Revisa acadêmica de música

  • Upload
    ar-lima

  • View
    761

  • Download
    3

Embed Size (px)

Citation preview

REVISTA ACADMICA DE MSICA

volume 23janeiro/junho - 2011ISSN: 1517-7599

EditorialEste volume 23 de Per Musi - Revista Acadmica de Msica, juntamente com o volume 22, so volumes temticos dedicados ao estudo da msica popular, uma das sub-reas que mais tem crescido no meio acadmico brasileiro, finalmente refletindo uma das mais fortes vocaes musicais deste pas. O grande nmero de textos selecionados 38, incluindo trs partituras inditas - permitiu alguns agrupamentos temticos (como o hibridismo na msica popular brasileira), manifestaes tradicionais (como o lundu, choro, samba, canes, bossa-nova, baio, repente, ragtime, jazz moderno e musicais) ou mais recentes (como o ax, o mangue beat, msica infantil e a nova msica instrumental brasileira) e personalidades referenciais (como Ernesto Nazareth, Pixinguinha, K-Ximbinho, Gnattali, Guerra-Peixe, Tom Jobim, Hermeto Pascoal, Baden Powell, Egberto Gismonti, Victor Assis Brasil e o grupo UAKTI). O texto seminal do etnomusiclogo ingls Philip Tagg , em traduo de Fausto Borm, sobre o ensino da anlise musical para iletrados em msica, traz original e importante contribuio para incluso do grande pblico de diletantes que fazem msica no processo de compreend-la e usufru-la em nveis mais profundos do que o simples entretenimento. Para tratar da nueva cancin e das relaes entre e liberade de expresso e censura durante a ditadura na Argentina, a musicloga argentina Silvina Luz Mansilla apresenta um estudo focado na msica Hermano composta e interpretada por seus conterrneos, o compositor Carlos Guastavino, o poeta Hamlet Lima Quintana e a cantora Mercedes Sosa. Leonardo Barreto Linhares e Fausto Borm revelam o hibridismo composicional e de prticas de performance entre dois gneros populares - o baio brasileiro e o bebop norte-americano - na msica Pro Zeca do saxofonista, compositor e arranjador Victor Assis Brasil. A msica Pro Zeca de Victor Assis Brasil apresentada em uma edio de performance, que inclui a introduo, o tema e os improvisos da performance original do prprio compositor-instrumentista, a partir da transcrio de Leonardo Barreto Linhares e da edio de Leonardo Barreto Linhares e Fausto Borm. Marco Tlio de Paula Pinto discute a influncia estilsticas do third stream, do jazz e da msica brasileira no desenvolvimento estilstico do saxofonista, compositor e arranjador Victor Assis Brasil, especialmente no seu perodo de formao nos Estados Unidos, na Berklee School of Music. Carlos Palombini discute preconceito racial e poder no comeo do sculo XX, a partir da gravao de The Laughing Song do cantor ex-escravo norte-americano George Washington Johnson e sua derivao brasileira na canoneta Gargalhada (pega na chaleira) de Eduardo das Neves. Csar Albino e Sonia R. Albano de Lima avaliam o papel da improvisao e da tradio oral na consolidao de dois gneros populares nas Amricas no comeo do sulo XX - o ragtime norte-americano e o choro brasileiro - e suas opes por caminhos de tradio ou renovao. Adriana Costa mergulha na histria do surgimento do jazz na Frana e aborda prticas de performance do ragtime na interpretao do Le Quintette du Hot Club de France e de suas estrelas mais reconhecidas: o violonista Django Reinhardt e o violinista Stephane Grappelli. Per Musi traz uma partitura indita de Tiger Rag, um dos mais conhecidos ragtimes da Original Dixieland Jazz Band, editada por Adriana Costa com base na gravao do Le Quintet du Hot Club de France, incluindo, alm do tema, os solos improvisados de Django Reinhardt e Stephanne Grapelli. Por meio de um estudo comparativo iconogrfico e de gravaes das obras Um a zero e Segura ele, Nilton Antnio Moreira Jnior e Fausto Borm discutem a influncia do ragtime no estilo composicional (elementos formais, harmnicos e motvicos) e nas prticas de performance (instrumentao, realizao rtmica, divulgao junto ao pblico) do choro do compositor-intrprete Pixinguinha.

Accio Piedade prope os conceitos de hibridismo homeosttico em que h uma fuso de musicalidades - e hibridismo contrastivo - em que h uma frico de musicalidades para ilustrar, em seguida, com exemplos de traos caractersticos da msica brasileira que chama de tpicas brejeiro, poca-de-ouro e nordestina. Estudando o segundo movimento da Sute Retratos para bandolim, cordas e regional de Radams Gnattali, Luciano Chagas Lima revela reflexos rtmicos, meldicos e harmnicos da valsa Expansiva de Ernesto Nazareth nesta msica erudito-popular escrita em sua homenagem. Pablo Garcia da Costa e Beatriz Magalhes Castro discutem elementos extra-musicais na obra de K-ximbinho a partir de uma leitura iconogrfica de fotos e textos em capas de discos, cartazes e jornais no perodo de 1950 a 1960. As anlises revelam um jogo de negociaes entre duas culturas e uma mediao entre tradio e inovao, como na ressignificao de K-Ximbinho no contexto da insero da cultura do jazz no Brasil. Revisando a literatura sobre a carreira de Guerra-Peixe, Bruno Renato Lacerda descobre evidncias de que, trabalhando como arranjador de orquestras de rdio, conseguiu se firmar profissionalmente na rea e se aproximar da msica popular, seja incorporando elementos populares nos seus processos criativos, seja atuando na formao de importantes nomes da msica popular brasileira. A partir do conceito de ordem musical de John Blacking e da observao de grupos da cena musical de Braslia, Ivaldo Gadelha de Lara Filho, Gabriela Tunes da Silva e Ricardo Dourado Freire analisam o contexto das rodas de choro. Considerando as diferenas entre duas geraes na abordagem de improvisao no choro, Paula Veneziano Valente revela a preferncia pela improvisao vertical por Pixinguinha e pela improvisao horizontal por K-Ximbinho. Artur Andrs e Fausto Borm descrevem a trajetria do Uakti, grupo instrumental nico por manter por mais de trs dcadas um sistema de produo musical autnomo e integrado em todos os sentidos criativos: luteria, composio, interpretao, arranjo e veiculao comercial de sua msica. Na seo Pega na Chaleira, apresentamos trs resenhas. Maurilio Andrade Rocha nos guia pela coletnea Music, words and voice: a reader [Leituras sobre msica, as palavras e a voz]. Organizada por Martin Clayton, este abrangente livro inclui trinta e cinco artigos e excertos escritos por autores desde o sculo dezoito at os dias de hoje e apresentados em cinco reas temticas: a fala e a cano, significado das palavras nas canes, o canto no contexto social, o canto em rituais sagrados ou profanos, a construo de narrativas nas canes. Rodrigo Cantos Savelli Gomes nos apresenta o livro Csar Guerra-Peixe: Estudos de Folclore e Msica Popular Urbana, cujos 44 artigos e 4 esboos foram gerados pela pouco conhecida faceta etnomusicolgica de um dos nossos maiores compositores, e minuciosamente escavados e organizados por Samuel Arajo, a partir de acervos do Dirio de Pernambuco, da Revista Brasileira de Folclore e de jornais diversos. Gabriel Ferro Moreira discorre sobre o livro Cavalo-Marinho pernambucano em que o etnomusiclogo norte-americano John Patrick Murphy discute a relao entre as prticas culturais e as relaes de trabalho nas diferentes verses deste gnero nordestino. Lembramos que todos os contedos e capas de Per Musi, desde janeiro de 2000 at o presente volume esto disponveis para download ou impresso gratuitamente no site de Per Musi Online, no endereo www.musica.ufmg.br/ permusi. As verses impressas de quase todos os nmeros da revista ainda podem ser adquiridas atravs do e-mail [email protected].

Fausto Borm Fundador e Editor Cientfico de Per Musi

PER MUSI - Revista Acadmica de Msica (ISSN 1517-7599) um espao democrtico para a reflexo intelectual na rea de msica, onde a diversidade e o debate so bem-vindos. As idias aqui expressas no refletem a opinio do Editor ou dos Corpos Editoriais. PER MUSI est indexada nas bases do Scielo, RILM Abstracts of Music Literature, The Music Index, EBSCO e Bibliografia da Msica Brasileira da ABM (Academia Brasileira de Msica).Fundador e Editor Cientfico Fausto Borm (UFMG, Belo Horizonte) Corpo Editorial Internacional Aaron Williamon (Royal College of Music, Londres, Inglaterra) Anthony Seeger (University of California, Los Angeles, EUA) Eric Clarke (Oxford University, Oxford, Inglaterra) Denise Pelusch (University of Colorado, Boulder, EUA) Florian Pertzborn (Instituto Politcnico do Porto, Portugal) Jean-Jacques Nattiez (Universit de Montreal, Canad) Joo Pardal Barreiros (Universidade de Lisboa, Portugal) Jose Bowen (Southern Methodist University, Dallas, EUA) Lewis Nielson (Oberlin Conservatory, Oberlin, EUA) Lucy Green (University of London, Institute of Education, Londres, Inglaterra) Marc Leman (Ghent University, Ghent, Blgica) Melanie Plesch (University of Melbourne, Melbourne, Austrlia) Nicholas Cook (Royal Holloway, Eghan, Inglaterra) Silvina Luz Mansilla (Univ. Catlica, Univ. de Buenos Aires, Argentina) Xos Crisanto Gndara (Universidade da Corua, Corunha, Espanha) Thomas Garcia (Miami University, Miami, EUA) Corpo Editorial no Brasil Accio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC, Florianpolis) Adriana Giarola Kayama (UNICAMP, Campinas) Andr Cavazotti (UFMG, Belo Horizonte) Andr Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro) ngelo Dias (UFG, Goinia) Arnon Svio (UEMG, Belo Horizonte) Beatriz Magalhes Castro (UNB, Braslia) Cntia Macedo Albrecht (UNICAMP, Campinas) Cristina Capparelli Gerling (UFGRS, Porto Alegre) Diana Santiago (UFBA, Salvador) Eduardo Augusto stergren (UNICAMP, Campinas) Fabiano Arajo (UFES, Vitria) Fernando Iazetta (USP, So Paulo) Flvio Apro (UNESP, So Paulo) Guilherme Menezes Lage (FUMEC, Belo Horizonte) Jos Augusto Mannis (UNICAMP, Campinas) Jos Vianey dos Santos (UFPB, Joo Pessoa) Lea Ligia Soares (EMBAP, Curitiba) Lincoln Andrade (UFMG, Belo Horizonte) Lucia Barrenechea (UNIRIO, Rio de Janeiro) Luciana Del Ben (UFRGS, Porto Alegre) Manoel Cmara Rasslan (UFMS, Campo Grande) Maurcio Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte) Maurlio Nunes Vieira (UFMG, Belo Horizonte) Norton Dudeque (UFPR, Curitiba) Pablo Sotuyo (UFBA, Salvador) Patrcia Furst Santiago (UFMG, Belo Horizonte) Rafael dos Santos (UNICAMP, Campinas) Rosane Cardoso de Arajo (UFPR, Curitiba) Salomea Gandelman (UNIRIO, Rio de Janeiro) Snia Ray (UFG, Goinia) Vanda Freire (UFRJ, Rio de Janeiro) Vladimir Silva (UFPI, Teresina) O Corpo de Pareceristas de Per Musi e seus pareceres so sigilosos Reviso Geral Fausto Borm Maria Inz Lucas Machado Assistente Editorial Sandra PugliesePER MUSI: Revista Acadmica de Msica - n. 23, janeiro/junho, 2011 Belo Horizonte: Escola de Msica da UFMG, 2011 n.: il.; 29,7x21,5 cm. Semestral ISSN: 1517-7599 1. Msica Peridicos. 2. Msica Brasileira Peridicos. I. Escola de Msica da UFMG

Universidade Federal de Minas Gerais Reitor Cllio Campolina Diniz Vice-Reitora Rocksane de Carvalho Norton Pr-Reitor de Ps-Graduao Ricardo Santiago Gomez Pr-Reitora Adj. de Ps-Graduao Andra Gazzinelli Correa de Oliveira Pr-Reitor de Pesquisa Renato Lima dos Santos Escola de Msica da UFMG Diretor Maurcio Freire Garcia Programa de Ps-Graduao em Msica da UFMG Coord. Srgio Freire Sub-Coord. Flvio Barbeitas Sec. Geralda Martins Moreira Sec. Alan Antunes Gomes Planejamento e Produo Isabela Scarioli - Cedecom/UFMG Camila Rodrigues (estagiria) Cedecom/UFMG Projeto Grfico Capa e miolo: Srgio Lemos - Cedecom/UFMG Diagramao: Romero Morais - Cedecom/UFMG Tiragem 100 exemplares Acesso gratuito na internet www.musica.ufmg.br/permusi

Endereo para correspondncia UFMG - Escola de Msica - Revista Per Musi Av. Antnio Carlos 6627 - Campus Pampulha Belo Horizonte, MG, Brasil - 31.270 - 090 Fone: (31) 3409-4717 ou 3409-4747 Fax: (31) 3409-4720 e-mail: [email protected] [email protected]

ABM

SumrioARTIGoS CIEnTFICoSAnlise musical para no-musos: percepo popular como base para a compreenso de estruturas e significados musicais .................................................. 7Music analysis for non-musos: popular perception as a basis for understanding musical structure and signification

Philip Tagg (Traduo de Fausto Borm) Un aporte de Carlos Guastavino y Lima Quintana al mundo de la nueva Cancin argentina .....................................................................................19Carlos Guastavino and Lima Quintanas contribution to the world of the Argentinean New Song

Silvina Luz Mansilla A composio e interpretao de Victor Assis Brasil em Pro Zeca: hibridismo entre o baio e o bebop ...............................................................................................28 Leonardo Barreto Linhares Fausto BormThe composition and interpretation by Victor Assis Brasil in Pro Zeca: hybridism between the Brazilian baio and bebop

Pro Zeca na performance de Victor Assis Brasil ..........................................................................39Pro Zeca performed by Victor Assis Brasil

Victor Assis Brasil (Transcrio de Leonardo Barreto) Victor Assis Brasil: a importncia do perodo na Berklee School of Music (1969-1974) em seu estilo composicional ............................................................................................................45Victor Assis Brasil: the importance of the Berklee School of Music period (1969-1974) on his compositional style

Marco Tlio de Paula Pinto Fonograma 108.077: o lundu de George W. Johnson ..................................................................58Phonogram 108.077 (Brazilian Odeon): George W. Johnsons lundum

Carlos Palombini

o percurso histrico da improvisao no ragtime e no choro .................................................... 71The historical path of improvisation in the ragtime and choro

Csar Albino Sonia R. Albano de Lima

Tiger Rag na interpretao do Le Quintette du Hot Club de France: histria, anlise e prticas de performance ................................................................................82Tiger Rag as performed by the Quintet of the Hot Club of France: history, analysis and performance practices

Adriana Costa

Tiger Rag (1917) na performance do Le Quintette du Hot Club de France (1934) .................89Tiger Rag (1917) as performed by Le Quintette du Hot Club de France (1934)

original Dixieland Jazz Band (Transcrio de Adriana Costa)

Traos do ragtime no choro Segura ele de Pixinguinha: composio, performance e iconografia aps a viagem a Paris em 1922..................................................................................93Ragtime traces in the choro Segura ele [Hold him!] by Pixinguinha: composition, performance and iconography after the trip to Paris in 1922

nilton Antnio Moreira Jnior Fausto Borm

Perseguindo fios da meada: pensamentos sobre hibridismo, musicalidade e tpicas ...................................................................................................................103Pursuing clues to the puzzle: thoughts on hybridism, musicality and tpicas

Accio Piedade

Ernesto nazareth e a valsa da Sute Retratos de Radams Gnattali ........................................113Ernesto Nazareth and the waltz from Radams Gnattalis Sute Retratos

Luciano Chagas Lima

Elementos extra-musicais na obra de K-ximbinho: questes sobre iconografia musical em suas capas de disco entre 1950 e 1960 ............................................................................... 124Extra-musical elements in the work of K-Ximbinho: questions about musical iconography in their record covers between 1950s and 1960s

Pablo Garcia da Costa Beatriz Magalhes Castro Guerra-Peixe: arranjador de orquestras de rdio ....................................................................... 138Guerra-Peixe: an arranger of radio orchestras

Bruno Renato Lacerda Anlise do contexto da Roda de Choro com base no conceito de ordem musical de John Blacking ................................................................................................................................. 148A contextual analysis of the Brazilian Roda de Choro based on John Blackings concept of musical order

Ivaldo Gadelha de Lara Filho Gabriela Tunes da Silva Ricardo Dourado Freire

Horizontalidade e verticalidade: os modelos de improvisao de Pixinguinha e K-Ximbinho no choro brasileiro ................................................................................................... 162Horizontal and vertical structures: Pixinguinha and K-Ximbinhos models of improvisation in Brazilian Music

Paula Veneziano Valente o grupo UAKTI: trs dcadas de msica instrumental e de novos instrumentos musicais acsticos ........................................................................................170The Brazilian UAKTI group: three decades of instrumental music and new acoustical musical instruments

Artur Andrs Fausto Borm

SEo DE RESEnHAS PEGA nA CHALEIRALeituras sobre msica, as palavras e a voz.................................................................................. 185Music, words and voice: a reader

Maurilio Andrade Rocha num velho exemplo, diferentes maneiras de fazer musicologia: uma resenha do livro Csar Guerra-Peixe: Estudos de Folclore e Msica Popular Urbana ...... 188In an old example, different ways of doing musicology: a review of the book Csar Guerra-Peixe: Estudos de Folclore e Msica Popular Urbana

Rodrigo Cantos Savelli Gomes

o livro Cavalo-Marinho pernambucano de John Patrick Murphy .............................................191The book Cavalo-Marinho pernambucano by John Patrick Murphy

Gabriel Ferro Moreira6

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

Anlise musical para no-musos: a percepo popular como base para a compreenso de estruturas e significados musicaisPhilip Tagg (Facult de Musique, Universit de Montral, Canad)[email protected]

Traduo de Fausto Borm (UFMG, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Resumo: Estudo sobre o desenvolvimento de mtodos de anlise da msica popular, especialmente daquela voltada para no-musos, ou seja, os musicalmente iletrados, a partir de referenciais semiolgicos, como denotao (e conotao) potica e estsica. Palavras-chave: anlise da msica popular; anlise musemtica; msica para leigos.

Music analysis for non-musos: popular perception as a basis for understanding musical structure and significationAbstract: Study about the development of methods of popular music analysis, especially that addressed to non-musos, i.e. the illiterate in music, departing from semiotics references such as aesthesic and poetic denotation (and connotation). Keywords: analysis of popular music, musematic analysis; music for non-majors.

Em memria de Jnos Marthy, musiclogo e humanista

Este artigo dividido em duas partes.1 Na primeira, discuto problemas bsicos de conceituao em anlise musical; na segunda, descrevo mtodos de ensino de anlise musical que desenvolvi para alunos sem treinamento formal em msica que chamo de no-musos 2 e defendo sua abordagem enquanto desenvolvimento dos mtodos analticos em msica.

1 - Introduo

1 - Encarando o problema1.1 - Cinco contradiesOs problemas bsicos de conceituao em anlise musical aos quais me refiro tm suas origens em uma srie de pelo menos cinco contradies inter-relacionadas que tratam de noes sobre msica em nossa sociedade.

temporais inegvel. Nossos crebros registram uma mdia de 3 horas e meia de msica por dia quase 25% do tempo de vida que passamos acordados. E 90% do tempo das rdios consistem de msica, ao passo que metade da programao de TV apresenta msica na tela ou como msica de fundo. Na verdade, muito pouca gente gasta mais tempo lendo, escrevendo e escutando do que falando, danando ou olhando para pinturas e esculturas etc. O outro lado desta contradio que a maioria das instituies de educao musical e pesquisa ainda tende a deixar msica no fundo deste amontoado que o currculo acadmico. A fatia de tempo e de dinheiro que a msica recebe no currculo escolar e nos salrios dos professores e contedo no guarda nenhuma ou quase nenhuma relao com sua importncia extracurricular em termos financeiros ou de distribuio de carga horria. Esta disparidade entre os valores reais da msica hoje e o status baixo que ocupa na hierarquia da educao pblica pode ser observada tambm na poltica cultural, assim como na educao superior e na pesquisa.3Recebido em: 15/10/2009 - Aprovado em: 20/06/2010

1.1.1 Valor social e status institucional

A primeira contradio coloca o valor social da msica empiricamente verificvel em um extremo e seu status institucional no outro. Por um lado, h poucas dvidas que msica, em nossa cultura, o mais ubquo dos sistemas simblicos. Sua importncia em termos monetrios ePER MUSI Revista Acadmica de Msica n.23, 195 p., jan. - jul., 2011

7

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

1.1.2 Anlise crtica

A segunda contradio deriva diretamente da primeira, porque, embora a msica seja claramente importante na nossa cultura, ainda temos que desenvolver meios viveis para compreender como toda essa msica na mdia afeta as pessoas de fato. A contradio aqui que, enquanto, por exemplo, a leitura crtica, ou a habilidade de ver abaixo da superfcie dos comerciais e outras formas de propaganda4 so corretamente consideradas como essenciais para uma postura de pensamento independente (embora essas habilidades sejam amplamente ensinadas na literatura ou em estudos culturais), a habilidade de analisar mensagens musicais no o . Uma razo para isto , como acabei de mencionar, que ainda temos de desenvolver um mtodo analtico capaz de lidar com toda a msica disseminada por meio da mdia de massa e consumida diariamente por milhes de pessoas.

gura representando aquele cachorro foi produzida. Alm disso, o cachorro no famoso retrato de Van Eyck do casamento de Arnolfini 8 poderia tambm ser considerado um elemento estrutural baseado em smbolo ao invs de cone, se fosse estabelecido que aquele cachorro seria consistentemente interpretado de uma maneira semelhante quela por uma dada populao de apreciadores em um dado contexto social e histrico. Por exemplo, o cachorro, enquanto smbolo recorrente de fidelidade ou seja, um termo estsico, desta vez em um modo semitico diferente. claro que um descritor estrutural como perspectiva central pitico e estsico ao mesmo tempo, pois denota ambas (1) as tcnicas de representao em trs dimenses em uma superfcie bidimensional e (2) a maneira com que aquela superfcie percebida como tridimensional pelo observador. Na lingustica parece haver tambm uma rica mistura de descritores piticos e estsicos de estruturas. Por exemplo, o termo fontico fricativo palato-alveloar falado pitico porque especifica o som /Z/ (GIMSON,1967, p.33), denotando como produzido ou construdo, e no como geralmente percebido ou compreendido. Por outro lado, termos como finalizado e no finalizado, utilizados para qualificar o contorno de alturas da fala, so ambos estsico e pitico, ao passo que conceitos fundamentais da lingustica como fonema e morfema funcionam tanto pitica quanto estesicamente, ao designar estruturas de acordo com sua habilidade de significar algo tanto do ponto de vista de quem fala quanto de quem escuta. /Z/, por exemplo, entendido como um fonema, e no como um fricativo paloto-alveloar falado, denota o elemento estrutural que permite ambos o falante e o ouvinte distinguir, no ingls britnico, entre :lEZ (leisure [lazer]) e :lEs (lesser [menos]) ou :lEt (letter [letra]). Dentro da perspectiva apresentada, no um exagero dizer que, comparado com o estudo das artes visuais e da linguagem falada, a anlise musical convencional na Europa Ocidental mostra uma clara predileo pela terminologia potica, algumas vezes ao ponto de excluir totalmente as categorias estsicas do seu vocabulrio. 9 As complexas razes histricas e ideolgicas por trs deste preconceito tm sido discutidas ampla e frequentemente (TAGG e CLARIDA, 2003, p.9-92) e, embora no sejam tratadas aqui, um de seus aspetos constitui nossa prxima contradio.

1.1.3 nomenclatura estrutural

A terceira contradio , na verdade, apenas um outro aspecto da segunda, mas de fato explica parcialmente porque a musicologia dos meios de comunicao em massa to vagarosa para se desenvolver. Esta contradio enfatiza a disparidade entre a metalinguagem analtica da msica no mundo ocidental e a de outros sistemas simblicos; mais especificamente, que tm a ver com as peculiaridades na derivao de padres de termos que denotam elementos estruturais em msica quando se compara com prticas denotativas aplicadas na lingustica e nas artes visuais. Para esclarecer esta contradio vou recorrer polaridade conceitual pitico-estsico. 5 Neste texto, pitico qualifica termos que denotam elementos estruturais do ponto de vista de sua construo (posis). Esses termos derivam basicamente das tcnicas e/ou materiais utilizados para produzir esses elementos (por exemplo, con sordino, glissando, acorde de stima da dominante, equivalente a um string pad [um sample sintetizado do naipe das cordas orquestrais], phasing, pentatonicismo no tonal). Estsico, por outro lado, qualifica termos que denotam elementos estruturais basicamente do ponto de vista do efeito de sua percepo (estesis), ou seja, o efeito ou conotao recebidos (por exemplo, allegro, legato, Scotch snap 6, acorde de espionagem, reverberao cavernosa). 7 Parece que, nas anlises das artes visuais, pelo menos do ponto de vista do cidado comum, corriqueiro, na identificao dos elementos estruturais, deriv-los de noes de representao icnicas ou de um simbolismo cultural como conceitos de materiais ou tcnicas de produo. Por exemplo, descritores estruturais como guache ou pinceladas largas, so claramente derivados de aspetos da tcnica de produo e so, por isso, piticos, enquanto que a representao icnica de um cachorro em uma obra de arte figurativa seria chamada de cachorro um termo estsico e no uma descrio tcnica de como a fi8

1.1.4 Competncia simblica

A habilidade de compreender tanto a palavra escrita quanto a falada (habilidades estsicas) geralmente considerada to importante quanto falar e escrever (habilidades poticas). Na msica e nas artes visuais, entretanto, a competncia estsica no tem o mesmo peso. Por exemplo, adolescentes capazes de compreender referncias visuais intertextuais bastante sofisticadas em vdeos de msica, no so considerados artsticos, nem recebem crditos pela cultura visual que claramente possuem. Da mesma

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

forma, a habilidade amplamente difundida e verificvel empiricamente de distinguir entre, vamos dizer, entre dois tipos diferentes de estrias de detetive aps ouvir no mais do que dois segundos de um trecho de msica instrumental, aparentemente no nos permite qualificar a maioria da populao como musical. De fato, artstico, na esfera das artes visuais, geralmente parece qualificar apenas as habilidades poticas e musicalidade parece se aplicar somente queles que se apresentam como cantores ou que tocam um instrumento, ou podem decifrar a notao musical. como se a competncia musical da maioria nomusa da populao no contasse. Isto claramente antidemocrtico. A quinta e ltima contradio d algumas pistas para remediar esta situao.

sica (compor, arranjar, tocar); e a competncia estsica, ou seja, a habilidade de perceber e compreender msica (lembrar, reconhecer, distinguir sons musicais, assim como suas conotaes e funes culturalmente especficas). Nem a competncia potica nem a competncia estsica se baseiam em qualquer tipo de notao verbal, e ambas so mais comumente consideradas habilidades ou competncias, ao invs de conhecimento. CONHECIMENTO SOBRE MSICA, por outro lado, metamusical por definio e sempre carrega consigo uma denotao verbal. Entretanto, da mesma forma que a MSICA COMO CONHECIMENTO, o CONHECIMENTO SOBRE MSICA culturalmente especfico e pode tambm ser subdividido em duas subcategorias. O metadiscurso musical, mostrado na tabela do Ex.1, engloba anlise musical, teoria musical e qualquer outra atividade que requer a habilidade de identificar e nomear elementos e padres da estrutura musical. Metadiscurso contextual, por outro lado, demanda explicar como as prticas musicais se relacionam com a cultura e sociedade que as produz e as quais so afetadas por ela. Este quarto aspecto do conhecimento musical cobre aspectos de muitas disciplinas, desde semiologia da msica at acstica, desde estudos econmicos at psicologia, sociologia, antropologia, estudos culturais etc. 10

1.1.5 A institucionalizao do conhecimento musical

A contradio final , claramente, um conjunto de anomalias. A tabela no Ex.1 divide o conhecimento musical em duas subcategorias: MSICA COMO CONHECIMENTO e CONHECIMENTO SOBRE MSICA. A primeira significa conhecimento diretamente relacionado com o discurso musical, o qual , ao mesmo tempo, intrinsecamente musical e culturalmente especfico. Esse tipo de conhecimento musical pode ser dividido em dois subtipos: a competncia potica, ou seja, a habilidade de fazer m-

Tipo

Explicao

onde se aprende

1 - Msica como conhecimento (conhecimento de msica)1a. Competncia potica criao, concepo, produo, composio, arranjo, performance etc. lembrana, reconhecimento, distino de sons musicais, assim como suas conotaes e funes culturalmente especficas Conservatrios, escolas de msica

2a. Competncia estsica

?

2 - Conhecimento Metamusical (conhecimento sobre msica)2a. Metadiscurso musical teoria musical, anlise musical, identificao e nomeao de elementos e padres da estrutura musical Explicao de como as prticas musicais se relacionam com a cultura e a sociedade, incluindo abordagens da semitica, acstica, negcios em msica, psicologia, sociologia, antropologia, estudos culturais. Ex.1 Tipos de conhecimento musical Departamentos de msica (musicologia), conservatrios, escolas livres de msica

2b. Metadiscurso contextual

Departamentos de cincias sociais, estudos de literatura e mdia, estudos em msica popular

9

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

Os fundamentos institucionais desta diviso entre estes quatro tipos de conhecimento musical esto solidamente ancorados. Na educao superior, por exemplo, o primeiro tipo competncia potica geralmente ensinado em cursos de graduao especiais, conservatrios, escolas de arte etc. O terceiro metadiscurso musical ensinado em departamentos de msica ou musicologia, bem como em conservatrios ou universidades. O quarto tipo metadiscurso contextual ensinado em praticamente qualquer departamento de humanidades ou cincias sociais, embora menos em departamentos de musicologia tradicionais e, menos ainda, em departamentos de performance (msica, teatro, dana). O segundo tipo de conhecimento, a competncia estsica, est faltando no pargrafo anterior e, na tabela acima, no v onde seria aprendido. A omisso intencional, porque a habilidade de distinguir, sem recorremos s palavras e sons musicais, assim com suas conotaes culturais especficas e funes sociais o que a mais difundida e popular forma de competncia musical , com a exceo de ocorrncias isoladas em treinamento auditivo e algumas formas de apreciao musical, geralmente ausentes das instituies de ensino. Em outras palavras, a competncia estsica parece ser um assunto extracurricular e no-acadmico.

potica da minoria de musos. Por isso, se pensarmos que a todas as pessoas deveriam ser dado o direito de entender como a msica afeta suas ideias, atitudes e comportamento, e se seguirmos as diretrizes educacionais bsicas que dizem que os processos de aprendizagem so mais efetivos quando calcados na experincia de nossos alunos, ento deveramos incluir e utilizar sua ampla competncia estsica no nosso ensino de msica. Esta incluso traz srias implicaes para a anlise musical.

1.2 o impacto na anlise musical

De acordo com a tabela de tipos de conhecimento musical (Ex.1 acima), a anlise pertence categoria do conhecimento musical 2a, o qual baseado na denotao verbal de elementos estruturais da msica. Como j apontamos, ao discutir a terceira contradio (1.1.3 acima), a anlise convencional de msica no Ocidente mostra uma predileo por descritores piticos desses elementos estruturais. Esta predileo , obviamente, um problema para a maioria de no-musos com sua relativa falta de competncia potica. Precisamos encontrar meios alternativos para identificar e denotar estruturas musicais de um ponto de partida estsico. Como msicos, somos conscientes que muitos elementos denotados pieticamente podem carregar um sentido conotativo, por exemplo, o acorde menor com nona maior enquanto acorde de sonoridade de detetive ou de espio. 11 Entretanto, muitos outros acordes (e acordes so elementos musicais denotados pieticamente, se for o caso), para que carreguem qualquer significado, dependem ou de sua posio sinttica ou da linguagem na qual ocorrem. Por exemplo, o acorde de dcima terceira com funo cadencial de dominante ao final de uma cano de salo poderia prover um pice de tenso dramtica, mas o mesmo acorde utilizado como tnica alterada ou como acorde de dominante dupla como substituio de trtono em uma performance de jazz no teria mais efeito do que um mero indicador do estilo bebop (TAGG, 2001c, p.113). O problema claro: no devemos esperar uma ligao unvoca entre uma estrutura pieticamente denotada e o significado conotativo desta estrutura, porque o valor semiolgico de elementos pieticamente denotados sensvel ao contexto em termos de uma sintaxe tanto dentro da obra (por exemplo, os dois significados distintos do mesmo encadeamento de trtono na msica Fernando do grupo ABBA; veja TAGG, 2001d, p.50-59), quanto da linguagem musical (como exemplificado pelo acorde de dcima terceira, descrito na frase anterior). 12 Outro problema com descritores piticos que j tocamos: eles no carregam necessariamente um valor simblico. Por exemplo, ao investigar IOCMs 13 para um loop de acordes em uma sequncia de quatro compassos em uma faixa de dana moderna (The Source, 1997), em meio a uma discusso em uma classe de Anlise de Msica Popular musical em setembro de 2001, me vi tendo de tocar, junto com o CD, com uma armadura de seis sustenidos: {4/4 G#m7 | F#/A# B | C# | C#}. 14 Antes de agarrar

1.1.6 Sumariando as contradies

As cinco contradies apresentadas deixam claro que: 1- O status da msica na educao musical e na pesquisa no equiparvel sua importncia social, econmica e cultural; 2- Os alunos so estimulados a analisar criticamente as mensagens verbais e visuais, mas a msica raramente ensinada como se comunicasse algo substancial; 3- Termos que denotam elementos estruturais da linguagem e das artes visuais so ambos pitico e estsico, enquanto os que denotam elementos estruturais da msica so predominantemente piticos. 4- As competncias potica e estsica geralmente recebem o mesmo valor na linguagem, enquanto que na msica e nas artes visuais, aparentemente, competncia diz respeito apenas s habilidades poticas. 5- A competncia potica em msica e o conhecimento do metadiscurso musical so abrigados em instituies de ensino para experts em msica, enquanto que o metadiscurso contextual visto como um espao reservado de outras disciplinas; j a competncia estsica rara na esfera da educao e da pesquisa pblicas. Uma baguna! Tentarei, em seguida, organizar um pouco tudo isso. Partirei do pressuposto de que todos ns concordamos que a msica um sistema simblico e que seu poder de comunicao to dependente da competncia estsica da maioria no-musa quanto da competncia 10

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

quela tarefa no teclado, eu estava certo de que estava ouvindo uma progresso que lembrava o shuttle15 bsico de acordes de canes como My sweet Lord (George Harrison, 1971), Hes so fine (Chiffons, 1963) ou Oh Happy day (Edwin Hawkins Singers, 1969). No teclado, entretanto, tive de forar minhas mos em formas que no senti corresponderem com os padres musicais daquelas canes que so em tonalidades muito mais fceis. Quando parei o toca-CDs e continuei tocando o teclado exatamente como o shuttle G#m7 C# sem os demais acordes intermedirios, meus alunos logo identificaram My sweet Lord ou Oh Happy day, mesmo que meus pensamentos estivessem ocupados em ter de ajustar meus dedos em formas incomuns para produzir os sons corretos. A questo aqui que a mudana estrutural de Sol Menor ou L Menor para Sol # Menor, insignificante tanto para um violonista utilizando pestanas quanto para uma percepo estsica, foi altamente significante para mim, instrumentista de teclado, porque tive de construir o que os ouvintes escutam como a mesma coisa de uma maneira radicalmente diferente. Muitas mudanas significativas da construo tonal equivalem a mudanas significativas da recepo, por exemplo, cantar o Hino Nacional do Reino Unido no modo Hijjaz com um D # como pedal, ao invs de usar a tradicional harmonia de trades a quatro vozes em Sol Maior. Mas uma outra mudana potica, como o exerccio em Sol # Menor, descrito acima, j no mostra correspondncia. Por outro lado, pequenas mudanas da estrutura tonal denotadas em termos piticos, como substituir a nota Mi natural por Mi bemol em uma trade que tenha a nota D como fundamental, pode ter efeitos considerveis na recepo. Feitas estas observaes, devo esclarecer que no estou, de modo algum, advogando o abandono das consideraes tonais na anlise da msica popular. Entretanto, um desafio ainda maior ao desenvolvimento da anlise da msica popular o fato de que grande parte da msica circulando em nossos meios de comunicao em massa contm muitos elementos estruturais, porm, com a exceo da nomenclatura convencional dos instrumentos, faltam descritores piticos estabelecidos, os quais, apesar disso, se relacionam claramente com fenmenos paramusicais. No surpreende o fato de que a maioria dos elementos estruturais desse tipo s podem ser pieticamente determinados somente se parmetros de expresso que no podem ser notados so considerados. Falamos de parmetros como textura, timbre, volume, acstica de palco etc., nenhum dos quais pode ser separado significativamente se, de fato, puderem na notao musical ocidental. Consequentemente, muito poucos destes so sistematizados na anlise musical convencional com seu preconceito que favorece parmetros tonais passveis de notao. Diversos colegas j contriburam para o desenvolvimento de uma anlise da msica popular que confronta essas questes,16 mas a comunidade da anlise da msica popular (se que ela existe) ainda est muito longe de estabelecer uma abordagem coerente que possa ser amplamente aplicada na educao de musos e no-musos.

2 Anlise musical para no-musos 2.1 Fontes de descritores populares

Sugiro, nesta segunda parte do presente artigo, que podemos encontrar um rico vocabulrio de descritores estruturais no uso comum da msica popular. Alguns desses descritores podem ser piticos, mas, se compararmos com a terminologia da anlise musical convencional, descobriremos que uma poro maior ser ou estsica ou uma mistura dos dois tipos denotativos. Exemplifico, a seguir, as quatro categorias de utilizao musical e a maneira de registrar o vocabulrio popular. 1 - Dilogos coloquiais sobre estruturas musicais podem ser coletados tanto etnograficamente quanto por meio de: (a) realizao de testes de recepo; (b) anotao de IOCMs e PMFCs 17 de alunos em aulas de anlise. 2 Descritores de timbres eletronicamente produzidos podem ser reunidos por meio do estudo de: (a) nomenclaturas pr-determinadas de sons que aparecem de maneira semelhante em diferentes sintetizadores; (b) rtulos dados a samples, loops etc. especficos, que aparecem em softwares disponveis em pacotes ou online. 3 Descritores de parmetros de tratamento de som (reverb, delay, phasing, distoro, etc.), que podem ser coletados e combinados, a partir da nomenclatura de templates de equipamentos que produzem estes efeitos. 4 Descritores conotativos abundantes nos catlogos de msica. Ao se estudar padres regulares de correlao entre estas conotaes escritas e elementos estruturais recorrentes em entradas bibliogrficas catalogadas de maneira semelhante em diferentes bibliotecas, seria possvel tanto ampliar quanto refinar o leque de descritores estsicos do analista. Em nenhuma das quatro categorias acima necessrio ao usurio ser fluente na descrio potica de elementos estruturais: ningum precisa saber o que so stimas diminutas ou quartas aumentadas; ou entender ou reconhecer o que uma progresso no crculo da quintas ou um modo mixoldio. Afinal, os alunos da categoria 1 acima podem ser tanto do Departamento de Comunicao quanto do Departamento de Msica, ao passo que os usurios das categorias 2 e 3 podem ter adquirido seus sintetizadores ou softwares de gravao sem um treinamento de msica formal. Da mesma forma, descritores de acervos de msica so formulados geralmente por um membro no-muso da equipe da gravadora, para produtores de mdia estressados, geralmente no-musos tambm, que precisam encontrar a msica correta com o clima correto to rpido quanto possvel. 18 Infelizmente, no podemos discutir aqui mais do que uma dessas quatro fontes de descritores estruturais. Por questes de espao, devo colocar as categorias 2, 3 e 4 no banco de espera de pesquisas futuras e focar brevemente em como a categoria 1, apenas, pode ajudar a resolver alguns dos problemas do analista da msica popular.

11

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

2.2 Anlise musical para no-musos

Leciono anlise musical para no-musos desde 1993. Durante sete destes anos, ensinei Anlise semitica da msica popular em um programa de Mestrado da Universidade de Liverpool. 19 Em mdia, pouco mais da metade dos alunos que optaram por aquele curso eram no-musos no sentido de que eram iletrados em termos de notao musical e no tinham a menor ideia do que uma stima diminuta ou um modo mixoldio poderia ser. Nem considerei como prioridade ensin-los o que significavam aqueles termos. Na verdade, um dos pr-requisitos do curso dizia:Embora o treinamento formal em msica no seja pr-requisito, um interesse apurado em msica e suas funes socioculturais absolutamente essencial. Voc no precisa saber ler partitura.

ma de observaes estruturais ou conotativas, devem se levadas em considerao pelo aluno no seu trabalho de anlise subsequente.

A tera parte final do curso dedicada s apresentaes das anlises por cada participante e ao estmulo a comentrios que podem ajudar cada um a melhorar sua anlise. Para demonstrar que tipo de processo mental os alunos esto sujeitos neste mdulo, vale a pena citar um, longo trecho de instrues para a realizao dos trabalhos. 21VOCUBULRIO METAMUSICAL. Uma das grandes dificuldades em falar ou escrever sobre msica conhecer quais palavras usar quando tratamos dos diversos sons, de maneira que, no importa a pessoa a quem voc se dirige, ela saber o que voc quer dizer. Obviamente que alguns rtulos como msica clssica europeia ou blues podem ser teis para comunicar aos seus ouvintes uma ideia geral dos tipos de som aos quais voc est se referindo. Entretanto, a ideia ser no mais do que isto uma ideia geral e qualquer refinamento da preciso da nomenclatura de estilo, por exemplo, rococ ou blues de Menphis, provavelmente no ser compreendida pela maioria. Mesmo assim, um nome para descrio estilstica no permite que voc aponte sons especficos dentro daquele estilo, e muito menos em uma pea de msica especfica. . . . msicos tem desenvolvido um amplo espectro de termos que denotam particularidades do som musical. Infelizmente, h dois problemas neste estoque de palavras: um que h tantos conjuntos de vocabulrios que se referem s estruturas musicais em todo o mundo quanto h diferentes estilos musicais; o outro que muito do que os msicos falam sobre msica incompreensvel para a maioria das pessoas nas culturas em que convivem. Infelizmente, problemas semelhantes de incompreenso so encontrados em pores significativas do discurso musical, especialmente nas regies tipicamente europeias de designao de alturas, ou seja, em conexo com a harmonia, o contraponto, o vocabulrio tonal e, de certa forma, ritmo e mtrica. Entretanto, expresses qualificando volume, timbre, espao, velocidade, ataque, contorno meldico etc. podem ser usados por quaisquer pessoas que dominem sua lngua ptria. Podem, mesmo, compreender inteiramente termos mais especializados como polimtrico, polirtmico, polifnico, monofnico, heterofnico, legato, staccato, pizzicato, glissando, crescendo, diminuendo, pedal, pedal harmnico, pentatnico, anacruse, distoro, phasing, panning, etc., etc. De maneira semelhante, muitos sons instrumentais e tipos vocais podem ser fcil e corretamente identificados por qualquer um com uma audio razovel e uma pequena experincia de escutar msica em um estilo relevante. Apesar disso, muitos dos sons musicais os quais voc precisa se referir no podem ser satisfatoriamente denotados, mesmo se equipado com o pequeno arsenal de termos acima mencionados. Esta dificuldade persistente pode ser prpria e eficientemente circunavegada de duas maneiras, as quais precisam ser empregadas conjuntamente: (i) denotao estsica 22 e (ii) disposio cronomtrica inequvoca em uma srie anotada de eventos musicais DENOTAAO ESTSICA a identificao verbal de certas qualidades percebidas que conotam o som a ser identificado. Esta expresso pode ser baseada na comparao inter-objetiva, por exemplo, o arpejo de Bach, o som do gongo final no gamelo, a progresso harmnica de Hey Jude ou nos prprios campos paramusicais de associao do objeto de anlise, ou seja, conotaes do som especfico fornecido pelos seus respondentes, incluindo voc mesmo por exemplo, esfumaado, coaxar de sapos, som-debruxa, borbulhante, como o nascer do sol. Entretanto, embora este tipo de exerccio permita referir concisamente a um som particular em sua pea de anlise, esta referncia no ser inequvoca porque outros sons que paream com digamos, arpejos de Bach, gongos de gamelo, ou a progresso harmnica de Hey Jude, ou sons que possivelmente so qualificveis como esfumaado, coaxar de sapos, som-de-bruxa, borbulhante,

Alm disso, os objetivos daquele mdulo incluam:Ampliar a compreenso sistemtica das relaes entre aspectos estruturais da msica (texto) e suas qualidades psicolgicas, sociais, culturais e ideolgicas (contexto). Desenvolver habilidades de escuta musical e aumentar a conscincia de escuta em geral. Estimular as habilidades de pensamento paralelo e conotativo [e] relacionar habilidades de pensamento paralelo e conotativo aos modos mais racionais do discurso.

Durante a primeira tera parte do Modulo 1, apresentei e exemplifiquei o tipo de abordagem anlise da msica popular que havia apresentado em diversas publicaes (TAGG, 1982, 1987, 1995, 1999). Estes eram os tpicoschave, conceitos e ferramentas metodolgicas que abordei:Teorias e definies da semitica. Tradies de estudos em msica e sua relao com a semitica. Definies de msica. Discusso sobre as funes musicais... Conotao e denotao. Modelos de comunicao, insuficincia de cdigos e interferncia de cdigos. Semiose e relatividade cultural Anlise musemtica: comparao inter-objetiva e substituio hipottica. Inter-subjetividade e campos paramusicais de conotao. Tipologia dos signos musicais: anfonas, sindoques de gnero, marcadores de episdio, indicadores de estilo. Msica e paisagem sonora. O dualismo melodia-acompanhamento. Parmetros da expresso musical e paramusical

Este curso, que mais tarde adaptei s necessidades de alunos de ps-graduao em musica e outras reas em Montreal, 20 comea com a apresentao das ferramentas conceituais e metodolgicas que os alunos precisam para realizar suas prprias tarefas (veja abaixo). Geralmente, comeo apresentando uma anlise, com uma verso ao vivo de meu livro sobre a msica Fernando do ABBA (TAGG, 2001d). At a quarta semana do curso, cada aluno escolheu, com minha ajuda e dos outros participantes do seminrio, uma pea de msica para analisar. A segunda tera parte do curso preenchida com sesses de feedback nas quais cada aluno. . . toca sua msica para os participantes e recebe um feedback deles. . . o objetivo destas sesses obter informaes sobre as qualidades percebidas na pea (associaes, reaes, descries, avaliaes etc.). O feedback dos participantes do seminrio, na for-

12

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

como o nascer do sol etc. quase certamente existem em muitas outras peas, provavelmente com uma parecena snica ligeiramente diferente daquele ocorrendo na sua pea. Por essa razo, a disposio cronomtrica inequvoca essencial DISPOSIO CRONOMTRICA INEQUVOCA, em uma srie de eventos sonoros gravados, so os pontos inicial e final do som que voc deseja identificar. . . Infelizmente, para esta tarefa (e felizmente para a msica em geral),a msica consiste de diferentes tipos de som (ou aspectos do mesmo som) ocorrendo ao mesmo tempo. Assim, para tornar inequvoca a disposio cronomtrica, geralmente necessrio qualificar o som que voc deseja identificar em relao aos outros sons concorrentes (a figura do bumbo da bateria em 1:33 ou o som estridente sintetizado em 0:21 ou a palavra amo no terceiro Eu te amo da Estrofe 2). claro que este passo necessrio na identificao de um som particular pressupe que voc observou o quanto dentro da pea este (e outros) eventos de fato ocorrem. Para isto, essencial que seu trabalho inclua uma partitura grfica dos eventos de sua pea. PARTITURA GRFICA. . . se voc desejar, pode tentar transcrever sua pea de anlise na forma de notao musical. Entretanto, isto geralmente uma tarefa rdua e no necessria anlise. Se voc optar em transcrever parte ou o todo de sua pea, por favor, lembre-se que as habilidades notacionais no so um pr-requisito neste mdulo e que sua apresentao pode se tornar incompreensvel para alguns participantes A apresentao grfica deve incluir as seguintes linhas paralelas: (i) uma Linha do Tempo; (ii) uma Linha da Forma; (iii) uma Linha de Eventos Paramusicais (se for o caso); (iv) uma Linha de Ocorrncias Musemticas. Idealmente, esta partitura grfica deve ser proporcionalmente cronomtrica, de forma que duraes iguais de tempo ocupem quantidades iguais do espao horizontal A LINHA DO TEMPO consiste de uma linha horizontal na qual voc marca o timing de eventos musicais significativos ao longo da pea (por exemplo, 0:44 = 44 segundos do incio da pea; 3:01 = trs minutos e um segundo do incio da pea). . . A LINHA DA FORMA indica onde, em relao Linha do Tempo, as vrias sees da pea comeam e terminam (por exemplo, Introduo, Estrofe 1, Chorus 2 etc.). A LINHA DE EVENTOS PARAMUSICAIS contm eventos como letra da cano, descrio (ou desenhos) de aspectos visuais. A LINHA DE OCORRNCIAS MUSEMTICAS contm tantas linhas horizontais paralelas quanto as camadas de som significativas que voc identificar separadamente na sua pea. O incio e o final de cada musema deve ser claramente visvel na sua apresentao.

a nomear estes sons estesicamente, menos constrangidos de no serem capazes de faz-lo pieticamente. Descritores como o acorde de sintetizador da dcada de 1980 que comea a faixa do disco pode, ento, receber um nome mais abreviado (por exemplo, acorde sint. dos anos 80). A, os alunos podem comear a escrever suas anlises. principalmente durante as sesses de feedback que descritores estsicos potencialmente teis aparecem. Por exemplo, os nomes de dois musemas na minha anlise de Fernando do ABBA (TAGG, 2000d, p.36-38) derivam parcialmente da contribuio de alunos: (1) o baixo na ponta dos ps a figura arpegiada leggiera que ocupa apenas metade de cada compasso das estrofes; (2) o motivo do nascer do sol o motivo para fora e para cima que lembra a figura immer breiter [cada vez mais amplo] notada no incio de Assim falou Zaratustra de Richard Strauss. Mesmo simples sequencias de acordes encontradas em canes pop bastante conhecidas so, alguma vezes, reconhecidas por nomusos como soando com La Bamba (ou Guantanamera ou Twist and Shout) e nomeadas corretamente. J em um curso recente sobre msica de cinema, os alunos no-musos se referiam s estruturas das msicas apresentadas como o trechinho do Vivaldi (uma figura arpegiada em moto perptuo no violino aps vrios acordes descendentes ao redor do crculo das quintas) ou um som do tipo Carmina Burana (unssono de vozes masculinas cantando semnimas regulares e acentuadas em fortissimo no registro mdio-grave e acompanhado de pontuaes dos metais e madeiras). 24 Os alunos so, em outras palavras, capazes de sugerir descritores estsicos bastante relevantes, seja com base em gestos, tato, movimento, sons paramusicais e conotaes (por exemplo, avassalador, pontiagudo, spero, delicado, louco, tenso, bem anos 80, tipo detetive, ou seja, PMFCs) ou em relao s msicas que eles j conhecem (por exemplo, sons como Bach, bem Per Shop Boys, como o tema de James Bond, meio industrial, ou seja, IOCMs). Se o nosso objetivo uma anlise constrita e inflexvel, ento bvio que teremos problemas com o tipo de descritores estsicos que acabei de mencionar. A maior dificuldade que eles significariam algo substancial somente para aqueles com um acesso auditivo ou memria s gravaes nas quais as estruturas nomeadas ocorrem no ponto exato em que o aluno detectou. Outro problema que os descritores estsicos vernaculares so muito mais improvveis de serem compreendidos fora do relativamente restrito crculo cultural no qual eles adquiriram certo grau de senso inter-objetivo do que os tipos de vocabulrio mais centralmente estabelecidos. Por exemplo, se comum chamar o efeito reverb de molhado (wet em ingls) quando seus sinais secundrios criarem um wash (tempo de decay longo) constante e forte o suficiente, a mesma expresso italiana - un eco umido ou un eco bagnato - traduzida para o prprio italiano, no faria sentido. Quando perguntado como um

Todas as tarefas e processos acima mencionados deveriam focar sua ateno nos elementos significativos constituintes da msica em discusso. Entretanto, eles tambm funcionam com uma srie de exerccios de construo da autoconfiana. Primeiro, ao construir linhas cronomtricas para sua pea de anlise uma tarefa simples que pode se feita com contadores digitais de tempo-real tanto em playbacks de hardware quanto software -, alunos com pouca ou nenhuma experincia anterior em anlise musical podem separar e, irrefutavelmente, indicar a existncia objetiva de sons especficos. Segundo, o grau de concordncia inter-subjetiva nas sesses de feedback, tanto em relao sensao geral quanto em relao s conotaes de sons especficos, geralmente maior do que os alunos esperam. 23 Animados com a confiana crescente na sua habilidade de inequivocamente denotar os sons dentro de uma gravao e descrev-los de acordo com uma concordncia inter-sujetiva, os alunos tendem

13

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

reverb muito molhado seria em italiano, Franco Fabbri respondeu: un eco di Madonna, cuja traduo literal um eco de Nossa Senhora - faria muito pouco sentido, ou nenhum, para msicos que falam portugus (ou que falam ingls: an echo of Our Lady)! As especificidades culturais dos descritores estsicos leigos no precisam ser vistas como um grande obstculo para o desenvolvimento dos mtodos de anlise musical. Como sugerido antes, os descritores podem ser coletados e modificados: possvel encontrar padres de similaridade inter-culturais e estabelecer alguns denominadores comuns. Se descritores estsicos como legato e allegro so compreendidos alm das fronteiras lingusticas e culturais na esfera da msica erudita europeia, no h nenhuma razo para acharmos que termos como repique mdio, batida de break, acorde tipo detetive no podem adquirir status inter-cultural semelhante no mundo da msica popular. Entretanto, h uma barreira que os no-musos raramente conseguem atravessar: a de denotar estruturas tonais, especialmente aquelas de harmonia, tonalidade, modo etc. verdade que algumas harmonias parecem ter traos conotativos razoavelmente claros o famoso acorde tipo detetive, a meia-cadncia cowboy 25 ao passo que, como mencionado antes, outras harmonias comuns podem ser referenciadas pelo nome de canes pop conhecidas onde ocorrem a progresso de La Bamba, os acordes de My Sweet Lady etc. Entretanto, o nmero destes descritores no chega nem perto da quantidade de harmonias conotativamente significativas que encontramos na nossa msica comercial. Assim, os no-musos incapazes de identificar estruturalmente o que acontece com harmonias que fazem a diferena, semioticamente, tero de perguntar aos experts - os musos - e dar os crditos aos seus irmos e irms piticos nas notas de rodap. 26

bastardo total, rebelde desesperado, machista idiota, murmrio sexy, mulher confiante, criana encapetada, homem preocupado, voz da morte, voz de Sat, vilo dos infernos, adolescente nervosa com soluo, estudante suicida, grito de raiva, harpia esganiada, reclamao frustrada, cantor de voz grave e intimista, torcedor fantico, amigo e confidente, cansado e frouxo, resignado, deprimido, desmoralizado, cnico, histrico, sem flego,estressado etc. Esta lista parece virtualmente interminvel e a concordncia inter-subjetiva sobre os traos conotativos do vocalista e da linha vocal em questo, entre os alunos nas aulas de anlise, geralmente grande. 27 Dada a simultaneidade entre a ampla variedade e a validade inter-subjetiva sem controvrsias dos tipos de voz imaginados pelos alunos, recomendo enfaticamernte adotar a noo de persona vocal no desenvolvimento dos mtodos de anlise musical. Tambm sugiro que seria proveitoso estudar em profundidade a relao entre a tcnica vocal e a persona vocal, bem como entre a persona vocal e a formao da subjetividade em nossas culturas como um todo. Por exemplo, no final da dcada de 1990, eu estava preocupado com uma aparente fixao na voz feminina infantil na pop comercial inglesa centrada nas cantoras. Deparei-me com as seguintes questes: Ser que no querem soar como mulheres? Se no, por qu? Ser que os ouvintes do sexo masculino realmente querem tantas princesas com voz de criana? Ser que eles tm medo de mulheres de verdade? Ser que as meninas que as ouvem querem continuar a ser garotinhas quando crescerem? Ser que esto emulando jovens pberes por causa das indstrias da moda e da beleza? Enquanto vocalistas adultas, no esto danificando suas cordas vocais por cantarem com voz feminina infantil o tempo todo? Que tcnicas esto sendo utilizadas para soar como infantil se j passaram dos vinte anos? Existem tipos de letras especficas mais comuns nessas canes cantadas por vozes femininas infantis do que em outras? Qual a relao entre performance no palco, figurinos, imagem do artista e a voz feminina infantil? Como ser que estas questes se relacionam, se que se relacionam, ao processo de crescimento das crianas no mundo do capitalismo voraz de hoje? A gravidade destas questes bateu minha porta, e de forma surpreendentemente clara, por meio de uma amiga de minha filha. Em julho de 2001, ela disse que, alguns anos antes, haviam lhe oferecido um contrato de gravao de mais de 100.000 libras esterlinas e que havia sido levada ao shopping pelo consultor de modas da gravadora para gastar mais de 1.000 libras em minsculos e inadequados tops e outras peas do tpico vesturio de menininha. Ento, ela descobriu que, de todas as faixas que ela havia gravado, a gravadora tinha a inteno de lanar apenas umas poucas nas quais ela havia sido instruda para cantar com voz feminina infantil do comeo ao fim. Desconfiada de como ela seria promovida na mdia, ela desistiu do contrato e voltou profisso de enfermeira. 28

2.3 Persona vocal Est na voz

A parte final deste artigo, baseada em 18 anos de ensino de anlise de msica popular, foca em uma rea da estruturao musical qual os no-musos parecem estar atentos: timbre vocal e inflexo. Est na voz um comentrio recorrente. Incapaz de prover descritores piticos de tcnicas de produo vocal (respirao, registro, vibrato, tremolo, tcnicas de microfonagem, tenso larngea, utilizao da cavidade bucal, diafragma etc.), os alunos inicialmente tendem a se esquivar e no descrever o que est na voz e que lhes parece to importante. Uma sada para esse impasse perguntar aos alunos que tipo de pessoa, e com qual predisposio, utilizaria aquele tipo de voz? Quando exortados a falar as palavras de uma linha vocal especfica, emulando aproximadamente as alturas, dinmica, timbre, durao, acentuao e ritmo, os alunos rapidamente sugerem palavras que descrevem a persona vocal. Os tipos de persona vocal que ouo nos cursos de anlise que ministro tendem a incluir eptetos vernaculares como: garotinha, cara legal, megera completa,

14

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

Talvez tenhamos chegado ao final do artigo antes da hora, pois o pargrafo epitomisa o que espero que se torne um tema de pesquisa e que torne a anlise musical mais til. Este tipo de pesquisa pode se materializar ou no, mas o que importa no presente artigo mostrar que no-musos e seus descritores estsicos tm um potencial considervel para o desenvolvimento de conceitos e mtodos de anlise que possam ajudar as pes-

soas, tanto musos quanto no-musos, a compreender as mensagens circulando nos meios de comunicao em massa. Quem sabe? Talvez devamos ser capazes de ajudar a colocar a msica em uma posio na educao e na pesquisa comparvel sua importncia fora do institucionalizado mundo da aprendizagem. Oxal fssemos pelo menos capazes de diminuir a distncia entre estas duas esferas de nosso prprio trabalho.

Glossrio:Para uma lista completa de termos e abreviaturas da anlise musemtica, veja www.tagg.org/articles/ptgloss.html Para uma lista de termos e abreviaturas de harmonia veja p.27-30 do Taggs Harmony Handout em www.abretagg. org/articles/xpdfs/harmonyhandout.pdf Acordes vai-e-vem (chord shuttle): neologismo criado por Phillip Tagg em 1993 para descrever a oscilao entre dois acordes, por exemplo, entre as trades de Si Menor e Sol Maior no incio da Marche funbre de Chopin, tambm conhecido como pndulo elio (BJRNBERG, 1989). Campo Paramusical de Conotao: veja PMFC. Comparao interobjetiva (Interobjective comparison): Neologismo criado por Phillip Tagg em 1979 para descrever a comparao musical de intertextos de um ou mais elementos estruturais de uma obra musical com outra. Estsico: Do francs esthsique (Molino, via Nattiez), um adjetivo relacionado aesthesis, ou seja, percepo da msica, ao invs da produo/construo/criao/realizao musical. Basicamente, o mesmo que recepcional e o oposto de construcional ou pitico. Na msica, busca descrever um elemento da estrutura do ponto de vista de suas qualidades conotativas percebidas, ao invs de sua construo, por exemplo, delicado, som de detetive, allegro ao invs de con sordino, acorde menor com stima maior, quarta aumentada, pentatonicismo etc. Harmonia de teras (tertial harmony): Neologismo criado por Phillip Tagg em 1998 para descrever harmonias baseadas na superposio de teras que se entrelaam (por exemplo, trades comuns, acordes de stima, acordes de nona etc.), ao contrrio da harmonia quartal, em que h a superposio de quartas. IOCM: Abreviatura de Material de Comparao Interobjetiva (Interobjective Comparison Material), um neologismo criado por Phillip Tagg em 1979 para descrever intertextos musicais, ou seja, trechos de outras obras musicais nos quais pode se demonstrar semelhana com a obra musical que objeto de anlise. Material de Comparao Interobjetiva: veja IOCM. Musema: Menor unidade de significado musical. Para o conceito original, veja o artigo de Charles Seeger On the moods of a musical logic no Journal of the American Musicological Society, v.13, p.224-261 (SEEGER, 1960); re-publicado no livro Studies in Musicology 1935-1975 (Berkeley: University of California Press, 1977, p.64-88; musema definido na p.76). Paramusical: Qualidade de um elemento semiologicamente relacionado a um discurso musical especfico sem ser estruturalmente intrnseco quele discurso. Neologismo criado por Phillip Tagg em 1983 que significa literalmente ao lado da msica. PMFC: Abreviatura de Campo Paramusical de Conotao (Paramusical Field of Connotation), um neologismo criado por Phillip Tagg em 1991 para descrever um campo semntico conotativamente identificvel que se relaciona com estruturas musicais (ou um conjunto delas). De 1979 a 1990, foi denominando de EMFA (Extramusical Field of Comparison). Pitico: Do francs potique (Molino, via Nattiez), um adjetivo relacionado poesis, ou seja, o fazer musical, ou invs da percepo musical. Basicamente, o mesmo que construcional e o oposto de estsico ou recepcional. Na msica, busca descrever um elemento da estrutura musical do ponto de vista de sua construo, ao invs de suas qualidades conotativas percebidas, por exemplo, con sordino, acorde menor com stima maior, quarta aumentada, pentatonicismo ao invs de delicado, som de detetive, allegro etc. 15

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

Referncias de textoDIBBEN, N. (Palestra no publicada sobre o disco Unison de Bjrk, ministrada na Conference on Popular Music Analysis da University of Cardiff, Pas de Gales, em 2001). GIMSON, A. C. An Introduction to the Pronunciation of English. (publicado originalmente em 1962). London: Edward Arnold, 1967. LACASSE, S. Listen to My Voice: The Evocative Power of Vocal Staging in Recorded Rock Music and Other Forms of Vocal Expression. Liverpool: PhD, Institute of Popular Music, University of Liverpool, 2000. MARTNEZ, J. L. Semiosis in Hindustani Music. Imatra: Acta Semiotica Fennica V., 1997. MIDDLETON, R. Towards a theory of gesture in popular song analysis. Secondo convegno europeo di analisi musicale, ed. R Dalmonte & M Baroni. Trento: Universit degli studi di Trento, Dipartimento di storia della civilt europea, 1992. p.345-350. RICHARDSON, J. (Palestra no publicada sobre as similaridades da sonoridade das cordas em msicas de Bernard Herrmann, Beatles, Stevie Wonder e Coolio, ministrada na Conference on Popular Music Analysis da University of Cardiff, Pas de Gales, em 2001). TAGG, P. Analysing Popular Music: Theory, Method and Practice. Popular Music. v.2, 1982, p.37-69. Republicado em Reading Pop. Approaches to Textual Analysis in Popular Music. Ed. R. Middleton. Oxford University Press, 2000, p.71-103 [www.tagg.org/articles/xpdfs/pm2anal.pdf]. ______. Musicology and the Semiotics of Popular Music. Semiotica, v.66-1/3, 1987. p.279-298 [www.tagg.org/articles/ xpdfs/semiota.pdf]. 1987. ______. Vers une musicologie de la tlvision. Frank Martin, musique et esthtique musicale. Actes du colloque de La Chaux-de-Fonds 1990, Ed. mery. Revue Musicale de Suisse romande, 1995. p.33-60 [www.tagg.org/articles/gonseth.html]. 1995 ______. Analysing music in the media: an epistemological mess. Music on Show: Issues of Performance, ed. T Hautamki, H Jrviluoma. Tampere: Department of Folk Tradition, 1998. p.319-329 [www.tagg.org/articles/glasg95.html]. 1998. ______. Music, moving image, semiotics and the democratic right to know. Article based on paper delivered at conference Music and Manipulation, Nalen, Stockholm, 18 September, 1999. [www.tagg.org/articles/xpdfs/sth9909.pdf]. 1999 ______. Notes on how classical music became classical. [www.tagg.org/teaching/classclassical.pdf]. 2000a. ______. High and Low, Cool and Uncool: aesthetic and historical falsifications about music in Europe. Bulgarian Musicology, 2/2001, ed. C Levy. Sofia: Bulgarska Akademiya na Naukute-Institut za izkustvoznanie: 9-18. Expanded version of homonymous paper was delivered to the IASPM (UK) conference at the University of Guildford (July 2001) [www. tagg.org/articles/iaspmuk2000.html]. 2001a ______. Twenty Years After. Speech delivered at Founders Event, 11th International IASPM Conference, Turku, 8 July 2001 [www.tagg.org/articles/turku2001.html]. 2001b. ______. Kojak: 50 Seconds of Television Music. New York: The Mass Media Music Scholars Press (2nd edition; 1st published 1979 by Musikvetenskapliga institutionen vid Gteborgs universitet) (www.tagg.org/mmmsp/kojak.html). 2001c. ______. Fernando The Flute. New York: The Mass Media Music Scholars Press (www.tagg.org/mmmsp/fernando.html). 2001d. TAGG, P.; CLARIDA, R. Ten Little Title Tunes. New York: The Mass Media Music Scholars Press (www.tagg.org/ mmmsp/10Titles.html). 2003. ______. Musics Meanings; online draft at www.tagg.org/bookxtrax/NonMuso/NonMuso.pdf. 2009a. TAMLYN, G. The Big Beat: Origins and development of snare backbeat and other accompanimental rhythms in Rock n Roll. 1998, Liverpool: University of Liverpool, PhD Thesis, Institute of Popular Music. 1998.

Referncias de udioTHE CHIFFONS. Hes So Fine: Stateside SS 172 (UK). Also on Legends of RocknRoll. Tring TTMC 088 (n.d., c.1994). 1963. THE EDWIN HAWKINS SINGERS. Oh Happy Day: Pavillion 20001 (US); Buddah 201048 (UK). Also on 20 Heavy Hits, Crystal S-600. 1969. HARRISON, George. My Sweet Lord: Apple R5884 (UK). 1971. NORMAN, Monty. Dr No main titles (the James Bond Theme). In Dr No: MGM / UA Home Video. PES 99210 (1992). On The Best of Bond: UA UAS 29021 (1975) and on Il terzo uomo e altri celebri film: RCA Cinematre NL 43890 (n.d.). 1962. THE SOURCE FEATURING CANDI STATON. You Got The Love Now Voyager mix. On Pure Dance 97. Polygram TV 555 084-2. 1991.

16

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

notas1 Este artigo foi originalmente preparado para a conferncia sobre Anlise sobre Msica Popular, ministrada na University of Cardiff (Pas de Gales) em 17 de novembro de 2001. Esta verso foi atualizada em Montreal em 10 de julho de 2009. Para termos e abreviatura especiais, veja o Glossrio em www.tagg.org/articles/ptgloss.html. 2 Muso uma gria ligeiramente depreciativa que denota algum preocupado em fazer msica ou falar de msica e relativamente desinteressado em qualquer outra coisa. Neste artigo o termo muso no utilizado de forma depreciativa. , simplesmente, um termo curto e conveniente para denotar algum tanto com treinamento formal em msica, quanto algum que faz msica profissional ou semi-profissionalmente, quanto aquele que se considera musiclogo, ao invs de socilogo ou acadmico de estudos culturais. no-musos, ento, so todos aqueles que no se encaixam nas caractersticas descritas acima. 3 Por exemplo, embora os gastos do governo sueco com msica no ano fiscal de 1980-1981 tenham sido 50 milhes de dlares, seus lucros em aes musicais na bolsa de valores foram de 150 milhes de dlares, um lucro de 300 %. Esses dados foram apresentados por K. Malm, editor da Fonogramutredningen (Stockholm, 1979), durante uma palestra na Musik i Vst, em Gteborg, Sucia, em novembro de 1981 e com base em informaes da Veckans affrer e de relatrios financeiros da indstria da msica. Discrepncia semelhante tambm visvel quando sabemos que, embora existam uma associao internacional (IASPM - International Association for the Study of Popular Music) e um peridico (Popular Music) ambos dedicados seriamente ao estudo da msica nos meios de comunicao em massa por mais de duas dcadas, e tendo entre seus membros e leitores uma grande diversidade de reas e profisses ligadas msica, as fronteiras entre os conhecimentos de rea e o professorado ainda colocam obstculos enormes queles que tentam dar msica o tipo de ateno que ela merece nos estudos culturais, estudos em comunicao de massa, estudos sobre cinema, sociologia, psicologia etc. 4 Alguns pesquisadores da rea de comunicaes alegam que propaganda ideolgica [do ingls propaganda] e propaganda [do ingls advertising] so bastante diferentes. Derivo minha prpria compreenso das notveis semelhanas entre os dois conceitos a partir de uma afirmao do pioneiro da propaganda de consumo Edward Bernays. Entrevistado por Adam Curtis na rede de TV BBC para o documentrio Century of the Self [O sculo do si mesmo], Bernays explica que o termo relaes pblicas teve de ser inventado porque ns no poderamos usar a palavra propaganda, uma vez que os alemes a utilizaram [durante a I Guerra Mundial]. 5 A polaridade conceitual pitico/estsico deriva de Molino, via Nattiez. Na verso original deste artigo (2001), utilizei os termos construcional (pitico) e recepcional (estsico), que embora menos icnicos, eram mais conhecidos. 6 O Scotch snap ou Lombard rhythm (ritmo lombardo) um ornamento comum na msica barroca, derivado de danas folclricas escocesas, geralmente caracterizado por uma semicolcheia seguida de colcheia pontuada, e cujo efeito o contrrio das notes ingales. 7 Na verdade, os dois ltimos descritores, acorde de espionagem e reverberao cavernosa, contm os modos de denotao estsico (espionagem e cavernosa) e pitico (acorde e reverberao). 8 O Casamento de Giovanni Arnolfini e Giovanna Cenami; 1434; leo sobre madeira, 81.8 x 59.7 cm; National Gallery, Londres. Nicolas Pioch afirmou que o cachorro de estimao visto como um smbolo de fidelidade e amor (1996, www.ibiblio.org/wm/paint/auth/eyck/arnolfini/). 9 importante observar, por exemplo, que a denotao de elementos estruturais na tradio das ragas do norte da ndia muito mais estsica do que na Europa Ocidental (veja MARTNEZ, 1996). 10 O tema metadiscurso contextual tem dominado os anais dos congressos da IASPM e as pginas do peridico Popular Music (Cambridge University Press). Discuti a disparidade institucional das competncias musicais em relao aos Estudos em Msica Popular em outras publicaes (TAGG, 1998, 2000a). 11 Como o acorde Em Maj9, que o acorde final de The James Bond Theme (Dr No) (NORMAN, 1962). 12 Por outro lado, a consistncia estrutural dos descritores estsicos est sujeita, como veremos, a variaes radicais entre diferentes populaes de ouvintes em diferentes pocas e diferentes culturas. 13 IOCM [interobjective comparison material] = material de comparao inter-objetiva. Veja explicao sobre este termo no glossrio online em [www.tagg.org/articles/ptgloss.html]. 14 Esta aula de anlise aconteceu em 13 de novembro de 2001. A faixa musical foi You got the love da banda The Source (1997). Leo Hatton, que escolheu a faixa para anlise, revelou depois que ele tinha que afinar seu sintetizador um quarto de tom acima para poder tocar junto com o CD. Isto significa que o Steinway na sala devia estar desafinado um quarto de tom abaixo. Entretanto, nenhum destes ajustes microtonais diminuem a validade da argumentao que segue. 15 Shuttle chords (acordes vai-e-vem) a harmonia no-direcional que fica alternando entre dois acordes. 16 Alguns exemplos so o trabalho de MIDDLETON (1992) sobre o gesto [gesturality] e as discusses de Nicola DIBBEN (2001) sobre o Unison de Bjrk e de John RICHARDSON (2001) sobre as similaridades da sonoridade das cordas em msicas de Bernard Herrmann, Beatles, Stevie Wonder e Coolio (ambas palestras no publicadas, mas apresentadas no congresso Anlise sobre Msica Popular da University of Cardiff, Pas de Gales, em 2001). Eu tambm procurei contribuir com o desenvolvimento nesta rea (veja as entradas de TAGG nas referncias). Veja tambm a prova musicolgica de Garry Tamlyn, que baseado em anlise exaustiva de padres de bateria do rhythm and blues pr-1955, mostrou a necessidade de reescrever radicalmente a histria do rock (TAMLYN, 1998), e a avaliao de Serge Lacasse sobre performance vocal em palcos nas gravaes de pop e rock (LACASSE, 2000). 17 PMFC [paramusical field of connotation] = campo paramusical de conotao. Veja explicao sobre este termo no glossrio online em [www. tagg.org/articles/ptgloss.html]. 18 Veja entrevistas com produtores de bibliotecas de msica em 1980 em [www.tagg.org/articles/intvws80v1.pdf], p.8, 24. 19 As longas citaes nas prximas pginas foram tiradas de materiais do meu curso online disponvel em [www.tagg.org/teaching/analys/semioma. html] e nos seus links de pginas relacionadas. 20 Veja Analyse de la musique populaire em [www.tagg.org/udem/analyse/analmpop.htm]. 21 Para as instrues completas das tarefas, veja [www.tagg.org/teaching/analys/semiomaass.html]. 22 Antes de eu escrever este artigo, as instrues das tarefas falavam de denotao fenomenolgica e no estsica. As razes desta mudana de terminologia esto sumariadas na nota 5. 23 Em sesses de feedback, sempre necessrio discutir as conotaes de um ponto de vista musocntrico, geralmente de um ponto de partida gestual. Por exemplo, conotaes ostensivamente disparatadas, como cabelo longo, colinas suaves e a praia tem pouco em comum em termos de tamanho fsico, textura etc. Gestualmente, entretanto, o cair do cabelo longo, as curvas de colinas arredondadas e o varrer da areia na praia por suaves ondas, todas estas descries tem denominadores comuns. Para saber mais sobre os princpios da inter-conversao gestual e msica, veja a anlise de The Dream of Olwen (TAGG e CLARIDA, 2003, p.231-266). 24 Esta aula aconteceu em 20 de novembro de 2001. Se me recordo corretamente, o trechinho do Vivaldi ocorreu na trilha sonora de Great expectations (Direo de Alfonso Cuaron, 1998), uma sonoridade tipo Carmina Burana em uma cena de The Mummy (Direo de Stephen Sommers, 1999).

17

TAGG, P. Anlise musical para no-musos: a percepo popular... Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.7-18.

25 O acorde menor com stima (ou menor com nona), que a sonoridade final do James Bond Theme (NORMAN, 1962) geralmente ouvido como acorde de detetive ou acorde de espio (veja a nota de rodap 10 e anlise de Streetcar named desire em TAGG e CLARIDA, 2003). Para detalhes da meia-cadncia cowboy, veja a anlise de The Virginian em TAGG e CLARIDA (2003). 26 Tento persuadir os alunos que formular questes e encontrar respostas a marca de bom pesquisador e que no-saber um pr-requisito para formular as questes corretas. Alm disso, estas questes ajudam a reestabelecer a autoconfiana entre os musos que possam estar na aula. 27 Para saber mais sobre os tipos de persona vocal, veja o Captulo 9 de Musics meanings, disponvel em (www.tagg.org/bookxtrax/NonMuso/NonMuso.pdf). 28 No tenho a liberdade de revelar a identidade desta pessoa. Ela concordou, entretanto, em escrever suas experincias deste episdio de sua vida.

Philip Tagg Professor de Musicologia na Facult de Musique da Universit de Montral (Canad). Co-fundador da International Association for the study of Popular Music (IASPM) e mentor da Encyclopedia of Popular Music of the World (EPMOW), publicou dezenas de artigos nos mais renomados peridicos. Foi professor do Institute of Popular Music da University of Liverpool (Inglaterra), onde orientou mestrandos e doutorandos e desenvolveu cursos de musicologia, anlise, harmonia e semiologia relacionados msica popular. Trabalhou tambm na University of Gteborg (Sucia) e Swedish Council for Research in the Humanities and Social Sciences (Sucia). organista erudito e tecladista em bandas de rock e pop, entre elas Rda Kapellet. Como compositor, escreveu obras corais e canes populares. autor e colaborador de diversos programas de rdio educacionais relacionados msica popular. Recebeu diversos prmios nas reas de composio, ensino e pesquisa. Seu site www.tagg.org um dos sites de musicologia e etnomusicologia da msica popular mais visitados em todo o mundo, no qual dispobiniliza gratuitamente significativa parte de sua extensa obra didtica e de pesquisa. Fausto Borm Professor Titular da Escola de Msica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde criou o Mestrado em Msica e a Revista Per Musi. pesquisador do CNPq desde 1994 e seus resultados de pesquisa incluem um livro, trs captulos de livro, dezenas de artigos sobre prticas de performance e suas interfaces (composio, anlise, musicologia, etnomusicologia e educao musical) em peridicos nacionais e internacionais, dezenas de edies de partituras e apresentao de recitais nos principais eventos nacionais e internacionais do contrabaixo. Recebeu diversos prmios no Brasil e no exterior como solista, terico, compositor e professor. Acompanhou msicos eruditos como Yo-Yo Ma, Midori, Menahen Pressler, Yoel Levi, Fbio Mechetti, Luiz Otvio Santos, Arnaldo Cohen, Antnio Menezes e msicos populares como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Henry Mancini, Bill Mays, Kristin Korb, Grupo UAKTI, Toninho Horta, Juarez Moreira, Tavinho Moura, Roberto Corra, Maurcio Tizumba e Tlio Mouro. Suas gravaes incluem o CD Brazilian Music for the Double Bass, o CD e DVD O Aleph de Fabiano Arajo Costa, os CDs da Orquestra Barroca do Festival Internacional de Juiz de Fora de 2005 a 2009 (com Luiz Otvio Santos), a Suite for Flute and Jazz Piano de Claude Bolling (com Maurcio Freire, Tnia Mara e Eduardo Campos) e No Serto (com o violista Roberto Corra) e Cidades Invisveis (com o saxofonista Daniel dOlivier). 18

MANSILLA, S. L. Un aporte de Carlos Guastavino y Lima Quintana al mundo de la Nueva Cancin argentina. Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.19-27.

Un aporte de Carlos Guastavino y Lima Quintana al mundo de la nueva Cancin argentinaSilvina Luz Mansilla (Facultad de Filosofa y Letras, Universidad de Buenos Aires, Argentina)[email protected]

Resumen: El artculo se refiere a la cancin Hermano compuesta por el msico Carlos Guastavino sobre una poesa de Hamlet Lima Quintana. Dedicada al editor Rmulo Lagos, fue grabada por Mercedes Sosa en 1966. Incluida como pista inicial del disco de la cantante tucumana al cual le dio su nombre, la cancin constituye una evidencia de la simpata del compositor con los postulados centrales del Nuevo Cancionero argentino. El trabajo comprende una aproximacin a la temtica del poema, el anlisis musical de la partitura, la puesta en contexto de las circunstancias de composicin y difusin y la descripcin de la versin grabada por Mercedes Sosa. Aplicando la nocin mundos del arte de Howard BECKER (1982), se interpreta la red de personas ligadas a la editorial Lagos como un tejido cooperativo que funcion con eficacia hasta mediados de la dcada de 1970. Un esbozo del contexto posterior, signado por la censura, permite inferir algunos factores que incidieron en el quiebre de esa red de colaboraciones. Aunque respecto de Guastavino, se habla aqu de vinculacin y no de pertenencia. Palabras clave: Carlos Guastavino, Nuevo cancionero, censura, Mercedes Sosa, cancin popular.

Carlos Guastavino and Lima Quintanas contribution to the world of the Argentinean new SongAbstract: Study about the song Hermano by Argentinean composer Carlos Guastavino written after a poem by Hamlet Lima Quintana. Dedicated to the editor Rmulo Lagos, the song was recorded by the Argentinean singer Mercedes Sosa in 1966. Included as the first track in that record (to which it gave its name), the song constitutes an evidence of the composers sympathy with the central postulates of the Argentinean New Song. This papers perspective integrates the poems subject, the scores musical analysis, the study of the context concerning with the composition and spreading circumstances and the description of the performance recorded by Mercedes Sosa. Applying the notion of art worlds by Howard BECKER (1982), we interpret the persons net connected with Lagos publishing, as a co-operative and interwoven fabric that effectively worked until the mid 1970s. A sketch of the following context, signed by the Argentinean censorship, reveals some factors that had influence on the crack of that collaborative net. Although it concerns Guastavino, our approach is concerned with connection and not to belonging. Keywords: Carlos Guastavino, Argentinean New Song, censorship, Mercedes Sosa, folk song.

1- Introduccin1El 23 de junio de 1966 la revista argentina Confirmado public una nota referida a la cantante tucumana Mercedes Sosa, bajo el ttulo Folklore: ese camino difcil.2 Haca poco tiempo -apenas algo ms de un ao- que ella protagonizaba el mayor xito como la voz femenina del boom del folclore. Su momento clave de consagracin artstica, ocurrido en enero de 1965 en el Festival de la localidad cordobesa de Cosqun, haba consistido en unos pocos minutos de actuacin escasos pero gloriosos cedidos por Jorge Cafrune en el escenario mayorPER MUSI Revista Acadmica de Msica n.23, 195 p., jan. - jul., 2011

(PORTORRICO, 2004, p.355). Ahora en cambio, faltaba poco tiempo, apenas das, para el comienzo de una fase nada gloriosa de la historia de Argentina: el 28 de junio de ese ao asumira la presidencia de la nacin el General Juan Carlos Ongana. Se iniciara as una etapa, al decir de Luis Alberto ROMERO (2001), de shock autoritario, en la que el rumbo de la Nueva Cancin emprendera en ese pas un perodo de lucha por imponerse, emergiendo desde algunos espacios recoletos, a la sombra de una persistente censura.3Recebido em: 15/05/2009 - Aprovado em: 22/04/2010

19

MANSILLA, S. L. Un aporte de Carlos Guastavino y Lima Quintana al mundo de la Nueva Cancin argentina. Per Musi, Belo Horizonte, n.23, 2011, p.19-27.

El segundo disco de Mercedes Sosa (1935-2009), titulado Hermano, apareci hacia fines de 1966.4 Postulo aqu que su primera pista, que contena la cancin homnima de Hamlet Lima Quintana (1923-2002) y Carlos Guastavino (1912-2000), constituye una significativa evidencia de la simpata del compositor santafesino con los postulados centrales del manifiesto del Nuevo Cancionero y por ende, con su lnea de pensamiento. Interpreto las circunstancias relacionadas con la produccin y circulacin de la cancin Hermano, dedicada al editor de msica Rmulo Lagos. Si bien no se conoce que el msico haya adoptado pblicamente actitudes comprometidas en el campo de la poltica, recrear aquel contexto en el que se movi durante la dcada de 1960 y conocer su manera de relacionarse con los integrantes del Nuevo Cancionero, ayuda a comprender la disminucin que se produce en la difusin de su msica en los aos de la ltima dictadura militar argentina. El marco que encuentro apropiado para esta reflexin es la nocin de mundos del arte de Howard BECKER (1982). Verdadera red de colaboracin que conforma un tejido complejsimo de intereses de todo orden en el que se engloban no solo los artistas, sino tambin los consumidores, mecenas y crticos, el mundo de la Nueva Cancin, segn mi anlisis, aproxim a la msica de Guastavino a los mbitos de la militancia progresista.5 El trabajo comprende una aproximacin a la temtica del poema, el anlisis musical de la partitura, la puesta en contexto de la versin grabada por Mercedes Sosa y un esbozo sobre algunos factores que pudieron incidir en la menor circulacin durante fines de los aos 70. Desde el punto de vista metodolgico, apelo al contraste entre la informacin obtenida de algunas fuentes hemerogrficas con aquella procedente de entrevistas cualitativas, en las que he empleado herramientas de historia oral.

Ubicado en la dcada de 1960 en lo que Sergio Pujol denomina un mundo potico coloquial y directo, Lima Quintana encarnaba la imagen del juglar, que haba vuelto a aparecer con fuerza y que se expresaba a travs de un estilo potico de corte popular, deseoso de sonido, de musicalizacin (PUJOL, 2002, p.133135). Unos meses antes de la grabacin de Hermano, se haba dado a conocer su clebre Zamba para no morir (con msica de Norberto Ambrs y Nstor Rosales),9 en la voz de Mercedes Sosa. Incluida en su primer disco larga duracin titulado Yo no canto por cantar, fue sin duda uno de las piezas consagratorias del poeta, y de la intrprete.10 No es difcil suponer entonces que el disco Hermano, separado por pocos meses del anterior, pasara algo opacado por el rpido reconocimiento del pblico que alcanz la Zamba para no morir. Tampoco es antojadizo pensar que haya sido el gnero el que incidi en su mayor popularizacin, puesto que como se ha dicho, el boom del folclore fue en gran medida el boom de la zamba.11 La admiracin de Lima Quintana por la voz de la cantante tucumana, ha quedado as descripta:[...] Mercedes no era entonces conocida. Era una ignorada cantora que nos pona la piel de gallina cuando largaba la voz. Recuerdo que yo bajaba la escalera [se refiere a la entrada de la pea El Hormiguero] cuando escuch: Romper la tarde mi voz/ hasta el eco de ayer... Baj tres escalones ms... y continu: Voy quedndome sola al final/ muerta de sed/ harta de andar/ pero sigo creciendo en el sol/ vivo Recin cuando baj el ltimo escaln pude ver, sentados junto a una mesa, a Mercedes y al Monchito [Ramn Mirez] ensayando la Zamba para no morir. Era la primera vez que la escuchaba cantada. Todava me duele la felicidad (LIMA QUINTANA, 1994, p.15)

3- Poesa, msica e ideologas

Las fuentes orales consultadas confirmaron la sospecha inicial: fue el editor Rmulo Lagos quien, como en otros casos, concert la presentacin recproca entre Carlos Guastavino y el poeta a musicalizar.6 A la primera colaboracin de 1963, que aqu estudiamos, le siguieron despus algo ms de una decena de piezas en conjunto: El nico camino en 1964, Pampamapa en 1965 y finalmente el ciclo de nueve canciones titulado Edad del asombro, en 1968, referido a la infancia y al pasaje del nio a la adolescencia. Hamlet Lima Quintana, poeta, cantor, autor y tambin, compositor,7 comenz a tener difusin en el mbito de la cancin de raz folclrica en Buenos Aires a principios de 1962, al grabar su zamba La amanecida, que haba compuesto nueve aos antes con Mario Arnedo Gallo. Conoci en 1963 a Armando Tejada Gmez y otros referentes de la Nueva Cancin argentina e inmediatamente comprendi que compartan similitud de temticas, objetivos y estilo literario.8 20

2- Lima Quintan