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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 1 Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS IBAM Julho/Agosto/Setembro 2012 Ano 58 Nº 281 ISSN 0034 - 7604 Gestão de Pessoas REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL MUNICÍPIOS Gestão de Pessoas Avaliação de desempenho Servidores Temporários Contratação de Serviços Tributação da Propriedade Administração Estatal ARTIGOS Pareceres Em Foco E MAIS

REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL MUNICÍPIOS · ... 7604 Gestão de Pessoas ... Conselho de Administração Edson de oliveira nunes ... Delgado, Roberto Guimarães Boclin, Willian

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nº 2

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Gestão de Pessoas

REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

MUNICÍPIOS

Gestão de Pessoas Avaliação de desempenhoServidores TemporáriosContratação de ServiçosTributação da PropriedadeAdministração Estatal

ARTIGOSPareceresEm Foco

E MAIS

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Mudam o contexto e os conceitos, permanece a essência da vocação, do papel, dos direitos e deveres do

servidor público, enquanto a gestão de pessoas veio, ao longo dos anos, incorporando valores renovados de carreira como macrofunção da Administração.

Se por um lado o servidor é, em essência, um servidor da sociedade, devendo a ela um retorno de qualidade do seu trabalho, busca também satisfação pessoal no trabalho que realiza. Essa satisfação, portanto, é de duplo sentido. Por um lado, reconhecendo na melhora da qualidade de vida do País um pouco de si mesmo, e, por outro, identificando nesse melhoramento um retorno de qualidade na sua própria carreira funcional.

De fato, o servidor participa de um extenso ciclo de passagem pela Administração Pública: do recrutamento e seleção de pessoal para pro-vimento de cargos e de funções, passando pela capacitação e pelo aperfeiçoamento de suas competências, crescimento ou progresso de carreira, avaliação de desempenho, remunera-ção pecuniária e enquadramento futuro como beneficiário da previdência.

A distinção entre Estado, Governo e Adminis-tração Pública é fundamental para posicionar o comportamento e a cultura institucional do servidor. O cenário político e os valores daí emanados, em grande parte, costumam definir o marco de inclusão e de motivação da atuação do servidor. Políticas públicas se sucedem, definindo prioridades e modos particulares de encarar o desafio do desenvolvimento. Novas

tecnologias exigem adaptação ou reciclagem do servidor. Valores antigos, como a ética, e um pouco mais novos, como o apelo à sustentabi-lidade, incidem sobre todo o ciclo profissional do servidor, exigindo o seu ajustamento numa ordem de valores compartilhados, cada vez mais, em nível mundial.

A enorme profusão e a atual oferta de in-formação exigem atualização e processamento rápido de dados pelo servidor num ambiente de gestão do conhecimento. O respeito às di-ferenças e às aptidões particulares favorece o aproveitamento integral das capacidades hu-manas. O trabalho individual e setorial, por sua vez, é posto sob o desafio do resultado coletivo de equipes e de redes de trabalho.

O início dos mandatos de Prefeitos e Prefeitas é sempre uma oportunidade para um balanço dessa macrofunção chamada Gestão de Pessoas na Administração Pública. A Federação é trina e as esferas de governo são independentes, o que quer dizer que a União, os Estados e os Municípios têm, cada um, responsabilidades compartilhadas na gestão de pessoal do serviço público. Porém, se a esfera local é a mais próxima do cidadão, é aí que a sensibilidade pública para o desempenho do servidor irá avaliá-lo face a face.

Ao fim e ao cabo, um servidor público é também um cidadão e a sociedade, como man-tenedora e beneficiária do seu trabalho, é quem poderá avalizar o seu desempenho, cabendo aos titulares dos cargos de liderança na Adminis-tração criarem as condições efetivas para o seu melhor aproveitamento.

De recursos humanos a pessoas: uma visão integral do servidor público

Editorial

Os Editores

Editorial

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4 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012

EXPEDIENTEA Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS é uma publicação do instituto Brasileiro de Administração Municipal – iBAM, de periodicidade trimestral, depositada na Reserva Legal da Biblioteca nacional e no catálogo internacional de periódicos sob o n.° BL issn 0034-7604. Registro civil de pessoas Jurídicas n.° 2.215.

EditoresAlberto costa Lopes – Editor ExecutivoHeraldo da costa Reis – Editor Técnicosandra Mager – Coordenadora Editorial

Conselho EditorialAlberto costa Lopes (iBAM), Ana Maria Brasileiro (uniFEM/onu/Wa-shington/Estados unidos), celina Vargas do Amaral peixoto (FGV/Rio de Janeiro/RJ), Emir simão sader (cLAcso/Buenos Aires/ARGEnTinA), Fabricio Ricardo de Limas Tornio (uFpr/curitiba/pR), Heraldo da costa Reis (iBAM), Jorge Wilheim (consultor em urbanismo, são paulo/sp), paulo du pin calmon (unB/cEAG/Brasília/DF) e Rubem césar Fernandes (ViVA Rio/Rio de Janeiro/RJ).

Conselho TécnicoAlberto costa Lopes, Alexandre carlos dos santos, Heraldo da costa Reis, Jaber Lopes Mendonça Monteiro, Maira da Graça Ribeiro das neves e Marlene Fernandes.

Esta publicação consta do indexador internacional Lilacs – América Latina e caribe e nas seguintes páginas:

• FEA/usp - Departamento de Administração • FGV - Biblioteca Mário Henrique simonsen • unB - Biblioteca Machado de Assis • Biblioteca nacional • instituto Brasileiro de informação em ciência e Tecnologia - catálogo coletivo nacional (ccn) • Association of Research Libraries • Latin Americanist Research Resources project • institut des Hautes Études de l’Amérique Latine - centre de Recherche et de Documentation sur l’Amérique Latine • Facultad de ciencias Juridicas y politicas - universidad central de Venezuela • HAcER - Hispanic American center for Economic Research

ASSINATURASTel.: (21) 2536-9711/ 2536-9712 • [email protected] da assinatura anual: R$ 48,00Valor de exemplar avulso: R$ 12,00Tiragem: 2 mil exemplares

REDAÇÃOCoordenação Editorial Edição 1 – Comunicação & Serviços Ltda. • Telefax: (21) 2462-1933Jornalista responsável: Mauricio s. Lima (MTb 20.776) Jornalismo: patrícia FahlbuschRevisora gramatical: Marisa BritoProgramação visual: Victor oliveiraFoto de Capa: sxc.hu

DEPARTAMENTO COMERCIALcontato: (21) 2462-1933

Os artigos refletem a opinião de seus autores. É permitida a sua reprodução desde que citada a fonte.

IBAM – Edifício Diogo Lordello de MelloLargo iBAM, 1 – Humaitá – Rio de Janeiro, RJ cEp 22271-070Tel.: (21) 2536-9797 Fax.: (21) 2536-1262www.ibam.org.br

Conselho de AdministraçãoEdson de oliveira nunes (presidente), Edgar Flexa Ribeiro, Edvaldo Brito, Henrique Brandão cavalcanti, João pessoa de Albuquerque, Luiz Antonio santini Rodrigues da silva, Maria Terezinha Tourinho saraiva, Mayr Godoy, paulo Alcântara Gomes, Tito Bruno Bandeira Ryff.

Conselho FiscalAguinaldo Helcio Guimarães, paulo Reis Vieira, Raymundo Tarcísio Delgado, Roberto Guimarães Boclin, Willian Alberto de Aquino pereira.

Superintendência Geralpaulo Timm

REPRESENTAÇÕES

São Paulo Avenida Ceci, 2081 • Planalto Paulista, São Paulo • SP • CEP 04065-004 • Tel/Fax: (11) 5583-3388 • [email protected]

Santa CatarinaRua Joinville, n.o 876 - sala 01 - Bairro Vila nova - Ed. Empresarial Vila Nova - Blumenau - SC - CEP 89035-200 • Tel/Fax: (47) [email protected]

Índice

ARTIGOS E REpORTAGEM / ARTICLES AND REPORTAGE

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Desafios da legitimação das políticas de gestão de pessoas na gestão pública: estudo de caso de uma prefeitura do nordeste Brasileiro / Challenges of political legitimation of personnel management in public management: case study of a municipality of the Brazilian northeast

Roosevelt Bezerra da Silva FilhoIêda Isabella de Lira Souza

Avaliação do desempenho como ferramenta de melhoria do serviço público / Performance assessment as a tool to improve public service

Valmor Pedro Bacca

A Tensão entre regime jurídico único e servidores temporários / The tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in the Brazilian public administration: a judicial debate with some consequences to the management.

Inadequação da licitação na modalidade pregão para contratação de serviços para realização de concurso público / The inadequacy of licitation in cry modality for hiring of services for public concurrence

Reportagem / ReportPatrícia Fahlbusch

Maurício Lima

Um diagnóstico atualizado da tributação da propriedade no Brasil / Updated diagnosis on property taxation in Brazil

Administração estatal ou social: um falso dilema / State or social administration: a false dilemma

Alexandre Veronese

Jaber Lopes Mendonça MonteiroRafael da Silva Alvim

Carlos Fernando Galvão

José Roberto R. AfonsoJulia Morais Soares

Kleber Pacheco de Castro

pARECERES / reportS

Cargos de provimento em comissão. Fixação do percentual mínimo a ser exercido por servidores efetivos. Iniciativa do projeto de Lei. Competência

76

Em Foco / Highlighting

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Gestão de Pessoas

Gestão de Pessoas

Introdução

A necessidade de um Esta-do voltado para a sociedade e com foco nos resultados de suas ações tem demandado dos gestores públicos mais do que capacidade técnica para gerir orçamentos e o cumprimento dos princípios da administra-ção pública. Assim, modernizar o aparato público tem sido discutido desde a década de 80 como ferramenta fundamental para a reorientação do Estado.

Nesse estudo, a discussão acerca da modernização ad-

ministrativa é tratada pelo enfoque humano nas organi-zações. Para tanto, aborda-se a perspectiva humanística da administração a partir da concepção da Nova Gestão Pública (New Public Mana-gement) em contraponto aos desafios que os gestores da área de pessoal enfrentaram numa prefeitura do Nordeste brasileiro.

Na Nova Gestão Pública (NGP) assentam-se os funda-mentos básicos da concepção de um modelo de Estado orientado para o cliente-cida-

dão. O foco está na gestão por resultados, na flexibilidade administrativa, no controle social e na valorização das pessoas (MATIAS-PEREIRA, 2009). Bresser-Pereira (2005) corrobora ao explicar que o objetivo da NGP é criar um Estado capaz de atender as ne-cessidades de seus cidadãos; na qual os eleitores possam fiscalizar o desempenho dos políticos e estes também se-jam obrigados a prestar contas à sociedade.

Os autores deste artigo en-tendem que o desenvolvimento

Desafios da legitimação das políticas de gestão de pessoas na gestão pública: estudo de caso de uma prefeitura do nordeste Brasileiro

RESUMOO presente artigo trata da descrição dos desafios de uma prefeitura na legitimação das ações da política de gestão de pessoas. Para tanto, buscou-se compreender os fenômenos a partir da perspectiva da Nova Gestão Pública e do Neoinstitucionalismo. Quanto aos resultados, é possível inferir que, apesar dos entraves no processo de ruptura e da necessidade de se criar mecanismos estruturadores, a política de pessoal estabeleceu os novos parâmetros para um padrão de desempenho superior.

Palavras-chave: Nova Gestão Pública. Legitimidade. Desenvolvimento Humano.

Roosevelt Bezerra da Silva Filho — Doutorando em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN – [email protected]

Iêda Isabella de Lira Souza — Doutoranda em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN – [email protected]

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humano é uma premissa subja-cente ao paradigma da Gestão Pública voltada a resultados, uma vez que tais ações promo-vem a atualização dos indivídu-os aos novos modelos de gestão e potencializam a mudança de cultura da organização.

Portanto, o objeto deste es-tudo são as Políticas de Gestão de Pessoas de uma prefeitura da Região Nordeste do Brasil no tocante ao desenvolvimento humano e organizacional. A prefeitura promoveu formal-mente uma política de valori-zação do servidor, e o princípio da valorização do servidor está incorporada à missão da orga-nização.

Quanto à finalidade, o arti-go descreve os desafios encon-trados pela equipe de gestores para a legitimação das ações da política de gestão de pessoas, sobretudo na reorientação dos valores organizacionais de um modelo burocrático para a gestão por resultados. Para isso, buscou-se identificar as ações governamentais reali-zadas desde a reforma admi-nistrativa, dentro do escopo de suas definições e dos seus resultados.

Quanto aos procedimentos metodológicos da pesquisa, que é descritiva, trata-se de um estudo de caso, com abor-dagem qualitativa. As informa-ções foram levantadas junto a quatro gestores ligados à Política de Gestão de Pessoas na prefeitura. Depois de coleta-dos, os dados primários foram

transcritos e analisados com base no método de Análise de Conteúdo.

A nova gestão pública: origem e princípios norteadores

As discussões sobre a efi-ciência governamental vêm sendo realizadas nos âmbitos acadêmico e social na pers-pectiva de desenvolvimento, implementação e avaliação de Políticas Públicas. No cerne da questão, o que se apreende é que a eficiência de um governo se mostra como consequência das Políticas Públicas e obras estruturantes que condicionem melhoria da qualidade de vida para a população.

Como qualquer organiza-ção, o alcance dos objetivos das instituições públicas depende diretamente do bom uso dos recursos próprios, e da capa-cidade destas de adquirir, seja por investimentos financeiros seja por parcerias, recursos os quais não têm. Como conhecer

bem suas forças e fraquezas é essencial para o direcionamen-to dos esforços organizacio-nais, esse diagnóstico tem se mostrado basilar para estra-tégias da Gestão de Pessoas. As ações governamentais para atingir as metas se dão por meio do capital intelectual da própria organização.

A origem e o desenvolvi-mento da NGP tiveram im-pacto significativo no governo dos Estados Unidos e no de todo o mundo a partir do ins-tante em que foram levanta-das, dentro de sua concepção, questões fundamentais tanto para os gestores públicos quanto para a sociedade (DE-NHARDT, 2012).

Na perspectiva da NGP é considerado o processo de transposição de elementos da administração empresa-rial para a administração pú-blica, de forma que algumas práticas institucionalizadas pelo empresariado fossem

Na Nova Gestão Pública, o foco está na gestão por resultados, na flexibilidade administrativa, no controle social e na valorização das pessoas

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Gestão de Pessoas

incorporadas pelas organi-zações públicas (SLOMSKI ET AL, 2008). Portanto, as premissas subjacentes no campo baseiam-se no de-terminismo exercido pelo m i me t i s mo d a s prá t ic a s gerenciais legitimadas em outras organizações públi-cas e/ou privadas.

Hood (1995) explica que a NGP se afasta dos modos tradicionais de legitimação da burocracia pública para adotar práticas instituciona-lizadas no campo das organi-zações privadas.

Pode-se exemplificar o mi-metismo das ações de uma organização por meio das boas práticas de outras, a partir do elevado número de “Escolas de Governo” ou “Escolas de Ges-tão Pública” implantadas nas estruturas organizacionais de governos subnacionais – Es-tados e municípios. O grande número de escolas desse tipo foi induzido pela legitimidade da Escola Nacional de Ad-ministração Pública (Enap),

instituída em 1986, a ponto de levar à criação de estruturas organizacionais similares nos governos subnacionais.

Conforme Pacheco (2003), até o fim da década de 90, im-perou como modelo para as Escolas de Governo no Brasil o padrão francês da École Na-tionale d’Administration (Ena) com o fim de formar a futura elite do setor público. O autor ressalta, porém, que o molde de ensino da Ena propiciou o desenvolvimento intelectual dos indivíduos de tal forma que prejudicou a capacidade destes de liderar grupos, de de-senvolver trabalho em equipe e de aplicar a teoria à prática das organizações.

Na avaliação de Hood (1995), muito antes de as organizações públicas instituírem espaços para o desenvolvimento dos seus funcionários, diversas empresas, inclusive no Brasil, já trabalhavam nessa perspectiva.

Acerca da legitimidade, DiMaggio e Powell (1983) ex-

plicam que o ambiente é inter-pretado pelos atores sociais, criando lentes pelas quais eles percebem o que está em sua volta. Dessa forma, são reco-nhecidos como provedores de legitimidade, nos quais regras, modos de compreensão e sig-nificados subjetivos estão pre-sentes, e exercem influência sobre a relação entre a ação e a estrutura.

Considerando que a NGP tem o cidadão como foco de suas ações, sobretudo por bus-car prestar contas, Matias Pe-reira (2009) advoga que a mu-dança de cultura das organiza-ções públicas exige profunda revisão dos modelos gerenciais existentes. A implantação de uma nova gestão pública demanda transformação na estratégia de gerenciamento, que deve ser posta em prática em uma estrutura adminis-trativa reformada. (MATIAS. PEREIRA, 2009).

O processo de modificação das instituições públicas, com o advento da NGP, também

“”

É necessário que os gestores tenham muito claro que a estrutura de uma organização impacta fortemente na execução de suas políticas e consequentemente na obtenção de seus resultados

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é tratado por Sano e Abrucio (2008). Os autores explicam que as ideias e as reformas da Nova Gestão Pública alimenta-ram os processos de mutação em diversos países.

Abrucio (1997) explica que a modificação do foco fez emer-gir, no escopo das organizações públicas, a gestão orientada para a qualidade dos serviços por in-termédio da Administração da Qualidade Total (Total Quality Management – TQM), sendo estas incorporadas a partir dos resultados obtidos nas experiên-cias das organizações privadas.

De acordo com Bresser-Pe-reira (2005), a NGP considera: 1) a descentralização política, transferindo-se recursos e com-petências para os governos re-gionais e locais; 2) descentrali-zação administrativa, por meio da delegação de autoridades aos administradores públicos;

3) organizações com menores níveis hierárquicos; 4) pressu-posto da confiança limitada em detrimento da desconfiança to-tal; 5) controle dos resultados; e 6) administração voltada para o atendimento do cidadão.

Do mesmo modo, a NGP não surge apenas por problemas a serem enfrentados, mas advém da necessidade de maior legiti-midade da burocracia frente às demandas da sociedade (BRES-SER-PEREIRA, 2005; SLOMSKI ET AL, 2008).

No Brasil, as ideias da NGP aportaram ainda no primei-ro ano do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), por meio do Ministério da Admi-nistração e Reforma do Estado (Mare), propostas no Plano Diretor da Reforma do Estado (SANO; ABRUCIO, 2008). A es-tratégia adotada naquela admi-nistração se balizava na busca

pela legitimidade de ações por parte do Governo quanto à melhoria da eficiência do Es-tado e ao alcance de resultados positivos no atendimento às expectativas do cidadão.

Denhardt (2012), por sua vez, elucida o fato de que es-sas mudanças podem não ser desejáveis, pois existe uma cultura nas organizações pú-blicas de que a associação de valores empresariais não deve ser perseguida a todo custo. Sendo fator crítico importante de se considerar no momento em que se integram processos para transformações numa or-ganização pública.

De qualquer sorte, fica evi-dente a importância da legi-timidade das ações por parte do governo, como forma de responder as demandas da sociedade. De acordo com os institucionalistas, as organi-zações estão inseridas em um contexto constituído de regras, crenças, mitos, valores e de ele-mentos sociais e culturais cria-dos e institucionalizados por meio da interação social. E os gestores públicos devem saber direcionar os seus esforços para implementar variações que ocasionem impactos positivos na sociedade.

Discussão do caso: os desafios da gestão de pessoas na gestão pública para legitimar as ações de desenvolvimento humano e organizacional

Na perspectiva da gestão de pessoas nas organizações priva-

Como mecanismo de valorização do servidor, o Programa de Qualidade de Vida no Trabalho foi incorporado às funções da Escola, fazendo parte do componente estratégico de desenvolvimento humano e organizacional

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Gestão de Pessoas

das, os desafios para os gestores estão pautados primeiramente nos processos de recrutamen-to e seleção de pessoal. Peter Drucker, um dos principais autores do management, advoga que esse é o principal negócio de todas as organizações. E é tarefa do gestor de pessoal o de-senvolvimento do indivíduo e a capacidade de reter os talentos produzidos no âmbito organi-zacional, de forma que este não possa futuramente incorporar suas atividades profissionais em empresas concorrentes ou competidoras.

Por muito tempo os ges-tores de pessoas nas organi-zações públicas despenderam tempo apenas no acompanha-mento funcional dos servido-res públicos, o que congrega um modelo burocrático de gestão de pessoas fundamen-tado nos princípios do direito administrativo.

A transformação de para-digma impulsionada pela so-ciedade, na qual se exige maior efetividade das políticas públi-cas de um governo, determina aos gestores uma perspectiva estratégica na gestão de pesso-as, de modo que estas passem a ser tratadas como recursos valiosos para se alcançar metas organizacionais.

É preciso, para tanto, encarar a organização pública como sendo parte de um universo de outras organizações que são vistas, e por vezes avaliadas pela sociedade, enquanto governo. A legitimidade das políticas de

um governo são claramente comparadas pela comunidade, que institui parâmetros que estabelecem a efetividade ou não de um governo.

Para fins desta pesquisa, três premissas são essenciais para o alcance dos objetivos organi-zacionais. Elas se constituem tarefas do gestor de pessoas nas organizações públicas:

1) Capacidade gerencial de ar-ticular as ações dos indivíduos às demandas sociais, a fim de que os interesses sociais da po-pulação se sobressaiam aos po-líticos, sejam estes individuais ou de pequenos grupos. Nesse ponto, a institucionalização das políticas de governo como me-canismo de qualidade de vida para a sociedade é básica, sendo a habilidade para a promoção de articulação necessária aos ges-tores de pessoal. Assim, pode-se inferir que desconsiderar o fator político no engajamento dos indivíduos às ações de governo se configura grave equívoco;

2) Capacidade de desenvolver nos gestores de secretarias e de ministérios o senso de uni-dade. É comum que cada gestor passe a trabalhar em função dos resultados de suas pastas e não considere uma visão estratégica sistêmica. Não con-siderar esse ponto potencializa as chances de não se conseguir a premissa anterior, pois o as-pecto político se sobressai às questões gerenciais;

3) Desenvolver o corpo de ser-vidores para que os resultados

de suas ações possam condi-cionar o alcance dos alvos da organização. Nesse caso, faz-se necessário que as estratégias do governo estejam claramente definidas, internalizadas pelos servidores e aderentes ao pro-grama de desenvolvimento.

As questões norteadoras da pesquisa passam pelos desafios iniciais aqui tratados, de modo que seja possível descrever com mais precisão as ações do governo nos últimos quatro anos. Ressalte-se que as pre-missas 1 e 2 demandam, por parte do gestor do executivo, uma descentralização admi-nistrativa para os gestores da Política de Pessoal das formas de coordenação dos esforços coletivos, para que se possa direcioná-los aos propósitos da organização e da sociedade.

Como forma de caracterizar a prefeitura, foco de análise do presente estudo, aqui estão al-guns dados secundários levan-tados na pesquisa. O número de funcionários é de aproxi-madamente 25.000, entre servi-dores comissionados, efetivos, pensionistas e aposentados. A administração pública está localizada na Região Nordeste do Brasil, sendo formada por 26 órgãos administrativos. Foram analisadas as ações da Política de Pessoal, de competência da Secretaria de Administração.

Antes de tratar especifi-camente das discussões de desenvolvimento humano e or-ganizacional, faz-se necessário explicitar que o ativo principal

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de uma organização, ou seja, o conhecimento organizacional vem sendo discutido no âm-bito acadêmico como um dos fatores essenciais ao sucesso de uma organização.

Tanto o conhecimento tácito, encontrado no pró-prio indivíduo através da apropriação mediante expe-riências e pesquisas, quanto o explícito, que se encontra nos documentos, nas leis e nos regimentos internos, são basilares para se alcançar os objetivos organizacionais.

Nos primeiros dias de gover-no, os gestores identificaram a necessidade de se concretizar uma série de estratégicas a fim de nortear as ações para a promoção do desenvolvimento humano e organizacional, pois em termos de gestão do conhe-cimento muito pouco havia sido realizado até então. Existia pouco informação em regimen-tos internos, e o conhecimento tácito de alguns setores havia se perdido com a exoneração de alguns cargos comissionados da gestão anterior.

De qualquer forma, as ba-ses para a Política de Gestão de Pessoas também definidas à época de transição, como a criação da Escola de Gestão Pública e uma reforma admi-nistrativa, foram implantadas nos primeiros dias de governo. Como ações estruturantes, foi realizado censo para identificar as competências dos servidores públicos municipais, as áreas de atuação na capacitação e no de-

senvolvimento humano, além de apontar oportunidades para implementar um Programa de Qualidade de Vida no trabalho.

De acordo com os gestores, a política de pessoal assentava--se no paradigma burocrático. Sua ênfase recaía nos proce-dimentos administrativos de análise processual, tais como concessão de vantagens e de benefícios, aposentadorias e férias, entre outros. Não exis-tia um Plano de Cargos e Car-reiras (PCC), apesar de já terem sido feitos vários estudos de atualização de uma matriz salarial que existia somente como projeto de lei. A ausência do PCC incorria em salários iguais em todos os níveis funcionais, demandando dos gestores a prática equivocada de concessão de gratificações como forma de melhorar a remuneração dos indivíduos e, consequentemente, de buscar maior empenho de todos.

A decisão de implantar o Plano de Cargos e Carreiras ganhou força depois que uma coleta de dados diagnosticou o não comprometimento dos servidores com as agendas de governo. Para os gestores, foi preciso mostrar que havia empenho com as causas dos funcionários para que eles pas-sassem a produzir melhor.

A queda dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), no final do ano de 2009, diminuiu as esperanças de se instituir um Plano de Cargos mais audacio-

so. A prefeitura se mostrava dependente de tais recursos e o governo necessitava do mon-tante orçado para a execução de seus projetos e obras.

Depois de meses de estudos, foi apresentado aos sindicatos dos servidores públicos mu-nicipais um Plano de Cargos. Apesar de não ser o esperado por todos, foi debatido e con-siderado satisfatório pelas representações dos servidores. O processo das discussões foi facilitado pela situação em que os servidores estavam em ter-mos de perspectivas salariais.

De qualquer forma, a análise do plano com os sindicatos foi primordial para a legitimação das ações do governo voltada para o pessoal e garantiu certa tranquilidade de aprovação junto à Câmara dos Vereadores.

O estímulo para buscar o esforço do servidor às cau-sas sociais foi estabelecido após a publicação da lei e da implementação do plano. Os gestores da Política de Pesso-al passaram a investir tempo na criação de uma política de desenvolvimento humano que promovesse, de fato, padrões de desempenho compatíveis ao esperado pela sociedade.

Cabe destacar que até essa fase muitos cursos haviam sido ofertados pela Escola de Governo, mas os servidores resistiam em participar, pois não tinham certeza de que be-nefícios financeiros teriam. Na opinião do entrevistado 1, para

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Gestão de Pessoas

um curso ter sucesso era pre-ciso divulgar outros aspectos oferecidos: “Um dia foi preciso dizer que o lanche do curso era bom para que o servidor fizesse a sua inscrição”.

Outro desafio que a equipe de gestores encontrou nas políticas de desenvolvimento humano e organizacional foi o compromisso dos chefes ime-diatos para liberar o servidor nos horários dos cursos. Tal prática esvaziava a participa-ção. Com inscrições previamen-te feitas, o não comparecimen-to colocava em cheque a políti-ca de capacitação e os próprios resultados do governo junto à sociedade, além de caracterizar dispêndio de recursos públicos.

Como forma de minimizar

tal gasto, passou-se a traba-lhar com uma estratégia: em cada curso havia um servidor multiplicador, cujo papel seria o de transmitir o conheci-mento aos demais servidores com atuação semelhante nos órgãos municipais.

Para melhorar o proces-so, foram realizados cursos de aprimoramentos de téc-nicas de comunicação para os multiplicadores. Outros servidores se apresentaram posteriormente, dispostos a fazer o papel de multiplica-dores em cursos futuros. A Escola de Governo começou a dar os primeiros passos para sua legitimação, uma vez que a procura por parte dos pró-prios servidores representava a adesão às políticas de pessoal.

Quanto às questões trata-das na política de remunera-ção, segundo o entrevistado 3, numa reunião entre os gestores foi discutido que o incremento no salário não seria suficiente para garantir o comprometimento do ser-vidor a longo prazo. Outros projetos com a finalidade de desenvolver e melhorar a qualidade de vida, assim como a integração das ações do governo por intermédio das secretarias, precisavam ser desenvolvidos.

Como mecanismo de va-lorização do servidor, o Pro-grama de Qualidade de Vida no Trabalho foi incorporado às funções da Escola, fazendo parte do componente estra-tégico de desenvolvimento humano e organizacional. Entre as ações, desenvolvi-das por um corpo técnico de servidores das secretarias de Administração e de Saúde, es-

tavam massagens, aferição de pressão e palestras educativas de alimentação e postura no trabalho.

Naquele momento houve a articulação dos gestores para garantir acesso a recursos complementares, bem como a ação voltada ao direcionamen-to das duas secretarias. Depois de legitimadas internamente, num programa de visitas a todos os órgãos da administra-ção municipal, foram agrupa-das às ações da prefeitura nos bairros mais distantes.

Com programa de capacita-ção e desenvolvimento dos ser-vidores, elaborado com base em pesquisas desenvolvidas junto aos servidores por um institu-to contratado, outros cursos foram inseridos, considerando quatro eixos diferentes de de-senvolvimento. Os resultados esperados não foram atingidos, uma vez que as dificuldades

O alcance dos objetivos das instituições públicas depende diretamente do bom uso dos recursos próprios

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para efetivar a participação dos servidores persistiam.

No entanto, ainda que esse fato apresente-se de forma ne-gativa, é importante destacar que um Plano de Desenvol-vimento constituído formal-mente potencializa a gestão do conhecimento organizacional, pelos registros e pelas orienta-ções que o mesmo traz para as ações futuras.

De acordo com o gestor 4, a comunicação para oferta dos cursos estava sendo realizada por meio de diferentes tipos de mídias, mas os problemas de comunicação persistiam. Com o objetivo de se realizar uma comunicação mais estreita com a equipe de gestores de pessoal de todos os órgãos, foi realizado um encontro a fim de estreitar os laços e estabelecer novas formas de dinamizar o processo de inscrição, estimulando o de-senvolvimento dos servidores.

Impacientes com os resul-tados, e antenados aos desafios de legitimação da política de desenvolvimento, os gestores mais uma vez passaram a elabo-rar mecanismos estruturadores para a gestão de pessoas. Se-gundo o entrevistado 3, a ideia era estabelecer novos critérios para que os servidores se esti-mulassem a buscar por conta própria o seu desenvolvimento.

Foi instituída a Comissão

de Avaliação de Desempenho e uma lei definiu as bases para a mudança do nível na matriz remuneratória. Foram estabele-

cidas quantidades mínimas de horas em cursos para o servidor pleitear promoções.

As ações de desenvolvimen-to humano e organizacional da prefeitura apresentara aos gestores uma série de desafios para a estruturação de uma política baseada em um padrão superior de desempenho. A ne-cessidade de readequar as ações e, por vezes, desenvolver novas estruturas impactou significa-tivamente nos resultados da política de pessoal, pois o tempo dos gestores para legitimar as ações diminuiu à medida que surgiam novos desafios.

Do ponto de vista da articu-lação entre os órgãos – Café de Gestão, reuniões setoriais para enfrentamento das discussões de pessoal, Programa de Qua-lidade de Vida no Trabalho, bem como os cursos voltados aos gestores –, as ações foram trabalhadas com a meta de es-treitar relações e produzir um pensamento sistêmico.

Mesmo que muitos gesto-res tenham a perseguir ações isoladas como forma de pro-duzir resultados positivos de sua gestão em particular, é possível inferir que o trabalho foi significativo. O Programa de Qualidade de Vida no Tra-balho, por exemplo, permitiu à Secretaria de Administração desenvolver ações voltadas para além dos “muros do go-verno”, constituindo as bases para a prestação de serviços à comunidade juntamente com a Secretaria de Saúde.

Considerações finais

Pelos dados apresentados neste estudo, é possível afirmar que houve, por parte dos gesto-res da área de Gestão de Pessoas, predisposição para desenvolver no município os princípios norteadores da NGP, sobretudo na busca de padrão de desem-penho capaz de proporcionar ao governo a legitimidade de suas políticas perante a sociedade.

Ainda que pesem as premis-sas elencadas neste artigo, é ne-cessário que os gestores tenham muito claro que a estrutura de uma organização impacta for-temente na execução de suas políticas e consequentemente na obtenção de seus resultados.

Neste estudo, particular-mente, fica caracterizado que embora houvesse vontade dos gestores em promover um pa-drão de desempenho elevado dos servidores públicos muni-cipais, questões estruturantes precisaram ser adequadas para produzir o resultado esperado.

Neste caso, se faz necessária a produção de novo estudo ao final do próximo governo, que considere as variáveis de pes-quisas aqui tratadas a fim de se avaliar até que ponto as ações estruturantes condicionaram novos padrões de desempenho.

Algumas ações da política de valorização do servidor estão fundamentadas nos princípios da NGP. Programas de Quali-dade de Vida no Trabalho têm sido introduzidos nas estruturas

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 13Gestão de Pessoas

Gestão de Pessoas

governamentais, como forma de reduzir doenças ocupacionais. Estas ações, por sua vez, tiveram forte impacto nos resultados das organizações privadas na década de 90, o que sugere a ação do isomorfismo mimético.

Dentro dos princípios da NGP, foi possível identificar uma mudança de paradigma

na gestão de pessoas, na qual se observa um enfoque mais voltado para as questões estra-tégicas. É preciso que as práti-cas desenvolvidas pelo governo sejam aprimoradas de forma a se garantir um desenvolvimen-to organizacional sustentado.

Por fim, quanto às premis-sas 1 e 2 deste estudo, ainda

que se possa verificar a exis-tência de algumas ações, estas aparecem de forma tímida em relação ao que se produziu na perspectiva do desenvolvimen-to humano. Cabe ressaltar que ambas pressupõem descentra-lização por parte do executivo para os gestores de pessoal, fato que foi identificado na pesquisa.

ABRUCIO, F. L.O impacto do modelo gerencial na Administração Pública. Um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP; nº 10, 1997.BRESSER-PEREIRA, L. C. Da administração pública burocrática à gerencial. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do estado e administração pública gerencial. 6. Ed. São Paulo: FGV, 2005.DENHARDT, R. B. Teorias da administração pública. Tradução técnica e glossário Francisco G. Heidemann. São Paulo: Cengage Learning, 2012.HOOD, C. The “new public management” in the 1980`s, Accounting Organization and Society, v. 20, n. 2-3, p. 93-109, 1995.MATIAS-PEREIRA, J. Manual de gestão pública contemporânea. 2. Ed.- São Paulo: Atlas, 2009.PACHECO, R. S. Escolas de Governo: evolução histórica e perspectivas para os municípios brasileiros. In: CARNEIRO, J. M. B.; AMORIM, A. Escolas de Governo e Gestão Municipal. São Paulo: Oficina Municipal, 2003.POWELL, W. W.; DIMAGGIO, P. J.The New Institutionalism in Organizational Analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991.SANO, H.; ABRUCIO, L. F. Promessas e resultados da nova gestão pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. RAE, vol. 48, nº 3, 2008.SLOMISKI, V.ET AL. Governança corporativa e governança na gestão pública. São Paulo: Atlas, 2008.

RESUMENDesafíos de la legitimación política de administración de personal en la administración pública: Estudio de caso de un municipio del nordeste de BrasilEste artículo trata de la descripción de los desafíos de una prefectura en la legitimación de las acciones de la política de gestión de personas. Por lo tanto hemos tratado de comprender los fenómenos desde la perspectiva de la Nueva Gestión Pública y neo institu-cionalismo. En cuanto a los resultados, se puede inferir que a pesar de los obstáculos en el proceso de ruptura y la necesidad de crear mecanismos que la estructura, la política de personal establecido nuevos parámetros para un modelo de rendimiento superior.Palabras-clave: Nueva Gestión Pública. Legitimidad. Desarrollo Humano.

ABSTRACTChallenges of political legitimation of personnel management in public management: case study of a municipality of the Brazilian northeastThis article deals with the description of the challenges of a prefecture in legitimizing the actions of the management policy of people. Therefore we sought to understand phenomena from the perspective of New Public Management and Neo-Institutionalism. As for the results, we can infer that despite the obstacles in the process of rupture and the need to create mechanisms which structure, person-nel policy established new parameters for a pattern of superior performance.Key words: New Public Management. Legitimacy. Human Development.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Introdução

A administração pública passa por um momento de redefinição de estruturas. A estrutura burocrática não en-contra lugar quando se refere a organizações cada vez mais enxutas, das quais é exigida mais qualidade na prestação de serviços. Neste contexto, a área de Recursos Humanos tem papel fundamental, na medida em que se vê responsável por reelaborar sua política de ação com referência aos funcioná-rios, incumbidos de assumir postura diferente frente à nova administração pública.

Será difícil implantar um programa de recursos humanos em qualquer organização sem informações adequadas sobre o comportamento das pessoas que nela trabalham. A avalia-ção de desempenho pode ser o meio de se obter essas informa-ções. Assim, a avaliação serve

como um dos mecanismos para transformações no âmbito funcional das organizações públicas, podendo ser usada no sentido de averiguar deficiên-cias e proporcionar políticas de desenvolvimento profissional.

O presente trabalho visa analisar os aspectos relacio-nados à gestão de recursos humanos nas organizações públicas, no que se refere es-pecificamente à questão da avaliação de desempenho, con-siderando os seus objetivos e a importância na realidade dessas organizações.

Após a presente pesquisa, pode-se concluir que a sub-jetividade inerente a todo e qualquer processo de avaliação é mais visível na administração pública, já que dificilmente se poderão calcular salários, pro-moções ou outras vantagens em função, por exemplo, dos volumes de venda ou da pro-

dução de bens ou de serviços. A missão pública terá sempre por obrigação servir indiferen-cialmente o cidadão e não a simples geração de lucro. Estas funções e obrigações do traba-lhador público fazem com que a sua avaliação individualizada seja particularmente difícil.

Outro aspecto a ressaltar é que a Administração Pública em todos os níveis e esferas en-frenta um importante processo de mudança organizacional, em prol de um aumento da eficiência, da eficácia e da economicidade. A existência de um sistema de informação estratégica torna-se essen-cial para apoiar o processo de tomada de decisões, au-mentar a transparência das atividades desenvolvidas pe-rante os cidadãos e aumentar a racionalização na gestão dos recursos. A preocupação com a satisfação da comunidade face aos serviços prestados consti-

Avaliação de desempenho como ferramenta de melhora do serviço público

Avaliação de desempenho

RESUMOO presente trabalho dispõe sobre avaliação de desempenho do servidor público, como ferramenta de gestão de pessoas e um processo que inclua atividades de planejamento, acompanhamento e avaliação e que procura integrar os diferentes níveis organizacionais e promover a melhoria da performance de indivíduos, de equipes de trabalho e da organização como um todo. Nesse processo destacamos o planejamento estratégico que identifica as metas a serem alcançadas a partir da missão, da visão e da análise do ambiente externo e interno.

Palavras-chave: Avaliação de Desempenho. Servidor Público. Gestão de Pessoas.

Valmor Pedro Bacca — Secretário de Administração e Finanças do Município de Peritiba-SC e Pós-graduando em Administração Pública da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC – Campus de Joaçaba – [email protected]

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 15Avaliação de desempenho

tuía principal perspectiva de desempenho em organizações públicas, sendo básico desen-volver medidas de desempenho a este nível. Assim, a introdu-ção de sistemas de avaliação de desempenho no setor pú-blico exige, cada vez mais, uma análise multidimensional do desempenho, uma adaptação ao contexto político em que estas instituições operam, uma mudança na cultura instalada face à avaliação de desempenho e a consideração do cidadão e da excelência no atendimento de suas necessidades como um principal fim a atingir.

Avaliação de desempenho

Em ambiente extremamen-te competitivo, marcado pela globalização e por fatores di-nâmicos, a área de gestão de pessoas surge como setor estra-tégico para o desenvolvimento das organizações. Levando-se em consideração o ambiente público, observa-se que na área de Gestão de Pessoas é primor-dial adequar a realidade pública aos novos paradigmas admi-nistrativos que primam pela eficiência, por baixos custos, por rapidez e por bons serviços (LOTTA, 2002, p.3).

A avaliação é um termo de múltiplos significados e, como instrumento de ação, que aten-de a diferentes propósitos, não é apenas um instrumento ou mecanismo técnico. A avalia-ção produz sentidos, consagra ou inibe interesses, valores e comportamentos, provoca mu-danças, transforma realidades.

Por isso mesmo, é poderoso instrumento de ações políticas e consequências éticas.

Avaliação é uma dessas pa-lavras muito utilizadas, que faz parte da vida de todos nós, e uma dessas atividades que nos afetam sempre e de forma muitas vezes radical. Como afirma Sobrinho (SOBRINHO E RISTOFF, 2002, p.104), “nada permanece igual e indiferente após uma avaliação”.

A avaliação é um processo essencialmente complexo e se torna incompreensível ou até mesmo deturpado se visto sob uma ótica simplificadora. Esta complexidade a cada dia se intensifica e se torna cada vez mais abrangente. Por exemplo, até bem pouco tempo, no mun-do da economia e da política, a riqueza e o poder se traduziam em bens materiais e tangíveis – o capital era o recurso econô-mica mais significativo; hoje, o conhecimento é, seguramente, o recurso econômico funda-mental, representado pelo conjunto de competências e de habilidades privilegiadas pelo mercado. Não existe avaliação unireferencial; ela é sempre plural e associada a valores éti-cos e políticos, nunca aleatória e descomprometida. Deverá obedecer a uma racionalidade técnica, que assegure informa-ções objetivas e confiáveis e que atendam aos requisitos de equi-dade e justiça, contribuindo para a redução das desigual-dades e da exclusão social, e progressivamente permita atingir níveis de consciência

crítico emancipatório por meio de métodos dialógicos e partici-pativos (LOTTA, 2002, p.4)

O que é avaliação de desempenho

A avaliação de desempenho é uma ferramenta de gestão de pessoas, que corresponde a uma análise sistemática do desempenho do profissional em função das atividades que realiza, das metas estabeleci-das, dos resultados alcançados e o seu potencial de desen-volvimento. Para Chiavenato (apud PEIXER, 2008, p.4), a avaliação de desempenho é uma sistemática de apreciação do desempenho do indivíduo no cargo e de seu potencial de desenvolvimento. É um meio pelo qual podem ser localiza-dos problemas de supervisão de pessoal, de integração do empregado à empresa ou o cargo que presentemente ocu-pa, de não aproveitamento de empregado com potencial mais elevado que o exigido pelo cargo, de motivação. Pode colaborar na determinação e no desenvolvimento de uma política adequada às necessi-dades da empresa.

Na visão de Pontes (apud PEIXER, 2008, p.4), “a Ava-liação ou Administração de Desempenho é um método que visa, continuamente, estabelecer um contato com os funcionários referente aos resultados dese jados pela organização, acompa-nhar os desafios propostos, corrigindo os rumos quando

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necessário, e avaliar os resul-tados conseguidos”.

Avaliar o desempenho, por-tanto, nada mais é do que fornecer o feedback construti-vo, tanto no dia a dia quanto nas reuniões formais para esse fim, além de estabelecer os re-sultados a serem perseguidos pelos indivíduos e acompanhar o processo de trabalho. Sem essa característica do relacio-namento não existe Programa de Avaliação de Desempenho, qualquer que seja a metodolo-gia adotada.

A avaliação de desempenho não é um ajuste de contas ou a criação de uma lista negra de defeitos, mas um levantamento de informações que beneficia-rão todos dentro da empresa.

A avaliação de desempenho é, antes de tudo, um processo de comunicação. O processo de comunicação é a essência

da avaliação de desempenho (PONTES, 1996). Ainda se-gundo (PONTES, 1996), deve analisar o comportamento do empregado – e não da pessoa – e como ele desempenha o cargo que ocupa.

Na visão de Lucena (1992), o desempenho refere-se à atua-ção do empregado em relação ao cargo que ocupa na orga-nização, tendo em vista as responsabilidades, as ativida-des, as tarefas e os desafios que foram atribuídos para produzir os resultados que dele se espera. De acordo com Oliveira-Castro (1999), o conceito de desempe-nho compreende o conjunto de habilidades, conhecimentos, atitudes, capacidades, inteli-gência e experiências pessoais do indivíduo, entre outras dis-posições pessoais componentes do saber fazer.

Saber fazer e ter suporte organizacional são condições

necessárias, mas não sufi-cientes, para um desempenho eficaz. O querer fazer consiste em outra condição necessária para que alguém apresente um desempenho eficaz, de acordo com expectativas, normas e padrões bem especificados.

Para Oliveira-Castro (1999), a avaliação de desempenho é definida como um conjunto de normas e de procedimentos utilizados pelas organizações para aferir o nível de produ-tividade de seus empregados. Segundo a mesma autora, os processos de avaliação de desempenho geralmente com-preendem várias etapas, entre as quais o estabelecimento de critérios de avaliação e padrões de desempenho; negociação de objetivos e expectativas de desempenho; observação de amostras representativas de desempenho do empregado em período preestabelecido; registro de incidentes críticos; comunicação de resultados de avaliação; provimento de fee-dback ao avaliado; formulação de planos de ação para melho-rar o desempenho e remover obstáculos e dificuldades ao desempenho.

Avaliação ou gestão de desempenho?

No início do século passado, a avaliação de desempenho tinha como foco exclusivo o indivíduo e a forma como realizava seu trabalho. O seu conceito evoluiu e passou a referir-se, de forma mais ampla, ao ato de executar as

A existência de um sistema de informação estratégica torna-se essencial para apoiar o processo de tomada de decisões

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 17Avaliação de desempenho

Avaliação de Desempenho

atividades próprias a determi-nada função para obtenção de resultados previamente esta-belecidos. Mais recentemente, as técnicas de avaliação de desempenho foram aperfeiço-adas e passaram a considerar a interferência de vários fatores, como, por exemplo, aqueles relacionados ao contexto em que a organização se encontra inserida (ENAP, 2005, p.39).

Nos últimos anos, a gestão de desempenho vem substituindo a avaliação de desempenho por meio de processo amplo, que inclui atividades de pla-nejamento, acompanhamento e avaliação (BRANDÃO, 1999). Embora haja esforço de am-pliar o foco das metodologias, de modo a contemplar as di-mensões mais abrangentes de atuação das equipes e da ges-tão global da organização, do ponto de vista prático a ênfase dessas atividades tem incidido, fundamentalmente, sobre o nível individual. Apesar disso, algumas instituições públicas já têm adotado o sistema de gestão de desempenho em vez da mera avaliação de desempe-nho. De acordo com Brandão e Guimarães (1999), a gestão de desempenho é um instrumento gerencial capaz de integrar di-ferentes níveis organizacionais (do corporativo ao individual) e promover a melhora da per-formance de indivíduos, de equipes de trabalho e da orga-nização como um todo (ENAP, 2005, p.39-40).

Conforme Brandão e Gui-marães (1999), o planejamento,

por sua vez, identifica as metas a serem alcançadas a partir da missão, da visão e da análise do ambiente externo e interno da empresa. Sendo assim, convém que as atividades de avaliação estejam alinhadas às metas definidas anteriormente. Se não houver metas definidas, o que será avaliado? O acom-panhamento das ações faz-se necessário, uma vez que podem ocorrer mudanças capazes de modificar as metas estabeleci-das. Pelo acompanhamento do desempenho, também é possí-vel medir as competências, o que pode auxiliar na busca de ações de desenvolvimento e de capacitação (ENAP, 2005, p. 40).

O desempenho humano ou organizacional represen-ta, em última instância, uma expressão da competência de indivíduos, de grupos ou de organizações. Assim sendo, é preciso que o processo de ges-tão de competências considere o caráter de complementarie-dade entre a competência e o desempenho. Por isso, é impe-rativo integrar as atividades de planejamento, de acom-panhamento e de avaliação de desempenho, a partir de diagnóstico das competências essenciais à organização, do nível corporativo ao individual.

No modelo de gestão de competências, a gestão tem o seu momento inicial com a formulação da estratégia da empresa, na qual são defi-nidos a visão de futuro e os macro-objetivos. Em seguida, a organização realiza um diag-

nóstico de suas competências essenciais e define os indica-dores de desempenho no nível corporativo. O diagnóstico permitirá identificar as la-cunas entre as competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais e as competências internamente disponíveis. Assim, é gerado outro diagnóstico das com-petências profissionais, que fornecerá subsídios para as decisões de investimento em desenvolvimento ou em ação (ENAP, 2005, p.40).

Por fim, há uma etapa de acompanhamento e avaliação, que funciona como mecanismo de retroalimentação ou feedba-ck, à medida que os resultados são comparados com as metas previamente estabelecidas (ENAP, 2005, p.41).

Normas e leis sobre a avaliação de desempenho

A adequada compreensão das relevantes questões envol-vidas na condução de atividades de avaliação de desempenho em organizações públicas exige a análise de algumas normas relacionadas a essa matéria.

Quanto aos aspectos legais, na área pública, a avaliação de desempenho em geral é exigi-da por lei, a fim do registro do desempenho dos servidores, como no caso do Brasil, onde serve para cômputo de pontos para promoção salarial.

O artigo 4º do Decreto nº 84.669, de 29 de abril de 1980,

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estabelece que a progressão horizontal por merecimen-to decorrerá da avaliação de desempenho expressa em con-ceitos que determinarão o interstício a ser cumprido pelo servidor. A norma fixa que o servidor será avaliado pela chefia imediata, observados determinados fatores que, pontuados, lhe dariam uma classificação que possibilitaria o seu eventual enquadramento no número de vagas desti-nadas para essa modalidade de progressão. Esses fatores são: 1) qualidade e quantida-de de trabalho; 2) iniciativa e cooperação; 3) assiduidade e urbanidade; 4) pontualidade e disciplina; 5) antiguidade (ENAP 2005, p.41 e 42).

A avaliação de desempenho no setor público é assunto novo, trazido pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, a qual altera o artigo 41 da Constituição da República Federativa do Bra-sil, que versa sobre o tema. Não há praticamente fonte de pesquisa voltada diretamente à área pública, o que faz com que os profissionais desta área

sintam-se “perdidos e desespe-rados” quando da necessidade e da exigência da implantação de tais procedimentos.

Pelo Decreto nº 4.247, de 22 de maio de 2002, foi criada a Gratificação de Desempenho de Atividades Técnico-Ad-ministrativa (Gdata), com o objetivo de “melhorar a quali-dade dos serviços mediante o reconhecimento profissional e a Avaliação de Desempenho Institucional”.

Com essa gratificação, os servidores passaram a ter uma parcela de sua remuneração vinculada, do ponto de vista formal, ao desempenho ou à produtividade (ENAP, 2005, p.41 e 42).

Sob a ótica dessa nova legisla-ção, a avaliação de desempenho individual visa aferir a perfor-mance do servidor no exercício das atribuições do cargo ou da função, com foco na contribui-ção individual para o alcance dos objetivos organizacionais.

Para a avaliação do desem-penho Institucional, cada

órgão definirá as unidades de avaliação a serem consideradas; o peso relativo de cada unidade de avaliação no cumprimento das metas institucionais; e os indicadores e as metas de desempenho institucionais. No caso da avaliação do de-sempenho individual, serão estabelecidos os fatores a serem aferidos; os indicadores de de-sempenho; o peso relativo de cada fator; a metodologia a ser utilizada; e os mecanismos para encaminhamento de recursos por parte do servidor avaliado (ENAP, 2005, p.42).

A avaliação de desempenho e resultados

A avaliação de desempe-nho pode, essencialmente, ser procedida a partir destas duas dimensões gerais de análise: a eficiência e a eficácia. Não obstante sua larga margem de utilização, é importante assi-nalar que se trata de conceitos distintos, especialmente no que se refere ao seu foco (BERGUE, 2007, p.169).

Segundo o mesmo autor, é importante destacar também

“”

Motivação é um quadro complexo. Entretanto, para a grande maioria das pessoas, é possível obter melhor desempenho quando se sentem bem no que fazem

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que a avaliação de desempe-nho na gestão de pessoas pode enfocar: a) as pessoas no exer-cício de suas atividades; e b)os processos inerentes à área de gestão de pessoas.

Em que pese a relevância do monitoramento do desempenho individual, deve-se considerar que este se circunscreve ao contexto de conferência do de-sempenho dos processos. Isso porque as pessoas inserem-se nas atividades que compõem os processos, o que significa dizer que o acompanhamento do desempenho individual não faz sentido se desvinculado do desempenho do processo e de seu resultado final.

Assim sendo, os indicado-res de desempenho auxiliam na tarefa de identificar a atu-ação de um processo. A partir da utilização de indicadores, é possível também acompa-nhar seu comportamento ao longo das atividades que o integram. Os indicadores de desempenho servem para informar o gestor acerca do desempenho dos processos ou das atividades que integram os processos. Essa performan-ce pode ser medida em termos de eficiência ou eficácia (BER-GUE, 2007, p.170).

A eficiência é um parâmetro de avaliação da utilização dos recursos. Ser eficiente, portanto, é empregar em nível máximo os recursos existentes em de-terminado processo produtivo. Nessa linha, a produção de bens e serviços públicos, que tem as

pessoas como principal recurso para a geração de valor público, pode ser processada segundo diferentes níveis de qualidade e quantidade, cuja variação depende das políticas e das deci-sões de alocação desses recursos. Dessa forma, podem-se associar os conceitos de eficiência aos de produtividade e economicidade (BERGUE, p.170).

Enquanto a noção de eficiên-cia identifica-se com o melhor uso dos recursos da organização, o conceito de eficácia sugere uma análise a partir de uma perspec-tiva de sua atuação externa, ou seja, o nível de aceitação do seu produto. O conceito de eficácia está associado a fazer aquilo que precisa ser feito com vistas a al-cançar um determinado objetivo (BERGUE, p.171).

Ainda que os níveis de pro-dução de bens e de serviços públicos sejam otimizados (eficiência), resulta saber se estão atingindo os resultados

esperados (eficácia). Conforme Sandroni (2001, p.198), no plano ideal espera-se “que o resultado de uma tarefa seja eficaz (ade-quado a um objetivo) e que a tarefa seja realizada com efici-ência” (BERGUE, p.171).

Um processo é eficaz quan-do alcança os objetivos a que se propõe, a despeito do eficiente em-prego dos recursos de produção.

Ainda segundo Bergue (2007, p.172-174), um indicador de de-sempenho de processo deve, na medida do possível, incorporar os seguintes atributos: relevân-cia, simplicidade, perenidade, consistência e objetividade.

a) Relevância: um indicador de desempenho deve fornecer informação relevante, que gere dados capazes de conduzir à produção de informações efe-tivamente necessárias;

b) Simplicidade: deve ser conce-bido a partir de uma estrutura

Avaliação de desempenho

Avaliação de Desempenho

Para funcionar corretamente, todas as pessoas envolvidas devem acreditar na avaliação de desempenho

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de relações entre variáveis o mais simples possível, observa-dos os demais atributos. Uma das condições fundamentais para sua implantação é a faci-lidade de apresentá-lo e fazê-lo ser compreendido;

c) Perenidade: deve apresentar uma arquitetura constitutiva que sofra transformações mí-nimas, preferencialmente inexistentes, por longos perío-dos de tempo;

d) Consistência: deve con-templar relações verdadeiras entre suas variáveis compo-nentes, evitando-se incidir em uma estrutura que rela-cione variáveis que integrem dimensões dissociadas do fenômeno, cujo resultado constitua objeto de análise;

e) É preciso atentar para a minimização de juízos de valor por ocasião de sua aná-lise e interpretação. Embora a subjetividade não possa ser ple-namente afastada na avaliação de desempenho a partir de indi-cadores, é preciso evitar (sempre que possível), já por ocasião da composição de um indicador de desempenho, a introdução de variáveis de natureza subjetiva.

Diferenças na avaliação de desempenho dos setores público e privado

Segundo Gomes (2007, p.1066), o principal propósito da avaliação de desempenho em qualquer organização é apoiar o processo de tomada de de-cisão e permitir o processo de

aprendizagem organizacional. A introdução de melhorias na prestação de bens e de serviços, após cada processo de avaliação, é o principal papel de um sistema de avaliação de desempenho.

To r n a - s e n e c e s s á r i o

distinguir a avaliação do de-sempenho no setor público relativamente ao setor pri-vado, na medida em que, no primeiro, a distribuição de bens e serviços não segue o modelo de mercado. Por outro lado, o lucro não constitui uma medida de desempenho relevante. A análise do lucro ou da rentabilidade nas de-monstrações financeiras de uma entidade governamental não revela se esta atingiu ou não os objetivos definidos. Se há dúvida sobre a importância das medidas não financeiras no setor público, elas fazem ainda mais sentido neste setor, uma vez que os seus objetivos são definidos, na sua maioria das vezes, em termos não financeiros, de acordo com a natureza e com-plexidade das suas atividades (GOMES, 2007, p.1.067).

É grande a dificuldade de avaliar o desempenho das pes-soas em seus cargos, mais ainda é realizar esse tipo de trabalho no serviço público, visto que sempre houve e sempre have-rá grande influência política em tudo o que é realizado nos órgãos e os setores públicos (PEIXER, 2008, p.2).

A avaliação de desempenho no serviço público tem por

objetivo a permanência (efe-tivação) ou não do servidor no cargo em que está sendo avaliado. Para isso, é preciso haver uma orientação quanto ao trabalho a ser executado, tanto pelas chefias quanto pelos próprios servidores a respeito do que acontece du-rante este período que, hoje, é de três anos (art. 41, da Constituição Federal), sendo que o acompanhamento pe-las chefias para a elaboração do relatório final é efetuado, geralmente, de seis em seis meses (PEIXER, 2008, p.8).

Comumente os avaliado-res são as chefias imediatas. Acontece que, nos órgãos públicos essas chefias não possuem conhecimento sufi-ciente de sua área de trabalho, pois os cargos são ocupados, na maioria dos casos, por polí-ticos sem critérios e objetivos de competência de gestão, atrapalhando o processo de avaliação de desempenho (PEIXER, 2008, p.9).

Sendo mecanismo que busca conhecer e medir o de-sempenho dos indivíduos na organização, a avaliação de desempenho estabelece uma comparação entre o desempe-nho esperado e o apresentado.

Se levarmos em consi-deração a participação da avaliação de desempenho frente à gestão de pessoas no ambiente organizacional, depara-se com a nova função pela qual a área de Gestão de Pessoas é responsável: o

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planejamento estratégico da organização.

Objetivos da avaliação de desempenho

Segundo Andreassi (1994), os objetivos da avaliação podem ser divididos em cinco áreas principais: treinamento/desen-volvimento; aumentos salariais e promoção; comunicação; planejamento de recursos humanos e aspectos legais (PEIXER, 2008).

De acordo com a função de treinamento e desen-volvimento, a avaliação de desempenho serve como mecanismo de identifica-ção das deficiências e das aptidões dos funcionários, o que permite desenvolver programas de capacitação e treinamento que possam di-

minuir ou até mesmo suprir tais deficiências.

A função de aumentos sala-riais e promoção, por sua vez, diz respeito à capacidade que uma avaliação de desempenho tem de dar subsídios à política de promoção e salários. A ava-liação pode ser utilizada a fim de gerar informações para a discriminação do aumento sa-larial e promoção. No entanto, tal função pode gerar proble-mas à organização, visto que, na medida em que a avaliação fica intimamente ligada a essas duas funções, seus outros obje-tos são deixados de lado.

A função da comunicação diz respeito à viabilidade que a avaliação oferece de enten-dimento entre o chefe e os funcionários, o que pode ser visto, como afirma (KING apud

ANDREASSI 1994), “como meio de se difundirem os objetivos globais da organização entre seus gerentes e funcionários, responsáveis pela consecução desses objetivos”.

Já a função de planejamento de gestão de pessoas leva em conta a capacidade da avaliação em fornecer subsídios para o planejamento estratégico da área de gestão de pessoas. A avaliação de desempenho serve para permitir que a organização estabeleça política de desenvol-vimento de seus servidores nos quesitos necessários ao melhor desempenho e utilização dos talentos disponíveis.

Dificuldades na avaliação de desempenho

A avaliação de desempenho precisa ser estudada e aplicada de forma que gere os resultados esperados, caso contrário não será necessário existir. (PEI-XER, 2008, p.7). A vantagem preponderante da avaliação é permitir que o desempenho melhore e que beneficie todos.

Para Peixer (2008, p.8), alguns problemas poderão ocorrer nas avaliações de de-sempenho:

a) Visão da avaliação de de-sempenho como uma obrigação administrativa, a ela dedicando tempo e atenção insuficientes para seu bom funcionamento; b) Muitos avaliadores tendem a ficar na posição de juizes, os avaliados tendem a ficar na defensiva, e os avaliadores

Avaliação de desempenho

Avaliação de Desempenho

A área de gestão de pessoas surge como setor estratégico para o desenvolvimento das organizações

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tornam-se demasiadamente críticos; c) Pode ocorrer, tam-bém, falta de envolvimento que leva à falha de direção, sendo que os avaliadores permitem aos avaliados ficarem no extre-mo de somente receber.

O grande risco é que a ava-liação de desempenho se torne um fim em si mesma, desvin-culada do objetivo maior que é a melhoria do serviço público prestado ao cidadão.

Motivação e desempenho

Motivação é um quadro complexo. Entretanto, para a grande maioria das pessoas, é possível obter melhor desem-penho quando se sentem bem no que fazem. Esse sentimen-to de satisfação é promovido pelo reconhecimento, louvor, feedback positivo dos resulta-dos, bom relacionamento no trabalho, e assim por diante. A motivação também é ne-cessária para a aprendizagem contínua. Juntas, são essenciais ao desempenho excelente. Mediante o encorajamento da motivação e a facilitação do aprendizado, qualquer pessoa pode progredir (PEIXER, 2008, p.8). Segundo o mesmo autor (2008, p.8), o caminho mais simples para os gerentes segui-rem para conectar as pessoas ao resultado passa por três passos: estabelecer objetivos avança-dos; monitorar e proporcionar feedback positivo de desem-penho; e identificar as formas com as quais o pessoal pode aprimorar o próprio valor nas tarefas diárias e, a logo prazo,

os benefícios que serão gerados para a organização.

Avaliação de resultados e planejamento

A avaliação de desempenho representa uma ferramenta importante para o desenvolvi-mento de uma cultura voltada para resultados. Tal afirmação é baseada no pressuposto de que o alinhamento de objetivos individuais e das equipes às metas da organização implica no maior envolvimento dos funcionários de todos os níveis, os quais passam a se sentir pes-soalmente responsáveis pelo desempenho da organização (DUTRA, 2009, p.52).

Numa primeira fase – que pode ser considerada a do pla-nejamento estratégico –, os altos dirigentes articulam os objetivos e as metas da orga-nização a partir dos quais os gerentes e os diretores deter-minam objetivos estratégicos e mensuráveis para suas unida-des (DUTRA, 2009, p.52).

Os objetivos para o desem-penho dos indivíduos e das equipes são desenvolvidos subsequentemente. Uma polí-tica consistente de avaliação de desempenho força os funcioná-rios e os gerentes a definirem e a priorizarem em conjunto as metas e os objetivos (DUTRA, 2009, p.52).

A chave para o sucesso da política de avaliação de de-sempenho é a integração com a política de capacitação, ofe-

recendo oportunidades de desenvolvimento aos profis-sionais nas áreas em que eles apresentam pontos fracos (DU-TRA, 2009, p.52).

Na opinião de Dutra (2009, p.53), os mecanismos que asso-ciam o valor da remuneração à avaliação de desempenho estão relacionados com os objetivos de propiciar maior eficiên-cia, alcance dos resultados e integração com a sociedade. Entretanto, para que possam desempenhar adequadamente esse papel, os processos de ava-liação precisam ser percebidos como justos pelos participan-tes, sob pena de prejudicar o alcance dos benefícios resul-tantes da prestação de contas à sociedade sobre o desempenho. Se assim não for, as infor-mações sobre o desempenho poderão ser questionadas pelos servidores.

O papel das metas prees-tabelecidas, que devem ser amplamente divulgadas, é o de neutralizar o caráter subjetivo das Avaliações de Desempe-nho, que muitas vezes deixam de ser consideradas pelos res-ponsáveis por RH pela falta de legitimidade das mesmas (DUTRA, 2009, p.54).

Modelos de avaliação de desempenho

Assim sendo, um modelo satisfatório de análise de de-sempenho pode possuir um componente associado à ava-liação de cada servidor e outro relativo à atuação de grupos

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ou da organização (DUTRA, 2009, p.54).

Quando a avaliação indivi-dual envolve apenas o chefe e o subordinado, esta relação direta inúmeras vezes inibe um processo efetivo de ava-liação, pois a relação entre ambos pode impedir uma análise isenta. Ao analisar um indivíduo, é importante que o maior número possível de pessoas participe do pro-cesso – avaliação que inclui chefia, colegas e usuários dos serviços. Dessa forma se dilui o impacto da avaliação direta, elimina o caráter individualis-ta do avaliador e possibilitar a sua atuação, diluindo respon-sabilidades e possibilitando uma análise mais justa e me-nos complacente (DUTRA, 2009, p.54).

Os critérios de avaliação devem ser objetivos sempre relacionados às metas da or-ganização, que são derivadas do planejamento estratégico. É imprescindível que a ava-liação implique um plano de capacitação, a fim de corrigir as deficiências levantadas na organização e deve ser pautada um momento seguinte, pelos eventos de capacitação ante-riormente realizados (DUTRA, 2009, p.54).

Assim, para Marconi (2009, p.29), “a avaliação de desem-penho baseada no alcance de resultados é um dos instru-mentos mais relevantes na gestão estratégica de recursos humanos, pois possibilita ali-

nhar as metas da organização, os objetivos das equipes, o envolvimento (por se sentirem corresponsáveis) e a performan-ce dos servidores, contribuindo para disseminar uma cultura voltada para o alcance de resul-tados. Uma política consistente de avaliação de desempenho leva os funcionários e os geren-tes a definirem e a priorizarem em conjunto as metas e os obje-tivos, estabelece a contribuição das equipes para o alcance dos objetivos da organização e re-conhece e premia a busca do aumento da produtividade”.

Consequentemente o de-sempenho é definido pelo percentual cumprido das metas preestabelecidas e derivadas do Planejamento Estratégico (cuja existência é um pressuposto capital de todo o modelo). Os processos de avaliação preci-sam ser percebidos como justos pelos participantes.

Portanto, na ponderação de Bresser Pereira (2001, p.96), “a administração baseada no de-sempenho pode contribuir para que todas as pessoas envolvidas no processo pensem mais es-trategicamente. Pode ajudar os administradores públicos a se concentrar no melhor modo de fazer seu trabalho e de explicar aos governantes o que estão tentando fazer para traduzir, em resultados, os objetivos da legislatura. Pode ajudar os governantes a analisar os muitos pedidos, que disputam recursos sempre escassos, e a alocar os recursos aos projetos que podem gerar os melho-

res resultados. E, ainda mais importante, pode ajudar os cidadãos a entender melhor o que lhes é oferecido em troca dos impostos que pagam”.

Segundo Marconi (2010, p.29), os modelos de avaliação de desempenho individual não possuem a mesma eficácia. A individual envolve chefe e su-bordinado e esta relação direta termina inibindo um processo efetivo de avaliação, pois a afinidade entre ambos pode impedir a realização de uma análise isenta. Assim como é difícil definir metas individuais objetivas, e os critérios ado-tados neste tipo de avaliação terminam sendo subjetivos. A avaliação de desempenho indi-vidual deve corresponder a uma entrevista anual que possibilite identificar pontos fortes e fra-cos da atuação dos servidores, suas habilidades, deficiências e realizações, o que auxiliará na definição das oportunidades de capacitação aos profissionais nas áreas em que forem iden-tificadas as dificuldades.

A avaliação de desempenho determina os critérios para pro-moção, mobilidade e incentivos ao servidor. Está, portanto, in-timamente ligada ao horizonte de carreira do funcionário. E deveria ser, no serviço público, estritamente relacionada à administração do trabalho, vi-sando levantar as deficiências impeditivas para se alcançar os objetivos da instituição.

A deficiência funcional in-dividual deve ser tratada como

Avaliação de desempenho

Avaliação de Desempenho

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necessidade de treinamento e reciclagem para o resgate do funcionário improdutivo e para o alinhamento às metas institucionais.

Infelizmente, na maioria das vezes as avaliações de desempe-nho geram constrangimentos, e nenhuma ação pós-avaliação é realizada pelos departamen-tos de recursos humanos das instituições do País. Avaliar atividades sem direcionar as metas anuais sob o objetivo institucional pode significar um trabalho desgastante, cons-trangedor e de pouca eficácia para a melhoria dos serviços públicos prestados à população.

Também é essencial que o subordinado esteja consciente da sua importância na interface da missão institucional, quais as suas tarefas (o que fazer) e como desempenhá-las. Dessa forma, ao ser cobrado tem como ser ter seu trabalho anali-sado corretamente. O resultado da avaliação de desempenho também deve gerar política orçamentária com autonomia do setor de recursos humanos destinada à reciclagem e ao treinamento do pessoal.

Avaliação 360 graus

Segundo Almeida (1999, p.63), na avaliação 360 graus o funcionário é avaliado por seu superior, pelos pares, por si próprio (auto avaliação) e pelos clientes. A metodologia, que teve início na década de 1950, teve como base prá-ticas de Desenvolvimento

Organizacional e influência da Psicologia Social. A partir de então, estudos vêm sendo aprimorados e o método pas-sou a ser conhecido também como feedback com múltiplas fontes, feedback estruturado, entre outras nomenclaturas (Souza, 2009, p.1).

A avaliação 360 graus tem como função subsidiar as po-líticas de gestão de pessoas, a gestão por competências e o desenvolvimento das lideran-ças. Auxilia, igualmente, nas mudanças organizacionais e é uma das formas de se avaliar o desempenho dos colaborado-res para fins de promoção ou realocação de pessoas (SOUZA, 2009, p.1).

A implantação da avaliação 360 graus divide-se em quatro etapas, de acordo com SOUZA, (2009, p.1):

1ª - Delineamento do perfil da liderança e o desenvolvimento do instrumento de feedback. A empresa precisa definir os atri-butos da liderança;

2ª - Qualidade dos feedbacks fornecidos. Deve-se escolher fornecedores de feedback que tenham contato com o recep-tor, que faça ou fez parte da rede de contatos no período considerado ao da avaliação. Os próprios receptores não devem escolher os fornecedores de feedback, pela tendência que temos em buscar fontes das quais já sabemos a opinião a nosso respeito e que nos dão segurança, impedindo as possi-

bilidades de desenvolvimento. Os fornecedores precisam ser cuidadosos em não serem ex-cessivamente rigorosos nem excessivamente benevolentes com os receptores. Não é um julgamento, é uma avaliação, visando ao aperfeiçoamento;

3ª- Processamento e utilização dos feedbacks pelo receptor. O com-prometimento do receptor com os resultados depende da com-petência das fontes para emitir os feedbacks. Da mesma forma, que os atributos que conduzem o processo façam sentido e que os comportamentos do perfil de liderança sejam realizáveis, podendo ser desenvolvidos. Os resultados dos feedbacks devem ser disponibilizados na forma de relatórios;

4ª- Interação ao Sistema de Ges-tão com pessoas. A avaliação 360 graus deve ser integrada a outras práticas de RH, a exem-plo de seleção, remuneração, desempenho, desenvolvimen-to e promoção. É preciso que operem em sintonia, susten-tando-se entre si.

A avaliação 360 graus é um processo que expande a avaliação individual do anti-go modelo um a um a outro multifontes, pois uma de suas características é a qualidade dos envolvidos no processo.

Nos questionários utiliza-dos para o levantamento das impressões devem ser constar questões específicas, como efetividade da comunicação; comprometimento com resul-

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Avaliação de Desempenho

tados; valorização das relações humanas; disposição para aprender; uso de habilidades; exercício de competências que agregam valor; relacionamento com clientes; conhecimento dos desejos dos clientes e sua satisfação; motivação para atingir objetivos; abertura a críticas; e postura de facilitação para buscar soluções.

Considerações finais

Os desafios na busca in-cessante da qualidade, da produtividade e da competiti-vidade impõem melhor estudo das estruturas de avaliação hoje existentes. A procura envolve inovação dos métodos e proces-

sos relacionados com a melhora da atuação do servidor público.

A avaliação de desempe-nho no serviço público deve sempre estar voltada ao le-vantamento das deficiências que impedem o alcance do objetivo final da instituição. Precisa, da mesma forma, con-tribuir na melhora do papel do servidor, encaminhando-o a treinamento adequado quando necessário, desenvolvendo a motivação pessoal e o reconhe-cimento para fins de promoção previstos no plano de cargos e salários. O objetivo final da ins-tituição deve ser o único alvo de uma avaliação de desempenho coletiva, que precisa incluir

necessariamente a análise in-dividual, a das equipes e a da organização como um todo.

Outro ponto importante: para funcionar corretamente, todas as pessoas envolvidas devem acreditar na Avaliação de Desempenho. Por isso, é basilar um esclarecimento a respeito do processo, do que é avaliado, o motivo e o resultado pretendido.

Assim sendo, um sistema de avaliação eficiente e eficaz pode ser, além de um mecanis-mo de seleção, um poderoso instrumento de motivação e de aperfeiçoamento das pesso-as, que são a maior riqueza de qualquer organização.

Quando os objetivos não são atingidos, o mecanismo para avaliar, promover e orientar o crescimento pessoal e profissio-nal passa a ser o principal ponto de insegurança, de insatisfação e de sentimento de injustiça, gerando profundas e inapagá-veis frustrações e desperdício dos recursos humanos.

Pesquisas apontam que, em termos teóricos, houve grande evolução quanto à compreen-são dos métodos da avaliação de desempenho. O maior de-safio aparece no momento da aplicação da teoria, sobretudo tendo em vista a ingerência po-lítica no momento da avaliação. Outro ponto negativo é a falta do planejamento estratégico, delimitando metas e objetivos claros, na maioria das organiza-ções públicas brasileiras.

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RESUMENEvaluación de desempeño como herramienta de mejora del servicio públicoEl presente trabajo visa sobre evaluaciones de desempeño del servidor público, como herramienta de gestión de personas y un proceso que incluya actividades de planeamiento, acompañamiento y evaluación, y que busque integrar diferentes niveles organizacionales y promover el mejoramiento de la performance de individuos, de equipos de trabajo y de la organización como un todo. En este proceso destacamos el planeamiento estratégico que identifica las metas a ser alcanzadas a partir de la mision, de la vision y del analisis del ambiente externo e interno.Palabras-clave: Performance Assessment. Public Servant. People Management.

ABSTRACTPerformance assessment as a tool to improve public serviceThis work deals with performance evaluation of the public served as a tool for managing people and a process that includes planning activities, monitoring and evaluation that seeks to integrate the different organizational levels and promote improved performance of individuals, work teams and the organization as a whole. In the process we highlight the strategic planning that identifies goals to be achieved from the mission, vision and analysis of external and internal environment.Key words: Evaluación de Desempeño. Servidor Público. Gestión de Personas.

ALMEIDA, Renilda Ouro de. Avaliação 360 Graus: A Melhor Intervenção de Recursos Humanos, será? Revista Gestão Plus/ RH Set/Outubro 1999.ANDREASSI, Tales. Avaliação de Desempenho de Profissionais Técnicos: um Estudo de Casos, Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidades, Universidade de São Paulo, 1994.BERGAMINI, Cecília Vescovi de. Avaliação de Desempenho Humano na Empresa, São Paulo: Atlas, 1981.CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Recursos Humanos. v.2.Coleção: método de avaliação individual e de equipes. São Paulo: Atlas, 1981.DUTRA, Ademar. Gestão de Pessoas na Área Pública, Curso de Especialização em Administração Pública, Unoesc, Joaçaba, outubro, 2009.GOMES, Patrícia S.; CARVALHO, João B.; MENDES, Sílvia M. Modelos Multidimensionais de Avaliação de Desempenho para o Sector Público: o Caso dos Serviços Policiais, Congresso Internacional de Custos, 10, Lyon, França, 2007.LENVINSON, Harry. Administração por objetivos de quem? In VROOM, Victor H. Gestão de Pessoas, não de pessoal. Tradução de Ana Beatriz Rodrigues e Priscila Martins Celeste. Rio de Janeiro: Campus, 1997.LOTTA, Gabriela Spanghero. Avaliação de Desempenho na Área Pública: Perspectivas e Propostas Frente a Dois Casos Práticos. RAE-eletrônica, Volume I, Número 2, jul-dez/2002. LUCENA, Maria Diva da Salete. Avaliação de Desempenho. São Paulo: Atlas, 1992.MARCONI, Nelson. Uma radiografia do emprego público no Brasil: análise e sugestões de políticas. Versão 23 set. 2009. Acesso 23 fev. 2010.PEIXER, Élcio; BARATTO, Jussara Salete May, Avaliação de Desempenho do Servidor Público. Unisul Virtual, Setembro, 2008.PEREIRA, João Marcelo Guarez. Gestão de Pessoas no Setor Público, Monografia apresentada à UNOESC – Campus de Joaçaba. 2008.PONTES, Benedito Rodrigues. Avaliação de Desempenho: Uma abordagem sistêmica. 5ª Ed. Coleção métodos de avaliação individual e de equipes. São Paulo: LTR, 1991.SOUZA, Josiane. Implantando Avaliação 360 Graus, Revista RH Portal, março 2009, http://www.tminer.com.br/site/avaliacao_360graus.html, acesso em 23 junho 2010.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Servidores Temporários

Servidores Temporários

Introdução

É certo que o instituto da obrigatoriedade do concurso público, tal como previsto no inciso II do artigo 37 da Cons-tituição Federal de 1988, se tornou generalizado na Admi-nistração Pública depois destes quase 25 de vigência da Carta Política. Todavia, o mesmo instituto possui uma exceção também prevista no mesmo artigo, no inciso IX, que é a possibilidade de contratação temporária de pessoal.

O presente artigo visa deba-ter o conflito entre os dois ins-titutos, tendo em vista a juris-prudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à terceirização e à contratação temporária. Apesar de o artigo focalizar o regime ju-rídico federal de contratação de

servidores temporários, o mes-mo tem aplicabilidade teórica aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, em razão da simetria constitucional que marca a Administração Pública. Um exemplo é que, apesar deste texto tratar primariamente da esfera federal, também se terá atenção ao problema dos Esta-dos, tendo em vista as diversas Ações Diretas de Inconstitucio-nalidade (ADI) impetradas con-tra legislações estaduais, bem como o fato da jurisprudência do STF e do STJ derivarem de casos estaduais.

Na primeira parte do artigo, serão descritos os institutos jurídicos relacionados ao in-gresso de pessoal no serviço público federal, com destaque à questão da contratação tem-porária, tal como prevista na Lei nº 8.745/93, que regulamenta o já referido inciso IX do art. 37

da Constituição Federal. De-pois, será descrita uma questão doutrinária de relevância, rela-cionada ao regime jurídico dos servidores contratados tempo-rariamente na área federal. Em seguida, será tratada a grande mudança recente havida na ju-risprudência do STF que modifi-cou o paradigma dos concursos públicos, ao reconhecer a exis-tência de liquidez e a certeza no direito à nomeação, em vez da antiga doutrina da expectativa de direito.

O debate do artigo indica o difícil equilíbrio entre a defe-sa da regra geral do concurso público e a necessidade de contratar servidores de forma temporária. A sua conclusão versa sobre a necessidade de que os entes públicos realizem um planejamento de pessoal em longo prazo, como forma de se precaver ao debate judici-

A tensão entre o regime jurídico único e servidores temporários

RESUMOA Constituição Federal de 1988 possui duas disposições jurídicas que mantêm um tenso equilíbrio normativo: a regra geral dos concursos públicos e a exceção da contratação temporária em razão do excepcional interesse pú-blico. O tema tem sido muito discutido nos tribunais superiores em meio a uma alteração paradigmática ocorrida na jurisprudência: a outorga de direitos subjetivos à nomeação dos aprovados em concursos. Tal estado de coisas enseja o repensar na política de pessoal, que deve se pautar por um planejamento de longo prazo, bem como pela boa definição legal, de modo a serem evitados transtornos judiciários.

Palavras-chave: Servidor público. Contratação temporária. Jurisprudência.

Alexandre Veronese — Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) – [email protected]

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ário, que é custoso em diversos sentidos.

Admissão de pessoal no serviço público federal

Após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foram harmonizados diversos dispositivos constitucionais relativos à gestão de pessoal no aparelho do Estado. O poder público possuía delineamentos jurídicos sobre esta questão por meio do antigo Decreto-lei nº 200, de 1967, combinado com as disposições específicas acerca dos regimes jurídicos (celetis-ta, por força da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-lei nº 5.452, 01 de maio de 1943; e estatuário, pelo anti-go Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952).

A principal transição foi a migração do pessoal celetista para o âmbito do Regime Ju-rídico Único (RJU), que viria a ser efetivada pela Lei nº 8.112, de 1990, por força do seu art. 243. Desta forma, o vínculo do pessoal da administração federal indireta foi dotado de certa isonomia em relação ao pessoal da administração dire-ta. O RJU, Lei nº 8.112, de 1990, previa a contratação de pessoal temporário com fulcro nos ar-tigos 232 até 235. Com a sanção presidencial da Lei nº 8.745, de 1993, foi erguido novo estatuto específico para a contratação temporária, com a consequente revogação expressa dos dispo-sitivos colidentes do RJU. Esta

lei específica foi amplamente alterada por meio de diversas medidas provisórias, tendo alcançado certa estabilidade em seus termos com a edição de leis ordinárias.

O ponto central da Lei nº 8.745, de 1993, é a regulação de uma exceção: o contrato temporário de pessoal no Es-tado. Seu objetivo é criar uma limitação, por meio de um esta-tuto, para a discricionariedade do administrador público em relação ao que pode configurar uma necessidade excepcional de pessoal. Uma vez configu-rada a situação fática, prevista no texto legal, há a autorização para que, excepcionalmente e segundo os procedimentos da Lei e da regulamentação espe-cífica, se realize a contratação do pessoal temporário.

Uma ressalva necessária é que a contratação pela Lei

nº 8.745, de 1993, no caso dos professores substitutos nas Ins-tituições Federais de Educação Superior (IFES), possui previsão detalhada. Ela não deve de-correr apenas do interesse de possuir pessoal contratado de forma “flexível”. A contratação deve atender situações específi-cas, previstas no diploma legal.

Em passado recente, a pró-pria legislação teve este sen-tido atacado pela política de pessoal vigente, quando os concursos para o provimento de cargos efetivos na carreira do magistério superior foram suspensos pelo Governo Fede-ral (1995-2002). Esta suspensão acarretou a falta de pessoal em diversos órgãos, além do sistema educacional. Dessa forma, uma modificação legal foi realizada para introduzir a previsão de contratação em órgãos, como o Instituto Nacio-nal de Propriedade Industrial

O atual panorama normativo não demonstra a existência de um equilíbrio estável entre o problema da contratação de servidores temporários, terceirização e a regra geral do concurso público

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Servidores Temporários

(INPI). Contudo, tal mudança foi atacada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2.380, ajuizada no STF. O centro do ataque foi a baixa razoabilidade de uma previsão factual abrangente, no caso do INPI, tendo em vista que a contratação pela Lei nº 8.745, de 1993, ao regular o inciso IX do art. 37, rompe a regra cons-titucional geral do concurso público prévio à admissão, prevista no inciso II do mesmo dispositivo. No caso concreto, foi deferida liminar para sus-pender sua aplicação1. A própria União revogou o dispositivo posteriormente e prejudicou a apreciação do mérito. A exceção à regra geral do concurso pú-blico deve ser clara, para evitar que a contratação temporária se torne um meio “flexível” de ingresso no serviço público. A exceção é limitada constitu-cionalmente pela expressão “excepcional interesse público”. Com isto, depreende-se que ela deveria ser restrita para situa-ções que podem ser previstas (como a calamidade pública), mas que não fazem parte do re-gular cotidiano das atividades estatais. Assim, somente desta maneira podem ser compre-endidos os ataques dirigidos às legislações estaduais, no STF. O próprio STF foi atento à possível infração ao texto constitucional federal por le-gislações estaduais e declarou a inconstitucionalidade de vários diplomas legais2. Mas o con-trole de constitucionalidade não tem o condão de produzir resultados com o objetivo de forçar a administração pública

a efetivar políticas públicas. Pode, no máximo, exercer po-der de veto aos diplomas que não coadunem com as dispo-sições da Constituição Federal.

Feitas estas considerações, deve ser ressaltado que, para avançar no tema, é necessário esclarecer as disposições cons-titucionais que fixam o regime jurídico de pessoal. Deve ser destacada a fundamentação jurídica para a contratação de mão de obra temporária, como parte de um regime geral para a temática do pessoal no Estado. Uma nota deve ser feita, tendo em vista a mais recente altera-ção realizada na Lei nº 8.745, de 1993, por meio da Medida Pro-visória (MP) nº 431, convertida na Lei nº 11.784, ambas de 2008. Esta mudança incluiu quatro alíneas e dois incisos com no-vas possibilidades de contrata-ções temporárias. Na prática, pode-se considerar que, no meio das mudanças, se estabeleceu a possibilidade de efetivação de algo que estava distante do espírito inicial da legislação. Ela se encontra numa eventual política de pessoal baseada em funções temporárias, especial-mente no que concerne à alínea “i”, que tem sido utilizada por diversos Ministérios. No teor dado pela Lei nº 11.784/2008, a hipótese ficou assim redigida: “Considera-se necessidade tem-porária de excepcional interes-se público, atividades técnicas especializadas necessárias à implantação de órgãos ou enti-dades ou de novas atribuições definidas para organizações existentes ou as decorrentes de

aumento transitório no volume de trabalho que não possam ser atendidas mediante a aplicação do art. 74 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”. Todavia, as outras hipóteses incluídas no art. 2º, da lei (alíneas “j”, “l”, “m”, do inciso VI, bem como os incisos VIII e IX), não ofe-recem tal possibilidade. Elas apenas expandem o rol de ca-sos delimitados, sem que haja atribuição de um excesso de discricionariedade ao gestor para construção de hipóteses de incidência.

Elas preveem a possibilidade de contratação temporária de atividades técnicas especiali-zadas de tecnologia da infor-mação, de comunicação e de revisão de processos de trabalho, não alcançadas pela alínea “i” e que não se caracterizem como atividades permanentes do ór-gão ou entidade (art. 2º, VI, “j”); atividades didático-pedagógicas em escolas de governo (art. 2º, VI, “l”); atividades de assistência à saúde junto a comunidades indígenas (art. 2o, VI, “m”); contratação de pesquisador, nacional ou estrangeiro, para projeto de pesquisa com prazo determinado, em instituição destinada à pesquisa (art. 2o, VIII); e atividades de combate a emergências ambientais (art. 2o, IX). Em especial, no caso das primeiras novas hipóteses (art. 2º, VI, alínea “i”), bem se visua-liza a possibilidade genérica de contratação de temporários, o que demonstra a tensão men-cionada no presente artigo. Por fim, deve ser indicada uma mu-dança central ocorrida por meio

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do controle de constitucionali-dade: a declaração, em sede de medida cautelar do caput do art. 39 da Constituição Federal. Ela ocorreu no julgamento da ADIN nº 2.1353. Desta forma, a referida decisão restabeleceu a vigência do caput do art. 39, da Constitui-ção Federal, ao texto existente antes da aprovação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Este restabelecimento produz a impossibilidade jurídica da exis-tência de um regime jurídico alternativo ao Regime Jurídico Único, no caso federal, definido pela Lei nº 8.112, de 1990:

Vale lembrar que a possibili-dade de instituição de outro re-gime jurídico, baseado na Con-solidação das Leis do Trabalho, tal como estava propugnado pela Lei nº 9.962, de 2000, foi descartado como política pú-blica, na prática. Esta lei dispu-nha, em poucos artigos, porém de forma central, o seguinte, no seu artigo 1º: “O pessoal admi-tido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decre-to-lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista

correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário”.

Obviamente, as novas leis que disporiam sobre as carreiras, cuja afetação normativa seria dirigida aos novos empregos públicos, não foram aprovadas. Aliás, elas não foram aprovadas nem como Medidas Provisórias. Também, nos mesmos termos, não foi aprovada nenhuma legislação específica sobre a transformação de cargos em empregos públicos, bem como possível regime de op-ção. Logo, na prática esta política pública não foi efetivada.

Entretanto, a redação do art. 39, ausente de uma polí-tica direcionada à construção dos empregos públicos da Lei nº 9.962, de 2000, que vigorou entre 1998 e 2008, apenas refor-çava a possibilidade normativa de existência de outros regimes jurídicos estatutários no âmbito da administração pública. Ela resolvia, em termos conceituais, o problema do enquadramento legal dos servidores temporá-rios, regidos pela Lei nº 8.745, de 1993. Com a decisão de 07 de março de 2008, do Supremo Tribunal Federal, retornou-se ao problema anterior à Emenda Constitucional (EC) nº 19, de

1998, sobre qual o regime que deve ser observado na relação jurídica dos servidores tempo-rários. Este é o próximo tema.

Qual o vínculo jurídico do contratado temporário, da Lei nº 8.745, de 1993?

Na parte revogada da Lei nº 8.112, de 1990, que tratava da matéria, estava disposto, no artigo 232: “Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contra-tações de pessoal por tempo determinado, mediante contra-to de locação de serviços”. A ex-pressão “mediante contrato de locação de serviços” possibili-tou que a doutrina administra-tivista buscasse enquadrar os servidores temporários como situados no marco do Código Civil, ou seja, sem que houvesse a incidência das normas do RJU ou da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esta hipótese é uma impossibilidade jurídica, tendo em vista que o instituto da locação de serviços possui o escopo da empreitada em seu norte. A empreitada constitui uma tarefa e não a prestação continuada de serviços, como o magistério. Exemplar deste ponto de vista é o trecho do voto do Min. Maurício Corrêa, quando da declaração de in-constitucionalidade da Lei nº 418, de 1993, do Distrito Federal, por meio da ADIN nº 890:

“Anote-se inicialmente que o legislador local perpetrou uma verdadeira confusão ao prever a contratação extraor-

Texto original (reestabelecido) Texto modificado (de 04 jun. 1998 até 07 mar. 2008)

Art. 39. A união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime

jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas

Art. 39. A união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão

conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos

poderes.

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dinária de pessoal por meio da locação de serviços, espécie de ajuste bilateral disciplinado pelo Código Civil brasileiro. A essência da norma deixa claro, porém, que não se cuida de contratação de serviços, esta a rigor sujeito às normas da lici-tação pública (CF, art. 37, XXI), mas efetivamente uma forma de admissão de pessoal4”.

A confirmação do voto, re-alizada pelo Min. Carlos Ayres Brito, também é exemplar no sentido de legitimar o ponto de vista do relator. Ou as relações se regem pela CLT, ou por um re-gime administrativo específico:

“De outra parte, e como V. Exa., Sr. Presidente, bem obser-vou, o regime “civil” de trabalho dos contratados emergenciais, segundo a ótica da Lei nº 418, realmente é incompatível com o regime previsto pela Constitui-ção para recrutamento de mão de obra. Admitiria, como V. Exa., ou um regime especial de Direito Administrativo, para tais contra-tações, ou o regime da CLT”.

Não há entendimento especi-ficamente claro sobre a matéria

na doutrina administrativa. Para Diógenes Gasparini, por exem-plo, os servidores temporários es-tão adstritos ao regime da CLT5. Como o seu livro é evidentemen-te oriundo do período de enor-mes mudanças que marcaram o direito administrativo recente, é razoável que a indefinição ainda reinasse na doutrina6. O maior obstáculo para compreensão de que os servidores temporários deveriam ser enquadrados sob um vínculo estatutário, porém especial, na União, era a de-terminação constitucional da existência de um único regime jurídico. Com o advento da EC nº 19, em 1998, a previsão de um único regime foi retirada do texto constitucional. Abriu-se a possibilidade de ser estipulado um regime específico ou de in-cidirem alguns dispositivos do RJU em um regime estatutário peculiar para os temporários.

Os tribunais se depararam com diversas ações sobre o tema e o entendimento generalizado vem sendo o de que os servido-res temporários estão adstritos ao regime jurídico, no escopo da própria Lei nº 8.745, de 1993. Logo, o foro para processamento

das disputas é a justiça comum (estadual ou federal). A Recla-mação nº 4.762/PR, relatada pela Min. Carmen Lúcia Antunes Ro-cha, julgada pela primeira turma do STF em 02 de março de 2007, que possuía como reclamante (polo ativo) a Agência Nacional de Telecomunicações e no polo passivo o Juiz do Trabalho da 7a Vara do Trabalho de Curitiba, demonstra o problema7. Afinal, a definição do regime jurídico aplicável aos servidores contra-tados temporariamente define o manancial dos direitos e dos deveres aos quais eles estarão submetidos. Mas também pos-sui impacto sobre a organização das atividades dos órgãos em relação ao controle dos atos administrativos, definição de responsabilidades e outras in-cidências normativas. No caso específico, acima indicado, os autos deveriam ser remetidos à Justiça Federal. Mas qual o re-gime aplicável neste período? A decisão acima indicada fornece evidências de que seria a própria Lei nº 8.745, de 1993, com suas modificações.

Portanto, até 07 de março de 2008, seria muito fácil concluir

“”

Deve ser destacada a fundamentação jurídica para a contratação de mão de obra temporária, como parte de um regime geral

Servidores Temporários

Servidores Temporários

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que os servidores temporários federais estavam sob a égide de um regime administrativo específico, lastreado pela Lei nº 8.745, de 1993. Esta Lei delimita a incidência de parte da Lei nº 8.112, de 1990, que não era mais o único regime jurídico dos ser-vidores, por força da alteração do art. 39, caput, da Constitui-ção Federal. Tal alteração havia suprimido a expressão “regime jurídico único”, abrindo a pos-sibilidade de instituição de ou-tros regimes estatutários. Mas houve uma decisão do STF, em medida cautelar, restabelecen-do a vigência original do art. 39, caput. Tudo leva a crer que tal decisão deve ser mantida, por-que o argumento central para a declaração de inconstituciona-lidade, na petição inicial da ADI nº 2.135, havia sido uma grave manobra regimental que teria fraudado a votação do Poder

Legislativo. Obviamente, foi restabelecida a necessidade de vigência de um regime jurídico único, seja na União seja nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios. Podemos sin-tetizar que, no período recente, houve uma alteração sensível, em decorrência da mudança constitucional, revertida pela decisão do STF, como pode ser visto no quadro 1.

Assim, em síntese, o texto original indicava uma interpre-tação possível. Ele foi alterado, com a supressão do regime jurídico único, por meio da EC nº 19/98. Recentemente, a redação original foi repristina-da por decisão do STF. O texto constitucional indica que esta função excepcional é ocupa-da por meio de um contrato temporário. Todavia, o vínculo contratual é atípico, porque não

existe autonomia às partes. Na prática, trata-se de um contrato administrativo, constitucional-mente previsto, com disposi-ções assimétricas definidas pela lei de regência. Mas sobre este contrato incidem as regras do regime jurídico único, adapta-das pela Lei nº 8.745/93, como está em sua própria redação? Ele é um regime específico, sem afrontar a unicidade? Ou, em algum grau, incidem as normas trabalhistas previstas pela Con-solidação das Leis do Trabalho? Ou, ainda, incidem as primei-ras, acrescidas das segundas, onde houver omissão da Lei nº 8.112, de 1990? O STF definiu por meio de repercussão geral que é possível – e deve ser o caminho adotado pela administração pública – que os contratos temporários, com fulcro no art. 37, IX, da Constituição Federal, ficam submetidos a um regime

Promulgação da Constituição

de 1988

Sanção da Lei no 8.112/90 (RJU)

Sanção da Lei no 8.745/93

(Temporários)

Promulgação da Emenda

Constitucional no 1998

Repristinação da redação original

(art. 39), cf. promulgado

em 1988

31 out. 1988 11 dez. 1990 09 dez. 1993 04 jun. 1988 07 mar. 2008

O pessoal na administração pública fica sujeito a dois regimes possíveis (regime jurídico único ou regime contratual, cLT). o entendimento minoritário é que

existe a possibilidade de um regime de prestação de serviços que não é submetido nem à cLT, nem ao

RJu. seria regulado pelo código civil, consoante o disposto no RJu. Muitas dúvidas na doutrina.

Tem-se o entendimento de que a menção

“contrato”, existente no texto constitucional só

pode ser lida como cLT. porém, há dúvidas.

Fica criada a possibilidade de múltiplos

regimes jurídicos de pessoal da administração

pública. Logo, a Lei n. 8.745/93 é entendida

como regime autônomo, sem sombra de dúvidas.

Reverte-se à situação de 1993, com a edição

original da Lei n. 8.745/93. o sTF tem

entendido que continua um vínculo administrativo

Todavia, apesar de improvável, poderá

haverá dúvidas.

Quadro 1

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jurídico específico, focado na legislação de regência (a Lei nº 8.745/93, no caso federal; outras leis, no dos municípios, Estados e Distrito Federal)8. Anote-se que, apesar do definido pelo STF, pode ser que o tema ainda continue a suscitar polêmicas doutrinárias, a despeito da sua baixa probabilidade. Realizado o primeiro panorama sobre a contratação temporária de servidores na administração federal, cabe descrever a mu-dança paradigmática havida na jurisprudência do STF.

As tensões jurisprudenciais entre concurso público, funções temporárias e terceirização

O atual panorama normati-vo não demonstra a existência de um equilíbrio estável entre o problema da contratação de servidores temporários, ter-ceirização e a regra geral do concurso público. Há inúmeras decisões dos tribunais supe-riores que descaracterizam a necessidade de contratação temporária – ou a terceirização – como modos de contornar a regra geral dos concursos pú-blicos. A jurisprudência recente do STJ tem outorgado resulta-dos favoráveis aos candidatos aprovados e classificados em concursos públicos, no mo-mento em que se evidencia a sua preterição por terceirizados ou por servidores temporários. Todavia, para entender a atua-ção do STJ, há que se visualizar a mudança havida no STF. Logo, para tratar deste tema, deve ser analisado o Recurso Extraordinário nº 509.998,

que consolidou a matéria com a necessidade de observância por todos os tribunais do país, pela outorga dos efeitos da re-percussão geral, prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil. Mas a origem deste en-tendimento está em outro jul-gado paradigmático do STF que reconheceu o direito dos candi-datos aprovados em concurso público, no rol de vagas pre-vistas no edital de convocação, em serem nomeados: o Recurso Extraordinário nº 227.480. O argumento central da Ministra Carmem Lúcia, relatora, era que o princípio da segurança jurí-dica deveria prevalecer sobre a conveniência e oportunidade da administração pública. Ou seja, no seu entendimento, se o edital previu determinado número de vagas, não mais poderia ser mantido o ponto de vista de que não haveria direito líquido e certo ao par-ticular contra a administração pública. Haveria, sim, direito à nomeação. Este acórdão é tão relevante que vale ser transcrita sua ementa:

“Direitos Constitucional e Administrativo. Nomeação de aprovados em concurso público. Existência de vagas para cargo público com lista de aprovados em concurso vigente: direito ad-quirido e expectativa de direito. Direito subjetivo à nomeação. Recusa da administração em pro-ver cargos vagos: necessidade de motivação. Artigos 37, incisos II e IV, da Constituição da República. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. 1. Os candidatos aprovados em concurso público

têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de va-lidade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos, quando existentes candidatos aprovados em con-curso público, deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento9.”

Em termos simples: se a ad-ministração pública previu tal número de vagas e o candidato foi aprovado nelas, ele teria direito à nomeação e não uma mera expectativa de direito. Este foi o entendimento espo-sado no acórdão que alterou a jurisprudência do STF. Todavia, o que fazer em casos excepcio-nais? O tema foi pacificado de forma definitiva com o julga-mento do Recurso Extraordiná-rio nº 598.099, que estabeleceu parâmetros para lidar com tais excepcionalidades. Para o que interessa aqui, cabe indicar que o STF determinou de forma inequívoca que a contratação de temporários, sem a justifi-cativa devida e amparo legal, enseja a preterição em relação aos candidatos aprovados que estejam no cadastro de reserva, ou na lista de espera para con-vocação. O voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes bus-cou um termo intermediário entre a nova situação jurispru-dencial e a possibilidade de que a administração pública não nomeie os aprovados no rol de vagas previstas, caso haja uma motivação suficiente e compro-

Servidores Temporários

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vada (grave crise e ausência de recursos, por exemplo)10.

A leitura da extensa ementa é recomendada e é bastante didática para afirmar o ponto central que está em discussão no presente artigo. A juris-prudência do STF e do STJ, em seguida, está firmada no ponto de vista de que os can-didatos aprovados na lista de espera possuem a conversão em direito líquido e certo da sua expectativa de direito se houver uma violação à lista de convocação, ou seja, preterição. Somente um exemplo do STJ é necessário para demonstrar como o precedente do STF tem indicado um roteiro de decisão:

“Administrativo. Recurso ordi-nário em mandado de segurança. Concurso Público. Aprovação fora das vagas previstas no Edital. Surgimento de novas vagas no decorrer do prazo de validade do certame. Cargos ocupados em ca-ráter precário. Direito líquido certo

e configurado no caso concreto. Precedentes do STF e STJ. Provi-mento do Recurso Ordinário. (...) 4. Entretanto, tal expectativa de direito é transformada em direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado se, no decorrer do prazo de validade do edital, houver a con-tratação precária de terceiros para o exercício dos cargos vagos, salvo situações excepcionais plenamente justificadas pela Administração, de acordo com o interesse público. 5. Na hipótese examinada, a recor-rente foi aprovada para o cargo de Escrivão, fora do número de vagas previsto no edital, em regular concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Além disso, é incontroverso o surgimento de no-vas vagas para o referido cargo, no período de vigência do certame, as quais foram ocupadas, em caráter precário, por meio de designação de servidores do quadro funcional do Poder Judiciário Estadual. 6. Por-tanto, no caso concreto, é manifes-to que a designação de servidores públicos de seus quadros, ocupan-

tes de cargos diversos, para exercer a mesma função de candidatos aprovados em certame dentro do prazo de validade, transforma a mera expectativa em direito líquido e certo, em flagrante preterição a ordem de classificação dos candi-datos aprovados em concurso pú-blico. (...) 8. Recurso ordinário em mandado de segurança provido11.”

A grande questão é que se firma a dificuldade para justifi-car a contratação de servidores temporários e para a realização de atividades de terceirização. Como pode ser depreendido dos julgados acima listados, há uma alteração de paradigma. Os can-didatos aprovados começaram a ser entendidos como portadores de direitos subjetivos e não como detentores de expectati-vas, submetidas primariamente ao interesse do Estado. Assim, o ponto nodal é que a admi-nistração pública deverá com-provar que não está violando o potencial direito dos candidatos em serem nomeados. Logo, situações excepcionais podem ocorrer. Contudo, as mesmas deverão ser comprovadas.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi demonstrar como ainda há uma tensão evidente entre o disposto no artigo 37 da Cons-tituição Federal, pelos incisos II e IX. Assim, fica claro como o debate jurídico entre a regra geral do concurso e a necessi-dade excepcional e de interesse público enseja problemas de gestão que acabam por ser dirimidos no âmbito do Poder

A grande questão é que se firma a dificuldade para justificar a contratação de servidores temporários e para a realização de atividades de terceirização

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Judiciário. Será que há como solucionar de forma definitiva tal tensão? De fato, tal respos-ta não se avizinha. O que fica como conclusão possível é que o instituto do concurso públi-co e a sua regra geral, prevista no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal, têm sido interpretados de forma exten-

siva e protetiva em relação aos candidatos. Desta forma, uma advertência fica dirigida à ad-ministração pública em sentido geral: deve haver previsão clara dos quadros funcionais, com a realização de uma política concreta de pessoal – inclusive com concursos periódicos –, de modo a que sejam atendidas

Servidores Temporários

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1 BRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2380 (União). Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 20 jun. 2001, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 maio 2002 e no Ementário v. 2070-02.

2 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2987 (Santa Catarina). Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 19 fev. 2004, acórdão publicado no Diário da Justiça em 2 abr. 2004, no Ementário v. 2146-03 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 193-01. No mesmo sentido: BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev. 2004 e no Ementário v. 2138-01; BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1222 (Alagoas), Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 6 fev. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 11 abr. 2003 e no Ementário v. 2106-01.

3 JBRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, Relator Min. Néri da Silveira, Relatora para acórdão Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 2 ago. 2007, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 7 mar. 2008, no Ementário v. 2310-01 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 204-03.

4 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev. 2004 e no Ementário v. 2138-01.

5 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 146-147.

6 Os comentários de Ivan Barbosa Rigolin são bem enfáticos no sentido de comemorar a revogação, com o advento da nova lei específica: “A Lei nº 8.745/93 extirpou do texto da Lei nº 8.112/90 o canhestro e esdrúxulo disciplinamento que ali existia (art. 232 a 235) de contratos de locação de serviço, regidos pelo Código Civil, para suprir necessidades temporárias de excepcional interesse público, conforme admitido – de outro modo, por certo, como agora se deu – para Constituição no art. 37, IX; e agora disciplinou aceitavelmente a matéria, fora e longe desta Lei nº 8.112/90” (RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 432).

7 BRASIL: STF. Reclamação 4762/PR, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgada em 2 mar. 2007, acórdão publicado no Diário da Justiça em 23 mar. 2007, no Ementário v. 2269-01 e na Revista LEXSTF v. 29, nº 341, 2007, p. 217-222.

8 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 573.202/AM, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 21 ago. 2008, Repercussão Geral – Mérito, publicado no Diário da Justiça Eletrô-nico em 5 dez. 2008, no Ementário v. 2344-05 e na LEXSTF v. 30, nº 360, 2008, p. 209-245

9 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 227.480/RJ, Relator Min. Menezes Direito, Relatora para acórdão Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16 set. 2008, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 21 ago. 2009, no Ementário v. 2370-06 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 212.

10 BRASIL: STF. Repercussão Geral – Mérito – no Recurso Extraordinário 598.099/RJ, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10 ago. 2011, publicado no Diário da Justiça Eletrôni-co em 03 out. 2011 e no Ementário v. 2599-03.

11 BRASIL: STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 31.847/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22 nov. 2011, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 30 nov. 2011.

as funções estatais em longo prazo. O certo é que o estabe-lecimento de uma política de pessoal clara e consequente, com uma legislação coerente e simétrica aos moldes federais, ainda é a melhor solução possí-vel contra eventuais problemas jurídicos relacionados aos con-cursos públicos.

NOTAS

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RESUMENLa tensión entre las normas habituales para la contratación de fuerza de trabajo y los contratos temporales en la administración pública brasileña: un debate judicial con algunas consecuencias para la gestión.La Constitución Federal brasileña de 1988 tiene dos disposiciones que mantienen un tenso equilibrio normativo: la regla general de la concurso previo a la contratación de empleados publicos y la excepción de contratación temporaria por razones de interés excepcional. El tema ha sido ampliamente discutido en los tribunales superiores brasileños, en medio de un cambio de paradigma en la jurispru-dencia: la concesión de derechos legales para el nombramiento de los aprobados en los concursos. Esta situación juridica implica una necessaria reevaluación de la política de personal que debe estar guiada por una planificación a largo plazo, así como la definición en las leyes adecuada para evitar problemas judiciales.Palabras-clave: Servidores públicos. Puestos temporales de trabajo público. Decisiones judiciales.

ABSTRACTThe tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in the Brazilian public administration: a judicial debate with some consequences to the management.The Brazilian National Constitution has two key legal norms in a tense balance: the wide requirement of previous approval in tests in order to gain a position in the public service, and the possibility of hiring workforce without it in exceptional cases due to the public necessity. Such theme is under a deep debate in the high courts of the nation amidst a paradigmatic recent change: the recognizance of some rights to the approved candidates in the public tests made to staff in the public administration. This situation brings to need of re-thinking the planning and the policies regarding selection and management of the workforce in Brazilian public entities in order to avoid some judicial conflicts.Key words: Public servants. Temporary public jobs. Judicial decisions.

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Contratação de Serviços

Contrataçào de Serviços

Desde os tempos antigos, os concursos públicos são a melhor forma de seleção de pessoal para o Poder Público. As primeiras referências históricas datam de até 2.200 a.C., na Chi-na. No Brasil, apesar de haver algumas disposições sobre con-cursos públicos desde a Consti-tuição do Império de 18241, foi a Constituição Federal de 1988 que inaugurou na ordem cons-titucional brasileira o dever de realizar o concurso público para a seleção e o recrutamento de pessoal, decorrência do cha-mado princípio do dever geral de licitar, insculpido no art. 37, caput e inciso XXI.

O concurso público foi a for-ma escolhida pelo constituinte para garantir a igualdade de oportunidades no provimento dos cargos públicos. Trata-se de

procedimento que, por um lado, visa a garantir a moralidade, a impessoalidade e a igualdade de oportunidades na investi-dura dos cargos públicos e, por outro, garantir aos cidadãos o acesso a esses cargos à luz do princípio da igualdade de opor-tunidades. Com efeito, presta--se a selecionar os que demons-trarem maior merecimento – ou seja, aqueles dotados de maior gabarito e qualificação técnico-científica –, ao mesmo tempo em que visa garantir que apenas serão admitidos aqueles que preencham as necessidades da administração em relação às funções inerentes ao cargo, colocando-se a serviço do de-senvolvimento institucional da administração. A finalidade do concurso público é, portanto, a seleção e a admissão do pessoal mais qualificado a atender o

que serviço público carece. Nes-te diapasão, vale a pena conferir o conceito de concurso público, nas palavras de Francisco Lo-bello de Oliveira Rocha2:

“(...) é um procedimento administrativo, subordinado a um ato administrativo pré-vio, o edital – que por sua vez subordina-se a todo o ordena-mento jurídico pré-existente –, destinado a propiciar a mais perfeita seleção entre os can-didatos que preencherem as necessidades da Administra-ção, garantindo-se a igualdade de oportunidades no acesso a cargos e empregos públicos”.

Assim, quando o admi-nistrador se precisa realizar concurso para prover cargos vagos no âmbito do serviço público, pode realizar o certame

Inadequação da licitação na modalidade pregão para contratação de serviços para realização de concurso público

RESUMOO concurso público objetiva selecionar os candidatos dotados de maior merecimento e garantir que somente inte-grarão os quadros da administração os que atendam plenamente aos requisitos do cargo. Na busca de tão relevante mister, o gestor não deve abrir mão da avaliação da melhor técnica entre os licitantes que participam do certame. Nestes casos, cabe ao administrador renunciar à modalidade Pregão, vez que esta se limita a perquirir a oferta de menor preço dentre as apresentadas pelos licitantes.

Palavras-chave: Concurso Público. Licitação. Pregão.

Jaber Lopes Mendonça Monteiro — Consultor Jurídico do IBAM, Advogado pós-graduado em Direito Público e mestre em Filosofia do Direito – [email protected] da Silva Alvim — Graduando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Estagiário da CJ/IBAM, Ex- Pesquisa-dor-bolsista do Departamento de Fundamentos em Direito, Administração e Política, da ECJ/Unirio – [email protected]

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mediante execução direta ou recorrer ao mercado e proce-der à escolha daquele que se demonstrar mais apto à rea-lização do relevante processo de seleção de pessoal ante às diferentes nuances específicas relacionadas ao desempenho de cada tipo particular de função pública.

É o interesse público que guia a conduta do administra-dor e que dele não se pode afas-tar. Afinal, os futuros servidores – tais como médicos, advoga-dos, enfermeiros e professores – é que irão prestar os serviços que a população necessita. As-sim sendo, é o povo o destina-tário último de toda a atuação estatal. Destarte, não se pode abrir mão da qualificação téc-nica daqueles que irão proceder à seleção dos candidatos mais aptos, sendo certo que disso decorre a necessidade de uma equipe técnica e pessoal gaba-ritado para identificar quais serão os aspectos essenciais à mais perfeita seleção e para que sejam estabelecidos os critérios mais adequados para a escolha do pessoal que será admitido.

A organização de um con-curso público vai muito além da mera aferição do conhecimento dos candidatos: a realização da seleção pública concerne múltiplos fatores, tais como a banca, o critério de correção, os critérios pedagógicos, a logís-tica do concurso, a divulgação, a inscrição, a fiscalização, o dimensionamento do número de inscritos. Todos esses fato-res com potencial de ocasionar

impactos no resultado final do certame. Outro elemento que se nos afigura de suma importân-cia é a escolha dos critérios que serão utilizados para avaliação dos conhecimentos indispen-sáveis ao exercício do cargo, a se enquadrarem na expertise da instituição que procederá à realização do concurso público. Por isso, é comum se falar de concurso como procedimento eminentemente técnico, o que importa relegar o preço a um plano secundário, não obstante sua relevância na contratação.

Por outro lado, é indiscutível que a licitação pública é regida pela Lei nº 8.666/1993 (que fixa normas gerais de licitações e contratos em obediência ao art. 22, XXVII da Constituição), pela Lei nº 10.520/2002 (que cria e estende aos Estados, Distrito Federal e Municípios uma nova modalidade de lici-tação conhecida como pregão) e pela Lei Complementar nº 123/2006 (que estabelece regras

de preferência na contratação de micro e pequenas empresas), além dos princípios de Direito Constitucional e de Direito Administrativo.

Quanto ao objeto, o julga-mento das licitações pode se dar mediante a persecução dos seguintes critérios: menor preço, melhor técnica e melhor técnica e preço. Em relação ao primeiro tipo de julgamento, temos que a licitação do tipo menor preço norteia-se pelo custo dos bens ou serviços que venham a ser apresentados, mediante proposta dos licitan-tes, à administração. Já no que tange à licitação do tipo melhor técnica, trata-se de critério de julgamento apropriado para a contratação de serviços de na-tureza eminentemente técnica ou intelectual. Cabe consignar que a licitação de tipo melhor técnica e preço consubstancia-se em ponderação dos critérios de preço e de técnica, do qual se extrairá média ponderada das

Cumpre às autoridades encarregadas da licitação promover criterioso exame tanto do serviço de realização de concurso público, quanto dos critérios de seleção dos mesmos

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Contratação de Serviços

notas obtidas em cada um dos quesitos.

A administração pública vem admitindo a utilização da figura do pregão para a contra-tação de serviços de natureza majoritariamente técnica ou intelectual, mediante a obser-vação de elementos de ordem técnica, o que é um grave equí-voco. O pregão é modalidade licitatória prevista na Lei nº 10.520/2002 a ser realizada en-tre interessados especializados no ramo do objeto ou serviço pretendidos e que comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edi-tal. Nesta modalidade licitató-ria, a disputa pelo fornecimen-to de bens ou serviços comuns é feita em sessão pública de forma presencial ou eletrônica.

Cada dia mais, União, Esta-dos e Municípios vêm se valen-do da modalidade Pregão, que tem por aspectos positivos a celeridade, a desburocratização e a economia de recursos que proporcionou, mas cuja falta de material crítico mostra--se impressionante. Segundo recente divulgação da Secre-taria de Comunicação Social da Presidência da República, somente no primeiro semestre do ano de 2012, a União gastou R$ 8,5 bilhões com pregões ele-trônicos, que já correspondem a cerca de 93% dos processos de licitação do Governo Federal3. No presente artigo, tentaremos elucidar alguns problemas que surgiram com a utilização de-senfreada e equivocada desse tipo de licitação, em especial

na contratação de serviços para a realização de concursos públicos.

O pregão não se presta a procedimentos do tipo melhor técnica ou melhor técnica e preço, admitindo somente a modalidade menor preço. Esta é a razão pela qual é inquestio-nável o fato de não dever ser utilizado para contratação de serviços de realização de con-cursos públicos, já que se trata de procedimento que, além de extremamente complexo, deve ser avaliado caso a caso, ponde-rando a técnica da entidade e o preço por ela proposto, sendo inviável a simples contratação da instituição com o preço mais baixo, que certamente não será o critério mais idôneo para afe-rir as propostas dos licitantes.

No mesmo sentido, lecio-nam Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tulio Bottino4 acerca dos momentos em que deverá ou não a administração proce-der ao processo licitatório me-diante critério de menor preço, ou à conjugação dos requisitos de técnica e preço:

“(...) Sempre que possível – e com frequência é possível – devem ser combinados fatores de julgamento outros que não apenas o preço, para consti-tuir o critério de julgamento mais vantajoso à entidade, tais quais, exatamente, qualidade, rendimento, durabilidade, ga-rantia, compatibilidade, rede de manutenção, facilidade na reposição de peças, prazo de pagamento (...). Nesse caso,

nem sempre o tipo “menor preço” será o adequado para a licitação.

Menor preço, mesmo sendo hoje a regra geral das licitações, deve ser o requisito perseguido apenas quando o objeto da licitação possa ser fornecido, idêntico, o mesmo, ou quase idêntico, por vários propo-nentes, sem diferença algu-ma ou com diferença mínima de qualidade, durabilidade, ou aquelas outras caracterís-ticas explicitadas. (...).

Quando a Comissão (ou a Administração) constate que o objeto pretendido possa va-riar significativamente, quer no preço, quer na qualidade, quer no rendimento, quer na garantia, quer em qualquer fa-tor importante, não deve realizar licitação do tipo de menor preço. Deve necessariamente consti-tuir um critério de julgamento integrado por fatores diversos, através dos quais possa avaliar cada uma daquelas característi-cas dos bens ou produtos ofere-cidos pelos licitantes, em cada qual das propostas; somente assim poderá fazer cumprir o papel institucional da licitação: selecionar a proposta mais vanta-josa para a Administração (cf. art. 3º da L. 8.666). Escolherá, então, o tipo da melhor técnica, ou da técnica e preço.” (grifamos)

Ante a impossibilidade de a administração se utilizar, de forma indiscriminada, da modalidade pregão quando da realização de seus processos licitatórios para a contratação

Contrataçào de Serviços

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de serviços para a realização de concursos públicos, o adminis-trador deve optar por uma das modalidades mais conserva-doras previstas na Lei Geral de Licitações, quando as caracte-rísticas inerentes ao mercado assim o aconselharem. Nesse contexto, não se pode deixar de consignar a possibilidade de dispensa de licitação para a contratação de serviço de realização de concurso público. As hipóteses de dispensa são as especificamente citadas no art. 24 da Lei nº. 8.666/1993, dentre as quais a “contratação de ins-tituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamen-te da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético--profissional e não tenha fins lucrativos” (inciso XIII).

Ao se falar em dispensa há sempre que se proceder a criterioso exame das institui-ções que porventura venham a submeter suas propostas à apreciação da administração pública. Isto porque o permis-sivo legal aplica-se, no dizer de Márcio dos Santos Barros5, exclusivamente a “institui-ções ou pessoas jurídicas que tenham estabelecido em seus atos constitutivos ou organi-zacionais que suas atividades fundamentais serão relaciona-das com pesquisa (...), ensino, desenvolvimento institucional (...) ou recuperação social de presos, e efetivamente a exer-citem, a ponto de adquirirem

uma indubitável reputação pelo trabalho qualificado, correto, ético”. Não atendendo esses critérios de avaliação, o admi-nistrador público incorrerá no risco de dispensar a contrata-ção de entidade que não atenda aos fins estritamente previstos em lei, correndo o risco de ser condenado por dispensa inde-vida de licitação.

Sobre a inadequação do pre-gão para licitação de vários bens e serviços há argutas observa-ções da mais abalizada doutrina que defendem um uso pondera-do da modalidade em respeito a vários princípios que regem a administração e os postulados mais fundamentais de um Es-tado Democrático de Direito. O professor Marçal Justen Filho também tece comentários escla-recedores nesse sentido6:

“Nem é possível argumentar em defesa do pregão eletrônico com a invocação ao princípio da eficiência e o fornecimento de estatísticas acerca da economia obtida para os cofres públicos.

Em primeiro lugar, o princí-pio da eficiência não se super-põe aos princípios estruturantes da ordem jurídica. Não se pode transigir acerca da configura-ção de um Estado Democrático de Direito, pleiteando adoção de certas técnicas economica-mente rentáveis. A adoção da democracia não é uma questão econômica. Não se pode esco-lher eleger através de critério econômico uma solução incom-patível com a ordem democrá-tica. Os controles impostos à

atividade administrativa do Estado não podem ser supri-midos através do argumento de sua onerosidade econômica. Todo agente estatal tem o dever de submeter sua conduta aos controles necessários à preva-lência do Direito, mesmo que isso signifique tornar a gestão administrativa mais lenta e menos eficiente. Pode dizer-se que o princípio da eficiência é derivado e secundário: apenas se aplica após verificar-se a com-patibilidade de diferentes solu-ções com os princípios jurídicos fundamentais. A eficiência tem de ser um atributo do Estado Democrático de Direito, nunca bastará um Estado eficiente, se não for democrático.

Apenas acessoriamente, in-sista-se em que a História ensi-na que a ausência de democracia tende a destruir o postulado da eficiência. O sacrifício da de-mocracia acaba sendo sucedido pela destruição da eficiência. Em médio prazo, os autoritários que tomaram o poder acabam desviando-o em seu benefício próprio, sem possibilidade de controle externo. Seria talvez um exagero afirmar que a invo-cação à eficiência pode recobrir a intenção de realizar preci-samente o resultado oposto. Depois de afastados os empeci-lhos jurídicos, torna-se possível praticar atos muito reprováveis.

Ao assim dizer, não se pre-tende imputar à inovação do pregão eletrônico algum de-feito dessa ordem. Apenas se põem em destaque os enormes riscos existentes na conduta

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de suprimir controles jurídicos fundamentais.

Depois disso, a avaliação da eficiência faz-se através de critérios e estatísticas ex-tremamente questionáveis. É usual invocar a diferença entre o valor de melhor proposta na primeira fase e aquela obtida ao final da etapa de lances. Esse raciocínio é extremamente discutível, eis que os licitantes sabem de antemão que suas propostas não lhes assegurarão a vitória. Como será obrigatória a realização de lances, é inevitá-vel que incluam em seus preços uma espécie de “reserva”, para propiciar reduções posteriores.”

O dever da administração pública é selecionar a melhor proposta, entendida como aque-la que melhor atenda ao inte-resse público. Deve, assim, o administrador examinar, caso a caso, os aspectos envolvidos em cada contratação, mitigando um princípio ou outro em face da realidade e da necessidade de selecionar a proposta mais vantajosa à máquina pública.

Muitas vezes a melhor pro-posta não é a mais barata. Neste mister, cabe a aplicação do adágio popular segundo

o qual “o barato sai caro”. Por reiteradas vezes a contratação de serviço ou aquisição de bem cuja proposta tenha valor rela-tivamente mais elevado que as outras acaba sendo preferível face à obstinada persecução do menor preço, haja vista a maior rentabilidade, durabilidade ou mesmo a qualidade do serviço que se deseja adquirir.

Neste mesmo sentido, é de se considerar que a economia feita pelos cofres públicos em virtude da contratação de serviço de menor preço logo se transfor-ma em gastos desnecessários às custas do erário, referentes à insuficiência de qualificadores do serviço que assegurem um adequado atendimento às ne-cessidades da administração. O pregão não se digna a contratar serviços pelos critérios técnica ou técnica e preço, razão pela qual não pode ser utilizado em muitos casos, em especial na contratação de serviços para re-alização de concursos públicos.

Confira-se, ainda, a lição de Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tulio Bottino7 acerca do crité-rio melhor técnica:

“É significativo constar a pa-lavra técnica antes de preço, pois

que tal indica ser, o primeiro, o elemento mais importante do sistema, e o mais procurado pela lei – esta ao menos deve ter sido a ideia originária do legislador, já que pelo critério de média pon-derada os fatores técnicos e os de preço eventualmente poderão ter a mesma relevância (...).”

Destarte, procedendo a aper-tada síntese da argumentação até o presente empreendida, cabe consignar que, em primeiro plano, quando da utilização pela modalidade pregão, a comissão de licitação deverá proceder ao julgamento e classificação das propostas apresentadas pelos licitantes mediante o critério de menor preço, conforme resta inequívoco do art. 4º, X da Lei nº 10.520/2002. Outra caracte-rística intrínseca ao serviço de realização de concurso público é sua natureza inequivocamente técnica, conforme acima referi-do, em face da qual não é lícito ao administrador público proce-der a mero julgamento das pro-postas apresentadas, avaliando apenas os custos que a con-tratação do serviço ocasionará ao erário (daí já se extraindo o afastamento da modalidade pregão para avaliar as propos-tas relativas à organização de concurso público, vez que não

“ ”O concurso público foi a forma escolhida

pelo constituinte para garantir a igualdade de oportunidades no provimento dos cargos públicos

Contrataçào de Serviços

Contratação de Serviços

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comporta uma avaliação mais acurada da técnica do que se está a contratar). Por derradeiro, ainda atendo-nos aos requisitos necessários à formalização do procedimento licitatório pela modalidade prevista na Lei nº 10.520/2002, é de se consignar que não é tarefa das mais fá-ceis enquadrar a realização de concurso público como sendo um “serviço comum”, face à na-tural demanda por qualificação técnica especializada e dada a natureza eminentemente inte-lectual do serviço, a ensejar das organizações empreendimentos cada vez maiores no sentido de se aprimorar as técnicas inerentes ao planejamento e à execução dos concursos pú-blicos; qualificação de pessoal; questões inéditas etc.

Face às ponderações até o momento apresentadas, cabe colacionar a jurisprudência pátria acerca da temática em comento. Confira-se:

“(...)

15. A aplicação do pregão aos bens e serviços incomuns representa risco à segurança contratual, pela possibilidade de conduzir a Administração à celebração de contrato com pessoa sem qualificação para cumpri-lo ou pela aceitação de proposta inexequível.

16. Por essa razão, em situ-ações que sejam necessárias medidas mais cautelosas para segurança do contrato, em razão dos riscos decorrentes de inadimplência da contra-

tada ou da incerteza sobre a caracterização do objeto, deve o gestor preterir o pregão em favor de outras modalidades licitatórias cercadas de maior rigor formal.” (TCU. Acórdão nº 1.615/2008 – Plenário. Rel. Min. BENJAMIN ZYMLER. Jul-gamento em 13.08.2008. DJ de 18.08.2008) (grifamos)

“(...) Dessa forma, em análise perfunctória da questão posta em juízo, (...) a modalidade “pregão” para a contratação de pessoa jurídica visando pres-tação de serviço consistente, na espécie, em elaboração de concurso público para preen-chimento de cargos na Admi-nistração Pública Municipal, (...) não parece ser a mais adequada porque ‘para a ela-boração e execução do serviço demandam técnica apurada do vencedor da licitação’ (...)”. (TJPR – AI nº 6.762.901/PR. 5ª Câmara Cível. Rel. Des. ADAL-BERTO PEREIRA. Julgamento em 07.12.2010) (grifamos)

“(...). Dentre as irregulari-dades apontadas ressaltam aos olhos a inadequação da modalidade de licitação pre-gão, utilizada para contrata-ção da empresa encarregada da execução do objeto, eis que os serviços contratados não se configuram como “serviço comum”, conforme estabeleci-do na Lei n° 10.520/02.

(...)

No particular, dadas as ca-racterísticas do objeto – pla-nejamento, organização, ge-

renciamento e realização de concurso público de provas para provimento de cargos efetivo – é certo que não se trata de um serviço comum, disponível frequentemente no mercado. De modo contrário, os serviços contratados atendem a especificidades da contrata-da, visando a atingir objetivos específicos, com qualificação determinada.” (TCE/AL. Pro-cesso nº TC-2.366/2012 – Rel. Conselheiro SÉRGIO RICARDO MACIEL (substituto). Julga-mento em 08.03.2012. DJ de 09.03.2012) (grifamos)

Não ignoramos, contudo, o fato de que muitos adminis-tradores têm entendido que o pregão pode ser utilizado para a contratação de serviços para a realização de concursos pú-blicos com base na equivocada premissa de que se trata de “serviço comum”. Essa postura, entretanto, é um erro crasso que deve ser afastado – e não seria mesmo preciso entrar nes-sa seara, dada a inadequação prima facie do pregão para a lici-tação de vários tipos, mas dado o atual estado da discussão na doutrina e na jurisprudência, temos que são necessárias al-gumas considerações sobre o que é serviço comum.

A Lei do Pregão explicita um controverso conceito de bens e serviços comuns no parágrafo único de seu art. 1º, a partir do qual os operadores do di-reito têm formulado diversas interpretações que conferem diferentes alcances ao termo. Doutrina autorizada vem en-

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tendendo que comuns são os bens e serviços que se encon-tram disponíveis no mercado, que são padronizados e dotados de alguma fungibilidade, como afirma Marçal Justen Filho8:

“Para concluir, numa ten-tativa de definição, poderia dizer-se que bem ou serviço comum é aquele que se apre-senta sob identidade e carac-terísticas padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio.”

Assim, é tarefa muito difícil, se não impossível, classificar a realização de um concurso público como sendo um serviço comum. Nesse sentido, é perti-nente colacionar a elucidativa lição de Marçal Justen Filho9:

“Como regra, a qualificação técnica será desnecessária para a contratação de bens e serviços comuns. Mais precisamente, bastarão exigências muito sumárias nessa área. Poderão ser estabelecidas distinções conforme se trate de compra de bens ou de prestação de ser-viços. Por mais comuns que o sejam, os serviços sempre com-portam maior complexidade do que os bens. Na maior parte dos casos, não existirá obrigatorie-dade de inscrição em entidades profissionais. Mas a afirmativa não pode ser generalizada. Se for o caso, é possível exigir comprovação de experiência anterior. Aplicam-se, em ter-mos gerais, os comentários formulados a propósito dessa questão. Os incs. III e IV do art. 30 da Lei de Licitações serão ob-

jeto de comprovação somente em situação excepcional.”

Outro aspecto do erro acima exposto é que a confusão é ain-da mais agravada pela vacilante jurisprudência de nossas Cortes de Contas, em especial do Tri-bunal de Contas da União, no que toca ao sentido ou alcance da expressão “serviço comum”. A propósito, seja consentida a transcrição de jurisprudência do TCU e suas diversas inter-pretações sobre o que entende como bens e serviços comuns, como se afere da leitura dos seguintes julgados:

“(...). Utilize obrigatoria-mente a modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica, quando se tratar de serviços comuns, definidos como aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade pos-sam ser objetivamente defini-dos por meio de especificações usuais no mercado, em confor-midade com o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 10.520/2002, e com o item 9.2.1 do Acórdão nº 2471/2008, todos do Plenário.” (TCU – 1ª Câmara. Acórdão nº 137/2010)

“(...) Quanto ao aspecto legal, a Lei do Pregão nos fornece um tipo aberto, con-substanciado no “bem ou ser-viço comum” por ela definido como “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usu-ais no mercado.” Em outras palavras, podemos dizer que

o objeto deve ser definido por meio de critérios objetivos e usuais no mercado. Ocorre que todo julgamento de propostas, independentemente da moda-lidade licitatória empregada, deve utilizar-se de critérios objetivos, como determina o art. 44 da Lei n° 8.666/93. A primeira parte da definição então pouco orienta, pois não pode ser considerada intrín-seca ao pregão. A segunda parte da definição também é vaga, pois não informa nem quais os critérios para considerar algo usual, nem a qual mercado se refere. Por exemplo, as especificações do pregão da Senasp não podem ser consideradas usuais em relação ao mercado em geral, pois aeronaves não são bens negociados pela grande maio-ria das pessoas ou empresas.” (TCU – Plenário. Acórdão nº 2.406/2006) (grifamos)

A jurisprudência das Cortes de Contas tem evoluído ao longo da última década, o que refletiria quiçá uma tolerância excessiva e até mesmo uma inclinação crescente a alargar o significado do que se entende por bem ou serviço comum, como, aliás, resta latente no en-tendimento fixado na Súmula TCU de nº 257/201010. Entretan-to, sem medo de sermos redun-dantes, e com a devida vênia, tal postura é um erro manifesto.

Sem dúvida, o advento da Lei do Pregão representou grande passo a caminho de maior e mais efetiva celeridade nos processos licitatórios indis-

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pensáveis à administração pú-blica. Contudo, sua utilização deve ser cautelosa e ponderada, sob pena de trazer sérios ris-cos para a administração que podem ser evitados mediante o rigor técnico e exame dos critérios a serem levados em consideração quando da análi-se das propostas apresentadas pelos licitantes. Não raro, a contratação realizada mediante estrita observação do menor preço tem gerado severos danos ao erário, à administração e à própria sociedade, destinatária final de toda a gestão pública.

Cumpre às autoridades en-carregadas da licitação promo-ver criterioso exame tanto do serviço de realização de concur-so público, que se deseja licitar, quanto dos critérios de seleção dos mesmos, ponderando va-riar caso a caso os parâmetros de predomínio para a seleção do objeto da licitação. No caso particular abordado pelo pre-

sente artigo, ficou assentado que não é o critério menor preço, largamente observado por ocasião dos processos lici-tatórios na modalidade pregão (presencial ou eletrônico), meio mais idôneo para, em muitos casos, se aferir a proposta mais vantajosa para a administração. Cabe, por derradeiro, recorrer-mos novamente ao magisté-rio de Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tulio Bottino11, quando, citando a lição de Hely Lopes Meirelles, asseveram:

“Hely separa inteligente-mente técnica mais vantajosa de melhor técnica, e tal assim é observável. Na licitação de técnica e preço deve o edital fixar que, além do preço, ou-tros fatores devem figurar nas propostas técnicas, a compor vantagens diversas, como apro-veitamento de material, local ou mão-de-obra disponíveis, de modo a tornar a técnica, além de melhor do ponto de

vista científico ou tecnológico, vantajosa material e imedia-tamente do ponto de vista operacional. Não se trata de preço; não se trata de quali-dade tecnológica; trata-se de aproveitar outras eventuais circunstâncias, conforme edital, que assegurem técnica vantajosa, e por isso melhor. Não obstante vertida a lição do pranteado mestre ao direito anterior, vale ainda, plenamen-te, o inteligente raciocínio.” (grifamos)

Face às considerações exaradas, é lícito verificar que somente nos casos em que o critério de seleção da proposta for o menor preço será adequada a utilização da modalidade pregão, razão pela qual tal modalidade é inadequada para a contratação de serviços de realização de concursos públicos. Por seu turno, em que pesem as controvérsias na doutrina e na jurisprudência pátrias acerca da inserção da organização de concurso público como bem comum, requisito necessário à utilização da licitação na modal idade pregão, isso certamente constitui equívoco administrat ivo, devendo ser combatida a utilização desvirtuada do pregão sob pena de malferir o interesse público. Como exaustivamente exposto, a questão insuperável é a do pregão não se destinar à escolha de melhor técnica e preço, somente se prestando a escolher o melhor preço. Por isso, concluímos por ser peremptoriamente inadequada

Cada dia mais, União, Estados e Municípios vêm se valendo da modalidade Pregão

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a utilização do pregão como modalidade de licitação para a contratação do serviço de realização de concurso público.

Por fim, pelas razões ex-postas, conclui-se que é ina-

dequada a modalidade pre-gão para a contratação de serviços para a realização de concursos públicos, devendo o administrador se valer de qualquer outra modalidade de licitação (concorrência,

tomada de preços ou convite), o que inclui, eventualmente, a própria dispensa, tanto no caso da contratação do servi-ço de realização de concurso público quanto em outros casos.

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Contratação de Serviços

1 Em seu art. 179, inciso XIV, dispunha a Constituição de 1824: “Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes” (sic).

2 In ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 165.

3 Disponível em http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/acoes-e-programas/comunicacao-publica/em-questao/edicoes-anteriores/julho-2012/boletim-1580-25.07/pregao-eletronico-poupa-r-2--5-bi-de-janeiro-a-junho?utm_campaign=Newsletteremquestao&utm_medium=Gestao.Publica&utm_source=Pregao.Eletronico&utm_content=250712. Acesso em 26/07/2012.

4 In RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tulio. Manual prático das licitações: Lei n. 8.666/93. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 201-202.

5 Idem, p. 219.

6 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, 215-216.

7 Idem, p. 206.

8 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, p. 30.

9 Idem, p. 94.

10 Súmula TCU nº. 257/2010: “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.

11 Idem, p. 209.

RESUMENLa insuficiencia de licitación en el modo de pregón para la contratación de servicios para la realización de concurso público.El concurso objetiva seleccionar a los candidatos con más méritos y garantizar que sólo integrarán los cuadros de la administración los que atiendan plenamente a los requisitos del cargo. En busca de un menester tan relevante, el gestor no debe renunciar a la evaluación de la mejor técnica entre los licitadores que participan en el certamen. En estes casos, cabe al administrador renunciar a la modalidad Pregón, ya que esta se limita a espulgar la oferta con el menor precio de entre las presentadas por los licitadores. Palabras-clave: Concurso Publico. Licitación. Pregón.

ABSTRACTThe inadequacy of licitation in cry modality for hiring of services for public concurrence.The public concurrence aims to select candidates with more merit and ensure that only will fulfill the boards of the administration the ones which fully meet the requirements of the position. In search of such a relevant goal, the manager should not give up on the evaluation of the best technique among bidders participating in the dispute. In these cases, the administrator shall resign the Cry modality, since it circumscribes itself to scrutinizing the offer with the lowest price among the ones submitted by the bidders.Key words: Public Concurrence. Licitation. Cry modality.

NOTAS

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Cerca de 5,5 mil prefeitos, escolhidos nas eleições municipais de 2012 – base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomaram posse este ano e serão os principais responsáveis pela elaboração de políticas públicas para saúde, educação e habitação, entre outros fatores perti-nentes à qualidade de vida nos munícipios. Uma delas é a melhora do serviço público – desde a necessidade de se oferecer ao cidadão um trabalho de qualidade até a satisfação pessoal do servidor. Um desafio que envolve as mais variadas técnicas e ferramentas com a modernização administrativa, e principalmente, na área de Gestão de Pessoas na Administração Pública. Com isso, as palavras de ordem são recrutamento e seleção de pessoal,

capacitação, desenvolvimento, avaliação, reconhe-cimento e remuneração.

Mecanismos de avaliação

Maria Luiza dos Santos Vellozo, diretora-presi-dente da Escola de Serviço Público do Espírito San-to, explica que somente com equipes competentes e conhecedoras dos processos organizacionais é possível delinear cargos e carreiras, cuja missão esteja em sintonia com os objetivos e a estrutura da organização: “Se conhecermos o porquê, a razão da existência da organização, temos que delinear os macroprocessos. Daí, é possível identificar quais cargos e respectivas funções são necessários para se

Gestão de pessoas e administração pública: capacitação de profissionais para o desenvolvimento de ações de qualidade visando ao atendimento à população

Reportagem

Patrícia Fahlbusch e Mauricio Lima — Jornalistas

“Quando se tem gestores e equipes capacitados, comprometidos e preocupados com o cidadão, o ambiente de trabalho é permanentemente estimulado.”

Maria Luiza dos Santos Vellozo

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o conhecimento e o compromisso com resultados: “Quando se tem gestores e equipes capacitados, comprometidos e preocupados com o cidadão, o ambiente é estimulado permanentemente, mesmo com as dificuldades legais impostas ao serviço público, que por vezes são colocadas como um dificultador. A experiência da escola, com cursos na área de empreendedorismo e de inovação, tem comprovado que os investimentos nessa área dão resultado, pelos inúmeros projetos inovadores pre-miados anualmente no serviço público estadual e municipal”.

A diretora ainda diferenciou as políticas de remuneração fixa e variável: “A remuneração fixa é estabelecida por lei, paga pela prestação das ativi-dades inerentes ao cargo. Já a variável é aquela que deveria ser paga pelo desempenho, pela criativida-de e pela inovação, demonstrados para o alcance dos resultados, variando de pessoa para pessoa, aplicando-se os preceitos da ‘meritocracia’”.

Qualidade de vida no trabalho

Na visão de Maria Luiza, sistemas de apoio a decisões são implantados com o envolvimento da gestão superior, apoiando as ações, os programas e os projetos das unidades organizacionais; com es-paço e com respeito à criatividade. “É fundamental investir em ações que visem à qualidade de vida no trabalho. É necessário criar estratégias e ações com o objetivo de promover um ambiente agradável. Um clima organizacional favorável influenciará no desenvolvimento das atividades diárias e nos re-sultados, o que tem sido, atualmente, cuidado das empresas e também das instituições públicas. A produtividade está diretamente relacionada com o bem estar das pessoas e das equipes”, conclui.

Perfil do profissional

Coordenador da Escola do Legislativo do Esta-do do Rio de Janeiro, o deputado estadual Gilberto Palmares é um crítico dos processos que focam, de maneira exagerada, o perfil do profissional com o objetivo da organização. “De certa forma, essa visão restringe o acesso de profissionais com formações diferenciadas, que podem contribuir

atingir os resultados e atender a missão. Devemos sempre perguntar que atividades são importantes e necessárias e alinhá-las à finalidade da organização.”

Neste sentindo, os processos seletivos têm valor ímpar. Na avaliação da diretora, uma das tarefas mais difíceis é desenvolver mecanismos que permitam identificar as competências técnicas e comportamentais, considerando-se as regras para provimento de cargos efetivos na administração pública. “Um mecanismo possível de ser usado é dar um caso prático para que os candidatos pu-dessem solucionar. Durante a sua execução, uma equipe multidisciplinar seria eficiente para avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes”, destaca Maria Luiza. E acrescenta: “É possível enumerar critérios que permitam avaliar e medir resultados e entregas, bem como a forma de mensuração”.

Gestão e capacitação

De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Perfil dos Municípios (Munic) de 2011, em relação aos níveis de escolarização do pesso-al ocupado na administração direta, no Brasil, 38,0% (2.143.618 de servidores) possuíam nível médio; 25,9% (1.459.173), ensino superior; e 6,1% (343.690), pós-graduação. Por outro lado, 20,7% (1.168.347) cursaram apenas o nível fundamental e 1,7% (96.043) não tinham instrução.

No entanto, segundo Maria Luiza dos Santos Vellozo, o mais difícil é haver gestores capacitados e isentos para interpretar dados e assumir uma avaliação de desempenho sem contaminação com envolvimentos de ordem pessoal e política. Para a presidente da escola, o acesso a cursos de formação e de aperfeiçoamento se dá com a criação de uma política de capacitação que valorize e busque a pro-fissionalização dos servidores públicos. “Isso é pos-sível com a implantação de planos de carreiras que priorizem o desenvolvimento, com o apoio amplo e irrestrito dos gestores públicos e compreendendo a importância do desenvolvimento de competências para um melhor atendimento aos cidadãos”, destaca.

Maria Luiza também opinou sobre a criação de um ambiente de trabalho que fomente a inovação,

Reportagem

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“Considero os relatórios individuais um instrumento fundamental para se acompanhar o trabalho de cada um e o desempenho de toda a equipe. E ajudam, inclusive,

o próprio profissional a ter uma dimensão melhor de suas próprias tarefas.”

Gilberto Palmares

de maneira extremamente positiva. A superes-pecialização é importante, mas não deve ser o principal critério.”

Para o parlamentar, em todo processo seletivo são estabelecidos critérios aos quais os candida-tos devem se adequar. O currículo e a experiência passada são pontos que pesam bastante na esco-lha de um profissional. “Tenho, porém, dúvida se mecanismos que estabeleçam padrões, nos quais as pessoas necessitem se encaixar, são realmente positivos. Muitas vezes, um candidato se sai bem em provas seletivas, mas no dia a dia do trabalho apresenta várias fragilidades diante de questões inesperadas.”

O deputado defende que se estimule a autoa-valiação, seja por meio de relatórios individuais periódicos seja na participação em seminários de planejamento, ou em reuniões de avalia-ção. “Particularmente, considero os relatórios individuais um instrumento essencial para o acompanhamento do trabalho de cada um e o desempenho de toda a equipe. Ajudam, inclusive, o próprio profissional a ter melhor dimensão de suas próprias tarefas.”

Na opinião de Gilberto Palmares, há várias res-trições em relação à remuneração variável, porque, de modo geral, ela serve para rebaixar a valores irrisórios a remuneração fixa, que é base inclusive para a aposentadoria do trabalhador. “Entretanto, em algumas situações específicas, com trabalha-dores expostos a situações de risco, a remuneração

variável é um bônus, um instrumento que ajuda a valorizar o trabalho do profissional”, acrescenta.

Cursos de formação

Para garantir o acesso a cursos de formação e de aperfeiçoamento, Gilberto Palmares defende que a organização deve reservar um horário, dentro da própria jornada do trabalhador. “A prática deve envolver todos, com escalas ou rodízios, de manei-ra a que sejam igualmente beneficiados. Também considero os cursos de formação fundamentais para a progressão funcional.”

O coordenador da Escola do Legislativo afirmou ser possível criar um ambiente de trabalho que fomente a inovação, o conhecimento e o compro-misso com resultados. “Obviamente, isso depende de quem está à frente do ambiente de trabalho, de quem assume as diferentes instâncias de poder. Sou um entusiasta dos grupos de trabalho, pois permitem que todos tenham oportunidade de falar, de expor suas ideias, de compartilhar conhe-cimento e de dividir tarefas.”

O desenvolvimento e a implantação de siste-mas de apoio à decisão, para Palmares, são feitas ao se investir no espírito de equipe, no trabalho em equipe, nas atividades em que cada um deve conhecer perfeitamente as suas funções. Mas, também, na ampla visão do conjunto das tarefas, sabendo que a ação de cada um é parte do todo. “Decisões compartilhadas são mais bem aceitas e cumpridas. Cada vez mais fica claro que é impor-

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“A presença de cursos, de disciplinas e de conteúdos específicos relacionados à sustentabilidade nos currículos dos candidatos a determinados postos de trabalho tem sido cada vez mais valorizada pelas

empresas, por órgãos públicos e por instituições do Terceiro Setor.”

Paulo Sérgio Muçouçah

Reportagem

Reportagem

tante fazer com que o trabalhador não veja o local de trabalho como um ambiente hostil e, sim, como um lugar onde é possível assegurar qualidade de vida, que envolve da atenção à ergonomia, passan-do pela criação de espaços de lazer, que permitam ao empregado ter momentos de relaxamento.”

Atitude sustentável na administração

Paulo Sérgio Muçouçah, coordenador de Progra-mas de Trabalho Decente e Empregos Verdes do Es-critório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, também participou da entrevista. Ele respondeu questionário sobre a relação entre a Gestão de Pessoas e a Economia Verde e a respeito de como funciona a atitude sustentável na Admi-nistração Pública. “Um dos principais gargalos da transição para uma economia mais sustentável é a carência de profissionais qualificados para exercer as funções requeridas pelas atividades econômicas ‘verdes’”, sinaliza o profissional. “Essa transição pressupõe, portanto, a criação de programas de formação profissional que incorporem a seus con-teúdos um cuidado efetivo com a sustentabilidade. Na Administração Pública, a preocupação pode se traduzir na concessão de incentivos fiscais e econômicos para a produção e para o consumo sustentáveis, inclusive concedendo prioridade para a aquisição, por parte dos órgãos públicos, de bens e de serviços que causem menor impacto ambiental.”

O coordenador explicou os critérios para a seleção de pessoal: “A presença de cursos, de dis-

ciplinas e de conteúdos específicos relacionados à sustentabilidade nos currículos dos candidatos a determinados postos de trabalho tem sido cada vez mais valorizada pelas empresas, por órgãos públicos e por instituições do Terceiro Setor.”

De acordo com Paulo Sérgio, campanhas in-ternas de promoção do comportamento ambien-talmente correto realizadas por servidores (como reciclagem, redução do consumo de água e de energia) são desenvolvidas pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio do programa A3P, cujo objetivo é a promoção de práticas sustentáveis na Administração Pública, incluindo o treinamento de profissionais.

“A geração de empregos verdes contribui para a promoção de uma transição socialmente justa para uma economia de baixo impacto ambiental, na medida em que cria alternativas de ocupação para os trabalhadores que terão seus postos reduzidos ou eliminados nesse processo de transição”, assegura Muçouçah. E acrescenta: “O Programa Empregos Verdes da OIT busca basicamente ‘esverdear’ as atividades econômicas de maior impacto ambiental e melhorar as condições de trabalho nas atividades ambientalmente sustentáveis. Os exemplos são muitos e diversificados: incentivos à eficiência energética e ao uso de fontes renováveis de energia; criação de alternativas sustentáveis de geração de trabalho e renda em áreas assoladas pelo desmata-mento; e promoção da reciclagem de resíduos com condições de trabalho decentes”, finaliza.

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Os temas mais importantesda Administração Pública

são analisados aqui!

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Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

O Brasil surpreende ao arre-cadar uma carga tributária glo-bal (atualmente na casa de 36% do PIB) no patamar da maioria das economias avançadas. Po-rém, o mesmo não ocorre quan-do se observa apenas a parcela da carga relativa à tributação patrimonial, equivalente a 1.2% do PIB, mal respondendo por 4% da tributação nacional.

Chama a atenção a situa-ção de estagnação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), municipal, que não se aproveitou da imensa onda de valorização imobiliária e de expansão de financiamentos habitacionais que varre todo o País; há anos arrecada menos que o Imposto sobre a Proprie-dade de Veículos Automotores (IPVA), estadual, que, um fe-nômeno mais recente, indica que em muitas cidades (40%)

chega a arrecadar menos que o Imposto sobre a Transmis-são inter vivos de Bens Imóveis (ITBI), também municipal. Já o Imposto Territorial Rural (ITR), federal, segue com arrecadação irrisória, talvez mal cobrindo os custos de seu lançamento.

A baixa carga de impostos sobre propriedade é consis-tente com a fraca equidade que caracteriza o sistema tri-butário brasileiro, a ponto de exercícios apontarem que a já elevada concentração de renda piora depois da cobrança dos tributos. Apesar dessa grave distorção, o debate sobre a equidade fiscal está ausente da cena política e até mesmo técnica no País.

Não é muito diferente o tratamento do tema nas discus-sões sobre a reforma tributária.

Fracassaram todos os projetos apresentados no passado e, agora, o governo brasileiro op-tou por propor mudanças pon-tuais e paulatinas. Infelizmente as atenções continuam mono-polizadas para os chamados tributos indiretos, em especial, o estadual sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). A tributação patrimonial é um tema completamente fora dos projetos de reforma e ausente até mesmo nas discussões.

O objetivo deste artigo é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil e tentar contribuir para que a matéria des-perte alguma atenção nos debates sobre a reforma tributária. Ainda mais sendo impostos típicos da competência local e como as prefeituras vêm reclamando da pressão de gastos e da estagnação

Um diagnóstico atualizado da tributação da propriedade no Brasil

RESUMOO objetivo deste artigo é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil e tentar contribuir para a introdução da matéria nos debates sobre a reforma tributária. A estagnação do IPTU mostra o quan-to o enorme potencial dos tributos patrimoniais tem sido ignorado, a despeito da relevância destes como alternativa para a exagerada tributação do consumo e, por fim, como promotor de maior equidade tributária.

Palavras-chave: carga tributária. imposto patrimonial. IPTU.

José Roberto R. Afonso — Economista e doutor pela UNICAMPJulia Morais Soares — Economista e mestre pela UFR Kleber Pacheco de Castro — Economista e mestre pela UFF

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das transferências federais, há uma oportunidade para se advo-gar maiores esforços para elevar impostos sobre propriedade.

A tributação brasileira

Dentre as razões apontadas para se reformar o sistema tri-butário brasileiro, está o peso da carga tributária. Argumenta--se que ela tem sido demasia-do onerosa, principalmente se comparada a outros países em desenvolvimento, e que tem sido uma das responsáveis pelo baixo dinamismo da economia. Outro argumento está relacionado à alta e crescente regressividade dos tributos, predominantemen-te indiretos e pouco seletivos. A concentração de renda, que já está entre as maiores do mundo, aumenta ainda mais depois da aplicação dos impostos - que contrasta com a experiência da maioria dos países latinos (Ros-signolo, 2012), quanto mais das economias avançadas.

O sistema brasileiro é, ainda, considerado bastante complexo, devido à grande quantidade de tributos e alíquotas existentes. Como resultado, o Brasil é, dispa-rado, o país onde os contribuintes precisam destinar mais tempo ao cumprimento de suas obrigações com o fisco1, principalmente com impostos sobre consumo, que chega a representar mais da me-tade do tempo total. Isto é reflexo da predominância de tributos indiretos no país.

Os dados de 2011, na Tabela 1, apresentam uma composição da carga tributária melhor em

relação à do início da década, mas ainda bastante concentrada sobre Bens e Serviços (41,6% da arrecadação, o correspondente a 14,9% do PIB), enquanto a Renda e o Patrimônio responderam por 21,3% e 3,4% da arrecadação e 7,6% e 1,2% do PIB, respectivamente.

Devido à grande capacidade de gerar recursos fiscais, os tri-butos sobre o consumo, mais es-pecificamente o ICMS, têm sido o principal alvo das propostas de reforma tributária, enquanto a tributação sobre o patrimônio tem sido relegada, a despeito das vantagens deste tipo de tribu-

tação. Os fatores apresentados nesta primeira parte têm sido os responsáveis pela caracterização do sistema tributário brasilei-ro como um sistema oneroso, injusto e anticompetitivo e a revisão desta imagem perpassa a reflexão sobre a ideal partici-pação dos tributos patrimoniais na carga tributária.

A tributação do patrimônio no Brasil

Evolução pós-80

O Brasil é um dos únicos países da América Latina que

Fonte: Elaboração Própria (Balanço Oficial da União, STN: Balanço dos Estados, STN; Finbra. STN; SRF)

Tabela 1 - Composição da carga tributária global brasileira em 2011

Base de Incidência R$ Bilhões % PIB % Total Per capita

(R$)

Total 1.481,2 35,8 100,0 7.699,4

Bens e serviços 616,4 14,9 41,6 3.203,9

salários e mão-de-obra 379,9 9,2 25,6 1.974,5

Renda, lucros e ganhos 315,9 7,6 21,3 1.642,2

patrimoniais 50,7 1,2 3,4 263,3

comércio Exterior 26,6 0,6 1,8 138,5

Taxas 23,4 0,6 1,6 121,4

Transações Financeiras 31,9 0,8 2,2 165,6

Demais 36,5 0,9 2,5 189,8

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Tributação da Propriedade

atribui a seus governos locais, os municípios, a responsabi-lidade pelo estabelecimento de isenções e fixação de taxas, além de poder para exercer com autonomia a administração – cadastro, avaliação, determi-nação, arrecadação e cobrança – do principal imposto imo-biliário do país, o IPTU. Outro imposto patrimonial sob sua competência é o ITBI (trans-missão de bens intervivos); à União compete o imposto sobre propriedades rurais, o ITR; e aos estados competem dois impos-tos sobre o patrimônio, o IPVA (sobre veículos automotores) e o ITCD (sobre transmissão de bens como herança e doação).

A evolução da carga dos tri-butos patrimoniais IPTU, IPVA e ITR, que incidem recorrente-

mente sobre a propriedade, está ilustrada no gráfico 1.

A carga tributária patrimo-nial total (projetada no eixo esquerdo) cresceu de 1980 a 2011, partindo de 0,27% para 1,01% do PIB. Em termos percentuais, esse crescimento foi de 276,8%, enquanto a carga tributária total (projetada no eixo vertical direi-to) cresceu 46,1%, mas os tributos sobre o patrimônio continuam tendo um peso muito pequeno (pouco menos de 3,4% da receita total). Dos 11,1 pontos que a carga aumentou nesse longo período apenas 0,74 se deveram a impos-tos sobre o patrimônio.

Dentre os impostos que compõem a carga patrimonial, podemos notar a irrisória par-ticipação do ITR, cujo melhor

desempenho ocorreu em 1997, quando alcançou 0,026% do PIB. No período todo, seu peso no PIB sofreu um decréscimo de 29,3%.

O IPTU foi o maior tributo patrimonial até 1996, quando foi alcançado pelo IPVA. Até 2005 havia certo equilíbrio na carga destes dois impostos, mas a partir desse ano o IPVA assumiu participação crescente, enquanto o IPTU decresceu. A carga do IPTU cresceu 66,9% e a do IPVA, 311,8% desde sua criação, em 1985. Estes fatos podem ser reflexo, em grande medida, das deficiências presentes na administração do IPTU, além da forte expansão da base tributável (veículos automo-tores) do IPVA nos últimos anos.

O ITBI também vem crescen-do mais que o IPTU. Para ter uma

Tributação da Propriedade

Gráfico 1 - Evolução da carga tributária patrimonial e total no Brasil: 1980-2011

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

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Tabela 2 – Impostos sobre a propriedade no Brasil em 2011

Fonte: Elaboração própria (Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; Finbra, STN; SRF).

Arrecadação (R$ bilhões)

% da Arrecadação

total

% da arrecadação patrimonial

% PIB R$ per capita

Arrecadação Total 1481,2 100,00% 2726,5% 35,82% 7.699,4

poR cATEGoRiA TRiBuTÁRiA (METoDoLoGiA iMF/GFs)

1.1 - impostos

1.1.3 - impostos sobre propriedade 54,3 3,67% 100,0% 1,31% 282,4

1.1.3.1 - impostos Recorrentes sobre propriedade imóvel 17,7 1,19% 32,5% 0,43% 91,9

1.1.3.2 - impostos Recorrentes sobre Riqueza Líquida 0,0 0,00% 0,0% 0,00% 0,0

1.1.3.3 - impostos sobre imóveis, Heranças e Doações 9,1 0,61% 16,7% 0,22% 47,2

1.1.3.4 - impostos sobre Transações Financeiras e de capital 0,0 0,00% 0,0% 0,00% 0,0

1.1.3.5 - outros impostos não Recorrentes sobre propriedade 3,7 0,25% 6,7% 0,09% 19,1

1.1.3.6 - outros impostos Recorrentes sobre propriedade 23,9 1,61% 44,0% 0,58% 124,3

poR TRiBuTo pATRiMoniAL

patrimônio 54,3 3,67% 100,0% 1,31% 282,4

ipVA 23,9 1,61% 44,0% 0,58% 124,3

ipTu 17,1 1,16% 31,5% 0,41% 89,0

iTBi 6,3 0,43% 11,6% 0,15% 32,9

iTcD 2,8 0,19% 5,1% 0,07% 14,3

iTR 0,5 0,04% 1,0% 0,01% 2,8

contribuições de Melhorias (Municípios) 3,0 0,20% 5,5% 0,07% 15,5

contribuições de Melhorias (Estados) 0,7 0,05% 1,3% 0,02% 3,6

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ideia da defasagem, o ITBI gera atualmente quase 40% do IPTU, enquanto rendia apenas um quinto há apenas uma década.

Composição atual

A arrecadação de impostos so-bre a propriedade no Brasil, segun-do a metodologia de classificação do FMI, conforme a Tabela 2, tem se concentrado sobre os imóveis (17,7%), inclusive quando de sua transferência - venda, herança e doação – (9,1%), e sobre veículos automotores, o principal compo-nente da categoria Outros Impos-tos sobre Propriedade (23,9%).

A abertura destes números pelos impostos existentes no Brasil (parte baixa da tabela) mostra o IPVA como o maior

arrecadador dentre os tributos patrimoniais. Em seguida, arre-cadam mais o IPTU, o ITBI e o ITCD, nesta ordem. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) tem a participação irrisória de 1% da arrecadação patrimonial. Em 2011, os R$ 54,3 bilhões arrecadados pela taxação sobre o patrimônio re-presentavam 1,31% do PIB; 3,67%, apenas, da arrecadação total.

Na realidade, o que se observa no Brasil é que o ITR é pratica-mente nulo e que o IPTU tem sido pouco explorado e vem perdendo espaço para outros impostos.

A tributação municipal

Sendo municipal a com-petência para tributar o pa-

trimônio imobiliário e a sua transferência, é interessante concentrar as atenções em sua arrecadação. O Gráfico 2 rela-ciona o percentual de municí-pios cuja arrecadação de IPTU tenha sido maior e menor do que outro imposto recolhido no âmbito municipal, no caso, IPVA, ISS e ITBI2.

Pode-se notar que grande parte dos municípios arreca-dam mais IPVA e ISS do que IPTU. O IPVA manteve nos dois anos analisados a domi-nância em relação ao IPTU em aproximadamente 93% dos municípios. Já o ISS teve um pequeno aumento no per-centual de municípios que o arrecadam mais, de 84,8% para 85,5%. O mais surpreendente

Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

Gráfico 2 – Comparação da arrecadação por cidade do IPTU, IPVA, ISS e ITBI: em proporção do total de municípios, 2010 e 2011

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é a relação entre IPTU e ITBI, que é um imposto que incide sobre a transmissão de bens (venda ou herança) e deveria ser residual em relação ao IPTU. No entanto, em 38,9% dos mu-nicípios ele arrecadou mais do que o imposto recorrente sobre

a propriedade urbana, em 2010, e este percentual ainda aumen-tou mais de 3 pontos em 2011.

Algumas relações podem ser inferidas também da aná-lise da Tabela 3, que apresenta os municípios mais populosos

dentre aqueles cuja arrecada-ção de IPTU é menor e maior do que a de IPVA (seções (a) e (d), respectivamente); me-nor e maior do que a de ISS (seções (b) e (e), respectiva-mente); e menor e maior do que a de ITBI (seções (c) e

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tabela 3 (a) (b) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011

UF Município População Dif. % IPTU/IPVA

BA salvador 2.693.606 -10%

cE Fortaleza 2.476.589 -31%

MG Belo Horizonte 2.385.640 -17%

AM Manaus 1.832.424 -71%

pR curitiba 1.764.541 -36%

pE Recife 1.546.516 -18%

Rs porto Alegre 1.413.094 -18%

pA Belém 1.402.056 -56%

Go Goiânia 1.318.149 -20%

sp Guarulhos 1.233.436 -1%

sp campinas 1.090.386 -23%

MA são Luís 1.027.430 -71%

RJ são Gonçalo 1.008.065 -40%

AL Maceió 943.110 -37%

RJ Duque de caxias 861.158 -18%

pi Teresina 822.364 -61%

Rn natal 810.780 -43%

RJ nova iguaçu 799.047 -19%

sp são Bernardo do campo 770.253 -19%

pB João pessoa 733.155 -37%

sp santo André 678.486 -26%

sp osasco 667.826 -8%

sp são José dos campos 636.876 -39%

sp Ribeirão preto 612.340 -56%

MG uberlândia 611.904 -77%

MG contagem 608.715 -59%

sp sorocaba 593.776 -56%

sE Aracaju 579.563 -11%

BA Feira de santana 562.466 -72%

Média 1.120.129 -36%

Brasil -23%

UF Município População Dif. % IPTU/ISS

sp são paulo 11.316.119 -44%

RJ Rio de Janeiro 6.355.949 -59%

BA salvador 2.693.606 -60%

cE Fortaleza 2.476.589 -60%

MG Belo Horizonte 2.385.640 -17%

AM Manaus 1.832.424 -87%

pR curitiba 1.764.541 -55%

pE Recife 1.546.516 -57%

Rs porto Alegre 1.413.094 -48%

pA Belém 1.402.056 -78%

Go Goiânia 1.318.149 -30%

sp campinas 1.090.386 -34%

MA são Luís 1.027.430 -91%

RJ são Gonçalo 1.008.065 -34%

AL Maceió 943.110 -55%

RJ Duque de caxias 861.158 -82%

pi Teresina 822.364 -69%

Rn natal 810.780 -70%

RJ nova iguaçu 799.047 -52%

sp são Bernardo do campo 770.253 -11%

pB João pessoa 733.155 -74%

sp santo André 678.486 -25%

sp osasco 667.826 -42%

sp são José dos campos 636.876 -46%

sp Ribeirão preto 612.340 -29%

MG uberlândia 611.904 -77%

MG contagem 608.715 -51%

sp sorocaba 593.776 -51%

sE Aracaju 579.563 -59%

Média 1.667.583 -53%

Brasil -48%

(a) (b)

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 57

(f)). É possível notar, obser-vando a população média dos grupos, por exemplo, que a maior arrecadação de ITBI é mais comum em municípios de menor porte, enquanto naqueles de maior porte a

inferior arrecadação de IPTU ocorre em benefício da arreca-dação de ISS e IPVA. Ou seja, há motivos para acreditar que a debilidade da arrecadação de IPTU nos municípios pe-quenos seja ainda maior do

que nos grandes, pois esta se-quer alcança a arrecadação do ITBI3. Sobre as causas do pior desempenho dos municípios menores, Sepulveda e Vaz-ques (2009) apontam a menor base tributável e Afonso e et

Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tabela 3 (c) (d) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011

UF Município População Dif. % IPTU/IPVA

pB João pessoa 733.155 -42%

MG uberlândia 611.904 -16%

Es Vila Velha 419.854 -5%

pE petrolina 299.752 -16%

MG Ribeirão das neves 299.729 -17%

pR cascavel 289.340 -8%

cE Juazeiro do norte 252.841 -9%

pA Marabá 238.708 -8%

AL Arapiraca 216.108 -45%

Rn parnamirim 208.426 -60%

BA Juazeiro 199.761 -33%

BA Lauro de Freitas 167.309 -2%

MA são José de Ribamar 165.418 -25%

MA caxias 156.327 -94%

pi parnaíba 146.736 0%

BA Barreiras 139.285 -50%

pE Vitória de santo Antão 130.924 -4%

pE Garanhuns 130.303 -11%

BA porto seguro 129.325 -15%

cE crato 122.717 -29%

MA codó 118.568 -28%

cE itapipoca 117.720 -44%

cE Maranguape 115.465 -45%

Es são Mateus 110.454 -62%

Rs Bento Gonçalves 108.481 -21%

MA paço do Lumiar 107.764 0%

Go Trindade 106.256 -83%

AM parintins 102.946 -40%

BA Eunápolis 101.432 -45%

Média 208.518 -30%

Brasil 173%

UF Município População Dif. % IPTU/ISS

sp são paulo 11.316.119 22%

RJ Rio de Janeiro 6.355.949 57%

Ms campo Grande 796.252 90%

pR Londrina 511.279 11%

RJ niterói 489.720 56%

Go Aparecida de Goiânia 465.093 30%

sc Florianópolis 427.298 14%

sp santos 419.509 33%

sp Diadema 388.576 32%

sp são Vicente 334.663 50%

pE caruaru 319.580 13%

RJ petrópolis 296.565 20%

sp Guarujá 292.744 407%

sp praia Grande 267.307 330%

RJ Volta Redonda 259.012 37%

BA camaçari 249.206 48%

RJ itaboraí 220.352 26%

Ms Dourados 198.422 2%

RJ cabo Frio 190.787 16%

pE cabo de santo Agostinho 187.159 66%

Go Luziânia 177.099 28%

RJ Angra dos Reis 173.370 113%

RJ Teresópolis 165.716 10%

Go Águas Lindas de Goiás 163.495 157%

MA Timon 157.438 871%

sp Bragança paulista 148.411 2%

RJ Maricá 131.355 132%

sp Atibaia 127.778 355%

sp cubatão 119.520 1605%

Média 874.130 160%

Brasil -23%

(c) (d)

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58 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012

al (2012) mencionam razões políticas e administrativas4.

Com o objetivo de dimensio-nar a magnitude da defasagem do IPTU com outros impostos no

âmbito municipal, elaboramos uma simulação para apurar quais seriam os impactos na arrecadação deste imposto caso ela fosse igual à arrecadação do IPVA ou igual à do ITBI, nos municípios em que estes

impostos são mais arrecadados do que o IPTU, e as conclusões podem ser vistas na Tabela 4.

Se a arrecadação de IPTU fosse igual à arrecadação do

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tabela 3 (e) (f) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011

UF Município População Dif. % IPTU/ISS

sp são paulo 11.316.119 302%

RJ Rio de Janeiro 6.355.949 157%

BA salvador 2.693.606 42%

cE Fortaleza 2.476.589 95%

MG Belo Horizonte 2.385.640 140%

AM Manaus 1.832.424 32%

pR curitiba 1.764.541 57%

pE Recife 1.546.516 239%

Rs porto Alegre 1.413.094 53%

pA Belém 1.402.056 139%

Go Goiânia 1.318.149 104%

sp Guarulhos 1.233.436 488%

sp campinas 1.090.386 367%

MA são Luís 1.027.430 106%

RJ são Gonçalo 1.008.065 217%

AL Maceió 943.110 127%

RJ Duque de caxias 861.158 604%

pi Teresina 822.364 153%

Rn natal 810.780 65%

RJ nova iguaçu 799.047 262%

Ms campo Grande 796.252 515%

sp são Bernardo do campo 770.253 354%

sp santo André 678.486 283%

sp osasco 667.826 445%

sp são José dos campos 636.876 218%

sp Ribeirão preto 612.340 93%

MG contagem 608.715 26%

sp sorocaba 593.776 95%

sE Aracaju 579.563 25%

Média 1.691.191 200%

Brasil 173%

UF Município População Dif. % IPTU/IPVA

sp Guarulhos 1.233.436 7%

Ms campo Grande 796.252 7%

pR Londrina 511.279 9%

Go Aparecida de Goiânia 465.093 50%

sp Mogi das cruzes 392.196 31%

sp Diadema 388.576 32%

sp carapicuíba 371.502 13%

sp são Vicente 334.663 199%

sp Franca 321.012 32%

pE caruaru 319.580 2%

sp Guarujá 292.744 109%

sp praia Grande 267.307 694%

sp suzano 265.074 38%

sp Embu 242.730 27%

sp são carlos 224.173 62%

sp indaiatuba 205.808 34%

sp Rio claro 187.638 46%

Rs passo Fundo 186.083 5%

sp Ferraz de Vasconcelos 170.297 157%

RJ Teresópolis 165.716 42%

Go Águas Lindas de Goiás 163.495 67%

sp itapecerica da serra 154.374 5%

sp Bragança paulista 148.411 121%

sp Jaú 132.494 12%

RJ Maricá 131.355 56%

sp Atibaia 127.778 39%

Rs Bagé 116.944 194%

sp Ribeirão pires 113.726 714%

sp catanduva 113.356 840%

Média 294.589 126%

Brasil -48%

(e) (f)

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 59

Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tabela 4 – Comparação municipal da arrecadação de IPTU, IPVA e ITBI em 2011

IPVA, nos municípios em que fora menor, o país teria um au-mento de 45,2% no recolhimen-to de IPTU, o que significa que a carga tributária do imposto sobre a propriedade urbana se-ria de 0,61% do PIB em 2010, em vez de 0,43%. Em 2011 haveria o mesmo impacto em termos percentuais da arrecadação do IPTU e praticamente a mesma

carga. Para o ITBI o impacto seria menor, pois o número de municípios em que essa arreca-dação supera o IPTU é pequeno diante dos 93% em que há su-peração do IPVA.

Outro imposto, o ISS, é res-ponsável, junto com o IPTU, por grande parte das receitas próprias dos municípios. De

fato, conforme ilustrado no Gráfico 3, o segundo vem supe-rando cada vez mais o primeiro desde a década de 1980, e parti-cularmente a partir de meados de 2003 apresentou forte ace-leração em termos percentuais do PIB, enquanto a carga do IPTU decresceu, ainda que em menor magnitude.

A maior e crescente impor-tância de impostos sobre servi-ços no financiamento dos seus municípios lança luzes sobre dois pontos importantes sobre a estrutura tributária brasileira: a competição fiscal entre mu-nicípios e a falta de equidade.

O primeiro ponto diz res-peito à existência de compe-tição fiscal entre municípios brasileiros no âmbito do ISS, que afeta a alocação das fir-mas prestadoras de serviços

Gráfico 3 – Evolução da carga tributária de IPTU e ISS no Brasil: 1980-2011

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

IPTU=IPVA IPTU=ITBI2010 2011 2010 2011

% Municípios em que ipTu é

menor93,4% 93,3% 38,9% 42,0%

Aumento da arrecadação (R$ milhões)

7.158 7.927 247 304

Aumento da arrecadação

(%)45,2% 45,2% 1,6% 1,7%

carga tributária 0,610% 0,616% 0,427% 0,431%

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60 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012

e reduz a arrecadação global do imposto. A tributação de imóveis tem como vantagem em relação à tributação sobre serviços o fato de sua base ser relativamente imóvel, o que evita que os governos locais en-trem numa disputa destrutiva pela manutenção das firmas em sua jurisdição em troca de me-nores alíquotas ou benefícios fiscais específicos (Sepulveda e Vazques, 2009).

O segundo ponto, a falta de equidade, é majorada pela forte presença de impostos sobre serviços, que, por natu-reza, não fazem acepção entre contribuintes, tendendo a ser regressivos ou, na melhor das hipóteses, neutros5. Como se não bastasse, o IPTU está inci-dindo de forma regressiva entre as diferentes faixas de renda (IPEA, 2009), o que vai contra a concepção de impostos sobre o patrimônio, principalmente num país carente de políticas fiscais de cunho social, ou seja, que contribuam para a redução de desigualdades.

Desde 2000, com a Emenda Constitucional nº 29, a incidên-cia progressiva do IPTU está au-torizada e pode ser usada como instrumento de política urbana

e equidade tributária, mas ain-da enfrenta dificuldades, que afetam, inclusive, a questão que acabamos de expor, a equidade, ou a falta dela.

Os impostos imobiliários, se bem administrados, se mostra-riam como uma boa alternativa para um sistema tributário que se pretenda razoavelmente equitativo, tanto por reduzir os efeitos das competições entre municípios como por ser a tri-butação direta a ferramenta que permite distinguir as distintas capacidades contributivas. Por isso se mostra importante diag-nosticar a defasagem do IPTU, identificada através da análise dos dados aqui feita, de modo a estimular e fomentar reformas que o incluam em sua pauta.

O desprezado imposto patrimonial urbano

A dificuldade em se au-mentar a arrecadação do IPTU reside em várias questões. A primeira e principal delas é apontada por vários estudos so-bre o tema: os custos políticos e administrativos do imposto. A pressão política de grupos com grande influência e a im-popularidade do imposto para a população em geral podem

ser uma barreira a qualquer tentativa do município de au-mentar a arrecadação (Carvalho Jr., 2006).

Bahl (2009) afirma que, mesmo que seja admitido que são as falhas na administra-ção do um imposto sobre a propriedade a maior causa de baixa arrecadação em países em desenvolvimento, tanto elei-tores como governantes têm certa relutância em promover melhorias neste campo. Isto porque estariam associadas ao fim de práticas como a subava-liação do patrimônio, isenções e relaxamento das sanções a devedores. Além disso, os custos de uma reforma nestes tributos são geralmente vistos como altos em relação à receita gerada pelo imposto, enquanto o retorno de uma melhor admi-nistração de impostos sobre o consumo, por exemplo, seria muito mais alto. Por isso é im-portante ter noção do quanto a receita patrimonial pode ser aumentada, de forma que o peso dos custos da reforma sejam reduzidos, e das vanta-gens da ênfase neste tipo de tributação.

Os custos administrativos da arrecadação do IPTU se

“ ”O sistema brasileiro é, ainda, considerado bem

complexo, devido à grande quantidade de tributos e de alíquotas existentes

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 61

Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

devem à necessidade de ma-nutenção de cadastros imobi-liários atualizados e com bom grau de cobertura, já que a base de cálculo do imposto, o valor venal do imóvel, não é decla-ratória (como IR e ICMS), mas deve ser aferida pelo governo municipal.

Revisões periódicas das in-formações são extremamente importantes pois só assim o coletor poderá monitorar a ex-pansão urbana e as mudanças no uso do solo6 já cadastrado e, consequentemente, poderá implementar políticas públicas de otimização do uso do espaço urbano mais eficientes. Cada cidade possui o seu chamado Cadastro Imobiliário Munici-pal, mas a realidade é que nem sempre a prefeitura possui os recursos (financeiros e huma-nos) em escala suficiente para um bom controle desse serviço.

O recente descompasso en-tre a expansão acelerada do ITBI e a estagnação do IPTU é mais uma expressão do an-tigo problema: os valores dos imóveis nos cadastros não são revisados com frequência su-ficiente e a preços de mercado de forma que a cobrança do imposto pudesse acompanhar a valorização imobiliária dos últimos anos. A arrecadação do IPTU ficou estacionada, en-quanto o ITBI, baseado no valor da transação, sofreu o devido “reajuste”.

O ISS, em contraposição, é um imposto mais fácil de ser cobrado e administrado, o que

tem determinado o aumento de sua participação nas recei-tas próprias dos municípios. Por ser um imposto indireto o seu ônus é socializado, embora regressivamente. A despeito de sua regressividade, o imposto enfrenta menor desgaste polí-tico, afinal seu pagamento não é tão visível quanto o do IPTU. E dois fatores determinam a facilidade no seu recolhimento: a concentração da base tributá-ria em grandes contribuintes, o que facilita o trabalho de fisca-lização e o nível de arrecadação, e a determinação direta e auto-mática da base de cálculo, que é o preço do serviço cobrado pelos contribuintes.

Além dos aspectos políticos e administrativos que rodeiam o IPTU, outros obstáculos a uma melhor arrecadação são apontados por Cesare (2012). A desigualdade de renda, que atinge tanto a famílias que não terão condições de pagar

o imposto como a municípios que não terão recursos para manter um fisco eficiente. O alto grau de informalidade verificado em grandes áreas de ocupação irregular, principal-mente nas grandes cidades, que dificultam a universalização do tributo e a manutenção de cadastros. A heterogeneidade de tipos de ocupação e posse, que aumentam as chances de erro de avaliação. E, por último, a falta de transparência tanto das informações fiscais como do mercado imobiliário.

O que se argumenta no final das contas, é que há espaço para aumentar a arrecadação de impostos sobre o patrimônio imóvel sem necessariamente aumentar alíquotas, investindo na melhoria da qualidade da tributação, investindo em tec-nologia e capital humano. No entanto, citando Bahl (2009), um aumento efetivo da receita exige que todos os aspectos da

Um aumento efetivo da receita exige que todos os aspectos da reforma sejam implementados, caso contrário se corre o risco de que o gasto realmente não tenha valido a pena

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reforma sejam implementados, caso contrário se corre o risco de que o gasto realmente não tenha valido a pena. E estes aspectos são: elaboração de cadastro de todas as proprieda-des, atualização constante das informações cadastrais e das avaliações imobiliárias e apli-cação de mecanismos eficazes de cobrança e punição judicial a devedores. Afonso et al (2012) seguem na mesma linha ao afirmar que o investimento na melhoria do sistema de cadas-tro e de avaliação por si só não tem efeitos certos, pois alguns municípios podem se deparar com outros fatores que estejam afetando a arrecadação. Os fru-tos de uma reforma, no entan-to, iriam além de aumento de receitas, incluindo a correção de outro aspecto negativo do atual sistema que é a alta re-gressividade do IPTU.

Para entender a regressivi-dade do IPTU vamos destrin-char um pouco mais o processo

de arrecadação do imposto. Existem dois instrumentos de controle: o Cadastro Imobiliá-rio Municipal e a Planta Genéri-ca de Valores (PGV). O primeiro contém o registro das caracte-rísticas dos imóveis, como ta-manho, localização, padrão de construção e a identificação dos contribuintes. Manter estas in-formações atualizadas depende de uma equipe técnica especia-lizada e de recursos tecnológi-cos sofisticados, como imagens via satélite para georreferen-ciamento da zona urbana da cidade. A alta informalidade, ou seja, existência de inúmeros imóveis irregulares, decorre da dificuldade de acessar as áreas marginalizadas da cidade. Mas, a irregularidade não se restrin-ge a edificações de baixa renda. Geralmente os cadastros estão defasados em relação à situação real dos imóveis e têm baixo grau de cobertura.

A PGV, por sua vez, deve informar o valor do metro

quadrado onde estão inseridos os imóveis da cidade e será usada como referência pelo fisco para determinar a base de cálculo do IPTU. Para que a progressividade do imposto seja garantida, é fundamental que o valor venal dos imóveis esteja o mais próximo possível do seu preço de mercado, cujo valor sofre influência de fato-res dinâmicos e exige revisão periódica, caso contrário pode causar impactos distributivos significativos.

Estudos apontam para uma

tendência a avaliações imo-biliárias regressivas. Uma das razões disso é a ausência de aplicação de critérios técnicos, o que torna a revisão de valo-res das plantas uma decisão meramente política. De Cesare (2008) mostra a desigualdade nas avaliações imobiliárias como uma das duas fontes de regressividade no imposto imobiliário, de natureza admi-nistrativa. A outra fonte é da natureza intrínseca ao imposto. A autora cita trabalhos de Yin-ger et al., 1998, e de Vilela, 2001, que explicam a regressividade intrínseca ao imposto pelo fato de não necessariamente o valor do patrimônio ser proporcional à renda da família. Na verdade, geralmente as famílias mais pobres devem fazer um esforço financeiro maior para adquirir o imóvel próprio do que as fa-mílias mais ricas, o que quer di-zer que há um distanciamento maior entre a renda da família e o valor do imóvel nas camadas mais pobres da população. O uso de taxas progressivas pode

A única vez em que a tributação patrimonial mereceu um pouco mais de atenção foi na estratégia para construção de um novo sistema tributário

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Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

amenizar a regressividade in-trínseca do imposto, mas não será capaz de corrigir distor-ções de origem administrativa.

As avaliações imobiliárias costumam ser distorcidas do ponto de vista distributivo pelos seguintes fatores apon-tados por Carvalho Jr. (2006): a) a possibilidade de omissão de variáveis que geram exter-nalidades positivas, que vão além da análise do padrão de construção; b) tendência a estabelecimento de arreca-dação piso e teto por imóvel, geralmente para cobrir custos administrativos; e c) a maior capacidade de exercer pres-são política de determinados grupos com poder econômico (proprietários de imóveis mais caros) e conseguir benefícios individuais como isenções, ou mesmo de contestar judicial-mente as cobranças.

A qualidade da elaboração e a periodicidade da revisão do Cadastro Imobiliário Mu-nicipal e da Planta Genérica de Valores operariam no sentido da minimização, quiçá da ex-

tinção, destes problemas. Mas o quadro atual destas infor-mações no Brasil ainda inspira preocupações, a despeito da boa evolução recente, inclusi-ve nos municípios menores. Dados de Garson (2007), de 2006, mostram que 20% dos 3970 municípios com menos de 20.000 habitantes não tinham cadastro imobiliário informa-tizado, mas em 1999 eram 48%. Já dentre os 1.594 municípios com mais de 20.000 habitantes, 9% não o tinham, mas em 1999 eram 26%.

Dentre as preocupações ainda presentes está o fato de a revisão dos valores venais na PGV depender de aprovação legislativa, o que a torna uma decisão política e bloqueia mu-danças que deveriam ter teor técnico. A cobrança de débitos em atraso também enfrenta dificuldades administrativas e políticas que precisam ser re-vistas no sentido de combater a evasão fiscal (Garson, s/d).

De forma a fortalecer a re-ceita do IPTU sem perder o foco na equidade fiscal, Guedes

(2008) sugere várias ações, sen-do elas no campo da ação legis-lativa e administrativa. Num primeiro momento, o objetivo se concentra na promoção da regressividade do imposto, que implica na reordenação do sis-tema de isenções, de mensura-ção da capacidade contributiva e reestruturação das alíquotas em função do valor venal. Ad-ministrativamente, muitas das orientações seguem na mesma linha do que comentamos aqui, mas há uma ênfase maior na importância da gestão dos cré-ditos tributários, devido ao alto grau de inadimplência verifica-do, e na insegurança jurídica que ainda rodeia as tentativas de reavaliações imobiliárias, apesar da EC 29/2000.

Mudanças sem dúvida se mostram necessárias, afinal, a substituição da tributação sobre o consumo, que não leva em consideração a capacidade contributiva do consumidor, por uma eficiente tributação sobre o patrimônio, pode ser uma maneira de reduzir a re-gressividade da carga tributá-ria, significativa no Brasil. No

“”

A baixa relevância dos impostos patrimoniais na elevada carga tributária global nacional e a rara atenção dada a eles nos diagnósticos sobre a situação atual da tributação no País acabam por se reproduzir nas discussões e proposições de reforma tributária

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entanto, apesar dos benefícios sobre a equidade do sistema tributário e do espaço para au-mento da arrecadação para os municípios, não tem havido o menor interesse dos diferentes projetos do governo federal de reforma tributária em propor mudanças para os tributos patrimoniais. Os debates po-líticos têm evitado ao máximo as mudanças que atinjam as competências municipais.

Reforma e perspectivas

A baixa relevância dos im-postos patrimoniais na elevada carga tributária global nacional e a rara atenção dada a eles nos diagnósticos sobre a situação atual da tributação no País acabam por se reproduzir nas discussões e proposições de reforma tributária.

A única vez em que a tri-butação patrimonial mereceu um pouco mais de atenção foi na estratégia para construção

de um novo sistema tributário (ou seja, além de uma reforma) desenhada no Senado Federal, por comissão especial entre 2008/2010 (Senado Federal, 2008). A defesa no Senado de um novo sistema tributário, porém, não avançou, pois a agenda parlamentar no País historicamente sempre foi pautada pelo Executivo Fe-deral e este não manifestou interesse em mudanças mais profundas. Ao contrário, a atu-al gestão assumiu o discurso de que só é possível promover mudanças aos poucos e, ainda assim, manteve o foco apenas no ICMS, quando muito in-cluindo contribuições sociais. Na prática, as alterações na legislação tributária foram raras e com alcance mínimo. Neste contexto, a tributação patrimonial continua sendo um tema completamente fora da pauta, do mesmo modo que a equidade tributária é do in-teresse de um pequeno grupo de técnicos. O discurso segue

sendo progressista, sempre a favor de mudanças sociais, mas a política tributária é con-versadora e a disposição para promover reformas é mínima.

Sem reformas estruturais, a perspectiva para a tributa-ção do patrimônio é, quanto muito, manter a carga do IPTU municipal e do IPVA estadu-al em torno dos patamares atuais, assim como o ITR7 federal com sua insignificân-cia (até estatística), e quan-do muito com expansão dos impostos sobre transmissão, beneficiados pela valorização imobiliária e financiamentos habitacionais, mas que pouco contam na receita tributária nacional – e mesmo local. O cenário político não aponta menor indicio de se aproveitar o enorme potencial oferecido pelos tributos patrimoniais no Brasil, até como alternati-va para compensar a redução da exagerada tributação do consumo.

1 Ver avaliações do Banco Mundial denominadas Doing Business: a empresa brasileira gasta mais de 2,6 mil horas por ano para pagar tributos, a mais alta entre uma e meia centena de países. 2 Para as análises deste estudo consideramos o dobro da Cota-parte IPVA para comparação com a arrecadação do IPTU, ainda que os recursos tenham ficado com o estado.

3 Os municípios menores precisariam promover maior esforço fiscal do que os maiores para administrar eficientemente impostos sobre a propriedade, pois os ganhos em arrecadação não seriam proporcionais ao seu custeio, devido à sua menor base tributável. Os dados mostram que 39,5% dos municípios brasileiros têm arrecadação do IPTU inferior à dos três impostos e eles têm popula-ção média de 27.118 habitantes. Todos os municípios da lista (f) estão entre eles.

4 Afonso et al (2012) destacam as diferentes realidades dos municípios e sua relação com a capacidade tributária.

5 Paes e Bugarin (2006) encontram alíquotas efetivas crescentes para o ISS em estudo a partir de despesas da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003, mas a justificativa estaria no consumo mais intensivo de serviços pelas famílias de maior renda, principalmente educação e saúde. Há uma diferença entre pagar menos impostos por um serviço e não ter acesso a ele, que não se reflete nos números.

6 Morales-Schechinger (s/d) faz interessante investigação sobre o mercado imobiliário latino-americano e defende a sua regulação por via fiscal, principalmente para captura de mais-valia para uso da coletividade. Sobre o Brasil, especificamente São Paulo, ele chama atenção para o pouco uso de instrumentos fiscais desta natureza, a despeito de estarem claramente previstos na legislação.

7 Emenda Constitucional de 2003 chegou a contemplar a delegação à Prefeitura, por convênio, da cobrança do ITR. Até hoje 1617 municípios aderiram ao convênio.

NOTAS

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Tributação da Propriedade

Tributação da Propriedade

RESUMENUn diagnóstico actualizado sobre la tributación de la propiedad en BrasilEl propósito de este artículo es actualizar el diagnóstico del contexto de los impuestos de propiedad en Brasil y tratar de contribuir a la introducción de la materia en los debates sobre la reforma fiscal. El estancamiento de IPTU muestra cómo el enorme potencial de los impuestos a la propiedad han sido ignoradas, a pesar de la importancia de estos como una alternativa a la sobre-imposición sobre el consumo y, por último, como promotor de la equidad fiscal.Palabras-clave: Tax Burden. Property tax. IPTU.

ABSTRACTUpdated diagnosis on property taxation in BrazilThe purpose of this article is to update the diagnosis of the context of property taxes in Brazil and try to contribute to the introduction of the subject in debates about tax reform. The stagnation of IPTU shows how the huge potential of the property taxes have been ignored, despite the relevance of these as an alternative to over-taxation of consumption and, finally, as a promoter of greater tax fairness.Key words: Carga fiscal. Impuestos a la propriedad. IPTU.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Gestão Social: uma nova visão, para além da mera “Gestão Estatal”

Guimarães Rosa dizia em “Grande Sertão”, que viver é muito perigoso, mas aprender a viver é que é o verdadeiro viver. Várias são as propostas existentes para a reforma do Estado. Aos cidadãos, cabe acei-tar o desafio de examinar tais propostas e, analisando-as, aceitá-las, por eficazes para nossas condições sociais, cul-turais, políticas, ambientais e econômicas, ou rejeitá-las, por inadequadas, segundo os mesmos parâmetros. Nenhuma proposta deve ser descartada a priori, como se tivesse vícios de origem e o exercício da crítica, desde que respeitosa, deve ser

valorizado. Debater com respei-to faz parte do bem viver.

Isto posto, propomos, neste artigo, uma breve análise da “Proposta de Ajuste Fiscal para o Brasil e a experiência da Nova Zelândia”, realizado neste país a partir dos anos 80 e apresen-tado em maio de 2006, pela FIESP. Embora o documento tenha sido divulgado há algum tempo, vale, no mínimo, como um exercício de análise crítica para propostas futuras. A partir do referido modelo, a entidade empresarial expôs uma pro-posta de controle dos gastos públicos brasileiros, baseada em três pontos:

1 – redução do total da despesa real do Estado em 2% ao longo

de 6 anos e a manutenção dos níveis de despesas, após esse período, por mais 4 anos;

2 – limite do crescimento do total da receita real para até 50% da taxa prevista de cresci-mento econômico, limitada a 2,75% ao ano e

3 – atingido o superávit opera-cional real positivo (diferença entre receita e despesa, após o pagamento de juros), passa-ríamos, então, a destinar 90% do mesmo para investimentos estatais.

Com essas três medidas, a FIESP estimava que, ao final dos 10 anos desse ajuste fiscal, uma vez realizado, os gastos públicos ficariam reduzidos

Administração estatal ou social: um falso dilema

Administração Estatal

RESUMOGerir o Estado não é uma tarefa simples e, como a crise da democracia apenas representativa bem o demonstra, não deveria ser tarefa de poucas pessoas, ainda que eleitas. O modelo de gestão do Estado, entendido como poder público, é, dada a força crescente dos fundos públicos, essencial para o sistema democrático moderno e para a me-lhoria da qualidade de vida de todos nós. O presente artigo analisa um desses modelos e seus prováveis impactos sociais e aponta para alternativas.

Palavras-chave: Gestão Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.

Carlos Fernando Galvão — Coordenador de Geografia da Equipe de Apoio Pedagógico da Coordenadoria Técnica da Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro e Coordenador de Gestão e Integração de Rede da Regional Metropolitana VI, da Secretaria de Estado de Educa-

ção do Rio de Janeiro — [email protected]

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em 2% reais e o que poderia vir como boas conseqüências desse ajuste seria, segundo a FIESP:

1 – a queda na dívida pública, de 51,8% do PIB (dados de 2006) para 25,7%;

2 – a queda da carga tributária de 34% do PIB (dados de 2006) para 18%;

3 – em conseqüência da dívi-da pública, os empréstimos bancários ao setor privado aumentariam e os investimen-tos do particular passariam de 16,8% do PIB para 19,2%;

4 – os investimentos públicos passariam de 0,3% do PIB para 5% e

5 – a economia cresceria 6% ao ano, em média.

Como funciona o modelo de gestão estatal que poderia melhorar nosso desempenho econômico e nos conduziria ao cenário favorável descrito pela FIESP? Arriscamos um pequeno resumo do que diz o documento dos empresários.

1 – Sofrendo os efeitos das cri-ses do petróleo dos anos 70 e do ingresso da Inglaterra na Co-munidade Econômica Européia, o que teria prejudicado suas exportações, desequilibrando a balança de pagamentos do país, a classe dirigente da Nova Zelândia optou por realizar o seu ajuste fiscal.

2 – Iniciado pelo Partido Traba-lhista, continuado pelo Partido

Nacional e novamente tendo à frente o Partido Trabalhista, o processo foi iniciado, em 1984, com idéias liberalizantes. Os gastos públicos teriam caído, entre 1990 e 2002, de 53,8% do PIB para 37% e a carga tributá-ria teria caído também, de 49% do PIB para 41%. Além disso, a taxa real de juro teria passado de 6,4% ao ano para 3,0% ao ano, em 2002.

3 – Órgãos e entidades públicas com receitas próprias foram reorganizados a partir de mo-delos de gestão empresariais, embora a propriedade perma-necesse governamental. Nesses modelos, a contabilidade e a prestação de contas do setor público foram concebidas e realizadas de modo quase idên-tico as de uma empresa do setor privado.

4 – Criou-se a figura de um Executivo Chefe, com seu próprio corpo funcional, por ele nome-ado, tal como numa empresa privada, com metas financeiras a serem atingidas; o Parlamen-to teve controle dos gastos públicos.

5 – Foi instituída a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (existente no Brasil) para, no dizer do do-cumento, levar o país a ter uma “redução da dívida para níveis prudentes” e uma “administração prudente do risco fiscal e a previ-sibilidade do nível dos impostos”.

6 – A forma contábil da Nova Zelândia já foi a de Fluxo de Caixa, ou seja, informações contábeis que refletem as movi-

mentações de contas bancárias em cada ano fiscal. A mudança passou a considerar as des-pesas, quando incorridas e as receitas, quando auferidas, em tempo real. Segundo a FIESP, esse novo sistema permitiu a captura de todos os custos dos “recursos consumidos por um produto durante o período em análise e, portanto, disponibiliza informação mais acurada ao ad-ministrador público”.

7 – As contas públicas do Exe-cutivo passaram a ser auditadas por um órgão independente, li-gado ao Parlamento que podia, inclusive, apresentar medidas para melhorar a eficácia do sistema.

8 – A partir das informações públicas resultantes dos rela-tórios preparados, durante o processo acima, foram gerados indicadores econômicos com os quais o Executivo Neozelandês pode se planejar.

9 – Ao assumir o governo, foi aumentado o ritmo das pri-vatizações e da liberalização da economia e foi instituído o regime de “administração por resultados”.

10 – Foram criados três conceitos à administração go-vernamental da Nova Zelândia:

10.1 - recursos utilizados – bens e serviços comprados ou empregados com a finalidade de obter um produto e o exem-plo que a FIESP trouxe foi o do Ministério da Saúde local, que “poderia contratar assistentes

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sociais e comprar veículos e materiais (recursos) visando a aumentar o número de atendi-mentos a crianças carentes de uma determinada região”;

10.2 – produto – benefício à comunidade, propriamente dito e

10.3 – resultado – medida do impacto do produto na comunidade e o exemplo da FIESP foi o do impacto da ação do Ministério da Saúde, acima relatada, que esperava levar a uma redução em 20% no índice de crianças desnutridas, pelos anos seguintes (não sabemos se a meta foi atingida).

Nossas ideias só estão fe-chadas quando morrem ou morremos. A proposta Neoze-landesa teve, pelo exposto no estudo, aspectos interessantes, como a forma de trabalhar a questão contábil do Estado, com apuração em tempo real

e não apenas com o Fluxo de Caixa, o que agiliza processos administrativos e pode ser um bom instrumento de controle social porque pode, dentre outras coisas, levar à institucio-nalização de medidas como o pregão eletrônico, infelizmente ainda pouco utilizado no Brasil. Um segundo ponto positivo do modelo foi a aplicação dos conceitos de “recursos utiliza-dos – produtos – resultados”, que clareiam a execução orçamen-tária ao mostrar a aplicação do dinheiro público de modo, aparentemente, mais compre-ensível. Por fim, um terceiro ponto interessante do modelo trazido pela FIESP foi a criação de dados e informações para que indicadores econômicos sejam produzidos, com con-fiabilidade maior do que com formas mais tradicionais de geração de dados e informações estatais. Há um detalhe não analisado ou não explicitado no estudo da FIESP que acha-

mos por bem mencionar, que é o fato de que um modelo de gestão estatal, qualquer que seja, para ser eficaz, não pode prescindir de um orçamento que seja impositivo.

A política pública apresen-tada é um modelo de gestão financeira da Nova Zelândia e está voltado para os aspectos contábeis e fiscais do Estado, mas não há menção, ao menos no estudo apresentado pela FIESP, de tudo o mais que com-põe o poder público. Assim, ou o modelo toma o Estado apenas em sua abstração financeira, subordinando tudo o mais a ela, ou a FIESP o faz – e é le-gítimo que o faça, diga-se de passagem, se for esse o caso. Contudo, também é legítimo que essa visão de mundo seja criticada. Para ficarmos em apenas em um aspecto, há funções estatais que, embora envolvam dinheiro público, não só não podem, como não devem ser reduzidas à planilhas de custos, como a abertura do Estado ao controle social e, por conseguinte, às estruturas de poder para que a população diga, quando, onde e quanto investir o dinheiro público, ou mesmo, se querem ou não essa ou aquela política pública. Alguns dizem que não é neces-sária tal consulta à população porque ela já teria dado o seu aval, ao votar no grupo admi-nistrador do momento, mas a falência da democracia apenas representativa está mais do que evidente, e suas funestas con-seqüências são por todos, senão conhecidas, conscientemente,

Em sua intangibilidade - dimensão existencial - cuja representação é tanto subjetiva quanto social, a cidade é uma “imagem pública”

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Administração Estatal

ao menos sentidas, na vivência cotidiana.

O modelo de gestão finan-ceira e fiscal da Nova Zelândia, a despeito de toda e qualquer crítica que lhe seja feita, pode ser adequado às condições sociais, políticas, culturais, am-bientais e econômicas do povo neozelandês, mas não é, direta e automaticamente, passível de ser transposto para o Estado e o povo brasileiro, como nenhum modelo permite, aliás.

Cortar gastos públicos onde? Essa é uma escolha política, e não técnica. O mesmo vale sobre onde, como e a quem beneficiar, quando o assunto é política fiscal dos investimen-tos públicos. O setor público brasileiro, em diversos mo-mentos de sua história recente, tem contido gastos públicos e em outro, expandido. Fazemos enormes “superávitis” pri-mários e a pobreza continua, embora tenha diminuído nos últimos anos. De juros, nos últimos 10 anos, segundo es-timativas baseadas em dados oficiais, pagamos algo como R$12 trilhões, ou seja, 6 PIBs brasileiros! Se existe algum lugar nas despesas estatais, que deveria ser cortado, certamen-te é nas finanças relativas ao pagamento de juros. Claro que teríamos gritaria, alegando que seríamos um país irresponsável, mas não é menos verdade que manter a dívida social intacta ou com melhoras pontuais e/ou lentas é irresponsabilidade muito maior. Em maio de 2006, com a meta oficial de 4,25% do

PIB, fizemos, na prática, 6,36% de superávit primário. Em que isso melhorou a gestão pública, estruturalmente, para a popu-lação em geral, salvo o que foi feito com as políticas púbicas compensatórias? Estrutural-mente pouco.

Não podemos falar em reformar o Estado sem que mexamos nos mecanismos de distribuição de renda, quer dizer, sem que discutamos a alocação dos fundos públicos. Em decorrência, instrumentos fiscais como os propostos no modelo neozelandês e nas me-tas apontadas pela FIESP, terão tanto mais chances de não afetar negativamente a vida da população que as adotar, quanto mais ela tiver alcançado um nível de desenvolvimento social lhe permita atravessar períodos restritivos por ter “gorduras para queimar”, como é o caso da Nova Zelândia e vários países europeus. Não é, ainda, infelizmente, o caso do brasileiro comum, carente de muitas coisas, com baixo índice de atendimento de ser-viços públicos de qualidade e, infelizmente, ainda muito de-pendente dos serviços públicos.

O modelo em questão, da Nova Zelândia, propõe audi-tagem permanente das contas do Executivo por um órgão do Legislativo. É uma boa medida, em que pese o fato de que, sem a abertura maior dos governos à participação popular, torna-se apenas um acerto de cúpulas e, nesse caso, o problema da concentração de poder e, por

conseguinte, de renda, não será substancialmente altera-do. Vale, apenas, a ressalva de que a auditagem deve ser feita de modo retroativo, desde as origens de nossas dívidas. A participação aqui preconizada teria, ainda, o efeito de inibir cortes drásticos ou remaneja-mentos em áreas como saúde, educação e segurança, áreas que afetam mais as camadas menos assistidas e que me-nos poder aquisitivo tem para suprir essa falta de serviços públicos da parte do Estado. Este último não pode ser ad-ministrado como uma empresa porque não visa ao lucro, mas sim à prestação de serviços públicos e isso exige, não raro, investimentos para além do que supostas taxas “científi-cas” de inflação normalmente o permitem. As metas admi-nistrativas devem servir para atender as que deveriam ser as mais importantes metas do Estado, as sociais como, por exemplo, a ampliação do SUS ou a melhora da qualidade da educação pública.

As propostas de reforma do Estado estão baseadas, em boa parte das vezes, na cren-ça, equivocada, de que ajustes financeiros e de gestão têm o poder, (quase) por si sós, de resolver as crises sociais. Não estamos aqui, de modo algum, pregando uma gastança estatal indiscriminada, até porque, já fizemos em alguns períodos e de nada adiantou – embora boa parte do dinheiro público venha sendo canalizado para os abastados econômicos e

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políticos com acesso aos me-canismos de poder ou venha sendo roubado, pura e simples-mente. O que estamos a dizer é que apenas restrições orça-mentárias aos gastos públicos não são a panacéia universal e, num país onde a riqueza é muita, mas concentrada e onde o Estado ainda é vital (possivel-mente, por muito tempo o será) para boa parte da população, reduzir os gastos públicos, na dimensão que parte da mídia e vários setores econômicos e políticos têm proposto, é uma contribuição para que tudo fi-que mais ou menos como está e, quando isso acontece, a ten-dência não é o estancamento das crises, mas a sua piora.

De todos os poderes pú-blicos, por assim dizer, o municipal é o que está mais próximo das pessoas, dos ci-dadãos e com a magnitude dos problemas sociais e urbanos neste século XXI, mesclada a toda potencialidade que temos para construir espaços exis-tenciais cada vez melhores, se soubermos como não desper-diçar a capacidade enorme para criar coisas boas, que temos, gerir de modo diferenciado tais Unidade Existenciais ou, como

são mais conhecidas, nossas Cidades, é um fator de extre-ma importância dos nossos tempos. Como fazer isso, não de modo autocrático, mas de modo, efetivamente, democrá-tico e universal?

Espaço Urbano: um modelo, concreto e abstrato, em construção

Em sua intangibilidade –dimensão existencial – cuja representação é tanto subjetiva quanto social, a cidade é uma “imagem pública”. Podemos ter uma imagem visual concreta,

ou seja, de um objeto real e uma imagem mental, que é uma for-ma de apreensão, por parte do ser, de um objeto, tangível ou intangível, que não é ele mes-mo. Uma cidade tem as duas formas de imagens. Por exem-plo, com objetos tangíveis, na sua dimensão geométrica e car-tograficamente representável, a cidade deve ser tratada como um objeto arquitetônico e de engenharia. Maria Eliane Ko-hlsdorf mostra que “a geometria euclidiana fornece instrumentos de fácil manejo e que coincidem com uma representação secundária do espaço, onde se expressam suas

“ ”Governar é, sobretudo, um ato contínuo

de solidariedade social, criatividade política e competência administrativa

A visão da Arquitetura sobre o conceito “espaço” é importante porque é esse “olhar” que conduz a maior parte das intervenções urbanas

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dimensões, proporções e predicados relacionais da estrutura de suas respectivas formas” (Kohlsdorf, 1996: p.171). Morais e Messias, a partir da teoria marxista do valor, afirmam o seguinte:

“Sendo o espaço (e tudo o que ele contém) uma condi-ção universal e preexistente do trabalho, ele é, desde logo, um valor de uso, um bem de utilidade geral. A produção, desta forma, sempre se realiza-rá sobre formas preexistentes, sejam naturais ou sociais. (...) É por isso que o espaço é uma condição geral da produção (1999: p.123).

Esse “valor”, citado pelos autores, é o valor do espaço ca-pitalista. Por outro lado, há um valor no espaço, uma vez que ele é, do mesmo modo, “palco de processos que nele ocorrem”, ou seja, as relações (sociais) de produção e a produção em si, mesmo não parecendo ser especificamente espaciais, são, no mínimo, dotadas de es-pacialidade, e ela também entra na composição do valor de uma mercadoria (Morais e Messias, 1999: p.128). Para Fridman e Siqueira, “o produto chamado ‘cidade’ é concebido e realizado exatamente seguindo os mesmos métodos recomendados pelo marketing: deve ser atraente e mostrado diretamente em suas ca-racterísticas mais desejáveis, sendo a sua venda a mais desimpedida possível” (2003: p.26).”

É um equívoco a afirma-ção de que apenas construir ruas, praças etc. é construir

espaço urbano, se estiver-mos de um lugar da fala que não o da Arquitetura ou da Engenharia Civil (ou, ao me-nos, de uma parte de suas correntes de pensamento) ou que não o do senso comum. A “cidade arquitetônica”, por assim dizer, e seu espaço (arquitetônico) são apenas a base para a constituição do(s) espaço(s) social(is). Uma cidade não é uma cons-trução de espaço, mas uma construção existencial que é materializada no espaço e os objetos urbanos nele transi-tam e com ele interagem.

U m a c i d a d e p o d e s e r definida, não apenas, mas também, como a organização cultural, ambiental, econô-mica e política de um espaço físico e seus elementos como um rio ou o mobiliário urba-no. Eni Orlandi diz que há um certo “eu” urbano, que produz sentidos sociais no, a partir do e para o espaço urbano. A autora afirma que a cidade tem signi-ficados e formas, e ambos têm a sua “narrativa” que pode ser “lida” pelas pessoas (Orlandi, 2001: p.10-11). As relações so-ciais são sempre “de sentido” e, por isso, “não restam espaços vazios na cidade, sua realidade estando toda ela preenchida pelo imaginário urbano” (Orlandi, 2001: p.14).

Do ponto de vista arqui-tetônico, uma cidade pode ser definida, nas palavras de Kohlsdorf, como “qual-quer espaço intencionalmente produzido (...) toda construção

social é, efetivamente, proje-tada” (1996: p.19). Mais uma vez, a concepção de espaço urbano, quando construída a partir do conceitual de uma certa vertente da Arquitetu-ra, define cidade como sendo o produto de um projeto e, ainda que ressalte que esse é socialmente construído, é, na essência, um projeto e, se levarmos em consideração o que é definido como projeto, na Engenharia e na Arquite-tura (um plano geral para a construção de uma obra, com plantas e cálculos), fica fácil percebermos que uma cidade, nessa concepção, pode ser, efetivamente, remodelada na prancheta. É o jogo de interesses técnicos e, não raro, de grupos e/ou classes sociais hegemônicos e suas concepções ideológicas que estão por trás dessa definição de espaço urbano.

Ora, uma consequência dessas idéias é que há uma se-paração entre o que podemos chamar de “Espaço Arquitetôni-co” e “Espaço Urbano”. Embora complementares, são diferentes e autônomos: o espaço arquite-tônico é uma das formas de leitura, interpretação e inter-venção do espaço urbano, não se confundindo com ele. O problema aparece quando essa dimensão arquitetônica – ou geométrica – é tida como a priori, como se essa “res exten-sa” existisse independente de um ser e de um conjunto de seres (sociedade), que a percebe como “extensa” e que lhe dá significado; com se o material

Gestão Social

Administração Estatal

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significasse a existência e não o contrário.

A visão da Arquitetura sobre o conceito “espaço” é impor-tante porque é esse “olhar” que conduz a maior parte das intervenções urbanas e pode ser apreendida, por exemplo, pelo menos em uma de suas vertentes, a partir das idéias do professor Sílvio Colin, quando afirma o seguinte:

“Ao mesmo tempo em que o espaço é o lugar-continente de todos os corpos, a extensão onde ocorrem todos os eventos, o meio vazio onde os seres se locomovem e onde estão situa-dos os objetos, para o arquiteto o espaço é, também, uma coisa extensa, uma existência objeti-va, uma “matéria” à qual ele terá de dar forma (2000: p.57-58).”

A definição acima pode expressar, contudo, o que po-demos chamar de “Espaço Arquitetônico”, mas não “Espa-ço”, universalmente falando, ou mesmo “Espaço Urbano”, como categoria conceitual passível de alguma generalização para outras áreas do conhecimen-to humano, se adotarmos a perspectiva política e existen-cialista. Nesta perspectiva, o que tem forma, ao contrário do que afirmam alguns, não é o espaço, um ente intangível, mas os objetos e construções, animados e inanimados, que estão dispostos sobre a base física que caracteriza a dimen-são geométrica do conceito “espaço”. Este último tem es-tética e simbologia, elementos

materiais e existenciais, mas não tem uma forma clássica, se esta for entendida como algo que podemos ver e tocar. Se-gundo Argan (1992), no período Modernista, o Urbanismo foi definido como uma disciplina criada para estudar a cidade e planejar o seu desenvolvimento e foi o resultado da mistura de diversas áreas do saber humano como a Sociologia, a Economia e a Arquitetura, por ele citadas. No seu modo de ver, o Urbanis-mo não deveria ser confundido com o que chamou de “Arquite-tura Urbana”.

A busca por novos espaços sociais

Como “olhar” a política com olhos estranhados, tomando emprestada uma expressão de Bertold Brecht? Um novo “olhar” pode selar um novo acordo entre duas ou mais pes-soas e, jurídica e politicamente falando, um acordo recebe o nome de “contrato”, que é uma transferência mútua de direitos e obrigações entre as partes.

Mesmo tendo uma natureza jurídica, o Estado é, na verdade, um ente com poder político que faz uso de instrumentos jurí-dicos. Os poderes socialmente constituídos devem decidir qual regra legal será aplicada em cada caso e essa decisão é política e não jurídica, embora não prescinda do arcabouço jurídico. O Estado Moderno é, pois, a expressão Constitucio-nal do Soberano, o Povo, e pela Carta Magna e códigos vários (sistema legal) baseia suas ações

(políticas). Em sua origem, além do território, da sobera-nia e da Constituição, há um outro elemento constituidor do poder estatal - aliás, o mais importante: as pessoas. Sem povo (cidadãos organizados e conscientes de seu processo histórico-espacial), não há soberania, território, Constitui-ção ou Estado.

Uma administração social do território e da vida é não só possível, a despeito dos que falam que isso é utopia, como desejável e perfeitamente re-alizável (não é nada fácil, isso sim, mas é viável). Um grupo de voluntários, no Rio de Ja-neiro testou uma proposta que chamamos de Plano de Gestão Cidadã, explicitada no livro “Democracia – do conceito à prática, da representação à participação”, da Editora Claridade, lançado em maio de 2010, em Ponta Grossa (PR) e na cidade do Rio de Janeiro. A síntese dessa proposta, abaixo explicitada, pode ser encontra-da, na íntegra, no livro.

Participação Popular no Brasil e alguns de seus pressupostos legais

Como levar o bem-estar a to-dos os moradores das cidades, respondendo às modernas de-mandas urbanas? Isso é função apenas dos governos? No Brasil, desde 1987, para citar um único exemplo, existe e vem atuando o Fórum Nacional de Reforma Ur-bana (FNRU), resultado de uma articulação de pesquisadores de universidades, de organizações

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não governamentais e autori-dades que, baseados em vários estudos e documentos, como a Carta de Atenas e em conferên-cias como as chamadas “Habitat I e II”, da ONU, se propõem a buscar ideias e ações concretas para melhorar a qualidade de vida nas cidades. Há instru-mentos legais que versam sobre o quesito “participação popu-lar” na gestão urbana, embora a menção às metodologias de trabalho sejam vagas, com um indicativo de “participativo”, mas sem dizer como se dará, na prática, essa participação. Não obstante, lei não nos falta para regular a participação popular na gestão pública.

1 – O artigo 182 da Constituição Federal, em seu § 1º, determi-na a obrigatoriedade de toda cidade com mais de 20 mil ha-bitantes ter um Plano Diretor, o qual deve ser refeito decenal-mente, conforme o § 3º da CF; às cidades com menos de 20 mil habitantes, o Plano Diretor é facultado. O § 2º do artigo 40 do Estatuto da Cidade determi-na que as cidades com mais de 500 mil habitantes devem ter, obrigatoriamente, um plano de transporte. As diretrizes do Plano Diretor são traçadas pela Lei nº◦ 10.257/2001.

2 - No § 2º do artigo 182, está expresso que a propriedade ur-bana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da ordenação da cidade, assinaladas no Pla-no Diretor. Isso significa que a abrangência desse Plano é apenas a área urbana ou a

área de expansão urbana e no § 2º do artigo 40 do Estatuto da Cidade está disposto que o Plano Diretor deve englobar o território urbano como um todo. No artigo 186 da Consti-tuição Federal, a propriedade rural cumpre a função que lhe é demandada quando atende aos requisitos que estão dis-postos, explicitamente, neste artigo e não quando cumpre as exigências fundamentais do Plano Diretor que, como já vis-to, rege apenas o ordenamento do espaço urbano.

3 – O Planejamento Municipal tem no Plano Diretor um ins-trumento constitucional para as Políticas Urbanas, como prescreve o artigo 4º do Esta-tuto da Cidade.

4 – As diretrizes expressas no artigo 39 da Lei n◦ 10.257/2001 mostram que os Municípios devem observar na elaboração de seus Planos Diretores: a ga-rantia de cidades sustentáveis; o saneamento ambiental; a moradia; a ordenação e con-trole do uso do solo; a retenção especulativa de imóvel urbano; a proteção, preservação e re-cuperação do meio ambiente, natural e construído; a regula-rização fundiária e urbanística de áreas ocupadas por popula-ção de baixa renda; a isonomia das condições para agentes públicos e privados nos em-preendimentos urbanísticos; a gestão democrática das cidades; outras.

5 – São instrumentos do Plane-jamento Municipal, expressos

no artigo 4º, inciso III, do Esta-tuto da Cidade: Plano Diretor, que disciplina, por exemplo, o parcelamento, uso e ocupação do solo; zoneamento ambien-tal; Plano Plurianual; diretrizes orçamentárias anuais; planos, programas e projetos sociais, planos de desenvolvimento econômico e social; gestão or-çamentária participativa.

6 – O Plano Diretor deve ser elaborado por procedimentos do Poder Executivo e/ou Le-gislativo, mas a metodologia é, segundo o Estatuto da Cidade e os artigos 182 e 183 da CF, obrigatoriamente, participati-va, numa parceria entre poder público e população.

7 – O § 4º do artigo 182 da Cons-tituição Federal dispõe que os poderes municipais, na elabo-ração do Plano Diretor e em sua fiscalização e implementação, deverão garantir: a publicida-de quanto aos documentos e informações produzidas pelas políticas urbanas; o acesso a qualquer interessado nos documentos e informações produzidas e a promoção de au-diências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas da sociedade.

A realização de um Plano Diretor é uma das formas de participação popular, sem dúvida. Entretanto, é de-pendente de legislação e de políticas públicas, ou seja, é função da institucionalidade, ainda que associada à cidada-nia, e não de um movimento

Gestão Social

Administração Estatal

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originado e executado pelos cidadãos, independente de terem ou não apoio insti-tucional. A participação no Plano Diretor é feita através de seis passos: 1 – levanta-mento da realidade da cidade e de seus problemas; 2 – defi-nição de objetivos e métodos de trabalho; 3 – redação da proposta; 4 – apreciação pelas câmaras municipais; 5 – aprovação pelos vereadores e 6 – promulgação pelo Prefei-to. Um Plano Diretor, embora não deva ser nosso único foco de ação, quando pensarmos em democracia participativa, deve contar com a participa-ção ativa, sempre que estiver sendo discutido, já que nele são tomadas decisões im-portantíssimas para nossas vidas. O Estatuto das Cidades traz em seus artigos, assim, mecanismos legais para que a cidadania participe mais ativamente de sua vida, quan-do da elaboração decenal do Plano Diretor, mas não garan-te que tal participação seja contínua e sistemática.

Governar é, sobretudo, um ato contínuo de solidariedade social, criatividade política e competência administrativa. Contudo, os sistemas estatais, ao longo da História, são engessados e lentos em suas ações. E talvez tenham que ser assim mesmo, já que o poder público deve se precaver, pois seu resguardo é uma garantia social. Mas as mudanças e avanços precisam acontecer. Assim, a participação popular faz-se essencial para que a

vida em comunidade flua de modo autônomo e satisfató-rio. O que fazer, então?

A ideologia do Plano de Gestão Cidadã (PGC)

O papel de quem usa o inte-lecto e o coração, na política e na vida, é tomar a palavra em público e levantar problemas fundamentais que precisam de uma resposta coletiva. É essa, na verdade, a essência do Plano de Gestão Cidadã e a meta expressa no título deste capítulo não pode ser atingida se não houver: 1 – participação popular; 2 – autoplanejamento / au-togestão;3 – qualidade social de vida.

Para construir este processo, por sua vez, é necessário termos: a – vontade política, existente ou “construível”, pelo poder público e pela população; b – afetividade e respeito pelo outro;c – uma metodologia de traba-lho sociopolítico participativa (e não autocrática).

Por outro lado, é também im-portante: 1 – o fortalecimento da socie-dade e dos cidadãos; 2 – o planejamento coletivo; 3 – a viabilização de projetos autogestionários. Plano de Gestão Cidadã (PGC): uma proposta de ação política coletiva

O PGC se justifica, a come-çar do fato de que qualquer

reivindicação da cidadania, por mais ingênua que possa parecer, deve ser incentivada, pelo simples fato de que é o resultado de um sentimento e, com um pouco de sorte, de alguma forma de organiza-ção popular, o que é sempre desejável. Assim, o PGC é uma proposta que possibilita o oferecimento ao cidadão comum e aos movimentos comunitários, um canal livre e eficiente de comunicação com o poder público e com toda a sociedade, além de um instrumento de ação política. O objetivo específico do PGC é viabilizar a participação po-pular cada vez mais intensa, autônoma e auto-sustentável, o que envolve, por exemplo, auto-organização, geração de renda e desenvolvimento so-lidário e local, além de buscar uma cada vez maior participa-ção popular no planejamento e na gestão política das cidades.

Buscando novos caminhos

A imposição de um tipo de realidade, sem contestação, nos imobiliza. Movimentemo-nos, pois! Mas para movimentar-mo-nos, tempestivamente e com consequência, não é ne-cessário que antes efetuemos um bom planejamento, ou seja, que antes tenhamos uma ideologia (na boa acepção da palavra), viabilizada por uma metodologia de ação social eficaz? Vale aqui, a ressalva de que não podemos permitir o engessar-se nessa ideologia e nessa metodologia. Temos de ter a humildade para reco-

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nhecer erros no que fazemos e acertos no que os outros fazem, encarando-os como aliados que pensam diferente e não como inimigos a quem

devemos humilhar e aniqui-lar (desde que todos ajam com ética, lealdade e amor); é necessário termos lucidez e disposição suficientes para

absorver os acertos dos outros e corrigir os nossos erros. So-bretudo, devemos acreditar em nós mesmos e em nossos sonhos, tentando realizá-los.

Gestão Social

RESUMENAdministración estatal o social: un falso dilemaGerir el Estado no es una tarea simples y como la crisis de la democracia representativa lo demuestra, no debería ser tarea de unos pocos, aunque elegidos. El modelo de gestión del Estado entendido como poder público es, debido a la fuerza creciente de los fondos públicos, esencial para el sistema moderno y para el mejoramiento de la calidad de vida de todos nosotros. El presente artículo examina uno de esos modelos y sus probables impactos sociales y apunta hacia alternativas.Palabras-clave: Gestión Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.

ABSTRACTState or social administration: a false dilemmaTo administer the State is no easy task and, as the crisis of representative democracy clearly points out, it should not be placed in the hands of a few persons, even being the elected ones. Considering the growing strength of public funds, the State management model, considered as public authority, is viewed as essential not only for the modern democratic system but also for our quality of life improvement. The present article analyzes one of these models as well as its probable social impacts and proposes alternatives.Key words: Public Management. Representative Democracy. Participatory Democracy.

Administração Estatal

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Resposta

Diante dos princípios cons-titucionais que devem reger a administração pública, insertos no art. 37, caput da Constitui-ção, o inciso II deste mesmo dispositivo constitucional esta-belece a exigência de concurso público para o provimento de cargos ou de empregos públi-cos. Dentre as exceções possí-veis a tal exigência temos a dos cargos em comissão, que são de livre nomeação e exoneração e destinam-se tão somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

No entanto, exatamente por configurar uma exceção à regra do concurso público para pro-vimento de cargos, a Constitui-ção estabeleceu em seu art. 37, inciso V, que os cargos em co-missão deverão ser preenchidos por servidores de carreira. Isto é, concursados, nos casos con-dições e percentuais mínimos

previstos em lei. Trata-se de regra extremamente salutar e moralizadora introduzida pela EC nº 19/1998.

Relativamente ao disposi-tivo ora analisado, vale ainda asseverar que a referida modi-ficação no bojo do texto consti-tucional pela EC nº 19/1998, que também introduziu expressa-mente o princípio da eficiência no caput do art. 37, pretende materializar este princípio ao garantir e reconhecer que os cargos de direção, chefia e as-sessoramento devem ser, em determinado percentual, pro-vidos por servidores efetivos em virtude da necessidade de conhecimentos técnicos, com o desiderato de evitar o lote-amento meramente político desses cargos.

O legislador constituinte derivado reformador, por in-termédio da EC nº 19/1998, transformou a eficiência,

antes considerada atributo de gestão técnica, em vetor cons-titucional que deve orientar toda a atuação da Adminis-tração Pública.

De tal sorte, diante de uma interpretação conforme e sistemática do texto consti-tucional, pode-se aferir que a exigência de um percentual mínimo de cargos em comis-são a serem preenchidos por servidores efetivos encontra guarida na preocupação ho-dierna de exigir-se o melhor desempenho possível das atri-buições dos agentes públicos, a fim de se obter os melhores resultados, o que atende não somente aos interesses da Administração pública, mas também dos cidadãos.

Feitas estas primeiras con-siderações elucidativas acerca dos cargos em comissão, passa-mos à análise da competência para iniciativa do Projeto de Lei

Cargos de provimento em comissão. Fixação do percentual mínimo a ser exercido por servidores efetivos. Iniciativa do projeto de Lei. Competência.

Pareceres

CONSULTAIndaga sobre a iniciativa de projeto de lei que fixa percentuais mínimos de cargos em comissão previstos no art. 37, inciso V da Constituição Federal, bem como se esta iniciativa é diferenciada por Poder.

Priscila Oquioni Souto — Consultora Jurídica do IBAM

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que fixa o percentual mínimo desses cargos.

Inicialmente, cabe deixar consignado, por oportuno que se revela, que a norma contida no art. 37, inciso V da Constituição, é constitu-cional de eficácia limitada. Ou seja, é norma que depende de uma Lei integrativa infra-constitucional para produzir todos os seus efeitos. De forma mais completa, temos uma norma constitucional de eficácia limitada declaratória de princípio institutivo ou orgânico, visto que contém esquema geral de estrutura-ção de instituições, órgãos ou entidades.

Tratando-se de norma de eficácia limitada, que tem por fito concretizar o princípio da eficiência, compete aos di-versos órgãos e entidades da administração pública definir o limite que lhes seja conve-niente de reserva para servi-dores efetivos.

Muito embora na jurispru-dência dos Tribunais Superio-res não exista, até a presente data, jurisprudência que se amolde perfeitamente ao caso em apreço, pode-se colacionar, com o intuito de corroborar as ideias até aqui expostas, a ADI nº 4.355, cumpre esclarecer que se encontra em trâmite no STF, a qual pleiteia a declaração de inconstitucionalidade da Res. nº 88/2009 do CNJ que, entre outros, fixou no seu art. 2º, § 2º, o percentual de 50% dos cargos em comissão para

provimento de servidores das carreiras judiciárias, impondo aos Tribunais de Justiça, nos Estados onde ainda não haja legislação a respeito, encami-nhem Projetos de Lei para a regulação da matéria.

A indigitada ação declara-tória de inconstitucionalidade ainda se encontra pendente de julgamento. Entretanto, o seu Ministro relator e o Advogado Geral da União e o Procurador Geral da República manifesta-ram-se pela sua improcedência e conseguinte constitucionali-dade da Res. nº 88/2009 do CNJ.

Importante para ilustrar a questão sob exame, trecho da manifestação do Advogado Ge-ral da União na ADI nº. 4.355, o qual a seguir se reproduz:

“(...) já em relação ao per-centual mínimo de cargos em comissão que devem ser provi-dos por servidores das carreiras judiciárias, a resolução questio-nada presta-se a concretizar, no âmbito do Poder Judiciário, o preceito constitucional con-tido no inciso V do art. 37 da Lei Maior”.

Na conformidade de todo o exposto até aqui, e com as adaptações devidas, visto o es-pecial papel que a Constituição atribui ao CNJ no âmbito do Po-der Judiciário, reitera-se a ideia anteriormente mencionada de que, tratando-se de norma de eficácia limitada que tem por objetivo o melhor desempenho possível das atividades a serem desenvolvidas, compete aos

diversos órgãos e entidades da administração pública definir o limite que lhes seja convenien-te de reserva para servidores efetivos.

No âmbito do Poder Exe-cutivo, uma vez que a matéria é atinente à organização ad-ministrativa, composição de órgãos integrantes da estrutura desse Poder, a iniciativa da lei em comento cabe ao Prefeito, por força do art. 61, § 1º, II, alínea “e” da Constituição, apli-cável ao processo legislativo em âmbito municipal por força do princípio da simetria (art. 29, caput da Constituição), conso-ante jurisprudência pacífica no âmbito do STF.

No âmbito dos demais Pode-res, no caso o Poder Legislati-vo, cabe a ele dispor sobre sua organização e funcionamento, respeitado o Princípio da Sepa-ração dos Poderes contido no art. 2º da Constituição.

Nesse diapasão, conclui-se que a norma infraconstitu-cional que integra o art. 37, inciso V da Constituição, que configura norma de eficácia l imitada, conforme visto outrora, no âmbito do Poder Executivo, é de iniciativa pri-vativa do seu chefe. No que tange ao Poder Legislativo, cabe a ele dispor por Reso-lução sobre os percentuais mínimos de cargos em comis-são ocupados por servidores efetivos, eis que é da sua com-petência a edição de normas acerca da sua organização e funcionamento.

Pareceres

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O projeto Conservador das Águas surgiu da necessidade de se implementar ações de preservação e de recuperação ambiental no município de Extrema (MG). Situado em um dos maiores sistemas de abastecimento público do mundo (Sistema Cantareira), está em situação de grave de-gradação de sua mata nativa como consequência da ativi-dade agropecuária.

Os principais objetivos do projeto são aumentar a co-bertura vegetal nas sub-bacias hidrográficas do município; implantar microcorredores ecológicos; reduzir os níveis de poluição difusa rural; di-fundir o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água; e garantir a susten-tabilidade socioeconômica e ambiental das ações de ma-nejo por meio do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) aos produtores rurais, instrumento regulamentado pela Agência Nacional de Águas (ANA).

O projeto teve início em 2005, com a promulgação da primeira lei municipal do Brasil a regulamentar o PSA. Ao longo de sua implantação, contou com o apoio técnico e financeiro de diversos parcei-ros – ANA, Caixa Econômica Federal (CEF), Instituto Na-cional de Florestas (IEF-MG),

Comitê de Bacias PCJ Federal, Universidade Federal de La-vras, Associações de Mora-dores, The Nature Conservancy (TNC) e SOS Mata Atlântica. Liderado pela Prefeitura Mu-nicipal de Extrema, o Con-servador das Águas realizou atividades em 95 proprieda-des rurais de duas das sete sub-bacias englobadas pelo município (Posses e Salto), entre 2007 e 2011.

A implantação do Paga-mento por Serviços Ambien-tais em Extrema mostrou-se uma experiência de sucesso na construção de novo mode-lo de preservação ambiental, e continua ampliando suas ações e agregando, a cada ano, novos produtores rurais.

Reconhecido nacional-mente e com grande poten-cial de replicabilidade, o Con-servador das Águas serviu de base para publicações e para a criação de projetos similares em outros municípios. Além disso, foi agraciado com os prêmios Bom Exemplo, con-cedido pela Rede Globo e Fun-dação Dom Cabral, em 2011, e Caixa – Melhores Práticas em Gestão Local 2011/2012.

Foi, igualmente, uma das 12 práticas ganhadoras do Prêmio Internacional de 2012 promovido pela Municipali-dade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com o apoio do Programa das Nações Uni-das para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat).

Projeto Conservador das Águas, Extrema (MG)

Em Foco

Gustavo Rabello — Coordenador de Projetos do IBAM

O projeto Conservador das Águas teve início em 2005, com a promulgação da primeira lei municipal do Brasil a regulamentar o PSA

Para mais informações, consulte: www.extrema.mg.gov.br