Revista Brasileira 74 - Ciclo Centenario de Morte Do Barao Do Rio Branco

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Revista de comemoração do centenário do Barão do Rio Branco

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  • Exposio no Museu de Arte Moderna, 2012Foto: Srgio Arajo

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    C i c l o C e n t e n r i o d e m o rt e d o B a r o d o R i o B r a n c o

    *

    * Conferncia proferida em 14 de agosto de 2012.

    Ocupante da Cadeira 25 na Academia Brasileira de Letras.

    Rio Branco, o Acadmico

    Alberto Venancio F ilho

    O centenrio de morte do Baro do Rio Branco oferece opor-tunidade para apreciao nesta Casa do tema Baro do Rio Branco, o acadmico. A sua eleio foi em 1. de outubro de 1898, tendo tomado posse por carta. No teve, inicialmente, participa-o, uma vez que se encontrava at dezembro de 1902 no exterior, primeiro representando o Brasil na Questo da Guiana Francesa, e posteriormente ministro do Brasil em Berlim.

    Afastado do Brasil na funo de cnsul em Liverpool desde 1876, Baro do Rio Branco no era muito conhecido entre ns e se correspondia com algumas pessoas como Capistrano de Abreu e Rodolfo Dantas, tendo s vindo ao Brasil nesse perodo por duas vezes, por questes familiares. Levava o Baro no exterior vida re-colhida, quando o Governo solicita que o represente na Questo de Palmas contra a Argentina. So trs anos de intenso trabalho,

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    recompensado com o laudo favorvel ao Brasil do presidente Cleveland. Essa vitria repercute em nosso pas e, quando se preparava para assumir a defesa do Brasil na Questo da Guiana, ocorre a criao da Academia Brasileira de Letras.

    Sabe-se da relutncia em aceitar a pasta do Ministrio das Relaes Ex-teriores; trocou correspondncia com o presidente eleito Rodrigues Alves, indicando para a funo o nome de Joaquim Nabuco, rendido s instncias do presidente e de amigos.

    Assumindo a pasta em 3 de dezembro de 1902, permaneceu como minis-tro pelo perodo de cerca de 9 anos e veio a falecer no gabinete do Palcio do Itamaraty, em 20 de maro de 1912. Morava em grande parte em Petrpolis, na Casa da Westflia, vindo sempre ao Rio e ocupando tambm o gabinete no Palcio do Itamaraty, que fizera morada e dessa fase a sua participao na Academia.

    Nesse perodo sobrecarregado das tarefas governamentais, processam-se as relaes de Rio Branco com a Academia. No pode ser assduo, comparece a algumas posses solenes, mas h informaes de atuao nas eleies. Em dois momentos extremamente importantes, quando da morte de Machado de Assis em 1908, esteve atuante tanto na escolha do sucessor na Presidncia, como do sucessor na vaga.

    Neste curto perodo, pode-se examinar a presena do Rio Branco na Aca-demia Brasileira de Letras.

    No ano de 1995, o sesquicentenrio de nascimento do Baro do Rio Branco foi comemorado em Plenrio com uma fala simples, mencionando alguns aspectos de sua vida e das atividades na Academia. Nesses 17 anos em pesquisa de arquivos, em biografias e em jornais e revistas, muitas outras referncias foram recolhidas para permitir que o tema possa hoje ser tratado em conferncia.

    A Academia foi fundada na sesso preparatria de 15 de dezembro de 1896, com o comparecimento de 16 pessoas. Na sesso de 28 de janeiro de 1897 foram aclamados estes e mais 14 como scios fundadores, no total de 30 membros.

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    Como a composio da Casa era de 40 membros, procedeu-se a eleio dos dez membros restantes, preenchidos na sesso de 28 de janeiro de 1897 por Magalhes de Azeredo. Raymundo Correia, Alusio Azevedo, Salvador de Mendona, Domcio da Gama, Lus Guimares Jr., Eduardo Prado, Baro de Loreto, Clvis Bevilqua e Oliveira Lima.

    A relao desses nomes revela que, em conjunto, se tratava do grupo de colaboradores da Revista Brasileira, frequentadores com habitualidade da reda-o da Travessa do Ouvidor, como Raymundo Correia, Alusio de Azevedo e Lus Guimares Jr., Salvador de Mendona fora companheiro de juventude de Machado que se afeioara por um jovem poeta de 25 anos, Magalhes de Azeredo, que, residindo em Roma como diplomata, manter extensa corres-pondncia.

    Figura estranha ao grupo era Oliveira Lima, ento com 29 anos e que s publicara dois livros de Histria, e faria na Casa oposio ao Baro. Outra exceo foi Clvis Bevilqua, professor da Faculdade de Direito do Recife e autor de livros de Direito, mas vivia restrito a seu Estado e s ganharia noto-riedade ao ser convidado em 1899 para redigir o Projeto do Cdigo Civil. H referncias, porm, de que Clvis Bevilqua mantivera correspondncia com Jos Verssimo com vistas publicao na Revista Brasileira.

    Nessa eleio no foram eleitos Rio Branco que obteve 7 votos, o maior nmero de votos, Fontoura Xavier tambm com 7 votos, Assis Brasil 6 votos, Figueiredo Coimbra 5 votos e os demais, Constncio Alves, Baro de Parana-piacaba, Augusto de Lima e Domingos Olmpio 1 voto. Constncio Alves e Augusto de Lima foram eleitos posteriormente.

    Comentando as divergncias futuras de Oliveira Lima com Rio Branco, o bigrafo de Oliveira Lima, Fernando Cruz Gouva, com a concordncia de Barbosa Lima, afirmou que Rio Branco teria ficado enciumado com a eleio do escritor pernambucano. A observao, a meu ver, no procede; Rio Branco vivia h muito no exterior, desligado das coisas do pas e provavelmente no teve notcia dessa eleio, e, quando da sua candidatura, nenhum comentrio, fez a respeito desse insucesso.

    Havia um enigma sobre a posse do Baro.

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    Em 1945, por ocasio do centenrio do nascimento, o Ministrio das Re-laes Exteriores promoveu a edio em oito volumes das Obras Completas, com um volume final Discursos. O volume, com quase uma centena de pro-nunciamentos, resultado de cuidadosa pesquisa, foi organizado pelo ento cnsul Roberto Luiz Assumpo de Arajo, e declarava na Explicao: Falta, porm, nesta coletnea um discurso que pareceria obrigatrio: o de recepo na Academia Brasileira de Letras. E acrescentava: Rio Branco no chegou a pronunci-lo e, se o redigiu, extraviaram-se os originais.

    Cinquenta anos depois, em pesquisas realizadas no Itamaraty, o diretor do Museu Histrico e Diplomtico, declarava: um verdadeiro mistrio o fato de no ter ele aparentemente tomado posse, mesmo por correspondncia.

    At ento, no era conhecida a carta do Baro, solicitando a posse por correspondncia. Entretanto, esta dvida fora dissipada em 1933 pelo depoi-mento de Rodrigo Otvio no livro Minhas memrias dos outros, ao descrever visita em Berlim em 1902 ao Baro, pouco antes do retorno ao Brasil para assumir o Ministrio das Relaes Exteriores:

    Estabeleceu-se uma animada palestra, de que mais tarde participaram o Dr. Fausto de Aguiar, primeiro-secretrio da Legao e o adido militar, capito Armando Duval. Rio Branco, desde logo, se referiu falta em que estava para com a Academia Brasileira, que o chamara para seu grmio em 1898. Justamente eu, como secretrio, ento, da Academia, havia feito a co-municao com as indicaes regulamentares a respeito, e o novo acadmico no havia dado resposta a essa carta, j velha de 4 anos. Levantou-se, abriu as gavetas e trouxe uma pasta, onde, dentre outros papis, se achava minha carta e a minuta da resposta que desde logo fizera, mas, cuja cpia e remessa, por uma coisa ou outra, foi adiando de modo incompreensvel, at ser assim pes-soalmente apanhado na flagrncia de sua falta. Penitenciou-se formalmente e afirmou a satisfao com que recebera a investidura acadmica, declarando que eu no deixaria Berlim sem levar comigo sua resposta Academia.

    E prossegue Rodrigo Otvio:

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    Assim no foi, entretanto. Deixei Berlim sem a resposta de Rio Branco; em Paris, porm, com data de 28 de outubro de 1902, dele recebi uma carta acompanhando seu ofcio Academia, datado de 1898, e carta que assim reza: Desculpe a demora com que cumpro o prometido e o meu de-ver. Com esta encontrar a carta de 1898 ( o ofcio Academia com data da minuta que me mostrara em Berlim). Peo-te que me perdoe, atendendo vida de trabalhos, preocupaes de esprito e mudanas de residncia que tenho levado desde 1893, e vou levando a vida. Faz pena ver a desordem em que tenho agora a sala de trabalho em que conversamos aqui algumas vezes, e que eu acabava apenas de arranjar, supondo poder voltar, enfim, vida calma de outrora.

    O original da carta do Baro se encontra nos arquivos da Academia:

    Tenho a honra de acusar o recebimento do ofcio de 5 de outubro lti-mo pelo qual V. Ex.a me informa de que na sesso de 1. deste ms fui elei-to membro da Academia Brasileira de Letras, para nela ocupar a Cadeira Sousa Caldas, vaga pelo falecimento do Conselheiro Joo Manoel Pereira da Silva, e chama a minha ateno para o artigo 22 dos Estatutos (sic), que permite aos residentes fora da sede da Academia a tomada de posse por declarao escrita, dirigida Mesa.

    Aprecio devidamente a grande honra que assim me foi conferida e que, bem o sei, apenas devo indulgncia e benignidade dos acadmicos pre-sentes quela sesso. com vivo prazer e gratido que me vejo chamado a fazer parte de to ilustre companhia.

    Longe da ptria e impedido, por deveres oficiais, de me apresentar pessoal mente aos que to generosamente me distinguiram com o predica-mento de seu colega, rogo a V. Ex.a que, perante eles e perante a Mesa, seja o intermedirio na expresso do meu mais cordial e profundo reconheci-mento.

    Satisfazendo por este modo, como me possvel fazer, o disposto no citado artigo dos Estatutos, peo a V. Ex.a que se sirva de aceitar os meus

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    agradecimentos pela pronta comunicao com que me honrou e, ao mes-mo tempo, os protestos da mui elevada estima com que sou e me alegro de ser.

    De V. Ex.a

    Muito atento e obediente colega Rio Branco.

    A primeira vaga ocorrera em 20 de maio de 1898, com a morte de Luiz Guimares Jnior, substitudo por Joo Ribeiro. Falecendo Pereira da Silva em Paris em 18 de junho do mesmo ano, fundador da Cadeira 34 e o acad-mico mais idoso (80 anos), Magalhes de Azeredo, residente em Roma, trs dias depois escrevia a Machado de Assis sugerindo o nome do Baro do Rio Branco como sucessor:

    Sabe que faleceu h poucos dias em Paris o velho conselheiro Pereira da Silva. esta a segunda vaga que se abre na nossa to recente Academia, pois no ms passado morreu em Lisboa Lus Guimares Jnior, o grande poeta dos Sonetos e Rimas. Deve dar-se, pois, brevemente uma dupla eleio a, e supondo que querero seguir o hbito quase constante da Academia Francesa, que, de ordinrio, escolhe para suceder a um scio um escritor que, pelo seu gnero de obras, oferea com ele certa afinidade.

    Isso no se d sempre, de resto, mas com frequncia. Assim, calculo que o sucessor de Lus Guimares Jnior ser provavelmente um poeta; e o de Pereira da Silva um autor que se ocupe de Histria.

    Os Estatutos, como de razo, exigem para as eleies a maioria de votos dos acadmicos residentes no Rio de Janeiro. Morando eu no es-trangeiro, no posso decerto votar; mas nada me impede, no verda-de?, de recomendar uma candidatura, e por isso que lhe escrevo hoje, pedindo-lhe que se no tem compromissos precedentes, claro faa quanto lhe for possvel para ser eleito o nosso ilustre compatriota Baro do Rio Branco, um dos mais insignes cultivadores que temos hoje da Histria nacional, e que tantos servios de cidado e de escritor tem prestado ao Brasil.

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    Queria escrever hoje nesse sentido a outros colegas nossos, mas no h tempo, e sinto-me fatigado; mas peo-lhe que comunique esta ideia a Joaquim Nabuco, Jos Verssimo, Rodrigo Otvio, Visconde de Taunay, e outros que possam apoiar esta candidatura to digna de triunfar.

    Machado responde:

    A candidatura do Rio Banco de primeira ordem, todos a acharam tal. que a Academia resolveu que as candidaturas fossem apresentadas diretamente para o fim de ser manifestado previamente o desejo de lhe pertencer. Trata-se, porm, de uma contagem de voto e escrever-se- ento ao Rio Branco para o preenchimento daquela formalidade.

    Nabuco escreve na mesma linha a Hilrio de Gouva em 19 de agosto de 1898:

    No sei se o Rio Branco est mal comigo, nem, se o est, por qu. O certo que h anos no me d um sinal de sua graa. Diga-lhe voc que ns o queremos eleger para a vaga do Pereira da Silva na Academia de Letras, mas que para isso preciso, conforme se decidiu, apresentao do candi-dato. Creio que ainda h tempo para vir pelo correio a apresentao dele; poderia, porm, para se fazer melhor trabalho, vir pelo telgrafo, com uma palavra: sou candidato. Eu me serviria da carta ou do telegrama se houvesse certeza da eleio, que quase todos, seno todos, desejam, mas que pela ausncia dele poderia encontrar o embarao de compromissos tomados com outros. Em todo o caso, acreditamos ter j a maioria, dependente da apresentao dele.

    Joaquim Nabuco tambm se manifesta em carta a Taunay:

    No lhe parece que o Rio Branco deve entrar para a Academia na vaga do Pereira da Silva? Com os ausentes, que podem votar, eu penso que ele

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    teria maioria. Os trabalhos dele so os mais srios que se tm feito entre ns em Geografia e Histria Militar; no sei se voc j viu a Memria que ele apresentou ao Cleveland, uma srie de volumes de rarssima erudio e pesquisa; e depois do artigo do Jos Verssimo, ele mesmo no querer reduzir a Academia a um crculo fechado de estilistas, gramticos e literatos. Se pensar como eu, trabalhe pelo Rio Branco o nosso tringulo da Revista.

    Esclarece Lus Vianna:

    Paranhos, no entanto, ao saber da sugesto de Nabuco, vacilou muito. Deveria apresentar-se candidato, como determinavam os estatutos? In-deciso, tmido, ele no sabia. Julgava at ser imodesto disputar a vaga antes de Lafayete Pereira, Quintino Bocaiva e outros que deviam ser dos quarenta. Por fim, dada insistncia de Eduardo Prado e Jos Verssimo, que secundavam Nabuco, de forma dbia responde a este de Baden Baden, por telegrama, onde estava em frias: Aceitaria se fosse eleito, mas enten-do que no me devo declarar candidato Academia. Entretanto, resolva por mim como achar melhor. Estava em tal estado de vacilao que em seguida escreve a Hilrio de Gouva: Depois de expedido o telegrama, arrependi-me do resolva por mim como achar melhor. Espero, porm, que vista da opinio manifestada na primeira parte, Nabuco no dir que no sou candidato.

    E dava afinal as razes:

    J conversamos sobre a Academia. H nela uns 12 ou 15 homens de valor; os outros so rapazes mais ou menos jacobinos, persuadidos de que s homem de letras quem faz versos. Para a maioria, muitos desses jovens bomios, como Pardal Mallet e Raul Pompeia, valem mais para a maioria dos jovens acadmicos do que Baslio da Gama, Rocha Pita, os dois Jos Bonifcio e outros. Estou velho demais para figurar entre os rapazes.

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    Acrescenta Lus Vianna que os rapazes no pensavam assim e em 1. de outubro de 1898 era eleito para a Cadeira 34 pela unanimidade de 21 votos, Cadeira que tinha como patrono Sousa Caldas e sucedia a Pereira da Silva. Eduardo Prado telegrafou-lhe satisfeito: Eleio unnime na Academia. Vin-te e um votos.

    Rui Barbosa enviou carta, que no poderia ser aceita, mas ficou registrada em ata, e Machado lhe enviaria carta em 3 de outubro:

    Dei conhecimento dela aos acadmicos presentes, mas as palavras que V. Ex.a afirmando sua homenagem ao merecimento do Baro do Rio Bran-co foram devidamente apreciadas pela assembleia e vo ser comunicadas quele eminente brasileiro, que se desvanecer de as ter merecido de to alto esprito.

    Escrevia a um amigo:

    O Eduardo Prado, o Joaquim Nabuco e outros acadmicos declararam-me candidato e graas sua influncia fui aceito pela maioria dos moos que ali dominam, provavelmente por terem entendido que a um dos raros velhos da Casa devia suceder outro velho.

    Na ocasio, tinha apenas 53 anos. Escrevendo a Domcio da Gama, que en-trara para a Academia na primeira votao, dirige-se com bom humor: Quer isto dizer que fico sendo um dos nossos imortais? Espero-o para almoar. E citava um verso de Virglio: sic itur ad astra.

    Eduardo Prado ao receber a notcia de sua eleio em 1897 para compor os dez membros restantes, escreveu a Jos Verssimo demonstrando o apreo pelo Baro:

    uma honra que eu no esperava merecer e que no posso recusar, tanto a prezo eu. Esse momento em grande parte devido Revista Brasileira e ao seu diretor cabem todas as glrias. um fazedor de impossveis!. O Joaquim

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    Nabuco teve uma bela ideia: a de colocar cada Cadeira sob o patrocnio de um ilustre morto, em vida ornamento da Literatura brasileira. Desejo honrar o meu lugar (desde que o no posso fazer de outro modo) inscrevendo nele o nome do Visconde do Rio Branco. Como orador, como escritor diplomtico, entra ele no quadro dos nossos literatos: literato quem com vantagem serve-se da lngua materna para fazer, pela eloquncia e pela lgica, vingar as suas ideias. E, para mim, este nome de Rio Branco, que desejo glorificar como puder, tem uma significao afetiva. o nome do Baro do Rio Branco, que com grande pesar meu no foi includo na Academia, injustia que, espero, ser reparada um dia. Sou sempre muito grato e amigo Eduardo Prado.

    H indicao de que Eduardo Prado seria designado para receber o Baro e chegou a externar esta inteno a Jos Verssimo.

    Machado escreveria a Nabuco, quando da designao para a Questo da Guiana:

    A minha ideia secreta era que, quando Rio Branco viesse ao Brasil, fosse recebido por V. na Academia. Faam os dois por virem juntos, e a ideia ser cumprida, se eu ainda for presidente. No quero dizer se ainda viver, posto que na minha idade e com o meu organismo, cada ano vale por trs.

    Por ocasio da eleio do Baro do Rio Branco, Jos Verssimo publica artigo, posteriormente includo no livro Que Literatura e outros escritos. Jos Verssimo crtico, homem de grande prestgio intelectual e moral, prestava depoimento de figura abalizada e respeitada, introduzindo o candidato no meio literrio.

    A Academia Brasileira acaba de eleger unanimemente seu scio na mais numerosa reunio que j teve desde a sua fundao, na vaga do Sr. Pereira da Silva, o Baro do Rio Branco. Rio Branco como simplesmente pe ele nos seus cartes e como assinou com a sua letra cheia e forte na ltima pgina da sbia Exposio da Questo das Misses.

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    Os puros literatos, os que fazem da palavra escrita um fim em si mesmo, e das suas combinaes, como nas da sua minuciosa marchetaria os chineses o objeto do valor literrio, no saberiam talvez por que a Academia elegeu Rio Branco, com tal e to unnime simpatia. E no fundo, no quero furtar-me a reconhec-lo, no lhes faltaria totalmente razo, a esses japoneses das letras e mesmo a outros que, pensando embora que no h Literatura sem ideia, os acompanhassem na sua dvida. Rio Branco, certo, no teria lugar na Academia dos Goncourts. Mas a Academia Francesa que acolheu os Lesseps, os Freycinets, os Rothans, lhe daria uma das suas poltronas.

    Explicava que sua obra no se encontra nas livrarias, era, entretanto, consi-dervel e slida: Rio Branco um grande trabalhador e um trabalhador re-colhido. A sua obra, que se no encontra facilmente nas livrarias, , entretanto, considervel e slida. Grande parte dela, porm, corre com alheios nomes.

    E destaca a tendncia dominante:

    Uma das dominantes de Rio Branco ser patriota. Eu que no o sou no mesmo grau e mesmo modo que ele, tenho a honra de apresent-lo aos que no o conhecem como tal: patriota extremo, amante incondicional da sua ptria e da suas coisas, ingnuo admirador das suas glrias, mesmo as mais discutveis no passado e, acaso com algumas restries, no presente. Um dos sinais desta espcie de patriotismo o amor s glrias militares do pas. Esse Rio Branco o tem como ningum. Ele seguramente hoje um dos mais profundos sabedores da nossa Histria; a nossa Histria Militar, porm, desde o perodo colonial, ningum talvez a conhece como ele.

    E conclui:

    A sua eleio para a Academia Brasileira no aumentar seguramente a boa vontade que lhe sobra, de fazer vencer a sua ptria ainda desta vez; mas no riam os praguentos, que sei o que digo e posso afirm-lo ser uma

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    grande alegria benfica nas angstias dos seus trabalhos da misso. Ela lhe ser, a esse grande trabalhador simples e recolhido, a esse grande sabedor desconfiado de si mesmo e talvez um pouco desconfiado da opinio do seu pas, como uma grata manifestao de simpatia e admirao de um grupo de homens, pela maior parte novos, no qual, salvo alguma rara exceo, como a do autor destas linhas, se acham os principais representantes da intelectualidade brasileira, homens de diversas opinies polticas e morais, reunidos num sentimento unnime de apreo s suas capacidades, aos seus estudos, aos seus servios, em suma, sua obra, considervel e quase obs-cura, grandiosa e modesta.

    Rio Branco se mostraria grato ao apoio de Jos Verssimo, por ocasio da eleio e assim demonstraria no futuro. Dez anos depois agradece a remessa de livro: Muito agradeo o exemplar de seu novo livro em que vi reprodu-zido o to amvel e benvolo artigo publicado na imprensa, em outubro de 1898, quando a Academia generosamente me admitiu em seu grmio.

    A figura do Baro do Rio Branco, membro da Academia Brasileira de Le-tras, deve ser encarada tambm como homem de cultura e, embora dedicado aos estudos histricos e geogrficos, apresentava o padro dos homens de sua poca e de seu meio.

    O primeiro aspecto a assinalar a figura paterna que lhe moldou a perso-nalidade e lhe serviu de exemplo.

    Como assinalou Calgeras:

    Frequentava a casa paterna os primeiros entre os brasileiros da poca. Ali reinava atmosfera da mais alta intelectualidade. A presena da futura Viscondessa do Rio Branco no permitia descambarem discusses e diver-gncias para a violncia do vozerio de praa pblica. Nesses sales, que no eram excepcionais durante o Segundo Reinado, aprendiam-se a cortesia, o respeito s opinies alheias, as maneiras de apurado tom, que o Baro con-servou at o ltimo momento, nele constituam segunda natureza e tanto prendiam a quem com ele tratava.

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    A sua formao cultural no discrepou desses padres. Fez o curso secun-drio no Colgio Pedro II, estabelecimento criado em 1837 e de prestgio, constitudo de professores do mais alto nvel. Teve distino em todas as ma-trias, mas no recebeu o diploma porque preferiu frequentar o curso anexo na Academia de Direito de So Paulo.

    Na poca, as duas Academias de Direito de So Paulo recebiam os filhos de famlias que se preparavam para as carreiras jurdicas e polticas. Vivia nas re-pblicas junto com colegas, numa cidade de poucos atrativos como So Paulo. Do curso jurdico, menciona apenas o nome de Jos Bonifcio, o Moo, que tambm atrara Rui Barbosa, mas que cativava, sobretudo, pela figura do po-ltico e grande orador. Mas j na Academia iniciava os trabalhos, publicando, ainda estudante, o primeiro artigo.

    No ambiente da Academia, ele absorveria os princpios do liberalismo da poca, que inspirara o regime Imperial. Recebendo uma homenagem na Fa-culdade de Direito de So Paulo em 5 de outubro de 1907, diria:

    Desta Faculdade que foi a minha alma mater, o lugar em que verdadei-ramente aprendi as regras do Direito e do dever, para em seguida falar da cidade em que tive a fortuna de passar os melhores anos de minha vida. E quando Prudente de Moraes ascendeu Presidncia da Repblica, co-mentaria do exterior: Prudente de Moraes recebeu a educao liberal que se dava na Faculdade de Direito no tempo do Imprio.

    Formado, foi professor interino de Histria do colgio onde estudara, pro-motor em Friburgo, deputado em Mato Grosso por influncia do pai. Mas a sua vocao era a funo no exterior, onde pudesse se dedicar aos estudos histricos e geogrficos dos quais se tornara mestre.

    Raul do Rio Branco, seu filho, em memrias sobre o pai, destacava o interesse cultural do pai: Quando vinha passar o fim de semana conosco (em Paris), conduzia-me meu pai aos lugares histricos e aos monumentos. Essas visitas eram, sobretudo, aos museus da cidade e dos arredores, como Fontainebleau.

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    Em outros momentos suspendia os estudos histricos e geogrficos, a fim de realizar rpidas visitas. E no raro aproveitava o tempo para entrar de passagem na Sorbonne, no Colgio de Frana, ou ainda na Faculdade, para ouvir por instantes o curso de algum professor ilustre, sobre matrias de suas predilees bastante eclticas.

    Certa ocasio encontrei-me com o pai na Praa do Panteon, na porta da Faculdade de Direito e me fez acompanh-lo a uma das igrejas histricas do bairro, a de So Medardo, desejando no somente ver esse santurio antigo e bastante arruinado, como tambm a praa onde tinham ocorrido, no sculo XVIII, as cenas de inspirao do Dicono de Paris e seus sectrios.

    Da aptido literria irrealizada trataram Mateus de Albuquerque e Oliveira Lima. Mateus de Albuquerque diria:

    A cultura esbanjou-a, como um perdulrio que nele era a feio do homem de letras, em pginas esparsas, muitas vezes em colaboraes an-nimas, pela razo mesma da sua abundncia erudita porque, para tudo exprimir na sua frase, ele era das colmeias onde sobra o mel. Dele apenas se conhecem ou se citam, de maior relevo sob este aspecto, uma Esquisse de lHistoire du Brsil, a anotao e ampliao da Guerra da Trplice Aliana, de Schneider, a sua colaborao na Grande Encyclopede, na parte relativa ao Brasil, artigos de jornal sobre episdios militares ou sobre poltica exterior, dis-cursos e vrios discursos, ora ressoando dominadoramente em assembleias internacionais, ora purificando, com uma simplicidade serena e clara, o ambiente hostil de espessos institutos cientficos para no falar desses desconhecidos colossos de histria geogrfica e diplomtica, que nos resul-taram das suas misses em Washington e em Berna.

    Pena foi para ns que o grande esprito nos no legasse, com tais ele-mentos de essncia e forma, uma obra harmoniosa e duradoura, em cuja delicada intimidade pudssemos reconstituir, sem vos temores, o nosso msero passado. Mas ao mesmo tempo devemos considerar ou presumir que, alm das suas graves preocupaes de Estado, razes de ordem ntima talvez o detivessem na realizao desse ideal.

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    E Oliveira Lima no mesmo sentido:

    As preocupaes propriamente literrias ou artsticas eram de fato es-tranhas, seno avessas ao seu temperamento. Um quadro de batalhas podia ter para Rio Branco o valor de um documento: uma paisagem, por mais formosa, deix-lo-ia indiferente. No creio exagerar dizendo que conhecia pintores e telas, mas no conhecia escolas. De Ea de Queiroz, que todo portugus ou brasileiro educado tem lido, relido e quase sabe de cor, ele apenas conhecia A relquia e isto mesmo porque Eduardo Prado insistira muito para que a lesse.

    E explicava:

    Tal exclusivismo nele deixava de ser uma inferioridade para ser muito pelo contrrio uma fora, tamanha era a importncia dos negcios de interesse pblico em que se absorvia eventualmente sua atividade e tanta valia fornecia sua argumentao o seu alheamento de outras preocupaes espirituais. Sua prpria conversao ressentia-se disso: todas as frases, todos os juzos, todas as anedotas convergiam para os mesmos tpicos, e o tpico era um, e um s, quando lhe chegava o momento de pr-se em foco. Ento era quase impossvel levar Rio Branco a desertar o assunto que lhe monopolizara a ateno, e apesar deste sestro e daquela falta de leitura geral, sua natureza literria afirmava-se sempre de um modo inequvoco.

    Ademais, porque, como observa Oliveira Lima, enquanto habitou o Velho Mundo, que foi mais de um quarto de sculo, s se ocupou do Brasil nos arquivos e nas bibliotecas. Por essa razo, sua divisa Ubique Patriae Memor (Em todo lugar lembrar-se da Ptria) era particularmente feliz porque era essencialmente verdadeira.

    Arajo Jorge, auxiliar e discpulo dileto do Baro, revelava o interesse pelos homens de cultura no convvio com escritores na residncia de Petrpolis:

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    Rio Branco, nas semanas de vadiao, reunia amigos no gabinete de Westflia em Petrpolis, espectador mudo daqueles cavacos formidveis que o grande Ministro presidia com o seu bom humor bomio, seu cigarro e sua vela, e a que no faltavam a graa mordaz e demolidora de Gasto da Cunha, a pilhria caipira de um to acentuado sabor matuto de Leopoldo de Bulhes, a palestra evocativa e saudosa de Afonso Arinos, a ironia co-medida e suave de Domcio da Gama e at, quem o diria, a colaborao do bom Ernesto Sena, chistoso almanaque de brejeirice que a ilustre compa-nhia folheava com prazer sempre renovado.

    No mbito da Academia, Rio Branco mantinha relaes estreitas com Ma-chado de Assis.

    No volume de correspondncia publicada pela Academia Brasileira no ano de 1890, h apenas uma carta, dirigida ao Baro por ocasio do falecimento de sua me a Viscondessa do Rio Branco:

    Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1890.Meu ilustre amigo, queira receber os meus psames pela morte de sua

    querida me. A austera companheira do nosso grande homem, seu digno pai, teve a consolao de ver o nome que trazia posto honradamente no filho amigo e piedoso. Esse golpe que o feriu h de ter alcanado a todos os que sabem apreciar as suas qualidades de homem e de brasileiro. Deixe-me falar assim, sem respeito sua modstia, aproveitando o momento de to grande desgosto para dizer o que todos pensamos a seu respeito.

    Cuidei, pela notcia que li em folhas daqui, que viesse ao Rio de Janeiro imediatamente; pelo que li depois, concluo que no vir. Da a demora desta carta.

    Creia-me sempre.Vosso amigo e admirador. Machado de Assis.

    Anos depois Machado se dirigiria ao Baro, por ocasio da morte de Ca-rolina:

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    28 de outubro de 1904. Meu ilustre amigo. Agradeo cordialmente os psames que me mandou nesta grande desgraa da minha vida. J os havia pressentido pelo costume em que me ps de ser sempre bom amigo. Adeus, meu amigo, creia no velho e sincero admirador. Machado de Assis.

    Rio Branco mantinha com Machado de Assis as mais cordiais relaes, en-viando cartes com votos de feliz ano-novo, a 1. de janeiro, ora agradecen-do as congratulaes do Presidente da Academia, a 20 de abril de cada ano, por ocasio de seu aniversrio. E quase invariavelmente o chamava querido amigo e mestre. O arquivo Histrico do Itamaraty guarda este telegrama de 1905: Baro do Rio Branco Ministro do Exterior Longo abrao do velho amigo / Machado de Assis. Embaixo, h esta anotao com a letra do Baro: Carto: Ao seu Mestre e amigo, RB agradece a fineza de seu tele-grama de hoje, 20 de abril. O arquivo da Academia guarda uma srie desses cartes, de 1903 a 1908.

    A notcia do xito diplomtico na Questo da Guiana foi recebida no Rio de Janeiro e no resto do Brasil com o maior jbilo. Machado de Assis, Presi-dente da Academia, e Lcio de Mendona, o fundador, solicitaram audincia a Campos Sales, para felicitar o chefe do Governo, em nome da Instituio, pela feliz soluo daquele litgio. E sondaram a respeito do projeto que a beneficiava. Concedida a audincia, Campos Sales se valeu da oportunidade para sancionar, na presena de ambos, o projeto que, assinado por ele e por Epitcio Pessoa, ministro da Justia e Negcios Interiores, se converteu na Lei n. 726, de 8 de dezembro de 1900.

    Por ocasio do regresso de Rio Branco ao Brasil em dezembro de 1902, Machado de Assis enviou-lhe o seguinte telegrama: Academia Brasileira d as boas-vindas ao seu egrgio membro Rio Branco.

    A presena de Rio Branco est registrada na posse de Afonso Arinos, em 18 de setembro de 1903, na recepo de Sousa Bandeira, de 10 de agosto de 1905, na de Euclides da Cunha, em 18 de dezembro de 1906, na sesso de saudade de Machado de Assis, de 3 de outubro de 1908, na posse de Rui Barbosa como presidente, em 6 de outubro de 1908, na eleio de Lafayete

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    Rodrigues Pereira na vaga de Machado de Assis, em 1. de maio de 1909, e na sesso de saudade de Guimares Passos, de 18 de setembro de 1909. Comparece ainda s sesses de 30 de novembro deste ano e a de 1 de maio, e a ltima em 18 de setembro de 1909. A ata da sesso de 26 de setembro de 1907 realizada no Palcio Monroe da conferncia de Gugliemo Ferrero no indica os acadmicos presentes, mas aponta presentes o Presidente da Repblica e seus ministros.

    As eleies desde logo constituram a vida da Academia. Graa Aranha explica:

    Nada interessa tanto vida acadmica como uma eleio. Parece que aqueles homens, escapos da poltica, mas guardando fielmente o esprito eleitoral do brasileiro, desforram-se em eleger confrades, exercendo uma funo considerada um privilgio, quando raramente votam fora da Acade-mia, mesmo para escolher o presidente da Repblica. Na Academia o sen-timento eleitoral o mais ativo de todos, e a Academia Brasileira, graas ao seu quociente de mortos, jamais foi uma Academia morta. Os abenoados mortos deram-lhe a mais preciosa das vidas a vida eleitoral.

    E confirmou: A Academia uma obsesso para Machado. O seu gnio torna-se eleitoral. curioso ver o ctico combinar sucesses, imaginar o quadro acadmi-co. E tudo sem violncia, com maior sutileza, sem impor os seus desejos.

    E aspectos da atuao de Rio Branco que sero examinados.Oliveira Lima pronuncia discurso de posse em 17 de julho de 1903 e

    comentaria:

    Na Academia, serei recebido no dia 18, respondendo ao meu discurso o Salvador. vaga do Valentim, apresentar-se-o nada menos de cinco candida-tos, entre eles o nosso Silvino e o D. Olmpio. O Rio Branco est cabalando contra este e a maioria parece assegurada ao Euclides da Cunha, autor do livro Os sertes, e reconhecia um livro original e nervoso, perfeita revelao de um talento literrio dos prometedores.

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    E Oliveira Lima escreveria em carta a Nabuco:

    Hoje realiza-se a recepo de Afonso Arinos pelo Olavo Bilac, o que pro-mete sesso cheia. O Rio Branco ir. A minha recepo no foi, nem sequer aludiu em conversa comigo. Mas reconhecia: De resto, tratando-se de resto da Cadeira que tem o nome do pai dele e da vaga de Eduardo Prado cujo elogio se vai pronunciar, muito mais natural (concordo) que ele no falte.

    Em 17 de maro deste ano, faleceu Valentim Magalhes, escritor de des-taque no grupo da Revista Brasileira e que dirigira uma importante revista, A Semana. Vaga a Cadeira 7, inscreveram-se como candidato Euclides da Cunha, Domingos Olmpio, Xavier Marques e Silvino Amaral, este do servi-o diplomtico.

    Os sertes de Euclides da Cunha fora publicado em final de novembro de 1902. Euclides temia o lanamento do livro com a chegada de Rio Branco, que se deu em 2 de dezembro. No seria crvel que o Baro do Rio Branco tivesse lido a obra neste curto espao de tempo, mas provvel que dela toma-ra conhecimento, e da repercusso alcanada, talvez por indicao de Graa Aranha que recomendara o livro a Joaquim Nabuco.

    Euclides da Cunha, tmido e pessimista, escreve ao pai em 12 de junho de 1903:

    Infelizmente obrigaram-me a ser candidato Academia de Letras, com a infelicidade de ter, entre outros antagonistas, o velho autor dos Mineiros da desgraa (Quintino Bocaiuva), que me derrotar na certa, porque leva para a ao a prpria influncia poltica e levantou-lhe a candidatura o primus inter pares de nossa gente, o Baro do Rio Branco.

    Euclides envia ao Baro a carta protocolar em 7 de julho:

    Saudando respeitosamente a V. Ex.a tenho a honra de solicitar o seu voto na prxima eleio que se realizar na Academia de Letras, para o

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    preenchimento da vaga originada pelo lamentvel passamento do nosso distinto compatriota Valentim Magalhes.

    No se conhece, infelizmente, a resposta do Baro em 17 de julho, mas se pode depreender o teor elogioso pelos agradecimentos de Euclides:

    Apresso-me em responder carta em que V. Ex.a to generosamente me oferece o honrosssimo amparo de seu sufrgio minha candidatura Aca-demia Brasileira de Letras. E com a mais completa franqueza declaro a V. Ex.a que se por acaso eu desejasse qualquer recompensa pelos servios que tentei prestar nossa terra, escrevendo Os sertes, no poderia t-la maior, mais valiosa e mais digna do que aquela carta, que hei de sempre guardar como um verdadeiro prmio.

    Euclides da Cunha comenta em carta de 24 de julho ao amigo Francisco Escobar: Tenho certo os seguintes votos e aponta em primeiro lugar o de Rio Branco. E em carta de 22 de agosto ao mesmo destinatrio nomeava os meus votos segurssimos, entre os quais Rio Branco.

    No dia da eleio se dirige ao pai:

    Apresso-me em comunicar-lhe que fui eleito ontem para a Academia de Letras para a Cadeira do seu grande patrcio Castro Alves. Assim, o desvio que abri nesta minha engenharia obscura, alongou-se mais do que eu julgava. ao menos um consolo nestes tempos de filhotismo absoluto, verdadeira idade de ouro dos medocres. Tive eleitores como Rio Branco e Machado de Assis. Mas no tenho vaidade: tudo isto me revela a boa linha reta que o Sr. me ensinou desde pequeno.

    Em 1904, Euclides passa a trabalhar sob as ordens do Baro e presta vrios depoimentos sobre ele. Em conferncia pronunciada no Centro XI de Agosto da Faculdade de Direito de So Paulo, com o ttulo de Castro Alves e seu tempo, comenta:

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    Temos mudado muito. Partiu-se nos ltimos tempos o sequestro se-cular que nos tornava apenas espectadores da civilizao. A nossa pol-tica exterior conjugou-se com a internacional. O descortino dilatado de um estadista, depois de engrandecer-nos no espao, engrandeceu-nos no tempo.

    E sete dias antes da morte, em correspondncia sobre a sucesso de Afonso Pena a Gasto da Cunha, que se encontrava no Paraguai:

    O nosso Baro continua triunfante e aambarcador das simpatias na-cionais. A sua habilidade tem feito prodgios entre as duas faces que o disputam como duas sultanas histricas disputam o leno de um sulto. E ele tem realizado o milagre de no desagradar a ambas. Que assim seja at o fim.

    Rio Branco, orador oficial da sesso magna do Instituto Histrico e Geo-grfico Brasileiro de 1909, faz o elogio do scio falecido:

    Dentre os de que a morte privou a nossa companhia, contaram-se qua-tro scios nacionais (...), e, por fim, o festejado escritor, intrpido explo-rador do Alto Purus Euclides da Cunha, que tanto prometia enriquecer ainda a nossa Literatura, vitimado no vigor da idade, numa terrvel trag-dia, como homem de delicado pundonor que sempre foi, e cuja pureza de sentimentos e alto valor intelectual pude conhecer de perto nos breves anos de convivncia, em que me coube a fortuna de o ter por companheiro de estudos, de trabalhos e de esperanas patriticas.

    As eleies no perodo no obedeceram em geral ao sistema de disputa. Joo Ribeiro, Rio Branco, Francisco de Castro, Augusto de Lima, Artur Or-lando e Jaceguai no tiveram opositores. Em outras eleies, os concorrentes seriam eleitos em prxima vaga: Afonso Arinos contra Martins Jnior, Mar-tins Jnior contra Augusto de Lima, Sousa Bandeira contra Osrio Duque

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    Estrada, Herclito Graa contra Paulo Barreto. Euclides da Cunha e Mrio de Alencar tiveram como adversrio Domingos Olmpio, que no voltou a se candidatar, pois faleceu no ano seguinte.

    Em 1905 ocorreu uma eleio polmica na sucesso de Jos do Patrocnio. Era candidato Mrio de Alencar que trazia a tradio paterna, muito ligado a Machado de Assis, que se empenhou na eleio de forma discreta. No tinha obra literria, mas se tornaria um grande acadmico.

    A interferncia de Rio Branco no foi por Mrio de Alencar, mas pela oposio ao outro candidato, Domingos Olmpio. A restrio de Rio Branco por Domingos Olmpio era antiga, pois provinha de Washington na poca da misso especial para a questo dos limites com a Argentina, ele subordinado do Baro. Em carta a Jos Carlos Rodrigues, de 11 de novembro de 1898, o Baro se refere a ele como o trfego e desajeitado Domingos Olmpio, acusando-o de inexatido e perversidade.

    O Correio da Manh de 2 de novembro mencionaria a imensa cabala desen-volvida pelo Baro do Rio Branco atravs de seus lugares-tenentes, Graa Aranha e Domcio da Gama. E Oliveira Lima em carta a Machado de Assis tratou do episdio:

    Senti o que se passou com relao eleio para a Academia na vaga do Patrocnio. a primeira vez que a Academia atacada pela escolha feita (digo eleio), mas tambm a primeira vez, desde a eleio do Joo Ribeiro, que ela no foi justa. Compreendo perfeitamente o seu voto pelo Mrio: o Sr. o seu pai espiritual, foi o seu mentor literrio, est preso a ele por laos de carinho; outros votos que no compreendo, pois no posso admitir que se queira esposar dios do Rio Branco e fazer-lhe a corte cometendo um ato de improbidade literria, porque alguns devem ter votado contra a sua conscincia.

    Em outra eleio Rio Branco tambm teve atuao, pois se tratava de Herclito Graa, deputado no Imprio, tio de Graa Aranha, autor de um nico livro Fatos da Linguagem, sobre questes filolgicas. Tivera uma fase de

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    dificuldade e fora acolhido no Itamaraty pelo Baro para tratar das questes de fronteiras e depois foi nomeado consultor jurdico.

    Em carta de 4 de dezembro de 1906 a Artur Orlando, que se candi-datara vaga do Baro do Loreto, Oliveira Lima, fazendo a estatstica do voto, aponta dois votos certos para Assis Brasil na qualidade de candidato do Baro. Mas, Assis Brasil no se candidatou. E acrescenta: Voc escreve diretamente ao Baro solicitando o voto dele. Como voc escreve sobre assunto diplomtico e tem autoridade, ele tem receio de desgost-lo e ficar pelo menos perplexo.

    Se para Raymundo Magalhes Jnior ocorrera o prolongado descaso de Rio Branco pela instituio, para Lus Vianna Filho, tendo vacilado com a ideia de figurar entre os imortais ele agora um dos que mais se interessam pela vida da Academia, inclusive pelas suas eleies, nas quais, para desespero de Oliveira Lima, influi poderosamente.

    A suposta influncia do Baro na Academia provocava manifestaes des-favorveis.

    Joo Ribeiro, escrevendo em 30 de abril de 1907 a Artur Orlando, decla-rava que decidira no mais voltar na Academia, da qual se afastara das can-didaturas ulicas ou palacianas. Mas como no se apresentou o Assis Brasil, voltava Academia, e votaria no seu nome. Em qualquer casa eu no queria e no quereria nunca sancionar com a minha presena a eleio de ministros ou quejandos, candidatos impostos pelo Baro do Rio Branco ou pelo grupo que o cerca.

    Jos Verssimo em carta de 6 de outubro de 1908, dias aps o falecimento de Machado: Eu no estou disposto a ir hoje Academia, transformada em seo do Ministrio do Exterior, e s me interessa nela de fato a memria do nosso grande e querido Machado.

    E dois anos depois, comentando com Mrio de Alencar homenagem ps-tuma de Oliveira Lima a Machado de Assis na Sorbonne: Voc hoje ter lido com grande satisfao, como eu, os telegramas de Paris sobre a festa do nosso Machado. Se casasse uma filha do Baro, seriam dez vezes mais, porm o Machado viver mais e mais gloriosamente que o Baro.

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    Um dado de seu interesse pela Academia est patenteado no ofcio que envia Academia em 14 de setembro de 1911, to logo informando que recebera do Consulado-Geral do Brasil em Paris a notcia da morte de Raymundo Corra.

    Rio Branco participava das eleies da Academia, votando por telegrama. Assim, h nos arquivos da Casa as mensagens enviadas de Berlim para Martins Jr. em 1902 e de Petrpolis para Mrio de Alencar em 1905.

    Certa ocasio o Baro desejou preparar a candidatura de Gasto da Cunha. Chamou Alberto de Faria ao seu gabinete e exps o plano: Voc entra em contato com o Pedro Lessa, o Afrnio Peixoto, o Graa Aranha e outros aca-dmicos de seu conhecimento e sonda pelo nome do Gasto. Mas no diga ser minha iniciativa.

    E Alberto de Faria:

    Mas que ttulos tenho eu, Senhor Baro, para sugerir candidaturas, mesmo junto de amigos, se Vossa Excelncia no me autoriza a usar de seu nome? Permita-me dizer ao menos que, numa roda em que se falou na prxima vaga da Academia, Vossa Excelncia se mostrou muito favorvel ao nome do Gasto.

    O Baro refletiu por alguns momentos e concordou: Est bem. Faa as-sim, mas s com o Pedro Lessa.

    Baro, argumenta Alberto de Faria, preocupado, Vossa Excelncia sabe que a candidatura do Gasto vai encontrar resistncias. Ele tem muitos ad-miradores, que sabem do seu valor, como ns, mas at hoje no publicou um livro, nem mesmo um folheto. Por outro lado, os desafetos que ele tem feito com a sua lngua ferina no so poucos.

    E o Baro: Quanto ao livro, no h problema. Mandamos imprimir os trabalhos do Tratado de Petrpolis, que so profundos, e alguns discursos, que so belos. Em todo caso, vamos dar tempo ao tempo.

    O tempo passou e a candidatura de Gasto da Cunha no prosperou.Apesar desses fatos que demonstram o interesse do Baro do Rio Bran-

    co pela Academia, a Casa do Baro era o Instituto Histrico e Geogrfico

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    Brasileiro, para o qual foi feito presidente em 17 de setembro de 1908 e no ano seguinte presidente perptuo.

    Fora admitido, curiosamente muito jovem, como scio correspondente, embora residisse na Corte, pois no momento o quadro de efetivo estava com-pleto, e na categoria de scio honorrio no seria possvel inclu-lo.

    Rio Branco era assduo s sesses do Instituto at assumir o Consulado de Liverpool, e no exterior se correspondia com a instituio. Voltando ao Brasil em 1902 para assumir o Ministrio das Relaes Exteriores, retoma a presena, mesmo com os encargos de ministro.

    Em 1907, com o impedimento do Visconde de Paranagu, presidente do Instituto, e com a recusa do Conde de Afonso Celso de aceitar a Presidncia, passou-se a cogitar da substituio. O nome do Baro foi lembrado, e surgia a dvida de quem iria fazer a consulta.

    Max Fleiuss se ofereceu para o encargo e primeira consulta recebeu a resposta: O Sr. est doido, Sr. Fleiuss? Pois eu tenho tempo de dirigir o Instituto?

    Inflexvel aos argumentos, quando Max Fleiuss afirmou que o Visconde de Ouro Preto concordaria em continuar na Vice-Presidncia se ele ocupasse a Presidncia, Rio Branco indagou: Ele aceita a Vice-Presidncia? Responde Fleiuss: O Sr. pode se entender com ele. Ele est no escritrio. Conclua Rio Branco: Aceito.

    A sua gesto, apesar dos absorventes encargos no ministrio, foi operosa. E os seus discursos na abertura e encerramento dos trabalhos revelam um escri-tor de mrito, se expressando de forma simples e correta, com clareza e obje-tividade. Tambm outros discursos so reveladores de um orador sem atavios, mas elegante como no elogio do presidente Afonso de quem fora ministro.

    Por ocasio de seu falecimento, falaria no tmulo o Baro de Ramiz Gal-vo, em nome do Instituto Histrico, que se candidataria sua vaga junto com Lauro Muller, numa eleio rumorosa, mas que s seria eleito em 1928 na vaga de Carlos de Laet.

    H um aspecto que deve ser ressaltado nos esforos de Rio Branco aliado Academia, na tarefa de projeo cultural do Brasil, e no sentido de atrair para

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    o nosso pas figuras expressivas da intelectualidade europeia, como Anatole France, Guglielmo Ferrero, Clemenceau e Paul Adam. Essas visitas, promo-vidas pelo Baro do Rio Branco, com a participao da Academia, incluam conferncias geralmente pronunciadas na sede da Instituio.

    Nesse esforo Rio Branco interessou-se em promover a vinda de intelectuais estrangeiros, que, de volta a seus pases, transmitissem uma impresso favorvel, de nosso pas. E nesse trabalho se aliou s iniciativas da Academia. A presena de Guglielmo Ferrero em 1907, teve repercusso que nenhum escritor estrangei-ro recebera com tanto entusiasmo desde Ramalho Ortigo em 1887.

    Afirma Brito Broca:

    A poltica cultural do Baro processava-se ativamente tanto no plano interno como no externo. Com a transformao da capital, a extino da febre amarela, era preciso atrair figuras ilustres ao Brasil, para que fossem l fora transmitir impresses favorveis a nosso respeito. Essa poca, dos in-telectuais no Itamaraty, foi aquela em que hospedamos alguns dos maiores vultos da cultura europeia, empenhando-se o ministro em faz-lo levar as melhores recordaes do Pas.

    E comentaria:

    Depois de D. Pedro II, foi o Baro do Rio Branco o primeiro estadista a pr em prtica uma nobre poltica de valorizao cultural, agrupando em torno de si muitos elementos mais representativos da intelectualidade bra-sileira. Historiador e jornalista ele prprio, procurou cercar-se de escritores e homens inteligentes, incorporando-os, por assim dizer, obra que reali-zou no Ministrio do Exterior, atravs de trs quadrinios presidenciais.

    Na mesma linha, lvaro Lins afirma que Rio Branco aumentava o brilho e a espiritualidade da corte no Itamaraty com a presena habitual de intelec-tuais, jornalistas, escritores e artistas. Domcio da Gama, seu colaborador dileto, Graa Aranha, um dos fundadores, muito deveria ao apoio de Rio

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    Branco e tanto Rui Barbosa como Joaquim Nabuco, que j gozavam de grande prestgio, tiveram oportunidade para maiores feitos. No assessoramento jur-dico contava com o prprio Rui Barbosa, Clvis Bevilqua e Lafayete. Alusio de Azevedo seria efetivado na carreira diplomtica pelo Baro.

    Gilberto Freire destaca:

    A idealizao do Itamaraty, dirigido pelo Baro do Rio Branco, como rgo supremo de irradiao ou afirmao do prestgio do Brasil no con-tinente, em particular, e no exterior, em geral, de um Itamaraty que foi tambm, no Brasil dos dias do Baro, uma espcie de Ministrio como que de Educao e Cultura, concorrendo para que viessem ao Rio de Janeiro intelectuais europeus eminentes, artistas, mdicos de renome; e Ministrio tambm de Informao ou Propaganda, de certo modo responsvel pela bonne presse francesa e s vezes inglesa em torno de valores brasileiros.

    Gilberto Freire evoca os tempos em que o chanceler se cercava de ho-mens no s inteligentes, cultos, e polidos como altos, belos e eugnicos, animais de bela estampa, homens que, completados por esposas formosas, elegantes e bem-vestidas, dessem ao estrangeiro a ideia de ser o Brasil pelo menos sua elite pas de gente s e bem conformada.

    Episdio expressivo foi relatado por Otto Prazeres:Rio Branco organizou a delegao Conferncia Pan-Americana de 1910

    em Buenos Aires, composto de Joaquim Murtinho, Herculano de Freitas, Olavo Bilac e Gasto da Cunha. Eram figuras intelectuais de peso, mas de tipo fsico no expressivo. Pretendeu convidar o poltico paulista Almeida Nogueira, que se escusou, por estar participando da campanha civilista em oposio ao Governo Federal.

    Rio Branco chamou-o ao gabinete e disse: Preciso de voc, porque alm das qualidades intelectuais, voc um homem bonito e elegante,

    Machado de Assis envia uma carta a Ferrero em maio de 1907, por inter-mdio de Sr. Camilo Cresta, declarando que a Academia teria grande honra, caso ele pudesse passar alguns dias no Rio. Aqui, dizia a carta, o Sr. tem

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    admiradores ferventes e numerosos e sugere poderia pronunciar duas ou trs conferencias pblicas.

    As conferncias de Ferrero se realizaram no Palcio Monroe com grande afluncia, tendo comparecido o presidente Afonso Pena primeira reunio. A Cultura Latina no momento foi o tema da primeira conferncia. As ou-tras trataram de Corrupo e o progresso no mundo antigo e no mundo moderno, Clepatra e Antnio. E a ltima, em 12 de setembro sobre A Misso do Imprio Romano. Nesse dia chovia torrencialmente e Medeiros e Albuquerque fez um gracejo: O Accioly (presidente do Cear) deveria mandar buscar o historiador. Ferrero foi saudado por Medeiros e Albuquerque em discurso curto e conciso, como de seu estilo.

    A propsito das conferncias de Guglielmo Ferrero so curiosos os comen-trios de Euclides da Cunha em carta a Domcio da Gama, que se encontrava como ministro em Lima.

    Inicialmente o Baro recebeu Ferrero gentilmente. No Itamaraty, antes e depois do jantar que lhe foi oferecido, o extraordinrio evocador da velha Roma lendria foi verdadeiramente cativante. impressionadora a sua mo-dstia. O gnio tem ares tmidos e perturbados de mestre-escola da roa.

    Rio Branco ofereceu um banquete a Ferrero e Graa Aranha comps uma fabulao mitolgica:

    Naquela noite memorvel em que Guglielmo Ferrero foi recebido no Itamaraty, no lhe pude dizer todo o meu entusiasmo... Tive a deliciosa ilu-so de que Ccero era recebido por Pricles... Jantamos em Atenas... Ferrero jamais esquecer esse momento grego no Brasil, em que ele foi recebido por Pricles Rio Branco, conversou com Plato Machado de Assis, e foi ilu-minado pelo olhar e pela fronte de Minerva... Ainda como ateniense, ns poderamos dizer ao historiador da Antiguidade que o juramento de Rio Branco na mocidade foi o mesmo da juventude grega na altar da Deusa: No deixarei diminuir minha Ptria, mas a engrandecerei.

  • Rio Branco, o Acadmico

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    E Euclides se retratou:

    As conferncias de Ferrero desiludiram-me. Sou maravilhoso diante de tudo (disse-o Verssimo ultimamente) e a minha admirao no raro ultrapassa a realidade. Ferrero deixou-me a impresso de ser o Frgoli da Histria. Desapontou-me. E na noite em que, com sua seriedade ador-vel, declarou haver descoberto uma lei histrica (uma lei histrica!) no se apagaram as luzes do Palcio Monroe?! O auditrio no desmaiou?! O governo no decretou o estado de stio?! Entrei a desconfiar que ele no conhecia a significao cientfica desta perigosa palavra lei. Quem far um dia a histria da glorificao das mediocridades?!

    Nesse banquete, Machado, avesso aos discursos e em tom encomistico, pronunciou as seguintes palavras:

    Sr. Guglielmo Ferrero:A Academia Brasileira convidou-vos a dar algumas conferncias neste pas.

    Contava, decerto, com a admirao que lhe haviam imposto os vossos escri-tos, mas a vossa palavra excedeu a nossa confiana. No raro que as duas formas de pensamento se conjuguem na mesma pessoa; conhecamos aqui este fenmeno e sabamos dele em outras partes, mas foi preciso ouvir-vos para senti-lo ainda uma vez bem, e por outra lngua canora e magnfica.

    Agora que ides deixar-nos levareis Itlia, e por ela ao resto do mundo europeu, a notcia do nosso grande entusiasmo. Creio que levareis mais. O que o Brasil revelou da sua crescente prosperidade ao eminente historiador de Roma, ter-lhe- mostrado que este pedao da Amrica no desmente a nobreza da estirpe latina e cr no papel que, de futuro, lhe cabe.

    Machado de Assis escreve ao Baro:

    Meu eminente amigo Sr. Baro do Rio Branco. Creio responder ao sentimento da Academia Brasileira agradecendo a Vossa Excelncia os

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    obsquios com que distinguiu anteontem o ilustre G. Ferrero, nosso scio correspondente. A Academia convidara o historiador italiano a vir trazer aqui algumas das lies que h pouco ditou em Paris e agora vai levar a Buenos Aires, e ele aceitou da melhor vontade faz-lo em seu regresso para a Europa. A ao de Vossa Excelncia de assim relevo grande ao nome do Brasil, recebendo a Ferrero e a sua esposa pelo modo que o seu bom gosto e a dignidade do governo lhe sugeriram, em nome deste, e por honra da nossa associao, em que Vossa Excelncia to digna parte ocupa. Queira aceitar os meus protestos de sincera amizade e elevada considerao. Ma-chado de Assis.

    As conferncias se prestavam ironia. A revista Fon-Fon satirizava a visita de Ferrero em caricatura: Vai ao teatro? Qual? Recebi um convite da Academia Brasileira de Letras para assistir conferncia do Ferrero. J mandei a esposa escovar a casaca.

    A visita de Anatole France foi o ponto alto dessa parceria. Anatole France esteve no Brasil em 1909, em duas etapas: a primeira, a caminho de Buenos Aires, permaneceu apenas um dia, sendo homenageado num almoo pelo Ba-ro e recebido em sesso solene em 7 de maro na Academia, saudado por Rui Barbosa em discurso que ficou clebre. De volta, permanece uma semana e profere duas conferncias no Teatro Municipal.

    Rio Branco recepcionou Anatolle France no banquete oferecido pelo Ita-maraty, em que pronunciou em poucas palavras:

    Impedido na ltima hora, lamentavelmente, em tomar parte na recep-o na Academia Brasileira de Letras ao nosso ilustre hspede de algumas horas, tenho a satisfao de saud-lo nesta Casa, onde, como no Quai dOrsay, se trabalha sem cessar na grande causa da paz e da confraternidade dos povos.

    Cita alguns franceses que visitaram o Brasil no incio do sculo XIX como Ferdinand Denis e Saint-Hilaire do Brasil, e todos se mostraram amigos

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    conscientes do Baro, podendo verificar a influncia que o gnio francs exer-ce e exercer sobre essa nao ainda jovem. Menciona o fato de que Victor Hugo nos enviou belas palavras nao brasileira, que foram relembradas na ocasio da festa que Jules Simon Schloecher, M. Hanotaux e outros franceses organizaram em Paris, na ocasio da grande reforma de 1888.

    Conclui dizendo:

    Esperamos que entre nossos amigos podemos contar tambm com o admirvel escritor, o verdadeiro filsofo e o brilhante estilista que nossa jovem Academia teve a honra de receber hoje.

    Quando Clemenceau chegou ao Brasil em 15 de setembro de 1910, Rio Branco preparou tudo para que fosse recebido com a simplicidade cordial de um amigo.

    Paul Adam visitou-nos em 1912, em prolongada visita onde pretendia estudar o problema das raas. Teve recepo oficial, recebeu almoos, fez pas-seios e visitas a estabelecimentos pblicos. Realizou conferncias sobre o mito de caro, o mito de Vnus e em 25 de maio foi recebido solenemente por Jos Verssimo na Academia que, em pequeno discurso em francs, contestava a existncia da raa latina e as ideias do homenageado.

    Em outubro de 1909 era lanada a Revista Americana com apresentao assina-da pela Redao, com grande interesse cultural. A apresentao dizia: A Am-rica conhecemo-la aos fragmentos. E a Revista Americana no intuito de divulgar as diversas manifestaes da Amrica, e seguir do mesmo passo paralelamente o traado superior da sua evoluo poltico-econmica, se apresenta especialmen-te como um trao de unio entre as figuras representativas de intelectualidade dessa parte do mundo. E l facultar aos historiadores e ao gegrafo, ao poltico e ao jornalista, ao artista e ao filsofo, elementos seguros determinantes de uma noo exata e precisa dos mltiplos aspectos da nossa vida espiritual.

    Com o carter de uma revista particular, tinha como redator Arajo Jorge, que era na poca um dos principais assessores do Baro do Rio Branco e era evidente que a revista tinha o patrocnio do Baro.

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    Resolvido o problema das fronteiras com os pases limtrofes, Rio Branco que-ria fazer uma maior aproximao com esses pases e inclua nesse propsito a realizao da revista. A revista tinha um amplo carter cultural com caractersticas bem amplas e tinha entre os colaboradores representantes de vrios pases, entre os brasileiros podem-se apontar os acadmicos Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e Araripe Jnior, e futuros acadmicos como Hlio Lobo e Victor Vianna.

    Em estudo denominado Brasil e a nossa Amrica, Antnio Cndido estuda como o Brasil tem pensado a Amrica Latina e inclui a Revista Ame-ricana como um empreendimento importante. O subttulo era expressivo Cincias, Artes, Letras, Poltica, Filosofia, Histria. Expe que a anlise das colaboraes mostra quatro linhas, sendo que a primeira trata da produo prpria de cada pas, exprimindo a sua cultura atravs da poesia, da narrativa e do ensaio e uma quarta linha, a dos escritores manifestando interesse pela cultura europeia, com impregnao futura de seus valores.

    E assinala que: A coleo da Revista deixa ver que as relaes culturais se estabeleceram com quatro pases, Argentina, Uruguai, Chile e Peru, mas havia colaborao de outros.

    Por ocasio da morte do Baro do Rio Branco a Revista publicou um nme-ro especial com numerosos trabalhos a seu respeito e teria ganhado impulso mesmo aps a morte do Baro, para se encerrar s em 1919.

    Com o falecimento de Machado de Assis, era de se supor que a instituio tivesse de escolher para o preenchimento da vaga um grande nome. Pode-se cogitar que no haveria ento no meio literrio nenhum escritor de altos m-ritos para ocupar a Cadeira do autor de Dom Casmurro.

    No elenco de expoentes, uma figura se destacava na vida pblica como jurista, senador, ministro, presidente do Conselho de Ministros, o conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira. Com a Proclamao da Repblica, se retirou da vida pblica, recolhendo-se para elaborar obras de Direito e redigir pareceres altamente prestigiados. Lafayete morava numa chcara na Gvea e tinha um gabinete isolado onde se alojava a sua importante biblioteca.

    Lafayete tinha afinidade com Machado de Assis. Em 1897, quando Slvio Romero publicou o livro com o ttulo Machado de Assis, procurando exaltar a

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    figura de Tobias Barreto, mas denegrir Machado de Assis, Lafayette publicou uma srie de artigos com o pseudnimo de Labieno no Jornal do Commercio, em defesa de Machado de Assis e editou em livro em 1899. A autoria foi logo conhecida e Machado lhe dirigiu uma carta de agradecimento.

    Soube ontem (no direi por quem), que era V. Ex.a o autor dos artigos assinados Labieno e publicados no Jornal do Commercio de 25 e 30 de janeiro e 7 e 11 do corrente, em refutao ao livro que o Sr. Dr. Slvio Romero ps por ttulo o meu nome. A espontaneidade da defesa, o calor e simpatia do maior relevo benevolncia do juzo que V. Ex.a a faz a meu respeito.

    Quanto honra deste, muito, no fim da vida, achar em to elevada palavra como a de V. Ex.a um amparo valioso e slido pela cultura literria e pela autoridade intelectual e pessoal.

    Quando comecei a vida, V. Ex.a vinha da carreira acadmica; os meus olhos se afeioaram a acompanh-lo nesse outro caminho, onde nem o Direito, nem a Poltica, nem a Administrao, por mais alto que o tenham subido, puderam arranc-lo ao labor particular das letras em que ainda agora prima pelo conhecimento exato e profundo.

    A pessoa que me desvendou o nome de V. Ex.a pediu-me reserva sobre ele, e assim cumprirei. Sou obrigado, portanto, a calar um segredo que eu quisera pblico para meu desvanecimento.Queira V. Ex.a aceitar os mais cordiais agradecimentos, e dispor de quem .

    Rio Branco teve a iniciativa de cogitar do nome de Lafayete para preencher a vaga e encarregou Batista Pereira da misso de transmitir-lhe o convite. Anos mais tarde Batista Pereira relatou detalhes da visita: Chegando sua residncia na Gvea o encontrei sob frondosa mangueira. Disse-lhe da natureza da minha misso: Rio Branco deseja que V. Ex.a se candidate a to egrgia sucesso.

    Lafayete, antes de mais nada, perguntou-me: H possibilidade de ser eu eleito? Pois temo a derrota. No possvel, conselheiro; disse-lhe eu. A sua candidatura est assegurada pelo prestgio de meu sogro, Rui Barbosa, e do Baro.

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    E Rio Branco que encaminha a Rui Barbosa o pedido de voto de La Fayette:

    Exm.o Sr. Conselheiro Rui Barbosa,Tenho a honra de fazer chegar s mos de V. Ex.a a inclusa carta do

    conselheiro Lafayete Pereira. Pensava poder lev-la pessoalmente a V. Ex.a e por isto retardei a sua entrega. Creio que ele o nico candidato Cadeira de Machado de Assis.

    Com a mais alta estima, tenho a honra de ser de V. Ex.a

    Rio Branco.Rio, 6 de dezembro de 1908.

    Lafayete teve 20 votos, Alberto de Faria, dois e o Baro de Paranapiacaba, um voto.

    Lafayete em 3 de setembro de 1910 dirigiu ofcio Academia, alegando persistir a molstia que o tem impedido de ser recebido em sesso solene da Academia e no ser possvel prever a durao desse impedimento. Pede seja considerada como ato de posse esta mesma comunicao semelhana do que facultada aos membros eleitos residentes fora da sede da Academia. Lafayete s iria falecer em 1917 e h referncia de que nesse perodo deu pareceres e respondeu a consultas. Entretanto, depoimento familiar referia-se a srios problemas de viso, o que impediria de preparar o discurso de posse. Poste-riormente, sofreu uma queda e no mais saiu de casa. H comentrios de que ficara agastado com a falta de unanimidade.

    O prestgio e a ascendncia de Rio Branco se exercia por toda a parte in-clusive na Academia, sendo significativo o episdio da sucesso de Machado de Assis. Falecido em 29 de setembro, a Instituio se rene em 3 de outubro e elege Rui Barbosa como substituto pela unanimidade dos presentes. No dia seguinte, Euclides da Cunha, primeiro-secretrio no exerccio da Presidncia, expe que na visita que fizera a Rui Barbosa, este alegara declinei desse en-cargo, alegando alm da minha incompetncia, o excesso de obrigaes que j me sobrecarregam, e que dificultariam o cumprimento de meus deveres nesse

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    novo posto. Mas cedeu s consideraes apresentadas, especialmente a da unanimidade com que a eleio se pronunciara.

    Com a leitura dos jornais, tomou Rui conhecimento de que haviam com-parecido apenas 16 acadmicos, quorum legal, mas bem exgua minoria em relao aos 40. Sugere ento que no se deve prover sucesso, sem que se d espao aos scios ausentes, para concorrerem se lhes interessar com o seu voto. E indica que, observada essa providncia, cuja adoo proponho e aconselho, cessaria em relao a mim o argumento que me reduziu da una-nimidade acadmica. E termina insistindo para que dilatasse a eleio o tempo necessrio para tomar os sufrgios dos ausentes, oportunamente no-tificados.

    Euclides da Cunha lhe expe no dia seguinte acatando os elevados es-crpulos de V. Ex.a, oriundo de sua habitul superioridade de pensar, mas se julgando incompetente para sobrestar os efeitos de uma eleio com um trao rigorosamente legal, por duas circunstncias poderosas: a consagrao, prevendo-se logicamente a mesma unanimidade, se maior fosse o nmero de eleitores, e a situao especial da Academia, em qualquer delonga na sua cons-tituio definitiva.

    Retruca Rui dissentindo de Euclides, para afirmar em carta que no caso foroso entre dois ou mais inconvenientes, evitar o maior: O maior seria que sobre a eleio do Presidente da Academia de Letras se deixasse pretexto a qualquer reparo, com alguma cor de plausibilidade. Ora, para atalhar este mal, bastar demorar a nova eleio por poucos dias, quantos bastem notificao dos ausentes. E acrescentava: No vejo que transtorno aprecivel da possa resultar. Se de tal origem me pode vir alguma responsabilidade, antes esta do que assumir aquele cargo, desgostando a companheiros. E expe: Entrevejo que vrios dos no comparecentes no sufragariam o meu nome e muito me doeria quebrar, com a minha entrada, esse acordo que reinou com o Presiden-te anterior no seio da nossa associao.

    Havia s uma soluo para resolver o impasse: apelar para o Baro do Rio Branco. Euclides o procura consternado, secundado por Mrio de Alencar e Rodrigo Otvio, ao exibir a carta de Rui Barbosa. O Baro se dirige ento

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    ao Dr. Batista Pereira, genro de Rui, e lhe envia carta que certamente foi mos-trada a Rui, ficando patente que a candidatura fora lanada pelo Baro que se esforava em sustent-la.

    Rio Branco inicia a carta fiquei tambm muito penalizado com o inciden-te, e no podendo ir pessoalmente S. Clemente, porque tenho estado muito ocupado e agora noite no posso faltar sesso do Instituto Histrico, escrevo a correr estas linhas.

    A carta um relatrio completo das eleies acadmicas e dos respectivos resultados, afirmando que,

    a frequncia dos acadmicos em dias de eleio foi sempre menor do que na sesso de sbado ltimo. O Conde de Afonso Celso residente em Petrpolis votou por telegrama; Olavo Bilac iria comparecer, mas no che-gou a tempo, e teriam votado se avisados a tempo Herclito Graa, Alcindo Guanabara e Jaceguai, apontando afinal que a maioria absoluta exigida dos residentes no Rio.

    A carta faz ainda referncia ao Regimento da Casa que estabelece um largo prazo para a eleio de membro, enquanto que para vaga de Presidente no h prazo especificado e indica os acadmicos que residem no Rio e em Petrpo-lis so apenas 26, enquanto esto no estrangeiro dez acadmicos: Nabuco, Domcio da Gama, Oliveira Lima, Magalhes Azeredo, Aluzio Azevedo, Me-deiros e Albuquerque, Afonso Arinos e Artur Orlando; e no Estado de Minas Gerais, Filinto de Almeida e Augusto de Lima.

    Esses, pelo Regimento interno, no poderiam voltar.Afinal, apresenta os resultados das eleies de Machado de Assis para Pre-

    sidente:

    Machado de Assis foi eleito pela primeira vez Presidente a 4 de janeiro de 1897, por 13 votos, estando presentes 14; pela segunda vez, a 7 de dezembro de 1897, por 10 votos, e pela terceira vez e ltima, em novem-bro de 1907, por 10. sesso inaugural da Academia, em 20 de julho de 1907, s compareceram 17 acadmicos.

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    E conclama Rio Branco a Batista Pereira: Rogo-lhe, pois, o favor de ver, em representao minha, se consegue que o nosso Conselheiro e amigo nos faa o favor de modificar a resoluo anunciada.

    Afinal, Rui Barbosa cede, envia telegrama a Euclides: No h remdio, seno render-se. Estou disposio da Academia; e assume a Presidncia em 6 de outubro:

    Ao se empossar, Rui Barbosa se felicitava da simplicidade com que feita a transmisso do cargo e a maneira com que recebido o leva a afirmar em breves e simples palavras que no havia aspirado a essa eleio e depois de eleito desejaria declinar a incumbncia. Em seguida, as suas ocupaes na poltica e na advocacia h muito o tinham afastado dos cuidados das boas letras, as quais, entretanto, se sentia atrado pela prpria inclinao, e comen-ta era quase um estranho na Academia. Justamente por estar afastado da Academia e ser o cargo de Presidente um posto de confiana se expressa pelo maior nmero.

    No era um movimento de orgulho, mas um momento de reflexo, do desejo de continuar a harmonia mantida pelo seu antecessor. Em face das ponderaes e dos termos do Regimento, restava-lhe agradecer aos seus confrades o seu voto e declarar-lhes que procuraria desempenhar a sua incumbncia com dedicao, esperando deles que a coadjuvassem para sustentar o prestgio da Academia e realiar os fins a que ela se destina...

    A morte do Baro prenunciaria a substituio por algum que pelo menos com ele pudesse se ombrear, mas faltou um coordenador como fora o Baro na sucesso de Machado de Assis. Apresentou-se logo como candidato Lauro Muller, que substitura o Baro no Ministrio das Relaes Exteriores. Sem obra publicada, fora Ministro da Viao e Obras Pblicas do Governo Rodri-gues Alves, responsvel pela remodelao das obras do Porto do Rio de Janei-ro. Da se dizer, com ironia, que ele se candidatava com as obras do Rio. A fim de cumprir os dispositivos regimentais, foi impresso em Paris, s pressas, um volume em papel bem grosso, com tipos maiores, um simples opsculo.

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    Na sucesso, Lauro Mller traou um perfil exato da figura de Rio Branco. Depois de mortos, o esquecimento de grandes figuras ficavam na memria na-cional, enquanto outros se projetavam: Um s homem pblico com assento no Governo de sua Ptria por nove anos consecutivos, tempo sem precedente infringiu esta regra. Tal excepcional esta exceo que antes de nome-lo, j todos vs sabeis que vos falo do Baro do Rio Branco.

    Destacara que ademais um longo perodo vivido no exterior no se afastou da ptria, pois daqui levara o carter formado no ambiente enobrecido pelo trabalho e pelo culto ao patriotismo que circundava a atividade e emoldurava na poltica a figura austera e corts do velho visconde, seu pai e seu guia nos primeiros passos da vida pblica.

    E dava um interessante depoimento pessoal de seu retorno ao Brasil: Foi de espanto a minha impresso ao v-lo e ouvi-lo, desde bordo, to brasileira-mente o encontrei nas maneiras, no falar e no sentir, acudindo a todos os que os cercavam com aquela ataviada destinao brasileira que os nossos costumes recebem por herana da velha fidalguia portuguesa.

    E conclui: A histria no ter que sentenciar sobre os seus mritos, pois a glria de Rio Branco passou triunfalmente em julgado nos aplausos de um povo inteiro, enquanto vivo o tivemos, e na tristeza e angstia de todos os lares brasileiros no dia lutuoso em que de ns se foi.

    Ao suceder a Lauro Mller, dom Aquino Corra fazia o paralelo dos dois antecessores:

    Rio Branco e Lauro Mller.Disse Lauro Mller em seu discurso de posse, que lhe cabia ento, pela

    segunda vez, a gloriosa humilhao de suceder a Rio Branco. Associemos, pois, mais uma vez, no para humilhao de um, mas glorificao de ambos, estes dois nomes ilustres, que o destino assim entrelaou em nossa Histria.

    Fcil no cotejar duas figuras como essas, que, mesmo no fsico, dir-se-iam aproximadas unicamente pelo contraste.

    O que impressiona em Rio Branco a majestade, em Lauro Mller, a elegncia das linhas e dos gestos. Rio Branco foi o chanceler por excelncia.

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    Iluminou o Itamaraty, durante nove anos a fio. A obra, que dele nos ficou, quase toda diplomtica, e esta no tem rival.

    Lauro Mller foi menos diplomata, do que poltico e estadista. No teve tempo, ou antes razo, para desenvolver a sua ao diplomtica, posta prova em situao das mais difceis e melindrosas.

    E prossegue na comparao:

    Rio Branco veio, quase intacto, da monarquia. Foi a mais bela projeo do Imprio na Repblica, um como glorioso trao de unio entre os dois regimes. No fez poltica republicana. Foi um estranho dolo, que a mo-narquia imps adorao dos democratas. Estava assim providencialmente talhado para, nas regies altas e serenas da poltica internacional, reatar as tradies aristocrticas da diplomacia brasileira.

    Lauro Mller foi, ao contrrio, um produto genuno da Repblica. Quan-do subiu para o Itamaraty, levava j um longo passado poltico, com a sua expe rincia, mas tambm com as suas inevitveis taras e desvantagens.

    Lauro Mller se propusera a construir sobre esses alicerces o edifcio da nossa expanso e grandeza diplomtica. Rio Branco foi sagrado pelo gnio de Rui Barbosa, um deus Trmino das fronteiras da Ptria.

    Lauro Mller, com o programa edificante de paz e confraternizao que esboara, teria talvez encarnado, nos fastos da nossa Chancelaria, o Her-mes grego, o deus gil das relaes pacficas e civilizadoras.

    Ao assumir a Cadeira 34, em sucesso a Dom Aquino Correia, Raymundo Magalhes Jr. dedicou um captulo Rio Branco e a Academia.

    Iniciou mostrando que a Academia prenunciava a sua glria:

    Homem pblico dos mais eminentes de nossa ptria, Jos Maria da Silva Paranhos Jnior de tal modo se agigantou no cenrio nacional que

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    nos dias de hoje quase geral a impresso de que o acolhestes no seio desta Academia para que ela se beneficiasse com os reflexos do seu prestgio e com as cintilaes de sua glria. No foi isto, porm, o que verdadeira-mente se deu: essa glria apenas despontava. Rio Branco no dera mais que o passo inicial para a realizao da grande obra de demarcao das nossas fronteiras. No foi at ento mais que o simples advogado do Brasil, junto ao rbitro norte-americano, na Questo das Misses.

    E apontara de forma elegante os seus mritos literrios:

    lcito dizer que esta Academia, em 1898, acolheu menos o diplomata ilustre que o cultor das belas-artes, o antigo jornalista cuja pena deixaria traos vivos na Imprensa do tempo do Imprio, o estudioso da Histria Ptria que tinha a seu crdito as Efemrides, as anotaes obra de Schneider sobre a Trplice Aliana e a biografia do Baro do Serro Largo. Eleito em ocasio em que se encontrava ausente do pas e sem os benefcios de uma candidatura nica, foi este o verdadeiro prtico de sua fama. Foi daqui que partiu o primeiro ato de reconhecimento nacional de seus altos mritos. Antes que Rodrigues Alves o chamasse para o Ministrio, antes que o Congresso Nacional lhe proclamasse a benemerncia, antes que as multi-des o consagrassem com o seu aplauso, antecipando-se a tudo e a todos, a Academia Brasileira de Letras o integrou em seus quadros e o fez quando esse homem avesso s convenes era ainda um continente rico de energias cvicas espera de quem o descobrisse.

    E mostrava como a mocidade o preparara para o servio da ptria:

    Vivera, quando moo, como um moo e por isso mesmo tivera capa-cidade para devotar-se, por inteiro, na idade madura, ao servio da ptria. Os que foram moos com o esprito de moos, com as extravagncias e as alacridades prprias da juventude, que em geral chegam velhice aureo-lados de dignidade. Ai dos moos que vivem a mocidade como velhos,

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    porque estes querero desforrar-se, com a triste iluso de que podero viver a velhice como moos! E tero apenas encontrado igual ridculo nas duas extremidades da vida, o duplo ridculo dos velhos precoces e dos adoles-centes retardatrios.

    E apontava de sua presena nesta Casa:

    To absorventes os encargos oficiais, que o roubaram ao convvio da Academia, em que no chegou a tomar posse, mas a que prestigiava em todas as oportunidades, fazendo de Machado de Assis um companheiro de Mesa e, apesar de sua averso aos discursos foi o orador oficial do almoo a Guglielmo Ferrero.

    A Academia comemorou o centenrio do Baro do Rio Branco em sesso solene no dia 7 de junho de 1945. Abrindo a sesso o Presidente Pedro Cal-mon traou perfil do homenageado como membro da Casa:

    Servidor dos mais entusiastas da Academia, onde encontrara amigos velhos e queridos, com ela desde logo se identificou, embora as misses diplomticas e as fadigas do Ministrio do Exterior no lhe permitissem dar-lhe a colaborao merecida. Foi, contudo, um acadmico zeloso, fiel aos desgnios da Instituio, companheiro de Machado e Nabuco na defi-nio linear de seus ideais, e convicto apstolo da Cultura nesses brancos prticos da beleza e da graa, para alm dos quais se situava o jardim lite-rrio dos seus sonhos de moo.

    Em seguida, falou o embaixador Jos Roberto Macedo Soares, ministro interino das Relaes Exteriores, que destacou as relaes do Itamaraty com a Academia:

    Na realidade, Senhores Acadmicos, o Itamaraty tem tido a fortuna de acolher em seus quadros, outrora como hoje, nomes dos mais ilustres

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    nas nossas letras, que figuram como patronos, fundadores e ocupantes das cadeiras desta ilustre Companhia. Dentre eles, o Baro do Rio Branco, que no s muito se orgulhava da sua condio acadmica, como procurava sempre prestigi-la, na certeza de que as letras so em todos os tempos os mais altos expoentes da grandeza de um povo. Por isso, nenhum de vossos companheiros, ao seu tempo, nomeado para representar o Brasil, como seu plenipotencirio, deixou de ter mencionado nas suas credenciais o ttulo de acadmico.

    Usou da palavra, como orador oficial, o acadmico Levi Carneiro que pro-nunciou um discurso extenso e aprofundado sobre a vida e a obra do Baro do Rio Branco.

    Nessa conferncia Rio Branco e seu Esprito de Tradio, Levi Carneiro analisa a figura de Rio Branco sobre vrios aspectos, dividindo em tpicos sem recair numa enumerao cronolgica.

    Aponta em primeiro lugar que a comemorao do centenrio ocorre em oportunidade singularmente propcia, pois mais do que nunca vivemos ago-ra no plano internacional. Nossos pensamentos, nossas inquietaes, nossas dores, nossas alegrias, nossas esperanas provm hoje, principalmente, que se passa em terra distante, em outros continentes.

    Apreciando a posio internacional do Brasil, aponta as caractersticas de nossa formao e da expanso da colonizao, bem como as relaes mal defi-nidas com os dez vizinhos. Entretanto, com a peculiaridade de nosso pas, ao contrrio dos povos pan-americanos, logramos a independncia por um ato de sabedoria poltica; adotamos a monarquia constitucional e progredimos, devagar com mais segurana, durante 60 anos sob o Imprio da democracia administrada por um sbio.

    Registrava Levi Carneiro com um contraste impressionante entre uma gran-de Nao, dispersa, mal articulada e em possveis conflitos blicos e guerras internacionais; no retalhamento do pas. Ao contrrio, no se verificou. Essa foi a obra magnfica e benemrita que Rio Branco denominou em expresso singela e perfeita a sempre limpa e generosa poltica internacional do Brasil.

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    Mostrou como o princpio da uti possidetis juris foi entre ns adotado de for-ma diferente princpio que o Brasil sustentou e pelo qual se empenhou em resolver as suas questes e limites internacionais. E expe que o milagre da formao territorial do Brasil culmina em Rio Branco. Ele completa e resumo a ao dos que o precederam e, mais imediatamente, a de um dos maiores, seno o maior de todos, que fora o seu pai.

    Tratando da vocao do Baro, a formao e toda vida de Rio Branco de-senvolveram-se com impressionante serenidade e perfeita lgica para habilit-lo a obra que veio realizar.

    Da obra do historiador, apontaria as caractersticas inalterveis a narrativa minuciosa e precisa; o estilo claro, sbrio, sem rodeios, nem nfase; a crtica desassombrada; o zelo do prestgio do Brasil. Os temas iniciais foram, desde logo, os mesmos em que se deteria sempre: a Histria Militar do Brasil, espe-cialmente em relao s naes platinas.

    E tratando do patriotismo, diria: Em Rio Branco, o esprito de tradio, o sentimento de continuidade tudo inspira, ou expresso, de uma grande virtude cvica: patriotismo. Por isso se fez historiador. E mostrando que era inovador aparente, diria: Seu esprito crtico impede-o de tornar-se rotineiro, submisso s normas ou hbitos estabelecidos e torna-o por vezes um inova-dor arrojado. No raro, parecendo inovar, prefere mostrar que apenas retoma alguma tradio esquecida.

    E mostrava que escolhia em cada setor os homens eminentes de maior merecimento intelectual. Em todos os casos o que o atrai a seduo da in-teligncia e da cultura, o apreo das maneiras distintas e at agora chega a parecer inacreditvel de boa aparncia fsica. E citava o comentrio de Me-deiros e Albuquerque pronunciado nesta Casa da verdadeira caada que ele empreendia, de mulheres bonitas, para enfeitar suas festas e de cuidado com que fazia algumas de mau aspecto, que apesar de tudo, aparecessem em tais ocasies. Falando da Academia: Quero dizer-vos que a esta Academia votou ele sempre o maior apreo. Foi como acentuou Graa Aranha o primeiro daqueles grands seigneurs de que Joaquim Nabuco desejava um certo nmero na Academia.

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    E conclua: Com a Academia e com os acadmicos, contou sempre e deles se valeu para as suas exibies da cultura brasileira.

    A Academia agora reverencia o Baro do Rio Branco 57 anos depois. A afir-mao de Raymundo Magalhes Jr. resume a figura do acadmico: Se nada faltou glria de Rio Branco, tampouco faltou sua figura extraordinria maior glria desta Academia.

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    C i c l o C e n t e n r i o d e m o rt e d o B a r o d o R i o B r a n c o

    *

    Diplomata, foi embaixador em Genebra, Washington, Roma, Ministro do Meio Ambiente e da Amaznia, Ministro da Fazenda, Secretrio Geral da Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (UNCTAD), em Genebra. Atualmente diretor da Faculdade de Economia e Relaes Internacionais da FAAP, em So Paulo, escreveu vrios livros e ensaios sobre o Baro do Rio Branco e a histria diplomtica.

    Rio Branco entre livros e velhos mapas

    Rubens Ricupero

    S uponho que a nenhum de ns tenha sucedido adormecer sobre um velho mapa desenrolado no cho. E, de manh, explicar com a roupa amarrotada: Ontem me deitei sobre o mapa para tentar examinar um pormenor mais de perto e acabei por cair no sono.... No tempo em que ainda se recusavam ministrios, era esse o mesmo homem que tentava se desvencilhar do Itamaraty, respondendo ao convite do presidente-eleito Rodrigues Alves: Depois de to longa vida de retraimento, fechado com os meus livros, mapas e papis velhos, receio mostrar-me desajeitado na vida inteiramente diversa que deveria ter na posio de Ministro de Estado.1

    Na data dessa carta, mais de um quarto de sculo se escoara des-de que o Baro do Rio Branco deixara o Rio de Janeiro para servir

    * Conferncia proferida em 21de agosto de 2012.1 Carta de 25/07/1902 ao presidente eleito Rodrigues Alves, Arquivo Rio Branco, MRE.

  • Rubens Ricupero

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    e morar na Europa. Fora as inevitveis maadas grandes que o esperavam sempre que se ausentava do Consulado-Geral em Liverpool, quase todo esse tempo se havia efetivamente passado entre livros, mapas e papis velhos.

    No fazia muita diferena que o convvio com os alfarrbios e arquivos empoeirados servisse para ajudar na redao de escritos de natureza privada verbetes de enciclopdia, artigos de jornal, comentrios de livros ou que se destinasse a estofar com precedentes, provas e argumentos a defesa de direitos territoriais brasileiros submetidos aos arbitramentos de Palmas e do Amap. O objeto exclusivo de seu interesse intelectual se concentrava no Brasil e em tudo que a ele se referisse. Como toda paixo, tambm esta se bastava a si prpria. Se a busca do mapa raro, da informao esquecida, do conhecimento indito ajudasse oportunamente a ganhar para o Brasil alguns milhares de quilmetros ou a atingir outro resultado prtico, seria, como na palavra evan-glica, algo recebido por acrscimo.

    O gosto da Histria, to caracterstico do sculo XIX, cedo tomou conta da personalidade intelectual de Juca Paranhos que, aos 15 anos j pesquisava na Biblioteca Nacional as velhas cartas de veteranos da Guerra da Cisplatina que fundamentaram seus dois primeiros trabalhos biogrfico-histricos.

    Uma ou duas geraes antes, quase no se poderia ser poltico no Brasil ou em outros pases da Amrica Latina, sem antes ser poeta ou orador, con-forme observou Antonio Candido em Literatura: Espelho da Amrica? At Jos Bonifcio, talvez o nico prcer da Independncia que tinha sido homem de cincia, no militar ou advogado, tambm versejava. Da mesma forma que os lderes do romantismo poltico em pases vizinhos, Echeverria, na Argentina, ou Lastarria, no Chile. De Paranhos Jnior jamais se poderia suspeitar que escondesse poemas na gaveta ou que o tivesse mordido o vcio romntico da Literatura.

    Homem de prosa, no de poesia, da palavra escrita expositiva, do artigo, memorando, relatrio, no do discurso e da pregao retrica, sem inclinao pelos estudos jurdicos, feio predominante da cultura brasileira da poca, tampouco sentia maior interesse pelos debates da poltica interna. Afirmaria, anos mais tarde, que se afastara da poltica aps as duas frustrantes experincias

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    como deputado geral por lhe faltarem as qualidades brilhantes (e a fortuna) exigidas por essa vocao.

    Filho e auxiliar do estadista que chefiou o mais longo gabinete do Segundo Reinado, defendeu a poltica paterna na imprensa e na tribuna como seria de esperar. No se sente, porm, no que escreveu sobre assuntos internos o entusiasmo e a fora do interesse genuno que transparecem em debates como o que apaixonara o Visconde do Uruguai e Tavares Bastos a propsito da centralizao ou descentralizao no Imprio. Nem se percebe, passada a fase de combate parlamentar em torno da Lei de 28 de setembro de 1871, que tivesse voltado a dedicar muita ateno causa abolicionista, razo de ser da existncia de Nabuco.

    No que lhe faltassem convices firmes de monarquista numa era de pre-domnio do jacobinismo republicano. Mas na defesa das opinies que herdara do Partido Conservador do Imprio, de preferncia a conceitos abstratos, recorria a argumentos concretos. Por exemplo, ao lamentar o federalismo americana, com governadores eleitos, o que mais o impressionava no eram as razes tericas do Visconde do Uruguai e sim os problemas que essa au-tonomia acarretava para a poltica externa, como o embaraoso apoio dos governadores do Estado do Amazonas rebelio acreana.

    Pode parecer que at aqui pouco se falou de livros e mapas. No entanto, esse caminho de esboar e retocar trao a trao o perfil intelectual e cultural de Rio Branco que nos vai permitir esclarecer a natureza da relao que ele mantinha com o papel impresso.

    A Literatura, que, ao lado do Direito, completava o cnon da cultura brasilei-ra do sculo XIX, aparentemente pouco o seduzia. As preocupaes puramente literrias ou artsticas seriam at avessas a seu temperamento, a crer no que escre-veu Oliveira Lima um ano depois de sua morte. O histor