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_ MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO. FUNDAÇAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA- IBGE REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA ISSN 0034-723X R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, v. 57, n. 1, p. 1 - 104, jan./mar. 1995

REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA - IBGE · Revista Brasileira de Geografia/Diretoria de Geociências Av. Brasil, 15 671 -Prédio 3B-Térreo-Lucas-21241-051 -Rio de Janeiro, RJ -Brasil

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_ MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO. FUNDAÇAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA- IBGE

REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

ISSN 0034-723X

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, v. 57, n. 1, p. 1 - 104, jan./mar. 1995

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REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

Órgão oficial do IBGE

Publicação trimestral, editada pelo IBGE, que se destina a divulgar artigos e comunicações inéditos de natureza teórica ou empírica ligados à Geografia e a campos afins do saber científico.

Propondo-se a veicular e estimular a produção de conhecimento sobre a realidade brasileira, privilegiando a sua dimensão espacial, encontra-se aberta à contribuição de técnicos do IBGE e de outras instituições nacionais e estrangeiras.

Os originais para publicação devem ser endereçados para:

Revista Brasileira de Geografia/Diretoria de Geociências Av. Brasil, 15 671 - Prédio 3B- Térreo- Lucas- 21241-051 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Tel.: (021)391-1420- Ramal223.

A Revista não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em artigos assinados.

Impresso no Centro de Documentação e Disseminação de Informações- CDDI em meio digital.

Publicação editorada na Divisão de Editoração/Departamento de Editoração e Gráfica -DEDIT/CDDI, em 1997.

Criação: Programação Visual e Capa Pedro Paulo Machado

©IBGE

Revista brasileira de geografia/Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- ano 1, n. 1 (1939, jan./mar.)-Rio de Janeiro: IBGE, 1939-Trimestral. Órgão oficial do IBGE. Inserto : Atlas de relações internacionais, no período de

jan./mar. 1967 - out.ldez. 1976. Números especiais: vol. 47, n. 1/2 Uan./jun.1985): Sumários

e índices acumulados de autor e assunto dos vols. 1 ao 45 (1939-1983); vol. 50, t. 1 (1988) :Clássicos da geografia; vol. 50, t. 2 (1988): Reflexões sobre geografia.

ISSN 0034-723X =Revista brasileira de geografia. 1. Geografia- Periódicos. I. IBGE.

IBGE. CDDI. Departamento de Documentação e Biblioteca RJ-IBGE/88-23 Rev.

Impresso no Brasii/Printed in Brazil

CDU 91 (05) PERIÓDICO

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SUMÁRIO

ARTIGOS

ESPAÇO E INDÚSTRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO- 5 Silvana Maria Pintaudi

Ana Fani Alessandri Carlos

OS AVATARES DA TEORIA DA DIFUSÃO ESPACIAL: UMA REVISÃO TEÓRICA- 25 Carlos Alberto Franco da Silva

ESPAÇO SAGRADO: O EXEMPLO DE PORTO DAS CAIXAS, BAIXADA FLUMINENSE - 53 Zeny Rosendahl

DINÂMICA ECONÔMICA E REORGANIZAÇÃO ESPACIAL. NOTAS SOBRE O CASO DA EXPANSÃO DO CAPITAL URBANO NO ESPAÇO AGRÁRIO NA AMAZÔNIA- 73

Angela Moulin S. Penalva Santos

IDENTIFICAÇÃO DOS CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO NO BRASIL- 83 Roberto Lobato Corrêa

INSTRUÇÕES BÁSICAS PARA PREPARO DOS ORIGINAIS- 103

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ESPAÇO E INDÚSTRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO*

Silvana Maria Pintaudi** Ana Fani Alessandri Carlos***

INTRODUÇÃO

Quanto mais se estuda o processo de in­dustrialização e sua materialização nos di­ferentes espaços, mais se compreende que, além de muito complexo, este é um processo que se concretiza de diferentes formas. O espaço é produto e condição da sociedade e, portanto, cada uma dá origem a um espaço particular. No Brasil, um País com mais de 8,5 milhões de km2, a industrialização se ma­terializa com matizes muito diferentes, de­pendendo da porção territorial que se esteja observando, o que significa dizer que o espaço por ela criado no Estado de São Paulo é específico. Por outra parte, a industrialização no Brasil não pode ser compreendida, se este estado não fizer parte da análise, já que é o lugar de sua gênese. Finalmente, este tra­balho também significa a busca de uma me­lhor compreensão do urbano e vice-versa, porque não seria compreensível a indústria

• Recebido para publicação em 20 de abril de 1995.

sem a cidade que, como centro de inovação, é motor de seu crescimento e desenvolvimento.

Em um rápido esboço, procuraremos mostrar as origens do processo de industriali­zação no Estado de São Paulo, bem como seu ritmo de desenvolvimento e transformações mais recentes, para refletirmos sobre o espaço produzido através dos processos de industrialização e urbanização e sobre a con­dição de existência de nossa sociedade.

A GÊNESE DO PROCESSO

Falar sobre a gênese da industrialização no Estado de São Paulo significa estar falando, quase ao mesmo tempo, da gênese da indus­trialização no Brasil. Isto porque, como vere­mos adiante, é no Sudeste brasileiro, e par­ticularmente no Estado de São Paulo, que se apresentaram, no final do Século XIX, as cir­cunstâncias que permitiram e garantiram o flo­rescimento da indústria no País.

•• Professora Assistente, Doutora do Departamento de Planejamento Regional do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Uni­versidade Estadual Paulista (UNESP) - campus de Rio Claro (SP).

••• Professora Assistente, Doutora do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universi­dade de São Paulo (USP) - São Paulo (SP).

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 57 (1): 5-23, jan./mar. 1995.

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Entre as condições de surgimento da indus­trialização no Brasil apontadas por Martins (1973, p. 70), estão a extinção do trabalho escravo (1988) e a imigração estrangeira para atender à demanda de mão-de-obra nas la­vouras de café. O movimento migratório no Estado de São Paulo, nos últimos 15 anos do Século XIX, registrou a entrada de 919 505 pessoas, e que nos 15 anos anteriores ao fim da escravidão foram anotados apenas 33 923 migrantes (Martins, 1973, p.76).

Com isso, tivemos uma ampliação do mer­cado de consumo de cunho popular, que não podia ser abastecido por produtos importados, dado o custo elevado que significaria manter esta mão-de-obra. Está assim criada a opor­tunidade para o aparecimento da indústria paulista que, em fins do século passado, "não se propôs à substituição das importações, mas sim à exploração das possibilidades manufatureiras surgidas nas franjas da economia exportadora" (Martins, 1973, p. 71 -grifo nosso).

A indústria vai se constituir num setor mar­ginal até o momento em que passa a haver um desequilíbrio entre o valor que se produzia e o valor do que se necessitava importar para abastecer o mercado interno. A extensão da monocultura do café chegou ao limite de pro­vocar a importação de produtos alimentícios manufaturados. Como a importação era matéria de competência federal (a burocracia federal controlava e era mantida por impostos cobrados sobre a importação) foi nesta esfera que as soluções para o problema do dese­quilíbrio das contas apareceram: estimulou-se a indústria a produzir para o mercado interno através da aplicação de um imposto sobre consumo anteriormente instituído e se esta­beleceu um acordo com os ingleses, no final do Século XIX, que implicava acumulação de divisas em bancos da Inglaterra para saldar dívidas, o que na prática resultou em de­sestímulo à importação. A elite política de en­tão, formada pelo setor agroexportador da economia, teve que passar a admitir a ajuda do setor industrial que nascia (Martins, 1973).

A indústria nascente vai concorrer com as grandes casas importadoras de bens de con­sumo de Santos (cidade portuária do Estado de São Paulo) e do Rio de Janeiro que, de certo modo, tinham um controle do mercado consumidor não só nas capitais (São Paulo e

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Rio de Janeiro) como no interior dos respec­tivos estados. De acordo com Martins (1973, p. 1 04), "a industrialização foi uma questão mercantil, e o industrial, um mercador, já que era essa a racionalidade dominante e o meio possível de efetivar o industrialismo". A dominância de interesses do setor agroexpor­tador no âmbito do sistema será a "questão a ser solucionada como condição de sobre­vivência e expansão do capitalismo industrial e reversão do domínio da dimensão comercial sobre a produtiva" (Martins, 1973, pp.1 09/11 0).

O fato é que a indústria brasileira, particular­mente a do Estado de São Paulo, nasceu nos anos oitenta do Século XIX, alimentada pelo processo de acumulação propiciado pelo café. Este produto foi também responsável por transformações no setor de comunicações e transportes que serão decisivos também para a implantação de indústrias no estado. É o caso da instalação do cabo submarino de telégrafo entre o Brasil e a Europa em 187 4, o que propiciou maior rapidez na realização de negócios internacionais. É também o caso das ferrovias, construídas com capitais públicos e privados nacionais e ingleses e que a partir de meados do Século XIX foram a condição de surgimento de inúmeras vilas e cidades que, posteriormente, viriam a integrar o processo de industrialização do estado. Segundo Reis Filho (1968), entre 1500 e 1720 tinham sido fundadas algumas vilas e cidades no Estado de São Paulo (ver Quadro 1 ).

Grande parte das cidades situa-se no litoral do estado; as mais distantes situam-se no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e a maior distância no sentido do interior do Estado de São Paulo é de 106 km, para atingir a cidade de ltu. De­pois de 1750, mais precisamente entre 1751 e 1800, são fundadas 12 sedes (antigas vilas ou cidades) dos atuais municípios que compõem o estado; entre 1801 e 1850, fundam-se mais 21, e é entre 1851 a 1899 que presenciamos o primeiro surto de criação de municípios, quando surgem 1 09 sedes. É pois, a partir de meados do Século XIX, principalmente a partir da instalação de linhas ferroviárias (Figura 1 ), que o cenário paulista sofre mudanças e se prepara para receber a implantação de aproxi­madamente 400 sedes municipais na primeira metade do Século XX (em 1990 eram 582 as sedes municipais do Estado de São Paulo).

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QUADR01

VILAS E CIDADES FUNDADAS- SÃO PAULO -1532/1750

SÉCULO VILAS E CIDADES

São Vicente São Paulo (1)

XVI ltanhaém Santos lguapé Cananéia

Moji das Cruzes Santana do Parnaíba São Sebastião Ubatuba

XVII Taubaté Jacareí Jundiaí Guaratinguetá I tu Sorocaba

XVIII Pindamonhangaba São Paulo (2)

FONTE- Reis Filho (1968, pp.85/88).

(1) Vila. (2) Cidade.

A presença de cidades e vilas, contudo, não é condição de predominância da vida ur­bana. A urbanização da população é um pro­cesso recente não só no Estado de São Paulo, mas em todo o Brasil, e se fez de maneira muito acelerada, como se depreende dos números da Tabela 1 . A tabela indica também que esta urbanização se deu de forma diferen­ciada no espaço brasileiro, acontecendo primei­ramente na Região Sudeste, que compreen­de os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Além disso, ele mostra que a população brasileira passa a

DISTÂNCIA ENTRE A VILA DE SÂO ANO DE PAULO E AS DEMAIS VILAS E

REFERÊNCIA CIDADES DO ESTADO DESÂOPAULO

1532 1554 1561 1545 15n 1587

1611 63 1625 44 1636 1637 1645 134 1653 n 1655 63 1651 178 1657 106 1661 87

1705 151 1711

habitar mais na cidade a partir dos anos ses­senta no Sudeste e apenas nos anos oitenta é que as demais regiões do País apresentarão a mesma característica. O Censo de 1991 revela que 75,46% da população brasileira vivia em cidades. Tudo isto nos permite inferir que a economia brasileira se tenha tornado mais urbana depois dos anos sessenta e que nos anos setenta e oitenta esta característica tenha se acentuado e generalizado no País. Tal hipótese se confirma, como veremos no item seguinte.

TABELA 1

GRANDES REGIÕES

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

PORCENTAGEM DA POPULAÇÃO URBANA, SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES- BRASIL -1940/1991

POPULAÇÂO URBANA(%)

1940 1950 1960 1970 1980

28 31 38 45 23 26 34 42 39 47 57 73 28 29 37 44

21 24 35 48

FONTES- Retrato do Brasil, 1985, vol.3, p.218 e IBGE- Anuário Estatístico do Brasil, 1993.

1991

52 58 50 61 83 88 62 74 67 81

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FIGURA 1 EVOLUÇÃO DAS FERROVIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

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I

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Até 1870

1870 - 1900

---------- 1901 - 1920

.................. 1921 - 1950

Depots de 1950

,, I

' I

FONTE· F IBGE- Grande Região Sul, 1968- vol. IV, Tomo 11- Rio de Janeiro. Organizado pelos autores/1.995. Desenho: A. Rosalem/UNESP.

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No que respeita especificamente ao Estado de São Paulo, a Tabela 2 é indicativa do cres­cimento do número e das dimensões das ci­dades entre as décadas de 40 e 80.

TABELA2

NÚMERO DE CIDADES, SEGUNDO AS CATEGORIAS DIMENSIONAIS

SÃO PAULO ·1940/1980

CATEGORIAS DIMENSIONAIS

TOTAL

Até 5 000 habitantes

De 5 001 a 1 O 000 habitantes

De 1 O 001 a 20 000 habitantes

De 20 001 a 50 000 habitantes

De 50 001 a 100 000 habitantes

De 100 001 a 1 000 000 habitantes

Mais de 1 000 000 habitantes

CATEGORIAS DIMENSIONAIS

TOTAL

Até 5 000 habitantes

De 5 001 a 1 O 000 habitantes

De 1 O 001 a 20 000 habitantes

De 20 001 a 50 000 habitantes

De 50 001 a 1 00 000 habitantes

De 100 001 a 1 000 000 habitantes

Mais de 1 000 000 habitantes

NÚMERO DE CIDADES

1940

270 369 503

185 254 332

45 59 68

24 28 56

12 20 25

2 6 15

1 6

1

NÚMERO DE CIDADES

1970 1 1980

571 571

333 271

89 95

61 75

56 72

14 28

17 29

FONTE - Atlas da População do Estado de São Paulo, 1991.

São Paulo foi o berço da industrialização no Brasil e, paralelamente a este processo, se dá o de urbanização. Isto confere especificidade ao nosso espaço urbano. Por volta de 1860, quando os cafezais começaram a se expandir para o oeste do estado, a capital paulista tinha uma população de 27 900 pessoas, das quais 15 200 habitavam a zona rural; em 1886, quando se implantaram as primeiras indústrias, eram 4 7 697 pessoas das quais 8 700 residiam na zona rural. No caso do Estado de São Paulo, a cidade não precedeu a indústria, mas forjou-se junto com ela.

AS CARACTERÍSTICAS E O RITMO DO PROCESSO

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O processo de industrialização no Estado de São Paulo, ao longo de seus 114 anos, se materializou de diferentes formas e a ritmos di­versos. Diante disso, a seguir apresentaremos estas diferenças segundo cada um dos perío­dos de desenvolvimento do processo em tela.

Os Primeiros 50 Anos (1880 a 1930)

Ainda que não se possa falar em um pro­cesso de industrialização desde a implantação das primeiras indústrias, já que o setor indus­trial se achava sob a égide do capital mercantil e, espacialmente, os estabelecimentos se apresentavam concentrados em alguns pon­tos dos territórios paulista (SP) e fluminense (RJ), alguns dados estatísticos a Tabela 3 nos permitem ter uma idéia da dimensão inicial do fenômeno através do número de estabe­lecimentos, bem como do tipo de indústrias que foram implantadas em São Paulo.

TABELA3

ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS, SEGUNDO O PERÍODO DE FUNDAÇÃO

SÃO PAULO ·1850/1919

PERÍODO DE ESTABELECIMENTOS

FUNDAÇÃO

De 1850 a 1854 2

De 1855 a 1859

De 1860 a 1864 1

De 1865 a 1869 2

De 1870 a 1874 7

De 1875 a 1879 4

De 1880 a 1884 23

De 1885 a 1889 55

De 1890 a 1894 138

De 1895 a 1899 161

De 1900 a 1904 334

De 1905 a 1909 414

De 1910 a 1914 1 038

De1915a1919 1 867

Sem declaração 99

FONTE- A Cidade de São Paulo, vol.lll, 1958, p.35.

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Conforme se pode observar, é a partir da década de 1880 que se inicia o crescimento constante do número de estabelecimentos in­dustriais. Em 1912, era o Estado de São Paulo que tinha o maior número de estabelecimen­tos fabris que pagavam imposto de consumo; dos 9 475 estabelecimentos em atividade no Brasil, 3 321 se localizavam em São Paulo; 1 199 no Rio Grande do Sul; 732, em Minas Gerais; 642, no Distrito Federal;587, no Rio de Janeiro, e os demais distribuídos em outros estados (A Cidade de São Paulo, 1958, p. 31 ).

No que concerne aos tipos de indústrias em funcionamento, os censos apontam o seguinte:

TABELA4

NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS, SEGUNDO OS TIPOS DE INDÚSTRIAS- SÃO PAULO -1920/1950

NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

TIPOS DE INDÚSTRIAS (1)

1920 1950

TOTAL GERAL 13 336 49 418 89086

TOTAL 4145 14 225 24 519

Têxtil 247 998 1 522

Alimentação 1 267 4499 7 876

Metalúrgica e mecânica 142 773 1 150

Química e Farmacêutica 265 510 772

Materiais de transporte (2) ... 124 207

Vestuário e toucador (2) ... 1 122 1 586

Cerâmicas, vidros e cristais (2) ... 1 581 3 498

Construção civil 55 412 952

Papel e papelão (2) ... 93 188

Borracha (2) ... 33 54

Outras 271 4080 6 714

FONTE - A Cidade de São Paulo, 1958, pp. 34, 36 e 42. (1) Censos. (2) Dados que não podem ser comparados.

Apesar das dificuldades de comparação com alguns tipos de indústrias coletadas pelo Censo de 1920, podemos dizer que, em geral, os números atestam um crescimento muito

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rápido de todos os tipos de indústrias implan­tadas no decurso da primeira metade do Século XX. As indústrias têxteis e de alimen­tação são de longe as primeiras não só em número, mas também em valor da produção, o que, de certo modo, dá o perfil da nossa indústria até aquele momento.

Dos Anos 30 aos Anos 50

A partir da década de 30, a industrialização entra em nova fase, que se identifica pela for­mação de um mercado nacional. Além disso, concordamos com Cano (Atlas,1990, p.51), quando afirma que:

"O período de 1929-1933 (da crise e recu­peração) representa a passagem do centro dinâmico da economia do primário exportador - em que a exportação é variável determinante da renda e do emprego - para a industriali­zação - em que o investimento autônomo é que cumpre aquela função. Nas décadas de 30 e 40 a indústria nacional de bens de con­sumo não duráveis se consolida e ocorre con­siderável avanço na produção de insumos básicos. Cria-se ainda uma incipiente pro­dução de bens de capital.

A industrialização até 1955 era, porém, res­trita. Isso devido a sua incipiente base técnica e alta dependência da importação de bens de produção e, por conseguinte, das escassas di­visas ainda geradas pelo setor primário expor­tador. O avanço industrial precipitou pressões e condições para a implantação da indústria pesada, que se realizou entre 1956 e 1960, maiormente concentrada em São Paulo".

Esta transformação da economia brasileira, tendo a indústria como motor, torna-se nítida quando observamos os dados das Contas Na­cionais que fazem parte da Tabela 5.

Por outra parte, em 1950, os dados do censo indicavam que o setor alimentício havia contribuído com 22,8%, e o setor têxtil, com 21,4% do valor total da produção no Estado de São Paulo; portanto, quase a metade do valor produzido (44,2%) era proveniente dos bens de consumo não-duráveis. Apesar disso, já se podia identificar uma diversificação da indústria quanto aos seus setores para atender à de­manda crescente de bens de consumo e de infra-estrutura por parte das indústrias já im­plantadas.

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RBG 11

TABELAS

ESTRUTURA PERCENTUAL DA RENDA INTERNA, SEGUNDO OS SETORES ECONÔMICOS -193911978

ESTRUTURA DA RENDA INTERNA}%} SETORES

ECONÔMICOS 1939 1949 1959 1965 1970

I 1975 1978 (1} (1}

Agropecuária Indústria

Serviços

28,5

18,8

52,6

24,9

26,0

49,1

19,2

32,6

48,2

15,9

32,5

51,6

10,2

36,3

53,6

I

10,5

39,4

50,1

11,2

37,1

51,7

FONTES- 1939, Oliveira & Reischstul- 1977 e demais de indicadores sociais, IBGE, tabelas selecionadas- 1979, Apud Godenstein & Seabra - 1982.

(1) Dados estimados.

Destacamos ainda que espacialmente as indústrias se apresentavam concentradas na Região Metropolitana de São Paulo. Esta con­centração espacial foi o resultado de uma con­centração anterior da produção nesta porção do Território Nacional e, dado o fato de que a cidade de São Paulo (bem como a do Rio de Janeiro) já apresentava um certo grau de de­senvolvimento urbano, tornava-se mais van­tajosa a implantação de indústrias junto a ela.

A ação governamental foi decisiva ao fazer com que os cofres públicos arcassem com a implantação de indústrias básicas, como a siderúrgica e a de refino de petróleo, além de incentivar com subsídios as indústrias de ini­ciativa privada, garantindo as relações entre empregadores e empregados com uma legis­lação trabalhista que favoreceu a exploração da mão-de-obra. As medidas governamentais tomadas na década de 30 permitiram que hou­vesse ampliação e diversificação da estrutura industrial que fizeram com que o Brasil con­seguisse completar o processo de substi­tuição de produtos importados. Além disso,a política de industrialização, principalmente de­pois de 1945, favoreceu a entrada de capitais estrangeiros e a implantação de indústrias es­trangeiras, como é o caso do setor automo­bilístico que desempenhou importante papel no processo de industrialização, marcou o caráter do nosso crescimento econômico e contribuiu ainda mais para a concentração fi­nanceira e a territorial das indústrias no Sudeste do País. A partir dele há uma nova estruturação das cidades, o que significa dizer que se reestrutura uma nova rede urbana de­terminada pelo traçado da rede rodoviária.

O resultado foi que as indústrias localizadas no SE do País passaram a competir com as

das demais regiões e, dadas as vantagens comparativas elas acabaram vencendo a con­corrência e favorecendo a concentração cada vez maior de indústrias na região e, particular­mente, no Estado de São Paulo.

Os Anos 60 e 70 Estas duas décadas foram marcadas por

uma expansão da economia, orientada por uma política econômica, cuja sustentação foi garantida por militares que governaram o País entre 1964 e 1985. De acordo com Jaguaribe et ai. (1989, p. 54):

"Com propriedade pode-se qualificar o es­tilo de crescimento adotado como excludente e concentrador. Excludente, por deixar à mar­gem dos benefícios diretos do desenvolvi­mento largas parcelas da população, quando muito aproveitando-se dos sobejos do núcleo modernizante e permanecendo em situação de pobreza ou mesmo da mais estrita miséria. Concentrador, por apenas alguns aprovei­tarem, justamente aqueles que conseguiam se integrar ao setor moderno da economia".

Tal situação, contudo, veio responder a uma nova fase da economia capitalista mundial que, depois de terminada a Segunda Grande Guerra, passou por um novo surto de interna­cionalização. Santos (1987, p. 1 03), anali­sando o golpe militar de 1964, lembra que este foi, principalmente, uma resposta "aos impera­tivos da participação do Brasil no bloco atlân­tico da economia mundial" e acrescenta que a integração do País na Aliança Atllântica era in­dispensável para a evolução da mesma. A di­tadura militar veio impor o consenso na so­ciedade para poder organizar as condições gerais de produção em todo o Território Na-

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cional. Representando a burguesia financeira, comercial e industrial, o governo militar buscou resolver as divergências entre as dife­rentes frações do capital para a manutenção da taxa de lucro, e o fez através do rebaixa­mento no preço da força de trabalho e de grandes investimentos na produção pela criação estratégica de empresas estatais que deram sustentação ao funcionamento da economia.

Neste período, houve um reforço na con­centração das indústrias do Estado de São Paulo, ao menos até o início dos anos 70. Segundo Goldenstein e Seabra (1982, p. 35), "em 1970 o Sudeste detinha 80,3% do valor da transformação industrial do País e 70,1% do emprego, e São Paulo, 57,2% e 48,3%, res­pectivamente". Para estes autores, o Plano de Metas (1956-1960), que foi o marco da implan­tação do planejamento global no País e que estava direcionado para o desenvolvimento da indústria,

"teve como conseqüência a aceleração da concentração da atividade econômica, sobre­tudo em São Paulo.

Essa região (central), que recebeu de início todo o impacto da implantação industrial ca­racterística dessa nova fase, teria como resul­tado uma transformação quantitativa e quali­tativa de sua estrutura produtiva industrial. Essa estrutura passou a ser cada vez mais dominada por ramos ligados à produção de bens de consumo duráveis: indústria automo­bilística, eletrodomésticos, etc.; por bens de capital e bens intermediários: mecânica, ma­terial elétrico e eletrônica; química pesada, destacando-se a petroquímica; indústria na­val, esta última concentrada no Rio de Janeiro; expansão da siderurgia em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, constituindo-se neste último estado um complexo siderúrgico­mecânico".

Nestes 20 anos São Paulo amplia sobre­maneira o seu domínio do mercado nacional e, de certa forma, capitais ali acumulados acabaram migrando e reforçando os fluxos en­tre São Paulo e outros Estados da Federação, bem como entre São Paulo (a metrópole) e o interior do estado. A desconcentração da indústria se processa particularmente a partir dos anos 70, porém se tornou mais intensa e visível nos anos 80.

No tocante ao interior do estado, este vê a sua estrutura produtiva sofrer profunda ai-

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t~ração, o que em outras palavras significa d1zer que de produtor de bens não-duráveis passou a produtor de bens duráveis. Por outro lado, a Região Metropolitana de São Paulo, que em 1959 detinha 73,8% do valor de trans­formação industrial do estado e chegou a 7 4,3% em 1970, vê este percentual decrescer, já que o interior do estado eleva sua partici­pação para 35,4% em 1980 e para 40,0% em 1987. Os custos de aglomeração, aliados a problemas de ordem ambiental e deterioração das condições de vida provocados pela con­centração da indústria, levaram o governo do estado a se preocupar em implementar políti­cas de descentralização industrial (Negri, p.12). Neste sentido foram feitos estudos a partir do final da década de 60, que foram sendo ampliados e aprofundados em gover­nos subseqüentes. Se a característica do se­tor industrial do interior do estado foi a de ser complemento ao da metrópole, expandindo setores de bens não-duráveis (indústrias ali­mentícias e têxteis), isto ocorreu até a década de 60. Depois disso, ou seja, no decurso dos anos 70 as transformações foram no sentido da modernização do setor industrial, que con­taram com alguns fatores que Negri resume como segue:

"Com a implantação da indústria pesada, aquele grau de complementaridade foi apro­fundado: o desenvolvimento da agricultura exigiu modernização em segmentos agroin­dustriais e do setor de bens de produção ne­cessários àquela expansão.

A extraordinária expansão industrial dos anos 70 modifica a estrutura industrial do inte­rior, que passou a contar também com a pre­sença marcante da instalação de um grande número de indústrias de portes médio e grande, pertencentes ao segmento de maior complexidade industrial, como o metal­mecânica, petroquímico e eletrônica.

A presença do Estado nessa descentrali­zação (sic) foi marcante. De um lado os efeitos de estímulo e de encadeamento técnico gera­dos pela instalação de duas grandes refina­rias de petróleo, pela Petrobrás, em Paulínia e São José dos Campos; acrescenta-se ainda a consolidação do principal pólo petroquí­mico do País, em Cubatão, com presença da Petrobrás e também pela expansão da CC?SIPA ~o setor siderúrgico. Essa presença fot tambem crescente, em decorrência da política econômica do governo federal insti­tuindo o Proálcool em meados dos an~s 70,

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gerando grandes efeitos de encadeamento com a indústria de bens de capital, que se con­solidou próximo da maior concentração al­cooleíra de São Paulo - regiões de Ribeirão Preto e Campinas.

Ainda lembramos a implantação dos ramos de informática, microeletrônica e de telecomu­nicações na Região de Campinas, basica­mente por estatais federais e institutos de pes­quisa e, também, pela influência da pesquisa da UNICAMP. Por último, formou no Vale do Paraíba complexo aeronáutico para fins civis e militares e industriais de material bélico".

Além destes fatores e de grandes investi­mentos em rodovias e estradas vicinais, foram implementadas políticas municipais de incen­tivo à instalação de indústrias e à construção de Distritos Industriais, o que fez com que na década de 80 a participação do valor adi­cionado da indústria se distribuísse melhor entre a metrópole e o interior, 52,8% e 47,2%, respectivamente, no ano de 1985. O que ocor­reu no período em tela não foi a transferência (descentralização) de indústrias da metrópole para o interior, mas a procura do interior do estado para a instalação de novas indústrias (Pintaudi, 1989, p. 132).

Os Anos 80

Como já assinalamos, o processo brasileiro de industrialização dá-se de forma concen­trada na Região Sudeste do País, e dentro dessa área o Estado de São Paulo aparece como o mais rico da Federação. Aqui é preciso destacar o papel da metrópole de São Paulo, que é o pólo econômico mais importante e dinâmico do País. Todavia, assistimos desde o final dos anos 70 a uma tendência à descon­centração da indústria em São Paulo, que se consolida nos anos 80 através, principal­mente, do fenômeno de dispersão espacial da indústria para o interior do Estado de São Paulo a partir da metrópole paulista e do Estado de São Paulo para estados limítrofes. Isto porque se constatam, hoje, grandes trans­formações no processo produtivo em função do desenvolvimento de novas tecnologias que produzem, incessantemente, transformações na organização do trabalho e da produção, fato este que produz uma nova articulação espacial.

Nesse contexto, assiste-se em São Paulo ao mesmo fenômeno que presenciamos no mundo todo: antigas regiões industriais per-

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dem e/ou diminuem sua importância em detri­mento de outros lugares, criando uma nova distribuição dos estabelecimentos industriais porque o capital migra constantemente em busca de melhores condições de acumulação, o que se traduz na busca de novas vantagens locacionais.

Em 1980 a metrópole concentrava 55,4% de todos os estabelecimentos industriais do Estado de São Paulo; em 1990 esse número cai para 49,35.

A Região Metropolitana de São Paulo con­centrava em 1980 64,7% das indústrias do Estado de São Paulo. Esse número cai para 60% em 1987. Pela primeira vez na história do processo brasileiro de industrialização, a me­trópole cresce menos do que o interior do es­tado. Por outro lado, mesmo crescendo, esse ritmo vem diminuindo. O Estado de São Paulo produzia em 1970 , em relação ao Brasil , 58% do valor de transformação industrial contra 51,9% em 1985.

Na metrópole paulista assistimos à di­minuição do número de estabelecimentos in­dustriais que deixam o centro para localizar-se em áreas com apoio de infra-estrutura e ter­renos amplos e vazios a preços inferiores àqueles encontrados na metrópole (onde os mesmos rareiam). Estes também são atraídos pelos incentivos fiscais, mas se localizam próximos dos eixos de circulação que se dirigem à metrópole e ao porto.

No período 1980/1985, a metrópole teve um percentual de decréscimo de 5,35 % no que se refere aos estabelecimentos industriais (passando de 41 486 para 31 501 ), de 2,30% no que se refere ao número de pessoas ocu­padas (passando de 1 761 802 para 1 567 978 ) e uma diminuição no valor de transformação industrial, que diminuiu em 1 ,94% no período. Comparando-se a participação da metrópole no conjunto do Território Nacional, temos que em 1985 a metrópole abrigava 15,2% dos es­tabelecimentos industriais contra 18,3% em 1980; 28% dos operários ocupados na indústria contra 30,8% em 1980 e gerava 26,8% do valor de transformação industrial contra 33,1 %de 1980. Percebe-se, todavia, que o valor da transformação gerado na metrópole apresenta um ritmo de queda inferior aos de­mais indicadores, o que aponta para uma mudança do caráter do processo industrial.

A Região Metropolitana de São Paulo apre­senta uma sensível queda das indústrias de

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bens de consumo ( com aumento apenas na editorial e gráfica) , aumento da química, pro­dução de material plástico , mecânica e mate­rial de transporte (no período 1970/1990); são as indústrias mais modernas e, de forma geral, com alto conteúdo tecnológico. Muda o com­portamento dos gêneros industriais que se de­senvolvem com a indústria da informática.

A tendência da localização industrial é seguida pela inversão dos destinos das cor­rentes migratórias que antes de 1980, se dirigiam preferencialmente para a metrópole e agora se voltam para o interior do Estado de São Paulo em maior número do que para a capital. O ano de 1991 apresenta, por exem­plo, dados negativos de entrada de imigran­tes na metrópole ( o saldo migratório cai de 3 083 171 em 1980 para 586 664 em 1991 ), conseqüência do crescimento negativo do emprego. Enquanto a oferta de emprego cres­cia 9,8% em todo o estado entre os anos 1980-1988, o interior concentrou 14,2% do emprego e a região metropolitana, 7,4% (segundo dados do Ministério do Trabalho).

Assiste-se, assim, a uma nova tendência da redistribuição do emprego que pode ser vista através da direção que toma o movi­mento migratório. As taxas anuais de cres­cimento para a metrópole de São Paulo atestam essa tendência do deslocamento das correntes migratórias, pois, enquanto no período 60/70 a taxa era de 3,20%, aumen­tando para 3,49 na década de 70, caiu para 2,12% na década de 80.

Convém ter em mente o fato de que o Estado , através do governo de São Paulo, du­rante as décadas de 70 e 80 tomou medidas concretas, visando à desconcentração da atividade econômica na Região Metropolitana de São Paulo através de vários convênios. Com isso, interferiu de modo claro e objetivo no processo de reprodução de espaço paulista através da constituição de um sistema viário que acabou indicando o sentido da nova localização das atividades econômicas, princi­palmente no que diz respeito à indústria, pro­movendo a construção e o adensamento da rede urbana, injetando recursos nos pro­gramas sociais, distribuindo recursos para as prefeituras levarem a cabo seus próprios pro­gramas de desenvolvimento econômico. Desta forma, o estado acabou apontando áreas preferenciais e prioritárias para o recebi­mento de novos empreendimentos industriais por estarem no caminho dos principais eixos

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de penetração rodoviário para o interior e reti­rando incentivos fiscais da Região Metropoli­tana de São Paulo (principalmente da metrópole e das cidades que formam o ABC paulista- Santo André, São Bernardo e São Caetano), onde estão principalmente, as indústrias automobilísticas e de autopeças.

É preciso lembrar que é da metrópole que saem as principais estradas que marcam e direcionam a expansão da indústria rumo ao interior - pois a estrutura da malha viária é ra­dial, tendo o pólo na metrópole. A inte­riorização da indústria em São Paulo, como pode ser visto na Figura 2, mostra que os es­tabelecimentos industriais se expandem em direção ao oeste, acompanhando o traçado das vias Anhangüera e Washington Luis. Nessa área o emprego industrial apresentou um forte crescimento. Podemos citar, para efeito de ilustração, que no período 1985/1989 se constata um aumento de 30% do emprego in­dustrial em Rio Claro, 27,6% em Americana, 26,5% em Jaú, 24,2% em São José dos Cam­pos, 21 ,4% em São João da Boa Vista, 17% em Campinas 16,6% em Botucatu.

O fenômeno da desconcentração dos esta­belecimentos industriais, acompanhado pelo fluxo migratório, tem sido chamado de re­versão da polarização da metrópole, uma tendência que tem sido constatada no mundo, mas que, na realidade, no caso brasileiro tem que ser vista com reservas. Isto porque o que ocorre é o fato de que o setor produtivo da indústria pode se separar espacialmente da área urbana da metrópole sem que o poder de decisão migre com ele, o que nos leva a considerar que as articulações espaciais fun­damentadas na divisão espacial do trabalho transcendem os limites administrativos da aglomeração metropolitana, ampliando-se para outras regiões através da constituição de uma rede de comunicação e informação. No caso de São Paulo, configuram-se com odes­locamento dos estabelecimentos indus­triais, o que se convencionou chamar de macrometrópole ou "complexo metropolitano expandido" pois se cria ao longo de cerca de 150 a 200 km do centro metropolitano um complexo que forma o pólo direcional produ­tivo e de pesquisa/tecnologia mais destacado do conjunto do País - enquanto configuração espacial decorrente do processo de descen­tralização da atividade industrial da metrópole e da relocalização das atividades fora dos limites da região metropolitana (Figura 3).

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FIGURA2 O ESTADO DE SÃO PAULO: A EXPANSÃO DA INDÚSTRIA PARA O INTERIOR -1990

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----~~----------._----~------------------------~ FONTE· F. SEADE, 1990 Org.: Pelas Autoras- 1995.

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O ESTADO DE SÃO PAULO - 1990

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~ REGIÃO METROPOLITANA

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Desenvolvemos a tese segundo a qual o processo de desconcentração das indústrias a partir da metrópole não ocorreu concomi­tantemente ao de descentralização do capi­tal, do poder e das decisões. Mesmo porque em muitos casos os estabelecimentos in­dustriais migram em busca de menores cus­tos fixos em função do congestionamento da metrópole e dos altos custos da terra ur­bana, o que implica a mudança de setores de produção que ocupam maior área para a periferia da mancha urbana e/ou eixos de ex­pansão a partir da capital. .

O que significa que o processo de repro­dução espacial não se reduz às delimitações administrativas do espaço geográfico; tem este uma fluidez e uma articulação que não se explicam por limites convencionais, pois se re­alizam no plano do lugar que também não se define meramente como um ponto no mapa, mas ele se elucida também através de re­lações materiais e imateriais, o que impõe um cuidado na análise dos dados coletados com a preocupação do entendimento da espaciali­zação do fenômeno.

Os números demonstram que 77% das empresas que se instalaram no Estado de São Paulo o fizeram num raio de 50 km da capital, enquanto somente 9% se instala­ram a mais de 150 km . "As empresas que se instalam a grandes distâncias do centro metropolitano, como as que se instalam fora do Estado de São Paulo, o fazem mais em função de incentivos fiscais e creditícios, ou seja, são movidas mais por vantagens conjun­turais do que por razões locacionais ( ... ) as empresas continuam em sua maioria com vín­culos estreitos na Grande São Paulo, man­tendo seus centros decisórios e parte da pro­dução na região. O que se tem é um espraia­mento da produção, mantendo-se a polaridade da Grande São Paulo." (Emplasa, 1994, p. 40). Por outro lado, é na metrópole que estão as bases da gestão.

Azzoni (1986), em pesquisa realizada so­bre a instalação de novas unidades industriais produtivas no Estado de São Paulo no período 1977/1979, corrobora as idéias expostas. Os dados mostram que, longe de prenunciar uma independência do setor industrial com relação à atração exercida pela área central, a dinâmica industrial da região externa à área metropolitana paulista guarda uma estreitare­lação com a capital. Para o autor, a simples tendência numérica da localização industrial

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fora da metrópole não é suficiente para con­figurar a reversão da polarização, pois o que se vê é que há um espraiamento da produção na área periférica metropolitana.

Lencioni, em sua tese de doutorado , aponta que o processo de desconcentração industrial da indústria têxtil da metrópole se dá com a mudança dos setores de unidade de produção, permanecendo na metrópole os escritórios. Para a autora, o controle direto e centralizado do processo de valorização do capital se manifesta, confirmando a primazia da capital.

"Na capital a administração comercial, os contatos com outras empresas e com órgãos financeiros e políticos encontram condições de fluir mais facilmente devido à concentração das instituições governamentais, financeiras, empresariais e de pesquisa e, ainda, devido à concentração da rede de comunicações e serviços. Por isso é que no caso das empresas multinacionais e também das nacionais, vol­tadas para a exportação, em que a rede de vín­culos incorpora vários países, a administração superior da empresa tende a localizar-se na capital. Trata-se, neste caso, de um processo de centralização do capital que se vincula à dispersão espacial: de certa maneira amplia­se o espaço metropolitano, mas reitera-se a primazia"(1992, p.250).

Citamos o comportamento da indústria têx­til por ser bastante significativo do movimento de desconcentração, uma vez que a maioria dos estabelecimentos industriais do gênero se encontra no interior do Estado de São Paulo.

Não resta a menor dúvida de que a me­trópole está congestionada e superedificada, produzindo as deseconomias de aglomeração, mas está longe de perder seu significado polí­tico e o econômico, pois o processo industrial muda de caráter com o aumento das indústrias dinâmicas e de computadores, por exemplo, sem todavia deixar de ser um processo con­centrado no espaço.

Nesse sentido, em que pese o processo de desconcentração industrial, é preciso levar em conta que a indústria de transformação , na metrópole, se diversificou e se modernizou. Além do que esse processo aponta para uma nova divisão espacial do trabalho. Santos salienta o fato de que o processo de dispersão se dá dialeticamente àquele da concentração, e que a metrópole continua tendo um papel di-

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reter na dinâmica espacial brasileira devido à concentração, na metrópole, das atividades quaternárias.

" ... o grande centro de decisão, a grande fábrica de idéias que se transformam em infor­mações e mensagens, das quais uma parte considerável são ordens. É, aliás, pelo fato de haver conquistado a posição de capital indus­trial que São Paulo foi capaz de se tornar uma metrópole informacional, acumulando, em períodos consecutivos, um papel metropoli­tano crescente" (1994, p.40).

O processo de desconcentração das ativi­dades econômicas de São Paulo em direção, principalmente, para o interior, provocou uma mudança do caráter e da estrutura urbana da Região Metropolitana de São Paulo, que pas­sou a concentrar nacionalmente as atividades terciárias, diversificando-as e mudando suas características, sofisticando-as. No setor de serviços, os dados apontam para o seguinte comportamento: no período 1980-1985 os es­tabelecimentos voltados à prestação de serviços aumentaram na metrópole em 1 ,87%, enquanto o pessoal ocupado aumen­tou em 4, 73%.

É preciso também salientar que uma par­cela importante do sistema financeiro do País se concentra na metrópole, que funciona como um elemento poderoso de integração da economia regional às economias nacional e mundial. A metrópole concentra uma impor­tante fatia do setor financeiro, isto é, em 1991 a metrópole concentrava 71 ,4 % de todas as agências bancárias da região metropolitana, isto é, 1755 das 2300 agências. Ainda 71 sedes bancárias e instituições financeiras, 438 sedes de sociedade de crédito, 65% dos bancos com representação no Brasil, além das bolsas de Valores, de Mercadorias e Fu­turos, Cereais, sediadas na região. O setor fi­nanceiro avança na região, aumentando seu peso no PIB que passa de 7,4% em 1970 para 11,3% em 1980 e 17,5% em 1985.

O Comportamento Regional da Divisão Espacial do Trabalho

A relocalização da indústria em direção ao interior do Estado de São Paulo foi acompa-

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nhada de grandes modificações no que se re­fere aos tipos de gêneros industriais implan­tados, o que aproxima, qualitativamente, a estrutura industrial do interior da indústria metropolitana, ampliando a participação rela­tiva dos setores mais complexos da produção de bens intermediários, bens de capital e bens de consumo duráveis.

A relocalização espacial da indústria no Estado de São Paulo apresenta três eixos de crescimento, produzindo espacialmente uma hierarquia de lugares, cujo ponto de comando ainda é a metrópole paulista. Seguindo tendên­cias do processo industrial moderno, há uma concentração inquestionável de novas tec­nologias no espaço. O novo modelo de acu­mulação, baseado na utilização intensiva de tecnologia, em equipamentos de última ge­ração, possibilita a produção flexível apoiada amplamente no desenvolvimento científico que redefine as relações espaço/indústria, produ­zindo o que muitos autores denominam pó­los tecnológicos. Para Droulers, eles se de­finem como

"rede regional de competências científicas e técnicas que se colocam coletivamente ao serviço da indústria e que aparecem como forma privilegiada de implantação dos esta­belecimentos de pesquisa e de tecnologia avançada, devendo engendrar um efeito de in­tegração"(1989, p.4).

São cidades que congregam centros de pesquisa de ponta, indústrias inovadoras e formas superiores que ultrapassam a con­centração urbana, e seu mais importante fa­tor de desenvolvimento é a existência de re­cursos humanos. Essa tendência produz uma nova divisão espacial do trabalho e das atividades.

Constituem-se no Estado de São Paulo, a partir dos anos 70, pólos tecnológicos como o de Campinas (telecomunicações), São Carlos (física de ponta, técnicas de laser, ligas para aplicação eletrônica), São José dos Campos (aeronáutica) e Piracicaba, além, é claro, da metrópole paulista. Apóiam-se no triângulo fundamental de todos os tecnopólos: centros de pesquisa de ponta, indústrias inovadoras, formação superior. Convém assinalar que o desenvolvimento dos pólos tecnológicos se dá numa área próxima à metrópole (Figura 4).

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FIGURA4 LOCALIZAÇÕES DOS CENTROS DE PESQUISA E DA INDÚSTRIA DE PONTA DO SUDESTE DO BRASIL

BELO HORIZONTE

Ribeirão Preto

Juiz de Fora

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I FONTE - In: Droulers, M. Les nouvel/es techo/ogies et /eurs espaces ou Brésil.

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A região mais importante que aparece, hoje, no estado como aquela de maior dina­mismo, dobrando na última década o número de indústrias e abrigando, atual­mente, o terceiro parque industrial do País (depois das Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro), diz respeito ao núcleo de Campinas - que se estende a par­tir de Campinas (cidade com mais de um mi­lhão de habitantes), englobando Jundiaí, Limeira, Rio Claro, Araraquara. É o chamado "vale da tecnologia". Aí a indústria de grande porte está associada à capacitação tec­nológica , empresas com uso intensivo de tecnologia e alto grau de automação. Aí se concentram as indústrias de robótica, infor­mática, telemática. Convém destacar a lo­calização da IBM no Município de Sumaré.

O segundo eixo de crescimento se lo­caliza ao norte da região de Campinas, englobando a região de Ribeirão Preto, estendendo-se por Barretos, São João da Barra, São José do Rio Preto e Lins. Esta região está voltada para agroindústria de ex­portação, como o caso da laranja, café, carne, subprodutos da soja e cana.

A terceira região que se destaca nesse processo de desconcentração da atividade industrial é Sorocaba, a noroeste da metrópole, distante dela 87 km. De Soro­caba, estende-se uma área que engloba os Municípios de Botucatu, Avaré, Ourinhos e Assis, e está voltada à produção de bens in­termediários nos segmentos metalúrgico, siderúrgico, mecânico, papel, têxtil e ma­deira.

Apesar de estar passando por uma crise nesse início de década vale mencionar a região de São José dos Campos, a 97 km da capital, um pólo tecnológico que se res­sente da quebra das indústrias bélicas -Engesa e Avibras - onde o número de em­pregos na área metalúrgica decresceu de 52 375 para 37 498 em 1991, e a indústria instalada vem trabalhando com apenas 70% de sua capacidade, segundo dados do SEADE. Todavia, a região não diminuiu sua participação na geração de valor adicionado na indústria, conforme indicam os números da Tabela 6.

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TABELAS

DISTRIBUIÇÃO DO VALOR ADICIONADO TOTAL E DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS

SÃO PAULO -1970/1988

DISTRIBUIÇÃO DO SÃO PAULO E REGIÕES VALOR ADICIONADO(%)

ADMINISTRATIVAS

Total 1 00,0 1 00,0 1 00,0 1 00,0

Grande São Paulo 67,4 65,9 52,4 49,6

Interior 32,6 34,1 47,6 50,4

Campinas 10,2 11 '1 16,0 17,0

Ribeirão Preto 4,6 4,2 7,8 7,2

São José dos Campos 3,2 4,6 5,3 5,2

Sorocaba 2,8 2,7 4,9 5,0

Santos 3,4 4,5 3,9 4,5

Bauru 1,6 1,4 2,3 1,9

São José do Rio Preto 1,8 1,6 1,9 1,7

Marília 1,6 1,3 2,0 1,5

Araçatuba 1,4 1 '1 1,2 1,0

Presidente Prudente 1,8 1,4 1,4 1 ,O

Registro 0,2 0,2 0,2 0,3

Pendências judiciais 0,7 4,1

FONTE - Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, In: A Economia Paulista na Década de 80, Fundação SEADE, São Paulo, 1990.

A partir desta tabela, pode-se observar, em primeiro lugar, o grande aumento da partici­pação do interior do estado na geração de ri­queza (através da indústria), que passa de 32,6 % em 1970 para 50,4% em 1988, bem como o comportamento das regiões do interior em face do processo de desconcentração in­dustrial da metrópole. Ainda convém acres­centar a cidade de Santos, no litoral paulista (que se conurba com a metrópole).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto tentou mostrar de forma resumida a trajetória de um século de industrialização

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no Estado de São Paulo, um processo que se deu de forma rápida e que, se de um lado trouxe o desenvolvimento da região, de outro criou sérios problemas, pois não se pode esquecer que ele se iniciou já como pou­pador de mão-de-obra, porque imposto de fora para dentro. O processo de industriali­zação, por sua vez - como já apontamos -trouxe uma profunda transformação no espaço urbano, que a partir daí sofre as con­seqüências do processo industrial. Crescem as cidades e outras ganham expressão.

Para entender o processo de desconcen­tração da indústria da Região Metropolitana de São Paulo e as transformações espaciais ocorridas neste final de século, não basta o apelo para as novas formas que a acumulação capitalista assume, hoje, no mundo moderno: é fundamental pensar no papel do Estado, cuja presença é clara no processo de descon­centração industrial que ocorre hoje no Estado de São Paulo através das instituições con­sagradas à gestão que impõe uma racionali­dade ao espaço, direcionando a divisão espacial do trabalho, pois o espaço é en­tendido como o locus sobre o qual se estabele­cem as bases para o crescimento. Isto signi­fica que o processo de reprodução do capital se dá no espaço, criando uma solidariedade de lugares interligados, formando uma rede articulada de pontos.

Em 197 4, por exemplo, o 11 Plano de Desen­volvimento Econômico e Social do Governo Federal definia como prioridade de estratégia de desenvolvimento urbano a desconcen­tração de atividades econômicas do Sudeste do País com ênfase à desconcentração específica da Região Metropolitana de São Paulo. O governo estadual passou, por sua vez, a concretizar essa estratégia com várias políticas que visavam à interiorização das ativi­dades econômicas, principalmente através da relocalização da indústria. A política do go­verno de incentivo e subsídios à exportação de produtos manufaturados, a consolidação do programa PROÁLCOOL, por exemplo, di­namizaram a agroindústria do interior. Os pe­sados investimentos em infra-estrutura, o plano rodoviário que pavimentou 5 000 km de es­tradas direcionaram espacialmente a indústria.

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A instalação de vários centros de pesquisa é responsável pela instalação do setor ele­troeletrônico e de informática em Campi­nas. A política restritiva de ordem ambien­tal incentiva as indústrias a deixar a região metropolitana.

A diferenciação entre os lugares aparece como produto da espacialização e da divisão social do trabalho, em que as áreas participam de modo diferenciado da reprodução do sistema . Daí, o sentido da planificação, que muda sensivelmente os atributos do lugar, logo, das situações . As análises referentes às transformações espaciais devem levar em conta as novas tendências presentes no pro­cesso de reprodução social que tem levado a uma nova redistribuição das atividades e, com isso, mudando estruturas urbanas regionais e nacionais principalmente a partir da inter­venção do Estado. Todavia,

"o processo industrial é espacialmente con­centrado e descontínuo. A acumulação e are­produção ampliada pressupõem certo grau de complexidade e divisão do trabalho, a aglo­meração dos meios de trabalho, da matéria­prima, do trabalhador dos bancos, do comér­cio, das estradas. Entretanto, o urbano não é uma conseqüência mecânica desse pro­cesso; mais que a condição geral, é também modo de vida; representa valores culturais e produz um novo homem- com aspirações que se renovam e valores que se redefinem na re­lação com o outro" (Carlos, 1994, p. 132).

Convém pensar ainda que o

"capitalismo, ao realizar-se, se modifica. O estágio monopolista na escala nacional perdeu o sentido; as crises suscitam, de um lado, modalidades originais de controle e gestão que se realizam no plano do estado e, de outro, consolidam sua universalização" (Carlos, 1994, p.262).

Nesse sentido, é preciso levar em conta que os processos de transformação espacial que ocorrem hoje, no Estado de São Paulo, apon­tam tendências recentes que se dão no mundo moderno, pois os mecanismos espaciais re­pousam na justaposição entre o local, o re­gional e o nacional e, nesse sentido, o espaço inteiro torna-se o lugar da reprodução, que se realiza tendo como pano de fundo o mundial e a constituição da sociedade urbana.

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RESUMO

O texto faz um breve esboço do processo de industrialização no Estado de São Paulo, bem como sobre o ritmo de seu desenvolvimento e mudanças recentes. Tal processo nos leva a pen­sar na produção do espaço como condição de existência de nossa sociedade. É importante des­tacar que a industrialização no Estado de São Paulo não pode ser analisada separadamente, mas dentro do processo de industrialização no Brasil, dando um novo sentido para o espaço urbano. Procuramos abordar os diferentes momentos desse processo, dando um maior destaque aos anos 1980 e 1990. Nesse momento o fenômeno da expansão industrial - que era apenas uma tendência nos anos de 1970- se consolidou da metrópole para o interior e estados limítrofes, como resultado das mudanças no processo de produção e de políticas de planificação, que cri­aram leis de zoneamento industrial e conduziram o investimento com base em diferentes pos­turas.

ABSTRACT

On the text that follows we developed a brief draft on the industrialization process in the State of São Paulo as well as its developement rhythm and recent changes. Such a process leads us to think about the space production as existence condition of our society. lts important to point out that industrialization in the State of São Paulo may not be separately analysed but rather within the Brazilian industrialization process, giving a new sense to urban space. We tried to approach the steps of this process putting great enphasis to the 80' and 90'. At that time the phenomenon of industry spread - witch was just a trend in the 70' - have consolidated from the metropolis to the countryside and bordering states as a result of changes in the production process and of planning policies that create industrial zoning laws and conduct the investment based in severa! attitudes.

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OS AV ATARES DA TEORIA DA DIFUSÃO ESPACIAL: UMA REVISÃO TEÓRICA*

Carlos Alberto Franco da Silva**

INTRODUÇÃO

A difusão de processos sociais se constitui em importante área de interesse da Geografia e de outras ciências sociais. Apesar da relevância da distribuição espacial dos fenômenos em um dado momento do tempo e sobre uma área particular, torna-se impres­cindível resgatar os mecanismos que res­pondam pelas mudanças na distribuição desses fenômenos num determinado inter­valo de tempo. Daí a validade dos estudos tanto empíricos quanto teóricos relativos aos processos de difusão espacial de inovações.

A abordagem teórica a ser desenvolvida nesse trabalho apóia-se no axioma de que a compreensão de uma organização espacial fragmentada e articulada somente pode ser al­cançada através da análise dos processos que a envolve e a produz e sua interação com a totalidade social de dado momento. Uma outra premissa deduz que os processos propagadores ou retardadores do desen-

• Recebido para publicação em 08 de maio de 1995.

•• Professor Assistente da Universidade Federal Fluminense- UFF.

volvimento socioeconômico têm um visível efeito sobre o espaço. Isso porque a difusão de inovações, que é um processo espacial de interesse crucial para a análise das dispari­dades entre lugares e regiões, não está asso­ciada à simultaneidade e à instantaneidade.

O silogismo dessas premissas revela que os processos de difusão, especialmente os baseados na expansão das inovações1, não aparecem imediatamente sobre toda a super­fície terrestre. Algumas pessoas e alguns luga­res terão acesso imediato às inovações. Alguns ganham acesso mais tarde e outros nunca terão acesso a elas. São, portanto, essas característi­cas relacionadas à distribuição das inovações e a sua mudança no tempo e no espaço, isto é, sua dispersão de um local para outro, que repre­sentam fenômenos de difusão espacial.

Na área de pesquisa sobre difusão de ino­vações, o fenômeno mais desenvolvido focali­zou o processo pelo qual a adoção e as deman­das de uma inovação ocorrem. Até o final da década de 70 a perspectiva da adoção era si­nônimo de pesquisa de difusão de inovações.

1 De acordo com o Shoemaker e Rogers (1971 p. 39 ) "uma inovação e uma idéia. uma prática ou um objeto percebidos como novos pelo indivíduo que a adotou".

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 57(1 ): 25- 51, jan./mar; 1995.

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Na ciência geográfica a concentração dos estudos de difusão baseados na perspectiva da adoção foi guiada pelas considerações teórico-metodológicas desenvolvidas pelo geógrafo sueco Torsten Hagerstrand. A partir dos anos 70 novas proposições teóricas têm en­riquecido as análises de difusão de inovações ao incorporarem a perspectiva do mercado e infra­estrutura e; mais recentemente, a perspectiva do desenvolvimento que avalia os impactos da difusão de inovações sobre a estrutura econômico-social de uma área qualquer.

No âmbito da Geografia brasileira os es­tudos de difusão de inovações perderam prestígio a partir dos anos 80 com o advento da chamada Geografia Radical que se opunha a Geografia Teórico-Quantitativa, base sobre a qual se apoiavam os estudos sobre difusão espacial. Em função de uma postura crítica aparentemente marxista, os estudos de difusão espacial foram deixados de lado, tendo sido considerados ideológicos e de pouca substân­cia. Os aspectos selecionados para a análise da difusão estavam desligados de qualquer con­texto geral. Aparecem críticas de todos os lados, principalmente no tocante à ausência da dimen­são temporal na interpretação dos processos espaciais. Enfim, as análises empíricas e teóri­cas da difusão de inovações têm sido amiúde considerados anódinas.

Esse trabalho procurará se afastar das in­conveniências provenientes de uma postura sectária. Deixando de lado os recalcitrantes que insistem em não entender que a ciência é um conjunto de conhecimentos relativos a um determinado objeto, ressuscitaremos a obra de Hagerstrand e a evolução qualitativa dos estudos de difusão e incorporaremos alguns de seus elementos a análise da organização espacial sob a égide do materialismo histórico e dialético. Não pretendemos realizar um escrutínio sobre o tema em tela, mas eviden­ciar que ao eliminarmos as excrescências do sectarismo proposto pelos "marxistas radi­cais" é perfeitamente possível desconstruir as teorias da difusão sem precisar destruí-las ou abandoná-las totalmente, visto que uma variedade de fragmentos conceituais dessas teorias pode ser reconstruída a luz de uma postura científica mais holística e menos maniqueísta.

Em resumo, é a partir dessas conside­rações iniciais que se coloca o escopo

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específico desse trabalho: resgatar as princi­pais contribuições teórico-metodológicas que envolvem os estudos de difusão de inovações a partir da análise de alguns trabalhos jul­gados clássicos. A intenção é de evidenciar uma evolução qualitativa desses estudos nos últimos 40 anos sem a preocupação de criticar esse ou aquele autor. Mesmo porque Milton Santos (1979) já realizou essa contundente tarefa. Em seguida, verificar a possibilidade de inclusão dos tipos de difusão revelados por Hagerstrand (1952) e Brown (1968) nas cate­gorias do método geográfico propostas por Santos ( 1985) e, por fim, inserir as práticas espaciais que envolvem as tomadas de de­cisão identificadas por Corrêa (1992) para uma corporação. Na verdade, pretendemos contribuir com a elaboração de uma metodolo­gia de análise da difusão de inovações a partir dos esforços teóricos realizados por esses autores citados.

OS ESTUDOS DE DIFUSÃO ESPACIAL SOB O PRISMA

GEOGRÁFICO: HAGERSTRAND

O fenômeno da difusão de uma idéia, um produto, uma técnica, etc. por toda uma po­pulação ou região tem sido campo de inte­resse da Geografia devido às variações geográficas de distância, direção e à diferen­ciação espacial (Brown, 1981 ).

O enfoque geográfico mais tradicional re­lacionado à conceitualização dos processos de difusão é o cultural. O principal interesse estava na clarificação sobre origem de culturas, con­figuração espacial da área cultural e assim por diante. Gari Sauer ( 1952) é geralmente re­conhecido como representante central desse enfoque que tendia a estar alinhado aos interes­ses complementares da Antropologia.

Gari Sauer devotou muitos anos de sua vida ao seu estudo Agricultura! Origins and Dis­persais. Sauer utilizou evidências obtidas pelos arqueólogos e antropólogos para locali­zar os focos originais e identificar as varieda­des de plantas e animais domesticados, assim como as práticas agrícolas dispersas pelo mundo. Sua preocupação era verificar se a configuração espacial da área cultural era o

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resultado de um ou vários processos de di­fusão que ocorreriam separados e inde­pendentemente.

Os estudos dentro dessa perspectiva foram formulados no contexto de controvér­sias, considerando a relativa importância da difusão ou invenções simultâneas no desen­volvimento da paisagem cultural. Freqüente­mente, a investigação considerava um sim­ples fenômeno, que era visto como um traço cultural e, por outro lado, tendia a explicar a distribuição espacial em diferentes tempos ou sua freqüência de ocorrência em várias localizações num simples espaço de tempo. Dessas diferentes observações eram pro­postas formulações de origem, meio e rotas de dispersão dos traços culturais, idéias e técnicas na paisagem.

A contrapartida desses estudos e sua re­visão teórica surgiram com Torsten Hagers­trand cujo trabalho, no início dos anos 50, sig­nificou uma mudança de foco na direção dos processos subjacentes à difusão. Seu primeiro estudo, The Propagation of lnnovation Waves (1952), é uma evidente continuação da tradição da Geografia Cultural em função do uso de um enfoque indutivo e de seu interesse com padrões de difusão ao invés dos proces­sos de difusão. Contudo, em seu posteriores­tudo empírico realizado em 1953, lnnovation Diffusion as a Spatial Process. Hagerstrand mudou o enfoque teórico ao afirmar que "a or­dem espacial na adoção de inovações é freqüentemente tão marcante que se tem o de­sejo de tentar criar modelos que simulem o processo e venham eventualmente, a permitir que se façam algumas previsões" (1967, p. 7). Essa afirmação é indicativa da mudança de ênfase do autor, que parte da descrição e ge­neralização indutiva para uma abordagem de­dutiva, focalizando os processos generativos.

Esse estudo de Hagerstrand foi baseado na pesquisa de Sigfrifd Svensson ( 1942), que foi influenciado por Ratzel. Svensson observava a distribuição espacial da população como uma articulação entre distribuição social das características da paisagem e a distribuição social dos elementos culturais imateriais, tinha como orientação de seus estudos a seguinte questão: por que meios uma subseqüente adoção de inovação faz sua aparição em um povoado? Hagerstrand, através da leitura de Ratzel, redireciona a questão e introduz a idéia

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de que os elementos culturais se difundem espacialmente a partir dos seus centros de origem como "ondas num tanque com água". Desse modo, Hagerstrand procurou enfatizar os eventos subseqüentes às mudanças ocorri­das com a adoção. Para ele era imprescindível determinar como a adoção de uma inovação torna-se difundida a partir do momento que ela tenha entrado em um povoado. Mostrou forte interesse em evidenciar qualquer desen­volvimento regular relacionado ao ponto de origem do processo de difusão e se é comple­tamente possível detectar alguma ordem espacial no processo de difusão.

Nesse trabalho Hagerstrand apresentou três contribuições que desempenham um pa­pel decisivo no progresso desse temário de pesquisa. São elas, a saber: (a) uma concei­tualização do processo de difusão de ino­vação; (b) o desenvolvimento de uma técnica para a operacionalização dessa conceituali­zação; e (c) a identificação das regularidades empíricas na difusão (Brown, 1981 ). A seguir breves considerações serão feitas sobre cada uma dessas contribuições.

A Conceitualização do Processo de Difusão na Obra de Hagerstrand

O princípio básico da conceitualização da dispersão da inovação reflete o enfoque da in­formação. Este enfoque está tipicamente re­lacionado a uma linha de estudos comporta­mentais. Nessa perspectiva teórica, a adoção é o resultado de um processo de aprendizagem (persuasão) que envolve a aceitação de uma inovação a partir de uma informação que, por sua vez, condicionará padrões comportamen­tais e tomada de decisão.

Entretanto, o passo fundamental no exame do processo de difusão seria a identificação das características espaciais dos fluxos de in­formações e das resistências à adoção.

Mister faz-se ressaltar que Hagerstrand fo­caliza desde o início de sua obra a importância da análise geográfica no estudo de difusão de inovações ao afirmar que:

"O enfoque espacial ou corológico é apenas um entre vários, e não pode ser isolado dos ou­tros. Sua importância varia com a forma de dis­tribuição da população observada e com os

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meios de comunicação envolvidos. Na so­ciedade em que não há um tempo apreciável ou obstáculos de custos impedindo um in­divíduo entrar em contato com um outro, re­lações dentro do espaço social não podem ser modificadas pelas limitações do espaço geométrico"(1967, p. 6-7).

Em sua análise do processo de difusão espacial, Hagerstrand esclarece que a desti­nação de uma mensagem pessoal depende da rede de contato interpessoal dos transmis­sores ou de sua rede de comunicação social e que a configuração dessa rede é primaria­mente dependente da presença de várias bar­reiras sociais e físicas que impedem a trans­missão da informação. Particular atenção é dada às barreiras naturais e a distância que separam dois potenciais comunicantes.

Em conseqüência, os componentes de con­ceitualização podem ser divididos em dois grupos: um relacionado à dispersão da infor­mação de uma inovação e outro, relativo à de­sativação da resistência à adoção. Apesar de não desenvolver seu raciocínio sobre este último grupo, Hagerstrand observou na obra Quantitative Techniques for the Analysis of Spread of lnformation and Tecnology (1965, p. 279) que "a fim de ficarmos, mais pró­ximos das condições do mundo real, nós temos que estudar os efeitos dos diferentes padrões regionais de alta ou baixa resistência".

Ao examinar a difusão de rádios e auto­móveis entre lugares centrais Hagerstrand, na obra The Propagation of lnnovation Waves (1952, p. 13), refere-se às diferentes condições econômicas entre os lugares como respon­sáveis pelo atraso na adoção da inovação de uma área para outra. Em outro estudo em que discutia a resistência à difusão de um sistemá­tico controle da tuberculose bovina, Hagers­trand (1965, p. 277) sugeria que "aquela re­sistência ... deveria ser distribuída de acordo com o tamanho da fazenda que, aparente­mente, seria tomado como um indicador de re­cursos econômicos". Há, portanto, o reco­nhecimento de uma resistência econômica associada às práticas que dificultam a adoção e de uma resistência social resultante de valo­res que são inconsistentes com a adoção de inovações. Ao final, a conceitualização de Hagerstrand destaca que os níveis de re­sistência à adoção variam de um indivíduo para outro e que quanto maior a resistência

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maior a necessidade de informação para que a adoção possa ocorrer.

A dispersão da informação de uma ino­vação foi o fenômeno mais bem elaborado por Hagerstrand. Designa a comunicação inter­pessoal como a principal fonte de informação. Postula a existência de uma rede de comuni­cação social composta por indivíduos que atuam como receptores e transmissores de inovações. A conectividade da rede seria de­terminada por várias barreiras (terrestres ou sociais). Essa rede definiria o elemento operacional no modelo conceitual do autor. Qualquer padrão de dispersão seria o resul­tado das características dessa rede.

Em adição, Hagerstrand enfatiza a existên­cia de uma rede hierárquica de comunicação social operando em nível local, regional ou na­cional/internacional. em seu estudo intitulado A Monte Carlo Approach to Diffusion (1968, p. 371) o autor assegura que:

·~partir das experiências diárias, nós sabe­mos que os vínculos na rede de comunicação privada devem diferir em escala espacial entre diferentes grupos socioeconômicos. Como uma demonstração é inteiramente arbitrária, nós podemos considerar três grupos principais ope­rando em escalas local, regional e nacional/in­ternacional. Alguns indivíduos estão comple­tamente confinados à escala local, outros ope­ram na regional e local, e ainda outros, mais ou menos, operam em todas as três escalas".

Na verdade, Hagerstrand expõe o problema da difusão em diferentes escalas geográficas, em que uma hierarquia de redes de comunicação social é postulada. Uma rede pode ope-rar localmente e uma outra regional­mente. A primeira dessas redes pode ser rep­resentada pela difusão de uma inovação entre agricultores. A segunda pode ser exemplifi­cada pela rede de dispersão de uma inovação compreendida de pessoas localizadas em dif­erentes lugares centrais e comunicando-se entre si. Cabe lembrar que todas essas redes seriam caracterizadas por transmissores e re­ceptores da inovação e por barreiras que con­trolam o padrão de conexão entre indivíduos que participam dos fluxos de informação e adoção de inovações.

Em suma, a conceitualização de Hagers­trand propõe a transformação de uma popu­lação com baixa proporção de adotadores

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para uma com alto grau de receptores através da disseminacão da informação via contato in­terpessoal. Na forma espacial de referência, o principal mecanismo dessa transformação são as redes de comunicação social que são caracterizadas pelas influências e distorções refletidas no padrão espacial de difusão de inovações.

A Estrutura Metodológica de Hagerstrand

Considerando esses aspectos, Hagers­trand construiu três modelos de processo de difusão de variada complexidade. Para opera­cionalizar tais modelos utilizou a técnica de Simulação Monte Carla. Os modelos criados expressavam as possibilidades de a infor­mação chegar a um dado local. No terceiro modelo, que é o mais complexo e envolve os anteriores, somente comunicações interpes­soais são consideradas. A hipótese básica do autor para esse modelo e a seguinte:

"E razoável imaginar que uma pessoa torna-se mais e mais inclinada a aceitar uma inovação à medida que ela entra em contato com outras pessoas que já aceitaram a ino­vação"(1967, p. 264).

Em linhas gerais, os outros pressupostos do modelo são os seguintes (p.266):

a) "apenas uma pessoa da população ado­tou a inovação no começo do processo;

b) a adoção não ocorrerá enquanto a re­sistência não for superada através da re­

r cepção repetida de informações privadas de · pessoas que aceitaram previamente a ino­vação; e

c) a informação é sempre transmitida de­pois de um intervalo de tempo constante".

Nesse modelo o tempo e tratado em discre­tas unidades de igual intervalo e em cada uma o adotador envia a mensagem em determi­nado intervalo de tempo. A difusão da infor­mação dependerá da probabilidade de con­tato entre os transmissores e potenciais adotadores. Essa probabilidade se dá em função da distância entre eles, se nenhuma barreira física intervier. O grau de probabi­lidade da difusão de contatos ocorrerá em função da distância geográfica e será opera-

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cionalizado através do que Hagerstrand chamou de campo médio de informação -Mean lnformation Field (MIF). Richard L. Mor­ri!! e Forrest R. Pitts definem com mais clareza esse conceito de MIF na seguinte assertiva:

"De um ponto de vista da soma de muitos campos de informações individuais, peculiar como devem ser, produz-se o padrão médio de regularidade empírica, que é obtido a partir do estudo de um grande número de pessoas ... o campo médio de informação, pode ser de­finido pelos milhares de contatos que tendem a produzir um suave decréscimo de intensi­dade de contato partindo de sua origem" (1967, p. 412).

Depois de examinar as similaridades entre imigração e tráfego de telefone, com respeito à configuração gerada durante o decorrer do processo de difusão da informação, Hagers­trand concluiu que "na média, a densidade de contatos incluída em um campo de informação privada deve decrescer muito rapidamente com o aumento da distância" (1967, p.235).

De posse dessas considerações, Hagers­trand construiu seu modelo designado para simular a dispersão espacial da inovação atra­vés da operacionalização do MIF (Amadeo e Golledge, 1975).

O MIF é utilizado como uma planície isotrópica que possui uma regular distribuição da população e uma ideal superfície de trans­porte. Somente um indivíduo adota a inovação no centro da planície. Os outros indivíduos dessa planície, por sua vez, são considerados potenciais adotadores da inovação.

Inicialmente o tipo de comunicação mais comum e de boca em boca, ou seja, contatos face a face, mas podem aparecer outros como rádio, TV, etc.

Hagerstrand estabelece regras básicas para a difusão ocorrer nesse modelo de simu­lação. Primeiro, somente um indivíduo que adotou a inovação inicia o processo de trans­missão da mensagem. Segundo, fixa o tempo que leva o receptor da inovação para adotá-lo. Os intervalos de tempo são unidades discre­tas de igual duração. Em terceiro, o tempo en­tre as conversas são constantes. A última re­gra estipula como os que escutam a inovação são ajustados com os divulgadores da ino­vação. Para ser consistente com a informação coletada até agora, essa regra estabelece que

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a probabilidade da mensagem depende da distância geográfica entre divulgador e o ou­vinte da inovação.

Para começar a simulação, o MIF é cen­trado sobre um indivíduo que conhece a ino­vação e a adotou. Esse indivíduo está repre­sentado pelo x observado na Figura 1.a. De­pois disso, determina-se por qual célula o conhecedor da inovação irá destinar sua infor­mação. Essa seleção é realizada a partir de uma tábua de números aleatórios. A seqüên-

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cia é repetida a fim de determinar para quem o transmissor contará a mensagem no seu segundo contato. No final desse período, tere­mos três adotadores de inovação descritos pelos X's na Figura 1.b.

No segundo período, essa seqüência é rea­lizada outra vez. Toda a seqüência deve agora ser executada pelos três transmissores.

Depois dessa fase é possível que a difusão da inovação possa parecer algo como o obser­vado na Figura 1 .c.

FIGURA 1

X

Xz Xz-x, -x,

Xz

MODELO DESCRITIVO DE DIFUSÃO DE INFORMAÇÃO

x,-x, X,

Figura 1.a- Rede de contato centrada no campo médio de informação na posição inicial

Contatos

Figura 1.b - Contatos no tempo 1 feitos pelo transportador

i-" xl inicial no Transportador perfodode < - xl .... f- inicial tempo 1

~ x,

Xz Figura 1.c - Contatos no tempo 2

FONTE- Arnadeo e Golledge (1975).

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A simulação continua para futuros períodos de tempo da mesma maneira e, portanto, haverá mais e mais transportadores a serem considerados para cada intervalo de tempo.

Em resumo, o MIF constitui no modelo ope­racional de Hagerstrand que envolve uma dinâ­mica espacial a partir dos mecanismos em que os impulsos de difusão são transmitidos de um ponto de origem para um ponto de destinação. Se nós pensarmos sobre essas regras bási­cas do Modelo Operacional do autor, podemos verificar que elas representam uma considerá­vel simplificação da realidade. Todavia, Hagers­trand estava consciente dessas complicações.

No final de sua obra ele reconhece que um modelo de difusão de população é diferente da análise do mundo real. Deve ser adi­cionado o elemento aleatório que torna dife­rentes dois processos gerados pelo modelo. Além disso, a conceituação proposta por Hagerstrand incluía a existência de barrei­ras que regulam a expansão da inovação, já que a difusão não ocorre sobre uma super­fície homogênea. As barreiras podem ser físicas (lagos, florestas, relevo, etc.) ou so­ciais (língua, costumes, política, etc.). Gould (1969) classificou as barreiras segundo seus efeitos. De um lado, tem-se as barreiras de absorção representadas quando um im­pulso de onda é paralisado, tendendo a fluir ao redor de tais barreiras. De outro lado, al­gumas vezes a onda de difusão atinge uma barreira e salta para fora dela. Tais barreiras são chamadas de reflexoras já que redire­cionam o fluxo de inovaçao e podem trans­mitir a energia de um processo de dispersão na área local. Entretanto, tais barreiras são raras. O tipo mais comum é o das barreiras permeáveis que permitem a passagem de parte do fluxo de inovação, tornando mais lento o processo de difusão na área de atuação. Enfim, cabe acrescentar que es­sas barreiras são vistas por Hagerstrand como aleatoriamente distribuídas e com pouca importância no seu modelo de di­fusão, que tem como motor a divulgação da informação. Reconhecendo as possíveis in­consistências de seu modelo termina sua obra postulando que:

"Uma certa quantidade de contradições está na natureza das coisas. A fim de estar certo das deficiências inerentes ao modelo,

31

um teste no âmbito de uma população real deve ser repetido várias vezes"(1967, p. 285).

Regularidades Empíricas na Difusão Espacial Observadas por Hagerstrand

Depois de analisar as tentativas de Hagers­trand de formalizar a idéia da dispersão de um fenômeno no espaço através da técnica de simulação como método dominante da ilus­tração do processo de difusão, cabe agora reexaminar esse processo, destacando os tipos de difusão revelados pelo autor.

Inicialmente, antes de partir para a determi­nação dos tipos de difusão, Hagerstrand de­screve seis elementos essenciais na difusão espacial. O primeiro é a área em que o proc­esso ocorre. O segundo é o tempo, que pode ser contínuo ou não. O terceiro é o ítem que está sendo difundido. Esse último elemento, relaciona-se ao lugar de origem, a desti­nação e os caminhos pelos quais o item se difunde. Todos esses elementos re­lacionam-se ao padrão espacial do item que está sendo disperso.

Em sua obra The Propagation of lnnova­tion Waves ( 1952) Hagerstrand identificou três padrões associados com o processo de difusão.

A mais comumente regularidade observada com respeito à difusão no tempo é a que está representada por um gráfico que descreve o curso de difusão de um item, expressando o nível de adoção e sua sucessão no tempo na forma aproximada de S. (Figura 2.a).

Observe na Figura 2.b que há um nível de saturação em que a adoção de um item não mais ocorre. Esse nível representa a pro­porção máxima de adotadores.

A forma seguinte de desdobramento de pa­drões humanos sobre o espaço geográfico é o processo de difusão por hierarquia (Figura 3), no qual lugares centrais hierarquicamente su­periores tendem a ser beneficiados primeira­mente na Expansão de um fenômeno. Poste­riormente, a difusão atinge outros lugares mais abaixo na hierarquia. Para tanto, Hagers­trand (1952, p. 8) afirma que:

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Proporção Cumulativa da Adoção da População

Figura 2.a

FIGURA2

DIFUSÃO: TEMPO E ESTÁGIOS

Tempo

Proporção Cumulativa da Adoção da População

Figura 2.b

RBG

SATURAÇÃO

Tempo

Curva em s para difusão através do t~mpo Estágio de difusão

FIGURA3

DIFUSÃO HIERÁRQUICA

"A hierarquia urbana canaliza o curso da di­fusão. Em adição à influência de um centro vi­zinho sobre distritos próximos nós determi­namos os impulsos do lugar mais importante em direção a grandes distâncias"(1952, p. 8).

A terceira regularidade observada por Ha­gerstrand é a difusão por contágio (Figura 4)-

neighborhoodou contagion effect- que ocorre

quando um fenômeno social é transmitido ini­

cialmente no seu espaço imediato, e, posteri­

ormente, influenciada pelo efeito da fricção da

distância, atinge áreas mais distantes. Desse

modo:

FIGURA4

DIFUSÃO POR CONTÁGIO

FONTE · Hagerstrand, (1952).

oooo o o o o ooo

o o o , •• o

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·~ principal similaridade espacial acontece quando a probabilidade de nova adoção é alta na vizinhança do transmissor e decresce com o aumento da distância. Os últimos eventos parecem dependentes do primeiro adotador de acordo com o princípio pelo qual o termo efeito de vizinhança poderia ser adequado" (1965, p. 261-2).

Vale ressaltar o que pode ser considerado por Hagerstrand como regularidades da di­fusão de inovações. Se nós pusermos ao lado a única qualidade de diferentes indicadores, tais como sua taxa de crescimento e a dis­tribuição do grupo social, a difusão da ino­vação pode ser descrita em três fases.

O primeiro estágio se verifica quando os centros iniciais de difusão estão estabeleci­dos. A fase seguinte é a do estágio da difusão em que ocorre a disseminação radial da ino­vação fora da aglomeração inicial. Nessa fase a difusão por contágios ocorre em áreas próxi­mas do centro de difusão e, por último, em cen­tros secundários, isto, é, ocorre a difusão por hierarquia nos lugares de menor ordem. Na última fase, o estágio de difusão de inovações, via informações interpessoais, está conden­sado e a difusão eventualmente cessa. Nessa fase o padrão espacial é aleatório (Figura 2.b ).

Essa estrutura de tipos de difusão proposta e sua evolução no tempo e no espaço ilustra a complementaridade dos efeitos de hierarquia e de contágio e seus posicionamentos dentro do processo de difusão2.

A PESQUISA DE DIFUSÃO A PARTIR DE HAGERSTRAND:

NOVAS PROPOSIÇÕES

Em 1970, o modelo conceitual de difusão ainda era aquele de Hagerstrand. Desde en­tão tem havido uma transformação substan­tiva. O primeiro ensaio de modificação do modelo refere-se à difusão no contexto de uma estrutura de sistema geral. O principal representante desse movimento de revisão

33

teórica da obra de Hagerstrand tem sido Lawrence A. Brown.

Uma perspectiva de sistema geral é evi­dente em Brown (1968) na obra Diffusion Processes and location: a conceptual framework and bibliography. Nessa obra o autor observou que muitos diferentes fenômenos envolvendo movimentos podiam ser examinados dentro de uma estrutura de di­fusão. Os processos que controlam a dis­persão de diferentes fenômenos podem ser estruturalmente similares em vários aspectos. Essas estruturas congruentes foram denomi­nadas isomorfismo e consistem em seis ele­mentos básicos (1968, p. 6-8):

1) uma área ou meio ambiente;

2) uma dimensão temporal em intervalos sucessivos 1 , t + I ... ;

3) um item sendo difundido;

4) lugares em que o item se localizou no início de um intervalo de tempo;

5) lugares onde o item se localizou no fim de um intervalo de tempo; e

6) vias de movimentos, influência ou re­lacio-namento entre o lugar de origem da di­fusão e o lugar de sua destinação.

Observe-se a Figura 5. O quarto elemento da estrutura da difusão é representado como um gráfico de mudança iniciado no espaço geográfico num dado intervalo de tempo t. Isso é ilustrado na Figura 5.a pela Difusão por Re­locação. Nesse tipo de difusão grupos de pes­soas ou transportadores de inovação se dis­persam através do tempo e sobre o espaço e abandonam as áreas onde eles originalmente estavam localizados, fixando novas redes de localização no tempo t + 1. O outro tipo e a di­fusão por Expansão ou Contágio, processo no qual a informação, produtos,outros tipos de itens, dispersam de uma região para outra. Alguns membros são adicionados à popu­lação entre o tempo te o tempo t + 1 e se lo­calizam de modo a alterar o padrão locacional da população como um todo (Figura 5.b).

2 Brown (1981) evidencia que Hagerstrand não foi o primeiro cientista a identificar essas regularidades, mas introduziu esses conceitos na Geografia. Para a constituição da curva em S acredita-se a Ryan. B. e Gross, N C. (1943) the diffusion of hybrid seed corn In two lowa communitles,Rural Sociology, 8,15-24. Para a difusão por hierarquia acredita-se a Bowers. R. V. ( 1937) Dlfferentlal lntensy of in­tra social diffusion, American Sociological Revlew 3,21-31. Por fim, o efeito de contágio encontra-se inicialmente em McVoy, E. C. (1940) Patterns of diffusion in the United States, American Sociological Review. 5,219-27.

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®

®

® ®

Tempo t

FIGURAS5

TIPOS DE DIFUSÃO ESPACIAL

5a - Difusão do tipo relocação

l:J ®

1 )i) ®

Y.:~ • ·- -+®

Tempo t + 1

5b - Difusão do tipo expansão ou contágio

• • • L:J • • •

• • • ® ® 1/

® ~®

• • •

Tempo t Tempo t + 1

• • •

e - Indica uma localização potencial do fenômeno que se está difundindo.

® - Indica uma localização real do fenômeno no tempo indicado.

e __ __,~e - Indica que durante o tempo indicado um estímulo passou do nóduo na extrtemidade inicial da seta para o nódulo na extremidade final, e resultou na localização do fenômino no nóduo de destino.

e·----+ e - Indica que o estimulo representado em e _.,. verificou-se em um periódo anterior.

FONTE- Brown (1968).

RBG

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Esse esquema sugere que num pequeno conjunto de características de cada um dos seis elementos e da estrutura de difusão pro­posta por Brown uns poucos princípios gerais podem produzir uma satisfatória anális~ do processo de difusão tanto quanto outros trpos de movimentos no espaço geográfico; produ­zindo uma base para uma teoria geral da di­fusão espacial (Brown, 1968).

Cabe acrescentar que os processos de di­fusão aparecem, na maioria das vezes, combinados. A difusão por expansão ocorre de duas maneiras. De um lado, a expansão se dá através da difusão por Contágio sugerida por Hagerstrand e depende do contato direto. É fortemente influenciada pela distância, já que os indivíduos mais próximos da fonte de difusão tendem a ser primeiramente atingidos. De outro lado, a Expansão se verifica na forma de uma dis­persão por cascata, na qual uma trans­missão da inovação realiza-se através de uma seqüência regular de ordem, classe e hierarquia dos lugares. A difusão pode começar em qualquer nível hierárquico. Por fim, às vezes, a difusão por contágio e seguida simultaneamente por relocação. Ilustrando, é como se uma pedra batesse em vários pontos de um rio.

A difusão por Expansão pode ser su­mariada através da obra de Walter Rostow, The Stages of Economic Growth (1960). Nesse trabalho Rostow centra sua análise de um modelo de desenvolvimento a partir das inovações técnicas. Segundo o autor "o ímpeto da história moderna é um conjunto _de estágios de crescimento" (p. 1 ). Rostow aphca seu modelo de crescimento a determinados países com base em 5 estágios, a saber:

1) sociedade tradicional;

2) as pré-condições para o salto;

3) o salto (take-off);

4) o impulso para a maturidade; e

5) a era do alto consumo de massa.

35

Com base nas cinco fases do desenvolvi­mento propostas por Rostow, Gould, Morrill e Taaffe (1963) realizam o estudo.Transport Expansion in Underdeveloped Countries: a Comparative Analysis, onde avaliam os quatro estágios do crescimento urbano e de­senvolvimento de um país hipotético. A Figura 6 ilustra um modelo em 4 estágios do padrão espacial de desenvolvimento ideali­zado para um país insular: está fortemente baseado na obra de Gould, Morrill e Taaffe.

No estágio 1 há uma dispersão de pequenos portos comerciais na costa . Cada porto tem a sua pequena hinterlândia; porém a maioria dos povoados do interior permanece intocada pelo desenvolvimento que ocorre no litoral.

O estágio 2 representa a fase do take-off. A expansão do sistema de transporte articula a costa com alguns povoados do interior na busca de novas áreas de recursos naturais. Nessa fase um diferencial de crescimento dos centros costeiros já se faz presente.

O terceiro estágio é marcado pelo rápido desenvolvimento no sistema de transportes, na maioria das vezes envolvendo vários por­tos. Há também a emergência de importantes centros urbanos em direção ao interior. Po­rém, várias áreas setentrionais permanecem isoladas da parte meridional da ilha. Essa é a fase 4, a do impulso para a maturidade.

Por fim, no estágio 4, o desenvolvimento dos transportes continua a integrar toda a ilha. Surgem novos centros urbanos de im­portância, tornando a estrutura espacial mais complexa. Nessa fase, a economia da ilha caminha para um alto consumo de massa em nível nacional3.

Observa-se que nesse modelo em 4 está­gios a estrutura espacial do desen­volvimento econômico se dá em difusão por contágio, hierarquia e relocação. Por fim, fica evidente que o processo de difusão do desenvolvimento está em consentâneo com o aumento das disparidades regionais.

3 No BRASIL, Ribeiro. M A c e Almeida R. S. (1988) uttlizaram esse modelo para analisar a estrutura espacial do sistema de transporte brasileiro.

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36 RBG

FIGURAS

ESTRUTURA ESPACIAL DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Uma seqüência idealizada de estágios de desenvolvimento econômico de uma ilha hipotética

d

Estógio 1

d

c EstOgio 3

Áreas interioranas não incorporadas ao sistema urbano

Principais povoados do interior

FONTE- Haggett (1975) apudTaafte, Morrill e Gould (1963).

b

d

b

c

Estógio 2

b

EstOgio 4

Centros urbanos ocidentalizados. O tamanho é indi­cativo da população de cada estágio

Eixos de transportes

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Modificação e Extensão do Modelo Conceitual de Hagerstrand

Em função das inconsistências entre a re­alidade observada e o Modelo de Hager­strand, tem havido um certo esforço no sen­tido de superar as inconsistências, produ­zindo-se estudos que tratam do processo de difusão num contexto mais amplo. Um dos principais esforços nesse sentido surge em 1960 com François Perroux, que analisa as relações entre estado, empresa e território através da teoria dos pólos de crescimento. Segundo Perroux, o crescimento econômico não se faz de forma difusa por todo o espaço nacional, e sim, manifesta-se em certos pontos - os pólos de crescimento (1960, p.269). O desenvolvimento é visto como uma sucessão de desequilíbrios pro­vocados por tais pólos. Isso porque o desen­volvimento é, por outro lado, próprio de áreas privilegiadas, onde surgem as indústrias motrizes que propagam significa­tivos efeitos a montante e a jusante, benefi­ciando as regiões que as cercam, ou seja, as que são por elas polarizadas.

Esse tipo de desenvolvimento e próprio da difusão por hierarquia e as idéias sub­jacentes a esse tipo de difusão tem sido ex­tensivamente consideradas na economia, especialmente na análise dos pólos de cres­cimento. Na verdade, a teoria de Perroux associa dois tipos básicos de difusão espacial: por contágio e por hierarquia.

Friedman (1966), por outro lado, postula que o efeito da difusão por hierarquia a partir de um pólo de crescimento pode dar origem a uma estrutura centro-periferia. O argu­mento básico é de que o crescimento econômico é acompanhado por implicações espaciais dependentes de uma interação entre o core e a periferia. Um dos efeitos di­retos é a emergência de um sistema hierár­quico de cidades. Friedman conclui, por­tanto, que o desenvolvimento e sua trans­missão através daquele sistema está intimamente relacionado à emergência de uma interconectada hierarquia de cidades,

37

de algum modo análoga ao tipo desenvolvi­do por Christaller. O desenvolvimento de tal hierarquia de cidades é visto como meio de in­tegração da periferia com o centro.

Observe-se que o conceito de difusão do crescimento através do sistema centro-peri­feria está implícito nessa formulação de Friedman. De acordo com Amadeo e Golledge (1975, p. 285):

"Em outras palavras. na difusão dos im­pulsos de crescimento ou difusão de infor­mação num sistema de lugares centrais, há um padrão de dispersão diretamente domi­nado pelos grandes centros e os centros su­jeitos ao efeito de vizinhança no entorno da primeira área receptora da mensagem. De­pois a mensagem (ou crescimento) difunde para baixo no padrão hierárquico modificado pelo efeito de contágio".

No final dos anos 60, Brown (1968, p.37) dá um passo adiante no estudo da difusão espacial ao reconhecer algumas anomalias do Modelo de Hagerstrand. Usando uma hipotética situacão ele conclui que:

"Como resultado de circunstâncias... não consideradas pela corrente teoria da difusão espacial... uma compreensão da inovação deve ... considerar o comportamento da jor­nada de compra do potencial adotador. Além disso, deve também considerar as políticas de distribuição da propagação da inovação visto que é necessário conhecer o mercado utilizado pelo a dotador potencial ... "

Nos anos 70, a identificação de incon­sistências observadas no Modelo de Hager­strand conduziram a dois distintos eixos con­ceituais na pesquisa de difusão de inovação. Um deles é a perspectiva do mercado e in­fra-estrutura. O outro eixo é o da perspectiva do desenvolvimento (Brown, 1981 ).

O Enfoque do Mercado e Infra-estrutura

A perspectiva do mercado e infra-estru­tura surge a partir de uma fase de transição entre o enfoque da informação e o do mer-

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cado no processo de difusão. O trabalho de Pederson (1970) situa-se nessa interfase. Sua fundamental contribuição foi a introdução da diferença entre inovações empresariais e individuais4. Essa distinção tornou possível postular que os padrões de difusão podem ser analisados, na maioria das vezes, por deci­sões emp(esariais (Governo, negociante, etc.) em vez de interações interpessoais.

A partir dessas considerações surge uma nova linha conceitual desenvolvida por Brown ( 1975) no seu clássico artigo The Market and infrastructure Context of Adoption: a spatial perspective on the Diffusion of innovation. Ao contrário da perspectiva de adoção de Hagerstrand, Brown focalizará o acesso dos potenciais adotadores às inovações ou o meio pelo qual as inovações são diferentemente dis­tribuídas para várias categorias sociais, econômica e locacionais dos adotadores. Brown, desse modo, toma a posição de que a oportunidade para adotar uma inovação é, em muitos casos, desigual. Em conseqüên­cia, busca desvelar os processos e con­dições, que envolvem a adoção de ino­vações pelos indivíduos.

Na base dessa perspectiva está a con­vicção de que o comportamento individual está limitado pelas escolhas oferecidas pelo Estado e instituições privadas. Brown preo­cupa-se, portanto, com a dinâmica das insti­tuições ao invés das interações interpes­soais. Sua grande contribuição está em pôr a fase da adoção como um dos momentos do processo de difusão.

Em conseqüência, essa perspectiva con­ceitualiza a difusão como um processo que envolve três fases. A primeira fase é a do es­tabelecimento de agência da difusão propa­gada pelas entidades comerciais e governa­mentais. É através dessas agências que a inovação será difundida para a população. A segunda fase é a do estabelecimento da inovação, ou seja, estratégias implemen-

RBG

tadas por cada agência para induzir a adoção entre a população na sua área de in­fluência. A terceira fase é, finalmente, a adoção da inovação por parte dos indivíduos.

De acordo com Brown (1975, p. 185):

"O passo da adoção pode ser visto como o lado da demanda de difusão. Os passos no estabelecimento de agências e das ino­vações, por outro lado, são aspectos do pro­cesso de difusão que controlam a disponibili­dade da inovação para potenciais adota­dores e, amplamente falando, pode, desse modo, caracterizar-se como o lado da oferta de difusão. Como tal, eles desempenham um papel majoritário na formação dos pa­drões de difusão".

De um modo geral Brown conceitual­mente reconhece a difusão pela ótica da oferta e transfere a atenção para as agên­cias ao invés do adotador. As localizações dessas agências e a seqüência temporal de seus estabelecimentos determinam onde e quando a inovação estava disponível. Isso produz um esboço geral de padrão espacial de difusão a partir da dinâmica operacional de cada agência. Essa dinâmica, por sua vez, cria diferentes níveis de acesso à inova­ção em função das características econômi­cas, demográficas e locacionais dos poten­ciais adotadores.

O estabelecimento das agências de di­fusão e suas estratégias operacionais são aspectos do marketing da inovação. Esse modo de operar implica a criação da infra­estrutura pública e privada (transporte, ener­gia, comunicações, água, etc.). Essas infra­estruturas têm forte influência sobre o padrão espacial de difusão da inovação.

A grande contribuição desse trabalho de Brown foi tornar evidente que quem determina os padrões espaciais de difusão é aquele transmissor da inovação e indutor de sua adoção e não os potenciais adotadores. Em conseqüência, o padrão de difusão variará de acordo com os processos de localização das

4 De acordo com Pederson as inovações individuais são aquelas que se difundem entre indivíduos ou domicílios e podem, em tese, ser aceitas por toda a população (TV, geladeiras, fogões, automóveis, instalação de água em residências, etc.). As inovações empre­sariais têm reflexos sobre várias pessoas. Acontecem a partir da ação dos governos, negociantes, etc. Esses dois tipos estão articu­lados visto que a maior parte das inovações individuais surge a partir da inovação empresarial.

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agências de difusão seja no contexto mono­nuclear, seja polinuclear. Essas são as si­tuações diárias para a difusão ocorrer. No primeiro caso, a estrutura de propagação mononuclear consiste em uma única firma, ou um grupo delas agindo como uma só, que es­tabelece um arranjo espacial de agência de acordo com o processo de localização estipu­lado pelo propagador. A localização dessas agências variará em função de critérios, tais como lucratividade, mercado potencial, áreas privilegiadas, etc. O resultado dessa estratégia locacional do propagador resulta no padrão básico de difusão.

No segundo caso, representado pela estru­tura de propagação polinuclear, as agências estão localizadas aleatoriamente e são inde­pendentes uma das outras. Sua localização associa-se à iniciativa do seu fundador e propagador. Após a instalação das agências de difusão, inicia-se a fase de indução da adoção. Entre as estratégias destacam-se: o aparato logístico representado pelas infra­estruturas, política de preços, marketing, se­leção e divisão do mercado.

Enfim, cabe acrescentar que essa perspec­tiva é complementar à perspectiva da adoção de Hagerstrand. Ao enfatizar o processo de tomada de decisão esse enfoque tem con­tribuído para as pesquisas nessa área e aberto o caminho para novos eixos teóricos sobre o processo de difusão espacial.

Posteriormente, um outro estudo de Brown enfatizou os aspectos comportamentais na pesquisa de difusão de inovações. No artigo intitulado Empirical Regularities in The Dif­fusion of lnnovation, L. A. Brown e Kevin Cox (1971) ao examinarem as regularidades tem­porais e espaciais a partir da obra de Hager-strand afirmam que: ·

"As regularidades empíricas são uma possível conseqüência dos eventos compor­tamentais associados com a difusão de ino­vação e na futura pesquisa de difusão mais atenção deveria ser dada aos eventos com­portamentais e suas características"(p. 551 ).

Nesse trabalho os autores ressaltam a im­portância do enfoque comportamental na aná­lise e esclarecimentos de problemas relaciona­dos a fatores econômicos. Deixando-se guiar por essa assertiva Brown, juntamente com Malecki, realiza o estudo Comments on Landscape

39

evolution and Diffusion processem 1977. Nesse estudo a dupla analisa "The Case of Bank Credit Card Services".

Nessa pesquisa observou-se que o padrão espacial previsto pela estratégia do propaga­dor da inovação não se confirmou. A atuação do City National Bank- propagado r do serviço de cartão de crédito - não ocorria influente­mente. Havia a dificuldade de impor sua von­tade sobre os vários bancos contactados. Com efeito, vários bancos de grandes cidades rejeitaram a solicitação do City National Bank (CNB). Enfim, o padrão de difusão daquele serviço acabou exibindo um significante com­ponente aleatório (Figura 7).

O estudo indicou que a expectativa de regu­laridades empíricas no padrão de difusão, tais como os efeitos de contágio e hierarquia, população e distância, não constituem signifi­cativo nível de compreensão da difusão. As estratégias do City National Bank não previam a rejeição da inovação pelos bancos mais con­servadores e mais orientados para grandes transações comerciais e nem a solicitação in­dependente da inovação por parte de alguns bancos . Para os autores, torna-se necessário considerar a difusão sob uma estrutura de tomada de decisão descentralizada num modelo mais complexo de difusão. Uma variável relevante seria o mercado potencial para a inovação; uma outra seria a exposição à inovação.

O padrão resultante no estudo em tela foi aquele que refletia insuficientemente o mer­cado potencial. As variações comportamen­tais foram deixadas de lado. No entanto, foram elas que expressavam a atitude empresarial. São elas, a saber: inovatividade e agressivi­dade do empresariado. Há, porém, o problema de medir esses fatores para a implementação da difusão. Enfim, os autores verificaram que muitos dos atributos comuns como a distância do agente propagador em relação a sua ex­posição aos fluxos de informação e, con­seqüentemente, à adoção da inovação, não são adequados. É necessário, portanto, res­gatar uma parte considerável da variação no comportamento da adoção em termos es­paciais e temporais, isto é, verificar o processo de difusão de inovação não só pelos fatores econômicos e informacionais, mas também pelo lado do comportamento daqueles que tomam decisões.

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40

FIGURA7

A DIFUSÃO DO BANK CREDIT CARO SERVICES EM OHIO E WEST VIRGINIA

"' ~ w c

ffi ;:::!; •::l z

junho 1968

junho 1969

. . . . . ·. . . . . . ~ . ·.[;] ..

TEND~NCIA TEMPORAL DA DISPONIBILIDADE DO BANK CREDIT CARO EM OHIO E WEST VIRGINIA

FONTE- Brown e Maleck, 1977.

março 1969

fevereiro 1974

f:J. . .

. . . . . . .

. · .. : ~ . • •t=J • • • • • • • • • . .

·.

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

• Adotador

O Maior Centro Urbano

RBG

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A Perspectiva do Desenvolvimento

Em adição ao interesse com a atividade in­ventiva e na busca de uma melhor compreen­são dos processos de difusão, tem ocorrido uma coalescência com as abordagens ante­riores. Em conseqüência, um segundo eixo teórico de pesquisa diz respeito ao impacto da difusão da inovação sobre o desen­volvimento econômico e social de uma área qualquer. O reverso desse objeto de pes­quisa também é foco de interesse, isto é, analisar como a difusão é impactada pelos níveis de desenvolvimento dos lugares. Ape­sar de ser uma extensão teórica da perspec­tiva do mercado e infra-estrutura, a perspec­tiva de desenvolvimento ressalta o papel do acesso aos recursos e infra-estrutura pública na difusão da inovação, mas revela que os impactos desse processo apresentam­se diferencialmente no espaço. Em muitos ca­sos, a difusão espacial provoca aumento das disparidades sociais, econômicas e regionais no interior de uma nação.

Schumpeter (1988) foi um dos primeiros autores a se preocupar com a relação entre di­fusão de inovações e desenvolvimento eco­nômico em sua obra clássica, A Teoria de De­senvolvimento Econômico, publicada em 1926. Enquanto Kondratreff considerava as inovações meras conseqüências dos movi­mentos cíclicos de expansão e recessão do sistema de mercado capitalista, Schumpeter via nas inovações o mecanismo causal e expli­cativo da instabilidade do sistema. Nesse es­tudo o autor concentra sua atenção analítica sobre o conceito de ciclos de negócios de longa duração, em que cada um é dividido em quatro fases: "take-off", expansão, recessão e depressão. Essas fases são caracterizadas por uma onda de difusão de inovações tec­nológicas sucessivas que constituem o motor da dinâmica capitalista.

Na verdade, Schumpeter procurou mostrar que o desenvolvimento econômico não avança uniformemente, mas, por assim dizer, espas­modicamente. A razão disso deve-se exclusi­vamente "porque as combinações novas não são, como se poderia esperar. .. distribuídas uniformemente através do tempo ... , mas apare­cem, se é que o fazem, descontinuamente, em grupos ou bandos" (p. 148). Desse modo, a di-

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fusão de inovações pelos empresários induz periodicamente o surgimento de novos pro­dutos, induzindo novos métodos de organi­zação e administração da produção em um movimento contínuo de destruição criadora.

Estudos mais recentes têm postulado que o processo de difusão de inovações é consi­derado como impulsionador do desenvol­vimento nos locais em que surgem. Entretanto, se, por um lado, esse processo pode provocar em países subdesenvolvidos aumentos na pro­dução e na renda da população, por outro lado, dependendo do tipo de inovações, tem­se a ocorrência de desemprego nos setores econômicos atingidos por novas técnicas pou­padoras de mão-de obra.

Um dos principais representantes dessa linha de raciocínio e Lakshman E. Yapa (1976). De acordo com Yapa, "em certas situações, as ondas de difusão são, simultaneamente, on­das de subdesenvolvimento". É nesse contex­to que se insere a principal contribuição do autor no estudo de difusão da inovação: ores­gate do determinante social do desenvolvi­mento econômico como centro da sua análise. Ou seja, para ele os processos de difusão de inovações teriam concomitantemente um efeito negativo sobre parcela da população, denomi­nado de não-difusão. A raiz das desigualdades regionais estaria relacionada a presença do fenômeno da não-difusão.

Incorporando a base teórica anterior, Yapa coloca que a difusão de inovação far-se-á através dos três fatores associados: (a) o acesso individual à informação (Hagerstrand, 1967); (b) ao mercado e à infra-estrutura (Brown, 1975); e (c) os recursos favorecidos pelo Estado e demais instituições privadas a fim de induzir o desenvolvimento socioeconômico.

No âmbito de sua teoria, a não-difusão ma­nifesta-se a partir da distribuição desigual dos recursos fornecidos pelo Estado que variam espacialmente. Para que isso não ocorra é ne­cessário que o processo de adoção da difusão seja simultaneamente acompanhado pelos três fatores citados acima. Na verdade, Yapa rejeita a tese dualista do desenvolvimento e assume que o processo econômico mostra-se como uma simbiose de contrários, isto é, os setores modernos e tradicionais desenvolvem uma relação de mútua dependência no decor­rer do movimento histórico.

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Entretanto, Yapa sugere que a solução para evitar uma situação de causação circular iden­tificada por Myrdal está no uso de políticas que exibam e alterem aquelas relações de interde­pendência, caso se queira romper com o atraso econômico dos lugares e regiões tradi­cionalmente atrasados.

Em suma, Yapa centra sua atenção analítica sobre o terceiro fator do processo de difusão de inovações - a distribuição dos recursos - que tem variado social, econômica e espacialmente. Para ele as análises anterio­res deram pouca atenção às articulações en­tre a adoção da inovação e a distribuição de recursos. Daí a razão da não identificação do fenômeno da não-difusão na literatura precedente.

Pelo que vimos até o momento a difusão de inovação é um produto de decisões de in­divíduos, agências de difusão, corporações e assim por diante. Esse processo tem um pa­drão espacial que se manifesta em escalas geográficas: local, regional, nacional ou inter­nacional. Segundo Semple e Brown (1976), da perspectiva do geógrafo, a escala, no âmbito da pesquisa de difusão, assume duas dimen­sões: uma funcional que reflete decisões tomadas por diferentes agregados de in­divíduos, e outra espacial que manifesta aquelas decisões dentro de um contexto so­cioespacial (p. 8). Nossa atenção se volta ago­ra para esse ponto, isto é, resgatar o conceito de escala e relacioná-lo à difusão espacial de inovações sob a ótica de Semple e Brown e das considerações de Gould (1969).

O Problema da Escala Geográfica na Pesquisa de Difusão de Inovações

De um modo geral as pesquisas de difusão espacial de inovações referem-se às escalas micro, meso e macro, contudo, a aplicação dessa abordagem tem resultado algumas in­consistências no q'Ue diz respeito às escalas funcional e espacial. Gould (1969, p. 25-68), por exemplo, discute os recentes estudos de difusão numa perspectiva espacial em que es­calas de análise variam do indivíduo ou da mi­cro-escala até a escala nacional/internacional. No seu estudo, a escala micro é exemplificada

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pela difusão das melhorias das pastagens subsidiadas e o controle diário do gado na Suécia. De acordo com Gould, "à medida que nos destacamos e examinamos os processos de difusão numa escala maior, os efeitos em escala micro tendem a ser borrados ou suavi­zados" (p. 41 ). Essa mudança de escala des­loca-nos para os níveis regional, nacional e internacional como, por exemplo, a análise das inovações da agricultura doméstica, a ro­dovia, difusão do rádio, bancos e assim por di­ante (p. 55-68).

Brown (1975, Semple e Brown, 1976), ao contrário de Gould, tem dado ênfase aos me­canismos geradores de difusão. Dois tipos de decisão são observados: um relativo ao esta­belecimento das agências de difusão e outro que consiste nas estratégias utilizadas pelas agências a fim de concretizar a adoção da ino­vação. O primeiro tipo relaciona-se aos es­tudos de difusão através do sistema urbano e da nação. O segundo tipo associa-se a ocor­rência de difusão no interior da hinterlândia de um centro urbano. Para Brown, as nações de escalas macro, meso, micro estão subjacen­tes a sua análise. Examina, por exemplo, a es­cala micro como processo diretamente asso­ciado as decisões individuais de adoção. De outro lado, a difusão da TV a cabo em Ohio através da hierarquia dos lugares centrais é um caso de difusão em macroescala (Brown, et. ai., 1974).

A diferença básica entre Gould e Brown está na forma particular de analisar as escalas geográficas. O primeiro enfatiza o aspecto espacial enquanto o outro, o aspecto fun­cional. Todavia, a correlação entre as escalas funcionais e espaciais não é tão simples como parece. Semple e Brown ( 1976, p. 9) obser­varam que o processo de estabelecimento de agências e as estratégias de adoção podem ocorrer numa simples hinterlândia urbana, en­tre cidades nacionais e entre nações.

O estudo de Gould ilustra a importância de distinguir as escalas funcional e espacial no processo de difusão. Gould retrata "no nível micro no plano mais inferior, as idéias e inovações podem se expandir através de uma rede de comunicação social articu­la/ando os indivíduos entre si" (p. 25). Adi­ante, acrescenta que há muitos processos operando em nível micro "difuso de um in­divíduo a outro". Desse modo, a difusão de

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tratores entre os fazendeiros japoneses e americanos e a difusão do milho híbrido a partir de lowa e sua dispersão no Corn Belt são designados fenômenos de microescala porque envolvem decisões individuais. Por outro lado, a expansão do número de agên­cias de um banco e apresentada como fenômeno de macroescala com forte compo­nente hierárquico e/ou de contágio, já que muitos bancos procuram se localizar nas principais cidades e, dependendo da--estru­tura econômica, pode ocorrer a abertura de várias agências na cidade (p.58). Entretanto, todas essas três adoções (tratores, bancos e milho híbrido) podem se difundir por toda a nação e envolver decisões individuais.

Brown ( 1975) esclarece que apesar de o padrão de difusão espacial por contágio estar associado à escala micro, o mesmo padrão pode ocorrer nas escalas mesa e macro. No entanto, nessas últimas escalas têm sido freqüentemente associadas às es­tratégias de marketing propostas pelo pro­pagador central da inovação, constituindo-se em um processo diferente daquele baseado somente nas decisões individuais.

Esses exemplos ressaltam que a análise combinada do processo de difusão nas es­calas funcional e espacial permite detectar tais inconsistências. Por isso Semple e Brown (1976) propõem uma separação en­tre padrões e processos de difusão a fim de se avaliar como vários padrões espaciais -contágio, hierárquico e aleatório - inter-rela­cionam-se em ambas escalas funcional e es­pacial. A única lacuna desse esquema ana­lítico de Brown e Semple foi não considerar a dimensão temporal.

Nossa atenção se volta agora para a ten­tativa de Semple e Brown criar em uma estrutura alternativa para a investigação dos cones de resolução no estudo de difusão, a partir das perspectivas funcional e espacial.

No tocante à perspectiva funcional, os autores argúem que as situações de difusão de inovações podem ser divididas em duas categorias de acordo com a existência ou não de um propagador da inovação. As difusões apoiadas pelo propagador são tipificadas por

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produtos comerciais e serviços tais como o cartão de crédito proposto pelos bancos.

A função do propagador, que normal­mente é uma instituição privada ou estatal, é estabelecer as agências e determinar as es­tratégias de indução da inovação sobre os potenciais adotadores. Esses subprocessos relevam uma estrutura de oferta - procura mediada pela localização de agências. Uma vez estabelecidas, essas agências tornam­se supridoras de inovações, estimulando e respondendo pela demanda do indivíduo na sua área de atuação.

No caso da inovação não apoiada pelo propagador, e sim por traços culturais, não há o estabelecimento de agências de uma dada empresa. Em vez disso, o adotador de ino­vações de boca em boca ou através de um outro processo de comunicação, atua como uma agência de difusão. Desse modo, o ado­tador primário fornece a inovação para poten­ciais adotadores com apropriada capacidade de demanda e proximidade. No Brasil, um bom exemplo seria a disseminação da cólera no Nordeste nos últimos anos.

Como já observado, a perspectiva espa­cial envolve uma manifestação no espaço geográfico do processo funcional de difusão de inovação. Possui dois componentes que atuam simultaneamente: padrão e escala espaciais. Já é sabido que a forma ou padrão espacial é decorrente da difusão por hierar­quia, contágio ou aleatoriamente. Esses pa­drões podem ser encontrados em combina­ção e como resultados da fricção da distância e do tamanho das cidades, como assinala Hagerstrand (1967).

Por outro lado, esses padrões de difusão podem se revelar em qualquer escala espacial - local, regional ou nacional. Para ilustrar esse fenômeno, Hagerstrand propõe um esquema que representa a difusão ocorrendo através de uma hierarquia de rede de comunicações social (Figura 8). Observe-se que os níveis nacional, regional e local estão em diacronia e cada um deles realiza uma difusão por contágio. A relação entre as escalas opera através de uma difusão por hierarquia.

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FIGURAS

ESQUEMA DESCRITIVO DA DIFUSÃO VISTO EM DIFERENTES ESCALAS ESPACIAIS

NACIONAL

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FONTE- Hagerstrand (1967).

Nesse esquema, Hagerstrand nos dá a pista de como a inovação se move no tempo em diversas escalas espaciais e quais as suas implicações na perspectiva funcional. Cada mudança de escala implica uma tomada de decisão e alteração na estrutura organi­zacional do propagador da inovação.

A conclusão a que chegam Semple e Brown sobre esse assunto aponta para a im­portância de separarmos os vários tipos de cones de resolução no estudo de difusão, seja na perspectiva funcional, seja na per­spectiva espacial.

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• LOCAL

Depois dessa revisão sobre a teoria de di­fusão da inovação, nossa atenção agora se volta para suas reais potencialidades no con­texto do materialismo histórico e dialético.

A TEORIA DE DIFUSÃO SOB A ÓTICA MARXISTA

O marxismo considera a realidade social através do método dialético e na sua interpre­tação parte das condições de vida material da

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sociedade. Nesse contexto, o resgate da for­mação socioeconômica torna-se o meio mais adequado à analise do espaço e da so­ciedade, por expressar a totalidade espacial como um conjunto de fenômenos organi­camente articulados e interdependentes, con­dicionando-se reciprocamente. A totalidade social sendo uma abstração, sua concretude se manifesta na fragmentação e articulação do espaço.

Essa totalidade deve ser, ademais, anali­sada no seu estado contínuo de transfor­mação, renovação e desenvolvimento em que mudanças quantitativas graduais evidenciam mudanças qualitativas. Por outro lado, essa unidade do todo e o contínuo processo de mudança operam por meio de contradições ou mediante negação de alguma coisa. A negação é o ponto de transformações das coisas em seu contrário. No entanto, a negação, posteriormente, também é negada. Por isso, diz-se que a mudança dialética im­plica a negação da negação a partir da inter­penetração dos opostos. Em conseqüência, essa dupla negação resultará num resta­belecimento da afirmação de uma nova coisa, que suprime e contém, ao mesmo tempo, pro­priedades primitivas. Em resumo, a mudança dialética tem como ponto de partida a tese, que é negada pela antítese, que é, por sua vez, negada, obtendo-se, momentaneamente, uma síntese. Destarte, a análise do desen­volvimento dialético da sociedade e do espaço prossegue através de negações, que determi­nam a evolução necessária e essencialmente progressiva da realidade socioespacial. É a partir dessas considerações que buscaremos dar um novo invólucro teórico ao estudo da di­fusão de inovações.

Existe acordo geral na Geografia consi­derada crítica de se introduzir a dimensão tem­poral no estudo da organização do espaço. Daí a importância dos estudos sobre difusão de inovações que envolve necessariamente a dimensão tempo.

A difusão espacial das inovações impõe in­fluências opostas sobre o espaço preexis­tente, que cede parcialmente ao novo. Isso porque as inovações aparecem no seio da velha estrutura espacial e não depois do seu desaparecimento. Desse modo a difusão de inovações impõe a coexistência e super­posição de formas espaciais de períodos dite-

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rentes e contraditórios, um passado e um fu­turo, em que alguns elementos do espaço desaparecem enquanto outros se desen­volvem. A evolução do espaço tem, portanto, a difusão de inovações como um dos processos de geografização de um conjunto de objetos e fenômenos sociais de diferentes eras. Daí a noção de espaço ser parte constituinte da e constituída pela idéia de tempo. Cada fenômeno socioespacial difundido tem seu tempo específico dentro de uma totalidade que se apresenta como um mosaico de eras. Nesse sentido, tornam-se imprescindíveis periodi­zações específicas para esses fenômenos que geram uma diferencialidade espaço-temporal.

A difusão de inovações constitui também fenômeno que submete o espaço à constan­tes variações quantitativas em função das ne­cessidades do modelo de acumulação de um dado momento.

Isso implica uma mudança qualitativa das condições da vida material da sociedade. Destarte, um novo arranjo espacial se impõe, já que a forma e o conteúdo do espaço se al­teram, modificando a totalidade social e sendo modificado por ela num movimento de re­lações generalizadas, porém diferencial­mente localizadas. Isso porque, a difusão de inovações técnicas e do capital não se faz igualmente em todos os lugares. Resulta daí uma especificidade espaço-temporal de cada lugar que interage com a totalidade social.

Desse modo, o conceito de disparidade espacial que consiste na diferença entre os lugares pode ser avaliado a partir da difusão de inovações que acompanha as mudanças dos processos espaciais propagadores de uma entropia associada às sinergias man­tenedoras da sustentabilidade do modelo de acumulação vigente. A organização espacial "desordenada" e combinada existe dessa forma, exatamente para dar continuidade às transformações qualitativas e atribuir novas funções às formas atingidas pela evolução técnica e sua (re)combinação às formas do passado que resistem às metamorfoses do espaço. Neste contexto, destaca-se a ação de determinados atores sociais através dos pro­cessos de difusão de inovações que origina novas formas, movimento e conteúdo de na­tureza social sobre o espaço, organizando-o. Mediando a organização espacial e a ação desses atores, aparecem os processos

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espaciais. De acordo com Corrêa ( 1988, p.33) esses processos "constituem um conjunto de forças postas em ação por determinados atores que atuam ao longo do tempo, originando locali­zações, relocalizações e permanência de ativi­dade e do homem sobre o espaço".

Dois desses processos estão relacionados com a difusão de inovações: concentração e dispersão. Cada um corresponde à antítese do outro.

Os fatores da dispersão podem ser re­lacionados com a difusão de novas técnicas, informações, modelo de consumo, abertura de agência de bancos multilocalizados e as­sim por diante. Todavia, apesar de todo o pro­cesso de Globalização da economia capita­lista e de compressão do espaço pelo tempo, as ondas de inovações tendem a se concen­trar em determinados lugares dotados de lo­calização privilegiada. A instantaneidade da propagação de certas modernizações ainda é uma veleidade. Na verdade, a organização do espaço é constantemente impactada pelo equi­líbrio instável entre os processos de concen­tração e difusão num dado contexto histórico. Daí a razão do desenvolvimento desigual e combinado da totalidade socioespacial.

É de acordo geral que os processos de di­fusão de inovações são caracterizados por cada momento histórico, já que os fatores im­pulsionadores são particulares a cada fase da difusão. Hoje em dia, em função do desen­volvimento no sistema de transporte e comu­nicações, a difusão por contágio não e impera­tiva. Disso conclui-se que o espaço preexis­tente condiciona e reflete os impactos da ação dos agentes propagadores de inovações, já que a possibilidade de uma difusão imediata em vários lugares torna-se exeqüível, porém sem onipresença devido à seletividade es­pacial daqueles agentes.

Na organização espacial hodierna tanto a cidade quanto o campo têm se tornado ex­pressão de modernidade. A difusão imediata de inovações na forma de novas forças produ­tivas implica um rearranjo constante do es­paço precedente. Ou seja, um duplo processo de reconstrução e desconstrução de espaços antigos e sua reconstituição em espaços adre­des. Essa desconstrução, ao contrário do que parece significar à primeira vista, envolve se­letividade, decisão e movimento de reorgani-

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zação de fragmentos do espaço, já que essa ação é precisamente delimitada e influenciada pela totalidade social expressa no modo de acumulação capitalista. Percebe-se, então, que o determinante da diferenciação entre os lugares no contexto da globalização eco­nômica e financeira e a capacidade de eles ab­sorverem as ondas de difusão de inovações e métodos de produção científica necessários à acumulação. Por isso, de acordo com Santos (1985}, os espaços selecionados e privile­giados por essas ondas precisam cada vez mais serem preparados de maneira particular para responder aos novos reclamos da divisão internacional do trabalho, em que todos os lu­gares dela participam em função do seu con­teúdo informacional e de seu papel para cada tipo de produção social. Em suma, a difusão de inovações constitui-se em condição e re­flexo da reprodução capitalista, sendo o espaço fragmentado e articulado expressão material desse processo.

Cabe ainda acrescentar que a questão do par analítico lugar e localização é fundamental no processo de difusão de inovações, mas é insuficiente. É necessário também pensar na tomada de decisão e nas estratégias que le­vam o propagador de inovações a difundi-la numa área qualquer. Nesse caso, percebe-se, portanto, que o lugar torna-se determinante e determinado pelas práticas espaciais que en­volvem o processo de difusão.

A única coisa constante na história do Homem é a mudança. Logo, o espaço en­quanto produto social deve ser analisado em permanente mutação. Isso significa que ao es­tudar o espaço devemos ter em mente que ele é uma realidade constituída e constitutiva da evolução da sociedade. Destarte, apesar de a análise do processo de difusão de inovações, enquanto objetivação geográfica do estudo da organização espacial, ter apresentado várias facetas que permitem uma avaliação desse fenômeno de modo multivariado, acreditamos que sua compreensão permite um salto quali­tativo quando apreendido através das noções de forma, função, estrutura e processo suge­ridas por Milton Santos (1985) para o resgate da produção do espaço e de sua dimensão temporal.

No âmbito do processo de difusão de ino­vações num dado contexto espacial, a forma seria o aspecto visível do objeto que está

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sendo difundido. Nesse caso, não podemos incluir a difusão de idéias ou outros fenômenos imateriais que não tenham concretude no espaço. A função sugere a atividade esperada da forma. Juntas, estas noções referem-se ao arranjo espacial dos fenômenos. Disso, re­sulta a estrutura que implica a disposição e or­dem das partes de um todo a partir da ação de um propagador de inovações num determi­nado contexto social. A estrutura representa a natureza social e econômica da sociedade em que se insere o propagador de inovações em um dado momento do tempo. Dependendo da sociedade em um dado período, a estrutura, ou o modo de organização da inovação, atribuirá um valor específico à forma. Desse modo, só podemos avaliar o valor de uso e de troca da forma (inovação difundida) quando relacionado a estrutura social inerente ao período de ação do propagador, já que o movimento da totalidade social influencia e é influenciado pela ação dos agentes da so­ciedade. Isso pode implicar novas estratégias do propagador, exigindo novas funções às for­mas criadas ou simplesmente sua substi­tuição por outras com conteúdo diferente. Vê­se, portanto, que a estrutura é proteiforme e geradora de sínteses, a partir de uma dia­cronia qualitativa e quantitativamente diferen­te para cada elemento que a compõe. Em con­seqüência dessa ação contínua entre pas­sado e presente e as estratégias para o futuro, somos levados à análise dos processos que se desenvolvem em direção a um resultado programado do fenômeno da difusão e à com­preensão evolutiva da organização espacial.

A essas categorias podemos associar as regularidades empíricas observadas por Ha­gerstrand no processo de difusão de ino­vações a partir das relações interpessoais. Deixando de lado sua concepção teórica e me­todológica, podemos resgatar os conceitos de difusão por contágio e por hierarquia e a di­fusão por relocação evidenciada por Brown e introduzi-los na orientação metodológica pro­posta por Santos.

Considerando que Santos define processo como "uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer" (p.50), consideramos que essa categoria pode ser associada aos tipos de difusão de inovações revelados por Hagerstrand e Brown.

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Os processos de difusão de inovações e seu movimento dialético podem se realizar por contágio, hierarquia e relocação e ocorrerem dentro de uma estrutura social e econômica em marcha que orienta a ação do propagado r em vários lugares e regiões, dando novas fun­ções as formas (inovações) espaciais criadas.

Vejamos um exemplo. Sob a égide do capi­talismo financeiro, o sistema bancário no Brasil tem passado, a partir de 1986, por fortes transformações em função da introdução de inovações oferecidas pela informática e comu­nicações. A velha forma espacial dos bancos de alcance nacional adquiriu função e con­teúdo novos. Os bancos que incorporaram es­sas inovações passaram a propagá-las as suas redes de agências. Surgiram os Bancos 24 Horas, Postos de Atendimento bancários no interior de grandes empresas e, por outro lado, as agências bancárias foram informati­zadas a fim de possibilitar maiores lucros e barateamento do custo da força de trabalho. Ao adquirir uma compressão do espaço pelo tempo, o banco que se informatizou primeiro iniciou, por força da competitividade intercapi­talista, um processo de difusão de inovações por contágio no setor de agências bancárias dos outros bancos e possibilitou a abertura de Bancos 24 Horas segundo a hierarquia urbana e/ou contágio. As novas funções e formas re­sultantes desses processos inserem-se den­tro de uma estrutura socioeconômica, que passa por uma globalização financeira que, no caso em tela, tem implicado uma reestru­turação espacial desse setor no País.

Apesar desse exemplo constituir uma sín­tese de um processo mais amplo, sua ilus­tração busca evidenciar a importância de não abandonarmos por completo uma base teórica anterior apenas por questões ideológi­cas. Tanto Hagerstrand quanto Milton Santos buscam alternativas próprias de compreen­são da organização do espaço pela so­ciedade. Todavia, nenhuma das propostas oferecidas pelos autores dá conta da reali­dade, que é muito mais complexa do que qualquer método de análise. A reelaboração e incorporação dos tipos de difusão reveladas por Hagerstrand reforça a análise desse es­tudo à luz das categorias analíticas de Santos. Nesse sentido, há uma complementaridade salutar entre essas duas propostas. Em con­seqüência, ao percebermos isso, damos mais um passo para a compreensão do fenômeno da difusão de inovações.

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No tocante aos processos de difusão por contágio, hierarquia e relocação, cabe acres­centar que essa tipologia envolve várias práti­cas espaciais referentes à tomada de decisão e estratégias que levam um propapador de inovações a difundi-la numa área qualquer. Disso resulta a importância do estudo de Cor­rêa (1992) ao identificar categorias básicas de estratégia locacional para uma grande corpo­ração. As práticas indicadas pelo autor podem ser inseridas no estudo de difusão espacial de uma inovação na forma de agências de um conglomerado financeiro.

Vejamos um exemplo. A difusão de agên­cias (formas) de um grupo financeiro com a função de drenar poupanças e reservas monetárias dispersas pela economia, dentro de uma estrutura socioeconômica capitalista, pode resultar de processos contínuos e/ou simultâneos de difusão por contágio, hierar­quia ou relocação. A decisão de se iniciar a propagação das agências pode envolver, porém, as cinco práticas espaciais identifi­cadas por Corrêa. De um lado, a seletividade espacial ou seja, a escolha que o grupo faz de um determinado lugar, de acordo com atribu­tos locacionais julgados de interesse da em­presa. A fragmentação espacial que traduz a busca de uma multi localização da corporação e a divisão do espaço de acordo com a sua atuação. O remembramento espacial opõe-se à fragmentação e consiste num reagru­pamento de unidades territoriais que com­põem o mosaico de um conglomerado fi­nanceiro. Marginalização espacial que envolve as constantes relocalizações das agências do banco, em função da exclusão de um lugar em sua rede pelo fato de ele ter perdido seus atrativos locacionais. Essa prática é sempre antecedida por uma seletividade espacial. Por último, a antecipação espacial que indica a lo­calização de agências em um dado lugar antes que condições favoráveis tenham sido satis­feitas, isto é, significa reserva de território.

Portanto é conveniente frisar que as es­tratégias e práticas locacionais apresentadas por Corrêa e os tipos de difusão espacial iden­tificados por Hagerstrand são complemen­tares às categorias analíticas propostas por Santos. Todos esses esforços teóricos quando considerados em conjunto contribuem para tornar mais claro um fenômeno social intelec­tualmente complexo, que é o processo de di­fusão espacial de inovações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo em tela procurou tornar inteligível a importância de se reaproveitar e revalorizar, sob novos ângulos, os esforços tanto teórico quanto empíricos deixados por autores não engajados numa linha materialista histórico­dialética. Um macarthismo às avessas ig­norou a contribuição histórica desses autores sobre o estudo de difusão de inovações, dei­xando um vácuo superior a uma década no lançamento de novos trabalhos na Geografia brasileira. Esse fato despertou nossa atenção para uma tomada de consciência e a necessi­dade de retrabalhar conceitos da teoria difu­sionista.

Se mais uma vez tomarmos como exemplo a proposta de conceituação de Hagerstrand, vimos que ele identificou barreiras que im­pediriam ou dificultariam a difusão de ino­vações entre propagador e o adotador poten­cial. Conforme observou o autor, essas barreiras podem ser físicas ou sociais. Hager­strand reconhece ainda uma resistência econômica e outra social que dificultam a adoção. Disso resulta que podemos associar essas considerações, após eliminarmos suas excrescências, ao conceito de rugosidade de Santos (1986). As marcas do passado acumu­ladas na organização espacial implicam, em certas ocasiões, barreiras ao processo de di­fusão. As barreiras físicas identificadas por Hagerstrand podem ser reconsideradas como formas espaciais herdadas do passado e que resistem às inovações. Essas rugosidades acabam condicionando o cotidiano e o futuro da sociedade. Quanto às barreiras sociais e à resistência econômica as inovações, pode­mos tomar o axioma de Santos de que "a práxis, ingrediente fundamental da transfor­mação da natureza humana, é um dado sacio­econômico, mas é também tributária das im­posições espaciais" (1986, p. 137). O processo de difusão de inovações que chega para substituir algo ou se inserir num lugar, en­contra nesse mesmo lugar de sua determi­nação espacial, formas preexistentes (bar­reiras), às quais as inovações (novas formas) devem adaptar-se para poder determinar-se. O espaço e a mescla de formas que o carac­teriza está a cada momento mais ou menos in-

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tenso aos fluxos de inovações. Desse modo, apesar de suas debilidades, a teoria difusio­nista pode servir de base a novas formulações e à renovação de teorias espaciais. A questão e separar o joio do trigo e melhorar sua quali­dade, de acordo com a estrutura econômico­social do momento e da postura teórico-me­todólogica do pesquisador comprometido com a compreensão dos fenômenos sociais.

Um outro caso interessante de como aspec­tos básicos da teoria difusionista podem ser reorientados para nortear áreas de interesses da geografia é a utilização do termo difusão de inovações no estudo da modernização agrícola.

A difusão de novas técnicas de produção no campo brasileiro, a partir dos anos sessenta, implicou novas formas e funções da agricul­tura. O arranjo espacial inserido numa estru­tura econômico-social que privilegia a consoli­dação do complexo agroindustrial apresenta rugosidades ou barreiras que funcionam como forças de atrito a modernização. Essas rugosi­dades são constituídas pela organização espacial camponesa. Os processos de di­fusão de inovações no campo se verificam por hierarquia, contágio e/ou relocação tendo em vista as várias tomadas de decisão. Há ainda uma relação entre os fatores de dispersão de inovações no campo, fluxos migratórios e a macrocefalia resultante da concentração de população nas cidades.

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Enfim, não obstante a inconsistência da teoria da difusão, não há assaz argumento que possa diminuir sua importância e contribui­ção à evolução dos estudos nessa área de conhecimento. Acreditamos que são pertinen­tes as críticas de Santos (1979) e sua sugestão de que essa teoria "poderia tornar­se um instrumento útil se se pudesse trabalhar sistematicamente em diferentes níveis espa­ciais e com sistemas temporais nos quais o tempo estudado tosse o tempo concreto ob­jetivo" (p. 51). Todavia, precisamos ultrapas­sar os limites da crítica e desconstruir concei­tos a partir das metamorfoses ocorridas nas realidades particulares de cada lugar e região e suas interações com a totalidade social. Desconstruindo o paradigma da teoria da di­fusão sob a ótica quantitativista e reconstru­indo-o à luz do materialismo histórico-dialético, elimina-se a postura atroz de desprezar tudo que não tenha correspondência com um cien­tismo marxista semelhantemente ideológico ao paradigma citado, visto que vários autores acabam por desenvolver o pensamento teó­rico sobre os seus próprios princípios abstra­tos, mas que, na realidade, são expressão de fatos e conceitos teóricos insuficientemente trabalhados no passado e que, às vezes, não são levados em conta como um dos determi­nantes daquele pensamento.

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RESUMO

O presente artigo tem por objetivo resgatar as principais contribuições teórico-metodólogicas que envolvem os estudos de difusão de inovações a partir da análise de alguns trabalhos considera­dos clássicos. Esse resgate procura evidenciar uma evolução qualitativa dessa temática e, por fim a possibilidade de inclusão nas categorias do método geográfico propostas por Milton San­tos (1985) e nas práticas espaciais que envolvem os processos de tomada de decisão identifi­cadas por Corrêa (1992) para uma grande corporação.

ABSTRACT

The present article has as aim to rescue the main contributions -theoretical methodological -lnvolving the studies of diffusion of innovations as from the study of some works considered classics. This rescue tries to put into evidence a qualitativa evolution of this theme as well as the possibility of including the types of spacial diffusion shown by Hagestrand in the categorias of geographic methods presented by Milton Santos (1985) and in the spaciai e practices involving the processes of decision making identified by Corrêa (1992) for a big corporation.

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ESPAÇO SAGRADO: O EXEMPLO DE PORTO DAS CAIXAS, BAIXADA FLUMINENSE*

Zeny Rosendahl**

Este estudo aborda as relações entre geografia e religião. Aparentemente são dois temas que não apresentam ligações. No en­tanto, como se verá, geografia e religião são duas práticas sociais. Ambas se encontram através da dimensão espacial, uma porque analisa o espaço, a outra porque, como fenômeno cultural, ocorre espacialmente.

A preocupação com a experiência re­ligiosa de indivíduos e grupos sociais repre­senta tópico central de várias ciências dedi­cadas ao estudo do homem. Esta preocu­pação aparece, por exemplo, na psicologia da religião, tanto na abordagem freudiana como na junguiana. Aparece também n? so­ciologia através do pensamento de Emile Durkheim e Max Weber. Na antropologia, através das teorias de Evans-Pritchard e James Frazer. Mas como definir o estudo geográfico da religião? Em que ele se dife­rencia daqueles que a Sociologia e a Antro­pologia, por exemplo, realizam?

O presente estudo constitui uma tentativa de resposta a essas perguntas. Inicia-se com uma breve análise relativa à produção geográfica sobre religião e os possíveis

• Recebido para publicação em 30 de novembro de 1994.

caminhos de se fazer geografia da religião no Brasil. A seguir considera-se a idéia de sagrado e sua manifestação no espaço. Ên­fase será dada ao sagrado no contexto geográfico através da apropriação dos ele­mentos do espaço e dos modos sociais de produção do espaço sagrado. Em continui­dade apresenta-se um conjunto de temas que indicam várias possibilidades de tratamento geográfico da religião. E, por fim, seleciona-se um desses temas para um estudo de caso, visando a contribuir para a compreensão do fato religioso visto geograficamente.

A RELATIVA NEGLIGÊNCIA DO TEMA RELIGIÃO PELOS

GEÓGRAFOS

A geografia não deve tratar da experiên­cia religiosa pessoal, que é, para alguns, o núcleo da religião. Mas, ao definir religião como "um sistema de fé e de culto ( ... ) um grupo de crenças sagradas institucionali­zadas, observâncias e práticas" (Sopher,

•• Professora do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 57 (1 ):53 - 72, jan./mar. 1995.

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1967) é possível estudá-la como sistema re­ligioso organizado. O núcleo da religião ou o conteúdo teológico e filosófico da mesma constitui tema de interpretação dos teólogos, uma vez que, sozinho, este conteúdo não fornece base adequada para a análise geográfica porque em si é a-espacial.

Visando a clarificar a compreensão sobre a relativa negligência da geografia em face da temática da religião, pode-se delimitar as transformações do pensamento religioso na geografia em três períodos: o primeiro abrange a geografia pré-científica e vai até o início do Século XX; o segundo período tem início após a 1 ª Guerra Mundial e persiste até o final da década de 60; o terceiro período, por sua vez, tem início nos anos 70, estendendo-se até nossos dias.

O primeiro período tem suas origens na An­tigüidade Clássica. Os geógrafos têm voltado às raízes da Grécia Antiga para ilustrar que a relação entre religião e geografia não foi in­ventada recentemente e que ambas, de fato, tiveram uma relação especial desde a Antigüi­dade, conforme aponta Lily Kong (1990).

Os interesses que uniam a geografia e a cosmologia representavam mais uma expli­cação religiosa do que científica. Surgem, nesse estágio inicial, as explicações teológi­cas para a ciência natural, sobretudo na geografia. Nos Séculos XVI e XVII, con­soante a expansão européia, a geografia re­ligiosa estava focalizada no mapeamento do avanço espacial do cristianismo no mundo, num trabalho impulsionado, primordial­mente, pelo desejo de disseminar a fé cristã.

Em reação ao papel historicamente influ­ente da religião na história européia e a uma historiografia que atribui à religião um papel exagerado na história mundial, os pensadores europeus esclarecidos dos Séculos XVIII e XIX, influenciados pelo pensamento ilumi­nista, procuraram enfatizar o efeito do ambi­ente natural sobre as formas da experiência religiosa e a cultura em geral. Os geógrafos adotaram uma abordagem ambiental deter­minista em estudos realizados sobre a natureza essencial de diferentes religiões e seus ambien­tes geográficos. Este primeiro período per­maneceu até o início do Século XX.

Após a 1 ª Guerra Mundial, por volta de 1920, o desenvolvimento do pensamento re­ligioso é influenciado pelas idéias de Max Weber. O pensamento weberiano carac-

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teriza bem este segundo período dos es­tudos de religião na geografia por repre­sentar a posição crítica à doutrina anterior. Ao invés de examinar a influência do ambi­ente sobre a religião, focalizou-se a influên­cia da religião sobre as estruturas sociais e econômicas. Entretanto, os geógrafos rejei­taram essa vertente por bastante tempo; somente após a 2ª Guerra Mundial surgiram estudos tratando da religião como influência formativa do ambiente.

Nesse segundo período, os estudos de religião em geografia têm seu início com a análise da paisagem e seus fatos antropo­geográficos relacionados. Os geógrafos bus­cam compreender as forças modificadoras da paisagem, como na posição possibilista da Escola Vidalina de Geografia, e particu­larmente da Escola de Geografia Cultural de Sauer, nas quais a paisagem é o objeto prin­cipal de pesquisa. Os estudos refletiam o impacto da religião sobre a forma física da paisagem, negligenciando os significados simbólicos do lugar. Exceção se pode fazer ao trabalho de Oeffontaines (1948), que examinou os significados simbólicos das residências em termos religiosos.

Na década de 60, as investigações re­ligiogeográficas não apresentavam coerên­cia de pensamento. Havia um grupo que di­recionava o enfoque de suas análises dare­ligião sobre o ambiente - Prãgung; o outro grupo, Büttner (1985) denominou-o Rückop­pelung, isto é, a influência do ambiente so­bre o pensamento religioso. Com o advento da geografia da religião, a recomendação aos geógrafos foi dar atenção à reciproci­dade das relações entre religião e ambiente. Essas relações são dialéticas e estudá-las apenas unidirecionalmente, em qualquer que seja a direção, seria irrealista. Comun­gam nesse pensamento os geógrafos So­pher (1967), Lewandowski (1984), lsaac (1959) e Büttner (1985).

A geografia, na realidade, durante a maior parte da primeira metade do Século XX, teve o interesse em estudar o compor­tamento do homem em relação ao meio am­biente; entretanto, o interesse dos geógrafos pelos significados simbólicos que surgem da vida social em determinados ambientes geográficos intensificou-se nos anos 60. O desenvolvimento da dimensão psicológica representou um autêntico acontecimento na ciência geográfica. Horácio Capei (1983)

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ressalta "o que deve chamar a atenção é precisamente o atraso com que este desco­brimento se realizou, levando-se em conta os temas que desde seu nascimento a geo­grafia humana estudou".

No início dos anos 70, início do terceiro e atual período dos estudos de religião na geografia, ocorrem profund~s tra~~for­mações na geografia. Por razoes soc1a1s e intelectuais havia um descontentamento em face das concepções neopositivistas nas análises científicas. Surgiram movimentos de contestação ao modelo neopositivista, exigindo a adoção de novas matrizes epistemológicas para tornar claros os problemas sociais do sistema capitalista.

Este movimento de contestação deu lugar ao nascimento de uma atitude crítica entre os geógrafos, que os levou a buscarem no materialismo histórico e dialético a com­preensão da problemática da organização socioespacial. Também questionaram-se, nesse período, os valores do homem e seu cotidiano, favorecendo o aparecimento da geografia humanista, apoiada n~s filosofias do significado. Amplia-se, ass1m, a com­preensão do simbolismo religioso. Neste ter­ceiro período os estudos de religi~o em geo­grafia refletem um lento. ressurgimento da geografia cultural, no boJo da qual desen­volve-se a geografia da religião.

As pesquisas geográficas sobre religião, neste terceiro período, não apresentam con­senso sobre a natureza do campo religioso­geográfico. Para David Sopher não havia ainda sido verificada a "gênese de um campo reconhecível". Para Tuan a geografia da religião é um "campo em desordem". Esta aparente desordem que Tuan men­ciona reflete diferentes posições de enfren­tar o fenômeno religioso.

Deve-se dar maior atenção à expressão so­cial da religião ou à experiência religiosa indi­vidual? O geógrafo, como cientista social, pre­cisa tornar-se um estudioso da religião?

Manfred Büttner {1985) e Erick lsaac (1960) delinearam a geografia da religião como o estudo da parte desempenhada pela motivação religiosa na transformação da paisagem pelo homem. Erick lsaac, por exemplo, supõe a existência de um impulso religioso no homem que o leva a agir sobre seu ambiente de uma maneira que responda a uma necessidade. Para ele a tarefa da

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geografia da religião consiste em "separar a matriz especificamente religiosa da matriz social, econômica e étnica na qual está em­butida e determinar seu peso relativo em re­lação às outras forças na transformação da paisagem". Assim, tornava-se necessário que a geografia da religião desenvolvesse uma metodologia que a capacitasse a reali­zar suas tarefas. Os estudos do geógrafo alemão Manfred Büttner na delimitação do campo da geografia da religião têm sido acei­tos pelos geógrafos alemães e anglo-saxôni­cos. O geógrafo orientado pela moderna geo­grafia social da religião inicia sua investigação pela comunidade religiosa - Religionskorper. O principal interesse é reconhecer sua "estrutura espacial, as atividades que origina, suas ati­tudes mentais, a estrutura ocupacional e so­cial associadas e outros aspectos".

A corrente francesa, por sua vez, sugere o estudo dos elementos religiosos nos es­tudos geográficos, colocando-os em igualdade de importância com os elementos políticos e econômicos, apesar de não haver, por parte dos geógrafos franceses, uma preocupação com a temática da religião. Paul Claval (1993), em artigo recente, aponta aos geógrafos da religião a tarefa de explorar o universo das representações mentais, bem como com­preender como essas representações se in­serem na paisagem e na organização do espaço. E sugere também o estudo da temática através da análise do sagrado e do profano na vida das coletividades humanas.

Pela abordagem anglo-saxônica, ger­mânica e francesa, os geógrafos são convi­dados a pesquisar em diversas frentes, merecendo atenção as paisagens e cons­truções investidas de significado religioso. E, para nossa reflexão, iniciaremos pela ex­periência religiosa de controle da paisagem e a organização do espaço afetado pela fé, ou seja, o espaço sagrado.

O CONCEITO DE ESPAÇO SAGRADO E ESPAÇO

PROFANO

Émile Durkheim, ao propor a religião como coisa eminentemente social, deter­mina o nascimento do fenômeno religioso, cujas representações sagradas são repre-

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sentações coletivas que exprimem reali­dades coletivas.

As coisas sagradas equivalem ao poder e constituem, por excelência, uma realidade, conforme aponta Elíade. O homem tem ne­cessidade de orientação, da ordem, do cosmo e, sendo assim, é fácil compreender que o ser religioso deseja profundamente participar da realidade de existir num mundo sagrado.

A palavra sagrado (do latim sacratu -aquele que recebeu a consagração - as coisas divinas) tem o sentido de separação e definição, implicando manter separadas as experiências sagradas das não-sagradas, isto é, profanas.

Desenvolvendo a idéia do sagrado como ordem, Elíade, Tuan e Douglas relacionam o momento religioso da consagração do mundo, isto é, o momento em que o espaço desconhecido, desocupado e na escuridão do caos é transformado simbolicamente pelo homem em Cosmos, mediante a repetição ritual da hierofania.

Para nosso estudo importa conhecer bem que o sagrado se manifesta totalmente sob a forma de hierofanias no espaço, qualifi­cando-o como espaço sagrado. O espaço sagrado é um espaço demarcado e diferen­ciado pelo simbolismo que possui. Baseados no pensamento de Durkheim (1968), Mircea Elíade (1962) e Peter Berger (1985), defini­mos o espaço sagrado como um campo de forças e de valores que eleva o homem re­ligioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto d_aquele no qual trans­corre sua existência. E por meio dos sím­bolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de, mediação entre o homem e a divindade. E o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possi­bilita ao homem entrar em contato com a reali­dade transcendente chamada deuses, nas re­ligiões politeístas, e Deus, nas monoteístas.

A manifestação do sagrado é indicada pelo termo hicrofania que etimologicamente significa algo de sagrado que se revela. O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade de ordem inteiramente diferente das realidades do cotidiano. São inúmeras as hicrofanias. A manifestação do sagrado se dá num objeto qualquer, uma árvore, uma pedra ou uma pessoa, por exemplo. A hicro­fania revela este ponto fixo denominado cen­tro e que contém o simbolismo de "fundação

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de Cosmos", isto é, o "centro do mundo". O ponto fixo é determinado pela materialização do sagrado. O entorno possui os elementos necessários que compõem as formas espaciais. A hierarquia do sagrado no espaço é subjetiva, isto é, é dada pela sensi­bilidade do crente.

A estrutura do espaço sagrado implica a idéia da repetição da hierofania primordial que o consagra e assim transfigura-o, singu­lariza-o e isola-o do espaço profano.

A experiência do espaço sagrado opõe-se à experiência do espaço profano para o homem religioso. O primeiro tem um valor existencial para ele: é seu referencial. O pro­fano, por sua vez, constitui aquele espaço em volta do espaço sagrado. A palavra pro­fano etimologicamente implica a idéia de lo­calização: o prefixo grego pro significa "em frente de", e tano significa "templo sagrado". Em relação ao espaço profano há inter­dições dos objetos e coisas que estão vincu­lados ao sagrado, numa realidade diferen­ciada da realidade sagrada.

O espaço sagrado e o espaço profano estão sempre vinculados a um espaço so­cial. A ordenação do espaço requer sua dis­tribuição entre sagrado e profano: é o sagrado que delimita e possibilita o profano. Assim sendo, os dois espaços, do sagrado e do profano, estão numa relação de "ideal" e "comum", "de excepcional" e "cotidiano". Essa relação é de tal natureza que a pas­sagem de um plano para outro exige um "sacrifício". A palavra é derivada da ex­pressão latina sacra tacere, fazer sagrado, e, pelo costume, está associada a ritos que implicam a sujeição da coisa ou pessoa a um ser superior, que se encontra em outra esfera de grandeza.

A fim de colocar em evidência as diferenças existentes no espaço vivido pelo homem re­ligioso, deseja-se apresentar um conjunto de temas que indicam várias possibilidades de tratamento geográfico da religião.

OS TEMAS: UMA PROPOSIÇÃO

É possível reconhecer o sagrado não como aspecto da paisagem, mas como ele­mento de produção do espaço. Lewandwski,

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Weber Durkheim e outros sustentam, a este respeito, que as construções são moldadas pelas idéias de uma sociedade, assim como suas formas de organização econômica e social, a distribuição de recursos e autori­dade, suas atividades, crenças e valores prevalecentes em qualquer período de tempo. De fato, critérios socioculturais podem ser muito mais importantes que fa­tores como clima e tecnologia para afetar a construção do espaço.

O temário proposto, em si, constitui parte do temário da geografia humana, introduzido na geografia da religião com a finalidade de estimular estudos sistemáticos e compa­rativos entre as diversas religiões e suas respectivas dimensões espaciais, visando tanto a encontrar analogias como formular princípios que, de um lado, unam a diversi­dade religiosa no espaço e, de outro, definam caminhos e práticas distintas.

O temário selecionado é constituído pelos seguintes temas:

- fé, espaço e tempo - difusão e área de abrangência;

- centros de convergência e irradiação;

- religião, território e territorialidade; e

- espaço e lugar sagrado: vivência, per-cepção e simbolismo.

É conveniente ressaltar que os temas em questão não são mutuamente excludentes entre si, ao contrário, interpenetram-se. Ex­emplificando, um centro de convergência re­ligiosa está inserido no espaço de abrangência de uma determinada fé, o desfile de uma procissão no interior de um centro de pere­grinação, por sua vez, pode ser visto como parte da vivência do espaço sagrado.

De modo geral, pode-se dizer que a ex­periência da fé nos classifica como crentes e descrentes. A fé identifica o crente num sistema religioso e o investe de poderes que só ele adquire em sua experiência religiosa. A perspectiva que interessa aos geógrafos está na análise da experiência de fé no tempo e no espaço em que ela ocorre.

A prática de peregrinação a lugares sagrados para benefício espiritual e para prestar homenagem é comum no islamismo. A visita religiosa a Meca data do Século VIl e continua até nossos dias. Estudos desen­volvidos por Kong (1990), Sopher (1981 ), Jackson e Hudman (1990) nos informam

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desse notável movimento de população no Oriente Médio.

No budismo o surgimento da peregri­nação ocorreu após a morte de Gautama Buda, no Século VI, provavelmente iniciada pelos seus seguidores, na busca de lugares onde acreditavam encontrar as cinzas de Buda, que foram espalhadas pelo território indiano. O geógrafo Tanaka (1981 ), por sua vez, analisou os significados simbólicos no itinerário dos peregrinos e a topografia sagrada da ilha Shikoku no Japão.

A peregrinação cristã, que data do Século V, também é conhecida como romaria pelo fato de consistir inicialmente na ida de devo­tos de suas localidades a Roma. Os princi­pais centros religiosos incluem Jerusalém, Roma, Lourdes e centenas de outros cen­tros de convergência religiosa cristã espal­hados pelo mundo. Existem santuários de nível internacional, nacional, regional e local.

É nesta poderosa estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas, ampliando muitas vezes o controle sobre territórios, que a religião se estrutura enquanto instituição. Os geógrafos Sack (1986) e Sopher (1981) analisaram o comportamento estratégico ado­tado por minorias religiosas dentro de domí­nios religiosos maiores e a mistura de comu­nidades religiosas em áreas de transições.

Como geógrafo da religião proponho o es­tudo do espaço através do sagrado, desven­dando sua ligação com a paisagem e com a linguagem codificada pelo devoto em sua vivência no espaço. E acredito ser nos espaços sagrados de romaria que a materi­alização do sagrado está mais nítida. Assim, selecionamos um dos temas para nosso es­tudo de caso - os centros de convergência e irradiação - em função da experiência re­ligiosa do crente, da dimensão espacial do sagrado e da percepção e consciência do sagrado no lugar, atribuindo-lhe valor.

PORTO DAS CAIXAS: UM ESTUDO DE CASO

A preferência por Porto das Caixas deu­se pela ambivalência do lugar. Era preciso refletir sobre o significado do centro re­ligioso, relativamente recente, ordenado e

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seguro, numa periferia caótica e selvagem como a Baixada Fluminense.

Porto das Caixas é o segundo distrito do Município de ltaboraí. O pequeno núcleo en­contra-se isolado da mancha urbana que, de Niterói, estende-se ao longo da BR-1 01 englobando o Distrito-Sede. O acesso à Vila de Porto das Caixas, que se acha a 7 km de ltaboraí, se faz por estrada secundária, de paralelepípedos. Esse trecho é ocupado, predominantemente, por áreas de pas­tagens, com poucas cabeças de gado. Há poucas habitações e as que existem são modestas e denotam não serem novas. Não é visível a expansão de loteamentos, tudo indicando que a propriedade fundiária desse setor da periferia urbana esteja em fase de "engorda", isto é, numa etapa de esterili­zação da terra, aguardando o processo de valorização fundiária que virá mais tarde, talvez, para fins urbanos.

A Gênese e a Dinâmica do Lugar

Porto das Caixas é um desses lugares marginais que, no conceito de Shields (1991 ), foram "deixados para trás" na corrida mo­derna para o progresso; transmite nostalgia e fascinação. Enquadrado na história da Baixada Fluminense, no Recôncavo da Gua­nabara, como importante porto fluvial e em­pório comercial da cidade do Rio de Janeiro, constituiu um dos primeiros núcleos sobre o qual a Corte Portuguesa exerceu a sua in­fluência, no período da colonização. Porto das Caixas exerceu sua predominância econômica e cultural como terceiro porto flu­vial do Recôncavo da Guanabara.

O apogeu econômico que vivia o mundo colonial vai se refletir em Porto das Caixas. Até o início do Século XVIII as caixas de açúcar eram a base da riqueza econômica da cidade do Rio de Janeiro e de sua hinterlândia imediata. O nome Porto das Caixas está re­lacionado com as inúmeras caixas existen­tes no porto para a embalagem do açúcar.

As ligações comerciais entre Porto das Caixas e o Rio de Janeiro só foram que­bradas pelo aparecimento das estradas de ferro. Os inconvenientes do transporte fluvial e o crescente tráfego de mercadorias e, acima de tudo, o café, foram fatores que le­varam os homens de negócios e políticos da época a realizarem mudanças.

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O declínio econom1co de Porto das Caixas deu-se em dois momentos:

- o porto fluvial é substituído pelo "caminho de ferro" e permanece apenas em sua função de transporte de mercadorias e passageiros, não sendo mais a localidade um centro comercial; e

- o segundo momento ocorre com o des­locamento do centro de escoamento para o Rio de Janeiro. Em 187 4, a Vila do Porto das Caixas transmite decadência econômica, social e cultural.

Por quase um século, até o ano de 1968, a história de Porto das Caixas é a história de sua exclusão no contexto metropolitano do Rio de Janeiro. A população que ali per­maneceu vivia de uma precária economia baseada no artesanato - fabricação de estei­ras - e se fechou sobre si mesma, perdendo seus contatos obtidos na vida de relações que nortearam o seu desenvolvimento nos séculos anteriores.

A hierofania ocorrida em Porto das Caixas possui uma conjuntura histórica. Trata-se de um fato religioso recente, ocorrido em 1968, ano de contestações no Brasil e em vários países do mundo. No Brasil, por mais de uma vez, movimentos religiosos contestaram a or­dem social a que estavam submetidos. A pro­dução religiosa de Porto das Caixas possui características singulares e reforça a linha sugerida por Bourdieu (1987) - é nos períodos de crise e transições que os movimentos proféticos tomam-se mais intensos.

O Milagre marca o fim de uma fase e o início de outra na história de Porto das Caixas. As novas atividades relacionadas ao sagrado exigem um lugar no espaço e impõem uma nova arrumação para as coisas, uma organi­zação do espaço diferente daquela que existia antes da hierofania. A devoção dos romeiros em Porto das Caixas também impõe um novo comando sobre o tempo. Estabelece-se o tempo sagrado, o tempo de festas.

Em Porto das Caixas a especificidade do lugar ao longo da História foi diferenciada. Em cada tempo histórico as combinações das variáveis assumiram características próprias que nos permitem periodizar as formas espaciais resultantes. Porto das Caixas desde sua origem até o presente apresenta três períodos perfeitamente marcados (Mapa 1 ):

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MAPA 1A, 18 E 1C

O PAPEL MUTÁVEL DO LUGAR FIXO

T 1 - O Núcleo Portuário (1595- metade do Séc. XIX)

Convenções

Rios

•••••••• Caminho das tropas

~ Direção dos fluxos comerciais

o 10 20 30km

T2 - A Decadência (2" metade do Séc. XIX· 1968)

Convenções

Rios

>-+-+-+-i Via férrea

~ Fluxos comerciais

O 10 20 30km

T3 • O Espaço Sagrado (1968- ?)

Convenções

Rios

•••••••• Rodovias

~ Fluxos romeiros

10 20 30 km

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Ros«1dahl. Z.

Rosendahl. Z.

Rosendahl. Z.

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T1 - Inicia-se com a Fundação da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em 1595, pelos jesuítas; a localização da Vila de Santo Antônio de Sá, próximo ao rio Aldeia, garante-lhe as atividades de comércio e por­tuárias ligadas à Corte. Estende-se este período até a primeira metade do Século XIX, constituindo o período do apogeu da vida econômica e social de Porto das Caixas.

T2 - Segunda metade do Século XIX a 1968. Foi marcado pela decadência econômica e social da vila, caracterizada pela perda do comércio e, sobretudo, pela inviabilidade da função de portofluvial. Inau­gura-se o transporte ferroviário na vila. A chegada do que é moderno no lugar muda as relações preexistentes e estabelece a combinação de outros elementos no lugar.

T3 - Inicia-se em 1968 e estende-se até os dias de hoje. Marcado pela hierofania a re-atualização do sagrado e, conseqüente­mente, pelo recrudescimento religioso do lugar.

O Centro Religioso

Para a compreensão do centro religioso abordaremos a natureza social dos partici­pantes - os romeiros e os barraqueiros. Será investigado, então, o papel que representam como modeladores da organização espacial.

a) O Romeiro e suas Práticas Devocionais

O romeiro é um agente modelador do espaço. Em análise mais profunda das for­mas espaciais que são socialmente produzi­das nas hierópolis ou cidades-santuários, seguimos o pensamento de Corrêa (1989), ao privilegiar o papel modelador dos agentes sociais na organização do espaço, atribuindo formas e funções variáveis no tempo e no espaço. O romeiro não é um agente modelador permanente ao longo do tempo como, por exemplo, os promotores imobiliários. O romeiro é um agente singular não permanente. Pode ser um operário, um comerciante, um desempregado que, num tempo singular, fora de seu cotidiano, meta­morfoseia-se em um agente singular que atua em espaços também singulares. Nessa singularidade temporal - tempo sagrado - e espacial, os romeiros, enquanto tais, mode­lam através de suas crenças e de seus valo-

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res o espaço sagrado e profano, ampliando­os e ratificando-os.

A visita a um espaço sagrado é, antes de mais nada, uma vivência afetiva. A partida, a viagem, a desinstalação do cotidiano, a própria linguagem do santuário aproximam o devoto do domínio do sagrado. A descoberta do sagrado é um ato emotivo de amor do crente para o seu Deus.

Inúmeras são as formas de um fiel ex­pressar seus sentimentos. Oferecer uma flor como expressão de amor ou acender uma vela são exemplos claros. Existem outras mais complexas, uma vez que provêm do in­consciente, no qual cada símbolo possui um significado. Ao decodificá-los ressaltamos as seguintes práticas:

-visitar a imagem e seguir a procissão;

-a bênção d'água e a bênção da saúde; e

- "fazer" e "pagar" promessas.

Essas práticas religiosas possuem um ro­teiro mais ou menos preestabelecido na per­cepção hierárquica do peregrino de viver o sagrado no espaço e no tempo. Os fatores invisíveis presentes nas práticas religiosas só estarão essencialmente visíveis se inter­rogados. É preciso desvendar os símbolos do imaginário popular. como mais um meio de conhecimento do sagrado no espaço, através dos atos comportamentais dos romeiros.

A missa e a procissão representam, é claro, o sagrado oficial. A quermesse com as barraquinhas, os jogos e a dança são os elementos da distração, o divertimento para o grupo. Tudo é, ao mesmo, tempo ex­pressão da legítima alegria e de fé autêntica à padroeira. Não se tem festas cívicas, nem pelo aniversário da ,vila, nem pelos eventos históricos do País. E, pois, no ritual religioso vivido no tempo-espaço sagrado de Porto das Caixas que os romeiros "consomem" os bens religiosos. Esse ritual representa um conjunto de práticas religiosas consagradas no catolicismo popular.

A prática religiosa de "fazer" e "pagar" promessa constitui uma devoção tradicional e bastante comum no espaço sagrado dos santuários católicos. A promessa como prática no catolicismo popular é uma mani­festação de fé, que envolve o devoto e o santo numa relação direta, sem inter­mediários, isto é, ela é acessível a todos os

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fiéis, sem mediação de especialistas ecle­siásticos1. Nos dias de hoje, nos santuários católicos, pagar promessa é uma prática do catolicismo popular que não depende da in­tervenção do poder eclesiástico para ser adotado pelos fiéis. O devoto paga a promessa na hora, na forma e na maneira que deseja, não havendo nenhuma hierar­quia lógica, nem hierarquia religiosa, e, no dizer de Ribeiro de Oliveira (1977), o que "caracteriza o catolicismo popular é a privati­zação das relações dos homens com os seres sagrados", isto é, um relacionamento direto e personalizado.

Pode-se classificar em duas modalidades básicas essas relações entre o fiel e o santo: relação de aliança e a relação contra­tual. Vejamos cada uma delas que, para Ribeiro de Oliveira, "embora normalmente elas se completem e venham associadas, guardam características distintas e merecem ser consideradas separadamente". A relação de aliança ou modo devocional constitui uma relação de aliança entre o fiel e o santo. O devoto deve prestar um culto ao seu santo padrinho de modo regular. As maneiras de se expressar, porém, são pelos mais diver­sos modos de culto e obedecem a certas particularidades de cada santo. O santo, por sua vez, deve proteger o seu devoto nesta vida e facilitar seu acesso à vida eterna. Em troca, o santo exige confiança e devoção de parte do afilhado. A segunda modalidade é a relação contratual. Trata-se de um contrato que o fiel faz com o santo tendo em vista a obtenção de uma graça. Entende-se por graça um benefício ou um favor que os san­tos concedem a quem lhes pede. Quase sempre a graça tem caráter protetor. Quando a graça alcançada tem a dimensão de impossível aos homens, ou possui efeitos extraordinários, recebe a denominação de "milagre". Obtida a graça significa que o santo fez a sua parte do contrato. Agora cabe ao fiel cumprir com a dele, que con­siste mostrar seu agradecimento por meio de "paga". É um ato de culto que tende a re­duzir a religiosidade ética a uma norma estri­tamente formalista do "do ut des"2. Segundo

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Max Weber, as promessas e o emprego de orações para obter bens materiais pelo de­voto, através do favor divino, estão presen­tes na religiosidade cotidiana das massas de todos os tempos e povos e também em to­das as religiões.

Finalmente resta falar do contrato em que o fiel cumpre a sua parte antes do santo cumprir a sua. Trata-se da prática religiosa da novena, isto é, o ato de culto repetido nove vezes. Ao término da novena, o santo está na posição de devedor, até que a graça seja alcançada. O fiel poderá "castigar" o santo pelo não recebimento da graça.

No Santuário de Porto das Caixas, as "pagas" das graças recebidas estão docu­mentadas na "Sala dos Milagres" através das inúmeras modalidades e formas de pa­gamento.

A permanência dos romeiros no espaço sagrado é maior no tempo de festas do que nos fins de semana. Nos dias de festa, ape­nas 39% dos romeiros permanecem 24 horas no santuário, participando da Vigília de Orações, vigília que ocorre no tempo sagrado em 25 e 26 de janeiro. Por sua vez, 61% vem participar da festa, mas não per­manecem na vigília. Fora do tempo de festa não é usual passar a noite no santuário.

Os romeiros de Porto das Caixas são "peregrinos de um dia"3, isto é, permanecem no santuário de seis a sete horas: chegam pela manhã e assistem à missa no Pavilhão; visitam a capela original, na qual está a ima­gem milagrosa de Jesus Crucificado. O ro­teiro devocional atinge ali, no lugar sagrado, o seu ponto alto. Após permanecer numa fila, quase sempre longa, o devoto se aproxima da imagem, toca-a, faz suas orações e sai da Capela. As poucas horas de permanência dos romeiros no santuário são vivenciadas com grande intensidade, num comportamento cheio de fé, piedade e devoção. A razão principal das peregri­nações é a devoção. Os romeiros que vão pela curiosidade ou pelo passeio repre­sentam apenas 12%, mas eles afirmam que também vieram para rezar.

1 Pela divisão do trabalho religioso bourdieusiano. os especialistas. agentes socialmente reconhecidos como únicos capazes de produ­zirem. reproduzirem. gerirem e distribuírem os bens religiosos. ao se constituírem como tais. diferenciam-se em relação aos leigos ou profanos. estes caracterizados por sua destituição do capital religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado) e pela consciência do desconhecimento desse capital {BOURDIEU, 1987).

2 "do ut des" é expressão que simboliza "toma lá dá cá" na religião {WEBER. M .• 1964). 3 "Pêlerin d'un jour" é o nome dado por Rinschede {1985) aos peregrinos do santuário de Lourdes, que permanecem apenas algumas horas

no santuário; essa classificação ocorre porque lá existe os peregrinos que permanecem hospedados em hotéis por mais de um dia.

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O espaço-tempo no cotidiano do romeiro é a vivência de sua prática religiosa. Na ten­tativa de reproduzir a permanência do romeiro no Santuário, consideramos as in­formações obtidas nos questionários apli­cados. Assistir à missa, fazer a confissão e receber a comunhão, numa vivência com o sagrado oficial, e voltar para casa sem o exercício das demais atividades, está res­trito a um grupo pequeno de devotos, ou seja, a apenas 10% do total: eles vão a Porto das Caixas para fazer suas orações. Generalizando, pode-se dizer que 90% dos romeiros reproduzem no santuário a vivên­cia do catolicismo popular com seus rituais religiosos no ato de agradecer ou "pagar promessas"; aqueles representam 58%, en­quanto os que "fazem" e "pagam" promes­sas representam 20% da totalidade dos romeiros. A vivência do sagrado para esses romeiros está expressa num código próprio produzido pelo imaginário social em suas re­lações reais entre o devoto e o santo.

A maioria das promessas refere-se a ocorrências que poderiam afinal ter um en­caminhamento não religioso. O crente, ao sentir-se ameaçado pelas contingências da vida ou quando encontra-se diante do de­sespero e da inoperância das soluções hu­manas, procura nas divindades as soluções que deseja. No espaço sagrado de Porto das Caixas agrupamos as promessas em três grupos que definem o "triângulo das ne­cessidades". No seu ápice está a saúde; num dos vértices da base, o trabalho, o em­prego e os problemas de moradia; do outro lado da base, estão a formação da família, o amor, e a harmonia no lar.

Saúde, trabalho e amor são as três carên­cias maiores das mensagens, com percen­tuais que, em realidade, aumentaram de um ano para outro. As necessidades que apre­sentaram declínio não são prioritárias no momento, isto é, estão com percentuais in­feriores aos registrados anteriormente. Foram aquelas relacionadas à compra de moradia. Mantendo percentuais menores estão as men­sagens que pedem solução para os proble­mas de bebidas, drogas e o fumo.

A religiosidade popular brasileira também está relacionada às conjunturas mundiais. O conflito no Kuwait, no início do ano de 1991 e o "estado de guerra" imposto pelos meios de comunicação realimentaram o estado de

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temor, que é uma característica determi­nante da religiosidade popular - o temor do castigo de Deus aos homens. Os pedidos re­lacionados às desgraças da guerra haviam sido esquecidos pelos crentes no ano anterior (1990). Em 1992 reaparecem os pedidos de paz para o Brasil, revelando uma relação com a conjuntura nacional; o fim da corrupção e a honestidade dos governantes são lembrados em relação à conjuntura política que viveu o país com a exclusão do Presidente da República de suas funções.

No Santuário de Porto das Caixas a pes­quisa empírica demonstrou a "especialidade na saúde". Os pedidos relacionados à saúde em sua maioria pedem a cura de doenças, o êxito em operações cirúrgicas, e repre­sentam 41% dos pedidos ao santo, con­forme indica Rosendahl (1994). A religiosi­dade na Baixada da Guanabara cumpre, as­sim, uma função social que se refere à tese de Bourdieu (1987) de livrar os crentes da angústia existencial, da contingência e do sentimento de abandono, ou mesmo da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da morte.

b) A Procedência dos Romeiros

Os romeiros são os responsáveis pelo di­namismo no espaço sagrado. Atraídos pela fé, por razões de ordem social ou por cu­riosidade, eles se deslocam durante todo o ano. A freqüência, porém, é maior nos fins de semana, principalmente aos domingos. Sempre foi programa do homem religioso a procura de Deus no plano físico e visível e o lugar onde isto ocorre é o Santuário.

A festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição, a festa do aniversário do milagre e os domingos de romarias representam o ritmo do tempo sagrado. Quando esse tempo social muda o espaço muda igual­mente. Por ocasião das festas o fluxo de romeiros ao santuário é maior que nos ou­tros domingos; os peregrinos visitam Porto das Caixas desde 1968, de ônibus de ex­cursão (Mapa 2), automóveis particulares (Mapa 3), ônibus e trem.

A procedência dos romeiros ao Santuário de Porto das Caixas tem se apresentado sem grandes variações. Pela análise dos

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30'

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MAPA2

PROCEDÊNCIA DOS ROMEIROS (EXCURSÕES)

43°

o O C E A N 0 ATLÁNTICO

30' 43°

Convenções 1 - Rio de Janeiro 41o/o

___ ..,... alé10% 2- Duque de Caxias 21%

-----1..-~ 10a20% 3 - Sa.o João de Meriti 15,2%

----··~ 21 a35% 4 - Nova Iguaçu 11,0%

36%e+ 5- Niterói 3%

6 - Itaboraf 2,8%

7 - São Gonçalo 2.0%

8 - Minas Gerais 2,0%

9 - Sll.o Paulo 1,0%

Organizado por Rosendahl, Z. 10- Espfrito Santo 1,0%

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30'

30'

23'

10 20km

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MAPA3

PROCEDÊNCIA DE ROMEIROS EM VEÍCULOS (PLACAS)

30' 43'

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OCEANO ATLANTICO

30' 43'

Convenções 1 - Rio de Janeiro 50%

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Organizado por Rosendahl, z. 9- Rio Bon~o 2%

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dados empíricos o romeiro mantém um com­portamento sistemático e repetitivo no espaço. O procedimento empregado foi o de análise do material empírico a cada espaço­tempo sagrado, isto é, a cada festa religiosa, para reconstituir teoricamente a mobilidade geográfica através de uma atividade religiosa. Tal procedimento permitiu a comparação de dados novos, a cada festa, com as infor­mações obtidas anteriormente: os resultados se confirmavam a cada tempo. A mobilidade temporal representada pelos romeiros assegura a estabilidade e permanência do sagrado em Porto das Caixas e também o caracteriza como um Santuário da Baixada Fluminense ao se afirmar que 77% do total geral de romeiros, sem discriminar o trans­porte utilizado, é proveniente da periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e apenas 19% dos romeiros são moradores no núcleo carioca da região metropolitana. Assim, o núcleo central, somado à periferia, perfaz 96% da procedência total dos peregrinos.

Na tentativa de caracterizar o romeiro típico que freqüenta o Santuário de Porto das Caixas, privilegiamos as informações recolhidas por nós no espaço-tempo sagrado; trata-se de um grupo social de moradores da periferia metropolitana do Rio de Janeiro. Considerando, porém, o seu lugar de nascimento o grupo dos romeiros é essencialmente de imigrantes do Nordeste, que representam 47% dos romeiros. São naturais das regiões do Sertão e do Agreste principalmente dos Estados do Ceará e d~ Paraíba. Outros são naturais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

O romeiro, longe de seu universo social, sente-se desprotegido, isolado, e, como reação de suas frustrações, procura de ime­diato a vivência com o sagrado; a busca de sua identidade cultural caracteriza a cami­nh~da ao santuário. É a religião que "põe as co1sas no lugar", é o santo que reproduz o modelo hierárquico do mundo em que o romeiro deseja viver. "Ser devoto do santo" confere segurança e, o sentimento de per­tencer a um grupo. E no santuário popular que estão as referências de sua identidade cultural. A romaria tem também a função de socialização para o migrante. A saudação sertaneja brasileira "Deus te dê saúde, for­tuna e felicidade" permanece no Santuário da Baixada Fluminense e está confirmada no triângulo dos pedidos.

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c) Os Barraqueiros Comércio e religião são atividades asso­

ciadas. ,P~de-se. classificá-lo como um tipo de comercio particularmente destinado à de­manda dos romeiros. Originou-se com a chegada dos peregrinos, sendo até então desconh~cido pelos moradores do lugar. Os barraqueiros exercem uma atividade ino­vadora no espaço e representam um grupo de pessoas de grande expressão econômica no atual contexto social de Porto das Caixas; esses comerciantes são os mora­dores de melhores condições de vida.

Classificamos os barraqueiros em "fixos" e "ambulantes". São considerados por nós como "fixos" aqueles barraqueiros que pos­suem barracas permanentes próximas ao ?an_tuário, localizadas dentro do pátio da 1gre1a e na Praça da Matriz; como "ambulan­tes" enquadram-se aqueles que armam suas vendas nos fins de semana e nas festas re­ligiosas ao redor das barracas fixas.

Po~e-se dizer, a respeito da organização espac1al dos barraqueiros, que cada ponto do ~spaço tor~a-se efetivamente importante dev1do ao mov1mento dos fiéis. A valorização de cada ponto decorre da acessibilidade do peregrino ao lugar de venda.

d) A Organização Espacial da Vila Co~ a manifestação do "milagre", a

co~umdade de devotos convergiu ao san­tuano e desde 1968 vem impondo uma or­ganização espacial diferenciada no tempo e espaço sagrado.

A dimensão simbólica do espaço em ~o~o das Caixas é dada pelos grupos so­Ciais que freqüentam o santuário e diferen­ciam, de maneira espacial, o sagrado e o profano. De fato, nas cidades-santuários do catol~cismo pop,ular, o sagrado e o profano coex1stem; P?r~m, torna-se difícil distingui­los em seus hm1tes; dado o arranjo repetitivo das formas espaciais nos santuários, pode­mos falar de uma topografia religiosa.

O espaço sagrado abrange a área mais elevada, geralmente uma colina situando-se aí a capela com a imagem do 'santo ou da santa; coincidindo com a parte mais baixa do terreno fica o espaço destinado ao comér­cio e ao lazer, numa espetacular mescla entre cerimônia religiosa e atividades profanas.

Com a finalidade de compreender melhor a segregação que ocorre na organização

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espacial pela valorização que o sagrado im­põe ao lugar, é possível reconhecer três es­paços diferenciados entre si: O espaço sagrado, o espaço profano diretamente vin­culado às atividades religiosas, e o espaço profano indiretamente vinculado ao sagrado.

No espaço sagrado de Porto das Caixas é possível distinguir dois elementos funda­mentais, o ponto fixo e a área circundante. As formas espaciais ali existentes cumprem funções que estão diretamente associadas ao roteiro devocional. O ponto fixo foi deter­minado pela ocorrência da hierofania, mate­rializada na imagem de Jesus Crucificado de Porto das Caixas. A Figura 1 indica os dez elementos que compõem o entorno e suas formas espaciais. A hierarquia do sagrado no espaço é subjetiva, isto é, é dada pela sensibilidade e preferência do romeiro. Ape-

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sar de cada elemento espacial possuir função específica, no conjunto acham-se in­tegrados ao roteiro devocional do peregrino.

Vejamos agora a configuração do espaço profano na vila. Os elementos decorrem de sua articulação com o sagrado; como tal de­finimos duas formas espaciais para análise: o espaço profano diretamente vinculado ao sagrado e o espaço profano indiretamente vinculado ao sagrado.

Primeiramente consideramos o espaço profano diretamente vinculado ao espaço sagrado (Figura 2). Apresenta forte ligação com as atividades religiosas e a distribuição das atividades não-religiosas nas proximi­dades da Igreja, em dois eixos principais: na Av. Nossa Senhora da Conceição e na Rua Madureira, transversal à primeira.

FIGURA 1

ESPAÇO SAGRADO DE PORTO DAS CAIXAS EM JULHO DE 1993

0 0

0 X

• Imagem Milagrosa I. Pavilhão 11. Sala dos Milagres 111. Local das Velas IV. Secretaria da Igreja V. Casa Paroquial

+/·SOm

IV

VIl

11

IX

• PF

VI. Pia Batismal e "bicas" VIl. Refeitório para os peregrinos VIII. Banheiros para os peregrinos IX. Lojas de comércio da Igreja X. Pátio

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FIGURA2

ESPAÇO PROFANO DIRETAMENTE VINCULADO AO ESPAÇO SAGRADO EM PORTO DAS CAIXAS

Convenções

Espaço sagrado

Comércio de barracas

Bares, lanchonetes, bazares

Estacionamento

Umite do centro religioso

Estrada de ferro desativada Organizado por Rosendahl, Z.

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No lado A da Av. Nossa Senhora da Con­ceição localiza-se o comércio de legumes, de frutas e verduras, provenientes dos sítios vizinhos e que são vendidos em barracas de madeira. Em direção à praça principal um mercado de pequeno porte atende aos moradores, mas o nível de demanda é baixo. O mercado não faz parte da rede de grandes supermercados, nem está ligado às lojas de ltaboraí - pertence à família de an­tigos moradores e é anterior ao milagre. Ainda no lado A, entre a Rua Madureira e a Rua Tenente Rabelo, localizam-se lojas, res­taurantes e bares. A loja-bazar concentra mercadorias diferenciadas em relação a sua utilidade; são bibelôs, bijuterias, recipientes de plástico para transporte de água benta e outros artigos utilizados nos rituais devocio­nais. O único restaurante atende aos romei­ros de maior poder econômico, possuindo estacionamento próprio; o movimento de domingo se estende de 9 às 15 horas. Os bares e as biroscas estendem-se além da Rua Tenente Rabelo.

No lado B da Av. Nossa Senhora da Con­ceição acham-se localizadas as biroscas, as barracas de cerâmica e a venda de flores; são de madeira e utilizam o muro em comum com a Igreja. Lanchonetes e pas­telarias encontram-se próximas ao es­tacionamento na lateral da Igreja; trata-se de uma área em estado precário de con­servação, apresentando um declive suave voltado para a Baía da Guanabara. Na late­ral da Igreja, há um túnel ferroviário do Século XIX que corta a praça central, estando atualmente abandonado; foi ater­rado para ampliação da Av. Nossa Senhora da Conceição e para favorecer a localização coesa de barraquinhas de vendas dos ar­tigos religiosos próximo à Igreja.

Na praça em frente à Igreja estão agru­pados os barraqueiros do comércio do sagrado. São aproximadamente dez barra­cas agrupadas com divisórias comuns de madeira e teto de zinco; ali os romeiros têm a possibilidade de escolher diferentes tipos de artigos religiosos, porém eles são da mesma procedência. O conjunto coeso de artigos religiosos em frente à Igreja, a

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variedade e a diversidade das mercadorias expostas à venda evidenciam uma dessa­cralização do sagrado no comércio do cen­tro religioso.

No espaço profano indiretamente vincu­lado ao sagrado (Figura 3) o poder do romeiro, como agente modelador, é menor. Os elementos constitutivos do espaço pro­fano indiretamente vinculado ao espaço sagrado revelam funções direcionadas aos moradores da vila, mas não totalmente ex­cludentes aos romeiros. O espaço indire­tamente vinculado vem se delineando devido aos loteamentos.

Aparecem então as formas espaciais que representam a própria dimensão da so­ciedade da vila em seus espaços residen­cial, comercial e de serviços. A partir da hie­rofania na década de 70 há uma pequena retomada da expansão da Vila de Porto das Caixas. Nos dias de hoje, a existência de uma rua principal - a Av. Nossa Senhora da Conceição -, onde se concentram as residên­cias, o comércio e o lazer, exprime bem parte das transformações havidas na vila. A ocupação da Rua Madureira indica o cres­cimento da vila na direção norte. A ocupação mais antiga fica compreendida entre a rua principal e o rio Aldeia, incluindo-se também o trecho da ferrovia.

O comércio local concentra-se na Av. Nossa Senhora da Conceição, nas proximi­dades da Igreja. É constituído de um açougue, um aviário, uma mercearia, um "supermercado" e seis bares. Não há posto médico, apenas uma farmácia. Também não há posto telefônico, havendo um orelhão dentro de loja comercial, o acesso a ele estando restrito ao horário de funcionamento da loja. Os moradores dispõem de uma creche-maternal, de ensino religioso minis­trado pelas freiras, e uma Escola Pública de 1º Grau.

Descendo a rua principal em direção à Baía da Guanabara, encontram-se as ruínas de uma usina de álcool e sua vila operária; aproveitando o abandono da antiga fábrica, algumas famílias ocupam, em condições precárias, as instalações fabris e as casas.

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FIGURA3

O ESPAÇO PROFANO INDIRETAMENTE VINCULADO AO ESPAÇO SAGRADO EM PORTO DAS CAIXAS

Convenção

~--- l..imise do cen1I'O re6gioso

1 Esecla Púbica

2 Creche

3 lanchonete

4 - Açougue

5 Farmácia

6 - Mercearias

7 Bares/Biroscas

8 Aviário

9 Armarinho

10- Loja de Ferragens

11 - Telefone Público

, 2 - Clube Recraa1ivc

13 - Residência dos Pacres

14 - Usina de Álcool

15 - Cerâlrica PorlugJes:J

- Igreja Deus é Amor

 Terreiro Esplrila

e Assembléja de Deus

\ \ \ / ' ' '--y' ,--

Organizado po RosandatJI. Z.

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Defronte à vila operária uma bifurcação leva, de um lado, à Cerâmica Portuense, e, de outro, à Fazenda da Cruz. A Cerâmica é a única fábrica da vila e o maior empregador local, absorvendo uma centena de empre­gados. A Fazenda Macacu, de propriedade de empresário na área de transporte coletivo, cria gado em suas terras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A característica fundamental da Vila de Porto das Caixas está em sua função religiosa; re­cebe a cada fim de semana 2 000 pessoas no Santuário. Com base nessa avaliação, jul­gamos que a Vila deva receber algo em torno de 1 00 mil visitantes anualmente.

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Do estudo do espaço sagrado de Porto das Caixas emerge uma característica espe­cifica do lugar. Localizado na Baixada Flumi­nense, constitui um núcleo integrado à Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Nesse sentido, a função de centro de con­vergência de peregrinos o qualifica como do­tado de forte singularidade, pois está inte­grado por fluxos constantes aos domingos, dia em que os outros núcleos da periferia não apresentam forte integração, pois são, na maioria dos casos, núcleos-dormitórios.

O aparecimento do fenômeno religioso re­organiza o lugar e, de certa forma, o poder re­ligioso redimensiona o econômico, o político e o social na vila, afetando conseqüentemente a sua organização espacial.

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RESUMO

Porto das Caixas é um espaco sagrado do catolicismo popular da Baixada Fluminense. A pes­quisa se insere na Geografia da Religião, aborda teoricamente o papel do sagrado e do profano na organização espacial do lugar. A Vila de Porto das Caixas apresenta uma forma singular de in­tegração à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, através da peregrinação que, desde 1968, converge ao Santuário de Jesus Crucificado.

A questão central é desvendar a organização espacial do lugar sagrado, reconhecendo a re­lação da gênese e a dinâmica da peregrinação em seu contexto global. O estudo das hierópolis ou centros religiosos se preocupa com o espaço sagrado e sua re-criação pela pulsação rítmica e sistemática que ocorre a cada tempo sagrado. O agente modelador do espaço é o romeiro que representa simultaneamente o produtor e o consumidor do sagrado no espaço.

Considera-se o milagre ocorrido em 1968 como marco do fim de uma fase e o início de outra em Porto das Caixas. Na primeira fase, o núcleo urbano caracterizou-se por ter sido um ativo porto fluvial que, com a ferrovia, entrou em decadência. O milagre ressuscitou a então decadente vila.

O estudo analisa a estrutura social dos romeiros e daqueles que participam das atividades comerciais vinculadas ao sagrado.

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ABSTRACT

Porto das Caixas is the sacred space of the Baixada Fluminense (State of Rio de Janeiro Low­lands). This research inserts itself in the Geography of Religion. To make it, we theoretically re­constructed the role of the sacred and profane in the spatial organization of the place site, that presentes a singular form of integration to the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, through the pilgrimage that, since 1968, converges to the Sanctuary of the Crucified Jesus of Porto das Caixas.

The central question is to disclose the Geography of the sacred place, recognizing the relation of genesis and dynamics of the pilgrimage in its global context. The study of the hieropolis and sanctuary-cities concerns the production of sacred space and its re-creation by the rhythmic and systematic pulsation which occurs at each sacred time. The modelling agent of space is the pil­grim, who simultaneously represents the producer and the consumer of the sacred in space.

lt is considered the miracle occured in 1968 as a benchmark of the end of a period and the be­gining of other. In the first period Porto das Caixas was a river port which functions were blighted with the railrvad. The miracle reborn the small urban place.

The study considers the social structure of pilgrims and of those concerned to commercial ac­tivities related to the sacred.

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DINÂMICA ECONÔMICA E REORGANIZAÇÃO ESPACIAL. NOTAS SOBRE O CASO DA EXPANSÃO DO CAPITAL URBANO NO

ESPAÇO AGRÁRIO NA AMAZÔNIA*

Angela Moulin S. Penalva Santos**

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento capita­lista transferiu o eixo econômico do espaço agrário para o espaço urbano, ao longo do processo de industrialização. Este desen­volvimento foi marcado pela transferência de recursos, população em particular, para as cidades, onde se situavam os novos investi­mentos. Em função disso, o aumento da taxa de urbanização da população passou a ser considerado um indicador de desen­volvimento, enquanto que o campo passou a ser identificado com atraso e tradiciona­lismo.

O aprofundamento da acumulação capi­talista tem levado, entretanto, a expansão

•Recebido para publicação em 20 de outubro de 1994.

do capital urbano em direção ao espaço agrário. Este tornou-se uma das órbitas de valorização do capital. Esse novo direciona­mento do fluxo do capital tem trazido modifi­cações importantes no relacionamento entre campo e cidade, implicando na necessidade de requalificar a hipótese em que relaciona desenvolvimento com urbanização. Estas novas relações cidade-campo representam uma nova forma de estruturação do espaço, devendo ser consideradas na formulação de políticas públicas.

Neste artigo procuramos investigar o fenômeno da expansão dos capitais urbanos em direção ao espaço agrário, tomando como referência estudo de caso de comer­ciantes estabelecidos em cidades nos proje­tos de colonização na Amazônia.

Este artigo originou-se de um relatório elaborado pela autora e por Manoel Augusto de Andrade Magina no âmbito do projeto BRA 89/008, do Contrato IPEAIPNUD .

.. Doutora em Planejamento Urbano e Regional da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo · FAU/USP e Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro · FCEIUERJ.

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 57 (1): 73 · 81, jan./mar. 1995.

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REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE EXPANSÃO DO CAPITAL URBANO EM

DIREÇÃO AO ESPAÇO AGRÁRIO

Um dos processos geradores das novas relações campo-cidade foi a modernização técnica da agricultura brasileira. Este pro­cesso, amplamente investigado na literatura econômica, estabeleceu estreitos vínculos entre o setor agrícola e os setores industriais a montante e a jusante, intensificando e di­versificando as relações de troca entre o campo e a cidade.

A modernização da agricultura estabele­ceu, por exemplo, novas funções às cidades: trata-se da necessidade crescente de serviços urbanos de agricultura moderna. Ao contrário dos antigos empreendimentos agrícolas, a mo­derna empresa agropecuária não pode ter uma organização autárquica por demandar serviços que por sua natureza se estruturam nos núcleos urbanos. Estes são os casos dos serviços de telecomunicações, financei­ros, marketing, manutenção de equipamen­tos, assistência técnica, dentre outros.

Contudo, a dimensão econômica das re­lações campo-cidade não se restringiu à ar­ticulação inter-setorial agricultura-indústria ou à constituição dos Complexos Agroindus­triais. Uma outra modalidade de integração econômica entre campo e cidade, objeto de nossa atenção, diz respeito à expansão de capitais oriundos de atividades urbanas no meio rural. Neste caso, não se trata de uma simples relação de troca entre setores, e sim da ampliação direta de capitais acumulados na cidade em áreas rurais.

Este fenômeno parece extremamente relevante, pois expressa claramente a reva­lorização do campo e que agora buscamos focalizar ao nível das relações econômicas. É relevante, igualmente, por recolocar questões que são importantes para a com­preensão das transformações do agro­brasileiro, isto é: a) a questão do mercado de terras e da apropriação fundiária por agentes econômicos da cidade; b) a questão

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do uso produtivo versus o uso especulativo da terra; e c) o redimensionamento do campo enquanto fronteira de negócios para capitais acumulados na cidade. Tais questões nos levam a considerar o estudo sobre a expansão de capitais de origem ur­bana, no meio rural, bastante revelador das novas relações entre campo e cidade.

Apesar de sua importância, poucos es­tudos foram realizados acerca do tema. Já foi mencionado que a modernização da agricultura brasileira tem sido amplamente estudada. No entanto, a maioria destes es­tudos focaliza as relações inter-setoriais agricultura-indústria, a exemplo das impor­tantes contribuições de J. Graziano da Silva (1978), G. Mueller (1989), A. Kageyana (1990), J. Wilkinson (1986), dentre outros.

Com relação aos investimentos não agrícolas no campo, destaca-se o singular trabalho de Delgado (1985). Ao estudar a ar­ticulação entre a agricultura e o capital fi­nanceiro no País a partir da década de 70, o autor focaliza a expansão de grandes con­glomerados econômicos no setor agrícola. Este processo, por ele denominado de fusão de capitais, distingue-se da articulação inter­setorial (integração técnica agricultura­indústria) por envolver a apropriação da terra para fins produtivos e/ou especulativos.

O investimento em terras agrícolas para fins produtivos está articulado à diversifi­cação produtiva do capital industrial e comercial, sobretudo daqueles que pos­suem vínculos a jusante com a agricultura (indústrias alimentares, têxteis, supermer­cados). Por outro lado, os investimentos em terra por parte de grandes empresas ligadas a setores sem vínculos diretos com a agricultura, constituem estratégias de valori­zação patrimonial, a exemplo do capital bancário e de vários segmentos do capital industrial. Nestes casos, a produção agropecuária representa parcela ínfima na receita das empresas, muito embora as pro­priedades agrícolas possuam peso impor­tante nos seus patrimônios.

A aplicação de capitais industriais, comer­ciais e bancários no setor agrícola, seja para fins produtivos seja para fins de diversifi­cação patrimonial, constitui manifestação concreta de um dos mais importantes pro-

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cessas de articulação rural-urbano, qual seja, a transformação da terra em ativo financeiro.

De fato, a terra agrícola passa a consti­tuir-se em um ativo, concorrendo com outros títulos no mercado financeiro. Não obstante sua menor liquidez, a terra representa uma alternativa estável para o investidor, pois não está sujeita às oscilações do mercado fi­nanceiro que, por sua vez, tem sido objeto de intervenções do governo justificadas por políticas de estabilização. Além disso, trata­se de um ativo que oferece oportunidade de valorização produtiva. É neste contexto que se verifica a aplicação de investidores ur­banos em terras agrícolas.

Há, contudo, na apreciação deste fenô­meno de expansão de capitais da cidade para o campo uma ausência de estudos so­bre a atuação do pequeno capital, ou seja, dos agentes econômicos de pequeno porte que, muitas vezes sob a forma de pessoas físicas, investem recursos obtidos em ativi­dades urbanas na aquisição de terras e na produção agropecuária. Estes pequenos in­vestidores, embora tenham um raio de atuação bem menor do que o das grandes empresas (geralmente limitando-se ao en­torno de suas cidades), constituem agentes de inegável importância no processo de ar­ticulação rural-urbana.

Mais do que o caráter especulativo que, historicamente, a terra assumiu no País, a compra de terras agrícolas por pequenos agentes da cidade apresenta um novo signi­ficado. Num contexto em que a terra, con­forme já foi dito, constitui um ativo à seme­lhança de títulos financeiros, é possível que a atuação do pequeno capital urbano no mercado de terras represente uma es­tratégia de diversificação dos rendimentos, análoga a das grandes empresas. Uma vez que as possibilidades de escolha das dife­rentes alternativas de investimento no mer­cado financeiro são reduzidas em face do menor volume de capital, a compra de terras

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parece ser uma opção segura para o pe­queno investidor.

Queremos destacar, portanto, o fato de que a expansão de capitais da cidade para o campo, que entendemos como uma das di­mensões das novas relações entre campo e cidade, envolve não somente a atuação de grandes empresas como também do pequeno investidor. A falta de estudos con­ceituais e empíricos faz com que as consi­derações aqui feitas acerca das estratégias desses pequenos agentes urbanos estejam ainda no campo das especulações. No en­tanto, constituem o ponto de partida para o estudo de caso que focalizamos na seção seguinte1•

URBANIZAÇÃO E COLONIZAÇÃO DIRIGIDA

NA AMAZÔNIA

A colonização dirigida foi uma das es­tratégias de ocupação da fronteira ama­zônica. Desde fins da década de 60 até o fi­nal dos anos 70, foi implantada uma série de projetos de colonização oficiais, através do INCRA, e privados, através de coloni­zadoras particulares.

Projetados para assentar população no campo, os projetos de colonização agrícola na Amazônia contribuiriam para aumentar a produção de alimentos (e com isso, diminuir as pressões inflacionárias oriundas da oferta agrícola inadequada); arrefecer o cres­cimento urbano nas cidades já densamente ocupadas (o que diminuiria os dispêndios com investimentos de infra-estrutura ur­bana); além de evitar o enfrentamento do problema da estrutura agrária, baseada no latifúndio, com a transferência dos "exceden­tes de população rural"(realizando o que fi­cou conhecido como "reforma agrária pacífica").

10 exame que agora faremos sobre a aplicação de capitais no campo por parte de pequenos comerciantes da Amazônia baseia-se em um levantamento de dados primários realizado em 1991 para a pesquisa "A Colonização da Amazônia", desenvolvida no IPEA!RJ, em convênio com o PNUD. O objetivo principal desta pesquisa foi o de analisar as condições socioeconômicas dos colonos esta­belecidos em 8 projetos de colonização dirigida nos Estados do Pará e Mato Grosso, durante a década de 80, bem como avaliar as perspectivas de reprodução social num contexto de auto-sustentabilidade. Por isto foram levantadas informações tanto dos colonos agricultores como também dos comerciantes que se estabeleceram nos núcleos urbanos dos projetos estudados. São, portanto, nas informações acerca dos comerciantes locais que apoiamos nosso estudo empírico .

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A exemplo da ocupação de outras frontei­ras de recursos, como o Oeste Americano e mesmo o Paraná, os núcleos urbanos dos projetos de colonização foram planejados para dar suporte à atividade agrícola. Esta foi planejada para estar centrada em apenas um ou poucos produtos. Mais do que as di­ficuldades de armazenamento e comerciali­zação, a dependência da cotação de um único ou poucos produtos foi responsável pelo fraco desempenho econômico da agricultura nos projetos de colonização.

No entanto, a hipótese corrente, ao longo da década de 80, que explicaria este resul­tado indicava o relacionamento entre pro­dutores agrícolas e comerciantes. Estes últi­mos imporiam preços mais altos aos agricul­tores que recorriam ao comércio local para abastecer-se, bem como estavam submeti­dos aos preços mais baixos na venda dos produtos agrícolas aos comerciantes. Isto é, haveria uma apropriação da renda agrícola por parte dos comerciantes que impedia a reprodução da condição de pequeno agricul­tor. Vale dizer, ocorreria a clássica drenagem

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de recursos do campo em direção à cidade. Em razão disso, muitos vendiam seus lotes, realizavam um lucro patrimonial, com o que aumentava o tamanho médio das pro­priedades agrícolas que progressivamente passavam por um processo de reconversão do uso da terra da agricultura para a pecuária. A pequena demanda por força de trabalho engendrada por esta atividade, por sua vez, também contribuía para a transferência de população do campo para as cidades.

A significativa taxa de urbanização da população da Amazônia e a das localidades de colonização, em particular, indicam que a estratégia de manter a população no campo não tem sido exitosa. A população dos núcleos urbanos daquelas localidades dá sinais de que está estabelecida aí, desenvol­vendo atividades que lhe permite repro­duzir-se em condições vantajosas, quando comparadas com sua situação anterior à vinda para a Amazônia. A Tabela 1 apresenta o crescimento demográfico nas localidades de colonização e indica a sua taxa de urbani­zação.

TABELA 1

POPULAÇÃO RESIDENTE, TAX~ DE URBANIZAÇÃÇ> E POPULAÇÃO URBANA, SEGUNDO O TIPO DE COLONIZAÇAO DIRIGIDA- PARA E MATO GROSSO- 1970/1991

TIPO POPULAÇÃO RESIDENTE TAXA DE POPULAÇÃO DE URBANIZAÇÃO(%) URBANA

COLONIZAÇÃO RELATIVA EM DIRIGIDA 1970 I 1980 I 1991 1980/1991 11991/1980 1991

Pará 2161 316 3 411 868 5 084 726 57,9 48,0

Colonização oficial 43662 121 419 236247 178,1 94,6

Altamira 15 345 48164 120 441 213,9 150,1 43

Medicilândia 17 406 38 043 118,6 10

Pacajá 17943 30 784 71,6 13

Monte Alegre 28 317 37 906 46 979 33,9 23,9 36

Mato Grosso 601 042 1 141 661 2 020 581 88,9 77,0

Colonização particular 26265 79439 202,5

Alta Floresta 14 085 46396 229,4 73

Paranaíta 3 883 12 154 213,0 54

Nova Mutum 1 086 5491 405,6 38

São José do Rio Claro 7 211 15 398 113,5 54

FONTE - IBGE, Censos Demográficos.

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A política de colonização dirigida mudou o perfil demográfico da Amazônia. Além dos migrantes que se estabeleceram nos proje­tos de colonização, a ocupação da região atraiu novos fluxos migratórios espontâneos. Cabe destacar, entretanto, a inesperada taxa de urbanização verificada na população atual das localidades de colonização, si­tuação que caracteriza a população da própria fronteira Amazônica como um todo.

Assim, a estruturação da região Ama­zônica tem sido realizada com população majoritariamente urbana, ao contrário do ocorrido nas outras regiões de fronteira acima mencionadas. Isso reflete uma si­tuação em que os interesses urbano-indus­triais já tinham se tornado em centro dinâmico da economia brasileira, a fronteira amazônica, inclusive.

Considerando que as cidades da coloni­zação foram planejadas para dar suporte às atividades primárias que, em grande medida, apresentaram mau desempenho econômico, poder-se-ia supor que o cres­cimento da população urbana local não se sustentaria. A hipótese mais difundida nos anos 80 era de que estas cidades atrairiam os excedentes de população expulsos da área rural e que, num momento sub­seqüente, os próprios núcleos urbanos ex­pulsariam esta população por incapacidade de geração de renda que permitisse sua in­corporação na economia local.

O que se observa, contudo, é que as ci­dades têm se consolidado. Os núcleos ur­banos vêm sendo emancipados à condição de novos municípios e o comércio tem se fir­mado como principal atividade a sustentar as economias locais.

Caberia questionar-se sobre a estrutura destas economias, responsáveis pelo dina­mismo observado nas atividades urbanas, independente do mau desempenho da agricultura. Em primeiro lugar, é fundamental considerar a injeção de recursos na economia local através das transferências governamentais. Os recursos governamen­tais despendidos nas atividades de apoio à agricultura e na estrutura administrativa das localidades de colonização emancipadas à condição de municípios contribuem para consolidação das atividades comerciais que se tornam, elas próprias, a base econômica destas localidades. A padronização do con­sumo, que constitui fator de suma importân-

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cia para potencializar as atividades mercan­tis nos pequenos centros urbanos, repre­senta outro ponto a ser destacado na con­solidação nas economias daquelas cidades. Ademais, cabe mencionar a renda gerada pela atividade garimpeira, muito importante em alguns projetos de colonização.

Tais fatores se conjugam para sustentar o nível de atividade econômica nos núcleos urbanos, traduzindo-se em elevadas taxas de rentabilidade auferidas pelos comercian­tes, permitin9o que estes diversifiquem seu patrimônio. E dentro deste contexto que se insere a expansão dos capitais urbanos em direção do espaço agrário.

ACUMULAÇÃO MERCANTIL E INVESTIMENTO EM TERRAS

Os núcleos urbanos dos projetos de colo­nização, desde sua origem, tiveram como função permitir a circulação da produção agrícola e atender à demanda dos colonos. Vale dizer, a agricultura deveria constituir-se em atividade dinâmica sustentando o comér­cio localizado nas cidades. No entanto, a agricultura tem sofrido uma grave crise, sen­tida mais intensamente nas localidades de colonização privada do que na oficial. Em Mato Grosso vem ocorrendo mesmo a er­radicação de culturas implantadas no início da colonização, como é o caso da cultura do café nos projetos de Alta Floresta e Paranaíta, ambos da colonizadora INDECO. O uso da terra vem sendo crescentemente reconvertido para a atividade pecuária. Im­portante também são as atividades extra­tivistas: ouro nos acima mencionados proje­tos da INDECO e madeira, particularmente em São José do Rio Claro.

Por outro lado, a inversão no comércio permitiu notável valorização do patrimônio daqueles que se dirigiram aos projetos de colonização, maior mesmo do que a apli­cação no ativo financeiro típico dos pequenos investidores, caso da caderneta de poupança, cuja remuneração mensal é de 0,5%. A Tabela 2 apresenta as taxas de acumulação média mensais auferidas por comerciantes, bem como a participação dos comerciantes que têm ativos agrícolas ( ter­ras e animais).

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TABELA2

ACUMULAÇÃO MERCANTIL NAS CIDADES DE COLONIZAÇÃO PARÁ E MATO GROSSO -1991

CIDADES TAXAS DE

ACUMULAÇÃO (média mensal)

ATIVOS AGRÍCOLAS(%)

Dos comerciantes I No patrimônio

PARÁ

Colonização oficial

Altamira

Medicilândia

Pacajá

Monte Alegre

Mato Grosso

Colonização particular

Alta Floresta

Paranaíta

Nova Mutum

São José do Rio Claro

FONTE - IBGE, Pesquisa de campo, 1991.

A acumulação mercantil permitiu que mui­tos dentre os comerciantes da amostra di­versificassem seu patrimônio, investindo na aquisição de Terras e Animais. Esta diversifi­cação patrimonial foi movida pelo interesse em aplicar especulativamente num ativo real, principalmente entre os comerciantes da colo­nização privada. Conforme se pode observar na tabela acima, é justamente nos dois proje­tos da INDECO, onde as culturas agrícolas foram praticamente erradicadas, que a partici­pação dos ativos agrícolas no patrimônio dos comerciantes foi maior. Essa imobilização em terras deve-se ao efeito combinado da descoberta de ouro naquela região com a rentabilidade auferida no comércio.

Dada a instabilidade da economia brasileira, com modificações bruscas nos preços relativos, a imobilização em "Terras" pode constituir-se numa alternativa para assegurar o valor do pa­trimônio. Quanto ao ativo "Animais", além de conservar o valor patrimonial - ou até aumentá­lo, já que a variação do preço do gado tem sido maior do que a variação do IGP - proporciona alto grau de liquidez.

É curioso observar que a participação dos ativos agrícolas está mais disseminada entre

1,53 26 10,6

2,20 33 47,3

1,95 10 41,5

5,04 33 25,6

4,35 53 41,6

(-) 0,29 71 33,8

2,94 12 3,0

0,90 36 2,2

os comerciantes que mantêm relaciona­mento mercantil com outros comerciantes estabelecidos nas Regiões Sudeste e Sul do País, conforme sugere os dados da Tabela 3. Nesta tabela, distribuímos os comerciantes de acordo com o tipo principal de relaciona­mento mercantil no qual estão envolvidos: se são principalmente fornecedores para o mercado meramente local, da Região Norte­Nordeste, para o Centro-Oeste ou para o Sul-Sudeste; ou se constituem mercado consumidor para os agentes estabelecidos naqueles mesmos locais.

Podemos verificar que as maiores taxas de acumulação encontram-se no comércio Local/Norte e Local/Sul, basicamente carac­terizado pela venda de produtos agrícolas e florestais, beneficiados ou não . É este tipo de comércio que responde também pelos maiores percentuais de ativos agrícolas no patrimônio dos comerciantes. Destaca-se aí, também, o comércio Sul/Local que diz res­peito ao fornecimento de produtos industri­alizados, desde alimentos até eletrodomésti­cos, muito dinâmico em função da tendência à padronização do consumo.

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TABELA3

TAXA DE ACUMULAÇÃO MERCANTIL E PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS AGRÍCOLAS NO PATRIMÔNIO DOS COMERCIANTES, SEGUNDO O

TIPO DE ÁREA DE ALCANCE DE SEUS MERCADOS- 1991

TIPO

LocaVLocal

LocaVNorte

LocaVCentro-Oeste

Local/Sul

Norte/Local

Centro-Oeste/Local

Sul/Local

FONTE - IBGE, Pesquisa de Campo, 1991.

NÚMERO DE

QUESTIONÁRIO

Observa-se que são os comerciantes que intercambiam com o Sul aqueles que mais diversificaram seu patrimônio, investindo em ativos agrícolas . Considerando que os sulis­tas migraram para a região, especialmente os que se dirigiram aos projetos de coloni­zação privada, movidos pelo interesse em estabelecer-se diretamente na atividade comercial na área urbana das localidades de colonização, conclui-se que a rentabilidade de seus negócios tem permitido que se tor­nem proprietários fundiários. Assim, em última instância, a condição de proprietário de terras ainda atrai os migrantes para a fronteira amazônica, ainda que a origem do seu capital acumulado seja o comércio.

Esta diversificação patrimonial não aponta para uma transferência de atividade urbana para a rural. Ao contrário, os entrevistados ale­gam que pretendem manter-se na condição de comerciantes, mas elegem a compra de terra e a atividade pecuária como alternativas de aplicação de seu capital acumulado. Neste sentido, as atividades mercantis não são tem­porárias, ao contrário, estão estabelecidas de modo a propiciar aos que a elas se dedicam renda que lhes permitam sobreviver e/ou acu­mular patrimônio na fronteira amazônica.

Podemos, desta forma, afirmar que a acu­mulação mercantil nos projetos de coloni­zação estudados tem gerado estratégias de diversificação patrimonial que envolvem a

31

3

11

7

26

TAXA DE

ACUMULAÇÃO (%)

2,61

8,32

3,04

1,45

1,20

1,84

ATIVOS AGRÍCOLAS

NO PATRIMÔNIO DOS

COMERCIANTES (%)

16,5

37,2

61,3

15,9

34,0

compra de terras agrícolas, tanto para fins meramente especulativos, como sugerem os dados referentes aos projetos privados onde a valorização da terra é maior, quanto para fins produtivos, como parece ocorrer na colonização oficial.

Cabe observar, entretanto, que a própria dinâmica demográfica, anteriormente men­cionada, aponta para uma superação da estagnação agrícola, ainda muito dependen­te do relacionamento comercial com o Sul. O crescimento da população regional e mais, o crescimento da taxa de urbanização da população, sugere uma nova alternativa para a agricultura local, destinada ao abastecimento alimentar daquela população. Neste contexto, o movimento de expansão de capitais urbanos em direção ao espaço agrário apresenta perspectivas rentáveis, não devendo ser reduzidas a inversões ape­nas especulativas, com base em investimen­tos públicos do governo federal tão carac­terísticos dos anos 60 e 70.

À GUISA DE CONCLUSÃO

O exame que procuramos realizar sobre os investimentos de pequenos agentes ur­banos no mercado de terra na Amazônia teve como intuito retratar um fenômeno que

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vem ocorrendo com freqüência em todo o País, sobretudo no entorno dos núcleos ur­banos. Este fenômeno apresenta particulari­dades que o diferem da forma histori­camente dominante de apropriação especu­lativa da terra no País, a qual está associada a constituição de latifúndios.

Em primeiro lugar, devemos destacar o momento histórico atual em que a terra agrícola se transforma em um ativo à seme­lhança dos títulos financeiros, o que por si só gera novas expectativas por parte dos agentes econômicos. Esta característica muda completamente o significado da terra enquanto reserva de valor. Conseqüente­mente, a especulação com terras assume novas formas. A compra de terra para futura valorização, muito comum até os anos 70, torna-se em tempos de crise econômica e ciclo inflacionário, estratégia pouco atraente para o investidor, tendo em vista a existência de ativos mais rentáveis e de maior liquidez no mercado financeiro.

Vale lembrar, por sua vez, que o contexto que dá novo significado econômico à com­pra de terras é marcado também pela rede­finição jurídica da função social da pro­priedade rural, legitimada na Constituição de 1988, amplamente desfavorável à especu­lação fundiária. Neste contexto, a apro­priação especulativa da terra não passa mais, necessariamente, pela subutilização ou semi-abandono de propriedades rurais.

Finalmente, observa-se que a compra de terras tem sido objeto de diversificação patri­monial não apenas por parte de grandes em­presas, mas também por pequenos investi­dores urbanos. Estes vêem na compra de ter-

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ras agrícolas uma fronteira de novas opor­tunidades de aplicações rentáveis de capital.

Num contexto de mudança de um modelo de desenvolvimento tão polarizado, como o que caracterizou o desenvolvimento da economia brasileira, para um outro mais descentralizado, apresentando tendência à desconcentração da população, observa-se uma expansão de novos negócios nas pequenas e médias cidades. Estas, por sua vez, gerarão impactos positivos na economia de suas áreas de influência, vale dizer, representarão mercados a serem abastecidos por produção alimentar de suas áreas rurais. Este cenário sugere intensifi­cação do uso produtivo da terra agrícola e, portanto, perspectivas de dinamização nas formas de apropriação da terra.

Este fenômeno de expansão dos capitais urbanos em direção ao espaço agrário não é uma característica da Amazônia, mas cor­responde a uma tendência na qual o capital tende a homogeneizar o espaço mediante a apropriação para fins de geração de lucro. Neste contexto, o espaço agrário torna-se completamente submetido à lógica de acu­mulação capitalista, o que contribui para le­var, tendencialmente, à superação das distinções na forma como se apresenta o campo e a cidade. Na Amazônia, apesar de se constituir numa região de ocupação re­cente, em processo de estruturação, este fenômeno já está presente e encontra menos resistência em se expandir por falta de ocupação anterior consolidada. Portanto, o que se apresenta como tendências nas regiões já consolidadas, na Amazônia emerge como característica ainda mais nítida.

BIBLIOGRAFIA

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WILKINSON, J. O estado, a agroindústria e a pequena produção. São Paulo: HUCITEC, 1986. (Série Estudos Rurais).

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RESUMO

Este trabalho parte da premissa de que o capitalismo, em seu processo de desenvolvimento, vai apresentando desdobramentos espaciais que acabam por conferir à cidade a condição de lo­cus privilegiado de acumulação. Uma vez, contudo, que as oportunidades de investimentos ren­táveis na cidade vão diminuindo, o espaço agrário se apresenta como uma fronteira de novas oportunidades, o que acaba resultando em novas relações entre campo e cidade que não podem ser reduzidas apenas à clássica drenagem de recursos do campo em direção à cidade. Estas no­vas relações cidade-campo não são características apenas das regiões de ocupação já consoli­dada, mas também das áreas de ocupação recente, como é o caso da Amazônia, mesmo nas lo­calidades cuja incorporação à economia capitalista se deve a projetos de colonização agrícola.

ABSTRACT

This paper considers that Capitalism, in its development process, present spacial unfoldings that confer to the City the condition of main "locus"of accumulation. Since, however, that dimini­shes the profitable opportunities of new investments into the City, the agrarian space presents it­self as a frontier of new opportunities. This results in new relashionships between City and Field that cannot be simplified only as the classical drainage of esources from the Field to the City. This new relashionship "City-Field" is not commom only in consolidated areas, but also in areas of recent occupation, for instance, Amazon, even in small villages where the incorporation to the capitalist economy is due to the agrarian colonization projects.

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IDENTIFICAÇÃO DOS CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO NO BRASIL*

Roberto Lobato Corrêa**

O TEMA

A gestão do território constitui o conjunto de práticas visando, no plano imediato, à criação e ao controle de uma dada organi­zação espacial, isto é, as formas espaciais, suas funções e sua distribuição no espaço. Visa também ao controle dos processos que afetam a organização espacial, entre eles a concentração e a dispersão das atividades no espaço. Em última instância a gestão do território, uma faceta da gestão econômica, política e social, constitui um poderoso meio através do qual se viabiliza a reprodução da sociedade como um todo (Corrêa, 1992).

Como fato social a gestão do território é caracterizada por uma historicidade definida a cada momento por agentes e práticas distintas. Na fase atual do capitalismo as grandes corporações multifuncionais e mul­tilocalizadas e o Estado são, efetivamente, os principais agentes da gestão do território.

O centro de gestão do território, por outro lado, é aquela cidade onde se localizam, de

• Recebido para publicação em 20 de outubro de 1994.

um lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indiretamente um dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nelas sediadas. Ressalte-se que a concentração dos órgãos do Estado e de sedes de empresas em uma mesma cidade não é incomum.

Como foco político-administrativo, a mag­nitude de um centro é dada pelo número e nível hierárquico dos órgãos estatais nele si­tuados, pela importância do Estado na vida nacional e pela dimensão e riqueza do ter­ritório sob sua jurisdição. Enquanto ponto fo­cal de sedes de empresas admite-se que, quanto maior é o seu número, maior é a di­mensão dessas empresas, medida pelo mon­tante de produção e pelo número de pes­soas empregadas, e, quanto maior e mais rico o espaço sob controle delas, maior será a magnitude do centro de gestão. Estas corre­lações já foram evidenciadas por diversos autores como Pred(1974), Borchert(1978) e Goodwir (1965) para os Estados Unidos, Strickland e Aiken (1984) para a Alemanha e Corrêa (1968) e Cordeiro (1987), entre ou­tros, para o Brasil.

•• Professor Visitante do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro · UFRJ. A presente pesquisa foi reali· zada no âmbito do LAGET (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística· IBGE/UFRJ), tendo sido financiada pelo Con· selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico· CNPq.

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 57(1): 83 · 102, jan./mar. 1995.

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O presente estudo considera os centros de gestão do território enquanto locais de concentração de sedes sociais de empre­sas. Neste sentido um dos modos de se identificar e qualificar tais centros consiste em considerar a distribuição espacial de uni­dades financeira e administrativamente de­pendentes de empresas neles sediadas. O número de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, a diversificação das atividades controladas e o número de pessoas empregadas são variáveis úteis para tal identificação e qualificação.

Objetivando identificar e qualificar os cen­tros de gestão do território no Brasil consi­dera-se o conceito de assalariado externo como base para o propósito acima especifi­cado. Por assalariado externo compreende­se, segundo Fillâtre comentado por Roche­fort e Hautreux (1963), aquele empregado que trabalha em estabelecimento (fábrica, loja, agência bancária, etc.) pertencente a uma empresa cuja sede se localiza em outro lugar que não o do estabelecimento. Assim, os empregados da fábrica de cigarros da Companhia de Cigarros Souza Cruz locali­zada em Uberlândia, Minas Gerais, são as­salariados externos da metrópole carioca, onde se localiza a sede da referida empresa.

A importância do conceito em tela reside no fato dele indicar o controle que um dado centro exerce sobre a vida econômica, política e social de um determinado lugar, afetando o nível de empregos diretos e indi­retos, a renda e os impostos. Mais do que isto, quando acompanhado da descrição das atividades em que estão empregados, cons­titui em dado capaz de indicar a inserção de cada lugar na divisão territorial do trabalho da empresa e do País, região ou em âmbito internacional.

O controle exercido pelo centro de gestão do território resulta tanto da criação pela em­presa nele sediada de atividades em outros lugares, como da absorção de empresas ou unidades pertencentes a empresas concor­rentes. Criação e absorção que se inserem no processo de expansão marcado seja pela concentração horizontal, seja pela concen­tração vertical ou integração, seja ainda por ambas e pela diversificação (Corrêa 1991 ). Esta expansão, por sua vez, deriva de ne­cessidades intrínsecas à empresa (e ao sistema capitalista) e vincula-se à necessi-

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dade de novas localizações caracterizadas pelo acesso e controle das matérias-primas, fontes de energia, mercado consumidor, força de trabalho mais barata e politicamente menos ativa.

Sobre o assunto em questão, os argumen­tos de Palloix(1978) são extremamente es­clarecedores: subjacente àquelas necessi­dades locacionais está a tentativa de su­peração da tendência de taxas de lucro decrescentes. A difusão espacial das ativi­dades através da criação e absorção de uni­dades pode cumprir esse papel, ao mesmo tempo em que confere às cidades-sedes a função mais explícita de centro de gestão do território.

O número de assalariados externos segundo os lugares e as atividades permite, por outro lado, qualificar os centros de gestão do território. Assim, se um centro controla 60 000 assalariados externos dis­tribuídos em 80 lugares e em 12 atividades distintas, e outro controla apenas 18 000 dis­tribuídos em 20 lugares e em apenas cinco atividades, então o primeiro será maior e mais complexo que o segundo.

O presente estudo procura então identificar e qualificar os centros de gestão do território no Brasil a partir do número de assalariados externos controlados, sua localização e as atividades a que estão vinculados.

OS DADOS: NATUREZA E LIMITES

A fonte de dados é o Censo Industrial de 1985, em relação ao qual uma tabulação es­pecial foi solicitada contendo as seguintes informações:

1) localização (município) de cada esta­belecimento industrial cuja sede da empresa que o controla estivesse em outro município;

2) localização (município) da rede da em­presa dos referidos estabelecimentos;

3) gênero de indústria dos estabelecimen­tos acima selecionados;

4) nome da empresa que controla cada um dos estabelecimentos em questão; e

5) número de pessoas ocupadas em cada um dos estabelecimentos em pauta (assa­lariados externos).

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O fato de se considerarem os as­salariados externos industriais merece um comentário. São eles capazes de colocar em evidência o controle da atividade produ­tiva pelas cidades brasileiras, pois se refe­rem não apenas à produção de bens de pro­dução como o aço e certos produtos quími­cos, como também à produção de bens intermediários e bens de consumo durável e não-durável. Deste modo os dados são ca­pazes de indicar o papel que cada centro in­dustrial cumpre na divisão territorial do tra­balho no País. Os dados referem-se, por ou­tro lado, ao beneficiamento de produtos da agropecuária e da extração vegetal e min­eral, assim como à transformação de pro­dutos da silvicultura. Deste modo dizem re­speito a uma complexa gama de atividades, envolvendo o processo produtivo na cidade e no campo e, em relação a ele, o papel de gestão que as cidades brasileiras desem­penham.

Os dados utilizados merecem ainda ou­tros comentários, pois eles implicam limites aos resultados obtidos. Os comentários que se seguem vinculam-se ao conceito de esta­belecimento industrial adotado pelo Censo, à definição dos gêneros industriais e à adoção da empresa como unidade organi­zacional e jurídica.

O Censo Industrial de 1985, assim como os anteriores, não considera o esta­belecimento industrial, unidade de levan­tamento das informações, como o local onde a produção é realizada, local que é identifi­cado por um mesmo endereço. No mesmo endereço podem existir dois ou mais esta­belecimentos industriais. Uma fábrica, usina ou mina identificada por um único endereço, é denominado de unidade local. O esta­belecimento industrial é considerado uma unidade de operação, na qual são realizadas atividades industriais que apresentem os mesmos processos físico-químicos. Isto sig­nifica que em uma mesma unidade local podem ser encontrados mais de um esta­belecimento industrial, ainda que haja, como regra geral, uma coincidência entre unidade local e estabelecimento industrial (classifi­cação de atividades e produtos, matérias­primas e serviços industriais, 1988).

Vejamos um exemplo hipotético. Uma fábrica têxtil localizada em um único en-

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dereço constitui uma unidade local. Se ela possuir, além de suas seções de fiação e te­celagem, uma de manutenção das máqui­nas (gênero mecânica), na qual os proces­sos físico-químicos são distintos daqueles da produção têxtil, terá essa unidade local, além de alguns possíveis estabelecimentos classificados como do gênero têxtil, um do gênero mecânica.

A implicação decorrente é que o número de estabelecimentos controlados por uma dada empresa tende a ser ampliado. Assim, à guisa de exemplo, a fábrica têxtil do Co­tonifício Gávea Ltda. Localizada em Teresó­polis, está dividida em seis estabelecimen­tos, cinco dp gênero têxtil e um do gênero mecânica. E por esta razão que o número de estabelecimentos controlados não foi considerado como indicador da magnitude dos centros de gestão do território.

Convém ressaltar, por outro lado, que o Censo lndusrial de 1985 considera como es­tabelecimentos industriais as unidades em que são realizadas atividades não-indus­triais, porém diretamente vinculadas à pro­dução como os almoxarifados, depósitos, escritórios de venda e as unidades de pro­dução de energia da empresa. Neste caso a unidade foi classificada como de energia elétrica autoproduzida, enquanto as demais unidades foram classificadas de acordo com o gênero industrial do estabelecimento a que estavam vinculadas.

A implicação da inclusão dessas uni­dades, geralmente possuidoras de um pequeno número de empregados, é que se evidencia a magnitude da rede de locali­zações e interações das grandes empresas. Neste sentido não se trata de uma limitação, mas de uma vantagem.

Em relação aos gêneros de indústria há alguns problemas resultantes de sua de­finição pelo Censo. O mais significativo diz respeito ao gênero mecânica que parece ter ampliado muito o número de seus empre­gados. Isto se deve em razão de serem en­contradas seções de manutenção em fábri­cas têxteis, usinas de açúcar, minas e usi­nas metalúrgicas, entre outras. Se as atividades de manutenção de máquinas não fossem consideradas, o número de empre­gados (e assalariados externos) do gênero

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mecamca seria certamente menor, assim como o número de estabelecimentos. Neste sentido, o número de assalariados externos segundo os gêneros industriais constitui uma aproximação.

Uma outra limitação refere-se ao fato de ter sido considerada a empresa como uni­dade organizacional e jurídica, com razão social e identificação próprias no Cadastro Geral de Contribuintes. Não são considera­dos como unidades, os grupos econômicos ou corporações constituídos por uma em­presa holding e suas empresas "contro­ladas" (50% ou mais das ações nas mãos da holding) e "coligadas" (menos de 50%), empresas que, embora possuam razões so­ciais próprias, são dependentes das respec­tivas holdings tanto em termos financeiros como decisionais.

Vejamos um exemplo. A Companhia Souza Cruz Indústria e Comércio, holding do grupo Souza Cruz e com sede na cidade do Rio de Janeiro, detinha o controle acionário da Indústria Alimentícia Maguary S.A. com sede em Recife. Os assalariados externos desta última são, de acordo com o Censo In­dustrial, considerados como vinculados a Re­cife e não à metrópole carioca. No caso em questão, a capital pernambucana, em razão de uma definição formal de controle, amplia o número de seus assalariados externos.

A limitação em pauta implica o fato de que o número de assalariados externos contro­lados por um dado centro de gestão do ter­ritório constitui uma aproximação. Dada a concentração do capital nas grandes metró­poles, sobretudo em São Paulo, acredita-se que o número de assalariados externos dos maiores centros de gestão esteja subesti­mado, enquanto o dos centros menores su­perestimado.

Se o papel das grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro parece estar subestimado, é necessário considerar que muitos dos seus assalariados externos são empregados de grandes corporações multi­nacionais que possuem sedes regionais nos grandes centros metropolitanos. Assim, os assalariados externos da SANBRA, Gessy Lever e Nestlé, entre outras, que são conta­bilizados para a metrópole paulista, são, em realidade, assalariados externos de centros

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metropolitanos localizados fora do Brasil. Neste sentido, o papel dos grandes centros de gestão do território apresenta-se, em rea­lidade, superestimado.

Esta limitação sugere que nos estudos sobre os centros de gestão do território con­siderem-se os grupos econômicos como uni­dades organizacionais e não as empresas. Mas esta solução parece ser possível ape­nas para estudos de casos como o realizado por Corrêa(1991) sobre o grupo Souza Cruz.

As limitações derivadas dos conceitos de estabelecimento e gêneros industriais e da adoção da empresa como unidade organi­zacional e jurídica, contudo, não inviabilizam os resultados da presente pesquisa: apenas indicam alguns de seus limites.

OS RESULTADOS

Os resultados aqui apresentados são pre­liminares. Dizem respeito a: a) identificação dos centros de gestão do território; b) uma breve comparação entre as duas grandes metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro; c) uma comparação entre as metrópoles regionais; e d) uma classificação dos centros de gestão no que se refere à di­versificação-especialização das atividades que controlam.

Os resultados, adicionalmente, não con­sideram a atuação espacial dos centros de gestão senão ao nível de Unidades da Fede­ração, um nível espacial muito agregado.

a) Magnitude e Distribuição Espacial dos Centros de Gestão do Território

Em 1985 foram identificados 77 centros que controlavam pelo menos 1 000 assa­lariados externos. A Tabela 1 indica cada um desses centros, enquanto a Tabela 2, o número desses centros de acordo com seis classes de tamanho e segundo as cinco macrorregiões do Brasil.

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TABELA 1

NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS CONTROLADOS PELOS PRINCIPAIS CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO - 1985

NÚMERO DE NÚMERO DE CENTRO DE GESTÃO ASSALARIADOS CENTRO DE GESTÃO ASSALARIADOS

EXTERNOS EXTERNOS

39. Petrópolis (RJ) 2 774

1. São Paulo (SP) 449 641 40. Novo Hamburgo (RS) 2 653

2. Rio de Janeiro (RJ) 183 379 41. Jaraguá do Sul (SC) 2648

3. Belo Horizonte (MG) 58473 42. Joinville (SC) 2638

4. Porto Alegre (RS) 36 457 43. Simões Filho (BA) 2 371

5. São Bernardo do Campo (SP) 22834 44. Poços de Caldas (MG) 2 316

6. Maceió (AL) 16 397 45. Goiânia (GO) 2302

7. Salvador (BA) 16 214 46. Feira de Santana (BA) 2 295

8. Recife (PE) 15424 47. Americana (SP) 2 212

9. Curitiba (PR) 15 322 48. São Leopoldo (RS) 2144

1 O. São Caetano do Sul (SP) 14586 49. Matão (SP) 2023

11. Barueri (SP) 12 788 50. Rio Grande (RS) 1 999

12. Sapiranga (RS) 12054 51. Volta Redonda (RJ) 1 912

13. Campinas (SP) 9 889 52. Campo Largo (PR) 1 906

14. Sorocaba (SP) 8 863 53.Lajeado (RS) 1 905

15. Fortaleza (CE) 8 763 54. Diadema (SP) 1 843

16. Osasco (SP) 8423 55. João Pessoa (PB) 1 822

17. Blumenau (SC) 8297 56. Ribeirão Preto (SP) 1 656

18. Manaus (AM) 7 868 57. Chapecó (SP) 1 608

19. Vitória (ES) 7 690 58. Piracicaba (SP) 1 429

20. Belém (PA) 6799 59. São João de Meriti (RJ) 1 361

21. Santo André (SP) 6 739 60. ltaúna (MG) 1 314

22. Caldas do Sul (RS) 6 617 61. Pratápolis (MG) 1 310

23. Aracaju (SE) 6093 62. Bento Gonçalves (RS) 1 280

24. Sabará (MG) 5 953 63. Pelotas (RS) 1 273

25. Natal (RN) 5527 64. Pojuca (BA) 1 265

26. Jundiaí (SP) 5395 65. Botucatu (SP) 1 262

27. Montes Claros (MG) 5369 66.São José dos Pinhais (PR) 1 255

28. Criciúma (SC) 5 312 67. Santos (SP) 1 246

29. Campo Bom (RS) 4877 68.Caçador(SC) 1 197

30. Guarulhos (SP) 4604 69.Lages (SC) 1 106

31. São José dos Campos (SP) 4 417 70. Teutônia (RS) 1 106

32. Camaçari (BA) 4180 71. Niterói (RJ) 1 099

33. Brasília (DF) 3 830 72. União da Vitória (PR) 1 091

34. Videira (SC) 3 652 73. Campos (RJ) 1 081

35. Gaspar (SC) 3475 74. Petrolina (PE) 1 065

36. Ponta Grossa (PR) 3169 75. Sumaré (SP) 1 063

37. Contagem (MG) 2 971 76. Salto (SP) 1 035

38. Lençóis Paulista (SP) 2855 77. Montenegro (RS) 1 025

FONTE- IBGE, Censo Industrial, 1985.

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88 RBG

TABELA2

NÚMERO DE CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, POR CLASSE DE TAMANHO RELATIVAS AO NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS CONTROLADOS,

SEGUNDO AS MACRORREGIÕES -1985

NÚMERO DE CENTROS, POR CLASSE DE TAMANHO DE ASSALARIADOS EXTERNO

MACROR-REGIÕES

Brasil

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Total

77

2

12

35

26

2

De 1 000

a 1 999

FONTE -IBGE, Censo Industrial, 1985.

28

3

13

12

De 2 000

a 4999

21

3

8

8

2

A análise das referidas tabelas coloca em evidência alguns aspectos a seguir comen­tados:

1) A metrópole de São Paulo sobressai ni­tidamente como o principal centro de gestão do território, controlando cerca de 450 000 assalariados externos. É assim 2,45 vezes maior que a metrópole carioca que controla pouco mais de 180 000 assalariados exter­nos. Ressalte-se que na pesquisa realizada por Corrêa (1968) com dados relativos a 1962, em que pese o fato de terem sido con­siderados apenas os estabelecimentos in­dustriais com cinco ou mais empregados, a diferença a favor de São Paulo era menor: com 133 289 assalariados externos, a metrópole paulista era 1 ,34 vezes maior que o Rio de Janeiro que controlava 99 013 as­salariados externos. A primazia paulistana é assim ampliadamente ratificada.

2) Belo Horizonte e Porto Alegre situam­se, respectivamente, em 3º e 4º lugar. As outras metrópoles regionais - Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Goiânia e Curitiba - contudo, não ocupam posições que vão do 5º ao 11 º lugar. Há vários cen­tros não-metropolitanos que ocupam posições mais importantes que pelo menos

De 5 000

a 9 999

16

2

3

8

3

De 10 000

a 24 999

8

3

3

2

I

I

De De De 25 000 100 000 400 000

a a a 60 000 200 000 500 000

2 1

uma das metrópoles regionais acima indi­cadas.

Alguns desses centros são capitais estaduais como Maceió e Vitória, outros são capitais regionais dotadas de importante atividade industrial, como se exemplifica com Blumenau e Sorocaba, enquanto Campinas constitui uma emergente metrópole. Muitos centros são, contudo, núcleos que fazem parte de regiões metropolitanas como a de São Paulo (São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Barueri, Osasco e Santo André, entre outros) e Porto Alegre, exempli­ficada por Sapiranga.

3) É significativo o número de centros de gestão do território que são núcleos inte­grantes da Região Metropolitana de São Paulo, alguns controlando mais de 1 O 000 assalariados externos. No conjunto contro­lam mais de 60 000 assalariados externos, mais do que Belo Horizonte, situada em 3º lugar, controla.

Duas possibilidades emergem explicando a magnitude desses centros que também cumprem papéis de subúrbios industriais. Ou foram capazes, a partir de um empre­sariado local, de criar importantes empresas que se expandiram econômica e espacial-

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mente, ou a importância deles deriva de um processo de descentralização de redes de empresas que se localizavam anteriormente na cidade de São Paulo. Comprovada esta segunda possibilidade, então pode-se falar de um processo de descentralização da função de direção e controle da cidade central para os núcleos de sua região metropolitana.

Núcleos integrantes de regiões metropoli­tanas que se destacam como centros de gestão do território localizam-se em torno de Porto Alegre (Sapiranga, Campo Bom, Novo Hamburgo e São Leopoldo), Salvador (Camaçari e Simões Filho), Belo Horizonte (Sabará e Contagem), Curitiba (Campo Largo e São José dos Pinhais) e Rio de Janeiro (São João de Meriti e Niterói).

Ressalte-se que a pequena expressão dos núcleos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é indicadora da existência de uma região metropolitana, a segunda em tamanho demográfico e econômico, em que o processo de descentralização a partir de uma cidade central é muito limitado. Assim, subúrbios dotados de importante função in­dustrial como Nova Iguaçu e Duque de Caxias não figuram entre os 77 maiores centros de gestão do território. Ressalte-se ainda que o mesmo se pode dizer em re­lação às Regiões Metropolitanas de Recife, Fortaleza, Belém, Manaus e Goiânia.

4) A Região Sudeste aparece como a principal área concentradora de centros de gestão do território. Aí estão localizados 35 dos 77 centros identificados, entre eles os três maiores. O Sudeste possui centros em todas as classes de tamanho, os menores representando 21 em 35 centros.

Ressalte-se o fato de que nas proximi­dades da metrópole paulista há um impor­tante conjunto de centros de gestão do ter­ritório, alguns dos quais de expressiva mag­nitude: Campinas, Sorocaba, Jundiaí, São José dos Campos, Americana, Piracicaba e Santos. Juntamente com os subúrbios paulistanos, o conjunto de centros em torno de São Paulo constitui poderoso foco de gestão do território. Pode-se falar em metrópole ampliada, composta de centros em torno da cidade de São Paulo.

A concentração de centros de gestão em torno de São Paulo revela uma desigual dis-

89

tribuição espacial desses centros no Sudeste. Em torno das metrópoles carioca e mineira localizam-se dois conjuntos menores de centros de gestão do território, abrangendo oito centros. Além destas duas concen­trações há uma relativa dispersão de cen­tros que desempenham adicionalmente funções de capital regional ou de centro sub­metropolitano (Campos, Montes Claros, Poços de Caldas, Ribeirão Preto e Vitória), industriais, a exemplo de Volta Redonda, ou combinam a indústria com funções centrais menos importantes (Pratápolis, Matão, Lençóis Paulista e Botucatu).

Visando a evidenciar mais ainda a desi­gual distribuição dos centros de gestão do território, considere-se o oeste paulista. Nesta região, tais centros são quase inexis­tentes. As prósperas capitais regionais de São José do Rio Preto, Bauru, Araçatuba, Marília e Presidente Prudente não se desta­cam como centros de controle e decisão de atividades industriais, sendo neste aspecto superadas por cidades dotadas de menor centralidade como Americana, Salto e Matão.

Em realidade há uma clara associação entre a função de gestão de atividades e a função industrial, que em sua espaciali­dade ocorre na região urbano-industrial que da metrópole paulista estende-se, através de Campinas, a Ribeirão Preto (Luma e Corrêa, 1977).

5) A Região Sul aparece em 2º lugar apresentando 26 centros de gestão do ter­ritório. As metrópoles regionais, Porto Ale­gre e Curitiba, sobressaem dos demais cen­tros, a elas agregando-se alguns núcleos in­tegrantes de suas respectivas regiões metropolitanas. Seguem-se centros que, além de expressiva centralidade, são focos de importante atividade industrial que apre­sentaram um significativo espraiamento espacial: Blumenau, Caxias do Sul e Criciúma, todos controlando entre 5 000 e 1 O 000 assalariados externos.

Diferentemente da Região Sudeste os pequenos centros de gestão, que controlam até 4 999 assalariados externos, são relati­vamente mais numerosos na Região Sul: 20 em 26, contra 21 em 35 no Sudeste. Trata­se de um expressivo conjunto de pequenas e médias cidades, em que o processo de

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desenvolvimento industrial extrapolou para fora da cidade, criando estabelecimentos controlados por elas. Videira, Gaspar, Ponta Grossa, Jaraguá do Sul, Joinville, Rio Grande, Chapecó e Bento Gonçalves são al­guns dos exemplos.

Na Região Nordeste estão 12 dos 77 cen­tros de gestão do território que foram se­lecionados. Os três maiores são Maceió, Salvador e Recife, seguindo-se Fortaleza, Aracaju e Natal. O número de centros menores, com até 4 999 assalariados exter­nos é igual ao dos centros maiores, apenas seis. Dentre estes dois estão na Região Metropolitana de Salvador, reforçando a im­portância da capital baiana como o mais im­portante centro de gestão do território no Nordeste. Próximo a Salvador, estão Feira de Santana e Pojuca, como a indicar a for­mação de uma relativamente expressiva área de comando de atividades industriais.

As Regiões Norte e Centro-Oeste, final­mente, apresentam apenas quatro centros de gestão do território, Manaus e Belém, na primeira, e Brasília e Goiânia na segunda.

RBG

São as maiores cidades das duas regiões e, à exceção de Brasília, são as metrópoles re­gionais.

Uma constatação se impõe. Quanto maior o número de centros de gestão do território em uma dada região, menos importante em termos relativos é o peso da metrópole re­gional. Inversamente, quanto menor o número de centros de gestão do território, mais importante é o papel da metrópole re­gional, efetivamente uma metrópole primaz.

b) São Paulo e Rio de Janeiro: uma Comparação

Os dois maiores centros de gestão do território e, conseqüentemente, de acumu­lação capitalista, diferenciam-se não ape­nas em termos de número de assalariados externos controlados, como também no que se refere aos gêneros industriais que controlam e à atuação espacial. As Tabe­las 3 e 4 descrevem, respectivamente, as duas características diferenciadoras indi­cadas.

TABELA3

COMPARAÇÃO DA ATUAÇÃO DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO COMO CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, MEDIDA PELO NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS

CONTROLADOS, SEGUNDO OS GÊNEROS INDUSTRIAIS- 1985

GÊNEROS INDUSTRIAIS

Total

Produtos alimentares

Mecânica

Química

Metalúrgica

Material elétrico e de comunicações

Têxtil

Minerais não-metálicos

Material de transporte

Vestuário, calçados e artefatos de tecido

Papel e papelão

Borracha

NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS CONTROLADOS

(continua)

São Paulo Rio de Janeiro

449 641 183 379

69 411 10 598

46 548 21 974

48242 24992

47972 15 085

42 697 3273

34 701 12 965

23 395 6444

23 259 19 831

19 478 2 993

17 989 1 570

11 601 266

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TABELA3

COMPARAÇÃO DA ATUAÇÃO DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO COMO CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, MEDIDA PELO NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS

CONTROLADOS, SEGUNDO OS GÊNEROS INDUSTRIAIS· 1985

GÊNEROS INDUSTRIAIS

Diversos

Produtos de matérias plásticas

Extrativa mineral

Produtos farmacêuticos e veterinários

Editorial e gráfica

Mobiliário

Perfumaria, sabões e velas

Madeiras

Bebidas

Couros, peles e artefatos

Energia elétrica autoproduzida

Fumo

FONTE -IBGE, Censo Industrial, 1985.

NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS CONTROLADOS

(conclusão)

São Paulo Rio de Janeiro

11 258 2 077

8 811 1 134

8130 32 877

7148 1 979

6128 1 573

5 802 105

5245 496

4346 1 393

2286 7 888

1 033 13

621 266

540 13487

TABELA4

ATUAÇÃO ESPACIAL DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO COMO CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, MEDIDA PELO NÚMERO DE ASSALARIADOS

EXTERNOS CONTROLADOS • 1985

ASSALARIADOS EXTERNOS CONTROLADOS

UNIDADES DA FEDERAÇÃO São Paulo

Absoluto I

Total 449 641

São Paulo 317 216

Rio de Janeiro 27 895

Minas Gerais 25 458

Paraná 25 684

Rio Grande do Sul 23 267

Outras 30 121

FONTE -IBGE, Censo Industrial, 1985.

A metrópole paulista é, como já se referiu, 2,45 vezes maior que o Rio de Janeiro. Esta diferença, contudo, amplia-se quando se consideram os gêneros industriais, sendo pouco numerosos aqueles em que a metrópole carioca controla um número supe-

Rio de Janeiro

Relativo(%) Absoluto I

Relativo (%)

100,00 183 379 100,00

70,80 36 605 20,00

6,20 56 856 31,20

5,60 38129 20,80

5,70 7 056 3,80

5,10 8799 4,70

6,60 35 934 19,50

rior de assalariados externos. De fato, dos 23 gêneros industriais a metrópole paulista é numericamente mais importante que o Rio de Janeiro em 20 gêneros. Destes, apenas quatro são mais importantes até 2,45 vezes (mecânica, química, material de transporte e

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energia elétrica autoproduzida). Em outros termos, a despeito da importância das em­presas vinculadas ao petróleo e seus deri­vados (PETROBRÁS S.A.) e à construção naval (diversos estaleiros), que possuem suas sedes sociais na metrópole carioca, a capital paulista supera a antiga capital fe­deral no que diz respeito aos assalariados dos referidos gêneros.

Maior que o Rio de Janeiro entre 2,46 e 4,90 vezes estão os gêneros metalúrgica, têxtil, transformação de produtos minerais não-metálicos, madeira, produtos farmacêu­ticos e editorial e gráfica. Neste grupo estão as indústrias metalúrgicas em relação às quais o Rio de Janeiro sedia importantes empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional. Também a indústria têxtil, tradi­cional atividade da metrópole carioca que controla numerosos estabelecimentos exter­namente localizados, é superada por São Paulo, neste caso em 2,67 vezes.

São 1 O os gêneros em que São Paulo su­pera 4,91 vezes ou mais a metrópole carioca, entre eles situando-se tanto indústrias "tradi­cionais" como a de produtos alimentares e de vestuário, calçados e artefatos de tecido, como indústrias "modernas" como a de ma­terial elétrico e de comunicações e produtos de matérias plásticas.

A metrópole carioca somente supera São Paulo em três gêneros, os quais estão asso­ciados a grandes empresas que dominam os respectivos setores ou que apresentam forte grau de competição com a metrópole paulistana. São os gêneros vinculados à mineração, na qual sobressai a Companhia Vale do Rio Doce, ao fumo, no qual a Cia. de Cigarros Souza Cruz tem um virtual mo­nopólio e à produção de bebidas na qual a Cervejaria Brahma tem papel de destaque, competindo com outra poderosa indústria paulistana.

Quando se compara a metrópole de São Paulo com a do Rio de Janeiro no que se refere à atuação espacial, constata-se que a segunda tem uma atuação relativamente mais dispersa que a da capital paulista, con­forme se pode evidenciar ao se consultar a Tabela 4. A metrópole paulista possui 70,8% de seus assalariados externos localizados no Estado de São Paulo. Este fato merece um comentário. A concentração da atuação

RBG

de São Paulo no próprio Estado - o que não é incomum entre as metrópoles brasileiras -pode ser vista como o resultado de um pro­cesso no qual a capital paulista primeira­mente criou e passou a controlar .a sua hin­terlândia próxima e, a seguir, extravasou para o restante do País. Esta é, possivel­mente, uma hipótese que deve ser verifi­cada. Mas a atuação paulistana é também, I)O plano regional, fortemente concentrada. E o Centro-Sul do País onde estão, a seguir, os seus assalariados externos: Rio de Ja­neiro, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Apenas 6,6% localizam-se nas de­mais unidades da federação, indicando como estas pouco representam como áreas de investimento de capitais e, conseqüente­mente, de geração de lucros.

A metrópole carioca, ao contrário, apre­senta uma atuação que em seu próprio Estado é muito mais reduzida: apenas 31 ,2%. Seguem-se os Estados de Minas Gerais e São Paulo. A sua atuação se faz também ma­ciçamente na Região Centro-Sul. Contudo, a sua atuação nos outros Estados é mais ex­pressiva que aquela da metrópole paulista: 19,5% de seus assalariados externos estão localizados nesses Estados.

Verifica-se assim que a metrópole carioca é muito mais, sob esse prisma, uma metró­pole de atuação nacional do que regional. Sua atuação se faz em todo o País, assim como ocorre com São Paulo mas, diferente­mente desta, não apresenta a magnitude que a metrópole paulista dispõe em sua hin­terlândia regional. Este tema deve merecer investigação mais acurada, tanto em termos empíricos como também apoiado em uma base teórica.

c) As Metrópoles Regionais: uma Comparação

O Quadro 1 permite que se estabeleça uma comparação preliminar entre as metrópoles regionais do País. Estas, em número de nove, foram identificadas pelo estudo realizado pelo IBGE sobre as regiões de influência das cidades (Corrêa, 1987). No Quadro em pauta são indicados o número de assalariados externos controlados por cada uma delas, os principais gêneros industriais controlados e as respectivas atuações no espaço brasileiro.

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QUADRO 1

COMPARAÇÃO DAS METRÓPOLES REGIONAIS COMO CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, A PARTIR DO NÚMERO DE ASSALARIADOS EXTERNOS, PRINCIPAIS

GÊNEROS INDUSTRIAIS E DE ATUAÇÃO ESPACIAL- 1985

NÚMERO DE ATUAÇÃO ESPACIAL

93

METRÓPOLE PRINCIPAIS GÊNEROS REGIONAL ASSALARIADOS INDUSTRIAIS SEGUNDO AS UNIDADES

CONTROLADOS DA FEDERAÇÃO

Metalurgia- 39.2 Mecânica- 20.4 Minas Gerais- 90.2

BELO HORIZONTE 58473 Têxtil - 15.9 São Paulo - 3.4 Extrativa Mineral - 7.6 Espírito Santo - 2.9 Produtos alimentares - 5.4

Produtos alimentares - 21.3 Metalurgia- 14.6 Rio Grande do Sul - 66.2 Mecânica· 11.1 São Paulo - 10.5

PORTO ALEGRE 36457 Química- 9.8 Rio de Janeiro - 8.8 Material de transporte - 8.3 Santa Catarina - 6.3 Madeira· 7.8 Paraná- 5.6 Extrativa mineral - 5.2

Produtos alimentares - 23.6 Fumo -19.1 Química-12.1 Bahia- 81.1

SALVADOR 16 214 Bebidas- 10.9 Alagoas· 7.4 Têxtil- 7.0 Pernambuco - 5.8 Metalurgia- 6.7 Extrativa mineral - 5.2

Produtos alimentares - 57.4 Pernambuco · 66.5

RECIFE 15424 Têxtil - 11.4 São Paulo- 7.3 Mecânica - 7.5 Ceará-5.7 Minerais não-metálicos · 6.3 Minas Gerais- 4.7

Madeira - 36.2 Paraná - 54.8

CURITIBA 15322 Papel e papelão- 16.0 Santa Catarina- 21.9 Produtos alimentares - 11.1 São Paulo - 9.0 Minerais não-metálicos - 6.3 Rio Grande do Sul - 6.3

Produtos alimentares - 46.0 Ceará-56.5 Bebidas -19.6 São Paulo - 7.3

FORTALEZA 8763 Vestuário/calçados - 8.4 Pará- 5.7 Mecânica - 6.5 Paraíba · 5.5 Minerais não-metálicos - 6.5 Rio de Janeiro - 4.9 Produtos matérias plásticas- 5.4 Pernambuco - 3.6

Extrativa mineral · 52.2 Material elétrico e de Amazonas - 41.9

MANAUS 7 868 comunicações- 15.0 São Paulo - 32.4 Diversos- 11.6 Pará -15.5 Têxtil- 7.8

Produtos alimentares - 26.1 Madeira- 23.0

Pará- 81.5 BELÉM 6 799 Extrativa mineral - 17.2

São Paulo- 9.7 Perfumaria/sabões- 11.7 Minerais não-metálicos - 8.0 Rio de Janeiro - 3.9

Mecânica- 6.3

Produtos alimentares - 66.0 Distrito Federal - 35.1 GOIÂNIA 2302 Editorial/gráfica- 19.6 Goiás- 34.2

I Minerais não-metálicos- 7.9 I São Paulo - 27.8

FONTE- IBGE, Censo Industrial, 1985.

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Em relação ao tamanho dos mencionados centros metropolitanos Belo Horizonte e Porto Alegre destacam-se nitidamente dos demais, controlando, respectivamente 58 473 e 36 457 assalariados externos. Segue-se um grupo, constituído por Salvador, Recife e Curitiba, que controla, cada uma, um número bastante aproximado de assalariados exter­nos. Enquanto as duas maiores metrópoles regionais são centros do Sudeste e Sul, no segundo grupo apenas Curitiba, no Sul do País, está localizada no Centro-Sul e as outras duas no Nordeste.

Há um terceiro grupo constituído por Fortaleza, Manaus e Belém que controla cada uma, entre 6 000 e 9 000 assalariados externos. Duas delas estão na região Nor­te e uma no Nordeste. Finalmente Goiânia, na Região Centro-Oeste, constitui-se a menor delas, com pouco mais de 2 000 as­salariados externos.

Deste modo, há, de acordo com o tamanho, uma diferenciação entre as metrópoles do Centro-Sul e as das demais regiões. Esta distinção, contudo, não implica rígidas separações entre as metrópoles das diversas regiões. Mas coloca em evidência que as três metrópoles do Centro-Sul controlam um número de assalariados externos (110 252) que é 1,92 vez maior que o controlado pelas seis outras metrópoles (57 370).

No que se refere aos gêneros industriais controlados constatou-se que as metrópoles regionais comandam atividades que definem o papel que suas respectivas hinterlândias de­sempenham no âmbito da divisão territorial do trabalho, assim como algumas de suas espe­cializações produtivas. Elas diferenciam-se entre si, cada uma tendendo a apresentar um conjunto distinto de gêneros industriais contro­lados. Isto ratifica a idéia de que há no Brasil uma expressiva divisão territorial do trabalho e que esta é, ao menos em parte, comandada pelas metrópoles regionais.

Vejamos alguns exemplos. A metrópole mineira sobressai pelo controle de ativi­dades metalúrgicas, especialmente a siderurgia, atividades localizadas sobretudo na denominada Zona Metalúrgica e centros próximos (lpatinga, João Monlevade, ltaúna, Ouro Branco e Sete Lagoas). Sobressai também pelo controle da indústria têxtil re­gional localizada, entre outros centros, em Sete Lagoas, Diamantina, Gouvêa, Pará de Minas, ltaúna, Alvinópolis, Barbacena,

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Caetanópolis, lnimutaba e Paraopeba, locali­zados na região central e no oeste de Minas Gerais. Deste modo, Belo Horizonte exerce o papel de comando de importantes ativi­dades regionais, sendo definida, portanto, como centro de gestão do território.

As metrópoles do Sul, Porto Alegre e Cu­ritiba, por sua vez, comandam atividades que são típicas de suas hinterlândias e que vão originar assalariados nos gêneros de produtos alimentares no primeiro caso, e na importante indústria madeireira e de papel e papelão no caso da Capital paranaense. De fato, o Rio Grande do Sul apresenta-se como um importante produtor de alimentos e os Estados do Paraná e de Santa Catarina são tradicionais produtores de bens a partir de suas florestas naturais no passado e plantadas na atualidade.

As demais metrópoles, à exceção de Manaus, têm nas indústrias de produtos ali­mentares a maior concentração de seus as­salariados externos: açúcar, farinhas, mas­sas e biscoitos, óleos vegetais comestíveis e produtos alimentares em conserva. Em segundo lugar controlam especializações produtivas ligadas à fumicultura (Salvador), fiação e tecelagem (Recife), água mineral (Fortaleza), madeira (Belém).

Manaus é um caso à parte. Erigida recen­temente em centro industrial, controla ativi­dades vinculadas às indústrias ali implan­tadas dos gêneros material elétrico e de comunicações e diversos. Mas sobressai como centro de gestão da mineração de cassiterita que se realiza em Pitinga, que concentra a maior parte de seus as­salariados externos.

No que diz respeito à atuação espacial to­das são eminentemente regionais, tendo seus assalariados externos localizados em suas respectivas hinterlândias. Assim, tanto Belo Horizonte como Porto Alegre e Curitiba, de um lado, e Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e Goiânia, de outro, possuem mais de 50% dos seus assalariados externos lo­calizados em Estados dos quais são as capitais político-administrativas. Em Manaus o percentual é de 41 ,9% e isto se deve ao peso dos assalariados externos localizados na metrópole paulista, com quem a capital amazonense mantém fortes relações econô­micas derivadas de sua produção industrial.

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d) Diversificação -Especialização dos Centros

O papel diferenciado que os centros ur­banos desempenham como pontos focais da gestão do território traduz-se, entre outros aspectos, por uma maior ou menor diversifi­cação das atividades externamente contro­ladas. Alguns apresentam-se diversificados, enquanto outros são especializados, isto é, controlam uma grande variedade de ativi­dades ou apenas um ou dois tipos de ativi­dades.

A diferenciação em questão deve ser en­tendida como o resultado da ação distinta daqueles que detêm capital e que investiram em atividades que ganharam escala ou que, por sua natureza intrínseca, foram locali­zadas fora da cidade que sediava os referi­dos capitais. Deve ser entendida também como reveladora de uma maior complexi­dade funcional urbana, como ainda asso­ciada à intensidade e natureza das relações entre cidade e região e à história específica do processo de acumulação capitalista em cada cidade.

Como definir diversificação e especiali­zação? Trata-se de dois conceitos que podem ser vistos como apresentando com­plementaridade entre si. Na linha da diversi­ficação há, num extremo, o mais diversifi­cado e, noutro, o menos diversificado, isto é, especializado. Na linha da especialização o mesmo se aplica: de um lado está o mais especializado e, de outro, o menos, isto é, diversificado. Há, por outro lado, vários pro­cedimentos operacionais capazes de, objeti­vamente, definirem diversificação e espe­cialização.

A Definição Operacional

Na definição operacional de diversifi­cação-especialização considera-se um con­junto de procedimentos. Primeiramente foram considerados os 23 gêneros indus­triais que o Censo Industrial define, con­forme especificado na Tabela 3. Com o uni­verso de atividades assim definido constata­se que um centro com atuação a mais diversificada controlaria atividades externa­mente localizadas situadas em cada um dos 23 gêneros industriais. O número de gêneros através dos quais um dado centro atua, contudo, não pode servir de indicador

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para se definir diversificação-especialização, pois um centro pode, por exemplo, atuar através dos 23 gêneros industriais mas em um deles poderia concentrar 78% dos as­salariados externos que controla e nos ou­tros 22 apenas 1% em cada um. Evidencia­se assim uma especialização. A partir desta consideração definiu-se que a diversifi­cação-especialização seria obtida com base no número de assalariados externos em cada gênero industrial.

Em segundo lugar considerou-se que se houvesse eqüidistribuição, isto é, se a atuação de um dado centro se fizesse com a mesma importância em cada um dos 23 gêneros industriais, cada gênero participaria com 4,35% (4,35 x 23 = 1 00,0) do total de assalariados externos controlados: ter-se-ia, neste caso, o máximo de diversificação. Considerou-se então que todo o gênero que apresentasse percentual igual ou superior a 4,35 seria indicativo de alguma tendência a sua especialização. A situação externa seria aquela em que um único gênero apresen­tasse valor superior a 4,35%, isto é, 100,0%, definindo-se assim o máximo de especiali­zação. Por outro lado, quanto maior o número de gêneros com percentual igual ou superior ao percentual em pauta, tanto maior seria a sua diversificação: neste caso o máximo possível seria o de 23 gêneros, definidor de máxima diversificação.

A partir de então computou-se para cada centro de gestão identificado anteriormente a distribuição de seus assalariados externos pelos 23 gêneros industriais. Nenhum deles apresentou nove ou mais gêneros com per­centual igual ou acima de 4,35. Os valores variaram entre um e oito gêneros, o que é indicativo de uma tendência a uma relati­vamente pequena diversificação na atuação dos centros brasileiros de gestão. Foram eles então classificados em diversificados (cinco a oito gêneros apresentando 4,35% ou mais), pouco diversificados (três ou qua­tro gêneros) e especializados (um ou dois gêneros).

O Quadro 2 nomeia cada um dos centros de cada uma das três classes definidas, indi­cando ainda como todos apresentam uma atuação espacial bastante concentrada (muito concentrada com 75,1% e mais de seus assalariados externos em uma única unidade da federação e concentrada com 30 a 75% em um único Estado).

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QUADR02

TIPOLOGIA DOS CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO, POR DIVERSIFICAÇÃO­ESPECIALIZAÇÃO INDUSTRIAL, SEGUNDO A CONCENTRAÇÃO ESPACIAL -1985

CONCENTRAÇÃO DIVERSIFICADOS ESPACIAL

Salvador Belo Horizonte São Bernardo do Campo Barueri Vitória Belém Contagem

MUITO CONCENTRADA Diadema Suma ré João Pessoa

São Paulo Rio de Janeiro Porto Alegre Guarulhos Campinas Fortaleza Os asco Jundiaí

CONCENTRADA Recife Curitiba Joinville Bento Gonçalves

FONTE -IBGE, Censo Industrial, 1985.

Os Resultados

Foram identificados 22 centros diversifi­cados, 31 pouco diversificados e 24 espe­cializados. Vejamos cada um destes tipos de centros e, a seguir, as relações entre tamanho e diversificação.

Os centros diversificados caracterizam­se, em sua maioria, por controlarem ativi­dades externamente localizadas que são so­bretudo dos gêneros produtos alimentares (18 em 22 dos centros diversificados), mecâ­nica (17 em 22) e metalúrgica (14 em 22). Estes são os gêneros que constituem o tripé da ação dos centros de gestão, gêneros que revelam a importância de:

POUCO ESPECIALIZADOS DIVERSIFICADOS

São Caetano do Sul Sapiranga Santo André Sabará São José do Campos Criciúma Camaçari Campo Bom Petrópolis Gaspar Poços de Caldas Lençóis Paulista São Leopoldo Nova Hamburgo Matão Jaraguá do Sul Piracicaba Americana São João de Meriti Lajeado Pelotas Pojuca Campos Botucatu Montenegro Teotônia ltaúna Petrolina

Salto Maceió

Sorocaba Videira Blumenau Ponta Grossa Caxias do Sul Rio Grande Aracaju Volta Redonda Natal Campo Largo Montes Claros Ribeirão Preto Feira de Santana Chapecó São José dos Pinhais Pratápolis Santos Caçador Lages Niterói União da Vitória Manaus Brasília Simões Filho Goiânia

• do grande número de unidades fabris vinculadas à produção de alimentos e sob o controle de grandes empresas dos setores de óleos vegetais comestíveis, farinhas, massas e biscoitos, e laticínios em geral: a SANBRA, Nestlé e as diver­sas empresas e cooperativas centrais de leite e laticínios são exemplos;

• do número expressivo de fábricas li­gadas ao setor da indústria mecânica, aí incluídas as seções de manutenção em unidades de outros gêneros;

• do grande número de empregados que trabalham nas enormes unidades fabris da metalurgia, sobretudo da indústria siderúrgica. Os assalariados externos

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da Companhia Siderúrgica Nacional, sediada no Rio de Janeiro, da Compa­nhia Siderúrgica Paulista, sediada na metrópole paulista e da USIMINAS, sediada na capital mineira, são exem­plos dos mais conhecidos.

Os gêneros acima indicados representam, por outro lado, a associação locacional, nos mesmos centros de gestão, das sedes so­ciais das indústrias que usualmente são classificadas como "tradicionais", no caso a indústria de produtos alimentares e "moder­nas", como a mecânica e a metalúrgica.

Em segundo lugar sobressaem, entre as atividades externamente controladas pelos centros diversificados, os gêneros química (dez em 22 centros) e, com 8-9 em 22 cen­tros, têxtil, produtos minerais não-metálicos, material de transporte e madeira. Este con­junto inclui unidades fabrís de gêneros que podem ser classificados como pertencentes ao setor "tradicional" ou ao setor "moderno". Unidades fabris produzindo derivados de petróleo, tintas,vernizes, fertilizantes, tecidos a partir de diversas matérias-primas, cimento e cerâmicas, veículos automotores e navios e madeira trabalhada, indicam um complexo processo de industrialização que gerou o extravasamento, a criação ou a ab­sorção de unidades fabris localizadas fora dos centros de gestão, distantes das respec­tivas sedes sociais.

No total os centros diversificados contro­lam unidades fabris situadas em quase to­dos os gêneros industriais. Os gêneros ma­terial elétrico e de comunicação, produtos de matérias plásticas e extração mineral, impor­tantes entre cinco e seis dos 22 centros di­versificados, atestam a complexidade da in­dustrialização e dos centros de gestão da atividade industrial.

A análise da distribuição espacial dos centros diversificados, por outro lado, indica que 13 dos 22 localizam-se na Região Sudeste, enquanto quatro estão na Região Sul, quatro no Nordeste e um na Região Norte. Isto ratifica a Região Sudeste como a mais importante do País e estabelece uma correlação entre número de centros, seu tamanho e a diversificação das atividades externamente controladas.

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Dos nove centros diversificados locali­zados fora da Região Sudeste seis são metrópoles regionais, Belém, Fortaleza, Re­cife, Salvador, Curitiba e Porto Alegre, esta­belecendo-se uma associação entre função metropolitana e gestão de atividades diversi­ficadas. Apenas três são os centros não­metropolitanos, Joinville, Bento Gonçalves e João Pessoa.

Dos 13 centros diversificados localizados na Região Sudeste encontram-se as duas metrópoles nacionais, São Paulo e Rio de Janeiro, uma metrópole regional, Belo Hori­zonte, e dez outros centros não-metropoli­tanos. A associação entre diversificação e função metropolitana é assim amplamente ratificada. Entre os centros não-metropoli­tanos seis são subúrbios de São Paulo (São Bernardo do Campo, Barueri, Diadema, Guarulhos e Osasco) ou de Belo Horizonte (Contagem). Neste grupo estão Jundiaí, próximo à metrópole paulista, Campinas, também dentro da isócrona de uma hora, e seu subúrbio de Sumaré. O outro centro di­versificado não-metropolitano é Vitória, uma capital estadual de grande porte.

A identificação desses grupos revela o fato de que é em torno de São Paulo (a metrópole, seus subúrbios e núcleos próxi­mos) que não apenas se concentram os principais centros de gestão definidos pelo tamanho, mas que estes centros são tam­bém diversificados. E mais, os mencionados subúrbios não atuam conforme um padrão especializado ou pouco diversificado: a criação de atividades ou a descentralização de sedes sociais a partir da metrópole paulistana se deu diversificadamente.

Os centros pouco diversificados são os mais numerosos, perfazendo um total de 31. Caracterizam-se por controlarem entre três e quatro atividades externamente locali­zadas. No conjunto estas atividades são também variadas, mas o peso relativo das mais importantes é diferente daquelas con­troladas pelos centros diversificados.

As indústrias dos gêneros produtos alimen­tares (14 em 31 centros), mecânica e têxtil, ocorrendo cada uma em 11 dos 31 centros, são as mais importantes entre aquelas con­troladas pelos centros pouco diversificados. Ressaltem-se os seguintes pontos:

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• as indústrias alimentares e mecânicas representam relativamente menos que nos centros diversificados, onde ocor­rem, respectivamente, em 18 e 17 dos 22 centros;

• as indústrias do gênero metalúrgica são pouco importantes, ocorrendo em ape­nas sete dos 31 centros de gestão, en­quanto nos centros diversificados ocor­rem em 14 dos 22 centros; e

• a indústria têxtil se faz mais presente entre as atividades controladas pelos centros pouco diversificados do que en­tre os diversificados, onde ocorrem em nove dos 22 centros.

A indústria química está presente em 1 O dos 31 centros de gestão. A indústria de trans­formação de produtos não-metálicos, por sua vez, ocorre em oito centros, enquanto as de vestuário, calçados e artefatos de tecido, metalúrgica, de extração de minerais e de madeira ocorrem em sete centros.

Ressalte-se o fato das indústrias de ves­tuário e calçados apresentarem uma im­portância relativa significativa, pois estão presentes em sete centros (Biumenau, Caxias do Sul, São Leopoldo, Caçador, Matão, Aracaju e Natal) que não só pos­suem tais indústrias, como controlam filiais localizadas em outros centros. A importância destas atividades entre as demais que al­guns centros desse grupo controlam sugere já a importância que este gênero apresenta entre os centros especializados. Constate­se, corroborando a afirmativa, que entre os centros diversificados o gênero em pauta está presente em apenas dois centros.

Os centros pouco diversificados localizam­se sobretudo na Região Sudeste onde estão 14 dos 31 centros. A Região Sul concentra no­ve centros, o Nordeste cinco, a Região Cen­tro-Oeste dois e a Região Norte apenas um único. A importância relativa da Região Sul é, assim, maior, pois concentrava, no caso dos centros diversificados, apenas quatro.

Na Região Sudeste os centros deste grupo são subúrbios metropolitanos, São Caetano do Sul e Santo André em São Paulo e Niterói e São João de Meriti na região metropolitana carioca. Segue-se um conjunto de centros nas proximidades das duas grandes metrópoles, São José dos Campos, Piracicaba, Sorocaba e Santos em

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relação à metrópole paulista e Petrópolis em relação ao Rio de Janeiro. Ratifica-se assim o papel da core area urbano-industrial do País, neste caso aí incluindo-se o núcleo metropoli­tano carioca e suas proximidades. Os outros cinco estão localizados nas hinterlândias das metrópoles do Sudeste: Matão, Poços de Caldas, Campos, ltaúna e Montes Claros.

Na Região Sul, ao contrário, a proximi­dade das duas metrópoles não exerce a mesma importância: aí estão apenas São Leopoldo e São José dos Pinhais. Os demais distribuem-se pelo interior das três unidades que compõem a Região Sul, entre eles so­bressaindo Blumenau e Caxias do Sul.

Na Região Nordeste enquadram-se entre os centros pouco diversificados duas capi­tais, Natal e Aracaju, uma capital regional, Feira de Santana, e dois subúrbios de Sal­vador, Camaçari e Simões Filho. Apenas duas metrópoles, ambas elevadas recente­mente a esta categoria, compõem o elenco deste grupo: Manaus e Goiânia. Pode-se juntar Brasília a elas. As três mencionadas cidades são as três que, neste grupo, estão nas Regiões Centro-Oeste e Norte.

Enfatize-se o fato de que os centros pouco diversificados, ainda que mais nu­merosos, distribuem-se em parte nas proxi­midades das metrópoles ou nelas próprias, ou ainda nas hinterlândias metropolitanas das Regiões Sul e Sudeste.

Os centros especializados são em número de 24. Controlando apenas uma ou duas atividades industriais externamente lo­calizadas, atuam através de 12 gêneros in­dustriais, menos que os centros diversifi­cados e pouco diversificados que atuam res­pectivamente através de 20 e 18 gêneros.

A atividade industrial mais importante é aquela vinculada aos produtos alimentares (nove em 24 centros), seguindo-se as indústrias de vestuário, calçados e artefatos de tecido, cujo controle se verifica em sete dos 24 centros. As indústrias alimentares controladas incluem frigoríficos, usinas de açúcar e alimentos em conservas sediados em Chapecó, Videira, Rio Grande, Ribeirão Preto e Lençóis Paulista, entre outros, en­quanto a indústria de vestuário, calçados e artefatos de tecido, nos subúrbios portale­grenses de Campo Bom, Novo Hamburgo e Sapiranga e em cidades como Jaraguá do Sul, Lajeado e Botucatu.

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Segue-se um conjunto de atividades indus­triais externamente controladas em quatro dos 24 centros (madeira, transformação de pro­dutos minerais não-metálicos e química) e em três dos referidos centros (couros, peles e artefatos, metalúrgica, mecânica e têxtil).

Diferentemente dos centros diversificados e pouco diversificados, os centros especiali­zados ocorrem principalmente na Região Sul: aí estão 13 dos 24 centros especiali­zados. A Região Sudeste possui oito centros e o Nordeste apenas três.

A área em torno de Porto Alegre aparece concentrando quatro dos 13 centros sulinos: Campo Bom, Novo Hamburgo, Sapiranga e Teutônia, enquanto os demais distribuem-se especialmente pelo território de Santa Ca­tarina (Criciúma, Gaspar, Jaraguá do Sul, Videira e Chapecó). Na primeira localiza-se importante área produtora de calçados, gera­dora de centros de gestão especializados.

Na Região Sudeste sobressaem os cen­tros localizados no território paulista, que se distribuem tanto pela região urbano-indus­trial (Americana e Salto), como no Planalto Ocidental. Finalmente, na Região Nordeste merece menção a cidade de Maceió, que controla usinas de açúcar localizadas na Zona da Mata e nos tabuleiros alagoanos.

Os centros de gestão do território apre­sentam, por outro lado, tamanhos distintos,

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conforme já se analisou. Diferenciam-se também no que se refere à diversificação­especialização das atividades externamente controladas. Qual a relação entre ambas as características? Esta questão é justificada pelo fato de se aceitar a tese da existência de uma relação entre tamanho e diversifi­cação, isto é, quanto maior o tamanho de uma cidade, maior a sua complexidade, de­finida, entre outros aspectos, pela diversifi­cação de suas atividades, incluindo-se aquelas controladas à distância.

A hipótese admitida é a de que quanto maior o tamanho do centro de gestão do ter­ritório, medido pelo número de assalariados externos, tanto maior é a sua diversificação, medida pelo número de gêneros industriais que apresentam assalariados externos com percentual igual ou superior a 4,35, con­forme explicitado anteriormente.

A Tabela 5 resume a relação indicada. Ne­la o tamanho dos centros foi reagrupado em cinco classes, muito pequenos, pequenos, médios, grandes e muito grandes, esta últi­ma classe apresentando enorme amplitude, pois inclui valores que variam de 25 000 a cerca de 500 000. Na definição da diversifi­cação-especialização, por sua vez, man­tiveram-se os três tipos anteriormente defini­dos: diversificados, pouco diversificados e especializados.

TABELAS

RELAÇÃO ENTRE TAMANHO E DIYERSIFICAÇÃ~-ESPECIALIZAÇÃO DOS CENTROS DE GESTAO DO TERRITORIO - 1985

TAMANHO (assalariados

externos)

Total

Muito pequenos 1000a1999

Pequenos 2000a4999

Médio 5000a9 999

Grandes 10 000 a 24 999

Muito grandes 25 000 e mais

Total

FONTE- IBGE, Censo Industrial, 1985.

NÚMERO DE CENTROS DE GESTÃO DO TERRITÓRIO

Diversificados Pouco

I Especializados diversificados

77 22 31

28 4 12

21 3 10

16 6 8

8 5

4 4

24

12

8

2

2

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A hipótese é em grande parte comprovada. Assim, dos 12 centros classificados como grandes e muito grandes, nove são diversifi­cados. O inverso, contudo, é menos verda­deiro, pois dos 22 centros diversificados apenas nove são grandes e muito grandes.

A análise mais acurada da tabela em questão revela que dos nove centros classi­ficados como grandes ou muito grandes e, simultaneamente, como diversificados, sete cumprem funções metropolitanas. De fato, aí se incluem as duas metrópoles nacionais de São Paulo e Rio de Janeiro e as metrópoles regionais de Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Curitiba. Funções metropolitanas e importante papel como centro de gestão do território, medido pelo tamanho e diversificação, são correla­tos. Os outros dois centros, São Bernardo do Campo e Barueri, são núcleos que inte­gram a Região Metropolitana de São Paulo, ratificando assim o que foi descrito.

No outro extremo estão os centros classi­ficados como muito pequenos ou pequenos e que são pouco diversificados e especiali­zados em sua grande maioria: dos 49 cen­tros apenas sete são diversificados. Os cen­tros de tamanho médio, por outro lado, num total de 16, são predominantemente pouco diversificados ou diversificados: apenas dois são especializados.

Quando se lê a tabela ao longo das colu­nas constata-se que a hipótese tem a sua validade bastante ratificada. Os centros especializados são, em sua maioria, 20 em 24, pequenos ou muito pequenos. Já nos centros pouco diversificados a vinculação às pequenas dimensões de tamanho é menos nítida, mas ainda prevalece.

Pode-se resumir os resultados advindos de análise da Tabela 5 do seguinte modo:

• os centros grandes ou muito grandes tendem a ser diversificados;

• os centros muito pequenos ou pequenos raramente são diversificados;

• os centros médios raramente são espe­cializados; e

• das relações entre tamanho e diversifi­cação-especialização emergem algu­mas situações que fogem aos padrões típicos explicitados.

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A análise das relações entre tamanho e diversificação-especialização coloca em evidência duas tendências dos centros de gestão do território: a primeira relacionada ao fato de que os maiores e diversificados centros constituem centros metropolitanos, ratificando assim aquilo que a literatura tem evidenciado; a segunda relaciona-se à exis­tência de pequenos centros de gestão locali­zados nas Macrorregiões Sudeste e Sul, so­bretudo, que se caracterizam pela especiali­zação, controlando assalariados externos que trabalham em unidades fabris de um ou dois gêneros industriais.

e) Sumário dos Resultados

A análise realizada colocou em evidência alguns resultados que são, a seguir, su­mariados:

a) Os principais centros de gestão do ter­ritório localizam-se na Região Sudeste, onde estão São Paulo, Rio de Janeiro e um con­junto de centros suburbanos como São Ber­nardo do Campo, São Caetano do Sul, Barueri, Osasco e Santo André e cidades como Campinas, Sorocaba, São José dos Campos, Jundiaí e Santos. Esta concentração em torno da metrópole paulistana permite­nos pensar em uma metrópole ampliada.

b) A primazia de São Paulo acentuou-se: a metrópole carioca tem a sua importância como centro de gestão do território bastante diminuída.

c) A segunda mais importante região é o Sul, que se distingue pela presença de nu­merosos pequenos e médios centros de gestão do território; tais centros, por sua vez, não são numerosos no Nordeste que se caracteriza pela importância das metrópoles regionais, importância que se torna maior nas Regiões Norte e Centro-Oeste.

d) Há diferenças e semelhanças entre as metrópoles regionais vistas enquanto centros de gestão do território: apenas em parte pode­se distinguir as metrópoles do Centro-Sul daquelas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

e) Os centros diversificados estão sobre­tudo na Região Sudeste, enquanto os centros especializados estão principalmente na Região Sul, associando-se às indústrias alimentares e de vestuário, calçados e artefatos de tecido. Por outro lado constatou-se que, quanto maior o centro, maior é a sua diversificação.

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À GUISA DE CONCLUSÃO: QUESTIONAMENTOS

Ao final deste trabalho pretende-se, à guisa de conclusão, apresentar alguns ques­tionamentos sobre a temática dos centros de gestão do território no Brasil, em relação à qual este estudo, eminentemente descri­tivo, pretendeu dar uma contribuição.

Há, naturalmente, váriqs questionamentos possíveis: indicaremos alguns deles, organi­zados em dois grandes blocos:

a) Como se dá, ao nível dos municípios, a atuação espacial dos centros de gestão do território?

Assim, no que se refere às metrópoles re­gionais, a atuação delas se faz indiferente­mente por toda a hinterlândia metropolitana que é o seu típico espaço de atuação, ou privilegia setores regionais ou pontos descontínuos de sua hinterlândia?

A mesma questão pode ser colocada para as metrópoles paulista e carioca no que diz respeito às suas hinterlândias regionais.

Em face dos centros não-metropolitanos a atuação deles é espacialmente limitada ou abarca ampla área? É ela marcada por con­tinuidades espaciais ou não? Há diferenças em termos de atuação espacial entre os centros diversificados, pouco diversificados e especializados?

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b) Como surgiram e evoluíram os diver­sos centros de gestão do território?

Este questionamento diz respeito à gênese e à dinâmica de empreendimentos no setor industrial que atingiram um determi­nado patamar que os levou a implantar uni­dades filiais em outros municípios, transfor­mando as respectivas cidades onde estão as sedes das empresas em centros de gestão do território.

Qual foi a origem do capital desses em­preendimentos industriais? Como se ex­pandiu? Como o espaço de atuação foi con­quistado e estruturado? Qual a rede de cen­tros subordinados que cada centro de gestão do território controla?

Em face deste segundo questionamento sugere-se que, de um lado, sejam se­lecionados alguns centros para estudos de casos. Na seleção devem ser consideradas as seguintes variáveis: região de localização do centro, tamanho do centro, medido pelo número de assalariados externos, diversifi­cação-especialização e natureza das ativi­dades controladas. De outro, sugere-se a seleção de algumas empresas ou corpo­rações para estudos de casos. Na seleção delas devem ser consideradas a localização da sede, a sua dimensão, medida em ter­mos de assalariados externos controlados, a natureza das atividades que controla e a rede de centros sobre os quais atua.

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RESUMO

O presente estudo procura identificar os centros de gestão do território no Brasil a partir do número de assalariados externos industriais controlados. A base de dados é o Censo Industrial de 1985. Foram identificados 77 centros de gestão do território, todos com mais de 1 000 as­salariados externos controlados. Localizam-se sobretudo nas Regiões Sudeste e Sul. A metrópole paulista aparece em primeiro lugar, seguida do Rio de Janeiro.

ABSTRACT

This study aims to identify Brazilian management centers considering the externai industrial workers. 19851ndustrial Census provides the basic informations.lt was identified 77 centers with 1 000 or more externai industrial workers controlled. They are located specially in Southeast and South regions. São Paulo is the largest management center and Rio de Janeiro the second one.

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INSTRUÇÕES BÁSICAS PARA PREPARO DOS ORIGINAIS

Os originais entregues para publicação de­vem obedecer às seguintes normas:

1 -O texto deve ser editado, preferencialmente, em Word, sem formatação (defult), acompa­nhado da respectiva impressão, ou datilogra­fado em papel branco formato A4 (21 em x 29,7cm), em um só lado, em espaço duplo, com margem de 30mm, sem rasuras ou emendas que dificultem sua leitura e com­preensão.

O texto em Wordterá sua edição facilitada, agilizando a publicação do mesmo;

2- As laudas deverão ser numeradas seguida­mente;

3 -A primeira página do original (folha de rosto) deve conter título, nome completo do(s) autor(es), qualificação profissional, com indi­cação das atividades exercidas, dos órgãos a que estão vinculados, do endereço para correspondência, bem como colaboradores, agradecimentos e auxílios recebidos;

4 - O artigo deve ser acompanhado de um Re­sumo informativo, de no máximo 200 pala­vras, de modo a expressar seus pontos rele­vantes, datilografados em espaço duplo, em folha separada, em português e inglês;

5 - Notas explicativas devem ser numeradas numa seqüência única, listadas no pé da página onde se encontram;

6 - Fórmulas matemáticas devem ser apresen­tadas com clareza, para evitar problemas de interpretação e desenhadas a nanquim, em

papel vegetal ou plástico, à parte, nu­meradas ou indicadas no texto por ordem de entrada;

7- Tabelas e quadros devem ser apresentados com títulos que permitam perfeita identifi­cação, numerados e com ordem de indi­cação de entrada no texto.

No caso de listagens e tabelas extensas, e de outros elementos de suporte, podem ser em­pregados apêndices;

8 - As fotografias devem ser nítidas, em preto e branco, contrastadas, de preferência em tamanho 6 x 9 em, nunca superior a 12 x 18 em; os gráficos desenhados a nanquim, em papel branco ou vegetal: os dados e dizeres que acompanham os desenhos, em letra de forma; as legendas das ilustrações, datilogra­fadas em folhas separadas e numeradas de acordo com a figura respectiva, com indi­cação no texto, pelo número de ordem, dos lo­cais de inserção das figuras e, ainda, menção da fonte e permissão para reprodução, quando já houverem sido publicadas;

9 - O formato de impressão máximo de en­cartes estabelecido para os documentos car­tográficos da RBG é de 50 x 55 em. Sempre que haja reprodução ou ampliação do docu­mento cartográfico original, deverá constar deste apenas a escala gráfica.

O desenho original deve ser feito em mate­rial estável. No caso de documentação car­tográfica de precisão ou quando a densi­dade de informações contidas num mapa

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ou cartograma dificulte a sua leitura, será excepcionalmente permitida a impressão em cores. Em caso contrário, os valores cor serão substituídos por hachuras, retículas ou símbolos gráficos compatíveis com a es­cala.

Os documentos cartográficos devem ser precedidos de títulos que permitam perfeita identificação e em suas legendas devem constar: classificação, nomes ou siglas das Unidades da Federação representadas, ano da publicação, escala, projeção (ex­ceto nos cartogramas) e as convenções cartográficas menos conhecidas.

A documentação cartográfica utilizada com o nome ou sigla da fonte e outros elementos complementares compatíveis à escala de­vem ser descritos de modo suscinto. No caso de mapas e cartogramas, deve existir flexibilidade na disposição dos títulos, legen­das e outras referências, utilizando-se os espaços vazios oferecidos pelo próprio de­senho. Deve ser estabelecida uma gradua­ção de importância, adotando-se diferentes tamanhos de tipos nos dizeres da legenda.

A moldura em torno do desenho de um mapa ou cartograma deve garantir uma margem no papel. Para as cartas per­tencentes ao mapeamento sistemático, de­vem ser obedecidas as normas e especifi­cações inerentes a cada carta, de acordo com a escala e classificação (contatar com o órgão responsável por esse mapeamento ou com a Comissão de Cartografia). As car­tas, mapas ou cartogramas, inseridos ou ane­xados, devem ser referenciados no texto por um número de ordem correspondente.

RBG

As legendas e outras referências devem estar destacadas do desenho e afastadas das margens. No caso de cartas do ma­peamento sistemático, ver as normar e especificações de cada tipo de escala. É aconselhável que, para a elaboração de uma base precisa, sejam utilizados os documentos cartográficos realizados pelo IBGE ou por outros órgãos integrantes do Sistema Cartográfico Nacional.

1 O - As citações bibliográficas no texto devem ser feitas de acordo com o Projeto ABNT 14.01 .01.005 - Apresentação de citações em documentos;

11 -As referências bibliográficas devem ser nu­meradas em seqüência única e apresentadas em folhas separadas com indicação dos nú­meros respectivos. Devem ser redigidas se­gundo a norma brasileira respectiva (ABNT -NBR- 6023 Referências Bibliográficas), con­tendo indicação por extenso dos títulos dos periódicos, quando se tratarem de referên­cias de artigos. A exatidão e adequação das referências a trabalhos consultados e men­cionados no texto são de responsabilidade do autor;

12- Quando houver necessidade de dividir o tra­balho em capítulos, seções e partes, esses devem ser numerados, progressivamente, com o objetivo único de orientar o diagrama­dor na aplicação de recursos gráficos que permitam substituir essa numeração, orde­nação de títulos e subtítulos; e

13- Os originais devem ser encaminhados ao Projeto Editorial de Geociências DEPIN/ DIPRO.-SE 2, em 2 (duas) vias. Endereço: Av. Brasil, 15 671 Bloco IIIB, térreo, 21 241-051 - Rio de Janeiro- RJ.