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e d i o 1 8u ma p u b l i c a o d a L i v r a r i a C u l t u r a As histrias de Raimundo Carrero Ano internacional da astronomia Bicentenrio de EdgarAllan Poe A Frana contempornea Panorama econmicoj a n e i r o d e 2 0 0 9RITMOS DO BRASILAs razes musicais do pas do sambacapa.indd 1 18.12.08 13:51:20COLEO ROBERT BRESSONCaixa com trs obras-primas do diretor: O Processo de Joana d'Arc,O Dinheiro e PickpocketELVIRA MADIGANBaseado em fatos reais, esse premiado romances mais belos do cinema. Depois de ser usado como tema Concerto para Piano n. 21"Elvira Madigan". Verso restaurada.NO RECOMENDADOPARA MENORES DE 14 ANOSTema: Relaes humanas Contm:Dilogo adulto14PICKPOCKET EDIO ESPECIALA obra mxima do francs Robert Bresson (1901-1999), um dos maiores cineastas de todos os tempos, em verso restaurada com vrios extras, incluindo entrevista com Bresson.NO RECOMENDADOPARA MENORES DE 14 ANOSTema: Relaes humanas Contm:Dilogo adulto14UM ROMANCE AO SOM DE MOZARTE A LIO DE CINEMA DE ROBERT BRESSONCMYCMMYCYCMYKVersatil - Cultura 01-2009.pdf 10/12/2008 12:03:14Caros leitores,No posso deixar de contar que em 2009 a Livraria Cultura completa 40 anos na Avenida Paulista. Em 1969, abrimos a primeira loja no Conjunto Nacional, onde atualmente funciona o espao Companhia das Letras por Livraria Cultura. muito gostoso pensar no tempo passando e lembrar como ramos e como estamos, como crescemos, como evolumos. Neste ano que est entrando, teremos ainda outras datas comemorativas, como o bicentenrio de nascimento de Edgar Allan Poe (leia perl do autor na pgina 14). A Frana retribui tambm o Ano do Brasil na Frana festejado em 2005 e, a partir de abril,ter incio a programao do inverso, franceses trazendo mais de sua cultura para c veja reportagem sobre a Frana na pgina 18. Boa leitura!Abrao,Pedro HerzENTREVISTA Raimundo Carrero direto de Recife ENTRETENIMENTOAstronomia em focoMINHA LISTA DVDS Dicas de Las BodanzkyPERFIL200 anos de Edgard Allan Poe NOSSA LNGUA EM QUADRINHOS Agruras com o uso do hfenVOLTA AO MUNDOPasseio cultural pela FranaMINHA LISTA CDSDuo Sciotti recomenda jazz ESPECIALMsica do Oiapoque ao ChuGENTE QUE FAZA nova loja da Cultura em SP REPORTAGEM Panorama da crise nanceira ACONTECEProgramao de friasCAPA: ilustrao de Kakowww.kakofonia.com0408121416182426323438expedienteDiretor geral Pedro Herz Diretora de redao Tas Arruda Editor-chefe Srgio Miguez Editor Ruy Barata Neto Assistente de redao Camila Azenha Estagirio Pedro dos Santos Projeto grco Eduardo Foresti Diretora de arte Carol Grespan Revisoras Mirian Paglia Costa e Potira Cunha Colaboradores Accio Geraldo de Lima, Amilton Pinheiro, Frank Jorge, Fernando Eichenberg, Helosa Fischer, Kako, Leandro Carvalho, Luciana Christante, Marcelo Damaso, Marcelo Cipis, Mrcia Pinheiro, Melissa Haidar, Michelle de Assumpo, Paulo Ramos e Rafael Dias. Agradecimentos A recreativa, Derico Sciotti, Guy Sorman, Las Bodanzky, Richard Taler e Srgio Sciotti. Produtora grca Elaine Beluco Pr-impresso First Press Impresso Pancrom Tiragem 25 mil exemplares Publicidade Rafael Borges ([email protected]) Jornalista responsvel Tas Arruda (MTB 27.838) Preos sujeitos a alterao sem prvio aviso. Os preos promocionais para associados do + Cultura so vlidos de 5/01 a 5/02/2009Revista da Cultura uma publicao mensal da Livraria Cultura S.A. Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo sem autorizao prvia e escrita. O contedo dos anncios de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informaes e opinies so de responsabilidade dos respectivos autores, no reetindo a opinio da Livraria Cultura.sumario.indd 3 18.12.08 13:53:33Nem pecadores, nem santos: demasiadamente humanos. Se houvesse uma definio para a profundidade psicolgica dos personagens dos livros de Raimundo Carrero, essa decerto se aplicaria. Mesmo assim, difcil achar explicaes fceis para o universo desse escritor nascido em Salgueiro, a 518quilmetrosdoRecife,quedesdecedoconviveucomdoismundos opostos que se misturam religiosamente. Duas realidades que se enredam no terreno sombrio do desconhecido. Foi no ambiente severo e, ao mesmo tempo, doce da infncia que Carrero cresceu lendo Ibsen, Graciliano Ramos e Dostoivski, enquanto ia igreja e, depois, observava os marginais e bisbilhotava os bordis do interior. Entre a cruz e a espada, fez-se um autor devotado prpria contradio. E foi nessa ambivalncia,nadualidadesobinflunciadareligiosidademedievaldo serto, que construiu personagens fortes, tensos e generosos. Embora fixado no ar mido do Recife h quatro dcadas, o olhar agreste permanece.Um dos mais importantes nomes da literatura pernambucana, Raimundo Carrerovemsendocitadopelacrticanacionaltambmcomoum grandeescritorbrasileiro.Seumaisrecentelivro,Oamornotembons sentimentos,foifinalistadoPrmioPortugalTelecomde2008,alm detersidoeleitoentreosmelhoresde2007.Ultimamente,trabalhaem AminhaalmairmdeDeus,livroqueretomaotemadaloucura. Nestaentrevista,oautorcomentasobreosantagonismosdeseucruel (e afetivo) universo sertanejo.Por que o olhar agreste, severo e seco? Sou um homem do serto de Pernambuco, queolhaocomportamentohumanocom rigoreseveridade,emboracomgenerosi-dade. Para mim, escrever tentar uma ava-liaodohomem,procurandocompreen-der as razes que o levam para o mal. Mas nojulgamento,nemrepreenso,uma busca de entendimento. E tudo comea co-migo mesmo; uso o olhar agreste, severo e seco para me ver e me avaliar. Suaobramarcadapeloantagonismo entresagradoeprofano,desejoepeca-do, culpa e expiao. Por outro lado, pa-rece haver uma tentativa de romper esse dualismo, que remete s tragdias gregas eaoVelhoTestamento.Odestinoseria uma condio inescapvel? Sempre estou emcampodebatalha.Nopossoentender umaobradeficoquenosejatambm uma procura do sagrado. No para isso que estamos aqui? Mas h a queda humana e sa-grada,etodosestamosenvolvidosnessa questo, da vem a dualidade. Por isso, a todo instante, meus personagens esto em conflito e tentando sair dele. A atrao pelo mal, que hoje cresce de modo muito forte, uma exi-gncia do humano, no sei se diria o mesmo da carne. Para mim, o pecado e a culpa exis-temmesmo,pormtentomeequilibrarda maneira que posso. Basta examinar os confli-tosdeSomospedrasqueseconsomemeO senhor dos sonhos, alm dos propsitos de O amor no tem bons sentimentos. Em O amor no tem bons sentimentos, Matheusumsertanejoatormentado peloamor.Obcecadopelameepela irm,cometeincestoechegaaototal degringolamento. Houve quem criticasse a moralidade da personagem. A insani-dade o exime de seus atos? O problema que a moralidade de Matheus imoral, obs-cena. Mas ele se joga inteiro no drama quan-do estupra a me e a irm, por quem declara umforteamor.Issoocentrodaminha obra,omomentodefinitivo.Eletemum grande afeto por Biba, tanto que quer lev-la para o mar, onde ela se transformar num peixinhodourado.E,naquelemomento,j est morta, foi assassinada por ele. E assim tambm com a me, que adora. Entretanto, importante lembrar que ele foi criado no mato,comaTiaGuilhermina,quetomava banho com ele, nua e cantando. Esse jogo de paixo e morte s poderia causar um gran-dedanonopersonagem.Eemmimtam-bm. Por que no?Voc afirma que sua obra muito influen-ciada pela Bblia, por Faulkner, Graciliano Ramos, Pirandello e Dostoivski. A angs-tiaexistencialdeMatheus,emgrande parte, assemelha-se de Rasklnikov (Cri-me e castigo, de Dostoivski), por exem-plo. Assim como ele, que fez o mal para alcanar o bem, legtimo dizer que ma-touporamor?Veja,dopontodevistado narrador, da fico, sim. Quem diz que no se mata por amor? S a cincia. O humano, no; o humano celebra a morte e o amor, o amor que derrota a morte. Da, mltiplas classifica-esamoregosta,amoridiota,amorisso, amor aquilo. A classificao intil no huma-no. Tem algo mais vivamente humano do que Rasklnikov? Do que as pginas dos jornais? Do que dipo? Eu no sou cientista, no sou ENTREVISTA 4CONFISSES PRPRIA ALMARafael Diasraimundo.indd 4 18.12.08 14:01:415ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESSmdico, sou humano. E, mesmo sabendo que a palavra perigosa, mesmo assim, quero en-trarnasconseqnciasdohumano.Quem mataoamornoquerobemdele?nesse caminhoquevaiminhaobra.Almdisso, quem carrega a Bblia no sangue tem que se inquietarmuito,assimcomotodososgran-des autores, todos os que nos convidam para obemeparaomal,mas,sobretudo,coma conscincia do bem.Ocarterreligiosoextremamenteforte em sua escrita e em seu dia-a-dia, a ponto de voc dizer que sempre anda com o ter-onobolso.Comoexplicaisso:umfiel convicto, mas herege de licena potica? ocoraohumanoque,naverdade,um campodebatalha.Encontreiissotantoem DostoivskiquantoemKafka.Andocomo tero e rezo, mas no conheo maior pecador do que eu. Estou o tempo todo me fiscalizan-do, me acompanhando, me domando. claro quejamaissereiumcriminoso.Conheoos meus caminhos. Mas, claro, conheo tambm osmeusfantasmas,porissojogo-meinteiro em minha obra, para que ali os meus fantas-mas se acautelem. Na hora de escrever, desco-nheo o pecado e a virtude, meus personagens vo aonde for possvel. Eles esto ali na vida, e a vida no conhece apenas um lado. preciso acreditar que Deus, depois, resolve tudo.Em Sombra severa e As sementes do sol, vocfalasobretraioeculpa,temas quesorecorrentesnoqueescreve. Comoexplicaisso?oseguinte:carrego uma grande culpa e no sei por qu. uma coisa que vem comigo desde a infncia. Po-dem falar em religio. Quando faltam argu-mentos, as pessoas culpam a religio e, pare-ce,omundoestsalvo.Todomundoest salvo.E,noentanto,semculpa,ningum consegue viver, nem fazer nada. Sinceramen-te, ela que impulsiona o homem, a criao, os negcios e a poltica. Sem culpa, no acon-teceria nada, nada vezes nada. isso.Voc diz que sua vida parou aps a mor-te de sua me. A presena de personagens femininosfortes,sagradosemticos,em torno dos quais transitam homens deri-va, guarda alguma relao com essa pas-sagem de sua vida? Tenho sempre a impres-so de que minha vida sentimental parou aos 12 anos, com a morte da minha me. At mes-mo meu personagem Matheus diz isso: Mi-nha vida parou com a morte de minha me. Porm, se eu ficasse chorando, nada iria acon-tecer.Ento,resolvitransformarmeuchoro em obra literria. Consciente ou inconsciente-mente? No sei, no quero saber. O que sei que investi a toda a minha fora criativa. As pessoas no gostam que eu fale disso, mas falo porque sei que a verdade. Apesar da morte de minha me, e por causa disso, minha vida foi sempre acompanhada por muitas mulhe-res a comear pelas minhas cinco irms, to-das mais velhas do que eu. Todas so fonte de personagensfemininosfortes.Asmulheres que eu conheo so assim, inclusive minha es-posa, Marilena. E isso me faz muito bem, tanto na obra quanto na vida. Por que afirma no ter medo da morte? A morte lgica; vive-se para morrer. Ago-ra, tenho medo da dor, pois ela no lgi-ca.Ningumnasceparasofrer,maspara morrer. claro. raimundo.indd 5 18.12.08 14:02:04ENTREVISTA 6WWW.BLOGDACULTURA.COM.BRASSISTA AO VDEO COM TRECHOS EXTRAS DESSA ENTREVISTA NO BLOG DA LIVRARIA CULTURAHumapolifoniaemseuslivros,eem cadaobraencontramosumCarrerodi-ferente. Isso confirma o que voc diz: o escritornoteminspiraonemestilo. Mas, por trs de cada personagem, no fica um resduo do autor? claro que sim. Mas acabei de te falar do humano... e h ho-mogeneidade no humano? De forma algu-ma, por isso no acredito em estilo. Isso foi no sculo passado e no 19, quando o escri-tor era um exibicionista, exibia-se pelo esti-lo.Numaobraliterria,cadapersonagem tem uma pulsao diferente. Se ns temos, porquenoospersonagens?Ento,basta quecadaumfalepeloseuandamentoe pelo seu ritmo, porque cabe ao autor a har-monia do texto, a organizao, a forma. Apesardorecentereconhecimentoda crtica do Rio e de So Paulo, a aceitao de sua obra demorou a acontecer. Ainda hoje, voc razoavelmente lido. At que pontomorarnoRecifedificultousuain-sero no mercado fora do Nordeste? Eu no sei se morar no Recife um problema, no sei. O problema do nosso tempo mes-mo,dafragmentaodele.Issodemora,se arrasta, inquieta. Por exemplo, por um bom tempo,nosculopassado,osescritores regionalistasouquetinhamalgoderegio-nal esse um tema muito complexo con-quistavam sucesso quase imediato. Estou fa-lando dos bons. Por qu? Porque o Brasil era um pas agrrio, tinha-se conscincia e orgu-lho disso. Hoje, basicamente urbano, com umgrandeorgulhourbano,easmodifica-es sociais at por causa dos meios de co-municao se do da cidade para o campo. Ento,umescritordoRecifevistologo comoumautorregional,ouregionalista,o que um erro imenso. No meu caso, ento, o equvoco profundo, de forma que foi preci-so construir uma obra, uma estrada inteira, slida,paraqueacrticaprestasseateno. Acredito,agora,queoscrticosmevem mais, e os leitores tambm. No estou fazen-dojulgamento,masconstruoumaobra.E isso leva a ser observado sim. Voc acha que sua obra hoje bem in-terpretada pelo pblico e pela crtica? O pblico,oleitor,interpretamuitobem. Ouobonscomentrios. Atporque,tam-bm,meuslivroscomeamavenderbem; tiragens e edies vo acontecendo. A crti-ca,decertamaneira,peloprpriomundo heterogneoemquevivemos,tambmse diversificamuito.Cadacrticotemuma formulaocompletamentediferente,mas acredito que o tempo ajustar tudo isso, at eu j estou passando dos 60 anos... O fun-damentalqueaspessoasleiammaismi-nhasobras,conversemmaiscomigo,eas-simonmerodeleitoresvaicrescendo.E, afinal,paraqueescrever?Paraserlidoe analisado,sendoqueaanlisemaiorhoje estnasuniversidades,ondeminhaobra tambm acontece. Eoqueachadeseraindarotulado comoescritorregionalista,apesarde omovimentoinstitudopelosocilogo Gilberto Freyre, nos anos 1930, no existir mais? Isso uma imensa bobagem, falta de arsenaltcnico.OMovimentoRegionalista sexistiuparaquemacompanhouas linhasestabelecidasporGilbertoFreyre, decontedosociolgicoeantropolgico, com alguma coisa de esttica. Foi o que ele escreveu.Depois,muitagentecomeoua escreversobreoNordesteeseusescritores foramchamadosderegionalistas,oque umequvocomonumental,escandaloso. Ariano Suassuna armorial e universal. No justaessapreocupaodocumental,de formaalguma.Oselementosnordestinose folclricosentramnaobradeArianopara atranscendnciaemelementodereflexo universal,sobreocomportamentodo homem.Agora,depropsito,eleprocura tornareruditaamanifestaopopular,que oferece o caminho mgico da transcendn-cia.Mastodosnssomoschamadosde regionalistasouregionais;portanto,or-tulo no pega em mim tambm. Queautorescontemporneosvocl? Oprprio ArianoSuassunaetodososque tenhamqualidade,comoAntnioCarlos Viana,deSergipe,ouRonaldoCorreiade Brito,doCear.Almdopernambucano MarcelinoFreire,cujaobraestcadavez maiselaborada.Semesquecermeuamigo AntnioTorrese,ainda,MarcosSantarrita, SrgioSantAnna,EsdrasdoNascimento, JooGilbertoNoll,JosCastelloeos meninos do Sudeste e do Sul. Sua escrita bastante potica, parece ter mtrica e melodia. J pensou em escrever poesia?Nomeucampo.Souobstinado nafico.Quandoqueroescreverpoesia, escrevo fico. Sinto-me mais ambientado. Vocdizqueescrevecoisasquenem confessaprpriaalma.Escreverseria, ento,umatoinconsciente?Eufalo justamentedascoisasconscientes,quea gentenoconfessaprpriaalma.Quem temmedonoescreve,porque,queiraou no,oconscienteatuamuitobemnaobra literria.Acreditoqueseescrevacomo inconsciente,sobaregnciadoconsciente, mas o processo tem que ser, o mais possvel, consciente para que a obra literria esteja sob odomniodacriao,seminspirao.No existeinspirao;existetrabalho,trabalho, trabalho. Agora, quem tem medo, esse medo desagregador,deixaaobrasuperficial.E, claro, ela termina no se realizando. preciso ter coragem, fora e determinao. Equalaqualidadeessencialdeum escritor? A coragem. Nunca ter medo, nunca se esconder, nunca se proteger, conquistando sempre um alto nvel literrio. RELIGIO: Ando com o tero, mas no conheo maior pecador do que euALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESSraimundo.indd 6 18.12.08 14:02:38Entenda o que est acontecendocom a economia mundial e veja a receitapara os pases conseguirem manteruma economia forte e sadia.Um livro que conta a histria dos ltimos trinta anos da economia mundial,mostrando suas fraquezas e apresentando recomendaes para uma nova arquiteturananceira mundial. Ou seja, um livro atual e fundamental para entender o que estacontecendo no sistema nanceiro do planeta. Tudo isso, escrito por Martin Wolf editor de economia do Financial Times, professor de economia da Universidade deNottingham e ex-economista snior do Banco Mundial.J NASLIVRARIAS5153F02-ANR-220x310-RvCultura.indd 1 12/8/08 12:32:52 PM8 ENTRETENIMENTOTalvezvocaindanosaiba,mas2009reservaumaatrao especialeimperdvel:apontarosolhosparaocunoturnoe ver o mesmo que Galileu Galilei viu em 1609, isto , Vnus, os anis de Saturno, Jpiter e suas quatro luas, as manchas do Sol, as crateras e as montanhas da Lua e a Via Lctea. Obviamente, ser necessrio um telescpio, que pode ser encontrado sua espera em um dos mais de 200 pontos de observao espalha-dospelopasequecertamentebemmaissofisticadoquea pobre luneta com a qual o astrnomo italiano abriu as portas do Universo e da cincia. No ano em que se celebram os qua-trosculosdesdeasprimeirasobservaestelescpicasfeitas por Galileu, espera-se que pelo menos 1 milho de brasileiros tenham essa experincia fascinante.O Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009) uma iniciati-va da Organizao das Naes Unidas e da Unio Astronmica Internacional, que comea no dia 19 de janeiro e traz diversos eventos, como palestras, caminhadas astronmicas e observa-esdocunoturno,emvriospontosdopas.Vejaapro-gramaocompletanositewww.astronomia2009.org.br.Para Augusto Damineli, coordenador do projeto no Brasil, alm da contemplao do cu e da divulgao da cincia, as atividades programadas ao longo de todo o ano oferecem uma oportuni-dadeparaaspessoasredescobriremsuasrelaescsmicas. Precisamoslembrarqueamatriadenossocorpoteveori-gemnasestrelasequeocunoaquelacoisadistante,ns tambm estamos suspensos nele. Nossa interdependncia com os astros muito maior do que se imagina, diz o professor e pesquisadordoInstitutodeAstrofsica,GeofsicaeCincias Atmosfricas da Universidade de So Paulo (IAG-USP). PLIDO PONTO AZUL Aastronomiaumaexperinciadehumildadeeformaode carter, dizia o astrnomo e escritor norte-americano Carl Sagan, que melhor do que ningum soube narrar a beleza desta que , aoladodafsica,amaisantigadascincias.Diantedavastido do Universo, os egos dilatados, o individualismo inconseqente, o consumismo voraz e as mais diversas intolerncias caem facil-mente no ridculo. Talvez no haja melhor demonstrao da to-lice das vaidades humanas do que essa imagem de nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratar melhor uns aos outros e de preservar e estimar o nico lar que conhecemos, escreveu Sagan em O plido ponto azul (disponvel em espanhol), cujo mote uma fotografia da Terra tirada pela sonda Voyager, em 1990, a uma distncia de 6,4 bilhes de quilmetros. Embora seja uma cincia bastante complexa, intimamente li-gada fsica e matemtica, o seu aspecto humanista que cativatantoaspessoas,explicaTassoNapoleo,engenheiro aposentado, astrnomo amador e coordenador das atividades de observao do AIA 2009 no Brasil. Segundo ele, essa atra o fatal pelos mistrios do cu costuma evoluir em trs fases. Primeiro o deslumbramento com as paisagens incomuns re-veladas pelo telescpio. Depois vem aquela sensao de que no passamos da mosquinha no coc do cavalo do bandido, brinca. Por fim, com as emoes realinhadas, o indivduo se d ESTRELAS MUDAM DE LUGARLuciana Christante8NASA2009 o Ano Internacional da Astronomia, iniciativa da ONU que visa incentivar a observao celeste, tanto para pesquisadores como para leigosastronomia.indd 8 19.12.08 8:40:229conta do seu lugar no cosmo e dos perigos que ameaam a paz e a vida na Terra. Einstein disse certa vez, com boa dose de sar-casmo, que s h duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana.Paradoxalmente,ocontatocomoprimeirotimo antdoto para o ltimo.AMANTES DO CUAssimcomoNapoleo,muitaspessoasnoresistemaosen-cantos desta cincia e a transformam num hobby, que levado muito a srio. S no Brasil h cerca de 4 mil astrnomos ama-dores,divididosem140gruposespecializados(eclipses,pla-netas, cometas, astrofotografia etc.) e credenciados na Rede de Astronomia Observacional, criada em 1988, que rene exclusi-vamente no-profissionais. E no se trata de mero diletantismo. Em nenhuma outra cincia o trabalho voluntrio dos amadores to importante e est to em sintonia com o dos pesquisado-resprofissionais.Comodesenvolvimentodatecnologia,hoje dispomosdeequipamentosqueequivalemaosqueosprofis-sionaisusavamh30anos,oquenosqualificaparafornecer aoscientistasosdadosquecoletamos,dizoengenheiro,que vive em So Paulo e nos ltimos cinco anos participou da des-coberta de 14 supernovas. Seu grupo dono de um telescpio situado em Belo Horizonte e operado remotamente. A contribuio dos astrnomos amadores tambm bem-vinda porque ajuda a diminuir os custos de pesquisa. A observao em um telescpio profissional custa em torno de 1 dlar por segun-do, logo, para descobrir uma supernova seria preciso gastar pelo menos 500 mil dlares. Mas, como doamos nosso tempo e temos conhecimento suficiente para operar o equipamento e coletar os dados, isso sai de graa, explica Napoleo. Sempre que os ama-dores localizam algo diferente, ainda no catalogado, no cu, en-viam as evidncias para a Unio Astronmica Internacional; as-sim, os cientistas podem apontar seus potentes telescpios para as coordenadas indicadas, validando ou no a descoberta. Segundo Damineli,osastrnomosamadorespassammuitomaistempo olhandoparaocudoqueosprofissionais.Nsbasicamente ficamosnafrentedocomputadoranalisandodados.Porissoo trabalhodelestoimportante,diz.Obviamente,parachegar a esse nvel e poder contribuir para a catalogao de espcies do Universo, o amador precisa ter muito conhecimento e longo tempo de janela em observao, coisas que eles acumulam com prazer, ao mesmo tempo que ensinam aos iniciantes, que, alis, no so poucos. As vagas para os cursos de astronomia para lei-gos realizados aos sbados na USP, por exemplo, onde Napoleo d aulas, so extremamente concorridas. OutroobjetivodasatividadesdoAIA2009promoverein-centivar a cultura cientfica. O trabalho de Galileu no apenas tirouaTerradocentrodoUniverso,paradesgostoeirada Igreja, mas foi o pontap para o desenvolvimento de todas as cincias. A astronomia, uma das mais refinadas expresses do intelectohumano,mudouosrumosdafsicaedamatemti-ca, sem as quais o mundo de hoje no seria o mesmo. De um exame de ressonncia magntica ao celular que tira foto, toca msica e acessa a internet, praticamente tudo o que nos rodeia se deve herana galileana. Mas, alm de refletir sobre o pas-sado e o presente, o AIA 2009 tambm uma oportunidade de olharparaofuturo,paraasfronteirasdoconhecimentoque vmsendoexploradaspelosastrnomoscontemporneos,o queinclui,porexemplo,abuscadevidaemoutrosplanetas. Especialista no tema, Damineli explica que esta rea, que tem sido chamada de astrobiologia ou exobiologia, precisa ser vista com pragmatismo, deixando de lado as imagens fantasiosas da ficocientfica.NoestamosprocurandoETs,massinaisde 9astronomia.indd Sec2:9 18.12.08 15:44:4010 ENTRETENIMENTONASAAo contrrio do que muitos pensam, Galileu Galilei (1564-1642) no inventou o telescpio. A primeira luneta foi fabricada pelo holands Hans Lippershey em 1608, que colocou duas lentes dentro de um tubo e percebeu que isso aproximava as imagens, o que teria grande utilidade nas guerras. Quando o instrumento chegou s mos de Galileu no ano seguinte, j professor de matemtica na Universidade de Pdua, ele teve a idia de apont-lo para o cu noturno e assim inaugurou uma nova era do conhecimento. Os instrumentos astronmicos usados at ento, como astrolbios, quadrantes e sextantes, foram deixados de lado. O gnio italiano aperfeioou a luneta holandesa e demonstrou que a teoria heliocntrica de Coprnico, segundo a qual a Terra se movia em torno do Sol, era mesmo uma realidade. Suas concluses foram publicadas em 1610 no livro Sidereus nuncius (disponvel em edio de 1989), que angariou a simpatia da nobreza e lhe garantiu o cargo de matemtico e flsofo gro-duque em Florena. Em 1616, no entanto, a Inquisio lhe cobrou explicaes. Se no quisesse ser queimado como um herege, no devia falar do heliocentrismo como uma realidade fsica, podia apenas referir-se a ele como hiptese matemtica, sem, no entanto, divulg-lo ou ensin-lo. Aps anos de relaes confituosas com o clero, ele termina condenado pelo Santo Ofcio a abjurar publicamente de suas idias e a viver em priso domiciliar, escapando assim do destino trgico de seu colega Giordano Bruno, que foi parar na fogueira em 1600 por razes semelhantes. Segundo reza a lenda, depois do julgamento, Galileu teria dito a clebre frase Eppur si muove (Contudo, move-se), referindo-se Terra. Seu livro mais importante, Discurso e demonstraes matemticas em torno de duas novas cincias (disponvel em espanhol ou ingls), considerado a obra fundadora da fsica moderna, foi publicado na Holanda em 1638, quando ele j estava totalmente cego. S em 1999, depois de um processo que durou sete anos, o Vaticano decidiu por sua absolvio.A ousadia de Galileuatividade biolgica decorrentes da existncia de micro-organis-mos.Segundoele,algunsplanetasoferecem,oujofereceram emalgummomento,condiesambientaiscompatveiscoma vida microscpica. Acredito que nos prximos 20 anos vamos teralgumaevidncianessesentido,masissopodeacontecer mais cedo. A ida do homem Lua, a deteco de planetas peque-nos, entre outros acontecimentos, ocorreram bem antes do que havamos previsto, afirma o pesquisador.A VEZ DO BRASIL Engana-se quem imagina que todos os caminhos da pesquisa as-tronmica levam Nasa e que o Brasil, um pas com pouca tra-dio cientfica, tenha desempenho medocre nesse setor. Muito pelo contrrio. Nos ltimos anos, os astrnomos brasileiros con-quistaramposiodedestaquenocenriointernacional.At os anos 1970 a astronomia nacional estava bem atrasada, muito atrsdepasesprximoscomoChile,ArgentinaeMxico,mas apartirdadcadade1990assumimosaliderananaAmrica Latina, conta Damineli. As vagas para os cursos de ps-gradu-aonessareanaUSP,porexemplo,quetmavaliaomxi-ma segundo indicadores do Ministrio da Educao, so muito disputadasporalunosbrasileirosetambmdepasesvizinhos. Situao semelhante vista em outros estados. No geral, o nme-ro de doutores nesta rea no Brasil vem crescendo 15% ao ano, somandoatualmentecercade500.Ocrescimentodointeresse pela rea tambm observado entre os mais jovens. No vestibular de 2008, o curso da USP, cuja primeira turma comea neste ano, apresentou relao de dez candidatos por vaga, superando os de-mais cursos de cincias exatas puras, como fsica, matemtica e estatstica. surpreendente para uma profisso essencialmente ligada pesquisa, reconhece o astrnomo do IAG. SegundoDamineli,essatrajetriadeascensodaastronomia brasileira se deve muito aos investimentos contnuos e crescen-tes em tecnologia e na formao de pessoas, que permitiram in-clusive que o Brasil seja o scio majoritrio do telescpio SOAR, instaladonosAndeschilenos,emoperaodesde2004eum dosmelhoresemsuacategoria.Oprojetoumaparceriacom aUniversidadedaCarolinadoNorte,aUniversidadeEstadual de Michigan e o Observatrio Nacional de Astronomia ptica, todos nos Estados Unidos. Foi um grande desafio de engenha-ria, que exigiu muita interao com a indstria e certamente aju-douaelevarnossopadroemreascomoeletrnica,pticae robtica, diz o astrnomo. Todo esse esforo no tem passado despercebidopelacomunidadeinternacional.Noporacaso que, neste ano de celebrao global, a assemblia geral da Unio AstronmicaInternacional,oeventomaisimportantedarea, vai ser realizada no Rio de Janeiro, em agosto prximo. TESTE SEUS CONHECIMENTOS SOBRE ASTRONOMIA NO PASSATEMPO DA PGINA 42WWW.BLOGDACULTURA.COM.BR ASSISTA AO VDEO COM O ASTRLOGO OSCAR QUIROGA EXPLICANDO A DIFERENA ENTRE ASTRONOMIA E ASTROLOGIA10astronomia.indd Sec2:10 18.12.08 15:45:16MINHA LISTA DVDSGRAVANDO!DIVULGAOAos39anos,acineastaeroteiristapaulistanaLas Bodanzkycolheoslourospeladireodeseuterceiro filme,Chegadesaudade,estreladoporTniaCarreroe Clarisse Abujamra. Estreou como diretora em 1994 com ocurta-metragemCartovermelhoefezcumprir(em grandeestilo,diga-sedepassagem)apromessaque haviafeitodelanarseuprimeirolongaaos30anos, comopremiadoBichodesetecabeas,quecontou comasbrilhantesatuaesdeRodrigoSantoro,Cssia KisseGeroCamilo.Emparceriacomomarido,Luiz Bolognesi,dirigiuodocumentrioCinemambembe O cinema descobre o Brasil, projeto que se transformou numa sala de cinema itinerante chamada Cine TelaBrasil quejpercorreudiversascidadesdosestadosde SoPaulo,RiodeJaneiroeParan.Idealizadorado projetoquelevapopulaodebaixarendaachance dedesenvolversuasprpriascriaesaudiovisuais nasOficinasdeVdeoTelaBrasil,Lasfazumaviagem atasprimeirasimpressescinematogrficasdesua infncia e revela suas principais referncias.VICKY CRISTINA BARCELONA, Woody AllenParamim,WoodyAllensemprefoium diretormuitoimportanteporfazerum cinema simples, de narrativa, mas retratando acomplexidadedospersonagens.Eleno temmoral.Nodizoquecerto,oque errado e ponto fnal. A vida assim. Ela complexa mesmo.O JANTAR, Ettore Scola, (esgotado) Tosimples,quepassoudespercebido pelograndepblico,maspormimno.A simplicidade faz esta obra marcante.O BAILE, Ettore ScolaConsideroesteflmeumclssico.Esta ousadia de trazer a linguagem teatral para o cinema muito difcil. E Ettore Scola fez isso muito bem.STAR WARS, George LucasFoiumgrandemarconaminhainfncia (queriaseraprincesaLea)enahistria docinema,comosefeitosvisuais,o imaginrio.Ocinemafazisso:tecoloca emoutroespao,outrotempo,outro mundo,evocacreditanisso.Poralguns instantes,vocrealmenteesteveali.AMARCORD, Federico Felliniimpecvel.Todososoutrosflmesde Fellinisoassim:tmestaintegridade.E viraramgrandessucessos,fazendodesua flmografaumarefernciaparatodosos outros cineastas.A HORA DA ESTRELA, Suzana AmaralEsteumflmebrasileiroquefoimuito importanteduranteminhaadolescncia, quandodescobrimosomundo.Athoje, tenho como referncia cinematogrfca pelo respeito com a histria e pelos personagens, alm da delicadeza. 12dvds.indd 12 19.12.08 9:34:3114Depois de anos de misria e infortnio, pa-recia que Edgar Allan Poe finalmente teria a paz e a estabilidade financeira to sonha-das.Nodia17deoutubrode1849,iriase casarcomSarahElmiraRoyster,que,ago-raviva,chamava-seA.B.Shelton.Elase encontravaemboascondiesmonetrias eestavadispostaasetornarsuaesposa; haviamnoivadoantes,masamboseram muitos jovens, e seus parentes se opuseram aocasamento.Quisodestinofaz-losse reencontrar 23 anos depois. Apesar de pro-meter no mais tocar na bebida, que tantos dissabores lhe trouxera, o autor continuava bebendo, mas, segundo relatos da poca, ti-nha partido de Richmond (EUA) no dia 23 de setembro sbrio. Era de manh quando deixou a cidade e foi de navio at Baltimore, chegandoem29desetembro.Osaconteci-mentos l ocorridos permanecem nebulosos at hoje. O que se averiguou posteriormente foi que o escritor bebeu muito e caiu na mo de uma quadrilha. Esta, ao que tudo indica, misturou alguma droga em sua bebida para ele no poder votar nas eleies que estavam ocorrendonaquelaocasio.Foiencontrado no dia 3 de outubro numa taverna suspeits-sima da regio, pelo Dr. James E. Snodgrass, velhoamigo,numestadolastimvel,mori-bundo e semiconsciente. Quando Sondgrass olevouparaohospitaldacidade,jestava inconsciente.Permaneceuinternadopor trs dias, apresentando pequenos intervalos delucidez.Enessesperodossemprecha-mava por um tal de Reynolds. Suas ltimas palavrasforamSenhor,ajudaiminhapo-brealma.Comessasombriatragdiafinal, quase que imitando certos mistrios de sua fico, nascia o mito de tantas Histrias ex-traordinrias.Poe considerado o pai do romance poli-cial,tendoinfluenciadoautoresemtodoo mundo ao traar as regras e os princpios do gnero, que pouco mudou at nossos dias, e doscontosdeterror,mistrioemorte,que ajudou a renovar, trazendo novo frisson para eles. Com seus contos filosficos e humors-ticos, houve ainda espao para o sarcasmo e PERFILGRAVURA DE WOGEL PARA O CONTO A LETRA ESCARLATE KEAN COLLECTION/ GETTYIMAGESA alma do CorvoNo ms do bicentenrio de nascimento do poeta e escritor Edgar Allan Poe sempre bom lembrar que o romance policial no existiria, assim como o conhecemos hoje, sem sua genial escritaAmilton PinheiroUntitled-1 14 18.12.08 11:38:4615LITOGRAFIA DE EDOUARD MANET PARA O CONTO O CORVO/ GETTYIMAGESo satrico, como reflexo de alguns perodos menos turbulentos e miserveis de sua vida pessoal, ou simplesmente como forma de rir dasprpriasmazelasemsuacurtaexistn-ciadequatrodcadas,queteveaindapoe-masseminais,comoOcorvo.Osdelriose odesesperosseacalmaramnamanhde 7 de outubro de 1849. Morria o homem que levou para as letras norte-americanas o res-peito e o reconhecimento universais.SIMBIOSE ENTRE VIDA E OBRAElepertenceaopanteodeautoresque exigem,paraentenderaobra,conhecera vida. Nasceu Edgar Poe, a 19 de janeiro de 1809,filhodosatoresamadoresemedo-cresDavieIsabel.Opaialcolatraaban-donaria os filhos, incluindo o primognito, WilliamHenryLeonard,eafilhacaula, RosliaPoe,provavelmentenosidosde 1810. Um ano depois, sua me morreria em situao de misria extrema. A pobreza e a morte iriam espreitar sua existncia, como umcorvoarepetirsempreNuncamais!, palavraspronunciadaspelopersonagem de seu poema mais famoso e que o tornou conhecidoerespeitadomundialmente,O corvo,publicadooriginalmenteem29de janeirode1845narevistaEveningMirror. Seuirmomorreuanosdepoisesuairm faleceria louca numa instituio de carida-de. Alm disso, sua prima e depois esposa, Virgnia, morreria de tuberculose em situa-o material lastimvel, em 1847, dois anos antes da morte do prprio escritor.rfo,Poefoicriadoporumprspero comercianteescocs,JohnAllan,esuaes-posa,FrancesAllan.IncluiuoAllanem seunomeemhomenagemaeles.Foines-seperododainfnciaejuventudeque teveconfortomaterialecarinhodame adotiva,oquelhefaltariapelorestoda vida.MorouporcincoanosnaInglaterra, conheceuaEsccia,eesseslugaresesto presentesemalgunsdeseuscontos,como WilliamWilson.Aos13anos,jescrevia poesias,efoinessapocaqueconheceu JaneStithStanard,medeumcolega,por quempassouanutrirumapaixo,aoque parece,correspondida.Elaenlouqueceu emorreualgumtempodepois.Essefato marcou-oparasempre,sendoinclusivea tnica de sua obra. Anos depois, escreveria o poema Para Helena, em sua homenagem. Alguns bigrafos dizem que ele ficava ron-dandootmulodelanocemitrio.Certos poemasdeEdgarAllanPoeforamfeitos emhomenagemaessaspaixesplatni-cas, como Para Annie, que o ensasta Otto MariaCarpeaux,nomonumentalHistria da literatura ocidental (esgotado), conside-raumaobra-prima.Interessanteobservar que, mesmo prximo de se casar com a Sra. Shelton, no final da vida, ele dizia que ain-da amava a Sra. Annie Richmond, a quem dedicou o poema.Avidaemfamliaesuarelaoamigvel com o pai adotivo mudariam depois que foi estudar na Universidade de Virgnia. A me-sadaqueJohnAllandavaerainsuficiente, eelepassouajogar,beberecontrairdvi-das. Essa incurso pelo lcool seria um dos principaistranstornosdoautoreprejudi-caria em muito sua estabilidade financeira eprofissional.Abandonouauniversidade porpressodopai,quetambmnovia combonsolhossuaspretensesliterrias. Elesnuncamaisteriamrelaesprximas e,apartirda,comeavasuaperegrinao porcidades,penses,empregostempor-riosemjornais,projetosnuncarealizados e sua luta para ser reconhecido e viver das letras que passara a produzir. Algunsfatosdesuatrajetriapermanece-ramnebulosos,muitoemdecorrnciado fatodeterforjadosuaautobiografia.Para Carpeaux, ele era um charlato que inven-touumahistriaparaenganarosestudio-sos e os crticos depois de sua morte. Era um neurastnico, gravemente inadaptado vida,literatopauprrimoentreburgueses arrogantesejornalistassensacionalistas. Tinhacomplexospatolgicos.Masocr-ticobrasileirosoubereconhecersua...ex-trema lucidez de esprito, que se revela nos engenhososcontospoliciaiseemvrios tratadoscientficos.Fora,portanto,um homem fora do tempo e do espao.GENIALIDADE E INFLUNCIASOquetornaoescritordecontospoliciais, comoOsassassinatosdaruaMorgue,que inauguraria o gnero policial quando publi-cado em abril de 1841, incomum e genial? Suaformadedesenvolveressashistrias. Emobrasanteriores,jhaviaoscrimesa serem desvendados, mas foi Poe quem deu tratamentodiferenteparaasoluodeles no decorrer da trama e no seu clmax. Cabia asoluo,namaioriadasvezes,aoperso-nagemdetetive.Essesdetetives,diferentes dos de outros autores at ento, tm cultura vasta,soestetas,poetas,cientistas,mate-mticos,intuitivosetiramasconcluses dosfatosanalisados,respeitandomtodos de trabalho que derivam do raciocnio e da deduo. Para tanto, utilizavam clculos de probabilidadeeanlisematemticacomo ferramentadetrabalho.Foiele,portanto, quem deu dignidade intelectual s histrias de crimes e mistrios to em voga no final do sculo 18 e incio do 19. AsinflunciasdoautordeOgatopreto, A queda da casa de Usher e A carta rou-badaforamdecisivaseamplasnalitera-turauniversal.Muitosescritorestorna-ram-seseusdiscpulos.Ofrancsmile GaboriaucriouopersonagemLecoq,que seassemelhaaodetetiveDupin,dePoe, eConanDoyle,comapublicaodano-velaUmestudoemvermelho,em1889, trouxeopersonagemSherlockHolmes, omaisconhecidodetetivedosromances policiais de todos os tempos, at mais que Dupin,que,evidentemente,lheserviude modelo.Nocampodehistriasdefico cientficaedeaventurasfantsticas,Jlio Vernefoiseumaisconhecidoetalentoso seguidor.Segundoespecialistas,anovela Cincosemanasnumbalo(esgotado)se derivadeBaleladobalo;Aesfingedos gelosacontinuaodeAnarrativade ArthurGordonPym,otextomaislongo de Poe; e, em Vinte mil lguas submarinas htraosdeDescidaaoMaelstrm.Alm disso,suaescritainfluenciariaautoresdo portedePaulVerlaine,ArthurRimbaud, PaulValryeseumaisfervorosodiscpu-lo, Charles Baudelaire, que traduziu alguns deseustextosparaofrancsefezumes-boobiogrficodoautoredeseuslivros em Ensaios sobre Edgar Allan Poe. Outros autoreslhedevemalgumtributo,como Fidor Dostoivski, Fernando Pessoa, que fezaversodeOcorvoparaoportugus, assimcomoMachadodeAssis,quetam-bm traduziu o poema para nosso idioma.Trechos de um conto de Edgar Allan Poe, Berenice,servemcomoepgrafeparasua vida, e, portanto, para sua obra. A desgraa variada, o infortnio da terra multifor-me. Ou, ainda: A lembrana da felicidade passada a angstia de hoje e as amargu-ras que existem agora tm sua origem nas alegrias que podiam ter existido. allan poe.indd 15 19.12.08 9:32:1916 NOSSA LNGUA EM QUADRINHOSCOORDENAO E TEXTO: Paulo Ramos jornalista, doutor em Letras pela USP e editor do Blog dos Quadrinhos.DESENHOS: Accio Geraldo de Lima comeou a mesclar palitos de fsforo com desenhos em 2006. A experincia, intitulada Mismatches, levou o primeiro lugar na categoria tiras do Salo Internacional de Humor de Piracicaba. O uso do hfen muda parcialmente a partir deste ano com a nova reforma ortogrfca. Uma das alteraes com relao a prefxos que terminam com vogal. Se a palavra seguinte comear com uma vogal diferente, no se usa o sinal. o caso de autoestrada.Os termos que tenham uma idia nica tambm comeam a ser grafados sem o hfen. o caso de paraquedas, que perde o sinal grfco. O verbo para tambm deixa de ter o acento diferencial (pra), outra alterao da reforma ortogrfca.Nem bem entrou em vigor e a nova ortografa j comea a gerar divergncias. Uma delas com relao nova grafa de pra-raios.Uns defendem para-raios; outros, pararraios. O assunto deve ser decidido ainda este ano.Quem diria, de pronto, que hiperativo ser escrito sem hfen a partir de agora? S teria o sinal se a palavra seguinte se iniciasse com r. Mas fque tranquilo (o trema tambm no mais usado na nova ortografa). O uso do hfen um dos casos mais complicados da lngua. Por isso, normal ter dvidas. Consulte um bom dicionrio sempre que precisar. E relaxe. Fazendo ioga ou no.16NOVO ACORDO ORTOGRFICOportugues.indd 16 19.12.08 12:08:240525759510005257595100052575951000525759510018INVASO GAULESAO Ano Frana no Brasil comea em abril com uma vasta programao cultural, na qual os brasileiros tero a chance de ver que o pas de Voltaire e Balzac tambm o bero de DJs descolados como Miss Kittin e Stphane Pompougnac. Preparamos uma pr-estria do que vem por aAgrandeprogramaoculturaldoBrasil em 2009 ser francesa. O governo brasilei-ro retribui com o Ano da Frana no Brasil, previsto para acontecer de 21 de abril a 15 denovembro,agentilezadaFrana,que, em2005,comemorouoAnodoBrasilno pas.Trata-sedeumaoportunidadepara os franceses apresentarem, nas diversas re-giesbrasileiras,asmltiplas facetasdesuaculturaeseu estgio atual de desenvolvi-mento em todas as reas do conhecimento.Talligaoentrefranceses ebrasileirosvemdeou-troscarnavaiseremonta aoperododedescoberta das Amricas. O primeiro grandepensadorfrancs eeuropeuafazer refernciaaopasfoi MicheldeMontaigne, autordosclebres Ensaios. Nascido em 1533nocasteloda famlianaregio doPrigord, nomuito distanteda costaatln-ticafran-cesa,ofilsofomorreuem1592,aos59 anos, sem nunca ter navegado no mar. Suas tesessobreoNovoMundoinspiraram-se nosrelatosdosviajantesAndrThvet AssingularidadesdaFranaAntrtica (1557)eJeandeLryViagemTerra doBrasil(1578).Emsuasnarraes, Montaigneutilizoutambm,comofonte, histrias contadas por um de seus criados, queviveupordezoudozeanosentreos ndiostupinambs,nabaadaGuanabara, aotempodamalogradatentativade Nicolas Villegagnon de implantar a Frana Antrtica no Brasil.Suasnicastestemunhasnativaseleco-nheceunooutonofrancsde1562,naci-dadedeRouen,naNormandia,navisita detupinambsaoreiCarlos9,napoca um jovem de apenas 12 anos. Conduzidos Franaparavernossamaneira,nossa pompa, a forma de uma bela cidade, como notou,erecebidoscomatenoespecial, os ndios reagiram de forma adversa s ex-pectativasdacorte:emvezdeadmirao edeslumbramento,suasatitudesforamde denncia e acusao.Indagadospelofilsofo,trsdoscanibais, pormeiodeumintrprete,sedisseram, primeiro, espantados por observar que to-dosaquelesgrandeshomens,barbudos, fortesearmados(referiam-se,provavel-mente, guarda sua do rei) obedeciam a umacrianaimberbe.Narealidadedeles, seriamaislgicoquefosseescolhidoum dentre os guardies para governar. Depois, manifestaram sua incompreenso ao notar gentebemalimentada,gozandodasco-modidadesdavida,enquantometadesde homensemagrecidos,esfaimadosemise-rveis,mendigamportadosoutros.Os selvagens no entendiam como essas me-tadesdehomenspodiamsuportartanta injustiasemserevoltaremeincendiarem as casas dos demais.DELICADAS RELAESDavisitadostupinambs,emmeadosdo sculo16,athoje,muitaguarolouno oceanoAtlntico,quetantojdistanciou como aproximou a Frana e o Brasil. ver-dadequenohistricodasrelaesentre os dois pases h, por exemplo, a chamada guerra da lagosta (1963, conflito da pesca na costa brasileira por barcos franceses), as suspeitascolaboraesmilitaresfrancesas naOperaoCondor(planoderepresso dasditadurasdoConeSul,em1970-80) ou a clebre frase nunca dita do general De Gaulle o Brasil no um pas srio.Diferendos polticos parte, Brasil e Frana tmumpassadocomumdeimportantes trocas culturais, mais visvel a partir do s-18 VOLTA AO MUNDOFernando Eichenberg, de Parisvolta ao mundo.indd 18 12/18/08 4:22:58 PM19culo 20. O Instituto de Alta Cultura Franco-Brasileirocriadoem1922.Umanode-pois,oscolgiosfranco-brasileirosdeSo PauloeRiodeJaneiro,surgidosem1915, recebemnovostatuseimportantesrecur-sos. Os franceses esto presentes, inclusive, nomaisfamosomonumentobrasileiro,o CristoRedentor,inauguradoem1931no altodoMorrodoCorcovado.Afinal,foi oescultorfrancsPaulLandowski(1875-1961) que esculpiu, na Frana, a cabea e as mos da gigantesca esttua, projeto capita-neado pelo engenheiro Heitor da Silva.Mas o ano de 1935 que marca para mui-tos o apogeu da influncia cultural france-sanoBrasil,comodesembarquedeuma missodeprofessores,pesquisadoresein-telectuaisparaparticipardafundaoda Universidade de So Paulo (USP). Entre eles estavam nomes como Claude Lvi-Strauss, RogerBastide,FernandBraudel,Lucien Febvre, Pierre Monbeig e Paul Rivet.Lvi-Strauss,quecompletou100anosde vida no ltimo novembro, lecionou na USP entre 1935 e 1938 e, ao final de seu primei-roanoacadmico,realizouseubatismo etnogrficoaoorganizarumaexpedio aoMatoGrosso,stribosdosndiosca-diuus e bororos. A experincia universit-ria paulista e a descoberta do Brasil foram fundamentais na formao do pensamento etnogrfico e estruturalista desse que seria o principal antroplogo do sculo 20, autor do clssico Tristes trpicos (1955).Osclichsdeimagementreosdoispases persistem.Paraamaioriadosfranceses,o Brasilaterradoexotismo,dosamba,do futebol, das mulatas, das praias ensolaradas e do calor humano. No imaginrio dos bra-sileiros, a Frana o pas elegante, das belas-letras, da moda e da alta-costura, dos perfu-mes,dovinho,doqueijoedaCtedAzur. O Brasil de hoje certamente no o mesmo descobertoporLvi-Strauss,bemcomoa Frana deste incio do sculo 21 est distan-te daquela visitada pelos ndios tupinambs. Entreoanteseoagora,porvezeshbar-reiras a ultrapassar, como j dizia o filsofo alemo Ernst Bloch (1885-1977), em seu O princpiodaesperana:Ovelhoqueno quer passar e o novo que no quer chegar.ENCLAUSURAMENTO CULTURALNaFrana,umdosobstculosmaisevo-cadosexatamenteopesodaculturado passado.AFranatemaimagemdeque suaculturamuitoelevada,dequeno umaculturaderua,masbastantelivresca, herdeira de 500 anos de histria artstica. O pesodessatradioliterrianofcilde digerir. Ou seprossegue nisso ou ento se procura ir por outras formas e outras preo-cupaes, diz o cineasta Laurent Cantet.SeufilmeEntrelesmurs(Entreparedes), vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2008, de certa maneira aborda esse temaaomostrararealidadedaclassede uma escola do subrbio francs, com todas asincompreensesgeradaspelomulticul-turalismo de seus alunos. H uma espcie de enclausuramento e esclerosamento fran-cs,sinaldenossaincapacidadedeolhar paraoutrasculturas.Somosdominados por essa cultura dominante um pouco cls-sica, fechada em si mesma, que torna difcil a relao com os outros. Ficamos at certo pontoprisioneirosdessaaltaopinioque temos de ns mesmos.Odiretor,queestaremmaronoBrasil para o lanamento do premiado filme, con-cordacomasconstantescrticasdequeo cinema francs demasiado umbilical, inti-mista e intelectual, mas v mudanas e uma novaabertura:Achoquenossoscineastas esto cada vez mais em contato direto com arealidadedenossopas,humretorno aumcinemadepreocupaessociais.O mundosetornacadavezmaiscomplexo, aspessoassoconfrontadascomquestes maisdifceisnavidaeocinematambm arrastadoparaisso.Avessotendncias nacionalistas, cita o elogiado La graine et le mulet (A semente e o burro), de Abdellatif Kechiche,tidoporalgunscomodiscpulo de Jean Renoir (1894-1979). O filme, laure-ado com o prmio Csar (o Oscar francs) doanopassado,contaahistriadeuma famlia francesa de origem magrebina, que ajuda o pai a realizar o sonho de abrir um restaurante.A atriz e cineasta Agns Jaoui, com sua cr-tica e sensibilidade singulares, no fica longe desse registro com seu recente Parlez-moi de la pluie (Fale-me da chuva), que confronta os franceses com suas vidas cotidianas, da imi-grao poltica e ao feminismo, sem perder o bom-humor. Neste ano, alm da presena nastelas,elaestarnoBrasilemdiferentes palcosnomsdeabril.Dramaturga,duas peasdesuaautoria,Cuisineetdpendan-ces (Cozinha e dependncias) e Une mre de famille (Uma me de famlia), sero encena-IMAGEM EXTRADA DO LIVRO 100 YEARS FASHION ILLUSTRATION, EDITORA LAURENCE KINGMONTAGEM SOBRE CROQUI: CAROL GRESPANChristian Dior na Vogue France 1992volta ao mundo.indd Sec2:19 19.12.08 8:49:4320dasporBiancaByington.Tambmrecen-tementereveladacantora,apresentarno RioeemSoPaulooshowdoCDCanta, sucesso de vendas na Frana, que inclui no repertrio a interpretao de O meu amor, de Chico Buarque.TROCAS E INFLUNCIASNesse cruzamento de culturas est o recen-tetrabalhodadiretorafrancesaCatherine Marnas,quemontoueapresentouOre-tornoaodeserto,deBernard-MarieKolts (1948-1989),comatoresfrancesesebrasi-leiros (entre eles a melhor atriz de Cannes 2008, Sandra Corveloni), no ltimo Festival Internacional de Teatro de So Jos do Rio Preto(SP).AexemplodeLaurentCantet, elaacreditaquehumatendnciana Franadeumteatrocontemporneomais abertoaomundoemaispoltico,nosen-tidomaisamplodotermo.Algoqueme cansa muito aqui na Frana o cinismo. O pblico francs apreciou muito no trabalho dosatoresbrasileirosagenerosidadeem cena.Gostodoteatrodagenerosidade,da possibilidadedefalaratodoomundo,da idia de partilha por meio do humor. Acho queissoestretornandoaospalcosfran-ceses.Nosepodefazerteatronabaseda recusa ao outro, diz.Adiretora,quejfeztrabalhosimilarno Mxico, se impressionou com o clima cria-do no grupo de profissionais: De imediato houve de maneira quase mgica a formao de uma trupe entre brasileiros e franceses, umentendimentoentretodos,umprazer deatuaredecompartilharextremamente agradvel,umaverda-deira convergncia de culturas, resume. A pea far turn este ano pelo Brasil.A estrela Juliette Binoche tambm aceitou o conviteparaparticipardoAnodaFrana nos trpicos. A atriz foi recentemente aco-metida de bulimia artstica. Est em turn mundialformandooduodedanaIn-IcomAkramKhan,bailarinoecoregra-foinglsoriginriodeBangladesh.Exps 64 quadros de sua autoria em uma galeria dePariselanouolivroPortraitsin-Eyes(Retratosdoolhar),comsuaspinturas acompanhadasdepoemastambmescri-tos por ela.Demisturadeculturas,JaneBirkin,atriz, cantoraeex-musadeSergeGainsbourg, um exemplo de perfeita adaptao. Inglesa de nascimento, h mais de 40 anos vive na Frana. Sua opinio menos crtica do que a dos nativos em relao ao pas que esco-lheucomomoradaequeaadotou.Acho aFranaresponsvelpormuitacoisaboa. Ken Loach (cineasta ingls) sobreviveu gra-as aos franceses. A Frana aceitou acolher diretoresdeteatrocomoPeterBrook(in-gls radicado na Frana desde 1970). Os in-gleses, por exemplo, nunca fariam isso com umfrancs.Osfrancesesamamasatrizes estrangeiras,RomySchneider,Claudia Cardinale, Charlotte Rampling, eu mesma. NaInglaterranosevisso.Paratodasas outrasculturas,sobretudoemParisque se encontram teatros e pblico. No cinema, se podem ver filmes de todos os cantos do mundo.NaInglaterraissojnomais possvel, diz. Aatriz-cantora,quechegoumesmoa searriscaremumaversode Leozinho,deCaetanoVeloso,quandose apresentou em maro de 2008 no Brasil, lan-ou um novo CD, Enfants dhiver (Crianas deinverno,esgotado),oprimeironoqual escreve ela mesma as letras das canes. Do Brasil, lhe interessaram sobretudo as esco-las:Essasclassesabertas,commsica,as crianassentadasnocho,narua,aspin-turasnosmuros,essavontadedefazerda escola uma aventura.OtemacaroaopesquisadorBenjamin Moignard,quepublicounoanopassadoo ensaio Lcole et la rue: fabriques de dlin-quance (A escola e a rua: fbricas de delin-quncia), no qual faz um estudo comparati-vo da violncia e da delinqncia em escolas debairrospopularesnoBrasilenaFrana (na favela da Rocinha e no subrbio francs de Essone). Sua concluso foi surpreenden-te: a violncia menor nas escolas brasileiras doquenasfrancesas.Segundoele,aesco-lafrancesahistoricamenteconstrudaem oposio ao seu meio ambiente: Para a es-cola republicana e laica, tudo o que vinha do exteriorerapercebidocomoextremamente negativo.Hoje,vemosnveisdesegregao muito fortes e h um receio da comunidade educacional em relao ao que vem de fora, consideradonefasto,explica.Aocontrrio dafavela,emqueaescolaseinserenaco-munidade(mesmoquesobaproteodo trfico),nosubrbiofrancsomedodo meio ambiente tanto que instituda uma polticadesegurananosestabelecimentos paraseprotegerdoriscodecontaminao dasupostaviolnciadobairro.Essaprti-ca provoca crispao e alimenta as tenses e atitudes antiescolas, diz. 20 VOLTA AO MUNDOGosto do teatro da generosidade, da possibilidade de falar a todo o mundo, da idia de partilha por meio do humor. Acho que isso est retornando aos palcos franceses.Catherine Marnas, diretora de teatrovolta ao mundo.indd Sec2:20 12/18/08 4:25:33 PM21CLSSICO X CONTEMPORNEOAFrana,sim,Voltaire,Montaigne, Rousseau, Victor Hugo, Zola, Proust, Balzac, Rimbaud,Verlaine,Sartre&Simonede Beauvoir, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, CharlesTrenet,dithPiafeoincansvel CharlesAznavour,paraapenascitaralguns dosmaisfreqentementelembrados.Mas tambm,hoje,umaculturaque,semne-garseufrutuosopassado,seaventuraaqui ealipornovosrumoscriativos.AFrana Air,celebradogrupodemsicaeletrnica; Daft Punk, sucesso mundial dehouse music, o eletro-rock da aclamada dupla de Justice. Charlotte Gainsbourg, atriz requisitada por diretores como Lars von Trier, James Ivory ou Patrice Chreau, e tambm cantora no lbum 5:55. o duo eletro franco-alemo Stereo Total eaduplaindiefranco-finlandesaTheDo. oDJStphanePompougnac,umhabitudo Brasil,dassucessivascompilaesdoHtel Costes e co-autor, com Michael Stipe (REM), de Clumsy; e tambm a DJ tecno, minimalis-ta e trash Miss Kittin. Camille, ex-Nouvelle Vagueeexperimentalistavocal,parceirados brasileiros Marcelo Pretto e Fernando Barba, doBarbatuques.orapehiphopcidoe panfletrio do NTM e tambm a ascendente Soko, uma Mallu Magalhes la franaise.AFranaopolmicofenmenodasle-trasMichelHoullebecq,oprmioNobel deLiteratura2008Jean-MarieLeClzioe tambmoresistentepoetaYvesBonnefoy. oceleirodeartistasdeinovadorasHQ, as BD (bandes dessines) francesas, de Enki Bilal a Joann Sfar. o Thtre du Soleil, das picasesensveisexperinciasdeAriane Mnouchkine. o cineasta Michel Gondry, diretor de videoclipes para a cantora islan-desaBjrkecelebradoporfilmescomo Brilhoeternodeumamentesemlem-branas.oame-ooudeixe-oArnaud Desplechin, diretor bergmaniano de filmes como Rois & reine (Rei e rainha). a oni-presena dos filsofos Bernard-Henry Lvy, Alain Finkielkraut e Luc Ferry, mais midi-ticos do que seus colegas Jacques Rancire, Alain Badiou, Jean-Luc Nancy e do inclas-sificvelPaulVirilio.tambmopasda primeira-damamaisfestejadadomomen-to, a ex-modelo e cantora Carla Bruni, mu-lher do presidente Nicolas Sarkozy.A Frana a Paris que ambiciona se tornar ca-pital mundial do wifi, com uma extensa rede gratuita de conexes internet, e a cidade do Vlib, o mais bem-sucedido sistema de bicicle-tas de aluguel. a Paris da nuit blanche (noite em branco), com manifestaes artsticas at a madrugada; da fte de la musique (festa da msica), com msicos em cada esquina para celebrar a entrada do vero; da inusitada Paris plage, a praia artificial dos citadinos de agosto, beira do rio Sena. a rue Dnoyez, paraso dos grafiteiros no 20 distrito da capital, atra-oartsticaacidentalcomoummuseuim-provisado do grafite, e tambm a FIAC, a Feira Internacional de Arte Contempornea, evento ainda prestigiado como lanamento de novos artistas. o IRCAM (Instituto de Pesquisa e de Coordenao Acstica e Musical), laboratrio de pesquisas sonoras criado pelo compositor, maestro e agitador cultural Pierre Boulez. o pas dos festivais de teatro de Avignon e de cinema de Cannes, dois eventos de renome do calendrio artstico internacional.A Frana , por fim, pas por excelncia da boamesa.Comodizoescritoregourmet Luis Fernando Verissimo, um francfilo as-sumido: Gastronomia tambm arte. Aos curiosos que forem experimentar o variado cardpiodoanofrancsnoBrasil,sresta desejar bom apetite. Da dir. p/ esq.: arte da rue Dnoyez, paraso dos grafteiros no 20 distrito de Paris; HQ O pequeno vampiro vai a escola, de Joann SfarIMAGEM EXTRADA DO LIVRO O PEQUENO VAMPIRO VAI ESCOLA, EDITORA JORGE ZAHARFOTO DE YOYO/ WWW.FLICKR.COM/PHOTOS/YOYOLABELLUTWWW.BLOGDACULTURA.COM.BRVEJA MAIS SOBRE A CULTURA FRANCESA NO BLOG DA LIVRARIA CULTURAvolta ao mundo.indd Sec2:21 19.12.08 12:12:45SAMAMBAIA, Csar Camargo MarianoCsarCamargoMarianoummestrenoacompanhamento demoesquerda.Comoprofessorepianista,prestomuita ateno a essa linha, pois sei a diculdade de execut-la. Ele faz isso com maestria. LIVE IN PARIS, Diana KrallDe um bom gosto! uma aula de improviso com sutileza,semmuitasnotas,apontodepodermos escreveroimproviso.Podesertocadocomose fosse um outro tema. Muito rico. THE KLN CONCERT, Keith Jarrett Meu estilo muito semelhante ao dele. Eu o usei como influncia para moldar o meu jeito de tocar. Inclusive, o J Soares j comentou sobre esta semelhana quando me ouviu. POINTLESS NOSTALGIC, Jamie Cullum Estetrabalhoapresentaumjazzmoderno, comdinmicadiferentedeDianaKrall,mas comamesmalimpezanoimprovisoemais contemporneo. PICTURES AT AN EXHIBITION, Emerson, Lake & PalmerEste grupo teve grande influncia em minha forma detocar,elinguagemparainterpretarmsicapop, porquesouummsicoinstrumental.Eruditoeao mesmo tempo pop, me influenciou muito pelo lado da pera rock. Foi um divisor de guas. CAUBY CANTA SINATRA, Cauby Peixoto, (esgotado)Todo mundo deveria ouvir antes de morrer. maravilhoso, traz a linguagem do Cauby para a melodia, cantando com convidados versesoriginaiseemportugusdasmsicasqueSinatraeter-nizou. Adoro Cauby!BALLADS, John Coltrane onde todo saxofonista quer chegar. Sua forma de tocar nica. Um disco voltado para a sonoridade do tenor. para poucos.BRECKER BROS., Michael Brecker e Randy BreckerFoi uma das primeiras coisas que ouvi quando comecei a escutarsaxofonistas.umsomcomoinstrumentaldasbandasde1975, mas muito atual. Referncia pela inteligncia e performance. SRGIODERICOEntre o sem-nmero de performances, que vo de autor de livros (A busca dos culos de Graal A histria do Deriquismo e outros assuntos aleatrios (esgotado) e Bobagens.com) a assessor para assuntos aleatrios do Programa do J, Derico, est na companhia de seu irmo, Srgio, apresentando o descontrado e ecltico repertrio do Duo Sciotti. Dividindo os palcos desde 1982, a dupla trocou as participaes em festas e convenes pelos shows em teatros e casas noturnas Brasil afora, conquistando o pblico pelo clima intimista e pelos anos de experincia. Os frutos do sucesso e reconhecimento conquistados por eles so os CDs Derico & Srgio Duo Sciotti, gravado ao vivo em julho de 2001, e Duo Sciotti Dois por dois, de 2004. Os metais cam sob a responsabilidade de Derico, que mostra na auta e nos saxofones o resultado do contato com mestres renomados desde o incio dos estudos aos 5 anos de idade. Srgio, por sua vez, domina com dedos rmes o piano e o teclado. Mas o que essa dupla de peso carrega na bagagem? Os irmos contam quais so os grandes ttulos do jazz, blues e fusions que lhes servem como fonte de inspirao.MINHA LISTA CDS 24DIVULGAOEM FAMLIAcds.indd 24 18.12.08 14:12:1726 ESPECIALSOTAQUES MUSICAIS KAKOAo falar em xote, a primeira coisa que vem cabea de muitos o Nordeste e aquele ritmo famoso do grupo Falamansa. Mas xote tambm tem no Sul e vem de schottische, dana de origem escocesa. O boi-bumb chegou mdia por causa do Festival de Parintins, na Amaznia, mas nasceu no Maranho e se espalhou do Nordeste ao Sul do pas como bumba-meu-boi. A lambada surgiu no Norte e conquistou o mundo nos anos 1970. H dois tipos de maracatu: rural e nao (e este no em funo da Nao Zumbi). E h muito estilo ainda desconhecido do grande pblico, como o lundu, o siri, a mazurca, o vanero, o carimb... Isso sem falar nos instrumentos: viola-de-cocho, mocho e bruaca. A seguir, mergulhe nas peculiaridades de cada uma das cinco regies do Brasilritmos do brasil.indd 26 19.12.08 12:21:0827VitrinePARA LER:Almanaque da msica brega, de Antonio Carlos CabreraFestival Folclrico do Amazonas 50 anosde Luiz SampaioPARA VER : Amaznia De Galvez a Chico Mendesde Marcos SchechtmanPRA OUVIR: Sem limite, de Faf de Belm Revirando o sto, de A euterpiaAcstico - Banda Calypso, de Banda CalypsoCalypso total, vrios artistasMestres da guitarrada - Msica Magneta,vrios artistasRainha do brega, de IracemaUm Canto a Clara Ao vivo, de IracemaAll right penoso!!!, de La PupuaRitmo quente, de CarrapichoBerodeestilosquecaramnabocado povocomoalambadaeobrega,amsi-caparaensesegueciclicamentesuareno-vaodeestilos,todosoriundosdeuma mesma raiz: o carimb. Genuinamente do Par, o ritmo o principal braso da ban-deiralevantadapelamsicalocal.Foia partirdelequeverdadeirascoqueluches conquistaram a massa a partir da difuso pelas rdios e TVs.Paranoexigirmuitodamemria,basta voltaraofinaldosanos1980evisualizar adanasensual,velozesuadaquetomou deassaltoNorteeNordestedoBrasil.A lambadasurgiunoPar,emmeadosdos anos 1970. Segundo o msico paraense Pio Lobato,dabandaCravoCarbono-eum dosmaioresestudiosossobreasrazesda msica do estado , o ritmo apareceu pela primeiraveznodiscoLambadasdasque-bradas, de Mestre Vieira, que foi composto em 1975, mas, por estratgia de um produ-tor,lanadoapenasem1978.Ataljogada comercial,noentanto,abriuumafresta paraqueocantorecompositorregional Pinducaseantecipasseecolhesseoslou-rospelolanamentodamsicaLambada (sambo),em1976.Piocontaqueapala-vra lambada, curiosamente, nasceu nesta mesma poca, vinda do jargo de um radia-lista local chamado Haroldo Caraciolo, que anunciava um merengue como lambada. Noapenasamsicaparaense,comoa detodaaAmazniabebebastantenos estiloseritmosdeculturasprximas, comoacmbia,daColmbia,eozouk, daMartinicaedeGuadalupe.Estelti-mo,alis,setornoufebrenasperiferias doestadodoAmap,porexemplo.Ja cmbia,aoreceberdiferentesreferncias locais,espalhou-seefoiassimiladapela regio como um todo. Umadasmarcasdamsicaparaensea misturadetodosessesritmos.Umacom-posioqueilustrabemestacaracterstica local a msica Porto Caribe, do poeta Ruy Barata e do compositor Paulo Andr Barata, que traz neologismos como lambadear.GUITARRADAMestreVieiratambmfoiumdoscria-dores,nosanos1970,daguitarrada,que nadamaisdoqueumjeitopeculiarde tocar o instrumento e que, popularmente, acabou se consolidando como gnero mu-sical,tantoquetambmficouconhecido como lambada instrumental. A lambada filha da guitarrada, que filha do choro e do merengue, sintetiza Pio Lobato.Desconhecido do grande pblico, o gne-roacabouressurgindonoParnoincio dosanos2000,quandoPio,comacole-gaKelciCabral,docursodeLicenciatura emMsicadaUniversidadeFederaldo Par (UFPA), fez um trabalho que resultou nauniodeVieira,AldoSenaeCurica. Formaram,ento,em2002,ogrupo Mestres da Guitarrada. Oestilotemumasonoridadenica,que misturacarimbcomritmoscaribenhos einfluenciouumasriedebandas.Uma delas,demaiorexpressonacional,a Calypso. Outra, ainda restrita a meios mais cults no Brasil, porm j conhecida nacio-nalmente, a La Pupua, que mescla surf music,merenguedeBelmoqualfoi apelidadodeBelemgue,comlundu, danaderodaquevemdolundum,de origemangolana,esiri,ritmocomforte apelosensual.Nsacrescentamossurf musicparaquenossosomficassemais globalizado, mas a questo rtmica dife-rentedaguitarrada.Scomparamospor ser de beira de rio, assim como a surf mu-sic de beira de praia, contextualiza Luiz Flix, guitarrista e vocalista da Pupua. BOI-BUMBOutra grande referncia da cultura musical da Amaznia o boi-bumb. Apesar de ter nascido no Maranho, foi no Amazonas que eledesabrochou.Hoje,oFestivalFolcl-rico de Parintins, que rene os grupos Ga-rantido e Caprichoso, leva milhares de tu-ristasparaconheceratradicionaldana, quemisturalendacomteatroemsica.A tradio, no entanto, tambm est presente do Nordeste ao Sul do Brasil, onde assume o nome de bumba-meu-boi. No Norte con-centraumaforterepresentatividade.Em Belm, a banda Arraial do Pavulagem junta cercadeduasmilpessoasemseusarras-tes pelas ruas da cidade e revive a famosa Festa do Boi h 21 anos. reinventando, redescobrindo e mesclan-dodiversosritmosqueaharmoniado Norte caminha em passos calculados para atingir o ar da msica pop brasileira. NORTE: CALDEIRO DE MISTURAS Marcelo Damaso, de Belm do Parritmos do brasil.indd Sec2:27 19.12.08 8:52:0228 ESPECIALDe todos os ritmos nordestinos que ultrapas-saramoslimitesdeseulugardeorigem,o forr o mais conhecido. Os ritmos do forr (baio, quadrilha, xote, xaxado, entre outros), seja em sua formao bsica com sanfona, zabumba,tringuloepandeiro,sejaem seuinstrumentalestilizadocomguitarras, teclados, baixo e bateria , tocam hoje o ano inteiroemqualquerboafestanordestina.O forrpassounosamsicapopularbrasi-leira sobretudo a partir de toda obra de Luiz Gonzaga e seu parceiro mais importante para nacionalizaodobaio,HumbertoTeixei-ra , mas se transformou em msica atempo-ral: sobrevive alm de So Joo. Chegamos ao ponto essencial para a desco-bertadasonoridadedoNordeste.Imagine quereracharumaruasemterqualquerre-fernciadeendereo.Poisento,paraco-nheceralgumritmonordestino,oideal que se conhea a festa da qual ele faz parte. Originrios de celebraes de f e de traba-lho, os ritmos pertencem aos ciclos carnava-lesco, junino e natalino, basicamente. Umamesmatradio,porm,podeserre-produzida em cidades e perodos diferentes. Mudam-seinstrumentao,toadasouloas, mas sempre haver conexes. Um dos exem-plosmaismarcantesobumba-meu-boi, gnerocultuadonapocadoNatal,entre novembro e janeiro, praticamente em todos osestados.Onascimentodoautodobum-ba-meu-boiremontaaoCiclodoGado,no sculo 18, e s relaes de desigualdade entre os escravos e os senhores nas casas-grandes e senzalas. Contada e recontada atravs dos tempos, ganha tons de drama e stira; trag-dia e comdia.EmPernambuco,hboideNatalede Carnaval.Oprimeiroapresentadoem palcos;osegundosaisruas,puxado porummestre,quetiraversosdeimpro-viso,eporumaorquestraregionalcom-postadecaixa,surdo,taroletringulo. Aoespalhar-sepelopas,obumba-meu-boiadquiriunomes,ritmos,formasde apresentao, indumentrias, personagens, instrumentos, adereos e temas diferentes, como ocorre no Norte em festivais como o de Parintins. DIVERSIDADEOmsicoeetnomusiclogopernambu-cano Climrio de Oliveira acredita que, ao focarmos uma manifestao dentro de seu ciclofestivo,percebemosseufortecarter tnico. O pastoril, como auto natalino, tem forteinflunciadaculturaportuguesa. Osndiosdeixamcontribuioemvrias brincadeirasdeCarnaval:caboclinho,tri-bosindgenas,maracaturural.Osnegros contribuem com as msicas de transe para osorixs.Ousodetambores,xequerse campanasadotadosnassalasdecandom-blforamparaasruasatravsdosafoxs (cuja presena mais forte na Bahia).Osbatuquesdosnegrosforamreprodu-zidosempraticamentetodososgneros damsicadoNordeste,que,essencial-mente,percussiva.Estnoafoxenoax baiano;nococoderodadetodoolitoral nordestino,enomaracatudebaquevi-radodePernambucoedeestadoscomo Alagoas.Omaracatunaotambm chamadomaracatudebaquevirado.Ade-nominaoevidenciaafunodostambo-res nesta trama: eles viram a cada coman-do do mestre para executar novas cadncias de batidas. Tambm serve para diferenci-lo deoutrotipodemaracatu,estesurgidoda brincadeiradetrabalhadoresdazonarural dePernambucoedepoistambminserido no cotidiano da cidade, sobretudo pela mi-grao de seus fundadores, os trabalhadores rurais, para a capital. por isso chamado de maracatu rural ou de baque solto.No Nordeste, com exceo do forr, no h um gnero que se sobressaia a outro. Nem mesmooaxbaianoadquireessaimpor-tncia,mesmoquetenhasidolevadocom seusartistasexpoentesparatodocanto do pas. O forr forr em qualquer lugar doNordesteondeseapresente.Cantorou cantorafamososdeaxstemnaBahia. Oforrtemartistadepesoemdiferentes capitais.Estejamelesligadostradio gonzaguiana,comoosanfoneirocearense Waldonys,ouaopopquefabricabandas, como a Calcinha Preta (SE).Quando chega na fase da releitura, ou estiliza-o dos costumes originais, o ritmo no precisa mais ser visto como uma tradio ligada ape-nas a um ciclo de festejos. O frevo, msica es-sencialmente do Carnaval pernambucano, ser encontrado em abundncia nesta poca. Mas jpossvelescut-lopelospalcosdopas, atravsdeprojetosdedivulgaocomooda Spok Frevo Orquestra. NORDESTE: MULTICULTURALIDADEMichelle de Assumpo, de RecifeVitrinePARA LER: Dicionrio do folclore brasileiro, de Lus da Cmara Cascudo Msica popular: os sons que vm da rua, de Jos Ramos TinhoroPequena histria da msica, de Mrio de AndradePARA VER: So Joo vivo, de Gilberto GilLuiz Gonzaga - Danado de bom, de Luiz GonzagaPARA OUVIR: Turista aprendiz, de A barcaO doutor do baio, de Humberto Teixeira Conterrneos, de Dominguinhos Forr do bem-querer, de Santanna, o cantadorritmos do brasil.indd Sec2:28 18.12.08 16:36:4429Osambaprovavelmenteumdosritmos maisassociadosaoBrasil,seguidopela bossa nova. Ambos conquistaram o mundo apartirdoSudeste.Maisespecificamente apartirdosmorrosedaspraiascariocas. O Rio de Janeiro foi palco da colossal fu-so de tradies musicais, de dentro e fora do Brasil, que resultam na msica popular brasileira,explicaoescritormineiroRuy Castro. Alm da paternidade do samba e da bossa nova, o Rio tambm o bero do choro, to incensadoquantorevitalizado,edofunk, todesprezadoquantopopular.presen-adojongoemdiversasregiesdeRio, Minas, So Paulo e Esprito Santo, some-se ocongocapixabaetemosummeltingpot musicalbrasileirotpicodaregio.Naca-pitalpaulista,porsuavervecosmopolita, ritmosoriundosdosmaisdiversospontos da nao esto presentes.Mais que um ritmo, o samba patrimnio nacional.Vaidasrazesafricanasaorock, passandopelabossanovaeMPB.sim-plesegrandioso(videdesfilesoficiaisde Carnaval). Se o sculo 21 v o samba oni-presentenopas,osculo19viuogne-ronascernascasasdastiasbaianasdas primeiras favelas cariocas. Foi s nos anos 1930queosambacariocacomeouase transformar em smbolo de nacionalidade, explicaopesquisadormusicalHermano Vianna. A galeria de dolos cobre arco pra ldeamplo:Donga,Sinh,IsmaelSilva, CustdioMesquita,MarioReis,Carmen Miranda, Cartola, Paulinho da Viola, Clara Nunes, Nei Lopes, Jovelina Prola Negra e Maria Rita, entre tantos outros.A bossa nova pode ter cronologia mais curta que o samba, mas igualmente forjou a iden-tidade nacional. Como teria sido a cultura doBrasilsemJooGilberto,TomJobime Vincius de Moraes? O movimento que co-meou em Copacabana e Ipanema precisou de poucos anos para conquistar o pas e o mundo. O marco zero foi o lbum Cano do amor demais, de 1958, com msicas de Tom e Vincius, na voz de Elizeth Cardoso e no violo de Joo Giberto. Em meados da dcadade1960,comgrandegrupodear-tistas de Nara Leo a Newton Mendona, passando por Carlos Lyra, Luiz Bonf e v-riosoutrosejtendocativadoosame-ricano Stan Getz e Frank Sinatra, Vincius frisava: Bossa nova o canto puro e solit-rio de Joo Gilberto eternamente trancado em seu apartamento. Em 2009, Joo man-tm-se solitariamente trancado em casa e bossa nova em estado puro.CHOROPorfalaremestadopuro,ochoropepi-taquebrilhanorevitalizadobairrocario-cadaLapa.Tudocomeounosculo19, com a arte de Chiquinha Gonzaga, Ernesto NazaretheJoaquimCallado,queprepara-ramachegadadePixinguinha.Apartir dele,ochorosecristalizoucomognero musical,dizopesquisadorJorgeRoberto Silveira.Pixinguinhaabriucaminhopara JacobdoBandolim,quecriouescolapara msicoscomoJoelNascimento,Isaas Bueno e Hamilton de Holanda. Nos anos 1970, o chamado funk carioca j era fenmeno de massa, com seus bailes no subrbio.Em1985,osocilogoHermano Vianna o escolheu como tema de mestrado e o movimento ganhou visibilidade. Desde ento,muitosemodificou.Oritmomu-douradicalmente,avaliaHermano.Era 100% msica importada, hoje 100% m-sica nacional, sintetiza. Uma referncia se mantm intacta: o DJ Malboro, patrono do gnero e porta-voz internacional.CONGO E JONGOPorltimo,doisritmosafricanos,aparen-tadoserestritosemtermosdeexecuoe difuso.Ocongocapixabatemnomede pasafricanoporqueasprimeirasbandas musicais indgenas passaram a ser integra-daspornegrosbantus,vindosdoantigo ReinodoCongo.Hoje,soformadaspor pessoas da mesma famlia ou comunidade, explicaapesquisadoraAdrianaBravin.A msicaderitmorepetitivotemforteliga-ocomadevooaossantos.Inspirouo surgimentodocross-overrockcongo,cujo principal nome a banda Mahnimal.Jojongo,emdefiniorpida,podeser chamado de primo do congo e pai do sam-ba.Escravosbantus,foradosatrabalhar nasfazendasdecafdoValedoParaba, podiamdanarecantaremferiadoscat-licos.Comaabolio,passaramamorar nasprimeirasfavelascariocas.Nosanos 1920, quando o samba nascia, era o ritmo maisexecutadonosmorros. SUDESTE: ONDE TUDO COMEA E ACABA EM SAMBAHeloisa Fischer, do Rio de JaneiroVitrinePARA LER:Almanaque do choro, de Andr DinizRio Bossa Nova Um roteiro ltero-musical, de Ruy CastroO funk e o hip-hop invadem a cena, de Micael Herschmann Heranas do samba, de Aldir BlancPARA VER: Vincius, de Miguel Faria JuniorCoisa mais linda Histria e casos da bossa nova, de Paulo ThiagoPARA OUVIR: Cano do amor demais, de Elizeth Cardoso e Joo GilbertoPixinguinha e seu tempo, de PixinguinhaCaixa Jacob do Bandolim, de Jacob do BandolimPARA OUVIR EM MP3: Opereta Cabocla, Banda de Congo da Barra do JucuDisponvel em: www.musicaes.org.brritmos do brasil.indd Sec2:29 19.12.08 8:54:1030 ESPECIALVitrinePARA LER: ABC das danas gachas de salo, de Clvis RochaA modinha norte riograndense, de Cludio GalvoDomingos Caldas Barbosa - O poeta da viola, da modinha e do lundu, de Jos Ramos TinhoroPARA VER: Bem gacho, de Dante LadesmaTradio micareta sertaneja, de TradioFandango, de Renato BorghettiPRA OUVIR: Assim nos Pampas, de TeixeirinhaSatolep Sambatown, de Vitor RamilLida, de Yamandu CostaModinhas de amor, de Lira DOrfeoLundu de Marru, de Lira DOrfeoO amor brasileiro, de Rosana Lanzelotte & Ricardo KanjiOSulestevepormuitotempoisoladodo resto do Brasil, mas nem por isso deixou de receberinflunciasmusicaisquechegavam de outras regies do pas e do mundo. Mrio deAndradejtinhadecifradobrilhante-menteemsuaobraEnsaiosobreamsica brasileira as fontes estranhas que compem osritmosnacionais:amerndia,africana, europia(principalmente,portuguesaees-panhola) e hispano-americana do Atlntico (CubaeMontevidu).Eagnesedamsi-ca no Rio Grande do Sul tambm pode ser vista como um reflexo desta multiplicidade dereferncias.Naregiohvalsas,polkas, schottisches pai do xote e mazurcas me legtima da rancheira , como influncias diretas do continente europeu.Porm,isso se mistura valiosa contribuio do canto edobatuqueafricano,mesmoqueperse-guido,vigiado,quasesegregado.Umdos nicosritmosautenticamentegachoso bugio, que no sofreu influncia nenhuma, mas que est fechado na regio de Campos de Cima da Serra. VANEROMaseataldavaneiraouvanero,que desperta tanto a curiosidade de quem no a conhece?nossa?gringa?Ojornalistae msicoArthurdeFariaexplica:Acontra-dansefrancesaacabousemisturandoaos ritmosespanhis,migrouparaacidadede Santiago de Cuba (colnia espanhola) e vi-roucontradanza.Quandooritmochegou aHavana,ningummaissabiadeondeti-nha sado. Acabaram achando que era de l mesmo e batizaram de habanera. Isso j era final do sculo 19 e o ritmo era to bacana que se espalhou pelo mundo virando hit nas pistas de dana de Cuba, Mxico e Espanha. Chega a Porto Alegre na dcada de 1880. De l, ruma para o interior, onde tem seu nome aportuguesado j nas primeiras dcadas do sculo 20 para vaneira. Quando resolveu en-crespar mesmo e virar um ritmo furioso, o aumentativo puxou o nome para vanero, j pela dcada de 1950. Traduzindo: o vanero prprio da regio Sul, sim.MODINHAAlm do vanero, h a famosa modinha, quebemprpriadoestadodeSanta Catarina,ondeseencontraumdosre-gistrosmaisantigosdoestilonoBrasil. Deorigemlusitanaecomoosotaque portugusforteporaquelasbelaster-ras e praias , a modinha tocada na viola, comletrapag,deuascarasnosculo 17,emDesterro(atualFlorianpolis). Chorosa, suave ou, enfim, romntica, jus-tificada em um cenrio paradisaco como Florianpolis,ogneroumaespciede me da MPB. Estas informaes podem serconferidasemdetalhesnorelevan-tetrabalhoAmsicanaimprensaem Desterronosculo19,deautoriadoProf. Dr. Marcos Tadeu Holler, da Universidade doEstadodeSantaCatarina.Porltam-bm tpica a msica litrgica (do sculo 19) que obviamente marca presena em todas as regies do pas. A proximidade territorial e cultural de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul comea aseesclarecer:opessoalagitanobaile comonospampas,aosomdequadrilhas, fandangoseschottisches.Nestebojo,h bandasdemsica,oubandasmarciais,ou fanfarras, como queira; msica nos teatros, perascurtaseoperetas,msicafolclrica e,vejas,atbumba-meu-boitambm muito presente no Norte e no Nordeste.FANDANGOJ imaginou que o estilo de msica e dana comorigemnaspopulaescaiaras(do povo tupi, habitante de regies litorneas) tocado com viola e rabeca chamado fan-dango um dos poucos ritmos genuina-menteparanaenses?Poisacredite,epara nodeixarmorrerestaimportanteex-pressocultural,MestreRomo,umfan-dangueiromuitorespeitado,dedica-sea transmitir aos mais novos o que aprendeu com seu pai. O fandango est relacionado organizaodetrabalhoscoletivos,aos mutiresnascolheitas,nosroadosou naconstruodebenfeitorias,diz.Seria umaespciedefestana,umagradeci-mentoqueoorganizadoroferececomo pagamento aos ajudantes voluntrios com muita msica e comida farta. Toda esta riqueza cultural do Paran desta-cada pelo Spina, Presidente da ONG Msica doParanerepresentantedaAssociao BrasileiradeMsicaparaoParaneSanta Catarina.Eledestacaostalentoseaquali-dade musical paranaense, pouco conhecida pelos outros estados do pas. SUL: MSICA COSMOPOLITAFrank Jorge, de Porto Alegreritmos do brasil.indd Sec2:30 18.12.08 16:37:2231O Centro-Oeste ainda est por ser descoberto pelosbrasileiroscomoumriqussimocelei-romusical.Maisconhecidapelasprodues agrcolas e pela beleza de seus ecossistemas, a regio possui ritmos e instrumentos prprios, comsonoridadesespecficas,comoviola-de-cocho, mocho e bruaca. Mesmocomcidadescomquasetrssculos de existncia, como Cuiab e Vila Bela, a gran-dezacontinentalisolouaregiodorestante do Brasil at pouco tempo, quando novas vias de comunicao, reais ou virtuais, tornaram-se disponveis. Isso permitiu que uma lingua-gemmusicalmuitoparticularsedesenvol-vessenosrincesisoladosdoPantanal,nas imensidesdoCerradoenaspraiasfluviais doAraguaia.Remedeiacoquetemeraa mximaqueguiavaacriatividadedaqueles queprecisavamdamsicacomoalimento bsico de sobrevivncia. Assim nasceram ins-trumentos feitos de madeira escavada (viola-de-cocho),tamboresemformadetraves-seiro de couro de boi (bruaca) e de madeira (mocho). Estes timbres deram voz ao homem ribeirinho da maior plancie alagada do mun-do. Com os primeiros desbravadores, vieram tambm as tradies ibricas, como o pasto-rileoreisado,dociclonatalino.Algumas se mantm vivas at hoje e comeam a ser conhecidasemtodoopas,comooSiriri eoCururu,ritmosfolclricosencenados com danas caractersticas, que atraem tu-ristasdetodocantoparaacompanharos festivais anuais em Cuiab. A proximidade com a Argentina, o Paraguai eaBolviatambmmarcouamsicado Centro-Oeste, especialmente de Mato Grosso eMatoGrossodoSul.comosehouvesse uma mesma regio cultural, que no se res-tringisse fronteira geopoltica atfim dos anos 1970 o estado no era dividido. Durante muitasdcadas,conjuntosmusicaisfaziam sucessonosdoisladosdafronteira,selando umsentimentodeirmandadeentrepessoas comlnguasdiferentes.Orasqueadomato-grossense, por exemplo, um gnero singular, que resultou destes encontros. Msicos bem treinados,bonsinstrumentistasemaestros de banda, como Jos Agnello Ribeiro, Mestre AlbertinoeToteGarcia(violinistacaceren-senascidoem1907nacidadea100kmda fronteira com a Bolvia), criaram uma msi-ca que tem na essncia um swing baseado na justaposio dos ritmos ternrios e binrios. Grossomodo,enquantoocontrabaixotoca oacompanhamentoemtercinas,oviolino, clarinete ou outro instrumento meldico toca em ritmo binrio. Isso a cara da polca e do kyreiparaguaioenosremeteatonorteda Amrica do Sul, com o joropo venezuelano. DO ROCK AO CLSSICORoqueiros, instrumentistas, cantores e bandas de rasqueado do vazo a esta rica tradio de justaporritmos,incorporandoidiaseabor-dagens.EmBraslia,porexemplo,Roberto Corra dedica-se h mais de trs dcadas ao estudodaviola-de-cochoedaviolacaipira. Alm de pesquisador, ele tambm um gran-deinstrumentistaecompositor,produzindo elanandoquaseanualmenteumnovoCD. Suas gravaes revelam uma sonoridade m-par das cordas dedilhadas. Como diz seu par-ceiro e violeiro Paulo Freire, escutando o som daviolacaipira,podemossentirocheirodo caf passado no coador de pano e acompanhar o vo de um tanto de passarinho diferente. J a viola-de-cocho tem um som gotejante, mi-do e que, nas palavras de Paulo Freire, ainda vai dar muito o que falar.Nomundodorock,umgrupomato-gros-senseganhouasmanchetesnosltimos meses. A Vanguart faz uma msica sincera, mesclandoelementosregionaisnamedi-dacerta.Cantamosemportugus,ingls eespanholetemososommarcadopelo rock folk e clssicos de Bob Dylan e Velvet Underground, diz Helio Flanders, vocalis-ta e fundador da banda. No pop, Campo Grande exportou para todo o pas o cantor e compositor Mrcio de Camillo. ComquatroCDslanados,elefundouem 2004aAMPAssociaodosMsicosdo Pantanal com objetivo de difundir a cultu-ra da regio. Misturo os ritmos de fronteira asonseletrnicossampleadosembuscade uma msica nova e singular, diz.E no erudito h o trabalho da Orquestra do Estado de Mato Grosso, que, sem deixar de apresentaramsicaclssicapropriamente dita, incorpora em seu repertrio obras de compositorescomoGutierrezePiazzolla. Com exceo do ltimo, eles so pouco co-nhecidosdosbrasileiros,mastidoscomo gnios nacionais em seus pases de origem. AOrquestratambmincorporouviolas-de-cochoeinstrumentosdepercusso pantaneiros em seu conjunto, criando uma sonoridade nica. Leandro Carvalho, de CuiabVitrinePARA LER:Msica caipira Da roa ao rodeio, de Rosa NepomucenoMsica caipira As 270 maiores modas de todos os tempos, de Jos Hamilton RibeiroPARA VER: Orquestra Paulistana de Viola Caipira, de Orquestra Paulistana de Viola CaipiraPARA OUVIR:Vanguart, de VanguartMe deixa levar, de Mrcio de CamilloInezita Barroso & Roberto Corra, de Inezita Barroso e Roberto CorraSolos de viola caipira por ndio Cachoeira, de ndio CachoeiraBrincadeira de viola, de Paulo FreireRio abaixo - Viola brasileira, de Paulo FreireCENTROOESTE: ESCONDERIJO DE TESOUROS ritmos do brasil.indd Sec2:31 18.12.08 16:37:3832 LER PARA SERNome: Pedro GalProsso: EditorO que comprou?Ilada, de Homero. uma nova traduo direta do grego para o portugus. Quero conferir.Cultura ... Quase tudo, depende do referencial da pessoa.Nome: Ceclia Coan Prosso: PsiclogaO que comprou? Bonde Saudoso paulistano, de Fernando Portela. Vou presentear meu pai com fotos dos tempos ureos da cidade que ele adora. Cultura ... Tudo aquilo que agrega.GENTE QUE FAZ A CULTURA NO BOURBON POMPIANome: Ivani Maria de Santana Prosso: Gerente de panicadoraO que comprou? La mtamorphose, de Franz Kafa. Estou estudando francs e queria ler alguma coisa legal. Cultura ... Sempre tentar entender as coisas e aprender mais sobre tudo.MELISSA HAIDARNome: Cludio GarciaProsso: ArquitetoO que comprou? A danarina de Izu, de Yasunari Kawabata. Tenho paixo por literatura japonesa, e esse autor trabalha com as relaes entre as pessoas e o meio em que vivem.Cultura ... Tudo que se absorve na vida, ao lado do prazer de ser e estar.gente que faz.indd 32 18.12.08 14:26:11Leia mais, veja mais, oua mais, gaste menos.Mais Cultura o nosso programa de fdelidade.Com ele, voc ganha descontos em livros, CDs e DVDs,alm de acumular pontos que podem ser usados emsuas prximas compras. Ou seja: voc l mais e gastamenos. Para participar do programa muito simples:associe-se em qualquer uma das lojas da LivrariaCultura ou pelo site www.livrariacultura.com.br.A_220x310mm_MaisCultura2.indd 1 3/19/08 3:20:54 PM34Vaidade:definitivamente,meupecadofavorito,dizAlPacino emmemorvelcenadofilmeOadvogadododiabo,dirigido por Taylor Hackford, com roteiro baseado no livro homnimo de AndrewNeiderman.Vaidadenobastaaomercadofinanceiro. Gannciaseupecadofavorito.Acriseinternacionalaquese assistehojemaisumfimdeciclodocapitalismo,masnoseu funeral. Tombos ocorrem vez por outra. Um dos maiores economistas norte-americanos do sculo passa-do, James K. Galbraith, descreve com clareza por que acontecem movimentosespeculativosnosmercados.Contaele,nolivroO colapso da Bolsa, que, no incio dos anos 1900, ocorreu um surto irreal de aumentos de preos de terrenos na regio da Flrida, sul dos Estados Unidos. Foiumafebre.Noporqueoscompradoresimaginavamquese aposentariameviveriamnoclimaamenodaregiodeMiami, masporquetinhamaabsolutacertezadequeospreossubi-riam mais, e mais, e mais, como espirais infinitas de dinheiro f-cil.Tantoqueatmesmopntanosforamvendidoscomopraias paradisacas. Ningum tinha sequer o cuidado de olhar as terras. Comprava-se porque havia uma obsesso quase religiosa pelo lu-cro, ou a crena de que, em finanas, o cu no o limite.Faz parte da natureza humana. No -toa que a Economia como cincia seja filhote da Sociologia. A rigor, poder-se-ia acrescentar a Psicologia como uma segunda me. Olhos nos olhos: quem no quer vender seu carro usado por um excelente preo ou comprar umimvelqueumapechincha?Mesmonafeiralivre,adona decasanoadoraahoradaxepa,quandoimaginaobtervanta-gens do vendedor de alface (afinal, elas vo murchar, e ele tem de vend-las)? A natureza oportunista, mesquinha e arrogante hu-mana. E a idia de que preciso ser um vencedor na vida, em ter-mosfinanceiros,tpicanaesmagadoramaioriadassociedades democrticas, em menor ou maior grau. A atual crise hipotecria nos Estados Unidos nada mais do que a constatao de que es-sas mazelas podem desrespeitar a tica e no ter limites.REPORTAGEM 34Maisumarefernciaeconmico-cultural:olivrode1996Rogue Trader (O aventureiro da Bolsa, na verso de Portugal), rendeu um excelente filme em 1999, traduzido no Brasil como A fraude (esgota-do). a autobiografia de Nick Leeson, o jovem operador ingls que, em1995,quebrouobicentenriobancodeinvestimentobritnico Barings,operandoemCingapura.poca,osmercadosfuturos fervilhavam,eorpidoavanodatecnologiapermitiaoperaes intercontinentais mirabolantes, que tinham escassa superviso. Araizdaatualcrise,almdosdefeituosossereshumanos,foia gesto de Alan Greenspan frente ao Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano) entre 1987 e 2006. Por um grande pero-dodesuapresidncia,manteveastaxasdejuroexcessivamente baixas,parafazerocrescimentobombar.Entre2003e2004,por exemplo, oscilaram em torno de 1% ao ano.Jurobaixoumconviteaoconsumo,aindamaisnosEstados Unidos, em que 70% do PIB movido pelas idas e vindas do con-sumidor s lojas. A conjugao de dois templos-mores gastos e mercado financeiro era o mundo ideal para a folia dos inventi-vos operadores e gestores de fundos. Todos, quela poca, brada-vampelatotalliberdadedomercado,pelaescassasupervisoe defendiam a autorregulao. Ou seja, sopa no mel para estripulias dosgarotos,ounemtanto,queexibiamcomorgulhoMBAsde Chicago ou universidades neoliberais.Foiapocadasupremaciadoneoliberalismo,umtermoquere-monta aos anos 1980, segundo o qual proibido o Estado intervir emquasetudonaeconomia,porque,supostamente,omercado tudo resolve. Pura m interpretao de A riqueza das naes, de Adam Smith, publicado em 1776. Expresses como mo invisvel e laissez-faire foram usadas como justificativa para todas as aber-raesmercadistas.Sim,essesforamostoquesgeniaisdeSmith, mas, sua poca, a maioria dos Estados era corrupta, gastadora e comumasededearrecadaoinsuportvelparaainiciativapri-vada.Liberdadedemercadofaziatodoosentido.Emmomento algum,noentanto,oeconomistaretiroudoEstadoasfunes fundamentais,comosuperviso,regulao,almdeconsider-lo provedor de servios essenciais s populaes mais carentes. Se os guris de Chicago leram Smith, o que duvidoso, leram muito mal.Omercadosefezdesurdo,deliberadamente,eignorouaslies deSmith.OjuroprecisousubiraindanaeraGreenspan,porque todossabemosqueprestaobaratinhainduzaoconsumoein-flao.Paracombateraaltadospreos,ofamosoMr.Gelevoua taxa bsica at 4,5%. Seu sucessor, Ben Bernanke, no teve sada e continuouaaument-la,atatingiropicode5,25%aoano.Tudo deformamuitobrusca,gerandopreocupaesdequeosEstados Unidos poderiam registrar forte desacelerao econmica. Masaoestragoestavafeito.Nessemeiotempo,houveaprolife-Mrcia Pinheiro Umpanoramaparaencarar2009sem susto, ou quase: a natureza da atual crise fnanceirainternacional,entrevistacom Richard Thaler, consultor informal da rea econmica de Barack Obama, e artigo do economista francs Guy Sorman DO CAPITAL FranaFranaRepblica TchecaDjiboutDjiboutRomniaVietnNicarguaNicarguaNicarguaLaosArbia SauditaArbia SauditaFilipinasBulgriaAngolaAngolaTahitiTahitiRepblica DominicanaGuinea BissauTurquiaMxicoFinlndiaPaquistoQuniaBolviaPapua Nova-GuinImenAfeganistoBolviaUgandaAustliaCosta RicaCosta RicaMalsiaUcrniaUcrniaBangladeshTasmaniaTasmaniaColmbiaTunsiaTunsiaTunsiaEstados Unidos da AmricaEstados Unidos da AmricaEstados Unidos da AmricaAntrtica FrancesaGuin EquatorialGaboIlhas Maurcio Ilhas Seychelles GaboBsnia e HerzegvinaBsnia e HerzegvinaIrlandaIrlandaCubaCubaCubaVenezuelalBrasilIlhas de Cabo VerdeIlhas de Cabo VerdeGeorgiaUiLaosChileInglaterraTurquismenistoTurquismenistoHaitiHaitiIrIrIrIrRssiaMontenegroNambiaGuiana FrancesaGuiana FrancesaMacedniaNambiaGanaIlhas FaroeEtipiaParaguaiParaguaiZmbiaZmbiaZmbiaZmbiaZmbiaZmbiaZmbiaZmbiaPortugalArmniaArmniaEritriaPapuaGuinAlgriaEmirados rabes UnidosRepblicaDominicanaInglaterraMadagascarCosta do Marf mChadZaireJapoJapoPanamEgitoArgentinaArgentinaTailndiaTailndiaNova-ZelndiaSerra LeoaTinidad e TobagoTinidad e TobagoTrindade e TobagoEspanhaBurundiCamaresCanadLuxemburgoJapoOmOmOmCosta RicaSurinameMoambiqueMoambiqueMoambiquefrica do SulDinamarcaRepblica Centro-AfricanaRepblica Centro-AfricanaRepblica Centro-AfricanaRepblica Centro-AfricanaRepblica Centro-AfricanaDinamarcaIraqueBelizeLibriaMalauMauritniaMauritniaMauritniaMauritniaSaara OcidentalCasaquistoLtLesotoLesotoLesotoLesotoLesotoLesotoLesotoLesotoLesotoAfeganistoHolandaHolandaHolandaHolandaHolandaHolandaHolandaHolandaMaliIndonsiaCoriaNigriaespecial crise.indd 34 19.12.08 9:18:4635 35OefeitoseespraioupelaEuropa.OsgovernosdaBlgica, daHolandaedeLuxemburgocompraramoBancoFortis.O Mitsubishi Financial Bank adquiriu 21% de participao acionria do Morgan Stanley. O banco alemo Hypo Real Estate, que amea-avafalncia,recebeudeumconsrciodebancosumaportede crditos, cujos valores no foram mencionados. AGr-BretanhanacionalizouoB&B,segundobancoinglsres-gatadonesteano.Oroundnoparoupora.Blgica,Franae Luxemburgosalvaramobancobelgo-francsDexia.AIrlanda praticamenteestatizouseusistemafinanceirocomumplanode resgate de 400 bilhes de euros. Desde a quebra do Bear, mais de 3trilhesdedlaresforamdespejadosnosistemapelosBancos Centraisdomundointeiro,ouseja,emprestadosapreodeba-nana, porque houve uma crise de crdito. Crise, claro, gerada pela desconfiana. Todos os dias, bancos emprestam recursos uns para os outros, apenas para fechar um pequeno buraco de caixa. Depois do Bear, ningum emprestava para ningum. O mercado secou.A crise sria desta vez. a maior desde o crash de 1929, que resultou emrecessomundialefoiumadasrazesparaofortalecimentodo nazismo na Alemanha. Talvez seja mais profunda ainda, mas ningum ousa prever, porque h uma quantidade imensa de ttulos podres (as dvidas dos inadimplentes) espalhados pelo mundo todo.perguntadesetodooimbrglioafetaroBrasil,aresposta cristalina: sim, j est afetando. Pequenos bancos esto com difi-culdade de fechar o caixa todos os dias e, se conseguem dinheiro, os grandes emprestam-no a taxas elevadssimas. O Banco Central vemtentandocontornaressefenmeno,chamadodeempoa-mento de liquidez, a