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SP-ARTE FÁBIO MAGALHÃES EUGÈNE DELACROIX EMMANUEL NASSAR NINO CAIS LARS NILSSON MARCO RIBEIRO

Revista Dasartes Edição 47

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A edição 47 da Dasartes está disponível com matéria especial de capa SP-Arte 2016. Matérias sobre os artistas Nino Cais, Fábio Magalhães, Emmanuel Nassar, Marco Ribeiro nas sessões Destaque, Alto Relevo e Reflexo. Ainda na sessão Do Mundo, texto sobre a exposição de Lars Nilsson no Instituto Tomie Ohtake e em Flashback, Delacroix e seus seguidores.

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Page 1: Revista Dasartes Edição 47

SP-ARTE

FÁBIO MAGALHÃES

EUGÈNE DELACROIX

EMMANUEL NASSAR

NINO CAIS

LARS NILSSON

MARCO RIBEIRO

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DIRETORALiege Gonzalez Jung

CONSELHOEDITORIAL

Agnaldo FariasArtur Lescher

Guilherme BuenoMarcelo Campos

Vanda Klabin

PRODUÇÃOLeandro FazollaAndré Fabro

[email protected]

SUGESTÕES E [email protected]

APOIE A DASARTESSeja um amigo Dasartesem recorrente.benfeitoria.com/dasartesdigital

Doe ou patrocinepelas leis de incentivoRouanet, ISS ou ICMS/RJ

Capas: AdrianaDuque, da sérieÍcones. CortesiaZipper Galeria.

Primeira e últimapáginas: detalhede obra deAbrahamPalatnik, noestande daSimões de Assis

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SP-ARTE

10NINOCAIS

De arte a z

26FÁBIOMAGALHÃES

EMMANUELNASSAR

46MARCORIBEIRO

DELACROIX ESEGUIDORES

1604

084042

58

6062

32

52

Outrasnotas

Alto-falante

Coluna domeio

Resenhas

Livros

Notas domercado

48LARSNILSSON

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4

DE ARTE A ZNotas do circuito de arte

PINTURA DE REMBRANDTDESCOBERTA EM LEILÃOTodos na sala de leilão em NovaJersey se surpreenderam quando atela de autor desconhecido, oferecidapor US$ 800, chegou a quase US$ 1milhão em disputa entre doiscompradores. Trata-se de uma dasprimeiras obras de Rembrandt VanRijn, parte de uma série dedicada aoscinco sentidos, e foi posteriormenterevendida a uma coleção privada deNova York por mais de ¤3 milhões.

ADEUS AZAHA HADID

Seu legado segue vivoA arquiteta iraquianan-britânica faleceu no fim

de março, aos 65 anos, deproblemas cardíacos. Foi

a primeira mulher aganhar o prestigioso

prêmio Pritzker. Entreseus projetos mais

famosos estão o ParqueAquático das Olimpíadas

de Londres (foto) e aÓpera de Guangzhou, na

China.

FIM DOPATROCÍNIOBP encerra apoio aoTate

A BP, maior companhiapetrolífera do Reino

Unido, anunciou o fim dopatrocínio de 26 anos aoTate em 2017. O contratoera criticado por ativistasecológicos por meio de

performances nosmuseus. De acordo com a

BP, a decisão éconsequência de "umambiente de negócios

extremamentedesafiador".

RAIMUNDORODRIGUES

NA TVNova novela com arte

Com a estreia de "VelhoChico", na TV Globo, opúblico se aproxima dotrabalho de RaimundoRodriguez. Criador dos

oratórios, santos e outrosobjetos religiosos, Rai-

mundo compõe ambien-tes da trama de BeneditoRuy Barbosa. Também já

trabalhou em outrasséries, como "Capitu" e“Hoje é Dia de Maria”.

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“Quero enfatizar oimportante papel que os

artistas desempenham eminventar seus própriosuniversos e injetar umagenerosa vitalidade no

mundo em que vivemos”

Para citar

Christine Macel, curadora daBienal de Veneza 2017

As esculturas de gelo de Néle Azevedo erama atração do evento de encerramento dasatividades do Paço das Artes, na CidadeUniversitária, no fim de março. SegundoPriscila Arantes, diretora artística ecuradora, a ação foi uma homenagem àtrajetória do Paço e a todos que já passarampelo local: "de caráter efêmero, a obra'Monumento Mínimo' foi recriada na icônicaescadaria do prédio, principal ponto deencontro dos visitantes da instituição etambém palco de vários eventos járealizados pela casa". A partir de abril, oPaço das Artes transfere temporariamentesuas atividades e exposições para o pisotérreo do Museu da Imagem e do Som (MIS-SP) e para a Oficina Cultural Oswald deAndrade. A solução é adotada enquanto aSecretaria da Cultura do Estado de SãoPaulo busca outra sede para o museu, umavez que a atual será devolvida ao InstitutoButantan, proprietário do edifício.

Instituição busca novo espaço

D E S P E D I D A D OP A Ç O D A S A R T E S

Novos Espaços

GALERIA DE ARTEDO BNDESreinaugurou em novae ampla sala dedicadaa exposiçõesselecionadas poredital. A primeira foide Rodrigo Braga,produzida pelo ICCo,em cartaz até 15/4.Em setembro, aDasartes ocupará oespaço com umamostra de artistasque passaram pornossas páginas.AVENIDAREPÚBLICA DOCHILE, 100CENTRO, RIO DEJANEIRO

LUCIANA BRITOGALERIA mudou-separa uma casa dosanos 1950 projetadapor Rino Levi comjardins de Burle Marx.Inaugura com mostra

de obras deseusartistasinspiradaspelarevitaliza-

ção da residência, de4/3 a 21/5. AV. NOVEDE JULHO 5162JARDIM EUROPA,SÃO PAULO

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Novos Espaços

ÁTOMOS, espaço dearte autônomo criadopelos artistasManoela Medeiros eRomain Dumesnil,pretende oferecerum local paraexperimentação eabre chamada paraprojetos de ocupaçãode outros artistas.RUA SARA 18,SANTO CRISTO, RIODE JANEIRO

ANDREA REHDERARTE CONTEMPO-RÂNEA. Ex-sócia dagaleria Paralelo alçavoo solo e inauguraexposição em espaçoalternativo, comapoio da FundaçãoMarcos Amaro. De 6a 28 de abril. RUARÚSSIA 53, JARDIMEUROPA, SÃOPAULO.

MARCELOGUARNIERI RIO DEJANEIRO. Principalgaleria do interior deSão Paulo inaugurasua 2a filial noprestigioso bairro deIpanema. RUATEIXEIRA DE MELO,31 /C e D, RIO DEJANEIRO.

VISTOPOR AÍ

Coleção Plasticarium,dedicada ao designem plástico de 1950até hoje, no novo Arts& Design AtomiumMuseus (ADAM), emBruxelas

ROUBO HISTÓRICO EM MADRILEVA OBRAS DE FRANCIS BACON

Cinco obras de Francis Bacon, avaliadas emcerca de 30 milhões de euros, foram roubadasde uma casa em Madri, no que é consideradoo maior roubo das últimas décadas no país.Apesar do sofisticado sistema de segurança,os ladrões conseguiram entrar e sairdesapercebidos enquanto o dono estava fora,em uma autêntica “Missão Impossível”. Em2012, Bacon tornou-se o artista mais caro daépoca ao ter seu tríptico “Três estudos paraLucien Freud” (foto) vendido pela Christie’spor US$142,4 milhões.

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Outras NOTAS

Aconteceu no fim de março a 25ª ediçãodo Festival de Teatro de Curitiba, omaior do segmento no país, com maisde 350 espetáculos em sua mostraprincipal e nas mostras paralelas. Comuma nova curadoria, composta porGuilherme Weber e Marcio Abreu, ofestival se tornou mais aberto e plural,ampliando o espaço para a crítica, aexperimentação e a performance.

O corpo se encontrava no centro daperformance solo do artista WagnerSchwartz. Em "La Bête" (O Bicho), operformer manipula uma réplica de um"Bicho", obra icônica de Lygia Clark, aomesmo tempo em que coloca a simesmo enquanto estrutura articulável.Fazendo de seu próprio corpo umaextensão do Bicho, Schwartz convidoua plateia a participar, tocando emanipulando o objeto e seu corpo,

buscando uma relação direta deexperimentação artística e física tal qualLygia propunha.

Mostra paralela do festival, o Fringetambém reservou uma grata surpresaaos amantes das artes visuais: radicadona Alemanha, o ator brasileiro AlexMello trouxe pela primeira vez ao paíso espetáculo "Jean", inspirado na vida ena obra do pintor Jean Michel-Basquiat.Ao apresentar a biografia do artista,morto aos 27 anos, Alex trata nãoapenas de sua carreira e produçãopictórica, mas de temas delicados comoo racismo e a ruptura que Basquiatcausou no sistema de arte norte-americano como um dos primeirosartistas negros a ganhar reconheci-mento no mercado.

Após consagração nesta grande vitrinepara as artes cênicas, os espetáculosseguem sua trajetória e circulação pelopaís.

Bicho de Lygia Clark é ator em uma das peças maiscomentadas do Festival de Teatro de Curitiba

La Bête: é o bicho

POR LEANDRO FAZOLLA

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POR FERNANDO MOTAQuem conhece minimamente a obra deNino Cais sabe que o artista éfascinado por objetos, vestuário efotografias antigas. Além de suasfotografias conhecidas, nas quais elecria e se transforma em personagensem ambientes fictícios que ele mesmocompõe, uma das vertentes mais fortesem sua obra é o uso de recortes ecolagens, a transformação de itensapropriados em imagens com novossignificados, uma reorganização deideias, por assim dizer.

Em séries mais recentes, o artista temaplicado uma técnica manualmenteoposta à colagem, na qual desgasta

partes da imagem original por meio deuma raspagem na superfície do papel,uma espécie de "depilação", como opróprio artista se refere. Um exemplodisso é a série de dípticos com fotos dehipismo e paisagens, expostaatualmente na Arte Hall em São Paulo.São trabalhos que trazem a linguagemtradicional do artista de apropriação einterferência, porém ele altera aimagem sem acrescentar algo novo,apenas retirando e transformando amatéria-prima. Em todas ascomposições, é possível perceber aintenção dos personagens das fotos emsaltar para outro campo, pulandobarreiras físicas e, enfim, chegando aooutro lado, que seria uma paisagem

OBRAS RECENTES INSEREM UM ELEMENTOBUCÓLICO NA PRODUÇÃO DO ARTISTA

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completamente distinta emoldurada aolado. Não se pode ver quem são os homensmontados nos cavalos, já que é nessa parteque o artista interfere, com suas raspagensem faixas horizontais, nem situá-los comprecisão no tempo ou espaço. Talvez essassejam algumas das barreiras que o artistavisualmente nos coloca e desafia aatravessar. Próximo a essa série estãofotografias em preto e branco de toureiros,cada uma com uma interferência pintadade uma cor. Completando a exposição, umvídeo no qual Nino está vestidointeiramente de preto com roupa dehipismo, sentado em uma cadeira em umambiente branco, tamborilando com aspalmas das mãos sobre as coxas, fazendobarulhos similares a trotes de cavalos. Oartista traz com essas duas séries e o vídeoum olhar sobre atividades tradicionais querelacionam o animal e o homem, e também

À esquerda: Frame de vídeo. Acima: Sem título, 2015.

A estética de NinoCais cria um universointermediário entre omundo cotidiano e

um ambientefantasioso, com suas

raízes fictícias naliteratura, no teatro enas artes plásticas.

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que espiritualiza cada coisa. Nada maisé inanimado. O que expõe é orgânico evive. Como Midas, mas que, em vez deouro, concede alma àquilo em quecoloca a mão."

Sem perder a identidade que vemconstruindo em sua obra, Nino Caisapresenta nesses novos trabalhosoutra possibilidade de manipularimagens, ainda se relacionando com umuniverso fictício em paralelo e descons-truindo, ou melhor, reconstruindonarrativas. A teatralidade amadurecejunto com sua precisão "cirúrgica" nolado plástico das obras, em que oartista explora novos campos com suasjá conhecidas linguagem e estética.

sobre o ritual cerimonioso de cada uma,incluindo suas roupas e acessórios.

A estética de Nino Cais cria umuniverso intermediário entre o mundocotidiano, que fornece a matéria-primapara os trabalhos, e um ambientefantasioso e lúdico por natureza, comsuas raízes fictícias na literatura, noteatro e nas artes plásticas. Comocoloca o escritor português ValterHugo Mãe: "Quando frequentarem aarte de Nino Cais, não pensem nosobjetos que (re)utiliza como materiaissalvos do esquecimento, pensem emmateriais convidados para o sublime. Oponto fundamental da lógica de NinoCais é a glorificação. Aquilo que toca,ascende. Nino tem um gesto de luxo

À esquerda: Sem título (detalhe), 2014. Acima: Sem título, 2013. Fotos: Cortesia Casa Triângulo

O ponto fundamentalda lógica de Nino Caisé a glorificação. Aquilo

que toca, ascende.Nino tem um gesto deluxo que espiritualiza

cada coisa.Valter Hugo Mãe

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tento buscar essas frestas, as rupturas,e entender esses discursos que a artecontemporânea nos coloca, ora para ocrescimento e ora para as armadilhas.O artista tem que reconhecer asarmadilhas.

Fale sobre seus projetos para o futuro

Não gosto de fazer promessas. Estãoacontecendo movimentos, estoupreparando uma exposição em NovaYork, na Galleria Fridmann, comtrabalhos que dialogam com os da ArteHall, mas ainda estou me entendendo ejuntando material, pensando em algoque quero fazer lá. Impressiono-mequando chego ao espaço. Lá, chegareioito dias antes e espero terprovocações que me levem a buscaralgo novo, tirar materiais do entorno,deparar com questões que meaproximem do ambiente. Sou umapessoa sempre em movimento, nãoestou fechado e não estou cercado emmeu próprio terreno seguro.

Percebe-se uma mudança em seutrabalho, com a inserção do movimentodos cavalos, e o vídeo destoa um poucodo lirismo que permeia sua produção.Houve uma mudança?

Estou sempre tentando mudar, nuncaquis ser um artista que segue uma linhae começa e termina na mesma coisa ouque costura um tema, uma poética, umdiscurso ou linguagem. Sempre tenteifugir dessa responsabilidade oucontexto. Claro que, indiretamente, agente se apropria do universo que tem.É como se, para atravessar uma ponte,tivermos que pisar em cada tábua demadeira dela. Não há salto. Há sempreuma ligação com o que eu fazia antes,mesmo que atravesse de um lado paraoutro totalmente diferente, é passo apasso. Alguns de meus vídeosanteriores conversam com este. Em umdeles, estou em alto-mar, parado emuma situação de movimento; emoutros, amarro porcelanas ao meucorpo ou quebro vidros. A mudança sedá naturalmente pela maturidade dotrabalho, por meio de reflexão. Jáhouve um tempo em que eu ficava maisrígido em certas questões, mas hojetento ser maleável. Quando estamosfixos em algum ponto, há semprefrestas por onde atravessar e hoje

DUAS PERGUNTAS PARA NINO CAIS

Fernando Mota é mestre emarte contemporânea, crítico ecurador independente.Colaborou com diversos livros,periódicos e catálogos sobre

artistas brasileiros.

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EM MEIO A TURBULÊNCIAS, SP-ARTE INAUGURASUA 12ª EDIÇÃO MANTENDO A FORTE PRESENÇA

DE ESTRELAS DO MERCADO MUNDIAL

Mais uma vez, São Paulo vira destino decolecionadores e amantes da arte doBrasil e do mundo com a SP-Arte 2016.Sem se intimidar pela crise, 120 galeriasocupam o pavilhão da Bienal, incluindoWhite Cube, Lisson e outrasrepresentantes de artistas-celebridades,oferecendo ao visitante a mais diversa,completa e internacional exposição dearte da cidade.

Nas próximas páginas, a Dasartes trazuma seleção de obras expostas na feira.Saboreie esta mistura caótica e por vezesinsólita de arte, ao estilo das feiras aoredor do mundo, e conheça um pouco dasedução, ousadia, beleza e reflexão comque a SP-Arte brindará seus visitanteseste ano.

À esquerda: detalhe de obra de Ian Davenport na Arteedições. Acima: instalação de Janaína MelloLandini na Zipper Galeria.

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Além da estreia de 18 galerias queparticipam na feira pela primeira vez,como a carioca O Colecionador e agaúcha Mamute, o evento traz algumasnovidades. O setor Open Plan expõetrabalhos comissionados para a feira, deartistas representados por galeriasinéditas, sob a curadoria de JacopoCrivelli. Cauê Alves curou o setorPerformance, que terá obras de HectorZamora e Marcelo Cidade, entre outros.Vários lançamentos de livros acontecemdurante a feira, incluindo edições sobreDaniel Senise e Anna Maria Maiolino. Afeira repete o sucesso da área editorialdedicada a livros de arte e de artistas,com a presença das principais editorasde arte do país e as estrangeiras SchoelerEditions e William Allen.

Topo: livro-objeto de Julio Plaza e Augusto de Campos na Folio e colagem de Leda Catunda na PauloDarzé. Abaixo: tela de Luiz Sacilotto na Galeria Frente.

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De cima para baixo: óleo de Ana Elisa Egreja na Galeria Leme e instalação de Andrey Zignnatto naBlau Projects

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Uma rica programação paralela aquece acidade nesta semana, começando pelaGallery Night, duas noites em quegalerias selecionadas abrem suas portasaté às 22h - na Vila Madalena, na segunda-feira dia 4, e nos Jardins na noiteseguinte. Muitas instituições e galerias dacidade programam aberturas especiaispara esta semana, incluindo a Casa deVidro, Pivô e Galpão Videobrasil.

De cima para baixo: obras de Daniel Melim na Choque Cultural, de Solange Pessoa na Mendes Woode de Guy Bourdin na Lume. À direita: Obra de Iris Helena no estande da Portas Vilaseca.

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Uma boa parte dos nomes conhecidos daarte mundial são representados pelasgalerias presentes. Entre eles estãoRichard Serra e Donald Judd no estandeda americana David Zwinrner, CarlosGaraicoa e Janis Kounnelis na italianaContinua, Masao Yamamoto na MarceloGuarnieri, Ai Weiwei na neugerriem-schneider e Michelangelo Pistoletto naCardi. Damien Hirst comparece com suaprópria galeria de múltiplos e objetos, aOther Criteria. Também não faltam asestrelas nacionais, com obras de AdrianaVarejão e Cildo Meireles em váriosestandes, além dos modernos eacadêmicos.

Em sentido anti-horário a partir do topo: fotografia de Masao Yamamoto na Marcelo Guarnieri,instalação de Waltercio Caldas na Anita Schwartz, fotografia de Killian Glasner na Lume e tela deRichard Serra na David Zwinrner

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Acima: “Droguinha” de Mira Schendel na Raquel Arnaud e pintura de Teodoro Stein Carvalho Dias naEstação. No topo: óleo de Maria Helena Vieira da Silva na Pinakotheke.

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SP-Arte • Pavilhão da Bienal • ParqueIbirapuera • São Paulo07 a 10/4

A maior novidade, no entanto, não é emartes visuais. Pela primeira vez, a SP-Arteterá uma área dedicada ao design, com 23expositores oferecendo mobiliário eobjetos de design assinado, tantocontemporâneo como moderno. A ofertaé ampla e vai desde as poltronas clássicasde Tenreiro e Sergio Rodrigues atéobjetos utilitários à moda "streamliner"dos anos 1950 e 1960, no estande da PéPalito. Destaque para o espaço de HugoFrança e suas toras domadas.

Á esquerda, de cima para baixo: par de mesasdo Marton Estúdio, mesa de Zalszupin na Etel,vaso de Jaqueline Terpins, poltrona de JeanGillon na Passado Composto. Ao lado direito:banco de Hugo França

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EXPOSIÇÃO NO MAM BAHIA REÚNEPINTURAS APURADAS QUE PROVOCAM

REFLEXÃO E DÚVIDA

Um flerte com a morte. Esta poderia seruma das definições para a obra do artistaFábio Magalhães. De forma mais literal,tal flerte se evidencia na obra "Encontro",em que pinta a si mesmo em um calorosobeijo com um crânio humano. Esta obraparece falar muito da produção doartista. Se a dúvida pairava em Hamletdiante do crânio em seu célebre "ser ounão ser, eis a questão", a mesma parecenão ter espaço na forma precisa com aqual o baiano se atira em seu encontrocom a vânitas, tanto na obra mencionadaquanto em grande parte de suaprodução. Nascido em Salvador,Magalhães se consolidou no circuito aoapresentar trabalhos emblemáticos,carregados de mistério, crueza e umconfronto direto com a efemeridade davida. Em exposição em sua cidade natal,o artista exibe grandes pinturas de suaprodução mais recente (2010-2015) quedão um curto panorama de seu universode imagens densas, sempre aliadas a umatécnica que vem impressonando opúblico. Não é incomum queobservadores confundam suas pinturascom fotografias.

Curadora da mostra, Alejandra Muñozsitua o artista em "uma geração que

À esquerda: Invólucro VIII, 2009. Acima: Afago, 2014.

reposiciona a pintura figurativa, por vezesbeirando a iconoclastia dos gênerostradicionais do retrato, da natureza mortae da paisagem. Instrumentada pelovirtuosismo técnico, é uma pintura quedesmonta o factual e o anedótico pararevelar aspectos incômodos do cotidiano,tabus e universos psíquicos que,frequentemente, operam como umvórtice sobre o observador.”

Fábio coloca o corpo - principalmente oseu próprio corpo - no centro de suapoética. E corpo, aqui, se refere ao queeste tem de mais literal. Num intenso jogode formas e cores, o artista não se furta aapresentá-lo de forma latente: vísceras,carne, fragmentos de órgãos destroçadoscompõem uma relação paradoxal em que,

POR LEANDRO FAZOLLA

ALTO RELEVO 27

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se por um lado repugnam, por outroseduzem. A surpresa surge pelo tom líricodas obras. Normalmente envoltas naalvura imaculada de espaçoscompletamente brancos eaparentemente esterilizados, as imagensapresentadas acabam por se situar emum campo etéreo. Este tom torna ascomposições do artista difusas emisteriosas, mesmo que com certo horrorsempre presente. O devaneio abreespaço em meio à realidade dura que seinstala a partir da carne: "meu trabalhofala do irreal, das coisas que não se vê, doque está fora do pensamento lógico, poisreina no terreno das sensações, dosdevaneios e sonhos lúcidos".

O processo para que as obras aconteçamé longo e minucioso, já que o artistaconstrói em seu ateliê, da forma mais realpossível, as situações que posteriormentetransformará em pintura. Para trazermaior vivacidade a estas "cenas", Fábiovisita abatedouros e açougues pararecolher vísceras, sangue, cabeças eoutras partes de animais já abatidos parao consumo humano, muitas das quais são

comumente descartadas. Esta primeiraetapa de construção no ateliê, Magalhãeschama de "simulação do ato". Em seguidavem o ato fotográfico, que geralmente érealizado por outra pessoa ou até mesmopelo disparo automático da câmera.Quando terceiros participam doprocesso, o artista permite, por vezes,que eles o façam livremente, buscando osângulos e enquadramentos quedesejarem, e depois procura recortesdentro das imagens produzidas. Sobreessa etapa, o artista explica à Dasartes:"não vinculo essas imagens comofotografias, penso nelas como um meiopara chegar à pintura. Me acompanhamaté uns 40% do processo. Então, sãoabandonadas, destruídas ou vão parauma espécie de arquivo pessoal quechamo de 'baú dos horrores'. A pinturame toma e dirige os processos. É sósentar em frente e ouvir, ela vai meditando o que precisa ser feito". A partirdaí, Fábio usa um "repertório decondições psíquicas" na busca pelaimagem/corpo. E mesmo que seu própriocorpo esteja presente, ele explica:

Acima: Encontro, 2014. À direita: A certeza é a prova da dúvida, 2015.

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“Quando estou pintando minha imagem naobra, não se trata de algo biográfico, pois usomeu corpo pra falar sobre o humano".

Este corpo genuíno permite que, no universodelirante composto pelo artista, oespectador possa se ver arremessado emambientes de tortura nem sempre camuflada,onde as entranhas estão expostas, tornando-se protagonistas de grandes telas queampliam e jogam luz sobre o horror. Comonão se ver refletido e sentir uma espécie deangústia com obras como as da série"Retratos Íntimos", em que órgãos sãomostrados em destaque, arrancados daunidade do corpo ao qual pertenciam? Comonão se incomodar com uma língua arrancadapresa por um lacre de plástico, ou então comum pedaço de carne pendurado por um fio?Ou, mais ainda, por fragmentos nãoidentificados que, pendendo dentro de umsaco plástico, permitem prever toda a sortede tragédias passadas por um corpo que,destituído do sopro vital, torna-se apenas umobjeto, como os muitos das mesas depesquisas de um laboratório de anatomia.

Meu trabalho fala doirreal, das coisas que

não se vê, do queestá fora do

pensamento lógico,pois reina no terreno

das sensações, dosdevaneios e sonhos

lúcidos.

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Ainda assim, há uma espécie de desejoque instiga o espectador a se aproximarcada vez mais da obra do artista, talvez omesmo desejo que levou os espectadoresde outrora ao fascínio com as fotografiasde acidentes de carros de Andy Wahrol.Este impulso ao encontro com as imagensque nos são oferecidas pelo artista setorna ainda maior quando Magalhães nosconduz à dúvida. Quando utiliza - commaestria técnica, é importante enfatizar -as imagens dos sacos plásticos paraacondicionar os órgãos que registra, opintor instiga o observador a tentardefinir o que está sendo exibido, deduziras partes que se deixam entrever entre asdobras e o reflexo do plástico que, tal quala esfinge de Édipo, parece o tempo tododesafiar: decifra-me ou te devoro. Mas,neste caso, decifrar nem sempre é chegarao sucesso. Pelo contrário, decifrar podearremessar o espectador em cenasclaustrofóbicas que apenas aumentam aangústia que sentia pela desinformação.

Na foto de um trabalho ainda inacabadodivulgada em uma rede social, o artistaexibe seu próprio corpo nu, sentadodentro da carcaça aberta de um porco,que pende do teto. No chão, umamontoado de vísceras e órgãos do animal("Certa vez li que, com suas devidasproporções, os porcos têm as víscerasmais semelhantes às humanas", contaMagalhães). A imagem, impactante, aomesmo tempo em que se apresenta deforma bastante literal, pode servir deanalogia para a produção de um artistaque cria um repertório cada vez maisconsistente, coeso e, ao se aproximar maise mais de seu flerte com a morte, fundeseu próprio corpo e a arte, numa relaçãoem que esta última, de forma quaseluxuriante, se curva a seus pés.

Pinturas da série Retratos Íntimos

Leandro Fazolla é mestre emarte e cultura contemporânea, nalinha de pesquisa de história,teoria e crítica de arte, e ator.

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“Para a exposição na Galeria Millan, na sala principal, foi pensado um conjunto detrabalhos recentes dos últimos três anos. A característica mais evidente é que estasérie de obras apresenta pinturas, fotografias, objetos, desenhos e esboços. A meupedido, as obras se concentram uma única parede da galeria e nos trazem essadiversidade de materiais e recursos com uma disposição e acúmulo de diversastécnicas e linguagens, todas unificadas pela minha marca emaneira de enxergar as coisas. As peças de chapasde metal são apropriações que eu faço nassucatas em Belém; alguns dessestrabalhos são produzidos desde 2005e, juntamente com os maisrecentes, são como se fossemmódulos que se combinam.Continuo sua produção atéhoje, agregando e somando aesste conjunto. Eu meaproprio de muitas coisas dacultura popular e reconheçoem meu trabalho a influênciada arte povera italiana e poparte americana em umaversão brasileira e maispróxima da nossa culturapopular, com uma pitada deconstrutivismo, mas com essaimprecisão da geometria um poucomais sensível.”

Eu me aproprio de muitascoisas da cultura popular e

reconheço em meutrabalho a influência da

arte povera italiana e poparte americana em uma

versão brasileira.

32 REFLEXO

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"Sustentável" é uma pintura sobre tela, fixada diretamente na parede, e tem um relevode madeira aplicado sobre a tela. É, de certa forma, um chassi ao inverso que está pelafrente da obra, e ela tem um único apoio de fixação e o resto todo é sustentado pelaprópria engenharia das madeiras e da peça de ferro que tem a inicial do meu nome, aletra E, como se fosse uma peça que mantém um equilíbrio graças a uma combinaçãodessas madeiras, escoramento e improvisações. Essa obra possui uma apropriação de

influências populares pela sua precariedade, em buscarsoluções mecânicas para sustentação desse

equilíbrio. E um dos elementos colocados é ainicial do meu nome feita em ferro e

sustentado por essa espécie deengenharia. Ela tem uma conotação

ao construtivismo improvisado,meio mambembe, meiogambiarra de uma construçãoque inclui uma pintura aofundo.”

Essa obra possui umaapropriação de

influências popularespela sua precariedade.Ela tem uma conotação

ao construtivismoimprovisado, meiomambembe, meio

gambiarra.

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“A obra "Luz" estarápresente no estande dagaleria Millan na SP-Arte. Éuma pintura de grandesdimensões que não tem umsuporte convencional, pois é umatela sem chassi e vai diretamente àparede e tem uma superposição deuma peça de madeira onde se aplica umaespécie de gambiarra de fios elétricos combocais de louça muito precários, que caem da peçade madeira sobre o fundo vermelho. A obra também mostra uma recorrência no meutrabalho, que é uma referencia popular, que muito lembra iluminação de arraial, decirco, de parque de diversão e mambembes pelo interior do Brasil.”

Esta obra também mostrauma recorrência no meu

trabalho, que é umareferencia popular, que

lembra iluminação de arraial,de circo, de parque de

diversão e mambembes pelointerior do Brasil.

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“A obra "Vestido" é feita com chapa de metalrecolhida na sucata em Belém. Ela tinhauma espécie de oração escrita,parece ser um salmo do Evangelhosobre o fundo verde, que acheigraficamente muito atraente edei a ela uma forma cilíndrica.Acrescentei uma alça dearame que lembra muito umvestido longo, de certaforma conecta esse materialmuito precário com o mundoda moda e da arte popular.Existe essa chave entre umacoisa e outra, entre o precárioe o muito sofisticado.”

Existe essa chave entreuma coisa e outra, entre o

precário e o muitosofisticado.

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“Seção” é a primeira monografia sobre o artistaMarcius Galan, reunindo textos críticos fartamenteilustrados com imagens de suas obras e de seu ateliê.O livro se divide em três volumes independentes. Noensaio principal, Moura analisa a obra do artista,caracterizada por uma exploração espacial e visual –topologias, fatias, seções, linhas, planos, vetores,vazios. O volume médio é uma entrevista de Galan àcuradora Kiki Mazzucchelli, na qual os dois sedebruçam sobre o trabalho “Sino” [1998]. Por fim, nolivro menor, um texto do crítico espanhol ManuelCirauqui observa o ateliê de Galan para compreendersua linguagem.

Seção - Marcius GalanRodrigo Moura (org.) - Cosac Naify3 vols/224 p. - R$ 60,00 (à venda em amazon.com.br)

Wilma MartinsFrederico Morais (coord. editorial)Tamanduá_Arte - 188 p. - R$ 100,00

O livro é a primeira publicação abrangente sobre 60anos de produção visual da artista mineira. O volumecobre seu universo criativo, das xilogravurascarregadas de negro, em contraste com desenhosmuito limpos, chegando às pinturas de cenas prosaicasdo cotidiano doméstico invadidas pela natureza oucristais que penetram na paisagem natural emnarrativas fantásticas. Além do ensaio de Tania Riverae escritos de 16 críticos, Frederico Morais incluiu textoseu de resgate da produção da artista comoilustradora. Completam o livro a biografia remota deWilma, mais cronologia e bibliografia.

LIVROSlançamentos

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A pele de AnnaAnna Maria Maiolino e Daniel LinsCosac Naify - 288 p. - R$ 90, 00 (à venda em amazon.com.br)

"A pele de Anna" é o ensaio do filósofo e psicanalistaDaniel Lins sobre a obra de Anna Maria Maiolino pelaótica dos estudos de Deleuze. O volume também incluium pequeno texto de apresentação da critica espanholaHelena Tatay, outro da própria Anna Maria Maiolino sobresua relação com a obra de Deleuze e uma cronologiailustrada da vida e da obra da artista, que revela adiversidade e visceralidade de sua poética em obras apartir dos anos 1960 até hoje.

Daniel SeniseDaniel Senise, Alberto Saraiva, Flavia Corpas, Paulo MiyadaCosac Naify e Oi Futuro - 240 p. - R$ 65,00

A publicação, que integra a coleção Arte & Tecnologia,é resultado do projeto Quase Aqui, exposto no centrocultural Oi Futuro, no Rio, em 2015, com curadoria deAlberto Saraiva e Flavia Corpas. O livro reúnetrabalhos apresentados em "Quase Aqui" e outrasobras de Daniel Senise, compondo um registrofotográfico da atuação recente do artista. As fotos sãoacompanhadas de textos críticos dos curadores doprojeto, além de um texto de Paulo Miyada.

Estes Outros - Fotopinturas da Coleção Titus Riedl

Editor: Roberto LinskerTerra Virgem Edições - 96 p. - R$ 60,00O livro reúne 58 fotopinturas selecionadas entre as cincomil que compõem o acervo de Titus Riedl, pesquisador esociólogo alemão. É o sexto volume da ColeçãoFotógrafos Viajantes. Segundo Eder Chiodetto, que assinao texto do livro, "a coleção de Titus é emblemática parase pensar, entre tantas outras questões, essa tensão queenvolve a livre criação da pintura e a mímese possibilitadapela fotografia".

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Quais os contornos do silêncio, dasaudade, da solidão, do encontro e dodesejo residentes em tantas moradas? Otítulo da exposição "Poema 193", de Diegode Santos, dá uma pista: o artistaescolheu a energia das chamas que saemde conchas do mar, acionadas por ele,desafiando o controle de sua obra edesenhando o que poderia serirrepresentável. Em vez de pérolas,deusas ou sons das profundezas do mar,brotam labaredas das conchasespalhadas em um cômodo quedesenham o espaço de sentimentos damorada do artista.

A exposição está em cartaz na recém-inaugurada galeria Contemporarte emFortaleza, que pretende se dedicar àjovem produção das artes visuais local.Diego faz parte dessa geração que surgecom caminhos institucionais da arteclaramente traçados, mas nem por issomais fáceis em uma cidade onde osinvestimentos na área variam ao gostodas marés.

Diego apresenta seus desenhos comoconsequências do ritual de dois símbolos:o fogo e as conchas do mar. Para isso,planejou cada etapa, desde o bloqueio daluz até a chamada telefônica para deixaros bombeiros de sobreavisos. O queantes era realizado compulsivamente e

com força braçal nos desenhosanteriores do artista, agora é guiado pelaenergia das chamas. É nesse diálogo coma energia invisível das chamas que eletraz a incerteza para a obra e assume odestino traçado para o trabalho. Mas oque há para representar não é a chama, oritual ou os sons mágicos da concha, massua interferência na obra de Diego. Isso érepresentado sob a forma de umadescrição dramática da ação no texto doartista e nos 14 desenhos expostos quedominam a exposição. O desenho é umaexpressão que o artista navega desde oinício de sua carreira. No entanto, nestamostra, aventura-se também nafotografia, no vídeo, no texto e emobjetos que estão presentes no mesmoambiente, mas sua função é conduzir ovisitante aos caminhos do novo processodo artista.

Percorrendo a sequência dos desenhos,vê-se um artista que encontra no silêncioe na intimidade uma linguagem própriaque foge de certa regulação da realidade.

Diego de Santos: Poema 193Galeria ContemporarteFortaleza • 19/02 a 04/04POR JACQUELINE MEDEIROS

RESENHASexposições

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Nesse sentido, requer que o público sedetenha um tempo diante de cadatrabalho. Da sombra nebulosa do seuritual doméstico, Diego traçou as linhasdo mundo que se descortina lá fora, masque ao mesmo tempo remete à casainterior, mas "a casa é onde você está" eo "mundo é a morada do artista", jámostrou o artista em individuaisanteriores. Assim, o mundo surge noconjunto das cenas apresentadas: naimpossibilidade de o anzol alçar suapresa, na visibilidade da áurea do farolque aponta um porto seguro, nasimprecisões do Norte e do Sul da derivade um barco, no final difuso de um longocaminho fincado em um espaço flutuantequalquer, no pássaro que emerge de umfuracão buscando um céu que se desfia,na calmaria de uue parece escapar daturbulência para, no final, com os pés nochão, ainda que em uma pequena clareirana imensidão do espaço, quem sabe serpossível pegar carona em um pássaro.

GalenoK2O Gabinete de ArteBrasília - 18/3 a 17/4POR MARCO ANTONIO VIEIRA

É em torno de Galeno "quase geômetra"que gravita esta mostra, a primeira danova sede da galeria Gabinete de Artek2o, em Brasília. São suas unidades maismínimas e essenciais, seus estilemasescriturais, por assim dizer, sua caligrafia

pictórica que aqui se privilegiam. Aexposição é um resgate, uma antologia doessencial de sua produção recente,contendo também núcleo históricoimportante contextualizando o eixodenso de sua criação desde os anos 1980.

Há igualmente, aqui, oscilação oufronteira entre o desenho e a cor, que seaproximam do conceito de arquidesenho,neologismo cunhado por Yves-Alain Boisem “A pintura como modelo” (MartinsFontes, 2009), para construir suaargumentação em torno do legado deHenri Matisse. O arquidesenho serve-noscomo um motivo alegórico para quemelhor se compreenda o pano de fundosobre o qual se estende boa parte daprodução artística de Galeno. O gradualabandono do figurativismo em prol daslatências mais fundamentais da pinturamarca o trajeto pictórico moderno e faz-se perceber na sintaxe visual do artistapiauiense, radicado em Brasília.

Jaqueline Medeiros épesquisadora de história ecrítica de arte pela UERJ

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O vocabulário figurativo de Galenoassombra sua obra insistente, repetitivo erepetido, fantasmático, fragmentaria-mente deslocado, mas estranhamenteexato em sua quase matemáticamusicalidade: ritmo, tema, coloração. Háalgo de um Miró dadá aqui. Há trechos deuma arquitetura amputada e háigualmente elementos de história pessoalcomo lamparinas, carretéis, barcosfluviais, fechaduras, camaleões, santos eoratórios em que espectros de Farnesede Andrade suavizam seus barroquismose abraçam uma inspiração de linhagemconstrutivista. Um mundo de intensascolorações em que os elementosfigurativos abandonam a cena que oscontextualizaria para surgirembrincantes, em geometria e estruturassimétricas cada vez mais presentes.

Galeno (des)loca, (re)loca e (re)desenhaos objetos de sua eleição emencadeamentos ou fragmentos gráficoscuja matemática quase-musical revelauma perspectiva geométrica a reger suasobras mais recentes. (Des)objetificaçãode um mundo em que, dos objetos,restam recortes que os extirpam de umatotalidade que, ainda que sempre lhestenha sido minguante, agora o é por vezesinexistente.

Marco Antônio Vieira édoutorando em Teoria e Históriada Arte e mestre em TeoriaLiterária pela UnB, curador e

pesquisador.

Daniel Murgel: objetos edesenhosGaleria Ybakatu • Curitiba17/3 a 29/4POR LEANDRO FAZOLLA

O processo de criação de uma obra podepassar por várias etapas: da inspiração aoprojeto, do projeto à execução, datentativa ao erro, do erro àconcretização. A produção do artistaDaniel Murgel passeia por todas essasetapas sem negar nenhuma delas,transfigurando-as e tornando, cada uma,mais do que mera parte de um processo,obras de arte em si. Em cartaz na GaleriaYbakatu, em Curitiba, a mostra individual"Desenhos e Objetos" deixa transpareceruma poética onde a feitura da obra estáno centro. Dessa forma, como o títulosugere, desenhos de projetos se colocamnas paredes, próximos aos objetos finais.Tais desenhos, porém, não sãomeramente um passo a passo para aconstrução da obra em si, como sepoderia supor: com apuro técnico, umapaleta de cores bem definida e traçosfortes, os desenhos do artista são obrasde arte dotadas de poesia e beleza.

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O uso do texto também presta fortecaráter simbólico à obra: por meio defrases, palavras e ideias soltas no papel,Murgel divide com o espectador oambiente de seu ateliê, coloca-o ao ladode si mesmo durante o processo, divideseus pensamentos, dúvidas e,principalmente, nos permite conhecersua forte verve poética em trechos como"se algum dia você chegar ao museu eencontrar vendedores de poesia, procurea entrada de serviço, pois é lá que aspoesias são feitas". Tais anotações, comouma série de outros elementos, parecem,por vezes, se esconder entre os objetos,formas, riscos, medidas e camadas detinta espalhadas pelo papel. É nessaespécie de caos, de bagunça que Murgelesconde segredos, dispersa surpresas aoespectador que se permite passar umtempo maior contemplando detalhada-mente suas obras.

A ideia de construção se coloca de formacentral nas esculturas apresentadas: comelementos constituintes como tijolos,fragmentos de grades, pás, martelos,tábuas, etc., o artista cria jogos de tensãoe equilíbrio que dificilmente seriampossíveis sem um estudo prévio potente.Em uma das obras, um prego preso àparede prende um martelo no qual estáamarrado um nível, que, em sua outraextremidade, prende um agrupamentode pequenos tijolos que flutuampróximos ao chão. A sensação deinstabilidade e risco provocada pelomartelo que pode se soltar a qualquermomento da parede é suplantada pelaprecisão com a qual o artista trabalha.Porém, o jogo estabelecido com oespectador é de tamanha sinceridadeque, mesmo que a obra não aconteçaconforme o projeto, a falha também ébem-vinda: no andar superior da galeria,

Leandro Fazolla é mestre emarte e cultura contemporânea, nalinha de pesquisa de história,teoria e crítica de arte, e ator.

desarrumados, uma série de tijolinhos eoutros elementos quebrados são alçadosao "status" de obra de arte pelo "poderinstitucionalizante" conferido pelosuporte branco. Como uma espécie deetiqueta, a letra do artista batiza essabase de "altar dos erros", monumenta-lizando, sacralizando a falha. Em umaconstrução artística sincera, que envolveo labor, errar é preciso. E em Murgel, essafrase parece carregar uma dose de duplosentido, pois o erro aqui não apenas sefaz preciso no sentido de necessário mas,contraditoriamente, dá a impressão deser até mesmo dotado de certa precisãopor parte do artista.

Bruno Belo: Visão FontanaGaleria IBEU • Rio de Janeiro9/3 a 08/4POR ELISA MAIA

"Visão Fontana", primeira individual doartista petropolitano Bruno Belo,apresenta trabalhos em tela e papel,executados com tinta a óleo, acrílica,aquarela e pó de grafite. Com curadoriade Bruno Miguel, a mostra reúne naGaleria IBEU um recorte potente daprodução mais recente do artista que sedestaca pelo rigor da técnica e pelamaturidade da pesquisa.

O título, "Visão Fontana", retirado de umapoesia de Manoel de Barros, fazreferência à visão dos poetas que, assimcomo a sábia visão das crianças, seria

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capaz perceber as coisas como se as vissepela primeira vez, dando-lhes assimnovos sentidos, imprimindo-lhessignificados inusitados e, sobretudo,encantando-se com o que se poderiatomar por banal e costumeiro. Asimagens espectrais de Bruno, quemesclam com delicadeza espaços etemporalidades distintas, favorecemprocessos de mudança de percepção.Suas paisagens possuem às vezes umcaráter insólito e a inserção de elementosinusitados - um galo com rodas, umasilhueta feminina com uma máscara deurso - contribuem nesse processo dedesconstrução de significadossedimentados e abertura de novas rotasde sentidos.

Partindo da noção de "Cut Up" de W. S.Burroughs, Bruno se apropria defragmentos de imagens, textos,fotografias e referênciascinematográficas que são projetadossobre a tela utilizando um equipamentoantigo de 100 mm. Essas projeções sãoentão pintadas umas sobre as outras,resultando nas paisagens fragmentadas.As imagens multidimensionais de Brunopedem tempo. É preciso que haja umapausa para que as camadas se desveleme revelem gradativamente, através desuas transparências, os diferentes planosque compõem a pintura.

A memória aparece como um elementoimportante nos trabalhos, impondo-senão como o canal de acesso a algumareferência específica, mas antes como umfator de opacidade. Sabe-se que damemória nunca poderá resultar oencontro com um referente primeiro,pois, por meio dela, as experiências sãoeditadas, fundidas, aumentadas ousuprimidas, resultando sempre em algonovo, diferente do referente que se

pretende resgatar. As pinturas de Brunodialogam com esse conceito de memória,pois, embora partam de registrosreferenciais, não se colocam comoilustração da experiência. A potência desuas imagens parece derivar justamenteda capacidade de construir umaatmosfera fantasmagórica que seequilibra entre a transparência e aopacidade, enfatizando não apenas ovisível, mas também o que se estendepara além do espaço da tela. Nessesentido, são importantes osapagamentos, as figuras que seliquefazem, os vestígios da ausência, aslacunas e o caráter de rascunho. O temada memória comparece ainda no textocuratorial de Bruno Miguel, que trazfragmentos de lembranças pessoais docurador, desorganizadascronologicamente e com menções aofilme de Michel Gondry, "Brilho Eterno deuma Mente sem Lembranças", de 2004.

Aristóteles afirma que a História diz o quefoi, enquanto a poesia diz o que poderiaser. Nesse sentido, o universo construídopor Bruno Belo se aproxima desta última,pois não reproduz o visível, mas constróivisualidades singulares e, sobretudo,enfatiza novas formas de olhar.

Elisa Maia é formada em Direito eLetras e mestre em Literatura,Cultura e Contemporaneidade.Interessa-se especialmente pelas

relações entre literatura e artesvisuais.

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Foto: Leonardo Miranda

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POR BIANCA CUTAIT

Nos últimos anos, a tecnologia alterouirregularmente as produções artís-ticas. O design gráfico se fundiu aodesenho à mão livre, e até mesmotintas naturais foram sendo, aospoucos, substituídas por materiaisparecidos, mas muitas vezes sintéti-cos, que, consequentemente, traziammais durabilidade e adaptação. Com atinta nanquim, originária da China, nãofoi diferente. Sua tonalidade opaca esua secagem rápida fazem com que oartista que trabalha com ela saibamanusear com rapidez e agilidadeaquilo que está sendo gravado. Adelicadeza que o nanquim traz para asartes plásticas chega a ser, em muitosmomentos, sutil, mas convincente.Antigos documentos chineses mostramo uso do nanquim, datando cerca de2.000 a.C., utilizando a tinta para

manuscritos e documentos, até algunsdesenhos caligráficos. Ao se adicionarquantidades de água, o nanquim sedilui e alcança diferentes tonalidadesque variam do preto puro ao cinzaquase imperceptível.

O artista Marco Ribeiro, nascido naBahia e criado cearense, sob influênciado avô tipógrafo, utiliza em suas obrastoda a opacidade e a firme sutileza donanquim. Publicitário de formação ecarreira, Marco faz de um simplestraçado com nanquim e água traçosdelicados sobre superfícies descone-xas, mas fortemente marcados porgrafismos extensos. Suportes comopedras e objetos rústicos, que comu-mente não são marcados por tintas, emsuas mão passam a ter traços salientese ao mesmo tempo em que naturais,como paisagens tipografadas. Taissuportes fazem as vezes de matriz em

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relevo, incitando composições gráficasque utilizam o design técnico comoforma de estilografia.

Quando coloca suas linhas e seustraços em papel, suporte sinuante-mente mais abrangente e compreendi-do, recria desenhos perfeitamenteimaginários, mas que calcam intensabeleza estética. Preto no branco, pretona pedra, preto na mata. Dourado.Vincos no papel fazem a vez de traços,firmando o conceito de delicadeza maisuma vez. A desconstrução da naturezaao seu redor é coberta pela negritudeda tinta, e o nanquim, opaco, acabanovamente trazendo uma perspectivageométrica e corporal para o grafismoescolhido naquele momento. Marcotem em sua obra a significância datipografia gótica, negra, obscura. E, aomesmo tempo, a experiência compublicidade traz harmonia visual atéchegar na publicação final, e alegibilidade de suas obras passam a tertonalidades distintas.

O trabalho de Marco Ribeiro remete àatividade precisa de um computador,mas com a caligrafia de uma escritatreinada. A busca pela precisão manu-al hoje é quase obsoleta, e a tecnologiaconsegue suprir muitas dessasdemandas. Mas Marco, delicadamente,como o nanquim que utiliza, quebraesse paradigma, usando tons de luz nopreto absoluto, até muitas vezes che-gar ao tom amarelado de tecido,utilizado com o nanquim quasedourado de alguns de seus desenhos.Com sua técnica e sua precisão, pode-se notar a continuidade que o artistadeve ter ao envolver suas influênciasfamiliares a seu presente capaz e ágil.

Marco tem em suaobra a significância da

tipografia gótica aomesmo tempo que a

experiência compublicidade trazharmonia visual.

Bianca Cutait é curadora,crítica e consultora de artee sócia do escritório de arteArte Fundamental, emMiami.

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Ao entrar no espaço totalmente branco eencarar o conjunto de esculturaschamado de "Ghosts" (Fantasmas), 2014,do artista sueco Lars Nilsson, éinvoluntária a sensação deestranhamento. Passados cinco minutos,o primeiro impacto é substituído pelainquietude que toma conta do visitantemais introspectivo. Aquelas peçasdevolvem os olhares e as indagações;convidam ao silêncio; deixam quepenetrem em seus olhos e do seu interior

é difícil o retorno sem o sentimento deter se perdido algo. Alguns diriam que sãoassustadoras; outros diriam que são tãocontíguas do repertório escultórico daArte Ocidental que chegam a ser, àprimeira vista, prosaicas (e isso é tudo oque elas não são!).

Acrescente mais trinta minutos e senotará que o embate entre observador eas esculturas continua ao longo da visita -a sensação do estranho toma seu lugarmais uma vez. Toda atmosfera se tornaexcêntrica: a mímese da figura humana; a

OBRAS DO ARTISTA DINAMARQUÊS DEIXAMINQUIETUDE EM SUA PASSAGEM PELO

INSTITUTO TOMIE OHTAKE

POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA

50 DO MUNDO

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expressão das faces melancólicas; adisposição de cada uma delas e, por fim, suamatéria de aparência dura, obscurecida eintensa. As esculturas são incomuns por essasvariantes, mas também porque o corpo dovisitante em relação a elas tende a um jogoespontâneo de semelhanças e diferenças(ora se aproxima; ora se distancia).

Diante das obras e da configuraçãoespaço/temporal, na qual estão submersas, apergunta que paira é: como Lars Nilssonimprime o estranhamento como recursoprovocativo em suas criações? A resposta atal questão evoca uma série de circunstânciasque envolvem o conjunto de oito esculturas.Em primeiro plano, o percurso do artista: LarsNilsson transita entre pinturas, vídeos,fotografias, instalações e diversas outrastécnicas usadas frequentemente pela artecontemporânea. Professor da Academia deArte de Malmö entre 1996 e 2005, tem umatrajetória consolidada na Suécia einternacionalmente. Em todas as suasproduções, a representação do corpo

As esculturas sãoincomuns tambémporque o corpo do

visitante em relaçãoa elas tende a um

jogo espontâneo desemelhanças e

diferenças

À esquerda: De Volta, 2014. Acima: Fantasmas I e II, 2014. Nas páginas seguintes: HomemDesconhecido, 2014, e Náufrago, 2014.

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humano nas mais variadas formas está emevidência e, nelas, o artista explora de modoconstante a condição humana presente nosimpulsos, nas frustrações, nas intenções enos conflitos internos de cada indivíduo."Ghosts" é uma obra-síntese dessascaracterísticas que iniciam na sua produçãoartística a partir de 1990 e se perpetuam atéos dias atuais.

Em outro plano, a matéria-prima empregadanas esculturas contribui para o efeito demorte/vida e para a sensação deestranhamento. Aparentemente, o materialparece uma argila negra, seca e áspera - algoque remete ao orgânico, porém, na verdade,é composite - uma mistura de silicone e fibrade vidro, dando como produto final umaespécie de "plástico". Outro destaque é ométodo de confecção das peças. Emcolaboração com Niklas Malmström, o artistadesenvolve o que chama de "fotografiaplástica" (fotografia em 3D que em nada seaproxima do virtual), ou seja, um métodorápido de modelagem do corpo humano queconsiste em gravar em vídeo a si próprio e aspessoas à sua volta para captar seusmovimentos realizados inconscientemente eque depois não podem ser repetidosintencionalmente. O mundo físico de LarsNilsson, como menciona Teixeira Coelho,curador da instalação na Bienal Internacionalde Curitiba e no Instituto Tomie Ohtake,captura o gesto tectônico enfatizado peloseu aspecto mais concreto.

De modo anacrônico, a tecnologia damatéria-prima e do método utilizado para aconfecção das peças resulta em umaescultura figurativa marcada peladramaticidade que remete ao barroco e,especialmente, à tradição de Rodin, quecontrapôs as formas lisas, polidas eaveludadas dos corpos, ao bloco de pedrarugoso, inacabado e bruto. Nas criações deLars Nilsson, é estranho ao observador

Une-se àsreferências, aquelas

vindas do surrealismoe dos "filmes de

terror" fixadas pelasposturas

fantasmagóricas decada trabalho.

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pensar que, na matéria dessas esculturas,aquilo que deixa o rastro - a mão (outrabalho manual) - não está presente, oupelo menos é secundário.

Une-se às referências, aquelas vindas dosurrealismo e dos "filmes de terror"fixadas pelas posturas fantasmagóricasde cada trabalho e, principalmente, pelaredução ou ausência da base daescultura. O eixo gravitacional da peça éalterado, de forma a causar tambémestranhamento no seu equilíbrio. Em"Fantasmas" I e II, as peças, que parecememergir do chão na eminência de umataque, denotam o medo. De certa forma,"Mulher de Preto", com postura reclinadae ares sombrios, conduz ao sobrenatural.Já em "De Volta", a discreta melancolia damulher no abraço do casal de meia-idadedeixa a narrativa aberta para que oobservador dê o seu desfecho particularpara o encontro. "Naufrágo" despertoupolêmicas além do sugerido pela peça,isso porque rememorou os sobreviventesde guerras ou os refugiados na Europaatual. No fundo, o trabalho pode sereferir aos dois fatos históricos com amesma intensidade, mas é, sobretudo,uma das posturas mais indignas que ocorpo humano pode assumir. Por isso odesconforto em ver alguém, mesmo queseja um desconhecido, rastejando.Resumidamente, as visões sugestivas decada uma das peças deslocam o

espaço/tempo e submergem oobservador em cenas constituídas apartir de diversas camadas simbólicasque são desveladas pouco a pouco.

A instalação esteve recentemente emexibição no Instituto Tomie Ohtake,porém, chegou ao paísu8u87 em 2015,para participar da Bienal Internacional deCuritiba, com o tema "Luz do Mundo", emhomenagem ao artista argentino Julio LeParc. Antes de Curitiba, as esculturasforam exibidas pela primeira vez, em2014, na galeria Andersson/Santdström,em Estocolmo (Suécia). Uma das obras,"Naufrágo", também foi exibida em ummercado aberto no país de origem doartista e provocou forte reação dopúblico. Contudo, nada mais antagônicoà produção de Le Parc (sempre coloridae recoberta pela luz), na BienalInternacional de Curitiba, do que asesculturas desprovidas de luz de Nilsson.Suas figuras humanas e objetosinanimados (um poste de iluminação e umvaso, por exemplo) são sem qualquerluminosidade ou vida e mostram ummundo muito estranho.

Alecsandra Matias deOliveira é doutora em ArtesVisuais - ECA USP emembro da AssociaçãoBrasileira de Críticos de

Arte - ABCA

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"Pintamos todos a partir dele". A famosaafirmação de Paul Cézanne acerca dainfluência de Eugène Delacroix nodesenvolvimento da pintura modernaresume a tese do catálogo da exposição"Delacroix e a Ascenção da ArteModerna" (National Gallery, Londres, 17de fevereiro a 22 de maio). Os autoresPatrick Noon e Christopher Riopelleprocuram mostrar que Delacroix foi aforça criativa e intelectual por trás dapintura moderna, inspirando artistas

desde Manet a Matisse em todos osprincipais movimentos, do Impressio-nismo aos primórdios da abstração. Aarte, o pensamento e o personagem deDelacroix, argumentam os autores,alimentaram a imaginação e a criatividadede pintores modernos enquanto essesconcebiam suas próprias linguagenspictóricas, estilos e valores estéticos.

À primeira vista, a tese parecesurpreendente. Delacroix sempreocupou um lugar na genealogia da artemoderna, mas, como sugere este

A INFLUÊNCIA DO GRANDE ARTISTA SOBREA ARTE MODERNA É TEMA DE MOSTRA NA

NATIONAL GALLERY DE LONDRES

POR MICHÈLE HANNOOSH

54 FLASHBACK

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trabalho, as razões podem ter sido maiscomplexas. Como revolucionário mitificado ealheio ao circuito acadêmico, Delacroix atraíauma geração que se identificava com a figurado excluído. Como pintor de pintores, queescreveu que "o primeiro mérito de pintura éser um banquete para os olhos", foi recebidocom entusiasmo por aqueles que olhavampara além do tema material e suas anedotaspara buscar o significado da pintura em seuefeito visual. Suas cores ousadas edramáticas levaram Cézanne a chamar suapaleta de "a mais bela da França" e inspiraramMatisse em alguns de seus experimentosmais brilhantes com a cor. Talvez o maisimportante, Delacroix era um pintor depensadores, um dos poucos artistas queescreveu eloquentemente sobre arte,literatura, música, natureza, sociedade ehumanidade. Mergulhado na literatura, namúsica e na grande tradição da pintura, umobservador atento de formas e dos efeitos daluz na natureza, um interpretador perceptivodo trabalho de outros, analista cuidadoso desua própria prática e objetivos, Delacroixfornecia o modelo para um pintor de ideias,expressas pelo meio material da pintura.Frequentemente citadas por Renoir, Fantin-Latour, Van Gogh, Gauguin, Signac e Matisse,as reflexões de Delacroix eram, para todos,um estímulo ao pensamento e à inovação naprática pictórica.

O ensaio de Noon, "O que é Delacroix?",deriva seu título de um artigo de Baudelaire,de 1863, que ajudou a corrigir a imagem deDelacroix - como homem, pintor, pensador,escritor e moderno - para a geração maisjovem. Noon fornece uma boa visão da vidade Delacroix e de sua carreira, seuspensamentos sobre a pintura e sua relaçãocom as de seu tempo, incluindo oRomantismo britânico. Riopelle oferece umensaio animado e abrangente, intitulado"Vida após a morte: a fama póstuma de

Delacroix era umpintor de pensadores,

um dos poucosartistas que escreveu

eloquentementesobre arte, literatura,

música, natureza,sociedade ehumanidade.

À esquerda: Eugène Delacroix, a Morte de Sardanapalus, 1846. © Philadelphia Museum of Art. Acima:Henri Fantin-Latour, Imortalidade, 1889. © Amgueddfa Cymru - National Museum Wales.

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Delacroix", que traz um relato perspicazda importância de Delacroix para osprincipais pintores representados namostra. Começando com a "Homenagema Delacroix", de Fantin-Latour (1864), elemostra como Delacroix preparoupintores - especialmente Renoir, Cézan-ne, Gauguin, Signac e Matisse - parateorizar e fazer experiências com umnovo tipo de pintura, explorando suaspróprias preocupações pictóricas eprofissionais por meio de engajamentocom o trabalho dele. Em sua emulação eresposta à Delacroix, Renoir emergecomo um pensador verdadeiramenteinteressante acerca da pintura,preocupado com os limites da mimesis ecom a relação entre representação epintura pura. Seu "Festival Árabe", de1881, inspirado pelas pinturas marroquinasde Delacroix e por sua própria viagem àArgélia naquele ano, é um exemplonotável disso, como Riopelle escreve:"sem finalização, incrustado com tinta,flertando perigosamente com a ausênciade forma". Riopelle também dá umexcelente relato da visão restrita deSignac sobre Delacroix em seu "DeEugène Delacroix ao Neoimpressionismo"de 1898, um manifesto do métodocientífico colorista, destinada a justificaro estilo pontilhista, e assim estabelecerNeoimpressionismo (em vez do Impres-sionismo) como o verdadeiro herdeiro domestre.

Depois desses dois ensaios substanciais,há paginas individuais sobre cada uma das

84 pinturas, organizadas em grupostemáticos livres. O primeiro, "Emulação",abrange a prática de copiar Delacroix("Barca de Dante" de Manet (c. 1854), "OCasamento Judaico" de Renoir (c. 1875)),de colecionar suas obras (Degas, Bazille,Cézanne), de fazer referências pictóricasa elas (Gauguin representou em duas desuas pinturas estudos de Delacroix para"A Expulsão de Adão e Eva" (1845)), e demitificá-lo ("Apoteose de Delacroix"(1890-1894) de Cézanne, "Imortalidade"de Fantin-Latour (1889)). O segundogrupo temático, "Orientalismo", revelacomo pinturas de Delacroix sobre temasdo norte africano, inspiraram em Renoir,Van Gogh, Gauguin e Matisse uminteresse pela luz e cor do sul, bem comopor temas orientais em Fromentin,Chassériau, Renoir, Bazille e até mesmoCézanne. A terceira seção, "PinturaNarrativa em um Momento Decisivo" éum agrupamento bastante eclético deobras sobre temas religiosos, históricos emitológicos. A última seção, "O Legadode Delacroix na Pintura e Prosa", traz adívida de elementos-chave do credomodernista à sua arte e ao seupensamento. Esta é talvez a seção maisinteressante, em que se vê Gauguin,Renoir, Van Gogh, Redon e Matisselidando com a expressividade das corespor meio das flores e naturezas-mortas,Cézanne desenvolvendo uma prática depaisagens pela imitação de Delacroix (umdos poucos artistas modernos que elecopiou) e Matisse encontrando

O catálogo revela como pinturas de Delacroix sobretemas do norte africano inspiraram em Renoir, Van Gogh,

Gauguin e Matisse um interesse pela luz e cor do sul,bem como por temas orientais em vários outros pintores.

Vincent Van Gogn, Pietá (a partir de Delacroix) (detalhe), 1998. .© Van Gogh Museum, Amsterdam

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inspiração no livro de Signac sobreDelacroix para sua obra "Luxo, calma evoluptuosidade" (1904), apenas para iralém disso em uma guinada ainda maisinspirada em Delacroix rumo à brilhantecor fauvista, especialmente depois de suaviagem a Marrocos, em 1912. Apesar dealgumas falhas menores, trata-se de umcatálogo informativo e provocador, quefornece substância a uma ideia há muitoaceita sem crítica, mas poucoconsiderada por si só.

Michelle Hannoosh é editora daedição francesa de "Diários de

Delacroix" (José Corti, 2009) eautora de "Pintura e o Diáriode Eugene Delacroix"(Princeton University Press,

1995). É professora de francêsna Universidade de Michigan.

Delacroix and the Rise ofModern Art • National GalleryLondres • 17/2 a 22/5

Frédéric Bazille, La Toilette, 1870. © RMN-Grand Palais / Agence BullozTrecho de texto previamente publicado em The Art Newspaper

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NOTAS DO MERCADOFatos, valores, curiosidades e tendências

LEILÕES DE MARÇOmostraram mais uma vez que o mercado secundário sofre menos com a atualsituação econômica. Para Soraia Cals, tradicional leiloeira carioca, os resultadosde sua venda de 16 e 17 de março superaram as expectativas, com destaque paraa disputa por uma obra de Bandeira, avaliada em R$ 32 mil e vendida por R$ 50mil. De acordo com Soraia, "Bandeira é um caso típico da procura do mercadopor artistas sólidos e de boa liquidez, em momentos em que a economia mostrafragilidade. Por ter morrido cedo, deixou uma produção sem grandes desviosestéticos e de muita qualidade, não tendo experimentado qualquer deterioraçãopela idade". Um exemplo oposto de liquidez seria o de Aldemir Martins. “Aindaque sejam as obras até a década de 1970 que atraiam os colecionadores, todas assuas telas têm grande apelo comercial, mesmo as últimas, que têm valores muitoinferiores”. De acordo com a assistente de curadoria da Galeria IBEU, LaísSantana, mesmo com a forte chuva que atrapalhou a primeira noite da venda, oclima foi animado. Outra obra disputada foi "Terra e Vida", de Manabu Mabe,com lance inicial de R$ 80 mil e arrematada por R$ 96 mil.

JAMES LISBOAconfirma as impressões de Soraia: osleilões seguem com boas vendas, masinferiores às de dois anos atrás. Deacordo com James, em seu leilão de 21de março, pouco mais de 60% doslotes foram vendidos, com valores emmédia 10 a 15% acima da estimativa. Háalguns anos, os resultados eram emmédia de 75% de lotes vendidos, commaior disputa e oscilação em relação

ao lance mínimo. Os destaques foramo que James apelidou de "vendasemocionais": uma tapeçaria de Genarode Carvalho, estimada em R$ 5mil evendida por R$ 10 mil, e uma gravurade Tomie Ohtake, estimada em R$ 1,5mil e vendida a R$ 9 mil. Para obrasespeciais, a procura também segue,como mostrou a venda de um óleo deTomie por R$ 360 mil (foto). "É ocomprador médio que tem agido deforma mais comedida, aquele queocasionalmente bate os olhos em algoque gostou e decide comprar." Suapercepção está alinhada à crise do"middle market" - queda na demandapor obras medianas -, assuntofrequente nas colunas internacionais.Alguns acreditam que se trata de umajuste natural de preços, que vinhamsendo inflacionados artificialmente,puxados pelos valores crescentes dasobras primas.

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Nesta mesma galeria, ficou exposto orecém-descoberto quadro deRembrandt (saiba mais na seção "DeArte a Z"). Um pouco menor que umfolha de papel A4, foi vendido porentre € 3 e € 4 milhões para a coleçãoLeiden, de Nova Iorque.

Brueghel, Van Dyck, Bosch, Ribera(detalhe na foto) e outros artistasraramente vistos fora de grandesmuseus também estiveram presentesnas paredes dos estandes. E queestandes...

Galerie Bastien, de Berlim, conseguiureunir as mais de cem águas-fortes dePicasso que completam a série"Vollard Suite", à venda por valor sobconsulta de oito dígitos.

Na galeria Talabardon & Gautier, umbusto romano do século 18 de VicenzoPacetti, encontrado sem atribuição emum leilão regional da Inglaterra ecomprado por € 42 mil, foi vendidopor alguns milhões.

FALANDO EM OBRAS DE PONTA,alguns números da TEFAF, feira de arte de Maastricht, especializada em arteacadêmica e antiguidades.

TEFAF MARKET REPORT 2016,estudo do mercado de arte mundial, publicado anualmente por ocasião da feira,confirmou alguns fatos já sentidos pelo circuito em 2015.● Total de vendas em arte em 2015 foi de US$ 63,3 bilhões, 7% a menos que

em 2014. Esta é a primeira retração no mercado desde 2011. Queda de 23%no mercado chinês é parcialmente responsável.

● Na contramão, os EUA tiveram aumento de 4% em negócios em arte.● Arte moderna responde pela maior parte do valor negociado.● O mercado está cada vez mais concentrado: 57% da receita das vendas em

leilões vieram de menos de 1% das obras, com obras de mais de US$ 10milhões respondendo por 28% do volume financeiro.

● Receitas de venda de arte online tiveram aumento de 7% e hojerepresentam 7% dos negócios em arte.

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Agnaldo Farias (curador), NaraRoesler e Angelo Venosa

Silas Martí e Otavio Tronco

COLUNA DO MEIOQuem e onde no meio da arte

Angelo Venosa, Marcy Junque-ira e Ricardo Ohtake

Bia Rosa, Renata Castro eSilva, Alessandra Monteiro

de Carvalho e Bia Aydar

Eduardo Oliveira, Cesar Fragae Gina ElimelekMarcelo Araujo, Angelo Venosae Laura Vinci

ExposiçãoGuisé - Angelo

VenosaGaleria Nara Roesler

São Paulo

Rodrigo Editore, FernandaResston, Nino Cais e RicardoTrevisan

Fernanda Resstom, TamaraPerlman e Daniel de lavor

Eduardo Oliveira, Cesar Fragae Gina Elimelek

Exposição ORumo, rever o Muro

Central GaleriaSão Paulo

Zed Nesti e Chris Campos

Francisco Klinger, Guto Lacaz eShirley Paes Leme Alex Flemming e Luiz Kroeff

Bernardo e Egon Kroeff

Zed Nesti: ParaInglês Ver

Galeria Bolsa de ArteSão Paulo

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Renata Ribeiro e Silvana Thebascom Leonardo Kossoy

Talita Campos, Hilda Gamboae Daniel Pereira

Guilerme Magaldi e sua esposaKarla Osório

Antonio Gonçalves, CelsoFioravante, Hilda Gamboae Lucia Glaz

Luis Augusto Machado, HeloAlcântara Machado, Julio

Landmann e Berenice Arvani

Eduardo Oliveira, Cesar Fragae Gina ElimelekRicardo Micoli, Berenice Arvani, HeloAlcântara Machado e Lucia Glaz

ExposiçãoRazão Concreta

Galeria Berenice ArvaniSão Paulo

Mariane Vicentini, Carlos Hen-rique e Júlia Bastos

Renato e Luciana Mosca comTais Madruga

Tarciso Viriato e Glênio Limacom amiga

Exposição GalenoGabinete de Arte K2O

Brasília

O artista com Ricardo RochaGilda Nomacce eGermano Melo

Paulo Herkenhoff, LeonardoKossoy, Ruy Souza e Silva,

Ricardo Ohtake

Only You deLeonardo Kossoy

Centro Cultural CorreiosRio de Janeiro

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O público então, em vez de se deleitar na experiênciainconsciente de que viver é um ensaio fadado aofracasso, parece "meninx", acreditando em tantas

histórias assombradas que seus pais lhe contaram demaneira cândida

ALTO FALANTEPor Alexandre Sá

"Quando tenho razão, a culpa é toda minha."

Frase de caminhão citada por Vik Muniz

"Historiadores e críticos já não temos nenhuma influência no mercado."

Benjamin H. D. Buchloh

Em tempos de cólera, escrever parece difícil. Não especificamente o ato de escreverem si, mas a possibilidade de fazer uso da linguagem para que algo se estabeleça comopensamento. Provavelmente, o próprio pensamento se coloque de maneira difícil emum instante histórico, em que a enxurrada de palavras, desejos, vontades e opiniõesparece potencializar uma histeria coletiva recôndita que não sei se de fato, é genuína.Nos últimos dias, tenho tido a oportunidade de ver, ir, visitar e mesmo viver (esse verboperigoso) algumas experiências de arte, onde o público parecia sempre ávido. Sempreávido por algo de arrebatador que seja capaz de fraturar a inércia sintomática de umviver contemporâneo que, provavelmente, em virtude de todo o legado de autocrítica,

percebeu-se oco. E se ali/aqui, nesse ninho abismal tedioso de um eterno retorno,houve já alguma possibilidade de pouso, descanso e duração; a sensação que surge nojá é, é de uma eletricidade néon-novo. Adolescente. Sempre adolescente. Como umpulso angustiado em busca, aplicativo de sua bela suspensão de horror e gozo.

O público então, em vez de se deleitar na experiência inconsciente de que viver é umensaio fadado ao fracasso, parece "meninx", acreditando em tantas históriasassombradas que seus pais lhe contaram de maneira cândida sem que, por sua vez, sedessem conta de que talvez fosse justo iluminar o fato de que nunca seríamos senhoresde nós mesmos. Histórias encravadas no corpo que reforçavam astutamente oencantamento da fantasia que precisava ferozmente do seu duplo mais direto: o Real.

Quero ver Irene rirparte 1 (intro - remix)

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A boa e velha lógica espetacular nos ensinou que a história éfeita com as nossas mãos, para simplesmente retroalimentar umprocesso que sempre foi atravessado por corrupções de caráter,

crueldades devastadoríssimas e toda a sorte de catequeses;

E, em uma imbricada relação de amor e ódio, provocamo-nos à pouca humildade deignorarmos que o tempo de agora é sempre Sísifo. Como os ponteiros do relógio quetalvez tenham abandonado a sina de lembrar a todo instante que já estiveram ali. Enessa clausura curiosa de todo e qualquer presente, em sua inquestionável tragicidade,agarramo-nos com dentes afiados a uma possibilidade concreta de marcar o tempo(este que passa) e nossa vida ordinária.

É tudo mentira. É tudo figura.

Então, se a boa e velha lógica espetacular nos ensinou (este verbo muito mais ardilosoque o viver) que a história é feita com as nossas mãos, para simplesmenteretroalimentar um processo que, no caso do Brasil, sempre foi atravessado porcorrupções de caráter, crueldades devastadoríssimas e toda a sorte de catequeses;talvez eu pudesse achar aqui, muito idiotamente enquanto escrevo, que algumamudança poderia germinar entre eu e o leitor. Entre mim e você. Entre nós. Seu corpo.Meu corpo. Em uma intimidade de escrita na sua pele que fosse suficientementevisceral para que abríssemos a fissura da porta e fôssemos embora em uma últimaperformance.

Mas não.

Hoje não.

Hoje o que eu lhe peço, enquanto página branca, é só vazio e apagamento. Silêncio ealguma tristeza...........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Por tantas despedidas. Por tantas mortes. Por tanta falta de fé. Por eu ou porvocê não sermos capazes de garantir que chegaremos a casa com as duas pernas. Ouque, a despeito do ódio-quente-leite-fálico, poderíamos vir a ter a opção decontinuarmos minimamente vivos, apesar do que isso possa vir a ser. E assim, naditadura que é minha enquanto sujeito, enquanto história perversa de pouco amor oude muito amor mal ensaiado, lúgubre, fútil, "glory hole", que eu lhe digo que não possolhe dizer coisa alguma. Eu o desconheço, Beltrano. Eu não o reconheço, Beltranho. E,se o devir-mundo é ser solitária, a responsabilidade é nossa.

"Give up".

Ass: Beltranho

31/3/2016

Alexandre Sá é crítico e curador,professor do Instituto de Artesda UERJ, da EAV Parque Lage ecoordenador do curso de Artes

Visuais da Unigranrio.

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