72

Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

  • Upload
    emater

  • View
    241

  • Download
    4

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b
Page 2: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b
Page 3: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

3

Nesse período, a ATERS promovida pela Emater/RS-Ascar pautou-se pela centralidade na agricultura familiar, apoiando a aplicação de práticas e métodos de base ecológica e estimulando a transição, com uma ação crescente nas formas de manejo dos sistemas produtivos. O exemplo mais emblemático desse esforço é a implantação de uma biofábrica para reprodução de Trichogramma, visando ao controle biológico de lagartas em culturas de grãos e hortaliças, no Centro de Formação de Agricultores de Montenegro (Cetam/RS). Além disso, ressalta-se a dimensão social e organizativa, presente e desenvolvida “para além da porteira”, envolvendo associações, cooperativas, agroindústrias familiares e outras formas de organização das famílias rurais.

Em síntese, e coerente com a missão e as diretrizes institucionais, atuando com foco na sustentabilidade, buscamos apoiar a transição agroecológica com patamares crescentes de ecologização nas formas de manejo e, ao mesmo tempo, ampliar a inclusão social e produtiva e o grau de organização, de autonomia e empoderamento das famílias rurais.

Com o espírito confiante de que o legado em Agroecologia que deixamos será profícuo para todos, desejamos aos nossos leitores e colaboradores uma excelente leitura desta edição da Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, publicação que tem se somado aos esforços relativos ao tema, empreendidos nos últimos anos. Os ensaios e relatos apresentados nesta publicação, tanto nesta edição como nas anteriores, refletem justamente nosso empenho em promover o debate em torno da Agroecologia, dando vazão às pesquisas e experiências sistematizadas em todo o Brasil.

Boa leitura a todos,

Gervásio PaulusDiretor Técnico da Emater/RS

Apoio à transição agroecológicaé tema perene da ATERS

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Page 4: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RSAssociação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

Lino De DavidPresidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR

Gervásio PaulusDiretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnico da ASCAR

Jaime Miguel WeberDiretor Administrativo da EMATER/RS e Superintendente Administrativo da ASCAR

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelv. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Cíntia Barenho, Claudio Fioreze, Córdula Eckert, Décio Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Emma Siliprandi, Fábio Kessler Dal Soglio, Flávia Charão Marques, Francisco Manteze, Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime Miguel Weber, José Ernani Schwengberg, Leonardo Melgarejo, Luiz Antonio Rocha Barcellos, Luiz Fernando Fleck, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Marta H. Tejera Kiefer, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Urubatan Neto da Costa.

Editora Responsável: Jornalista Marta H. Tejera Kiefer - RP 1352Projeto Gráfico: Wilmar de Oliveira MarquesCapa: Roseana Kriedt - arte sobre foto de Larissa MachadoFotografia: Kátia Marcon, Rogério Fernandes e acervo fotográfico da Emater/RS-Ascar Periodicidade: QuadrimestralTiragem: 1.500 exemplaresImpressão: Gráfica da Emater/RS-AscarDistribuição: Biblioteca da Emater/RS-Ascar

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável Porto Alegre v. 7 n. 2 p. 1-72 maio/ago. 20144

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Emater/RS-AscarRua Botafogo, 1051Bairro Menino DeusCEP 90150-153 - Porto Alegre-RS - BrasilFone: 51 21253144 - FAX: 51 21253156Endereço eletrônico da revista: http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/E-mail: [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação quadrimestral da Associação Rio-grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Ru-ral (Ascar). Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos autores.

CartasCartas podem ser endereçadas para a biblioteca da

Emater/RS-Ascar, rua Botafogo, 1051, 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150-053, Porto Alegre, RS ou para [email protected].

Page 5: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

Sumário

5

• Expediente ...................................................................................................................... 4

• Entrevista ........................................................................................................................ 6Juarez Felipe Pereira: “A agricultura orgânica não é uma atividade de competição, ao contrário, é uma atividade de cooperação.”

• Relato de Experiência ................................................................................................. 12Sistematização de Experiência de Vista Alegre/RS: caso de sucesso na aquisição de terra pela família de Gilson Piaia, através do programa Banco da Terra Silva, José Edivaldo Moura et al.

• Artigo ............................................................................................................................. 21Cinema e Educação do Campo: potencialidades da linguagem cinematográfica para a expressão de identidades e saberes dos sujeitos do campo Guimarães, Gabriel Pinto et al.

• Dica Agroecológica ...................................................................................................... 31Vivificando o Organismo Agrícola: preparados biodinâmicosPereira, Sonia Regina de Mello et al.

• Artigo ............................................................................................................................... 33Luta por Reconhecimento e Construção de Identidade em Comunidades quilombolas no Sul do BrasilBenedetti, Adriane Cristina

• Artigo ............................................................................................................................. 43Sistemas agroflorestais e sua importância para a agricultura familiar no Pontal do Paranapanema (SP) Gomes, Haroldo Borges et al.

• Econotas ........................................................................................................................ 54

• Artigo ............................................................................................................................. 56Imposto Territorial Rural (ITR) para Imóveis Localizados em Perímetro Urbano e Utilizados por Agricultores Familiares Oliveira, Celso Maran de et al.

• Opinião .......................................................................................................................... 64Extensão rural como liberdadeDe Bem, Nilton Pinho

• Resenha ......................................................................................................................... 66

• Normas para publicação ............................................................................................. 69

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Page 6: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

6Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

Por Marta Tejera Kiefer

Na linha Cavalhada, em Barra do Ribeiro, município distante 60 quilômetros de Porto Ale-gre, mora um agricultor bastante conhecido pe-los frequentadores da Feira de Agricultores Eco-logistas (FAE), que acontece todos os sábados, em frente ao Parque Farroupilha, na capital gaúcha. Juarez Felipe Pereira não é só um pro-dutor de arroz orgânico, embora essa atividade, por ela mesma, já seja de imensa importância. Ele é mais do que isso: é um guardião de semen-tes. É um pensador do rural. Um produtor que se dedica à agricultura agroecológica, tirando dela o seu sustento e concedendo a esta ativida-de, a partir de suas reflexões, toda a dimensão social que a caracteriza. Em setembro deste ano a equipe da Revista Agroecologia e Desenvolvi-mento Rural Sustentável esteve na propriedade de Juarez Felipe Pereira onde conversamos so-bre suas impressões a respeito de temas como transição agroecológica, consumo de orgânicos, a escolha em permanecer na terra e as vanta-gens de migrar para a produção orgânica.

Revista Agroecologia e DRS: Juarez, conta um pouco sobre tuas origens e sobre o trabalho que vocês desenvolveram aqui em Barra do Ribeiro

Meus pais moravam em uma região seme-lhante a esta, há 11 quilômetros daqui. Estavam sem terra, na época, e o meu pai, que sempre plantou arroz, era arrendatário. Surgiu então a oportunidade da compra de um pequeno pe-daço de terra, a partir da renda que conseguiu acumular da atividade. Assim, ele adquiriu esse pedaço de terra aqui e depois comprou mais al-gumas partilhas e ampliou essa propriedade até uns 25, 30 hectares, mudando-se para cá. Como essa é uma região com vocação arrozeira, ime-diatamente ele retomou a produção de arroz e criou a família em torno disso, da produção de arroz. Nós somos uma família de seis irmãos e eu sou o quinto. Mas quando eu tinha 15 anos, minha irmã mais jovem que eu já estava indo

Juarez Felipe Pereira: “A agricultura orgânica não é uma atividade de competição, ao contrário, é uma atividade de cooperação.”

Page 7: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

7Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

Juarez Felipe Pereira: “A agricultura orgânica não é uma atividade de competição, ao contrário, é uma atividade de cooperação.”

para a cidade. Os outros com 17, 18, 19 anos também partiram para a cidade para estudar, em busca de melhores oportunidades. Era o mo-mento em que a cidade estava chamando, na dé-cada de 70. Foi o momento da grande virada, da grande mudança na agricultura, porque até ali a agricultura era formada de agricultores familia-res que produziam em primeiro lugar para o au-toconsumo, e o excedente disso era comercializa-do. As sementes eram todas sementes crioulas, feitas pelo agricultor ou trocadas com o vizinho, trabalhava-se em ritmo de mutirões, as ferra-mentas usadas até ali eram arado, boi, canga, corda, enxada, foice. Quer dizer, todas essas coi-sas eram fabricadas por artesãos locais ou pelos agricultores mesmo. E a partir daí, da década de 70, com a cidade sendo uma tentação para os jovens e famílias inteiras que iam embora do campo, coincidiu com outra mudança: a instala-ção das ditas commodities, ou seja, estava sendo possível a partir dali os agricultores começarem a cultivar uma planta só, porque essa planta ti-nha mercado. E também entravam as sementes híbridas e, na esteira das sementes híbridas, tudo o que se conhece hoje, seja mecanização, adubos químicos ou agrotóxicos. Eu estava ain-da me criando. Adolescente, com 18 anos, eu saí para fazer agricultura fora dessa área. Era um momento em que os velhos não absorviam esta proposta de modernidade, mas os jovens sim, eles tinham sido cooptados, por um trabalho muito intenso da Emater, que vinha trazendo formação para os jovens, mas formação no sen-tido de passarem para uma nova agricultura. E eu também, naquele momento, entendia que moderno era fazer essa agricultura que a exten-são rural sugeria e, além disso, eu achava que eu ficaria rico plantando. E eu precisava ser mo-derno para ficar rico e foi nisso que eu me joguei a partir dos 18 anos. Então eu trabalhei mais 18 ou 19 anos com agricultura química e sempre querendo ser o mais moderno. Sempre pequeno agricultor, mas com a cabeça na “modernidade”. Quando de repente, nos últimos três ou quatro anos, eu comecei a ter necessidade de tratamen-Fo

tos: K

átia M

arcon

Page 8: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

8Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

to médico em função de uma patologia que é consequência do stresse, consequência do fato de não estar conseguindo se sustentar. Era gastri-te, e precisava a cada ano um tratamento mais profundo. Por outro lado, olhei minhas finanças e vi que estavam empobrecidas porque vivíamos uma daquelas crises periódicas da lavoura arro-zeira. Eu fiz uma análise e percebi que eu estava empobrecendo a minha saúde e estava empobre-cendo financeiramente. Tanto que eu estava em um momento em que eu não conseguia fazer a manutenção dos equipamentos adquiridos. Com essa análise de conjuntura eu percebi que não tinha como continuar numa prática dessas e de-cidi mudar, mas eu também não queria parar de ser agricultor, já que essa foi uma decisão feita 15 anos antes, de que a terra era o lugar onde eu deveria ficar. Meus irmãos todos já tinham partido para a cidade e eu não queria ir para a cidade, eu rejeitava a ideia de ir para a cidade. A opção que ficou nesse momento seria mudar o modelo de agricultura e fazer agricultura ecoló-gica já que eu tinha contatos com o pessoal da Cooperativa Coolmeia, com os associados e com os clientes do restaurante. Então foi possível passar a fazer uma agricultura orgânica. Eu ti-nha 38 anos, tinha feito nessa época uma ree-ducação alimentar que melhorou muita a minha saúde. Então foi todo um momento de mudança na minha vida que me oxigenou a cabeça para poder tomar uma decisão que hoje eu vejo que foi muito sábia. Então passei a fazer uma agri-cultura desconhecida naquele momento.

Revista Agroecologia e DRS: Quando foi isso?

Foi em 1994. Passei a fazer isso convicto, sem vacilar na decisão. Mas percebi logo na colhei-ta que passei a colher 10% a 15% do que colhia antes. Porque na verdade eu saí de uma agricul-tura “com” e passei para uma agricultura “sem”. Ou seja, de uma agricultura com tudo o que a indústria disponibilizava até o momento para uma agricultura sem nenhum insumo externo à propriedade. E sem a cultura dessa prática agrícola. Mas aí também por esta necessidade houve uma pressão para que começasse a fazer o resgate das práticas. Naquele momento tive que resgatar fragmentos de uma cultura, de conver-sas ouvidas do meu pai com vizinhos, porque era

ali, naquela conversa de divisa de lavoura, que se dava a troca de informação. Eles não julga-vam que aquilo ali era uma sabedoria, era um manejo que um ou outro conhecia e aplicava e vi-nha comentar que tinha dado certo ou não. En-tão, essas conversas é que eu tive que buscar na minha memória porque aquela cultura - no mo-mento que eu decidi ser moderno - eu descartei, eu fiz questão de esquecer, amassar e jogar na lata do lixo. Mas este exercício de garimpagem, de coleta de fragmentos, de aplicar na prática e de ver resultado no final do ano, também foi fator estimulante. Porque permitia que eu come-çasse como uma criança a dar os primeiros pas-sos. Ora, isso também é uma grande satisfação: fazer os primeiros movimentos, conseguir as pri-meiras vitórias. Com o passar dos anos comecei com o exercício de resgate a aplicação de práti-cas culturais e construção de canais de comer-cialização. Tudo estava se construindo naquele momento. Não foram anos fáceis, mas foram anos de grande satisfação pessoal. Por perceber que eu estava no processo construtivo e que o processo de agricultura química é destrutivo. Ele destroi o agricultor culturalmente, destroi a saúde do agricultor, destroi o ambiente e não agrega nada para quem consome o alimento que a gente produz. Ao contrário, faz mal. Então, há um modelo que tudo constroi e outro que tudo destroi. Foi assim que eu aprendi a fazer a leitu-ra destas duas posições. Com o passar dos anos a produtividade foi aumentando. A agricultura orgânica não é uma atividade de competição, ao contrário, é uma atividade de cooperação. As pessoas que estão na agricultura orgânica esta-vam como eu estava naquele momento, muitas satisfeitas com o processo e com uma relação di-ferenciada de interação com o ambiente e com os consumidores. Portanto, em um estado amoroso. Neste ambiente eu comecei a encontrar pessoas disponibilizando informações: práticas, cultu-ras, como eu faço, como o meu pai fazia. Tudo isso sendo coletado e aplicado, constituindo no-vamente um outro processo. Com seis anos de agricultura ecológica eu fui convidado a fazer a feira em Porto Alegre, a Feira dos Agricultores Ecologistas e, de pronto, eu aceitei. Mas tinha uma exigência: que eu ofertasse diversidade de arroz e não apenas um ou dois tipos que se en-contravam em qualquer lugar. Também aceitei

Page 9: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

9Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

este desafio e aí ganhei um pacote de semen-tes que precisei multiplicá-las. Fiz no sistema transplantado e obtive um grande envolvimento e satisfação e, a partir da colheita, eu fui para a feira, e lá eu percebi uma outra forma de paga-mento que não é só a monetária. No contato com o consumidor eu percebi o carinho, a admiração e a gratidão que essas pessoas, que se alimentam de orgânicos, conseguem expressar, conseguem refletir. Eu senti isso como um pagamento, como uma recompensa. E digo até hoje que esse cari-nho, que esse amor recebido na rua, eu levo para casa e planto junto com as plantas que eu cultivo e por isso no ano seguinte o alimento chega me-lhor ainda. Isso é a evolução do ser humano com o alimento. Isso não termina, é constante.

Revista Agroecologia e DRS: Tua família, teus amigos, naquele momento em que de-cidiste que ia mudar a forma de produção, fazendo uma transição para a Agroecolo-gia, como é que eles receberam essa ideia?

Juarez: A decisão se deu a partir de um fato desencadeador. No último ano em que eu usei herbicida, naquele dia, começamos bem cedo, e às 8 horas já estávamos lavando os equipa-mentos. Meu amigo que veio ajudar a fazer a aplicação e que era dono dos equipamentos, de brincadeira olhou para mim e disse: “tu pare-ces um lunático”. Porque na verdade eu parecia mesmo um ser de outro planeta, porque sempre me protegi para fazer a aplicação de veneno. En-tão estava eu lá de botas, calças, casaco, luvas, chapéu, óculos, máscara, estava todo escondido, e ficava uma aparência muito estranha. E eu disse para ele: “e tu pareces que vai para a guer-ra”. Bem, passou aquele momento de brincadei-ra, nós terminamos de limpar os equipamentos e ele foi para casa. Eu fiquei mais um pouco na lavoura, repercutindo aquela expressão “tu pa-reces que vai para a guerra”. E de repente ficou claro para mim que era isso mesmo. Aquela era uma operação de guerra. Ficou claro para mim que isso não estava correto. Como que no campo de produção de alimentos pode-se implementar uma operação de guerra? Foi naquele momento eu que pude dar um sonoro: “chega”. Então eu anunciei à família, à vizinhança, a minha deci-são, da qual eu estava convicto. A conversa que se formou na sequência era de que o Juarez es-

tava louco. No ano seguinte eu instalei a lavoura com uns 3 hectares e não usei nada químico. E, neste momento, quando houve para a comunida-de a confirmação de que o Juarez estava louco, então eles pensaram, para que serve um louco? Para ser isolado. E eu passei a ser isolado, não pela minha família, mas pelos vizinhos, colegas de lavoura, que estavam sentindo-se confronta-dos neste momento. Estes, me isolaram. Eu nas-ci nesta comunidade e vivi sempre aqui. Conhe-ço todos, sempre me dei bem com todo mundo, mas o isolamento aconteceu e foi um momento. No ano seguinte já houve uma postura de indi-ferença. Como se dissessem: “é louco mesmo...” Porque quando uma decisão assim se mate-rializa, logo vem a opinião dos outros: “ele não sobrevive, ele vai quebrar.” E como eu passei um ano, dois anos, no terceiro ano continuava cultivando a terra, estando feliz da vida, saúde melhor, as pessoas viram que não tinha falido ainda. Então há esse momento de indiferença para, na sequência, quando começa a firmar-se esse projeto de agricultura orgânica e começa a receber visitas de delegações de universitários, agricultores de outras regiões, aí há um momen-to de curiosidade por parte da comunidade do entorno, de querer saber o que está acontecendo. Na evolução desse processo começa a existir um reconhecimento. Mas trata-se de um reconheci-mento e não de uma adesão. Tanto que nenhum vizinho da minha propriedade, até hoje, passou a fazer agricultura orgânica. Muitos até saíram do mercado, desapareceram como agricultores, mas não encorajaram-se a mudar o modelo e fa-zer um processo de reconstrução.

Revista Agroecologia e DRS: Isso porque é mais trabalhoso?

Juarez: Isso é porque precisa fazer uma mu-dança. Uma mudança interna. O que torna tudo mais difícil. O ser humano tem muita dificulda-de de fazer mudanças e quando essa mudança diz respeito aos paradigmas, torna-se mais di-fícil ainda. Porque não basta mudar o modelo agrícola, isso não sustenta um agricultor. No meu caso, lá pelo quarto ou quinto ano eu já fui convidado a falar para grupos de estudantes, as-sociações, escolas, e lá pelas tantas uma pessoa me perguntou: “tu, colhendo 15% do que colhia antes, vendendo mal, levando calote, tu não

Page 10: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

10Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

pensaste em desistir?” E lá, naquele momento, é que eu lembrei que eu nunca tinha pensado em desistir. Eu não lembrei nem que eu tinha essa opção de desistir, dada a convicção, a firmeza da decisão. E é isso que precisa: a decisão pre-cisa ser interna. Para qualquer coisa deve ser assim. Se você quer mudar a sua alimentação, o seu modelo agrícola, o modo de vida, de encarar o trabalho, a sociedade, os amigos, esta decisão é interna. Muitas pessoas mudam isso em um leito de hospital, quando a vida passa por um sério risco, em um momento em que é forçado a refazer todos os seus projetos. É duro que o ser humano precise destes momentos para deci-dir, mas muitas vezes é necessário. A partir do momento de uma tomada de decisão interna, o projeto sustenta-se.

Revista Agroeocologia e DRS: Tu foste um dos pioneiros na produção orgânica aqui no Estado, começaste junto com este mercado produtor/consumidor...

Juarez: Sim. Antes de mim só existiam hor-ticultores e fruticultores. Em geral as pessoas pensavam que hortaliças e frutas eram possí-veis em sistema orgânico, mas arroz não. Mas eu sabia que o primeiro que começou com hor-taliças, também tinha ouvido isso, de que não dá para fazer sem veneno. Mas eu estava muito bem espiritualmente, reconstruindo o processo de saúde e de autocuidado. Eu estava muito for-talecido para sustentar essa decisão e avançar sem vacilo.

Revista Agroecologia e DRS: São 20 anos de produção orgânica, para ti que tem essa trajetória, qual a observação deste merca-do de produtos orgânicos?

Juarez: Para mim, parece que esse mercado cresceu junto com a minha evolução, quer dizer, estamos com a mesma idade, estamos no mes-mo processo. O mercado orgânico é a atividade na sociedade econômica que mais cresce, mas ao mesmo tempo, tem muito que avançar. Eu faço feira em Porto Alegre, uma cidade que tem pou-co menos de 2 milhões de habitantes. Na feira ecológica não vai mais do que 10% deste núme-ro. Talvez 2 a 3% desta população vão todos os meses, 10% devem ir uma vez ao ano, e talvez 1% vá toda a semana. Então, é um campo que

tem muito que crescer. E parece que a demanda cresce muito mais rapidamente do que a ofer-ta. Isso tem um ponto bom, porque o agricultor que decidir produzir terá para onde vender, mas também tem um lado que não é muito bom, por-que se a pessoa decidir consumir e não encon-trar, sofrerá uma pressão do mercado, ficando desabastecida ou pagando um preço alto pelo produto. Mas parece que o processo está bem e está crescendo com vigor. Hoje, para começar a produzir orgânicos é muito mais fácil do que há 20 anos. Há muitos agricultores que são deten-tores de um processo cultural, de produção de alimentos. Está muito mais fácil, há muito mais recursos. Mas é como eu digo, se decidir externa-mente e não internamente ser orgânico, se não mudar a sua alimentação, passando para uma alimentação nutritiva e que de certa forma vai alimentá-lo e não fazê-lo apenas um consumidor de alimentos e de insumos, não adianta. Não é fácil sustentar essa postura se a mudança não for interna. É preciso que o agricultor seja orgâ-nico e não somente a sua agricultura.

Revista Agroecologia e DRS: Tu come-çaste aqui com quantas variedades de arroz?

Juarez: Quando eu comecei com a agricul-tura orgânica eu comecei com duas variedades. Que eram o cateto e o farroupilha. Com esta pro-vocação que os organizadores da feira fizeram a mim, me obrigaram a produzir mais variedades. E a partir do exercício com estas variedades, houve um momento muito lindo no meu proces-so como agricultor orgânico. Durante o cultivo e o cuidado e a multiplicação destas sementes houve um resgate que me impulsionou a buscar outras variedades. E aí começou a crescer este número de variedades e, hoje, são 37 variedades cultivadas e a cada ano chegam novas. E umas quatro variedades destas têm mais duas ou três subvariedades. Hoje, eu cultivo o arroz orgâni-co em 16 hectares. 14 hectares são destinados para as duas variedades mais comerciais e nos 2 hectares aqui no entorno da casa é que eu con-sigo fazer todas essas brincadeiras de cultivar muitas variedades, estudá-las, protegê-las, mul-tiplicá-las, enfim, já que não são todas essas 37 variedades que são comercializadas. Algumas delas estão em estudo, estão em proteção ou em

Page 11: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

11Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 6-11, maio/ago., 2014.

multiplicação. Os carros-chefe para a venda são, hoje, o cateto e o aromático.

Revista Agroecologia e DRS: Esta comer-cialização ocorre em quais locais, além da feira em Porto Alegre?

Juarez: Essa comercialização ocorre na fei-ra e em alguns entrepostos, em Caxias do Sul, em Farroupilha e algumas remessas, em peque-nas quantidades, para fora do Estado. Que foi algo que nunca enfoquei, essa saída para fora do Estado. Isso porque eu conseguia vender a produção na feira e nos arredores da feira. Mas começa a ter um excedente, porque a minha ven-da de arroz cresce de 10 a 15% ao ano. Mas faz uns dois ou três anos que a lavoura cresceu mais rápido que isso e aí passou a ter um excedente.

Revista Agroecologia e DRS: O recorte de consumidores que frequenta a Feira de Agricultores Ecológicos, em Porto Alegre, na Avenida José Bonifácio, é um recorte muito especial, não?

Juarez: Eu assim os considero. Eu diria que eles não nasceram assim, mas que eles se construíram assim, por todas as relações que acontecem em torno deste encontro na feira. O comércio desta feira é só um motivo para a gen-te se encontrar. Eu acredito que o ser humano transforma o alimento em luz ou escuridão, con-forme aquilo que consome, e depois reflete essa luz, ou essa escuridão, então essas pessoas que vão à feira, elas vão cada vez com mais brilho, e por isso, aquele é um encontro de luz, de pessoas com uma essência mais pura. Esse momento na feira, ele é a construção de um espaço feito por nós, mas no qual nós nos construímos com ele.

Revista Agroecologia e DRS: Essas duas vidas que tu tiveste, uma primeira, de pro-duzir com todos os recursos que a indústria agroquímica proporciona aos agricultores, e a segunda, em que optaste pela Agroeoco-logia, como tu comparas estes dois momen-tos, inclusive do ponto de vista econômico?

Juarez: Quando eu comecei na Agroecologia e estava convicto deste modelo, eu não contava ganhar dinheiro. Eu estava muito mal de saúde, com uma qualidade de vida muito ruim. Era um momento em que eu estava com pouco dinheiro, mesmo que não tenha sido sempre assim. Mas,

a partir de um momento em que eu me afirmei e passei para um processo de agricultura orgâni-ca, ecológica, em construção, mas já em um nível de produtividade crescente, eu comecei a perce-ber que, era possível ganhar dinheiro, tanto que no segundo ano que eu entrei na feira, eu me dei conta que eu passei dez anos sem perspectivas de trocar meu carro ou de fazer o acabamento da minha casa. Eu percebia a necessidade, mas a renda não permitia essa perspectiva. A par-tir do segundo ano, quando eu paguei as contas que eu tinha até ali, eu me dei conta de que es-tava sobrando dinheiro e aí pude pensar o que fazer com esse dinheiro. Então a resposta é que é possível ganhar dinheiro com a produção orgâ-nica, mas desde que a gente não ponha o dinhei-ro como objetivo principal, porque se for assim, nunca vai estar satisfeito. A gente precisa estar satisfeito é com o processo de vida. Hoje, eu pas-sei por um processo de escalada, de mecaniza-ção, que foi necessário, e pude fazer isso, sem financiamento. Hoje, tenho um trator novo e um carro novo. O que prova que a agricultura orgâ-nica pode dar muito mais rentabilidade que a agricultura convencional. Eu faço todo o proces-so desde a produção, colheita, secagem, arma-zenagem, beneficiamento, transporte da minha produção. Eu agrego valor.

Revista Agroecologia e DRS: Tu montas-te uma metodologia em torno da produção de arroz, como tu tens organizado a tras-missão deste saber?

Juarez: Uma situação que me agrada mui-to, que me satisfaz muito é poder passar este saber para outras pessoas. O meu sonho é que toda a agricultura venha a ser orgânica. Hoje em dia eu sou convidado a ir às universida-des, às associações, às escolas, para apoiar projetos pedagógicos. Eu tenho cumprido este papel e digo ao agricultor que ainda não está em processo de agricultura orgânica: se a gen-te permitir, a agricultura orgânica é muito mais formadora do que as universidades. Ela forma um agricultor de maneira muito mais completa, pois ele se transforma em agricul-tor e em mestre no que faz. Todo o agricultor tem que saber que a sua atividade, que a sua sabedoria, é muito importante.

Page 12: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1212Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

OLCZEVSKI, Carlos Roberto1, BELEGANTE, Josimar2

ResumoEsta sistematização trata da história de aquisi-ção e transformação da área de terra adquirida pelo Programa Banco da Terra, pelo casal Gilson Piaia e Cassiane Folle Piaia, de Vista Alegre/RS. São apresentados os caminhos percorridos pelo beneficiário desde antes da compra da terra, quando ainda era garimpeiro no Norte do país, até os dias atuais. Devido ter contraído malária por 10 vezes não tinha mais condições de perma-necer naquela Região, o que o fez retornar para a casa dos pais, em Vista Alegre/RS. Em pouco tempo começou a namorar a atual esposa Cassia-ne e logo foram residir na casa dos pais dele. Em 2001 nasceu a filha Tamires Folle Piaia. Então, iniciaram a busca de uma terra para comprar, tinham decidido serem agricultores e trabalhar

1 Engenheiro agrônomo (UFPel), Assistente Técnico Regional da Emater/RS-Ascar da região de Frederico Westphalen. Mestrado em desenvolvimento, especialização em gestão de cooperativas. Especialização

desenvolvimento regional sustentável. Especialização em marketing. Professor no curso Tecnólogo em Agropecuária URI – Campos Frederico Westphalen. E-mail: [email protected]

2 Técnico em Agropecuária, cursando 6° semestre de Agronomia. Extensionista Rural da Emater/RS-Ascar. E-mail: [email protected]

em terra própria. Após longa procura, encontra-ram na Linha Peretto, localidade rural de Vista Alegre/RS, uma área de 14,5 hectares, apresen-tou a proposta que foi aprovada pelo Conselho Municipal Agropecuário local. Iniciaram cons-truindo a residência financiada pelo Programa, adquiriram um galpão usado para servir de paiol e estábulo para as 7 vacas que haviam consegui-do adquirir enquanto residiam na casa dos pais do Gilson. Começa aí uma história de sucesso na atividade leiteira de um beneficiário de um programa de reforma agrária brasileiro. A histó-ria é de evolução constante na atividade leiteira, ano após ano. A construção da sala de ordenha, a aquisição do trator novo e vários equipamentos, as premiações recebidas nas mostras da terneira em âmbito Municipal e Regional, o aumento da produtividade constante, até chegar à produção atual com uma boa renda familiar.

Sistematização de Experiência de Vista Alegre/RS: caso de sucesso na aquisição de terra pela família de Gilson Piaia,

através do programa Banco da Terra

Page 13: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1313Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

Palavras-chave: Banco da Terra. Produção leiteira. Geração de renda.

1 INTRODUÇÃO Foi implantado no ano de 1998 através da Lei

Complementar nº 93, o Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra, pelo Institu-to Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que é uma autarquia federal criada pelo Decreto nº 1.110, de 09 de julho de 1970. O INCRA tem a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Este órgão do serviço público Federal está implantado em todo o território nacional por meio de 30 Superintendências Regionais, inclusive, no Estado do Rio Grande do Sul.

Na sequência histórica, através de Medida Provisória nº 1.911-12, foi criado o Ministério de Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrá-rio, posteriormente Ministério do Desenvolvi-mento Agrário - MDA (MP nº 1.911-14).

Após 7,0 anos de vigência, o Banco da Terra foi extinto e em seu lugar foi criado o Programa Nacional de Crédito Fundiário-PNCF, aprovado pelo Comitê Permanente do Fundo de Terras e de Reordenamento Agrário do CONDRAF, em 30 de março de 2004, alterado conforme Reso-lução Nº 6 de 18 de novembro de 2005, este úl-timo, vigente até o momento atual, tendo carac-terísticas diferenciadas ao programa Banco da Terra em vários aspectos.

Esta sistematização se dá dentro do Progra-ma Banco da Terra, programa no qual o benefi-ciário Gilson Piaia e sua esposa Cassiane Folle Piaia, de Vista Alegre/RS, adquiriam a área de terra a qual será contada sua trajetória desde antes da aquisição desta área, no decorrer desta apresentação.

Segundo site do MDA (2013), o primeiro pro-jeto aprovado pelo Programa Banco da Terra em Vista Alegre/RS foi no ano de 2001, sendo que, o beneficiário desta sistematização, Gilson Piaia, foi contemplado no ano de 2003.

Vista Alegre está situada no Norte do Estado do Rio Grande do Sul, na área de abrangência do COREDE Médio Alto Uruguai, contando com uma população total , segundo o IBGE (2010), de 2.832 habitantes, ocupando área de 77,455 km². Desta população, segundo IBGE (2006),

o número de estabelecimentos agropecuários identificados é de 501 unidades, com 1.350 pes-soas ocupadas nestes estabelecimentos agro-pecuários, entre homens e mulheres, com área distribuída por unidade produtiva de 13,7 hec-tares/UP, caracterizando pequenas proprieda-des rurais.

Os dados e a evolução da história da proprie-dade rural desta sistematização foram obtidos através de entrevistas não estruturadas e pelo método FOFA, com os beneficiários do Progra-ma Banco da Terra, Gilson Piaia e Cassiane Folle Piaia, diretamente em sua propriedade, durante 7,0 horas, pelos extensionistas da Emater/RS Carlos Roberto Olczevski e Josi-mar Bellegante.

Esta sistematização apresenta a história vi-venciada por este casal de agricultores, desde antes da aquisição da terra pelo Programa Ban-co da Terra. Seguiu apresentando desde a che-gada à propriedade, o preparo inicial da terra, a construção da benfeitorias, o início da produção leiteira e a sequência anual de evolução da ati-vidade produtiva e social, desta família de agri-cultores empreendedores.

2 CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA A experiência sistematizada se passa com

Gilson Piaia, que nasceu no em 17/06/1969, em Vista Alegre/RS, estudou até a 8ª série do ensi-no básico, sua esposa Cassiane Folle Piaia teve o ano de nascimento em 13/05/1980, neste mesmo município, mas possui curso superior completo de matemática/física.

Este casal tem 02 filhas, 5 e 12 anos Idade, Isabel Folle Piaia e Tamires Folle Piaia.

O município tem na produção agropecuária sua maior fonte de renda e agregação de valor. Na agricultura se destaca a produção de mi-lho, com total de 2.200 hectares (EMATER/RS--ASCAR, 2013), sendo que em torno de 45% é ocupada como silagem de planta inteira, para fornecer como alimentação volumosa ao plan-tel leiteiro. O restante do milho é colhido como grão, sendo uma parte consumida internamen-te nas propriedades e outra comercializada.

Outros grãos são produzidos pelos agricultores que possuem maior área, que é a soja (1.600 hec-tares/2013) e o trigo (400 hectares/2013).

A cultura do fumo também é importante gera-

Page 14: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1414Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

dora de renda, envolvendo em torno de 400 hec-tares no município, mais de 220 famílias.

Mas uma atividade pecuária, que em termos sociais e econômicos, se destaca em Vista Alegre, é a produção leiteira. Conta com mais de 250 fa-mílias produtoras, alcançando boas médias de produtividade e bom padrão genético, tanto que alguns, recebem seguidamente premiações em participações regional de mostras da terneira e novilhas leiteiras.

A suinocultura integrada ao frigorífico Seara e Cootrifred, também é uma atividade importante, contando com pocilgas de 550 suínos por lote e 49 suinocultores, produz valor agregado importante ao cofre público municipal e também, adubo or-gânico para adubar as pastagens utilizadas para alimentar a bovinocultura leiteira.

3 DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIAGilson Piaia trabalhou na propriedade rural

do pai até os 16 anos. Em 1985 foi para o Estado do Pará, trabalhar em churrascaria, depois tra-balhou em garimpos por 10 anos. Retornou para o Estado do Rio Grande do Sul, em 1997, deixan-do a atividade de garimpeiro por ter contraído a doença malária por 10 vezes, o que comprometeu sua saúde. Então, foi residir em Passo Fundo, onde trabalhou com uma irmã com artesanato, por um ano.

Deixando Passo Fundo, voltou para a casa dos pais, em Vista Alegre/RS, para ajudá-los nos ser-viços da propriedade rural, pois os mesmos esta-vam sozinhos.

Neste período, conheceu a atual esposa, casa-ram e ficaram residindo e trabalhando na casa do pai do Gilson, por 2 anos. A ideia do casal era de adquirir uma área de terra própria. Neste pe-ríodo, a esposa Cassiane cursava faculdade de Matemática na URI¹ de Frederico Westphalen. Em 2001, nasceu a 1ª filha do casal, Tamires Fol-le Piaia, quando ainda residiam na casa dos pais do Gilson.

Nesta mesma época, com o lançamento do Programa Banco da Terra, pelo Governo Fede-ral, tomaram conhecimento da possibilidade de aquisição de terra via este Programa, que finan-ciava terra com juros baixos, em longo prazo. Então, foi à procura de terra para ser adquirida.

Em 2002, encontrou a atual área e entrou em negociação do valor do imóvel. A área estava

abandonada há 12 anos, o proprietário não con-seguia vender, porque a referida área era pedre-gosa, com valetas, com fertilidade do solo desgas-tada (“ A terra era fraca, nem vassoura produzia, tinha somente barba de bode e aroeira braba”) . Não tendo benfeitorias.

Diziam para os pais do Gilson, “O teu filho vai passar fome naquela terra”. Outros compradores caíram fora do negócio devido às características negativas da terra. Gilson residiu 4 anos com seu pais, dois anos como solteiro e mais 2 anos como casado.

Mesmo com as palavras de desestímulo de al-guns, fizeram o negócio financiando a compra da terra pelo Programa Banco da Terra, em 2003. Ambos foram incentivados a fazer o negó-cio pelo pai da Cassiane, Sr. Itarcir Roque Folle.

Ainda em 2003, após tomar a posse da terra, comprou um “galpãozinho” de madeira, antigo e reconstruiu na propriedade, com a ajuda do sogro e vizinhos. Neste galpão, fez uma estreba-ria, um paiol, garagem para a carroça e arado.

Após a construção do galpão, foram beneficia-dos por um Programa de Habitação Rural (2003), fruto da conquista do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), foi o primeiro lote de casas liberados via um Projeto Piloto Nacional. A casa foi financiada pela CAIXA, tendo como contra-partida da família R$1.800,00, mais uma parte da mão-de-obra, o restante foi a “fundo perdido”.

Durante este período, Gilson fez todos os cur-sos exigidos pelo Programa Banco da Terra, exe-cutados pelo CODEMAU e URI/Frederico Wes-tphalen/RS, que buscava capacitar em vários temas os agricultores

Quando saiu da casa do pai para a sua área, trouxe para a nova propriedade, como parte do seu trabalho durante os 4 anos, 7 vacas e 3 ter-neiras; uma junta jovem de bois de serviço. A esposa já estava no nono semestre da faculdade. A filha já tinha um ano e dez meses de idade.

Vieram tomar posse e viver sobre a área ad-quirida em abril de 2003. Utilizaram capins que existia nos barrancos para tratar as vacas. Co-meçaram a trabalhar a área com a limpeza do solo, tirando pedras manualmente, transportan-do com os bois e carroça e fazendo destoque na área. Como os bois que trouxeram eram jovens e ainda fracos para o serviço, pegaram carroça e junta de vacas emprestados do vizinho. Pouco

Page 15: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1515Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

tempo depois, trocaram a junta de terneiros por uma junta de novilhas, estas eram mais fortes e iriam produzir leite.

No inicio, a ordenha era realizada manual-mente pelo casal, tinham 9 vacas no plantel, contando as vacas secas, vendiam o leite para a cooperativa COTRIFRED. Neste período inicia-ram o plantio de fumo (total de 18.000 plantas na primeira safra). Já no primeiro ano o granizo destruiu a cultura do fumo (duas pancadas de granizo), mas tinham o seguro, do qual recebe-ram o valor do custo, sobrando algum valor, bem menor do que se tivesse produzido como safra normal.

Nesta primeira safra de fumo, já haviam cons-truído o galpão para a cura do fumo, financiado pela indústria integradora Souza Cruz.

Plantou 1 (um) hectare de milho mecanizado, plantado fora de época, (março/2003) para ser o primeiro alimento dos bovinos trazidos para a propriedade. Este milho era cortado diariamen-te como forragem e o restante, foi utilizado para fazer silagem de milho planta inteira, produzin-do 3 carroções de silagem. Também, devido a necessidade, adquiriram um resfriador de leite por imersão, usado, com capacidade de 6 tarros de 50 litros.

Em 2003, Cassiane (esposa) se formou na fa-culdade de matemática/física, não conseguindo trabalhar na área.

No final de 2004, conseguiram quitar a facul-dade, pois as mensalidades estavam atrasadas por dois anos. Para conseguir retirar o diploma para poder trabalhar na área educacional, ne-cessitava a quitação, através de muitas priva-ções e dinheiro emprestado, conseguiram nego-ciar com a Universidade.

Neste período, teve o nascimento da primeira fêmea obtida através de inseminação artificial, a qual morreu com 2 meses de idade por aciden-te com uma corda. Também foi um ano de seca, no qual teve perda total na área do milho, na safra 2004/2005. O que favoreceu foi à existên-cia do PROAGRO, que quitou a dívida bancá-ria, ainda sobrou um pouco devido ao PRONAF, PROAGRO MAIS.

Em 2004, construíram uma fonte protegida com capacidade de armazenar 10.000 lts de água, pois na época tinham dificuldade de for-necimento para consumo humano e animal.

Em 2005, houve um foco de mastite na pro-priedade afetando 7 vacas leiteiras, sendo que 3 foram descartadas da produção leiteira e desti-nadas ao abate e outras 4 vacas, que perderam quartos mamários, foram descartadas poste-riormente. O valor das vacas pagou apenas os medicamentos utilizados no tratamento, que não surtiu efeito.

Neste período, a produção de leite baixou da média de 4.000 litros/mês, para 1.600 lts/ mês (queda de mais de 50%). O plantel passou de 14 vacas leiteiras para 7 vacas. Mas, como esta-vam criando as terneiras, em pouco tempo repu-seram o plantel.

Em 2006, com muito esforço, adquiriram via cooperativa, descontando mensalmente do leite comercializado, a primeira ordenhadeira mecâ-nica, balde ao pé, 1 conjunto de teteiras, até en-tão, ordenhavam manualmente.

Neste período, tinham 12 vacas leiteiras em ordenha, sempre utilizando a inseminação artifi-cial para melhoramento genético do plantel.

Em 2006, a Cassiane ganhou um contrato de 20 horas para lecionar matemática na Escola Municipal de Ensino Fundamental “Machado de Assis”, para alunos de 5ª a 8ª série, loca-lizada na Linha São Paulo, interior de Vista Alegre/RS.

Em 2006, fizeram encanamento, com recur-sos próprios, para transportar dejetos de suínos via bombeamento de 2.500 metros de distância entre a granja de suínos, fornecedora dos deje-tos, até a propriedade, visando realizar aduba-ção orgânica das pastagens e do milho.

No outro ano (2007), Cassiane continuou com contrato de professora municipal, com cedência para a Escola Estadual de Educação Básica Pa-dre Abílio de Marcos Sponchiado, na cidade de Vista Alegre/RS, para o ensino fundamental e ensino médio.

Neste período, engravidou da 2ª filha, Isabel Folle Piaia, que nasceu em novembro de 2007.

Após o nascimento da criança parou de lecio-nar, se dedicando à família.

Em 2007, além de deixar de lecionar e devido ao aumento do plantel leiteiro com 20 vacas, ad-quiriram uma ordenhadeira canalizada 02 con-juntos e mais um resfriador a granel com capa-cidade de resfriamento de 1.000 litros de leite. Equipamentos estes financiados pelo PRONAF

Page 16: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1616Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

INVESTIMENTO, feitos na Emater/RS. Neste ano instalaram com recursos próprios energia trifásica.

3.1 Manejo das pastagens

Desde o inicio da atividade leiteira no ano de 2003, desenvolveram um manejo de pasto-reio rotativo, onde os animais permanecem o dia num piquete e a noite em outro piquete, somente saem para ser ordenhadas. Fazendo rodízio permanente, adubação conforme análi-se de solo, calagem e aplicando dejetos suínos líquido via encanamento / bombeamento.

No mês de junho de 2008, participaram da 4ª Mostra da Terneira de Vista Alegre, prepa-rando as terneiras com manejo especial, para desfilar na Mostra Municipal, a qual foram premiados com o 1º lugar em duas categorias: categoria até 6 meses de idade e na categoria de 6- 12 meses. Ganharam ainda, com esta úl-tima terneira, o prêmio na categoria reservada de campeã.

Após ganhar estes prêmios na mostra mu-nicipal da terneira, se classificaram para a Mostra Regional, em Pinheirinho do Vale/RS, na categoria até 1(um) ano de idade. A mesma novilha ficou reservada de campeã.

Ainda em 2008, no dia 21 de junho, promo-vido pela Emater/RS local, foi realizado uma tarde de campo sobre bovinocultura de leite. Para divulgar o evento, foi realizado um pro-grama de rádio, “A hora do Campo”, pela rádio Chirú, de Palmitinho/RS, diretamente da pro-priedade.

Em 2008, a produção média mensal de leite era de 6.450 lts/mês, neste período , vendiam o leite para a DPA (Nestlé), período em que rece-biam por qualidade do leite. A partir deste ano até os dias atuais o leite é negociado pela sua qualidade, garantindo maior preço pelo produ-to.

Em 2009, participaram novamente da Mos-tra da terneira em Vista Alegre, com 2 ternei-ras. Uma ficou em 1º lugar e Grande campeã. Na Mostra Regional de Seberi/RS, esta mesma terneira ficou no 1º lugar da categoria e Gran-de Campeã Regional.

Em 2009, com 20 vacas em lactação, produzi-ram média mensal durante o ano, 9.142 litros,

demonstrando o resultado positivo da melhoria genética do plantel.

No segundo semestre de 2009 voltou a lecio-nar por contrato emergencial, 40 h semanais na Escola Estadual Padre Abilio, e Escola Es-tadual José Zanatta, em Taquaruçu do Sul/RS.

Em 2010, continuou lecionando 40 hs sema-nais na Escola E. Padre Abílio, de Vista Alegre e na Escola E. Nossa Senhora de Fátima, em Frederico Westphalen/RS.

Em 2010 adquiriram um trator agrícola novo, marca Massey Fergunson, 4275 4 x 4; um Distribuidor de dejetos líquidos com capacida-de de 4.000 lts; uma roçadeira, todos financia-dos pelo Programa PRONAF Mais Alimentos.

Em 2011, Cassiane continuou lecionando 32 hs semanais, até dia 13 de maio/2011, último dia que lecionou, pois escolheu a atividade lei-teira da propriedade como atividade prioritá-ria daqui para diante.

Em 2011 aconteceu um vendaval que aca-mou 6 hectares de milho que era destinado à si-lagem. Devido a falta de disponibilidade de en-siladeira pra colher o milho naquele momento, tiveram que adquirir emergencialmente, com recursos próprios, uma ensiladeira JF 92Z10, 1 linha, nova. Até então dependiam para fazer silagem de planta inteira de milho, da patru-lha agrícola da prefeitura ou de prestadores de serviço particular, a qual nem sempre estava disponível nos momentos adequados para a co-lheita do milho para silagem.

Logo após, neste mesmo ano, em agosto, adquiriu uma plantadeira PD, usada, marca Vence Tudo, objetivando plantar na melhor época, pois também, dependia de terceiros, o que atrasava o plantio, causando prejuízos.

Em 2011, a produção média de leite já era de 15.400 lts/mês, com 25 vacas em lactação. (média de 20,5 lts/vaca/dia).

Em 2012, fizeram novos investimentos na produção, visando melhorar a eficiência de or-denha e de outras instalações de manejo das matrizes leiteiras, também, o armazenamento dos dejetos e equipamentos necessários. Para isto, foi viabilizado a construção de uma nova sala de ordenha com capacidade de ordenhar 4 vacas/vez. Foi ampliada a sala de alimentação e construída uma sala de espera e uma nova sala de leite. Adquiriram uma nova ordenha-

Page 17: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1717Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

deira, com 4 conjuntos. Foi financiado pelo Pro-naf Mais alimento a ordenhadeira, uma carre-ta agrícola cap. 5 ton e parte do material de construção. Um depósito de dejetos animais, impermeável, com capacidade de 200 m3 e o restante não financiado, foi realizado com re-cursos próprios.

Em 2012, receberam uma visita de uma re-presentante do MDA/RS, veio conferir a Cha-mada pública do PNCF, declarou que gostou muito do viu na propriedade, parabenizou a família, o que os motivou ainda mais.

A prestação da Terra em 2012, foi de R$ 2.400,00 (Terra + SIB). Declaram nunca ter atrasado uma prestação.

Em 2013 foi construída uma cisterna com capacidade de 150 m3, com recursos próprios.

O sonho ou meta que o casal tem em termos do sistema de produção da propriedade é de chegar a produzir 1.000 lt/leite/dia.

O casal manifestou que uma prioridade em nível familiar, daqui para diante, é ampliar e mobiliar a residência que vivem atualmente, como também, adquirir uma camionete dupla-da para servir à família e também, como um veículo utilitário.

“Até o momento investimos quase toda ren-da obtida somente na produção leiteira, pen-samos ter chegado a hora de investir no maior conforto da família”. Esta foi a declaração emo-cionada de Cassiane, no final da entrevista.

Gostariam de tirar férias, sair de casa. Pen-sam que o bom seria poder contratar um fun-cionário, mas tem medo de perder a aposenta-doria, pois ouviram comentários neste sentido.

Terminarão de pagar as prestações do fi-nanciamento da terra pelo Programa Banco da Terra em 20 de dezembro de 2022.

4 RESULTADOS, PRODUTOS E IMPACTOS

4.1 Resultados

a) O melhoramento genético ocorrido com a utilização da inseminação artificial e a criação correta das terneiras fez com que evoluísse a produtividade das matrizes;

b) a produção de leite à base de pasto perene, com adubação orgânica, utilizando dejetos de suínos, o qual foi encanado utilizando

recursos próprios, é uma prática que be-neficia o meio ambiente e baixa custo de produção;

c) o aumento da geração de renda da famí-lia: R$ 20.000,00 de renda bruta mensal e aproximadamente, R$10.000,00 de ren-da líquida mensal da família, ou seja, R$ 5.000,00/mês/Utf.

4.2 Impacto

a) A boa geração de renda nesta unidade de produção, apesar de pequena área, possi-bilita o pagamento da prestação da terra regularmente e uma boa qualidade de vida para a família de agricultores;

b) devido à boa geração de renda com a ati-vidade leiteira, consegue realizar investi-mentos com recursos próprios, em insta-lações e equipamentos, que compensa a pouca mão-de-obra disponível;

c) a boa renda gerada no UP, permite guar-dar recursos na poupança para garantir estudo das filhas no futuro, a pretendida reforma da residência e para futura aqui-sição de mais área de terra, que permitirá aumento de plantel;

d) serve de exemplo para outros produtores, através da obtenção de boa produtivida-de das matrizes que criou na unidade de produção, da promoção de dias de campo e do ganho de prêmios, motivando outros produtores a criarem corretamente as ter-neiras.

5 POTENCIALIDADES

a) Tem condições de Investir em melhorias das instalações e equipamentos e outras necessidades, pela alta renda obtida na atividade;

b) tem conhecimento de manejo do plantel leiteiro e capacidade de gestão, com apli-cação de tecnologias apropriadas a sua re-alidade;

c) consegue minimizar o problema de mão--de-obra utilizando máquinas e equipa-mentos adquiridos com recursos do Pronaf

Page 18: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1818Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

e próprios;d) bom mercado para o Leite, o que viabiliza

alcançar bons preços para o produto e boa renda;

e) a boa produtividade de leite alcançada na UP;

f) bom conhecimento da atividade leiteira, obtido através de cursos, dias de campo, palestras ofertados pela Emater/RS e ou-tras entidades;

g) boa produção de alimentos (pastagem em quantidade e qualidade; silagem de milho grão; silagem de planta inteira de milho; produção de feno para as terneiras e água armazenada através de cisterna, açude e fonte protegida).

6 LIMITES

a) Pequena área de terra disponível para a produção, 14, 5 hectares de área própria + 6 hectares de área arrendada;

b) pouca-mão de-obra disponível, que impede maior expansão;

c) clima instável como secas, vendavais, gra-nizo;

d) alto custo dos insumos como: medicamen-tos, adubos e sanitizantes, aumentando o custo de produção;

e) a atividade leiteira limita as condições de lazer, principalmente em se tratando de férias da família.

7 LIÇÕES

a) Que as políticas públicas como o Banco da Terra, Crédito Fundiário, Pronaf, Proagro são importantes e conseguem viabilizar agricultores na terra, que aplicam corre-tamente os recursos, tenham perfil, persis-tência, capacitação e que aplicam as tecno-logias apropriadas a sua realidade;

b) o Proagro , Proagro Mais e seguro Afubra foram programas fundamentais para este agricultor, pois nos momentos difíceis, de perda da produção por estiagem e granizo, obteve renda compensatória das perdas, permitindo manter a motivação;

c) a persistência, a capacitação e a determi-

nação para alcançar os objetivos permite que os mesmos sejam alcançados, levando a passar por momentos felizes, tristes e de satisfação;

d) quando alcançados os objetivos anteriores temos sempre novos objetivos e metas a alcançar.

Figura 1 – Área adquirida pelo Gilson pelo Programa Ban-co da Terra – Linha Peretto, Vista Alegre/RS

Crédito: Gerson Francisco Piaia

Figura 2 – Vista da sala de alimentação das vacas leiteiras

Crédito: Marcela Buzatto

Page 19: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

1919Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

Figura 3 – Vista da sala de ordenha/2013

Crédito: Marcela Buzatto

Figura 4 – Vista parcial do galpão com maquinário/2013

Crédito: Marcela Buzatto

Figura 5 – Vista da sala de resfriamento do leite

Crédito: Marcela Buzatto

Figura 6 – Silo com silagem de milho planta inteira/2013

Crédito: Marcela Buzatto

Page 20: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

2020Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 12-20, maio/ago., 2014.

Figura 7 – Cisterna com coleta de água da chuva de te-lhado/2013

Crédito: Marcela Buzatto

Figura 8 – Gilson, Fabiane e as duas filhas recebendo premia-ção – Mostra Regional da terneira / Seberi-2009

Crédito: Gilseu Luiz Piaia

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 26 ago. 2013.

______. Censo demográfico do Brasil 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/>. Acesso em: 05 de jun. 2014.

______. Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro, 2006. Dis-ponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/econo-mia/agropecuaria/censoagro/>. Acesso em: 26 ago. 2013.

EMATER. Rio Grande do Sul/ASCAR. Gerência de Planejamen-to. Informação da Produção da Agropecuária Nacional (IPAN): Safra 2013/2014.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFOR-MA AGRARIA (INCRA). Disponível em: <http://www.incra.gov.br>. Acesso em: 26 ago. 2013.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA). Secretaria de Reordenamento Agrário. Sistema de Infor-mações Gerenciais do Crédito Fundiário. O acesso ao sistema requer login e senha. Disponível em: <http://sra.mda.gov.br/sigcf/core/controleacesso/?c=FORM_LOGIN>. Acesso em: 26 ago. 2013.

REFERÊNCIAS

Figura 9 – Vacas leiteiras em pastoreio rotativo. Gilson Piaia/2013.

Crédito: Marcela Buzatto

Figura 10 – Família de Gilson e Fabiane Piaia em frente a residência- nov/2013

Crédito: Marcela Buzatto

Page 21: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

21

SILVA, José Edivaldo Moura 1,PARAENSE DA PAIXÃO, Antonio Jorge 2,SOUSA, Romier da Paixão 3.

ResumoEste artigo traz reflexões sobre as potencialida-des do cinema na escola do campo, por meio de uma educação audiovisual que possibilite a apro-priação da linguagem cinematográfica pelos edu-candos camponeses e promova a realização de experiências fílmicas a partir das quais possam expressar suas identidades e saberes, em conso-nância com os princípios da educação do campo. O trabalho foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica e análise documental de um vídeo produzido por educandos do Programa Saberes da Terra do município de Portel, na Ilha do Ma-rajó, o que levou à conclusão de que o cinema tem enorme potencial a ser explorado para a valori-zação e fortalecimento da agricultura familiar e para a expressão de identidades e saberes tradi-cionais das populações do campo.

1 Licenciado Pleno em Pedagogia. Mestrando em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares pelo IFPA. Email: [email protected].

2 Licenciado Pleno em Filosofia. Doutor em Ciências Humanas com ênfase em Educação pela PUC/RJ. Email: [email protected] Agrônomo. Mestre em Agriculturas Amazônicas pela UFPA. Email: [email protected].

Palavras-chaves: Educação do campo. Cinema. Identidade. Saberes tradicionais.

AbstractThis article reflects on the potentialities of cine-ma in the field school, through an audiovisual education that enables the appropriation of cine-matographic language by farmers learners and promote the realization of film experiences from which these subjects can express their identities and knowledge in line with the principles of field education. The article was developed from lite-rature research and documentary analysis of a video produced by students of the Knowledge of the Saberes da Terra Program in the City of Por-tel in Marajó Island, from which we argue that the cinema has huge potential to be exploited for the enhancement and strengthening of family agriculture and for the expression of identities and traditional knowledge of rural populations.

Cinema e Educação do Campo: potencialidades da linguagem cinematográfica para a expressão de identidades e saberes dos sujeitos do campo

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 22: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

22

Keywords: Field education. Cinema. Identity. Traditional knowledge.

1 INTRODUÇÃO: DA ORGANIZAÇÃO DA IDEIA AO ROTEIRO DE TRABALHONa perspectiva da filosofia positivista, herdeira

do pensamento cartesiano4, somente o conheci-mento científico, obtido por meio da observação ra-cional dos fenômenos através de métodos empíri-cos, é considerado legítimo para a compreensão do mundo. Os saberes das comunidades tradicionais do campo, nessa ótica, são subestimados e classifi-cados sob o rótulo de senso comum, compreendidos como símbolos de atraso e constituindo empecilhos aos objetivos econômicos do sistema capitalista, cujo projeto de desenvolvimento estabelece uma relação entre ser humano e natureza baseada na maximização dos lucros a partir da exploração intensiva de seus “infinitos” recursos naturais. Ao contrário da relação vivenciada secularmente pelas comunidades tradicionais, onde o ser huma-no se percebe enquanto parte do meio onde vive e interage com o mesmo buscando garantir sua sobrevivência e das gerações futuras por meio da conservação da natureza e de tradições e costumes transmitidos, em geral, pela oralidade (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009).

Em relação à Amazônia, cuja história de povoa-mento e desenvolvimento dos últimos séculos está inserida nesse contexto antagônico entre o projeto de desenvolvimento concebido pelo sistema capita-lista e entre o modo de vida das populações locais, Bertha Becker afirma ser “imperativo o uso não predatório das fabulosas riquezas naturais que a Amazônia contém e também do saber das suas populações tradicionais que possuem um secular conhecimento acumulado para lidar com o trópico úmido” (BECKER, 2005, p. 72). Nesse contexto, Agenor Sarraf Pacheco (2009) destaca a importân-cia dos conhecimentos dos povos marajoaras5, ob-tidos no processo de convivência com o “regime das águas” característico da Mesorregião do Marajó, uma vez que as águas dos rios e do mar determi-nam a vida e a rotina de seus habitantes, podendo “decretar tempos de ficar e viajar, trabalhar e re-zar, plantar e colher, viver e morrer” (PACHECO, 2009, p. 44). Esses saberes acumulados pelos ma-rajoaras através da experiência vivenciada na re-lação com a natureza tornou-se fundamental para religiosos, colonos, naturalistas, pesquisadores e

outros estrangeiros que passaram pela região.

Um mundo de saberes sintonizados com espaços de rios, campos e florestas foi historicamente te-cido, concomitante à produção de uma imaginário social talhado por universos visíveis e invisíveis, fortemente bricolado com temporalidades de ser, fazer e acreditar, ali erigido [...] um modo de vida constituído nas fímbrias da lógica colonizadora ma-nifestada desde a conquista da região em 1616, e presentificada com a invasão dos projetos globais, responsáveis pela desestruturação de códigos de comunicabilidade da tradição oral, revelada em saberes locais estruturantes de princípios de vida, cujas bases ainda persistem manter-se nas práticas de partilha, solidariedade e convivência recíprocas (PACHECO, 2009, p. 47).

Com a aceleração do fenômeno da globalização no século XX, a partir da difusão de novas tecno-logias que mudaram a relação espaço-temporal no mundo, as trocas culturais entre diferentes pontos do planeta ficaram mais intensas, gerando modifi-cações no processo de constituição de identidades, que nas comunidades tradicionais tinha por base a oralidade. Nesse contexto, a concepção de identi-dade é mudada substancialmente, de algo estável e unificado segundo o pensamento iluminista do século XVIII, para uma identidade fragmentada em várias outras, a partir das articulações do indi-víduo com os diferentes sistemas culturais com os quais toma contato (HALL, 2005). O processo de constituição de identidades, influenciado por uma interação mais intensa através da proliferação das novas mídias (rádio, telefone, telégrafo, cinema, posteriormente a televisão e, mais recentemente, a massificação da internet e dos dispositivos mó-veis) e meios de transporte cada vez mais velozes, passa a seguir uma nova dinâmica na qual a cul-tura ocidental do mundo moderno é geralmente idealizada, em detrimento dos sistemas culturais locais, baseados na oralidade.

4 O cartesianismo se fundamenta no pensamento filosó-fico de René Descartes, originado no século XVII. Descar-tes desenvolveu o método científico, defendendo o uso da razão para o desenvolvimento das ciências naturais. Ver DESCARTES, R. Discurso do método. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

5 Denominação utilizada para se referir às populações da Mesorregião do Marajó, arquipélago localizado no esta-do do Pará (Brasil) e constituído por um conjunto de ilhas que, em seu todo, constituem a maior ilha fluvio-marítima do mundo, com 49.606 Km² (PARÁ, 2011).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 23: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

23

Nesse contexto, a escola tradicional tem histori-camente concebido a educação enquanto transfe-rência de conhecimentos da cultura ocidental para pessoas julgadas como ignorantes e sem saber validado pela ciência, o que Paulo Freire (1983) classifica como educação bancária. Esse modelo de educação desvalorizou a tradição oral e privi-legiou a aprendizagem da linguagem escrita, em detrimento das demais, dentre as quais a lingua-gem visual. Pires (2010) ressalta a importância de a escola promover a apropriação das ferramentas da linguagem audiovisual pelos seus educandos, como forma de compreenderem a realidade na qual estão inseridos, não como indivíduos passivos no processo comunicacional, mas como sujeitos críticos dos produtos audiovisuais, capazes de uti-lizar esses recursos para expressar suas ideias, in-terpretar suas relações e definir suas identidades.

Nas escolas do campo, a educação audiovisu-al é uma realidade ainda mais distante, pois seu acesso às produções audiovisuais é bem menor, em comparação aos centros urbanos (RAMOS; BRA-GA; TEIXEIRA, 2010). A utilização do cinema na escola, normalmente restrito a recurso didático para ilustrar conteúdos trabalhados pelo docen-te, é ainda incipiente no espaço rural. O que dizer então da utilização da linguagem cinematográfica para representação dos saberes e identidades dos povos do campo, tão desvalorizados pela cultura ocidental letrada? Quanto mais distante dos cen-tros urbanos, mais excluídos do acesso a essas fer-ramentas estão os camponeses, contexto no qual se encontram as populações tradicionais do Marajó.

Este artigo é resultado da pesquisa preliminar acerca das potencialidades da linguagem cine-matográfica na afirmação de identidades e socia-lização de saberes camponeses, através de uma educação audiovisual baseada nos princípios da educação do campo.

O trabalho é desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica e análise documental de um vídeo produzido por educandos do Programa Saberes da Terra no município de Portel, o que subsidiou uma reflexão sobre como esses educandos representa-ram seus saberes e identidades na referida produ-ção audiovisual.

2 LUZ: OS REFERENCIAIS TEÓRICOSA Educação do Campo é uma política pública

cuja construção é iniciada a partir dos anos 90, pe-

los próprios sujeitos do campo, mediante suas lutas pela valorização de seus saberes, objetivando a su-peração das práticas de discriminação e descasos para com as especificidades das crianças, jovens e adultos de origem camponesa. A organização da atividade educativa, nessa proposta, leva em con-ta os ritmos, saberes, sazonalidades e pluralidades socioculturais do campo (CALDART et al., 2012).

A educação do campo se contrapõe às práticas educacionais tradicionais que sempre trabalharam com base em um projeto elaborado para as popula-ções do campo, e não por elas. Projeto este que se trata de uma educação rural, que vê o campo como mero espaço de produção e não como espaço de pro-dução de vida (FERNANDES; MOLINA, 2004), o que obriga a juventude do campo a abandoná-lo em busca de melhores perspectivas educacionais e de emprego, acarretando na perda de suas identi-dades. Sob a perspectiva da Educação do Campo, os saberes das comunidades tradicionais passam a ser valorizados e a fazer parte do processo de cons-trução do conhecimento, através do intercâmbio com os saberes científicos, de forma que os educan-dos do campo possam interagir com outros conheci-mentos e se enriquecer culturalmente, sem abdicar de suas identidades camponesas.

A identidade é compreendida, no contexto da pós-modernidade, como algo fragmentado, in-constante e incompleto. Incompletude esta que se completa no olhar do outro, a partir da percepção que os outros sujeitos revelam sobre o indivíduo, formando neste não apenas uma, mas múltiplas identidades móveis, formadas e transformadas “continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2005, p. 12-13).

Dessa forma, falar sobre representação de iden-tidades requer a compreensão desse conceito em sua multiplicidade. Os sujeitos do campo, prove-nientes de comunidades tradicionais cujas cultu-ras se baseiam na oralidade, apresentarão traços dessas culturas, mas também de outras com as quais tomaram contato no processo de globaliza-ção. No que se refere a constituição da identidade dos povos marajoaras, Pacheco (2011) afirma que esta é fortemente marcada pela miscigenação en-tre as múltiplas etnias indígenas e africanas que se estabeleceram no Marajó e que, a despeito de toda a dominação a que foram submetidas pelos colonos e religiosos, conseguiram criar formas de

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 24: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

24

resistência cultural e afirmar novas identidades culturais, conceituadas pelo referido autor como identidades afroindígenas.

Hall (2005) aborda, nesse contexto de constitui-ção de identidades, a importância dos fluxos cul-turais, por meio dos quais as diferentes nações e culturas sofrem modificações a partir da exposição a influências externas, o que faz com que o indi-víduo se veja frente a um grande leque de identi-dades possíveis. O autor ressalta, contudo, que o consumismo global, estimulado pelas imagens vei-culadas na mídia e pelos novos meios de comuni-cação, reduz as diferenças culturais, que definiam as identidades, a uma forma de “língua franca in-ternacional, o que conduz a uma ‘homogeneização cultural’ – ‘consumidores’ para os mesmos bens, ‘clientes’ para os mesmos serviços, ‘públicos’ para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo” (HALL, 2005, p. 74), processo esse que enfraquece as identidades locais.

No debate do papel exercido pelas novas mídias, especificamente do audiovisual, no processo de do-minação da cultura ocidental, Jean-Claude Car-rière (2006) problematiza o fato de vivermos em uma sociedade tão marcada pelas imagens que, em sua abundância e pela sua mediocridade aca-baram nos tornando apáticos e insensíveis e cada vez menos propensos a compreendermos a realida-de que nos cerca, internalizando as “verdades” que os outros nos dizem por meio da manipulação dos recursos da linguagem cinematográfica.

As imagens são cortadas, manipuladas, sutil-mente adulteradas pela montagem, pelo texto fa-lado ou pela música [...] A rede de imagens que nos cerca é tão densa, tecida de forma tão intricada, que é quase impossível não ceder a uma espécie de indolência mental, uma sonolência intelectual que permite a invasão de mentiras [...] A “verdade” de uma foto, ou de um cinejornal, ou de qualquer tipo de relato, é, obviamente, bastante relativa, porque nós só vemos o que a câmera vê, só ouvimos o que nos dizem. Não vemos o que alguém decidiu que não deveríamos ver, ou o que os criadores dessas imagens não viram (CARRIÈRE, 2006, p. 55).

Esse estado de passividade do espectador, como mero consumidor de imagens, reflete seu pouco co-nhecimento da linguagem cinematográfica, neces-sário para possibilitar um posicionamento crítico perante as produções audiovisuais. A esse respeito,

Pires (2010) defende que a escola promova a apro-priação dos recursos midiáticos pelos jovens, argu-mentando que a produção fílmica no espaço escolar pode se contrapor às conservadoras práticas disci-plinares da escola tradicional e forjar uma relação dialógica entre educadores e educandos, onde estes se tornem sujeitos de produções audiovisuais que representem suas subjetividades. Segundo a auto-ra, os recursos midiáticos possuem influência cul-tural, social e econômica na sociedade moderna, fa-zendo parte do cotidiano do ser humano, e a escola desempenha uma função essencial de possibilitar uma visão mais ampla sobre essas mídias, forne-cendo aos educandos a compreensão dos recursos simbólicos que usamos para conduzir e interpretar nossas relações e definir nossas identidades.

Considerando as peculiaridades das escolas do campo, onde o acesso às produções audiovisuais é bem menor do que nas unidades urbanas e as possibilidades de produção fílmica são ainda mais escassas, Ramos, Braga e Teixeira (2010) propõe o estabelecimento de diálogos e vínculos entre cinema e educação do campo. Este autor defen-de a utilização do cinema de criação em oposição ao cinema de simples consumo, através tanto da apreciação e discussão de filmes de arte quanto por meio da realizações de produções fílmicas dos próprios educandos, que falem de suas realidades e representem suas subjetividades e os saberes das comunidades tradicionais as quais pertencem.

Os conhecimentos tradicionais são definidos por Toledo e Barrera-Bassols (2009) como parte de uma sabedoria tradicional, que corresponde a um acúmulo de experiências obtidas na interação com a natureza ao longo de várias gerações e transmi-tidas de forma oral. Experiências estas relativas a formas sustentáveis de apropriação dos recursos naturais para garantir a sobrevivência e perpe-tuação da família e da comunidade. Os saberes tradicionais precisam ser compreendidos a partir de uma visão holística da “complexa inter-relação entre as crenças, os conhecimentos e as práticas” do grupo cultural ao qual fazem parte. (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009, p. 40).

3 O CENÁRIOO território onde Portel está localizado perten-

ceu a uma aldeia indígena que sofreu influência dos padres jesuítas no século XVII, quando os mes-mos trouxeram para a região os índios Nheengaí-

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 25: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

25

bas. Elevado à categoria de vila no século XVIII e a de município no século XIX, Portel está situado na região sul/sudoeste da mesorregião do Marajó, no estado do Pará, possuindo extensão territorial de 25.385 km2 e população de 53.256 habitantes, sen-do 52,6% provenientes da zona rural. Obtido atra-vés das variáveis quanto à educação, longevidade e renda, o IDH (índice de desenvolvimento) de Por-tel (0,608), assim como na maioria dos municípios do arquipélago do Marajó, se enquadra na situa-ção de subdesenvolvimento com muita pobreza. Em relação à escolaridade, 45,97% da população não possui instrução ou tem menos de um ano de estudo e 24,46% possui apenas de um a três anos6.

Em resposta a esse contexto de extrema preca-riedade educacional, em 2006 foi implantado em Portel o Programa Saberes da Terra da Amazônia Paraense, construído coletivamente no Fórum Pa-raense de Educação do Campo, com o objetivo de promover a inclusão social da juventude campone-sa, ampliando seu acesso ao sistema formal de en-sino, por meio de uma formação sócio-profissional de nível fundamental que viabiliza o fortalecimen-to da agricultura familiar e prima por uma ética social e ambiental comprometida com a emanci-pação dos sujeitos do campo (BRASIL, 2005). Até 2013, o Saberes da Terra havia formado 77 pesso-as em Portel (SOUSA, 2014).

4 O ROTEIROComo parte de suas atividades pedagógicas, os

educandos do Programa Saberes da Terra, em ar-ticulação com a Secretaria Municipal de Educação de Portel, produziram, no ano de 2013, um vídeo intitulado “”, o qual simula um programa de audi-tório para discutir assuntos abordados no curso. Os jovens portelenses, divididos nas funções de equipe técnica e apresentadores/participantes do progra-ma, discutem a temática “Identidade, História e Cultura”. O vídeo está dividido em quatro blocos, intercalados com “comerciais”.

O primeiro bloco aborda a identidade, por meio de uma reportagem sobre a origem do nome do Rio Jacaré-Paru. O segundo bloco retrata a história da criação de duas comunidades religiosas, uma cató-lica e outra evangélica. No terceiro, os portelenses conceituam cultura a partir do saber popular ilus-trado na confecção de paneiros da tala do arumã. O quarto bloco traz informações acerca das doen-ças verminose e hanseníase.

5 CÂMERA EM AÇÃO: ANALISANDO A REPRESENTAÇÃO DE SABERES NA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL DOS EDUCANDOS DE PORTELMúsica eletrônica. Efeitos de animação de

legendas com as palavras “Identidade, Histó-ria e Cultura”. Em seguida, uma sequência de imagens são intercaladas pelas frases “a casa de farinha é o local onde se transforma a mandioca” e “a história de um povo encan-ta pelas suas lutas e conquistas”. Retratam pessoas trabalhando em uma casa de fari-nha, igrejas, canoas, barcos, rios, palafitas, trapiches, barracos, uma escola, uma mulher lavando roupa em uma canoa, a produção de artesanato a partir do barro e comunitários dando entrevistas - o que saberemos mais tarde que se trata de um resumo do que vere-mos a seguir.

É apresentada a legenda “raízes” sobre a imagem de um açaizal. A música eletrônica é encerrada, ao mesmo tempo em que a ima-gem escurece. Um fade-in7 revela um casal de jovens apresentadores. A apresentadora cum-primenta a plateia formada por um grupo de dança de arrasta-pé e por educandos de uma escola anexa8 e anuncia que está no ar o Pro-grama Raízes. Assim começa o vídeo produzi-do pelos jovens de Portel.

A mistura de elementos regionais com in-fluências estrangeiras presentes no início do vídeo reflete os fluxos culturais dos quais nos fala Hall (2005), por meio dos quais ca-racterísticas de culturas diferentes entram em contato e provocam mudanças no grupo ao qual pertencem. Destaca-se, nesse senti-do, a utilização de músicas eletrônicas como pano de fundo para o desfile de imagens que apresentam traços culturais locais – a man-

6 Cf. Pará (2011) e Plano de Desenvolvimento Territo-rial Sustentável do Arquipélago do Marajó (2007).

7 Transição clássica utilizada principalmente no início de um filme, quando a tela escura revela gradativamente uma imagem.

8 Denominam-se escolas anexas a pequenas unidades escolares que funcionam em comunidades da zona rural, como extensões de uma escola polo, geralmente localizada na zona urbana do município, da qual são dependentes ad-ministrativa e pedagogicamente.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 26: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

26

dioca, a goma, o tucupi, a canoa, o artesanato, a casa do ribeirinho, o próprio biótipo afroin-dígena das pessoas; bem como o predomínio das religiões católica e evangélica em um território originalmente ocupado por índios e com grande afluência de negros no período colonial, invisibilizando as religiosidades de matriz afroindígena.

As identidades religiosas predominantes no município são especialmente retratadas na segunda parte do vídeo, em reportagens sobre a história do surgimento de duas co-munidades cristãs, sendo uma evangélica (Monte das Oliveiras) e outra católica (Nossa Senhora de Nazaré). Segundo seus líderes, ambas as comunidades têm origem recente, nos anos de 2005 e 2011, respectivamente. A igreja evangélica tem sua fundação após a chegada de um evangélico à localidade, que consegue mobilizar outros correligionários ali existentes. No caso da igreja católica, a iniciativa parte de pessoas do próprio lugar, demonstrando um caráter mais endógeno em relação à primeira. Contudo, ambas nos pare-cem, pelo pouco tempo de existência, insufi-cientes para a compreensão da religiosidade do povo portelense.

Embora essa exclusividade de católicos e evangélicos seja corroborada pelas estatísti-cas municipais9, a origem indígena da região e o predomínio de pessoas que se classificam como pretos ou pardos10 nos instiga a ques-tionar como ocorreu o processo de dominação do pensamento cristão no município, em de-trimento das religiosidades afroindígenas, e de que forma estas foram extintas ou invisi-bilizadas pelo processo de aculturação. A esse respeito, Pacheco (2010) ressalta que a diver-sidade de rios existentes na região do Marajó das florestas (onde se situa Portel) possibilita-ram a circulação de povos e culturas, contexto no qual as trocas culturais aconteceram mais intensamente e as populações locais consti-tuíram “identidades plurais alinhavadas em mediações que aglutinaram traços indígenas, negros escravos, fugitivos quilombolas, nor-destinos e estrangeiros como portugueses, ju-deus, turcos, norte-americanos” (PACHECO, 2010, p. 98). Isso levou representantes do

poder eclesiástico à conclusão de que os ma-rajoaras das regiões das florestas eram mais receptivos ao processo de evangelização.

Ainda segundo Pacheco (2010), a região do Marajó das florestas recebeu negros na condição de escravos ou fugitivos, os quais constituíram quilombos e mocambos nas flo-restas marajoaras. Considerando, portanto, a diversidade de influências culturais viven-ciada pela região, analisamos que faltou à produção dos educandos retratar aspectos do processo histórico de resistência cultural das identidades afroindígenas, a partir de suas religiosidades. Como nos diz Hall (2003 Apud PACHECO, 2011, p. 41), “as culturas, concebidas não como ‘formas de vida’, mas como ‘formas de luta’ constantemente se en-trecruzam: as lutas culturais surgem nos pontos de intersecção”. Tais aspectos são, a nosso ver, fundamentais para a compreensão da história e da constituição de identidades do município.

Na primeira parte do vídeo, os apresenta-dores conceituam identidade como “o conhe-cimento de si mesmo como indivíduo social, em determinado contexto”. Em seguida, um jovem cantor também apresenta sua com-preensão, dizendo que: “A partir do momen-to em que o indivíduo passa a distinguir-se dos demais componentes sociais, dos quais inevitavelmente é participante, ele passa a compreender-se melhor como ser formador e transformador social. Ou seja, quando co-meçamos a nos perguntar: Quem sou eu? Em que contexto social eu vivo? Qual a minha verdadeira identidade? Essas e outras per-guntas faz com que iniciemos uma pesquisa sobre nossa verdadeira identidade, passando a compreender melhor nossa história de vida” (educando Juzerison da Viola, 2013).

A ênfase no conhecimento do contexto so-cial no qual o indivíduo está inserido, para compreensão de sua identidade, condiz com

9 67,92% dos habitantes de Portel são católicos e 26,9%, evangélicos. Não há nenhum índice de afrorreligiosos nas estatísticas oficiais. Cf. Pará (2011).

10 Em relação a cor ou raça, 75% dos habitantes de Portel se classificam como pardos (67,51%), pretos (7,45%) ou indí-genas (0,36%). Ibid.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 27: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

27

o entendimento de Hall (2005) de que é na interação com outros atores sociais e na in-serção nos diferentes sistemas culturais que fazem parte de sua realidade, que o sujeito se constitui. Contudo, o autor ressalta que, no contexto vivenciado na sociedade pós-mo-derna, compreender uma identidade requer abandonar a sua antiga percepção enquanto um todo integrado e estável para analisar sua fragmentação em várias identidades, provi-sórias e transitórias de acordo com a forma como o indivíduo se vê representado nos mais variados sistemas de representação cultural.

Para Pires (2010), o modo pelo qual so-mos representados nas mídias audiovisuais influencia a consciência que temos de nós mesmos. Nesse sentido, a experiência dos jo-vens portelenses na produção de um vídeo no qual estes são, ao mesmo tempo, produtores e espectadores de suas próprias mensagens, inverte a posição de meros consumidores de imagens para a de sujeitos criadores de uma obra audiovisual que reflete suas leituras de mundo e valoriza seus saberes. Saberes ex-pressos nos “comerciais” entre os blocos do “programa”, os quais apresentam a diversi-dade produtiva das comunidades campone-sas dos educandos, a divisão do trabalho, a solidariedade do mutirão, a beleza artística do artesanato.

A jovem narradora explica o funcionamen-to do sistema de produção da mandioca, enfa-tizando a utilidade de cada espécie: uma para fazer farinha, outra para o beiju, uma para tirar o tucupi. A diversidade da produção da agricultura familiar é demonstrada por meio da mandioca, do milho, da banana, do jeri-mum, do limão, do açaí, da pupunha, do quia-bo, do urucum e do cupuaçu. Essa diversifica-ção produtiva é fundamental para garantir a autonomia do agricultor familiar.

Outro elemento destacado diz respeito à or-ganização do trabalho, através da reunião da comunidade nos mutirões e pela divisão das atividades por gênero, onde os homens se re-únem para trabalhar a roça e as mulheres, para fazer a comida. Embora tal divisão expli-cite uma tradição patriarcal na qual o homem tem maior vivência no espaço público e cabe à

mulher a administração do espaço familiar, a interdependência do trabalho de ambos é ex-pressa na narração “o homem precisa do tra-balho da mulher. “A mulher precisa do traba-lho do homem”. A mesma interdependência é afirmada na relação entre o indivíduo e sua comunidade na frase “a comunidade precisa do trabalho de cada um”. A importância e o significado do mutirão são ressaltados pela narradora: “A gente gosta de trabalhar junto. Quando a comunidade se reúne para traba-lhar junto, isso se chama mutirão [...] Quando junta todo mundo, é bom de trabalhar. A co-munidade fica alegre”.

A narração também enaltece a sabedoria tradicional expressa no artesanato, mostran-do artefatos construídos com o barro (panela, alguidá e fogareiro) e a tala do arumã (ces-to e paneiro), sendo a confecção deste último apresentada no palco pela mãe de uma edu-canda, na terceira parte do programa, para ilustrar os saberes culturais das comunidades do campo, transmitidos por meio da oralidade conforme o relato da referida moradora: “ele serve pra trazer a macaxeira, serve pra tra-zer a mandioca, pra usar dentro de casa, pra colocar o sabão, pode colocar frutas, alguma coisa que você quiser dentro do paneiro. Ele tem bastante serventia. Eu aprendi com a mi-nha mãe” (Maura, mãe de educanda. 2013).

Em relação às comunidades tradicionais, que tem como seu principal recurso de sobre-vivência cultural a memória conservada por meio da tradição oral, Maldonado (1992 apud TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009, p. 35) ressalta que essas sociedades não devem ser consideradas analfabetas, uma vez que sua oralidade não decorre por conta da ausência da escrita, mas sim pela não necessidade des-ta.

A partir do predomínio da cultura ocidental letrada, contudo, as sociedades orais tiveram seus saberes tradicionais rotulados de senso comum, sendo estabelecida uma relação hie-rarquizada em relação à ciência, legitimada pela cultura dominante como o meio legíti-mo de compreensão da realidade. A dinâmica através da qual as comunidades tradicionais interpretam o mundo, desenvolvida a partir

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 28: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

28

da integração entre o conjunto de crenças, co-nhecimentos e práticas produtivas dos cam-poneses (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009, p. 40) é desvalorizada pela educação formal e classificada como folclore, provocan-do a quebra da tradição oral e fazendo com que os educandos camponeses passem a ne-gar suas raízes culturais, em função da idea-lização da cultura urbana.

Em determinado momento, o jovem apre-sentador fala que a compreensão da identida-de, história e cultura de uma comunidade per-passa pelo conhecimento de seus fundadores e da história de seu nome. Chama uma repor-tagem sobre a origem do nome de um dos rios que banham o município, o Rio Jacaré-Puru. Mesmo entrevistando os dois moradores mais velhos da comunidade, a jovem repórter não consegue descobrir a origem do nome do rio, fato que demonstra a perda de informações importantes sobre a identidade da região, an-teriormente repassadas por meio da cultura oral, desvalorizada na modernidade.

Se tais comunidades anteriormente não precisavam da escrita, por possuírem outra lógica de preservação de suas memórias por meio da oralidade, na sociedade atual urge a necessidade de que pesquisas registrem essas memórias por meio da linguagem escrita, bem como por outras igualmente importantes. Nesse sentido, os registros audiovisuais pos-suem enorme potencial para a revalorização e resgate da história oral, como constatamos no exercício fílmico vivenciado pelos educandos do Programa Saberes da Terra.

Notamos, frente aos preconceitos enfrenta-

dos historicamente pelas populações tradicio-nais do campo, por conta da desvalorização que o paradigma da modernização agrícola11 tem reservado aos seus saberes e tradições, a importância dos sujeitos do campo se apro-priarem das ferramentas audiovisuais para preservarem suas memórias e expressarem suas ideias, visando a afirmação e valoriza-ção de suas identidades culturais e a socia-lização de seus saberes, tal como fizeram os educandos portelenses. Pacheco (2009) nos fala acerca da possibilidade das populações marajoaras de encontrar novas estratégias de expressão de suas identidades e criar estraté-gias de resistência ao processo de dominação cultural que lhes é imposto. O autor afirma que, sob a dinâmica do regime das águas

[...] outros códigos, linguagens e expressões co-municativas de modos de vida são concebidas como manifestações de sutis e astuciosas resis-tências quase sempre gestadas por tradições afroindígenas, em contraposição à negação de seus saberes-fazeres pela racionalidade letra-da, hegemônica e globalizante que se alastra por toda a região sob a égide do pensamento ocidental, cartesiano e excludente (PACHECO, 2009, p. 56).

A apropriação das ferramentas audiovisu-ais experimenta um processo de democratiza-ção com a proliferação de dispositivos móveis como celulares, gravadores digitais e máqui-nas fotográficas, o que tem aumentado consi-deravelmente o acesso das pessoas aos meios de produção fílmica, inclusive no campo. O vídeo produzido pelos educandos promove a participação da comunidade e apresenta te-máticas que dizem respeito às populações locais, em um esforço de valorização de suas histórias, identidades e traços culturais.

No contexto da ampliação do acesso aos meios de produção audiovisual, a utilização de dispositivos móveis pelos jovens marajo-aras pode ser percebida pelo uso de ilumi-nação natural em espaços fechados durante algumas reportagens (o que gerou alguns pro-blemas técnicos de iluminação) e pela granu-lação e pouca resolução de vários planos do vídeo. Podemos afirmar que, pela proposta temática do Programa Raízes e pela própria

11 Modelo de desenvolvimento rural difundido no mundo a partir do período pós segunda guerra mundial. Por meio da “Revolução Verde” e privilegiando o agronegócio, propõe a adoção de maquinários, equipamentos e insumos agríco-las produzidos por cientistas e pesquisadores e aplicados de forma vertical aos mais diversos espaços rurais, sem con-sideração às diferentes realidades e saberes locais encon-trados, visando o aumento da produção de alimentos. Esse paradigma de desenvolvimento para o meio rural se tornou ecológica e socialmente insustentável e tem sido fortemen-te contestado pela Agroecologia, a qual propõe um novo modelo de desenvolvimento para o campo, com sustenta-bilidade e tomando por base as experiências da agricultura familiar e a valorização dos saberes locais (CARMO, 2008).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 29: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

29

natureza do Programa Saberes da Terra, esta experiência é herdeira das experimentações audiovisuais populares dos anos 70 e 8012. A popularização dos dispositivos móveis deram a esses educandos novas possibilidades de ex-pressão.

Não basta, contudo, ter maior acesso aos meios de produção audiovisual sem conhecer sua linguagem. A apropriação da linguagem cinematográfica pelos sujeitos do campo pres-supõe um processo de educação audiovisual capaz de provocar nos mesmos uma nova for-ma de ver os filmes, as propagandas, os clipes e as diversas imagens que inundam nossa re-alidade, fazendo do cinema e do audiovisual uma opção repleta de possibilidades de enri-quecimento do processo educativo. A esse res-peito, nos diz Ramos, Braga e Teixeira (2010):

[...] uma segunda direção pela qual o cinema estaria bem colocado na escola seria a reali-zação de criações fílmicas, de pequenas pro-duções ou exercícios cinematográficos feitos pelos próprios educandos [...] a escola estaria oferecendo aos educandos oportunidades para conhecer um pouco mais a linguagem do cine-ma e também para utilizá-lo como meio de ex-pressão [...] poderão se expressar e dizer sobre si mesmos, sobre o mundo daqui e de acolá, sobre os conhecimentos, sobre seus estudos e aprendizagens usando a câmera, o olhar fíl-mico, a luz e a sombra, inventando cinema na escola (RAMOS; BRAGA; TEIXEIRA, 2010, p. 37-38).

Ao tornar possível a apropriação da lin-guagem cinematográfica para representar e socializar suas vivências e percepções de mundo, destacando a realidade da agricultu-ra familiar na qual estão inseridos, as expe-rimentações fílmicas vivenciadas por educan-dos e educadores do campo tem o potencial de promover a inclusão de seus sujeitos no pro-cesso de criação audiovisual. Nessa perspec-

tiva, a experiência do cinema chega ao campo e reconhece o camponês enquanto realizador de produtos audiovisuais que expressem seus saberes.

6 CONTINUA...A utilização do cinema de criação nas esco-

las do campo, especialmente no que se refere à compreensão da linguagem cinematográfi-ca e à apropriação dos recursos de produção audiovisual por educandos e educadores do campo, pode proporcionar a estes sujeitos e, por extensão, às suas comunidades, o domínio de uma poderosa ferramenta de comunicação. Nesse sentido, o cinema tem enorme potencial a ser explorado para valorizar e dar visibilida-de às identidades e saberes camponeses.

A experiência vivenciada pelos educandos portelenses do Programa Saberes da Terra, na produção do vídeo Programa Raízes, ilus-tra as possibilidades de contribuição das rea-lizações fílmicas dos camponeses para a con-solidação do projeto da educação do campo, uma vez que põe esses sujeitos no papel de produtores de conteúdos audiovisuais que re-tratam os conhecimentos tradicionais de suas comunidades a partir de uma visão endógena, na qual eles são os protagonistas, construto-res e narradores de sua própria história.

Mais do que conclusões, as reflexões acer-ca das potencialidades da apropriação da lin-guagem cinematográfica por educandos de comunidades tradicionais de Portel desper-tou questionamentos. Caberá pensar, dentre outras coisas, em que medida uma iniciação desses educandos na linguagem cinematográ-fica, que instigue um olhar mais crítico sobre as produções audiovisuais e motive a realiza-ção de suas próprias produções, poderá efe-tivamente enriquecer o currículo escolar e trazer como resultado, além da educação au-diovisual dos participantes, uma aprendiza-gem mais significativa. E que procedimentos metodológicos adotar para a consecução des-se resultado, tendo por base os princípios da educação do campo? Estas e outras indaga-ções que inevitavelmente surgirão no proces-so investigativo deverão nortear a continui-dade da pesquisa.

12 O maior acesso às ferramentas de produção audiovi-sual pela cultura popular teve início, no Brasil, nas déca-das de 70 e 80, quando as câmeras de vídeo começaram a ser vendidas por preços acessíveis, o que proporcionou a vários movimentos sociais criarem TVs de rua e expe-rimentarem a produção de vídeos com a participação da população e sob a influência da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (PIRES, 2010).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 30: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

30

BECKER, B. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, p. 71-86, 2005.

BRASIL. Plano de desenvolvimento territorial sustentável do arquipélago do Marajó. Brasília, DF, 2007. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=9408a880-6ec0--4be0-9cb7-feb01c4a6256&groupId=24915>. Acesso em: 29 ago. 2014.

______. Programa Saberes da Terra da Ama-zônia Paraense. Pará: MEC/MDA/MTE/UN-DIME-PA, 2005. Disponível em: <http://www.educampoparaense.org/documentos/entidades/saberes_da_terra/ppp_saberes.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2014.

CALDART, R. et al. (Org.). Dicionário da edu-cação do campo. Rio de Janeiro: Escola Poli-técnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão Popular, 2012.

CARMO, M. Agroecologia: novos caminhos para a agricultura familiar. Revista Tecnologia & Inova-ção Agropecuária, São Paulo, p. 28-40, Dez. 2008.

CARRIÈRE, J. A Linguagem secreta do cine-ma. Tradução de Fernando Albagli e Benjamin Albagli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. (Coleção 40 anos, 40 Livros).

DESCARTES, R. Discurso do Método. Tradu-ção de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

FERNANDES, B.; MOLINA, M. O Campo da Educação do Campo. In: MOLINA, M; JESUS, S. (Org.). Contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília: INCRA/MDA, 2004. p. 53-89. (Coleção Por uma Educação do Campo, 5).

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

HALL, S. A Identidade cultural na pós-moder-nidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaci-ra Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

PACHECO, A. Astúcias da memória: identida-des afroindígenas no corredor da Amazônia. Revista Tucunduba, Belém, v. 1, p. 40-51, 2011.

______. Encantarias afroindígenas na Amazônia Marajoara: narrativas, práticas de cura e (in)to-lerâncias religiosas. Horizonte, Belo Horizon-te, v. 8, p. 88-108, abr./jun. 2010.

______. O Poder dos saberes locais: escrituras e literaturas no regime das águas marajoaras. Revista Cocar, Belém, v. 3, p. 43-58, 2009.

PARÁ. Secretaria de Estado e Planejamento, Orçamento e Finanças. Estatística municipal de Portel. Portel, PA, 2011.

PIRES, E. A Experiência audiovisual nos espaços educativos: possíveis interseções entre educa-ção e comunicação. Revista Educação e Pes-quisa, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 281-295, jan./abr. 2010.

PROGRAMA Raízes. Direção: coletiva. Portel: Programa Saberes da Terra da Amazônia Pa-raense e Secretaria Municipal de Educação de Portel, 2013. 42 min.

RAMOS, A; BRAGA, A; TEIXEIRA, I. O Cine-ma ocupa a escola do campo. In: MARTINS, A. et al. (Org.). Outras terras à vista: cinema e educação do campo. Belo Horizonte: Autênti-ca, 2010. (Coleção Caminhos da Educação do Campo, 3).

SOUSA, R. Saberes culturais constituídos e educação de jovens camponeses na Amazô-nia Paraense: uma reflexão desde a perspecti-va da agroecologia política. Sevilha: Universidad Pablo de Olavide, 2014. (Relatório de Pesquisa).

TOLEDO, V.; BARRERA-BASSOLS, N. A Etno-ecologia: uma ciência pós-normal que estuda as sabedorias tradicionais. Revista Desenvol-vimento e Meio Ambiente, Paraná, n. 20, p. 31-45, jul./dez. 2009.

REFERÊNCIAS

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 21-30, maio/ago., 2014.

Page 31: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

31Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 31-32, maio/ago., 2014.

¹ Doutora em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pesquisadora da Fepagro. E-mail: [email protected]² Mestre em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista, Extensio-nista rural da Emater/RS-Ascar. E-mail: [email protected]

Vivificando o Organismo Agrícola: preparados biodinâmicos

PEREIRA, Sonia Regina de Mello¹, URIARTT, Ari²

Há 90 anos, entre 7 a 16 de junho de 1924, Rudolf Stei-ner proferia oito conferências em uma fazenda em Ko-berwitz, no interior da Silésia, atual Polônia. Esta série de palestras posteriormente passou a ser conhecida como Curso Agrícola para agricultores simpatizantes da ciência espiritual Antroposófica. Estes agricultores frequente-mente procuravam o filosofo Steiner preocupados com a redução da vitalidade de seus solos e a consequente dimi-nuição da saúde de seus cultivos e de suas criações em de-corrência de mudanças que estavam ocorrendo na forma de fazer agricultura, como resultado da adoção de praticas de manejo que estavam sendo introduzidas e que se base-avam nos princípios da agroquímica. No curso, Steiner es-tabeleceu alguns princípios que posteriormente passaram mais tarde a fundamentar a Agricultura Biodinâmica. O principio fundamental estabelecido foi à unidade agrícola percebida como um organismo. Nas palavras de Steiner, “Uma fazenda realiza sua razão de ser e sua essência, no me-lhor sentido da palavra, quando pode ser considerada como uma espécie de individualidade por si, uma individualidade realmente coerente”. Este organismo é desenvolvido de forma adequada quando está integrado à sua base natural. Desta base fazem parte a composição de seu solo e das rochas, a formação da superfície, o macro e microclima, a floresta, o prado, o lago e o rio, seja no sentido mais res-trito da unidade, como de forma mais ampla em seus arre-dores, e muitos outros detalhes. Ademais, este organismo possui os atributos de um organismo vivo: capacidade de auto-regulação, de crescimento, de desenvolvimento e de reprodução. Como um organismo pode-se compará-lo a um individuo que possui distintos órgãos que realizam diferentes funções, porém, interdependentes e incapazes de existirem de forma intendente. No entanto, para Agri-cultura Biodinâmica, a ideia de organismo agrícola não é

uma metáfora. Nela uma propriedade agrícola é um orga-nismo vivo integrado na paisagem, ao mesmo tempo em que se constitui um organismo espiritual comparável a um ser humano. Segundo Steiner, este organismo possui três partes distintas e inseparáveis: o homem, o polo terrestre e o polo cósmico. Estes polos devem estar em equilíbrio e suas influências benéficas devem ser potencializadas, empregando-se para isso, os Preparados Biodinâmicos, que aplicados sobre o solo ou sobre as plantas, em quan-tidades muito pequenas, são capazes de potencializar os aspectos positivos destes sistemas. Neste sentido, pode--se fazer uma analogia à medicina homeopática, onde se procura, através de diluições extremas, estimular as defe-sas naturais do organismo.

Os Preparados Biodinâmicos podem ser classificados em Básicos e Acessórios, Os Básicos têm uma profunda ação sobre o metabolismo do solo, das plantas e dos adu-bos orgânicos, e sobre a Natureza e suas forças em geral, criando a condição de vitalidade e saúde que se consti-tui na base da Agricultura Biodinâmica. Os Preparados Acessórios têm função reguladora e são mais limitados, assumem em geral, um papel protetor dos cultivos. Os Preparados Básicos são conhecidos como: Preparado 500 (a base de esterco bovino) e Preparado 501 (a base de sílica finamente moída) e são usado na forma de spray; e os Preparados 502, 503, 504, 505, 506 e 507 (respectiva-mente a base de milefólio - Achillea millefolium L.; camo-mila - Matricaria chamomilla L.; urtica - Urtica dioica L.; casca de carvalho - Quercus robur L.; dente de leão - Tara-xacum officinale F.H. Wigg e valeriana - Valeriana officinalis L.) se destinam a vitalizar o composto orgânico ou outras formas de biofertilizantes.

Page 32: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

32Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 31-32, maio/ago., 2014.

Os Preparados, como já comentado, são empregados pela Agricultura Biodinâmica há praticamente noventa anos. No Brasil começaram a ser empregados na déca-da de 70, na pioneira Estância Demétria, em Botucatu no Estado de São Paulo. No Rio Grande do Sul são exemplos de seu emprego, a Fazenda Capão Alto das Criúvas, espe-cializada na produção de arroz biodinâmico, no município de Sentinela do Sul, e a Cooperativa Ecocitrus, que possui um núcleo de agricultores biodinâmicos que utilizam os Preparados no manejo de pomares de frutas cítricas, na vitalização de composto orgânico e biofertilizante e no manejo de sistemas agroflorestais.

Pelo seu caráter básico e a facilidade de obter seus componentes, será orientado como proceder para se produzir os Preparados 500 e 501. O Preparado 500 é obtido tendo como material básico o esterco de bovi-nos, relativamente fresco, de preferência proveniente de animais que tenham se alimentado de pastagem ou feno, devendo ser evitado daqueles alimentados com ração e silagem, assim como, o esterco que tenha ficado exposto à geada. Para se ter uma ideia da quantidade necessária, as indicações variam de 300 g de Preparado curtido para 60 litros por hectare, segundo recomendação de Herbert Koepf, ou 150 g para os mesmos 60 litros, de acordo com Maria Thun. Uma vez obtido o esterco, este deve ser colocado no interior de um chifre de vaca, não é reco-mendado ser de boi ou touro. Para reconhecer o chifre de vaca, este tem a tendência de se desenvolver em espiral, ser mais denso, pesado e ter sua ponta preenchida. Sendo que do boi este tende a ser mais radial (reto) e possuir mais espaço oco em sua ponta. Tal recipiente pode ser utilizado em media três a quatro vezes, e quando a cama-da exterior começar a descascar ou amolecer, devem ser descartados. Ao encher o chifre observe que o esterco ocupe todo o espaço interno e que chegue até o fundo. O outro material a ser empregado é a sílica, utilizada no Pre-parado 501. O mais adequado é o quartzo cristalino, con-tudo, também podem ser utilizados a calcedônia (ágatas e sílex) ou até mesmo o feldspato potássico (ortoclásio). Para se ter uma ideia da quantidade que se utiliza deve-se levar em conta que para um hectare são necessários ape-nas 4 g (quatro gramas) diluídos em 60 litros de água, se-gundo Herbert Koepf e 1 g (uma grama), de acordo com a recomendação de Maria Thun. Deve-se recordar que tais Preparados são análogos às praticas da homeopatia, e que quantidades menores não implicam em serem menos efetivas do ponto de vista de sua utilização, principalmen-te pelo fato de ambos, tanto o Preparado 500 como o 501, necessitarem de dinamização em água (movimento circular de modo a formar um vórtex/funil, ou redemoi-nho), de aproximadamente uma hora antes de sua apli-cação. A sílica, que será utilizada para preencher todo o interior do chifre, deve ser finamente triturada, o mais fina

possível com os meios disponíveis. Ao pó obtido deve-se adicionar uma quantidade suficiente de água, dando-lhe uma consistência de massa fina antes de ser colocada no chifre. Depois de preenchidos os chifres com os respecti-vos materiais, ambos devem ser enterrados em uma cova, de modo que a última camada esteja entre 30 a 40 cm da superfície. A posição preferencial deve ser a horizontal, com sua boca levemente inclinada para baixo, com isto evita-se o excesso de umidade causado pela infiltração da água da chuva, da mesma forma como a entrada de raízes no interior do cone. Como cada um representa uma po-laridade, são confeccionados em épocas opostas. O 500, ligado as forças terrestres permanece no solo durante o inverno, sendo enterrado perto do equinócio de outono (em março, próximo da Páscoa) e deve ser desenterrado perto do equinócio de Primavera (setembro). Já o 501, ligado as forças cósmicas, permanece no solo durante o verão e o momento de enterrá-lo ocorre próximo ao sols-tício de verão, o que no hemisfério sul ocorre em dezem-bro, próximo do Natal. O momento de retirá-lo do solo se dá em fins de abril e começo de maio. No entanto, caso desejado, o material pode ficar enterrado por um período de um ano ou dois, sem comprometer sua qualidade. No entanto, ao desenterrar algumas orientações devem ser observadas. O Preparado 500, de chifre-esterco, uma vez retirado do chifre, deve ser guardado em vidro fechado e este dentro de caixas ou vasilhame de cerâmica que seja forrado internamente por todos os lados por uma cama-da de turfa, tal conjunto de recipientes deve ser mantido em local, fresco, escuro e úmido, condição encontrada, por exemplo, em um porão. Já para o Preparado 501, de chifre-sílica, por ter ligação com as forças da luz, deve ser armazenado em vidro transparente ou incolor, e em local exposto à luz do dia.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGRICULTURA BIODI-NÂMICA. Normas de produção: para o uso das marcas Biodinâmica®, Demeter e marcas relacionadas. Botuca-tu. Junho 2010. 48 p.

CORREIA-RICKLI, R. Os preparados biodinâmicos: in-trodução a preparação e uso. Botucatu: Centro Demeter, 1986. 63 p.

TICHAVSKÝ, R. Homeopatía para las plantas. Mon-terrey: Fujimoto Promociones, 2009. 236 p.

KOEPF, H. H. O que é agricultura biodinâmica? São Paulo: Antroposófica, 1983. 44 p.

GUZMÁN CASADO, G. I.; GONZÁLEZ DE MOLINA; M.; SEVILLA GUZMÁN, E. Introducción a la agroeco-logía como desarrollo rural sostenible. Madrid: Mun-di-Prensa, 2000. 535 p.

Page 33: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

33

BENEDETTI, Adriane Cristina1

ResumoA abertura política no Brasil propiciou o surgi-mento de vários movimentos sociais na década de 1980, entre os quais, grupos reivindicando o reconhecimento à diferença cultural, tais como povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos. O artigo aborda a luta por reco-nhecimento de direitos e a construção de iden-tidade em comunidades quilombolas no estado do Rio Grande do Sul, em um contexto de cres-cente atuação do movimento negro, de formula-ção de legislação e de políticas públicas para as comunidades remanescentes de quilombos que conformaram o período recente no país. Tem por objetivo analisar como se deu a construção da identidade política quilombola, como ela aciona direitos e viabiliza a interlocução com o Estado.

Palavras-chaves: Quilombola. Identidade. Etnicidade.

1 Engª Agrª da Emater/RS-Ascar. Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. ATR de Organização Econômica do

Escritório Regional de Porto Alegre. Rua Botafogo, 1051/2° andar. Porto Alegre/RS. E-mail: [email protected].

AbstractThe political opening in Brazil has given rise to various social movements in the 1980s, among which groups claiming recognition to cultural difference, such as indigenous peoples and re-maining quilombos communities. The article ap-proaches the struggle to recognize of the rights and the construction of identity of the quilom-bolas communities of Rio Grande do Sul state, in the context of the growing performance of the black movement, of the legislation formulation and of public policies for the remainders of the quilombos that determined the recent period in the country. Aims to analyze how was the cons-truction of quilombola political identity, as it operates rights and it makes possible the dialo-gue with the State.

Keywords: Quilombola. Identity. Ethnicity.

1 INTRODUÇÃOEste texto foi elaborado a partir da atuação

junto à Emater/RS-Ascar (Associação Riogran-

Luta por Reconhecimento e Construção de Identidade em Comunidades Quilombolas

no Sul do Brasil

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 34: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

34

dense de Empreendimentos de Assistência Téc-nica e Extensão Rural/Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural), instituição oficial de assistência técnica e extensão rural do estado do Rio Grande do Sul. No âmbito da execução de programa governamental de combate à pobreza rural e à degradação dos recursos naturais re-nováveis foi colocado o desafio à instituição de apoiar o processo de identificação de comuni-dades negras rurais com potencial de reconhe-cimento enquanto quilombola, visando inserção àquele programa.

Neste contexto, a atuação em um município situado na região litorânea do Rio Grande do Sul colocou em contato com comunidades negras rurais que lutavam pelo reconhecimento de di-reitos sobre o território, acionando um artigo da Constituição Federal, o que despertou o interes-se em torno destas comunidades. Para elabora-ção do presente artigo são utilizados dados em-píricos obtidos através da atuação na extensão rural junto a estas comunidades, entre os anos de 2001 e 2011, e da contribuição de autores para sustentar a argumentação.

2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O RECONHECIMENTO DE DIREITOSA flexibilização do regime militar no Brasil e a

abertura política propiciou a retomada da mobiliza-ção social no país. Entre o final da década de 1970 e a primeira metade da de 1980 emergiram diversos movimentos sociais, alguns dos quais com viés étni-co, pautando o respeito à diferença cultural.

O surgimento de sujeitos políticos no país reivin-dicando direitos enquanto grupos culturalmente diferenciados, como, por exemplo, as comunidades indígenas e os remanescentes de quilombos (AR-RUTI, 1997), contrapôs-se à ideia vigente de acul-turação ou assimilação. Tanto o discurso oficial quanto o imaginário social estavam impregnados pela retórica integracionista que atribuía à misci-genação entre o índio, o europeu e o negro o mito fundador da sociedade brasileira. Na própria legis-lação de proteção às populações indígenas prevale-

cia o viés integracionista, segundo o qual haveria uma progressiva integração à sociedade nacional.

A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil no ano de 1988, no contex-to da redemocratização do país, representou um avanço na construção da cidadania de alguns gru-pos sociais. O novo texto constitucional rompeu com a representação homogênea de sociedade, vi-gente até então, afirmando a pluralidade cultural da sociedade brasileira e assegurando a livre ma-nifestação cultural. A diversidade cultural passou a ser vista como um fator de enriquecimento da sociedade brasileira, evidenciando a contribuição dos povos indígenas e grupos afro-brasileiros.

A Constituição Federal de 1988 também rom-peu com a tutela do Estado e reconheceu os direi-tos originários dos povos indígenas sobre as ter-ras tradicionalmente ocupadas e de gestão sobre o seu território.

O reconhecimento de direitos sobre o território também foi aplicado às terras ocupadas por re-manescentes de quilombos, conforme previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) do texto constitucional. “Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir--lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988, p.154).

A inclusão deste artigo no texto constitucional atendeu à reivindicação do movimento negro2 que, desde a década de 1970, seguia uma trajetória de organização. O artigo, no entanto, foi inserido en-quanto um dispositivo constitucional transitório e não como uma política permanente do Estado de acordo com Leite (2000a) tendo sido aprovado sem maiores discussões e integrando o conjunto de ações alusivas ao centenário da Abolição da Escra-vatura, conforme (ARRUTI, 1997).

Coube à legislação complementar definir os procedimentos administrativos para efetivação da titulação das terras das comunidades rema-nescentes de quilombo que, por sua vez, teve por referencial os passos estabelecidos à demarcação dos territórios indígenas3. Em relação àquelas pri-

2 O movimento negro surgiu na década de 1970, em função de os demais movimentos sociais não abordarem a questão racial, sendo um dos maiores expoentes o Movimento Negro Unificado (MNU).

3 Segundo Arruti (1997), houve migração de antropólogos ligados à temática indígena para os remanescentes de qui-lombos, fazendo uso do instrumental crítico e do acúmulo em termos de atuação profissional. O autor debate os limites analíticos e teóricos da polarização entre “raça” e “etnia” verificada nas ciências sociais no país e, com base em estudos recentemente realizados, propõe a idéia de “plasticidade identitária”.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 35: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

35

meiras, alguns estados brasileiros reconheceram o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos em suas constituições estaduais, como foi o caso da Bahia, Goiás, Maranhão, Pará e Mato Grosso, enquanto que em outros estados houve atuação direta, como, por exemplo, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

No plano político, verificou-se afirmação crescen-te do direito de tais povos à definição de um modelo próprio de organização e de desenvolvimento, di-ferente dos padrões desenvolvimentistas dominan-tes, denominado de etnodesenvolvimento4.

A partir da Constituição Federal de 1988 am-pliou-se a adesão do Brasil a tratados interna-cionais em defesa dos direitos humanos, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos povos originários. O novo texto constitucional também orientou a aprovação de leis de garantia de direitos de determinados grupos, como o Estatuto da Igual-dade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010).

3 A LUTA POR RECONHECIMENTO DE DIREITOS DOS REMANESCENTES DE QUILOMBOSNo imaginário social brasileiro o termo qui-

lombo remete ao período da escravidão, viven-ciado em séculos passados, vinculado, de uma maneira geral, a agrupamentos formados por escravos fugidos. A partir da Abolição da Escra-vatura, em 1888, houve um silêncio em relação ao tema5, que só foi rompido pela Constituição Federal de 1988, passados exatamente 100 anos.

O termo quilombo foi retomado no novo texto constitucional para conferir direitos territoriais. O Artigo 68 do ADCT reconhece a existência de remanescentes de comunidades dos quilombos e atribui ao Estado o dever de efetuar sua regula-rização fundiária. A aplicação do preceito cons-titucional, no entanto, dependia de regulamen-tação em lei, o que provocou debates na esfera nacional orientadas por questões de natureza jurídica e legislativa, sendo que a própria defi-

4 O termo etnodesenvolvimento surgiu na “Reunião de Peritos sobre Etnodesenvolvimento e Etnocídio na América Lati-na”, realizada na Costa Rica em 1981 pela Unesco. Ele tem sido usado como alternativa aos padrões desenvolvimentistas que têm foco em resultados econômicos, pois considera os interesses e os direitos das populações alvo de programas de mu-dança induzida (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000)

5 Segundo Almeida (2002) presumia-se que com a Abolição da Escravatura os quilombos deixariam de existir ou, pelo me-nos, não haveria mais motivos para sua existência. No caso brasileiro, o fim da escravidão não foi acompanhado por políticas de assentamento dos ex-escravos ou de inserção no mercado de trabalho livre.

nição do que os quilombos foram historicamente surgiu como questão central, na perspectiva de definição de critérios de identificação das comu-nidades remanescentes (ARRUTI, 1997). Tais debates processaram-se tanto no plano conceitu-al quanto no normativo.

No plano conceitual, havia a necessidade de acordar uma definição, tendo em vista que o tex-to constitucional não define o conceito de quilom-bo, cuja primeira referência remonta ao período colonial, na forma de resposta do Conselho Ul-tramarino ao rei de Portugal em 1740. Nela, os quilombos são definidos como “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos le-vantados e nem se achem pilões nele” (ALMEI-DA, 2002, p. 47).

Esta conceituação se fundamentava em cinco elementos: i) a fuga; ii) uma quantidade mínima; iii) o isolamento geográfico; iv) a moradia habitual; v) a capacidade de reprodução, dada pela presen-ça de pilões, símbolo de subsistência alimentar, segundo Almeida (2002). Tais elementos defini-dores cristalizaram-se no imaginário social e dos legisladores brasileiros, de forma que o conceito de quilombo ficou congelado, ou “frigorificado”, nas palavras do autor.

Outro aspecto referia-se à adoção da noção de remanescente no texto constitucional, cuja conota-ção de o que restou ou que está fadado a desapa-recer, somada à referência histórica do Quilombo de Palmares, exigiu um esforço interpretativo por parte de intelectuais e militantes no sentido de contornar um impasse conceitual. De acordo com Leite (2000a), o termo remanescente de quilombo não correspondia à autodenominação dos grupos que reivindicavam a aplicação do preceito consti-tucional e, sendo uma identidade em processo de construção política, suscitava questionamentos.

Neste contexto, a Associação Brasileira de Antro-pologia (ABA) foi convidada pelo Ministério Público para dar seu parecer a situações identificadas em pesquisas, tendo sido formado um Grupo de Traba-

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 36: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

36

lho sobre Terra de Quilombos6, na busca por uma definição conceitual de remanescente de quilombo.

Buscava-se desconstruir a idéia de isolamento desses grupos e tecer uma postura crítica à visão estática de quilombo, evidenciando seu caráter di-nâmico, relacional e contemporâneo conforme Lei-te (2000a). Pesquisas que vinham sendo realizadas sobre esta temática apontavam que as comuni-dades remanescentes de quilombos atualmente existentes nem sempre se originaram de fugas e viveram em isolamento, como o caso do Quilombo do Frechal, no estado do Maranhão que, de acordo com Almeida (2002), constituiu-se próximo à casa--grande, estando relacionado ao declínio do siste-ma de monocultura agrário-exportadora. Outra si-tuação que não correspondia àquela conceituação clássica foi verificada no estado do Rio Grande do Sul, em que o levantamento realizado por Rubert (2005) revelou casos recorrentes de alforria e de do-ação de terras pelos antigos senhores aos escravos via testamento (chamado de “deixa” de terras)7.

Tais evidências tornavam necessária a ruptura em relação à definição arqueológica de quilombo, nas palavras de Almeida (2002), dada pelo Con-selho Ultramarino em 1740. Desta forma, o docu-mento elaborado pela ABA procurou contornar os equívocos oriundos da adoção da noção de remanes-cente pelo texto constitucional, tendo em vista que, na atualidade, o termo não se referia a resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de compro-vação biológica (O’DWYER, 2002; LEITE, 2000a).

No plano normativo, processou-se um debate jurídico em torno da definição de quem era o su-jeito de direito e da aplicabilidade do Artigo 68 do ADCT da Constituição Federal. Se, por um lado, a inclusão desse artigo no texto constitucional re-presentava uma resposta positiva à luta política do movimento negro, por outro lado, constatava--se a necessidade de mobilização em prol da sua

aplicação, o que ocorreu através da criação de me-canismos de representação, como a Comissão Na-cional Provisória de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CNACNRQ, no ano de 1996 (O’DWYER, 2002), que passou a pressio-nar os órgãos governamentais.

Tais debates também se refletiram na esfera legislativa, na forma de elaboração de anteproje-tos de leis, assim como na executiva, cuja primeira tentativa de regulamentação daquele artigo cons-titucional ocorreu na forma de Decreto emitido no ano de 20018. Contudo, somente no ano de 2003 foi assinado o Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro, regulamentando o referido artigo cons-titucional, com a seguinte redação:

“Art. 2º Consideram-se remanescentes das comu-nidades dos quilombos, para os fins deste Decre-to, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.§ 1º Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilom-bos será atestada mediante autodefinição da pró-pria comunidade...” (BRASIL, 2003).

O novo Decreto estabeleceu o critério da autode-finição para fins de identificação e reconhecimen-to enquanto remanescente de quilombo, o que se alinha à Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Ou seja, não se trata de um agente externo à comunidade definir o que ela é, a par-tir de um dispositivo classificatório, mas de levar em consideração a identidade forjada pela própria comunidade, ao longo de sua trajetória e da sua relação com outros grupos.

De acordo com o texto o mais importante é a forma como tais grupos se autodefinem, como

6 O Grupo de Trabalho sobre Terra de Quilombos foi criado em 1994. No ano seguinte, em 1995, foi publicado o primeiro Caderno da ABA sobre este tema, com textos de antropólogos que desenvolviam pesquisas em comunidades negras rurais de diversas regiões do país (O’DWYER, 2002).

7 Conforme Rubert (2005) houve várias situações de alforria de escravos e de doação de terras em testamentos no Rio Grande do Sul, cuja hipótese da autora é de que a promessa de alforria estivesse condicionada às exigências de obediência dos senhores e como instrumento para amenizar tensões.

8 O Decreto Federal nº 3.912/2001 atribuía competência à Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, no processo de identificação dos remanescentes das comunidades de quilombos, bem como de reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras ocupadas. Também estabelecia que seria reconhecida a propriedade das terras que estivessem ocupadas por quilombolas em 1888, ano da Abolição da Escravatura, e em 5 de outu-bro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Este Decreto acabou sendo revogado por ocasião da assinatura do Decreto nº 4.887/2003.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 37: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

37

constroem e afirmam sua identidade coletiva e os aspectos político-organizativos que regem sua mobilização, como apontado por Almeida (2002).

De acordo com a redação, o sujeito portador de direitos sobre o território é o grupo coletivo e não o indivíduo, pois, segundo Leite (2000a), não é a terra, mas a condição de membro de um grupo o que identifica o sujeito de direito, respeitando-se, assim, as formas tradicionais de uso coletivo da terra9. O Decreto também estabelece que a demarcação das terras deverá seguir os critérios de territorialidade indicados pela própria comunidade, a partir da memória coletiva, atendendo os quesitos de sua reprodu-ção física, social, econômica e cultural, incluin-do os locais sagrados à religiosidade, e define os procedimentos para sua efetivação10.

O Decreto 4.887/2003 assumiu um caráter de reparação à opressão histórica sofrida pelos afro-brasileiros. O reconhecimento dos territó-rios quilombolas, juntamente com o programa de cotas raciais em universidades públicas, in-tegra as políticas de ação afirmativa do governo brasileiro. As políticas de ação afirmativa re-presentam um esforço de projetar a imagem de país pluriétnico, estando inscritas no compro-misso ético do governo brasileiro firmado diante de acordos internacionais de combate a formas de discriminação de minorias étnicas, tais como a Convenção 169 da OIT.

Contudo, o debate sobre ações afirmativas é re-cente no país. As políticas de ação afirmativa são vistas mais como uma intervenção do Estado do que sob uma noção de direitos. Em função disso, ocorrem contestações jurídicas às ações afirmati-vas como, por exemplo, a Ação de Inconstituciona-lidade (ADIN 3239) movida pelo Partido Democra-tas (DEM) contra o Decreto Federal 4.887/2003, que rege o processo de reconhecimento, identifica-ção, delimitação, demarcação e titulação dos ter-ritórios quilombolas, a qual tramita no Supremo Tribunal Federal.

Outra ação contestatória vem sendo travado no legislativo, capitaneada por congressistas da chamada Bancada Ruralista. Trata-se do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 215) que trami-ta no Congresso Nacional, o qual visa submeter a demarcação de áreas indígenas e a titulação dos territórios quilombolas à aprovação pelo le-gislativo. Tal proposição tem por alvo a atuação dos órgãos do executivo, no caso, a Fundação Na-cional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Tais contestações jurídicas e legislativas ex-pressam disputas latentes na sociedade brasilei-ra no que se refere ao direito de grupos minori-tários, em que a reivindicação pelo território por parte destes entra em choque com o interesse de grupos empresariais imobiliários e agrope-cuários, gerando conflitos. No ano de 2012, por exemplo, foram realizadas audiências públicas em diversos municípios, promovidas pela Comis-são Especial para Discutir a Situação das Áreas Indígenas e Quilombolas no RS da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul11.

4 AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SULAté um período não muito remoto, falar de

comunidades remanescentes de quilombos no estado do Rio Grande do Sul causava estra-nhamento. De uma maneira geral, a existência de tais comunidades era apontada em outras regiões do país, pelo reconhecimento histórico oficial do Quilombo de Palmares, no Nordeste, e pela visibilidade do território Kalunga, no es-tado de Goiás.

Tal percepção é decorrente da invisibilidade histórica e social dos remanescentes de quilom-bos no Rio Grande do Sul, relacionada ao fato da historiografia tradicional subestimar a pre-sença do negro e do índio na formação da iden-tidade gaúcha (OLIVEN, 1996). Uma das teses defendidas é de que a presença de mão de obra

9 De acordo com o Decreto 4.887/2003 a titulação da terra dar-se-á de forma coletiva, efetuada em nome da associação comunitária a ser constituída pelo grupo demandante.

10 O Decreto Federal 4.887/2003 atribui competência à Fundação Cultural Palmares para reconhecimento de comuni-dade remanescente de quilombos, enquanto que o processo de identificação, delimitação, regularização e titulação cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cujo procedimento administrativo está definido na Instrução Normativa Nº 57/2009 do órgão.

11 Conforme relatório da Comissão Especial para Discutir a Situação das Áreas Indígenas e Quilombolas no Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2012).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 38: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

38

escrava na pecuária gaúcha não foi tão signifi-cativa quanto na monocultura agrário-exporta-dora em outras regiões brasileiras.

A invisibilidade do negro no Sul do país, cujo argumento usado era o da sua insignificância numérica, foi um dos supostos dos ideais de branqueamento da população brasileira que norteou a política de imigração promovida pelo Brasil Imperial no século XIX. De acordo com Leite12, necessitava-se negar a presença do ne-gro para construir o “vazio” a ser ocupado pelos imigrantes europeus. “Ou seja, não é que o ne-gro não seja visto, mas sim que ele é visto como não existente” (LEITE, 1996, p. 41).

No que se refere ao Rio Grande do Sul, pouco se conhecia sobre a realidade das comunidades remanescentes de quilombos. Um dos primeiros levantamentos foi efetuado pelo Núcleo de Es-tudos sobre Identidade e Relações Interétnicas (Nuer) da Universidade Federal de Santa Cata-rina (UFSC) em 1995, que apontou a existência de quarenta e três (43) territórios negros ou re-manescentes de quilombos no estado.

Este levantamento serviu de subsídio para a elaboração de laudos antropológicos em seis co-munidades (São Miguel e Martimianos no mu-nicípio de Restinga Seca; Arvinha e Mormaça em Sertão; Morro Alto entre Maquiné e Osório, e Casca em Mostardas), mediante convênio en-tre a Fundação Cultural Palmares e o governo do estado no ano de 2001. Isto ocorreu no âmbi-to de atuação direta do governo estadual gaúcho no processo reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos, tendo em vista o momento anterior à assinatura do Decreto Fe-deral nº 4.887, de 2003.

No contexto de implementação de políticas de combate à pobreza rural e à degradação dos re-cursos naturais no estado do Rio Grande do Sul,

foi proposta a definição dos quilombolas como público alvo do Programa RS Rural13 pelo movi-mento negro gaúcho. Esta decisão política trouxe a necessidade de identificar e conhecer a reali-dade de outras comunidades que, segundo o mo-vimento negro, existiam em números superiores aos apontados pelo levantamento anterior.

Em função disso, no início de 2003, a Secre-taria Executiva do Programa RS Rural, jun-tamente com a Emater/RS-Ascar e o Codene14 deliberaram pela realização de um diagnóstico das comunidades negras rurais com potencial de serem reconhecidas como remanescentes de quilombos no estado, com o objetivo de servir de subsídio para que tais comunidades aces-sassem políticas públicas específicas. Por meio deste levantamento foi constatada a existência de 116 comunidades negras rurais15, sendo que somente quarenta e duas (42) comunidades se auto-identificaram como remanescentes de quilombos, dispersas pelas regiões do estado.

Embora o Programa RS Rural não constitu-ísse uma política de ação afirmativa em si, a reformulação pela qual passou promoveu a cria-ção da categoria “público especial”, formada por pescadores artesanais, assentados da reforma agrária, pecuaristas familiares, comunidades indígenas e quilombolas. Esta categoria conta-va com um fluxo operacional diferenciado, a fim de evitar uma possível disputa por recursos com segmentos organizados da agricultura familiar. Tal definição permitiu que 44 comunidades qui-lombolas fossem atendidas em sua totalidade pelo programa governamental.

O envolvimento no diagnóstico, assim como na elaboração e execução dos projetos para este programa governamental, representou um mar-co na atuação da entidade oficial de assistência técnica e extensão rural do Rio Grande do Sul,

12 A autora faz uso da noção de invisibilidade cunhada por Ellison para descrever o mecanismo de manifestação do racismo nos Estados Unidos, particularmente no que se refere à inserção no mundo do trabalho assalariado de ex-escravos e seus des-centes, bem como as novas relações sociais produzidas. O mecanismo da invisibilidade opera por um olhar que nega a presença do outro, como forma de contornar a impossibilidade de excluí-lo totalmente da sociedade (ELLISON, 1990 apud LEITE, 1996).

13 O Programa RS Rural, inicialmente denominado de Pró-Rural 2000, resultou de um contrato de empréstimo entre o estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) e o Banco Mundial (Bird), assinado em 11 de junho de 1997. Foi desenvolvido entre os anos de 1997-2004 em 465 municípios gaúchos, totalizando 3.414 projetos e abrangendo 131.785 famílias do meio rural, onde foram investidos, ao todo, R$ 256.199.131,06 (EMATER/RS-ASCAR, 2004).

14 O Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Rio Grande do Sul (Codene) foi criado pela Lei Estadual nº 11.901, de 25 de abril de 2003.

15 A informação inicial sobre a existência de comunidades negras rurais partiu dos técnicos dos escritórios municipais da Emater/RS-Ascar, sendo que a partir desta indicação foram realizados os diagnósticos.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 39: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

39

Emater/RS-Ascar, junto a tais comunidades, sob o viés da sua especificidade cultural.

5 O RECONHECIMENTO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE QUILOMBOLA As ações implementadas através do Programa

RS Rural, entre as quais, a realização da I Con-ferência Estadual das Comunidades Quilombolas, no ano de 2003, deram visibilidade a estas comu-nidades e aproximaram lideranças quilombolas de várias regiões do estado. Somam-se as ativi-dades que antecederam à elaboração do Decreto 4.887/2003, as quais promoveram a circulação de várias lideranças de comunidades quilombolas por esferas nacionais.

Em função disso, as lideranças das comunida-des quilombolas se inseriram em uma rede de dis-cussões e de implementação de políticas públicas e criaram uma entidade de representação estadual, a Federação das Associações das Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul (FACQ/RS)16. Da mesma forma, novas entidades vinculadas ao movimento negro, organizações não-governamen-tais (Ongs), universidades, agências do Estado, além da instituição oficial de extensão rural, pas-saram a desenvolver ações, constituindo-se um espaço de mediação17 junto às comunidades qui-lombolas.

Como resultados desta mobilização de lide-ranças e de entidades existem 94 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares no estado do Rio Grande do Sul, sendo o reconhecimento oficial condição de acesso a polí-ticas públicas específicas, como as que integram o Programa Brasil Quilombola18. Destas comunida-des, 77 possuem processo de titulação como terra

de quilombo instaurado junto ao Incra/RS, em que apenas 3 (três) comunidades obtiveram a titulação da área: Família Silva, em Porto Alegre, capital do estado; Chácara das Rosas, no município de Ca-noas, e Casca, em Mostardas. Contudo, verifica-se morosidade na atuação do Estado. Tomando por exemplo a comunidade de Casca, cuja ação de re-gularização fundiária foi instaurada em 1996, so-mente em novembro de 2010 efetuou-se entrega do documento definitivo das terras.

Na aplicação do preceito constitucional à reali-dade, contudo, observa-se que para as comunida-des o termo remanescente de quilombo é algo que vem de fora, cunhado pela política pública, visto ser o quilombola o sujeito de direito. Para dar con-ta da construção da identidade quilombola, foca-lizamos a situação das comunidades do litoral do estado do Rio Grande do Sul.

Nesta região, mais precisamente no municí-pio de Mostardas, está localizada a comunida-de de Casca, a qual foi emblemática na luta por reconhecimento dos direitos dos remanescentes de quilombos no sul do Brasil. Esta comunidade foi a primeira reconhecida oficialmente enquan-to quilombola mediante laudo antropológico, cuja elaboração visava instruir o Inquérito Civil Público aberto em 13/09/1996 pela Procurado-ria da República do Rio Grande do Sul (LEITE, 2000b). A origem da comunidade remete a uma “deixa” de terras via testamento aos escravos de uma antiga fazenda que ocorreu em período bem anterior à Abolição da Escravatura. No tes-tamento, aberto em 1826, as terras do chamado Campo da Casca foram doadas para 23 escravos e seus filhos, com uma cláusula de usufruto, os quais, com a morte da proprietária, passaram à condição de libertos19.

16 Em algumas regiões foram criados espaços de debate, como o Fórum das Comunidades Quilombolas da Península Costeira, que abrange comunidades dos municípios de Palmares do Sul, Mostardas e Tavares, reunindo lideranças, repre-sentantes de entidades e de agências do Estado.

17 Uso a noção de mediação a partir de Neves (1998), enquanto objetivação de sistemas de regulação instituídos que orien-tam os modos diferenciados de visões de mundo e formas de comportamento diferenciado entre mediadores e mediados. Con-tudo, alerto que não é objetivo desse trabalho analisar a constituição do espaço de mediação em si. Uma análise crítica da ação de mediadores e a implementação de políticas públicas junto a comunidades quilombolas é efetuada por Anjos e Silva (2008).

18 O Programa Brasil Quilombola, desenvolvido pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), vinculada à Presidência da República, contempla um conjunto de ações articuladas entre diversos Ministérios, voltadas para as comunidades quilombolas. Sua implementação requer a elaboração de um Plano Estadual, de forma a integrar ações dos governos estadual e federal (BRASIL, 2012).

19 Em testamento, a proprietária Maria Quitéria do Nascimento determinou que as cartas de liberdade fossem entregues pelo seu testamenteiro aos escravos após a sua morte e firmou uma cláusula de usufruto das terras, excluindo a possibili-dade de venda (LEITE, 2000b).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 40: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

40

Outras duas comunidades situadas no muni-cípio de Mostardas, Teixeiras e Beco dos Colo-dianos, foram identificadas por ocasião da ela-boração de diagnósticos visando à inserção no Programa RS Rural, anteriormente comentado. Conforme tais diagnósticos, a comunidade de Teixeiras20 tem origem em uma “deixa” de terras via testamento aos escravos de uma antiga fa-zenda, de maneira semelhante à Casca. Por sua vez, Beco dos Colodianos é formada pelos descen-dentes da filha de uma escrava.

A existência de registros históricos sobre as “deixas” de terras aqui mencionadas deixa claro que estas comunidades não se originaram a partir da fuga dos escravos, mas de sua permanência e resistência nas terras a eles deixadas. Tal fato vai ao encontro das observações efetuadas por outros autores, como sobre o Quilombo do Frechal, no es-tado do Maranhão, relatado por Almeida (2002), e sobre as comunidades remanescentes de quilom-bos do Rio Trombetas e seu afluente Erepecuru,

no estado do Pará, estudadas por O’Dwyer (2004), as quais evidenciam que a fuga e o isolamento ge-ográfico não dão conta da multiplicidade de situa-ções que envolvem estas comunidades.

Ao contrário, o levantamento da história oral das comunidades quilombolas efetuado no decor-rer da realização dos diagnósticos revelou estra-tégias de sobrevivência calcadas na relação com a sociedade envolvente, através do trabalho em fazendas próximas. Da mesma forma, aos des-cendentes dos escravos foi permitido um tipo de participação social demarcada, pois, segundo os relatos, até período não muito remoto os negros participavam de eventos religiosos como a festa do Divino Espírito Santo, porém separados dos brancos por uma corda ou por tábuas de madeira.

Tais fatos indicam ser em situações de contato social que os grupos afirmam a identidade e se estabelecem as fronteiras étnicas, como aponta-do por Barth (2000). Este autor enfatiza a atri-buição como característica fundamental dos gru-pos étnicos, no sentido da distinção percebida por eles frente a outros grupos e assim reconhecida por estes últimos.

Partindo deste referencial, os termos usados pelas próprias famílias das comunidades aqui es-tudadas constituem formas de autoatribuição de uma identidade básica, a qual remete ao passa-do, estando inscrita na história oral dos grupos. A comunidade de Casca, por exemplo, se autode-fine como os “herdeiros da Casca” ou “casqueiros” (LEITE, 2000b; 2004), enquanto que em Beco dos Colodianos a denominação de “colodianos” é usa-da para identificar os descendentes da matriarca frente às demais famílias.

É nos termos usados pelas famílias destas co-munidades que se expressa a ancestralidade e o pertencimento ao grupo. Portanto, no momento em que um indivíduo se autodenomina “casquei-ro” ou “herdeiro da Casca”, assim como outro se diz “colodiano” ou “moreno dos Teixeiras”, está evidenciando seu pertencimento àquele grupo, a partir da descendência ou de alianças, como casa-mento. Isto significa que o critério individual de pertencimento ao grupo depende da autoidenti-

20 A denominação de Teixeiras tem origem no sobrenome dos proprietários de uma antiga fazenda que doaram as terras e alforriaram seus escravos em testamentos. Por sua vez, Beco dos Colodianos faz alusão ao apelido de Colodiana que possuía a herdeira das terras, filha de uma escrava e de um estancieiro. O histórico das comunidades de Teixeiras e de Beco dos Coldianos, elaborado a partir da sistematização dos dados obtidos em diagnósticos reali-zados, encontra-se na publicação de Rubert (2005).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 41: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

41

ficação e do reconhecimento pelos demais integrantes, a partir das regras de inclu-são e de exclusão forjadas pelo próprio grupo, segundo Cunha (1987).

Contudo, a fronteira étni-ca estabelecida pelos grupos não impede o contato, tam-pouco a circulação de infor-mações ou de pessoas que a atravessam (BARTH, 2000). Há relações sociais que se estabelecem de forma trans-cendental à fronteira, sejam devido a oportunidades de trabalho, ou mesmo práticas culturais. Em Casca, por exemplo, os “herdeiros de dentro” correspon-dem aos descendentes que nasceram e atualmen-te residem na comunidade, enquanto que os “her-deiros de fora” representam os filhos e netos que por diversas razões saíram para residir em outro local (LEITE, 2004).

Os grupos étnicos, no entanto, não são repre-sentações herméticas de um passado, mas, se-gundo autores como Barth (2000) e Cunha (1987), constituem formas de organização social inseri-das em um contexto político e econômico atual. É no domínio político, na luta pelo reconhecimento de direitos, que a identidade quilombola assumi-da pelo grupo se manifesta (O’DWYER, 2004).

É neste sentido que a identidade coletiva qui-lombola foi construída em Casca, ao longo da sua luta pelo território historicamente ocupado pelas famílias que formam a comunidade. Em Teixei-ras e Beco dos Colodianos esta construção identi-tária se deu no âmbito do processo de identifica-ção e reconhecimento para fins de inserção em um programa governamental, tendo sido acionada afirmativamente no enfrentamento com o poder público municipal em torno da definição da gestão de equipamentos e bens oriundos de um progra-ma do governo federal para o público quilombola.

Para finalizar, cabe destacar que um mesmo grupo étnico pode fazer uso de diferentes identi-dades, de acordo com o seu interesse (CUNHA, 1987). Assim, se as categorias nativas “casqueiros” ou “herdeiros da Casca”, “colodianos” ou “morenos

dos Teixeiras” são os termos usados pelas próprias famílias, a identidade quilombola é acionada na relação com o Estado21, visto ser o quilombola o sujeito portador de direitos e que dá sentido à luta política empreendida pelo grupo (WEBER, 1991).

5 CONSIDERAÇÕES FINAISAo longo do texto procurou-se evidenciar a

luta por reconhecimento de direitos de grupos étnicos minoritários no Brasil e os avanços ob-tidos a partir da Constituição Federal de 1988, com ênfase no caso das comunidades quilombo-las do Rio Grande do Sul.

Demonstrou-se que o processo de constru-ção da identidade coletiva quilombola se dá num contexto situacional e relacional (BARTH, 2000). A identidade coletiva quilombola é acio-nada na relação com o Estado, devido à atribui-ção de direitos que ela confere e por dar sentido à luta política destas comunidades. Já, “her-deiros da Casca”, “colodianos” e “morenos dos Teixeiras” são os termos usados pelas próprias famílias destas comunidades, onde se expressa o seu pertencimento e a ancestralidade.

Para encerrar, cabe dizer que a luta pelo reconhecimento de direitos das comunidades quilombolas não se encerra na titulação do ter-ritório, mas tem prosseguimento no acesso a po-líticas públicas. Isto demonstra que apesar dos esforços no estabelecimento de preceitos legais, a plurietnicidade é uma realidade social a ser conquistada de fato por estas comunidades.

21 Em trabalho anterior (BENEDETTI; SOARES, 2008) analisamos o processo de construção de identidade nas comu-nidades quilombolas de Mostardas e suas implicações no acesso à política pública e ao Estado.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 42: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

42

ALMEIDA, A. W. B. de. Os quilombos e as novas et-nias. In: O’DWYER, E. C. (Org.). Quilombos: iden-tidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 47.

ANJOS, J. C. G.dos; SILVA, P. S. A rede quilombola como espaço de ação política. In: NEVES, D. P. (Org.). Desenvolvimento social e mediadores políticos. Porto Alegre: UFRGS/PGDR, 2008. p. 155-172.

ARRUTI, J. M. A. A emergência dos ‘remanescentes’: notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas. Mana, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, Rio de Janeiro, out. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/mana/v3n2/2439.pdf>. Acesso em: 20 de maio 2012.

BARTH, F. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.

BENEDETTI, A. C. ; SOARES, M.A. A construção da identidade quilombola: o caso das comunidades do litoral gaúcho. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33., 2008, Caxambu, MG. Trabalho apresentado.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. 26. ed. Porto Alegre: OAB/RS, 2000.

______. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comuni-dades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decre-to/2003/D4887.htm>. Acesso em: 12 maio 2012.

______. Lei nº 12.288, 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de no-vembro de 2003. Disponível em: <http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>. Acesso em: 12 maio 2012.

______. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Programa Brasil Quilombola. Disponível em:<http://www.portaldaigualdade.gov.br/acoes/pbq>. Acesso em: 3 abr. 2012.

______. Ministério da Cultura. Fundação Cultural Palmares. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?s=quilombola>. Acesso em: 30 de mar. 2014.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Ação indigenista, etni-cidade e diálogo Interétnico. Estudos Avançados, São Paulo, v.14, n. 40, p. 213-230, set./dez. 2000.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Bra-sil: mito, história, etnicidade. 2. ed. São Paulo: Brasilien-se, 1987.

EMATER. Rio Grande do Sul/ASCAR. Relatório de atividades da Emater/RS-Ascar 2004. Porto Alegre: Emater/RS-Ascar, 2005. 113 p.

LEITE, I. B. Descendentes de africanos em Santa Catarina: invisibilidade histórica e segregação. In: Leite, I. B. (Org.). Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 1996. p.33-53.

______. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e nor-mativas. Etnográfica [online], v. 4, n. 2, p. 333-354, 2000a. Disponível em: <https://www.yumpu.com/pt/document/view/12940571/os-quilombos-no-brasil-questoes-concei-tuais-e-normativas-ceas>. Acesso em: 29 maio 2012.

______. Comunidade de Casca: territorialidade, direitos sucessórios e de cidadania. Laudo Antropológico. Florianó-polis: NUER/UFSC, 2000b.

______. O legado do testamento: a comunidade de Cas-ca em perícia. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS/NUER, 2004.

NEVES, D. P. O desenvolvimento de uma nova agricultura: o papel dos mediadores sociais. In: FERREIRA, A. D. D.; BRADERBURG, A. (Org.) Para pensar: outra agricultura. Curitiba: UFPR. 1998. p. 147-167.

O’DWYER, E. C. Os quilombos e a prática profissional dos antropólogos. In: O’DWYER, E. C. (Org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.13-42.

______. Territórios negros na Amazônia: práticas cul-turais, espaço memorial e representações cosmológicas. In: WOORTMANN, E. F. (Org.). Significados da terra. Brasília: UnB, 2004. p.181-208.

OLIVEN, R. G. A invisibilidade social e simbólica do negro no Rio Grande do Sul. In: Leite, I. B. (Org.). Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996. p. 13-32.

RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. Comis-são Especial para Discutir a Situação das Áreas Indígenas e Quilombolas no RS. Relatório Final. 2012. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/download/ComEspQuilombolas/RF_Quilombolas.pdf>. Acesso em: 11 de jun. 2013.

RUBERT, R. A. Comunidades negras rurais no RS: um levantamento socioantropológico preliminar. Porto Alegre: RS Rural, 2005. 173 p.

WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da so-ciologia compreensiva. 3. ed. Brasília: UnB, 1991. v.2

REFERÊNCIAS

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 33-42, maio/ago., 2014.

Page 43: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

43

GOMES, Haroldo Borges1, SANT´ANA, Antonio Lázaro2.

ResumoA fragmentação dos ecossistemas naturais e a conser-vação da biodiversidade tornaram-se cada vez mais temas de discussões científicas e políticas. Novos sis-temas de produção da agricultura familiar vêm sen-do desenvolvidos por organizações da sociedade civil, universidades e outras instituições, visando atenuar os efeitos da fragmentação sobre a biodiversidade. Uma dessas ações e foco análise deste trabalho, o Projeto “Café com Floresta”, desenvolvido pelo Insti-tuto de Pesquisas Ecológicas (IPE), buscou criar ilhas de biodiversidade dentro dos lotes agrícolas em as-sentamento rurais, gerando renda e melhorando as condições ambientais locais. Foi aplicado um ques-tionário a 25 produtores que instalaram unidades demonstrativas do referido Projeto. Os resultados indicaram que a grande maioria dos produtores pes-quisados considera que o Projeto “Café com Floresta” trouxe melhorias em relação aos aspectos produtivos, de trabalho e de rendimento econômico, assim como contribuiu para melhorar a conservação e a fertilida-de do solo e aumentar a biodiversidade do ambiente.

1 Biólogo, Pesquisador do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Mestrando do Programa Pós-Graduação em Agronomia, UNESP Campus de Ilha Solteira – SP.

Rua Ricardo Fogaroli, 387 Vila São Paulo CEP: 19280-000 Teodoro Sampaio – SP. E-mail: [email protected] Professor Livre Docente, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Ilha Solteira - SP

Avenida Brasil, 56. Ilha Solteira – SP. E-mail: [email protected]

Palavras-chaves: Café com Floresta. Percepção dos produtores. Sustentabilidade. Assentamento rural.

AbstractThe fragmentation of natural ecosystems and biodi-versity conservation have become increasingly topics of scientific and political discussions. New produc-tion systems of family farming are being developed by civil society organizations, universities and other institutions to mitigate the effects of fragmentation on biodiversity. An analysis of these actions and focus of this work, the Project “Café with Forest”, developed by the Institute of Ecological Research (IPE), sought to create islands of biodiversity within agricultural plots in rural areas, generating income and improving local environmental conditions. A questionnaire was administered to 25 small farmers who settled agroforestry demonstration units. The results indicated that the vast majority of producers surveyed considered that the “Coffee with Forest” Project brought improvements in relation to the pro-ductive aspects of work and economic performance, as well as helped to improve the conservation and soil fertility and increase local biodiversity.

Sistemas Agroflorestais e sua importância para a agricultura familiar

no Pontal do Paranapanema (SP)

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 44: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

44

Keywords: Cofee with forest. Perception of producers. Sustainability. Rural settlements.

1 INTRODUÇÃOO desenvolvimento da agricultura brasileira

está alicerçado em um modelo que se caracteriza pela exploração da mão-de-obra, predação dos re-cursos naturais e acumulação de capital. O pro-cesso histórico do desenvolvimento da agricultura se baseia em grandes produções para exportação. Atualmente a produção de commodities, provenien-tes de extensas áreas de monoculturas, impulsiona o chamado agronegócio, apenas dando roupagem nova para estrutura concentradora e produtivista no Brasil.

A partir da década de 1970, segundo Graziano da Silva (1996), ocorrem mudanças na evolução da agricultura brasileira e a transição do complexo rural para os complexos agroindustriais, sendo en-tendida esta transição como uma passagem de uma economia natural para uma integração da produção agrícola com a indústria, em função do desenvol-vimento do mercado interno dentro de uma lógica capitalista, capaz de integrar interesses industriais dentro dos processos produtivos no meio rural.

O processo de integração ocorre com a difusão dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde, que teve como principal foco a utilização de insumos quími-cos sintéticos que incluíam em suas composições e fórmulas princípios ativos altamente danosos aos seres vivos; além da ampla e pesada mecanização, alterando as bases técnicas e produtivas da agricul-tura. Para apoiar e disseminar este processo foram criadas e desenvolvidas políticas públicas, voltadas principalmente ao fornecimento de crédito rural subsidiado e assistência técnica (modelo difusionis-ta). O desenvolvimento da Revolução Verde acarre-tou em expansão da fronteira agrícola, destruindo áreas de florestas e cerrado e os recursos naturais em geral, além de acarretar um forte êxodo rural, causando expansão desordenada principalmente de grandes centros urbanos (RODRIGUES, 2005).

Para Delgado (1985) a diversificação do capital, que tem sua estratégia voltada à integração de ca-pitais no campo, busca valorizar capitais individu-ais, visando lucros diferenciados e posteriormente ganhos com processos de especulação no mercado de terras. A partir de destes processos o Estado passa a regulamentar tantos os ganhos privados, como também interferir nos processos do mercado de terras.

Em um contexto maior, de acordo com Gonçal-ves Neto (1997), no planejamento do Estado para

o conjunto da economia, havia metas do setor agro-pecuário em seu conjunto, mas cumpriam um pa-pel subordinado, pois grandes fatias de recursos do setor foram alocadas para as indústrias, dando suporte ao crescimento econômico e acumulação do capital. Constata-se também que o crédito agrícola subsidiado foi um importante instrumento para a modernização do setor agrícola no Brasil.

Todo esse processo, ao longo da história, promo-veu uma centralização de ganhos de capitais para poucos proprietários no meio rural e o fortalecimen-to de grandes corporações, além da manutenção da estrutura agrária concentrada no país.

Heredia, Palmeira e Leite (2010) avaliam que a modernização na agricultura e a importância assu-mida pelas exportações de produtos agropecuários e agroindustriais, com o envolvimento de grandes capitais, fortalecera a estrutura agrária existente. As exportações deram origem à defesa da grande propriedade de forma que passa a ser vista como grande precursora do desenvolvimento econômico do campo e da nação.

O modelo produtivista rural no Brasil, composto por grandes corporações atuantes no meio rural e pelos grandes proprietários, está diretamente liga-do às políticas de exportação de produtos. Os agri-cultores familiares por sua vez, desde os tempos que antecede essas transformações, tiveram um papel importante na produção de consumo interno, dire-cionada à alimentação da população, seja a nível local, regional e nacional. Os pequenos produtores que historicamente se dedicam ao mercado interno, principalmente aqueles situados fora das regiões hegemônicas da modernização, tiveram pouco ou quase nenhum acesso ao sistema de crédito rural e aos resultados da pesquisa. As medidas compensa-tórias do governo também sempre foram voltadas para os grandes produtores. (GONÇALVES NETO, 1997). No período recente, mais especificamente a partir da última década, as políticas públicas vol-tadas para a agricultura familiar vêm melhorando principalmente com os aportes de créditos do PRO-NAF e tem sido feitas amplas discussões dos novos rumos para da extensão rural voltada à agricultura familiar no país, o que levou a criação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), em 2010.

Deve-se destacar ainda que as formas alternati-vas de produção e manejo dos agroecossistemas uti-lizados pelos agricultores familiares foram desqua-lificados no meio científico hegemônico (partidários dos pressupostos da revolução verde), recebendo pouco ou nenhum recurso para o desenvolvimento

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 45: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

45

de pesquisas por parte das políticas públicas, como é o caso dos sistemas agroflorestais.

Este trabalho visa analisar as características da produção das famílias de assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema que adotaram siste-mas agroflorestais (SAFs) do Projeto “Café com floresta”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas-IPÊ, e a possível contribuição desses sistemas, para a construção de modelos produtivos sustentáveis, a partir da visão dos produtores par-ticipantes do Projeto.

2 DESTRUIÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELA AGRICULTURA E OS SISTEMAS AGROFLORESTAIS

2.1 A agricultura e os recursos naturais

A fragmentação dos ecossistemas tem sido defi-nida como um dos desafios para aqueles que têm como objetivo a conservação da biodiversidade, não podendo deixar de inserir o homem e todos os aspectos antropológicos dentro deste cenário.

O modelo de agricultura convencional é uma das formas mais cruéis de suprimir a biodiversidade:

A agricultura é uma forma de intervenção ou distúrbio provocado pelo homem que visa acele-rar processos naturais ou substituí-los. Quanto mais estas intervenções são contraditórias ou não levam em conta ciclos, dinâmicas e componen-tes estruturais originais do ecossistema original, maiores são os impactos sobre a biodiversidade original. (VIVAN, 2003, p.43).

Os fragmentos remanescentes estão perdendo sua biomassa vegetal ao decorrer do tempo, tendo como consequência a erosão genética. Este proces-so se dá porque nos países tropicais os sistemas de produção convencional agrícola contribuem para a degradação dos recursos naturais e dos solos. (CAMPELLO et al., 2006).

Atualmente, os ecossistemas no domínio da Mata Atlântica, principalmente no Estado de São Paulo, consistem de um mosaico de fragmentos florestais. Frente à problemática e os desafios para conserva-ção, à comunidade científica e instituições de pes-quisa inseridas na conservação da biodiversidade e em defesa do meio ambiente, vem promovendo ações e pesquisas que possam diminuir os efeitos e a pressão sobre estes ecossistemas, propondo mecanismos de produção, principalmente para a

agricultura familiar, que possam atender anseios e necessidades produtivas no campo, que alie es-tes sistemas de produção à conservação da biodi-versidade. Estes sistemas também devem atender às necessidades socioeconômicas e ambientais, por meio de ações e programas comunitários multidis-ciplinares na construção de modelos e sistemas de produção inovadores e mais equilibrados.

A paisagem no Pontal do Paranapanema, a partir do meados da década de 1990, tem sofrido importantes transformações com a criação de vá-rios projetos de assentamentos rurais de reforma agrária. Entremeados ou nos arredores destes as-sentamentos encontram-se importantes fragmen-tos de biodiversidade e florestas ciliares da Mata Atlântica do interior.

Cullen Júnior et al. (2006) consideram que as pressões antrópicas sobre a biodiversidade e os recursos naturais poderão ser mitigadas ou elimi-nadas por meio de modelos de produção que sejam capazes de aliar/conciliar produção agrícola e con-servação da biodiversidade.

A Mata Atlântica do Pontal do Paranapanema situada no extremo oeste paulista é composta por fragmentos remanescentes do processo de destrui-ção ocorrido para implantação de pastagem, com a exploração extensiva da pecuária de corte. As áreas florestais de maior expressão da biodiversi-dade na região são o Parque Estadual Morro do Diabo, com aproximadamente 36.000 hectares, e a Estação Ecológica do Mico Leão Preto com 6.677 hectares, ambos protegidos por lei. (BELTRAME et al., 2006; LIMA et al., 2006).

Gomes et al. (2012) ressaltam um novo pro-cesso em curso no Pontal do Paranapanema: as propriedades rurais estão arrendando suas áreas para usinas de cana de açúcar, formando grandes extensões de plantios de cana, o que resulta em supressão ainda maior da biodiversidade.

Neste sentido, a proposta agroecológica, ao tra-tar das múltiplas dimensões da sustentabilidade, inclusive no aspecto político, é uma perspectiva interessante de trabalho para região. Para Canu-to et al. (2008), a agroecologia vem atender além de aspectos técnicos produtivos também contri-bui para a construção de importantes mudanças socioambientais, promovendo ganhos produtivos e equilibrando os custos de produção. A agroe-cologia promove um sistema de produção menos dependente de insumos externos, possibilitando a

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 46: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

46

produção e o uso de insumos próprios do estabele-cimento, a exploração sustentada dos recursos na-turais e a busca da produção de alimentos sadios.

Ao integrar as dimensões econômicas, sociais e ambientais, a agroecologia tem uma proposta de sustentabilidade que promove de fato o desenvol-vimento sustentável e a produção equilibrada, se contrapondo a visão restrita e tecnicista do “desen-volvimento sustentável” proposto pela agricultura convencional capitalista. (VERGES, 2013).

2.2 O Trabalho do Instituto de Pesquisas Ecológicas e os sistemas agroflorestais

O Programa Agroflorestal do Instituto de Pes-quisas Ecológicas-IPÊ, no Pontal do Paranapane-ma, orienta-se para a geração de referências técni-cas e metodológicas necessárias para a promoção do ecodesenvolvimento nos assentamentos rurais da região. Desta forma, visa contribuir para a via-bilização técnica, econômica e socioambiental da reforma agrária. (CULLEN JÚNIOR et al., 2006).

Observa-se, no período recente, que têm cres-cido a aceitação por produtores dos sistemas agroflorestais, enquanto vários experimentos e pesquisas vêm demonstrando resultados efeti-vos para a produção agrícola e pecuária, além de destacarem a importância para desses sis-temas para os processos de sucessão ecológica.

Os sistemas agroflorestais como alternativa para agricultura familiar são importantes, pois focam em manejo florestal e na utilização de técnicas que permitem ao longo do tempo eli-minar espécies que já cumpriram seu papel no sistema. (SIQUEIRA et al., 2006).

Os sistemas agroflorestais (SAFs) implanta-dos na região do Pontal do Paranapanema têm ainda um papel relevante para a reconstrução da paisagem, pois estes servem como corredores ecológicos, possibilitando a interligação dos frag-mentos florestais isolados. (LIMA, 2003; LIMA et al., 2003).

Atualmente os sistemas de produção, princi-palmente para agricultura familiar, precisam desenvolver técnicas de uso do solo e dos recur-sos naturais de modo que a produção agrícola e pecuária minimize e mitigue os efeitos nega-tivos causados pelos sistemas produtivos con-vencionais. Tais sistemas também podem ser estruturados com o tripé importante para a sus-

tentabilidade da produção, atendendo aspectos sociais, ambientais e econômicos.

Os SAFs são um sistema de produção bastan-te dinâmico, pois existem muitas possibilidades produtivas e ganhos como a produção de alimen-tos, adubos orgânicos por meio da ciclagem de nutrientes, plantas medicinais, produtos não--madeireiros e madeira. Também podem trazer outros benefícios, contribuindo para diversificar a paisagem e a qualidade ambiental; o aumen-to da diversidade genética, consequentemente ajudando na conservação da biodiversidade; além de atuar também como barreiras para o vento e proporcionar sombra para os animais. (SIQUEIRA et al., 2006).

Para Reis e Magalhães (2006), os sistemas agroflorestais e seus benefícios variam depen-dendo da forma como são adotados, se são intro-duzidas espécies florestais e suas combinações, cultivos agrícolas ou mesmo a criação de ani-mais dentro sistema.

Como ressaltado por Lima et al. (2007) e por Pereira, Leal e Ramos (2006), os SAFs podem gerar vários benefícios para os sistemas de pro-dução que adotem estas práticas de produção como: a combinação de culturas agrícolas com plantios de lenhosas perenes, podendo inserir animais nestes sistemas; a diminuição da ero-são do solo; o aumento do aporte de material orgânico no solo, a diminuição da evaporação de água do solo; a ciclagem de nutrientes; a produ-ção diversificada com uso das entrelinhas; a di-minuição do estresse ambiental; a promoção de conectividade importante para fauna, formando trampolins ecológicos; o aumento da oferta de alimentos em um período maior durante o ano; a valorização do conhecimento dos agricultores; e os sistemas e a propriedade tornam-se capazes de gerar seus próprios insumos para produção.

A diversificação produtiva dentro destes sis-temas permite uma alternância de produtos ao longo do ano e tem gerado fluxos de caixas positivos, devido principalmente aos cultivos de culturas anuais nas entrelinhas. Como ob-servado por Siqueira et al. (2006), os sistemas agroflorestais permitem entradas monetárias mais estáveis durante o ano, devido à diversi-dade de produtos, além de terem menor risco de mercado, ocasionando maior lucro por unidade de área cultivada.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 47: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

47

Rodrigues et al. (2007) consideram que os sis-temas agroflorestais são capazes de gerar uma produção muito diversificada, o que resulta no aumento do consumo pelos próprios produtores que estão inseridos no processo, tornando-os menos dependentes economicamente.

3 PRODUÇÃO AGROFLORESTALO Pontal do Paranapanema por ser uma re-

gião onde existem mais de uma centena de as-sentamentos rurais de reforma agrária, com mi-lhares de assentados, tem grandes desafios em promover mudanças nos sistemas de produção convencionais da agricultura familiar.

Os sistemas agroflorestais diversificados re-ferem-se a novas formas de aprendizagem e de produção com base nos conceitos agroecológicos e no manejo sustentável dos ecossistemas.

A produção em sistemas agroflorestais como prática agroecológica está na contramão de pro-cessos produtivos convencionais, pois embora seja uma forma de produção mais sustentável, enfrenta diversos conflitos de interesses e barrei-ras para a sua aplicação e disseminação.

Para Altieri (2010):

O desenvolvimento da agricultura sustentável re-quererá mudanças estruturais significativas, além de inovação tecnológica, redes e solidariedade de agricultor a agricultor. A mudança requerida não é possível sem movimentos sociais que criem von-tade política entre os servidores públicos com po-der de decisão, para desmontar e transformar as instituições e as regulações que atualmente freiam o desenvolvimento da agricultura sustentável. É necessária uma transformação mais radical da agricultura. Uma transformação que esteja di-rigida pela noção de que a mudança ecológica da agricultura não pode se promover sem mudanças comparáveis nas arenas sociais, políticas, cultu-rais e econômicas que confrontam e determinam a agricultura. (ALTIERI, 2010, p.29).

O desenvolvimento de práticas agroflorestais, envolvendo culturas perenes, traz alguns benefí-cios tanto para as culturas como para o solo:

Culturas perenes como café (Coffea arábica L.) podem obter grandes benefícios gerados pelas árvores que se encontram associadas a sistemas sombreado como: redução do stress ambiental, formação de cobertura vegetal morta, proteção à geada, ciclagem de nutrientes, contenção do escor-

rimento superficial do solo, etc., e ainda possibilita o cultivo de diversas culturas anuais nas entreli-nhas. (LIMA et al., 2006, p. 196).

Em trabalho que avalia os resultados de siste-mas agroflorestais com café, mais especificamente o Projeto “Café com Floresta” no Pontal do Para-napanema, Cullen Júnior. et al. (2006) destacam que este sistema vem desempenhando funções importantes, como a geração de renda por meio da venda do café e da diversificação produtiva. A produção nas entrelinhas de culturas anuais gera rendas diretas com venda de produtos ao mercado ou diretamente ao consumidor ou mesmo rendas indiretas, na medida em que os produtores deixam de comprar no mercado o que estão produzindo nos sistemas agroflorestais.

As culturas do feijão, da abóbora, do quiabo, do maxixe, da banana e do tomatinho vêm sen-do consorciadas nas ilhas, gerando uma renda extra anual de aproximadamente R$ 1,2 mil. O café produzido em ilhas com três anos de implan-tação gerou, em 2006, uma produção média de 15 sacas por hectare, o que significou uma renda de R$ 3,6 mil em média por produtor. (CULLEN JÚNIOR. et al. 2006, p.25).

A prática agroflorestal é considerada um mo-delo que fomenta a produção diversificada nos assentamentos rurais, podendo gerar novas ren-das além de produtos agrícolas e florestais. Es-pécies arbóreas de essência medicinal ou mesmo outras espécies são, potencialmente, outros com-ponentes geradores de conhecimento e de renda para as famílias. Há uma gama expressiva de op-ções para estes sistemas, porém são necessárias pesquisas e adaptação às especificidades de cada produtor ou região.

4 METODOLOGIA, TÉCNICAS DE PESQUISAA pesquisa analisou a experiência, desen-

volvida pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), de um projeto denominado “Projeto Café com Floresta”, a partir do qual se realizou a im-plantação de bosques agroflorestais, também chamados de “ilhas de biodiversidade” e “tram-polins ecológicos” em lotes de assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São Paulo.

Foram implantadas 50 unidades demons-

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 48: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

48

trativas de sistemas agroflorestais em sete as-sentamentos rurais, situados nos municípios de Teodoro Sampaio, Mirante do Paranapanema e Euclides da Cunha Paulista. O referido Projeto buscou aliar uma estratégia viável e mais equi-librada entre produção e recuperação da biodi-versidade, adotando uma forma de manejo que visava tornar atrativa para os produtores assen-tados a recomposição florestal pelas vantagens socioeconômicas que o sistema oferece.

A implantação das áreas avaliadas do projeto denominado “Café com floresta” ocorreu entre os anos de 2002 a 2006, sendo que foram pesquisa-dos 24 produtores rurais assentados e um (01) pequeno produtor familiar tradicional, escolhi-dos ao acaso.

Os sistemas agroflorestais implantados pelo IPÊ utilizaram várias espécies florestais nati-vas e exóticas com intuito de garantir uma di-versidade de espécies florestais em cada unidade implantada. Os produtores inseridos no projeto receberam do IPÊ recursos para o preparo de solo convencional, as mudas florestais nativas e exóticas, as mudas de café (Coffea arabica) e de espécies frutíferas, húmus de minhoca e a capa-citação contínua no decorrer do projeto.

O “Projeto café com floresta”, implantado jun-to aos agricultores assentados no Pontal do Pa-ranapanema, adotou o seguinte esquema: a área padrão adotada foi de 1,0 hectare, sendo planta-das espécies florestais e frutíferas distanciadas em 5 metros, tanto entre plantas na linha, como entre as linhas. Nas entrelinhas das espécies ar-bóreas foram plantadas fileiras duplas de café com espaçamento de 1,0 metro entre as linhas e também 1,0 metro entre as plantas. Nas en-trelinhas das espécies arbóreas e do café, foram semeadas outras culturas a fim de produzir para subsistência e venda de excedentes, além de ter a função de proteção do solo.

Embora nessa pesquisa o foco da análise seja os aspectos produtivos e ecológico-ambientais, entende-se que a sustentabilidade também en-volve as dimensões sociais, econômicas e cultu-rais, tal como afirma Veiga (2005).

A escolha da técnica de pesquisa do questio-nário semiaberto para de coleta de dados está relacionada à eficiência para obtenção de in-formações e sua praticidade. A seleção foi fei-ta ao acaso entre 50 produtores participantes

do projeto e foi realizado no período de maio a julho de 2013. Para Chizzotti (1995) o questio-nário consiste:

Em um conjunto de questões pré-elaboradas, sis-temática e sequencialmente dispostas em itens que constituem o tema da pesquisa, com o obje-tivo de suscitar dos informantes respostas por escrito ou verbalmente sobre o assunto que os informantes saibam opinar ou informar. (CHI-ZZOTTI, 1995, p. 55).

O questionário teve uma parte específica so-bre o sistema agroflorestal que buscou resgatar as condições em que se deu a implantação, as dificuldades encontradas (e se foram supera-das) e a avaliação do produtor sobre o sistema. Também se verificou, na visão dos produtores, se ocorreram ou não mudanças em suas con-cepções sobre a forma de produzir e organizar a gestão do lote, a partir daquela experiência. O questionário foi respondido pelo responsável pela implantação do sistema agroflorestal (ho-mem ou mulher), mas houve oportunidade para participação dos demais membros da família.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Vantagens e Desvantagens Econômicas da Produção Agroflorestal

Um dos aspectos que a pesquisa de campo buscou avaliar, a partir de uma visão dos produ-tores envolvidos no Projeto “Café como floresta”, se a produção em sistemas agroflorestais é van-tajosa ou desvantajosa em termos econômicos.

Os resultados obtidos a partir de informações dos produtores foram que 72% dos agricultores entrevistados consideram que o sistema agroflo-restal com café é vantajoso, enquanto os demais (28%) não consideram a produção agroflorestal vantajosa em termos econômicos.

Os agricultores que não vêem vantagens na produção de café nos sistemas agroflorestais apontaram dois problemas principais: cinco pro-dutores não conseguiram formar seus cafezais devido à ocorrência de veranico após plantio, enquanto os dois produtores consideraram bai-xa a produtividade do café. Nesses casos, porém, a falta de manejo adequado do sombreamento pode estar comprometendo a produtividade,

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 49: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

49

conforme constatado em visita às propriedades.As áreas, em que não foi possível formar os

cafezais, têm cumprido outras funções, como fornecimento de sombra e área de descanso para os bovinos, formando, sem planejar, um sistema silvipastoril. Também cumprem outras funções como a ecológica de abrigo da fauna e a produção de madeira e lenha.

É importante ressaltar que neste projeto ava-liado, a fonte principal de renda atualmente é a cultura do café, sendo que outros cultivos têm um caráter mais de subsistência e geração de renda de forma complementar.

Para completar a validação à questão aborda-da foi solicitado que os produtores atribuíssem uma nota de zero a 10 (dez) para a importância do aspecto econômico do sistema agroflorestal implantado. As respostas obtidas indicam que a grande maioria está muito satisfeita com os resultados econômicos do sistema agroflorestal, pois 40% atribuíram nota máxima e 68% indi-caram nota igual ou maior do que 7,0 (bastante coerente com a resposta anterior). Do total, 16% (4 produtores) atribuíram nota zero à dimensão econômica do Projeto, porque não conseguiram formar o cafezal.

5.2 Os sistemas Agroflorestais e o Meio Ambiente

Como tem sido constatado por vários pesquisa-dores Cullen Júnior et al. (2006), Fundação Cargil (2007) e Lima (2007) e por extensionistas, os sis-temas agroflorestais como forma de produção têm promovido vários benefícios para os processos pro-dutivos e para o meio ambiente.

Diante destas afirmações a pesquisa deste tra-balho buscou avaliar, por meio de observações dos produtores familiares participantes do Projeto, se vêem benefícios dos sistemas agroflorestais ou se identificam efeitos prejudiciais ao meio ambiente.

Os resultados obtidos indicaram uma unani-midade, 100% dos produtores pesquisados con-sideram que os sistemas agroflorestais com café apresentam benefícios ao meio ambiente. Como principais benefícios citados em relação ao meio ambiente destacaram-se: a atração de fauna, prin-cipalmente pássaros; a cultura do café ficou mais bonita e bem desenvolvida, além de apresentar melhor qualidade dos grãos; a melhoria na qua-

lidade do ar; o abrigo e refúgio para animais; a criação e exploração de abelhas com a produção de mel; a melhoria do (micro)clima; o combate e minimização de impactos causados pela erosão; a manutenção da umidade, aumento da matéria or-gânica e recuperação da fertilidade do solo; a pro-moção do equilíbrio do sistema a longo prazo; o re-florestamento dos lotes rurais; os benefícios como quebra vento; a formação de quintais agroflores-tais; o embelezamento dos lotes; o trabalho no SAF atuando como uma forma de terapia, melhorando a saúde dos produtores.

Os sistemas agroflorestais por sua vez tem tido efeitos positivos para paisagem na região do Pon-tal do Paranapanema. Para Cullen Júnior et al. (2006) este sistema agroflorestal com café tem permitido criar corredores através de ilhas de agrobiodiversidade, estimulando a dispersão de espécies silvestres, auxiliando e repovoando frag-mentos, além de proporcionar fluxo gênico entre espécies da fauna e flora.

Quando questionados a respeito da nota (zero a dez) que atribuiriam à importância ambiental do sistema agroflorestal implantado, 68% dos produ-tores deram nota máxima e a menor nota atribuí-da (5,0) foi citada por apenas 8% dos pesquisados. Estes dados confirmam que os produtores conside-ram que os sistemas agroflorestais trazem gran-des benefícios ao meio ambiente.

5.3 O trabalho nos Sistemas Agroflorestais

Os agricultores familiares realizam tarefas que exigem grande esforço físico, em um ambien-te frequentemente desconfortável, em termos de temperatura e radiação solar direta, fazendo suas capinas, roçadas, tratos culturais e colheitas ou cuidando de suas criações, entre outros serviços. A instalação de sistemas agroflorestais ou agrosilvi-pastoris atenua problemas como esses, tanto para a lida do homem no campo, como também coadu-nam com as boas práticas recomendadas para a criação de animais.

Por meio da pesquisa de campo verificou-se que todos os produtores pesquisados consideram van-tajosas as condições de trabalho realizado em áre-as de SAFs. Os principais aspectos positivos desta-cados pelos produtores foram: trabalho na sombra; menos tempo de trabalho, como capinas na área a partir do 2º ano de implantação dos sistemas agro-

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 50: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

50

florestais; diminuição da competição provocada por invasoras; diversificação da produção numa mesma área, aproveitando melhor as horas traba-lhadas; sombra para animais; ambiente bom para trabalhar, “uma terapia”.

Quanto às notas atribuídas à importância do trabalho na área em que foi implantado o sistema agroflorestal, 68% deram nota 10,0; 16% dos pro-dutores deram nota 8,0; 8% nota 7,0 e as outras notas atribuídas foram 6,0 (um produtor) e 5,0 (um produtor). Diante desta avaliação observa-se que o fator trabalho nos SAFs foi considerado mui-to positivo.

5.4 Recuperação de Solo Através dos Sistemas Agroflorestais

Na pesquisa de campo os produtores inseridos no Projeto “Café com floresta” foram questio-nados se, visualmente, haviam observado se os sistemas agroflorestais implantados já tinham provocado mudanças no solo. Todos os 25 entre-vistados afirmaram ter constatado alterações significativas no solo.

Por meio de outras questões foi possível levan-tar informações sobre quais mudanças haviam ocorrido no solo da área onde estava instalado sis-tema agroflorestal, segundo os produtores pesqui-sados: o solo está mais estruturado; ocorreu mui-ta produção de biomassa e consequentemente de matéria orgânica; as árvores e as folhas protegem o solo contra erosão; algumas espécies frutíferas plantadas estão se desenvolvendo melhor na área; a umidade permanece por um período maior no solo; ocorreu descompactação de solo; o sistema agroflorestal recuperou a terra mais degradada, com aumento da produção.

As visitas do pesquisador nas áreas implanta-das com o sistema agroflorestal permitiram con-firmar que várias características importantes que indicam melhoria do solo são visíveis nessas áreas (Figura 01), em comparação com áreas adjacentes.

Em trabalho realizado em uma unidade do projeto Café com floresta Lima (2007) demonstra que em um dos lotes do Assentamento Vale Verde (Ribeirão Bonito), as análises químicas de solo in-dicaram melhorias promovidas pelo sistema agro-florestal nos anos iniciais após a implantação. Os resultados apontam aumento de alguns nutrien-tes importantes, como o Fósforo (P), o Cálcio (Ca)

e a matéria orgânica, além de elevação expressiva na Percentagem de Saturação de Bases (V%), o que significa maior disponibilidade de nutrientes assimiláveis pelas plantas no solo.

Figura 01 – Sistema agroflorestal com café e detalhe da cobertura de solo, em lote do Assentamento Santa Rita da Serra (Ribeirão Bonito)Crédito: Haroldo Borges Gomes, 2013.

5.5 Avaliação do Sistema Agroflorestal Implantado no Lote

Em relação à produção agroflorestal, 92% dos produtores consideraram que os sistemas agroflo-restais tinham dado certo em seus lotes. Alguns aspectos importantes foram abordados pelos pro-dutores que avaliaram de maneira positiva a im-plantação dos SAFs em seus estabelecimentos. Cabe ressaltar que a maioria tinha expectativas mais voltadas para a produção de café, mas como alguns não conseguiram formar a cultura do café ou não adotaram um manejo adequado do sombre-

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 51: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

51

amento, a produtividade foi nula ou baixa nesses casos. Apesar deste resultado negativo, alguns produtores relataram que os sistemas agroflores-tais trouxeram outros benefícios, como produção de lenha e sombra.

Os agricultores também foram questionados a respeito da opinião que tinham antes de implanta-rem os sistemas agroflorestais. Do total de produ-tores entrevistados, 40% disseram que considera-vam que os SAFs dariam certo em seus lotes; 20% não acreditavam nos SAFs, enquanto os outros 40% afirmaram que tinham dúvidas.

Aqueles produtores que previamente acredita-vam no sucesso dos sistemas agroflorestais com café, afirmaram que já tinham contato com um sistema parecido ou mesmo já tinham visto repor-tagem na televisão sobre o assunto. Os produtores que tinham dúvidas, estas se referiam principal-mente à compatibilidade da cultura do café e de outras culturas com as espécies arbóreas. Um pro-dutor mencionou que sua dúvida relacionava com o fato de que o SAFs foi implantado em área de-gradada de baixíssima fertilidade. Outro produtor justificou seu receio em função de que não tinha conhecimento desta prática agroflorestal, porém ao formar sua área de SAFs, percebeu que sua apreensão sobre o sistema deixou de existir.

Com relação às dificuldades para implantação dos sistemas agroflorestais 44% declarou não ter tido nenhum problema na área, mas os demais (56%) apontaram dificuldades, principalmente com relação à falta de chuvas, o que exigiu a irri-gação manual, bastante trabalhosa.

5.6 Sistemas Agroflorestais como forma de Produção mais Sustentável

Os sistemas agroflorestais em unidades fami-liares, especialmente aqueles implantados com grande diversidade de espécies, vêm se firmando como uma prática sustentável, alinhada com os princípios da agroecologia. Este fato de dá pela sua dinâmica de produção que agrega recupera-ção florestal com produção diversificada, além outros benefícios econômicos, ambientais e so-ciais, como já assinalado.

Com relação à contribuição dos sistemas agro-florestais como forma de produção mais susten-tável focando em aspectos relacionados às ques-tões ambientais, econômicas e socioculturais,

Vivan (2003) comenta que a sustentabilidade,

[...] cria condições um desenvolvimento rural de base local e baseado em princípios de sustentabilidade não apenas a ambiental, mas também econômico e sócio-cultural. Nele, a educação ambiental deixa de ser um apêndice ou compartimento confinado às salas de aulas, mas invade a vida diária de adultos e crianças. Os objetivos da educação ambiental, num processo de desenvolvimento rural onde os SAF são peças chave, passa a ser o reconhecimento dos “ecos” da floresta como aliada e mantenedora da economia, entendida aqui em seu sentido mais amplo, de Eco-nomia Ecológica. (VIVAN, 2003, p.48).

No desenvolvimento da pesquisa de campo, foi questionado se os produtores envolvidos no Projeto “Café com floresta”, a partir de seus conhecimen-tos, consideravam os SAFs uma forma de produ-ção mais sustentável, o que resultou em uma res-posta unânime, concordando com esta afirmação. Justificaram a avaliação citando que os SAFs pro-porcionam maior equilíbrio do ambiente, do solo e da produção a médio e longo prazo; permite a produção sem uso de agroquímicos, portanto mais sadia; criam um ambiente melhor para as proprie-dades; servem de quebra vento, como prevenção a danos econômicos; oferecem abrigo, sombra e alimentos para a fauna (especialmente aves); as árvores presentes no sistema dão várias contribui-ções para as propriedades e para o meio ambiente; permitem ter pastagens com sombra; contribuem para a recuperação e conservação dos solos; dimi-nui a necessidade de mão-de-obra a médio e lon-go prazo; proporcionam melhoria do microclima; contribuem para o sequestro de carbono; permite grande diversificação da produção tanto para con-sumo próprio, como para a comercialização.

O fato de nenhum dos produtores utilizar in-sumos químicos para manutenção dos sistemas agroflorestais confirma a maior sustentabilidade ecológica dos sistemas agroflorestais.

Para buscar verificar a perspectiva dos sistemas agroflorestais entre os produtores foram ques-tionados se gostariam ou não de aumentar suas áreas de sistemas agroflorestais com café. Do total de entrevistados, 44% disseram que aumentariam suas áreas de sistemas agroflorestais, enquanto a maioria (56%) afirmou que não expandiriam as áreas de SAFs, porém todos pretendiam mantê--las. Parte dos produtores que disseram que não pretendem ampliar a área de SAF, justificaram

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 52: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

52

que era devido à idade avançada que tinham.A grande maioria (92%) dos produtores afir-

mou que recomendariam os sistemas agroflores-tais com café para outros produtores.

Este conjunto de resultados indica uma satis-fação da grande maioria dos produtores em rela-ção aos sistemas agroflorestais implantados.

6 CONSIDERAÇÕES FINAISA percepção da grande maioria dos produtores

pesquisados é de que o Projeto “Café com Flores-ta” trouxe melhorias em relação aos aspectos pro-dutivos, de trabalho e de rendimento econômico, assim como proporcionou maior conservação e melhoria do solo e do ambiente, o que resultou no desejo manifestado por todos os entrevistados de ampliar ou ao menos manter a área implantada com os sistemas agroflorestais.

A diversificação de culturas (e criações) é um aspecto relevante presente nos arranjos dos sis-temas agroflorestais, pois garantem maior esta-bilidade da produção durante o ano, tanto para o autoconsumo como para venda, de modo atender

ALTIERI, M. A. Agroecologia, agricultura campo-nesa e soberania alimentar. Revista Nera, Pre-sidente Prudente, v.13, n. 16, p. 22-32, jan.-jun. 2010. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/1362/1347> Acesso em: 12 ago 2013

BELTRAME, T. P. et al. Sistemas agroflorestais na recuperação de áreas de reserva legal: um estudo de caso no Pontal do Paranapanema, São Paulo. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Ale-gre, v. 1, n. 1, p. 189-193, nov. 2006.

CAMPELLO, E. F. C. et al. Implantação e manejo de SAF’s na Mata Atlântica: a experiência da Em-brapa Agrobiologia. In: CONGRESSO BRASILEI-RO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS, 6., 2006, Campos dos Goytacazes. Anais... Campos dos Goytacazes: UENF, 2006. p. 33-42.

CANUTO, J. C. et al. Construção do conhecimen-to agroecológico a partir de sistemas agroflorestais em assentamentos rurais no Estado de São Pau-lo. In: SIMPÓSIO SOBRE REFORMA AGRÁRIA E

ASSENTAMENTOS RURAIS, 3., 2008, Araraquara. Anais... Araraquara: Uniara, 2008. v. 1, p. 94-94.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995.

CULLEN JUNIOR, L. et al. Restauração de paisa-gens e desenvolvimento socioambiental em assen-tamentos rurais do Pontal do Paranapanema. Re-vista Agriculturas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 24-28, 2006.

DELGADO, G. C.. Capital financeiro e agricul-tura no Brasil. São Paulo: Ícone, 1985. 240 p.

FUNDAÇÃO CARGIL. Manejo ambiental e restau-ração de áreas degradadas. In: LIMA, J. F. et al. Café com floresta: criando suficiência alimentar e bio-diversidade ecológica. São Paulo: Fundação Cargill, 2007. p. 77-107.

GOMES, H. B. et al. Sistemas agroflorestais (café com floresta) como inovação nos sistemas produ-tivos para a agricultura familiar na região do Pon-tal do Paranapanema – SP: um relato de experiên-

REFERÊNCIAS

as necessidades das famílias e as demandas de mercados institucionais (vendas para o setor pú-blico) ou mesmo mercados tradicionais, como a comercialização em feiras.

Ainda que as mudanças nas formas de produ-ção dos agricultores pesquisados ocupem apenas uma pequena porção de terras em cada lote, pode se considerar que os sistemas agroflorestais têm influenciado novas concepções de produção al-ternativa para agricultores inseridos no Projeto “Café com Floresta”, criado Instituto de Pesqui-sas Ecológicas.

Para o fortalecimento e disseminação dos sis-temas agroflorestais ou agrossilvipastoris, es-pecialmente entre os agricultores familiares, é necessário que as políticas públicas sejam am-pliadas e cheguem efetivamente até aqueles produtores que mais precisam, seja na forma de créditos voltados a essas iniciativas e de progra-mas institucionais de compra da produção (como PAA, PNAE e PPAIS), seja em termos de forma-ção e apoio técnico dos órgãos públicos de assis-tência técnica e extensão rural.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 53: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

53

cia via seminários da disciplina Sistemas agrários de produção e desenvolvimento sustentável. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 10; JORNADA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO, 7, 2012 Anápolis. Anais... Anápolis: UEG, 2012. 1CD-ROM.

GONÇALVES NETO, W. Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização econô-mica brasileira 1960-1980. São Paulo: HUCITEC, 1997. p. 141-225.

HEREDIA, B.; PALMEIRA, M.; LEITE, P. S. Socie-dade e economia do “agronegócio” no Brasil. Re-vista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 25, n.74, p.159–176, out. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092010000300010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 jul. 2013.

LIMA, J. F. Creación de bosques agroecológicos de café sombreado como herramienta para la producción de un nuevo paisaje rural y cam-bio de hábitos en los campesinos. 2007. 81 f. Dissertação (Mestrado em Agroecologia e Desen-volvimento Rural Sustentavel)- Faculdade de Agro-ecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidad Internacional de Andalucia Sede Anto-nio Machado, Baeza, 2007.

______. Restauração da paisagem do assentamen-to tucano através de sistemas agroflorestais. Re-vista Sintonia, Presidente Venceslau, v. 2, n. 1, p. 88-103, mar. 2003.

LIMA, J. F. et al. Café com floresta: interligando paisagem fragmentada no Pontal do Paranapanema – SP. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 195-199, nov. 2006.

LIMA, J. F. et al. Sistema agroflorestais como ferra-menta para conectividade de fragmentos florestais do Pontal do Paranapanema. In: SEMINÁRIO ES-TADUAL DE REFLORESTAMENTO E RECUPE-RAÇÃO AMBIENTAL, 2., 2003, Ijuí. Anais... Ijuí: UNIJUÍ, 2003. p. 25-38.

PEREIRA, J. P.; LEAL, A. C.; RAMOS, A. L. M. Siste-mas agroflorestais com seringueira. In: CONGRES-SO BRASILEIRO DE SISTEMAS AGROFLORES-

TAIS, 6., 2006, Campos dos Goytacazes. Anais... Campos dos Goytacazes: UENF, 2006. p. 141-158.

REIS, H. A.; MAGALHÃES, L. L. de. Agrossilvicul-tura no Cerrado- Região Noroeste do estado de Minas Gerais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS, 6., 2006, Campos dos Goytacazes. Anais... Campos dos Goytacazes: UENF, 2006. p. 177-187.

RODRIGUES, E. R. Estratégia agroflorestal para a recomposição de áreas de Reserva Legal em assentamentos de reforma agrária: um estudo de caso no Pontal do Paranapanema, São Paulo. 2005. 85 f. Tese (Mestrado em Ciências Florestais) – Faculdade de Engenharia Florestal, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

RODRIGUES, E. R. et al. Avaliação econômica de sistemas agroflorestais implantados para recupera-ção de reserva legal, no Pontal do Paranapanema, São Paulo. Revista Árvore, Viçosa, v. 31, n. 5, p. 941-948, set./out. 2007.

SILVA, J. G. da. A nova dinâmica da agricultu-ra brasileira. Campinas: UNICAMP- IE, 1996. p. 1-40.

SIQUEIRA, E. R. de. et al. Estado da arte dos sis-temas agroflorestais no Nordeste do Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS AGRO-FLORESTAIS, 6., 2006, Campos dos Goytacazes. Anais... Campos dos Goytacazes: UENF, 2006. p. 53-64.

VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de janeiro: Garamond, 2005. 220 p.

VERGES, N. M. Agroecologia: Uma alternativa de desenvolvimento rural sustentável para os assenta-mentos rurais. Revista Caminhos de geografia, Uberlândia, v. 14, n. 45. p.237-253, abr. 2013. Dis-ponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia> Acesso em 07 ago. 2013

VIVAN, J. L. Biodiversidade e sistema agroflores-tais. In: SEMINÁRIO ESTADUAL DE REFLORES-TAMENTO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL, 2., 2003, Ijuí. Anais... Ijuí: UNIJUÍ, 2003. p. 39-50.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 43-53, maio/ago., 2014.

Page 54: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

54Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 54-55, maio/ago., 2014.

MDA LANÇA EDITAIS PARA FOMENTO DA AGROECOLOGIA

Incentivar projetos de inovação tecnológica para a construção e socialização de conheci-mentos em Agroecologia. Com esse objeti-vo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou dois editais que têm como público prioritário os agricultores familiares. O investimento em pesquisas e em estudos será de R$ 6,6 milhões. As ações de inovação tecnológica e formação dos editais estão inte-gradas ao Programa Nacional de Inovação e ao Programa Nacional de Formação de Agen-tes do MDA.

No valor de R$ 2 milhões, o primeiro edital apoiará projetos de até R$ 100 mil. O objetivo é fomentar a criação de núcleos de Agroeco-logia em instituições de pesquisa em parceria com entidades de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (Ater), sustentando projetos de inovação tecnológica e metodológica, voltados para construção e socialização de conhecimen-tos para a transição agroecológica.

Já o segundo edital, no valor de R$ 4,6 milhões, apoiará projetos de até R$ 200 mil para Nú-cleos de Agroecologia (NEAs) e de até R$ 600 mil para Redes de Núcleos de Agroecologia, junto a instituições de ensino superior. O ob-jetivo deste edital é selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que integrem ativi-dades de extensão, pesquisa, ensino e fomento a processos de inovação para a construção e socialização de conhecimentos e práticas rela-cionados à Agroecologia.

PLANO NACIONAL DE AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO ORGÂNICA

O governo lançou em outubro, em Brasília, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica, que será destinado principalmente para a agricultura familiar e assentamentos da reforma agrária. O plano, que começou a ser elaborado no ano passado, pretende ampliar a produção de alimentos orgânicos no país. Me-tade do crédito atende às mulheres.

Ao todo, serão R$ 8,8 bilhões. Desse total, R$ 7 bilhões vão para Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf). Entre as ações previstas estão a construção de oito mil cis-ternas para a produção orgânica e criação de bancos de sementes. As cooperativas agrí-colas terão R$ 175 milhões para investir na gestão de alimentos agroecológicos. Também estão previstos R$ 262 milhões para a assis-tência técnica.

O plano pretende capacitar 75 mil famílias para produzir e vender alimentos sem o uso de agrotóxicos. Hoje, apenas dez mil famílias estão autorizadas a usar o selo de produto or-gânico em todo o país.

CRESCE O NÚMERO DE PRODUTORES DE ORGÂNICOS NO BRASIL

O número de produtores de orgânicos no país aumentou 22% em 2013, na comparação com o ano anterior, segundo dados do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, do Minis-tério da Agricultura.

O Brasil fechou o ano de 2013 com 6.719 pro-dutores e 10.064 unidades de produção orgâ-nica. No fechamento de 2012, o país contava com cerca de 5,5 mil produtores agrícolas que trabalhavam segundo as diretrizes dos sistemas orgânicos de produção.

Ranking divulgado pelo Ministério da Agricultu-ra mostra que o Piauí é o estado com o maior número de produtores (978), seguido por Rio Grande do Sul (863), São Paulo (832) e Paraná (680). Tocantins é o único estado sem registro de produtores orgânicos.

Page 55: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

55Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 54-55, maio/ago., 2014.

BRASIL EM 10º LUGAR EM EXTENSÃO DE TERRAS COM ORGÂNICOS

Levantamento da Federação Internacional de Agricultura Orgânica coloca o Brasil na dé-cima posição entre os países do mundo em extensão de terras voltadas à agricultura or-gânica. Mas a proporção em relação ao total de terra agrícola no país ainda é pequena, de apenas 0,27%. Veja a seguir, a lista dos dez países com maior quantidade de terras volta-das à agricultura orgânica:

1. Austrália

2. Argentina

3. Estados Unidos

4. China

5. Espanha

6. Itália

7. Alemanha

8. França

9. Canadá

10. Brasil

FUNASA E UFRGS LANÇAM CARTILHA SOBRE SANEAMENTO

Foi lançado no último mês a cartilha “O muni-cípio que queremos-entenda por que o sanea-mento é básico e sua participação é importante”. A publicação resulta do trabalho coordenado pelo professor Dieter Wartchow, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com o apoio da Fundação Nacional de Saúde(Funasa), e apre-senta ilustrações do cartunista Santiago.

A cartilha estimula o debate e auxilia nas ati-vidades de mobilização social necessárias para a elaboração dos planos municipais de sanea-mento básico. Os planos são uma exigência da Lei 11.445/207, que estabeleceu as diretrizes nacionais para o setor, e representam o prin-

cipal instrumento para planejar os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana e resíduos sólidos. É através deles que deverá ser traçado um diagnóstico da situação dos municípios, os objetivos a se-rem alcançados e projetos e ações para solu-cionar os problemas.

AGRICULTURA FAMILIAR PRODUZ MAIOR PARTE DOS ALIMENTOS DOS BRASILEIROS

Este é o ano internacional da Agricultura Fa-miliar. Segundo o Ministério do Desenvolvi-mento Agrário, 70% dos alimentos que en-tram no prato do brasileiro vêm da agricultura familiar. Esse tipo de agricultura é muito anti-go, mas a definição atual é de 2006. Está na lei 11.326. O tamanho da propriedade não pode ultrapassar os quatro módulos fiscais. É uma medida que varia de região para região. Para ser considerado um agricultor familiar, a mão de obra deve ser, predominantemente, da fa-mília. A renda deve vir, principalmente, das atividades econômicas da terra e o sítio deve ser dirigido com a família. Segundo o último censo agropecuário, quase 85% das proprie-dades rurais do Brasil são de agricultura fami-liar. O número é alto, mas como a área delas é pequena, juntas, ocupam menos de 25% da área de fazendas e sítios.

Page 56: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

56

OLIVEIRA, Celso Maran de1, MARANINCHI, Fernando Castro da Silva2

ResumoO presente artigo trata da conceituação de imóvel rural para o fim de incidência tributária, inclusive com o tratamento da função social da terra. O objeti-vo desta pesquisa foi o de trabalhar situações muito comuns nas cidades brasileiras, que é a existência de imóveis situados em perímetro urbano e com uti-lização agropecuária, com práticas de agricultura familiar. Foram trabalhadas as teorias que classi-ficam os imóveis rurais, localização e destinação, e através de uma abordagem dos principais dispositi-vos legais, análise doutrinária e principalmente dos recentes posicionamentos dos tribunais nacionais, chegamos à conclusão que a teoria que deve ser uti-lizada é destinação do bem. Sendo assim, imóveis utilizados para atividades agropecuárias, mesmo os localizados em perímetros urbanos, devem ser tri-butados com o Imposto Territorial Rural. Palavras-chaves: Imóvel rural. Imposto Territorial Rural. Imposto Predial e Territorial Urbano. Teorias da destinação e da localização.

1 Profissão: jurista e professor universitário; titulação: Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP); atividade profissional: Professor do Departamento de Ciências Ambientais da UFSCar; local de trabalho:

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); endereço: Universidade Federal de São Carlos campus São Carlos, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310, São Carlos - São Paulo – Brasil, CEP 13565-905

C.P. 676; E-mail: [email protected] Profissão: jurista e professor universitário; titulação: Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes (UCAM);

atividade profissional: Advogado e Professor do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica das Cataratas, Foz do Iguaçu-PR.; local de trabalho: Faculdade Dinâmica das Cataratas, Foz do Iguaçu-PR.; endereço: Avenida Paraná, 1090, sala 203, Centro,

Foz do Iguaçu – PR, CEP 85852-000; E-mail: [email protected].

AbstractThis article deals with the concept of rural property for the purpose of tax incidence, including the tre-atment of the social function of the land. The ob-jective of this research was to work situations very common in Brazilian cities, which is the existence of property situated in the urban and agricultural use. Were worked theories that classify rural buildings, location and destination, and through an approach of the main legal provisions, doctrinal analysis and mainly of recent placements of national courts, we conclude that the theory to be used is of good dispo-sition. Therefore, buildings used for farming activi-ties, even those located in urban perimeters, should be taxed with the Rural Land Tax.Keywords: Rural property. Rural land tax. Property tax and urban land. Destination and location theories.1 INTRODUÇÃO

O poder de tributar está delimitado na Cons-tituição Federal (CF) (BRASIL, 1988). A Carta Magna, a partir do artigo 145, estipula quais os tributos que cada um dos entes políticos (União,

Imposto Territorial Rural (ITR) para Imóveis Localizados em Perímetro Urbano e

Utilizados por Agricultores Familiares

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 57: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

57

Estados, Distrito Federal e Municípios) poderão criar e cobrar.

Dentro do capítulo constitucional sobre o siste-ma tributário, prevê também que, por causa das inúmeras regras de competência tributária dele-gada através de signos presuntivos de riqueza, para o caso dos impostos, a Lei Complementar tratará de resolver os hipotéticos casos de conflito de competência entre os entes (CF, art. 146, I).

Dizemos hipotético por causa do Direito ser au-topoiético, ou seja, ele mesmo prevê as formas de resolver seus próprios conflitos. Num destes con-flitos temos o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) – de competência dos Municípios (CF, art. 156, I) e o Imposto sobre Pro-priedade Territorial Rural (ITR) – de competência da União (CF, art. 153, VI).

Sabe-se que quando se tem um imóvel em área urbana deve se pagar o IPTU para o Município onde esteja localizado o bem e quando se tem um imóvel em área rural deve se pagar o ITR para a União. Porém, as cidades vão crescendo e é co-mum que as áreas urbanas vão tomando conta do que antes se tratava de área rural, deixando sí-tios inclusos naquelas e fazendo surgir a dúvida para proprietários destes e para a fazenda pública se aqueles devem pagar IPTU ou ITR. Situação agravada daqueles grandes vazios urbanos onde são desenvolvidas atividades agropecuárias, e em muitos casos os Municípios tributam com IPTU.

Este artigo abordará os principais conceitos de IPTU e ITR, e principalmente sobre a incidência de um deles sobre áreas de expansão urbana, e tam-bém de áreas utilizadas para atividades agrícolas mesmo cercadas por equipamentos urbanísticos. Serão discutidas as principais teorias aplicáveis para conceituação do imóvel como sendo rural, com a previsão legal e o posicionamento jurispru-dencial a respeito desse importante tema, com im-plicações econômicas diretas para os proprietários que estão obrigados a pagar um ou outro imposto, bem como para o próprio poder público que poderá fazer incidir o imposto de sua competência.

2 CRITÉRIOS DEFINIDORES DO IMÓVEL RURALPresenciamos conflitos no momento de concei-

tuar imóvel rural, principalmente quanto ao es-tabelecimento de critérios definidores. Consoante o critério da localização o imóvel rural é aquele que se situa fora do perímetro urbano do municí-pio. E pelo critério da destinação o imóvel rural é

aquele utilizado para atividades agrárias em ge-ral, independentemente de sua localização.

A disputa pela adoção de uma teoria ou outra ocorre entre os tributaristas e os agraristas. As-sim, as normas agraristas conceituam imóvel ru-ral consoante sua destinação, ou mesmo potencia-lidade de utilização agropecuária, sem tomar em conta a localização do bem. Diferentemente en-contramos as normas tributárias, especialmente o Código Tributário Nacional (CTN) (Lei 5.172/66), que leva em consideração a simples localização do bem - se localizado em perímetro urbano, urbano também será independentemente das atividades desempenhadas no bem.

O Código Tributário Nacional definiu imóvel ru-ral com base no critério geográfico, em seu artigo 29; bem como o artigo 1º da Lei 9.393/96, vejamos:

Art. 29. O imposto, de competência da União, so-bre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município. (Lei 5.172/66).Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato ge-rador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona ur-bana do município, em 1º de janeiro de cada ano. § 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município. (Lei 9.393/96).

A competência tributária dos Municípios quanto ao IPTU, de acordo com o Código Tributário Nacio-nal, é definida pelo critério da localização do imóvel e deixada a cargo das leis municipais que devem de-finir o que se considera área urbana e, por exclusão, o que se considera área rural.

Vejamos o texto do artigo 32 do Código Tributário Nacional:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguin-tes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 58: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

58

II - abastecimento de água;III - sistema de esgotos sanitários;IV - rede de iluminação pública, com ou sem postea-mento para distribuição domiciliar;V - escola primária ou posto de saúde a uma dis-tância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

Importante frisar que o Município não poderá considerar urbano o que não for, pois precisará respeitar a existência de pelo menos dois melhora-mentos construídos ou mantidos pelo Poder Públi-co, como: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abastecimento de água; sistema de esgotos sanitários; rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domi-ciliar; e escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imó-vel considerado.

Vale lembrar que “A lei municipal pode conside-rar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expan-são urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior”, conforme § 2º do mesmo artigo.

As zonas de expansão urbana devem ser trata-das como uma espécie de medida da expansão da população, posto que futuramente serão transfor-madas em novos bairros do Município (VILLAÇA, 2006). Sendo assim, estão sujeitas a incidência de IPTU, limitações ao direito de construir, e prin-cipalmente ao cumprimento da função social da propriedade.

Esta é a regra geral que define a competência, do Município ou da União, pelo critério da localiza-ção do imóvel. Embora seja considerada regra ge-ral, existe uma exceção, pouco conhecida, que esti-pula forma de definição pela destinação do imóvel.

O Estatuto da Terra (Lei 4.505/64), combinado com a Lei 8.629/93, aplicam o critério da destina-ção agropecuária do bem, e urbano o destinado à moradia, comércio ou indústria. Vejamos os dispo-sitivos específicos dessas duas normas:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:I - “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área con-tínua qualquer que seja a sua localização, que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públi-cos de valorização, quer através de iniciativa pri-vada. (Lei n. 4504/64).

Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:I – Imóvel rural, o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuá-ria, extrativa, vegetal, florestal ou agroindustrial. (Lei n. 8.629/93).

Desde 18 de novembro de 1966, através do ar-tigo 15 do Decreto-Lei n. 57, tem-se que a utiliza-ção de imóvel, mesmo que em área definida pelo Município como urbana, se comprovadamente em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro industrial, impede a incidência do IPTU e faz incidir o ITR. Segundo este dispositivo:

O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de ou-tubro de 1966, não abrange o imóvel de que, com-provadamente, seja utilizado em exploração extra-tiva vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.

Um outro elemento deve ser considerado para ca-racterização do imóvel como rural, utilizando-se o critério da destinação do bem. Estamos falando da necessária função social da propriedade rural. Mar-ques (2011, p. 30) considera que “foi por efeito da incorporação do princípio da função social no texto constitucional brasileiro que o Estatuto da Terra absorveu o critério da destinação como elemento diferenciador entre imóvel rústico e urbano.” E por destinação devemos entender todas as atividades relacionadas à agricultura, pecuária e similares.

3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E O CRITÉRIO DA DESTINAÇÃO AGROPECUÁRIA DO IMÓVEL RURALSe o critério da destinação é o utilizado para di-

ferenciar imóvel rústico do urbano, em função do princípio da função social da terra, devemos tecer alguns comentários a respeito desse importante princípio. Isto porque a função social da proprie-dade rural tem o caráter de regularização econô-mica e ambiental do uso da terra, numa perspecti-va de bem estar social.

O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) conside-ra que a propriedade da terra desempenha inte-gralmente a sua função social quando favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela trabalham, assim como de suas famí-lias; mantém níveis satisfatórios de produtivida-de; assegura a conservação dos recursos naturais; observa as disposições legais que regulam as jus-tas relações de trabalho entre os que a possuem e

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 59: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

59

a cultivem (art. 2, § 1°), tendo sido acrescentada pela Constituição Federal de 1988 a preservação do meio ambiente (art. 186).

Em norma posterior (Lei n. 8629/93) houve ra-tificação dos requisitos necessários para o cum-primento da função social da propriedade rural, elencando-os da seguinte maneira:

Art. 9º A função social é cumprida quando a pro-priedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguin-tes requisitos:I - aproveitamento racional e adequado;II - utilização adequada dos recursos naturais dis-poníveis e preservação do meio ambiente;III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;IV - exploração que favoreça o bem-estar dos pro-prietários e dos trabalhadores.

Ao princípio da função social da propriedade deve ser atribuído muita importância, devido à sua caracterização como princípio informador da cons-tituição econômica brasileira, assim como leciona Silva (1994, p. 294):

[...] a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação de produção. E toda vez que isso ocorrera, houvera transformação na estrutura interna do conceito de propriedade, sur-gindo nova concepção sobre ela, de tal sorte que, ao estabelecer expressamente que a propriedade atenderá a sua função, mas especialmente quan-do o reputou princípio da ordem econômica, ou seja: como um princípio informador da constitui-ção econômica brasileira com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio também da ordem econômica, e, portanto, sujeita, só por si, ao cum-primento daquele fim. Pois, limitações, obrigações e ônus são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do proprie-tário, interferindo tão-só com o exercício do direi-to, os quais se explicam pela simples atuação do poder de polícia.

Sendo assim, devemos igualmente adotar o crité-rio da destinação do imóvel para conceituá-lo como rural tendo em vista a função social que ele deve desempenhar, porque, caso não haja seu cumpri-mento, estará sujeito à sanção expropriatória, com exceção da pequena ou média propriedade rural, definida pela Lei n. 8.629/93, desde que seja o único imóvel rural de que disponha o proprietário.

4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DA INCIDÊNCIA DE ITR E CRITÉRIO DA DESTINAÇÃO PARA CARACTERIZAÇÃO DE IMÓVEL RURALUma situação muito comum nas cidades brasi-

leiras é a existência de imóveis rurais encravados no perímetro urbano, normalmente com grandes dimensões territoriais, e que neles são desenvolvi-das atividades agrícolas. Os Municípios na maio-ria das vezes acabam tributando esses imóveis com o ITPU, aplicando-se a regra do artigo 32 do CTN, ou seja, a teoria da localização do bem como fator de determinação do imposto. Porém, mesmo em não sendo área de expansão urbana, onde há a consolidação dos equipamentos públicos, mas a atividade desempenhada no bem é agropecuária também deve ser aplicado o critério do artigo 15 do Decreto-Lei n. 57/66 para afastamento do IPTU, e incidência do ITR.

Em relação à aplicação do artigo 15 do Decreto--Lei n. 57/66 e não do artigo 32 da Lei 5.172/66, o Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial n. 1.112.646 - SP (2009/0051088-6), tendo como rela-tor o Ministro Herman Benjamin, assim considerou:

O art. 32, § 1º, do CTN adota o critério da lo-calização do imóvel e considera urbana a área definida na lei municipal, desde que observadas pelo menos duas das melhorias listadas em seus incisos. Ademais, considera-se também nessa si-tuação o imóvel localizado em área de expansão urbana, constante de loteamento aprovado, nos termos do § 2º, do mesmo dispositivo.Ocorre que o critério espacial do art. 32 do CTN não é o único a ser considerado. O DL 57/1966, recepcionado pela atual Constitui-ção como lei complementar (assim como o próprio CTN), acrescentou o critério da des-tinação do imóvel, para delimitação das competências municipal (IPTU) e federal (ITR): Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecu-ária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.Destaco que o STF reconhece a vigência do dispo-sitivo legal no sistema tributário contemporâneo:EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IM-POSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (I.P.T.U.). IMPOSTO TERRITORIAL RURAL (I.T.R.). TAXA DE CONSERVAÇÃO DE VIAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 60: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

60

[...]2. R.E. conhecido, pela letra “b”, mas impro-vido, mantida a declaração de inconstitu-cionalidade do art. 12 da Lei federal n 5.868, de 12.12.1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto- lei n 57, de 18.11.1966.3. Plenário. Votação unânime.(RE 140773/SP, Relator: Min. SYDNEY SAN-CHES, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/1998, DJ 04-06-1999 PP-00017 EMENT VOL-01953-01 PP-00127)Nesse sentido, a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer a aplicabilidade do art. 15 do DL 57/1966 como critério delimita-dor da incidência tributária sobre imóveis:TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. IMÓVEL. EXPLO-RAÇÃO EXTRATIVA VEGETAL. ART. 32 DO CTN, 15 DO DECRETO-LEI Nº 57/66.. O artigo 15 do Decreto-Lei nº 57/66 exclui da incidência do IPTU os imóveis cuja desti-nação seja, comprovadamente a de explora-ção agrícola, pecuária ou industrial, sobre os quais incide o Imposto Territorial Rural--ITR, de competência da União.2. Tratando-se de imóvel cuja finalidade é a exploração extrativa vegetal, ilegítima é a cobrança, pelo Município, do IPTU, cujo fato gerador se dá em razão da localização do imóvel e não da destinação econômica. Precedente.3. Recurso especial improvido.(REsp 738.628/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2005, DJ 20/06/2005 p. 259). TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA. LO-CALIZAÇÃO. DESTINAÇÃO. CTN, ART. 32. DECRETO-LEI N. 57/66. VIGÊNCIA.1. Ao ser promulgado, o Código Tributário Nacio-nal valeu-se do critério topográfico para delimi-tar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, inci-diria o IPTU; se na zona rural, incidiria o ITR.2. Antes mesmo da entrada em vigor do CTN, o Decreto-Lei nº 57/66 alterou esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.3. A jurisprudência reconheceu validade ao DL 57/66, o qual, assim como o CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. As-sim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN deve ser analisado em face do co-

mando do art. 15 do DL 57/66, de modo que não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber quaisquer das des-tinações previstas nesse diploma legal.4. Recurso especial provido.(REsp 492.869/PR, Rel. Ministro TEORI ALBI-NO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2005, DJ 07/03/2005 p. 141)Assim, não incide IPTU, mas sim o ITR, so-bre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, ve-getal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.Ao lado do critério espacial previsto no art. 32 do CTN, deve ser aferida a destinação do imóvel, nos termos do art. 15 do DL 57/1966. (Grifo nosso).

Vejamos a importante decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), proferida pelo juiz Vla-dimir Souza Carvalho, em sua parte decisória:

[...] A legislação tributária, ao delegar pode-res ao legislador municipal para considerar uma zona não urbana, ou seja, fora do centro urbano do município, como urbana, não fixou só como paramentos a presença de meio fio ou calçamento com canalização de águas pluviais, abastecimento de água, sistema de esgotos sa-nitários, rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar, e escola primária ou posto de saúde a uma dis-tância máxima de 03 (três) quilômetros do imó-vel considerado. Se assim fosse, seria o mesmo que transformar o nada em cidade.Aliás, a presença de dois, pelo menos, destes re-quisitos, não pode ser vislumbrada de maneira a se entender que o Poder Público Municipal, erguendo dois destes requisitos, pode conside-rar qualquer zona rural como urbana. Não. Em absoluto.Primeiro, como condição essencial e primordial, tem de se levar em conta a presença de aglo-merado humano, habitando em casas, na forma da cidade, de maneira que sendo igual a cidade não é cidade porque está fora do seu centro ur-bano. Esse aglomerado, com ruas, de forma re-gular ou irregular, se parecendo com a cidade, tem tudo para atrair os olhos da Administração Municipal, que aí comparece com alguns dos requisitos já citados, como a aprovar a locali-dade, como a dizer que aquele ponto não só se parece com a cidade como deve ser encarado e visto como a cidade. Daí, enfim, a lei, como co-roamento, considerando aquela zona como uma continuação da cidade, ou seja, da urbe.No caso, o imóvel, localizado na Rodovia dos

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 61: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

61

Náufragos, Bairro Mosqueiro, apresentando--se com a maior parte de suas terras explora-das para fins agrícolas, sendo 6,00 há (45,54%) ocupado com a cultura do coco, sendo a parte remanescente, de aproximadamente 3,80 há (28,84%) explorada com espécies forrageiras, como o laudo de f. 107 atesta. E tido como rural, paga imposto rural. O fato de ter, próximo, ou a sua frente, algum dos requisitos acima enume-rados, não o torna urbano, porque seu solo não é urbano, não tendo nele nenhum aglomerado de ruas que se pareça com a cidade, que seja igual a cidade, primeiro e mais primordial re-quisito que a lei fixa para a transformação do imóvel rural em urbano.E aí está a extensão da ferida. Não é o asfal-to na frente de uma propriedade rural que a transforma em urbana. Não é a presença de posteamento conduzindo energia elétrica que metamorfoseia uma fazenda em zona urbana. O que transforma, anote-se, é a presença de aglomerado humano, de ruas, com semelhança de cidade, parecido com a cidade, igual a cida-de, fazendo com que o Poder Público Munici-pal, que lá chega com a energia elétrica, com a água encanada, com o asfalto, com a escola, com o posto médico, com um ou com dois des-tes, ou com todos, conceda a este aglomerado a mesma feição de cidade, considerando-o como uma extensão da cidade. E daí nasce para os moradores do aglomerado humano a obrigação de pagar o imposto predial urbano, porque seu habitat é igual a cidade, recebendo do Poder Público Municipal os mesmos benefícios que a cidade recebe.Levar qualquer dos requisitos já citados para o mato não transforma o mato em cidade. Não há lei que consiga esse fenômeno e milagre. O que transforma uma zona, distante da cidade,

ou que não está na cidade, em urbana, é sua semelhança com a cidade, é apresentar casas agrupadas em ruas e outros apetrechos da rua, de maneira que seja igual a paisagem da cidade.O imóvel do demandante, enquanto não se pa-recer com a cidade, enquanto permanecer como está, no cultivo do coqueiro e outras plantas, não poderá nunca ser tratado como se fosse cidade, porque não é cidade, independentemente de es-tar cercado de qualquer benefício entre aqueles já reportados no início desta. O imóvel só é urba-no quando está situado em zona urbana. Uma zona rural só pode ser considerada urbana quando se apresenta como se fosse urbana, isto é, se parece com a zona urbana. A lei não transforma mato em cidade. Não tem este poder. E se o faz, como aqui, a lei, no caso, não surte efeito. Não pode.Por este entender, extingo o feito com resolu-ção do mérito, para acolher o pedido acoplado à inicial, f. 4, condenando a ré à restituição de custas processuais e a honorários advocatícios que arbitro em dez por cento sobre o valor da causa, em favor do autor. Sujeita ao reexame necessário. P. R. I.[...]. (Grifo nosso).

Esse também foi o posicionamento da 2ª Câ-mara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que negou provimen-to a apelo do Município de Santa Maria. Neste processo ficou claro que o Município somente pode cobrar Imposto Predial e Territorial Ur-bano (IPTU) de imóvel localizado dentro de sua zona urbana caso sua destinação não seja de ca-racterística rural. Trata-se de embargos à exe-cução fiscal promovida pela apelante a fim de cobrar os valores de IPTU. A sentença declarou falta de competência do Município para reco-lher o IPTU, visto que se trata de imóvel rural. Em recurso, o Município alegou que pode insti-tuir o IPTU sobre todos os imóveis localizados em sua zona urbana, definida por lei municipal. Acrescentou que no local em questão há postes de iluminação pública e uma escola; além disso, três sócios da empresa residem na área. Susten-tou que o fato de ter sido pago o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) do perí-odo em questão não desobriga o ressarcimento dos valores referentes ao IPTU. Justificou que o Município não pode ser prejudicado pelo erro cometido pelo contribuinte, já que o ITR é reco-lhido pelo Governo Federal. Salientou ainda a

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 62: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

62

natureza industrial da empresa e de suas ati-vidades. A apelada apresentou contra-razões, esclarecendo que atuava no beneficiamento de arroz e que atualmente está com suas ativida-des completamente desativadas. Observou que a área em questão destina-se a manutenção de campos e matos e que está cadastrada junto à Receita Federal, pagando o ITR em dia. Veja-mos a decisão:

DIREITO TRIBUTÁRIO. ITR E IPTU. IMÓ-VEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA, COM DESTINAÇÃO RURAL: INCIDÊNCIA DO ITR, E NÃO DO IPTU. INCLUSÃO DO IMÓVEL NO CADASTRO MUNICIPAL, PARA FINS DE IPTU: DEVE SER PRECEDIDA DE COMUNI-CAÇÃO AO PROPRIETÁRIO, PARA FINS DE EVENTUAL IMPUGNAÇÃO.1. Relevante, para a definição da incidên-cia do ITR (Imposto Territorial Rural) e do IPTU (Imposto Predial e Territorial Ur-bano), é a destinação econômica do imóvel tributável, e não a sua localização (rural ou urbana). O art. 32 do CTN não mais pre-valece à vista dos arts. 15 e 16, do DL nº 57/66, não revogado pela Lei nº 5.868/72, declarada in-constitucional pelo STF e suspensa sua vigência pela Resolução nº 313/83, do Senado Federal. Assim, pode o Município instituir o IPTU sobre os bens imóveis localizados em sua zona urbana, definida em lei municipal, qualquer que seja o seu uso e destinação, ressalvados, contudo, os utilizados em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, que se sujeitam unicamente ao ITR, da competência federal.2. Ademais, cabe ao Município comunicar ao proprietário, ensejando a ampla possibilidade de impugnação de sua parte, – o que não ocorreu na hipótese dos autos –, que seu imóvel rural foi in-cluído no cadastro fiscal para efeitos do IPTU em razão de sua consideração como urbano, e não ao seu proprietário, no sentido de que este informe que o seu imóvel está sujeito ao ITR.”Acórdão do 1º Grupo Cível do TJERS (Embargos Infringentes nº 70001213685, de 06/10/2000, TJERS, Rel. Des. ARNO WERLANG):“ITR e IPTU. Critério distintivo entre área urbana e área rural. Relevância da des-tinação econômica da área tributável. 1. Relevante para distinguir a incidência do tributo, ITR ou IPTU, não apenas a locali-zação do imóvel, mas a destinação econômi-ca da área tributável. O art. 32 do CTN deve ser interpretado com as alterações introdu-zidas nos arts. 15 e 16, do DL nº 57/66, não

revogado pela Lei nº 5.868/72, porque decla-rada inconstitucional pelo STF e suspensa sua vigência pela Resolução nº 313/83, do Senado Federal. 2. Os Municípios podem arrecadar impostos de sua competência dos imóveis: a) situados em suas zonas urba-nas, definidas em lei municipal, qualquer que seja a sua destinação, ressalvados os utilizados em exploração extrativa vege-tal, agrícola, pecuária ou agro-industrial; b) situados fora de zona urbana, qualquer que seja a sua área, desde que utilizados ex-clusivamente como sítios de recreio. (Grifo nosso).

Em muitos casos o proprietário não tem ou-tra alternativa a não ser recorrer ao Judiciário para buscar o reconhecimento de eventual ine-ficácia de legislação municipal e a consequente anulação do lançamento fiscal ilegal. Assim o fazendo, encontrarão vasta fundamentação ju-risprudencial para amparar seu direito, assim como demonstrado.

5 CONCLUSÃOAs normas agraristas conceituam imóvel

rural consoante sua destinação agropecuária, ou mesmo potencialidade de utilização agrope-cuária, sem tomar em conta a localização do bem. Diferentemente encontramos as normas tributárias, especialmente o Código Tributário Nacional, que leva em consideração a simples localização do bem - se localizado em perímetro urbano, urbano também será independente-mente das atividades desempenhadas no bem. Da mesma maneira deve ser considerado imó-vel urbano aquele que não desenvolve atividade agropecuária, nem mesmo tem potencialidade de desenvolver, mesmo estando localizado fora do perímetro urbano de um município.

A determinação da incidência de ITR ou IPTU traz consequências econômicas para o contribuinte. Em média o IPTU é cobrado com a alíquota de 1% sobre o valor venal da pro-priedade predial e territorial urbana (CTN, art. 33), enquanto o ITR parte de 0,03% (Lei n. 9.393/96, art. 11) do valor da terra nua tribu-tável, sem considerar o valor das construções e excluindo-se as áreas de preservação perma-nente, de reserva legal, de interesse ecológico e as comprovadamente imprestáveis, o que o torna muito mais atrativo.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 63: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

63

Aqui temos um conflito aparente entre nor-mas, pois o próprio Direito, por ser autopoiéti-co, resolve esta antinominia. 1º critério: a nor-ma de hierarquia superior prevalece sobre a norma de hierarquia inferior; 2º critério: sendo de mesma hierarquia, prevalece a norma que trata de disposições especiais sobre a matéria; 3º critério: sendo de mesma hierarquia e afas-tado o segundo critério, a norma nova preva-lece sobre a norma antiga. Assim, de acordo com o artigo 2 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42) bem como de acordo com os critérios de reso-lução de conflito de normas apontados acima temos que prevalece o Decreto-Lei n. 57/66.

Ressalta-se que o Decreto-Lei n. 57/66 tam-bém tem força de lei complementar, é norma mais nova (23 dias) e especial frente ao Código Tribunal Nacional e, por isso, deve ser obser-vado, como já decidiu o Superior Tribunal de

BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Decreto-Lei nº 57, de 18 de novembro de 1966. Altera dispositivos sobre lançamento e cobran-ça do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, institui normas sobre arrecadação da Dívida Ativa cor-respondente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0057.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de introdução às normas do direito bra-sileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras provi-dências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Lei nº 4.505, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o estatuto da terra, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dis-põe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dis-põe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucio-nais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

______. Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, sobre pagamento da dívida representada por Títulos da Dívida Agrária e dá outras providências. Dispo-nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9393.htm>. Acesso em: 04 set. 2013.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasilei-ro. 9. ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1994.

VILLAÇA, Sérgio. O plano diretor e a lei do perímetro ur-bano. Boletim CEBI, n.23, 2006. Disponível em: <http://www.cebi.com.br/boletim/boletim_23/editorial.htm>. Acesso em: 03 set. 2013.

REFERÊNCIAS

Justiça, no Recurso Especial n. 1.112.646/SP, cuja ementa é a seguinte:

TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊN-CIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO RE-PETITIVO. ART.543-C DO CPC. 1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovada-mente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindus-trial. (Grifo nosso).

Assim, em tempos que todos buscam dimi-nuir os gastos com a tributação, defendemos que aqueles proprietários ou possuidores de imóvel dentro de área urbana mas utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, devem exigir que seus direitos sejam observados e passem a pa-gar menos tributos, ou seja, em vez de IPTU devem pagar ITR.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 56-63, maio/ago., 2014.

Page 64: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

64Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 64-65, maio/ago., 2014.

DE BEM, Nilton Pinho1

A busca do progresso e do desenvolvimento tem ocupado importante espaço nas agendas políticas e nas pesquisas sócio-econômicas. Neste sentido, me-rece especial destaque os trabalhos desenvolvidos pelo Prof. Amartya Sen2, pois foram decisivos para a consolidação de uma visão de desenvolvimento que superou as amarras estreitas da primazia do crescimento econômico.

Notadamente, ao introduzir o conceito de “de-senvolvimento como liberdade”3, o Prof. Sen trás à baila um conjunto de reflexões e interligações entre sociedade, política, economia e condições de vida dos cidadãos que dão ao tema uma esfera de avaliação mais rica em resiliencia social. Esse enfoque parte da necessária distinção entre fins e meios do desenvolvimento, colocando as pesso-as como centro da questão e sob uma condição de agentes ativos de um processo de transformação e não apenas como beneficiários de “engenhosos pro-gramas de desenvolvimento”4.

Justamente nesta perspectiva, em 2010, o Go-verno Federal sancionou a Lei 12.1885 que insti-tuiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária-PNATER que tem em seus prin-cípios a adoção de metodologias participativas na construção do desenvolvimento rural sustentável. Destaque-se que esta lei, além de definir princípios, objetivos e beneficiários, também definiu a moda-lidade de contratação dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER, por intermédio de Chamadas Públicas, bem como definiu o papel ativo dos beneficiários no atestado dos resultados atingidos.

A partir desse referencial legal, o Governo Fe-deral, por intermédio do Ministério do Desenvol-vimento Agrário vêm, sistematicamente, lançando chamadas públicas visando o atendimento de pú-

blicos específicos, segundo diversos enfoques, tais como: gênero, geração, etnia, condição sócio-econô-mica, atividades produtivas, etc.

Entretanto, quando analisados os respectivos editais, se percebe uma organização metodológica comum a todos, que aponta para um ciclo de constru-ção participativa de um marco referencial, associado a um planejamento das atividades, e um, também participativo, monitoramento e avaliação das ações e resultados alcançados.

Note-se que, segundo a perspectiva (Our Perspec-tive) do Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (UNDP)6, quando percorrido este ciclo metodológico, de imediato um importante resultado pode ser obtido: o empoderamento e a condição de agentes ativos dos agricultores/as familiares e as-sentados de reforma agrária. Evidentemente, que o atendimento desse ideal não isenta a necessidade de serem perseguidas e conquistadas outras metas, especialmente as atinentes a organização social, pro-dução, renda e manejo dos recursos naturais.

Extensão rural como liberdade

1 Extensionista Rural Social da EMATER/RS-ASCAR, Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS. 2 Nascido em 1933 em Santiniketan, Índia, lecionou na Delhi School of Economics, London School of Economics, Universidade de Oxford

e Universidade de Harvard. Reitor da Universidade de Cambridge, é também um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU). Laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1998.

3 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.4 SEN, op. Cit., p. 71.5 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm6 “The technology is just a means – and innovation is a way of thinking and rethinking the way we work. And most importantly – finding

new words to ask that same question again and again: Forget what we have, what do the citizens need?”. Disponível em: http://www.undp.org/content/undp/en/home/blog/2014/6/17/square-pegs-round-holes-and-the-importance-of-asking-the-right-questions/ .

Page 65: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

65Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 64-65, maio/ago., 2014.

Contudo, a partir da contextualização e da priori-zação participativa das ações de assistência técnica e extensão rural os resultados sempre serão mais pró-ximos ao que de fato importa, ou seja, que o processo fortaleça “as capacidades individuais para fazer coi-sas que uma pessoa com razão valoriza”.

Orientada por esses princípios a ação da extensão rural desempenha um papel central no desenvolvi-mento das liberdades instrumentais7, na medida em que viabiliza um maior usufruto das políticas públi-cas pelos agricultores/as assistidos, bem como lhes permite vislumbrar e acessar oportunidades sociais e econômicas, antes obscurecidas pelo isolamento, pela falta de informação e o pelo desamparo técnico--organizacional. É claro que, dada a complexidade e o caráter inovador que essa práxis apresenta, muitos obstáculos surgem ao longo da jornada. Nesse as-pecto, são relevantes e merecedores de estudos mais aprofundados os relatos sistemáticos de extensionis-tas da EMATER/RS-ASCAR8, executores de projetos decorrentes de chamadas públicas, que descrevem a pouca empatia que as atividades grupais vem desper-tando nos agricultores e agricultoras assistidos/as. Quando se buscam as razões desta situação, diversos fatores são arrolados, especialmente são referidos: a demanda de trabalho nas atividades produtivas dos estabelecimentos rurais conflitante com o tempo re-querido para a participação nos eventos, a descrença na eficácia dos objetivos e metodologia dos projetos, a vulgarização do método de reuniões para equacio-namento e solução de problemas, a pressão de outros agentes sociais sobre os agricultores e o desalento.

De certa forma, seria estranho se limitações como essas não fossem sentidas, pois, de um lado, a dominante cultura individualista e competitiva que vem formando a consciência da sociedade na-turalmente cria resistências e inseguranças frente a novos hábitos e estratégias sociais fundadas em relações participativas e cooperativas e, de outro lado, efetivamente é elevado o tempo de trabalho a que os agricultores familiares se obrigam a se sub-meter para alcançarem a renda necessária para se reproduzirem socialmente.

Também deve ser considerada a hipótese de que “a humanidade não se propõe nunca, senão os pro-

blemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”9. As-sim, vista a questão sobre este ângulo, embora a dificuldade que a tarefa apresenta, já há elemen-tos institucionais e processos participativos bem sucedidos que permitem argumentos para pleitear--se uma transformação nas posturas céticas em relação ao processo e aos resultados efetivamente possíveis com uma ação participativa. Isso é o que ensinam os relatos de experiências bem sucedidas como, por exemplo, os apresentados pela EMATER/RS-ASCAR em sua “Sistematização de Experiên-cias”10. Também, nesse novo cenário merece desta-que o rol de políticas públicas contidas no “Plano Safra Estadual”11 e no “Plano Safra Nacional”12, que trazem meios concretos e acessíveis para os agricultores familiares levarem adiante seus pla-nos. Portanto, pode ser estabelecido um diálogo sobre planos participativos e estratégias de ação em bases objetivas e aderentes às demandas historicamente apresentadas pelos agricultores familiares, tais como: assistência técnica e extensão rural, seguro agrícola, crédito subsidiado, política de garantia de preços mí-nimos, compras institucionais, entre outras.

Em face a esse conjunto de considerações, é pos-sível postular-se que a PNATER e o grande esforço extensionista que a EMATER/RS-ASCAR vem dedi-cando à sua implementação estão corretamente ali-nhados a um projeto de desenvolvimento rural sus-tentável que está alargando as capacitações que os agricultores e agricultoras familiares dispõem para conquistar maior “liberdade para realmente viver de um modo que se tem razão para valorizar”13.

Finalmente, parafraseando Lennon & McCartney, é importante ter-se claro que ainda há um “longo e sinuoso caminho”14 até que haja o des-envolvimento da hegemonia de formas individualistas e determi-nistas de se pensar os temas sociais e que se atinja um outro envolvimento social, que permita maior de-senvoltura e segurança para práticas participativas que ampliem as liberdades para que, tanto extensio-nistas, quanto os agricultores e agricultoras familia-res construam projetos de vida sustentáveis.

7 SEN, op. cit., p. 54.8 A EMATER/RS-ASCAR, presentemente, está executando 33 Chamadas Públicas de ATER, beneficiando mais de 36.000 agricultores/as.9 Marx, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política, 2 ed. São Paulo, Expressão Popular, 2008, pág.48.10 Disponível em http://www.emater.tche.br/site/area-tecnica/sistematizacao-de-experiencias 11 Disponível em: http://sdr.rs.gov.br.12 Disponível em:http//www.mda.gov.br.13 SEN, op. cit., p. 93.14 “The long and widing road”,The Beatles, Apple, 1970

Page 66: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

66Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 66-68, maio/ago., 2014.

O Dilema do OnívoroPaulo Mendes Filho 1

Não se trata de um livro de ficção, mas poderia ser. O autor Michael Pollan, repórter investigativo, jor-nalista e escritor, em O dilema do Onívoro, transita pelo complexo processo da ca-deia alimentar, utilizando aná-lises científicas e sensoriais, estudos e considerações sobre o tema, mas ao mesmo tempo, incorpora seu protagonismo enquanto sujeito dessas observações e nos remete para um romance sobre a experiência em viver a história natural de quatro dife-rentes estilos de refeições: industrializada, falsa orgânica, orgâ-nica e natural. Um livro delicioso de ler do início ao fim. Um testemunho de quem, ao investigar o processo, descreve com clareza os efeitos, causas e consequências dos alimentos que estão sendo comercializados e consumidos pelos humanos. E principalmente, despertando alertas e dúvidas desta alimenta-ção enquanto uma alternativa saudável.

Entre os aspectos curiosos está a descrição da história natural das refeições, e o tempo enquanto medida histórica, já que este foi invertido na obra, começando nas prateleiras de um supermercado, passando por duas realidades distin-tas entre o orgânico e o falso orgânico e terminando de for-ma espetacular com a mais natural das refeições: a caça e a coleta em uma floresta em pleno século XXI.

Ao enquadrar humanos como seres onívoros, que co-mem de tudo, o autor nos leva a crer que essa classificação facilitou a implantação do modelo de alimentação que foi organizado pela indústria. Indica o caminho do sucesso eco-nômico das indústrias de alimentos, pois, para quem come de tudo, tudo pode ser produzido e como tudo pode ser produzido, o sucesso está garantido.

Mas, ao mesmo tempo, o autor nos alerta que, se por um lado, o fato de comer de tudo, permitiu o crescimento da in-dústria, da produção e do processamento de grãos (em espe-cial soja e milho), também é verdade que afastou os humanos dos hábitos alimentares naturais de seus antepassados. Além disso, o livro também demonstra que, quanto mais longo for o processamento dos alimentos, menos sabemos a respeito da sua produção, e os dilemas então, acontecem o tempo todo.

O fato de estarmos aptos a comer de tudo não significa que estamos nos alimentando de forma saudável. O desenvol-vimento da produção de grãos e o crescimento das indústrias

de processamentos e insumos, não nos levaram pata o desen-volvimento ambiental e a justiça econômica.

A história proposta por Pollan é contada em capítulos bem estruturados. Começa na investigação em um super-mercado, analisando os alimentos dispostos nas prateleiras. Ao analisar os componentes nutricionais, o autor parte para a observação da sua produção. E assim surgem aspectos éti-cos, ideológicos, econômicos e políticos que cercam todo o processo de produção dos alimentos industrializados, desde a fabricação até as interconexões, industrialização, comer-cialização e cultura alimentar. Nesta etapa também surgem passagens interessantes, como a explicação para o aumento dos vasilhames de refrigerantes, que assumem o papel de estômagos avulsos para aumentar o consumo de essência de caramelo, que nada mais é do que milho industrializado. Outro destaque na investigação da comida industrializada é quando Pollan visita com sua família um McDonalds e, pos-teriormente, no laboratório, calcula a quantidade de milho utilizado em uma pequena refeição para quatro pessoas. Incrível a quantidade de milho utilizado para produzir esta famoso lanche que é o símbolo da alimentação industrial.

Depois de explorar a comida industrializada, Pollan, parte em busca de uma comida mais saudável, e nesta caminhada, se depara com os falsos orgânicos, alimentos que se dizem orgâ-nicos, mas que não passam de uma boa jogada de marketing. Frangos confinados em celas, subordinados a meio metro de grama e sol, vendidos como se fossem felizes frangos caipiras.

Insistindo na direção dos orgânicos, ele depara-se com a produção de alimentos orgânicos de verdade. Encanta-se com a proposta dos agricultores, trabalha como voluntário em uma fazenda familiar, experimenta, alimenta-se e repro-duz para sua família uma refeição com base na produção de orgânicos. Em destaque, duas passagens: uma ressalta a im-portância do pasto nativo na alimentação de bovinos e destes na alimentação humana, mostrando a capacidade dos rumi-nantes de transformar a energia do pasto em proteína. Esse dado, conclui a investigação, fez com que os ruminantes fos-sem perseguidos pelos humanos desde o tempo das cavernas. Outra passagem instigante é o relato de como se dá o abate das galinhas nesta propriedade orgânica. O abate se transfor-ma em quase um ritual, encontro entre produtores e con-sumidores, com data marcada, compromisso assumido pelos consumidores e a culpa da sentença dividida entre as partes.

Por fim, para a última aventura desta história foi reservada a busca de uma alimentação radicalmente natural, com uma volta aos primórdios da civilização humana. A proposta é de realizar uma alimentação primitiva na natureza. E assim, Pollan, escritor e sujeito da história, parte para uma floresta em busca da caça e a coleta de alimentos naturais e fungos despertan-do o instinto natural do humano. Fechamento perfeito, com este retorno ao passado em mais um dilema do onívoro. Para quem se interessar: boa refeição, digo boa leitura.

1 Economista, Gerente de Comunicação da Emater-RS/Ascar.

Page 67: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

67Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 66-68, maio/ago., 2014.

Extensão ou Comunicação?

Angélica Leoní Albrecht 1

Paulo Freire se tornou renomado ao propor uma prática educativa que pudesse desenvolver a critici-dade dos educandos. A obra Extensão ou Comu-nicação? é constituída de três capítulos, dos quais, o primeiro aborda o termo “extensão” em seu conceito semântico: estender algo a. Desta forma posto, o ter-mo “extensão” deixa implícita a ação mecanicista de levar, transferir, entregar, depositar algo em alguém, onde o sujeito ativo denominado “agrônomo extensio-nista” deposita o seu conhecimento no sujeito passivo, que é o camponês, de forma tecnicista e desconside-rando o saber empírico deste.

No discorrer do primeiro capítulo o autor proble-matiza a forma de substituição dos procedimentos em-píricos dos camponeses frente à natureza, constituídos nos marcos mágicos de sua cultura, e ressalta que a extensão mecanicista em seu método de sobrepor ao camponês outra forma de pensar que implica noutra linguagem e maneira de atuar, lhe desencadeia uma reação natural de resistência e desconfiança frente ao “invasor” (agrônomo).

As especificidades da vida campesina se consagram num universo do qual o agrônomo necessita exerci-tar a percepção a cerca da ruralidade existencial e si-multaneamente com a capacitação técnica, superar a percepção mágica da realidade, com a superação da “doxa” (percepção ingênua das coisas), pelo “logos” (verdadeiro saber) da realidade, ou seja, desencadear

um processo de empoderamento dos próprios cam-poneses através da reflexão a cerca de suas práticas atuais, desafiando-os a alcançar outra razão de reali-dade com base em sua totalidade cultural e estrutural, deixando-os na condição de sujeitos da transformação do mundo, com a qual se humanizem. Sendo assim, a relação do agrônomo com os camponeses precisa se dar sob uma perspectiva gnosiológica: dialógica e co-municativa.

De acordo com a obra, é legítima a preocupação conceitual da extensão e seu papel no desenvolvimen-to rural, pois implica em habilidades humanas ao lidar com as questões sociais e culturais dos camponeses e até então não apuradas na visão tecnicista da ciência agronômica. A habilidade de perceber o mundo com os olhos de quem o vive se materializa na eficiência comunicativa e dialogada entre os diferentes saberes na construção e/ou transformação de uma realidade.

Ainda persiste em nossa atualidade uma alienação proposta pela academia (universidades) a um tipo de pensamento formalista, cujos conteúdos “dados” são passivamente recebidos e memorizados para depois serem repetidos. A antidialogicidade e a escassez de visão crítica e a problematização a respeito da realida-de condiciona estes futuros profissionais a uma visão absolutista do saber e que se reproduzirá na “exten-são” de forma mecanicista e massificadora.

Por tudo isso, o livro é interessante e atual, embora tenha sido escrito na década de 60. Apresenta ideias oportunas e reflexivas quanto à atuação dos atuais pro-fissionais de ATERS (Assistência Técnica e Extensão Rural e Social), tornando-se importante para o desen-cadeamento de um conjunto de políticas embasadas na criticidade apresentada pelo autor diante da atuação mecanicista, da qual se origina a extensão rural den-tro da lógica tecnicista. Diante da nova ruralidade, no entanto, cabe destacar a ação da multidisciplinarida-de profissional na extensão rural atual, contrapondo a visão agrônomo-camponês do autor. O rural sob a ótica da ciência agronômica puramente técnica, após a trajetória difusionista desencadeada pela Revolução Verde entrou em defasagem devido à inserção de uma visão holística do rural e incorporou-se nas políticas de ATERS um olhar para além da perspectiva econômica.

1 Especialista em Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar e extensionista rural da Emater/RS-Ascar

Page 68: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

68Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 66-68, maio/ago., 2014.

Diseños Agroecologicos para incrementar la biodiversidade de entomofauna benefica en agroecosistemas

Cíntia Barenho 1

Lançado pela Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (SOCLA), durante o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, o livro Diseños Agroeco-logicos para incrementar la biodiversidade de ento-mofauna benefica en agroecosistemas oferece uma perspectiva da saúde dos Agroecossistemas através do manejo de insetos.

Na obra, que se apresenta quase como um livro de bolso, os autores analisam as bases ecológicas que fun-damentam as estratégias de diversificação dos Agro-ecossistemas, a fim de reestabelecer o equilíbrio eco-lógico dos mesmos. Para isso, a biodiversidade em si, funciona enquanto sistema complexo, hoje também co-nhecido por “serviços ambientais”, nos quais dependem da diversidade biológica para seu pleno funcionamento. Assim, as perdas em diversidade resultam em simplifi-cação biológica, que afeta todos os mecanismos ineren-tes ao sistema, consequentemente resultam em perdas econômicas, sociais e ambientais. Os ecossistemas com mais alta diversidade são os mais estáveis, porque tem mais resistência e elasticidade, ou seja resiliência.

O atual modelo de agricultura com predominância de monoculturas tem na sua essência a simplificação da complexidade dos sistemas. Ao simplificar, perde-se uma série de elementos essenciais para a conservação e preservação do sistema. Portanto, se faz necessário aportar elementos externos, como fertilizantes quími-cos e agrotóxicos a fim de tentar recuperar a capacidade

do sistema em regular-se frente às enfermidades, mu-danças climáticas e as ditas, pragas.

O livro argumenta sobre a necessidade que o enri-quecer da biodiversidade tem para a constituição de Agroecossistemas estáveis. Os autores afirmam que a diversidade é a única medida de complexidade do ecossistema. Os argumentos apontam para os efeitos dos cultivos anuais intercalados, com cobertura verde de solo em cultivos perenes, manejos das ervas ditas daninhas e também manipulação dos vegetais nas bor-das dos cultivos.

No entanto, a principal atenção dada pela publicação é para a entomofauna, ou seja, as populações de insetos relacionadas aos Agroecossistemas. Assim, Altieri e Ni-cholls demonstram os efeitos desses sistemas, botanica-mente diversos, para a população de “pragas” e inimigos naturais associados, bem como os mecanismos existen-tes para redução destas pragas nos policultivos. Estudo esse essencial para relacionar o manejo da vegetação com o Manejo de Pragas de Base Ecológica de forma que promova uma agricultura sustentável.

O livro traz nove capítulos estruturados para apre-sentar as diferentes relações da entomofauna com os Agroecossistemas. Um dos capítulos que aborda os in-setos em pomares; outro apresenta a dinâmica de inse-tos em agroflorestas; outro evidencia o efeito de borda sobre os cultivos. E estes, culminam, com o capítulo para os desenhos de Agroecossistemas botanicamente diversos e resilientes.

Destaque também para a ampla bibliografia citada e usada na produção do livro.

Pode-se dizer que o livro Diseños Agroecologicos para incrementar la biodiversidade de entomofauna be-nefica en agroecosistemas de Miguel Altieri y Clara L. Nicholls propõem ideias facilmente aplicáveis para me-lhorar as práticas de manejo da biodiversidade de forma a contribuir com a sustentabilidade dos Agroecossiste-mas. E com essa visão agroecológica trata da natureza não como uma mera promotora de serviços ambientais aos humanos, mas traz o inverso: como que nós huma-nos podemos, através de práticas agrícolas, beneficiar e promover os serviços ecológico na natureza.

Para quem trabalha com Controle Biológico, com o Manejo de Pragas de Base Ecológica, este livro parece ser um importante instrumento para o trabalho da ex-tensão rural em Agroecologia.

1 Bióloga, mestre em Educação Ambiental

Page 69: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

69

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista da Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e

Extensão Rural e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divul-gação de trabalhos de agricultores, extensionistas, profes-sores, pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temas centrais de interesse da Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é um periódico de publicação quadrimestral que tem como público referencial todas aquelas pessoas que estão empe-nhadas na construção da agricultura e do desenvolvimento rural sustentáveis.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso, resenhas de teses e livros, assim como experi-ências e relatos de trabalhos orientados pelos princípios da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvimento rural sustentável e da agricultura sustentável, esta enten-dida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ecológica, independentemente da orientação teórica so-bre a qual se assenta.

Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica espe-cial interesse à agricultura familiar, que constitui o público prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são aceitos para publicação artigos e textos que tratem teori-camente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas que promovam o fortalecimento da agricultura familiar.

4 Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail para [email protected].

5 Serão aceitos para publicação textos escritos em Português ou Espanhol, assim como tradução de textos para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das tradu-ções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, confor-me o caso.

6 Terão prioridade na ordem de publicação os textos inéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que estejam centrados em temas da atualidade e contemporâ-neos ao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo a que se refere.

7 Os textos deverão se enquadrar nos seguintes te-mas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura Sustentável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimen-to Rural, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Socie-

dade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica e a divulgação de experiências práticas nas seguintes ca-tegorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local, reforma agrária, agricultura/pecuária de base eco-lógica, proteção etnoecológica, conhecimento local, meio ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação ru-ral, extensão rural, organização social, metodologias par-ticipativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis, tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade, biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, im-pactos ambientais.

8 As contribuições devem ter, no máximo, 15 laudas (usando editor de textos Microsoft Word) em formato A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, ta-manho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre parágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e es-paço simples.

Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras de-vem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e preparados em softwares compatíveis com a plataforma Microsoft Windows, de preferência no formato JPG ou TIF.

9 Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for o caso, o número da página citada ou letras minúsculas quando houver mais de uma citação do mesmo autor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42); como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-ção, usando (SILVA, 1999, p. 42).

10 As referências devem ser reunidas no fim do texto, seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-vem conter:

a) título do artigo: em negrito e centrado;b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapé em que conste profissão, titulação, atividade profissional, lo-cal de trabalho, endereço e e-mail;

c) resumo: no máximo em 10 linhas nos idiomas Portu-guês e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

d) palavras-chave: no mínimo 3 palavras-chave e no máximo 5 nos idiomas Português e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

e) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4 tópicos, a saber: introdução, desenvolvimento, conclusões e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados im-portantes para o melhor entendimento do texto.

12 Serão enviados 3 exemplares do número da Revista para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para publicação não serão devolvidos aos seus autores.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Page 70: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

70

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista de la Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e Extensão

Rural y de la Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es una publicación de la Emater/RS-Ascar, destinada a la di-vulgación de trabajos de agricultores, extensionistas, profe-sores, investigadores y otros profesionales dedicados a los temas centrales de interés de la Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es un periódico de publicación cuatrimestral que tiene como público referencial todas las personas que están em-peñadas en la construcción de la agricultura y del desarrollo rural sustentable.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artículos científicos, resultados de investigaciones, estudios de caso, reseñas de tesinas y libros, bien como experiencias y relatos de trabajos orientados por los prin-cipios de la Agroecología. Además, acepta artículos con enfoques teóricos y/o prácticos en las áreas del desarrollo rural sustentable y de la agricultura sustentable, ésta com-prendida como toda la forma o estilo de agricultura de base ecológica, independientemente de la orientación te-órica sobre la cual se basa.

Como no podría dejar de ser, la Revista dedica especial interés a la agricultura familiar, que constituye el público prioritario de la extensión rural gaúcha. En ese sentido, se aceptarán para publicación los artículos y textos que tra-ten teóricamente de ese tema y/o de estrategias y prác-ticas que promuevan el fortalecimiento de la agricultura familiar.

4 Los artículos y textos se deben enviar por e-mail a [email protected].

5 Se aceptarán para publicación textos en Lengua Por-tuguesa o Española, bien como traducción de textos para esos idiomas. Se llama la atención para que, cuando se trate de traducción, se mencione expresamente, al pie de la página, la expresión “Traducción autorizada y revisada por el autor” o “Traducción autorizada y no revisada por el autor”, de acuerdo con el caso.

6 Tendrán prioridad en el orden de publicación los textos inéditos, aún no publicados, así como aquellos que estén centrados en temas de la actualidad y contemporá-neos al debate y al “estado del arte” del área de estudio a que se refiere.

7 Los textos se deberán encuadrar en los siguientes temas: Desarrollo Rural Sustentable, Agricultura Susten-table, Agroecología, Agricultura Familiar, Extensión Rural, Relaciones Sociales en los Procesos de Desarrollo Rural, Manejo Sustentable de Agroecosistemas, Sociedad y Am-

biente, encuadrándose el abordaje teórico y la divulgaci-ón de experiencias prácticas en las siguientes categorías: desarrollo endógeno, desarrollo local, reforma agraria, agricultura/pecuaria de base ecológica, protección etno-ecológica, conocimiento local, medio ambiente, ecología, economía ecológica, comunicación rural, extensión rural, organización social, metodologías participativas, rediseño de agroecosistemas sustentables, tecnología y sociedad, indicadores de sustentabilidad, biodiversidad, balances energéticos agropecuarios, impactos ambientales.

8 Las contribuciones deben tener extensión máxima de 15 páginas (utilizándose editor de textos Microsoft Word) en formato A-4, con estilo de letra Times New Ro-man, tamaño 12, y a un espacio y medio entre líneas (un espacio entre párrafos). Será posible utilizar notas al pie de la página o notas finales, debidamente numeradas, de-biendo ser escritas en letra Times New Roman, tamaño 10, a un espacio.

Cuando sea el caso, fotos, mapas, gráficos y figuras se deben enviar obligatoriamente en formato digital y prepa-rados en softwares compatibles con el Microsoft Windo-ws, preferentemente en formato JPG o TIF.

9 Los artículos deben seguir las normas de la Asso-ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 6022/2003. Se recomienda que se inserten en el cuerpo del texto todas las citas, destacándose, entre paréntesis, el apellido del autor, el año de publicación y, si es el caso, el número de la página citada o letras minúsculas cuando haya más de una cita del mismo autor y año. Ejemplos: Como ya se mencionó Silva (1999, p. 42); como ya se mencionó Souza (1999 a, b); o, al final de la cita, utilizán-dose (SILVA, 1999, p. 42).

10 Las referencias se deben reunir al final del texto, siguiendo las normas de la ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre la estructura, los artículos técnico-científicos deben contener:

a) título del artículo: en negrita y centrado;b) nombre(s) del (de los) autor(es); empezando por

el (los) apellido(s), acompañado(s) de nota al pie en que conste profesión, titulación, actividad profesional, lugar de trabajo, dirección y e-mail;

c) resumen: no más de 10 líneas en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

d) palabras clave: no menos que 3 palabras clave y no más que 5, en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

e) cuerpo del trabajo: debe presentar no menos que 4 puntos, a saber: introducción, desarrollo, conclusión y referencias. Podrá también contener lista de ilustraciones, lista de tablas y lista de abreviaciones y cualquier otro ítem que se juzgue importante para la mejor comprensión del texto.

12 Se enviarán 3 ejemplares de la edición de la Revista a todos los autores que tengan sus artículos o textos pu-blicados. En cualquier caso, no se devolverán a sus auto-res los textos no aceptados para publicación.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 2, maio/ago., 2014.

Page 71: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b
Page 72: Revista agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável#140911b