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1 Camponesa - Dezembro de 2010 www.aaccrn.org.br Ano 2 - Número 03 - Dezembro de 2010 O caminho para as famílias Min. Guilherme Cassel O caminho para as famílias rurais Jean Raboud Relação solidária é o que garante sustentabilidade Terezinha Maria C A M P O N E S A R e vista d a Associação de Apoio às Com unidades do Cam po do RN - AACC/RN

Revista camponesa dezembro de 2010

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Camponesa - Dezembro de 2010 www.aaccrn.org.br

Ano 2 - Número 03 - Dezembro de 2010

O caminho para as famílias

Min. GuilhermeCassel

O caminho para as famílias rurais

Jean Raboud

Relação solidária é o que garante sustentabilidade

Terezinha Maria

CAMPONESARevista da Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN

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Conselho editorial: Antonia Geane Costa Bezerra

Bethânia Lima SilvaEmerson Inácio Cenzi

Ivi Aliana Carlos DantasJoaquim Apolinar Nóbrega Diniz

Textos: Bethânia Lima Silva

Ivi Aliana Carlos Dantas

Fotografia: Rodrigo Sena

Bethânia Lima Silva

Revisão: Bethânia Lima Silva

Ivi Aliana Carlos Dantas

Projeto gráficoe Diagramação:

Robson Nunes

Impressão: Offset Gráfica

Tiragem: 3000 exemplares

Editorial

Esta publicação foi realizada com apoio da Fundação Konrad Adenauer

Fortaleza. O seu conteúdo não expressa necessariamente a opinião da Fundação

Konrad Adenauer.

ISSN 2178-8561

Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN

Rua Doutor Múcio Galvão, 449, Lagoa SecaNatal - RN - Cep: 59022-530

Telefone: 84.3211.6131/6415E-mail: [email protected]

Fotos capa: Rodrigo Sena

“Gostaria de parabenizar a AACC/RN pela edição da Revista Camponesa.

É uma revista importante para os movimentos sociais e para sociedade,

uma vez que não há o debate de temas como a soberania alimentar, nos nossos

veículos de comunicação. Fiquei feliz em saber que há um veículo que pauta esses assuntos, pois se não visibilizados

o debate se perde.” Marcelle Honorato – Comunicadora da

Diaconia/RN

“Agradecemos o envio da edição da Revista Camponesa contendo a entrevista com a professora Tania Bacelar, presidente do Conselho deliberativo do Centro

Celso Furtado, e outras entrevistas de grande interesse.” Pedro de Souza - Superintendente Executivo do

Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento

“Agradeço o envio do exemplar n. 02 da Revista Camponesa, com entrevistas

que demonstram a riqueza e pluralidade de opiniões, no que concerne ao pleno

exercício da cidadania, com enfoque especial para as eleições 2010 e o futuro

do Brasil.” César José de Oliveira – Diretor de

Desenvolvimento de Projetos de Assentamento/Incra-DF

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NESTA EDIÇÃO

Entrevistas

Reportagem

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Emma Siliprandi

Jean Raboud

Anja Czymmeck

Terezinha Maria de Oliveira

Fernando Bastos

Francisco Edilson

Viviane Siqueira

É necessária uma mudança de paradigmas

O caminho para as famílias rurais

Formação política é a promoção da democracia

Relação solidária é o que garante sustentabilidade

O grande desa�o das ações para o rural é a democratização

Nossa missão é fortalecer a agricultura

Quando a política é boa

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Seções

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Fale Conosco

Para Aprofundar

Notas

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É necessária uma mudança de paradigmas

Todos tendo acesso aos mesmos direitos, inclusive, ao direito de viver em um planeta saudável

E m entrevista à Revista Camponesa, a engenheira agrônoma Emma Silip-randi fala a respeito das contribuições e questões pautadas pelas mul-heres para o desenvolvimento sustentável, os olhares diferentes para a sustentabilidade, a importância do fortalecimento da agricultura famil-

iar para uma melhor qualidade alimentar na vida das pessoas e as perspectivas na política agrícola brasileira. Emma Siliprandi é formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Sociologia Rural pela  Universidade Federal da Paraíba (Campina Grande)  e Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Univer-sidade de Brasília. Emma sempre se envolveu com a causa das mulheres ru-rais, desde quando assessorava o movimento sindical na Paraíba, na década de 1980. Em 1996, quando trabalhava na ONG Capina, no Rio de Janeiro, em con-junto com a Sempreviva Organização Feminista (SOF) e vários movimentos so-ciais rurais, participou da organização da uma primeira Oficina Nacional sobre Gênero e Agricultura Familiar, que marcou as discussões sobre a invisibilidade do trabalho das mulheres na agricultura no país. Atualmente é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da Universidade Es-tadual de Campinas (UNICAMP), e continua assessorando movimentos de mul-heres rurais e participa de redes feministas no país e no exterior. Ela é membro da diretoria da Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (SOCLA).

Entrevista: Emma Siliprandi

Revista Camponesa: O seu artigo “Mul-heres e Ambiente em Eventos Interna-cionais” apresenta que as mulheres passam a ocupar o cenário no debate mundial sobre ambiente, a partir da Rio-92. Nesse contexto, quais as con-tribuições e questões pautadas pelas mulheres para o desenvolvimento sustentável a partir deste momento?Emma Siliprandi: Até então as políti-cas internacionais viam as mulheres, no máximo, como um setor que precisava ser incluído no desenvolvimento, sem se questionar se o tipo de desenvolvim-ento que estava sendo proposto (base-ado na industrialização, no crescimento econômico a qualquer custo, e na ur-banização acelerada) era do interesse do conjunto das mulheres. Na Rio-92 graças à atuação dos movimentos feministas, pode se fazer esse duplo questionamen-to, sobre a participação das mulheres nas grandes decisões mundiais (que até então era completamente marginal) e

também sobre o tipo de desenvolvi-mento que se queria construir. Muitas vezes há um estranhamento quando as mulheres vêm a público manifestar-se sobre as questões gerais que envolvem o destino da humanidade; é como se elas não tivessem esse direito. Os movi-mentos de mulheres, naquele período, já vinham questionando o modelo civilizatório baseado nas guerras e nas políticas de destruição – expresso no consumismo desenfreado, no desmata-mento, na degradação ambiental, na utilização irresponsável de energia nu-clear e dos combustíveis fósseis. Todas essas características estavam deixando

as mulheres mais pobres, e mais margin-alizadas do suposto “progresso”. As mulheres camponesas, por exemplo, estavam perdendo as áreas tradicionalmente utilizadas para o plan-tio de alimentos em função das grandes monoculturas, e com isso perdiam tam-bém o acesso à água, aos bosques, etc. As condições de vida das mulheres urbanas também estavam piorando, por conta da poluição atmosférica, da contamina-ção dos alimentos, dos agravos à saúde. Então, que progresso era esse? As reivin-dicações das mulheres não eram apenas de serem beneficiárias daquele modelo (uma vez que, realmente, a maioria de-las estava excluída dos seus benefícios); mas passaram a exigir que propostas alternativas fossem consideradas. É im-portante lembrar que os movimentos de mulheres não são homogêneos; há mul-heres de diferentes classes, etnias, re-ligiões, posições políticas... brancas, ne-gras, indígenas, urbanas ou rurais. Mas o

“Às vezes se dá importância demasiada às nossas diferen-

ças e não às nossas semel-hanças quanto ao nosso destino no Planeta Terra”

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que as unificava, naquele momento, era a convicção de que havia uma opressão de gênero que perpassava a todas in-distintamente, expressa na sua exclusão das grandes discussões, e a convicção de que as mulheres eram capazes de pensar um outro modelo de desenvolvi-mento com base nas suas experiências concretas de cuidar da vida humana. Não porque o ser “mulher” seja intrin-secamente distinto do ser “homem” – às vezes se dá importância demasiada às nossas diferenças e não às nossas semel-hanças quanto ao nosso destino no Pla-neta Terra. As mulheres questionavam, ao mesmo tempo, o modelo capitalista e à sua expressão patriarcal. A Rio-92 foi também um momento importante para a expressão organizada das mulheres agricultoras, indígenas, quilombolas, ex-trativistas, que estavam à margem das organizações sindicais tradicionais no meio rural.

Revista Camponesa: Desenvolvimento sustentável tem sido uma “expressão” usada por diversos setores: indústria, comércio, e também pela agricultura, seja o modelo do agronegócio, seja a agricultura familiar camponesa. Ex-istem olhares diferentes para essa expressão, o quanto que é prática, o quanto que é “marketing ambiental”?Emma Siliprandi: Há pelo menos duas vertentes claras no campo do ambien-talismo, que interpretam a questão da sustentabilidade de diferentes manei-ras. Uma parte acredita que é possível “esverdear” o capitalismo, melhorando os processos produtivos de forma a criar menos lixo, colocando filtros nas indús-trias, criando as commodities “verdes” (como o mercado de carbono), apostan-do em mercadorias diferenciadas (como os produtos ecológicos, não poluentes, etc.). Mas tudo isso mantendo a estrutu-ra de produção e de consumo que existe hoje, ou seja, quem quiser produtos lim-pos terá que pagar por eles. O mercado

passa a ser, mais uma vez, o grande árbi-tro de quem vai viver bem (em um ambi-ente protegido, comendo alimentos lim-pos, andando em carros modernos que deixam menos resíduos, etc.) e de quem vai ficar com a pior parte da história, como o lixo, a degradação, as doenças. Essa corrente é chamada de “eco-tec-nocrática” ou “eco-capitalista”. Outros setores do ambiental-ismo, apesar de concordarem com a necessidade de novos processos produ-tivos e de redução das contaminações, acham que isso é insuficiente. Que é ne-cessária uma mudança radical em nos-sos paradigmas produtivos, para que se pense na humanidade como parte da natureza, e não como “dona” dela. Que o ambiente não é formado apenas por “recursos naturais” à disposição da hu-manidade, que devem ser preservados somente para serem melhor explorados. Para essa vertente alternativa, chamada “ecossocial”, o ponto de partida é a visão de “justiça ambiental” em que todos tenham os mesmos direitos a um pla-neta saudável, ao ar, à água, à terra, aos alimentos, às paisagens, todos tenham condições de se realizar pessoal e social-mente, sem que, para isso, se tenha que destruir o que nos rodeia. Na agricultura, os modos de produzir do campesinato e da grande produção são exemplarmente opostos nesse sentido. Para uns, se trata de preservar o meio que lhes fornece a subsistência no dia a dia. Para os de-mais, o ambiente é apenas o substrato físico onde desenvolvem suas atividades econômicas. Não há compromisso com a população local, ou com o território onde se construiu uma cultura, uma liga-ção com a terra. Tudo é negócio, mesmo que eventualmente “sustentável”. É bem diferente o desenvolvimento produzido por um modelo e pelo outro, onde serão investidos os recursos, quais os critérios

para se julgar o sucesso de determinada atividade, quem se beneficia ou se prej-udica com as atividades econômicas. A sustentabilidade não pode ser vista apenas do ponto de vista “tecnológico”: deve incorporar aspectos éticos, sociais, culturais, políticos e econômicos, e ter em conta também a equidade de gêne-ro.

Revista Camponesa: Quando se fala em meio ambiente, nota-se ênfase e priorização em mudança da matriz energética, ficando como secundária a necessidade de mudanças de con-sumo, em especial a alimentar. O for-talecimento da agricultura familiar contribui para uma melhor qualidade alimentar na vida das pessoas e para o meio ambiente?Emma Siliprandi: Sim, fortalecer a agri-cultura familiar é fundamental para que se obtenham alimentos de qualidade. A agricultura familiar apresenta padrões de ocupação dos solos muito mais van-tajosos do ponto de vista ambiental, é capaz de conservar a biodiversidade, os mananciais hídricos, de produzir de forma mais ecológica, democratizar a posse das riquezas, gerar empregos, en-fim, apresenta uma série de vantagens. Mas do ponto de vista apontado pela pergunta (modelo de consumo) é pre-ciso que se avance muito mais em out-ros aspectos, para além da produção. O padrão de alimentação nas grandes ci-dades, por exemplo, (e hoje o Brasil é um país essencialmente urbano), não é uma livre escolha das pessoas, é dado pelas condições estruturais de acesso aos ali-mentos. Redes de distribuição, acesso à renda, possibilidade de comprar produ-tos com trabalho incorporado (por ex-emplo, legumes e verduras pré-lavados e cortados) são exemplos de questões fundamentais que definem as condições necessárias para que as pessoas se ali-mentem bem. Além disso, a alimentação continua sendo uma tarefa feminina – uma das marcas da opressão de gênero que conhecemos tão bem – e enquanto não houver uma melhor divisão do trab-alho doméstico e apoio público às tare-fas ligadas à alimentação, as mulheres continuarão sobrecarregadas, e procu-rarão formas de aliviar essa carga. Sejam ricas, de classe média ou pobres, hoje as mulheres procuram, de todas as formas,

“É necessária uma mudança radical em nossos paradig-

mas produtivos, para que se pense na humanidade como

parte da natureza, e não como ‘dona’ dela”

“A sustentabilidade não pode ser vista apenas no ponto

de vista ‘tecnológico’ : deve incorporar aspectos éticos, sociais, culturais, políticos e econômicos, e ter em conta

também a equidade de gênero”

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diminuir o seu trabalho com a prepara-ção da alimentação da família. Conforme as suas condições de classe, serão mais ou menos bem sucedidas nessas tare-fas. As pobres ficarão, evidentemente, com a pior parte, tendo que consumir alimentos de má qualidade, pobres em nutrientes, com cardápios monótonos, muitas vezes contaminados. Então a grande questão é como estimular que as pessoas se alimentem de forma mais saudável (com verduras e legumes fres-cos e sem contaminações, por exemplo, e com alimentos mais balanceados) se, por um lado, muitas pessoas não têm recursos para comprá-los, e, por outro, não se pode mais contar com a explo-ração infinita da mão de obra das do-nas de casa para prepará-los? É preciso investir em equipamentos públicos que socializem parte das tarefas relaciona-das com a alimentação, que hoje estão sobre os ombros das mulheres, para que todos possam se alimentar melhor e sem prejuízo de ninguém. Além de questionar a divisão sexual do trabalho, o que vem sendo feito pelas feministas há décadas.

Revista Camponesa: Qual a força da agricultura familiar no Brasil para a produção de alimentos, e qual a par-ticipação das mulheres nesse cenário?Emma Siliprandi: Os últimos dados do Censo Agropecuário divulgados pelo IBGE (dados de 2006) mostram um cresci-mento fenomenal da agricultura familiar na produção de alimentos no Brasil, fru-to de muitas políticas públicas de apoio a esse segmento produtivo, executadas nos últimos 10 anos. A agricultura famil-iar brasileira é constituída por 4,3 mil-hões de estabelecimentos rurais (84,4% do total nacional), que ocupam 24,3% da área, são responsáveis por 38% do valor bruto da produção agropecuária, por

74,4% do total das ocupações rurais, e re-spondem pela maior parte da produção dos principais alimentos consumidos no país (feijão, milho, hortaliças, frutas, fran-gos, ovos, leite e muitos outros produ-tos). As mulheres participam de todas as etapas dessa produção, embora em muitos lugares se considere que apenas “ajudem” os maridos. Elas trabalham no preparo do solo, das mudas, no plantio, nos tratos culturais, na colheita, na pre-paração dos produtos para a comercial-ização (embalagem, secagem, encaixo-tamento). Além disso, são responsáveis pela transformação dos produtos nas propriedades (fabricação de doces, pães, queijos, etc.). Muitas vezes elas também são as responsáveis pelas atividades ex-trativas (por exemplo, no coco babaçu, nas frutas tropicais) além de se ocupa-rem com muitas atividades de pesca e de mariscagem, que também são atividades da agricultura familiar. Além de serem responsáveis, como todas as mulheres, pelo preparo da alimentação da família. Não existiria a agricultura fa-miliar se não houvesse o trabalho das mulheres, e o seu envolvimento com a produção de alimentos é essencial para a continuidade da produção familiar no meio rural. É preciso que as instituições que trabalham com agricultura no Brasil dêem valor a essa participação e vejam as mulheres como verdadeiros sujeitos da agricultura familiar.

Revista Camponesa: A agroecologia se apresenta como uma estratégia para a agricultura, especialmente para a ag-ricultura familiar, por se estruturar no tripé social, econômico e ambiental respectivamente justo, viável e sus-tentável que são os aspectos tratados pelo desenvolvimento sustentável. Como a agroecologia vem sendo de-senvolvida pela agricultura familiar?Emma Siliprandi: Nos últimos trinta anos as experiências agroecológicas cresceram muito no Brasil, e também em todo o mundo. A Articulação Na-cional de Agroecologia (ANA) tem feito vários levantamentos que mostram esse crescimento, que vem sendo reconhe-cido também pela EMBRAPA1, pelo siste-ma de assistência técnica oficial, pelos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e também da Agricultura. Mesmo as-sim, ainda não são hegemônicas como

modo de produção agrícola, mesmo na agricultura familiar, que ainda está estru-turada com base no sistema convencio-nal, baseado em monocultivos, com uso intensivo de adubos sintéticos e vene-nos, e cujo objetivo maior é a venda no mercado. Nas experiências agroecológi-cas também se busca obter renda para os produtores e produtoras, mas não a qualquer custo. Se aposta em mercados solidári-os, em aproximações com os consumi-dores, em diversificar a produção para aproveitar todo o potencial dos agro-ecossistemas, preservando ao máximo e até melhorando as condições naturais locais. Mas não é fácil enfrentar décadas de Revolução Verde, que impuseram uma estrutura produtiva totalmente distorcida, em que os produtos têm que apresentar determinadas características em aparência (e não em qualidade nutri-cional), em que os intermediários dão as regras para os agricultores e agricultoras, em que a infraestrutura pública não é capaz de apoiar efetivamente a pequena produção. Como reverter décadas de as-sistência técnica viciada, mal preparada, acostumada a ver na agricultura familiar um setor atrasado, avesso à moderniza-ção (na verdade, avesso àquela modern-ização imposta!)?

Revista Camponesa: Qual o papel da agricultura familiar na política agrí-cola brasileira? E qual são as perspec-tivas para os próximos anos?Emma Siliprandi: Nos últimos anos vi-mos mudanças significativas nas políti-cas agrícolas no sentido de favorecer a produção familiar, com os créditos do PRONAF2, programas de comercializa-ção como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), políticas para as mul-

“Não existiria a agricultura familiar se não houvesse o trabalho das mulheres, e

o seu envolvimento com a produção de alimentos é

essencial para a continuidade da produção familiar

no meio rural”

“As mulheres rurais não estão preocupadas somente

com as suas próprias reivindi-cações, há muitos anos

têm se preocupado com questões gerais que dizem respeito a toda a sociedade

brasileira”

1 EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária.

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heres, para os indígenas, pescadores, quilombolas, assentados. Assistimos às tentativas de reestruturação da assistên-cia técnica, as políticas territoriais. Mas ainda há necessidade de muitos investi-mentos públicos, como por exemplo, em pesquisa agrícola, que deve ser feita em conjunto com os agricultores e agricul-toras, principais interessados nos seus resultados e que precisam ser reconhe-cidos também como geradores de con-hecimento, obtidos em suas trajetórias de vida de anos e anos dedicados à ag-ricultura.

Revista Camponesa: A chegada de Dilma Rousseff, como a primeira mul-her a assumir a presidência do Brasil, trará mudanças à vida das mulheres

brasileiras, especialmente as mul-heres rurais? Em quais aspectos?Emma Siliprandi: Essa é a expecta-tiva geral. Tudo vai depender da capa-cidade dos movimentos sociais rurais de mostrar sua presença na cena política nacional exigindo a continuidade e o aprofundamento das políticas anteri-ores. Em agosto de 2011 teremos uma nova Marcha das Margaridas, organiza-da pela Comissão Nacional de Mulheres da CONTAG3 em conjunto com vários movimentos de mulheres, e a expecta-tiva é de que sejam mobilizadas mais de 100 mil mulheres. As mulheres da Via Campesina também estão preparando grandes manifestações no próximo 8 de março. Todas essas mobilizações são im-portantes para mostrar que as mulheres agricultoras estão presentes na política brasileira e que têm propostas concre-

tas para melhorar as condições de vida no campo brasileiro. As mulheres rurais não estão preocupadas somente com as suas próprias reivindicações, há muitos anos têm se preocupado com questões gerais que dizem respeito a toda a so-ciedade brasileira, e tudo indica que não será diferente no Governo Dilma. Em seu discurso como presidenta eleita ela afir-mou que mostrará que uma mulher no poder pode fazer a diferença. Trata-se de concretizar agora essas afirmações com ações políticas efetivas.

2 PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

3 CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalha-dores na Agricultura.

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O caminho para as famílias ruraisA prática dos valores de solidariedade e justiça

no seio das comunidades é o desafio

J ean Raboud é um suíço com alma e coração brasileiros. Um homem que entrelaça raízes bucólicas e cosmopolitas, e semeia cidadania por onde anda. Ao chegar ao Brasil, no ano de 1974, primeiramente no estado de São Paulo, Jean passou pela experiência de trabalhar em uma financeira.

Ao chegar ao Rio Grande do Norte, trabalhou com essências e após sete anos no ramo das essências, passou a acompanhar e desenvolver seu trabalho em Serra de Mel. Em 1985, Jean Raboud foi o responsável pela fundação da Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN, e por muito tempo acompanhou as ações institucionais desenvolvidas. Atualmente, morando na Suíça, Jean concedeu uma entrevista a Revista Camponesa e resgatou um pou-co da história vivida em Serra do Mel, o processo de criação da AACC/RN e a importância do cooperativismo para a agricultura familiar.

Entrevista: Jean Raboud

Revista Camponesa: Em recente visita a Serra do Mel, foi nítida a forma como o senhor é especialmente lembrado pela dedicação e trabalho desenvolvi-do por lá, que se iniciou mesmo antes da fundação da AACC/RN. O que mo-tivou a sua ação em um dos maiores, e mais antigos projetos de reforma agrária?Jean Raboud: Conheci a Serra do Mel no início dos anos 80, era castigada pela seca que assolou o Nordeste entre 1979 e 1983. Abandonado desde 1975, após o desmoronamento do “milagre econômico” brasileiro (crise do petróleo de 1973/74), o projeto não tinha mais condição de ser tocado, no espírito pa-ternalista em que foi lançado nos primei-ros anos da década de 70, como sendo de “colonização rural” (sob a ditadura militar, a reforma agrária era uma palavra proibida, “comunista”!). Numa situação de carestia, sem produção, os colonos esperavam tudo do governo, não tinham organização própria. O sistema de abastecimento de água potável era em colapso. A passividade de dentro e de fora, de um lado, o sofrimento da popu-lação (taxa alta de mortandade infantil, etc.) de outro lado, me empurraram a to-mar a decisão de empreender algo. Para isso, deixei a empresa agroindustrial, em que trabalhava. Tentei mostrar para as famílias

da Serra que o início das soluções pas-sava por elas. Com a ajuda do ex-gover-nador Cortez Pereira, o idealizador do projeto, eu consegui a adesão do gov-erno estadual a uma reorientação dos trabalhos sob minha coordenação, se eu tinha feito o primeiro passo, era tam-bém muito consciente de que precisava de colaboradores e de garantia de con-tinuidade a longo prazo. Assim surgiu a AACC/RN e um programa de orientação socioeconômico, com a criação de asso-ciações em cada vila: básico era a par-ticipação das pessoas da Serra, homens, mulheres e jovens. Foi necessário encontrar fundos no exterior, para viabilizar as primeiras medidas a serem tomadas pelos colo-nos e despertar o interesse do governo.

Revista Camponesa: Surgiram quase na mesma época, a Serra do Mel - projeto de reforma agrária e a MAI-SA – latifúndio para o agronegócio. Passados mais de 25 anos, a Serra do Mel cresceu, passou a ser município, produz e exporta castanha, além de contar com uma agricultura diversifi-cada. A MAISA faliu, deixando desem-prego e degradação ambiental. Como

o senhor avalia estas duas situações?Jean Raboud: Visitei a MAISA, em 1978. Era óbvia sua inviabilidade, a não ser um funcionamento artificial, graças a sub-venções e isenções injustas, sem falar da degradação ambiental. Era impos-sível a viabilidade econômica de áreas tão extensas, se tivesse que mobilizar o pessoal necessário, nas diversas fases de produção, pagando o salário mínimo e os encargos. A produção em unidades famili-ares tem como evitar esses problemas, desde que haja uma organização satis-fatória entre elas, na produção, no ben-eficiamento e na comercialização. Daí a importância de uma assistência técnico-social competente e duradoura.

Revista Camponesa: A AACC/RN em 2010 completa 25 anos. Ao fundá-la em setembro de 1985 iniciou o trab-alho na Serra do Mel em continuidade às ações já desenvolvidas pelo senhor. Ao longo dos anos suas ações foram se expandindo a outras regiões do esta-do. Neste sentido, passados 25 anos, qual o papel da AACC/RN na história da agricultura familiar no estado do Rio Grande do Norte?Jean Raboud: A AACC/RN foi uma ala-vanca para tornar acessível às famílias rurais, com quem atua, organização e conhecimentos. Isto as leva se tornarem menos dependentes dos atravessadores

“Tentei mostrar para as famí-lias da Serra que o início das soluções passava por elas”

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“A AACC/RN foi uma alavanca para tornar aces-sível às famílias rurais, com quem atua, organização e

conhecimentos”

e do mercado tradicional. Por outro, o desafio permanece constante no que diz respeito à prática dos valores de solidariedade e justiça no seio das comunidades assim fortalecidas e da própria AACC: a força do exemplo!

Revista Camponesa: Um dos maiores legados que o senhor deixou para o RN foi à colaboração na constituição da COOPERCAJU, na Serra do Mel, que hoje exporta para Europa e tem um mercado crescente no Brasil. Qual o poder do cooperativismo para a agri-cultura familiar?Jean Raboud: O cooperativismo (ou outra forma de associativismo, de-pendendo das circunstâncias) é a fór-mula adequada, para que os pequenos produtores possam ter uma influência à altura de seu papel fundamental na ali-mentação do povo brasileiro. Se não for submetida a interesses políticos ou de grupos, no seio dela, a cooperativa tem como ganhar força no mercado nacio-nal e internacional, e desenvolver suas competências. O problema da gestão permanecerá, por bastante tempo, um de seus principais desafios.

Revista Camponesa: Desenvolvim-ento sustentável é um dos temas mais falados do momento no mundo todo, por diversos setores. Até que ponto é modismo e até que ponto está sendo

desenvolvidas ações práticas que realmente se estruturam no tripé eco-nomicamente viável, socialmente jus-to e ambientalmente sustentável?Jean Raboud: Se foi modismo, não po-dia assim permanecer por muito tempo. Hoje é o caminho obrigatório da nossa sobrevivência. O convencimento me parece bastante generalizado, mas não a vontade política de aceitar, com a fir-meza que a situação requer, as conse-quências imediatas das mudanças exigi-das.

Revista Camponesa: O senhor recebeu o título de Cidadão Natalense pouco antes de retornar à Suíça por suas ações desenvolvidas ao longo dos anos em que esteve no Brasil. Qual o significado desse reconhecimento? O senhor percebe avanços no Brasil e na agricultura desde a sua chegada?Jean Raboud: Os progressos são ine-gáveis. Na exigência de mais rapidez nas reformas, pessoas esquecem o enorme atraso acumulado no passado, o legado colonial ainda presente no funciona-

mento de certas instituições, apesar do quadro formal democrático (o Con-gresso Nacional!). A formação cívica nas escolas deveria provocar um amadure-cimento do povo na sua maneira de ex-ercer o voto. Na agricultura, houve mui-tos tropeços na evolução da pequena produção, para chegar hoje a um nível melhor, e com um trend positivo na sua evolução. A agricultura industrial me pa-rece mais consciente de suas obrigações de justiça como empregador e de res-peito ao meio ambiente como produtor. O estado tem que se mostrar mais enérgico na coibição de muitas práticas ainda contrárias a essas exigên-cias.

Revista Camponesa: Quais os maiores desafios para a agricultura familiar, na construção de uma sociedade susten-tável?Jean Raboud: Melhorar permanente-mente sua organização associativista, sair do exemplo dos esquemas políticos em que evolui, praticar uma verdadeira solidariedade entre seus integrantes, buscar a interação com os outros gru-pos de produção e comércio, procurar aumentar e manter atualizados seus conhecimentos profissionais, em relação com a evolução dos mercados.

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Formação política é a promoção da democracia

Anja Czymmeck fala a respeito do fortalecimento da sociedade civil e da participação política como pontos importantes para

o desenvolvimento sustentável

T rabalhar em prol dos direitos humanos, da democracia representativa, do Estado de Direito, da economia social de mercado, da justiça social e do desenvolvimento sustentável; com esse objetivo a Fundação alemã Konrad Adenauer Stiftung - Kas, tem atuado no plano inter-nacional mundial.

No Brasil, a Fundação Kas realiza seu programa de cooperação por meio de um Centro de Estudos no Rio de Janeiro e de um escritório em Fortaleza, sempre em conjunto com parceiros lo-cais. A Revista Camponesa conversou com a representante da Fundação para as Regiões Nordeste e Norte do Brasil, Anja Czymmeck. Mestra em inglês, italiano e geografia, Anja trabalhou como assessora política na Alemanha e no Parlamento Europeu, em Bruxelas. No ano de 1998, iniciou seu trabalho na Fundação Kas como colaboradora científica no departamento da cooperação eu-ropeia e international. Entre 2001 e 2003 trabalhou como representante da Kas na Venezuela. Desde 2007, Anja acompanha o trabalho nas Regiões Norte e Nordeste e relata um pou-co as ações desenvolvidas e fortalecidas pela Fundação junto as suas parcerias, destacando ainda vários outros assuntos de importância nacional e internacional.

Entrevista: Anja Czymmeck

Revista Camponesa: A Fundação Kon-rad Adenauer, desenvolve ações no Brasil há mais de 40 anos e seu pro-grama está orientado no desenvolvi-mento sustentável. Como o processo de formação política para o desen-volvimento sustentável vem sendo desenvolvido pela KAS?Anja Czymmeck: O engajamento no âmbito do trabalho de formação política e de promoção de democracia, com ên-fase especial no fortalecimento da socie-dade civil e da participação política, so-bretudo dos setores menos favorecidos, é um objetivo do escritório regional da Fundação Konrad Adenauer, em Fortale-za. Ao longo dos anos a Fundação Konrad Adenauer desenvolveu processos de for-mação política com diferentes parceiros, tanto na promoção de debates sobre temas relacionados à sustentabilidade do desenvolvimento, como também em cursos destinados às lideranças políticas e comunitárias, jovens, mulheres e ulti-mamente também oferecemos cursos para a formação de vereadores e ges-tores. Procuramos incentivar e fortalecer a cidadania de forma que as pessoas se-jam informadas e possam participar ati-vamente dentro das estruturas do siste-ma democrático do Brasil, e que possam

assumir uma função de controle social, ao mesmo tempo em que se fortalece a cooperação entre sociedade civil, en-tidades governamentais e gestores mu-nicipais.

Revista Camponesa: A convivência com o semiárido é uma ação de en-frentamento ao “combate à seca” muito difundida por uma política assistencialista desenvolvida por muitos anos no Nordeste. Qual a im-portância de uma formação política para a convivência com o semiárido? Anja Czymmeck: Nos vinte anos de ex-istência do escritório regional em For-taleza, essa importância pode ser mais bem auferida por meio das atividades e do trabalho de formação política da Fundação e de seus parceiros. Destaco aqui a parceria institucional com a As-

sociação de Apoio às Comunidades do Campo do RN (AACC/RN), no Estado do Rio Grande do Norte, iniciada em 1991. A contribuição da AACC/RN tem prior-izado programas de apoio aos movimen-tos sociais e ao fortalecimento de redes das comunidades desfavorecidas no âmbito rural. O tema da água tem sido recorrente, em virtude de seu significado existencial para a sobrevivência no semi-árido nordestino. O apoio da Fundação à rede brasileira Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), por meio de ações de capacitação voltadas para a organização de um processo democrático de forma-ção de vontade política nos municípios e comunidades em que são construídas as cisternas, reforça a importância para a convivência no semiárido, a partir da atenção ao tema da cidadania ativa e da participação cidadã no processo de gestão das políticas públicas.

Revista Camponesa: Quais os desafios para o desenvolvimento de uma políti-ca ambiental pautada na construção de uma sociedade sustentável?Anja Czymmeck: O maior desafio certa-mente é colocar a legislação ambiental em prática, sendo esta uma das legisla-ções mais avançadas em nível mundial.

“Procuramos incentivar e for-talecer a cidadania de forma que as pessoas sejam infor-madas e possam participar

ativamente dentro das estru-turas do sistema democrático

do Brasil”

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“Infelizmente vemos ainda muitos crimes ambientais no dia a dia, que não são puni-dos e falta um policiamento mais rigoroso, mas também precisa maiores investimen-tos na educação ambiental e

conscientização”

“Houve amplo processo de formação política de mul-

heres e jovens nas comuni-dades, que hoje estão contri-buindo de diferentes formas

na construção do sistema democrático”

“Existe também uma grande demanda por produtos

saudáveis, sem agrotóxicos, o que é uma grande opor-tunidade para a agricultura

familiar”

Nesse processo é importante também a formação política, informando sobre as leis existentes e capacitando as pessoas para que elas possam reivindicar os seus direitos em relação aos recursos nat-urais. A Fundação Konrad Adenauer tam-bém tem promovido cursos de gestão ambiental, aprofundando este debate e formando gestores, que possam colo-car esta legislação em prática nos seus municípios ou mesmo no estado. Infe-lizmente vemos ainda muitos crimes ambientais no dia a dia, que não são punidos e falta um policiamento mais rigoroso, mas também precisa maiores investimentos na educação ambiental e conscientização, que é tarefa da escola e dos governos.

Revista Camponesa: O termo desen-volvimento sustentável tem sido muito utilizado em diversos contextos, como fazer para que essa necessidade emi-nente da sociedade não se banalize?Anja Czymmeck: Na verdade o conceito da sustentabilidade já é bastante usado de uma forma, que justifica modelos de um desenvolvimento, que não pode ser sustentável em médio e longo prazo. Dessa maneira, precisa-se de um debate mais aprofundado sobre as tendências desse desenvolvimento, que ameaça às futuras gerações especialmente pelas mudanças climáticas, a previsível falta de água e de outros recursos necessári-os. Houve avanços durante os últimos anos, quando o termo desenvolvimento sustentável foi lançado como meta para o novo milênio, mas faltaram metas e in-dicadores mais concretos, que se tentam hoje definir nas Conferências sobre as Mudanças Climáticas e outras conferên-cias internacionais sobre temas específi-cos, a exemplo da biodiversidade.

Revista Camponesa: Como a senhora observa a nova conjuntura política

para as questões ambientais no Bra-sil?Anja Czymmeck: Os votos na candidata à Presidência Marina Silva deram um si-nal “verde” para os demais candidatos, que se forçaram a colocar o tema no se-gundo turno das eleições. Certamente nenhum governo pode hoje em dia pas-sar por cima das questões ambientais. O Brasil ainda teria tempo para dar um sinal ao mundo, tomando com mais se-riedade, a preservação dos seus recur-sos naturais – especialmente também da Amazônia – e freando o avanço da fronteira agrícola para preservar ecos-sistemas como a Caatinga e o Cerrado. Estes ecossistemas podem gerar maiores riquezas com um manejo sustentável, mas infelizmente os interesses em curto prazo ainda prevalecem em muitos ca-sos. Por isso, a conjuntura política pode ser favorável, mas precisamos ver agora, como esta será colocada em prática pelo novo governo.

Revista Camponesa: A AACC/RN em 2010 completa 25 anos, destes, mais da metade contou com a sólida par-ceria da Fundação Konrad Adenauer. Qual o reflexo dessa longa parceria na construção das ações afirmativas de formação política para o Nordeste do Brasil e mais especificamente para o Rio Grande do Norte?Anja Czymmeck: Acreditamos que a parceria deu muitos frutos ao longo dos anos, inclusive com a formação políti-ca dos próprios técnicos da AACC/RN, dos quais alguns estão hoje inseridos no Governo Federal. No Rio Grande do Norte surgiram algumas organizações não governamentais nos territórios, in-centivadas pelas atividades da AACC/RN junto à Fundação Konrad Adenauer, que hoje formam a Rede Pardal e con-seguiram apoio pela União Europeia. Outro resultado foi a formação da Rede Xique Xique, que trabalha a comercial-

ização no Estado. Houve amplo processo de formação política de mulheres e jo-vens nas comunidades, que hoje estão contribuindo de diferentes formas na construção do sistema democrático e na melhoria de vida nas comunidades rurais. Foi um longo processo de apre-ndizagem também para a Fundação Konrad Adenauer, que ampliou muitas dessas experiências para outros estados junto aos seus diferentes parceiros. Foi uma parceria frutífera pela qual estamos muito agradecidos.

Revista Camponesa: A produção de alimentos consiste num dos pontos de maior debate na pauta ambiental. Neste contexto, a agricultura familiar se processa com maior eficiência en-ergética, menor demanda de insumos externos e maior empregabilidade. Como a senhora avalia a importância socioeconômica e ambiental da agri-cultura familiar para a construção de um modelo de desenvolvimento sus-tentável?Anja Czymmeck: Segundo os dados do IBGE, a agricultura familiar tem uma par-ticipação de cerca de 80% na produção dos alimentos básicos, portanto tem uma grande importância econômica e social. Existe também uma grande de-manda por produtos saudáveis, sem agrotóxicos, o que é uma grande opor-tunidade para a agricultura familiar, já que os agricultores estão se conscienti-zando cada vez mais sobre as vantagens de produzir de forma orgânica, também para melhorar a saúde das suas famílias. A importância da agricultura familiar foi reconhecida pela Fundação Konrad Ade-nauer e incentivou o Projeto Agricultura Familiar, Agroecologia e Mercado, real-izado com apoio da União Europeia du-rante cinco anos de 2006 a 2010. Nesse âmbito procuramos corresponder aos Objetivos do Milênio e incentivamos a transição agroecológica e a organização dos(das) agricultores(as) para acessar melhor os mercados.

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Relação solidária é o que garante sustentabilidade

O que mantém a cooperativa viva é a certeza que são as forças somadas que dá o resultado

U ma história sustentável do cooperativismo no Rio Grande do Norte, e mais do que isso, uma base da agricultura fa-miliar que se mantém como símbolo da autonomia dos agricultores e agricultoras que constituem o município de

Serra do Mel. A expansão de um trabalho realizado pela Coopercaju há quase 20 anos, reforça a importância das parcerias e o crescimento de um mercado interno, que segundo Terezinha Maria de Oliveira, Engenheira Agrônoma, presidente da Coopercaju, só tem se am-pliado. Em entrevista concedida à Revista Camponesa, Terezinha fala sobre cooperativismo, comércio solidário, gestão, a importância da participação nas redes e os riscos ambientais atuais para os(as) agricultores(as) familiares.

Entrevista: Terezinha Maria de Oliveira

Revista Camponesa: Como foi sua chegada a Serra do Mel?Terezinha Maria: Cheguei em 1983, e vim como parte do Movimento dos Agrônomos Desempregados, nós éra-mos 36. Concluímos a universidade e era um período terrível, muito difícil e não tinha trabalho na região. Os poucos que conseguiam trabalhar tinham que ir embora para região Norte, tinham que ir para Amazônia aí começamos a nos reunir em Mossoró e constituímos um movimento, que era o Movimento dos Agrônomos Desempregados. Nós nos reuníamos toda semana para buscar alternativas de trabalho na nossa região, por meio de mobilização, audiência com governador, para dizer que queríamos trabalhar, não queríamos ir para a região Norte, queríamos trabal-har aqui no Nordeste. Determinado dia o governador disse de brincadeira “ah o que eu tenho a oferecer para vocês é um lote na Serra do Mel”, achava que a gente não ia levar a sério, não ia querer, aí na hora a comissão que tinha ido falar com ele disse “queremos”. Nós topamos, eles achavam que era brincadeira, nós começamos a juntar e organizar um ônibus para vir para Serra e conhecer, e nos animamos. Para falar a verdade, tinham três vilas

que estavam desocupadas, que ainda não tinham sido colonizadas, tinha um documento com um levantamento de solos feito pela ESAM e Universidade de Minas Gerais e a gente viu que das três, a do melhor solo era a Vila Amazonas e por felicidade e coincidência, era a mais próxima da praia também. Assumimos essa experiência, foi muito interessante e foi dessa forma que eu vim parar na Serra do Mel, por meio do Movimento dos Agrônomos Desempregados. Al-guns de nós ficamos aqui, e ao invés de irmos dar assistência técnica, nós fo-mos cultivar a terra, e todos nós nos en-volvemos em atividades aqui. A maioria de nós foi para a educação e ainda hoje boa parte de nós trabalhamos na educa-ção, porque tinha um vazio de professo-res e fomos nos fixando, então foi assim que eu vim parar na Serra do Mel.

Revista Camponesa: Como foi o surgi-mento da Coopercaju?

Terezinha Maria: Antes de a Coopercaju surgir, se passaram muitas histórias, as-sim, quando nós chegamos aqui não tinha associação nas comunidades; aí, é onde está a ligação da Serra com a AACC/RN. Na época, o fundador da AACC, Sen-hor Jean Raboud, tinha um trabalho aqui na Serra, um trabalho de animação das comunidades e as primeiras associações que nasceram na Serra do Mel, foram frutos desse trabalho. Primeiro vieram as associações, foi quando as comuni-dades perceberam a importância de ter uma associação para organizar a vida da comunidade; a Coopercaju nasceu um pouquinho depois. O trabalho de Jean aqui é bem antigo, quando cheguei na Serra em 83, ele já estava aqui, e a Coop-erativa veio nascer em 1991. Então, com essa experiência das associações que or-ganizavam os trabalhos comunitários, a Coopercaju nasceu de uma forma bem interessante; primeiro os produtores da-qui vendiam a castanha in natura por um preço bem barato para indústria, a gente era meio que escravo das grandes indús-trias, porque elas compravam do preço que queriam do jeito que queriam, e a gente não tinha resultado. Nós trabalhá-vamos, a terra era nossa, o produto era nosso, mas quem dava o preço eram elas. No 1º momento nós fizemos um movi-

“Tem poucas mulheres as-sociadas, agora tem esse

lado bom, muitas mulheres é que fazem o negócio porque

participam”

1 Esam - Escola Superior de Agronomia de Mossoró.

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“Uma coisa que para nós é muito caro, no sentido de

precioso, é a nossa participa-ção nas redes”

“Isso aqui corre o risco de se transformar numa

fazenda de vento, em vez de ser uma área de produção de

alimentos”mento para tentar subir o preço, foi o primeiro movimento que a gente fez com castanha, ainda ninguém falava nem em Coopercaju. Porque nós segu-ramos quase um mês, sem vender a cas-tanha para o atravessador, e dessa forma vimos que era possível, já que o preço subiu a gente foi se animando. No ano seguinte, elas se juntaram e colocaram um comprador de castanha in natura em cada comunidade, aí perdemos a força do movimento, a gente se deu bem em um ano, no outro eles acharam uma estratégia para voltar ao que era antes. Então ficava triste porque perdia o dinheiro, vendia muito barato e os em-presários desrespeitavam muito a gente, porque diziam que éramos os apanha-dores de castanha deles. Começou essa vontade, e pensar, como é que a gente vai fazer? Começamos a experimentar o beneficia-mento da castanha em casa, no começo parecia uma coisa de doido, porque só se beneficiava em grande indústria com toda a estrutura, esse processo se iniciou com o apoio de dois técnicos, que trab-alhavam a serviço da AACC/RN, mesmo sendo um da EMATER e outro da AACC/RN mesmo. Então, a AACC/RN começou oferecendo assistência técnica para es-ses produtores que experimentaram e foram desenvolvendo esse sistema de beneficiamento artesanal. Se você pega os registros de todos os livros, o começo de tudo foi a assistência técnica ini-ciada pela AACC/RN. Depois com vários projetos, a AACC/RN ajudou a montar unidades experimentais de beneficia-mento, com apoios que vieram da Suíça, e as primeiras unidades foram montadas pela instituição. Até aí, não se falava em Cooper-caju (88, 89), as pessoas estavam ex-perimentando e conseguindo ter uma amêndoa de excelente qualidade. Com essa qualidade, é que Jean faz uma via-gem a Suíça e leva uma amostra, nesse momento, a castanha que era produzida aqui na Serra não conseguia mais vender nas praias daqui; as primeiras pessoas iam vender na praia, como a quantidade

foi aumentando, já não conseguiam vender tudo na praia. Jean levou essa amostra para a Suíça e o pessoal viu que a qualidade era boa, ele não levou para qualquer lugar, ele levou para uma orga-nização que praticava e pratica Comér-cio Justo na Europa, essa foi a diferença para a gente. Na época que ele levou, a cooperativa acabava de nascer, ele levou em 1992 e a cooperativa foi fundada em 1991, de 1988 até 1991, foi o período de tentar tecnologias, jeito de fazer, para consolidar, em 25 de julho de 1991 se criou a cooperativa, que nasceu literal-mente na sombra de uma cajueiro, que até hoje está de pé para contar a história. Com a criação da Coopercaju em 1991, Jean foi para Suíça em 1992, e em 93 foi a 1ª exportação de 3.500Kg de castanha de boa qualidade e essa história, vem dando continuidade e aumentando até hoje. Em 2006 mandamos 60 mil Kg para o mesmo cliente, que mudou de nome, mas é o mesmo grupo, na época chama-va-se OF3 – Organização Social para o 3º Mundo e hoje é a Claro Fair Trade, uma organização da Suíça, que funciona como distribuidora. Ainda hoje, a gente chama o Senhor Jean, mesmo que ele não seja mais da direção da AACC/RN, ele ainda é aquela figura que começou tudo, e é meio embaixador da Serra do Mel na Suíça.

Revista Camponesa: Quanto sócios e

sócias a Coopercaju tem hoje, e como ela se organiza em sua gestão? Terezinha Maria: Ela nasceu com 30 só-cios, 29 homens e uma mulher, isso em 1991. E hoje nós temos um quadro so-cial com 176 sócios, mas ele vai ser enx-ugado e depois ampliado, porque nesse meio, recentemente tem algumas pes-soas que faleceram, e tem várias pessoas que saíram da atividade. Então, hoje tra-balhando com a cooperativa nós temos 106 associados, só que desses 106, tem várias famílias, que tem o pai e mais dois filhos que já constituíram a família deles e já tem a própria unidade, e que a cas-tanha entra como se fosse do pai. Então desses 176 vai reduzir, só que tem outros para entrar, então talvez até aumente. Continua com um maior número de homens, agora vem mais mulheres para reunião, do que o número de associadas porque muitos homens ficam em casa e as mulheres vêm para reunião. Mas assim, hoje nós temos 19 associadas mulheres. Inicialmente o costume era as-sim, associava o homem, e a mulher só ia ser sócia quando o homem morria,

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“O consumo de castanha de caju aumentou muito nos úl-timos quatro a cinco anos no mercado nacional e acredito que se deve ao aumento de renda das pessoas, hoje os supermercados e as lojas estão vendendo muito”

mulher com marido sendo sócia, só tem eu e a primeira sócia fundadora também tinha marido. Porque as outras ou ficar-am viúvas ou eram as próprias chefes de família, então tem poucas mulheres associadas, agora tem esse lado bom, muitas mulheres é que fazem o negócio porque participam. A cada quatro anos temos eleição, o último presidente tirou 12 anos de mandato, porque era um vice que assumiu um mandato, e ainda foi eleito duas vezes. Agora sou a primeira mulher presidente da cooperativa, com uma eleição onde 87 sócios votaram em mim. O trabalho que a gente faz é esse, a gente vem lutando para construir uma gestão democrática, nos últimos 4 anos a gente já trabalhou muito isso, com o exercício das pessoas decidirem, diminuindo aquele hábito de “presiden-cialismo”, presidente decide, presidente fala. A gente tem trabalhado no sentido de ter uma gestão participativa.

Revista Camponesa: Hoje qual o mer-cado da Coopercaju, com quem a co-operativa se relaciona?Terezinha Maria: Nós trabalhamos na Europa com a Suíça, com essa distri-buidora que está desde o começo, que só mudou de nome, que é a Claro Fair Trade. Ela não é só uma compradora, é uma parceira que nós temos a tempo, são 17 anos de história e ela compra da Coopercaju, ficando uma parte nas lojas dela de Comércio Justo na Europa, e out-ra parte é repassada para Áustria e para Itália CTM. Há 3 anos nós conquistamos outra parceria de comércio justo, que é a Cooperativa Chico Mendes na Itália, que nasceu inspirada no trabalho de Chico Mendes, é uma cooperativa Italiana, que faz o trabalho de vender os produtos do Brasil, principalmente da Amazônia, dos seringueiros do Acre e da Bolívia, e a filha de Chico Mendes e uma das só-cias. A Coopercaju se integrou à Chico Mendes, porque conhecemos um dos diretores da APEBE que é uma coopera-tiva do Acre que trabalha com castanha do Brasil, nos conhecemos numa feira no Rio de Janeiro e quando a Chico Mendes falou em expandir seus produtos para a castanha de caju, como produto da floresta da caatinga eles avisaram que conheciam a gente e nos encontraram

na Internet, e assim hoje nós fazemos parte, nós vendemos a nossa castanha na marca Amazônia, mas como uma par-ceria por sermos uma floresta tropical que é a caatinga. É uma parceria nova de três anos, começou comprando pou-quinho, mas ano passado já vendemos uma quantidade razoável que foi 15.000 Kg, e todos os anos eles vem nos visitar.

Revista Camponesa: Além dos países da Europa, existe um outro mercado?Terezinha Maria: O mercado interno a gente busca cada vez mais, porque precisamos trabalhar o ano todo, e tem um período que não dá para trabalhar com exportação, e tem outro tipo de castanha que ela não vai para exporta-ção, ela fica no mercado interno, então estamos aumentando. Na safra anterior, acho que tinha sido só 10% para o mer-cado interno e na última safra acho que 30% para o mercado interno e a gente está aumentando, estamos localizando bons parceiros comerciais aqui no Brasil porque se não tiver esse cuidado, infe-lizmente no Brasil hoje tem muita gente que não honra com os compromissos de pagar direitinho, então agora nós temos uma política no mercado interno onde só vendemos adiantado. Porque nós não temos capital de giro, então essa é uma ação necessária.

Revista Camponesa: A castanha quan-do chega a Europa é comercializada com a marca Coopercaju?Terezinha Maria: Não. Ela é comer-cializada com a marca deles, mas com o nome, a referência e a história da Coopercaju.

Revista Camponesa: Mesmo existindo a Cooperativa, constituída de sócios, ainda assim a pressão do mercado faz com que muitas vezes os próprios só-

cios deixem de fazer o negócio com a cooperativa e faça com os atravessa-dores?Terezinha Maria: Acontece, nós temos uma parte dos sócios (as) que são fiéis, são os que mantêm a cooperativa fun-cionando, quando a gente faz um con-trato assumem, mas existem aqueles que num momento especial, como esse em que o preço da castanha no Brasil disparou, caem na tentação, mas uma boa parte, mantém o compromisso com a cooperativa. O consumo de castanha de caju aumentou muito nos últimos quatro a cinco anos no mercado nacio-nal e acredito que se deve ao aumento de renda das pessoas, hoje os supermer-cados e as lojas estão vendendo muito, e acredito que as pessoas devem estar ganhando mais dinheiro, porque tem muita gente consumindo.

Revista Camponesa: Mesmo a Cooper-caju se relacionando com o mercado europeu, e tendo essa capacidade de se articular de forma muito maior, ela está presente nas articulações de base, em nível estadual?Terezinha Maria: Nós não podemos pensar que exportar e estar nesses es-paços garante sustentabilidade. O que vai garantir a sustentabilidade da Coop-erativa são as relações solidárias que se travam. Se a gente pensar que porque exportamos estamos ricos, a gente fecha as portas, temos que ser sempre presen-tes. A certeza de que somos da agricul-tura familiar, beneficiamento artesanal e cultivamos os laços de solidariedade, sabendo que precisamos dos outros, nenhum de nós consegue fazer negócio sozinho, nós precisamos uns dos outros para fecharmos um contêiner. O que mantém a cooperativa viva é a certeza que são as forças somadas que dá o re-sultado, e uma coisa a gente tem pro-curado muito, é assim manter parcerias com outros, ensinar o que a gente apre-ndeu. Hoje nós temos o maior orgulho de dizer que na Bahia tem uma coopera-tiva que aprendeu tudo com a gente, a maior felicidade de dizer e de mostrar a castanha Mãos Crioulas lá de Ingazeira (PE). Assim, aqui no RN, quando precisa também estamos sempre à disposição, até na África, em Guiné Bissau, já foi gente nossa ensinar o nosso jeito de beneficiar.

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Temos esse compromisso porque temos a certeza de que somos da agricultura familiar, camponeses mesmo, e não adi-anta a gente achar que é rico porque um dia a gente está bem, no outro vem uma seca, como veio agora, e a gente fica se-gurando, você não imagina o sacrifício e a fragilidade que temos para mantermos as portas abertas, num período desses. Uma coisa que para nós é muito caro, no sentido de precioso, é a nossa participa-ção nas redes, nós fazemos parte aqui no estado da Rede Xique Xique, sediamos um Núcleo da Rede Xique Xique, em Serra do Mel. O fortalecimento dos gru-pos de mulheres para nós é fundamental porque faz a diferença, então fazer parte da Rede Xique Xique é fundamental. Nós fazemos parte de outra rede nacional, que é a Rede Ecojus que é das organiza-ções do comércio justo aqui no Brasil, desde 2004 quando nasceu essa história, e estamos embarcando em uma nova que é uma Associação Internacional de Agricultores Orgânicos da Agricultura Familiar.

Revista Camponesa: Tem se falado muito e está sempre na mídia, todo dia com informações diferentes com relação às alterações climáticas e as mudanças no nosso ambiente, na nossa caatinga. O que essas mudan-ças podem representar para a Serra do Mel ou mesmo para a produção de castanha, e para a vida das pessoas que vivem da agricultura aqui na nos-sa região?Terezinha Maria: Essa é uma preocupa-ção muito grande nossa porque esse é um ambiente muito frágil, a nossa caat-inga é muito frágil. Então tem as mudan-ças climáticas que nos preocupam, antes a gente sabia se o ano ia ser normal de inverno, então já sabíamos os meses; hoje não sabemos mais isso, porque hoje chove em períodos diferentes. Hoje eu já vejo uma mudança climática muito forte. Aliado a essa mudança climática que está acontecendo, a preservação dos re-cursos naturais hoje é uma coisa muito importante, aqui tem uma área próxima às dunas, essa é uma região única no mundo onde a caatinga encosta no mar, e se os agricultores desmatarem uma faixa de terra vizinha ao mar, as dunas se deslocam em direção a área agricultável das nossas terras. Outra coisa é que as

pessoas estão desmatando para plantar cajueiro, em área que não era para des-matar, e agora tem uma preocupação nova, que é boa para o Brasil, é legal e bacana, que é a geração de energia eóli-ca. É tida como maravilhosa, agora para nós e para a agricultura familiar na Serra do Mel é complicado, porque o que tem de empresas internacionais fazendo ar-rendamento de terra de comunidades inteiras para implantar parque eólico não é brincadeira, e parque eólico costu-ma ser feito em áreas de dunas, em área não agrícola. Na comunidade onde tenho minha terra, acho que fui eu e mais uns 5 que não aceitaram assinar um docu-mento de arrendamento por 30 anos

para uma empresa francesa, a maioria assinou, empresas internacionais contra-tam advogados, eles vêem fazem uma conversa com os agricultores e prom-etem royalties de 1.500 a 3.000 reais por mês. Os agricultores estão caindo na conversa, e isso tem me preocupado muito porque isso aqui corre o risco de se transformar numa fazenda de vento em vez de ser uma área de produção de alimentos. Isso é preocupante, tenho até medo de ter resistido a isso porque na minha comunidade acho que só ficaram umas 10 pessoas dos 59 proprietários, sem assinar esse documento e sabemos que vai vir muita pressão porque são empresas poderosas, nacionais e inter-nacionais que estão loteando a Serra

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novamente com essa história de energia eólica, onde instala aqueles aerogera-dores, ali não dá para produzir alimento, quando as pessoas “caírem em si” vai ser muito tarde, porque tem pessoas que permitiram instalar aero geradores de teste.

Revista Camponesa: Qual é o dife-rencial da castanha beneficiada arte-sanalmente da Coopercaju?Terezinha Maria: A castanha benefi-ciada artesanalmente, que nasceu da Coopercaju e hoje está se espalhando, a gente tem muita vontade que venha a ser a castanha beneficiada pela agri-cultura familiar inicialmente na Serra do Mel, e se espalhe no RN e Nordeste, te-

mos muita vontade que essa qualidade não seja uma qualidade só da Cooper-caju, hoje é uma “qualidade Serra do Mel”. O grande diferencial da castanha comercializada pela agricultura famil-iar é que há tratamento uma por uma, ela é beneficiada em todas as etapas, manualmente e cuidadosamente, e isso gera o quê? Uma qualidade superior, primeiramente, um maior percentual de castanhas inteiras, branquinhas, com qualidade, sem rasuras, quebra menos e como não passa por um corte mecânico, com todo aquele tratamento mecânico que passa na grande indústria, ela tem um sabor diferente, todo mundo acha que é uma castanha especial pela forma como ela é feita.

E outro fator especial é que ao ser beneficiamento manual significa mão de obra familiar e conseqüente-mente geração de renda. Já a benefi-ciada na indústria, quando ela vem em-pregar uma quantidade pequena de mulheres pagando um salário baixo que é o salário mínimo. A qualidade espe-cial garante um preço superior, hoje nós temos o melhor preço de castanha do mundo, hoje ninguém vende com um preço melhor que o nosso. Então se você visita a Serra e visita outros municípios do RN, você vê a diferença na qualidade de vida das pessoas, não só com relação aos bens, as casas são melhores, mas também ao esforço que os pais fazem para os filhos estudarem.

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O grande desafio das ações para o rural é a democratização

O acesso às políticas públicas, para que o agricultor possa inovar suas práticas na unidade familiar é uma grande questão

Fernando Bastos é formado em Economia pela Universidade Federal de Alagoas, tem mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Fed-eral de Alagoas e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2005), com área de concentração em desenvolvimento

regional. Atualmente é professor adjunto do Departamento Interdisciplinar de Políti-cas Públicas; do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGSC) e do Pro-grama de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Fernando ainda é membro da Base de estudo Estado e Políticas Públicas e tem experiência nas áreas rural e em turismo, atuando principalmente nos temas: desenvolvimento sustentável, políticas públicas para o meio rural, desenvolvimento regional e desenvolvimento rural sustentável. O livro Ambiente institucional no financiamento da agricultura familiar, foi lançado em 2006, pela Editora Polis; e em 2008, foi um dos organizadores do livro Financiamento Rural: dos Objetivos às Escolhas Efetivas, lançado pela Editora Sulina. Em entrevista à Revista Camponesa, Fernando Bastos aborda a relação dos movimentos sociais com a agricultura familiar, a relevância das políticas públicas para o meio rural e a influência das mudanças climáticas na agricultura.

Entrevista: Fernando Bastos

Revista Camponesa: Qual o peso da mobilização social na construção da reforma agrária e fortalecimento da agricultura familiar?Fernando Bastos: Creio ser público que o jogo de forças que orienta as agendas no Brasil não permite mudanças mais significativas nas condições de desigual-dade que imperam no campo e fora dele. O que tem sido feito é fruto da mobiliza-ção social e particularmente na reforma agrária, onde as atitudes do poder pú-blico são mais um reflexo dessas ações por parte dos movimentos sociais. O fortalecimento da agricultura familiar tem sido também uma consequência da ação desses movimentos e de entidades representativas dos agricultores famili-ares, desde a pressão para concepção do PRONAF – seu aperfeiçoamento bu-rocrático e novas modalidades, o que tem proporcionado certo rearranjo in-stitucional e facilitado o acesso a crédito para muitas famílias, mesmo que ainda limitadas por suas condições estruturais. Idem para o PAA, que apesar de repre-sentar ainda muito pouco esforço de inversão pública, tem sido considerado pelos beneficiários e mediadores fun-

damental para seus beneficiados. Este programa vem sendo objeto de mobili-zação por parte dos agricultores famili-ares para que se transforme em política de Estado e não se constitua apenas de um programa de governo, submetido às injunções de toda ordem quando da aplicação de recursos.

Revista Camponesa: O que carac-teriza a agricultura familiar no Brasil hoje? Por que historicamente dife-rentes terminologias foram emprega-das para referir-se a agricultura de base familiar?Fernando Bastos: O que chamamos hoje de agricultura familiar é uma ex-pressão mais genérica para um sujeito

político que outrora teve várias denomi-nações, às vezes apropriando-se de outra denominação, tal qual a de campesinato, e outras vezes assumindo a própria ex-pressão de sua luta, como são os bar-rageiros, os agricultores de vazantes, os seringueiros, etc. Em algum momento a própria academia se apropria dessas ex-pressões como uma categoria de análise nas suas investigações. Nesse sentido, o campesinato, pela sua história no con-texto da Europa, principalmente, é sem dúvida a mais representativa. No Brasil, atualmente, a agricultura familiar é a forma mais significativa de expressão dos trabalhadores no campo, principal-mente por sua incorporação no ‘discurso’ do estado para dar significado às suas intervenções.

Revista Camponesa: O IBGE tem apre-sentado a agricultura familiar como responsável por cerca de 75% da produção dos alimentos que compõe a cesta básica brasileira. As políticas públicas para o meio rural desenvolvi-das nos últimos anos foram significa-tivas para esse novo cenário?Fernando Bastos: Claro que as políticas

“A agricultura familiar é a forma mais significativa

de expressão dos trabalha-dores no campo, principal-

mente por sua incorporação no ‘discurso’ do estado para

dar significado às suas intervenções”

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públicas foram importantes, mas de-vemos investigar que grupo de agricul-tores familiares foi responsável por essa produção. Isso leva a outra questão para reflexão: quando estamos falando de ag-ricultores familiares de quem estamos falando? Isso para que não se conclua que agora está tudo maravilhoso, hajam vistas as políticas atuais. Não se deve olvidar que existe um grupo significativo de agricultores familiares que controla adequadamente os meios de produção e isso os torna “privilegiado” no uso das políticas de crédito, de comercialização, etc. O problema é que temos um grupo maior de agricultores familiares, localizados em sua maioria no Nordeste, que detêm um controle precário ou ne-nhum sobre os meios de produção, por-tanto, com inserção sempre limitada às políticas públicas que induzam sua auto-nomia. Assim, são os minifundiários, os que só conseguem cultivar a terra sob condição, e até mesmo àqueles que so-brevivem plantando a margem das es-tradas. Situação que se agrava quando estão submetidos às injunções da na-tureza. Claro que os dados do IBGE demonstram a importância da agricul-tura familiar, no entanto pode mascarar essa realidade de exclusão se não for convenientemente analisado.

Revista Camponesa: Quais os desafios atuais das políticas públicas para o meio rural?Fernando Bastos: No meu entender o grande desafio das ações para o rural é democratizar o acesso a essas políticas públicas, para que o agricultor possa in-ovar suas práticas dentro e fora da uni-dade familiar. Para isso, o acesso a terra, em condições apropriadas, surge como

uma condição sine qua non1, sem dispen-sar naturalmente as ações que facilitem a compra/beneficiamento da produção e as relativas à segurança alimentar e nutricional, que aproximem os produtos dos consumidores, dentro e fora do rural.

Revista Camponesa: A produção de biocombustíveis vem sendo colocada como caminho para a substituição de fontes poluentes de energia, e imple-mentada como uma política pública. Que impactos socio econômicos e am-bientais a mudança dessa matriz ener-gética a partir da agricultura familiar pode gerar?Fernando Bastos: O mundo passa por um dilema: com a extrema dificuldade de promover mudanças significativas nos hábitos de vida e de consumo, que impõem irreversíveis limites para o uso dos recursos naturais, e na indecisão quanto à adoção de energias limpas para substituir os de origem fósseis, vem assu-mindo mais relevância a necessidade de recorrer à produção de biocombustíveis. Aí, como sempre estamos frente às es-colhas: se por um lado, no nível micro, isso possa representar uma alternativa de sobrevivência para muitas famílias, dependendo da alternativa de cultivo, por outro, um risco, considerando os custos de substituição para o agricultor frente à sua tradicional policultura. Se a opção da sociedade é para manter um padrão de vida com base no uso de veículos individuais, deve pagar por isso! Dessa forma, a produção de ali-mentos teria que ser tratada de fato tal qual uma falha de mercado e o incentivo à sua produção, com preços compensa-dores, teria que ser pago naturalmente pelos usuários desse tipo de transporte, maiores demandantes de biocom-bustíveis. Em resumo, a decisão entre deixar de fazer policultura ou produzir biocombustíveis não deve ser regulada somente pelo mercado, penalizando por consequência os que permaneçam pro-duzindo alimentos.

Revista Camponesa: Como as mudan-ças climáticas podem afetar a agricul-tura de base familiar?Fernando Bastos: Sem dúvida que, quanto mais pobre seja o agricultor fa-miliar e por consequência dependa do

que plantar diretamente para sobre-viver, mais está à mercê dessa redução de fornecimento dos serviços de ecos-sistema no seu cotidiano de sobrevida. Como vêm denunciando os cientistas no mundo inteiro, a produção de alimentos tem um vínculo imediato com os demais serviços de ecossistemas responsáveis pela estabilização do clima, de cade-ias alimentares, do ciclo hidrológico, produção de solos, controle natural de crescimento desordenado das várias es-pécies vivas etc. Os períodos prolonga-dos de secas e as chuvas intensas, pre-cipitadas em curto espaço de tempo, comprovam esse risco crescente.

Revista Camponesa: Que caminhos para o desenvolvimento sustentável o Brasil está tomando? Estamos viven-do experiências práticas, ou ainda es-tamos no campo do discurso e pouca ação?Fernando Bastos: Enquanto um en-caminhamento mais geral de ações públicas e privadas, a sustentabilidade ainda é uma miragem, por mais que o sonho de certo equilíbrio mecanicista na relação sociedade/natureza permaneça nas mentes das pessoas em geral e de alguns estudiosos em particular. Nessa discussão, temos um problema central que é o tratamento dado à dimensão político-institucional. Sim, aí está a raiz do problema, expressado na apropria-ção inadequada e oportunista da ex-pressão sustentabilidade, no discurso politicamente correto e muito distante da trajetória que percorrem seus locu-tores; na visão imediatista dos diversos atores, alguns justificáveis, outros não; e no próprio significado da relevância des-sa prática para a maioria de atores que possam ser mais ou menos relevantes para influir em decisões dessa ordem.

“Temos um grupo maior de agricultores familiares,

localizados em sua maioria no Nordeste, que detêm um

controle precário ou nenhum sobre os meios de produção,

portanto, com inserção sempre limitada às políticas

públicas”

“Aí está a raiz do problema, expressado na apropriação

inadequada e oportunista da expressão sustentabilidade, no discurso politicamente

correto e muito distante da trajetória que percorrem seus

locutores”

1 Sine qua non - indispensável , sem o qual não pode ser.

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Nossa missão é fortalecer a agricultura

Cada liderança sindical precisa falar, mas também precisa fazer

A experiência sindical e a realidade dos(as) trabalhadores(as) da agricultura familiar no município de Apodi, relatada pela ótica de Francisco Edilson Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Edil-

son é agricultor natural da Comunidade Água Fria, mas reside em Santa Rosa II, em Apodi. Há 12 anos como presidente do sindicato, Edilson fala dos trabalhos de organização e participação e ainda as conquistas para os(as) agricultores(as), o resgate e a importância das semen-tes também é ressaltado por ele, que diz ter como um sonho a criação da Rede de Sementes do estado.

Entrevista: Francisco Edilson

Revista Camponesa: O que motivou o seu envolvimento nos trabalhos de organização dos agricultores no mu-nicípio de Apodi?Francisco Edilson: Minha história é um pouco longa, mais ou menos em 1982 e 1983 morava na Comunidade de Água Fria e lá aconteciam as frentes de emergência, e o que o exército fazia era um absurdo, eles chegavam 12 horas do dia, mandavam o povo ficar de joel-hos, se deitar. E nós percebemos que era necessário ter alguém que pudesse se contrapor a aquele modelo, que era necessário ter alguma “luz” para o cam-po, porque não tinha mais cabimento acontecer aquelas coisas absurdas com gente, porque a gente era gente, mas estávamos sendo tratados pior do que animais. Nesse momento, começamos a reunir as comunidades e vimos que era importante lutar por algo, e uma das maiores necessidades naquele mo-mento era a água, na nossa comunidade tinha uma caixa d´água que era limitada, e cada família só podia pegar um galão d`água por dia, e iniciamos uma luta por água, para as comunidades principal-mente terem água para beber. Procura-mos apoio, da Diocese de Mossoró que implantou pequenos projetos alternati-vos comunitários e começamos a montar 5 bombas manuais em 5 comunidades, começou por Água Fria, Lagoa Rasa, San-ta Rosa, Sorroroca e Queimada, com isso

resolvemos parte do problema d´água e as pessoas não precisavam mais ficar sujeitas só a água do exército que era distribuída através de carro pipa. Depois percebemos que ha-via outro problema, que era a necessi-dade de semente para plantar, foi nessa época que constituímos a primeira as-sociação na comunidade de Água Fria e nesse processo de organização não tínhamos somente a necessidade de semente, mas também de terra, pois éramos 100 associados e somente 35 tinham terra, o restante trabalhava de “meia”. Vimos que só ter sementes, e se as pessoas não adquirissem terra, estava sendo escravo, porque plantava, mas a “meia”1 era do patrão. E com o apoio da Comissão Pastoral da Terra - CPT e da Paróquia de Apodi, iniciamos um trab-alho de base nas outras comunidades e vimos que era necessário que tivés-semos um sindicato pelo menos para ter um apoio moral. Iniciamos os primei-ros encontros, e com o apoio da AACC/RN e da KAS os primeiros seminários de formação começaram a acontecer.

Revista Camponesa: Como se deu a sua participação à frente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi?Francisco Edilson: Depois desses pro-cessos de mobilização e organização iniciados, as pessoas foram acreditando cada vez mais, e percebemos que um passo importante era o sindicato, ter um sindicato a serviço da causa. A par-tir daí participamos de quatro eleições, e somente na quinta tentativa que con-seguimos assumir. Na primeira gestão como vice, eu assumi o sindicato, após a morte do presidente. Estou no ter-ceiro mandato com uma sequência de 12 anos à frente do sindicato, e demos um salto de qualidade, juntamente com a CPT, com o apoio da AACC/RN, e quero sempre ressaltar que mesmo sendo um apoio limite, mas para aquele momento foi importante, e com outras entidades que foram se incorporando, nós con-seguimos chegar onde a gente está hoje.

Revista Camponesa: Percebe-se que ao longo dos últimos anos, o sindicato de Apodi cresceu estruturalmente, em organização e participação política, sendo referência para outros mu-nicípios. Então como se dá esse trabal-ho de garantir o crescimento do sindi-cato sem deixar as discussões políticas

“Uma das maiores neces-sidades naquele momento

era a água, na nossa comuni-dade tinha uma caixa d´água que era limitada, e cada famí-lia só podia pegar um galão

d`água por dia”

1 Relação que ocorre quando um agricultor trabalha em terras que pertencem a outra pessoa. Em geral o meeiro (agri-cultor que trabalha nessa condição) ocupa-se de todo o trabalho, e reparte com o dono da terra o resultado da produção.

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VISITE O SITE DA FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER:

www.kas.de/brasil

que realmente são importantes para a agricultura familiar de Apodi?Francisco Edilson: Foi uma luta cheia de altos e baixos, nós temos o sindicato do tamanho que temos, mas também temos problemas e conflitos, e se tem, é porque entendemos que é nos conflitos que a gente cresce e aprende muito com isso. Acho que avançamos na estrutura, porque percebemos que era importante ter uma estrutura mínima para que os trabalhadores pudessem chegar aqui e se sentir a vontade. E na base era também interessante que a gente conseguisse estar lá, acompanhando as associações e construindo nossas lutas. Quando as-sumimos, o sindicato tinha 100 pessoas em dia, hoje nós temos 3000. Mas tem 3000 por quê? Porque o povo entendeu que o dinheiro do sindicato não é meu e nem é da diretoria, é da luta. Hoje te-mos muitas divergências, mas o que a gente construiu são coisas importantes, criamos a COOAFAP - Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi - aqui den-tro, iniciamos a Cooperativa de Crédito sendo a 1ª aqui no estado e iniciamos muitas outras lutas. Revista Camponesa: O senhor falou que está chegando o momento de di-minuir as atividades pelo sindicato, retomar uma vida mais sua, mas mes-mo estando no sindicato suas ativi-dades como agricultor nunca foram deixadas/abandonadas?Francisco Edilson: Gosto muito de trab-alhar com horta, gosto muito de viver no

sítio e de trabalhar, acordo 4 da manhã, caminho até 4h 30min, depois tiro o leite de duas vacas, coloco a alimentação de-las, vou pra casa e de 8 horas saio para o sindicato. Quando termino minhas atividades no sindicato volto para casa, e estou pensando em reestruturar minha horta agora reestruturar de uma maneira diferente, cuidar só dela. Mas também não vou fugir, não vou deixar, abandonar tudo, mas vou tentar ir deixando porque tudo tem seu tempo. O campo hoje é a saída, eu não tenho dúvida que posso tirar três salários, sem precisar morrer de trabalhar e ter uma vida digna no campo. Agora preciso me organizar, pre-ciso ter um pedacinho de terra, preciso saber quantos pés de alface vou plantar por semana, quantos molhos de coentro, quanto de cebolinha, pimentão, ter um planejamento e é isso. Agora tem gente que pensa que o sindicato é só o sindi-cato e que vai viver disso, você não vive, principalmente porque o seu tempo pas-sa. Então cada liderança sindical, cada companheiro que está a frente, é preciso falar, mas você também precisa fazer. Só falar não basta, você precisa mostrar que dá. Só o arroz esse ano, em uma parce-ria com meu companheiro vamos colher 200 alqueires. Para mim não tenho nem dúvida hoje, conhecendo meus filhos que criei todos da agricultura, Edjarles, que hoje produz hortaliças e João Paulo e Edinho que vendem, todos se dedicar-am mais a essa história de trabalhar mes-mo, e esse é o caminho, é a saída. Porque o que me dói mais é ver filho de agricul-tor, mendigando em porta de prefeitura para ganhar um salário mínimo, e além de virar puxa-saco. Então acho que cada um de nós tem a sua missão, e a nossa missão é essa de fortalecer a agricultura

“Meu sonho é a construção da Rede de Sementes do Rio

Grande do Norte”

“Ou temos isso como meta nossa, ou morremos politica-

mente, não podemos viver na escravidão das sementes

transgênicas”

e o movimento sindical.

Revista Camponesa: Uma ação muito forte que tem sido desenvolvida em Apodi é o resgate das sementes crio-ulas. Por que o despertar para essa ação e como tem sido?Francisco Edilson: É um trabalho muito difícil, para mim é o trabalho mais im-portante que temos hoje, mesmo sendo ainda uma ação pequena, porque é nas sementes que está a nossa origem. Lá no roçado estamos testando novas se-mentes, por entender a necessidade de resgatar essa questão da semente. Meu sonho é a construção da Rede de Se-mentes do RN, mas infelizmente é pouca a disposição de muita gente, hoje nós encontramos muitas pessoas no campo mesmo, aqui nas comunidades, que diz: Edilson a gente vai plantar aquele milho, mas só dá se for adubado. Então, esse é um trabalho que vai se concretizar está se concretizando, mas não é um trabalho fácil. Só que ou temos isso como meta nossa, ou morremos politicamente, não podemos viver na escravidão das se-mentes transgênicas. Temos um grupo de 50 pessoas que vem se reunindo, plantamos em uma área coletiva, com um planejamento de plantar dez tarefas2 esse ano em cada comunidade.

2 Unidade de medida de área muito utilizada por ag-ricultores, principalmente no NE. Onde 3,6 tarefas correspondem a 1 hectare.

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Agricultura Familiare Desenvolvimento

SustentávelXxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxxxxxx

xxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxxxxxx xxxxxx xxxxxxxxxxxxxxx xxxxx xxxxxxx xxxxxxxxx

Por Bethânia Lima

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F ormação, participação e equilí-brio. Uma tríade mínima para pensarmos e discutirmos o de-senvolvimento sustentável. Pa-

rece simples, mas não é; ainda que se pense nesse tripé, é necessário pensar que o ser humano está envolvido e vi-vendo considerando muitos aspectos – sociais, culturais, ambientais, econômi-cos e tantos outros. Não adianta relacionar desen-volvimento ao crescimento econômico, não basta, é pensar de forma muito re-ducionista. Para considerar que a socie-dade está inserida em um processo de desenvolvimento há que se considerar a soma de vários “pilares”, não é somente

o poder econômico que garante quali-dade de vida para as pessoas, indepen-dente do meio onde se está inserido. Desconsiderar também o poder de atuação e interação de cada pessoa junto ao meio, ainda é limitante. Se as pessoas não participam e não se re-conhecem enquanto responsáveis pelo desenvolvimento local, é muito mais complicado. Não basta somente a von-tade para agir, é preciso interagir com as forças locais. “Um elemento fundamental para o desenvolvimento é preparar as pessoas, torná-las aptas para gerir esse desenvolvimento nos seus municípios”,

defende Hildemar Peixoto, Engenheiro de Produção, e assessor da Fetraf/RN. É preciso pensar na formação e na ação, para “alimentar” nas pessoas, o poder de diagnosticar, questionar, conceber e interceder pelo que se quer para o desenvolvimento sustentável da sua comunidade. “A comunidade tem que ser pensada como ‘global’ e é preciso fomentar gestores locais pensando o que quer para a sociedade, não é só o técnico que tem que pensar isso”, afirma Hildemar. Espaços participativos que buscam fortalecer a democracia e a au-tonomia da sociedade civil existem, e através deles as conquistas chegam e nutrem as pessoas de esclarecimentos para que várias causas sejam debatidas. Os fóruns populares de políticas públi-cas funcionam em vários municípios do Rio Grande do Norte, e possibilitam que mudanças aconteçam. Paula Francisca do Nascimento, de Taipu, município a 49 km da capital, destaca que o fórum existe na cidade desde 2006 e tem o lema A serviço da verdade e da justiça. “O nosso fórum é muito atuante e luta por uma melhor qualidade de vida do povo, mostrando os direitos e deveres da população e intervindo nas políticas públicas”, afirma Paula. Em Pureza, município distante 68 km de Natal, desde 2005 também ex-iste um fórum de políticas públicas fun-cionando e a cada reunião mensal, cerca de 60 pessoas participam. “O povo dis-cute no fórum a merenda escolar, falta d’água, falta de compromisso do poder público e é aberto a toda a população do município”, conta Maria José, uma das representantes do fórum. O Fórum de Participação Popu-lar nas Políticas Públicas (Fopp) de São Miguel do Gostoso, tem 10 anos de atu-ação, sendo um dos mais antigos do ter-ritório Mato Grande no Rio Grande do Norte, e ainda apresenta fragilidades para o seu funcionamento, porém a união das parcerias (associações, sindi-catos e Ong´s) faz com que o Fopp se mantenha atuante , e amenize as dificul-dades. Projetos relacionados à agricul-tura familiar, educação, recursos hídri-cos e outras áreas já foram executados pelo Fopp. A experiência ao longo dos anos mostra que o amadurecimento da

Hildemar Peixoto - Assessor Fetraf/RN

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sociedade civil ao discutir melhorias de condições de vida, reforça a importân-cia de trabalhar por um modelo de de-senvolvimento voltado para as necessi-dades humanas. “Os espaços populares são interessantes, e viabilizam o surgi-mento das lideranças, mas não cabe ser liderança só no discurso é preciso mais”, afirma Hildemar.

Para desenvolver: mulheres e jovens precisam aparecer

Ao estimular e pensar o de-senvolvimento é preciso estar atento às relações humanas de forma iguali-tária, e reconhecer que o sistema patri-arcal e machista vigora na sociedade é necessário. Para conter essa limitação, nada mais coerente do que estimular e trabalhar numa perspectiva de igual-dade de gênero entre homens e mul-heres, estando cientes também que a juventude é um grande grupo que pre-cisa estar inserido nesse processo. As mulheres e a juventude ten-dem, devido às condições desiguais em relação aos homens, estarem em situações desfavoráveis na sociedade; algo que podemos observar através da pequena participação das mulheres e jovens nos espaços de decisões e no acesso aos recursos, de forma que ten-ham renda. Reconhecer essa desigual relação humana e de poder, e buscar mudanças é o ideal para o alcance de relações sustentáveis. “Em 200, eu tinha 17 anos, e tive a oportunidade de in-gressar em um projeto que incentivava a juventude rural a ser protagonista em várias ações locais. Participei de cursos, capacitações, eventos e pude repassar para a comunidade o que aprendi”, diz Francimário Gomes, da comunidade de Angico de Fora, em São Miguel do Gos-toso. Garantir que a juventude e as mulheres possam estar juntos, para que recebam e participem de reuniões e capacitações é importante para se sen-tirem preparados a ocuparem os espaços de decisões. “Considero que as etapas enfrentadas de participação e formação provocaram um nível de politização nas pessoas muito importante, esse foi um compromisso sério para a juventude do município. Atualmente, percebe-se na cidade a quantidade de jovens que es-

tão inseridos nos espaços de decisões buscando as melhorias locais”, comenta Francimário.

“Nós” que fazem a diferença

“Somos interdependentes, é importante se articular e estabelecer os ‘nós’”, defende Hildemar. Para ele, a ideia do trabalho em rede, e com par-cerias é o que reforça a possibilidade de melhorias para a sociedade. Para Emman-uel Bayle, represent-ante da Ong francesa Agrônomos e Veter-inários Sem Fronteiras – AVSF, a busca da sin-ergia entre instituições parceiras é o que há de pertinente para a ex-ecução de ações que buscam a construção de “mudanças”. Atuan-do em 20 países (Áfri-ca, Ásia, América do Sul e Caribe), a AVSF busca apoiar os(as) agricultores(as) famili-ares através da garan-tia da alimentação e da geração de renda. “Segurança alimentar, geração de renda e a gestão dos recursos naturais são alguns dos nossos eixos tra-balhados no campo, valorizando ainda a Emmanuel Bayle - AVSF

articulação política”, comenta Bayle. Desenvolvendo projetos com parcerias em mais de um estado do Nor-deste, a AVSF no Rio Grande do Norte já executou um projeto junto com a Rede Pardal, e atualmente, está envolvida no Balaio da Economia Solidária, projeto que busca fortalecer a agricultura famil-iar e as ações de economia solidária. As parcerias agora estão ampliadas entre Rede Pardal, Rede Xique Xique e Centro Feminista 8 de março. “Temos princípios em comum, e o nosso papel é pensar em soluções sustentáveis econômicas e so-ciais para a agricultura familiar”, salienta Bayle.

Sustentabilidade no campo

“Se o que buscamos é um de-senvolvimento que atenda, sobretudo, as questões relativas à preservação dos recursos naturais, a promoção da igualdade social, a produção de ali-mentos saudáveis, e a autonomia de agricultores(as) familiares, então esta-mos falando de um desenvolvimento que busca a sustentabilidade”, defende a Engenheira Agrônoma, Ana Paula

Francimário Horácio

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Cavalheiro, Professora do Curso Técnico em Agroecologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR). Tendo um papel fundamental na sociedade, as famílias rurais da ag-ricultura familiar assumem o papel de vital importância para a segurança ali-mentar, e conseguem construir relações viáveis e de respeito com o meio ambi-ente. “É importante compreender que o desenvolvimento com sustentabilidade, só pode ser construído a partir de uma agricultura de base ecológica, e isto só é possível de ser alcançado através de uma agricultura familiar que tenha na terra a sua fonte de vida e (re)produção”, diz Ana Paula. Para garantir a integração ao meio ambiente, e a responsabilidade em todos os níveis de desempenho, é cada vez maior a “adesão” ao modelo agroecológico de agricultura. Pensado e discutido enquanto um resgate das práticas sustentáveis entre as pessoas e o meio ambiente, e de forma mais ética; a agroecologia consegue repassar e nu-trir o que há de mais rico e sustentável para as pessoas. Reforçar e acreditar na agroeco-logia é apostar e garantir a segurança alimentar das famílias rurais e urbanas, possibilitar uma maior riqueza dos re-cursos naturais, reforçando ainda a con-strução de laços mais humanos para as pessoas. “Não há agricultura familiar sus-tentável sem relação com o poder local, é preciso ter equilíbrio”, defende Hilde-mar Peixoto, Engenheiro de produção, e assessor da Fetraf/RN.

Ana Paula Cavalheiro - Engenheira Agrônoma

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A participação das mulheres no desenvolvimento sustentável e no

fortalecimento da agricultura familiar

Até 1996, a AACC/RN realizou atividades envolvendo mul-heres, de forma bastante pon-tual, em alguns momentos

contando com a assessoria do Centro Feminista 08 de Março, através de ofici-nas sobre temas específicos como saúde, violência contra a mulher e formas de organização. As atividades realizadas pela AACC/RN no campo da gestão e organização dos assentamentos, era ba-sicamente composta por homens, visto que as mulheres assumiam a respon-sabilidade com as refeições e cuidado com o ambiente, a maioria das vezes, ficavam assistindo a reunião no portão dos galpões. A AACC/RN inclui nos seus eixos programáticos e de forma sistemática o trabalho com mulheres, a partir de 1997 com o apoio e fortalecimento à orga-nização de grupos de mulheres com vis-tas a sua auto-organização. Inclui nessa agenda uma série de atividades de for-mação voltadas para o protagonismo das mulheres, especialmente relaciona-das ao desenvolvimento sustentável e fortalecimento da agricultura familiar, prolongando-se até os dias atuais. Para isso, foram iniciados projetos articu-lados com a linha da sustentabilidade ambiental (agroecologia, agricultura orgânica, gestão de recursos hídricos), economia solidária (consumo ético, co-mercialização, apoio a grupos coletivos) e democratização do poder (políticas públicas, gênero, juventude, gestão de organizações associativas) como eixos programáticos institucionais. Desse pro-cesso surge o projeto institucional “Mul-heres Transformadoras” contribuindo para a ampliação da participação das mulheres nos espaços coletivos (STTR, Fóruns municipais, associações, movi-mento feminista, Rede Xique Xique).

Por Marialda Moura

Artigo

A assessoria técnica em ativi-dades e projetos produtivos com mul-heres tem orientado para a realização de experiências agroecológicas, autoges-tionadas tendo como perspectiva a au-todeterminação das mulheres. À medida que as experiências vão sendo desen-volvidas, é possível se observar mudan-ças significativas na vida das mulheres, principalmente no acesso às políticas públicas, situação econômica, na toma-da de decisões, no diálogo com a família e nos espaços coletivos de participação

política. Nesse sentido, a participa-ção das mulheres na construção da gestão e da organização da Rede Xique Xique através dos núcleos de economia solidária, a participação e construção da Marcha Mundial das Mulheres através da formação política e nas ações de mobi-lização tem impactado sobre a vida das mulheres, a relação estabelecida com a família e nos espaços coletivos. No entanto, podemos observar várias questões no tocante a vida das

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Marialda Moura militante da Marcha Mun-dial das Mulheres, e coordenadora do Projeto Brasil Local NE 1 executado pela AACC/RN.

mulheres rurais. A primeira está no cerne, no conjunto das relações socialmente construídas e de como as mulheres e ho-mens se posicionam nessa sociedade e que tem a ver com a naturalização dos papéis sociais ditos, femininos e mas-culinos que estruturam e reproduzem a divisão sexual do trabalho e as desigual-dades de gênero. A perspectiva apontada pode ser encontrada em vários estudos sobre a construção social das relações de gênero em que pese, a definição sobre os papéis sociais que determinam o que é ser femi-nino e masculino na sociedade ocidental. No que tange essa análise na realidade do meio rural, a casa e o quintal se con-stituem como o espaço das mulheres ou que caracterizam atividades ditas femi-ninas e o trabalho do homem, caracter-izado pelas atividades ditas masculinas. Nesse contexto, o trabalho doméstico e do cuidado recai sob a responsabilidade das mulheres, impedindo muitas vezes a mulher agricultora de participar dos es-paços coletivos e de tomada de decisão, efetivamente, dificultando a busca pela sua autonomia. Outra questão a ser considerada nesse processo diz respeito a situação de violência sexista, vivenciada pelas mul-heres no meio rural. O fortalecimento da luta das mulheres contra a violência sex-ista e uma ação que busca a construção de valores que tem como princípios básicos, o respeito às mulheres, a valo-rização do trabalho e a igualdade entre mulheres e homens se constitui um alic-erce da práxis-feminista em que a inter-venção tem sido desenvolvida. A política de organização dos grupos de mulheres tem sido uma alter-nativa para o enfrentamento à violência contra as mulheres. Ao que tudo indica, os grupos de mulheres parecem se con-struir como possibilidades históricas e estratégias de busca pela superação das desigualdades, espaços de socialização e de solidariedade entre as mulheres rurais, bem como da busca pela autono-mia. Nessa perspectiva, há de se con-siderar a política de auto-organização dos grupos de mulheres, que em dado momento da história do feminismo, foram considerados como espaço de luta pela autonomia das mulheres quan-do surgem os grupos específicos como

mola propulsora para a autoconsciência das mulheres em face da dominação masculina. Acredito que ainda hoje se constrói como possibilidades históricas e estratégias de busca pela superação das desigualdades sendo também os grupos de mulheres, espaços de social-ização e de solidariedade entre as mul-heres rurais. A formação das mulheres em agroecologia, economia solidária e femi-nismo, através da realização de oficinas, cursos e seminários, tem sido uma con-tribuição interessante para a realização das experiências em agroecologia. À medida que as experiências vão sendo desenvolvidas tem garantido a sobera-nia alimentar das famílias. Ao participar de experiências agroecológicas, as mulheres assumem diretamente uma responsabilidade e o compromisso com a proposta de desen-volvimento de uma agricultura familiar sustentável e que pode garantir a sobera-nia alimentar, cujo significado está na ga-rantia do próprio sustento, na produção de alimentos saudáveis através do cul-tivo de hortas agroecológicas, criação de pequenos animais (cabras, galinhas, abelhas), quando guardam e preservam as sementes ou reutilizam e armazenam a água de chuva em cisternas. São perceptíveis os efeitos e mudanças na realidade das mulheres, dentre estas a participação das mulheres em cargos e instâncias de decisão das associações, fóruns locais e grupos; a presença das mulheres rurais nas ações de articulação e mobilização tanto no Es-tado como no Brasil, tem se destacado. Por uma lado, há maior com-preensão das famílias em relação a im-portância da participação das mulheres nos espaços, o que se configura uma conquista para as agricultoras. No âmbito da assessoria à auto-organização das mulheres, temos nos apoiado através de uma metodologia de formação que tem fundamento no método construtivista e nos princípios da pesquisa-ação, na reflexão problema-tizadora da realidade, levantando prob-lemas e elaborando estratégias e alter-nativas de superação.

Page 28: Revista camponesa dezembro de 2010

Camponesa - Dezembro de 2010 www.aaccrn.org.br

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Tem poesia guardadaNa tapera sem ninguém

Nos trilhos velhos do tremNa estação já fechada.Na caraubeira floradaCoberta de amareloTem poesia no velhoJuazeiro frondeado

Na manga velha do gadoNo galope e no martelo.

 Tem poesia no tempero

Da cozinha sertanejaTambém nas grandes pelejas

Das duplas de violeiros.Na flor alva do pereiro

Perfumando o meu sertãoTem poesia no fogãoNa fumaça do bueiroNo aboio do vaqueiro

Trazendo a rês pro mourão. 

Tem poesia na lamaDo aguaceiro de inverno

Tem poesia no berroDa temida gaspiana

Na flor branca da chananaNo fruto do canapú

No gosto acre do umbuNo cantar da seriemaNo espinho da juremaE no voar do nambu.

 Tem poesia em tudo

Que o meu sertão pronunciaNo sol quente, na água fria,

E até num dia sisudo.No domingo de entrudoNo forró de pé-de-serra

No cabrito, quando berra,Perto da casa da gente

E quando nasce a sementeQue a gente planta na terra.

TEM POESIA NA TERRA

“Tem poesia na terra” é de autoria de Francisco Morais, nas-cido em Parelhas/RN, o poeta viveu até os 21 anos no sítio Olho d´Água, no município. Licenciado em Letras, é mestre

em Estudos da Linguagem e professor de Língua Portuguesa, na rede pública estadual de Ensino.