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Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2013

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“Nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou.” Victor Hugo

Cuidar da saúde do Planeta é um objetivo e, ao mesmo tempo, um enorme desafio que se impõe nestes tempos de mudanças de época e de época de mudanças que vivemos. Com este número da Revista Agroecologia e DRS, que coincide com a VIII edição do Congresso Brasileiro de Agroecologia (que neste ano retorna a Porto Alegre, seu ponto de origem), queremos, mais do que um convite à leitura, propor um convite à reflexão.

A necessidade de uma nova abordagem de desenvolvimento nos remete ao debate sobre estilos de vida mais harmoniosos com os recursos naturais e de processos produtivos mais resilientes. A revista Agroecologia e DRS é um dos fóruns que incentiva a revisão destes assuntos da atualidade. E este número é especial, não só pela gama de temas que propõe, mas, também, por chegar às mãos dos leitores ao mesmo tempo em que diversos temas estão em discussão durante o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, XIII Seminário Estadual e XII Seminário Internacional sobre Agroeoclogia e V Encontro Nacional de Grupos de Agroecologia.

Assim, este número de nossa revista se soma aos debates que serão realizados nestes eventos e que neste ano terão como tema central o cuidado com a saúde do Planeta.

Acrescentando argumentos e ideias para a reflexão, temos nesta edição uma entrevista com Serge Latouche, teórico do decrescimento, que defende a desaceleração do que se entende por “desenvolvimento” e a retomada de um estilo de vida baseado na convivialidade e na simplicidade como forma de garantir um futuro saudável às pessoas. Adiante, o relato de experiência apresenta a sistematização do trabalho em armazenagem sustentável para as pequenas propriedades rurais, a partir da organização teórica e recuperação histórica de Ricardo Martins, Flávio Calcanhoto, Bibiana Martins e José Franco.

O artigo “Alguns pontos de vista antropológicos sobre a relação ponto de vista”, de Alberto Bracagioli, Cleyton Gerhardt e José Carlos Anjos aborda o tema da etnografia, método tradicional da antropologia e incorporado largamente nas

pesquisas das Ciências Agrárias quando do estudo dos sujeitos e grupos sociais inseridos no rural. Os autores apresentam um diálogo entre antropólogos, iniciando por Malinowski, que analisam a abordagem, a aproximação e a interpretação de dados, considerando os pontos de vista do pesquisador e do “nativo”.

Na seqüência, Filipe Lima, Jorge Mattos, José Geraldo Wizniewsky e Letícia Vargas apresentam no artigo “Agroecologia e a multifuncionalidade da agricultura: análise de experiências no estado de Pernambuco” uma abordagem acerca do tema desenvolvimento rural. Ou seja, o quanto aspectos sociais, econômicos, ambientais e produtivos interferem nas opções produtivas de agricultores familiares. O foco dos pesquisadores recaiu sobre comunidades rurais de dois municípios do estado de Pernambuco: Santa Cruz da Baixa Verde e São Lourenço da Mata.

Encerrando o conjunto de artigos está o trabalho de Gustavo Merten, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que estabelece uma análise sobre a visão norte-americana do solo e da água a partir de considerações das práticas conservacionistas que prevêem a redução dos impactos ambientais.

Além dos ensaios reunidos nesta edição, a revista conta com a Dica Agroecológica, assinada por Luiz Antônio Rocha Barcellos, com indicações sobre a adubação verde no inverno como forma de beneficiar as culturas de verão; as Econotas que antecipam a programação do Congresso Brasileiro de Agroecologia e a resenha sobre o livro “Permacultura: princípios e caminhos para além da sustentabilidade, de David Holmgren, assinada por Marcos Abrahão. Destaque para a coluna de Opinião, onde o pesquisador Leonardo Melgarejo, co-autor do livro “Transgênicos: para quem?” discute os dez anos da presença da transgenia no Brasil e os desafios da Agroecologia frente a essa realidade nacional.

Com essa edição da Revista Agroecologia e DRS desejamos a todos (as) não só uma boa leitura, mas uma boa reflexão e excelentes debates a partir dos textos deste número e das apresentações no VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia.

Gervásio PaulusDiretor Técnico da Emater/RS

Revista Agroecologia e DRS e VIII CBA: debates, reflexões e propostas de ação para um Planeta melhor

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

Sumário

4Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

• Entrevista ........................................................................................................................ 5Latouche aconselha o Brasil a renunciar ao sistema produtivista

• Relato de Experiência .................................................................................................... 8A armazenagem sustentável como inovação para a pequena propriedade Martins, Ricardo Ramos et al.

• Artigo ............................................................................................................................. 26Alguns pontos de vista antropológicos sobre a relação ponto de vista Bracagioli, Alberto et al.

• Dica Agroecológica ...................................................................................................... 41Uso da adubação verde de inverno em benefício das culturas de verãoBarcellos, Luiz Antônio Rocha

• Artigo ............................................................................................................................... 43Agroecologia e a multifuncionalidade da agricultura: análise de experiências no estado de Pernambuco Lima, Filipe Augusto Xavier et al.

• Econotas ........................................................................................................................ 54

• Artigo ............................................................................................................................. 56A visão norte-americana da conservação do solo e da água Merten, Gustavo Henrique

• Opinião .......................................................................................................................... 67Entre a miopia destrutiva e resiliência construtiva: dez anos de transgenia e Agroecologia no Brasil Melgarejo, Leonardo

• Resenha ......................................................................................................................... 71

• Normas para publicação ............................................................................................. 72

• Expediente .................................................................................................................... 74

5Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 5-7, jan./nov., 2013.

Por Marta H. Tejera Kiefer

O decrescimento sustentável enquanto saída para a sociedade. Este tem sido o tema das conferências proferidas pelo economista, sociólogo e antropólogo Serge Latouche, que esteve em Porto Alegre, a convite do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) para falar sobre o tema. Latouche, nascido em Vannes, em 1940, é professor emérito de Ciências Econô-micas na Universidade de Paris-Sul (1984), também atua como presidente da Associação dos Amigos da Entropia e presidente de honra da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Universidade de Lille III (1975), e em Ciências Econômicas, pela Uni-versidade de Paris (1966) e diplomado em Es-tudos Superiores em Ciências Políticas pela Universidade de Paris (1963). Entre os aspec-tos abordados em sua passagem pelo Brasil, Latouche tratou do decrescimento enquanto projeto que vislumbra a criação de outro pa-

radigma: de uma sociedade que não se baseia na ideia de crescimento e consumo enquanto metas. Latouche caracteriza essa sociedade a partir do termo “abundância frugal”, em que a prosperidade está na convivialidade e na autonomia e cuja felicidade se baseia na qua-lidade do meio em que se vive.

Como afirma Latouche é necessário desis-tir do imaginário econômico e rumar para a redescoberta da riqueza enquanto o ple-no desenvolvimento das relações sociais de convívio em um mundo sadio. Este objetivo, para Latouche, só poderá ser atingido através da redução das cidades, da divisão das me-galópoles em unidades pequenas e na busca pela serenidade, frugalidade, e, porque não, de uma certa dose de austeridade no que diz respeito ao consumo. As ideias de Latouche repercutem e ampliam as reflexões do escritor russo Leon Tolstoi (1828-1910) e do austríaco Ivan Illich (1926-2002). O primeiro, se tornou um pacifista e ficou famoso sobretudo por sua

Latouche aconselha o Brasil a renunciar ao sistema produtivista

6Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 5-7, jan./nov., 2013.

produção literária, mas também por pregar uma vida simples e em proxi-midade à natureza, o que resultou na criação de comunidades que se-guiam suas orientações. O segundo notabilizou-se primeiramente como um crítico do sistema educacional nas sociedade contemporâneas e ao longo da vida tratou ainda da asso-ciação dos temas sociedade, ciência e técnica, abordando a necessidade do desaceleramento e a importância de retomar a existência do que cha-mou de convivialidade, uma vida em comunidade, baseada na sim-plicidade e na ideia aristotélica de philia (amizade).

A seguir, Serge Latouche, fala sobre suas principais ideias e os princípios que norteiam o “slogan” do decrescimento.

O que é o decrescimento? Trata-se de um conceito?

O decrescimento não é um conceito. É um slogan. Isso porque constituir um conceito de decrescimento seria algo absurdo, na medida em que nós queremos sempre o contrário: a alegria de viver está em querer que o cres-cimento esteja presente na qualidade do ar, da água, do meio em que vivemos. Desta for-ma o decrescimento é um slogan provocativo porque na verdade o crescimento não realiza aquilo que ele promete e assim é preciso sair desta sociedade de crescimento para um ou-tro modelo, já que o crescimento não é nem sustentável e nem desejável. Assim, o decres-cimento é um slogan que visa um projeto al-ternativo à sociedade do crescimento, a essa sociedade que é baseada na lógica do cres-cimento sem limites. Então, trata-se de um slogan que se mobiliza pelo decrescimento e contra o crescimento que se realiza a partir de uma adesão irracional.

Há na França movimentos organiza-dos pelo decrescimento?

Há vários movimentos, sobretudo orga-nizados por jovens, há muitas associações e

grupos organizados neste sentido, do qual o principal é o Movimento dos Opositores do Crescimento. Há também partidos, como o Partido pelo Decrescimento, microscópico, é verdade, mas que se mobiliza na França em torno desta causa.

Quais são os exemplos práticos que te-mos do decrescimento, enquanto alter-nativa sustentável?

Não há uma prática do decrescimento por-que trata-se de um projeto abrangente de so-ciedade alternativa que conjuga projetos an-tigos de ecologia e política, microssocialismo, ou, como eu chamo: de sociedade de abundân-cia frugal. Uma ideia bem tolstoiana ou que se aproxima de Gandhi, Ivan Illich e de tan-tas outras pessoas que trabalharam ou traba-lham com os elementos que acabamos sinteti-zando em um projeto coerente de construção de uma sociedade do não-crescimento.

O crescimento jamais pode ser susten-tável? Como analisa a situação brasileira, onde o crescimento econômico é uma das metas das políticas públicas em curso?

O crescimento infinito é base do nosso credo. Mas esse crescimento infinito é incompatível com um mundo que é finito. É uma evidência que acabamos por esquecer. No caso do Brasil eu penso que os brasileiros estão traçando um caminho errado e que nós europeus já fizemos

7Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 5-7, jan./nov., 2013.

que é o de destruir o ambiente em que vivem, sacrificando os recursos para alcançar benefícios em curto prazo, assim o que estão fazendo é destruir um patrimônio enorme que poderia ser a riqueza das gera-ções vindouras. A situação do Bra-sil é complicada porque ainda es-tão na fase de obter benefícios pelo crescimento no formato em que é feito, mas logo vão se deparar com os problemas que nós enfrentamos na Europa.

A agricultura familiar se associa à proposta de decresi-mento de que maneira?

O futuro, se é que a humanidade tem um futuro, terá como base a agricultura feita por camponeses. Neste ponto o projeto do decres-cimento está em consonância com a tese da Via Campesina de retorno a uma agricultura familiar feita em pequenas propriedades, sem o uso de pesticidas, de agrotóxicos. Também deve-se pensar neste caso na inclusão dos princípios da permacultura e dos sistemas agroflorestais, bem como da agricultura bio-dinâmica. São, de fato, ideias que percebem a unidade da terra como algo que resulta em uma agricultura verdadeiramente mais pro-dutiva e que, além disso, permite a sobrevi-vência de uma parte importante da população que tira seu sustento deste tipo de atividade.

Além do decrescimento, em suas con-ferências o senhor também fala sobre a sociedade convivial. No que ela consiste?

A sociedade convivial é a sociedade onde as pessoas se sentem bem, com simplicidade. A convivialidade é o termo cunhado por Ivan Illich para descrever a sociedade que repou-sa sobre a autonomia, ou seja, que tem como base a capacidade de autossustentação, uma sociedade autônoma, uma sociedade que, por exemplo, no caso da alimentação, é capaz de produzir o essencial da sua alimentação, não necessariamente a totalidade, mas uma parte importante. E isso não se resume à alimenta-

ção, mas abrange tudo o que esta sociedade precisa e consome e que não é fundamental-mente dependente do resto do mundo.

Estas propostas de decrescimento e de sociedade convivial parecem aplicáveis a uma pequena cidade, mas nos conglo-merados populacionais das metrópoles é possível aplicar estas ideias?

Eu penso que não é possível porque as me-galópoles não são sustentáveis. São monstros que precisam ser desmembrados. Não signi-fica que vamos acabar com seus habitantes, é claro. Na França, por exemplo, nós esta-mos construindo um monstro que se chama a Grande Paris. Mas é o contrário que deve ser feito: eu acredito que no futuro as regiões que serão capazes de sobreviver serão as regiões descentralizadas. Então é preciso fazer o con-trário do que vem sendo feito. É necessário descongestionar o grande monstro, encorajar as pessoas a deixarem as grandes megalópo-les e desmembrar estas megalópoles em uni-dades bastante pequenas.

Se você pudesse dar um conselho aos governantes brasileiros, qual seria ele?

O conselho é mudar radicalmente o cami-nho, renunciar ao sistema produtivivista e baseado na agroexportação e encontrar siste-mas mais autônomos que religuem o país à verdadeira força da sociedade brasileira.

88Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

MARTINS, Ricardo Ramos 1, CALCANHOTTO, Flávio Abreu 2, MARTINS, Bibiana Volkmer 3, FRANCO, José

Boaventura da Rosa 4

ResumoA evolução da secagem e armazenagem de grãos nas pequenas propriedades do Estado do Rio Grande do Sul, embora seja um tema estratégico aos produtores, somente nas úl-timas duas décadas vem ocupando o devido espaço. Tanto a secagem, como a armazena-gem, passam a ser ações importantes na po-lítica pública de assistência técnica e exten-são rural (ATER) promovida pela Emater/RS. Desde o final da década de setenta, várias tecnologias de armazenagem têm sido dispo-nibilizadas aos produtores, cujas primeiras inovações tecnológicas foram o paiol de tela com estrutura construída em madeira, silo

A armazenagem sustentável como inovação para a pequena propriedade

1 Engenheiro Agrônomo, Extensionista de Nível Superior da Emater/RS. Mestre em Pré-Processamento de Produtos Agrícolas pela Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (FEAGRI – UNICAMP).

E-mail: [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo, Extensionista de Nível Superior da Emater/RS. Mestre em Economia Rural pela Faculdade de

Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FCE/IEPE-UFRGS). E-mail: [email protected] Doutoranda em Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (PPGA-EA/UFRGS). Mestre em Administração, PPGA-EA-UFRGS. E-mail: [email protected] Engenheiro Agrônomo, Consultor Técnico na área de Pós Colheita de Grãos. E-mail: [email protected]

plástico subterrâneo, tonéis de metal, paiol modelo Chapecó, o armazém graneleiro com aeração forçada e, mais recentemente o seca-dor solar com coletor armazenador em leito de pedra britada e o silo secador armazenador de alvenaria armada, que utiliza ar natural na secagem dos grãos. Todas estas inovações tecnológicas tiveram como objetivo oferecer aos produtores maior autonomia na gestão da comercialização ou mesmo para uso dos grãos na propriedade, tendo como ponto de partida a economia no processamento da secagem e armazenagem, uma maior flexibilidade para a tomada de decisão no momento de comer-cializar ou usar os produtos, e reflexos na melhoria substancial da qualidade dos grãos secos e armazenados, bem como um menor gasto energético no processamento.

99Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

Palavras-chave: Secagem. Armazenagem. Sustentabilidade. Agricultura familiar.

AbstractThe evolution of drying and storage of crops in small farms from Rio Grande do Sul State, although a strategic issue for producers, only in the two last decades has been occupying the proper spot. Both the drying and stora-ge, become important actions in technical assistance and rural extension public policy (ATER) promoted by Emater/Rio Grande do Sul State. Since the late seventies, several storage technologies have been available to producers, whose first innovations were the screen with barn structure built in wood, underground plastic silo, metal barrels, Chapecó’s barn model, the warehouse grain with forced aeration and, more recently the dryer with solar collector storer in the bed of crushed stones and the silo dryer storer from reinforced masonry, which uses natural air drying of grains. All these innovations were designed to offer farmers greater autonomy in the commercialization management as well for the use of grains in the property, taking as its starting point the economy in the process of drying and storage, greater flexibility for taking the time to decision making about the proper time to commercialize or use the pro-duct, reflects in substantial improvement of the quality of grain dried and stored, as well as a lower energy expenditure in processing.

Keywords: Drying. Storage. Sustainability. Family farms.

1 INTRODUÇÃO A armazenagem nas unidades familiares

do Rio Grande do Sul tem sido um tema re-corrente, ao longo dos últimos anos, nos en-contros técnicos sobre o cultivo de grãos em diversos eventos ocorridos no estado. Arma-zenar grãos em pequenos silos, principalmen-te o milho, além de ser mais econômico para o agricultor, conduz a uma maior qualidade do produto processado, refletindo em melhor desempenho das criações e quando da moa-

gem para produção de farinha, apresenta um produto altamente competitivo em nível de mercado. Existe uma tendência dos consumi-dores em cidades de menor porte no estado em adquirir, mesmo a preços mais altos, fa-rinhas de grãos originários de silos secadores e com moagem realizada através de sistemas tradicionais como os moinhos de pedra.

A assistência técnica e extensão rural (ATER) promovida pela Emater/RS, vem tra-balhado ao longo dos últimos trinta anos, na adaptação de tecnologias sustentáveis e de menor custo para a armazenagem nas peque-nas propriedades. O escopo deste artigo, em um primeiro momento é resgatar a história da armazenagem dos grãos nas propriedades familiares, e em um segundo momento, ofe-recer tecnologias que conduzam a uma maior sustentabilidade no gerenciamento dos grãos colhidos bem como discute o tema da sobera-nia alimentar a ser trabalhado junto às co-munidades rurais quando das ações exten-sionistas, e concluindo, com a apresentação de alguns cases de sucesso nos municípios de Casca, Nova Alvorada e Santa Cruz do Sul.

2 A EVOLUÇÃO DA ARMAZENAGEM NA PEQUENA PROPRIEDADE Para que se entenda a real importância

dos grãos – principalmente do milho – é fun-damental que antes se conheça de forma breve, a história da colonização no Estado do Rio Grande do Sul e a influência cultural da subsistência alimentar para as famílias imi-grantes.

A colonização alemã no solo gaúcho foi motivada pela necessidade de povoar o sul do Brasil, garantindo a posse do território, ameaçada pelos vizinhos castelhanos. A pri-meira leva de 39 imigrantes que chegou ao Estado remonta ao ano de 1824 e foi desti-nada à região do Vale do Rio dos Sinos. Para convencê-los a vir para o Brasil, o governo brasileiro à época acenou com uma série de vantagens: passagens a custas do governo; concessão gratuita de um lote de terra de 78 hectares; subsidio diário de um franco ou 160 réis a cada colono no primeiro ano e me-

1010Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

tade no segundo; bem como certa quantida-de de animais tais como bois, vacas, cavalos, porcos e galinhas, proporcional ao número de pessoas de cada família.

A partir de 1875, chegaram os primeiros grupos de imigrantes italianos, vindos das re-giões do Piemonte e da Lombardia, e depois do Vêneto, e se instalaram nas colônias Conde d’Eu (atual cidade de Garibaldi), Dona Isabel (atual cidade de Bento Gonçalves) e Caxias do Sul. Ali eles passaram a viver da plantação de milho, trigo e outros produtos agrícolas; porém, a introdução do cultivo da videira na região tornou a vinicultura a principal econo-mia dos colonos italianos.

A criação de animais e o cultivo dos grãos nessas regiões, principalmente o milho, re-montam à época da vinda dos colonos ale-mães e italianos para o Estado. A utilização desse cereal tanto na alimentação humana como dos animais, apresentava problemas de provisão ao longo do ano devido a sua sazona-lidade, o que obrigou os colonos a providencia-rem a construção de locais destinados a sua estocagem, como os paióis simples de madei-ra, que dividiam espaço com outros produtos, ferramentas e mesmo as próprias criações.

Com o passar do tempo houve evolução nas formas de armazenagem dos grãos no que concerne à sofisticação das construções, ao ponto de alcançar estruturas capazes de constituir uma rede de silos e armazéns para estocagem de grãos. Apesar destes enormes avanços ocorridos na armazenagem há que se levar em conta dois temas fundamentais: a distribuição espacial das unidades de estoca-gem e o custo de investimento para construí--las. Tais fatores têm sido a causa de perdas tanto quantitativas como qualitativas dos grãos colhidos anualmente no Estado, bem como, têm resultado na baixa rentabilidade dos pequenos produtores, os quais vendem antecipadamente suas safras ou a transpor-tam para fora da propriedade e depois preci-sam fazer o caminho inverso em virtude do uso dos grãos para alimentação dos animais. Na verdade, em algum momento da história parece ter havido a perda da identidade cul-

tural da armazenagem de grãos. O conheci-mento trazido com a colonização, de um sis-tema simples de estocagem nas propriedades não teve inovações tecnológicas que acompa-nhassem pari passu o desenvolvimento atin-gido com o modo de produzir (dos insumos e das máquinas agrícolas). Pode-se dizer que de certa forma houve um descuido em apon-tar soluções atualizadas para com a armaze-nagem, capazes de ser compatíveis com a ca-pacidade de investimento e de conhecimento dos produtores familiares. Esta situação é preocupante na medida em que se compa-ra com a realidade de países que têm uma estratégia de segurança alimentar consoli-dada. O Canadá chega a 85% dos grãos ar-mazenados nas próprias fazendas, enquanto que nos Estados Unidos é de 65% e Argenti-na 35%. Já no Brasil esse montante chega a apenas 14%, sendo que no início da década de oitenta este número não ultrapassava 4%. No Brasil ainda se paga um alto preço pela ineficiência das políticas públicas de estoca-gem. Tal postura acarreta em perdas em vá-rios níveis. Para o País, porque deixa de ar-recadar mais impostos; para os produtores, porque depois de correrem todos os riscos na lavoura dividem seu lucro ao expor os grãos às pragas, tais como os insetos e roedores, e também com os intermediários; para os consumidores as perdas se traduzem em au-mento dos custos de aquisição de produtos agrícolas, porque além de pagarem mais, a qualidade, não raro, é duvidosa.

No sentido de promover mudanças nas ca-deias produtivas dos grãos, o serviço de as-sistência técnica e extensão (ATER) oficial do Estado praticado pela Emater/RS vem buscando inovações tecnológicas de secagem e armazenagem de grãos que preconizam se-rem sistemas de baixa complexidade e de cus-to reduzido. As tecnologias mais recentes de secadores solares e silos secadores de alvena-ria que utilizam ar ambiente na secagem dos grãos têm se demonstrado ao alcance dos pro-dutores e podem representar ganhos expres-sivos por meio de uma adequada estocagem de suas safras (MARTINS et al., 2002a).

1111Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

5 b.u.= umidade expressa em base úmida. 6 Na forma de espiga, para o milho, cada metro cúbico

de paiol armazena apenas 270 kg ou 4,5 sacos de 60 kg.

3 O SURGIMENTO DE TECNOLOGIAS APROPRIADAS À PEQUENA PROPRIEDADE A partir do início dos anos oitenta, os técni-

cos da extensão rural, dos órgãos de pesquisa e empresas governamentais buscavam desen-volver estruturas viáveis para armazenagem de grãos, principalmente de milho, como al-ternativas aos paióis comuns de madeira uti-lizados pelos produtores que já se mostravam ineficientes (COMPANHIA BRASILEIRA DE ARMAZENAMENTO, 1981; FRAGA et al., 1981; BRESOLIN et al., 1985). As alternati-vas para armazenagem de milho em espiga com palha, o paiol de tela e o paiol de alvena-ria, modelo Chapecó e as granelizadas, tonéis, silo plástico subterrâneo e armazém granelei-ro com aeração forçada, apresentavam a épo-ca as seguintes considerações (BRESOLIN et al., 1985):

a) Paiol de tela: as vantagens desta tecno-logia é ser economicamente viável; não é de custo elevado; evita o acesso de ratos; permite a colheita e armazenagem do milho em espigas com teores elevados de umidade; permite uma secagem rápida do milho e uma aeração intensa. Como desvantagens têm-se: parte do milho é molhada quando ocorrem chuvas acom-panhadas de vento; umidade relativa muito alta em certas regiões impossibili-ta o seu uso; não há facilidade para con-trole de pragas como carunchos e traças; é específico para armazenar milho em espiga; não é próprio para armazenagem por períodos longos.

Fonte: Emater/RS-Ascar. [198-].

b) Paiol de alvenaria (modelo Chapecó): as vantagens são a redução sensível das quebras físicas, pela secagem natural e pouca movimentação do produto; é uma técnica economicamente viável; permite a colheita das espigas com palhas com até 24 a 25 % de umidade b.u.5; seca as espigas no próprio paiol; protege o mi-lho do ataque de ratos; é de fácil carga e descarga; permite o expurgo e o reex-purgo para combate aos gorgulhos e tra-ças sempre que necessário, sem remover o milho; reduz a incidência de fungos que produzem substâncias tóxicas aos animais e ao homem; pode ser utilizado para expurgar outros grãos ensacados com umidade inferior a 12% b.u.; permite operações de carga e descarga com qual-quer tempo; permite descarga paulatina, sem prejuízo da armazenagem; permite a armazenagem em boas condições e sem perdas por períodos longos; as varandas podem ser utilizadas como abrigo para veículos, máquinas, e implementos agrí-colas; permite a contratação de Emprés-timo do Governo Federal (E.G.F.) sem opção de venda, em nível de propriedade. Como desvantagem, apresenta um custo inicial elevado.6

Fonte: Emater/RS-Ascar. [198-].

c) Silo plástico subterrâneo: dentre as vantagens desta tecnologia esta a de evi-tar as perdas devido ao ataque de insetos

1212Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

e roedores; se mantida a hermeticidade é um método que permite perfeita estoca-gem por longos períodos. Como desvan-tagens: se houver perfurações no plástico a infiltração de água deteriorará o pro-duto; carga e descarga trabalhosa; nor-malmente os tubulões são utilizados uma única vez; o custo é elevado.

Fonte: Emater/RS-Ascar. [198-].

d) Tonéis: tecnologia de baixo custo; ex-termina os gorgulhos e traças pela in-suficiência de oxigênio (asfixia); não há perdas pelo ataque de ratos. Como des-vantagens: requer a secagem do milho previamente; armazena pequenas quan-tidades; tonéis que serviam para deter-minados produtos químicos, não poderão ser utilizados.

Fonte: BRESOLIN et al., 1985.

e) Armazém graneleiro com aeração forçada: armazena grande quantidade de milho em espaço reduzido; facilidade para o controle de pragas e moléstias; facilita os trabalhos de moagem e ela-

boração de rações caseiras; através da aeração forçada evita o aquecimento dos grãos. Desvantagens: custo elevado; exige um bom nível de conhecimento do produtor.

Fonte: BRESOLIN et al., 1985.

Tais sistemas de armazenamento em face às mudanças tecnológicas da produção de grãos foram sendo gradativamente aban-donadas. Atualmente, em virtude dos agri-cultores na sua grande maioria colherem os produtos a granel, os paióis de espiga es-tão em desuso. Os tonéis, além dos riscos decorrentes da contaminação dos produtos originalmente neles embalados poderem causar aos grãos, tornaram-se escassos com a grande procura, e com isto, houve um au-mento significativo nos preços o que tem inviabilizado sua utilização. O silo plásti-co subterrâneo, além da pouca praticidade para carga e descarga do milho, apresentou desde o início sérios problemas de estan-queidade, uma vez instalado em solos pe-dregosos ou com excesso de raízes, segui-damente era perfurado e parte do produto era perdida em função da entrada de água. Tanto nos tonéis como no silo plástico o mi-lho necessita ser seco abaixo de 13%, o que na época era feito espalhando-se o produto em uma lona ao sol, processo pouco prático e que com o passar do tempo também foi abandonado. Sobraram então os armazéns graneleiros com aeração forçada. Por um equívoco na concepção do projeto foi conce-bido no formato retangular, o que conduz a um maior “gasto” estrutural e inviabiliza,

1313Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

7 Vale lembrar que as partes que formam o grão rea-gem com o ambiente de forma diferente: a casca – pra-ticamente não reage com a umidade e com o oxigênio contido no ar ambiente; o interior – é altamente reativo e facilmente deteriorável; o grão não protegido com os seus envoltórios deteriora com maior velocidade.

em função do custo, sua utilização nas pro-priedades familiares.

Outro fator restritivo que se apresenta aos produtores diz respeito a necessidade de recorrer a prestação de serviços de ter-ceiros para o pós-colheita. Embora a seca-gem e armazenagem em grandes unidades (engenhos, cooperativas, cerealistas, etc.) apresentem um menor custo de processa-mento em função da escala, os pequenos produtores ficam impedidos de utilizar tais estruturas, em virtude do preço do frete, principalmente se forem consumir os grãos para as criações na propriedade. Além dis-so, o custo fica elevado para o transporte de grãos com excesso de água (umidade) e impurezas. Constata-se também que a qualidade dos produtos armazenados é in-versamente proporcional ao tamanho das unidades. Ou seja, quanto maior forem os depósitos dos grãos, menor tende a ser a qualidade apresentada pelos produtos neles estocados. Assim, o produtor colhe um produto de excelente qualidade, mas ao levar para as unidades de secagem o seu produto perde a identidade. E quando o produtor necessita o produto ele recebe normalmente um grão em piores condições, principalmente pelo excesso de grãos trin-cados e quebrados7 e que resultam em me-nor conservação do produto.

Neste sentido, a Emater/RS foi em busca de inovação tecnológica capaz de atender às exigências contemporâneas de modo a proporcionar aos produtores uma forma de secagem e armazenagem de grãos eficiente e aliada à relação custo versus benefício.

4 SILO DE ALVENARIA ARMADA COM CONTENÇÃO DE TELA METÁLICA SOLDADA Um novo passo no sentido de buscar tec-

nologias sustentáveis foi o que fizeram os técnicos da Emater/RS e da Embrapa Suí-nos e Aves, aliando as soluções, economia e eficiência para armazenar os produtos nas propriedades. Foi então que no início dos

anos noventa desenvolveram um silo de al-venaria com contenção de telas metálicas soldadas. (Figura 1).Figura 1 – Vista geral de silos de alvenaria ar-mada

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-]. Nota: Observa-se também o uso de madeira roliça na constru-ção do galpão, município de Cruzeiro do Sul/RS.

Os silos são conceituados como unidades armazenadoras de grãos, caracterizadas por células ou compartimentos estanques, cuja função consiste em permitir o míni-mo de incidências ou trocas de influências entre o meio externo e o ambiente de esto-cagem. (Figura 2). Pelas próprias caracte-rísticas construtivas, os silos oferecem con-dições de armazenagem por períodos mais longos que os armazéns, pois propiciam um controle das fontes de deterioração muito mais eficiente (CALIL JUNIOR, 1983). A carência de informações técnicas para pro-jetos e construção de silos tem sido causa de fissuras e deformações e até mesmo rom-pimentos em diversas instalações. As pres-sões desenvolvidas nas laterais e sobre o fundo são alguns dos fatores responsáveis por esses acidentes (BAÊTA, 1980).

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Figura 2 – Interior de um silo

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-]. Nota: Observa-se o fundo de madeira ripada e as paredes ele-vadas com tijolos em espelho.

Todavia, os silos construídos durante a década de 90 eram somente armazenadores, sem aeração forçada, sendo necessários se-cadores para diminuir a umidade dos grãos em níveis seguros para uma estocagem de longo prazo. O primeiro silo construído em alvenaria e contenção com telas metálicas soldadas, no Estado, foi na propriedade dos produtores Arno e Alexandre Becker, na Pi-cada Felipe Essig, município de Travesseiro, no ano de 1992.

A partir da necessidade de secagem dos grãos surge um novo desafio para Emater/RS: desenvolver uma inovação que supere os limites já existentes da tecnologia tradicio-nal que implicam diretamente na qualidade final do produto.

5 OS SECADORES DE GRÃOS TRADICIONAIS E OS PROBLEMAS RELACIONADOS A secagem artificial dos produtos agrí-

colas com altas temperaturas, particular-mente os cereais (milho, arroz, trigo e sor-go), consiste em uma rápida eliminação do conteúdo de água de modo que garanta uma boa conservação (ZANCHE, 1991).

Entre o final da década de oitenta e a década de noventa foram instalados diver-sos equipamentos utilizados por pequenos

produtores, com secagem artificial em altas temperaturas, na maioria das regiões do Estado. As fornalhas para queima de lenha e aquecimento do ar de secagem eram de fogo direto, ou seja, os gases da combustão atravessam diretamente a massa de grãos. Normalmente os secadores eram utilizados de forma comunitária, porém a armazena-gem era realizada em silos de alvenaria ou tulhas de madeira a granel nas proprieda-des rurais.

Os principais tipos de secadores de fogo direto eram os de leito fixo e os intermiten-tes, com capacidades de carga variando de 10 a 40 sacos e de 30 a 140 sacos respectiva-mente. Poucos secadores utilizavam siste-mas de fogo indireto com trocador de calor e estes, embora apresentassem um produ-to de melhor qualidade, caíram em desuso em virtude da pouca mão de obra existente nas propriedades. Como operavam em mais baixas temperaturas demoravam muito tempo para secar um lote de grãos, com tempos ao redor de 12 h, em contraponto, os secadores de leito fixo de fogo direto, por exemplo, com projetos adequados, levavam 4 h para efetuar a mesma secagem, ou seja, um terço do tempo. A qualidade tem custo, mas infelizmente ainda para o milho não ti-nha preço e se os produtores não lucravam mais, então, porque entregar um milho de maior qualidade?

A combustão nas fornalhas de fogo direto é um fator determinante na qualidade final do produto. A lenha, largamente emprega-da para o aquecimento do ar de secagem de produtos agrícolas no país, é um combustí-vel sólido de queima relativamente difícil e que libera, durante o processo de combus-tão, quantidade muito grande de produtos químicos, alguns de periculosidade compro-vada (NOLL, 1993). Dentre os produtos, es-tão os compostos de hidrocarbonetos polia-romáticos (HPAs), formados em processos de combustão incompleta de todas as espé-cies de matérias orgânicas, os quais podem ser encontrados como contaminantes em matrizes complexas do meio ambiente, in-

1515Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

cluindo os alimentos. Outros componentes conferem cor e cheiro aos produtos secados, numa segura indicação de contaminação física e química. Os HPAs são famílias de produtos com características mutagênicas e carcinogênicas comprovadas (WONGTS-CHOWSKI, [1998]).

A legislação brasileira vigente não esta-belece tolerância para a presença de HPAs em alimentos. Países como a Alemanha, Áustria e Polônia limitam em 1 μg/kg o teor máximo de B(a)P8 em carne defumada e este valor tem sido utilizado como limi-te referencial para avaliar a contaminação de outros alimentos (LARSSON, 1986 apud CAMARGO, 1998). Tem-se conhecimento de países importadores de grãos, recusa-rem cargas de milho e arroz por conta de contaminação por HPAs, o que poderá em um futuro próximo comprometer a exporta-ção do Brasil para países com legislação e controle mais rigoroso. Fica ainda a ques-tão do consumo interno frente aos níveis de contaminantes encontrados em amostras de vários produtos e a questão da soberania alimentar do nosso país.

6 A GRANDE VIRADA: AMBIENTE, SUSTENTABILIDADE E SOBERANIA ALIMENTAR A grande virada que a extensão rural

começou a desenvolver junto aos produto-res rurais foi a partir da necessidade de criar formas de autossuficiência no arma-zenamento dos grãos na propriedade pela superação dos limites impostos pelas tec-nologias disponíveis: reduzindo os custos de produção e minimizando os impactos ao meio ambiente. A adoção de tecnologias sustentáveis foi somente uma questão de tempo. Segundo Zacher (2000) postula, o aumento da interdependência entre os Es-tados faz com que os problemas como os ambientais, por exemplo, necessitem de um planejamento mundial. Para Pinheiro e Milani (2012), as relações internacionais passaram a englobar um leque mais vasto

de questões, como meio ambiente, seguran-ça alimentar, direitos humanos, educação, saúde e cultura – os quais necessitariam de conhecimentos e expertises específicos, re-sultando no envolvimento de uma diversi-dade de atores nos assuntos internacionais, tais como: “[...] empresas, organizações não governamentais, meios de comunicação so-cial, movimentos sociais, organismos públi-cos da esfera municipal ou estadual.” (PI-NHEIRO; MILANE, 2002, p. 15-16).

Nesse sentido, trabalhar para a produ-ção de conhecimento no que tange tecno-logias rurais, dentro do campo específico da agricultura familiar, mostra-se rele-vante para dois sistemas do que se inti-tula governança global9.

O primeiro deles abrange a governança global da segurança alimentar. A preocu-pação com a segurança alimentar tornou--se premente, principalmente entre 2007 e 2010, quando o número de pessoas em si-tuação de insegurança alimentar subiu de 850 milhões para um bilhão. Situação que reflete, principalmente, os casos de países pobres situados na África, Ásia, América Latina e Caribe. Instabilidade econômica e flutuações nos preços dos alimentos contri-buíram para isso (MARQUES, 2010). Ou-tro fator que confere relevância ao tema é o fato de “acabar com a fome e a miséria” ser um dos objetivos do milênio da Organização das Nações Unidas (ONU).

Alardear que se deva ter segurança ali-mentar, é dizer que se necessita ter ofer-ta abundante de alimentos e a baixo custo;

8 Benzo (a) pireno.9 A Comissão sobre Governança Global define o

termo como: “Governança é a totalidade das diver-sas maneiras pelas quais os indivíduos e as ins-tituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes ou diferentes e realizar ações cooperativas. Gover-nança diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obediência, mas tam-bém a acordos informais que atentam aos interes-ses das pessoas e instituições.” (COMISSÃO SO-BRE GOVERNANÇA GLOBAL,1996, p. 2).

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políticas orientadas para a modernização agrícola; multiplicação das relações mer-cantis; orientação produtivista – reforça a importância do setor agroindustrial para a segurança alimentar -, ou seja, o comér-cio internacional de alimentos constitui fator chave para a segurança alimentar; atualmente bastante contestada devido seus efeitos sociais e ambientais perver-sos. Em vez disso, é importante lembrar o que trata o artigo vigésimo quinto da De-claração Universal dos Direitos Humanos:

1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principal-mente quanto à alimentação, ao vestuá-rio, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessá-rios, e tem direito à segurança no desem-prego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. [...]” (DE-CLARAÇÃO ..., 2013).

Dentro dessa proposta mais ampla se enquadra outro aspecto importante nos dias de hoje, a soberania alimentar, que trata do acesso ao alimento em quanti-dade e qualidade e não pode resumir-se simplesmente à oferta abundante de ali-mentos de baixo custo para os consumi-dores. A alimentação adequada associa as dimensões étnicas e culturais, o que leva a pressupor a validade de medidas protecionistas e de apoio às agriculturas locais; necessidade de medidas para as-segurar o acesso à água, às sementes, ao crédito, entre outros. Se as políticas pú-blicas vão apoiar as agriculturas locais na produção de alimentos sadios elas de-veriam montar uma logística de abasteci-mento e armazenamento de grãos de for-ma descentralizada e com qualidade, nas propriedades ou no máximo nas comuni-dades mais próximas. Esta ação faz par-te da lógica das cadeias curtas, ou seja, que os alimentos possam ser consumidos

localmente, de imediato e minimamente processados (o que permite o acesso ao alimento mais próximo possível das suas propriedades naturais). É a ideia do mer-cado local, para a revalorização de ali-mentos tradicionais como também para construção ou consolidação de cadeias curtas de produção e consumo (CRUZ; SCHNEIDER, 2010).

De acordo com nota publicada no site das Nações Unidas no Brasil, no últi-mo dia 5 de junho, o relatório “Peque-nos Agricultores, Segurança Alimentar e Meio Ambiente”, elaborado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrí-cola (IFAD), apontou que o investimen-to em pequenos agricultores é a melhor maneira de superar a pobreza. (NAÇÕES UNIDAS, 2013). O relatório também es-clarece que investimentos no setor agrí-cola oferecem mais retorno em prol da superação da pobreza (IFAD, 2013).

Na mesma nota, o diretor da Divisão de Clima e Meio Ambiente do Fundo In-ternacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Elwyn Grainger Jones, afirmou que “[...] os pequenos agricultores pos-suem conhecimentos locais que podem oferecer soluções práticas, necessárias para a agricultura atingir um patamar mais sustentável. [...]” (NAÇÕES UNI-DAS, 2013). A afirmação coaduna-se com o posicionamento assumido neste traba-lho de que é fundamental agir localmente para que benefícios globais sejam alcan-çados.

O outro sistema de governança global, para o qual o desenvolvimento de tecno-logias rurais se torna importante é o do meio ambiente. Algumas considerações sobre o tema foram analisadas em recen-te matéria publicada sob o título, “Gover-nança ambiental global: atores e cená-rios”, sendo em parte reproduzido abaixo:

Inicialmente, observa-se a urgência da cons-trução de decisões relativas à implantação de

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Utilizar tecnologias limpas, susten-táveis e que economizem mão de obra é de fundamental importância para a pro-dução da agricultura familiar. Dentro desses conceitos deve se encaixar a pós--colheita. Em um mundo globalizado, países importadores de alimentos, além da exigência de qualidade, encaminham missões para in loco verificarem como são produzidos e manipulados os alimentos e se existe respeito ao ambiente em que são produzidos (meio ambiente, processos, pessoas envolvidas, animais, etc.). Mas, e se a agricultura familiar produzir somen-te para o consumo interno? Qual a dife-rença? O cidadão brasileiro merece tanto quanto os estrangeiros consumir alimen-tos saudáveis e produzidos com respeito à natureza.

A partir dessas premissas, no final da década de noventa, a Emater/RS passa a repensar a armazenagem nas proprie-dades familiares, com o objetivo final de preservação ambiental e a melhoria da qualidade dos produtos processados. E investe em inovações tecnológicas de fácil acesso e baixo custo para os agricultores familiares, as quais serão apresentadas a seguir.

7 SECADOR SOLAR COM COLETOR ARMAZENADOR EM LEITO DE PEDRA BRITADA Os primeiros dois secadores solares,

instalados com coletor armazenador em leito de pedra britada, na Região do Vale Rio do Taquari, no Rio Grande do Sul, foram construídos na propriedade dos agricultores familiares, Cleto e Altair Jo-hner, e também na propriedade do Celor Lorenz, ambos no município de Cruzeiro do Sul. O Cleto e o Altair instalaram um equipamento de 450 sacos de milho de capacidade estática e o Celor Lorenz, um equipamento com capacidade de 140 sa-cos (Figura 3), no ano de 1999.

um efetivo sistema de governança ambiental global, capaz de assegurar a participação de atores representativos dos diferentes interes-ses envolvidos quando o tema é proteção do meio ambiente. O debate se estende, eivado de disputas e de insatisfações, mas o que é mais grave: sem que o sistema de governança socialmente construído para responder aos desafios ambientais que ameaçam o planeta se demonstre capaz de atender, seja a urgên-cia da situação, seja ao clamor da sociedade por uma efetiva participação. O que nos leva a questionar se Hermet (2005, p. 35) não te-ria razão ao associar o termo ’governança‘ à imagem de um processo ’de organizações, por organizações e para as organizações – sejam elas públicas ou privadas, empresa-riais ou associativas, com ou sem fins lucra-tivos‘, o qual assumiria as características ’de um jogo, progressivamente codificado e no interior do qual as autoridades públi-cas clássicas têm cada vez mais dificuldade para fazer valer seus recursos específicos‘. Por outro lado, compartilhamos a crença no slogan da conferência de Estocolmo, que co-loca ser fundamental agir localmente para vislumbrar benefícios globais. Isso implica também criar espaço no âmbito das decisões globais para que sejam consideradas as es-pecificidades locais, inclusive, no que se re-fere às formas de participação. Como aponta Fernandes (1994), com base na análise da sociedade brasileira, ao limitar-se a partici-pação apenas aos atores formalmente orga-nizados em instituições, corre-se o risco de desconsiderar parcelas especialmente signi-ficativas da sociedade. Caberia, pois, rever os atributos exigidos como condição ao direi-to de participar dos fóruns internacionais, de modo a tornar possível também a parti-cipação de novos movimentos sociais. Postu-lamos que maior dedicação acadêmica deve ser direcionada às contribuições das instân-cias informais, na medida em que tais espa-ços têm apresentado vigor ímpar, principal-mente, através das configurações sociais em rede. Quanto à participação do setor privado na governança ambiental, atenção especial deve ser dada a análise da legitimidade das intenções desses atores. Não podemos es-quecer que a referência à ’responsabilidade social’, não raramente, oculta interesses me-ramente mercadológicos. (LORENZETTI; CARRION, 2012, p. 732).

1818Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

Figura 3 - Secador solar com capacidade de 140 sacos de milho de carga estática e coletor solar ar-mazenador com leito de pedra britada coberto com plástico de estufa

Crédito: Katia Marcon, 1999.Nota: Produtor Celor Lorenz, Cruzeiro do Sul/RS.

As pesquisas com secadores solares, com ar forçado, porém, é bem mais antiga, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. Como exem-plo, podemos citar, o Grupo de Energia da Universidade de Campinas, no estado de São Paulo (UNICAMP), que nos anos 70 desenvol-viam trabalhos nesta área, pelos pesquisado-res Luiz Gabriel Villa e Gonzalo Roa.

Os trabalhos gerados neste período eviden-ciaram que a secagem poderia ser feita de duas maneiras:

a) exposição direta dos raios solares e às condições atmosféricas do ar;

b) uso de equipamentos que utilizam o ar aquecido como agentes de desumidifi-cação.

O primeiro método apresenta uma série de desvantagens como: dependência das con-

dições climáticas, longo tempo de secagem e deterioração por insetos; já o segundo apre-senta algumas vantagens sobre o anterior como: rapidez de secagem, alta capacidade, uniformidade do produto e independência das condições atmosféricas (PINTO NETO, 1988).

O equipamento desenvolvido levou em con-sideração vários fatores quando da sua con-cepção, sendo que se destacam os seguintes aspectos (MARTINS et al., 2002b)

a) demanda baixa potência elétrica para acionar o motor do ventilador. Enquanto um secador convencional de 50 sacos de capacidade estática e fornalha a lenha utiliza um motor de 5 CV, um secador que usa energia solar, de igual capaci-dade estática, necessita de somente 1 CV. Este fator torna-se importante uma vez que as companhias de eletrificação, no Vale do Rio Pardo no Estado, têm vinculado a utilização de motores com maior potência aos horários de menor demanda, como se constata em alguns equipamentos instalados no município de Venâncio Aires/RS, que só podem ser acionados nos horários compreendidos entre as 6 e as 18 horas;

b) utiliza para o aquecimento do ar de se-cagem uma fonte de energia renovável (energia solar);

c) a radiação solar é uma fonte limpa de energia, o mesmo não ocorrendo com a le-nha, grandemente utilizada na secagem de grãos em nosso país;

d) o secador que utiliza energia solar é um poupador de mão de obra na pequena propriedade, pois, uma vez carregado o equipamento e ligado o motor do venti-lador, o agricultor não precisa acompa-nhar o processo de secagem. O mesmo não ocorre com os equipamentos que uti-lizam lenha;

e) o secador solar foi projetado para ser construído com material e mão de obra local, em princípio somente o ventilador é adquirido fora da localidade. Esta é uma

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grande vantagem quando o equipamen-to apresenta algum defeito; o agricultor não perde tempo com as demoras da as-sistência técnica das indústrias, além do equipamento possuir menor custo de ma-nutenção, pois o produtor tem condições de ele mesmo ou alguém muito próximo executar o conserto;

f) a qualidade do produto é muito superior. Como os grãos são secos em temperatu-ras baixas, em média 5°C acima da tem-peratura ambiente, o produto não trinca, não perde a cor e reduz muito pouco de volume, o que comprova que a secagem com altas temperaturas retira do produ-to algo mais do que simplesmente água.

8 SILO SECADOR ARMAZENADOR A busca permanente por maior raciona-

lização na secagem dos grãos, fez com que a construção de silos, em meados da déca-da de 2000, buscasse o aprimoramento do sistema de secagem nas propriedades fami-liares. O secador solar que já era uma tec-nologia bastante difundida, principalmente no município de Casca/RS e com resultados em outros municípios do Estado, demons-trava ser uma tecnologia simples, eficiente e sustentável. Porém os produtores necessi-tavam de dois equipamentos: o secador e o silo armazenador. Foi então, a hora de mais uma vez a Emater/RS inovar e difundir o uso de silo secador no Estado para as uni-dades familiares.

Segundo Silva, Afonso e Donzelles (2000), na secagem com ventilação forçada se pode empregar baixa temperatura, alta tempe-ratura, secagem combinada e outros. Seca-gem em baixas temperaturas é um méto-do artificial de secagem em que se utiliza ar natural ou ar levemente aquecido – até 10ºC acima da temperatura ambiente. A se-cagem com alta temperatura é aquela em que o ar de secagem é aquecido a uma tem-peratura superior a 10ºC acima da tempe-ratura ambiente. Naturalmente, esse limi-te não é rígido, mas esta é a diferença que

caracteriza o processo como não sendo mais de baixa temperatura.

A secagem com ar natural em silos segue as seguintes características, de acordo com Hansen, Keener e Gustafson (2013): o pro-cesso de secagem é lento, geralmente reque-rendo 4 a 8 semanas; o conteúdo inicial de umidade é normalmente limitado na faixa de 22 a 24%; os resultados de secagem são conseguidos forçando o ar sem aquecimento, através dos grãos, em taxas de fluxo de ar entre 1,13 a 2,26 m³/min/t; a secagem e a ar-mazenagem ocorrem no mesmo silo, minimi-zando a movimentação do produto; os silos são equipados com fundo totalmente perfu-rado, um ou dois ventiladores de alta capaci-dade, um distribuidor de grãos e escadas; e máquinas de limpeza devem ser usadas para remoção de grãos quebrados e finos.

Nas máquinas de limpeza, para milho, tem sido usado a peneira superior com fu-ros redondos de 13mm de diâmetro e a infe-rior com furos redondos com 6,5mm de diâ-metro. É claro que o produto que está sendo colhido deve passar por uma avaliação em termos de tamanho dos grãos, e se neces-sário diminuir ou aumentar os diâmetros sugeridos.

Existe ainda a possibilidade da utiliza-ção de coletores solares acoplados nos silos secadores para locais com neblina cons-tante ou épocas de maior umidade relati-va ou, ainda, propiciar a entrada de milho com maior teor de umidade nos silos. Em trabalho desenvolvido por Converse, Fos-ter e Sauer (1978) foi testado o uso e o tipo de coletores solares em silos e demonstra-do que: o uso de aquecimento suplemen-tar reduziu o consumo de energia elétri-ca dos ventiladores; o uso de coletores na secagem torna o processo efetivo, nos pe-ríodos de menor temperatura e maiores umidades relativas do ar. Todos os testes com coletores acoplados nos silos tiveram o tempo de secagem menor do que os silos que utilizaram somente ar natural, entre outras observações. Na observação do tipo de coletor, aquele que armazenou energia

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em leito de pedra foi mais eficiente nos pe-ríodos mais frios.

No Estado, os silos secadores são maneja-dos dependendo do produto e da região; em secagem com enchimento em uma única vez para silos de menor porte, ou em camadas, para silos de maior porte. Para o milho, o li-mite de sacos para um silo com secagem em camada única é de 2.500 sacos. Para o arroz, pode ser de até 3.000 sacos, mas é aconse-lhável que o produtor construa silos de me-nor porte. Em secagem e armazenagem de qualidade, o melhor é ser pequeno. O estudo da região onde o silo secador vai ser instala-do é de fundamental importância, somente após análise técnica detalhada é que se têm condições de definir o projeto. Cabe salientar também, que durante todo o processo decisó-rio da obra haja participação dos agriculto-res, pois é deles a opinião do melhor mane-jo, para um processo mais adequado à suas necessidades. Como o consumo elétrico está diretamente ligado ao volume de ar produ-zido pelas pás do ventilador e a pressão to-tal a ser vencida pelo ar no sistema, quanto mais alta for a camada de grãos no silo, tan-to maior será a pressão estática requerida e maior será o consumo energético.

A partir de 2012, houve inovação no modo de construção no que se refere à elevação dos silos. Há que se destacar a necessida-de de avaliar mudanças que impliquem em custo da mão de obra, visto que esta repre-senta algo ao redor de 35% do valor dos materiais para silos pequenos e de até 60% para silos de maior porte. Observando ino-vações introduzidas no mercado por empre-sas de construção no município de Lajeado/RS, foi possível identificar o uso de novo material na elevação das paredes internas e externas dos edifícios: as argamassas po-liméricas (alvenaria colada).

A partir desta experiência consolidada no mercado imobiliário, a Emater/RS adotou esta tecnologia na elevação dos silos de al-venaria. Um exemplo clássico é o produtor Daniel De Bona, no município de Dois Laje-ados/RS, que construiu dois silos de 600 sa-

cos de capacidade e somente necessitou de profissionais especializados para emboçar10 as paredes dos silos. Algumas vantagens são apontadas com esta nova prática, sendo: maior rapidez na elevação das paredes de tijolos, realizando o serviço em um terço do tempo do sistema tradicional com argamas-sa, e não necessidade de profissional especia-lizado; a parede colada é 30% mais leve que a tradicional; usa-se menos cimento – lembra-mos que a produção de 1 kg de cimento libe-ra 600 gramas de dióxido de carbono (CO2) para atmosfera; usa-se menos areia, evi-tando a constante mineração nos leitos dos rios; economia de 30% em relação ao sistema tradicional; sem perdas, diminui o entulho e mantém a obra limpa; não requer cal, água ou betoneira.

Segundo Meneguetti (2010), a possibilidade de construção com material e mão de obra lo-cal possibilita ampla difusão no País por tor-nar o sistema viável para pequenas e médias propriedades. Além disso, o consumo ener-gético para a produção de blocos cerâmicos é consideravelmente menor quando comparado ao do concreto e ao do aço. A energia utilizada para a produção destes materiais se relaciona numa proporção de 1:2, 5:15. Num período em que são discutidos métodos construtivos mais sustentáveis, este menor consumo energético é outro importante fator para utilização de blocos cerâmicos nesse estudo.

Todo o silo secador é, potencialmente, um controlador de insetos dos grãos armazena-dos de alta eficiência (WILKE, 2013). Como os fluxos de ar utilizados na secagem são bas-tante elevados e para aeração bem inferio-res, se for utilizado um fluxo de 2,5 m³/min/t, pode-se secar milho, em aproximadamente 15 dias e completar uma dose de aeração em 10 horas. A Emater/RS tem acompanhado por meio de medições frequentes a campo, temperaturas em silos secadores abaixo de 15 ºC, o que leva ao desenvolvimento muito lento dos insetos

10 Aplicar emboço ou base do reboco em uma parede (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2009).

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9 RESULTADOS ALCANÇADOS

9.1 Irmãos Damo: município de Casca/RS

Os irmãos Damo são criadores de suínos em ciclo completo, com plantel de 350 matri-zes. A aproximadamente uma década atrás enfrentavam sérios problemas de qualidade da ração fabricada na propriedade. Eles co-lhiam em média 17.000 sacos de milho e ter-ceirizavam a secagem e armazenagem.

Os índices reprodutivos do plantel da pro-priedade eram alarmantes. O retorno ao cio das matrizes suínas era de 24% e o núme-ro de abortos nas fêmeas eram 50 ao ano. A conversão alimentar nas fases de crescimen-to e terminação estava em 2,73 kg de ração consumida/kg peso vivo, além da necessida-de do uso contínuo de sequestrantes de to-xinas nas rações. Atualmente, os índices se encontram em um patamar diferenciado: o retorno ao cio está em 6,7% e os abortos são quase inexistentes. Enquanto que a conver-são alimentar passou para 2,30 kg de ração por quilo de peso vivo adquirido e o uso dos sequestrantes está muito reduzido. Os ir-mãos contam hoje com: dois secadores sola-res de 500 sacos de carga estática, um silo pulmão com capacidade de 1.000 sacos, dois silos armazenadores de 7.500 sacos cada, e recentemente foram construídos mais dois silos secadores de 2.500 sacos e um de 4.500 sacos de capacidade.Figura 4 - A qualidade do milho armazenado, com limpeza admirável, após 12 meses de arma-zenagem

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-].

Figura 5 - Vista dos coletores solares armazena-dores e uma vista geral do pavilhão que abriga os silos, a moega e os secadores

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-].Nota: Atualmente os coletores estão recobertos com vidro o que melhorou sua eficiência.

9.2 Lauro Martello: Município de Nova Alvorada/RS

O produtor Lauro Martello é criador de leitões e, atualmente, tem um plantel de 80 fêmeas. Há algum tempo atrás che-gou a ter 150 fêmeas em produção. Foi produtor integrado junto a uma grande companhia, mas em virtude das sucessi-vas crises, diminuiu o plantel e acabou com a integração. Atualmente tem uma parceria com um vizinho: entrega os lei-tões para a engorda. Também pretende plantar milho que deverá ser vendido para um moinho local (moagem a pedra). Em virtude da excelente qualidade do seu milho processado, mesmo durante os anos de crise, conseguiu juntar um patri-mônio – está investindo na construção de um prédio de 15 apartamentos na cida-de de Nova Alvorada. Com a diminuição da criação de suínos, está pensando em montar um plantel leiteiro11. Possui um secador solar (Figura 6) de 500 sacos de

11 Uma unidade animal bovina (450 kg de peso vivo) pode comer no máximo 3 kg de milho por dia em uma ração concentrada. Na pequena propriedade é muito mais viável, em termos de área necessária e produção obtida, produzir milho para as vacas do que para os porcos.

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capacidade e quatro silos armazenadores de 2.000 sacos cada. (Figura 7). Confor-me palavras do produtor Lauro Martello “[...] as vantagens com o sistema implan-tado são: o ar frio acelera o processo de secagem e controla insetos; custo de seca-gem por saco é de R$0,17; em virtude de produzir ração de melhor qualidade hou-ve menor retorno de cio nas fêmeas, e me-nor ocorrência de abortos e praticamente inexistência de diarreia em leitões.”Figura 6 - Secador solar secando semente de aveia para plantio no inverno

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-].

Figura 7 - Vista externa de um silo

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-].

9.3 Família Kessler: Santa Cruz do Sul/RS

A família Kessler, do município de Santa Cruz do Sul, é plantadora de arroz irrigado e construiu dois silos de alvenaria armada, um

com capacidade para 6.000 sacos e outro com capacidade para 600 sacos de arroz. Estes dois silos mostram bem a versatilidade desse equi-pamento. O silo maior com capacidade para 6.000 sacos (Figura 8) utiliza um ventilador com motor de 20 CV12, e seca o produto em ca-madas durante um período de 40 dias. O silo menor de 600 sacos, usa motor de 3 CV no ven-tilador e seca o arroz com enchimento em uma única vez, em 14 dias. Evidentemente que a propriedade possui rede trifásica em virtude do motor maior (20 CV), mas se tivesse somen-te rede monofásica poderia assim mesmo cons-truir o silo menor de 600 sacos, em função da menor potência requerida. Antes de implantar o projeto dos silos secadores, os Kessler seca-vam e armazenavam o produto fora da pro-priedade, em um cerealista, e obtinham uma média de grãos inteiros de 58%13. Hoje dificil-mente baixam de 60% de grãos inteiros. Estes 2% a mais de rendimento de grãos inteiros im-plica num acréscimo de R$2,00 a mais por saco entregue em virtude da qualidade.

Figura 8 - Silo secador de 6.000 sacos utilizado para secar em camadas

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2010.

12 Unidade de medida de potência. Equivale a 1 Cavalo Vapor (CV) = 0,9863 HP (ENTENDA..., 2008).

13 É importante lembrarmos que a quantidade de grãos inteiros do arroz que o produtor entrega aos ce-realistas, depende do processo de secagem. O produtor ganha menos em virtude do processamento deficiente, que não é dele, mas sim de quem compra. É, pois, dupla-mente penalizado, recebe pouco pelo seu produto e recebe menos ainda pelo trabalho que não fez. Quem deveria pagar esta conta é quem realizou o processo mal feito.

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9.4 Moinho Soccol: Município de Casca/RS

O moinho Soccol produzia farinha de mi-lho em moinho de pedra, secando os grãos em alta temperatura, em um secador de leito fixo. A partir de 2004, construiu o primeiro silo secador com capacidade de 2.000 sacos de milho. Atualmente conta com mais um silo de 3.000 sacos (Figu-ra 7). O moinho aumentou significativa-mente o volume de farinha produzido e hoje conta com quatro pedras realizando moagem.

Na Figura 8 pode-se observar uma po-lenta feita com a farinha do moinho. A foto ilustra o momento exato em que a po-lenta foi retirada do cozimento e do prato de vidro que serviu de forma. Nota-se que a polenta não perde o formato original do prato. Na foto a direita, observa-se a sua elasticidade. Além do sabor e odores ca-racterísticos de um produto de qualidade superior, observa-se que a gelatinização da farinha foi alcançada o que mantém o produto com bom grau de aglutinação. Caso a polenta seja cortada em fatias e co-locada para fritar em óleo, os pedaços se mantém integrais, o que não ocorre com polentas feitas com farinhas oriundas de milhos secos em altas temperaturas e que durante a secagem iniciam o proces-so de gelatinização. Secar grãos com alta temperatura e umidade pré-gelatiniza o amido e pode ser até bom na nutrição de animais (MARTINS, 1997), porém jamais produzirá farinhas de qualidade. Farinha sem qualidade é produto final sem qua-lidade. O rendimento de farinha de um milho seco em silo secador é maior que os secos em secadores convencionais. Um saco de 60kg de milho processado em si-los rende de 7 a 10kg a mais de farinha, e é por isso, que o produtor que seca em silos recebe ao redor de R$5,00 a mais por saco de milho vendido.

Figura 9 - Silo secador com capacidade para 3.000 sa-cos de milho em construção

Fonte: Emater/RS-Ascar, [200-].

Figura 10 - Polenta fabricada com farinha do moinho Soccol, município de Casca/RS, com o milho seco em silos secadores

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

2424Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 8-25, jan./nov., 2013.

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BRACAGIOLI, Alberto 2, GERHARDT, Cleyton 3, ANJOS, José Carlos 4.

ResumoEste artigo tem o objetivo de estabelecer um di-álogo com diferentes olhares sobre as possibili-dades de pontos de vista, uma questão que tem sido central em descrições e análises etnográfi-cas. No momento da realização destas últimas, existe um inesgotável espaço de tomadas de po-sições entre um estranhamento total e o engaja-mento participante que, por vezes, pode beirar à militância incondicional. Dentro deste campo de possibilidades, instala-se uma tensão permanen-te (recíproca e partilhada tanto por nativos como pelo não-nativo) gerada pelo duplo movimento de aproximação-distanciamento da realidade vivi-da-estudada. Com o intuito de colaborar com este debate – ainda em aberto e por onde transitam diferentes perspectivas que não só concorrem en-tre si, mas que, por vezes, se sobrepõem e se com-plementam tornando este espaço inconcluso – este trabalho pretende discutir tal problemática a partir da contribuição seminal de Malinovisky, da discussão sobre o ponto de vista nativo de Ge-ertz, da crítica às pretensões de discurso racional tecidas por Rita Segato, do multinaturalismo de Eduardo Viveiro de Castro, do devir-experiência de Goldman e do ser afetado de Favret Saada.

Palavras-chaves: Ponto de vista. Etnografia. Nativo.

1 Uma primeira versão inicial deste artigo resulta de trabalho realizado para a disciplina “Antropologia do Mundo Rural”, sob responsabilidade do professor José

Carlos dos Anjos.2 Doutorando em Desenvolvimento Rural no Programa

de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural –UFRGS e Assessor Especial da Emater/RS-Ascar.

3 Cientista social, pesquisador-professor no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.4 Cientista social, pesquisador-professor no Programa

de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Some Anthropological Viewpoints about the Viewpoint Relations

Abstract This article has the objective of establishing a dia-logue with different sights on the possibilities of points of view, a question that has been central in ethnographic descriptions and analysis. At the moment of assuming one of these points of view, there will be an inexhaustible space of positions taking between a total strangeness and the par-ticipating engagement, which sometimes might border unconditional militancy. Within this field of possibilities, a permanent (reciprocal and sha-red by both natives and non-natives) tension is settled, generated by the double movement of approximation-distancing of the lived-studied

Alguns pontos de vista antropológicos sobre a relação ponto de vista1

Para Geertz, a interpretação etnográfica está sintetizada na ideia de “círculo hermenêutico”.

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reality. In order to collaborate with this debate – still open and where different perspectives move through, not only competing but sometimes over-lapping and complementing each other, which makes this space inconclusive – this work intends to discuss such set of problems from the seminal contribution of Malinovisky, from Geertz´s discus-sion on the native point of view, from the criticism to the claim of rational speech made by Rita Sega-to, from Eduardo Viveiro de Castro´s multinatu-ralism, from Goldman´s becoming-experience, and from Favret Saada´s concept of being affected.

Keywords: Point of view. Ethnography. Native.

1 PONTO INICIAL

“Todo ponto de vista é a vista de um ponto.” (BOFF, 1998, p. 9).

Procurar descrever, interpretar e entender o ponto de vista do outro é prática corrente nos estu-dos antropológicos. Desde seus precursores até os recém iniciados nos estudos etnográficos, é comum encontrarmos em seus trabalhos uma discussão tanto sobre o ponto de vista do observador sobre os sujeitos, pessoas ou grupos sociais estudados como, ao contrário, sobre suas impressões acerca do ponto de vista dos observados que observam este mesmo observador. O interesse por estes aspectos não se restringe aos estudos antropológicos, tendo em vis-ta que perfazem todo processo de mediação social, onde são conectados diferentes universos de signi-ficado. Assim o trabalho da extensão rural, entre outras atividades de mediação social, é perpassa-do por pontos de vista com relação aos agriculto-res e suas formas de construção do conhecimento (LEEUWIS, C.; VAN DEN BAN, A., 2013).

Em diversos textos etnográficos encontramos um capítulo introdutório onde o antropólogo des-creve como se deu o processo de elaboração da pes-quisa, seus primeiros contatos junto à comunidade ou grupo social estudado, os instrumentos de cole-ta de informações, como foi o período de “trabalho de/no campo”5, além de dados pitorescos sobre seu convívio durante este período. Em muitos casos isto se dá pelo fato de que, ao explicitar seu ponto de vista e, também, aspectos subjetivos, afetivos e mesmo existenciais que marcaram a relação do

antropólogo com os nativos durante a realização da pesquisa, tem-se como resultado certa neutra-lidade axiológica proveniente justamente deste esforço de racionalização-sistematização de expe-riências passadas realizado ad hoc e a posteriori.

Por outro lado, tal procedimento permite ao pes-quisador, mais ou menos como no caso do perso-nagem Brás Cubas de Machado de Assis (2010), “ventilar sua consciência” e, assim, exorcizar tan-to aquela prerrogativa epistemológica que o pes-quisador possui normalmente diante do discur-so nativo – conforme Castro (2002, p. 117), “[...] sua sorrateira vantagem de direito [...]”6 – como também o mal estar gerado pelo distanciamento que o texto escrito e seu vocabulário hermético e acadêmico interpõem entre o autor e as pessoas de quem ele irá falar neste mesmo texto. Afinal, como comenta Amorim (2004, p. 45): “[...] coloni-zar é também traduzir [...]”, sendo que, mesmo ao escrever um texto criativo, podemos estar nos afastando perigosamente das pessoas com quem mantivemos contato, as quais, sendo silenciadas, perdem o poder de intervir no que o pesquisador fará com suas falas (sejam elas extraídas de en-trevistas gravadas, anotações no diário de campo ou de lembranças de situações corriqueiras vividas pelo pesquisador junto a sua “base empírica”).

Porém, a despeito deste tipo de procedimento, seguem atualíssimas perguntas do tipo: entre o estranhamento da realidade vivida-estudada e o

5 Fazemos aqui uma distinção entre trabalho de e no campo. No primeiro caso, a preposição “de” confere uma conotação genérica ao substantivo “campo” como parte de um tipo específico de “trabalho” a ser executado. Mar-cio Goldman (2006, p. 29) comenta que este poderia ser visto: (a) como técnica para obter dados; (b) como método em que tais “informações só poderiam ser obtidas dessa forma”; ou (c) como experiência exigida pelas “próprias características epistemológicas” da antropologia. Já no que se refere ao uso da expressão “trabalho no campo”, o artigo “o”, acompanhando a preposição “em”, indica ou-tra especificidade. Trata-se agora não mais de um cam-po genérico, muito menos de um método ou técnica, mas daquele universo social que desejamos observar. Se vá-rios cientistas fazem “trabalhos de campo” (que podem ser bem distintos), apenas um fará “trabalho no campo”, visto que se trata do “campo” de alguém que precisou construí-lo como tal para poder depois descrevê-lo.

6 “Sorrateira” porque, conforme este último (2002, p.117), o pesquisador “sabe demais sobre o nativo desde antes do início da partida; ele predefine e circunscreve os mundos possíveis expressos por esse outrem”.

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engajamento participante – por vezes militan-te – estabelecido junto com os nativos, quais as fronteiras que separam o trabalho resultante de uma descrição etnocêntrica ou de uma inter-pretação preconceituosa? Qual o limiar entre revelação do outro e projeção de nossos valores? Existe algum procedimento, prática, percepção ou forma especial de sensibilidade que permiti-ria entender ou (mais modestamente) expor o ponto de vista do outro sem aviltar sua comple-xidade, seu aspecto dialógico, seu caráter con-textual, provisório e não absoluto, bem como, mas não menos importante, a dimensão emo-tiva nele incorporada? Entre as experiências vividas junto aos nativos e o ato de traduzi-las (etnografá-las) – trazendo com isso aos “de fora” pontos de vista a eles nada familiares –, quais os limites e implicações provenientes da tradu-ção daí resultante? Enfim, até que ponto vai a honestidade da conduta do pesquisador frente aos seus interlocutores, ou melhor, até que pon-to este está disposto a assumir as consequências de pretender (pois sempre será uma pretensão) adotar uma postura honesta, franca e sincera?

Desde meados do século passado, perguntas como estas têm inquietado boa parta da comu-nidade antropológica, sendo objeto de análises de ordem moral, metodológica e epistemológica. Por outro lado, o fato do ofício do antropólogo implicar a produção e publicização de narrati-vas cujo processo de redação, como comentamos acima, se realiza sem a intervenção direta dos sujeitos narrados (estes, no máximo, terão re-torno depois de concluído o estudo), interpõe ao primeiro, como salienta Oliveira (2003), uma “[...] preocupação com os direitos dos sujeitos da pesquisa e com a dimensão ética das relações estabelecidas pelo pesquisador no campo [...]”.

A origem tanto do interesse metodológico e epistemológico como destas preocupações éticas encontra-se presente desde Malinowiski, quan-do a qualidade dos vínculos estabelecidos entre pesquisador e pesquisado – mas, também, como e de que forma eles são gerados – passaram a ser colocados em questão: o ideal seria o antro-pólogo buscar um estranhamento relativo, uma total cumplicidade, uma aproximação afetiva ou um ponto médio entre observador e observado?

Obviamente, estamos cientes acerca da im-possibilidade de se propor uma abordagem con-

clusiva sobre este tipo de questionamento. De fato, este é hoje um debate aberto e com diversas posições, enfoques, perspectivas e proposições que não só concorrem entre si, mas que, por ve-zes, se sobrepõem, se complementam ou mesmo correm em paralelo dentro do campo antropo-lógico. Porém, é justamente este caráter incon-cluso o que confere atualidade e relevância aos dilemas acima referidos, visto aglutinarem em torno de si questões provocativas que alimen-tam o fazer antropológico. Assim pensados, os possíveis (des)encontros entre pontos de vista nativo e antropológico serão aqui abordados não com o objetivo de “dar uma direção” a ser segui-da, mas, sim, como desafio reflexivo que permi-te problematizar certos aspectos desta relação peculiar entre um “observado” que observa seu “observador” e um “observador” que observa seu “observado”.

1.1 Ponto de vista nativo como ponto de partida

“El mito del investigador de campo camaleônico, mimetizado a la perfección em sus ambientes exóticos, como um milagro andante de empatía, tacto, paciência y cosmopolitismo, fue demolida por el hombre que tal vez más hizo por crearlo”. (GEERTZ, 1994, p. 73).

Em “Desde el punto de vista nativo”, Geertz (1994) faz diversas considerações de natureza metodológica e epistemológica sobre a base e a natureza do conhecimento antropológico. No início da sua exposição o autor comenta a pu-blicação, em 1967, do diário íntimo de Malino-wsky (1997). Escrito por este entre 1914 e 1918 durante trabalho de campo nas ilhas Trobriand (Pacífico Sul), sua divulgação teve então grande repercussão na comunidade antropológica. Pela primeira vez abertamente e sem subterfúgios retóricos, seu conteúdo expõe os bastidores não tão idílicos e simpáticos do trabalho do antropó-logo, evidenciando explicitamente desentendi-mentos, rusgas, conflitos, juízos de valor, incô-modos, tormentos e preconceitos de Malinowski em relação aos “niggers” com quem conviveu e de quem, a certa altura, se disse “farto”.

Não é o caso aqui de esmiuçar as implica-ções deste diário tão peculiar e polêmico, o qual desmistificou a imagem do investigador mi-

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metizado a um ambiente exótico, vivendo em harmonia com os nativos e seu modo de vida. Desviando o foco acerca da relevância de aná-lises de cunho moral sobre o fato em si, Geertz parte deste para então recolocar a questão e questionar: teria o antropólogo, a partir de sua prática (teórica e metodologicamente direcio-nada), condições de desenvolver uma sensibi-lidade extraordinária ou uma capacidade espe-cial de pensar o mundo e perceber os outros como se fosse um nativo?

Em síntese, a perspectiva inaugurada por Geertz critica não só a pretensão do antropólo-go “tomar o lugar do nativo”, mas, igualmente, a possibilidade (por mais “densa” que seja sua relação) de “pensar como um nativo”. Ao se con-trapor a possibilidade de que tal trasmutação mágica venha a ocorrer, as proposições de ordem metodológica então feita por Geertz passaram a ser um dos temas mais discutidos nas últimas décadas dentro da antropologia. Como resulta-do, muitas formulações têm sido apresentadas visando equacionar tal debate. Abaixo, apresen-tamos um quadro síntese sobre possíveis modos de se apropriar do ponto de vista nativo:

Importante destacar que tais abordagens não representam oposições polares, porém di-ferentes gradações de como se envolver – ou, aos mais modestos, de como se aproximar – dos pontos de vista nativos. Assim, a opção por en-foques êmicos tende a levar a descrições feitas a partir das próprias categorias cognitivas e lin-guísticas utilizadas pelos sujeitos com os quais o antropólogo ou outro observador externo irá interagir7; já abordagens éticas geralmente pos-suem um caráter mais interpretativo, analítico e de tradução do discurso do outro realizada a partir de referências já previamente conhecidas ou adotadas pelo pesquisador8.

7 Há hoje certa banalização no meio acadêmico do termo “êmico”, tendo este passado a fazer parte do universo discursivo de outras disciplinas, como bio-logia, ecologia, geografia, agronomia, entre outras. Visando evitar eventuais dubiedades e ambigüida-des compreensivas, esclarecemos que o termo êmico é aqui adotado para designar fatos, expressões, pers-pectivas, sentimentos, razões, práticas etc. (sejam eles de caráter étnico, grupal ou individual) vistos de forma circunstancial e culturalmente situados. Assim pensados, busca-se percebê-los e descrevê-los o mais próximo possível de como eles seriam percebidos, des-critos e entendidos pelos próprios sujeitos que viven-ciam estes mesmos fatos, expressões, perspectivas, sentimentos, razões, práticas.

8 “Sorrateira” porque, conforme este último (2002, p. 117), o pesquisador “sabe demais sobre o nativo des-de antes do início da partida; ele predefine e circuns-creve os mundos possíveis expressos por esse outrem”.

9 Obviamente, isso se a categoria “medo” fizer algum sentido para o grupo social em questão.

Relatos de Malinowski sobre seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand desmistificaram a imagem do investigador.

Os conceitos de experiência próxima estão mais relacionados à descrição percebida sem ou com pouco esforço de tradução (por exem-plo: quando, num contexto coloquial, usamos a categoria “medo”, esta representaria uma ex-periência relativamente próxima – mais espon-tânea – se comparada ao termo “fobia”, o qual indicaria uma experiência distante9). Assim, enquanto basear-se na experiência próxima tem como efeito deixar o pesquisador ligado ao imediato e aos eventos vividos circunscritos ao seu contexto local (a experiência em si), por ou-tro lado, a experiência distante pode levar suas interpretações (escravas que são de seus refe-renciais e a prioris) a um nível de abstração e racionalização tal que a realidade concreta vi-

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vida por este junto às pessoas com quem convi-veu simplesmente desaparece10.

Se no primeiro caso é fácil nos vermos dian-te de uma descrição cuja “miudeza exótica faz com que a leitura da melhor das etnografias seja uma tortura” (GEERTZ, 2007, p. 91), na segunda opção tendem a sumir ou ser oblitera-dos, como se nunca tivessem existido e como se não pudessem ser considerados também como “dados empíricos”, aspectos afetivos e existen-ciais (em alguma medida, intraduzíveis) vividos pelo pesquisador na relação in locu, ou seja, no momento em que interagia com seus interlocu-tores. Em suma, como alerta Geertz em outro momento (2008, p. 8), seguir um destes cami-nhos até suas últimas consequências levaria o pesquisador ou a um “subjetivismo extremo” ou, ao contrário, a um “formalismo extremo”.

Desta encruzilhada metodológica resulta uma questão que, de modo recorrente, tem se apre-sentado para muitos pesquisadores que adotam uma perspectiva etnográfica: como construir e utilizar uma abordagem que permita se aproxi-mar ao máximo das motivações que levam nati-vos a agir (ou não) em determinada situação e, ao mesmo tempo, a atribuir sentidos simbólicos, afetivos e práticos às suas ações. Se tal propo-sição for vista como pertinente, pontos de vista antropológicos (sejam eles quais forem) trariam como desafio a questão de como relacionar a ex-periência próxima do mundo nativo com a expe-riência distante povoada por conceitos bárbaros e categorias alienígenas (do ponto de vista nati-vo) pertencentes ao mundo do próprio pesquisa-dor11. Neste caso, Geertz sugere:

produzir una interpretación de la forma en que vive um pueblo que no sea prisioneira de sus ho-rizontes mentales – como una etnografia de la brujeria escrita por una bruja –, ni se mantenga sistematicamente ajena a las tonalidades distin-tivas de sus existências, como una etnografia de la brujeria escrita por un geômetra. (GEERTZ, 1994, p. 75).

Para exemplificar e descrever o uso destas duas dimensões conceituais (experiência próxi-ma e distante), Geertz (1994) elege o conceito de pessoa nas sociedades por ele estudadas em Bali, Java e Marrocos. Segundo o autor, proble-matizar e confrontar os diferentes conceitos de

pessoa (do nativo e do antropólogo) seria uma forma privilegiada de se analisar o que se pas-sa com ambos, tendo em vista que algum tipo de conceito desta categoria existiria, em forma reconhecível, entre todos os grupos sociais (GE-ERTZ, 2007, p. 90).

Assim, partindo deste lugar comum, o autor comenta que, na aldeia javanesa estudada, ha-via uma mistura de modernidade e tradição, sendo que, apesar de um quadro aparentemente desolador12, haveria grande vitalidade intelec-tual. Os nativos buscavam refletir intensamen-te a respeito do “eu”, contando com conceitos oriundos da tradição sufi do misticismo islâmi-co, tais como dentro/fora e refinado/vulgar. O conceito de dentro (batin) englobava o universo dos sentimentos e como seu comportamento é observado. O conceito de fora (lair) tinha como referência o comportamento externo tal como a língua falada. O objetivo maior (algo semelhan-te a uma “utopia javanesa”) seria ser puro e refi-nado (alus), devendo ser evitado o contrário, ou seja, grosso e indelicado (kasar). O esforço por desenvolver este comportamento ideal deveria

10 Sobre este aspecto, importante destacar um dos in-convenientes de se propor uma discussão partindo “do ponto de vista nativo” no singular, visto que, como sa-bem bem antropólogos desde muito tempo, nativos, entre eles, são muito diferentes, ou seja, são vários os pontos de vista nativos, cada um possuindo seu próprio ponto de vista. Ao contrário, ao nos referirmos “aos pontos de vista nativos”, abre-se a possibilidade para pensar não só suas semelhanças e distinções, mas seus aspectos contraditó-rios, idiossincráticos, complementares e contrastantes. Uma discussão relevante sobre o tema pode ser encon-trada em Seagato (1989).

11 Na verdade, como estamos diante das vivências de uma mesma pessoa (aquele que sai de seu continente para navegar por outras terras e mares), nos dois casos se trata de “experiências próximas”: a primeira, próxima do universo social nativo e, a segunda, próxima do pró-prio universo social de onde vem o pesquisador.

12 Nas próprias palavras de Geertz (2007, p. 91): “a terra era pouca, os empregos raros, o sistema político instável, a saúde de má qualidade, os preços subiam, em suma, a vida de um modo geral não era lá muito promis-sora”. Sobre tal descrição, embora tenha sido feita com o intuito de estabelecer um efeito contrastivo, se lida desde um ponto de vista escobariano (ESCOBAR, 1994), ela por si só já refletiria um cacoete neocolonialista de se carac-terizar e descrever grupos sociais subalternos a partir de categorias (por exemplo, “emprego” e “preço”) e parâme-tros euroreferenciados (SOUZA, 1998).

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ser buscado nas duas esferas do eu: interiormen-te, através da religião (meditação); e exterior-mente, através da etiqueta e de uma expressão de serenidade13.

O sistema dual descrito acima demonstra que, para o caso estudado por Geertz, as atitudes das pessoas se relacionavam com concepções sociais, religiosas e cosmológicas; estas, no entanto, não existiam por si só, desvinculadas do cotidiano e do dia a dia dos javaneses. Para se compreender o significado de uma dada prática ou postura, seria preciso entender a quais percepções, sen-timentos, ambientes, pontos de vista e experiên-cias anteriores elas remeteriam. Assim, em de-terminados momentos, seria necessário buscar em que sentido se estaria proferindo um dado provérbio, qual seria a chave performática de uma certa piada, como interpretar o contexto de um determinado poema ou então como captar a referência de uma dada alusão.

Neste processo, aponta Geertz, emerge um con-tinuo equilíbrio dialético entre o mais local (o de-talhe, o contingente, o adaptável, o particular, o desvio, o anormal, o idiossincrático) e o mais global (a estrutura, a moral, as regras gerais, a hierar-quia, a média). Conformando uma circularidade cognitiva, este propõe, como método, saltar de um lado ao outro em busca do todo a partir das partes descritas. Ao mesmo tempo, porém, estas últimas são concebidas a partir do todo que as motiva, situ-ando ambas as partes num contexto de explicação mútua. Esta estratégia seria, para Geertz, funda-mental para a interpretação etnográfica, sendo sintetizada através da idéia de “círculo hermenêu-tico”, o qual privilegiaria tanto a análise da tota-lidade do fenômeno e sua categorização genérica (nível conceitual), como a descrição de fragmentos e detalhes particulares (nível factual).

Se transpormos este conceito de círculo herme-nêutico para o âmbito de um texto, uma “palavra” isolada surge com uma estrutura simbólica única, mas que só terá significado em relação ao todo manifesto na mensagem e na organização interna das demais palavras. Em certo sentido, estamos aqui diante de um fenômeno que se aproxima de outras estruturas conceituais dicotômicas como as clássicas divisões “indivíduo / sociedade”, “nature-za / cultura”, “objetivo / subjetivo” e tantas outras mais, sendo aí possível estabelecer várias conexões e analogias. Porém, o que desejamos marcar, neste

momento, é que, tanto no caso particular Javanês descrito por Geertz, como no uso da linguagem no seu sentido mais geral, há uma relação inter-subjetiva entre manifestações simbólicas isoladas dentro de um contexto significante o qual, neste jogo de subjetividades, aparece como objetivo. Em síntese, não sendo possível apreender as experiên-cias, mas, sim, suas expressões (que emergem na forma de signos e significantes), as experiências estruturam as expressões e as expressões estru-turam as experiências de modo a conformar uma dinâmica circular.

Seguindo esta perspectiva, em outro artigo tam-bém já clássico – “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa” –, Geertz (2008) apresenta o que seria “o objeto da etnografia: uma hierarquia estratificada de estruturas significantes”, sendo que, para ele, fazer etnografia seria “como tentar ler (...) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comen-tários tendenciosos” (Ibid., p. 5 e 7). Eis a dimensão “interpretativa” proposta pelo autor, para o qual a cultura de um povo, comunidade ou grupo social comporia “um contexto” orientado por “sistemas en-trelaçados de signos intercambiáveis” (Ibid., p.11).

Neste caso, o trabalho antropológico resultaria sempre de uma interpretação do discurso nativo (espécie de fabricação do seu ponto de vista), sendo ela própria um modo (uma prática, uma técnica) de “fixá-lo numa forma inspecionável” (Ibid., p.13). Em síntese, tratar-se-ia de achar (fabricar) coerên-cia e inteligibilidade em meio a um emaranhado confuso e caótico de signos e significantes que ex-pressariam – e, se tomarmos o sentido Austiniano de significante (AUSTIN, 1962 ), materializariam – a subjetividade alheia. Nesta espécie de dialé-tica circular de análise (das partes) que conduz a síntese (do todo) e vice-versa, como não seria pos-sível transportar os significados originais, o lugar onde se deram as ações, as sensações das pessoas envolvidas, seus sentimentos, enfim, a experiên-cia vivida em sua completude e integridade para o texto etnográfico, este último se resumiria a um exercício orientado de imaginação criativa cujo re-sultado seria uma atualização inventada de even-tos e fatos presentificados.

13 Um dos exemplos apresentados é o de um viúvo que se dizia “plano por dentro e por fora”, representando uma atitude de serenidade e resignação muito conside-rada em Java.

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Eis, portanto, nosso ponto de partida. Vejamos agora alguns pontos alternativos que foram sur-gindo com o tempo a partir deste último.

1.2 Pontos de vista e sua interpretação como túmulo

“Interpretar é empobrecer, esvaziar o mundo para enchê-lo de significados intelectualizados”.

(SONTAG, 1987, p. 16).

Sinalizamos anteriormente que, dentro da an-tropologia, não existe somente um ponto de vista sobre (des)encontros entre pontos de vista nativo e antropológico, mas sim inúmeros modos de perce-ber tal relação. Neste sentido, uma crítica forte ao enfoque interpretativista baseado na idéia de “cír-culo hermenêutico” foi formulada ao final dos anos 1980 por Rita Segato. Em seu artigo “Um paradoxo do relativismo: o discurso racional da antropologia frente ao sagrado” (1989), a autora alerta para o fato de que, ao antropologizarmos eventos vividos “no campo”, estaríamos, em maior ou menor medi-da, eliminando a dimensão misteriosa, incompre-ensível e irredutível destes momentos únicos.

Conforme Segato (1989), como efeito colateral, junto com o ato de interpretar (o qual para Ge-ertz aparece como sinônimo de compreender) viria o ato de se distanciar das (ou mesmo eliminar e antropofagizar) circunstâncias irracionalizáveis que envolvem aquilo que se busca compreender. Assim, atribuir sentido ao comportamento nativo tratando este como um texto mal escrito, ambíguo e, por vezes, desconexo excluiria o significante, ou melhor, o devoraria transformando este último em significado. Neste caso, o inconveniente estaria no fato de que tal procedimento (espécie de desencan-tamento experiencial seguido por um reencanta-mento cognitivista), ao conferir enorme peso a ra-cionalização da vivência nativa, termina por criar um outro mundo para, ato contínuo, pô-lo então no lugar da própria experiência no campo. Deste modo, como “tentar compreender passa pela des-truição do que quer ser compreendido” (SEGATO, 1989, p. 65), tem-se como resultado uma desvalo-rização dos efeitos sensoriais e existenciais do ato ou do evento vividos em si mesmos, ambos irredu-tíveis a um texto escrito.

Este afastamento do antropólogo compromete-ria, justamente, a empatia e a aproximação impli-cada exercida num universo cultural particular.

Afinal, se compreender (interpretar) uma crença, um ato, um ritual, um discurso ou um ponto de vista consistiria em achar um sentido verossí-mil, coerente, como ficaria aquilo que não pode ser traduzido desta forma, ou melhor, aquilo que não cabe na interpretação, sob pena desta perder justamente sua coerência interna? O incompreen-sível, o imponderável, o misterioso, o irracional, o mágico deveriam simplesmente ser deixados de lado? O que fazer com o transbordamento não--significante inerente às práticas nativas? Deveria o antropólogo, de modo estratégico, simplesmen-te negar ou desconsiderar o que se lhe apresenta como inexplicável enquanto objeto de reflexão? E se, ao contrário, não caíssemos na tentação de transformar o “exótico em familiar”, passando a aceitar a existência do primeiro conferindo-lhe status de fundamento ontológico?

Como se pode notar, na perspectiva interpre-tativista, a valorização do conteúdo (cujo estado bruto precisaria ser lapidado e amalgamado pelo antropólogo) faz-se, ao final, em detrimento do vi-venciar propriamente dito: após o ato de experi-mentar a experiência, não mais necessitamos do primeiro, este podendo ser simplesmente descar-tado. Em síntese, substitui-se o verbo (a ação no tempo) pelo substantivo (cujo conteúdo passa a ter status de coisa, estado, significante), procedimento este que, não poucas vezes, pode levar a reificação idealizada da relação então estabelecida.

Contudo, se, para um músico experiente, este não necessita ouvir uma canção para poder com-preendê-la, bastando a ele ter acesso a sua partitu-ra (outra notação gráfica semelhante à prosa tex-tual escrita), a leitura desta não substitui a ação de executá-la ou ouvi-la de fato, de experimentá-la a partir da sensibilização que o contato com os ins-trumentos e seu aparelho auditivo lhe proporcio-naria. Da mesma forma, se, para um antropólogo, não é difícil compreender um ritual qualquer a partir de uma boa descrição etnográfica, isto não significa que o próprio ritual seja destituído de importância ou, então, que possa ser (após vivido) simplesmente esquecido ou deixado de lado. Deste modo, ao fabricarmos um sentido para determina-do fenômeno (seja este um ritual, um mito, uma relação, um conflito, um diálogo etc.), transforma-mos este em algo acessório, redundante, cosméti-co, banal, sem importância (ao menos, em termos antropológicos). Porém, como alerta Segato (1989,

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p. 68): “o ritual não é apenas algo (‘objeto de pes-quisa’) que precisa ser decifrado, destilado em sig-nificado, é também uma vontade”.

Aqui se passa algo parecido ao que a elite bra-sileira fez (e faz, em grande medida) com os povos indígenas que aqui viveram ou vivem: primeiro, matamos os índios, civilizamos seus ritos, mitos, trejeitos e comportamentos para, ato contínuo, passarmos a exaltar alguns destes mesmos ritos, mitos, trejeitos e comportamentos (devidamente selecioandos e purificados) como constituidores de nossa identidade. Ora, tanto o interregno que marcou o tempo da matança (material ou simbó-lica) de uma etnia (indígena) por outra (branca) como os momentos que marcaram a relação entre interlocutores (antropólogo e nativos) vindos de mundos distintos são apagados para renascerem reinterpretados e presentificados na forma de um texto verossímil, obviamente, apenas do ponto de vista de uma das pontas (branca e antropológica) da relação original. Disto, fica a questão: seria pos-sível escapar a tal ato de depuração sem renunciar ao status e a legitimidade disciplinar requeridos dentro do campo da antropologia?

2 NATIVO RELATIVO E RELATIVO ANTROPÓLOGO: PONTOS DE VISTA COMO RELAÇÃO

“É sujeito quem tem alma, e tem alma quem é capaz de um ponto de vista”.

(CASTRO, 1996, p. 126).

Uma outra abordagem contemporânea sobre o discurso nativo e sua relação com o discurso an-tropológico foi elaborada pelo antropólogo Eduar-do Viveiros de Castro. Sua análise tem origem nos estudos por ele realizados junto aos Araweté, povo amazônico cuja compreensão metafísica permite constantes comutações de pontos de vista – por exemplo, entre o eu e o inimigo, entre o humano e o não humano (STTUTMAN et al., 2008). Será a partir da sua longa vivência com os Araweté – a qual, segundo confessou o próprio autor, “foi toda marcada por eles investigando a minha natureza” – que Viveiros de Castro irá construir um “com-plexo conceitual” ao qual chamou inicialmente de “perspectivismo” (Ibid., p.13).

No caso, este último indicaria um modelo cos-mológico ameríndio que contrasta radicalmente com a mitologia clássica ocidental baseada na

separação cultura / natureza. Em linhas gerais, em oposição às teorias evolutivas darwinianas segundo as quais, no princípio, bichos e gentes comungariam uma mesma natureza – sendo que, com o tempo, os segundos teriam se “desa-nimalizado” até virarem humanos –, a concepção cosmogônica de certos povos ameríndios partiria do fato de que, no início dos tempos, todos os se-res teriam sido humanos. Ocorre que, se alguns destes humanos teriam deixado de lado parte da sua humanidade, esta última, no entanto, per-maneceria presente como potencial. Assim, mais ou menos como quando afirmamos que em deter-minada situação fulano “despertou seu lado pri-mitivo”, agindo “como um animal”, tais seres, em determinados momentos, teriam a capacidade de agirem “como um humano”.

Em suma, tal qualidade também faria parte da sua constituição enquanto ser, seja ele natural, sobrenatural ou uma entidade intermediária. Ao invés de uma animalidade comum, partilharí-amos, na origem, de uma humanidade comum, a qual, estando em estado latente, poderia ser, dependendo da ocasião, “despertada” (CASTRO, 2002b). Tal perspectiva perspectivista – com per-dão da aliteração – implica, como se pode notar, uma ruptura ontológica na medida em que, nes-te caso, “a natureza deixaria de ser uma espécie de máximo denominador comum das culturas” (CASTRO, 2002a, p.120). Da mesma forma, ao invés de falarmos em “natureza humana”, tería-

Segato reflete que “tentar compreender passa pela destruição do que quer ser compreendido”.

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mos, segundo este ponto de vista, uma outra hu-manidade, uma “humanidade natural”14.

Vimos anteriormente, a partir da ideia de cír-culo hermenêutico tal como descrito por Geertz, que a construção etnográfica dependeria da ca-pacidade do observador se aproximar, a uma dis-tância média, por um lado, de noções operacionais muito concretas e próximas dos eventos vividos no cotidiano local e, por outro, de conceitos abs-tratos separados da experiência prática nativa propriamente dita. O ajustamento destes dois lugares-olhares permitiria ao observador descre-ver, mapear e interpretar componentes cosmo-lógicos nativos, destrinchando assim concepções fundamentais e fundacionais que membros de um grupo sociocultural têm a respeito do mundo. Par-tindo desta abordagem, Geertz sustenta não só a impossibilidade, mas a desnecessidade metodoló-gica e epistemológica do antropólogo pretender se tornar um nativo. O esforço deste último deveria ir noutra direção, a qual seria precisamente a ten-tativa de encontrar um ponto de equilíbrio onde os pontos de vista nativos poderiam ser captados, capturados e seu universo de significados apreen-dido e interpretado.

Embora Eduardo Viveiros de Castro reconheça, tal como Geertz, que conceitos antropológicos “re-fletem uma certa relação de inteligibilidade entre as duas culturas [nativa e antropológica], e o que eles projetam são as duas culturas como seus pres-supostos imaginados” (CASTRO, 2002a, p.124), as proposições do primeiro recolocam, ou melhor, re-constroem a questão a partir de um outro nível de questionamento. Contrapondo-se à pretensão in-terpretativista de que o procedimento hermenêuti-co permitiria – ainda que não um acesso aos pontos de vista nativos em estado puro – ao menos um “resultado convincente”, um discurso plausível so-

bre o discurso e as práticas do outro, Castro (2002a, p.115) indaga: “o que acontece se recusarmos ao discurso do antropólogo sua vantagem estratégica sobre o discurso do nativo? [...] o que acontece se o tradutor decidir trair sua própria língua?”.

Em sintonia com a afirmação de Segato repro-duzida parágrafos atrás de que “compreender passa pela destruição do que quer ser compreendi-do”, Castro (Ibid., p.116) critica a suposição tácita subjacente (e recorrente) à prática antropológica de que “o conhecimento por parte do sujeito [o an-tropólogo observador] exige o desconhecimento por parte do objeto [o nativo observado]”.

Ao questionar a suposição de que este “observa-dor sorrateiro” deveria abrir mão da “posse emi-nente das razões que a razão do nativo desconhe-ce” (Ibid., p.116), a questão básica manifestada nas proposições geertzianas (a saber: se o ponto de vis-ta do observador alienígena poderia se ajustar ao ponto de vista êmico) passa a ser aqui deslocada. Isso ocorre não “porque o conceito nativo de ponto de vista não coincide com o conceito de ponto de vis-ta do nativo; e porque meu ponto de vista não pode ser o do nativo”, mas, sim, porque a relação do an-tropólogo com o ponto de vista nativo “envolve uma dimensão essencial de ficção, pois se trata de pôr em ressonância interna dois pontos de vista com-pletamente heterogêneos” (CASTRO, 2002, p.123).

A partir deste deslocamento reflexivo sobrevém o fato de que, antes de almejar se apropriar do pon-to de vista nativo, seria preciso direcionar o esforço etnográfico no sentido de buscar perceber, já de saí-da, qual seria o conceito de pontos de vista do outro, isto é, quais as referências conceituais que irão não só norteá-lo e informá-lo, mas também significá-lo. No encontro do nativo com o não-nativo, esquece-mos que, além de existirem dois diferentes pontos de vista sobre o mundo (o que inclui o sentido dado ao próprio evento “encontro”), este ato em si (ter pontos de vista sobre algo) supõe a existência sub-jacente de distintos sistemas de significados táci-tos, em alguma medida abstratos e que são defini-dos a partir de experiências passadas de ambos em seus respectivos universos sociais.

Eis aí justamente um dos elementos centrais que impede qualquer ambição de dominar por com-pleto o ponto de vista nativo. Visto que o passado não é repetível (como uma experiência de labora-tório, por exemplo), ou seja, como aquilo que foi vi-vido não pode ser replicado ou revivido tal e qual

14 Especificamente sobre a questão da relação esta-belecida entre os pontos de vista nativo e exótico (fami-liar e não familiar, dentro e fora, próximo e distante), as propostas elaboradas por Viveiros de Castro podem ser encontradas basicamente em três textos principais: “O Nativo Relativo” (2002); “Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio” (1996) e uma coletânea sobre o autor organizada por Renato Sztutman junto com outros pesquisadores que inclui entrevistas e textos escritos pelo e sobre o autor (SZTUTMAN et al., 2008). Além destes, importante citar também o trabalho de Tânia Stolze Lima (1996), a qual tem agregado e compartilhado com Eduar-do Viveiros de Castro contribuições relevantes ao debate.

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uma experiência passada (o que não quer dizer que esta não possa ser presentificada na forma de uma narrativa), todo um conjunto de pré-disposições, sensibilidades, expectativas e auto-interdições ja-mais poderá estar acessível ao olhar daquele que “chegou depois”.

Neste ponto, uma interpretação antropológica mais “convencional” tenderia a imaginar a nature-za como sendo percebida e apreendida a partir de diferentes pontos de vista. Em, suma, o que variaria seriam as pessoas, suas idiossincrasias e suas pers-pectivas sobre um mundo dado, sobre uma mesma natureza. O mesmo ocorre quando seguimos um ponto de vista “relativista”, visto que, como notou Gordon (2009, p.3) em seu prefácio à Invenção da cultura, de Roy Wagner (2010), também neste caso será “preciso estabelecer um ponto fixo em relação ao qual as coisas são relativas. No caso do relati-vismo cultural, o ponto fixo é a natureza. Só pode haver diferença no interior da cultura”.

Contudo, ao contrário do sistema compreensivo ocidental, para o qual só haveria uma realidade material, um único espaço físico, sobre o qual inci-dem diferentes pontos de vista (orientados segun-do diferentes “culturas”), um dos elementos chave para Viveiros de Castro é que, no pensamento de diversas etnias ameríndias, só há uma cultura. As-sim, só existiria uma forma de ver o mundo (um ponto de vista) e o que variaria seria o próprio mundo e não a forma de vê-lo. A partir desta in-versão do problema, a questão dos pontos de vista é reformulada pelo autor:

Qual é o ponto de vista dos índios sobre o ponto de vista? Não se trata de perguntar qual é o ponto de vista dos índios sobre o mundo, porque essa per-gunta já contém sua própria resposta. Ela supõe que o ponto de vista é uma coisa, o mundo uma outra, que o mundo é exterior ao ponto de vista e que é necessário que se deixe o mundo quieto (isto é, nas mãos dos cientistas duros) para fazer variar o ponto de vista (questão para os cientis-tas macios). É necessário ancorar o ponto de vista na realidade objetiva como um balão preso à ter-ra por um fio, isto é, para poder fazê-lo divagar, flutuar sem perigo de se perder no ar; o “mundo” é mais importante que todos os nossos pontos de vista “sobre” ele (SZTUTMAN et al., 2008, p. 109).

Ao se debruçar sobre esta espécie de divisão so-cial do trabalho científico (“cientistas duros” ficando encarregados de explicar o mundo material; “cien-

tistas macios” ficando com a tarefa de descrever as distintas perspectivas sobre este mesmo mundo), Viveiros de Castro utiliza como metáfora um com-passo, instrumento este que necessita de uma haste fixa (o mundo) para que o restante do compasso (as perspectivas) mova-se sobre si mesmo. Ocorre que, no pensamento ameríndio, a cultura é que cumpri-ria o papel de ponto fixo, existindo apenas uma cul-tura sobre a qual variam os corpos que incorporam esta cultura. No ponto onde as hastes se encontram é o momento “imediativo” da natureza e da cultura e, neste nível, ambos se encontram e não pode se di-zer o que é fixo (humano) e o que é móvel (natureza).

Segundo esta concepção, a realidade é real sem-pre para alguém. Como argumenta Lima (1996, p. 31), “seja um ser ou um acontecimento – e as evidências que minha análise permitirá destacar apontam para a não pertinência dessa distinção entre substância e acontecimento na cosmologia Jurun –, o que existe, existe para alguém”15. Deste modo, algumas frases utilizadas pelos Juruna em seu contato com Tania S. Lima (tais como: “o bi-cho virou onça para ele”, “choveu para mim” e “não choveu onde eu estava”) constituem, de fato, parte do procedimento de relacionar a haste variante do compasso (o mundo, a “onça”, a “chuva” etc.) à haste fixa (o ser, “ele”, “mim”, “eu”), o que faz com que até mesmo acontecimentos aparentemente (ao menos para os não nativos) independentes, contingentes e alheios à presença humana, segundo a cosmologia Juruna, sejam vinculados (segundo o ponto de vista do centro) para alguém.

De certo modo, se aceitarmos a proposição acima, nos aproximamos do caráter mágico e misterioso a que se refere Segato (1989) subjacente a este concei-to de ponto de vista. Porém, neste caso, o misterio-so (que, para cientistas mais “duros”, pode ser lido como falso, erro, ilusão, engano ou, então, ilógico, incoerente, absurdo e, para os mais “moles”, como irredutível, circunscrito, conjuntural e referente a uma dada cultura, seja ela Juruna, Araweté ou ou-tra qualquer) nos conduz a fazer outro tipo de per-gunta: então, a final, quem é este “alguém”, isto é, quem é a haste fixa em torno da qual giram coisas, acontecimentos, seres e entidades?

Na cosmologia de não poucas etnias ameríndias, por outro lado, o que é posto em dúvida é justamente a existência do eu, pois este será sempre relativo: afi-

15 Grifos da autora.

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nal, quem seria o humano (a haste fixa) no momento em que, na floresta, uma onça encontra um Arawe-té? Quem seria “natureza” neste momento: a onça ou este último? Sobre tal possibilidade, comentam Sztutman et. al. (2008, p. 98): “nunca se tem certeza de quem se é, porque os outros podem ter uma idéia muito diferente sobre isso e conseguir impô-la a nós: a onça que encontrei na floresta tinha razão, era ela o humano, eu não era senão sua presa animal. Eu era uma anta ou um veado, talvez um porco”.

A nova síntese inaugurada por Viveiros de Cas-tro reside no fato de que os pontos de vista criam su-jeitos, distinguindo-se assim da concepção ociden-tal, para a qual o ponto de vista cria objetos. Como esta perspectiva só pode aparecer aos olhos dos outros, o ponto de vista é pura diferença, devendo assim ser pensado. Ao ser desejado pelo outro como uma perspectiva, o sujeito não seria aquele que se pensa como sujeito, mas aquele que é pensado como sujeito (SZTUTMAN et al., 2008 p.119). Em suma, de acordo com tal referencial, a ambiguidade natu-ral seria a regra, a certeza humana, a exceção, e a relação estabelecida entre ambas, algo sempre pre-viamente aberto e indefinido.

3 EXPERIÊNCIA DO PONTO DE VISTA E PONTO DE VISTA COMO EXPERIÊNCIA

Um afeto não pode ser controlado ou removido a não ser por um afeto mais forte. Nenhum afeto pode ser controlado pelo verdadeiro conhecimen-to do bem e do mal só porque esse conhecimento seja verdadeiro, porém somente na medida em que ele seja considerado um afeto. Espinosa (ano apud HIRSCHMAN, 1979, p. 28).

Como se pode ver, temos à frente diferentes modos de abordar a questão do (des)encontro en-tre pontos de vista distintos (ou mundos distin-tos, cosmologias distintas, realidades distintas, naturezas distintas e assim por diante). Tanto Goldman (2006a) como Castro (2002b) apontam para a impossibilidade de que o ponto de vista do pesquisador se transforme nos pontos de vista nativos. No máximo, estabelecemos uma ligação com estes últimos que envolve “uma dimensão de ficção, pois se trata de pôr em ressonância in-terna dois pontos de vista completamente hete-rogêneos” (op. cit., p.123). Ao que complementa-ríamos lembrando que tal ressonância se daria não entre dois, mas entre vários pontos de vista

heterogêneos, visto que, qualquer que seja o uni-verso social delimitado, há diversidade e alteri-dade internas.

De todo modo, a ideia central dentro do mains-tream antropológico é a de que a etnografia depen-deria, em alguma medida (seja ela qual for), de uma identificação – positiva na maioria das vezes, mas nem sempre, vide o famoso caso Capranza-no (1985)16 – do antropólogo com aquelas pessoas com quem escolheu interagir durante um período de tempo, possibilitando assim captar seu ponto de vista. Dentro deste pressuposto, o observador seria alguém com capacidade de apreender a re-alidade que os nativos não percebem claramente, visto que, ao contrário de interpretá-la, apenas a vivenciariam como experiência cotidiana.

Com Geertz (2007), este ponto de vista sobre o ponto de vista nativo levaria a necessidade do antropólogo procurar se colocar em um pon-to mediano, entre o fragmento concreto local (a experiência vivida) e o abstrato conceitual in-formado pelo fazer antropológico (a experiência traduzida), fechando assim o exercício do círculo hermenêutico. Contudo, vimos que Segato criti-ca tal intuito ao enfatizar que este procedimento de purificação (desencantamento da experiência e seu consequente reencantamento racionaliza-dor) elimina, como questão antropológica, o ca-ráter imponderável e intraduzível contido no ato mesmo de experienciar uma relação.

Neste ponto Segato (1989), ao ressaltar a neces-sidade de se “recuperar a dimensão da experiência em si”, se aproxima de Goldman (2006b) quando este incita o etnógrafo a partir para um “mergulho sem reservas” no imaginário nativo, levando este a sério ao ponto de enfrentar a magia e o misté-rio que o cerca sem buscar substituí-los por uma explicação razoável (ainda que provisória ou rela-tiva). Quando a primeira comenta que, no caso de um ritual ou experiência mística, quem está dele participando precisaria deixar ser por ele captura-do, não está longe da argumentação de Goldman (2006b; 2004) quando este desafia o antropólogo a adotar uma intenção declarada de, vivendo junto com seus interlocutores, se deixar ser afetado pelo ponto de vista daqueles com quem convive.

16 O referido autor decidiu conviver, em uma pequena localidade da África do Sul, com africaners em relação os quais, segundo ele próprio, não sentia inicialmente qualquer tipo de simpatia ou afinidade.

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Já o perspectivismo de Viveiros de Castro coloca a questão de outro modo: não se trata de pretendermos nos colocar “no lugar” do nativo com os quais convive-mos ou mesmo de traduzi-lo, mas, sim, de perceber o que este último entende por “lugar”: quem é e o que é colocado onde e por quem? Tendo em vista que, em certo momento, o sujeito (o humano) com quem nos relacionamos poderá ser uma pessoa, uma onça, uma árvore, um ancestral, levar às últimas consequências tal possibilidade tende a esvaziar de sentido, em larga medida, separações ontológicas ocidentais tais como sujeito/objeto, natureza/cultura, local/global, natural/sobrenatural. Como neste caso o ponto de vista cria o próprio sujeito (e não o contrário), deslocando o ponto fixo tradicionalmente presente na análise antropoló-gica, a própria ideia de “nativo” perde centralidade.

Sobre este aspecto específico, é já conhecida a in-versão à provocação de Gertz acerca do fato de que seríamos “todos nativos” feita por Roy Wagner (2010) quando este afirma sermos “todos antropólogos”. Na mesma direção, comenta Castro (2004), “fazer antro-pologia é comparar antropologias, nada mais nada menos”. Mas tal procedimento não significa de modo algum um artifício retórico, fato este muito bem per-cebido por Gordon (2009) em seus comentários acer-ca da inversão proposta por Roy Wagner:

a suposição de que “somos todos nativos” signifi-ca isto : “nós”, antropólogos , também somos na-tivos. É uma afirmação que recai sobre o Mesmo. A ideia de Wagner, “somos todos antropólogos”, ao contrário, recai sobre o Outro. Ela quer dizer: “eles”, os nativos, também são antropólogos. Os pós-modernos proclamavam a condição nativa do antropólogo, embora pareçam claramente estar pensando: somos nativos, tudo bem, mas somos mais alguma coisa. Wagner, ao proclamar a condição antropológica do nativo, sugere uma implicação mais interessante: eles são antropólo-gos, mas não são apenas isso. (GORDON, 2009).

Tal mudança de perspectiva permite deslocar o foco da prática antropológica baseado na tra-dicional distinção entre “nós e eles” (ou “eu e o outro”) para pensar o que haveria “entre” ambos, o que, por sua vez, traz à tona a dimensão “re-lacional” também trabalhada por Castro (2002). Como novamente argumenta Gordon (2009, p. 2) “não há entendimento antropológico que não seja imediatamente uma relação entre duas ‘entida-des’ equivalentes: a ‘cultura’ do nativo e a ‘cultu-ra’ do antropólogo”.

É neste sentido que ganha relevância a noção de “experiência” tal como trabalhada por Goldman (2006b), o qual propõe pensá-la não como um even-to ou fato passado que termina por ser traduzido, etnografado ou analisado, mas, sim, como a pró-pria relação, isto é, o “entre” vivido por “nós e eles” ou por “eu e os outros”. Ao pensarmos dificuldades relacionadas ao trabalho antropológico a partir deste tipo de divisão, estaremos aceitando um tipo de paradoxo tal como foi descrito por Gregory Ba-teson e comentado por Goldman (2006b, p. 166): um double blind, “espécie de armadilha em que so-mos apanhados quando nos defrontamos com in-junções conflitantes que não nos deixam margem de manobra porque ‘não importa o que se faça, não se pode vencer”.

Sobre tal encruzilhada, este último comenta que a única saída para dela escapar seria “recusar os próprios termos em que a falsa alternativa nos é colocada, ou seja, recusar as regras daquele jogo, substituí-las por outras” (GOLDMAN, 2006b, p. 166). Tal procedimento inicia justamente pelo questionamento dos termos em que se daria a des-crição de uma experiência. Ao partir da distinção “nós” e “eles” ou, então, da separação de um “an-tes” e um “depois” de uma experiência marcante (por exemplo, o caso vivido por Goldman duran-te um ritual fúnebre em Ilhéus17), somos levados

17 Em 1998 este antropólogo, depois de transportar em seu carro objetos rituais de uma filha-de-santo que havia falecido até o lugar onde seriam “despachados”, no momento do “despacho” escutou tambores tocando ao longe. Sobre o evento, Goldman (2006b, p. 165) comenta ter primeiro imaginado “serem atabaques, depois algum ensaio de algum bloco afro ou coisa parecida”. Porém, depois de retornar ao terreiro, ao conversar com um dos filhos da mãe-de-santo, este lhe contou que “em 1994, por ocasião de um ritual relativo aos 21 anos de morte de sua avó (antiga e famosa mãe-de-santo daquele mesmo terreiro), ele levara um despacho exatamente no mesmo lugar de onde eu acabava de voltar. De repente, ele dis-se, começou ‘a ouvir os atabaques tocarem’, perguntando então aos demais se havia algum terreiro de candomblé por lá, ao que todos responderam que não. De volta ao terreiro, narrou o ocorrido a sua mãe e a outras pessoas mais velhas, que ficaram muito contentes já que o fato dos atabaques tocarem é um bom sinal, pois significa que os mortos estão aceitando receber em paz o espíri-to ou a oferenda em jogo. Senti então um leve arrepio e disse a meu amigo que eu também ouvira atabaques tocarem; ele não fez nenhum comentário e mudou de as-sunto. Percebi, então, que os tambores que ouvira não eram deste mundo”.

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a, tal como alertou Segato, fazer desaparecer (ou então, fazer aparecer na forma de uma ex-plicação lógica) aqueles momentos em que nos esquecemos que somos antropólogos e simples-mente vivemos com determinadas pessoas.

Se no mundo da razão somos poderosos (pois o controle está em nossas mãos), no mundo mágico geralmente nos sentimos confortáveis, pois justamente neste caso não precisamos ou mesmo desejamos tal controle. Já o ato de ex-perienciar implica em alguma medida abrir a guarda e sair de si, sair do próprio pensamen-to para entrar na pragmática da prática. Daí a necessidade de se dar a chance (se colocar na posição) de nos desarmar e enfrentar o perigo transformador do mistério, da contingência, do desconhecido e do estar com os outros sem buscar defini-los ou substituí-los por uma ex-plicação lógica.

Assim, se tomarmos, por exemplo, um efei-to sonoro como o que se conhece por “ruído”, temos toda a liberdade de escutá-lo como ba-rulho, como música ou mesmo como sendo as duas coisas (ruído e música) ao mesmo tempo. O mesmo ocorre no caso clássico trazido por Goldman acerca dos “tambores” por ele ouvidos em Ilhéus: seriam tambores do “além”, tocados “pelos vivos” ou ambos os casos. A questão que se interpõe aqui ao etnógrafo é, dirá este últi-mo: diante deste tipo de doble blind, e se não aceitarmos a imposição da dúvida? E se imagi-narmos uma outra alternativa, ou melhor, um outro modo de pensar a questão que escape do “ou/e isto ou/e aquilo”?

Em última instância, se trata de privilegiar o tempo da travessia dando status heurístico ao próprio mistério que a envolve. Contudo, ao contrário de ser encaixado em algum tipo de explicação racionalizante – seja ela mais “rea-lista-objetivista” ou mais “idealista-teológica” (GOLDMAN, 2006b) –, pensar o “entre” signi-fica dar espaço para o ainda não imaginado ou, segundo Goldman, para o “devir”. Neste caso, o mágico, o misterioso, o inexplicável funciona-riam como uma espécie de combustível a ten-sionar a imaginação antropológica. Ao contrá-rio de pretender se colocar no lugar do outro, seria preciso deixar-se ser afetado pela relação entre “eu e os outros” em seu duplo sentido, isto é, sendo impactado pela experiência mú-

tua e, igualmente, tocado e sensibilizado por ela ao ponto disto levar a algum tipo de “trans-formação” criativa. Como comenta Gordon:

[...] trata-se de entender o ‘outro’ não apenas como diferente, mas, sobretudo, como possi-bilidade de alteração. A diferença existe sim, mas ela não está onde usualmente a coloca-mos. Ou, melhor ainda, a diferença não pode ser localizável. Não há diferença em lugar nenhum porque a diferença é um devir – um diferir. Ela não está na cultura A ou na cul-tura B, mas sempre entre A e B. (GORDON, 2009, p. 3).

Como percebeu Goldman (2006b) sobre o modus operandi de muitos antropólogos, há entre estes “uma tendência a subordinar as práticas e ideias muito concretas com que se defrontam no campo a princípios gerais que su-postamente serviriam para dar conta do que é observado”. Daí a prática comum de “localizar” a diferença, comentada por Gordon ou, como sugere Goldman (2006b), de “literalizar” dinâ-micas e “experiências sociais sempre múltiplas e polifônicas”.

Sobre tal procedimento, este último (2006b) argumenta que fixar pontos absolutos desvin-culando-os de seus contextos pragmáticos (por exemplo, como alerta Gordon, tratar “cultura a” e “cultura b” como substâncias e não como diferenças que só existem na relação, ou seja, “entre”) leva ou à simples eliminação das inú-meras ambiguidades e idiossincrasias aí ope-rantes ou a sua purificação racionalizadora. Como consequência, “cultura a” e “cultura b” funcionariam como meras “unidades de medi-da” - para citar novamente Deleuze e Guattari (2000) - adotadas para reduzir um fluxo in-quantificável de afetos, eventos, desejos e su-jeitos à dinâmica estática de um reservatório fechado de “categorias analíticas”.

Voltando à noção de experiência, tal como trabalhada por Goldman (2006b), esta implica pensar e mesmo reagir a “alteridade” estando sempre “se interrogando [...] até onde somos capazes de suportar a palavra nativa [...], de promover nossa própria transformação a par-tir dessas experiências”. Tal opção interpõe a questão do devir como fluxo onde o sujeito sai

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da sua própria condição por meio de uma rela-ção de afetos (espécie de afeição sempre tensa e turbulenta) que, por sua vez, o leva a esta-belecer uma condição outra. Como na epígrafe de Espinosa que abre este tópico, se trata de substituir um tipo de afeto (racionalizador) por outro (transformador) mais forte. Para tanto, é imprescindível que deixemos de pensar o co-nhecimento e o fazer etnográfico como método, passando a tratá-lo também como um tipo es-pecífico de afeto ou, nos termos de Hirschman (1979), de paixão.

Sob tal perspectiva, um indivíduo antropo-logicamente etiquetado como masculino pode-rá se ver atravessado por devires múltiplos e aparentemente contraditórios como um devir feminino coexistindo com um devir criança ou um devir animal. Sobre tal possibilidade, como comentam Deleuze e Guattari:

[...] devires-animais não são sonhos nem fan-tasmas. Eles são perfeitamente reais. Mas de que realidade se trata? Pois se o devir animal não consiste em se fazer de animal ou imitá--lo, é evidente também que o homem não se torna “realmente” animal, como tampouco o animal se torna “realmente” outra coisa. O de-vir não produz outra coisa senão ele próprio. É uma falsa alternativa que nos faz dizer: ou imitamos, ou somos. O que é real é o próprio devir, o bloco de devir, e não os termos supos-tamente fixos pelos quais passaria aquele que se torna. O devir pode e deve ser qualificado como devir-animal sem ter um termo que se-ria o animal que se tornou. O devir-animal do homem é real, sem que seja real o animal que ele se torna; e, simultaneamente, o devir ou-tro do animal é real sem que esse outro seja real. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.18).

A questão que emerge na análise acima é que não basta pretender tornar-se nativo, pensar como nativo ou interpretar o nativo, ao contrário, a afeição turbulenta, tensa e trans-formadora vivida como travessia (o “entre”) permitiria levar aquele que a vivencia a situa-ções em que o intelecto se encontra despreve-nido, fazendo disto não objeto de interpretação transcendente (ou não só ao menos), mas res-peitando-a como relevante por si mesma (daí seu caráter imanente). Ao invés de “traduzir o que foi dito pelo ato (texto) para esquecer o

próprio ato” (Segato, 1989, p.56), a ideia é dei-xar ser afetado até as últimas consequências pelas mesmas forças que afetam nossos inter-locutores sem necessariamente se colocar no seu lugar ou estabelecer uma relação de em-patia (FAVRET-SAADA, 2005). Nas palavras de Goldman (2006a), devir seria o movimento “segundo o qual um sujeito sai de sua própria condição por meio de uma relação de afetos que consegue estabelecer com uma condição outra. [...] um devir-cavalo, por exemplo, não significa que eu me torne um cavalo ou que me identifique psicologicamente com o animal: significa que “o que acontece com o cavalo pode acontecer a mim”.

Neste sentido, também perde relevância a necessidade de uma completa identifica-ção com o ponto de vista do outro, pois o que mais interessa, neste caso, é correr o risco de “tomar parte nos jogos nativos” (GOLDMAN, 2006b, p.170). De fato, como ironiza Goldman (2006a), “a ideia de uma identificação total do etnógrafo com seus nativos parece ser uma dessas figuras muito evocadas e jamais vis-tas na história” da antropologia. Sem contar, como salienta Wolfe (1997 apud CARVALHO, 2002, p. 5), que nosso conhecimento sobre aqueles com quem nos relacionamos “nunca pode ser inocente. Está por demais enfro-nhado numa relação histórica da qual nosso poder é o despoderamento do outro”. Aliás, mesmo a pretensão de traduzir uma “experi-ência” como uma “experiência pessoal” pode ser colocada em questão, afinal, se seguirmos o perspectivismo ameríndio, estar no meio da floresta com uma onça que lhe vê como um javali, por exemplo, seria uma experiência “pessoal” para quem?

Tal modo de pensar a relação antropólogo / nativos amplifica o campo não só dos significa-dos envolvidos, mas, sobretudo, contribui para prolongar seus efeitos. Como o conceito de res-sonância na teoria musical, a possibilidade de experimentar repercute para além do momen-to vivido, intensificando e enriquecendo vibra-ções suplementares cujas conexões jamais po-derão ser medidas, traduzidas ou descritas em sua completude. Ficar atento a estes devires, eis uma prática que nos parece interessante de ser seguida em termos antropológicos.

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41Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 41-42, jan./nov., 2013.

1 Engenheiro Agrônomo da Emater-RS/Ascar.

Uso da adubação verde de inverno em benefício das culturas de verão

Barcellos, Luiz Antônio Rocha1

A adubação verde é uma prática agronômica mi-lenar que já era usada por povos na antiguidade an-tes do cultivo de grãos. Na agricultura contempo-rânea uma coleção de plantas de inverno é indicada para melhoramento do solo, antecedendo às prin-cipais culturas de verão, produzidas na proprieda-de rural para autoconsumo ou geração de renda.

Por que usar a adubação verde de inverno?

Os adubos verdes são plantas semeadas entre o outono e inverno antes das culturas de verão obje-tivando a proteção e aumento da matéria orgânica do solo, reciclagem de nutrientes especialmente fósforo e potássio, fixação de nitrogênio e depen-dendo da espécie, pastoreio de animais.

Principais adubos verdes de inverno.

As plantas mais indicadas entre as espécies das gramíneas são a aveia preta, centeio, triticale, aze-vém, aveia branca e trigo forrageiro e dentre as

leguminosas a ervilhaca comum, trevo vesiculoso, trevo branco, ervilhaca peluda, tremoço azul e er-vilha forrageira. Na família das crucíferas o nabo forrageiro é o mais usado antecedendo a milho ou sorgo, para reciclagem de nitrogênio e descompac-tação de solos.

Como e quando utilizar os adubos verdes de inverno?

Os adubos verdes podem ser utilizados isolados ou consorciados dependendo da espécie de verão a ser planejada. Dentre os consórcios mais comuns têm-se (gramíneas + leguminosas), (gramíneas + le-guminosas + crucíferas) e (gramínea + crucíferas). A consorciação de plantas facilita o melhoramento das condições físicas, químicas e biológicas do solo principalmente em função das diferentes profundi-dades das raízes.

A seguir no Quadro 1, são indicados os princi-pais adubos verdes de inverno, época de plantio, e as culturas anuais de verão que podem ser usadas em sucessão.

Quadro 1 – Indicações de adubos verdes de inverno antecedendo às culturas de verão.

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O triticale pode ser usado para a produção de grãos com uso na ração dos animais e também para a produção de silagem. O trigo forrageiro é considerado de duplo propósito sendo indicado para pastoreio e produção de grãos para fabricação de farinha.

Os adubos verdes indicados também podem ser usados isolados ou consorciados com cultu-ras anuais e cultivos intercalares com pomares caseiros ou comerciais conforme figuras 1 e 2.

Figura 1 – Cultivo intercalar de centeio com pomar de citros em Silveira Martins.

Figura 2 – Tremoço azul. São Francisco de As-sis, 2011.

Quando manejar as plantas para adubação verde?

As espécies de inverno podem ser maneja-das na plena floração principalmente as legu-minosas, porque neste estádio ocorre a maior concentração de nutrientes na parte aérea da planta e o manejo das mesmas através de im-plementos agrícolas facilita a liberação de nu-

trientes para o solo e culturas de verão culti-vadas em sucessão. Na figura 3 é mostrado o plantio direto sem dessecantes de milho na palhada de centeio, a própria máquina duran-te o plantio realizou o acamamento do adubo verde no estádio de grão leitoso.

Figura 3 – Plantio direto de milho sem desse-cantes em palhada de centeio em pé. Júlio de Castilhos, 2001.

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Agroecologia e a multifuncionalidade da agricultura: análise de experiências

no estado de Pernambuco

LIMA, Filipe Augusto Xavier1, MATTOS, Jorge Luiz Schirmer de2, WIZNIEWSKY, José Geraldo3,

VARGAS, Letícia Paludo4.

ResumoO presente trabalho analisa como diferentes situações socioeconômicas, produtivas e am-bientais de agricultores familiares influenciam o desenvolvimento rural. Como está se dando a relação entre Agroecologia e a multifuncionali-dade da agricultura no desenvolvimento rural? Quais as principais dificuldades enfrentadas nesse processo? Para responder a essas ques-tões, a pesquisa que nos serviu de base foi um estudo comparativo a partir de dois municípios do Estado de Pernambuco: Santa Cruz da Baixa Verde, no Sertão, e São Lourenço da Mata, lo-calizado na região metropolitana do Recife. Por 1 Engenheiro Agrônomo e Licenciado em Ciências Agrícolas, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi,

Km 09 - Campus, Prédio 44, Sala 5106, CEP 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected] Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Rua Dom Manoel de

Medeiros, s/n, Dois Irmãos - CEP 52171-900 - Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] Professor do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi, Km 09 - Campus, Prédio 44, Sala 5106,

CEP 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected] Zootecnista. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM). Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi, Km 09 - Campus, Prédio 44, Sala 5106, CEP 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected]

esse meio, identificaram-se, no âmbito da Agroe-cologia e da multifuncionalidade da agricultura, as dificuldades e potencialidades de estratégias de reprodução dos agricultores familiares dos municípios em questão.Palavras-chaves: Agricultura familiar. Desenvolvimento rural. Pnater. Transição agroecológica.

Agroecology and the agriculture multifunctionality: analysis of experiencies in

the State of Pernambuco

Abstract This paper analyzes how different socioecono-mic situations, productive farmers and environ-mental influence rural development. How is the relationship between giving Agroecology and

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 43-53, jan./nov., 2013.

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multifunctionality of agriculture in rural deve-lopment? What are the main difficulties in this process? To answer these questions, the resear-ch that served as the basis was a comparative study from two cities in the state of Pernambu-co: Santa Cruz da Baixa Verde, in the Hinter-land, and São Lourenço da Mata, located in the metropolitan area of Recife. By this means, we identified within the Agroecology and the multi-functionality of agriculture, the difficulties and potentialities of reproduction strategies of far-mers in the municipalities concerned.

Keywords: Family farming. Pnater. Rural development. Agroecological transition.

1 INTRODUÇÃOCom o objetivo de analisar como diferentes

situações socioeconômicas, produtivas e am-bientais de agricultores familiares influenciam o desenvolvimento rural, este trabalho aborda duas experiências de transição agroecológica envolvendo agricultores familiares dos muni-cípios de Santa Cruz da Baixa Verde, na me-sorregião do Sertão, e São Lourenço da Mata, localizado na região metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco.

Trata-se de dois espaços regionais de tamanho pequeno a médio. Voltados anteriormente para a agricultura pautada no monocultivo da cana--de-açúcar, ambos os municípios concentram atualmente importantes experiências de tran-sição agroecológica, as quais se desenvolveram

no primeiro caso, a partir da década de 1990, e no segundo caso, nos anos de 2000. Sujeitos aos mesmos efeitos de um modelo de agricultura de caráter predatório para as populações rurais menos favorecidas, o processo de transição agro-ecológica desses dois municípios foi motivado, a princípio, para fazer frente aos manejos tradi-cionais associados à cana-de-açúcar, centrados num modelo convencional e excludente de agri-cultura, característico da Revolução Verde.

No município de Santa Cruz da Baixa Ver-de, alguns agricultores participaram de um processo de transição agroecológica5 que contou inicialmente com o apoio do Sindicato de Traba-lhadores Rurais de Triunfo, do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (Deutscher En-twicklungsdienst – DED) e do Centro de Desen-volvimento Agroecológico Sabiá, durante a dé-cada de 1990.

Dentro desse processo de transição, foi fun-dada no ano de 1996, a Associação de Desen-volvimento Rural Sustentável da Serra da Baixa Verde (Adessu Baixa Verde). A Adessu iniciou sua trajetória com o número de doze fa-mílias e tinha, dentre seus objetivos: desenvol-ver atividades agrícolas que gerassem renda e preservassem o meio ambiente, promover a organização dos agricultores, trabalhar o pro-cesso de beneficiamento e comercialização da produção e incentivar a integração de jovens e mulheres ao trabalho.

Atualmente, além do Centro Sabiá, a também organização não governamental Centro de Edu-

cação Comunitária Ru-ral (Cecor) e o Instituto Agronômico de Pernam-

5 Para Caporal (2009), por se tratar de um processo social, ou seja, por depender da ação humana, a transição agroecoló-gica implica não somente a bus-ca de uma maior racionaliza-ção econômico-produtiva, mas também uma mudança nas atitudes e valores dos atores en-volvidos, seja nas suas relações sociais, seja nas suas atitudes com respeito ao manejo e con-servação dos recursos naturais.

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buco (IPA), que é o órgão estadual responsável pelos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural em Pernambuco, em parceria com asso-ciações e sindicatos locais, também vem desen-volvendo projetos voltados para o fortalecimento da agricultura familiar no município.

No caso do município de São Lourenço da Mata, alguns agricultores do Assentamento de Reforma Agrária Chico Mendes III estão partici-pando de um processo de transição agroecológica participativa para o fortalecimento das famílias agricultoras no que concerne a sua produção e reprodução, iniciado no ano de 2008, com o apoio da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O assentamento está dividido em cin-co núcleos familiares, cada um com onze famí-lias, totalizando 55 famílias assentadas.

A produção agropecuária no assentamen-to Chico Mendes III é diversificada, porém em pequena quantidade. A pouca renda familiar advém do período de colheita com a venda de milho, feijão, mandioca e em alguns casos da aposentadoria. A degradação do solo, a baixa produtividade, a ocorrência de pragas na mono-cultura do milho, do feijão e da mandioca tem resultado em baixa produção de alimentos e de renda para as famílias. Isso está obrigando mais famílias do Assentamento Chico Mendes III a buscar novas alternativas de fazer agricultura,

menos danosas ao meio ambiente visando a recuperação da ferti-lidade do solo e da vegetação do local (MATTOS et al., 2010).

Uma alternativa viável eco-nômica e ambientalmente em municípios pernambucanos tem sido a adoção de modelos de agri-culturas de base ecológica, que ge-ram renda e recuperam a fertilida-de do sistema.

Nesse sentido, a adoção de sis-temas diversificados como a agro-floresta, a base de plantas frutífe-ras e essências florestais nativas da região, policultivos diversifica-dos tornaram-se uma alternativa viável econômica e ambiental-mente para as famílias de Chico

Mendes III. Contudo, isso somente logrará êxito se alicerçada em processos educativos dialógicos e participativos que compreendam os assenta-dos como protagonistas das suas próprias ações e os extensionistas como facilitadores destes processos educativos (MATTOS et al., 2010).

A opção então foi iniciar o processo de transi-ção agroecológica a partir do conhecimento dos assentados, por meio de visitas de intercâmbio a propriedades de base ecológica e constituir Uni-dades Experimentais Agroecológicas (UEA) para estudar sistemas de produção agroecológicos en-volvendo policultivos com hortaliças, agrofloresta e adubação verde, com vistas à comercialização.

A partir dessas experiências, cabe-nos ques-tionar: Como está se dando a transição agroe-cológica entre os agricultores familiares? Como está se dando a relação entre Agroecologia e a multifuncionalidade da agricultura para o pro-cesso de desenvolvimento rural? Quais as prin-cipais dificuldades enfrentadas nesse processo?

Por meio do uso de métodos de base qualitati-va, essas questões foram analisadas tendo como referência empírica dois estudos de caso circuns-critos nos municípios de Santa Cruz da Baixa Verde e de São Lourenço da Mata, onde foram realizadas entrevistas com agricultores familia-res e com representantes de associações. Foram também realizadas visitas aos agricultores dos

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municípios para observação direta da rotina dos trabalhos de produção e comercialização e utili-zados dados fornecidos por fontes secundárias, a exemplo da Associação de Desenvolvimento Sustentável da Serra da Baixa Verde (Adessu Baixa Verde), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Centro de Desenvol-vimento Agroecológico Sabiá. Este último, par-ticularmente, dispõe de cadastros de produtores atualizados, com informações como localização/endereço das unidades produtivas do município de Santa Cruz da Baixa Verde, caracterizando--se, dessa forma como um veículo importante para execução da pesquisa.

A importância deste trabalho está na possi-bilidade de contribuir para a compreensão e aprofundamento teórico em torno dos aspectos relacionados à adoção de uma estratégia de base ecológica na produção, comercialização e gera-ção de renda, trazendo subsídios para as políti-cas públicas de desenvolvimento rural voltadas aos agricultores familiares.

2 AGROECOLOGIA E A MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA

Nos últimos anos, em oposição ao modelo de agricultura convencional, diversos estilos de agricultura têm sido adotados em diferen-tes localidades. Inicialmente, tais estilos de agricultura foram denominados de agricultura alternativa, constituindo entre os exemplos, a agricultura biodinâmica, a orgânica, a bio-lógica, a natural, a ecológica, a permacultu-ra, e a agroecológica, que mais recentemente passaram a ser chamadas de manifestações de agriculturas de base ecológica e agriculturas sustentáveis (COSTABEBER, 1998).

Atualmente, a Agroecologia é uma das op-ções que vêm sendo destacadas como um cam-po de conhecimento científico que vai orientar uma agricultura sustentável e economicamen-te rentável e promissora, pois, como observam Candiotto, Carrijo e Oliveira (2008), além de produzir sem a dependência do uso de agro-tóxicos, encontra-se destinada à subsistência e à qualidade de vida do agricultor familiar e

de sua família, promovendo também sua in-serção em um mercado de produtos gerados a partir da agricultura sustentável que vem se ampliando cada vez mais. Entretanto, a litera-tura especializada adverte que a Agroecologia não se orienta apenas pela busca por merca-dos de nichos, nem se pauta tão-somente na substituição de insumos químicos por insumos orgânicos ou ecológicos.

A corrente agroecológica é bem mais abran-gente, e sugere a consolidação dos processos de manejo e desenho de agroecossistemas susten-táveis, numa perspectiva de análise sistêmica e multidimensional (CAPORAL; COSTABEBER, 2007b). Caporal e Costabeber (2007a) admitem que, diferentemente de procedimentos agrícolas que se orientam exclusivamente pelo merca-do e pela expectativa de um bom desempenho econômico, as práticas de agriculturas susten-táveis se apoiam na ideia de justiça social e de proteção ambiental, contribuindo, assim, mais eficazmente para o desenvolvimento rural. Para Saquet (2008), a Agroecologia nos remete a uma agricultura menos agressiva ao meio ambiente, capaz de promover a inclusão social, proporcio-nando melhores condições econômicas aos agri-cultores, aliada à segurança alimentar dos pró-prios produtores e consumidores em geral.

Em essência, a literatura especializada admite que a Agroecologia vem se constituindo em um novo paradigma de desenvolvimento rural em todo o mundo, apresentando-se como uma ciência integradora de diferentes disciplinas científicas, sendo atribuída como sua principal característica a capacidade de se nutrir dos saberes, conheci-mentos e experiências dos agricultores, extensio-nistas e dos demais atores sociais envolvidos em processos de desenvolvimento rural, incorporan-do o potencial endógeno local em suas ações (CA-PORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2006).

Enquanto novo paradigma, atribui-se à Agro-ecologia a capacidade de contribuir para o en-frentamento da crise socioambiental e da crise agrícola-ecológica presentes em nossa época (ALTIERI, 2009; CAPORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2006). O que, segundo Altieri (2009), se torna possível, porque a Agroecologia forne-ce as bases metodológicas para a compreensão,

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do desenvolvimento agrícola, pois este modelo tem suas práticas fundamentadas no conheci-mento tradicional local da agricultura, aliadas a conhecimentos e métodos ecológicos moder-nos. Isso significa dizer que a Agroecologia não restringe suas práticas tão somente ao modo rústico e artesanal de produzir alimentos e criar animais, ou seja, ela também é adepta de algumas tecnologias modernas, sendo que es-tas, impreterivelmente, devem estar apropria-das à realidade de cada agricultor.

De acordo com Caporal e Costabeber (2007a), a Agroecologia, enquanto enfoque científico, destina-se a apoiar a transição dos atuais mo-delos de desenvolvimento rural para novos modelos de agriculturas sustentáveis. Ou seja, trata-se de um enfoque agroecológico, que, segundo Gliessman (2001), pode ser definido como a “[...] aplicação dos princípios e conceitos da Ecologia no manejo e desenho de agroecos-sistemas sustentáveis.” (p. 56). Nesta mesma linha de análise, Costabeber (2004) acrescenta que, além dos princípios da Ecologia, outras diversas áreas de conhecimento, como a Agro-nomia, Sociologia, Antropologia, Comunicação e Economia Ecológica estão presentes no enfo-que agroecológico, e que, somente através de uma constante interação entre elas, é possível tornar os agroecossistemas mais sustentáveis através do tempo.

Gomes de Almeida (2009) ressalta que esse enfoque agroecológico passou a fazer parte das propostas e reivindicações da maioria dos grandes movimentos sociais do campo, seja como elemento estruturador de suas ações, ou como um campo de inovação, que deve ser exercido pelos movimentos e apoiado pelas po-líticas públicas.

Outro aspecto que vem sendo destacado na literatura diz respeito às especificidades de técnicas ecológicas, que não tentam mo-dificar ou transformar de forma radical os ecossistemas, mas tratam de identificar ele-mentos de manejo que, uma vez incorpora-dos, conduzem a uma otimização da unidade de produção (ALTIERI, 1996). Isso porque, a Agroecologia pressupõe o uso de tecnologias alternativas e heterogêneas, com adequa-

tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais eles funcionam.

No Brasil, segundo Schmitt (2009), a Agroeco-logia passou a se afirmar como uma referência conceitual e metodológica, sobretudo a partir da década de 1990, quando a incorporação dessa abordagem por uma parcela significativa das organizações da sociedade civil, ligadas às for-mas alternativas de agricultura, foi precedida por diversas críticas e contestações aos impactos sociais e ambientais gerados pela modernização conservadora da agricultura brasileira.

Tais discussões, como observam Petersen, Dal Soglio e Caporal (2009), têm se refletido no âmbito do ensino nas universidades e órgãos de pesquisa e extensão, revelando, segundo es-ses autores, a existência de sinais de mudança na academia diante dos efeitos negativos da modernização agrícola sobre a sociedade e a natureza. Este fato vem contribuindo para que a Agroecologia venha ganhando cada vez mais espaço para a firmação de um desenvolvimen-to rural menos predatório, através de um uso mais sustentável das terras e do meio ambien-te (BALESTRO; SAUER, 2009).

Com efeito, a Agroecologia vem sendo reco-nhecida, mundialmente, pela literatura e pelos atores do mundo rural (agricultores, pesquisa-dores, extensionistas etc.), como uma aborda-gem alternativa da agricultura para a promoção do desenvolvimento rural sustentável (ALTIE-RI, 2009; GLIESSMAN, 2001). Os estudiosos do assunto admitem que a Agroecologia seja capaz também de permitir a construção do conheci-mento a partir da interação de saberes entre os diferentes atores locais (BURG, 2006).

Apesar de ainda ser considerada uma noção nova, Almeida (2003) observa que

[...] a Agroecologia está cada vez mais presen-te nos debates sociais atuais, pela frequente associação às noções de agricultura e desen-volvimento sustentáveis, tendo uma incidên-cia em espaços geográficos e sociais bem cir-cunscritos. (p. 5).

Nesta perspectiva, Theodoro, Duarte e Ro-cha (2009) afirmam que a Agroecologia repre-senta uma nova abordagem de agricultura e

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ção às características locais e à cultura das populações e comunidades rurais que vivem numa determinada região ou ecossistema e que irão manejá-las (CAPORAL; COSTABE-BER; PAULUS, 2006).

Além disso, a literatura também desta-ca que a Agroecologia é capaz de promover o resgate das tradições da produção de ali-mentos saudáveis, principalmente por per-mitir a realização de antigas práticas agrí-colas que foram esquecidas ou totalmente abandonadas durante o período da moderni-zação no campo, que visou somente a adoção de tecnologias e a disseminação de insumos da Revolução Verde (SALDANHA; ANTON-GIOVANNI; SCARIM, 2009). Em suma, a principal proposta da Agroecologia seria, se-gundo Almeida (2003), a de se alcançar uma nova forma de desenvolvimento, que se apoia na potencialidade da diversidade social dos sistemas agrícolas, principalmente daqueles que mais se assemelham ao sistema campo-nês de produção.

A literatura ressalta ainda que as propos-tas de desenvolvimento agrícola sustentável, pautadas nos princípios da Agroecologia, de-vem levar em consideração, além da degra-dação ao meio ambiente, os níveis de pobreza rural (ALTIERI, 1996). Pois, como adverte

Altieri (2009), para que as es-tratégias de desenvolvimento rural possam se tornar eficazes, é necessário que haja um elo entre as questões tecnológicas, econômicas e principalmente as sociais, para o enfrentamento da crise ambiental e da miséria rural que persistem no mundo em desenvolvimento.

Neste sentido, como admitem Caporal e Costabeber (2007b), a Agroecologia seria capaz de apresentar consideráveis contri-buições para a agricultura fami-liar, principalmente em proprie-dades pouco tecnificadas, onde as tecnologias da Revolução Verde não foram adotadas ou

tiveram pouco impacto.6 Para estes autores, a Agroecologia vem se constituindo numa re-ferência, tanto para os estudos do desenvolvi-mento rural, como para o estabelecimento de uma nova compreensão do desenvolvimento agrícola na perspectiva da sustentabilidade.

Atualmente, a literatura especializada reco-nhece que ocorreram avanços no que se refe-re à assimilação de um conteúdo agroecológi-co nas instituições públicas envolvidas com a produção de conhecimento e para a definição de estratégias de desenvolvimento rural (PE-TERSEN; DAL SOGLIO; CAPORAL, 2009). Exemplo disso foi a oficialização da Agroeco-logia pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater7) na sua ar-ticulação com o fortalecimento da agricultura familiar, no ano de 2004, e a criação de uma linha especial de crédito do Programa Nacio-

6 De acordo com Mazoyer e Roudart (2010), a Revo-lução Verde foi desenvolvida por aproximadamente dois terços dos agricultores dos países em desenvolvimento.

7 A referida política destaca como objetivo geral: Esti-mular, animar e apoiar iniciativas de desenvolvimento rural sustentável, que envolvam atividades agrícolas e não agrícolas, pesqueiras, de extrativismo, e outras, ten-do como centro o fortalecimento da agricultura familiar, visando a melhoria da qualidade de vida e adotando os princípios da Agroecologia como eixo orientador das ações (BRASIL, 2004, p. 9).

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nal de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Pronaf Agroecologia, cuja finalidade é o financiamento de projetos de investimento de sistemas de produção agroecológicos ou or-gânicos (BRASIL, 2011). Isso porque, pelo fato de a agricultura familiar possuir uma série de características intrínsecas, que a diferencia de outras formas de ocupações agrárias, como a existência do policultivo, de diferentes escalas de produção, mas, principalmente, pela sua forma própria de exploração agrícola e de or-ganização social, ela é apontada como o seg-mento com as condições mais adequadas para implantação do modelo de produção agroecoló-gica (COSTABEBER, 1998).

Nessa perspectiva, a Agroecologia apresen-ta-se como a referência para o fortalecimen-to da agricultura familiar, através do uso de metodologias participativas, mobilizando os diferentes atores sociais envolvidos no proces-so de Desenvolvimento Rural Sustentável. O que, na concepção de Burg (2006) trará, como consequência, a integração dos universos cul-turais de agricultores, de profissionais de di-versas áreas e de pesquisadores. Como adver-tem Theodoro, Duarte e Rocha (2009), porém, existe um longo processo de aprendizagem a ser traçado, pois o conhecimento em Agroe-cologia não é construído ou gerado de forma instantânea, e que além da apropriação social de seus princípios, práticas e métodos, outros elementos são essenciais para a sua aplica-ção, bem como as condições socioculturais e econômicas em que as populações rurais es-tão inseridas, sua identidade local e até mes-mo práticas religiosas. Assim, a construção do conhecimento em Agroecologia

[...] dá-se através de processos, havendo neces-sidade de integração do conhecimento específi-co e de vários ramos do saber e do emprego de uma visão sistêmica para a organização deste conhecimento (BURG, 2006, p. 139).

A respeito da multifuncionalidade da agri-cultura, Laurent (2000 apud FROEHLICH et al., 2004) afirma que, de um modo geral, ela está relacionada ao reconhecimento de que a agricultura e os agricultores não são respon-

sáveis apenas pela produção agropecuária, ou seja, incorporam-se novas funções à sua dinâ-mica, dentre as quais se destacam: a garantia da qualidade dos alimentos; a manutenção da produtividade do solo; a conservação das ca-racterísticas paisagísticas das regiões; a pro-teção ambiental no meio rural; a manutenção de um tecido econômico e social rural; a con-servação do capital cultural; e a diversificação das atividades rurais.

Ainda de acordo com Laurent (2000 apud SCHMIDT, 2003), a definição de multifun-cionalidade está relacionada a um projeto de sociedade, onde se incluem as funções econô-micas, sociais e ambientais da agricultura. De forma semelhante, Carneiro e Maluf (2003) consideram que a abordagem da multifuncio-nalidade valoriza as peculiaridades do agríco-la e do rural, na medida em que extrapola a noção de agricultura apenas como produtora de bens agrícolas, ampliando o campo de suas funções sociais, como por exemplo, tornando--se responsável pela conservação dos recursos naturais (água, solos e biodiversidade) do pa-trimônio natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos.

A introdução da multifuncionalidade no âmbito dos estudos sobre a agricultura fami-liar vem permitindo analisar a interação en-tre famílias rurais e territórios na dinâmica de reprodução social, na medida em que con-sidera, além dos componentes econômicos, aspectos relacionados ao meio ambiente, à segurança alimentar e ao patrimônio cultural (CAZELLA; BONNAL; MALUF, 2009b).

Para Cazella, Bonnal e Maluf (2009b), a no-ção da multifuncionalidade torna-se útil à re-alidade brasileira, quando considerada como um instrumento de análise dos processos so-ciais agrários, capaz de avaliar aspectos eco-nômicos, dinâmicas e fatos sociais presentes na agricultura, envolvendo as famílias rurais, o território, a sociedade e as políticas públicas. No que diz respeito particularmente à Agroe-cologia, a multifuncionalidade se expressa ao se contemplar as dimensões social e ambien-tal mais do que a dimensão econômica (CA-ZELLA; BONNAL; MALUF, 2009a).

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Neste sentido, a agricultura familiar assu-miria, na perspectiva de Petersen, Dal Soglio e Caporal (2009), a capacidade de valorizar os recursos locais (naturais e socioinstitucio-nais), de criar alternativas para a sua repro-dução, agindo como um mecanismo social que atua contra a desterritorialização de suas co-munidades e a expropriação de seus meios de vida. Como admitem ainda esses autores, tal mecanismo funda-se na busca por uma melhor adequação entre estes recursos e as preten-sões das famílias e comunidades agricultoras.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, em Santa Cruz da Baixa Ver-de, observa-se uma tendência de aumento do número de agricultores e das práticas agro-ecológicas ali desenvolvidas. Isso porque, os agricultores consideram que os aspectos po-sitivos sobressaem-se nessa experiência, seja em termos de aumento da renda, preservação ambiental, criação de espaços de comercia-lização por meio das feiras agroecológicas e participação nos programas governamentais de aquisição de produtos. O que, por conse-guinte, representa elementos importantes para se pensar o desenvolvimento rural.

Atribui-se esse crescimento aos estímulos dados pela prefeitura de Santa Cruz da Baixa Verde e de municípios vizinhos, que incenti-vam o abastecimento com base em produtos orgânicos. Além disso, não se pode descar-tar a importância da política instituída pelo Governo Federal e Estadual de compra dos produtos oriundos da agricultura familiar, através da Companhia Nacional de Abasteci-mento (Conab) para programas como o Pro-grama de Aquisição de Alimentos (PAA), que atende o Programa FOME ZERO, e o Progra-ma Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). É importante destacar que os produtos orgâ-nicos recebem um pagamento diferenciado pela Conab, onde a diferença pode chegar a até 30% em relação a alimentos produzidos convencionalmente.

Contudo, os agricultores que vêm desenvol-vendo práticas agroecológicas no município,

além de ter a assessoria da Adessu e do Cen-tro Sabiá, contam também com a participa-ção do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), que vem desenvolvendo suas ativida-des de Ater baseadas na Lei N° 12.188, de 11 de janeiro de 2010, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Refor-ma Agrária (Pnater) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (Pronater). Nessa lei, a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) é definida como:

Serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove pro-cessos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização, das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais (BRASIL, 2013).

É importante ressaltar, também, que o nú-mero de agricultores familiares que desen-volvem sistemas de produção de base ecoló-gica no município, a partir da transição, vem crescendo cada vez mais nos últimos anos, a exemplo do número de agricultores associa-dos da Adessu, que passou de 12 para 45 des-de a sua criação, no ano de 1996. Além disso, o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Sus-tentável da Serra da Baixa Verde8, que conta com a parceria do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, abrange um universo de mais de 200 famílias da região.

Entretanto, entre as dificuldades enfrenta-das na experiência agroecológica dos agricul-

8 O Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Serra da Baixa Verde teve como principal desafio ins-talar uma agroindústria familiar, com o objetivo de for-talecer os processos produtivos e a geração de renda para as famílias envolvidas. Na agroindústria, destacam-se a produção de rapadura e de mel de engenho, produtos oriundos de cana-de-açúcar plantada em base ecológica nos sítios dos agricultores familiares. Vale destacar que alguns agricultores vêm realizando, além da produção, o processamento de alimentos em sua propriedade. Para eles, a opção tem sido comercializar os seus produtos em feiras agroecológicas da região, melhorando o acesso à renda e fortalecendo a economia da região.

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tores familiares de Santa Cruz da Baixa Verde, as principais estão relacionadas a questões como a falta de crédito e incen-tivos para a realização das prá-ticas agroecológicas, o que, na opinião deles, vem comprome-tendo o desempenho econômico--produtivo da agricultura de base ecológica. Tal dado reforça a ideia de que a disponibilidade de crédito e de incentivos, inde-pendentemente do modelo de agricultura adotado, constitui uma ferramenta de fundamen-tal importância para a implan-tação e manutenção dos siste-mas agrários.

O assentamento Chico Men-des III, localizado em São Lourenço da Mata, apresenta características promissoras para a produção e comercialização de alimentos. Essa idéia vem se fortalecendo com a realização da Copa do mundo em 2014, com a construção do estádio no município e de inúmeros pontos de comércio, pousadas, etc. a 10 km do assenta-mento, que poderão se constituir em deman-da de alimentos e uma oportunidade atrati-va para geração de renda aos assentados de Chico Mendes9. Isso porque, no assentamento Chico Mendes III há uma grande diversidade de cultivos (alface, coentro, cenoura, quiabo, pepino, melancia, melão, jerimum, inhame da costa, batata-doce, feijão de corda irrigado no verão (áreas próximas as nascentes), feijão mulatinho, milho, abacaxi, mandioca, cana--de-açucar, mamão papaya, mamão caiana, uva, banana, araçá, acerola, goiaba, laranja, manga, pinha, caju, azeitona, cajá, jaca, etc. Também criam-se bovinos, caprinos, equinos, suínos, galinhas, patos, peixes (tilápia, carpa, tambaqui) e galinhas de angola, etc. Essa di-versidade de cultivos ocorre ao redor das mo-radias lembrando quintais agroflorestais ou sítios típicos de fundo de engenhos da cana-

9 São Lourenço da Mata é uma das 12 cidades-sede escolhidas para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

-de-açúcar. Contudo, segundo os assentados essa produção em pequena escala é incapaz de garantir alimentação e renda suficientes e condições dignas as famílias assentadas.

Além disso, diferentemente da experiência agroecológica do município de Santa Cruz da Baixa Verde, os agricultores que vêm desen-volvendo práticas agroecológicas no Assenta-mento Chico Mendes III, não recebem estímu-los de prefeituras locais para o abastecimento com base em produtos orgânicos, nem par-ticipam da política instituída pelo Governo Federal e Estadual de compra de produtos oriundos da agricultura familiar. Também não contam com a assessoria de Organizações Governamentais voltadas para o desenvolvi-mento rural nem com os serviços de assistên-cia técnica e extensão rural realizados pelo Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).

Entretanto, apesar das dificuldades, nos dois casos, o aumento no número de agricul-tores familiares que desenvolvem sistemas de produção de base ecológica é significativo e por isso mesmo eles oferecem uma oportuni-dade interessante para analisar os efeitos de configurações sociais distintas sobre o desen-volvimento rural – não só sobre a construção, mas também sobre a qualidade e a sustenta-bilidade deste processo.

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 43-53, jan./nov., 2013.

54Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

PORTO ALEGRE É SEDE DO CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROECOLOGIA (CBA)

Porto Alegre (RS) é a sede, em novembro, do maior evento brasileiro de Agroecologia do Brasil. Entre os dias 25 e 28 de novembro cerca de 3 mil pessoas estarão discutindo o tema na PUCRS, du-rante o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia que, nesta edição, apresenta como tema central “Cuidando da Saúde do Planeta”.Paralelamente ao congresso ocorrerá o XIII Semi-nário Estadual e XII Internacional sobre Agroeco-logia, além do V Encontro Nacional de Grupos de Agroecologia.A programação estará dividida nos seguintes ei-xos temáticos: 1) Agroecologia e Saúde Huma-na; 2) Reinventando a economia; 3) Diversidade como condição fundamental da saúde do Planeta; 4) Agroecologia como base para a educação; e 5) Saúde do Agrossistema.

PALESTRANTES DO CBAEntre os palestrantes e conferencistas confirma-dos, destaque para a socióloga francesa Claire La-mine, que aborda sistemas alternativos e a ligação entre produtores e consumidores; a agrônoma colombiana, Clara Nichols que investiga as pers-pectivas para o desenvolvimento rural sustentá-vel na América Latina; o economista Guilherme Costa Delgado, autor de livros como “A trajetória do capital Financeiro da Agricultura à Economia do Agronegócio”; o argentino Javier Souza, que traz a experiência da Rapal, uma rede de orga-nizações, instituições, associações e indivíduos que se opõem ao uso massivo e indiscriminado de agrotóxicos, buscando propostas para reduzir e eliminar seu uso; o pesquisador espanhol Joan Martinez Alier, um dos principais ativistas no novo campo acadêmico da Economia Ecológica, suas áreas de interesse na pesquisa tem sido os Estu-dos Agrários, Economias Ecológicas e Ecologia Política; e o também espanhol e professor Manuel Gonzalez de Molina Navarro, que estuda agricul-turas tradicionais orgânicas, transição socioecoló-gica no metabolismo agrário, identidade regional de agricultores, restrições ambientais para cresci-mento da agricultura ou as bases teóricas para o novo ambiente histórico.

Por Adriane Bertoglio Rodrigues e Marta Tejera Kiefer

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Outros palestrantes confirmados são Miguel Altie-ri, Paulo Niederle, Renata Menasche, Walmir Tho-mazi Cardoso e Wanderlei Antonio Pignati.

LEONARDO BOFF PALESTRA NA ABERTURA DO CBA

Leonardo Boff está confirmado para a palestra de abertura do CBA-Agroecologia. O teólogo, escri-tor e expoente da Teologia da Libertação vai pa-lestrar sobre “Agroecologia: cuidando da saúde do Planeta”, no dia 25/11, às 11h30, no auditório prin-cipal da PUC.

Boff cursou Filosofia e Teologia e fez doutorado em Teologia e Filosofia na Universidade de Muni-que-Alemanha. Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Te-ológico Franciscano em Petrópolis. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de es-tudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).

MAIS DE MIL TRABALHOS FORAM SELECIONADOS

Produção vegetal e relatos de experiências de tran-sição para a Agroecologia são os principais temas abordados nos 1.056 trabalhos selecionados para apresentação oral e por meio de pôsteres durante o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia.

De caráter nacional e internacional, os artigos e relatos de experiência foram avaliados pela Sub-comissão Técnico-Científica do VIII CBA-Agroe-cologia. O número de submissões foi muito po-sitivo para o Congresso, pois houve um aumento de 25% no número de relatos de experiências inscritos em comparação com a edição anterior. Os selecionados serão publicados na Revista Ca-dernos de Agroecologia, da ABA-Agroecologia, promotora do evento.

Confira no site do CBA-Agroecologia (www.cbagroecologia.org.br) a lista de trabalhos se-lecionados na categoria pôster e apresentação oral. Os trabalhos estão organizados pelos no-mes dos artigos.

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A visão norte-americana da conservação do solo e da água1

MERTEN, Gustavo Henrique 2,

ResumoA necessidade de aumentar a produção de grãos, fibra e biocombustíveis tem intensifica-do a agricultura e promovido uma expansão da fronteira agrícola no mundo. Quando essas atividades não são acompanhadas de práticas conservacionistas adequadas, as consequên-cias ao ambiente devido à erosão hídrica e ao uso intensivo de insumos causam, geralmente, impactos negativos ao solo e à água. Baseado nessa premissa torna-se necessário a implan-tação de políticas públicas voltadas para a con-servação do solo e da água. Nos Estados Unidos

1 Artigo adaptado do texto apresentado na XIX Reunião Brasileira de Manejo e Conservação do Solo e da Água em

Lages/SC, julho de 2013.2 Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 9500.CEP: 91501-970, Porto Alegre-RS. Visiting research professor, College of Science and Engi-neering, University of Minnesota. Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia e Doutor em Engenharia de Recur-sos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. E-mail: [email protected]

durante as décadas dos anos 20’s e 30’s o des-cuido com a conservação do solo contribuiu de maneira significativa para a ocorrência de um dos maiores desastres ambiental que esse país já vivenciou (“Dust Bowl”). Devido à erosão eó-lica, milhões de hectares foram degradados, o que provocou uma enorme onda de refugiados ambientais que se deslocaram da grande planí-cie americana para a Califórnia. Devido a esse desastre foram implantadas nos Estados Uni-dos políticas públicas voltadas para a conser-vação do solo e da água que continuam vigen-tes. Esse artigo tem como propósito apresentar uma síntese sobre a “visão norte-americana da conservação do solo e da água” baseando-se em uma revisão de literatura. Ao final do artigo é realizada uma reflexão crítica sobre as políti-cas conservacionistas adotadas pelos Estados Unidos e também uma interpretação dessas considerando a realidade brasileira.

Palavras-chave: Recursos naturais. Erosão do solo. Agricultura conservacionista.

AbstractThe need to increase production of grain, fiber

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and biofuel has caused an expansion and inten-sification of agricultural activities worldwide. When these activities are not accompanied by a conservationist approach the consequences to the environment are almost always negative by reducing the soil fertility and increasing water quality problems. Conservationist and regula-tory policy approach has been suggested to al-leviate natural resources stress resulting from intensive agriculture. During the 20’s and 30’s carelessness with soil conservation led the Uni-ted States to one of the greatest environmen-tal disasters on the planet known as the “Dust Bowl”. From this disaster, public policies to pro-tect natural resources have been implemented and are still being debated and refined. This article aims to present an overview of “Ameri-can view of soil and water conservation policy” based on the literature review. At the end of the article a critical reflection is made regarding the conservation policies adopted by the United States as well as an interpretation of those con-sidering the Brazilian context.

Keywords: resources. Soil erosion. Sustainable agriculture.

1 INTRODUÇÃOA propriedade da terra nos Estados Unidos é

dividida entre o setor privado (61%), setor pú-blico (37%) e terras indígenas (2%). Das terras públicas, uma parte se encontra em preserva-ção permanente (15%) sob a forma de parques nacionais e estaduais e outras são arrendadas para utilização com pecuária de corte (20%). As terras utilizadas pelo setor privado sofrem pra-ticamente nenhuma restrição de uso e manejo desde que essas não gerem impactos negativos para fora dos limites da propriedade. Assim, as políticas públicas direcionadas para a conserva-ção do solo e da água nas terras privadas procu-ram estabelecer um equilíbrio entre as medidas regulatórias e as consequências ambientais do uso. Esse e o caso da produção de sedimentos ou efluentes da produção animal, por exemplo, que ao ultrapassar os limites de uma proprie-dade causam degradação da água e do ar. Por isso, a maioria dos programas públicos de con-

servação de solo e água nos Estados Unidos tem como foco principal a implantação de medidas de controle desses poluentes, considerando que essas irão beneficiar toda a sociedade. Também se reconhece que o recurso natural, independen-temente se é utilizado pelo setor privado ou pú-blico, precisa ser preservado para possibilitar o bem estar das gerações atuais e futuras.

2 HISTÓRIA DA CONSERVAÇÃO DO SOLO E ÁGUA NOS ESTADOS UNIDOSO problema da erosão dos solos nos Estados

Unidos havia sido reconhecido desde 1813 pelo presidente norte-americano Thomas Jeffer-son, que já naquela época, descreveu a impor-tância do cultivo em nível para reduzir o pro-cesso erosivo (PIERCE; FRYE, 1998). Porém, os impactos da erosão hídrica e eólica assu-miram grandes proporções quando ocorreu a ocupação e expansão da fronteira agrícola das grandes planícies. Nessas áreas, as pradarias inicialmente ocupadas por índios e pastejada pelos bisões foram transformadas em áreas de pecuária de corte e na seqüência em áreas de cultivo de trigo. Essa nova fronteira agrícola atraiu muitas famílias de agricultores dos Es-tados Unidos. Uma grande dificuldade encon-trada na época estava relacionada com o pre-paro do solo. Gramíneas nativas com sistema radicular abundante eram difíceis de serem revolvidas com uso da tração animal. No iní-cio de 1900, entretanto, surgiram os primeiros tratores e consequentemente foi possível ex-pandir o cultivo do trigo sobre as pradarias. Os solos das pradarias, apesar da alta fertilida-de (material originário do Loess), são de uma estrutura pouco resistente à desagregação e, portanto, muito suscetível à erosão hídrica e eólica. Com as secas frequentes que ocorreram no início dos anos trinta, fortes ventos provoca-vam imensas tempestades de areia que, além de remover os horizontes superficiais do solo, provocaram também imensos danos materiais e problemas de saúde tanto nas áreas rurais como urbanas (Figura 1) (EGAN, 2006). Em 1934 o National Resource Board referiu que as tempestades de areia tinham destruído uma área equivalente ao estado da Virgínia

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e degradado uma área de aproximadamente 400.000 ha (MONTGOMERY, 2007).

O problema da erosão dos solos nos Estados Unidos, no entanto, só foi reconhecido publica-mente como um problema nacional através do esforço realizado por Hugh Hammond Bennett (Figura 2) e de alguns colaboradores como W. C. Lowdermilk. Bennett foi o fundador e o primeiro chefe do Serviço de Conservação de Solos dos Estados Unidos (SCS e atualmente NRCS) depois de convencer o Congresso norte--americano da necessidade de aportar recursos para esse fim. Durante esse tempo os Estados Unidos se encontravam em uma forte depres-são econômica. Para estimular a economia, o presidente Franklin D. Roosevelt estabeleceu um programa conhecido como o “New Deal” para gerar emprego e renda no país. Esse pro-grama empregou milhares de trabalhadores desempregados que foram envolvidos em obras de infraestrutura como estradas, pontes, ele-trificação rural, barragens, entre outros. Foi nesse momento, também, que foi criada nas terras públicas a infraestrutura dos parques nacionais com a participação marcante do Civil Conservation Corps (MAHER, 2008). Roosevelt foi sensível aos problemas de erosão apontados por Bennett devido a sua vivencia política como senador pelo estado de Nova York quando pro-moveu muitas ações em prol da conservação dos solos por esse estado.

Figura 1 - Fotografia histórica de uma tempestade de poeira durante o período do Dust Bowl

Fonte: USDA, 2013.

Bennett, por sua vez, tinha adquirido uma enorme vivencia de campo através do seu tra-balho junto com os agricultores durante o tem-po que trabalhou com mapeamento de solo. A experiência de campo adquirida por Bennett deu-lhe uma ampla visão sobre a dimensão dos problemas da erosão nos Estados Unidos. Em 1928 Bennett e Willian Ridgely Chapline, para chamar atenção sobre os problemas da erosão do solo, escreveram um artigo denominado “Soil Erosion: A National Menace”. Bennett tinha claro que a única maneira de vencer a cruzada da conservação de solos seria através da apro-vação de recursos públicos para criar um pro-grama nacional e, para isso acontecer Bennett precisou se articular politicamente.

Figura 2 - Fotografia histórica de Bennett verifican-do condições de cobertura de solo

Fonte: USDA, 2013.

Foi através da aproximação com o senador texano James Buchanan e, mais tarde através de um intenso trabalho feito junto ao congres-so norte-americano, que Bennett triunfou na sua primeira vitória que foi a aprovação de re-cursos para pesquisa em erosão do solo. Ben-nett acreditava que a partir de resultados de pesquisa haveria mais argumentos para con-vencer políticos e o público em geral sobre a importância da criação de um programa nacio-nal de combate à erosão. Os recursos aprova-dos no congresso possibilitaram inicialmente a criação de uma rede de estações experimentais nos Estados Unidos (Soil Conservation Experi-

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ment Stations). As famosas parcelas de perda de solo (Figura 3) cujos resultados possibilita-ram o desenvolvimento da Equação Universal de Perdas de Solo – USLE foram consequência desses recursos (LAFLEN, MOLDENHAUER, 2003; WISCHMEIER, SMITH, 1978). Nessa mesma época foram realizados importantes estudos no campo da hidrologia e hidráulica. O “Soil Curve Number – SCN”, por exemplo, foi consequência desse momento histórico conhe-cido como os anos de ouro para a conservação de solos (NELSON, 1958; USDA, 2007a).

Figura 3 - Fotografia histórica das parcelas de perda de solo e água nos Estados Unidos

Fonte: USDA, 2013.

Em maio de 1934 Bennett encontrava-se em Washington dando depoimentos ao senado norte americano sobre o problema da erosão quando coincidiu a chegada em Washington de uma grande nuvem de sedimentos que escu-receu totalmente a cidade durante o dia. Essa nuvem de sedimentos teve origem na região da grande planície e foi consequência da erosão eó-lica. Bennett, aproveitando esse momento, deu várias entrevistas à imprensa nacional (“Dust Storm Dueto Soil Erosion”, New York Times, May 14, 1934) e utilizou esse episódio para cha-mar a atenção da sociedade e para convencer os políticos para a dimensão dos problemas de erosão no território americano (USDA, 2010b). Com isso, Bennett esperava obter o maior apoio político possível para aprovar um projeto nacio-nal de conservação de solos. Roosevelt pronta-mente apoiou a iniciativa do congresso.

Assim, em 1935 foi aprovado pelo senado norte americano o “Soil Conservation Act”, que permi-tiu o estabelecimento de varias leis que assegu-raram um compromisso público do governo nor-te-americano em prol da conservação dos solos. Com base nesse ato foi possível garantir perma-nentemente recursos públicos para implementa-ção de ações de pesquisa e extensão em conser-vação de solos. Igualmente em 1935 foi criado o Soil Conservation Service (SCS e atual NRCS) para atuar na implantação de ações conservacio-nistas junto aos agricultores. Ao SCS juntaram--se na época os melhores quadros disponíveis, o que garantiu desde o início uma alta qualidade dos trabalhos desenvolvidos por essa instituição. O SCS baseava suas ações em quatro pressupos-tos básicos: ciência, participação de agricultores, publicidade e relações com o congresso (JACK-SON, 2010). A ciência era necessária para possi-bilitar o desenvolvimento de tecnologias capazes de controlar o processo erosivo. A participação dos agricultores era a garantia do sucesso do programa. A publicidade seria um instrumento de divulgação e educação e finalmente a relação com o congresso garantiria o envolvimento polí-tico nesse programa (JACKSON, 2010).

Em relação à estratégia técnica do programa nacional de conservação de solo, Bennett pro-pôs quatro linhas de ações (BENNETT, 1947): (a) a implementação de práticas de controle da erosão; (b) a adequação do uso do solo; (c) a im-plementação de ações de controle de enchentes (construção de barragens); (d) a implementação de ações de irrigação e de drenagem. No entan-to, apesar do apoio político do programa nacio-nal de conservação dos solos, Roosevelt e outros políticos defensores do New Deal permaneciam um pouco crítico com a ideia de fundos públicos serem empregados em terras privadas. Para Roosevelt os recursos públicos deveriam ser em-pregados preferencialmente em projetos de con-servação e controle da erosão em grandes áreas e não focar trabalhos individuais em áreas de lavouras. Roosevelt, como muita gente da épo-ca, acreditava que para controlar a erosão era necessário principalmente converter áreas de cultivo em floresta, pois não estavam familiari-zados com as práticas de conservação do solo e

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da água que já se conhecia durante essa época como cultivo em contorno, terraços, canais vege-tados e rotação de culturas.

Para estimular ações conservacionistas em todo país foram implantadas áreas demonstra-tivas coordenadas pelo Serviço de Conservação de Solos (SCS). Para que houvesse uma maior participação das comunidades rurais foi esti-mulada a criação de comitês de conservação de solos. Mais tarde, essas associações evoluíram para a formação dos atuais Distritos de Conser-vação de Solos que representa a forma organi-zativa com a qual são implantadas as políticas voltadas para a conservação do solo nos Estados Unidos. Na época o presidente Roosevelt pesso-almente se encarregou de convencer a todos os governadores americanos a aprovarem uma le-gislação estadual para criarem os distritos nos seus respectivos estados (Figura 4).

Figura 4 - Fotografia histórica de formação de um dos primeiros distritos de conservação de solos nos Estados Unidos

Fonte: USDA, 2013.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS PARA A CONSERVAÇÃO DE SOLO E ÁGUA NOS ESTADOS UNIDOS Nos Estados Unidos é assumido que a res-

ponsabilidade sobre a conservação do solo deve ser atribuída aos usuários das terras. Porém, o setor público assume também uma correspon-sabilidade com o setor privado no sentido de compartilhar os custos das ações conservacionis-tas. Dentro desse contexto, as políticas públicas desenvolvidas para a conservação dos solos são

orientadas através das seguintes diretrizes e responsabilidades:

- Preservação e cuidado com a terra (Land stewardship): Aos proprietários ou usuários das terras é esperada a responsabilidade de preservar os recursos naturais e garantir o uso desses para as futuras gerações. Essa condição ética é encorajada de ser exercida tanto por or-ganizações públicas como privadas;- Pesquisa e desenvolvimento: Às insti-tuições de pesquisa cabe o desenvolvimento de pesquisa em erosão e das práticas neces-sárias ao seu controle;- Educação: Informações e esclarecimentos sobre a conservação de solos devem ser difun-didos para todos os setores da sociedade. Ações demonstrativas, voltadas para o trabalho com grupo de agricultores, e publicações de resulta-dos de pesquisa através de revistas científicas são encorajadas de serem conduzidas tanto por organizações públicas como privadas;- Assistência técnica: Disponibilizar a pre-sença de técnicos necessários para executarem os programas de conservação do solo através de agências governamentais (Serviço de Con-servação do Solo) em cooperação com agências locais (Distritos Conservacionistas). Essas ati-vidades são principalmente exercidas pelo se-tor público;- Programas de estado: Os programas con-servacionistas de estado incluem programas voluntários e regulatórios. Os programas re-gulatórios são voltados para o controle dos impactos da erosão (produção de sedimentos) ou do lançamento de efluentes da produção animal fora da propriedade (off-site impacts). Já os programas voluntários são aqueles vol-tados para o controle da erosão dentro da propriedade (on-site impacts). Ambos os pro-gramas são subsidiados pelo setor público. Os programas regulatórios são exigidos para obtenção de licença para o desenvolvimento de atividades agrícolas como criação de suí-nos ou frangos, por exemplo. Já os programas voluntários muitas vezes estão condicionados para obtenção de subsídios agrícolas ofereci-dos pelo setor público.

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A aplicação das políticas conservacionistas é realizada através dos Distritos Conservacio-nistas (Soil Conservation Districts – DCs). Os DCs são instituições públicas com atribuição legal para coordenar as ações conservacionis-tas a nível local. Em cada estado americano existem vários distritos que correspondem mais ou menos a igual número de municípios de um estado (County). Os DCs são formados por membros eleitos (em média cinco) pela co-munidade local para uma gestão de três anos. Junto à quase maioria dos DCs existe uma agência de conservação de solos do NRSC. É através das agências conservacionistas ins-taladas junto aos DCs que os agricultores recebem a orientação técnica e os recursos financeiros para implantarem em suas pro-priedades os programas conservacionistas. Os custos administrativos das agências con-servacionistas são compartilhados entre o go-verno federal e o local. Já os recursos para a implantação das práticas conservacionistas são provenientes do governo federal (maior parte) e também dos governos estaduais e locais. Os DCs têm poder político, dentro de seus limites, para planejar e decidir onde e como aplicar os recursos destinados à conser-vação dos solos, controle de enchentes e do manejo da água para diversos fins. O controle fiscal dos DCs é realizado através de audito-rias anuais ou bianuais conforme o montante de recursos recebidos por cada DC.

Como, na prática, uma agência executa um plano de manejo conservacionista em uma propriedade rural?

Na existência de um fundo de incentivo à conservação do solo um agricultor se dirige a uma agência do NRCS, dentro de seu DC, e procura saber das condições de uso desse fundo. Os programas geralmente consistem na assistência técnica ao desenvolvimento de um plano conservacionista. Inicialmente é marcada uma visita de um técnico do NRCS a propriedade do agricultor para vistoria das áreas a serem planificadas. Com uso de ma-pas de solo e topográfico o técnico se orienta

nas áreas indicadas pelo agricultor. Identi-ficam-se as condições de clima, tipo de solo, sistema de cultivo atual e grau de erosão. Se-leciona-se a área com maior problema de ero-são e o agricultor descreve o seu uso preferen-cial. O técnico, então, elenca um conjunto de práticas conservacionistas possíveis de serem empregadas na área e utiliza um modelo de erosão (RUSLE) para verificar as perdas de solo associada a cada prática recomendada. Os resultados das perdas de solo são compa-rados com os limites de tolerância de perda de solo e a escolha das práticas recai sobre aque-las cujas perdas estiverem abaixo dos limites de tolerância de perda de solos. Um segun-do passo no plano conservacionista consiste em quantificar a produção de sedimentos das áreas planificadas. De uma maneira geral, os limites de tolerância de perda de solo são muito superiores aos limites de aporte de se-dimentos tolerados aos corpos de água. Então o técnico recomenda uso de práticas de con-trole da produção de sedimentos, que pode ser o uso de biofiltros com largura adequada para reduzir a produção de sedimentos em menos de uma t/ha ano. Estes consistem em faixas com gramíneas de aproximadamente 10 m ou mais de largura (Figura 6). Para a ins-talação do biofiltro geralmente existe subsí-dios que variam entre 40 a 50% dos custos de implantação. Durante toda essa atividade o agricultor recebe orientação técnica gratuita e continua recebendo visitas periódicas para verificar a eficiência das práticas implanta-das (TOY; FOSTER; RENARD, 2002). Todas as práticas conservacionistas recomendadas por técnicos do NRCS constam em protocolos elaborados pelo NRCS e são padronizadas.

Exemplo de programas de conservação de solo e água atualmente oferecidos pelo NRCS:

Os programas conservacionistas oferecidos aos DCs são administrados pelo Deparment of Agriculture (USDA) Natural Resources Conservation Service (NRCS) e pelo Farm Service Agency (FSA). Os fundos são, então,

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utilizados para assistência técnica ou finan-ceira. Desde 1935 têm sido aprovados mais de 32 programas conservacionistas. Atualmente os programas de assistência financeira estão voltados principalmente para o controle dos impactos gerados pela agricultura ao ambien-te. Entre os programas normalmente ofereci-dos pelos DCs constam os seguintes:

a) Conservation Reserve Program (CRP);b) Environmental Quality Incentive Program

(EQIP);c) Ag BMP Loan Program;d) Cooperative Weed Management Program;e) Cost Share Assistance Conservation

Stewardship Program.

Um dos programas mais populares de con-servação de solos da atualidade é o “Conser-vation Reserve Program”. Neste programa o agricultor assina um contrato com o NRSC por um período entre 10 a 15 anos e concor-da em estabelecer uma cultura de cobertura que pode ser pastagem, pousio ou florestas. O agricultor recebe um valor anual correspon-dente ao valor do arrendamento local além de compartilhar os custos de implantação dessa área (no caso de pastagem ou floresta). Exis-tem outros programas também para instala-ção de biofiltros para evitar a transferência de sedimentos para os corpos de água, proteção de áreas ripárias, instalação de quebra ventos e formação de banhados. Todos esses progra-mas são de contratos entre 10 a 15 anos onde o agricultor recebe um arrendamento anual (± de 80 a 100 US $ por acre) pela área mais uma ajuda de custo de implantação dessas práticas (40-50% dos custos). Outro programa bastante utilizado, especialmente nas áreas de produção animal, é o EQIP. Os recursos desse programa (assistência financeira de até 70% dos custos de implantação) são utilizados para a construção de infraestrutura para con-trole de efluentes da produção animal como lagoas de decantação (Figura 5) e esterquei-ras e também de equipamentos para distri-buição dos dejetos nas lavouras.

Figura 5 - Foto ilustrativa de técnicos do NRCS em um projeto de implantação de biofiltros próximo a curso de água

Fonte: USDA, 2013.

4 VALORES ANUAIS INVESTIDOS EM CONSERVAÇÃO DE SOLOS NOS ESTADOS UNIDOSOs investimentos referentes aos 32 progra-

mas de conservação de solos voltados para con-servação dos solos nos Estados Unidos e que fo-ram implantados entre os anos de 1936 a 2009 somam 294 bilhões de US dólares. Desse total aproximadamente 74% dos recursos foram gas-tos com assistência financeira e 26% em assis-tência técnica (USDA, 2011).

5 MONITORAMENTO DOS IMPACTOS DOS PROGRAMAS DE CONSERVAÇÃO DE SOLOS NOS ESTADOS UNIDOSOs impactos sociais bem como ambientais

dos programas de conservação de solo e água nos Estados Unidos são constantemente ava-liados através de estudos realizados nas áreas não públicas de todo o território norte-ameri-cano. Para isso, o National Resource Inventory mantém um grupo de trabalho constantemen-te envolvido nesse processo. O inventário é re-alizado através de análise de imagens de sa-télite e amostragens de campo com apoio das agências conservacionistas. As estimativas de erosão são realizadas através da modelagem matemática utilizando-se a USLE/RUSLE. Na

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Tabela 1 são apresentados alguns resultados realizados pelo National Resource Inventory de 2007 (USDA, 2007b). Pela tabela verifica--se que as áreas de cultivo nos Estados Uni-dos foram reduzidas em aproximadamente 15%. Segundo USDA (2007b) metade dessa redução se deve à conversão das áreas de cul-tivo para o programa de CRP, ou seja, áreas pagas para ficarem fora do sistema produtivo.

Tabela 1 - Evolução das áreas cultivadas e sob o pro-grama conservacionista CRP

Fonte: USDA, 2007b.Nota: CRP = Conservation Reserve Program (áreas pagas para ficarem fora do sistema de produção).

Em relação à erosão hídrica (sulcos e entres-sulcos) estimada com uso da USLE, as taxas de perda de solo (t ha-1) também apresentaram um decréscimo de 30%. Essa redução foi justificada principalmente pelas ações do programa CRP que foi capaz de converter áreas altamente sus-cetíveis à erosão em áreas protegidas. Associado a isso, os programas de monitoramento também apontam para o importante papel dos agricul-tores em adotarem práticas conservacionistas em áreas bastante suscetíveis à erosão. Porém, segundo o levantamento de 2007, resta muito por fazer em relação à conservação do solo es-pecialmente nas áreas consideradas altamente suscetíveis a erosão (USDA, 2007b).

Em documento mais recente denominado “Assessment of the Effects of Conservation Practices on Cultivated Cropland in the Upper Mississippi River Basin” (USDA, 2010a) foi desenvolvido outro trabalho de avaliação dos

efeitos das práticas conservacionistas na alta bacia do rio Mississippi. Esse trabalho foi re-alizado com uso de modelagem matemática através do uso do modelo SWAT onde foram enfocados principalmente os impactos exter-nos a propriedade devido às práticas conserva-cionistas (off-site). Os resultados desse estudo concluíram o seguinte:

a) as práticas conservacionistas foram capa-zes de reduzir o volume do escoamento su-perficial em 16%;

b) a produção de sedimentos oriunda das áreas de cultivo ou lavouras foi reduzida em 69%;

c) perdas de nitrogênio presente no escoamen-to superficial (adsorvidas aos sedimentos) foram reduzidas em 46%, porém em apenas 5% quando do escoamento subsuperficial;

d) redução das perdas de fósforo das áreas de lavoura foi de 49%;

e) pesticidas transferidos das áreas de lavoura foram reduzidos em 51%;

f) decresceu a porcentagem de áreas com perdas significativas de carbono de 46% para 25%.

6 DESAFIOS FUTUROS PARA OS ESTADOS UNIDOS Os quase oitenta anos de uma política com-

prometida com a conservação do solo e da água nos Estados Unidos têm apresentado um resultado positivo em termos de redução do processo erosivo e da preservação ambien-tal. Programas de Estado fundamentados na pesquisa, na extensão e na assistência finan-ceira parecem ter oportunizado ao setor rural a adotar medidas conservacionistas com su-cesso. Porém, os desafios ainda são grandes. Aumento da população e a necessidade de produção de alimentos, fibras e energia vão continuar exercendo pressões sobre os recur-sos naturais com consequências negativas, especialmente à quantidade (necessidade de expandir a irrigação) e qualidade de água (uso de agroquímicos). O desafio, então, será o de “ajustar a medida” entre a necessidade de produzir bens para a sociedade e ao mesmo

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tempo manter a saúde do ambiente. Porém, em um país em que mais de 70% das terras são privadas e que são as condições de merca-do que orientam os agricultores nas decisões sobre o uso e manejo dessas, isso torna-se re-almente um desafio.

7 QUE LIÇÕES QUE PODEMOS TIRAR SOBRE O PROGRAMA CONSERVACIONISTA NORTE AMERICANO? O Brasil, através do Código Florestal, dispõe

de alguns recursos interessantes no combate à erosão e a degradação da água. Por outro lado, não dispõe de uma política de Estado volta-da para a conservação. Com o apoio do Banco Mundial e do papel preponderante das agên-cias de extensão rural oficial, iniciativas gover-namentais de caráter estadual têm promovido alguns programas conservacionistas no Brasil. Entretanto, a duração desses programas têm tido poucos anos e, após seu término, os agri-cultores reduzem seu interesse/motivação na agricultura conservacionista. Nesse contexto, a criação de um programa conservacionista permanente seria de fundamental importân-cia para garantir o desenvolvimento de uma agricultura sustentável no Brasil.

Nos Estados Unidos, os estudos sobre os im-pactos do programa conservacionista mostram que grande parte da redução da erosão tem ocor-rido por conta da retirada de produção das áre-as consideradas altamente suscetíveis à erosão (RIGDON, 2011). Essas áreas são selecionadas pelos extensionistas do Serviço de Conservação de Solos (com auxílio do uso da Equação Univer-sal de Perdas de Solo USLE/RUSLE) e os agri-cultores são pagos pelo governo americano para que sejam usadas como áreas de preservação através de contratos com dez anos de duração. Sendo um programa voluntario, se a taxa de ar-rendamento do governo não acompanha o valor do mercado para culturas, as áreas serão reco-locadas em produção. Outra falha do sistema norte-americano: os estudos de monitoramento indicam que outra fonte importante de erosão ocorre na margem dos rios devido à ausência da mata ciliar. Como nos Estados Unidos não existe

uma legislação de proteção ao ambiente ripário, os agricultores costumam plantar até próximo às margens. Com a falta de vegetação ripária, as margens dos rios se tornam mais suscetíveis ao processo erosivo que ocorre durante as cheias.

No caso do Brasil, o Código Florestal3 prevê a proteção da vegetação ciliar, bem como da ne-cessidade de cada propriedade manter uma área com uso pouco intensivo do solo (reserva legal). Essas duas exigências previstas no Código Flo-restal, quando aplicado nas propriedades rurais, contribuem para reduzir o problema da erosão no Brasil. No caso da reserva legal, a retirada de produção de áreas cujos solos apresentam alta suscetibilidade a erosão (relevo mais declivoso, por exemplo) equivale às condições norte-ame-ricanas onde as áreas são arrendadas dos agri-cultores pelo governo americano para retirada da produção em função da alta suscetibilidade a erosão que essas áreas representam. A diferen-ça, entretanto, reside no fato que, nos Estados Unidos, o governo paga para os agricultores não plantarem. Também a preservação do ambiente ciliar contemplado pelo Código Florestal segura-mente contribui com outro percentual importan-te para a redução do problema da erosão.

No entanto, apesar do Código Florestal ser um instrumento importante para controle da erosão no Brasil, existe a necessidade de apli-cação de práticas conservacionistas nas áreas cultivadas. Para tanto, os agricultores necessi-tam de orientação técnica para planejar e im-plantar práticas conservacionistas e também de auxílio financeiro que estimule os agricul-tores a adotarem essas práticas. Aspecto im-portante, no entanto, reside na orientação dos agricultores para o planejamento, implantação e manutenção de um programa conservacio-nista no nível de propriedade/microbacia. Nes-se caso, torna-se imprescindível o papel das agências de extensão rural do Brasil. Nenhum programa conservacionista será possível de ser executado sem a ação de um serviço de extensão rural oficial qualificado e motivado. Nos Estados Unidos, o aspecto mais prepon-derante do programa conservacionista reside

3 Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.

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justamente na manutenção de uma rede de es-critórios de extensão rural em cada município dos Estados Unidos (Counties) onde o Serviço de Conservação de Solos (atual Natural Re-source Conservation Service - NRSC) trabalha junto com os agricultores interessados na agri-cultura conservacionista. Então parece razo-ável pensar que o programa conservacionista brasileiro deve ser pensado, também, através da revitalização e do fortalecimento do Serviço de extensão rural no Brasil.

Por fim, é preciso considerar que o programa conservacionista norte-americano não tem conse-guido resolver plenamente os problemas de con-taminação ambiental criado pelo uso intensivo de agroquímicos. Estudos recentes realizados pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (agência responsável pelo monitoramento das águas su-perficiais e subsuperficiais) mostram uma con-dição preocupante. Segundo essa agência, 80% dos rios amostrados apresentaram níveis de ni-trogênio e fósforo acima das concentrações consi-deradas adequadas para a biota aquática. Além disso, em 95% das amostras realizadas nos rios foram constatados presença de pesticidas, onde 2/3 das amostras continham mais que cinco tipos diferentes de pesticidas (USGS, 2007). Se consi-derarmos que os Estados Unidos cultivam uma área de quase 2,5 vezes maior que o Brasil, mas que o uso de pesticidas nessa nação é apenas li-geiramente superior ao Brasil, ou seja, 315.000 toneladas em 170 milhões de hectares contra 300.000 de toneladas para 70 milhões de hecta-res, seria razoável se questionar como estariam as condições da qualidade de água dos rios bra-sileiros (THELIN; STONE, 2013). Essa condição nos obriga a pensar que um programa conserva-cionista brasileiro, além de proteger o solo, preci-sa preservar a água em quantidade e qualidade. Quantidade de água, no entanto, depende da pre-servação de grandes extensões de área sem uso agrícola intensivo enquanto que qualidade da água necessariamente passa pela da redução do uso de agroquímicos. Com isso, devemos tomar a sério o papel que a agroecologia representa para a segurança alimentar, para a preservação dos recursos hídricos e para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável. Para alcançar esse

objetivo, necessitamos também planejar o uso do solo na escala de país, especialmente estabele-cendo limites para a expansão das áreas agríco-las sobre territórios que precisam ser preserva-dos. Os atuais parques nacionais, estaduais e as reservas indígenas são importantes para presta-rem serviços ambientais (regulação climática e hidrológica, preservação da qualidade de água e da biodiversidade); porém, não suficientes para garantir a preservação do imenso patrimônio de recursos naturais que dispõem o Brasil. Para os próximos anos os efeitos das mudanças climá-ticas irão exercer um enorme stress ambiental, e consequentemente humano, e dessa maneira mais importante do que nunca temos que pen-sar em um modelo agrícola sustentável. Nosso modelo agrícola precisa, obviamente, atender as demandas de produção de alimentos, fibra e bio-combustíveis, mas precisa também ser eficiente na redução dos impactos ambientais. Como a agricultura é realizada em grande escala territo-rial, se os impactos ambientais forem negativos, os problemas ambientais a serem enfrentados pelo Brasil serão de grande proporção, igual ao que vêm ocorrendo nos Estados Unidos e que vêm exigindo dessa nação investimentos enor-mes para remedição. Felizmente, ainda há tempo para que medidas sejam tomadas para que pos-samos ter um futuro melhor no Brasil. Porém, essas medidas passam pela imediata implanta-ção de uma política conservacionista baseada no desenvolvimento de uma agricultura sustentável e na preservação estratégica de um território su-ficientemente grande para garantir os serviços ambientais necessários para a sobrevivência das atuais e das futuras gerações.

AGRADECIMENTOSMeus sinceros agradecimentos aos técnicos

extensionistas Dennis J. Fuchs e David Rose (NRSC) e aos agricultores visitados no Stearns County Water Conservation District em Minne-sota. Considero que essa visita foi fundamental para elucidar o meu entendimento referente às políticas destinadas à conservação do solo e da água nos Estados Unidos. Agradeço também a valiosa contribuição da Elena Metcalf pela revi-são e sugestões dadas a esse trabalho.

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REFERÊNCIAS

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67Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 67-70, jan./nov., 2013.

MELGAREJO, Leonardo 1

Contudo, continuar a defender, hoje, essa interpretaçãosomente pode ser resultado da ignorância histórica ou,então, da natural dificuldade de se reconhecer errado.

Francisco F. M. Doratioto, Maldita guerra: nova histó-ria da Guerra do Paraguai, 2002

O Brasil vivencia a possibilidade de cul-tivo de 18 variedades de milho transgêni-co, 12 de algodão e 5 de soja, para ficarmos apenas nas principais culturas. Elas subs-tituem as centenas de variedades de milho, algodão e soja que nossos agricultores po-diam escolher há dez anos. Naquela época, os ganhos de produtividade do milho e da soja nacional superavam os observados nos EUA, e a EMBRAPA respondia por 70% do mercado brasileiro de sementes de soja. Hoje as sementes não são nossas, os agri-cultores não podem escolher nem manter suas reservas. A contaminação é inevitável

1 Eng. Agrônomo da Emater/RS-Ascar, Mestre em Economia Rural, Doutor em Engenharia da Produção,

E-mail: [email protected]

e a EMBRAPA não controla 5% do mercado nacional de sementes. Tudo aconteceu mui-to rápido. Dez anos atrás, a soja RR entrava no Brasil, via contrabando, empurrada pela bem sucedida estratégia dos fatos consuma-dos: uma sucessão de eventos previsíveis, que poderiam ter sido evitados e que, uma vez realizados, estabeleceram a inviabili-dade do Brasil ocupar espaço de destaque na economia mundial como principal for-necedor de alimentos não transgênicos. O surpreendente, no caso da soja RR, é que a cristalização da ilegalidade, a perda de mercados estratégicos, o enraizamento de uma dependência econômica que favorece apenas grandes transnacionais, o compro-metimento da qualidade de vida e das bases produtivas nacionais com suas implicações sobre o futuro, se deram com a contribui-ção entusiasmada de formadores de opinião bem postados na grande mídia, apoiados por campanhas de marketing enganoso e contando com a omissão objetiva de lideran-ças políticas, de técnicos com algum reno-me e do próprio Estado, com destaque para

Entre a miopia destrutiva e resiliência construtiva: dez anos de transgenia e

Agroecologia no Brasil

68Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 67-70, jan./nov., 2013.

os órgãos de fiscalização do Ministério da Agricultura. Em sua maioria os envolvidos evitam falar publicamente sobre seu pro-tagonismo nesta grande mudança, embora alguns, por motivos particulares, talvez se envaideçam disso.

O discurso vitorioso era atraente e abria oportunidade de negócios. Parecia motivo de orgulho repetir, sem qualquer confirma-ção de fatos, que a tecnologia oferecia van-tagens e que estas só não eram percebidas pelos xiitas do atraso permanente: o futuro estava na facilidade de controle de pragas e inços, nos grãos mais produtivos, nas plan-tas com características superiores em ter-mos da qualidade de alimentos, nas plantas protetoras do ambiente e da saúde, que exi-giriam menores aplicações de agrotóxicos menos perigosos, nas plantas tolerantes à seca e à salinidade. Era a revolução Verde - Verde no interesse de todos e sem os danos colaterais dos venenos, que permitiria aten-der às necessidades locais e salvar o mundo da fome. Mas não apenas isso. Também se falava da ciência e da segurança inédita que ela trazia, pois, segundo afirmavam, pela primeira vez na história da humanidade a engenharia estava controlando a natureza, e a precisão dominava a aleatoriedade das plantas cultivadas que agora passariam pelo escrutínio de avaliações científicas con-sistentes, submetidas a testes confiáveis e verificáveis orientados pelas normas da Lei de Biossegurança em respeito ao Princípio da Precaução.

Discurso bonito que, infelizmente, era fal-so. A generosidade e a ingenuidade da po-pulação facilitaram o engodo, e a ocultação de informações lhe deu tamanha sobrevida que ainda hoje, contra as evidências de re-alidade, agentes econômicos conseguem re-novar o discurso neste campo onde, como se sabe, a manipulação não é apenas genética.

No entanto, a engenharia genética ofere-ceu e oferece apenas dois tipos de plantas: (1) as plantas HT, modificadas para meta-bolizar herbicidas, que não sofrem com os banhos do veneno, agora aplicados em pós-

-emergência, durante qualquer fase do ciclo e (2) as plantas BT, que produzem em todas suas células proteínas inseticidas mortais para alguns coleópteros e lepidópteros e, logicamente, plantas que combinam carac-terísticas BT e HT, assegurando não ape-nas a aplicação de inseticidas e herbicidas, quando julgado necessário mas também a presença massiva e permanente das prote-ínas BT, independente de sua necessidade, na ausência ou da presença de insetos em qualquer nível de infestação.

Não é demais lembrar que em solos argi-losos estas proteínas podem continuar ati-vas, mantendo suas propriedades tóxicas, doa a quem doer, por até 200 dias.

Efetivamente tudo isto facilitou decisões dos agricultores e estimulou a miopia de curto prazo. Mas a que preço?

Claramente, ao mesmo tempo em que dei-xamos de ser o maior fornecedor global de produtos não transgênicos, nos tornamos o maior consumidor global de agrotóxicos e nos encaminhamos para lugar de destaque em termos de danos à saúde e ao ambiente.

No mesmo ritmo em que se expandiram as lavouras transgênicas, surgiram plantas tolerantes aos herbicidas, insetos resisten-tes às proteínas tóxicas e insetos não-alvo daquelas proteínas subiram no rank dos da-nos, saltando de “pragas” secundárias para primárias que exigem aplicações de outros agrotóxicos. Observamos alterações nos li-mites máximos de resíduos permitidos nos grãos, degradação da qualidade dos solos e das águas superficiais e subterrâneas, e autorizações de uso para novos produtos que comprovadamente exercem efeitos danosos à saúde humana, mesmo em do-sagens sub-clínicas.

A geração mais recente de plantas HT sob avaliação na CTNBio, variedades de milho, soja e algodão tolerantes ao 2,4D, prometem novo passo na guerra química nacional, com aviões pulverizando herbicidas classificados como extremamente tóxicos, avaliados como possíveis causadores de alterações hormo-nais, neurotoxicidade, danos carcinogênicos

69Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 67-70, jan./nov., 2013.

e teratogênicos, entre outros, cujos impac-tos serão percebidos apenas quando não pu-derem ser controlados.

Infelizmente, é o que ocorre, e não se tra-ta de algo inédito ou mesmo inesperado. Fatos idênticos aconteceram em outros paí-ses. Estudos de longo prazo são raros e seus resultados não deixam dúvida: precisamos reconhecer nossos erros e encontrar novos caminhos. A transgenia como conhecemos não amplia a produtividade, não reduz o uso de venenos, não oferece vantagens am-bientais, econômicas ou sociais. Apenas concentra riquezas, poder e subserviência, beneficiando alguns e ampliando riscos de todos, no espaço e no tempo. Os fundamen-tos da engenharia genética são falsos: a ale-atoriedade é mais forte do que os controles, a precisão inexiste e pior, os estudos são frágeis e patrocinados pelos interessados, os testes favorecem falsos negativos e não são robustos em termos amostrais. Além disso, o pressuposto de equivalência subs-tancial, adotado como referência metodoló-gica nas decisões sobre OGMs não passa de artimanha pseudocientífica de grande uti-lidade para as indústrias mas inaceitável para consumidores, atuando como desculpa para impedir a realização de estudos e aná-lises de riscos2.

Neste momento, resta lembrar a chave do desenvolvimento humano: chegamos à con-dição de espécie vitoriosa graças à capaci-dade de articulação, ao somatório de esfor-ços em parceria onde aprendizados coletivos filtraram processos de tentativa e erro, de-purando e privilegiando ações capazes de fortalecer tecidos sociais, em perspectiva plurigeracional. Porém, em algum momento nos desencaminhamos, como espécie. E che-gamos neste ponto, onde alguns aprendizes de feiticeiros, em sua miopia, ameaçam o planeta de todos. Felizmente somos muitos, e em maioria estamos aprendendo com isso. Sabemos hoje que existem limites para a ex-

ploração da natureza, sabemos que a capa-cidade de resiliência dos agreocossistemas não pode ser ultrapassada, e mais do que respeitada, deve ser fortalecida.

Sabemos que existem limites e que eles são extensivos a todos. Sabemos que as ações necessárias para o futuro devem ser realizadas hoje e que elas dependem do for-talecimento de atitudes respeitosas e do es-tímulo a relações de confiança, alimentado-ras de processos de reciprocidade positiva entre o homem e a natureza.

A luta pela Agroecologia é antiga no Bra-sil e deve os resultados que percebemos hoje a pioneiros como Lutzenberger, Jean Marc, Caio, Soel, Maria José Guazzelli e muitos ou-tros. A Emater/RS assumiu este tema muito recentemente. Mas o assumiu de forma de-cisiva. Há onze anos, portanto antes do pri-meiro Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), Porto Alegre sediava o I Seminário Internacional, II Estadual e II Encontro Na-cional sobre a Pesquisa em Agroecologia. Naquela ocasião, o então diretor técnico da Emater/RS Francisco Roberto Caporal anun-ciava com uma frase emblemática a decidida atuação da Empresa no campo da agroecolo-gia. Vale repetir aquela frase, neste momen-to em que mais 1.400 artigos e relatos de ex-periência estão inscritos para apresentação no 8º CBA, cujo tema é Cuidando da Saúde do Planeta, ele dizia:

[...] os que não percebem a importância do momento e o aspecto crucial do embate de modelos, aos que não compreendem as ra-zões de nosso empenho, pedimos apenas que não nos atrapalhem. Vocês, que se opõe, podem ficar certos de que, mesmo sem qualquer contribuição à este esforço, também serão beneficiados (CAPORAL, 2002, p. 98).

A afirmativa mantém sua validade. E se reforça neste momento em que crescem as evidências do que está em jogo, a quem ser-ve e a quem não serve este tipo de tecnolo-gia e o estilo de desenvolvimento que ela permite.

2 Algumas das bibliografias que sustentam estes argu-mentos estão relacionadas a seguir.

70Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, p. 67-70, jan./nov., 2013.

ADVISORY COMMITTEE ON RELEASES TO THE ENVIRONMENT (ACRE). Managing the footprint of agriculture: towards a comparative assessment of risks and benefits for novel agricultural systems. Re-port of the ACRE sub-Group on wider issues raised by the farm-scale evaluations of herbicide tolerant GM crops revised after public consultation, 2007. Disponível em: <http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/20080306073937/http://www.defra.gov.uk/environment/acre/fsewiderissues/pdf/acre-wi-final.pdf>. Acesso em: 1 set. 2013.

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REFERÊNCIAS

Como nas leituras sobre a Guerra do Pa-raguai, sobre as vantagens do DDT, sobre as armas nucleares do Iraque, sobre as vantagens da talidomida, a realidade se impõe com tanta força que em breve não

haverá quem mantenha posições equivoca-das neste campo, nem por ignorância nem por fraqueza escudada na dificuldade de se reconhecer errado. Aos demais, bem sabe-mos: basta persistir.

71Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

PermaculturaPrincípios e caminhos para além da sustentabilidade

Destinado inicialmente a estudantes de Perma-cultura, o texto de David Holmgren passou a ser um referencial para es-tudantes e profissionais de todas as áreas de co-nhecimento que abor-dam os princípios eco-lógicos, servindo como referencial teórico para áreas como Educação Ambiental, Agronomia, Biologia, Arquitetura, Ecologia, Geografia, En-genharia Ambiental e também para as áreas de Ciências Humanas e Econômicas que recentemente abordaram a questão de interface entre crescimento/re-cursos e energia.

Livro texto referencial para as atividades e áreas de conhecimento que estudam e/ou aplicam conceitos de sustentabilidade, a obra contém 14 capítulos fracionados por abordagens específicas para o princípio proposto. Cada capítulo traz seu referencial teórico em separado. É possível dizer que este livro pode interessar a todos que buscam respostas funcionais para um modo de vida con-temporâneo, atendendo demandas pessoais e coletivas, coerentes e sintonizadas ao contexto local e global.

David Holmgren apresenta no seu livro, com funda-mentação teórica consistente e ao mesmo tempo de forma acessível a todos os leitores, os princípios que norteiam a Permacultura, a qual ajudou a criar junto com Bill Mollison. Ao mesmo tempo que ilustra de for-ma muito adequada como as aplicações destes princípios no redesenho de ecossistemas manejados podem ajudar a estabelecer modos de vida mais sustentáveis. Trata-se de uma obra brilhante, que combina áreas distintas do conhecimento com muita habilidade e nos permite visua-lizar novas perspectivas para diversas áreas das atividades humanas, e que poderá nos proporcionar consideráveis avanços em direção a modelos verdadeiramente susten-táveis de desenvolvimento.

Da estrutura da obra

Na apresentação de seus princípios da Permacultura, Holmgren optou por uma ação gráfica que propicie ao

leitor a associação imagética com os conceitos que fun-damenta. Assim, o formato de cada princípio de design é uma afirmação de ação positiva com um ícone associa-do, que funciona com um lembrete gráfico, codificando alguns aspectos fundamentais ou exemplos do princípio. Associado a cada princípio está um provérbio tradicional que enfatiza o aspecto negativo ou de precaução.

Ex: Princípio 1: Observe e interaja – ‘a beleza está nos olhos do observador’.

Princípio 2: Capte e armazene energia – ‘produ-za feno enquanto faz sol’.

São 12 princípios compondo 14 capítulos que estão es-truturados em seções a partir dos ícones propostos.

O conjunto das seções representa uma estrutura pro-positiva que obviamente não poderá substituir o conhe-cimento técnico e as experiências práticas de sucesso. Contudo, poderá oferecer uma estrutura conceitual para a geração contínua de soluções para situações e locais es-pecíficos, que são necessárias para se avançar além dos êxitos limitados do desenvolvimento sustentável até um reencontro entre cultura e natureza.

Quem é David Holmgren?

David Holmgren nasceu em Fremantle, Austrália oci-dental, em 1955. Cursou a Escola de Design Ambiental em Hobart e, neste período, manteve uma intensa rela-ção de trabalho com seu orientador Bill Mollison que cul-minou no conceito de Permacultura. Como jovem autor de Permaculture one, em 1978, David evitou os holofotes e se dedicou a desenvolver mais suas habilidades práticas e de design para um modo de vida autossufiente. Desde então escreveu vários outros livros, desenvolveu algu-mas propriedades aplicando os princípios permaculturais, conduziu oficinas e cursos na Austrália, na Nova Zelândia, em Israel, na Europa e na América latina.

Nos últimos 24 anos viveu e trabalhou em Hepburn Springs e como consultor de Design especializou-se no-tadamente em paisagens temperadas do sudeste austra-liano, com um acentuado foco no território Biorregional em que vive. Com a família ele mantém sua proprieda-de, Meliodora, como um dos lugares mais conhecidos da Austrália de demonstração de permacultura aplicada. No âmbito do movimento internacional da Permacultura, David é respeitado pelo seu compromisso em apresentar ideias permaculturais em projetos práticos. Ele ensina, a partir de seu exemplo pessoal, que um estilo de vida sus-tentável é uma alternativa realista, atraente e poderosa ao consumismo dependente. Seu livro é a destilação de uma vida vivida segundo os princípios da Permacultura.

Marcos Abrahão – Biólogo, mestre em Desenvolvimento Rural

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

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AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista da Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e

Extensão Rural e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divul-gação de trabalhos de agricultores, extensionistas, profes-sores, pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temas centrais de interesse da Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é um periódico de publicação quadrimestral que tem como público referencial todas aquelas pessoas que estão empe-nhadas na construção da agricultura e do desenvolvimento rural sustentáveis.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso, resenhas de teses e livros, assim como experi-ências e relatos de trabalhos orientados pelos princípios da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvimento rural sustentável e da agricultura sustentável, esta enten-dida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ecológica, independentemente da orientação teórica so-bre a qual se assenta.

Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica espe-cial interesse à agricultura familiar, que constitui o público prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são aceitos para publicação artigos e textos que tratem teori-camente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas que promovam o fortalecimento da agricultura familiar.

4 Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail para [email protected].

5 Serão aceitos para publicação textos escritos em Português ou Espanhol, assim como tradução de textos para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das tradu-ções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, confor-me o caso.

6 Terão prioridade na ordem de publicação os textos inéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que estejam centrados em temas da atualidade e contemporâ-neos ao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo a que se refere.

7 Os textos deverão se enquadrar nos seguintes te-mas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura Sustentável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimen-to Rural, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Socie-

dade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica e a divulgação de experiências práticas nas seguintes ca-tegorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local, reforma agrária, agricultura/pecuária de base eco-lógica, proteção etnoecológica, conhecimento local, meio ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação ru-ral, extensão rural, organização social, metodologias par-ticipativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis, tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade, biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, im-pactos ambientais.

8 As contribuições devem ter, no máximo, 15 laudas (usando editor de textos Microsoft Word) em formato A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, ta-manho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre parágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e es-paço simples.

Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras de-vem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e preparados em softwares compatíveis com a plataforma Microsoft Windows, de preferência no formato JPG ou TIF.

9 Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for o caso, o número da página citada ou letras minúsculas quando houver mais de uma citação do mesmo autor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42); como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-ção, usando (SILVA, 1999, p. 42).

10 As referências devem ser reunidas no fim do texto, seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-vem conter:

a) título do artigo: em negrito e centrado;b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapé em que conste profissão, titulação, atividade profissional, lo-cal de trabalho, endereço e e-mail;

c) resumo: no máximo em 10 linhas nos idiomas Portu-guês e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

d) palavras-chave: no mínimo 3 palavras-chave e no máximo 5 nos idiomas Português e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

e) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4 tópicos, a saber: introdução, desenvolvimento, conclusões e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados im-portantes para o melhor entendimento do texto.

12 Serão enviados 3 exemplares do número da Revista para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para publicação não serão devolvidos aos seus autores.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

73Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1, jan./nov., 2013.

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista de la Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e Extensão

Rural y de la Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es una publicación de la Emater/RS-Ascar, destinada a la di-vulgación de trabajos de agricultores, extensionistas, profe-sores, investigadores y otros profesionales dedicados a los temas centrales de interés de la Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es un periódico de publicación cuatrimestral que tiene como público referencial todas las personas que están em-peñadas en la construcción de la agricultura y del desarrollo rural sustentable.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artículos científicos, resultados de investigaciones, estudios de caso, reseñas de tesinas y libros, bien como experiencias y relatos de trabajos orientados por los prin-cipios de la Agroecología. Además, acepta artículos con enfoques teóricos y/o prácticos en las áreas del desarrollo rural sustentable y de la agricultura sustentable, ésta com-prendida como toda la forma o estilo de agricultura de base ecológica, independientemente de la orientación te-órica sobre la cual se basa.

Como no podría dejar de ser, la Revista dedica especial interés a la agricultura familiar, que constituye el público prioritario de la extensión rural gaúcha. En ese sentido, se aceptarán para publicación los artículos y textos que tra-ten teóricamente de ese tema y/o de estrategias y prác-ticas que promuevan el fortalecimiento de la agricultura familiar.

4 Los artículos y textos se deben enviar por e-mail a [email protected].

5 Se aceptarán para publicación textos en Lengua Por-tuguesa o Española, bien como traducción de textos para esos idiomas. Se llama la atención para que, cuando se trate de traducción, se mencione expresamente, al pie de la página, la expresión “Traducción autorizada y revisada por el autor” o “Traducción autorizada y no revisada por el autor”, de acuerdo con el caso.

6 Tendrán prioridad en el orden de publicación los textos inéditos, aún no publicados, así como aquellos que estén centrados en temas de la actualidad y contemporá-neos al debate y al “estado del arte” del área de estudio a que se refiere.

7 Los textos se deberán encuadrar en los siguientes temas: Desarrollo Rural Sustentable, Agricultura Susten-table, Agroecología, Agricultura Familiar, Extensión Rural, Relaciones Sociales en los Procesos de Desarrollo Rural, Manejo Sustentable de Agroecosistemas, Sociedad y Am-

biente, encuadrándose el abordaje teórico y la divulgaci-ón de experiencias prácticas en las siguientes categorías: desarrollo endógeno, desarrollo local, reforma agraria, agricultura/pecuaria de base ecológica, protección etno-ecológica, conocimiento local, medio ambiente, ecología, economía ecológica, comunicación rural, extensión rural, organización social, metodologías participativas, rediseño de agroecosistemas sustentables, tecnología y sociedad, indicadores de sustentabilidad, biodiversidad, balances energéticos agropecuarios, impactos ambientales.

8 Las contribuciones deben tener extensión máxima de 15 páginas (utilizándose editor de textos Microsoft Word) en formato A-4, con estilo de letra Times New Ro-man, tamaño 12, y a un espacio y medio entre líneas (un espacio entre párrafos). Será posible utilizar notas al pie de la página o notas finales, debidamente numeradas, de-biendo ser escritas en letra Times New Roman, tamaño 10, a un espacio.

Cuando sea el caso, fotos, mapas, gráficos y figuras se deben enviar obligatoriamente en formato digital y prepa-rados en softwares compatibles con el Microsoft Windo-ws, preferentemente en formato JPG o TIF.

9 Los artículos deben seguir las normas de la Asso-ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 6022/2003. Se recomienda que se inserten en el cuerpo del texto todas las citas, destacándose, entre paréntesis, el apellido del autor, el año de publicación y, si es el caso, el número de la página citada o letras minúsculas cuando haya más de una cita del mismo autor y año. Ejemplos: Como ya se mencionó Silva (1999, p. 42); como ya se mencionó Souza (1999 a, b); o, al final de la cita, utilizán-dose (SILVA, 1999, p. 42).

10 Las referencias se deben reunir al final del texto, siguiendo las normas de la ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre la estructura, los artículos técnico-científicos deben contener:

a) título del artículo: en negrita y centrado;b) nombre(s) del (de los) autor(es); empezando por

el (los) apellido(s), acompañado(s) de nota al pie en que conste profesión, titulación, actividad profesional, lugar de trabajo, dirección y e-mail;

c) resumen: no más de 10 líneas en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

d) palabras clave: no menos que 3 palabras clave y no más que 5, en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

e) cuerpo del trabajo: debe presentar no menos que 4 puntos, a saber: introducción, desarrollo, conclusión y referencias. Podrá también contener lista de ilustraciones, lista de tablas y lista de abreviaciones y cualquier otro ítem que se juzgue importante para la mejor comprensión del texto.

12 Se enviarán 3 ejemplares de la edición de la Revista a todos los autores que tengan sus artículos o textos pu-blicados. En cualquier caso, no se devolverán a sus auto-res los textos no aceptados para publicación.

Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RSAssociação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

Lino De DavidPresidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR

Gervásio PaulusDiretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnico da ASCAR

Silvana DalmásDiretora Administrativa da EMATER/RS e Superintendente Administrativa da ASCAR

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelv. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Claudio Fioreze, Córdula Eckert, Décio Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Emma Siliprandi, Fábio Kessler Dal Soglio, Flávia Charão Marques, Francisco Manteze, Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime Miguel Weber, José Antônio Costabeber, José Ernani Schwengber, Leonardo Melgarejo, Luiz Antonio Rocha Barcellos, Luiz Fernando Fleck, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Marta H. Tejera Kiefer, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Urubatan Neto da Costa.

Editora Responsável: Jornalista Marta H. Tejera Kiefer - RP 1352Projeto Gráfico: Wilmar de Oliveira MarquesCapa: Roseana KriedtFotografia: Kátia Marcon e acervo fotográfico da Emater/RS-Ascar Periodicidade: QuadrimestralTiragem: 1.500 exemplaresImpressão: Gráfica da Emater/RS-AscarDistribuição: Biblioteca da Emater/RS-Ascar

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável Porto Alegre v. 6 n. 1/2 p. 1-76 jan./nov. 201374

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 6, n. 1/2, jan./nov., 2013.

Emater/RS-AscarRua Botafogo, 1051Bairro Menino DeusCEP 90150-153 - Porto Alegre-RS - BrasilFone: 51 21253144 - FAX: 51 21253156Endereço eletrônico da revista: http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/E-mail: [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável é uma publicação quadrimestral da Associação Rio--grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar). Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos autores.

CartasCartas podem ser endereçadas para a biblioteca da Ema-

ter/RS-Ascar, rua Botafogo, 1051, 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150-053, Porto Alegre, RS ou para [email protected].