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Vol. 9 No. 1, 2005 ISSN 1676-8868

Eu Trabalho Primeiro no Concreto Revista de Educao Matemtica Ano 8, No. 6-7 (2005), 1-7 Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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EU TRABALHO PRIMEIRO NO CONCRETOAdair Mendes NacaratoUniversidade So Francisco1

Volume 9 Nmeros 9 e 10

SBEM-SP 2005

EXPEDIENTEAPRESENTAO PREFCIO

SUMR

I OIII V 1

EU TRABALHO PRIMEIRO NO CONCRETO Adair Mendes Nacarato

Publicao da Sociedade Brasileira de Educao Matemtica Regional So Paulo SBEM-SPDIRETORIA EXECUTIVA

O JOGO GAMO E SUAS RELAES COM AS OPERAES ADIO E SUBTRAO Maria Jos de Castro Silva e Rosely Palermo Brenelli PROBLEMATIZANDO E INVESTIGANDO ASSUNTOS DOMINADOS Rodrigo Lopes de Oliveira

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Secretrio Geral Vincio de Macedo Santos (FEUSP) Primeiro Secretrio Manoel Oriosvaldo de Moura Segundo Secretrio Antonio Jos Lopes Terceiro Secretrio Antonio Carlos Brolezzi Primeiro Tesoureiro Regina Maria Simes Pulcinelli Tancredi Primeiro Tesoureiro Celi Espasandin LopesENDEREO Socociedade Brasileira de Educao Matemtica Regional So Paulo Av. da Universidade, 308, Bloco B sala 8 Cep. 05508-900 So Paulo - SP Tel: (11) 30913085 Ramal: 261 www.sbempaulista.org.br COMISSO EDITORIAL Anna Regina Lanner de Moura (FE-UNICAMP) Antonio Vicente Marafiotti Garnica (UNESP/Bauru) Dario Fiorentini (FE-UNICAMP) Iole de Freitas Druck (IMEUSP) Leny Rodrigues Martins Teixeira (UNESP/P.Prudente) Rmulo Campos Lins (UNESP/R.Claro) VOLUME 9, NMEROS 9-10, 2005 Organizao: Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes. Coordenao: Profa. Anna Regina Lanner de Moura, Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes e Prof. Dr. Dario Fiorentini. Pareceristas: Profa. Dra. Anna Regina Lanner de Moura, Prof. Dr. Antonio Vicente Marafioti Garnicam, Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes, Profa. Dra. Leny Rodrigues Martins Teixeira, Prof. Dr. Romulo Lins, Prof. Dr. Vinicio de Macedo Santos Diagramao e Capa RiMa Editora

A ESCRITA NO PROCESSO DE APRENDER MATEMTICA 23 Conceio Aparecida Parateli; Eliane Matesco Cristvo; Regina Clia Mussi Pontes e Maria das Graas dos Santos Abreu. INTRODUZINDO MODELAGEM E SIMULAO DE SISTEMAS NO ENSINO PR-UNIVERSITRIO 31 Joni de Almeida Amorim e Carlos Machado PROFESSOR (A) PESQUISADOR (A): POSSIBILIDADES NA FORMAO HUMANA E NA FORMAO DO EDUCADOR MATEMTICO Luciana Parente Rocha e Maria Teresa Menezes Freitas PROJETO INTERDISCIPLINAR NO ENSINO DAS METODOLOGIAS: O PONTO DE VISTA DA MATEMTICA Rbia Barcelos Amaral Zulatto

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45

O ENSINO DE ESTATSTICA NOS CURSOS DE GRADUAO DA UNESP DO CAMPUS DE MARLIA: UM PROJETO INTERDISCIPLINAR 49 Maria Cludia Cabrini Grcio e Ely Francina Tannuri de Oliveira UMA SEQNCIA DIDTICA COM USO DE HISTRIA DA MATEMTICA: O MTODO DE MULTIPLICAO E DIVISO EGPCIO Edna Maura Zuffi e Lucas Factor Feliciano

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SABERES DOCENTES EM MATEMTICA: UMA ANLISE DA PROVA DO CONCURSO PAULISTA DE 2003 61 Adair Mendes Nacarato; Crmen L.B.Passos; Dario Fiorentini; Eleonora Dantas Brum; Maria Auxiliadora Megid; Maria Teresa Menezes Freitas; Marisol Vieira de Melo; Regina Clia Grando e Rosana Giaretta Sguerra.Miskulin. A MEDIDA, A BUSCA INCESSANTE DO REGULAR SOB O OLHAR DA CRIANA Leila Barbosa Oliveira e Anna Regina Lanner de Moura

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Vol. 9 No. 1, 2005 ISSN 1676-8868 Revista de Educao Matemtica Vol 9, No. 9-10 (2004-2005) Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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APRESENTAO APRESENTAO

As rpidas alteraes sociais tem exigido da instituio escolar um repensar de suas prticas pedaggicas. Muitas pesquisas produzidas em Educao Matemtica tm sido desenvolvidas considerando este contexto, e destacado consideraes importantes para o processo de ensino e aprendizagem da Matemtica, sobretudo na Educao Bsica. Como educadores matemticos precisamos desenvolver posturas relacionadas autonomia, criticidade e processo reflexivo. A presente publicao tem a inteno de suscitar reflexes e discusses sobre o fazer matemtico e a prtica docente dos professores que ensinam matemtica no diversos nveis de ensino. Acreditamos que produzir textos em diferentes ambientes educacionais e assumir o compromisso de socializlos uma atitude essencial as pessoas que tem por principio, atravs da educao, contribuir para a transformao e melhoria social, especialmente no Brasil. Nosso pas tem um povo trabalhador e criativo o qual merece viver em uma sociedade mais justa e igualitria, a qual tenha uma distribuio de renda melhor equacionada. Neste contexto, a Educao Matemtica tem muito a contribuir com a formao das pessoas que constroem esta sociedade. Neste volume apresentamos um primeiro artigo que foi encomendado a Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato, docente da Universidade So Francisco, no qual ela discute a presena de materiais manipulveis no ensino de Matemtica ao longo do tempo. Por meio de uma anlise crtica dimensiona significados desse tipo de recurso do ponto de vista da prtica do professor e da aprendizagem do aluno, bem como, discutido seu alcance e seus limites. Em seguida, temos o artigo da Profa. Maria Jos de Castro Silva e da Profa. Rosely Palermo Brenelli, que se refere a uma pesquisa de mestrado, intitulado O jogo gamo e suas relaes com as operaes adio e subtrao a qual teve como objetivo investigar as relaes existentes entre a construo das operaes de adio e subtrao e as estratgias utilizadas pelos sujeitos ao jogar gamo. O terceiro texto Problematizando e investigando assuntos dominados do Prof. Rodrigo Lopes de Oliveira um relato de experincia que se constitui uma contribuio na qual ele descreve as caractersticas de uma turma de primeiro ano do Ensino Mdio em uma escola particular,

onde props uma tarefa que oportunizasse a reflexo sobre vrios assuntos que os alunos diziam j estar dominados por eles. O quarto texto A Escrita no Processo de Aprender Matemtica, produzido pela Profa. Conceio Aparecida Parateli, Profa. Eliane Matesco Cristvo, Profa. Regina Clia Mussi Pontes e Profa. Maria das Graas dos Santos Abreu refere-se a um relato de experincia com o processo de escrita , vivenciada por um grupo de professores de Matemtica que se rene aos sbados para ler, refletir, investigar e escrever sobre sua prpria prtica. No texto Introduzindo modelagem e simulao de sistemas no ensino pr-universitrio o Prof. Joni de Almeida Amorim e do Prof. Carlos Machado discutem a motivao no ensino de matemtica, apresentando a Modelagem e a Simulao da Dinmica de Sistemas como um meio de promover o aprendizado matemtico de forma significativa. Em seguida, a Profa. Luciana Parente Rocha e Profa. Maria Teresa Menezes Freitas, docente da UFU, e, ambas, alunas do Programa de Ps-Graduao em Educao na UNICAMP, trazem uma contribuio de carter mais terico, com o artigo PROFESSOR (A) PESQUISADOR (A): possibilidades na formao humana e na formao do educador matemtico, no qual retomam uma experincia vivida com o intuito de provocar reflexes sobre as possibilidades de verdades, incentivando o leitor a pensar sobre a compreenso do que ser professor(a) pesquisador(a) considerando seus prprios saberes e experincias e suas reais condies de produo. No texto Projeto interdisciplinar no ensino das metodologias: o ponto de vista da matemtica, a Profa. Rbia Barcelos Amaral Zulatto, docente das Faculdades Integradas Einstein de Limeira e aluna do Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UNESP Rio Claro/SP, promove uma discusso sobre o trabalho com projetos disciplinares e a construo do conhecimento matemtico. A Profa. Maria Cludia Cabrini Grcio e a Profa. Ely Francina Tannuri de Oliveira, no artigo O ensino de estatstica nos cursos de graduao da Unesp do campus de Marlia: um projeto interdisciplinar descrevem uma experincia de trabalho na disciplina de estatstica aplicada promovendo discusses sobre a concepo de estatstica e a prtica interdisciplinar.

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Revista de Educao Matemtica

Em Uma seqncia didtica com uso de histria da matemtica: o mtodo de multiplicao e diviso egpcio, a Profa. Edna Maura Zuffi, docente do Departamento de Matemtica do ICMC-USP, juntamente com o licenciando Lucas Factor Feliciano, socializam uma pesquisa produzida durante um projeto de Iniciao Cientfica promovendo discusses sobre a histria da matemtica no processo de ensino e aprendizagem da Matemtica. O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formao de professores de Matemtica - GEPFPM, da FE/UNICAMP, apresenta no artigo Saberes docentes em matemtica: uma anlise da prova do concurso paulista de 2003 uma discusso sobre as contradies existentes entre as concepes de um professor possuidor de saberes docentes e as de um professor competente, tomando como objeto de anlise a prova de Matemtica do Concurso para Professor de Educao Bsica PEB II, realizado no Estado de So Paulo em 2003. A aluna Leila Barbosa Oliveira, orientada pela Profa. Anna Regina Lanner de Moura, docente da Faculdade de Educao da UNICAMP, apresenta um texto que se refere a parte do

seu trabalho de concluso no curso de Pedagia. Em A medida, a busca incessante do regular sob o olhar da criana discutese o papel da brincadeira, da conversa e da interao no processo de desenvolvimento infantil, quando as crianas elaboram suas noes de medida e de geometria. Esta trajetria de leitura marcada pela riqueza da diversidade e possibilitar ao leitor um repensar sobre o processo de ensino e aprendizagem da matemtica em diferentes nveis de ensino, bem como, uma reflexo terica sobre diferentes temticas. Agradecemos aos colegas que se disponibilizaram a socializar suas pesquisas, suas experincias, suas sistematizaes tericas, seus pensares... Sem esse tempo que vocs dedicaram produo dos textos, esse tempo de organizarmos essa publicao no existiria e muito menos o tempo mais precioso que ser o da leitura, discusso e ao reflexiva de nossa comunidade educacional.

Celi Spasandim Lopes

Vol. 9 No. 9-10, 2005 ISSN 1676-8868 Revista de Educao Matemtica Ano 9, Nos. 9-10 (2004-2005) Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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EDITORIAL EDIT ORIAL

Neste semestre encerra-se o mandato da atual diretoria da SBEM-SP e j hora de realizar as eleies para nova Diretoria Executiva e nova Comisso Editorial para o binio 2005/2007 por isso, comunicamos aos associados sobre a publicao do Edital para inscrio de chapas e programas na home page www.sbempaulista.org.br. O mesmo edital est sendo divulgado neste nmero da Revista de Educao Matemtica e lembramos que o prazo para inscries foi adiado para o dia 30/07/05. hora, portanto, de os scios interessados apresentarem seus programas e oficializarem suas candidaturas. Chegando ao final da gesto inevitvel pesar na balana aquilo que havamos anunciado como programa e as afetivas realizaes da atual diretoria e, decorridos dois anos, no difcil constatar que o resultado poderia ser melhor e que h muito ainda por ser feito. Destacamos como principais aes postas em prtica: 1. Busca de uma comunicao mais direta com os associados com a edio de boletins impressos, a criao e manuteno da home page da SBEM-SP. Disponibilizar informaes, divulgar e promover eventos, publicar experincias e parte da produo cientfica dos associados na velocidade em que elas acontecem um desafio permanente e, apesar dos esforos empreendidos, aqui e acol somos vencidos pelo grande volume de informaes, experincias, pesquisas etc. 2. Realizao e apoio a eventos como o VII Encontro Paulista de Educao Matemtica, realizado em junho/ 2004, na Universidade de So Paulo, o Frum Estadual de Currculos de Matemtica realizado em outubro/ 2004, na Universidade Federal de So Carlos e o I Seminrio Paulista de Histria e Educao Matemtica a ser realizado no Instituto de Matemtica e Estatstica em outubro/2005. O VII EPEM contou com aproximadamente 700 participantes e significou uma excelente oportunidade para que professores, pesquisadores e estudantes do Estado de So Paulo expusessem e debatessem o vasto conjunto de idias fruto das suas experincias profissional e acadmica. O resultado encontra-se no caderno de resumos, nos anais publicados na home page www.sbempaulista. org.br e na verso em cd-rom ora enviada aos participantes. Informamos tambm que sob a coordenao dos professores Jairo de Araujo Lopes e Elisabeth Adorno de Araujo est em fase de edio

um nmero temtico da Revista de Educao da PUCCAMP contendo alguns dos trabalhos apresentados no VII EPEM. 3. Incentivo e apoio criao de plos aglutinadores de professores de Matemtica, professores universitrios formadores de professores e estudantes em diferentes pontos do Estado de So Paulo, os chamados Ncleos de Educao Matemtica. Alm do ncleo de Educao Matemtica j existente em Catanduva e que bastante ativo informamos que foram criados os de Atibaia, Bauru e Vale do Paraba (integrando membros das cidades de Taubat, So Jos dos Campos, Lorena, Jacare e Guaratinguet). A criao desses ncleos indica a necessidade crescente de descentralizar debates e aes aproximando idias e experincias de educadores matemticos em mbito local. O resultado disso se soma e d melhor qualidade ao que realizado pela SBEM regional ou nacional. Sabemos que h potencial para que esse movimento de criao de ncleos de Educao Matemtica continue acontecendo em outras cidades do Estado e alguns associados vm manifestando seu interesse em cri-los. 4. Publicao com atraso de dois nmeros em um da Revista de Educao Matemtica. Ainda grande a dificuldade de assegurar uma regularidade maior para a Revista constituindo-a canal efetivo, regular e permanente de publicao da produo dos educadores matemticos, no Estado de So Paulo. Essa uma dvida que vem se acumulando ao longo dos anos e esperamos que em breve seja saldada. A partir deste volume comeamos a fazer modificaes para adequar a revista s normas editoriais, configurando um padro e perfil de publicao e buscando a regularidade na edio que corresponda capacidade de produo que a comunidade de educadores matemticos do Estado de So Paulo tem demonstrado (este volume est disponvel em PDF em nossa home page www.sbempaulista.org.br). Essas providncias visam tambm uma possvel indexao da revista. 5. Com carter complementar lanamos a nova publicao on-line Educao Matemtica On-line SBEM-SP conforme divulgado nesta edio, e que est aguardando a contribuio dos interessados.

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Revista de Educao Matemtica

Para este nmero da revista optamos por constituir uma equipe coordenada pela profa. Celi Espasandin Lopes, membro da diretoria, que ficasse responsvel pelas tarefas de organizao da revista como o recebimento dos artigos, seleo temtica e encaminhamento para pareceristas. Destacamos que, alm de artigos bem recentes, este volume d vazo a uma oferta de artigos que foi se acumulando ante-

riormente o que justifica a reunio de dois nmeros em um nico volume. Aqui est o resultado! Desejamos uma boa leitura da revista e um futuro promissor para a SBEM-SP!

A Diretoria.

Vol. 9 No. 1, 2005 ISSN 1676-8868

Eu Trabalho Primeiro no Concreto Revista de Educao Matemtica Ano 9, Nos. 9-10 (2004-2005), 1-6 Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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EU TRABALHO PRIMEIRO NO CONCRETOAdair Mendes Nacarato

Quem de ns, formadores de professores da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental, j no ouviu ou leu afirmaes desse tipo? Nos ltimos anos parece haver disseminado entre os professores polivalentes um discurso que enaltece a importncia de se trabalhar com o concreto para se ensinar Matemtica. Quando nos propomos a entender o que est por trs desse discurso, descobrimos que, na verdade, esse concreto refere-se ao uso de materiais manipulveis. Em contrapartida, o discurso da maioria dos professores especialistas pauta-se na pouca ou nenhuma valorizao do uso de materiais manipulveis para se ensinar Matemtica, sendo tal uso considerado como perda de tempo. Qual posio assumir? importante utilizar materiais manipulveis em sala de aula? De que tipo? Em quais contedos? O que possvel constatar nesse contexto que h poucas discusses sobre o assunto. Atuando como formadora de professores, em processos de formao continuada ou como professora de Metodologia do Ensino de Matemtica no curso de Pedagogia e de Didtica no curso de Licenciatura em Matemtica, ao buscar subsdios tericos para uma reflexo e problematizao com os professores e graduandos, tenho constatado a pouca existncia de discusses tericas na rea de Educao Matemtica. Seria ento uma temtica j superada e, portanto, no mereceria perda de tempo no investimento em pesquisas sobre a forma como os autores de materiais didticos, os formadores e os professores vm concebendo a utilizao de materiais manipulveis em sala de aula? Essa discusso se fez presente no incio dos anos de 1990. Naquela poca j se discutia sobre o mito do material manipulvel, ou seja, a crena de que a manipulao de material concreto garantiria a aprendizagem da matemtica (SCHLIEMANN; SANTOS e COSTA, 1992, p. 99). Em seus estudos, essas autoras apontavam que o material concreto, da forma como utilizado pelos professores em nada estava contribuindo para uma melhor Educao Matemtica. Discusses como essa ocorreram h mais de uma dcada, mas, no entanto, os professores continuam acreditando nos milagres do material concreto.

No h como desconsiderar que o incentivo utilizao de materiais manipulveis se faz presente na maioria dos atuais livros didticos e, talvez, em decorrncia disso, o professor venha incorporando um discurso sobre a sua importncia. Mas de que forma os livros didticos incentivam tal utilizao? Quais materiais so os mais comumente utilizados? Esse incentivo aparece em todas as sries ou preponderante nas sries iniciais? Evidentemente no tenho a pretenso de responder a todas as questes. Quero apenas trazer alguns elementos para reflexo, tomando como referncia minha experincia de 18 anos como professora da Educao Bsica e de 17 anos atuando como formadora de professores.

Uma breve contextualizao do uso de materiais manipulveis nas aulas de Matemtica O uso de materiais manipulveis no ensino foi destacado pela primeira vez por Pestalozzi, no sculo XIX, ao defender que a educao deveria comear pela percepo de objetos concretos, com a realizao de aes concretas e experimentaes. No Brasil o discurso em defesa da utilizao de recursos didticos nas aulas de Matemtica surgiu na dcada de 1920. Esse perodo foi marcado pelo surgimento de uma tendncia no ensino de Matemtica que ficou conhecida como emprico-ativista, decorrente dos ideais escolanovistas que se contrapunham ao modelo tradicional de ensino no qual o professor era tido como elemento central do processo de ensino. Segundo Fiorentini (1995), na concepo emprico-ativista o aluno passa a ser considerado o centro do processo e os mtodos de ensino tendo como pressupostos a descoberta e o princpio de que aprende-se a fazer fazendo se pautavam em atividades, valorizando a ao, a manipulao e a experimentao. O ensino seria baseado em atividades desencadeadas pelo uso de jogos, materiais manipulveis e situaes ldicas e experimentais. No entanto, esses ideais em nada influenciaram o ensino de Matemtica, naquela poca, quer pelo despreparo dos professores, quer pelas poucas inovaes que foram introduzidas pelos livros didticos.

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Adair Mendes Nacarato

Revista de Educao Matemtica

Esse iderio emprico-ativista, segundo Fiorentini (1995) retomado, com certa fora, a partir da dcada de 1970, em decorrncia de uma discusso mundial pautada pelos questionamentos ao Movimento da Matemtica Moderna, cujo fracasso se evidenciava. Assiste-se, assim, a um grande movimento nacional de produo de novos materiais para o ensino de Matemtica. Muitos grupos so constitudos ou alguns constitudos anteriormente, durante o movimento modernista, acabaram produzindo vrios materiais, principalmente nos finais dos anos de 19702 e incio dos anos de 1980. Muitas das discusses que ocorriam no interior desses grupos foram incorporadas pelos autores de livros didticos e paradidticos. No caso do estado de So Paulo, houve um investimento muito grande da Secretaria da Educao na produo de materiais didticos como Atividades Matemticas, por exemplo e documentos curriculares subsdios e propostas. Paralelamente a esse movimento de produo e divulgao de novos materiais, h todo o incentivo governamental quanto ao livro didtico. Em 1968, durante o Regime Militar, foi criada a Fundao Nacional de Material Escolar (FENAME), que passa a assumir a coordenao e distribuio do livro didtico a estudantes de baixa renda. Inicia-se a era dos livros descartveis. Mas, a partir de 1980, que se constata uma proliferao de ttulos de livros didticos e, considerando as condies de trabalho do professor, que j vinha num processo de intensificao de suas atividades (baixos salrio e, conseqentemente, aumento de jornadas de trabalho para sobrevivncia), o livro didtico como afirmam Freitag, Costa e Motta, (1997, p. 108), no serve aos professores como simples fio condutor de seus trabalhos, mas passa a assumir o carter de critrio de verdade e ltima palavra sobre o assunto. Nesse movimento de produo no h como desconsiderar as contribuies advindas, principalmente, da rea de Psicologia. Post (1981)3 destaca as contribuies de Piaget, Bruner e Dienes para o caso da Matemtica. Para o autor:

quanto ao uso de materiais didticos dedicou-se a estudar e propor atividades e materiais para o ensino de Matemtica. Tinha como princpio de que a experincia deveria preceder a anlise, ou seja, as experincias cuidadosamente escolhidas pelo professor sustentariam o fundamento sobre o qual estaria baseado o aprendizado matemtico. Bruner, ao propor um modelo de instruo4, com forte nfase na necessidade de interao direta do aluno com o meio ambiente, afirma: o que mais importante para ensinar um conceito bsico que a criana seja ajudada a passar gradativamente do pensamento concreto utilizao de mtodos de pensar mais adequados conceitualmente (1960, apud POST, 1981, p.11). As contribuies desses autores, bem como de outros estudos provindos da Psicologia Cognitiva, sem dvida, influenciaram fortemente as produes curriculares nas dcadas de 1970 e 1980 e, conseqentemente, foram incorporadas pelos materiais didticos destinados ao professor. A tendncia construtivista passa a ser muito forte no ensino de Matemtica pelo menos em nvel de discurso e, muitas vezes, com leituras totalmente equivocadas. A partir dos anos de 1990 vrios recursos didticos vm sendo sugeridos para o ensino de Matemtica. Alm dos materiais manipulveis, destaca-se tambm o uso de calculadoras e de computador embora esses recursos ainda estejam bastante distantes da maioria das salas de aula. A ampliao da comunidade de educadores matemticos e as produes na rea vm apontando outras tendncias para o ensino de Matemtica e, provavelmente, em decorrncia disso, a discusso sobre a importncia ou no da utilizao de materiais manipulveis tenha ficado em um plano secundrio. A nfase vem sendo posta em outras questes, como por exemplo: resoluo de problemas, o uso de jogos, trabalho com projetos, a interdisciplinaridade, a contextualizao, os processos de significao para a aprendizagem matemtica, a Modelagem Matemtica, as questes culturais, o uso da histria, as investigaes matemticas, dentre outras. No entanto, o professor em sua prtica de sala de aula, na maioria das vezes, contando apenas com o livro didtico como suporte para o seu trabalho depara, cada vez mais, com livros repletos de desenhos de materiais manipulveis a maioria deles no disponveis nas escolas ou quando existentes, no so utilizados ou por desconhecimento em como lidar com eles ou por faltas de condies de trabalho (classes superlotadas, principalmente). Os sentimentos de impotncia e os conflitos vividos pelos professores, preocupados que esto com a aprendizagem de seus alunos, acabam se explicitando nos cursos de formao que freqentam. Muitas vezes, incorporam um discurso a favor do concreto, sem uma reflexo do que seria concreto em Matemtica. Assim, frases como a que usei no ttulo deste artigo ou outras como as destacadas a seguir, proferidas por professoras polivalentes 5 so freqentes.

Talvez a proposio mais importante que o professor pode tirar do trabalho de Piaget e seu uso na classe que as crianas, especialmente as mais novas, aprendem melhor com atividade concreta. Essa proposio, se acompanhada de sua concluso lgica, alteraria substancialmente o papel do professor de expositor a auxiliar, aquele que propicia e orienta a manipulao e a interao das crianas com os vrios aspectos do meio ambiente.(POST, 1981, p. 6)Ainda, segundo o autor, Dienes e Bruner se apoiaram nas idias de Piaget, mas trouxeram contribuies prprias. Dienes que talvez tenha sido o pesquisador que maiores contribuies e influncias tenha exercido nos anos de 1970

Vol. 9 No. 1, 2005

Eu Trabalho Primeiro no Concreto

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Elas (as crianas) tm a necessidade de perceberem e sentir de forma concreta o que est ocorrendo com a posio dos nmeros. As crianas vo visualizando os algarismos, mas no significativo para elas, pois precisam manusear estas quantidades de nmeros, construir os conceitos matemticos.Assim, o grande dilema que venho enfrentando como formadora de professores diz respeito ao como superar essa viso emprica de ensino de Matemtica, respeitando o saber docente desses professores, mas problematizando-o de forma que possam construir uma viso mais crtica sobre a utilizao de materiais manipulveis nas aulas de Matemtica. Pretendo destacar, a seguir, as possibilidades e limites desses materiais que vm se fazendo presente nas prticas escolares de Matemtica. Materiais manipulveis para o ensino de Matemtica: facilitador ou complicador? Vou me apropriar da definio dada por Reys (1971, apud MATOS e SERRAZINA, 1996, p. 193) para materiais manipulveis: objectos ou coisas que o aluno capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar. Podem ser objetos reais que tm aplicao no dia-a-dia ou podem ser objectos que so usados para representar uma idia. Um dos elementos que dificultam a aprendizagem com base em materiais manipulveis diz respeito a sua no relao com os conceitos que esto sendo trabalhados. Para Matos e Serrazina (1996, p. 194), muitos materiais so utilizados pelos professores porque na viso deles adultos e professores tais materiais tm relaes explcitas com o conceito. Contudo, no h nenhuma garantia que os alunos vejam as mesmas relaes nos materiais que vemos. Os autores apontam ainda duas caractersticas das atividades envolvendo materiais concretos que podem trazer resultados negativos: 1) a distncia entre o material concreto e as relaes matemticas a serem representadas; 2) o material toma as caractersticas de um smbolo arbitrrio em vez de uma concretizao natural (Hiebert e Carpenter, 1992, apud MATOS e SERRAZINA, 1996, p. 197); e 2). Muitas vezes, segundo os autores, os professores utilizam os materiais para introduzir uma noo, mas, uma vez se chegando a ela (clculo, propriedade, algoritmo), j no interessa o contexto no qual o material foi utilizado e passa-se a trabalhar apenas no nvel abstrato. Nesse sentido, afirmam os autores:

importantes para os alunos verificarem algumas propriedades ou compreenderem outras. Isto s se consegue se, desde o incio, houver uma verdadeira aco por parte da criana e no uma simples reproduo do que foi dito pelo professor. (MATOS e SERRAZINA, 1996, p. 197-198)Vou considerar, como exemplo, dois materiais estruturados bastante utilizados nas salas de aula de Matemtica: o material dourado e a escala Cuisenaire. No caso do material dourado tambm conhecido como material Montessori ou multibase 10 este vem sendo amplamente representado nos livros didticos, principalmente de 1 a 4 srie e indicado para se trabalhar o sistema de numerao decimal e o valor posicional. Por ser um material estruturado manter um isomorfismo com as propriedades do sistema de base 10 sua utilizao restringe-se aos conceitos relacionados ao sistema decimal. No entanto, esse um tipo de material que s far significado ao aluno se houver, como destacam Matos e Serrazina (1996, p. 196), uma interpretao dessas relaes, bem como a possibilidade de uma interao dos estudantes com o material, pois

ao interaccionar com os materiais e com os outros sobre os materiais, mais provvel que os alunos construam as relaes que o professor tem em mente. De facto, a linguagem usada para conversar com os outros sobre os materiais pode ser crucial para os alunos na construo de relaes.O que tenho observado tanto em algumas prticas de professores quanto em alguns livros didticos o uso bastante equivocado do material. Destacarei alguns desses equvocos: total falta de interao dos alunos com o material no sentido de perceber quais as relaes entre as suas peas; solicitao ao aluno para que faa a representao via desenho de quantidades usando as peas do material. Assim, o aluno perde um longo tempo desenhando os cubinhos, barras e placas do material. Ou ainda, o fato de o livro trazer a representao por meio do desenho do cubinho, por exemplo, como sendo bidimensional (representao de um quadrado) e continuar a cham-lo de cubo. No que diz respeito s operaes com nmeros naturais, raramente h registros que possibilitem ao aluno relacionar as aes realizadas no material e o algoritmo que se est introduzindo. Serrazina (1999) relata um episdio bastante comum tambm com professoras brasileiras: usar o material dourado para que a criana compreenda os mecanismos de trocas e destrocas para o algoritmo da subtrao; no entanto, no momento de formalizao do mesmo, acaba-se introduzindo o algoritmo da compensao, desconsiderando que as lgicas dos dois algoritmos so diferentes. No caso da escala Cuisenaire tambm conhecido como material ou barras Cuisenaire um material tambm

como se a situao que serviu para os introduzir funcionasse como um andaime que se retira quando se acaba o prdio. No queremos com isto dizer que se tenha de estar sempre a trabalhar com materiais, mas que as concretizaes que serviram para elaborar as noes matemticas podem ser situaes

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Adair Mendes Nacarato

Revista de Educao Matemtica

estruturado que consiste de 10 barras coloridas, variando o comprimento em 1 unidade. Como afirma Mansutti (1993, p. 24), ao destacar esse material:

Em sua concepo original, trata o nmero relacionado idia de medida a partir da representao com grandezas contnuas; explora as relaes de dobro e triplo entre nmeros de 1 a 10 e prope um interessante trabalho sobre a produo de escrita com nmeros e letras. Essas possibilidades quase nunca so exploradas, certamente por serem desconhecidas daqueles que o utilizam.A essas possibilidades do material Cuisenaire acrescento ainda o trabalho com fraes e volumes. Por ser um material que representa grandezas contnuas, ele possibilita explorar a frao em seu significado de medida, bem como a representao dos algoritmos das operaes com fraes e, no caso de volume, possvel, com o uso das peas compor e decompor poliedros convexos e no-convexos de diversos volumes. No entanto, muitas dessas potencialidades do material so desconhecidas dos professores que as reduzem apenas ao trabalho com numerao na Educao Infantil e 1 srie do Ensino Fundamental. Um uso inadequado ou pouco exploratrio de qualquer material manipulvel pouco ou nada contribuir para a aprendizagem matemtica. O problema no est na utilizao desses materiais, mas na maneira como utiliz-los. No caso da Geometria, h vrios materiais sugeridos e utilizados pelos professores, como: conjunto de slidos geomtricos, tangram, geoplano e polimins. Em momento algum, questiono a utilizao desses materiais; pelo contrrio, considero-a fundamental em todas as sries e nveis de ensino, uma vez que podem contribuir para o desenvolvimento da visualizao. Estudos na rea da Geometria apontam a importncia dos processos de visualizao.

bastante ausente das salas de aula durante o perodo do Movimento da Matemtica Moderna. Como aponta Andrade (2004, p. 199), o retorno a um enfoque emprico-ativista no ensino de Geometria pode ter sido uma forma de motivao para que a mesma voltasse aos currculos em sala de aula. Concordo com Pais (2000, p.14) quando este, ao discutir a utilizao dos recursos didticos no ensino da Geometria, destaca a existncia de duas posturas redutoras dos valores educativos dessa rea do conhecimento:

uma consiste no entendimento de que os conceitos geomtricos so entidades platnicas puramente racionais, pertencentes a um suposto mundo abstrato de idias prontas, acabadas e acessveis somente atravs do mtodo axiomtico em seu aspecto formal; a outra expressa-se pela viso de que o ensino da geometria pode ser reduzido ao nvel de um conhecimento essencialmente sensitivo, trabalhado somente no aspecto experimental atravs da manipulao estrita de modelos materiais e de desenhos.Tanto os estudos de Pais (2000), quanto os de Andrade (2004) apontam para um movimento de superao dessa tendncia mais ativista para uma que aborda a Geometria de forma mais exploratria e num movimento dialtico entre a experimentao e a conceitualizao/abstrao. Em um trabalho anterior, Pais (1996) analisa a epistemologia do pensamento geomtrico, destacando quatro elementos essenciais: objeto real (modelos) que d o suporte de materialidade e funciona como uma representao dos conceitos geomtricos; desenhos constituem uma segunda forma de representao, com complexidade maior que os modelos, pois exigem interpretao para o seu significado; imagens mentais que so estimuladas pelos objetos e desenhos e esto mais prximas da abstrao; e, finalmente, os conceitos de natureza geral e abstrata. Essa anlise do autor, de certa forma, refora a importncia dos modelos e desenhos no ensino de Geometria. Talvez, em decorrncia desse fato, haja tanto desenho e sugestes de materiais manipulveis nos atuais livros didticos. No entanto, o risco existente, como apontado por Pais (2000), reside na forma como esses desenhos so utilizados, ou seja, apresentam-se numa configurao particular, como por exemplo, o quadrado ser desenhado com os seus lados paralelos s margens do papel, dificultando a construo de outras imagens mentais no aluno que o deixa de considerar como quadrado se estiver em outra posio. Nesse sentido, o uso de materiais manipulveis como as peas do tangram, por exemplo, possibilitam diferentes rotaes, composies e decomposies, ampliando o repertrio de representaes possveis no apenas para a do quadrado, como tambm para a de outros polgonos. Mas, novamente um alerta do autor: o risco da inverso didtica. A inverso ocorre quando

A visualizao pode ser considerada como a habilidade de pensar, em termos de imagens mentais (representao mental de um objeto ou de uma expresso), naquilo que no est ante os olhos, no momento da ao do sujeito sobre o objeto. O significado lxico atribudo visualizao o de transformar conceitos abstratos em imagens reais ou mentalmente visveis. (NACARATO e PASSOS, 2003, p. 78)O desenvolvimento dos processos de visualizao depende da explorao de modelos ou materiais que possibilitem ao aluno a construo de imagens mentais. Pode-se situar o incio da grande nfase na utilizao de materiais manipulveis no ensino de Geometria na dcada de 1980, quando se constata a existncia de um movimento nacional de resgate desse ensino que, de certa forma, ficou

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Eu Trabalho Primeiro no Concreto

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o material passa a ser utilizado como uma finalidade em si mesmo em vez de ser um instrumento para a aquisio de um conhecimento especfico (PAIS, 2000, p.5). Para exemplificar, o autor cita o tangram e o geoplano quando estes so indevidamente tratados como objetos de estudo em si mesmo em detrimento da nfase aos conceitos geomtricos correspondentes (Ibidem, p. 6). Ento qual seria o caminho pedaggico para o uso de materiais didticos no ensino de Geometria? Novamente partilho do pensamento de Pais (2000) quando este afirma:

Destaquei alguns materiais de maior utilizao por seus aspectos pedaggicos e/ou comerciais principalmente, pelos autores de livros didticos, embora saiba da existncia de outros. Nenhum material didtico manipulvel ou de outra natureza constitui a salvao para a melhoria do ensino de Matemtica. Sua eficcia ou no depender da forma como o mesmo for utilizado. No o uso especfico do material concreto, mas, sim, o significado da situao, as aes da criana e sua reflexo sobre essas aes que so importantes na construo do conhecimento matemtico (SCHLIEMANN; SANTOS; COSTA, 1992, p. 101). Atualmente, a nfase para o ensino de Matemtica vem sendo posta nos processos de significao e, conseqentemente, no significado matemtico:

O uso de materiais didticos no ensino de geometria deve ser sempre acompanhado de uma reflexo pedaggica para que, evitando os riscos de permanncia em um realismo ingnuo ou de um empirismo, contribua na construo do aspecto racional. Uma compreenso inicial pode induzir um aparente dualismo entre as condies concretas e particulares dos recursos didticos em oposio s condies abstratas e gerais das noes geomtricas. Mas esta dualidade no deve ser vista como plos isolados do processo de construo conceitual, deve ser superada pela busca de um racionalismo aberto, dialogado e dialetizado. Em suma, devemos sempre estimular um constante vnculo entre a manipulao de materiais e situaes significativas para o aluno.(PAIS, 2000, p. 14-15).As posies destacadas acima reforam o argumento de que no o simples uso de materiais que possibilitar a elaborao conceitual por parte do aluno, mas a forma como esses materiais so utilizados e os significados que podem ser negociados e construdos a partir deles. Reforam tambm a importncia da utilizao de materiais, principalmente para o ensino de Geometria. Nesse sentido, importante destacar que tenho constatado uma certa resistncia do professor especialista que atua de 5 a 8 srie e Ensino Mdio na utilizao at mesmo dos materiais que so sugeridos pelos livros didticos adotados. Essa resistncia talvez seja decorrente de uma no vivncia quer como estudantes, quer como licenciandos com propostas didtico-pedaggicas que incluam o uso de materiais didticos.

O significado matemtico obtido atravs do estabelecimento de conexes entre a idia matemtica particular em discusso e os outros conhecimentos pessoais do indivduo. Uma nova idia significativa na medida em que cada indivduo capaz de a ligar com os conhecimentos que j tem. As idias matemticas formaro conexes de alguma maneira, no apenas com outras idias matemticas como tambm com outros aspectos do conhecimento pessoal. Professores e alunos possuiro o seu prprio conjunto de significados, nicos para cada indivduo. (BISHOP e GOFREE, 1986, apud PONTE et al., 1997, p. 88)H vrias tendncias didtico-pedaggicas para se trabalhar em contextos de significao: projetos interdisciplinares, tarefas exploratrias e investigativas, resoluo de problemas, Modelagem Matemtica, tecnologias de informao, uso de jogos, de histria, dentre outras. Nesses contextos, a utilizao de materiais manipulveis pode perpassar qualquer uma dessas tendncias. No h como desconsiderar a complexidade da sala de aula, bem como a impossibilidade da adoo de uma nica tendncia para o ensino de Matemtica. Assim, muitas vezes, o professor precisa utilizar uma diversidade de materiais, podendo transitar por diferentes tendncias. No caso do livro didtico, possvel constatar que muitos deles principalmente os das sries iniciais vm incentivando o uso de materiais manipulveis, muito embora, na maioria das vezes, as orientaes encontram-se no Manual do Professor e o livro se restringe a apresentar os desenhos de tais materiais. Compete assim, ao professor, incrementar ou no suas aulas com a utilizao desses materiais. No entanto, minha experincia com professores vem revelando que poucos sabem fazer uso desses materiais estruturados e at mesmo nunca tiveram a oportunidade de manipul-los. Limitam-se, muitas vezes, aos desenhos apresentados nos livros.

O uso de materiais manipulveis produzindo significados para o aluno Espero que os argumentos at aqui utilizados tenham sido suficientes para uma reflexo sobre a importncia da forma de utilizao de materiais manipulveis para o ensino de Matemtica. Em momento algum critiquei ou defendi que no se devam usar materiais manipulveis. Procurei chamar a ateno para alguns equvocos que podem ocorrer quando no se tem clareza das possibilidades e dos limites dos materiais utilizados.

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Adair Mendes Nacarato

Revista de Educao Matemtica

Se os materiais constituiro ou no uma interface mediadora para facilitar na relao entre o professor, aluno e o conhecimento em um momento preciso da elaborao do saber (PAIS, 2000, p.2-3) vai depender da forma como for utilizado, bem como das concepes pedaggicas do professor. Nesse sentido, entendo que o papel do formador de professores seja de trazer essas questes para reflexo, problematizando o uso de materiais didticos nas aulas de Matemtica e discutindo alguns significados do que seja trabalhar no concreto com alunos da Educao Bsica, em qualquer um de seus nveis. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASANDRADE, Jos Antonio Arajo. O ensino de Geometria: uma anlise das atuais tendncias, tomando como referncia as ENEMS. publicaes nos anais dos ENEMS Dissertao (Mestrado em Educao). Itatiba, SP: Universidade So Francisco, 2004, 252p. FIORENTINI, Dario. Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemtica no Brasil. Zetetik FE/Unicamp, Campinas, SP, Zetetik, Ano 3, nmero 4, novembro de 1995, p. 01-37. FREITAG, Brbara; COSTA WANDERLEY F.; MOTTA, Valria R. O livro didtico em questo So Paulo: Cortez, 1993, questo. 159p. MATOS, Jos M.; SERRAZINA, Maria de Lurdes. Didctica da Matemtica. Matemtica Lisboa: Universidade Aberta, 1996, 304p. MANSUTTI, Maria Amabile. Concepo e Produo de Materiais Instrucionais em Educao Matemtica. Revista de Educao Matemtica. Matemtica So Paulo: SBEM, Ano 1, Nmero 1, setembro de 1993, p. 17-29.

NACARATO, Adair M.; PASSOS, Crmen Lucia B. A geometria nas sries iniciais: uma anlise sob a perspectiva da prtica pedaggica e da formao de professores. So Carlos: EdUSFCar, 2003, 151p. PAIS, Luiz Carlos. Intuio, experincia e teoria geomtrica. Zetetik, Zetetik FE/Unicamp, Campinas, SP, v.4, n. 6, jul./dez.1996, p. 65-74. ________. Uma anlise do significado da utilizao de recursos didticos no ensino da Geometria. www.anped.org.br/23/textos/ 1919t.pdf, 23 Reunio, Caxambu, 2000. PONTE et al. Didtica da Matemtica: Ensino Secundrio. Lisboa: Ministrio da Educao/Departamento do ensino secundrio, 1997. 134p POST, Thomas R. O Papel dos Materiais de Manipulao no aprendizado de conceitos matemticos. In: LINDQUIST, Mary Montgomery Selected Issues in Mathematics Education. Traduo: Elenisa T. Curti e Maria do Carmo Mendona, 1981. (Texto mimeo). SCHLIEMANN, Analcia Dias; SANTOS, Clara Melo dos; COSTA, Solange Canuto da. Da compreenso do sistema decimal construo de algoritmos. In ALENCAR, Eunice Soriano de (Org.). Novas Contribuies da Psicologia aos Processos de Ensino e Aprendizagem. So Paulo: Cortes, 1992, p.97-117. SERRAZINA, Lurdes. Reflexo, conhecimento e prticas lectivas em matemtica num contexto de reforma curricular no 1 ciclo. Quadrante: Revista terica e de investigao. Lisboa, vol. 8, 1999, p. 139-167.

1. Universidade So Francisco; [email protected]. Agradeo a Crmen Lcia B.Passos, com quem tenho compartilhado as idias aqui presentes, pela leitura e sugestes ao presente texto. 2. Destaca-se os materiais produzidos no Projeto PREMEM/MEC/IMECC-UNICAMP. Esse projeto, sob direo do Prof. Ubiratan DAmbrosio e coordenao de Almerindo Marques Bastos, produziu alguns materiais didticos para sala de aula. 3. Esse autor discute o papel dos materiais de manipulao no aprendizado da Matemtica. No texto aqui utilizado, ele faz um panorama das pesquisas realizadas at o final dos anos de 1970 sobre o uso de materiais manipulveis e as contribuies ou no para o aprendizado matemtico. 4. Em sua obra The process of Education (1960). 5. Essas falas se fizeram presente na anlise de um caso de ensino, no qual a docente, numa concepo empirista de ensino de Matemtica, utilizava cartes com os algarismos de 0 a 9, para ensinar por meio da composio dos algarismos dos cartes o valor posicional.

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O Jogo Gamo e suas Relaes com as Operaes Adio e Subtrao Revista de Educao Matemtica Ano 9, Nos. 9-10 (2004-2005), 7-14 Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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O JOGO GAMO E SUAS RELAES COM AS OPERAES ADIO E SUBTRAO1Maria Jos de Castro Silva2 Rosely Palermo Brenelli3Resumo: A presente pesquisa, baseada no construtivismo, teve como objetivo investigar as relaes existentes entre a construo das operaes de adio e subtrao e as estratgias utilizadas pelos sujeitos ao jogar Gamo. Participaram da pesquisa dezesseis alunos da quinta srie do Ensino Fundamental, para os quais foram aplicadas uma Prova de Problemas Aditivos e seis sesses destinadas aprendizagem e prtica do jogo Gamo. Pelos resultados obtidos, constatou-se, atravs dos procedimentos escolhidos pelos participantes para movimentar suas peas, uma estreita relao entre as estratgias utilizadas por eles, durante o jogo, e a construo de interdependncias entre a adio e a subtrao.Palavras-chave: jogo, construtivismo, aritmtica, dificuldades de aprendizagem. :

INTRODUO O ensino da Matemtica, numa viso tradicional, muitas vezes, relaciona-se unicamente ao clculo numrico e adoo de seus algoritmos usuais. A Matemtica ensinada como um contedo autnomo, distanciado das demais disciplinas, produz um afastamento da realidade, introduzindo uma viso distorcida, que inverte a relao fundamental existente entre os objetos matemticos e a realidade concreta. Esse tratamento pode acarretar uma sucesso de fracassos, ao observar-se os altos ndices de insucessos apresentados pelos alunos nessa disciplina. Assim, a adoo de procedimentos que se configuram por excessivas formalizaes, ou ainda, a proposta de resoluo de listas de problemas apenas como aplicao de definies, e cuja soluo depende basicamente da escolha de tcnicas de memorizao utilizadas pelo aluno, pode no contribuir para a construo desse importante campo do conhecimento. Para o ensino da Matemtica, importante propor situaes que desencadeiem no aluno a atividade construtiva, de maneira a permitir-lhe estabelecer por si mesmo as relaes e as propriedades matemticas, antes de se introduzir o formalismo. Sendo assim, indispensvel que ele inicialmente adquira a experincia das relaes matemticas para, em seguida, chegar ao raciocnio dedutivo. Nesse sentido, o jogo pode ser considerado como um procedimento que foge das formas tradicionais de ensino e que valoriza a concepo de que o conhecimento se constri medida que permite ao aluno alcanar gradativamente a generalidade dos conceitos implicados, atravs de uma atuao mais consciente e intencional possvel.

A partir dessa perspectiva, realizamos uma pesquisa com o Gamo, que um jogo de regras que une estratgia com a possibilidade de desenvolvimento das relaes lgico-matemticas. A escolha desse jogo, to antigo e tradicional, se deu por combinar a simplicidade de suas regras, a facilidade de ter seu tabuleiro confeccionado pelos prprios alunos e, principalmente, pelas possibilidades desencadeadas por seu contexto ldico em trabalhar com as noes de representao espacial, figuras geomtricas, nmero, valor posicional e com as operaes de adio e subtrao, alm de todos os aspectos sociais inerentes ao jogo. Para o desenvolvimento desse trabalho, escolhemos verificar as relaes existentes entre a construo significativa das operaes de adio e subtrao e o tipo de estratgia utilizada pelos jogadores durante o jogo. importante lembrar que a realizao das operaes de adio e de subtrao pressupe o estabelecimento de relaes entre elas, e no simplesmente a aplicao de algoritmos que se destinam a encontrar um resultado, muitas vezes, desconexo de seu sentido.

O jogo como exerccio operatrio orientado ao processo construtivo da adio e da subtrao Para Goi e Gonzlez (1987), autoras que analisam as operaes intelectuais que esto presentes em alguns jogos de regra, os resultados conseguidos pelas crianas no desenvolvimento dos jogos nascem das condutas inteligentes, com a inteno de resolver um problema, por meio de uma atitude reflexiva sria, ante as perturbaes que a realidade apresenta, como resposta a uma necessidade de resolver um mistrio, algo desconhecido, e tambm, como uma necessidade de

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Maria Jos de Castro Silva e Rosely Palermo Brenelli

Revista de Educao Matemtica

ajustar-se s coisas. Essas condutas podem converter-se em ldicas, quando descontextualizadas das situaes que lhe deram origem, e so exercidas por simples prazer de serem efetuadas. Segundo Macedo (2000), jogar favorece e enriquece o processo de aprendizagem, na medida em que o sujeito levado a refletir, fazer previses e inter-relacionar objetos e eventos, e ainda, aprender a questionar e corrigir suas aes, analisar e comparar pontos de vista, organizar e cuidar dos materiais utilizados. Nesse sentido, Barone e Macedo (1997, apud Brenelli, 2001) distinguem o saber jogar, que se refere compreenso e prtica das regras, do jogar bem, que se refere s estratgias e aos procedimentos empregados, uma vez que, no desenvolvimento cognitivo, salientam, h a alternncia entre duas fases: uma, a dialtica orientada construo de novas estruturas de pensamento e outra, discursiva, que se refere s dedues por meio dessas estruturas, sem alter-las. Ao contrrio do que se poderia supor, o aspecto discursivo que se refere ao saber jogar, voltado para a compreenso das regras, no faz com que o sujeito se desinteresse pelo jogo, mas sim, cria a possibilidade de que novas estratgias sejam estabelecidas por ele, elevando-o a um novo patamar, no qual o que conta o modo de jogar do adversrio e a melhor forma de interagir no contexto das partidas. Esse processo constitui o jogar bem, que se refere dialtica construtiva, definida por construes a serem realizadas.

cronolgica: os 24 pontos representados em todo o tabuleiro equivaleriam s 24 horas do dia; os 12 pontos situados em cada uma de suas metades corresponderiam aos meses do ano e aos smbolos do zodaco; as 30 peas seriam os dias dos meses; os dois dados simbolizariam o dia e a noite e, finalmente o total 7 soma dos valores de quaisquer lados opostos de um dado corresponderia aos dias da semana.

As regras do jogo5 12 11 10 9 8 4 3 2 1

7

6 5 4 3

2

1

Seo interna do vermelho

Seo interna do branco

12 11 10 9 8 7

6 5 4 3

2

1

Portanto, conseguir xito no jogo, defender-se das jogadas do adversrio implica jogar de acordo com as regras e descobrir o melhor jeito de jogar, coordenando assim os aspectos dialtico e discursivo. (BRENELLI, 2001, p. 179).

O esquema acima mostra a disposio inicial das peas no jogo. A parte superior do tabuleiro estar voltada para o jogador das peas vermelhas e a parte inferior do tabuleiro estar voltada para o jogador das peas brancas. Para se decidir quem inicia a partida, cada jogador lana um dado e aquele que tirar o ponto mais alto comea jogar utilizando os pontos dos dados j lanados. O objetivo do jogo movimentar todas as suas peas de modo a coloc-las nas casas de sua seo interna (casas 1 a 6), para depois poder tir-las do tabuleiro. Aquele que retirar todas as suas peas em primeiro lugar ganha a partida. As peas so movimentadas de acordo com o nmero de casas ditadas pelo resultado do lanamento dos dois dados. As peas brancas se movimentam no sentido anti-horrio (da casa 1 at a 12 do adversrio, e depois da casa 12 at a 1 na sua regio). As vermelhas se movimentam no sentido horrio (tambm da casa 1 at a casa 12 do adversrio, e depois da casa 12 at a casa 1 na sua regio). Cada jogador movimenta todas as suas pedras para a sua seo interna (casas 1 a 6) para depois retir-las. O nmero de casas a se movimentar determinado da seguinte maneira: lanam-se os dois dados e movimenta-se uma pea primeiro com o resultado de um dado e depois uma outra pea ou a mesma com o resultado do outro dado. Ao

Desta forma, as estratgias que o sujeito utiliza para atingir o objetivo do jogo podem proporcionar um estudo relevante sobre a aprendizagem operatria, no sentido de permitir que os erros se tornem observveis, considerandose o ponto de vista da criana. Para Piaget, segundo Macedo (1994/2002), o erro do ponto de vista formal, isto , do adulto, um fenmeno consciente, enquanto para a criana, em uma perspectiva construtivista, a conscincia do que significa o erro uma questo de grau de um nvel de construo.

O Jogo Gamo Historicamente, o Gamo teria surgido no Oriente h milhares de anos e a referncia mais antiga ao jogo foi encontrada em um tmulo real da civilizao sumeriana, na Mesopotmia. Acredita-se que o Gamo teria sido inventado por um sbio chamado Caflan, com base em uma simbologia

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tirar uma dobradinha (pontos iguais nos dois dados) podese efetuar quatro movimentos com estes pontos. Cada jogador pode mover qualquer uma de suas peas para qualquer posio que os dados e a direo do movimento permitam, a no ser que a casa onde iro parar j esteja previamente ocupada por duas ou mais peas do adversrio. Ter duas ou mais peas numa mesma casa impede o adversrio de se mover para l, e torna a casa segura. importante notar que o jogador pode passar por uma casa segura durante a sua movimentao, mas no pode nunca parar numa casa segura do adversrio. Se o jogador no puder utilizar os resultados de ambos os dados e somente um dos nmeros dos dados puder ser utilizado, somente o nmero mais alto dever ser usado. Nada impede que sejam colocadas mais de 5 peas numa mesma casa. Isto, no entanto, pode no ser interessante em termos de estratgia. Se um jogador possuir somente uma pea em uma determinada casa e o resultado dos dados possibilitar ao adversrio mover-se para l, ento a sua pea ser capturada (comida) e dever ser colocada na rea chamada de bar. A re-entrada da pea feita sempre na seo interna do adversrio, e s poder ser realizada de acordo com o resultado dos dados e com a existncia de casas no seguras. O resultado de um dos dados ser utilizado para a re-entrada da pea e o outro resultado dever ser usado normalmente. Enquanto existir uma pea fora do tabuleiro (no bar), o jogador no poder movimentar nenhuma de suas outras peas. Depois de ter movido todas as suas peas para a sua seo interna, o jogador poder iniciar a sua retirada do tabuleiro, sempre de acordo com o resultado dos dados, mas comeando com as peas que ocupam as casas de nmero mais alto, isto , se houver alguma pea nas casas superiores o jogador dever mover uma pea com este resultado, se este movimento for possvel. Se uma ou mais de suas peas forem capturadas neste estgio do jogo, o jogador no poder mais continuar retirando suas pedras (para continuar retirando as peas todas as suas peas devero estar na sua seo interna). Vence aquele que primeiro retirar todas as suas peas, ganhando assim 1 ponto. Se, ao retirar todas as suas peas, o adversrio ainda no tiver retirado nenhuma pea, voc ganhar por 2 pontos. E se alm disto o adversrio ainda tiver peas na sua seo interna, ento o jogador ganhar por 3 pontos.

jogo e o desenvolvimento do pensamento operatrio nas operaes de adio e subtrao, no qual as partidas oferecem situaes em que o sujeito realiza essas operaes, planeja suas jogadas e ainda pode antecipar as estratgias do adversrio na tentativa de atingir o objetivo do jogo. Assim, as condutas apresentadas pelos participantes nas situaes-problema implcitas no jogo Gamo, podero possibilitar a anlise do processo dialtico construtivo da adio e da subtrao medida que o jogador se orienta em como conseguir xito no jogo, defendendo-se das jogadas do adversrio e adotando novos procedimentos, quando necessrio, o que implica jogar, segundo as regras, e descobrir o melhor jeito de jogar. Essa anlise, realizada a partir da analogia com a pesquisa descrita por Piaget, E. Zubel e E. Rapple du Cher (1980/1996), que descreve um sistema de deslocamentos espao-temporais, tomando por base uma variao do jogo de xadrez, numa verso bastante simplificada, introduz trs fatores dialticos essenciais: uma interdependncia geral, que se modifica sem parar aps cada lance, uma revitalizao constante das significaes e uma utilizao contnua das implicaes entre aes, no apenas de suas prprias, mas tambm a antecipao das manobras do adversrio, atuais ou num futuro de possibilidades mltiplas. Para a verificao das estratgias utilizadas pelos participantes ao jogar Gamo e como seriam reconhecidas, por eles, as causas do sucesso ou do fracasso de suas jogadas, pode-se levar em considerao os procedimentos por eles escolhidos para movimentar suas peas, ou a sua resposta para questes pertinentes ao momento do jogo, ou ainda, sua opo de resposta para o congelamento de jogadas que permitiram a explicitao das inferncias realizadas, verificando se houve conscincia dos meios que os levaram a atingir, ou no, o objetivo do jogo. Com base nessas condutas observadas, e de acordo com a analogia estabelecida com a pesquisa realizada pelos autores (ibid.), distinguiram-se cinco tipos sucessivos de conduta. No tipo IA, os participantes limitam-se a realizar deslocamentos individuais sem relao entre si, verificando-se uma ausncia de estratgias e movimentos aleatrios; para eles, a sorte se configura como nico fator para chegar vitria. Sucessivamente, o tipo IB caracteriza-se por movimentos que resultam de implicaes simples, baseadas em relaes de posio e deslocamento, negligenciando a ordem das sucesses. Sem um programa de conjunto, o jogador no articula a defesa e o ataque em suas jogadas. No tipo IIA, o aluno j tem estabelecido um tipo de estratgia que permite perceber a coordenao entre as aes, que podem ser chamadas de compostas, por coordenar-se segundo conexes espao-temporais, mas que apenas modificam localmente o estado do jogo, por no terem um

A anlise do GamoA sua anlise, numa perspectiva construtivista, a exemplo de tantos outros jogos j estudados, teve a inteno de oferecer novos caminhos que relacionem as situaes propostas pelo

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programa de conjunto. Ento, nesse estgio, o jogador, ao elaborar um projeto de ao, prev a coordenao do ataque com a defesa, porm desconsidera situaes imprevistas, demonstrando procedimentos rgidos que no levam em considerao situaes inesperadas, como, por exemplo, ser capturado, num lance do jogo, quando no contava com essa hiptese. No tipo de conduta subseqente, o tipo IIB, possvel perceber o estabelecimento de aes coordenadas como num programa de conjunto. O jogador, ao estabelecer uma estratgia, faz um plano, no qual, alm de coordenar ataque e defesa, capaz de refaz-lo, numa situao imprevista, antecipando continuamente as aes do adversrio. Ao atingir o tipo III, os progressos comportam a negao, ou a excluso, isto , a ao que seria possvel deixa de ser executada para dar lugar a uma nova estratgia. No Gamo, as dedues tambm podem ser percebidas atravs da complementaridade das operaes adio e subtrao. Nessa situao, o jogador efetua a adio e a subtrao, mentalmente, em lugar do deslocamento um a um das peas, para fazer a sua movimentao. As operaes adio e subtrao, ao serem construdas gradativamente pelo aluno num sistema coerente de relaes lgico-matemticas, no se restringiro apenas ao uso mecnico de regras e algoritmos. A anlise das operaes intelectuais presentes nessas operaes, relacionadas a situaes ldicas proporcionadas pelo jogo Gamo, bem como a anlise dos erros cometidos pelo jogador nas respostas para as situaes-problema apresentadas, podero dar ensejo interpretao de diferentes condutas dos jogadores, como emergentes de uma organizao de um sistema de aes efetivas e interiorizadas. Dessa forma, os tipos de resoluo demonstrados pelas crianas no desenvolvimento desse jogo, com a finalidade de alcanar o objetivo proposto, podero refletir as condutas e estratgias utilizadas por elas, como reveladoras de sua organizao estrutural. O equilbrio das operaes e a existncia de um isomorfismo entre as estruturas e os agrupamentos lgico-matemticos e os infralgicos espao-temporais, segundo Piaget (1970/1990), podero ser o indcio da presena da estrutura representada pelos agrupamentos operatrios concretos de classes e relaes.

1. Primeira categoria - compem-se duas medidas para dar lugar a uma medida.

Problema: Mariana tem 13 livros de poesia e 8 livros de aventura. Quantos livros Mariana possui para ler?2. Segunda categoria - uma transformao opera sobre uma medida para dar lugar a outra medida.

Problema: Pedro jogou uma partida de bolinhas de gude e perdeu 18 bolinhas. Agora ele tem 3 bolinhas. Quantas bolinhas ele tinha antes de jogar sua partida?3. Terceira Categoria - uma relao une duas medidas.

Problema: Pedro tem 12 carrinhos para brincar. Ele possui 7 carrinhos a mais que Joo. Quantos carrinhos Joo tem para brincar?4. Quarta categoria duas transformaes se compem para dar lugar a uma transformao.

Problema: Joo jogou duas partidas de bafo. Na primeira, ele ganhou 9 figurinhas. Na segunda, ele perdeu 16. Quantas figurinhas Joo perdeu ao final de suas duas partidas?5. Quinta categoria uma transformao opera sobre um estado relativo (uma relao) para dar lugar a outro estado relativo.

Problema: Paulo deve 17 bolinhas de gude para Carlos. Ele devolve 9. Quantas bolinhas de gude Paulo ainda deve para Carlos?6. Sexta categoria - dois estados relativos (relaes) se compem para dar lugar a um estado relativo.

Problema: Mariana deve 11 papis de carta para Vanessa. Mas Vanessa deve 6 papis de carta para Mariana. Quantos papis de carta Mariana precisa devolver para Vanessa?A fim de compor a amostra, (N = 16), aplicou-se a prova a todos os alunos das quatro classes de quinta srie de uma escola da rede estadual de ensino, na cidade de Valinhos-SP, selecionando-se, aleatoriamente, oito participantes que apresentaram bom desempenho na prova e oito que apresentaram mau desempenho. Os alunos selecionados desconheciam o jogo e manifestaram o desejo de participar da pesquisa. A relevncia em assegurar que os participantes desconheciam o jogo se relaciona com as condutas que seriam observadas no decorrer das partidas, para o estabelecimento das relaes propostas nos objetivos da pesquisa. Para efeito desse estudo, considerou-se como bom desempenho os alunos que, no conjunto de resoluo dos seis problemas, apresentaram acerto total ou, no mximo, um erro (acertos 83,3%), enquanto se considerou de mau desempenho

DELINEAMENTO DA PESQUISA Participaram desta pesquisa dezesseis alunos com idades entre 11;0 e 12;4, pertencentes quinta srie do ensino fundamental, selecionados mediante a aplicao de uma prova composta por problemas de estrutura aditiva, baseados nas seis categorias de problemas propostas por Vergnaud (1985/ 1991). Os problemas utilizados encontram-se organizados, segundo suas categorias e conforme descritos, a seguir:

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aqueles que, no conjunto de resoluo dos seis problemas, acertaram no mximo a sua metade (acertos 50%).

O participante escolheu ao acaso a pea para ser movimentada, ou estabeleceu uma estratgia de jogo? No caso de ter utilizado uma estratgia, qual o tipo escolhido? Nessa questo, procurou-se verificar se os movimentos das peas se limitavam a deslocamentos individuais, aleatrios, sem relao entre si, ou se permitiam, pela estratgia escolhida, a construo de implicaes entre as aes. Se indicassem a presena de uma estratgia, os movimentos poderiam se caracterizar por implicaes simples, nas quais o jogador tentaria levar todas as peas para a sua seo interna, numa atitude exclusivamente de defesa, sem articular as regras na coordenao com o ataque. Tambm poderiam se caracterizar por um tipo intermedirio de aes, nas quais o tipo de estratgia adotada pelo jogador permitia perceber a sua coordenao, mas estas ainda restritas a situaes previstas (projeto de aes). Nesse caso, o jogador, ao elaborar um projeto de ao, previa a coordenao do ataque com a defesa, mas desconsiderava situaes imprevistas, demonstrando procedimentos rgidos que no levavam em considerao as situaes inesperadas, como, por exemplo, ser capturado quando no contava com essa hiptese. Ainda, seus movimentos poderiam indicar o estabelecimento de aes coordenadas num programa de conjunto, no qual o participante, ao elaborar um plano, alm de coordenar ataque e defesa, o capacitava a refazlo, numa situao imprevista, antecipando continuamente as aes do adversrio. Outra questo analisada como o jogador coordena a movimentao de suas peas. Movimenta-as uma de cada vez, at lev-la sua seo interna, numa sucesso simples de movimentos, ou faz a coordenao dos movimentos com a pea que mais favorvel no momento, estabelecendo um projeto de aes coordenadas, que no leva em considerao situaes no previstas, ou ainda, estabelece um programa de aes coordenadas, levando em considerao situaes no previstas? Ainda foram apresentadas situaes-problema que analisavam o jogar bem, como por exemplo, ao final da partida, perguntar ao participante o que preciso fazer para ganhla, ou como fazer uma boa jogada. A sua resposta questo apresentada pode ser o indicativo de como ele pensa. Considerar a sorte como nico fator para chegar vitria pressupe a ausncia de estratgias que possam conduzir ao objetivo do jogo. O reconhecimento da necessidade de se adotar uma estratgia para vencer a partida, ou fazer uma boa jogada, indica uma conduta mais avanada que supe a articulao entre a defesa e o ataque, considerando, ou no, situaes imprevistas. O congelamento de uma situao de jogo pode favorecer ao participante a conscincia dos meios que o levaram a realizar uma determinada jogada em busca do objetivo de ganhar a partida. Por exemplo, numa situao na qual ele

Atividades com o Jogo GamoAs atividades com o jogo Gamo foram organizadas em duas etapas: Aprendizagem do jogo. O jogar certo e o jogar bem. A aprendizagem do jogo foi realizada em uma nica sesso com durao aproximada de 50 minutos. Inicialmente, a experimentadora disps no tabuleiro apenas as 15 peas de um jogador em sua configurao inicial e segundo as regras do jogo. Com as peas assim posicionadas, pediu-se ao participante que efetuasse algumas jogadas, isto , lanasse os dois dados e movimentasse, segundo os valores sorteados, as peas por ele escolhidas. O objetivo desta fase foi o de possibilitar a familiaridade entre a posio das peas e o sentido adotado para a sua movimentao, ensejando uma possvel coordenao da posio com o movimento, isto , a relao entre o espao e a durao temporal que o jogo, por seu contexto, propicia. Na partida completa disputada entre o jogador e a pesquisadora, as peas dos dois jogadores foram posicionadas de acordo com a configurao inicial, e nessa partida, as regras foram sendo enunciadas uma a uma, no decorrer do jogo, com a inteno de facilitar a compreenso e a memorizao das mesmas. Para a prtica das regras, procedeu-se a um campeonato entre os participantes e a experimentadora em mais trs partidas, nas quais todas as dvidas puderam ser dissipadas e sedimentadas as orientaes que poderiam dar ensejo ao jogar certo. O objetivo desta etapa era assegurar o jogar bem, para que pudessem ser observadas as estratgias utilizadas no decorrer das partidas e as solues para as situaes-problema apresentadas, quando, durante o jogo, solicitava-se ao aluno que refletisse sobre suas aes, como um meio de favorecer a tomada de conscincia das causas do sucesso ou do fracasso de suas jogadas.

Anlise das estratgias utilizadas pelo participante Com a inteno de verificar as estratgias utilizadas pelos alunos e como reconheciam as causas do sucesso ou do fracasso de suas jogadas, foram organizadas questes que se destinavam a registrar os procedimentos escolhidos por eles para movimentar suas peas, ou suas respostas para questes pertinentes ao momento do jogo, ou ainda, sua opo de resposta para o congelamento de jogadas que permitiram a explicitao das inferncias realizadas, verificando se houve conscincia dos meios que os levaram a atingir, ou no, o objetivo do jogo. As observaes foram norteadas pelas seguintes situaes:

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tenha duas peas localizadas a uma distncia hipottica de quatro casas uma da outra, pergunta-se: Se voc quiser movimentar estas peas para tornar as casas seguras, que nmeros voc necessitaria que sasse nos dados? Existem outros nmeros que possibilitariam essa situao? Ou ainda, numa jogada na qual mostra-se ao aluno uma pea do adversrio, observado o sentido das peas no jogo, distante, no mnimo, sete casas de uma de suas peas, pergunta-se-lhe: - possvel que a pea do seu adversrio alcance sua pea com o lanamento de um nico dado? As respostas do participante podem ser indicativas se ele compreendeu o problema e se sabe justificar sua resposta adequadamente. Tambm, pode-se avaliar se ele utiliza a complementaridade entre a adio e subtrao, examinando se faz o movimento das peas atravs de uma contagem um a um, ou relaciona corretamente a diferena entre as posies ocupadas pelas peas com todos os possveis valores que necessita obter no lanamento dos dados. Todas essas situaes apresentadas, em que se observou o saber jogar e o jogar bem, foram analisadas e, atravs dessa anlise, foram verificadas as relaes entre a construo significativa das operaes de adio e subtrao e as estratgias utilizadas pelos sujeitos ao jogar Gamo, conforme mostram os resultados da pesquisa. Resultados da pesquisa: As Condutas Encontradas no Jogo Gamo em Relao ao Desempenho nos Problemas Aditivos As condutas dos participantes (N = 16) diante das situaes-problema e das partidas de Gamo relacionadas com o bom e o mau desempenho nos problemas de estrutura aditiva encontram-se caracterizadas em linhas gerais e sintetizadas no Quadro I. Conforme os dados sintetizados no Quadro I, observase que dos participantes classificados pelo bom desempenho na prova de problemas aditivos, seis deles posicionaram-se

nos tipos de conduta IIB e III, cujas estratgias prevem aes coordenadas de ataque e defesa, como num programa de conjunto, que tm como caracterstica a antecipao contnua das aes do adversrio. Os alunos de conduta tipo III, alm disso, utilizaram as operaes adio e subtrao para efetuarem a movimentao das peas, demonstrando a compreenso da complementaridade dessas operaes. Com relao aos participantes que se concentraram nos tipos IIB e III quanto adoo das estratgias utilizadas para jogar Gamo, como NAI (11,0), JOY (11;4), THS (11;9), LUC (11;3), CLE (11;6), CES (11;9) e a resoluo dos problemas de estrutura aditiva propostos apresentou-se de forma completa e coerente, tanto em relao aos clculos como em suas respostas. Isso permitiu inferir que um melhor desempenho, para esses alunos, acarretou um nvel mais evoludo na construo dialtica da adio e da subtrao, possibilitando a escolha de estratgias mais elaboradas, compostas por um programa de conjunto, que tenha por objetivo resolver as situaes-problema propostas durante as partidas do jogo Gamo. Destaca-se ainda que, na movimentao das peas em jogo, os alunos que apresentaram condutas do tipo III efetuavam suas jogadas, utilizando-se da adio e da subtrao como operaes coordenadas e interiorizadas, fazendo supor a presena da abstrao refletida, ou seja, a capacidade de executar a mesma ao nos dois sentidos, mas com a conscincia de que se tratava da mesma ao, como descrito no protocolo a seguir:

CLE (11;6), utilizando o valor 3 retirado no lanamento do dado, para movimentar uma pea que se encontrava na casa 8, procedia somando 8 + 3 = 11, transportando diretamente a pea para a casa 11. Tambm para uma pea localizada na casa 12, de seu lado do tabuleiro, para movimentar 4 casas, ele procedia fazendo a diferena 12 4 = 8, levando a pea diretamente para a casa 8.

Quadro I Condutas encontradas no Jogo Gamo X Desempenho nos Problemas de Estrutura Aditiva.Condutas observadas nas situaesproblema e partidas de Gamo Tipo IB Caractersticas das condutas Prev o uso de estratgia, mas com ausncia da coordenao de ataque e defesa Coordenao das aes em projeto, sem antecipao de ataque e defesa Aes coordenadas num programa, com antecipao de ataque e defesa Programa coordenado com a utilizao de operaes efetuadas mentalmente Participantes com bom desempenho na prova de problemas aditivos JES Participantes com mau desempenho na prova de problemas aditivos LAR; MAR; ALE; LUA; THC REN; JUC WEL

IIA IIB

FER NAI; JOY; THS LUC; CLE; CES

III

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tenha duas peas localizadas a uma distncia hipottica de quatro casas uma da outra, pergunta-se: Se voc quiser movimentar estas peas para tornar as casas seguras, que nmeros voc necessitaria que sasse nos dados? Existem outros nmeros que possibilitariam essa situao? Ou ainda, numa jogada na qual mostra-se ao aluno uma pea do adversrio, observado o sentido das peas no jogo, distante, no mnimo, sete casas de uma de suas peas, pergunta-se-lhe: - possvel que a pea do seu adversrio alcance sua pea com o lanamento de um nico dado? As respostas do participante podem ser indicativas se ele compreendeu o problema e se sabe justificar sua resposta adequadamente. Tambm, pode-se avaliar se ele utiliza a complementaridade entre a adio e subtrao, examinando se faz o movimento das peas atravs de uma contagem um a um, ou relaciona corretamente a diferena entre as posies ocupadas pelas peas com todos os possveis valores que necessita obter no lanamento dos dados. Todas essas situaes apresentadas, em que se observou o saber jogar e o jogar bem, foram analisadas e, atravs dessa anlise, foram verificadas as relaes entre a construo significativa das operaes de adio e subtrao e as estratgias utilizadas pelos sujeitos ao jogar Gamo, conforme mostram os resultados da pesquisa. Resultados da pesquisa: As Condutas Encontradas no Jogo Gamo em Relao ao Desempenho nos Problemas Aditivos As condutas dos participantes (N = 16) diante das situaes-problema e das partidas de Gamo relacionadas com o bom e o mau desempenho nos problemas de estrutura aditiva encontram-se caracterizadas em linhas gerais e sintetizadas no Quadro I. Conforme os dados sintetizados no Quadro I, observase que dos participantes classificados pelo bom desempenho na prova de problemas aditivos, seis deles posicionaram-se

nos tipos de conduta IIB e III, cujas estratgias prevem aes coordenadas de ataque e defesa, como num programa de conjunto, que tm como caracterstica a antecipao contnua das aes do adversrio. Os alunos de conduta tipo III, alm disso, utilizaram as operaes adio e subtrao para efetuarem a movimentao das peas, demonstrando a compreenso da complementaridade dessas operaes. Com relao aos participantes que se concentraram nos tipos IIB e III quanto adoo das estratgias utilizadas para jogar Gamo, como NAI (11,0), JOY (11;4), THS (11;9), LUC (11;3), CLE (11;6), CES (11;9) e a resoluo dos problemas de estrutura aditiva propostos apresentou-se de forma completa e coerente, tanto em relao aos clculos como em suas respostas. Isso permitiu inferir que um melhor desempenho, para esses alunos, acarretou um nvel mais evoludo na construo dialtica da adio e da subtrao, possibilitando a escolha de estratgias mais elaboradas, compostas por um programa de conjunto, que tenha por objetivo resolver as situaes-problema propostas durante as partidas do jogo Gamo. Destaca-se ainda que, na movimentao das peas em jogo, os alunos que apresentaram condutas do tipo III efetuavam suas jogadas, utilizando-se da adio e da subtrao como operaes coordenadas e interiorizadas, fazendo supor a presena da abstrao refletida, ou seja, a capacidade de executar a mesma ao nos dois sentidos, mas com a conscincia de que se tratava da mesma ao, como descrito com Condutas observadas nas situaesParticipantes no protocolo partidas de problema e a seguir: Gamo bom desempenho naTipo IB Caractersticas das condutas

Prev o uso de estratgia, mas com JES mento do dado, para movimentar uma pea que se ausncia da coordenao de ataque e encontrava na casa 8, procedia somando 8 + 3 = 11, defesa

CLE (11;6), utilizando o valor 3 retirado no lana-

prova de problemas aditivos

Par mau prov

LAR

IIA IIB

Coordenao das aes em projeto, FER Tambm para uma pea localizada na casa 12, de seu sem antecipao de ataque e defesa NAI; JOY; Aes coordenadas num programa, = 8, levando a pea cedia fazendo a diferena 12 4 com antecipao de ataque e defesa THS

transportando diretamente a pea para a casa 11. lado do tabuleiro, para movimentar 4 casas, ele prodiretamente para a casa 8.

Programa coordenado com a LUC; CLE; CES III utilizao de operaes efetuadas mentalmente Quadro I Condutas encontradas no Jogo Gamo X Desempenho nos Problemas de Estrutura Aditiva.

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Apenas JES (11;9) e FER (11;0), classificados pelo bom desempenho na Prova de Resoluo de Problemas de Estrutura Aditiva, apresentaram condutas do tipo IIA e IB, respectivamente, quanto s estratgias utilizadas durante as partidas de Gamo. Com relao aos oito participantes de mau desempenho na Prova de Problemas Aditivos, observa-se que cinco deles desenvolveram condutas do tipo IB durante as partidas de Gamo. Eles consideravam a necessidade de estabelecer uma estratgia, sem que esta levasse em considerao a coordenao do ataque com a defesa. Os dois que apresentaram condutas do tipo IIA foram aqueles que acertaram a metade dos problemas aditivos propostos, situando-se numa faixa intermediria, na qual as estratgias utilizadas levavam em considerao a coordenao dos movimentos estabelecidos num projeto de aes, mas que desconsideravam situaes imprevistas no jogo. Finalmente, apenas um sujeito posicionou-se em uma conduta do tipo IIB que previa o estabelecimento de aes num programa coordenado de ataque e defesa, antecipando continuamente as aes do adversrio. Assim, os cinco participantes LAR (11;2), MAR(11;3), ALE (11;6), LUA (12;3) e THC(12;4), que no conseguiram desenvolver boas estratgias nas situaes-problema que se apresentaram durante as partidas de Gamo, foram aqueles que no obtiveram xito ao resolver a maioria dos problemas de estrutura aditiva. Por no compreenderem, ainda, as implicaes existentes entre as aes de adicionar e subtrair, apresentaram, nas situaes-problema do Gamo, notvel limitao quanto s relaes de vizinhana. Isso porque os deslocamentos das peas do jogo priorizavam o aspecto espacial sobre o temporal, por falta de um programa de conjunto que lhes permitisse a coordenao das aes. Por exemplo, se nos dados sassem os valores 4 e 5, quando todas as peas j estivessem na casa 3, 2 e 1 para serem retiradas, assim mesmo, contavam casa por casa para se certificar do movimento a ser feito. Com relao ao nvel IIA, quanto s condutas apresentadas nas situaes-problema do jogo Gamo, REN (11;2) e JUC (12;0), selecionados pelo mau desempenho na Prova de Problemas de Estrutura Aditiva, apresentaram condutas que, de acordo com Piaget, Zubel e Cher (1980/ 1996), caracterizam-se pelos casos intermedirios, nos quais aparecem as implicaes que se pode chamar de compostas, uma vez que podem coordenar-se entre si, segundo conexes espao-temporais, mas que, modificando apenas localmente o estado do jogo, torna possvel unicamente um comeo de dialtica. WEL (11;1), apesar do mau desempenho na Prova de Problemas de Estrutura Aditiva, alcanou o nvel IIB nas situaes-problema apresentadas no jogo Gamo, merecendo destaque pelo interesse, perspiccia e ateno nas partidas

disputadas.Este fato nos leva a crer que a escola nem sempre oferece meios eficientes para a promoo da aprendizagem, uma vez que esse aluno que atuou de forma to significativa no jogo no conseguiu demonstrar os conhecimentos formais necessrios realizao dos problemas propostos. Dessa maneira, pelos resultados obtidos com a maioria dos participantes estudados, confirma-se a existncia de relaes entre o desempenho na Prova de Problemas de Estrutura Aditiva e o tipo de conduta observado nas partidas e situaes-problema do jogo Gamo. CONSIDERAES FINAIS Acreditamos que o ensino da Matemtica baseado na experincia, na pesquisa e na observao, encontra no jogo de regras um dos meios eficazes para a criana constatar seus erros ou lacunas, como forma de favorecer a tomada de conscincia que necessria construo de novos conceitos. Portanto, o recurso do jogo de regras utilizado em uma perspectiva construtivista representa um poderoso instrumento que, por possibilitar a anlise e a reflexo, favorece o estabelecimento de relaes, como um ponto de partida para desencadear processos de abstrao reflexiva e generalizaes completivas, com as quais se torna possvel a construo de noes lgico-matemticas. Por tudo isso, as atividades desencadeadas pelo Gamo, que um jogo de regras, alm de permitir que o aluno reflita sobre suas aes, ainda pode facilitar a construo das inter-relaes entre a adio e a subtrao. As situaes-problema decorrentes da prtica do Gamo podero mobilizar as estruturas do aluno, uma vez que se caracterizam como perturbaes impostas pelo meio, as quais podero ser ou no compensadas. Em caso positivo, ele, compensando essas perturbaes, poder melhorar o seu modo de estruturar a realidade, e assim contribuir para a construo da reversibilidade das operaes de adio e subtrao. De fato, nos muitos anos de experincia na docncia de Matemtica para o Ensino Fundamental, pudemos observar o quanto um ensino que se distancia da realidade do aluno faz com que ele apenas adquira tcnicas de resoluo, sem reconhecer criticamente as situaes em que possam ser utilizados. O educador deve, ento, ter o compromisso de contribuir para o desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender, que to bem ressalta Piaget, ao dizer:

O ideal da educao no aprender ao mximo, maximizar os resultados, mas antes de tudo aprender a aprender; aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola. (PIAGET,1972/1978, p. 225)

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Para isso, torna-se necessrio que haja sensibilidade na oferta de propostas que levem em conta estratgias diferenciadas que permitam a interao do sujeito com o objeto do conhecimento. O recurso dos jogos de regra , seguramente, um dos meios de promover essa construo significativa, contando com a colaborao do aluno que se sente estimulado e ativo. Naturalmente, preciso reconhecer, conforme adverte Chateau (1954/1987), que uma educao baseada unicamente no jogo seria insuficiente e, portanto, a utilizao desse recurso de forma adequada estaria vinculada, segundo Macedo, Petty e Passos (2000), elaborao de um projeto que se caracteriza, dentre outros aspectos a serem considerados, pelo dimensionamento dos objetivos a que se prope e ao pblico a que se destina. Esse trabalho desenvolvido com o jogo Gamo, ofereceu valiosas informaes sobre as dificuldades que alguns dos alunos estudados apresentavam, como, por exemplo, o caso de MAR (11;3), que no acertou nenhum dos problemas propostos, que num julgamento superficial, poderiam estar relacionadas falta de esforo e falta de estudo, mas que, no decorrer das sesses realizadas, configurou-se, muito mais, como processos lacunares na construo do conhecimento. A realizao de uma interveno, com a inteno de favorecer o desenvolvimento dos processos construtivos do conhecimento, pode ir muito alm da atividade convencional de simples exerccios mecnicos que visam, apenas, o estabelecimento de procedimentos desvinculados de sentido para o aluno. As situaes-problema apresentadas durante as partidas de Gamo deram ensejo observao de como o aluno jogava, tanto pelas relaes que fazia ao utilizar as regras do jogo como pelo estabelecimento de estratgias e procedimentos empregados com o intuito de atingir o objetivo proposto pelo jogo, coordenando os aspectos discursivos e dialticos do desenvolvimento cognitivo. Alm disso, as atividades decorrentes do trabalho com o Gamo foram instigantes e laboriosas, o que fez com que os participantes se manifestassem positivamente em todas as etapas, ressaltando-se o envolvimento de JUC(12;0), que, ao final das atividades, declarou:

Esse jogo me deixou mais atenta no que eu fao. Concluindo, consideramos que a realizao da pesquisa, que utiliza o milenar jogo Gamo, foi gratificante na medida em que nos permitiu realizar uma anlise desse jogo sob a perspectiva construtivista e, ainda, pela possibilidade de que novos trabalhos com esse jogo possam vir a acrescentar uma contribuio para o desenvolvimento da construo de interdependncias entre a adio e a subtrao, assim como de outros conceitos lgico-matemticos. Quanto aos participantes da pesquisa, a impresso deixada por eles na realizao das sesses do jogo, pode ser sintetizada pelas palavras de WEL (11;1): - Desse jogo eu no me esqueo mais. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASBRENELLI, R. P. Dificuldades de Aprendizagem no Contexto Psicopedaggico. O Espao ldico e diagnstico em dificuldades de aprendizagem: Contribuio do jogo de Regras. . In: Sisto F. F. et al,. Petrpolis, RJ: 2001. CHATEAU, J. (1954) O Jogo e a Criana Summus Editorial, Criana. So Paulo, SP. 1987, 2 edio. GOI, A.M.R., GONZLEZ, A. El nio y el juego II Las operaciones lgico-matemticas y el juego reglado. Editorial Catari, Buenos Aires Argentina: 1987. MACEDO, L.; PETTY, A.L.S.; PASSOS, N. C. - Aprender com jogos e situaes-problema. Artmed Porto Alegre, RS.: 2000 MACEDO, L. (1994) Construtivistas. Ensaios Construtivistas Casa do Psiclogo Livraria e Editora Ltda. So Paulo, SP.: 2002. PIAGET, J. (1980) As formas elementares da dialtica. Casa do Psiclogo, So Paulo. SP. 1996. PIAGET, J. (1972) Problemas de Psicologia Gentica In: Os Gentica. Pensadores, Abril Cultural, So Paulo, SP. 1978 PIAGET, J. (1970 Epistemologia Gentica Livraria Martins Gentica. Fontes Editora Ltda. So Paulo, SP. 1990 VERGNAUD, G. (1985) El nio, las matemticas u la realidad: problemas de la enseanza de ls matemticas em la escuela primria. Mxico. Trillas, 1991.

1. Este trabalho um recorte da pesquisa realizada na dissertao de Mestrado em Educao, na Faculdade de Educao da UNICAMP, defendida em 2003, pela autora, sob a orientao da Prof Dr Rosely Palermo Brenelli. 2. Doutoranda em Educao, pelo programa de ps-graduao da Faculdade de Educao da UNICAMP; Professora Assistente das disciplinas: Metodologia do Ensino de Matemtica e Matemtica I, na Faculdade de Valinhos (FAV) e Professora de Matemtica do Ensino Mdio, na Escola Comunitria de Campinas (ECC). E-mail:[email protected] 3. Professora do Programa de Ps-graduao da Faculdade de Educao da UNICAMP.

Vol. 9 Nos. 9-10 (2004-2005) ISSN 1676-8868

Problematizando e Investigando Assuntos Dominados Revista de Educao Matemtica Ano 9, Nos. 9-10 (2004-2005), 15-21 Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

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PROBLEMATIZANDO ASSUNTOS PROBLEMATIZANDO E INVESTIGANDO ASSUNTOS DOMINADOSRodrigo Lopes de Oliveira1Resumo: Fao um relato de experincia... Inicio descrevendo as caractersticas de uma turma de primeiro ano do Ensino Mdio em uma escola particular. Esta escola utiliza um material apostilado e tem uma forte caracterstica de priorizar a preparao dos alunos para o vestibular. Enquanto eu iniciava meu trabalho nesta turma, estava lendo um livro que defendia a necessidade de reflexo dentro das aulas de matemtica. Decidi, ento, propor uma tarefa buscando refletir sobre vrios assuntos que os alunos j diziam estar dominados por eles. Buscava, assim, estender meu trabalho para alm do vestibular. Fao, ento, a descrio do plano de aula e dos objetivos que pretendia alcanar ao aplic-lo, a descrio da dinmica e das concluses estabelecidas pelos alunos durante a aula e uma anlise matemtica sobre as conjecturas elaboradas pelos alunos. Finalizo descrevendo a importncia das discusses e reflexes ocorridas no Grupo de Sbado grupo de professores de matemtica que se renem na UNICAMP sobre esta experincia. No Grupo de Sbado, fiquei na responsabilidade de pesquisar, devido a experincia aqui descrita, sobre Resoluo de Problemas e fao, enfim, um breve comentrio sobre os textos lidos pelo grupo sobre este assunto, evidenciando que devido s caractersticas da aula, a tarefa proposta pode ser vista como uma tarefa investigativa.

SOMOS SERES INACABADOS E NOSSOS TRABALHOS TAMBM... Comeo este texto pelo ltimo pensamento que tive durante todo o trabalho aqui descrito. Desde o plano de aula inicial, passando por todas as idas e vindas que permearam as reflexes durante e aps a experincia na sala de aula, at a escrita final desta narrativa, uma sensao foi se tornando cada vez mais forte: a de que o trabalho do professor sempre ser uma obra inacabada. Por mais que tentemos pensar em todos os detalhes, que tentemos abranger toda a pluralidade de idias e contextualizaes possveis, sempre ficar algo por fazer. E neste momento, em que estou fotografando, atravs deste texto, todo o caminho reflexivo percorrido durante a produo e execuo deste trabalho, elejo este ltimo pensamento como o que deve iniciar esta narrativa: somos seres inacabados e nossos trabalhos tambm... Junto a este pensamento vem a imagem de Paulo Freire e sua reflexo sobre o inacabamento do ser humano:

Atrevo-me a incluir nesta reflexo, o inacabamento do trab