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ISSN 1677-0668 ANO XII Nº 46 julho/setembro de 2011 Revista de Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior e os desafios da indústria brasileira ARTIGOS ENTREVISTA Brasil: temos modelo de desenvolvimento? Antonio Paulo Barea Coutinho Um olhar da Sociologia Econômica sobre a crise financeira Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa José Luis Oreiro A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado Jackson De Toni A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira José Matias Pereira Evolução recente e perspectivas da economia brasileira Raul Velloso Continuação da crise Carlos Eduardo de Freitas, José Luiz Pagnussat e José Fernando Cosentino Tavares O XIX Congresso Brasileiro de Economia, tema da matéria principal, homenageou os 60 anos da regulamentação da profissão e discutiu a desindustrialização no Brasil. *Celso Furtado *Antônio Delfim Neto *Mário Henrique Simonsen *Dércio Gracia Munhoz * Fotos de domínio público retiradas da internet *José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu *Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá *Joaquim Murtinho *Roberto Simonsen *Otávio Gouveia de Bulhões *Eugênio Gudin *Roberto Campos *Maria da Conceição Tavares *Antônio de Barros Castro *Ricardo Bielschowsky *Afonso Celso Pastore *Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo *Armínio Fraga Neto *José Luiz Fiori *Pedro Malan *Gustavo Franco *Ruy Mauro Marini *Theotônio dos Santos *Rômulo Almeida *Luiz Carlos Bresser-Pereira *Edmar Lisboa Bacha

Revista de Conjuntura, n. 46

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*Armínio Fraga Neto *José Luiz Fiori *Pedro Malan *Gustavo Franco *Ruy Mauro Marini *Otávio Gouveia de Bulhões *Eugênio Gudin *Roberto Campos Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior e os desafios da indústria brasileira *Edmar Lisboa Bacha *Antônio Delfim Neto *Theotônio dos Santos *Dércio Gracia Munhoz *Afonso Celso Pastore *Ricardo Bielschowsky *Roberto Simonsen ISSN 1677-0668 *Joaquim Murtinho *Celso Furtado

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Page 1: Revista de Conjuntura, n. 46

ISSN

1677

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ANO XII Nº 46 julho/setembro de 2011

Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior

e os desafios da indústria brasileira

ARTIGOS

ENTREVISTA

Brasil: temos modelo de desenvolvimento?

Antonio Paulo Barea Coutinho

Um olhar da Sociologia Econômicasobre a crise financeira

Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro

A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa

José Luis Oreiro

A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado

Jackson De Toni

A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira

José Matias Pereira

Evolução recente e perspectivas da economia brasileira

Raul Velloso

Continuação da criseCarlos Eduardo de Freitas,

José Luiz Pagnussat e José Fernando Cosentino Tavares

O XIX Congresso Brasileiro de Economia, tema da matéria principal, homenageou os 60 anos da regulamentação da profissão e

discutiu a desindustrialização no Brasil.

*Celso Furtado

*Antônio Delfim Neto

*Mário Henrique Simonsen

*Dércio Gracia Munhoz

* Fotos de domínio público retiradas da internet

*José da Silva Lisboa, Visconde

de Cairu

*Irineu Evangelista de Souza, Visconde

de Mauá*Joaquim Murtinho

*Roberto Simonsen

*Otávio Gouveia de Bulhões

*Eugênio Gudin *Roberto Campos *Maria da Conceição Tavares

*Antônio de Barros Castro

*Ricardo Bielschowsky

*Afonso Celso Pastore

*Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

*Armínio Fraga Neto *José Luiz Fiori *Pedro Malan

*Gustavo Franco *Ruy Mauro

Marini*Theotônio dos

Santos

*Rômulo Almeida

*Luiz Carlos Bresser-Pereira

*Edmar Lisboa Bacha

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COMECE A FAZER PARTE DESDE JÁ DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL!

Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas.

O estudante credenciado terá os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condições, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei.

Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderá consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicações do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, além de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.

Documentos necessários:

Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia);

www.corecondf.org.br

Aluno e aluna de

de qualquer período ou sérieCiências Econômicas

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TTãmnia

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de

R$ 40,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.

07Brasil: temos modelo de desenvolvimento?

Antonio Paulo Barea Coutinho

11Um olhar da Sociologia Econômica

sobre a crise fi nanceiraFrancisco de Assis Campos da Silva e

Moisés Villamil Balestro

18A crise do euro, dilemas de política

econômica e o futuro da EuropaJosé Luis Oreiro

28A necessidade de uma política

industrial permanente como política de Estado

Jackson De Toni

33A retomada da crise mundial e os seus

impactos na economia brasileira José Matias Pereira

40Evolução recente e perspectivas da

economia brasileira

Raul Velloso

44Continuação da crise

Carlos Eduardo de Freitas, José Luiz Pagnussat e

José Fernando Cosentino Tavares

2 editorial

3 entrevistaFernando Pimentel

23 destaqueXIX Congresso Brasileiro de Economia

ÍndicePublicação do Conselho Regional de

Economia do Distrito Federal

ANO XI • Nº 46 • julho/setembro de 2011

ConjunturaRevista de

Nesta edição

Page 4: Revista de Conjuntura, n. 46

Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat

Conselho editorialCarlos Eduardo de FreitasElder Linton Alves de AtaújoJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaHumberto Vendelino RichterMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesOscar Henrinque Belo SantosTito Belchior Silva MoreiraJúlio Miragaya

Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)

Redação e editoração eletrônicaCamila Fiorese

Revisão Letícia Sallorenzo

Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refl etem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteJusçanio Umbelino de Souza

Vice-presidenteHumberto Vendelino Richter

Conselheiros efetivosJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino RichterJosé Luiz PagnussatCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos SantosCarlito Roberto ZanettiPaulo Roberto Amorim Loureriro

Conselheiros suplentesÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo Bento de Matos FélixJucemar José ImperatoriCésar Augusto Moreira Bergo

Conselheiros federais efetivos pelo DFMário Sérgio Fernandez Sallorenzo Júlio Miragaya Roberto Bocaccio Piscitelli

Conselheiros federais suplentes pelo DFMaria Cristina de AraújoNewton Ferreira da Silva Marques Max Leno de Almeida

Gerente executivoRonaldo Gallotti Schroeder

Equipe do Corecon-DFAngeilton Francisco Lima Faleiro Camila FioreseHélio Matheus Silva de OliveiraIraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)

Esta edição da Revista de Conjuntura tem como tema principal a crise do euro. Tema

que foi analisado pelo grupo de conjuntura do Conselho em várias reuniões, desde agosto.

Procurou-se avaliar a crise com diversos olhares, com destaque para duas reuniões conjun-

tas com os professores da UnB da área da sociologia econômica. Essas visões estão coloca-

das, sem esgotar a riqueza dos debates realizados, nos diversos artigos incluídos na Revista.

O Grupo de Conjuntura vem se reunindo sistematicamente há mais de cinco anos e se

posicionando sobre temas de relevância nacional. Nestes anos foram analisadas algumas

dezenas de temas, como: “a mudança na metodologia de cálculo do PIB” (mai/07), a “dívi-

da dos estados” (jun/07), ”Rodada de Doha” (jul/07), “CPMF” (ago/07), “crise aérea” (set/07),

“perspectiva do crescimento econômico” (nov/07), “a controvérsia sobre a necessidade de

mudança na política econômica” (abr/08), “reforma tributária” (mai/08), “preços das com-

modities” (jun/08), “infl ação: a política econômica necessária” (jun/08), “Fundo Soberano”

(jul/08), “crise fi nanceira” (set/08), “crise de liquidez” (out/08), “impacto a médio prazo das

medidas anticíclicas” (mai/09), “a queda da Selic e as alterações na poupança” (mai/09),

“a crise acabou?” (jun/09), “cenário econômico mundial” (set/09), “tributação do ingresso

de capital estrangeiro” (out/09), “a crise política (do GDF) e os riscos econômicos e sociais”

(fev/10), “câmbio e desenvolvimento” (abr/10), “gastos do setor público, o que é investimen-

to?” (nov/10), “infl ação e estabilização: a opção gradualista” (mai/11), “a crise da zona do

euro” (ago/11), etc.

Estes são apenas alguns exemplos de temas debatidos, sempre com pluralidade na

análise, sem preconceito às diversas correntes de pensamento econômico. Hoje os econo-

mistas do Corecon-DF são referência na mídia nacional e internacional, ocupam semanal-

mente os principais jornais do país e antecipam, com grande competência, as tendências

econômicas. Pautam não só a mídia, mas também as alternativas de política econômica

para o país.

Neste sentido, convidamos todos os economistas a participarem das reuniões e a suge-

rirem temas para análise do Grupo de Conjuntura. Dois temas estão na lista de escolha para

debate: um se refere ao entusiasmo de setores do governo em relação à política econômica

da Argentina - de metas para o câmbio, prioridade para o crescimento, política monetária

menos conservadora - que vem propiciando elevadas taxas de crescimento do país vizinho.

Outra hipótese de tema se refere à controvérsia sobre a efetiva independência do Banco

Central. Para muitos, a decisão do Copom de reduzir os juros quando o mercado esperava

aumento indicou “intervenção do governo” e para outros revelou, enfi m, “a independência

do Banco Central dos lobbies do sistema fi nanceiro”. Antes o BC só fazia o que o “mercado”

sinalizava.

Neste ano, as reuniões do Grupo de Conjuntura vêm sendo realizjadas quinzenalmente

aos sábados pela manhã. Os temas debatidos são previamente escolhidos e procura-se

abordar o tema em mais de uma reunião, iniciando-se com um enfoque teórico/conceitual

para então ampliar o debate para a análise conjuntural. Participe!

Outro convite que fazemos aos economistas se refere à indicação de personalida-

des econômicas para compor a capa da próxima revista, em comemoração dos 60 anos

da profi ssão de economista no Brasil. Nesta edição, lembramos algumas personalidades

econômicas, sem esgotar a lista e sabendo que esquecemos de economistas brasileiros

importantes. Não incluímos nesta edição, por exemplo, economistas que são destaque na

área política, é o caso da presidenta Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves e outros mais.

A indicação de nomes para a próxima capa da revista pode ser enviada para o e-mail do

Corecon ([email protected]).

EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ConjunturaConjunturaRevista de

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julho / setembro / 2011

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Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior fala

sobre o Plano Brasil Maior e os desafi os da indústria brasileira

ENTREVISTA

3

Fernando Pimentel Fo

to: D

ivul

gaçã

o

Mineiro de Belo Horizonte, Fernando Pimentel

é economista graduado pela Pontifícia Universidade

Católica (PUC) de Minas Gerais e Mestre em Ciência

Política pela Universidade Federal de Minas (UFMG). Foi

vice e, posteriormente, eleito prefeito de Belo Horizonte

(2005/2008) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do qual

foi um dos fundadores.

Por sua atuação, foi apontado pelo site inglês

Worldmayor como o oitavo melhor prefeito do mundo –

era o único da América do Sul na lista dos dez melhores.

Ele deixou a prefeitura com índices de aprovação supe-

riores a 90%.

Pimentel foi professor da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), vice-presidente da Associação de

Professores Universitários de Belo Horizonte, presidente

do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais

(1991-1992) e diretor do Sindicato dos Economistas

mineiro – após uma trajetória de resistência ao regime

militar durante os chamados anos de chumbo, quando

foi perseguido e preso entre 1970 e 1973.

Nos anos 1990, atuou na administração municipal

de Belo Horizonte, onde exerceu os cargos de secretário

da Fazenda (gestão de Patrus Ananias, de 1993 a 1996) e

de secretário de Governo, Planejamento e Coordenação

Geral no primeiro mandato de Célio de Castro (1996).

Em 2000 foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte, e

a partir de abril de 2003 assumiu o cargo de prefeito em

razão da aposentadoria do titular. Nas eleições de 2004,

com 68,5% dos votos válidos, tornou-se o primeiro pre-

feito na história da capital mineira eleito no primeiro

turno.

Com experiência na vida pública, Dilma Rousseff

o convidou para ocupar o cargo de ministro do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a partir

de 1º de janeiro de 2011.

Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF,

o ministro Fernando Pimentel falou sobre a evolução da

economia mundial, tendo em vista a crise fi nanceira,

os desafi os da indústria brasileira e sobre o Plano Brasil

Maior.

Conjuntura - Questão de profundidade envolvendo

o Plano Brasil Maior: é princípio do comércio inter-

nacional que as mercadorias sejam tributadas no

destino, e não na origem. Por essa razão, as expor-

tações são embarcadas livres de impostos. Cabe

ao país do importador arrecadar os impostos cabí-

veis. Não interessa aqui esmiuçar os detalhes e

problemas da prática dessa regra geral que, aliás,

se aplica exclusivamente aos tributos sobre a pro-

dução, e não aos impostos diretos, que incidem

sobre as remunerações dos fatores produtivos,

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como salários, juros, aluguéis e lucros. Por isso são

considerados componentes intrínsecos do custo de

produção, formadores do preço a custo de fatores,

elemento essencial da concorrência.

Ora, o custo dos fatores de produção no Brasil é in-

fl ado pela extravagante carga tributária incidente

sobre a mão de obra (20% de contribuição previden-

ciária patronal, mais 11% do empregado). Note-se

que os 11% do empregado representam a alíquota

máxima e é sujeita a teto; já os 20% do empregador

não obedecem a teto nenhum. E é tão elevado esse

ônus porque de fato os valores não se destinam a

fi nanciar somente um sistema público de aposen-

tadorias e pensões por tempo de contribuição, mas

um programa de redistribuição de renda de amplo

espectro com base nas determinações da Constitui-

ção de 1988, que vislumbraram um projeto de se-

guridade social misturado com previdência social.

O resultado é uma confusão de subsídios cruzados

e perda de competitividade da indústria de trans-

formação, fato agravado pela apreciação do real.

Pergunta-se: por que o governo, no Plano Brasil

Maior, não foi mais fundo nessa questão de desone-

rar a folha de pagamento, e substituiu a tributação

arrecadada diretamente sobre o emprego por im-

postos/contribuições gerais para fi nanciar aqueles

benefícios de natureza eminentemente distributi-

va? Ficariam para a folha de pagamento apenas os

valores estritamente destinados ao programa de

aposentadorias e pensões por tempo de contribui-

ção efetiva. O senhor não acha que isso reduziria

signifi cativamente o custo da mão de obra e forta-

leceria a competição da indústria brasileira tanto

no exterior, como na disputa pelo mercado interno?

Fernando Pimentel - Esta é uma medida totalmen-

te inovadora e um dos principais destaques do Plano

Brasil Maior. É claro que queríamos estendê-la a mais

setores, mas temos que ser cautelosos. Nesse primei-

ro momento, foram escolhidos esses quatro setores

sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional e

intensivos em mão-de-obra, que são confecções, cal-

çados, móveis e software. Eles terão a redução a zero

da alíquota de 20% para o INSS. Em contrapartida, será

cobrada uma contribuição sobre o faturamento com

alíquota de 1,5% para confecções, calçados e artefa-

tos e móveis, e de 2,5%, para software. É uma deso-

neração feita com responsabilidade fi scal porque não

haverá perdas para a Previdência. O Tesouro Nacional

arcará com a diferença para cobrir eventual perda de

arrecadação da Previdência Social. A medida funcio-

nará como um projeto piloto até dezembro de 2012,

e seu impacto será acompanhado por uma comissão

tripartite, formada por governo, sindicatos e setor

privado. Nosso objetivo é reduzir os encargos traba-

lhistas e garantir a expansão do emprego e as condi-

ções necessárias de competição para essas empresas.

Conjuntura - Quais os seus prognósticos da evo-

lução da economia mundial no futuro próximo se

houver uma recessão mais profunda, como parece

sugerir a última ata do Copom?

Com altas taxas de desemprego, endividamento e

desvalorização de suas moedas, as economias desen-

volvidas estão sob a ameaça de uma crise sistêmi-

ca que ameaça se alastrar pelo mundo com efeitos

ainda piores que os provocados pela crise de 2008.

‘‘

‘‘

É uma desoneração feita com responsabilida-

de fi scal porque não haverá perdas para a

Previdência. O Tesouro Nacional arcará com a diferença para cobrir

eventual perda de arrecadação da Previdên-

cia Social. A medida funcionará como um

projeto piloto até dezembro de 2012...

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Conjuntura - Em sua opinião, a crise fi nanceira inter-

nacional irá afetar o Brasil?

Fernando Pimentel - O Brasil vive um paradoxo. Pre-

senciamos progresso econômico e social interno

sustentado sob a ameaça de uma crise internacio-

nal de grandes proporções. Mas não estamos imu-

nes aos problemas externos. Temos que redobrar a

atenção à ameaça infl acionária e à forte apreciação

cambial (que neste momento está mais branda), com

seus efeitos negativos sobre toda a cadeia produtiva.

Com o agravamento da crise, os efeitos do choque

externo sobre a economia brasileira serão a pressão

dos preços internacionais de commodities, a entrada

maciça de dólares induzida pelas políticas monetá-

rias expansionistas das economias desenvolvidas e o

avanço das importações sobre nosso mercado inter-

no, já que os países emergentes, como o Brasil, são a

bola da vez, com números de crescimento econômico

e aumento do poder de compra de suas populações.

Conjuntura - O Plano Brasil Maior, no seu lançamen-

to, adotou três conjuntos de medidas, com desta-

que para as de promoção do “comércio exterior”

e de “defesa da indústria e do mercado interno”. O

Ministério está planejando novas medidas nes-

sa área? E quais as principais diretrizes de ação?

Fernando Pimentel - O Brasil Maior não é um plano

concluído, que se encerrará nas medidas já anuncia-

das. Será acrescido e fortalecido com outras a serem

implantadas a partir das discussões entre governo,

trabalhadores e empresários. A visão estratégica do

Plano Brasil Maior se materializa num conjunto de

medidas e metas, que serão monitoradas e acompa-

nhadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimen-

to Industrial (CNDI), formado por representantes do

governo e do empresariado. Juntos, vamos discutir

e defi nir as medidas para fortalecer nossa indústria.

Conjuntura - Os conselhos de economia realizaram

no início de setembro o Congresso Brasileiro dos

Economistas. Um tema recorrente no evento foi a

preocupação com a “desindustrialização do Brasil”.

Como o Ministério pretende enfrentar essa tendên-

cia? E quais as principais causas desse processo?

Fernando Pimentel - Alguns setores da indústria

nacional passam por difi culdades em consequência

da concorrência desleal de importações, sobretudo

asiáticas, ou do real valorizado dos últimos tempos,

que tornaram o produto nacional mais caro na hora

de exportar. Muitos deles, inclusive, foram atendidos

pelo Plano Brasil Maior com medidas específi cas para

o aumento da competitividade. É o caso, por exem-

plo, de confecções, calçados, móveis e software, para

os quais o governo anunciou a desoneração da folha

de pagamento. Demais segmentos fragilizados, neste

momento, também poderão se benefi ciar de outras

medidas de desoneração tributária e, por exemplo,

de linhas de fi nanciamento do BNDES, algumas novas

e outras já existentes, mas que foram ampliadas para

atender um número maior de empresas. Mas apenas

a inovação será capaz de dar o fôlego necessário à

indústria nacional, aumentando as exportações e di-

minuindo o défi cit verifi cado em alguns segmentos.

Há necessidade de aumentar os investimentos em in-

fraestrutura e na qualidade da mão de obra, além de

reduzir a elevada carga tributária do país, que incide

diretamente sobre a competitividade das empresas.

Conjuntura - O pré-sal representa um risco futuro

para a desindustrialização do Brasil?

Fernando Pimentel - O pré-sal é uma riqueza importan-

tíssima, que já atrai investimentos e nos impõe o desafi o

de avançarmos na pesquisa e na inovação. Os recursos

gerados pelo pré-sal permitirão ao Brasil investir em co-

nhecimento e educação, o que, consequentemente, re-

sultará em maior competitividade da indústria brasileira.

Foto: Ascom

MD

IC

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... a aposta do Plano Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo no

Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em universidades estrangeiras de ponta para

estudantes brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos assegurar

condições de competir no mercado global.

Fernando Pimentel ‘‘

Conjuntura - Qual a importância da indústria para

o processo de desenvolvimento brasileiro e qual a

estratégia de desenvolvimento de longo prazo da

indústria brasileira?

Fernando Pimentel - A indústria brasileira represen-

tou 26,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em

2010, o que mostra a importância desse segmento para

a economia nacional e a necessidade de medidas de

incentivo e proteção ao setor. O Plano Brasil Maior foi

lançado com esse objetivo, de permitir o crescimento

da competitividade da indústria que, quanto mais for-

te, mais poderá contribuir para a geração de empre-

gos e o aumento de sua participação no PIB brasileiro.

Conjuntura - O senhor será o responsável por avaliar

quais montadoras fi carão isentas do aumento de 30

pontos percentuais no Imposto sobre Produtos In-

dustrializados (IPI), medida dita para estimular a pro-

dução nacional. Em que será baseada está avaliação?

Fernando Pimentel - O Decreto nº 7.567, publica-

do no Diário Ofi cial de 16 de setembro, estabelece

os critérios para essa avaliação. Entre elas, mínimo de

65% de conteúdo regional, realização de pelo menos

6 de 11 etapas produtivas no Brasil e investimento de

0,5% da receita bruta total de venda de bens e servi-

ços em pesquisa e inovação tecnológica. Segundo o

decreto, por 45 dias a partir da publicação, todas as

empresas que produzem no país estarão habilitadas

provisoriamente. Quando esse prazo chegar ao fi m, o

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior (MDIC) será o órgão responsável por habilitar

a empresa para que tenha a isenção do aumento do

IPI. A sistemática para essa habilitação será defi nida

em portaria a ser publicada pelo ministério, em breve.

Conjuntura - O senhor acha que o protecionismo é a

melhor maneira de estimular a competitividade da

indústria de transformação?

Fernando Pimentel - Não. Por isso, a aposta do Plano

Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo

no Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em

universidades estrangeiras de ponta para estudantes

brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos

assegurar condições de competir no mercado global.

Foto

: Div

ulga

ção

6

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Brasil: temos modelo de desenvolvimento?

Antonio Paulo Barea Coutinho

Nos últimos anos, o modelo de crescimento econô-

mico calçado na expansão e fortalecimento do merca-

do interno trouxe, de fato, maior dinamismo à econo-

mia brasileira. Para constatar essa afi rmação bastariam

os principais indicadores econômicos desde 2005, que

puderam ser registrados mesmo em ambiente de forte

crise internacional. Tal expansão, combinada com meca-

nismos de distribuição de renda via transferências go-

vernamentais e o aumento do valor do salário mínimo,

resultou não só em maior sustentação do crescimento

econômico, como ainda cumpriu com um dever de jus-

tiça social. As disparidades sociais, especialmente aque-

las associadas à discriminação racial e de gênero, foram

construídas ao longo da história brasileira e perpetua-

ram enormes diferenças de qualidade de vida e de opor-

tunidades, observáveis quando comparamos as regiões

e quando consideramos outros recortes como os con-

trastes entre os ambientes rural e urbano, por exemplo.

No entanto, parece haver contradições entre esse

atual modelo de desenvolvimento econômico que

prevalece no país, conhecido como modelo de cres-

cimento pelo mercado de consumo de massa, e os

principais desafi os hoje postos pela conjuntura eco-

nômica e política internacional; especialmente quan-

do se levam em consideração algumas questões que

estão fortemente entrelaçadas. Em primeiro lugar,

também porque hoje estamos assistindo aos em-

bates em torno da aprovação de um novo Código

Florestal no país, há as questões que implicam dire-

tamente o meio ambiente, desde a preservação das

fl orestas até o meio ambiente urbano. Associado a

tais questões está o desafi o de migrarmos para uma

sociedade que tem no conhecimento sua difusão so-

cial, e no aumento da produtividade, um fundamento.

A questão do desenvolvimento, em uma visão

de etapas, que identifi ca um modelo a ser seguido

e que prevê uma fase de consumo de massa, já foi

apresentado por W. W. Rostow em “Etapas do desen-

volvimento econômico: um manifesto não-comunista”,

publicado em 1960. Na quinta etapa de seu modelo,

estabelece-se a era do consumo de massa (high mass

consumption), na qual há multiplicação das indús-

trias produtoras de bens de consumo duráveis, além

de uma crescente importância do setor de serviços.

Segundo Ricardo Bielschowsky, economista da Co-

missão Econômica para a América Latina e o Caribe (Ce-

pal), o modelo de crescimento que orienta o país hoje:

É um estilo de crescimento que pressupõe simultaneidade

entre: expansão dos investimentos, da produtividade e da

competitividade; e adequada transmissão de aumento de

produtividade à renda das famílias trabalhadoras (pelo

mercado de trabalho, pela redução de preços de bens e ser-

viços populares, e por políticas sociais muito ativas). É a mo-

dalidade virtuosa de integração entre crescimento e distri-

buição de renda que por décadas vigorou em países desen-

volvidos de mercado interno amplo. (BIELSCHOWSKY; 2004)

A descrição do modelo, certamente uma abstra-

ção, uma idealização que é necessária como recurso

para a análise econômica e histórica, ainda assim nos

traz ao menos um ponto fundamental: a necessária e

simultânea expansão dos investimentos, da produ-

tividade e da competitividade. E é aí que podemos

enxergar uma possível vulnerabilidade de tal mode-

lo, que poderá nos expor a enorme risco, se acreditar-

mos que há um círculo virtuoso que necessariamente

advirá do crescimento econômico que experimenta-

mos nos últimos anos. E é disso que tratamos a seguir.

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Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão de

desenvolvimento econômico, que não é trivial. Desen-

volvimento implica visão de mundo, transformação

social e afi rmação de um projeto que resultará em

novos cidadãos, instruídos por outros valores. Desen-

volvimento implica política. Vale voltarmos ao profes-

sor Celso Furtado, morto em 2004, e que nos deixou

um registro sintético de seu pensamento em discurso

realizado em 2002, ao receber o título de Doutor Ho-

noris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

Com o crescimento econômico eleva-se a renda da popu-

lação. Com a modernização, adotam-se novas formas de

vida, imitadas de outras sociedades que, estas sim, bene-

fi ciam-se de autêntica elevação da produtividade física.

Mas só o desenvolvimento propriamente dito é capaz de

fazer do homem um elemento de transformação, passível

de agir tanto sobre a sociedade como sobre si mesmo, e

de realizar suas potencialidades. Daí que a refl exão sobre

o desenvolvimento traga em si mesma uma teoria do ser

humano, uma antropologia fi losófi ca. (FURTADO; 2002)

A partir dessa refl exão do professor Celso Furtado,

como fi ca a questão do desenvolvimento hoje? Quais

são as potencialidades que têm que se atualizar para

fazer frente aos desafi os contemporâneos, conside-

rados em largos traços a sociedade brasileira e sua

inserção internacional? Não seríamos descritos antes

de tudo como uma sociedade fortemente desigual?

E a economia brasileira, não está cada vez mais inse-

rida em todos os circuitos econômicos e fi nanceiros

internacionais? Não é a megadiversidade, a riqueza de

nossos biomas, outro aspecto distintivo de nosso país?

O modelo de consumo de massa apenas tan-

gencia essas questões e pressupõe a capacidade

de endogeneização e simultânea autopropulsão do

crescimento econômico como uma solução satisfa-

tória. Ainda que faça reparos, Ricardo Bielschowsky

acredita ser o modelo viável no Brasil, apenas exigi-

ria intervenção pública em dois âmbitos: garantindo

que o aumento da produtividade chegue aos rendi-

mentos dos trabalhadores e que haja fomento à pro-

dução e exportação. Esse autor registra ainda que:

A estratégia baseia-se no debate iniciado nos anos 1960

sobre crescimento com redistribuição de renda, e foi apre-

sentada no PPA 2004-2007. Vale a pena que seja discutida,

aperfeiçoada e implementada.” (BIELSCHOWSKY; 2004)

Apesar de o texto ser de 2004, e fazer referência

ao PPA 2004-2007, vale registrar que ele traz parâ-

metros que parecem ainda balizar as principais deci-

sões do governo federal que precisam ser analisados

de perto. Em primeiro lugar, a questão ambiental.

Desde os anos 1960 há várias contestações da iden-

tifi cação do desenvolvimento econômico com o cres-

cimento da produção. Expressão histórica disso foi a

publicação e a grande repercussão do livro Primavera

Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, em que há uma

denúncia do uso indiscriminado de agrotóxicos e seus

efeitos destrutivos. Essa obra é um marco, e depois

dela há uma longa série de publicações e ações polí-

ticas que tinham como ponto fulcral a contestação do

modelo de desenvolvimento que elegia a expansão

do PIB como tarefa primordial. Esse movimento vem

por desaguar em perspectivas como a do ecodesen-

volvimento e, depois, desenvolvimento sustentável.

Em 1972, a realização da Conferência das Na-

ções Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em

Estocolmo, apresentou um mundo dividido quan-

to às questões ambientais. Entre países ricos e po-

bres houve uma fratura: os debates não permitiram

maior cooperação, especialmente porque os países

ricos lançaram ideias de inspiração neomalthusia-

Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão

de desenvolvimento econômico, que não é

trivial. Desenvolvimento implica visão de mundo, transformação social e

afi rmação de um projeto que resultará em novos

cidadãos, instruídos por outros valores.

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nas, que tinham por objetivo diminuir o crescimen-

to econômico dos países pobres. (RIBEIRO; 2002:37)

Ainda assim, algumas idéias e princípios apre-

sentados em Estocolmo tiveram ali a oportunidade

de serem amplifi cadas. Como o primeiro princípio:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igual-

dade e ao desfrute de condições de vida adequadas em

um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar

uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obri-

gação de proteger e melhorar o meio ambiente para as ge-

rações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que

promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial,

a discriminação, a opressão colonial e outras formas de

opressão e de dominação estrangeira são condenadas e de-

vem ser eliminadas. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO; 2002)

Em 1987, a publicação do relatório Nosso Futuro

Comum, e em 1992, a realização da “Rio-92”, favorece-

ram a expansão da utilização da ideia de desenvolvi-

mento sustentável. Apesar de muito recorrente já há

duas décadas, a expressão desenvolvimento susten-

tável muito pouco explica o que de fato ocorre nas

disputas políticas reais. A escalada da tensão política

nos embates em torno da reforma do Código Flores-

tal brasileiro é uma manifestação certamente aguda

- de uma fratura que atravessa todo o processo pro-

dutivo e, mais profundamente, visões inconciliáveis

do processo de desenvolvimento - dois campos tão

discerníveis quanto antagônicos. E mais: tal fratura

é nítida nos países que consolidaram sua industria-

lização apenas no século XX, como é o caso do Brasil.

Nas últimas décadas, os discursos e algumas prá-

ticas governamentais, de empresas e associações al-

teraram um pouco a visão prevalecente até os anos

1970, que atribuía à industrialização e ao crescimento

da produção de riqueza, expressa monetariamente, a

ideia de desenvolvimento. No entanto, apesar de tan-

tos esforços, parece persistir um anacronismo interes-

sado travando a renovação da visão de futuro, algo

bem nítido nas polêmicas em torno da aprovação do

novo Código Florestal brasileiro. É apenas algo entre

passado e futuro? É um choque de “visões de mun-

do”? Mudança de paradigma? Confl ito econômico?

Quanto à educação, item necessariamente asso-

ciado ao aproveitamento das possibilidades que vêm

da riqueza de nossos biomas, avaliações com parâme-

tros internacionais como o Programa Internacional de

Avaliação de Alunos indicam que nossos jovens ainda

estão em uma situação comparativamente bastante

desfavorável no cenário internacional. Postos de tra-

balho que exigem competências e habilidades cada

vez mais complexas, e que mudam constantemente,

estão cada vez mais distantes da maioria dos jovens

brasileiros. Os postos de trabalho que virão dos no-

vos desafi os, como aqueles que deverão ser criados

pelas mudanças climáticas, são bastante exigentes.

Outro tema polêmico que associa meio ambien-

te e economia é o conhecimento das comunida-

des tradicionais, como os indígenas, quilombolas

e caiçaras. Há grande interesse de grupos interna-

cionais, que procuram apreender o que conhecem

essas populações. Segundo Wagner Costa Ribeiro:

É enorme o interesse de grupos internacionais em apreender

o que eles conhecem..., ou seja, em descobrir pistas para a

pesquisa de matrizes genéticas que possam ser aprimoradas

e utilizadas na produção de alimentos, remédios e materiais.

Ainda não está claro como será o reconhecimento da impor-

tância desses grupos, cujo saber foi resultado de séculos de

práticas transmitidas de geração a geração.” (RIBEIRO; 2002)

O assassinato de mais dois líderes extrativistas em

maio deste ano no Pará, José Cláudio Ribeiro da Silva

e da mulher dele, Maria do Espírito Santo, pode ser

tomado como um sinal de alerta aos propalados be-

nefícios do modelo de consumo de massa. Lá se vão

mais de vinte anos da morte de Chico Mendes, ocorrida

em 22 de dezembro de 1988. É necessária uma revisão

do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro,

pois estamos operando com uma visão anacrônica e

pouco atenta a características importantes do nosso

povo e do nosso território. Chico Mendes deixou fra-

ses como esta: “Se descesse um enviado dos céus e me

garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta

até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o

contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro nu-

meroso não salvarão a Amazônia. Quero Viver.” Tal von-

tade de viver, contrariada pela violência sem medida,

deverá ser lembrada quando a ocupação da Amazônia

for pauta de alguma decisão. Não será um modelo que

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nos põe como consumidores que nos tornará agen-

tes de uma construção de país justo e belo. Voltando

ao professor Celso Furtado, em seu discurso já citado:

No curso da história as ciências têm evoluído graças

àqueles indivíduos que, em dado momento, foram capa-

zes de pensar por conta própria e ultrapassar certos limi-

tes. Com a economia, essa ciência social que deve visar

prioritariamente o bem-estar dos seres humanos, não é

diferente. Ela requer dos que a elegeram imaginação e co-

ragem para se arriscar em caminhos por vezes incertos.

Para isso não basta se munir de instrumentos efi cazes. Há

que se atuar de forma consistente no plano político, assu-

mir a responsabilidade de interferir no processo histórico,

orientar-se por compromissos éticos.” (FURTADO; 2002)

A visão de mundo que podemos ter, quando

contamos em nossa cultura política com a herança de

brasileiros como Celso Furtado e Chico Mendes, o que

nos possibilita desejar um futuro melhor,é muito mais

rica do que a adesão ao consumo que tem por modelo as

sociedades do capitalismo avançado. Pois foi também a

dinâmica dessas economias que forçaram a inaceitável

perda de biodiversidade, de culturas e, muitas vezes,

de direitos pelo mundo afora nos últimos séculos.

Não será imaginando um Brasil repleto de shopping

centers e outlets, uma Flórida, que alcançaremos a

realização dos mais fortes compromissos com nossa

história, que pedem igualdade de oportunidades e

a realização cultural marcada por rica diversidade.

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logia, Produção e Comércio Exterior. Fevereiro de 2011.

Antonio Paulo Barea Coutinho [email protected]

Economista (USP), mestre em Ciência Ambiental (USP), doutor

em Ciências Sociais (Unicamp), Analista de

Planejamento e Orçamento do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão.

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Um olhar da Sociologia Econômicasobre a crise fi nanceira

Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro

Como caminhamos celeremente para o fi nal de

2011, talvez o aspecto mais perturbador da crise fi -

nanceira de 2008, que continua a assolar o hemisfé-

rio norte da economia mundial e a preocupar todo o

resto do mundo, seja exatamente a sua permanência

e a imprevisibilidade resultante dessa mesma perma-

nência. Gestada a partir de questões bem específi cas e

localizadas, sobre as quais só se tem uma convergência

de entendimento preliminar, a crise surgiu e transfor-

mou-se a partir dos EUA, alcançou a Europa já percep-

tivelmente combalida e mexeu profundamente nas

perspectivas de crescimento do mundo emergente.

Para além das dicotomias, mais mercado ou mais

regulação e intervenção estatal e das abordagens de

políticas fi scal e monetária, a crise fi nanceira global

revela características estruturais nas complexas e in-

trincadas relações entre sociedade e economia. Tentar

desvelar a crise exige um esforço intelectual que vai

além das fronteiras da economia ou, ao menos, nos

lembra de que a Economia é parte das Ciências Sociais.

Entender a crise fi nanceira exige considerar as mu-

danças institucionais e políticas dos últimos 30 anos.

Implica considerar que os discursos dos economistas e

das variadas organizações vinculadas ao campo econô-

mico não apenas comunicam análises sobre a realidade,

mas contribuem poderosamente para moldar a realida-

de incentivando certos comportamentos em detrimen-

to de outros de parte dos atores econômicos e sociais.

Ao longo deste período, as mudanças regulató-

rias incentivaram um comportamento de maior risco

no mercado hipotecário e na indústria dos serviços

fi nanceiros, epicentro da crise de 2008. As duas últi-

mas décadas registraram um aumento considerável

na taxa de inovação de produtos fi nanceiros que pro-

porcionaram rendimentos médios de 20% (Altvater,

2010), bem acima das taxas médias de crescimento

do lucro real das fi rmas e das taxas de crescimento

do PIB. Os elevados ganhos com o mercado fi nancei-

ro produziram aquilo que os sociólogos da economia

denominam desarraigamento (disembeddedness)

dos mercados no tocante às relações sociais que ca-

racterizam a economia real em seus fatores de pro-

dução fundamentais: trabalho, capital e organização.

No fi nal dos anos 1970, o Congresso dos Estados

Unidos aprovou leis para evitar discriminações em re-

lação ao crédito, como o Community Reinvestment Act e

o Home Mortgage Disclosure Act. O abrandamento dos

critérios de concessão de crédito nos EUA se traduziu

em medidas tendentes a aceitar um maior nível de

endividamento das famílias, ausência de histórico de

crédito e de ocupação estável, e comprovação de ren-

da proveniente de empregos de meio período, horas

extras e auxílios fi nanceiros temporários (Eisner, 2011).

O afrouxamento dos procedimentos de contro-

le do crédito nos bancos e demais organizações fi -

nanceiras incentivou um comportamento mais ino-

vador, o que resultou em produtos com maior nível

de exposição a riscos. Ambos os processos geraram

uma complementaridade institucional que mais tar-

de contribuiria para a crise do subprime (CAMPBELL,

2011). É importante perceber que o consenso estabe-

lecido entre reguladores e mercado fi nanceiro quan-

to ao abrandamento da regulação foi alimentado

por resultados econômicos favoráveis, com conside-

rável aumento da lucratividade do setor fi nanceiro.

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Aliada a isso, a redução da massa salarial ao longo

dos últimos 30 anos nos EUA foi parcialmente compen-

sada pelo aumento do endividamento para o consumo.

A bolha imobiliária foi alimentada pela atratividade das

hipotecas ajustáveis e altos níveis de consumo com

baixas taxas de juros. A expansão do crédito permi-

tiu aos formuladores de políticas dissolverem tensões

políticas sem ter que decidir quais os grupos prioritá-

rios de acesso ao crédito e tampouco ter que decidir

quais prioridades sociais deveriam ser fi nanciadas por

um orçamento público deteriorado (KRIPPNER, 2010).

Por sua vez, o consumo resultante do endivi-

damento da população e do governo foi também

auxiliado pelo upgrading industrial de países ex-

portadores do leste asiático, com destaque para a

China. As importações provenientes da China con-

tribuíram para amenizar as pressões infl acionárias

no mercado consumidor dos EUA e isso resultou em

uma signifi cativa redução dos juros (EISNER, 2011).

Institucionalidade e crise

Stinchcombe (1968) apresenta uma distinção

entre “instituições” e “organizações”. Enquanto as “or-

ganizações” são conjunções contratuais para a re-

solução ou consecução de fi ns específi cos, as “ins-

tituições” seriam indicativas de arranjos mais am-

plos, referindo-se a valores e normas que mantêm

uma alta correlação com o poder (defi nição que,

segundo Stinchcombe, era a preferida de Parsons);

ou, colocado de forma mais direta, concentrações

de poder especialmente dedicadas a algum valor.

Enquanto a sociologia, em geral, tem na ideia de ins-

tituição um conceito fundador, visto positiva ou negati-

vamente de acordo com a abordagem entre menos ou

mais crítica, a sociologia econômica acentua essa trilha,

dedicando-se preferencialmente à análise do tecido

político-institucional subjacente às questões avaliadas.

Não fi ca fora do seu escopo a ideia de que a implemen-

tação de políticas no interior dos grandes complexos

institucionais, e mesmo no interior de arranjos organi-

zacionais simples ou complexos, acontece de acordo

com um ritual correlacionado com as disposições de

poder no interior dessas organizações e instituições.

Assim, uma análise institucional da crise que ainda

se abate sobre o mundo desenvolvido, e se aprofun-

da na Europa do euro, deverá levar em consideração

a persistência, na maioria dos lugares, de um paradig-

ma em vários sentidos permanentemente neoliberal.

Nos Estados Unidos, ponta de lança desse verda-

deiro credo, e entendendo-se a persistência da cri-

se como um aparente “novo normal” — pois não há

sinais de arrefecimento, a cada dia desdobram-se

novos dilemas, e o país vê-se à mercê da polarização

política não apenas pré-eleitoral, mas instalada desde

a vitória de Barack Obama — há um refl uxo neolibe-

ral evidente cujo indício mais visível é a atual investi-

da conservadora contra a Lei Dodd-Frank de julho de

2010 que pretende ser uma resposta à crise. A investi-

da é também contra normas de cunho social que res-

pondem à crescente desigualdade instalada no país.

Engana-se quem ainda acredita que o paradigma

neoliberal está morto, ou em retração. Em livro recen-

te, Pierre Dardot e Christian Laval, (DARDOT e LAVAL,

2010), o primeiro educador e fi lósofo e o segundo

sociólogo, argumentam que o neoliberalismo não é

uma ideologia passageira ou fadada ao desapareci-

O afrouxamento dos procedimentos

de controle do crédito nos bancos e demais organizações fi nanceiras incentivou um comportamento mais inovador, o que

resultou em produtos com maior nível de exposição a riscos.

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mento como resultado da crise fi nanceira. Nem é ele

somente um tipo de política econômica que confere

ao comércio e às fi nanças um lugar preponderante.

Para os autores, o neoliberalismo, como indica o títu-

lo de seu livro, é a “nova razão do mundo”. Está em jogo

a forma de nossa existência, já que o neoliberalismo

nos compele, ao defi nir como vivem as sociedades oci-

dentais e todas as demais que as seguem na trilha para

a “modernidade”, a viver de acordo com um universo de

competição generalizada, e conclama populações intei-

ras a entrarem em luta econômica umas contra as outras.

Por outro lado, o neoliberalismo conforma as rela-

ções sociais ao modelo de mercado, e transforma até

mesmo o indivíduo, agora chamado a se conceber

como uma empresa. Passado quase um terço de sé-

culo, o neoliberalismo continua a orientar as políticas

públicas, a comandar as relações econômicas mun-

diais, a transformar a sociedade e a remodelar a sub-

jetividade. Essa visão só é aparentemente abstrata.

Campbell (2010) refere-se a um “neoliberalismo em

crise”, mas não fatalmente morto. Mostra como as refor-

mas regulatórias associadas ao neoliberalismo ajudaram

a criar incentivos perversos que contribuíram signifi ca-

tivamente para o crescimento do crédito no mercado

de hipotecas e o crescimento da especulação em outros

mercados fi nanceiros, mesmo que o comportamento

fosse fl agrantemente arriscado. Ross Levine, economis-

ta e professor no Departamento de Economia da Brown

University nos Estados Unidos (LEVINE, 2009) e que par-

ticipou da última edição da famosa reunião fi nanceira

anual promovida pelo Federal Reserve Bank de Kansas

City, no resort de Jackson Hole, realiza uma verdadeira

“autópsia do sistema fi nanceiro dos Estados Unidos”.

Para situar as causas da crise em termos de polí-

ticas e diretrizes adotadas, Levine estuda cinco polí-

ticas implementadas nos EUA, no curto período de

1996 a 2006: (i) da Securities and Exchange Commis-

sion (SEC) para as agências de classifi cação de ris-

cos; (ii) do Federal Reserve Bank (Fed), o banco central

norte-americano, para o capital dos bancos e dos

chamados “credit default swaps” (CDS); (iii) da SEC e

do Fed para o mercado de balcão de derivativos; (iv)

da SEC para a supervisão consolidada dos principais

bancos de investimento, e, por fi m, (v) as políticas

ofi ciais para as organizações hipotecárias patrocina-

das pelo governo, isto é, Fannie Mae and Freddie Mac.

A conclusão de Levine, obviamente que em ou-

tras palavras, é que a crise não estava “escrita” nas es-

trelas, mas de fato lapidarmente “inscrita” nas normas,

regulamentos e diretrizes racionalmente produzidos

no interior do aparato governamental. Portanto, não

foram a bolha hipotecária e a criação e a comerciali-

zação em escala de produtos fi nanceiros complexos

e questionáveis que causaram por si só a crise. Para

o autor, as evidências mostram que os formuladores

de políticas, agindo a partir de posições privilegiadas

repetidamente conceberam, implementaram e man-

tiveram políticas que desestabilizaram o sistema fi -

nanceiro global na década justamente anterior à crise.

Além disso, embora as principais agências regula-

doras percebessem a crescente fragilidade do sistema

fi nanceiro como resultado de suas próprias políticas,

essas mesmas agências decidiram não modifi car suas

diretrizes. A propósito, a leitura atenta de um longo

artigo publicado na New York Times Magazine, sobre

a gestão da Sra. Sheila Bair frente à Federal Deposit In-

surance Corporation - FDIC, da lavra do jornalista John

Nocera (2009), dá o sentido da irresponsabilidade,

Passado quase um terço de século,

o neoliberalismo continua a orientar as

políticas públicas, a comandar as relações

econômicas mundiais, a transformar a sociedade

e a remodelar a subjetividade. Essa visão

só é aparentemente abstrata.

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de uma verdadeira ética da convicção neoliberal, no

sentido weberiano do termo, praticada pelos toma-

dores de decisão à frente da área econômico-fi nan-

ceira nos EUA exatamente antes e durante a crise.

Embora estudiosos do assunto e técnicos infl uentes

tivessem afi rmado que a causa da crise estaria nos fl u-

xos fi nanceiros internacionais, na euforia dos corretores

e no insufi ciente poder regulatório das agências go-

vernamentais, Levine argumenta que esses fatores re-

presentaram apenas uma parcela das causas. Talvez se

referindo, em particular, aos dispositivos da Lei Dodd-

Frank, e, de forma mais ampla, às iniciativas do G-20, Le-

vine argumenta que as reformas atuais representariam

apenas um passo no estabelecimento de um sistema fi -

nanceiro estável e efi caz. Como foram “falhas sistêmicas

institucionais” que ajudaram a causar a crise, somente

reformas do mesmo naipe, isto é, reformas sistêmicas

institucionais, poderão servir como contramedidas.

Em um exercício de autocrítica, e no bojo de co-

mentários sobre a crise de 2008, Acemoglu (2010) ava-

lia as lições a serem retiradas “para a” e “da” economia.

Afi rma que a adoção de noções imprecisas fez com que

os sinais da crise não pudessem ser devidamente cap-

turados. De acordo com uma dessas ideias, a economia

capitalista viveria em um vácuo institucional em que os

mercados, de forma miraculosa, monitorariam os com-

portamentos considerados oportunistas. Sob esse pon-

to de vista, os mercados livres são percebidos como

mercados não regulados por instituições, inclusive ins-

tituições legais. Segundo o autor, embora se entenda

que os mercados competitivos e livres têm como base

um conjunto de leis e instituições que asseguram os di-

reitos de propriedade e o cumprimento de contratos,

além de regular as empresas e a qualidade de produ-

tos e serviços, a conceituação de mercados conseguiu

abstrair cada vez mais o papel das instituições e das

normas e regulamentos que dão suporte às transações

de mercado. As práticas conduziram a um maior desar-

raigamento dos mercados, como foi antes mencionado.

Para Acemoglu (2011), embora as instituições te-

nham recebido mais atenção a partir da década de

1990, ainda se pensa que o estudo das instituições

serve somente para entender por que as nações po-

bres são pobres. Está fora de cogitação, por exemplo,

a realização de pesquisas sobre a natureza das insti-

tuições que asseguram prosperidade continuada às

nações avançadas e como as instituições deveriam

transformar-se em face das dinâmicas relações eco-

nômicas. Argumenta que muitos ainda veem a inclu-

são de qualquer aspecto além do autointeresse em

modelos econômicos como uma fraqueza da teoria

econômica. Para ele, entretanto, o reconhecimento

de que os mercados atuam sobre bases constituídas

por instituições, e que mercados livres não são sinô-

nimo de mercados não sujeitos a regulação, somen-

te pode enriquecer a teoria econômica e sua prática.

A despeito de tudo isso, de um claro reconhecimen-

to de que a regulação defi ciente ou inexistente, ou mal

aplicada, estava no centro da crise, não há, por exemplo,

hoje nos EUA clima para expansão do aparato regulató-

rio. Muito pelo contrário, a Lei Dodd-Frank, também cha-

mada de “lei da reforma do sistema fi nanceiro”, a duras pe-

nas poderá entregar o seu produto, se conseguir fazê-lo.

Como tem ocorrido de certa forma com as nor-

mas de cunho social aprovadas pelo governo Obama,

a Lei Dodd-Frank está sendo questionada na Câmara

dos Deputados e no Senado norte-americanos, com

projetos de lei apresentados conclamando a sua total

revogação. Na sua fase de implementação, agora em

curso, a Lei tem impressionado pelo número de dispo-

sitivos, a quantidade de regulamentação necessária e

relatórios regulares exigidos, e mesmo pela demanda

adicional de pessoal para a sua manutenção e recursos

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a serem consumidos até a sua implementação total,

tudo isso estimado em US$ 2,9 bilhões pelo General

Accountability Offi ce – GAO (GENERAL ACCOUNTABI-

LITY OFFICE, 2011). Essa movimentação pode indicar

que, passada a fase mais aguda da crise, foi-se também

o “hiato keynesiano”. A primavera keynesiana foi en-

terrada pelas demandas conservadoras e, mais ainda,

pela acentuação do desequilíbrio fi scal já existente

e agravado pela ajuda a vários setores da economia.

Compelida pela gritaria conservadora, que atua sob

pretextos diversos desde o seu primeiro dia de gover-

no, a administração Obama já emitiu documento ofi -

cial em que conclama as agências regulamentadoras

a dosarem e relativizarem a abrangência fi nal dos re-

gulamentos. Se não haverá uma revogação total, pelo

menos caminha-se para uma implementação branda

da lei. Uma lei incompleta que resultou de fortes dis-

putas e negociações. No contexto agora em curso da

implementação, vozes poderosas levantaram-se contra

a Lei Dodd-Frank, entre elas a do ex-presidente do Fed,

Alan Greenspan. Para ele, soando novamente a tecla

neoliberal, a adoção da norma criaria a “maior distorção

de mercado imposta legalmente nos Estados Unidos

em todos os tempos”. A alegação geral é que a imple-

mentação da lei afetaria negativamente a economia,

os empregos e toda a perspectiva econômica do país.

Performatividade e crise

O conceito de performatividade é crucial para en-

tender a crise. Trata-se de entender em que medida os

discursos dos atores sobre a realidade econômica con-

tribuem para a construção desta mesma realidade (MA-

CKENZIE et al., 2005). Neste aspecto, a noção de pres-

crição é fundamental. Ou seja, quais seriam as ações

necessárias de parte dos agentes econômicos e do go-

verno para que a realidade econômica esteja em maior

conformidade com a teoria econômica. O papel da lin-

guagem na construção das instituições econômicas e

o seu papel no entendimento da evolução destas per-

mitem ver como os perigos, o desejável e o recomen-

dável são construídos e orientam a ação dos agentes

econômicos. O discurso do fundamentalismo de mer-

cado da economia fi nanceira foi incorporado pelas es-

truturas regulatórias, pelos modelos e software de pre-

cifi cação de ativos e pelas práticas de comercialização.

O discurso da superioridade do desempenho dos

mercados com pouca regulação orientou a própria

ação dos reguladores na elaboração e implementa-

ção de medidas de incentivo à securitização de ati-

vos com maior risco. Lembrando Polanyi, a economia

de mercado não é algo espontâneo e natural, mas

um projeto político realizado por meio de mudan-

ças institucionais. Da mesma forma, a lógica de fi -

nanceirização de todas as esferas da economia e sua

legitimidade nos governos foi construída politica e

socialmente. A inovação fi nanceira foi moldada por

estruturas legais e processos políticos e culturais.

Conclusão

A noção do papel primordial das instituições, isto

é, que as instituições são relevantes (institutions mat-

ter), principalmente na formatação do meio econô-

mico, é ideia esposada pelas análises da sociologia

econômica, e por vertente da própria economia. A

sociologia econômica vai um pouco além, entretan-

to, direcionando o seu interesse para a riqueza das

determinações — e sobredeterminações — do teci-

do social e político-institucional, que é mais do que

simples pano de fundo para o mundo da economia,

engastado (embedded) que está este mesmo mun-

do no seu interior. Se o problema é institucional, en-

tão as normas e remédios a serem adotados deverão

sempre atacar os problemas de institucionalidade.

A primavera keynesiana foi enterrada

pelas demandas conservadoras e, mais

ainda, pela acentuação do desequilíbrio fi scal

já existente e agravado pela ajuda a vários

setores da economia.

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Uma questão estrutural para o capitalismo fi nan-

ceirizado é que a elevação desproporcional dos ga-

nhos fi nanceiros implica uma redistribuição da renda

à expensa das camadas subalternas, especialmente

os trabalhadores assalariados. Isso implode o com-

promisso moderado de classes nos termos do Estado

de bem-estar social (ALTVATER, 2010). Curiosamente,

os melhores fundamentos da economia por critérios

fi nanceiros foram acompanhados por juros altos, de-

sindustrialização, crescimento lento da economia e

maior vulnerabilidade em relação aos movimentos

rápidos da fi nança global (FOSTER e MAGDOFF, 2009).

As perspectivas de superação da crise estão forte-

mente ligadas a questões institucionais que se resol-

vem no âmbito dos confl itos entre atores dotados de

interesses e capazes de mobilizar recursos em favor da

sua posição. Os processos nos quais atores de merca-

do e atores políticos estão envolvidos não podem ser

explicados com um olhar exclusivo para os mercados

ou para a política. O processo de mudança institucional

necessária para a superação da crise requer um esforço

conjunto de linhas de pesquisa previamente separadas,

o que exige uma combinação das contribuições da eco-

nomia com as contribuições da sociologia e da política.

A discussão em torno de uma governança glo-

bal para a regulação fi nanceira, quando centrada no

simples aplainamento para garantir a continuida-

de de ganhos, parece uma receita para a inação ou

um longo e lento caminho para mudanças limitadas

(Campbell, 2011). Se as instituições fi nanceiras, com

seu poder de lobby, obstarem o processo de refor-

ma das regras de funcionamento do mercado fi nan-

ceiro, as reformas globais só poderão ser retóricas.

Em outros termos, é no espaço do Estado-Nação

que esse debate deverá ser tratado de forma trans-

parente com a participação dos representantes dos

trabalhadores e das organizações da sociedade civil.

Afi nal, o trabalho, como dizia Marshall, é o principal e

mais importante fator de produção. Em larga medida,

isso tem a ver com um processo de reinserção da eco-

nomia na vida real da criação de riquezas e da reprodu-

ção social com maior equilíbrio político entre os atores

econômicos e sociais. Usando a ideia de Karl Polanyi,

trata-se de buscar uma nova “grande transformação”

para outro tipo de capitalismo que se afaste do mer-

cado desarraigado da economia real e da sociedade.

Referências bibliográfi cas

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Francisco de Assis Campos da [email protected]

Professor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas

(Ceppac) na UnB e membro do Grupo de Pesquisa de Estudos

Comparados em Sociologia Econômica (CNPq).

Moisés Villamil [email protected]

Professor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas

(Ceppac) na UnB e membro do Grupo de Pesquisa de Estudos

Comparados em Sociologia Econômica (CNPq).

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A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa

José Luis Oreiro

A moeda comum europeia, o euro, foi implantada

em 1999 como mais uma etapa no que se entendia

como um processo que deveria conduzir o Velho

Continente à tão sonhada unifi cação política, a qual,

por sua vez, era vista por muitos europeus como

condição necessária para a Europa reassumir sua

liderança histórica no mundo, suplantando os Estados

Unidos. Passados mais de 10 anos da introdução

do euro surgem dúvidas cada vez maiores sobre a

sustentabilidade da moeda comum a médio prazo.

Os países que compõem a área do euro são

bastante heterogêneos no que se refere tanto à sua

competitividade externa como à sua situação fi scal.

Nesse contexto, podemos identifi car dois grupos de

países. No primeiro grupo, composto basicamente

pela Alemanha e pela Holanda, o crescimento do PIB

é liderado pelas exportações, a taxa real de câmbio

permanece em patamares razoavelmente competitivos

e a situação fi scal permite o uso moderado da política

fi scal por vários anos como instrumento de política

anticíclica. Num contexto de forte apreciação do euro,

a competitividade externa da economia alemã foi

mantida nos últimos 10 anos graças a uma política

de “moderação salarial” adotada pelos sindicatos

alemães, que, em troca da manutenção dos empregos

industriais no país, aceitaram um crescimento do

salário real muito abaixo da produtividade do

trabalho. Essa política salarial permitiu uma queda

acentuada do custo unitário do trabalho na Alemanha

relativamente aos demais países da área do euro, o

que viabilizou a manutenção da competitividade

da economia alemã e a importância da indústria

e das exportações como motor do crescimento

de longo prazo da maior economia da Europa.

O segundo grupo de países é constituído pelos

países PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

Eles sofrem de um problema crônico de competitividade

externa, que se refl ete em grandes défi cits em conta

corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB em

2008) somado com desequilíbrios fi scais que variam de

moderado (no caso da Espanha) a gravíssimo (o caso da

Grécia), conforme pode ser visualizado nas Figuras 1 e 2.

Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria

Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria

Figura 1: Saldo em conta corrente (% PIB), países selecionados

Figura 2: Défi cit público ciclicamente ajustado (%PIB ), países selecionados

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julho / setembro / 2011

Após o colapso do banco norte-americano Lehman

Brothers em setembro de 2008, os governos dos países

europeus realizaram amplos programas de socorro ao

setor fi nanceiro e estímulo à economia em recessão,

que impediram o colapso das economias europeias

após uma forte queda em 2009, mas contribuíram para

aumentar o endividamento público na área do euro.

A expansão fi scal, no entanto, não foi sufi ciente para

garantir a volta ao crescimento sustentado nos países

do sul da Europa (Espanha, Portugal, Itália, Grécia) por

duas razões.

Em primeiro lugar, esses países se defrontaram com

uma forte apreciação cambial nos anos pré-crise em

função da ocorrência de aumentos salariais acima da

expansão da produtividade do trabalho, o que levou a

um importante aumento do custo unitário do trabalho.

Na Alemanha, ao contrário, verifi cou-se uma redução

desse custo em razão da política de moderação

salarial implementada com a chancela dos sindicatos

alemães. O resultado disso foi uma deterioração da

competitividade dos países do sul da Europa com

respeito à Alemanha, dando origem a grandes défi cits

em conta corrente nos primeiros e um crescente

superávit no último.

Em segundo lugar, o setor privado na Europa iniciou

um processo de “defl ação de dívidas” no qual o gasto

corrente e de capital é reduzido com o intuito de se

aumentar a poupança privada e assim reduzir o nível de

endividamento. Isso porque no período compreendido

entre 1999 e 2007 observou-se um notável crescimento

do endividamento do setor privado na área do euro.

A dívida das empresas não-fi nanceiras passou de

250% para 280% do PIB, o endividamento dos bancos

aumentou de 190% para 250% do PIB e as famílias

aumentaram o seu endividamento em quase 50%.

Com a eclosão da crise fi nanceira internacional, esse

elevado endividamento do setor privado tornou-

se insustentável, o que demandou um forte ajuste

patrimonial por parte de famílias, empresas e bancos

na forma de um aumento signifi cativo da propensão a

poupar do setor privado.

O efeito combinado da apreciação cambial e do

aumento da poupança privada nos países do sul da

Europa acabou por amortecer o impacto expansionista

da política fi scal anticíclica, contribuindo para manter o

desemprego a nível elevado e a atividade econômica

semiestagnada, conforme podemos visualizar na fi gura 3.

Nesse contexto, cria-se um ciclo vicioso no qual o

aumento inicial do endividamento público eleva a

percepção de risco por parte dos agentes econômicos

quanto à solvência dos países do sul da Europa. Isso

aumenta o custo de refi nanciamento das dívidas

desses países e, por conseguinte, seu défi cit nominal. A

elevação do défi cit “realiza” as expectativas pessimistas

quanto à solvência dos países PIIGS, criando assim as

pré-condições para um default soberano.

A combinação entre desequilíbrios nos balanços

do setor privado e desequilíbrios nas contas públicas

nos países PIIGS cria importantes dilemas de política

econômica. Com efeito, o retorno ao crescimento

sustentado exige um aumento da demanda doméstica,

Com a eclosão da crise fi nanceira internacional, esse

elevado endividamento do setor privado tornou-se insustentável, o que

demandou um forte ajuste patrimonial

por parte de famílias, empresas e bancos na forma de um aumento

signifi cativo da propensão a poupar do

setor privado.

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o que exigiria um forte aumento dos gastos do

governo. Mas o desequilíbrio fi scal não só torna

muito difícil o uso dessa política como parece exigir,

pelo contrário, uma contração fi scal signifi cativa para

impedir que a dívida pública como proporção do PIB

entre numa trajetória explosiva, o que levaria a um

inevitável calote nas dívidas soberanas nesses países

com consequências imprevisíveis sobre o combalido

sistema bancário europeu.

A contração fi scal pode, contudo, tornar o default

inevitável à medida que esta irá apenas aumentar a

taxa de desemprego e deprimir os lucros das empresas

fi nanceiras e não-fi nanceiras da zona do euro. A

poupança privada irá se reduzir, o que fará com que

se retarde assim o processo de defl ação de dívidas –

que, por sua vez, alongará o período de contração dos

gastos privados de consumo e de investimento. Com

isso, a semiestagnação irá se prolongar por vários

anos, o que deprimirá a receita tributária e impedirá

a recuperação das fi nanças públicas dos países do sul

da Europa. Em algum momento, o custo político desse

processo será tão grande que alguns dos países mais

afetados poderão decidir pelo default de seus débitos,

com a consequente saída da área do euro.

Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco

Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária

altamente expansionista com o objetivo explícito de

desvalorizar o euro e assim permitir uma elevação da

competitividade de todos os países da União Monetária.

Nesse contexto, o BCE poderia monetizar uma parte

da dívida pública de forma a reduzir a relação juros/

PIB para algo como 2% em todos os países da área do

euro. Essa monetização resolveria numa só tacada dois

problemas. Em primeiro lugar, permitiria aos bancos

europeus se livrarem de uma parte dos títulos públicos

“micados” de seus balanços, e assim reduzir seu próprio

risco de insolvência. Em segundo lugar, ocorreria uma

forte depreciação do euro frente ao dólar e ao yuan,

o que aumentaria a competitividade das exportações

europeias e viabilizaria uma recuperação do nível de

atividade por intermédio das exportações. Além disso,

a infl ação certamente se elevaria como resultado dessa

medida e acabaria por transferir riqueza dos credores

para os devedores, e aliviaria parte do problema do

elevado endividamento do setor privado na Europa do

euro.

No entanto, essa alternativa esbarra em duas

difi culdades. A primeira é que uma forte expansão

monetária provavelmente resultaria em elevação dos

índices de infl ação naquele grupo de países que não

tem problemas de competitividade externa, ou seja, a

Alemanha. Dado o peso da economia alemã na área do

euro, parece pouco provável que esse tipo de solução

seja aprovado no âmbito da União Monetária.

Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria

Figura 3: Crescimento do PIB (% a.a)

Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco Central Europeu (BCE) adotar

uma política monetária altamente expansionista com o objetivo explícito de desvalorizar o euro e

assim permitir uma elevação da competitivi-dade de todos os países

da União Monetária.

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julho / setembro / 2011

A segunda difi culdade, ainda mais grave, é de

natureza “genética”. O euro é provavelmente o único

caso na história da humanidade em que uma unifi cação

monetária precedeu a uma unifi cação política.

Esse fenômeno cria um importante dilema para a

administração da política monetária. Isso porque, com

base na abordagem Cartalista¹, a moeda é uma criação

do Estado (não do Mercado), e tem o seu valor atrelado

à capacidade do Estado de impor um determinado

instrumento como unidade de conta e meio de

pagamento. Por esse raciocínio, o euro tem o “problema

genético de ser uma “moeda sem Estado”: não há uma

autoridade estatal central que imponha o uso do euro

como unidade de conta e meio de pagamento, essa

tarefa é exercida pelos governos soberanos dos países

que compõem a União Monetária, os quais podem, se

assim o desejarem, abandonar a União Monetária. Na

ausência de uma autoridade estatal supranacional, o

valor do euro tem que ser mantido com base apenas

na confi ança que o público tem no órgão emissor, ou

seja, no BCE. Essa confi ança, por sua vez, exige um alto

grau de conservadorismo por parte da autoridade

monetária europeia, ou seja, exige que o BCE mantenha

o valor da moeda por intermédio de uma forte restrição

em sua disponibilidade, e assim conduzir uma política

monetária estruturalmente apertada.

Tendo em vista o “defeito genético” do euro, a saída

para a atual crise parece ser apenas uma: a conclusão

do processo de unifi cação política, com a criação dos

Estados Unidos da Europa. Um primeiro passo nesse

sentido seria a criação de uma autoridade fi scal central,

com a capacidade de cobrar impostos e tomar recursos

emprestados em nome da União Europeia, como

defendido recentemente por Soros (2011). Essa medida

viabilizaria a realização de uma política monetária mais

expansionista por parte do BCE.

O Velho Continente é provavelmente a única região

do planeta que reúne as condições econômicas e

políticas para um projeto de tal envergadura. Se assim o

fi zer, a Europa poderá ser novamente a “Luz do Mundo”.

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a Teoria Cartalista da Moeda: De Knapp a Goodhart.

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Econômico, 16/09/2011.

1 A esse respeito ver Aggio e Rocha (2009).

José Luis [email protected]

Professor do Departamento de Economia da Universidade de

Brasília, Pesquisador Nível I do CNPq e Diretor de Relações Institu-

cionais da Associação Keynesiana Brasileira. E-mail: [email protected].

Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br.

Page 24: Revista de Conjuntura, n. 46

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O ano de 2011 é de grande festa para os economistas.

No dia 13 de agosto a categoria comemorou os 60 anos

da sanção da Lei nº 1.411, que regulamenta a profi ssão,

pelo presidente Getúlio Vargas.

Sessão Solene em comemoração aos 60 anos da

profi ssão foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de

Economia (CBE), que ocorreu entre os dias 07 e 09

de setembro, na cidade de Bonito, Mato Grosso do

Sul. O CBE contou com grande participação tanto de

economistas quanto de estudantes, alcançando cerca

de 700 inscritos. O evento, promovido pelo Conselho

Federal de Economia (Cofecon) em parceira com o

Conselho Regional de Economia do Mato Grosso do

Sul, teve como tema “Desenvolvimento: inovação,

tecnologia e sustentabilidade”, promoveu o intercâmbio

de experiências e a divulgação de novas possibilidades

relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

O Conselho Regional de Economia do Distrito

Federal (Corecon-DF) participou com dez

representantes: Jusçanio de Souza (Presidente), José

Luiz Pagnussat, Ronalde Lins, Carlito Zanetti, Jucemar

Imperatori, César Augusto Bergo, Maria Cristina de

Araújo, Diones Alves Cerqueira, Maria Aparecida

Carneiro e Ronaldo Gallotti. Também por Brasília, dois

estudantes da Faculdade União Pioneira de Integração

Social (Upis), Ritchely Barbosa Souto Sousa e Alexandre

Barros dos Santos, participaram da Gincana Nacional

de Economia promovida pelo Cofecon.

Na abertura do evento, o presidente do Corecon-

MS, Volmir Meneguzzo, falou da importância de

sediar o Congresso e ainda comemorar os 60 anos

da profi ssão e também os 30 anos do Corecon-MS.

“Estamos vivendo um momento ímpar, no qual

devemos comemorar e valorizar os economistas, pois

a nossa profi ssão se valoriza a cada dia com as atuais

difi culdades econômicas que o mundo inteiro tem

passado”.

O presidente do Cofecon, Waldir Pereira Gomes,

fez um balanço de sua gestão e destacou o processo

de desindustrialização relativa no país e como ele

deve ser combatido: “Há que se atuar também e

prioritariamente sobre os altos custos de produção

no país. Isto depende exclusivamente de políticas e

medidas a serem adotadas internamente e que se

encontram sob o controle do governo nacional”.

Prêmio Brasil de Economia

Durante a abertura do evento, foi realizada

a cerimônia de entrega do XVII Prêmio Brasil de

Economia 2011. Trabalhos nas áreas de monografi a de

graduação, dissertação de mestrado, tese de doutorado,

artigo técnico ou científi co e livro de economia foram

reconhecidos. O Prêmio contou com a participação do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que

ofereceu bolsas de pesquisa para os vencedores de três

das cinco categorias.

XIX Congresso BrasSob o tema “Desenvolvimento: inovação, tecnologia e sustent

comemoração dos 60 anos da propor Camila Fiorese*

22

Page 25: Revista de Conjuntura, n. 46

23

julho / setembro / 2011

asileiro de Economiatentabilidade”, o evento foi realizado em Bonito (MS) e marcou a profi ssão de Economista no Brasil

O economista ganhador do Prêmio Corecon-DF de

Economia de 2010, Camilo Rey Laureto, conquistou o

2º lugar no XVII Prêmio Brasil de Economia 2011, na

categoria “Monografi a ou Trabalho de Conclusão de

Curso de Graduação em Ciências Econômicas”. Como

não pôde estar presente ao evento, seu irmão recebeu

em seu nome a premiação de R$ 2.000,00.

Gincana de estudantes

Foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de

Economia a primeira edição da Gincana Nacional

de Economia. A competição consistiu em um jogo

eletrônico, na qual cada dupla representante de vários

estados do Brasil competiu com outra dupla, testando

seus conhecimentos em economia. Pelo Corecon-DF,

competiram os estudantes da Upis, que viajaram após

terem passado por processo seletivo.

A competição teve duração de dois dias e terminou

com a vitória de Jeziel Monteiro Dourado e Tadeu

Augusto Pina Aragão, alunos da Universidade Cruzeiro

do Sul, de São Paulo. O segundo lugar fi cou com

Gabriel Vogel e Pedro Henrique de Morais Campetti,

da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Rio

Grande do Sul. O terceiro lugar fi cou com Martina

Suzane Schuwangart e Rodrigo Augusto Vieira, da

Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. O

prêmio para a dupla vencedora foi de R$ 1.500, R$ 1.000

para os segundos colocados e R$ 500 para os terceiros.

60 anos da profi ssão de Economista

A profi ssão de Economista foi regulamentada no

Brasil, no dia 13 de agosto de 1951, com a promulgação

da Lei 1.411.

De acordo com Nivalde José de Castro no livro O

Economista, a origem do ensino de economia e sua

regulamentação profi ssional no Brasil deve muito a José

da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, autor de Princípios de

Economia Política, de 1804.

Historicamente, a primeira norma que esboçou

um currículo de formação do economista é o Decreto

nº 20.158, de 30 de junho de 1931. Ela recebeu o título

genérico de Administração e Finanças, e foi considerada

disciplina de caráter jurídico, fi nanceiro, contábil e

administrativo. Sob esse currículo formou-se a primeira

turma da Faculdade de Ciências Econômicas do Estado de

São Paulo - e da qual 22 bacharéis participaram, em 1935,

da assembléia de fundação da Ordem dos Economistas

do Brasil (OEB).

O Decreto-Lei nº 7.988, de 1945, modifi cou totalmente

o currículo de 1931 e incorporou a Ciência Econômica ao

sistema universitário brasileiro, embora continuassem

a ter peso as matérias das áreas jurídica, contábil e

administrativa.

Para a maioria dos economistas, a Lei 1.411 foi uma

conquista que precisa ser revista a partir da aprovação

do Projeto de Lei do Senado 658/07. O PLS, cujo autor é

o senador Inácio Arruda (PCdoB/CE), tramita no Senado

Federal e busca a atualização da regulamentação da

Profi ssão.

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Segundo o idealizador do jogo, o economista Paulo

Sandroni, os alunos que participaram da Gincana

saíram da competição sabendo mais economia do

que no momento em que entraram. “Porque a Gincana

é composta de um jogo que envolve três elementos:

estratégia, conhecimento e sorte. Eu reconheço que eu

coloquei perguntas bem difíceis”, destacou.

Esta foi a primeira gincana de nível nacional

realizada pelo Cofecon. Outras nove gincanas foram

realizadas pelo Corecon-SP, a princípio apenas com os

alunos do estado, em 2003, e depois com estudantes de

outros estados e até do exterior. As gincanas regionais

são preparatórias para a Gincana Nacional. Os estados

de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais

já realizam há alguns anos suas gincanas.

O professor tem incentivado que cada estado faça

a sua gincana. “Se o estado for muito pequeno, que se

junte com outros menores por regiões e realizem o

evento”, disse. Na opinião do professor, eventos como

esse fazem com que se estimule o interesse pelo curso

de economia.

O jogo nasceu de uma ideia do professor Sandroni

chamada “Brincando de Ministro – Jogo da Economia

Brasileira”, que é a base do jogo atual. Ele consistia em

uma competição onde cada pessoa podia jogar contra

o computador. O game tornou-se um torneio, e foi

adaptado para ser jogado entre duas pessoas numa

rede de computadores. “O jogo evoluiu muito, hoje

está completamente diferente do que era em 2003. A

expectativa para a próxima Gincana Nacional é que se

incluam mais elementos, não só de política econômica

e macroeconomia, mas também de microeconomia e

fi nanças”, conta seu idealizador.

Desindustrialização foi tema bastante discutido no XIX CBE

Entre vários temas debatidos nos painéis no

CBE 2011 o que discutiu a desindustrialização ou

primarização da pauta exportadora se destacou,

tendo em vista o momento vivido pelo país. Os

debatedores foram os economistas João Paulo de

Almeida Magalhães, presidente do Corecon-RJ, Marcelo

Carcanholo (UFF), Eduardo Costa Pinto (Ipea) e Reinaldo

Gonçalves (UFRJ).

João Paulo de Almeida Magalhães afi rmou que

estudos do Ipea demonstram que efetivamente há uma

desindustrialização da economia do Brasil. Ela se deve,

principalmente, à apreciação cambial e outros fatores

que estão fora do controle da indústria (como a política

monetária e a concorrência com países que mantêm o

câmbio desvalorizado e a China foi um exemplo).

Carcanholo tratou de diferenciar reprimarização da

pauta exportadora e desindustrialização, dois conceitos

que às vezes acabam confundidos. “O grande problema

do debate é que vários autores dão signifi cados

diferentes à palavra” explicou. “A reprimarização não

representa em si a desindustrialização, mas é fato

que este processo também ocorreu”. E questionou:

“Será que a taxa de câmbio é a única causa? E será

que [a valorização do câmbio] é consequência só da

exportação de commodities primárias?”

Eduardo Costa Pinto caracterizou a indústria como

fundamental para o desenvolvimento dos outros

setores da economia. “Nenhum país se desenvolveu sem

uma forte industrialização”. Ele também apontou um

paradoxo da questão: “A indústria perde participação,

24

Page 27: Revista de Conjuntura, n. 46

25

julho / setembro / 2011

mas cresce, por isso a difi culdade de se falar em

desindustrialização. A indústria de transformação teve

a produtividade reduzida em 3% entre 2000 e 2008”.

Olhando para o futuro, apontou um problema: “Os

preços relativos vão mudar. Quando isso acontecer,

estaremos à beira do abismo. Mas isso não acontecerá

hoje nem amanhã”.

O último palestrante foi Reinaldo Gonçalves, que

fez uma crítica bastante dura ao governo Lula. Para

o economista, o que aconteceu nos últimos oito

anos foi o inverso do nacional-desenvolvimentismo.

Desindustrialização, “dessubstituição” de importações,

reprimarização das exportações, maior dependência

tecnológica, desnacionalização, perda de

competitividade internacional, maior vulnerabilidade

externa, concentração de capital e dominação

fi nanceira foi o cenário dos últimos anos. “Grandes

teóricos da república falam em desenvolvimentismo,

grandes transformações e reversão de tendências

estruturais. Dados empíricos dizem o contrário”, resumiu

Gonçalves.

Opiniões

Jusçanio de Souza, presidente do Corecon-DF,

considera que a realização do XIX Congresso Brasileiro

de Economia obteve bastante sucesso, não só em

relação à programação, mas também em relação à

presença expressiva de economistas de todo o Brasil.

O evento traduziu-se numa oportunidade especial de

confraternização entre os economistas e comemoração

dos 60 anos de regulamentação da profi ssão”, disse.

Jusçanio destacou, como tema que marcou o

encontro, o da “Desindustrialização ou reprimarização

da pauta exportadora”, cuja abordagem do contexto

contemporâneo remeteu a grande refl exão sobre o

futuro do Brasil rumo à conquista de espaço entre

as grandes potências desenvolvidas. Ele também

destaca como bem sucedida a realização da primeira

edição da Gincana Nacional de Economia, evento que

contribui para a aproximação dos alunos ao sistema

Cofecon/Corecons. “A oportunidade serviu para

estimular os estudantes quanto ao valor da profi ssão

de economista; além de servir como mecanismo de

reforço na formação acadêmica”, completou.

Na opinião do presidente do Corecon-

DF, as abordagens sobre Inovação, Tecnologia

e Sustentabilidade, as preocupações com a

desindustrialização nacional, a questão da taxa de juros

e de câmbio e dos desequilíbrios regionais, entre outras,

expressam a relevante contribuição dos economistas

no processo de construção e implementação de

políticas públicas estruturantes de desenvolvimento

econômico sustentável ao nosso país.

Jucemar Imperatori, conselheiro do Corecon-

DF, que também participou do XIX CBE, destacou o

evento como bastante positivo nas abordagens sobre

inovação, tecnologia e sustentabilidade. Segundo ele, a

Carta de Bonito expressa a profundidade dos debates

e as preocupações com a desindustrialização nacional,

a questão da taxa de juros e da taxa de câmbio,

dos desequilíbrios regionais e do uso racional dos

recursos naturais, assim como os desafi os na

implementação de políticas públicas estruturantes

que proporcionem um desenvolvimento econômico

sustentável a longo prazo.

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Carta de Bonito

O vice-presidente do Cofecon, Mario Sérgio

Sallorenzo, leu a Carta de Bonito, que foi aprovada pelos

economistas. O documento expressa a preocupação

com o processo de desindustrialização no país. “Numa

perspectiva de longo prazo, o Brasil não pode continuar

com o atual processo de aumento da dependência da

importação de produtos industrializados”.

CARTA DE BONITO/MS

CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA -

07-09/09/2011

DESENVOLVIMENTO: INOVAÇÃO, TECNOLOGIA E

SUSTENTABILIDADE

Por ocasião da comemoração dos 60 anos de

regulamentação da profi ssão, os Conselhos de

Economia, como instância de representação múltipla

da categoria, visando esclarecer e promover uma

refl exão sobre o assunto central do Congresso, vêm

manifestar-se à opinião pública a respeito do debate

recente sobre desindustrialização no Brasil.

Os critérios e as circunstâncias com base nos quais

se caracteriza o que é em geral entendido como

desindustrialização são diversos. O processo não é

novo na História Econômica mas, de modo geral, pode

ocorrer em países que já alcançaram um alto grau

de desenvolvimento. Sua caracterização vai desde

a redução do nível e da capacidade de produção

em termos absolutos até a perda de participação

relativa da atividade industrial na geração de renda.

Desindustrialização também pode ser entendida como

redução da abrangência e da complementaridade

dos setores industriais entre si e com o restante da

economia. Assim, a inexistência ou fragmentação das

“Ao se falar sobre sustentabilidade, é importante

enfatizar as questões urbanas e observar que os

aspectos sociais, em especial presentes nas grandes

cidades, devem estar em sinergia com os aspectos

econômicos. É neste ponto que o olhar do economista

deve estar presente e contribuir para a implementação

dos planos de ocupação e ordenamento territorial,

planos habitacionais e planos ambientais, de forma a

reduzir e mitigar as enormes externalidades negativas

presentes notadamente na mobilidade urbana, na

segurança (principalmente no que se refere à violência

com jovens, às drogas) e na dimensão ambiental, que

inclui questões de saneamento, coleta e destinação de

lixo”, afi rmou Jucemar.

Já a fi scal do Corecon-DF, Maria Aparecida Carneiro,

destacou dois painéis em especial, pela qualidade

das abordagens dos temas. O primeiro tratou sobre

a “Desindustrialização ou primarização da pauta

exportadora: os reais impactos das políticas cambiais

e monetárias no Brasil”, em que o professor Marcelo

Carcanholo expôs o tema de forma bem didática.

O segundo painel apontado pela fi scal foi o de

tema “Economia institucional e regulação”, no qual o

professor Gilson de Lima Garófalo explicou o que são as

instituições, os agentes, os regimes políticos, o mercado,

as liberdades individuais e de como a regulação estatal

vem se colocando neste cenário. “O mercado é tudo”

disse ele.

Ao fi nal do Congresso, foi defi nida a cidade de

Manaus (AM) como sede do próximo Congresso, a ser

realizado em 2013.

26

Page 29: Revista de Conjuntura, n. 46

27

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* Matéria com informações Cofecon. Fotos Camila Fiorese e Wille Zampieri (Corecon-MS)ç p ( )

cadeias produtivas pode ser vista como uma limitação

ao ciclo da industrialização e como uma restrição à

alavancagem do desenvolvimento consistente.

Numa perspectiva de longo prazo, o Brasil não

pode continuar com o atual processo de aumento

da dependência da importação de produtos

industrializados. A atual substituição da produção

interna por produtos importados ocorre antes que o país

tenha alcançado o domínio dos processos tecnológicos

estratégicos para assegurar a sustentabilidade de seu

desenvolvimento soberano.

A questão se reveste de mais riscos ainda quando à

situação antes descrita se associa uma recomposição das

pautas de exportação, dependentes, crescentemente,

da demanda internacional por produtos primários

e de modesto valor agregado. Como é sabido, esses

produtos são mais facilmente substituíveis, têm baixo

conteúdo tecnológico e as cotações são muito mais

voláteis. Essa crescente especialização do padrão de

exportação é a chamada reprimarização.

Este é, presentemente, um dos grandes desafi os

da economia brasileira, ainda mais nas circunstâncias

em que o binômio câmbio sobrevalorizado e juros

elevadíssimos está fortemente associado, e pesadas

resistências e interesses internos se opõem à

desativação dessa armadilha, cujos efeitos a médio

prazo podem ser devastadores para o projeto nacional

de desenvolvimento autônomo, continuado e vigoroso,

capaz de tornar o Brasil emergente, enfi m, no País do

presente.

No entanto, o problema da desindustrialização não

se restringe à natureza das políticas macroeconômicas.

A questão central é a escolha de estratégias de

desenvolvimento que impliquem mudanças

estruturais efetivas, inclusive quanto ao deslocamento

da fronteira de produção. A simples correção do câmbio

real e do juro real não impede, necessariamente, o

redirecionamento dos investimentos na direção da

“linha de menor resistência” que, no caso brasileiro, é na

direção da produção de bens intensivos em recursos

naturais.

A correção da gestão macroeconômica deve vir

acompanhada de políticas estruturantes de novo padrão

de acumulação e alocação de recursos. Os objetivos

são impedir o viés na direção da especialização em

produtos intensivos em recursos naturais e promover

o deslocamento mais equilibrado e abrangente da

fronteira de produção. Somente estruturas de produção

mais abrangentes, robustas e competitivas permitem a

melhora permanente de renda, consumo e distribuição,

ou seja, o desenvolvimento econômico no longo prazo.

Nesta perspectiva, cabe considerar que os desafi os

das medidas macroeconômicas não sejam restritivos à

sustentabilidade do desenvolvimento econômico.

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A necessidade de uma política industrial permanente como

política de EstadoJackson De Toni

Política industrial no Brasil contemporâneo

A capacidade industrial de uma nação estabelece

o potencial e os limites do seu desenvolvimento

econômico. Historicamente, foi a industrialização que

proporcionou níveis crescentes de renda e bem estar

da população, gerando empregos mais qualifi cados

e difundindo ganhos de escala. É a indústria que

gera inovação tecnológica aplicada, por exemplo,

no melhoramento genético responsável pela

produtividade do agronegócio. Mesmo em setores de

ponta de serviços, como as tecnologias digitais e de

comunicação, é a indústria microeletrônica quem acaba

ditando o ritmo de crescimento. O desenvolvimento

de um país se mede de várias formas. Uma delas é o

crescimento relativo do Produto Interno Bruto per

capita.

Num sentido mais básico e elementar, o

desenvolvimento depende da produtividade

crescente do trabalho, que é infl uenciada diretamente

pelos avanços da indústria. Desde os anos 1960, com

Nicholas Kaldor ou mais longe ainda, com Gunnar

Myrdal, aprendemos que a industrialização é a maior

responsável por retornos crescentes de produtividade

e pelo seu transbordamento para todas as outras

dimensões do desenvolvimento econômico, inclusive

a dimensão social.¹

O Brasil tem tido uma trajetória bem marcada na

sua industrialização. Nós consolidamos um parque

industrial importante até os anos 1970, em especial

nas cadeias petroquímicas, nos complexos produtivos

do agronegócio, na metalurgia e em bens de capital,

por exemplo. Nos anos 1980 e 1990 o governo federal

empreendeu poucas iniciativas para uma abrangente

e consistente política industrial. Cabe ressalvar, talvez,

a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia

(MCT) e algumas iniciativas na área de informática.

No Governo Collor, tivemos uma política industrial

“ao contrário”, iniciando um ciclo de privatizações,

fi nanceirização e desnacionalização signifi cativa

do legado deixado pelo período dos governos

militares. Exceção digna de nota neste período foi o

funcionamento das “Câmaras Setoriais”, num contexto

de realinhamento de preços. Em alguns casos foram

importantes instrumentos de negociação público-

privada, em especial a automobilística. Nos anos do

governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) a

política industrial praticamente não se constitui uma

“agenda de governo”. Os “Fóruns de Competitividade”

implementados pelo Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio (MDIC) na tentativa de manter um

espaço de concertação com o setor industrial, sempre

tiveram a hostilidade - quando não a oposição pública

do Ministério da Fazenda.

O Governo Lula inicia-se em 2003 numa conjuntura

bem marcada: relativa estabilidade macroeconômica,

risco-país em queda, inicio de um ciclo de alta em

commodities, relação dívida interna/PIB em declínio

e altas taxas de juros. Talvez o maior avanço do

1 Mesmo nas escolas de economia atualmente é difícil encontrar alguém abertamente contrário a uma política industrial, sobretudo depois da crise fi nanceira de 2008. Aos poucos a academia está reabilitando a produção teórica de antigos e novos autores que pensaram e estudaram política industrial, entre eles: Robert Wade, Alice Amsden, Chalmers Johnson, Ha-Joo Chang, Dani Rodrik, Peter Evans, entre outros.

28

Page 31: Revista de Conjuntura, n. 46

29

julho / setembro / 2011

governo Lula em seu primeiro mandato tenha sido

o desbloqueio do debate sobre política industrial e

a retomada, ainda que tímida, de instrumentos de

planejamento e coordenação de atores. A Política

Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE),

anunciada no início de 2004, teve como mérito maior

a retomada de uma instância de coordenação de alto

nível, o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CNDI),

que reuniu empresários industriais e ministros. O CNDI

chegou a realizar 14 reuniões entre 2004 e 2006. Essas

reuniões geraram acordos importantes que se tornaram

marcos de uma nova política industrial: as chamadas

“Lei de Inovação”, a “Lei do Bem”, a desoneração do IPI

para bens de capital, entre outras medidas.

Outro marco deste período foi a criação de uma

organização pública não-estatal para apoiar a execução

de uma política industrial complexa e polissêmica, a

Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

que juntamente com o BNDES – como o “braço do

fi nanciamento” – estruturam um arranjo institucional

básico pró-política industrial. No segundo mandato

de Lula, a política industrial segue a linha do foco na

inovação e na retomada das taxas de investimento,

agora como o nome de Política de Desenvolvimento

Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008. A PDP

avançou muito em governança: instituiu instâncias de

coordenação internas no Governo Federal, protocolos

de decisão, sistemas de monitoramento e avaliação, etc.

A crise de 2008, contudo, impediu que a política

atingisse a maioria de suas macrometas. Pode-se dizer,

por outro lado, que a política industrial contribuiu para

a rápida execução de medidas anticrise, em especial na

atuação do BNDES.

Gargalos da política industrial

A conjuntura ideal para a política industrial é aquela

de juros baixos, infl ação sob controle, investimento

público e privado crescentes, superávits comerciais

e infraestrutura física e humana de padrão mundial.

Infelizmente não é nossa realidade, mas exatamente

por isso ela se torna tão necessária, ainda que tenha

sua efi cácia reduzida. A política industrial tem sido

realizada no Brasil sob conjuntura macroeconômica

adversa, com refl exos na perda de competitividade e

produtividades da manufatura. Os juros reais positivos,

entre os maiores do mundo, aumentam o custo dos

investimentos e inibem as expectativas de expansão

da economia real. A carga tributária, por vezes

desbalanceada e orientada somente sob o critério

fi scalista e arrecadatório, tem elevado o custo de

produção industrial em diversas cadeias produtivas. Por

fi m, mas não menos importante, nossa política cambial

recente aliada à competitividade de produtos asiáticos

(incluindo práticas desleais de comércio) tem resultado

numa queda brutal da exportação de manufaturados,

eram superavitárias em 2005 e serão defi citárias

em 2011, talvez em até R$ 50 bilhões. O “paradoxo

da credibilidade”, como chamou Belluzzo, obrigou o

governo Lula a manter uma política econômica de

juros altos e câmbio de mercado. O preço, segundo

alguns, é uma política industrial que “enxuga gelo”2.

Os benefícios que as linhas de crédito do BNDES ou as

2 Aqui valem as palavras de Wilson Cano: “Essa contradição entre as políticas industrial e macroeconômica refl ete, na verdade, as divisões que existem dentro do Estado brasileiro, que, em última instância, refl etem divisões dentro da sociedade acerca do projeto que se pretende para o país. A luta entre as diferentes visões para impor seu projeto materializa-se, concretamente, na disputa pelos recursos. Para o bem do país, é imprescindível que sejamos capazes, como já o fomos no passado, de construir e perseguir uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo. Uma estratégia que permita defender a estrutura produtiva existente e avançar no sentido de fortalecê-la, e assim construir uma inserção internacional que se sustente em uma pauta de exportação mais qualifi cada, com produtos de maior valor agregado e intensidade tecnológica” (Política industrial do governo Lula, Texto para Discussão. IE/UNICAMP n. 181, julho 2010).

‘‘ ‘‘

Num sentido mais básico e elementar, o desenvolvimento

depende da produtividade

crescente do trabalho, que é infl uenciada diretamente pelos

avanços da indústria.

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‘‘

‘‘

A política industrial é um complexo de

instrumentos combi-nados (creditícios,

fi scais, técnicos, comer-ciais, regulatórios etc.)

que dependem de intenso, sistemático e

metódico processo de coordenação

de governo.

desonerações de IPI proporcionam seriam anulados

instantaneamente pela desvalorização do dólar ou a

Selic que marcham a galope. A política industrial então

atua na margem, nas brechas, ocupa espaços aqui e

ali, em instrumentos de apoio à inovação, no crédito

público e em pequenas mudanças de marcos legais

para desonerar investimentos e exportações, facilitar

o acesso da indústria à academia e vice-versa, tornar

mais fácil o empreendedorismo e gerar empregos mais

qualifi cados.

Outro gargalo da política industrial, este mais

conhecido e não menos complexo, é o modo como o

Estado brasileiro produz políticas públicas. A política

industrial é um complexo de instrumentos combinados

(creditícios, fi scais, técnicos, comerciais, regulatórios

etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico

processo de coordenação de governo. Por sua vez, a

coordenação governamental resulta (ou não) de outros

vetores: planejamento, liderança e projeto de governo.

Nem sempre esses fatores andam juntos, com a mesma

intensidade e proporção. O processo decisório público

é truncado, com inúmeras assimetrias de poder,

informação e capacidade técnica, por exemplo, entre o

Ministério da Fazenda e o insulado Banco Central e o

restante do governo. Vencer as dissonâncias cognitivas

e políticas exige um enorme esforço de interlocução,

não raro de manejo de pequenas e grandes vaidades

pessoais e sobretudo na defi nição de prioridades e

metas supraministeriais.

Felizmente temos caminhado para níveis cada

vez melhores de maturidade institucional. O Estado

brasileiro tem recuperado alguns instrumentos de

planejamento estratégico e prospectivo, a coordenação

acontece (ainda que com efeitos colaterais pesados),

e a gestão e as burocracias são mais profi ssionais. O

ritmo, entretanto, é lento e deixa a desejar.

O Plano Brasil Maior: uma nova política e

seus desafi os

Mas apesar da baixa qualidade das instituições e dos

problemas sistêmicos de infraestrutura, o Brasil reúne

condições ímpares entre os países de renda média.

Nosso mercado interno é extremamente grande e vem

ganhando milhões de novos consumidores graças à

ampliação e profundidade dos programas de renda

mínima e inclusão social. Apesar da clara tendência

de primarização da pauta exportadora, devemos

reconhecer que o boom asiático tem garantido

superávits crescentes da balança comercial. Além

disso, a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), feita

pelo IBGE, tem revelado a existência de um núcleo

importante de empresas espalhadas pelo tecido

industrial com alta capacidade de inovação e níveis

de competitividade e produtividade comparáveis aos

padrões desenvolvidos. A agenda nacional contempla

eventos importantes para a indústria e o ambiente

de negócios em geral, como a Copa do Mundo em

2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Além disso, em

alguns setores, como a exploração de petróleo e gás, as

perspectivas indicam grandes oportunidades.

A primeira consideração sobre a política industrial

lançada pelo Governo Dilma é o momento, diferente

do boom exportador que iniciava em 2004 e da PDP

anunciada antes da crise de 2008. A atual política vem

num momento de mais incertezas internacionais. A

instabilidade externa só aumenta o potencial negativo

de problemas conhecidos: apreciação cambial,

infraestrutura física e humana precárias e lento

progresso tecnológico da indústria de transformação,

entre outros problemas.

30

Page 33: Revista de Conjuntura, n. 46

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A política tem duas dimensões, como o modelo

clássico de política industrial: um corte setorial

ou vertical com medidas específi cas para setores

prioritários (competitivos acima da média ou

vulneráveis) e um corte horizontal, com medidas

transversais e pervasivas. Na dimensão horizontal,

aparecem medidas como o incremento da defesa

comercial contra práticas desleais, o reforço dos

recursos destinados à inovação (em especial da Finep),

a formação e qualifi cação profi ssional, a produção

sustentável e o reforço aos mecanismos de incentivo

ao investimento, entre outros. Já nas políticas setoriais

a proposta classifi ca as várias cadeias produtivas

conforme a natureza do impacto das medidas. Assim,

no primeiro bloco, por exemplo, temos as cadeias do

petróleo e gás e indústria naval, do complexo de saúde,

do setor automotivo, da indústria aeronáutica e espacial,

de bens de capital, das tecnologias de informação e

comunicação e do complexo de defesa. Este bloco

seria o de maior coefi ciente de arrasto sobre o tecido

econômico, produzindo mais “transbordamentos”

sobre os demais setores em cada real investido ou

incentivado. Os demais blocos são classifi cados em

“intensivos em escala” , “sistemas intensivos em

trabalho” , “agronegócio” e assim por diante.

A nova política industrial apresenta diversas

“diretrizes estruturantes”: fortalecimento das cadeias

produtivas, ampliação de competências tecnológicas

e de negócios, desenvolvimento da cadeia de

suprimentos em energia, diversifi cação exportadora e

internacionalização e crescimento sustentável. Tanto

essas medidas ditas “estruturantes” quanto aquelas de

natureza “sistêmica” ou “horizontal” devem orientar a

formulação de um sem-número de iniciativas, ações e

projetos que deverão ser monitorados e avaliados para

produzirem efeitos concretos e irem além da retórica

das boas intenções. Sobretudo porque esta edição da

política mais do que dobrou as macrometas, agora são

10 metas de longo fôlego, como por exemplo, aumentar

de 53,7% para 65% o número de trabalhadores na

indústria com, pelo menos, o ensino médio, até 2014

ou ampliar o investimento de 18% para 22% do PIB no

mesmo período.

As medidas de maior impacto no curto prazo são as

seguintes:3

• Instrumentos fi scais: redução do IPI sobre bens

de capital e materiais de construção, devolução de

créditos tributários aos exportadores e criação de

regimes fi scais especiais para diversos setores;

• Instrumentos de crédito: manutenção das li-

nhas especiais do BNDES, inclusive para capital de

giro de pequenas e médias empresas, com taxas de

juros, prazos e condições mais favoráveis com mon-

tante previsto de R$ 75 bilhões;

• Desoneração da folha de pagamento para se-

tores selecionados, incluindo software;

• Regulamentação de uma política de compras

governamentais: complexo da saúde e complexo da

defesa;

• Recursos para a área de inovação: aumento

das disponibilidades fi nanceiras da Finep (mais R$

5 bilhões) e BNDES;

• Iniciativa para capacitação de recursos huma-

nos em engenharias no exterior, integrada com a

colocação no mercado de trabalho da indústria;

• Revisão de marcos regulatórios, em especial,

dos instrumentos de interação entre universidades,

centros de pesquisa e empresas industriais.

O modelo de governança repete a PDP de 2008 com

base nos Conselhos de Competitividade coordenados

pelo MDIC, reunindo os setores público e privado,

tendo como espelho os Conselhos Gestores que

funcionam como coordenadores intragovernamentais.

A novidade é a retomada do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que não se

reúne desde 2007 (formado por 13 ministros e 14

representantes da sociedade civil). Essa arena é

fundamental para debater e superar as divergências

dentro do governo e costurar consensos com o setor

privado.

3 A íntegra das medidas está no site http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/

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Não podemos esquecer que salvo alguns

instrumentos regulatórios e legais, o grosso dos

impactos de uma política industrial são instrumentos

de uso voluntário e estimulado. Caberá aos empresários

e investidores industriais aderirem ou não às propostas

do governo, inclusive ao modelo de governança

proposto. O núcleo dirigente da política será

coordenado pelo MDIC e composto pelos ministérios

do Planejamento, da Ciência e Tecnologia, da Fazenda,

além da Finep (entidade fi nanciadora), pelo BNDES e

pela ABDI, que será a Secretaria Executiva.

Uma política industrial consistente só tem sentido

se fi zer parte de uma estratégia mais ampla de

desenvolvimento, ou melhor, de reconstrução de um

projeto neodesenvolvimentista para o Brasil. Neste

quadro, os grandes desafi os estruturais e estratégicos

para continuar a consolidar a política industrial como

uma política permanente de Estado são:

(a) A política industrial, como qualquer política

pública, deve rapidamente adquirir o status de nor-

malidade na agenda governamental. Uma política

industrial perene e sistemática é muito mais que

uma “caixa de ferramentas” para salvar setores ame-

açados ou um leque de linhas de crédito bancário à

disposição dos investidores. Ela deve ter instâncias

decisórias formalizadas, como a política de saúde

pública; instituições capazes de formular e executar

suas diretrizes, como a política educacional; centra-

lidade nos projetos de desenvolvimento econômi-

co articulada com outras políticas, como a política

para o agronegócio ou de infraestrutura energética

e recursos orçamentários e não-orçamentários re-

gularmente destinados aos seus projetos.

(b) A política industrial exige por excelência solu-

ções de compromisso, acordos duradouros e credí-

veis entre atores públicos e privados. Para garantir

a existência de incentivos reputacionais num jogo

difuso onde custos e benefícios nem sempre são

transparentes, a estrutura de governança é funda-

mental. Dois aspectos são básicos: uma estrutura de

direção e planejamento profi ssionalizada, ampara-

da em burocracia pública de alto nível e uma auto-

ridade política derivada diretamente do centro de

governo capaz de coordenar e construir um projeto

sólido em ambientes de alta volatilidade política.

(c) Por fi m, é preciso dizer que a política industrial

é do tipo trial and error process, ainda mais porque

o centro estruturador é a inovação. As experiências

do Japão, Coréia, China e Índia, já exaustivamente

estudadas pela literatura, são únicas. Mesmo os

países originalmente industrializados trilharam ca-

minhos únicos e o Brasil precisa consolidar o seu,

combinando instrumentos, estratégias e princípios

com a política macroeconômica e os limites fi scais e

monetários defi nidos pelas circunstâncias da atual

conjuntura nacional. As capacidades de aprendiza-

gem, de sistematizar a refl exão crítica e de manter

um ambiente sadio de refl exões sobre os erros e su-

cessos são fundamentais.

Jackcson De [email protected]

Economista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e

doutorando em Ciência Política (UnB). Gerente de Planejamento da

Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Foi assessor

especial da Presidência da República (2003 – 2006) e Diretor Geral

da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado Rio

Grande do Sul (1999 – 2002).

32

Page 35: Revista de Conjuntura, n. 46

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julho / setembro / 2011

333

jjulho / setembro / 2011

A retomada da crise mundial e os seus impactos

na economia brasileiraJosé Matias Pereira

Está fi cando evidente que nenhuma economia

está imune aos efeitos dos recentes refl uxos da crise

na economia mundial. A recaída da economia mundial

- decorrente das medidas inadequadas adotadas

pelas lideranças políticas e econômicas para conter

a crise global que eclodiu nos Estados Unidos no

fi nal de 2008 – está colocando a sociedade mundial

novamente em alerta. Verifi ca-se, nesse contexto, que

os países desenvolvidos possuem espaço menor de

manobra diante da crise de dívida que atinge a Europa.

É preciso alertar, entretanto, que além das economias

dos Estados Unidos e dos países-membros da zona

do euro (países que adotam a moeda única na União

Europeia), os efeitos da crise também estão chegando

com intensidades diferentes nas quatro maiores

economias emergentes, os países Bric, bloco que inclui

Brasil, Rússia, Índia e China, sinalizando uma redução do

crescimento econômico e o aumento da infl ação.

É oportuno recordar que a crise aprofundou-se

a partir dos desdobramentos do recente impasse

político vivido entre o governo Barack Obama

(democrata) e o partido republicano, para autorizar a

elevação do nível de endividamento dos EUA e assim

evitar que o país deixasse de honrar os compromissos

com seus credores. O frágil acordo que resultou desse

desgastante enfrentamento político culminou com o

rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela agência

de classifi cação de risco Standard & Poor’s. A crise

ampliou-se em seguida para os países do continente

europeu e para o resto do mundo, e provocou fortes

quedas nas principais bolsas de valores mundiais nos

primeiros deste mês de agosto.

Os recentes estudos e indicadores econômicos e

sociais divulgados no segundo semestre de 2011 por

diferentes instituições multilaterais (Banco Mundial,

FMI, OCDE, IBGE e BC) revelam que, apesar dos esfor-

ços feitos pelos governos das principais economias

mundiais nos últimos dois anos, notadamente pelos

Estados Unidos e os países da zona do euro, que a crise

econômica está se agravando no mundo. Neste artigo

daremos especial atenção aos relatórios divulgados

pelo Fundo Monetário Internacional, pelo IBGE e pelo

Banco Central.

A partir desse novo cenário, temos como propósito

analisar os efeitos da retomada da crise mundial no

desempenho da economia brasileira nos próximos

dois anos, tendo como referência as projeções dos

relatórios e indicadores mais recentes divulgados pelas

instituições internacionais e nacionais que tratam

desse tema.

A partir desse quadro, torna-se possível formular a

seguinte pergunta: É necessário promover mudanças na

política econômica brasileira para enfrentar os impactos

decorrentes do agravamento da crise mundial? Para

respondê-la, é necessário analisar os relatórios e os

dados que tratam da economia mundial, e também

examinar o nível de consistência do modelo econômico

em execução no governo Dilma (2011-2014), com base

nos indicadores do Banco Central (BC, 2011) e nas

contas nacionais (IBGE, 2011).

Buscamos, dessa forma, avaliar se a política

econômica em execução pelo governo Dilma Rousseff,

que procura estimular o crescimento econômico num

contexto de crise mundial, mantendo as taxas de juros

A retomada da crise mundial

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ura

altas, a carga tributária elevada e as despesas correntes

em crescimento, apresenta-se capaz de manter o

crescimento da economia em patamares adequados.

Este artigo é essencialmente bibliográfi co,

descritivo e qualitativo. Ressaltamos que não temos a

pretensão de esgotar o assunto em análise. Este estudo

possui diversas limitações, notadamente diante de

difi culdade de avaliar a extensão e os efeitos colaterais

da retomada da crise econômica mundial, o que refl ete

nas suas conclusões.

Referencial teórico

A literatura revela que as contribuições do

marginalismo do século XIX e do keynesianismo e do

monetarismo no século XX foram signifi cativas para a

evolução da teoria econômica. Essas ideias refl etiram

fortemente na teoria e na prática das fi nanças públicas.

Para Keynes, os Estados têm como principal objetivo

adotar medidas para evitar os dois grandes males

característicos dos ciclos econômicos: o desemprego

e a infl ação. Junto com a política monetária, atribui-

se à política fi scal, portanto, um papel primordial na

obtenção da estabilização econômica (KEYNES, 1983).

Destacamos que este artigo está apoiado,

em termos do seu referencial teórico, nas teorias

keynesiana, neoinstitucionalista e na teoria das

fi nanças públicas (KEYNES, 1983; MUSGRAVE, 1959;

NORTH, 1997). É oportuno reafi rmar que as fi nanças

públicas de um país, de forma geral, estão orientadas

para as operações relacionadas com a receita, despesa,

orçamento e o crédito público. Preocupa-se, portanto,

com a obtenção, distribuição, utilização e controle dos

recursos fi nanceiros do Estado (MUSGRAVE; MUSGRAVE,

1980; MATIAS-PEREIRA, 2010b).

Instrumentos de intervenção do estado na economia

O Estado, conforme sustentam diversos autores,

como por exemplo, Musgrave e Musgrave (1980)

e Matias-Pereira (2011)2, promove, pela política

econômica, a intervenção na economia com o objetivo

de manter o crescimento econômico e os níveis de

emprego elevados, e os preços estáveis. Destacam-se

entre esses instrumentos as políticas fi scal e monetária.

Graças a elas é possível controlar, por exemplo, preços,

salários, infl ação, impor choques na oferta ou restringir

a demanda. Esses instrumentos e recursos utilizados

pelo Estado para intervir na economia podem ser

defi nidos da seguinte forma:

• Política Fiscal – envolve a administração e

a geração de receitas, além do cumprimento de

metas e objetivos governamentais no orçamento.

É empregada para a alocação, distribuição de

recursos e estabilização da economia. É possível,

com a política fi scal, aumentar a renda e o PIB e

aquecer a economia, com uma melhor distribuição

de renda.

• Política Monetária – envolve o controle da

oferta de moeda, da taxa de juros e do crédito em

geral, para efeito de estabilização da economia e

infl uência na decisão de produtores e consumidores.

Com a política monetária, pode-se controlar a

infl ação, preços, restringir a demanda etc.

• Política Regulatória - envolve o uso de

medidas legais como decretos, leis, portarias

etc., expedidos como alternativa para se alocar,

distribuir os recursos e estabilizar a economia.

Com o uso das normas, diversas condutas podem

ser banidas, como a criação de monopólios,

cartéis, práticas abusivas, poluição etc.

Efeitos da retomada da crise econômica mundial

Verifi ca-se que as inúmeras ações dos Estados de-

senvolvidos não foram capazes de resolver os graves

problemas existentes nos países desenvolvidos. A frá-

gil recuperação da economia dos EUA e dos países da

União Europeia, agravada pela crise fi scal instalada em

Portugal, Grécia, Espanha e Itália, indicam que o mundo

está à beira de uma à recessão. A demora na adoção

de medidas consistentes por parte dos dirigentes mun-

diais está contribuindo para aumentar as desconfi an-

ças dos mercados.

2 MATIAS-PEREIRA, José. Os efeitos colaterais da crise mundial no crescimento da economia brasileira. Revista de Conjuntura, nº 44, outubro-março, p. 18-31, 2011.

34

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35

julho / setembro / 2011

Os impactos decorrentes da retomada da crise vie-

ram confi rmar que o processo de crescimento econô-

mico no mundo continuará lento nos próximos anos,

com efeitos perversos sobre o emprego e a renda das

populações mundiais. Pesa nesse contexto de crise a

fragilidade que vem sendo demonstrada pelas lideran-

ças mundiais na condução da crise nos últimos meses.

Esse cenário pode ser mensurado com os dados mais

recentes divulgados pelas principais instituições mul-

tilaterais, em especial o Fundo Monetário Internacional

(FMI).

Perspectivas de crescimento da economia

mundial em 2011e 2012

O relatório do Fundo Monetário Internacional

(setembro de 2011) aponta para uma signifi cativa

redução das perspectivas de crescimento da economia

mundial em 2011 e 2012 (World Economic Outlook—

Update 2011), em função dos efeitos da retomada da

crise na economia global. As projeções foram revistas

pelo FMI, para baixo, em decorrência da crise na

Europa, fraco consumo e investimentos nos Estados

Unidos, terremoto no Japão, alta dos preços do

petróleo e instabilidades políticas no Oriente Médio, na

denominada Primavera Árabe.

De acordo com o panorama das projeções feitas

pelo Fundo, a economia mundial deverá continuar em

ritmo lento em função de sua considerável fragilidade.

As previsões de crescimento foram fortemente reduzidas

para os Estados Unidos, que alcançará apenas 1,6% em

2011 (ante 2,2% estimados em junho de 2011) e a 1,9%

em 2012 (ante 2,6% da projeção anterior). No caso da

Europa, as perspectivas são de 1,6% de crescimento em

2011 contra os 2% previstos anteriormente.

Observa-se que o país que teve a reavaliação mais

pessimista por parte do FMI, entre todas as economias

mundiais, foi os Estados Unidos. O relatório aponta

que a atividade econômica norte-americana (que

havia crescido 3% em 2010) perdeu o seu dinamismo

e a redução do ritmo foi mais forte do que o previsto.

O crescimento dos Estados Unidos, para o Fundo, será

inferior ao da média dos países desenvolvidos. Para

o FMI, o governo dos EUA precisa estabelecer como

prioridade absoluta um programa orçamentário que

permita ao país colocar a dívida pública em um nível

viável a médio prazo e apoiar a recuperação a curto prazo.

O Fundo também revisou suas previsões de

crescimento para a zona do euro (de 2% a 1,6% em

2011, e de 1,7% a 1,1% em 2012), o que confi rma a

desaceleração do crescimento devido à crise da dívida

soberana na região. Assim, a Europa luta contra uma

renovada volatilidade nos mercados e riscos crescentes

de instabilidade fi nanceira. O Fundo recomenda que o

Banco Central Europeu (BCE) baixe ainda mais sua taxa

básica de juros se as ameaças de calote persistirem.

Apesar de as políticas fi scais previstas nas economias

da zona do euro serem apropriadas, o Fundo prevê a

necessidade de mais reformas, visto que as turbulências

fi nanceiras atuais são um obstáculo para a atividade

econômica ao provocar uma queda na confi ança e no

fi nanciamento.

Para o FMI, caso os dirigentes ocidentais mantenham

seus compromissos, o crescimento da economia mundial

poderá alcançar 4,0% em 2011 e uma cifra similar em

2012. Previu, entretanto, que se o compromisso não for

mantido, Europa e Estados Unidos poderão voltar a entrar

em recessão.

O crescimento mundial, por sua vez, será

impulsionado principalmente pelos países asiáticos em

desenvolvimento, que poderão crescer até 8,2% este

ano e por outras economias emergentes. O FMI alerta,

entretanto, que os riscos à estabilidade fi nanceira

em todas essas economias emergentes devem ser

‘‘ ‘‘

De acordo com o panorama das

projeções feitas pelo Fundo, a economia

mundial deverá continuar em ritmo lento em função de

sua considerável fragilidade.

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ura

monitorados por algum tempo, devido ao grande

volume de crescimento de crédito nos últimos cinco

anos. Assim, avalia que, no geral, a perspectiva para as

economias emergentes voltou a ser “incerta”, em parte

como refl exo de um cenário mundial menos favorável,

especialmente nos Estados Unidos e na Europa.

Registre-se que o FMI, apesar de rever para baixo

as projeções, continua a acreditar na expansão da

economia mundial nos próximos anos. Isso faz com

que se descarte, por ora, o cenário de novo mergulho

recessivo. Alerta o Fundo, entretanto, que a confi rmação

desse cenário depende de a Europa conter a crise na

sua periferia, de o Congresso dos EUA tomar as medidas

que garantam a solvência fi scal do país no longo prazo

sem prejudicar os estímulos à demanda agregada

no curto prazo e de a volatilidade nos mercados não

crescer ainda mais.

Perspectivas de crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012

No tocante ao Brasil, o FMI (setembro de 2011) fez uma

revisão para baixo da perspectiva para este ano, que caiu

de 4,1% para 3,8%. Para 2012, a instituição manteve a pre-

visão de crescimento de 3,6% do Produto Interno Bruto

(PIB) brasileiro. Observa-se que as projeções do Fundo

estão próximas das expectativas do mercado fi nancei-

ro brasileiro, que sinaliza um crescimento de 3,52% em

2011 e de 3,7% em 2012 (BC, Relatório Focus, 19 de se-

tembro de 2011).

A projeção da infl ação brasileira, para o FMI, deverá

alcançar 6,6% em 2011, e retroceder a 5,2% em 2012. O

FMI voltou a alertar para os riscos decorrentes do rápi-

do aumento do crédito e de preços e da forte entrada

de capital estrangeiro verifi cados no Brasil e em muitas

economias da América Latina após a crise mundial de

2008. A expectativa do mercado fi nanceiro nacional é

de que a infl ação chegue a 6,46% em 2011 e a 5,5% em

2012 (BC, Relatório Focus, 19 de setembro de 2011).

O crescimento da economia brasileira, conforme

assinala o relatório do FMI, já está começando a fi car

moderado, com a atividade econômica se expandindo

4% no primeiro semestre, comparada com 7,5% em

2010. No curto prazo, estima-se que o crescimento de-

sacelere abaixo do potencial e traga a infl ação de volta

à meta, refl etindo, em parte, o cenário externo menos

favorável. O Fundo também está prevendo um aumen-

to do desemprego no país de 6,7% em 2011 para 7,5%

no próximo ano. O número, de acordo com o órgão, se

manteve estável entre 2010 e 2011, mas começará a

avançar devido à piora do cenário econômico, à queda

do consumo e à desaceleração da atividade industrial.

O Brasil, conforme descrito no Quadro 1, terá o se-

gundo menor crescimento na América do Sul neste

ano, fi cando atrás somente da Venezuela (com pre-

visão de 2,8%) e abaixo da média da região, de 4,9%.

Quadro 1. Crescimento da América do Sul em 2011 e 2012 (em %)

País 2011 2012

Brasil 3,8 3,6

Argentina 8,0 4,6

Colômbia 4,9 4,5

Venezuela 2,8 3,6

Peru 6,2 5,6

Chile 6,5 4,7

Equador 5,8 3,8

Uruguai 6,0 4,2

Bolívia 5,0 4,5

Paraguai 6,4 5,0

Registre-se que medidas para restringir a con-

cessão de crédito estão entre as ferramentas usadas

pelo governo brasileiro para tentar controlar a infl a-

ção. Desde 2010, o governo também já adotou diver-

sas medidas para tentar conter o fl uxo excessivo de

capital estrangeiro, que provoca a valorização do real

ante o dólar e acaba reduzindo a competitividade das

exportações brasileiras. Apesar de reconhecer essas

medidas adotadas pelo governo, o FMI recomenda

que o Brasil e outros países também tenham como

uma de suas prioridades a reversão do défi cit público.

É relevante destacar que no cenário atual, com a

perspectiva de redução nos preços de commodities, a

economia brasileira, ao lado da Rússia, está em posição

mais vulnerável. Nesse contexto, dentre as economias

emergentes, tanto o Brasil como a Rússia encontram-

se numa situação desfavorável no caso de ocorrer uma

elevação duradoura do dólar em relação às cotações de

matérias-primas. É previsível que uma queda nos preços

das commodities deverá causar impacto negativo na

oferta de liquidez da economia brasileira, e o efeito

dessa redução atingiria o mercado de ações e crédito.

Fonte: FMI

36

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37

julho / setembro / 2011

‘‘ ‘‘

É relevante destacar que no cenário atual, com a perspectiva de redução nos preços de commodities, a

economia brasileira, ao lado da Rússia, está

em posição mais vulnerável.

Discussão sobre os indicadores da economia

brasileira em 2010

Em relação a igual período de 2009, o Produto

Interno Bruto do Brasil (PIB), no acumulado no ano

de 2010, variou 7,5%, resultado do crescimento de

6,7% no valor adicionado e 12,5% nos impostos. Nessa

comparação, a agropecuária (6,5%), a indústria (10,1%)

e os serviços (5,4%) cresceram. Dessa forma, com base

nas informações das Contas Nacionais Trimestrais, em

2010 (IBGE, 2011), o PIB em valores correntes alcançou

R$ 3,675 trilhões. O PIB per capita fi cou em R$ 19.016,

apresentando uma alta de 6,5% em volume, em relação

a 2009 (R$ 16.634). Na década encerrada em 2010, o PIB

per capita registrou crescimento anual médio de 2,4%,

acima da média dos anos 1990, quando cresceu, em

média, 1,1% ao ano.

Registre-se que, benefi ciado pela baixa base de

comparação de 2009, o crescimento acumulado do

PIB em 2010 é o mais elevado desde 1986 (também de

7,5%). Entre 2001 e 2010, o crescimento anual médio foi

de 3,6%, acima do registrado na década anterior (1991-

2000), quando o PIB a preços de mercado cresceu, em

média, 2,6%. O crescimento de 7,5% do PIB em 2010

permitiu que o Brasil se tornasse a oitava economia do

mundo.

A arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro

em 2010, no montante de R$ 1,233 trilhão, representou

33,5% do PIB. A União foi responsável pelo recolhimento

de 23,46% do PIB, os estados 8,47% e os municípios

1,63% das riquezas do país. Observa-se que o nível da

carga tributária naquele ano se mantém inalterado,

com ligeiras oscilações, desde 2005. Os tributos com

maior arrecadação como proporção do PIB em 2010

foram o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS), cobrado no âmbito estadual, num total

de R$ 256,8 bilhões (21,09% do PIB), e em seguida o

Imposto de Renda, em nível federal, num total de R$

213,4 bilhões (17,53% do PIB).

Recorde-se que a infl ação, com base no índice

nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), em

2010 alcançou 5,91%, ultrapassando o centro da meta

de infl ação fi xada para aquele ano que era de 4,5%.

Deve-se observar, inicialmente, que o forte

crescimento do PIB do Brasil em 2010 teve como base

de comparação um crescimento negativo da economia

em 2009. A produção brasileira em 2011, em particular

da indústria, deverá ser bastante fraca em comparação

com o desempenho de 2010. Recorde-se que em 2009,

o PIB da indústria caiu 5,5% e, em 2010, teve alta de

10,1%. Entretanto, caso ocorra uma expansão de 4,5%

do PIB em 2011, como assinalam as projeções das

instituições internacionais e nacionais, o crescimento

na demanda doméstica será de 6,7%. Esse dado é

preocupante, visto que revela que a economia não

se encontra em desaceleração. Assim, levando-se em

consideração que essa demanda é quase a mesma que

foi registrada em 2008, quando a economia ainda se

encontrava num ritmo forte, os riscos de elevação da

infl ação estarão presentes em 2011 e 2012.

O Brasil possui no seu elenco de fragilidades,

na atualidade, o baixo desempenho na balança de

pagamentos. Por isso, é essencial que o governo

adote medidas consistentes em 2011 para reduzir a

fragilidade externa de um país, com vistas a alcançar

superávits signifi cativos na balança comercial. Nesse

setor, o país vem tendo um desempenho preocupante,

conforme revelam os indicadores mais relevantes do

balanço de pagamentos de 2010. O desempenho da

balança comercial indica que o país em 2010 exportou

US$ 201,9 bilhões, e importou US$ 181,6 bilhões, o que

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resultou num superávit de apenas US$ 20,2 bilhões.

Registre-se que a conta de transações correntes do

balanço de pagamentos apresentou um resultado

negativo de US$ 47,5 bilhões em 2010.

Conclusão

Conforme evidenciam os indicadores econômicos

e sociais mais recentes divulgados por diferentes insti-

tuições multilaterais mundiais, em especial o FMI, além

dos EUA, os países da zona do euro estão sentindo, em

escalas distintas, os efeitos dos refl uxos da crise, espe-

cialmente na deterioração do mercado de trabalho e

da renda. Esse cenário é corroborado pelos analistas

que medem a percepção atual do mercado, que assina-

lam que todo o esforço feito pelo Federal Reserve (Fed,

o banco central americano) não será capaz de ativar a

economia dos EUA. A confi guração desse cenário aju-

daria a colocar o mundo em recessão.

Observa-se em relação à União Europeia que, ape-

sar dos esforços feitos pelos governos da Alemanha e

França e pelo Banco Central Europeu para resolver as

questões envolvendo a crise soberana da zona do euro,

por meio da concessão de elevados empréstimos os

países em crise, e assim amenizar a desaceleração das

economias, os resultados não são animadores. A crise,

que na sua origem era um problema de liquidez dos

bancos, transformou-se numa crise fi scal em importan-

tes países da União Europeia, como Espanha e Itália.

A existência de um sentimento de frustração dos

cidadãos na União Europeia, na medida em que a so-

ciedade verifi ca a inefi ciência de seus governantes

para enfrentar a crise de maneira adequada – fator que

vem causando desaceleração do crescimento econô-

mico, reduzindo as receitas públicas e aumentando o

nível de desemprego - é um fenômeno preocupante. A

crescente insatisfação das populações, traduzidas nas

pesquisas de opinião pública e nas manifestações de

protestos contra as medidas de austeridade que estão

sendo adotadas na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha,

Reino Unido, Itália, França e Alemanha, são ameaças

que pairam sobre a região, pois caso se intensifi quem

podem refl etir na governança e mesmo na governabili-

dade em alguns daqueles países, o que coloca em dúvi-

da a própria sobrevivência da União Europeia.

Quanto ao Brasil, como decorrência dos efeitos da

retomada da crise mundial, haverá uma sensível redução

do crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012,

provocada pela desaceleração na indústria e pelas

medidas adotadas pelo governo para conter a infl ação.

Argumentamos, por fi m, que o modelo econômico

executado no Brasil é contraditório, na medida em

que busca conciliar crescimento econômico, elevadas

taxas de juros reais, aumento do superávit primário e

avanços nas contas fi scais.

Diante desse cenário de turbulência na economia

mundial, pode-se argumentar que o governo

brasileiro, ao lado da sociedade, precisa preparar-se

de maneira adequada para enfrentar os complexos

problemas socioeconômicos e políticos que o Brasil

terá que enfrentar nos próximos anos. Nesse sentido,

precisa elevar o nível de consistência da política

econômica, usar com mais intensidade a política

fi scal e reduzir a importância da política monetária.

Para isso é recomendável que aprofunde os cortes

nos gastos correntes do setor público, priorize os

investimentos em setores estratégicos, diminua

tributos, em particular os impostos indiretos, reduza o

serviço da dívida, dê continuidade aos cortes na taxa

de juros e controle a infl ação, entre outras medidas.

‘‘

‘‘

O Brasil possui no seu elenco de fragilidades, na

atualidade, o baixo desempenho na

balança de pagamen-tos. Por isso é essen-cial que o governo

adote medidas consis-tentes em 2011 para reduzir a fragilidade externa de um país...

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José Matias Pereira [email protected]

Economista, advogado, doutor em ciência política (UCM-Espanha),

pós-doutor em administração pela FEA/USP, é professor-pesqui-

sador associado do programa de pós-graduação em contabili-

dade da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de Curso de

Administração Pública, 3. ed. São Paulo:

Atlas, 2010; Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil, 5. ed.

São Paulo: Atlas, 2010; e, Curso de Administração

Estratégica, São Paulo: Atlas, 2011.

Page 42: Revista de Conjuntura, n. 46

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Evolução recente e perspectivas da economia brasileira

Raul Velloso

Na virada de 2002 para 2003, a dívida pública

herdada das fases anteriores era bastante elevada.

Seu componente externo era alto, e o estoque de

reservas internacionais, baixo. Com base nas elevadas

taxas de juros reais praticadas à época e nas baixas

taxas de crescimento do PIB que resultavam, exercícios

de projeção da razão entre a dívida pública e o PIB

geravam trajetórias sempre ascendentes dessa razão,

mesmo sob taxas de câmbio estáveis e superávits

fi scais relativamente elevados.

A projeção implícita da repetição do quadro de

crises periódicas e suas consequências da fase pré-

2003 trazia às mentes dos analistas uma sequência de

efeitos desfavoráveis e interligados: temor de calote,

fuga de capitais, choques altistas nas taxas de câmbio,

fortes pressões infl acionárias, elevações das taxas

de juros, desaceleração da economia e agravamento

do quadro de insolvência pública. Isso ocorreu, por

exemplo, nos momentos fi nais da gestão Fernando

Henrique Cardoso, quando, para piorar, eram grandes

os temores de que o novo governo viesse a repudiar

os compromissos fi nanceiros herdados da fase

precedente.

No Brasil, o crescimento econômico é puxado,

basicamente, pelo consumo. Internamente, o

crescimento do consumo é induzido, por sua vez, pela

ação do setor público, que extrai uma elevada carga

tributária comparativamente ao resto do mundo,

para uso predominante em gastos correntes, por aqui

bastante rígidos – e esses gastos são concentrados em

transferências a pessoas. Daí a principal difi culdade

de gerar saldos fi scais mais elevados e capazes de

colocar nas mãos das autoridades, na altura de 2002-

2003, o controle da evolução da razão dívida-PIB. O

fato é que, por volta de 2003, apesar de ser grande o

potencial de crescimento da demanda, o país parecia

impedido de crescer a taxas mais elevadas do que

2,7% ao ano, por causa dos efeitos desfavoráveis dos

sucessivos choques a que era submetido, conforme

descrito. Estávamos diante de num círculo vicioso no

qual a trajetória futura da razão dívida-PIB apontava

para cima, os superávits fi scais pareciam ter atingido

um limite superior difícil de ultrapassar, a sensibilidade

da dívida a choques cambiais era muito elevada, e o

crescimento da economia oscilava, entre os sucessivos

choques, ao redor de uma taxa média incapaz de diluir

o impacto expansionista dos demais fatores sobre a

dívida pública.

Choque favorável e fi m do círculo vicioso

Já na fase 2003-2008, foram-se os choques

desfavoráveis anteriores. O IBGE havia divulgado

nova série do PIB com valores 10% acima dos da série

anterior, e o crescimento do país passou a ser também

impulsionado pelo forte aumento da demanda e dos

preços externos de commodities agrícolas e minerais,

confi gurando-se um inédito choque favorável para as

economias produtoras dessas commodities. Graças ao

choque de preços externos, ao cada vez maior ingresso

de capitais, e à ausência de crises como as que ocorriam

frequentemente até 2003, a disponibilidade de dólares

aumentou fortemente, as taxas de juros internas

e a taxa de câmbio passaram a cair seguidamente,

enquanto as reservas internacionais aumentavam em

ritmo elevado. Foi possível, então, reduzir rapidamente

a parcela da dívida pública em dólares, até torná-la

inferior ao estoque de reservas (isto é, a dívida pública

líquida de reservas se tornou negativa a partir de um

certo ponto). Em consequência, passamos de uma taxa

40

Page 43: Revista de Conjuntura, n. 46

41

julho / setembro / 2011

média de crescimento do PIB um pouco abaixo de 3%

a.a. para uma expectativa de crescimento potencial ao

redor de 4,5% a.a., mesmo na ausência de reformas

estruturais capazes de aumentar os saldos fi scais de

forma sustentável. Por vários motivos, a receita pública

passou a crescer a taxas mais elevadas que as do

PIB, o que propiciou explicitar de forma mais clara a

operação do velho “modelo” de crescimento dos gastos

correntes, juntamente com alguma recuperação dos

investimentos e com a obtenção de algum aumento

dos superávits fi scais. Consequentemente, a razão

dívida-PIB, em vez de continuar subindo, passou a cair

sistematicamente, e afastou os temores relacionados

com insolvência pública no Brasil.

Pressões de demanda, gargalos, infl ação e juros altos

De 2003 a 2008, e de 2010 até há bem pouco, o

mundo testemunhou, então, um expressivo aumento

da demanda por commodities e uma forte subida dos

preços respectivos, que se somou ao forte impulso

interno derivado dos gastos públicos correntes.

Nesse quadro, o crescimento do consumo se espalha

pelos vários setores da economia e tende a gerar os

seguintes efeitos principais: redução do crescimento

das exportações de commodities, forte aumento das

importações de produtos industrializados (cujos

preços externos vêm caindo há vários anos com

a inundação dos produtos de origem asiática), e

pressões infl acionárias localizadas principalmente

no setor de serviços. Essas pressões ocorrem em que

pese a transferência de recursos da indústria local e do

exterior para os setores de serviços e/ou commodities,

cuja rentabilidade tende a aumentar em comparação à

dos demais.

Os investimentos privados tendem, assim, a se

concentrar em commodities e serviços em detrimento

da indústria. As estatísticas disponíveis têm mostrado

a grande perda de participação da indústria de

transformação no PIB gerado no país nos últimos anos,

algo que se costuma chamar de “desindustrialização”,

com dramáticas consequências para a rentabilidade

dos capitais e para o emprego industrial. Em que

pese isso, é no setor de serviços que as carências

de investimento se acumulam, porque, apesar da

atração natural de investir nessa área que é dada pelo

crescimento da demanda e pela impossibilidade de se

atender a esse aumento via importações, é nele que se

concentram as atividades de investimento nas quais

o setor público predomina e nas quais há resistência

política à entrada de capitais privados, mormente em

transportes. E como o setor público concentra seus

gastos em despesas correntes (além de haver uma forte

resistência política ao aumento da participação privada

em certos setores), verifi ca-se óbvio subinvestimento

na infraestrutura brasileira, apesar de sua atratividade

natural. (Enquanto isso, na China, com poupança

excessiva, se dá o contrário: lá os analistas destacam um

óbvio superinvestimento em infraestrutura).

Não é por outro motivo que, mesmo tendo caído

desde 2003, as taxas de juros continuam ainda tão

elevadas no Brasil. Num certo ponto, o processo de

queda empaca, exatamente quando o Banco Central é

levado a subir de novo a taxa básica de juros, a Selic,

diante de pressões infl acionárias oriundas do setor de

serviços, que projetam uma infl ação média acima do

intervalo de metas. Isso atrai capitais de curto prazo do

exterior que, em conjunto com os que vêm para comprar

ou expandir empresas, além da aquisição de ações em

bolsa, têm acentuado a tendência recente à apreciação

cambial (redução do preço do dólar expresso em reais).

A tendência à apreciação é retratada pelo aumento

‘‘

‘‘

No Brasil, o crescimen-to econômico é puxado,

basicamente, pelo consumo. Internamente,

o crescimento do consumo é induzido, por

sua vez, pela ação do setor público, que extrai uma elevada carga tribu-tária comparativamente

ao resto do mundo....

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dos preços dos setores que não comercializam com o

exterior em relação aos preços médios dos segmentos

que com ele comercializam.

Em suma, os juros ainda não caíram mais porque,

mesmo sem os choques externos ao estilo dos da

fase pré-2003, que requeriam aumento dessas taxas

para o país se contrapor aos choques cambiais, o

crescimento da demanda agregada oriundo das

fontes acima indicadas, e a partir de certo ponto, leva

a pressões de preços excessivas no setor de serviços,

onde se acumulam os conhecidos gargalos da área de

transportes. Essas pressões são atenuadas pela queda

dos preços externos da indústria e pela apreciação

cambial, mas são reforçadas pela alta dos preços

externos das commodities. O efeito líquido fi nal tem

sido o de produzir, numa certa altura, expectativas

infl acionárias acima da meta ofi cial, o que leva, em

seguida, à ação corretiva do Banco Central, ou seja,

à elevação da taxa Selic até que as expectativas se

redirecionem para o centro do intervalo de metas de

infl ação no período em que o BC considera aceitável

que isso ocorra. Assim, ciclos de subida se seguem

a ciclos de queda da taxa Selic, o que tem impedido

que as taxas de juros em vigor no Brasil se aproximem

mais das taxas médias internacionais. Nesses termos, a

estimativa da taxa de crescimento sustentável do PIB

aumentou, na fase 2003-2008, mas não tanto quanto

poderia, passando dos 2,7% médios pré-2003 para

cerca de 4,5% ao ano.

Dada a demanda externa, a saída básica do

problema dos juros altos e de o crescimento do PIB

fi car abaixo do que se desejaria é aumentar o esforço

de ajuste fi scal do país e, ao mesmo tempo, aumentar

o peso dos investimentos, especialmente em serviços

de transportes, no gasto público total, além de,

obviamente, melhorar a qualidade daqueles, e de

mudar a postura política pouco amigável em relação

à entrada de capitais privados na infraestrutura. Dessa

forma, abrir-se-ia maior espaço para os gastos privados

se expandirem e reduzir-se-iam os gargalos existentes

por insufi ciência ou baixa qualidade dos investimentos

públicos.

A crise de 2008/2009 criou a oportunidade para uma

acentuada queda nas taxas de juros internas, que não

foi aproveitada integralmente pelo governo. Ao eclodir

a crise no Brasil em fi ns de 2008, houve forte queda da

demanda externa por nossos produtos, o que levou

à derrubada instantânea da produção industrial em

vários países. Em vez de concentrar a reação à queda

de demanda na recuperação da demanda privada, via

basicamente uma forte queda da taxa Selic, o governo

decidiu combinar maiores gastos públicos e forte

desoneração tributária com alguma queda da taxa de

juros, entre outras medidas de alívio monetário. Nesses

termos, quando a crise se arrefeceu e a demanda

agregada brasileira voltou a crescer mais, em pouco

tempo retornaram as mesmas pressões infl acionárias

do período precedente, e o Banco Central teve de subir

a Selic antes que seu valor real tivesse alcançado níveis

mais próximos dos de outros países emergentes.

De 1996 a 2007, o consumo da maior economia,

os Estados Unidos, cresceu em média a 3,6% ao ano,

algo inédito na história daquele país. Isso puxou,

conjuntamente com os demais países desenvolvidos, o

forte crescimento do PIB chinês, entre 9 e 10% ao ano,

na mesma fase. Passado o auge da crise, foi divulgada

a estimativa preliminar de que o consumo americano

teria crescido à média de 2,1% ao ano do fi nal de 2009

até meados de 2011, o que demonstrou uma relevante

recuperação da queda de crescimento do consumo

observada anteriormente. (Entre o fi nal de 2007 e o

início de 2009, a taxa média estimada preliminarmente

havia sido fortemente negativa: -2,2%). Diante da

constatação que acaba de ser divulgada, de que, na

verdade, o consumo daquele país cresceu bem menos

desde 2008, o Banco Central brasileiro parece, agora,

acreditar que se abrirá outra janela semelhante. Tanto

que, ao risco de perda de reputação, mas amparado

nas declarações ofi ciais de mudança da postura fi scal

expansionista, resolveu iniciar a queda de juros, sem ter

certeza de que haverá mesmo esse cenário.

Os dois gráfi cos contêm informações recentes das

expectativas de mercado, divulgadas semanalmente

pelo Banco Central, sobre a infl ação e sobre o PIB

esperados em 2011-2015. Como se vê, diante do

agravamento do quadro infl acionário que se detecta

há alguns meses e das mudanças tanto do quadro

externo como da reação de política interna, os analistas

de mercado projetam piora da infl ação e redução da

taxa de crescimento esperada para o PIB.

42

Page 45: Revista de Conjuntura, n. 46

43

julho / setembro / 2011

Gráfi co 1: Expectativas de mercado sobre a infl ação em 2011-15(em %)

Gráfi co 2: Expectativas de mercado sobre o PIB em 2011-15(em %)

Economista formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro

(Uerj). Mestre pela FGV e Yale University. PhD em economia pela Yale

University (1981). Professor da Uerj (1979-1980) e Escola Nacional de

Administração Pública (Enap). No Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea) foi Coordenador de Setores e de Áreas (1981-1984).

No Ministério do Planejamento foi Secretário Nacional Adjunto

(1990-1991) e Secretário para Assuntos Econômicos (1985-1989).

Foi membro do Conselho de Administração do BNDES, da Embraer

e do IBGE. Atualmente é consultor econômico de empresas, bancos,

organismos multilaterais e entidades públicas, além de colunista dos

jornais O Estado de São Paulo e O Globo.

Raul [email protected]

Page 46: Revista de Conjuntura, n. 46

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Carlos Eduardo de Freitas, José Fernando Cosentino Tavares e

José Luiz Pagnussat

Continuação da crise

Introdução

O Grupo de Conjuntura vem estudando desde

agosto o prolongamento da crise de 2008, assunto

que foi escolhido como tema desta edição da Revista.

Debateu-se, de início, sobre como tratar a questão:

se como um segundo mergulho da economia

mundial, desdobramentos da mesma crise, ou ainda,

sua continuação. Em prol do consenso entre os

participantes do grupo, fi camos com a “Continuação da

Crise” .

De qualquer forma, ainda não está descartado

o segundo mergulho, entendido como uma nova

recessão dos países ricos (caracterizada tecnicamente

por queda do Produto Interno Bruto - PIB - em

dois trimestres consecutivos), depois de uma curta

recuperação da recessão de 2008/2009. Correm esse

risco os Estados Unidos e principalmente a Europa,

mesmo que se encontre uma solução ordenada para

o problema da dívida soberana, porque os esforços

de ajustamento terão inevitavelmente resultado

recessivo. A China deverá moderar discretamente o

ritmo de expansão econômica. No Brasil, as intenções

do governo estão fi rmemente voltadas para garantir

taxa de crescimento compatível com, digamos, as

aspirações da população.

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo

Monetário Internacional (FMI), tem-se destacado como

um dos teóricos da crise atual. Ele chamou a atenção

para o processo de “desalavancagem” que a economia

global está vivendo, rotulando de “grande contração”,

e não de recessão, o prejuízo causado pela bolha dos

ativos. Rogoff argumenta, com fundamento na análise

de crises anteriores com as mesmas características,

que a única maneira prática para encurtar o período

de desalavancagem e baixo crescimento seria uma

infl ação persistente, da ordem de 6% a.a., por vários

anos, para transferir renda de credores para devedores.

Segue-se uma síntese da análise dos principais

cenários da crise econômica mundial, debatidos

no Grupo de Conjuntura do Conselho, com foco na

situação dos países da União Europeia, EUA e China e

os refl exos para o Brasil.

Eurolândia

As principais variáveis ou preocupações

consideradas na análise do grupo foram o aumento

do risco soberano com o crescente endividamento e

défi cits públicos de países europeus e a propagação

da crise no sistema fi nanceiro internacional como um

todo, dada a exposição do sistema bancário europeu

à dívida soberana da Zona do Euro, em especial de

Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS).

Os dados fi scais mostram que a maioria dos países

da Zona do Euro está com indicadores acima do limite

estabelecido pelo Tratado de Maastricht para o défi cit

público (3% do PIB) e dívida pública (60% do PIB).

Observa-se que esse descontrole fi scal surgiu,

principalmente, após a crise fi nanceira de 2008. Até

2007, a maioria dos países tinha défi cits basicamente

dentro do limite1, exceção à Grécia, que já apresentava

défi cit público elevado. Entretanto, a dívida pública

bruta já se encontrava alta para a maioria dos países,

com destaque para Grécia e Itália, que tinham dívida

pública acima de 100% do PIB.

1 Itália e Portugal também apresentaram défi cits fi scais acima dos 3% do PIB do Tratado de Maastricht a partir de 2001, embora não nos níveis da Grécia.

44

Page 47: Revista de Conjuntura, n. 46

45

julho / setembro / 2011

A Grécia, que defl agrou a crise e iniciou o efeito

dominó, aparentemente não estava sendo monitorada

pelas autoridades da Zona do Euro. Constata-se a

ausência de mecanismos de coordenação fi scal e a não-

aplicação dos poucos mecanismos de controle, como

as penalidades previstas no Pacto de Estabilidade e

Crescimento, que previa limites para desencadear ações

corretivas e sanções, como depósito compulsório inicial,

convertido em multa de até 0,5% do PIB ao país que

não estivesse cumprindo, por três anos consecutivos, o

limite do défi cit fi scal2.

Pode-se dizer que havia até um conluio entre os

países ricos da região e os mais pobres. Estes países têm

défi cits gêmeos, com saldos em conta-corrente muito

negativos e garantiam os superávits dos primeiros.

O fato é que alguns países se endividaram muito

(setor público e/ou setor privado) com o advento do

euro, e isso criou uma ilusão no mercado, como se

esses países fossem parte daquela que é de fato a

potência econômica da região, a Alemanha. Resultado:

o mercado reduziu signifi cativamente os prêmios

de risco soberano desses países, o que favoreceu o

endividamento.

Após a crise de 2008, com a aceleração do

endividamento e a ampliação do desequilíbrio das

contas públicas dos países da região, há um temor de

insolvência que envolve não só os países mais pobres

(PIIGS), mas também os bancos dos países mais ricos.

O aumento do défi cit e da relação dívida/PIB, após

2008, decorre, em parte, do esforço fi scal empreendido,

no sentido de neutralizar o processo recessivo que

se instalou na maioria dos países europeus, além dos

elevados custos de socorro às instituições fi nanceiras

em difi culdades, afetadas pela crise do subprime.

A estratégia de enfrentamento da crise em 2008

e 2009 foi adotada de forma coordenada em âmbito

mundial, com grandes pacotes de ajuda fi nanceira,

para neutralizar a propagação do colapso do sistema

fi nanceiro e evitar uma crise bancária de maiores

proporções. Tinha o objetivo também de reduzir o

impacto da crise na economia real e assim evitar a

depressão econômica.

A conseqüência da estratégia de enfrentamento da

crise foi um aumento signifi cativo do endividamento

público. Os países da Zona do Euro elevaram o seu

défi cit público médio de 0,7% do PIB em 2007 para

6,0% em 2010. A dívida pública pulou de 66,2% para

85,1%, no período. Observa-se, também, a deterioração

das contas públicas de importantes países da União

Europeia, do Japão e dos EUA. O défi cit público do

Reino Unido cresceu de 2,7% do PIB em 2007 para

10,4% do PIB em 2010 e a dívida pública quase dobrou,

passando de 44,5% do PIB para 80%. O Japão teve

elevação substancial do seu défi cit (de 2,4 para 9,2%

do PIB) e dívida pública (187,7% para 220% do PIB). O

mesmo ocorreu com os EUA: o défi cit cresceu de 2,7%

para 10,3%, e a dívida de 62,3% para 94,4% do PIB no

período. As previsões para 2011 são de continuidade

do défi cit e até de crescimento para alguns países,

apesar das medidas de ajuste adotadas.

Esse crescimento explosivo da dívida pública e

as difi culdades de liquidez de algumas economias

menores da Zona do Euro (Grécia, Irlanda e Portugal),

além de economias de porte médio a grande (Itália e

Espanha) afetaram a percepção do mercado quanto

ao risco dos títulos públicos desses países, resultando

numa crise de confi ança que se prolonga desde o início

de 2010 e se agrava nos últimos meses.

Os mercados de dívida pública passam a apresentar

alta instabilidade, com o risco soberano daqueles

países se elevando substancialmente em 2010, e

assumindo uma trajetória explosiva a partir de julho de

2011, com destaque para o caso da Grécia. Os spreads

extremamente elevados determinam a ampliação

dos custos da dívida pública e difi cultam o esforço de

ajustamento fi scal.

A Grécia apresenta uma situação fi nanceira

mais complicada, o que obrigou o país, no primeiro

semestre de 2010, a recorrer no primeiro semestre,

a um pedido de ajuda ao FMI e aos demais países

2 Constatado o défi cit excessivo, o Conselho da UE impõe um limite para a tomada de ações corretivas. As sanções podem ser impostas se não forem adotadas medidas corretivas num prazo de dez meses. A sanção consiste de depósito compulsório não-remunerado, composto por parcela fi xa de 0,2% do PIB do país e uma parte variável com a dimensão do desvio do défi cit. O depósito se transforma em multa caso o défi cit excessivo não seja corrigido em dois anos.

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da Zona do Euro. Ficou claro que a Grécia não tem

condições de girar toda a sua dívida nas condições

de mercado em que está colocada e que o caminho

da austeridade não é sufi ciente, sendo necessário

um plano de reestruturação. A falta de uma solução

defi nitiva para o problema de insolvência da dívida

grega agrava os temores do mercado e amplia a crise.

O aumento do risco de crédito dos títulos soberanos

de Portugal e Irlanda segue a trajetória da Grécia, e

economias de maior porte da região, como Espanha e

Itália, são atingidas. A crise também pode alcançar as

duas principais economias regionais, dado o risco dos

bancos que têm em suas carteiras títulos soberanos

das economias em difi culdades.

O Banco Central Europeu (BCE) vem atuando no

mercado secundário para garantir liquidez aos títulos

da dívida pública desses países. Estima-se que o BCE

adquiriu 74 bilhões de euros de dívida soberana

em 2010. Há, no entanto, ressalvas no seio da União

Europeia sobre esse tipo papel do BCE3.

Estados Unidos

Os indicadores mais recentes da economia

americana são moderadamente encorajadores em

muitas áreas, mas aparentemente não têm repercutido

nas previsões dos analistas econômicos porque a

situação ainda incerta da crise da dívida soberana

europeia domina as atenções.

Foi somente no começo de agosto que se

resolveu o impasse entre Executivo e Congresso

americanos a respeito do aumento do teto da

dívida federal, que foi de US$ 2,1 trilhões, seguindo-

se o rebaixamento da nota de crédito do governo.

As soluções para conter o endividamento ainda

estão por ser especifi camente defi nidas, mas um corte

de despesas – US$ 2,4 trilhões ao longo da próxima

década – fez parte do acordo. Participantes das

reuniões de conjuntura consideraram positivo o fato de

o governo americano ter tido que, por fi m, enfrentar os

problemas de suas fi nanças públicas, e avaliaram como

fi scalmente responsável a vinculação de meta para o

gasto à ampliação do limite da dívida, embora talvez na

hora errada. A combinação de impostos mais elevados e

de menor oferta de serviços públicos contrai a demanda

agregada, quando seria o momento de ampliá-la.

Em reunião do grupo de conjuntura em setembro,

lembrou-se que a recessão americana foi mais

profunda do que se imaginava e a recuperação, de

certa forma, decepcionante. A divulgação mensal

pelo Bureau of Economic Analysis do Departamento

de Comércio em 29 de julho último, de dados revistos

das contas nacionais desde 2006, revelou que a

recessão implicou queda do PIB em 2008 de 0,3%, e

não pequeno crescimento como se havia calculado a

princípio. Em 2009, o PIB americano caiu 3,5%, e não

2,9%. Tudo somado, do quarto trimestre de 2007 ao

segundo de 2009, quando a recessão acabou, o PIB

caiu 5,1%, e não 3,7% conforme os primeiros cálculos.

Por outro lado, agora em 29 de setembro de 2011 a

estimativa é de que o PIB americano tenha crescido 3%

em 2010, melhor que a aferição anterior. Já os dados

do segundo trimestre de 2011 apontam alta de apenas

1,3% em relação ao primeiro, abaixo das expectativas,

de 1,8% a 2%. No primeiro tinha crescido só 0,4%,

contra o último trimestre de 2010. O crescimento

no primeiro semestre de 2011 foi contido por uma

combinação de desastres climáticos, combustível

caro e interrupções no fornecimento de matérias-

primas, depois do terremoto japonês. O consumo

dos indivíduos nos EUA responde por 70% do PIB,

e desacelerou drasticamente no segundo trimestre.

3 Restrições estatutárias de fi nanciamentos a governos.

‘‘ ‘‘

A Grécia, que defl agrou a crise e

iniciou o efeito dominó, aparentemente

não estava sendo monitorada pelas

autoridades da Zona do Euro.

46

Page 49: Revista de Conjuntura, n. 46

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julho / setembro / 2011

Os novos estímulos para a retomada são incertos,

baseados predominantemente em medidas de política

monetária que mesmo o Federal Reserve (Fed) reconhece

como pouco efi cazes. Os instrumentos dessa política,

de acordo com a teoria, afetam a disponibilidade e o

custo do dinheiro e do crédito - que o americano não

está tomando. Segundo o comunicado para a Imprensa

de 21 de setembro passado, o Fed decidiu, em lugar

do terceiro afrouxamento monetário (QE3), alongar o

prazo de vencimento médio dos papéis de sua carteira,

trocando, mediante compra e venda, até junho de

2012, US$ 400 bilhões de títulos do Tesouro em poder

do público maturando de 6 a 30 anos, pelo mesmo

montante com vencimento em 3 anos ou menos, para

pressionar para baixo taxas de juros de mais longo

prazo. Em 3 de outubro, com a primeira compra pelo

Fed, de US$ 2,5 bilhões, o rendimento dos títulos de 30

anos caiu para 2,73%, o menor desde janeiro de 2009.

Uma atitude controversa do banco central

americano foi a de, na mesma ocasião, anunciar que

manteria a meta da taxa básica de juros entre zero e

0,25%, e que provavelmente asseguraria esses níveis

excepcionalmente baixos de juros ao menos até

meados de 2013, porque antevia baixo uso de crédito

e infl ação controlada no médio prazo. O objetivo dessa

medida foi de assegurar aos empresários que não iria

elevar os juros básicos imediatamente se a economia

entrasse num ritmo mais vigoroso em 2012 e 2013.

Os elementos da crise americana foram trazidos

à discussão no grupo, e a conclusão foi de que

a economia continua esbarrando nos mesmos

obstáculos de demorada superação que enfrentava

em 2008. O principal deles é o endividamento

excessivo das famílias. A crise destruiu riqueza que não

tinha sido realizada. Na etapa de acumulação dessa

riqueza, no mesmo passo da bolha, os indivíduos se

endividaram, comprometendo a renda futura, e o grau

de alavancagem atingiu 130% da renda disponível em

2007. A crise de 2008 fez a riqueza das famílias voltar,

na melhor das hipóteses, ao nível em que estava antes

da formação da bolha dos ativos, o que passou a exigir

pesados sacrifícios de consumo para servir dívidas

agora muito mais altas.

Os preços dos imóveis residenciais estão nos níveis

de 2002, e a queda de preços foi da ordem de 50% em

regiões da Flórida, Califórnia, Nevada e Arizona. Detroit

também sofreu. Estimava-se até agosto de 2011 que

havia 11 milhões de casas cujo saldo devedor era mais

alto que o preço de mercado (underwater mortgages), e

que o estoque de hipotecas executadas pelos bancos

corresponde a 2 milhões de imóveis que não foram

relançadas à venda no mercado. A persistir a tendência

atual, o preço das casas pode cair mais.

Segundo um relatório de pesquisa de janeiro de

2011 do New York Federal Reserve (Household Debt and

Saving During the 2007 Recession), temos que (tradução

nossa) “quando o preço das residências começou a cair

no outono de 2007, o patrimônio em propriedades

imobiliárias começou a decrescer rapidamente de

quase US$ 13,5 trilhões no primeiro trimestre de 2006,

para pouco menos de US$ 5,3 trilhões no primeiro

trimestre de 2009, declínio de mais de 60%. Ao fi m de

2009, o patrimônio era estimado em US$ 6,3 trilhões,

mais de 50% abaixo do pico de 2006.”

A casa era forma de poupança usada para a

aposentadoria, universidade dos fi lhos e compras caras.

Essa alavancagem contribuiu para a crise do crédito na

medida em que os indivíduos não conseguiriam cobrir

os custos dos fi nanciamentos imobiliários quando os

preços das propriedades entraram em colapso.

‘‘

‘‘

Os elementos da crise americana foram

trazidos à discussão no grupo, e a conclusão foi de que a economia continua esbarrando

nos mesmos obstáculos de demorada

superação que enfrentava em 2008.

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O desemprego, elemento fundamental da política

econômica norte-americana e decisivo nos embates

eleitorais, continua elevado, reduzindo a massa salarial

e o consumo das famílias. Em dezembro de 2007, o

desemprego representou 5% dos trabalhadores de 16

anos ou mais. Em outubro de 2009, no seu mais alto

nível, era de 10,1%. Durante 2010, oscilou mensalmente

entre 9,5% e 9,8%. Em 2011, a tendência foi de queda

moderada, chegando a 8,8% em março, e em agosto

atingia 9,1% dos indivíduos economicamente ativos.

Indivíduos com mais de 65 anos continuam a

trabalhar porque seus ativos perderam valor, inclusive

seus fundos de pensão. Também temem cortes em

programas assistenciais. Trabalhadores mais novos têm

que aceitar baixos salários para entrar no mercado.

Grosso modo, estima-se que 5 milhões de americanos

fi caram sem emprego por mais de um ano, perdendo

o seguro desemprego e onerando suas famílias. O

desemprego aumenta as despesas de governo para

assistir os necessitados.

O défi cit federal e o acordo sobre o limite da dívida

reduziram a possibilidade de um novo pacote de

estímulo fi scal. As medidas de austeridade nos EUA

não estão restritas ao governo federal. Estima-se que

estados e governos locais cortarão 450.000 postos de

trabalho este ano e no próximo. Em diversos estados

americanos, governadores e sindicatos de servidores

públicos litigam a respeito de salários e de benefícios

trabalhistas. Califórnia e Nova Iorque incorrem em

défi cits elevados e pagam juros altos na colocação de

títulos.

China

A China se constituiu na locomotiva da economia

mundial nos últimos anos e deverá se manter com taxas

de crescimento mais elevadas que os Estados Unidos

e a União Europeia. O FMI reduziu em apenas 1/10 de

ponto de percentagem o prognóstico de crescimento

da China para 2011, que se mantém elevado: 9,5% em

2011 e 9,0% em 2012. Observa-se, entretanto, a redução

de crescimento de alguns setores da indústria chinesa,

e certamente haverá uma redução das exportações,

considerando que os três principais mercados (EUA, UE

e Japão) vão crescer menos.

A evolução do comércio externo da China mostra

uma trajetória de crescimento acelerado na última

década. As exportações subiram de US$ 249 bilhões em

2000 para US$ 1,58 trilhões em 2010 e as importações

seguiram o mesmo ritmo, passando de US$ 225 bilhões

para US$ 1,4 trilhões. A participação da China na

corrente de comércio mundial passou de 3,7% para

quase 10% no período.

Neste ano de 2011 o comércio chinês vinha

batendo recordes até julho, mas reduziu o crescimento

a partir do fi nal de agosto. No primeiro semestre, as

exportações chinesas registraram crescimento de 24%

em relação ao mesmo período de 2010, totalizando US$

874,3 bilhões; as importações cresceram 28%, para US$

829,4 bilhões, resultando em um superávit comercial

de US$ 44,9 bilhões, que representa queda de 18,2%

em relação ao mesmo período do ano passado.

O crescimento das exportações em agosto foi de

24,5% e em setembro 17,1% sobre os mesmos meses

de 2010. As importações aumentaram 30,2% em

agosto e 20,9% em setembro. Não obstante a crise do

subprime seguida da crise do euro, o comércio externo

da China tem se mantido elevado. Não se dispõe de

elementos de convicção para interpretar a redução das

taxas de crescimento do comércio exterior chinês no

mês de setembro último como indicativos de perda

de dinamismo. Aliás, os mais recentes prognósticos de

expansão do PIB divulgados pelo FMI, de setembro de

2011, sugerem maior dinamismo dos principais centros

econômicos do planeta no biênio 2011/2012 quando

comparados com os números do triênio 2008/2010,

como segue:

PIB acumulado

triênio 2008/2010

PIB acumulado

biênio 2011/2012

Estados Unidos -0,9% 3,3%Eurolândia -2,2% 2,7%Japão -3,7% 1,8%

Fonte: IMF, World Economic Outlook, September 2011.

Isto signifi ca que em 2012 a economia americana

deve apresentar um PIB 2,4% maior que o PIB de 2007;

a Eurolândia fi caria basicamente no mesmo lugar, com

um crescimento de 0,5%; apenas o Japão teria um PIB

2% menor em 2012 do que o de 2007.

48

Page 51: Revista de Conjuntura, n. 46

49

julho / setembro / 2011

Em 2008 e 2009 a China impulsionou a absorção

interna e puxou a economia mundial, contribuindo de

forma decisiva para a reação à crise global. Hoje a China

está ainda numa posição forte, mas aparentemente

tem menos munição do que tinha em 2008-2009,

dada a grande expansão da base monetária chinesa

(estima-se em 50%) nos últimos dois anos e as pressões

infl acionárias (o FMI estima em 5,5% a infl ação chinesa

em 2011). Mas a dívida pública é baixa, menos de 30%

do PIB (26,9%, segundo a previsão do FMI para 2011).

Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as

pressões infl acionárias na China, ao mesmo tempo

em que abriria espaço para estimular as exportações

norte-americanas e europeias, de forma a contribuir

para o equilíbrio da economia mundial.

Desdobramentos e perspectivas

A crise atual é continuação da crise fi nanceira cujos

primeiros sinais mais claros apareceram no verão de

2007 (Hemisfério Norte), ligados a inadimplências

nos empréstimos hipotecários de risco mais elevado

(fi nanciamentos subprime) e quedas nos preços dos

imóveis. Os desdobramentos da quebra de confi ança

que se seguiu nos mercados fi nanceiros internacionais

foram gradualmente desnudando a fragilidade

sistêmica das instituições, até que a quebra do

banco de investimento americano Lehman Brothers

desencadeou o colapso de crédito que levou à forte

contração econômica mundial em 2008-2009.

Segundo o World Economic Outlook do FMI, de

setembro de 2011, de fato não se podia esperar que

a recuperação de 2010 nos países avançados se

prolongasse no mesmo diapasão, até porque ela se

seguiu a um biênio de contração.

Contudo, ainda de acordo com aquele documento,

quatro fatores determinaram desaceleração maior que

a prevista:

a) Europa: agravamento dos problemas das dívidas

soberanas, em função de difi culdades políticas e

técnicas para o encaminhamento de soluções, bem

maiores do que se esperava.

b) Estados Unidos: a demanda do setor privado

não reagiu no ritmo esperado. Ao mesmo tempo, a

demanda do governo está inibida pelo aumento da

dívida pública e do défi cit, e pelas pressões da Direita

norte-americana, que é politicamente forte.

a) Japão: adversidades climáticas seguidas de grave

acidente nuclear.

b) Petróleo: movimentos pró-democracia no

Oriente Médio colocaram em xeque ditaduras pró e

contra o Ocidente. Isso quebrou o equilíbrio de poder

preexistente, criando novas tensões políticas que

determinaram evolução altista no preço do petróleo

acima das expectativas.

O próprio FMI reconhece que esses dois últimos

fatores tiveram efeitos temporários, já praticamente

esgotados.

Os impasses nos Estados Unidos devem evoluir

para uma recuperação econômica lenta e gradual. A

economia norte-americana conta com a vantagem da

fl exibilidade e do domínio da técnica e da ciência nas

fronteiras do conhecimento.

Na China, as pressões infl acionárias, ainda tímidas,

mas renitentes e crescentes, podem estar sugerindo

que a política cambial de manter o renminbi

subvalorizado esteja se tornando contraproducente:

a poupança chinesa, embora elevadíssima, pode estar

se tornando insufi ciente para continuar a bancar

‘‘ ‘‘

Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as pressões

infl acionárias na China ao mesmo

tempo em que abriria espaço para estimular

as exportações norte-americanas e

europeias...

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o grande volume de investimentos no exterior, em

virtude da expansão dos investimentos domésticos.

Tudo no mundo das hipóteses, mas se isso

for verdade, um eventual movimento chinês de

depreciação do renminbi pode ajudar sobremaneira na

recuperação da economia mundial, e principalmente

a própria China a consolidar sua posição de grande

potência econômica e política do século XXI.

O problema mais complicado é a Europa, e o

grande ponto de interrogação é se a União Europeia

conseguirá equacionar a sua crise fi nanceira.

O problema pode se colocar basicamente da

seguinte maneira: Portugal, Irlanda e principalmente

Grécia não têm como servir integralmente suas dívidas

públicas nos termos em que estão colocadas. São

necessários descontos (hair cuts, no jargão do mercado

fi nanceiro), que podem tomar diferentes formatos:

reduções de principal, refi nanciamentos de juros,

redução de encargos, alongamentos de prazos, etc.4.

Itália e Espanha talvez consigam manter o giro

comercial de suas dívidas públicas se tiverem apoio do

Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European

Financial Stability Facility - EFSF, na sigla em inglês) para

garantir suas necessidades de dinheiro novo, agora, e por

mais um ou dois anos, isto é, até 2012 ou 2013, sempre

e quando conseguirem reduzir seus défi cits fi scais.

O BCE também poderia paralelamente assegurar

liquidez aos papéis daqueles dois países, lembrando-se,

no entanto, que, embora absurdas nas circunstâncias,

existem restrições a movimentos desse tipo sob a

alegação de que o Banco estaria a fi nanciar governos.

A dúvida maior seria a Itália, com uma dívida pública

da ordem de US$ 2,5 trilhões projetada para o fi nal de

2011, equivalente a algo próximo de 130% de seu PIB.

Martim Wolf (editor e principal comentarista

econômico do Financial Times) 5 sublinha o fato de que

o défi cit estrutural previsto para a Itália em 2012 seria

de somente 1,1% do PIB (2,6% é a previsão do défi cit

efetivo, conforme a Organização para a Cooperação

e Desenvolvimento Econômico - OCDE, também um

número baixo).

Um exercício singelo, sem ambicionar exatidão,

para tão somente dar uma idéia mais objetiva das

ordens de grandeza envolvidas, sugere que uma

solução abrangente, entendida como sufi ciente para

tranqüilizar o mercado fi nanceiro internacional, não

parece ser viável no momento. Supôs-se que:

a) Se retirassem do mercado 50% da dívida pública

grega e 25% das dívidas públicas da Irlanda e de

Portugal.

b) Além disso, fossem oferecidas garantias ou o

próprio funding para assegurar as captações novas

necessárias da Itália e da Espanha, para 2011 e 2012.

Essa alternativa demandaria recursos de

aproximadamente US$ 660 bilhões. Ora, a EFSF dispõe

de uma capacidade de crédito de € 440 bilhões,

equivalentes a US$ 610 bilhões, portanto insufi cientes

para enfrentar o desafi o colocado por este cenário.

Ainda mais porque € 8 bilhões (US$ 11 bilhões) foram

comprometidos com apoio já oferecido a Portugal.

Haveria, portanto, um défi cit da ordem de US$ 60

bilhões.

E mais ainda, não seria possível esgotar os recursos

do Fundo Europeu de Estabilização Financeira de uma

só vez. Seria necessário manter um colchão de recursos

4 O Plano Brady é um bom exemplo. Permite, inclusive, o estudo de diferentes menus tendo como base a receita fundamental: redução das dívidas que, reconhecidamente, haviam se tornado impagáveis.5 Wolf, M. “Não há futuro ensolarado para o euro”, Valor, p. A13, 19/out/2011.

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Page 53: Revista de Conjuntura, n. 46

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julho / setembro / 2011

para a eventualidade de que mesmo um movimento

abrangente como o que aqui se sugeriu se mostrasse

insufi ciente para restabelecer a normalidade do

mercado fi nanceiro internacional.

Se este colchão fosse, digamos, de € 220 bilhões

(US$ 305 bilhões) seria necessária nova chamada de

recursos, que não seria pequena. Lembremos que

a capacidade de crédito da EFSF de € 440 bilhões

implicou um suporte de garantias dos países da

área do euro de € 780 bilhões (US$ 1,084 bilhões).

Assim, o esforço adicional de uma realimentação de

capital da EFSF de € 220 bilhões exigiria empenho de

mais € 390 bilhões (US$ 542 bilhões) em termos de

dívidas contingentes dos países do euro. Este valor

corresponde a 11,5% das dívidas de França e Alemanha

somadas em 2010. Esses dois países, economias

centrais do euro, estavam com suas dívidas públicas

já elevadas em 2010 – 94% do PIB no caso da França

e 87% no caso da Alemanha. Os passivos fi nanceiros

devem ter aumentado na sua relação com o PIB ao

longo de 2011. Daí a visível hesitação de ambos os

governos nos movimentos de equacionamento das

dívidas das economias menos dinâmicas da Zona do

Euro, considerando as inevitáveis tergiversações dos

países menores.

O cenário que se vislumbra seria o de uma

contemporização (muddling through), estratégia que

deu certo na crise da dívida da América Ibérica e de

outros países de renda média no início da década de

1980.

A chave do sucesso da estratégia residiu na

posição fi nanceira confortável dos Estados Unidos

e demais centros fi nanceiros internacionais – Reino

Unido, Alemanha, Suíça, Japão e França. Havia

absoluta confi ança de que o problema não sairia de

controle. Apesar de impasses transitórios, os países

devedores foram cooperativos e o FMI avalizou

acordos de ajuste fi scal e de balanço de pagamentos

que eram sucessivamente assinados, descumpridos,

reformulados, novamente celebrados e descumpridos.

Mas essa coreografi a era importante para adiar a

necessidade de que os supervisores bancários dos

países credores exigissem provisões dos bancos.

Isto foi mantido até basicamente a moratória

brasileira de fevereiro de 1987, quando o Citibank

anunciou a constituição de provisões para a dívida do

Brasil. Dois anos depois, em março de 1989, foi anunciado

o Plano Brady. Os descontos das dívidas abriram caminho

à solução defi nitiva do problema, consolidada com o

retorno dos fl uxos internacionais de capitais àqueles

países e a redução das taxas de juros internacionais.

Agora, entretanto, a confi ança de que o problema

europeu não sairá de controle é menor do que na

crise de 1982. Saiu de controle na crise argentina em

2001, que acabou numa reestruturação unilateral

com signifi cativa redução da dívida e muita

reclamação dos credores. Mas, nesse caso, não houve

contaminação, e o default fi cou encapsulado, não

evoluindo para nenhuma crise bancária. Além disso,

a robustez fi nanceira das potências econômicas

permitiria neutralizar quaisquer ameaças sistêmicas.

Isto tudo nada obstante, a evolução da

crise europeia sugere que algo do tipo de uma

contemporização deverá ser o cenário esperado. A

Zona do Euro sob a liderança de França e Alemanha

provavelmente gerenciará a crise dia-a-dia; evitará

falências bancárias (vide o caso do grupo fi nanceiro

belga Dexia); propiciará liquidez às dívidas se e quando

necessário; integrará o FMI no processo, apesar das

ressalvas norte-americanas; negociará os ônus de

cada parte: países devedores, bancos credores e

países credores; oferecerá eventualmente garantias

para dinheiro novo via EFSF, e assim por diante.

‘‘ ‘‘

O cenário que se vislumbra seria o de

uma contemporização (muddling through), estratégia que deu

certo na crise da dívida da América Ibérica e de outros países de renda

média no início da década de 1980.

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Será um processo desgastante, com dias melhores

e dias piores. Embora isto seja característica das crises

fi nanceiras, na situação específi ca os temores são

maiores dada a fragilidade dos centros fi nanceiros

mundiais, que afi nal foram o epicentro da crise.

Paulatinamente, os ajustes nas economias mais frágeis

produzirão efeitos, a produtividade poderá ir se

recuperando e o problema irá sendo resolvido.

O que é fundamental é que se evite um colapso

bancário sistêmico, que pode advir da falência de um

banco no meio do caminho (exemplo do Lehman

Brothers), ou de uma hipotética moratória unilateral

intempestiva por parte de um devedor relevante,

com ou sem abandono do euro. As conseqüências,

aliás, seriam basicamente as mesmas, numa ou noutra

hipótese. Com abandono do euro e retorno à antiga

moeda, a desvalorização cambial, inevitável, levaria:

a) À insolvência dos bancos residentes;

b) À insolvência dos bancos não-residentes. Antes o

governo não tinha os euros. Depois do retorno à moeda

de origem, recuperaria o poder de emissão, mas não de

assegurar o poder aquisitivo da moeda em termos de

euros;

c) De “a” e “b” acima resultaria a inadimplência com

os bancos não-residentes.

A vantagem do abandono do euro seria possibilitar

a desvalorização real “por fora”, mais fácil de gerenciar

que a sofrida desvalorização cambial por “dentro”,

que exige fl exibilidade de salários e preços. O câmbio

fl utuante, ao contrário do fi xo, permite que os salários e

preços nominais permaneçam constantes, mas percam

poder aquisitivo externo (desvalorização da taxa de

câmbio) e interno (infl ação induzida pelo câmbio).

Note-se que essa desvalorização é fundamental

para restabelecer o equilíbrio macroeconômico

quebrado pelo excesso de endividamento. Ela tem que

ocorrer de uma forma ou de outra.

A contraindicação do abandono do euro é que

tal curso de ação precipitaria um colapso bancário

de conseqüências imprevisíveis, consideradas as

possibilidades de contágio. Medidas de sustentação

formidáveis seriam requeridas, e os centros fi nanceiros

não parecem preparados para isso, ou o fariam à custa

de pressões infl acionárias fortes.

A situação praticamente caótica advinda do

abandono da moeda comum implicaria prejuízo maior

para o devedor do que negociar termos menos leoninos

com os credores e enfrentar as reações da sociedade às

medidas de redução nominal de salários e preços. E isso

parece compreendido por eles: não há notícia de que

haja qualquer intenção de caminhar nesse sentido.

Impactos no Brasil

Abandonando-se o cenário de catástrofe induzida

por um colapso bancário em cadeia, o impacto sobre

a economia brasileira provavelmente não será agudo

como o que ocorreu no último trimestre de 2008,

porém será mais prolongado.

O Copom antecipa refl exos em nossa economia

via comércio, preços das importações e volatilidade

externa. Um impacto negativo no crescimento

equivalente a 1,25 ponto de percentagem do PIB.

O BC já baixou os juros em 100 pontos básicos até

agora, confi ando em que as políticas fi scal e de crédito

público em 2012 não serão expansionistas, apesar do

quadro orçamentário já prejudicado pelo aumento do

salário mínimo.

A hipótese que parece mais plausível é que, por um

período mais ou menos longo, o Brasil se verá diante

de uma economia mundial de baixo crescimento, ainda

que sem recessão.

Isso signifi ca um interregno na corrente de

enriquecimento condicionada pelos ganhos nas

relações de troca no comércio internacional. Pode-se

esperar um período de relações de troca basicamente

estáveis e mercados relativamente voláteis para as

exportações.

Possivelmente haverá disponibilidade de liquidez

internacional para investimentos no país, não obstante

o sistema bancário internacional deva continuar avesso

ao risco.

Um canal de transmissão da crise poderá, portanto,

ser a contração internacional de crédito. Em 2008, alguns

bancos brasileiros de pequeno e médio portes tiveram

difi culdades em renovar suas linhas de fi nanciamento.

Muito pode ser lido sobre os instrumentos usados

então para “desempoçar” a liquidez externa e interna.

52

Page 55: Revista de Conjuntura, n. 46

Carlos Eduardo de [email protected]

Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

(1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi

Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de

Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e

Secretário de Política Econômica (1993).

Conselheiro do Corecon-DF

José Luiz [email protected]

Mestre em economia pela Universidade de Brasília. Conselheiro do

Conselho Regional de Economia do DF. Professor da Enap – Escola

Nacional de Administração Pública e da UDF – Centro Universitário

do Distrito Federal. Ex-presidente do Corecon-DF (1990, 1994 e

2009/10), do Cofecon 1996) e da ANGE (1999/2001).

José Fernando Cosentino [email protected]

Economista e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.

Na visão oficial, a nova oportunidade de redução

dos juros sem colocar em risco o controle inflacionário

é benigna para a economia brasileira. A Selic ficou

inalterada no último trimestre de 2008, quando a

atividade econômica entrou em colapso, e a queda

da taxa parou em 8,75% a.a. Críticos da orientação

recente da política monetária lembram que o preço

internacional das commodities caiu pouco e que o real

se depreciou em mais de 60% entre agosto e dezembro

de 2008, alimentando a inflação.

O corolário é que, nesse novo contexto, a capacidade

de crescimento da economia brasileira deve reduzir-se

para algo na faixa de 3 a 3,5% a.a. Medidas de reforço

da poupança, maiormente na área estatal, seriam

bem-vindas para ampliar o potencial de expansão

do PIB. Contudo, isto atrapalharia o aprofundamento

das políticas de redistribuição de renda, que já

estariam sendo prejudicadas pela ausência de ganhos

cumulativos nas relações de troca.

O governo vem anunciando que pode superar

essa nova conjuntura que se anuncia adversa, com

mais absorção (consumo e investimento), ou seja,

estimulando o mercado interno. Entretanto, ao

contrário da China, este curso de ação afigura-se

arriscado no caso brasileiro: o mais provável é que

traga mais inflação e desequilíbrios de balanço de

pagamentos.

Parafraseando Martin Wolf, o horizonte à frente não

parece tempestuoso, mas também não é ensolarado.

Referências bibliográficas

IMF - International Monetary Fund. Fiscal monitor -

Addressing Fiscal Challenges to Reduce Economic

Risks. Washington, D.C.: International Monetary Fund,

September 2011

IMF - International Monetary Fund. World Economic

Outlook - a survey by the staff of the International

Monetary Fund. Washington, DC: International

Monetary Fund, September 2011

Page 56: Revista de Conjuntura, n. 46

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202

CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429

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