mi-lhões? A resposta de AvigdorLieberman, líder de um parti-do extremista que passou a in-tegrar o gabinete de coalizãoem 2001, é privá-los da cidada-

nia e expulsá-los de Israel. Oradical imagina o muro comoinstrumento de purificação.

Nos Estados Unidos, sob agritariaestridente da seguran-ça fronteiriça, ouvem-se tam-bém os acordes da melodiaidentitária. O regente é Sa-muel Huntington, cientista po-lítico que se celebrizou peloChoque de civilizações e quepublicou, em 2004, Who arewe? The challenges to America'sNational Identity (“Quem so-mos nós? Os desafios à identi-

dade nacional americana”). Onovo livro também se organizaao redor da noção de cultura e,dessa vez, identifica na imigra-ção hispânica um ácido corro-sivo que ameaça os fundamen-tos“anglo-protestantes” dana-ção americana.

De acordo com a concepçãode melting-pot, os Estados Uni-dos são constituídos por ele-mentos que se misturam masjamais se fundem, conservan-dosempresuasidentidadesori-ginais. No passado, o melting-pot enfrentou os desafios da in-corporaçãodeelementosdisso-nantes, como os italianos, os ir-landeses e os judeus. Os imi-grantes mexicanos e, em geral,os latino-americanos que se es-tabelecem nos Estados Unidos

representam desafios muitomenores.

Como regra, o voto hispâni-coacompanha,emcadaestado,ovotomajoritário,sejaelerepu-blicano ou democrata. Incontá-veis imigrantes hispânicos ga-nham o greencard no Iraque,servindoàsforçasarmadas dosEstados Unidos. Mas nada dis-so interessa a Huntington, queinventa uma suposta incompa-tibilidade essencial entre os no-vosimigranteseanação,esque-cendo-se convenientementedos atritos mais profundos quepontuaram a incorporação dosimigrantes do tempo das ferro-vias, da conquista do Oeste e daarrancada industrial. No ras-tro das teses intelectuais cultu-ralistas, os “patriotas america-nos” dos Estados do sul organi-zam milícias armadas de “vigi-lantes”parapatrulharafrontei-ra mexicana.

O material de construçãodos muros não é constituídopor concreto, tijolo ou chapasde aço, mas por identidades es-senciaisfabricadasnoimaginá-rio social. O “essencialismo”não é uma novidade. A produ-ção de etnias acompanhou aemergência dos nacionalismoseuropeus e atingiu seu apogeuàs vésperas da Primeira Guer-ra Mundial. Na mesma época,as potências imperiais engaja-ram seus etnógrafos em meti-culosos trabalhos de invençãoétnicana Ásiae na África. Cria-tividadeefalsificaçãoalimenta-ram-se reciprocamente no em-preendimento de rotulagemdas pessoas.

Osfrutosperigososdasaven-turas “essencialistas” estão en-tre nós. Na Iugoslávia, há dezanos, sérvios, croatas e bósniosmuçulmanos concluíram quenão mais podiam viver juntos,entregaram-se à “limpeza étni-ca” e traçaram fronteiras quesão muros de sangue. Quase aomesmo tempo, em Ruanda, aconvivência entre hutus e tut-sis, etnias criadas pelos etnó-grafos belgas, explodiu numaorgia genocida. As pessoasacreditam em identidades es-senciais se essas identidades setornam categorias jurídicas re-conhecidas pelo Estado.

Muros estão na moda, ape-sardessesdesastres.Importan-doomulticulturalismoamerica-no, o governo brasileiro, comapoio militante de ONGs bemfinanciadas, decidiu promovera divisão dos cidadãos em duasraças oficiais, os “brancos” e os“afrodescendentes”, classifi-cando cada pessoa em docu-mentos escolares, trabalhistase do sistema de saúde. A produ-ção burocrática de carteiras deidentidade racial sustenta-sena concessão de “privilégios deraça”noacessoaosserviçospú-blicos e no mercado de traba-lho. O novo muro, cujo traçadodivide os ônibus, as escolas pú-blicas e as favelas, celebra umaelite política que se recusa a es-tender os direitos de cidadaniaa todos e afoga as esperançasnacionais na funda piscina doressentimento. ●

* Demétrio Magnoli,sociólogo e doutor em geografiahumana pela USP, é colunista de

O Estado de S. Paulo

6 ecos deintolerância

ALIÁSMOHAMMED SALEM/REUTERS

YONATHAN WEITZMAN/REUTERS

O ESTRANGEIRO ÉUMA FABRICAÇÃO DOPODER POLÍTICO: ‘NÓS’EM OPOSIÇÃO A ‘ELES’

ESSA CONSTRUÇÃONÃO É FEITA NEM DETIJOLO, NEM DE AÇO.MAS DE IDENTIDADES

O ANOREVISTO

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JEFF TOPPING/REUTERS

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DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J13O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J13

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Senhorespopulistas,ao contra-ataque!Luiz Felipe deAlencastro*

CHÁVEZNATERRADODIABO–Aocontrário doquealgunssugerem,hágrandesdiferençasentreopresidentedaVenezuelaeodoBrasil

15/1:Michelle BacheletA médica filiada ao PartidoSocialista é a primeira mu-lher eleita para dirigir o Chi-le. Michelle derrota o candi-

dato Sebastián Piñera.

22/2:Oscar AriasVinte anos depoisde ser eleito presi-dente da Costa Ri-ca, o prêmio Nobelda Paz de 1987,Oscar Arias, conse-gue um novo man-dato. O derrotadofoi Otton Solis.

29/5:Álvaro UribeO presidente Uribe se reelege, emprimeiro turno, com a maior vota-ção já obtida por um candidato naColômbia – 7,3 milhões ou 62,2%dos votos válidos.

4/6:Alan GarcíaMembro do Partido Aprista Perua-no, o ex-presidente Alan Garciavence o candidato nacionalistaOllanta Humala, da coalizão Uniãopelo Peru. Com o resultado, Gar-cia impõe uma das mais durasderrotas a Hugo Chávez, queapoiou Humala.

2/7:Felipe CalderónAs eleições aconteceram no dia 2de julho, mas somente no dia 5 desetembro a Justiça Eleitoral mexi-cana proclama o governista Felipe

Calderón presidente do México.Seu rival, Andrés López Obrador,não reconhece Calderón e armaum governo paralelo.

29/10:Luiz Inácio Lula da SilvaO presidente Luiz Inácio Lula daSilva é reeleito com mais de 58milhões de votos (superando 60%dos válidos). O número represen-ta a maior votação de um presiden-te no Ocidente – o recordista ante-rior era Ronald Reagan, com 54,5milhões de votos em 1984. Geral-do Alckmin, candidato do PSDB,obteve 39% dos votos válidos.

5/11:Daniel OrtegaPersonagem latino-americanodos últimos anos da Guerra Fria,Ortega volta ao governo da Nicará-gua. Derrota o direitista EduardoMontealegre, candidato preferidopor Washington.

26/11:Rafael CorreaRafaelCorrea – amigo pessoal deHugoChávez – ganha as eleiçõesdoEquador. Ele derrota ohomemmais rico dopaís, Álvaro Noboa.

3/12:Hugo ChávezO presidente venezuelano é ree-leito para mais um mandato deseis anos, vencendo o governa-dor de Zulia, Manuel Rosales.Esta foi a terceira vitória de Hu-go Chávez desde que chegou aopoder, em 1998.

TRAVESSIA ‘06/07: Umfenômeno políticoquepareciamorto seduzAméricaLatinaeecoa naEuropa

Nos últimos tempos,os cientistas políti-cos observam umfenômeno curioso.Praticamentedesa-

parecidadovocabuláriouniver-sitário e jornalístico, a palavra“populismo” –, muito usada nosanos 1950 e 1960 para analisar apolítica latino-americana–, vol-ta com toda força à atualidade.A ponto de espraiar-se pelomundo afora, como assinalouum editorialista do jornal LeMonde. Além dos líderes latino-americanos, certos represen-tantes democratas eleitos nasúltimas eleições americanassão chamados de “populistas”pelo New York Times. Ao mes-mo tempo, a imprensa francesausao mesmo epíteto para quali-ficarNicolasSarkozyouSégolè-neRoyal,osdoisprincipaiscan-didatos às eleições presiden-ciais do país.

Orestantedaimprensaeuro-péiaincluinestacategoriaosdi-versos movimentos tradiciona-listaseantiestrangeirosemcur-so na Holanda, na Bélgica, naAústria, na Itália e na própriaFrança. Nos países leste-euro-peus, o fenômeno se cristalizaem torno dos irmãos gêmeosKaczynski, dirigentes da Polô-nia,oudochefeultranacionalis-ta búlgaro Volen Siderov.

Note-sequeoadjetivo“popu-lista” não se reveste sempre designificado pejorativo. Com osentido de “partidário do povo”– como na língua espanhola –, apalavra é assumida por movi-mentosquedefendemumacon-cepção radical da democracia.Ainda no sentido positivo, o jor-nal International Herald Tribu-ne, aludindo às arquibancadasintegradasàarquiteturadoIns-titute of Contemporary Art, re-cém-inaugurado em Boston, fa-lada“missãopopulista”atribuí-da ao museu.

Restaque,novocabuláriopo-lítico contemporâneo, a pala-vrapopulismoguardaumsigni-ficado bastante preciso. Trata-se da prática política em que olíder, pretendendo representaro povo contra as elites, arreba-ta para si próprio – em detri-mento das instituições repre-sentativas – a legitimidade po-pular e a encarnação da identi-dade nacional.

Na Europa, o fator predomi-nante nos movimentos populis-tastemsidoareaçãoàglobaliza-ção representada pelo adensa-

mento das instituições daUnião Européia (UE). Paralela-menteàinclusãodenovosmem-bros – no primeiro de janeiro,com a adesão da Bulgária e daRomênia, a UE passará a con-tarcom27países–,ampliaram-se os poderes dos órgãos euro-peus de gestão coletiva sedia-dos em Bruxelas. Desde logo,parte da opinião pública pas-soua combater os princípiosdesupranacionalidade que nor-teiam a Comunidade Européia.

Ademais,certospaíseseuro-peus recebem densos fluxos deimigrantesafricanoseasiáticosque acentuam o sentimento deperda da identidade nacionalocidental. Na sua generalidade,os populistas europeus propug-nam por políticas antiimigrató-rias e antiestrangeiras, assu-mindoadefesadesetoresnacio-naisminoritáriosatingidospelaconcorrência internacional, co-mo os pequenos proprietáriosrurais, os comerciantes e os ar-tesãos. Vinculados à conserva-ção de direitos adquiridos e rei-vindicando, por vezes, frontei-ras calcadas na representaçãovantajosa de sua cultura, estesmovimentos utilizam uma retó-rica tradicionalista.

Na América Latina o quadroé outro. Líderes como GetúlioVargas(1882-1954),JuanPerón

(1895-1974), Álvaro Obregón(1880-1828)noMéxico,ouVelas-co Ibarra (1893-1979) no Equa-dor, marcaram seus países etransformaram-se em exem-plos emblemáticos de políticospopulistas.

Alémdestereferencialhistó-rico regional, a onda de globali-zaçãoproduzefeitosdiferencia-dos na América Latina, ondenãoháfortesinstituiçõessupra-nacionais, como acontece naUE. Assim, diferentemente daEuropa ou dos Estados Unidos,a imigração extracontinental ébastante limitada nesta partedo mundo. Da mesma forma,certos países latino-america-nos, possuindo grandes reser-vas de hidrocarbonetos, tirambom proveito da alta de preçosinduzida pela globalização.

Reagindo às generalizaçõesde uma parte da imprensa euro-péiasobreasituaçãopolíticalati-no-americana,umeditorialdeOEstado de S. Paulo ("As tolicesdo raciocínio em bloco",06.12.2006), demarcou oportu-namente as diferenças entre o

populismo agressivo de HugoChávezeoreformismopragmá-ticodeLula,douruguaioTabaréVásquez,dachilenaMichelleBa-cheletedoperuanoAlanGarcía.

Partindo dos efeitos da glo-balização sobre a evolução dospopulismos regionais, conside-re-se o caso dos três países pro-dutoresdepetróleoegás,aBolí-via, o Equador e a Venezuela.

Na Bolívia, Evo Morales ela-borou o mais radical discursooficial de afirmação identitáriaexpresso na América contem-porânea.Propondo-seresgatara dignidade indígena ultrajadapelosespanhóisapartirdosécu-lo16, Morales remonta aos tem-pos pré-colombianos, recuan-do aquém do período das inde-pendências americanas(1776-1824), habitual ponto departida dos discursos populis-tasenacionalistaslatino-ameri-canos. Contudo, a afirmação daidentidade indígena boliviana émais complexa do que parece.

Malgrado o peso dosquéchuas (30% da população) edosaimarás(25%),aBolíviacon-ta 30 línguas e mais de 40 etniasindígenas, as quais não podemser desconsideradas pelapolíti-cade “descolonização” defendi-da pelo governo Morales. De fa-to, antes reservado aos paísesnovamente independentes daÁfrica e da Ásia, o conceito foiutilizado pelo ministro de Edu-cação, Félix Patzi. Sem darmais detalhes, o ministro afir-mouqueseuprogramaconsisteem levar a cabo “a descoloniza-ção da Educação na Bolívia”. Ainverossimilhança desta políti-ca obriga o governo Morales aavançarnumterrenomaissegu-roparareforçarsuapopularida-de: a reestatização das jazidas eda produção de gás e petróleoanteriormentecedidasaempre-sas estrangeiras. No entanto, odiscurso nacionalista não ga-ranteaadesãoaonovogoverno.

DebatesnanovaAssembléia

Constituinte deixam claro a di-visão entre os “cruceños”, re-presentantes dos interesseseconômicosdaszonasemtornoda rica província de SantaCruz, e os eleitos oriundos daszonas mais pobres, e mais favo-ráveis a Morales, nos altiplanosdo oeste do país. Num discursodo início do mês de dezembro,Morales denunciou o “separa-tismo” dos líderes de SantaCruz e das províncias vizinhas.Ao mesmo tempo surgem de-núncias de que o Chile seria fa-vorávelaestasecessão,enquan-to Hugo Chávez ameaça inter-vir para defender Morales e ogoverno de La Paz. Dependen-do de sua evolução, a crise boli-viana pode tornar-se o proble-mamaisgravedaAméricaLati-na ... e da diplomacia e das For-ças Armadas brasileiras.

No Equador, a vitória de Ra-fael Correa, eleito presidenteem novembro, também repre-sentou uma afirmação de pre-sençaindígenano cenáriopolíti-co latino-americano. Definindo-se como cristão de esquerda,Correa afirmou ser contrárioaos acordos de livre-comérciocom os EUA. No mesmo movi-mento,eleanunciouquenãopro-longará, em 2009, o tratado de1999 que vem permitindo aosEUA a conservação de uma ba-se militar no solo equatoriano,emManta,ponta-de-lançadalu-tacontra onarcotráfico noPací-fico e de operações contra asFarc na Colômbia. Retomandooutrotemadaplataformanacio-nalistaregional,Correacomuni-cou que poderá decretar uma“moratóriaunilateral”dadívidaexternadeseupaís,apóssuapos-se em 15 de janeiro de 2007.

Em todo caso, a recente de-manda de reintegração doEquador à Opep, da qual o paíshaviasaídoem1992,demonstraque, ao lado do antiamericanis-mo,agestãodabonançapetrolí-fera terá, como na Venezuela,

um papel central na ampliaçãodabasepopularenapolíticana-cionalista de Rafael Correa.

O caso de Hugo Chávez temsido caracterizado como um“petropopulismo”, tal a parteque a renda do petróleo tem naconsecução do alegado “socia-lismo bolivariano” chavista.Alémdisso,suareeleiçãoemno-vembro, juntando-se aos seusdois precedentes mandatos(1998-2000 e 2000-2006), farácom que Chávez complete 14anos seguidos na presidênciada Venezuela, numa conjuntu-ra de alta consistente do preçodo petróleo. Tal circunstânciagarante uma grande margemde manobra nacional e interna-cional à sua liderança. Cabe noentantonotarqueoLatinobaró-metro – publicado em dezem-bropelaONGchilenaresponsá-vel por este relatório periódicosobre a política latino-america-na – mostra o Brasil como umdos países menos sensíveis aopopulismo chavista. Enquantoopresidentevenezuelanoregis-tra 17% de opiniões favoráveis

em nosso país, na Argentina es-ta taxa sobe para 38%. O fato deque a Venezuela venha com-prando, desde 2005, títulos dadívida argentina, ajuda a expli-car a popularidade de HugoChávez no Rio de La Plata.

Duas obras recentes, publi-cadas por cientistas políticosque desfrutam de grande auto-ridade nos estudos sobre popu-lismo, foram lançadas em Lon-dres. Ambos os livros mostramadimensãomaisampladestefe-nômeno político.

O primeiro, organizado pelo

uruguaio Francisco Panizza,professor da London School ofEconomics (Populism and theMirror of Democracy, Londres,Verso, 2005), reúne ensaios deváriosespecialistas internacio-nais.Casoscomoodoex-gover-nador do Alabama GeorgeWallace ou como o do partidode Nelson Mandela, a ANC,são analisados ao lado de capí-tulos sobre Carlos Menem ousobre a igreja ortodoxa na Gré-cia. O sociólogo e historiadorargentino Ernesto Laclau, queanalisa neste volume o concei-to de hegemonia ideológica emGramsci,é tambémautordose-gundo livro importante sobreo populismo.

De fato, em On Populism Rea-son (Londres, Verso, 2005, tra-duçãoargentina: La razón popu-lista, Fondo de Cultura Econó-mica, Buenos Aires, 2005), Er-nesto Laclau, professor da Uni-versidade de Essex, discuteobras clássicas de Gustave LeBon, Cesare Lombroso, GabrielTarde e William McDougall pa-ra chegar à análise do livro deFreud, Psicologia das Massas eAnálise do Eu. Laclau trata tam-bém do papel do “lumpenprole-tariado” na obra de Marx, antesde se debruçar sobre exemploshistóricos de populismo nosEUA, no Canadá, na Argentinae na Turquia.

Écerto,portanto,queopopu-lismo é um fenômeno mundial.Maso fatodequedoisdosmaio-res especialistas no assunto se-jam autores que sofreram osefeitos perversos do populismosul-americano também tem asua importância. ●

*Luiz Felipe de Alencastro éprofessor titular de História do

Brasil da Universidade de ParisSorbonne, autor de O Trato dos

Viventes (Companhia das Letras,2000) e editor do blog

http://sequenciasparisienses.blogspot.com

ALIÁS

2006>>

NO POPULISMO, OLÍDER IGNORAINSTITUIÇÕES PARAFALAR PELO POVO

O SEPARATISMO DABOLÍVIA PODERÁ SERPROBLEMA PARA OEXÉRCITO DO BRASIL

NuestraAmerica vota...

O ANOREVISTO

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A campanha para a reeleição de Lula foi uma dentreas nove disputas eleitorais em países da AméricaLatina. A “temporada das urnas” começou em janei-ro, no Chile, e só acabou em dezembro, quando deuChávez na cabeça, de novo, na Venezuela. JO

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O legado de FidelAnthonyDePalma*

Será que Fidel vai serlembrado, como o he-rói nacional de CubaJosé Martí, com umanobre estátua de

bronze no Malecón, de onde elepoderá encarar a embaixadadosEUAdooutroladodaaveni-da à beira-mar pelo resto daeternidade? Será que o seu no-me vai substituir o de Martí noaeroporto internacional de Ha-vana? Será que os jovens cade-tes, tão disciplinados em suasfardas alinhadas, vão honrarseutúmulocantandohinosedis-parando salvas como os vi faze-remperanteodeMartí, quandoestiveemSantiagonoúltimove-rão – jovens tão sérios que vive-ramtodaavidanumaCubacon-trolada por Fidel?

Ou um dia ele será amaldi-çoado, seu espírito, banido dapátria como o de Porfirio Díaz,ogeneralquecomandouoMéxi-co quase tão longamente quan-to Fidel comandou Cuba, ecujos restos mortais não po-dem ser repatriados da Françanem mesmo hoje, quase um sé-culo depois de sua morte?

Como agora parece que seufim, seja quando vier, não seráseguido por uma mudançaabrupta e sim por mais do mes-mo, é inevitável que a reaçãoinicial à morte de Fidel emCuba seja uma efusão de triste-za e respeito, tanto encenadosquanto sinceros. O processo deabsolvição histórica que Fidelnotavelmente previu para simesmo começou no exato diadejulhoúltimoquandoseanun-ciou que ele havia transferido opoder temporariamente ao ir-mão mais novo e co-revolucio-nário, Raúl. Desde então, en-quanto a transferência tempo-rária parece cada vez mais per-manente, ocorre uma homena-gem contínua a Fidel na televi-são e nas páginas de todos osperiódicos de Cuba.

No Brasil, na Venezuela eem outros países da AméricaLatina e do mundo, o mesmoprocesso se desenrola. Há umreconhecimento generalizadode que, independentemente doque acontecer depois em Cuba,uma era importante está che-gando ao fim. Mas não é certoque a História vá absolver FidelCastro.

Fidel e sua revolução – queele carregou nos ombros porcincodécadas–umdiaserãojul-gados pelo que conseguiram epelo que não conseguiram. Es-se tipo de julgamento severonão é possível com ele vivo. Opovo cubano se mostra dispos-to a sacrifícios, a perdoá-lo e aesperarqueaspromessasdare-volução sejam cumpridas. Fi-deléumsobrevivente–doGran-ma, da Sierra, da Baía dos Por-cos, da crise dos mísseis, dos 46anosdeembargoamericano,daqueda da União Soviética. Ecom ele sobrevive a revolução.

No entanto, os cubanos já ti-veram vários meses para lidarcom a idéia outrora impensávelde que um dia não haverá maisFidel. Mas, sem Fidel, mesmose Raúl conseguir manter a re-volução viva de algum modo, opovocubanocontinuarádispos-to a esperar por sua conclusão?

Ou as imperfeições da Revo-lução de repente se tornarãoclaras, como se um nevoeiropersistente, contínuo, desapa-recesse? Quanto tempo eles le-varão para enxergar as ruínasde Havana como são? Quantotempo levarão para julgar comrigor, e abertamente, os defei-tos do sistema econômico queparece recompensar os turis-tasestrangeirosepuniroscuba-nos patriotas?

Quanto vai demorar paraque a espera interminável peloônibus,oslongosperíodosdees-curidãosemeletricidade,aslon-gas noites de abandono e ma-nhãsde desesperolevemopovoàs ruas para exigir coisa me-lhor? Por quanto tempo elesaceitarão um sistema de saúdeelogiado por ser universal, masquebradodemaispara ofereceritens básicos como aspirinas e

lençóis? Quanto agüentarãoum sistema educacional doqual todos falam que resultaapenas em livrarias cheias depropaganda e severas restri-ções ao acesso à internet?

Quanto vai demorar paraque as Damas en Blanca sejamacompanhadas por grandesmultidões exigindo a libertaçãodosprisioneirospolíticosetam-bém o fim do Gulag?

E por quanto tempo os vete-ranos das Forças Armadas es-tarão dispostos a esquecer co-mo o general Arnaldo Ochoa foiexecutado sob acusações que oregime de Fidel fabricou a fimde eliminar um inimigo? Ou co-mo alguns oficiais ganharampostos confortáveis na Gavio-ta, a agência das Forças Arma-das que administra as estân-cias turísticas, enquanto ou-tros não têm nada?

Por quanto tempo os cuba-nos estarão dispostos a escon-der sua antipatia, ou mesmoaversão, por Raúl?

O próprio regime teve quase50anosparaplanejarumatran-siçãodeFidelaRaúleagoraten-ta coreografar cada passo co-mo num espetáculo da bailari-na cubana Alicia Alonzo.

“Quando Fidel não estivermais conosco, sua obra, suasidéias, seu exemplo estarão”,declarou Carlos Lage, vice-pre-sidente do Conselho de Estado,nacelebraçãodoaniversáriododesembarque do Granma, em 2de dezembro – quando tambémforamcomemorados,comatra-so, os 80 anos de Fidel.

Fidel não estava com os 300mil cubanos que saíram às ruasde Havana naquele dia para ce-lebrar e assistir a um desfile mi-litar no velho estilo comunista.Foi difícil determinar qual era osímbolo mais forte – a ausênciade Fidel ou a exibição de pode-rio militar encabeçada firme-mente por Raúl. A mensagem

deforça na ausência de Fidel foiinconfundível.

E no entanto o povo cubano,enclausurado por tanto tempo(a maioria não conheceu outravida além daquela sob Fidel),mostrou a pressão que sentia.No desfile, um homem, um me-cânico,disseaumrepórterame-ricano que até mesmo aquelesque culpam Fidel pelos proble-mas do dia-a-dia o consideramum pai da nação.

“Nosso pai está morrendo eisso é triste”, disse o mecânicoresumindo as emoções de mui-toscubanos,“apesardedesejar-mos sua partida.”

ForadeCuba,ondeacapaci-dade de Fidel de enfrentar osEstados Unidos o transformouhá tempos num herói, pode ha-ver uma tristeza similar, à me-dida que sua vida lendária equase mítica se aproxima dofim. Como símbolo de rebeliãoe revolução, Fidel é superadopor poucos e foi, por mais deuma geração, a manifestaçãode uma linhagem esquerdista eantiianque da política latino-americana e do mundo em de-senvolvimento. Fidel nem sem-prefoiofrágilanciãoquearras-tava os pés no corredor num ví-deo cubano exibido em outu-bro. Para muitos, Fidel, comseu pequeno grupo de barbudosrevolucionários, captou a es-sência do movimento juvenildos anos 60 e seu desejo de mu-dar o mundo.

O reconhecimento das con-quistas da revolução em áreascomo a educação de médicosnãoatenua opersistentedesgo-verno da economia e o impactoextenuantedastentativasdeFi-del de exportar a revolução pa-ra a América Latina e a África.Fidel sempre se dispôs a pedirmais ao povo cubano e, desde afuga de Fulgencio Batista namadrugada do Ano-Novo, háexatos 48 anos, o povo cubanoem geral fez o que lhe manda-ram fazer. Depois que uma con-tra-revolução nas montanhasdo Escambray foi esmagadapor Fidel e Raúl no início dosanos 60, não houve tentativassérias de tirá-los do poder, nãoimporta o quanto as coisas esti-veram difíceis.

Raúl precisa saber que, paragovernar,terádenavegaraspe-rigosaságuas rasas entre apre-servação do legado do irmão esua demolição, a fim de ofere-cerumavidamelhoraseupovo.Ele também é um sobrevivente–eseurecentegestodeconcilia-ção dirigido aos Estados Uni-dos pode indicar uma realpoli-tikqueeleaprendeucomosanti-gos camaradas soviéticos.

“Esta é uma oportunidadeparadeclararmaisumaveznos-sa disposição de resolver, à me-sadenegociação,olongoconfli-to entre os Estados Unidos eCuba”, discursou Raúl em 2 dedezembro.Juntoaoramodeoli-veira oferecido a Washington,eleapresentoutambémacondi-ção específica de que a paz sóserápossívelse osEstadosUni-dos estiverem dispostos a tra-tar Cuba como “um país quenão vai tolerar sombras sobresua independência”, uma clarareferênciaà longaetempestuo-sa história das relações entreosdoispaíses,datandodaGuer-ra Hispano-Americana.

Afirma-sequeRaúlestámui-to interessado no que aconteceagoranaChina,enquantoaque-le vasto país se reinventa. Téc-nicos chineses, empresárioschineses e até militares chine-ses visitam Cuba regularmen-te, embora nem sempre fiqueclaro por que eles estão lá. AadoçãodocapitalismopelaChi-na com a manutenção de umsistema político comunista éconsiderada um modelo queRaúl e o ministério podem ten-tar imitar. À medida que Maomergulhanairrelevância,osis-tema que ele ajudou a criar évirado do avesso.

Existe,éclaro,outroatorim-portante no futuro de Cuba,cuja influência não encolhe –cresce. Hugo Chávez lançouuma corda salva-vidas a Cuba ea dependência de Havana au-mentadiariamente.Cheiodedi-nheiro do petróleo, Chávez po-de dar-se o luxo de fazer o papelde chefe dos escoteiros parauma geração inteira de lídereslatinos.Suasverdadeirasinten-ções são incertas no momento,embora pareça claro que ele seimagina tomando o lugar de Fi-

del como o homem que Wa-shington adora odiar.

Cuba ofereceu a uma gera-ção inteira de acadêmicos e di-plomatasummeiodevidalucra-tivo; a inescrutabilidade de Fi-del transformou a previsão deseu próximo passo num exercí-cio rentável. Desde quando seuestado de saúde foi declaradosegredo de Estado, a especula-ção sobre sua condição e o futu-ro de Cuba não parou.

Não há um pensamento uni-forme quanto ao futuro, masexiste um consenso entre espe-cialistas reconhecidos de queCubaprovavelmentenãoentra-rá em convulsão no rastro ime-diato da morte de Fidel.

“Espero reformas contí-nuas, mas graduais, a partir dedentro”,disseJuliaE.Sweig,di-retora de Estudos Latino-Ame-ricanos do Conselho de Rela-

çõesExteriores,emNovaYork.“Estedebateestáemcursohojeem Cuba, nas universidades ena imprensa, no partido e entreosmilitares: comoCuba poderáse reformar diante das pres-sões e ameaças externas quepercebe e diante da necessida-de de manter viva a Cuba socia-lista e antiimperialista?”

“A questão”, continuou Ju-lia, “é que participação demo-crática e maior oportunidadeeconômica são reivindicaçõessentidaspelossucessoresdeFi-del e terão de ser ouvidas preci-samenteporqueelesnãosãoFi-del.”

Até mesmo em Miami, ondeanotíciadatransferênciadopo-der para Raúl foi recebida comgrande festa nas ruas, a pers-pectiva é contida. Joe Garcia,quefoilíderdaFundaçãoNacio-nal Cubano-Americana, afir-mou que, se houver conflito, eleocorrerá nos bastidores, den-tro do grande grupo que Fidelinstalou em torno de Raúl, pes-soas como Ramiro Valdez, ou-

tro idoso sobrevivente doGran-ma, que nem sempre concordacom Raúl. E há os linhas-durasideológicos, aqueles como ochanceler Felipe Pérez Roque,conhecidos como os talibanes,que provavelmente ficarão nocaminhodeaberturaseconômi-cas e democráticas.

O regime instalado por Fideljá demonstrou que pode man-ter Cuba funcionando pelo me-nos tão bem quanto antes e queestá em alerta para uma dispu-ta interna pelo poder. “EmCuba, não haverá sucessãonem transição, haverá apenasa continuidade da Revolução”,declarou Lage. “Não haverá di-visão entre os revolucionários,não haverá ambições, presun-ção, ou vaidade.” O Partido Co-munista,disseLage,nãopermi-tirá que isto ocorra.

Raúl não pretende governarcomo uma figura carismática esolitária ao feitio do irmão.Mais provavelmente, ele tenta-rá governar no estilo de umajunta militar. Não seria um fatosem precedentes a nomeaçãode um novo presidente e o com-partilhamento do poder por umgrupodeelite.Quandoaindaes-tava na Sierra, Fidel anunciouque um juiz, Manuel Urrutia, setornariapresidenteassimquearevolução triunfasse. Urrutiafoiempossado,masnuncarece-beu qualquer poder e renun-ciou antes do fim de 1959.

A transição mais perigosapode ser aquela sobre a qual osirmãos Castro não têm contro-le. Sem Fidel, Cuba corre o ris-co de acabar se transformandoem apenas mais uma nação mi-núscula no Caribe, mais próxi-ma dos Estados Unidos que amaioria, mas quase irrelevanteem termos estratégicos e geo-políticos. A figura superdimen-sionada de Fidel rendeu a Cubamuitomaisatençãoeimportân-cia do que se poderia esperarde uma nação com 10 milhõesde habitantes.

Sem ele, no entanto, a maiorameaça representada porCuba poderia ser às outras na-ções de águas quentes e sua in-dústriaturística.Inacessívelpa-raosamericanosportantotem-po,umaCubaqueosturistaspu-dessem visitar quando quisees-sem e em segurança pela pri-meira vez seria uma atraçãoenorme. Já existe uma quanti-dade substancial de america-noscorrendoparaverCuba“an-tes de Fidel partir”. A própriainacessibilidade de Cuba atransformou numa atração. Aproibição convida os curiosos aver o que não podem ver.

Fidel sempre foi um mestredo mito e da imagem. Durante50anos,conseguiuevitarairre-levância mesmo enquanto omundoaseuredormudavadra-maticamente. Mas quando nãoestiver mais aqui, ele não serámais capaz de manipularo mitoe continuar a revigorá-lo sem-pre que houver uma crise. Namorte, seu mito finalmente vaiparar de evoluir.

Sempre que escrevi sobreCuba nestes últimos 20 anos, ti-veemmente que, antes detudo,ela é uma ilha. O país pode sercontrolado de uma forma queoutra nação que divida frontei-ras com outras não pode. O go-verno de Fidel sempre restrin-giuaentradadoquepôde, inclu-sive de pessoas. Assim comorestringiu tudo o que saía.

Tecnologia não respeitamais fronteiras políticas. Sinalde satélite e a world wide webnão podem ser bloqueados. Aúnica maneira de o regime limi-tar o acesso dos cubanos à ava-lanche de informação disponí-vel hoje em dia tem sido limitaro acesso às máquinas necessá-rias para receber estes sinais.ConformeRaulouseussucesso-ressejamforçadosaabriraeco-nomia, será mais difícil impediro acesso a esta comunicaçãocontemporâneabásica.Apróxi-ma revolução não virá necessa-riamente com armas descendoa Sierra. Ela virá de um compu-tador, na penumbra de uma sa-la em Santiago. ●

*AnthonyDePalmaécorrespondenteerepórterdo

jornalTheNewYorkTimeshá20anos.ÉautordeOHomemque

InventouFidel(CompanhiadasLetras,2006)

HASTACUANDO?–Umacordonaguerrilha, feitopelos jovensRauleFidelnosanos50, teriaseladoa transferênciadepoderquesevêhoje.

TRAVESSIA ‘06/07: Razõesparaacreditar (ou não)emumaabsolviçãohistórica

SERÁ QUE CUBANOSTERÃO COM RAÚLA PACIÊNCIA QUETIVERAM COM FIDEL?

A NOVA REVOLUÇÃONÃO VIRÁ DA SIERRAMAS DE ALGUÉM COMUM COMPUTADOR

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DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J15O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J15

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Corpos estreitamente vigiadosMaria RitaKehl*

19/8:A invasão emoA platéia presente ao show dabanda norte-americana Yellow-card em São Paulo é compostapor uma nova onda de adoles-centes: os emos. Eles são sensí-veis e curtem rock com letrasmelosas, do estilo emocore –daí o nome. Os meninos usamfranja caída, e as meninas,estampas da Hello Kitty.Mas não ouse chamarum emo de emo. O rótu-lo é pejorativo para eles.

7/9:As “pu” e as “prê”Depois de ser pro-cessada pela se-melhança com onome da famo-sa grife, a marcaDaspu chega à

França. Criada

pela ONG Davida, que defendeo reconhecimento da prostituiçãocomo atividade profissional,a grife já negocia a venda deroupas com a Galeria Lafayette.Na mesma toada, vem aí aDasprê, formada por presidiáriasde São Paulo.

4/10:A vez das gordinhas

O estilista francês Jean-Paul Gaultier questionaos padrões que impe-ram no mundo da mo-da e escala a norte-

americana Velvetd'Amour para o desfile

apresentado no Pa-ris FashionWeek. Pesando132 quilos, amodelo da cate-goria BBW (BigBeautiful Wo-man, algo

comoMulherGrande eBonita)entra napassarelavestindocinta-liga.

14/11:Fim dosonhoA modeloAnaCaroli-

na Reston, 1,74 metro, morre com40 quilos. Dois dias depois, a estu-dante de moda Carla Sobrado Cas-salle também morre, pesando 45quilos. Em dezembro, a estudanteBeatriz Bastos falece com 34 qui-los. Todas foram vítimas de anore-xia nervosa, distúrbio incentivadoem páginas na internet criadas,geralmente, por adolescentesque sonham ser magérrimas.

3/12:Espartilhos – que tal?O Fantástico exibe reportagemsobre um hábito do século 19 queestá de volta: o uso de espartilhos.Se comprimir os ossos por horasnão bastar, as mulheres apelampara algo que é ainda mais drásti-co: a extração do último par decostelas. O resultado: umacintura 10 centímetros menor,atrofia muscular e, de sobra,complicações na digestão.

5/12:FeticheO vestido preto Givenchy que Au-drey Hepburn usa na primeira ce-na do filme clássico Bonequinhade Luxo, de 1961, é vendido porUS$ 807 mil na Inglaterra. Ovalor supera em seis vezes asexpectativas dos organizado-res do leilão, realizado pelaprestigiosa Christie's.

VIDAL CAVALCANTE/AE

Travessia ‘06/07:Lipos, botox, dietas... paraqual divindadeoferecemos tantossacrifícios?

Umadasrepresenta-ções mais antigasda melancolia quese conhece, ao me-nos no Ocidente,

remonta à Idade Média. Estáassociada ao rígido controledas pulsões imposto pela Igre-ja Católica aos monges recolhi-dos ao isolamento dos mostei-ros. Na iconografia medievalda melancolia, encontra-secom freqüência a figura de umpobremongeassolado porfigu-ras diabólicas que represen-tam toda a sorte de tentações aque ele deveria resistir. A ace-dia, prostração da vontade queacometia o cristão dedicado asacrificar todos os prazeresmundanos para melhor serviraDeus, éuma forma melancóli-ca de rendição diante das exi-gências imperiosas de um cor-po que, como viria a proclamarLacan sete ou oito séculos maistarde,nãotemcondições de su-blimar todas as demandas desatisfação pulsional.

A repressão auto-impostaexige tanto esforço da cons-ciência e tamanha disciplinado corpo que acaba por enfra-quecer o próprio sentido do sa-crifício. A acedia, “retração daalmadiantedoobjetodeseu de-sejo”(Yves Hersant, L'acédie etsés enfants em: Jean Clair, Mé-lancolie, génie et folie en Occi-dent ), apela ao Diabo, uma vezque o penitente sente-se esma-gado pelo tamanho da renún-ciaque seobriga afazer. A figu-ra lendária de Santo Antonioatormentado pelas tentaçõesfoi objeto de uma novela escri-ta por Flaubert, já no século 19.“No fundo, não amo a Deus...”,queixa-seo personagem,abati-do pelo “demônio do meio-dia”da melancolia.

O princípio do prazer é oque dá sentido à vida, escreveuFreud, já bem próximo da nos-sa era. A recusa radical a todosos prazeres destrói o sentidoda nossa passagem por estemundo, ainda quando esta seorienta em direção aosmais al-tos ideais.

Tão longe, tão perto. O quesabemosnóssobreaacediame-dieval, em pleno século 21?Existe alguma afinidade entreossacrifíciosauto-impostospe-los antigos monges e a liberda-de com que os filhos do tercei-ro milênio se predispõem aodesfrute de todos os prazeres?Existe alguma semelhança en-tre a antiga condenação cristãcontra o gozo e a convocaçãopermanente que apela a que osujeito contemporâneo se en-tregue sem reservas a todas astentações?

Bem: nem todas. As tenta-ções da gula, por exemplo, sãohoje ainda mais malditas doque na idade das trevas. As dapreguiça e da indolência, nemse fala. O prazer, em nossa era,está intimamente vinculado aomovimento e à atividade. Oscorpos pós-modernos têm quedarprovascontínuas dequees-

tão vivos, saudáveis, gozantes.Aotrabalho,moçada! A quietu-de não tem nenhum prestígiona era da publicidade, das ra-ves embaladas a ecstasy, dosfilmes de ação. Estamos libera-dos para usufruir todas as sen-sações corporais, mas para is-soocorpo devetrabalhar comoum escravo, como um remadorfenício, como um condenado atrabalhos forçados. Anore-xias, bulimias, seqüelas causa-das pelo abuso de anabolizan-tes e de moderadores de apeti-te sinalizam a permanente bri-ga contra as tendências do cor-po a que se entregam, sobretu-do,os jovens,numasanhadisci-plinar de fazer inveja ao pobreSanto Antonio.

Tão longe, tão perto. Temosa liberdade, ou melhor, temos aobrigação de nos permitir to-dos os prazeres sexuais. Seriaótimo,se não fosseobrigatório.Quem não conhece o caráterdesmancha-prazeres até daspráticas mais libertinas, quan-doimpostaspelosuperego? Se-ríamos livres se não nos sentís-semos obrigados a dar provaspermanentes de nossa capaci-dade de gozar. Seríamos mes-tres do hedonismo se não esti-

véssemos tão vigilantes em re-lação às performances se-xuais, tão preocupados com asmenores imperfeições de umcorpo que se oferece ao outrocomo pura imagem. Seria óti-mo, enfim, se estes corpos es-treitamentevigiadosnão tives-sem perdido algumas de suascapacidades básicas, essen-ciais ao próprio prazer.

Por exemplo, a capacidadedo abandono contemplativo.Existe muita atualidade emAristóteles, que inspirou

Freud a escrever que o prazerdá sentido à vida. A Ética deAristóteles não prega contraos prazeres, como viria a fazero cristianismo, mas propõeuma hierarquia entre eles.Aristóteles não condena osprazeres puramente corpo-rais: considera-os inferiores.Para ele, o prazer superior é oda contemplação: esta capaci-

dade de conectar-se com omundo num certo estado de si-lêncio do corpo e de desliga-mento daconsciência autovigi-lante. A contemplação exigeque se esteja em paz com o cor-po e que a consciência estejaaberta ao momento, livre dapressão das fantasias e das exi-gências do superego. Condi-ções semelhantes às exigidaspara o desfrute dos prazeressexuais. Mas nunca estivemostão submetidos à tirania dasfantasias prêt-à-porter e aosimperativos superegóicos damoral do gozo.

A modernidade resulta deum longo processo de discipli-na e de auto-observação doscorpos. O Processo Civilizador,do sociólogo alemão NorbertElias, é uma minuciosa investi-gaçãosobrea gênese daforma-ção do que é hoje, para nós, ocorpo civilizado normal. A so-cialização das crianças peque-nas, desde as primeiras forma-ções das sociedades de corte,consistia (como ainda hoje) noaprendizado de uma série decontroles corporais. Aprende-se desde cedo como é que seanda no meio dos outros, comoé que se come em presença de

estranhos, como se controlamosimpulsoscorporaisempúbli-co. A criação da moderna esfe-ra privada nas sociedades libe-rais é indissociável da introje-çãodos mecanismosde contro-le dos impulsos e dos afetos, navida pública. Freud considera-va o desenvolvimento de umainstância psíquica encarrega-da do autocontrole como umavanço da civilização. A auto-disciplina afetiva e corporal écondição do engajamento dossujeitos na ordem social, diriaFoucault, para quem a submis-sãovoluntáriaéobraçosubjeti-vodo poder. O autopoliciamen-to permanente é o preço a serpagopela vidamoderna,sobre-tudo nas cidades.

Mashouve umatransforma-ção importante nos termosdesse controle, acompanhan-do a mudança do capitalismo,desde a fase produtiva do iní-cio do século 20 até a fase con-sumistados nossos dias.Passa-mos de uma economia psíqui-ca do adiamento do prazer pa-ra outra, do imperativo do go-zo. A moral do self-made manfoi substituída pela moral dobodybuilding. Isto não signifi-ca que em nossa era os corposem exibição no mercado daimagem não estejam submeti-dos a formas de controle tal-vez tão rigorosas quanto asquetorturavam os monges me-dievais. Fazer do corpo umaimagem oferecida ao olhar crí-tico do outro exige muita disci-plina, muito controle e, sim,muita repressão.

A quietude contemplativa,assim como a fruição sexual, sósão possíveis se o corpo não es-tiver permanentemente vigia-do pelo eu, autoconsciente daimagemquepretende apresen-tar em público. Não devemosconfundir a dimensão libertá-ria do desejo com a dimensãosuperegóica da cultura do nar-cisismo corporal. Jean-JaquesCourtine detectou uma conti-nuação do puritanismo na cul-tura norte-americana do bodybuilding. Para Courtine, a sa-nha do fisiculturismo que datados anos 1980 “não correspon-de a um laisser-aller hedonis-ta, mas a um reforço discipli-nar, a uma intensificação doscontroles. Ele não correspon-de a uma dispersão da herançapuritana, mas antes a uma re-puritanização dos comporta-mentos cujos signos, de modomaisou menos explícito, multi-plicam-se hoje”.

Hoje, o chamado amor pró-prio depende da visibilidade.Não se trata apenas da beleza.Não basta ter um rosto harmo-nioso, um corpo bem propor-cionado. É preciso aumentar ataxa de visibilidade, ocuparmuito espaço no mundo. É pre-ciso fazer a imagem crescer.Inflar os bíceps, as nádegas, ospeitos, aumentar as boche-chas, esticar o comprimentodos cabelos. A receita de bele-za no terceiro milênio deveser: muito tudo.

Não importa que com issoas mulheres fiquem mais oumenos parecidas com os stan-dartsoferecidospelosesteticis-tas. Um homem pode olhar asmoças no bar ou na fila do cine-ma e classificá-las pelas carac-

terísticas das intervençõesque elas fizeram: seios de sili-cone,olhos arregaladospor bo-tox, cabelos alongados, lifting,dentes branqueados. Do pontode vista delas o que importa égarantir um lugar de destaquenas vitrines do mercado dasimagens.

Seria ingenuidade criticar anova onda das formas silicona-das em nome de um ideal decorpo natural. O corpo huma-no nunca foi natural. As tribosmais primitivas se distinguemumas das outras pelas altera-ções estéticas, simbólicas e ri-tuais nos corpos de seus mem-bros. Do botox aos botocudos,do silicone às anquinhas, dasescaras às tatuagens atuais, oscorpos humanos são sempredesnaturados pelas práticasculturais. O que há de novo é opoder da tecnologia de intervircada vez mais na estrutura doscorpos, e o poder do marke-

ting, que torna essas interven-ções quase imprescindíveis.Não deixa de ser irônico que opadrão estético imposto pelatecnologiamaisavançadaseas-semelhe ao dos corpos femini-nos do século 19: as nádegasprotuberantes, modeladas nasacademias, substituem as an-quinhas; as barrigas lisas imi-tamascinturinhas devespaob-tidas com o uso de espartilhos.As filhas do pós-feminismo nãomedem sacrifícios para atrairos olhares masculinos. Ou a in-veja das outras mulheres. Ou aaprovaçãodoespelho,estaver-são caseira da telinha.

E a prova dos nove do suces-so, qual será? O acesso aos mis-térios do sexo e do desejo se-xual? Não creio. O desejo nãose dirige à perfeição, dirige-seao enigma. Quanto ao erotis-mo, será que o sexo praticadoentre os bombados e as silico-nadas é mais interessante,mais inventivo, mais sacana doque o sexo entre pessoas fisica-mente comuns? Conseguire-mos ser, ao mesmo tempo, es-cravos da imagem e mestresda libertinagem?

Como o Santo Antonio deFlaubert, que já não é mais ca-paz de amar o Deus que lhe im-põetantas renúncias,os jovensescravizadores dos corpos doséculo21 jáperderam de vista adivindade à qual oferecemseus sacrifícios. A forma con-temporânea da acedia medie-val é o tédio que vitima jovenscasais, apartados do saber in-consciente sobre o desejo se-xual na medida em que obede-cem cegamente à exigência su-peregóica de construir um cor-poreduzidoàdimensãodeima-gem sem interioridade, semhistória, sem nenhum vestígiodas imperfeições da vida.●

*Maria Rita Kehl, psicanalista eescritora, é autora de Ressenti-

mentos (Casa do Psicólogo), Vi-deologias (Boitempo; em parceriacom Eugênio Bucci), entre outros

PHILIPPE WOJAZER/REUTERS

ALIÁS

2006>>

TROCOU-SE A MORALDO ‘SELF-MADE MAN’PELA MORAL DO‘BODYBUILDING’

CONSEGUIREMOSSER ESCRAVOS DAIMAGEM E MESTRESDA LIBERTINAGEM?

TENSÃO-NatelaFiguraemMovimento,doirlandêsFrancisBacon((1909-1992),asugestãodecorposmutilados

O ANOREVISTO R

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REPRODUÇÃO

6 esquisiticesda moda

ESCALAPB PB ESCALACOR COR

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J16 ALIÁS DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

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Produto: ESTADO - BR_B - 17 - 31/12/06 J17 - BRASIL Cyan Magenta Amarelo Preto2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% 100% 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 85% 90% 95% 98% 100%

Música para reouvirLuizTatit*

CARIOCA–NoshowdeChico,eracomoseaplatéiadissesse:nósouvimos,masdepoisvocêcantaas“boas”

Milton HatoumO escritor amazonense recebe porCinzas do Norte o Prêmio Jabutina categoria Livro do Ano – Ficçãoe o primeiro prêmio da 4ª ediçãodo Prêmio Portugal Telecom deLiteratura Brasileira.

Cao HamburgerDepois de um começo de anomorno para o cinema nacio-nal, com baixo retorno nas bi-lheterias, eis que Cao Ham-burger dá o pontapépara a reviravolta.Mostrando a re-pressão militarnos “anos dechumbo”, doponto de vistade um pré-ado-lescente, o co-movente filme OAno em queMeus Pais Saíram

deFérias é o preferi-

do da audiência no Festival de Ci-nema do Rio.

José MindlinEm março, lança Destaques daBiblioteca InDisciplinada de Guitae José Mindlin, catálogo com o

melhor no acervo commais de 45 mil títu-los. Em maio, doapara a USP o fruto

de 80 anos de garim-pagem: 20 mil livros

que, somados aoacervo do Insti-tuto de Estu-dos Brasilei-ros, vãocons-tituir amaior Brasi-liana – cole-ção sobre o

Brasil – doPaís. Em junho,

Mindlin torna-se

imortal, eleito para a AcademiaBrasileira de Letras, com 36 dos37 votos válidos.

Tomie OhtakeAos 93 anos, a artista plásticaganha a retrospectiva TomieGráfica, feita de 75 gravurasproduzidas entre 1968 e 2005.Tomie também recupera oMonumento à ImigraçãoJaponesa, quatro ondasde concreto instaladasno canteiro central da

Av. 23 de Maio, em São Paulo.

Ainda em 2006, começa acriar uma escultura em ferropara a entrada do Aeroportode Cumbica e, pela primeiravez, experimenta moldar omármore.

Nelson FreireÉ, definitivamente, um dos gran-des e mais celebrados pianistas

de todo o mundo. Com 50 anosde carreira e lotação esgotadaem todo concerto que faz, Nel-son Freire grava os dois concer-tos para piano de Brahms,acompanhado da Orquestra daGewandhaus de Leipzig. E lan-ça um CD solo com a execuçãoimpecável de quatro sonatasde Beethoven.

Chico BuarqueNão que ele estivesse afastadoda mídia. Afinal, após o lança-mento de Budapeste, os últi-mos capítulos da série de DVDsdirigida por Roberto de Oliveirasão de 2006. Mas o “jejum deimprensa” é quebrado com olançamento do CD Carioca. Chi-co fala e dele falam. O disco fazcom que o compositor/cantorvolte aos palcos. Ele abre a tur-nê em São Paulo e prossegueno Rio. Casas lotadas, sempre.De novos e velhos fãs.

Personalidadesculturais

2006>>

Travessia ‘06/07: Inovar sobo riscodesumirou repetir como intuitodepermanecer?Desafioparanossoscompositores

Hoje, cada um podegravar o seu disco ecolocá-lo na inter-netembuscadeumouvinte que nem

chega a ouvi-lo por estar às vol-tas com suas próprias composi-ções, que também serão lança-das na rede para que alguém asdescubra e mostre aos outros.Esses outros geralmente estãoocupados, pois criam repertó-rio para uma próxima investidamusical que, sem gravadora esem distribuidora, dependeráde divulgação em seus respecti-vosblogs,voltadosaosinternau-tas que ainda ouvem uma coisaououtraseafonteforconhecidaoubemrecomendada.Masmes-mo esses internautas só ouvemtrechos de cada música, saltan-do rapidamente de uma para aoutra, colhendo impressões pa-ra realizar um novo trabalhoque ficará disponível online.

Afacilidadetécnicadeprodu-ção e a velocidade de circulaçãodasobrasmusicaisestãoforjan-do uma realidade sonora com aqual nem sonhávamos décadasatrás. A ampliação desmedidado universo dos criadores vemabalandoacapacidadedeabsor-ção dos consumidores. O fã quecomprava o CD do artista agoravempresenteá-locomoseupró-prio, gravado em excelentescondições técnicas e ainda valo-rizado por um bom suporte grá-fico que torna sua capa e seu en-carte bastante atraentes. Mas oartista, que já recebera algu-mas dezenas de outros CDs eDVDs de outros fãs, provavel-mente não terá tempo de ouvi-los(ou vê-los) poisestá enfurna-do num estúdio preparando no-votrabalhoquedeverácompen-sar a pouca divulgação e acolhi-da do anterior, cujo lançamentocoincidiu com uma época emque os ouvintes cuidavam deseus próprios discos...

Difícil compreender as no-vas relações de produção e con-sumo anunciadas no alvorecerdo século 21. Não sabemos nemse estão se concretizando ou sevirtualizando. Não podemosimaginar suas conseqüências emuito menos avaliá-las com oscritérios ideológicos ou científi-cos erigidos no século passado.Por enquanto, parece-nos sufi-cientereconhecê-lascomofenô-menosirreversíveisqueexigemaformaçãode uma novamenta-lidade para o acompanhamentode seus efeitos sociais, culturaise estéticos. Nem podemos dizerainda que algum dia estaremosemcondiçõesdejulgaressasno-vasrelações,umavezqueacom-preensão, como a concebemosaté hoje, pressupõe um grau dedesaceleração que estará sem-preemdefasagemcomadinâmi-ca alucinante da veiculação so-nora dos nossos dias.

Talvez esse panorama des-crito até aqui traduza mais umatendência do que a realidadedesteiníciode2007.Grandepar-te da cena musical ainda é ocu-pada por nomes que se firma-ramnumcontextoemqueartis-

taeraartistaepúblicoerapúbli-co. Uns faziam e outros ouviam.No entanto, mesmo esses artis-tasjáseressentemdapoucadis-posiçãodopúblicoparaouvirno-vas canções. Prefere reouvir aouvir. As novas composiçõesque tanto significam para o au-torsãoapresentadascomextre-ma parcimônia, sempre emmeio a muitas já consagradas.Ouvir é uma concessão da pla-téia, reouvir é o seu desejo. Ou-vir é se sentir no centro do bom-bardeio diário das informaçõesnãosolicitadas,reouvirésepro-tegerdobombardeioepoderes-colher o que já é significativo.Outro sinal da mesma tendên-cia manifestou-se há pouco narecepçãoaonovoeesperadodis-codoChico(Carioca).Todaaela-boração cancional ali investidafoidescartadanaprimeira,etal-vez única, audição. Nenhumafaixa fez pensar em Quem te viu,quem te vê e muito menos emConstrução. O prestígio do com-positor garantiu a presença detodas as novidades no repertó-rio do show, entretanto, do pon-to de vista da platéia, era comosehouvesseumcontratoimplíci-to: nós ouvimos, mas depois vo-cê canta “as boas”.

Apreferência porobras assi-miladasé umrecurso, na verda-de muito humano, de preserva-ção de identidade. Aquilo quenos atrai é parte de nós que sedesprega,masquequeremosdevolta para nos sentirmos intei-ros. É esse, aliás, o sentido de“objeto”. O sujeito o perseguenão por veleidade, mas porqueconstitui um pedaço de si queprecisa ser recuperado (Pedaçode Mim, do mesmo Chico, versasobre isso). Assim, não há malnenhum em querer reouvir. Éummododerepassarnamemó-ria tempos já vividos, em geralassociados a idéias ou situaçõesprazerosas, e de realinhavarconteúdos que vagam avulsosem nosso interior. É um mododedartempoaotempoederevi-gorar nossa identidade diantede um mundo cujo andamentoaçodado tende a nos despeda-çarpordentro.Nessalinha,é in-teressante observar que os sho-wsdehojesãosemprerituaisde

comunhão que atingem o seuápice quando a platéia cantacom o artista aquilo que já reou-viu muitas vezes. Todos se jun-tam em defesa de um patrimô-nio subjetivo e coletivo que a“realidade”foradoauditóriotei-ma em dilapidar.

Acontecequeaampliaçãoes-pantosa da faixa dos criadores,que poderia ser um bem em si,acaba produzindo no ouvinteuma espécie de defesa da pró-pria sensibilidade (“Socorro, eunão estou sentindo nada”, diz aletra de Alice Ruiz). São tantasas canções interessantes e tan-tos os sentimentos transmiti-dosquejánãopodemosmaisdis-cerni-los nem incorporá-los.(“Tem tantos sentimentos / De-ve ter algum que sirva”, idem).Eles nos escapam em sua maio-

ria. Mas basta que alguns sejamfisgados e reproduzidos pelosveículosde comunicação,ouatépela atuação direta dos artistasque seesmeram em promover opróprio trabalho, para termos acomprovaçãodequeascançõesseguem respondendo ao anseiovital de desaceleração do ritmode vida do ouvinte e continuamse convertendo em verdadeirosLeitmotiven de sua história.

Houve época em que gravarum disco era tudo que um artis-tapoderiadesejar.Esósepensa-va no registro de um segundo sea venda e a repercussão do pri-meiro fossem satisfatórias. Ho-je, um CD gravado é ponto departida para uma almejada car-reira musical e, independente-mente de qualquer sucesso devenda ou de crítica, o artista jáseaventuranumsegundodisco,num terceiro, e assim por dian-te, até que uma canção “empla-que”. Emplacar, nesse univer-so, significa “permanecer”, vi-rar objeto de reprodução na se-qüência ininterrupta das cria-çõesdoartista.Nofundo,signifi-ca interromper momentanea-mente a própria voracidade decriação em nome de um forma-to que precisa ser reouvido e in-corporadoaosritos(ouapresen-tações) cancionais do autor. Aprodução desenfreada dos diasatuais não busca o novo em si,mas o que pode permanecerdentre as numerosas criações.Claro que existem graus de per-manência. Algumas composi-ções se transformam em hinosdo autor e atingem uma perma-nência absoluta (ex. País Tropi-cal,deJorgeBenJor),outrascir-culam apenas entre os seguido-

resmaispróximosdoartista,ou-tras serão reconhecidas anosmaistarde,numcontextosocio-cultural diverso. E há, ainda, asquepermanecem,massãoaban-donadas pelo próprio autor, pordesinteresse (ex. A Banda, deChico Buarque) ou por razõesde foro íntimo (ex. Quero Que VáTudo Pro Inferno, de Erasmo eRoberto Carlos). Qualquer des-sesgraustemsuaimportânciaecontribui para a formação dasidentidades pessoais e do patri-môniocoletivo.Eaoartistaéim-prescindível atingir algum graude permanência, embora issonão lhe seja suficiente. Em ge-ral, quanto mais o público querreouvir, mais o compositor lhepropõe novidades, até que umadelas outra vez emplaque. Teráo artista, então, o melhor teste-munho da própria vitalidade.

Jamais se produziu tantacanção de qualidade (maior oumenor) no Brasil como nos diasatuais.Aofertasuperaademan-daemdiversositens.Énotávelarapidez com que um ouvinte setransforma em artista, muitasvezes mais produtivo que seusídolos,ealimentacomsuascom-posiçõesummercadojáinflacio-nado de bons trabalhos, deixan-doperplexostantoosdemaisou-vintes quanto a própria classemusical.Quantoaosinstrumen-tistasdehoje,pode-sedizerque,experiências à parte, começamsuas carreiras no ponto em queseusreverenciadosmestrester-minaram e atingem metas mui-to mais exigentes. O ofício decancionista, embora ainda nãoseja reconhecido pelas instân-cias formais, já é uma profissãoconcreta e promissora na cabe-

ça dos jovens de agora e isso osleva a compor desde muito ce-do. O problema é dar vazão a to-daessafecundidadenumforma-to que evite o descarte sumário,decorrentedoatropeloinforma-tivo,equeestimuledealgummo-do a reaudição.

A internet é um campo a serexplorado, mas não faz parte desuasatribuiçõesavalizarospro-dutos que circulam na rede.Sua feição caótica, embora pro-porcione eventuais descober-tas,produzdesconfiançaseindi-ferenças incompatíveis com o

universo cancional. As rádiosde vasta audiência são há muitotempo cúmplices de conglome-rados comerciais e só operamna faixa de grande consumo, oque as distancia cada vez maisdo antigo papel de principal di-vulgadoradasvariedadessono-ras de todo o país. Do mesmomodo,as televisões abertas(ex-ceto as culturais) retiraram osmusicais de sua programação,restringindo-se à utilização decanções “eleitas” do mains-tream para compor as trilhasde suas novelas. Mas rádio e te-levisão, mesmo que quisessemnovamente apoiar o segmentomusical, não mais dariam con-ta. As condições quase provin-cianas das décadas de 1960 e1970, que proporcionaram areunião de todos os artistas im-

portantesnumamesmaemisso-ra, a Record, são irrecuperá-veise inconciliáveis com o mun-do contemporâneo. Sobram asnostalgias: nunca houve gera-ção musical como a daquelesanos! O auge de nossa músicapopularfoi abossa nova! Nuncahouve tanta vibração e qualida-demusicalcomonaeradosfesti-vais! Etc.

Talvez nunca tenha havido,isto sim, tanta concentração evisibilidade das principais ten-dênciasdamúsicabrasileiraco-mo naquele período. Talveznunca tenha havido uma gera-ção tão reouvida e, portanto,tão fundamental na formaçãoda nossa identidade. Quandosuas obras não nos eram apre-sentadasdiretamentepelatele-visão, desfilavam nas paradasde sucessos programadas poremissoras de rádio. Os cancio-nistas formavam uma classebem delimitada e inteiramenteconhecida do público. Emborao ingresso no mundo artísticofosse mais restrito, depois dagravação do primeiro disco edesua inserção na então “peque-na” mídia disponível, a passa-gemdoouviraoreouvireraqua-se automática.

Atualmente, não é exagerodizer que surgem novos artis-tas todos os dias. Logo os tere-mostodasashoras, todososmi-nutos, e, claro, teremos cadavezmenosdisposiçãoparaouvi-los. A mídia se retrai e só reco-nheceumaparcela mínimades-se imenso contingente de cria-doresqueseaglomeranosespa-çosvirtuais,nasfilasdepatrocí-nio e nos palcos alternativos detodo o Brasil. Daí a importânciaatual de algumas instituiçõesbancárias, ao lado de empresasmais arejadas, que vêm inves-tindo em projetos de revelaçãoe difusão de talentos ao menosnos principais centros de cultu-ra do país. Daí a importância doSesc,outronúcleoextraordiná-rio de veiculação das iniciativasartísticasde altonível,que,par-ticularmenteemSãoPaulo,rea-liza um trabalho ininterruptode circulação dasartes brasilei-ras – e que, neste momento, vêparte de seus empreendimen-tos ameaçada por lamentáveisperdas de arrecadação.

É no interior dessas salas deespetáculo que a música brasi-leira pulsa com o mesmo vigordetodosostempos.Quemasfre-qüenta tem tido oportunidadede se imbuir das incríveis dic-çõescancionais de nossa época.Emsuamaioria,elasnãocabemmais na grande mídia, mas pelaamostra de poucos que pude-ram migrar desse mundo artís-tico periférico para o centro demédio e grande consumo, ondepodem ser reouvidos (citemos,entre muitos, os compositores-intérpretes Zeca Baleiro, ZéliaDuncan, Lenine, Arnaldo Antu-nes, Chico César e Vanessa daMata), já vemos que nada de-vem à geração dos anos sessen-ta e setenta. Com a vantagemde que ainda estão no primeirotempo de sua partida musical.●

*LuizTatit é fundadordoGrupoRumo,compositor, cantor,

violonistaeprofessordoDepto.deLingüísticadaFaculdade

deFilosofiadaUSP.ÉautordeOCancionista (Edusp,2002)

ALIÁS

ALEX SILVA/AE

J.F.DIORIO/AE

PERMANECERSIGNIFICA SE TORNAROBJETO DEREPRODUÇÃO

A PRODUÇÃO DE HOJENÃO BUSCA O NOVOEM SI, MAS O QUEPODE PERMANECER

ANTONIO MILENA/AE

O ANOREVISTO

ARQUIVO/AE

ESCALAPB PB ESCALACOR COR

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DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006 ALIÁS J17O ESTADO DE S. PAULO ALIÁS J17

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E aqueles que nunca vencem?NunoRamos*

MEMBROsEMÚSCULOS– Como legumes transgênicos, a deformidade das pernas de alguns são a imagem da especialização excessiva

6 vitóriase 1 derrota

Num de seus contosmais bonitos, Ka-fka descreve as pe-ripécias de um je-juador, um Artista

da Fome, empenhado em batero recorde de tempo jejuando. Oconto se inicia no que seria aépoca de ouro dos jejuadores,em que o público acorria emmassa à jaula onde, vigiados,permaneciam sem se alimen-tar. Um prazo de 40 dias era omáximo que os empresáriospermitiam, sob pretexto de ze-larporsuasaúde,masnaverda-de para evitar o desinteressedo público. Este limite fazia otormento dos artistas da fome,sempre ansiosos por atingirum recorde que não conhe-ciam, nem podiam tentar. Aospoucos, no entanto, o públicoabandona este esporte, esque-cendo-se afinal inteiramentedele. Um jejuador, então, em-prega-se num circo, mas acabaabandonado ali, junto às estre-barias, misturado à palha desua jaula, por um tempo inde-terminado – sempre jejuando.Éentãoquebatetodososrecor-des de jejum, sozinho, sem pú-blico,paraninguém,atéserdes-coberto, dizer suas últimas pa-lavras e morrer.

Como sempre, em Kafka, omundoapareceàs avessas, poiso recorde é feito por subtração(passar fome), ao contrário dosrecordespositivosquemarcamo esporte – correr mais rápido,levantar mais peso, marcarmais pontos. Além disso, é so-mente pelo abandono do públi-co que o esporte pode ser leva-do ao limite. Esquecido numajaula, o jejuador pode fazer en-fim aquilo de que mais gosta –jejuar, chegar ao extremo deseu talento. É neste abandono

também que o artista da fomefala. Diz que jejua “porque nãopude encontrar o alimento queme agrada. Se eu o tivesse en-contrado, pode acreditar, nãoteria feito nenhum alarde e te-ria me empanturrado como vo-cê e todo o mundo.” Assim, nes-te mundo invertido, o fracassoleva o artista-atleta ao recordee ao alimento que não pôde en-contrar: a fome.

Para cada atleta que conhe-cemos, para quem nos acostu-mamos a torcer, que vemos pe-la TV ou cujo nome ouvimospronunciado, centenas foramesquecidos debaixo da palha,batendo, talvez, recordes quenão interessam a ninguém. Asombra de um amadorismo di-fuso ronda o nosso profissiona-lismo com o mesmo abismo dadivisão de renda entre nós. Éconhecida a história, tão piegasquanto verdadeira, da maioriade nossos heróis olímpicos, que

começaram sem amparo al-gum, treinando em condiçõesabsurdas, para no fim chegar àmedalha. O mais interessante,noentanto,seriapensarnamas-sa de atletas que não alcançamo pódio, que não alcançam índi-ces olímpicos, que não são gê-niosnem têmacessoaos treina-mentos(emuitasvezesaosesti-mulantes químicos) que cer-cam os competidores de verda-de. Seria interessante, agoraque seu momento de glória seaproxima (o Pan-Americano),pensar nestes atletas da fome,que não puderam, muitas ve-zes, encontrar o alimento quelhes agrada. Como será compe-tir sem poder ganhar, “fazer asua corrida” sabendo que ela

nãoincluiavitória,nemapassa-gemacompetiçõesmaisimpor-tantes? Como será treinar nu-ma pista de barro encharcada,pular num colchão com molasquebradas, nadar numa pisci-nafria,começaradarsaltosnu-maidadeavançadademais?Co-mo será perder, perder sem-pre, dos modos mais variados,num mundo que só conta a his-tória de quem vence? Como se-rá ficar na palha, jejuando, semque ninguém saiba?

Paraoatletaamadoroespor-te não virou ainda um meio devida.Nãoéumsistemaminucio-sodemensurações,refeitoaca-dadia(índicespessoais,contro-le de calorias, massa muscularetc). Não é um ranking, onde a

comparação com seus seme-lhantes é descrita nos parâme-tros mais detalhados. Não hápúblico para acompanhá-lo. Émadrugada, e treina sozinho.Para o atleta amador o esporteé ainda um possível, uma mas-saemaberto,algoaseraprendi-do – algo que não domina. Suatécnica não é perfeita – podeaperfeiçoar-se, e muito. Aindanão é um especialista – o corre-dor de 400 metros pode mudarde prova, o de 3.000 metros po-de virar talvez um maratonis-ta. À diferença do profissional,que só pode vencer ou perder, oamador é aquele que ainda po-de um número enorme de coi-sas – até mesmo gostar do quefaz,maisdoquedeseus índices.

O amadorismo tem essa ca-racterística estranha – parecedeslocado deste sistema brutale binário de inclusão/exclusãoa que o mundo vai se reduzindocada vez mais. O amadorismoresiste, de dentro de sua palha,numa jaula perdida, num circode que ninguém se lembra.Num artigo brilhante, o musi-cólogoLorenzzoMammìtraba-lha esta idéia de amadorismo apartirde um de nossos maioresartistas - João Gilberto. ParaMammì, o amadorismo deJoão Gilberto não se dá por fal-ta, mas por excesso – sua músi-caseriaperfeita eperfeccionis-ta demais para as exigênciasda indústria cultural. É estadesmesura que o amador ain-dapratica.Mesmoqueinvolun-tariamente, ele é alguém quenão foi pego pelo Deus a quemse oferece.

Sei bem que existe uma ma-gianosrecordes enas competi-ções de ponta que não pode sernegada – a do limite humano.Mas é claro que existe tambémem toda disputa uma dinâmicainterna, que no fundo prevale-ce. Afinal, se numa corrida de100 metros rasos três competi-dores chegam separados porcentésimos de segundo, que di-ferença faz se seu tempo foi de10 segundos cravados ou de9’77(o recorde mundial deJus-tin Gatlin e de Asafa Powell)?São estes décimos de segundo,no entanto, que separam o PandasOlimpíadaseaprimeirapá-ginados jornais de uma nota defim de página (com exceções, éclaro: João do Pulo bateu o re-corde mundial do salto triplono Pan-Americano da Cidadedo México).

A junção entre atletismo edoping parece o resultado lógi-codistotudo.Bastaolharparaapernadetantosatletas:adisfun-ção entre membro e músculos,comolegumestransgênicossal-tandopor todo lado,é a imagemda especialização excessiva.Grande parte dos atletas temmesmo algo de um monstro –não o lentíssimo Frankenstein,que juntava pedaços mortosnum todo vivo, mas os velozes

Nibelungos, anões inchados,exponenciados ao limite, pos-suídos por uma energia quenão parece inteiramente de-les. O corpo não poderia mes-mo ser poupado – assim comoos cantores eram castrados,para que alcançassem deter-minadas notas, atletas são ana-bolizados por dentro, músculoa músculo, para que executemmelhor suas especialidades.

A isto tudo o artista da fo-me responde, debaixo de suapalha, sozinho. Na hora demorrer, tem “nos olhos emba-ciados a convicção firme, em-bora não mais orgulhosa, deque continuava jejuando”. Afrase pode ser aplicada tam-bém à sua morte, o últimogrande jejum. Forma extremade desmesura, o recorde do ar-tista da fome inclui sua pró-pria extinção.●

*Nuno Ramos é artista plástico

30/4:Popó tetracampeãoAcelinoPopóvenceoamericanoZahirRaheem,nosEUA,econquis-taocinturãodos leves,daOrganiza-çãoMundialdeBoxe.Comisso,oBrasil,pelaprimeiraveznahistória,temdoiscampeõesmundiais simul-taneamente.Emjaneiro,ValdemirSertãoPereiragarantiuocinturãodospenas,pelaFederação Interna-cionaldeBoxe.

2/7:A copa do meiãoA seleção não vinha jogandobem. Mas a esperança do brasi-leiro não tem fim e a derrotapara a França (de novo) na Co-pa da Alemanha é frustrante.Roberto Carlos ajeita a meia,Zidane cruza e Henry marca. Oresultado de 1 a 0 manda os bra-sileiros para casa e torna o quar-teto mágico uma das maioresdecepções do ano.

10/9:Meninas do vôleiNas quadras e nas areias, nãotem para ninguém. Juliana eLarissa ganham 16 títulos devôlei de praia em 2006. E aseleção de vôlei de quadra,comandada por José RobertoGuimarães, derrota a Rússiapara conquistar o sexto títulodo Grand Prix – o terceiro se-guido – de forma invicta, com13 vitórias.

5/11:O rei de Nova YorkMarilson Gomes dos Santos deixapara trás os favoritos quenianos e37 mil atletas para chegar em pri-meiro na Maratona de Nova York.Marilson é o primeiro sul-america-no a vencer a prova de longa dis-tância mais famosa do mundo.

3/12:Meninos do vôleiO Brasil ratifica a condição demaior potência da atualidade novôlei masculino. A equipe conquis-ta o bicampeonato mundial ao ar-rasar a Polônia, em Tóquio.

16/12:O nome da vezDiegoHypólitobrilhanaCopadoMundodeginástica.Ele jáhaviaconquistado,emmarço,oouronaprovadesoloduranteasegundaetapadacompetição.E,na finaldo

campeonato,conquistaobiaoes-trearumnovomovimento,que foibatizadocomoseunome.

17/12:O mundo é vermelhoDepois de bater o São Paulo nafinal da Libertadores da América,o Internacional vai a Yokohama,no Japão, enfrentar o Barcelonade Ronaldinho Gaúcho. O jogo ter-mina 1 a 0 para os colorados e dáao time o título de campeão doMundial de Clubes.

2006>>

Travessia ‘06/07:Asolidãodoatletaquenuncaviráa ser reconhecido

NOS 100 METROS, QUALA DIFERENÇA ENTREOS 9’77 DO RECORDE EUNS 10’ CRAVADOS?

ALIÁS

PARA CADA ATLETAHERÓI, CENTENAS SÃOESQUECIDOS POR MAISQUE TREINEM PESADO

DEANÔNIMOARECORDISTA–JoãodoPulo: décimosdesegundoo levaramàsprimeiraspáginasdos jornais

JONNE RORIZ/ AE

KEINY ANDRADE/AE

O ANOREVISTO

JONNE RORIZ/AE

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●●●BUSSUNDA (17/6, aos 44 anos) - O País viviao oba-oba do começo da Copa quando o humoristateve um enfarte fulminante na Alemanha, onde “co-bria” o campeonato ao lado dos outros Cassetas.ComatrupedaTVGlobo,participoude11 livros, trêsdiscos, um filme e uma peça de teatro.

●● ●TELÊ SANTANA (21/4, aos 74 anos) - Ga-nharporganharnãofaziapartedoseureper-tório. Quando jogador do Fluminense, tinhao apelido de Fio de Esperança, pela intensadedicação que ofereceu ao seu clube do co-ração. Como técnico, era um perfeccionis-ta. Exigia um futebol diferenciado, e a sele-ção de 1982 provou isso, embora não tenhalevado o caneco. Nem a de 86. Para quemquis lhe cravar a pecha de “pé frio”, ele res-pondeu com os 11 títulos do São Paulo, in-cluindo o do Campeonato Brasileiro, as

duas Libertadores e os dois Mundiais.Uma isquemia fragilizou sua saúde, masnão a fama de vencedor.

●●●BRAGUINHA (24/12, aos 99 anos) - Carinhoso é seu sucesso an-tológico,mastambémassinouhistóriasinfantis lançadasemLPscolo-ridos. Num tempo em que se esperavam com ansiedade as marchi-nhas de Carnaval, compôs As Pastorinhas e Yes, Nós Temos Banana.Produziuespetáculos,dirigiu filmes,dublou...Umhomemmultimídia.

● ● ●JOHN GALBRAITH (29/4,aos 97 anos) - Professor eméritode Harvard, foi crítico contumazda sociedade de consumo ameri-cana e do conformismo. Defen-deu jornada de trabalho semanalinferior a 40 horas.

ARQUIVO AE

●● ●MIGUEL REALE (14/4, aos95 anos) - Era conhecido comoopaidonovoCódigoCivilBrasilei-ro. Seu trabalho, FundamentosdoDireito(1940), lançouasbasesde sua Teoria Tridimensional doDireito, que se tornaria mundial-mente conhecida.

●● ●MILTON FRIEDMAN (16/11,aos 94 anos) - Ganhador do No-bel de Economia de 1976, pre-gouomercado livrecomocondi-ção para a liberdade das pes-soas.FoiconselheirodeReagan,Nixon e Gerald Ford e assesso-rou a economia de Pinochet.

● ● ●PHILIPPE NOIRET (23/11,aos 76 anos) - Tendo feito maisde 150 filmes, este francês como-veu o mundo em papéis como oPablo Neruda de O Carteiro e oPoeta e o projecionista Alfredo,de Cinema Paradiso.

●●●AUGUSTO PINOCHET (10/12, aos 91 anos) - Ditador do Chile de1973a90,derrubouumgovernono qual ocupavacargodeconfiançaeinstaurou um regime marcado por tortura, desaparecimentos, e mor-tes. Nos últimos anos surgiram indícios de enriquecimento ilícito. Aadoção de um modelo liberal nos anos 80, então inédito na AméricaLatina, lhe garanteelogios dealguns. Mas, como sugere o título deseuobituárionabíbliadoliberalismo,arevistaTheEconomist,“nãoimpor-ta o que ele tenha feito pela economia: Pinochet era um homem mau”.

JJ. LEISTER/AE

●●●JAMES BROWN (25/12, aos 73 anos) - Criadono sul rural americano durante a Depressão,Brownse formou musicalmente no gospel. Era capaz degritarsemperderanotaeseusshowsforamsempregrandes espetáculos. Militante do movimento ne-gro, passou cinco anos na prisão por condenaçõesque vão de roubo, violência contra a ex-mulher, usode drogas e porte ilegal de armas.

NILTON FUKUDA/AE

THE NEW YORK TIMES

●●●GERALD FORD (26/11, aos 93 anos) - Presiden-teacidental dosEUAquesucedeuNixon, eraumtra-palhão:batiaacabeçanasaídadohelicóptero,enro-lava-senacorreiadocãodafamília...Mas,sacrifican-do a popularidade, anistiou Nixon e os jovens quefugiram do alistamento. Com a retirada das últimastropas do Vietnã, cicatrizou um país dividido.

●● ●GIANFRANCESCO GUARNIERI (6/8, aos 71anos) - Ele sempre foi um militante. Como estudan-te, nos anos 50, depois no teatro, com peças comoElesNãoUsamBlack-Tie,de1962,tendoagrevedosmetalúrgicos como pano de fundo. Entre seus maisde20textosestãoArenaContaZumbieArenaContaTiradentes, com Augusto Boal.

REPRODUÇÃO

●●●JECE VALADÃO (27/11, aos76 anos) - Ator marcado pelospapéis de machão desde que tra-balhou no clássico Os Cafajestes,de Ruy Guerra, Valadão fez maisde 100 filmes. Nos últimos dezanos se voltou para a religião echegouaatuarcomopastordaAs-sembléia de Deus.

MEMÓRIA ‘06– Aspersonalidadesquepartiram

●●●RAUL CORTEZ (18/7, aos 73anos) - Desempenhava qualquertipo:debarõesdoImpérioaitalia-nosgrosseiros,dedonJuanaoreiLear.Emquase50anosdecarrei-ra, fez 66 peças, 28 filmes, 20 no-velas, 6 minisséries. Venceu cin-co vezes o Molière, maior prêmiodo teatro brasileiro.

●●●SIVUCA (15/12, aos 76 anos)- Dos músicos mais influentes naarte da sanfona, viveu 16 anos fo-ra, foi arranjador da cantora sul-africanaMiriamMakebaeparcei-rodebrasileirosderenome,entreeles Chico Buarque, com quemcompôs João e Maria.

AP

●●●BETTY FRIEDAN (4/2, aos 85 anos) - Ela não queimou sutiã empraçapública,mas foi como se. Na década de 1960, seu livro AMísticaFeminina incendiou o movimento feminista ao pregar que a mulhertemmaisoquefazeralémdesermãeeesposa.Pedia individualidadeeigualdade social entre os sexos, não a morte da família.

ARQUIVO AE

ARIOVALDO VICENTINI/AE

●●●D. LUCIANO MENDES DE AL-MEIDA (27/8, aos 75 anos)- Ar-cebispo de Mariana (MG), ocu-pou a presidência da CNBB em1987. Destacou-se na defesa dosdireitos humanos, ainda na dita-dura, e dedicou-se à Pastoral doMenor até cair doente com umcâncer no fígado.

REPRODUÇÃO

BRIAN SNYDER/REUTERS

DIVULGAÇÃO

ARQUIVO AEMONALISA LINS/AEFERNANDO PIMENTEL/AE

●●●SADDAM HUSSEIN (30/12,aos 69 anos) - Filiado ao PartidoBaath desde os 20 anos, Saddamfez parte de várias tentativas degolpecontraogovernoiraquiano.Assumiu a vice-presidência em1968 e, em 79, a presidência. Em80,invadiuoIrãnumaguerrasan-grentae inútildeoitoanosnaqualfoiapoiadotantopelaURSSquan-to pelos EUA. Em 1988, atacoucomarmasquímicasaaldeiacur-da Halabja, matando 5 mil pes-soas. Invadiu o Kuwait em 89, foiexpulso pelos EUA. Condenadopor genocídio, foi enforcado.A

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I tube, YouTube, we all tubeSérgioAugusto*

BREE,ALONELYGIRL15–Avida fictícia deumaadolescentecontadanoYouTubebateuem julhoaaudiência típicadesériesdesucesso naTV

6 inovações

31/1:Fim do telefoneO Skype anuncia um serviço noBrasil que permite ao usuário terum número de telefone acessívelpela internet. O País é o segundoem número de usuários nessetipo de comunicação; só perdepara a China. A dificuldade dediminuir preços da telefonia fixa,por aqui, é um dos motivos quelevam mais brasileiros a migrarpara a voz pela internet. Em2007, as empresas de telefoniadevem começar a sentir.

16/6:TV ameaçadaO YouTube chega a 100 mi-lhões de clipes vistos diaria-mente. É um passo decisivopara a grande rede: primeiroforam os jornais, depois as gra-vadoras. Neste ano, chegou avez de a TV perceber que estáameaçada e que, daqui para a

frente, parte de sua audiênciajovem começará a tomar o ru-mo da internet.

31/10:E-mail inútilOutubro é o mês que mais te-ve spam circulando pela inter-net – a marca de 90% entretodos os e-mails enviados é

ultrapassada. A inovação doano são as mensagens de pu-blicidade em que o texto apare-ce em imagens, o que dificultao serviço dos programas decombate ao spam. Com a tec-nologia atual, será difícil queesse pesadelo desapareça nospróximos anos. Em 2006, osvírus foram o vilão número 2da rede.

2/11:EUA mantêm poderTermina o primeiro encontro doFórum de Governança da Internet,em Atenas, capital grega. Repre-sentantes de governos, empresasde tecnologia e ONGs passamuma semana discutindo quem te-ria o controle da rede. No final,nada ficou resolvido. Os EUA nãolargam o osso.

21/12:Blade RunnerNo Japão, onde a populaçãodiminui a cada ano e as famí-lias se desmontam, umamão artificial que ajuda incapa-citados a comer e uma foca depelúcia que responde a gestosde carinho são os vencedoresdo Primeiro Prêmio Governa-mental de Robô do Ano. O paísé o que mais investe no aper-feiçoamento da robótica emtodo o mundo.

25/12:Você é o destaqueNa 79ª capa em que elege a “Pes-soa do Ano”, a revista Time esco-lheu “Você”. A informação produ-zida pelos usuários da rede emblogs, vídeo ou enciclopédias li-vres está revolucionando a mídia.

2006>>

Travessia ‘06/07: Instauradaaera da incrível celebraçãodo famoso“quem”

2006 ia ser o ano da hi-def, da alta definição.Não foi. Formatos in-compatíveis emper-ram sua prosperidade-

como nos tempos do VHS vs.Betamax. As vendas dos televi-sores de alta definição (HDTV)até caíram em 2006: só nosEUA, 16%.

2006 ia ser e não foi o ano damídia móvel, a consolidaçãouniversal dos blackberrys e ce-lularesonipotentes.Onipresen-tes, sim; onipotentes, aindanão. Quando empatarem emqualidade e abrangência comoscomputadores,aísim.Propa-ganda em celulares? Se isso énovidade que justifique liba-ções,proponhoumbrindeàvol-ta do El Niño. Ou, para voltar-mos aonde estávamos, à chega-dadosspamsliterários(lixo“in-telectualizado” com anúncioembutido:um versode Shakes-peare preludiando a oferta deumbagulhoqualquer)eàTech-no Fashion do charlatão Hus-sein Chalayan e seus vestidosmecanizados, um dos espantosda última Paris Fashion Week .

2006 foi o ano da Web 2.0.Da apropriação da world wideweb (a grande infovia), pormim, por você, por todos nós. Arevista Time acertou na pinta.Sua “Person of the Year”, suapersonalidade de 2006, não foium indivíduo excepcional, mastodososindivíduosexcepciona-lizadospelaWeb2.0,condensa-dos num "você" coletivo. Na ca-pa, um laptop, com um baita“You”natela. Embaixo,arazãoda escolha: “Sim, você. Você équemcontrolaaeradainformá-tica. Bem-vindo ao seu mun-do”.

Inventada há 15 anos porTim Berners-Lee, a Web 1.0 se-ria, em princípio, um maná ele-trônico para que cientistascompartilhassem melhor ecommaisagilidadesuaspesqui-sas. Deu no que deu: Hotmail,Yahoo!, Google, MP3, iTunes.Mas até pouco tempo atrás, acoletivização da internet, o“maoísmo digital”, para usar aexpressãodeJaronLanier, limi-tava-seàtrocadeemailseende-reçosdeportais,sites epáginasde especial interesse, downloa-ds de música e ações solidáriascontrabugs,vírus,spamsepra-gasquetais.Aísurgiramosblo-gs e a Wikipedia (a enciclopé-dia-da-mãe-joana), expandiu-se a banda larga (hoje, 271 mi-lhõesdeassinantes;em2008se-rão 400 milhões), a capilarida-de aumentou numa escala ja-mais imaginada, e as conexões(o contato informatizado) tor-naram-sepraticamenteilimita-das.

Cunhado por um editor deSão Francisco, Tim O'Reilly, otermoWeb2.0designava,origi-nalmente,umainternetmaisdi-nâmica.Agoratemaver,sobre-tudo, com a forma personaliza-dacomooconteúdonelaégera-do.Eminformatês:“user-gene-rated content”. Em linguagem

de gente: autoexpressão. Se oestouro do YouTube (o sitemais popular da internet, 100milhões de clips vistos por dia)tivesse sido a única novidadedo ano, 2006 já teria sido umanohistóriconocampodainfor-mática e da comunicação. Mas,no rastro do YouTube, que, aexemplodoGoogle, jávirouver-bo, chamaram atenção o MyS-pace (fotos, demos, classifica-dos,videoclips,umkaraokêele-

trônico), o Dailymotion, o PureVolume, o Garage Band, o Me-tacafe, o Pandora.

Existem hoje mais de 400milsitesdeintegraçãosocialso-nhando com ser o MySpace davez, mais de 200 veículos de ví-deos inspirados no YouTube,centenas de mega-sites agre-gando, por links, outros tantos,todos crentes que farão dinhei-ro com publicidade. A NewsCorporation (um dos tentácu-los de Rupert Murdoch) deuUS$ 580 milhões pelo MySpa-ce, em julho. O Google arrema-tou o YouTube por US$ 1.65 bi-lhão, em outubro. Os demaisaguardamofertasdeoutrosGo-lias da mídia.

Resumindo: no sexto ano doséculo 21, a internet ficou maisdemocrática, inclusiva e wiki("quick", rápida, em havaiano),e nós não apenas navegamos etrocamos mensagens pela in-ternet,comotambémtrabalha-mos, inserindo opiniões, insi-ghts preciosos, abobrinhas ecretinices em blogs, revisando

eadulterandoaWikipedia,gra-vando podcasts, escrevendo li-vros virtuais, produzindo rese-nhas para a Amazon, enviandovídeos para o YouTube (e atépara o PornoTube), fazendo doOrkutum misto deponto de en-contro, palanque, dazibao e sa-mizdat, montando emissorasde rádio virtuais pelo Pandora.com (só eu já montei quatro).

Pena que Ortega y Gasset,George Orwell, Aldous Huxley,Marshall McLuhan e AbrahamMoles não tenham vivido o bas-tante para testemunhar e ava-liar essa passiva rebelião dasmassas,essemaravilhosomun-do novo em que, por detrás dosmeios e das mensagens, não háum Big Brother, mas milhõesdeWinstonSmiths–muitos, in-felizmente,narcisistas,solipsis-tas, preconceituosos, ignoran-tes, complexados e hidrófobos.De todo modo, não será com es-sa laia que a comunidade wwwdeverá consumar o seu destinomanifesto, que é o de construirum novo tipo de entendimentointernacional, não mais inter-mediado exclusivamente porpolíticos,manda-chuvasesabi-chões, mas por pessoas co-muns: de cidadão para cida-dão. A internet é mais do queuma tecnologia, é um modocompletamentediferentedeor-ganizar nossas vidas. Navegaré preciso.

Os executivos da indústriade entretenimento, em espe-cial os da TV, não anteviram aspotencialidades do YouTube,até previram seu fim, sob os es-combrosdeprocessospordirei-tos autorais, mas acreditamque acordaram a tempo depoisde sua aquisição pelo Google. ANBC Universal, a Viacom, aNews Corporation e, possivel-mente, a CBS pensaram numa

joint venture para concorrercomoYouTube,quesónãoten-taram destruir, retirando-lhe oconteúdo que, afinal, lhes per-tence,comreceiodeumarepre-sália dos fãs do site e das leisantitrustes. Difícil prever noque vão dar essas conversa-ções,pois conflitode interessese objetivos entre os quatro gi-gantes é o que não falta. ANews Corporation é dona daFoxNewsedoMySpace.AVia-com tem a MTV, que competecom o MySpace. O Google estáde olho no inventário de som eimagem da CBS, já abriu negó-cios com a Viacom e negocioulicenciamentos com a WarnerMusic Group, a SonyBMG e aUniversal Music Group (que,não obstante, lança em 2007 oSpiralFrog, de onde será possí-vel baixar gratuitamente todoo seu acervo musical).

Enquanto isso, o YouTubereina quase absoluto. Surgi-ram lá os maiores fenômenosde comunicação, sinapses ele-trônicas e evasão de privacida-de dos últimos tempos: das go-zações da Comedy Central e doDaily Show de Jon Stewart aovideodiário da Lonelygirl15, dafalsa entrevista de “Tapa naPantera” ao sarro aquático daCicarelli. A atriz Maria AliceVergueiro nunca fora tão vistae admirada antes de sua hiláriadefesadamaconha.JessicaRo-se era uma ilustre desconheci-da neozelandesa até aparecerno YouTube como uma solitá-ria videoblogueira adolescenteinventada por dois california-nos. Pela última contagem, 24milhões de internautas se inte-ressaram pelos dilemas afeti-vos da moça.

Arte de produção domésti-ca, alternativa, amadorística,reciclada, canibalesca, paródi-

ca e recombinante, distribuídaepromovidade formaindepen-dente e criativa, o que rola namídiaonline(osroqueirosingle-ses Arctic Monkeys e Lilly Al-len conquistaram seus primei-ros fãs através do MySpace, amaiorinterfacedorockdegara-gem) é, na maioria das vezes,canhestro de doer. Mas essalambança criativa tem seu ladopositivo. Ao agredir as noçõesestabelecidasdeprofissionalis-mo, anarquizar com preceitoslegais deposse autoral, despre-zaroideáriomarqueteirodosu-cesso a qualquer preço e fazerum remix tecnológico da cultu-ra popular, quase sempre emalta indefinição, os bárbaros daWeb 2.0 estão forçando as gra-vadoras, os estúdios de cine-ma, a imprensa escrita e tudomais que represente o esta-blishmentdacomunicaçãoedoentretenimento a rever certosconceitos e estabelecer novosplanos de sobrevivência.

Claro que só os talentos au-

tênticos e satisfatoriamenteprofissionais prevalecerão nagaláxia de Berners-Lee, comosóostalentosautênticosesatis-fatoriamenteprofissionaiscos-tumam prevalecer na galáxiade Gutenberg.

A revista eletrônica Salontambém pinçou na internet asua personalidade do ano.ShekarRamanujaSidarth,oes-colhido, é um rapaz de 20 anos,americano de origem indiana,que, meses atrás, tornou-se

uma espécie de Michael Mooree Abraham Zapruder da eraYouTube. Assim como Zapru-der foi o único a registrar emimagens o assassinato de JohnKennedy, Sidarth foi o único agravar com uma câmara de ví-deo um discurso catastróficodosenadorrepublicanoGeorgeAllen, que, divulgado pelo You-Tube, desgraçou suas ambi-ções políticas pelos próximosnãosei quantos anos. Allenpre-tendia concorrer à sucessão deBush,em2008,ereeleger-sese-nador pelaVirginia,em novem-bro passado, mas caiu na asnei-radesaudarumgrupodeeleito-resdeformajocosamenteracis-ta (“Olá, macacada!”), deu azarde Sidarth estar presente, comsua camcorder ligada, e lá sefoi, para início de conversa, acadeira do Senado.

Com uma câmara de vídeo,um computador e banda larga,está armada a guerrilha do sé-culo21.Quantospilantrasecor-ruptosasmicrocâmarasdotele-jornalismo da Globo não entre-garam, no ano que hoje termi-na? Às vezes, nem a câmara fazfalta; basta a internet. O emailconsolidou-se,em 2006,como omaisrápidoeeficazmeiodemo-bilização política. Convocaçãopara passeatas, abaixo-assina-dos, palavras de ordem, detra-ções, todas essas ações são ago-ra deflagradas digitalmente.Foi pela internet que os ameri-canos organizaram sua pres-são pelo fim da guerra no Ira-que, amealharam novos eleito-res e novas contribuições paraseus candidatos nas eleições denovembro,enós,refénsdoCon-gresso mais funesto da históriadoPaís,disseminamosnossare-pulsa pela duplicação dos salá-rios dos parlamentares, cujofrutuoso desfecho todos conhe-cem.

Rotularam de “netroots” osmilitantes políticos que adota-ram esse modus operandi. Sãoosativistasdarede.Semaagita-ção deles, Ned Lamont não te-ria derrotado o popular JosephLieberman nas primárias doPartido Democrata, em Con-necticut, quatro meses atrás.“Sem os netroots, os democra-tasnãoestariam onde agoraes-tão”, ressaltou o novo líder damaioria no Senado, HarryReid, em seu blog no Daily Kos.

Ascassandrasdaredefecha-ram 2006 esbanjando otimis-mo. Aos agourentos que não secansam de lembrar a bolha dainternet de seis anos atrás, con-trapõemdadosesinaisdevitali-dadeirreversível.TimBerners-Lee, com a autoridade conferi-da pela paternidade da www,anunciou, na edição de fim deano da revista The Economist,que o próximo grande passo dainternetseráaintegraçãodeda-dos proporcionada pela adoçãode um vocabulário comum, oque vale dizer a utilização deuma semântica que simplifiqueao máximo a circulação e trocade informações. O futuro, se-gundo ele, é a Semantic Web.Com protocolos e padrões gra-tuitos engenhosamente sim-ples e versáteis.

Que venha a Web 3.0. ●

*Sérgio Augusto é jornalista ecolaborador do caderno Aliás

ALIÁS

AP

EM 2006, A WEB FOIAPROPRIADA PORMIM, POR VOCÊ,POR TODOS NÓS

O QUE ROLA ONLINE ÉCANHESTRO DE DOER.MAS FORÇA A MÍDIA AREVER CONCEITOS

O ANOREVISTO

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Page 20: Retrospectiva Estadão - 2006

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DORAKRAMERA colunista volta a escreverna próxima terça-feira, dia 2de janeiro.●

Velhos companheiros fora da festaAo fim de um governo marcado por escândalos, Planalto não convida amigos como Dirceu e Gushiken

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SEGUNDO MANDATO

Expedito FilhoBRASÍLA

JoséDirceu,ex-ministroda Ca-sa Civil, Luiz Gushiken, ex-se-cretáriodeComunicaçãodego-verno, e o publicitário DudaMendonça não foram convida-dos para a posse do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, ama-nhã. O convite, cogitado peloPalácio do Planalto, acabou ve-tado por assessores do presi-dente. Concluiu-se que a pre-sença dos três causaria cons-trangimentos.

Dirceu, Gushiken e Duda es-tãoentreos40denunciadospe-loMinistérioPúbliconocasodomensalão e não convém queapareçam na foto com o presi-dente no dia da festa. O mensa-lão,umdosescândalosquemar-caramos quatroanosda gestãopetista, abalou o PT, esvaziou a

base do governo e, desde junhode 2005, desempregou cercade60diretoresealtosfuncioná-rios do governo e das estatais.

O critério não valeu, porém,para outros que, mesmo envol-vidosemescândalos, foramelei-tos em outubro. É o caso de An-tonio Palocci, ex-ministro daFazenda que foi indiciado porvários crimes. Ele foi convida-do, mas ainda não disse se vai.JoãoPauloCunha,ex-presiden-tedaCâmaraenvolvidonomen-salão, e José Genoino, que per-deu a presidência do PT porcausadoescândalo,tambémes-tãonalista.“Deputadoeleitoes-tá automaticamente convida-do. Os que não têm mandato etêm problemas, não”, informouum assessor.

Barradonobaile,DudaMen-donça vai estar em sua fazendano Pará no dia da posse. Após

submeter-se a uma cirurgia derevascularização do miocár-dio, por meio da colocação depontes de safena, o ex-marque-teiro petista emociona-se comfacilidade.Ele chegouatéamu-dar alguns hábitos: trocou asrinhas de galo de briga pelasvaquejadas e, sem poder movi-mentar livremente suascontasbancárias,costuma viajar deji-pe pelo interior do Pará e daBahia.

À sombra do poder, o ex-mi-nistro José Dirceu não tira o péda vida política: tem feito críti-cas veladas à ministra DilmaRousseff, sua substituta, e de-fendidosempremaisespaçopa-ra o PT no poder. É dele a con-cepçãodacandidaturadodepu-tado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câ-mara,emoposiçãoaAldoRebe-lo (PC do B-SP). No dia da pos-

se, estará em Passa Quatro(MG), sua cidade natal, e de-pois viaja para Portugal. JáGushiken diz que vai acompa-nhar a posse de Lula de seu sí-tio em Indaiatuba, no interiorpaulista.

PIZZAA situação dos três – outrorapoderosas figuras do Planalto –expõe uma das marcas do pri-meiromandatodeLula:umase-qüência de denúncias que co-meçou em fevereiro de 2004,com o caso Waldomiro Diniz, efechou a campanha presiden-cial, em outubro passado, coma montanha de dinheiro do dos-siêVedoin.Nacontramãodese-guidas vitórias pessoaisdo pre-sidente–naeconomia,napolíti-ca exterior, nos programas so-ciais e, por fim, nos cerca de 58milhões de votos no segundo

turno –, a imagem ética de seupartido desmoronou. “Não éque o sonho acabou. Eu é quesonhei o sonho errado”, resu-miu o deputado Fernando Ga-beira (PV-RJ), ao deixar o PT,quandoopartido expulsoua se-nadora Heloísa Helena, hoje noPSOL, e outros três parlamen-tares, no fim de 2003.

Do caso Waldomiro, no iní-cio de 2004, ao mensalão, quese arrastou no último ano emeio,mais investigaçõesdaPo-líciaFederaledoMinistérioPú-blico, principalmente com asCPIs dos Bingos, dos Sangues-sugas e o dossiê Vedoin, cente-nas de figuras desconhecidasinvadiram o cenário político.

Um deles, o empresário mi-neiro Marcos Valério, interme-diário entre partidos, estatais eempresas no esquema do men-salão. Outro, o caseiro France-

nildo dos Santos Costa, o Nildo,que sustentou suas afirmaçõessobreoministroAntonioPaloc-ci e sua ligação com auxiliaresdarepúblicadeRibeirão.Adan-ça da pizza da deputada petistaAngela Guadagnin (não reelei-ta) resumiu o clima de absolvi-ção com que a Câmara reagiuàs acusações contra os deputa-dos. E Lula, ao final, reelegeu-se folgadamente, enquanto aoposição perguntava “de ondevem o dinheiro” com que os pe-tistas pretendiam comprar umdossiê contra os candidatos tu-canos. ●

COLABOROU GABRIEL MANZANO FILHO

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A6 NACIONAL DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO