54
Patativa do Assare O voo do centenario mestre da poesia 47

Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Embed Size (px)

DESCRIPTION

revista de cordel

Citation preview

Page 1: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Patativa do AssareO voo do centenario mestre da poesia 47

Page 2: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Uma escola literaria

Page 3: Revista Brasileira de Literatura de Cordel
Page 4: Revista Brasileira de Literatura de Cordel
Page 5: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

‘‘Q

MACHADO, Franklin. O que é literaturade cordel?/ Rio de Janeiro. Editora Codecri, 1980.P. 11

Page 6: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Quando Portugal colonizou o

Page 7: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Os primeiros folhetos vieram de Portugal, nas caravelas juntos com os

Na primeira metade

No final do século XIX surgiram os primeiros folhetos impressos, pro-

Fonte: Apostilha CURSO DE INICIAÇÃO À POESIA – O Universo da Literatura de Cordel, de Crispiniano Neto

Page 8: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Universo tematicoe proposta de classificacao da Literatura de Cordel

Page 9: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

sempre à necessidade de fixar os acontecimen-tos, de registrar as figuras que dele participam, de anotar a maneira como decorreram, enfim tudo aquilo que, sem imprensa, sem jornais, sem rádio, as gerações mais antigas tiveram neces-sidade de gravar e transmitir através da história popular, para fazer a sua história. Daí haver sempre, - isto sobretudo nos romances de fundo histórico, que narram guerras ou lutas realmente acontecidas, ou fixam figuras que efetivamente viveram, - no romanceiro não apenas a notícia como também o entretenimento.

Desta maneira, podemos desde logo evidenciar a existência, no romanceiro e hoje na literatura de cordel, de dois tipos fundamen-tais da temática: os temas tradicionais, vindos através do romanceiro, conservados inicialmente na memória e hoje transmitidos pelos próprios folhetos – e aí se situam as narrativas de Carlos Magno, dos Doze Pares de França, de Oliveiros, de Joana d’Arc, de Malasartes, etc.; e os temas circunstanciais, os acontecimentos contemporâ-neos ocorridos em dado instante e que tiveram repercussão na população respectiva – são enchentes que prejudicaram populações, são crimes perpetrados, são cangaceiros famosos que invadem cidades ou praticam assassínios,

são também hoje, com a facilidade das comu-nicações, certos fatos de repercussão interna-cional. Temos assim os temas tradicionais, de um lado; e de outro lado, os fatos circunstanciais, quando a literatura de cordel se transforma em jornal escrito e falado e em crônica ou fixação dos acontecimentos.

A variedade temática: tentativa de classificação

Muitas têm sido as classificações a respeito do romanceiro em especial do português, transladado para o Brasil, e aqui sofrendo as adaptações ou reformulações que adequaram os romances ao novo ambiente. Porque é real-mente este um dos aspectos mais salientes em um romanceiro quando estudado comparativamente: as modificações que cada povo realiza no tema. E realiza dentro de sua época, do momento histórico que vive.

Desta forma muitas têm sido as tentati-vas de dar uma classificação ao romanceiro, ora seguindo a grande temática que envolve os ro-mances, ora tendo em consideração as caracter-ísticas que eles apresentam. Entretanto, menores têm sido as tentativas de classificação de nossa

Materia| 10Revista Brasileira de Literatura de Cordel

" Desta forma muitas tem sido as tentativas de dar uma classificaááo ao romanceiro, ora seguindo a grande temática que envolve os romances, oratendo em consideraááo as caráacterásticas que eles

Page 10: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

literatura de cordel; a temática aí tem sido menos explorada no sentido de identificá-la em torno de determinados assuntos.

Fora do Brasil, podemos lembrar duas sugestões de classificação da literatura de cordel: a de Júlio Caro Baroja, na Espanha, e a de Robert Mandrou, na França.

No caso do Brasil, a respeito da classificação da litera-tura popular em versos, além da tentativa de Leonardo Mota, aí por volta de1921, em Cantadores, e possivelmente outras, podemos registrar duas mais recentes. Uma a que se deve à Casa de Rui Barbosa, feita por um grupo sob a orientação de Cavalcanti Proença; foi fundamentalmente desse saudoso espe-cialista o esquema inicial, que, afinal, predominou. É realmente um quadro amplo, entrando em pormenorização bastante ex-pressiva para um melhor conhecimento da produção de litera-tura de cordel.

Orígenes Lessa, partindo da observação de que a temática dos romances populares é muito variada, assinala que essa temática é riquíssima (9); contudo, para classificá-la registra uma série de temas permanentes e outros que considera tipos que, em geral, passam, não se reproduzindo nos folhetos.

No primeiro caso, situa os seguintes temas: O desafio, real ou imaginário: histórias tradicionais; can-

gaço; Antônio Silvino, Lampião, Maria Bonita; seca e retirantes; vaqueiros e vaquejadas; mística; histórias bíblicas; profecias; milagres; festa religiosas; beatas e santos do sertão; Padre Cícero; sobrenatural; o diabo; romances de amor, de aventuras, trágicos; no segundo caso, incluem-se casos da época; crimes, desastre, acontecimentos policiais, revoluções; campanhas eleito-rais; fatos políticos; luta ideológica (guerra da Coréia, Hitler, etc.); miséria do povo; eleições; Getúlio e sua morte; crítica de costumes; sátira política e social (crises, preços, falta de luz, etc.).

Outra é a que propõe Ariano Suassuna (10); é mais sintética, procura situar a sistematização da literatura de cordel em limites mais definidos a partir dos dois grandes grupos – o tradicional e o de “acontecido”:

1. Poesia improvisada; 2. Poesia de composição: a) ciclos heróico; do maravilhoso;

religioso e de moralidade; cômico, satírico e picaresco; de circunstância; histórico; de amor e fidelidade; b) formas: roman-ces; canções; pelejas; abecês.

A classificação adotada pela casa de Rui Barbosa, basicamente elaborada por Cavalcanti Proença assim pode ser apresentada, conforme se vê no volume do catálogo da Litera-tura Popular (11):

I – Herói Humano: 1. Herói Singular; 2. Herói Casal; 3. Re-portagem (crimes, desastres, etc.); 4. Política;

II – Herói Animal;

Materia | 11Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 11: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

III – Herói Sobrenatural; IV – Herói Metamorfoseado; V – Natureza: 1. Regiões; 2.

Fenômenos; VI – Religião; VII – Ética: 1. Sátira Social –

Humorismo; 2. Sátira Econômica; 3. Exaltação; 4. Moralizante;

VIII – Pelejas; IX – Ciclo: 1. Carlos Magno; 2.

Antônio Silvino; 3. Padre Cícero; 4. Getúlio; 5. Lampião; 6. Valentes; 7. Anti-Heróis; 8. Boi e Cavalos;

X – Miscelânea: 1. Lírica; 2. Guerra; 3. Crônica – Descrições.

Recentemente Roberto

Câmara Benjamin em interessante estudo sobre os temas de religião apresentados em folhetos (12), sug-ere uma classificação deste, levan-

do em conta seus objetivos; seriam distribuídos em três grupos; 1. Folhetos informativos, os que registram fatos “de época”, ou de “acontecimento”, isto é, acontecimentos atuais, fixando-os para conhecimento do grande público; 2. Romances, são as narrativas tradicionais destinadas a entreter e distrair; 3. Opinião, são os que incluem crítica social. A estes três grupos o próprio escritor acrescenta, a seguir, um outro conjunto de folhetos: os que narram “ca-sos”, os folhetos de “exemplo”, onde se arrolam acontec-imentos sem explicação para o povo, mas que constituem exemplos a serem observados.

A nosso ver é possível chegarmos a uma síntese das duas classificações brasileiras antes citadas: a de Proença e a de Suassuna. A nossa preocupação é a de apresentar a temática da literatura de cordel; e tam-bém assentar aqueles temas que são constantes ou per-manentes nesta literatura, e isto sob duplo aspecto: de um lado quais são estes temas, como são expostos, por que existem; e de outro lado, como o cantador ou tro-vador populares consideram estes, como os interpretam, o que seria, por assim dizer, a sua cosmovisão. Ou seja: como, no quadro de sua cultura, compreendem o fato tradicional ou o acontecido em face da sociedade em que vive. O que representa, de certo modo, o próprio sentimento desta sociedade.

Daí procuramos harmonizar, de maneira mais singela – e sobretudo exemplificativa – o que existe nas diferentes manifestações populares em torno de determinados assuntos, constantes, senão permanentes, na literatura de cordel. Chegamos assim a uma simplifi-cação do que sugerem Cavalcanti Proença e Suassuna, procurando indicar, em suas linhas gerais os assuntos da literatura de cordel.

Page 12: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

1. Temas Tradicionais

a) Romances e novelas: Leandro Gomes de Barros – Batalha de Oliveiros com Fer -rabrás; João Martins de Ataíde – Roldão no Leão de Ouro; José Bernardo da Silva (ed. prop). – História da Donzela Teodora.b) Contos Maravilhosos: Leandro Gomes de Barros – História de Maria e Alonso; João José da Silva – Aladim e a Princesa de Bagdá; Antônio Alves da Silva – Os últimos dias de Pompéia.c) Estórias de animais: Leandro Gomes de Barros – O boi misterioso; Luís da Costa – História do papagaio misterioso; José

Exem

plificaááo d

os d

iversos t

em

as

Costa Leite – A vaca misteriosa que falou profetizando.d) Anti-heróis: Leandro Gomes de Barros – A vida completa de João Lezo; - Francisco Sales – As presepadas de Pedro Mala-sarte; João Ferreira de Lima– As proezas de João Grilo. e) Tradição Religiosa: - Manuel d’Almeida Filho – História de Jesus e o Mestre dos Mestres; José João dos Santos (Azulão) – O milagre de Jesus e o ferreiro orgulhoso; José Soares – Os milagres da VirgemConceição.

2. Fatos circunstanciais ou acontecidosa) Manifestações de natureza física: José Bernardo da Silva – Os horrores do Nor-deste; Delarme Monteiro – A seca, flagelo do sertão; João José da Silva – As cheias do interior e as inundações do Recife.b) Fatos de repercussão social: Rodolfo Coelho Cavalcante – A morte de Zé Arigó, o famoso médium de Minas Gerais; Severino Paulino da Silva – A tragédia de Garanhuns ou a morte do Bispo; Antônio Batista – A guerra de Juazeiro; Joaquim Batista de Sena – A vitória do Marechal Castelo Branco e a derrota dos corruptos; Manoel d’Almeida Filho – Brasil, tricampeão do mundo; José Soares – O homem na lua; Joaquim Batista de Sena – História da nove-la de Antônio Maria em versos de cordel.c) Cidade e vida urbana: Leandro Gomes de Barros – O Recife novo; João Carlos

– Feira de Santana, princesa do sertão; Manoel Camilo dos Santos – Descrição da Capital João Pessoa.d) Crítica e sátira: Erotildes Miranda – Os horrores da devassidão; Expedito Se-bastião da Silva – A marcha dos cabelos e os usos de hoje em dia; Minelvino F. Silva – ABC dos tubarões.e) Elemento humano: João Florêncio da Costa – História de Getúlio Vargas; Arinos de Belém – História de Antônio Conselheiro; João Martins de Ataíde – A morte de Padre Cícero Romão; José Costa Leite – A voz de Frei Damião; Francisco das Cha-gas Batista – A história de Antônio Silvino; Antônio Francisco da Silva – As bravuras e morte de Lampião; Ivo Luís Silva – O rei dos vaqueiros; Severino Borges da Silva – Bravuras de sertanejo.

Classificação de Franklin MaxadoDe época ou de Ocasião, Históricos, Didáticos ou educativos, Biográficos, De

louvor ou homenagens, De propaganda política ou comercial, Promoção pessoal e anonimato, Pasquim ou de intriga, De safadeza ou putaria, Maliciosos ou de cacho-rrada, Cômicos ou de gracejos, De bichos ou infantisReligiosos ou místicos, De profecias ou eras, De conselhos ou exemplos, De fenômenos ou de casos, Maravilhosos ou mágicos, Fantásticos ou sobrenaturais, De amor ou de romance amoroso, De bravura ou heróicos, Vaquejadas, De presepadas ou dos anti-heróis, De pelejas ou desafios e De discussão ou encontros.

Fontes:

de Cordel, Franklin Maxado, Editora Codecri – Rio de Janeiro.

Materia | 13Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Literatura de Cordel Antologia – Banco do Nordeste, organizado por Ribamar Lopes e O Que É Literatura

Page 13: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

DA POPULARIDADE E ATUALIDADE

DA LITERATURA DE CORDEL.

om mais de cem anos de publicações ininC -terruptas, a Literatura Popular em Versos Escrita ou “Versos de feira”, ou, ainda,

“romances e folhetos”, conhecida nos meios intelec-tuais como Literatura de Cordel - nomenclatura herdada de Portugal, onde os folhetos eram vendi-dos nas feiras, pendurados em barbantes (cordões ou cordéis) – já teve sua morte anunciada várias vezes, mas resistiu a todas elas. Achavam que ela sucumbiria à penetração dos jornais no interior; depois foi a era do rádio, com grande penetração nos sertões e mais uma vez falou alto o prenúncio trágico. Com a chegada da televisão ao interior, se previu de novo a derrocada do velho “cor-reio do Sertão”. E agora se fala que a internet irá acabar a literatura popular nordestina... Tudo balela. O “cordel” resiste, por mais que lhe es-tiquem a corda. E tem conseguido até se aliar a cada um destes concorrentes, poderosos instrumen-tos de comunicação de massas.

Artigo | 14Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 14: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Artigo | 15Revista Brasileira de

Em pleno século XXI o folheto

Literatura de Cordel

poético permanece firme e forte, lépido e fagueiro, cruzando veredas e animando alpendres nas comunidades rurais dos minifúndios antieconômicos, lat-ifúndios improdutivos, fazendas modernas de irrigação e as-sentamentos de reforma agrária.

Ameaça deverasmente forte foi o êxodo rural. Mas, em vez de morrer ele acompanhou o seu leitor. Veio para as perife-rias das cidades e chegou às metrópoles, não só do Nordeste como Recife, Fortaleza e Sal-vador, mas também ao Rio de Janeiro, São Paulo e todas as ci-dades satélites de Brasília. Che-gou também às universidades e escolas de todos os recantos do

para a publicação de cerca de cinquenta títulos cordelianos. A morte de Tancredo Neves provocou dezenas de publica-ções, a morte de Luiz Gonzaga também motivou uma enxur-rada de poemas publicados. Por último tivemos a derrubada das torres gêmeas, em Nova Yorque. Poucos dias depois, vários folhetos estavam sendo vendidos nas feiras do Nor-deste e dos grandes centros do Sudeste, com Osama Bin Laden na capa. Hoje, o fo-lheto jornalístico não leva mais novidades aos seus leitores cativos. O rádio, o jornal, e a TV chegam primeiro, mas a publicação da mesma notícia em “folhetos de cordel” dá

" O radio, o jornal,

e a TV chegam priá

meiro, mas

a publicaááo da

mesma notácia em

folhetos de cordel

dá mais

credibilidade

e desperta mais

interesse ao

acontecido. "

Norte, Nordeste e do Sud-este. O maior problema foi o fechamento das tipogra-fias de Literatura de Cordel, que foram 42. Mas elas estão ressurgindo. Agora em off-set, que os tempos são outros. Através de entidades de apoio à cultura ou, até mesmo, com fins comerciais, editam-se folhetos, o que garante a volta do vigor de mercado do folheto.

Quando se pensava que esta literatura tinha sucum-bido, eis que morreu Frei Damião e mais de setenta títulos foram publicados so-bre o fato. A primeira vinda do papa João Paulo II ao Brasil serviu de inspiração

Page 15: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

cópias. Mais recentemente, a Secretaria da Cidadania de Mossoró me encomendou 15 títulos sobre temas da saúde. De cada um, foram publicados cinco mil exemplares, com perspectiva de novas edições.

Folhetos sobre DST/AIDS, contra o alcoolismo, contra o tabagismo, em prol da economia da água, em defesa da ecologia, contra a dengue, em defesa da escola pública, dos direitos da criança, da mulher, dos animais, do plantio do caju, da criação de caprinos e ovinos, enfim, em qualquer assunto que se queira falar com o povo na sua linguagem, recorre-se à poesia cordelista. Como dizia o mestre Paulo Freire, “não se chega à cabeça do homem do povo, sem passar pelo coração”. O uso da Literatura de Cordel em campanhas edu-cativas está abrindo um novo ciclo, como os Cômicos ou de gracejos, Religiosos ou místicos, de Profecias ou eras, de Conselhos ou exemplos, de Lampião, de Padre Cícero e tantos outros que foram catalogados por Ariano Suassuna, Liedo Maranhão de Souza, Franklin Maxado e Orígenes Lessa.

O Caso Isabella, a morte da menina que foi jogada provavelmente

mais credibilidade e desperta mais interesse ao acontecido. “Saiu até um folheto sobre esse assunto”, essa é a marca registrada da credibilidade conferida a uma notícia para as pessoas do povo que têm nessa literatura, na Bíblia Sagrada e nos almanaques popula-res anuais, suas maiores referências culturais impressas. Esta força imorredoura e crescente, é que faz com que os folhetos de Literatura de Cordel sejam hoje tão utilizados em campanhas educativas e no marketing comercial ou político. Quando Cristóvão Buarque criou a Bolsa-Escola no Distrito Federal, por volta de 1995, seu governo me encomendou um poema para divulgar o programa entre os migran-tes que moram em Brasília. Dele foram publicadas duzentas mil

Isabela Nardoni, João Hélio e até o presidente Lula já se tornaram temas de cordéis

Artigo | 16Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 16: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

pelos pais do sexto andar de um edifício em São Paulo, o Caso de João Hélio, o menino que morreu arrastado em um carro por marginais no Rio de Janeiro, tudo vira folheto de Cordel com uma velocidade impression-ante.

Estamos na praça com a segunda edição do livro Lula na Literatura de Cordel. São mais de duzentos folhetos que falam direta ou indiretamente em Lula, um presidente que ainda está governando. No livro cataloga-mos nada menos que 110 deles, de vários estados do Brasil. As editoras estão trabalhando uma nova fase da Literatura de Cordel, trata-se do Cordelivro, que se constitui na edição de folhetos de Cordel em forma de livros, ilustrados, muitas vezes até com um belíssimo casamento entre Cordel e Quadrinhos, um antigo sonho do pesquisador José Maria Luy-

As formas

poáticas do cordel e

do repente

nordestinos váo

surgindo em novos

estilos musicais,

enriquecendo o rap,

o rock, o hip hop, a

MPB

then que começa a se concreti-zar. Dezenas de projetos que levam a Literatura de Cordel à sala de aula podem ser encon-trados em todos os estados nor-destinos, e ainda em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, estados do Norte para onde milhões de nordestinos mi-graram arrastando a saudade da terrinha “sofrida, mas boa”. As formas poéticas do cordel e do repente nordestinos vão surgindo em novos estilos music-ais, enriquecendo o rap, o rock, o hip hop, a MPB; o cordel tem hoje uma presença marcante no Teatro, na Literatura, no Cinema e nas artes visuais, inclusive um

peso fortíssimo dos versos, das toadas e das xilogravuras no marketing.

A agregação de valor ao produto “poema de cordel” cresce a cada dia, além do Cordelivro, há uma forte in-dústria de produção e venda de CDs, de DVDs, de caixinhas de cordéis, de displays com coleções para venda ou ser-vindo de mostruário, camisetas com versos e xilogravuras, livros com coletâneas de poemas e poetas. E há uma impressio-nante produção de monografias e teses acadêmicas sobre a Literatura de Cordel.

A publicação de folhetos

acelerou-se nos últimos cinco anos com o surgimento de edi-toras como a Tupynanquim em Fortaleza, a Queima-bucha em Mossoró, a Casa do Cordel em Natal, um Sebo em João Pessoa, Manoel Monteiro na Paraíba, a Coqueiro e a Unicordel em Recife, a ABLC No Rio de Ja-neiro, a volta da Editora Luzeiro e a chegada da Editora Novo Horizonte em São Paulo, além de várias editoras empresariais que estão entrando no ramo do Cordel por verem nele um nicho promissor.

Artigo | 17Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 17: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Arte do coração do povo o cordel final -mente vai encontrando os caminhos para con -quistar o reconhecimento dos poderes consti -tuídos e para firmar-se no país por seu valor cultural. Dessa trajetória vale relembrar o dia 1º de agosto de 2008, dia da posse do poe -ta Crispiniano Neto, na Cadeira 26 da ABLC - Academia Brasileira de Literatura de Cordel e lançamento da 1ª. edição do livro LULA NA LITERATURA DE CORDEL. Na oportunidade, o presidente Lula, presente ao evento, concla -mou em seu discurso: (...) E seria importante, Crispiniano, que você pudesse junto com outros companheiros, outros poetas nordestinos, se

juntar, organizar mais essas coisas pelo Brasil, porque no Nordeste não precisa cantar tanto cordel, porque as pessoas já sabem. Lá tem crianças que quando nascem ao invés de chorar já falam um cordel pra mãe (é verdade - voz de fundo). Nós temos que nacionalizar essa coisa, levando para as bandas do Sul, pras bandas do Sudeste... Não há nordestino que não se orgulhe de ter nascido na mesma terra de Pa -tativa do Assaré, Zé da Luz, Cego Aderaldo e Zé Limeira, sendo que este último de tão genial e absurdo, dizem até que nem existiu. Mas este orgulho não é só nordestino, é brasileiro...

Menos de um ano depois, nos dias 28 e

A Literatura de Cordel nas entranhas do poder

30 de maio de 2009 aconteceu em Brasília o Primeiro Encontro Nordestino de Cordel, no Teatro do Centro Cultural da Caixa Econômica, reunindo poetas cordelistas, repentistas, jorna -listas, professores, estudantes, pessoas ligadas à cultura e à educação, todos reunidos em tor -no da discussão de temáticas de interesse da

Literatura de Cordel, do Repente e outras ma -nifestações da poesia popular nordestina.

Na abertura do Encontro, com a presença mais uma vez do Presidente Lula, o poeta Cris -piniano Neto proferiu um discurso que arreba -tou entusiasmados aplausos por mais de cinco minutos. Dizia ele: O presidente Lula nos dizia

Amelia AlbuquerqueEscritora e poeta

Page 18: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

que levássemos a Literatura de Cordel a todos os recantos do Brasil. E estamos começando por Brasília porque tudo que aqui acontece, as de -mais regiões tomam conhecimento.

Hoje, estamos abrindo este I ENCONTRO NORDESTINO DE LITERATURA DE CORDEL EM BRASÍLIA e aproveitamos para lançar pela Edi -tora IMEPH a segunda edição do livro LULA NA LITERATURA DE CORDEL, que em nove meses aumentou de 306 para 528 páginas, mesmo tendo ainda deixado muitos poemas de fora, por falta de estrutura para coletar todos os que estão aparecendo sobre este presidente que tem apoiado a cultura brasileira como nunca se viu.

Naquele dia, 1º de agosto de 2008, nós dizíamos na estrofe 17 do nosso discurso:

É o Lula que veio em pau–de-araraDo flagelo da seca pra o Palácio;

O “da Silva”, “o Luís”, o “Lula Inácio”,Que perante as barreiras nunca para.Esse cara sem pose é ele o cara,Que é a cara tão cara de milhões;Que não treme perante as opressões,Que jamais se dobrou à ditadura.É dureza dosada com ternuraÉ o vento que arrasta as multidões.

Dizíamos queridos brasileiros que “Lula é o cara”. E dizíamos, com rima, métrica, oração e rit -mo. Oito meses depois o presidente Barack Obama repetiria a frase e a imprensa que não viu o corde -lista, divulgou no Brasil inteiro que Lula “é o cara”. Há quanto tempo, nós, poetas do povo estamos di -zendo coisas que a imprensa teima em não ver e, o que é mais grave, em não dar visibilidade, insistindo em deixar a Literatura de Cordel relegada à marca

do preconceito de ser uma Literatura menor. Mas como se ela está na raiz da chamada Literatura maior e ainda no cinema, no teatro, nas artes plás -ticas, no jornalismo, na Filosofia, enfim no saber que se constrói neste País.

Foi por isso que o deputado Fernando Mi -neiro me ligou ontem e disse: insista na frase

“Lula é o cara”, pra ver se finalmente conse -guem o grande poder do Cordel e o grande trabalho do presidente. (...)

Ao final do discurso Crispiniano Neto apresentou uma pauta de 12 itens represen-

Page 19: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

tando as reivindicações de poetas corde -listas e repentistas. Pauta que já está tendo desdobramentos em vários ministérios e outros

órgãos governamentais com a interveniência do Ministro da Cultura Juca Ferreira.

PAUTA DE REIVINDICAÇÔES:01. Reconhecimento da Literatura de Cor -

del e do Repente Nordestino como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil;

02. Reconhecimento da profissão de po -eta popular, que tramita no Congresso Na -cional;

03. Criação de uma forma de previdência pública para os poetas populares;

04. Apoio ao PLS nº. 232, de 2006, que altera o § 3 do art. 18 da Lei nº. 8.313, de 1991, para incluir a Literatura de Cordel en -tre os segmentos beneficiados com a dedução integral do imposto de renda devido sobre as quantias destinadas a doações e patrocínios.

05. Implantação de programas de divul -gação da Literatura de Cordel e Repente nas Escolas reforçando um trabalho voluntário que já acontece em vários estados do Brasil, como Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Maranhão, Sergipe, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins, Goiás e Distrito Federal.

06. Aquisição de Folhetos de Cordel e

Cordelivros para composição de acervos das Bibliotecas Municipais e Pontos de Leitura, pelo MINC;

07. Aquisição de Folhetos de Cordel e Cordelivros para composição de acervos das Bibliotecas Escolares e programas de livros paradidáticos do MEC;

08. Linha de financiamento de Microcré -dito para a cadeia produtiva de Literatura de Cordel, para publicação de folhetos, livros, CDs, DVDs e aquisição de instrumentos musicais e equipamentos de som ou outros bens e servi -ços necessários à cadeia produtiva do Cordel;

09. Horário na TV pública para progra -ma de divulgação da Literatura de Cordel e do Repente;

10. Uso da Literatura de Cordel em campanhas educativas dos ministérios e em -presas estatais;

11. Apoio a Feiras de Literatura de Cor -del em capitais e cidades de porte médio nas diversas regiões do Brasil;

12. Mais editais de apoio à Literatura de Cordel e ao Repente.

Page 20: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

O Presidente Lula recebe das mãos de Lucinda Marques da Editora IMEPH a segunda edição revis -ta e ampliada do livro Lula na Literatura de Cordel organizado pelo poeta Crispiniano Neto com cerca de 60 cordéis de sua autoria e mais de cinqüenta de outros grandes nomes da Literatura de cordel de to -das as regiões. A Editora IMEPH vem trabalhando com sucesso a transformação de folhetos e romances de Literatura de Cordel em CORDELIVROS, ou seja, livros infantis, com excelente qualidade gráfica e devida -mente ilustrada no mesmo padrão dos livros infantis das melhores editoras brasileiras.

É este o primeiro encontroDo Cordel nacionalDe cunho nordestinenseNo Distrito FederalPra discutir os destinosDos folhetos nordestinosCom seu valor cultural.

Não é pra ter blá-blá-blá,Puxa-saquismo nem louvoÉ para se construirPra o Cordel um rumo novo.Para a própria poesiaSer renda e cidadaniaPara os poetas do povo.

Além de expor nossas obrasE escutar os repentistas,Oferecer oficinas,Discutir com economistas,Cooperativar o setorPara se agregar valorAos produtos cordelistas.

O Cordel tem que afirmar-seNos espaços da cultura,Também na economiaSolidária, ágil, pura,Pra que o Brasil todo aprendaQue Cordel é verso e renda.Negócio e Literatura!

Os objetivos do Encontro delineados em verso a partir do convite foram plenamente atingidos e agora há um claro consenso: Este foi um momento histórico para a poesia popular nordestina e para a cultura nacional.

Vejamos o que diz mais uma vez o poeta Crispiniano Neto:

Prestigiaram o evento: a 1ª dama do país Marisa Letícia, o Ministro da Cultura Juca Ferreira, o ex-ministro José Múcio Monteiro, os Governadores José Maranhão da PB e Eduardo Campos de PE, a governadora do RN, Wilma de Faria representada pelo secretário do Trabalho, Fabian Saraiva, o governador Jacques Wagner da BA representado pelo secretário de Cultura Márcio Meirelles, o Presidente da ABLC Gonçalo Ferreira da Silva, a Presidente da CEF, Maria Fernanda Ramos Coelho, os Deputados Federais por PE, Fernando Ferro e Paulo Rubem Santiago, Fátima Bezerra Deputada Federal pelo RN, Geraldo Magela Deputado Federal pelo DF, Luiz Fernando Amaral Presidente do IPHAN, Fabiano dos Santos do Ministério da Cultura, Nilcéia Freire – Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Tarciana Portela representante do Ministério da Cultura no Nordeste, cordelistas, re -pentistas de todo o país, educadores e pessoas interessadas na cultura popular.

Page 21: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

A Filosofia nos

Por Francisco José da Silva Prof. Mestre em Filosofia (UFC)

Questões pertinentes em relação à Filosofia e a Literatura de Cordel

uando fui convidado para falar sobre o tema a Filosofia nos folhetos de cordel, me Qsenti desafiado, pois qualquer pessoa diante disto poderia se perguntar: Qual relação há entre filosofia e literatura de cordel? Seria o que há de filosofia no cordel? Ou seria

o que há de cordel na filosofia? O titulo diz muito sobre a questão a qual nos propomos desenvolver, pois poderia ser ‘Filosofia

em Cordel’, ou, ‘Cordel e Filosofia’, ‘Filosofia no Cordel’, ou, ‘Cordel na Filosofia’ e ainda ‘Filosofia do Cordel’.

Diante destas questões eu me alinho às duas últimas como mote a partir do qual iniciaremos nossa reflexão de hoje, ou seja, até onde é possível falar de uma filosofia presente na literatura de cordel, e ainda, é possível falar de uma veia poética na filosofia, ainda mais uma poética popular?

Page 22: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

A filosofia é, pois, uma forma de saber que tem como fun-damento a busca da verdade através da razão, desta forma a reflexão filosófica nos permite pensar a realidade de forma crítica e a partir do todo. Lem-bramos que o grande expoente da filosofia e modelo de atitude filosófica foi o filósofo grego Sócrates, que através de suas perguntas levava as pessoas a pensarem por si mesmas.

Começaremos então por uma frase que para mim serviria de inspiração a partir da qual refletiremos sobre a filosofia nos folhetos de cordel. A frase é “A poesia é filosofia em versos, a filosofia é a poesia em prosa”.

A poesia na origem da Filosofia

Já que ao falar de litera-tura de cordel estamos falando em poesia, podemos perceber que na Filosofia há um pouco de cordel, pois na sua origem a Filosofia era expressa na forma de poesia, com versos. Desde tempos imemoriais a poesia tem sido a forma mais utilizada para se expressar, especialmente na carência de uma literatura es-crita, enquanto ela é uma forma de mnemotécnica, ou seja, uma técnica de memorização eficaz, além é claro do caráter estético que nela se apresenta que lhe dava uma aura de divina.

Um exemplo deste caráter divino da poesia pode ser con-statado na invocação das musas, rotina sempre presente na litera-tura de cordel, mas que remonta a Homero, na Ilíada e Odisseia,

e Hesíodo, na Teogonia e em Os Trabalhos e os Dias. As primei-ras grandes obras poéticas da tradição ocidental que tem sua origem na Grécia antiga.

No Canto I da Ilíada lemos:“Canta ó musa, a ira de Aq-

uiles filho de Peleu...”. As musas são as filhas de

Zeus e Mnemosyne (Memória), as quais presidem as criações artísticas e conduzem os poetas à contemplação daquilo que os deuses querem revelar através da poesia, da tragédia, da música, da dança, etc. O poeta é como que o arauto dos deuses, aquele que em seu canto revela a palavra dos deuses, não muito distante é a concepção bíblica da profecia, pois os grandes profetas (neviim), são os por-tadores da palavra de Deus, e muitos deles como Isaias e Jere-mias eram considerados grandes poetas, sem esquecer do repen-tista hebreu David, que deliciava os ouvidos de Saul ao “cantar seus Salmos pelos ares”, como diria Raul Seixas. Desse modo, podemos dizer que existe uma relação estreita entre a poesia e a divindade, aquele que revela os segredos da natureza, da vida humana, etc. Esse caráter revelador da poesia ultrapassa o âmbito estritamente religioso, ele é reconhecido inclusive na filosofia.

Em relação à importância da expressão poética na anti-guidade e sua relação com a Filosofia nos diz Aristóteles, em sua Poética:

“Entretanto nada de comum existe entre Homero (poeta) e Empédocles (filósofo) salvo a

Desse modo,

podemos dizer

que existe uma

relaááo estreita

entre a poesia e a

divindade, aquele

que revela os

segredos da

natureza,

da vida humana

Artigo | 19

folhetos de Cordel

Page 23: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

presença do verso.” (Aristóteles, Arte Poética, I, 11).A partir deste texto, percebemos que o verso

era a linguagem comum tanto da poesia quanto da filosofia, e ao contrário do que diria Platão, o qual rejeita a poesia em sua República (vale res -saltar que o próprio Platão era poeta, o que nos leva a questionar sobre sua posição), Aristóteles, ao contrário, exalta o caráter racional e universal da poesia, quando diz:

“Por tal motivo a Poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História, porque a Poe -sia permanece no universal e a História no particu -

lar.” (op.cit, IX, 3).Com isso vemos clara -

mente que há algo que aproxima a racionalidade filosófica da poesia e vice-versa, é isto que faz com que o cordel, enquanto poética popular carregue em si os germes da reflexão filosófica na sua busca de expressar o real em sua complexidade.

Podemos dizer que os grandes poetas marcam com suas obras a geniali -dade do pensamento, entre eles destacam-se ainda mais aqueles que poetica -mente filosofam. Entre os grandes ‘poetas-filósofos’ podemos citar Homero, Hesíodo, Sófocles, Esquilo,

Eurípedes, Virgilio, Camões, Goethe, Schiller, Hölderlin, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos, e por que não acrescentar a estes grandes poetas clássicos, os grandes poetas da literatura de cordel como Leandro Gomes de Barros, Manoel Camilo dos Santos, Patativa do Assaré, Klevisson Viana, Manoel Monteiro, Mestre Azulão, Rouxinol do Rinaré e tantos outros (?), os quais com sua poesia levantam questões das mais perti -nentes sobre a existência humana, sobre a morte, sobre a vida feliz, sobre o certo e o errado, sobre o mal, sobre o conhecimento, sobre nossa cultura.

Não podemos subestimar nem a poesia clássica nem muito menos a poesia popu -lar, como o cordel, no que diz respeito à forma de expressão ou ao conteúdo. A poesia é uma das primei -ras manifestações artísticas da humanidade e carrega toda genialidade do espíri -to humano e, como pensa o filósofo alemão Hegel (1770-1831) na sua obra Lições sobre a Estética, é a forma de arte mais espiritu -al e mais completa, aquela que mais se aproxima da religião em sua manifesta -ção do absoluto.

Por tal motivo a

Poesia e mais

filosáfica e de

caráter mais

elevado que a

Histária, porque a

Poesia permanece

no universal e a

Histária

no particular.

Aristáteles.

Artigo | 20Revista Brasileira de

Literatura de Cordel

Page 24: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Cordeis sobre Filosofos

grego Diógenes, o cínico, con-siderado o mais despojado, o mais irreverente dos filósofos gregos, que usava o sarcasmo, a ironia e literalmente ‘mordia’ aqueles que ele considerava reprováveis.

Como exemplo, citemos trechos do cordel Diógenes, o cínico:

Deus quando criou o homem

Facultou-lhe liberdade

Pra pensar e investigar

Deixou-o bem à vontade

Do amor a sabedoria

Nasceu a Filosofia

Como busca da verdade

Do grego, Filos, amigo.

Sabedoria é Sofia

A mãe de toda ciência

Da mente que tudo cria

Deus Pai, Primeiro Motor.

Poeta superior

Da divina poesiaComo vemos de forma simples

Além da possibilidade de levantar estas questões funda-mentais, devemos lembrar da tarefa levada a cabo por al-guns cordelistas, a de escrever sobre a vida dos grandes filó-sofos da humanidade. Entre es-tes cordelistas citamos Gonçalo Ferreira que escreveu sobre Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles, vejamos este trecho o cordel sobre Platão:

Os vultos primaciais

Livres de contestação

Da filosofia grega

Inegavelmente são

Os inexcedíveis Sócrates

Aristóteles e Platão.

Foram eles realmente

Os construtores da fé

Iluminando os caminhos

Do cristianismo até

A doce eclosão do Cristo

Em Jesus de Nazaré.

Artigo | 21Revista Brasileira de

Vemos nestes versos uma

Literatura de Cordel

concepção que alia as ideias cristãs ao pensamento dos filósofos gregos, o qual foi na verdade a base para o desen-volvimento da teologia cristã posterior.

Recentemente Rouxinol do Rinaré escreveu conosco um cordel sobre o filósofo

Page 25: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

e concisa o poeta expressa o signifi-cado da palavra ‘filosofia’(amigo da sabedoria), e sintetiza todo seu con-teúdo e ainda traduz uma concepção de racionalidade oriunda da divindade que o conduz ao conhecimento de sua mais elevada aspiração. Além disso, o poeta trata dos conceitos mais fundamentais da filosofia, tais como liberdade, amor, sabedoria, verdade, interpõe o conceito de deus cristão (Pai) e aristotélico (o primeiro motor) e relaciona o criador (poietes, em grego) e a criação (poema) com a produção poética (poesia).

Pode-se encontrar maior profundi-dade em tão poucos versos?

Podemos dizer ainda que se faz necessário e é importante a produção de cordéis biográficos sobre os grandes filósofos, tarefa a qual tem se dedicado Gonçalo Ferreira, mas isto não é a regra para que se possa filosofar com cordéis, ao contrário do que têm feito alguns cordelistas que escrevem cordéis sobre gramática, matemática, geografia, etc, pois para isto basta que se escrevam cordéis, os quais devem ser ‘investigados’ e neles se encontre todas estas discipli-nas incluídas em seu conteúdo, seja num cordel de gracejo, seja biográfico, seja romance.

Como filosofar com Cordéis?

Diante disso tudo e sabendo que a poesia tem uma ligação com a filosofia e pode expressar ideias e reflexões filosó-ficas, podemos nos perguntar: Já que a filosofia agora se tornou obrigatória em todas as escolas do país, seria possível ensinar filosofia com cordéis? Uma vez dispondo de uma biblioteca de cor-déis na escola poderia o professor de filosofia utilizar-se dos cordéis e levar os alunos à reflexão por meio deles?

Nada melhor que citar alguns trechos de cordéis que levantem questões filosó-

ficas (morais, éticas, políticas, episte-mológicas, metafísicas, etc.) e permi-tam entrever não só ao admirador, mas ao pesquisador, ao professor em geral, e ao filósofo em particular, toda a riqueza filosófica que pode se encontrar nesses modestos folhetos de literatura popular, muitas vezes subestimados pela grande maioria das pessoas.

Vejamos este trecho do cordel Viagem a São Saruê de Manuel Camilo, o qual relata uma viagem fantástica a um lugar onde há tudo em fartura:

O que pensar diante de um cordel que trata de uma sociedade plena de fartura se contrapormos a realidade do povo nordestino que nos períodos mais agudos da seca sofrem a privação das coisas mais básicas?

O povo em São Saruê

Tudo tem felicidadePassa bem anda decenteNão há contrariedade

Não precisa trabalharE tem dinheiro à vontade

Lá os tijolos das casasSão de cristal e marfimAs portas barras de prata

Fechaduras de ‘rubim’As telhas folhas de ouroE o piso de sitim

(...)Tudo lá é bom e fácilNão precisa se comprar

Não há fome nem doençaO povo vive a gozarTem tudo e não falta nada

Sem precisar trabalhar

Artigo | 22Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 26: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Outro ponto digno de nota é a con-cepção de que nesta sociedade utópica as pessoas não precisam trabalhar, uma clara referência a vida no jardim do Éden, onde após o pecado original o homem é condenado ao trabalho pe-noso. Esta visão do trabalho traz os ecos da visão de mundo antiga e medieval, para os gregos, por exemplo, o trabalho era reservado apenas aos escravos, en-quanto os livres cuidavam das questões do pensamento. Também relacionado a

isso podemos dizer que esta crítica ao trabalho é endereçada não ao trabalho enquanto tal, mas pode ser uma alusão às condições de trabalho do homem do campo, explorado e espoliado pelos grandes latifundiários, que gozam da fartura sem mover uma palha.

Também é interessante notarmos o contraste entre amor e honra no cordel Entre o amor e a espada de José Camelo de Melo, autor do famoso Pavão Miste-rioso:

Qual dos dois tem proeminência e é mais importante, o amor ou honra? Seria a honra mais nobre que o amor? Por que seria a honra a coroa do amor, e não o contrario? Teria o amor que estar sempre amparado pela honra?

Com certeza estes versos do cordel supracitado trazem a marca de uma época, na qual a honra era um dos bens mais importantes para as pessoas, mas será que poderíamos dizer que a honra seria tão valorizada nos dias de hoje? O poeta pretende ligar o amor e a honra de uma forma tão perfeita, mas deixa entrever uma valoriza-ção da honra mesmo em detrimento do amor. Em nossos dias podemos encontrar manifestações de honra, mas talvez não tão frequentes como outrora, ou mesmo em outras culturas, como por exemplo, a oriental onde a honra ocupa um lugar privilegiado, talvez mesmo acima do amor. Até que ponto as pessoas não confundem a honra com uma alta consideração de si mesmo derivada do egoísmo, o qual leva muitos a cometerem os crimes mais horrendos em nome de uma pretensa ‘hon-ra’? Seriam os crimes passionais resultado do amor ou da honra?

Por essas reflexões iniciais percebemos o quanto estes versos do

O amor quando se albergaNo peito do rico ou pobre

Se torna logo um guerreiroCom capacete de cobreE só obedece a honra

Porque a honra é mais nobre

Se o amor é soberano

A honra é sua coroaPortanto o amor sem honraÉ como um barco sem proa

É como um rei destronadoNo mundo vagando a toa

A árvore é como o amanteSeus frutos são o amor

As raízes são a honraQue de incógnito frescorDão vida e beleza a árvoreE a seus frutos sabor

Colhem-se os frutos da árvore E ela não esmoreceMas cortando-lhe as raízesLigeiramente emurcheceDa mesma forma é a honra Ferida, o dono entristece.

Artigo | 23Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 27: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

cordel podem nos conduzir paraquestões complexas de ordem éticae moral, que vão muito além de umamera consideração do senso comum.São também muito interessantesestes versos de Rouxinol do Rinarétirados do cordel O Jjusticeiro doNorte:

O homem valente e justoDo berço já traz o tinoE tendo fibra e coragemTraça seu próprio destinoComo se deu nas andançasDo herói Pedro Justino.

Pedro Justino é o personagem docordel de Rouxinol do Rinaré quenarra as aventuras de um sertanejoque vai além do sertão se embrenhandonas regiões do Norte do Brasil.Mas para além do óbvio podemosencontrar nestas aventuras ummisto de construção de um destino, oqual aponta para uma concepção deliberdade, enquanto uma autonomiado sujeito face às circunstâncias, ede destino traçado, onde o homem éo resultado de uma serie de eventospreviamente estabelecidos que oconduzem a uma missão predestinada.Há um conflito entre a liberdadedo homem ser o que ele escolheu eo fatalismo que leva o indivíduo auma passividade diante de uma vidatraçada por Deus.Este mesmo conceito é reforçadopelo próprio autor nos versos iniciaisdo Cordel Violação, a trágica históriade Renato e Maria (uma adaptaçãoda novela homônima de RodolfoTeófilo):

O homem na vida sonhaFaz planos, mas na verdadeO desfecho do destinoSó pertence à DivindadeSem ao menos pressentirQualquer um pode cairNa cruel fatalidade!

Somos fruto do que escolhemos ouhá um destino traçado para todos?O homem é livre ou é um jogueteaos caprichos da divindade? Seráque Deus pode traçar um destinocontrário aquele que eu me propus?Com que finalidade?No verso do cordel supracitado oautor propõe que apesar do homemplanejar sua vida, preparar todo oterreno para realizar seus sonhos, éa divindade que de forma misteriosaconduz seu destino, ou seja, o desfechode sua vida não lhe pertence,mas é resultado de uma escolha deDeus. Esta visão fatalista do destinoencontra eco na filosofia estóica dosgregos e na teologia cristã, onde ohomem está submetido aos desígniosde Deus, e mesmo os maus estãosob sua vontade. Diziam os estóicos“suporta o que não depende de ti”,e buscavam agir segundo arazão e a natureza.Totalmentediversa é avisão

Page 28: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

existencialista, que vê a escolhacomo a única forma autêntica dohomem ser, para os existencialistasateus crer em um destino traçadopor Deus seria negar sua autonomiae liberdade de escolha, ou comodiz Sartre, estamos condenados aser livres, pois mesmo quando nãoescolhemos estamos fazendo umaescolha, a de não escolher (!).Outro exemplo que podemosutilizar para demonstrar que ocordel não é mera reprodução doque se diz, mesmo quando se tratade ciência, é aquele tirado do cordelde Fernando Paixão A história docomeço do mundo – a teoria do BigBeng. Nele o autor assim se expressa:Então me ponho a pensarNa suprema criaçãoO que está por trás da vidaE das leis da evoluçãoAlguns pensam que é “acaso”Eu penso em intervençãoPorque disse um cientistaQue a sublime existênciaÉ a obra de um acasoMas na minha consciênciaTudo é obra e criaçãoDa Suprema Inteligência

algo mais por trás de tantas coincidências,o autor contrapõe acasoe intervenção, se posicionando aolado desta última como explicaçãomais adequada e viável para a respostado grande mistério da vida.Para ele, o universo é resultado davontade de uma Inteligência Superiore não mero resultado do acasoe na sequência do cordel apresentauma serie de argumentos para justificarsua tese e arremata com essabrilhante estrofe:“Matéria sem consciênciaDo universo é ruína”Pois o homem, ser pensanteNo universo predominaLegitima a criaçãoSeu destino determina.Seria o universo um projeto quetem como meta a produção de umaconsciência capaz de conhecê-lo?Estaria a matéria trazendo em si abusca de auto-conhecimento?A visão proposta pelo autor notrecho acima citado é denominadaponto de vista antrópico, ou seja, ohomem devido a sua condição superiorde racionalidade interpreta o sentidodo universo como sendo um processoque conduziria necessariamenteao seu surgimento, como se a matériacontivesse em si os germes necessáriosao surgimento da consciência.Como podemos perceber atéagora, estas e outras questões podemser encontradas, investigadas

Page 29: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

e discutidas a partir da leitura de folhetos de cordel, o que requer do leitor (professor) uma curiosidade e preparação para tratar destes temas de forma lúdica e instigante.

Do que foi dito até aqui está claro que os folhetos de cordel trazem uma imensa gama de questões a serem elaboradas e desenvolvidas num espaço co-letivo de reflexão, ou como diria o filósofo Matthew Lipman, numa comunidade de investigação, a qual permitiria aos educandos um espaço democrático de debate e investigação das implicações contidas nas narrativas estudadas. O cordel é uma ferramenta incrível para levar o educando ao conhecimento da nossa cultura nordestina, de nossas raízes, mas pode ser mais que isso, ele pode levar-nos a uma reflexão crítica de nossas ideias e ideais, de nossos costumes, das concepções e ideologias presentes em nossa formação e do pensamento do homem simples que expressa em seus poemas as realidades mais com-plexas da condição humana. Não devemos esquecer também o papel estético que os folhetos ocupam em nossa realidade, o qual acaba sendo obscurecido por aqueles que o querem manter numa cúpula, como um objeto de museu, mas que na verdade não percebem o quanto o cordel é versátil e capaz de se reinventar em sua linguagem e se atualizar em seus conteúdos.

Mas para que o mesmo cumpra este papel é ne-cessário da parte do professor um conhecimento das raízes de nossa cultura, ou seja, de sua própria iden-tidade, para não se tornar um mero reprodutor das ideias advindas de outros lugares com a pretensão de serem universais, o professor precisa de tempo e condições mínimas para não se tornar cativo de uma estrutura que nega a possibilidade de cumprir seu papel de forma mínima, isto é, a de ser um capacita-dor, um orientador, um motivador do aprendizado que leve os indivíduos a pensarem por si mesmos, a serem cidadãos autônomos. Não cabe aqui nenhuma critica ao professor enquanto tal, mas aos gestores públi-cos desse intrincado processo, os quais sabemos que propositalmente trabalham com o intuito de manter as pessoas sobre controle, dóceis e passivos, cristalizando um tipo de sociedade excludente e individualista.

Por isso, consideramos que a Filosofia pode e deve ter no cordel, no Ceará e em todo o Nordeste, mais um aliado em seu trabalho incansável de levar os homens ao conhecimento de si e a problematização

das falsas verdades e certezas impostas pelo neoliberalismo, pela tradição e pelos meios de comunicação de massa. Só assim estaremos transformando nossos concidadãos de meros zumbis teleguiados e dependentes de celulares e outras parafernálias modernas em pessoas capazes de pensar por si, de investigar o mundo que os cerca, de criti-car as falsas verdades impostas, de denunciar os desmandos da política, de se manifestar e trans-formar a realidade!

Artigo | 26Revista Brasileira de

Literatura de Cordel

Page 30: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

No ma-ti-nala me-ren-dare-co-men-daser só fru-galpas-ta den-talde es-co-varde-ve la-varcom co-li-peno ga-lo-peda bei-ra-mar

Não dei-xeo in-tes-ti-nofi-car fi-noque só fei-xeco-ma pei-xeno pa-la-darum ca-la-mares-ca-lo-peno ga-lo-peda bei-ra-mar

Um ex-em-plode gi-gan-teru-mi-nan-teum ca-me-lopa-ta pe-loru-di-men-tarpa-ra ma-tarse-re-le-peno ga-lo-peda bei-ra-mar

Es-car-la-tetan-ge-ri-na

vi-ta-mi-nano to-ma-tea-ba-ca-tever-de po-marpo-de cor-tartos-se gri-peno ga-lo-peda bei-ra-mar

Um re-gi-mede ver-da-deli-ber-da-deé seu ti-meé su-bli-meser po-pu-larpar-la-men-tarpar-ti-ci-peno ga-lo-peda bei-ra-mar

Galope Beira Mar (Fragmentos soletrados)

Compositores: Xangai e Ivanildo VilanovaCD: Xangai - Qué qui tu tem Canário

Soletrando | 27Revista Brasileira de

Literatura de Cordel

SOLETRANDO

Page 31: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Raimundo Caetano e Waldir Teles

Cabeceira é IacangaTerra antiga – IbiporãEstaca – IbirapoãMel vermelho – IrapirangaTerra roxa – IbipitangaPoço fundo – ItapuíRio dos Índios – AvaíMastro ou poste é IbiramaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

A Várzea é IbipetubaNariz de Pedra - ItatinaDescavado – IbiapinaPedregulho – ItaitubaMel amarelo – IrajubaClareira é BaiapendiCoisa verde é BatoviCascatas é IturamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

A fonte é ItororóLagoa branca – IpatingaTerra branca é IpitingaBica d’água é IteróCasca amarga é IperóRio dos ventos – ButuíDe lei, é CamaçariRio dos musgos IguatamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Cordel | 28Revista Brasileira de Literatura de Cordel

O BRASIL DE PINDORAMAFALOU TUPI-GUARANI

Page 32: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Pedra redonda - ItanguáRio torto é IamparaLuz da lua é IaciaraNinho de abelhas - IrajáNavio é IngaratáRio do Leite - IcamburiDelegado é CanapiBem estar é CatuamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Pedra angular – ItatemaVão estreito – ItacambiroRio de pedra - ItaciroRio imprestável - Ipanema Pau d’alho - ImbiraremaRio doente é IngaciFonte verde é ImpuíCanteiro é IbotiramaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Charco se chama IpuçabaAldeia negra – ItabunaSerra negra - IbiturunaCordilheira – IbiapabaPorto é IgarequiçabaPedra verde é ItaobíAreia é IbicuíBica d’água é TorotamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Água boa é IcatuPomar se chama - IpotibaAbundância – ImbiritibaÁrvore grande - ImbiraçuCasa de vespa é InchuAlameda - Imbiraci,Pedra agulha é ItabiPedra erguida - ItapoamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Laje branca é Itapetim,Montanha é IbitiuraÁgua que brota é ImburaFlor é chamada ImbotimFonte funda é InhapimPonta de pedra ItapiRio dos musgos IguaíOssada é CanguaretamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Pedras soltas – ItaqueraDepois da fonte – InharéRio das Frutas - ImbaréTerra antiga é IbiqueraCepo é IbirapueraAngelim – AracuíFlor de arara – ArapotiUmbuzais - UmburetamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Casa de pedra - ItaiocaPedra amarela – ItaiubaCerradão é CatandubaConstrução quer dizer MocaFenda ou rasgo – VossorocaA lua é sempre JaciO sol é CoaraciE apiário é IretamaO Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Rio doente

Ingaci

Fonte verde

Impui

Canteiro

Ibotirama

O Brasil

de Pindorama

Falou

Tupi Guarani

Cordel | 29Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 33: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Artigo | 30Revista Brasileira de

Regras

Literatura de Cordel

(O que é e o que não é Literatura de Cordel)

N ão é qualquer folheto de 11cm X 16 cm que pode ser considerado Literatu -ra de Cordel. Além do formato com as

medidas indicadas, para que se possa consid -erar Literatura de Cordel, é preciso observar, em primeiro lugar, o aspecto literário.

A Literatura de Cordel Portuguesa, não é bem literatura, pois o que definiu mesmo o formato do folheto foi a tecnologia gráfica precária da época, mas os folhetos tanto po -diam trazer poemas, como escritos em prosa, da forma que poderiam tratar de receitas de

bolo, tábuas de marés, fases da lua, horóscopo, etc.

Aqui no Nordeste brasileiro, é que ela se tornou forma de Literatura mesmo, ao definir-se, não só a forma dos folhetos, como também a temática, as regras poéticas, o fato de serem todos em poesia, a criatividade, fantasiosidade das histórias descritas. Enfim, todas as carac-terísticas de um segmento de arte literária.

Diferenças entre a Literatura de Cordel Por -tuguesa e a Literatura de Folhetos dita Litera -tura de Cordel Nordestina

REGRAS DA POÉTICA CORDELIANA

Page 34: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Artigo | 31Revista Brasileira de

Portuguesa

a. Dirigida a todos os públicos

Literatura de Cordel

b. Gênero literário, teatral, informativo e outros.c. Verso, Prosa e Receituáriosd. Postura ideológica de conciliação de classese. Vendida em ruas pendurados em barbantes (cordéis)

Litera-tura de Cordel e Canto-ria im-provisada

A imensa maioria das apos-tilhas e livros que “ensinam” a fazer Literatura de Cordel con-fundem a cantoria improvisada com a Literatura de Cordel. Somente Ariano Suassuna fez a divisão correta. Até mesmo os grandes estudiosos do Folclore confundiram estes dois universos da poesia popular nordestina.

A Literatura de Cordel é composta por toda a parte escrita e impressa da poesia popular divulgada em formato de folhetos (08 e 16 páginas) romances (de 24 páginas em diante, saltando de oito em oito por ser o que comporta uma folha de papel ofício dobrada em quatro partes e impressa frente e verso), as folhas soltas, com poemas, canções e em-boladas. Esse é o gigantesco mundo da Literatura de Cordel. Já a cantoria improvisada, o repente de viola é outro uni-verso gigantesco, com mais de cem estilos poéticos, como a

própria sextilha, que é comum aos folhetos e aos repentes, a toada de sete linhas, as déci-mas, mas também diversos tipos de quadrões, de mourões, a Gemedeira, o Gemido de Dois, Treze por Doze ou numerado, o Galope à Beira-mar, os diver -sos tipos de martelos e os esti-los de fantasia, Brasil caboclo, o Brasil de Pai Tomás, o Boi da Cajarana, Mulher Teimosa ou Rojão Pernambucano. Enfim, um mundo de mais de cem estilos, cada um deles com sua própria estrutura de rimas, de métrica e uma lógica na oração a ser desenvolvida, além de uma melodia e um ritmo próprios.

A intersecção entre cantoria e Literatura de Cordel se dá, na cantoria, quando os repen-tistas cantam canções e poemas ou mesmo folhetos e romances decorados e da Literatura de Cordel quando em pelejas e discussões são usados diversos

Nordestina

a. Dirigida ao meio popular

estilos de cantoria.

b. Gênero estritamente literário e informativoc. Definição pela poesia (exceto os almanaques)d. postura ideológica denunciadora e crítica dos opressorese. Vendida de mão em mão. Nas feiras é vendida em rodas, e expostos em mala aberta ou em pequenas bancas no meio da roda.

Page 35: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Artigo | 10

AS REGRAS DO MESTRE RODOLFO COELHO CAVALCANTI PARA A POESIA POPULAR IMPRESSA.

Márcia Abreu em Histórias de Cordéis e Folhetos, Mercado das Letras, 1999 traz as normas que eram definidas por Rodolfo Coelho Cavalcanti, mestre baiano da Literatura de Cordel sobre a forma de se produzir esta Litera-tura. Rodolfo dá as cartas sobre técnicas de versificação usadas na Literatura e Cordel e sobre a própria maneira de se diagramar e de se compor, do ponto de vista gráfica, um folheto.

Quanto às regras, podemos lembrar basicamente:

1. As histórias/estórias têm que ser descritas em versos;

2. As estrofes devem ser de seis versos (sextilhas1), de sete versos (Sete linhas2), de dez ver -sos (décimas ou glosas3);

3. Os versos, devem ser de sete sílabas (heptassílabo ou re -dondilha maior) ou de dez sílabas( decassílabos ou martelos);

4. Cada página deve ter de quatro a cinco estrofes (quatro, quando se trata de estrofes de sete linhas e até cinco, quando se trata de sextilhas. No caso espe -cífico de ser em décimas, ficam apenas duas ou, no máximo três estrofes numa página;

5. Os folhetos são montados no tamanho 11cm X 16 cm, o que representa ¼ de uma folha de tamanho ofício, dobrada ao meio e novamente dobrada, de modo que, ao dobrar duas vezes uma folha tamanho ofício, ficam oito páginas de 11cm X 16cm. Assim

sendo, os folhetos e romances são todos montados com números de páginas múltiplos de 8. Sendo, por tanto, de 8, 16, 24, 32, 40, 48 ou 64 páginas.

6. Os de oito e até 16 pági -nas são chamados de folhetos;

7. Os de 24 páginas em diante são chamados de romances, independente do assunto.

8. As capas devem ser feitas de papel de cor e as páginas in -ternas (miolo), normalmente é feito de papel jornal;

9. A ilustração da capa pode ser feita de xilogravura, fotogra -fia ou desenho. Sendo que o mais recomendável é o uso da xilogra -vura.

10. Os títulos, de preferên -cia, devem ser metrificados. Ex. O Soldado Jogador (sete sílabas), As proezas de João Grilo (sete sílabas) História de Mariquinha e José de Souza Leão (dois versos de sete sílabas).

Artigo | 32Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 36: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Artigo | 33Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Obs. Os demais estilos que normalmente são apresentados em apostilhas de Literatura de Cordel como sendo próprios da poesia escrita, só são usados na composição de folhetos e romances, como Brasil Caboclo, Martelo a Desafio, Ge-medeira, Mourão Voltado, Quadrão Perguntado, Galope à Beira-mar e outros, são estilos de cantoria improvisada, só sendo usados na Literatura de Cordel, quando se trata de pelejas e discussões. Estes outros estilos serão descritos nos próximos números desta revista, com acompanhamento de um CD para que se possa ter uma dimensão aproximada do universo da cantoria improvisada e da Literatura de Cordel.

Sextilhas

São estrofes de seis versos de sete sílabas

As rimas devem ser postas na sequência AB -CBDB.

Em alguns casos a primeira rima (A) a pode rimar com a última da estrofe anterior, como normalmente se faz na cantoria improvisada. Na Literatura de Cordel não é obrigatória a “deixa” porque e é usada na cantoria improvisada para dificultar a prática que alguns poetas têm de levar estrofes decoradas. Há também as sextilhas em decassílabos, mas ra -ramente ela é usada nos folhetos de cordel, sendo mais apropriada para o improviso.

Sete linhas

São estrofes de sete versos de sete sílabas, com rimas postas na sequência ABCBDDB.

Trata-se de um estilo poético pouco usado no início da Literatura de Cordel Nordestina, mas que depois passou a ser adotada em poemas como A Chegada de Lampião no Inferno.

O estilo Sete Linhas é muito usado na cantoria improvisada por permitir melodias muito boni-tas. É tão musical que é chamado na cantoria de “Toada de Sete Linhas”.

Os cordelistas moder-nos usam bastante o

Décimas ou glosas

As décimas são

estilo Sete Linhas.

estrofes de dez versos de sete sílabas, com a posição das rimas obe-decendo, na maioria dos casos, a sequência AB-BAACCDDC. Trata-se de uma forma poética mais usada para glosar motes em pelejas e discussões, mas também pode ser usada para a com-posição completa de um folheto, como é o caso da Batalha de Oliveiros e Ferrabrás, de Leandro Gomes de Barros.

Há também o chama-do “estilo de Assu” em que as rimas obede-cem a sequência AB-BACCDEED. As décimas em decassílabos são usadas em poemas e pelejas.

Page 37: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Chico Diassis

Brasília, cidade linda

É a musa do CerradoTeu céu azul, estrelado,Tem belezas mais de milTua miscigenaçãoNo Distrito FederalFaz do Planalto centralO coração do Brasil.

Joaquim José da SilvaXavier, o Tiradentes,Ele e os inconfidentesQueriam teu esplendorAo pedirem que o PaísTransferisse a capitalDo imenso litoralPara o vasto interior.

Com o Padre João Ribeiro,Hipólito José da CostaA mudança era proposta E ganhava repercussãoEra século dezenoveNo ano de vinte e doisQuando Dom Pedro propôs Sua denominação.

Francisco Adolfo, Visconde De Porto Seguro, fazUma viagem a GoiásBerço das grandes baciasE entre Trás Lagoas, notaO local apropriadoPra que seja sediadoO poder de nossos dias.

Revista Brasileira de Cordel | 34 Literatura de Cordel

A CRIACAO DE BRASILIA

Page 38: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

O deputado NogueiraParanaguá autorizaA demarcação precisaNo ano 92.E Floriano PeixotoA Comissão Cruz envia Pra demarcação sadia Ser concluída depois

Fez-se o Quadrilátero CruzEm muitos mapas, presenteO governo de Prudente No ano 96Mil novecentos e cincoNa campanha mudancistaSenador e jornalistaTocam o assunto outra vez

Dia sete de setembroData por nós consagrada,Em 22 foi lançadaA pedra fundamental.O Epitácio PessoaComemorando a essênciaCem anos de independência Da nossa pátria natal.

O senador CavalcantiApresentou ao SenadoUm projeto baseadoNa viagem do Visconde,Cento e oito anos antes Da fundação da cidade,A sua localidadeJá era sabida onde.

No ano de oitenta e trêsDom Bosco, salesiano,Sonhou com um altiplanoOnde a terra prometidaEstava à beira de um lagoConforme a antevisãoNova civilização,Novo tempo e nova vida.

Foi proclamada a República E sua constituição Previa a demarcação Do Distrito Federal.Virgílio Damásio e MullerDois distintos senadoresDo terceiro artigo, autores, Lembraram da capital.

Após trinta e quatro anosJuscelino entra em açãoInicia a construção Consolidando a propostaContando com paisagistaArquiteto e engenheiroFaz com Israel Pinheiro, Niemeyer e Lúcio Costa

Em 21 de abril De 60 foi fundadaA cidade projetadaPra sediar o governo.As maiores decisõesDe Brasília estão partindoE hoje estamos assistindo Nossa capital crescer.

Revista Brasileira de Cordel | 35 Literatura de Cordel

Page 39: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

| 10Revista Brasileira de

Literatura de Cordel

Cinco seculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violencia

SEVERINO DIONÍSIOEu não vejo porque comemorarCinco séculos de vida do Brasil,Deveria passar o mês de abrilSem ninguém desta data se lembrarSe o índio não tem onde morar,Prostituta não tem a assistênciaO político não usa coerênciaPouca coisa mudou da ditaduraCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

EDVALDO ZUZUNão se pode esquecer o pelourinho,O porão do navio e a senzalaO quilombo que tanto o povo falaOnde o negro sofreu sem ter padrinho,Conselheiro e Zumbi neste caminhoForam mártires da mesma penitênciaSuportaram castigos sem clemênciaNão tiveram da lei a coberturaCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

SEVERINO DIONÍSIODescobriram o Brasil, mas foi em vão.Não deviam jamais ter descobertoQue se o branco não tem chegado pertoSó os índios mandavam nesse chão,Sem políticos corruptos na nação,Sem a droga gerando delinquência,Não havia república nem regênciaNem ninguém criticando a pele escuraCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

Revista Brasileira de Cordel | 36 Literatura de Cordel

Page 40: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Revista Brasileira de Cordel | 37

Este monstro cruel capitalismoNão aceita o regime igualitárioSufocou o poder do operárioColocou nossa pátria no abismoAfogou de uma vez o comunismoAmparado na voz da prepotência Onde o fraco não ganha concorrênciaPra um regime cruel de linha duraCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

SEVERINO DIONÍSIOEste nosso Brasil é bom demaisPra quem tem uma vida bem feliz,Quem desvia o dinheiro do paísVive entre os maiores marajás,Quem explora as riquezas naturais,Quem jamais examina a consciênciaQuem não tem um fiapo de exigênciaGrita viva ao Brasil em toda alturaCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

EDVALDO ZUZUVera Cruz, Santa Cruz, Monte Pascoal,Pindorama e Brasil até agoraQuando a classe burguesa comemoraA pobreza se sente muito mal.Uma grave injustiça socialVem trazendo terrível consequênciaAs esmolas das frentes de emergênciaHumilhando os que estão na agriculturaCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência

SEVERINO DIONÍSIOSão quinhentos janeiros de poderConcentrados nas mãos dos oligarcas,Que sufocam, castigam e deixam marcasOnde o pobre não para de sofrer,Os mendigos não têm o que comer,Os Sem Terra encontram resistência,Os Sem Teto caçando residênciaE os doentes na rua da amarguraCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência!

EDVALDO ZUZUNosso povo inda deve estar lembradoDo que houve em Olinda sempre praia,Buriti Cristalino e AraguaiaE o massacre no chão de EldoradoQuebra-quilos, Praieira, Contestado,Quando vítimas não teve Inconfidência?Bater palmas pra sua independênciaÉ juntar fanatismo com loucuraCinco séculos de luta e aventura,Desemprego, racismo e violência

EDVALDO ZUZU

Literatura de Cordel

Page 41: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

GONCALO

Gonçalo Ferreira, nascido em Ipu, no Ceará, reside no Rio de Janeiro, onde é presidente da ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel.

Autor de mais de 300 folhe-tos abrangendo os mais diver-sos assuntos, Gonçalo Ferreira dedicou-se a contar em versos cordelianos as vidas de alguns mais afamados cientistas do mundo.

Pode se encontrar mais de

três dezenas de biografias de cientistas produzidas em Cordel por este primoroso poeta popular que, além de cordelista é também contista e ensaísta, sendo um dos escritores de grande referência na área do cangaço.

Pesquisador incansável, traz para seus poemas dados funda-mentais para a compreensão da vida e da obra destes grandes benfeitores da humanidade.

Vários outros poetas também se dedicaram a cantar as vidas dos cientistas e temas cientí-ficos, mas a obra de Gonçalo Ferreira é a melhor referência para qualquer professor que se disponha a usar a Literatura de Cordel como ferramenta didático-pedagógica no ensino de Ciências.

Desde Aristóteles, sobre quem escreveu o folheto “Aris-tóteles Vida e Obra” até Câmara Cascudo, mesmo tendo a marca de maior folclorista do Brasil, também enveredou por

pesquisas científicas especial-mente nas áreas de Antropolo-gia e Etnografia.

Sobre Aristóteles, Gonçalo Ferreira descreve:

Quando Tales de Mileto,Da Grécia, o primeiro guia,As cortinas do saber Carinhosamente abriaMostrava o florescimento Da grega sabedoria.

Deus tem planos para todosPorém cabe a nós, humanos,Rigorosa obediência

Os conselhos soberanosPara que sejamos dignosDesses celestiais planos

Aristóteles reuniuMais do que dignidade;Pois ele, Platão e SócratesFormaram a grande trindadeDos mais notáveis filósofosDa Grécia da antiguidade.

Gonçalo continua descre-vendo a vida de Aristóteles, consagrado como filósofo, ma também reconhecido cientista e mostra que Platão, o mestre,

Revista Brasileira de Artigo | 38 Literatura de Cordel

A HISTORIA DA

CIENCIAFERREIRANOS VERSOS DE

Page 42: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

não lhe passou o bastão deixando a todos surpresos e ainda levando a Aristóteles cuidar de pesquisas científicas para somente depois voltar à Filosofia.

Com a morte de PlatãoCertamente caberia A Aristóteles dirigirOs rumos da Academia,Mas Platão, frustrando a todosNão lhe deu a honraria.

Aproveitando o momentoO aluno genialPercorreu o mundo gregoE cumprindo o idealEstudou BiologiaE Filosofia natural.

O poeta descreve as andanças, os trabalhos exercidos por Aristóte-les e, de modo especial suas grandes descobertas.

Aristóteles empregouO tempo e o pensamentoComo um observadorMeticuloso e atentoEstudando, do organismo,O seu desenvolvimento.

Se nos domínios da FísicaPouco se aprofundariaNoutras áreas do saberO seu prestígio cresciaSobretudo na acimaDitada Biologia.

Gonçalo continua descrevendo a vida e a obra de Aristóteles, a in-fluência que exerceu sobre o pensa-mento da humanidade ao longo da história, o desaparecimento dos seus escritos e a redescoberta destes, impactando o saber de épocas diferentes. Por fim, fecha o folheto Aristóteles Vida e Obra, registrando a morte do grande Aristóteles:

O poeta descreve

as andanáas,

os trabalhos

exercidos por

Aristáteles e,

de modo especial

suas grandes

descobertas.

Revista Brasileira de Artigo | 39 Literatura De Cordel

Page 43: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Em Cálcis, na ilha egéia,Em luminosa manhãMorreu o grande filósofoCom a consciência sãCerca de trezentos anosAntes da era cristã.

Gonçalo Ferreira relata em poemas de cordel as vidas de vários outros grande sábios da humanidade. Gente do porte de Demócrito, Pitágoras, Sócrates, Hipócrates, Tales de Mileto, Copérnico, Leonardo Da Vinci, Isaac Newton, Kepler, Galileu Galilei, Charles Dar-win, Johan Gutenberg, Laplace, Santos Dumont, Einstein e Albert Sabin.

Sobre o brasileiro Santos Du-mont, Gonçalo diz:

Tinha o homem pelos céusUma paixão milenarMas não dispondo de órgãosAdequados pra voarVia com inveja os pássarosVoando livres no ar.

E vendo nos passarinhosOra a suave levezaOra planando no arOra exibindo destrezaTinha no coração mágoaSecreta da natureza.

Santos Dumont enviadoPela santa providênciaDisse: - Deus não me deu asasPorém deu-me inteligênciaPara que voemos livresCom as asas da Ciência

O inventor brasileiroSatisfez a milenarPaixão que a humanidadeTinha em conquistar o arProporcionando ao homemA sensação de voar.

Todos os folhetos de Gonçalo Ferreira sobre a temática cientí-fica e outras temáticas, como a política, a vida no sertão, o can-gaço, a vida da cidade grande e toda uma gama de assuntos que explora em seus mais de trezentos folhetos podem ser en-contrados na Academia Brasilei-ra de Literatura de Cordel, onde ele é presidente e reside, na rua Leopoldo Fróes, 37, bairro Santa Tereza, Rio de Janeiro, aten-dendo pelo telefone (21) 2232-4801, e-mail: [email protected]. O site da ABLC que tem um variada riqueza de informa-ções sobre Literatura de Cordel é: www.ablc.com.br

Artigo | 40

Page 44: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Todo mundo ouviu falarDo dilúvio universal,Da Arca que Noé fez,E colocou um casal.De todos seres que tinhaDentro do reino animal.

Tem muitos que acreditamNessa bela narração,Outros dizem, é mentiraNão passa de invençãoDe uma mente dotadaDe muita imaginação.

Eu sei que tudo é verdadeSei aonde está a Arca,O cachimbo e o chinelo,De Noé o patriarca.E porque até agora,Ninguém encontrou a barca.

Quem me contou essa históriaFoi Dedé de Macabêu,Lá na lagoa das garças,Ele pescando mais euContou tin-tin por tin-tinComo tudo aconteceu.

Ele disse que NoéCansado de trabalhar,Quando o machado cegouEle invés de amolar,Colocou madeira brutaNa barca sem descascar

Revista Brasileira de Cordel | 41 Literatura de Cordel

Page 45: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

E botou numa sacola

Literatura de Cordel

Um casal de embuáUm casal de rato brancoE um casal de preáE mandou uma das filhasIr deixar no Ceará.

Depois colocou num sacoUm casal de gaviãoOutro de tatu canastraBotou num carro de mãoE ele mesmo foi deixarEm Codó do Maranhão.

No Rio Grande do NorteNoé botou pouca fé,Mandou deixar em Natal.Um casal de caboréDois casais de caranguejosE um de bicho de pé.

No Goiás Noé deixouUm casal de boi zebú,No Mato Grosso botouUm casal de tuiuiúE aonde hoje é BrasíliaUm casal de guabiru. Agora eu deixo NoéEsse grande patriarcaPra falar sobre os cupinsQue viajaram na Arca,E o que eles fizeramCom a madeira da barca.

Quando o tempo adormeceuAs garras do temporal.Que Noé tirou da barcaPra terra o último casalOs cupins abriram as asasPara o voo nupcial.

E ali ficaram sozinhos Na barca se divertindo,Na gangorra da farturaUm descendo, outro subindoMatando o tempo comendoBebendo, amando e dormindo.

E quando ele fez a jaulaDo casal de guaxinimDo lado esquerdo da gradeFoi um casal de cupimEntre o miolo e a cascaDe um galho de alecrim.

Guardou a jaula na arcaE foi buscar o casal,De tatu-bola, que tinhaNo fundo do seu quintal,Quando o céu mudou de corE caiu um temporal.

Toda terra escureceu,Começou a trovejar,O céu abriu as torneirasSeis semanas sem pararDeixando somente a “Arca”Dividindo o céu do mar. Enquanto Noé lá foraEnfrentava o tempo ruim,Dentro da barca uma festaPara o casal de cupim,Brincando de esconde, escondeNa casca do alecrim.

Quando houve uma estiagemNoé, subiu ao convés,Abriu uma das gaiolas.E soltou dois caborés,Que voltaram com 6 diasCom lama presa nos pés.

Com seis semanas depois,A grande barca chegou,No sul da grande Bahia,Noé desceu e pegou,Um caroço de cacauFez uma cova e plantou.

Depois disse pra família:—Agora vamos soltarOs animais que trouxemos Do sertão até o marDe acordo com a flora,E o clima do lugar.

Revista Brasileira de Cordel | 42 Literatura de Cordel

Page 46: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Mas quando um dia acordaramDaquele sonho douradoTodo Nordeste da arcaTinha sido mastigadoAté na ponta do lemeTinha cupim pendurado.

Ficaram desesperadosCom tanta devastação,E decidiram fazerUma grande expediçãoPra saberem como estavaO resto da embarcação.

E percorreram essa ArcaDo sul até o oeste,E voltaram estarrecidosDepois que fizeram o teste,Quase toda barca estava,Como as tábuas do Nordeste.

Se reuniram de novoE passaram a tarde inteiraAtrás de uma saída,Procurando uma maneiraPois só no norte da ArcaAinda tinha madeira.

E, como o norte era a baseResolveram preservar,Porque se comessem a baseA Arca ia afundarE com ela todos elesIam pro fundo do mar.

Promulgaram a lei do norte,Recrutaram um batalhãoE em cada canto da base,Colocaram um pelotão,Pra defender com a vidaO fundo da embarcação.

Mas cupim guardar madeiraTinha muito o que falar!Quando a fome bateu neles,Começaram devagar.Comendo a casca por cimaPra barca não afundar.

Mas tinha uns mais gulososQue mastigavam a madeiraTransformavam ela em póE atravessavam a fronteiraE traficavam com elaNos cupins da arca inteira.

O tráfico foi aumentandoA barca não suportou,Partiu-se em quatro pedaços,Na mesma hora afundou,Levando todos os cupinsSó um casal escapou.

Diz Dedé que os dois cupinsTinham aprendido a lição,Estavam agora no norteDefendendo a regiãoComo se o norte fosseO fundo da embarcação.

Mas cupim guardar madeiraEu mesmo não tenho féVão fazer o que fizeramCom a Arca de Noé,Logo, logo, a AmazôniaNão vai ter um pau em pé.

E quando nada restar!Nem mesmo marcas no chãoVão dizer a AmazôniaNão passa de invençãoDe uma mente dotadaDe muita imaginação.

Nesse tempo os JaponesesEstão fabricando ar,De semente de melão,E o Brasil vai comprar.Pra desdobrar e vender,Quem for vivo vai saberO quanto custa respirar.

Revista Brasileira de Cordel | 43

Page 47: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

De Repente...

Artigo | 44Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 48: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

s repentistas têm tira-O das geniais registradas na memória coletiva de

todo o Nordeste brasileiro, mesmo que cantem repentes submetidos a regras extremamente rígidas de Rima, Métrica, oração, Ritmo e melodia.

Para produzir uma sextilha de improviso dispõem de, no máximo quinze segundos e ainda têm que iniciar a primeira linha da estrofe pegando “na deixa” ou seja com a mesma rima, de preferência sem repetir a palavra como no caso dos improvisadores sulistas. Há poetas que conseguem fazer uma sextilha com apenas nove ou dez segundos.

Mas vamos lembrar uma sextilha que ficou na memória coletiva do Nordeste Brasileiro: é do poeta Antonio Pereira de Pernambuco, conhecido como “O poeta da sau-dade”:

Saudade é um parafusoQue dentro da rosca cai,Que tem que entrar torcendoPorque batendo não vaiDepois que enferruja dentroNem destorcendo não sai!

É ele também o provável autor de outros dos mais belos improvisos de todos os tempos:

Há entre o homem e o tempoContradições bem fataisO homem não faz mas dizO tempo não diz, mas fazO homem traz mas não levaO tempo leva e não traz!

Já o poeta paraibano que viveu no Ceará há décadas, ficou imortalizado com várias estrofes,

Artigo | 45Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Page 49: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

mas essa é considerada um clássico do repente nordestino. Diante do mote A Terra caiu no Chão que lhe foi dado por um advogado que estava incomo-dado porque um cantador sem diploma chamava mais a aten-ção do povo que ele, Bentivi improvisou de forma genial:

Eu plantei um pé de uvaDentro de uma panelaEm cima de uma janelaNa casa de uma viúvaUm dia veio uma chuvaCom relâmpago e trovão Veio um vento furacãoQue arrebentou a janela,Esbagaçou a panelaE A TERRA CAIU NO CHÃO

O poeta piauiense Domingos da Fonseca foi outro monstro do improviso. Num dos seus momen-tos de glória, assim descreveu em quinze segundos a essência da escravidão negra no Brasil.

Quando era injusto o BrasilOs negros se cativaram.O choro dos filhos brancosAs mães negras consolaramE o leite dos filhos pretosOs filhos brancos tomaram!

Diniz Vitorino, pernambu-cano ainda vivo e atuante na profissão de violeiro há anos já colocava um cheiro de preocu-pação com o meio ambiente em seus improvisos, como o fez nessa estrofe magistral:

Não atiro num Vem-vemNem posso matar um grilo

Artigo | 46Revista Brasileira de

Pois se eu atirar nele

Literatura de Cordel

O bosque chora intranquiloE a mata se banha em prantoPor não poder mais ouvi-lo!

Já o poeta Ercílio Pinheiro, norte-riograndense que fez profissão no Ceará saudou as-sim o mestre folclorista Luis da Câmara Cascudo:

Eis o Doutor Cascudinho,Que prestimoso tesouro.O meu Sertão também temCascudo, grilo e besouro...Os de lá não valem nada,Mas esse aqui vale ouro!

E Fabião das Queimadas, poeta escravo que comprou sua alforria com o ganho dos seus improvisos feitos ainda em qua-dras e ao som de uma rabeca,

deixou esta quadrinha genial para a posteridade:

A minha alma de velhoAnda agora remoçadaQ’a paixão é como o sono Chega sem ser esperada!

Page 50: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

O VOO E O CEN-

TENARIO DO MESTRE

DA POESIA

que levaria um menino nascido no O

Por Gilmar de Carvalho

meio do mato, longe dos grandes centros e cego de um olho, aos

quatro anos e com poucos meses de escola formal, a se transformar num dos nomes mais vigorosos da poesia brasileira? Antônio Gonçalves da Silva, nascido a 5 de março de 1909, na Serra de Santana, a 18 Km de As-saré, a oito léguas do Crato e a mais de 500 Km de Fortaleza, é prova da superação das adversidades na construção de um destino que não é traçado por um Deus determinista, mas enfrentado no dia-a dia por todos nós.

Revista Brasileira de Materia | 48 Literatura de Cordel

-

Page 51: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

O menino poderia ter o mesmo destino de tantos outros “severinos” ou de tantos po-etas/violeiros obscuros que se perderam pelas veredas e atalhos de um sertão cáustico. Antônio leu muito e isso deu a ele um diferencial. Era aquele menino a quem os letrados de sua cidade emprestavam um livro sabendo que ele seria bem digerido. Essas leituras não o colocaram numa torre de marfim e se revezavam com a lida da terra nos alqueires que seu pai deixou ao morrer quando Antônio contava com oito anos de idade. A educa-ção formal foi de poucos meses, mas ficou a dívida ao antigo e limitado mestre.

Ouviu poetas e violeiros cantando na serra, e a lei-tura de um cordel deu a ele a dimensão da poesia da voz. Intuía que um dia poderia também compor. Aos 16 anos, convenceu a mãe a vender uma ovelha para comprar uma viola. Agradou aos “serranos” e passou a se apresentar quando havia festa.

Um parente que vivia na Amazônia ouviu seu canto e quis levá-lo consigo. A mãe relutou, mas cedeu quando teve a promessa de que o filho trovador estaria de volta pouco tempo depois. Em Belém, Antônio ganhou de José Carv-alho de Brito, escritor cearense que também cumpria tempo-rada paraense, o epíteto de Patativa, pela maviosidade do canto. Surgiram outros Patati-vas, ele colocou seu topônimo como diferencial e passou a ser

Patativa do Assaré.Durante mais de 25 anos,

trabalhou a terra e cantou ao som da viola. Compôs a maior parte de seu repertório longe dos holofotes da mídia. Casou, em 1936, com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha, com-panheira de uma vida inteira, com quem teve cinco filhos (Afonso, Geraldo, João, Pedro e Raimundo) e quatro filhas (Maria Maroni, Mirian, Inês e Lúcia).

O cuidado com o verso o levou à leitura do “Tratado de Versificação” de Olavo Bilac e Guimarães Passos. Esse zelo pela forma não o engessou nos cânones do parnasianismo, an-tes, sinalizou as possibilidades da voz. A voz chegou à escrita, nos torneios de viola que lar-gou, fazendo uma poesia que não era apenas maviosa, mas contundente, quando o traço mais marcante é sua conotação política.

Patativa fez poema de amor, de gracejo, eróticos alguns (que ele nunca publicou), telúricos, sobre as desigual-dades sociais e a necessidade

da Reforma Agrária. Nunca fez uma poesia fora de lugar, parafraseando um grande crítico. Tampouco fez uma poe-sia fora do tempo. Tudo nele estava absolutamente sintoni-zado.

Assim, falou das mídias (xingou a televisão no poema “Presente disagradave”), dos meninos em situação de rua, do progresso como elemento de dissolução de formas de socia-bilidade (da lida nas casas de farinha, dos engenhos de ferro, da desativação da linha fér-rea) e do MST como o grande movimento social organizado do país. O poeta, a seu modo, cristalizou a história do século XX. Esteve no centro de momen-tos cruciais da vida brasileira. A repressão, que não o fez calar, ainda que tenha sido intimado para depor, em 1967, por conta de sua ligação com lideranças estudantis do Cariri e do poema “Poeta Roceiro”. Foi um ser político, na exata acepção dessa expressão.

O primeiro livro veio em 1956 e deveu-se ao rádio a difusão de sua poesia. Todo dia de feira no Crato, ele vinha vender parte de sua produção, fazer compras e reencontrar os amigos. Em 1951, foi inau-gurada a Rádio Araripe do Crato, a primeira emissora do interior cearense. O poeta foi convidado a dizer poemas no programa apresentado pela radialista Teresinha Siebra. Patativa ganhou fãs. Um deles foi o filólogo José Arraes de Alencar, cratense radicado no Rio de Janeiro e funcionário do

Ouviu poetas e

violeiros cantando

na serra, e a leitura

de um cordel deu a

ele a dimensáo da

poesia da voz.

Intuia que um dia

poderia tambám

compor.

Revista Brasileira de Materia | 49 Literatura de Cordel

Page 52: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Banco do Brasil. Arraes estava de férias,

visitando a família, quando foi surpreendido pela voz do poeta declamando um poema ao microfone. Pediu que ele viesse vê-lo. Propôs a publica-ção de um livro. Patativa ale-gou que não tinha como pagar. Ficou acertado que pagaria com a venda dos exemplares. Os poemas seriam ditados por Patativa, datilografados por Moacir, filho do folclorista Leonardo Mota, organizados por Arraes e publicados, com o título de “Inspiração Nordes-tina”, por Borsoi Editor, do Rio de Janeiro.

Interessante a influência do rádio na vida e na trajetória do poeta. Ele chegou ao vinil por conta de Luiz Gonzaga ter ouvido, no rádio do carro, numa viagem que fazia pelo interior da Paraíba, um violeiro entoar a “Triste Partida”. Ele quis saber quem era o autor e foi visitar Patativa no Crato. Quis comprar os direitos da obra. Patativa concordou com a gravação, desde que fosse mantida sua autoria. Assim se fez, e ele estreou no disco em 1964.

Vieram outros livros (“Novos Poemas Comentados”, “Cante lá que eu canto cá”, “Ispinho e Fulô”, “Balceiro”, “Aqui tem coisa”, “Cordéis” e “Ao pé da mesa”, (esse último em parce-ria com o sobrinho Geraldo Gonçalves de Alencar) e discos (“Poemas e Canções”, “A terra é naturá”, “Canto Nordestino”, “85 anos de Poesia” e “Patati-va do Assaré”). A preocupação

dele com a preservação do registro, com a fixação de sua poética, estava sendo feita.

Durante anos, ele se exer-citou com a viola. Enfrentava viagens no lombo de burro, vestia o paletó, usava gravata, empunhava a viola e fazia a festa quando disputava com o algoz. Aos poucos, foi se afas-tando das cordas e pode-se pensar no poeta como o vio-leiro à capela. A voz é indisso-ciável de sua poética.

Patativa queria o livro e descartava o folheto de cordel. Chamava os cordelistas de es-crevinhadores, dizia não querer fazer comércio de sua lira e não se afastou de sua terra, até os 70 anos, quando Dona Belinha o convenceu a viver na cidade do Assaré, ao lado da Igreja Matriz.

Com sua casa sempre aberta aos visitantes, Antônio Gonçalves da Silva se destacou pela coerência e pela fluidez de sua fala, maviosa como o cantar da patativa. Fazendo poesia, trabalhando o chão, com suas mãos calejadas, can-

tando o mundo, foi intérprete de sua gente e porta-voz dos excluídos de todos os tempos. Pretendia ter o alcance e a grandeza de um Castro Alves atualizado: conseguiu. A mídia nunca o mascarou. Nunca posou de celebridade e nunca aban-donou sua cidade. As viagens para receber comendas, títulos de cidadania e shows tinham bilhetes de ida e volta.

Foi sempre o poeta-cam-ponês. Isso, apesar de ter estado no lugar certo, na hora certa: nos jornais alternati-vos que vicejaram depois do golpe de 1964, no palanque da Anistia, das “Diretas-Já” ou nos torneios verbais na Serra de Santana. Em 1986, subiu, espontaneamente, no palanque de Tasso Jereissati, candidato ao governo do Ceará. Acredi-tou na ideia de mudança, anun-ciada pelo jovem empresário que estreava na política. O apoio lhe rendeu, depois, cobranças, mas ele manteve a amizade com Tasso, sem perder a liberdade de declarar o voto em Lula para presidente nas eleições de 1989, 1994 e 1998.

Patativa esteve nas pelícu -las e nos vídeos, deixou o registro de sua voz, escreveu livros e tem sido cada vez mais objeto de teses, dissertações, monografias, artigos e ensaios. Foi Doutor Honoris Causa de três Universidades cearenses (URCA, UECE e UFC), cidadão de muitos municípios e Esta-dos, ganhou prêmios, mas o que mais o emocionava era a recepção calorosa pelas ruas,

Patativa esteve nas

peláculas e nos

vádeos, deixou o

registro de sua voz,

escreveu livros e

tem sido cada vez

mais objeto de

teses, dissertaááes,

monografias, artigos

e ensaios.

Revista Brasileira de Materia | 50 Literatura de Cordel

Page 53: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

praças e auditórios. Era o instante da performance, quando seu corpo pequeno de 1,50 m se agigantava, os gestos se tornavam eloquentes e ele dizia as verdades que vinham do fundo do tempo e se atualizavam no instante presente.

Nunca se falou tanto de um poeta de extração popular ser-taneja. Por quê? Pela excelência de seu verso e pela manutenção de suas raízes, cantando o mundo a partir de sua aldeia. Patativa é a mais perfeita tradução de um clássico construído pelo povo e voltado para o povo. Viveu da terra. Criava e não precisava de álibis para fazer uma poesia tensa e sonora, como as cordas da viola de cego que nunca foi, apesar de ter perdido as duas vistas. Ele enxergou sempre longe e muito bem. Anteviu, no sentido de que a voz poética é profecia. Mais que um poeta, foi um cidadão, pleno no exercício de seus direitos e cumpridor de seus deveres.

Sua altivez era respeitada pelos seus contemporâneos, pelos que tiveram o privilégio de conhecê-lo ou pelos que o descobrem pela leitura de seus poemas, pela audição dos versos que ele disse ou pelas imagens em movimento que nos dão apenas uma pálida ideia do monumento que ele foi. Sua história de vida é história de luta, dele e de todos os camponeses, nascidos sob a égide da poesia da voz, ouvindo trancoso, pegando no cabo da enxada, esperando pelas chuvas, mas capazes de abrir caminhos, inscrever seus anseios, expectativas e sonhos num fundo comum e incorporar suas lutas numa luta maior, que é luta de todos nós por uma sociedade mais justa, menos competitiva e desigual.

Quando completou 90 anos, Patativa do Assaré ganhou um me -morial, localizado num antigo sobrado, que reúne objetos pessoais do poeta, livros, discos, vídeos. A iniciativa era de criar um espaço de pesquisa e um lugar para o cultivo de sua poesia como visão de mundo. Patativa fez a sua parte, deixou a sua marca. Sua poesia está aí para transformar o mundo. Ela tem esse poder encantatório, pela força das verdades que enuncia. As bibliotecas armazenam seus livros. A parafernália tecnológica nos possibilita recuperar sua voz. As tevês estão sempre a reprisar essa personagem de docu-mentários e perfis. Assim, graças às mídias, o poeta pássaro estará sempre entre nós.

Patativa é um exemplo de superação de dificuldades de toda ordem para a poesia se fazer presente e interferir na realidade contraditória e diversa. Quando ele completaria 100 anos, é a hora e a vez dos cidadãos brasileiros, de todos os tempos e de todos os lugares, o saudarem, em alto e bom som, e engendrarem uma polifonia rascante a partir de seus poemas.

Revista Brasileira de Materia | 51 Literatura de Cordel

Page 54: Revista Brasileira de Literatura de Cordel

Formando novos olhares para um novo mundo

Projetos de Formação Literatura Infanto-Juvenil

Leitura e EscritaProjeto Nas Ondas da Leitura

Livros Didáticos

Formação de Professores

Rua Carlos Vasconcelos, 1926 - Aldeota - CEP 60115-171Fortaleza - Ceará - 85 3261.1002 - [email protected]

A Editora IMEPH no compromisso de desenvolver nas crianças e nos jovens o prazer de ler e escrever criou o Projeto Nas Ondas da Leitura, com a participação de autores locais, nacionais e de renome internacional, ampliando a Formação Continuada de Professores nas diversas modalidades de ensino, contribuindo assim para uma sociedade participativa, reflexiva e cidadã.