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Ano 1 - Edição 1 - Novembro de 2011 Saiba tudo a respeito da arte que é a cara dos jovens e da cultura pós moderna Apesar de contemplar as suas obras nas ruas diariamente, você sabe como essa arte surgiu? Confira o perfil dos grafiteiros Banksy, Zezão e dos irmãos OSGEMEOS Nossas repórteres escreveram quatro artigos para você poder, sentir a cultura do graffiti História do graffiti Perfil Opinião

Revista Arte Urbana - Especial Graffiti

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Ano 1 - Edição 1 - Novembro de 2011

Saiba tudo a respeito da arte que é a cara dos jovens e da cultura pós moderna

Apesar de contemplar as suas obras nas ruas diariamente, você

sabe como essa arte surgiu?

Confira o perfil dos grafiteiros Banksy, Zezão e

dos irmãos OSGEMEOS

Nossas repórteres escreveram quatro artigos para você poder,

sentir a cultura do graffiti

História do graffiti

Perfil

Opinião

Escuta essa!O graffiti é uma vertente da arte urbana que vem ganhando espaço cada vez maior em galerias e salões de exposição. Atualmente, faz parte do ramo das artes plásticas e da indústria cultural, mantendo o caráter transgressor que veio das ruas.

É impossível não notar o graffiti quando nos encontramos em uma metrópole moderna. Ele está por toda parte: nos muros, nos pré-dios, em pontos estratégicos da cidade, em propagandas, outdoors e até mesmo em esgotos (sim em esgotos!), é possível encontrá-los.

Apesar do destaque que o graffiti tem alcançado, não conseguimos deixar de associá-lo à pichação, afinal tal arte surgiu junto com essa prática ilegal. O graffiti pode ser visto como arte, mas não se en-ganem: rabiscar, desenhar, pintar muros em locais não autorizados “dá cadeia”. E não é essa a essência dessa manifestação cultural? Contestar e ultrapassar limites?

É justamente esse espírito que move os grafiteiros. A adrenalina os motiva a buscar lugares inusitados e mortos. Eles colocam vida onde falta e, ao mesmo tempo, deixam sua marca pela cidade.

Nesta edição, fizemos um apanhado de como anda o graffiti no Brasil e no mundo. Retomamos a história dessa manifestação artís-tica, passamos por grafiteiros consagrados, fizemos uma reflexão sobre o momento atual da prática do graffiti, sem deixar de lado os artistas que estão bombando nas galerias de arte urbana.

Assuntos relacionados à street art, como a cidade moderna, a si-tuação de ilegalidade enfrentada pelos grafiteiros, indústria cultural e a relação dos jovens com a arte não ficam de fora dessa edição.

Boa leitura!

06 História do graffiti

11 Diário de um pichadorpor Mariana Tavares

12 BanksyConheça o grafiteiro, seus obje-tivos e estratégias para atingí-los

18 Galeria Choque CulturalA quase inexistência de frontei-ras entre rua e galeria resultam no livre trânsito de criatividade e informalidade nos dois espaços

23 Jovem e Artepor Jéssika Elizandra

24 Nascidos para grafitarAutodidatas, OSGEMEOS levam o graffiti brasileiro para o mundo

29 Seja marginal, seja flâneurpor Carolina Ito

30 Entrevista com Daniel Melim

33 Dos esgotos para o mundo Conheça a história do grafiteiro despretensioso que conquistou seu espaço através da arte urbana

38 Dos muros ao consumopor Amanda Tiengo 30

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A História do GraffitiQueridinho da mídia e febre mundial, o graffiti superou sua antiga fama de arte depredatória, e elevou-se ao nível de arte urbana.

MARIANA TAVARES

7ARTE URBANA6 NOVEMBRO DE 2011

Na década de 70, o mun-do passou pelo temor de uma grande guerra

nuclear: a Guerra Fria. Tanto Estados Unidos, representan-do o capitalismo, quanto União Soviética, com seu regime so-cialista, buscavam a hegemonia política, cultural e econômica.

É nesse período de tensão que surgem, nos Estados Unidos, os movimentos artísticos “pós-modernos”. Tinham como ca-racterística mais inovadora a utilização de uma estética alta-mente comercial para negar as artes acadêmicas e também o consumismo, o hedonismo e o narcisismo. Apesar de parecer paradoxal, não é. É como se eles se apropriassem das ar-mas do inimigo para combatê-lo.

Ao mesmo tempo, a cidade de Nova York estava em pleno cres-cimento vertical e horizontal, e abrigava bairros como o Bronx, Harlem e Brooklyn, tipicamente habitados por negros e latinos, onde a violência, o tráfico de drogas e a pobreza faziam parte da rotina da população. É nesse cenário que surge a cultura Hip Hop, como uma forma de protes-to contra os problemas sociais da sociedade norte americana peri-férica. Essa cultura mais urbana dá origem a outros tipos de arte, como o rap na música, o break ou o street dance na dança e a pop art e o graffiti* nas artes plásticas.

Diante dessa efervescência cul-tural, jovens de faixa etárias, etnias e condições sociais pa-recidas passaram a se unir e formarem grupos, norteados pelo interesse em comum por um determinado tipo de expres-são artística. Isso originou uma das características básicas dos grupos da década de 70: iden-tidades coletivas passaram a

ser mais valorizadas que as individuais e os membros sub-metiam-se às regras do grupo. No cenário do graffiti surgiram as gangues, como forma do in-divíduo sentir-se parte do coleti-vo da cidade grande. Ao perten-cer ao grupo, ele abria mão de se expressar individualmente e da sua liberdade pessoal, pois os graffitis feitos levavam a as-sinatura da gangue. Essas as-sinaturas, muitas vezes, eram inspiradas em personagens de histórias em quadrinhos e da cultura pop, já os números que continham representavam as quadras que o grupo “dominava”.

Além de ganhar as paredes das ruas, o graffiti ganhou também o coração dos jovens de todas as classes sociais, que antes só ti-nham para observar uma arte acadêmica, com a qual não se identificavam. Os da periferia, tão segregados, encontraram nessa arte uma forma de apre-sentarem à sociedade que os ignorava a realidade social dos bairros mais simples. Também o praticavam pelo seu baixo custo, quando comparado ao custo de materiais como tela, pincéis e tintas. Já os de clas-se social mais elevada o utili-zavam para transmitirem a sua mensagem á mais gente, atra-vés do espaço público das ruas.

O graffiti é a representação per-feita do momento pós-moderno, pois não só se apropria da esté-tica comercial, mas representa como nenhuma outra forma de arte a efemeridade do prazer pro-porcionado pelo hedonismo, pelo consumismo e pelo narcisismo.

Os pioneiros do graffiti nos Esta-dos Unidos foram Basquiat (1960-1988) e Keith Haring (1958-1990). Ambos são muito reconhecidos hoje, e suas obras são ven-

didas por preços bem altos.A arte urbana chega à cidade de São Paulo no final da década de 70, diferenciando-se da estadu-nidense, principalmente, por ser influenciada pela conscientiza-ção presente no hip hop nacional. Neste momento o Brasil passava por uma situação política total-mente oposta à norte-americana. Vivíamos o regime militar, que inibia qualquer tipo de manifesta-ção artística cultural contestató-ria. Música, arte, literatura: todos eram censurados, e muitas ve-zes reprimidos, caso se expres-sassem contra o regime vigen-te. Os jovens das classes mais abastadas, estudantes de uni-versidades públicas e opositores ao regime, adotam as pichações, precursoras do graffiti, como ar-mas dessa luta. Na calada da noite, eram pichadas nas pare-des frases como “Abaixo a dita-dura” e “Devolvam o Calabouço”.

A pichação serviu para os jovens de todas as classes perceberem que outras superfícies, como as paredes, eram tão capazes quan-to ás telas de transmitirem men-sagens através da pintura; que o spray era bem mais barato do que tinta óleo, aquarela, ou acrílica, mas funcionava razoavelmente bem nos muros; e que as ruas eram o lugar ideal para as mani-festações artísticas serem vistas por pessoas de todas as clas-ses sociais e diferentes etnias.

Com o fim do regime militar e com essa percepção, a evolu-ção da pichação para o graffiti foi natural. Os nomes de gan-gues ou dos integrantes destas foram substituídos por ilustra-ções. Estas, por trazerem cor ao cinza da cidade e terem uma estética bastante original, ge-ralmente agradavam os olhos do expectador, que ficava mais aberto a receber as mensagens que esse tipo de arte buscava transmitir. Mas há sempre ex-ceções e existiam àqueles que viam o graffiti como degradação, agressão á sociedade, ignoran-do o significado das ilustrações. O preconceito da classe média com a cultura hip hop, que era relacionada à pobreza, favelas e movimentos de marginais, tam-bém foi um fator determinante.

O novo século chegou e esse preconceito foi diminuindo. O trabalho de grafiteiros** em or-ganizações não governamen-tais (ONG`s) e de grupos que buscam disseminar a arte ur-bana foi fundamental para isso.

Apesar de não se saber ao certo quem foi o pioneiro do graffiti no país, temos inúmeros grafiteiros internacionalmente reconheci-dos, como OsGêmeos, Zezão, Tinho, Speto, Onesto, Binho Ri-beiro, Chivitz, Ricardo AKN, Nina Pandolfo, Minhau, Presto, Mar-kone, Kátia Suzue e Highraff.

Graffiti no Brasil

Graffiti ou pichação?

A pichação geralmente é composta por letras ou palavras que representam gangues ou integrantes destas. Sua estética não é agradável e a maioria das pessoas acha que ela “suja” e “enfeia” as paredes que a carregam. Já o graffiti geralmente é composto por uma ou mais ilustrações, às vezes acompanhadas de frases, mas sua maior característica é a estética altamente sofistica-da, desde os traços dos desenhos, passando pela variedade de cores, até as mensagens que os grafiteiros buscam transmitir.

Saiba mais

FARINA, Camila. Graffitações televisivas: um estudo cartográfico sobre a utilização do graffiti na MTV. Dissertação de Mestrado – Uni-versidade Vale do Rio dos Sinos, 2008.

FRANCO, Sérgio Miguel. Iconografias da metrópole: grafiteiros e pi-chadores representando o contemporâneo – Dissertação de Mestra-do – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2009.

GANZ, Nicholas. Graffiti World – Street Art From Five Continents. Nova Iork: Harry N. Abrams Inc., Publishers, 2004

PALLAMIN, Vera M. Arte Urbana - São Paulo: Região Central (1945-1998): obras de caráter temporário e permanente. São Paulo, Fapesp, 2000.

SILVA, William da Silva-e-. A trajetória do graffiti mundial. Ensaio publicado na Revista Ohun, ano 4, Nº. 4, p.212-231, Dezembro de 2008.

TAVARES, Jordana Falcão. Construções, desconstruções e recons-truções: histórias do grafite contemporâneo goianiense. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Artes Visuais, 2010.

Nos dias de hoje

Por aqui, o graffiti passa por um processo de reconhecimen-to. Muitas pessoas chamam grafiteiros para pintarem suas ca-sas e estabelecimentos comerciais, aproveitando, além da be-leza das ilustrações, o fato de os pichadores geralmente não picharem por cima de um graffiti, por respeito á esta arte; prefeituras patrocinam vários projetos em locais públicos; a cada dia aparecem mais e mais galerias especializadas em graffiti; e até museus tradicionais, como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), fazem exposições dedicadas a essa arte.

As técnicas utilizadas também evoluíram em todo o mun-do. São utilizados rolinhos, tintas com características es-peciais para resistirem ás intempéries, azulejos de mosai-co (como os utilizados pelo francês Invader) e moldes para as ilustrações, como o stencil, utilizado pelo inglês Banksy.

Um dos grandes feitos do graffiti é o fato dele ter originado ou-tras formas de arte urbana. Em São Paulo vemos adesivos cria-dos pela técnica do stencil colados em placas, postes e pare-des, assim como microcontos que trazem ao transeunte mais atento um momento de reflexão em meio ao caos urbano.

por Mariana Tavares

Era uma madrugada nublada em São Pau-lo. A névoa da noite encobria a nossa ativi-dade arriscada.

Chegamos ao local, o grupo não estava completo. Teríamos que realizar a tarefa em três pessoas.

“Vamo lá! Vamo lá! Sobe logo!” disse Zé Doido.

Comecei a escalar um pequeno prédio de três andares. Meus parceiros me davam o apoio para conseguir subir. Aos poucos ia conseguindo chegar ao topo. Nessas ho-ras a adrenalina está bombando em nos-sas veias. A ilegalidade, o risco de cair daquela altura e o medo de ser pego pela polícia. Tudo se soma e aumenta a tensão do momento, em que concentração e aten-ção podem salvar sua vida.

Pronto. Chegamos ao telhado do prédio. Era hora de começar o nosso trabalho.

“Passa o preto e o vermelho! Rapidão, ra-pidão!” pedia Treta.

Nesses momentos, ser rápido é a melhor coisa que você pode fazer. Começamos a pichar a parede do prédio ao lado do pe-queno que nos havíamos escalado.

Quando estávamos na metade do pro-cesso, para escrever o nome do grupo no

muro. Ouvimos um barulho dissonante, que ecoava pelas ruas desertas e nebulo-sas.

O som se aproximava e cada vez mais se tornava conhecido por nos. Em uma fração de segundos, pensei: POLÍCIA! As conse-quências daquele barulho vieram a minha mente: ser preso, condenado, ficar ficha suja, destruir minha vida.

Como já havia dito, ser rápido numa situ-ação dessas é crucial para a vida de um pichador. Minha primeira reação foi essa, ser RÁPIDO, descer do prédio e correr, correr o máximo que puder.

Eu tinha que me esconder, achar um lu-gar seguro para fugir. O contraditório é que apesar de sermos de um grupo, dito unido, nesses momentos é “cada um por si”. Nin-guém se preocupa se o seu parceiro ficou pra atrás. Todos pensam apenas em esca-par da policia.

Diferente de Zé Doido, hoje, tive sorte e consegui escapar. Mas um de meus par-ceiros foi atingido por uma bala que acer-tou sua perna e foi capturado.

É uma vida arriscada e tenho que lidar com isso semanalmente. Essa é a vida que eu levo perigo, exposição e risco fazem parte da minha rotina e muitos brasileiros que se dispõe a fazer pichações pelas cidades.

* O termo "graffiti" vem do inglês e é utilizado por especialistas nessa manifestação artística para diferenciá-la do elemento químico grafite.

**Já a palavra "grafiteiro", apesar de ter origem na expressão inglesa, foi abrasileirada.

11ARTE URBANA

Conheça o grafiteiro, seus objetivos e estratégias para realizá-los

JÉSSIKA ELIZANDRA

13ARTE URBANA12 NOVEMBRO DE 2011

O nome Banksy simboliza um dos maiores e mais descabidos mistérios da atualida-de. Quando é citado, imediatamente al-

guém pergunta “Mas quem é ele?” Esta questão nasce porque o artista de rua, especializado na rebuscada técnica do stencil e em utilizar suas obras como ferramenta para criticar governos e elites opressoras, nunca revelou seu nome nem seu rosto publicamente. Em uma sociedade ob-cecada por imagens e onde a vida de todos é cada vez mais pública, isso naturalmente gera interesse, mas pelos motivos errados. Por que é relevante saber em que maternidade ele nas-ceu, se teve espinhas na adolescência ou se vive no subúrbio com a esposa e dois filhos? O importante é conhecer o seu trabalho, idéias e objetivos, e é isso que apresentamos nessa reportagem. A revelação final, eu já adianto: Banksy é fascinante!

É, antes de tudo, um contestador. Não se con-forma com as guerras, desigualdade social, abuso de poder ou preconceito, e luta contra esses temas usando as ferramentas das quais dispõe: criatividade, ousadia e habilidade artís-tica são combinadas à sua grande percepção a respeito da natureza humana. Apesar de ver o capitalismo como um dos maiores causado-res dos problemas sociais contemporâneos, foi capaz de perceber que, para combatê-lo, seria

necessário “dançar conforme a música”. Por se expressar através das artes plásticas, sa-bia que, para defender suas idéias, precisaria adequar a estética de suas obras a uma que agradasse as massas. Como uma das princi-pais bases do capitalismo é a promoção do con-sumismo, os meios de comunicação nos bom-bardeiam o tempo todo com propagandas belas e estimulantes. Mesmo sem percebermos, nos acostumamos com essa estética e é ela que aceitamos, renegando as não corresponden-tes. Banksy, então, apropriou-se dela para transmitir suas próprias mensagens.

Suas obras algumas vezes são coloridas e seus traços carismáticos. As críticas são feitas com um toque de bom humor e ironia. É muito comum você estar observando uma obra de Banksy e perceber o surgimento involuntário de um sorri-so de canto de boca. O grafiteiro faz perguntas e afirmações com a mesma simplicidade com a qual uma criança faz uma pergunta embaraçosa a um adulto. A reflexão sobre o tema é inevitá-vel. Utiliza a refinada técnica do stencil, porque ela lhe permite fazer os desenhos mais rápido, expondo-se assim a menos riscos de ser preso, mas não é a única. Sempre disposto a inovar, uma de suas obras é um telefone público serra-do e contorcido, atingido por uma picareta e com

uma mancha de tinta vermelha escorrendo do “ferimento”, re-presentando sangue! É comum vermos alguns personagens repetidos em suas obras, re-presentando a visão do artista sobre eles: os ratos, represen-tando a imundície da classe opressora, e os policiais, que aparecem usando cocaína, re-vistando e sendo revistados por crianças, beijando-se, etc.

A ousadia é uma de suas prin-cipais armas para chamar aten-ção. Já entrou na Disneylândia com um boneco inflável dentro da mochila e, chegando lá, in-flou-o, vestiu-o com o mesmo modelo de roupa usado pelos prisioneiros de Guantánamo e deixou-o lá sentado, para cau-sar alvoroço. Também grafitou o “mundo perfeito” no muro que Israel construiu para iso-lar os palestinos vivendo na Cisjordânia; invadiu renoma-dos museus, como o American Museum of National History e o Brooklyn Museum, ambos em Nova York e, sem que ninguém percebesse, colocou quadros

seus nas paredes; adulterou 500 cds da celebridade Paris Hilton, expondo a moçoila no encarte fazendo topless e, em outra foto, com cabeça de ca-dela; entre tantas outras.

Banksy ganhou projeção in-ternacional a partir de 2005, e atualmente suas obras são vendidas por uma pequena for-tuna. Entre seus fãs há vários famosos como, por exemplo, Christina Aguilera, que pa-gou 25 mil libras por uma das obras onde o grafiteiro apre-senta uma rainha Vitória lés-bica. Neste ano produziu uma abertura bastante crítica e po-litizada para o desenho anima-do “Os Simpsons”, depois de virem á público denúncias de que a produtora usava traba-lho escravo da Coreia do Norte na produção de seus produtos. Em vez da produtora contes-tar, ou no mínimo explicar-se, se disse lisonjeada pelo artista fazer uma abertura para o seu programa. Ainda assim, a rela-ção de Banksy com a indústria cultural é bastante complexa

de ser compreendida. Muitos têm dúvidas se o artista apro-veita-se da exposição que tem na imprensa para divulgar suas próprias causas ou se ele é só mais um produto, vendido na prateleira de artes plásticas, e logo logo será substituído por um lançamento. Quem parar e analisar o assunto perceberá uma mescla dos dois.

Outra questão polêmica, e que muitos enxergam como para-doxal, é a questão de Banksy ser todo engajado, porém re-alizar exposições em tradicio-nais galerias e museus pelo mundo, além de vender algu-mas de suas obras.

Neste ano Banksy teve sua atitude mais ousada. Lançou-se como diretor de cinema, no filme “Exit Through The Gift Shop”, que concorreu ao Os-car de melhor documentário. Nele o grafiteiro narra a histó-ria de um fotógrafo italiano que começa a seguí-lo, gravá-lo e fotografá-lo, com o intuito de fazer um filme, assim integran-

do-se profundamente como os artistas de rua mais reno-mados. Só que, em um mo-mento, Banksy percebe que o fotógrafo nunca teve intenção de gravar filme nenhum, en-tão estimula-o a tornar-se um artista de rua também. Essa é a sacada mais genial do filme, pois apesar do moço visivel-mente não ter nenhum talento acima da média para o graffiti, só porque ele foi “apadrinhado” por Banksy, a mídia passou a tratá-lo como o novo Basquiat. Em sua exposição estavam presentes pessoas como o ca-sal Angelina Julie e Brad Pitt, e elas pagavam o preço que o italiano estipulava pelas obras, sem nem ao menos refletirem se isso era uma boa ideia. É como se ele utilizasse a arte para criticar o próprio mercado artístico das galerias, museus e críticos. Outro bom motivo para conferir o filme, é que ele mostra o processo de criação de algumas das obras do artis-ta, e é uma oportunidade única de vê-lo explicando algumas delas. Imperdível!

Saiba mais

BANKSY. Site Oficial. Disponível em http://www.banksy.co.uk/, acesso em 04/10/2011

BECKER, Melissa. Banksy: o anônimo mais famoso do mundo. Revista Superinteressante. Edição de maio de 2011. Disponível em http://super.abril.com.br/cultura/banksy-anonimo-mais-famo-so-mundo-623045.shtml, acesso em 07/10/2011

EDUARDO, Carlos. Banksy, mestre na arte da enganação. Dis-ponível em http://letitblog.wordpress.com, acesso 04/10/2011

REVISTA Galileu. Artista britânico Banksy dirige abertura som-bria de "Os Simpsons". Disponível em http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI178791-17770,00-ARTISTA+BRITANICO+BANKSY+DIRIGE+ABERTURA+SOMBRIA+DE+OS+SIMPSONS.html, acesso 04/10/2011

17ARTE URBANA16 NOVEMBRO DE 2011

Conheça a Choque CulturalA quase inexistência de fronteiras entre rua e galeria resultam no livre trânsito de criatividade e informalidade pelos dois espaços

TEXTO E FOTOS JÉSSIKA ELIZANDRA

A iniciativa de fundar a Choque partiu da arqui-teta Mariana Martins, do

profissional de moda Baixo Ri-beiro, e do especialista em stre-et art Eduardo Saretta. Após montarem uma editora homô-nima, que produzia pôsteres, adesivos e artigos artísticos de baixo custo e com potencial colecionável, eles perceberam que faltava mercado tanto para os seus artistas divulgarem e negociarem suas obras, quanto para o público jovem, que admi-rava esse material e gostaria de consumí-lo, mas não se sentia confortável em lugares formais como os museus e galerias co-muns. Em 2004 nascia, então, a Galeria Choque Cultural, es-pecializada em arte urbana.

Apesar de geralmente expor trabalhos de grafiteiros, a Cho-que não é uma galeria de graffi-ti. Isso porque essa arte envol-ve a transformação da rua e do espaço público, não podendo, assim, ser trazida para dentro de uma galeria, uma casa ou qualquer outro tipo de ambiente privado, sem ser drasticamen-te descaracterizada. Portanto a galeria precisa educar os ar-tistas que representa para que se desprendam das paredes e passem a criar sobre outras superfícies, como papéis, te-las, bonés ou camisetas. Isso é possível, pois a essência do trabalho deles não é a superfí-cie onde ele é criado, mas sim

a relação de cega devoção dos grafiteiros com a arte, como percebemos pelo fato de se dis-porem a gastarem tempo, ener-gia e dinheiro, para oferecerem à sociedade uma obra que pode ser apagada no dia seguinte.

Como qualquer galeria de arte, a Choque procura criar condi-ções para que os artistas que representa possam viver da sua arte, mas seus objetivos vão muito além do comercial: formar novos artistas e cole-cionadores; abrir-se para a arte que acontece a sua volta, em vez de ficar esperando que ela bata á sua porta, como fazem a maioria dos outros estabele-cimentos do ramo; além de pro-mover o intercâmbio de obras com outras galerias e museus, tanto brasileiros quanto inter-nacionais, intentando, além da popularização de seus próprios artistas, a diversificação de seu acervo, são alguns deles.

A visita

Minha primeira visita à Choque Cultural foi em um sábado chu-voso, e tinha por simples obje-tivo tirar as fotos que ilustram essa matéria. Desço do ônibus em frente à praça Benedito Ca-lixto e, após dar alguns passos, percebo que estou para conhe-cer a “minha” galeria de arte: vejo várias paredes grafitadas, inclusive por nomes de peso como Minhau, que colorem o

dia cinza; e muita gente estilo-sa –não só jovens, idosos esti-losos!- inteligente e culta, como fica claro pelos trechos das con-versas dos outros transeuntes que ouço enquanto caminho. A região pulsa vida e boêmia.

Entro na João Moura e não encontro a Choque... Ela me encontra! Sou cumprimentada por um prédio de dois andares todo encapado com pedaços de cartazes coloridos, e um le-treiro luminoso -também colo-rido- anuncia que cheguei ao meu destino. Nesse momento eu hesito. Nunca me sinto à vontade entrando em museus e galerias de arte. Sinto como se as obras estivessem lá repou-sando em uma tranqüilidade absoluta e eu fosse atrapalhá-las. Como se esses ambientes não me quisessem lá. Mas eu devia saber que a galeria que lançou Zezão, Nunca, Daniel Melim, Tinho, rosa, Flávio Sa-mello, MZK, Highraff, Renan Cruz, Speto, Stephan Doits-chinoff, Rafael Coutinho, Carla Barth, PJota, Presto, Znort, Ma-goo, Jotapê, Mariana Martins, Buia, Whip, Yumi Takatsuka, Ramon Martins, Jaca, só para citar alguns, não teria esse per-fil. Ao lado da porta há um vaso de planta com dois adesivos que com certeza não são par-te da exposição. “Será que al-gum visitante os colou ali? Não! Jamais! Esse tipo de ambiente não permitiria essa atitude...”

Deixo o meu guarda-chuva ver-melho fazendo companhia a outros dois que já estavam ali e olho ao redor. As paredes estão pretas, vermelhas e amarelas –“estão”, e não “são”, porque na Choque elas são parte da obra, e não uma mera superfície de apoio para esta-, e há letras, ilustrações e pedaços de car-tazes nelas. No canto, um car-rinho de compra, daqueles me-nores de dois andares, oferece revistas Juxtapoz por R$ 20,00 e um pufe retangular preto lhe faz companhia. De onde estou, posso ver duas portas além da que eu entrei: uma à frente, onde uma moça em um balcão conversa animadamente com uma visitante, e outra à esquer-da que parece mais tranqüila.

Escolho a porta da esquerda. Nessa sala me aguardam um banco de madeira, outro vaso de planta, uma janela, paredes cinza com algumas ilustrações similares às que já vi na sala an-terior e várias molduras. Algu-mas delas exibem colagens com pequenos pedaços de revistas, jornais, papéis de presente, de-senhos daqueles que a profes-sora imprimia no mimeógrafo e dava para os alunos pintarem, e quase todo tipo de papel que o leitor puder imaginar. Já ou-tras mostram fotos de edifícios impressas em várias etiquetas coloridas, sendo que cada uma delas traz uma pequena fração da imagem. A impressão que

temos quando observamos é a de estar olhando para um espe-lho colorido que reflete aqueles edifícios. O nome dos artistas está escrito à mão em etique-tas abaixo das molduras. Sou interrompida por duas meninas e um menino, de uns 16 anos. Eles param para colar adesivos na janela. “Nossa, então pode mesmo! Que máximo!”-penso eu. É como se cada visitante estivesse decorando um pouco da galeria e, com isso, deixas-se um pouco de si nela. Nada mais justo, já que ela também deixa uma parte dela na gente.

Volto para a sala anterior, que dá acesso a uma escada que sobe. Uma pintura na parede anuncia a exposição “Outro Plano”, de Carlos Dias. Na sala à direita há diversas telas do artista, mas é a sala à esquerda a mais interessante. Ali Carlos Dias prova que há milhares de outras formas de expressar-se nas artes plásticas que não a pintura. Além das obras, a sala abriga um sofá posicionado em frente a um televisor que exibe um vídeo. Um rapaz está lá confortavelmente assistindo e, de vez em quando, levanta-se para fotografar alguma obra.

Desço a escada e decido ex-plorar a exposição “Eu sou um lobo”, do artista japonês Atsuo, no subsolo da galeria. É como entrar em um mundo de sonhos (ou seria de pesa-

delos?), cheio de pássaros e lobos com asas, onde tábuas de carne e shapes de skate servem de tela ao artista, e a decoração fica por conta de ca-veiras mexicanas, tudo regado á miçangas, lantejoulas e vá-rios outros acessórios brilhan-tes, além de (claro!) muita cor.

Chega a hora de ir embora, mas não antes de conferir o que há naquela sala pela qual passei quando cheguei, com a moça no balcão. Descubro a loja da galeria. Ali são vendidas xilo-gravuras, pinturas, ilustrações à lápis grafite, entre várias ou-tras técnicas, tanto de artistas desconhecidos quanto de re-nomados, como Daniel Melim, Speto, Onesto e Highraff, além de livros que falam a respeito de arte urbana. Tiro algumas obras do lugar para fotografá-las e a moça que estava no balcão se aproxima. Mal tenho tempo de pensar “Lá vem ela falar que não pode fotografar nem tirar as obras do lugar e mimimi”, quan-do ela me surpreende ao dizer “Coloca essa aqui nesse fundo, que vai ficar mais legal!” Tirei as fotos e me despedi, mas sem dizer adeus, e sim, até breve.

Galeria Choque CulturalRua João Moura, 997Pinheiros - São PauloTelefone: (11) 3061-4051

www.choquecultural.com.br

21ARTE URBANA20 NOVEMBRO DE 2011

Para os amantes de arte urbana...

Em abril deste ano, 11 grafiteiros renomados, entre eles Chivitz e Binho, grafitavam as pi-lastras degradadas do metrô, quando foram detidos sob a justificativa de crime ambien-tal. Mas em vez de desanimarem, enquan-to estavam na delegacia os artistas tiveram a ideia de buscarem apoio da prefeitura e cria-rem o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana. O projeto deu certo e conta com 68 painéis.

Museu Aberto de Arte UrbanaAvenida Cruzeiro do Sul, nas pilastras do metrô,

entre as estações Santana e Carandiru

Artistas urbanos como os franceses Remed, JR e Invader, o tche-co Point, os argentinos Tec, Defi e Chu e a norte-americana Swo-on criaram especialmente para essa exposição, que além de estar be-líssima, oferece algumas obras deliciosamente interativas, como a piscina de bolinhas para adultos, representando o "O" do nome Point.

De Dentro e De Fora Em cartaz no MASP -Museu de Arte de São Paulo- até 23 de dezembro de 2011Avenida Paulista, 1578Telefone: (11) 3251-5644

http://masp.art.br

Mas a melhor dica mesmo é passear por aí de olhos bem abertos. Alguns bairros da ci-dade se São Paulo são referência quando o assunto é graffiti, como Pinheiros, Bu-tantã, Vila Madalena e redondezas da es-tação de trem Palmeiras-Barra Funda.

Foto de graffiti de artista anônimo e de mosaico do

francês Invader, no Largo da Batata, em Pinheiros

A partir da década de 60 a maior parte das pessoas aban-donou o campo e passou a vi-ver nas cidades. Além disso, os serviços ligados à comuni-cação começaram a evoluir e nunca mais pararam. Obvia-mente esses dois fatores pro-moveram mudanças profundas em nossa sociedade, originan-do, inclusive, novos gêneros artísticos que atingiriam um novo nicho de público: os jo-vens.

Não que antes disso esse pú-blico não gostasse de arte. Era mais questão de identifi-cação. Como jovens que ten-tavam derrubar uma ditadu-ra, ou lutarem pelos direitos das mulheres, se identifica-riam com qualquer arte que não fosse àquela produzida durante aquele momento tão específico? Eles precisavam de uma arte sob medida, li-

gada as ruas, a rapidez, me-nos formal e com mensagens mais claras. Várias das artes que se popularizam naquele momento, como o graffiti e a tatuagem, atendem a essa de-manda. Percebemos que o jo-vem é tão apaixonado por arte que tem coragem de desenhá-la, de forma permanente, no próprio corpo, ou perder horas do seu dia, além de dinheiro, para presentear as ruas com um graffiti, que nada garante que não será apagado no dia seguinte.

Paralelamente o consumismo também desenvolve-se em um ritmo assombroso e faz com que os jovens sintam necessi-dade de comprarem tudo o que vêem. Por sorte, com a arte ur-bana e underground a todo va-por, eles vêem muita coisa bo-nita: tênis, camisetas e bonés customizados, pôsteres, de

uns anos para cá os toy arts. O mercado, sempre rápido, é o primeiro a perceber essa re-lação emocional do jovem com essa nova arte e já começa a estimular o colecionismo.

Essa percepção veio em boa hora, já que os jovens já co-meçavam a sentir-se culpa-dos pelo consumo, pois com a combinação deste com os pro-dutos com a arte, eles não são somente consumistas, tem um compromisso cultural, inves-tem no futuro artístico do país.

É um privilégio poder assistir a essa revolução, a essa es-panada na poeira dos velhos padrões. Quando daqui há 20 anos, quando meu filho de 15 anos chegar em casa di-zendo que lucrou 600% em uma xilogravura, eu poderei me sentir orgulhosa e dizer: “Eu estava lá!”

por Jéssika Elizandra

A arte urbana transforma o jovem espectador de arte em consumidor

Jovens e Arte

23ARTE URBANA22 NOVEMBRO DE 2011

Nascidos para

grafitarAutodidatas, OSGEMEOS levam o graffiti brasileiro para o mundo

CAROLINA iTO

25ARTE URBANA24 NOVEMBRO DE 2011

Foi no ano de 1974 que nasceram os gêmeos idênticos Gus-tavo e Otávio Pandolfo, nessa ordem e com diferença de apenas dez minutos. As paredes e muros do Cambuci, bair-

ro central da cidade de São Paulo, foram as primeiras telas dos ir-mãos que hoje atendem pelo nome de guerra OSGEMEOS e que influenciam grafiteiros de toda parte do globo. Assim como ou-tros artistas, eles se interessaram pelo graffiti frequentando as chamadas “grifes”, grupos de hip hop do bairro onde cresceram.

O grande rolê d’OSGEMEOS

Agregando imigrantes italianos e nordestinos, o Cambuci tem um his-tórico cultural, no mínimo, curioso. Além de ser palco de manifestações religiosas como a tradicional Malhação de Judas, o bairro também é considerado um dos principais centros da arte de rua paulistana por conta da formação de grupos de breakdance e graffiti nos anos 80. Foi nessa época, aos 12 anos de idade, que Gustavo e Otávio Pandolfo ganharam a primeira lata de spray, fornecida surpreendentemente por dona Margarida Pandolfo, a matriarca da família. O pai e os avós tam-bém contribuíram para avivar a criatividade dos irmãos, levando-os a sessões abertas de desenho na Pinacoteca do Estado de São Paulo, mas foram os grupos de hip hop que motivaram os garotos a pintar em muros e construções abandonadas, já com a assinatura d`OSGEMEOS.

Um italiano, muito antes, já havia deixado sua marca nas pare-des do Cambuci. Esse italiano foi Alfredo Volpi, um dos artistas mais importantes da segunda geração do modernismo no Bra-sil, conhecido por pintar a infância utilizando elementos como bandeirinhas e mastros de festa junina, às luzes do abstracio-nismo geométrico. Volpi começou a pintar em 1911, no ofício de decorador de paredes e murais no bairro do Cambuci e permane-ceu autodidata ao longo da vida, assim como os gêmeos grafiteiros.

Se Alfredo Volpi foi consagrado por suas bandeiras coloridas, a arte d`OSGEMEOS, certamente, pode ser reconhecida por seus per-sonagens de cor amarela, espalhados pelas ruas e becos paulista-nos. Os grafiteiros desenvolveram esse estilo, em conjunto, quando decidiram se desvincular da cultura hip hop e procurar outros cami-nhos, abrindo espaço para novos mundos. A situação começa a mu-dar em 1993 quando o artista plástico e grafiteiro norte-americano, Barry Mcgee, chega a São Paulo para realizar uma exposição de arte contemporânea. Nessa visita, OSGEMEOS são incentivados a abandonar o emprego fixo para se dedicarem integralmente à arte urbana, que oferecia muito mais possibilidades do que antes.

Já em 1995, eles realizam uma exposição conjunta no Museu da Imagem e Som (MIS), em São Paulo, e adquirem grande projeção dentro e fora do país. A primeira exposição no exterior acontece em 1999 em Munique, na Alemanha, a convite de Loomit, um dos íco-nes do graffiti mundial. Depois disso, eles desbravaram vários paí-ses europeus, já com estilo consolidado, até a temporada nos Es-tados Unidos que ocorreu de 2003 a 2005 percorrendo as cidades

de São Francisco e Nova Iorque. Nesta última, eles realizaram uma exposição na galeria Deith Projects e entraram, definitivamente, para o mercado da arte contemporânea, incluindo esculturas e ins-talações para complementar as técnicas que envolvem o graffiti.

Depois de sete anos de trabalho conquistando reconhecimento inter-nacional, OSGEMEOS retornam a São Paulo, em 2006, com a expo-sição “O peixe que comia estrelas cadentes” na galeria Fortes Vilaça, que trazia uma série inédita de “pinturas-objeto” em tamanho gigante e desenhos que pulavam das paredes para todo o canto da galeria.

O mundo conhece os “homens amarelos”

Os primeiros desenhos dos irmãos Pandolfo eram feitos com spray automotivo que é mais barato, mas não oferece uma boa cober-tura. Mesmo com essa dificuldade, eles desenvolveram técnicas para produzir o efeito que queriam e depois ficou fácil dominar o aerógrafo (uma espécie de caneta, com reservatório de tinta e li-gado a uma mangueira de ar comprimido) e o spray convencional, deixando de lado o stencil - muito utilizado por outros grafiteiros.

Traços finos em preto ou vermelho-escuro contornam os humanói-des que quase sempre possuem cabeça grande, nariz redondo e olhos pequenos, preenchidos por tons de amarelo. O sombreado produzido com spray proporciona efeito de volume, dando a impres-são que os personagens não se restringem ao espaço bidimensio-nal dos painéis. As cores vivas, que remetem ao universo dos qua-drinhos, também ajudam a construir cenas lúdicas que se encaixam em verdadeiros quadros narrativos. Na opinião do curador do Mu-seu e Arte Moderna de São Paulo, Felipe Chaimovich, “o domínio do efeito esferóide leva à ilusão de que as figuras d`OSGEMEOS habitam um mundo próprio, mesmo quando dividem espaço lado a lado com outros graffitis desprovidos do ilusionismo tridimensional”.

As imagens são marcadas por referências da tradição popu-lar que se misturam a elementos sugerindo influência do Surre-alismo, com a presença do onírico, da pop art, através da explo-são de cores primárias, e até da art naif, pela simplicidade dos traços meio desajeitados somados ao autodidatismo dos artistas.

A criação atual d`OSGEMEOS envolve mais o lúdico e o fantástico ampliando sensações através da interação com outros objetos. Os homens amarelos ganham movimento nos salões de exposição na forma de bonecos gigantes infláveis ou feitos de madeira que che-gam a 20 metros de altura. Pintar em grandes estruturas também é uma especialidade dos irmãos. Na mostra “O Peixe que Comia Estrelas Cadentes”, o público podia entrar, literalmente, no mun-do criado pel`OSGEMEOS, já que a fachada da galeria havia sido inteiramente pintada de amarelo representando um enorme ros-to com os traços que marcam o estilo da dupla. Em 2007, outra in-tervenção importante foi feita nas paredes externas de um castelo medieval da Escócia, junto com Nina Pandolfo e o grafiteiro Nunca.

Universo em construção

O que fez os irmãos se interessarem pelo graffiti, desde os tempos em que saíam pelas ruas à procura de um espaço para intervenção, foi a possibilidade de dialogar de maneira imediata com o público e atingir pessoas de diversos seguimentos sociais, independentemen-te da aprovação. “A gente se apaixonou pelo graffiti pelo fato de ser uma mensagem direta e por não passar por ninguém, nem curador, nem crítico, nem museu”, esclarece Otávio Pandolfo em entrevista ao Portal UOL. Para que esse sentido não se perca no ambiente fecha-do das galerias de arte, OSGEMEOS se preocupam em reproduzir o universo e as experiências cotidianas que permeiam suas vidas e que influenciam na maioria dos trabalhos, como define Gustavo Pan-dolfo: “na rua o universo já está construído, já está pronto, você só precisa interferir nele. Dentro da galeria, a gente pode transformar um ambiente que está todo branco numa janela para o nosso mun-do”. Nessa mesma entrevista, Otávio ressalta que “o graffiti sempre vai existir em qualquer lugar porque o jovem quer falar, mesmo que for para pichar uma tag ou uma declaração de amor” e sempre será uma expressão que revela as “feridas” deixadas pela metrópole.

Saiba mais

RALSTON, Ana C. Biografia OSGEMEOS. Disponível em http://osge-meos.com.br/index.php/biografia. Acesso em 08/10/2011

Uol entretenimento. Vídeo entrevista : Grafite em São Paulo – OS-GEMEOS. Disponível em http://mais.uol.com.br/view/1xu2xa5tnz3h/grafite-em-sao-paulo--osgemeos-04023170D4811346?types=A&. Acesso em 08/10/2011

Portal SESCSP. Bandeiras Paulistanas. Disponível em http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?edicao_id=332&Artigo_ID=5172&IDCategoria=5930&reftype=2. Acesso em 09/10/2011

RAMOS, Celia M. Antonacci . Grafite & pichação: por uma nova epis-temologia da cidade e da arte.Florianópolis, 2007. v. 1.

MUNHOZ, D. R. M. . Graffiti: uma etnografia dos atores da escrita urbana de Curitiba. 1. ed. Curitiba: Tecnokena, 2003. v. 1. 165 p.

XAVIER, Denise Prates. Repensando a periferia no período popular da história: o uso do território pelo movimento Hip Hop. Rio Claro, 2003. v. 1. p. 213-225.

Fundação Álvares Penteado. Catálogo de exposições: OSGEMEOS_ São Paulo: FAAP, 2009.

Seja marginal, seja flâneurUma narrativa sobre o flâneur, filho por acidente da metrópole moderna

texto e imagem por Carolina Ito

Caminho pela Rua Augusta numa noite amortecida pela passagem da chuva torrencial paulistana. Logo, me sinto impelida a flanar como um daqueles caras que fi-cam perambulando à procura de um gole de cachaça. Aliás, “fla-nar” é um verbo engraçado... Ele vem da palavra em francês flâne-rie que, no geral, significa folga, malandragem. O flâneur, por sua vez, é um sujeito que dedica seu tempo a vagar pelas ruas obser-vando e captando o movimento da cidade. Essa figura teve seu contorno delineado pelo poeta francês Charles Baudelaire que viveu no século XIX e, sem dú-vida, foi um apaixonado pelas multidões e pelo cenário urbano.

É claro que um bom flâneur, o do tipo francês com todo o gla-mour subjacente, tem que estar atento a tudo o que se passa ao redor, agindo como um detetive das ruas – o que seria difícil no caso de um bêbado moribun-do, voltando à minha idéia de flanar por Sampa dessa manei-

ra. Mas proponho um consen-so que é reforçado pelo cantor Fausto Fawcett, autoridade da noite carioca: “para ser um flâ-neur, é preciso ser um boêmio”.

O trajeto que parte da rua Oscar Freire até a baixa Augusta é longo e fascinante e perturbador. Cabe aqui um parêntesis sobre o cho-que estético que é sair da Oscar Freire, reduto da breguic..., quer dizer, do luxo sustentado pela high society paulistana, e depois adentrar na Augusta com seus prédios decorados por pichações e luzinhas pisca-pisca que anun-ciam os bordéis. A propósito, nun-ca havia reparado na beleza das prostitutas que ficam na calçada para atrair a clientela de madru-gada. Salto alto, decote generoso e boca molhada com batom visco-so e brilhante é uniforme padrão que possui a mesma função dos luminosos comerciais. Espectros de luz na noite mal iluminada.

É a cidade que habita os homens ou são eles que moram nela? - in-

daga o teórico. As putas, os do-nos de bar, os leões-de-chácara e os mendigos da Augusta pare-cem mais engolir a cidade, sem medo de engasgar. Seria apenas mais uma rua indistinta em meio à vasta metrópole pós-moderna? - inquieto-me. Mas meu olhar é como o de um “lírico no auge do capitalismo” que se nega a enxergar isso, da mesma ma-neira que rejeita a ideia de que as pessoas se tornaram apenas objetos da (famigerada) massa. João do Rio, que muito frequen-tou o chá das cinco da flâne-rie, declara o amor pela rua em vários momentos de sua obra. Imagino o escritor a proclamar destemidamente que “a rua tem alma!” ou ainda que “a rua é o aplauso dos medíocres, dos in-felizes, dos miseráveis da arte”. Assim, o flâneur caminha em busca da aura devastada pela modernidade, com seu encanto ingênuo e ocioso. Afinal, como di-ria o próprio João do Rio, “nada como o inútil para ser artístico”.

Montagem com foto de Henri Cartier-Bresson (Madri, Espanha - 1933)

29ARTE URBANA

Pichação não é degradaçãoEntrevista com Daniel Melim, o grafiteiro que mistura a sujeira da

cidade com os clichês do consumo

Quais são os principais artistas que influenciam na sua obra?No começo quem mais me in-fluenciou foram os artistas Ti-nho, Cobal, Speto, Vitché, OS-GEMEOS... Essa geração teve forte influencia no meu trabalho.

Como você desenvolvia sua arte antes de entrar na facul-dade de Artes Visuais?Sempre gostei de desenhar. No começo as HQs (historias em quadrinhos) eram o que eu mais curtia. Disso saiu toda minha referência de desenho. Na rua eu não encarava o que eu fazia como intervenção, era simplesmente algo que eu gostava. Sair pra rua, dei-xar uma marca, um desenho. Só depois comecei a encararisso de uma outra forma.

O que mudou com aexperiência acadêmica?Tive acesso a outros artistas, de diversos estilos. Isso aju-dou a mudar um pouco minha forma de pensar e de pintar. Outra coisa é o contato com a galera que produz arte ou pes-quisa alguma coisa sobre, isso traz outra bagagem forte. Como eu estudei arte-educação, a experiência de dar aula é uma forte marca dentro do meu pro-cesso de trabalho e pesquisa.

Na sua biografia do site Cho-que Cultural, está escrito que o seu trabalho “transforma clichês em ironias” através de stencils. Quais os temas mais recorrentes desse processo? Acho que essa ideia de ironia vem devido a forma como eu retiro as imagens do seu con-texto original ou de como eu me aproprio dela para chegar no resultado visual e de con-ceito que eu quero. É essa a ironia das imagens de comer-cial. Já os temas são os mais

variados: da segurança pública ao cotidiano do bar e todas as mazelas da vida do subúrbio.

Ainda no site, é citado seu atu-al projeto, o “Jardim Limpão”, no qual você pretende grafitar um bairro inteiro de São Ber-nardo. Nesse trabalho, a pin-tura é tratada “como elemento integrador social”. De que ma-neira ocorre essa integração? Quais os resultados?A integração vem através das oficinas e dos workshops que eu desenvolvo voluntariamen-te na comunidade. Com isso, os jovens do bairro participam trabalhando comigo no desen-volvimento dos murais. A gale-ra não fica só de expectador, eles participam da pintura e da construção do trabalho na prá-tica. Cada morador lê esses trabalhos de maneira diferente, mas, no geral, o pessoal gosta muito e tem uma boa interpreta-ção do trabalho. Esse apoio da comunidade é fundamental parao desenvolvimento do Projeto.

Por que você se baseou em elementos da Pop Art para compor o mural da avenidaPrestes Maia, em São Paulo?Meu trabalho vem de referên-cias de clichês e propagandas, principalmente dos anos 50, que têm toda uma caracterís-tica estética que gosto de uti-lizar e é isso que traz o lado irônico para ele também.

Como é o processo de liberação para intervenções de graffiti em espaços públicos, como foi o caso desse mural?Quando eu fiz o mural não existia nenhuma lei sobre intervenções na cidade. O que apresentamos foi um projeto de arte em um lo-cal onde havia uma propaganda e a empena ficou livre depois da Lei Cidade Limpa. Como a

lei fala sobre propaganda e não tem nada sobre arte, foi aí que encaixamos o trabalho.

Qual a relação entre Dadaís-mo, Pop Art e o seu trabalho?O Dadá era um anti-movimen-to que se propôs a ir contra o modo tradicional de se pensar e fazer arte. Alguns estudiosos, não consideram a palavra “Da-daísmo” devido a essa postura dos artistas, ou seja, qualquer “ismo” ia contra as suas propos-tas. Não só o Dadá, mas a Pop Art se utilizaram de elementos do cotidiano para causar essa indagação e criticar a sociedade de consumo, como eu proponho no meu trabalho.

A degradação da paisagem urbana agravada pelas picha-ções foi muito discutida nos últimos anos. Qual sua opinião sobre essa questão? A degradação não vem da pi-chação e é provável que ela seja só um sintoma da nossa sociedade. A arquitetura opres-sora da cidade já provoca isso. Ao enviar um e-mail para

Daniel Melim, fui surpreen-dida por uma resposta rá-pida e solícita. O grafiteiro tem realizado várias faça-nhas, sobretudo em Sam-pa, terra da “dura poesia concreta” que invade cada esquina, sem pedir licen-ça. Com esse mesmo ím-peto de avançar metrópole adentro, Melim grafitou re-centemente numa empena de prédio com 33 metros de altura, na Av. Prestes Maia, próxima à Estação da Luz.

Nessa obra, ele se baseia nos quadrinhos que tam-bém serviram de inspiração

para o movimento Pop Art, misturados à “sujeira colo-rida” que marca seu estilo. O painel gigante antes era destinado à publicidade, mas com a Lei Cidade Lim-pa, em vigor desde 2007, anúncios dessa dimensão foram vetados. “Como a lei fala sobre propagan-da e não tem nada sobre arte, pudemos encaixar o trabalho”, esclarece Melim.

Pintar uma figura tipica-mente pop em um espa-ço que já foi destinado à propaganda não dispensa ironias. Aliás, essa é ou-tra característica do tra-

balho de Melim. Como ele mesmo define, a ideia de ironia vem da forma como retira as imagens do seu contexto original para che-gar ao resultado visual e conceitual que deseja.

Formado em artes visu-ais, o grafiteiro já expôs no MASP, durante a mos-tra “De Dentro Pra Fora/ De Fora Pra Dentro”, na Galeria Choque Cultural, com a exposição individu-al “Novos Planos” e até ao lado do inglês Banksy no "The Cans Festival", co-letiva que ocorreu dentro de um túnel em Londres.

31ARTE URBANA30 NOVEMBRO DE 2011

por Carolina Ito

Dos esgotos para o mundo

Conheça a história de Zezão, o despretensioso grafiteiro que conquistou seu espaço através da arte urbanaAMANDA TIENGO

33ARTE URBANA32 NOVEMBRO DE 2011

Vivência e influência

José Augusto Amaro Capela nasceu em 1971, no bairro Bom Retiro em São Paulo. Sua vivên-cia no ambiente do skate, punk e pichação lhe renderam, mais tarde, o gosto pela arte urbana e a alcunha de Zezão. O grafi-teiro, no futuro, se ocuparia com as artes plásticas e passaria a deixar suas intervenções ao re-dor do mundo. Porém, quando começou a grafitar, em 1995, Zezão não imaginava o tama-nho do reconhecimento que al-cançaria com a sua arte.

José Augusto parou de estudar quando estava na sétima série. Segundo ele próprio, foi por não ter paciência para escutar a re-petição de discursos que, para o futuro artista, pareciam não ter significação e “acrescentavam pouco” na sua vida. Apesar dis-so, o grafiteiro acredita que não ter estudado um pouco mais so-bre a arte possa ter prejudicado, de certa forma, seu trabalho, o que dificilmente é notado por quem se depara com os graffi-tis, fotografias ou telas assina-dos por Zezão.

Antes de começar a levar a sé-rio seu hobby, ele chegou a tra-balhar no campo em Portugal, -o artista possui ascendência portuguesa- ser motorista de caminhão e motoboy em São Paulo. Todas essas ocupações lhe renderam a visão artística que desenvolveu tão bem: José começou a ver beleza onde a maioria das pessoas enxer-ga elementos desagradáveis, como lixo e sujeira.

E foi nos esgotos, nos túneis, em viadutos e lugares aparente-mente sujos e inóspitos, que Ze-zão consagrou seu nome. Atra-vés da fotografia, seu trabalho

pode ser divulgado. Até hoje ele é seu maior publicitário.

Do contexto ao começo

Zezão é considerado um ar-tista “intuitivo e autodidata”, segundo Baixo Ribeiro, funda-dor da galeria Choque Cultural. Ingressou nas artes por aca-so, influenciado pelo ambiente em que cresceu.

Em 1995, uma contusão feia no joelho obrigou Zé Augusto a dei-xar o skate de lado e abandonar os “rolês de bike”. Para diminuir a tristeza que se instalou no ga-roto punk, o amigo Binho Ribei-ro, que mais tarde também seria reconhecido por seus graffitis, teve uma idéia: “Meu, vamos começar a grafitar”.

E foi no quintal da casa de Binho que ficaram registrados seus primeiros rabiscos. Por nunca ter sido um bom desenhista, Ze-zão seguia o estilo bomb do hip hop nova yorkino, com suas le-tras gordas, grandes e garrafais. Esse estilo comandou os dese-nhos do grafiteiro por três anos, até que Zé conheceu a arte do norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) - grafitei-ro que começou nas ruas e hoje tem seus trabalhos expostos nos principais museus de Arte Contemporânea do mundo.

A partir daí, Zezão começou a montar seu próprio estilo, usan-do um pouco de abstração, dei-xando a tinta escorrer mais e es-crevendo nos muros de maneira mais intuitiva, menos técnica. Foi no mesmo ano, de 1998 que Zezão saiu para as ruas de São Paulo e começou a fazer par-te de uma gangue de pichação chamada VICIO. Era com esse nome que assinava seus rabis-cos, adicionados por abrevia-

ções menores que caracteriza-vam seus desenhos.

Em 2000, deixou as ruas de São Paulo e passou a pintar nos subsolos dos canais de rios da cidade. Penetrou em lugares subterrâneos e abandonados da metrópole. Sua preferência para a pintura se tornou luga-res povoados por ratos e ba-ratas, mais do que ambientes tomados por humanos. E foram exatamente estes cenários que garantiram a marca registrada de Zezão.

Mas por que as ruas? Por que lugares abandonados e sujos? A escolha do artista está justa-mente no seu gosto. O ambien-te urbano lhe atrai, a vontade de deixar a cidade mais bonita comanda seu trabalho, que é di-rigido pela perturbação existen-te em toda metrópole, principal-mente naquela em que cresceu: São Paulo.

“Flops” com papel so-cial

Quem se depara com os de-senhos de Zezão, de primeira, nota a luminosidade, fluidez e a delicadeza das curvas, que o artista consegue com a ajuda de um rolinho de espuma de 4 cm. A inspiração vem de manei-ra intuitiva e ele pinta sem um desenho prévio. O acabamento é dado com sprays. O resultado é uma arte abstrata única, ne-nhuma é como a outra, apesar de seguirem quase sempre os mesmos passos e poucas vezes mudarem de cor. Esses arabes-cos característicos do artista são denominados por ele mes-mo como “flops”.

Além de uma estética carac-terística, Zezão possui um tra-balho artístico profundo e com-

"Fazer graffiti é ter liber-dade acima de tudo. É sair pra pintar meu lance onde quero, independente de ser autorizado ou não e sem compromisso algum com ninguém. Faço porque gos-to da rua e da liberdade que sempre tive de pintar meus lances, onde eu sempre quis. Gosto muito do su-porte urbano para interagir com o meu trabalho, sem limites e sem fronteiras."

- Zezão

34 NOVEMBRO DE 2011

plexo, cheio de implicações político-sociais. Ele reinventa o espaço que pinta, como se pu-desse torná-los mais bonitos. Seus desenhos dialogam com sua discussão sobre os lugares da cidade em que foram explo-rados: esgotos, subterrâneos, margens de rios e córregos, lu-gares abandonados e sem cor.

O grafiteiro divulga suas inquie-tações através da pintura e vai mais fundo: sua estética é extra-ída de uma São Paulo desleixa-da. Ele explora esses elementos e intervêm no caos urbano tão contemporâneo, na cenografia e também interage com os perso-nagens. Zezão se relaciona com quem ocupa os espaços urba-nos que ele customiza. Muitas vezes, essas pessoas partici-pam da intervenção, pois para o artista, seus desenhos e sua pintura têm que agradar a eles antes de qualquer outra coisa.

A base da pintura de Zezão vai além dos muros, lugares sub-terrâneos e inóspitos da cidade. O artista também fotografa seu trabalho e este se torna uma arte diferente quando transpos-to para o papel. Essa alternativa

artística participa do trabalho de Zezão como forma de registro, já que muitas vezes os dese-nhos e pinturas não são obser-vados por todos ao redor da ci-dade.

Sem a fotografia não seria pos-sível conhecer parte do trabalho deste grafiteiro. É como se o graffiti fosse uma arte efêmera (pode ser apagada), já a foto-grafia o torna uma arte duradou-ra e documentada. É através das fotografias e da internet, que a arte de Zezão se torna acessível.

Das ruas de São Paulo para o mundo

Apesar de sua despretensão ini-cial, Zezão, ficou conhecido por suas pinturas inusitadas e so-fisticadas. Em 2004, expôs pela primeira vez sua arte. A primei-ra exposição oficial do grafiteiro aconteceu na Choque Cultural - tradicional galeria de arte ur-bana em São Paulo.

Depois do primeiro passo um re-conhecimento maior aconteceu de maneira rápida: o (agora) artista começou a ser chamado

para expor seu trabalho em di-versos países do mundo. Desde então, existem obras de Zezão em galerias de Nova York, Lon-dres, Paris, Alemanha, Reino Unido, entre outros lugares ao redor do planeta. Aqui no Brasil, podemos conferir as obras do artista no lugar onde tudo come-çou: em São Paulo, na galeria Choque Cultural, além de estar também nos espaços urbanos “invadidos” pelo grafiteiro.

Zezão também conquistou seu espaço dentro do livro Graffiti Brasil, publicado pela principal editora de livros de arte da In-glaterra: a Thames e Hudson. Umas das artes do grafiteiro está impressa na contra-capa do livro, cujo um dos autores, o ensaísta Tristan Manco é ad-mirador do artista. Ao lado de Zezão, também estão os bra-sileiros OSGEMEOS dentro da obra.

Até de curta-metragem o gra-fiteiro foi astro. Roteirizado e filmado por Patrícia Cornils, ci-neasta e jornalista, o filme “De-safio de Zezão” rodou em abril de 2006.

Em 2007, o grafiteiro participou de sua primei-ra exposição no exterior: Foi em uma galeria de Nova York. Seu trabalho foi exposto por um mês todo, do dia 17 de fevereiro à 17 de março da-quele ano. Boleta, um amigo da gangue de picha-ção, VICIO, foi seu colega de viagem. Ele também expôs seus trabalhos como grafiteiro na mesma exposição.

Além de ter suas pinturas expostas em grandes galerias de arte underground, Zezão também as vende para quem desejar tê-las. Ao grafitar resi-dências e espaços privados, não sente receio por vender seu trabalho hoje em dia, apesar de não aceitar isso quando era mais novo, por uma ques-tão de ideologia. Mais maduro, encontrou no gra-ffiti uma ocupação prazerosa que sim, pode lhe render uma “boa grana”, coisas que não faziam parte de sua vida, quando era motoboy.

Zezão também já foi contratado para realizar campanhas publicitárias para empresas como Nike, Skol, McDonalds, Siemens e Nescau. Seus principais ganhos vêm da publicidade e cada vez mais da venda de seus trabalhos em galerias, o que mostra que sua arte se torna mais conhecida a cada exposição. Outro dos seus principais tra-balhos comerciais é a fachada do BankBoston na Avenida Paulista em São Paulo.

Apesar de ser conhecido pelo mundo todo atra-vés do graffiti e sua arte, Zezão não escapou de ser detido por grafitar em espaços públicos da metrópole. Recentemente, em dezembro de 2010, foi preso por grafitar sem autorização

em São Paulo na região da estação da Luz. O artista teve que se apresentar em audiências e responder pela infração cometida. Mas isso não o acanha, pelo contrário, só o estimula.

Saiba mais

MACHADO, Cassiano Elek. Zezão sai do esgoto. Revista Piauí, p 64, ed. 12 Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-12/grafiteiro/zezao-sai-do-esgoto, acesso: 19/10/2011

MOREIRA, Fernanda Romero, São Paulo Under-ground – registros do graffiti de Zezão. Centro Universitário Senac, São Paulo, 2009.

NECO, Eduardo. "Grafite é subversão", diz o gra-fiteiro José Augusto Amaro Capela, o Zezão. Re-dação Portal da Imprensa. Disponível em:ht tp : / /por ta l imprensa.uol .com.br /por ta l / t ra-co/2008/02/22/imprensa17366.shtml , acesso em 10/10/2011.

REVISTA Rap Brasil, Especial Graffiti, n 35, Esca-la: São Paulo, 2006

RIBEIRO, Baixo. Um artista conceitual e intuitivo. Blog da galeria Choque Cultural. Disponível em: http://choquecultural.com.br/blogs/zezao/ , aces-so em 10/10/2011

TAVARES, Andréa. Ficções urbanas: estratégias para a ocupação das cidades. ARS,vol. 18 n 16. São Paulo, 2010

37ARTE URBANA36 NOVEMBRO DE 2011

Dos muros ao consumoUma arte que saiu dos muros da cidade para

virar produto da indústria cultural

Quando pensamos na prática do graffiti, alguns elementos nos vêm à mente, como por exem-plo: muros, cidades sujas, pré-dios rabiscados, vandalismo, gangues... Porém se analisar-mos nota-se que estamos consi-derando a pichação. Afinal, exis-te mesmo diferença entre essas duas práticas? Para muitos sim, para outros não. Para o grafiteiro paulistano Zezão, as diferenças entre elas são apenas estéticas. Não há como considerar picha-ção como vandalismo e grafite como arte e parar por aí. O pon-to em comum entre os dois, para ele, é o caráter transgressor.

Sem me ater às diferenças en-

tre essas atividades tão notadas nas cidades contemporâneas, trato aqui da mudança de visi-bilidade que o grafite alcançou ao contrário da pichação. Hoje, essa arte (sim, arte) não é vista com maus olhos e preconceito: o graffiti atualmente faz parte de projetos de ONGs que pro-curam tirar crianças e adoles-centes da marginalidade, políti-cas públicas de governos, sem contar o reconhecimento que o público tem dado para esse tipo de arte urbana.

Um exemplo que podemos ci-tar é o incentivo da prefeitura de Belo Horizonte, que criou o projeto Guernica. Entre as atividades que ele realiza en-contram-se oficinas e debates relacionados ao graffiti. Eles são destinados a jovens e tem o objetivo de inibir o vandalis-mo e o caráter transgressor da prática. Desde 2000 esse pro-jeto procura tirar as crianças, adolescentes, grafiteiros e pi-chadores da infração e ensinar um pouco sobre a arte, reser-vando espaços na cidade como forma de garantir um meio de expressão adequado. Também notamos que o grafite tem se consolidado cada vez mais como arte. Basta conhecer as diversas galerias de arte ur-bana espalhadas pelo mundo, bem como grafiteiros que es-tão se destacando com a prá-tica, alguns deles comentados nessa mesma edição.

Levando tudo isso em conside-ração, concluímos que o graffiti perdeu a essência e a significân-cia que possuía num momento anterior. Quando surgiu, com o objetivo de contestação do sis-tema, da política e da sociedade, andava junto com a pichação. Tinha um caráter de denúncia, seus desenhos antes de tudo possuíam significado. O fato de existir galerias onde graffitis de famosos artistas são vendidos a altos preços, este tipo de arte estar cada vez mais presente em campanhas publicitárias, políti-cas públicas utilizarem esta arte urbana para embelezar a cidade, espaços próprios serem cedidos para a pintura (tanto públicos como privados) descaracteriza a prática do grafite, aprisionam a aura da arte urbana e impõem uma estética única.

Mas temos que entender que vi-vemos num momento posterior à modernidade e, portanto, as características artísticas muda-ram e também sobrevivem num mundo pós-moderno. A arte de rua, não fica fora disso. O gra-ffiti, agora, passa a ser um pro-duto da indústria cultural, não se encontra mais na categoria de contra cultura. Essa mani-festação se transformou em mercadoria, a crítica ao capita-lismo virou consumo. Olhando por esse ângulo é impossível não entender o graffiti como uma concreta demonstração da arte pós-moderna.

por Amanda Tiengo

38 NOVEMBRO DE 2011