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ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-gr aduação e pesquisa em planejamento urbano e regional ISSN 1517-4115

REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS - Data Center no Brasil · (Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil) ... Linda Gondim, por meio do relato ... Tendo como marco a aprovação do

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ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-gr aduação

e pesquisa em planejamento urbano e r egional

ISSN 1517-4115

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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicação semestral da ANPUR

Volume 10, número 2, novembro de 2008

EDITOR RESPONSÁVELGeraldo Magela Costa (UFMG)EDITORA ASSISTENTE

Jupira Gomes de Mendonça (UFMG)COMISSÃO EDITORIAL

Ana Fernandes (UFBA), Carlos Antônio Brandão (Unicamp), Lilian Fessler Vaz (UFRJ), Luciana Corrêa do Lago (UFRJ)CONSELHO EDITORIAL

Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Ângela Lúcia de Araújo Ferreira (UFRN), Brasilmar Ferreira Nunes (UnB), Carlos Antonio Brandão (Unicamp), Ermínia Maricato (USP), Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG),

Henri Acselrad (UFRJ), João Rovati (UFRS), Lia Osorio Machado (UFRJ), Linda Maria de Pontes Gondim (UFC), Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBA), Margareth Pereira (UFRJ), Maria Cristina da Silva Leme (USP), Nadia Somekh(Mackenzie), Norma Lacerda Gonçalves (UFPE), Paola Berenstein Jacques (UFBA), Ricardo Cesar Pereira Lira (UERJ),

Roberto Monte-Mór (UFMG), Rosa Acevedo (UFPA), Sandra Lencioni (USP), Sarah Feldman (USP), Wrana Maria Panizzi (UFRS)COLABORADORES

Ana Cristina Fernandes (UFPE), Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira (UFMG), Ângelo Salvador Filardo Junior (USP), Antonio Nelson Rodrigues da Silva (USP/SC), Cibele Saliba Rizek (USP), Cláudio Antônio Gonçalves Egler (UFRJ), Eduardo

Magalhães Ribeiro (UFLA), Elzira Lúcia de Oliveira (UFF), Ester Limonad (UFF), Fabrício Leal Oliveira (Instituto Pereira Passos), Fernanda Sanchez (UFF), Fernando Cézar Macedo (Universidade Estadual de Campinas), Flávio Villaça (USP), Jorge

Luiz Alves Natal (UFRJ), Haroldo da Gama Torres (CEBRAP), Hermes Magalhães Tavares (UFRJ), José Antônio Gomes de Pinho (UFBA), Laura Machado de Mello Bueno (PUC Campinas), Luciana Teixeira de Andrade (PUC Minas), Maria Julieta Nunes de Souza (UFRJ), Marília Steinberger (UnB), Maurílio de Abreu Monteiro (UFPA), Nadia Somekh (Mackenzie), Olga Lúcia

Castreghini de Freitas Firkowski (UFPR), Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ), Paola Berenstein Jacques (UFBA), RicardoMachado Ruiz (UFMG), Rodrigo Simões (UFMG), Rosana Denaldi (Universidade Federal do ABC), Sandra Lencioni (USP),

Silke Kapp (UFMG), Silvio Zanchetti (UFPE), Suely Maria Ribeiro Leal (UFPE), Suzana Pasternak (USP), Weber Soares (UFMG)PROJETO GRÁFICO

João Baptista da Costa AguiarCAPA, COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO

Ana Basaglia FOTO DA CAPA

Beatrice FrittoliREVISÃO

Ana Paula GomesIMPRESSÃO CTP

Fabracor

Indexada na Library of Congress (EUA)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.10, n.2,2008. – Associação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor responsável Geraldo Magela Costa : A Associação, 2008.

v.

Semestral.ISSN 1517-4115O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Costa, Geraldo Magela

711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098

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ARTIGOS

9 DA M E T R Ó P O L E À C I D A D E-R E G I Ã O – NA

DI R E Ç Ã O D E U M NOVO AR R A N J O ES PAC I A L

METROPOLITANO? – Felipe Nunes Coelho Magalhães

29 AR R A N J O S UR B A N O-RE G I O N A I S – UM A

CAT E G O R I A CO M P L E X A N A ME T RO P O L I Z A Ç Ã O

BR A S I L E I R A – Rosa Moura

51 DE VO LTA A U M F U T U RO I N C E RTO –RE L A Ç Õ E S IN T E RG OV E R N A M E N TA I S E GE S T Ã O

ME T RO P O L I TA N A N A RMBH – Carlos Aurélio Pi-menta de Faria

73 M A P E A M E N T O S PA RT I C I PAT I V O S –PR E S S U P O S TO S, VA LO R E S , IN S T RU M E N TO S E

PE R S PE C T I VA S – John Sydenstricker-Neto

97 A FAVELA DEPOIS DO ESTATUTO DA CIDADE –NOVOS E VELHOS DILEMAS À LUZ DO CASO DO POÇO

DA DRAGA (FORTALEZA-CE) – Linda M. P. Gondim

115 DESIGUALDADE E ASSOCIATIVISMO –PROXIMIDADE ESPACIAL E DISTÂNCIA SOCIAL NA

CONFORMAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL – MarceloKunrath Silva e Rui Zanata Jr.

RESENHAS

135 Ordinary Cities: Between Modernity and Develop-ment, de Jennifer Robinson – por Vera F. Rezende

137 Questões Territoriais na A mérica Latina, deAmalia Inés Geraiges de Lemos, María Laura Silveira,Mónica Arroyo (Orgs.) – por Rebeca Scherer

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-gr aduação

e pesquisa em planejamento urbano e r egional

S U M Á R I O

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ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR

GESTÃO 2007-2009PRESIDENTE

Edna Castro (NAEA/UFPA)SECRETÁRIO EXECUTIVO

Luiz Aragon (NAEA/UFPA)SECRETÁRIO ADJUNTO

José Júlio Lima (FAU/UFPA)DIRETORES

Adauto Lúcio Cardoso (IPPUR/UFRJ)Leila Dias (CFH/UFSC)

Roberto Monte-Mór (CEDEPLAR/UFMG)Virgínia Pontual (MDU/UFPE)

CONSELHO FISCAL

Brasilmar Nunes (SOC/UNB)João Rovati (PROPUR/UFRS)Renato Anelli (EESC/USP)

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E D I T O R I A L

Este número da Revista traz contribuições sobre duas questões atuais para a áreado planejamento urbano e regional: a metrópole, sua extensão territorial e sua gestão,e os processos participativos no planejamento urbano. Duas dimensões importantesda questão metropolitana vêm ultimamente sendo foco de pesquisas e de publicações:a produção e formação da metrópole e o surgimento de possíveis novos arranjos ins-titucionais para o seu planejamento e gestão. A questão da participação no planeja-mento e na gestão das cidades, apesar de passados 20 anos desde a promulgação daConstituição de 1988, continua suscitando debates sobre a sua possibilidade de con-tribuir para a busca do direito à cidade. Os artigos reunidos neste número acrescen-tam contribuições relevantes para o debate e o avanço do conhecimento sobre essasquestões. São três artigos sobre a metrópole e três outros sobre a questão da participa-ção e das formas de associação da sociedade nos processos de gestão urbana.

O primeiro artigo, de Felipe Magalhães, traz uma importante contribuição parase pensar novas centralidades a partir da percepção de que a metrópole está se esten-dendo no território em conseqüência dos processos de implosão/explosão de seu nú-cleo central e de reestruturação produtiva, produção flexível e compressão tempo-espaço. O autor identifica nestes processos a formação da cidade-região, expressão ter-ritorial da metrópole estendida. A apresentação de um exercício que procura mostrarde forma esquemática a morfologia da cidade-região representa importante contribui-ção para a reflexão sobre a questão.

A discussão sobre a metrópole estendida continua no artigo de Rosa Moura, pormeio da análise de novos arranjos urbano-regionais. A autora explora esta morfologiamultiescalar com base na realidade brasileira, partindo de estudos já existentes sobre re-des urbanas e áreas de influência das cidades, elaborados pelo IPEA e pelo IBGE. A in-tenção da autora, que ela deixa clara no final do artigo, é avaliar a validade de um no-vo conceito – o de arranjos urbano-regionais, que transcendem as malhas urbanas dasaglomerações – e, com isto, trazer contribuições de natureza teórica e que reorientempolíticas públicas voltadas para o território brasileiro, pensado enquanto totalidade.

O artigo de Carlos Aurélio, por sua vez, centra-se essencialmente na discussão denovos arranjos de gestão metropolitana. O artigo é bem-vindo neste momento emque se procura resgatar esta escala de política e de gestão pública, após vários anos deseu esquecimento, em parte devido à forma com que a gestão local vem se conso-lidando com o resgate da autonomia municipal desde a Constituição de 1988. Par-tindo de uma revisão da experiência de gestão metropolitana desde os anos 1970 noBrasil, o autor procura refletir sobre possíveis avanços na atualidade, tendo como re-ferência a experiência de novo arranjo institucional que vem sendo implementado nagestão e no planejamento metropolitanos de Belo Horizonte. A conclusão é que essetipo de “experimentalismo institucional” talvez não esteja trazendo novidades, umavez que mantém a forte presença da administração estadual que historicamente carac-terizaram os arranjos de gestão desta região metropolitana.

O artigo de John Sydenstricker-Neto sobre mapeamentos participativos dá iní-cio ao conjunto de textos sobre formas de participação no planejamento. Apoiando-

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se na experiência norte-americana, que o autor reconhece ser pouco difundida no Bra-sil, são desenvolvidas em detalhes propostas metodológicas de mapeamentos partici-pativos e sua crítica. Nas palavras do autor, tratam-se de instrumentos “para coleta etratamento de dados com o intuito de informar os modelos teóricos e subsidiar o pro-cesso de tomada de decisão”. Neste sentido, o artigo traz contribuições relevantes pa-ra um diálogo com as metodologias de planejamento participativo desenvolvidas e emprática no Brasil.

Avaliações de experiências brasileiras são discutidas nos dois artigos finais destevolume da Revista. Linda Gondim, por meio do relato de um caso em Fortaleza/CE,discute os conflitos relacionados a processos de reassentamento ou permanência depopulações faveladas. Tendo como marco a aprovação do Estatuto da Cidade, o tex-to coloca em foco os processos políticos que envolvem a questão. Com isto, são dis-cutidas as possibilidades dos movimentos sociais de associações comunitárias na lutapara fazer valer princípios democráticos que estariam na base da política urbana noBrasil após o Estatuto da Cidade.

Por fim, Marcelo Kunrath Silva e Rui Zanata Jr, apresentam outro instigante es-tudo de caso para a avaliação crítica das possibilidades da participação e do associati-vismo no processo de gestão urbana. Os autores desenvolvem um estudo empírico so-bre a atuação de uma associação de moradores de segmentos de média e alta renda nacidade de Porto Alegre. A hipótese que orienta a pesquisa, e que a análise confirma,diz “que a proximidade social, ao invés da proximidade espacial, tende a ser o fatorcentral na definição das possibilidades de relacionamento entre as organizações”, re-velando a fragmentação das práticas associativas entre diferentes segmentos sociais.

Duas resenhas completam o presente volume da Revista. Uma primeira, de au-toria de Vera Rezende, apresenta o livro Ordinary Cities: Between Modernity and De-velopment, de Jennifer Robinson, publicado pela Routledge em 2006. A segunda re-senha foi escrita por Rebeca Scherer sobre a coletânea Questões Territoriais na AmáricaLatina, organizada por Amalia Inés Geraiges de Lemos, María Laura Silveira e Móni-ca Arroyo e publicado em conjunto pela CLACSO e a USP, também em 2006.

GERALDO MAGELA COSTA

Editor responsável

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ARTIGOS

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DA METRÓPOLE À CIDADE-REGIÃO

NA DIREÇÃO DE UM NOVO ARRANJO

ESPACIAL METROPOLITANO?

F E L I P E N U N E S C O E L H O M A G A L H Ã E S

R E S U M O Este artigo tem como objetiv o abordar a configuração da cidade-r egião –enquanto um ente geográfico em pr ocesso de fortalecimento – e os pr ocessos socioespaciais diver-sos que a compõem. A cidade-região é entendida como a área metropolitana mais concisa soma-da de seu entor no imediato, incluindo uma série de centr alidades de pequeno e médio por te noalcance dos processos de metropolização. A urbanização extensiva é um processo socioespacial cha-ve por trás da for mação da cidade-região, que também se r elaciona à compressão espaço-tempo-ral presente de forma heterogênea nestas regiões urbanizadas. Privilegia-se uma perspectiva teó-rica acerca do tema, pr opondo uma morfologia da cidade-região, visando esclarecer sua relaçãocom os processos econômico-espaciais contemporâneos (sobretudo no que diz respeito à restrutura-ção produtiva). Dois elementos territoriais principais compõem esta extensão do tecido urbanopara além das áreas metropolitanas: a exopolis e a cidade industrial pós-fordista. O regionalismocompetitivo se manifesta neste contexto como uma prática hegemônica de planejamento , tantona escala regional quanto na escala das div ersas localidades inseridas neste processo.

P A L A V R A S - C H A V E Cidade-região; pós-for dismo; expansão metr opoli-tana; urbanização extensiva; condições gerais de produção.

INTRODUÇÃO

O crescimento das metrópoles no mundo atingiu escalas sem pr ecedentes nas últi-mas décadas. A urbanização sem fronteiras aparentes une no espaço conurbado metrópo-les que outrora eram facilmente delimitáveis, e diversas regiões se tornam espaços inteira-mente urbanizados, dando origem a uma no va entidade socioespacial que v em sendodenominada de cidade-região. A partir dos processos socioespaciais contemporâneos, e denovos sentidos da produção do espaço urbano, começa a se evidenciar esta no va unidadede análise socioespacial, em gestação a partir do processo de extensão do tecido urbano dasgrandes metrópoles industrializadas. Parte-se da hipótese de que a cidade-região é a formaurbana do processo de metropolização em seu estágio contemporâneo, que apresenta con-tinuidades e r upturas com os pr ocessos anteriores – c omo aqueles que deram origem àspróprias metrópoles em contextos históricos anterior es. Tendo como referência a metró -pole fordista-keynesiana (Soja, 2000), trata-se de buscar interpretações acerca da metropo-lização contemporânea tendo em vista aquela forma anterior , no contexto do capitalismosemi-periférico, marcado pela incompletude de seus processos socioespaciais: antes que sedesse como terminada, em perspectiva histórica, a formação da metrópole fordista-keyne-siana, inicia-se um novo processo de reestruturação socioeconômica e espacial.

Deve-se ressaltar que não se pr opõe aqui que as dinâmicas socioeconômicas deter-minam de modo linear as formações socioespaciais ou nem que as formas de organiza-

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ção do espaço são determinantes das características sociais ou econômicas de determina-da população. Propõe-se uma leitura da dialética socioespacial , a partir de S oja (1993),em que ocorre uma interação retro-alimentadora entre estes dois níveis de análise. O es-paço tem um conteúdo intrinsecamente político, social ou econômico – chegando a r e-velar, inclusive, os problemas em se separar tais esferas como componentes autônomosde análise e crítica –, e as div ersas configurações políticas, sociais ou econômicas apr e-sentam um conteúdo espacial inerente, que não pode existir sem uma espacialidade pró-pria. A abordagem da economia geopolítica aqui buscada se r efere justamente a esta ten-tativa de se incorporar o espaço no cerne da economia política (e da teoria crítica, deforma mais ampla).

A FORMA SOCIOESPACIAL DA CIDADE-REGIÃO

Algumas abordagens acerca da cidade-região (como a de P arr, 2005) tratam-na co-mo o pólo metropolitano somado de toda sua ár ea de influência; nesse caso, o territóriode um determinado país seria completamente coberto por cidades-região. Procura-se aquiuma definição distinta, voltada para o entendimento dos processos socioespaciais contem-porâneos de extensão do tecido metr opolitano por espaços r egionais mais amplos que ametrópole propriamente dita, mas que passam a se integrar num nex o comum do pontode vista da organização da produção industrial. A cidade-região aqui tratada se aproximadaquela trabalhada por Lencioni (2000, 2003, 2004), cujos estudos acer ca dos processosde reestruturação produtiva e r econfiguração territorial em torno da ár ea metropolitanade São P aulo tratada em escala r egional são r eferência fundamental nas interpr etaçõesbuscadas neste texto – assim como a abor dagem de Randolph (2005) e Randolph et al(2007) acerca da região do entorno da ár ea metropolitana do Rio de J aneiro. Ressalta-seque não se trata aqui de ofer ecer um panorama das tendências r ecentes de urbanizaçãodos entornos metr opolitanos no B rasil, mas de pr opor interpretações deste pr ocesso deurbanização da escala r egional a par tir da teoria urbana e da economia política da urba-nização. Estas tendências se manifestam de forma mais expr essiva na área do entorno daRegião Metropolitana de São Paulo, que abrange a Região Metropolitana da Baixada San-tista, a Região Metropolitana de Campinas, assim como as cidades de Sorocaba e São Josédos Campos, que passam por um pr ocesso de integração ao pr ocesso de metropolizaçãonesta escala regional mais ampliada, nucleada pela cidade de São P aulo. Outros casos in-cipientes, com sinais de formação desta ár ea macro-metropolitana se manifestam no Riode Janeiro, em Belo Horizonte e em Curitiba; e alguns se manifestam em eixos que se tor-nam urbanizados, como G oiânia-Brasília, F lorianópolis-Joinville-Blumenau, M aringá-Londrina, Porto Alegre-Caxias do Sul, dentre outros.

Vale ressaltar de antemão que a ideia de cidade-região aqui proposta se diferencia dasimples metrópole estendida por uma diversidade de fatores. Em primeiro lugar, ressalta-se que a cidade-r egião atinge centralidades que escapam à chamada involução metropoli-tana (Santos, 1993) e às deseconomias de aglomeração, saltando sobr e o tecido urbanoespoliado que faz parte da metrópole e atingindo novos espaços, mais eficientes para a ati-vidade industrial, onde o aspecto disfuncional da metrópole se faz, todavia, pouco pr e-sente. Ou seja, trata-se de um pr ocesso contemporâneo de pr odução do espaço urbanoem que a metrópole for dista, produto da própria entrada da indústria de la rga escala nacidade, passa, nas margens, a se apresentar como um custo e um empecilho para determi-

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nados setores. Porém, estes permanecem dependentes do núcleo metropolitano, e passama se situar nos seus arredores, justamente nestes novos espaços industriais em cr escimen-to nas áreas peri-metropolitanas.

Propomos que a cidade-região começa a ganhar forma a partir do momento em queo processo de urbanização dos entornos metropolitanos começa a se intensificar e a ter su-as lógicas integradas ao tecido metropolitano, através de um aumento também dos fluxosdo núcleo metropolitano para seu entorno e vice-v ersa. Monte-Mór (1994, 2004) intro-duz o conceito de urbanização extensiva como um processo de transformação socioespa-cial, em que os flux os e as lógicas de pr odução e reprodução de espacialidades diversas edistantes das grandes cidades se espelham cada vez mais nos processos urbanos que se ve-rificam em pontos isolados do território . A urbanização extensiva carrega em seu bojo asCondições Gerais de Produção (Lojkine, 1981) e o Meio Técnico-Científico-Informacio-nal (Santos, 1988) para determinadas porções do território interligadas por eix os viários(e mais recentemente, pelas tecnologias avançadas e praticamente onipresentes de teleco-municações) estr uturadores deste pr ocesso. Estes dois aspectos fornecem a base para oaprofundamento da divisão territorial do trabalho, provendo uma relativa ubiquidade dascondições necessárias para a especialização pr odutiva de determinada localidade. D estemodo, do ponto de vista econômico-espacial, trata-se de um processo que possibilita umapenetração da dinâmica de mer cado ao longo do território, que também é influenciadadiretamente pela ação do Estado . D efinindo mais pr ecisamente o conceito, segundoMonte-Mór, a urbanização extensiva

se refere à extensão das r elações sócio-espaciais contemporâneas – formas e pr ocessos urba-no-industriais – anteriormente r estritas às metrópoles e cidades médias a escalas r egionais,nacionais e globais. É a textura sócio-espacial da unidade dialética entr e centros urbanos e otecido urbano que estende formas e processos urbanos – incluindo a práxis urbana – ao cam-po e ao espaço social como um todo . (Monte-Mór, 2004, p. 13)

(...) esta urbanização que se estende para além das cidades em r edes que penetram vir tual-mente todos os espaços r egionais, integrando-os em malhas mundiais, r epresenta, assim, aforma sócio-espacial dominante que marca a sociedade capitalista de Estado contemporâneaem suas diversas manifestações, desde o centro dinâmico do sistema capitalista, até – e cadavez mais – as diversas periferias que se articulam dialeticamente em direção aos centros e sub-centros e subsubcentros... (Monte-Mór, 1994, p. 171)

Ressalta-se que a indústria pós-fordista encontra localidades privilegiadas na cidade-região pelos seguintes motiv os: escapa-se dos div ersos elementos de rigidez constituídosno meio metropolitano através do próprio processo fordista; escapa-se do custo de locali-zação mais elevado na metrópole; são localidades de menor atuação dos sindicatos, histo-ricamente situados nas ár eas industriais adensadas; a pr oximidade relativa da metrópole(aumentada pelos pr ocessos ligados à compr essão espaço-temporal) agiliza o acesso aosserviços especializados necessários; dentre outros fatores.

Cabe advertir que não se pr opõe aqui um r etorno à concepção de Castells (1983),de que a cidade seria o lócus privilegiado do consumo (coletivo), enquanto a produção seefetiva na escala regional, sendo os embates em torno da questão urbana pautados essen-cialmente pelo consumo coletivo. As atividades de comando e contr ole permanecem emgrande medida concentradas nos principais núcleos, e os ser viços também se inserem na

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esfera da produção (e da realização de valor), e encontram-se altamente interligados comas atividades industriais. Deste modo, não há uma separação nítida no espaço entr e pro-dução e reprodução tal qual proposto por Castells. Estas duas esferas, por serem comple-mentares, se mesclam e se espalham na escala r egional, urbanizando-a.

NOVOS PROCESSOS DE METROPOLIZAÇÃO

Soja propõe que o período histórico atual seria o início de uma nova fase na históriada cidade, “um período definido pela emergência de mais uma variação do urbanismo co-mo modo de vida, o que chamo de pós-metrópole ” (Soja, 2000, p . 46). O pr efixo pós éenfatizado com o intuito de reunir no leque da pós-metrópole as abordagens pós-estrutu-ralistas, pós-fordistas e pós-keynesianas e suas implicações espaciais. P orém, vale ressaltarque o autor também chama atenção para cer tas continuidades, afirmando que “dentre ospós que podem ser aplicados à metrópole contemporânea, os menos aplicáv eis são o pós-urbano, o pós-industrial e o pós-capitalista.” (S oja, 2000, p. 147). Destaca-se a aversão àideia de “pós-industrial”, evidenciando um ponto de vista segundo o qual a indústria per-manece, apesar de inúmeras transformações, uma entidade central na acumulação capita-lista e na pr odução do espaço – assim, faz pouco sentido afirmar que a generalização doprocesso de terciarização, por exemplo, seria sinal de uma urbanização pós-industrial.

Soja divide os processos socioespaciais que dão forma à pós-metrópole em seis “ dis-cursos”, que são: a metrópole industrial pós-for dista; a cosmopolis e a globalização do es-paço da cidade; a exopolis e a reestruturação da forma urbana (que lida com o surgimen-to de novas configurações urbanas, como os parcelamentos horizontais cercados); a cidadefractal (e o “mosaico social reestruturado”, enquanto procura abordar a questão do mul-ticulturalismo nas grandes metrópoles eur opeias e norte-americanas atuais); o arquipéla-go carcerário; e as simcities, simulacros de cidades.

Uma discussão bastante importante na construção do argumento de Soja, e ligada atodos estes discursos em torno da pós-metrópole, é a ideia da metrópole for dista-keyne-siana em crise. Esta crise urbana dos anos 1960 nos países de centr o representa o iníciode um amplo processo de reestruturação gerado pela crise, que, de acordo com o argumen-to colocado por Soja, engendraria uma crise gerada pela reestruturação, dando início a umperíodo na história do capitalismo de instabilidade e incer teza inerentes, reafirmadas pe-lo neoliberalismo, que, em grande medida, pautaria a agenda do setor público em suas di-versas escalas a partir de então. Muito rapidamente todo um esforço de pesquisa em tor-no da questão urbana que dera origem a um largo ar cabouço teórico acerca da produçãocapitalista daquela metrópole industrial for dista teria posto em x eque seu alcance por este processo reestruturante – e a escola da chamada “economia política da urbanização”,em auge de produção teórica no fim dos anos 1960 e início dos 70, seria posteriormentecolocada em questão por seus próprios pr otagonistas ( Topalov, 1988). B asicamente, aatuação do Estado enquanto provedor dos meios de consumo coletivo na esfera da repro-dução (Castells, 1983), somada à presença estável (e empregadora de grandes contingen-tes de mão-de-obra) da indústria for dista no meio metropolitano na esfera da pr odução,são aspectos que seriam alterados por uma série de processos de mudanças internas às in-dústrias e também na sua organização externa (nas r elações inter-firmas). As implicaçõespara o planejamento e para a organização do espaço seriam visíveis nas décadas seguintes,e o esforço de teorização acer ca desta no va metrópole está ainda em curso . Soja dá um

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peso bastante expressivo para esta transformação mais recente, chegando a propor que es-te processo seria uma “quarta revolução urbana”, a rodada mais recente de sua geo-histó-ria do espaço-cidade, marcada, do ponto vista econômico, pela emergência de formas fle-xíveis de organização das cadeias pr odutivas. D este modo, a metrópole teria sido umproduto da industrialização fordista aliada a uma atuação do Estado pautada pelo keyne-sianismo (no nível urbano, através do pr ovimento dos meios de consumo coletiv o), en-quanto esta nova forma urbana pós-metr opolitana é marcada pela indústria pós-for distae o Estado neoliberal.

No que diz respeito à formação da cidade-região a partir da extensão regional do te-cido urbano e sua relação com a pós-metrópole, Soja afirma:

O conceito de sinoikismo é implicitamente regional em seu escopo. Ele se aplica não somen-te a um centro urbano singular de alta densidade, mas mais enfaticamente a um sistema r e-gional e policêntrico mais amplo de assentamentos nodais que interagem uns com os outros,uma cidade-região. Esta regionalidade amplia a escala do espaço-cidade desde o princípio, eaponta para a necessidade de se enx ergar até as primeiras cidades como aglomerações r egio-nais. Ter em mente a regionalidade do espaço-cidade não é fácil, pois tendemos a enxergar acidade como uma área formalmente delimitada, distinta da “não-cidade” circundante ou dahinterland “sub-urbana” ou “rural”. (Soja, 2000, p. 16)

É mais difícil que nunca r epresentar a cidade como uma unidade social, política, econômi-ca e geográfica enraizada em seus entornos imediatos e hinterlands. As fronteiras da cidadeestão se tornando mais por osas, confundindo nossa habilidade de traçar linhas separando oque está dentro do que está fora da cidade; entr e a cidade e o campo, o subúrbio, a não-ci -dade; entre uma cidade-região metropolitana e a outra; entr e o natural e o ar tificial. (Soja,2000, p.150)

Deste modo, o espaço-cidade sempre incluirá em sua regionalidade espaços aparen-temente não-urbanos, mas que são urbanizados, incluindo ár eas não habitadas que são“profundamente afetadas pelo urbanismo como um modo de vida e pelo sinoikismo ine-rente à convivência em espaços r epartidos” (Soja, 2000, p . 16). A cidade-r egião, atravésda expansão do tecido urbano-industrial mais adensado de seu núcleo para o entorno des-te, através de eix os, tornaria tal hierar quia de centr os anteriormente separados numa sóunidade urbana, e nas palavras de Soja, um só espaço-cidade. Embora todos os fenômenosindicados por Soja como processos de transformação que dão origem à pós-metrópole te-nham uma relação estreita com os processos de formação da cidade-região, alguns dos seisdiscursos acerca da pós-metrópole citados acima se relacionam de forma mais direta à ex-tensão territorial do tecido urbano metropolitano ao longo de sua região. São eles: a me-trópole industrial pós-fordista e a ideia de exopolis, tema da próxima seção.

A EXOPOLIS E A FRAGMENTAÇÃOSOCIOESPACIAL DA ÁREA PERI-METROPOLITANA

O fenômeno urbano que Soja chama de exopolis se refere ao surgimento de uma sé-rie de manifestações inéditas no ambiente constr uído e na forma urbana, geralmente iso-lados da malha urbana bem delimitada e situando-se em z onas anteriormente rurais, que

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constituem uma expressão do que pode ser definido como o urbano substantivo, que nãochega a configurar uma cidade propriamente dita. Não somente pelo fato de ser um fenô-meno anteriormente pouco presente e que vem se generalizando, trata-se de uma boa ex-pressão da natureza deste processo de urbanização, e da pr odução do espaço urbano, paraalém das cidades propriamente ditas e, de forma mais geral, da pr odução do espaço atual.No contexto norte-americano estudado por Soja, o fenômeno suburbano (referente à me-trópole fordista-keynesiana) tem características muito diferentes do que se verifica em ou-tros países, porém, no que diz r espeito a suas transformações recentes, eles se aproximam.

A ideia de subúrbio no contexto da metrópole brasileira em perspectiv a históricatem uma conotação radicalmente difer ente do subúrbio nor te-americano que inspiragrande parte do ar cabouço no qual nos baseamos. É impor tante, portanto, apontar taisdiferenças para melhor r evelar a natureza deste fenômeno de urbanização para além dascidades, especificamente no que diz respeito à formação dos subúrbios – tanto na forma-ção da metrópole ao longo das últimas décadas, como na configuração atual da cidade-região – no contexto dos países semi-periféricos. Os subúrbios brasileiros são tradicional-mente marcados pelo grande contingente de populações excluídas, de baixa renda, o quecontribui para constituir um quadr o de sub-urbanização no sentido da ausência de ele-mentos próprios da centralidade urbana e de suas amenidades – chegando a situaçõesmais urgentes de falta de infraestr utura urbana mais básica. Deste modo, anteriormente,o subúrbio enquanto utopia burguesa (Fishman, 1996), como o caso da sub-urbanizaçãonorte-americana do pós-guerra, era r ealidade bastante distante da metr opolização brasi-leira. Vale destacar que o subúrbio r esidencial de classe média nor te-americano foi, emgrande medida, um produto da ação do Estado na produção da metrópole fordista-keye-nesiana – que tinha um compromisso claro com a construção de espaços voltados para oautomóvel, o que acabava por gerar um alto grau de dependência em r elação a ele –, emgrande medida pelo fato de ser aquele o pr oduto da indústria motriz1 da economia ame-ricana do século XX. Portanto, falar da exopolis no nosso contexto exige um cuidado amais, no sentido de que a saída dos grupos privilegiados das adjacências das centralidadesintraurbanas em dir eção aos entornos das cidades é um fenômeno que só se generalizamais recentemente, constituindo um passo adiante da dir eção de uma segr egação (e ex-clusão) socioespacial mais acentuada. Deste modo, a referência do subúrbio residencial docontexto norte-americano nos pode ser vir para compreender este padrão de urbanizaçãomais recente, para esclarecer o que a v ersão brasileira tem de semelhante – seja na nega-ção da cidade moderna e de seu espaço de v alor de uso democrático, público, aber to aapropriações outras e ao encontro com a alteridade; seja na configuração de espaços mu-rados de vigilância constante.

Segundo Fishman (1996), o subúrbio como zona residencial da classe média tem su-as origens na Inglaterra do final do século XIX,2 a partir da construção social de um idealfamiliar burguês:

[a] família nuclear domesticada e fechada (...), v oltada para dentro de si mesma e unida porlaços fortes e exclusivos (...), que procurava se separar das intrusões do local de trabalho e dacidade. Este novo tipo de família criou a força emocional que separ ou o trabalho de classemédia de sua residência. (Fishman, 1996, p. 28)

Os problemas da metrópole passam a ser vistos como fatores exógenos e, a partir dis-so, cria-se uma relação negativa com a cidade – que gera uma pretensão de autonomia em

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1 Conceito proposto por Fran -çois Perroux, em sua teoria dospólos, para descrever um setorindustrial específico, que se si -tua num pólo industrial em tornodo qual se estabelece uma sériede r elações de complementari -dade na formação de uma ca -deia pr odutiva, que constitui alocomotiva desta.

2 Não coincidentemente, o perí-odo de intensificação e generali-zação do processo de industria-lização em zonas próximas aoscentros das grandes cidades in -glesas (o que envolvia uma sériede elementos nocivos ao bem-estar das classes mais abasta -das nas cidades, como a polui -ção, a pr esença de grandescontingentes de trabalhador esbraçais e de um exér cito indus-trial de reserva disponível para aindústria nascente).

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relação a ela –, o que se torna um obstáculo a ser v encido. No âmbito do simples com-partilhamento de espacialidades por parte de grupos distintos, pode-se afirmar que se tra-ta de uma fragmentação e exclusão socioespacial de tal ordem, que as classes mais abasta-das passam progressivamente a constituir espacialidades próprias no âmbito do ambienteconstruído, e a aos poucos deixa de ocorr er a convivência com camadas de menor r endano espaço urbano e em suas porções publicamente apr opriadas.

Outra abor dagem acer ca da “ fragmentação do tecido sócio-político espacial ” – àqual os fenômenos de “escapismo das elites urbanas, definhamento da civilidade e erosãoda cidadania” ligados à “auto-segregação” dessas elites (nos termos do próprio autor, liga-dos à discussão acerca da exopolis aqui realizada) –, é formulada por Souza (2000). O au-tor demonstra uma fragmentação generalizada no tecido socioespacial metropolitano nosgrandes centros brasileiros, marcada pela minimização do espaço público – que se torna,no contexto atual o “ espaço neutro”, potencial palco aber to de conflitos – e pela forma-ção de enclaves de diversos tipos. Por um lado, nas favelas (“enclaves territoriais [do] trá-fico de drogas de varejo”), passando pelos shopping centers, até chegar nos condomínios re-sidenciais cer cados. A territorialização das fav elas pelo tráfico de dr ogas constitui umaspecto fundamental para a realização daquelas atividades, que dependem deste caráter deenclave armado e territorializado dos espaços urbanos onde constituem suas bases de ope-rações. Na outra ponta deste espectr o da fragmentação socioespacial estão os espaços de“auto-segregação residencial” das elites urbanas. Em meados da primeira década do sécu-lo XXI, não se trata mais de fenômeno pontual: se alastra por um númer o expressivo deáreas metr opolitanas brasileiras, e passando a faz er par te do tecido peri-metr opolitanoaqui abordado enquanto espaço contemporaneamente produzido.

Caldeira (1996), ao analisar o caso paulistano (em comparação com o que vem ocor-rendo na cidade de Los Angeles), trata dessa “ nova segregação urbana” como a generali-zação de “enclaves fortificados [que] geram cidades fragmentadas em que é difícil manteros princípios básicos de livr e circulação e abertura dos espaços públicos que ser viram defundamento para a estr uturação das cidades modernas” (Caldeira, 1997, p . 1). A autoraargumenta que alguns pr ocessos de transformação das metrópoles estiv eram por trás dosurgimento dos enclaves fortificados, dentre os quais, se destacam: a crise econômica queassola o país desde o início dos anos 1980 (por trás do aumento expressivo do desempre-go e da pobreza urbanos); o impacto da r estruturação produtiva na cidade de São P aulo(crescimento do setor terciário altamente especializado que gera um processo de gentrifi-cação, resultando numa reordenação do espaço intra-urbano daquela cidade); e o pr oces-so que se relaciona mais diretamente ao surgimento dos enclaves fortificados, “porque for-nece a r etórica que o justifica: o cr escimento do crime violento e do medo ”, sendo que“um dos elementos mais grav es no aumento da violência em São P aulo é a violência po -licial” (Caldeira, 1997, pp. 3-4). Por último, esta auto-segregação se torna, através da pro-dução social destes espaços, um símbolo de status e de distinção entre determinados gru-pos das classes mais altas (nos termos de Pierre Bourdieu), o que pode ser evidenciado nosanúncios – que “não só revelam um novo código de distinção social, mas também tratamexplicitamente a separação, o isolamento e a segurança como questões de status. Em ou-tras palavras, eles repetidamente expressam a segregação social como um valor” (Caldeira,1997, p. 4). Assim, a exopolis se relaciona a dois elementos for temente presentes na pro-dução do espaço da cidade neoliberal: a busca pela segurança e o status. O medo por trásdeste ato de consumir (lugares que representam) a sensação de segurança envolve não so-mente esta atitude defensiv a em r elação ao outr o, mas se inser e mais amplamente num

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contexto marcante no espaço socialmente produzido com o neoliberalismo – onde o fra-casso (como o desemprego) tem suas causas individualizadas, e a distinção se torna umaforma de afirmação de segurança plena.

Soja afirma que o termo exopolis é uma tentativa de síntese dos vários discursos acer-ca da restruturação da forma urbana, com alguns significados distintos. E m primeiro lu-gar, o prefixo exo- – indicando o crescimento do urbano fora das cidades, mas que “tam-bém pode ser visto com uma denotação de ‘ fim de’, como uma ex-cidade, o surgimentode cidades sem os traços tradicionais das cidades como os definimos no passado . Portan-to, há uma série de implicações do espaço-cidade, do urbanismo e da polis-civitas signifi-cativamente reconstituídos” (Soja, 2000, p. 250). Tal discussão nos remete à ideia de fimda cidade como consequência do próprio processo de metropolização, que teria desman-telado de forma definitiva todo um nexo próprio da cidade, fazendo com que determina-das lógicas de reprodução próprias de escalas espaciais mais r estritas (como o bairro) fos-sem destituídas em detrimento de uma lógica de r eprodução do capital iner ente aoprocesso de metropolização. A cidade, neste ponto de vista, se tornaria um custo a ser ven-cido pela necessidade de se acelerar os ciclos de r ealização do capital; e o planejamento,um instrumento essencial para r ealizar, por exemplo, tal aplainamento da cidade atravésde grandes obras viárias. (Alfredo, 2005)

A CIDADE INDUSTRIAL PÓS-FORDISTANA CIDADE-REGIÃO

Outro elemento importante na formação da cidade-r egião é a pr odução contempo-rânea do espaço da indústria, mar cada pela flexibilidade dos pr ocessos produtivos e poruma necessidade acentuada de acesso facilitado e ágil à infraestrutura de conexão com o es-paço industrial da globalização. A extensão das condições gerais de produção aos entornosmetropolitanos cria possibilidades de localização mais atrativas para a indústria em seus pa-drões atuais – menos dependente de grandes contingentes de mão-de-obra –, que passa apoder aproveitar estas disponibilidades de infraestr utura e a se livrar tanto dos fator es derigidez mais fortemente concentrados nas metrópoles (como é o caso da atuação sindical)quanto das próprias deseconomias de aglomeração – cuja solução custosa (embora sempresocializada por toda a cidade) recairia em parte sobre a própria indústria ali localizada. Doisimportantes fatores de atração do inv estimento industrial pós-fordista neste ambiente r e-gional em escala mais ampla são: a proximidade e a disponibilidade de formas de conexãoao mercado externo (portos, aeroportos industriais, portos secos etc.); e a existência de am-bientes de formação de mão-de-obra especializada em tecnologias av ançadas e de pr odu-ção de pesquisa científica que criem externalidades positiv as para a própria indústria.

Storper (1997) enfatiza o papel central das externalidades positivas para as economi-as regionais, que transbordam conhecimento acerca de técnicas, métodos produtivos, or-ganizacionais etc. das firmas umas para as outras. O autor pr ocura enfatizar as r elaçõespessoais informais e tácitas, frequentemente inseridas nas relações inter-firmas – dizendoque elas são específicas de cada região, e entendendo as “regiões como relações e conven-ções”. Storper se baseia também na contribuição das teorias de path-dependency (“depen-dência da trajetória”) para a compr eensão da dinâmica de desenv olvimento socioeconô-mico-espacial das r egiões. Muito basicamente, este corpo teórico pr ocura considerar opercurso histórico de determinado contexto regional de forma distinta da economia neo-

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clássica, que se baseia nos atributos e r ecursos exploráveis disponíveis por trás das v anta-gens comparativas. Ele, reafirma a importância de certos eventos aleatórios ocorridos nopassado que influenciam diretamente o que viria a ocorrer em momentos posteriores na-quela região. Deste modo, o determinado contexto r egional atual dev e ser entendido apartir da apreciação das especificidades do percurso sócio-histórico, enfatizando seus pon-tos de inflexão que imprimem marcas na configuração espacial presente. Ou seja, cada re-gião teria sua especificidade que lhe é única e exclusiva, justamente devido ao fato de queeste percurso histórico, com seus pontos de inflexão específicos, é par ticular e exclusivo acada uma delas. Assim, cada r egião teria seu “ sistema regional específico”, construído apartir da “ dependência da trajetória ” e que constitui “ mundos regionais de pr odução”,com suas relações e convenções (tácitas) que lhe são únicas e apropriadas, e principalmen-te, com suas “inter dependências não-comercializáveis”,3 que se tornam ativ os importan-tes para a esfera produtiva. Para Stoper, o ressurgimento e o re-fortalecimento das econo-mias regionais ocorrem justamente neste contexto de maior impor tância das economiasexternas – devido ao aumento da incerteza, do risco e da instabilidade por trás da exigên-cia de flexibilização –, onde estas diversas relações tácitas e externas às firmas, que passama ter um papel central e decisivo, se tornam ativos específicos das regiões, dificilmente co-dificáveis e transferíveis para outros contextos regionais.

Estes deveriam ser, no ponto de vista proposto por Storper, os temas a serem pesqui-sados pela G eografia Econômica interessada no desenv olvimento regional contemporâ-neo. A “mecânica do desenvolvimento econômico” deve, deste modo, conceber

a economia como relações, os processos econômicos como conv ersações e coordenações, os sujeitosdos processos não como fatores mas como atores humanos reflexivos, tanto individuais quan-to coletivos, e a natur eza da acumulação econômica não como ativ os materiais, mas comoativos relacionais. (Storper, 1997, p. 28. Grifo do original)

A região concebida nestes termos por aquele autor não é simplesmente a escala in -termediária entre o local e o nacional, mas justamente a r egião aqui tratada, qual seja,aquela cujo nó localizado em seu centro é uma área metropolitana de alto contingente po-pulacional, economicamente densa e diversificada (em termos setoriais), e que compor taem seu entorno uma série de centralidades de menor por te que estão env olvidas em suadinâmica de metropolização: a cidade-região. A razão para esta primazia da cidade-regiãosobre outras regiões econômicas é o fato de que a densidade e a heterogeneidade causadaspelo meio urbano de maior tamanho são os fator es que pr oporcionam as característicasreflexivas por trás das convenções e relações que constituem fatores específicos das regiõese que se tornam importantes para a esfera produtiva.4

Convenções e relações sempre foram elementos centrais na distinção das economias de cida-des grandes e médias. Porém, de diversas formas, sua impor tância está crescendo devido aoenorme salto na r eflexividade econômica à qual nos r eferimos (...). Dimensões importantes edistintas desta reflexividade, tanto na produção quanto no consumo, na manufatura e nos servi-ços, ocorrem nas cidades; elas são dependentes das r elações concretas entre pessoas e organizaçõesque se formam nas cidades; e elas são coor denadas por convenções que têm dimensões especifica-mente urbanas e, ademais, são fr equentemente diferentes de uma cidade par a outra. Especifica-mente, as cidades são locais privilegiados para as par tes das atividades manufatur eiras e deserviços onde a reflexividade é posta em prática. (Storper, 1997, p. 222. Grifo do original)

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3 As próprias redes de relaçõese convenções constituídas aolongo do tempo, assim como asexternalidades positivas advin-das da proximidade de fornece-dores, clientes, pesquisador es,financiadores, etc.

4 Storper caracteriza essa r e-de de relações e convenções in-formais externas às firmas co -mo o buzz (ou o “burburinho”)da cidade.

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Storper afirma então que a distinção entr e atividades voltadas à base de expor taçãoe atividades de serviços locais é útil neste esforço teórico, no sentido de que as atividadesespecializadas que constituem o núcleo da base exportadora são aquelas mais ligadas à or-ganização social da reflexividade econômica. Ou seja, as atividades nas quais a cidade-r e-gião é especializada e exporta para mercados cada vez mais amplos e longínquos são exa-tamente aquelas mais sujeitas a estas r elações e conv enções tácitas, pouco codificáv eis ediretamente dependentes da proximidade.

A organização da reflexividade é primordialmente, embora não exclusivamente, urbana. Es-te é o caso por que a r eflexividade envolve relações complexas e incer tas entre organizações,entre partes de organizações complexas, entre indivíduos, e entre indivíduos e organizações,em que a proximidade é importante devido à incerteza e à complexidade substantivas de taisrelações. Estas duas características de relacionamentos freqüentemente requerem que elas se-jam imersas ou em r elações diretas e concretas entre indivíduos ou que elas sejam lev adas acabo de acordo com rotinas ou convenções construídas localmente que permitem que os ato-res envolvidos nestas r elações complexas pr ogridam sob condições de grande incer teza oucomplexidade substantiva. Em outras palavras, o tecido transacional dessas atividades urba -nas é de natureza relacional/convencional, e é urbano porque certas convenções e relações sófuncionam em contextos de proximidade. (Storper, 1997, p. 245)

As atividades por trás da base expor tadora das cidades-r egião se constituem, destemodo, como “ esferas sobr epostas de ação econômica r eflexiva”, que incluem no bojodestas atividades as “ estruturas relacionais e conv encionais de coor denação e coerência” (Storper, 1997, p. 245). A pesquisa empírica, deste modo, poderia se concentrar na iden-tificação destas esferas de ação econômica r eflexiva diretamente ligadas às atividades dabase exportadora da cidade-região, e de que forma elas são coordenadas por convenções erelacionamentos. Os meios pelos quais a região circundante aos grandes centros urbanosse insere nesta complexa teia de conv enções, relacionamentos e externalidades positiv astornam-se objetos de pesquisa importantes acerca da formação da cidade-região.

Para Storper, ocorre na cidade-região um aumento da produtividade e da performancedas firmas devido ao fato de que a concentração intensifica a criatividade, o apr endizadoe a inovação – através do fluxo de ideias e de conhecimento que perpassa as ligações inter-firmas nas r edes industriais, seja de fornecimento e compras, seja de inter dependênciaatravés da ino vação –, e possibilita também a flexibilização tão almejada no contextoatual. Ademais, a ligação destas cidades-r egião com os mer cados mundiais, que se for ta-lece cada v ez mais com a globalização, constitui um incentiv o a mais para a localizaçãodos mais diversos setores no seu bojo.

A partir do ponto de vista da economia política da urbanização, deve-se ressaltar queesta literatura acerca da geografia da industrialização flexível deixa de reconhecer a vincu-lação desta com a crise metropolitana. Na metrópole da semi-periferia do capitalismo, es-te é um aspecto que se torna visível na própria reconstituição da história da metropoliza-ção, em que a industrialização for dista tev e um papel central no pontapé inicial datransformação da cidade em metrópole. A incompletude dos pr ocessos socioespaciais semanifesta claramente no momento em que a constr ução anterior se interrompe precoce-mente. Criam-se, no período atual, situações de desvinculação – o que é altamente lucra-tivo para a industrialização enxuta – entr e as condições gerais de pr odução diretamentevoltadas para a acumulação e as estr uturas urbanas mais ampliadas das quais dependem

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diretamente grandes contingentes populacionais metr opolitanos, resultando numa frag-mentação socioespacial ex cludente que também se torna pr esente na escala r egional. Asnovas condições gerais de produção – voltadas para a facilitação da acessibilidade verticalà escala global e à criação de externalidades positiv as (através da pesquisa científica apli-cada ao progresso tecnológico) a serem apropriadas pela indústria de alto coeficiente tec-nológico e transformadas num aumento das exportações nos setores não-tradicionais – setornam, neste contexto da crise metropolitana, uma forma de atuação central no planeja-mento regional neoliberal, voltado, sobretudo, para a atração de investimentos. Assiste-sea uma nova rodada do que ocorre no contexto da metrópole for dista, onde as condiçõesgerais de produção voltadas mais diretamente ao crescimento industrial eram tidas comoprioridades do planejamento em detrimento da infraestr utura urbana de modo geral –que viriam em primeir o lugar numa prática de planejamento urbano e r egional pautadapela definição democrática de prioridades.

UMA PROPOSTA DE MORFOLOGIA PARA A CIDADE-REGIÃO

Da mesma forma que a cidade era uma formação r esultante de um pr ocesso socio-espacial específico de um período histórico, transformada em metrópole por outr o pro-cesso de transformação mais recente e ligado ao fenômeno da industrialização e sua liga -ção à urbanização, a formação da cidade-r egião é r esultado de uma série de pr ocessossocioespaciais contemporâneos. Propor uma forma para a cidade-região, quando se discu-te no cerne do argumento que esta é, antes de tudo, um processo (ou a síntese de uma sé-rie de processos), pode parecer complicado e de v alidade discutível. Porém, uma simpli-ficação destes processos socioespaciais complexos e sua apresentação em conjunto visandocaracterizar a forma do todo aqui entendido como a cidade-região pode ser uma maneirade facilitar a visualização e, portanto, a compreensão desta unidade de análise que se pro-põe aqui. Deste modo, a par tir do tratamento conceitual inicial aqui esboçado, pr opõe-se na Figura 1 um esquema ilustrativo dos elementos e das tipologias de pr ocessos socio-espaciais que compõem a cidade-r egião. Como em todo modelo desta natur eza, corre-seo risco de se exagerar nas simplificações – cuja implicação é que, posteriormente, a análi-se do esquema simplificado passe a ditar e a influenciar todo o esforço de análise dos pro-cessos ali contidos. Ademais, a ideia da produção social do espaço urbano deve ser levadaem consideração; e muito além das r elações de polarização e definição de hinterlands, aformação da cidade-região envolve a produção social de seu espaço . Adianta-se aqui queo processo de extensão da urbanização que constitui elemento central na produção do es-paço da cidade-região carrega em seu bojo a produção de um espaço social que lhe é pró-prio. A perspectiv a lefebvriana da produção do espaço torna necessário o entendimentoda cidade-região enquanto processo não somente econômico, mas social, cultural e polí -tico – ponto de vista que permite também capturar a interação dialética entr e tais esferasa partir de sua r elação espacial. Limonad (2005), ao analisar a extensão da urbanizaçãocomo uma generalização do suburbano, situa sua argumentação justamente neste ponto,o qual tem sua importância aqui enfatizada para o entendimento dos processos de forma-ção da cidade-região, que se situa entr e os processos socioeconômicos – mais especifica-mente ligados à restruturação produtiva e seu impacto na organização do espaço urbanoe regional – e a esfera da cultura, afirmando que:

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As novas condições gerais de produção e as tendências de distribuição espacial da populaçãoe das atividades produtivas contribuem para que a urbanização hoje se estenda além do as-sim chamado ambiente “construído” – a cidade. Esta extensão da urbanização, prescinde, emparte, da aglomeração, ao difundir-se como um modo de vida da população, definido a par-tir de sua condição de existência e sua inserção no processo produtivo, e não apenas em umavisão limitada de difusão de uma cultura urbana, conforme pr opunham os teóricos da esco-la de Chicago.A nova escala da urbanização pr oduz impactos sobre o território e o assim chamado espaço“natural” de forma distinta do período anterior . Antes, o que tínhamos era a expansão deuma malha contínua a se espraiar e estender a par tir do que conhecíamos enquanto cidade

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Figura 1 – A cidade-região: processos socioespaciais e elementos principais

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sobre o espaço “ natural”; hoje, esta disseminação se dá de forma difusa e segmentada, semque haja necessariamente uma continuidade e contigüidade física entr e os aglomerados, eemerge em diversos pontos e manchas. (Limonad, 2005, p . 5)

Outro aspecto importante dos processos gerais por trás da formação da cidade-regiãoé o que Harvey (1992) chama de compressão espaço-temporal, ou seja, uma diminuição dasdistâncias efetivas (e do tempo necessário para se vencer o atrito espacial), através dos in-cessantes avanços nas tecnologias de telecomunicações e transpor tes. A maior fluide z es-pacial r esultante permite que espacialidades anteriormente distantes se tornem efetiv a-mente mais próximas, traz endo para as r edondezas dos pr ocessos metr opolitanos aslocalidades que permaneciam de fora de seu alcance imediato . Vale acrescentar, de acor-do com as críticas pr opostas por Massey (1994) às formulações de H arvey a respeito dacompressão espaço-temporal, que este é um pr ocesso que altera o espaço de forma desi-gual, aproximando determinadas espacialidades umas das outras – aquelas mais intensa-mente conectadas através da infraestrutura de transportes e telecomunicações, cujos usuá-rios têm maior acesso a este espaço fluido – ao mesmo tempo em que isola outros lugares,que permanecem de fora desta r ede constituída ao longo do território e que, muitas v e-zes, eram mais ligados aos flux os nas estr uturas anteriores. Deste modo, a cidade-r egiãose torna necessariamente um espaço descontínuo – característica que, no espaço (semi-)periférico, tende a se manifestar de forma mais expr essiva –, refletindo esta assimetria dacompressão espaço-temporal. Insere-se, assim, um componente dinâmico na Figura 1 aci-ma, onde, num segundo momento, no qual as distâncias efetiv as seriam r epresentadas,determinadas localidades se apr oximariam do núcleo metr opolitano, enqu anto outraspermaneceriam onde estão ou se tornariam ainda mais distantes. C riam-se, assim, encla-ves de maior conexão ao espaço fluido, que conviv em lado a lado com outr os, de maiorisolamento (e exclusão).

A CIDADE-REGIÃO COMO UM NOVO ARRANJOESPACIAL

Para chegar à discussão das escalas, esta seção abor da o tema a par tir do ponto devista da economia política da urbanização, tratando do conceito de arranjo espacial(Harvey, 1990). Na abordagem marxiana de Harvey, há um ponto fundamental do ca-ráter contraditório do investimento capitalista no ambiente construído: por um lado, ocapital fixo aumenta a produtividade do trabalho, acelerando os ciclos de acumulação .Mas, por outro lado, ele constitui um v alor de uso fixo que, para o capital, nada maisé do que um valor de troca imobilizado/cristalizado, e com uma tendência a prover re-tornos decrescentes de seu inv estimento inicial. Assim, o surgimento de no vas formasmais produtivas e r entáveis de capital fix o faz com que o antigo se desv alorize aindamais rápido e dê menos retorno, passando, assim, a constituir um entrave, que tende aser substituído:

O desenvolvimento capitalista deve, portanto, negociar um caminho na cor da bamba entrea preservação de valores de troca de investimentos passados no ambiente construído e a des-truição do valor destes investimentos de modo a abrir as portas para novas rodadas de inves-timento e acumulação. Sob o capitalismo existe, portanto, uma eterna luta na qual o capital

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constrói um ambiente fixo imobilizado apropriado para sua própria condição num dado pe-ríodo histórico, justamente para pr ecisar destruí-lo, geralmente durante um período de cri-se, num ponto posterior no tempo. (Harvey, 1981, p. 113)

Segundo Harvey, esta seria, por tanto, a lógica da acumulação de capital por trás daformação do chamado palimpsesto urbano na cidade do capital . Este “ambiente fixo imo-bilizado” apropriado para as condições de acumulação em dado período histórico é o queo próprio Harvey, em Limits to Capital, chama de “arranjo espacial” (spatial fix5).

O conceito de arranjo espacial consiste basicamente numa configuração espacial doambiente construído, em termos de infraestrutura urbana, inclusive, que é apropriada pa-ra as necessidades da acumulação em dado período, e que, com o passar do tempo, se tor-na obsoleta e passa a constituir um entrav e (através das próprias deseconomias de aglo-meração), devendo ser reestruturada, reconfigurada e reconstruída para dar as bases maiseficientes para o novo contexto. Para Harvey, a geografia adequada às necessidades da acu-mulação em dado momento histórico se torna eventualmente obsoleta em relação às exi-gências posteriores:

A circulação de capital se torna cada vez mais prisioneira das infra-estruturas físicas e sociaisimóveis criadas para apoiar cer tas classes de pr odução, certas classes de pr ocessos de traba-lhos, arranjos distributivos, pautas de consumo etc. As quantidades cada v ez maiores de ca-pital fixo e os tempos de rotação cada vez mais longos na pr odução impedem que o capitalse mova sem inibições. Em poucas palavras, o cr escimento das forças produtivas atua comouma barreira à rápida r estruturação geográfica, exatamente da mesma forma que constituium obstáculo à dinâmica da acumulação futura ao impor o peso mor to dos inv estimentospassados. (Harvey, 1990, p. 431)

Há na dinâmica do capital uma tendência constante à mobilidade e à superação des-te arranjo espacial – que constitui um grande inv estimento coletivo em capital fix o delongo prazo de maturação, bastante rígido e difícil de ser superado e reconstruído, se tor-nando, deste modo, uma barreira – em permanente tensão com a necessidade fundamen-tal do próprio arranjo (um fator de imobilidade) para a acumulação: “ as estruturas espa-ciais fixas que se r equerem para salv ar o espaço se conv ertem elas mesmas nas barr eirasespaciais que devem ser superadas”, havendo uma

tensão fundamental entre a fixação e a mobilidade, tensão que originou os arranjos hierár -quicos no princípio. Depois de tudo, a estabilidade dos arranjos de coor denação é um atri-buto vital frente ao dinamismo perpétuo e incoerente. A tensão entre a fixação e a mobilida-de está destinada a romper-se em algum ponto. (Harvey, 1990, pp. 432-3)

DO ARRANJO ESPACIAL AO ARRANJO ESCALAR

Como vem sendo colocado ao longo destas elaborações, pr ocura-se demonstrar co-mo, através de inúmer os processos socioespaciais contemporâneos, a cidade-r egião vemganhando forma e tornando-se uma no va unidade de análise urbano-r egional, e um no-vo ente geográfico. Com uma cer ta coerência e unidade que lhe são próprias, ela v em setransformando num novo lócus das tensões, das contradições e dos conflitos em torno da

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5 Termo que envolve tambémuma conotação de conser to,do ato de se conser tar algoatravés da r eorganização doespaço.

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produção do espaço urbano . Desta maneira, v ale a r eferência a algumas consideraçõesacerca do problema das escalas socioespaciais, justamente pelo fato de que a emergênciadesta nova unidade socioespacial carrega em seu bojo a questão da dinâmica das escalas –como o grau de importância e o papel atribuído a certas escalas se alteram de acordo como contexto histórico.

Neil Brenner (1998) procura discutir a questão da dinâmica das escalas espaciais emperspectiva histórica, propondo que cada grande ciclo de acumulação capitalista de lon-ga duração envolve um “arranjo escalar” que lhe é apr opriado. A ideia de arranjo escalarproposta pelo autor parte do conceito de arranjo espacial segundo Harvey (discutido aci-ma), e das questões colocadas por Henri Lefebvre (1991; 1976), acerca da questão das es-calas, que “hoje se inser e na fundamentação da análise dos textos e na interpr etação doseventos” (Lefebvre, 1976, p . 67, apud Brenner, 1998, p . 1). As escalas espaciais/territo -riais (que constituem os loci privilegiados de processos socioespaciais econômicos, sociais,políticos, institucionais) são produtos históricos, socialmente construídos e politicamen-te contestados, e não categorias pr edeterminadas. Elas constituem o palco de conflitos econtradições, sendo que estes podem inclusiv e ter o poder e o alcance de gerar um pr o-cesso de redefinição das próprias escalas.

Também a partir de Harvey, Brenner afirma que há uma permanente tensão entre oarranjo e a fluidez na circulação capitalista – “entre a dependência necessária que o capi-tal tem do território ou do lugar e suas tendências aniquiladoras de espaço ” –, o que temimplicações profundas na “organização escalar mutante do capitalismo ” (Brenner, 1998,p. 3). Sintetizando, aquele autor procura demonstrar que:

quando crises de sobreacumulação ocorrem, cada uma das formas de territorialização do ca -pital é reestruturada, reterritorializada, e frequentemente re-escalonada. Portanto, a contra -dição entre o arranjo e a fluidez na circulação do capital se traduz numa tensão dialética sobo capitalismo entre a territorialização das relações sociais em configuração escalares relativa-mente estáveis e seu recorrente re-escalonamento através da tendência do capital à des-terri-torialização através da compressão espaço-temporal. (Brenner, 1998, p.3)

Assim, se por um lado o capital busca permanentemente a aceleração dos temposmínimos necessários à sua realização através da supressão de barreiras espaciais (nas pala-vras de Marx, “eliminando o espaço através do tempo”), por outro lado, isso “só pode serrealizado através da produção de configurações relativamente fixas e imóveis de organiza-ção territorial que permitem tal movimento acelerado” (Brenner, 1998, p.4), o que requernecessariamente uma reorganização do arranjo escalar, diminuindo o grau de impor tân-cia de determinadas escalas em detrimento de outras, em termos políticos, sociais, econô-micos e institucionais. Como colocado por Harvey (apud Brenner, 1998, p.4), “a organi-zação espacial é necessária para se superar o espaço ”.

Retornando à ideia de arranjo espacial por trás desta tensão entre o arranjo e o mo-vimento, Harvey afirma que as empresas multinacionais constituem um bom ex emplodesta tensão, à qual estão constantemente sujeitas em suas estratégias de localização,pois elas “têm uma perspectiva global, mas precisam se integrar às circunstâncias locaisem diversos lugares”, e isso significa “ algum grau de compr omisso e r esponsabilidadecom a localidade, junto com a capacidade para ex ercer maior poder local através deameaças diretas ou indir etas” (Harvey, 1990, p . 425). E m termos gerais, H arvey pro-põe que:

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As tensões entre o arranjo e o mo vimento na cir culação de capital, entr e a concentração e adispersão, entre o compromisso local e os interesses globais, põem imensas tensões sobre as ca-pacidades organizativas do capitalismo. Em conseqüência, a história do capitalismo se carac-terizou pela contínua exploração e modificação dos arranjos organizacionais que podem acal -mar e conter estas tensões. O r esultado foi a criação de estr uturas hierárquicas integradas deorganização que podem enlaçar o trabalho local e par ticular alcançando o trabalho abstratono cenário mundial. As crises se ar ticulam e as lutas de classes e de facções se desenv olvemdentro destas mesmas formas de organização, enquanto as próprias formas em questão reque-rem uma transformação dramática frente às crises de acumulação. (Harvey, 1990, p. 425)

Harvey (1981) tende a privilegiar a escala urbana e o ambiente construído como ter-reno a ser transformado por cada arranjo espacial em cada onda de r estruturação geradapela crise – a cidade mercantil, que é seguida pela cidade industrial, a metrópole fordista-keynesiana e a atual metrópole pós-for dista/keynesiana. Brenner acrescenta outros níveisescalares nesta análise, principalmente a partir das contribuições acerca do Estado moder-no e de sua construção necessária para a acumulação capitalista nascente, advindas de Le-febvre (1976). Brenner entende estas contribuições lefebvrianas como uma

geografia histórica do capitalismo que pr ecisa ser interpretada em termos da transformaçãoda produção de commodities individuais no espaço (“capitalismo concorrencial”) à produçãodo próprio espaço, uma “segunda natureza” socialmente produzida de infra-estruturas terri-toriais e organizacionais através da qual o capital é continuamente territorializado, des-territorializado e re-territorializado. (Brenner, 1998, p. 8)

Deste modo, tem-se aí uma interpr etação da noção lefeb vriana de produção do es-paço que inclui no seu âmbito a produção do arranjo escalar que é apropriada a cada mo-mento histórico do pr ocesso de acumulação, a par tir de reestruturações geradas por cri -ses, que env olvem necessariamente a organização das escalas. O próprio pr ocesso deredefinição das escalas privilegiadas (e das que se tornam obsoletas e jogadas ao segundoplano) faz parte de uma estratégia de r esolução de crises de paradigmas.

Brenner realiza então um breve retrospecto das mudanças no padrão do arranjo es-calar ocorridas ao longo da história moderna, privilegiando a mais r ecente, ligada à r es-truturação do regime de acumulação for dista-keynesiano e ao concomitante enfraqueci-mento da escala nacional paralelo ao fortalecimento das escalas local, regional e global: “acirculação de capital não pode mais ser adequadamente concebida em termos de ‘ econo-mias nacionais’ auto-centradas ou da imagem de uma economia mundial par celizada emespaços nacionais-territoriais distintos” (Brenner, 1998, p. 17). Deste modo, ocorre umacrescente atuação de instituições regionais e/ou locais na produção das pré-condições ter-ritoriais fundamentais à acumulação. Quanto à ideia amplamente difundida do enfraque-cimento do Estado, Brenner argumenta (bastante fundamentado nos escritos lefebvrianosacerca do Estado) que este

re-escalonamento das instituições estatais não assinala o declínio ou a er osão do Estado, masprecisamente uma estratégia geográfica de acumulação para promover e regular a restruturaçãonas regiões urbanas de maior impor tância. De fato, estratégias neoliberais r ecentes para pro-mover mercados desregulamentados e a mobilidade do capital, necessariamente pressupõem aconstrução de novos espaços locais e regionais de produção e regulação no qual o momento de

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arranjo geográfico do capital pode ser assegurado. Esta tensão entre a desregulamentação (quefavorece o momento de mobilidade geográfica do capital) e a r e-regulamentação (que privile-gia o momento de arranjo geográfico do capital) pode ser vista como uma das contradições in-solúveis do neoliberalismo enquanto estratégia de acumulação . (Brenner, 1998, p. 18)

Não se deve confundir, deste modo, o esvaziamento do aparato de bem-estar social(fordista-keynesiano) com o esv aziamento do próprio Estado, pois este passa a atuar emoutros níveis e com outras abor dagens. Pode-se afirmar que o próprio enfraquecimento(neoliberal) da atuação ativa e regulatória das instabilidades do mercado por parte do Es-tado é uma política de Estado em si, com objetivos muito particulares com os quais o Es-tado passa não somente a cooperar, mas a tomar a frente das iniciativas para que sejam al-cançados de fato. Assim o re-escalonamento da escala da política em sua fase mais recentetransforma, desmantelando, o aparato nacionalizado e centralizado do período for dista-keynesiano, e “ constrói no vas ar enas em no vas escalas, onde as formas pós-for dis-tas/keynesianas de poder sobre o espaço e as escalas podem ser exercidas” (Brenner, 1998,p. 20). Neste caso, se tem – na constr ução e na r eformulação da organização das escalasespaciais (nas quais se situam as dinâmicas ligadas tanto à esfera do r egime de acumula-ção quanto do modo de regulação correspondente) – um elemento adicional na produçãodo espaço fundamental para a reprodução das relações sociais de produção, tal qual argu-mentado ao longo das formulações aqui ensaiadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou sintetizar elaborações e av anços teóricos r eferentes ao entendi-mento da cidade-r egião enquanto expressão espacial do capitalismo industrial contem-porâneo, enfatizando a questão de sua morfologia e o ponto de vista do arranjo espaciale escalar. Escapa ao escopo de um texto desta natur eza uma abordagem completa, e es-tes dois tópicos aqui tratados se inser em numa gama de outr os temas ligados à cidade-região em formação, tais como: as especificidades desta no va forma metr opolitana naprodução do espaço (semi-) periférico; as manifestações deste processo no Brasil contem-porâneo; a produção do espaço a partir da abordagem lefebvriana na cidade-região; a po-lítica do lugar, e o embate pelo lugar, no caleidoscópio de lugares que é a cidade-região;dentre outros tópicos. Ressalta-se o fato de que a política do lugar na cidade-r egião ficanum embate entre uma primeira tendência à politização do espaço social e ao surgimen-to de práticas autônomas de desenvolvimento local e de aprofundamento da democraciaparticipativa no planejamento urbano; e uma tendência ao fortalecimento do “empreen-dedorismo urbano” e do planejamento estratégico de cidades, que v em se consolidandoenquanto modelo hegemônico de planejamento da escala local no contexto contempo-râneo de localismo hiper-competitiv o. A geografia da cidade-r egião tenderia a r eforçaresta competição pela atração de inv estimentos, por envolver uma grande quantidade delocalidades em igualdade de condições para tal, engendrando, com isso, uma série deconflitos e desequilíbrios socioespaciais que acompanham de per to o planejamento ter -ritorial neoliberal.

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Felipe Nunes Coelho Ma -galhães é economista emestre em Geografia pelaUFMG. E-mail: [email protected]

Artigo r ecebido em setem-bro de 2009 e aprovado pa-ra publicação em janeir o de2010.

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A B S T R A C T This article summarizes a theor etical discussion on the for mation ofthe city-region (as a privileged spatial scale) and the social spatial processes behind it. The city-region is her e understood as the mor e concise metr opolitan ar ea added to its immediatehinterland, included as an outer ring in the r each of contemporary metropolization processes.The concept of extended urbanization is a key social spatial pr ocess behind the for mation ofcity-regions, which also r elates to the space-time compr ession which manifests itselfheterogeneously acr oss these urbaniz ed r egions. Two major territorial elements ar e at theforefront of the pr oduction of space in these ar eas: the exopolis and the postfor dist industrialcity – and both these elements need a cer tain level of physical pr oximity to the metr opolitancore. This new spatial fix inser ts itself in the contempor ary r ace to wards territorialentrepreneurialism, in two major tr ends: a competitiv e r egionalism, which inv olves city-regions competing with one another in the global scale; and with places inside these ar eas alsoinserting themselves in the strategic planning framework.

K E Y W O R D S City-region; post-for dism; metr opolitan expansion; extendedurbanization; general conditions of production.

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ARRANJOS URBANO-REGIONAIS

UMA CATEGORIA COMPLEXA

NA METROPOLIZAÇÃO BRASILEIRA1

R O S A M O U R A

R E S U M O O objeto de discussão deste texto é uma categoria espacial que transcende asaglomerações urbanas em seu aspecto morfológico; caracteriza-se pela concentração extremada dariqueza, do conhecimento e do poder; enr eda-se em um feix e de fluxos de variadas ordens; e secompõe de uma multiescalaridade diversa e conflituosa. Refere-se aos arranjos urbano-regionais,uma configuração fisicamente expandida, de natureza híbrida, sem definir limites precisos, e querevela os principais elos da r ede urbana e da inserção r egional na divisão social do trabalho. Es-ses arranjos distribuem-se pelo território nacional, sendo o de maior pr oeminência o do entornoda metrópole de São Paulo. Posto que é um conceito em constr ução, está aberto ao debate.

P A L A V R A S - C H A V E Urbano-regional; arr anjos espaciais; metr opoliza-ção; aglomeração urbana; região urbana.

VELHAS INQUIETAÇÕES

No XI Encontro Nacional da Anpur, em um texto embrião desta abordagem abriu-se a reflexão sobre processos espaciais concentradores que ocorriam em território brasilei-ro “além” da metropolização em sua expressão espacial de metrópoles e aglomerações ur -banas (Moura, 2005). Pautava-se em espacialidades que reuniam, em um único processode relações econômico-sociais, conjuntos de aglomerações urbanas. Tomava como exem-plo o complexo metropolitano configurado pelas aglomerações de São Paulo, Campinas,Baixada Santista, e outras de menor por te, aglutinadas no entorno de São P aulo, assimcomo espacialidades expandidas existentes nas demais unidades da federação .

Tais configurações instigaram pesquisa que resultou na identificação e conceituaçãoda categoria espacial “arranjo urbano-regional” (Moura, 2009). Previamente, foi percor-rido um amplo espectro teórico na busca de algum conceito que se ajustasse ao fenôme-no em análise, concluindo-se que, salv o para o caso da configuração espacial no entornode São Paulo, e mesmo assim, com r essalvas, nenhum se adequav a às peculiaridades dosprocessos que determinaram sua origem e aos aspectos que conformam sua mor fologia.A expressão “arranjos” foi adotada pelo seu significado genérico de disposição e organiza-ção no espaço, e foi qualificada como singular ou urbano-r egional, conforme a naturezadas relações socioterritoriais.

De modo geral, a formação dos arranjos espaciais tem estr eitas relações – não obri -gatoriamente – com a origem e expansão das aglomerações urbanas decorr entes do pro-cesso de urbanização e metropolização, consideradas como principais resultados dos mo-vimentos concentrador es do modelo capitalista de pr odução. Algumas, com o tempo,expandem-se física, econômica e funcionalmente, absor vendo em uma unidade espacial,contínua ou descontínua, centros urbanos e suas áreas intersticiais urbanas e rurais – um

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1 A autora agradece a con-tribuição de Olga Lucia C. deF. Firkowski pela orientaçãoe debate teórico-conceitualao longo de toda esta pes-quisa, voltada à obtenção dotítulo de doutora dentr o doPrograma de Pós-Graduaçãoem Geografia da UFPR.Agradece também a colabo-ração de Sachiko Lira naaplicação e discussão dosresultados da análise explo-ratória espacial.

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rural transformado. Mais que isso, em seu pr ocesso de expansão, estreitam relações e di-videm funções com aglomerações vizinhas, dispostas em um raio de extensão de apr oxi-madamente 200km. Conjugam-se em uma mesma unidade, pr opiciando vínculos comoutras aglomerações mais distantes e estendendo sua influência para além dos limites es-taduais. Esse conjunto r eforçado passa a r esponder pelas dinâmicas mais intensas e maiscomplexas – se comparadas com outras porções do território –, caracterizando-se comoformação que transcende o padrão das aglomerações urbanas, com uma constituição sim-ples de polo e periferia, alcançando uma escala mais complexa e, em alguns casos, umadimensão regional.

Assim, os arranjos urbano-r egionais extrapolam a cidade enquanto forma física de-limitada pelo espaço construído e contínuo, incorporando o desenho de aglomerações ur-banas mais extensas e nem sempr e contínuas; ao mesmo tempo, assimilam a perspectiv ada região, ao polarizarem diretamente um território que transcende o aglomerado princi-pal e que aglutina outras aglomerações e centr os das proximidades, como também espa-ços rurais. Assumem, dessa forma, uma multidimensionalidade e uma multiescalaridadeque demarcam seu caráter complex o, caracterizando-se como uma configuração híbridaentre o urbano e o r egional. Outros arranjos se mantêm como mor fologias singulares,com grau de polarização mais r estrito, estabelecendo relações menos densas e, em algunscasos, majoritariamente biunívocas entre o polo e a periferia, ou entre a aglomeração prin-cipal e aglomerações e centros vizinhos, sempre articulados aos arranjos urbano-regionais,mesmo que distantes deles.

A pesquisa realizada identificou, entr e os inúmer os arranjos espaciais do territóriobrasileiro, no ve unidades aglutinadoras que expr essam natur eza urbano-r egional: SãoPaulo, Rio de Janeiro, Brasília/Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador,Recife/João Pessoa e Leste Catarinense, esta com polarização compar tida entre mais deuma centralidade.

OS ARRANJOS URBANO-REGIONAIS

Para identificação dos arranjos urbano-r egionais, foram considerados pr eliminar-mente os r esultados de estudos que tiv eram como objeto, entr e outros, o fenômeno daaglomeração, e com isso, foram identificados os municípios integrantes de aglomeraçãourbana (IPEA, 2002), de espaço urbano (Castello Branco, 2003), de área de concentraçãoda população, ACP, (IBGE, 2008), e aqueles classificados entr e os nív eis Médio a M uitoAlto de integração à dinâmica da aglomeração, dentr o do univ erso de unidades institu-cionalizadas – r egião metropolitana (RM), região integrada de desenv olvimento (RIDE),capitais de estados e suas respectivas aglomerações – (Ribeiro, 2009). Esses municípios fo-ram mapeados, e a eles foram agr egados os demais municípios inseridos em algum tipode unidade institucionalizada, incluindo aglomerações urbanas ( AU), além das RMs eRIDEs. Mesmo tendo em vista que os limites dessas unidades em pouco se r elacionam aofenômeno da aglomeração, a agregação se deveu ao fato de que essas unidades compõemuma escala e ampliam o número de agentes em interlocução nesses r ecortes.

Grande parte dos municípios foi enumerada por todos os estudos considerados, e in-tegra alguma unidade institucionalizada. Como síntese, a espacialização r evela áreas deconcentração que se estendem em descontinuidade, aglutinando desde grandes aglome-rações urbanas a pequenos aglomerados e centr os isolados em proximidade.

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Tais estudos ofereceram uma enorme contribuição à identificação dos arranjos urba-no-regionais, mas foram insuficientes, ou pela desatualização das informações ou pelo cri-tério de filtro adotado, exigindo que se empreendesse um novo exercício. Para tanto, pro-cedeu-se a aplicação combinada da análise fatorial e da análise exploratória espacial, porser um método de análise adequado ao estudo de processos de difusão espacial, dado quegarante a identificação de padrões de autocorr elação.

Foram selecionados quatro indicadores, dois que expressam concentração e dois queexpressam movimento: (i) tamanho populacional, com base nas informações da Conta-gem da População 2007 e estimativ as populacionais para os municípios com populaçãosuperior ao limite para a Contagem ( IBGE); (ii) tamanho da economia, ou PIB total domunicípio, em 2005 (IBGE, 2007); (iii) intensidade dos deslocamentos, ou fluxos de pes-soas para trabalho e/ou estudo em município que não o de residência, em 2000 (IBGE); e(iv) participação do número de pessoas que saem do município para trabalho e/ou estu-do sobre o total de pessoas do município que trabalham e/ou estudam. Essas informações,disponíveis para todos os municípios do Brasil criados até o Censo Demográfico de 2000,por mais simples e tradicionais que par eçam, permitiram atualizar a base de informaçõespara identificar municípios mais densos, mais dinâmicos e mais ar ticulados entre si.

Para a análise de autocorrelação espacial local utilizou-se o Índice de Moran Local (Es-tatística LISA – Local Indicators of Spatial Association), conforme Anselin (1995). Os indica-dores locais pr oduzem um v alor específico para cada ár ea, possibilitando, desta forma, aidentificação de agrupamentos de áreas com valores semelhantes. Cada obser vação (muni-cípio) foi definida em função da média dos vizinhos e sua significância av aliada pela abor-dagem de permutação (999 permutações), considerando-se nív el de significância de 10%.

A aplicação resultou em um conjunto de situações, das quais se destacam apenas asaglomerações cuja estatística LISA foi significativa, com as seguintes classificações: (i) HH

(high/high), que agr upa município com v alor positivo e com a média dos vizinhos tam -bém positiva; (ii) LL (low/low), município com valor negativo e com a média dos vizinhostambém negativa; (iii) LH (low/high), município com v alor negativo e com a média dosvizinhos positiva; e (iv) HL (high/low), município com v alor positivo e com a média dosvizinhos negativa. As duas primeiras (HH e LL) indicam pontos de associação espacial po-sitiva, no sentido que uma localização possui vizinhos com valores semelhantes, e as últi-mas (HL e LH) indicam pontos de associação espacial negativa, no sentido que uma loca-lização possui vizinhos com valores distintos.

Para efeitos da identificação das aglomerações, a classe mais importante é a HH, poisexpressa a correlação espacial de dois ou mais municípios com elevada população e PIB, eelevados movimentos pendulares da população, sugerindo a existência de intensos fluxos,complementaridades e integração produtiva e funcional regional. A classe HL revela a pre-ponderância de um único município com v alor positivo, com um entorno com fracascondições de gerar riqueza, reter ou atrair população, e sem par ticipação, mesmo que se-ja como cidade-dormitório, na dinâmica do município central. Esse tipo de município érefutado por critérios de identificação de aglomerados, mas se torna fundamental quan-do se buscam espaços que transcendem as aglomerações tradicionais e que incorporamcentros não-aglomerados das proximidades. A classe LH pode exprimir franjas de aglome-rações, nas quais municípios fracos cer cam-se de municípios mais for temente integradosà dinâmica da aglomeração . Pelas características descritas, optou-se por considerar essastrês classes na identificação de aglomerações com natur eza urbano-regional. A classe LL,descartada, expressa conjuntos de municípios com corr elação espacial sem características

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de aglomeração, baixa capacidade de gerar riqueza ou de atrair e manter uma base popu-lacional elevada, e sem realizar movimentos pendulares.

Uma comparação da análise de autocorr elação espacial em r elação ao conjunto demunicípios identificados nas classificações precedentes mostra forte aproximação entre osresultados. De modo geral, os municípios classificados na condição HH, HL e LH repre-sentam a grande maioria dos municípios inseridos nessas classificações, evidentementesem considerar aqueles apenas inseridos em unidades institucionalizadas.

Entre as porções mais concentradoras de população e PIB, e com maior densidade defluxos pendulares da população para estudo e/ou trabalho, classificadas em HH, HL e LH

pela análise de autocorrelação espacial – considerados os casos de não significância de al -guns polos em função do tamanho territorial do município e da heter ogeneidade do en-torno –, as espacializações mais aglutinadoras de aglomerados e centros em arranjos espa-ciais foram destacadas como arranjos urbano-r egionais.

Posteriormente, a natureza destes arranjos foi caracterizada a partir da análise das in-formações das centralidades superiores da escala da rede urbana do Brasil (metrópoles, ca-pitais regionais e centros sub-regionais), segundo o IBGE (2008), para identificar a con-junção de centr os de gestão e distribuição de funções a uma r ede de municípios queextrapola os contornos das aglomerações. Foi também dimensionado o grau de polariza-ção funcional e econômica dos centros principais dos arranjos identificados, com base nosresultados de estudos sobre a localização de aglomerações industriais e expor tadoras (Le-mos et al., 2005; Moro et al., 2006) e sobre a abrangência da polarização econômica (Ruize Pereira, 2008). Foram ainda aferidas a conectividade interna dos arranjos, com base narede viária instalada e na análise espacial dos movimentos pendulares da população e, pos-teriormente, a densidade da urbanização, considerando os vetores de expansão da urbani-zação brasileira (Egler, 2001).

Como resultado, chegou-se aos nove arranjos com características espaciais e funcio-nais que remetem à dimensão urbano-regional, conforme já discriminados no item ante-rior: São P aulo, Rio de J aneiro, Brasília/Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Leste Catari-nense, Belo Horizonte, Salvador e Recife/João Pessoa (Figura 1).

Figura 1 – Arranjos Urbano-regionais no Brasil (elaboração da autora)

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Arranjos singulares pontuam as demais porções do território, mantendo com os ar-ranjos urbano-regionais relações de complementaridade e/ou subordinação, que consubs-tanciam a inserção r egional na divisão social do trabalho em uma totalidade, ao mesmotempo em que expressam os diferentes estágios e as distintas naturezas dessa inserção emcada espacialidade. Alguns arranjos singular es, embora evidenciem abrangência r egionalda polarização, não se enquadram entr e os arranjos urbano-r egionais por ainda compo-rem morfologias simples, expr essas na extensão dos polos em periferias, sem a aglutina-ção de centros ou aglomerações vizinhas – como se verificam, particularmente, nos casosde Manaus, Belém e Fortaleza.

Os arranjos urbano-r egionais não se r estringem a limites estaduais, não demar camlimites precisos, são polarizados por metrópoles, salvo exceções, e trazem em sua compo-sição conjuntos de centralidades expr essivas, categorizadas fundamentalmente como ca-pitais r egionais e centr os sub-regionais (Quadro 1). D estaca-se o arranjo Leste Catari-nense, como o único com polaridade difusa entr e três capitais r egionais da r ede urbanade Santa Catarina e com parte (a área de influência de Joinville) formando uma intersec-ção com o arranjo urbano-regional de Curitiba.

Quadro 1 – Centralidades superiores dos arranjos urbano-regionais – Brasil, 2007Arranjo Metrópole Capital regional Centro sub-regionalSão Paulo São Paulo (GMN) Campinas (CRA) Limeira (CSRA)

Ribeirão Preto (CRB) Rio Claro (CSRA)Araraquara (CRC) São Carlos (CSRA)Piracicaba (CRC) S. J. da Boa Vista (CSRA)Santos (CRC) Araras (CSRB)S. J. dos Campos (CRC) Bragança Paulista (CSRB)Sorocaba (CRC) Guaratinguetá (CSRB)

Itapetininga (CSRB)Rio de Janeiro Rio de Janeiro (MN) Campos de Goytacazes (CRC) Nova Friburgo (CSRA)

V. Redonda/B. Mansa (CRC) Cabo Frio (CSRA)Juiz de Fora (CRB) Itaperuna (CSRA)

Macaé (CSRA)Resende (CSRB)Teresópolis (CSRB)

Brasília/Goiânia Brasília (MN) Anápolis (CSRA)Goiânia (M)

Porto Alegre Porto Alegre (M) Caxias do Sul (CRB) Bento Gonçalves (CSRA)N. Hamburgo/S. Leopoldo Santa Cruz do Sul (CSRA)(CRC) Lajeado (CSRA)

Curitiba Curitiba (M) Ponta Grossa (CRC) Paranaguá (CSRA)

Joinville (CRB)Mafra (CSRB)Itajaí (CSRA)

Leste Catarinense Florianópolis (CRA) Balneário Camboriú (CSRB)Blumenau (CRB) Brusque (CSRB)

Belo Horizonte Belo Horizonte (M) Ipatinga (CRC) Conselheiro Lafaiete (CSRB)Divinópolis (CSRB)

Salvador Salvador (M) Feira de Santana (CRB) S. Antonio de Jesus (CSRA)Valença (CSRB)Cruz das Almas (CSRB)Aralagoinhas (CSRB)

Recife/ Recife (M) João Pessoa (CRA) Vitória de Sto. Antão (CSRB)João Pessoa

Fonte: IBGE (2008)Nota: GMN – G rande Metrópole Nacional; MN – M etrópole Nacional; M – M etrópole; CR –Centro Regional (A, B ou C); CSR – Centr o Sub-regional (A ou B).

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As áreas de influência dos polos desses arranjos urbano-r egionais têm alcance bemdiferenciado. Aponta-se a supremacia da extensão da metrópole de São Paulo (considera-da a grande metrópole nacional), representada exclusivamente pela ACP de São Paulo que,segundo o estudo das r egiões de influência das cidades, REGIC 2007, do IBGE (2008),compõe o maior conjunto urbano do País, com 19,5 milhões de habitantes, em 2007. Éalocada no primeiro nível da gestão territorial, tendo em sua ár ea de influência 20 capi-tais regionais, 33 centros sub-regionais e 1.028 municípios, que totalizam 28% da popu-lação de 2007 e 40,5% do P IB do Brasil em 2005. O mesmo estudo mostra um distan-ciamento elevado na ordem dos indicadores. A metrópole nacional, representada pela ACP

do Rio de Janeiro, tem em sua área de influência cinco capitais regionais, 15 centros sub-regionais, num total de 264 municípios, 11,3% da população e 14,4% do PIB nacional.A de Brasília reúne uma rede de 4 capitais r egionais, 10 centros sub-regionais, 298 mu-nicípios que respondem por 2,5% da população e 4,3% do PIB. Ambas situam-se no pri-meiro nível da gestão territorial e, juntamente com São Paulo, constituem foco para cen-tros localizados em todo o País.

Entre as metrópoles que polarizam os demais arranjos, P orto Alegre e Curitiba agre-gam o maior númer o de capitais r egionais, centros sub-regionais e municípios, cabendoanotar que compartem a área de influência de muitas cidades de S anta Catarina. Reúnemtambém as maior es proporções do PIB do Brasil. Das cidades catarinenses sob influênciadessas metrópoles, a ár ea polarizada por J oinville inclui-se com ex clusividade na r ede deCuritiba, confirmando for te associação entr e os arranjos urbano-r egionais de C uritiba eLeste Catarinense. Anota-se ainda que, no caso de Goiânia, embora tenha sido classificadaentre as centralidades de 1º nív el da r ede urbana, em termos do arranjo urbano-r egionalconfigurado, sua região de influência é absorvida pela polarização exercida por Brasília.

A abrangência da polarização desses centros, assim como a extensão e o desenho es -pacial dos arranjos estão for temente condicionados à presença de um sistema de cir cula-ção de melhor qualidade, e o próprio formato que assumem se associa à malha viária prin-cipal dos respectivos estados. Internamente, a integração de um maior ou menor númerode municípios e aglomerações ou centralidades vizinhas também se associa à existênciadesse sistema e suas ramificações locais. Tal sistema viabiliza as conexões e permite a ace-leração de fluxos internos aos arranjos, dando suporte a uma relativa dispersão de ativida-des e à expansão horiz ontal da ár ea ocupada, alcançando distâncias cada v ez maiores. Adescontinuidade física do espaço construído é superada pela intensidade dos flux os favo-recidos por tal sistema. Alguns arranjos apontados sofrem as limitações de serem dotadospor pequenos tr echos duplicados ou r odovias de pior qualidade. E m todos os casos, ostrechos melhor servidos são os mais adensados e os que r eúnem maior número de muni-cípios em estreita conexão, como pode ser comprovado pelos indicadores de fluxos dispo-nibilizados pelo REGIC 2007.

O adensamento nessas posições encontra corr espondência ao que salienta Carav acaBarroso (1998) quanto ao inter esse das empresas em garantir elev ada acessibilidade a in -fraestrutura e serviços, assim como contato facilitado com abastecedores e clientes. Isso ex-plica a localização de novas atividades ao longo dos principais corredores viários, “forman-do v erdaderas redes de núcleos interr elacionados y especializados en actividades div ersas quecontribuyen, a su vez, a que se produzca una difusión por contigüidad de las mismas.” (p.13).

Assim, a relação direta entre a infraestrutura viária de melhor qualidade e a expansãoe configuração dos arranjos urbano-regionais reforça a já conhecida importância das infra-estruturas de transporte e comunicações como condicionantes dos pr ocessos de desenvol-

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vimento, posto que se constata a pr esença dos espaços mais dinâmicos e mais densos dasunidades da federação brasileiras ao longo das vias de comunicações que unem as princi-pais aglomerações urbanas, constituindo vetores de difusão de atividades econômicas.

Favorecidos pelo sistema viário e por sistemas urbanos de circulação e transportes depassageiros, os mo vimentos pendular es da população no B rasil evidenciam as porçõesmais densas dos arranjos urbano-r egionais. A espacialização dos flux os pendulares entreos municípios brasileiros, classificados pelo método de análise de agrupamentos, deixa ní-tidas as áreas onde a movimentação de pessoas é mais expr essiva. Os municípios com osmaiores volumes de fluxos de origem (saída) para trabalho e/ou estudo aparecem bastan-te concentrados em torno das capitais de estados e do D istrito Federal. Em termos dasproporções de pessoas que saem do município onde r esidem para trabalho e/ou estudoem outro município, em r elação ao total das pessoas do município que trabalham e/ouestudam, a ocorrência das maior es proporções delineia uma espacialização que amplia aextensão das áreas dos entornos dos aglomerados destacados. Quanto aos fluxos de desti-no, o resultado espacial mostra a força das principais centralidades, e r essalta uma man-cha ampliada de grande extensão conjugando municípios receptores de volumes elevadosde população para trabalho e/ou estudo no entorno das aglomerações, incluindo áreas deaglomerações próximas. Com relação aos valores relativos, são poucos os municípios bra-sileiros com pr oporções de pessoas que chegam para trabalho e/ou estudo superior es a10% do total da população do município de destino que trabalha e/ou estuda.

Uma análise detida desses fluxos permitiu compor uma tipologia dos municípios, se-gundo distintos movimentos (origem/destino) e valores (volumes e proporções), e salien-tou algumas porções do território onde ocorrem as dinâmicas mais complexas, envolven-do um grande númer o de municípios com mo vimentos de intensos a moderados deentrada e de saída e uma combinação de elev ados volumes e pr oporções de pessoas emdeslocamento. Essas porções são muito nítidas no entorno de São P aulo, que compõe ocore de uma área de fluxos multidirecionais e aglutina aglomerações das proximidades, nosvetores norte, noroeste e Vale do Paraíba. Também são nítidas no entorno da aglomera-ção metropolitana do Rio de Janeiro, compondo uma auréola extensa, assim como no en-torno de Porto Alegre, de Curitiba e de Belo Horizonte, estendendo-se a aglomerações ur-banas vizinhas. Com menor intensidade, ocorr em na extensão do aglomerado D istritoFederal/Goiânia, tendo o DF como o grande receptor. Partindo dessas porções, os flux osse estendem continuamente e tentacularmente ao longo do sistema viário principal,anunciando conexões mais distantes: em São Paulo, densificam-se nos eixos das rodoviasque cor tam os v etores apontados; no Rio de J aneiro, expandem-se nos eix os das r odo-vias Rio de Janeiro/Belo Horizonte e Rio de Janeiro/Vitória; e em menor escala, no eix oSalvador/Feira de Santana.

Fluxos menos intensos de evasão e recepção contornam as aglomerações metropoli-tanas do Nordeste, criando uma ocupação linear na faixa litorânea, pontuando desconti-nuamente as aglomerações urbanas de R ecife, João Pessoa e Natal. No Sul, no estado deSanta Catarina, a mesma ocupação linear, com distinta natureza, se repete no eixo da BR101, onde vários municípios desenvolvem fluxos multidirecionais, articulando continua-mente as aglomerações de Joinville, Itajaí, Blumenau, Florianópolis e Criciúma, entre ou-tros centros. Essas mor fologias remetem a espaços mais complex os e corr espondem aosarranjos urbano-regionais identificados a partir da análise exploratória espacial.

Por suposto, correspondem também ao av anço do adensamento urbano, mar cadopela pr esença das r odovias, descrito por E gler (2001), em sua análise das mudanças

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recentes no uso e na cober tura da terra no B rasil, sobre a qual tal adensamento ex ercepressão. Como pondera o autor , a fraca amplitude da divisão territorial do trabalho,fruto da elevada concentração da rique za e da r enda, faz com que se pr oliferem peque-nos adensamentos populacionais interioranos, desprovidos de urbanidade, e se reforce aconcentração demográfica nas cidades de mais de um milhão de habitantes, que formamos núcleos das ár eas metr opolitanas situadas fora do eix o Rio de J aneiro-São P aulo. O corte de densidade urbana foi feito em 100 habitantes por quilômetr o quadrado, e oresultado espacial das ár eas nessa condição r eitera a impor tância do sistema viário noavanço da urbanização e mostra o papel dos aglomerados urbanos nas mudanças da co-bertura e uso do solo no B rasil.

O autor destaca a grande mancha urbana formada pelas áreas metropolitanas de SãoPaulo, Campinas e Baixada Santista, já praticamente conurbadas, e que se estende em di-reção a Araraquara, ao nor te, para oeste, ao longo do eix o da antiga estrada de ferr o So-rocabana, e para leste, seguindo o v ale do rio Paraíba do Sul, tendo Sorocaba e São Josédos Campos como núcleos de aglutinação pré-metr opolitanos. No Rio de J aneiro, alémda expansão da mancha urbana em dir eção a São Paulo, ocorre a rápida expansão da ur-banização litorânea, que av ança, praticamente de forma contínua, até M acaé. O padrãolitorâneo da urbanização densificada se repete no Sul, entre Curitiba e Porto Alegre, pas-sando pelo vale do Itajaí e Florianópolis, além de consolidar importantes aglomerados in-terioranos, como Santa Maria e Pelotas/Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e Londrina,Maringá, Ponta Grossa e Cascavel, no Paraná – centros que ainda desempenham impor-tante papel de supor te à atividade agropecuária, mas cuja dinâmica é hoje essencialmen-te urbana, mar cando um av anço sobr e terras fér teis. S imilarmente, em M inas G erais,principalmente no Triângulo Mineiro, cidades como U berlândia e U beraba ampliaramsua área urbanizada “como conseqüência do extrav asamento das atividades industriais ede serviços a partir de São Paulo” (Egler, 2001, p.10), e além disso, se deu também a con-solidação do complexo industrial de Belo Horizonte. Goiânia, Anápolis e Brasília formamum novo e dinâmico “complexo territorial urbano”,2 aproveitando a topografia do Planal-to Central, suave e sem obstáculos, notáveis à expansão das edificações urbanas em núcle-os periféricos que rapidamente avançam sobre os cerrados.

O padrão litorâneo da densificação também se r eproduz no Nordeste, com visíveisvetores de interiorização, como de S alvador em direção a Feira de Santana, na Bahia; deRecife a Car uaru, em Pernambuco; e em uma ár ea de maior adensamento urbano, cor-respondendo à porção central da Z ona da Mata Nordestina, onde se situam núcleos co-mo Natal, João Pessoa, Campina Grande e Maceió. Fortaleza, também com rápido cr es-cimento urbano nas últimas décadas, r estringe seu espraiamento às ár eas vizinhas; omesmo ocorre em Belém e Manaus, no Norte, onde também se dá a expansão de I mpe-ratriz e Marabá, importantes polos na Amazônia Oriental, em área na qual as redes logís-ticas estão se adensando.

A essas análises, que remeteram, sobretudo, à extensão espacial e à mobilidade intra-arranjo, foram acrescidos os resultados do estudo de Ruiz e Pereira (2008), que estima ograu de polarização e a região de influência econômica dos grandes espaços urbanos bra -sileiros (GEUBs),3 auxiliando na qualificação da natureza urbano-regional dos arranjos. Osnove arranjos urbano-regionais identificados têm como centralidades principais os GEUBsque possuem as maior es escalas de polarização, tanto da população como do PIB. Outrainformação analisada pelos autores é o Índice de Capacidade Tecnológica (ICT), que mos-tra que os GEUBs pertencentes aos arranjos urbano-r egionais são centros tecnológicos, e

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2 Salienta-se que Egler(2001), no caso dessa loca-lização, faz uso da expr es-são “complexo territorialurbano”, que suger e pr oxi-midade à noção de arranjourbano-regional. T ambém éaplicada ao complexo p or-tuário-industrial de Rio Grande,no Rio Grande do Sul, emtrabalho sob sua orientação(Domingues, M. V . L. R. Lo-gística e T ransporte Maríti-mo Internacional: Impactossobre o Sistema Por tuárioBrasileiro, 2001). Entr etan-to, nenhum dos casos distin-gue a natureza dos recortes,levando a crer que a expres-são serve tanto à or dem urbano-regional, como noprimeiro caso, como a ar-ranjos singulares, conformeo segundo.

3 Ruiz e Per eira (2008) to-mam como universo de pes-quisa as unidades adotadaspelo Observatório das Me-trópoles para a classifica-ção das regiões metropolita-nas (Ribeir o, 2009), quaissejam, unidades institucio-nalizadas como RMs, RIDEse capitais de estados e,quando compõem, suasaglomerações, reunindo 38grandes espaços urbanos.

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alguns incluem, nessa condição, municípios de sua ár ea de influência, como no caso deCampinas, onde há uma significativa dispersão da capacidade tecnológica na polarização.De modo geral, os GEUBs que polarizam os arranjos urbano-r egionais demonstram osmaiores ICTs entre o conjunto, destacando-se, além deles, os de Fortaleza e Manaus, comdesempenho significativo.

A natureza da atividade desenv olvida por essas ár eas determina suas r elações inter-nacionais e também sua inserção na divisão social do trabalho . Isso fica claro no estudode Lemos et al. (2005) que, para identificar as aglomerações industriais brasileiras r ele-vantes (AIE), também emprega o método de análise exploratória espacial, faz endo uso daestatística Moran local, como indicador da significância e autocorr elação espacial. O tra-balho explica a existência de indústrias que se favorecem dos efeitos de transbordamentose encadeamentos, potencializados a par tir dos flux os entre localidades geograficamentepróximas. A análise identificou 15 AIEs, cuja distribuição espacial é for temente concen-trada no território, particularmente em corredores industriais bem delimitados nas regiõesSul e S udeste. Comparativ amente aos arranjos urbano-r egionais identificados, tem-segrande compatibilidade.

Para os autores, o papel de lugar central de or dem superior da cidade de São Pauloe seu entorno metropolitano lhe conferem a função de centr o primaz urbano-industrialdo território nacional, configurando uma extensa ár ea de influência da capital paulista,estendendo-se a noroeste, em direção aos municípios polarizados por Campinas-RibeirãoPreto, ao Vale do P araíba, aos municípios polarizados por São J osé dos Campos, e àexpansão litorânea de Cubatão-Santos. Essa abrangência corresponde ao arranjo urbano-regional de São Paulo. Além dessa aglomeração considerada primaz, o S udeste possui as AIEs do Rio de Janeiro, Volta Redonda, Belo Horizonte, Vale do Aço e Vitória. A do Riode J aneiro tem pequena extensão geográfica, limitando-se a municípios de sua ár eametropolitana, incluindo P etrópolis, e r evela uma possív el integração pr odutiva com aindústria petrolífera da aglomeração local de M acaé, no litoral nor te fluminense; dir e-ciona-se ainda à AIE de Vitória. A aglomeração de Belo Horizonte possui a quarta maiorescala industrial do P aís, e demonstra for te integração com a aglomeração do Vale doAço, com elevado nível de complementaridade pr odutiva no complexo metal-mecânicoda capital mineira. N o caso do arranjo urbano-r egional de B elo Horizonte, essas duasaglomerações se aglutinam.

Na Sul, Porto Alegre é considerada a terceira aglomeração industrial do País, com amaior extensão geográfica em númer o de municípios, depois de São P aulo. Relativa-mente, a aglomeração de C uritiba possui maior qualidade industrial, medida pela par ti-cipação de firmas que ino vam e diferenciam produtos no produto industrial do aglome-rado. Ambas lideram dois corr edores industriais r egionais, formados, r espectivamente,por Porto Alegre-Caxias do Sul e Blumenau-Joinville-Curitiba-Londrina-Maringá, “o querevela vantagens potenciais de atração industrial em função das externalidades de serviçosprodutivos especializados e complementaridade pr odutiva decorrentes das v antagens de proximidade geográfica” (Lemos et al., 2005, p.346).

A região Nordeste possui quatro AIEs, restritas às áreas metropolitanas de Salvador,Fortaleza, Recife e Natal, sendo a de Salvador a mais relevante, tanto em termos do fatorescala (tamanho do VTI) como de seu transbor damento espacial. A segunda maior aglo-meração é a de Fortaleza, seguida pela de Recife. Não foram identificadas AIEs de grandeporte nas regiões Norte e Centro-Oeste, apesar da participação relevante da Zona Francade Manaus no produto industrial do País.

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A mesma metodologia, aplicada para estimativ as do grau de corr elação espacial en-tre municípios, com base em firmas industriais com potencial expor tador, aponta umconjunto bastante similar de aglomerações industriais expor tadoras (AIEX) (Moro et al.,2006). Em um primeiro plano está a de São Paulo, a mais extensa espacialmente e de es-cala industrial-exportadora superior às demais, incorporando um elevado número de mu-nicípios do Estado. Em um segundo plano posicionam-se as do Sul, sendo que a de PortoAlegre incorpora em continuidade a de Caxias do S ul, com “forte associação espacial dopotencial exportador regional” (p.119). A de Joinville expressa grande relevância “pela suaescala e capacidade de incorporação de extensa ár ea industrial do nor deste catarinense,que chega até a divisa com o estado do P araná e se torna quase contígua à aglomeraçãode Curitiba” (pp.119-20), também com larga escala e elev ada capacidade de integraçãoprodutiva. As AIEX de Belo Horizonte e Rio de Janeiro encontram-se em um terceiro pla-no, caracterizando-se por baixa competitividade industrial, entorno industrial espacial-mente r estrito, e demonstrando pequenos efeitos de transbor damentos intrarr egionais.Tais aglomerações expressam a contiguidade geográfica como força centrípeta da ativida -de exportadora das firmas industriais.

Os resultados desses trabalhos, quando comparados aos arranjos urbano-r egionaisidentificados, sugerem que a indústria ainda é o elemento constitutiv o determinante, eevidenciam que as principais aglomerações industriais e industriais expor tadoras estãoexatamente nos arranjos urbano-r egionais identificados. P orém, esses arranjos podemprescindir da pr esença da indústria para r ealizar fluxos em alta densidade, expandir-segeograficamente e assumir funções de natureza urbano-regional, como confirma o arranjourbano-regional de Brasília/Goiânia. Ademais, nem sempre a indústria altera a natur ezadas r elações de um polo ou cria nex os indutores da expansão física e ar ticulação comoutros centros e aglomerados, seja por decorr er de uma pr odução especializada, seja porincidir sobre uma localização geográfica na qual não ocorr em centros ou aglomeraçõesimportantes nas proximidades – casos de M anaus e Fortaleza, não enquadrados entre osarranjos urbano-regionais.

A pesquisa realizada e sumarizada neste ar tigo detém-se no arranjo urbano-regionalde Curitiba, configurado pela conjunção de sua aglomeração metr opolitana à aglomera-ção descontínua de Ponta Grossa/Carambeí/Castro e à ocupação contínua litorânea, po-larizada por P aranaguá. Nesse arranjo, a conjunção de condições históricas, r eforçadaspela ação do Estado e inter esses do capital, garantiu o posicionamento como espaço demaior relevância no Paraná. A natureza da atividade econômica, sustentada por segmen-tos modernos da indústria metal-mecânica, é o elemento articulador do conjunto e da in-serção desse Estado na divisão social do trabalho. Suas características evidenciam uma rea-lidade híbrida e complexa, aglutinando três aglomerações que se expandem e compõemum espaço mais abrangente, enr edado de relações que transcendem a dimensão urbana,propulsora da riqueza econômica, técnica e cultural gerada no ambiente metr opolitano,e que assume, dessa forma, uma dimensão urbano-r egional. (Moura, 2009)

Assim, pode-se concluir que os arranjos urbano-r egionais, mais que unidades con-centradoras de população e com elevada densidade urbana, possuem alta produtividade erenda, tendo como estruturadores os segmentos mais modernos da indústria de transfor -mação ou funções ter ciárias superiores; são dotados de expr essiva infraestrutura científi-co-tecnológica e relevância econômico-institucional.

Os arranjos urbano-regionais respondem por atividades diversificadas, operam comoespaços receptores e difusores de decisões e capitais, e participam de modo mais integrado

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nos âmbitos estadual, nacional e internacional, como os principais elos na divisão socialdo trabalho. Frutos do processo de metropolização contemporâneo – que manifesta espa-cialmente o modelo de desenvolvimento vigente, mais que morfologias –, configuram-seem polos da div ersificação produtiva e da div ersidade social, potencializando sua capa-cidade multiplicadora e aceleradora de fluxos e dinâmicas, e sua condição propícia comolocalizações privilegiadas à reprodução e à acumulação do capital.

Paradoxalmente, os arranjos urbano-r egionais concentram também elev ados volu-mes de pessoas pobr es, de déficits e carências, que conviv em, nos municípios de maiorporte, com indicadores de bom desempenho econômico e social. Suas porções mais avan-çadas avizinham-se de municípios com base pr odutiva tradicional, com menor acesso àsinfraestruturas disponíveis e menos integrados às dinâmicas principais dos respectivos ar-ranjos. A despeito das assimetrias internas e das relações antagônicas entre as partes, cadaconjunto compõe uma totalidade.

A DECISÃO POR UM NOVO CONCEITO

Identificados os arranjos urbano-r egionais, iniciou-se a busca por um conceito, naliteratura especializada, que melhor se ajustasse às suas características. De imediato, recor-reu-se às noções de tecido urbano, de Lefeb vre (1991), e de urbanização extensiv a, deMonte-Mór (2006). Essas noções contemplam configurações socioespaciais que esten -dem ao espaço regional imediato e, eventualmente, ao campo longínquo, as condições deprodução antes restritas às cidades, conforme demandas da produção coletiva, correspon-dendo ao “suporte de um ‘modo de viver’ mais ou menos intenso ou degradado: a socie-dade urbana” (Lefebvre, 1991, p.12), enquanto os arranjos urbano-regionais referem-se aconfigurações que concentram espacialmente a presença da técnica, o enfeixamento de re-lações e, relativamente, o poder de decisão.

No caso brasileir o, a expansão das cidades e a formação das aglomerações urbanasforam marcadas pela expansão da pr odução industrial e pela consolidação das metrópo-les como lócus de seu desenvolvimento. Ao longo das décadas da segunda metade do sé-culo XX, as metrópoles brasileiras estenderam-se por ár eas de ocupação contínua, perife -rizando-se, permeando-se por v azios urbanos especulativ os, criando espacialidadescaracterizadas pela pobreza e carências diversas. Só no final do século as periferias passa-ram a incorporar traços de uma div ersidade econômica.

Esse processo de expansão encontra conceitos r ecorrentes na literatura consagrada,mas se difere deles pelas especificidades e natureza da configuração. Alguns se aproximam,seja quanto ao pr ocesso seja quanto às formas engendradas. É o caso da cidade dispersade Monclús (1998), relacionada à reestruturação econômica em escala global, com ocu-pação de novas superfícies nos limites físicos da cidade, cujo constante avanço e dinamis-mo esvaecem a fronteira entre os âmbitos urbano e não-urbano, e desconstr oem a noçãode cidade tradicional, compacta, densa, delimitável, caracterizada pela diversidade de usose mescla de atividades. D ematteis (1998) decompõe a cidade dispersa em várias catego -rias que se sucedem a partir do ciclo de vida urbano, cujos processos regem duas dinâmi-cas diferentes.

A primeira, a periurbanização, ou r ecuperação da polarização urbana, manifesta-secomo uma dilatação progressiva das coroas externas e das ramificações radiais dos sistemasurbanos. Nessa dinâmica se inser e a edge city – definida por G arreau (1991) como a

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cidade do limite ou das bordas, resultante da localização e relocalização, fora da gran-de cidade, das indústrias mais competitivas e dos centros direcionais, seguindo a dinâmicada suburbanização, porém conduzida sob for te apelo da mídia na conformação de umimaginário social peculiar. A segunda dinâmica refere-se à forma de expansão urbana in-dependente dos campos de polarização dos grandes centr os, denominada cidade difusa,por Indovina (1990) – uma organização r eticular associada à pr oliferação de pequenas emédias empresas e à consolidação de distritos industriais, que se organizam em uma r edede pequenos e médios centr os urbanos, incorporando os espaços agrários intersticiais.Resultam da evolução de um modelo distinto de ocupação do território, de um determi-nado modo de produção que se dá a par tir da transformação da economia familiar agrá-ria à industrialização endógena, com pequenas empresas dependentes do entorno social eterritorial onde surgem.

Embora a pr omoção dos grandes condomínios horiz ontais brasileir os, que con-correm com as ocupações de baixa r enda nas periferias das cidades, muitas v ezes tenhaapelado para a noção de edge city , diferem dessa por não ser em autosuficientes, por semanterem inseridos e se r elacionarem com o território do entorno, ser vindo-se da mão-de-obra pobre da vizinhança, e por constituírem um difícil diálogo com as administraçõesmunicipais e os demais segmentos da sociedade. Também não procede a relação entre osarranjos urbano-r egionais com a noção de cidade dispersa, válida apenas pelo aspectofísico caoticamente expandido de muitas cidades, induzido, neste caso, pela lógica domercado imobiliário e não pela criação de assentamentos periféricos para populações derenda média ou alta, como nas formas de expansão nos países centrais. O utra impro-priedade é a associação das configurações estendidas – aglutinando núcleos urbanos eáreas rurais, com intensa mobilidade de população e mercadorias – com a noção de cidadedifusa, pois, no caso brasileir o, não há vínculos de origem a um modo de pr odução quese transforma, se desenvolve e se consolida endogenamente.

Elemento essencial da distinção dos pr ocessos é a pr esença da infraestrutura viária.Enquanto no Brasil as periferias constituíram-se a partir de verdadeiras ocupações pionei-ras da classe trabalhadora pobr e, desenvolvendo um enorme esforço de lutas para con-quistar os benefícios da urbanização, posteriormente apropriados pelo mercado imobiliá-rio, em outr os países, r esultaram da formação de núcleos urbanos ser vidos por sistemasde transpor tes eficientes e de ser viços qualificados. Assim, teorias sobr e os efeitos dosavanços das tecnologias de comunicações e informações na organização do espaço urba -no, e do estr eitamento das relações em rede entre cidades devem ser lidas com par cimô-nia quanto à realidade brasileira – na qual o no vo pontua partes das cidades, e não o es-paço urbano em sua totalidade, e deixa de criar vetores eficazmente velozes que integremas periferias.

Mesmo assim, De Mattos (2002) destaca mudanças na morfologia das aglomeraçõesmetropolitanas principais (AMP) da América Latina, apoiadas pelo pr edomínio do auto-móvel e das tecnologias de informação, com ampliação territorial do campo de externali-dades metropolitano, favorecendo a formação de sistemas produtivos centrais a numero-sas atividades localizadas em div ersos centr os urbanos até então independentes ouautônomos do entorno da aglomeração metr opolitana. A localização de empr esas e mo-radias em locais mais distantes estimula a tendência ao que chama de metr opolização ex-pandida, ou seja, expansão territorial metr opolitana decorrente de uma periurbanizaçãopraticamente incontrolável, mediante a qual o tecido urbano pr olifera e se estende. E manálise subsequente, De Mattos (2005) chega a questionar se o cr escimento das AMPs la-

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tino-americanas obedeceria a um padrão análogo ao modelo de Los Angeles, que r epre-senta “a expressão culminante da cidade nor te-americana, onde o automóv el e as no vastecnologias da informação desempenham papel fundamental na dinâmica expansionista.”(p.351) Assevera que a imagem da mancha de óleo já não traduz o fenômeno urbano quecaracteriza a aglomeração emergente, muito mais complexa e difícil de delimitar que a ci-dade que a pr ecedeu, por tanto, mais pr opensa à imagem de um ar quipélago urbano,como definida por Veltz (1996). Toma emprestado de Sarlo (1994)4 o termo angeliniza-ção (ou los-angelinização), concluindo que ela “ adquire sua mais ampla perspectiv a, si-tuando-se como um inexorável destino.” (p.360)

Essa inexorabilidade é questionada por Limonad (2007), com quem se concor danesta análise, ao argumentar que nas periferias das grandes aglomerações metr opolitanasbrasileiras ocorre um movimento progressivo de dispersão pela multiplicação de núcleose aglomerações urbanas sem que resulte necessariamente em uma interminável aglomera-ção urbana concentrada como Los Angeles. P ara a autora, a estr utura social e fundiáriaanterior, a acumulação de condições gerais das edificações, infraestr uturas e outras resul-tantes das práticas espaciais, que atuaram na produção do espaço ao longo do tempo, sãoresponsáveis por induzir a extensão e a potencialização de uma urbanização intensificadapor uma densidade técnica e demográfica, contribuindo para gerar identidades e caracte-rísticas socioterritoriais específicas. D emarca três modelos clássicos que se combinam naintensificação da urbanização nas aglomerações de grandes dimensões: uma expansãocontínua do perímetro da área edificada, com densificação e v erticalização da aglomera-ção; a multiplicação de subúrbios em anéis concêntricos, intercalados com áreas de baixadensidade e ocupação; e um crescimento tentacular, que acompanha os eixos de transpor-tes e infraestrutura. Com o passar do tempo, essa urbanização forma macr oaglomeraçõesurbano-metropolitanas, com um núcleo forte, como ocorre em São Paulo, Rio de Janeiroe Cidade do México, ou ainda sem um núcleo for te, como em Los Angeles, conformeScott et al. (2001).

Embora acionando um debate divergente, De Mattos e Limonad tratam convergen-temente de uma metropolização expandida e complexa, assumindo a forma inusitada deum arquipélago urbano ou reproduzindo formato, em par te antecipado, de uma macr o-aglomeração urbano-metropolitana. As mudanças destacadas ocorr em com maior inten -sidade nos arranjos urbano-r egionais, por sua condição de espaços privilegiados para odiálogo global, que os leva a se transformarem vertiginosamente sem perder os traços ori-ginais compostos em sua história, confirmando o que D e Mattos (2002) aponta para ascidades latino-americanas de modo geral. P orém, seguem expandindo para distânciascada vez mais longínquas, constituindo novas centralidades, sem eliminar o papel polari-zador e a centralidade monumental da metrópole principal, longe de se constituír em emcidades sem centro, e de se “angelinizarem”.

Outros conceitos perpassam, mas não ader em, ao fenômeno dos arranjos urbano-regionais. Tratando dos países centrais, Ler oy (2000) refere-se à passagem de um espaçounipolar para um espaço multipolar, ou seja, de uma metrópole intensiva – um hipercen-tro funcional, um nó ou junção de diferentes redes e funções raras –, para extensiva, quefaz de um cacho de cidades uma metrópole coletiv a, neste caso, usufr uindo das funçõesde proximidade.

Veltz (1996) utiliza a metáfora das bonecas russas para representar a superação da ex-pressão territorial hierar quizada em z onas embutidas, na qual as atividades e funções sedão em cascatas da cidade capital aos núcleos r urais, e demonstrar que emerge um terri-

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4 SARLO, B. Escenas de lavida posmoderna. Intelec-tuales, ar te y videoculturaen la Ar gentina. BuenosAires: Ariel, 1994, apud DeMattos (2005).

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tório de redes, onde o local e o global se interpenetram e r ealizam a economia de ar qui-pélago. Refere-se ao espaço facilitado pelas r edes de comunicações e transpor tes, o terri-tório-rede, sob efeitos da tele-atividade e de conexões túnel – que lev am, no caso das úl-timas, ao desapar ecimento dos efeitos da trav essia entr e duas paradas – com as no vastecnologias de transpor te rápido e comunicações, desativ ando a posição de meia distân-cia, que outrora se beneficiou do dinamismo das pontas, conforme Ascher (1995). Esseterritório é caracterizado por um crescimento organizado geograficamente em filamentos,em redes lineares, em polímeros que se contrastam com o modelo aur eolar da geografiatradicional, em completa ruptura com o modelo christalleriano.

As cidades se consolidam como centros nodais em torno dos quais se articulam as no-vas dinâmicas da acumulação, configurando o que S assen (2007) denomina uma granderede global de cidades transfr onteiriças, que funcionam como pontos estratégicos para asoperações econômicas globais. R essalta-se que essa expansão dos flux os transfronteiriçosconecta não só as cidades e aglomerações globais, como cidades dos div ersos níveis da hie-rarquia urbana, em flux os que operam em cir cuitos altamente especializados e difer encia-dos, multidirecionais. As cidades estariam, assim, conectando-se a circuitos distintos, espe-cializados; em outras palavras, r edes particulares estariam conectando gr upos particularesde cidades, conforme seus diferentes papéis na dinâmica internacional da economia.

Sobre essas concepções deve-se a priori admitir que as novas tecnologias pouco têmfavorecido os meios de deslocamentos. Ocorre uma saturação nos sistemas de comunica-ção intercidades, que se agudiza no âmbito intraurbano, sendo que a mar ca das cidadesbrasileiras é o crescimento da frota sem a compatível adequação das vias de circulação. Pe-sa sobre isso um sistema de transpor te coletivo obsoleto e inferior à demanda instalada.Ou seja, pouco se concretizaram as hipóteses quanto aos efeitos deslocalizadores e descon-centradores das novas tecnologias; ao contrário, as grandes metrópoles e suas aglomera-ções se reforçam no processo de reestruturação do capital. São as regiões ganhadoras, con-forme Benko e Lipietz (1994).

Mesmo assim, embora algumas das principais metrópoles, a ex emplo de São Paulo,estejam globalmente interconectadas ao arquipélago transfronteiriço, há todo um conjun-to de importantes aglomerações que apenas participam do diálogo global, mediado pelascentralidades principais dos r espectivos países, o que torna necessária uma leitura maisatenta às reflexões da literatura consagrada. Muito apropriadamente, Pradilla (1997, p.46)observa que os territórios homogeneizados e incluídos pelo capital no sistema de acumu-lação em escala mundial, de fato, não são contínuos, e seu númer o reduzido os situa co-mo “ilhotas” de prosperidade em um “mar” de crescente atraso. Ilhotas essas que, agrega-se, restringem-se muitas vezes a partes interiores das próprias metrópoles.

Verifica-se, assim, uma expansão das aglomerações urbanas tanto no sentido espacialquanto em sua reprodução em novas localizações em território nacional, e a consolidaçãodas principais centralidades, agora incorporando extensas ár eas aglomeradas, confirman-do o que D avidovich (2004) chama de “ a volta das metrópoles”, que se liberam de suacondição patológica e retomam sua importância no pulsar da economia.

Essa volta apoia-se tanto na acepção de Veltz (1996) sobre a metropolização da eco-nomia, quanto na reflexão de Scott et al. (2001) sobre cidade-região global, que estendeo significado do conceito em termos econômicos, políticos e territoriais, e r eafirma o pa-pel dessas como nós espaciais essenciais da economia global e como atores políticos espe-cíficos na cena mundial. Também Sassen (1998, p.76) admite que “as cidades são lugaresfundamentais para a produção de serviços destinados às empresas”, no entanto, o cr esci-

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mento dos serviços ocorre de modo diferenciado, de acordo com a inserção da cidade narede urbana nacional, privilegiando porções do território . Tal privilégio contribui para aexpansão dos espaços aglomerados e para a formação do que, mais tar de, veio a chamarde megarregião (Sassen, 2007). A megarregião emerge como um território diverso em seuinterior, exigindo estratégias de desenv olvimento capaz es de gerar v antagens tanto naspartes mais avançadas como nas menos avançadas. As vantagens específicas da escala me-garregional estão na coexistência dentro de um mesmo espaço regional de múltiplos tiposde economias de aglomeração, atualmente distribuídos entr e diversos espaços econômi-cos e escalas geográficas. N o caso do B rasil, mesmo que comandem a inserção dos esta -dos/regiões na divisão social hegemônica do trabalho, os arranjos urbano-r egionais nãoconstituem uma megaz ona econômica ou uma megarr egião, dado o alcance r estrito desua abrangência regional no sistema global – exceção provável à de São Paulo.

A própria indústria continua requerendo concentrações. Lencioni (2003a e b) mos-tra que a cisão territorial entr e produção e gestão redesenha as proximidades e as distân-cias de um território, e instaura uma lógica descontínua que constitui a nova lógica da lo-calização industrial. Porém, as condições de produção não estão disponíveis em toda partee, por isso, mesmo a dispersão territorial da indústria encontra seus limites territoriais.Portanto, a autora r ecomenda que a ideia de desterritorialização da indústria, expr essan-do extrema liberdade de localização do capital industrial, também dev e ser colocada emseus devidos termos.

De certa forma, esses limites dimensionam a expansão dos arranjos urbano-r egio-nais. Cabe r essaltar, porém, que as r elações de pr oximidade alcançam espaços cada v ezmais extensos ao longo dos caminhos que tentacularmente faz em expandir as aglomera-ções, consubstanciando-se graças à intensa mobilidade (mesmo que sob condições pr ecá-rias) de fluxos. Espaços, esses, fragmentados político-administrativamente e impregnadospor escalas diversas, o que torna mais complexas as r elações em seu interior.

Nessa expansão tentacular, vem à tona o conceito de megalópole, que r eúne tama-nho populacional e extensão física, sendo explorado por div ersos autores. Para Castells(2000), é a “reunião articulada de várias áreas metropolitanas no interior de uma mesmaunidade funcional e social ” (p.60), “exprime o domínio da lei do mer cado na ocupaçãodo solo e manifesta, ao mesmo tempo, a concentração técnica e social dos meios de pr o-dução e a forma atomizada do consumo, através da dispersão das r esidências e dos equi-pamentos no espaço.” (p.62) Para Lefebvre (1991), a megalopolização ocorre da “implo-são/explosão” da cidade, tendo a indústria como atividade central da dinâmica econômicaurbana, e da extensão do fenômeno urbano por sobr e uma grande par te do território,atravessando as fr onteiras nacionais nos grandes países industriais. Como r esultado, “asconcentrações urbanas tornam-se gigantescas; as populações se amontoam, atingindodensidades inquietantes (por unidade de super fície ou de habitação).” (p.20)

Gottman (1970) se refere a um contínuo urbano de considerável extensão (centenasde quilômetros) originado como consequência do crescimento de uma cidade, até tomarcontato com a r egião de influência de outra cidade, e assim sucessiv amente. Esse cresci-mento se produz, em cada cidade, pela concentração de atividades e população, a custodo espaço cir cundante, e se encontra fav orecido pelos no vos meios de comunicação etransporte. Gottman ainda admite o critério populacional – superando os 20 milhões dehabitantes – como elemento definidor, e situa a megalopolização como característica dospaíses desenvolvidos, contrapondo-se à noção de megacidades que, para ele, emergem ecrescem com maior volúpia nos países subdesenvolvidos.

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Essa distinção é negada por Davis (2004), que se refere ao extremo crescimento dasáreas urbanas de países do Terceiro Mundo, com a emergência de novas megacidades e hi-percidades – com população superior a 20 milhões de habitantes –; e o envolvimento des-sas em no vas r edes, corr edores e hierar quias, criando megalópoles urbano-industriaiscomparáveis às do mundo desenvolvido. Para ele, o resultado será o crescimento da desi-gualdade dentro e entre cidades de diferentes tamanhos e especializações – per cepção dofenômeno e preocupação condizentes às que cercam os arranjos urbano-regionais, confor-mando um território diverso e desigual, no qual se concentram ao mesmo tempo rique-za e escassez, e onde coexistem múltiplos tipos de atividades beneficiadas pelas externali-dades da economia de aglomeração e pelas r elações de proximidade. Exceto o arranjo noentorno da metrópole paulistana – que expressa o gigantismo anunciado por Lefebvre –,por mais que os demais se estendam por centenas de quilômetr os, nenhum supera os 20milhões de habitantes, há quase quatro décadas tomados como parâmetro para se identi-ficar uma megalópole.

Sob perspectiva da forma, essas ideias acerca da megalópole, dos anos 1970, são res-gatadas tanto na noção de cidade-r egião global quanto na de megarr egião, e inscr evemtambém a noção de metápole pr oposta por Ascher (1995). M etápole ou metametrópolecorresponde a uma pós-polis, a algo que ultrapassa e engloba a polis, profundamente he-terogênea e não necessariamente constituída por contiguidade, e que incorpora uma ouvárias metrópoles. Surge de uma metropolização metastásica, da aparição de elementos denatureza metropolitana em territórios não-contíguos e não-metr opolitanos; de espaçosmetropolizados cujo conjunto ultrapassa e engloba as z onas metropolitanas stricto sensu;arquipélagos em metástase que se desenvolvem de maneira anárquica, não-hierarquizada.Essa preponderância da natureza metropolitana disseminada nas metápoles não encontracorrespondência nas aglomerações e centros singulares que preenchem grande parte da ex-tensão dos arranjos urbano-regionais, nos quais as características verdadeiramente metro-politanas restringem-se, genericamente, apenas a par tes da cidade principal.

Outras concepções morfológicas acentuam as características de grandes espaços semcentro, sem unidade, pós-polis, como se verifica nas noções de exópole (ou ex-polis, o quejá não é mais cidade, a “ cidade sem cidade”) e pós-metrópole (Soja, 1994, 1996, 2002).Surgem como metáforas da metrópole e emergem do processo de urbanização, decorren-te da globalização e r eestruturação da economia, no qual a ev olução de forma e conteú-do da metrópole age no comportamento da sociedade. Para Soja (1996), sintetizam todauma ordem de conceitos anterior es per tinentes a implosões amor fas, como subúrbios,outer city ou edge city, entre outras, e dividem, implícita ou explicitamente, a ideia de quea era da metrópole moderna acabou. De fato, como uma nova etapa do desenvolvimentourbano contemporâneo, a metrópole não desapar eceu, mas seu domínio social, cultural,político e econômico, como forma distinta da organização do hábitat humano, cede lu-gar a essa nova forma, complementa Soja (2002).

No processo de expansão, essas metrópoles incorporam as tensões políticas e econô-micas das r elações internacionais que se r eproduzem em seu interior – o confr onto glo-bal/local, a convivência de populações e características ter ceiro-mundistas em cidades dequalquer geografia. Assim, Soja vê na espacialidade construída pela pós-metrópole um es-paço aberto à multiplicidade de interpretações. Mais que um conceito urbanístico, a pós-metrópole sintetiza um conjunto de relações sociais e espaço-temporais, de ruptura da ló-gica socioespacial da metrópole baseada numa aglomeração física para um espaçodescontínuo, um fenômeno poliédrico. Ele conclui que nunca, em época anterior , “a es-

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pacialidade da cidade capitalista industrial ou o mosaico do desenvolvimento regional de-sigual tornaram-se tão caleidoscópicos, tão soltos de suas amarras do século XIX, tãocheios de contradições inquietantes.” (Soja, 1993, p.227)

Em sua reflexão sobre a metrópole “angelinizada”, De Mattos (2005, p.359) concluique “as proposições de Soja, relativas às pós-metrópoles, em termos gerais, são aplicáv eisàs AMPs latino-americanas em pr ocesso de globalização”. Conclusão com a qual aqui seconcorda plenamente, no caso dos arranjos urbano-r egionais; mas, no que diz r espeito atais proposições, se nota o quanto devem ser relativizadas, em função do estágio de inser-ção de cada arranjo no diálogo da globalização .

Todo esse conjunto de conceitos r eferentes a configurações espaciais urbano-r egio-nais foi sendo difundido na literatura especializada e, ao mesmo tempo, r einterpretadoem tentativas de captar suas nuances e especificidades, incorporando, em alguns casos,conteúdos programáticos ou eminentemente ideológicos. Não obstante sua abrangência,particularidades e especificidades não apreendem com exatidão o fenômeno e a morfolo-gia resultantes dos arranjos urbano-r egionais em território brasileir o, seja pela natur ezados processos, seja pela complexidade das r elações, seja ainda pelo r ecorte da dimensãopopulacional e impor tância econômica que r epresentam. Essa constatação justificou aadoção do novo conceito.

DIVERSIDADE ESCALAR E TOTALIDADE DO TERRITÓRIO

Os arranjos urbano-regionais mostram que há algo além de metrópoles e aglome -rações urbanas no processo de metropolização brasileiro. Os atuais elos da articulação re-gional na divisão social do trabalho são configurações ainda mais complexas, pela suadinâmica de flux os, concentração econômico-institucional, multiescalaridade e multi -funcionalidade, sob formas expandidas, descontínuas e aglutinadoras.

A natureza urbano-regional dos arranjos identificados sinaliza a complexidade daorganização produtiva nacional e a concentração do progresso técnico, que geram umamodernização econômica altamente diferenciadora no âmbito das estruturas produtivasregionais, e criam um mosaico heterogêneo de regiões. Em tal organização, os arranjosurbano-regionais se colocam como localizações privilegiadas à r eprodução do capital.Levam ao consenso de que há r egiões ganhadoras, como apontam B enko e Lipietz(1994), e não deixam de evidenciar que o contrário também é v erdadeiro, dado quepersistem regiões à margem do processo mais dinâmico expresso no território. Regiõesessas que ajudam a sustentar a consolidação e expansão das r egiões ganhadoras. Asso-ciados aos processos de reestruturação e globalização, são produzidos os espaços de pre-carização e a marginalização cada v ez maior de segmentos sociais, pr omovendo ou otriunfo da desigualdade ou o reforço de uma relação de dependência de poucos pontosganhadores sobr e uma v astidão de r ecursos alheios – ponderação já explicitada porBenko e Lipietz (1994).

Fica claro que o modelo de desenvolvimento mantém seu viés concentrador do cres-cimento nas grandes aglomerações urbanas, mesmo que se percebam alguns movimentosdifusores. Também fica claro que a acumulação segue acentuando as disparidades r egio-nais, articulando e incluindo os territórios funcionais e rentáveis, e excluindo os ineficien-tes ou pouco competitiv os. O que difer e esta fase do capitalismo de fases anterior es é o

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caráter ainda mais seletiv o do modelo de acumulação . Por se basear na existência de r e-des, torna-se ao mesmo tempo mais inter dependente e mais fragmentado.

O estudo que instigou a pesquisa ora sintetizada fazia alguns questionamentos. Q uepolítica territorial estaria sendo formulada para uma r ede de cidades comandada por taisarranjos espaciais? Estariam sendo constr uídas escalas de planejamento e gestão para ope-rar essa dimensão territorial e viabilizar sua integração nacional? O u estaria sendo reforça-do o localismo como modelo de “produtivização” do urbano e de estímulo à competitivi -dade entre municípios, mesmo no interior desses arranjos mais complexos? (Moura, 2005)

Tais questões foram r etomadas nas análises r ecentes, e as r espostas ressaltaram queos arranjos urbano-regionais são unidades multiescalares, nas quais o jogo escalar faz comque prevaleçam algumas escalas, como a global e a local, em detrimento de outras escalasintermediárias, como a r egional e mesmo a estadual. N o entanto, apr eender as lógicassubjacentes a esses processos ainda é o desafio que se coloca à constr ução de estratégias epolíticas de desenvolvimento, posto que a divisão social do trabalho v em se aprofundan-do em todas as escalas, o que torna necessário r econstruí-las, como recomenda Brandão(2007). Essa multiescalaridade constitui um facilitador ao desencadeamento de processoscriativos, dada a confluência de escalas detentoras de poder para acionar inv ersões públi-cas e/ou privadas e potencializar a dinâmica da aglomeração . Ao mesmo tempo, torna-seum dificultador para ações conjuntas, particularmente o exercício das funções públicas deinteresse comum, tão necessário nos espaços aglomerados, dados os distintos inter essesdas diversas escalas em competição. Novas escalas se multiplicam continuamente; porém,no jogo conflitivo de suas r elações, apenas algumas prevalecem no comando dos pr oces-sos, dando margem a perenizar as assimetrias presentes nos arranjos. Mesmo assim, a di-versidade permitida pela multiplicidade escalar dá efetividade à crescente importância dosarranjos urbano-regionais, a despeito de que torna mais complex o o diálogo da gestão.

Em tal perspectiva, o reconhecimento desses arranjos pode orientar um no vo perfilpara políticas públicas, mais adequado à natureza e à dimensão híbrida que os tornam pe-culiares. Perfil que deve incorporar ações que se consubstanciem na efetivação das tendên-cias impulsionadoras do desenvolvimento neles verificadas. Porém, que sejam mais abran-gentes e organizadoras das r elações e do território, mais inclusiv as e mais aber tas aodiálogo necessário com suas várias escalas, e que r esgatem o território em sua totalidade.

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Rosa Moura é doutora emGeografia, técnica da Secre-taria de Estado do Desen -volvimento Urbano, pes -quisadora do InstitutoParanaense de Desenvolvi -mento Econômico e Social(IPARDES) e da r ede Obser -vatório das Metrópoles.Email: r [email protected].

Artigo r ecebido em setem-bro de 2009 e apr ovadopara publicação em janeir ode 2010.

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A B S T R A C T A spatial category that tr anscends the urban agglomer ations, in thismorphological aspect, which is char acterized by wealth concentration, knowledge and power,which inser ts numer ous flo ws fr om v aried or ders, and that is composed b y a div erse and

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confrontational multiple scalar net is the object of discussion in this text. It refers to the urban-regional arrangements, a configuration physically expanded, with hybrid dimension, withoutdefining pr ecise limits, and that leads the urban networ k organization and r egionalintegration in the social division of labor. These arrangements appear in the national territory,and the most r epresentative, due his gr eater prominence, is the one surr oundings São Paulometropolis. As it is a concept in constr uction, it is important to be placed in the debate.

K E Y W O R D S Urban-regional; spa tial a rrangements; metr opolization; urbanagglomeration; urban region.

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DE VOLTA A UM FUTURO INCERTO

RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

E GESTÃO METROPOLITANA NA RMBH 1

C A R L O S A U R É L I O P I M E N T A D E F A R I A

R E S U M O O objetivo do trabalho é analisar, de uma perspectiva geral e comparativa,o comportamento das lideranças políticas dos municípios pertencentes à Região Metropolitana deBelo Horizonte frente aos constrangimentos e incentivos às relações intergovernamentais, no âm-bito metropolitano, proporcionados por três diferentes modelos de organização da cooperação in-tergovernamental: (a) aquele imposto pelo governo federal nos anos 1970, altamente hierarqui-zado; (b) o do “hipermunicipalismo simétrico”, instituído após a Constituição Estadual de MinasGerais, de 1989; e (c) o de integr ação dita “negociada”, que está sendo implantado desde 2006.Objetiva-se analisar as estratégias adotadas pelos municípios da RMBH diante dos distintos grausde liberdade que lhes foram concedidos pelos três modelos, e da capacidade de monopolização daagenda e de priorização de determinados interesses por parte dos municípios do eixo econômico edos governos estadual e federal.

P A L A V R A S - C H A V E Metrópoles; gestão metr opolitana; r elações intergo-vernamentais; Região metropolitana de Belo Horizonte; Ambel.

O Brasil vive, hoje, um momento de busca de superação dos efeitos perversos da au-tonomização dos municípios, chancelada pela Constituição Federal de 1988, que redun-dou na cristalização de um “municipalismo autárquico” (Abrucio & Soares, 2001) ou deum “municipalismo a todo custo ” (Fernandes, 2004). I niciativas de busca de “ desfrag-mentação” da gestão pública no país têm sido desenv olvidas em várias ár eas, como é dese notar pela constituição de uma div ersidade de consórcios intermunicipais, de comitêsde bacias hidrográficas, de fóruns regionais e metropolitanos de múltiplos propósitos, en-tre outras ações conjuntas, iniciadas pelos próprios municípios e/ou pelas demais esferasda Federação. Tal processo tem também lev ado à r evalorização do planejamento metr o-politano, na busca do desenvolvimento regional e/ou de solução para problemas comuns,que transcendem as fronteiras municipais.

Alberto Lopes sintetiza de maneira lapidar o que se convencionou denominar comoo “problema metropolitano”, que, certamente, está longe de ser exclusividade brasileira:

A especificidade do metropolitano decorre do fato de os elementos do espaço (meio ecológi-co, infra-estruturas, sujeitos sociais) guardarem uma interdependência estreita, sistemática ecotidiana, manifesta de forma concentrada em uma determinada fração do território que seencontra fragmentado pela divisão político-administrativa vigente. (Lopes, 2006, p.139)

No Brasil, é cada vez mais perceptível o fato de as metrópoles ter em passado a con-centrar a chamada questão social, até porque 41,23% dos brasileiros viviam, em 2000, emáreas metropolitanas, sendo que tais áreas concentravam 43,51% da população economi-

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1 Uma versão anterior destetrabalho foi apr esentada no6º Encontro da AssociaçãoBrasileira de Ciência Política(ABCP), r ealizado na Uni -camp entre os dias 29 de ju-lho e 01 de agosto de 2008.O autor agradece os comen-tários e sugestões feitas porGustavo Gomes Machado,responsabilizando-se plena-mente, contudo, pelos equí-vocos e problemas eventual-mente r emanescentes. Oautor agradece, também, oapoio recebido da FAPEMIG.

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camente ativ a. Cabe destacar , também, que as taxas de desempr ego nessas ár eas sãomaiores que a média brasileira (Moura et al, 2003).

Ribeiro (2004) chama a atenção para um impor tante “paradoxo da sociedade bra-sileira”:

os problemas acumulados nas metrópoles ganham cr escente relevância social e econômica,mas ela permanece órfã de interesse político. Com efeito, a despeito da (...) multiplicação deinstituições metropolitanas, observamos a inexistência de efetivas políticas públicas voltadasespecificamente ao desenv olvimento dessas ár eas. As políticas urbanas são hoje for tementeintra-urbanas, setoriais e locais. O s organismos metr opolitanos, onde existem, têm à suadisposição frágeis mecanismos para empreender ações cooperativas de planejamento e gestão.Na maioria delas, as relações entre municípios e governos estaduais são fundadas em práticasclientelistas próprias de um regime político marcado pela fragilidade dos par tidos. (Ribeiro,2004, p.11)

No cerne da problemática metropolitana está o dilema da ação coletiv a, no sentidoda necessidade de promoção da cooperação inter e intra-governamental, bem como inter-setorial, que requer a articulação entre interesses e preferências distintos, defendidos poratores e agências estatais, societais, semipúblicas e priv adas, que desfr utam de v ariadosgraus de autonomia, mas atuam sobre o mesmo espaço territorial (Souza, 2006). O obje-tivo maior das instituições encarregadas da gestão metropolitana é, portanto, a superaçãodo dilema da ação coletiva. Parte-se, neste trabalho, do reconhecimento de certa singula-ridade dos mecanismos de planejamento e gestão da R egião Metropolitana de Belo Ho-rizonte (RMBH), construídos ao longo de mais de três décadas, sendo que, em meados dapresente década, começa a ser gestada no estado de M inas Gerais uma pr oposta, certa-mente inovadora, de equacionamento da problemática metropolitana.

O objetivo principal deste trabalho é analisar o compor tamento das lideranças polí -ticas dos municípios per tencentes à R egião Metropolitana de B elo Horizonte ( RMBH),bem como do governo do estado de Minas Gerais, frente aos constrangimentos e incenti-vos às relações intergovernamentais cooperativas, estruturados com a implantação, ao lon-go das últimas décadas, de distintos modelos de gestão metropolitana. Desde 1973, quan-do foram instituídas as oito primeiras RMs do Brasil, entre elas a de B elo Horizonte, foipossível distinguir, na RMBH, a vigência de três formas diferentes de institucionalização dacooperação intergovernamental, quais sejam: (a) o modelo compulsório altamente hierar -quizado, imposto pelo governo federal no início da década de 1970, de forte viés “estadua-lista”; (b) o modelo do “hipermunicipalismo simétrico”, instituído após a Constituição Es-tadual de 1989; e (c) o modelo de uma integração supostamente “ negociada”, que estásendo implantado após a adoção, no estado de Minas Gerais, de um novo arcabouço legal,em meados desta década de 2000. Objetiva-se analisar as estratégias adotadas pelas lideran-ças políticas dos municípios membros da RMBH diante dos distintos graus de liberdade quelhes foram concedidos pelos três modelos, do peso diferenciado dos atores governamentaise da capacidade de monopolização da agenda e de priorização de determinados inter essespor parte dos municípios do eixo econômico – Belo Horizonte, Contagem e Betim – e dosgovernos estadual e federal. Também é impor tante analisar o papel desempenhado pelaGranbel (Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte), criadaem 1975, que se tornaria o principal lócus institucional através do qual seriam vocalizadasa insatisfação e as reivindicações dos pequenos municípios metropolitanos.

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Para tanto, o trabalho está organizado da seguinte maneira: na primeira seção, se dis-cute, brevemente, o processo de institucionalização da gestão metr opolitana no país. Nasegunda é apresentada e analisada a ev olução dos modelos de go vernança metropolitanaadotados com o intuito de garantir formas de cooperação intergo vernamental para a so-lução dos problemas específicos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Aterceira seção apresenta o processo de expansão da RMBH, dos 14 municípios originários,na década de 1970, à sua atual conformação, com 34 membr os, além de uma br eve ca-racterização dos municípios-membros que subsidiará a discussão subsequente. A quarta eúltima seção, por fim, analisa o comportamento das lideranças dos pequenos municípiosque compõem a RMBH, pautado pelos incentiv os e constrangimentos pr evalecentes nosdistintos modelos. As considerações finais pr ocuram discutir, brevemente, o impacto es-perado da implantação, ainda muito recente, de uma forma supostamente mais equilibra-da e dita “negociada” de busca de concer tação e cooperação entre os atores governamen-tais do âmbito metropolitano, consubstanciada nas instituições metropolitanas que estãosendo instituídas atualmente, após a apr ovação de um no vo marco legal, em meados dadécada de 2000.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO METROPOLITANA NO BRASIL

No Brasil, as regiões metropolitanas (RMs) foram instituídas através da Lei Comple-mentar n. 14, de 1973, que, ao regulamentar disposições incorporadas ao texto constitu-cional pela Emenda nº1, de 1969, criou as oito primeiras RMs do país.2 Sob o signo doplanejamento tecnocrático centralizado, a legislação que institucionalizaria as regiões me-tropolitanas no país, mesmo buscando priorizar a concer tação dos ator es estatais para aprovisão de serviços comuns, tratava as RMs principalmente como regiões de desenvolvi-mento e não como regiões de serviços (Moraes, 2001).3 Para o regime de 1964, o territó-rio assume uma dimensão estratégica nas políticas de go verno (Lopes, 2006). A institu-cionalização das RMs naquele período deve ser vista como “parte da política nacional dedesenvolvimento urbano, relacionada à expansão da produção industrial e à consolidaçãodas metrópoles como lócus desse processo” (Moura et al , 2003, p.35). Nas palavras deMoraes, “a intenção do Estado ao institucionalizar as RMs não era partir de, mas construiruma mesma comunidade socioeconômica , do ponto de vista da criação de condições fav o-ráveis ao desenv olvimento da r elação capital/produção/trabalho em pontos estratégicosdo território nacional ” (2001, p .341). Esse modelo de concer tação compulsória, alta-mente hierarquizado, caracterizava-se por um for te viés “ estadualista”, sendo por v ezescaracterizado como “simétrico”, em função do mesmo tratamento dispensado às RMs ins-tituídas, independentemente de suas singularidades.

Diversas foram as críticas ender eçadas a tal arcabouço legal, as quais enfatizav am: aambiguidade e imprecisão de seus objetivos e instrumentos; a ausência de previsão dos re-cursos financeiros que viabilizariam a gestão metr opolitana; a rigidez do modelo institu-cional a ser implantado em r ealidades heterogêneas; sua visão funcionalista e centraliza-dora, que não atentav a para as desigualdades intra e inter-r egionais, para as distintasvocações, potencialidades e políticas locais e para o impacto diferenciado das ações regio-nais sobre os municípios ou sobre parte deles; a excessiva tutela dos técnicos da adminis-tração federal sobre os estudos preliminares para a implantação de tal forma específica de

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2 A nona RM do país, a doRio de Janeir o, seria criadano ano subsequente, 1974,após a fusão dos estados doRio de Janeiro e da Guanaba-ra, uma vez que a legislaçãoprevia apenas arranjos intra-estaduais, e não inter esta-duais. Contudo, “antes mes -mo de existir base legal ejurídica para a existência[das RMs] no Brasil, já exis-tiam experiências embrioná-rias de algumas administra-ções metr opolitanas”, comoem São Paulo, Por to Alegre,Belém, Salvador e Belo Hori-zonte (Rolnik & Somekh,2004, p.114).

3 A institucionalização com -pulsória das primeiras RMsno país tinha, segundo a LC14/1973, a finalidade deprestação dos “serviços co -muns de interesse metropoli-tano”, assim discriminados:planejamento integrado dodesenvolvimento econômicoe social; saneamento básico(água, esgoto e limpeza ur -bana); apr oveitamento dosrecursos hídricos e contr oleda poluição ambiental; pr o-dução e distribuição de gáscombustível canalizado; trans-portes e sistema viário; euso e ocupação do solo. Co -mo nota Mar es Guia, “dei -xam de ser consideradosserviços impor tantes, porexemplo, a habitação, en -quanto que é incluído o gáscanalizado, existente somen-te no Rio de Janeir o e emSão Paulo” (2001, p.411).

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regionalização; a desvalorização do papel dos municípios e a grande concentração do po-der decisório na esfera estadual, entr e outras. (Pacheco, 1995, e Moraes, 2001)

A despeito da pertinência de tais críticas, a razão principal do insucesso destas expe-riências pioneiras de gestão metr opolitana deve ser buscada na pr ecariedade do equacio-namento das relações intergovernamentais no âmbito metropolitano, imprescindível pa-ra a garantia do compor tamento cooperativo dos principais ator es envolvidos. Ficarampatentes tanto os desequilíbrios na ar ticulação entre os três níveis de governo (União, es-tados e municípios) quanto as dificuldades na ação cooperativa horizontal entre os muni-cípios de cada RM, bem como a incapacidade de se produzir a coordenação intragoverna-mental, entre órgãos de um mesmo nív el de governo. (Pacheco, 1995)

A gestão metropolitana instituída pela LC 14/1973 estava ancorada no funciona-mento de dois conselhos, um deliberativ o e outro consultivo. O Conselho D eliberativo(CD) era composto por seis membr os, nomeados pelo go vernador do estado, sendo umdeles indicado a partir de lista tríplice articulada pelo prefeito da capital e outro pelos de-mais municípios-membros (Hotz, 2000). O CD era presidido pelo governador do estado,que indicava diretamente 4 de seus 6 membros, sendo, assim, expressão cabal de seus in-teresses e prioridades. Cabe r ecordarmos que os go vernadores de estado eram indicadospelo Executivo federal. Por seu turno, o Conselho Consultiv o, congregando os prefeitosdos municípios envolvidos ou seus representantes, tinha funções bastante periféricas. Naspalavras de Montoro, “os conselhos foram muito mais instâncias homologatórias de pr o-postas técnicas levadas pelo governo estadual que foros de debates de problemas de inte-resse comum” (apud Pacheco, 1995, p.197). Vale ressaltar que as entidades metr opolita-nas então instituídas foram pensadas como instâncias administrativ as, sendo desprovidasde poder político. (Moraes, 2001)

Pensando nas motivações para a ação metropolitana no Brasil e levando em conside-ração as fontes de coesão e sustentabilidade da ação concer tada, Lopes (2006) afirma queeste primeiro período, que iria da primeira metade da década de 1970 a meados de 80, ca-racterizou-se por uma “ coerção simétrica” implementada pelo go verno federal. I sso emfunção da “iniciativa, da vinculação institucional, da sustentação política e financeira e dorepertório de ações metropolitanas empreendidas desde o governo federal” (p.144). Comorecorda o autor, foi criada à época, em âmbito federal, uma superestrutura de apoio técni-co e financeir o ao desenv olvimento urbano e às RMs, composta pelo B anco Nacional deHabitação (BNH), pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) e pela Comis-são Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas (CNPU), que seria sucedida peloConselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU). No que diz r espeito à questãodo financiamento, foram criados também os Fundos de Desenvolvimento Metropolitano,que priorizavam aqueles municípios que adotavam uma postura de maior colaboração emrelação às iniciativas capitaneadas pelo governo federal e pelos estados.

Em sintonia com as políticas macroeconômicas do regime militar, os investimentosnas áreas metropolitanas se concentraram na circulação, no transporte urbano e na cons-trução civil, sendo as capitais, as cidades-pólo das RMs instituídas, tomadas como centrosirradiadores do progresso para as periferias. No que concerne à prestação de serviços pú-blicos como água e esgotamento sanitário, se operou, no período, uma “centralização em-presarial em concessionárias da esfera estadual de go verno”. (Lopes, 2006, p.146)

Tal modelo de gestão metropolitana foi denominado por Machado (2007a) de “mo-delo da tecnocracia esclar ecida”, denominação essa que talv ez merecesse um r eparo, nosentido de se acrescentar o termo “supostamente”.

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Da articulação dos atores que se opunham ao r egime militar e do repúdio generali-zado ao centralismo que caracterizava o período de exceção, cristalizou-se no país, em res-posta também à perda de dinamismo da gestão metropolitana no Brasil, uma postura de“municipalismo a todo custo” (Fernandes, 2004). O “municipalismo autárquico” (Abru-cio & Soares, 2001), que se consolidava então, redundaria em um tratamento muito ge-nérico da questão metr opolitana pela Constituição F ederal de 1988, o qual encontrariareverberação em algumas das constituições estaduais pr omulgadas no ano subsequente.

O texto constitucional de 1988 transferiu a responsabilidade de criação das RMs pa-ra o âmbito estadual, reconhecendo a autonomia dos estados para a formulação de estra -tégias de gestão de seu território e potencializando a diversificação dos modelos de gestãometropolitana no B rasil. Tal possibilidade r edundou tanto na criação de no vas RMs nopaís como na alteração dos limites daquelas existentes. Contudo, a força do municipa-lismo no país lev aria a uma grande r esistência em se priorizar a questão metr opolitana,cujo enfrentamento demanda ação cooperativ a por par te dos ator es envolvidos e, comouma das alternativas então cogitadas, até mesmo a cessão de parcela da autonomia que seconcedia aos municípios. Tais embates explicam o tratamento genérico da questão pelanova Carta Magna.

Cabe notarmos, aqui, que, a despeito do trabalho de advocacy de alguns ator es, oprocesso constituinte de 1986 a 1988 acabou r edundando na refutação de soluções maisousadas à problemática metropolitana. Naquela época, oito das no ve RMs do Brasil pre-pararam um documento que, a partir de sua experiência de 15 anos de gestão metropoli-tana, propunha que o pacto federativ o do país incorporasse uma no va instância, ou umquarto nível da F ederação: o metr opolitano. A pr oposta baseava-se na constatação queuma RM não se constitui apenas como uma r egião de serviços comuns, socioeconômica,administrativa ou de planejamento do uso do solo, sendo, fundamentalmente, uma ins -tância política. Tal proposta chegou a ser apresentada à Assembléia Constituinte, mas nãofoi votada. (Fernandes, 2004. Veja-se, também, Souza, 2004)4

Ao contrário de outras experiências de go vernança metropolitana, sem dúvida me -nos numerosas, calcadas no “modelo de coordenação supramunicipal”, como é o caso dasRMs de Londres e de Toronto, por exemplo, a “segunda geração” de entidades metropoli-tanas no Brasil estava, então, fadada a se constituir como v ariações do “modelo intermu-nicipal”. Na verdade, a partir de um modelo intermunicipal orquestrado pelos estados fe-derados. Segundo Rodríguez e Oviedo (2001), o “modelo intermunicipal” corresponde aum tipo de go verno cuja legitimidade é indir eta, posto que assentada na autoridade deseus membros, os municípios, tendo baixa autonomia financeira, uma v ez que os r ecur-sos são oriundos de seus membros e/ou de subsídios dos níveis superiores de governo. Su-as competências são definidas a par tir de acordos entre os municípios-membros, corres-pondendo a concessões de poder predefinidas e limitadas.

As diversas constituições estaduais, datadas de 1989, deram tratamento muito dife-renciado à problemática metropolitana, tanto no que diz respeito à abrangência da regu-lação como aos distintos fatores privilegiados. Cabe ressaltarmos que apenas os estados doCeará e de São Paulo enfatizaram a importância estratégica da participação estadual (Aze-vedo & Mares Guia, 2000. Veja-se, também, Negreiros, 1992). Nas palavras de Azevedoe Mares Guia,

a experiência brasileira posta em prática a partir dos anos 1970 evolui, durante as últimas dé-cadas, de uma gestão metropolitana altamente padronizada, imposta aos municípios pelo go-

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4 Mais recentemente, a defe-sa de uma pr oposta deemancipação das administra-ções regionais no Brasil con-temporâneo pode ser encon-trada em Gouvêa, 2005.

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verno federal, para modelos mais flexíveis peculiares a cada estado da Federação, combinan-do formas compulsórias e v oluntárias de associação que, constitucionalmente, se caracteri-zam por uma maior par ticipação dos governos locais”. (2004, p.98)

Em função do papel central dado às municipalidades nos arranjos institucionais ca-racterísticos deste segundo momento de institucionalização das RMs no país, parece-nospertinente denominar o modelo instituído pelas Constituições Estaduais de 1989 comoo de um “hipermunicipalismo simétrico”, uma vez que a tendência, no âmbito estadual,foi a de não discriminação de papéis difer enciados para os municípios-membr os, segun-do as suas par ticularidades econômicas e demográficas e o seu tipo de inserção na dinâ-mica metropolitana.

Cabe notarmos, porém, que esta segunda fase de institucionalização das RMs no Bra-sil foi denominada por Lopes (2006) de período, ainda não totalmente encerrado, do “vo-luntarismo sem modelo”, que se caracterizaria pelo “ domínio de iniciativas de ação me-tropolitana em que a v ontade supera a razão ” (p .146). U m viés menos cáustico, epossivelmente mais preciso, enfatizaria, na verdade, o predomínio das lógicas políticas re-gionais, como se discutirá a seguir. Vale ressaltar, ainda, que o processo que se inicia coma promulgação das constituições estaduais é derivado de um cenário não apenas de repú-dio ao centralismo que havia caracterizado o regime militar, e é também pautado pela cri-se de financiamento do Estado e pelo desmonte da super estrutura de apoio do go vernofederal ao desenvolvimento urbano. Nesse segundo momento de (r e)organização da ges-tão metropolitana no país, caberia distinguir, ainda de acordo com Lopes, a coexistênciade dois conjuntos de experiências de gestão metr opolitana, quais sejam: “ aquelas rema-nescentes, ainda que renovadas, da matriz estadualista do passado [na qual se enquadra aRMBH] e as novas, identificadas com um protagonismo voluntarista cujo projeto veio sen-do construído local e regionalmente”. (2006, p.148)

Segundo a periodização proposta por Machado (2007a), após o reconhecimento dasdificuldades desta forma exacerbada de municipalismo e com a crise, muitas vezes aguda,das instituições metropolitanas instituídas,5 se segue um ter ceiro momento, de “integra -ção negociada”, no qual, via de regra, a questão do financiamento para as ações metropo-litanas continua enfrentando obstáculos políticos, institucionais e legais ( Ver Rezende &Garson, 2006). Nesse terceiro momento de (r e)organização da gestão metr opolitana nopaís, em que proliferam as iniciativas de “desfragmentação” da gestão pública, ganha des-taque, como no período anterior , o experimento institucional que se consolida hoje noestado de Minas Gerais, como se discutirá a seguir.

A GESTÃO DA RMBH: DO “HIPERMUNICIPALISMOSIMÉTRICO” À INTEGRAÇÃO NEGOCIADA

A Constituição do estado de M inas Gerais, de 1989, destaca-se pelas ino vações re-lativas ao planejamento r egional, posto que pautada pela busca de desconcentração pla -nejada do desenvolvimento econômico e de r edistribuição de recursos com o intuito decompensar pelos impactos da polarização. Dentre as constituições estaduais do país, a mi-neira foi “uma das poucas que definiu, estipulou parâmetros e estabeleceu um rol de fun-ções públicas de inter esse comum para cada estr utura regional apresentada pela Consti-tuição [Federal] de 1988” (M oraes, 2001, p .351), sendo elas: as r egiões metropolitanas,

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5 A maioria das experiênciasde gestão metr opolitana foiinterrompida nos anos 1990(Souza, 2004). “Com a novarealidade constitucional, odestino dos antigos ór gãosmetropolitanos ficou total-mente à mercê das variáveisinternas de cada Estado. Se-lando o fim do planejamentometropolitano, a maioria dosórgãos técnicos r esponsá-veis por essa atividade é r e-legada ao plano secundário,ou mesmo extinta” (Azevedo& Mares Guia, 2000, p.135).O Plambel, órgão de planeja-mento da RMBH, foi extintoem 1996.

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as aglomerações urbanas e as micr orregiões. Outra importante especificidade da Consti-tuição Mineira foi a definição do Colar Metropolitano,6 que se configura, pelo menos nateoria, como um

“importante mecanismo no tratamento dos diferentes reflexos que o processo de metropoli-zação possa gerar nos municípios cir cunvizinhos às RMs, tais como a intensificação do par-celamento do solo urbano, a necessidade de reserva de recursos hídricos, a demanda por ser-viços de transporte público etc.”. (Moraes, 2001, p.345)

Contudo, uma tendência geral, replicada com especificidades pela legislação minei-ra, foi a de ampliar a r epresentatividade dos municípios nos conselhos metr opolitanos,instituídos em vários estados da Federação. A Ambel (Assembleia Metropolitana de BeloHorizonte) seria formada, inicialmente, por pr efeitos, vereadores indicados pelas r espec-tivas câmaras municipais, por um representante da Assembleia Legislativa e por um repre-sentante do Executivo estadual, indicado pelo go vernador. Fica claro, assim, que a no vaestrutura invertia completamente a corr elação de forças no âmbito da gestão metr opoli-tana, dando óbvia primazia aos interesses dos municípios, em contraste com a ênfase es-tadualista da legislação de 1973. 7 No que diz r espeito à alocação de r ecursos financeirospara a gestão metropolitana, apenas as constituições dos estados da Paraíba, Espírito San-to e Minas Gerais definiram “rubricas e/ou mecanismos específicos de co-responsabilida-de dos go vernos estadual e municipais, v oltados para garantir em recursos destinados àsfunções de interesse comum”. (Azevedo e Mares Guia, 2000, p.136)

Se a gestão da RMBH se “democratizaria” com a criação da Ambel, pelo menos doponto de vista do desenho institucional, a problemática das relações intergovernamentaisvolta a se constituir como obstáculo para a efetivação da gestão metropolitana, posto queas diretorias da Assembleia M etropolitana passaram, via de r egra, a ser dominadas porcoalizões dos municípios menores, em oposição ao eixo econômico metropolitano, com-posto por Belo Horizonte, Betim e Contagem. A r eação dos municípios do eix o econô-mico passa a ser, então, a de esv aziamento do órgão, que se torna essencialmente inope-rante (idem). Ademais, como não houve a regulamentação do Fundo de DesenvolvimentoMetropolitano, a questão financeira tampouco ficou resolvida, preservando o governo doestado no contr ole sobre par te significativa dos principais instr umentos de inter vençãometropolitana. Contudo, ainda assim, o estado foi visto pelas comissões que propuseramo mais novo marco institucional, de meados da década de 2000, como estando sub-repre-sentado na Ambel, com apenas dois membr os: um representante da Assembleia Legisla-tiva e um do poder ex ecutivo (Machado, Souki & Faria, 2007). Segundo a proposta dascomissões técnicas do “Seminário Legislativo: Regiões Metropolitanas” (out. 2003):

O Estado está sub-representado na Assembléia Metropolitana (...) Cabe obser var que o Es-tado, na realidade, tem órgãos e empresas (COPASA, CEMIG, FEAM, DER, etc.) que exer-cem papel de maior relevo e ações de maior impacto do que as praticadas pelo conjunto dosmunicípios que formam a RM, seja pelo volume de investimento que realizam na região, se-ja pela importância para o desenvolvimento regional dos setores em que operam. (S ubtema1, p.1. Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 2003)

Como decorrência da impor tância dos processos decisórios do âmbito estadual, desua burocracia, do volume de r ecursos que o estado aloca e de seu poder de contratar e

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6 O estado de Santa Catari-na é o único, além de MinasGerais, que identifica “ár easde expansão metropolitana”,as quais são denominadas,em MG, Colar Metr opolitano(Moura et al, 2003). O ColarMetropolitano da RMBH é ho-je composto por 14 municí-pios, quais sejam: Barão deCocais, Belo V ale, Bonfim,Fortuna de Minas, Funilândia,Inhaúma, Itabirito, Itaúna,Moeda, Pará de Minas, Pru-dente de Morais, Santa Bár-bara, São José da Varginha eSete Lagoas. Note-se que to-dos esses 14 municípiostêm um nível de integração àdinâmica metr opolitana con-siderado Muito Baixo, à exce-ção de Sete Lagoas, quetem um nível Médio de inte-gração (ver Nota 8, adiante).

7 Internamente, a Ambel es-tava estruturada a par tir deum plenário, um comitê exe-cutivo e de câmaras técnicassetoriais, cada uma dessasúltimas corr espondentes àsfunções de inter esse co-mum. Posteriormente, acomposição do plenário daAmbel foi modificada pela LeiComplementar Estadual N.26/93. A representação dosvereadores na Ambel passoua obedecer aos seguintescritérios: municípios com até100 mil habitantes indica -riam um ver eador; de100.001 a 200 mil habitan -tes indicariam dois ver eado-res; de 200.001 a 400 mil,três vereadores; de 400.001a 800 mil, quatr o ver eado-res; de 800.001 a1.600.000 habitantes, cincovereadores; e mais de1.600.000, seis vereadores.(Mares Guia, 2001, p.420)

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negociar, parte significativa do fluxo da gestão passaria ao largo do marco metropolitano.Ademais, há que se considerar que a fragilidade daquele segundo modelo de gestão im-plantado na RMBH e o agravamento de vários dos pr oblemas que afetam os municípiosmetropolitanos levaram à criação de uma multiplicidade de convênios e à ar ticulação dediversas parcerias intermunicipais, muitas v ezes com a par ticipação de órgãos estaduais,tendo como objetivo o enfrentamento dos problemas compartilhados. (Machado, Souki& Faria, 2007)

É neste contexto que, a par tir de um nítido pr otagonismo da Assembleia Legislati-va de M inas Gerais, se define no estado um no vo arranjo institucional, potencialmentecapaz de dinamizar a gestão das duas RMs do estado (RMBH e a RM do Vale do Aço, ins-tituída em 1998, pela Lei Complementar Estadual n.51). E m 2004 é aprovada a Emen-da Constitucional n.65, que define no vos princípios para a gestão metr opolitana no es-tado, assim como os órgãos e instrumentos de sua estrutura. Com a aprovação, em janeirode 2006, de três pr ojetos de Lei Complementar, Minas Gerais volta a se singularizar pe-lo caráter inovador dado à problemática metropolitana. Esse arcabouço legal levou à cria-ção de um Conselho D eliberativo de D esenvolvimento Metropolitano (CDDM), preser-vando a Assembleia M etropolitana como instância máxima no pr ocesso decisório,cabendo a ela a definição das dir etrizes gerais a serem implantadas no âmbito metropoli-tano. A composição da nova Assembleia Metropolitana foi, porém, alterada; nela tiveramassento quatro representantes do Executivo estadual e um da Assembleia Legislativa, bemcomo todos os 34 municípios – r epresentados pelos prefeitos e pelos presidentes das Câ-maras Municipais –, totalizando, então, 73 membros. As resoluções do Conselho Delibe-rativo, que tem uma representatividade mais restrita, como se verá, podem ser vetadas pe-lo voto de dois terços dos membros da Assembleia Metropolitana.

A legislação também previu a criação de uma Agência de D esenvolvimento Metro-politano, de caráter técnico e executivo. Sua função é produzir informações que possibili-tem uma visão integrada da RMBH, com o objetivo de subsidiar o Conselho Deliberativo,que passa a r egulamentar as ações metropolitanas do estado e dos municípios-membr os.Prevê-se ainda a regulamentação do Fundo Metropolitano, que deverá ser gerido pela Se-cretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Urbano (SEDRU), bem como a implan-tação do Plano Diretor Integrado, destinado a orientar os P lanos Diretores dos municí-pios que integram a RMBH no que diz r espeito ao ex ercício das funções públicas deinteresse comum. (Machado, Souki & Faria, 2007)

Quanto ao Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano (CDDM), cu-jas competências foram definidas pela Lei Complementar n. 88/2006, sua composição re-equaciona o peso específico dos ator es, franqueando maior centralidade ao estado e aosmunicípios do eixo econômico, por ser composto por cinco r epresentantes do Executivoestadual, dois da Assembleia Legislativ a, dois de B elo Horizonte, um de Contagem, umde Betim e três dos demais municípios que compõem a RMBH, além de dois representan-tes da sociedade civil organizada. O CDDM tem, então, 16 membros.

Com a ampliação da Assembleia M etropolitana, órgão de decisão superior – que écomposto, como se viu, por 73 membr os: quatro integrantes do Executivo e um da As-sembleia Legislativa, os pr efeitos e pr esidentes das Câmaras M unicipais de todos os 34municípios-membros –, são muito grandes as expectativ as produzidas pelo novo arranjoinstitucional, alardeado como inovador, no sentido da promoção do desenvolvimento daregião e da resolução de uma ampla gama de pr oblemas cuja solução requer a ação com-partilhada e, segundo a aposta, um maior grau de institucionalização . Porém, o compor-

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tamento dos ator es v ai também depender da maneira como a questão financeira seráequacionada. Sendo assim, uma vez mais está sendo testado um novo modelo de relaçõesintergovernamentais no âmbito da RMBH, instituído agora a partir da premissa renovadade que a capacidade indutora do go verno estadual e dos municípios do eix o econômicoseja capaz de revitalizar a gestão metropolitana, tornando-a eficaz.

Para que o objetivo do presente trabalho seja atingido, qual seja, analisar o compor-tamento das lideranças políticas dos municípios per tencentes à RMBH, frente aos cons-trangimentos e incentiv os interpostos pelos distintos modelos de gestão metr opolitanaimplantados ao longo das últimas décadas, faz-se necessário, antes, caracterizarmos, ain-da que de maneira sucinta, os municípios que compõem a RMBH, tarefa a que se dedicaa próxima seção.

UM MICROCOSMO DAS HETEROGENEIDADES DOBRASIL: UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO DA RMBH

A RMBH é hoje composta por 34 municípios. Cabe ressaltar que, das 26 RMs atual-mente instituídas no B rasil, apenas a de São P aulo agrega um númer o maior de muni-cípios (39) – a RM de Porto Alegre tem 31, a de Curitiba 26, sendo que nenhuma outraé constituída por mais de 19 municípios. Como demonstrado no Q uadro 1, abaix o,quando de sua constituição, no começo da década de 1970, a RMBH agregava 14 muni-cípios. Os outros 20 municípios foram incorporados, a par tir de 1989, em seis momen-tos distintos, em um pr ocesso que reflete não apenas a própria dinâmica de expansão daaglomeração metropolitana como fenômeno urbanístico, mas também a criação de novosmunicípios e, principalmente, o novo jogo político criado em torno do fenômeno metro-politano, a partir da delegação, pela Constituição Federal de 1988, de autonomia para osestados federados quanto à formalização de entidades regionais, como discutido anterior-mente. No que diz respeito à expansão por incorporação de municípios emancipados, de-ve-se notar que esse foi o caso, integralmente, da expansão efetuada no ano de 1993, bemcomo de quatro dos seis municípios agr egados à RMBH em 1997, como também discri -minado no Quadro 1.

O Quadro 1 apresenta, ainda, a classificação dos 34 municípios-membr os de acor-do com o seu grau de “integração na dinâmica da aglomeração ”.8 Dos 34 municípios daRMBH, excluindo-se a capital, que é o Pólo, 6 apr esentam grau de integração M uito Al-to, 6 Alto, 10 Médio, 5 Baixo e 6 Muito Baixo. Sendo assim, segundo os critérios adota-dos, 11 dos municípios membr os da RMBH (os 5 de B aixa integração somados aos 6 deintegração Muito Baixa) são considerados “não metropolitanos” (ver a Nota 8), todos elesincorporados a partir de 1989, com exceção de Rio Acima, de Baixa integração, que cons-tava dos 14 membros originais. Tal fato sinaliza, de maneira inequív oca, a não prevalên-cia de critérios técnico-urbanísticos na expansão da RMBH, após o início da vigência domodelo do “hipermunicipalismo simétrico ” instituído após a Constituição Estadual de1989. Isso porque 10 dos 20 novos municípios incorporados a partir de 1989 podem serconsiderados “não metropolitanos”.

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8 Esta classificação foi de -senvolvida pelo Observatóriodas Metrópoles, sendo apr e-sentada no documento “ Aná-lise das Regiões Metropolita-nas do Brasil: Identificaçãodos espaços metr opolitanose construção de tipologias ”(2004). Foram os seguintesos indicadores utilizados: ta-xa média geométrica decrescimento populacional1991-2000; densidade de-mográfica; contingente eproporção de pessoas querealizam movimento pendu-lar; pr oporção de empr egonão agrícola; pr esença defunções específicas e indis-pensáveis à cir culação depessoas e mer cadorias, co-mo localização de por tos eaeroportos; e a capacidadede geração de r enda pelaeconomia local, expr essapor sua par ticipação no PIBda região. Chegou-se, comoresultado, a cinco categoriasde integração: Muito Alta, Al-ta, Média, Baixa e Muito Bai -xa. Cabe r essaltar que osmunicípios com grau de inte-gração Baixo ou Muito Baixoforam considerados como“não metropolitanos”.

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Quadro 1 – Constituição e características básicas da R egião Metropolitana de Belo Ho-rizonte

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)Municípios Integração na Ano de População Distância Área Densidadeda RMBH dinâmica da integração residente da capital (km2) demográfica

aglomeração à RMBH em 2000 (km) (2000) (hab/km2)

Belo Horizonte Pólo 1973 2.238.526 0 331,9 6718Contagem Muito Alta 1973 538.017 16 195,2 2748Ibirité Muito Alta 1973 133.044 25 73,3 1812,3Ribeirão das Neves Muito Alta 1973 246.846 15 154,6 1595Santa Luzia Muito Alta 1973 184.903 12 234,4 788,1Vespasiano Muito Alta 1973 76.422 14 70,3 1085,7Betim Muito Alta 1973 306.675 30 346,8 875,4Sabará Alta 1973 115.352 17 304,4 376,3Caeté Média 1973 36.299 31 542,7 66,8Lagoa Santa Média 1973 37.872 22 232,7 162,3Nova Lima Média 1973 64.387 22 429,7 149,6Pedro Leopoldo Média 1973 53.957 24 291,9 184,4Raposos Média 1973 14.289 23 72 198,2Rio Acima Baixa 1973 7.658 35 228,7 33,5Esmeraldas Alta 1989 47.090 38 912,3 50,2Igarapé Média 1989 24.838 46 110,3 220Brumadinho Baixa 1989 26.614 44 634,3 41,9Mateus Leme Baixa 1989 24.144 53 303,4 79,5São José da Lapa* Alta 1993 15.000 13 48,8 307,6Juatuba* Média 1993 16.389 43 97,1 162,3Sarzedo* Alta 1997 17.274 31 62,1 277,6Mário Campos* Alta 1997 10.535 36 35,3 298,2Confins* Alta 1997 4.880 21 42,1 113,9S. Joaquim de Bicas* Média 1997 18.152 42 72,7 249,7Florestal Muito Baixa 1997 5.647 51 194,9 28,9Rio Manso Muito Baixa 1997 4.646 62 232,8 19,9Matozinhos Média 1999 30.164 32 253,6 118,6Capim Branco Média 1999 7.900 34 94,5 83,4Itaguara Baixa 1999 11.302 85 411,9 27,4Nova União Muito Baixa 1999 5.427 42 172 31,6Baldim Muito Baixa 1999 8.155 59 556,7 14,6Jaboticatubas Muito Baixa 2000 13.530 40 1117,1 12,1Taquaraçu de Minas Muito Baixa 2000 3.491 33 330,3 10,6Itatiaiuçu Baixa 2002 8.517 64 295,9 28,8(*) Municípios emancipados de outros que pertenciam à RMBH.

Fontes: Observatório das Metrópoles 2004 e 2006.

Cabe destacarmos, contudo, que, a despeito do momento inaugural de instituciona-lização das RMs no Brasil ter sido denominado de “tecnocracia esclarecida” por Machado(2007a), a decisão de 1973, do r egime militar, longe está de poder ser classificada como

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exclusivamente técnica, no sentido de que ela teria, supostamente, se pautado apenas pe -la atenção ao fenômeno urbano-metropolitano. De acordo com Moura & Firkowski,

A inclusão de determinadas cidades no conjunto das [RMs] criadas naquele momento de-monstrou sinais de fragilidade na concepção dos critérios que orientaram a seleção . Fragili-dade que se torna evidente no caso das [RMs] de B elém e Curitiba. Nesta, a dinâmica me-tropolitana se revelava, segundo alguns autores, menos intensa do que até mesmo em outrasáreas do próprio estado, como aquela pr esente no eix o formado pelas cidades do nor te doParaná. Situação similar se deu no caso de Campinas e Brasília, dentre outros exemplos, pre-teridas do processo federal de institucionalizações. Resulta desse processo o fato de que as no-ve [RMs] tinham como sede as capitais de seus r espectivos estados, prevalecendo interessespolíticos em detrimento, em alguns casos, de uma pr oblemática qualitativamente metropo-litana. (2001, p.105)

Retornando à nossa discussão sobr e o grau de integração dos municípios-membr osà dinâmica da metrópole, é necessário recordarmos que esta dissonância entre integraçãoefetiva aos pr ocessos sócio-urbanísticos da aglomeração urbana, que transcende limitesmunicipais, e per tencimento à r egião metropolitana, entendida como instituição, não éexclusividade da RMBH. Esse fenômeno é discutido em detalhes por Moura & Firkowski(2001), que apontam a r ecorrência de tal “problema” no Brasil, denominado pelas auto-ras como “descompasso entre espacialidade e institucionalidade”. Se tal descompasso r e-flete o maior grau de autonomia concedido aos estados brasileir os pela Constituição de1988 para o planejamento r egional, passam a operar, a partir deste momento, novos in-centivos e constrangimentos, institucionais, financeir os e político-eleitorais. Contudo,persistem também, inercialmente, certos legados da experiência anterior, ou seja, do mo-delo compulsório de institucionalização metr opolitana, altamente hierarquizado, impos-to pelo governo federal no início da década de 1970. Nas palavras de Moura & Firkowski,seriam importantes, também, os

resquícios da crença de que possam ser r etomadas linhas de financiamentos v oltadas a uni-dades regionais metropolitanas, presentes no início dos anos [19]70. P orém, o que pr evale-ce é o desejo de status: mais que criar r egiões, se instituem metrópoles, associadas ao pesosimbólico que as relaciona ao “progresso” e à “modernidade”. (2001, p.107)

No caso específico da RMBH, cabe aqui registrarmos um acontecimento relativamen-te raro no âmbito da institucionalização das RMs do país, que parece colocar em questãoo argumento relativo ao “status metropolitano”. A expansão da RMBH ocorrida em 1999incorporou o município de I tabirito, o qual foi, no ano subsequente, desvinculado daRMBH, por demanda própria. Há indícios de que a intenção das lideranças políticas deItabirito teria sido, exatamente, a de r esguardar a imagem do município, uma v ez que,nos últimos anos, as RMs do país passaram a estar muito mais associadas a grav es proble-mas sociais e urbanísticos do que ao ideal de “progresso e modernidade”. Contudo, o pro-cesso de incorporação de novos municípios à RMBH parece ser questão ainda inexploradano âmbito acadêmico, sendo que o mesmo pode ser dito no que concerne às demais RMsdo país. De todo modo, o ocorrido quando da constituição da segunda RM do estado deMinas Gerais, a RM do Vale do Aço pode ser vir de subsídio para o questionamento dasreais motivações subjacentes à incorporação e subsequente exclusão de Itabirito da RMBH.

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Segundo relato coletado pelo autor deste trabalho, quando se tentou incorporar o muni-cípio de Caratinga na R egião Metropolitana do Vale do Aço, de forma a “ corrigir” o es-tranho, posto que “esburacado”, mapa da RMVA, teria sido a rivalidade entre um deputa-do estadual e o pr efeito daquela cidade o fator r esponsável pelo insucesso da iniciativ a.Fica clara, assim, a necessidade de pesquisa empírica para que sejam revelados os jogos po-lítico-partidários inerentes ao processo de institucionalização das RMs do país.9

A RMBH pode ser classificada como uma “região metropolitana polarizada por umametrópole considerada nacional”, categoria na qual também se encontram hoje as RMs deBrasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e S alvador, em contraste com aquelaspolarizadas por metrópoles globais (São Paulo e Rio de Janeiro) ou por metrópoles regio-nais (Belém, Campinas e G oiânia) – as demais RMs instituídas no Brasil são compostas,segundo essa classificação apr esentada por Moura et al (2003), como constituídas a par-tir de “aglomerações urbanas de caráter metropolitano”. Na RMBH, como nas demais RMsdo país polarizadas por metrópoles, o pólo metr opolitano, B elo Horizonte, concentramais habitantes que o conjunto dos outr os 33 municípios, como demonstrado noQuadro 1, sendo a taxa de crescimento demográfico da capital, porém, inferior àquela damaioria dos demais municípios. Tal fato tem implicações não apenas sócio-demográficas,e apresenta reflexos, também, na estruturação de novas vantagens locacionais para a pro-dução e para o comér cio, revelando, ainda, o “aumento da densidade política e eleitoralda periferia”, nos dizeres de Lopes (2006, p.147).

Se a problemática dos distintos graus de integração à dinâmica metr opolitana evi-dencia a heterogeneidade da RMBH, como hoje institucionalizada, as colunas 4, 5, 6 e 7do Quadro 1 apresentado acima, ilustram essa heterogeneidade com outros números. Seo município pólo tinha em 2000, segundo os dados do IBGE, uma população de2.238.526 habitantes, o menor município da RMBH, Taquaraçu de Minas, tinha 3.491.Dezessete dos 34 municípios da RMBH, ou seja, 50% deles, tinham menos de 20 mil ha-bitantes em 2000.10 No que diz respeito à distância da capital, 21 dos municípios mem -bros estão localizados a mais de 30 km, sendo que o mais distante, I taguara, está situadoa 85 km de Belo Horizonte. Quanto à área dos municípios-membros, o maior deles é Ja-boticatubas, com 1.117,1 km2, ao passo que o menor, Mário Campos, tem 35,3 km2. Porfim, Ibirité é o mais densamente povoado (1.812,3 habitantes por km2), ao passo que 14dos 34 municípios-membros têm menos de 100 habitantes por km2, sendo Taquaraçu deMinas aquele de menor densidade demográfica (10,6).

Alguns outros dados, não apresentados no Quadro 1, merecem ser mencionados. Separece óbvio esperarmos que os municípios que compõem uma RM tenham um alto graude urbanização, um olhar mais detido sobr e a RMBH nos traz algumas surpr esas. Se 16dos 34 municípios-membros tinham em 2000 taxas de urbanização de mais de 90%, se-gundo os dados do Censo Demográfico, 6 deles tinham taxas abaixo de 60%, sendo que,em Nova União e em Taquaraçu de Minas, a população rural era maior que a urbana (ta-xas de urbanização de 26,3% e 39,5%, r espectivamente). Levando-se em consideraçãoque o grau de urbanização do B rasil era de 81,2% de sua população, constata-se que 15dos 34 municípios da RMBH tinham uma taxa de urbanização abaix o da média nacionalem 2000. (Observatório das Metrópoles, 2006, Tabela III.2, p.19)

Diante de tal quadro de heterogeneidades e assimetrias, refletido também, obviamen-te, no que diz respeito aos indicadores socioeconômicos e à capacidade administrativa dosmunicípios-membros, cabe questionarmos, dados os diversificados modelos de gestão me-tropolitana implantados desde a década de 1970, a motiv ação dos distintos ator es gover-

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9 Uma exemplificação adi-cional não será supér flua.Segundo Fernandes, “mes-mo na nossa primeira versão[de RM], entre 1973 e 1988,um dos municípios da[RMBH] era Caeté, que não ti-nha absolutamente nada aver com a r ealidade metr o-politana, a não ser o fato deque era a terra do Governa-dor Israel Pinheir o [note-seque, como mostra o Quadr o1, hoje Caeté tem um graumédio de integração à dinâ-mica da aglomeração]. Hoje,isso está levado ao ridículo.Grande parte dos 34 municí-pios são essencialmente ru-rais, não entraram na dinâmi-ca urbana e, muito menos,na metr opolitana”. (2004,pp.83-4)

10 O Edifício JK, em BeloHorizonte, com seus 1.086apartamentos, distribuídosem dois blocos, tem apr oxi-madamente 6.800 morado-res. Segundo os dados doCenso de 2000, 5 dos 34municípios da RMBH têm po -pulação r esidente inferior àde um único edifício da cida -de-pólo, talvez o seu maiorcondomínio residencial (devoesta instigante ilustração aGustavo Gomes Machado).

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namentais para a ação concertada, muito particularmente os pequenos municípios, ou, emoutras palavras, os incentivos e constrangimentos para a cooperação intergovernamental noâmbito metropolitano, tarefa a que se dedica a próxima seção do trabalho .

OS MODELOS DE GESTÃO DA RMBH E OS PEQUENOS MUNICÍPIOS: ARTES E MANHASDAS RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS ASSIMÉTRICAS

Primeiramente, cabe recordarmos que não há classificação de municípios, segundoo tamanho de sua população, que seja consensual no Brasil. Se definirmos como “peque-nos” os municípios com menos de 50.000 habitantes, temos o seguinte quadr o: 24 dos34 municípios da RMBH podem ser considerados pequenos (e apenas 4 têm mais de 200mil habitantes). O Quadro 1, acima, mostra que, ainda que o núcleo originário da RMBH,composto por 14 municipalidades, agregue todos os municípios da região com mais de 50mil habitantes, 4 deles podem, ainda hoje, ser considerados pequenos. Se nenhum dos 24pequenos municípios tem uma integração Muito Alta à dinâmica metropolitana, eles nãoestão, necessariamente, relegados ao status de municípios “não metropolitanos” (integra-ção Baixa ou Muito Baixa). Na verdade, 5 deles têm um Alto grau de integração, ao pas-so que 8 têm grau Médio .

A Lei Complementar n.14, de 1973, logo em seu ar tigo 1º, determinou os municí-pios que fariam parte das regiões metropolitanas instituídas, conformando o caráter com-pulsório do modelo de gestão metropolitana originariamente implantado. Tal determina-ção desconsiderou os distintos graus de compr ometimento dos municípios-membros noprocesso de metropolização. Registre-se, como se assinalou anteriormente, que a primei-ra composição da RMBH, com 14 municípios, incorporou Rio Acima, que ainda hoje temum grau de integração considerado B aixo, ou seja, pode ser considerado um município“não metropolitano”. Ademais, como foi delegada aos estados a administração dos ser vi-ços comuns, foi reduzida ainda mais a já escassa autonomia dos municípios, que ficaramimpossibilitados de se organizarem de maneira voluntária no sentido da pr ovisão de ser-viços e da busca de soluções para os pr oblemas compartilhados. Cabe recordarmos, con-tudo, que, no caso da RMBH, o governo do estado havia, anteriormente, encomendadoestudos específicos, que indicaram quais municípios dev eriam integrar a RM, indicaçõesessas que prevaleceram na LC 14/73 (Moraes, 2001).

Falar de incentivos e constrangimentos à ação concer tada derivados de um modelocompulsório de gestão metropolitana é algo certamente problemático. De todo modo, va-le recordarmos não apenas a questão simbólica da imagem de “progresso e modernidade”do pertencimento a uma RM, como discutido acima, mas também o fato de o governo fe-deral ter passado a investir fortemente nas RMs recém-criadas. Cabe ressaltarmos que a LC

14/1973 afirmava que “os municípios das R egiões Metropolitanas que par ticiparem daexecução do planejamento integrado e dos serviços comuns terão preferência na obtençãode recursos estaduais e federais” (apud Mares Guia, 2001, p.409).

Como afirma Lopes, as “dinâmicas incidentes no território metropolitano tendem adirigir as externalidades positivas para as áreas centrais, enquanto drenam as negativas pa-ra a periferia” (2006, p.141), onde se concentram os pequenos municípios. Sendo assim,aos municípios da periferia metr opolitana, afetados negativamente, importa pleitear de-terminados investimentos. Contudo, se a expectativa de retomada dos financiamentos fe-

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derais pode ser vista como par te das motivações para o per tencimento a uma RM, o ver-dadeiro “inchaço” da RMBH ocorrido na década de 1990, explicado por distintos fatores,como observado na seção anterior, teria também uma motiv ação clara e de r etorno polí-tico imediato para as lideranças municipais e para o go verno do estado, que intermedia-ria a expansão . A incorporação formal à RM implicava um benefício impor tante, qual seja, o atendimento regular de transporte intermunicipal ligando o município-membro àcapital, gerido pelo DER-MG. Como os inter esses no sentido da não expansão eram pe-quenos, a aprovação das propostas estava facilitada. Uma explicação cabal dos interesses eembates envolvidos no processo de expansão da RMBH, contudo, fica ainda dependentede uma inv estigação específica, que dê conta das interações entr e go verno do estado,Legislativo estadual e lideranças municipais.

Na década de 1970, quando da criação do CNDU (Conselho Nacional de Desenvol-vimento Urbano), o Plambel, órgão de planejamento metr opolitano da RMBH, torna-se,como acontecia nas demais RMs do país, o principal intermediador dos r ecursos da Uni-ão aos órgãos setoriais e aos municípios, “ passando a gozar de grande pr estígio... no pla-no estadual, onde passa a ser vista como uma super-pr efeitura” (M ares G uia, 2001,p.418). A inter venção do P lambel, considerada pela autora como “ autoritária e messiâ -nica” (afirmação essa que sustenta a denominação do modelo como da “tecnocracia escla-recida”), na prática afetava principalmente a esfera municipal e sua autonomia, manifes-tando-se, par ticularmente, nas ár eas de sistema viário, transpor te e uso e ocupação dosolo. Além da execução de obras de grande porte, o Plambel encarregou-se da elaboraçãode legislação urbanística para a maioria dos municípios metr opolitanos (idem).

Como visto anteriormente, os Conselhos Metropolitanos instituídos durante o regi-me militar funcionav am mais como instâncias homologatórias das pr opostas dos nív eissuperiores de governo do que como fóruns de discussão acerca da problemática metropo-litana. Contudo, com o fim do “ milagre brasileiro” e com a consequente crise fiscal doEstado, num contexto de crescente mobilização da sociedade civil, os

municípios começam a recuperar o espaço para se manifestarem, e os Conselhos Metropoli-tanos passam a ser frequentemente reunidos. O Plambel deixa de ser o órgão responsável pelorepasse de recursos federais e estaduais para os municípios da RMBH, papel que passa a serexercido pela Secretaria de Planejamento. (Mares Guia, 2001, p.418)

No final da década de 1980, a eleição de N ewton Cardoso (PMDB) como governa-dor do estado de M inas Gerais (1987-1991) marca um momento decisiv o na gestão daRMBH. Prefeito de Contagem, município do eix o econômico da RMBH, por duas v ezes(1973-1977 e 1983-1986, também no período 1997-1998; e vice-governador entre 1999e 2003, no governo Itamar Franco), Newton Cardoso foi o r esponsável, quando de seuprimeiro mandato como prefeito de Contagem, pela criação da G ranbel (Associação dosMunicípios da RMBH), que se constituiria como um espaço autônomo para a discussãode problemas compartilhados. Nas palavras de M ares Guia, a G ranbel tem, “principal-mente, um caráter simbólico. As reuniões da Granbel são, em geral, utilizadas para a di -fusão de informações sobre os programas desenvolvidos pelos órgãos setoriais da adminis-tração estadual” (2001, p.419). Tal Associação, porém, ainda não foi objeto de nenhumainvestigação acadêmica sistemática.

Cardoso havia sido, quando pr efeito de Contagem, município pr ecursor da indus-trialização da RMBH, ainda na década de 1950, um opositor ferrenho da gestão de âmbi-

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to metropolitano. Com a criação, em 1987 – primeiro ano da gestão estadual de NewtonCardoso –, da Secretaria de Estado de Assuntos Metropolitanos, segue-se, em vez de umarenovação da ênfase na pr oblemática metropolitana ou de seu deslocamento do âmbitodo Plambel, a demissão de par te do corpo técnico do órgão . No período, os “ conselhospraticamente deixam de ser reunidos, ficando suas decisões a cargo do governador do Es-tado” (idem, p. 419). Num contexto de “municipalismo a todo custo” e de crescente des-caso por parte do governo estadual, o Plambel, antes fragilizado em seu papel de interme-diador de recursos, torna-se ainda mais esvaziado – perdendo parte de sua equipe técnicano processo de desmantelamento do sistema de planejamento do estado –, sendo, porfim, extinto em 1996.

A criação da Ambel (Assembleia Metropolitana de BH), pela Constituição Estadualde 1989, como discutido anteriormente, sinalizav a, porém, pelo menos em termos for-mais, um profundo re-equacionamento da correlação de forças no jogo metropolitano, nosentido da busca de reversão do padrão estadualista do modelo anterior. Um fator impor-tante nesse processo, como ressaltado por Ribeiro (2007), foi o fato de, quando da elabo-ração da Constituição Mineira, Legislativo e Executivo do estado estarem em franco con-flito, posto que tramitav a no primeiro um processo de cassação do go vernador NewtonCardoso (PMDB). Há unanimidade entre os analistas acerca do fato de essa mudança ins-titucional ter r edundado em grande fracasso, uma v ez que a Ambel mostr ou-se incapazde traduzir seu poder formal em políticas públicas de cor te metropolitano.

Cabe notar, inicialmente, que os dispositivos relativos à gestão metropolitana incor-porados à Constituição Estadual de 1989 só seriam r egulamentados em 1993, por meioda Lei Complementar n. 26. Como suger e Machado (2007b), este considerável lapso detempo seria mais um indício da baixa atenção dedicada pelo go verno estadual ao aspectoinstitucional da RMBH. Como visto, na composição da Ambel, naquele momento, haviauma forte prevalência dos municípios-membros, sendo o governo estadual praticamentealijado da arena de decisões relativas à gestão metropolitana. Tal desenho institucional le-vou a que as diretorias da Assembleia Metropolitana passassem, via de regra, a ser domi-nadas por coalizões dos municípios menores, em oposição ao eixo econômico metropoli-tano, composto por B elo Horizonte, Betim e Contagem. O estado e os municípios doeixo econômico reagiram esvaziando a Ambel, que aos poucos se r evelaria inoperante.

Em uma outra mudança institucional significativa, a Ambel foi responsabilizada pe-lo controle da gestão financeira dos recursos do Fundo Metropolitano. Contudo, como oFundo não foi r egulamentado, e a pr oblemática financeira não foi, por isso, equaciona-da, o governo do estado preservou o seu controle sobre grande parte dos instrumentos deintervenção metropolitana. Como destaca M achado (2007b), em vários momentos per -cebe-se o intuito do legislador de minimizar o poderio e a influência dos técnicos do sis-tema de gestão metropolitana, em oposição ao que ocorria no modelo adotado pelo regi-me militar. A atuação desta primeira Ambel foi, assim, em larga medida, inexpressiva. Naspalavras de Azevedo e Mares Guia:

Se, por um lado, os pequenos municípios da r egião – via de r egra frágeis técnica, econômi-ca e financeiramente – perceberam na estrutura organizacional da Ambel a possibilidade deaumentar seus respectivos cacifes políticos, os grandes municípios reagem a esse movimentoesvaziando o órgão pelo não compar ecimento às assembleias, exceção feita às reuniões espe-cíficas relativas ao aumento das tarifas de ônibus que, por força legal, somente podiam ser re-ajustadas nesse fórum. (2000, p.138)

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O baixo engajamento do governo estadual e dos municípios do eix o econômico daRMBH na gestão metropolitana compartilhada significava o (auto)alijamento precisamen-te daqueles atores com alguma capacidade de apor tar recursos para os projetos metropo-litanos.11 A debilidade financeira da Ambel era tamanha, que o órgão não contav a comrecursos nem mesmo para a manutenção de um corpo técnico-administrativ o próprio.Ainda de acordo com Machado (2007b), as reuniões da Ambel, quando ocorriam, trata-vam de questões específicas a alguns municípios, r elegando a um plano secundário osgrandes problemas metropolitanos. Como apontado por A zevedo e Mares Guia em ou-tro trabalho (2008), a maioria dos pr efeitos e vereadores que par ticipavam da Ambel ti-nha dificuldades de abandonar uma postura localista, de defesa estrita dos inter esses mu-nicipais, e de assumir uma visão r egional, necessária ao enfr entamento da pr oblemáticametropolitana através da gestão compar tilhada. Ademais, ela se mostrou refratária à par-ticipação da sociedade civil, sociedade essa reconhecidamente desprovida de “consciênciametropolitana” – uma questão r eputada como central por muitos estudiosos da questãometropolitana, como se discutirá adiante. N esse contexto, saiu for talecido o lobby dosgrupos de pressão, particularmente aquele dos empresários do transporte coletivo. (MaresGuia, 2001)

Em tais circunstâncias, seria ingênuo esperar que um colegiado de lideranças muni-cipais que marginalizav a os par ceiros de maior poderio econômico pudesse, cumprindoas suas funções legais, coordenar as ações das entidades públicas que ex erciam as funçõesmetropolitanas na RMBH, como a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais),a Cemig (Centrais E létricas de Minas Gerais) e a Cohab (Companhia de H abitação doEstado de Minas Gerais), no âmbito estadual, e a BHTrans, no âmbito da capital ( idem).Contrariamente, o que se percebeu foi que, apesar da esmagadora maioria da r epresenta-ção dos municípios na Ambel, os go vernos locais em ampla medida se subor dinaram aogoverno estadual. Para citarmos Azevedo e Mares Guia uma vez mais,

quando o único representante do Executivo Estadual participa das reuniões, ocupa, inexora-velmente, posição de centralidade. Embora, em tese, o processo decisório metropolitano de-penda essencialmente de um acer to entre os municípios, o G overno Estadual detém o con-trole de par te substancial dos instr umentos r elevantes de inter venção metr opolitana(prestação dos serviços de transporte intermunicipal, abastecimento d´água, coleta de esgo-to, energia elétrica, abertura e manutenção de rodovias, entre outros)”. (2000, p.138)

Sendo tão débil, a Ambel tinha ainda um outr o obstáculo impor tante: a lógica defuncionamento setorial das agências de v ocação urbana ligadas ao go verno estadual. Nofinal da década de 1990, Cemig e Copasa, por exemplo, continuavam negligenciando asinstituições de gestão metropolitana na produção de suas políticas e na oferta de seus ser-viços, não havendo nem mesmo compartilhamento de uma mesma configuração espacialda RMBH (o DER, Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, era exceção à regra).Se na “época áur ea” do planejamento metr opolitano era prax e que instituições como aCopasa e a Cemig ignorassem as dir etrizes do Conselho D eliberativo da RMBH, o des-monte da estrutura anterior reforçaria as tradicionais práticas setorializadas. (Mares Guia,2001, p.422)

No período do “hipermunicipalismo simétrico”, os municípios maiores da RMBH eo governo do estado r esistiram à regulamentação dos instrumentos para o r epasse de re-cursos, como o Fundo Metropolitano, uma vez que o seu aporte de recursos seria despro-

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11 Em seu tom muitas vezesferino, Lopes chama os pr e-feitos das capitais de “cru-piês do jogo metr opolitano”.(2006, p.147)

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porcional ao seu papel na Ambel, instância “democratizada” sob a égide do “municipalis-mo a todo custo”. Porém, o mencionado incremento da densidade política e eleitoral daperiferia metropolitana e a sua “ requalificação relativa” teriam fav orecido, na década de1990, o surgimento de uma “estrutura mais policêntrica do conjunto do território metro-politano, antes hipertrofiado”. (Lopes, 2006, p.147)

Este quadro de falência das instituições metropolitanas – sinalizado pela extinção doPlambel, o órgão de planejamento metropolitano – pela inoperância da Ambel e pela in-capacidade de articulação das agências estaduais de v ocação urbana, fez com que os ato-res políticos da região passassem a operar a partir da percepção do jogo político metropo-litano como de soma z ero (A zevedo & M ares G uia, 2000). Esse cenário passa a serrevertido em Minas Gerais, na década de 2000, a par tir da atuação de alguns deputadosestaduais como empreendedores da “causa metropolitana”, refletindo, em certa medida, oengajamento do governador Aécio Neves, do PSDB, cujo Programa de Governo propunhaa revitalização da gestão metropolitana no estado, e do prefeito da capital, doPT.12 A inér-cia dos atores, presas do “municipalismo autárquico”, de nosso federalismo competitivo eda falta de uma consciência metropolitana na região, pode também ser explicada pela bai-xa centralidade da questão metr opolitana na agenda política, r evertida na gestão do go-vernador Aécio Neves, que toma posse em 2003, e pelo temor , sempre presente, de queo exercício da gestão regional compartilhada implique redução de poder real. (Azevedo &Mares Guia, 2008)

A inauguração de um novo modelo de gestão metropolitana na RMBH, de “integra-ção negociada”, parece, à primeira vista, padecer de um dos vícios do momento anterior ,qual seja, a expectativa de que uma mudança institucional pr oduza, efetivamente, a açãoconcertada almejada. Os artífices da reforma das instituições metropolitanas da década de2000 parecem, contudo, cientes da necessidade de se forjar uma identidade metr opolita-na supostamente capaz de lastr ear relações intergovernamentais cooperativas no âmbitoregional. Propaganda oficial do governo do estado de Minas Gerais, por exemplo, ressal-ta o fato de a nova legislação do estado, apresentada na segunda seção deste trabalho, tersido a primeira a incorporar o conceito de “cidadão metropolitano”, que seria aquele quereside na RM há, no mínimo, dois anos e que pode, por isso, representar a sociedade civilorganizada no Conselho Deliberativo, representação essa também alardeada como pionei-ra. Se recordarmos, ainda, a realização da Conferência Metropolitana, em agosto de 2007,parece pertinente sugerirmos que está em mar cha no estado um pr ocesso de “inv ençãodas tradições” (Hobsbawm & Ranger , 1984).13 Na verdade, o go vernador Aécio N eves(PSDB) tem investido fortemente na RMBH, fazendo dela um dos pilar es de sustentaçãode seu ambicioso projeto político.14 A polêmica aliança entre PSDB e PT, partidos, respec-tivamente, do governador do estado e do prefeito da capital, na disputa pela prefeitura deBelo Horizonte em 2008 sinaliza, claramente, que o grau de afinidade entre os dois prin-cipais atores do jogo metr opolitano transcende questões pontuais, o que par ece reforçaro otimismo de muitos acerca da revitalização em curso da gestão compartilhada da RMBH.

As alterações na Constituição do Estado, no sentido da criação de um no vo aparatoinstitucional de gestão metr opolitana em Minas Gerais, descrito na segunda seção destetrabalho, trouxeram uma outra inovação importante, destinada a constranger o pr ocessode incorporação de no vos municípios às RMs do estado. Passou-se a exigir que os P roje-tos de Lei para a instituição ou alteração das RMs fossem lastreados em estudos técnicosque apurassem a população, o cr escimento demográfico, o grau de conurbação e os mo-vimentos pendulares, a atividade econômica, os fatores de polarização e a carência de ser-

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12 Como ressaltado por Ri-beiro, “houve um fator exter-no que muito inter feriu na in-teração entre o estado e osmunicípios da r egião metr o-politana: a exigência, peloEstatuto da Cidade, de ela-boração de planos dir etoresde todas as cidades que inte-gram r egiões metr opolita-nas”. (2007, p. 2)

13 A Conferência Metropoli-tana teve a pr esença deaproximadamente 500 pes-soas, tendo sido eleitos osdois representantes da socie-dade civil organizada no Con-selho Deliberativo da RMBH,um vinculado à União Metr o-politana por Moradia e outr oao CREA-MG. (Ribeiro, 2007)

14 Em sua propaganda insti-tucional da RMBH, de 2008,o governo de Minas listou 13de suas “ações, planos e pro-jetos” para a RM, quais sejam:Criação da Subsecretaria deDesenvolvimento Metropolita-no, no âmbito da SEDRU-MG(Secretaria de Estado de De-senvolvimento Regional e Po-lítica Urbana); implementaçãodo novo arranjo institucionaldefinido legalmente; imple-mentação do Projeto Estrutu-rador da RMBH; elaboraçãodo plano de r egularizaçãofundiária e saneamento paravários municípios da RMBH;análise e compatibilizaçãodas leis municipais de uso eocupação do solo para a r e-gião; elaboração de pr ojetode tratamento de resíduos só-lidos em toda a RMBH; de -senvolvimento do plano deações urbanísticas e ambien -tais com foco no Vetor Norte;execução de projetos estrutu-rantes de desenvolvimentoeconômico; implantação dosparques Serra Verde e Sumi-douro, na região norte; cons-trução de um complexo deinfraestrutura de transportes(Linha V erde) com vistas àmelhoria do acesso ao aer o-porto Internacional TancredoNeves; internacionalização doaeroporto T ancredo Neves,com a consequente inserçãoda RMBH no cenário interna-cional; revitalização da baciado Rio das V elhas (Meta2010: “Navegar , Pescar eNadar”); e implantação deprojetos sociais como “Pou-pança Jovem”, “T ravessia”,“Fica V ivo”. (Disponível em:ht tp ://www.urbano.mg.gov.br/rmbh.html, acessadoem 14 de julho de 2008).

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viços públicos. Como ressalta Ribeiro, essa é uma inovação significativa, uma vez que “re-presenta um constrangimento da ação política e sua dependência do conhecimento téc-nico-científico”. (2007, p.7)

O desenho das novas instituições metropolitanas, ao promover um reequilíbrio en-tre os ator es governamentais, significa, também, uma cer ta “reestadualização” da gestãometropolitana no estado, bem como o r econhecimento do peso difer enciado dos muni-cípios do eixo econômico da RMBH – na Ambel, que continua tendo a r epresentação detodos os municípios-membros, o estado terá 50% dos v otos nas deliberações. O Conse -lho Deliberativo também está pautado na paridade entre estado e municípios no momen-to das deliberações, havendo ainda, como visto, a par ticipação de dois r epresentantes dasociedade civil. A expectativa é que essa equação garanta um maior engajamento dos ato-res com maior es recursos no enfr entamento concertado da problemática metropolitana.Contudo, um efeito não esperado pode ser o alijamento dos pequenos municípios.

Como visto anteriormente, o Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropo-litano (CDDM) é composto por cinco r epresentantes do E xecutivo estadual, dois da As-sembleia Legislativa, dois de Belo Horizonte, um de Contagem, um de B etim e três dosdemais municípios que compõem a RMBH, além dos representantes da sociedade civil or-ganizada. Em sua atual conformação (2008), os 31 “ demais municípios” estão represen-tados no CDDM pelos prefeitos de Nova Lima, de S anta Luzia e de I taguara. Se os doisprimeiros municípios fazem parte da RMBH desde as suas origens, sendo bem integradosà região metropolitana (integração Média e Muito Alta, respectivamente), Itaguara é ummunicípio de B aixa integração, incorporado à RMBH apenas em 1999. S ignificativo é,ainda, o fato de o seu pr efeito ser, também, presidente da Granbel (o “clube dos peque-nos” da RMBH), o que pode indicar tanto o desejo ou a efetiv a cooptação dessa Associa-ção dos Municípios como uma possível determinação dos pequenos no sentido de refrearou, pelo menos, monitorar os desdobramentos da implementação da no va estrutura degestão metr opolitana. Essa pr eocupação par ece per tinente não apenas em função doaprendizado com a experiência da década pr ecedente, mas também por que, após a pr o-mulgação da Emenda Constitucional n. 65, foi apresentado na Assembleia Legislativa umProjeto de Lei Complementar (n. 57, de 2004), posteriormente r etirado de tramitação,que propunha que a RMBH fosse composta por apenas 15 municípios, e não mais pelos34 atuais. (Ribeiro, 2007)

BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um impor tante trabalho r ecente, Celina S ouza (2006) discute os “ principaisconstrangimentos às ações cooperativas nas RMs brasileiras”. São listados e analisados qua-tro grandes constrangimentos: o federalismo competitivo do país; o fato de o sistema tri-butário brasileiro promover a competição intergovernamental; os efeitos perversos da des-centralização promovida no Brasil, que resultou no “neolocalismo” ou no “municipalismoa todo custo”; e, por fim, o peso da própria trajetória de institucionalização das RMs nopaís. Qualquer consideração acerca do impacto esperado da implantação, ainda em cur-so, de uma forma supostamente mais equilibrada, dita “ negociada”, de busca de concer-tação e cooperação entre os atores governamentais no âmbito da RMBH deve, assim, par-tir da constatação de que são particularmente agudos os constrangimentos impostos pelopróprio pacto federativo do Brasil. Qualquer solução autárquica, no âmbito estadual, es-

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tará necessariamente pr essionada pelas forças estr uturantes do conjunto das r elações in-tergovernamentais do país.

Vale aqui recordarmos, também, que as recentes inovações produzidas no estado deMinas Gerais apostam, uma vez mais, na engenharia institucional, e estão ancoradas emuma convergência de interesses entre o governo do estado e a prefeitura da capital, que ésingular e cuja sustentabilidade é, em ampla medida, impr evisível. O funcionamento domodelo dependerá também, por cer to, da prevalência das forças centrípetas. A experiên-cia pretérita do país e o fracasso das ino vações anteriormente pr omovidas na gestão daRMBH não autorizam um otimismo acrítico. Tampouco o autoriza a experiência interna-cional nessa seara, frágil, cambiante e pontuada de insucessos. Por seu turno, a aposta na“invenção de uma tradição ”, sempre de escassos r esultados imediatos, guarda o seu sen-tido na constatação de que, em cer ta medida, os ator es políticos e sociais do país estão,gradualmente, reconhecendo os efeitos negativ os do “municipalismo autárquico”, o queparece evidenciado pela proliferação, por todo o B rasil, de ações no sentido da “ desfrag-mentação da gestão pública”.

O impacto do experimentalismo institucional fica, assim, condicionado pelo r eco-nhecimento, explicitação e negociação da inter dependência. Afinal, como sugerido porPressman há mais de trinta anos, as relações intergovernamentais irão sempre gerar “doa-dores” e “receptores”, que dependem um do outro em um cenário em que nenhum delestem completo contr ole sobre a interação . Por isso são impor tantes os instr umentos deapoio mútuo, constr uídos pela via de negociações que serão, necessariamente, par cial-mente cooperativas e par cialmente antagônicas (apud Souza, 2006, p .178). Esses são oselementos que configuram o horiz onte de incer tezas do processo, atualmente em curso,de “reestadualização” mitigada da gestão metropolitana na RMBH.

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Carlos Aurélio Pimentade Faria é Doutor em Ci-ência Política pelo IUPERJ,Professor e Pesquisadordo Programa de Pós-gradu-ação em Ciências Sociaisda PUC-Minas e Pesquisa-dor do Observatório dasMetrópoles. E-mail: [email protected].

Artigo recebido em maio de2009 e aprovado para publi-cação em outubro de 2010.

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A B S T R A C T The paper aims to analyz e, fr om a gener al and compar ativeperspective, the behavior of the political leadership of the municipalities that ar e par t ofMetropolitan Region of B elo Horizonte, Brazil, giv en the incentiv es and constr aints to theintergovernmental r elations, in the metr opolitan spher e, posed b y the thr ee distinct modelsinstitutionalized to pr oduce intergo vernmental cooper ation: (a) the one imposed b y theFederal G overnment in the 1970s, highly hier archical; (b) the one char acterized b y“symmetrical hiper municipalism”, that was institutionaliz ed after M inas G erais S tateConstitution of 1989; and (c) the one of “ negotiated integration”, which has been built since2006. The objective is to analyze the strategies adopted by the municipalities in the face of theseveral degrees of autonomy conceded by the three models and of the capacity to monopolize theagenda and to giv e priority to cer tain interests by the municipalities belonging to the r egion’seconomic axis and by state and federal government.

K E Y W O R D S Metropolis; metr opolitan management; intergo vernmentalrelations; Metropolitan Region of Belo Horizonte; Ambel.

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MAPEAMENTOSPARTICIPATIVOS

PRESSUPOSTOS, VALORES, INSTRUMENTOS E PERSPECTIVAS1

J O H N S Y D E N S T R I C K E R - N E T O

R E S U M O A complexidade crescente das configurações urbanas e regionais tem coloca-do diversos desafios que exigem novos instrumentos para coleta e tratamento de dados. Os mape-amentos par ticipativos constituem um instr umento poderoso para informar modelos teóricos esubsidiar os processos de tomada de decisão , tal como o planejamento par ticipativo. Este artigodiscute os pressupostos e valores que embasam essa abordagem e apresenta um inventário de mé-todos e técnicas específicas reportados na literatura. O artigo se concentra na literatura norte-ame-ricana que tem tido pouca influência no debate br asileiro. A r eferência a estudos com mapea-mentos par ticipativos evidencia sua abr angência e potencial par a a ger ação de conhecimentocoproduzido envolvendo atores com formação e inserção social distintas. A s novas tecnologias deinformação e tratamento de dados espaciais ofer ecem boas perspectivas para o uso dessa aborda-gem, assim como colocam novos desafios para acadêmicos e gestores públicos envolvidos com o pla-nejamento participativo.

P A L A V R A S - C H A V E Metodologia de pesquisa; apr endizado social;mapeamento participativo; planejamento participativo.

INTRODUÇÃO

A complexidade crescente das configurações urbanas e regionais tem colocado diver-sos desafios para acadêmicos e gestor es. Tanto os modelos explicativ os como os pr ocessosde gestão das questões ligadas ao planejamento urbano e r egional já não dão conta dessacomplexidade. Ao mesmo tempo, os processos de democratização e ampliação dos canaisde representação criaram demandas de maior par ticipação dos cidadãos nos pr ocessos detomada de decisão. A rica experiência brasileira de planejamento participativo e ampliaçãodas esferas democráticas em div ersas áreas, tais como comitê de bacias, saúde, meio am -biente e bairros, tem sido examinada pela comunidade acadêmica (A bers & Keck, 2009;Acselrad, 1999; Brasil, 2004; Coelho, 2006; Gurza Lavalle et al, 2007). Nesse contexto, háa necessidade de se buscar no vos instrumentos para coleta e tratamento de dados com ointuito de informar os modelos teóricos e subsidiar o pr ocesso de tomada de decisão . Osmapeamentos participativos constituem um instrumento poderoso nessa direção.

Mapeamentos participativos são representações gráficas de dados e atributos selecio-nados, que seguem padrões e conv enções científicas, técnicas e ar tísticas. O desenv olvi-mento de Sistemas de Informação Geográfica (SIG ou GIS) contribuiu para a introduçãode elementos cartográficos, tais como referência geográfica/espacial e escala nos mapas, ea incorporação de abordagens de particular interesse para trabalhos acadêmicos, como osestudos urbanos e r egionais. Nos mapeamentos participativos, a produção em si do ma-pa, incluindo diversas etapas – tais como a definição e concepção do conteúdo substanti-vo a ser mapeado, coleta de dados e informações, organização e tratamento da informa-

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1 Este ar tigo foi elaboradono âmbito do projeto de pes-quisa “Mapeamento par tici-pativo em ár eas de risco evulnerabilidade sócio-ambien-tal na Região Metr opolitanade São Paulo”. Este projeto édesenvolvido no Centr o deEstudos da Metrópole, Cen-tro Brasileir o de Análise ePlanejamento (CEM-CEBRAP),São Paulo, com financiamen-to da FAPESP.

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ção, decisão sobre as formas de apresentação da informação e a elaboração do produto vi-sual final –, pressupõe a colaboração entre indivíduos. Em geral, tais indivíduos se com-plementam e se diferenciam em termos de inserção profissional, representação comunitá-ria e capacidades técnicas e ar tísticas.

Em termos conceituais, é fácil definir o que são mapeamentos participativos. No en-tanto, a sua implementação coloca uma série de questões que mostram como é complexae contenciosa a passagem de concepções genéricas para operacionalizações específicas. Issoé particularmente verdade pelo fato de o mapeamento ser um ato político e, portanto, nãorestringir-se a questões técnicas e operacionais. N esse sentido, o mapeamento par ticipa-tivo enfrenta o mesmo tipo de questões e se confr onta com o jogo de poder que a ricaexperiência brasileira de planejamento par ticipativo tem mostrado . Pela impor tância ecomplexidade dessa dimensão política iner ente ao planejamento par ticipativo (e por ex-tensão aos mapeamentos), esse é um aspecto que tem mer ecido particular atenção da co-munidade acadêmica brasileira (Abers & Keck, 2004; Acselrad et al, 2002; Avritzer, 2007;Azevedo & Mares Guia, 2000; Coelho & Favareto, 2008; Coelho & Nobre, 2004; GurzaLavalle et al, 2006; Houtzager & Gurza Lavalle, 2010; Wampler & Avritzer, 2004), razãopela qual não será o ponto focal deste ar tigo.

Este ar tigo sistematiza informações e pr opõe uma r eflexão crítica sobr e pesquisasparticipativas, em especial, os mapeamentos participativos, a partir da contribuição da li-teratura norte-americana. Curiosamente, apesar de ser extensa e rica, essa literatura nãotem tido grande influência no debate brasileiro, e permanece em grande parte desconhe-cida. Nesse sentido, privilegiar a pr odução norte-americana é uma opção consciente nosentido de trazê-la para o desenv olvimento de técnicas ( tools and appr oaches) no debatebrasileiro, fortemente marcado pelas discussões de cunho mais teórico e em um contextobastante politizado.

O artigo examina questões que colocam desafios e opor tunidades para a concepçãoe utilização dos mapeamentos par ticipativos em trabalhos acadêmicos, e de cunho maisaplicado e com larga utilização nos estudos urbanos e r egionais. De um lado, existemquestões de ordem conceitual e teórica. De outro, há aspectos de natureza mais técnica eoperacional a serem considerados. Essas duas esferas, e as dimensões a elas ligadas, devemser vistas de forma integrada, já que se r ealimentam e só ganham sentido pleno se for emintegradas de forma coesa e consistente.

O artigo está estruturado em sete sessões, além desta introdução e das consideraçõesfinais. A primeira sessão apr esenta um pequeno histórico de pesquisas par ticipativas quese difundiram a par tir dos anos setenta e oitenta. As duas sessões seguintes discutem al-guns pressupostos epistemológicos dos mapeamentos participativos. Nas sessões quatro ecinco, a narrativa enfoca os objetivos, valores e formas de participação, e discute a impor-tância e especificidade da participação dos atores. A sexta sessão apresenta um inventáriode métodos e instrumentos nos mapeamentos participativos; e os avanços obtidos com oacesso a novas tecnologias e disseminação de r esultados são tratados na sétima sessão .

PEQUENO HISTÓRICO DE PESQUISASPARTICIPATIVAS

A demanda pela produção mais ágil de dados em áreas rurais para subsidiar projetosde intervenção criou as bases para o desenvolvimento de levantamentos de dados partici-

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pativos. Levantamentos de dados rápidos conhecidos como Rapid Rural Appraisal (RRA)foram desenvolvidos para a coleta de dados socioeconômicos e agrícolas com fins muitopráticos. A rapidez e baixo custo relativo de tais levantamentos contrastavam com as pes-quisas largamente utilizadas no final dos anos 1960 e 70.

De um lado, as pesquisas tipo survey, com a aplicação de questionários domiciliares,eram em geral muito caras e complexas. D e outro, os lev antamentos antropológicos decunho etnográfico produziam uma rique za de dados, mas demandav am longa e intensainteração com os gr upos estudados. Os RRA difundiram-se a par tir de meados dos anos1970, contribuindo para a sua evolução e combinação com outros instrumentos de coletade dados.

Com a experimentação e disseminação dos RRA, surgiram metodologias mais parti-cipativas, e que ficaram conhecidas como Participatory Rural Appraisal (PRA). A distinção-chave é que enquanto nos RRA os experts tinham um papel central e essencialmente con-dutor nos lev antamentos, nos PRA, os experts passaram a ser facilitador es, cabendo aosmoradores locais o papel pr edominante. Esses morador es locais, incluindo muitas v ezesindivíduos pobres e marginalizados, passaram a ser agentes-chave na coleta de dados, ma-peamento e análise das informações, e disseminação dos r esultados.

O desenvolvimento das metodologias participativas continuou, coexistiu ou desem-bocou em uma série de experiências com vários desdobramentos. E ntre as muitas expe-riências que surgiram, div ersas abordagens foram efêmeras e algumas se consolidaram,adquirindo vitalidade e identidade própria. Muitas abordagens concentraram-se em ques-tões ligadas à agricultura e manejo de recursos naturais e projetos voltados para a promo-ção de equidade, direitos da pessoa e descentralização de esferas de poder .

Enquanto algumas abordagens se mantiveram mais ligadas a instrumentos mais sim-ples de coleta e apresentação de dados, outras evoluíram e incorporam softwares sofistica-dos e tecnologias multimídia de ponta. E ntre as muitas abordagens participativas, desta-cam-se: Participatory Action R esearch (PAR), Participatory Learning and A ction (PAL),Participatory Action Learning System (PALS) e Participatory Geographic Information System(PGIS). Em diferentes graus, essas experiências internacionais influenciaram pr ocessos depesquisa no país, sendo adaptadas para div ersos contextos. Do ponto de vista acadêmicoe institucional desse processo, pelo menos duas referências internacionais são obrigatórias.

A primeira é a produção de Robert Chambers e de seu gr upo de pesquisa no I nsti-tute of Development Studies (IDS) na Universidade de Sussex (http://www.ids.ac.uk/). Aprodução e reflexão dos pesquisadores do IDS têm sido muito influentes na evolução dosmétodos participativos de pesquisa. Essa pr odução se v aleu de outr os desenvolvimentosteóricos e críticos correlatos. Entre esses desenvolvimentos, há experiências que evidencia-ram que moradores locais e com níveis educacionais baixos eram muito mais habilitadospara realizar seus próprios levantamentos de dados e análises que os pr ofissionais e espe-cialistas supunham. (Chambers, 2007)

A segunda referência é ao International Institute for Environment and Development(IIED), também com sede no R eino Unido (http://www.iied.org/). Criado em 1971, foium dos primeiros centros a vincular as problemáticas do desenvolvimento e do meio am-biente. Desde então, o IIED tem assumido um impor tante papel em iniciativ as das Na-ções U nidas r elacionadas ao meio ambiente, tais como: a Conferência de Estocolmo(1972), Comissão Brundtland (1987) e a Conferência do Rio (1992). O IIED atua em di-versos países do mundo com uma abor dagem integradora entre as esferas local e global.Entre os seus periódicos, há o Participatory Learning and Action, anteriormente chamado

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de PLA Notes (http://www.planotes.org/subscribe.html). A pr odução v eiculada por esseperiódico pr oporciona um fór um sobr e práticas e métodos par ticipativo mais v oltadopara um público menos acadêmico e mais dedicado a ativismo, estudos aplicados e polí-ticas públicas.

Em síntese, esses grupos tiveram um papel importante na institucionalização dessasabordagens participativas. Por um lado, eles estão entre os maiores difusores dessas ideiase métodos, e contribuíram para o embasamento científico subjacente. P or outro, ess esgrupos contribuíram para a criação de r edes para r eflexão e tr oca de experiências entr epraticantes e interessados em pesquisas participativas dos mais variados países.

PRESSUPOSTO EPISTEMOLÓGICO 1: REALISMO E CONSTRUTIVISMO SOCIAL

Um dos elementos de contr ovérsia sobre mapeamentos em geral, e por decorrênciados mapeamentos participativos, diz respeito à epistemologia, ou seja, aos seus postulados,métodos e conclusões. A contr ovérsia sobre os fundamentos dos paradigmas que estr utu-ram a reflexão teórico-metodológica e a validade cognitiva dos conhecimentos gerados pe-los mapeamentos par ticipativos não par ece ter solução fácil. Antes, é uma dessas tensõesque, se bem encaminhada, pode se tornar um estímulo para avanços criativos em proposi-ções teóricas, métodos de coleta de dados e difusão dos conhecimentos pr oduzidos.

A produção de mapeamentos socioambientais coloca de imediato o confronto entreas epistemologias do realismo e do construtivismo social. De maneira simples e dir eta, orealismo postula a existência de uma r ealidade independente das cr enças e pensamentosdos indivíduos sobre ela. Ainda que haja, mesmo entre os filósofos que se alinham ao rea-lismo, debates sobre a existência de universalismos propriamente ditos, os realistas defen-dem a existência de uma r ealidade independente do social. Já os constr utivistas argu -mentam em fav or da constr ução social da r ealidade. S egundo essa linha, o mundo éconstruído ou “inv entado” pelo ser humano e, por tanto, a r ealidade não é meramentealgo dado ou que deve ser aceito simplesmente como verdadeiro (Marshall, 1994). Bergere Luckmann (1976), com seus estudos sobre religião, contribuíram para a introdução des-sa discussão na sociologia.

Apesar de instigante, o debate r ealismo-construtivismo social pode se tornar facil-mente estéril e impr odutivo. O encaminhamento desse debate no âmbito da sociologiaambiental, em par ticular a praticada nos Estados U nidos nos anos 1980 e 90, r ealça al-guns desafios (B uttel, 1986,1987; D unlap & Catton, 1979, 1994; F reudenburg et al1995; Hannigan, 1995; Murphy, 1997; Redclift & Woodgate 1994). Entre esses desafi-os, está o de conceitualizar e operacionalizar de forma integrada e recíproca as dimensõeshumanas e as físicas-materiais das r elações sociedade–meio ambiente. P osições puristasimpedem avanços na reflexão, na medida em que criam barreiras e isolam as ideias defen-didas pelos estudiosos.

Um caminho mais promissor é mudar de orientação, tornando-se aber to e sensívela elementos de tradições distintas e que possam ser integrados. Esse caminho, possiv el-mente, faz mais sentido e tem maior es implicações para estudos que visam dar r espostasa problemas concretos, buscar encaminhamentos que informem gestores de políticas e ati-vistas engajados nas mais div ersas pr oblemáticas. N esse sentido, ao examinar r elaçõessociedade–meio ambiente, defendo uma postura que integra posições da epistemologia

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realista e do construtivismo social. Por um lado, reconheço a existência de uma realidadebiofísica que condiciona as ações humanas. Entretanto, tal realidade só ganha sentido namedida em que é socialmente definida ou constr uída por ator es r eais (S ydenstricker-Neto, 2004). Há um exemplo ilustrativo.

Numa área de encosta, a declividade do terr eno e os efeitos de desliz es e marcas deerosão são realidades empíricas palpáveis que podem ser identificadas numa determinadaárea geográfica, através de inspeção visual e mensuração com equipamentos. No entanto,tal r ealidade só ganha sentido na medida em que os indivíduos elaboram constr uçõesmentais sobre ela e essas constr uções passam a orientar o que faz er sobre tal questão . Ébem provável que as per cepções de tais fenômenos concr etos e mensurados como sendo(ou não) um problema com um determinado grau de severidade variem de indivíduo pa-ra indivíduo. Mais do que isso, pode hav er um intenso debate e div ergências sobre osmeios e processos para mitigar e eventualmente solucionar problemas identificados. Nes-ses casos, a discordância revela variações nas construções sociais de uma realidade, em quea própria negação da r ealidade se torna uma das constr uções possíveis. A integração dasposturas realista e construtivista não leva necessariamente ao determinismo social e/ou aoreducionismo biológico execrados pela crítica sociológica. (Benton, 1991; Sydenstricker-Neto, 2004)

PRESSUPOSTO EPISTEMOLÓGICO 2: PARTICIPAÇÃO E APRENDIZADO SOCIAL

A participação, e mais especificamente a participação dos chamados “grupos locais,”é um pressuposto intrínseco às metodologias participativas. Independentemente de comose defina ou se materializ e essa participação dos grupos locais, ela ocorre em algum graue ao longo da geração de conhecimento em si, desenv olvimento de metodologias e difu -são e aplicação do conhecimento gerado . Um outro pressuposto é o apr endizado social,ou seja, o reconhecimento de que todos os env olvidos em um processo participativo sãoagentes que propiciam o aprendizado ao mesmo tempo em que também apr endem.

Esses pressupostos questionam algumas bases sobre as quais a ciência se desenvolveuno Ocidente. Em particular, eles criticam o processo de racionalização e compartimenta-lização da ciência em disciplinas cada vez mais especializadas, e que levam à separação ar-tificial entre pensadores e praticantes, entre pesquisa e ação (Greenwood & Levin, 1998;Ryle, 1984 (c1949); Schön, 1983). Mais do que isso, intelectuais vêm questionando a pri-mazia do conhecimento científico sobre outras formas de conhecimento. Entre os soció-logos norte-americanos, Kloppengurg (1991) propôs a interação entre distintas formas deconhecimento, incluindo formas de conhecimento consideradas “não-científicas.”

Apesar de a análise de Kloppengurg (1991) ser v oltada para a constr ução de umaciência agronômica alternativa, sua abordagem é aplicável à pesquisa social no seu sentidoamplo. Basicamente, o autor defende que a r econstrução das ciências agr onômicas leveem consideração o rico e diversificado conjunto de conhecimento teórico e empírico exis-tente. Em termos práticos, isto implica no r econhecimento da experiência dir eta de po-pulações locais como uma fonte impor tante e essencial de pr odução de conhecimento .Trazendo o conhecimento local para o cerne da r eflexão e debate acadêmico, se assumeque o método científico produz conhecimento parcial e que não é a única fonte de infor-mação consistente, válida e confiáv el. Dickens (2002), v alendo-se da crítica mar xista à

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divisão técnica e social do trabalho, chegou à conclusão semelhante ao abor dar a questãoambiental. Esse autor afirma que somente com a superação da alienação pr ovocada pelaseparação entre o conhecimento abstrato, tal como o científico e ger encial, e o conheci-mento prático (incluindo o trabalho manual), a sociedade ocidental poderá dar conta daquestão ambiental.

Proponentes do emergente programa de pesquisa cunhado de “ciência para a susten-tabilidade” ( sustainability science ) têm enfatizado a necessidade do “ conhecimento co-produzido” advindo da estr eita colaboração entr e intelectuais e praticantes (Clar k &Dickson, 2003). Mais do que isto, sistemas de conhecimento para o desenvolvimento sus-tentável têm de ser necessariamente confiáv eis, relevantes e vistos como legítimos pelosdiversos agentes envolvidos em um dado processo. Isto é mais provável que aconteça se ageração de conhecimento e a implementação de ações não for em vistas como categorica-mente distintas. Pelo contrário, sejam concebidas como etapas de um processo dinâmico,integrado e mediado por comunicação, entendimento mútuo e negociação entr e colabo-radores. (Cash et al, 2003)

Essas colocações da “ciência para a sustentabilidade” não são totalmente novas. Emgrande medida, elas recolocam em um outro âmbito questões e tensões enfr entadas pelaextensão universitária, da transferência de tecnologia e do maior engajamento dos acadê-micos na pr estação de ser viços públicos e de sua atuação como cidadãos (Kassam &Terrey, 2003; Peters et al, 2005). No campo da sociologia, essa discussão ganhou um novoímpeto com os esforços de r epensar a prática sociológica a par tir de teorias liber tárias,incluindo as formulações da teologia da liber tação, ou da proposição de uma “sociologiapública,” em contraste com a sociologia v oltada exclusivamente para a comunidade aca-dêmica. (Clawson et al, 2007; Feagin & Vera, 2001)

No que diz respeito aos levantamentos participativos, diversos avanços na academiaocorreram a par tir de pr ovocações e estímulos originados fora de suas quatr o paredes.Como destaca Chambers (2007), a prática de lev antamentos participativos teve sua ori-gem e ev oluiu na e da experimentação prática de membr os e técnicos de organizaçõesnão-governamentais envolvidos em trabalhos em ár eas na maioria das v ezes rurais e sub-desenvolvidas, em par ticular na Índia. A busca da ino vação, o praz er da descober ta e ocrescimento pessoal com o relacionamento e convivência entre grupos, foram potenciali-zados a par tir da descober ta de que indivíduos comuns e facilitador es (em geral commaior formação educacional) tinham papéis complementar es no desenvolvimento, apri-moramento e implementação de métodos específicos. Essas descober tas criaram as siner-gias para deslanchar as possibilidades de desenvolvimento de práticas assentadas no pres-suposto do aprendizado social e dos seus ganhos em r elação à geração de conhecimentosob formas mais individualizadas.

QUALIFICANDO A PARTICIPAÇÃO: OBJETIVOS,VALORES E FORMAS

Em um instigante artigo, Schlossberg e Shuford (2005) qualificam e problematizamos termos “ público” e “ participativo” do que se tornou conhecido na literatura comoPublic Participation GIS (PPGIS) ou, livremente traduzido, S istema de Informação Geo-gráfica com P articipação Pública. Q uanto à par ticipação, os autor es contrastam quatr otrabalhos que pr opuseram “escadas de par ticipação”, levando em conta duas or dens de

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fatores. De um lado, estão os objetivos ou valores mais gerais que fundamentam essas es-cadas ou hierarquias de participação de projetos participativos. De outro, atividades espe-cíficas que ocorrem no campo e que vão de níveis mínimos ou mesmo inexistentes de par-ticipação a níveis com participação plena dos envolvidos no processo. O interesse nessestrabalhos é a sua complementaridade, mostrando a abrangência e complexidade ao defi-nir e implementar a “participação” em projetos específicos.

Em um outro esforço de síntese, Cargo e M ercer (2008), revendo a literatura sobrepesquisas participativas na área de saúde pública, identificaram três grandes determinan-tes ou valores que têm orientado os estudos nessa área: 1) traduzir conhecimento em ação,2) promover justiça social e ambiental, e 3) autodeterminação . Os trabalhos de Cargo eMercer (2008) e Schlossberg e Shuford (2005) guardam diversos paralelos, e os utilizo pa-ra estruturar a discussão sobre a qualificação da par ticipação.

O primeiro determinante ou valor identificado por Cargo e Mercer (2008) é tradu-zir conhecimento em ação, ou seja, passar do campo da pesquisa ou da simples produçãode informação para o terr eno da aplicação dos r esultados obtidos a situações concr etas.Essa visão mais pragmática está pr esente em muitos pr ojetos participativos, já que estes,em algum nível e grau, têm por objetiv o aplicar conhecimento gerado a uma dada r eali-dade. O binômio conhecer-faz er (know-do) resumiria esse processo que não é simples, eabrange diversos níveis, como transferência, adaptação, implementação e disseminação .

Primeiramente, há de se identificar um corpo de conhecimento que venha ao encon-tro de demandas ou problemas concretos. Tal conhecimento pode então ganhar a formade práticas ou procedimentos a serem aplicados a determinados contextos envolvendo or-ganizações e indivíduos. Dependendo da complexidade das questões tratadas e do tipo deconhecimento envolvido, práticas esparsas podem vir a constituir um conjunto mais or -gânico e dar conteúdo a uma política pública específica.

Essa abordagem tem um amplo espaço para seu desenv olvimento em órgãos públi -cos e áreas de prestação de serviços, e pode desencadear um diálogo frutífero entre toma-dores de decisão e os beneficiários dir etos dos serviços prestados. O objetivo de traduzirconhecimento em ação é muito consistente com a orientação da escada de par ticipaçãode Wiedemann e Femers (1993). Nesta proposição, a participação tem como foco centralas grandes agências governamentais, tendo, portanto, uma orientação mais administrativa.Nessa escada, a participação é classificada em seis níveis, e vai do nível mais baixo, carac-terizado pelo direito do público de ser informado, ao nív el mais alto, em que ocorr eria aparticipação pública nas decisões finais. D egraus intermediários contemplariam, porexemplo, o dir eito à objeção e a par ticipação dos cidadãos na definição de inter esses aserem considerados nas agendas governamentais.

Também dentro desse enfoque v oltado à aplicação de r esultados, estaria o modeloque Dorcey e P articipantes (1994) formularam tendo em mente o processo de planeja-mento. Dentro desse enfoque, os níveis de participação começariam com a mera e simplesinformação de um determinado pr ocesso para um gr upo de indivíduos env olvido comalguma ação de planejamento . Já o nív el mais alto de par ticipação seria o env olvimentocontinuado dos indivíduos em etapas específicas do processo de planejamento. Em etapasintermediárias entre esses dois extr emos estariam estágios como os de coleta de dados einformação, definição de temas e abordagens, consultas direcionadas, incluindo conselhose sugestões, e finalmente, a busca de consenso .

Um exemplo de mapeamento participativo nessa linha administrativa e de apoio aoplanejamento é um projeto sobre a Market Street na cidade de São Francisco (1995-2000)

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(Parker & Pascual, 2002). Essa área da cidade, tradicionalmente marcada por grande di-versidade sociocultural e usos múltiplos do espaço, passou por uma rápida transformação.Em poucos anos, essa div ersidade foi cr escentemente substituída pela concentração deempresas de informática e multimídia, o que lev ou a uma descaracterização e elitizaçãodo espaço urbano . Em uma iniciativ a comunitária, gr upos locais se v aleram de mapea-mentos participativos como forma de documentar esse processo, externar o descontenta-mento de grupos sociais e comunicar os resultados ao grande público e tomadores de de-cisão. Esse pr ocesso permitiu a coleta de dados objetiv os até então inexistentes,comunicação e discussão mais ampla sobre o processo de transformação da região, e pro-posição de formas de integrar múltiplos inter esses. O r esultado foi a pr oposição de umzoneamento urbano que permitiu a instalação contr olada de empresas, mantendo as ca-racterísticas da área e garantindo uma vitalidade econômica.

A promoção de justiça social e ambiental e a autodeterminação são outros dois obje-tivos de estudos par ticipativos apontados em div ersos trabalhos. Quanto à promoção dajustiça social e ambiental, ela tem uma for te tradição na educação popular (Freire, 1977,2004), e visa prioritariamente r esponder a demandas e necessidades dos indivíduos maisvulneráveis e, em geral, à margem dos pr ocessos de tomada de decisão . Aqui, o enfoquenão é tanto traduzir determinado conhecimento em ação prática como discutido acima,mas valer-se de conhecimento gerado para desencadear a redução de desigualdades sociaise ambientais. Esse processo contemplaria minimizar ou mesmo eliminar situações em quepopulações menos favorecidas e marginalizadas socialmente são expostas aos mais v aria-dos riscos. Esses pr ojetos em geral têm um for te componente comunitário, env olvendoassociações de bairro ou grupos de interesse minimamente organizados em parcerias comgrupos acadêmicos e do terceiro setor (ONGs), e colaborações com agências públicas.

O trabalho pioneir o da ativista social nor te-americana na r egião de Chicago,Florence Kelly (1859-1932), é um exemplo de mapeamentos participativos com um ca-ráter de denúncia de pr oblemas sociais. Kelly foi a coor denadora em Chicago da pes -quisa A Special Investigation of the S lums of Great Cities, encomendada pelo CongressoNorte Americano em 1883. Essa pesquisa tinha como objetiv o levantar dados sobre apobreza nas ár eas urbanas. K elly e seus colegas anteviram que poderiam, a par tir dosdados domiciliares, mapear a pobr eza em Chicago como Charles Booth (1840-1916)havia feito em Londr es. Kelly e outr os ativistas da H ull House, uma organização quedava suporte a imigrantes que viviam em ár eas pobres de Chicago, plotaram as infor -mações levantadas pela pesquisa em mapas de Chicago. Em 1895, foram publicados osHull-House M aps and P apers, uma coletânea de mapas coloridos sobr e as condiçõessocioeconômicas dos residentes de Chicago (Residents & Hull-House, 1970 [c1895]).Esses mapas continham muito mais detalhes que as diversas publicações da pesquisa en-comendada pelo Congresso.

O trabalho de Conner (1988) e sua escada de par ticipação têm uma afinidade comessa linha de promoção social. A abordagem desse trabalho visa à resolução de conflitos , ea sua escada de par ticipação trabalha com dois planos. Esses planos se r eferem a audiên-cias específicas, que são o público em geral e os líderes do processo. Ainda que haja algu-mas particularidades a cada um desses planos, em linhas gerais, a par ticipação em ambosparte de um aspecto mais geral de informação/educação para o fim último que seria a re-solução/prevenção de conflitos. Passos intermediários, envolvendo diferentes tipos de par-ticipação do público e líder es, incluiriam consultas, planejamento, mediação e equacio-namento de potenciais litígios.

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Finalmente, a busca de autodeterminação apontada como um dos objetiv os dos es-tudos participativos ganha expressão a par tir da perspectiva dos Direitos Humanos e daPessoa. Um trabalho clássico e que tem servido de referência para vários outros é a elabo-ração de Arnstein (1969). A escada de oito degraus pr oposta por essa autora tem comoconceito central o poder do cidadão. No nível inferior da escada, ocorreria a manipulaçãodos sujeitos, indicando que não há uma par ticipação propriamente dita. Já no topo daescada, os cidadãos teriam contr ole completo do pr ocesso. Degraus intermediários con-templariam, por ex emplo, consulta, par ceria, ou delegação de poder . A concepção quenorteia a construção dessa escada é a defesa ao direito de autodeterminação, com transfe-rência crescente das formas de controle, acesso e posse de conhecimento e bens materiaisque possam ter implicações para o bem comum e benefícios a ele ligados.

O trabalho de Yamauchi (2000) sobre o terrorismo de Estado na Guatemala (1978-1985) é um ex emplo de mapeamentos par ticipativos com o objetiv o de dar v oz e podera cidadãos marginalizados. Com base em relatos na mídia e o auxílio de moradores locaise sobreviventes de ações terroristas, Yamauchi construiu uma base de mais de 14 mil casosgeorreferenciados de assassinatos, sequestros, torturas e atos de guerrilha ocorridos em fa-zendas de 62 municípios. Além de quantificar e qualificar o terr orismo de Estado, oestudo teve outros dois objetivos centrais: ampliar o acesso à informação e dar voz às víti-mas e testemunhas sobreviventes como parte do processo de confrontar e eventualmentesuperar os traumas individuais e coletivos.

Concluindo a discussão sobr e a qualificação da par ticipação, cabe mencionar umatipologia que se tornou referência na literatura sobre desenvolvimento. Pretty e coautores(Pretty et al , 1995) r eportam uma metodologia par ticipativa utilizada com sucesso noQuênia em projetos de conservação de solo e recursos hídricos. Diferentemente das esca-das descritas acima, essa escada tem um enfoque mais difuso quanto aos princípios que aestruturam, combinando aspectos relacionados ao poder e seu contr ole mais descentrali-zado, à administração, e ao planejamento e busca de resultados, e pode também contem-plar a superação de conflitos advindos do uso e acesso a r ecursos e bens. Ainda que a ti -pologia tenha sido desenv olvida tendo em vista pr ocessos em ár eas r urais e o uso derecursos naturais, os princípios são gerais e aplicáv eis aos mais diferentes contextos.

A escada de par ticipação proposta pelo gr upo de Pretty (Pretty et al, 1995) possuisete degraus, e vai do nível que os autores chamam de “participação passiva” ao último de-nominado “auto-mobilização”. Na participação passiva, os indivíduos basicamente são in-formados do processo. A informação disseminada pertence e é totalmente controlada porum profissional ou agente externo ao gr upo. Nos dois níveis seguintes – participação nofornecimento de informação e participação por consulta –, os participantes contribuem res-pondendo questões ou emitindo opinião quando consultados sobr e algum tema em par-ticular. Em ambos os níveis, os participantes não têm o poder de influenciar os processosem curso e tampouco as tomadas de decisão . No quarto nível, denominado participaçãopor incentivos materiais, os indivíduos par ticipam fornecendo algum r ecurso como mão-de-obra, informação ou área para a realização de um experimento. Por tal colaboração, osparticipantes recebem em tr oca algum benefício material, seja na forma de gêner os ali-mentícios, de bens duráveis ou serviços. O traço comum dos quatro primeiros níveis des-sa escada é a super ficialidade da participação tornando-a quase um eufemismo.

Já nos três últimos degraus, a participação tem um impacto mais consequente e du-radouro, que atinge o seu ápice na automobilização . Na participação funcional (quintodegrau), gr upos se r eúnem para atingir determinados objetiv os pré-estabelecidos. E m

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geral, esses objetiv os foram pr eviamente determinados por agentes externos, mas ev en-tualmente o pr ocesso pode incluir algum nív el de maior cont role pelo gr upo local. N opróximo nível – participação interativa –, a participação se dá pela análise conjunta r eali-zada por agentes externos e membr os do grupo local. Neste nível de participação, a ten-dência é r eforçar processos e instituições existentes, e fomentar o surgimento de outr osque conjuntamente criem sinergias para desencadear múltiplas perspectiv as, além deaprendizados sistemáticos e estr uturados. Ao longo desse processo, há uma transferênciapaulatina de controle, e se abrem espaços para o interesse por parte de membros dos gru-pos locais. Finalmente, a automobilização é o último degrau na escada. N esse estágio, aspessoas participam tomando iniciativas independentemente dos incentiv os ou estímulosde agentes externos. Nesse estágio, o controle local tende a ser maximizado, podendo ounão levar ao questionamento do status quo ou das estruturas de tomada de decisão local.

Ao concluir essa discussão sobre a necessidade de qualificar a participação, é impor-tante salientar que o gradiente de par ticipação evidenciado nas escadas, que v ai de níveismenores para os níveis com maior envolvimento e/ou controle por parte dos cidadãos oumembros do grupo local, não corresponde a uma progressão sequencial obrigatória e ne-cessariamente a uma v aloração positiva e normativa correspondente. Diferentes tipos departicipação podem ser mais apropriados no início de um dado projeto, enquanto outrospodem ser mais recomendados nas etapas finais e conclusão . Ao mesmo tempo, os obje-tivos específicos do projeto, tanto no que diz respeito aos seus aspectos conceituais comono que se r efere à operacionalização pretendida, definirão a abor dagem mais apropriadae o grau e forma que a par ticipação assumirá.

QUEM DEVE PARTICIPAR

Além de qualificar o tipo de participação, é importante examinar outro aspecto bas-tante debatido e contencioso: quem par ticipa, e como esta par ticipação se dá. Do pontode vista mais geral, ainda que o pr ocesso seja par ticipativo e integre um grande númer ode indivíduos, ele dificilmente incluirá todos os indivíduos de uma dada localidade e/ougrupo. O reconhecimento de que nem todos poderão par ticipar, e a identificação e qua-lificação dos grupos que ficaram de fora, seja por que motivo for, são muitas vezes poucoabordados, ou mesmo negligenciados. Isso leva, em geral, à falsa impressão de que a par-ticipação vai muito além da que efetivamente ocorre. Assim, há de se ter uma visão obje-tiva e crítica sobre quem fica de fora desse pr ocesso e quem efetivamente participa.

Entre os que par ticipam, cabe indagar quem par ticipa, como par ticipa e com quepropósito esta par ticipação ocorre. Nesse sentido, a definição inequív oca e de antemãodos objetivos e aplicações do projeto evidenciam de forma mais clara quem dev e partici-par, em que etapas e com que fins específicos. Assumindo que a par ticipação não ocorrepelo simples fato de se par ticipar, mas porque ela tem algum pr opósito, torna-se impor-tante definir quem deve participar, em que fase do projeto um determinado grupo ou in-divíduo deve ser chamado a participar e, finalmente, a que objetivo específico essa parti-cipação atende.

As pessoas podem par ticipar de projetos por várias razões. Cargo e M ercer (2008),ao abordar essa questão, identificaram as seguintes razões: especialidade ou competência(expertise), acesso a recursos e informações, interesse e habilidade de representar potenciaisusuários, beneficiários e outr os indivíduos com algum tipo de inter esse ( stakeholders).

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A distinção dos indivíduos entr e colaboradores acadêmicos e não-acadêmicos é uma dasmais importantes, e marcam de forma muito clara o tipo de par ticipação dos indivíduos.Ainda que algumas abordagens tendam a minimizar essa distinção, ela ainda permanececomo uma diferenciação importante que, em linhas gerais, organiza os par ticipantes emsubgrupos e auxilia na definição e qualificação dos motivos de se incluir ou não determi-nado tipo de indivíduo no processo.

Segundo esses autores, há diversas razões que justificam a par ticipação de acadêmi-cos em projetos participativos. Entre essas razões, destacam-se: dar o apor te teórico quefundamenta o pr ojeto, conduzir as metodologias específicas, trabalhar sobr e problemasespecíficos que exigem algum conhecimento mais rigoroso ou aprofundado, traduzir con-ceitos abstratos em procedimentos concretos, e agir como facilitador e gerenciador de ro-tinas que mobiliz em os envolvidos. A delimitação cada v ez maior das ár eas do conheci-mento, e formação de pr ofissionais cada v ez mais especializados r eforçam a necessidadede envolvimento de profissionais de diversas áreas.

Já entre os não-acadêmicos, motiv os para incluir determinados tipos de indivíduospoderiam ser resumidos em alguns pontos, tais como: ser cliente, usuário ou beneficiáriodireto, integrar a rede interpessoal e/ou social mais próxima, ser par te do público em ge-ral, ou ser parte do grupo de indivíduos que atuam em algum nível na operacionalizaçãoadministrativa ou política de um dado pr ograma. Da mesma forma como acontece comos acadêmicos, a complementaridade de visões se materializa com a inclusão de indiví-duos com distintas inserções e interesses nas questões abordadas pelo projeto.

Em um estudo sobr e os fatores determinantes do desmatamento em ár eas de colo-nização, o trabalho integrado de acadêmicos e agricultores da região foi instrumental paraa produção de mapas de cobertura vegetal confiáveis (Sydenstricker-Neto et al, 2004). Naausência de fotos aéreas, a história da ocupação dos lotes foi r econstruída a partir de ma-peamentos participativos. Trabalhando com imagens de satélite LANDSAT, pesquisadorese membros das associações de pequenos agricultores da região recolheram dados que per-mitiram elaborar mapas de cober tura vegetal para um período de 13 anos (1986-1999).Os r esultados dos mapas r evelaram estimativ as muito r obustas para as ár eas de matanativa, pasto e cultivos, com percentual de erros dentro dos padrões considerados adequa-dos pelos especialistas. A apr esentação dos r esultados do trabalho aos par ticipantes edemais residentes das ár eas estudadas propiciou um fór um de discussão acalorada sobr eos processos de ocupação e mudança da paisagem. Essas discussões informaram iniciati-vas para se r epensar o planejamento r egional conduzidas por membr os de mo vimentossociais e representantes do poder público local. O sucesso do estudo se dev e, em grandeparte, à complementaridade dos técnicos e moradores quanto a expertise, visões e interes-ses representados, e conhecimento sobre a realidade local.

Como se pode imaginar pela discussão acima, a par ticipação de indivíduos de sub-grupos distintos em um dado pr ojeto participativo não é aleatória. D efinir qual é o gr u-po adequado e, quem sabe, “ideal ” para que os pr opósitos do pr ojeto sejam atingidosexige muito trabalho. Com o intuito de se chegar à combinação “ótima ” quanto ao tipode indivíduos que dev em participar, Cargo e Mercer (2008) listaram algumas questões-chave a serem consideradas. Essas questões visam orientar qual é a combinação de par ti-cipação de colaboradores que tende a garantir alguns aspectos, tais como: os v alores queembasam o projeto, os resultados esperados, a implementação do projeto, a utilização ouaplicação adequada dos r esultados do pr ojeto, incluindo a continuidade e sustenta-bilidade de ações e, finalmente, a legitimidade do pr ocesso como um todo.

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Se a participação não é aleatória, ela também não é automática e facilmente viabili-zada. Para que a par ticipação se estabeleça e atinja os objetiv os propostos, é preciso queuma série de atividades seja posta em prática e que div ersos desafios sejam vencidos. Es-sas atividades incluem: identificação e engajamento dos par ticipantes, formalização dasparcerias, mobilização e envolvimento efetivo dos indivíduos em atividades concretas pa-ra executar o projeto e sustentar a parceria e colaboração até o final do projeto. Em para-lelo e em consonância com essas atividades, ocorr em monitoramento, avaliação e os ne-cessários ajustes de conduta para o bom andamento do pr ojeto proposto.

MÉTODOS E INSTRUMENTOS

Em grande medida, a sofisticação dos estudos e a complexidade de equipamentos eferramentas utilizadas nos estudos com S istemas de Informação Geográfica (SIG) redefi-niram os mapeamentos participativos. No entanto, o conjunto de métodos e instr umen-tos utilizados nestes mapeamentos par ticipativos com SIG guarda ainda muita semelhan-ça com os métodos introduzidos pelos levantamentos participativos RRA ou PRA lançadosnos anos 1970 e 80. Assim, é ilustrativ o rever alguns desses métodos mais difundidos ereportados na bibliografia.

Há uma centena de trabalhos na literatura que remetem a essas técnicas. Três traba-lhos de meados da década de no venta reúnem uma lista muito completa do que há demais expr essivo e que foi r etomado de difer entes formas em trabalhos mais r ecentes.Chambers (1994) apr esenta uma lista longa com ex emplos em div ersas áreas, enquantoMitlin e Thompson (1995) enfocam mais especificamente os contextos urbanos. Pretty eoutros (1995) organizaram didaticamente esses métodos e abordagens em três grandes te-mas, sendo eles: 1) D inâmicas de G rupo; 2) E ntrevistas e D iálogos e 3) Visualização eDiagramação. A esses itens, poderia ser acrescentado mais um: 4) Relatórios e Apresenta-ções. A seguir, há uma descrição de diversos métodos e técnicas, ordenados nesses quatrograndes temas. Alguns desses métodos e técnicas foram utilizados em meus próprios emtrabalhos. (Sydenstricker-Neto, 2004, 2006; Sydenstricker-Neto et al, 2004)

DINÂMICAS DE GRUPO

O objetivo central das dinâmicas de grupo é criar e manter um ambiente adequadoe estimulante para que a par ticipação dos envolvidos no processo se desenvolva, e que asatividades mais substantivas do projeto sejam realizadas de forma adequada. Na fase ini-cial, as atividades específicas env olvem estabelecer contatos pr eliminares, as dinâmicas ejogos para “quebrar o gelo” e possibilitar que cada um dos par ticipantes tenha a opor tu-nidade de se fazer conhecido e conhecer os demais.

Criado o ambiente pr opício à par ticipação, as dinâmicas se v oltam para facilitar eoperacionalizar as atividades de coleta de dados, tratamento das informações e sua apr e-sentação. Essas atividades incluem, mas não estão r estritas a: a) discussões e r evisões rea-lizadas em gr upo; b) utilização de r oteiros de entr evista e listas de contr ole (checklists); c) elaboração de notas de reflexão e diários sobre o processo em si; d) preparação de rela-tórios sintéticos sobre atividades específicas, aspectos gerais ou de síntese; e) realização depequenas tarefas com troca de papéis e responsabilidades; f ) teatralização; g) tomar parteem atividades corriqueiras e comunitárias na ár ea em que o pr ojeto se desenv olve; e

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h) apresentação de resultados com o envolvimento de moradores não necessariamente en-volvidos de forma direta com a realização do projeto em si.

Muitas dessas atividades assumem deliberadamente a forma “ faça v ocê mesmo/ deixe-os fazer” (do it yourself/let them do it ), criando oportunidades para aprendizado in-dividual e coletivo. Esses exercícios são muito utilizados para se quebrar a dicotomia e ahierarquia que se estabelecem entr e os detentores de conhecimento formal ( experts) e osindivíduos comuns. Os resultados alcançados com tais dinâmicas evidenciam e reafirmama importância das diferentes formas de conhecimento. Revelam também o enriquecimen-to que ocorr e quando difer entes perspectivas se manifestam, evidenciando v alores, per-cepções e sensibilidades que, de outra forma, dificilmente seriam conhecidas.

ENTREVISTAS E DIÁLOGOS

A etapa de entrevistas e diálogos tem como objetiv o central a coleta de dados e in-formações. Seguindo a orientação geral dos projetos participativos, essa etapa procura mi-nimizar o caráter “extrativo” e fortalecer a visão de geração de conhecimento copr oduzi-do. Essa mesma orientação também informa a visualização, diagramação e elaboração derelatórios (vide abaixo).

As atividades que têm sido utilizadas para a coleta de dados e informações são muitase com desenvolvimento, adaptação e inovação quase ilimitados. Algumas das mais difun-didas atividades ou técnicas são:1) coleta de dados secundários – que permite reunir os mais variados dados e informações

existentes sobre a área ou grupo de interesse. Esses dados podem ser encontrados emrelatórios, séries estatísticas, mapas, coletâneas, livros, etc.

2) entrevistas semi-estruturadas – possuem um roteiro pré-definido que provê uma estru-tura mínima, mas que é ao mesmo tempo flexív el. Essa flexibilidade permite ao en-trevistador explorar com mais profundidade determinados temas levantados pelo en-trevistado e que são de inter esse para o projeto.

3) entrevistas com infor mantes-chave – esses informantes são indivíduos consideradosexperts ou detentores de alguma informação r elevante para o pr ojeto. Assim sendo,eles são identificados e entrevistados pela contribuição específica e orientada que po -dem fornecer. Em geral, eles detêm alguma posição de destaque, como de liderança ereconhecimento comunitário, ou são provedores de algum serviço social.

4) grupos focais – permitem a discussão orientada e estimulada por um facilitador . Essesgrupos contam com a participação de pessoas pré-selecionadas, escolhidas segundo seusatributos e inserção particular na população-alvo do estudo ou na região onde o proje-to está sendo desenvolvido. Dependendo do objetivo a ser alcançado, os grupos podemser de indivíduos semelhantes, como os morador es de domicílios com determinadoperfil, ou pessoas que se contrastam em termos de gêner o, idade, opção religiosa, ocu-pação, etc. Alternativamente, esses grupos podem incluir arranjos casuais ou espontâ -neos. Nesse caso, o interesse não é em pré-selecionar um grupo com determinado per-fil, mas trabalhar com um gr upo que se forma de maneira menos contr olada oupré-definida. Um exemplo seria os indivíduos atraídos por alguma atividade estimula-da em um cr uzamento de ruas em uma ár ea urbana. Nesse caso, o elemento comumao grupo seria a atração ou interesse pela atividade que desper tou a curiosidade.

5) biografias e etnografias – possibilitam a coleta de informações r esgatando a trajetóriapessoal ou de um dado gr upo segundo suas características sociais, culturais, etc.

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Variações dessas coletas e descrições são as histórias orais utilizadas em especial para oresgate de memórias ou r egistro de acontecimentos que não estão documentados emoutras fontes, como levantamentos de dados secundários ou r egistros oficiais.

6) inventário de práticas tr adicionais ou costumeir as e cr enças – é um levantamento comuma descrição e compreensão de práticas consideradas tradicionais, ou de uso r ecor-rente entre o grupo estudado, e que mer ecem ser inventariadas. Esses levantamentospodem se voltar para o inventário das crenças, incluindo aqui as práticas religiosas, jo-gos de azar ou outr os códigos culturais utilizados por um dado gr upo para organizare dar sentido aos fatos que estr uturam a visão de mundo compar tilhada pelo grupo.

7) histórias locais, per fis e casos exóticos – é a coleta de um conjunto de histórias, casos emesmo anedotas que registram acontecimentos importantes sobre e/ou para o gr upoestudado. Na maioria dos casos, esse tipo de informação é pouco documentado ou re-gistrado formalmente, fazendo parte do coletivo social e do imaginário artístico e cul-tural de um dado grupo.

8) observação direta – constitui a simples obser vação orientada do contexto de inter esse,como o bairro onde o estudo está sendo organizado. A coleta de dados não inclui ape-nas a observação ou o ato de ver propriamente dito, mas também perguntar, discutir eidentificar aspectos de particular interesse. Em alguns casos, a observação poderia con-sistir em acompanhar as atividades e o compor tamento de um gr upo de indivíduosdurante um dado período de tempo . Outros exemplos seriam: acompanhar o desen-volvimento de uma reunião de determinada organização; ou celebrações de eventos sig-nificativos, como festas e comemorações, obser vando sistematicamente as r elações depoder e formas como os par ticipantes se expressam e interagem uns com ou outr os.

9) inventário de recursos – é um levantamento focado nos recursos da área em que ocor-re o estudo. Esses recursos podem ser, por exemplo, os recursos naturais e amenidadesambientais encontradas na ár ea, ou outr os de or dem social, que indiquem acesso,administração, manejo e controle de fontes de renda, investimento, educação, saúde,apoio em emergências, etc.

10) levantamento de transectos – é um tipo de observação direta ou inventário de recursos,que se realiza de acordo com um percurso ou roteiro espacial pré-definido. As obser-vações e coleta de dados que usam transectos são muito comuns em lev antamentosbiológicos (flora e fauna) ou de características físicas de uma ár ea, como tipos de so -lo, recursos hídricos, r ecursos minerais, etc. A metodologia desses lev antamentos derecursos biofísicos foi adaptada para a coleta de dados socioeconômicos, seguindo cor-redores ou trajetos de par ticular interesse de acordo com características julgadas im-portantes.

VISUALIZAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO

Nessa etapa, as informações e dados coletados são analisados e apresentados utilizan-do-se de diversos meios e formatos. Aqui também a evolução, aprimoramento e inovaçãosão constantes, o que lev a ao surgimento de no vos instrumentos e à adaptação aos maisdiversos contextos e situações. Alguns dos mais conhecidos instr umentos de visualizaçãoe diagramação são apresentados a seguir. Em muitos casos, gráficos como histograma, li-nha, coluna e torta são utilizados para reportar os resultados. Em outros, é mais adequa-do o uso de mapas e alguns diagramas, como mencionado abaix o. Algumas das mais di-fundidas atividades ou técnicas são:

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1) calendário sazonal – é muito usado em projetos que trabalham com recursos naturaisou eventos biofísicos, como r egistros pluviométricos ou épocas de inundação . Mas asua aplicação é ampla e para os mais v ariados dados, sendo de grande utilidade parasituações em que as variações sazonais são significativas e trazem implicações importan-tes para o projeto. Esses calendários podem ser organizados segundo as principais es-tações do ano, ou por espaços de tempo mais curtos como mês, quinzena ou semana.

2) perfis históricos ou linhas do tempo – são instrumentos que indicam a cronologia de da-tas aproximadas de fatos considerados r elevantes e relembrados pelo grupo social doestudo. Esse instrumento dá uma noção muito clara da reconstrução que o grupo temdo passado, ao mesmo tempo em que pode ofer ecer um resumo sintético de mudan-ças (ou continuidades) ocorridas em um dado contexto, e não necessariamente capta-das e internalizadas pelos indivíduos e/ou outr os registros. Eventos comuns de seremregistrados em tais per fis são: uso da terra, mudanças na ecologia local, mudanças etendências na migração dos indivíduos, criação de associações e encerramento de ati-vidades de uma organização . Os dados podem ser r egistrados em números absolutosou proporções.

3) registro de atividades, perfis ou rotinas diárias – é um tipo de calendário sazonal, mascom enfoque de tempo r estrito a um dia ou par te de um dia. A qui são registrados,por exemplo, a frequência e o tempo gasto com o r ecolhimento do lixo e sua dispo-sição final, o número de horas que os indivíduos gastam com os deslocamentos diá-rios para suas atividades, ou os períodos em que um determinado serviço está dispo-nível no bairro.

4) croquis – são esboços ou rascunhos, em geral feitos à mão em papel, no chão ou outr omeio, para mapear ou r epresentar graficamente dimensões culturais, políticas, socio -econômicas, demográficas, biofísicas, etc. da área ou grupo envolvido com o projeto.

5) mapeamento e modelagem – são produtos muito semelhantes ao cr oqui, só que maissofisticados e bem acabados em termos de sua apr esentação gráfica, elementos car to-gráficos. O mapa pode ganhar a forma de modelos como os em três dimensões (3D),dando mais r ealidade aos elementos mapeados. A incorporação da topografia a mo-delos 3D é par ticularmente útil para a identificação mais imediata, por ex emplo, deáreas de encosta, depressão e vales e fluxos dos cursos d’água.

6) análise de diferenças – identifica e qualifica as diferenças entre grupos de indivíduos di-vididos e contrastados segundo classe ou status social, local de moradia, gêner o, ida-de, etc. A qualificação pode ser trabalhada até o ponto de se identificar algumas cau -sas, dinâmicas ou mecanismos pelos quais elas se estabelecem e se legitimam. Tabelas,mapas e diagramas são utilizados para r egistrar essas análises.

7) mapas sociais e de estr atificação – representam um detalhamento e aplicação mais cir -cunscrita da análise de diferenças quanto à renda, pobreza e bem-estar. Muitos dessesmapas incorporam uma classificação ou or denamento de ár eas/grupos, chamando aatenção para grupos específicos, como os mais pobres ou em condição de miséria.

8) mapas de organizações e associações – identificam as organizações e associações pr esen-tes e relevantes na área de estudo. O mapa pode identificar aspectos geográficos, co-mo a localização física da sede da organização e sua área de atuação. Outros mapas in-cluem informações sobr e a atuação substantiv a das organizações, tais como data defundação, serviços e r ecursos disponíveis, número e per fil dos membros e número etipo de clientela atendida. Alguns desses mapas podem identificar também a r ede einteração entre as organizações e associações de uma dada ár ea.

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9) matriz para contagem e ordenamento – é uma tabela para inventário, ordenamento, ava-liação e comparação de alguma característica ou atributo de interesse. Exemplos de in-formação seriam: infraestrutura disponível, serviços públicos existentes ou grupos re-ligiosos presentes em algumas áreas específicas da região estudada.

10)matriz de conflito – é uma variação da matriz para contagem e or denamento. Nessecaso, lista-se a natur eza dos conflitos ou disputas em um dos eix os (y), e no outr oeixo (x), o tipo de indivíduos ou grupos envolvidos. A matriz permite identificar paracada uma das disputas os gr upos env olvidos, sua impor tância e peso r elativo. A omesmo tempo, a matriz permite uma visão sintética dos pontos críticos a serem exa-minados e equacionados. Tendo em vista a natur eza delicada desse tipo de lev anta-mento e a suscetibilidade de pr ovocar tensões e desentendimentos, o contexto paraa realização desse ex ercício deve ser muito bem av aliado antes de implementado, enão é recomendável para grupos sem uma experiência mínima de trabalho conjun -to, e que ainda não atingiram nív eis de maturidade em relação à confiança mútua ediálogo amplo e franco.

11)matriz de níveis decisão – é uma outra variação de uma matriz de or denamento. Nes-se caso, se confrontam os temas ou recursos que exigem alguma gerência e tomada dedecisão (eixo y) com o nível em que as decisões sobre sua administração ocorrem (eixox). No caso desses nív eis, eles podem ir do in divíduo ao de autoridades constituídasno âmbito estadual ou federal, passando por nív eis intermediários, como domicílio,bairro ou vizinhança, associação, autoridade local. E m cada uma das caselas se podeidentificar a presença ou não do nív el de decisão e qualificá-lo em termos do que é,pode ou deve ser decidido, e como essa tomada de decisão é implementada.

12)diagrama de Venn – é uma representação gráfica com a utilização de cír culos para aidentificação e visualização de temas ou gr upos segundo a sua impor tância relativa eas relações lógicas existentes entr e eles. Tais relações incluem inclusão, exclusão, uni-ão, interseção, sobreposição ou compartilhamento. Em geral, o interesse maior com ouso dos diagramas de Venn não é a quantificação pr ecisa das r elações, mas a sua r e-presentação em termos das relações que de fato ocorrem (ex.: interseção de ações), daproporção dessas ações e da importância ou peso relativo dos grupos que as desenvol-vem. Os diagramas de Venn podem ser um r ecurso muito poder oso, por ex emplo,para identificar conflitos de interesses ou grupos envolvidos em disputas.

13)diagrama de sistemas e fluxos – é uma representação gráfica de processos e relações exis-tentes na ár ea ou gr upo de estudo, e que identifica entes, operações, tomadas dedecisão, direção e sequência de operações. Esses diagramas são muito úteis, por exem-plo, para mapear as etapas de pr ocessos de tomada de decisão, os entes (ator es, gru-pos, agências, etc.) envolvidos e os seus r espectivos papéis, atribuições e impor tâncianas várias etapas identificadas.

RELATÓRIOS E APRESENTAÇÕES

A preparação de relatórios, sínteses, apresentações e outras atividades para dar retor-no ao grupo não está restrita ao final da pesquisa. Pelo contrário, ao longo de todo o pro-cesso existem momentos em que atividades são r ealizadas com o intuito de r eportar, dis-cutir, garantir uma compreensão comum, assim como avaliar e redefinir o andamento doprojeto. Essa fase de relatórios, apresentações e discussões é implementada usando-se ins-trumentos de visualização e diagramação e dinâmicas de gr upo acima descritas. Essas di-

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nâmicas garantem e salientam a interatividade, que é uma mar ca forte e que permeia to-do o processo de trabalho participativo e do aprendizado coletivo que se estabelece.

ACESSO À TECNOLOGIA E DISSEMINAÇÃO

Os avanços na ár ea de informática têm contribuído grandemente para o baratea-mento dos equipamentos e o desenvolvimento de software cada vez mais sofisticados e deampla aplicação. Isso tem possibilitado acesso crescente a essas tecnologias pelos mais di-versos grupos. São raros os estudos que procuram determinar quem de fato tem acesso aessas tecnologias e quais seriam os impactos da ampliação do nív el de informação e dograu de participação de grupos sociais específicos.

Um dos raros trabalhos nessa linha é um levantamento realizado com profissionaisque se dedicam aos estudos de impacto ambiental ( EIA) e avaliações ambientais estraté-gicas (stategic environmental evaluations, SEA) (Gonzáles et al, 2008). Esses profissionaisparticiparam em 2005, na Europa, do primeiro congresso mundial de SEA. Ao todo, fo-ram entrevistados 54 profissionais de 26 países. A maioria dos países estav a representa-da por um ou dois entr evistados. Países com três ou mais entr evistados incluíam Hun-gria, Portugal, Países Baixos e Canadá (três cada), Bélgica, Alemanha e Estados U nidos(quatro cada) e R eino Unido (8). Entre os 26 países, 14 eram da U nião Europeia, oitoeram países desenv olvidos fora da U nião Europeia e cinco eram países em desenv olvi-mento. Entre os países em desenvolvimento, foram incluídos: Armênia, Costa Rica, Egi-to, Etiópia e México.

Esse levantamento revelou que dos 54 entr evistados, 30 (56% do total) afirmaramque a tecnologia de informação ( TI) e GIS não eram acessíveis a todos os estratos sociais.Nenhum entrevistado dos cinco países em desenvolvimento considerou essas tecnologiasacessíveis para todos os estratos, incluindo minorias e indivíduos com limitadas habilida-des com TI. Entre as principais medidas para ampliar o uso dessas tecnologias em pr oje-tos participativos, os entrevistados mencionaram: a) ampliar a disponibilidade de Internet(33%); b) melhorar a formação através de treinamentos (20%); c) equacionar problemascom licenciamento e acesso à informação (17%); d) prover recursos humanos e financei-ros para ampliar o uso e baixar custos operacionais (11%); e) fazer uso de tecnologias tri-dimensionais (3D) para produzir imagens e modelos mais r ealistas (4%) (Gonzáles et al,2008). É interessante notar que, com ex ceção da última medida, todas as medidas suge -ridas se relacionam a problemas de acesso aos meios que possibilitam o uso dessas tecno-logias, incluindo a formação de pessoal (item b) e o licenciamento e acesso a software(itens c e d).

No que diz respeito à formação, o simples desconhecimento ou falta de acesso à tec-nologia pode r epresentar barreiras importantes para o seu uso . É isso que mostra K yem(1998) em um inter essante estudo que r ealizou para avaliar a mudança de per cepção deindivíduos sobre o uso de GIS no manejo de r ecursos florestais em Gana (reportado em:Ball, 2002). O autor utilizou uma avaliação prévia e posterior (pre-post study) de um pro-jeto que usava GIS com participação comunitária. Antes do pr ojeto, de um gr upo de 75entrevistados, 85% acr editavam que o uso de GIS ameaçaria sua par ticipação efetiva, e91% consideravam que a tecnologia dificultaria a compr eensão dos resultados e a par ti-cipação nas discussões ao longo do pr ojeto. Concluído o projeto com GIS, essas opiniõesse mantiveram inalteradas somente para 11% e 7%, respectivamente. No outro extremo,

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depois de concluído o projeto, a percepção de que o uso de GIS poderia propiciar melhorcompreensão dos problemas florestais passou de 5% para 85%. Semelhante resultado foivisto em relação à percepção de que o uso de GIS poderia reduzir o tempo gasto com co-leta de dados. A resposta afirmativa saltou de 15%, antes do estudo, para 80% na av alia-ção, ao término do projeto.

Quanto ao software, os custos com licenças de uso e as cláusulas muito restritivas doscontratos de venda e concessão de seu uso são empecilhos concr etos para a democratiza-ção tanto do acesso quanto do uso . Movimentos ligados ao desenvolvimento de softwarecom plataforma aber ta e/ou de livr e acesso têm contribuído para a maior difusão da cartografia e de seus instr umentos de coleta, tratamento e visualização de dados entr e grupos menos favorecidos. Iniciativas nessa linha de produtos livres têm surgido, e exem-plos incluem o projeto JUMP (www.jump-project.org) no Canadá e a iniciativa da Comis-são E conômica para a América Latina e o Caribe ( CEPAL) através do REDATAM

(www.eclac.org/software/). No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)desenvolveu o software livre TerraView (www.dpi.inpe.br/terraview/index.php). Uma ver-são deste software, que é mais adaptada às políticas públicas e com ferramentas adicionais,foi desenvolvida através de uma parceria entre o Centro de Estudos da Metrópole (CEM)e o INPE. Esta versão, conhecida como TerraView Política Social, é de livre acesso, assimcomo o manual, incluindo uma base de dados para todos os ex ercícios mencionados nomanual de treinamento (www.centrodametropole.org.br/t_transf_terraview.html).

A interatividade da Web 2.0 e o surgimento das redes de relacionamento social atra-vés da Internet abrem perspectivas interessantes para ampliar a par ticipação e difundir ouso dos mapeamentos. M uitos dos av anços tecnológicos não exigem a in stalação desoftware específico e o armazenamento de grandes quantidades de dados em máquinas lo-cais. O acesso é feito com a simples instalação de interfaces ou plug-in. Esses avanços per-mitem uma maior difusão de informações e abor dagens antes r estritas a usuários desoftware proprietários e/ou profissionais bastante experientes. Por outro lado, a interaçãoque vai da confecção de mapas que utilizam menus pré-definidos à adição de informaçãopelo usuário desencadeia um processo virtuoso. Esse processo cria e responde a interessesde um grupo cada vez maior de usuários, estimulando usos mais div ersificados, que porsua vez geram e respondem a novas demandas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas três décadas, a enorme difusão das pesquisas par ticipativas abriu váriasperspectivas promissoras em diversas frentes. Entre elas, destacam-se: a inclusão de dife-rentes atores, incluindo grupos sub-representados, o aprimoramento de protocolos e ins-trumentos de coleta e apresentação de dados, e o desenvolvimento de marcos metodoló-gicos e conceituais mais integrados e embasados. Esse texto pr ocurou definir o que seentende por mapeamento participativo, sistematizar alguns dos seus pressupostos-chave einventariar um conjunto de técnicas e procedimentos utilizados em pesquisas participati-vas. A discussão é aplicável tanto a pesquisas de or dem acadêmica no sentido estrito, co-mo a projetos aplicados a solução de problemas mais imediatos.

Concluo o texto abordando três aspectos que permeiam os debates sobre os avanços,desafios e potenciais ligados ao uso de mapeamentos par ticipativos. Esses aspectos e de-bates têm implicações importantes para as ciências sociais e estudos urbanos em geral e o

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melhor uso do conhecimento gerado para transformação social. O primeiro aspecto refere-se ao status metodológico dos mapeamentos; o segundo, ao resgate de alguns debates can-dentes nas ciências sociais; e o ter ceiro aborda a natureza política dos mapeamentos.

Assim como outras abor dagens, os mapeamentos par ticipativos têm vantagens e li-mites quando comparados a outr os métodos de coleta e tratamento de dados. Virtudescomo variedade de instrumentos, flexibilidade no seu uso e capacidade de adaptar tais ins-trumentos às necessidades específicas de pesquisas e contextos socioeconômicos nos quaisessas pesquisas são desenvolvidas podem criar problemas. A escolha dos métodos de p es-quisa depende dos objetivos do estudo e das condições específicas nas quais será realizado.

Em grande medida, a resistência e crítica ao uso dos mapeamentos participativos poralguns acadêmicos são similares àquela formulada pelo establishment quantitativo quandoaborda o uso de técnicas de pesquisa qualitativ a. Por um lado, o establishment quantita-tivo tem dificuldade em compreender e aceitar epistemologias distintas de pr odução, re-presentação e reprodução do conhecimento. Por outro, o desconhecimento e até o afrou-xamento no uso pr eciso e sistemático de técnicas que não são de domínio de muitosusuários, acaba minimizando e até colocando em questão o potencial e alcance desses ins-trumentos de pesquisa. É impor tante frisar que o mapeamento par ticipativo tem proce-dimentos e técnicas estabelecidas e estruturadas que lhe atribuem um status metodológicosólido e defensável. Quando utilizadas de forma intencional e refletida, essas técnicas ofe-recem uma robustez em termos de v alidade e confiabilidade dos r esultados (validity andreliability) que não ficam aquém de outras abor dagens.

Quanto ao segundo aspecto, um grande benefício da difusão dos mapeamentos par-ticipativos foi o de resgatar alguns debates importantes e trazê-los para o cerne da produ-ção nas ciências sociais. Destaco dois debates: o referente à discussão das categorias espaçoe local, e outro entre estrutura e processo.

No âmbito das ciências sociais, até r ecentemente, “espaço” era tido como o territó-rio de geógrafos e urbanistas, enquanto que “localidade ” era assumida como o domínioprioritário de antropólogos. Essa distinção era per cebida em grande medida como dico-tômica, tendo de um lado o binômio espaço-território e, de outro, o localidade-domínio.De um lado, estudos de uma vertente mais culturalista praticamente ignoravam o espaçofísico, limitando-se a considerá-lo como simples pano de fundo . De outro, estudos comforte inspiração espacial podiam até reconhecer a existência da localidade, mas considera-vam secundário o seu peso enquanto categoria explicativ a. Quanto à discussão entr e es-trutura e processo, os estruturalistas ortodoxos tendem a insistir no papel pr eponderanteda estrutura, minimizando a influência dos processos. Já discussões mais contemporâneascomo as levantadas por Giddens (1984), propõem uma discussão mais integrada e mati-zada ao abordarem estrutura, ação e o papel dos agentes sociais na reprodução e transfor-mação do espaço construído.

O uso dos mapeamentos par ticipativos teve o mérito de traz er alguma desordem àdicotomia espaço-localidade (space and place) e à oposição estrutura-ação/processo. A po-sição cada vez mais corrente é assumir esses par es como dimensões de uma mesma r eali-dade, e que não podem ser conceituados separadamente. P elo contrário, essas dimensõessó ganham pleno sentido quando analisadas em termos de como se r edefinem mutua-mente. Apesar de esse princípio geral ser cada v ez mais aceito e compar tilhado entre osespecialistas, há desafios para operacionalizá-lo em termos teóricos e metodológicos.

Finalmente, cabe destacar que o mapeamento é um ato ou atividade eminentemen-te política. Por um lado, o mapeamento pode ser usado para legitimar o poder e ampliar

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o controle exercido pelo Estado e por poderosos grupos de interesse (Harley, 1989; Kaim& Baigent, 1992; citados em P eluso, 1995) P or outr o, “ mapas alternativ os ou anti-mapas”, executados por grupos e organizações não identificadas com o status quo, podemse tornar instrumentos de questionamento e r esistência (Peluso, 1995). Esses questiona-mentos podem se referir à inclusão ou exclusão de dados em mapas.

Um exemplo disso seria um mapa com a inclusão de núcleos de assentamentos hu-manos em uma ár ea geográfica em pr ocesso de litígio quanto ao r econhecimento do di-reito à propriedade. A inclusão desses núcleos poderia fornecer no vas evidências de umaocupação efetiva da área. Mapas alternativos podem também traz er novas visões sobre arealidade ao questionar a acuidade ( accuracy) de um dado mapa. Por exemplo, a questãodas bordas, limites e fronteiras pode ser posta à prova com a realização de levantamentosmais detalhados e refinados e, por decorrência, a elaboração de mapas mais pr ecisos.

Em síntese, apesar dos recursos de visualização e apresentação de dados propiciadospelos mapas e as novas tecnologias e recursos disponíveis, o mais importante de um ma-pa não é a tecnologia em si. O mais impor tante é, acima de tudo, seu conteúdo pr opria-mente dito, o que ele r evela e omite e a forma como as informações desse mapa são dis-seminadas. A disseminação não se r efere somente à distribuição dos mapas e aapresentação dos resultados, mas à discussão e aplicação dos r esultados do trabalho a ca-sos e contextos específicos.

Em projetos de pesquisa, muitas v ezes a maioria do tempo e dos r ecursos é utiliza-da na coleta e produção dos mapas, e pouco se deixa para a análise do conhecimento ge -rado. No caso de pr ojetos de pesquisa aplicada, normalmente se corr e o risco de r estarpouco tempo para a análise, assim como de não se r eservar tempo e recursos para identi-ficar minimamente como o conhecimento gerado pode pr ovocar impactos positivos so-bre as populações (stakeholders) envolvidas no processo.

Os mapeamentos participativos são instrumentos que lidam de forma explícita e crí-tica com a tensão entre o que os mapas evidenciam e escondem e os seus potenciais usose abusos. Esforços para ampliar as análises dos resultados de pesquisa e para traduzir essesresultados em ação contribuirão para que os mapeamentos par ticipativos e/ou alternati-vos sejam cada vez mais “instrumentos de e para as massas”. Ao mesmo tempo, deixariamde ser uma forma de contr ole e exercício de poder de uns poucos, como afirmam algunscríticos. Nesse sentido, os mapeamentos poderiam contribuir para o for talecimento dasideias de democracia, par ticipação e inclusão social ao fomentar em demandas por maiorretorno, transparência e r esponsabilidade social (accountability). Movimentos nessa dire-ção poderiam ter consequências impor tantes. Por um lado, poderiam influenciar positi-vamente e aprimorar a forma como órgãos públicos e organizações priv adas operam. Poroutro, poderiam contribuir para um diálogo mais frutífero entre a comunidade acadêmicae os tomadores de decisão e indivíduos em posições de liderança na ár ea pública. Só ha-veria benefícios com tais sinergias, e a sociedade como um todo sairia enriquecida.

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John Sydenstricker -Netoé sociólogo, PhD em Socio-logia do Desenvolvimento(Cornell University); pesqui-sador visitante do Centro deEstudos da Metrópole, Cen -tro Brasileiro de Análise e Pla-nejamento (CEM-CEBRAP). Email: [email protected]

Artigo r ecebido em setem-bro de 2009 e aprovado pa-ra publicação em janeir o de2010.

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J O H N S Y D E N S T R I C K E R - N E T O

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YAMAUCHI, P. E. 2000. Patterns of D eath: The Socio-economic O rigins of D omesticState Terrorism in Guatemala, 1978-1985. PhD thesis. Cornell University, Ithaca, NY.246 p.

A B S T R A C T There is a need for novel data collection and analysis tools to confrontthe increasing complexity reported in the area of urban and r egional planning. Participatorymapping offers no vel tools to suppor t theor etical analysis and infor m the decision makingprocess, such as par ticipatory planning with a long tr adition in B razil. This article discussesthe founding assumptions and v alues of this appr oach and pr ovides an inv entory of specificmethods and techniques r eported in the literature. The article examines the North Americanliterature, with little influence in the B razilian debate. S tudies in which par ticipatorymapping has been implemented highlight the wide scope of these mappings and their potentialto generate co-produced knowledge, involving individuals with diverse educational and socialbackground. New information and data analysis technology offers a promising path for usingthis approach as well as represent new challenges for scholars and public officials involved withparticipatory planning.

K E Y W O R D S Research methods; Social lear ning; P articipatory mapping;Participatory planning.

M A P E A M E N T O S P A R T I C I P A T I V O S

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A FAVELA DEPOIS DO ESTATUTO DA CIDADE

NOVOS E VELHOS DILEMAS À LUZ DO

CASO DO POÇO DA DRAGA (FORTALEZA-CE)1

L I N D A M . P. G O N D I M

R E S U M O O trabalho discute intervenções do Poder Público em favelas, a partir do ca-so do Poço da Draga, comunidade existente na Praia de Iracema, em Fortaleza (CE). O projeto deconstrução de um centro de feiras e eventos no local incluía a realocação dos favelados no bairro,em apartamentos construídos pelo governo estadual. Analisa-se o projeto de realocação do pontode vista dos moradores, com destaque para a participação popular e o papel das ONGs. Consi-deram-se os moradores como sujeitos sociais concr etos, e não como par te de uma idealizada “co-munidade”. Assim, evidencia-se sua grande heterogeneidade em termos de situação familiar, ren-da, gênero, etc., bem como sua capacidade de formular alternativas que atendam a seus interesses.

P A L A V R A S - C H A V E Urbanização de fav elas; Poço da Dr aga; Praia deIracema; habitação popular; participação.

INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda as possibilidades e limitações de programas de reassentamentode comunidades fav eladas,2 a partir da análise de uma experiência ocorrida no P oço daDraga, em Fortaleza (CE), ao longo do período de 2001 a 2006. Trata-se da proposta detransferir seus moradores para um conjunto de apartamentos a ser construído no própriobairro, a Praia de Iracema. No local da favela, acrescido de um aterro marítimo, o gover-no estadual pretendia erguer um grande equipamento turístico, o Centro Multifuncionalde Feiras e E ventos (CMFE). A discussão aqui apr esentada fundamenta-se em pesquisasrealizadas por Oliveira (2003; 2006), Sousa (2006) e Gondim (2009), nas quais foi utili-zada metodologia qualitativa.3

A localização do CMFE na Praia de I racema foi contestada, inclusiv e por membrosdo próprio governo, desde a apresentação do projeto, quase no final do governo de TassoJereissati. A polêmica continuou durante a administração seguinte, alimentada por críti-cos que apontavam o congestionamento do bairr o e o alt o custo da obra. F inalmente, ogovernador eleito em 2006 decidiu constr uir o equipamento longe da orla marítima, naAvenida Washington Soares, na região sudeste de Fortaleza. Em consequência, o projetohabitacional para o Poço da Draga não foi concretizado, pois, para o governo, a remoçãoda favela seria apenas um subproduto da construção do mega-equipamento turístico. Em-bora não seja propósito deste artigo analisar o CMFE, cumpre destacar que nos debates so-bre ele, a situação dos morador es do Poço da Draga mereceu pouca atenção, o que é in-dicativo da negligência das políticas públicas estaduais em r elação ao direito à habitação,o qual, historicamente, tem sido negado aos pobr es.

Entretanto, desde a criação do Ministério das Cidades, o governo federal tem inves-tido em grandes pr ogramas habitacionais, incluindo a r egularização de assentamentos

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1 A pesquisa que deu ori-gem a este trabalho contoucom o apoio do ConselhoNacional de Desenvolvimen-to Científico e T ecnológico(CNPq).

2 As múltiplas definições de fa-vela encontradas na literaturapertinente destacam as carac -terísticas de traçado irr egular,condições de saneamento ina-dequadas e insegurança quan-to à posse da terra (UN-HABI -TAT, 2003). A identificação dofenômeno baseia-se tambémem representações sociais quelhe atribuem características ge-ralmente negativas, que poucoou nada têm de “objetivas” (Val-ladares, 2005). Os morador esdo Poço da Draga se autode-signam “comunidade”, conceitotambém carr egado de subjeti-vismo e p reconceitos. Aqui,ambos os termos são empr e-gados indistintamente.

3 Os dados foram coletados,principalmente, por meio de ob-servação par ticipante e entr e-vistas aber tas ou semi-estrutu-radas.

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precários. Nesse contexto, permanece relevante a discussão do projeto de reassentamentodos moradores do Poço da Draga, pois a mesma pode fornecer elementos para a av alia-ção de políticas habitacionais par ticipativas, sobretudo no que diz respeito às favelas.

Como se sabe, até o final da década de 1970, as inter venções governamentais nocampo da moradia popular consistiam, principalmente, na construção de conjuntos resi-denciais nas periferias urbanas, financiada com recursos do Banco Nacional da Habitação(criado em 1964 e extinto em 1986). N esses conjuntos ou em moradias “ provisórias”,construídas também na periferia, eram alojados os morador es de favelas removidas, paradar lugar a obras viárias ou disponibilizar terrenos para o mercado imobiliário formal. Istoocorreu em Fortaleza e, provavelmente, em todas as grandes cidades brasileiras, atingindomaior visibilidade no Rio de Janeiro, onde a remoção foi definida como prioridade aindana década de 1960, no go verno de Carlos Lacerda. Tal política, autoritária e ex cludente,expressava uma visão preconceituosa da favela, apresentando-a como locus de todo tipo demazelas, desde a miséria e o desempr ego, até a degener escência moral e criminalidade(Gondim, 1982).

Embora, até hoje, persista o estigma associado à condição de fav elado (Valladares,2005), diversos fatores acarretaram o r elativo abandono da erradicação em massa como“solução final” (Machado da Silva, 2002): o evidente fracasso da política de remoções pa-ra conjuntos habitacionais; o pr ocesso de favelização massivo das grandes e médias cida-des; e as mudanças na cultura política decorr entes de pr essões dos mo vimentos sociais,mormente a ênfase nos direitos de cidadania.

A Constituição Federal de 1988 incorporou parte das reivindicações dos movimen-tos sociais e de organizações não-go vernamentais, destacando-se a afirmação da funçãosocial da propriedade, bem como a instituição de outr os instrumentos de contenção daespeculação imobiliária e da usucapião urbana. Contudo, somente em 2001, com a apro-vação do Estatuto da Cidade e da M edida Provisória 2.220, tornaram-se viáv eis tanto aurbanização como a legalização da situação de posse nos assentamentos irr egulares, espe-cialmente pela possibilidade de usucapião coletiva e de regularização fundiária de ocupa-ções de terrenos públicos ocorridas anteriormente a 2001. Estas e outras mudanças ocor-ridas no século XXI, como a criação do Ministério das Cidades, em 2003, aparentementedefiniram um novo paradigma de políticas públicas para o atendimento ao dir eito à mo-radia, com destaque para a par ticipação das populações atendidas.

Nesse contexto, fortaleceu-se a alternativa de urbanização de fav elas, bastante deba-tida na literatura sobre políticas habitacionais desde a década de 1960, quando ocorreramexperiências pontuais dessa natur eza no Rio de J aneiro (Santos, 1981). Antes mesmo daConstituição Federal de 1988, cidades como R ecife, Belo Horizonte e D iadema imple-mentaram programas pioneiros de r egularização urbanística (Alfonsín, 1997). N esses ti-pos de intervenção, garante-se a permanência da maioria das famílias do local, dotando aárea de pavimentação, acessos e infraestr utura, podendo ocorrer também a r egularizaçãoda posse. Quanto à transformação das moradias individuais de modo a atender a padrõesurbanísticos e arquitetônicos adequados (iluminação, ventilação, instalações sanitárias, di-mensões dos cômodos, uso de materiais duráveis, etc.), os programas podem oferecer uni-dades já prontas para ocupação, financiar a aquisição de material e a contratação de mão-de-obra para r eformas ou no vas constr uções, ou simplesmente deixar a critério dosmoradores a realização de melhoramentos em suas r esidências. O caso de A cari, uma dascomunidades urbanizadas no âmbito do Programa Favela-Bairro – em execução pela Pre-feitura do Rio de Janeiro desde 1994 –, ilustra as possibilidades de projetos flexíveis. Para

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viabilizar a construção de equipamentos públicos, foi necessário demolir algumas casas, eos ocupantes podiam optar por alojar-se em imóv el de v alor equivalente ao demolido,comprado pela Prefeitura na própria comunidade, ou por r eceber um pagamento em di-nheiro e adquirirem eles mesmos o imóv el no lugar que desejassem, inclusiv e na própriafavela. Os que fizeram essa última opção (a maioria) tendiam a buscar casas localizadas nasáreas próximas às saídas da comunidade, mais bem dotadas de infraestr utura e considera-das mais “seguras” em casos de conflitos entre polícia e traficantes. (Freire, 2007, p.10)

Em que pese a multiplicação de experiências de urbanização de fav elas, sobretudoapós o Estatuto das Cidades, a alternativa da remoção não desapareceu, mantendo-se “emhibernação” para ser utilizada, ainda que de forma mais tópica e mitigada (M achado daSilva, 2002, p. 231). Vale ressaltar que tal alternativa, em si, não deve ser “demonizada”,uma vez que, frequentemente, devido às dimensões e características do sítio a ser urbani -zado, é necessário demolir uma parte das edificações, a fim de permitir a abertura de viasde circulação, a instalação de redes de saneamento básico ou a construção de equipamen-tos públicos. Há situações em que a r emoção total dos morador es é a única solução viá-vel para lhes assegurar adequadas condições de moradia. É o caso de assentamentos loca-lizados em áreas de preservação ambiental ou em “áreas de risco irrecuperáveis” (Cardoso,2007) – ainda que tal definição possa ser questionada, uma v ez que as noções de risco, emesmo de meio ambiente, são social e culturalmente constr uídas4 (Acselrad, 2004;Guivant, 1998; Vargas, 2006; Lenzi, 2006). Na prática, o mais comum é que os progra-mas de regularização urbanística incluam uma combinação de inter venções, como ocor-re no Programa Favela-Bairro, já mencionado: urbanização propriamente dita, realocaçãona própria ár ea ocupada pela fav ela ou nas pr oximidades, e r emoção, usualmente compagamento de indenização em dinheiro ou mediante a doação de imóveis como compen-sação pelas benfeitorias realizadas pelos moradores.

De um modo geral, a opção pela indenização deixa os beneficiários dos pr ogramasde habitação de baixa renda à mercê de mecanismos do mercado imobiliário informal, oque pode implicar a “liber dade de escolha” para comprar ou alugar uma no va moradia,por vezes localizada em outro assentamento precário, mais longínquo. Um exemplo des-sa troca do “ruim pelo pior” ocorreu no caso da r emoção das favelas da área do Córregode Água Espraiada, em São Paulo, para dar lugar à abertura de uma grande avenida. Par-te da população atingida foi se alojar em ár eas de preservação, ou seja, a inter venção go-vernamental, além de não pr over condições habitacionais adequadas, contribuiu paraagravar problemas ambientais (Fix, 2001). Quanto à realocação ou reassentamento, podeser definida como uma remoção mitigada pela permanência nas proximidades do local deresidência anterior , supostamente com maior es possibilidades de manutenção da vizi-nhança, de redes de apoio mútuo e, eventualmente, de acessibilidade ao mercado de tra-balho e a equipamentos urbanos. Contudo, é grande o risco de mudança do per fil socio-econômico dos morador es do assentamento urbanizado, devido a um pr ocesso de“gentrificação” que leve à sua substituição por grupos de renda mais elevada, desvirtuan-do, assim, os objetivos da intervenção do Poder Público.

Para além das difer enças entre urbanização e r emoção, parece ter havido uma mu-dança radical na maneira de encarar a gestão dos programas habitacionais de baixa renda,sobretudo quando se considera o padrão autoritário de políticas públicas que pr evaleceuaté a década de 1980: trata-se da incorporação sistemática da “participação popular” nes-ses programas. Essa bandeira foi inicialmente defendida pelos mo vimentos sociais queeclodiram na década de 1970 – apoiados pela Igreja Católica e por outros setores de opo-

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4 Como lembra Barry (1999,apud LENZI, 2006, p.34) “nãoexiste nenhuma leitura do am -biente ‘livre de valor’”.

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sição à ditadura militar , como intelectuais, pr ofissionais liberais e militantes de par tidospolíticos de esquerda –, impedidos legalmente de par ticipar da política institucionaliza-da. Aproveitando-se da “abertura” do governo militar, governantes progressistas como osprefeitos de Lages, em Santa Catarina, Boa Esperança, no Espírito Santo, e o governadorFranco Montoro, de São Paulo, conduziram experiências de gestão par ticipativa.

Nas décadas seguintes, a r edemocratização permitiu a expansão dessas experiências,o que, por sua v ez, favoreceu a hegemonia do discurso da gestão par ticipativa. Além deseus mais óbvios e pioneiros defensores, como partidos políticos de esquerda, movimen-tos sociais e organizações não-go vernamentais que a eles se aliaram, go vernos dos maisvariados matizes ideológicos passaram a encampar a par ticipação popular em suas agen-das. Tal discurso tornou-se presente também no ideário de agências multilaterais, como oBanco Mundial e o FMI, e de empresas que praticam a filantropia com vistas ao “marke-ting social”. (Maricato, 2001)

A questão-chave para se entender o papel desse traço ino vador da cultura políticabrasileira diz respeito às suas consequências não só para o desenho institucional das polí-ticas e programas sociais, como para os papéis e as práticas dos diversos atores envolvidos,particularmente os movimentos sociais e as ONGs. As consequências do discurso da par-ticipação para programas e projetos específicos de intervenção em favelas serão discutidasa seguir, com referência à comunidade do Poço da Draga, alvo de um projeto de reassen-tamento que evidencia – como se verá – dilemas mais gerais da política habitacional pos-terior ao Estatuto da Cidade.

RETRATOS DA FAVELA DE LONGE E DE PERTO

Nos primeiros meses de 2001, a impr ensa de F ortaleza passou a v eicular notíciassobre o Centro Multifuncional de Feiras e Eventos (CMFE), um mega-empreendimentodo governo do Estado do Ceará a ser constr uído na porção inicial da P raia de I racema,em área ocupada pela fav ela Poço da Draga. O projeto, com custo estimado de 200 mi-lhões de reais, foi elaborado por quatro consórcios, envolvendo 14 escritórios de arquite-tura, professores da Universidade Federal do Ceará e consultoria internacional, e seria exe-cutado pela S ecretaria da I nfra-Estrutura (S einfra), com financiamento do B ancoInteramericano de D esenvolvimento. A ár ea do terr eno seria aumentada por um aterr omarítimo de 19 ha, aspecto que motiv ou severas críticas de ambientalistas. A ár ea cons-truída seria de 55 mil m 2, incluindo um teatro para duas mil pessoas, auditórios, espaçopara exposições, quadras esportivas e jardins.

O local escolhido é próximo ao centro histórico e nele se desenvolveram, a partir doinício do século XIX, operações portuárias, que na década de 1940 entraram em decadên-cia, devido à construção do Porto do Mucuripe, a leste da cidade. No final da década de1990, a área passou a ser objeto de um processo de requalificação, sobretudo após a inau-guração do Centro Dragão do Mar de Ar te e Cultura, construído nas proximidades, noâmbito de uma política cultural voltada para a promoção do turismo e do lazer (Gondim,2006). N esse contexto, o CMFE permitiria consolidar a v ocação turística da P raia deIracema e da cidade, contribuindo ainda para a “ revitalização” do centr o de F ortaleza.(Ceará, 2002, p.11)

A comunidade do Poço da Draga, que ocupava o local há mais de 50 anos, em 2001era constituída por cerca de 2100 pessoas, distribuídas em 300 domicílios, segundo o ca-

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dastro realizado pela S einfra. Formada inicialmente por pescador es, ao longo do tempodiversificou-se, mas manteve laços de parentesco, amizade e vizinhança. Não era a primei-ra vez que se defrontava com a possibilidade de remoção: já em 1963, o Plano Diretor deFortaleza, elaborado pelo urbanista Helio Modesto – documento que, por sinal, serviu dereferência ao projeto do CMFE – propunha a retirada da favela para a implantação de um“centro cívico”. Tal proposta não se concr etizou, mas a ameaça r enovou-se várias v ezes,evidenciando que o cr escimento econômico, o mer cado imobiliário e as próprias políti-cas públicas caminham na contramão do atendimento ao dir eito à cidade, em geral, e àhabitação, em particular.

Na década de 1980, foi o setor privado que investiu contra a favela: a Indústria Na-val do Ceará (Inace), estaleiro criado em 1969, expandiu suas instalações em parte da áreaocupada pelo Poço da Draga, acarretando a expulsão de vários morador es. Alguns destescompraram casas em outra par te do assentamento; outros foram removidos para o Con-junto Palmeiras, na periferia de Fortaleza. A ação da Inace, além de atingir várias habita-ções, dificultou o acesso à praia, prejudicando o lazer e interferindo na atividade de pesca,que na época constituía importante fonte de renda para a comunidade.

Em 1994, a Prefeitura Municipal de Fortaleza volta à carga, com um pr ojeto turís-tico denominado Rua 24 H oras, cuja realização implicaria a r etirada dos morador es doPoço da Draga, muitos dos quais cadastrados junto à Delegacia do Patrimônio da União.5

Desta vez, porém, a intervenção proposta encontrou resistência ativa. Expressando a no-va cultura política que se gestara nas mobilizações da década anterior , a comunidade es-tava organizada numa associação e contav a com a assessoria do Centr o de Defesa e Pro-teção aos D ireitos Humanos (CDPDH), organização não-go vernamental (ONG) ligada àArquidiocese de Fortaleza. A fim de se contrapor à ameaça de expulsão, a associação en -trou na Justiça com uma ação de Interdito Proibitório.6 A PMF, então, resolveu negociar,propondo a transferência dos moradores para um conjunto habitacional a ser construídonas proximidades. O prefeito eleito em 1996 descartou não só o projeto Rua 24 horas, co-mo a construção do conjunto habitacional pr ometido aos moradores do Poço da Draga.A ameaça de remoção retornou, motivando a retomada da ação judicial, sustada duranteas negociações com a gestão municipal anterior . Desde o final da década de 1990, a As-sociação de Moradores solicitou ao governo federal, por intermédio do Departamento dePatrimônio da União, a concessão do direito real de uso da área ocupada, mas, até o pre-sente, não foi atendida.

A construção do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), em 1998, atra-iu novamente a atenção dos gestores e do setor empresarial para a comunidade. Por oca-sião da elaboração do P lano Estratégico de Fortaleza, promovido por empresários com acolaboração do go verno estadual, foram r ealizadas várias r euniões, ao longo de 2001 e2002, com vistas a equacionar problemas criados ou agravados no entorno do centro cul-tural: trânsito caótico, poluição sonora, predomínio de usos comerciais (bares, restauran-tes e casas de show) sobre usos culturais (teatros, galerias de arte etc.), ocupação desorde-nada do espaço público, aumento da delinquência e da pr ostituição infanto-juv enil.Representantes do Poço da Draga manifestaram seu temor de que a v alorização turísticae imobiliária da ár ea implicasse o r ecrudescimento das ameaças de r emoção (Gondim,2001). Ao mesmo tempo, afirmavam o seu direito de permanecer no local, argumentan-do que teriam a concessão do direito real de uso – como se a mera solicitação bastasse pa-ra assegurar a posse. Na verdade, o mais provável é que essa relativa segurança decorressedos fortes vínculos sociais e espaciais desenvolvidos na luta cotidiana pela sobrevivência e

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5 Os morador es do Poço daDraga ocupam uma gleba situa-da em área costeira, constituin-do, por tanto, um terr eno deMarinha, pertencente à União.

6 Interdito proibitório é um ins-trumento jurídico que visa àproteção da posse que se en-contra sob ameaça, tendo natu-reza preventiva. Assim, não sedeve confundi-lo com “(...) amanutenção e a r eintegração,que pr essupõem violência àposse, já efetivada pela turba -ção, ou pelo esbulho”. (Montei-ro, 2003, p. 47). O inter ditoproibitório é r egulado pelos ar-tigos 927 e 932 do Código deProcesso Civil. Agradeço a Lu -ciano Lima por essa referência.

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pela permanência num local privilegiado, não só para a comunidade – pela acessibilidadeao mer cado de trabalho e a ser viços e equipamentos urbanos, como para a instalação de equipamentos turísticos e de lazer, considerando aspectos paisagísticos e a proximidadede áreas requalificadas.

Ao longo do tempo, as condições de moradia no P oço da Draga conheceram signi-ficativas melhorias, graças ao esforço dos moradores, com a colaboração de entidades pri-vadas. Na década de 1970, pesquisa r ealizada por G aspar (1970) constatou a existênciade 500 casas, a maioria de madeira, abrigando uma população de cer ca de 3000 pessoas,em condições socioeconômicas e ambientais bastante precárias. Três décadas depois, o ca-dastro realizado como par te do pr ojeto do CMFE evidenciou que, tal como ocorr eu namaioria das fav elas brasileiras mais antigas ( Taschner, 2003), as condições habitacionaisdo Poço da Draga melhoraram: 92% das casas eram de alvenaria e 83% tinham o piso re-vestido com cimento. Mais de 80% das habitações contavam com água encanada e 90%dispunham de energia elétrica. Entretanto, as condições sanitárias continuavam precárias:menos da metade dos domicílios dispunha de esgoto ou fossa séptica, e um per centualsignificativo (17%) não tinha banheiro. (Oliveira, 2006)

A atuação do P oder Público na comunidade tinha a mesma característica de“laissez-faire” adotada em relação a outras ár eas ocupadas pela população de baixa r en-da. Uma das poucas intervenções governamentais significativas foi a realização pela PMF,em 1996, de obras de drenagem, devido à construção do CDMAC. Na maioria das vezes,melhorias ocorr eram por iniciativ a e esforço dos morador es, como ex emplificam os depoimentos abaixo:

A água da Cagece [companhia estadual de água e esgoto], quem primeir o colocou aqui fuieu. Eu e a minha nora, para que o pessoal para lá possa ter água. [...] U m senhor rico daquidava água para nós, todo mundo ia buscar água aí. Q uando minha nora chegou aqui, eladisse: “você vê, água tão perto e vocês não botam água; vamos botar água aqui”. Então, “va-mos”. Fui lá na Cagece com ela, fiz o pedido; ninguém pagav a nada, nesse tempo, para co-locar água, agora paga. Fiz e pedi. Quando o povo viu eu botando aqui, já tinha o ramal atéaqui; todo mundo pediu água. (Entrevista com Dª. G., 02/10/02)7

Energia elétrica não tinha; esse poste, foi a gente que compr ou. Era tudo no escuro, princi-palmente eu no bar [...]. Todo dia tinha que botar bebida para gelar no isopor . Nós junta-mos cinco aqui da r ua e conseguimos comprar o poste. [...] aí, com uns colegas meus colo -camos o poste [...] Aí fiz o pedido, fiz a instalação toda de energia. F ui a primeira que fuifazer o pedido na Coelce [companhia estadual de energia elétrica, hoje priv atizada], aí o ra-paz veio ligar. (Entrevista com Dª. D., 08/10/05)

A omissão do Poder Público, por v ezes, assumiu a feição de uma “ negligência ma-ligna”,8 pois acarr etou a per da de equipamentos, como duas escolas (mantidas pelaCongregação das Irmãs Josefinas e pela Colônia de Pescadores Z-18), na década de 1970,e um posto de saúde, que deix ou de funcionar em 1993. M ais recentemente, em 2002,uma escola infantil mantida pela P refeitura em parceria com o R otary Clube foi desati -vada. (Oliveira, 2006)

No que respeita à situação socioeconômica, a questão é mais complicada, por ser dedifícil equacionamento pela via do esforço individual ou por iniciativ as pontuais, comoprogramas governamentais de qualificação de mão-de-obra. Em 2001, a renda mensal de

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7 Os nomes dos entrevistadosnão são fornecidos, a fim delhes garantir privacidade, con-forme estabelece o Código deÉtica da Associação Internacio-nal de Sociologia.

8 Alusão à expr essão “benignneglect”, empregada para criti-car políticas sociais nos EUA.

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57% das famílias não ultrapassav a três salários mínimos, sendo que 6% das famílias nãotinham renda, sobrevivendo da ajuda dos vizinhos e das cestas básicas distribuídas pelaAssociação de Moradores. Vale ressaltar que um percentual não desprezível (19%) auferiarenda superior a cinco salários mínimos, o que é indicativ o da heterogeneidade existentena favela – como se verá. (Oliveira, 2006)

A questão do desemprego era uma das grandes pr eocupações dos morador es, atin-gindo 43% deles. Entre os que trabalhavam, menos de um terço tinha car teira assinada.Essa situação r elaciona-se à pouca escolaridade: mais da metade dos morador es nãocompletou o ensino fundamental, e apenas 8,5% conseguiram terminar o ensino médio .(Oliveira, 2006)

UM PROJETO PARTICIPATIVO PARA “TRANSFORMAR OS POBRES EM CLASSE MÉDIA”

O projeto de r ealocação do P oço da D raga foi apr esentado à comunidade pelaSeinfra em agosto de 2001, após o anúncio da constr ução do CMFE. Ao longo dos meses(e anos) subsequentes, ocorr eram diversas reuniões para discutir sua concepção e imple-mentação, bem como atividades para pr eparar os morador es para a mudança em suaforma de morar. Tal trabalho, promovido pela Seinfra, contou com a participação de pro-fessores da Universidade Estadual do Ceará, mas teve como principais agentes a Associa-ção de Moradores, e o CDPDH, que passou a assessorar sistematicamente a comunidade,organizando reuniões e fazendo levantamentos das reivindicações dos moradores.

A “participação da comunidade” sempre foi um aspecto destacado pelos técnicos doEstado, pela ONG e pela liderança da Associação de M oradores. Os dois últimos cobra-vam atitudes pr opositivas dos morador es com r elação ao escopo do pr ojeto, enquantoestes tendiam a se colocar numa posição de expectativa pelas decisões governamentais. Oseguinte registro, incluído na ata da assembleia extraordinária realizada em 02 de outubrode 2001, dá conta dessa difer ença de visões:

A moradora [E.] disse que (...) não conheciam o pr ojeto do go verno, que ninguém tinhamostrado para eles [os moradores], que falam que ficarão no entorno, que somente há boa-tos de que irão para a Rua José Avelino (...) e que têm que cobrar como vão ser as casas, ondeelas serão.R. [nome do r epresentante da ONG] falou que é um pouco perigoso diz er que o go vernotem que mostrar o pr ojeto, e que os morador es é que têm que diz er como quer em. (...) F.[outro representante da mesma ONG] disse que (...) o centr o [CDPDH] estav a aqui paracolher as ideias dos moradores, e que não esperassem o que v em de lá [do governo]. Salien-tou que o centro estava aqui para ajudar os moradores a montar esse projeto (CDPDH, 2001,s/p, grifo meu).

Os comentários dos r epresentantes do CDPDH indicam uma visão idealizada evoluntarista da “participação da comunidade” em um projeto habitacional não solicitadopor esta e concebido pelo go verno na esteira de um megapr ojeto – a constr ução doCentro Multifuncional de Feiras e Eventos –, cuja localização foi decidida mediante “ es-tudos técnicos”. Ou seja, sobre essa decisão crucial prevaleceu uma visão tecnocrática, tan-to que as pessoas mais diretamente afetadas não foram previamente consultadas. Note-se

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que nas diversas audiências públicas r ealizadas para discutir o pr ojeto do CMFE, as vozesmais ouvidas eram as dos representantes de entidades profissionais, como o Instituto dosArquitetos do Brasil (IAB-Ceará) e a Associação dos G eógrafos do Brasil (AGB-Ceará), edo movimento ambientalista. Suas críticas concentravam-se sobre a localização do equi-pamento num bairr o que já apr esentava problemas de cir culação, e nas consequênciasambientais da construção de um aterro marítimo. A retirada de três centenas de famíliasdo local parecia uma questão menor, a julgar pelo teor dos debates.

Ao mesmo tempo, paralelamente, r epresentantes do go verno e técnicos de escri-tórios contratados promoviam reuniões com a comunidade do Poço da Draga para dis-cutir pautas específicas, r elativas apenas ao pr ojeto habitacional. H avia também r eu-niões pr omovidas pela Associação de M oradores com a assessoria do CDPDPH, nasquais, por vezes, as intervenções de representantes da ONG superestimavam o poder dedecisão dos moradores, a ponto de lhes sugerir que poderiam alterar o projeto do Cen-tro Multifuncional:

[nome do representante do CDPDH] falou na proposta de ter comércios no novo centro deconvenções e que seria impor tante decidir como ficaria isso, então os morador es decidiramque é interessante ter comércio em casa e no centr o de convenções, explicando que no cen-tro de convenções não deve ter [de pagar] aluguel e que sejam administrados pela associaçãode moradores. (...) os morador es decidiram que dev e ter trinta boxes no centro. (CDPDH,2001, s/p)

Durante a reunião na qual ocorreu o pronunciamento acima citado, um dos r epre-sentantes da ONG explicitou a posição estratégica em que se encontrav am os habitantesdo Poço da Draga, na medida em que estava em jogo uma área altamente valorizada e elesnão estavam no papel de solicitantes:

[nome do representante do CDPDH] (...) enfatizou que era preciso ficar claro que os mora-dores não estavam pedindo ao governo do Estado para deixar o local, nem trocar nada, e queo governo é que pr opõe a tr oca. Relembrou que as famílias lutaram pelo chão há mais desessenta anos. (CDPDH, 2001, s/p)

Como evidência do poder de barganha da comunidade, apontava-se a aceitação, porparte do Estado, das condições apresentadas pelos moradores: construir o conjunto habi-tacional no próprio bairro, em terreno escolhido por eles; entr egar título de propriedadedo imóvel a cada morador; e realizar a mudança depois da conclusão das novas moradias.A escolha do terreno recaiu sobre um imóvel com área de 20.687,16 m2, situado a menosde 600 metros do Poço da Draga, o qual foi declarado de interesse social para fins de desa-propriação pelo governo do Estado (Decreto nº 26.460 de 11/12/01).

Entretanto, os supostos beneficiários não tiveram oportunidade de decidir a respeitodo desenho do projeto arquitetônico do conjunto habitacional, que lhes foi apr esentadopor representantes dos escritórios de ar quitetura contratados pelo go verno estadual, emformato de um “data-show”, durante assembleia geral realizada a 29/11/01, no auditóriodo Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Esse projeto previa a construção de 292 uni-dades habitacionais duplex, em três pavimentos, com acesso por meio de rampas. N opavimento térreo ficariam garagens, pontos comerciais, sede da Associação de Moradores,creche, escola, posto de saúde e uma praça. A alocação das garagens e dos pontos comer-

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ciais ficaria a cargo da Associação de Moradores e seria feita segundo critérios a serem defi-nidos posteriormente “pela comunidade”. Já a distribuição dos apartamentos, cujo tama-nho variava de um, dois ou três quartos, seria feita de acordo com um critério estabelecidopelos técnicos: o númer o de pessoas da família, independente do tamanho da casaocupada na favela. Assim, famílias constituídas por uma ou duas pessoas teriam dir eito aapartamento de um quar to (área de 42 m 2); famílias com três ou quatr o pessoas ganha-riam apartamento de dois quartos (52 m2); famílias com cinco pessoas ou mais receberiamapartamento de três quartos (70,3 m2). (Oliveira, 2006)

Desde o início das discussões, alguns morador es manifestaram preocupação com asconsequências da tr oca de casas por apar tamentos. D estacavam como desv antagem osnovos encargos que disso adviriam, como explicitou um dos entr evistados:

(...) praticamente 70% da comunidade não têm condições de se manter em um apar ta-mento, não têm condição de pagar um condomínio, não têm condições de pagar um vigia,não têm condições de pagar os impostos que vão vir a pagar . Então, é uma coisa totalmentepreocupante; poucas pessoas vão morar nesse novo projeto do governo para o Poço da Draga.(Entrevista com P., 01/11/03)

O “projeto do governo” não ignorava esse problema, tanto que um documento ofi-cial define como objetivos do “processo de realocação e requalificação da Comunidade doPoço da Draga (...) garantir condições de melhoria da qualidade de vida, traduzida, emespecial, pela concessão de casa própria e pelo desenv olvimento de alternativas de traba-lho e r enda” (Seinfra, 2002, p .22). O CDPDH, por sua v ez, criava ou r eforçava, junto àcomunidade, a expectativa de que a mudança para apartamentos significaria uma grandeoportunidade de ascensão social. Tal posicionamento evidencia-se com clar eza no docu-mento “Preocupações e Recomendações do CDPDH”:

(...) tornam-se impr escindíveis inclusões de garantias para alterar a condição sócio-econô-mica, no tocante à mudança radical de vida de cada habitante, necessária e obrigatória nanova condição de morar, isto é, passar da condição de pobre para a de classe média. (CDPDH,2002, p.1; grifo meu)

Esse era apenas um dos vários aspectos do pr ojeto de r ealocação que indicava difi-culdades em lidar com a situação r eal dos moradores, inclusive no que diz respeito às di-ferenciações socioeconômicas internas à comunidade. Malgrado seu tamanho reduzido, oPoço da Draga é emblemático de uma característica frequentemente apontada pelos estu-diosos de favelas: a heterogeneidade (Valladares, 2005). Tal heterogeneidade, muitas vezesse expressa nitidamente em termos espaciais, r eforçando uma hierarquia cuja base é eco-nômica e cultural. Assim, as duas ruas principais do Poço da Draga – Viaduto Moreira daRocha e sua continuação, R ua Gerson Gradvol – apr esentam um cenário semelhante aalguns bairros periféricos de Fortaleza ocupados por pessoas de classe média baixa:

Portões gradeados, casas de alvenaria com dois pavimentos (algumas com até cinco quartos),carros na garagem, comér cio varejista, confecções, armarinhos, ateliês [...]. N aquelas duasruas [que são pavimentadas] cir cula o trânsito: por elas passam o carr o do lixo, carros comalto-falantes anunciando pão, v erduras ou frutas, e a viatura da polícia, em suas r ondas ha-bituais. (Oliveira, 2006, p. 27)

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Em contraste, numerosos casebres de madeira ou taipa agr upam-se numa área “es-condida” na parte mais baixa e alagável do terreno, expandindo-se sobre um resto de man-gue. Essa ár ea, designada pelos morador es como “ o Poço”, foi ocupada em anos maisrecentes, provavelmente a par tir da década de 1980; forma um v erdadeiro labirinto debecos e ruelas, que às vezes mal deixam passar uma pessoa, e nelas abrigam-se as famíliasmais pobres e o tráfico de drogas.

A diferenciação entre as ruas principais e “o Poço” reproduz, nos planos material esimbólico, a dicotomia pr esente na cidade de F ortaleza entre favelas e bairr os afluentes,ou, mais especificamente, entre a favela do Poço da Draga e a Praia de Iracema. No dis-curso dos moradores, a dicotomia se expressa na comparação entre a parte excluída da co-munidade – os que moram no “P oço” – e aqueles que r esidem nas ruas principais, iden-tificadas como “Aldeota”,9 designação que subsume a par te integrada da cidade:

(...) O pessoal dali daquela r ua [Viaduto Moreira da Rocha] não se mistura com o pessoaldaqui de baixo [do Poço], o pessoal daqui de baixo é [considerado] só favela, lá eles são me-lhores. (...) o pessoal daqui do terreno é [visto como] favelado; ali não, eles são Aldeota. (En-trevista com A., 01/11/05)

Essas diferenciações internas vão se r efletir em atitudes div ersas quanto à aceitaçãodo projeto. A esse r espeito, levantamento realizado pelo CDPDH (2002a) indicou a ine-xistência de uma posição claramente majoritária, seja contra, seja a favor: o percentual dosque “acreditam no projeto” é apenas ligeiramente superior ao dos que “ não acreditam” –respectivamente, 33% e 31%. Note-se que as pessoas que “acreditam no projeto, mas vê-em desinformação, indefinição, demora”, somadas àquelas que “têm dúvidas”, correspon-dem a 30% dos entrevistados. (CDPDH, 2002a, p. 8)

É pouco provável que a r esistência à mudança fosse pr oveniente apenas dos mora-dores ligados ao tráfico de dr ogas, como afirmou um dos técnicos entr evistados. Tal vi-são, a par de reducionista e preconceituosa, ignorava objeções causadas por aspectos espe-cíficos do projeto, como a alocação dos tipos de unidades habitacionais (um, dois ou trêsquartos) de acordo com o númer o de membros da família, desconsiderando o tamanhoda casa ocupada na fav ela. Esse critério, como seria de se esperar , era questionado pelosque perderiam espaço:

(...) minha casa tem cinco vãos, tem um espaço para ali e para aqui. Mas lá [no conjunto ha-bitacional] só vou ter uma entrada e uma saída. Vou ter 7,5 m2, uma diferença que eu tenhouma casa aqui que tem mais de 60 m 2, se eu não me engano (...) no meu caso, eu saioperdendo. Porque tem gente que é agr egado com a família, mora com a mãe e v ai ganharuma casa. Quem não tem casa vai ganhar uma casa (...). E eu, com uma casa, vou perder [es-paço]. Poderia ser um quar to a mais ou até ser maior , [mas] vou diminuir um espaço meu,para aquele agr egado ter uma casa. (D epoimento do S r. F., durante entr evista com suaesposa, Dª. V., 27/03/03)

(...) minha casa tem dois quartos (...) Mas moramos eu e minha filha; ela tem o quarto dela,tem a privacidade dela, tem as coisinhas dela, que ela é professora, e eu tenho o meu quarto.E tem a minha mãe com 82 anos, ela mora lá com meu cunhado, por que minha irmã mor-reu; lá tem dois meninos, tem dois adolescentes, mas quando ela está doente, sou eu que te-nho que cuidar dela, ela v em para minha casa. Você já imaginou uma casa com um quar to,

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9 Bairro de classe média-altaque se consolidou a par tir dadécada de 1950, tornando-sesinônimo de moradia de eliteem Fortaleza.

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como é que eu v ou ficar, com minha filha, com minha mãe doente, se minha mãe pr ecisar[vir para a minha casa]? Tem [também] um neto que vem passar o final de semana comigo...É isso que eu não estou gostando. Já vou perder o quintal grande, eu não faço nem questão,porque eu não tenho mais condição de viv er cuidando, mas a minha casa, eu quer o que se-ja do tamanho que está agora, por que a minha vida inteira eu lutei para isso . (...) está cer toque meus dois filhos, que [têm] duas casinhas lá no quintal, vão ganhar as casinhas deles. (...)eu não sou contra fazerem casa boa para quem não tem, mas também não acho justo tirar aminha para dar [possibilitar casa] para outro. Eu tenho certeza que eles [os técnicos do Esta-do] não tiravam a deles para dar para ninguém; só sabe tirar dos pobr es, eu não concor do.(Entrevista com I., 20/11/02)

A alocação de apartamentos menores às famílias com poucos membr os era necessá-ria para atender a todas as famílias, eliminando a coabitação, prática comum nos assenta-mentos informais. Ressalte-se que a existência de famílias conviv entes não pode ser con -siderada a priori um indicador de más condições habitacionais, a não ser que ocorra umadensidade excessiva no domicílio, ou seja, mais de três pessoas por cômodo (Alves; Cave-naghi, 2005). Na verdade, a coabitação pode r esultar de estratégias de sobr evivência quelevam descendentes e ascendentes a compartilharem o mesmo domicílio para fins de aju-da mútua ou aumento da r enda familiar:

Com o aumento da esperança de vida, a diminuição da fecundidade, o aumento das r uptu-ras familiares e o aumento da incidência de filhos fora do casamento, são cada v ez mais co-muns as convivências de par entes de duas, três ou até quatr o gerações morando no mesmodomicílio. Se o domicílio comporta esse tipo de arranjo multigeracional e se a convivênciafor uma questão de opção, então não há por que considerá-lo déficit habitacional, a não serque haja densidade excessiva de moradores. (Alves; Cavenaghi, 2005, s/p)

Não há dados exatos sobr e a densidade dos domicílios no P oço da Draga, mas, se-gundo o levantamento do CDPDH (2002a, p. 4), em mais de 70% dos casos, a média demoradores é menor ou igual a cinco pessoas por moradia, sendo que mais de um terçodas casas têm seis cômodos ou mais. A opção pelo r emanejamento para um terr eno nasproximidades, porém, praticamente exigiu a substituição de casas por apar tamentos de,no máximo, três quartos, em razão do alto preço da terra.

Um segundo questionamento do critério de distribuição dos apar tamentos relacio-nava-se às características demográficas das famílias, como constatou outr o levantamentorealizado pelo CDPDH. Assim, casais que r eceberiam apar tamentos com apenas umquarto, reivindicavam dois quar tos, porque tiveram filhos após cadastrados, ou pr eten-diam tê-los; famílias de quatro pessoas queriam três quar tos, um para o casal, um para ofilho e outro para a filha; um casal com três filhos homens r eivindicou três quartos, por-que um dos filhos era homossexual. ( CDPDH, 2003)

Havia também r eivindicações de mudança de pavimento, sobr etudo para o térr eo,onde se localizariam apartamentos sem escada interna. Tais reivindicações eram justifica-das por dificuldades de locomoção de membr os das famílias por tadores de necessidadesespeciais (paraplégicos, pessoas com pr oblemas auditivos e visuais, idosos, obesos e ou-tros). (CDPDH, 2003)

A decisão de manter os mesmos vizinhos, “sempre que possível e desejado pelos inte-ressados” (Ceará, 2002, p .23), não era tão desejada como supunham os técnicos. P or um

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lado, constataram-se reivindicações por nova alocação, para apartamentos situados em blo-cos ou pavimentos nos quais iriam r esidir pessoas da família (mãe, filho, irmã, sogra etc.).Por outro lado, houve quem solicitasse troca de apartamento “por problema de vizinhança”.Ainda que restrita explicitamente a quatro casos, essa atitude não deixa de ser significativ a,quando combinada à evidência de segr egação social e espacial entr e os moradores das ruasprincipais e os residentes no “Poço”. O seguinte trecho de entrevista com uma moradora darua principal ilustra com clareza a rejeição a vizinhos considerados inconvenientes:

(...) eles [os técnicos do Governo] disseram que não dá o dinheiro [da indenização], tem quequerer a casa que eles vão dar , “a caixinha de fósforo” deles lá, aí eu fico triste. Vou [sair dafavela] contrariada, e [ficar no apar tamento] o mais breve possível, hei de achar quem com-pre, vendo e saio . (...) E ntão, eu fico na minha casa. Com todo o “ fuzuê” aí, eu fico, mastambém eu não quero, quero ressaltar isso bem, não quero ficar aqui sozinha. Só quero ficarse ficar todo mundo, por que eu não v ou ficar aqui só, com esse mo vimento que tem. Ape-sar de que já está explicado, que já está dito, que essas criaturas do Poço não vão morar comnós, não (...) Vão tirar, primeiro, nós daqui. Eles lá, vão ser indenizado. Eles não vão acom-panhar nós. (Entrevista com Dª. G., 02/10/02)

Por certo, as desigualdades sociais constituem um empecilho à solidariedade e a prá-ticas democráticas, como r econhecem, desde Rousseau, os teóricos da democracia par ti-cipativa. Não poderia ser diferente no que diz respeito à participação da comunidade noPoço da Draga, onde a r eprodução da desigualdade em nív el micro-social repercutia nasatitudes dos moradores em relação ao projeto habitacional. A postura de desconfiança oudescrença da maioria contrastav a com o entusiasmo de dirigentes da Associação de M o-radores, que se poderiam classificar como membr os de uma “classe média” favelada, for-temente encorajados pelo CDPDH. Este assumia um papel ambíguo, apresentando-se co-mo defensor dos dir eitos da comunidade, mas atuando também como pr omotor doprojeto governamental. Na verdade, a constr ução do Centro Multifuncional de Feiras eEventos era considerada pela ONG como “favas contadas”, o que tornaria inviável a alter-nativa de urbanização da favela, descartada de saída:

(...) em vez de urbanizar lá [o go verno do Estado] queria faz er uma troca (...) essa propostainteressou à população [do Poço da Draga]. (...) Interessou porque o governo do Estado nãodisse qual era a condição da troca. Perguntou: o que é que vocês querem na troca? Então, es-sa forma de o governo do Estado colocar, para a comunidade inteira foi excelente (...) e a co-munidade achava que jamais o governo toparia. (...) Só que, para surpr esa nossa, o governodo Estado topou essa pr oposta caríssima, sem alterar uma vírgula. E ntão, foi surpreendentepara todo mundo. E a par tir daí, a comunidade passou a entender que a tr oca para ela eraaltamente vantajosa, porque uma das exigências da tr oca é a de que o terr eno que eles que-rem trocar é em frente. (Entrevista com R., membro do CDPDH, em 29/08/02)

Essa avaliação positiva da proposta, porém, simplifica os termos da questão . Os ga-nhos decorrentes das melhores condições habitacionais (infraestrutura, título de proprie-dade, permanência em bairro de “bom padrão” etc.) devem ser confrontados com as per-das imediatas e os no vos custos que adviriam dessas melhorias. E m relação às perdas, háque considerar tanto aspectos materiais como simbólicos, associados à mudança do lugaronde se residiu e se estabeleceram vínculos. Nas palavras de Freire (2007, p.10),

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(...) as mobilidades espaciais são quase sempr e também mobilidades afetivas. Nesse sentido,demolir uma casa pode significar para o seu morador a demolição de uma par te da sua his-tória, a perda de um bem que não r epresenta apenas um v alor material, mas que é impr eg-nado de valores simbólicos e afetivos.

Quanto aos novos custos, vale mencionar o pagamento de taxas e impostos e, sobre-tudo, a vulnerabilidade a um processo de “expulsão branca”, devido a pressões do merca-do imobiliário. A concessão de títulos individuais de pr opriedade tende a facilitar esseprocesso, na medida em que elimina qualquer obstáculo jurídico à v enda das habitaçõesa pessoas com maior poder aquisitivo. Pressionados pela pobreza, os beneficiários do pro-jeto habitacional poderiam gastar o dinheir o da v enda para atender a necessidades maisimediatas ou para iniciar pequenos negócios, cujo retorno, quando existente, poderia tar-dar. E assim voltariam a ocupar áreas faveladas, retornando à situação daqueles a quem oEstado nega o direito à habitação. Daí por que os especialistas enfatizam a necessidade decautela quando se trata de programas baseados no reconhecimento de direitos individuaisde propriedade:

A verdade é que, no Brasil e internacionalmente, os programas de regularização baseados nalegalização através de títulos de propriedade individual plena não têm sido totalmente bem-sucedidos, já que não têm se pr estado a garantir a permanência das comunidades nas ár easocupadas, deixando, assim, de pr omover a desejada integração socioespacial. (F ernandes,2008, p. 198)

O mesmo autor lembra que morador es de assentamentos irr egulares consolidadossão menos vulneráveis a ameaças de despejo ou r emoção do que os beneficiários de pr o-gramas de r egularização urbanística e fundiária que r ecebem títulos de pr opriedade. Talconstatação parece aplicar-se ao caso do P oço da D raga, cujos morador es, malgrado di -versas tentativas de remoção, se sentem relativamente seguros quanto ao direito de posse,conforme foi ressaltado anteriormente.

Para além do interesse comum em permanecer no bairro, as experiências e situaçõesdiferenciadas vividas pelos fav elados explicam, em grande par te, os difer entes graus deaceitação ou rejeição do projeto habitacional. Explicam, também, a relutância de muitosem participar das inúmeras r euniões, oficinas de tr einamento, seminários e outr os even-tos concebidos para dar voz “à comunidade” e “capacitá-la” a residir nas novas habitações.A “participação”, de qualquer forma, teria pouco resultado no que se refere à modificaçãodo projeto habitacional, cuja falta de flexibilidade era determinada por vários motivos. Desaída, a ideia prevalecente entre os responsáveis pela implementação do projeto era de quea realocação da favela seria boa para todos, o que ficava evidente na ausência de discussãosobre o v alor da indenização que seria paga aos que decidissem não aceitar a mudançapara os apartamentos. Aliás, como já foi dito, atribuía-se a resistência a motivos espúrios,como a necessidade de se “esconder” em becos e labirintos para melhor praticar o nar co-tráfico e outras atividades ilícitas.

Outro fator de rigidez do projeto foi a decisão, tomada sem consulta aos moradores,de constr uir apar tamentos duplex. O bviamente, a v erticalização era determinada pelotamanho limitado do terr eno, mas a falta de flexibilidade da solução habitacional pr o-posta para a favela expressava-se também na relutância dos gestores em discutir a alterna-tiva de indenizar aqueles que preferissem não residir nos apartamentos. Nesse contexto, a

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“participação” dos morador es era incentiv ada de modo seletiv o, ou seja, para viabilizarpropostas que eles não haviam solicitado .

Independentemente da solução habitacional buscada, a identificação da favela comouma “comunidade” não passava de uma r epresentação acionada para camuflar div ergên-cias existentes. A atuação da pr esidente da Associação dos M oradores era criticada mes-mo por apoiador es, pelo seu autoritarismo; os adv ersários mais ferr enhos negavam-lhelegitimidade, acusando-a de apoiar a r ealocação em troca de “boxes” no futuro centro deconvenções. Acusavam-na também de ter usurpado, sem eleições, a pr esidência da asso-ciação, que controlava há vários anos. As divergências culminaram com a inesperada vitó-ria de uma chapa da oposição nas tumultuadas eleições para a dir etoria da Associação,ocorridas em 2003 (Oliveira, 2006).

Nem por isso diluíram-se as reservas dos moradores quanto à Associação, da qual pa-reciam esperar mais doações do que liderança. Não que o P oço da D raga carecesse degente com iniciativ a e disposição para trabalhar em benefício coletiv o, como atestam asbenfeitorias obtidas ao longo do tempo pelo esforço dos próprios moradores, como visto.E, malgrado auto-acusações de “ desunião” ou mesmo “individualismo ”, não faltav amações em prol do interesse coletivo: para citar somente alguns ex emplos, uma moradoramantinha, à base de trabalho voluntário seu e de sua filha, um reforço escolar para meni-nas; várias par ticipavam da Pastoral da C riança, realizando visitas e discussões sobr e te-mas ligados à saúde; um policial-militar, antes mesmo de se tornar presidente da Associa-ção, organizou um time de futebol e obteve doações para a construção de uma quadra deesportes. Mas tratava-se de um protagonismo mais concreto, imediato, que nascia de ca-rências vividas no dia-a-dia – algo difer ente da “participação” requerida em um pr ojetoainda por ser r ealizado: compar ecimento a r euniões sem hora mar cada para terminar ,exposição pública de críticas e sugestões, enfim, env olvimento em discussões cujo r esul-tado prático escapava a boa parte da comunidade, calejada pela não realização de promes-sas anteriores do governo e de políticos.

O tempo pr ovou que os céticos tinham razão . A constr ução do CMFE no localocupado pelo Poço da Draga não se concretizou durante o mandato do go vernador elei-to para o período de 2003-2006, e foi definitiv amente descartada pelo seu sucessor , em2007. Quanto ao Poço da Draga, o destino de seus morador es permanece incer to: mes-mo tendo sido incluída no P rograma de R egularização F undiária da P refeitura deFortaleza, a fav ela enfrenta nova ameaça de r emoção, em decorrência da constr ução doAcquário do Ceará, outro megaprojeto turístico do governo estadual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de participação da comunidade no projeto habitacional proposto para oPoço da Draga expressou uma nova relação entre o Estado e os mo vimentos sociais que,desde meados da década de 1980, começaram a ser reconhecidos como interlocutores oumesmo “parceiros” na execução de políticas públicas. E ntretanto, no caso analisado, tra-tava-se de uma par ticipação circunscrita à etapa de ex ecução, uma vez que os moradoresnão foram consultados a pr opósito da decisão que motiv ou todo o projeto habitacional,qual seja, construir um centro de feiras e eventos no local.

Procurou-se discutir o projeto habitacional do ponto de vista dos diversos atores en-volvidos, sobretudo dos supostos beneficiários. O CPDPH e a Associação dos Moradores

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interpretavam como apatia ou individualismo a pequena par ticipação nas discussões so-bre as propostas do governo ou nas reuniões de “capacitação” à mudança para uma no vaforma de morar . E ntretanto, as obser vações e entr evistas r ealizadas permitiram com-preender “de perto e de dentro” (Magnani, 2002) as atitudes dos moradores, evidencian-do sua capacidade de av aliar as propostas apresentadas em relação a seus inter esses espe-cíficos. Com efeito, dada a sua heterogeneidade social e espacial, os residentes do Poço daDraga, muitas v ezes, expressavam necessidades div ersificadas, cujo atendimento deman-daria soluções habitacionais mais flexív eis, como aquelas pr oporcionadas por programasde regularização fundiária como o Favela-Bairro, no Rio de Janeiro.

Ao longo do processo participativo, os atores que mais se destacaram foram a Asso-ciação de Moradores e a ONG que a assessorou, o CDPDH. A presença deste no Poço daDraga remontava à década de 1990, expressando mudanças ocorridas nas formas de atua-ção dos movimentos sociais não só em Fortaleza, como em outras cidades brasileiras. Emseus primórdios, nos anos 1970 e na década seguinte, os mo vimentos sociais se consti -tuíam em oposição ao Estado, na “luta ” para conquistar dir eitos. O próprio v ocabulárioe as estratégias utilizadas (marchas, abaixo-assinados, ocupações) indicavam uma tendên-cia ao confr onto. Tais posturas, pelo menos apar entemente, tornaram-se descabidas nonovo contexto democrático-par ticipativo que se delineou a par tir da Constituição Fede-ral de 1988, a qual determinav a a participação popular na gestão municipal e na imple-mentação de políticas públicas nas ár eas de educação, saúde, assistência social, planeja-mento urbano e outras. Essa nova relação com o Estado exigiu dos movimentos sociais oaprendizado de diferentes formas de atuação, com ênfase na negociação e na formação de“parcerias”, inclusive para ter acesso a r ecursos públicos (Albuquerque, 2004). Para lidarcom órgãos governamentais de forma propositiva, tornou-se necessário adquirir conheci-mentos sobre procedimentos burocráticos e competências para negociar, de modo a me-lhor atender os inter esses das comunidades afetadas. N esse novo contexto, passam a ga-nhar espaço as ONGs, muitas das quais integradas por ex-militantes ou intelectuais deesquerda com vínculos históricos com os movimentos sociais, que passam a assessorar e acapacitar tecnicamente as associações de morador es e suas lideranças. Vale lembrar, aqui,a reação da Associação de M oradores do P oço da D raga ao pr ojeto da P refeitura queameaçava remover a favela, em 1994: recorreu ao Judiciário, com a assistência do CDPDH.A utilização de meios institucionais para enfr entar ameaças será r etomada após o fiascodo projeto do CMFE, agora na vigência do Estatuto da Cidade, quando representantes dacomunidade solicitaram a inclusão do Poço da Draga no Programa de Regularização Fun-diária em ex ecução pela F undação para o D esenvolvimento H abitacional de F ortaleza(Habitafor), órgão da PMF.

Ao longo das discussões sobre o projeto habitacional ligado à construção do Centrode Feiras e Eventos, a atuação do CDPDH pautou-se pelo objetivo de convencer a comu-nidade do Poço da Draga das vantagens que adviriam da mudança para o conjunto r esi-dencial. Outras possibilidades, como resistir à remoção e reivindicar a urbanização da fa-vela, não chegaram a ser consideradas, e a opção por sair do local em tr oca de umaindenização era vista como ilegítima. Na prática, a ONG atuava como parceira do Estado,representado pela Seinfra. Entretanto, essa visão do Estado como um “ espaço de dispu-tas” (Albuquerque, 2004, p. 31), se garantiu benefícios a cur to prazo – a escolha do ter-reno onde seriam constr uídos os apar tamentos, por ex emplo –, contribuiu para que osmoradores tivessem um papel subalterno em outras decisões. E mais, transformou a asso-ciação de morador es em legitimadora de decisões tomadas pelos técnicos e gestor es res-

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ponsáveis pelo projeto. Estes se depararam com uma comunidade bem mais heter ogêneado que esperavam – a julgar pelas soluções padr onizadas que apresentaram. Essa hetero-geneidade expressava-se em demandas que o CPDPH procurava administrar, mas que serevelavam intratáveis face à rigidez do projeto habitacional. Nesse sentido, uma das maio-res fontes de insatisfação foi o critério utilizado para a alocação dos apar tamentos: o nú-mero de pessoas r esidentes na época do cadastr o, desconsiderando o tamanho das casasocupadas no Poço da Draga e a própria dinâmica demográfica da população – sem falarde preferências e necessidades pessoais e culturais.

Havia também cisões pr ovocadas por difer entes inter esses políticos, as quais sematerializavam em ácidas críticas à dir eção da Associação de M oradores, cuja pr esi-denta era acusada de ser favorável ao “projeto de governo” porque este lhe traria vanta-gens pessoais. N a verdade, os opositor es ressentiam-se da postura da Associação e do CDPDH, que apresentavam o pr ojeto habitacional como uma “ conquista da comuni -dade”, mas, por trás dessa r etórica, escondiam uma atitude conformista: nas nego-ciações com o governo, não considerando a possibilidade de r esistir ao reassentamentoe reivindicar a urbanização da favela.

Ainda que o governador eleito em 2006 tenha descartado a construção do Centro deFeiras e E ventos no local, permanece a necessidade de se av aliar a política de r eassenta-mento (ou remoção), a fim de fornecer subsídios para outr os programas de regularizaçãofundiária e urbanística, sobretudo no que tange à participação das populações envolvidas.

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Linda M. P. Gondim é so-cióloga, doutora em Planeja-mento Urbano e Regional;professora associada daUniversidade Federal doCeará (UFC); coor denadorado Laboratório de Estudosda Cidade (Lec).E-mail: [email protected].

Artigo r ecebido em setem-bro de 2009 e aprovado pa-ra publicação em janeir o de2010.

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A B S T R A C T This paper discusses state inter vention in favelas, focusing on the caseof Poço da Draga, a squatter settlement located on I racema beach, in Fortaleza. A project forbuilding a convention center in this locality included the moving of squatters to apartments tobe built in the neighbor hood b y the state go vernment. The mo ving is analyz ed fr om thesquatters viewpoint, emphasizing popular par ticipation and the r ole of NGOs. Squatters areconsidered as concrete social subjects, rather then a part of an idealized “community”. Thus, itbecomes evident that they ar e heterogeneous in terms of family situation, income, gender , etc.They also can formulate alternatives that meet their interests.

K E Y W O R D S Urbanization; Poço da Draga; Iracema Beach; low income housing;participation.

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DESIGUALDADE E ASSOCIATIVISMO

PROXIMIDADE ESPACIAL E DISTÂNCIA SOCIAL

NA CONFORMAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

M A R C E L O K U N R A T H S I L V AR U I Z A N A T A J R .

R E S U M O O objetivo deste ar tigo é analisar os efeitos das pr ofundas desigualdadesque marcam a sociedade brasileira sobre a conformação da vida associativa nas grandes cidades,tendo por referência uma pesquisa empírica realizada com uma Associação de Moradores de umtradicional bairro de classe média de Porto Alegre. A partir do estudo das relações e da atuaçãodesta entidade, percebe-se um alto grau de segmentação do tecido associativ o da cidade em de-corrência das marcantes distâncias estruturais e relacionais entre seus moradores. Devido a estasegmentação, as entidades de classe média e alta tendem a estabelecer vínculos e desenvolver açõescom atores que compar tilham posições similar es no espaço social. A o mesmo tempo , tendem anão se relacionar com entidades popular es, mesmo que espacialmente próximas. E ste resultadoindica que as desigualdades costumam se reproduzir nos processos associativos que conformam asociedade civil brasileira, tema pouco abordado pela literatura dedicada ao tema.

P A L A V R A S - C H A V E Associativismo; sociedade civil; desigualdade; distân-cia social; Porto Alegre.

INTRODUÇÃO

A caracterização do Brasil como um país marcado por desigualdades extremas é umaspecto que marca praticamente todas as interpretações, acadêmicas ou não, sobre ele. Talfato se expressa na proliferação de dicotomias (rural/urbano, atrasado/moderno, belíndia,entre outras) que tentaram, ao longo do tempo, apr eender a convivência de elementosprofundamente desiguais dentro do mesmo espaço social. Curiosamente, no entanto, sãopoucos os estudos que, ao longo do tempo, se v oltaram para as implicações desta desi -gualdade na conformação da sociedade civil brasileira. 1

O objetivo deste ar tigo é analisar algumas destas implicações, tendo por r eferênciauma pesquisa empírica realizada com uma Associação de Moradores de Porto Alegre for-mada em um tradicional bairro de classe média da cidade. A partir do estudo das relaçõese da atuação desta entidade, percebe-se um alto grau de segmentação do tecido associati-vo da cidade em decorrência das marcantes distâncias sociais entre seus moradores. Devi-do a esta segmentação, as entidades de classe média e alta tendem a estabelecer vínculose desenvolver ações com indivíduos, organizações e instituições que compar tilham posi-ções similares no espaço social. A o mesmo tempo, tendem a não se r elacionar com enti-dades populares, mesmo que estas estejam bastante próximas em termos espaciais.

Este resultado, mesmo que limitado pela fragilidade do supor te empírico oferecidopor um estudo de caso e pelas especificidades do município de P orto Alegre frente à di-versidade sociopolítica e urbanística das cidades brasileiras, fundamenta a hipótese de que

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1 O conceito de sociedadecivil designa, neste artigo, oconjunto de práticas asso-ciativas existentes em umdeterminado contexto. Nes-te sentido, é empregado pa-ra apreender um conjuntoamplo e diversificado deatores sociais, despido dosaspectos normativos queparte da literatura associa aeste conceito. (Lavalle, 2003)

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as desigualdades tendem a se r eproduzir e operar nos pr ocessos associativos que confor-mam a sociedade civil no país. P roblematiza-se, desta forma, a generalização acrítica doargumento de que o associativismo civil teria um iner ente sentido e/ou efeito igualitário,tal como encontrado em certas correntes da literatura da sociedade civil e do capital socialde inspiração neo-tocquevilliana.

DESIGUALDADE E ASSOCIATIVISMO: PROBLEMATIZAÇÃO

Conforme salientado acima, a r elação entre desigualdade e associativismo foi poucoanalisada pela literatura brasileira. A maior par te dos trabalhos que enfocaram tal r elação,no entanto, apresentaram uma tendência a se concentrar na análise dos efeitos da desigual-dade no pr ocesso de engajamento associativ o. De um lado, nesta literatura pr edomina oargumento de que a desigualdade extr ema geraria significativos obstáculos ao engajamen-to associativo dos segmentos da sociedade brasileira ocupantes das posições subalternas doespaço social. Tal argumento pode ser observado na conclusão de Reis, de que

a própria persistência e intensificação da desigualdade social cria desincentiv os ao associativismo, for-

talece a descrença na política, e r eduz o escopo da identidade coletiv a. (...) Nessa situação, o mercado

político se contrai. Pobreza acentuada e níveis tão altos de privação relativa como os que temos, r edu-

zem o incentivo para fazer parte da sociedade civil. (Reis, 1996, pp.449-50)

Em estudo recente, Santos (2006) trabalha com a mesma perspectiv a, argumentan-do que a combinação de desigualdade extr ema, inércia social e incapacidade das institui-ções, ao garantirem os direitos constitucionais básicos, pr oduz um contexto que desesti-mula o envolvimento associativo e a participação política. Como salienta o autor,

o custo do fracasso das ações coletiv as pode ser bastante elev ado, com significativ a deterioração do

status quo dos participantes, circunstância suficientemente ameaçadora para deprimir o ânimo r eivin-

dicante dos mais necessitados. Ser pobre, no Brasil, é uma condição associada à altíssima taxa de av er-

são ao risco e à opção por estratégias conser vadoras de sobrevivência. (Santos, 2006, p.180)

A desigualdade no acesso ao Estado, por sua v ez, é destacada por F erreira (1999)como um fator central no bloqueio do envolvimento associativo dos segmentos subalter-nos da sociedade brasileira. Para o autor, a alienação associativa seria uma

resposta de vastas parcelas da população à total ausência do aparato estatal no seu cotidiano. A descon-

fiança em relação à classe política, a cultura cívica pr edatória e a ausência de uma per cepção do Esta-

do como provedor de bens coletivos básicos (...) sugerem que os entrevistados talvez nem ponderem os

custos do contato pessoal com o político; os benefícios do ex ercício da política como r epresentação e

defesa de interesses organizados devem ser mera ficção para a quase totalidade da população brasileira.

(Ferreira, 1999, pp.99-100)

De outro lado, quando o foco da análise se dirige aos processos organizativos no ex-tremo oposto da pirâmide social, obser va-se a tendência de enfatizar a fragilidade de taisprocessos frente à força e eficácia de mecanismos não coletiv os de encaminhamento de

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demandas.2 Na medida em que a extrema desigualdade confere aos membros dos estratossuperiores da sociedade uma posição privilegiada no acesso aos tomadores de decisões go-vernamentais e na distribuição dos recursos sociais, haveria pouco estímulo aos processosorganizativos entre estes segmentos. Tal argumento se expressa, por exemplo, na ênfase deMarques (1999) nas r elações interpessoais como mecanismo central de acesso ao Estadono Brasil. Segundo o autor, sua “investigação demonstra que a intermediação de inter es-ses no setor de política estudado [política de saneamento básico implantada pela empr e-sa estadual concessionária dos ser viços (a CEDAE) no Rio de Janeiro entre 1975 e 1996]ocorre de forma disseminada por inúmeros contatos pessoais entre integrantes do Estadoe interesses priv ados, ao contrário do padrão característico nor te-americano de lobbies[...], ou do típico corporatismo social-democrata eur opeu”. (Marques, 1999, pp.48-9)

No entanto, apesar desses obstáculos existentes ao engajamento associativo, correta-mente destacados pelos autor es, é preciso ter presente que eles não são totalmente efica-zes no bloqueio de tal engajamento. Ou seja, o seu reconhecimento não deve levar à con-clusão de que eles pr oduziriam, inex oravelmente, uma sociedade completamentedesorganizada e fragmentada. Ao contrário, a despeito de tais obstáculos, a sociedade bra-sileira passou, nas últimas décadas, por uma significativa ampliação e complexificação doseu tecido associativ o, claramente atestada por pesquisas r ecentes ( IBGE; IPEA; ABONG;GIFES, 2008).

Apesar desse associativismo em expansão ser objeto de div ersas pesquisas, as orien-tações teóricas predominantes dificultaram a análise de como a desigualdade incide sobreos processos organizativos e a atuação das organizações sociais. Em especial, a ênfase nor-mativa no caráter igualitário e democratizante das organizações da sociedade civil – quemarcou tanto o campo de estudos sobr e movimentos sociais nos anos 1980, quanto ocampo de estudos sobre sociedade civil e capital social em períodos mais r ecentes (Silva,2006) – limitou a capacidade de problematizar a relação destas organizações com os pro-cessos de (re)produção das desigualdades no Brasil. Além disso, escolhas e limitações me-todológicas do campo de estudos sobre sociedade civil tenderam a secundarizar ou a apre-sentar dificuldades de apr eender os pr ocessos organizativ os de setor es dominantes dasociedade brasileira, restringindo grande parte das análises aos processos de mobilização eorganização dos setores subalternos e/ou contestadores.

Buscando superar essas limitações, este ar tigo pretende analisar os efeitos da desi-gualdade na configuração do tecido associativ o, tendo por fundamento o seguinte argu-mento de Kerstenetzky: “quando as desigualdades socioeconômicas são ‘duráveis’ e eleva-das, é bem plausív el que se r epliquem no interior da vida associativ a, bem como entr egrupos organizados e não organizados, enfraquecendo a habilidade da inclusão política daparticipação associativa” (Kerstenetzky, 2003, p.132).

Mais especificamente, são abordadas as implicações das profundas distâncias sociais,geradas pelos altos níveis de desigualdades existentes no país, sobr e a dinâmica associati-va. Argumenta-se que estas distâncias criam barreiras que dificultam e, no limite, bloquei-am o contato e a constituição de vínculos entr e indivíduos e gr upos ocupantes de posi-ções desiguais na hierar quia social. O u seja, tenderia a ocorr er uma conjugação entr edistância estrutural e distância relacional, tal como definidas por Bottero:

nas perspectivas estruturais, grupos são definidos como socialmente distantes se eles são muito diferen-

tes entre si (em termos de categorias de classe, gêner o ou raça), enquanto que nas perspectiv as relacio-

nais eles são definidos como socialmente distantes se eles raramente se associam entre si. Grupos podem

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2 Uma exceção impor tantea esta tendência encontra-se nos trabalhos de Dreifuss(1981; 1989).

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ser muito diferentes (pertencendo a diferentes categorias de classe ou raça), mas, ainda assim, serem so-

cialmente próximos se eles se r elacionam por amizade ou por par ceria sexual r egularmente. (Bottero,

2005, p.7)

A literatura que analisou o processo de urbanização brasileiro tradicionalmente des-tacou o processo de segregação socioespacial que o caracteriz ou e, sob outras r oupagens,ainda o caracteriza (Torres et al., 2003; Torres, 2004). Isso pode ser observado, de um la-do, nos estudos sobr e a urbanização por expansão de periferias das décadas de 1970 e1980 (Kowarick, 1979; Caldeira, 1984), e, de outr o, nas pesquisas r ecentes sobre a pro-liferação dos condomínios fechados nas cidades brasileiras (Caldeira, 2000; Alonso et al.,2009). Em ambos os casos, obser va-se uma tendência de combinação entr e segregaçãoterritorial e social, gerando um espaço urbano mar cado pelo distanciamento espacial da-queles já socialmente distantes.

Sem negar a importância e a correção de tais interpretações, observa-se, no entanto,que as cidades brasileiras, em maior ou menor grau, tendem a apr esentar situações de re-lativa proximidade espacial entre populações marcadamente desiguais em termos de seuposicionamento na estrutura social. Seja pela capacidade de resistência das populações po-bres aos processos de remoção e periferização, seja pelos limites da r eprodução do mode-lo de deslocamento das classes altas para áreas habitadas unicamente por seus “iguais” (co-mo no caso dos subúrbios de div ersas cidades norte-americanas), entre outros processos,produziu-se um espaço urbano que não é totalmente apr eendido pelo argumento da se-gregação socioespacial (Caldeira, 2000; Torres et al., 2003). De fato, como ilustra drama-ticamente a configuração urbana da cidade do Rio de Janeiro, a proximidade espacial en-tre as ár eas habitadas por ricos e pobr es (o asfalto e a fav ela) constitui um elementoimportante na estruturação do espaço urbano de muitas cidades brasileiras.

Qual o efeito da proximidade espacial sobre a configuração das relações entre os seg-mentos sociais profundamente desiguais que habitam estes espaços? E m que medida talproximidade possibilita a superação da distância estr utural a par tir de uma convivênciados desiguais?

Em uma recente pesquisa sobre redes sociais e pobreza em São Paulo, Marques et al.(2007) demonstram que as distâncias sociais tendem a se r eproduzir com r elativa inde-pendência do nív el de segr egação das ár eas habitadas pelas populações mais pobr es. Ouseja, mesmo moradores pobres de áreas integradas no espaço urbano, espacialmente pró-ximos de áreas habitadas por populações com níveis mais elevados de renda, tendem a tersuas redes sociais marcadas pelo localismo e a homofilia. Como concluem os autor es,

podemos dizer que há forte localismo nessas redes analisadas – uma vez que a maioria das redes pessoais

encontra-se fortemente estruturada em torno dos vínculos que ocorrem numa determinada área –, mas

não foi observado impacto da segregação residencial sobre as formas de estruturação das redes pessoais,

uma vez que as características gerais observadas estão presentes em contextos mais e menos segregados.

(Marques et al., 2007, p.28)

Essa percepção sobre a reprodução das distâncias sociais apesar da pr oximidade es-pacial também é salientada pela pesquisa de Ribeiro (2008) no Rio de Janeiro. Examinan-do as relações entre moradores de um conjunto habitacional popular e os morador es dobairro de classe média no qual o conjunto se localiza, o autor conclui que “ o nosso estu-do de caso evidencia que a pr oximidade territorial não implica necessariamente em co-

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habitação. Ela não garante a interação entre grupos sociais localizados em posições distan-tes do espaço social, mas aproximados pela geografia” (Ribeiro, 2008, p.15).

Por fim, em um estudo sobre segregação residencial e relações de vizinhança em umbairro de Recife, Silva et al. (2007) identificam que, apesar da heter ogeneidade social dobairro, há um baix o grau de convivência entr e os segmentos per tencentes a posiçõessociais distintas. Como concluem as autoras:

o caso de R ecife, e mais especificamente o bairr o de A pipucos, vem comprovar que a pr oximidade

geográfica forte não é a única variável que deve ser levada em consideração quando consideramos a im-

portância da vizinhança. Pois, assim como as difer enças sociais, as distâncias de contato e de convívio

em Apipucos são também marcantes. (Silva et al., 2007, p.6)

Os resultados destas div ersas pesquisas ofer ecem, assim, supor te para o argumentode Silva e Bitoun (2006, p.43) de que “nesse padrão de segregação que vem se desenhan-do, as desigualdades são alocadas em espaços contíguos, muito próximos, mas, nem porisso, conexos ou menos extr emados e agressivos. De fato, a segr egação parece prescindirdo distanciamento territorial”.

Com base nas análises pr ecedentes, pode-se arguir que, mesmo em contextos não-segregados espacialmente, observa-se um significativo processo de segmentação do tecidosocial, gerado pelo somatório da pr ofunda distância estrutural entre aqueles socialmentedesiguais com uma mar cante distância r elacional entre os mesmos. E m outras palavras,apesar da pr oximidade espacial, os difer entes segmentos constituídos pela desigualdadeestrutural do país se mantêm posicionados em espaços sociais relativamente segmentados,em função da profunda distância relacional entre eles.

Quais as implicações dessa combinação entr e desigualdade extrema e segmentaçãosocial para os pr ocessos organizativos? A hipótese central analisada neste ar tigo é deriva-da do argumento de Bourdieu, para quem

é preciso afirmar, contra o relativismo nominalista que anula as diferenças sociais ao reduzi-las a puros

artefatos teóricos, a existência de um espaço objetiv o que determina as compatibilidades e incompati-

bilidades, proximidades e distâncias. É pr eciso afirmar, contra o realismo do inteligível (ou reificação

dos conceitos), que as classes que podemos recortar no espaço social (...) não existem como gr upos re-

ais, embora expliquem a probabilidade de se constituírem em grupos práticos. (Bourdieu, 1989, p.136)

Segundo este argumento de Bour dieu, a probabilidade de mobilização e associaçãodos indivíduos é inversamente proporcional ao seu afastamento no espaço social. Ou seja,quanto mais afastados no espaço social, menor a probabilidade de que os indivíduos cons-truam relações e interesses comuns que fundamentem um agir coletiv o.

Aplicando este argumento ao contexto brasileir o, marcado por desigualdades extre-mas, coloca-se a hipótese de que as distâncias sociais tendem a criar fortes barreiras às rela-ções entr e indivíduos e gr upos que ocupam posições distintas no espaço social. N amedida em que essas barr eiras bloqueiam os contatos e as r elações entre esses indivíduose grupos, elas impedem a formação de r edes sociais entre eles. Uma vez que, como sali-entam diversos autores (Diani e McAdam, 2003; Passy e Giugni, 2000; Mische, 1997),as redes sociais são a base tanto para os pr ocessos de organização quanto de ar ticulaçãodos atores da sociedade civil, sua inexistência tenderia a r eproduzir a segmentação socialno âmbito do mundo associativ o. Nesse sentido, então, sustent a-se que, no contexto de

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desigualdade estrutural e segmentação, a proximidade social tende a ser mais impor tanteque a proximidade espacial na conformação das relações entre as organizações constituti-vas do tecido associativo, o qual tende a r eproduzir a segmentação do espaço social.

CARACTERIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES PESQUISADA

A associação de morador es pesquisada – Associação dos Amigos e M oradores doBairro Menino Deus/ASSAMED – localiza-se no bairro Menino Deus, um dos mais anti-gos e tradicionais bairros de classe média de Porto Alegre, situado próximo à área centralda cidade, e integrado à Região Centro do Orçamento Participativo. Segundo o Atlas doDesenvolvimento H umano da R egião M etropolitana de P orto Alegr e ( PMPA;METROPLAN; PNUD; Fundação João Pinheiro, 2008),3 o bairro possui Índice de D esen-volvimento Humano superior a 0,9, colocando-se como uma das Unidades de Desenvol-vimento Humano (UDH) com maior pontuação entre as 330 UDHs da Região Metropo-litana de Porto Alegre.4 Além disso, a Região Centro do Orçamento Participativo possuio maior IDH entre todas as dezesseis regiões da cidade (0,919).

No entanto, nesta R egião encontram-se diversas pequenas comunidades/vilas popu-lares habitadas por populações com baixos indicadores socioeconômicos e precárias condi-ções de urbanização. Entre estas comunidades/vilas populares, o Atlas fornece o IDH desa-gregado para apenas três delas: UDH Menino Deus-Condomínio Lupicínio Rodrigues (0,683);UDH Azenha-Vila Zero Hora (0,676); UDH Floresta-Loteamento Santa Terezinha (0,641).Tais índices colocam estes locais entre as últimas 330 UDHs do Atlas, ocupando as posições315, 320 e 330, r espectivamente. Assim, através da comparação destes dados com os daRegião e do bairro Menino Deus, identifica-se claramente a existência de um território ha-bitado por populações que ocupam posições polar es na estrutura social da cidade.

A Associação dos Amigos e Moradores do Bairro Menino Deus5 foi fundada na dé-cada de 1970, ainda no contexto do Estado ditatorial. A iniciativa surgiu em decorrênciada preocupação de alguns moradores que frequentavam uma praça do bairro (Praça Esta-do de Israel) com problemas de conservação urbana – tais como as más condições da ilu-minação, dos bueiros, das sarjetas e dos esgotos do bairr o. Entre as primeiras ações, essesmoradores reivindicaram junto à P refeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) a realiza-ção de obras de r evitalização da Praça Estado de Israel, obtendo sucesso no atendimentode sua demanda. Por ocasião da reinauguração da Praça, compareceram autoridades comoo então prefeito nomeado Guilherme Socias Villela e o embaixador de I srael. Após essaprimeira ação exitosa, tomou posse uma nova diretoria. Contudo, até 1985, a Associaçãoesteve desativada, reiniciando suas atividades comunitárias a partir do incentivo do recémcriado jornal de bairro Oi! Menino Deus.

A partir de 1986,6 a Associação passou a realizar inúmeras ações em conjunto com ojornal Oi! e com o poder público municipal. A r ealização de atividades como o “Sábadode faxina no bairr o” e o “Dia de arborização do bairr o” marcam o recomeço das ativida-des comunitárias. O projeto “Fala Vizinho” é outro exemplo de ação proposta pela entida-de, inicialmente com a par ticipação do jornal Oi!, no intuito de identificar os pr oblemasdo bairro e, por conseguinte, encaminhar as demandas à pr efeitura. Na década de 1990,destacam-se a criação do jornal da Associação (dezembro de 1990), a construção da sua se-de (1994), a campanha contra a construção de um albergue municipal para moradores de

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3 O Atlas encontra-se dispo-nível para download em:http:// lproweb.procem-pa .com.b r/pmpa/p re f -p o a / o b s e r v a t o r i o /default.php?p_secao=115.

4 No Atlas, a área do bairroMenino Deus está divididaentre duas UDHs, as quaisocupam a décima (0,958) ea décima-segunda (0,954)posição em termos de IDH.

5 Então denominada de So-ciedade Amigos e Morado-res do Menino Deus (SA-MED).

6 Após a retomada das suasatividades, a SAMED passa ase chamar Associação dosAmigos e Moradores do Bair-ro Menino Deus (ASSAMED).

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rua (1995), a liderança na mobilização para impedir a constr ução da Pista de Eventos dePorto Alegr e (popularmente conhecida como “S ambódromo”) no bairr o Menino Deus(1994-1998) e a campanha de aquisição de bicicletas para policiamento comunitário nobairro (2001). A ASSAMED mantém atividades r egulares, tendo as questões r elativas à(in)segurança do bairro ocupado um lugar de centralidade na atuação da entidade.

Constituída como entidade de representação dos interesses dos moradores do bairroMenino Deus, a ASSAMED expressa na composição de suas diretorias o perfil socioeconô-mico predominante no bairr o. Neste sentido, ao longo de toda sua história, a entidadesempre foi presidida por indivíduos socialmente posicionados no que se denominaria de“classe média”: funcionários públicos, professores, comerciantes e pequenos empresários.Por outro lado, os membros da diretoria tendem, na sua grande maioria, a apresentar for-mação de nível superior, com a presença de vários indivíduos com pós-graduação .

AS RELAÇÕES DA ASSAMED

Uma das formas de identificar os efeitos da desigualdade sobr e o tecido associativ oé observar as relações que as organizações estabelecem entr e si. Nesse sentido, esta seçãoutiliza duas fontes de dados para identificar as r elações da ASSAMED com outras entida-des da sociedade civil por to-alegrense. A primeira fonte é constituída pelas r espostas daentidade a um survey realizado com 167 associações de moradores de Porto Alegre no anode 2003.7 Neste survey, as entidades foram questionadas sobre as relações que elas possu-íam com outras entidades, e as respostas obtidas junto a ASSAMED permitem identificar aseguinte rede de contatos:

Figura 1 – Relações da ASSAMED com outras associações de morador es

Fonte: Survey Associações de Moradores de Porto Alegre/2003.

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7 Os dados e a análise des-ta pesquisa encontram-sedisponíveis em: http://lpr oweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observator io/usu_doc/relatorio_final_ mapa_associativismo.pdf.

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De acordo com esta imagem, percebe-se que a ASSAMED tende a restringir seus con-tatos (assinalados com marca escura) às entidades situadas em bairros de classe média e al-ta. Todas as seis associações de morador es referidas na entrevista da ASSAMED são entida-des que r eúnem e r epresentam interesses de segmentos ocupantes de posições superior esna estrutura social de Porto Alegre. Nesse sentido, praticamente todas elas situam-se entreos vinte bairros com os melhores indicadores socioeconômicos da cidade ( PMPA, 2007).

Por outro lado, observa-se a não referência à existência de vínculos entre a ASSAMED

e as associações de morador es das vilas popular es localizadas na R egião Centro de PortoAlegre, identificadas com mar ca clara na imagem. A pesar de várias destas associaçõesapresentarem significativa proximidade espacial em relação à ASSAMED, não foi informa-do nenhum tipo de vínculo entre elas.8

Uma segunda fonte de informações para caracterizar as r elações estabelecidas pelaASSAMED é fornecida pelo site do Movimento Porto Alegre Vive. Este movimento foi for-mado por uma articulação de entidades que começou a se constituir na década de 1990,tendo como uma de suas principais ações a defesa da qualidade de vida dos bairr os “no-bres” de Porto Alegre frente ao avanço das grandes edificações e da especulação imobiliá-ria. A par tir de dados coletados no blog do movimento (http://poavive.wordpress.com),em 2008, observa-se a inserção da ASSAMED na seguinte rede de entidades:

Figura 2 – Entidades participantes do Movimento Porto Alegre Vive

Fonte: http://poavive.wordpress.com.

Novamente, os dados confirmam a for te tendência da ASSAMED a restringir seusvínculos a organizações constituídas por segmentos das classes médias e altas da cidade.Isto se expressa no fato de que, das quinz e entidades referidas no site do Movimento noperíodo da coleta de informações, nada menos do que onz e delas se situav am nos vintebairros com melhor es indicadores socioeconômicos. Além disso, todas elas situav am-senas UDHs com os maiores índices de desenvolvimento humano da cidade, conforme in-dica o mapa abaixo:

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8 Isto não significa que,eventualmente, não tenhamocorrido r elações entr e aASSAMED e membr os des-tas outras associações po-pulares. Ao contrário, napesquisa documental r eali-zada no jornal da entidadeforam coletadas informa-ções sobr e a ocorrênciadeste tipo de r elações. Noentanto, estes vínculos ten-dem a ser pontuais e a nãoconstituir uma rede mais só-lida e permanente.

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Figura 3 – Unidades de Desenvolvimento Humano de Porto Alegre segundo o Índice deDesenvolvimento Humano Municipal, 2000

Fonte: PMPA; Metroplan; PNUD; Fundação João Pinheiro, 2008.

Essas duas fontes mostram, assim, a tendência de que as distâncias sociais se r epro-duzam na conformação da rede associativa na qual a ASSAMED se integra e, de forma maisgeral, no tecido associativo da cidade, fazendo com que as organizações restrinjam seu le-que de relações àquelas constituídas pelos segmentos ocupantes de posições similar es naestrutura social. Em vista disso, parece se confirmar a hipótese de que a pr oximidade so-cial, ao invés da pr oximidade espacial, tende a ser o fator central na definição das possi-bilidades de relacionamento entre as organizações.

A ATUAÇÃO DA ASSAMED: A DISPUTA SOBREA PISTA DE EVENTOS – 1994 -1998

Da mesma forma que a análise das r elações estabelecidas pela ASSAMED indica umaforte tendência à homofilia – ou seja, ao r elacionamento com iguais –, o estudo da atua -ção da entidade permite chegar a uma conclusão similar . Para ilustrar esse argumento,analisa-se nesta seção uma das ações mais importantes na história da ASSAMED: a luta vi-toriosa contra a construção da Pista de Eventos, popularmente denominada de “S ambó-dromo”, em uma área do bairro.

Em meados da década de 1990, na gestão de Tarso Genro (PT), a Prefeitura de PortoAlegre iniciou o projeto de construção da Pista de Eventos, pensada como um espaço pa-ra sediar as manifestações culturais populares da cidade (entre elas, os desfiles carnavales-cos). Inicialmente, o Executivo municipal tentou implantar a obra junto ao Parque Mau-rício S irotsky Sobrinho, também conhecido como P arque da H armonia, localizado naárea central da cidade. Essa tentativ a sofreu fortes críticas de integrantes do M ovimentoTradicionalista Gaúcho (MTG),9 de ambientalistas, do prefeito antecessor e de vereadores

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9 O MTG organiza anualmen-te, no mês de setembr o, ochamado Acampamento Far-roupilha no Par que da Har -monia. Este Acampamentocomemora a Revolução Far -roupilha (1835-1845) e r eú-ne milhar es de pessoas.Além disso, o parque possuiequipamentos públicos utili -zados pelo MTG.

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(inclusive de alguns integrantes da bancada petista). Em fins de 1994, o projeto foi rejei-tado pela Câmara de Vereadores. Contudo, o governo municipal não desistiu do projeto,propondo, então, um novo local, dessa vez junto ao estádio Beira-Rio, do Sport Club In-ternacional, ao lado do Parque Marinha do Brasil.

A nova localização da Pista de Eventos, no interior do bairro Menino Deus, provo-cou forte reação de inúmeros agentes e instituições ali situadas, destacando-se o H ospi-tal Mãe de Deus, o Asilo Padre Cacique, a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor(FEBEM), clínicas geriátricas, morador es, escolas circundantes e associações de morado-res de bairro. A ASSAMED, em especial, teve atuação marcante nas ações contra a cons-trução da Pista de Eventos. De fato, pode-se afirmar que ela ocupou uma posição de cen-tralidade em tal processo, realizando vários abaixo-assinados,10 promovendo assembleiascomunitárias na sua sede e na Escola Estadual P residente Roosevelt, publicando no seujornal ar tigos de morador es e de v ereadores contrários à instalação do S ambódromo,contatando e mobilizando v ereadores e, ainda, encaminhando uma ação no M inistérioPúblico. Além disso, a entidade angariou fundos monetários para sustentar sua campa-nha pública, sendo que, no período entr e novembro de 1997 e janeir o de 1998, os en-trevistados informaram que foram arr ecadados e gastos mais de 17 mil r eais em açõescontra a Pista de Eventos.11

A rede de atores mobilizados pela ASSAMED durante as ações contrárias à construçãoda Pista de Eventos, apresentada na Figura 4 abaixo, demonstra uma significativa capaci-dade de mobilizar agentes internos e agentes externos à comunidade do bairr o MeninoDeus. Ou seja, tais informações mostram a existência de um significativo estoque de “ca-pital social” detido pela ASSAMED, o qual foi mobilizado tanto para a arrecadação dos re-cursos necessários para manutenção da campanha contra a P ista de Eventos quanto paraa confrontação com o governo municipal em diversas frentes (Executivo, Legislativo, Ju-diciário, Imprensa, bairro etc.).

Figura 4 – A rede de atores e ações no processo de contestação da construção da Pista deEventos no bairro Menino Deus

Fonte: Elaboração dos autores a partir do material coletado.

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10 Numa primeira ação, foienviado à Câmara de Verea-dores um abaixo-assinadocom mais de 500 assinatu-ras de moradores do Meni-no Deus manifestando-secontra o novo local de insta-lação da Pista de Eventos.Posteriormente à ação judi-cial no Ministério Público, aassociação coletou apr oxi-madamente mais 3000 assi-naturas.

11 Segundo informaçõesencontradas no Jornal daASSAMED de maio de 2002,foram gastos apr oxima-damente 30 mil r eais emações contra a implantaçãoda Pista de Eventos.

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Os dados acima mostram, em primeiro lugar, que a ASSAMED recebeu apoio de par-cela significativa dos vereadores de Porto Alegre, demonstrando sua capacidade de mobi-lizar atores em posição de autoridade para o suporte de sua posição. Isso fica evidenciadoquando se observa a estruturação de vínculos com dezenove vereadores, que participaramem difer entes ev entos, ar ticulações e manife stações (assinaladas por quadrados de corescura) promovidas pela entidade. Além disso, os v ereadores se manifestaram publica-mente por meio de “M anifesto em apoio às r eivindicações da comunidade do M eninoDeus”, bem como escrevendo artigos no jornal da Associação.12

É preciso destacar, em particular, a atuação do vereador Jocelin Azambuja, que, na-quele período, também era dir etor do depar tamento jurídico da ASSAMED. Este vínculomostra a “riqueza” do capital social acumulado pela Associação, que podia contar entr eseus quadros com pessoas em posições de autoridade e, assim, com os recursos associadosa essas posições. Nesse sentido, o vereador viabilizava um mecanismo fácil e eficaz de co-nexão entre a Associação e setores oposicionistas da Câmara de Vereadores de Porto Ale-gre, através das redes de relações pessoais previamente constituídas.

Outro grupo importante de ator es mobilizado na oposição à P ista de Eventos eraconstituído por div ersas instituições localizadas no bairr o. Conforme informações pr e-sentes no jornal da Associação, um grupo de nove instituições, após participação em au-diência pública na qual ficou evidente a posição do Executivo municipal em construir oSambódromo ao lado do P arque Marinha do B rasil, decidiu manifestar publicamenteseu apoio às ações já desencadeadas pela ASSAMED. Assim sendo, produziu-se um docu-mento expondo o posicionamento desse gr upo, assinalado pelas instituições ligadas ao“nó” Manifesto da Comunidade na F igura 4. Posteriormente, esses atores participaramde reunião no Conselho Municipal do Meio Ambiente, cuja pauta foi o pr ocesso de li-cenciamento do local de implantação da Pista de Eventos e o recurso interposto por essasinstituições.

As ações e manifestações do núcleo central da mobilização contra a P ista de Even-tos, cuja liderança coube à ASSAMED, tiveram ainda o apoio de outras associações de mo-radores, grupos de moradores e personalidades externas ao bairro Menino Deus. Esses in-divíduos, grupos de indivíduos e entidades foram integrados na rede de relacionamentos,na medida em que foram citados no jornal da Associação, realizaram alguma atividade emconjunto com ela ou, ainda, expr essaram o seu apoio às ações contrárias ao pr ojeto doExecutivo municipal. Na sua maioria, esses atores representam ou integram uma popula-ção situada nos segmentos médios e altos da cidade de P orto Alegre.

É interessante observar que, enquanto ocorria esta intensa mobilização e articulaçãocontra a P ista de Eventos entre os segmentos médios e altos, paralelamente se pr oduziuuma articulação em defesa da Pista de Eventos, constituída unicamente pelas associaçõesde moradores das vilas populares localizadas no bairro Menino Deus ou no seu entorno.Esta articulação pró-Pista de Eventos se expressa, por exemplo, no documento “Manifes-to Cultural: Menino Deus quer a P ista de Eventos”, assinado pelas seguintes entidades:Associação Vila das Placas, Associação dos Moradores da Vila Zero Hora, Associação dosMoradores da R enascença I, Associação da Vila Lupicínio Rodrigues e Associação dosMoradores da Luiz Guaranha.

Neste manifesto, as entidades popular es afirmam, de um lado, o seu apoio a umprojeto que propiciaria um espaço adequado para as expr essões culturais “legítimas” dapopulação, tal como se expr essa na seguinte colocação: “ Teremos em br eve a P ista deEventos porque nós merecemos, pois não fazemos barulho. Nós fazemos música, nós fa-

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12 No jornal da ASSAMEDde outubro de 1997 encon-tram-se os textos: “Pista deEventos não!”, de JocelinAzambuja; “Menino Deusquer ser ouvido”, de ClaudioSebenelo; e “A par ticipaçãoda comunidade”, de ClêniaMaranhão. No jornal da AS-SAMED de março de 1998encontra-se o ar tigo “T odoPoder emana do povo”, deJocelin Azambuja.

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zemos arte!”. De outro lado, estas entidades também se contrapõem ao argumento daASSAMED de que o pr ojeto seria uma imposição do go verno municipal, ao salientar emque teriam participado da discussão e decisão sobre este projeto no âmbito do Orçamen-to Participativo, ao mesmo tempo que fica subentendido no manifesto uma crítica à nãoparticipação da ASSAMED (tema analisado na próxima seção). Este movimento de supor-te à Pista de Eventos, no entanto, não tev e forças para se contrapor à ampla e poder osamobilização capitaneada pela ASSAMED contra a Pista de Eventos, a qual acabou sendovitoriosa no seu embate contra a P refeitura, que transferiu o pr ojeto para uma ár ea pe-riférica da cidade.

A mobilização contra a P ista de Eventos mostra que a ASSAMED contava com umasignificativa rede de relações com indivíduos, entidades e instituições pertencentes aos es-tratos superiores da cidade, passível de ser mobilizada na defesa de seus interesses. Ao mes-mo tempo, permite identificar uma clara divisão do tecido associativ o em função de po-sicionamentos sociais distintos. D e um lado, a coalizão capitaneada pela ASSAMED,voltada a defender a “qualidade de vida” do bairro contra uma ação do go verno munici-pal que, conforme texto publicado no jornal da ASSAMED (outubro/1997), iria “transtor-nar a vida da comunidade ” do Menino Deus. De outro, a ar ticulação das entidades po-pulares, defendendo uma obra que, além de criar um espaço para manifestações culturaisvalorizadas pelos moradores das vilas populares, também geraria oportunidades de rendapara estas populações (como argumentavam em seu manifesto).

DESIGUALDADES E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Por fim, para apr eender como a desigualdade se manifesta na dinâmica associativ a,é importante analisar a r elação da ASSAMED com um espaço institucional que, nas últi-mas décadas, se converteu no centro da atuação de grande parte das associações de mora-dores de Porto Alegre (Silva, 2007): o Orçamento Participativo (OP).

Instituído com o objetivo de “inverter prioridades” na alocação dos inv estimentosmunicipais, o OP de Porto Alegre se configura, atualmente, como um espaço de par tici-pação, sobr etudo, para as camadas popular es. U m simples olhar , por ex emplo, nasreuniões do Fórum da Região Centro evidencia a presença, na sua grande maioria, de in-divíduos oriundos de vilas e comunidades popular es. Além disso, quando analisamos asprioridades eleitas por essa região nos anos de 2007, 2008 e 2009, a categoria habitaçãoaparece sempre em primeiro lugar, revelando a regularização fundiária e a construção demoradias como as principais demandas dos gr upos que par ticipam do OP na R egiãoCentro. Na medida em que, conforme dados apr esentados anteriormente, esta é a r egi-ão com melhor IDH na cidade, a priorização de demandas de r egularização fundiária eurbanização indica que são os setor es mais pauperizados da r egião que tendem a inter-vir no OP.13

Estudos sobre a participação da sociedade civil no OP tiveram como objeto de aná-lise, na maioria dos casos, associações de morador es representantes de gr upos populares(Abers, 2000; S ilva, 2002). Assim, tanto a par ticipação quanto a per cepção das associa-ções de moradores de classe média em r elação ao OP é praticamente desconhecida. Umabreve reconstrução histórica do env olvimento da ASSAMED nesse espaço de par ticipaçãoexpõe aspectos relevantes para pensarmos as possív eis relações entre associativismo, desi-gualdade e o OP.

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13 Esta tendência de predo-mínio dos segmentos popu-lares no OP se expr essaclaramente nos dados derenda dos par ticipantes doOP/2005: enquanto 49,8%tinham renda familiar até 2salários-mínimos (31,1% napopulação da cidade), so-mente 3,4% tinham r endafamiliar maior de 12 salários-mínimos (16,5% na popula -ção da cidade) (Fedozzi,2007, p.19).

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Já em 1989, ano da implementação do OP em Porto Alegre, a ASSAMED esteve en-volvida no seu processo de construção. Através do forte vínculo com o jornal Oi! Meni-no Deus,14 a ASSAMED, de certo modo, contribuiu para a publicização da iniciativa do go-verno municipal, convidando a população do bairr o a participar ativamente. Olevantamento das prioridades definidas pela população foi uma das primeiras ações; pos-teriormente, um representante da entidade entregou a lista de reivindicações à Prefeitura,a fim de que fosse integrada ao orçamento municipal do ano seguinte. N o entanto, emfins de 1990, uma acirrada e conflituosa eleição para a dir eção da entidade pr ovocou orompimento da relação entre o jornal Oi! e a ASSAMED. A nova diretoria, então, inaugu-rou seu próprio jornal comunitário, em de zembro de 1990.

A relação entre o jornal Oi! e a ASSAMED permaneceu conflituosa. E m meados de1991, noticiando uma situação em que a diretoria da Associação abandonou uma assem-bleia do OP, o jornal acusou a entidade de não participar das discussões sobre o orçamen-to municipal. A diretoria da ASSAMED se justificou afirmando que houve falha no proces-so de r epresentação, pois anteriormente havia sido informada que a entidade seriarepresentada por dois delegados e um suplente e, na assembleia, lhe coube apenas umasuplência na chapa v encedora. Com isso, a r epresentação do bairro ficou a cargo de ummembro do jornal Oi! presente na reunião. Apesar desses contratempos, a ASSAMED per-maneceu na r eunião e entr egou a sua lista de r eivindicações dir etamente ao pr efeito.Posteriormente a esses fatos, o Oi! realizou algumas r euniões comunitárias para lev antaras prioridades do bairro, e a ASSAMED se defendeu das acusações do Oi! através de seu re-cém-criado jornal.

As discussões entre o jornal Oi! e a ASSAMED sobre a participação desta no OP con-tinuaram no ano de 1992. E nquanto o primeiro reforçava a ausência da Associação nasreuniões, esta se defendia e informava que “através dos números de nossas publicações ealgumas comunicações em rádio e TV, é possível aos interessados saber o que é feito pornós, inclusive por ocasião do O rçamento Participativo/92, que entregamos por escrito,e está incluído no relatório apresentado na câmara municipal, em 08/04/92” (Jornal Oi!Menino Deus, agosto, 1992). Nos anos seguintes, a ASSAMED informou sobre a sua pre-sença nas reuniões mensais do OP, salientando, em meados de 1994, algumas conquis -tas do bairro, tais como: pavimentação de r uas, iluminação de praças e melhoras no sa -neamento básico. Entretanto, não informava como se dava a sua atuação no processo.

Em 1995, a constr ução de um albergue para morador es de r ua no bairr o MeninoDeus lev ou a ASSAMED a mobilizar seus vínculos com v ereadores, sobr etudo J ocelinAzambuja, morador do bairro, a fim de acessar os agentes públicos responsáveis pela obrae expressar a sua contrariedade quanto à localização do albergue. O OP foi um desses es-paços, porém, de acordo com o jornal da entidade, o seu coor denador regional não esta-va a par do assunto, e a orientou a pr ocurar o prefeito, o qual não r espondeu às suas so-licitações. A par tir de então, a Associação começou manifestar duras críticas ao go vernomunicipal, e o OP foi tachado como uma farsa. Isso porque, segundo a entidade, mesmoque tenha par ticipado das reuniões do OP desde 1991, ela nunca foi consultada sobr e aconstrução do albergue. No ano de 1996, com o albergue em funcionamento, o jornal daentidade manifestou os problemas que os moradores do bairro passaram a enfrentar. Du-as dessas reportagens tinham como título: “U m albergue a céu aber to” e “Menino Deusinvadido pelos moradores de rua”.

Vale ressaltar que, diante das inúmeras dificuldades em barrar a construção do alber-gue, a Associação se v aleu de seus laços sociais com v ereadores para se manifestar publi -

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14 Este jornal de bairro erapublicado por um jornalistacom posições políticas pr o-gressistas e que integrava adireção da ASSAMED.

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camente sobre o assunto. A sua tentativa de utilizar o OP como espaço de intermediaçãofracassou, o que a levou a fazer pesadas críticas ao governo municipal e ao próprio OP. Fa-to semelhante aconteceu em meados de 1997, no auge da luta contra a P ista de Eventosno Menino Deus. Um texto publicado no jornal da Associação criticav a severamente ogoverno municipal, em especial, o aumento do IPTU e o OP, o qual foi qualificado como“uma farsa já descoberta, pois as pessoas ligadas à Prefeitura têm maior poder de voto queas pessoas da comunidade, que são em menor número para votarem. A comunidade achaque resolve alguma coisa, mas já v em tudo pronto dos gabinetes” (Jornal da ASSAMED,outubro, 1997).

Nos anos de 2000 e 2001, a Associação destaca sua presença constante no OP, men-cionando no seu jornal a periodicidade das r euniões e enfatizando a necessidade da am-pliação da pr esença dos morador es do M enino D eus. Contudo, as menções sobr e as reuniões não revelam manifestações concretas nem os objetivos e as prioridades da Asso-ciação nesse espaço. Nos anos de 2002 e 2003, não se encontram mais r eferências à par-ticipação da ASSAMED nas reuniões do OP.

Inicialmente, apresentamos o OP como que configurado pelas camadas popular es,ou seja, um espaço de par ticipação da sociedade civil junto ao Estado no qual pr edomi-na a atuação de comunidades e vilas cujos indivíduos se encontram numa posição socialdesfavorecida. Seria, então, o OP um “espaço dos pobres”, enquanto as classes médias uti-lizariam outras formas de atuação? A despeito da ASSAMED buscar demonstrar continua-mente a sua presença no OP, as suas principais ações e manifestações no período analisa -do – construção da sede, as mobilizações contra a Pista de Eventos e o albergue municipale a aquisição de bicicletas para o policiamento do bairro – foram conduzidas longe do OP,através de outros recursos e modelos de atuação comunitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo tendo presente as limitações inerentes a um estudo de caso realizado no con-texto de uma cidade par ticular, os resultados da pesquisa realizada junto à ASSAMED tra-zem conclusões que problematizam as visões homogeneizadoras e, especialmente, apolo -géticas sobre a sociedade civil. A o contrário destas visões, obser va-se a existência de umdenso tecido associativ o mar cado pelas desigualdades constitutiv as da sociedade na/daqual se originou. M ais especificamente, obser va-se uma segmentação da vida associativ aa partir de recortes socioeconômicos, que reproduz as significativas distâncias estruturaise relacionais que caracterizam e sustentam as extr emas desigualdades do país.

Este resultado é particularmente relevante quando se tem presente que esta segmen-tação ocorre em uma cidade que se caracteriza por uma longa e rica história associativ a,na qual os segmentos popular es foram capazes de constr uir formas de ação coletiv a quelhes conferiu r elevância na dinâmica política municipal. Além disto, esta segmentaçãotende a se manter, a despeito da introdução de uma série de mecanismos de par ticipaçãoinstitucional, entre os quais, destaca-se o OP.

Tais conclusões colocam a necessidade de uma complexificação dos modelos teóri -cos de análise dos processos associativos, introduzindo, entre outros aspectos, a desigual-dade como uma dimensão fundamental para a adequada interpr etação destes processosem países como o B rasil. Assim, poder-se-ia abor dar analiticamente as especificidadesdas configurações associativ as brasileiras, sem r ecorrer às tradicionais perspectiv as que

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avaliam (e, em geral, condenam) tais configurações a par tir da métrica fornecida pelauniversalização de processos característicos de outros contextos sociais menos desiguais.Esta atenção analítica para as especificidades dos contextos empíricos permitiria rompercom aquilo que Chatterjee denomina de “universalização do provincianismo ocidental”,segundo o qual:

o provincianismo da experiência eur opeia será tomado como a história univ ersal do pr o-gresso; por comparação, a história do resto do mundo irá aparecer com a história da falta, dainadequação – uma história inferior . Apelos serão feitos no vamente às filosofias pr oduzidasna Inglaterra, França e Alemanha. O fato de que estas doutrinas foram produzidas em com-pleta ignorância de outras par tes do mundo não impor tará: elas serão consideradas úteis eiluminadoras. (Chatterjee, 1990, pp.131-2)

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Marcelo Kunrath Silvaé bacharel em História(UFRGS/1989), mestr e emSociologia (UFRGS/1997),doutor em Sociologia(UFRGS/2001), com pós-doutorado na Brown Univer-sity (2008). É pr ofessor doDepartamento de Sociolo-gia e do Pr ograma de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS, coor denador doPrograma de Pós-Gradua -ção em Sociologia/UFRGS.Email: [email protected].

Rui Zanata Jr . é licencia-do em Ciências Sociais(UFRGS/2008), bacharelan-do em Ciências Sociais(UFRGS) e bolsista de Inicia-ção Cient í f ica (CNPq/UFRGS). Email: [email protected].

Artigo r ecebido em setem -bro de 2009 e aprovado pa-ra publicação em janeiro de2010.

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A B S T R A C T The aim of this paper is to analyz e how the gr eat inequalities ofBrazilian society affects on the confor mation of associational life in the big cities, based on aempirical r esearch with an N eighborhood A ssociation of a tr aditional middle-classneighborhood of Porto Alegre. From the study of relations and the action of this entity, we cansee a high degr ee of segmentation of the social fabric of the city as a r esult of the mar kedstructural and r elational distances betw een its r esidents. B ecause of this segmentation, theassociations of middle and upper classes tend to establish links and develop actions with actorswho share similar positions in social space. A t the same time, they do not tend to r elate to

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popular organizations, even though spatially close. These results indicate that inequalities tendto reproduce in the associative processes that make up the Brazilian civil society, a subject rarelydiscussed in the literature on the topic.

K E Y W O R D S Association; civil society; inequality; social distance; Porto Alegre.

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RESENHAS

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ORDINARY CITIES: BETWEEN MODERNITY ANDDEVELOPMENTJennifer Robinson New York: Routledge, 2006

Vera F. Rezende Professora do Programa de Pós-graduação em

Arquitetura e Urbanismo da UFF

Todas as cidades são comuns, complexas e div er-sas. Este é o argumento que J ennifer Robinson cons-trói ao longo de seu livro, apontando questões com vis-tas à r enovação da teoria urbana. A crítica central deseu trabalho se orienta para um cor te criado pelos es-tudos urbanos com a divisão das cidades em termos deum grupo, pertencente ao P rimeiro Mundo, cidades-sede da inovação e de iniciativas modernizantes, e umoutro grupo dentro de um quadr o de desenvolvimen-to, no qual estariam destinadas à comparação (e, sepossível, à reação), em busca de se tornarem modernasem algum nível.

A visão de um mundo urbano hierarquizado pró-pria dessa postura teórica estaria impedindo o campodos estudos urbanos de r econhecer inovação e criaçãoem cidades antecipadamente enquadradas na tradiçãoou em situações de atraso . A consequência dessa per-cepção ainda colonialista, segundo R obinson, seria aaceitação de que o mundo desenvolvido possui a capa-cidade de criação, enquanto ao outro mundo restaria ade imitação.

Mais do que criar categorias de cidades per ten-centes ao Ocidente, ao Terceiro Mundo, da África, daAmérica do S ul, pós-socialistas ou hierar quias comodesenvolvidas ou em desenv olvimento, mundiais ouglobais, a autora nos acena com um univ erso de cida-des diversas, dinâmicas e passíveis de vida econômica esocial. Além disso, ao negar que somente algumas cida-des sejam capazes de gerar iniciativas no campo do ur-banismo, essa abordagem busca encontrar um mundode formas urbanas ou urbanizações fr uto da criati -vidade e inventividade dos habitantes. Sua argumenta-ção é construída na medida em que coloca em evidên-cia cidades como Rio de J aneiro, Joanesburgo, Lusakae Kuala L umpur, com o objetiv o de traz er situaçõesque exemplifiquem um mundo de cidades comuns.

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O primeiro movimento necessário para Robinsonseria reinterpretar modernismo e modernidade, e reco-nhecê-los como possív eis manifestações em qualquercidade, nas “ordinary cities”, que dão título a seu livr o.Se ser moderno é ser contemporâneo, aderir à mudan-ça e ao dinamismo é uma condição pr esente em qual-quer sociedade em transformação.

A sua argumentação é construída a partir de doiseixos (modernidade e desenv olvimento), por per cebê-los como conceitos que dividem a abordagem usual dateoria urbana em Ocidente e outras cidades. Para a au-tora, modernidade, amplamente definida no início doséculo XX, seria a autocaracterização do O cidente, co-locando-se em relação aos “outros” e aos “outros luga-res”. São esses conceitos que atribuiriam dinamismo einovação, isto é, modernidade a algumas cidades, en-quanto imporiam às demais uma busca por moderni-zação, através de iniciativ as de desenv olvimento paraalcançá-las. Segundo Robinson, essas noções têm sidocentrais na análise da vida urbana, e unidas, trabalhamno sentido de limitar tanto as imagens da vida nas ci -dades quanto as práticas de planejamento possív eis.

Na sociologia urbana do início do século XX, con-tinua a autora, estev e presente a noção de moderni -dade através de autores-chave para a teoria urbana, queno rastro de práticas coloniais estudaram cidades con-sideradas criativ as, dinâmicas e modernas. A pesar dacrítica produzida principalmente no período de 1940a 1970, as tendências iniciais foram r etomadas com oavanço de teorias que tentaram explicar situações deglobalização. Como r esultado, vários estudos se fixa -ram em categorias de sucesso, as ricas cidades globais,e categorias de futuro sombrio, as megacidades.

A autora busca reformular o conceito de moder -nidade e deslocá-lo do Ocidente para aplicá-lo a qual-quer cidade, assim como pr etende um r eenquadra-mento do desenv olvimento de cidades como umconjunto de desafios que se coloca tanto para as maisricas quanto para as mais pobr es. Rejeita, entretanto,as visões de modernidade alternativ a ou que plurali -zam a experiência de modernidade por entender quecontinuam a considerá-la a par tir do Ocidente.

No primeiro capítulo, a autora coloca em discus-são alguns teóricos da Escola de Chicago, mostrandocomo a noção de experiência urbana é colocada emcontraste com a tradição, e como são constr uídos des-de o início do século XX os fundamentos da corr ente

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teoria urbana, traduzidos em um moderno “ aqui” e“agora” em contraposição a um tradicional “lá” e “ en-tão”. Inspira-se em Walter Benjamin para refutar umateoria do progresso, em que ev entos se apresentam deforma sequencial em um tempo v azio, trazendo comoalternativa uma visão dialética da modernidade e datradição como conceitos copresentes e interdependen-tes. O segundo capítulo explora debates já efetuadosem torno das ideias da Escola de Chicago, mas traz vi-talidade para a discussão com o grupo de antropólogos“africanistas” (a “Escola de Manchester”), reforçando oargumento da impossibilidade de uma teoria urbanade caráter universal.

O terceiro capítulo aler ta para a necessidade dese repensar o Ocidente como fonte da modernidade,e discute a afirmação de que em algumas cidades oconceito de moderno ger ou formas ar quitetônicas eurbanas autênticas, enquanto em outras se deu umprocesso de mimetização. A autora traz para o debateas cidades de N ova York, Rio de J aneiro e K ualaLumpur e as manifestações do moderno na ar quite-tura. Afirma que o estilo internacional da ar quiteturade Nova York tomou por empréstimo experiências deoutros países e, ainda assim, a cidade foi consideradageradora de inventividade. A arquitetura brasileira dasdécadas de 1930 e 1940, acr escenta, foi r econhecidacomo autêntica e inovadora – vide o Pavilhão na Fei-ra de Nova York em 1939, a E xposição no Museu deArte Moderna na mesma cidade e o livro Brazil Buildsem 1943. A pesar de v alorizada a par tir dessa épocapor sua criatividade ao combinar características mo -dernas, nacionais e r egionais, destaca R obinson, elafoi vista como “fora do lugar” e dependente de sua in-fluência europeia.

Com o entendimento de que no decorr er doséculo XX a crescente conexão do comércio e da comu-nicação em termos mundiais dominaram os estudosurbanos, o quarto capítulo propõe uma reterritorializa-ção desses estudos em dir eção às cidades comuns. I ro-nicamente, segundo a autora, mesmo quando o trans -nacionalismo é visto como uma característica dasexperiências urbanas, as cidades são hierar quicamenteordenadas com efeitos danosos, tanto para as ricasquanto para as pobres.

Enquanto inúmer os estudos enfatizam cidadesglobais ou mundiais, flux os ou r edes, o Capítulo 5reafirma a impossibilidade de se pensar cidades em

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termos genéricos, e estabelece a necessidade de pensá-las sob um recorte transversal no que se refere à diver-sidade e à complexidade. A ambição aqui é privilegiarestratégias que pr omovam inter venções criativ as oudestaquem a distinção pr esente em cada cidade, li-vrando as mais pobres de um urbanismo como imita-ção de experiências ou como tentativ a de apr oximar-se das mais ricas.

Como conclusão, o livr o ensaia estratégias que ocampo dos estudos urbanos, sob o risco de se tornar ir-relevante, deve perseguir na constr ução da teoria e daprática (de caráter pós-colonial), em r esposta a ummundo de cidades em expansão habitadas por uma po-pulação pobr e. A autora r econhece que estudiosos eformuladores de políticas em vários países têm desen -volvido trabalhos que tratam da multiplicidade de es-pacialidades e da diversidade de suas cidades.

Reconhece, ainda, existir uma abertura no campoda teoria social que v aloriza a pr odução de conheci-mento de outr os lugares, e que r epensa fundamentosde seu próprio conhecimento . Mas a visão estrita, se-gundo ela, provocou perdas não facilmente corrigidas.A solução traduz-se num engajamento cosmopolitapor parte de estudiosos, ou seja, o compr ometimentocom a pr odução de conhecimento em outr os locais,adotando “ cosmopolitanismos div ergentes” ( “discre-pant cosmopolitanisms”), expressão tomada por emprés-timo de J ames Clifford (1997), com a qual a autorapretende definir um tipo de abor dagem cosmopolita,que não seja homogênea nem universalista.

As r eflexões trazidas pelo livr o se traduz em emquestões sobre como pr oceder para dar seguimento aesses novos estudos urbanos e sobre quais seriam as po-líticas adequadas para essas cidades comuns. Respostasdifíceis, nos adianta R obinson: “ pode-se lev ar uma vida para conhecer um local, mas, muito mais árduo éconstruir análises para um conjunto de cidades e dife-rentes contextos”. (p.167) Assumir que todas as cida-des são comuns (“ordinary”), reconhece a autora, é ape-nas um começo para se pensar um mundo de cidades.

O livro de Robinson dá continuidade às discus-sões pr opostas por seu ar tigo anterior “Global andworld cities: a view fr om off the map” (2002), enrique-ce o debate e interessa a estudiosos da teoria urbana edo planejamento urbano, revolvendo as bases das no-ções de desenvolvimento e de modernidade. Sem pro-por um modelo para os estudos urbanos, afirma prin-

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cípios e pr oduz um aler ta contra armadilhas concei-tuais, que ofuscam a difícil compreensão do conjuntode cidades e que dão lugar, perigosamente, a práticas,políticas e pr opostas univ ersalistas. A argumentaçãoda autora tem fortes implicações para futuros estudos,ampliando as opções por linhas de pesquisa e v alori-zando a reflexão sobre contextos diversos em diferen-tes países. P oderíamos diz er, tal qual R obinson, em“qualquer” país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CLIFFORD, J. (1997) Routes: Travel and Translation inthe late Twentieth C entury. Cambridge, M ass.: H arvardUniversity Press.ROBINSON, J. (2002) Global and world cities: a vie wfrom off the map . International J ournal of R egionalResearch. 26:531-54.

QUESTÕES TERRITORIAISNA AMÉRICA LATINAAmalia Inés Geraiges de Lemos, M aría Laura Silveira,Mónica Arroyo (orgs.)Buenos Aires: CLACSO; São Paulo: USP, 2006

Rebeca Scherer USP

Esta obra, oportuna e necessária, traz na aberturao texto inédito da conferência pr oferida pelo geógrafoMilton S antos em 1996 por ocasião do Congr esso SOLAR, e reúne, em continuação, os trabalhos do X EGAL – Encontro de G eógrafos da América Latina,realizado em São Paulo em março de 2005. I nspiradona história vivida nas últimas décadas, o Encontro pro-põe que se caminhe “D o labirinto da solidão ao espa-ço da solidariedade”. Desde o Prefácio, elaborado pelascompiladoras dos trabalhos e organizadoras do Encon-tro, Amalia Inés Geraiges de Lemos, M aría Laura S il-veira e Mónica Arr oyo, são explicitadas duas posiçõesfundamentais para dar conta das r esponsabilidades detodos nós, geógrafos ou não: assumir nossa condiçãode produtores do saber , e fazê-lo sem r ecusar o olharestrangeiro, porém, de forma intransigente a par tir da perspectiv a latino-americana, trazida pelo estudo

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responsável e consciente de seu espaço, v ale dizer, desua sociedade.

“Por Uma Epistemologia E xistencial” é o títuloda conferência de Milton Santos. Não cabe resenhá-la,apenas relatar que analisa diferentes modelos de inter-pretação que ao longo do século XX se constr uíramsobre a América Latina denunciando o enfoque econo-micista, que pr evaleceu durante longo período e queresultou em versões reducionistas da realidade existen-te. Milton reafirma a necessidade fundamental da ela -boração de uma epistemologia que inclua obrigatoria-mente o espaço, na medida em que, “ a sociedade éapenas o ser; o existir é coisa do espaço ” e ainda “ otempo é pr oduzido pelo lugar e por aqueles que neleestão” (p.25).

O texto de Milton Santos é seguido da conferên-cia r ealizada pela geógrafa Amalia I nés G eraiges deLemos, na sessão de aber tura do EGAL: “América Lati-na: à Procura de Uma Geografia Mestiça”. Nela, a Pro-fessora reconstrói o caminho per corrido e o caminhoque julga necessário percorrer na busca do que classifi-ca, também ela, como uma geografia mestiça, poismestiça, e via de r egra, inadequadamente analisada, énossa formação social.

Apoiada numa bibliografia consistente e imuneao “canto das sereias do poder” (Milton Santos, José deSouza M artins, S erge G ruzinski, E dgar M orin, Boa-ventura de S ousa Santos, Michel Serres, Nestor Can-clini, E mílio Tenti F anfani, entr e outr os), per correcom brilho os conceitos fundamentais dessas contri -buições e convoca os colegas para o pleno ex ercício deuma contemporaneidade militante.

O livro divide-se em três par tes, a saber: Passado,Presente e D esafios Teóricos, seguida de D inâmicasTerritoriais Contemporâneas e, finalmente, Uma Geo-grafia Para a Saúde. Contempla – sempre do ponto devista da geografia, tomando como referência empírica aAmérica Latina, e dentr o de uma abor dagem históricae interdisciplinar – temas complex os como: a relaçãoentre as finanças e a vulnerabilidade dos territórios; aformação de blocos de nações e as especificidades doMercosul; os efeitos da globalização e do neoliberalis -mo sobr e Sociedades e Estados; os determinantes econdições para a formação da consciência na AméricaLatina; a produção social da saúde; a afirmação da ter-ritorialidade estatal; discursos e imaginários políticos naorganização de nações; a ocupação da Amazônia; o in-

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cremento da mobilidade dos cidadãos na pr esente eta-pa da globalização; a per da das identidades e a consti-tuição de diferentes formas de identidades móv eis. Nointuito de refletir sobre o futuro da América Latina, osautores presentes analisam também a história das r ela-ções da América Latina com os centros hegemônicos daeconomia mundial e com os organismos supranacio-nais, as práticas profissionais da geografia latino-ameri-cana na contemporaneidade, os limites e possibilidadesde novos pactos territoriais, a busca e as dificuldades deuma integração latino-americana progressista.

De todo modo, os trabalhos que compar ecemnesta publicação têm em comum a crítica à globaliza-ção e ao neoliberalismo no pr esente, a busca de umaepistemologia que contemple nossas especificidades, ofato de trabalhar incorporando a história como méto-do e a inter disciplinaridade como r equisitos para areflexão. Acresce que o empenho em evidenciar comclareza a metodologia que dá suporte às reflexões apre-sentadas, o cuidado com a explicitação das v ariáveis edos conceitos utilizados e também as opor tunas avali-ações das técnicas de pesquisa utilizadas e passív eis desê-lo, faz em das contribuições aqui r eunidas impor-tante material para o ensino e a pesquisa em geografiae, de modo geral, nas ciências sociais aplicadas.

Na primeira seção, Antonio Carlos R obert Mo-raes trabalha com a afirmação da territorialidade esta -tal no B rasil. Insiste em alguns pr essupostos metodo-lógicos básicos, entr e eles, o de r ecusar-se a óticasanacrônicas, não obstante trabalhar de modo r etros-pectivo. Enfatiza – o que nunca é demais repetir – quevai buscar e projetar no passado elementos passíveis deidentificação apenas no presente.

Segue-se a contribuição de P erla Z usman, que,com base em r elatos de viagem de D omingo FaustinoSarmiento (1847) e Carlos Pellegrini (1904), examinarepresentações dos Estados U nidos que ser viram deinspiração para os projetos de construção do territórioargentino. Evidencia como aqueles, ao se debr uçaremsobre a realidade norte-americana, vivenciaram experi-ências difer entes e priorizaram setor es de pr odução,portanto, territorialidades e alternativas de organizaçãosocial diferentes: um, a par tir do projeto agrícola nor-te-americano, e outro, a par tir da industrialização nosEUA na virada do século XIX para o XX.

A contribuição de R uy Moreira volta-se para asrelações entre sociabilidade e espaço em diferentes mo-

mentos históricos para dar conta das formas de organi-zação geográfica das sociedades contemporâneas.Apoiado nos trabalhos de L ukács e Sartre, retorna cri-ticamente às colocações de M arx, pr eocupado comoaqueles, com a maneira como no mar xismo do séculoXIX comparecem a natureza e “seu modo de presença”na organização societária. Ruy Moreira reflete tambémsobre os “conflitos de territorialidades” e o papel de re-sistência que desempenham as culturas pr esentes emsociedades dos gêneros de vida, conforme descritas porLa Blache, na construção de um meio técnico-científi-co “bioreferenciado”.

O denso e contundente texto de M aría LauraSilveira, “Por Uma Teoria do Espaço Latino-America-no”, vem em seguida. A A utora procede à análise sis-temática da globalização na América Latina. R etomaconceitos e processos que domina com extr ema com-petência, e o faz desde as primeiras páginas evidenci-ando o papel assumido pela categoria trabalho e suaessencial ar ticulação com a política que, apesar daspossibilidades técnicas do pr esente e exatamente porisso, permite ou limita modos de pr oduzir, de dividiro trabalho e de apr opriar-se do lucr o. A colhendo aperspectiva do mestre Milton Santos com o qual pôdepartilhar reflexões e publicações importantes, a autoraaborda a caracterização do período contemporâneo apartir da pr odução social de três tendências: a unici -dade da técnica e seu efeito na produção da consciên-cia; a comunicação e as operações em tempo r eal; e acompetitividade. I sso posto, fundamenta detalhada-mente as condições que lhe permitem afirmar que ainformação é “ a v erdadeira energia que impr egna aação contemporânea” (p.87). Lembra oportunamenteo neologismo cunhado por Milton Santos (2000) pa-ra apontar a existência concomitante e sistêmica da ti-rania da informação e da tirania do dinheir o: “globa-litarismo”. Reafirma sua crença no papel da geografiapara a construção de uma sociedade digna e solidária,e conclui salientando que não vivemos numa socieda-de decadente, mas em crise – e como diz muito bem,“crises passam”...

Segue-se o texto de B lanca R ebeca Ramir ez,“Prácticas P rofesionales y D esafios de la G eografiaLatinoamericana en los Albor es D el S iglo XXI”, emque abor da a forma como os geógrafos têm que seadequar em suas práticas às transformações trazidaspelo neoliberalismo e a globalização contemporânea.

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Considerando que a realidade é um objeto de estudocomplexo, entende que se impõe a criação de instr u-mental metodológico que nos permita analisá-la e,para tanto, propõe três estratégias: (i) passar da multi-disciplinaridade para a transdisciplinaridade; (ii) tra-balhar na conformação de uma identidade culturalgeográfica; e (iii) aceitar o desafio metodológico dedialogar com a teoria para abor dar os fenômenoscomplexos de forma integral.

Armen Mamigonian abre a segunda parte da obracom o texto: Qual o Futuro da América Latina? Nele,reflete sobre a história do continente a par tir da análi-se política e econômica da América do Sul, abordandoa história dos territórios e o conjunto de ideias que aolongo do tempo foram utilizadas para explicá-la. P er-correndo a história de difer entes nações (entr e elasChile, Argentina, Venezuela e México), se perguntasobre o futur o da América Latina e em especial se oBrasil, ao lado da China, Índia e outr os países, emer-girá como potência no século XXI. Entende que o fu-turo da região depende da dinâmica de três conjun-turas: (i) o que pode acontecer no interior de cada país;(ii) o pr ocesso de integração sul-americana; e (iii) amodalidade das r elações internacionais estabelecidas,em especial com os EUA, a União Europeia e a China.

Roberto Gonzáles Sousa é responsável pelo tex-to “N uevos P actos Territoriales en América Latina:Obstáculos y Posibilidades”. Nele, analisa a responsa-bilidade dos organismos financeir os internacionais edos países desenvolvidos no estabelecimento e reitera-ção da pobreza, da subordinação e das precárias con-dições de vida das populações da América Latina. Vêna constituição consciente e independente de no vospactos territoriais, alternativ as para a superação da -queles impasses.

Pedro Pinchas Geiger comparece com o ex celen-te “Identidade Continental Americana”. Primeiramen-te, historiciza a pr odução da nova dinâmica territorialque levou à formação, no pr esente, de blocos de Esta-dos Nacionais que constituem os chamados “mercadoscomuns” e apresentam, embora com variações, dimen-sões continentais. Detém-se na abordagem das condi-ções do M ercosul, analisando aspectos institucionais,mercado de trabalho, estrutura bancária, e a implanta-ção no território da infraestr utura necessária. A vançano estudo analisando as perspectiv as de integraçãoamericana a partir de considerações de or dem política

e econômica. Em continuidade, de forma complemen-tar e bem articulada, analisa as relações entre dinâmicaterritorial e a identidade continental.

A questão da identidade compar ece também notrabalho de D aniel H iernaux-Nicolas, “I dentidadesMóviles o M ovilidad S in I dentidad?”. N ele, o autorevidencia como se ar ticulam hoje, sob o impacto dastransformações globais, três componentes centrais denossos sistemas de referência: a mobilidade, a identida-de e as dinâmicas territoriais; esta última, dependente,em alguma medida, das duas primeiras. Aborda o temadas identidades mutantes, ou quiçá perdidas, analisan-do o turismo e a identidade efêmera do ócio e a trans-nacionalidade ou identidade complexa r esultante damobilidade no mercado de trabalho. Numa conclusãopreliminar se pergunta se essas identidades-rede, sejamindividuais ou coletivas, podem ainda ser consideradascomo tal quando compar ecem desligadas do apoioespaço-temporal, que foi o supor te medular de suadefinição como identidade (p.173).

“A vulnerabilidade dos territórios nacionais lati -no-americanos: o papel das finanças”, de Mónica Arro-yo, continua a série. A geógrafa evidencia como astransformações que a divisão internacional do trabalhotrouxeram ao presente carregam consigo marcas da his-tória pregressa das nações, em especial o modo comose constituiu a dinâmica territorial das finanças e dainformação. D iscute três características do mer cadofinanceiro no pr esente: especulação, instabilidade evolatilidade, as quais, na medida em que o sistema éfortemente integrado em escala internacional, am -pliam, a seu v er, a vulnerabilidade dos territóriosnacionais. Analisa também alguns dos no vos agentesfinanceiros privados e também o tipo difer enciado decompetência técnica voltado para o manejo de um so-fisticado conjunto de técnicas de av aliação de r etornoe riscos para as aplicações financeiras. Concluindo,lembra que a maior vulnerabilidade é a que se atingeao equipararmos os conceitos de mer cado e território;a propósito, empresta a obser vação de M ilton Santosque também r etomo: “território e mer cado se tornamconceitos xipófagos, em sua condição de conjuntos sis-têmicos de pontos que constituem um campo de for -ças independentes” (p.189).

O setor financeiro é objeto também da análise deÁlvaro López Gallero: “Las D ificultades de la Estr uc-turación de un Sector Financiero en el Camino de una

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Integración Latinoamericana P rogresista”. N este im-portante e ilustrativo texto, o autor expõe os três mo-delos de r ede bancária existentes no U ruguai: os ban-cos internacionais, o B anco da R epública e a B ancaCooperativa Uruguaya, evidenciando como o territó-rio produz e r ecebe dinheiro, e o papel de mediadorexercido pelo Estado Nacional neste processo.

Segue-se a contribuição de D elfina Trinca Fighe-ra, que se debruça sobre a questão amazônica, sistema-tizando-a na reflexão apresentada no texto “Los D esa-fíos de la G lobalización y La O cupación de laAmazonia. U na Visión desde Venezuela”. Comentaque apesar de suas peculiaridades físico-naturais, aocupação da Amazônia não ficou à margem das dife-rentes modernidades que estiveram presentes ao longoda história. P rocede a algumas considerações teórico-metodológicas para, em seguida, analisar a Amazôniabrasileira, a ocupação de R oraima e a mar cha para oSul na Venezuela. Conclui com a afirmação da impor-tância da ocupação efetiva das áreas de fronteira. A ter-ceira par te do livr o traz um conjunto impor tante decontribuições, entre as quais, assoma com destaque ade Luisa Iñiguez Rojas da Universidade de La Habana.Em “Salud y B ienestar H umano en la G eografía deAmérica Latina”, a autora, a partir do conceito centralde espaço geográfico, dirige-se para a compr eensão daprodução social dos pr oblemas de saúde, per correndoa história da elaboração dos conceitos sobr e a geogra-fia da saúde, reiterando a heterogeneidade entre nossospaíses, colocando com clar eza questões de or dem me-todológica, a questão das escalas geográficas, e av an-çando até a questão das técnicas de pesquisa.

Seguem-se três textos bastante opor tunos e bemfundamentados. E m “Saúde pública na AméricaLatina: questões de geografia política ”, Raul BorgesGuimarães insere a questão da saúde pública no con-texto mais amplo de uso do território. Em “Geografíapara la S alud: una transición ”, J orge P ickenhayn, apartir do univ erso empírico argentino, r eivindica aconstrução de uma geografia para a saúde e não ape -nas da saúde. F inalmente, H elena Ribeir o, em seutexto “Patologias do Ambiente Urbano: Desafios Paraa Geografia da Saúde”, a partir dos dados da cidade deSão Paulo, aborda patologias do presente, associando-as à poluição e, de modo geral, à má qualidade doambiente urbano contemporâneo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SANTOS, M. (2000) Por uma outra globalização. Dopensamento único à consciência universal. São Paulo:Record.

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moine naturel”. Revue Economique, Paris, n.2, p.215-42, mars 1990.BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.

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Rua: _______________________________________________________ nº:________ Comp.: _________

Bairro: ______________________________________________________ CEP: _______________________

Cidade: _______________________________________ UF:______________________________________

Tel.: ______________________ Fax: ________________________ E-mail: __________________________

Instituição e função: ________________________________________________________________________

Data______________ Assinatura _________________________________________

Page 144: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS - Data Center no Brasil · (Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil) ... Linda Gondim, por meio do relato ... Tendo como marco a aprovação do