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Revista Científica Multidisciplicar - Núcleo do Conhecimento - Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016- ISSN: 2448-0959

Revista Científica Multidisciplicar - Núcleo do ... · Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento - Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 3- 14 –ISSN: 2448-0959 RESUMO

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Sumário

A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS NA SAÚDE PÚBLICA ............................................................................. 2 CARLOS NETO, Daniel ..................................................................................................................................... 2 DENDASCK, Carla ........................................................................................................................................... 2

IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA GESTÃO PÚBLICA ............................................................. 15 CARLOS NETO, Danie .................................................................................................................................... 15

MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA JUSTIÇA DA PAZ ....................................................................... 21 SILVA, Adonias Osias da ............................................................................................................................... 22 ARAÚJO, Carla Regina de Freitas ................................................................................................................. 22

JUIZ CONCILIADOR – UMA FIGURA MITOLÓGICA ABORDAGEM EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO E DA LEI 9.099/95 ......................................................................................... 40

STOCCO, Kleber José..................................................................................................................................... 41

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE PÚBLICA.......................................................................................... 52 DENDASCK, Carla ......................................................................................................................................... 52 CARLOS NETO, Daniel ................................................................................................................................... 52 DENDASCK, Carla; CARLOS NETO, Daniel- A evolução histórica da Saúde Pública- .................................... 52

PROCESSO ARBITRAL - FORMAÇÃO DO TRIBUNAL E INSTRUÇÃO PROCESSUAL ........................................ 68 GONZALEZ, Ewerton Zeydir .......................................................................................................................... 68 DENDASCK, Carla ......................................................................................................................................... 68 SILVA, Adonias Osias ................................................................................................................................... 68

A GLOBALIZAÇÃO E A CRISE NO DIREITO: REPENSANDO A ÉTICA E A MORAL NO ESTADO PÓS-MODERNO............................................................................................................................................................... 98

DENDASCK, Carla ......................................................................................................................................... 98 SILVA, Adonias Osias .................................................................................................................................... 98

INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL FRENTE À ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: DESBUROCRATIZAÇÃO OU DESUMANIZAÇÃO? ..................................................................................... 120

SANTOS, Martha Aparecida Costa ............................................................................................................. 120 PITTMAN, Michele Cristina Barbosa Teixeira ............................................................................................. 120 SANTOS, Martha Aparecida Costa ............................................................................................................. 120

O FETICHISMO NO CONSUMO RELIGIOSO: O consumo de experiência no contexto religioso cristão ....... 131 MODESTO JUNIOR, Edson .......................................................................................................................... 131 DENDASCK, Carla Viana ............................................................................................................................. 132 LOPES, Gileade Ferreira .............................................................................................................................. 132

JUS POSTULANDI E O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE .................................................................................................... 142

SEPULVEDA, Luciano Pinto ......................................................................................................................... 142 STOCCO, Kleber José................................................................................................................................... 142

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A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS NA SAÚDE PÚBLICA

CARLOS NETO, Daniel1

DENDASCK, Carla2

CARLOS NETO, Daniel; DENDASCK, Carla. A eficácia dos direitos sociais na saúde pública. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento - Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 3- 14 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

Os direitos fundamentais tem sido motivo de várias discussões nos últimos anos, fazendo com que estudiosos se dediquem a investigar tanto através da vertente da saúde, quanto através do direito, a real efetividade dos delineamentos traçados pelas Organizações Mundiais. Este artigo tem como objetivo trazer uma breve reflexão sobre a real eficácia dos direitos sociais na saúde pública brasileira, usando como embasamento, uma análise exploratória das elucidações trazidas por diversos doutrinadores que permeiam a corroborar com este assunto. Trazendo por fim, uma breve discussão do mínimo existencial. Palavras Chaves: Direitos Sociais. Saúde Pública. Eficácia dos Direitos Fundamentais.

INTRODUÇÃO

1 Advogado. Acadêmico de Medicina. Doutorando em Saúde Pública. MBA Executivo. Especialista em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde. Pós-Graduando em Saúde da Família. Especialista em Auditoria. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Psicanálise, Pós doutoranda em Psicanálise Clínica, e Mestranda em Bioética, diretora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Estudos Avançados, Coach, e professora de cursos de MBA in company , Campinas e São Paulo- E-mail: [email protected]

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Os direitos fundamentais podem ser definidos como um conjunto de normas,

princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem

a convivência pacifica, digna livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem,

cor condição econômica ou status social, tudo isso baseado no principio da dignidade da

pessoa humana. (BULOS, 2010)

No entanto, para José Afonso da Silva, se conceituar os direitos fundamentais torna-

se uma difícil tarefa diante das diversas transformações no passar do tempo, veja-se:

A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso.

Aumenta essa dificuldade a circunstancia de se empregarem varias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais e direitos fundamentais do homem. (SILVA, 2005, p. 179)

Já os direitos sociais, são direitos fundamentais próprios do homem-social, conforme

aduz Moraes (2014, p. 595):

Os direitos sociais são direitos fundamentais próprios do homem-social, porque dizem respeito a um complexo de relações sociais, econômicas ou culturais que o indivíduo desenvolve para realização da vida em todas as suas potencialidades, sem as quais o seu titular não poderia alcançar e fruir dos bens que necessita.

Ocorre que a principal dificuldade a ser enfrentada neste tópico refere-se a

aplicabilidade e eficácia desses direitos, pois como se sabe, a saúde está positivada no rol

dos direitos sociais.

Deste modo, é importante aqui mencionar o conceito do termo ‘efetividade’ como o

desempenho concreto da função social do direito, conforme abaixo:

A noção de efetividade, ou seja, dessa especifica eficácia, corresponde ao que Kelsen – distinguindo-a do conceito de vigência da norma, - retratou como sendo “o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstancia de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos”. A efetividade significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão intima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. (BARROSO, 2002, p. 236)

Em relação a eficácia dos direitos sociais é necessário o entendimento não só da

norma jurídica em sentido amplo, mas a abordagem da mesma com outros sistemas, tais

como: político, econômico, social e histórico.

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Faz-se necessário também a diferenciação de vigência e eficácia da norma, conforme

abaixo:

O normativismo distingue, com precisão, a vigência da eficácia. A lição de Kelsen é bastante clara a esse respeito. A vigência da norma, para ele, pertence à ordem do dever-ser, e não à ordem do ser. Vigência significa a existência especifica da norma; eficácia é o fato de que a norma é efetivamente aplicada e seguida; a circunstancia de que uma conduta humana conforme à norma se verifica na ordem dos fatos. (SILVA, 2005, p. 64)

Um dos problemas mais relevantes em torno da eficácia dos direitos fundamentais

sociais diz respeito à forma como foram dispostos no texto constitucional, considerada por

muitos autores confusa e até mesmo metodologicamente inadequada. Nesse sentido,

afirma-se que:

Os direitos fundamentais sociais na Constituição Brasileira estão longe de formar um

grupo homogêneo, pois, no que diz respeito a seu conteúdo e a forma de sua positivação, o

constituinte não seguiu na sua composição nenhuma linha ou teoria especifica. Ao contrário,

acabou criando um capitulo bastante contraditório no tocante a relação interna dos direitos

e garantias. Isto, sem dúvidas, acarreta inúmeros inconvenientes interpretativos, afetando

diretamente a eficácia dos preceitos contidos na constituição. (KRELL, 2002, p. 21)

Embora, haja essa confusão, para Ana Paula de Barcellos, a eficácia jurídica da

norma está diretamente ligada com a fundamentalidade social, conforme afirma abaixo:

O primeiro critério que orienta a identificação das modalidades de eficácia jurídica aos enunciados normativos diz respeito ao que se pode denominar de fundamentalidade social da circunstância por ele regulada, que nada mais é que seu grau de importância ou relevância social. Esse é o parâmetro lógico que orienta a política legislativa de modo geral. Quanto mais fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pelo dispositivo e, conseqüentemente, os efeitos que ele pretende sejam produzidos, mais consistente deverá ser a modalidade de eficácia jurídica associada (...). (BARCELLOS, 2002, p. 136)

Por eficácia jurídica, compreende-se a “capacidade (potencial) de uma norma

constitucional para produzir efeitos jurídicos”. (KRELL 2002, p. 39).

Para produzir os efeitos jurídicos desejados, a eficácia jurídica dos direitos sociais,

são subdividas em normas de eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada, conforme

explanado abaixo.

As normas de eficácia plena possuem aplicabilidade imediata e, portanto,independem

de legislação posterior para sua plena execução. Afirma-se ainda que:

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São aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou tem

possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses,

comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis

regular. (SILVA, 2005, p. 101)

Já as normas constitucionais de eficácia contida são que possuem caráter imperativo,

mas também são limitadoras do poder público, conforme depreende-se:

As normas de eficácia contida são aquelas que o legislador constituinte regulou

suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem a

atuação do restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos

que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados. (SILVA, 2005, p.

116)

E por último, mas não menos importante, as normas de eficácia limitada que

dependem de lei para regulamentá-las. São chamadas também de “normas de aplicação

diferida, normas de eficácia mediata e normas de eficácia relativa”(BULOS, 2010, p. 146)

Portanto, vê-se claramente que o regime de aplicabilidade dos direitos sociais é

idêntico ao dos direitos e garantias fundamentais. Ou seja, possuem aplicabilidade imediata

conforme dispõe o §1º do art. 5º da CF/1988.

A PROBLEMÁTICA DA EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO

Muito se discute na doutrina sobre a eficácia e sobre a aplicabilidade dos direitos

constitucionais. Porém, independente da forma de positivação, as normas de direitos

fundamentais devem gerar um mínimo de efeitos jurídicos, pois como visto, toda norma

possui eficácia e aplicabilidade.

No entanto, é o grau de eficácia dos direitos fundamentais sociais que será

determinado pela forma de positivação na constituição e das peculiaridades do seu objeto.

(SARLET, 2007, 237-238)

O maior problema atualmente não se refere à garantia dos direitos, mas quanto a falta

de efetividade das normas constitucionais, veja-se:

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justifica-los, mas o de protege-los (...). Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou

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históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 24-25)

Deste modo, a eficácia reduzida dos direitos fundamentais sociais não se deve

apenas a ausência de leis ordinárias.

O problema maior é a não prestação real dos serviços sociais básicos pelo poder

público, já que a grande maioria das normas para o exercício dos direitos sociais já existe.

Vê-se que o problema certamente está na “formulação, implementação e manutenção das

respectivas políticas publicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos

Estados e dos Municípios”. (KRELL, 2002,p. 31-32)

Outro problema que se discute bastante na doutrina é sobre a determinação dos

elementos constitutivos dos direitos fundamentais sociais que liga-se ao fato de esses

direitos apenas existirem “quando as leis e as políticas sociais o garantirem. Por outras

palavras: é o legislador ordinário que cria e determina o conteúdo de um direito social”

(CANOTILHO, 2002, p. 481).

Essa parte considerável da doutrina considera a maioria das disposições

constitucionais referentes aos direitos sociais “como incapazes de apresentar qualquer outra

eficácia jurídica além de vincular negativamente o legislador impedindo-o de agir

explicitamente contra o objetivo indicado pela norma”. (BARCELLOS, 2002, p.162)

Dito isto, observa-se que boa parte da doutrina costuma classificar as normas

definidoras dos direitos sociais como normas programáticas, uma vez que necessitam de

uma concretização legislativa para que venham gerar plenitude de seus efeitos.

Nesse sentido, afirma-se que as normas programáticas são:

Aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras,pelos quais se hão de orientar os Poderes Públicos. A legislação, a execução e a própria Justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à sua função (BARROSO, 2002, p. 115)

Ainda, segundo Krell(2002, p.27-28), as normas programáticas servem de álibi para

se criar uma imagem de que o Estado responde, normativamente, aos problemas da

sociedade, veja-se:

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Muitas normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, por não possuírem um mínimo de condições para a sua efetivação, servem somente de álibi para criar a imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade, desempenhando assim, uma função preponderantemente ideológica em constituir uma forma de manipulação ou de ilusão que imuniza o sistema político contra outras alternativas.

Porém, esta não parece ser a tendência atual da eficácia dos direitos sociais, pois

contra esses argumentos, basta se revelar o perigo em se deixar ao arbítrio do legislador ou

do administrador a determinação total dos efeitos dos direitos fundamentais sociais.

Conforme afirma Barcellos (2002, p. 192): “isto poderia provocar um verdadeiro

esvaziamento da fundamentabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana como

vetor na interpretação constitucional”.

Ressalte-se aqui, que a situação se torna mais complicada onde o Poder Público

mantem-se inerte, ou seja, onde ainda não foram instalados os serviços necessários ou onde

funcionam precariamente.

As prestações positivas dos direitos sociais deverão ser proporcionadas pelo Estado

e suportadas pela sociedade, que irão arcar com essas despesas, arrecadadas por meio de

tributos dentre outros, conforme sustenta-se:

Se definitivamente não houver recursos, as formas textuais mais claras e precisas não serão capazes de superar essa realidade fática, serão normas irrealizáveis. Luís Roberto Barroso já identificara essa situação, em que a manifesta ausência de condições materiais condena a norma desde o seu nascedouro, como uma forma de insinceridade normativa. O que se pretende enfatizar, portanto, é que, ao cuidar da interpretação do direito público em geral, e do constitucional em particular, é preciso ter em mente, além dos elementos puramente jurídicos, dados da realidade, sendo um deles as condições materiais e financeiras de realização dos comandos normativos. (BARCELLOS, 2002, p. 259-260)

Porém, diante do mau funcionamento ou mesmo inexistência dos serviços essenciais

para o bem-estar da população, impõe-se a “formulação de políticas públicas protetivas de

determinadas categorias sociais marginalizadas e economicamente excluídas”, políticas

estas que demandam principalmente o gerenciamento pelo Estado, sendo de suma

importância para sua implementação, haver parcerias com a sociedade civil. (KRELL, 2002,

p. 34)

Logo, os direitos derivados a prestações, decorrentes das regulamentações aos

direitos sociais previstos na constituição, implicam, onde já implantado o serviço público

necessário para satisfação de um Direito Fundamental, que a sua não prestação em

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descumprimento da lei ordinária possa, no Brasil, ser atacada por meio de mandado de

segurança, instrumento jurídico eficaz no controle judicial dos atos administrativos.

Deste modo, afirma-se que:

A modalidade de eficácia que deve acompanhar as normas de direitos fundamentais sociais – especialmente quando fundadas na dignidade da pessoa humana – deve ser a positiva ou simétrica, pois possibilita ao Judiciário, caso haja uma violação inconstitucional, intervir para efetivação do direito. As modalidades de eficácia interpretativa, negativa e vedativas do retrocesso, embora absolutamente relevantes e atuais, mostram-se insuficientes a proteção de determinadas variáveis fáticas decorrentes do imperativo de respeito ao núcleo essencial dos direitos sociais. (BOTELHO, 2011, p. 102-103)

Por esta razão, ao enfrentarmos a problemática da eficácia dos direitos fundamentais

sociais, não há como desconsiderar sua função precípua de direitos a uma prestação, assim

como a sua forma de positivação no texto constitucional, já que ambos os aspectos, a toda

evidencia, constituem fatores intimamente vinculados ao grau de eficácia e aplicabilidade

dos direitos fundamentais, como já mencionado.

Outra questão que prejudica a eficácia dos direitos fundamentais é a chamada

‘reserva do possível’, que vem sendo utilizada para indicar a limitação dos recursos perante

a necessidade de aplicação para a garantia dos direitos fundamentais e sociais. Conforme

demonstra Barcellos (2002, p. 261):

O debate em torno dessa questão tem sido identificado no Brasil por meio da expressão reserva do possível e popularizado, em boa parte, pelo empenho da Administração Pública em divulgá-lo e argui-lo nas mais diversas demandas, a pretexto do sempre iminente apocalipse econômico.

Ocorre que a escassez de recursos orçamentários não podem ser obstáculos para a

garantia dos direitos sociais, que são as condições essenciais da vida humana, pois desta

forma, acaba por violar o preceito básico e fundamental da Constituição Federal: o principio

da dignidade humana.

Deste modo, a garantia a um mínimo existencial é requisito necessário para a

sobrevivência do individuo, pois se não possui as condições necessárias para uma vida

digna, os direitos sociais prestacionais não estão sendo eficazes. E no que tange ao mínimo

existencial destinado à saúde, viola-se também o direito à vida, pois sem saúde não se vive.

O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

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Não se tem dúvidas que a garantia jurídica dos direitos sociais não depende somente

das prestações positivas do Estado, pois, a sua efetivação depende de recursos do Estado

(União, Estado, Distrito Federal e Municípios), porém estes são limitados. Por esta razão, a

efetividade desses direitos está limitada aos recursos orçamentários disponíveis. Conforme

aduz Sarlet (2007, p. 265):

A colocação dos direitos sociais a prestações sob o que se denominou de uma reserva do possível, que, compreendida em sentido amplo, abrange tanto a possibilidade, quanto o poder de disposição por parte do destinatário da norma.

Para discorrer sobre o assunto, é necessário primeiro se conceituar o principio da

reserva do possível, anote-se:

A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante da necessidade quase sempre infinitas a serem por elas supridas. No que importa ao estudo aqui empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em ultima analise da sociedade, já que é esta que o sustenta – é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos. (BARCELLOS, 2002, p. 261-262)

Esta questão sobre a efetiva disponibilidade de recursos é vista pela doutrina como

uma limitação fática para a efetivação dos direitos sociais. Porém, há também outra limitação

que é sobre a possibilidade jurídica para a disposição dos recursos.

Sobre o assunto, afirma Barcellos (2002, p. 262-263):

Sob o titulo geral da reserva do possível convivem ao menos duas espécies diversas de fenômenos. O primeiro deles lida com a inexistência fática de recursos, algo próximo da exaustão orçamentária, e pode ser identificado como uma reserva do possível fática. É possível questionar a realidade dessa espécie de circunstancia quando se trata do poder público, tendo em conta a forma de arrecadação de recursos e a natureza dos ingressos públicos. Seja como for, a inexistência absoluta de recursos descreveria situações em relação as quais se poderia falar de reservado possível fática.

O segundo fenômeno identifica uma reserva do possível jurídica já que não descreve

propriamente um estado de exaustão de recursos, e sim a ausência de autorização

orçamentária para determinado gasto em particular.

Logo, o principio da reserva do possível é uma limitação fática e jurídica que o Estado

se vale para deixar de prestar os direitos sociais a quem de direito. Este é o grande problema

aqui suscitado, pois refere-se a múltiplas alegação pelo Poder Público deste principio,

somente para se eximir da obrigação da efetivação dos direitos fundamentais sociais.

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Em relação a tal problema afirma-se:

O Brasil tem um dos piores quadros de distribuição de renda do mundo, e condicionar a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais à existência de recursos disponíveis no Estado, significa reduzir a sua eficácia a zero, relativizar sua universalidade, condenando-os a serem considerados direitos de menor importância (KRELL, 2002, p. 54)

Ou seja, a maior parte da população Brasileira que é pobre, ou seja, deficiente de

prestações de serviços de cunho social é quem mais sofre com esse embate de ser ter a

efetivação dos direitos baseados na disponibilidade de recursos públicos.

Portanto, ainda que a efetividade dos direitos sociais dependa da ponderação do

Poder Público em suas escolhas diante da escassez de recursos, o mesmo não pode se

furtar do seu dever constitucional de prestar e garantir dos direitos mínimos à população

para a obtenção de uma vida com dignidade, e na falta de qualquer deles, cabe ao judiciário,

mediante provocação dirimir qualquer problema sobre o assunto e isso tem ocorrido com

frequência o que mostra a problemática em analise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo-se da ideia de que as necessidades da população são infinitas e os recursos

limitados, deve-se ter em mente sobre como estabelecer as prioridades na alocação dos

recursos de forma a garantir o mínimo estabelecido na Constituição Federal.

Primeiramente, aponte-se que a formulação do conceito de mínimo existencial teve

origem na Corte Constitucional Alemã, que extraiu o direito a um mínimo de existência do

principio da dignidade da pessoa humana (Lei Fundamental, art. 1, I) e do direito a vida e a

integridade física, mediante interpretação sistemática junto ao principio do estado Social (LF,

art. 20, I) (KRELL,2002).

Complementando o entendimento:

Num primeiro momento, a qualificação, a qualificação da dignidade da pessoa humana como principio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de nossa Lei fundamental não contem apenas uma declaração de conteúdo ético e moral ( que ela, em ultima analise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar neste contexto, que, na condição de principio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como principio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa. (SARLET, 2007, p. 111-112)

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Ou seja, o mínimo existencial está ligado à dignidade da pessoa humana e deve ser

guardado pelos direitos sociais prestacionais de modo a oferecer condições mínimas da

população.

Na tentativa de delimitar o conteúdo do mínimo existencial, uma solução possível é

“a utilização do principio da dignidade da pessoa humana para garantir as condições

mínimas da população para uma vida saudável”, sugerindo como diretriz mínima os

parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. (SARLET, 2006, p.47-59)

Mesmo assim continua a haver largo espaço para a conformação política do

legislador, visto não haver “uma medida certa nem uma forma única de cumprimento do

imperativo constitucional”, ou seja: não há um conteúdo fixo do direito ao mínimopara uma

existência condigna, que só será delimitado no caso concreto. (ANDRADE, 2002, p. 27)

De toda sorte, o padrão mínimo social para sobrevivência deverá incluir sempre um

atendimento básico e eficiente de saúde, o acesso a uma alimentação básica e vestimentas,

a educação de primeiro grau e a garantia de uma moradia, conforme abaixo:

Ora, se a sociedade não for capaz de reconhecer a partir de que ponto as pessoas se encontram em uma situação indigna, ou seja, se não houver consenso a respeito do conteúdo mínimo da dignidade, “estar-se-á diante de uma crise ética e moral de tais proporções que o principio da dignidade da pessoa humana terá se transformado em uma formula totalmente vazia” (BARCELLOS, 2002, p. 197)

Logo, o mínimo social garantido nas condições materiais de existência estaria

baseado no conceito de dignidade da pessoa humana, e a retórica desse mínimo não

depreciaria os direitos sociais, mas antes, os fortaleceria em sua dimensão essencial como

expressão de uma cidadania reivindicatória.

Garantido constitucionalmente, o mínimo existencial deve ser atendido com

prioridade, é o que diz Barcellos (2002, p. 268):

Se é assim, e os meios os meios financeiros não são ilimitados, os recursos disponíveis deverão ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins considerados essenciais pela Constituição, até que eles sejam realizados.

Os recursos remanescentes haverão de ser destinados de acordo com as opções

políticas que a deliberação democrática apurar em cada momento.

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Considerando que o mínimo existencial, inerente às garantias constitucionais

prioritárias (direitos básicos prestacionais), possui aplicabilidade imediata por ser em direitos

fundamentais independentemente se sociais ou não. Por outro lado, quanto as prestações

não se tratarem de direitos sociais vinculados ao mínimo existencial, aí sim estarão

condicionados as limitações dos recursos orçamentários.

Porém, é do Poder Público o dever de cumprir o que a constituição garante como

afirma Krell (2002, p. 60):

Onde o Estado cria essas ofertas para a coletividade, ele deve assegurar a possibilidade da participação do cidadão. E caso a legislação não conceder um direito expresso ao individuo de receber uma prestação vital, o cidadão pode recorrer ao direito fundamental de igualdade em conexão com o principio do Estado Social

Uma vez violado o mínimo existencial, pela omissão da efetividade dos direitos

fundamentais sociais, surge o direito de o exigir judicialmente.

O motivo que justifica tal judicialização dos direitos sociais, inerentes ao mínimo

existencial, se dá em virtude de que esses direitos são imprescindíveis para se ter uma vida

com dignidade, razão pela qual a teoria da reserva do possível aqui não se submete.

Embora, esta judicialização tentar diminuir o problema da falta de recursos, tem que se ter

vista também sobre quais os fins essenciais previstos na Constituição, bem como se os

recursos são suficientes para atender os fins previstos. (BOTELHO, 2011).

Mas é diante do mínimo existencial que irá se avaliar as prioridades para os gastos

públicos, baseados na Constituição, e também poderá se delimitar a atuação jurisdicional

de defesa dos direitos sociais

Segundo Canotilho (2002), o Estado deve garantir a eficácia dos direitos sociais como

já sabe, mas vale dizer, também, que o mesmo não pode reduzir, anular ou revogar o que

hoje se entende como mínimo existencial devendo vedar todas as medidas legislativas

tendentes a isso. Este é o principio da proibição do retrocesso social.

Conceituando-se a vedação do retrocesso, afirma-se:

A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa, particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais. Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas infraconstitucionais e que, com base no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de norma que, regulamentando o principio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que

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a revogação em questão seja acompanhada de uma politica substitutiva ou equivalente. (BARROSO, 2002, p. 379)

Conclui-se, portanto, que esta vedação do retrocesso é uma maneira de impedir a

revogação das leis que asseguram os direitos sociais, para que não se diminua o que já se

foi conquistado através da evolução histórica, como o estabelecimento de padrões mínimos

para se ter uma vida com dignidade.

Deste modo, a atuação do Judiciário nas questões de garantia dos direitos sociais é

importante, pois lhe cabe o controle dos direitos fundamentais sociais, analisando a

essencialidade da pretensão e o grau de necessidade de acordo com cada caso concreto.

E essa judicialização desses direitos sociais, e principalmente a da saúde, objeto do

presente estudo, está sendo chamado o fenômeno de Judicialização da Saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA GESTÃO PÚBLICA

CARLOS NETO, Daniel 3

CARLOS NETO, Daniel; Impactos da Judicialização na Saúde Pública. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento –Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 15- 20 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

A judicialização da saúde refere-se à busca do Judiciário como a última alternativa para obtenção do medicamento ou tratamento ora negado pelo SUS, seja por falta de previsão na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos), seja por questões orçamentárias. Com base no exposto o objetivo deste artigo é verificar os impactos da judicialização da saúde na gestão pública. A metodologia de pesquisa adotada foi a doutrinária com levantamento de dados na literatura. A partir do estudo realizado na literatura, conclui-se que a Judicialização da saúde na gestão pública causa instabilidade orçamentária e financeira e algumas distorções no planejamento público os quais, os magistrados têm ignorado quando na tomada de decisões. Palavras-chave: Judicialização. Saúde. Medicamento. Tratamento. Gestão pública. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como tema os impactos da judicialização da saúde na gestão

pública, principalmente no que se refere ao orçamento público e financeiro.

3 Advogado. Acadêmico de Medicina. Doutorando em Saúde Pública. MBA Executivo. Especialista em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde. Pós-Graduando em Saúde da Família. Especialista em Auditoria. E-mail: [email protected]

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Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho:

Porque ocorre impacto na administração pública quanto à judicialização da saúde?

A gestão pública é uma estrutura orgânica parte do Poder Executivo que constitui os

âmbitos da União, Estados e Municípios que se relaciona, no exercício das suas funções,

com os Poderes Legislativo e Judiciário.

No caso do Poder Judiciário, este foi criado como um poder neutro politicamente,

devido ao fato de o princípio da legalidade existir para aplicar o direito, fazendo com que as

leis elaboradas sejam feitas essencialmente pelo Poder Legislativo. Contudo, ao longo dos

anos foram ocorrendo mudanças nas funções dos tribunais para que fossem se adaptando

ao contexto de cada época (CARVALHO, 2004).

Foi a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 (CRFB) que foram consagrados os direitos sociais, tais como o direito à saúde,

educação e habitação. Desta forma, essas garantias se tornaram direito positivado, abrindo

uma nova esfera para a atuação judicial.

Os magistrados, além de atuar com a finalidade de proteger os direitos dos cidadãos,

também possuem o dever de conferir a supremacia constitucional. Assim, foi concedida a

eles, a atributo de não solucionar apenas litígios entre as partes, mas de anular atos de

Estado. Mas, na prática, ocorre na verdade a interferência por parte dos tribunais em

políticas públicas, bem como o desvio de recursos públicos, dentre eles, de medicamentos

para pessoas que buscam a efetivação dos seus direitos constitucionais e o impacto nas

finanças públicas por prejuízos judiciais (SANTOS, 2010).

De acordo com Rodriguez (2004), a atuação dos magistrados deve ser com foco em

assegurar a cidadania e a concretização dos direitos fundamentais, mas há questões que

acabam contrariando esta atuação do Poder Judiciário, tal como a Judicialização da Política,

por exemplo.

Com base no exposto, nota-se um problema levantado que é qual o impacto da

Judicialização da saúde na Gestão Pública e as consequências para a população.

Considerando o contexto apresentado, o objetivo deste artigo é verificar os impactos

da judicialização da saúde na gestão pública.

A metodologia de pesquisa adotada foi a revisão da literatura sobre o assunto,

constituída por artigos eletrônicos, periódicos, livros, revistas e demais material que verse

sobre o tema.

GESTÃO PÚBLICA X SAÚDE

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A gestão pública é definida por Bittencourt e Zouain (2010) como a substância

fundamental da atividade correspondente ao poder executivo, o qual faz referência ao

exercício de gestão desempenhado pelo seu titular sobre os bens do Estado. É uma forma

de gerir de modo imediato e permanente para satisfazer as necessidades públicas na busca

pelo bem de todos. Tal atribuição é, na verdade, a realização de um serviço público,

submetido ao limite jurídico em particular que normatiza suas atividades e se efetiva a partir

da emissão e realização dos atos administrativos.

Para as autoras, entende-se por gestão pública a maneira que uma instituição ou

gestor público tem para estruturar e organizar os bens de um Estado. É um poder político

em que o indivíduo recebe a autoridade de gerir as atividades e negócios de uma repartição

ou empresa pública de modo que faça com que estes funcionem conforme o que se espera.

Além do exposto, Bittencourt e Zouain (2010) ainda destacam que a gestão pública é gerir

um bem público que entregue a partidos políticos governantes, cabendo a estes, o dever

administrar adequadamente e de forma justa e disciplinada tais bens.

De acordo com Lopes (2010), na gestão pública há uma diversidade de tarefas que

são estabelecidas conforme determinação das leis, dando competência àqueles que são

parte integrante da máquina pública de um Estado. Assim sendo, estes são obrigados a

prestarem contas por meio de relatórios públicos para serem avaliados pelo parlamento e

sociedade em geral.

Para Di Pietro (2007), a gestão pública é importante considerar o fato de que esta é

uma máquina do povo, do bem público, pois, além de administrar e organizar, também é

coisa pública que permite a organização de algo público, definitivamente.

Segundo o autor, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, título III,

capítulo VII, consta as disposições sobre a Administração Pública e no caput da CF/88, tem-

se fundamentado os princípios básicos que precisam ser respeitados. Tais princípios são da

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dentre outros de igual

relevância especificados no artigo 37. No artigo 38 constam as estruturas do mandato eletivo

dos servidores públicos.

Além do exposto, Di Pietro (2007) destaca que juntamente com a estrutura

organizacional administrativa da gestão pública também atuam entes privados que auxiliam

o Estado nas atividades de interesse público. Dentre tais entes se tem as organizações

sociais, serviços sociais autônomos e organizações da sociedade civil de interesse coletivo.

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Contudo, Barroso (2007) salienta que se tem observado a judicialização na gestão

pública. Trata-se de uma ação que ocorre na política pública todas as vezes em que os

tribunais, ao exercer suas funções normais, afetam diretamente nas condições da atuação

política e podem impactar na gestão pública.

Segundo Bliacheriene e Santos (2010), no que se refere aos impactos na gestão

pública, verifica-se a possibilidade de afetar diretamente no sistema político quanto ao

impacto sobre a democracia e liberdade dos cidadãos brasileiros. Tais impactos da

judicialização na gestão pública afetam, principalmente, os setores do orçamento público e

financeiro das políticas públicas .

No caso do impacto no orçamento público se refere ao critério econômico quanto ao

impacto provocado nos cofres públicos consequente da decisão tomada, bem como ao

impacto social por afetar toda a coletividade devido ao desvio de verbas e recursos públicos

e também impacta os princípios das políticas públicas por ser um conjunto de ações voltadas

a todos os cidadãos.

Conforme Vianna (1999), levando em consideração o crescimento dos gastos com as

sentenças judiciais e das despesas com remédios do Sistema Único de Saúde (SUS),

verifica-se uma tendência de o estado ter maiores gastos com o fornecimento de

medicamentos em decorrência de sentenças judiciais a situações individuais em

comparação com o fornecimento de remédios distribuídos para a coletividade. Tal fato

demonstra a forte influência que a judicialização possui sobre a saúde com evidente impacto

sobre o orçamento público.

Desta forma, nota-se que a ação judicial ganha considerações polêmicas referentes

à sua interferência no orçamento do Executivo, pois envolve tomada de decisões técnicas

que o Judiciário estabelece para as alternativas de tratamento e de remédios os quais

precisam ser fornecidos pelo Poder Público, sem a necessidade de deter o específico

conhecimento.

Com base no exposto, percebe-se que os magistrados não têm dado tanta relevância

aos princípios orçamentários nem aos impactos causados pelas suas decisões. Além disso,

cabe ressaltar que quando há a consideração quanto aos fundamentos, há uma tendência

em não conceder à ação, provimento.

Para Bliacheriene e Santos (2010), quanto ao impacto financeiro da judicialização na

saúde, ocorre em casos em que o Poder Judiciário tem decisões as quais, podem interferir

diretamente nas atividades já planejadas por parte do poder público e que precisam ser

efetivadas por meio de políticas públicas.

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Isto porque, conforme a CRFB (1988), art. 196, está previsto que a saúde é um direito

de todos e dever do Estado. Entende-se, com base no exposto no art. 196, que o Estado

atua como forma de efetivar este direito por meio do SUS de modo integral e universal.

Porém, o direito à saúde e demais direitos, foi criado para sua concretização futura.

Contudo, Vianna (1999) explicam que se tem notado que o SUS ainda não conseguiu

efetivar de forma concreta o princípio do atendimento integral conforme estabelecido pela

CRFB (1988), considerando a limitação que seus recursos possuem. Desta forma, as

pessoas que são usuárias do SUS acabam tendo que recorrer ao Poder Judiciário para

assegurar o acesso a alguns medicamentos.

Neste contexto, Barroso (2007) salienta:

São comuns programas de atendimentos integral, no âmbito dos quais, além de medicamentos, os pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico. Quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, frequentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável. Tais decisões privariam a Administração da capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão. Cada uma das decisões pode atender às necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, impediria a otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública (BARROSO, 2007, p. 154).

Com base no exposto, nota-se que os impactos causados pela judicialização da

saúde na gestão pública geram instabilidade orçamentária, causando deformidades entre a

distribuição dos recursos com o que de fato tinha sido planejado, além, ainda, das distorções

provocadas diretamente na administração das políticas públicas. Considerando esse ponto

de vista, pode-se dizer que a judicialização se mostra negativa.

Para Carvalho (2004), não se pode negar o direito dos usuários do SUS em recorrer

ao Poder Judiciário para conseguir seus direitos garantidos, pois este tem a capacidade de

exercer pressão para mostrar aos agentes públicos a existência de uma demanda que não

está sendo atendida e, por meio da justiça, é possível obter uma política pública para atender

toda a demanda.

Além disso, nota-se que a judicialização possui um caráter individualizador e, assim,

coloca sobre o coletivo, o direito individual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Com o objetivo de verificar os impactos da judicialização da saúde na gestão pública,

notou-se que a CRFB consagrou o Judiciário como seu protetor, contribuindo para o seu

fortalecimento como mecanismo de proteção de todos os direitos fundamentais, bem como

do controle das ações dos Poderes Executivo e Legislativo.

Ainda assim, não parece democrático separar o controle judicial das situações

referentes às políticas públicas, pois, com base no princípio do acesso à justiça, não é dever

do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, determinar questões a serem consideradas

isentas ao controle judicial para dificultar o direito de ação.

Somente considerando cada caso concreto colocado em julgamento que será

possível determinar, em última instância, a judicialidade de cada situação. Com efeito, é

preciso saber reconhecer que, como um direito fundamental, o direito a saúde não é absoluto

e, por isso, é passível de restrições quanto à sua aplicação pelo Poder Judiciário.

É nesses limites que reside o maior desafio, pois para garantir o direito à saúde,

deverá o Judiciário adentrar nas políticas públicas, ora estabelecidas pelo Executivo sem

possibilitar ao direito fundamental individual, se sobrepor aos direitos de toda uma

coletividade e ir além da própria CRFB.

Assim sendo, os impactos causados pela judicialização da saúde na gestão pública

são diretamente no orçamento público e financeiro, pois o que se verifica é grande e contínuo

aumento de ações judiciais para se conseguir o fornecer à demanda individual, os remédios

pelo estado.

REFERÊNCIAS

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MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA JUSTIÇA DA PAZ

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SILVA, Adonias Osias da4 ARAÚJO, Carla Regina de Freitas5

SILVA, Adonias Osias da; ARAÚJO, Carla Regina de Freitas. Mediação como instrumento para Justiça da Paz- Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 21- 39 –

ISSN: 2448-0959

RESUMO O presente artigo analisa como a mediação e como a mesma é tratada diante da sociedade afundada no individualismo possessivo, frente a tal premissa a mediação se constitui como elemento atinente as relações sociais atuais, visto que estas relações se modificam a uma velocidade consideravelmente mais veloz que o atual judiciário. Desta forma se torna necessário se não fundamental, novos mecanismos aptos a resolverem as controvérsias e discórdias da sociedade contemporânea. Apresenta a mediação como um procedimento democrático/emancipatório na medida em que educa, facilita e ajuda a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros. Dentro desta perspectiva, entende que a mediação é um procedimento democrático/emancipatório, porque acolhe o conflito como possibilidade positiva de evolução social e rompe com os marcos de referência da certeza determinados pelo conjunto normativo, posto de forma hierarquizada e que desconsidera a complexidade dos conflitos. Visualiza-se então, que com o passar dos anos estes mecanismos foram usados, mas não obterão êxito, visto isso o Conselho Nacional de Justiça encara a questão como política pública a fim de dar o verdadeiro acesso à justiça e garantir formas mais cabíveis e menos agressivas das pessoas resolverem seus conflitos, semeando paz social e cordialidade. Palavras-chave: Conflito. Mediação e Conciliação. Acesso à justiça.

ABSTRACT

This article analyzes such as mediation and how it is treated before the society sunk in possessive individualism, against such a premise mediation is constituted as regards element the current social relationships, as these relationships are changed at a considerably faster speed the current judiciary. Thus it is necessary if not essential, new mechanism able to resolve disputes and discords of contemporary society. It offers mediation as a democratic / emancipatory procedure in that it educates, facilitates and helps produce differences and to hold decision-making without the intervention of third parties. From this perspective, we understand that mediation is a democratic / emancipatory procedure because welcomes the conflict as positive possibility of social evolution and breaks with the benchmarks of certainty determined by the set of rules, put in a hierarchical way and that ignores the complexity of

4 Mestrando em Direito em Soluções Alternativas de Controvérsias pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Faculdades Unidas Jacarepaguá. Graduado em Direito pela Universidade Bandeirantes – UNIBAN. Professor de cursos preparatórios para OAB. E-mail: [email protected] 5 Mestranda do Curso de Mestrado em Direito – Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais da Escola Paulista de Direito –EPD. Pós Graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Paulista-2014. Pós Graduada em Docência Superior pela Universidade Paulista-2009.Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de S.B.Campo-1994 , E-mail [email protected].

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conflicts . View is then, that over the years these mechanisms were used, but will not get success, as this the National Judicial Council sees the issue as a public policy in order to give the true access to justice and ensure more appropriate forms and less aggressive people solve their conflicts, sowing social peace and warmth. Keywords: Conflict. Mediation and Conciliation. Access to justice.

INTRODUÇÃO

Uma das consequências da vida em sociedade é a proliferação de conflitos, os quais

fazem parte da natureza humana e são necessários para o aprimoramento das relações

interpessoais. O grande desafio é aproveitar o potencial educativo dessas situações, a partir

de uma administração adequada, que utilize o diálogo pacífico, capaz de converter situações

adversas em verdadeiras oportunidades de crescimento, e amadurecimento.

Com o intuito de aperfeiçoar a promoção da justiça, estão surgindo mecanismos

alternativos de solução de conflitos, que atualmente representam peça fundamental no novo

modelo de justiça, oferecendo uma justiça menos formal, mais barata e eficaz, sobretudo às

comunidades carentes, possibilitando uma participação ativa dos cidadãos na solução de

seus conflitos.

O conflito, normalmente, é compreendido como algo ruim para a pessoa, para a

família e para a sociedade. Um momento de instabilidade, de sofrimento, de angústia

pessoal, no qual dificilmente é percebido como um momento de possível transformação.

Uma cultura jurídica em que o conflito é sempre visto como algo negativo e prejudicial

à sociedade, devendo ser eliminado a qualquer custo. Um sistema jurisdicional que

certamente não consegue harmonizar as relações subjetivas, haja vista que em muitas

vezes as partes nem conseguem expor a realidade dos fatos e têm seus anseios

engessados diante de uma adequação, tantas vezes forçada dos fatos à norma. Onde os

valores humanos e os dramas pessoais não são valorizados e nem considerados tais como

são de forma complexa. Dentro desse contexto, todos os dias milhares problemas são

expostos e vivenciados nos processos judiciais. As partes depositam no Poder Judiciário

suas expectativas e anseios, objetivando que os operadores jurídicos ali presentes possam

apontar saídas para os conflitos que não conseguem resolver sozinhas. Ocorre que o

Judiciário, imerso numa crise generalizada, não tem oferecido tratamento adequado para

muitos problemas que lhe são apresentados.

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Neste contexto, com o surgimento dos novos direitos se tornou necessário a

efetivação do direito ao acesso à justiça, acesso à ordem jurídica justa, assim sendo são

abordadas as barreiras encontradas pela Justiça e Sociedade, custas e honorários

advocatícios, pobreza, quantidade de processos visto a judicialização dos conflitos,

conhecimento, burocratização e outros. A princípio é discorrido que o judiciário tem muito a

evoluir, mas com a evolução e concretização dos efeitos que podem ser alcançados ao

colocar em prática o consenso sobre as relações conflitivas as soluções são encontradas de

maneira fácil e ágil.

ACESSO À JUSTIÇA E A QUESTÃO DOS CONFLITOS

É ilusório imaginar uma sociedade isenta de conflitos, uma vez que os mesmos

surgiram com a própria humanidade e são intrínsecos a natureza do homem. À medida que

a sociedade evolui, as relações interpessoais também aumentam, bem como o antagonismo

de interesses que, em sua maioria, não são adequadamente solucionados.

A fim de dirimir os litígios, o Direito estruturou o Poder Judiciário e o encarregou de

dizer o direito (jurisdição), sobrepondo-se às partes conflitantes de maneira externa e

imparcial, resolvendo as controvérsias mediante decisões cogentes.

No entanto, a atual crise dos sistemas judiciários, com escassos recursos tanto

humanos quanto financeiros, acabou por estimular um crescimento considerável em

importância dos mecanismos consensuais de solução de conflitos de interesse, visto que, o

sistema jurídico brasileiro não consegue acompanhar nem solucionar todas as lides que

teimam em emergir.

É incessante a busca dos legisladores e juristas por métodos ou técnicas processuais

que garantam uma prestação jurisdicional mais célere e satisfatória para os litigantes. Nada

mais interessante que, o próprio Judiciário, adote medidas em que os próprios interessados

participem do desfecho de suas lides.

É neste contexto que a Conciliação, tem-se revelado um importante instrumento na

aproximação da Justiça aos jurisdicionados. Mediante este instituto, proporciona-se às

partes o efetivo acesso à justiça, visto que, elas podem participar ativamente no resultado

apaziguador de seus próprios conflitos.

O acesso à justiça é um direito fundamental, presente no sistema judiciário para

garantir que os problemas encontrados por qualquer indivíduo, possam ser solucionados de

uma maneira satisfatória. É um instrumento Estatal, com o intuito de proporcionar o direito

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de ação processual, concomitante a uma decisão que satisfaça as partes. Sob esse prisma,

o legislador está proibido de impedir, qualquer pessoa que tenha o seu direito lesado, ou

ameaçado a tê-lo, da proteção do Poder Judiciário.

“O princípio do acesso à justiça, também chamado de “garantia de amplo acesso à

justiça”, nasceu com a Constituição de 1946, com redação quase idêntica à do inciso XXXV,

do art. 5º, da atual Constituição. “ (WEISSHEIMER, 2003, p.193).

Ao Estado cumpre o dever de apresentar a dissolução das lides, consoante, traz

consigo a totalidade das controvérsias e avarias ao direito, para o seio da tutela jurisdicional,

pretendendo dessa forma, cumprir sua função de resolver as lides.

Presente essa obrigação Estatal, da solução de controvérsias, é notável que o

mesmo, torna-se ineficaz, perante a imensa demanda encontrada, juntamente com os

mecanismos utilizados que estão obsoletos. O termo acesso à justiça pode ser considerado

um conjunto de garantias que permitem efetivamente às partes a sustentação de suas

razões, a produção de suas provas, a possibilidade de influírem sobre a formação do

convencimento do juiz. Não se confunde, nem se esgota na possibilidade de todos levarem

suas pretensões aos tribunais, mas significa a oportunidade de efetiva e concreta proteção

jurisdicional, no sentido de aproximar a justiça aos cidadãos. Principalmente os referentes

às camadas mais periféricas da sociedade que acabam se tornando, os mais desfavorecidos

da prestação da tutela jurisdicional.

Dessa maneira o Poder Judiciário pode alcançar a tão almejada pacificação social.

Consoante um acesso igualitário aos indivíduos, perpassando, contudo, as garantias

constitucionais que efetivam a prestação jurisdicional.

Consoante uma breve análise histórica, verifica-se o conceito de acesso à justiça,

surgiu na Grécia antiga, perante os debates filosóficos acerca do direito e com influências

do jus naturalismo. O jus naturalismo possuía ideias como a isonomia, as quais são

apresentadas, atualmente, quando ocorre a abordagem dos direitos humanos (ABREU,

2004, p. 46; 143).

Os filósofos gregos para conseguirem exemplificar a justiça formulavam questões,

como se pode observar a alusão de Abreu (2004, p. 46):

A Escola de Pitágoras representava a justiça com a figura geométrica do quadrado, pela absoluta igualdade de todos os seus lados. Aristóteles formulou a teoria da justiça fundada na igualdade das razões influenciado pelo pensamento pitágorico (sobre peso, medidas de igualdade e proporcionalidade). Através da chamada régua de Lesbos, enunciou o conceito de equidade, evidenciando a possibilidade de o juiz adaptar a lei ao caso concreto.

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Nas cidades gregas, aos magistrados pertencia a execução das penas, enquanto os

cidadãos julgavam em assembleia, modelo que caracteriza a democracia direta. O

pensamento grego influenciou o surgimento do sistema jurídico na Roma, que

sucessivamente, influenciou o sistema romano-germânico, destacando-se a Lei de

Constantino. Essa Lei assegurava a gratuidade daqueles que necessitavam, sendo inserida

também ao Código de Justiano. (ABREU, 2004, p. 47).

Nos séculos, XVIII e XIX, os Estados liberais burgueses apresentavam uma filosofia

individualista de direitos. Mediante a afirmativa em comento, o direito de ação, nem sempre

teve a proteção Estatal em sua totalidade. É o que aduz, Cappelletti e Garth (1988, p. 9):

Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. [...] A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.

Neste momento, para defender o indivíduo, contra governos despóticos, surgem os

“chamados direitos humanos de primeira geração, que representavam, em essência, limites

à intervenção do Estado na esfera individual. Tais direitos impõem ao Poder Público um

dever de abstenção [...]” (MARQUES, 2007, p. 28-29)

Ainda sobre isto, esclarece Cappelletti e Garth (1998, p. 10-11):

À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram pra trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos.

O direito sofreu fortes influências da religião. O poder advinha de um líder religioso e

depois esse poder dilatou-se ao legislador. Todos os fatos que aconteciam, eram de certa

forma, explicados por preceitos divinos. “Somente com o desenvolvimento das sociedades,

nas quais se percebia um mínimo de estrutura organizacional, aclarou-se a separação entre

os fenômenos religiosos daqueles político-sociais” (CICHOCKI NETO, 2002, p.51).

O acesso à justiça obteve maior destaque no século XX, Abreu (2004, p. 47-48),

explica que isso decorre por causa,

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[...] dos novos direitos sociais e o surgimento das constituições dirigentes, havendo reiteradas denúncias do funcionamento insatisfatório da justiça na Alemanha e na Áustria, pela incapacidade de atendimento da demanda judicial, sendo várias as tentativas de minimizar o problema, protagonizadas tanto pelo Estado como por setores organizados das classes sociais mais débeis.

Neste diapasão, Sérgio Ricardo de Souza (2009, p. 62) expõe:

Com o advento da Constituição de 1988, a sociedade brasileira viu surgirem novos direitos, concebidos internacionalmente principalmente a partir da 2ª Guerra Mundial e que ultrapassam os limites conceituais das tradicionais demandas de cunho individual, tradicionalmente solucionados em conformidade com as diretrizes da lógica formal típica do modelo cartesiano e do positivismo, com predominância da ideia de que ao Poder Judiciário cabe aplicar a lei ao caso concreto, solucionando formalmente a lide, sem lhe caber questionar ou pretender analisar aspectos sociológicos vinculados à efetividade da intervenção jurisdicional, no que concerne à pacificação social.

Com o surgimento das mudanças, referente aos novos direitos sociais e ao

surgimento das constituições fez-se necessário a modificação das regras. Dessa forma, o

Poder Estatal pode ter a capacidade que lhe é necessária, para solucionar os novos conflitos

e atender o aumento da demanda dos litígios.

MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A sociedade brasileira contemporânea, de aproximadamente um século até os dias

hodiernos, tem demonstrado uma procura ininterrupta pelo crescimento econômico como

forma de encontrar um desenvolvimento social. O que está se buscando é alcançar meios

que possibilitem o progresso no campo econômico e, a partir daí obter melhorias no âmbito

social. Sendo assim, como consequência vem passando por fortes transformações,

refletindo na apresentação de grande diversidade nas relações sociais, de sorte a ocasionar

um aumento de conflitos relacionais, que, são conflitos interpessoais, ou seja, entre dois ou

mais indivíduos. Portanto, a sociedade passou a vivenciar novos conflitos, os quais atingiram

alto grau de complexidade, exigindo, assim, a efetiva compreensão da realidade social para

sua adequada solução (CASTALDI SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p.30).

O governo brasileiro, assim como o de outros países em desenvolvimento, sempre

busca mostrar ao mundo o crescimento da capacidade e estabilidade econômica com o

objetivo de captar investimentos externos que não têm sido suficientes para a solidificação

da paz social, pois diversos conflitos estruturais que se evidenciam não são solucionados.

Assim, torna-se cada vez mais evidente a urgência por medidas efetivas que gerem

melhorias no plano social.

As transformações sociais, políticas e econômicas apenas intensificaram o cenário

de grande desigualdade social que faz com que muitas pessoas se sintam excluídas da

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sociedade. Ocorrem conflitos a todo instante, porém a grande maioria é resultante dos

problemas mais centrais e profundos da triste realidade do nosso país.

No entanto, gradativamente, vem ocorrendo o processo de democratização das

atividades públicas acompanhada por um crescimento dos direitos fundamentais do

indivíduo e o estabelecimento de garantias processuais para defendê-los manifesta em

nosso país através da Constituição Federal de 1988, já que vários dos seus artigos dispõem

sobre proteções ou direitos antes implícitos ou não aplicados ao cotidiano dos cidadãos.

Diante dessa modificação jurídica, houve um aumento de procura pelo Poder

Judiciário, tornando-o paulatinamente indispensável na defesa dos direitos fundamentais.

Apesar do fato de que os mecanismos do Poder Judiciário são morosos e possuem valores

muito elevados o que acaba por intimidar o litigante na procura por seus direitos. Apesar

disso, percebe-se que a procura pelo Judiciário continua crescente, pois as pessoas

acreditam que os juízes possam, através das sentenças judiciais, resolver todos os seus

problemas. Isso comprova a dependência que os cidadãos brasileiros possuem em relação

às autoridades. Ao demandarem que um terceiro venha trazer as soluções para seus

problemas, as pessoas estão retirando de si a responsabilidade pela construção de suas

trajetórias de vida. Além disso, diversas vezes tal fato concorre para o não cumprimento da

sentença, já que a decisão, não sendo elaborada com a participação das partes envolvidas

no litígio, desagrada, geralmente, pelo menos uma das partes envolvidas na lide (SALES,

2004).

Os diversos problemas sociais, as profundas desigualdades e discriminações

recorrentes em nossa sociedade, desencadeiam uma escalada de violência em todos os

segmentos sociais. O referido problema ainda é acentuado pelo aumento da descrença nas

autoridades que eram vistas como pessoas gabaritadas para pelo menos conter essa

escalada. Isso acaba por fazer com que pessoas de bem enxerguem na violência uma forma

justificável de resolver vários de seus problemas (SHINE, 2002).

É manifesta a característica em todas as camadas da sociedade brasileira em ir ao

encontro do Poder Judiciário para buscar a solução para os seus conflitos. Existe uma noção

binária, contida na ideia do ganhar ou perder, da luta entre uma parte e outra, é característica

de uma mentalidade adversarial, que está culturalmente arraigada em nossa sociedade e

pode ser percebida nas formas como as pessoas lidam com os impasses da vida cotidiana

em todos os seus aspectos.

Ocorre que nas disputas judiciais todos saem perdendo. Mesmo os que vencem já

não saem tão contentes pelo desgaste emocional que geram e a que se sujeitam.

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Inicialmente, é muito interessante a possibilidade de deixar que um terceiro possa solucionar

aquele conflito no lugar das partes, porém, ao longo do tempo, acaba gerando certo

desconforto aos indivíduos o fato de em todos os problemas que surgem terem de ser

submetidos à visão de mundo de um terceiro e às suas decisões.

Essa mentalidade adversarial, em que só existem vítimas ou vilões, que é

predominante em nossa sociedade, apenas fomenta o surgimento de mais conflitos e

consequentemente mais violência. A ideia do ganhar processos e não do auxiliar na solução

de controvérsias apenas reforça essa noção equivocada e a ineficácia dos processos

judiciais (ANDRADE, 2006).

A função essencial do Poder Judiciário é a busca da realização da Justiça. Aplicando

a lei ao caso concreto, o Poder Judiciário torna-se o principal garantidor da efetivação dos

direitos individuais e coletivos e, consequentemente, guardião das liberdades e da

cidadania. Entretanto, nosso sistema Judiciário passa por uma terrível crise interna.

A cultura litigiosa da nossa sociedade e a parcial democratização do acesso ao Poder

Judiciário acaba por gerar um excessivo número de demandas e, por conseguinte, três

consequências imediatas: morosidade processual, perda de qualidade das decisões e perda

da crença da população nas autoridades judiciárias.

Além da situação exposta, é visível um total descompasso entre o formalismo

processual e a necessidade de informalidade em diversas circunstâncias. Formalidade que

gera mal-estar na apresentação de uma pretensão ao Poder Judiciário, desfazendo qualquer

tipo de relação existente entre as partes.

O Poder Judiciário que deveria buscar alcançar a justiça no caso concreto acaba se

afastando daqueles que mais precisam de sua tutela. Pode-se observar que dificilmente se

obtém de forma satisfatória a pacificação das relações sociais o que acaba por gerar novos

litígios.

Nesse contexto de um Judiciário moroso, oneroso, emaranhado, burocratizado e

praticamente inacessível à maior parte da população, acrescenta-se a falta de resposta

processual para os conflitos próprios de uma sociedade de massa, da coletividade.

Portanto, resta público e notória a crise pela qual passa esse sistema que parece ser

uma crise não só do Poder Judiciário, mas do próprio ensino jurídico que forma os servidores

ou operadores do direito.

Atualmente, no Brasil, o ensino jurídico adota o sistema da dialética o que não seria

um problema se os acadêmicos não fossem treinados para a guerra, o combate, a batalha.

São preparados para uma lide onde estão presentes forças conflitantes e opostas, onde

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apenas uma poderá sair vencedora no final como se estivessem em uma competição. Ou

seja, em caso de ganho de uma das partes obrigatoriamente tem de haver derrota da outra.

Resta mais uma vez erroneamente incentivado o prisma adversarial, onde o conflito

torna-se simplesmente um campo de batalha de lados opostos onde cada parte fará de tudo

para obter êxito ao fim do processo que seria justamente a preponderância de seus

interesses sobre os da parte adversa.

Algumas inovações processuais, com o intuito de procurar amenizar os problemas do

Judiciário, foram inseridas na legislação pátria. Entre elas, podem ser citadas: a criação dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95); os Juizados Especiais Federais (Lei

10.259/01); os instrumentos e garantias trazidos pela Constituição Federal de 1988; o

Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90); inclusive as profundas alterações do

Código de Processo Civil de 1973, minirreformas que principiaram em 1994, incluindo-se

nestas, a instituição da audiência de conciliação.

No entanto, apesar da importância das referidas mudanças, não se conseguiu gerar

resultados que pudessem de alguma forma estancar a crise do Poder Judiciário o que faz

com que continue se buscando novas soluções que possam resgatar a crença nesse Poder

tão importante para a manutenção da paz social. Assim como forma de mediação, faz-se

uso de meios alternativos que proporcionam inúmeras vantagens tanto ao ordenamento

jurídico, como para a sociedade.

NEGOCIAÇÃO

A negociação tem início no aparecimento de divergência entre as partes e só pode

ocorrer quando as mesmas se propõem a realizar um acordo. Deve-se procurar satisfazer

ambos os componentes da lide.

Neste norte, a autora, Morais Sales (2007, p. 41, 42), conceitua a negociação como:

[...] o meio de solução de conflito em que as pessoas conversam e encontram um acordo sem a necessidade da participação de uma terceira pessoa como ocorre na mediação. A negociação é um procedimento muito comum na vida do ser humano, pois contempla desde a simples discussão sobre onde fazer uma festa de aniversário até em que tipo de investimento os sócios de uma empresa irão aplicar seu dinheiro (SALES, 2007, p.41).

Destarte, através da afirmativa da autora supracitada, percebe-se que esse modo de

resolução de conflitos, está intrínseco, no cotidiano particular e profissional das pessoas. E

tem como fito, constituir uma relação de entendimento e compreensão.

Sob esse prisma, Tavares (2002, p.42), disserta acerca desta técnica de solução de

conflitos que consiste em ser:

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A forma básica de resolução de disputas é a negociação. Nela, as partes se encontram diretamente e, de acordo com suas próprias estratégias e estilos, procuram resolver uma disputa ou planejar uma transação, mediante discussões que incluem argumentação e arrazoamento. Sem intervenção de terceiros, as partes procuram resolver as questões, resolvendo disputas mediante discussões que podem ser conduzidas pelas partes autonomamente, ou por representantes. Por isso alguns autores não a consideram uma forma de solução de conflitos propriamente dita. A negociação é usada para qualquer tipo de disputa e faz parte do dia-a-dia transacional. É uma atividade constante entre os advogados. É um método apropriado a ser utilizado quando as partes continuam a ter relações comerciais, cotidianamente, ou quando é possível solução criativa, sendo certo que tal vínculo caracteriza-se pela confiança mútua e credibilidade entre as partes.

Para o autor Vezzulla, (2001, p. 15) a negociação deveria ser a primeira alternativa

escolhida pelas partes para a solução da lide, por ser um método rápido.

Uma vez que trabalha com o diálogo direto entre os envolvidos e possui o intuito de

pactuar para ambos um acordo benéfico.

Pode-se concluir, portanto, que o presente instrumento jurídico tem como escopo

resolver eventuais disputas entre os litigantes, de maneira que estes negociem de forma

direta com seus próprios argumentos, sem a intervenção de um terceiro imparcial.

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

A mediação de Conflitos é um meio alternativo de resolução de controvérsias,

pacífico, em que as próprias partes, através do diálogo, auxiliadas por um terceiro imparcial,

buscam a solução para seu conflito.

Lília Maia de Morais Sales, quando conceituando mediação, diz que:

É um procedimento em que e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa, evitando antagonismos, porém sem prescrever a solução. As partes são as responsáveis pela decisão que atribuirá fim ao conflito (SALES, 2004, p.23/24).

Na mediação, o conflito é transformado, procura-se modificar o entendimento das

partes a respeito de suas controvérsias, fazendo com que elas passem a ver o conflito como

algo positivo, encará-lo como uma etapa necessária ao crescimento das pessoas, motivo

pelo qual deve ser solucionado da melhor forma para ambas as partes. Afasta-se a ideia de

que os conflitantes são partes antagônicas que desejam ainda mais que saírem vitoriosas,

a sucumbência da outra pessoa.

A mediação busca laços entre as partes, estimula, por meio do diálogo, o resgate dos

objetivos comuns que podem existir entre os conflitantes. Além de mostrar o conflito de forma

positiva, a mediação exalta o fato de ser acontecimento normal, natural, decorrente de todas

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as relações entre os seres humanos e de extrema importância para o progresso das relações

sociais.

É um procedimento extremamente humano, tendo em vista estimular o diálogo e

permitir que as próprias partes resolvam seus conflitos, buscando por soluções que resultem

em ganhos para ambas. Quando estimuladas a resolverem juntas os seus problemas, cada

uma das pessoas aprende a atentar para o que a outra tem a dizer, a comunicar-se

pacificamente, podendo entender enfim qual o conflito real existente para poder solucioná-

lo de forma eficaz.

Sendo a solução do conflito atingida pelas próprias partes, com o auxílio de um

mediador que facilita o diálogo entre elas, nada lhes sendo imposto e sim resolvido pelas

próprias pessoas envolvidas, é bem mais provável que seja cumprida a decisão, já que não

é comum um ser humano agir de forma contrária ao que ele mesmo escolheu. Não é normal

que alguém venha a contrariar suas próprias decisões, seus próprios pensamentos. Além

disso, através do diálogo, as pessoas podem redescobrir laços fortes e bons sentimentos,

frutos de qualquer relacionamento que viveram, tendo sido esquecidos diante da situação

de raiva, rancor.

Segundo Ana Célia Roland Guedes Pinto, a mediação:

...é um processo de construção e de maturidade e não é imediatista.(...) E apresenta como objetivo básico que os indivíduos desenvolvam um novo modelo de interrelação que os capacite a resolver ou discutir qualquer situação em que haja a possibilidade de conflito (PINTO, 2010, p.69).

A mediação é um meio alternativo de solução de controvérsias, litígios e impasses,

onde um terceiro, imparcial, de confiança das partes, por elas livre e voluntariamente

escolhido, intervém entre elas agindo como um “facilitador”, um catalisador, que usando de

habilidade e arte, leva as partes a encontrarem a solução para as suas pendências. Portanto,

o Mediador não decide; quem decide são as partes. O Mediador utilizando habilidade e as

técnicas da “arte de mediar”, leva as partes a decidirem.

O Projeto de Lei 517/2011 aprovado recentemente define a mediação como atividade técnica exercida por pessoa imparcial, sem poder de decisão, que auxilia as partes envolvidas a encontrarem soluções consensuais. Votado em regime de urgência, o texto estabelece que qualquer conflito pode ser mediado, inclusive na esfera da Administração Pública. Ficam de fora casos que tratarem de filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição, recuperação judicial ou falência. As partes têm direito de ser acompanhadas por advogado ou defensor público (Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-02/senado-aprova-lei-mediacao-tentar-desafogar-judiciario. Acesso em Jul de 2015).

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No processo de mediação de conflitos, além da presença das partes conflitantes, é

necessária à de uma terceira pessoa, imparcial, que desempenha a tarefa de facilitar o

diálogo entre os mediados, transformando o conflito, dando-lhe uma visão positiva,

diminuindo a hostilidade entre as pessoas envolvidas e possibilitando que encontrem uma

solução satisfatória. Esta pessoa é denominada mediador (SALES; ANDRADE, 2011).

O mediador possui formação e conhecimento adequados para conduzir a mediação,

sendo para isso indispensável o bom senso. Não impõe decisões, é profissional treinado

para assistir as pessoas, negociar suas resoluções próprias para seus conflitos. Os

profissionais que têm no ser humano e na relação humana o seu objeto de estudo podem

ter maior identificação com esse procedimento.

As partes são responsáveis também pela escolha do mediador. O terceiro imparcial

ajuda na discussão, ressaltando as convergências e divergências, auxiliando as partes a

encontrarem interesses comuns. Ele não toma nenhuma decisão, não tem e nem deseja ter

qualquer poder em relação às partes. O mediador é apenas um condutor, a vontade que

deve prevalecer é a vontade das partes, ainda que contrária à do mediador (NETO, 2013).

Segundo Lília Maia de Morais Sales (2004) “A atuação do mediador é contínua e

dialética”. Ele deve estar sempre atento para perceber os reais problemas, que muitas vezes

não estão claros. Não cabe a ele determinar um vencedor e um perdedor, pelo contrário,

deve desfazer essa visão de que os conflitantes são partes antagônicas que devem duelar

até que uma das partes saia derrotada. Cabe ao mediador procurar aproximar as partes para

que elas mesmas encontrem saídas para as controvérsias de forma a ambas as partes

ficarem satisfeitas.

O mediador deve ser alguém que inspire confiança das partes, fazendo com que

estejam à vontade para falar sobre os seus problemas, sobre as suas dificuldades. A

atividade do terceiro imparcial da mediação deve ser guiada por alguns princípios, tais quais

a imparcialidade, a confidencialidade, a competência e a prudência.

O mediador deve tratar as partes igualmente, dando-lhes as mesmas oportunidades

e dedicando atenção a cada uma delas da mesma forma. Deve ser imparcial, procurando

auxiliar a ambas as partes sem dar preferência qualquer delas.

A Mediação é processo confidencial, devendo o mediador manter em sigilo os fatos,

as situações e as propostas ocorridas durante a sessão. Deve esclarecer às partes que tudo

que será dito permanecerá em segredo, facilitando, assim, que os indivíduos em conflito

falem exatamente o que pensam sem temer serem expostas ou repreendidas.

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A Mediação de Conflitos não se trata de procedimento formal, não existem regras

determinando como se deve proceder a mediação, no entanto, para a garantia de sua

efetividade, é necessária a observância de certos princípios que a definem.

O primeiro Princípio a ser exposto é o da Liberdade das partes. A Mediação é

voluntária, não podendo as partes estarem sendo ameaçadas ou coagidas. Ao escolher a

mediação como meio de resolver seu conflito, as partes devem fazê-lo por sua própria

vontade, consciente e liberta. Esta liberdade não é limitada à escolha da mediação como

meio de resolver sua controvérsia, está, principalmente, presente na decisão do conflito em

si no processo de mediação. As partes devem estar conscientes do que significa esse

procedimento.

O Princípio da Não Competitividade determina que não há competição entre as partes

na mediação. O interesse, na verdade, é em harmonizar as partes, fazer com que elas

cooperem para que ambas quedem satisfeitas. Não deve haver um vencedor e um perdedor,

certo e errado, já que não se tratam de partes antagônicas. As partes não se definem como

autor e réu e sim como pessoas interessadas em resolver de forma cooperativa, pacífica e

amigável o conflito.

De acordo com o Princípio do poder de decisão das partes, vê-se que somente às

partes cabe a resolução do conflito. A Mediação não é um processo impositivo e o mediador

não tem poder de decisão. A solução ideal para o conflito é a decidida em conjunto pelas

partes. Não podem ser de forma alguma obrigadas ou coagidas a escolher determinada

solução, nem o mediador pode sugerir qualquer resolução para o conflito. Os indivíduos,

encontrando-se em igualdade de condições de diálogo, usando da boa-fé, encontram a

solução que entenderem melhor.

A Participação de terceiro imparcial é outro princípio imprescindível na Mediação. O

mediador tem o papel de facilitar o diálogo entre as partes, de conduzir o procedimento. A

imparcialidade é necessária para que abusos e arbitrariedades sejam afastados. O mediador

deve tratar igualmente as pessoas que participam da mediação, sem qualquer forma de

privilégio. Cabe às partes decidirem qual o mediador deve participar da mediação e caso já

tenha sido escolhido por um centro de mediação, as partes têm o direito de não o aceitar.

O mediador deve ser diligente, cuidadoso e prudente, atender ao princípio da

Competência do Mediador. Deve ter a capacidade de mediar a conversa, assegurar a

qualidade do processo e o resultado. Deve o mediador estar em constante aperfeiçoamento,

precisa ser capacitado e treinado para utilizar técnicas próprias da mediação. O mediador

jamais poderá deixar que as partes discutam tomadas pela ira, pelo ódio, deve ser capaz de

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acalmar as partes para que estas usem a razão, os bons sentimentos. Em grande parte das

vezes o maior papel do mediador é o de escutar as partes e, interpretando-as, passa a ajudá-

las no caminho a ser por elas traçado.

Não existem regras rígidas que vinculam o processo de mediação, é permeado pelo

Princípio da Informalidade. Não há forma única, predeterminada. Deve haver simplicidade

nos atos. Normalmente os processos de mediação, seus acordos, são reduzidos a termo e

podem ser guardados, a fim de serem sujeitos à homologação e transformados em títulos

judiciais. Isso, apenas para efeito de organização, não sendo obrigatório que se proceda de

tal forma. A informalidade propicia maior tranquilidade para as partes, favorece a

comunicação entre elas e o mediador.

O Princípio da Confidencialidade no processo de mediação reafirma a necessidade

do respeito ao processo e às partes. As pessoas que participam da mediação precisam da

certeza de que aquilo foi que dito será sigiloso e não será usado contra elas posteriormente.

É necessária a confiança na confidencialidade do processo para que se mantenha um

diálogo sincero e harmonioso. O mediador deve ser uma espécie de protetor do processo

de mediação. São confidenciais e privilegiadas as informações da mediação.

A mediação de conflitos é um meio alternativo de resolução de controvérsias.

Destaca-se, porém, que seus objetivos são bem mais amplos do que a simples resolução

de conflitos. Havendo a comunicação entre as partes e a elas sendo dada a possibilidade e

a responsabilidade de administrar seus próprios conflitos, a mediação realiza o objetivo de

prevenção de conflitos. A inclusão social, outro objetivo da mediação, é alcançada através

da conscientização de direitos e do acesso à justiça. Alcançados todos esses, é possível a

realização do objetivo de paz social.

A solução dos conflitos na Mediação se dá através do diálogo. Apesar de, por vezes,

parecer ser a solução do conflito o seu principal objetivo, não o é exatamente. O que se

busca é um acordo entre as partes, um acordo justo, fruto da boa administração do conflito,

no qual ambas as partes fiquem satisfeitas. Segundo Lília Mais de Morais Sales “A

comunicação e a consequente participação dos indivíduos na solução da controvérsia são

imprescindíveis para o acordo adequado. “ A fim de alcançar essa solução, deve-se perceber

o conflito de forma positiva, deve haver cooperação entre as partes e a participação do

mediador como facilitador do diálogo, em busca da melhor resolução para a controvérsia e

não de uma solução qualquer.

Para alcançar o objetivo da resolução de conflitos através da mediação, as partes

devem estar cientes de seus princípios e esclarecidas de que são as pessoas envolvidas no

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impasse que têm o poder de decisão. Tais indivíduos devem dialogar na busca de solução

que permita o ganha/ganha, na busca de objetivos comuns, existentes apesar do conflito,

para o alcance da solução que satisfaça ambas as partes.

O segundo objetivo da mediação é a prevenção de conflitos, no processo há

conscientização dos direitos e deveres de cada um, mostrando-lhes, ainda, a sua

responsabilidade para que se dê a plena efetivação da solução do conflito. É, portanto,

também, um processo de transformação, a partir do qual as partes passam a perceber que

são capazes de resolver suas próprias controvérsias, passando a tratar o conflito já, desde

o início, de forma diferente.

Durante o processo de mediação, o terceiro imparcial incentiva as partes a

encontrarem a solução real para o conflito, não é simplesmente a escolha de uma das partes

como vencedora, é ir à raiz do problema para poder solucioná-lo. Nessa busca pela solução,

o mediador ajuda as partes a criarem vínculos entre si. Uma vez tendo participado de um

processo de Mediação, as partes têm a possibilidade de manter a comunicação, passando

a prevenir novas controvérsias ou impedindo que outros conflitos possam tomar a dimensão

do outrora solucionado. Decorrem do aspecto preventivo da mediação, segundo Lília Maia

de Morais Sales (2004), (...) a conscientização dos direitos e deveres e da responsabilidade

de cada indivíduo para a concretização desses direitos, a transformação da visão negativa

para a visão positiva dos conflitos e o incentivo ao diálogo, possibilitando a comunicação

pacífica entre as partes, facilitando a obtenção e o cumprimento do acordo.

Como objetivo da Mediação de conflitos encontra-se também a inclusão social. Ao

participarem da Mediação de conflitos, as partes, por meio do diálogo, encontram solução

para o seu problema, o que possibilita uma reflexão a respeito dos direitos e deveres do

indivíduo, quando então passam a ter consciência da sua capacidade de transformar a

realidade. De acordo com Lília Maia de Morais Sales “(...) A mediação apresenta-se, pois,

com o objetivo de oferecer aos cidadãos participação ativa na resolução dos conflitos,

resultando no crescimento do sentimento de responsabilidade civil e de controle sobre os

problemas vivenciados.”

Realizando os objetivos da prevenção de conflitos e o da inclusão social, facilmente

é atingido o objetivo da paz social. A mediação incentiva a cooperação e a solidariedade

entre as partes, estimula a resolução dos conflitos por meio da conversa e da compreensão

mútua, de forma pacífica. Previne a violência e conscientiza os indivíduos de seus direitos

de deveres.

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Ao propor às partes o encontro para a solução dos conflitos, intimamente se dá um

auto-conhecimento, em que se revelam diversos sentimentos pontos de vistas distorcidos,

que precisam de transformação. Quando as partes estão dispostas a transformarem-se em

busca de um equilíbrio, de uma solução, a sociedade também se transforma nesse sentido,

de pacificação social. A paz social apenas é alcançada quando os indivíduos buscam a paz

interior, modificando seus pensamentos e ações. Na mediação de conflitos, a relação entre

os cidadãos está eivada de solidariedade, em busca de interesse comum, efetivando a paz

social.

A POLÍTICA JUDICIÁRIA FRENTE A CULTURA DO LITÍGIO

As iniciativas e projetos que envolvam a mediação e conciliação, sua grande maioria

são oriundas do poder público, frente a suas instituições e organizações tendo por objetivo

fim tentar resolver e dirimir conflitos de formas externas ou internas ao poder judiciário

(mediação e conciliação judicial e extrajudicial), fazendo com que as partes, quando

possível, resolvam suas discórdias de uma forma alternativa e vantajosa, podendo os

integrantes da discórdia conversar, argumentar e requerer meio e mecanismos distintos do

engessamento e da burocratização que o judiciário convencional traz, a fim de ganhar voz

ativa para a resolução de seus próprios problemas, permitindo maiores vantagens como já

verificado anteriormente.

Ainda que o Poder Público seja o maior legitimador destas garantias, a sociedade civil

deve continuar buscando estas alternativas tendo por fim a conscientização da própria

sociedade, em saber, dever e capacitar estes métodos. “A coparticipação gera

corresponsabilidade nos resultados e sustentabilidade das soluções eleitas, em qualquer

campo da convivência”. (ALMEIDA et al., 2011).

Como abordado, no primeiro capítulo, a velocidade das relações pessoais,

modificações tecnológicas, sociais, culturais, comunicacionais, valorativas entre tantas

outras que podem ser citadas, a sociedade de produtores passou-se a ser a sociedade

consumista, visto a mudança de comportamento frente a facilidade e negativismo em desistir

de objetivos e tentar alcançar, concretizar novos objetivos a uma velocidade extrema, como

menciona Bauman (2008, p. 53), “a economia baseada no excesso e no desperdício, diante

dos impulsos, compulsões e vícios dos indivíduos”, o Poder Judiciário atual não pode, não

tem capacidade de lidar com tantos interesses, crescimentos e surgimentos de direitos e

garantias individuais ou coletivas, pois no mesmo momento em que se criam novos

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mecanismos processuais para serem usados durante o processo contencioso, estes já se

encontram atrasados.

Assim sendo, em razão da globalização e da velocidade das relações pessoais

ligadas estas aos avanços tecnológicos necessários do mundo atual, percebeu-se que eram

indispensáveis os mecanismos e as formas alternativas para a negociação e resolução de

conflitos sociais, inerentes as sociedades atuais. Verificando as balizas necessárias para os

novos mecanismos, necessários para o apaziguamento e resolução de conflitos, tornou-se

insuperável, indiscutível a ideia e vantagem em legislar sobre a matéria.

Assim o Poder Público junto a suas políticas públicas, face as constantes mudanças

do mundo globalizado, visto que o Poder público tem maiores condições e facilidades em

efetivar e garantir direitos mediante suas políticas, legislação e atributos institucionais e

econômicos, diante do conhecimento sobre a matéria, sua própria condição, situação e

dever.

CONCLUSÃO

Ante a insuficiência do modelo jurídico tradicional em oferecer respostas satisfatórias

às crescentes demandas sociais e as dificuldades do Poder Judiciário em atuar como

instância de administração de conflitos, criou-se a necessidade de se pensar em formas

alternativas para a resolução dos conflitos, como a mediação.

Traçando alguns delineamentos acerca do conflito, das crises do Estado, da

prestação jurisdicional, como também da precariedade da relação processual de perceber

efetivamente o conflito que lhe é apresentado, e de contribuir para a emergência de uma

decisão que possa reestabelecer a harmonia social. Este estudo defende que as

experiências da mediação podem contribuir em alguma medida para a consecução de uma

relação mais humana e próxima da realidade social do envolvidos.

Verificou-se que a mediação se trata de uma visão de mundo, um paradigma

ecológico pautado num critério epistêmico de sentido, e que pode ser visto como um

componente estrutural do paradigma político e jurídico da trasmodernidade. A crise de

Estado/Judiciário que é enfrentada em razão das custas processuais, possibilidade das

partes, conhecimento sobre o direito e a demanda cabível, a judicialização dos conflitos

decorrentes do surgimento dos novos direitos e garantias dentre tantos outros problemas

que a Justiça enfrenta para a efetivação dos direitos e garantias, é demonstrado que os

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métodos consensuais de resolução de controvérsias podem dar suporte ao Judiciário uma

vez que podem muitos conflitos serem solucionados pelas próprias partes.

Nesta obliquidade, fica explicito que é plausível o acesso à ordem jurídica equitativa,

o Judiciário poderá se atentar e decidir questões que verdadeiramente não possam ser

resolvidas pelo acordo entre as partes, dando presteza e importância aos Tribunais,

trabalhando como um cone, filtro, para as poucas demandas não solucionáveis pela

mediação e conciliação.

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JUIZ CONCILIADOR – UMA FIGURA MITOLÓGICA

ABORDAGEM EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA

DO TRABALHO E DA LEI 9.099/95

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STOCCO, Kleber José6

STOCCO, Kleber José- Juiz Conciliador- uma figura mitológica: abordagem em razão do princípio da conciliação na Justiça do trabalho e da lei 9.099/95- Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 40-51 –ISSN: 2448-0959 RESUMO O presente trabalho visa demonstrar que o princípio conciliatório em sua essência não é alcançado pelo magistrado togado na prática dos tribunais, visto o dogma insculpido em seu longo caminho de estudos e treinamentos que o torna capacitado para decidir e argumentar juridicamente sobre suas decisões, mas incapaz de articular técnicas conciliatórias suficientes para por fim ao conflito de maneira mais harmônica. Será demonstrado que o juiz se prepara desde muito antes de ser investido na jurisdição, nos cursos preparatórios para concursos e, após a aprovação, nos cursos oferecidos para os novos magistrados para ser um decisor direto, aquele que tem o poder de decidir. A figura do conciliador diverge totalmente da figura do decisor direto. Aquele, busca aplicar técnicas de conciliação para por fim ao litígio, técnicas que o magistrado em regra não possui e tampouco se interessa em conhecer. Palavras chave: Princípio. Conciliação. Conciliado. Decisor. Juiz.

ABSTRACT This paper aims to demonstrate that the principle conciliatory in its essence is not reached by robin magistrate in court practice, as the dogma insculpido in his long journey of study and training which makes it able to decide and argue legally on their decisions but unable to articulate enough conciliatory techniques to end the conflict more harmoniously. It will be shown that the judge is preparing since long before it invested in the jurisdiction in preparatory courses for tenders and, after approval, the courses offered for new magistrates to be a direct decision maker, the one who has the power to decide. The figure of the conciliator completely disagrees with the direct decision maker figure. That, seeks to apply conciliation techniques to end the dispute, techniques that the judge usually does not have, nor cares to know. Keywords: Principle. Conciliation. Conciliator. Decision. Maker. Judge.

INTRODUÇÃO

Na definição de Maurício Godinho Delgado (2007:187), princípios são “proposições

fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais

6 Advogado especialista em Direito Processual Civil e do Trabalho, Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais– Escola Paulista de Direito – E-mail: [email protected]

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que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-

o”.

Contudo, a conceituação não deve ser encarada de uma forma tão simplista já que o

tema é matéria de divergência entre grandes doutrinadores.

Para Lenio Streck (1999:86), “os princípios gerais do direito não tem conceito definido.

Alguns doutrinadores dizem que os princípios correspondem a normas de direito natural,

verdades jurídicas universais e imutáveis inspiradas no sentido da equidade”.

Para Robert Alexy (2008:117) "princípios são mandamentos de otimização em face

das possibilidades jurídicas e fáticas".

Em artigo publicado em 2011 para criticar o voto, do Ministro Luis Fux, o Professor

Lenio Streck, menciona Robert Alexy e sua definição sobre princípios como se denota: “Para

Alexy, tão citado e tão pouco lido (e menos ainda compreendido) e adepto da distinção

semântico-estrutural entre regras e princípios, os princípios valem prima facie de forma

ampla (mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu

âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas passagens da sua

Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os próprios direitos fundamentais –

encontram-se em rota de colisão, e os critérios de proporcionalidade derivados da

ponderação resolvem essa aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico,

um deles prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é uma

regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental adscripta” (que, na prática cotidiana

da aplicação do direito, ninguém faz).”

Como se percebe, definir princípio não é uma tarefa tão simplória como querem

alguns doutrinadores, mas também não é o objeto deste trabalho. A abordagem é apenas

para justificar a importância deste instituto que ao que nos parece é o ponto de partida de

todo regramento.

Assim, o Princípio da Conciliação deve ser encarado como determinante para o que

será tratado neste trabalho visto que a abordagem se dará à luz do artigo 764 da

Consolidação das Leis do Trabalho e do artigo 2º da Lei 9.099/95.

A CONCILIAÇÃO NA LEI 9.099/95

É fato que a Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais, especialmente os Cíveis

ampliou o acesso ao Poder Judiciário pelas classes de menor poder aquisitivo que passaram

a não deixar de lado seus direitos, ainda que financeiramente de baixa monta, ante a

possibilidade de acesso sem Advogado.

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Fato previsível, pois este era um dos objetivos da lei que, na esteira do Código de

Defesa do Consumidor de 1990, visava assegurar ao hipossuficiente maneiras de ter

tutelado seu direito quando ofendido.

Também é fato que a criação dos Juizados e o acesso popularizado objetivado

aumentariam a demanda ao atribulado judiciário. Assim sendo, expressamente a Lei

9.099/95 privilegia o instituto da Conciliação conforme se verá.

Pode-se afirmar que o princípio conciliatório preconizado pelo advento da Lei

9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais é oriundo do ordenamento jurídico

Justrabalhista. Isto porque, naquele ordenamento desde sempre a regra é a conciliação

como se verificará infra.

A redação do artigo 21 da Lei 9.099/95 é muito similar ao do art. 846 da CLT, conforme

se verifica:

“ Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995) § 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento. (Incluído pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995) § 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. (Incluído pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995)”

Com efeito, a lei em comento vislumbrou a celeridade e a maior eficácia no “dizer o

direito” em casos de menor complexidade, privilegiando a conciliação. Assim, é a regra da

Lei 9.099/95:

“Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,

informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a

conciliação ou a transação.

Seção VIII

Da Conciliação e do Juízo Arbitral

Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei.

Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.

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Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo

Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo

juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.”

Sem dúvida, a conciliação em demandas onde especialmente a lide versa sobre uma

questão específica e não há necessidade de resguardar vínculos de nenhuma espécie é a

saída mais recomendada e a Lei 9.099/95 por privilegiar tais situações, não poderia adotar

outro princípio que não o da conciliação.

A CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA

Mais do que um princípio, a regra no ordenamento jurídico trabalhista é a tentativa de

conciliação conforme se extrai do artigo 764, caput: “Os dissídios individuais ou coletivos

submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”.

No mesmo dispositivo legal, os parágrafos 1 e 3 reforçam a determinação conciliatória

como se vislumbra:

“art. 764... § 1º Para o efeito deste artigo, os Juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. § 3º É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório. “

No que tange ao disposto no paragrafo 3º supramencionado, no ordenamento jurídico

trabalhista a conciliação pode ser proposta e realizada a qualquer tempo e em qualquer fase

do processo, inclusive na execução.

Com efeito, não é incomum nos leilões judiciais e hastas públicas realizados pela

Justiça Especializada, lotes serem retirados instantes antes de serem ofertados ao público

ante a celebração e homologação de acordo. Nestes casos, o juiz analisa a convenção e

decide pela sua homologação para que surta os efeitos legais. A liberação do bem

penhorado e posto a disposição para alienação em hasta pública ou praça fica condicionada

em regra ao cumprimento do acordado.

Contudo, não se vislumbra a obrigatoriedade da proposta de conciliação apenas no

dispositivo supra. No rito ordinário trabalhista é determinada que: “Art. 846 - Aberta a

audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de

5.4.1995) ...

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Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo

não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente

renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Tal regra, originária do princípio conciliatório, vincula a eficácia da audiência e da

sentença à formulação de proposta conciliatória, visto que, se expressamente não constar

na ata de audiência as propostas de conciliação pelo juízo, a sentença poderá ser anulada.

Trata-se de matéria de ordem pública como se extrai dos julgados infra:

“TRT-23 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 1412200900623006 MT

01412.2009.006.23.00-6 (TRT-23)

Data de publicação: 01/12/2010

Ementa: NULIDADE POR AUSÊNCIA DA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. O

Ordenamento Jurídico Trabalhista prevê expressamente em vários dispositivos a sujeição

imperativa dos dissídios individuais e coletivos à proposta de conciliação. Trata-se de

procedimento que prestigia a autonomia da vontade das partes mediante solução negociada

sob a tutela do Estado. Ao Juiz cabe conduzir a negociação entre as partes imprimindo

diretrizes a fim de solucionar os conflitos a fim de trazer a paz social e privilegiando a

razoável duração do processo. A sujeição dos dissídios à proposta de conciliação é,

portanto, matéria de ordem pública, cuja inobservância impõe a declaração de nulidade dos

autos decisórios praticados. Recurso Ordinário a que se dá provimento para declarar nulos

todos os atos decisórios praticados a partir do despacho de fl.177 e determinar o retorno dos

autos ao Juízo de origem para seu regular processamento, restando prejudicadas as demais

matérias arguidas pelo recorrente.”

“TRT-16 - 44200799916003 MA 00044-2007-999-16-00-3 (TRT-16)

Data de publicação: 23/11/2007

Ementa: NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE

CONCILIAÇÃO. A tentativa obrigatória de conciliação, nos moldes do ARTigo 764 da

Consolidado, constitui imperativo de ordem pública, acarretando sua absoluta ausência a

nulidade do PROCESSO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO

ORDINÁRIO, em que são pARTes CLAUDIMAR ARAÚJO PESSOA (reclamante) e

MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA DO PARUÁ/MA (reclamado).”

O princípio da conciliação é tão presente e tão representativo no ordenamento jus

trabalhista que faz coisa julgada a sentença homologatória de acordo celebrado e tem

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caráter irrecorrível, salvo à previdência social, podendo ser modificada apenas por Ação

Rescisória. Tal assertiva encontra amparo no Parágrafo único do art. 831 da CLT que assim

dispõe: Art. 831 - A decisão será proferida depois de rejeitada pelas partes a proposta de

conciliação.

Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão

irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas.

(Redação dada pela Lei nº 10.035, de 25.10.2000)

CONCILIAÇÃO E CONCILIADOR

Como afirma Claudio Ribas (2014:114), “a conciliação é importante instrumento de

consolidação da política de solução dos litígios sem a intervenção estatal, através de seu

poder de julgar, mas por meio de técnicos devidamente preparados para conduzir o

procedimento”.

O melhor conceito de CONCILIAÇÃO que encontramos é o definido pelo Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo que assim determina: “Processo auto compositivo, informal

porém estruturado, no qual um ou mais facilitadores ajudam as partes a encontrar uma

solução aceitável para todos”.

Extrai-se desta definição a figura do que denominamos “decisor indireto” que é aquele

que atuará na lide de maneira a intervir indiretamente no resultado utilizando métodos

científicos ou não para que as partes se auto componham. A figura dos facilitadores na

definição supra é aquela do CONCILIADOR (decisor indireto) e não a figura do juiz togado.

Segundo a cartilha oferecida pelo TJSP, CABE AO CONCILIADOR (decisor indireto):

• Estabelecer confiança (aceitação do conciliador pelas partes)

• Escutar ativamente - Saber escutar com serenidade, deve-se deixar as pessoas

falarem, sem interrompê-las antes de ouvir o que efetivamente pretendem dizer. (“ESCUTAR

PARA OUVIR, NÃO PARA RESPONDER” )

• Reconhecer sentimentos (necessidade ou interesses ocultos), que serão as bases

da negociação

• Fazer perguntas abertas (que não contenham atribuição de culpa)

• Ser isento de julgamentos e avaliações (neutralidade)

• Separar as pessoas dos problemas

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• Criar padrões objetivos

• Buscar nas partes a autonomia de vontade (atitude espontânea)

• Intervir com parcimônia (intervenções rápidas e objetivas) - recomenda-se que o

conciliador não intervenha sem necessidade.

• Confidencializar a audiência (sigilo)

Verifica-se aqui a busca da aplicação de técnicas que influenciem as partes de modo

que estas cheguem a autocomposição numa clara interferência indireta de tomada de

decisão.

O que se busca na Conciliação é que, com pequenas interferências do decisor

indireto, as partes possam se ajustar e compor uma solução para o conflito sem que um

decisor direto (Juiz togado) decida por um dos lados.

Pode-se dizer que, na Conciliação as partes abrem mão de algum direito para ter uma

solução rápida e eficaz para o conflito. Pode-se ainda, afirmar que o se que se busca é que

as partes individualmente percam um pouco para que todos ganhem muito, pois uma

pretensão resistida levada à decisão do juiz togado e da tutela jurisdicional pode não só não

por fim ao conflito como ainda não fazer a melhor justiça.

Para Francisco José Cahali (2012:37), “nas soluções autocompositivas, embora

possa participar um terceiro como facilitador da comunicação (inclusive com propostas de

solução, conforme o caso), o resultado final depende exclusivamente da vontade das partes;

a aceitação ou a recusa à composição está no arbítrio do interessado. Já nos métodos

heterocompositivos, a solução do conflito é importa por um terceiro, com poderes para tanto

(magistrado, árbitro etc.) dai porque falar-se em solução adjudicada; as partes estarão

submetidas à decisão preferida pelo terceiro, mesmo se contrária aos seus interesses”.

Para Ribas, “na conciliação teremos verdadeira antecipação do final do processo, pois

é permitido ao conciliador investigar as causas do litígio, ao estabelecer o diálogo franco e

objetivo entre as partes, inclusive, tomar conhecimento da situação de solvência do

apontado devedor, nos casos de obrigação de fazer ou não fazer e, principalmente, nas

situações de litígios de conteúdo condenatório.”

Ousando discordar das assertivas, como já mencionado vislumbra-se na conciliação

a figura a qual denominamos decisor indireto pois, em que pese prevalecer a vontade das

partes como ponto final, conciliatória ou não, há forte influência do conciliador que, ao

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contrário do mediador, interfere na demanda apresentando propostas e influenciando as

partes.

Assim sendo, é possível afirmar que, por melhor técnica que possa estar aplicando,

o conciliador não está isento de tomar partido de um dos lados para influenciar a outra parte

a ceder ou até mesmo não ceder. Não há isenção, certamente.

Tais técnicas supra explanadas não são as mesmas aplicadas na mediação, cuja

complexidade é muito maior assim como a habilidade e o treinamento do facilitador.

Contudo, não é da mediação que tratam os princípios aqui explorados.

O JUIZ E O CONCILIADOR

Como demonstrado ao conciliador cabe aplicar técnicas para que as partes se auto

componham e cheguem a uma solução menos traumática ao conflito, mas submetidas a

certa influência. O que se pergunta é se há como conviverem harmonicamente na mesma

figura o juiz e o conciliador.

Isto porque o decisor direto foi doutrinado ao longo de sua vida acadêmica para tomar

decisões, impor medidas, determinar, ou seja, dar a última palavra, porquanto o decisor

indireto – conciliador – tem outras metas e outras ideologias além de outro doutrinamento.

Em sua “Hermenêutica e(m) Crise” o professor Lenio (1999:51) faz menção ao supra

afirmado, como se extrai:

“Ideologicamente, essa (dupla) crise de paradigma se sustenta em um emaranhado de crenças, fetiches, valores e justificativas por meio de disciplinas especificas denominadas por Warat (1994:57) de sentido comum teórico dos juristas que são legitimados mediante discursos produzidos pelos órgãos institucionais, tais como parlamentos, os tribunais, as escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública. Tal conceito traduz um complexo de saberes acumulados apresentados pelas praticas jurídicas institucionais, expressando, destarte, um conjunto de representações morais, teleológicas, metafísicas, estéticas, políticas, tecnológicas, cientificas, epistemológicas, profissionais e familiares que os juristas acetam em suas atividades por intermédio da dogmática jurídica”.

E ainda, “O sentido comum teórico coisifica o mundo e compensa as lacunas da

ciência jurídica”.

Como se percebe, o “julgador” é doutrinado para tal e dedica, ou deveria dedicar, sua

vida na busca pelo conhecimento jurídico para interpretação da regra e aplicação no caso

prático.

Os estudos jurídicos em regra são neste sentido, da melhor aplicabilidade das

decisões, da aplicação racional do “decisum”, como se percebe em Alexy (1991) na sua

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Teoria da Argumentação Jurídica que traz um discurso racional e lógico na busca pela

“pretensão de correção” do discurso jurídico.

Em contrapartida, o conciliador não teve este treinamento dogmático e na prática,

sequer necessita ser um profissional do direito bastando receber treinamento para aplicação

da técnica conciliatória, sem deméritos.

É possível afirmar em uma singela análise, que em certo sentido, todos nós somos

conciliadores pois, em algum momento de nossas vidas já participamos interventivamente

numa discussão ou conflito de alguma espécie, seja no trabalho, em casa, em alguma

relação com amigos ou vizinhos, auxiliando na resolução do conflito e na auto composição.

Assim, todos nós temos alguma experiência intuitiva na resolução de conflitos por meio do

uso da conciliação.

Recentemente, por ocasião da resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça

que criou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania determinando

parâmetros para habilitação de conciliadores e mediadores. Ocorre que o referido anexo não

define quem pode ser conciliador e mediados, deduzindo-se que qualquer pessoa possa ser,

mesmo sem nenhuma formação profissional adequada.

Como é omissa a referida resolução, fica a cargo dos tribunais qualificar ou selecionar

o profissional, como se verifica pela exigência do Tribunal de Justiça de São Paulo que

determina:

“Quem poderá atuar como Conciliador?

Os Conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, preferencialmente, entre

bacharéis em Direito, de reputação ilibada e que tenham conduta profissional e social

compatíveis com a função.”

Certamente, as exigências para a magistratura demandam dedicação infinitamente

maior, passando por diversas fases probatórias e anos dedicados ao aprendizado jurídico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da premissa anterior, seria muito simplória a aplicação de técnicas de auto

composição pelos juízes togados, visto que qualquer ser humano comum pode ser um

decisor indireto, dedicando pouco tempo de sua vida a estudo das técnicas aplicáveis, sendo

que em muitos casos bastaria muito mais uma inata habilidade locutória para o resultado

prático, porquanto um juiz togado dedica anos a fio de estudos para passar em concurso

público e ser investido na jurisdição.

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Um ser mitológico é um ser do imaginário. Mitologia é o estudo dos mitos e mitos são

nada mais que ficções, factoides, fábulas. Esta figura é a que representa o juiz conciliador.

Um mito.

Conforme já explanado, a atividade conciliatória é atividade para qualquer pessoa.

Em alguns casos, sequer é necessário curso superior como no caso dos extintos juízes

classistas da justiça do trabalho que eram indicados pelos sindicatos dos trabalhadores e

dos empregadores bastando ser dirigente sindical. Tais juízes tinham a incumbência

conciliatória prévia, sendo que só após a Emenda Constitucional nº 24, de 09/12/1999, foi

extinta a figura de juiz vogal na Justiça do Trabalho. Com isso, as reclamações trabalhistas,

que eram julgadas em 1ª instância pelas Juntas de Conciliação e Julgamento (formada por

um juiz togado, um vogal representante dos empregados e um vogal representante dos

empregadores), passaram a serem julgadas nas Varas do Trabalho, compostas por juiz

singular (togado).

O juiz togado não é qualquer pessoa. Na prática só oferece a conciliação nas

audiências em razão da determinação legal e sua sentença seria nula se não ofertasse.

O “conciliador-juiz” quando se dispõe a aplicar o princípio conciliatório em sua

audiência, em regra impõe o acordo com ameaças às partes sugerindo que podem haver

sansões em caso de recusa à oferta. É certo que nestes casos não há conciliação e sim a

aceitação do imposto por temor ao que poderá vir da sentença.

Caberia a aplicação do princípio da proporcionalidade (GUERRA FILHO, 2003:245)?

A resposta é sim, evidentemente. A concepção de proporcionalidade remete à prudência na

determinação da adequada relação entre as coisas. A ideia de proporcionalidade revela-se

não só como um importante princípio jurídico fundamental, mas também consubstancia um

verdadeiro referencial argumentativo, ao exprimir um raciocínio aceito como justo e razoável

de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas. Tal

princípio é definido por Willis com tamanha ênfase que chega a chama-lo de Princípio dos

Princípios.

De fato, não é o que se verifica em regra. Em muitos casos, mesmo a pedido das

partes para que faça uma intervenção ofertando uma solução conciliatória para a lide

(proporcionalidade), se recusa terminantemente pois sua “posição” não permite tal mister.

Quando não, limita-se ao questionamento da possibilidade ou não de acordo – formalidade

legal – e, ou prossegue a audiência (no caso da Justiça do Trabalho) ou determina a

realização da audiência de instrução conforme agendamento do juízo.

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A figura mitológica do juiz pacificador ou conciliador é facilmente verificada pelo

próprio comportamento do magistrado. Seu treinamento vem desde sempre no sentido da

tomada de decisões pois é para isto que o Estado o investe na jurisdição. É treinado para

analisar e interpretar conforme a legislação, de maneira positivista e aplica-la ao caso

concreto. Nunca de maneira neutra com intuito de aproximar as partes e leva-las a uma auto

composição como é o objetivo do conciliador.

Nenhuma das regras apresentadas na cartilha do Tribunal de Justiça de São Paulo –

supra – é seguida pelo juiz togado por um simples fato: Qualquer um pode executá-las e o

juiz togado, em sua visão, não é qualquer um. Tais tarefas são simplórias por demais para

quem dedicou anos a fio aos estudos jurídicos e hoje é investido na jurisdição e tem o poder

de decidir.

REFERENCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008

ALEXY, Robert. Theorie der Juristischen Argumentation. Frankfurt em Main: Suhrkamp, 1991 (Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva)

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais.2012

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTR, 2007

RIBAS, Claudio. Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem/coordenação Armando Sergio Prado de Toledo, Josrge Tosta, José Carlos Ferreira Alves. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2014

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica de Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999

WARAT, Luiz Albert. Introdução Geral ao Direito I. Porto Alegre:Fabris, 1994

Websites:

<www.conjur.com.br/ministro-fux-presuncao-inocencia-regra-nao-principio>. Acesso em 16/06/2014

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943>. Acesso em 16/06/2014

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<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 19/06/2014

<www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Apostila_Juizados_Especiais_Civeis.pdf>. Acesso em 19/06/2014

www.priberam.pt/dlpo/decisor. Acesso em 24/06/2014

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE PÚBLICA

DENDASCK, Carla7

CARLOS NETO, Daniel8

DENDASCK, Carla; CARLOS NETO, Daniel- A evolução histórica da Saúde Pública- Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 52-67 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

É encontrado nos primeiros registros históricos, a busca constante do homem pela procura da cura de suas enfermidades. Um dos primeiros registros que se tem quanto ao exercício da medicina através da própria Bíblia, onde além de menciona a busca dos indivíduos para cura de suas enfermidades. Conhecer a evolução histórica da Saúde, especialmente da Saúde Pública, é fundamental para que se compreenda os fenômenos que fazem parte do

7 Pós doutoranda em Psicanálise Clínica, e Mestranda em Bioética, diretora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Estudos Avançados, Coach, e professora de cursos de MBA in company , Campinas e São Paulo- E-mail: [email protected] 8 Advogado. Acadêmico de Medicina. Doutorando em Saúde Pública. MBA Executivo. Especialista em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde. Pós-Graduando em Saúde da Família. Especialista em Auditoria. E-mail: [email protected]

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quadro contemporâneo, procurando assim, através desse reconhecimento tirar lições que possibilitem estratégias administrativas e/ou resolutivas para o que se considera como sendo “crise do sistema de saúde”. Palavras Chaves: Saúde Pública. Evolução da Saúde. História da Saúde.

INTRODUÇÃO

O conceito de saúde sofreu diversas intervenções ao longo dos últimos 100 anos,

pois foi conceituada a partir de diversas visões de mundo, numa construção social e

histórica, saindo do conceito simples de ausência de doença para um conceito amplo com

várias dimensões, tais como biológica, comportamental, social, ambiental, política e

econômica.

Hoje, o conceito adotado mundialmente é o da Organização Mundial da Saúde que a

define como: “um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não consiste

apenas na ausência de doença ou de enfermidade.” (OMS, 1946)

Porém, a saúde não foi sempre assim tratada no decorrer da sua evolução histórica,

pois no estudo aqui realizado, verificou-se que a saúde “vai desde a concepção mágico

religiosa, passando pela concepção simplista de ausência de doença, até chegar a mais

abrangente concepção adotada pela Organização Mundial da Saúde” (CZERESNIA, 2003).

Portanto, nota-se que a concepção do que é saúde sofreu diversas modificações até

se chegar ao atual conceito mais adotado que é o da Organização Mundial da Saúde e

busca-se primordialmente a promoção da saúde que se baseia no direito humano

fundamental visando permitir aumentar o controle sobre sua saúde e seus determinantes,

sendo que a saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança.

Tecendo-se um breve comentário acerca da origem do termo saúde, este vem da raiz

etimológica salus. No latim, esse termo designava o atributo principal dos inteiros, intactos,

íntegros, e no grego salus provém do termo holos, no sentido de totalidade, raiz dos termos

holismo, holístico. Ou seja, este termo refere-se ao todo.

Uma vez definido o que é saúde, é de suma importância compreender a sua evolução

histórica no mundo, pois como já dito anteriormente, a saúde sofreu intervenções religiosas,

sociais e econômicas. E para se entender a abordagem da saúde é na atualidade é

necessário conhecer a sua história, uma vez que o que se vê atualmente é o relato da

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contemporaneidade e que tem suas raízes em eras muito antigas. Apontando tal importância

sobre a história da saúde e da doença anota-se:

Que a saúde e a enfermidade são algo mais que fenômenos biológicos; de que em torno dos cuidados, dos mecanismos de controle e das curas estão dimensões relevantes da história da saúde e da doença [...] e que o processo saúde-doença diz respeito não apenas à salubridade ou a insalubridade de nossos países, mas é revelador, constituinte e formador de aspectos cruciais da modernidade e da história social, política, intelectual e cultura. (HOCHMAN; XAVIER; PIRES-ALVES, 2004, p. 45)

Partindo-se da premissa de saúde como concepção religiosa, pode-se dizer, então,

que a preocupação com a saúde de forma coletiva, veio com as primeiras epidemias que

afetaram um número maior de pessoas, fazendo com que se pensassem a causa delas. Na

Bíblia, tem-se registros de doenças, como a lepra (atualmente hanseníase), que afetava a

vida de muitas pessoas ainda na época antes de Cristo, trazendo a preocupação de isolar

os leprosos para se evitar o contágio do restante da população, pois entendiam que a doença

era contagiosa,além de que era vista como um castigo divino. Anote-se:

Leproso é aquele homem, imundo está; o sacerdote o declarará totalmente por imundo, na sua cabeça tem a praga.

Também as vestes do leproso, em quem está a praga, serão rasgadas, e a sua cabeça será descoberta, e cobrirá o lábio superior, e clamará: Imundo,imundo.

Todos os dias em que a praga houver nele, será imundo; imundo está,habitará só; a sua habitação será fora do arraial. (LEVÍTICO 13:44-46)

Ainda nessa concepção religiosa, na Idade Média, a Igreja exerceu grande influencia

na política e na consequentemente no que tange a saúde. Pois, seguindo o ensinamento

bíblico acima referido, a doença era tratada como um castigo divino e os doentes eram

isolados. No entanto, essa conduta de isolar os doentes acabou por atrasar os avanços

científicos na área da saúde, pois comprovavam apenas a falta de tratamento da população,

conforme demonstra-se na visão de Sevalho (1993, p.5):

Na idade média [...] casas de assistência aos pobres, abrigos de viajantes e peregrinos, mas também instrumentos de separação e exclusão quando serviam para isolar os doentes do restante da população. Um dos valores básicos que envolvia a existência dos hospitais do medievo era a caridade,pois cuidar dos doentes ou contribuir financeiramente para a manutenção destas casas significava a salvação das almas dos benfeitores.

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No entanto, esse entendimento de benevolência divina passou a ser questionado com

o aparecimento de novas doenças, fazendo com que alguns estudiosos passassem a

acreditar que as doenças poderiam passar de uma pessoa para outra e iniciando-se a idéia

de que há formas de se evitar doenças, como aponta Sevalho (1993, p. 5):

Nos anos 1300, ao tempo da peste negra, um médico árabe relatava que a doença podia ser contraída pelo contato com os doentes ou através de peças de vestuário, louça ou brincos (Sournia&Ruffie, 1986). De qualquer modo, na visão de mundo dos cristãos medievais, estava contextualizado o temor que a doença imprimia. A sensação de que devia ser mantida à distância, o necessário afastamento do perigo desconhecido pressentido, o medo do sofrimento e da morte.

Passada essa era de domínio da Igreja, surge então a fase de racionalismo e de

grande avanço cientifico, é o chamado iluminismo. Nesse período, juntamente com a ciência,

os conhecimentos da área de saúde tiveram um enorme avanço, isto porque, “o ser humano

que acompanhava o nascimento da ciência moderna era conquistador e proprietário da

natureza, não mais seu partícipe e observador harmonioso. Esta perspectiva abriu caminho

para as práticas terapêuticas intervencionistas”. (SEVALHO, 1993)

A partir dessa visão mais racional da doença, foi possível pensar maneiras de se

evitar as epidemias da época. Com a liberação das pesquisas científicas nesse período,

foram feitas grandes descobertas como a forma de prevenir algumas enfermidades e conter

o contágio de outras. Uma delas foram as vacinas que representaram um marco histórico

para a prevenção à tuberculose, tétano, meningites, doenças que em épocas remotas eram

capazes de dizimar populações.

Tem-se nesse período também a descoberta do primeiro microscópio.

Com achegada do Iluminismo, antecipou-se o surgimento do capitalismo. O

capitalismo iniciando as fábricas, gerando empregos extremamente exaustivos.

Consequentemente, surgiram os centros urbanos, a desigualdade social e a falta de

estrutura nesses centros. Como bem é apontado:

Os graves problemas sociais do início do capitalismo industrial, as desastrosas condições de vida e trabalho, geradas pela formação e crescimento dos núcleos urbanos e pela necessidade cada vez maior de expandir o capital industrial, às custas da exploração da força de trabalho e da pobreza. (SEVALHO, 1993, p. 6)

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Deste modo, surge, a partir dai, a influencia do contexto social na saúde da população,

pois o crescimento desordenado das cidades e dos núcleos de trabalhadores nem sempre

contava com as mais perfeitas condições de habitação, saneamento básico, tratamento

adequado da água. E com esses graves problemas sociais iniciou-se a preocupação com a

influencia das condições de vida na saúde do individuo.

Percebendo-se então, que as questões sociais influenciavam nas condições de saúde

da população, e pela primeira vez ouviu-se o termo medicina social, como afirma Sevalho

(1993, p. 6):

Uma penetração do conhecimento médico no domínio do ambiente social,aplicado ao panorama mercantilista da Alemanha e da França do séculoXVIII e ao capitalismo incipiente da Inglaterra industrial do século XIX, fez nascer a medicina social no entrelaçamento de três movimentos apontados por Foucault (1979). A polícia médica alemã, uma medicina de Estado que instituiu medidas compulsórias de controle de doenças, a medicina urbana francesa, saneadora das cidades enquanto estruturas espaciais que buscavam uma nova identidade social, e, por último, uma medicina da força de trabalho na Inglaterra industrial, onde havia sido mais rápido o desenvolvimento de um proletariado. Destes movimentos surgiu a medicina social, impulsionada pelos revolucionários de 1848 e suas perspectivas de reformas econômicas e políticas, como uma empresa de intervenção sobre as condições de vida, sobre o meio socialmente organizado pelo modo devida capitalista conformado pela Revolução Industrial.

E a medicina social só seria devidamente registrada na metade do século,como

afirma-se:

Acrescente-se que somente na metade do século XIX, em 1848, a expressão medicina social ganharia registro. Surgiu na França e, embora concomitante ao movimento geral que tomou conta da Europa, num processo de lutas pelas mudanças políticas e sociais. (NUNES, 1998, p.108)

Porém, após esse período do surgimento do capitalismo e com as novas descobertas

como a da existência de germes, fizeram com que surgissem novas formas de entender a

doença, como a “teoria da uni causalidade” de Louis Pasteur.

E foi a parti dessas novas descobertas e dos novos conceitos não sociais de doença

que a saúde passou a ser biomédica centrada na doença e não no indivíduo, como analisa

Nunes (1998, p. 109):

Foi somente a partir da segunda metade do século XIX, marcado pelas investigações de Pasteur e Koch, que se inauguraria a Era do Germe, e que transformaria dramaticamente a medicina de "uma profissão orientada para as pessoas para orientada para a doença."

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Como escreve Salomon-Bayet (1986, p.12), a revolução biomédica suscitada pelos

trabalhos de Pasteur pode ser denominada de "lapastorization de lamédicine" que a

distingue de "lapasteurization de lamédicine", no sentido de que ela significa, de um lado,

uma revolução eórica e, de outro, a medicalização de uma sociedade, legislando sobre a

saúde pública, institucionalizando o ensino e atuando no plano político e social. Sem dúvida,

as descobertas dos microrganismos serão da maior importância para a saúde pública,

especialmente quando, além da relação indivíduo-agente, se estabelece um modelo

epidemiológico como uma interação entre esses dois elementos e o ambiente.

A partir desse momento teve-se uma decadência da saúde pública, da preocupação

com o contexto social e com as condições de vida da população.

Porém, com o passar do tempo a saúde alternativa e a visão holística(inteira) da

saúde voltaram a defendidas por muitos profissionais da saúde. Para tanto, passou-se a

tratar a saúde como um conceito positivo e não tão somente como conceito de ausência de

doença, conforme a mais clássica definição de saúde pública no ano de 1920, veja-se:

Saúde Pública é a ciência e a arte de prevenir doenças e incapacidades,prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental, através de esforços organizados da comunidade para o saneamento do meio ambiente, ocontrole de infecções na comunidade, a educação dos indivíduos nosprincípios da higiene pessoal e a organização de serviços médicos eparamédicos para o diagnóstico precoce e o tratamento precoce dedoenças e o aperfeiçoamento da máquinasocial que irá assegurar a cadaindivíduo, dentro da comunidade, um padrão de vida adequado àmanutenção da saúde. (WINSLOW, 1920 apud ROUQUAYROL; ALMEIDAFILHO, 2003 p.29)

E finalmente, no ano de 1946, surge o atual conceito de saúde proposto pela

Organização Mundial de Saúde, como já fora exposto.

A partir do conceito da OMS, na década de 70, na América Latina, cresceu se a

importância das ciências sociais na abordagem a saúde. Razão pela qual foram organizadas

Conferências, como a de Alma-Ata e a Conferência de Ottawa, para se pensar estratégias

para melhorar a promoção da saúde em nível mundial e se chegar ao completo em estar

físico, mental e social.

Dentre o que ficou estabelecido na Declaração de Alma-Ata (1978) está

principalmente:

I. A conquista do mais alto grau de saúde exige a intervenção de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde

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III. A promoção e proteção da saúde da população é indispensável para o desenvolvimento econômico e social sustentado e contribui para melhorar a qualidade de vida e alcançar a paz mundial;

IV. A população tem o direito e o dever de participar individual e coletivamente na planificação e na aplicação das ações de saúde;

VII-1. A atenção primária de saúde é, ao mesmo tempo, um reflexo e uma conseqüência das condições econômicas e das características socioculturais e políticas do país e de suas comunidades;

Mas a necessidade de se organizar as conferencias mencionadas não surgiram do

nada. Vieram, principalmente, a partir da década de 60 marcada mundialmente por

alterações nos cenários políticos e pelos apelos por “sexo,drogase rockn’roll”. Motivadas por

pensamentos libertários, foi nessa época também que se iniciaram as discussões e

mobilizações que marcaram profundamente a história da Saúde Pública no Mundo,

pensamentos de ousadia e com experiências nacionalistas permitiram a elaboração da

Declaração de Alma-Ata, e assim, a ampliação da compreensão da complexidade da

garantia desse direito fundamental ao ser humano: a saúde, e a alteração de estratégias

originaram o pensamento da promoção da saúde sendo um eixo fundamental para atingir a

utopia de “Saúde para todos até o ano 2000” (MENICUCCI, 2007, p. 158)

Diante de tanta mobilização, iniciou-se uma caminhada de discussões e conferencias

internacionais visando o aprimoramento dos conceitos e a sistematização e ideias de como

fazer para a obtenção de sucesso nas metas estabelecidas na Declaração de Alma-Ata e a

Carta de Ottawa, as quais permanecem até hoje sendo símbolos da transformação e da

forma de pensar saúde no mundo.

Entre outras metas, ficaram estabelecidas também na Declaração de Alma-Ata

(1978):

VII-3. Compreende, pelo menos, as seguintes áreas: a educação sobre os principais problemas de saúde e sobre os métodos de prevenção e de luta correspondentes; a promoção da aportação de alimentos e de uma nutrição apropriada; um abastecimento adequado de água potável e saneamento básico; a assistência materno-infantil, com inclusão da planificação familiar;a imunização contra as principais enfermidades infecciosas; a prevenção e luta contra enfermidades endêmicas locais; o tratamento apropriado das enfermidades e traumatismos comuns; e a disponibilidade de medicamentos essenciais;

VII-4. Inclui a participação, ademais do setor saúde, de todos os setores e campos de atividade conexas do desenvolvimento nacional e comunitário,em particular o agropecuário, a alimentação, a indústria, a educação, a habitação, as obras públicas, as comunicações e outros, exigindo os esforços coordenados de todos estes setores;

VII-5. Exige e fomenta, em grau máximo, a auto-responsabilidade e a participação da comunidade e do indivíduo na planificação, organização,funcionamento e controle

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da atenção primária de saúde. Na verdade, o texto da Declaração de Alma-Ata, ao ampliar a visão do cuidado da saúde.

Feita as citações acima, é possível confirmar a indissociabilidade dos fatores sociais,

econômicos e culturais para atingir uma saúde pública de qualidade e com equidade.

Envolvendo assim todos os setores da sociedade, inclusive a sociedade civil.

Mas a preocupação com a promoção da saúde não parou por aí, pois em

2005,sobreveio a Carta de Bangokok – resultado da Sexta Conferencia Global de Promoção

da Saúde em Bangokok, Tailândia – com escopo de identificar ações,compromissos e

promessas necessários para abordar os determinantes da saúde em um mundo globalizado

através da promoção da saúde. Na mencionada Carta ficou reconhecido sobre a promoção

da saúde:

As Nações Unidas reconhecem que a obtenção do mais alto nível de saúde é um dos direitos fundamentais de qualquer ser humano, sem distinção de raça, cor, sexo ou condição sócio-econômica.

A Promoção da Saúde se baseia nesse direito humano fundamental e oferece um conceito positivo e inclusivo de saúde como um determinante de qualidade de vida, incluindo o bem estar mental e espiritual.

A Promoção da Saúde é o processo que permite as pessoas aumentar o controle sobre sua saúde e seus determinantes, mobilizando-se (individual e coletivamente) para melhorar a sua saúde. É uma função central da Saúde Pública e contribui para o trabalho de enfrentar as doenças transmissíveis então transmissíveis, além de outras ameaças a saúde. (CARTA DEBANGOKOK, 2005).

Mesmo após a definição do conceito de saúde pela Organização Mundial de Saúde,

ainda é muito forte a ideia curativista da saúde, uma vez que ainda hoje,tem-se o

entendimento de que promoção da saúde é tratamento de uma doença.(BERRIDGE, 2000)

Logo, os dias de prosperidade da saúde pública entre as duas guerras mundiais, o

desabrochar do império da saúde pública no baseado no hospital, foi um erro para a saúde

pública, afastando-se do caminho da saúde necessária à população.

Assim, muitas vezes não é dado o valor necessário para a saúde pública,esquecendo-

se da visão holística da promoção da saúde, como alerta Virginia Berridge (2000, p. 11):

A tensão entre a relação com os serviços médicos e o papel da comunidade permaneceu exemplificada nos anos 60, pela medicina comunitária e a epidemiologia das doenças crônicas, e ainda não foi resolvida. A dualidade do papel da saúde pública tem sido um tema permanente, de um lado entre a prevenção e a promoção (ou desenvolvimento), e de outro, entre o planejamento e administração dos serviços de saúde.

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Além disso, a saúde pública ainda enfrenta um distanciamento entre a prática e a

teoria, pois “continua presente o dilema entre a instrumentalidade e apoliticidade, o saber

acadêmico e o saber militante, como pontos importantes para o debate atual da saúde

coletiva” (NUNES, 1998, p. 110)

Nesta breve exposição histórica, conclui-se que a história da saúde públicano mundo

está diretamente ligada às situações políticas e econômicas que delineou a trajetória da

saúde, as suas necessidades de reformulações e estabelecimento de metas ousadas para

a garantia desta como direito fundamental ao ser humano.

Pode-se perceber que o desafio da construção de uma saúde pública eficiente ainda

é um desafio em quase todo o mundo, assim como a superação de outras violações aos

direitos humanos, conforme aduz Bernardo (2012, p. 5):

A globalização que aproxima os continentes e favorece uma discussão sobre a condição de saúde, que permite pensar estratégias para se trabalhar políticas de saúde para todos; é a mesma globalização embasada pelos princípios neoliberais, o que não permite que o público seja eficiente e que tem como diretriz fundamental o Estado mínimo. Dificultando a implementação de uma Saúde Pública de qualidade, com equidade e universalidade.

Evidentemente que todas as conquistas de transformação do pensamento em torno

da saúde são acontecimentos que marcaram e permitiram que a história se desse desta

forma, porém, conclui-se que ainda se tem muito a avançar, pois cada dia mais se tem a

necessidade da elaboração de políticas públicas para se melhoraras deficiências que se tem

no atendimento médico precário atual.

AS NORMAS ESTABELECIDAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO NA

ÁREA SAÚDE

As normas são fundamentais para regular qualquer temática que diga respeito a

coletividade e entre essa normas não podemos deixar de observas as leis fundamentais que

são as de ordem Constitucional e neste particular o Brasil que na sua história jurídica tem

sete constituições sem que foi a atual Constituição de 1988, que melhor normatização tratou

o tema saúde.

No entanto, a assistência à saúde, não era reconhecida no ordenamento jurídico

brasileiro até o ano de 1923, mas as crescentes necessidades da população em torno dos

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problemas inerentes à saúde e as pressões exercidas por certos agrupamentos sociais

levavam os governos a direcionar o olhar para a saúde. (RODRIGUEZ NETO, 2003).

O grande marco histórico do reconhecimento da saúde no ordenamento jurídico

brasileiro deu-se através decreto-legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de1923, conhecido

como Lei Eloi Chaves, como assegura Santana (2010, p. 51):

O Decreto-Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, conhecido como Lei Eloi

Chaves, autor do respectivo projeto, assegurou, entre nós o marco inicial na constituição do

Sistema de Saúde, dentro do Sistema Previdenciário, ali instituído.

Portanto, nota-se que esta lei foi considerada como uma das primeiras intervenções

do Estado Brasileiro no sentido de assegurar algum tipo de seguridade ou de previdência

social no Brasil.

Ocorre que essa garantia de assistência a saúde estava ligada apenas ao setor de

previdência social, ou seja, destinava-se apenas aos trabalhadores contribuinte, como

afirma Santana (2010, p. 51): A saúde por aqui foi pensada e estruturada como assistência

médica vinculada ao mundo do trabalho e, por conseguinte, à previdência Social.

Não se teve a necessária visão sistêmica, ou seja, a saúde foi pensada apartada das

ações coletivas que lhe são próprias. Logo, pode-se até mesmo aludir a um defeito de

origem.

Logo, o benefício era destinado apenas aos trabalhadores com vínculo formal no

mercado de trabalho, uma vez que só quem contribuía com a Previdência Social é quem

possuía o direito ao atendimento médico e medicação, sendo este um fator determinante

para a privação do acesso à assistência médica da maioria da população, os quais tinham

que recorrer às assistências prestadas por entidades filantrópicas. (RODRIGUEZ NETO,

2003)

Cabe aqui mencionar, que este decreto foi publicado durante a vigência da

Constituição de 1891, mas pouco antes da Constituição de 1934. Frise-se que as únicas

constituições que realmente tiveram mudanças significativas sobre o direito à saúde foram

a de 1934 e a de 1988, razão pela qual apenas estas serão explanadas.

O período compreendido de 1930 a 1945 e 1951 à 1954 é conhecido como a Era

Vargas, fazendo parte do processo de industrialização do Brasil. No entanto,com o

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surgimento de tantas industrias era necessário a criação de leis trabalhistas para regular os

direitos dos trabalhadores e dentre esses direitos o direito a saúde.

A Constituição de 1934 sofreu forte influência da Constituição da República Alemã de

Weimar por incorporar em seu ordenamento jurídico os direitos sociais,econômicos,

culturais, trabalhistas, sindicais e previdenciários, conforme afirma-se:

A República de Weimar inaugurou uma fase inédita de estruturação constitucional do Estado alemão, com papel mais ativo no desenvolvimento social, na construção de uma sociedade com justiça social pela efetivação dos Direitos Sociais formalizados na Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919 – o sozialstaat ou Estado Social de Direito. A ordem econômica e social criada pela nascente República alemã serviu de modelo para alguns Estados no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial. No Brasil, por exemplo, intenso foi o debate sobre as conquistas sociais e constitucionais de Weimar, tendo a carta magna de 1934 sofrido forte influencia do recém criado modelo social alemão [...] Esta constituição brasileira praticamente assimilou os idealizados avanços da nova ordem social alemã, mas apenas em seu aspecto jurídico-formal. (GUEDES, 1998, p. 82)

Portanto, esta constituição trouxe enorme avanço no constitucionalismo brasileiro,

com o estabelecimento de bases para o desenvolvimento social, principalmente nas

questões trabalhistas, tais como salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas diárias,

férias, descanso semanal remunerado, previdência social, indenização em caso de

demissão sem justa causa, licença-maternidade, etc.

A principal característica dessa Constituição foi:

O seu caráter democrático, com certo colorido social, traduzido no esforço, que acabou se infrutífero, de conciliar a democracia liberal com o socialismo, no domínio econômico-social; o federalismo com o unitarismo, no âmbito político (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 158).

Com relação ao direito à saúde, o Decreto-Lei4.682 de 1923, foi recepcionado nesta

constituição, porém não trouxe nenhum avanço nas garantias do cidadão que precisava de

assistência à saúde, pois permaneceu a ideia que somente aos trabalhadores é garantido

tal direito.

Tal situação evidencia “um protecionismo em relação as estes em detrimento dos

desempregados, dos empregados informais e dos que trabalhavam na zona rural do país”,

(GONÇALVES, 2012, p. 35)

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O grande problema pairava sobre os habitantes das zonas rurais, os quais recebiam

assistência médica de instituições de caridade ou de serviços oficiais, já que estes, por não

serem trabalhadores formais, não contribuíam com o seguro social. Logo, quem recebia os

serviços de maior qualidade eram os trabalhadores contribuintes e aos desempregados e

trabalhadores informais eram oferecidos serviços nitidamente inferiores, os quais ficavam

sob a responsabilidade do Ministério de Educação e Saúde Pública. (SOUZA, 2011)

Ou seja:

Apesar desta constituição trazer avanços no sentido da instituição de bases para o

desenvolvimento social, percebe-se que tais avanços não foram estendidos a toda

população, uma vez que o direito à saúde era tido como uma garantia do trabalhador e não

de todo cidadão. (BERTOLLINI FILHO, 2001, p. 34)

Neste período, encontra-se presente a aplicação de modelo biopolítico nos moldes

descritos por Foucault, em que o Estado controlava a saúde para majorar a força produtiva,

aparentando não se importar com os que não eram inseridos formalmente no mercado de

trabalho.

Deste modo, a República Velha é marcada pelo princípio da saúde do trabalhador, no

início da Era Vargas e, que através do Decreto nº 19.402/1930, houve a centralização das

políticas públicas de saúde, a qual se deu através da criação dos Ministérios dos Negócios

da Educação e da Saúde Pública.

No entanto, esta foi a Constituição de menor duração, haja vista que vigorou apenas

por três anos devido ter sido abolida pelo golpe de 1937.

Embora historicamente houveram diversos marcos para a saúde pública do Brasil,

tais como a criação do Primeiro Conselho de Saúde em 1948, a construção dos hospitais

públicos, a criação do Ministério da Saúde em 1953, estas mudanças não foram instituídas

nas constituições de 1937 à Emenda Constitucional de 1969,pois permaneceu-se durante

muito tempo o Estado prestando relativa assistência a saúde ao trabalhador contribuintes

como já mencionado, fato este que realmente só mudou a partir do movimento sanitarista

em 1978 e sobretudo com o advento da atual Constituição Federativa do Brasil de 1988.

(GONÇALVES, 2012)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Após tantas mobilizações sociais na década de 70 e 80 com o descaso com a saúde

de toda a população, que até então só era prestada aos trabalhadores formais, viu-se

necessária uma redefinição das políticas de saúde no Brasil, como afirma Menicucci (2007,

p. 186):

Após a derrocada do regime autoritário, com a ascensão do primeiro presidente da república civil após vinte anos de governos militares, num momento de constituição de um novo pacto social do país, cresceram as articulações em torno da redefinição da política de saúde, que, entre todas as políticas sociais, contava com uma proposta política e substantivamente bem mais articulada. O processo decisório da reforma foi precedido pela criação ou convocação de vários fóruns coletivos, nos quais se foi concretizando, de maneira formal e política, a proposta de transformação da política de saúde.

Deste modo, foi na Constituição Federativa do Brasil que o direito a saúde veio se

consolidar através do rol dos direitos sociais, art. 6º da CF/1988, conforme dispõe:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, à saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Mas a inovação não parou por ai, pois a saúde recebeu atenção especial na atual

Constituição no Título VIII – Da ordem social, Capítulo II – Da Seguridade Social, Seção II -

Da Saúde, que vai desde o art. 196 ao art. 200.

Os dispositivos da Constituição vieram trazer os direitos e obrigações tanto estatal,

como individual de todos para o devido atendimento de saúde, conforme dispõe o art. 196

da Constituição:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

Analisando o dispositivo constitucional, depreende-se que:

O Estado deve adotar políticas públicas que induzam o desenvolvimento social e econômico, reduzam a desigualdade, eliminem os fatores que negativamente afetam a saúde da população, como a baixa renda, a falta de escolaridade, a pobreza, o desemprego, a fome, e outros fatores determinantes e condicionantes de uma má qualidade de vida que certamente influenciará nas condições de saúde da população, aumentando o risco de doenças. (RODRIGUEZ NETO, 2003, p. 97)

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Portanto, a atual Constituição veio definir as obrigações do Estado em proporcionar a

toda população um serviço de saúde digno, mas também a adoção de políticas públicas para

a redução dos problemas que afetam direta e indiretamente a saúde dos indivíduos. É a

chamada promoção, proteção e recuperação mencionada no art. 196 da CF/1988.

Esta Constituição criou também o Sistema Único de Saúde de forma que as ações e

os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, organizada

de acordo com algumas diretrizes, a saber:

Art. 198. (...)

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – Participação da Comunidade. (BRASIL, 1988)

Por fim, no art. 199 da Constituição, assegurou ainda que a assistência à saúde é livre iniciativa privada favorecendo o surgimento dos planos de saúde. (BRASIL, 1988)

Passados dois anos após a promulgação da Constituição de 1988, a Lei nº 8.080 de

19 de setembro de 1990, conhecida como a Lei do SUS, foi introduzida no ordenamento

jurídico brasileiro que dispõe sobre as condições para a promoção,proteção e recuperação

da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providencias, veja-se:

Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. (BRASIL, 1990).

Esta lei veio estabelecer, também, a saúde como direito fundamental do ser humano,

devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, conforme

dispõe o art. 2ª da Lei. 8.080/90.

Como robustamente demonstrado, atualmente, a saúde é entendida como:

promoção, prevenção, proteção e recuperação de doenças. Esses conceitos são citados no

art. 196 da Constituição Federal e no art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.080/90 como aponta-

se a seguir:

Art. 2º. (...)

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§1º O dever do Estado garantir a saúde através da formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1990)

Vê-se claramente que o Brasil aderiu ao conceito de saúde da Organização Mundial

da Saúde da busca pelo completo bem estar, físico, mental e social, pois no art. 3º da Lei

8080/90 estabeleceu que:

Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Sendo assim, pode-se concluir que a atual constituição foi crucial para o

reconhecimento do direito a saúde como um direito social e fundamental, garantido à toda

população, pois como estudou-se durante muito tempo assistência a saúde era prestada

apenas a uma parcela da população.

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PROCESSO ARBITRAL - FORMAÇÃO DO TRIBUNAL E INSTRUÇÃO

PROCESSUAL

GONZALEZ, Ewerton Zeydir9

DENDASCK, Carla10

SILVA, Adonias Osias 11

GONZALEZ, Ewerton Zeydir; DENDASCK, Carla; SILVA, Adonias Osias – Processo Arbitral- Formação do Tribunal e Instrução processual - Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 68-97 –ISSN: 2448-0959

9 Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Consultor Jurídico do Banco do Brasil. Membro da Comissão de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Subcomissão de Conciliação da FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos. Advogado. 10 Doutora em Psicanálise, Pós doutoranda em Psicanálise Clínica, e Mestranda em Bioética, diretora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Estudos Avançados, Coach, e professora de cursos de MBA in company , Campinas e São Paulo- E-mail: [email protected] 11 Advogado, Pós- graduado em Direito Tributário; Mestrando em direito na Escola Paulista de Direito; [email protected]

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RESUMO

A arbitragem é um dos meios de solução de conflitos previstos em lei que extraem do Poder Judiciário a primazia de decidir conflitos entre pessoas, naturais ou jurídicas, deixando a função de dirimir a questão posta a julgamento por um terceiro, escolhido livremente pelas partes. Para tanto, deverá haver a instituição do procedimento arbitral, o qual depende do ajuste de vontade entre as partes, desde que capazes, devendo o objeto a ser submetido a esse tipo de deslinde um direito disponível. Podem as partes, por meio da convenção arbitral – a ser ajustada por meio de cláusula ou de compromisso arbitral – definir os procedimentos que regerão o procedimento arbitral e que guiará a atuação dos árbitros. Caso não definam as partes esse procedimento, poderão aderir às regras da instituição arbitral escolhida onde tramitará a arbitragem, ou deixar a critério dos árbitros definirem os procedimentos. Importante destacar que, a despeito de toda a liberdade conferia às partes, não poderão, por expressa previsão legal, suprimir o contraditório e a ampla defesa. De modo a permitir um melhor conhecimento do processo arbitral, este trabalho pretende percorrer todos os seus trâmites, desde os princípios jurídicos que o envolvem, avaliando as recentes alterações legislativas, passando pela instituição do procedimento arbitral e pelos atos que envolvem a instrução e julgamento.

PALAVRAS-CHAVES: Arbitragem. Processo arbitral. Procedimentos. Formação do Tribunal arbitral. Instrução processual. Medidas extrajudiciais de solução de conflitos.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo ofertar aos operadores do direito uma visão sobre a

instituição da arbitragem e os procedimentos próprios que regulam o processo arbitral.

Apresentaremos os princípios que devem ser seguidos por quem pretenda utilizar-se da

arbitragem ou nela militar.

A instituição do procedimento arbitral é, antes de qualquer coisa, uma opção das

partes, que buscam uma forma alternativa e mais efetiva de solução de eventuais

pendências existentes entre elas, sem a necessidade de submeter o assunto à apreciação

do Poder Judiciário.

As partes poderão, de comum acordo, decidir de que forma correrá o processo

arbitral, podendo estabelecer ritos e procedimentos que atendam aos seus interesses.

Entretanto, jamais poderão, ainda que sob o argumento do albergue da autonomia da

vontade, suprimir o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Além disso, deverão atentar para princípios próprios da arbitragem, como o da

competência-competência, que transfere aos árbitros a autonomia necessária para

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decidirem, eles próprios, sobre a definição de sua competência para avaliar a questão

existente entre as partes que optarem por este procedimento.

Deverão as partes optantes por esta ferramenta extrajudicial de solução de conflitos

– e seus procuradores – conhecer os momentos em que deverão ofertar as impugnações

relativas à incompetência, suspeição e impedimento do árbitro, assim como de eventual

nulidade da cláusula arbitral, sob pena de preclusão do direito de se utilizarem dessa

arguição.

Ainda, serão verificadas as questões relativas à instrução processual, em especial as

relativas à oitiva de partes e testemunhas, bem como a autonomia conferida as árbitras

sobre este tema, na medida em que podem, eles próprios, determinarem a realização de

determinadas provas, ainda que não requeridas por qualquer das partes, na medida em que

disso dependerão para formar seu livre convencimento e poderem fundamentar suas

decisões.

A ARBITRAGEM

A coexistência entre pessoas e a busca destas por bens e direitos traz, em si mesmo,

um conflito, na medida em que aqueles não existem em quantia e forma suficientes para

atender a todos. Por conta disso, e pela disputa – seja pela necessidade ou pela mera

realização que ser detentor de bens e direitos causa nas pessoas – ou mesmo divergência

entre a interpretação do que seja devido de um para outro é que faz com que surjam os

conflitos.

Ao surgirem os conflitos, a sociedade moderna e democrática houve por bem, por

meio da evolução dos costumes e das normas, em atribuir ao Estado o poder-dever de dirimir

os conflitos surgidos entre as pessoas, por meio do Poder Judiciário.

A corrida das pessoas – naturais ou jurídicas – ao Poder Judiciário, levando a este

ente toda a gama de conflitos possíveis e imagináveis – sejam na esfera civil, comercial, de

família, penal, política, tributária, trabalhista etc. provocou um assoberbamento de

processos, fazendo com que, em diversas searas do direito, os processos tivessem uma

tramitação lenta e as decisões fossem proferidas muitas vezes até décadas depois do seu

ajuizamento.

Além da insegurança jurídica, própria da incerteza de se alcançar o bem da vida

buscado via processo judicial, a demora no pronunciamento jurisdicional gera profunda

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incerteza e angústia nos jurisdicionados, na medida em que não têm a certeza de que verão

– se e quando – uma decisão para o conflito que submetem aos juízes togados.

Não foi por isso que o mestre Rui Barbosa assim professou, em sua “Oração aos

Moços”, de 1920:

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.

Não é por menos que a busca por meios não judiciais de solução de conflitos vem

tomando corpo, com a valorização da conciliação, da mediação e também da arbitragem,

retirando, quando possível, das mãos do Poder Judiciário a exclusiva competência para

conhecer a lei e aplicar o direito (narra mihi factum dabo tibi ius) (Tradução: Narra-me os

fatos e te darei o direito.).

E uma dessas formas extrajudiciais, a arbitragem, vem se mostrando alternativa

bastante viável, mormente quando se busca uma solução rápida, proferida por profissionais

de competência reconhecida e, principalmente, de livre escolha das partes, o que faz com

que, na maior parte das vezes, submetam-se a esse pronunciamento extrajudicial e

cumpram o que foi decidido de forma rápida e célere, conformando-se com a solução dada.

BREVE HISTÓRICO

A arbitragem não é uma forma de solução de conflitos recente, eis que, ainda que não

institucionalizada, era utilizada na Antiguidade e na Idade Média, conforme nos indica Luiz

Fernando do Vale de Almeida Guilherme (2012:32), citando Platão, que aludiria ao fato de

que a decisão dada pelos juízes eleitos pelas partes seria a forma mais justa:

A arbitragem é uma das formas de resolução de controvérsia mais antiga do mundo. Foi utilizada na Antiguidade e na Idade Média, pois representava um caminho certo para evitar-se uma confrontação bélica, isso, na esfera do Direito Internacional Público, já nos demais ramos do Direito, pode-se falar que a solução de conflitos por meio de árbitros é utilizada há muitos anos, tendo em vista que o próprio Platão escreveu sobre juízes eleitos como se fosse a forma mais justa de decisão.

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Nem no Brasil a arbitragem é novidade, havendo reporte de sua previsão na

Constituição do Império, de 1824, que a prescrevia no seu artigo 160. Embora nem todas as

Constituições pátrias seguintes a tenham mantido expressamente, a previsão desse instituto

em legislação infraconstitucional ainda se fez pontuar. São exemplos o Decreto 3.084, de

5.11.1898, e os Códigos de Processo Civil, de 1939 e 1973.

A própria Constituição Federal de 1988 fez alusão expressa a essa forma de solução

de conflito, ao prever a possibilidade de sua utilização em questões trabalhistas. Vejamos a

redação original do artigo 114 e dos seus parágrafos primeiro e segundo:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. [...] § 1º. Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicados ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

E, há pouco menos de duas décadas, promulgou-se a Lei 9.307, de 23 de setembro

de 1996, que revogou os artigos 1.072 a 1.102 do Código de Processo Civil, que até então

tratavam da arbitragem, trazendo um novo regramento legal, que veio fixar parâmetros e

procedimentos para a utilização desse meio extrajudicial de solução de controvérsias.

CONCEITO DE ARBITRAGEM

O conceito de arbitragem não tem variado muito, especialmente no que se refere ao

cerne principal de sua forma, qual seja o de tratar-se de um meio alternativo de solução de

controvérsias.

Luiz Antonio Scavone Junior (2014:16) nos traz a seguinte definição de arbitragem:

A arbitragem pode ser definida, assim, como o meio privado e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais

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e disponíveis por meio árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral que constitui título executivo judicial.

Carlos Alberto Carmona (2006:33), por sua vez, oferta-nos seu conceito do que é a

arbitragem, nos seguintes termos:

A arbitragem é uma técnica para a solução de controvérsia através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial.

Como se percebe, a arbitragem é um meio de solução de litígio onde é dispensada a

intervenção do Estado nos seus procedimentos (exceto em casos excepcionais, previstos

na própria lei, como, por exemplo, para a arguição de nulidade, em ação própria, ou por meio

de impugnação à execução do título), deferindo-se a um terceiro (ou mais, sempre em

número ímpar), de livre escolha das partes, o poder de ofertar a solução para o litígio.

Entretanto, nem todo direito poderá ser submetido à apreciação arbitral, já que,

segundo o artigo 1º da Lei de Arbitragem, somente os direitos patrimoniais disponíveis

podem ser objeto desse tipo de decisão. Na mesma esteira, somente poderão contratar esse

tipo de julgamento as pessoas capazes de dispor dos seus atos na vida civil, o que se afere

nas definições legais quanto à capacidade, conforme tratam da capacidade os artigos 3º e

4º do Código Civil.

É de se notar que não há restrição ao tipo de pessoa – se natural ou se jurídica, se

pública (incluída pela Lei nº 13.129, de 2015) ou privada – de modo que estas também

poderão optar por esse tipo de solução, observada a obrigação, no caso da administração

pública, de o objeto da arbitragem ser direito disponível, e para as demais pessoas jurídicas

eventuais restrições constantes dos seus contratos sociais, estatutos ou atas e assembleias,

devidamente arquivadas e averbadas nos registros competentes, conforme o tipo de pessoa

jurídica.

A possibilidade de os entes de direito público – União, Estados, Municípios e

Autarquias, inclusive associações públicas e demais entidades de caráter público criadas

por lei (art. 41, Código Civil) – de utilizarem a figura da arbitragem, a qual, registre-se, já era

utilizada pela Administração Pública em situações específica, a exemplo das parcerias

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público-privadas (PPP), autorizadas que estavam pela previsão contida na Lei n. 11.079, de

30 de dezembro de 2004, conforme artigo 11.

Apesar dessa possibilidade, foi inserida restrição com o acréscimo do § 3ºao artigo 2º

da Lei de Arbitragem, definindo que as arbitragens envolvendo a administração pública

somente poderão ser feitas por regras de direito, e respeitando o princípio da publicidade –

o que, evidentemente, afasta a arbitragem por equidade, e elimina – numa primeira análise

– o sigilo próprio a esse tipo de procedimento.

Convém destacar que, apesar da liberdade das partes em optar pela arbitragem, nas

relações de consumo, embora capazes as partes – tanto a natural como a jurídica – na

solução dos conflitos decorrentes desse tipo de relação a opção por esse procedimento não

pode ser compulsória, assim compreendidas as cláusulas pré-impressas nos conhecidos

contratos de adesão, conforme preceitua o inciso VII do artigo 51 do Código de Defesa do

Consumidor.

Quanto ao momento em que se pode optar pela arbitragem, o artigo 9º da Lei de

Arbitragem possibilita às partes fazê-lo a qualquer tempo, seja no momento em que

formalizarem algum contrato (compromisso arbitral extrajudicial) - como forma de prevenir o

modo de solução de qualquer controvérsia relativa ao negócio entabulado, que prejudicaria

o ajuizamento de uma ação na esfera judicial - ou até mesmo no curso e uma ação judicial

(compromisso arbitral judicial).

E, corroborando ainda mais o entendimento quanto à natureza contratual do instituto

da arbitragem, o artigo 2º da Lei 9.307/96 confere às partes a autonomia de ajustarem como

esta será feita, de direito ou por equidade, assim como no parágrafo 1º do citado artigo 2º

defere às partes a opção de escolher livremente quais serão as regras de direito pelas quais

será feito o julgamento, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública,

inclusive quanto à legislação a ser aplicada – nacionais ou estrangeiras – conforme o

parágrafo 2º do mesmo dispositivo.

Da mesma forma, não ficam os envolvidos – as partes, e muito menos o(s) árbitro(s)

– vinculados ou adstritos a quaisquer regras processuais ou procedimentais consolidadas,

a exemplo de Código de Processo Civil ou da Consolidação das Leis do Trabalho.

NATUREZA JURÍDICA

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Sobre a natureza jurídica da arbitragem, o Luiz Fernando do Vale de Almeida

Guilherme (2012: 33-34) nos traz o seguinte:

Determinar a natureza jurídica de uma instituição é estabelecer seu ser jurídico, ou seja, sua posição no mundo do direito, ou ainda sua essência. Não é pacífica a essência da arbitragem, formando-se a esse respeito três correntes muito bem descritas por J. E. Carreira Alvim: (a) uma privatista (ou contratualista), sendo Chiovenda o seu precursor; outra, publicista (ou processualista), com Mortara à frente; e a intermediária (ou conciliadora), tendo como expoente Carnelutti. A primeira corrente relega o procedimento arbitral, por inteiro, à esfera contratual, e os árbitros só podem dispor sobre o 'material lógico' da sentença, que restaria na esfera privada, e que o juiz, através do decreto de executoriedade, transforma numa sentença, consistente no somatório de um juízo lógico e de um comando. A segunda corrente vê na convenção arbitral - que é um negócio jurídico privado - a fonte dos poderes dos árbitros, ou, antes, da vontade das partes, mas é a vontade da lei que lhes permite celebrá-la. Em outros termos, sobrelevam 'o aspecto processual do contrato de compromisso, cujo principal efeito seria a derrogação das regras de competência estatais, acentuando a identidade entre o laudo proferido pelo árbitro e a sentença emana do juiz togado. A terceira corrente sustenta, de um lado, que a decisão do árbitro não é uma sentença, porquanto precisa do decreto de executoriedade (não só para ser executiva, mas também, para ser obrigatória), de outro lado, o árbitro e o juiz concorrem para a formação da decisão da controvérsia, o que evidencia que a sentença (e também o juízo) é constituída tanto pelo laudo como pelo decreto do magistrado. Ao final, o eminente Desembargador de Minas Gerais Carreira Alvim conclui que a arbitragem brasileira, depois do advento da Lei n. 9.307/96, a natureza da instituição tem caráter jurisdicional, salvo no que concerne à sua origem e essência, por resultar de vontade das partes. Já que a natureza jurídica versa sobre a origem, ou seja, determiná-la é estabelecer seu ser jurídico, ou ainda sua essência, como mencionado, portanto a definição da natureza jurídica da arbitragem parece ser eminentemente contratual, contracenando seu aspecto jurisdicional, haja vista que este instituto resulta de vontade entre as partes, ou seja, constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral.

A arbitragem é, portanto, um meio alternativo de solução de controvérsia ao qual as

partes capazes de contratar podem livremente optar e aderir, transferindo a terceiro (um ou

mais, conforme o caso), os poderes de decisão acerca da situação que lhe é posta,

envolvendo direitos disponíveis.

PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Os princípios são as fontes basilares para todo e qualquer ramo do direito, influindo

tanto em sua formação como em sua aplicação.

Segundo Miguel Reale (2005:203), princípios são certos enunciados lógicos

admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado

campo do saber.

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Celso Antônio Bandeira de Mello (1991:230), por seu turno, nos traz a seguinte

definição:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Para Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 46), princípio constitucional, por sua vez, seria

definido da seguinte forma:

As Constituições não são compostas de normas que exerçam função idêntica dentro do texto maior. É possível vislumbrar-se duas categorias principais: uma denominada princípios e outra, regras. As regras seriam aquelas normas que se aproximam às do direito comum, isto é, têm os elementos necessários para investir alguém da qualidade de titular de um direito subjetivo. Outras, no entretanto, pelo seu alto nível de abstração, pela indeterminação das circunstâncias em que devem ser aplicadas, têm o nome de princípios. Embora não possam os princípios gerar direitos subjetivos, eles desempenham uma função transcendental dentro da Constituição [...]. Os princípios são, pois, as vigas mestras do texto constitucional e que vão ganhando concretização, não só em outras regras da Constituição – como seria o caso do princípio federativo –, mas também através de uma legislação ordinária, que deverá guardar consonância com esses princípios e ir-lhes dando gradativamente uma compreensão cada vez maior.

Assim, indubitável a relevância que um princípio representa no sistema jurídico, por

servir de elemento para todas as demais normas, de modo que quando há o desrespeito a

uma norma positiva estará havendo, também, uma ofensa ao princípio sobre o qual a norma

foi erigida.

Isso nos leva a concluir que os princípios são elementos basilares de qualquer

sistema normativo, servindo de ponto fundamental na elaboração, observação e aplicação

das regras de direito.

E não seria diferente para a arbitragem, já que ela contém determinados princípios

que lhe são inerentes e que necessitam ser observados, de modo a lhe permitir uma correta

compreensão e inteligência, além de adequada aplicação, razão pela qual os princípios

constitucionais relacionados a qualquer tipo de processo têm de ser respeitados.

Dentre os princípios, podemos destacar como mais relevantes o da autonomia da

cláusula da convenção de arb1tragem em relação ao contrato, do devido processo legal, do

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contraditório e da ampla defesa, da igualdade das partes, da imparcialidade, do livre

convencimento do árbitro e da motivação da decisão.

AUTONOMIA DA CLÁUSULA DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM EM RELAÇÃO AO

CONTRATO

Em matéria de Direito Contratual, prevalece o princípio da conservação dos contratos,

sendo referências a própria preservação (art. 184, do Código Civil), a conversão (art. 170,

do Código Civil), o aproveitamento (“na cláusula suscetível de dois significados, interpretar-

se-á em atenção ao que pode ser exequível. As nulidades, por sua vez, poderão ser de duas

ordens: nulidade absoluta e nulidade relativa (artigos 166e 171, do Código Civil).

Na arbitragem prevalece o princípio da autonomia da cláusula da convenção de

arbitragem em relação ao contrato, o que significa dizer que mesmo diante da nulidade

deste, a cláusula não perderá sua higidez nem sua validade, contrariando a previsão de que

os efeitos do principal alcançam o acessório.

COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA

Também conhecido como Kompetenz-Kompetenz, este princípio da competência-

competência traz como pressuposto o fato de que compete ao próprio árbitro decidir

questões relacionadas a eventual invalidade da cláusula arbitral ou do contrato, conforme

prescreve o parágrafo único do artigo 8º da Lei de Arbitragem.

Assim, atribui-se ao próprio árbitro a competência para analisar sua própria

competência, avaliando a validade da cláusula compromissória e definindo o juízo arbitral

como competente para julgar a questão, afastando do Judiciário questões relacionadas à

aludida validade.

Por conta disso, acaso haja qualquer questionamento sobre a competência do juízo

arbitral, e em se deparando o magistrado com cláusula compromissória, deverá declarar-se

incompetente para apreciar a questão e remeter as partes à corte arbitral que eventualmente

tenham eleito.

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DEVIDO PROCESSO LEGAL

Como visto anteriormente, a escolha das partes pela arbitragem está escorada no

princípio da autonomia da vontade, na medida em que elas podem escolher um meio menos

burocrático para solução do litígio, assim como definir o procedimento que deverá ser

seguido.

Caso as partes não façam essa escolha, ao optarem por uma determinada câmaras

ou juízo arbitral pode ser que se deparem com regras e procedimentos próprios relativos ao

andamento do processo, conforme faculta a redação do artigo 21 da Lei da Arbitragem.

Dada essa liberdade de escolha, o processo arbitral não exige a mesma feição do

processo civil, por exemplo, sendo que a maioria das câmaras instaladas têm os seus

próprios ritos e procedimentos, ao qual as partes anuem e podem, a depender da

flexibilidade da câmara, ajustar às suas pretensões, conforme consta do mencionado artigo

21 de Lei 9.307/96.

Este princípio visa a resguardar as partes de qualquer tipo de arbitrariedade por parte

dos árbitros, ou mesmo da surpresa de ser realizado algum procedimento não previsto ou

aceito pela parte, causando-lhe ou ao processo algum tipo de prejuízo.

CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Apesar da liberdade de as partes escolherem o procedimento, indubitável, entretanto,

e conforme deixa explícito o referido § 1º do artigo 2º, que não poderá haver violação aos

bons costumes e à ordem pública, mormente os relacionados à ampla defesa e ao

contraditório.

E Cândido Rangel Dinamarco (2013:26) elucida bem a questão quando nos diz o

seguinte:

A consciência da natureza jurisdicional da arbitragem e de usa inserção na teoria geral do processo põe à margem de qualquer dúvida a imperiosidade de abrigá-la sob o manto do direito processual constitucional – o que importa considerar seus institutos à luz dos superiores princípios e garantias endereçados pela Constituição a todos os institutos processuais e particularmente àqueles de caráter jurisdicional. Parte da doutrina especializada esmera-se em fazer essa atração da arbitragem ao sistema de garantias e princípios endereçados diretamente ao direito processual estatal, o que constitui valiosa premissa metodológica indispensável ao seu bom entendimento e à correta solução dos problemas que lhe são inerentes. Assim está em precioso estudo no qual Vincenzo Vigoritti destaca, em relação ao juízo arbitral, a necessidade “do respeito às regras fundamentais dos juízos cíveis, tradicionalmente resumidas na fórmula do procedural due process”.

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Luiz Antonio Scavone Júnior (2014: 139-141), ao abordar a liberdade das partes,

assim se pronuncia:

A possibilidade de as partes disciplinarem o procedimento arbitral ou, em caráter supletivo, o tribunal ou os árbitros, não significa que possam fazê-lo de forma absolutamente livre. Alguns princípios devem ser observados sob pena de nulidade do procedimento arbitral (art. 32, VIII, da Lei de Arbitragem). É o que dispõe o art. 5º, LV, da CF, que garante que “aos litigantes, sem processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ele inerentes”. Nessa medida, o art. 21, § 2º, da Lei de Arbitragem, que impõe, na arbitragem: a) O contraditório Nessa medida, através da informação dos atos praticados pela parte contrária, sempre deverá ser possível uma reação, lembrando que o que se requer é a oportunidade para que a outra parte se manifeste, não havendo afronta ao contraditório se, a par dessa possibilidade, o contendor permanece inerte. Portanto, deve haver o máximo de cautela na comunicação dos atos processuais, ainda que seja de forma estipulada pelas partes ou pela entidade arbitral, permitindo que os litigantes possam influir nas decisões que serão tomadas.

Note-se, portanto, que o princípio do contraditório e da ampla defesa, aplicável

plenamente ao procedimento arbitral, exige que os árbitros promovam a oitiva das partes e

não dirimam o conflito sem dar-lhes a oportunidade de se manifestarem, devendo ser dadas

as mesmas condições de externalizarem seu posicionamento sobre os diversos temas

perante o juízo arbitral, em especial sobre as provas produzidas ou em relação aos

documentos juntados aos autos.

IGUALDADE DAS PARTES

Igualdade das partes é um conceito que vem sendo construído há muito, estando

dividido entre igualdade formal e igualdade material.

A igualdade formal é aquela conferida a todos perante a Lei, assegurando-se a todos

o mesmo direito, assim como o acesso a todos os direitos, além da aplicação igualitária de

todas as regras jurídicas disponíveis, como está previsto no caput do artigo 5º da

Constituição Federal.

Já a igualdade material prevê a observância de certas particularidades entre os

envolvidos, de modo a conferir-se, conforme Aristóteles, tratamento igual aos iguais e o

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desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade. A medida desse tratamento, por

óbvio, cabe ao legislador, editando regras que permitam o equilíbrio de forças.

No caso da arbitragem, as partes são, ao menos em tese, iguais, na medida em que

têm a opção de escolher livremente este tipo de procedimento para solução de seus

conflitos, conforme artigo 1º da Lei de Arbitragem, bem como as regras que serão seguidas

no julgamento da lide.

Assim, durante do desenrolar do procedimento arbitral, os árbitros deverão tratar as

partes sem qualquer distinção, ofertando igualmente a elas as mesmas oportunidades, de

modo que não haja favorecimento ou preferências, por qualquer motivo.

IMPARCIALIDADE DO ÁRBITRO

A atuação do árbitro deve ser pautada pelas mesmas exigências e restrições

impostas a qualquer juiz de direito, uma vez que a estes, segundo o artigo 18 da Lei de

Arbitragem, são equiparados.

Em assim sendo, estão adstritos, na sua atuação, a observarem os princípios

previstos na própria Lei 9.307/96, especificamente no parágrafo 6º do artigo 13, sendo-lhes

exigido, no desempenho de seu mistér, imparcialidade, independência, competência,

diligência e discrição.

Tanto é assim que os árbitros, sob pena de responsabilização, têm a obrigação de

declinar, quando indicados para atuar como tais, eventuais impedimentos ou suspeições

(parágrafo 1º, artigo 14, Lei 9.307/96).

LIVRE CONVENCIMENTO E MOTIVAÇÃO

Este princípio garante ao árbitro a faculdade de proferir sua decisão de acordo com o

seu convencimento, valorando livremente a prova e para o quanto foi apresentado sobre o

objeto da controvérsia e o direito (ou as regras de equidade) que forem aplicáveis à lide,

conforme tenha sido convencionado pelas partes.

E essa liberdade de apreciação dos elementos e da provas dos autos deverá ser

lançada na sentença (artigo 24, caput, da Lei 9.307/96), assim como deverão ser

externalizadas e fundamentadas as motivações pelas quais houve o seu convencimento,

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atendando-se para os requisitos que devem constar da sentença (artigo 26, caput, da Lei

9.307/96).

A decisão do árbitro tem força de título executivo, e, para sua efetividade, não está

sujeita ao crivo ou homologação judicial (artigo 31). A propósito, a decisão proferida pelos

árbitros é uma sentença, a qual não está sujeita ao duplo grau de jurisdição ou qualquer

outro tipo de recurso, à exceção do pedido de esclarecimento (equivalente ao embargo de

declaração).

PROCEDIMENTO ARBITRAL

Valorizando a autonomia da vontade das partes, a Lei nº 9.307/96 deixou a critério

das partes escolherem e disciplinar o procedimento a ser adotado para reger e conduzir o

procedimento arbitral, de modo que podem elas adotar as regras que melhor atendam suas

necessidades, desde que sejam respeitados os bons costumes e a ordem pública, conforme

preconiza o parágrafo 1º e 2º do artigo 2º da Lei.

A respeito, assim pronuncia-se Carlos Alberto Carmona (2009:23):

A regra preconizada é a seguinte: as partes podem adotar o procedimento que bem entenderem, desde que respeitem os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu livre convencimento racional. Se nada dispuserem sobre o procedimento a ser adotado e se não reportarem a regras de algum órgão institucional, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral ditar as normas a serem seguidas, sempre atendidos os princípios hão pouco mencionados, princípios esses que, em última análise, resumem o conteúdo do que, historicamente, acabou sendo conhecido como o devido processo legal.

Destarte, pode-se dizer que, respeitados os princípios mencionados, assim como os

bons costumes e a ordem pública, a característica fundamental do procedimento arbitral é

sua flexibilidade, podendo as partes defini-las ou seguir as previamente definidas pela

instituição arbitral escolhida ou mesmo ao árbitro, caso as regras não estejam postas,

conforme preconiza o parágrafo 1º do artigo 21 da Lei de Arbitragem.

E esses procedimentos poderão ser definidos desde o momento em que se opta pela

arbitragem, quando se insere a cláusula compromissória no instrumento contratual (artigo 4º

da Lei de Arbitragem), ou por meio de compromisso arbitral (artigo 9º da referida Lei) quando,

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surgido o conflito e inexistindo a cláusula compromissória, as partes concordam com a opção

pela arbitragem, ou ainda pela assinatura de termos conjuntos que venham a estipular regras

livremente ajustadas pelas partes.

Importante registrar a diferença entre as duas espécies de ajustes, uma vez que o

compromisso arbitral, segundo a própria dicção do artigo 9º da Lei de Arbitragem, é aquele

firmado perante o juízo arbitral, quando as partes renunciam à jurisdição estatal e se obrigam

a submeter-se à decisão de árbitros – ou seja, o conflito já existe e o compromisso é firmado

na sua intercorrência. Pode decorrer ou não da existência de cláusula compromissória

prévia.

Já a convenção arbitral – ou cláusula compromissória, prevista no artigo 8º da Lei

9.307/96 – é o ajuste por meio do qual as partes, em um contrato, incluem uma disposição

específica onde acordam previamente em submeter eventuais conflitos ou litígios futuros,

decorrentes do contrato, à arbitragem. Este ajuste nasce, portanto, no momento inicial da

formalização do contrato, de forma a assegurar que as partes se abstenham de procurar a

jurisdição estatal para resolver conflitos decorrentes do negócio realizado.

Cândido Rangel Dinamarco (2013:52), ao tratar do procedimento arbitral, nos traz o

seguinte ensinamento:

Tanto quanto aquele que se desenvolve perante o Poder Judiciário, o procedimento arbitral é o conjunto dos atos mediante os quais, no processo, o árbitro exerce a jurisdição e as partes a defesa de seus interesses.

Portanto, trata-se do desenvolvimento de uma ritualística mínima que permita aos

seus atores poderem, cada qual, exercitar seu papel, seja para não serem feridos direitos

das partes (como, por exemplo, o da ampla defesa) como também por lhes ser exigida, pela

Lei de Arbitragem, uma determinada conduta.

E assim se percebe quando se depara com determinadas previsões legais expressas,

como o dever de revelação, que obriga o árbitro a declarar, tão logo indicado e antes de

aceitar a função, eventuais impedimentos ou dúvidas que lhe possam retirar a imparcialidade

e independência, ou mesmo a definição do momento específico que a parte tem para arguir

eventual suspeição do árbitro.

Exatamente nesse sentido Cândido Rangel Dinamarco (2013:52) complementa:

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Como em todo processo, no arbitral o procedimento precisa incluir necessariamente certos atos indispensáveis, que constituem seus elementos estruturais. E, como em todo processo de conhecimento, os elementos estruturais do procedimento arbitral são a demanda, a inclusão do réu na relação processual (citação lá, notificação aqui), a resposta do réu, a instrução e a sentença – a qual será de mérito ou terminativa, segundo as circunstâncias de cada caso.

Vejamos, pois, dentro do procedimento arbitral – objeto do presente trabalho – cada

uma de suas etapas.

INSTITUIÇÃO DA ARBITRAGEM

O momento da instituição da arbitragem, segundo regra do artigo 19 da Lei de

Arbitragem, dá-se com há a nomeação do árbitro (ou dos, se foram mais que um), precedida,

evidente, da aceitação por parte destes.

A escolha dos árbitros ou do presidente do tribunal arbitral –exercício livre das partes

– com a nova redação dada ao parágrafo 4º do artigo 13 defere às partes o direito de excluir

a previsão de que os próprios árbitros, por maioria, pudessem escolher o presidente, ainda

que exista tal regra nas Câmaras Arbitrais, inclusive quanto à escolha de árbitros não

pertencentes aos quadros da instituição.

A despeito de parecer singela esta definição, é certo que a delimitação deste marco

tem importância fundamental, na medida em que, antes deste momento, qualquer outra

medida que se pretenda adotar para resguardar direitos – a exemplo de cautelares – deverá

ser requerida ao Poder Judiciário, sendo competente aquele que o seria para apreciar a

demanda, caso as partes não tivessem optado pela arbitragem.

A mera existência de uma convenção de arbitragem – seja por cláusula

compromissória ou compromisso arbitral – não implica a existência de um juízo arbitral. E é

assim que Carlos Alberto Carmona (2013:278), com singeleza mas com muita objetividade,

se expressa:

A convenção de arbitragem, como se percebe, pode não instituir o juízo arbitral: se os árbitros indicados não firmarem o compromisso arbitral, por exemplo, não haverá ainda arbitragem instituída, mas mera expectativa de formação do tribunal arbitral.

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A partir deste momento, então, passam os árbitros a exercerem sua função

jurisdicional, sem o que não terão competência para dar prosseguimento ao procedimento

arbitral. Importante registrar que, antes dessa instituição, aquele que pretender instaurar a

arbitragem deverá adotar certos procedimentos, conforme se verá adiante.

Se porventura as partes reportaram-se, na cláusula compromissória, a regras de

determinada instituição arbitral, a instauração deverá seguir os trâmites por ela

especificados, conforme prescreve o artigo 5º da Lei de Arbitragem, em especial quanto ao

modo de chamar a parte contrária a compor o procedimento (por meio da notificação, como

visto alhures).

De outro lado, caso não se tenha optado pelas regras de determinada instituição e

não se tenha, na cláusula compromissória, estabelecido a forma da instituição da arbitragem,

o chamamento da outra parte para firmar o compromisso arbitral poderá ser feito pela parte

interessada por meio postal, com aviso de recebimento, estipulando dia, hora e local

especificados para tanto, na forma do artigo 6º.

Em caso de recusa da parte chamada a comparecer, caberá à parte interessada na

instauração da arbitragem propor, junto ao Judiciário, a competente ação para compelir

aquela a assinar o compromisso arbitral. Para tanto, requererá ao juízo que seria competente

para julgar a lide que citar a parte resistente a comparecer em juízo, em audiência especial,

a fim de assinar o compromisso arbitral.

O desenrolar desse processo judicial dependerá de alguns fatores:

a) em comparecendo as partes, o magistrado tentará uma conciliação acerca do objeto

do litígio, a qual, infrutífera, será seguida de uma tentativa de fazer com que as partes

assinem o compromisso arbitral (parágrafo 2º do artigo 7º);

b) se não houve composição quanto à assinatura do compromisso, o juiz proferirá em

dez dias, após ouvido o réu, decisão acerca deste conflito (especificamente sobre ser

obrigatória ou não a assinatura do compromisso), conforme parágrafo 3º do artigo 7º;

c) ao decidir, cumprirá ao juiz verificar o que diz a cláusula compromissória sobre a

nomeação dos árbitros e, no silencia destas, competir-lhe-á, após ouvir as partes,

nomear o árbitro para a solução do litígio – aqui, o objeto efetivamente em disputa na

esfera arbitral (parágrafo 4º do artigo 7º);

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d) se ausente à audiência o autor sem motivo justificado à audiência designada para a

lavratura do compromisso arbitral, decretará o juiz a extinção do processo, sem

julgamento de mérito (parágrafo 5º do artigo 7º);

e) acaso a ausência seja do réu, também sem justo motivo, caberá ao magistrado definir

acerca do compromisso, nomeando árbitro (parágrafo 6º do artigo 7º), valendo a

sentença como compromisso arbitral (parágrafo 7º do artigo 7º).

Registre-se que, ainda que o juiz supra a manifestação de uma das partes, como ela

foi chamada a participar deste procedimento judicial e teve oportunidade de se manifestar e

tomar conhecimento do quanto decidido – e mesmo que seja revel, tendo sido assegurada

a oportunidade, por meio da citação – o fato que é que a arbitragem terá sequência, ainda

que revel a parte, sofrendo as mesmas consequências aplicáveis aos revéis nos

procedimento judiciais (confissão quanto à matéria de fato e acerca de algum documento

que não tenha trazido aos autos tempestivamente).

Voltando à instituição da arbitragem, e tão logo instituída esta, acaso os árbitros

detectem a necessidade de que algum esclarecimento acerca da convenção de arbitragem

seja feito, convocarão as partes para tanto, lavrando um adendo à convenção (cláusula ou

compromisso arbitral), firmado por todos, e que passará a fazer parte daquela, conforme

parágrafo único do artigo 19 da Lei de Arbitragem. Este adendo é conhecido também por

Termo de Arbitragem, a exemplo da denominação dada pela Câmara de Arbitragem e

Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM/CCBC) em seu Regulamento, no

item 4.17 do artigo 4.

Aliás, dado o fato de não haver na Lei de Arbitragem definição de procedimentos,

competirá às partes, neste termo, fazer as definições que entenderem adequadas ao

processamento da arbitragem, ou submeter-se às regras da instituição escolhida.

ARGUIÇÃO DE INCOMPETÊNCIA, SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO DO ÁRBITRO E DE

NULIDADE DA CLÁUSULA ARBITRAL

A despeito da mencionada liberdade que tem as partes para definir procedimentos

relativos à tramitação do processo arbitral, o fato é que a Lei de Arbitragem impõe que

determinados atos sejam praticados a tempo e modo.

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Uma dessas exigências da lei refere-se ao momento de serem arguidas questões que

seriam prejudiciais ao prosseguimento do processo arbitral e que, se deixadas para

oportunidade futura, colocaria em risco uma das vertentes que diferencia o procedimento

arbitral do judicial, que é a celeridade.

Pois bem. O legislador determinou, no artigo 20 da Lei 9.307/96, que a parte terá de

fazer, no primeiro momento em que se manifestar no procedimento arbitral, logo após a

instituição da arbitragem – portanto, depois da assinatura do Termo de Arbitragem – a

arguição das questões atinentes à competência do juízo arbitral, à suspeição ou

impedimento dos árbitros, e também os fundamentos relativos à nulidade, invalidade ou

ineficácia da convenção de arbitragem.

À primeira vista, parece incidir aqui o instituto da preclusão caso não sejam tais

matérias arguidas na primeira oportunidade. Entretanto, a mesma Lei da Arbitragem, que

trouxe tal exigência no citado artigo 20, não especificou a consequência do não exercício

dessa prerrogativa/obrigação. E isso terá reflexo direto caso, ao final do procedimento

arbitral, a parte pretenda invocar as circunstâncias do artigo 33 da mencionada Lei para

arguir a nulidade da decisão arbitral ou mesmo do procedimento, caso haja vícios insanáveis

no compromisso.

A respeito dessa incerteza da referida disposição do artigo 20, Carlos Alberto

Carmona (2013:284) assim se pronuncia:

As matérias tratadas no dispositivo legal são híbridas, e merecem ser separada para análise diferenciada: há matérias que beiram a ordem pública e que dizem respeito aos princípios do processo (especificados no § 2º do artigo 21), cuja violação não comporta saneamento; há outras, porém, que se localizam plenamente na esfera de disponibilidade das partes, a permitir a atuação do princípio da disponibilidade. Entre estas últimas estão algumas das questões relativas à suspeição e impedimento do árbitro: se as partes, sabedoras de motivo para afastamento do árbitro deixam de alegá-lo, estão tacitamente concordando que tal motivo não causará a parcialidade do julgamento (ou, pelo menor, estão aceitando o risco de eventual parcialidade), e consequentemente não podem reservar-se ao direito de, proferido o laudo, trazerem à baila a questão (a não ser, é claro, que o motivo de impedimento ou suspeição tenha sido descoberto posteriormente). A preclusão, aqui, ocorrerá se a parte que tiver conhecimento do motivo que possa levar à recusa do árbitro deixar de apresentar a respectiva exceção na primeira oportunidade que tiver. O mesmo ocorrerá na hipótese de terem as partes determinado que o árbitro (ou os árbitros) a ser nomeado por terceiro ostente certas características, concretizando-se indicação que viole os parâmetros os parâmetros pré-estabelecidos. Imagine-se que as partes, na convenção de arbitragem, tenham pactuado que o árbitro, a ser indicado por uma determinada instituição arbitral, tenha experiência mínima de dez ano no mercado têxtil; indicado o árbitro, as partes percebem que o julgador não preenche o requisito: a parte que quiser fazer valer o motivo de nulidade deverá alegar a falha na primeira oportunidade que tiver, sob pena de não poder valer-se, no futuro, da demanda anulatória. [...]

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Quanto às demais questões, a regra é, em princípio, meramente ordinatória, pois, ainda que a parte deixe de alegar, durante o procedimento arbitral, a nulidade da convenção de arbitragem ou a incompetência do árbitro para conhecer de determinada questão, não estará impedida de propor a demanda de que trata o art. 33 da Lei.

Como se nota, a depender da matéria, a falta de arguição sofrerá os efeitos da

preclusão, dada a disponibilidade das partes, enquanto que outras, a contrário senso, por

serem de ordem pública, serão passíveis de futura arguição junto ao Poder Judiciário, seja

em ação anulatória ou por meio de impugnação ao cumprimento de sentença (na Lei, a

redação original tratava dos embargos à execução – então figura prevista no artigo 741 do

CPC; devido a alterações promovidas pela Lei 11.232/2005, houve alteração procedimento,

sendo que os antigos embargos à execução foram substituídos pela impugnação ao

cumprimento de sentença, prevista no artigo 475-L, e que, no futuro, com a entrada em vigor

da Lei 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil, que ocorrerá em 15 de março de 2016,

passará a ser regida pelo artigo 525).

Conforme previsto no parágrafo 1º do artigo 20 da Lei 9.307/96, relativamente à

arguição da suspeição ou do impedimento dos árbitros, caso seja acolhida, implicará na sua

substituição, na forma do artigo 16 da mesma Lei, enquanto que, reconhecida a

incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, ou até mesmo a nulidade, invalidade ou

ineficácia da convenção de arbitragem, terá como consequência liberar as partes para que

levem a questão objeto de conflito para decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente

para julgar o tipo de ação que eventualmente pretendam intentar.

De outra sorte, caso não seja acolhida a arguição, o procedimento arbitral terá seu

prosseguimento da forma como ajustado pelas partes no compromisso arbitral – ou segundo

as regras da instituição escolhida – sem prejuízo de eventualmente ser revisto pelo Poder

Judiciário, conforme já mencionado anteriormente.

LIBERDADE DAS PARTES EM ESCOLHER O PROCEDIMENTO ARBITRAL

A previsão do artigo 21 da Lei de Arbitragem reforça o conceito de ampla autonomia

das partes, inclusive no que se refere à forma como se desenrolará o procedimento arbitral,

deixando a estas escolherem os passos a serem seguidos, aderirem às regras da instituição

arbitral escolhida ou deixaram que os árbitros escolhidos por elas definam de que forma será

o andamento, providência confirmada pelo parágrafo 1º deste artigo.

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Importante destacar que, qualquer que seja a opção das partes – definirem elas

próprias o procedimento a ser seguido, aderir às regras da instituição arbitral ou deixar aos

árbitros tal providência – o fato que é que deverão ser respeitados os princípios do

contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre

convencimento, conforme prescreve o parágrafo § 2º do artigo 21.

Além disso, as partes poderão exercer seu direito de atuação ou de defesa por conta

própria (postular em causa própria), dada a disponibilidade do direito posto em apreciação

na arbitragem, ou, como é costume, fazer-se representar por advogado e ser assessorado

por um assistente, conforme autoriza do parágrafo 3º do referido artigo 21 da Lei de

Arbitragem.

Importante registrar que, a despeito dessa liberdade, ao árbitro competirá,

obrigatoriamente, no início do procedimento, buscar junto às partes sua conciliação. Em

conseguindo o acordo entre as partes, o árbitro declarará tal fato em sentença. Caso

contrário – não havendo composição – terá prosseguimento o procedimento arbitral.

INSTRUÇÃO NO PROCEDIMENTO ARBITRAL

Conforme se nota do caput do artigo 22 da Lei de Arbitragem, a instrução processual

é procedimento totalmente dirigido pelos árbitros, aos quais se confere o poder de praticar

as diligências que entenderem necessárias à formação do seu livre convencimento.

Carlos Alberto Carmona (2013:312), ao abordar a questão dos poderes instrutórios

do árbitro, nos traz a seguinte lição:

Da mesma forma que o juiz togado, o árbitro poderá instruir a causa, ou seja, prepará-la para a decisão, colhendo as provas úteis, necessárias e pertinentes para formar o seu convencimento. O dispositivo legal comentado, em seu caput, resume e simplifica os ditames dos arts. 125 e 130 do Código de Processo Civil, deixando claro que o árbitro não depende de requerimento das partes para determinar a produção de qualquer prova que julgar importante para a solução do litígio.

Está sob o comando do árbitro colher o depoimento das partes, ouvir testemunhas e,

eventualmente, determinar a realização de perícias ou a produção de outras provas que, a

seu ver, sejam necessárias ao esclarecimento das questões postas à sua apreciação. E

ditos procedimentos poderão ser realizados a requerimento de qualquer das partes ou, a

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seu critério e juízo, de ofício, uma vez que ele é o destinatário da instrução e quem terá de

formar convicção sobre os fatos.

Francisco José Cahali (2014:242), ao tratar das provas na arbitragem, assim leciona:

Primeiramente, se faz referência à diferente mentalidade na arbitragem a respeito da produção de provas. Pela nossa experiência do contencioso, acabamos por considerar que a iniciativa na produção de prova compete a quem pretende ser vitorioso na ação, com menor significado, para proveitosa atuação no processo, as discussões acadêmicas sobre a distribuição do ônus da prova (art. 333 do CPC). Esta ideia se apresenta em sua plenitude na arbitragem, pois ausente na lei critérios imperativos a um ou a outro, sobre a obrigação de demonstrar os fatos relevantes, aptos a influenciar o destino da controvérsia. Em poucas palavras, mas com relevante resultado: não há distribuição legal do ônus da prova no procedimento arbitral. Neste sentido, a contribuição da parte para instruir a causa é de seu total interesse, cabendo-lhes a mais completa participação possível na indicação de provas, com o foco na revelação da ocorrência dos fatos, não só como pelo interessado alegado, mas também na versão que lhe convém (ou na demonstração de sua inocorrência), mesmo se alegado pelo adversário. E mais, o árbitro tem alargado, de direito e de fato, a sua autoridade na condução do procedimento, cabendo-lhe interferir ativamente na instrução da causa para consolidar seu livre convencimento sobre os fatos, necessário à adequada solução do conflito. Por sua iniciativa, podem ser investigados fatos para descoberta da verdade.

Na oitiva das partes e testemunhas, caberá aos árbitros definirem data, hora e local

para tanto, os quais serão comunicados previamente por escrito aos interessados.

Procedendo às oitivas, os depoimentos e testemunhos serão reduzidos a termo, com a

assinatura dos envolvidos – partes, testemunhas e árbitros, na forma do parágrafo 2º do

artigo 22 da Lei 9.307/96.

No caso de não comparecimento da parte para prestar depoimento pessoal, a

avaliação desse comportamento, em conjunto com os demais elementos probatórios, será

levada em consideração pelo árbitro quando da decisão. Em se tratando de ausência da

testemunha, competirá ao árbitro requerer à autoridade judiciária jurisdicionante que

determine a condução coercitiva daquela, tudo em conformidade com o parágrafo 2º do

mencionado artigo 22.

Noutra vertente, eventual revelia de qualquer das partes não trará prejuízo ao normal

andamento do procedimento arbitral, na medida em que o árbitro poderá proferir sentença

com os elementos de que tiver conhecimento, com espeque no parágrafo 3º do já citado

artigo 22, conciliado, evidentemente, com o dever de diligência que lhe impõe o parágrafo

6º do artigo 13 da mesma Lei

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Na eventual necessidade de serem adotadas medidas cautelares ou coercitivas

durante o curso do procedimento arbitral, exceto as relativas à condução de testemunhas,

já apreciadas anteriormente, prevê o parágrafo 4º do artigo 22 da Lei de Arbitragem que os

árbitros deverão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que teria competência para

apreciar a questão caso o assunto não estivesse em tramitação no juízo arbitral.

Importante destacar que, a despeito da expressão “solicitá-las ao órgão do Poder

Judiciário”, a esmagadora doutrina entende que esta solicitação é para o cumprimento da

medida cautelar apreciada e deferida pelos árbitros, na medida em que, conforme visto, é

do juízo arbitral a competência para apreciar todas as questões relativas ao conflito posto a

seu julgamento.

Se a medida cautelar é dirigida contra uma das partes envolvidas na arbitragem e

esta cumprir a determinação do juízo arbitral, não há que se falar em envolvimento do Poder

Judiciário. Entretanto, se há a necessidade de cumprimento da medida cautelar deferida por

parte de terceiros não envolvidos na arbitragem (a exemplo do fornecimento de extrato

bancário) ou quando há a resistência da parte contra a qual foi deferida a cautelar, então

haverá a necessidade de solicitar do Poder Judiciário que exercer seu poder de coerção

para que a ordem seja cumprida, ainda que contra a vontade daquela que tem dever cumprir

a obrigação.

Destaque-se que esta solicitação ao Poder Judiciário, portanto, seria meramente para

exarar o “cumpra-se” (a exemplo de uma deprecata oriunda do juízo de outra jurisdição) –

na medida em que o juízo arbitral não tem a autoridade coercitiva que tem o juízo estatal –

não podendo haver, por parte do magistrado estatal, qualquer tipo de reavaliação ou juízo

de valor quanto à legalidade ou não da decisão do juízo arbitral.

E é nesse sentido que se pronuncia Francisco José Cahali (2014:269):

O juízo arbitral tem total autoridade para apreciar e deferir medidas cautelares no curso da arbitragem. A jurisdição do árbitro (ou painel) é completa para o conhecimento de todas as questões relativas ao conflito. Lembre-se apenas da ausência de poder coercitivo ou de poderes de execução das medidas, estes privativos do Judiciário. Se não atendida espontaneamente a determinação arbitral, ou sendo impossível o cumprimento espontâneo, deverá ser solicitada a cooperação do juízo estatal para a efetivação forçada das medidas determinadas pelo árbitro. Enfim, possui o árbitro o ius cognitio, mas falta-lhe o ius imperium para realizar na prática suas decisões.

Na mesma linha, Carlos Alberto Carmona (2013:323), reforçando a competência do

juízo arbitral para conhecer de deferir medidas cautelares:

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O legislador de 1996 não cometeu o mesmo erro do Código Processo Civil, abandonando a fórmula do art. 2.086 que proibia ao árbitro decretar medidas cautelares. Preferiu determinada, de modo elíptico, que o árbitro, havendo necessidade de medidas coercitivas, as solicite ao juiz togado. Embora o legislador não tenha sido incisivo, deixou claro (ou, pelo menos, mais claro do que estava no Código de Processo Civil) que, havendo necessidade de tutela cautelar, a parte interessada na concessão da medida deverá dirigir-se ao árbitro (e não ao juiz togado), formulando seu pedido fundamentadamente; o árbitro, considerando estarem demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora, concederá a medida cautelar. Se a parte em face de quem for decretada a medida conformar-se com a decisão, a ela submetendo-se, não haverá qualquer intervenção do Poder Judiciário; se, ao contrário, caracterizar-se resistência, o árbitro solicitará o concurso do juiz togado, não para que este delibere se é caso ou não de conceder-se a medida pleiteada, mas apenas e tão somente para concretizá-la.

Relativamente à eventual substituição do árbitro, o parágrafo 5º do artigo 22 deixa a

critério do novo árbitro (substituto) apreciar as provas já produzidas ou repeti-las, na medida

em que será ele o responsável pela análise e valoração das provas para formar o seu livre

convencimento e fundamentar sua decisão – conforme exige o inciso II do artigo 26 da Lei

de Arbitragem.

Carlos Alberto Carmona (2013:332) bem esclarecer o tema:

Se o árbitro (ou algum dos árbitros que componha o painel de julgadores) que já tiver dado início à instrução processual tiver de ser substituído por qualquer motivo (morte, suspeição, impedimento, doença, incapacidade\0, seu substituto terá a faculdade (não a obrigação) de fazer repetir as provas já produzidas. Trata-se, bem se vê, de critério de abrandamento do princípio da imediação: é desejável que o julgador tenha contato direto com as partes, peritos, testemunhas, mas caberá ao julgador avaliar se os atos instrutórios praticados pelo seu antecessor são satisfatórios para o seu convencimento ou se sente necessidade de repetir algum, alguns ou todos eles. O alvo maior do dispositivo é a prova oral: pode o árbitro querer ouvir novamente uma testemunha, parte ou perito; mas é provável que isto só ocorra se o julgador perceber que houve falha na condução da instrução, que deve traduzir-se em impressões direta sobre o julgador.

Portanto, é importante que o novo árbitro avalie substancialmente todas as provas

produzidas para verificar se se sente seguro o suficiente para proferir sua decisão com base

no quanto consta dos autos e foi produzido por seu antecessor, ou, se necessitando formar

suas impressões, realize as provas que avaliar ser importantes serem refeitas.

Registre-se a possibilidade prevista na Lei de Arbitragem de serem proferidas

sentenças parciais (nova redação do parágrafo 1º do artigo 23), além de ser confirmada, no

novo parágrafo 2º, a possibilidade de as partes se ajustarem para prorrogar o prazo para ser

proferida a sentença final, o que é totalmente consentâneo com o aspecto da liberdade

contratual que cerca a arbitragem, evitando, assim, eventual nulidade do procedimento por

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extrapolação do prazo, conforme regra do inciso VII do artigo 32, que fulminava de nulidade

a sentença proferida fora do prazo.

Ainda, conforme redação do artigo 30, é conferido às partes a alternativa de, em

comum acordo, ajustarem o prazo do pedido de esclareça ou corrija a decisão proferida

(espécie de embargos de declaração), de modo que não mais ficarão adstritas ao prazo legal

previsto anteriormente, que era de cinco dias, podendo fixar livremente qualquer outro, o

mesmo acontecendo relativamente ao prazo para que seja aditada a sentença.

CONCLUSÃO

A arbitragem é ferramenta bastante útil para a solução de controvérsias, estando

disponível para pessoas capazes (naturais, jurídicas – de direito privado ou de direito

público) para o julgamento de questões relacionadas a direitos disponíveis.

As partes que optam por esse procedimento podem escolher o rito a ser seguido

assim como as regras que serão aplicadas no julgamento, de modo que não precisam

submeter-se aos ritos processuais convencionais.

É um procedimento que privilegia a autonomia da vontade, fazendo prevalecer a

disposição das partes, em especial naquilo que se refere à tramitação do processo, cabendo

a elas definirem os procedimentos que deverão ser seguidos, assim como poderão aderir às

disposições da instituição que escolheram para a tramitação do processo arbitral, ou então

deixarem aos próprios árbitros definirem esses procedimentos.

Na arbitragem, a utilização do contraditório e da ampla defesa é aberta, podendo as

partes apresentar todos os argumentos e fatos que tiverem a respeito da questão debatida,

de modo a formar o convencimento do árbitro a respeito da preponderância do seu direito.

Por conta disso, pode-se concluir que a arbitragem é um procedimento efetivo de

pacificação social, colocado à disposição das partes que possam contratar, ao qual devem

aderir livre e espontaneamente, podendo definir os procedimentos da forma que bem

entenderem, desde que seja respeitada a ordem pública e os bons costumes, além dos

princípios do contraditório e da ampla defesa.

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DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 – Disponível na internet: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm > Acesso em 06.03.2016.

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004 - Disponível na internet <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm> - Acesso em 06.03.2016.

ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm> - Acesso em 06.03.2016.

INSTITUTO NACIONAL DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM. Disponível na internet: <http://www.inama.org.br> Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 8.078, DE 11.09.1990. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 9.099, DE 26.09.1995. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 9.307, DE 23.09.1996. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 10.259, DE 12.07.2001. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 11.079, DE 30.12.2004. Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015, Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> - Acesso em 06.03.2016.

LEI Nº 13.129, DE 26 DE MAIO DE 2015, Disponível na internet: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm> - Acesso em 06.03.2016.

ORDENAÇÕES FILIPINAS. Disponível na internet: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm> - Acesso em 06.03.2016.

MEDIDAS EXTRAJUDICIAIS PODEM TORNAR JUDICIÁRIO EFICIENTE - Artigo publicado na Folha de São Paulo, dia 08.03.2014 Disponível na internet: <http://www.adamsistemas.com/archives/2877> - Acesso em 06.03.2016.

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PROJETO DE LEI Nº 7.169/2014. Disponível na internet: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1230584&filename=PL+7169/2014>- Acesso em 06.03.2016.

PROJETO DE LEI DO SENADOR Nº 517/2011. Disponível na internet <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101791>- Acesso em 06.03.2016.

RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ, DE 29.11.2010. Disponível na internet: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/arquivo_integral_republicacao_resolucao_n_125.pdf> - Acesso em 06.03.2016.

SENADO FEDERAL. Disponível na internet: <http://www.senado.gov.br/> - Acesso em 06.03.2016.

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A GLOBALIZAÇÃO E A CRISE NO DIREITO: REPENSANDO A ÉTICA E A

MORAL NO ESTADO PÓS-MODERNO.

DENDASCK, Carla12

SILVA, Adonias Osias 13

DENDASCK, Carla; SILVA, Adonias Osias – A globalização e a crise no direito: Repensando a ética e a moral no Estado Pós-Moderno- Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 98-119 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

O presente ensaio tem por escopo uma análise crítica sobre a globalização tecnológica e econômica e os seus impactos no direito positivo, com sua lógica normativista formal face a contextos que se apresentam cada vez mais complexos e mutáveis. Partindo dessa premissa, pretende-se avaliar como a ética e a moral podem servir de norte nessa mudança de paradigma que se faz necessária para uma aplicação do direito que melhor atenda aos anseios do cidadão em uma sociedade em constante mudanças. Busca-se analisar o papel do direito sob esse novo viés de globalização e a sua relevância para o homem hodierno.

Palavras Chaves: Ética. Moral. Globalização. Direito

INTRODUÇÃO

É de sabença geral que a trajetória do homem no planeta, iniciando nas cavernas até

o homo sapiens, quando o homem passou a tomar consciência de sua inteligência e instituiu

12 Doutora em Psicanálise, Pós- Doutorando em Psicanálise Clínica , Mestranda em Bioética- Diretora do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados- E-mail: [email protected] 13 Advogado, Pós- graduado em Direito Tributário; Mestrando em direito na Escola Paulista de Direito; [email protected]

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sua liberdade para vencer os obstáculos que sempre atravessaram seu caminho, sempre foi

marcada pela participação do homem na construção do direito e da justiça.

Mesmo nos primórdios da civilização, quando ainda não se tinha uma ideia

aperfeiçoada de direito e de justiça como temos nos dias atuais, o homem sempre lutou para

ser o ator da sua própria história e dentro dessa toada passou a ser um ser político e moral,

que agia dentro do seu conceito de ética e moralidade.

Aliás, pode-se diferenciar o homem dos demais seres vivente exatamente por conta

do seu desenvolvimento intelectual, que por sua vez está diretamente relacionado à sua

conduta em sociedade, ou seja, no seu procedimento moral que é demonstrado por meio de

suas atitudes na convivência coletiva com os seus pares, o que não sói acontecer com os

demais seres vivos, que agem simplesmente por instinto. Essa sua postura entre os demais

semoventes da natureza é que lhe dá lugar de destaque como ser social dominador (REALE,

1994).

Desde os costumes sociais transmitidos de pai para filho as relações dos grupos

sociais evoluíram de simples paradigmas de convivência até se chegar a estruturação de

comandos mais sólidos tais como o direito positivado, e tudo isso como consequência do

caráter eminentemente gregário do ser humano que a partir da sua convivência social fez

exsurgir o direito, como fenômeno social de sua própria cultura, com suas regras e sanções.

E para ratificar essa realidade há um brocardo em latim que diz: “ubi est societas,

ibi ius” (onde houver sociedade, aí estará o direito). Esse é o ponto de partida do presente

ensaio, uma vez que a sociedade evoluiu, tornou-se global, e o direito positivo com sua

normatividade formal, ao que parece, já não consegue atender aos anseios desse homem

moderno que em meio a um mundo globalizado segue em sua eterna jornada em busca da

justiça.

A globalização, que veio de mãos dadas com a revolução tecnológica e as mudanças

econômicas, após vencida sua primeira fase de instalação, qual seja, a integração dos

mercados mundiais, agora nos apresenta um novo desafio que são os desdobramentos e

os impactos nas instituições jurídicas. O grande desafio é saber qual a eficácia e o alcance

dos institutos jurídicos e de seus instrumentos legais para essa nova realidade do homem

globalizado.

Ao lado disso, não se pode olvidar o papel da ética e da moral para o direito moderno,

bases de uma sociedade justa e correta. Tal realidade pode ser constatada pelo simples fato

de que, na prática, a aplicação concreta do direito faz-se por intermédio da justiça distribuída

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por um homem – o juiz – a quem o sistema jurídico incumbe o honroso mister de solucionar

a controvérsia entre as partes litigantes em busca de uma sentença.

No cotejo do trâmite processual em busca da sentença o que se percebe é que são

postas em confronto não apenas as normas jurídicas, senão todos os princípios de ética e

moral que a lei processual exige não apenas dos litigantes como também do próprio juiz. O

ponto nevrálgico é saber como ser ético em meio a corrupção degenerada trazida no seio

da globalização e seus sistemas tecnológicos, onde se pode fraudar desde uma simples

escolha de síndico de condomínio até uma eleição para escolha dos nossos governantes.

A globalização econômica impõe ao homem o dever de ser rico, de ter, de possuir a

todo custo, e as inovações tecnológicas são os trilhos que conduzirão a locomotiva da

desonestidade, sob o vão pretexto de que os fins justificam os meios, afastando cada vez

mais os seres humanos dos valores éticos e morais recebidos de berço. E imbricado nesse

sistema da “lei de Gerson”, da facilidade a qualquer custo, encontra-se o direito, com todas

as suas vertentes e determinantes.

É sobre essa crise no direito que se pretende tratar no presente texto, levando em

conta os aspectos da globalização, que tornou o mundo em uma aldeia global, e levou

consigo os valores da ética e da moral que nos foram transmitidos pelos nossos patriarcas.

Vivemos hoje em contextos cada vez mais complexos e mutáveis, que clamam por um direito

contextualizado, um direito que atenda às necessidades do homem atual, que já não são

mais as mesmas do homem inserido no contexto do século passado.

O que se pode afirmar de concreto é que o Estado e o direito, nos moldes tradicionais

que estão implantados na sociedade hoje, não se adequam às evoluções sociais vividas

pelo homem dentro da sociedade. Hoje, mais que nunca, o direito precisa tomar outros

rumos se quiser atender aos anseios desse homem globalizado. O direito tem que se voltar

para meios alternativos, ou seja, o direito deve ser um direito de negociações, de mesas

redondas, de arbitragem e mediação.

O certo é que os caminhos que nos trouxeram até aqui não serão os mesmos que

nos levarão daqui para adiante. E por conta dessa realidade é válido analisar até que ponto

o direito positivado, com uma lógica formal e inflexível, pode atender a contento os anseios

desse homem globalizado, em especial no que concerne ao aspecto ético e moral. Há

necessidade de se manter a ética e a moral sem perder de vista o direito justo e sua correta

aplicação ao caso concreto.

A GLOBALIZAÇÃO NO ESTADO MODERNO.

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A história tem mostrado que o homem sempre lutou por melhorias em suas condições

de vida. Os conglomerados humanos já tomavam forma de cidades há cerca de 3.500 a.C

e do seu contexto social emergiam os guerreiros com suas primitivas armas que eram

forjadas para defesa do grupo social. A partir dessa realidade surgiam os construtores de

suas mansardas, os que dominavam a utilização da água, e aqueles, que com sua sabedoria

aprenderam a interpretar os fenômenos naturais e se tornaram seus sacerdotes e primeiros

juízes.

A partir desse desenvolvimento primário o homem e a sociedade desenvolveram-se

de várias maneiras e em diversos estágios, que não convém aqui analisa-los, uma vez que

o presente papel não se presta a esse desiderato. Entretanto, vale destacar aqui apenas os

abolutismos que marcaram os primeiros tempos do Estado Moderno, que trouxe como

característica o monopólio do uso da violência por parte dos déspotas, que de maneira

absoluta detinham o poder a todo custo, sendo não apenas legislador mas também juiz da

sua própria vontade.

O estado, visando manter a paz social ameaçada ou violada, proibiu a autotutela e

chamou para si a responsabilidade de solucionar os litígios. A partir desse momento o

Estado passou a ter a função de aplicar o direito aos casos concretos a ele submetidos e

compor os conflitos.

Em decorrência disso surgiu o Estado como detentor da ordem, da lei e da justiça

restringindo o campo de atuação dos governantes aos estritos limites da lei, conferindo ao

judiciário a competência exclusiva para julgar e dirimir os conflitos, e esse o faz por meio da

jurisdição. O vocábulo jurisdição procede da composição de duas palavras: do substantivo

latino jus, juris, que significa “direito”, mais a terceira conjugação do verbo dicere, que

significa “dizer”, “afirmar”, “expressar”. Assim, jurisdição é o poder que o Estado tem de dizer

o direito.

Entretanto, a jurisdição é inerte, segundo o brocardo latim: “nemo iudex sine actore;

ne procedat iudex officio (não há juiz sem ator; o juiz não procede de ofício). Daí surgiu o

art. 2º do Código de Processo Civil, que assim prolata: “Nenhum juiz prestará a tutela

jurisdicional senão quanto a parte ou interessado a requerer, nos casos e formas legais”.

Por essa razão, para que o Estado possa oferecer a prestação jurisdicional e exercer

seu papel como mediador dos litígios há necessidade que o titular do interesse em conflito

na relação jurídica de direito material tenha iniciativa e vá bater às portas do judiciário. Por

oportuno, é válido ressaltar que embora o Estado não tenha iniciativa para início da

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jurisdição, uma vez provocada a função jurisdicional do Estado, o processo será

desenvolvido por impulso oficial até sua ultimação com uma sentença que ponha fim à lide

provocada.

Com o crescimento populacional e o crescimento econômico, tecnológico e social, a

demanda de cidadãos que batem às portas do judiciário são proporcionalmente maiores que

as respostas dadas àqueles que buscam uma resposta às suas demandas e litígios. E o

resultado disso é que o judiciário, que já não atende às demandas ali levadas, passa a um

ativismo judicial que não corresponde aos anseios do cidadão.

Hoje, com a globalização, os problemas enfrentados pela sociedade são

completamente diferentes dos vivenciados pela geração passada e a tendência é um

incremento dessas dificuldades, e a certeza que nos resta é que o judiciário não está

preparado para as mudanças que se apresentam para a próxima geração, que trataremos

nas linhas seguintes.

Quando se fala em globalização o que se tem em mente é uma análise séria dos

processos e mudanças inter-relacionadas e que estão acontecendo no cenário mundial, e

com isso todo o modo de pensar, agir e viver da sociedade está sendo alterado

substancialmente. Tais mudanças afetam não apenas as estruturas econômicas e sociais,

senão que interferem diretamente no modo de produção jurídica atual e, como resultado, na

forma de pensar e fazer o direito.

O primeiro ponto que não se pode deixar de mencionar é a questão da soberania do

Estado-nação face ao crescimento do multinacionalismo e transnacionalismo. Com o

aumento das empresas multinacionais e o surgimento desenfreado de agentes

supranacionais e transnacionais trazidos pela globalização, o Estado-nação vê sua força

mitigada no que respeita a regulamentação e estruturação das regulações econômicas, bem

como no que tange a proteção do indivíduo e da sociedade. O que antes era de competência

exclusiva do estado-nação, a partir da globalização passará a ser alvo e interesse de outras

instituições transnacionais e multinacionais.

As empresas multinacionais, com sua capacidade para expansão, tanto da produção

quanto outras operações por todo o mundo, em que pese sua importância para o

desenvolvimento econômico e social, impõem ao direito um modo de pensar completamente

diferente dos moldes trazidos do século passado e que tem se perpetuado na história. A

facilidade com que essas empresas têm para mudar suas fábricas de um país para o outro

bem como seu potencial de negociação mundial, passa a exigir do direito uma visão global

e mais aberta e menos sistemática, fechada e localizada como a atual.

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A relevância dessas empresas para a economia mundial conduz a uma mudança de

foco para as relações sociais, com toda sua complexidade, passando a exigir do jurista não

apenas a visão nacional, porém, um olhar ‘além das fronteiras’, ou seja, um olhar global. Até

mesmo porque virou lugar comum se ouvir que “o mundo é uma aldeia global”, significando

com isso que as cercas, os muros e os limites que nos separavam dos nossos vizinhos,

agora já não mais podem ser vislumbrados.

Tal realidade afeta o direito em todos os níveis e tem seus desdobramentos nos

valores éticos, morais e de bom comportamento que se exige do cidadão inserido nesse

contexto social globalizado. Expostos a todos os riscos trazidos pela globalização, esse

cidadão, que procura no judiciário uma resposta à sua demanda, não encontra no direito

mais que conceitos e institutos pré-estabelecidos, formalmente impostos e determinados,

que não consegue atender às suas necessidades dentro dessa complexidade global.

Por essa razão, pode-se afirmar que a globalização aponta para uma mudança no

direito civil, penal, empresarial, administrativo e, acima de tudo, no direito internacional, que

precisa se adequar constantemente para o atendimento de situações novas e inusitadas que

até algum tempo atrás não se pensava sequer existir, tais como o comércio global e a união

de mercados financeiros que, não obstante sua flexibilização para criação de capitais unidos

globalmente e a facilitação do livre fluxo de investimento sem fronteiras, não deixa de ser

uma realidade nova e difusa para o direito atual.

Um outro fator que deve ser pensado nesse mundo globalizado é a questão do

crescimento dos blocos econômicos regionais, pois isso afeta diretamente o modus operandi

do direito como está posto em nossa sociedade. O que é mais comum hoje, e que tem

aumentado a cada ano que passa, é o intercâmbio entre os blocos regionais de comércio,

ou seja, a diminuição das barreiras comerciais entre as nações. Basta lembrar de siglas

como ALCA, MERCOSUL, UEA, apenas para citar alguns desses blocos que se unem com

afinidades comerciais. O certo é que hoje o comércio internacional é uma realidade e os

conceitos neoliberais, que eram mais hegemônicos, estão abrindo as portas de muitas

nações outrora fechadas ao diálogo, como é o caso da Europa Oriental, a antiga União

Soviética e, porque não dizer, com reflexos positivos na China.

O livre comércio internacional e a ênfase exacerbada que se dá aos mercados privados,

de certo modo descentraliza e reduz o papel governamental, que sempre foi o regulador da

economia. Essa mudança à livre negociação é de tamanha monta que influenciou

diretamente a política econômica do “Tio Sam”, bem como a política econômica europeia

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em geral, levando à criação de entidades como o FMI, o BIRD (assim como os bancos

regionais e o GATT), espraiando seus efeitos ao redor do mundo globalizado.

E se todas essas mudanças não fossem suficientes para desenhar o gráfico da

sociedade atual, ainda se pode falar na tendência mundial à democratização, à proteção dos

direitos humanos, levando um interesse muito maior à seara do direito, dada a função

jurisdicional do Estado inicialmente apontada. Paralelo às manifestações gritantes por

mudanças econômicas, percebe-se um esforço tremendo, a nível internacional, para a

criação de políticas liberais, que visem tutelar os direitos humanos individuais, bem como o

controle da arbitragem governamental e o fortalecimento dos institutos jurídicos que venham

realmente atender ao pedido de prestação jurisdicional do cidadão, face aos seus interesses

difusos e coletivos.

Paralelo a tudo isso encontramos ainda as ONGs, que são os protagonistas

transnacionais e supranacionais que surgem nesse cenário visando tutelar os direitos

humanos, o direito dos desvalidos, o direito a um meio ambiente sustentável, o direito das

populações indígenas, o direito das minorias étnicas, a questão dos homo afetivos na

sociedade, apenas para citar algumas delas. Não se pode mais olvidar que todas essas

questões fazem parte do dia a dia do cidadão e a sociedade anseia por uma resposta

satisfatória e que venha ao encontro desse homem moderno que, ao que parece, foi

convidado a sair da caverna, entretanto não lhe foi dado os meios necessários para seguir

em frente, razão pela qual continua absorto a tudo o que vê ao seu redor, sentindo-se

impotente e despreparado para enfrentar essa nova realidade.

Ao analisar toda essa problemática global, fica patente que o direito não tem envidado

esforços à canalização e condução dos conflitos e embates surgidos no seio da sociedade,

razão pela qual há que se falar não apenas em uma mudança radical e urgente, senão em

uma total adequação de conceitos tradicionalmente utilizados, de tal modo que, do mesmo

modo como o homem saiu da caverna, o direito também faça o mesmo caminho e venha ao

encontro desse homem moderno em meio a uma sociedade caótica, um mundo globalizado,

e uma vivência de conflitos generalizados em todos os níveis.

DIREITO POSITIVISTA E LÓGICA FORMAL.

Não é possível falar em positivismo na seara jurídica sem se atrelar à figura de Hans

Kelsen. Na realidade, embora seja considerado o pai do positivismo vale destacar ab initio

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que toda doutrina positivista foi sendo construída ao longo dos anos e teve seu papel

preponderante para o desenvolvimento do direito enquanto ciência jurídica.

Para Kelsen, o direito deveria ser entendido como norma, divorciada de qualquer

concepção social ou valorativa. Exatamente por pensar desse modo é que o ponto central

da sua obra, conhecida como Teoria Pura do Direito, é a libertação dessa ciência jurídica de

todos os elementos que, pela ótica de Kelsen, não lhe são próprios. Ao propor essa cisão o

jurista alemão visa dar à ciência jurídica uma autonomia própria, totalmente livre de

elementos que não pertençam à sua alçada.

Para Kelsen a ciência jurídica pura deve ser inconfundível com a psicologia, a

sociologia, a política e a moral. Embora tais ciências se relacionem de algum modo com o

direito e cruzem seu caminho na maioria das vezes, mesmo assim a ciência jurídica não

pode ser impregnada com tais conceitos alheios à sua área de atuação. Tal entendimento,

embora soe estranho aos ouvidos, tem seu valor quando se quer falar de justiça, pois se

utilizando de uma linguagem precisa e rigidamente lógica, Kelsen abstraiu do conceito do

Direito a ideia de justiça.

A justiça está sempre e invariavelmente imbricada com os valores (sempre variáveis)

adotados por aquele que a invoca (seja por argumentos sociológicos, psicológicos ou

morais), não cabendo num conceito de Direito universalmente válido, por conta da

imprecisão e fluidez de significado, pois o que é justo para um determinado contexto ou

sociedade não seria justo para outro.

Na visão de Kelsen o direito se restringe a um conjunto de normas representadas por

prescrições que revelam a categoria do “dever ser”, e desse modo relega os fatos a uma

escala de jurídico ou antijurídico. Com isso se percebe claramente que Kelsen cria uma

deontologia baseada na distinção entre ser e dever-ser. Em outras palavras, Kelsen traça

uma distinção entre as coisas como são e as coisas como devem ser, e essa relação entre

“o ser” e o “dever-ser” desemboca em duas vertentes distintas, e que são cruciais na sua

concepção do Direito. A primeira dessas vertentes diz respeito ao fato de que essa distinção

entre ser e dever-ser serve para diferenciar entre as duas modalidades em que se pode

estudar direito: a primeira é a visão do direito como ele é, e a segunda é a visão do direito

como ele deve ser. A segunda vertente dá conta que essa distinção também serve para

fazer um marco divisório entre o reino dos fatos - relacionado ao ser - e o reino das normas

- relacionado ao dever-ser. Assim sendo, cria-se a seguinte equação: o não cumprimento da

obrigação (a ausência do fato obrigacional), implica em sanção (dever ser). Em palavras

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mais claras: ao não cumprimento (dever), deve haver penalidade (sanção estabelecida pela

norma).

Neste contexto, Kelsen observa que a norma é um produto da vontade, elaborada

com a finalidade de regular a conduta humana e que funciona como um esquema de

interpretação. Aqui se faz necessário destacar que para o positivismo a norma tem validade

não pelo sentido de ser justa, mas pelo simples fato de estar ligada a outra norma

considerada superior que ele denomina de norma fundamental. É a partir desse conceito

metodológico da norma fundamental que o jurista consegue criar uma sistematização de

toda uma ordem jurídica.

Uma de suas concepções teóricas de maior alcance prático é a ideia de

ordenamento jurídico como sendo um conjunto hierarquizado de normas jurídicas

estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, pontuada e dominada pela Constituição do

Estado, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior (as diversas leis

infraconstitucionais e os outros atos normativos). Desta concepção teórica é que se extrai o

conceito de rigidez constitucional, o que vem a possibilitar e a exigir um sistema de tutela da

integridade da Constituição. Embora haja controvérsias quanto a criação da pirâmide

normativa, para efeito do presente ensaio atribui-se a Kelsen.

Outra grande contribuição do jurista para o mundo prático do Direito foi a

Constituição da Áustria de 1920, redigida sob a sua inspiração. À sombra da influência do

pensamento Kelseniano esta Carta Política Austríaca inovou às anteriores, introduzindo no

Direito Positivo o conceito de controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos

normativos como função jurisdicional a cargo de um tribunal constitucional, incumbido da

função exclusiva de guarda da integridade da Constituição.

A partir daí a jurisdição constitucional pode ser seccionada em duas vertentes: a

jurisdição constitucional concentrada (controle concentrado da constitucionalidade) e a

jurisdição constitucional difusa (controle difuso da constitucionalidade). Este último modo de

guarda da Constituição (difuso) já era praticado nos Estados Unidos da América.

No ordenamento jurídico pátrio, sob a égide da Constituição Federal de 1988, a

jurisdição constitucional é praticada dos dois modos: o concentrado, por meio de ações

próprias da competência do Supremo Tribunal Federal, e o difuso, executado nos autos de

quaisquer ações (e dos recursos a estas inerentes) da competência de qualquer órgão

jurisdicional, sejam juízes ou tribunais.

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Portanto, quando se discute Kelsen não se pode perder de vista o foco da questão

principal do seu pensamento que é a validade da norma jurídica e a sua hierarquização,

sendo esse um dos aspectos mais importantes da sua teoria.

Diante do exposto, percebe-se que o direito positivista é um conjunto de normas que

regulam a conduta humana e essas normas, por sua vez, quando legitimamente válidas e

descumpridas adquirem poder para estabelecer sanções, pois, em razão da sua estrutura,

é caracterizada como uma ordem coercitiva e que só tem validade se estiver umbilicalmente

ligada a outra norma.

O grande problema que se apresenta em relação ao positivismo jurídico é que

mesmo sendo ele um sistema de normas que regulam a conduta do homem dentro da

sociedade, mesmo assim a inflexibilidade do direito positivado não consegue atender aos

anseios desse mesmo homem. Nessa esteira vale a pena ressaltar a crítica feita por Dworkin

ao positivismo jurídico ao afirmar que o positivismo é tão dogmático que “a lei

frequentemente se torna aquilo que o juiz afirma”(DWORKIN, 2003, p. 4). Nessa crítica

Ronald Dworkin faz um contraponto ao direito positivista apresentando um modelo teórico

que tem como escopo dar uma resposta adequada a questão da interpretação, que ele

chama de integridade do direito

Pois bem, esse dogmatismo intolerante do positivismo jurídico, que acaba por reduzir

a lei ao pronunciamento de determinados juízes é que culmina por tirar a esperança do

cidadão, relegando o direito apenas ao mundo das ideias, aquilo que deveria ser, e não ao

mundo real, aquilo que se espera quando se ingressa no judiciário com uma demanda: a

concretude da demanda judicial. Não se fala aqui em justiça, pois como já foi mencionado,

o positivismo jurídico não tem essa pretensão de justiça, mas simplesmente visa fornecer

um conceito universalmente válido de direito, apartado de outras realidades sociais. O que

se pretende aqui é que pelo menos a tão almejada prestação jurisdicional seja efetivada de

fato e de direito e não apenas teorizada em normas jurídicas, verbalizadas pela toga.

A ÉTICA E A MORAL NO DIREITO

Quando se fala em ética e moral no direito não se pode deixar de mencionar que a

conduta de um indivíduo em relação ao outro, seja em que contexto social ocorra, nas lutas

judiciais levadas a efeito à justiça, sempre tem um forte cunho moral.

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A única diferença entre os postulados éticos e morais e o direito é que esse último

tem sua força coercitiva regulada pelo ordenamento jurídico, que a todos se sobrepõe com

suas regras, ditames e normas definidas, que trazem consigo as sanções passíveis a quem

a elas não se submetem.

O jurista positivista Hans Kelsen (2001:36), já mencionado nesse texto, traz uma

importante contribuição para a compreensão desse tema ética e moral no direito. Em sua

obra “o que é justiça”, o sábio alemão assim se expressa:

Embora reconhecendo o direito como a técnica social específica da ordem coercitiva, podemos compará-lo com outras ordens sociais que, em parte, perseguem os mesmos objetivos que o direito, mas por meios diversos. O direito é meio social específico, não um fim. O direito, a moralidade e a religião – todos os três proíbem o assassinato. Mas, o direito faz isso provendo que: se um homem comete assassinato, outro homem, designado pela ordem jurídica, aplicará contra o assassino, certa medida de coerção prescrita pela ordem jurídica. A moralidade limita-se a exigir: não matarás.

É digno de nota que embora a moral não tenha o poder e a força de estabelecer uma

sanção pela sua desobediência, como faz o direito, mesmo assim ela não pode ser

desprezada pelos estudiosos do direito, uma vez que antes mesmo do direito positivado com

suas normas e conceitos a moral já era utilizada pelas sociedades primitivas como meio de

nortear e conduzir os relacionamentos no convívio social.

Portanto, a distinção entre a moral e um princípio jurídico é uma linha tênue e que

muitas vezes caminham juntas e próximas e que são separadas apenas pelos seus efeitos.

Tomemos como exemplo um filho que ao passar pelo pai e recebe um cumprimento não

retribui na mesma delicadeza, ou até mesmo o destrata, tal comportamento é uma ofensa

moral para a qual não existe uma cominação legal. Entretanto, se esse mesmo filho, ao ser

cumprimentado pelo pai lhe causa uma lesão corporal, nesse caso comete crime previsto

no ordenamento e deve ser punido.

Por essa razão, Chaïm Perelman (1996:289), o grande filósofo de Bruxelas e um

dos maiores filósofos do direito do Séc. XX, ao tratar desse tema direito e moral, deixou

registrado o seguinte:

Tradicionalmente, os estudos consagrados às relações entre direito e a moral insistem, dentro de um espírito kantiano, naquilo que os distingue: o direito rege o comportamento exterior; a moral enfatiza a intenção, o direito estabelece uma correlação entre os direitos e as obrigações, a moral prescreve deveres que não dão origem a direitos subjetivos, o direito estabelece obrigações sancionadas pelo poder; a moral escapa às sanções organizadas. Os juristas, descontentes com uma concepção positivista, estadística e formalista do direito, insistem na importância do elemento moral no funcionamento do direito, no papel que nele desempenham a

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boa-fé, a má-fé, a intenção maldosa, os bons costumes, e tantas outras noções cujo aspecto ético não pode ser desprezado.

Pelas palavras do erudito filósofo de Bruxelas já se dá para ter uma ideia da

dimensão que a moral e a ética desempenham na aplicação do direito para os dias atuais.

Vivemos em uma sociedade onde os valores éticos e morais se confundem com os

interesses pessoais e particulares, razão pela qual tais valores são cada vez mais relegados

a segundo plano, marcas de uma sociedade consumerista, onde o que importa é se atingir

os fins, não importando os meios utilizados para tal, fazendo prevalecer o velho brocardo de

que os fins justificam os meios.

Pois é exatamente nessa tênue linha entre os valores morais e éticos e os bons

costumes que o direito deve palmilhar sua trajetória, uma vez que a sociedade vem perdendo

a noção desses valores a cada geração que passa. Na época dos nossos pais a simples

palavra empenhada selava um negócio jurídico e era levado a efeito até às ultimas

circunstâncias.

Atualmente, mesmo estando cercado de todas as garantias, de fidúcia e tudo o mais,

mesmo assim não se tem mais a real segurança de que o negócio jurídico chegará a termo

de um modo são, sem a intervenção do estado exercendo seu papel coator para exigir as

regras inicialmente compactuadas.

Diante dessa exigência social que se impõe na atualidade o direito, do modo como

se materializa no processo, por meio da decisão do juiz, traz à tona todo o acervo da cultura

humana no trato dos interesses dos litigantes em face do estado jurisdicional, que cada vez

mais assume seu papel coator delegado pela própria sociedade.

O certo é que no cotejo da prática processual são postos em confronto não apenas

as normas jurídicas como também todos os princípios éticos que a lei do processo exige dos

litigantes e até mesmo do próprio juiz. Ladeado da liberdade existe toda uma estrutura de

lealdade e sinceridade que é exigido por lei nas lides e embates judiciais. O que se deve

buscar é não apenas a norma positivada e formal, mas também os valores morais e éticos

como elementos essenciais da pretensão jurisdicional buscada.

A sociedade, do modo como está organizada hoje, com todos os instrumentos de

controle social e o aumento da informação por meio da tecnologia e o crescimento

econômico por conta da globalização, já não se presta a um papel de mera expectadora da

justiça. Ao contrário, pela falta que o ordenamento jurídico tem demonstrado, o que se

observa hoje, mais que nunca, é uma sociedade querendo fazer justiça com as próprias

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mãos, tentando preencher esse vácuo deixado pelo judiciário na prestação jurisdicional, mas

infelizmente operando da maneira errada, cometendo, muitas vezes, sob o manto da justiça,

mais injustiça ainda. Tudo isso por conta desse formalismo jurídico, que busca apenas na

técnica e aprimoramento das leis as respostas aos problemas sociais, o que deixa evidente

que esse modelo já não é mais suportado pela sociedade moderna.

No tocante a isso é válido ressaltar aqui as palavras do jurista italiano Francesco

Carnelutti (2004:60), que exarou: “Se o direito é um instrumento da justiça, nem a técnica

nem a ciência bastam para manejá-lo”. Fica evidenciado, pelas palavras do ínclito jurista

italiano que a aplicação prática do direito, que se faz através da justiça levada a efeito nos

conflitos judiciais, exige mais que técnicas Jurídicas e manejo de normas para que se faça

justiça. A grande questão que não se pode mais ocultar é saber se a aplicação do direto

como é feita nos dias atuais, de um modo positivado, pronto e formal, visa realmente a

justiça. Percebe-se que na aplicação do direito os problemas práticos levados ao judiciário

não encontram resposta ante aos conceitos jurídicos pré-estabelecidos e estritamente

formais.

Não foi sem razão que Jhering (2012:322) disse que os problemas práticos não se

adaptam bem ao paraíso dos conceitos em que muitos juristas preferem viver. Segundo

João Maurício Adeodato (2012:317), propõe-se uma interpretação menos dogmática da obra

de Jhering, autor esse que é internacionalmente considerado um dos mais importantes para

a dogmática do direito privado.

Diante disso percebe-se que o direito deve caminhar em busca de um equilíbrio

entre a visão positivista normativista de Hans Kelsen, onde a decisão do juiz deve ser

moldada pela norma posta (daí direito positivo), e a posição mais extremada

proposta pela tópica de Viehweg, para a qual a decisão não deve guardar relação com os

textos normativos. Quanto a isso, João Maurício Adeodato (2012:313) escreve com muita

propriedade sobre o tema:

A tópica de Viehweg parece levar a uma “abertura” excessiva em relação ao texto normativo, que é considerado apenas expressão de um topos dentre outros. Ao recusar o postulado dogmático da conexão necessária com o texto, a tópica faz da “orientação por meio de problemas” um método por demais livre e aproxima-se do decisionismo.

O que se tenta resgatar é esse dogmatismo do direito positivo que busca apenas e

tão somente na norma posta pelo estado sua base de sustentação, em detrimento dos

argumentos moral e ético na busca por justiça. O que se reveste de maior importância é o

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ordenamento jurídico vigente, estatalmente positivado e regido por suas próprias regras

extremamente formais.

Como corolário desse cenário formal e rígido, que já não atende mais aos anseios

do homem moderno é que surgem os meios alternativos de solução de conflitos, tais como

a mediação, a arbitragem, conciliação, que se apresentam como coadjuvantes ao poder

judiciário na tentativa de desafoga-lo. Tais institutos trazem no seu bojo não apenas uma

alternativa ao tradicional modo de solução de conflitos, senão uma busca e um resgate pelos

valores morais e éticos que se manifestam na atuação dos árbitros e mediadores.

Dentro do cenário desses novos institutos que surgem em nossa sociedade é que

deve resplandecer a conduta do advogado como profissional de direito, pondo à prova sua

postura ética e moral diante dos embates que se apresentam cada vez mais acirrados. De

um lado tem o direito do cliente que patrocina; por outro lado, como adversário, a resposta

da parte contrária, que também tem seu patrono advogado.

É nesse contexto que o advogado deve exercer sua árdua tarefa intelectual na

defesa do seu cliente, entretanto, mantendo-se de pé e alinhado com sua crença no direito

que defende e na justiça que busca, sem olvidar os valores éticos e morais que conduziram

sua formação até o presente momento, ou seja, toda sua herança ética e moral que foi sendo

formada no decorrer da sua trajetória terrena.

A ÉTICA E A MORAL NA CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA

Uma vez analisada a relação entre ética e moral no direito, é válido abordar o outro

lado da moeda, qual seja, a ética e a moral na efetivação da justiça. Se o direito positivado,

como é posto hoje, busca tão somente a norma estatizada e rigidamente formal, sem levar

em conta os valores éticos e morais e dos bons costumes estabelecidos pela sociedade,

vale a pena fazer uma reflexão séria sobre a contribuição da ética e da moral na realização

da justiça.

Sabe-se que objeto da ética é a moral. O vocábulo moral deriva do latim, que

significa “costumes”, que, por sua vez, é a parte da ciência que cuida do bem, dos bons

costumes essenciais à vida social do homem. É o conjunto de normas de conduta humana

conforme a virtude. Portanto, percebe-se que a moral é indispensável ao conteúdo do direito,

em especial quando se fala em concretização da prestação jurisdicional, que se dá por meio

da justiça.

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A ciência dos deveres é conhecida como deontologia e os princípios axiológicos que

a normatizam não podem prescindir da ética. Consoante ensina o ilustre jurista Miguel Reale:

“a ética é a ciência normativa da conduta”. Apenas o ser humano detém esse legado, o que

difere dos demais seres viventes, como já foi mencionado no início desse texto.

É válido aqui as palavras de José Renato Nalini (1997:30), que é conhecido como

um dos mais importantes teóricos do estudo da ética no Brasil, que assim se expressou:

Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. É uma ciência, pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio. O objeto da ética é a moral. A moral é um dos aspectos do comportamento humano. A expressão deriva da palavra romana mores com sentido de costumes, conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.

Portanto, pode-se depreender que a ética é a ciência que estuda os atos da conduta

humana no contexto social com fundamento na lealdade bem como na decência, na lisura

de atos e na dignidade da postura, de tal forma que a busca da verdade seja o alvo maior a

ser alcançado, acima dos interesses pessoais escusos e das paixões. Infelizmente, o que

se observa é que os interesses pessoais têm se sobrepujado aos valores morais e éticos e

ao desejo real de justiça, e é essa situação que já não pode mais ser sustentada nessa

sociedade da informação e globalizada.

O que não se pode esquecer é que a ética se torna, dentro desse contexto atual,

uma condição indispensável para que se viva uma vida honrada nessa sociedade

globalizada. Sem ética fica insustentável a vida em sociedade, e a lealdade, que é sua

principal virtude, deve não apenas nortear as relações, senão passar a ser o núcleo da sua

própria essência.

Não é sem razão que o estudo com a ética vem ultrapassando os milênios e as eras

e já era motivo de preocupação para a erudição da Grécia antiga e clássica, cujas

contribuições devem ser consideradas até os dias de hoje quando se trata do tema ética e

moral.

Pode-se, apenas a título de exemplo, citar Aristóteles9, que admitido ainda jovem

como discípulo de Platão (que aos 41 anos foi designado por Felipe da Macedônia para

preceptor de Alexandre Magno) e fonte inesgotável da sabedoria humana, dedicou ao seu

filho Nicômaco, nascido do seu segundo casamento do Herpile de Estagira, um dos seus

trabalhos sobre a ética que ainda hoje é editado em toda parte do mundo.

Segundo Robison Barone (2012:23), em sua cartilha de ética profissional do

advogado, cita o estagirista da seguinte maneira: “...este estudo não é teórico como os

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outros, pois estudamos não para saber o que é a virtude, mas para sermos bons, que de

outra maneira não tiraríamos nenhum benefício dela” (Livro II da ética a Nicômaco).

Ainda, Miguel Reale (1994:24), outro importante jurista do cenário nacional, ensina

que Aristóteles, no oitavo livro da ética a Nicômaco, desenvolve sua teoria da justiça e ele

diz:

... o qualificativo de injusto se aplica a duas espécies de indivíduos: 1) àqueles que desobedecem à lei; 2) àqueles que querem receber mais que sua parte, ou seja, a parte que por direito lhes deveria ser concedida. Por oposição, o justo é o que obedece a lei e o que se contenta com sua parte.

Não se poderia deixar de lembrar o ilustre Baruch Spinoza (2010), ou Bendictus

Spinoza, como ele mesmo costumava assinar em seus escritos, que também se preocupou

com esse tema da ética, desenvolvendo um estilo hermético, desde a definição de Deus,

passando pelos caminhos em busca da liberdade da alma à potência da razão.

Observa-se, desse modo, pelas palavras desses nobres pensadores, que a ética tem

seu papel preponderante na aplicação do direito e na busca pela justiça. A teoria em

demasiado, desassociado da prática, tem dificultado e atropelado os rumos do judiciário ao

longo dos anos. Vale reiterar o que já foi falado acerca da complexidade dos temas que

estão surgindo nessa sociedade globalizada.

O certo é que a história do mundo está sendo escrita em uma velocidade vertiginosa

e acelerada, ao contrário das gerações passadas, onde os avanços eram dados a passos

lentos, e o direito tinha condições, até certo ponto, de se sustentar e dar uma resposta

adequada aos anseios dos cidadãos.

Hoje, com o avanço da ciência, as novas descobertas no campo genético, os milagres

e crescimento assustador da internet, a vida gerada em laboratórios, a clonagem de seres

humanos, a longevidade da vida, a fluidez das notícias, a fascinação pelo computador e a

epidemia dos celulares, o homem moderno já não tem mais as mesmas certezas que seus

antepassados. Agora tudo é relativo: o hoje se transmuda no ontem na rapidez de um átomo.

Dentro desse desenvolvimento todo e dessa tecnologia de ponta, a única coisa que o

homem não conseguiu, até agora, foi a fórmula mágica de ser solidário consigo mesmo, de

respeitar o outro homem, de não ser o pior e mais cruel predador da natureza. Infelizmente,

para desencanto dessa humanidade, que se encanta com a tecnologia de ponta, e as

grandes descobertas e avanço da ciência, o terror passou a ser a postura ética do outro, que

age ferozmente como um animal irracional, não apenas usurpando direito alheio, mas

também se enfurecendo contra qualquer que queira tutelar tais interesses.

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Dentro desse contexto, entende-se que a moral e a ética são atores fundamentais

para o resgate dessa sociedade corrompida e ávida por direito e justiça. Hoje, mais que

nunca, urge reabilitar a ética em nossa sociedade visando trazer novamente o homem de

volta à sua dignidade. Os caminhos da violência, do egoísmo, do orgulho, e da indiferença

pelo seu semelhante, são os alicerces da perda da moral e da ética. Não basta reconhecer

a dignidade da pessoa humana no ato normativo se a conduta pessoal vivenciada em

sociedade não tem se pautado por ela.

O certo é que a ética e a moral, uma vez resgatados, serão propulsores e

direcionadores à formação de um futuro de esperança e promissor para a humanidade, que

embora diante de tanta tecnologia e desenvolvimento, tem se voltado a práticas mesquinhas

e primárias, que mais afastam os homens do convívio social que os integram. Eis o grande

desafio que se apresenta às sociedades modernas, eis o papel da ética nesse limiar do

terceiro milênio.

A RELEVÂNCIA DO DIREITO PARA O HOMEM MODERNO

A relevância que o direito desempenha na sociedade moderna está fulcralmente

lidada à crise estrutural, disseminada e manifesta que descortinamos em nosso país o que

acaba gerando uma cadeia desenfreada de reações as mais adversas. A falta de valores

morais e éticos principiam pelos governantes que, ao invés de darem exemplo de lisura e

probidade, preferem percorrer a senda oposta, ancorados sob o manto da impunidade, que

revolta o cidadão que paga seus impostos e luta para manter uma vida digna e correta. Por

outro turno, alguns cidadãos revoltados com essa situação resolvem agir da mesma

maneira, sob a justificativa de que se o erro vem de cima não há porque não agir da mesma

maneira.

Esse panorama anárquico e de caos é o que o cidadão enfrenta no seu dia a dia e

não se cansa de perguntar até quando continuará assistindo a tudo isso impotente, sem

perspectivas de mudanças, envolvido em uma ordem jurídica que, com seu conjunto

complexo de leis estéreis, não consegue criar mecanismos de defesa desse cidadão que

mantém a estrutura estatal com seus pesados impostos, sem nenhum retorno concreto. O

certo é que a possibilidade ou perspectiva de alguma mudança dessa atual conjuntura deve

passar por uma reflexão séria e urgente dos institutos jurídicos e sua aplicação na

sociedade, que tem deixado a desejar no atendimento à prestação jurisdicional.

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Há muito material escrito sobre esse tema, e a tendência, com o passar do tempo, é

que mais juristas e estudiosos do direito voltem, seus olhos para essa problemática, no

sentido de uma mudança de direção dos rumos que o direito tem tomado, não apenas em

nossa sociedade mas, porque não dizer, no mundo como um todo, qual seja, o desrespeito

aos interesses do cidadão que busca justiça, em detrimento dessa corrupção desenfreada

que grassa e desgraça o judiciário, exatamente por conta de meros interesses pessoais.

Para o jurista Lênio Streck (2009) o direito não consegue preencher essa lacuna

existente em nosso ordenamento jurídico, que perpetua a política da impunidade e o

despreparo do judiciário em não atender aos anseios do cidadão, não por falta de previsão

no ordenamento jurídico, senão por conta do que ele chama de uma “crise de modelo”. O

que o jurista gaúcho propõe é uma mudança de paradigma do atual modelo jurídico

implantando em nossa sociedade, que se encontra muito distante da atual realidade vivida

em nosso país.

É exatamente essa “crise de modelo” detectada pelo jurista gaúcho o divisor de água

que vai conduzir a conduta do advogado nessa sociedade complexa e globalizada. Os

velhos crimes repugnados pela moral primitiva do homem das cavernas voltam agora a

serem cometidos com uma crueldade ainda maior. Some-se a isso outros delitos próprios

da nossa geração, como os crimes eletrônicos tais como a clonagem de cartões de crédito,

a movimentação criminosa de saldos bancários através de saldos eletrônicos, o envio

mendaz de e-mails com links que buscam captar senhas para fins criminosos, dentre outros

que só a mente humana é capaz de urdir e executar.

Pois bem, é dentro desse contexto caótico e desordenado que encontramos a

relevância do direito para o homem moderno, pois o direito, na sua busca por justiça, é o

centro de apreciação de todas essas angústias que inquietam o homem moderno. Desde os

dramas pessoais do direito de família com sua fria higidez, até a imobilidade absoluta de

nada se poder fazer diante da chacina de vidas inocentes tragadas pelas mãos de um

“justiceiro” insano e sedento por vingança, o direito deve ser repensado seriamente para

contemplar as mazelas sociais que emergem o homem moderno na mais completa

perplexidade e impotência diante dos fatos que se presencia a cada dia na sociedade.

A relevância do direito se faz ver na constatação da involução moral da sociedade

com a conduta dos gerentes da coisa pública, que primam em fazer da lei instrumento da

sua vontade, contra os interesses dos governados inábeis e ineptos de como lidar com esse

problema. O direito deve perpassar os interesses pessoais e ideológicos e se lançar na

busca por mudanças desse cenário que ora se apresenta.

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O império da força bruta tem sido o que tem prevalecido em nossa sociedade. No

trato dos direitos litigiosos os pratos da balança da justiça nunca oscilam em prol do cidadão

diante do estado, muito menos em favor do pobre frente ao mais abastado, ou até mesmo

diante do privilegiado contra um anônimo qualquer.

Só para se ter uma pálida noção do que se fala, as regras do processo civil

estabelecem privilégios em favor do ente público, com prazo quádruplo para se defender e

duplo para recorrer, e isso sem mencionar que o próprio estado-juiz, na pessoa do julgador,

pode recorrer de sua própria decisão toda vez que ela for proferida contra a fazenda pública.

E para piorar a situação, as reformas judiciárias que são propostas em nossa

sociedade nunca são a favor do cidadão litigante comum; ao contrário, todas as reformas no

Brasil tem se voltado contra o litigante, numa vã tentativa de tentar convencer a sociedade

de que a justiça não é lenta e que a morosidade na prestação jurisdicional não depende

apenas do próprio poder judiciário.

Tudo isso nos remonta ao atual momento em que estamos vivendo, qual seja, uma

busca insaciável pela reabilitação da ética e da moral em todo o mundo, de tal modo que se

tenha um padrão mínimo de conduta nos atos da vida em sociedade e, no caso da justiça,

em tudo o que diz respeito aos direitos do cidadão. Advogados, juízes, promotores, todos

juntos devem ser construtores de uma nova realidade jurídica, na busca constante pelos

valores éticos e morais na busca pela justiça.

Institutos alternativos para solução dos conflitos como os já mencionados, quais

sejam a mediação, conciliação e arbitragem, são bem-vindos nesse processo de

reconstrução e busca pela justiça, uma vez que não tem a pretensão de substituição do

poder judiciário, mas vem como coadjuvantes dessa busca por algo novo e que, de fato,

preencha os ideais de justiça esquecido e deixados de lado ao longo da história.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi falado, o direito precisa abandonar essa visão dogmática e

fechada que assumiu até o presente momento e deve caminhar rumo a uma visão mais

plural. Nesse mundo globalizado, com todas as vertentes já apontadas, não há mais espaço

para uma visão rígida, unívoca e extremamente formal, ao contrário, pode-se falar agora em

multiplicidade de atores sociais (advogados, juízes, psicólogos, técnicos) e pluralismo de

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institutos jurídicos que melhor atenda aos anseios dessa sociedade moderna, dentre os

quais a arbitragem, mediação e conciliação.

O momento atual leva à substituição da individualização do papel do juiz por um

processo de co-responsabilização dos demais atores envolvidos no processo coletivo de

mudanças sociais (os atores externos ao judiciário, como os profissionais

retromencionados), todos unidos em busca de uma solução sólida, palpável e concreta ao

atendimento das necessidades do homem atual. O judiciário deve fomentar e facilitar a

produção de experiências que favoreçam a conexão entre si mesmo e a sociedade ao invés

da disjunção, da fragmentação e afastamento do cidadão do seu anelo por justiça.

Dentro dessa nota, o próprio judiciário deve estimular as parcerias e aproximação das

suas práticas jurídicas com os institutos já mencionados que, ao que se percebe pela

experiência, tem conseguido dar um retorno mais adequado e satisfatório ao cidadão. Não

deve existir aqui medo de competição, muito menos o receio de aparentes contradições que

porventura venha a surgir em meio a esse processo de mudança. As contradições devem

ser trabalhadas e não excluídas, uma vez que mesmo que algumas delas possam parecer,

a priori, insuperáveis, mesmo assim elas não devem permanecer paralisadas ou estanques,

sendo certo que a história da ciência é feita da construção e desconstrução de paradigmas

e da superação de paradoxos.

Portanto, para que seja possível alguma mudança há necessidade que o judiciário se

abra à produção de experiências que favoreçam a multiplicidade de saberes e práticas

jurídicas, estimulando a parceria, mesmo entre perspectivas e teorias divergentes do atual

“status quo”. Deve haver a busca pelo diálogo com os ‘movimentos sociais’ e outros atores

que desconstroem as formas tradicionais e burocratizadas de participação do cidadão em

sua própria história.

Hoje, mais que nunca, urge ao judiciário entender que papel político-social está

desempenhando face aos desafios que hoje se apresentam ao homem moderno (ou pós-

moderno) e tomar consciência de que toda produção de trabalho que vise mudanças

estruturais tem implicações sociais, ou melhor dizendo, que toda produção de mudanças

provém de determinadas e múltiplas relações de poder e de determinados campos de força.

A caminhada para o processo de mudança, aberto ao senso crítico e potencial

transformador, depende do trabalho de auto-avaliação crítica do judiciário sobre o sentido e

as consequências do seu modo de atuar. Há necessidade que as práticas jurídicas sejam

pautadas na interação com as necessidades sociais, com os desafios da globalização,

sempre fazendo um contraponto com a atual situação do judiciário, que se encontra

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sucateado e sem as condições mínimas de atender aos anseios do cidadão, face o excesso

de demandas ali instauradas.

Por essa razão, o judiciário tem que reconhecer e legitimar outros atores que estão

dispostos a contribuir para a solução dos litígios e a satisfação do cidadão. Ao invés de

vislumbrar o problema de conflito de jurisdição o judiciário deveria agir no sentido de sentar

à mesa com os demais profissionais sintonizados com as necessidades vitais do homem,

que ultrapassam os problemas apontados e as diferenças anotadas. Isso sim, seria um

gigantesco passo rumo a uma mudança ético-política, indutor e condutor da reflexão que

visa não apenas uma autocrítica, mas também uma verdadeira mudança que busque colocar

o direito no seu verdadeiro trilho, qual seja a busca pela justiça em meio a um mundo

globalizado, sem esquecer a ética e a moral, norteadoras e pilastras de uma verdadeira

sociedade Democrática de Direito.

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INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL FRENTE À ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: DESBUROCRATIZAÇÃO OU

DESUMANIZAÇÃO?

SANTOS, Martha Aparecida Costa14 PITTMAN, Michele Cristina Barbosa Teixeira15

SANTOS, Martha Aparecida Costa; PITTMAN, Michele Cristina Barbosa Teixeira. Informatização do processo Judicial frente à alguns princípios constitucionais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do

Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 120- 131 –ISSN: 2448-0959

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo estudar o impacto causado pela informatização do Processo Judicial frente a várias realidades na qual estamos inseridos, fazer uma análise rápida acerca da Lei 11.419/06, que propõe muitas mudanças no sistema Judiciário, reduzindo atos, custos, tempo e mão de obra e de como isso vai afetar o Acesso à Justiça bem como a concretização do princípio da igualdade e o respeito à dignidade da pessoa humana, que são alguns dos princípios fundamentais resguardados pela Constituição Federal. Vamos analisar frente a esses princípios, se o Judiciário com esse Processo de Informatização vai estar trabalhando para a desburocratização ou a desumanização na sua máquina administrativa. PALAVRAS-CHAVE: Informatização; Acesso à Justiça; Economia Processual; Dignidade da Pessoa Humana; Desburocratização ou Desumanização. ABSTRACT: This article aims to study the impact of the computerization of the Judiciary to the various realities in which we operate, do a quick review about the Law 11.419/06, which proposes many changes in the judicial system, reducing actions, costs, time and labor of work and how this will affect access to justice and the implementation of the principle of human dignity, which is one of the fundamental principles safeguarded by the Federal Constitution. Let's look forward to these principles , the Judiciary with this process of computerization will be working to reduce bureaucracy or the dehumanization in their administrativ machine. KEYWORDS: Computerization; Access to Justice; Procedural economy; Dignity of the Human Person; Debureaucratization or Dehumanization.

14Mestranda em Direito – Soluções Alternativas de Controvérsias Empresarias, na Escola Paulista de Direito – EPD, em São Paulo, Pós-Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, Graduada em direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, Advogada atuante nas áreas de Direito Cível e Trabalhista no Estado de Minas Gerais e São Paulo, E.mail: [email protected] 15 Mestranda em Direito em Soluções Alternativas de Controvérsias pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-Graduada em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Pós-Graduação em Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica pela Universidade Anhanguera Uniderp. MBA Gestão Educacional pela Universidade Anhanguera Uniderp. Graduada pela Faculdade de Direito de Itu. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo levantar algumas questões importantes que não foram

analisadas ao se editar a Lei 11.419/06, que vem para informatizar o processo. Se

preocupou muito com a economia processual, reduzindo e até mesmo abolindo alguns atos

de menor importância do trâmite processual, para se chegar a um processo mais célere,

sem se preocupar com as consequências dessas alterações.

Em um primeiro momento será feito uma breve exposição sobre os pontos positivos

que a Lei 11.419/06, traz para o sistema Judiciário. Pontos que seriam muito positivos em

uma outra realidade Judicial, que não é a que encontramos no momento atual em que

estamos vivendo.

Esse será um outro momento a ser analisado, que é o da realidade brasileira, onde o

acesso à Internet não é comum a todos e o Poder Judiciário se encontra afogado meio a

tantos processos, um sistema precário e com poucos recursos. Vamos analisar nesse ponto

o Acesso à Justiça e à aplicação do Princípio da Igualdade e o respeito à Dignidade da

Pessoa Humana, que está no caso da informatização do Processo Judicial ligado

intimamente com o acesso à Internet, que deveria ser um direito de todos.

Num outro momento será discutido se estamos diante de uma desburocratização ou

desumanização do Judiciário, já que com a redução de certos atos o processo se torna mais

célere, chegando muito mais processos para nossos julgadores tomarem decisões, que

muitas vezes podem não ser decisões tão humanizadas. Levantaremos ainda, a questão da

inclusão digital.

Nesse ponto, vamos levantar questões acerca dessas decisões, se elas, se tornarão

decisões desumanizadas e superficiais, fruto de uma máquina de fazer julgados, pois com

muitos mais processos para serem decididos, os magistrados não terão tempo de se dedicar

humanamente ao processo, podendo suas decisões não serem tão justas como se espera.

E ao final será apresentado a conclusão desse trabalho, levantando as questões

positivas e negativas desse sistema de informatização, principalmente frente a realidade

brasileira, na questão social e judicial em que vivemos e analisando ainda a efetividade no

cumprimento de alguns princípios. Concluiremos ainda, se essa lei é boa ou não, se tem ou

não condições de ser efetivamente aplicada, caso a resposta seja negativa, qual seria a

forma para se chegar a essa efetividade ou pelo menos para se tentar chegar a ela.

LEI 11.419/2006 – INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL

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A Lei 11.419/06 chega em nosso ordenamento jurídico para auxiliar o Poder Judiciário

na desburocratização do processo, criando formas de deixar o trâmite processual mais

célere, desprovido de tantos atos burocráticos que tornam o processo moroso e caro. Para

Carlos Henrique Abraão (2009) , a Lei 11.419/06 cria uma nova mentalidade no processo e

desafia os operadores do direito à modernidade, sendo um modelo construtivo e

indissociável da tecnologia vivida na realidade. E continua, dizendo que: A verdadeira

revolução aplicada ao mundo jurídico tem seu nascedouro por intermédio da Lei 11.419/06,

cujo escopo é materializar a intenção de disciplinar o processo eletrônico (ABRAÃO,

2009:19).

Conforme esse entendimento temos que a Lei 11.419/06, leva os operadores de

direito ao caminho da modernidade, que é a realidade do mundo globalizado em que

vivemos, deixando o processo todo informatizado para se reduzir tempo e custos. O ponto

central da informatização do Processo Judicial está na busca de simplificar e até mesmo de

abolir atos com menor importância que deixam os processos lentos, dessa forma caminhar

para a obtenção de um processo mais célere, com menos custos e maior qualidade na

decisão.

Visa ainda, a concretização do Princípio da Economia Processual, já que com a

informatização vários atos serão abolidos, tendo os serventuários mais tempo disponível

para se dedicarem a atos mais importantes e que necessitem de maior atenção. Essa Lei

vem com uma boa proposta, resta saber se ela se adaptará a realidade que vivemos hoje,

pois os obstáculos a serem vencidos são muitos, como veremos no discorrer desse artigo.

PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

Conforme entendimento de Ada Pellegrini Grinover (2009:79), o denominado

Princípio da Economia Processual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com

o mínimo emprego possível de atividades processuais. Com a informatização do Judiciário,

atos como os de protocolar petições passam a não mais existir, bem como processos que

tenham que ganhar capas e grampos, esses seriam alguns dos atos que seriam abolidos do

trâmite processual, ocasionando em uma redução expressiva de tempo no serviço dos

serventuários e de gastos na máquina administrativa.

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Essa redução de tempo e de gastos, é de suma importância para o Poder Judiciário,

já que o mesmo, não dispõe de tanto espaço físico para guardar processos e nem de

recursos para manter esse sistema, envolto em papéis, clipes, grampos e etc.

A diminuição de certos atos, levaria o processo a se tornar mais célere e levar a

efetivação do Princípio da Economia Processual. Haveria uma desconcentração de atos nas

secretarias, deixando os serventuários ocupados com atos de maior importância. As varas

ficariam com mais espaço físico, já que não teriam pilhas e pilhas de processos à espera de

alguma movimentação. As contratações também poderiam ser contidas, já que haveria uma

diminuição no trabalho. Os ganhos seriam muitos, com custos menores e menos

funcionários, o Estado deixaria de gastar demasiadamente para manter o aparato judiciário.

E os juízes ainda teriam mais tempo para se dedicar aos processos. Essa Lei visa simplificar

certos atos, reduzir os custos do processo físico, bem como, levar a uma celeridade

processual, já que com menos atos burocráticos o processo tende a andar mais rápido.

Atos como os de autuar processos, numerar folhas por folhas, carimbar, juntar

documentos, dentre outros que fazem com que o processo saia de uma mesa para outra,

para que os andamentos sejam cumpridos lentamente, já que o sistema judiciário carece de

mão de obra, seriam esquecidos.

Destarte, com o advento do processo eletrônico, teoricamente muitos atrasos e

problemas poderiam ser evitados, fazendo com que o processo cumpra com seu papel,

dando efetividade aos princípios elencados na Constituição Federal, principalmente ao artigo

5°, LXXVIII, que dá garantia individual ao direito da razoável duração do processo.

INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL E A REALIDADE BRASILEIRA

Na teoria a Lei 11.419/06, que chega ao nosso ordenamento jurídico para informatizar

o Processo Judicial, funcionaria bem, trazendo celeridade ao processo, reduzindo tempo,

custos e mão de obra. Só que ao se editar essa Lei muitos pontos não foram analisados, o

mais importante deles seria o da realidade na qual estamos inseridos. É uma realidade em

nosso País, de que muitas cidades e cidadãos ainda não possuem acesso à Internet, isso

seria um óbice ao Acesso à Justiça por meio do processo judicial eletrônico, já que, a Internet

é o ponto crucial desse processo, não podendo ser desconsiderado.

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Há que se falar ainda, que a infraestrutura da Internet é deficiente em nosso País,

causando uma dificuldade de acessibilidade. Outras questões a serem levantadas seriam a

de que nem todos sabem acessar a Internet ou até mesmo mexer em um computador, temos

ainda hoje vários operadores do direito que não sabem, que estão fora da realidade da

informatização e do mundo globalizado.

Em janeiro de 2013 o IBOPE publicou estatísticas sobre a quantidade de usuários da

Internet no Brasil, afirmando que seria um total de 105 milhões de brasileiros. Mesmo sendo

um grande número de usuários, ainda existem muitos brasileiros fora dessa realidade, já

que, de acordo com dados do IBGE publicados também em janeiro de 2013, o brasil teria

uma população que nessa data girava em torno de 201 milhões de pessoas.

Com base nesses dados verificamos que ainda temos um longo caminho a trilhar, até

que a Internet se torne uma realidade comum a todos. Sendo assim, nos deparamos com

mais uma barreira para que o Acesso à Justiça se concretize, através do Processo Judicial

Eletrônico. Sabemos que toda mudança requer um período de adequação, nesse caso

talvez até uma quebra de paradigma, já que existem pessoas que se recusam a

modernidade.

Outros pontos relevantes seriam os de que, com a informatização o Judiciário que já

não possui muitos recursos, teria que gastar mais para se adequar a essa informatização,

tendo que implantar sistemas e treinar seus funcionários, o que custa dinheiro e tempo.

Essas questões aqui levantadas, são apenas algumas das muitas que poderão e já estão

surgindo com a informatização do processo que já é uma realidade em vários Fóruns

Brasileiros, pois como se trata de um sistema, está sujeito a falhas.

Destarte, como seria possível a efetivação do Acesso à Justiça diante de tantos

problemas?

Talvez com políticas públicas mais voltadas para o cidadão, no que tange a

disponibilizar internet em meios públicos, para que todos tenham acesso. Investir mais em

informação, dando a toda oportunidade de conhecer e entender o sistema de internet, bem

como o processo judicial eletrônico, através de cursos, ou cartilhas.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE – RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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Princípio da Igualdade está resguardado no artigo 5°, da Constituição Federal, que

trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Este princípio é considerado inalienável e

imprescritível, a que toda pessoa humana tem direito. Sua finalidade é que todas as pessoas

possuam direitos iguais, sem qualquer tipo de distinção. É uma relação entre Estado e

Pessoas, onde o Estado deve prover a todos direitos e oportunidades iguais.

Destarte, a análise desse princípio frente a informatização do Judiciário é de suma

importância, pois o mesmo poderá ser prejudicado, já que, como visto acima, o Acesso à

Justiça através do processo eletrônico, passa por algumas dificuldades. Como garantir a

todas as pessoas igualdade de direitos, quando vivemos em um País onde as desigualdades

sociais são visíveis, principalmente na atualidade que estamos vivendo agora, meio a uma

crise econômica, onde as pessoas sequer estão conseguindo pagar suas contas

domésticas, como água, luz, que são despesas essenciais para prover sua existência.

O que diremos então, se essas pessoas tiverem que pagar pela internet, principal

ponto de acesso ao Processo Judicial Eletrônico.

Ora, essa crise não afeta somente as pessoas físicas, ou poderíamos dizer, as que

não estão ligadas diretamente com o direito, como os advogados, com seus escritórios, onde

alguns, mal conseguem se manter, diante de tamanha crise, que afeta tanto o País, como o

próprio Poder Judiciário.

As pessoas que estão ligadas diretamente com o direito, terão que investir em cursos,

para aprender a manusear o sistema eletrônico, ou seja, mais despesas serão criadas.

Talvez esse problema não afete tanto os operadores de direito que atuam em grandes polos,

pois já estão acostumados a custos altos e aumento de despesas, e possuem mais

incentivos a informação, pois sabem que o diferencial nesses lugares, é estar sempre

atualizado.

A dificuldade maior talvez esteja nas cidades do interior, que até o momento, muitas

ainda não adotaram o Processo Judicial Eletrônico, onde existe uma falta de informação e

até mesmo uma resistência maior a esse tipo de atualização por parte dos advogados, sem

falar da falta de recursos do Poder Judiciário, para custear o treinamento de seus

serventuários.

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Sendo assim, para que seja assegurado a todas as pessoas igualdade no Estado

Democrático de Direito, com todas as questões acima levantadas, exigir que todos tenham

acesso ao Processo Judicial Eletrônico por meio da internet, talvez se torne um óbice,

dificultando a efetivação do Princípio da Igualdade.

Mas, para que isso não aconteça, precisamos de políticas públicas eficientes, para

que haja uma inclusão social e digital, tornando fácil o acesso ao Processo Judicial

Eletrônico, para todas as pessoas e não apenas aos que possuem maior poder aquisitivo.

Dessa forma, o Princípio da Igualdade será efetivamente aplicado e a dignidade da

pessoa humana respeitado.

Leciona José Ricardo Engel (2003): “Ressalta-se que a condição humana é o núcleo

referencial para toda a axiologia jurídica, eis que o ser humano é o protagonista da vida, do

Direito. Desta forma, o princípio central e estruturante de todas as ordens jurídicas

contemporâneas”.

Sendo a condição humana o maior bem da vida, devemos então que respeitar e criar

meios para efetivar a aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para

Immanuel Kant (2004:65):

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.

DESBUROCRATIZAÇÃO OU DESUMANIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO

A Informatização do Processo Judicial através da Lei 11.419/06, a princípio só traria

bons resultados ao Poder Judiciário, muitos seriam os pontos positivos, alguns já

demonstrados no início desse artigo. Essa desburocratização do Judiciário, é um objetivo

há muito tempo buscado, tornar o judiciário mais ágil na prática de seus atos para se ter um

processo mais célere, onde a busca pela justiça seja realmente justa, tendo como ponto de

partida a duração razoável do processo. Mesmo porque sabemos que justiça tardia não é

justiça.

Um desses meios está representado pelo princípio do Acesso à Justiça a que todas

as pessoas tem direito e que já foi tratado acima. A pergunta então é a seguinte: Como se

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ter amplo Acesso à Justiça e o respeito à Dignidade da Pessoa Humana através de um

processo totalmente eletrônico?

Será que não estamos diante de uma desumanização do Judiciário? Como uma

possibilidade de resposta as indagações acima, seria a de que sem o amplo acesso à

Internet por todos os brasileiros, o Acesso à Justiça e o respeito à dignidade da pessoa

humana restariam prejudicados.

O prejuízo se daria, principalmente em ações postuladas sem a presença de

advogados, como o habeas corpus, habeas data, reclamações trabalhistas e ações nos

juizados especiais. Já que nesses casos o próprio interessado pode entrar com a ação. Se

esse interessado não tiver acesso à Internet ou não souber como acessá-la, como ele

poderá fazer valer seu Direito de ter amplo Acesso à Justiça.

Sabemos que a maioria das pessoas que procuram o Judiciário, são as partes mais

fracas da lide, principalmente as que buscam a solução do litígio sem a presença de um

advogado, por não possuírem recursos para a contratação desse profissional.

Pode ser indagado nesse ponto a presença da Defensoria Pública que é o órgão

criado para a defesa dessas pessoas tidas como carentes, já que elas não conseguem ter o

Acesso à Justiça por si próprias, nem por um advogado, recorrem a esse órgão.

De nada adiantará o Judiciário estar informatizado, pronto para agilizar os trâmites

processuais, porque as defensorias estão sempre cheias, com longas filas.

Não temos defensores suficientes para suprir a demanda, ou seja, a justiça vai

continuar sendo tardia e o Acesso à Justiça prejudicado, pois as partes interessadas vão

ficar dependentes de outras pessoas ou outros órgãos, a mercê da morosidade do Judiciário.

Quanto a desumanização do Judiciário podemos destacar vários pontos, o primeiro deles já

foi citado acima, que seria o fato da exclusão das pessoas ao Judiciário por falta de inclusão

digital.Outro ponto a ser destacado seria o de que, ao informatizar o Judiciário, haveria

menos atos burocráticos, logo uma economia de tempo, levando mais processos a mesa

dos julgadores com maior rapidez.

Se atualmente os juízes tem que julgar inúmeros processos, ou seja, a quantidade de

processos na fila de espera para julgamento já é gigante, imaginem como essa fila vai ficar

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quando os processos subirem mais rapidamente para os julgadores. Existe também uma

deficiência de mão de obra nesta área, seria preciso mais julgadores disponíveis para

agilizar tal demanda. Mas a questão principal aqui é a seguinte: com uma excessiva

quantidade de processos para serem julgados em pouco tempo, como ficaria a qualidade

nesses julgados, como seriam as decisões que demandam maior estudo nos casos

concretos, não estaríamos então frente a julgamentos superficiais e desumanos.

Vincenzo Vigoriti (2011) diz que existem “tempos técnicos” no processo que “são

aqueles necessários à decisão”, ou seja, seria o tempo necessário para se analisar bem o

caso para se chegar a uma decisão plausível.Será que não estaríamos caminhando para

julgamentos em massa, onde a produção supera a qualidade. O problema não levado em

consideração com a informatização do Processo Judicial, é que antes os juízes já se

encontravam sobrecarregados com processos para serem julgados e as decisões já eram

questionáveis, não sendo então, uma solução lógica aumentar esses processos, causando

uma insegurança jurídica.

Já existem um volume muito grande nos poderes Judiciários de decisões

reformuladas, consequência dos julgamentos mal feitos. Imaginem como vai ser com essa

informatização, mais processos para julgar, menos tempo, ficando a qualidade da tutela

prejudicada.

O que poderá ocorrer é que ao buscar a melhor técnica para se aplicar ao Judiciário

através da informatização, buscando a redução de atos, custos e tempo, para se chegar a

um processo mais célere, as decisões podem ser tornar desumanizadas.

Os processos não terão sobre si os olhos atentos do juiz, para se fazer uma avaliação

precisa de tudo o que se questiona nos autos. O juiz correrá o risco de virar uma máquina

de julgamentos trabalhando para a produção de decisões, para atender as demandas e as

estatísticas as quais ficara vinculado, e não para fazer com que a Justiça seja feita nos casos

concretos.

Destarte, a informatização do Processo Judicial estará prejudicada se não der as

partes interessadas a garantia de que seu processo seja julgado da melhor forma possível,

sendo buscado a todo momento a concretização da Justiça. Saber se a desburocratização

do Judiciário através da utilização do processo eletrônico se tornará uma desumanização, é

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algo a se pensar a cerca de todos os pontos levantados no presente trabalho, e que só

poderá ser constatado com a utilização do sistema, que é quando poderão surgir os

problemas aqui questionados, e assim veremos como o Poder Judiciário irá se comportar

frente aos obstáculos.

O que sabemos é que o nosso País passa por um momento difícil, onde quase todos

os setores estão em crise, e o Judiciário já se encontra falido a tempos, não conseguindo

prestar o seu papel, que é o de materializar a Justiça, através de seus julgados.

É do interesse de toda sociedade que o Processo Eletrônico seja eficiente na sua

utilização, e que tire o Judiciário dessa morosidade e ineficácia na prestação da Justiça, e

que todos colham os frutos que essa árvore “pode” dar, desde que seja regada e adubada

corretamente, fazendo com que toda a plantação seja restabelecida na sua essência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como ponto principal uma análise rápida da Lei 11.419/06, que

se encontra em nosso ordenamento jurídico e já em funcionamento em vários Fóruns,

mostrando alguns pontos positivos, partindo da premissa de economia processual.

A efetividade da economia se concretiza nesse sistema de informatização, pois vários

atos passam a não mais existir, reduzindo custos para o Poder Judiciário. Cria também mais

tempo para que os serventuários da justiça se concentrem em atos mais importantes para o

processo.

Mas, essa Lei na prática não é tão positiva e nem tão boa assim, possui vários pontos

negativos na sua aplicação, principalmente ao não levar em consideração a realidade na

qual estamos inseridos, prejudicando a efetividade do princípio da igualdade, que está

atrelado ao Acesso à Justiça, que através desse processo eletrônico não se efetiva, visto

que, não são todas as pessoas que tem acesso à internet.

A internet é o ponto crucial desse sistema e que não se encontra disponível a todas

as pessoas, pois não temos políticas públicas voltadas para esse tipo de acesso, tornando

ineficaz o Princípio da Igualdade ferindo ainda, a dignidade da pessoa humana, onde todos

têm que ter igualdade de tratamento ou de estar inserido socialmente e agora também

digitalmente.

Estamos passando por um momento muito delicado em nosso Pais, vivemos uma

crise econômica muito grande, em que as pessoas não conseguem sequer pagar suas

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contas básicas, como água, luz, a ida ao supermercado se tornou mais caro e o desemprego

bate às nossas portas.

Toda essa crise influencia diretamente na sociedade, tornando a inclusão digital mais

difícil para as pessoas de baixa renda, que inclusive, são as que mais recorrem ao Poder

Judiciário. Podemos dar como solução a essa busca pelos menos favorecidos ao judiciário,

que eles recorram a defensoria pública por exemplo, pois lá eles terão uma pessoa com

amplo acesso ao processo eletrônico, só que não é tão simples assim.

Sabemos que os órgãos judiciais estão abarrotados de processos e não possuem

profissionais suficientes para tanta demanda. Procurar por uma Justiça Gratuita em nosso

País, é pedir para ter muita paciência, principalmente para ser atendido, já que as

defensorias têm filas expressivas todos os dias. Tudo isso obsta o cumprimento do acesso

à justiça.

Para que as defensorias realmente conseguissem atender a todos os que precisam,

seria necessário um maior investimento do Poder Judiciário na contratação de mais pessoas

especializadas.

Levando em conta tudo o que foi dito acima, o Poder Judiciário que já se encontra

afogado em processos e decisões para serem tomadas pelos seus magistrados, que não

conseguem acompanhar a procura para soluções dos litígios, sendo assim, não conseguem

respeitar os Princípios Constitucionais.

A informatização do Processo Judicial é plausível, desde que, seja feita com base na

realidade do sistema Judiciário, que já é caótico e cheio de problemas a serem resolvidos.

Com essa informatização mais pedras no caminho surgirão e na verdade já estão

surgindo, mas como todos os obstáculos tem que ser vencidos para que se alcance o

objetivo, esperamos que mais esse seja superado.

A Lei em destaque se preocupou muito em reduzir atos, custos, tempo e mão de obra,

para se chegar a um processo mais célere, mas não analisou o que isso poderia representar

lá na frente, já que não considerou a realidade dos brasileiros e do sistema Judiciário que já

é precário e com essa informatização precisa se adequar de várias formas.

É preciso que todas as pessoas tenham acesso a esse sistema, e que aja treinamento

dos serventuários da justiça, dos operadores do direito em geral, ou seja, um sistema

judiciário que não comtempla muitos recursos, vai ter que gastar mais, tanto com a

implantação de programas, como com a especialização de seus funcionários.

Conclui-se então que a finalidade da Lei é plausível, principalmente quanto a

economia processual e o processo ser mais célere, mas ainda não atinge o objetivo a que

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se propõe, visto que, vivemos numa outra realidade, que pode sim ser mudada, mas a longo

prazo e com políticas públicas mais incisivas.

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O FETICHISMO NO CONSUMO RELIGIOSO: O consumo de experiência no contexto religioso cristão

MODESTO JUNIOR, Edson 16

16 Doutorando em Ciências da Religião, Mestre em Semiótica e Comunicação, professor da Universidade de Rondônia- contato: modesto.unir.br

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DENDASCK, Carla Viana17

LOPES, Gileade Ferreira18

MODESTO JUNIOR, Edson; DENDASCK, Carla Viana; LOPES, Gileade Ferreira- O Fetichismo no consumo religioso: O consumo de experiência no contexto religioso cristão . Revista Científica Multidisciplinar

Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 132-141 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

A religião sempre esteve presente na humanidade, dada essa sua grande importância, analisar o aspecto religioso na vida humana se torna algo complexo e muito abrangente. Este estudo tem como tema o consumo de experiência no campo religioso cristão. A presente pesquisa busca compreender se o consumo de experiência se apresenta como fetiche de mercadoria dentro do mundo religioso cristão, estando no contexto do neoliberalismo globalizado e da sociedade do consumo. Para a realização dessa pesquisa qualitativa de caráter investigativo exploratório, será realizada uma pesquisa bibliográfica, obtendo assim um consistente referencial teórico, pautado nas ciências sociais e ciências da religião. Palavras –Chaves: Fetichismo. Consumo de Experiência. Mercado Religioso.

INTRODUÇÃO

As religiões sempre estiveram presentes na vida humana, muitos estudiosos tentam

explicar a necessidade que o homem possui de adorar algo, sacralizar uma divindade, seja

ela um animal, um antepassado, elementos da natureza ou até mesmo os astros como o sol

e a lua. Estas indagações são objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento como a

antropologia, a sociologia, a psicologia e a história (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,

2000).

O aspecto religioso na vida humana é tão profundo que se analisarmos e

compararmos o ser humano com outros seres vivos, encontraremos sistemas de linguagens

desenvolvidos em baleias e pássaros, ainda é possível observar macacos utilizando

ferramentas semelhantemente a nós humanos, no entanto até hoje nunca um estudo

verificou aspectos religiosos nos animais. Assim o aspecto religioso é tão importante na vida

17 Pós doutoranda em Psicanálise Clínica, e Mestranda em Bioética, diretora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Estudos Avançados, Coach, e professora de cursos de MBA in company , Campinas e São Paulo- E-mail: [email protected] 18 Graduando em Ciências Sociais – PUC-Campinas, pesquisador do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados- E-mail: [email protected]

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humana que se torna uma das características que mais distinguem o ser humano dos outros

seres (FUNARI, et. al. 2009).

De acordo com Berger (1985), uma característica importante do aspecto religioso na

vida humana é que por se tratar de um constructo humano, a prática religiosa de certa forma

sempre é coletiva, até mesmo a apropriação interna da prática religiosa na vida do homem

acontece em coletividade com outros fiéis. Por isso quando se estuda religião é

imprescindível à consciência de que cada religião constitui uma visão de mundo e crença

coletiva. Por conta desse caráter coletivo inerente a religião tanto a construção de uma

religião como as mudanças posteriores, nunca são individuais.

No início do cristianismo, período chamado de cristianismo primitivo correspondente

aos primeiros séculos do milênio, ou seja, antes de Constantino, os cristãos possuíam uma

atenção voltada aos pobres, esta espécie de práxis cristã tinha como inspiração a própria

vida de Cristo e as narrativas bíblicas escritas principalmente no novo testamento que

destacam a figura do humilde, do necessitado, do injustiçado e do oprimido. Também se

destaca nos evangelhos do novo testamento o papel dos seguidores de Cristo que devem

não apenas ver as pessoas como seres espirituais, mas também como seres sociais com

necessidades humanas (SILVA, 2011).

Quando nos propomos a investigar as diversas relações do homem com a religião

através da ciência, autores como Emile Durkheim e Max Weber) são autores introdutórios

fundamentais. Estes autores que se divergem em vários aspectos, conseguiram analisar a

religião como sendo um fenômeno social e cada um a seu modo pôde propor análises acerca

da vida religiosa primitiva e também moderna após a revolução industrial que consolidou o

sistema capitalista (BIZELLI, 2006).

Como já dito, no final do século 19 os estudiosos já entendiam a religião como sendo

um fenômeno de caráter social, Durkheim entende que a religião tem como função manter

a unidade de um grupo social e garantir a preservação das ideias fundamentais deste grupo.

Para as sociedades primitivas estas características eram fundamentais, pois naquele

contexto as religiões eram ligadas aos clãs que necessitavam de unidade entre seus

membros, essa unidade não se dava por meios biológicos, mas sim pelo totemismo. Assim

para Durkheim a religião se trata de uma instituição social presente em todas as sociedades,

tanto nas primitivas quanto nas modernas, que tem o poder de vincular o indivíduo ao grupo

social no qual ele faz parte (WEISS, 2012).

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Durkheim (2000) ressalta que nos grupos sociais das sociedades primitivas

chamados de Clãs, a união entre os membros não é meramente biológica, o autor destaca

que esta relação de união é totêmica, cada clã possui um totem coletivo, e este totem que

consiste na representação de um antepassado sacralizado, ou um deus, através de um

animal ou planta é o fator de união e identificação entre os membros do clã.

Destaca Durkheim:

O totem é sua bandeira, o sinal pelo qual cada clã se distingue dos demais, a marca visível de sua personalidade, marca que se estende a tudo que faz parte do clã de uma maneira ou outra. (DURKHEIM, 2000:36).

Weber (2004) analisando a trajetória histórica do cristianismo, que se tornou a religião

hegemônica do último milênio, faz distinções entre a raiz judaica do cristianismo e a religião

cristã propriamente dita. O autor destaca que no antigo testamento a figura de Deus

compactuava com o povo hebreu de forma coletiva, já com a vinda de Cristo e a transição

ao cristianismo a relação entre o homem e Deus passa a ser individualizada. O mesmo

ocorre com o conceito de salvação que antes no judaísmo era direcionada a um povo

escolhido, já no cristianismo a salvação é universal, ou seja, não é restrita a um povo, mas

possui um caráter individual, conforme salientado por Lehmann (2012).

Por conta dessa citada individualização e de pressupostos teológicos das igrejas

cristãs reformadas, como a predestinação, Weber escreve a obra “A Ética Protestante e o

Espirito do Capitalismo”. Nesta obra o autor alemão investiga entre outras coisas como o

surgimento do protestantismo alavancou o crescimento do capitalismo e contribuiu para que

este fosse o sistema hegemônico, agregando a esse sistema não somente um caráter

econômico, mas também de valores morais e religiosos (WEBWE, 2004).

De acordo com Ferreira e Alves (2012), para Weber a Reforma Protestante contribuiu

principalmente para a valorização do trabalho a partir da ideia de que o trabalho dignifica o

caráter do homem, em consequência disso o modo de vida ocidental foi alterado, pois foi

agregado ao trabalho um valor moral, não apenas de necessidade de subsistência e ainda

o trabalhador bem-sucedido financeiramente e o cidadão empreendedor passam a ser vistos

como pessoas predestinadas a salvação, bem-aventuradas, assim com a reforma o lucro

que antes era proibido passa a ser visto como um sinal de benção.

A religião legitima as instituições sociais lhes atribuindo um status ontológico de

naturalidade e validade suprema. As religiões fornecem as instituições e ao sistema vigente

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o caráter sagrado e cósmico, através de seus valores, sendo estas estruturas vigentes vistas

como ordenanças e vontades divinas, por conta disso, elas devem ser preservadas

(BERGER, 1985).

Além da Reforma Protestante outro processo histórico que alavancou o capitalismo

foi a Revolução Industrial Inglesa. A partir deste acontecimento surgiram profundas

transformações sociais que mudaram a concepção de mundo dos povos ocidentais. Essas

mudanças de visão de mundo estão relacionadas com a relação do homem com o tempo,

com as relações sociais, com o espaço urbano e também com o consumo das mercadorias,

tanto as materiais como as não materiais (STORNI; ESTIMA, 2010).

Uma das engrenagens do capitalismo moderno é o consumo, o consumo

contemporâneo não está pautado apenas em questões ligadas as necessidades humanas

e também não apenas ao prazer de consumir. Este consumo que é constante e interminável

tem no consumidor uma espécie de adorador e o consumo nesse contexto é visto como um

rito sagrado. Para que se possa consumir, ou seja, participar do “culto” é necessário que o

indivíduo entre na lógica do capitalismo, lógica essa do lucro, do individualismo, da

concorrência e do consumo (TADA, 2013).

O ato de consumir mercadorias não consiste em uma necessidade individual, mas

sim de uma necessidade do próprio capitalismo para que o mesmo sobreviva como sistema

econômico. Por isso se produz cada vez mais mercadorias de certa forma supérfluas, estas

não são consumidas por necessidade, mas sim por desejo, por prazer no ato de consumir,

ou seja, por fetiche (STORNI, ESTIMA, 2010).

Assim se legitima e se preserva um modelo econômico voltado para a geração

máxima de riqueza, através da exploração da mão de obra e do lucro, esta riqueza é

normalmente acumulada na mão da uma pequena minoria rica. Percebe-se que este sistema

acima descrito é bem diferente de um sistema onde se preze pela superação da pobreza e

das necessidades humanas básicas como se desejavam os primeiros apóstolos e

seguidores do cristianismo (SUNG, 1998).

Principalmente entre as décadas de 50 e 60 do século passado foram produzidas

muitas obras e estudos tratando da chamada “teoria da secularização”, esta teoria que é

objeto de estudo desde o iluminismo, se pauta na ideia de que a modernização e a

racionalização do mundo moderno levariam ao declínio das religiões dominantes tanto na

mentalidade religiosa que orientava o modo de vida das pessoas, como também a

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importância da religião na sociedade em si. Podemos perceber que essa ideia de declínio

religioso estava errada, o processo modernização e racionalização trouxe sim a

secularização de alguns setores sociais, mas isso não significou o declínio das religiões

como se esperava (BERGER, 2000).

Com essa dessecularização do mundo, ou seja, a permanência da importância das

religiões na vida pós-moderna, a necessidade religiosa humana e a característica mercantil

fetichista do sistema capitalista, se criam mercados religiosos. Esse mercado religioso é

fundamentado a partir da concorrência entre diferentes religiões e diferentes denominações

da mesma religião, essa concorrência faz com que os líderes religiosos e as estruturas

religiosas adaptem seus discursos, seus ensinos e até mesmo seus dogmas ao cenário que

lhes for mais vantajoso. Dada a alta tecnologia informacional e comunicativa no contexto do

mundo globalizado, as religiões superam as fronteiras nacionais, aumentando o pluralismo

religioso. Esse aumento do pluralismo religioso aliado ao mercado religioso pode ter como

uma decorrência tornar uma religião descartável, a partir do momento que a religião não

satisfaz mais os desejos de um grupo ou de um indivíduo ela pode ser dada como obsoleta

e ainda pode ser trocada instantaneamente (FRIGÉRIO, 2008).

Cortes (2014) aduz ainda que, acompanhando a ótica do mercado neoliberal, o

mercado religioso no Brasil se estabelece a partir da década de 90 no consumo de bens e

serviços, produtos de segmento gospel, serviços voltados a esses grupos religiosos etc., no

entanto este mercado ganha uma nova roupagem quando começa a oferecer o consumo da

experiência, principalmente pautado por pregações e testemunhos gravados em cds e dvds.

Tornam-se recorrentes pregadores e cantores gospel denominados como ex-bruxos, ex-

travestis, ex-traficantes, ex-macumbeiros, estes apresentam testemunhos onde relatam

suas experiências e histórias de vida. Percebe-se assim uma transição do consumo de bens

e serviços para o consumo da experiência.

Para Oliveira (2013) se vendo mergulhadas no contexto neoliberal muitas igrejas e

religiões recorrem a estratégias de marketing para oferecer um produto competitivo em

relação a suas concorrentes e satisfatório para o fiel-consumidor, atraindo assim cada vez

mais fiéis. Para conseguir consolidar sua marca estas instituições criam sua identidade

tentando se diferenciar das concorrentes.

No campo dessa concorrência ao mesmo tempo religiosa e mercadológica, as

religiões e as igrejas criam, se apropriam e ressignificam estratégias próprias do

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gerenciamento de marketing, consistindo no que pode ser chamado de marketing religioso.

Esta prática consiste no uso da imagem religiosa como estratégia de venda de bens,

serviços e até mesmo de experiências. Essa imagem religiosa funciona na prática como uma

espécie de totem. O que se pretende conquistar com esse marketing é a mente, o imaginário,

o desejo e a fé do consumidor, tornando ele assim um fiel não apenas da crença a qual a

igreja segue, mas também fiel ao consumo religioso desta igreja (MARANHÃO FILHO,

2012).

É importante diferenciarmos o consumo do consumismo, pois muitas vezes esses

dois conceitos são confundidos. Bauman (2008) elucida que o consumo é basicamente uma

característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos que vivem no sistema

capitalista, já o consumismo é um atributo que pode ocorrer na sociedade, este atributo

ocorre quando o consumo passa a fazer parte da vida das pessoas de forma anormal, assim

se começa a consumir não mais por necessidade.

Bauman (2008:62) explica que:

Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada (“alienada”) dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a “sociedade de consumidores” em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha.

Desse modo o consumo passa a possuir um caráter simbólico e totêmico, tanto

enquanto um ato individual como coletivo. A relação entre um grupo de consumidores é uma

relação de compartilhamentos, os membros do grupo compartilham os mesmos gostos,

interesses, preferencias e consomem as mesmas marcas. As marcas que passam a ser

totemizadas e assim sacralizadas, transmitem significados sociais diversos, podendo ser

uma marca de prestigio social ou uma marca má vista (RETONDAR, 2008).

Nery e Vasconcellos (2014) elucidam que esta relação de unidade entre um grupo de

consumidores também está presente nas igrejas, hoje existem igrejas voltadas para

roqueiros, para surfistas, para homossexuais, skatistas e outras formas de distinção.

Percebe-se que da mesma forma que os gostos de um grupo de consumidores definem

como serão os produtos oferecidos por uma marca, o estilo de vida e os gostos dos fiéis de

uma igreja definem como ela será. Essas instituições religiosas agem de maneira

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semelhante as marcas quando buscam convencer o consumidor a comprar seu produto

através do marketing religioso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal estratégia das religiões e igrejas é interiorizar nos fiéis que nas igrejas

estão às soluções de seus problemas, assim como as respostas para suas dúvidas e seus

problemas. É ensinado nestas instituições que tudo pode ser alcançado mediante a fé e a

obediência aos dogmas por elas defendidos. Para que estes preceitos sejam ensinados são

utilizados diversos meios de comunicação, como a veiculação de programas religiosos em

rádios e televisão e publicações em periódicos religiosos (DIAS NEVES; OLIVEIRA MOTA,

2008).

Lipovetsky (2007) descreve a evolução das três eras do capitalismo de consumo, a

primeira é caracterizada pelas grandes marcas nacionais e internacionais e a popularização

dos bens de consumo duráveis, por isso essa é a fase do chamado consumo de massa.

Essa fase tem início no final do século 19 indo até o final da Segunda Guerra Mundial. Os

principais produtos consumidos eram os automóveis, os eletrodomésticos e os televisores.

A segunda fase que ocorreu nas três décadas seguintes, é caracterizada pelo fato de o

consumo estar ligado a posição social, durante este período a América do Norte e a parcela

capitalista da Europa passaram pelo período conhecido como estado de bem-estar social,

neste período a população desses países prosperou, os consumidores passaram então a

serem mais exigentes, dessa forma o consumo passou do caráter massificado para

individualizado. Se antes os principais produtos eram os duráveis na fase dois se intensifica

o consumo de bens não duráveis, já se inicia nessa fase o consumo instantâneo, que é

intensificado na terceira fase.

A terceira fase também chamada de fase do hiperconsumo persiste até os dias de

hoje. Esta fase é marcada pela mudança de valorização da mercadoria, onde a mercadoria

mais valorizada passa ser a experiencial.

Lipovetsky afirma:

O apogeu da mercadoria não é o valor signo diferencial, mas o valor experiencial, o consumo “puro” valendo não como significante social, mas como conjunto de serviços para o indivíduo. A fase III é o momento em que o valor distrativo prevalece sobre o valor honorífico, a conservação de si sobre a comparação provocante, o conforto sensitivo, sobre a exibição dos signos ostensivos. (LIPOVETSKY, 2007: 134).

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Concorda-se, portanto, com Lima e Transferetti (2007) que as instituições religiosas,

antes de tudo são instituições sociais, por conta disso seu funcionamento se pauta nas leis

que regem a sociedade, entre elas as leis do mercado. As instituições sociais, são reflexos

dos indivíduos que as compõem, tendo em vista a sociedade do consumo contemporânea,

formada por indivíduos que tem no consumo uma forma de transcendência, as instituições

religiosas adaptam as práticas empresariais regidas pelas leis do mercado e as aplicam no

contexto religioso. Por conta disso muitas igrejas têm seus fiéis como clientes, da mesma

forma que muitos fiéis mesmo que inconscientemente tem suas igrejas como marcas.

REFERÊNCIAS

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JUS POSTULANDI E O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

IRRENUNCIABILIDADE

SEPULVEDA, Luciano Pinto19

STOCCO, Kleber José20

SEPULVEDA, Luciano Pinto; STOCCO, Kleber José- Jus Postulandi e o Processo Judicial eletrônico na Justiça do Trabalho: A mitigação do princípio da irrenunciabilidade- Revista Científica Multidisciplinar

Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 142-153 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

Figura conhecida no ordenamento jus trabalhista, o Jus Postulandi remonta à época em que esta especializada sequer era integrante do Sistema Judiciário Nacional. Visa a assegurar às partes o direito de postular em juízo sem a participação de Advogado sob o manto da acessibilidade e preservação dos direitos. O assunto é polêmico, pois pode-se defender que o Jus Postulandi é mais que uma possibilidade, se tratando de verdadeira necessidade já que o trabalhador, que não pode arcar com honorários advocatícios estaria alijado de buscar a tutela jurisdicional. De outro lado, é possível argumentar que a complexidade do Direito Material do Trabalho e, especialmente, do Direito Processual do Trabalho prejudica o direito do trabalhador, já que há determinadas situações em que ocorre preclusão consumativa de algum importante ato, jogando por terra o direito pleiteado. O presente artigo objetiva concluir que o Jus Postulandi é inaplicável com o advento do Processo Judicial Eletrônico Trabalhista, sendo uma verdadeira forma de renúncia em contraponto ao Principio da Irrenunciabilidade do Direito do Trabalho.

Palavras Chaves: Jus Postulandi. Processo Judicial Eletrônico. Princípio da irrenunciabilidade.

ABSTRACT

19 Atualmente é Controlador Geral do Municpio de Jequié - Bahia; Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Santa Fé - Argentina; Professor de Direito Comercial da UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Professor de Direito Tributário da FAINOR - Faculdade Independente do Nordeste; Professor de Direito Tributário da FIJ - Faculdades Integradas de Jequié; Ex-professor de Direito Autoral e Propriedade Industrial da ESAD - Escola Supeior de Advocacia da OAB/BA; Ex-professor da FTC - Faculdade de Tecnologia e Ciências; Ex-Diretor do Conjunto Penal Jequie da Secretatria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia; Membro do IBDB - Insituto Brasileiro de Direito Bancário. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial e Tributário- E-mail: [email protected] 20 Advogado- Especialista em Direito Processual Civil e do Trabalho, Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais– Escola Paulista de Direito – E-mail: [email protected]

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Known figure in labor law system, the Jus postulandi dates back to the time when this expert was not even part of the National Judiciary. It aims to ensure the parties the right to claim in court without the participation of Attorney under the cover of accessibility and preservation of rights. The subject is controversial as it may be argued that the Jus postulandi is more than a possibility, in the case of true necessity for the worker, who can not afford legal fees would be jettisoned to seek judicial protection. On the other hand, one could argue that the complexity of the Labor Law Material and especially the Procedural Law Labour affect the worker's right, since there are certain situations in which there estoppel some important act, throwing away the right claimed. This paper aims to conclude that the Jus postulandi is irrelevant with the advent of the Judicial Process Electronic Labour, being a true form of resignation in counterpoint to the Principle of non-waiver of labor law.

Keywords: Jus postulandi, Electronic Judicial Process, Accessibility, Mitigation, Principles

INTRODUÇÃO - JUS POSTULANDI NO ORDENAMENTO JURÍDICO TRABALHISTA

Previsão contida no artigo 791 da CLT, as partes estão autorizadas a postular em

juízo dispensando a representação por Advogado. O referido artigo é anterior à Constituição

de 1988 que traz em seu texto, mais especificamente no art. 133 a indispensabilidade do

Advogado à administração da Justiça. É ainda anterior à Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) que

em seu art. 1º, inciso I condiciona a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário ao

Advogado. Ocorre que, em Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação

dos Magistrados do Brasil (ADIN 1127-8), o Supremo Tribunal Federal retirou da referida lei

a expressão “qualquer” da redação do inciso I da Lei 8.906/94, abrindo caminho para a

continuidade do Jus Postulandi.

Para Mauro Schiavi (2011:288):

“Sempre foi polêmica a questão do Jus Postulandi da parte na Justiça do Trabalho. Há quem o defenda, argumentando que é uma forma de viabilizar o acesso do trabalhador à Justiça, principalmente aquele que não tem condições de contratar um advogado. Outros defendem sua extinção, argumentando que, diante da complexidade do Direito Material do Trabalho e do Processo do Trabalho, já não é possível à parte postular sem advogado, havendo uma falsa impressão de acesso à justiça deferir à parte a capacidade postulatória”.

Em Comentários à CLT, Carrion (2012) afirma que “pelo texto da CLT, a parte está

autorizada a agir pessoalmente; é uma armadilha que o desconhecimento das leis lhe

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prepara, posto que ou não é necessitado e poderia pagar, ou, sendo-o, teria direito à

assistência judiciária gratuita e fácil da L. 1.060/50 (e não à limitada da L. 5.584/70)”.

Para Gustavo Cisneiros (2015:14),” o Jus Postulandi é uma herança sinistra que já

deveria ter sido enterrada.” E prossegue: “A notória complexidade das lides trabalhistas não

mais comporta o Jus Postulandi, principalmente com a chegada do PJE – Processo Judicial

Eletrônico. Desprezar, hodiernamente, a imprescindibilidade do Advogado, data vênia, é

ignorar a realidade”.

Questão recorrente diz respeito da limitação, ou não limitação, prevista no artigo 791

da CLT no que diz respeito às fases processuais. Para alguns, o referido diploma limitava a

postulação em audiência de instrução e julgamento até a sentença. Para outros, contudo, a

previsão é expressa quando proclama “até o final”. Certo é que “até o final” pode estender o

processo até Supremo Tribunal Federal (STF).

Seguindo linha lógica, a parte pode postular na fase cognitiva em primeiro grau até a

prolação da sentença. Ainda nesta fase, apresentar Embargos de Declaração, Recurso

Ordinário e Agravo de Instrumento. Já em segunda instância, pode opor Embargos de

Declaração, Agravo Regimental, Recurso de Revista e Agravo de Instrumento em Recurso

de Revista. Nos julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), seria possível Embargos

de Declaração e Agravo Regimental. Em última instância e, preenchendo todos os

pressupostos de admissibilidade, pode levar o processo ao STF.

Mas este não é o fim. Isto porque até agora só tratamos da fase cognitiva e, iniciada

a fase executória, aquele que postula sem representação de Advogado devera enfrentar

embargos à execução, agravo de petição, recurso de revista e agravo de instrumento em

recurso de revista.

Ainda que prevaleça no ordenamento trabalhista a regra da execução ex officio pelo

magistrado, regra esta contida no art. 878 da CLT, fato é que há um longo caminho a ser

percorrido também nesta fase, com os recursos supra descritos e até mesmo a liquidação

da sentença. Sem contar que poderá no decorrer do processo ter que enfrentar Mandado

de Segurança e Exceção de Pré executividade.

Pois bem, muitos causídicos sequer conhecem os caminhos para os procedimentos

supra, mesmo após anos a fio de dedicação ao curso de direito. Seria então possível a um

postulante solitário percorrer todos estes caminhos até ter sua pretensão satisfeita, ou seja,

até o final da reclamação? Pouco provável.

Para por um fim às questões levantadas, o TST, por meio da Súmula 425, definiu e

limitou o Jus Postulandi às questões de competência das Varas do trabalho e às relativas

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aos Tribunais Regionais, afastando as instâncias superiores assim como outras ações

relativas ao processo do Trabalho como as rescisórias, mandado de segurança e ações

cautelares.

Assim sendo, a partir da redação da Súmula 425, a previsão contida no artigo 791 da

CLT é mitigada, pois o “até o final” passou a ser até o segundo grau de jurisdição.

Verifica-se, portanto, que o próprio TST reconhece que a complexidade do Processo

do Trabalho impede que um leigo possa postular sozinho em juízo. Tal admissão abre

caminho para o reconhecimento de que não só nas instâncias superiores e nas ações

previstas na Súmula 425 há a necessidade de conhecimento técnico específico, como em

todo o processo, desde a petição inicial.

Ocorre que a técnica necessária para propositura de ação rescisória não é diferente

da requerida para saber o momento de contraditar uma testemunha ou de impugnar um

documento ou mesmo de protestar em determinada decisão interlocutória em uma audiência

de instrução.

Certamente o postulante não assistido por Advogado tem conhecimento da sua

relação jurídica com a parte contrária e do direito material maculado. Mas é possível afirmar

que não tem nenhum conhecimento técnico dos trâmites processuais mais simples o que

pode jogar por terra todo e qualquer direito por mais líquido e certo que possa ser.

Importante salientar que basta não saber a regra do artigo 333 do Código de Processo

Civil e do art. 818 da CLT que poderá ter seu direito fulminado. Seguindo adiante, superada

a fase instrutória e proferida a sentença, o primeiro dilema que um postulante solitário

enfrentará é com relação aos prazos recursais e os pressupostos de admissibilidade dos

recursos.

A Súmula 425 que limitou o Jus Postulandi das partes ignorou tais complexidades

admitindo que até os Tribunais Regionais a parte tem capacidade para uma aventura

solitária. Ora, quem interpõe um Recurso Ordinário por que não interporia um Recurso de

Revista?

Verifica-se ainda que a parte que opta pelo Jus Postulandi, pela regra da referida

Súmula saberia o momento processual de interpor agravo de instrumento e todos os seus

pressupostos de admissibilidade, preparo e prazo, além de poder apresentar Exceção de

Pré-Executividade, uma ferramenta de alta complexidade que muitos operadores do direito

desconhecem a existência. Mas não há vedação da Súmula 425 para esta ferramenta.

Evidente que não. Tal complexidade processual é gritante para um leigo. A aventura de

utilizar-se do Jus Postulandi pode custar muito caro àquele que a busca.

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Mas, sendo assim, poderia o Magistrado interferir de alguma forma para evitar que

aquele que se valha do direito garantido pelo artigo 791 tenha fulminado seu direito? A

resposta é não. Em uma audiência de instrução onde de há interferência do Magistrado

mesmo que notoriamente a parte seja hipossuficiente e esteja desacompanhada de

Advogado em contrapartida da outra representada por causídico, macularia todo o processo.

A isenção é exigência da magistratura sob pena de nulidade dos atos processuais

praticados.

Aquele que se utiliza do Jus Postulandi está destinado à própria sorte já que escolheu

trilhar o caminho facultado pela legislação trabalhista certo de que é profundo conhecedor

de seus direitos olvidando-se porém, que o Direito do Trabalho não é apenas material.

O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO TRABALHO (PJe-JT)

Incansável é a busca do poder judiciário para devolver ao jurisdicionado a resposta

de sua pretensão de maneira rápida como bem preconiza o artigo 5º, LXXVIII da Carta

Magna. Ocorre que na prática o que se verifica é que o processo nem sempre tem duração

razoável mesmo na Justiça Especializada que, ante a natureza alimentar, tem mecanismos

mais rápidos em seus procedimentos para satisfação do crédito. O Processo Judicial

Eletrônico regulamentado pela Lei 11.419/06 veio como esperança de resolver alguns

entraves burocráticos limitadores da busca pela tão sonhada celeridade processual.

Como dito, desde dezembro de 2006 com advento da Lei 11.419 que em seu artigo

1º, par. 1º institui o sistema eletrônico em todas as esferas do Poder Judiciário, inclusive nos

Juizados Especiais e em qualquer instância, indistintamente, verifica-se o crescimento do

Processo Judicial Eletrônico em nosso Ordenamento Jurídico. Em meados de março de

2010 o Tribunal Superior do Trabalho celebrou Termo de Acordo de Cooperação Técnica

com o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho para

adesão ao sistema do Processo Judicial Eletrônico.

Projeto piloto, a primeira versão do PJe para a Justiça do Trabalho (PJe-JT) priorizou

a fase de execução das ações trabalhistas, sendo lançado um módulo piloto do sistema em

Cuiabá-MT em 10 de fevereiro de 2011.

Seguiram-se então o desenvolvimento e implantação paulatinos do PJe-JT. Em

março de 2011iniciou-se a disponibilização de servidores para o desenvolvimento do

sistema na fase de conhecimento sendo que a primeira unidade judiciária a instalar o PJe-

JT foi a de Navegantes em Santa Catarina em dezembro de 2011. O projeto piloto passou

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pelas Varas do Trabalho de Caucaia no Ceará, Várzea Grande no Mato Grosso e encerrou-

se com a implantação do PJe-JT na Vara do Trabalho de Arujá em São Paulo.

Em março de 2012 o tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina)

passou a utilizar o PJe-TJ em segundo grau, sendo o piloto deste projeto. Caminho sem

volta, em abril de 2014 por meio da Resolução CSJT nº. 136/2014, foi oficialmente instituído

o Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho como sistema de processamento de

informações e prática de atos processuais.

O PJe-JT ganhou o território Nacional e atualmente é utilizado em todos os Tribunais

Regionais do Trabalho, sendo a Justiça do Trabalho o ramo do Judiciário mais avançado no

que tange ao processo judicial informatizado (Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, são

mais de 1,5 milhão de processos tramitando exclusivamente por meio eletrônico na Justiça

do Trabalho).

Além da celeridade processual, existem outras vantagens apontadas na utilização do

processo judicial eletrônico como facilidade de acesso das partes já que está disponível 24

horas sem interferência de serventuário, redução de gastos, ganhos ambientais já que

praticamente se extingue a utilização de papel.

A ACESSIBILIDADE AO PJe-JT

A Resolução 136 do CSJT instituiu o PJe-JT como único meio de tramitação do

processo judicial no âmbito trabalhista. Para tanto, define regras de acessibilidade e

utilização e a exigência de Certificado Digital, conforme art. 1º, § 2º, III, “a” da Lei 11.419/06,

para prática de atos processuais.

O art. 5º impõe a necessidade da utilização de assinatura digital para assinaturas de

documentos, serviços com exigência de identificação ou certificação digital e consultas e

operações que tramitem em sigilo ou segredo de justiça. Já o art. 6º define regras de

acessibilidade sem a necessidade de certificado digital que se dá por meio de identificação

de usuário (login) e senha, limitando tal acesso a visualização de autos resguardados os

casos de segredo de justiça ou sigilo.

Contudo, importante salientar que o § 1º do referido artigo define as regras para quem

se utiliza do Jus Postulandi quando permite às partes ou terceiros sem assistência de

Advogados a apresentação de peças processuais e documentos em papel nos locais

competentes para recebê-los, cabendo ao serventuário a digitalização e inserção no

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processo. O que se segue na referida Resolução são regras para a utilização cotidiana e

procedimentos que viabilizam e dão segurança ao Processo.

Para nosso estudo, limitaremos a análise ao parágrafo primeiro do art. 6º que fornece

o meio para o acesso daquele sem assistência de Advogado, ou seja, o Jus Postulandi. Se,

como visto anteriormente, a vida de quem postula por conta própria na Justiça Especializada

nunca foi fácil, o PJe-JT apresenta-se como um quase intransponível obstáculo. O esforço

da Resolução 136 do CSJT em manter viva a possibilidade do Jus Postulandi é louvável,

mas pouco prática.

Para quem é operador do direito o PJe-JT apresenta-se como uma nova era, um

desafio a ser superado para que subsista na profissão pois não há retrocesso. Assim como

quando as petições passaram a ser datilografadas ou quando se passou a utilizar os editores

de texto nos computadores, há inúmeros causídicos que terão enormes dificuldades em

utilizar o sistema totalmente digital.

Verifica-se assim que não se trata mais apenas de saber o Direito em sua essência

seja na questão processual, seja na questão material. Trata-se de saber utilizar as

ferramentas modernas de informática às quais são imprescindíveis para não só a

postulação, mas o acompanhamento, as intimações, as manifestações e o resultado em si.

O PJe-JT E OS PRINCÍPIOS TRABALHISTAS

Na lição de Sergio Pinto Martins, “princípio é onde começa algo. É o início, a origem,

o começo, a causa” (2010:60). Nesta linha, os princípios exercem uma importante função no

direito que é o de servir de juízo condutor da compreensão de uma realidade, tratando-se

de verdadeiro ponto de partida para uma correta percepção do sentido de uma norma no

contexto de sua existência.

Carlos Zangrando afirma que “os princípios dentro da Ciência do Direito, se revelam

não só de inafastável importância, como também um dos objetos da própria Ciência,

contribuindo enormemente par a compreensão integrada de toda uma Ordem Jurídica”

(ZANGRANDO, 2013: 47).

Para Martins (2010: 56):

“São os princípios as proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o direito, o princípio é seu fundamento, a base que irá informar e inspirar as normas jurídicas. São os princípios como as vigas ou alicerces que são sustentação ao edifício. Este é o ordenamento jurídico, que é subdividido em tantos andares quantos são seus ramos.”

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Em contraponto, Godinho Delgado (2005: 185) afirma que “a validade cientifica da

ideia de princípios, como instrumento de analise da realidade, tem sido contestada

acerbadamente”. A esse respeito o filósofo Nicola Abbagnano (1982:760) discorre que “na

filosofia moderna e contemporânea, a noção de princípio tende a perder sua importância.

Ela inclui, com efeito, a noção de um ponto de partida privilegiado: e não relativamente

privilegiado, isto é, com relação a certos escopos, mas absolutamente em si. Um ponto de

partida deste gênero dificilmente poderia ser admitido no domínio das ciências”.

Há quem defenda que os princípios estão no âmbito do jusnaturalismo, como ideias

acima do ordenamento jurídico se sobrepondo às leis que os contrariem expressando

valores que não podem ser suprimidos ou contrariados por leis. Fato é que no nosso

ordenamento jurídico os princípios ainda são entendidos como balizadores de uma decisão

considerada justa e defendidos como o único meio de se alcançar a essência do direito, a

essência da lei.

É fato que os princípios têm um importante papel no ordenamento jurídico, na criação

e manutenção das leis, nos embasamentos jurídicos decisórios e até mesmo no convívio

harmônico social. Contudo, ousando discordar de quem defende os princípios como a busca

do alcance da essência da lei, devem acompanhar a evolução histórica social e mudanças

às quais não se pode fechar os olhos.

Não podem servir como fundamento para a não evolução ou para enrijecimento de

um formato que na prática não se sustenta. Neste sentido, o PJe-JT, uma evidente evolução

e, por que não dizer, uma revolução no cotidiano do operador do direito apresenta uma

dicotomia entre os princípios regulares do Direito do Trabalho e a evolução na prática da

defesa de tais direitos.

Os princípios que regem o ordenamento jurídico trabalhista tem certa peculiaridade

tendo servido de base para outros ramos do direito como se verifica no Código de Defesa

do Consumidor. O princípio da proteção por exemplo, oriundo do ordenamento jus trabalhista

e que tem como fundamento a compensação da superioridade econômica do empregador

com a superioridade jurídica do trabalhador foi adotado por aquele Código sob os mesmos

fundamentos, ou seja, a disparidade econômica.

Como ensina Carlos Zangrando (2013:263):

“o princípio da proteção orienta e determina que o Direito Individual do

Trabalho deve servir como instrumento de intervenção do Estado na relação jurídica de emprego, promovendo a compensação entre a desigualdade econômica por meio de uma desigualdade jurídica, a qual é propiciada por um conjunto de regras interpretativas, princípios derivados e normas cogentes.”

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Ocorre que o princípio da proteção remonta à existência do direito do trabalho, assim

como o princípio do in dubio pro operário, o da aplicação da norma mais favorável e o da

aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador, sendo estes três últimos derivados do

princípio da proteção. Também, o princípio da continuidade na relação de emprego, que

presume que o contrato trabalhista em regra não tenha prazo determinado ou termo final e

ainda, que a despedida deverá ser justificada nos termos do art. 7º, I da Constituição Federal

e o princípio da primazia da realidade que determina que os fatos prevalecerão sobre a

norma, integram o conjunto de princípios do direito do trabalho.

Além destes, vislumbra-se o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas,

princípio que inibe o empregado transacionar ou dispor de seus direitos podendo fazê-lo,

entretanto, se estiver em juízo, perante o Juiz do Trabalho, “pois nesse caso não se pode

dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo” (MARTINS, 2010, p.69). Nota-se que

o princípio da irrenunciabilidade tem condão de proteção e, em que pese ser tratado pela

doutrina como princípio autônomo, a indisponibilidade dos direitos trabalhistas visam

exatamente proteger o trabalhador do poder econômico do empregador. O princípio da

irrenunciabilidade passível de transação em juízo tem que comportar presunção de incerteza

pois para haver transação é preciso o elemento dúvida na relação jurídica (res dubia) visto

que a ausência de dúvida pressupõe que a parte que cede na verdade pratica doação pois

não tem a contrapartida. Assim, o trabalhador não pode “vender” as férias para deixar de

usufrui-las em troca de dinheiro, satisfazendo assim a necessidade do empregador mas

colocando em risco sua saúde e segurança e depois ter ratificado em audiência perante um

Juiz tal fraude.

Pois bem, o que deve ser considerado é se tais princípios estão presentes no PJe-

JT, especialmente no que tange ao Jus Postulandi. Constata-se pelo até aqui narrado que o

PJe-JT não é um sistema para ser operacionalizado por leigos. Além do direito propriamente

dito, agora mister o conhecimento de informática, conversão de arquivos, já que os anexos

tem que respeitar o formato em Portable Document Format (PDF), certificado digital além de

conhecer o próprio sistema. De certo, há grande dificuldade ao ter contato pela primeira vez

com tamanhas exigências até mesmo para quem é operador do direito, quiçá para um

trabalhador com pouco ou nenhum conhecimento ou instrução.

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JUS POSTULANDI NO PJE-JT E A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

IRRENUNCIABILIDADE.

Como dito, o princípio da irrenunciabilidade visa evitar que o trabalhador transacione

determinados direitos considerados indisponíveis. Como ensina Godinho Delgado, a

inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples

manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e

o contrato. A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo

principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualar, no plano jurídico, a assincronia

clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego.

Com efeito, o artigo 9º da CLT decreta a nulidade de qualquer ato ou disposição que

tenha condão de fraudar os preceitos normativos celetistas, dando forma ao princípio da

indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

Ocorre que, como já visto, a vedação da transação é relativa pois em determinados

casos o trabalhador poderá renunciar a direitos em transação efetuada em juízo excetuando-

se os direitos absolutamente indisponíveis como já mencionado. Tais direitos têm relação

com medicina e segurança do trabalho.

Ensina Mauricio Godinho Delgado (2001:50) que:

Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre como já apontado, ilustrativamente, com o direito à assinatura de CTPS, ao salário mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalho. Também será absoluta a indisponibilidade, sob a ótica do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato da respectiva categoria. Esse último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (Direito Individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta no direito Individual é, desse modo, mais ampla que a área de indisponibilidade absoluta própria ao Direito Coletivo.

Temos então que ao trabalhador não é possível a transação de direitos

absolutamente indisponíveis mesmo que seja de sua mais profunda vontade e necessidade,

nem mesmo perante o magistrado. Ocorre que quando o trabalhador se vale do Jus

Postulandi no PJe-JT coloca em xeque o princípio da indisponibilidade. Isto porque, como já

dito, o Direito do Trabalho moderno não comporta de per si a figura daquele que deseja

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aventurar-se em aguas turbulentas do ordenamento jurídico Trabalhista sem estar

acompanhado de Advogado ante a enormidade de regras processuais e materiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando tal inviabilidade une-se às dificuldades apresentadas para acessibilidade e

manuseio do sistema do PJe-JT, torna-se praticamente impossível tal inserção. A renúncia

neste caso se dá pela ausência de conhecimento técnico específico que coloca em risco

todos os direitos do trabalhador, por mais líquidos e certos que sejam. Ao utilizar-se do Jus

Postulandi o trabalhador enfrentará um mundo desconhecido. Certamente, este aventureiro

tem algum conhecimento da lesão sofrida no seu contrato de trabalho mas não saberá o

momento processual de questionar. O PJe-JT só agravou o problema pois em audiência o

que verá na sua frente será uma tela de computador com informações que até mesmo para

quem milita no dia a dia da Justiça do Trabalho não é fácil entender.

É improvável que o aventureiro saiba acessar a defesa da empresa na tela do

computador. Mais improvável ainda é que saiba fazer uma manifestação ou impugnação de

algum documento ou que saiba as regras da inversão do ônus da prova para então defender

seu sagrado direito.

Desta forma, o PJe-JT que sem dúvida alguma é uma ferramenta eficaz para a

sonhada celeridade processual, com as vantagens já explanadas, na prática mitiga o

principio da irrenunciabilidade quando se trata do Jus Postulandi, e neste caso

evidentemente estamos nos referindo ao direito utilizado pelo trabalhador, ao passo que sua

falta de conhecimento técnico específico para manuseio da ferramenta disponível pode

enterrar seus mais protegidos direitos, sem dó nem piedade.

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