Reusumo - Transporte Urbano, Espaço e Equidade

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    Transporte Urbano, Espao e Equidade

    Eduardo Alcntara de Albuquerque

    Introduo

    - Conforme salientado por Draibe (1993:40) polticas e investimentos sociais podem

    introduzir as melhorias necessrias para que os segmentos pobres da populao

    disponham de melhores oportunidades em todas as situaes que contribuem para

    que saiam da condio de pobreza. Neste sentido, as polticas de transporte urbano

    constituem um instrumento muito importante para apoiar o gerenciamento do

    crescimento urbano e a melhor distribuio da riqueza, o que no pode ser feito

    dentro dos parmetros atuais. (pag. 2)

    3. A cidade e o sistema de Circulao

    A cidade como ambiente construdo

    - Harvey representou a cidade contempornea como um ambiente construdo por um

    conjunto de estruturas fsicas destinadas a sustentar o processo de desenvolvimento.

    Este ambiente construdo no esttico e est sujeito a um processo permanente de

    construo e destruio, em meio a processos econmicos complexos.

    Adicionalmente, a cidade est sujeita a processos de migrao externa e interna de

    pessoas, normalmente imprevisveis. Na prtica:

    (O) ambiente construdo um vasto sistema de recursos criados pelo

    homem, compreendendo valores de uso encrustados no meio fsico e que podem ser

    utilizados para produo, troca e consumo (1982:233) (pag. 22 e 23)

    - Historicamente, a proviso dos meios de transporte foi sendo paulatinamente

    transferida do empregador para o Estado, na medida em que no mais interessou ao

    capital. Condies especficas do modo capitalista de produo luta em torno dovalor da fora do trabalho, das necessidades sociais de reproduo e dos salrios

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    determinados pelo mercado levam a uma incapacidade permanente do sistema

    para prover todas as necessidades da fora de trabalho (Dear e Scott, 1981). No caso

    de SP, por exemplo, a construo de moradias junto s fbricas pelos empregadores

    garantia a residncia e o transporte (a p) dos trabalhadores no inicio da

    industrializao. medida que aumentaram o numero de trabalhadores necessriose o custo de construo das habitaes, os empregadores foram transferindo estes

    encargos para o Estado e para os trabalhadores (Kowarick, 1979). Esta uma

    situao muito convencional para o capital, desde que cheguem aos seus locais de

    trabalho a tempo e no usem as tarifas de transporte como forma de presso para

    melhores salrios. (pag. 25)

    Reproduo e transporte

    - Deve-se ressaltar que a mobilizao da fora de trabalho est imersa em uma

    contradio bsica. O objetivo do planejamento de transporte pode ser visto como o

    de propiciar uma ampla mobilizao de fora de trabalho, o que pode ser obtido por

    meio da organizao de meios de transporte. Mas este objetivo permanentemente

    prejudicado pela logica da ocupao do espao, que promove a segregao espacial

    como reflexo da diviso social do trabalho (Bernard e Julien, 1974; Jamarillo, 1993).

    Esta contradio expe os impactos conflitantes das tendncias de segregao,

    isolamento, descentralizao e iniquidade produzidas pelo desenvolvimento urbano de

    base capitalista (Yago, 1983); (pag. 26)

    O ambiente construdo e os meios de consumo coletivo

    - O comando coordenado do dinheiro, do tempo e do espao forma um nexusessencial para o poder social que ns no podemos ignorar (...) aqueles que definem

    as prticas, formas e significados materiais do dinheiro, do tempo e do espao fixam

    certas regras bsicas do jogo social (Harvey (1989:226); (pag. 37)

    - Essas ideias enfatizam a existncia do poder de controle sobre a vida das pessoas e o

    crescimento da cidade. Este poder, exercido dentro do Estado, pela tecnocracia e fora

    dele, pelos setores dominantes, especialmente elevado no caso das polticas de

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    transporte e trnsito, que podem interferir diretamente no processo produtivo e nas

    condies de vida das pessoas. (pag. 37)

    O Estado, os atores e o processo de deciso

    - A primeira caracterstica fundamental das relaes Estado-sociedade nos pases em

    desenvolvimento a autonomia politica do Estado, com respeito s esferas

    economias e social, Esta autonomia permite a criao de condies para o

    alargamento de ao do Estado e a auto expanso do seu aparato (Martins, 1985).

    Adicionalmente, as caractersticas do desenvolvimento do capitalismo perifrico do

    ao Estado uma funo estruturadora, como guia do processo de desenvolvimento e

    participante direto no esforo produtivo: o Estado organiza a acumulao de capital,

    conduz o relacionamento com o capitalismo central, faz a mediao com os

    interesses externos e legitima a ao da burocracia em seu prprio favor. Embora as

    polticas pblicas sejam o resultado das aes de vrios agentes, o Estado o ator

    central. Este papel central importante, mesmo considerando as tendncias

    recentes de privatizao e desregulamentao de servios e obras. No entanto,

    apesar deste papel central, o Estado no impenetrvel, nem homogneo nas suas

    aes ele no age apenas de acordo com os interesses dos setores dominantes.

    Apesar da sua funo bsica de apoiar a reproduo das relaes capitalistas de

    produo, ele age por meio de uma srie de agncias, com nveis diferentes de

    autonomia e de recursos, fracamente ligadas por condicionantes institucionais. Ele

    representa uma cristalizao de interesses de vrios grupos sociais e da prpria

    burocracia (Martins, 1985:40). Suas aes so frequentemente contraditrias,baseadas em um conjunto conflitante de lealdades a grupos de interesse diversos

    (Oszlak e ODonnell, 1976). (pag. 48)

    - Finalmente, o desenvolvimento e a modernizao capitalista no pressupe a busca

    da equidade: eles podem ser desencadeados pela simples criao de um mercado

    pequeno e estvel. Assim, a tenso entre acumulao e legitimao (OConnor, 1973)

    resolvida de uma forma politicamente hbil: o desenvolvimento leva criao de

    ilhas de riqueza em um contexto de pobreza, sendo sustentado pela importao de

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    tecnologias e equipamentos e pela formao de uma alta classe de consumo

    (Cardoso, 1977:40). (...) a classe media vai desempenhar um papel central na

    legitimao da modernizao capitalista. (pag. 48)

    - As formas de representao poltica e sua relao com o processo de deciso

    constituem uma questo essencial. As democracias recentes surgidas em alguns

    pases em desenvolvimento podem ser denominadas por democracias no sentido de

    admitirem a coexistncia de diversos nveis de deciso e influncia sobre as polticas

    pblicas. No entanto, elas no podem ser chamadas de democracias

    representativas como as europeias, mas sim delegativas (O Donnell, 1989). Elas

    se baseiam na premissa de que o candidato que ganha a eleio est autorizado a

    governar com sua viso sobre o melhor forma de conduzir as questes pblicas. O

    eleito no governo no precisa necessariamente respeitar as promessas de campanha,

    porque ele recebe o consentimento para agir de acordo com a sua viso. Embora

    baseadas em decises majoritrias, estas democracias so personalistas, uma vez

    que os eleitores escolhem que a pessoa mais adequada para o cargo. Assim, o

    seu papel real no precisa vir de partido poltico determinado. Consequentemente,

    os poderes Legislativos e Judicirios so considerados intrusos (ODonnell, 1989).

    (pag. 49)

    - A comparao entre democracias delegativas e representativas baseia-se na ideia de

    que as ltimas so fundadas em uma srie de instituies democrticas que

    constituem o ncleo do processo de deciso. Por isso podem ser chamadas

    democracias institucionais. Elas se baseiam na aceitao de um interesse superior,

    parte dos interesses individuais ou de grupos, embora estes no sejam considerados

    inexistentes ou inoperantes. Assim, estas democracias funcionam na forma de

    cooperao competitiva, que facilita a barganha poltica, garante o cumprimento

    sequencial da agenda poltica, refora a disposio para a aceitao mtua e aumenta

    a credibilidade nas instituies. O autor enfatiza que este tipo de circulo virtuoso se

    completa quando as instituies democrticas trabalham com escopos ampliados e

    atingem uma densidade elevada de relaes mtuas, variadas, e estveis, que colocam

    as instituies como focos centrais do processo poltico geral. Assim, nas democracias

    representacionais as instituies democrticas so realmente um meio decisivo de

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    mediao e agregao de fatores estruturais e de necessidades e interesses sociais, os

    ltimos representados por organizaes sociais. (pag. 49)

    - Ao contrrio, as democracias delegativas tm um escopo restrito e classista,

    relaes institucionais fracas e de baixa densidade, e instituies informais fortes,

    como o clientelismo, o patronalismo, a corrupo. Adicionalmente, elas so

    caracterizadas por um acesso exclusivo e pessoas s decises, o que essencial para

    a anlise das polticas de transporte. (pag. 49)

    - Do ponto de vista poltico, ao contrrio das democracias institucionalizadas nas

    quais as decises so tomadas aps um longo processo de negociao entre ingressos

    conflitantes, que prolonga o processo, mas evita grandes erros nas democracias

    delegativas, as decises so formuladas mais rapidamente, mas carregam a

    possibilidade de erros substanciais e de problemas de implantao. (pag. 50)

    Os agentes no processo de deciso

    - Outro aspecto importante do processo de deciso nas reas de transportes e

    transito refere-se aos agentes envolvidos com a questo. Apesar da importncia

    crucial do Estado, especialmente no nvel local, outros agentes desempenham papeis

    essenciais. Para entender a sua influncia potencial e real, necessrio inicialmente

    identifica-los:

    a) alto Poder Executivo, composto pelos prefeitos, secretrios e ministros de

    Transportes e Trnsito, e por suas assessorias tcnica e poltica mais prximas;

    b) tcnicos responsveis pelas decises mais importantes. No caso, so planejadores

    de transportes e trnsito em posies de poder (burocratas em geral e tecnocratas

    em particular);

    c) tcnicos das empresas privadas de consultoria;

    d) polticos com interesse direto na questo;

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    e) comunidades e grupos sociais afetados direta ou indiretamente pelas polticas de

    transportes e trnsito;

    f) atividades comerciais, industriais e de servios afetadas pelas decises;

    g) setores da indstria e da construo civil com interesses econmicos ligados aos

    gastos governamentais com sistemas de transportes e trnsito;

    h) operrios pblicos e privados de sistemas de transporte;

    i) sindicatos de trabalhadores nos sistemas de transporte e nos demais setores da

    economia, que dependem de sistemas pblicos de transporte;

    k) organizaes sociais e ambientalistas preocupadas com a qualidade de vida

    relacionada aos sistemas de transportes e trnsito. (pag. 51)

    - Todos estes agentes esto de alguma forma envolvidos nas discusses sobre as

    polticas de transportes e trnsito, com interesses diversos e frequentemente

    conflitantes. Nem todos participam diretamente do processo de deciso e quando o

    fazem tm poderes de influncia diferentes. Ao contrrio do verificado em pases com

    democracias consolidadas, nos quais as discusses incorporam muitos atores

    poderosos (Lupo, 1971; Whitt, 1982), nos pases em desenvolvimento h menos atores

    relevantes, pois o processo decisrio altamente centralizado. (pag. 52)

    Burocracia, tecnocracia e classe mdia

    - A classe mdia surgiu do desenvolvimento capitalista do sculo XX e,

    especialmente, da sua fase monopolista ps anos 30 (Carchedi, 1975). Trs eventos

    centrais esto por trs das transformaes na estrutura de classes: a perda do

    controle sobre o processo de trabalho pelos trabalhadores; a diferenciao de

    funes; e o desenvolvimento de hierarquias complexas (Wright, 1976). Novos

    estratos de gerentes e profissionais foram sendo formados, tambm vendendo sua

    fora de trabalho em troca de salrios, mas sendo qualitativamente diferentes da

    classe trabalhadora (Howe, 1992). (pag. 53)

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    - (...) a funo das classes mdias pode ser definida genericamente como a de

    conceituar o processo produtivo e controlar as tarefas da produo. Elas podem ser

    vistas tambm como uma nova classe de produtores de conhecimento (Howe,

    1992:2), no sentido de que dirigem o processo de trabalho. Estas funes soconsideradas essenciais, e no acessrias ao sistema capitalista, o que coloca as classes

    mdias em uma posio privilegiada com relao reproduo do sistema. (pag. 55)

    - (Gould, 1981, 402) Os benefcios pela classe mdia (...) so to grandes (...) que ns

    deveramos considerar a possibilidade de que ela constitui uma classe independente

    capaz de perseguir e realizar seus prprios interesses em competio ou em

    colaborao com capital e trabalho (...) eu proponho ainda que nem o capital, nem o

    trabalho, nem a prpria classe mdia assalariada tm percebido a importncia do

    poder crescente da classe mdia assalariada, com resultado de que esta tem sido

    capaz de manipular as outras duas. (pag. 55-56)

    - A noo de uma classe mdia independente pode ser relacionada independncia

    relativa da burocracia, discutida anteriormente. Esta ideia est baseada na posio

    privilegiada da classe mdia no processo produtivo, bem como dentro do Estado. As

    burocracias do Estado de bem-estar so operadas por e para a classe mdia

    assalariada. (Gould, 1981), que est politicamente equipada para defender os

    benefcios se e quando eles estiverem ameaados (Ginsburg, 1992:4). Portanto, a sua

    independncia relativa essencial para entender o corporativismo, como a confluncia

    de interesses polticos e econmicos em torno de grandes organizaes com poder

    prprio. (pag. 56)

    - O comportamento poltico da classe mdia , portanto, varivel, em funo da sualocalizao contraditria na estrutura de classe. Este comportamento reformista,

    no sentido de perseguir mudanas sem colocar o sistema em risco, e individualista,

    no sentido de privilegiar a mobilidade social individual (Poulantzas, 1975); (pag. 56)

    - O conceito (classe mdia) relaciona a classe mdia ao comprometimento com um

    novo estilo de vida, com um novo e diversificado padro de consumo, com uma nova

    forma de usar o espao da cidade, com impactos diretos na demanda de transportes.

    Apesar da relao obrigatria entre este novo estilo de vida e a garantia de novas

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    formas de renda, a classe mdia mais bem caracterizada como formada pelos setores

    que tm condies histricas, econmicas, educacionais e culturais para beneficiar-se

    da modernizao, para engajar-se na nova vida urbana e usufruir da mobilidade social.

    As formas especficas de engajamento e os benefcios adquiridos vo variar de acordocom cada pas ou sociedade. No caso do Brasil e, provavelmente, de muitos pases em

    desenvolvimento que perseguem a modernizao econmica capitalista, a classe

    mdia est relacionada a trs processos principais de mercantilizao, com profundos

    impactos na demanda transportes: educao, servios pessoais e lazer. A substituio

    da escola pblica do bairro pela escola privada distante, a incluso de formas especiais

    de educao (lnguas, artes, esportes), o uso de novos servios pessoais (viagens de

    fins de semana, restaurantes), todos representam um novo estilo de vida que

    caracteriza esta nova classe mdia, com grandes impactos nas suas necessidades de

    deslocamentos. A este amplo processo de mercantilizao correspondeu outro to

    importante quanto os demais: o transporte privado passou a fazer parte indissocivel

    dessas novas formas de consumo. (pag. 56-57)

    - O interesse da classe mdia nas decises das polticas levanta uma questo final:

    como ela influencia as polticas se no existem presses explcitas e localizadas? Oconceito de Gramsci sobre os intelectuais orgnicos, relacionando as estruturas

    social e econmica superestrutura poltica fornece uma pista (Portelli, 1977). Estes

    intelectuais pertencem a grupos sociais que operam no nvel superestrutural. Sua

    tarefa principal elaborar a ideologia da classe dominante, transformando-a em

    uma concepo do mundo que penetra todo o corpo social. Adicionalmente, com

    respeito ao papel das classes mdias, Cardoso (1977:45) enfatiza:

    um fato social e politicamente revelador (...) que a burocracia estatal e

    especialmente a tecnocracia passam a ser pontos estratgicos de que podem dispor

    as classes mdia para fazer sentir sua presena e participar nas decises do

    desenvolvimento. (pag. 61-62)

    - Portanto, as decises de polticas pblicas, ocorridas dentro de contextos polticos

    autoritrios como o brasileiro, so comandadas pelas elites, dentro e fora do Estado, e

    apoiadas pelos grupos de intelectuais que traduzem e difundem a ideologia

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    dominante. No caso das polticas de transporte e trnsito, o suporte terico-cientfico

    do projeto de modernizao garantido por grupos de tcnicos e profissionais em

    planejamento de transportes. Este projeto de modernizao encontra um aliado

    poderoso na classe mdia, que v a modernizao o caminho para a mobilidadeeconmica e social. No caso da maioria dos pases em desenvolvimento, a

    modernizao implica em um novo estilo de vida, que diversifica as atividades no

    tempo e no espao, aumenta a produo, o consumo e os deslocamentos, e impe

    novas presses sobre as infraestruturas de transporte e a utilizao do espao.

    Frequentemente, estas mudanas so realizadas em ambientes de concentrao de

    renda que permite a gerao e sustentao das classes mdias e de represso de

    movimentos sociais e de oposio poltica Na prtica, os planejadores de transportes e

    trnsito vo se constituir em instrumentos para a propagao da ideologia da

    modernizao, criando uma nova infraestrutura de transportes e um novo espao de

    circulao em suporte para este tipo de desenvolvimento econmico e social. No

    entanto, apesar do grande poder dos planejadores as decises de poltica no vo ser

    implementadas sem resistncia. Elas sero contrabalanadas por uma infinidade de

    micro-poderes capazes de criar suas prprias formas de consumo, interferindo no

    ambiente construdo e provendo seus prprios meios de circulao. (pag. 62)

    Movimentos sociais nas reas de transporte e trnsito

    - Em termos prticos, trs motivos principais esto por trs da insatisfao das

    pessoas com relao s condies de transporte e trnsito: acesso aos destinos

    desejados, conforto e segurana nos deslocamentos, e os custos monetrio e detempo. O equilbrio entre essas condies e a consequente valorao da qualidade

    do servio disponvel depender tanto de apreciaes objetivas quanto subjetivas.

    Dependero tambm das caractersticas socioeconmicas dos indivduos. (pag. 69)

    - (...) a circulao urbana apresenta uma condio particular com reflexos polticos

    profundos. (...) esta condio est ligada natureza mutvel dos papis que so

    desempenhados no trnsito e aos interesses conflitantes ligados a cada papel: como os

    papis mudam no tempo e no espao, os interesses e as necessidades tambm

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    mudam. (...) No existe um ator nico, uma vez que as pessoas desempenham vrios

    papis. (...) no existe uma necessidade ou um interesse nicos, o que faz com que no

    possa existir um objetivo nico de luta. (pag. 72)

    - Tais condies especficas do consumo das vias, em contraste a outras necessidades

    de consumo como gua e eletricidade, sugerem inicialmente que o conflito no

    trnsito relaciona-se esfera do consumo (reproduo) e no esfera da produo.

    Ou seja, o consumo de um bem escasso (espao virio) implica em conflito

    incontornvel. Em segundo lugar, essas particularidades permitem concluir que o

    conflito de trnsito no exclusivamente uma questo de classe: a circulao

    envolve conflitos fsicos que afetam a todos, independentemente da classe social. No

    entanto, a circulao tambm envolve conflitos polticos, que expressam os

    interesses e necessidades divergentes dos vrios papis desempenhados. Portanto, a

    luta de classes que ocorre por trs desta aparente socializao dos conflitos pode

    ser identificada em duas reas.

    Em primeiro lugar, a luta est presente quando os movimentos diretos demandam

    melhores condies de transporte pblico. Embora normalmente direcionados ao

    Estado, como provedor ou regulamentador dos servios, essas presses refletem a

    luta entre capital e trabalho no financiamento dos custos de reproduo da fora de

    trabalho. Os custos de transporte de bens e matrias primas so internalizados pelas

    atividades produtivas e divididos entre os vrios produtores, para posterior repasse

    aos consumidores. Com relao ao transporte de pessoas, o fornecimento do servio

    geralmente entregue ao mercado e os custos so assumidos como cobertos pelo

    salrio dos trabalhadores (na ausncia de subsdios). Assim, qualquer movimento

    por melhores condies de transporte ou para reduo de tarifas est

    relacionado s necessidades de reproduo, que supostamente deveriam ser

    cobertas pelos salrios. De um ponto de vista econmico restrito, o capital precisa

    agilizar sua rotatividade para aumentar a velocidade de acumulao. Duas condies

    de transporte so necessrias para alcanar este objetivo. Primeiro, a entrega rpida

    de materiais e produtos acabados precisa ser garantida por meios adequados de

    transporte e circulao. Segundo, a fora de trabalho precisa estar disponvel nos

    postos de trabalho durante a jornada til, o que garantido pela disponibilidade de

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    meios pblicos de transporte e de meios privados para grupos selecionados. A

    disponibilidade de transporte pblico no significa necessariamente bons servios,

    mas apenas que o servio disponvel transporte os trabalhadores de suas casas at

    os postos de trabalho. Desde que as condies efetivas de transporte sejam aceitaspelos trabalhadores e que no ocorram movimentos de aumentos de salrio para

    compensar os custos de transporte, o capital no tem motivos para melhora o

    transporte. Mesmo quando as presses ocorrem, o Estado pode ser chamado a usar

    recursos pblicos para melhorar os servios, livrando o capital de investimentos

    adicionais. Em qualquer caso, os movimentos de melhoria do transporte pblico

    constituem uma manifestao importante da luta de classes.

    A segunda forma de expresso da luta de classes ocorre na proviso do sistema de

    circulao e dos diferentes meios de transporte. Uma viso simplista do conflito,

    como sendo aquele entre usar automvel ou nibus, inadequada. O conflito no

    reflexo do conflito anteriormente analisado (capital e trabalho), mas o resultado da

    luta entre a classe mdia e a classe trabalhadora. A luta se d pela apropriao do

    espao de circulao e, portanto, pela eficincia do processo de reproduo de cada

    classe. Nas cidades contemporneas, quanto maior o sistema virio e mais fcil acompra e a utilizao do automvel, mais eficiente a reproduo das classes

    mdias. Ao contrrio, quanto maior o sistema de transporte pblico e mais baratas

    as tarifas, mais eficiente a reproduo da classe trabalhadora. Como regra geral, a

    estrutura de circulao nas cidades dos pases em desenvolvimento utilizada com

    muito mais facilidade pela classe mdia com acesso ao automvel, o que demonstra

    a interveno seletiva das politicas de transporte e trnsito. (pag. 72-73-74)

    A construo das cidades contemporneas

    - A adaptao das cidades a novas funes econmicas, por meio do rearranjo da

    oferta de transporte, um fenmeno muito comum, embora pouco reconhecido.

    Tomando um dos extremos da mercantilizao do transporte, as grandes cidades do

    EUA, principalmente Chicago e LA, comearam a experimentar estas profundasmodificaes a partir dos anos 20 e, posteriormente, evoluram para a organizao de

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    grandes sistemas virios, como expresso da dominao do automvel (Barret, 1983,

    Whitt, 1982). No caso de pases europeus, nos quais a mercantilizao foi menos

    profunda, as grandes cidades comearam a vivenciar essas lutas polticas para a

    adaptao do espao a partir do final da segunda grande guerra, quando aprosperidade econmica levou a um grande aumento no numero de automveis

    (Dupoy, 1978). (pag. 129)

    - No outro extremo, os pases em desenvolvimento apresentam uma grande

    variedade de situaes. Pases muito pobres (como Bangladesh na sia, Zmbia na

    frica e Bolvia na AL) dependem quase que inteiramente de meios no motorizados

    de transporte (caminhada e bicicleta), ou dos nibus. Consequentemente, as suas

    cidades ainda no sofreram transformaes. No entanto, outros pases em

    desenvolvimento, em estgios mais avanados de industrializao, j organizaram

    um conjunto mais diversificado de meios de transporte, dentro do qual o transporte

    motorizado desempenha um papel importante (como o Brasil, o Mxico e a Coria

    do Sul). Nestes pases, o espao urbano j foi profundamente transformado para

    adaptar-se ao crescimento do transporte motorizado. Na sia, Jakarta, Manilla e

    Seoul so exemplos claros de transformaes de grande escala. Na AL, a cidade doMxico, alm de Caracas, Santiago, Buenos Aires e vrias cidades brasileiras,

    tambm evoluram para novos e complexos padres urbanos, como parte de

    importantes mudanas sociais e econmicas que ocorreram principalmente aps o

    trmino da segunda guerra mundial.

    No caso especfico da AL, a relao entre estrutura urbana e transporte deu-se

    primeiramente em torno das companhias estrangeiras de transporte ferrovirio e

    por bonde, que desde o incio do sculo obtiveram permisso para fornecer servios

    de transporte pblico (Figueroa et al, 1993). Depois do trmino da segunda grande

    guerra, a competio por parte dos nibus e caminhes adaptados tornou impossvel

    a estas companhias ofertar servios competitivos em reas de expanso urbana.

    Mais tarde, todas foram sendo progressivamente desmanteladas, substitudas por

    operadores privados e pblicos. Adicionalmente, poucos esforos foram feitos para

    garantir sistemas de transporte de massa. Consequentemente, todas as grandes

    cidades latino-americanas (exceto a cidade do Mxico) evoluram para sistemas de

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    transporte pblico altamente dependentes dos operadores privados de nibus, com

    sistemas precrios de transporte sobre trilhos (Henry e Figueroa, 1985). Depois do

    trmino da segunda grande guerra, os automveis adquiriram importncia

    crescente, na medida em que o desenvolvimento econmico diversificou asatividades e gerou novas classes medias vidas por mobilidade social. Este processo

    ocorreu principalmente na Venezuela a partir dos anos cinquenta, em funo do

    crescimento da indstria local de petrleo, e no Brasil, a partir dos anos setenta, em

    funo da modernizao econmica que reorganizou o espao urbano no pas.

    O mesmo processo pode ser identificado na Argentina e no Chile, embora com

    menos vigor: em Buenos Aires e em Santiago, a participao do transporte pblico

    no total de viagens permaneceu alta, se comparada com SP e Caracas (Henry e

    Figueroa, 1985). Frente a crises econmicas constantes e dentro de regimes polticos

    predominantemente autoritrios, as polticas de transporte cristalizaram as

    desigualdades: os sistemas de nibus permaneceram imersos em crises permanentes

    (Figueroa, 1991) e os automveis ocuparam parcelas crescentes do espao disponvel

    circulao, gerando diferenas profundas com relao s condies de transporte e

    acessibilidade, entre aqueles com e sem acesso ao transporte particular.

    Essas reorganizaes espaciais eram parte de um projeto mais amplo de

    reorganizao regional, que incluiu novos sistemas rodovirios, novos aeroportos

    regionais e sistemas de telecomunicaes inteiramente modernizados, como esforo

    para criar e sustentar um mercado nacional. Apesar de grandes diferenas entre os

    pases, a maioria deles experimentou os mesmos processos de abandono e

    desmantelamento dos sistemas ferrovirios, acompanhados da ampliao dos

    sistemas rodovirios, como uma opo clara por um espao adaptado ao automvel

    (Barat, 1985; Fagnani, 1986). (pag. 129-130-131)

    Nos anos oitenta, a crise fiscal do Estado e a globalizao da economia

    modificaram novamente o espao urbano e as condies de vida nas cidades,

    reduzindo as rendas mdias e aumentando o desemprego e o subemprego (Ribeiro,

    1994). As iniquidades de transporte permaneceram inalteradas: controles rgidos sobre

    o nvel tarifrio dos nibus para controlar a inflao rebaixaram o nvel do servio do

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    transporte privado e os investimentos em grandes infraestruturas de transporte

    ficaram ainda menos viveis. Com exceo da cidade do Mxico em funo do seu

    papel dominante como centro urbano nacional (Davis, 1994) -, as demais cidades

    latino-americanas continuaram a ofertar servios de transporte pblico por trilhos debaixa qualidade. Adicionalmente, elas permaneceram dependes de grandes sistemas

    de nibus, mal coordenados e passando por crises permanentes ligadas ao conflito

    entre os nveis tarifrios e a expectativa privada de rentabilidade. (pag. 131)

    So Paulo: a formao da nova cidade

    - A crise nas condies de transporte e circulao em SP comeou a transformar-se

    em questo pblica aps o trmino da segunda guerra. Com a acelerao da

    industrializao e da terceirizao, a cidade foi crescendo e se transformando em

    metrpole, tornando mais complexa a tarefa de prover meios de transporte de

    passageiros.

    Na rea dos transportes pblicos, a primeira deciso institucional relevante refere-se

    criao, em 1946, da CMTC, que viria a substituir a maior parte dos servios

    prestados pelas empresas particulares operando at ento. No primeiro ano de

    operao da CMTC (1949), ela foi responsvel por 86,3% do total de passageiros

    transportados, valor que subiu ligeiramente at 89,9% (1954). Entre o final da guerra

    e o incio da dcada de sessenta, o aumento do trfego de pessoas e cargas e a

    concentrao de atividades na rea central da cidade provocaram as primeiras crises

    de circulao.

    A cidade entra na dcada de sessenta com um sistema de transportes pblicos

    baseados essencialmente nos nibus (com a CMTC e os operadores privados

    dividindo o transporte em partes quase iguais) e um sistema de trilhos pequeno e em

    condies precrias, semelhana das demais grandes cidades brasileiras. Este

    sistema de trilhos era constitudo de um subsistema na regio leste da cidade,

    operado pelo Governo Federal e outro subsistema a oeste da cidade, operado pelo

    Governo Estadual (FEPASA).

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    No perodo entre 1960 e 1970, com o advento da ditadura militar e a abertura ao

    capital estrangeiro, inicia-se um processo de modernizao capitalista, que afetou

    toda a sociedade brasileira. Esta modernizao representou profundas mudanas na

    tecnologia da produo, requerendo novas capacitaes educacionais e tcnicas einduzindo grandes deslocamentos. O perodo entre 1964 e o fim dos anos setenta foi

    caracterizado por crescimento econmico intenso, entre os maiores do mundo,

    quando o PNB aumentou 102% (Hasenbalg e Silva, 1987). Entre 1964 e 1985, a renda

    mdiaper capita cresceu a uma taxa anual de 4,6%, perdendo apenas para a Coreia

    do Sul. No entanto, conforme o ocorrido em outros pases em desenvolvimento, o

    caso brasileiro implicou em uma distribuio de renda altamente concentrada: os

    10% mais altos na escala de renda apropriaram-se de 50,6% da renda total, enquanto

    os 10% mais baixos na escala apropriaram-se de apenas 7% (Bacha e Klein, 1989).

    Os processos de desenvolvimento econmico e urbano criaram e consolidaram

    novas classes mdias (Faria, 1991). A consequncia mais importante, sob o ponto de

    vista dos transportes urbanos, que parte das classes mdias mudou do transporte

    pblico para o transporte particular. Com o desenvolvimento da indstria

    automobilstica brasileira a partir do final dos anos cinquenta, como parte do Planode Metas do governo Kubitscheck, o nmero de automveis na cidade comeou a

    crescer rapidamente. De 1960 a 1970, este nmero pulou de 165.000 para 640.00 e

    em 1980 j tinha atingido a casa de 1,8 milho. Paralelamente, parcelas significativas

    dessas classes mdias relocaram-se no espao da cidade, ocupando novos

    subcentros regionais dotados de todos os equipamentos coletivos de consumo,

    baseados em novas leis de uso e ocupao do solo promulgadas em 1971. Grandes

    reas da cidade ficaram disponveis para investimentos imobilirios. O sistema de

    transporte pblico continuou dependente quase que exclusivamente dos nibus,

    uma vez que as ferrovias de subrbio continuaram com a mesma extenso e

    operando em condies precrias. O sistema de bondes, sob crticas constantes

    quanto ao seu suposto prejuzo ao trfego geral, e frente concorrncia dos nibus,

    no conseguiu sustentar-se tcnica e politicamente, sendo desativado em etapas,

    semelhana do ocorrido em outras grandes cidades do Brasil e da AL (Barat, 1991;

    Figueroa et al, 1993). (132-133)

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    - (...) o capital no tinha a necessidade econmica ou financeira de procurar solues

    para o transporte pblico. A questo central para a acumulao aumentar a

    velocidade de produo e troca de mercadorias; desde que a fora de trabalho esteja

    presente aos postos de trabalho nos horrios determinados e aceite as condies detransporte sem reivindicar aumento de salrio, no h motivos para o capital investir

    na melhoria dos transportes pblicos. Dadas a abundncia de mo-de-obra e o

    ambiente politicamente repressivo, no surgiram grandes movimentos coordenados

    de protesto contra o sistema de transportes, apenas demonstraes violentas em

    condies crticas de falta de transporte, quando deslocamentos essenciais para a

    reproduo das classes trabalhadoras estavam ameaados. Apesar de todas as

    transformaes fsicas e sociais ocorridas na cidade, o capital continuou a empregar

    uma mo-de-obra mobilizada por um sistema precrio de transporte pblico, o que

    no o impediu de atingir patamares adequados de acumulao. (...) Assim, apenas as

    classes mdias, prximas do poder fsica e ideologicamente, puderam comandar um

    processo de influncia sobre as decises polticas. (pag. 157)

    A cidade e a qualidade de vida

    - Dada a ausncia de mecanismos de controle efetivo do uso e da ocupao do solo

    em que pese a lei de zoneamento de 1971 -, o espao urbano foi sendo gerado de

    forma descontrolada, criando consequentemente o seu padro de circulao, que

    resultou em determinado nvel de conflitos de transito. (pag. 158)

    - (...) as aes do Estado, na readaptao do sistema virio, alteraram o tecido urbano,

    destruindo usos estabelecidos e gerando outros, baseando-se na ocupao dos

    veculos e no das pessoas. A cidade passou a ser o habitatdos veculos e no das

    pessoas. A cidade abriu-se fisicamente, os usos antes definidos misturaram-se

    caoticamente e a rua, antes um espao de uso das pessoas como moradores e

    pedestres, foi sendo paulatinamente ocupada por veculos estacionados ou em

    circulao, servindo ao papel exclusivo de motorista. Conforme salientou Cardoso

    (1977), formou-se uma cidade sem cidados, em que a fora fsica traduzida pela

    posse de um automvel o elemento que decide a ocupao do espao. O papel de

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    motorista e, mais especificamente, da classe mdia como motorista o papel

    privilegiado que transforma alguns em mais cidados do que os outros.

    Neste sentido, a busca da fluidez pode ser vista como uma tentativa do Estado, como

    mantenedor das condies gerais de produo do sistema capitalista (Martins, 1985),

    de garantir a melhor condio possvel ao descolamento das mercadorias no espao

    urbano, dentre as quais a prpria fora de trabalho. Dadas as condies da

    modernizao capitalista brasileira, as classes mdias transformaram-se nos agentes

    econmicos mais relevantes para ter sua circulao otimizada. Assim, os investimentos

    pblicos no sistema de circulao apoiaram principalmente a reproduo adequada

    das classes mdias, como parceiros preferenciais da modernizao capitalista

    conservadora, enquanto mantinham as classes trabalhadoras submetidas a condies

    inadequadas de transporte. No importa, a princpio, que esta circulao mais fluda

    apresente um custo adicional uma externalidade na forma dos acidentes de

    trnsito: a necessidade de circular, extrair a mais valia e acumular capital mais

    importante para a reproduo do sistema. Parafraseando Fernando Pessoa, circular

    preciso, viver no preciso. (pag. 159)

    Concluses

    - As condies polticas e sociais dos pases em desenvolvimento fazem com que suas

    democracias, quando existentes, sejam dbeis e fracamente institucionalizadas.

    Portanto, os processos de decises so realmente concentrados, havendo pouco (ou

    nenhum) espao para a participao efetiva de outros agentes externos. Do lado do

    setor privado, as indstrias automobilsticas, da construo civil, das incorporaes

    imobilirias e da consultoria tcnica detm um poder ainda extraordinrio sobre o

    processo de produo de espao. Estes setores podem s vezes precisar confrontar-

    se com setores da tecnocracia e da burocracia e, eventualmente, com grupos

    dominantes com posies conjunturalmente diversas, mas raramente precisam

    negociar com representantes de grupos autnomos da sociedade. Como resultado

    final deste processo que a produo do espeo de circulao decidida em arenas

    fechadas e raramente submetida a qualquer forma de avaliao tcnica ou social.

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    As metodologias tradicionais de planejamento de transporte construram o

    instrumento principal para o exerccio deste poder discricionrio e a reproduo das

    desigualdades. A combinao entre a concentrao do poder decisrio e a utilizao

    de tcnicas que menosprezam os aspectos sociais e polticos viabilizou a produo doespao adaptado ao automvel e a propagao (ou ampliao) das iniquidades. (pag.

    161-162)

    - O espao de circulao , assim, o espao do conflito entre papis diversos,

    colocando as polticas de controle da circulao sob presses contrrias e

    frequentemente inconciliveis: o mito da distribuio da acessibilidade revelado.

    (pag. 163)

    - (...) as relaes entre tecnocracia e as classes mdias, em um momento poltico

    especfico da histria brasileira, permitiu esclarecer as substncias das polticas

    empregadas. Ao contrrio do que se poderia supor por uma avaliao tradicional, os

    investimentos no beneficiaram a todos os papis, nem foram feitos de forma

    neutra. Os investimentos seguiram um plano definido e claro de otimizao do

    espao para o uso do automvel por um setor social especfico, as classes mdiascriadas pela modernizao capitalista autoritria. A elas a interveno foi dirigida,

    no como ddiva, mas como necessidade poltica de legitimao do novo regime,

    para o qual a classe mdia era o parceiro preferencial. Como resultado, foi

    organizada a cidade da classe mdia, como concretizao de um novo estilo de vida

    afinado com a ideologia da modernizao. Nesta cidade, apenas os que tm acesso

    ao automvel podem dela desfrutas com eficincia e conforto, restando aos demais

    papis a condio de cidados de segunda classe. (pag. 164)

    Referncias

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