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REVISÃO DE TEMAS EMERGÊNCIA DA RESISTÊNCIA ÀS DROGAS Sonia Natal Resumo A resistência aos tuberculostáticos é um dos temas mais importantes na atualidade, pois a disponibilidade de drogas eficazes para o tratamento da tuberculose é reduzida. Além das repercussões epidemiológicas, o prognóstico o doente é reservado. A prevalência da resistência global apresentou uma variação de 5,0% na Nova Zelândia a 42,4% na Republica Dominicana, no Brasil de 10,6%. A revisão aborda os mecanismos de resistência, os fundamentos da quimioterapia de curta duração, o tratamento e a resistência no Brasil, os fatores de risco para a resistência e repercussão no PCT. Os principais fatores de risco para a resistência são o uso inadequado /ou suprimento inadequa- do das drogas, diagnóstico tardio, acessos inadequados para o tratamento, a co-infecção T-HIV. Palavra-chave: Tuberculose - Resistência a Drogas – Fatores de Risco Summary Due to the reduced acess to treatment and to efficient drugs, the drug resistance is one of the most important themes nowadays. Beyond the epidemological repercussion, the patient prognostic is private. Global resistance prevalence showed a variation of 5,0% in New Zealand and 42,4% in the Dominican Republic. The revision approaches the mechanism of resistance, the fundamentals in short term chemotherapy, the treatment and the resistance in Brazil, the risk factors for resistance and control program repercussion. The main risk factors for resistance are the unsuitable use, or supply of drugs, late diagnostic, unsuitable acess to treatment, co-infection by T-HIV. Key-words: Tuberculosis – Drug Resistance – Risk factors 1- Sonia Natal, doutora em Saúde Coletiva, médica CRPHF – FUNASA, Pesquisador visitante Dpto Endemias – ENSP – FIOCRUZ, [email protected]

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REVISÃO DE TEMAS

EMERGÊNCIA DA RESISTÊNCIA ÀS DROGASSonia Natal

Resumo

A resistência aos tuberculostáticos é um dos temas mais importantes na atualidade, pois a disponibilidade de drogaseficazes para o tratamento da tuberculose é reduzida. Além das repercussões epidemiológicas, o prognóstico o doenteé reservado. A prevalência da resistência global apresentou uma variação de 5,0% na Nova Zelândia a 42,4% naRepublica Dominicana, no Brasil de 10,6%. A revisão aborda os mecanismos de resistência, os fundamentos daquimioterapia de curta duração, o tratamento e a resistência no Brasil, os fatores de risco para a resistência erepercussão no PCT. Os principais fatores de risco para a resistência são o uso inadequado /ou suprimento inadequa-do das drogas, diagnóstico tardio, acessos inadequados para o tratamento, a co-infecção T-HIV.

Palavra-chave: Tuberculose - Resistência a Drogas – Fatores de Risco

Summary

Due to the reduced acess to treatment and to efficient drugs, the drug resistance is one of the most important themesnowadays. Beyond the epidemological repercussion, the patient prognostic is private. Global resistance prevalenceshowed a variation of 5,0% in New Zealand and 42,4% in the Dominican Republic. The revision approaches themechanism of resistance, the fundamentals in short term chemotherapy, the treatment and the resistance in Brazil, therisk factors for resistance and control program repercussion. The main risk factors for resistance are the unsuitableuse, or supply of drugs, late diagnostic, unsuitable acess to treatment, co-infection by T-HIV.

Key-words: Tuberculosis – Drug Resistance – Risk factors

1- Sonia Natal, doutora em Saúde Coletiva, médica CRPHF – FUNASA, Pesquisador visitante Dpto Endemias – ENSP – FIOCRUZ, [email protected]

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Descrição preliminar

A resistência em microorganismos previamentesusceptíveis ocorre quando se utilizam antibióticos eminfecções humanas ou em animais. A seleção natural decepas resistentes criou uma competição entre a tecnologiae a evolução microbiana. Com o uso desregrado dos agen-tes antimicrobianos, há várias décadas, a resistência apa-rece em vírus, bactérias, fungos e protozoários, levandoa novos desafios tanto para o tratamento individual comopara os programas de controle (NEU, 1992).

A resistência aos tuberculostáticos foi reconheci-da desde a implantação da quimioterapia (ISEMAN,1989). Entretanto pode ter surgido anteriormente àquimioterapia, decorrente de mutação natural dos bacilos,pois é um evento que ocorre ao acaso, não necessita serinduzida. Uma grande população bacilar quando expos-ta aos tuberculostáticos terá organismos resistentes a umaou outra droga, por mutação natural. A freqüência esti-mada da mutação dos bacilos para-resistentes é estima-da para a rifampicina (R) de 1/10(8), para a isoniazida(H) e a estreptomicina (S) de 1/10(6) e para o etambutol(E) de 1/10(4) (CENTERS FOR DISEASE CONTROL(CDC), 1993). Em uma lesão causada pela tuberculosenão cavitária o número de bacilos existentes é relativa-mente baixo, aproximadamente de 10(4) a 10(5) por gra-ma de tecido, portanto a chance de detectar-se bacilosresistentes é reduzida. Já, em uma lesão cavitária o nú-mero de bacilos encontrados por grama de tecidos é deaproximadamente de 10(9) a 10(11) e a chance de existirbacilos resistentes é grande. Nestas lesões cavitárias, empresença da monoterapia, a mutação de bacilos com re-sistência para este antibiótico passa a ter uma vantagemde seleção sobre os bacilos sensíveis e compromete todaa população bacilar. Em microbiologia a resistência édefinida de acordo com a proporção de organismosresistentes a uma concentração crítica específica paracada antibiótico. Geralmente quando um porcento oumais organismos em uma amostra é detectado comoresistentes o sucesso terapêutico fica reduzido e aamostra deste espécime é considerada resistente.(CANETTI, 1965; GOBLE, 1993; FRIEDEN, 1993;CDC, 1993; PLIKAYTIS, 1994).

A mutação para a resistência aos antibióticos nãoé ligada cromossomicamente e o desenvolvimento espon-tâneo da resistência a mais de uma droga é raro. Porexemplo, a mutação espontânea à H e à R é de 10(-6) a 10(-8) respectivamente, portanto a resistência às duas dro-gas seria de 10(-14). O desenvolvimento de resistência a

mais de uma droga está relacionado diretamente com asubdose das drogas. Quanto maior a população bacilarmaior a chance da droga-resistência. Em uma popula-ção de bacilos resistentes à H, mesmo com a vanta-gem da adição de outras drogas, a chance de surgirresistência às drogas adicionadas aumenta.(CANETTI, 1965; GOBLE, 1993; FRIEDEN, 1993;CDC, 1993; PLIKAYTIS, 1994).

Na tuberculose humana, as maiores populaçõesestão nas lesões cavitárias. Em estudos de necropsia emdoentes não submetidos à quimioterapia, foi estimada apopulação bacilar inicialmente presente em diferentes ti-pos de lesões. As populações encontradas em cavidadeseram na ordem de 10(7) a 10(8) bacilos, enquanto emlesões caseosas endurecidas eram de 10(2) a 10(4) bacilos.(HOWARD, 1949; HOWLETS, 1949)

Dados de pesquisas experimentais com animaismostraram que o bacilo resistente seria menos viru-lento que o sensível, como observou-se em estudoem animais que evidenciou que os bacilos resistentesà H eram menos virulentos que os sensíveis(MITCHISON, 1954). Foi verificado que a transmis-são dos bacilos resistentes é semelhante à dos sensí-veis. SNIDER (1985), comparou o risco de infecçãoentre contatos de doentes sem tratamento anterior comos de doentes com tratamento anterior, controlando seeram resistentes ou sensíveis, não encontrou evidên-cias de que os bacilos resistentes eram menos infecci-osos que os sensíveis. Os autores, entretanto, verifi-caram um aumento do risco de infecção entre os con-tatos dos doentes resistentes e com tratamento anteri-or, que ocorreria por uma exposição prolongada e nãopor aumento da infecciosidade do bacilo resistente.

Outros estudos também demonstraram que paci-entes com MDR-Tb transmitem e causam a doença empessoas susceptíveis, da mesma forma que o fazem osdoentes sensíveis às drogas (SNIDER, 1985; CDC, 1991;VALWAY, 1991; BE CK-SAGUE, 1992). Por ser facil-mente contagiosa, com a conseqüente disseminação debacilos resistentes na população, a falta de disponibili-dade para o tratamento dos doentes resistentes, poderáaumentar exponencialmente estes bacilos, agravando oproblema de controle da tuberculose.

O reconhecimento da resistência aostuberculostáticos, imediatamente após o estabelecimentodo tratamento quimioterápico, na tuberculose multidrogaresistente (MDR-Tb) em doentes com infecção por HIV,nos EUA e na Europa, foi um fator estratégico parapriorizar o controle da tuberculose, principalmente para

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obtenção de recursos financeiros (NATAL, 1993). Ossurtos de resistência identificados nos EUA preocupa-ram não só pelo número de doentes identificados comoresistentes, mas também pela transmissão aos traba-lhadores da área da saúde. A evidência epidemiológicada transmissão hospitalar foi confirmada pelo DNAfingerprinter, que ao identificar padrões semelhantes,sugeria a existência de uma conexão entre os surtosocorridos (CDC, 1991).

A resistência aos tuberculostáticos assume gran-de importância no programa de controle da tuberculose,pois a disponibilidade de drogas eficazes para o trata-mento da tuberculose é reduzida (RIEDER, 1995). Alémdas repercussões epidemiológicas, o prognóstico para odoente resistente é reservado, principalmente quando aresistência inclui a H e a R. As opções terapêuticas, paraa MDR-Tb, são de baixa eficácia e eficiência, de maiortoxicidade e de maior custo, comparadas com as dispo-níveis para os doentes sensíveis. As taxas de cura, dosdoentes portadores da MDR-Tb, são inferiores a 60% e,em alguns estudos, estes resultados são semelhantes aosda era pré-quimioterápica (MITCHISON, 1986).

A resistência aos tuberculostáticos é a amplifica-ção pelo homem do fenômeno natural. Diferentementede outras bactérias, no M. tuberculosis não há indicaçãoda transferência horizontal de genes (resistance plasmidsor transposons). Em cepas de M. tuberculosis não ex-postas às drogas, nunca foi demonstrada uma resis-tência, com exceção do M. bovis, e referente a resis-tência à H. Para o programa de controle da tuberculo-se o interesse se dá no processo de mutação genética,decorrente da exposição às drogas, responsável pelaemergência da resistência clínica aos tuberculostáticos(HOWARD, 1949; HOWLETS, 1949).

Durante a multiplicação bacteriana, a resistênciaespontânea aos tuberculostáticos ocorre em uma freqüên-cia definida, e os genes envolvidos na resistência sãodiferentes para cada droga (Tabela 1) (MITCHSON,1979; FOX, 1975). A mutação genética que resulta naresistência do M. tuberculosis à R, ocorre em uma taxade 10(–10) por divisão celular que conduz a umaprevalência estimada de 1 bacilo resistente em 10(8) dosbacilos sem drogas no meio ambiente. A mutação gené-tica à H conduz a uma prevalência de 1 em 10(6) bacilossem drogas (GRANGE, 1990). Populações bacilaressuperiores a 10(7) são comuns em lesões cavitárias

(CANETTI, 1965).Em 1980, a reutilização da pirazinamida, (Z) jun-

to com a R e a H, permitiu a redução do tempo de usodas drogas, já que esta associação mostrou-se altamenteeficaz, com rápida redução da população bacilar. Estefato permitiu o tratamento ambulatorial - isolamento“químico” – decorrente da rápida atuação como redutorda tosse e da negativação do escarro, além da vantagemde ser totalmente oral e de baixa toxicidade.(MITCHISON, 1979; FOX 1975; FOX, 1978).

A monoterapia, que decorre do erro de prescri-ção, da não adesão ao tratamento, do tempo insufici-ente, das subdoses e da falta de drogas, suprime o cres-cimento dos bacilos sensíveis a essas drogas, mas per-mite o crescimento dos resistentes. Este fenômeno échamado de resistência secundária ou adquirida. Atransmissão desses bacilos a outras pessoas causa aresistência primária. Toda droga ativa para o trata-mento da tuberculose induz a resistência e, quanto maisativa a droga, maior o risco de indução da resistênciaclínica (CANETTI, 1965).

A MDR-Tb devido a ocorrência de mutação es-pontânea, é basicamente impossível. A probabilidade demutação espontânea, induzindo resistência à H e à R, é oproduto das probabilidades de cada droga (1 em 10(14)

(10 (-6) X 10(-8) )). Porém, é possível ocorrer, em umacepa com resistência à H em que apareça resistênciaespontânea à R, em alguns bacilos, pelo tratamento comH e R que selecionará bacilos resistentes a essas duasdrogas. Uma seqüência similar de eventos conduz a re-sistência a outras combinações de drogas. A aquisiçãode resistência à R e à H parece não ocorrer em bloco,mas por mecanismos cumulativos, culminando com amutação de bacilos para-resistentes (GOBLE, 1993;PLIKAYTIS, 1994; FRIEDEN, 1993).

Os mecanismos microbiológicos da resistência são:(NIKAIDO, 1994; KWON, 1995)

- Variação da permeabilidade da parede celular,para diferentes drogas;

- Produção de enzimas que degradam ou modifi-cam as drogas;

- Modificação espontânea ou provocada decromossomas de genes alvos das drogas.

Esses mecanismos vão levar, como conseqüência,à inativação das drogas, à impossibilidade da droga pe-netrar através da parede celular, à redução da droga pordegradação por enzimas bacilares e, à alteração por mu-tação genética.

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O termo, “bacilo persistente”, foi utilizado, pelaprimeira vez, por McCune, em 1966 (MITCHISON,1998), referindo-se à capacidade do bacilo em sobre-viver nos tecidos, na presença de altas concentraçõesde agentes bactericidas.

A natureza desses bacilos persistentes é desco-nhecida, mas assume-se que existe um estado dedormência, com estes bacilos apresentando curtos in-tervalos de metabolismo ativo.

GRANGE (1992), não concorda que as popula-ções de dormentes e persistentes sejam iguais. Existiriauma população que apesar de ser inativa, sofreria a açãodas drogas, pois foi demonstrada a ação da H em bacilosdormentes, em indivíduos com tuberculose-infecção.Existiria um segundo tipo de bacilo persistente, respon-sável pela reativação endógena da tuberculose, após anosou décadas da infecção, e uma terceira população quedependeria da resposta imunológica, esta última, seria aresponsável pelo adoecimento rápido em indivíduos comcomprometimento imunológico.

A redução da resposta imunológica, por diver-sos fatores, fala a favor de que a resposta imunológicaseria importante para a manutenção de um tipo debacilo “persistente”, como verificado em adoecimentoapós a infecção pelo HIV.

O retratamento, com o mesmo esquema, tem comopressuposto que a recidiva decorre da população “per-sistente”, teoricamente sensível.

Tratamento da tuberculose no Brasil

O Brasil foi o primeiro país a implementar o esque-ma de curta duração, auto-administrado, em um programade saúde pública. A auto-administração foi sempre questio-nada internacionalmente, principalmente, por não haver ne-nhum sistema de monitoramento das tomadas das drogas e ocontrole ser apenas as visitas mensais aos centros de saúde.Outro grande problema que surgiu na implementação desseesquema foi o desaparecimento da visitadora domiciliar,agravando o abandono do tratamento, e o não seguimentode todos os doentes após a alta.

A medida adotada no Brasil e recomendada pela aOMS, foi o uso das drogas em uma só apresentação,com doses fixas, sendo que a OMS recomenda a combi-nação de três drogas – R, H e Z – enquanto que no Brasilutiliza-se a combinação fixa de R e H. Com esta medidaseria evitada a monoterapia e, por conseguinte, a resis-tência por uso inadequado, superando a resistênciamutacional, principalmente se considerarmos a probabi-

lidade da resistência a duas drogas seria de 10(–14), o quepoderia ser considerada rara. (PARSONS, 1997).

Com a implementação do esquema de curta du-ração, no início da década de 80, também houve auniversalização do programa de controle da tubercu-lose, garantindo um melhor sistema de informação.Porém, não houve a descentralização dos centros dediagnóstico e tratamento.

Para a detecção da resistência utiliza-se o teste desensibilidade. Na prática, a detecção precoce e simplesda possibilidade da resistência, pode ser realizada atra-vés do acompanhamento da evolução dos resultados dabaciloscopia. No início do tratamento a destruição dosbacilos sensíveis se faz de maneira rápida, reduzindo apopulação bacilar. Posteriormente, o número de bacilospoderá voltar a crescer, devido à multiplicação demutantes resistentes. A repositivação do escarro, após anegativação, é um fenômeno há muito conhecido e degrande importância prática, pois permite a detecção daresistência, através de um método simples e barato, alémde ser um bom indicador da tomada correta dos medica-mentos pelo doente. O grau de positividade dos examesdiretos do escarro – baciloscopia - seria mais importanteque os testes de sensibilidade para a detecção da resis-tência durante o tratamento. A cultura do escarro, já nãoseria um bom marcador durante o tratamento, devido àchamada resistência transacional, que aparece antes danegativação da cultura do escarro (FOX, 1977). A reali-zação de cultura do escarro, após a negativação dabaciloscopia, pode mostrar positividade, inclusive comdetecção de bacilos resistentes o que apenas significaque houve a eliminação dos bacilos sensíveis; os resis-tentes decorrentes de mutação genética tardam mais paraserem eliminados. Devido a este fato, a cultura não é umbom exame para o acompanhamento da evolução dosdoentes, na ausência da piora clinica e/ou a persistênciade bacilos ao exame direto do escarro.

A resistência no Brasil

Após a descoberta da S, em 1944, outras drogasforam sendo descobertas progressivamente e deu-se oinício da era da quimioterapia. A descoberta de outrasdrogas possibilitou associações que culminaram com oesquema tríplice, S + ácido para-amino salicílico (PAS)+ H. Este esquema poderia evitar a emergência de bacilosresistentes, garantindo maior taxa de cura. Em 1950, jáse afirmava: “Só não cura de tuberculose ou quem nãoquer ou quem não pode” (NATAL, 1993).

1 3 a 6 meses S + H + PAS/ 12 meses H + PAS/ 6 meses H2 3 meses S + H + PAS/ 3 meses H + PAS/ 6 meses H

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Porém após o entusiasmo inicial, um grande pro-blema é detectado no final da década de 50 – a resistên-cia aos tuberculostáticos - e se afirmava: “o maior de-sastre para o doente tuberculoso é que seu bacilo setorne resistente às drogas padronizadas. Isto pode vir-tualmente ser evitado por métodos adequados dequimioterapia, porém os menores erros de ação ou omis-são podem ser desastrosos.”

No estudo realizado em 1959, pelo Laboratório Cen-tral, Rio de Janeiro, a resistência adquirida a pelo menosduas drogas era de 68 %. Além da resistência, a taxa demortalidade nos hospitais especializados chegava a 75%,nos dois primeiros meses de internação. Isto demonstrava obaixo rendimento dos hospitais e dispensários.

Como o aparecimento da resistência foi consideradouma conseqüência do emprego inadequado das drogas, pro-pôs-se, então, o primeiro esquema padronizado1, com dura-ção de 18 a 24 meses de tratamento, difásico, isto é, osprimeiros três meses internados, para rápida redução dacarga bacilar e para educação sanitária.

Nos meados da década de 60, a Campanha Naci-onal Contra à Tuberculose (CNCT), seguiu a orientaçãoexpressa no Oitavo Informe da OMS, 1964. Estas orien-tações definiam o que era um caso de tuberculose, e re-comendava a baciloscopia como o método preferencialde diagnóstico para tuberculose, no lugar da radiogra-fia, devido ao menor custo e maior especificidade para obacilo álcool-ácido-resistente. O esquema de tratamentofoi reduzido para 12 meses, após os estudos da UICT2,1965, o que possibilitaria a redução do custo e a maioroferta de tratamentos.

Com essas medidas, foi possível a avaliação dosresultados de tratamentos em 19 dispensários, inscritosno Serviço Nacional de Tuberculose (SNT), 1966-1968,devido à padronização do esquema. A taxa de cura foi68.7%, a de abandono 14.2%, a de crônicos 5.9% e a deóbitos 3.0%. Em um segundo momento a taxa da resis-tência secundária reduziu de 68% para 22.1%. Podemosconsiderar estes resultados, em face do esquema que erautilizado, como um grande sucesso.

Na década de 70, no Instituto Clemente Ferreira,de 1077 casos diagnosticados no período de 1972 a 1976,eram resistentes 8,5% (LIMA FILHO, 1980). A resis-tência verificada, por drogas, foi de 5,0% à H e S, de0,8% ao PAS e de 0,4% às três drogas. Verificou-se aausência de resistência primária à R e ao E. Recomen-

dou-se, então, a utilização destas drogas para o trata-mento da tuberculose.

A outra medida seria garantir o tratamento a to-dos os doentes, com melhoria do diagnóstico e tratamen-to, o que só foi conseguido em 1979, com o esquema decurta duração, graças a recursos remanejados principal-mente das internações, pois o tratamento eraprioritariamente ambulatorial.

A partir de 1979, iniciou-se a utilização do esque-ma com R, H e Z, progressivamente, até atingir todos osdoentes em 1982.

Após a introdução deste esquema foi realizado,entre 1986 e 1988, um estudo da resistência primária,em vários estados. A resistência detectada, em um totalde 928 amostras, foi: 3,0% à H, 8,0% à S, 0,1% ao E,3,5% à H e S associadas, 0,3% à H e R associadas, e0,1% à H, S e R associadas. A resistência global foi de15,0%, bastante alta, semelhante aos países em desen-volvimento. Entretanto a associada à H e R foi bastantebaixa, semelhante aos países desenvolvidos, e não foiverificada a resistência à R isolada. (BARRETO, 1988).

Em inquérito realizado na América Latina, no pe-ríodo de 1986 a 1990, em 339 amostras do Brasil, foiverificada resistência em 40 amostras (11,8%), onde 9,1%eram monoresistentes, 0,1% associação H e R e 11, 6%S. (LASLO, 1995). Com a introdução da quimioterapiade curta duração, nesse período, houve uma redução daresistência às drogas no Brasil.

No inquérito, mais recente, realizado no Brasil,1995 e 1996, em vários estados, com uma amostra de5138 casos de tuberculose, a resistência (Tabela 2) apelo menos uma droga foi de 10,6% (545 casos), a resis-tência primária de 8,5% (362/ 4265) e a secundária de21,0% (183/873). A associação com a R e H foi de 2,2%( 116) (BRAGA,1999). Neste inquérito, nos resultadospreliminares, a resistência mais freqüente foi com a H,de 6,3% e a menor com o E, de 0,2%. A resistência à Sfoi de 3,8% e à R de 1,5% (WHO, 1997).

Tabela 2. Resistência no Brasil - OMS – 1995

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Fatores de risco para a resistência aostuberculostáticos

Os fatores de risco de maior importância parao desenvolvimento da resistência são o uso inade-quado dos tuberculostáticos (COSTELLO, 1980,FRIEDEN, 1993), e indivíduos que moram em pa-íses ou comunidades de alta prevalência de bacilosresistentes (PITCHENIK, 1982; RILEY, 1989).

As lesões cavitárias e/ou história de tratamen-to para tuberculose, também, aumentam o risco daresistência adquirida. BEM-DOV, 1987, verificouque pacientes com cavidades tinham quatro vezesmais chances de adquirir resistência, quando com-parados com aqueles sem lesão cavitária, com umintervalo de confiança a 95%, de 2,1 a 7,6. Emdoentes com história de tratamento para tubercu-lose, a resistência foi 4,7 vezes maior, quando com-parados com doentes sem história de tratamento (IC 95%= 2,6-8,8). A combinação da lesão cavitária e de histó-ria de tratamento confere um risco adicional. Em doen-tes com os dois riscos, 71,0% foram resistentes.

SUMARTOJO, 1993, relaciona o fracasso dotratamento, com o conseqüente aumento da resis-tência, à não adesão ao tratamento, sendo que osfatores relacionados com a não adesão seriam ascircunstâncias socia is adversas . Fatoresdemográficos como sexo, idade, raça, educaçãoestariam ligados também ao fracasso do tratamen-to. Entretanto, estes fatores não seriam inerentes àcausa do fracasso do tratamento. Poderiam apre-sentar-se como um fator de risco devido à falta deinformação e a aspectos culturais, mas seriam fatoresde confusão. A idade, maior de 40 anos, foi associada ànão adesão, na maioria dos estudos, como também osexo masculino. O autor acha que a interpretaçãodestas variáveis é difícil e inconsistente.

HUMA (1996), relaciona a resistência aostuberculostáticos com o aumento dos sem tetos eda pobreza, limitação do acesso aos serviços desaúde, doses subótimas dos tuberculostáticos e nãoadesão ao tratamento. A redução de recursos fi-nanceiros para o controle da tuberculose e da aidsé importante para a resistência adquirida. Para aresistência primária, o fator de risco seria a migra-ção de pessoas or iundas de países de a l ta

prevalência, com freqüência de resistência primá-ria à H superior a 4%. A autora recomenda, parapaíses com freqüência de resistência primária à Hinferior a 4,0%, tratamento com três drogas – H, Re Z. Em países com taxas altas de resistência à H ea mais uma outra droga, a quimioterapia deveria seriniciada com 4 ou 5 drogas, com monitoramento da ade-são ao tratamento, pois em grupos sob regime auto-ad-ministrado a resistência secundária ocorreu em 14%contra 2,1% entre os que foram supervisionados.

FENG-ZENG (1997), recomenda o acompa-nhamento dos doentes através da baciloscopia, poisa conversão do escarro, no terceiro mês de trata-mento, seria um importante preditor para o suces-so da quimioterapia, enquanto, a não conversão,seria um preditor para a falência, devido ao apare-cimento da resistência. Estudos mostraram umacorrelação entre o escarro positivo no segundo mêse a falência do tratamento, e fortemente associada,quando positivo no terceiro mês do tratamento.

Outros fatores de riscos reconhecidos seriama mobilização populacional, o aumento de sem-te-tos, o uso de drogas injetáveis e a aids. Verificou-se também que a resistência era mais prevalenteem doentes jovens, indicando infecções recentes(BEM-DOV, 1987).

Também, como causa da resistência, é citadaa falha dos programas de controle da tuberculoseno suprimento dos medicamentos, além das associ-ações inadequadas em doentes não responsivos aotratamento e a não identificação da resistência emtempo oportuno (MAHMOUDI, 1993).

A associação da tuberculose e das formas deresistência primária e secundária com as más con-dições sociais, é um achado unânime. Estudos, nosEUA, verificaram que a resistência primária eramais freqüente nos imigrantes dos países da Amé-rica Latina, Ásia, Haiti e Filipinas (AITKEN, 1980;PITCHENIK, 1982; RILEY, 1989).

O uso do esquema tríplice objetiva evitar aemergência de bacilos resistentes. A resistênciaprimária é geralmente baixa nos países desenvol-vidos e alta, naqueles em desenvolvimento. NoQuadro 1, podemos ver que a resistência secundá-ria às drogas é maior nos indivíduos originários depaíses subdesenvolvidos, nos quais é maior a inci-

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A resistência aos tubeculostáticos comomanutenção dos casos infectantes e situaçãomundial.

A infecciosidade se dá, essencialmente, a partirda tuberculose pulmonar ou da laringe. O mecanismoprincipal de transmissão é a tosse presente nos doen-tes pulmonares bacilíferos, sobretudo os com lesõescavitárias. Antes do diagnóstico, os tuberculosos re-presentam grande risco epidemiológico, mas, aquelessubmetidos a tratamento inadequado exibem riscomaior, pois, além da manutenção dos sintomas respi-ratórios, estão sujeitos a desenvolver resistência ad-quirida e se converterem em fontes de transmissãode bacilos resistentes.

O tratamento inadequado é, em geral, conse-qüência da não adesão ao tratamento que, segundoCHAULET, 1987, apresenta vários níveis, a saber:total recusa ao tratamento – abandono, o não cumpri-mento da duração do tratamento, o uso irregular dasdrogas e o uso incorreto das doses, este, por erro deprescrição como no caso de não ser levada em consi-deração a interação medicamentosa, ou por decisãoespontânea do doente. Os fatores da não aderênciasão responsáveis pela permanência da fonte de in-fecção, emergência da resistência bacteriana e au-mento do custo do tratamento.

Também, leva a persistência de bacilos resis-tentes, o acompanhamento inadequado - tratamentosem acompanhamento baciloscópico e a alta por curasem a verificação da negativação em três diferentesamostras de escarro - por não identificação da falênciado tratamento, acarretando a piora do doente e agrava-mento epidemiológico com a disseminação destes bacilos.

A resistência secundária, gerada pelo tratamentoinadequado, é responsável pela disseminação debacilos resistentes que, por sua vez, levam à resistên-cia primária (WHO, 1997). A resistência natural, comocitado anteriormente, independente de exposição pré-via aos tuberculostáticos e, até o momento, não foidetectada como determinante de resistência clinica(3).Esta resistência estaria ligada às grandes populaçõesbacilares, como encontradas em extensas cavidades,e poderia ser considerada rara (HOWARD, 1949;HOWLETT, 1949).

A OMS, em 1994, realizou um levantamentoda resistência à isoniazida, à rifampicina, ao etambutole à estreptomicina, com participação de cerca de 20%dos países, (OMS, 1977). Verificou-se uma grandevariação entre os países participantes, porém a verda-deira magnitude do problema ainda permanece desco-nhecida (Fig 1).A resistência global verificada varioude menos de 5% na Nova Zelândia a valores superio-res a 40%, como na Rep. Dominicana. No Brasil, estaresistência foi de 10%, inferior à da Argentina, daBolívia e do Peru. Verificamos que países como osEUA, e/ou aqueles do Mercado Comum Europeu, tam-bém apresentaram freqüência importante. É claro queos dados do Brasil são uma média de várias cidadesparticipantes e dilui a realidade, pois sabemos que esteproblema é maior em alguns centros.

Figura 1- Prevalência da resistência globalem alguns países - WHO, 1997

3 Segundo a OMS : Resistência adquirida ou secundária: é aquela encontrada em pacientes que receberam no mínimo 1 mês de tratamento prévio comtuberculostáticos. Resistência primária: é a presença de cepas resistentes de M. tuberculosis, em doentes sem história de tratamento.Resistência Combinada: é a prevalência de resistência às drogas específicas, entre todos os casos de tuberculose, independente de tratamento anterior,em um dado ano, em um pais.

Neste estudo, a resistência primária a qualqueruma das drogas variou de 2% na República Checa a41% na República Dominicana, com uma média de10.4%. A multidrogaresistência (4) (MDR-Tb) primá-ria variou de 0% no Quênia a 14.4% na Lituânia, comuma média de 1.4%. No Brasil a resistência primáriaa pelo menos 1 droga foi de 8.6% (Fig. 2).

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nosso meio. Uma preocupação mais atual é com viagensaéreas, pois já foi demonstrado o risco de infecção poreste meio de transporte (DRIVER, 1994).

Há mais de 20 anos da recomendação para a com-binação das drogas em doses fixas, atualmente questio-na-se a biodisponibilidade da R nestas combinações. Aprovável redução da biodisponibilidade da R em combi-nações fixas já foi documentada e a sua implicação nocontrole da tuberculose é desastrosa (PILLAI, 1999),pois acarretaria um aumento das taxas de falência dotratamento com o esquema de curta duração e aumenta-ria a probabilidade de surgimento de mutantes resisten-tes, tanto à R como à H, com um impacto epidemiológiconegativo decorrente do aumento de bacilos resistentescirculantes. Em termos individuais seria um desastre parao doente, por reduzir ou mesmo impossibilitar a cura(ELLARD, 1999).

Segundo SBARBARO, 1999, os testes in vitro nãogarantiriam realmente uma biodisponibilidade da R quan-do utilizada no homem.

Tanto SBARBARO, 1999 e MITCHISON,1998, questionam se o uso de doses fixas combinadasdas drogas preveniriam o surgimento da resistência,se interrompido o tratamento, parcial ou totalmente.Estes autores, reconhecem a necessidade de protoco-los para determinar a biodisponibilidade da R em apre-sentações combinadas.

MITCHISON, 1998, apresenta vários mecanis-mos pelos quais a resistência às drogas não seria reduzi-da com o uso combinado em uma única apresentação. Oautor descreve que o mecanismo de morte dos bacilosnão é do tipo contínuo. Haveria fases em que os bacilosseriam reduzidos por ação das drogas e, em outro mo-mento, quando as drogas deixassem de ser tomadas, osbacilos voltariam a ter uma taxa de crescimento. Em cadaum destes ciclos ocorreria seleção, favorecendo osmutantes resistentes em detrimento dos sensíveis. O re-crudescimento da população bacteriana ao tamanho dapopulação inicial, anterior à quimioterapia, poderia ocor-rer com a presença de proporções crescentes de bacilosresistentes no início de cada ciclo. Diferentes mecanis-mos, incluindo o efeito bactericida precoce das drogasusadas, favoreceriam a seleção de mutantes resistentes.O efeito bactericida precoce seria a velocidade com quea droga iniciaria seu efeito bactericida. Esquemas con-tendo isoniazida iniciariam a ação bactericida mais ra-pidamente que esquemas sem esta droga, nas fases inici-ais. No início do uso de esquemas com H e R os mutantesH resistentes seriam selecionados porque só poderiam

ser mortos pela R; os bacilos sensíveis à H seriam cadavez mais eliminados pela H. Esta seleção se daria por-que na atividade bactericida precoce teria uma diferençade dois dias de tratamento para serem similares. Apóseste período as drogas teriam a atividade bactericida si-milar. Como na fase inicial a população bacilar é grandee a probabilidade de seleção de bacilos resistentes é mai-or, haveria a seleção de mutantes resistentes à H, e have-ria também mutantes resistentes à R; como a R demora-ria para o início de sua ação teria uma situação seme-lhante à monoterapia, e estas populações resistentesaumentariam rapidamente. Este mecanismo explica-ria a produção da resistência em doentes com baixaadesão ao tratamento, ou que não tomassem a terceiradroga. O doente que deixasse de tomar, por dois a trêsdias, já daria a defasagem de ação das drogas, e seriacomo se estivesse fazendo monoterapia. Por este com-portamento o uso de drogas combinadas não garanti-ria uma redução da resistência aos tuberculostáticos.O bacilo da tuberculose sofre um hiato metabólico deduração variável para cada droga após o início de suautilização. Se o intervalo entre as tomadas da medicaçãofor superior a este hiato poderá haver um aumento dosmutantes resistentes.

O mecanismo de ciclos e o de efeito bactericidaprecoce, ocorrem preferencialmente, na fase inicial dotratamento, quando a atividade bacilar está em multi-plicação rápida; o hiato metabólico dos bacilos seriana fase de continuidade, quando a população bacilarestaria reduzida e os períodos de multiplicação seri-am ocasionais e com uma atividade metabólica mínima(semidormentes)

A atual estratégia da OMS, com relação ao trata-mento, é o “Directly Observed Treatment”, DOTS, tra-tamento supervisionado com o objetivo de reduzir a in-cidência da tuberculose, o risco de infecção, a falência,a recidiva e reduzir e controlar a resistência bacteriana(SUDRE, 1992; WHO, 1994).

Outra recomendação da OMS, é a inclusão de umaquarta droga nos esquemas de retratamento para a tu-berculose. A droga recomendada é o etambutol, adicio-nado ao esquema com R, H e Z, nos dois primeiros me-ses. Mitchison, 1998, questiona esta estratégia comopouco eficaz. Tal medida reduziria a chance do cresci-mento da resistência à H ou à R isolada ou à H e Z.Entretanto, não traria vantagens para reduzir outros pa-drões de resistência como a H associada à R. O autoracha que as desvantagens são maiores que o possívelbenefício, como o custo e o aumento do risco de

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toxicidade, além de que esta associação aumentaria aprobabilidade de uma pobre absorção da R.

A União Internacional Contra a Tuberculose, apre-sentou uma revisão dos esquemas de tratamento paratuberculose, onde se verificou, em vários estudos, que aadição da S nas fases iniciais do tratamento, dois pri-meiros meses, reduziria as taxas de falência em doentessensíveis, mas, o acréscimo do E, neste esquema, nãotraria nenhuma vantagem nesse sentido. O esquema deR e H, com E em vez da Z, em doentes inicialmentesensíveis, demonstrou que o E teria uma baixa capacidadede esterilização, com uma taxa de doentes positivos abaciloscopia no segundo mês superior ao esquema que uti-lizou o Z, as taxas de falência e recidivas também foramsuperiores com uso do E quando comparado com o Z, comdiferença estatisticamente significativa. (FOX,1999)

Deve-se destacar a necessidade de tratamento di-ferenciado para grupos específicos como os dependentesde álcool, e/ou outras drogas, os indigentes, os alberga-dos, os prisioneiros, os internados em asilos e orfanatos.No Brasil o primeiro passo para uma terapia supervisio-nada seria a descentralização do diagnóstico e do trata-mento. No Rio de Janeiro, por exemplo, estes procedi-mentos estão concentrados nos Centros de Saúde, o quedificulta o acesso dos doentes e o conhecimento, peloserviço de saúde, de características próprias da comuni-dade (NATAL, 1993).

Repercussão da resistência no programa decontrole da tuberculose.

Um programa de controle da tuberculose com boasestratégias, ou seja, com taxas eficientes de detecção decasos novos e de cura, tem pouca probabilidade de emer-gência de resistência.

Com o esquema de curta duração – R, H e Z - a eficá-cia verificada é de 95,0%, mas, outros fatores têm que sercumpridos para evitar a emergência da resistência. Os prin-cipais seriam: um diagnóstico precoce que significa popula-ção bacilar pequena e, portanto, baixa probabilidade deemergência de bacilos resistentes; redução da taxa de aban-dono do tratamento e garantia de uso adequado das drogas(ROUILLON,1977; STYBLO, 1991)

Quando a taxa de abandono aumenta, surgem,consequentemente, bacilos resistentes. Em um primeiromomento será a resistência devido ao uso das drogas –resistência secundária. Como as taxas de sucesso de tra-tamento destes doentes é baixa - inferior a 60% nos me-

lhores resultados - eles permanecem infectantes. Em umsegundo momento detecta-se a resistência primária,decorrente da disseminação dos bacilos resistentes porestes doentes crônicos. Em caso de que a resistênciaprimária ultrapasse a secundária, a situaçãoepidemiológica é grave.

Considerando que a resistência secundária é de-corrente das falhas operacionais do programa de contro-le da tuberculose, com a emergência da resistência pri-mária onde já se tem a limitação de drogas para o trata-mento, presume-se que a situação epidemiológica pode-rá deteriorar-se rapidamente

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