12
Reprodução

Revelação 234

Embed Size (px)

DESCRIPTION

õ Jornal laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba. 10 a 16 de fevereiro de 2003

Citation preview

Page 1: Revelação 234

Repr

oduç

ão

Page 2: Revelação 234

2 10 a 16 de fevereiro de 2003

Newton Luís Mamede

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba

Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva ([email protected]) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Secretário de Redação: André Azevedo ([email protected])Diretor do Curso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima ([email protected]) • • • Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas ([email protected]) • • •Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Érika Galvão Hinkle ([email protected]) • • • Professoras Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela ([email protected]), Neirimar deCastilho Ferreira ([email protected]) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Suporte de Informática: Cláudio Maia Leopoldo ([email protected]) • • •Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • • Impressão: Gráfica ImprimaFale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Jornal Revelação - Sala L 18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • • • Tel: (34)3319-8953http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: [email protected] - As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

O presente artigo tem por fim atender a críticase sugestões enviadas ao Ombudsman, por um leitordo jornal Revelação e aluno da UNIUBE.

Na Universidade de Uberaba, o Ombudsmanexerce sua função em duas linhas, em duasdireções, em dois sentidos, sob dois aspectos. Eexatamente por isso, esse exercício já se distinguedos demais detentores da mesma função em outrasempresas ou entidades.

A primeira dessas linhas é a Universidade deUberaba propriamente dita, em que as críticas,reclamações, queixas e denúncias são ouvidas eencaminhadas aos devidos setores, e, em algunscasos, comentadas publicamente em artigos afixadosnos quadros de alguns prédios do Campus II. Cópiasdesses artigos são encaminhadas, simultaneamente,a todas as autoridades acadêmicas e chefes de setoresda administração da UNIUBE, num total de maisde quarenta cópias. Nesses artigos, sim, a funçãode ombudsman tem seu exercício pleno e específico,como o citado aluno sugere, ou seja, a crítica. E nãogratuita, mas a crítica fundamentada precisamentenos objetos das denúncias e reclamações, trazidaspelos estudantes e demais pessoas que atuam noâmbito da Universidade. Críticas a muitas situaçõesque o aluno cita em suas sugestões: contra máatuação ou incompetência de professores, contradesmandos dos diversos setores da administraçãoacadêmica, contra falta de conforto nas salas deaula, contra mau atendimento de certosfuncionários aos clientes, contra atuação indevidaou suspeita de alguns dirigentes, contrainsuficiência da cantina para atendimento àpopulação da Universidade, contra indiscriminadae imoral reposição de aulas, contra desempenhoinsatisfatório dos alunos no Exame Nacional deCursos, e tantas outras. Tanto o titular do cargoque nos precedeu, como o atual, ambos abordamosesses e outros desvios e os denunciamos em nossosartigos ou em nossos encaminhamentos para adevida solução.

A outra linha é a da publicação de artigos nojornal laboratório Revelação. O aluno tem razãoquando afirma que a tônica desses artigos nãocorresponde à função de ombudsman. Nãocorresponde, mas na plenitude ou especificidade deseu exercício, como ocorre na situação anterior, ado recinto dos campus. E essa linha de artigos éuma extensão da atividade do Ombudsman daUniversidade de Uberaba, é um adicional, umenriquecimento, um importante algo mais que ostitulares do cargo em outras empresas não possuem.Diríamos que é algo que não precisaria existir paraque a função de ombudsman continue existindo emnossa instituição. Essa extensão, esse algo mais temexatamente o objetivo e a intenção de apresentarreflexões críticas (sempre críticas) de ordemintelectual e filosófica sobre os diversos aspectosda educação e do ensino universitários no país, ouem geral, e não apenas na UNIUBE. São artigosque refletem a tendência do pensamento

contemporâneo sobre universidade, ensino, ciência,cultura, ética, capacitação profissional e, sobretudo,EDUCAÇÃO. Educação, que é a essência de uma escola.

Agora, sim, o esclarecimento pleno. AUniversidade de Uberaba não é um jornal, como aFolha de São Paulo, que o aluno menciona; nemum supermercado, como o Pão de Açúcar; nem aCompanhia Energética do Estado de Goiás –CELG; nem a Polícia Militar do Estado de SãoPaulo, para citar apenas essas entidades ouempresas que possuem o instituto Ombudsman ouseu equivalente Ouvidor. Quando o aluno afirmaque o Ombudsman da Folha de São Paulo publica,no jornal, críticas ao próprio jornal, e que esse é oexercício correto da função, ele acertou. O que nãopode é comparar esse exercício num jornal com ode uma universidade. Conforme o afirmei acima,as críticas que fazemos à UNIUBE são publicadastambém, mas no âmbito ou no recinto da própriaUNIUBE. A Universidade de Uberaba é umaempresa de educação, uma ESCOLA, e não umjornal. Por que não se compara, então, oOmbudsman da UNIUBE com o do SupermercadoPão de Açúcar? É claro que é porque as críticasdo Ombudsman do Supermercado não sãopublicadas pela imprensa. Elas circulam e agemno âmbito do próprio Supermercado.

Aqui está a diferença. A função do ombudsmannuma escola, numa instituição de educação, éeminentemente pedagógica. Por isso, as críticasàs situações internas da Universidade de Uberabaexistem, sim, há SEIS anos (e já estamos no sétimoano), mas apenas no recinto da Universidade. Epublicadas. É só ler os cartazes. E ainda: por seruma função de caráter pedagógico, os comentáriosdo Ombudsman não precisam ser só de aspectosnegativos. Podem ser, também, de elogio, deexaltação de um sucesso ou de um evento, semprecom fim pedagógico, de estimular educadores ealunos a buscar sempre o melhor e a seguir osmodelos objeto de sucesso. E o Ombudsman daUNIUBE não é ombudsman do jornal Revelação,mas da Universidade, da instituição toda. E ainstituição UNIUBE é uma escola, e não um jornal.Não são os artigos publicados no jornal quecaracterizam o exercício pleno da função deombudsman na UNIUBE. Conforme o afirmei,nossos artigos publicados no jornal são de outralinha, de outra natureza, um adicional nãonecessário, mas que SÓ a UNIUBE tem. Sãoartigos críticos, sim, mas de natureza reflexiva,intelectual, filosófica. Mas críticos.

Finalmente, é preciso exaltar a disposição doaluno de ter enviado as críticas e sugestões. Isso ésinal de maturidade e de inteligência. É terconsciência crítica, é saber exercer o direito e odever de cidadão e de estudante. É saber participar.É ter dignidade e saber impor respeito. Parabéns.

Newton Luís Mamede é Ombudsman daUniversidade de Uberaba

Esclarecimento sobre o instituto

Ombudsman na UNIUBE

A geração que vivenciou – ou apenaspresenciou – o período de intensasmanifestações estudantis à ditadura militarcostuma acusar os jovens do século XXI dedespolitizados, alienados e consumistas.Dizem, com certo amargor, que os estudantesde hoje não possuem ideais, que só pensamem divertir-se em festas e garantir boa carreirapessoal no futuro. Os mais nostálgicoschegam a superestimar as glórias do passadopara desvalorizar tudo que se refere ao atualmomento histórico.

No entanto, inúmeros fenômenosmundiais nos últimos anos têm mostradoclaramente que a geração do novo século nãoé esse vácuo de inteligência de que é acusada.Jovens de todo o planeta estão protestando,com intensidade e criatividade nunca vistas,sobre os mais diversos problemas quepreocupam a humanidade: guerra, destruiçãodo meio ambiente, xenofobia, globalização,imperialismo cultural, controle dos meios decomunicação por grandes corporações, entremuitos outros assuntos locais. Seja através demanifestações nas ruas,ativismo em ONGs ouciberguerrilhas na Internet,a geração atual tem semostrado profundamentecrítica e consciente.

Em Seattle, nos EUA,milhares de jovens protestam contra ahegemonia do G8 (Grupo dos sete países maisricos do mundo, mais a Rússia), nas reuniõesdos chefes de Estado dessas nações. EmDavos, na Suíça, manifestantes vão às ruas efazem muito barulho para manifestar repúdioao modelo econômico representado peloFórum Econômico Mundial, responsabilizadopor empobrecer ainda mais ainda os paísessubdesenvolvidos.

Ativistas de todo o planeta têm seorganizado através da Internet e realizadomanifestações simultâneas em vários países,para protestar e tentar evitar uma guerra dos

EUA contra o Iraque. E isso é inédito: pelaprimeira vez na história se vê manifestaçõescontra uma guerra que ainda nem começou.Em Porto Alegre, no Brasil, o Fórum SocialMundial reúne milhares de estudantes,ativistas, intelectuais e representantes deONGs de todo o planeta para discutiralternativas para um mundo melhor,incentivando a diversidade, a identidadecultural e a justiça social.

Não se esquecendodas referências locais, noano passado, em Ube-raba, centenas de estu-dantes de diversos colé-gios participaram de umato pela construção da

paz, e universitários de vários cursosprotestaram contra a destruição do patrimôniohistórico da cidade.

Os tempos são outros. Antigos problemasforam superados, novos surgiram, e outrospermanecem. Em um mundo mais complexoe diversificado, a geração do século XXI estáredefinindo as formas de atuação na sociedadepara melhor direcionar os esforços paratransformar a realidade. E se esse fatosignifica alguma coisa, foi nesta geração que,pela primeira vez na história do país, umretirante nordestino, legítimo representantepopular, chegou à presidência do país.

Os novosrebeldes

Jovens de todo o planetaestão protestando comintensidade e criatividadenunca vistos na história

Milhares de jovens participaram da marcha de aberturado 3º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre

“Nossas vidas tomam o rumo de nossas curiosidades”Para refletir

Rosa Alegria

reprodução

Page 3: Revelação 234

3310 a 16 de fevereiro de 2003

Érika Machado5º período de Jornalismo

A visão de quem sobe no topo do maiorprédio do Brasil Central é a da cidade doZebu, do seu Antônio, do cachorro quente doJapão, do Miuchen, da praça das barrigudas,do tradicional mercadão e da eclética praçada Abadia, entre outros points.

Dos milhões que movem os leilõeszebuínos as migalhas distribuídas aos men-digos do calçadão da rua Artur Machado, acidade de Uberaba move sua economia e cul-tura ainda baseada segundo os padrões docampo, mas misturado com a modernidade ejuventude trazida pelos milhares de estudan-tes que freqüentam às faculdades da cidade.

Famosa pela Expozebu, Uberaba guardaoutras preciosidades na sua história e um jei-tinho totalmente uberabense de ser.

“Tá vendo o Manhatan”? Com 98m dealtura, o apart hotel, inaugurado há oito anosvirou referência espacial da cidade. EmUberaba, ou está perto do Manhatan, ou ficadepois ou antes do Manhatan. Com uma vi-são de 360º da cidade, o hotel, e tambémpequeno shopping, é o lugar de trabalho docamareiro José Geraldo Neto. Neto confirmaa fama da exposição. Na época da feira, omovimento é consideravelmente maior, a di-ária normalmente de 95 reais chega a custar250; e as gorjetas, claro, acompanham. “ Naépoca do leilões vem gente de tudo quanto élugar, gente de grana, a gente vê até nota de50 nas gorjetas”, lembra. Além do mês demaio ( período da exposição), a cidade rece-be em outras épocas do ano estudantes de todoo Brasil. Em época de vestibulares o hoteltambém fatura. “O movi-mento do hotel em dias deprova para as faculdadessó perde para a Expô”, ga-rante Neto.

Embalos da noiteE não é só o Manhatan

que agradece. Cidade uni-versitária típica, a noite em Uberaba é emba-lada pelos jovens que freqüentam os bares ebotecos. “O jovem é que faz a festa, o pesso-al mais velho da cidade é muito caseiro.” DizMaurício Ribeiro Assunção dono de um dosbares mais tradicionais de Uberaba. Há 19anos ele enfrenta as fases da noite uberabense.“Teve época que vinha só meninada de cole-

gial. Depois conquistamos os universitários,e aos poucos o pessoal mais velho passou afreqüentar, mas tudo depois das mudanças quefizemos.” O bar começou com um espaço bemmenor do que é hoje, o empresário investiuem música ao vivo ampliou o lugar. Aos do-

mingos, a fila para en-trar na choperia dobra aesquina da avenida San-tos Dumont, onde ficainstalado a choperia.

“Esse é o charme.Brasileiro adora uma fila.Pára no lugar onde temmuita gente e não per-

gunta nem o que está acontecendo”, diz Mau-rício. Apesar de um bar requisitado, Maurí-cio conta que passa dificuldades. Além daconcorrência, que é forte, a moçada vivemudando as preferências. E no final de ano,por exemplo, os universitários estão em exa-mes finais e sem dinheiro, o que faz cair omovimento, só recuperado nas férias.

CalçadãoMas nem só de juventude e badalação vive

Uberaba. Quem passa pelo calçadão, no cen-tro, depara-se com uma turminha de senho-res que todos os dias se encontram ali para ohabitual bate-papo. Em frente a barbeariaContinental, seu Antônio Boaventura de 76anos aproveita o tempo livrepela manhã para conversarcom os companheiros de cal-çadão.

“A gente fica por aqui mes-mo, lê as notícias dos jornais,vê o movimento, fica sentadoaqui nesses bancos e colocando a prosa emdia.” Assim como seu Antônio, outros ficampor ali conversando e observando o movimen-to. Nenhum lance escapa. “ Aqui é esse mo-vimento, tem pessoas que passam todos osdias, na mesma hora, a gente até já sabe. É opessoal que trabalha aqui no comércio, né ?”Seu Antonio aprecia a beleza feminina. Cadamulher bonita que passa seu olhar se desvia.

Mas ele também repara na miséria de algunspedintes. “Graças à Deus a gente tem o quecomer. Me dá muita dó ver essas pessoas.Morei na roça durante quarenta anos, nuncapassei fome. Depois que meus filhos forma-ram e casaram, vim pra cidade com a patroa.Agora, roça só a passeio. Menina, mas tá ca-

lor demais, tá parecendo onorte.” Seu Antônio contaque quando era mais moço,viajou pelo Brasil compran-do e vendendo boi.” Foi as-sim que comecei, como catirae aos poucos fui comprando

minhas terrinhas.” Dos seus quatro filhos,apenas os dois homens assumiram as terrasdo pai. As duas “meninas” como ele diz, ca-saram-se, venderam as terras que herdaram,para os próprios irmãos e compraram umascasas de aluguel aqui em Uberaba. “ Quandonão gosta de roça num dianta”, lamenta.

O que não falta na cidade são vestígios deroça. É o famoso queijo mineiro, o frango e

Uberabices,manias e maneirasSímbolos e costumes fazem a graça de uma típica cidade do interior de Minas Gerais

“ Quando não gostade roça num dianta”,lamenta seu Antônio

Quem passa pelo calçadão,depara-se com uma turmade senhores que todosos dias se encontrampara um bate-papo

A folclórica feira da Abadia é uma das mais populares atrações da cidade nas manhãs de domingo

André Azevedo

Page 4: Revelação 234

4 10 a 16 de fevereiro de 2003

os ovos caipiras, o doce de leite feito no ta-cho. Para quem aprecia essas delícias da ter-ra, o mercadão é o lugar ideal para realizar osdesejos. Com várias barracas de carnes, fru-tas, verduras e, claro, comida típica, omercadão ainda exibe, artesanatos elembrancinhas da cidade.

Feira da Abadia E por falar em lembranças da cidade, você

que está recém chegado não pode deixar deconhecer a eclética Fei-ra da Abadia. O bairroque recebeu o nome dapadroeira, realiza a mai-or feira da cidade, tododomingo. Lá, sim, a po-pulação se mistura, ven-dem-se além das frutase verduras, frango amarrado pelo pé no caboda vassoura, roupas usadas esticadas nos ca-bides, pão de queijo congelado ou assado nahora. Logo no comecinho da feira já é possí-vel ouvir o carro de som parado no final daavenida: “ Pamonha quentinha é só um real,tem de doce e tem de sal”.

Dona Maria das Graças Vilela mora noGrande Abadia. Todos os domingos ela e omarido levantam cedinho para garantir o lu-gar já de costume para vender pamonhas: “Opessoal já acostumou coma gente aqui, já sabe queno finalzinho da feira tempamomha feita no capri-cho”.

Dona Maria fazpamonhas dessas de roçamesmo com pedaço de queijo bem grande nomeio e aquela massa de milho que derrete naboca.

Cachorro quente do JapãoMas nem só de comida mineira alimen-

tam-se os uberabenses, também apreciadoresdo americano hot dog, o mais conhecido é ocachorro quente do Japão. Mitsuo Hassumi,paranaense de Apucarana veio para Uberabahá 25 anos estudar. O irmão dele era dono docarrinho de cachorro quente e japão come-çou a ajudá-lo. Formado em Odontologia, oirmão foi seguir carreira e Japão assumiu asvendas. Nunca mais parou, sequer estudou.Mas formou os dois filhos, tem uma boa casa,um carrinho de lanche “estruturado” e ficou

famoso pelo cachorroquente mais gostoso dacidade.

“Persistência e muitotrabalho” Este é o segre-do para dar certo, segun-do Japão. E olha que seucarrinho não fica em lu-

gar central. “É um ponto fora de mão”, admi-te ele mas o que não falta é gente que sai dooutro lado da cidade só para comer no carri-nho do Japão. Nas madrugadas, então, o car-rinho fica cheio de jovens que saem das bala-das e passam lá para acabar a farra de barrigacheia. Aliás essa é mais uma das manias dosuberabenses: lanches. A cada esquina encon-tra-se um carrinho e todos estão sempre chei-os, além do de Japão, tem o do Claudinho, eda Maria, o dp Soneca e o Cinqüenta Centa-

vos, aquele em frente aobanco , aquele outro emfrente a praça dos correios...

Símbolos da cidadeAh, a Praça dos Correi-

os! Outro símbolo da cida-de. Famosa pelos pombos, durante o dia, emhorário comercial, se vê muita gente fazendoo descanso do almoço por ali. Mas quando sequer mesmo descansar, o pessoal corre paraa “ praça da barrigudas”, para os lados dauniverdicidade. Na saída para Uberlândia, há

De cavalinhos de pau àstriptease “o trem lá é feio”,como dizem os moradoresdas redondezas da Mogiana

A fama de comer quietodos mineiros também serevela nos uberabenses

uma série de lotes, onde foram construídosáreas de lazer e esporte. Ao longo da estradahá ciclovias, pistas para caminhadas, quios-ques, o mirante de onde se avista a cidade e atal praça das Barrigudas, onde o pessoal cos-tuma freqüentar sempre bem acompanhados.Aos domingos à tarde, a moçada que gostade pedalar aproveita a sombra para refrescare tomar alguma coisa. Mas, à noite, oescurinho é usado para outros fins, daí o nomeum tanto sugestivo da praça.

Ela só perde para a Mogiana, a velha es-tação de trem hoje rodeada de barzinhos. Umambiente com fama de “picante”. De cavali-nhos de pau à striptease “o trem lá é feio”,como dizem os moradores das redondezas. Amanicure Dulce Helena conta que nos fins desemana acorda com os barulhos de carro ecom a gritaria. Ela mora a uma quadra da pra-ça. “De dia não, por aqui é uma delícia, ascrianças podem brincar e andar de bicicleta,

já que a avenida em volta da praça é bem lar-ga, mas de noite a gente custa a vir comer umlanche. Direto se vê os namorados dentro doscarros ou de fora mesmo. Não estão nem aí. “

Essa não é uma cena típica só de Uberaba.Em qualquer outro lugar os jovens tendem adesafiar os bons costumes ditados na socieda-de e apesar de abrigar estudantes de todo ocanto, ainda se pode sair e encontrar bons am-bientes. De uma maneira em geral Uberaba éuma cidade tranqüila, estamos longe da vio-lência dos grandes centros brasileiros. Nossasraízes, bastante vinculadas à zona rural, nosdá um aspecto ainda meio caipira de ser. Poraqui ainda se vê gente andando de chapéu, fes-tas de rodeios e muita moda de viola. O povo,segundo o próprio, é um pessoal humilde aacolhedor. A fama de comer quieto dos minei-ros também se revela nos uberabenses, mastemos manias e maneiras, como qualquer ci-dade. Uberaba e suas uberabices.

Praça Rui Barbosa é o ponto central da cidade

arquivo Revelação

Page 5: Revelação 234

3510 a 16 de fevereiro de 2003

no começo, a bobina de cima esta cheia, e nofinal, a de baixo e que fica cheia. No CineSão Luiz estas bobinas vem separadas em doisaparelhos. Quando acaba a transmissão doprimeiro rolo de filme de um aparelho, ooperador precisa interferir e ligar o outroaparelho para que o filme continue seminterrupções.

Cinema à carvãoMas antigamente as coisas não eram “mil

maravilhas” como hoje. Antes de 1914, omecanismo de transmissão das câmaras eraposto em movimento por uma manivelamanual. Como era necessário, na época,manter uma cadencia de 16 imagens porsegundo, os cinegrafistas trabalhavam aoritmo de musicas que assobiavam, o mesmoocorrendo com os operadores. “O sistemafuncionava através do carvão artificial eexistiam seis rolos de filme que teriamobrigatoriamente que fazer seis passagens,

não como hoje em queexistem dois rolos e so sefazem duas passagens”,diz João Batista. Hoje ascâmaras possuemmotores elétricos oumecanismos similares

aos de um relógio. Câmaras portáteis ousemiportateis valem-se da energia fornecidapor baterias elétricas de pequeno porte.

Os primeiros filmes falados eram aindasonorizados por meio de discos de fonógrafo.A partir de 1928, estabeleceu-se o método degravação óptica, feita diretamente sobre a fitade imagens, numa pista entre as perfuraçõese o fotograma. O som era registrado porprocesso fotográfico sobre uma superfíciesensível; as vibrações sonoras eramtransformadas em imagens fotográficas, queapareciam como borrões ou estriasacinzentadas. “Hoje o som e ativado com oaparelho, que a medida que o filme roda, oaparelho reconhece o mesmo”, diz Cristina.Assim, som e imagem vem juntos na mesmafita do rolo. “A gravação do som vem ao ladodas imagens e a fotocélula vai em cima dagravação para dar o som”, diz Adolfo. ParaGuido Bilharinho, escritor e critico de cinema,o surgimento do cinema com som foi umajogada comercial, para se ter maior lucro. Foidaí que surgiu a idéia de se fazer filmesmusicais, por exemplo.

Os filmes são locados pelos cinemas.

Ficam uma ou duas semanas em media edepois voltam para irem para outros cinemas.“Depois que os filmes saem de cartaz emUberaba eles voltam para Uberlândia, para aprodutora que os aluga para os cinemas”, contaSolange. Mas há algum tempo, os filmesdemoravam a chegar a Uberaba. Iam para ascapitais primeiro. Com isso as fitasarrebentavam de tanto já ter sido usadas, masos operadores faziam as famosas emendas queas vezes obrigava ate cortar parte dos filmes.

Período áureoSegundo Guido Bilharinho, o cinema,

mais ou menos na década de quarenta, eramuito precário. Eram maquinas menores, de16 mm, e as pessoas ate mesmo precisavamlevar cadeiras porque os cinemas não tinhamnem poltronas. Mas aos poucos foi seaprimorando com o surgimento aqui emUberaba do Cine Palace, o primeiro deUberaba.

Já o final da década de 40 ecomeço de 50, foi o períodoáureo do cinema. No Rio deJaneiro existiam muitoscinemas, na chamadaCinelandia. Em Uberaba surgiuo Cine Metrópole, um dosmaiores do pais, na época. A grande diversãonesta época era justamente o cinema. Nãotinha muito lazer na cidade, então as pessoaslotavam os cinemas formando, imensas filas.

Na década de 60, Guido e alguns amigosmontaram o Cine Clube, que funcionava nosalão da Associação Comercial com umamaquina que conseguiram emprestada dosindicato dos bancários. Os organizadores doCine Clube, como já eram conhecidos pelotrabalho, conseguiam os filmes emprestadosna Cinemateca e exibiam para os associados.Alguns filmes que não chegavam aqui, eramexibidos naquelas sessões.

O cinema mudo marca oficialmente oinicio da historia do cinema, em 1895, com aapresentação publica do cinematografo,aparelho de transmissão filmes. As produçõeseram rudimentares, em geral documentárioscurtos sobre a vida cotidiana, dois minutosde projeção, filmados ao ar livre. “O cinemamudo e o clássico do cinema, e mais artístico.A imagem falava tudo. Eu, particularmente,não gosto do estilo, acho muito romântico,ingênuo, com lugares comuns”, diz Guido.

Na década de 20 com o recesso do cinema

As mãos portrás da magiaCinéfilos e operadores de filmes contam suas histórias no escurinho do cinema

Diovana Zaquia Miziara5º periodo de Jornalismo

Pipoca, refrigerante, chicletes, balas. Acaminho do cinema para ver a ultima seção.Ao entrar, tudo pronto; arsenal de guloseimasem mãos e muita atenção na tela que o filmevai começar. Ai começa a grande magia paraquem assiste e um longo e cansativo trabalhopara quem esta atrás das poltronas.

Atrás, em uma salinha onde so vemos umpequeno foco de luz, estão os operadores defilmes, responsáveis pela nossa diversão. NoCine Astor 1 e 2, no Shopping UrbanoSalomão, existem duas operadoras de filmes,uma para cada sala; Cristina Moraes, na sala1, e Solange Oliveira na sala 2. As duastrabalham no cinema há dois anos desde queele foi fundado. Na CompanhiaCinematografica São Luiz, que compreendeos cinemas São Luiz, Metrópole e Vera Cruzos operadores revezam entre os cinemas.

Seu Adolfo LuisSilva trabalha para acompanhia desde 1974.Já se aposentou naprofissão, mas aindacontinua no trabalho. Elee Seu João Batista, quetem nove anos na profissão de operador,revezam no Cine São Luiz, mas também vãopara os outros cinemas. Enganou-se quem,como eu, imaginava que a transmissão erafeita por fitas como as de vídeo cassete. NoAstor e também nos cinemas São Luiz,Metrópole e Vera Cruz, os aparelhos são osmais modernos, mas mesmo assim há todoum processo artesanal envolvido.

Os filmes vem em rolos, assim comofilmes fotográficos. Os operadores tem quemontar a seqüência das cenas para que o filmefique em ordem. Adolfo disse que os filmesvem em três rolos e, quando emendados viramsomente um. Cada filme e formado por doisrolos, no total. “Tem que ter muita atençãopara não colocar a seqüência errada e muitocuidado para não danificar o filme. Depois, eso colocar nas bobinas e rodar. A bobina maiore o filme; a menor, os trailers” , explicaCristina.

As duas bobinas, uma em cima da outra,marcam o inicio e o fim do filme; a medidaque o filme vai sendo rodado as bobinastambém rodam. As cenas passadas saem deuma bobina e vão para a outra; de modo que,

Primeiros filmes faladoseram ainda sonorizados pormeio de discos de fonógrafo

europeu durante a 1ª Guerra Mundial, aprodução de filmes concentrou-se emHollywood, onde a figura de Charles Chaplinse destacou como um grande ator do cinemamudo.

Desde essa época do cinema mudo,Hollywood passou a ser conhecida pela suaestética revolucionaria. Ate hoje tem umagrande ascensão no mercadocinematográfico. “O cinema hollywoodianotem a visão do lucro, do interesse político.Querem mostrar o “american way of life”.Noventa por cento das obras que elesexportam são ideológicas. Não entram nosproblemas do pais. Tem uma norma la quefaz com que os filmes nunca terminem mal”,diz Guido. Na verdade, Hollywood deveracontinuar fazendo sucesso ainda maior noBrasil e em todo o mundo. As distribuidorasde filmes nos Estados Unidos são as mesmasno Brasil por isso elas exportam o que lhesconvem. “Os Estados Unidos tem filmes

independentes otimos mas nãosão veiculados porquemostram problemas dosamericanos. Hollywood tem avisão de que o povo não querver problemas na tela ”, dizGuido.

Mas temos que destacar o Brasil nestemeio cinematográfico. O Brasil começou aproduzir filmes que, em sua maioria, sãobons. O Brasil faz filmes voltados para arealidade do pais. Os problemas são expostose os filmes parecem verídicos. E o caso dofilme “Cidade de Deus”, que mostra arealidade da favela brasileira, do trafego deentorpecentes, da impunidade e também dodomínio dos marginais na sociedade.

Na verdade, o cinema hoje estaaltamente tecnológico. O que segundoLazaro Barbosa, gerente da CompanhiaCinematografica São Luiz, daqui a algunsanos o cinema vai ser digital, mas não sabeisto sera viável aqui. Guido acha que somoscolônia dos Estados Unidos e conti-nuaremos recebendo o que para eles e viávelque nos seja mostrado. Mas a grande magiado cinema não sera perdida. O trabalho dosoperadores vai sempre estar em alta. E otrabalho de Solange, Cristina, Adolfo eJoão, embora desgastante, e compensadorjá que traz para tanta gente o espetáculo quee o cinema, com todas essas grandesproduções que nos enchem os olhos.

Cine Metrópole eraum dos maioresdo pais, na época

reprodução

Page 6: Revelação 234

6 10 a 16 de fevereiro de 2003

Alessandra Mendoça6º período de Jornalismo

“A águia pousou”, avisou Armstrong para oscontroladores da missão em Houston, a mais de380 mil quilômetros de distância. Nem os técni-cos da Agência Nacional de Aeronáutica e Espa-ço (NASA), nem um bilhão de pessoas (quaseum terço da população mundial) que se aperta-ram na frente dos aparelhosde televisão para acompa-nhar a chegada do homem àLua ficaram sabendo de umpequeno incidente que haviaocorrido durante aquelepouso. Uma dificuldade in-significante diante da di-mensão da epopéia que NeilArmstrong, Edwin Aldrin eo colega de missão, o piloto Michael Collins (ostrês com 38 anos), estavam escrevendo naqueledomingo, 20 de julho de 1969.

“Um pequeno passo para o homem, masum grande passo para a humanidade”, disseArmstrong, a voz entrecortada pela estática, aodeixar a marca de seu pé esquerdo no pó lunar,às 23h56, horário de Brasília, na frase quemarcou para sempre o século XX.

Enquanto os astronautas estavam fazendoa história em um ambiente totalmente isentode qualquer barulho, a Terra estava embaladapelo som de Jimi Hendrix e Janes Joplin. Osjovens, que naquele momento pararam para verum dos grandes acontecimentos da história dahumanidade, se levantaram dos sofás e foramdar prosseguimento ao movimento mais conhe-cido, e até hoje lembrado com saudades, dahistória contemporânea: o movimento hippie.

Vestidos com roupas co-loridas, óculos redondos, ca-belos compridos e sempreacompanhados por instru-mentos musicais, os hippiescaminhavam pelas ruas pre-gando a paz e o amor. Eramjovens rebeldes dos anos 60 que aceitavam aliberdade sexual e o uso de drogas. Fatos, comoa chegada do homem à Lua, eram comemora-dos com muita música, sexo e LSD, substân-cia sintética que produz efeitos semelhantes aosdas plantas alucinógenas.

Paz e amorPara ser um hippie, a pessoa deveria acre-

A geração quemudou o mundo

ditar na paz como a maneira de resolver dife-renças entre povos, ideologias e religiões. Aforma de levar a paz era o amor e a tolerância.Amar, para eles, significava a aceitação deoutra pessoa da maneira como ela é, dar-lhe aliberdade para expressar-se e não a julgar ba-seados apenas em aparências. Este é o núcleoda filosofia hippie. Assim, ser um deles nãosignificava apenas ter uma maneira diferente

de vestir, de seu compor-tamento liberal ou um cer-to status econômico. Erauma aproximação filosó-fica à vida que enfatizavaa liberdade, a paz, o amore um respeito para com ooutro e à Terra. O idealhippie morreu?

Isto é comprovadoquando, em pleno século XXI, ainda se encon-tram pessoas que viajam de um ponto ao outrodo Brasil, seja em praias ou em cidades quenão são litorâneas, vendendo artesanatos efazendo tatuagens fixas ou de henna. Sentadona porta da Universidade de Uberaba está JoãoEurípedes, 44, Carvalho, mais conhecido comoPipa. De camisa colorida, calça jeans e botina,Pipa monta a sua banca, que se resume a umbanco forrado com um pano verde. Sobre o for-ro estão os seus artesanatos: brincos, anéis, pul-seiras, colarzinhos. Alguns são feitos por ele,outros são comprados para serem revendidos.

Os alunos que vão passando para assisti-rem às aulas, param e ficam a olhar asbijouterias. Alguns compram, outros apenasolham e vão embora. Há os que já o conhecemhá muito tempo; outros passam como se na-quele local não estivesse ninguém.

Assim Pipa vai levandoa vida, de viagem em via-gem, de porta em porta deuniversidade. Quem olhapara aquele homem ali, sen-tado, acredita que ele já par-ticipou do movimento

hippie. A esta pergunta, ele responde envergo-nhado por causa do gravador: “Eu trabalhavaantes para o sistema, na década de setenta. Tra-balhei em fábricas e em vários outros servi-ços. Naquela época, o movimento hippie pas-sou por Uberaba, gostei do movimento e fuiconvidado para entrar. Aí eu topei e comecei afazer artesanato. Fui desenvolvendo ele noBrasil e no mundo”.

Pipa chama uma mulher que estava passan-do e diz:

- Cláudia, vem cáDepois se dirigindo a mim:- A Cláudia pode res-

ponder às suas perguntastambém. Ela morou noArraial d’Ajuda.

- Sobre o quê? – Cláu-dia me pergunta.

- Movimento hippie –Respondo.

Cláudia depois de pen-sar no que responder, diz:

- Hoje já não existe mais hippies como os deantigamente. Hoje os jovens são mais desinteres-sados e muito materialistas. Mas você pode falarcomigo na hora que você quiser. Vou para aula, aprofessora é muito exigente com horários.

Ex-hippieAntes, Cláudia deixou comigo seu telefo-

ne, para marcarmos uma entrevista para o diaseguinte. Ela é casada e faz o curso de Turis-mo na Universidade de Uberaba. Antes de suaaula iniciar, ela senta-se na carteira e diz: “Va-

mos começar?”. É umapessoa despachada e mui-to vivida, tem uma manei-ra própria de vestir. Calçajeans e camisa larga pare-ce que são as suas peçaspreferidas. Para completaro visual, um colarzinho depedras azuis. Ela se con-sidera uma pessoa viajada

e fala que suas idas à Europa e à Ásia foramgraças ao estilo de vida que ela escolheu, des-de que se mudou para Arraial d’Ajuda, um dossantuários do movimento hippie no Brasil nadécada de setenta. “Bastante hippies moravamlá, aí eu comecei a sair com eles”, diz.

Batizada na Igreja Católica, a ex-hippie seconsidera, hoje, budista. Em suas viagens,

Hippies foram personagens importantes nastransformações sociais ocorridas nos anos 60

Caetano, Gil, os Mutantes, Rogério Duprat, Tom Zé, Gal Costa, Torquato Neto, Capinam e Nara Leão na clás-sica foto do disco Panet et Circences, a estréia do Tropicalismo

Batizada na IgrejaCatólica, a ex-hippie seconsidera, hoje, budista

Ainda se encontrampessoas que viajam deum ponto ao outro do Brasil,vendendo artesanatose fazendo tatuagens

“Já não existe mais hippiescomo os de antigamente.Hoje os jovens são maisdesinteressados emuito materialistas”

repr

oduç

ão

Page 7: Revelação 234

710 a 16 de fevereiro de 2003

Cláudia foi para o Tibet e o Nepal e lá estevetotalmente em contato com a cultura do lugar,com o povo de lá e, principalmente, com a re-ligião que Buda criou. “Leio livros do DalaiLama e tudo o que ele fala a respeito da sabe-doria budista é muito inteligente, muito sábio.Todo mundo deveria ler um pouquinho e apren-der como a vida é simples e ser feliz de verda-de. Isto é o Nirvana, você pode viver a felici-dade, viver várias vidas.”

Tanto Cláudia quanto Pipa vêem o mundode uma forma especial. Eles acreditam quenasceram para ser (e fazer as pessoas) felizes.Desapegados da matéria, como dizem, abomi-nam as armas, as guerras e tudo que possa des-truir a natureza. “Já pensou se todos nós pen-sássemos só em energia boa? Vamos destruiras armas, gente! Vamos destruir as bombasnucleares!”, diz Pipa como se estivesse convi-dando os estudantes, que estavam passando, ase organizarem para uma passeata.

ArtesanatoAs pessoas que, como Pipa, continuam a

viver do artesanato e viajando não se impor-tam com a opinião alheia. O que eles querem éviver, conhecer lugares, pessoas, e ter experi-ências novas a cada dia que amanhece. Segun-do Cláudia, foi exatamente este espírito de li-berdade que a fascinou: “Eu fui para o Arraiald’Ajuda passar férias e nunca mais voltei amesma de lá, porque eu conheci pessoas dife-rentes e o mundo era diferente. Não tinha se-gunda-feira, não tinha terça-feira. Todos os diaseram sábado ou domingo, tudo era festa”.

Aliás, esse estilo de viver é exatamente oque caracterizava os hippies: fazer do trabalhoum hobbie, em vez de uma obrigação, e viverum dia após o outro sem se preocupar com ofuturo.

E assim, seguindo os seus próprios passos,essa geração de jovens que acreditou ser capazde parar uma guerra e mudar o mundo deixouuma semente que acabaria sendo lançada aosquatro ventos, indo refletir nos lugares maislongínquos do globo. Uma nova moral, umanova ética, novos valores haviam sido cultiva-dos na cabeça das pessoas graças aqueles jo-vens dos anos sessenta. A semente do movi-mento hippie germinou?

Alguns personagens de gerações posterio-res comprovam que sim. Quando SérgioHenrique nasceu, na década de 80, o auge domovimento já havia acabado, mas, hoje, com22 anos, ele vive aquilo que escolheu. Com amochila nas costas, saiu de Araxá para ganharo mundo.

Como meio de sobrevivência, e paranão fugir à regra, também confecciona evende artesanatos, uma arte que aprendeuhá quatro anos. Vive de cidade em cidade,vendendo o seu trabalho artesanal sem seimportar com luxo e dinheiro em excesso.“Eu sempre gostei de artesanato. É umavida diferente, porque artesanato não é pro-fissão, é vida”, diz o jovem com um peda-ço de arame de cobre na mão pronto parafazer outra peça.

Eduardo Dantas - Imagens da Paz - www.ImagensdaPaz.org

Ato público realizado no lançamento do projeto Imagens da Paz, em São Paulo

Os jovens brasileiros tiveram uma influên-cia muito grande dos hippies americanos. Vivi-am das mesmas formas, lutavam pelos mesmosideais, mas enquanto os jovens relaxados luta-vam contra uma guerra que esta estava aconte-cendo no Vietnã, os brasileiros estavam pegan-do em armas para combater a ditadura militar.

Passeatas, reuniões secretas, brigas entre fa-culdades, gás lacrimogêneo, este era o dia-a-diade uma geração de jovens que não poupavamesforços para correr em busca de seus sonhos.Eis alguns motivos que os faziam arriscar suasvida: igualdade social, fim das guerras dentro efora das cidades, ter a liberdade de ir e vir sem omedo de estar sendo vigiado por policiais neuró-ticos, que acreditavam que tudo e todos estavamconspirando contra o governo militar.

Entre os jovens politizados estavam os ar-tistas. Eles iam à luta para conseguir a liberda-de de expressão e o fim da censura. Usavam acanção popular de massa como arma para tra-duzir o contexto histórico. No Brasil, Caetanoe Gil são um dos principais porta-vozes daquelaépoca. Eles foram formadores de opinião deenormes multidões. Sempre afinados com osprincípios de liberdade que tomaram corpo apartir da contracultura.

Quando Geraldo Vandré fez Para não di-zer que não falei das flores, não sabia que amúsica se tornaria um hino pela igualdade econtra a injustiça social. Embalados por estehino, os jovens faziam passeatas e guerreavamcontra policiais. Qualquer motivo era sinôni-mo de ir às ruas e reivindicar, o que acabavasempre com muita gente ferida nos hospitais,presas e sendo torturadas com os métodos ame-ricanos para não deixar marcas ou escondidasem quaisquer becos da cidade.

Nas reuniões feitasna calada da noite, oslíderes e os seguidoresdiscutiam formas deestratégias adequadaspara terminar com ocapitalismo e dar iní-cio à realização deseus ideais. “O quepercebe-se naquelaépoca é que havia um sonho do modelo socia-lista. A intenção era substituir o modo de pro-dução capitalista por uma proposta socialistaou então uma proposta libertária de um modogeral. O movimento hippie, por sua vez, pro-punha outra forma de liberdade que era muitopróximo ao Anarquismo”, explica a professo-ra de Antropologia e Sociologia da Universi-dade de Uberaba Fernanda Telles Marques.

Fernanda lembra que naquele momentohistórico era preciso tomar cuidado para nãoconfundir os jovens engajados politicamente,que tinham base teórica a respeito do capita-lismo, com os jovens que estavam envolvidoscom as bandeiras do contra. Estes tinham ape-nas vontade de ser contra, mas não tinham ne-

Ativismo e rebeldia no século XXI

nhuma base de discussão ou argumentos paraexplicar o por que lutavam. Mas, pela primei-ra vez na história da humanidade, jovens seorganizaram em todo o mundo ocidental paralutar a favor de seus ideais, seja pela paz e amorou por motivos políticos. Porém não sabiamque indo contra o sistema vigente, eles estari-am escrevendo uma parte do passado que, hoje,é o nosso presente.

Novos temposMas os jovens do momento costumam ser

tachados de alienados, materialistas econsumistas. Porém, ao contrário do que normal-mente se pensa, parte da geração 2000 sabe oque quer e vai às ruas com bandeiras em punho.

Não se consideram apenasum número a mais na pes-quisa do Censo.

Os tempos são ou-tros, claro, e os motivospara ir à “guerra” tam-bém. “Os valores muda-ram muito, o que nãoquer dizer que a juven-tude esteja alienada ou

acomodada. São outros valores, porém, a ban-deira de luta vai ser outra e as motivações dosindivíduos de se unirem vão ser diferentes deacordo com os quadros sociais a que o indiví-duo pertence”, explica Fernanda.

Os movimentos antiglobalização são osmelhores exemplos de que os jovens não estãoindiferentes aos problemas mundiais comopode parecer. Uma das famosas manifestaçõesdesses “rebeldes” aconteceu em Gênova, ci-dade do norte da Itália, em julho de 2001. Láacontecia a reunião do G-8, o Grupo dos Oito,formado pelo países mais industrializados doplaneta (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá,Japão, Alemanha, França, Rússia e Itália).

Mesmo com todo o sistema de repressão

nas fronteiras, mesmo com o bloqueio das es-tradas, mesmo sob a ameaça de encontrar es-tações de trem fechadas, o Povo de Porto Ale-gre, integrantes do grande movimentoantiglobalização e como gostam de ser chama-dos, chegaram a Gênova. Eram mais de 150mil pessoas presentes demonstrando suas in-satisfações quanto à imposição dos países de-senvolvidos sobre os países subdesenvolvidos;contra uma forma de governo em que paísesricos ficariam cada vez mais ricos e os pobrescada vez mais pobres.

As manifestações ocorridas em Gênova po-dem se comparar com as passeatas estudantisno Brasil, durante a ditadura. Os protestosantiglobalização também criaram mártires, porexemplo. Em 1968, morria o estudante ÉdsonLuís Lima Souto, baleado no peito por um sol-dado da PM num choque no Calabouço, res-taurante estudantil onde os estudantes cario-cas faziam refeições baratas e se encontravampara discutir as situações políticas. Em 2001,em Gênova, um dos manifestantes, CarloGiuliani, também foi morto com um tiro, sóque na cabeça, por um policial. E o que maischocou as pessoas foi a crueldade. Além deatirar contra uma pessoa desarmada, os polici-ais, não satisfeitos, passaram com o jipe emcima do corpo. Uma câmara de vídeo regis-trou as cenas e elas ganharam o mundo.

Dois tempos diferentes, dois espisódios se-melhantes. Coincidência? Não. A questão é queo mundo mudou e os valores também mudaram,mas o engajamento político permanece. Na atu-alidade, os problemas que levam as pessoas àsruas são outros, como a manisfestação generica-mente chamada de antiglobalização. Nos últimosquatro anos, o mundo viu e ouviu protestos quetalvez revelem os mesmos sonhos dos “rebeldes”de 35 anos atrás. Afinal, a maioria dos proble-mas daquela época, como violência e desigual-dade, permanece sem solução. (A.M.)

Jovens de hoje também vão às ruas protestar por um mundo melhor

Os movimentos antiglobalizaçãosão os melhores exemplosde que os jovens não estãoindiferentes aos problemasmundiais como pode parecer

Page 8: Revelação 234

8 10 a 16 de fevereiro de 2003

Cícera Gonçalves7° período de Jornalismo

Nesta sala de espera com um sofá e balcão,uma secretaria atende as pessoas que aospoucos vão chegando. Alguns que estão alidesde bem cedo e logo começarão ostratamentos, muitos com a cabeça para baixo,calados e pensativos. Uma fonte em cima deuma mesa pequena, ligada a uma tomada. Aágua cai a toda hora, o barulho traz uma certapaz no ambiente. Tem até um quadro atrás dobalcão, pintura bem feita, o pintor utilizoucores mais quentes. Nele está uma pessoadeitada em uma cama. Outra pessoa, sentadaem uma cadeira ao lado da cama, parece serum médico, cuida do adoentado em umquarto. O quadro lembra uma época antiga,pois o paciente está dentro de um quarto eparece estar sob cuidados dentro de sua casa,com vasos e louças em cima dos móveisantigos. Isto lembra a época em que meusavós contavam histórias de pessoas quemoravam em fazendas e eram atendidas emcasa. Tinha até aquela história antiga daparteira que morava próxima as fazendas ealguém a chamava para fazer o parto. Oquadro me chamou muito a atenção. Fiqueidurante muito tempo a olharpara ele, me fez lembrar ashistórias que ouvia de minhaavó, que ainda forte, as contacomo ninguém. Maisatenção me prendeu o queiria ver seguindo por aquelecorredor, depois de entrar por outra porta. Ocoração bateu mais forte. A vontade carregaconsigo a curiosidade.

Área de convivênciaEsperando pelo doutor Antônio Fernando

no Instituto de Hemodiálise e tentandoanalisar o quadro, várias coisas passaram emminha cabeça. Meu pensamento foi longe atédemais. Depois de algum tempo o médicoaparece e me conduz até a sala onde ospacientes fazem o tratamento de hemodiálise.

Passo por um corredor estreito e vejo dolado direito uma sala imensa com mais oumenos dez pacientes deitados em uma camaestreita e uma máquina ao lado de cada umdeles, que faz a filtragem artificial do sangue.Somam-se 15 máquinas. Tem uma televisãopara passar o tempo. Está passando oprograma da Ana Maria Braga sobre culinária.Deve dar até fome nas pessoas que estão alideitadas. Enganam-se aqueles que pensamque os pacientes não podem comer durante otratamento. Pelo contrário, é servido biscoito

de maizena, e sempre que a fome aperta, aover o programa da artista, eles pedem maisum.

Naquele momento em que entrei na sala,o impacto foi grande, pois nunca tinha vistocoisa assim antes. O cheiro me deixou um

pouco tonta, não sei que tipode cheiro era, mas umamistura de álcool com águaoxigenada algo assim.Portanto, logo foi passandoo cheiro, ou melhor, meacostumei e não pensei nele

mais, caso contrário o Doutor Antônio teriaque me internar? não seria legal. Paro e ficoolhando o rosto de cada um dos pacientes, epara o médico que os tratava com afeição. Erauma convivência diária com todos ospacientes, e uma amizade de longo tempo.Conversava com eles e perguntava se estavatudo bem, se estava sentindo alguma coisa,como febre, entre outros efeitos colaterais quea hemodiálise causa ao paciente. Nestemomento passam várias coisas na minhacabeça. Uma delas é valorizar mais a vida.Saúde é tudo. Uns são mais alegres e sedivertem ao ver o médico entrar. “Como vocêestá, Adilson?” perguntou o médico aopaciente. “Estou bem”, respondeu o pacientebem humorado. O médico fala brincando: “Oapelido dele é xaropinho sabia?” Fiquei rindodo apelido e logo parei para pensar no quantoaquele homem era bem humorado, mesmocom seu problema nos rins. “Quanto tempovocê está aqui?,” Pergunto a Adilson deMorais,38 anos. Já faz seis anos. Eu bebiademais e acho que isso atrapalhou meus rins.

Fiz transplante duas vezes no Hospital Escola,e nenhuma deu certo. Na segunda tentativa,quase morri, menina”. O médico fala queaquele homem é forte demais, pois já passoupor essas duas cirurgias de transplante de rim,feito de um doador morto, e continua fazendoa hemodiálise até hoje. Adilsondiz que ninguém da família sedispôs a doar um rim a ele.

Muitos ficam acordadosenquanto outros estão em sonoprofundo. As auxiliares deenfermagem, com uma cadeiraatrás de uma mesa pequena comrecipientes cheios de algodão e injeções paraem seguida aplicar o medicamento em algumpaciente que sentir dor. Ficam observandoatentas. “Você gosta de trabalhar aqui?”,pergunto a uma delas. “Gosto. No começo ocheiro é ruim, mas depois agente acostuma etambém é uma experiência de vida. É bomter um contato com o pessoal. Aprendemos adar mais valor a vida,”. diz a técnica deenfermagem Lázara Leila, que trabalha ha ummês no Instituto de Hemodiálise. Ela pareciaestar satisfeita por trabalhar no lugar. Outraauxiliar, aparentando cansaço acha que osalário não é muito bom, mas que compensatrabalhar porque emprego está difícil.

Quem doa?O instituto de hemodiálise em Uberaba-

MG já existe há doze anos e os tratamentos ecirurgias são cobertos pelo SUS (SistemaÚnico de Saúde). Só para se ter uma idéia seum individuo fizesse um transplante de rimcom plano de saúde custaria mais ou menos

R$ 20 mil; sem plano seria mais de mais deR$ 50mil.

O responsável pelo Instituto deHemodiálise, o médico Antônio FernandoHueb, conta que são feitas 600 sessões dehemodiálise por mês. Os cadastros dospacientes que fazem o tratamento ficamguardados na ARENC (Associação dosRenais Crônicos de Uberaba e Vale do RioGrande). São mais de 100 cadastrados. EmUberaba, há três hospitais que fazem ahemodiálise: Hospital São José, HospitalEscola e Beneficência Portuguesa-Instituto deHemodiálise.

Quem utilizou pela primeira vez, em 1854,o termo “diálise.” Foi o médico ThomasGraham, para definir a passagem desubstancias de uma solução a outra por meiode uma membrana semipermeável. E em1861, ele utilizou folhas de pergaminho comomembrana. De 1930 a 1940 várias tentativasforam feitas com o intuito de desenvolver econstruir um “rim artificial.” A criação doprimeiro hemodialisador ,por Wilhem Kolff,foi em 1943. Desde então, os pacientes renaissó contam com esta máquina para tentar umasobrevida maior.

Todas as cirurgias de transplante de rimsão feitas somente no HospitalEscola, grande parte delas comrins de doadores que morreram.Para receber um rim de doador,o paciente fica na fila de esperaanos. Muitos não agüentam emorrem fazendo hemodiáliseem cima da cama onde

passaram quase a metade de sua vida. Ficammuitos anos fazendo o tratamento e o que sepercebe é que os familiares em geral lhesdoam rim. Resta para aquelas pessoas apenasa última que morre, a esperança. O tratamentoé feito de duas a três vezes por semana e amaioria sai de suas cidades de madrugada parachegar em Uberaba e fazer hemodiálise.

Antônio Fernando explica que, para doarum rim, o doador precisa ser compatível como receptor. A partir disso são feitos exames emais exames. Os pacientes que fazem otratamento no Instituto de Hemodiálisepossuem insuficiência renal crônica. O rimfica praticamente inativo, sendo precisopassar por um processo de filtragem dosangue, que é feito pela máquina de diálise.A máquina cumpre o papel de rim artificial,purificando o sangue. A hemodiálise usa umdialisador, ou filtro especial, para limpar osangue. O dialisador é conectado a umamáquina. Durante o tratamento, o sangue fluipor tubos para o dialisador. O dialisador filtra

O Drama do sangueConheça as dificuldades que o tratamento de hemodiálise traz aos pacientes

reprodução

O instituto dehemodiálise emUberaba já existehá doze anos

“Eu bebia demaise acho que issoatrapalhou meus rins”

Tratamento normalmente deve ser feito de duas a três vezes por semana

Page 9: Revelação 234

910 a 16 de fevereiro de 2003

os resíduos e o excesso de líquido. O sanguerecentemente limpo flui através de outro tubode volta para o corpo.

Existe a chamada Diálise Peritoneal outrotipo de tratamento que substitui as funçõesdos rins e o objetivo é o mesmo dahemodiálise, tirar o excesso de água e assubstâncias que não são aproveitadas pelocorpo e que deveriam ser eliminadas atravésda urina. Tanto a Diálise Peritoneal como ahemodiálise são tratamentos que substituema função dos rins. Mas, infelizmente, nãocuram. No Brasil, atualmente, existem 35 milpacientes fazendo hemodiálise e somente10% são transplantados anualmente, por issoa lista de espera é grande. Os pacientes quefazem Diálise Peritoneal são de 2 a 5% dosrenais crônicos. A grande maioria fazhemodiálise.

Uma enfermeira entra na sala com quatromulheres, explica para elas, como funciona amáquina de diálise e tira as dúvidas das outrasque parecem em treinamento para trabalharno local. Tento me aproximar para aprenderum pouco. Aquela máquina me parece deoutro mundo. Um toque com o dedo é capazde entrar em outra coisa para saber quase tudodo paciente, e por ai vai. É todacomputadorizada. “ Você vai trabalharaqui?”, pergunto a uma delas. Não. Estoufazendo um curso rápido e aprendendo comofunciona esta máquina”. Todas estavam muitoatentas. Não sobravaespaço para eu aprender umpouquinho. Vou conversarcom os pacientes que estãoolhando aquele tumultodentro da sala e observamatentamente a conversa.Tem o semblante triste,ficam só observando a conversa. Queria poderentrar na cabeça deles e saber o que estãopensando neste momento.

Vivo ou mortoO médico explicaque os pacientes que

começam a fazer a hemodiálise precisampassar por uma cirurgia que dilata todo osistema venoso. Em seguida é enfiada umaagulha grossa no braço, dentro da veia, parao sangue circular e fazer as pulsões, passandopela máquina de diálise e retornando limpoao paciente. A FAV (Fístula Artéria Venosa),é feita por um cirurgião vascular unindo umaveia e uma artéria superficial do braço demodo a permitir um fluxo equivalente a umcopo de sangue por minuto (250 ml/ minuto).

Passo por uma sala menor seguindo ocorredor estreito e vejo mais pessoas e umasenhora com o braço muito inchado e bastantevermelho. Ela está chorando e sentindo muitador. “Como você se chama?”, pergunto.“Rosilda Gorete de Oliveira. Conversandocom ela percebi que suas dores eram tão forteque ela mal conversava direito. Quandocomecei a interrogá-la, as lágrimas desceram.Ela pegou meu braço e perguntou: “ Que tipode sangue é o seu minha filha?”. Meu sangue

é A Positivo senhora. A senhora então meolhou com os olhos inchados de tanto chorar,estava desesperada. Cabelos curtos, lisos,grisalhos, com 46 anos e casada, ela trabalhasó em casa. Com um jeito delicado me disse:“ É você que vai me doar um rim então, meusangue também é A positivo e estou muitomal, cansada de sofrer e passar dor”.

Depois que disse isto, ela começou achorar mais. Fiquei olhando para ela e disseque seria perigoso doar um rim, pois não eraparente dela e poderia haver rejeição. Nãosabia mais o que falar com a senhora, aspalavras sumiram e fiquei emocionada ao veraquele sofrimento todo e não poder fazer nadapor ela. A enfermeira estava colocando um

curativo nela e ligando amáquina de diálise, quandode repente ouço um barulhoestranho. Parecia umestouro. Ela começa achorar novamente.

“Que barulho é esse?perguntei a enfermeira.” É

da máquina mesmo, é porque está puxando osangue. É assim, ela disse . Ela aindacomenta: “ A Rosilda teve que fazer outracirurgia no braço, acho que deu infecçãonela”. As outras duas pacientes que estavamna sala olhavam para a senhora com pena, maspareciam acostumadas a ver essas coisassempre. Rosilda faz o tratamento a dois anose meio e perguntei a ela se alguém da famílase dispôs a doar um rim para ela. “ tenho doisfilhos mas acho eles novos demais para medoar um rim. Vou fazer a hemodiálise atéaparecer um rim para mim. “Tenho esperançade um dia parar de fazer hemodiálise e teruma vida tranqüila”.

O sangue é o principal fator dasobrevivência humana. Ele percorre nossasveias fazendo um trajeto de “fórmula um,”sendo impossível ver a olho nu a rapidez dosglóbulos vermelhos, glóbulos brancos eplaquetas que passam nos vasos irrigando emtodo o organismo.

Alguns nomes da biologia podem sercomplicados para as pessoas que nunca aestudaram, até mesmo para aqueles que nãotrabalham na área, mas nada pode ser de difícilentendimento para os que procuram entendercom algumas pesquisas, entrevistas e claro,

buscando à própria ciência que nos move acada dia.

Às vezes não paramos para pensar qual opapel do sangue que percorre todo o nossocorpo, e a importância do mesmo para a vida.O médico do Insituto de Hemodiálise, AntônioFernando, diz que é muito raro um pacienteprecisar de sangue extra no momento de umtransplante de rim. “Só em casos excepcionaisquando ocorre perda de sangue”, observa.

Antônio Fernando ainda lembra queexistem dois tipos de doadores de rim: o mortoe o vivo. O doador vivo poderá doar o rimpara algum familiar, pois precisa sercompatível com o receptor. Se algum pacientereceber rim não parentes, não se faz a cirurgia,a não ser que o paciente estejaquase morrendo

Cuidados especiaisNa maioria das vezes, os

pacientes não sabem que têmproblemas nos rins e quandorecebem a notícia de que precisarão fazerhemodiálise ficam sem palavras e muitotristes. Uns precisam até de acompanhamentopsicológico para poder superar seusproblemas. Quando os pacientes começam afazer o tratamento de hemodiálise recebemuma cartilha explicando como devemproceder durante as sessões e quais alimentosdevem ser evitados. Existe uma lista deregimes também para as pessoas que sãodiabéticas.

O paciente diabético, que precisa fazerhemodiálise e ainda fazer uma dieta maisrigorosa, é o mais preocupante, na cartilha estáescrita que o paciente com diabete deve teros cuidados especiais na ingestão decarboidratos simples (açúcar e derivados),devendo limita-los ou aboli-los totalmente.

A paciente Ninimeire Lopes, 36, édiabética e faz hemodiálise há 4 anos. Com oolhar triste e parecendo não ter esperanças diz:“ Fiquei 17 dias internada, passei mal e tiveque fazer hemodiálise. Agora estou na filade espera por um rim. Mas pessoas fizeram acirurgia no Hospital Escola e não deu certo.Não quero fazer no Hospital Escola. Tenhomedo de morrer”, diz. Porque? Parece quemuitas cirurgias lá não deram certo. Ninimeiretem esse medo todo, mas não é bem assim.

Maria Gasparina, 64, Uberabense, donade casa, faz hemodiálise há seis anos e seusrins são polisísticos. “ O que você sentia antesde fazer a hemodiálise?”. Perguntei. “ A minhafilha, sentia falta de ar e moleza”, respondeu.Maria Gasparina é a mais velha do Institutode Hemodiálise e tem a esperança de um diaconseguir um rim e voltar a ter sua vida comoantes.

São histórias que os pacientes contam quequalquer pessoa que um dia se interessar emvistar e conhecer a vida deles, irá valorizarmais o que tem. Uns contam como seestivessem bem, outros contam chorando,como se estivessem pedindo socorro.

O Araxaense Milton Bananal, 54,encanador, fez hemodiálise 4 meses em Araxáe depois passou a fazer no Instituto deHemodiálise em Uberaba. Ele sai de Araxáàs 5 da manhã, três vezes por semana. “ Vocêtem alguém da família que pretende doar umrim a você?” ,“ tenho seis irmãos, mas elesnão falaram nada comigo, não parece quenenhum vai querer doar.

Na cidade de Caruaru, entre os dias 13 a17 de fevereiro de 1996, aconteceu umatragédia irreparável. Pacientes do IDR(Instituto de Doenças Renais) foramcontaminados após o tratamento dehemodiálise na clínica. E no dia 20 do mesmomês, o primeiro paciente morreu, sendo queaté outubro daquele ano foram constatadas 72

mortes. Os pacientescontaminados começaram amanifestar um quadro clinicoanormal: distúrbio visual,cefaléia, vômito, hemorragia,e dores generalizadas noabdômen. Segundo a

denúncia, o que causou a morte dessespacientes foi hepatite tóxica denominada“microssistina LR”, presente na água servidapela COMPESA ( Companhia pernambucanade Saneamento), que penetrou no sistemacirculatório dos pacientes.

Aquelas pessoas que morreram sem sabero que havia acontecido com elas e as vítimasnão foram indenizadas. Antônio fernando dizque todas os cuidados são tomados para evitara contaminação como, por exemplo astécnicas acépticas.

Todos os pacientes que estão no Institutode Hemodiálise um rim o que mais édesesperador é que nunca saberão até quandofarão o tratamentopara quem frequenta oInstituto, o problema que parece não ter fim.Às vezes nem resta esperança para alguns. Éo caso da Rosilda Gorete de Oliveira que mepediu um rim com os olhos cheios delágrimas. Não existe raça, nem cara, e muitomenos cor que faça um rim parar de funcionar.Conseguir um rim é difícil e muitos nãoconseguem esperar. O rim passa a se tornarum “tesouro”, mas a vida é mais cara,. Afelicidade existe nas faces de uns, e outrosnão conseguem segurar a emoção queguardam dentro de si. São pessoas que vivemsuas expectativas minuto a minuto.

“– Que barulho é esse?”“– É da máquina mesmo,é porque estápuxando o sangue”

O diabético que fazhemodiálise devefazer dieta rigorosa

Pacientes precisam fazer transplante de rim para livrar-se da hemodiálise

reprodução

Page 10: Revelação 234

10 10 a 16 de fevereiro de 2003

Alécio Freire5º período de Jornalismo

A “geografia da fome” insiste em mostraros contornos de suas linhas num país ondeexistem 54 milhões de brasileiros - mais doque a população da Argentina - vivendo commenos de US$ 1 per capita por dia – cerca deR$ 100 mensais, dependendo do câmbio.Quando outros tantos 23 milhões de pessoasestão abaixo da linha de pobreza, ou seja,tentando sobreviver com menos de R$ 80gastos em alimentação/mês, segundoestimativas feitas por Frei Betto, coordenadorde mobilização social do Projeto Fome Zero.São pessoas com renda insuficiente paraprover 75% das suas necessidades calóricas.Dados da Organização Mundial da Saúde(OMC) apontam que uma pessoa ematividade gasta - e precisa repor - 2.200calorias/dia, como lembra a professora doCurso de Nutrição da Universidade deUberaba, Anelise Bezerra de Vasconcelos.Paradoxalmente, a cultura do desperdícioocorre entre nós desde a lavoura até à mesado consumidor final.

Combater o desperdício alimentar não é sóuma questão de agregar valor aos produtosdevido às novas tendências de consumo queprivilegiam a qualidade total e a diferenciaçãonos serviços prestados, nem simplesmente umaprimoramento técnico e gerencial com vistasa melhores resultados comerciais e financeiros.O combate ao desperdício de alimentos é umaoportunidade singular de melhorar ascondições de alimentação da população,sobretudo dos muitos brasileiros famélicos.

Criando uma nova política, o presidenteeleito, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou quea prioridade de seu primeiro ano de governoserá erradicar a miséria e lançou o programadenominado Fome Zero. Lula acaba então decolocar o combate à fome acima da discussãosobre a economia e osbancos. Com isso, oPresidente põe aeconomia a serviço dohomem – pelo menosna defesa de milhões debrasileiros famintos eexcluídos da cirandafinanceira.

Parece estapafúrdio, mas vivemos numpaís de contradições. O Brasil é o segundomaior exportador mundial de alimentos,declarou o secretário da Agricultura do RioGrande do Sul, José Humberto Hoffmann,contra-atacando o lobby dos EUA – que sãoos primeiros - ao tentarem alinhar-se às novas

políticas nacionais pressionando o Brasil paraque aceite os transgênicos. Para além da defesados interesses das empresas americanas, somosainda considerados a 11ª economia do planeta,numa classificação relevante para um paísconsiderado “emergente”.

LixoO lixo é o destino de 30% de todo o

alimento produzido no Brasil, segundo relataEliete RodriguesPereira, integrante daPastoral Universitáriae membro do Comitêcontra a Fome. Docampo até a mesa doconsumidor são des-perdiçados, diaria-

mente, cerca de 39 mil toneladas de comidaem condições de serem aproveitadas. A cada100 produtos que saem da roça, só 40cumprirão o destino de alimentar pessoas. Osoutros 60 vão virar um problema para ascompanhias de lixo. São 39 mil quilos deiorgute perto do vencimento, tomatesmachucados, pães amanhecidos, carnes

estragadas e milhares de alguns outrosprodutos que por algum motivo estéticoacabam nas latas de lixo. Realidade triste einaceitável considerando que o Brasil possuibolsões de pobreza e um quadro agudo decarência alimentar. Todo esse desperdícioseria o suficiente para dar café, almoço ejantar diariamente a 19 milhões de pessoas.

Só as perdas agrícolas correspondem a1,4% do Produto InternoBrasileiro (PIB), atingindoa gigantesca soma de R$11 bilhões, de acordo comdados do Instituto dePesquisa Aplicada (IPEA).O dinheiro seria suficientepara fornecer cestasbásicas mensais no valorde um salário mínimo (R$200) para 7 milhões de famílias por um ano.

Industrias, mercados, restaurantes,buffets, atacadistas e varejistas temem fazerdoações do excedente aproveitável, sob penade serem responsabilizados criminalmentepor intoxicação ou morte de quem vir a sealimentar dessas sobras. Por isso, a maioria

das empresas prefere “optar” pela lata de lixo.Não necessariamente por maldade, mas paraevitar o risco de um processo legal.

Com objetivo de eliminar esse obstáculo,o senador Lúcio Alcântara, atual governadoreleito pelo Ceará, apresentou no CongressoNacional um projeto de lei que busca livrarde responsabilidade civil e criminal por danoou morte aquele que doar alimentos, desde

que constate sua boa fé. Oprojeto faz parte de umpacote de leis apelidado deEstatuto do Bom Sama-ritano. Se aprovado, favo-receria as doações. Segundoprojeto, indústrias seriamisentas de pagar o Impostosobre Produtos Industri-alizados, o IPI, relativos à

doação. Assim, uma fábrica que viesse a doarlatas de feijão não teriam de pagar o IPI.Atualmente, se doarem, têm de pagá-lo. Alémde remover esse tipo de obstáculo, o estatutoainda oferece incentivos a quem colaborar.Um deles é um desconto no Imposto de Rendapara quem doar comida ou máquinas para

Fome e desperdícioA irracionalidade na gestão de alimentos só agrava um dos maiores problemas brasileiros

Leonardo Boloni

Diariamente são desperdiçadoscerca de 39 mil toneladasde comida em condiçõesde serem aproveitadas

Todo esse desperdícioseria o suficiente paradar café, almoço ejantar diariamente a19 milhões de pessoas

Procurar comida desperdiçada nos lixos tem sido uma triste alternativa para quem passa fome

Page 11: Revelação 234

1110 a 16 de fevereiro de 2003

industrializar alimento – o desconto já existepara quem faz doações em dinheiro. Noentanto, esses projetos estão parados noCongresso Nacional.

Luta contra o desperdícioMesmo sem o respaldo da lei, algumas

empresas e instituições saíram na dianteira daluta contra o desperdício. As Centrais deAbastecimento de Minas Gerais forampioneiras na criação de um sopão, em 1992,incentivando os comerciantes dehortifrutigranjeiros a doar alimentos queseriam descartados por não atenderem àsespecificações comerciais. São alimentos compequenas imperfeições de tamanho oumachucados, mas que não perderam valornutritivo. Tudo isso visando beneficiar,prioritariamente, a população de baixa renda.O sopão da CEASA se apresenta na forma depasta e é embalada em latas de 4,1 kg,devendo ser diluída no momento de serconsumida, na proporção de 2/3 do volumede água para um volume do produto. E temvalidade de 12 meses.

A Centrais de Abastecimentos dePernambuco (CEASA/PE) importou ainiciativa mineira e montou a sua fábrica desopa. Depois, a experiência foi adotada pelasceasas da Bahia, Paraíba e Ceará. Como metada campanha contra o desperdício alimentar,a Companhia de Abastecimento e ArmazénsGerais do Estado do Pernambuco –C E A G E P E ,publicou um inéditolivro intitulado“Como Evitar oDesperdício deAlimentos”, resul-tado de uma pes-quisa que duroumais de um ano,tendo por base oacervo da Biblioteca especializada da Ceasae estudos publicados nos últimos 5 anos porcentros universitários de nutrição da Europae dos EUA, coordenada por Taciana Verçosa.

Único no gênero, o livro, além de ensinarcomo evitar o desperdício de alimentos, dáoutras dicas de economia para o consumidorficar atento na hora das compras e traz liçõesde higiene e receitas de pratos tradicionais.Ademais, chama a atenção para os cuidadoscom a armazenagem doméstica dos produtose oferece ainda informações sobre os valoresnutritivos dos alimentos.

A publicação é recomendada aosconsumidores de hortifrutigranjeiros, bemcomo às donas de casa e aos profissionais debares, hotéis, restaurantes e indústrias dealimentos. O livro afirma que os grandesvilões do desperdício são o manuseio, otransporte e a embalagem. Dá dicas para evitaro desperdício na fase de planejamento dasculturas, na pré-colheita, na colheita e no pós-colheita, no embalamento, no armazenamentoe transporte.

Algumas dicas para evitar o desperdícioem casa: o consumidor deve comprar

hortaliças com folhas e talos e utilizá-los naalimentação, pois têm alto valor nutritivo; ashortaliças devem ser guardadas inteiras, nuncacortadas ou descascadas, em sacos plásticosna parte baixa da geladeira, e as frutasmaduras devem ser conservadas em geladeira,pois só devem ser mantidas em temperaturaambiente até atingir a maturação desejada.

Inspirado no Documento 69 da CNBB –Exigências Evangélicas e Éticas de Superaçãoda Miséria e da Fome , cuja entidade apresenta

à sociedade brasi-leira suas reflexõessobre o problema econvida para umMutirão Nacionalpela Superação daMiséria e da Fome, aArquidiocese deUberaba, em par-ceria com outras

Faculdades da cidade, criou o Comitê Contrao Desperdício Alimentar e a Fome. O objetivoé “mapear o ‘endereço’ do desperdícioalimentar e a fome em nossa cidade etransformar os dados de pesquisa em açõespúblicas que beneficiem os que sofrem comesse dano”.

Instituído o Comitê, os seus integrantesagora buscam elaborar critérios de ação parair a campo checar o tamanho do problema.Como proposta inicial de trabalho, o Comitêverificará a existência ou não do desperdíciode frutas, verduras, legumes e carnes.

Não se encontram dados estatísticosconfiáveis que possam servir de base paraimplantar uma ação programada e assistidavoltada para o público-alvo: os famintos deUberaba. Não se conseguiu detectar ainda omapa da fome na cidade. Nada há deorganizado e coordenado em nível de cidade,quer por ONGs, quer por entidadesfilantrópicas, quer por igrejas ou centrosespíritas, ou pelo governo municipal. Creches,asilos, centros, igrejas e grande números devoluntários têm trabalhado para amenizar afome de uberabenses carentes.

SolidariedadeLuís Carlos Rodrigues da Cunha, dono de

restaurante na Praça Rui Barbosa, no centroda cidade, conta que todos os dias fecha oseu estabelecimento às 14 horas para osclientes. Os alimentos que sobram, ou ele dáaos pedintes ou oferece aos seus funcionários.

Já na contra-mão da solidariedade, umoutro dono de restaurantes, que prefere nãose identificar, disse que tudo que sobra vaipara o lixo ou vira lavagem para os porcos.“Temos preocupações,sim, com as questõessociais, mas enten-demos ser dever dosórgãos públicos, e nãodos restaurantes, tentarsolucioná-las”, argu-mentou o empresário.Certas sobras de alimen-tos podem virar saborosos pratos, o que serianormal se fosse reaproveitado em casa. Masisso já ocorre em alguns restaurantes deUberaba. “Quando não tem mais jeito, acomida é dada para um criador de porcos”,disse um dono de restaurante. “É a cozinha àLavoisier”(como escreveu Fernando Machadoem artigo publicado no Revelação). “Se vocêsentir alguma familiaridade com a comida, nãoestranhe, pois o picadinho que você come hojepode ter sido o bife de ontem e poderá ser osuculento estrogonofe de amanhã. O feijão decaldo pode se metamorfosear em um tutu àmineira. E os bolinhos de arroz, quem diria, éo arroz do dia anterior”.

Talvez poucas pessoas saibam dosnúmeros da produção e consumo dapopulação de Uberaba. Mas segundo dadosda Secretaria Municipal de Agricultura,Uberaba importa carne bovina. O municípioproduz 10 mil toneladas/ano e consome 10,4mil toneladas. Segundo Miguel Domingues,funcionário do açougue do Bretas, das 28toneladas/mês que compram dos frigoríficosde Goiás e vendem, o desperdício de carnebovina pode chegar a 10%, pois a “quebra” édevida ao estrago da embalagem a vácuo que

fura, ou pelo pouco consumo das carnes desegunda. A “quebra” ou vira carne de sol ouração. No entanto, Uberaba produz muita carnede frango. São 35 mil toneladas/ano, enquantose consome 7,5 mil. Para a carne de suínos,das 3,54 ton./ano, 3 mil são consumidas aqui.Importa ainda feijão, arroz, café e frutas, excetoa laranja. No tocante aos legumes, Uberaba sedestaca na produção de batata, cenoura emandioca. Para as folhosas, a produção é de10,8 toneladas, e o consumo de 8,76.

Segundo os dados do mês de outubro/02,disponibilizados pelo gerente das Centrais deAbastecimento do Vale do Rio Grande(CEARG), Paulo Afonso Martins, Uberabaproduziu 2 mil toneladas de verduras, frutase legumes, e importou outras 3,3 miltoneladas, vindas de Uberlândia e de RibeirãoPreto. Ou seja, o consumo de alface, repolho,tomate, beterraba, cenoura, mandioca, goiabae laranja em outubro foi de 5,3 mil toneladas.

O gerente Martins disse ainda que aCEARG de Uberaba trabalha com o sistemade encomendas que os permissionários fazempara o consumo da semana, com isso evitamuito o desperdício. Mas das 15 toneladasconsumidas a cada 15 dias, chega-se a perderumas duas. Já ocorreu a perda de 15 toneladasde laranja. Entre frutas, legumes e verduras,a batata é campeã, pois com o transporte e omanuseio ela se “machuca muito”. “Mas opessoal que mora nos bairros mais perto daCEARG fazem a coleta e aproveitam tudo;

quase nada vai para olixo”, garante Martins.Para Roner Alves Si-queira, 35 anos, proprie-tário da rede de lojas doVarejão Tropical, quevende semanalmente de60 a 70 toneladas defrutas, verduras e le-

gumes, “o que mais desperdiça são as folhas,que, por causa da vida útil delas, dependendodo clima, gira em torno de 12 a 18 horas, nomáximo 24 horas, criando uma margem dedesperdício de 5 a 10%”.

Siqueira aponta alguns fatores quepodem contribuir para o desperdício, comoa época do ano, o clima, a qualidade damercadoria no momento da compra. Naépoca das chuvas, fungos e bactériasprejudicam muito os tomates e outros.Banana despencada, maçã que levou algumapancada, batata que descascou umpouquinho, tudo isso é reaproveitável.Siqueira é procurado pelas creches eentidades que fazem sopa, e depois dereciclar o material, eles reaproveitam. “Atéfuncionários aproveitam um pouco dessamercadoria”. “Tenho visto nas feiras opessoal doando aquilo que não dá mais paraser comercializado”. Na tentativa de delinearo mapa do desperdício em Uberaba, nosdeparamos com toneladas de produtos quenos mostram que, se a fraternidade humanafosse tão intensa quanto a produção de sojae milho em Uberaba, ninguém ia ficar como estômago nas costas.

Leonardo Boloni

De acordo com estatísticas, o lixo é o destino de 30% de todo o alimento produzido no Brasil

“Temos preocupações,sim, com as questões sociais,mas entendemos ser dever dosórgãos públicos, e não dosrestaurantes, tentar solucioná-las”

Creches, asilos, centros,igrejas e grande números devoluntários têm trabalhadopara amenizar a fome deuberabenses carentes

Page 12: Revelação 234

Antônio Marcos FerreiraFelipe Augusto3º período de Jornalismo

Depois de sete anos na estrada, a bandamineira Cálix veio pela primeira vez a cida-de de Uberaba. A banda participou dacalourada 2003 da Uniube, lançando seu se-gundo CD “A roda”, que já vendeu 3 milcópias. O primeiro CD “Canções de Beurin”lançado em 2000 também obteve um grandesucesso e vendeu mais de 5 mil cópias.

A banda é conhecida pelo “multi-instrumentismo” – misturando elementoscomo flauta, bandolin e ocarina – e por fazerarranjos que lhe dá um estilo próprio e dife-renciado. “O progressivo é inovador, tem aliberdade de poder misturar músicas e instru-mentos. Talvez por isso seja um estilo que agente se aproxima mais” disse RenatoSavassi, vocalista e multiinstrumentista, jus-tificando o porquê de alguns críticos rotula-rem a banda como “rock progressivo”.

O principal motivo deles serem tão dife-renciados na forma de fazer música são asdiversas influências, passando de Beatles,Jethro Tull, The Who a Sagrado Coração daTerra, Clube da Esquina e música medieval.

Apesar de nova, a banda já participou degrandes projetos, como o “Orquestra mineirade rock” juntos com Cartoon e Somba. “É umprojeto em que as bandas se interagem nopalco fazendo uma jam no final do show”explica Renato Savassi. No final do ano pas-sado o Cálix participou de uma turnê com o14 Bis através do projeto “Conexão TelemigCelular de Música”. As bandas se apresenta-ram em Belo Horizonte, São Paulo, Rio deJaneiro, além de outras cidades do interior deMinas Gerais. Eles também participam devários eventos culturais pelo interior do esta-do sempre em destaque.

A rodaO segundo CD, “A

roda”, foi lançado em agos-to no palácio das artes, e as-sim como o primeiro de for-ma independente. O CDtambém é comprado e dis-tribuído por outras gravado-ras como a Sonhos e Sons,de Marcus Viana, do Sagrado Coração da Ter-ra, e a Rock Simphony, do Rio de Janeiro. ARock Simphony distribui também para fora doBrasil, o que rendeu a banda Cálix elogios

mundo a fora, como na Europa e EUA.“A roda” é um CD diferente do pri-

meiro, ele tem uma sonoridade mais atu-al” explica Renato Savassi. Esse trabalhopossui também um maior número de can-ções com vocais mais arranjados e de fá-

cil acesso ao público.“Buscamos ‘popularizar’nossas músicas, no sentidode todo mundo ter a possi-bilidade de conhecer nos-so som”, coloca MarceloCioglia, baixo e vocal. Asmúsicas do segundo CD

deixa ainda mais notável a influência doClube da Esquina sobre o grupo.

Em três faixas desse último trabalho, abanda contou com a participação da Orques-

tra de Câmara do SESI Minas, que partici-pou do lançamento oficial do CD em BeloHorizonte.

O que a banda pensaApesar de conhecidos como uma banda de

rock progressivo, eles acre-ditam não se encaixar nesteestilo. “Se pudéssemos ro-tular nosso som, o chamarí-amos de livre”, brinca obaixista Marcelo Cioglia. Oestilo de música diferencia-do e bem trabalhado da ban-da, rende um número cada vez maior de fãs dediversos gostos e estilos. “A intenção da ban-da é levar uma energia positiva ao público”,afirma o guitarrista Sânzio Brandão.

Variações dorock progressivoApesar das influências dos anos 70, banda Cálix apresenta música sem rótulos e com sonoridade atual

Banda mineira apresentou seu repertório eclético durante a calourada no Campus II

“O cenário musical bem democrático etem espaço para todos”

Em termos de mercado a banda é otimis-ta, mesmo reconhecendo que é bem restrito.“O cenário musical é bem democrático e temespaço para todos”, afirma Renato Savassi.Sobre o Rock progressivo os músicos tem umavisão contrária sobre o que muitos críticos afir-

mam: o progressivo acabou.“Musicalmente o progressi-vo ainda tem muita coisapara criar e contribuir”, dizSânzio Brandão.

Os fãs podem acessar osite oficial da bandawww.calix.art.br, onde são

disponibilizadas músicas para download,vídeos, fotos e outros brindes. O site oferecetambém um espaço com contato com os mú-sicos da banda.

“Musicalmente oprogressivo aindatem muita coisa paracriar e contribuir”

12 10 a 16 de fevereiro de 2003