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autoress/a http://autoressa.blogspot.com I Concurso de Poesia Autores S/A Tema do TOP 11: O Sertão Julho 2011- Número 2 Revista AUTORES S/A AUTORES S/A

Revista Autores S/A - Sertão

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Page 1: Revista Autores S/A - Sertão

autoress/a http://autoressa.blogspot.com

I Concurso de Poesia Autores S/A

Tema do TOP 11:

O Sertão

Julho 2011- Número 2 Revista

AUTORES S/A AUTORES S/A

Page 2: Revista Autores S/A - Sertão

Capa Imagem: Evandro Teixeira 6 Euclides da Cunha O blog Autores S/A faz uma homenagem aos “Sertões” de Euclides da Cunha, um escritor que apresentou aos brasileiros um Brasil gigante.

7 Entrevista Nonato Gurgel, autor de "Luvas na Marginália - escritos em torno da poética de Ana C".

Poesias 11 Anjo Almas Peregrinas

14 Paracauam Aroeira 17 Ivanúcia Lopes Bem-te-vi 20 León Bloba Lugar Comum 24 J. J. Wright O Instante Despido 27 Cervan poça 30 Semprepoeta Sertanizar

34 O Velho ser tão

38 Príncipe Desavisado Ser tão

41 Alan de Longe Sertão e Assombração

44 Aline Monteiro Vidasolidão

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Editorial

Nesta edição, adentraremos pelo interior seco e árido das caatingas e do sertão brasileiro com Euclides da Cunha, Guimarães Rosas e Graciliano Ramos. Viajaremos vivendo toda a melancolia que atravessa o sertão por meio das imagens, bem como vivem os sertanejos por meio da fé, da esperança e solidão expressas em forma de poesias pelos poetas classificados para o Top 11(O Sertão).

Esta edição também conta com a participação de Nonato Gurgel, professor de Teoria da Literatura da UFRRJ, autor de "Luvas na Marginália - escritos em torno da poética de Ana C”, em entrevista concedida ao blog Autores S/A.

Entre outras coisas, poesia. Sim, muita poesia no final desta edição!

Boa Leitura!

Simone Prado de Oliveira

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“Sertão é onde o pensamento da gente se forma

mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso...”

(Guimarães Rosa: “Grande Sertão: Veredas”)

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Euclides da

Cunha “ O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral. A

sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. É desengonçado, torto.

Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. (...) Basta o aparecimento de

qualquer incidente transfigura-se. Reponta. Um titã acobreado e potente. De força e agilidade

extraordinárias (...) Sua cultura respeita antiqüíssimas tradições. Torna-se um retirante, impulso

pela seca cíclica, mas retorna sempre ao sertão” .

(Os Sertões, Euclides da Cunha)

Euclides nasceu no dia 20 de janeiro, em Cantagalo, RJ, no ano de 1866. Sua mãe morreu quando

tinha três anos. Estudou na Escola Militar da Praia Vermelha. Quando cadete, foi expulso do Exército por

cometer um ato de insubmissão. Euclides já havia se identificado com os ideais republicanos.

Formou-se em Engenharia com bacharelado em Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Passou a

escrever para o jornal “O Estado de São Paulo”. Pelo mesmo jornal, foi mandado para Canudos para reportar

os eventos que lá ocorriam. Os artigos de Euclides sobre Canudos resultou no livro “Os Sertões”.

A boa repercussão da obra permitiu que Euclides ingressasse no Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e na Academia Brasileira de Letras, embora continuasse vivendo muitas dificuldades financeiras.

No dia 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade, Euclides da Cunha é assassinado pelo cadete

Dilermando de Assis, amante de sua esposa, Ana de Assis. Dilermando foi absolvido, tendo alegado legítima

defesa. Mais tarde, Dilermando mataria um dos filhos de Euclides da Cunha, que, por sua vez, teria tentado

vingança contra o cadete. Dilermando foi novamente absolvido.

O Top 11 do I Concurso de Poesia Autores S/A faz uma homenagem aos “Sertões” de Euclides da

Cunha, um escritor que apresentou aos brasileiros um Brasil gigante, rico e combativo, bem como a todos os

escritores e músicos que desbravaram essas terras. Os talentosos poetas da competição tiveram de

escrever poemas cujo tema é: O Sertão. Como será que eles se saíram em suas homenagens ao sertão

brasileiro?

Lohan Lage Pignone

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E

Entrevista

Nonato Gurgel

“ Até que, atentando para a identidade do Brasil e suas contradições, deparei com

a sua dimensão paradisíaca e violeta. Dimensão essa que Euclides traduziu muito

bem neste livro híbrido e viril que traumatiza e vinga. Depois dele, a literatura

deixou de ser “o sorriso da sociedade”.”

(por Lohan Lage)

Na semana em que foi realizado o concurso de poesias cujo tema foi O Sertão, contamos com a

presença do ilustre escritor, doutor em Ciência da Literatura e professor de Teoria da Literatura

Nonato Gurgel. Temos a honra de apresentá-lo abaixo. Tenha uma ótima leitura!

Nonato Gurgel é doutor em Ciência da Literatura pel a UFRJ e professor de Teoria da

Literatura da UFRRJ. É autor de "Luvas na Margináli a - escritos em torno da poética de Ana

C" (no prelo). Divulga as suas produções culturais e acadêmicas no blog Arquivo de Formas .

Lohan: Olá, Nonato Gurgel. Primeiramente, é um praze r imenso recebê-lo no blog Autores S/A.

Nesta semana, o tema proposto aos poetas concorrent es do concurso foi: O Sertão. Esta idéia

foi concebida a partir de uma homenagem ao escritor Euclides da Cunha, autor do livro Os

Sertões . O que esta obra proporcionou a você (reações, apr endizados, trabalhos...), e o que ela

representa, na sua opinião, no cenário literário do nosso país?

Parabéns ao blog pela escolha do tema e do autor. É um prazer falar deste livro de Euclides da

Cunha, um marco na Literatura Brasileira. O texto de “Os Sertões” rompe. Há nele uma ruptura de

gêneros literários e a construção de uma outra forma estética que se situa entre o ensaio e o romance.

Além disso, Euclides introduz a interdisciplinaridade entre artes e ciências, possibilitando uma

infinidade de leituras ideológicas, formalistas, psicanalíticas...

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Essas rupturas e os demais procedimentos estéticos dos quais Euclides faz uso nOs Sertões, dizem

muito da violência social que o seu texto encerra. Com medo dessa violência, adiei durante anos a

leitura do livro. Li o “Grande Sertão: veredas”, de Rosa, releitura assumida de Euclides, e atravessei

sertões de Graciliano, José Lins, Cascudo e Cabral, mas sempre adiando solos e desertos de

Euclides. Até que, atentando para a identidade do Brasil e suas contradições, deparei com a sua

dimensão paradisíaca e violeta. Dimensão essa que Euclides traduziu muito bem neste livro híbrido e

viril que traumatiza e vinga. Depois dele, a literatura deixou de ser “o sorriso da sociedade”.

Lohan: Em seu ótimo texto, Overdose do real , encontrado no blog Arquivo de Formas , você

afirma que "o perfil literário contemporâneo surge em sintonia com os gráficos da mídia e do

mercado, mas de ouvido aberto ao discurso da crític a". Seria possível um autor posicionar-se

de modo a atender tanto aos estímulos mercadológico s quanto aos oriundos da crítica

especializada? Qual autor você apontaria, hoje, com um perfil exemplar condizente com sua

visão de autor contemporâneo?

Esse perfil condiz com a maioria dos autores contemporâneos publicados pelas principais editoras.

Autores que freqüentam as bienais e os mega eventos, a fim não apenas de autografar e comercializar

os seus livros, mas principalmente de contatar o leitor – o grande personagem desta história.

Lohan: De acordo com sua experiência profissional e de vida, o que mais importa, em um

certame como este: o autor, a sua obra ou o leitor/ jurado? Na sua opinião, o leitor/jurado deve

valorizar a trajetória do autor-competidor ou uma an álise isolada de seus poemas seria mais

justa?

Sabemos que, desde a produção das vanguardas e a construção das poéticas modernas, no início do

século XX, o autor perdeu muito da sua onipotência. Sabemos também que, a partir deste contexto

estético e histórico da modernidade, o papel do leitor e a produção da obra ganharam leituras infindas

e criaram procedimentos inusitados. Neste sentido, sou borgiano e prezo muito por uma poética da

leitura. Para Borges, importavam muito mais as páginas lidas do que as páginas que ele escrevia. Na

verdade, essa poética da leitura consiste numa descarada declaração de amor às formas herdadas da

tradição literária. Por isso, um poeta contemporâneo como Paulo Leminski pergunta no seu belo

“Catatau”: Não somos os ossos da tradição?

Lohan: Nonato, pra terminar, qual conselho você dei xa aos poetas dessa competição em

relação a esta temática, O Sertão? Você poderia dar alguma sugestão de leitura?

Gosto muito desta temática do sertão. Não chega a ser um conselho, mas uma sugestão. Sugiro aos

poetas a releitura de autores da tradição modernista que possuem o sertão como tema: Euclides da

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Cunha, Graciliano Ramos, João Cabral, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Antonio Torres... No link

abaixo encontra-se um texto nosso, sobre o tema do sertão, que acaba de sair na revista da Uniabeu:

http://arquivodeformas.blogspot.com/2011/06/os-sertoes-e-alguma-coisa-do.html

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Poesias

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Anjo

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“Eu sou de uma terra que o povo padece

Mas não esmorece e procura vencer.

Da terra querida, que a linda cabocla

De riso na boca zomba no sofrer

Não nego meu sangue, não nego meu nome

Olho para a fome, pergunto o que há?

Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,

Sou cabra da Peste, sou do Ceará.”

(Patativa do Assaré)

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Almas Peregrinas

Almas mudas peregrinam ilhadas à Caatinga,

encalçadas pelo pio agoureiro que os circunda.

Este é o triste apelo inquiridor às vidas sertanejas,

que desnudam as controvérsias para a subsistência.

Somente as trilhas persistem e seguem a caminho

dividindo o espaço com espinhos, pedras e poeira.

Esta marcha agreste faz os passos do vento vacilar,

mas, os olhos ouvem o mormaço beijar as chapadas.

Os leitos secos se espremem a fim de parir água.

O chão trincado é a manjedoura dos vencedores.

As lágrimas predestinadas umedecer os corações

dos filhos da terra que atendem por - pés e pagadas.

As angústias se cantam em desafios improvisados,

para no luar repousar a voz calorosa do apático sol.

Morrer em si não é morrer, é se enfartar na saudade

é secar o osso lacrimal, para não se chorar na partida.

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Paracauam

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“Aquele rio

está na memória

como um cão vivo

dentro de uma sala.

Como um cão vivo

dentro de um bolso.

Como um cão vivo

debaixo dos lençóis,

debaixo da camisa,

da pele.”

(João Cabral de Melo Neto)

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Aroeira

Árido e solitário O sertão assustador

Fere como fogo Respira o seco do rio Preso em sua concha Em espirais eternas

Baixios que se encontram, Sedentos e grávidos, À espera de dar vida A esta terra ardente.

Terra plana de horizontes De mandacarus que abraçam

Os tórridos raios de sol.

Eu português que sou Só sei do grande sertão,

As veredas que li noutros.

Não sou poeta-Pessoa Não posso andar a fingir

Uma qualquer dor Que não me doa.

Sigo o passo seco, Ossada exposta,

Que verga ao sol, Arco de luz,

A rasgar areias.

Deixo-me ser tão seco

Quanto os olhos

De quem aguarda

O pranto-benção das chuvas.

Meu corpo seco

Não traz as plumas

Da Baleia de Graciliano

Nem do cão de João Cabral

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Ivanúcia Lopes

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Levanto meus olhos

Pela terra seca

Só vejo a tristeza

Qui disolação

E u'a assada branca

Fulorano o chão.”

(Elomar Figueira Melo)

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Bem-te-vi

Pra Ser tão feliz assim E Ser tão abençoado Bem-te-vi naquele dia Fez canto de alegria

Com o teu sertão banhado.

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León Bloba

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“Desde que estou retirando

só a morte vejo ativa,

só a morte deparei

e às vezes até festiva

só a morte tem encontrado

quem pensava encontrar vida,

e o pouco que não foi morte

foi de vida severina

(aquela vida que é menos

vivida que defendida,

e é ainda mais severina

para o homem que retira).”

(João Cabral de Melo Neto)

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Lugar Comum Pra quem não conhece tanto - Por ser tão longe e distinto -, Sertão é terra de pranto, Sertanejo é um faminto. E pra ilustrar este canto Posso investir no que sinto Sobre esta terra de santo, Lugar comum que eu pinto: Semi-árido o cenário De uma palheta singela Que o solo desdobra vário Do quadro de uma janela, Mostrando o pincel precário Em que a tinta se revela - No laranja agrário e diário; No acre, o ocre da tela. No solo rachado vinga O mandacaru formado. Sem flor nem chuva que pinga, Cresce forte e empoeirado Com espinhos de seringa Que apontam pra todo lado - Vence e teima a caatinga No que pode neste quadro. A secura o tempo estica: A sede da água é sonho. Rio temporário fica Na memória em nó medonho. O roçado, uma coisica Vazia num chão pidonho. O leito, a água não bica. No eito, um jeito tristonho. Encangado, o sol a pino, Quente torra o desertão, Ditando todo o destino De quem mora no Sertão. Sobre o cambito fino, O equilíbrio torna em vão A força que faz o menino Pra ficar de pé, então.

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Em riba do barraco torto, Um abutre emburrado Avista um bezerro morto Que em esqueleto está moldado. Descansam num desconforto Os ossos de seu passado, Enquanto, de olhar absorto, Mira o abutre esbugalhado. Por baixo da telha quente, Entre as paredes de adobe, No pavio da vela ardente A chama sabe que sobe Só pra levar do doente A dor que quiçá o afobe, Quando orando bate o dente - Que a alma a morte não roube. Nas brenhas que a fé alcança, Se coisa ruim ou maleita Desafiam a esperança, O sertanejo se ajeita. É com a fé que ele avança; Seu altar ele enfeita, Pondo ali sua confiança Pra ver se tudo endireita. Num lampejo em que se lança, Pra ver se a vida melhora, Entrega-se em desvairança O sertanejo que ora. Enquanto espera a bonança, Nem olha o mundo lá fora – Que o mundo é seco e cansa Praquele que agora chora.

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J. J. Wright

Page 25: Revista Autores S/A - Sertão

“A boiada seca

Na enxurrada seca

A trovoada seca

Na enxada seca

Segue o seco sem secar que o caminho é seco

sem sacar que o espinho é seco

sem sacar que seco é o Ser Sol.”

(Carlinhos Brown / Marisa Monte)

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O Instante Despido

Viver de silêncios:

desvendar a caatinga destruída,

desbravar o curral vazio,

decifrar os esqueletos

na varanda.

Depois, morrer

contemplando o carro de bois

abandonado.

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Cervan

Page 28: Revista Autores S/A - Sertão

“Encolhido no banto do copiar Fabiano espiava a caatinga amarela, onde as

folhas secas se pulverizavam, torturadas pelos redemoinhos, e os garranchos

se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham

desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato.

E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre .”

(Graciliano Ramos)

Page 29: Revista Autores S/A - Sertão

poça

o silêncio da enxada

ecoa na imensidão

o pó vermelho (rubro sertanejo)

das grandes veredas

enche a cerca de arame árido que segrega

os que se lavam com a mágica chuva

do suor alheio

e os que chovem

encharcando

com os

olhos

a terra

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Semprepoeta

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“Sertão, argúem te cantô,

Eu sempre tenho cantado

E ainda cantando tô,

Pruquê, meu torrão amado,

Munto te prezo, te quero

E vejo qui os teus mistéro

Ninguém sabe decifrá.”

(Patativa do Assaré)

Page 32: Revista Autores S/A - Sertão

Sertanizar

Os ombros curvados pela tristeza.

O cotidiano enfadonho

parece nos sugar.

É hora de sertanizar!

Pelo Rio Doce

na canoa de tronco do jatobá,

de carro, ultraleve,

nas asas da seriema,

no divagar... Chega-se lá.

E colhemos o lastro.

Os caminhos dessas sertanias

são feitos pelo andar.

As gentes dão passagem, dão bom dia!

Voltamos às raízes, colhemos a cortesia.

Os raios de sol incandescem

o cerrado dessas Minas

e campos Gerais,

amorenam a tez e douram

as penas do canário da terra.

Colhemos as luminescências.

Florescem no matagal as orquídeas,

as sempre-vivas, os lírios...

Semeados pelos anus, sanhaços e bem-te-vis,

que se regozijam na cantoria

Page 33: Revista Autores S/A - Sertão

dos curiós, sabiás e colibris.

Colhemos o vicejar e a alegria

Mangas, pitangas,

goiabas, jabuticabas maduras...

caem na palma da mão,

em profusão,

ao menear dos galhos.

Colhemos a seiva e o cerne.

As sertanias agrestes afugentam

nossos receios... Velam nosso sono.

A boca fria da noite

tem hálito de hortelã.

Tem uma estrela para cada pedido.

E colhemos o equilíbrio.

Cosmopolitas refeitos,

é hora de regressar!

Ficam as sertanias

sempiternas...

Page 34: Revista Autores S/A - Sertão

O Velho

Page 35: Revista Autores S/A - Sertão

"Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar.

Viver é muito perigoso..."

(Guimarães Rosa)

Page 36: Revista Autores S/A - Sertão

ser tão

por ser tão árido,

de solina densa,

de natureza íntima,

de coisas miúdas,

de espaço vasto,

de vargem rachada,

de dura lida,

de terreiros limpos,

de silêncio de bicho,

de sabedoria de pedra,

de arribação de pomba,

de farinha no prato,

de lentidão do tempo...

por ser tão ressequido,

de pintada na espreita,

de teiú na buraca,

de umbuzeiro carregado,

de gibão de couro de vaca seca,

de oiticica frondosa,

de cangalha no lombo,

de azagaia nos raios do sol,

da légua tirana,

de lama na cacimba,

de espinho na carne...

por ser tão distante

dos meus verdes olhos urbanos,

tudo parece tristeza larga

de peito apertado,

de choro baixinho,

Page 37: Revista Autores S/A - Sertão

de dor pungente...

mas celebro a vida,

a dura vida reta

dos derradeiros cantões do Brasil...

busco versos escassos de plenitude

e sorriso na poesia seca, sem rima...

Page 38: Revista Autores S/A - Sertão

Príncipe Desavisado

Page 39: Revista Autores S/A - Sertão

“Nas patas do meu cavalo, galopei no meu sertão

Vi a seca, vi a fome, lobisomem e assombração

Riacho virou caminho, graveto virou tição

E as pedras queimando em brasa, Asa Branca na amplidão.”

(Alceu Valença)

Page 40: Revista Autores S/A - Sertão

Ser tão meu amor, viver é muito perigoso:

soldados amarelos meninos sem nome

vitória é baleia nadando na poeira

à caça de preás pro jantar

pelos chãos ardentes rachados de sóis.

pão ou pães

nem um pé de plantaçães

cactos fatos pés que passam

fome & sede que maltratam

depois matam de saudade –

adeus rosinha

levo comigo nossos sertães.

que braseiro que fornalha

o mundo coberto de penas

é anúncio de mais seca

o jeito é fugir pra onde?

é o destino.

meu amor,

eu quase que nada não sei.

mas desconfio de muita coisa:

o sertão é o mundo e os jagunços

somos nós.

aqui a estória se acabou.

aqui, a estória acabada.

aqui a estória acaba.

Page 41: Revista Autores S/A - Sertão

Alan de Longe

Page 42: Revista Autores S/A - Sertão

“Inté mesmo a asa branca

Bateu asas do sertão

"Intonce" eu disse, adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração.”

(Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira)

Page 43: Revista Autores S/A - Sertão

Sertão e Assombração Sertão para ser sertão tem de ter assombração.

À luz tremeluzente da lamparina o vestido de chita pendurado anima fantasmas nas paredes e horrorizam meus olhos miúdos de menino medroso: _Mãe, tem sombração! As galhas da gameleira gemem o choro de Negro-Velho firmando ponto à meia-noite banzo, chibatas e saudades... Arrastando suas correntes na procura do ouro enterrado aos olhos do patrão! No mourão da porteira, o curiango avisa: _”Amanhã eu vou!” Agourando a sina da gente. Nas pedras à beira do curral a mula-sem-cabeça arrasta os cascos ferrados

em movimentos fantasmagóricos de virgem namorada de padre. No chiqueiro, o lobisomem misturando-se aos porcos, rói o coxo vazio com dentes do “cujo”, de “coisa-ruim”. Nas cozinhas o saci assopra as saias de Sinhá

salga a comida e ainda cisma de fazer traquinagens no cabelo da negrinha, Minha Fulô,

primeiro bem-querer de menino da roça. Nas encruzilhadas e bocas da mata,

passeiam porcas de pintainhos e galinhas de leitões,

(castigo de mulher da vida) e outras avantesmas de menor grau.

Sertão de luz elétrica, automóvel e parabólica não tem sertão, é periferia, zona rural! Pois para ser sertão, à vera, sertão tem de ter assombração!

Page 44: Revista Autores S/A - Sertão

Aline Monteiro

Page 45: Revista Autores S/A - Sertão

"Fabiano ouviu os sonhos da mulher, deslumbrado, relaxou os músculos, e o

saco da comida escorregou-lhe no ombro. Aprumou-se, deu um puxão à

carga. A conversa de Sinhá Vitória servira muito: haviam caminhado

léguas quase sem sentir.”

(Graciliano Ramos)

Page 46: Revista Autores S/A - Sertão

Vidasolidão

Um cordel...

Apenas um cordel, amor

de quadra ligeira

Passageira feito chuva no sertão

que arranque esse vazio

que me deixou a solidão...

de mais uma partida

de quem arrisca sem medo

se desplantar desse chão...

imaginando asas

pra bicho à quem Deus

deu apenas vida...

sextilha improvisada, amor

Que dê sossego à solidão

Que a banhe num açude

De água escassa

Que a seque ao sol latente

Do meio-dia

À sombra imaginária

Da tua silhueta...

O que me mata de sede

É a ausência da tua saliva,

das lágrimas que derramaste

De saudade do teu cariri...

O que me mata de fome

É a falta do teu corpo

Escrevendo história

Pra quem carrega o dom

Page 47: Revista Autores S/A - Sertão

De enxergar beleza

camuflada aos olhos de quem

só sabe enxergar tristeza...

Septilha e oitava incomuns

Festejando teu regresso...

Um cordel

Apenas um cordel, amor...

Page 48: Revista Autores S/A - Sertão

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”

Revista Autores S/A

Uma sociedade diferente das outras

Número Dois, Ano I - Julho 2011