REV 41 Greve Servidores Publicos

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Greve Servidores Publicos

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    Notas revista Banco de Idias 41

    GREVE DOS SERVIDORES PBLICOS

    O tema do direito de greve dos servidores pblicos voltou baila com as recentes greves dos controladores de vos civis. A greve teve profundos efeitos sobre o direito constitucional dos cidados de ir e vir, e causou imensos transtornos vida da nao. A greve dos controladores ps a nu tambm a ausncia de um marco normativo que permita tratar do problema, no mbito do Estado de Direito.

    No simples encontrar uma soluo para a questo. A prpria noo de greve, como o emprego da paralisao coletiva do trabalho como instrumento de obteno de benefcios, surgiu no final do sculo XVIII em circunstncias muito distintas do estgio atual do processo produtivo.

    A Constituio Federal, em seu artigo 9, assegura o direito de greve, e a Lei n 7.783/89 regula a matria com relao aos trabalhadores do setor privado. O direito de greve legtimo, com a suspenso coletiva temporria e pacfica, total ou parcial, de prestao de servios, quando o empregador, ou a entidade patronal, correspondente tiver sido avisada 72 horas antes, nas atividades essenciais, e 48 horas nas demais. Ser lcita se no se opuser deciso judiciria em contrrio.

    As dificuldades de tratar do problema decorrem, de um lado, da necessidade de aplicao isonmica da norma constitucional, que garante o direito de greve, e, de outro, da necessidade de limitar esse direito, de forma a minimizar os prejuzos e danos populao decorrentes da paralisao dos servios.

    de reconhecer-se que o problema mais agudo nos casos em que esto envolvidos servidores pblicos e a paralisao atinge atividades essenciais, especialmente os relacionados sade, abastecimento de gua e segurana pblica. Mas os danos populao no so menores quando as paralisaes ocorrem no setor privado: o dano conseqncia, e a esfera em que a paralisao ocorre secundria do ponto de vista da populao prejudicada, exceto pelo fato de que os servidores pblicos so empregados da populao como um todo.

    As dificuldades de tratar de um tema to espinhoso refletiram-se na introduo relativamente tardia do direito de greve dos servidores pblicos na legislao brasileira.

    Tanto a Constituio de 1891 como a de 1934 no mencionavam o direito de greve. De fato, at a edio da Lei n 38, de 04.04.1932, a greve era um delito, e como tal capitulada no Cdigo Penal.

    Da mesma forma, a Constituio do Estado Novo de 1937 considerava a greve e o lockout recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e incompassveis com os superiores interesses da produo nacional.1

    A legislao infraconstitucional do Estado Novo capitulava como crime o incitamento dos servidores pblicos paralisao coletiva (Decreto-Lei n 431, de 1 Ver, a respeito, Carlos Henrique Bezerra Leite, A greve do servidor pblico civil e os direitos humanos. Disponvel em http://www.npj.ufes.br/Banco_de_dados/Produ%C3%A7%C3%A3o_intelectual/PI-P-003.htm .

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    18.05.1938). As punies incluam a suspenso, a despedida por justa causa e a deteno (Decreto-Lei n 1.237, de 02.05.1939). O Cdigo Penal de 1940 criminalizava a paralisao do trabalho, nos casos de perturbao da ordem quando contrria ao interesse pblico.

    Eram tambm passveis de punio os representantes sindicais e os prprios sindicatos. A Consolidao das Leis do Trabalho, de 1943, previa a suspenso e a dispensa do trabalhador, e a perda do mandato sindical, alm da suspenso por at cinco anos do direito de ser eleito representante sindical em caso de suspenso coletiva do trabalho sem prvia autorizao do Tribunal do Trabalho. O prprio sindicato estava sujeito multa e ao cancelamento do registro sindical nesses casos.

    O direito de greve passou a ser admitido com a Constituio de 1946, condicionado edio de legislao complementar. No interregno, vigoravam as disposies do Decreto-Lei n 9.070, de 15.03.1946, que vedava o exerccio do direito de greve em atividades essenciais. Essas disposies foram mantidas, por deciso do Supremo Tribunal na poca, at a edio de legislao complementar, conforme determinava a Constituio Federal de 1946.

    A Lei n 4.330, de 01.06.1964, tornava ilegais as greves que tratassem de reivindicaes no admitidas pela Justia do Trabalho; que fossem deflagradas em apoio a outras categorias, j em greve; que visassem rever norma coletiva anteriormente pactuada, exceto nos casos em que essas normas j tivessem sido substancialmente modificadas. Nesse diploma legal, as greves julgadas lcitas davam ensejo suspenso do contrato de trabalho, ficando o pagamento dos dias parados por conta do empregador ou da Justia do Trabalho.

    A proibio da greve dos servidores pblicos e em atividades essenciais foi reafirmada pela Constituio de 1967 (artigo 158, XXI e artigo 157, 7) e pela Emenda Constitucional n 1, de 17.10.1969 (artigo 165, XX, e artigo 162).

    Finalmente, a Constituio de 1988 (artigo 9, 1 e 2) reconhece o direito de greve nos setores privado e pblico. O exerccio desse direito pelos servidores pblicos, contudo, ficou condicionando edio de legislao complementar, remetendo-se a essa legislao a definio dos servios e atividades essenciais. Os abusos cometidos no exerccio do direito condicionariam os responsveis s penalidades previstas em lei.

    A regulamentao, contudo, no foi editada. Em seu lugar, a Emenda Constitucional n 19, de 1998, estabeleceu que o direito de greve dos servidores pblicos federais seria exercido nos termos e nos limites definidos em lei ordinria especfica.

    Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, na ausncia de regulamentao, as disposies da Lei n 7.783/89 tambm se aplicam s greves dos servidores pblicos. A deciso do Supremo reconhece o direito de greve dos servidores e o limita, proibindo a interrupo de servios essenciais e exigindo a manuteno de um percentual mnimo de funcionrios em atividade.

    Por fim, o Executivo decidiu enviar ao Congresso Nacional proposta de regulamentao do direito de greve no setor pblico. O texto no encontrou ressonncia nas centrais sindicais, e encontra-se ainda em elaborao a proposta final do Executivo no momento de publicao de NOTAS.

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    Iniciativas de regulamentao Todas as propostas de regulamentao do direito de greve dos servidores pblicos implicam limitar esse direito e giram em torno de cinco questes: (1) o grau de essencialidade do servio pblico. Para alguns, todos os servios pblicos so essenciais, caso contrrio no haveria razo para a sua prestao pelo Estado; (2) a manuteno dos servios pblicos; (3) as disposies relativas aos prazos para a assemblia-geral da categoria e de aviso prvio de incio da greve; (4) a possibilidade ou no de contratao de servidores temporrios para suprir a ausncia dos servidores em greve; e (5) a questo da remunerao pelos dias de paralisao.

    Na gesto do presidente Fernando Henrique Cardoso foi encaminhado projeto de lei de regulamentao do direito de greve dos servidores; e agora, na gesto do presidente Lus Incio Lula da Silva, est em elaborao um novo projeto de lei com a mesma finalidade.

    Ambos os projetos de lei pretendem limitar o exerccio do direito de greve pelos servidores. O projeto de lei em estudo estabelece diversas condies restritivas ao direito de greve pelos servidores:

    Suspenso de pagamento pelos dias parados. Seria suspenso de ofcio o pagamento da remunerao do servidor em greve pelos dias no trabalhados. Declarada a legalidade da greve fica restabelecido o pagamento da remunerao, com efeitos retroativos data de sua suspenso, ficando o servidor obrigado a repor os dias no trabalhados mediante jornada diria acrescida de duas horas. Declarada a ilegalidade da greve, fica vedada a reposio do pagamento dos dias paralisados.

    Notificao das deliberaes de assemblia-geral dos servidores. As deliberaes aprovadas em assemblia-geral, com indicativo de greve, devem ser notificadas ao Poder Pblico para que se manifeste no prazo de trinta dias.

    Comunicao ao Poder Pblico. Uma vez decidida em assemblia-geral a paralisao de servio ou atividade pblica, caber entidade representativa dos servidores comunicar tal fato ao Poder Pblico, com antecedncia mnima de dez dias.

    Percentual mnimo de servidores em atividade. Durante a greve dever ser mantido percentual mnimo de 50% de servidores em atividade, para garantir a continuidade dos servios ou das atividades pblicas. O Poder Pblico poder estabelecer a fixao de percentual de servidores em atividade superior a 50% quando, por sua natureza, a atividade assim o exigir.

    Manuteno do funcionamento do servio ou atividade. As manifestaes e os atos de convencimento utilizados pelos servidores em greve no podero impedir o regular funcionamento do servio ou da atividade pblica, a liberdade de locomoo, o acesso ao trabalho, aos logradouros e prdios pblicos, nem causar ameaa ou dano pessoa ou ao patrimnio pblico ou privado.

    Penalidades. A participao em greve, aps declarada sua ilegalidade, produzir os efeitos de falta no justificada, a partir da data de incio do respectivo movimento grevista. Em caso de manuteno da greve aps a declarao de ilegalidade do movimento, a Justia impor entidade representativa dos servidores pena cominatria em valor no superior a R$ 50.000,00 (cinqenta mil reais) por dia de paralisao, at a cessao completa do movimento.

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    O projeto de lei n 4.497/01 O projeto de lei n 4.497/01 est em tramitao na Cmara dos Deputados e regulamenta o disposto no artigo 37, inciso VII da Constituio, que dispe sobre os termos e limites do exerccio do direito de greve pelos servidores pblicos, cobe ameaas, pelo poder pblico, de restrio do direito de greve dos servidores, e prev punies para os funcionrios que abusarem da garantia desse direito. Esto anexados ao PL n 4.497/01 os projetos de lei de nmeros 5.662/01, 6.032/02, 6.141/02, 6.668/02, 6.775/02 e 1.950/03.

    As disposies do projeto de lei Disposies gerais. Segundo o projeto de lei, os sindicatos dos servidores podero convocar assemblia geral para deliberar sobre as reivindicaes de suas categorias e sobre a opo pela greve. Se os servidores decidirem pela paralisao, ela dever ser comunicada administrao do rgo com uma antecedncia mnima de 72 horas. A assemblia dever ser convocada com pelo menos 24 horas de antecedncia e dever contar com a participao de metade dos integrantes da categoria. A greve ser aprovada segundo a vontade da maioria absoluta dos presentes, e dever ser constituda comisso de negociao. Os servidores em greve podero divulgar livremente o movimento entre a categoria, mas no podero utiliz-la para justificar aes que ameacem direitos individuais. A administrao tambm no poder punir o servidor que esteja exercendo seu legtimo direito de greve nem exonerar servidores, exceto nos casos de cargos em comisso de livre provimento e exonerao. Servios essenciais. So considerados servios essenciais a representao diplomtica do Pas no exterior, os servios de carceragem e vigilncia de presos e os servios de educao e sade. Nos rgos que prestem esses servios, os funcionrios ficam obrigados a garantir os atendimentos indispensveis. Contratao de terceirizados. Se no forem observadas as garantias estabelecidas pela lei, a administrao poder contratar pessoal por tempo determinado ou servios terceirizados. Os dias parados sero contados como de exerccio efetivo, inclusive para efeito de remunerao. Encerrada a greve, as horas no trabalhadas devero ser repostas de acordo com calendrio estabelecido pela administrao e pelos servidores. Abuso do direito de greve. Incluem a recusa prestao de servios essenciais e a manuteno da greve aps acordo ou deciso judicial. O abuso poder ser punido com suspenso de at 90 dias. Est prevista demisso para os reincidentes. A experincia internacional O direito de greve de servidores pblicos matria controvertida na experincia internacional. Argentina. A Constituio argentina limita o exerccio do direito de greve em atividades essenciais. O incio da paralisao deve ser comunicado ao Ministrio do Trabalho com antecedncia de cinco dias. As partes devem estipular em conveno coletiva a respeito da prestao de servios mnimos comunidade. Chile. A greve proibida nos servios pblicos e nas atividades essenciais. Uruguai. A Lei delega ao Ministrio do Trabalho a competncia para disciplinar os servios essenciais que devero ser assegurados durante a greve.

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    Estados Unidos. A greve dos servidores federais civis ilegal. Em caso de descumprimento, o funcionrio demitido sob a justificativa de prtica pessoal proibida, termo utilizado para outros tantos atos considerados irregulares. Mxico. assegurado o direito de greve no servio pblico, desde que haja aviso prvio de 10 dias Junta de Conciliao e Arbitragem. Canad. assegurado o direito de greve dos servidores aps a falta de soluo de conflito mediante negociao. Alemanha. Os servidores pblicos alemes no tm direito de fazer greve. Frana. assegurado o direito de greve dos servidores, aps aviso prvio de paralisao pelo menos cinco dias teis antes. Os servidores em cargos de direo, os que atuam em reas indispensveis burocracia e lotados na segurana pblica podem ser obrigados a no aderir. Os funcionrios no recebem pelos dias parados. Itlia. assegurado o direito de greve dos servidores, desde que mantidos em funcionamento os servios essenciais. As faltas so descontadas. Inglaterra. assegurado o direito de greve dos servidores, mas so descontados no pagamento os dias parados. Espanha. O direito de greve assegurado aos servidores pblicos, mas h proibio em relao aos membros das foras armadas e da polcia. Concluses Do exposto, ressaltam: 1. O direito de greve dos servidores pblicos, embora reconhecido por isonomia com os demais trabalhadores, precisa ser limitado. A experincia internacional a respeito conclusiva quanto necessidade de limitao; 2. A limitao do direito decorre da natureza e do grau de essencialidade dos servios pblicos prestados; 3. As propostas de legislao e a experincia internacional apontam para a necessidade de manuteno mnima dos servios essenciais; 4. Por transparncia e legitimidade, a deflagrao de movimento grevista deve ser antecedida de deciso em assemblia-geral de servidores com prazo mnimo de convocao, ampla divulgao e qurum mnimo para deciso; 5. A autoridade pblica pode ser autorizada a contratar pessoal temporrio para preencher vagas abertas em servios essenciais em casos de greve; 6. Os dias parados, em casos de greves consideradas ilegais, devem ser integralmente descontados dos grevistas. H um argumento de natureza tica que implica o desconto dos dias parados em qualquer eventualidade, devendo os sindicatos dos trabalhadores constituir fundo especfico, com recursos dos associados, para a manuteno dos trabalhadores envolvidos no movimento grevista.