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REVISTA DE DIREITO MERCANTIL industrial, econômico e financeiro 1Ó1/1Ó2 Publicação do Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado e Biblioteca Tullio Ascarelli do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo PATRI M ÔN lO Ano LI (Nova Série) BN4&~~i\ janeiro-agosto/20 12 Biblioteca - SP ~ ~MALHEIROS = n_ =

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REVISTA DEDIREITOMERCANTILindustrial, econômicoe financeiro

1Ó1/1Ó2

Publicação doInstituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado

e Biblioteca Tullio Ascarellido Departamento de Direito Comercial

da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

PATRI M ÔN lO

Ano LI (Nova Série) BN4&~~i\janeiro-agosto/20 12

Biblioteca - SP

~ ~MALHEIROS=n_=

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46 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL 161/162

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1. Introdução

No ordenamento jurídico brasileiro, asempresas (ou, mais tecnicamente, empresários e sociedades empresárias — o que abarcaa Empresa Individual de ResponsabilidadeLimitada/EIRELI) que passam por dificuldades econômico-financeiras têm basicamentetrês opções para evitar a bancarrota: (i) arecuperação judicial, prevista entre os arts.47 e 72 da Lei 11.101/2005 (LFRE); (ii) osacordos privados, firmados pelo devedor comseus credores fora do alcance da LFRE, comoaventado pelo seu art. 167, flexíveis em suaessência, porém sem a chancela do PoderJudiciário; e (iii) uma alternativa híbrida dereestruturação que combina característicasdas hipóteses anteriores, denominada derecuperação extrajudicial.

E é esta última hipótese, uma das novidades da LFRE,’ que será objeto de exame

1. Na evolução do direito brasileiro em matériafalimentar, o ordenamento jurídico já vislumbrou soluções semelhantes. Por exemplo, no período do Império,

crítico no presente ensaio, tendo em vista osentraves que impedem a sua ampla utilização. Buscamos, neste trabalho, evidenciaras vantagens da recuperação extrajudiciale bem como suas desvantagens, sugerindo,finalmente, algumas proposições para aprimorar sua maior aplicação prática — o que,com todo o respeito, não parece constituirum dos objetivos do atual Projeto de NovoCódigo Comercial que tramita no CongressoNacional.

comprecndido entre a Proclamação da Independênciado Brasil e o Código Comercial de 1850, não há noticiade instituto ou prática comercial que se assemelhe aum acordo de natureza pré-concursal. Todavia, nesseperíodo, era reconhecida e admitida a possibilidade docomerciante em situação de dificuldade econômico--financeira iniciar negociações com seus credores como objetivo de evitar que a discussão fosse encaminhadaá seara judicial. Nesse momento histórico, havia certograu de liberdade para o devedor entabular negociaçõescom seus credores. V., nesse sentido, interessante transcrição de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu,em sua clássica obra Princípios de Direito Mercantil eLeis de Marinha: “Acontecendo o caso em que o commerciante se vê nas circunstâncias de fazer Ponto, istohe, parar nos seus pagamentos, tendo aliás fundos para

Doutrina & Atualidades

NOTAS CRÍTICAS AO REGIME JURÍDICODA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

RODRIGO TELLECIIEA

Luis FELIPE SPINELLI

JoÃo PEDRO SCALZILLI

1. Introdução. 2. Apresentação do regime jurídico. 3. A recuperação judicial e a recuperação extrajudicial: 3.] Vantagens: 3.2 Desvantagens. 4. Osacordos privados firmados entre o devedor e seus credores e a recuperaçãoextrajudicial. 5. Proposições. 6. Considerações finais.

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2. Apresentação do regimejurídico

Arquitetado pelo legislador para contornar crises de menor envergadura econômica,o regime da recuperação extrajudicial consis

satisfazer a todos os seus credores, posto os não possaimmediatamente embolsar, por empates de effeitos,falta de liquidação da casa, impontualidade, ou iguaesembaraços dos respectivos devedores; o commerciantede probidade deve sem perda de tempo pôr o seu créditoa abrigo de toda a suspeita de fraude, participando aseus credores do estado em que se acha, convocandoosa sua casa para lhes patentear seus fundos, e livros,tendoos em devida forma, com todas as mais clarezas,e dívidas activas e passivas da casa, e supplicarlhes emconsequência o favor de alguma espera, respiro, prazoou espaço de tempo para dentro delle fazerlhes o pagamento com faculdade de continuar no seu commercioordinário” (José da Silva Lisboa, Princípios de DireitoMercantil e Leis de Marinha, Rio de Janeiro, Serviçode Documentação do MJNI, 1963, p. 582). A partir doadvento do Código Comercial de 1850, que teve forteinfluência do Código Comercial Francês de 1807, amatéria passou a receber tratamento sistemático nodireito brasileiro, no Livro III, intitulado “Das Quebras”. Não obstante, o Código omitiu-se em regularqualquer forma de acordo extrajudicial preventivo oude negociação entre o devedor e seus credores. Com oadvento do Decreto 3.308/1864, concebido e promulgado em um contexto nacional de crise econômica, foiintroduzido, pela primeira vez no Brasil, uma espécie deinstrumento extrajudicial de recuperação do devedor, achamada “concordata amigável” que podia ser estendidaà margem do Poder Judiciário, desde que por meio daanuência de credores representando 2/3 do valor total decréditos do devedor. A despeito do caráter ino~ ador doinstituto, sua regulamentação foi genérica e sua inclusãose deu tão somente em razão da crise econômica do país.O Decreto 917/1890 deu novo tratamento à matéria, aoprever em seu Título X “Dos meios de prevenir e obstara declarado de fallencia” — institutos que preveniam eIou obstavam à declaração da falência do devedor. Erameles: (i) a moratória — Secçãu 1 arts. 107-199; (ii) O

acordo extrajudicial e a concordata preventiva SecçãoII arts. 120-130; e (iii) a cessão de bens e liquidaçãojudicial Secção III — arts. 13 1-138. Com relação aoacordo extrajudicial — que guardava algumas semelhanças com a recuperação extrajudicial — cumpre registraro disposto nos arts. 120 e 121 do Decreto 917/1890,que ilustram a lógica que fundamentava tais alternativas legais: “Art. 120. O devedor, com firma inscriptano registro do commercio, que antes de protesto porfalta de pagamento de obrigação commercial liquidae certa, tiver feito extrajudicialmente algum accordoou concordata com os credores representando pelomenos 3/4 da totalidade do passivo, deverá requerer

te, basicamente, em um acordo entabuladofora do Poder Judiciário entre o devedor eseus credores — parte deles ou sua totalidade—, que será, posteriormente, homologadojudicialmente. Seu objetivo é propiciar asuperação de um estado de dificuldadeseconômico-financeiras.

sem demora a homologação pelo juiz commercial comjurisdição na séde de seu principal estabelecimento e,obtida dIa, não poderá ser declarado fallido. Paragraphounico. O requerimento para a homologação deverá serapresentado antes dos protestos”; “Art. 121. O accordoou concordata extrajudicial será assignado pelos credores e apresentado ao juiz, reconhecidas as firmas, porpetição acompanhada da relação nominal dos credores,indicados o domicilio de cada um dellcs, a natureza dostitulos e o importe de cada credito”. Sob a vigência doDecreto 917/1890, outras formas de acordos extrajudiciais entre o devedor e seus credores eram válidos (e suaeficácia prescindia de homologação judicial), desde quefossem firmados por todos os credores. Narra a doutrinaque o sistema concebido pelo Decreto sofreu inúmerascríticas, em virtude do constantes abusos dos credorese fraudes perpetradas pelo conluio entre devedorese credores. A partir do advento da Lei 2.024/1908,de autoria de José Xavier Carvalho de Mendonça, asaltemativas de recuperação à disposição das empresasem crise passaram a receber do legislador tratamentoburocrático ejudicializado, além do elevado custo e dasdificuldades de acesso postas às empresas de pequenoporte. A partir desse diploma legislativo, a celebração deacordos extrajudiciais pelo devedor com seus credoresobjetivando soerguimento do primeiro passou a serconsiderado indicativo do seu estado de insolvênciae causa para a decretação da falência. E o rigor doDecreto-lei 7.661/1945, que também dispunha ser atofalimentar a negociação entre credores e devedor (art. 2’,III), pode ser debitado ao clamor público pelas fraudesque ensejaram os institutos do acordo extrajudicial, nalegislação de 1908. Para bom apanhado histórico sobreo período, v.: Ligia Paula Pires Pinto Sica, Recuperação Extrajudicial de Empresas: Desenvolvimento doDireito de Recuperação de Empresas Brasileiro, Tese(Doutorado em Direito), Faculdade de Direito da USP,São Paulo, 2009, pp. 4551 ;Adriana Valéria Pugliesi Gardino, A Evolução do Tratamento Jurídico da Empresaem Crise no Direito Brasileiro, Dissertação (Mestradoem Direito), Faculdade de Direito da USP, São Paulo,2006, pp. 1333; Glauco Alves Martins, A RecuperaçãoExtrajudicial na Leio, 11.101/2005 co Experiência doDireito C’oniparado em Acordos Preventivos Extrajudiciais, Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdadede Direito da USP, São Paulo, 2009, pp. 1930; RobertoOzelame Ochoa e Amadeu de Almeida Weinmann,Recuperação Empresarial, Porto Alegre, Livraria doAdvogado, 2006, p. 129.

Na modalidade facultativa,2 seus efeitosse estendem tão somente àqueles que aderirem ao plano, preservando-se os direitosdaqueles que não participaram do processode negociação realizado com o devedor. Namodalidade impositiva,3 a Lei permite que oplano proposto seja imposto à minoria dissidente, respeitados os parâmetros definidospelo legislador.

Uma das vantagens do regime é a suaflexibilidade, uma vez que, em regra, só aderem ao plano os credores que desejam deleparticipar, em nada se alterando a situação dosdemais. O Poder Judiciário terá participaçãoquando da homologação do plano de recuperação, o que se fará, basicamente, (a) para darmaior solenidade ao ato, (b) para permitir aalienação de unidades produtivas ou (e) paraforçar a participação de determinado credorque ao plano não tenha aderido. Sua principallimitação está no fato de não contemplar oscréditos tributários e trabalhistas, nem aquelesprevistos nos arts. 49, § 30, e 86, II, da LFRE,sendo que os dois primeiros são aqueles que,no dia a dia da exploração de uma atividadeeconômica, mais assolam as empresas emdificuldades.

De uma maneira geral, o regime jurídico da recuperação extrajudicial é visto

2. É a modalidade prevista no art. 162, na qualexiste a adesão da totalidade dos credores atingidospelo plano, independentemente de quem seja e a qualclasse de credores pertença. Essa é a dita recuperaçãocxtrajudicial facultativa, justamente porque a adesãorIos credores é livre, oluntária, portanto.

3. Em sentido oposto à modalidade facultativaprevista no art. 162. a impositiva, prevista no art. 163,possibilita ao devedor impor suas condições aos credoresminoritários dissidentes do plano por ele proposto, casoeste tenha sido assinado por credores que representemmais de 3/5 (60%) de todos os créditos de cada espécie ou grupo de credores da mesma espécie por eleabrangida. Observadas tais condicionantes, é possívelimpor, “goela abaixo”, a homologação do plano aoscredores dissidentes. E o chamado eram down, expressão já consagrada nos Estados Unidos, que significa aimposição do plano contra a vontade de uma minoriaresistente de credores, cuja participação seja consideradapelo devedor relevante para o sucesso da recuperaçãoextrajudicial.

como uma das grandes conquistas da LFRE,principalmente por ter outorgado segurançajurídica e um maior grau de solenidade àsnegociações privadas entabuladas entre odevedor e seus credores, sendo a presençado Estado desejável em determinadas circunstâncias — por exemplo, para assegurar aestabilidade ao acordo firmado ou, se for ocaso, impor as condições acordadas a certoscredores dissidentes.

No entanto, o insignificante número derecuperações extrajudiciais homologadasdesde o início da vigência da LFRE — ao quese tem notícia, menos de uma centena emtodo o território nacional — parece denunciarque as bases do regime não estão adequadasàs necessidades do mercado de empresasem crise.4

4. Segundo pesquisa realizada pelo Serasa desdea promulgação da LFRE, no ano de 2006 foram encaminhados para homologação pelo Poder Judiciáriodois pedidos de recuperação extrajudicial. Em 2007esse número aumentou para no~ e e, em 2008, para 14.Em contrapartida, o número de recuperações judiciaisnesse período foi o seguinte: em 2006 foram 252; em2007 foram 269; e em 2008 foram 312. Além disso,segundo informações prestadas por Glauco Alves Martins, nu ano de 2008 tramitavam no Brasil 14 pedidosde homologação judicial de planos de recuperaçãoextrajudicial, dentre os quais os principais envolviam asseguintes empresas: (i) Prolan Soluções Integradas S/A,Processo 583.00.3006.1351082, homologado na Varade Falências e Recuperações Judiciais da Comarca deSão Paulo; (ii) AGR Indústria e Comércio de SistemasEletrônicos Ltda., Processo 583.00.2006.1585370,homologado na 2~ Vara de Falências e RecuperaçõesJudiciais da Comarca de São Paulo; (iii) FrigocharquePaulista Ltda., Processo 2776/2006, homologadona 1~ Vara Distrital de Cajamar. da Comarca deJundiaí/SP; (iv) Drogaria Proença Ltda., Processo06 1/1.06.00009412, homologado na E Vara Unica daComarca de Quaraí/RS; (v) Moura Shwark ConstruçõesS/A, Processo 583.00.2008.1439055, homologadona 1’ Vara de Falências e Recuperações Judiciais daComarca de São Paulo; (vi) TMT Motoco Brasil Ltda.,Processo 1082/2006, que, ao que consta, permanece emtramitação na Vara Cível de Campo Largo/PR (acessovia internet em 14.10.2011); (vii) Marco Sette MMSPlásticos Ltda., Processo 2007.001.0991223, que,ao que consta, foi baixado na E Vara Empresarial daComarca do Rio de Janeiro, sem que conseguíssemosvisualizar a última movimentação (acesso ia intensetem 14.10.2011); (viii) Globorr Indústria e Comércio,Importação e Exportação Ltda., Processo 3011/2003,

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Partindo dessa constatação, imperiosoé verificar as vantagens e as desvantagensdo instituto da recuperação extrajudicial, asquais, pelo que se pode desde já depreender,acabam por anular as primeiras.

Mas cumpre ressaltar que, quando seelencam os aspectos positivos ou negativos de determinado instituto ou regime, éimprescindível que se tenha um referencialcomparativo, um paradigma com o qual sepoderá cotejar as características referentesa cada um deles, para, ao final, apontar suasvantagens ou desvantagens. Ao se efetuaruma análise da recuperação extrajudicialcom esse propósito, é natural que seu pontode referência seja a recuperação judicial. Noentanto, essa premissa é incompleta: urnainvestigação comparativa abrangente e críticarequer a inclusão dos acordos privados (previstos no art. 167 da LFRE) no referencial aser examinado.

Iniciemos, então, nossa análise pelarecuperação judicial para, depois, passarmos à comparação em relação aos acordosprivados.

3. A recuperaçãojudiciale a recuperação extrajudicial

Passemos, então, a analisar as vantagense desvantagens da recuperação extrajudicialem comparação com a recuperação judicial.

que tramitou na 2~ Vara Cível da Comarca de São Josédo Rio Preto, tendo o pedido sido rejeitado por impossibilidade jurídica (tentativa frustrada de conversão deconcordata em recuperação extrajudicial). Para acessoa todos os dados dos referidos processos, v. GlaucoAlves Martins, A Recuperação Extrajudicial na Lei o.11.101/2005..., pp. 227-249. De mais a mais, segundopesquisa de campo realizada por Ligia Paula Pires PintoSica nos cartórios das 1’ e 2~ Varas Especializadas deFalência e Recuperação Judicial de São Paulo, nos mesesde outubro e novembro de 2008, foram identificadostrês pedidos de recuperação extrajudicial em trâmite.Um deles na 1° Vara (envolvendo a empresa MouraSchwark Construções S/A) e dois na 2il Vara (um delesenvolvendo a empresa Prolan Soluções Integradas S/A eO Outro relativo a um litisconsórcio ativo das sociedades

3.1 Vantagens

É possível apontar ao menos seis vantagens do regime da recuperação extrajudicialquando comparado ao da judicial. Apesardisso, é importante destacar que o objetivodo estudo, ao elencar essas vantagens, nãoé o de qualificar o regime como “melhor”ou “pior”, mas sim ressaltar a possibilidadede um deles ser mais adequado ao equacionamento de determinadas situações de criseeconômico-financeira, as quais deverão serexaminadas caso a caso.

Em relação às vantagens propriamenteditas, são elas (i) maior flexibilidade; (ii)maior celeridade; (iii) menor custo; (iv) menor intervenção; (v) baixo risco; (vi) maiorsegurança pela novação. Vejamo-las, uma auma, justamente porque podem justificar aadoção ou não desse regime em detrimentoao da recuperação judicial.

Uma das principais vantagens do novoregime é a sua flexibilidade, evidenciadaa partir da desnecessidade de englobar, noprocesso de negociação, todos os credores(lembre-se de que, na recuperação judicial,também não é necessário incluir todos oscredores). Aderirão ao plano somente os credores que realmente desejam dele participar,restando salvaguardados os direitos dos nãoparticipantes. Ainda, existe a possibilidade dedividir os credores em determinados grupos(nos termos do art. 163, § 1v), o que podefacilitar a negociação.5

ISD Cursos e Serviços Editorais Ltda., ISDCJ CiênciasJurídicas Ltda. e IDCJ Ciências Jurídicas Lida., conhecidas no mercado como “Complexo Jurídico Damásio deJesus”) (cf~ Ligia Paula Pires Pinto Sica, RecuperaçãoExtrajudicial de Empresas pp. 168-175).

5. Ligia Paula P. P. Sica elenca como uma dasvantagens da recuperação extrajudicial no quesito daflexibilidade a possibilidade de junção dos credoresde acordo com a espécie dos créditos previstos no art.83, II, IV, V, VI e VIII da Lei ou de grupo de credoresde mesma natureza e sujeitos a semelhantes condiçõesde pagamento; na recuperação judicial, a divisão é rígida, não permitindo a subdivisão de classes. Cf. Sica,Recuperação Extrajudicial de Empresas p. 141.

Assim, pode o devedor concentrar esforços na negociação com aqueles credoresque estejam dispostos a renunciar a umaparcela de seus direitos e participar do planode superação do estado de crise — seja porqueisso aumenta a chance de recebimento de seuscréditos, seja pelo fato de a manutenção doparceiro comercial lhes ser conveniente —,

ficando de lado aqueles que se mostraremirredutíveis.

Destaque-se que o art. 163 dispõe que a imposição doplano a todos os credores por ele abrangidos depende daassinatura de credores que representem mais de 3/5 (trêsquintos) de todos os “créditos de cada espécie”. Assim,cabe questionar, nesse particular, qual foi a intençãodo legislador ao utilizar tal expressão: seria corretoinferir que a referência aponta para as classes descritasno art. 83 da LFRE (inserido no capítulo que regula aclassificação dos créditos no procedimento falimentar dodevedor)? Ou o legislador optou por agregar ao regimeda recuperação extrajudicial conceito novo e distintoda noção de classe (qual seja, “espécie”)? A respostaparece ser positiva quanto ao primeiro questionamentoe negativa quanto ao segundo (cf. Fábio Ulhoa Coelho,Comentários à Lei de Falências e de Recuperação deEmpresas, 7’ cd. rev., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 452;Francisco Satiro de Souza Junior, Capitulo VI, “Da recuperação extraudicial”, in Francisco Satiro de SouzaJunior eAntonio Sergio A. de Moraes Pitombo (coordsà.Camentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências, 2~ cd., São Paulo, Ed. RT. 2007, pp. 523-543,p. 534; Ricardo Negrão, Manual de Direito Comerciale de Empresa, vol. 3, 5’ cd., São Paulo, Saraiva, 2010,pp. 238-239; em sentido contrário, Sica, RecuperaçãoExtrajudicialde Empresas pp. 99-103), como de fatoexplica o § 10 do art. 163, que assim dispõe: “O planopoderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies decréditos previstos no art. 83, incisos 11,1V, V, VI e VIII docaput desta Lei, ou grupo de credores de mesma naturezae sujeito a semelhantes condições de pagamento (...)“.

Perceba-se a exclusão das classes 1 e III, referentes,respectivamente, aos créditos trabalhistas e tributários.Assim, concordamos com o argumento que equiparacomo sinônimas as expressões espécies e classes (eque denota a ~,éssima técnica legislativa). Nessa lógica,parece-nos cOiTeta a arguição de que a conceituação declasse adquire objetivos distintos nos procedimentosregulados pela LFRE (i.e., falência, recuperação judiciale extrajudicial); particularmente no caso da recuperaçãoextrajudicial, objeto do nosso estudo, o conceito servepara dividir os credores e pennitir a imposição do planoàqueles dissidentes, na modalidade impositiva (SouzaJunior, Capitulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”,p. 534; e Martins, A Recuperação Extrajudicial na Leiii. 11.101/2005..., p. 123). Superada essa questão, éimportante referir que a expressão “grupo de credores

É claro que o esforço recuperatóriosó fará sentido se os credores dispostos anegociar detiverem uma posição creditíciarelevante dentro do quadro geral das dívidasda empresa. Do contrário, economicamente oplano não se sustentará, e a perspectiva de recuperação não será minimamente eficiente.

Outro aspecto relevante com relaçãoà flexibilidade do regime diz respeito aosrequisitos legais de legitimidade para manejaro pedido. Nos termos do art. 161, § 30, da

de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições depagamento”, pode ensejar uma série de controvérsias.Considerando que a Lei, no § 1’ do art. 1 63,já se referiuanteriormeme a “créditos de cada espécie”, utilizou acor~ unção “ou” e a expressão “grupo de credores de umamesma natureza”, supõe-se que se tratam de categoriasdiferentes. E, de fato, a interpretação mais adequadaparece ser a que conclui que podem os credores de umamesma espécie (classe) ser separados em grupos, em decorrência de características comuns existente entre eles.Vale lembrar, todavia, que, num primeiro momento, oscontomos exatos e a própria noção da expressão “grupode credores” gerou uma série de dúvidas. Mas a doutrina,de forma majoritária (e acertada, em nossa opinião), teminterpretado tal expressão como sendo uma subdivisãoem uma mesma classe, desde que ela (classe) seja formada por créditos de mesma natureza (como, por exemplo,os créditos quirografários de titularidade de instituiçõesfinanceiras) e que tenham semelhantes condições depagamento (que sejam de curto prazo, vg.) — o que,obviamente, pode gerar alguma insegurança, pois essescritérios são um tanto quanto subjetivos. Assim, comobem salienta Francisco Satiro, o devedor que desejarcriar crupos de credores deverá respeitar três parâmetros:(i) ser da mesma espécie; (ii) ter a mesma natureza; (iii)estar sujeito às mesmas condições de pagamento (SouzaJunior, Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”,p. 535; no mesmo sentido, v, Paulo Penalva Santos,“Aspectos polêmicos da recuperação extrajudicial”,Revista do Advogado (Associação dos Advogados deSão Paulo — AASP), n. 105, ano XXIX, sei. 200Q, pp.159-167, p. 161; Paulo Penalva Santos, Capítulo VI, “Darecuperação extrajudicial”, in Osmar Brina-Conêa Limae Sérgio Mourão Corrêa Lima (eoords.), comentários àNova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Riode Janeiro, Forense, 2009, pp. 1.099-1.119, p. 1.112).Na prática, parece-nos que o mais importante em casode divisão dos credores de uma mesma classe em sub-classes (grupos) é estabelecer, dentro do plano, critériosclaros e precisos que motivaram essa subdivisão. Masnão se pode olvidar que a divisão dos credores em grupos(mesmo que adquira contornos precisos) sempre poderáser impugnada pelos interessados com base no art. 164,§ 30, 1, da LFRE.

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LFRE, o lapso temporal para a repropositurade pedido homologação de plano de recuperação extrajudicial é de dois anos, a contar daobtenção da recuperação judicial ou da homologação de plano de recuperação extrajudicialanteriormente apresentado (prazo este que, dequalquer forma, é extremamente criticável,pois estamos falando de um acordo privado,ainda mais se levarmos em consideraçãoque a recuperação —judicial ou extrajudicial— anterior pode não abarcar os credores abrangidos pela nova recuperação extrajudicial).6Já a previsão do art. 48 da LFRE, relativa aoregimejurídico da recuperaçãojudicial, prevêlapso temporal de cinco anos, no caso doregime ordinário (inciso II) de recupcração, ede oito anos, no caso do regime especial paramicro e pequenas empresas (inciso JJJ).7

Mais um ponto que merece destaquenesse quesito diz respeito ao quórum necessário para a aprovação do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicialna modalidade impositiva. Segundo o art.163 da LFRE, o plano apresentado toma-sehomologável e oponível a todos os credoresque componham a espécie ou o grupo organizado pelo devedoi desde que conte com aassinatura de credores que representem 3/5 detodos os créditos de cada espécie abrangidospelo plano. No caso da recuperação judicial,

6. Cf. Souza Junior, Capítulo VI, “Da recuperaçãoextrajudicial...”, p. 527; Martins,A Recuperação Extrajudicial na Leio. 11.101/2005 p. 89; Luiz FernandoValente Paiva, “Da recuperação extrajudicial”, in LuizFernando Valente Paiva (coord.), Direito Fali,nentar euNova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, SãoPaulo, Quartier Latin, 2005, pp. 559-594 e pp. 578-579;Paulo Penalva Santos, Capítulo VI, “Da recuperaçãoextrajudicial...”, p. 1.101; e Siea, Recuperação Extrajudicial de Empresas p. 151. Por outro lado, RicardoNegrão assim leciona: “Para evitar que seu uso se tornecontínuo e regular instrumento de administração, comconstante imposição de sacrificios a credores, impõe-seoutro limite: a impossibilidade de pedido contemporâneoa outro de recuperação judicial ou, ainda, sucessivo aoutro de recuperação em Juízo, obtido ou homologadohá menos de dois anos (au. 161, § 3°)” (Negrão, Manualde Direito Comercial e de Empresa p. 238).

7. CE também nesse sentido, Sica, RecuperaçãoExtrajucliciol de Empresas p. 136.

o quórum previsto é o do art. 45, muitomais complexo e segmentado por classes decredores: as classes referidas nos incisos II eIII do art. 41 devem aprovar a proposta porcredores que representem mais da metade dovalor total dos créditos presentes à assembleiae, cumulativamente, pela maioria simples dospresentes (voto por crédito + voto por cabeça);ao passo que, na hipótese da classe previstano inciso 1 do art. 41, a proposta deverá seraprovada pela maioria simples dos credorespresentes, independentemente do valor doseu crédito (voto por cabeça) (fazendo-se aressalva de concessão da recuperaçãojudicialpela função social da empresa, nos termos doart. 58, § le).5

As partes têm, ainda, ampla liberdade nanegociação do plano de recuperação (conteúdo do plano), devido ao seu caráter contratual.Prevalece a autonomia privada das partes paraacordar o que acreditam ser a melhor formade viabilizar a recuperação da empresa.

Em segundo lugar, é possível afirmarque há maior celeridade no processamentodo regime da recuperação extrajudicial, pois,apesar de o plano seguir o rito de homologação judicial, o procedimento, cujo caráter émeramente chancelatório, tem trâmite simplificado. Portanto, não havendo, como defato não existe, a necessidade de verificaçãoe habilitação de créditos, de realização deassembleia de credores e de constituição decomitê de credores, situações que se verificamapenas na recuperação judicial, a tendência éde que a ação transcorra em espaço de tempomenor.

Por conseguinte, sendo reduzidos osatos processuais e não havendo a necessidade

8. A hipótese ora aventada, frisamos, trata-se darecuperação extrajudicial na modalidade impositiva (art.163)— pois, na modalidade facultativa, é desnecessáriaqualquer “deliberação”. Trata-se de vantagem do regime da recuperação extrajudicial quando comparado àjudicial, cujos requisitos para concessão do cram domsão bastante criticados pela doutrina, estando previstosnos arts. 45, 55 e 58 da LFRE. Sobre o tema, v. Sica,Recuperação Exirajudicial de Empresas pp. 136 ss.

de nomear administrador judicial, como defato não há, o custo da recuperação extrajudicial tende a ser reduzido. Quanto menoresas formalidades, menores os custos. E isso seaplica, inclusive, à preservação da imagemdo devedor, que não precisará incluir emseu nome empresarial a expressão “em Recuperação Extrajudicial”, tal qual ocorre narecuperação judicial relativamente em todosos atos, contratos e documentos firmados pelodevedor, como dispõe o art. 69 da LFRE.9

Ainda, existe a desnecessidade deconstar o nome da empresa recuperanda nobanco de dados nacional a cargo do Departamento Nacional do Registro do Comércio(DNRC), pretensamente disponível na redemundial de computadores, que conteria arelação de todos os falidos ou empresas emrecuperação judicial (art. 196). De qualquerforma, é preciso observar que, até o presentemomento, não consta que o DNRC tenhadisponibilizado tal relação, o que anula essapequena vantagem referida.

Há, ainda, na recuperação extrajudicial,uma menor intervenção externa na empresaem crise. Isso porque inexiste a possibilidadede perda da administração da sociedade pelanomeação de gestor judicial (arts. 64 e 65),assim como não há a intervenção de administrador judicial e nem o acompanhamento documprimento do plano pelo Poder Judiciário(e todo o seu aparato) durante certo período(art. 61). Sendo assim, o regime tem um caráter bem menos interventivo do que a recuperação judicial. Isso, é claro, não significa que,quando da elaboração do plano, não possamos credores e o devedor negociar a forma defiscalização ou, inclusive, de participação doscredores na gestão da empresa devedora.

Além disso, há a questão do menorrisco, aqui considerada a possibilidade dea empresa vir à bancarrota em razão da nãohomologação da recuperação extrajudicial ou

9. De se referii~ no entanto, que as publicaçõesordenadas pela Lei conterão a epígrafe “recuperaçãoextrajudicial de” (art. 191, parágrafo único).

do não cumprimento de condições previstasno plano. Com efeito, a recuperação extrajudicial não apresenta o risco de convolação emfalência, isto é, caso não seja homologado, ouseja, descumprida alguma de suas condições,o processo não será convertido em procedimento falimentar, como ocorre na recuperação judicial (art. 73, III e IV, da LFRE).

Menciona-se, por fim, a diferença dosefeitos quanto à homologação do plano derecuperação extrajudicial, mormente no quese refere à falência superveniente do devedor.Na recuperação extrajudicial, a LFRE determina, como regra geral, que os credores signatários não retornarão ao seu status quo ante,podendo cobrar seus créditos nas condiçõesoriginariamente pactuadas apenas no casode rejeição do plano apresentado (art. 165, §2°), podendo, ainda, ser contratado de mododiverso no plano (a novação pode se manter,ainda que o plano não seja homologado). Poroutro lado, no regime da recuperação judicial,a reversão da novação ocorre na hipótese defalência do devedor dentro de dois anos apósa concessão da recuperação judicial, comodispõe o art. 61, § 2e.b0

3.2 Desvantagens

Apresentadas as vantagens do regimeda recuperação extrajudicial, cumpre examinarmos os seus pontos fracos quandocomparados com o regime da recuperaçãojudicial, que acabam por anulá-las, comoparece comprovar o insignificante númerode recuperações extrajudiciais homologadasdesde o início da vigência da LFRE.

10. Ct~ Sica, Recuperação Extrajudicial de Empresas p. 145. Na visão de Francisco Satiro, o planode recuperação extraludicial, “Uma vez homologado,constitui novação das obrigações dos signatários. Emcaso de superveniente falência do dcx edor, diversamentedo que ocorre na recuperação judicial (art. 61, § 2°), seuscréditos habilitados serão aqueles decorrentes do acordoconsistente no plano de recuperação extrajudicial homologado. O plano homologadojudicialmente estará sq~eitoàs regras de nulidade relativa ou absoluta, aplicáveis aqualquer ato jurídico (art. 468 do CPC)” (cf Souza Junior,Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial , p. 527).

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Entre os diversos fatores que podem serapontados como desvantagens do regime,estão: (i) o alcance restrito; (ii) a ausênciade suspensão automática de todas as açõese execuções em curso e a consequente possibilidade de os credores não envolvidos noplano requererem a falência do devedor; (iii)a impossibilidade de alienar ativos do devedorsem o risco de sucessão do adquirente nassuas dívidas, especialmente as de origemtrabalhista e fiscal; (iv) o risco de revogaçãode atos em caso de quebra do devedor e declaração da sua ineficácia; (v) a não admissãodos créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperaçãoextrajudicial na classe extraconcursal, emcaso de falência; (vi) o risco de incorrer noscrimes da LFRE; (vii) o risco de intromissãojudicial.

Ainda numa análise comparativa entreos dois regimes recuperatórios estabelecidospela LFRE, podemos dizer que a recuperação extrajudicial perde força (e eficácia) namedida em que ela não pode contemplar,nas negociações entabuladas, os créditos denatureza tributária (impostos, taxas e contribuições), trabalhista (salários, férias e outrasverbas), acidentária laboral (indenizações),além daqueles previstos nos arts. 49, § 35, e86, II,justamente algumas das maiores fontesde preocupação do empresário em estado decrise. E o que dispõe o art. 161, § 1~.

Todavia, lembre-se de que desse maltambém padece, ainda que parcialmente, arecuperação judicial: os créditos tributáriostambém não são abarcados pela recuperaçãojudicial (o art. 57 da LFRE e o art. 191-Ado Código Tributário Nacional, além disso,o regime impõe que o devedor apresentecertidões negativas de débitos tributários,exigência que, na verdade, vem sendo flexibilizada pelo Poder Judiciário”), bem como

II Nesse sentido há diversos precedentes dosTribunais Estaduais: TJSP: AI 507.9904/800, Rei.Des. Romeu Ricupero, Câmara Especial de FalênciaseRecuperaçõesJudiciais,j, 1.8.2007; AI 472.5404/700,

não se sujeitam a tal espécie recuperacionalos credores previstos nos arts. 49, § 32, e 86,II (art, 49, § 42). Por outro lado, os créditosde natureza trabalhista (com a limitação,ressalte-se, imposta pelo art. 54), diferentemente da recuperação extrajudicial, podemser abarcados pela recuperação judicial.

Outra relevante desvantagem do regimeem análise em relação à recuperação judicialé a inexistência do stay period, isto é, a suspensão automática das ações e execuções detodos os credores em face do devedor peloperíodo de 180 dias (prevista no art. 6~, § 42).

Na recuperação extrajudicial, diferentemente, somente os direitos, ações ou execuçõesdos credores que aderiram ao plano restamsuspensos, assim como tais credores ficamimpossibilitados de postular a falência dodevedor, podendo fazê-lo aqueles não sujeitosao plano (como se deduz por meio da inter

Rei. Des. Pereira Calças, Câmara Especial de Falênciase Recuperações Judiciais,j. 25.4.2007;AJ 5169824200,Rei. Des. Pereira Calças, Câmara Especial de Falências,j. 30.1.2008. TJRJ:AI 00I975996.2010.8.19.0000, Rei.Des. Teresa deAndrade Castro Neves, 20~ Câmara Cível,j. 11.8.2010. TJMG: AI 1.0079.07.3713061/001, Rei.Des. Heloisa Combat, 7~ Câmara Cível, j. 29.9.2009;AI 1.0079.06.2888734/001, Rei. Des. Dorival Guimarães Pereira, 5’ Câmara Cível, j. 29.5.2008; AI1.0079.07.3488714/007, Rei. Des. Maria Elza, 5’ Câmara Cível 8.10.2009. Note-se, ainda, que a interpretaçãoestrita do art. 57 pode, inclusive, ser nociva aos interesses do fisco, pois, ao obstar a recuperação da empresa,fonte pagadora de tributos, fica-se sujeito às regras doconcurso de credores, pelas quais deverá aguardar asatisfação dos credores trabalhistas e daqueles comgarantia real para receber seu crédito (cf. Eduardo SecchiMunhoz, Seção IV, “Do procedimento de recuperaçãojudicial”, in Francisco Satiro de Souza Junior e AntônioSérgio A. de Moraes Pitombo (coords.), Ca,ne,,tários àLei de Recuperação de Empresas e Falência, 2’ cd., rev.atual, e ampi., São Paulo, Ed. RT, 2007, pp. 270-319, p.286). E, por fim, como salienta Luiz Inácio Vigil Neto, aFazenda Pública não é alcançada pelos efeitos jurídicosdo regime recuperatório (nem do ordinário, nem doespecial para microempresas e empresas de pequenoporte), não se podendo aceitar a tese da força impeditivada reorganização da empresa em virtude da não apresentação das certidões negativas de débitos tributários,pois a execução do plano de reorganização não afeta osdireitos da Fazenda Pública (cf. Luiz Inácio Vigil Neto,Teoria Fali,nentar e Regimes Recuperatórios, PortoAlegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 175).

pretação do art. 161, § 42, a contrario senso)— o que pode, sim, inviabilizar a recuperaçãoda empresa (isso sem considerar uma sériede outras dúvidas interpretativas que podemsurgir diante da letra do referido dispositivolegal). Mas, apesar das criticas quanto aosistema adotado pela LFRE, é compreensívelque assim esteja estabelecido, pois o stayperiod é concedido na recuperação judicial emface das características próprias desse regime,uma vez que é preciso dar certa tranquilidadeao devedor para negociar com seus credores,o que ocorre, presumivelmente, dentro dopróprio juízo competente. Diferentemente,no regime da recuperação extrajudicial, oplano já vem negociado, razão pela qual ostayperiodcostuma ser desnecessário, excetona hipótese de imposição do plano à minoria dissidente (modalidade na qual, então,poderia o stayperiod ser previsto, inclusive,para aclarar eventuais divergências de interpretação do art. 161, § 42, da LFRE, como,por exemplo, se àqueles a quem se pretendeimpor o plano podem, por exemplo, postulara falência do devedor antes que seja homologada a recuperação extrajudicial).

Além disso, não se pode olvidar que arecuperação extrajudicial não permite o quese chama, na prática, de “limpeza de ativos”,isto é, no caso de transferência de patrimônioa terceiro, há sempre o risco de sucessão doadquirente nas dívidas do devedor alienantedos bens do seu ativo, diferentemente do quepode ocorrer na recuperação judicial (art.60, parágrafo único) e na falência (art. 141,II). Ocorre, portanto, a sucessão de débitosquando da alienação patrimonial, ainda quefeita judicialmente. Em termos jurídicos, essatalvez seja a maior desvantagem do regimeda recuperação extrajudicial, a que geramais insegurança aos credores e restringeas alternativas de reestruturação da empresaem crise.’2

12. Co~n base numa interpretação literal da Lei, érazoável concluir que se o plano de recuperação extra-judicial envolver alienação, ainda que por via judicial,

Nesse particular, deve-se destacar a aplicabilidade do art. 185 do CTN (alienação efraude em matéria fiscal), mesmo em hipótese

de estabelecimento, dc filiais ou de unidades produtivasisoladas do devedor, o adquirente poderá ser considerado sucessor do devedor nas suas dívidas tributárias,trabalhistas e civis. Isso porque, em não havendo paraa recuperação extrajudicial dispositivos expressos esemelhantes ao parágrafo único do art. 60 e ao inciso IIdo art. 141 da LFRE (referentes à recuperação judicial eà falência, respectivamente), que estabeleçam a ausênciade sucessão do adquirente, inclusive nas obrigações denatr,reza tributária e trabalhista do devedor, aplicam-seas regras do CTN, da CLT e do CC (respectivamente,CTN art. i33;CLT—arts. l0e448;eCC-~art. 1.146).Ou seja, inexistindo regra específica, aplica-se a regrageral, que detemsina a possibilidade de sucessão doadquirente nas obrigações do devedor, diferentementedo que ocorre na recuperação judicial e na falência. Semsombra de dúvidas, esse é um dos maiores problemas doregime jurídico da recuperação extrajudicial, que certamente retarda e dificulta a venda de bens que compõemo ativo do devedor, posto que a insegurança jurídica queacompanha a possibilidade de sucessão em dividas afasta eventuais compradores. Em nossa opinião, interpretaro dispositivo de forma distinta seria ir de encontro à letrada lei. Nesse sentido, Jorge Lobo, “Responsabilidadepor obrigações e dívidas da sociedade empresária narecuperação extrajudicial, na recuperação judicial e nafalência”, in Revista de Direito Mercantil, Industrial,Econômico e Financeiro 144/138145, São Paulo, anoXLV, out.dez./2006, pp. 142, 145; Marcos Andrey deSousa, “Da recuperação extrajudicial”, in Newton deLucca e Adalberto Simâo Filho (coords.), Co,nentórios àNova Lei de Recuperação de EmpI’esas e Falências, SãoPaulo, Quartier Latin, 2005, pp. 577-607, p. 606; e HugoBarreto Sodré Leal, Responsabilidade Trib,,tó,’ia naAquisição de Estabelecimento Empresarial, São Paulo,Quartier Latin, 2007, p. 229. Não obstante, é importanteconsignar posição diversa de Francisco Satiro, paraquem, em ocorrendo a vendajudicial de estabelecimentooui produtiva — ou seja, de acordo com o dispostonos arts. 166 e 142 —, tal transferência ocorre livre deônus e sucessão (como previsto no art. 141, II) porqueo art. 141 regra as consequências das ,nodalidadestípicas de alienação previstas no art. 142 (salientando,inclusive, o equí~ oco do legislador na redação do caputdo art. 141, que deveria fazer referência expressa ao art.142 ou à Seção X como um todo). Exceção seria feita àsdívidas tributárias, em decorrência do art. 133, § 1’, doCTN, que faz menção apenas à falência e à recuperaçãojudicial como regimes em que a alienação dos bens podeser feita sem sucessão (Souza Junior, Capítulo VI, “Darecuperação extrajudiciai...”, pp. 541-542). Posiçãosemelhante é defendida por Martins, A RecuperaçãoExtrajudicial na Lei n. 11.101/2005..., p. 173. Quanto àsucessão de débitos tributários, o Senador RamezTebet,relator do Projeto de Lei 71/2003, entendeu que deveria

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de alienação de bens para cumprimento deplano de recuperação extrajudicial, cuja redação determina que se presumirá fraudulentaa alienação ou a oneração de bens ou rendasse o alienante tiver débito tributário regular-mente inscrito corno dívida ativa.’3

Ainda, em caso de quebra do devedorrecuperando, os atos praticados no contextoda recuperação extrajudicial podem ser revogados ou declarados ineficazes’4 (arts. 129

ser excluída da recuperação extrajudicial a hipótese deinexistência de sucessão tributária quando da alienaçãode bens do devedor, pois a recuperação extrajudicial,por ser mais simplificada, poderia dar ensejo a umasérie de fraudes; e, por isso mesmo, não consta do CTN,quando da sua alteração, tal previsão (como ocorre coma falência e a recuperação judicial) e, da mesma forma,sustenta o emérito Senador, não é exigida na recuperação extrajudicial a apresentação de certidões negativastributárias para a sua homologação (cf. Parecer 534, de2004, da Comissão de Assuntos Econômicos sobre oPLC 71, de 2003, que regula a recuperação judicial, aextrajudicial e a falência de devedores pessoas fisicase jurídicas que exerçam a atividade econômica regidapelas leis comerciais e dá outras providências, de relato-ria do Senador Ramez Tebet). Já Luiz Inácio Vigil Netotem uma posição ainda mais benéfica para o devedor eeventuais interessados na aquisição dos ativos postos avenda: para o referido autor, não há sucessão tanto comrelação às dívidas trabalhistas quanto às tributárias. poiso art. 166 da LFRE deveria ter remetido ao art. 141 (quefala da alienação livre de dívidas trabalhistas e tributáriasna falência), não ao art. 142. Assim, tratar-se-ia de faltade atenção inescusável do legislador (Vigil Neto, 7àoriaFa/imentar e Regimes Recuperatórios p. 299).

13. Nesse sentido, v.: Souza Junior, Capítulo VI,“Da recuperação extrajudicial , p. 542.

14. Em recente artigo, o Desembargador doTJRS, Jorge Luiz Lopes Canto, sugere uma série decautelas a serem adotadas por terceiros na aquisiçãode bens pertencentes ao patrimônio empresarial desociedade que se encontre em recuperação judicial ouextrajudicial, mormente no que se refere aos riscos deajuizamento de ações revocatórias pelo administradorjudicial da massa falida. O referido autor, na conclusãodo seu ensaio, assim leciona: ~ é necessário estaratento às cautelas a serem adotadas, a fim de realizarnegócio jurídico que insporte na aquisição de bens oudireitos pertencentes ao ativo imobilizado de determinada empresa, de sorte a não se sujeitar a eventualdeclaração de ineficácia falencial. O ponto principal aser considerado para definir a existência de boa-fé oua presença de má-fé por parte do adquirente de bem oude direito daquele tipo de ativo é a ciência do estado deinsolvabilidade desta. Veja-se aqui se se está diante de

e 130, mesmo porque somente existe regraespecífica quanto à recuperação judicial, nostermos do art. 131’~). No entanto, tendo sido

um dever de conhecimento daquele estado econômicodo que propriamente a certeza de saber desta situação.Portanto, mister se faz o levantamento prévio quantoaos bens e direitos que se pretende adquirir, mediantecertidões e verificações em órgãos públicos da existência de ônus ou restrições quanto àquele patrimônio, oque não isenta de e~ entual declaração de ineficácia, masdiminui muito a possibilidade de esta ser reconhecida.Ademais, com a adoção das medidas preconizadasanteriomsente se permite uma avaliação mais precisadas vantagens e dcsvantagens em efetivar esta espéciede transação, ou seja, há mínimo de previsibilidade, oque em se tratando de negócios empresariais é fundamental” (Jorge Luiz Lopes do Canto, “Aquisição debens pertencentes ao patrimônio empresarial, riscosdo negócio jurídico à luz do atual direito atinente àinsolvência corporativa”, in André Fernandes Esteveze Marcio Felix Jobim (orgs.), Estudos de Direito Emp,~eSa!~ia/ Homenagem aos 50 Anos de Docência doProjêssor Peter Walter Ashton, São Paulo, Saraiva,2012, pp. 643-671, p. 670).

15. Ligia Paula Pires Pinto Sica entende, combase numa interpretação ampliativa e principiológicada Lei, que seria mais acertado estender a aplicação dodisposto no art. 131 ao plano de recuperação extrajudicial homologado judicialmente, na medida em que istoaumentaria o grau de segurança do regime e incentivariaos credores a aderir aos seus tennos e condições. Segundo a autora, duas são as possibilidades interpretativaspara a aplicação do art. 131 da LFRE à recuperaçãoextrajudicial: “A primeira delas: a interpretação literaldo art. 131 da LRE. Este tipo de interpretação deixariaa segurança que o artigo traz ao terceiro de boa-fé restrita às relações negociais que se descem por meio doprocedimento da ‘recuperação judicial’, como institutoe não da ‘recuperação judicial’ como toda a recuperaçãode empresas em crise que seja levada a juízo (inclusivepara homologação). Já a segunda leva a crer que: umplano de recuperação judicial stricto sensu; ou um planode recuperação extrajudicial levado à homologação temo mesmo grau de confiabilidade. O fundamento para essainterpretação é que ambos passam pelo crivo judicial,são planos transfomiados em títulos executivosjudiciaise, portanto, tal atribuição deveria toma-los blindadospelo art. 131 da Lei 11.101/2005” (Sica, RecuperaçãoExtra/udicial de Empresas p. 107, pp. 163-164).Caminhando no mesmo sentido, mas em posiçãoinédita sobre o tema que merece referência, mas com aqual discordamos, Glauco Alves Martins identifica umproblema de antinomiajurídica entre as regras dos arls.l38e 164, § 5°,daLFREepropõecombasenocritérioda prevalência da Les Favorabilis sobre a Les Odiosauma interpretação favorável à imunização do planode recuperação extrajudicial contra eventuais açõesrevocatórias e declarações de ineficácia, sem negar,

novados com a homologação do plano derecuperação extrajudicial, não retornam aostatus quo ante — corno já visto.

todavia, a polêmica existente sobre o tema (Martins,A Recuperação Extrajudicial na Lei mm. 11.101/2005...,pp. 178-180). Já Jean Carlos Fernandes sustenta umainterpretação razoável da Lei, afirmando que, em sendoa recuperação extrajudicial devidamente homologada,torna-se ela, portanto, em judicial e, então, a ela seaplica o disposto no art. 131 (Jean Carlos Femandes,“Reflexões sobre a nova lei falinsentar: os efeitos dahomologação do plano de recuperação extrajudicial”,in Revista de Direito Mercantil, Industrial. Financeiroe Econômico 141/169-184, São Paulo, jan.jul., pp.180-183). E com relação à hipótese de trespasse deestabelecimento empresarial, Fábio Ulhoa Coelho defende a impossibilidade de se declarar a ineficácia doato, seja ele realizado em sede de recuperação judicialou extrajudicial: “Se do plano de recuperação judicialda empresa aprovado pela Assembleia de Credores edeferido pelo juiz, consta\ a, por exemplo, a alienaçãodo estabelecimento empresarial do devedor e esta foifeita sem a anuência expressa ou tácita de todos os credores, ens sobrevindo a falência, não haverá ineficácia.O trespasse produzirá amplos efeitos contra a massafalida porque realizado como tentativa de reorganizara empresa em estado critico (e, portanto, no interesseindireto da comunhão dos credores). Igual decorrênciase verificará na hipótese de o ato abrigar-se em planode recuperação extrajudicial” (Coelho, Comentários àLei de Falências e de Recuperação de Empresas p.406). E de se valorizar os esforços interpretativos dosautores, visivelmente favoráveis ao desenvolvimentodo instituto da recuperação extrajudicial. No entanto,parece-nos estender demais a interpretação de dispositivos legais que não permitem tamanha elasticidade. Emoutras palavras, quer-se retirar da letra da Lei aquilo queela não diz, ainda que a interpretação almejada estejaem consonáncia com os princípios que a embasaram.No entasito, concordamos com o argumento de queeste é um grande empecilho para a efetividade e para asegurança jurídica do regime recuperatório em sua viaextrajudicial. Em muitos casos, tal limitação chegará ainviabilizar a elaboração de planos mais ousados. Issosem contar com a restrição expressa que acaba sendoimposta pelo art. 164, § 30, II: na referida restrição existeprevisão no sentido de que o plano de recuperaçãoextrajudicial não poderá contemplar qualquer negóciojurídico que venha a configurar a prática de alguns dosatos elencados no art. 94, III, da LFRE, definidos pelaLei como caracterizadores da falência do devedor;disposição que, em tese, até parece razoável, sob oargumento de que atos de cunho falimentar devem serexpurgados de qualquer plano de recuperação desenhadopelo empresário ou sociedade empresária em crise. Noentanto, esse raciocínio não resiste a um exame maisatento e pornienorizado. Depreende-se do elenco dehipóteses arroladas no inciso 111 do art. 94 da LFRE que

Isso sem falar no fato de que os créditosdecorrentes de obrigações contraídas pelodevedor durante a recuperação extrajudicial,inclusive aqueles relativos a despesas cornfornecedores de bens ou serviços e contratosde rnútuo, não são considerados extraconcursais em caso de falência (como ocorre narecuperação judicial, ex vi art. 67 da Lei), oque representa uma falta de incentivos paraque terceiros venharn a negociar com taldevedor.

Ademais, a homologação de um planode recuperação extrajudicial traz a possibilidade de que os envolvidos incorram noscrimes previstos na LFRE. Nesse sentido,vale lembrar que a sentença que hornologa arecuperação extrajudicial de que trata o art.163 é condição objetiva de punibilidade dasinfrações penais descritas na LFRE, comodispõeoart. 180.

muitas delas são situações/atos comumente praticadosem um contexto de recuperação de uma empresa, a pontoda restrição legal se tornar um verdadeiro impedimentoao processo dc reerguimento do devedor. Nesse sentidoconcordamos com a opinião dc Glauco Alvcs Martins:“E relativamente comum no processo de renegociaçãocoletiva do passivo de um des edor empresário, que oscredores exijam novas garantias reais do de~ edor ouque o devedor seja obrigado a desfazer-se de parte deseus bens ou até mesmo de alguns de seus estabelecimentos como parte da estratégia de superação da crise.(...) Todos esses meios dc recuperação encontrariamóbices em situações descritas nas alíneas do inciso IIIdo art. 94, especialmente na primeira parte da aliena ‘a’(‘procede à liquidação precipitada de ativos’), aliena ‘e’(‘transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não,sem o consentimento de todos os credores e sim ficarcom bens suficientes para solver seu passivo’) e aliena‘e’ (‘dá ou reforça garantia a credor por dívida contraídaanteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados para saldar seu passivo’). Como consequência, oplano de recuperação acaba restrito a soluções de crisepouco criativas e muito restritas” (Martins, A Recuperação Extrajudicialna Leio. 11.101/2005..., pp. 94-95).Assim, resta aqui uma restrição relevante ao conteúdodo plano de recuperação extrajudicial — devendo-selembrar que os credores poderão, no prazo de 30 (trinta) dias previsto no art. 164, § 20, da Lei, impugnaro plano de recuperação cxtrajudicial em processo dehomologação, alegando, entre outras questões, a práticade qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94oudoart. 130.

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Pelo exposto, e considerando as desvantagens referidas, cuja relevância para abaixa aderência prática do instituto é evidente,cumpre destacar que a observação da realidade demonstra, em certa medida, que a maiorconcorrente da recuperação extrajudicialpode não ser a recuperação judicial, mas,sim, as modalidades alternativas de acordosprivados celebrados entre o devedor e seuscredores (art. 167).

Corno veremos no próximo itern, talconstatação ganha em importância quandoconsideramos que os efeitos gerados por umacordo privado são basicamente os mesmosda recuperação extrajudicial. Isso sem contartodos os requisitos, subjetivos e objetivos,que devem ser atendidos para que se possapostular a recuperação extrajudicial, bemcomo os incômodos que qualquer processojudicial traz, tal corno a possibilidade de umaindesejável intromissão do magistrado, poreventual desconhecimento da matéria, emaspectos em que não lhe caberia intervir.

Nessa toada, a despeito de a recuperaçãoextrajudicial representar uma importantealternativa legal para o empresário e a sociedade empresária reestruturarem seu negócio,em nosso entendimento o insucesso práticodo instituto decorre, em menor ou maiorescala, de alguma das desvantagens acimamencionadas.

4. Os acordos privadosfirmadosentre o devedor e seus credorese a recuperação extrajudicial

Ainda que, em nossa opinião, não setrate de uma modalidade de recuperação extrajudicial, é inegável que no regime jurídicoda LFRE os acordos privados eventualmentefirmados individual ou coletivamente entreo devedor e seus credores, na forma do art.167, representam uma alternativa viável paraa recuperação do empresário, da empresaindividual de responsabilidade limitada ou da

sociedade empresária em crise — hipótese, porsinal, muito utilizada em outros países.’6

Na legislação pátria, os acordos privados receberam tratamento legislativo ingratoe desproporcional à sua relevância econômica. O regime do Decreto-lei 7.661/1 945(antiga Lei de Quebras), seguindo orientaçãoinstituída pela Lei 2.024/1908, sancionavacomo ato falimentar, capaz de justificarpedido de falência do devedor, a simplesconvocação, por ele, de seus credores coma finalidade de propor dilação, remissão decréditos ou cessão de bens (leia-se: moratóriaamigável, perdão e dação em pagamento)com o objetivo de superar a situação de criseempresarial.

Dito de outra forma, a própria Lei deQuebras possuía um dispositivo que sabotavaqualquer tentativa do devedor de reunir seuscredores a fim de propor-lhes uma solução demercado que pudesse evitar a inadimplênciaou fazê-la cessar (art. 2°, III, do Decreto-lei7.771/1945), sendo que somente a concordância unânime poderia elidir a falência.’7-’8 O

16. No direito norte-americano, p. ex., os acordosprivados entabulados entre o devedor e seus credores,sem a interferência do Poder Judiciário, baseados fortemente no princípio da autonomia privada, tê,n grandeaderência prática entre os empreendedores em estadode crise (ou pré-crise) e são denominados workoutagreements, referidos na doutrina como out-of-courtrestructuring ou informal reo/ganization. Para pesquisasobre o tema, v. Conrad B. Duberstein, “Out-of-Courtworkouts”, in An,erican Bankruptcy histitute La,,’ Review347/347-354, 1993; eAlan Sch~artz, “Bankruptcyworkouts and debt contracts”, Journal of La,,’ andEconomics 36/595-632, Chicago, apr. 1993.

17. José Xavier Carvalho de Mendonça, o grandecomercialista brasileiro do final do século XIX e daprimeira metade do século XX, foi quem categorizouno ordenamento jurídico brasileiro, por ,neio da Lei2.024/1908, de sua autoria, como ato de falência, aconvocação dos credores para proposta de dilação deprazo, re,nissão ou cessão de bens. Ele firmava posiçãocontrária aos acordos entre credores e devedor (salvo seaprovados pela unanimidade); e sustentou seu posicionamento desta fons,a: “Esses acórdos e cessões, se úteisalgumas vêzes, são em outras, um perigo à moralidadee ao comércio. O só fato da convocação de credoresrevela a impossibilidade de continuar o devedor a honrar

os seus compromissos e não se pode deixa-lo fora dadisciplina da falência, salvo se há da parte dos credoresem unanimidade a vontade deliberada de aceitar oacôrdo proposto” (José Xavier Carvalho de Mendonça,Tratado de Direito (J°omercial Brasileiro, vol. VII, 7°cd. posta em dia por Roberto Carvalho de Mendonça,Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1964, pp. 248-249). V.,também: Carvalho de Mendonça, Tratado de DireitoCon,ercial Brasileiro, vol. VIII, 7~ cd., posta em dia porRoberto Carvalho de Mendonça, Rio de Janeiro, FreitasBastos, 1962, pp. 487 ss. Em detemsinada passagem naqual examina a desnecessidade do instituto da moratóriapara a recuperação do devedor, o comercialista refere:“Na prática, temos disso dolorosa experiência, foramdesastrosíssimas as consequências das moratórias.Rarissima a que foi seguida de bom e feliz êxito. Aoinvés de conjurar a falência, simplesmente a retardou, enão passou de uma ilusão para o devedor de boa-fé e ummalogro para os credores, que, podendo ter encontradoum ativo suficiente para integral pagamento, posterior-mente foram recebe-lo depauperado, gasto, arruinado,senão fraudado” (Carvalho de Mendonça, Tratado deDireito Comercial Brasileiro, vol. VIII..., p. 491). E,ao comentar o art. 20, III, do Decreto-lei 7.661/1945,Trajano de Miranda Valverde assim se manifestou: “On. III compreende a confissão extrajudicial do estadode falência feita pelo devedor aos seus credores, fatoque se positiva na proposta de dilação, remissão decréditos ou cessão de bens. A convocação, verbal oupor escrito, dos credores para conhecerem a propostanão é elemento essencial na caracterização do estado defalência do devedor. Este, quase sempre, procurando agircom cautela, não denuncia abertamente o seu intento,nada escreve, mas vai de porta em porta, angariandoas assinaturas dos credores. Não raras vezes sucedeser esse processo de acomodação com os credores ummeio ótimo de liquidação, o qual pressupõe, é claro, aboa-fé do devedor. Como, entretanto, para que vingue oacordo extrajudicial, é necessário o apoio unânime doscredores, o dissidente pode levar a proposta do devedorao conhecimento do juiz competente, e, uma vez provado o fato, cumpre ao juiz decretar a falência” (Trajanode Miranda Valverde, Con,cntórios à Lei de Falências,vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1948, p. 41). Sobre otema, v., também: José da Silva Pacheco, Processo deFalência e C’oncordata, 5° cd., Rio de Janeiro, Forense,1988, p. 157; e Sica, Recuperação Extrajudicial deEmpresas pp. 33-61.

18. Denota-se dessa proibição que o legisladorbrasileiro fez uma opção pelo controle prévio das fraudese tratamento coletivo e judicializado dos credores, emdetrimento da autonomia privada dos devedores emnegociar individualmente e à margem do Poder Judiciário com seus credores. Em resumo, tudo indica queo legislador da época, por circunstâncias do momentorelacionadas ao grande número de fraudes ocorridas na

vigência de outros diplomas legislativos, optou pela solução da quebrado devedor (com a posterior liquidaçãodo patrimônio e o rateio do ativo entre os credores) emdetrimento da manutenção da atividade económica pormeio de negociações privadas (cf. Martins, A Recuperação Extrajudicial na Lei ,,. 11.101/2005 pp. 28-29).

19. Rubens Requião, Curso de Direito Falimenfor, vol. 1, 9’ cd., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 74. Eautores como Wilson de Souza Campos Batalha e SilviaMarina Labate Batalha adotavam interpretação restrita:entendiam que somente deveria ser decretada a quebracom base no art. 2°, 111, do Decreto-lei 7.661/1945 casorestasse comprovada a má-fé do devedor (ou seja, asimples procura dos credores, por parte do devedor, pararenegociar os débitos não daria ensejo à falência: estar--se-ia tratando de uma mera presunção iw~is ta,,tu,u, quedeveria ceder diante da comprovação da boa-fé, da ausência de prejuízos) (Wilson de Souza Campos Batalha eSilvia Marina Labate Batalha, Falências e ~‘oucordatas,2” cd. atual., São Paulo, LTr, 1996, p. 124).

20. Neste sentido, remetemos, exemplificativamente, aos seguintes julgados: TJSP: AI904778415.2003.8.26.0000, ReI. Des. Milton Theodoro Guimarães, 2~ Câmara de Direito Privado, j.25.5.2004; AI 904798167.2003.8.26.0000, ReI. Des.Milton Theodoro Guimarães, 2° Câmara de DireitoPrivado, j. 11.5.2004; AI 9047978 15.2003.8.26.0000,ReI. Des. Milton Theodoro Guimarães, 2° Câmarade Direito Privado, j. 11.5.2004. Da ,nesma forma,fazemos referência ao emblemático e conturbado casodas Lojas Arapuã S/A, no qual, mesmo não cumprindoa concordata, o TJSP decidiu por não decretar a falência da devedora com base em sua função social e naconcordância, da grande maioria dos credores, em umplano de reestruturação (TJSP, AI 257.217/5, ReI. Des.Silvio Marques Neto, 8° Câmara de Direito Privado, j.11.6.2003); no entanto, o STJ, mais de 10 anos após oinício do processo de concordata, decretou a falênciadas Lojas Arapuã S/A (STJ, 4° T., ReI. Mio. Luis FelipeSalomão, REsp 707.l58-SP, j. 3.3.2009). Para relatodetalhado das circunstâncias fáticas e jurídicas quecircunscrevem este último caso, v. Sica, RecuperaçãoExtrajudicial de Empresas pp. 130-135.

referido dispositivo do Decreto-lei 7.661/1945foi duramente criticado pelos comercialis

tas de então, entre eles Rubens Requião,’9existindo, igualmente, vários precedentesjudiciais que, à época, concediam ao devedoro regime da concordata preventiva com basena renegociação dos débitos entre devedore credores, com efeitos semelhantes aos darecuperação extrajudicial.2° Ademais, a despeito da proibição legal de outrora, esse tipode negociação à margem do Poder Judiciárioe da lei, era, na prática, realizado pelos devedores, recebendo a alcunha de “concordatabranca”.

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Hoje, a LFRE vigente não mais arrolaa negociação com credores dentre os atos falirnentares, bem como prevê expressamente,no art. 167, a possibilidade de o devedor entabular acordos privados. Veio, acreditamos,em boa hora a alteração legislativa.

Mas apesar da utilidade prática dosacordos privados ser indiscutível, é precisoatentar para o fato de que uma reestruturação empresarial baseada unicamente nessaalternativa legal destoa das característicastípicas reservadas pela LFRE à recuperaçãoextrajudicial, em ambas as suas modalidades(facultativa e impositiva),2’ seja pela limitação da sua abrangência, pelos custos advindosda negociação individual com os credoresou pela insegurança jurídica gerada pelosseus efeitos restritos (diante da inexistênciade homologação judicial e seus correlatosefeitos).

Pois bem. Se a aproximação entre os institutos pode ser questionada, o cotejo analíticoentre os acordos privados e a recuperação extrajudicial, especialmente na sua modalidadefacultativa, é relevante, mormente se consideramos os reduzidos beneficios e efeitosjurídicos que decorrem da última. Vejamos,portanto, de forma sistemática, quais são asprincipais diferenças entre tais institutos.

Como já destacado, a recuperaçãoextrajudicial facultativa é a modalidade prevista no art. 162, na qual existe a adesão datotalidade dos credores atingidos pelo plano,independentemente de quem seja e a qual

21. Nesse mesmo sentido, manifestou-se a mestraem Direito Comercial pela Universidade de São Paulo,Adriana Valéria Pugliesi Gardino: “(...) a recuperaçãoextrajudicial diferencia-se, em substância, de umanegociação isolada envolvendo um ou vários credores,eis que pressupõe a existência de um plano. Ainda queo espírito da lei seja proporcionar ao devedor amplasformas de saneamento da empresa, por meios judiciaisou não, por meio da apresentação de um plano ou mediante acordos individuais, entendemos que, na hipótesede acordos estipulados com credores isoladamente, nãohá recuperação extrajudicial na acepção do artigo 161 daLei” (Gardino, A Evolução do Tratamento Jurídico daEmp,esa em Crise no Direito Brasileiro p. 190).

classe de credores pertença;22 o adjetivo queacompanha o nomenjuris do regime refere-sejustamente ao fato da adesão dos credores serlivre, voluntária e intencional.

A modalidade facultativa tem umasistemática de funcionamento simples, semmaiores formalidades, cujo plano pode, inclusive, dar tratamento desigual àqueles quedele participam, na medida em que é lícitoacordar condições diferentes para cada umdos participantes; isto é, nada impede quetenham os credores signatários tratamentodíspar,23 sem que isso implique qualquerirregularidade.24

22. É importante frisar que, como o devedor temo direito de escolher os credores com quem irá negociar,presume-se que ele elaborará uni plano apenas comaqueles que se dispuserem a dele participar, fazendo dahomologação da recuperação extrajudicial um eventopraticamente certo.

23. Santos, Aspectos Polêmicos da RecupeJação Extrajudicial..., p. 160; Santos, Capítulo VI,“Da recuperação extrajudicial...”, p. 1.106; Paiva, DaRecuperação Extrajudicial p. 582. Por todos, valereferir a posição de Francisco Satiro: “Deve-se observarque na recuperação extrajudicial homologatória nãohá qualquer restrição no tratamento diferenciado decredores da mesma classe ou titulares de créditos denatureza semelhante. Isso porque os aderentes terãoassinado o acordo antes da homologação, concordandocom seus termos, mesmo que fique assegurado a unstratamento menos favorável que a outros. Tem-se aquio pleno exercício dos princípios da autonomia privadae da obrigatoriedade da convenção. O mesmo não sepode falar quanto à modalidade impositiva. Haja vistaque se pretende impor a certos credores resistentes osefeitos do plano, faz-se necessário garantir que não sesujeitarão a condições menos gravosas que aqueles,da sua mesma classe ou grupo, que voluntariamenteaderiram” (Souza Junior, Capítulo VI, “Da recuperaçãoextrajudicial...”, p. 529).

24. Nesse particular concordamos com a opiniãode Glauco Alves Martins no sentido de que a recuperação extrajudicial, na modalidade homologatória,está limitada à homologação de um acordo de carátercoletivo com alguns credores do devedor admitidos àrecuperação extrajudicial e motivado por um escopo desoerguimento do devedor; inexistem, assim, grandesformalidades a serem seguidas pelo devedor no quediz respeito à instrução de seu pedido de homologaçãonessa modalidade, devendo apenas fazer juntar o planocom a adesão dos credores signatários e sua justificativa (Martins, A Recuperação Extrajudicial na Lei ii.

11.l0J/2005..., p. 111).

Os principais efeitos jurídicos queresultam da homologação de um plano derecuperação extrajudicial (condição que, emnossa opinião constitui não somente requisito de validade do regime, mas também deexistência e eficácia, posto ser justamente achancela do Poder Judiciário que o diferenciados acordos privados firmados diretamentecom o devedor à margem da tutela jurisdicional25) são os seguintes:26-27

25. Ao tratar da obrigatoriedade ou não de homologação do plano de recuperação extrajudicial comorequisito indispensável para caracterizar a modalidadefacultativa do regime, Glauco Alves Martins propõe urnadivisão interessante, tomando em consideração dois diferentes enfoques: (i)o da vinculação dos credores signatários; e (ii) o da produção dos efeitos específicos do regimejurídico da recuperação extrajudicial. Quanto à primeirafaceta, o autor entende que a homologação do plano dcrecuperação extrajudicial é optativa, na medida em quea vinculação dos credores aderentes ocorreria mesmosem a sua homologação. Já no que se refere à segunda,a homologação judicial do plano toma-se obrigatória,pois é por meio dela que irradiam os efeitos jurídicos doregime jurídico da recuperação extrajudicial (Martins, ARecuperação Extrajudicial na Lein. 11.101/2005 pp.114-11 5).Adespeito da relevância da divisão acima, cujaclareza merece aplausos, parece-nos que sua utilidadeprática é diminuta. Em nosso entendimento, para que anegociação entabulada entre o devedor e seus credoresseja alçada à categoria jurídica de recuperação extrajudicial facultativa ou convencional, é indispensável queela percorra o caminho da homologação judicial previstono art. 164 da LFRE. Explicamos: nessa modalidade derecuperação extrajudicial a homologação judicial doplano não é apenas requisito de validade do regime, mastambém de existência e eficácia, posto ser justamente achancela do Poder Judiciário que a diferencia dos acordosprivados firmados diretamente com o devedor à margemda tutela jurisdicional. Nesse diapasão, o plano formulado pelo devedor, mas não levado à homologação (ouque, se levado, tenha sido indeferido pelojuiz) deve serconsiderado um negócio jurídico de natureza privada,fimiado entre as partes (credor e devedor), que (i) podevir a não produzir qualquer efeito, posto que o plano derecuperação é um negócio jurídico formado, de regra,sob a condição suspensiva da homologação judicial esomente a partir daí passa a produzir seus efeitos (art.165 da LFRE), salvo disposição contratual em contrário(e pouco provável) estabelecendo que quem aderiu aonegócio, ainda que não homologado, teve seu créditonovado; e (ii) pode vir (ou não) a ser considerado comoum título executi~ o extrajudicial se atender aos requisitos previstos no art. 585, II, do CPC (ou mesmo títuloexecutivo judicial, caso seja realizado o procedimentode homologação de acordos estabelecido no CPC). Em

(i) outorga maior solenidade, segurançae efetividade ao ato, transformando o acordoem título executivojudicial, nos termos do art.161, § 6~, e em consonância com o disposto noart. 475-N do Código de Processo Civil;

(ii) viabiliza a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladasquando prevista na medida (art. 166), inobstante a discussão referente à sucessão dasobrigações referentes aos bens alienados;

(iii) sujeita o devedor aos crimes especiais previstos na LFRE (arts. 168, 171, 172,175, 178, 179, 180 e 182).

sentido contrário. Ligia Paula Pires Sica sustenta a tesede que apesar do plano de recuperação extrajudicial contratual (respeitada a classificação por ela estabelecida) serpassível de homologação judicial, a validade e a eficáciadessa modalidade de recuperação são independentesde qualquer tipo de homologação (Sica, RecuperaçãoExtrajudicial de Empresas p. 82). Firmamos posiçãono sentido de que: ainda que conste no plano que seusefeitos são produzidos de imediato e independentementeda homologação judicial, e mesmo se for denominado“plano de recuperação extrajudicial”, entendemos queele não adquirirá essa natureza apenas em razão do seunainenjuris; teremos, nessa hipótese, um mero acordoprivado negociado entre o devedor e alguns de seuscredores. Nessa direção, opinou Souza Junior, CapítuloVI, “Da recuperação extrajudicial...”, p. 531.

26. Cf. Coelho, Comentários à Lei de Falênciase de Recuperação de Empresas p. 450; Femandes,Reflexões sobi e a Nova Lei Falimentar: os Efeitos doHomologação do Plano de Recuperação Extrajudicial..., p. 174; Paiva, Da Recuperação Extrajudicial...,pp. 571, 588; Souza Junior, Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”, pp. 525, 531.

27. Glauco Alves Martins, com suporte na doutrina especializada, destaca outros beneficios negociais (demenor relevância, mas ainda beneficios) não previstosna LFRE e resultantes da homologação do plano derecuperação extrajudicial, previsto no art. 162 do LFRE:(i) a possibilidade de oposição dos tennos do acordoa terceiros, o que não é, a rigor, uma exclusividadedo acordo homologado nessas condições (apesar dea oponibilidade perante terceiros poder ser obtida deoutras formas, como por meio da homologação judicialnos termos da legislação processual ou do registro doacordo privado em cartório de títulos e documentos); (ii)a subordinação dos interesses pessoais dos credores aointeresse social da empresa; (iii) revestir o ato de maiorsolenidade, a fim de se chamar a atenção das partespara sua importância; e (iv) conferir maior publicidadee transparência à operação (Martins, A RecuperaçãoExtrajudicial na Lei mm. 11.101/2005..., p. 113).

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Nesse sentido, e considerando as escassas consequências — ou, melhor dizendo,os reduzidos beneficios — da homologaçãodo plano de recuperação extrajudicial namodalidade facultativa (bem como todasas desvantagens arroladas anteriormente,quando foi comparada com a recuperaçãojudicial), é razoável concluir na direção deque os acordos particulares (levados ou não àhomologação judicial), nos termos dapermissão do art. 167 da Lei, constituem alternativajurídica viável, mormente a quem não atendeaos requisitos impostos pela LFRE (art. 161,caput e § 3s, c/c arts. 1~ e 48).

Com base nessas premissas, parecem--nos plenamente admissíveis (e corretos)eventuais questionamentos acerca da realutilidade da modalidade facultativa de recuperação extrajudicial, porque inexistemmaiores vantagens se comparada aos acordosprivados previstos no art. 167 da LFRE. Abem da verdade, é possível argumentar queo regime possui efeitos legais deletérios aodevedor, mormente aquele que o sujeita aostipos penais previstos na Lei 11.101/2005,25

28. Nesse sentido, Paulo Penalva Santos faz fortescríticas a tal modalidade de recuperação extrajudicial:“Como lembra Luiz Femando Valente de Paiva, atravésde emenda apresentada no Senado Federal, foram suprimidas as principais vantagens dessa modalidade derecuperação, que eram a proteção desses acordos emrelação a futuras ações revocatórias e o afastamento dasucessão tributária. Assim, inicialmente, a redação doart. 131 protegia também os acordos na recuperaçãoextrajudicial da declaração de ineficácia, sendo que oart. 133, § 1~, II, do Projeto de Lei Complementar, quealterou o CTN, também se referia expressamente aoacordo em exame”. “Dai a indagação: qual a vantagempara credores e devedor em submeter um plano aojuízo se poderiam celebrar esse acordo de forma válida,como prevê o art. 167? O que justificaria esse pedido,se o acordo não suspende as execuções, não impede oajuizamento de ações de falência, obriga o devedor adar publicidade de dados econômicos e financeiros (art.163, § 6v), e ainda não afasta a sucessão tributária, nema ação revocatória? Além disso, a Lei n. 11.101/2005ampliou a possibilidade de ação penal por crimesfalimentares, que passaria a ter na homologação doplano de recuperação extrajudicial uma nova condiçãode punibilidade.” “Nem mesmo o fato de esse acordoconstituir um título executivo justifica a adoção desse

Em termos comparativos,29 a primeiragrande distinção entre os acordos privadose um plano de recuperação extrajudicialhomologado está relacionada, basicamente,à natureza do título executivo constituído aofinal do procedimento e os efeitos jurídicosdaí decorrentes. O plano de recuperaçãohomologado enseja a formação de um títuloexecutivo judicial (representando efetivavantagem aos credores em sede de execução),ao passo que a reorganização implementadacom base em acordos privados, a partir doart. 167 da LFRE, pode dar ensejo a formação de, pelo menos, três títulos de naturezadistinta, a saber:

procedimento, pois as partes poderiam, em qualqueracordo, emitir notas promissórias, celebrar confissõesde dívidas, sem necessitar dessa forma de concordata”(Santos, Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”,pp. 1.106-1.107). Ainda, o próprio Des. Romeu Ricupero, em acórdão de sua relatoria, aduziu que, na prática,na recuperação consensual, é irrelevante a homologaçãodo plano, mesmo porque estaria submetido às regrasda novação independentemente de sua homologação(TJSP, AI 451.6514/000, ReI. Des. Romeu Ricupero,Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais,j. 6.12.2006).

29. Avançando nesse tipo de análise, interessanteé a indagação proposta por Ligia Paula Pires PintoSica: a autora buscar compreender a razão que levariao devedor a convocar determinados credores a celebrarum acordo de natureza complexa, que pressupõe aelaboração de uma espécie de plano de recuperação,mesmo sem encaminhá-lo à homologação, ao invésde celebrar acordos específicos, individuais, com cadaum de seus credores. E a resposta desenhada pelaautora tem viés estritamente económico (mormentecom base na teoria dos custos de transação, concebidae desenvolvida a partir dos estudos do economista Ronald Coase) e merece referência. Ao celebrar acordosprivados individualmente com cada credor, o devedorincorrerá em custos mais elevados, quando comparadosà celebração de plano de recuperação de formato maisgenérico, cujo objeto conterá acertos com um númeromais amplo de credores, mesmo sem encaminhá-loà homologação. Nas palavras da Doutora em DireitoComercial pela USP: “(...) por que, então, o devedor,em vez de celebrar acordos privados específicos (uma um), convocaria grupo de credores para celebrar umcontrato complexo, com a conjugação de um númeromaior de interesses e que pressuponha um plano derecuperação que extrapole o questionamento de comopagar certos créditos em função de atingir o âmago daquestão — como superar de forma estrutura a crise que

(i) instrumento privado firmado somenteentre o devedor e seus credores, sem o atendimento de qualquer outra formalidade (nãose formando, sequer, um título executivoextrajudicial) — podendo, então, dar ensejo àuma ação de cobrança ou a uma ação monitória, por exemplo;

(ii) título executivo extrajudicial, nahipótese do contrato firmado entre o devedore seus credores ser formalizado em escriturapública ou assinado na presença de duastestemunhas (art. 585, 11, do CPC);

(iii) título executivo judicial, caso oinstrumento seja submetido ao processode homologação previsto no art. 57 da Lei9.099/1995 ou art. 475-N, V, do CPC.3°

Examinadas as características quesustentam o regime jurídico dos acordosprivados, é interessante deslocar o debatepara algumas questões de cunho prático e

se coloca? Pela teoria econômica é simples verificar arazão. Segundo Coase, negociar custa. Os custos debarganha são os denominados custos de transação. (...)Na literatura voltada para o estudo dos contratos oscustos de transação são ex ante e expost. Os primeirosreferem-se aos custos de selecionar, negociar, salvaguardar o acordo, através de cláusulas meticulosas quepennitem o monitoramento entre as partes, definindopreços, quantidades e duração do contrato. O segundotermo toma várias formas: má adaptação às condiçõescontratuais, eventuais renegociações e descumprimentode cláusulas contratuais previamente estabelecidas.Dessa forma, ao celebrar acordos privados um a um,incorre-se na soma desses custos, enquanto a celebraçãode plano de recuperação que preveja a repactuação comdiversos credores otimiza os custos de transação” (Sica,Recuperação Extrajudicial de Empresas pp. 82-83).Sobre o tema: Ronald H. Coase, “The nature of the fiou”e “The problem of social cost”, in Ronald H. Coase,Time Firni, time Market and time Law, Chicago, The University of Chicago Press, 1988, pp. 33-55 e pp. 95-156,respectivamente. V., também: Oliver Williamson, TimeEcono,nic Institutions qf Capitalism: Firms, Markets,Relational Conlracling, New York, Free Press, 1985; P.K. Rao, Time Econo,uics of Transaction Costs: Theon’,Metlmods, andApplications, Great Britain, Antony RoweLtd., 2003; Nicolai J. Foss, Henrik Lando e Steen Thomsen, “The theory ofthe firm”, in Encyclopedia afLamvand Econonmics, disponível em hltp://encyclo.fiudlawcom/S6IObook.pdf acesso 21.12.2011.

30. No mesmo sentido, v. Martins, A RecuperaçãoExtrajudicial na Lei n. 11.101/2005 p. 185.

processual relacionadas à execução do planode recuperação extrajudicial homologadojudicialmente. Vamos a elas: na hipótesede descumprimento de alguma das condições do plano, o devedor estará sujeito aoprocedimento de cumprimento de sentençanos termos do art. 475-1 (cumprimento deobrigação de fazer) ou art. 475-J (pagamentode quantia líquida) do Código de ProcessoCivil. Logo, no caso de execução judicial doplano com fundamento no seu descumprimento por parte do devedor, os argumentosde defesa que poderão ser ventilados pelaparte inadimplente, em sede de impugnação,estarão limitados às matérias constantes noart. 475-L do diploma processual, que, emresumo, dizem respeito a questões formaisou, então, relacionados a causas impeditivas,modificativas ou extintivas da obrigação superveniente à homologação do plano (muitoembora, teoricamente, em se tratando deobrigação de fazer, a abertura de contraditóriopermitiria a apresentação de outros tipos dealegação).3’

Por outro lado (mas não esquecendoque um acordo privado também pode serhomologado judicialmente de acordo coma legislação processual civil e, portanto,constituir-se em título executivo judicial,com todas as consequências que daí decorrem e que também encontramos no plano derecuperação extrajudicial homologado), se oplano de recuperação extrajudicial não tiversido homologado judicialmente, mas mesmoassim produzir efeitos entre as partes, na

31. CL Martins, A Recuperação Extra/udicial naLein. 11.101/2005 p. 163. Sobre o tema, v.: GuilhermeRizzo Amaral, Cumprimento e Execução de Sentença,Porto Alegre, Livraria cio Advogado, 2008, pp. 174-175;Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Códigode Processo Civil (~omenlado Artigo por Artigo, 3” cd.,São Paulo, Ed. RT, 2011, pp. 469-484; Luiz GuilhermeMarinoni e Sérgio CruzArenhart, Execução, São Paulo,Ed. RT, 2007, pp. 285-310; Cândido Rangel Dinamarco,Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, 3~ cd.,São Paulo, Malheiros Editores, 2009, pp. 742-843; eAraken de Assis, Manual de Execução, 13” cd., SãoPaulo, Ed. RT, 2010, P1’ 1.346-1.365.

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hipótese de o devedor descumprir algum deseus termos ou condições, caberá ao credor,na esfera do direito processual, propor açãode execução de título extrajudicial (se foro caso, pois o acordo pode não preencheros requisitos necessários para que se tenhaum título executivo extrajudicial, podendo,então, o credor mover ação de cobrança oumonitória e tendo o devedor amplíssimodireito de defesa no que tange à matéria quepode ser levantada), cuja defesa se materializapor meio de embargos do devedor, e a abrangência argumentativa é semelhante àquelaencontrada nos processos de conhecimento(v. art. 745 do CPC — do ponto de vista estratégico muito mais amplas e relevantes que asmatéria constantes no art. 475-L).32

Nesse sentido, cabe outra uma ressalva,cuja observância pode ser útil tanto ao credorquanto ao devedor: seguindo-se na linha argumentativa dos escassos beneftcios geradospela homologação judicial de plano de recuperação extrajudicial na modalidade facultativa (e que, se comparados à homologação deacordo privado conforme as regras do Códigode Processo Civil, tais beneficios são aindamais rarefeitos), devem as partes cogitar, durante a negociação do plano, observar apenasas formalidades legais mínimas para outorgarao documento a naturezajurídica de um títuloexecutivo extrajudicial (i.e., assinatura deduas testemunhas, nos termos do art. 585,inciso II, do CPC), desde que conste expressamente no instrumento que ele produziráefeitos entre as partes independentementede ser ou não homologado judicialmente.

Isso porque, ainda que o documento perca ascaracterísticas inerentes a um procedimentode recuperação extrajudicial (que dá ensejo àformação de um título executivo judicial) e seforme, então, um acordo privado, nos termosdo art. 167 da LFRE, existirá, ao menos, umaalternativa processual de execução do negóciopara a parte prejudicada pelo inadimplementode seus termos ou condições.

Por derradeiro, ainda que o debate acimaseja relevante, vale lembrar que o descumprimento das condições negociadas no plano derecuperação extrajudicial ou no acordo privado firmado pelo devedor (independentementedele ter sido constituído como título executivojudicial ou extrajudicial) pode dar ensejo apedido de decretação de falência (mas nãoa convolação da recuperação extrajudicialem falência), ajuizado por credor sujeito aoreferido negócio, cujo impacto nos negóciosda empresa em crise tende a ser muito maisintenso e significativo.

Diante disso, e das escassas vantagensque a recuperação extrajudicial, traz emcomparação aos acordos privados (dentreas quais estão a imposição a determinadoscredores do plano na modalidade prevista noart. 163, a formação de um título executivojudicial e a maior solenidade conferida aoacordo — que pode trazer ganho de imageme reputação ao devedor—, mas o que tambémpode ser obtido em acordos privados), bemcomo todas as desvantagens (e parcas vantagens) que possui o regime da recuperaçãoextrajudicial, é compreensível que se prefiramrealizar acordos privados em detrimento doregime recuperacional ora estudado.

Isso sem contar que outras questõespodem determinar que o devedor opte pelanegociação de acordos privados com seus credores, nos termos do art. 167, em detrimentodo procedimento de recuperação extrajudicial, dentre as quais se destacam:

(i) a impossibilidade de caracterizaçãodos crimes falimentares previstos no CapítuloVII da LFRE (em especial os indicados nosarts. 168, 171, 172, 175 e 178);

(ii) a discrição do procedimento;(iii) os custos reduzidos incorridos na

negociação (desnecessidade de incorrer comcustos judiciais — e, obviamente, advocatíciose de eventuais profissionais auxiliares);

(iv) a inexistência de requisitos legaissubjetivos (e.g., empresários ou sociedadesempresárias irregulares—art. 48,11) e objetivos(e.g., impossibilidade de realizar pagamentoantecipado de dívidas — art. 161, § 2~);~~

(v) a possibilidade de negociação comcredores não sujeitos ao procedimento derecuperação extrajudicial (e.g. decorrentesde operações de alienação fiduciária, arrendamento mercantil ou relações de trabalho).34

A despeito da relevância das distinções,das vantagens e desvantagens acima elencadas e de outros elementos inerentes a qualquer

análise comparativa, seguimos a mesma linhadefendida por Ligia Paula Pires Pinto Sica35no sentido de que a solução de mercado a seradotada no caso concreto (neste ponto emparticular a escolha entre os acordos privadosindividuais, os acordos coletivos — plano derecuperação não homologado — ou a homologação de plano de recuperação extrajudicial)dependerá da natureza e da proporção dacrise econômico-financeira que acometeuo devedor.

5. Proposições

Diante do cenário traçado, bem cornode muitas outras dificuldades inerentes à recuperação extrajudicial (e à própria LFRE), éindispensável, portanto, que sejam realizadasalterações legislativas para que a fórmulalegalmente concebida esteja adequada àrealidade e às necessidades econômicasdas empresas brasileiras em dificuldadeseconômico-financeiras.

Assim, a partir de uma análise sistemática do regime da recuperação extrajudicialna LFRE e de um exame crítico dos seusprincipais gargalos e fontes de insegurançajurídica (e que vai além do exposto nestebreve ensaio), elencamos, de forma exemplificativa, pontos cardeais que mereceriamatenção especial do Poder Legislativo.36

(i) Alteração no índice sistemático daLFRE: a nosso ver, os artigos que tratam darecuperação extrajudicial (atualmente arts.161-167) deveriam estar localizados topologicamente logo após o capítulo que rege a Recuperação Judicial, formando a divisão da Lei

34. Cf. Martins, A Recuperação Extraftidicial naLei o. 11.101/2005..., pp. 186-187.

35. Sica, Recuperação Extrajudicial de Empresas...,p. 156.

36. Glauco Alves Martins, em sua excelentedissertação de Mestrado defendida na USP, faz recomendações semelhantes às que propomos nos itens 1 a III, V,VII, VIII eX (cf Martins, A Recuperação Extrajudicialna Lei n. 11.101/2005..., pp. 250-254).

32. Cf. Martins, A Recuperação Exírajudicial naLeio. 11.101/2005..., p. 163. Segundo Luiz GuilhermeMarinoni e Daniel Mitidiero, em seus Comentários aocódigo de Processo Civil: “A cognição nos embargosà execução fundada em título executivo extrajudicialé, em regra, plena. Vale dizer: o debate não está limitado tão son3ente a determinadas matérias previamentedelimitadas pelo legislador. Nos embargos à execuçãode título extrajudicial poderá o executado alegar ~quaIquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesaem processo de conhecimento’(art. 745, V, do CPC)”(Marinoni e Mitidiero, Código de Processo Civil Coinenlado p. 737).

33. Vale lembrar ressalva feita por Fàbio UlhoaCoelho, cujo teor já foi referido alhures: “Para simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar emconjunto com eles uma saída negociada para a crise, oempresário ou sociedade empresária não precisa atender a nenhum dos requisitos da lei para a recuperaçãoextrajudicial. Estando todos os envolvidos de acordo,assinam os instrumentos de novação ou renegociação, e assumem, por livre manifestação da vontade,obrigações cujo cumprimento espera-se proporcioneo reerguimento do devedor”. E continua o referidodoutrinador: “(...) Quando a lei, no art. 161 e outrosdispositivos, estabelece requisitos subjetivos para arecuperação extrajudicial, ela está se referindo apenas aodevedor que pretende, oportunamente, levar o acordo àhomologação judicial. Se essa não é necessária (porquetodos os atingidos aderiram ao plano) nem conveniente(porque não tem interesse o devedor em arcar com asdespesas do processo), é irrelevante o preenchimentoou não das condições legalmente referidas” (Coelho,Comentários à Lei de Falências e de Recuperação deEmpresas..., pp. 445-446). Assim, independentementede o devedor atender aos requisitos para que postulerecuperação extrajudicial, pode, nos termos como previsto no art. 167 da Lei, realizar acordos privados comseus credores: “O work ou! ou livre acordo passa a ser aúnica altemativa viável aos empresários irregulares, bemcomo àqueles que não satisfazem as exigências do art.48 da Lei 11.101/2005 (art. 161, caput), ou que tiveremtido homologado plano de recuperação extrajudicialnos últimos dois anos (art. 161, § 3~)” (Souza Junior,Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”, p. 525).No mesmo sentido, v.: Santos, Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”, p. 1.100; e Sica, RecuperaçãoExtra/udicial de Empresas..., p. 148.

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que trata das alternativas legais recuperatórias(em contraposição ao regime liquidatário dafalência). Ainda que se trate de mudança denatureza eminentemente formal, ela facilitarja o manuseio da Lei, ao sistematizá-la,e simbolizaria a opção predominantementerecuperatória do texto legal (ao tratar dosdois regimes de recuperação anteriormenteà falência).37

Nada obstante, reconhecemos que setrata de alteração de dificil realização sem asubstituição da própria Lei. Além disso, traria,atualmente, mais problemas do que soluções,ante a atual consolidação da jurisprudênciaem cima dos dispositivos com a sua correntenumeração e a necessidade de readaptaçãodos operadores do direito com uma mudançade tais proporções.

(ii) Inclusão, entre as normas queregulam os procedimentos recuperatórios(Judicial e extrajudicial), de dispositivoslegais queprevejam ampla transparência dodevedor e apublicidade das informações a todos os credores: além de reduzir a assimetriainformacional existente entre o devedor e seuscredores (e, muitas vezes, entre os próprios

37. A divisão adotada pelo legislador é passível deseveras críticas, mormente quanto à deficiência do índicesistemático, à ausência de concatenação apropriadaentre os capítulos e seções, às constantes referências aartigos inseridos em seções distintas, bem como quantoà confusa divisão das matérias no corpo do texto. Nessatoada, atente-se para o fato do regime da recuperaçãoextrajudicial estar regulado no Capítulo VI (arts. 161 a167), localizado na parte final da LFRE, imediatamenteapós a falência, ao passo que esta, regrada pelo CapítuloV (arts. 75 a 160), está situada na parte intermediária dotexto legal, imediatamente após o Capítulo IV (arts. 73e 74) que, por sua vez, trata do processo de convolaçãoda recuperação judicial em falência. A miscelânea ea falta de sistemática confundem e pouco agregam àcompreensão dos institutos. Melhor seria se o legislador tivesse optado pela divisão das matérias segundoo viés recuperatório ou liquidatório, dando tratamentohomogêneo, preferencial e sistemático às recuperaçõesjudicial e extrajudicial nas partes inicial e intermediáriada Lei para, na parte final, dispensar atenção unitária eintegrada à falência e às disposições penais, evitando--se, por exemplo, que o intérprete tenha de se deslocarde um lado a outro da LFRE para consultar e examinarmatérias relativas aos regimes recuperatórios.

credores, da mesma classe ou de classesdistintas) quanto ao estado econômico-financeiro da empresa em crise, a mudançasinalizaria ao mercado o comprometimentodo procedimento com a legalidade e a disponibilização irrestrita das informações.

Do ponto de vista econômico, a transparência permite uma precificação mais correta dos riscos das alternativas recuperatáriasadotadas pelo devedor, valorizando planosconsistentes e bem estruturados e evitando ofenômeno econômico da seleção adversa no financiamento de empresas em recuperação.38

(iii) Eliminação dos requisitos objetivospara ingressar no regiinejurídico da recuperação extrajudicial: nesse item, sustentamosque seja retirada a proibição do ajuizamentode ação de recuperação extrajudicial na hipótese de ter sido pleiteada recuperação judicialou recuperação extrajudicial nos últimos doisanos (art. 161, § 38, da LFRE).

(iv) Requisitos subjetivospara ingressarno regime jurídico da recuperação extrajudicial: revisão do pressuposto que impedeque a empresa cujo administrador ou sóciocontrolador tenha sido condenado por quaisquer dos crimes previstos na LFRE lance

38. De forma similar ao ocorrido no mercado decarros usados nos EUA utilizado por George Akerlofem seu seminal ensaio (George A. Akerlof, “The Market for ‘lemons’: quality uncertainty and the marketmechanism”, in The Quarterly Journal ofEconomics,vol. LXXXIV, n. 3, Cambridge/Mass., ago./1970, pp.488-500) —, a assimetria informacional que decorre dafalta de transparência do devedor e a ausência de comandos legais que imponham regras de transparência (e.g.,quanto à fom1a de condução do plano de recuperaçãoextrajudicial) geram desinteresse no mercado para oaporte de capital em empresas em crise, afugentandoinvestidores de longo prazo e risco moderado, ao mesmotempo em que atrai para o procedimento aqueles dealtíssimo risco, que exigem elevadas taxas de retornoe podem ser mais lesivos que salutares ao espírito darecuperação,justamente por buscarem incessantementea realização de seu lucro, em uma perspectiva de curtoprazo. Sobre o tema v. Daniel L. Rubenfeld e Robert 5.Pindyck, Microeconomia, 7~ cd., São Paulo, Pearson,2010, p. 552; Fábio Nusdeo, Curso de Economia -~ Introdução ao Direito Econômico, 54 cd., São Paulo, Ed.RT. 2008, pp. 143-146.

39. Dispositivo semelhante existia no Decreto-lei7.661/1945 (art. 140, III que, todavia, continha rolmuito maior de crimes) e sempre foi muito criticado.como continua sendo, tendo em vista que confundea pessoa jurídica, titular da atividade, com o sóciocontrolador ou administrador, acabando por punir asociedade e os demais sócios. Sobre o tema, v., dentreoutros, Rubens Requião, Curso de Direito Falimentar,vol. 2, 74 cd., São Paulo, Saraiva, 1985, p. 26; ManoelJustino Bezerra Filho, Nova Lei de Recuperação e deFalências Comentada, 6 cd., São Paulo, Ed. RT, 2009,p. 125; Jorge Lobo, Seção 1, “Disposições Gerais”, inPaulo Fernando Campos Salles de Toledo e CarlosHenrique Abrão (coords.), Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 4~ cd., re~. e atual.,São Paulo, Saraiva, 2010, Pl~ 171-201, pp. 184-185;Lídia Valério Marzagão, “A recuperação judicial”, inRubens Approbato Machado (coord.), C~omentários àNova Lei de Falências e Recuperação de Empresas,São Paulo, Quartier Latin, 2005, pp. 73-118, p. 85;Maria Sergio Milani, Lei de Recuperação Judicial,Recuperação Extrajndicial e Falência Comentada, SãoPaulo, Malheiros Editores, 2011, pp. 208-209. AmoldoWald e Iva Waisberg, em posicionamento extremamenteinteressante, afirmam que não cabe uma aplicaçãoinflexível do dispositivo legal, mesmo porque o art. 5,XLV, da CF proibe que a pena seja estendida à pessoaoutra que o condenado; assim, no caso de sociedade quetenha administrador ou sócio controlador condenadopor crime previsto na LFRE, buscam conciliar o art. 5°.XLV, da CF e o princípio da preservação da empresa(art. 47 da LFRE) sem retirar a credibilidade da recuperação (no caso por eles comentado, judicial) por meiodo afastamento de tais sujeitos (que poderia, inclusive,ser proposto pelo próprio juiz quando a sociedade nãofor capaz de resolver por si a questão) (Amoldo Walde Iva Waisberg, “Comentários aos arts. 47 a 49”, inOsmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão CorrêaLima (coords.), Comentários à Nova Lei de Falênciae Recuperação de Empresas, Rio de Janeiro, Forense,2009, pp. 313-352, pp. 332-333; caminhando no mesmosentido, v. Ricardo Negrão, Manual de Direito Co,nercialedeEmnpresa p. 165).

timidadeparapropor recuperação extrajudicial (alterando-se, assim, o art. ]~ daLFRE):as demais proibições previstas no art. 28 daLFRE têm alguma justificativa — ainda quecriticável — jurídica (ordem pública), social(interesse da sociedade), econômica (riscosistêmico) ou de política legislativa. Todavia,quanto aos entes acima referidos (não empresários e sociedades simples), entendemos queinexiste razão para o impedimento (somenteexplicável pela história).49

(vi) Ações revocatórios e declaratóriasde ineficácia: propugna-se pela exclusão dapossibilidade de os atos contemplados emplano de recuperação extrajudicial seremobjeto de frituras ações revocatórias ou declarações de ineficácia (arts. 131 e 164, § 5°,da LFRE).

(vii) Extensão do beneficio previstono art. 67 em caso de falência: cremos nanecessidade de estender à recuperação extrajudicial o beneficio existente no art. 67,caput e parágrafo único (dc arts. 84, V~, e 83,V, “b”), da LFRE para a recuperação judicial.Essa alteração pode representar importantemudança capaz de estimular os investimentos em empresas recuperáveis, estando emconsonância com o aumento dos incentivosao financiamento da recuperação.

(viii) Atosfalimentares: é preciso revisara questão da impossibilidade de o plano derecuperação extrajudicial conter qualquer umdos atos de natureza falimentar elencados noart. 94, III, da LFRE (art. 164, § 38, II). Deve-se privilegiar a autonomia privada das partese o exercício de sua liberdade negocial para

40. Propugna-se aqui por uma mudança geralna LFRE, estendendo o benefício dos regimes darecuperação judicial, extrajudicial e falência a todo equalquer ente que explore atividade econômica, salvopara aquelas atividades reguladas por lei específica oucujo interesse tutelado exija a n3anutenção da distinção.Nesse sentido, vale referir que a abertura do sistema dafalência e da recuperação de empresas a individuos esociedades não empresárias é a tônica na maior partedos países desenvolvidos, com especial destaque àquelesque formam a União Europeia.

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mão da recuperação extrajudicial (art. 48,IV, dc art. 161, caput), pois não se justificaque o impedimento do sócio controlador oudo administrador seja estendido à sociedadeempresária, em prejuízo dela própria e dosoutros agentes a ela vinculados.39 Não sendoexcluída a proibição, que a Lei estabeleça umlimite temporal e adequado.

(v) Permissão para que pessoas Jisicasnão empresárias, sociedades simples (nãoempresárias, em especial as cooperativas) esociedades de economia mista tenham legi

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66 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL 161/162DOUTRINA & ATUALIDADES 67

que trata das alternativas legais recuperatórias(em contraposição ao regime liquidatório dafalência). Ainda que se trate de mudança denatureza eminentemente formal, ela facilitaria o manuseio da Lei, ao sistematizá-la,e simbolizaria a opção predominantementerecuperatória do texto legal (ao tratar dosdois regimes de recuperação anteriormenteà falência).37

Nada obstante, reconhecemos que setrata de alteração de dificil realização sem asubstituição da própria Lei. Além disso, traria,atualmente, mais problemas do que soluções,ante a atual consolidação da jurisprudênciaem cima dos dispositivos com a sua correntenumeração e a necessidade de readaptaçãodos operadores do direito com uma mudançade tais proporções.

(ii) Inclusão, entre as normas queregulam os procedimentos recuperatórios(‘judicial e extrajudicial), de dispositivoslegais queprevejam ampla transparência dodevedor e apublicidade das informações ato-dos os credores: além de reduzir a assimetriainformacional existente entre o devedor e seuscredores (e, muitas vezes, entre os próprios

37. A divisão adotada pelo legislador é passível deseveras críticas, mom3ente quanto à deficiência do índicesistemático, à ausência de concatenação apropriadaentre os capítulos e seções, às constantes referências aartigos inseridos em seções distintas, bem como quantoà confusa divisão das matérias no corpo do texto. Nessatoada, atente-se para o fato do regime da recuperaçãoextrajudicial estar regulado no Capítulo VI (arts. 161 a167), localizado na parte final da LFRE, imediatamenteapós a falência, ao passo que esta, regrada pelo CapítuloV (arts. 75 a 160), está situada na parte intermediária dotexto legal, imediatamente após o Capítulo IV (arts. 73e 74) que, por sua vez, trata do processo de convolaçãoda recuperação judicial em falência. A miscelânea ea falta de sistemática confundem e pouco agregam ácompreensão dos institutos. Melhor seria se o legislador tivesse optado pela divisão das matérias segundoo viés recuperatório ou liquidatório, dando tratamentohomogêneo, preferencial e sistemático às recuperaçõesjudicial e extrajudicial nas partes inicial e intermediáriada Lei para, na parte final, dispensar atenção unitária eintegrada à falência e às disposições penais, evitando--se, por exemplo, que o intérprete tenha de se deslocarde um lado a outro da LFRE para consultar e examinarmatérias relativas aos regimes recuperatórios.

credores, da mesma classe ou de classesdistintas) quanto ao estado econômico-financeiro da empresa em crise, a mudançasinalizaria ao mercado o comprometimentodo procedimento com a legalidade e a disponibilização irrestrita das informações.

Do ponto de vista econômico, a transparência pennite uma precificação mais correta dos riscos das alternativas recuperatóriasadotadas pelo devedor, valorizando planosconsistentes e bem estruturados e evitando ofenômeno econômico da seleção adversa no financiamento de empresas em recuperação.38

(iii) Eliminação dos requisitos objetivospara ingressar no regimejurídico da recuperação extrajudicial: nesse item, sustentamosque seja retirada a proibição do ajuizamentode ação de recuperação extrajudicial na hipótese de ter sido pleiteada recuperação judicialou recuperação extrajudicial nos últimos doisanos (art. 161, § 30, da LFRE).

(iv) Requisitos subjetivospara ingressarno regime jurídico da recuperação extrajudicial: revisão do pressuposto que impedeque a empresa cujo administrador ou sóciocontrolador tenha sido condenado por quaisquer dos crimes previstos na LFRE lance

38. De forma similar ao ocorrido no mercado decarros usados nos EUA-- utilizado por George Akerlofem seu seminal ensaio (George A. Akerlof, “The Market for ‘lemons’: quality uncertainty and the marketmechanism”, in 7’he Quarterly Journal ofEcono,nics,vol. LXXXIV, n. 3, Cambridge/Mass., ago./1970, pp.488-500) ~, a assimetria informacional que decorre dafalta de transparência do devedor e a ausência de comandos legais que imponham regras de transparência (e.g.,quanto à forma de condução do plano de recuperaçãoextrajudicial) geram desinteresse no mercado para oaporte de capital em empresas em crise, afugentandoinvestidores de longo prazo e risco moderado, ao mesmotempo em que atrai para o procedimento aqueles dealtíssimo risco, que exigem elevadas taxas de retornoe podem ser mais lesivos que salutares ao espírito darecuperação, justamente por buscarem incessantementea realização de seu lucro, em uma perspectiva de curtoprazo. Sobre o tema v. Daniel L. Rubenfeld e Robert 5.Pindyck, Microeconomia, 7~ cd., São Paulo, Pearson,2010, p. 552; Fábio Nusdeo, Curso de Economia Introdução ao Direito Econômico, 5 cd., São Paulo, Ed.RT, 2008, pp. 143-146.

mão da recuperação extrajudicial (art. 48,IV, c/c art. 161, caput), pois não se justificaque o impedimento do sócio controlador oudo administrador seja estendido à sociedadeempresária, em prejuízo dela própria e dosoutros agentes a ela vinculados.39 Não sendoexcluída a proibição, que a Lei estabeleça umlimite temporal e adequado.

(v) Permissão para que pessoas fisicasnão empresárias, sociedades simples (‘nãoempresárias, em especial as cooperativas) esociedades de economia nusta tenham legi

39. Dispositivo semelhante existia no Decreto-lei7.661/1945 (art. 140, III — que, todavia, continha rolmuito maior dc crimes) e sempre foi muito criticado,como continua sendo, tendo em vista que confundea pessoa jurídica, titular da atividade, com o sóciocontrolador ou administrador, acabando por punir asociedade e os demais sócios. Sobre o tema, v.. dentreoutros, Rubens Requião, Curso de Direito Faliinentar,vol. 2, 70 cd., São Paulo, Saraiva, 1985, p. 26; ManoelJustino Bezerra Filho, Nova Lei de Recuperação e deFalências Comentada, 6’ cd., São Paulo, Ed. RT, 2009,p. 125; Jorge Lobo, Seção 1, “Disposições Gerais”, inPaulo Fernando Campos Salles de Toledo e CarlosHenrique Abrão (coords.), Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 4’ cd., rev. e atual.,São Paulo, Saraiva, 2010, pp. 171-201, pp. 184-185;Lídia Valério Marzagão, “A recuperação judicial”, inRubens Approbato Machado (coord.), Comentários àNova Lei de Falências e Recuperação de Empresas,São Paulo, Quartier Latin, 2005, pp. 73-118, p. 85;Mano Sergio Milani, Lei de Recuperação Judicial,Recuperação Extrajudicial e Falência Comentada, SãoPaulo, Malheiros Editores, 2011, pp 208-209. AmoldoWald e Ivo Waisberg, em posicionamento extremamenteinteressante, afirmam que não cabe uma aplicaçãoinflexível do dispositivo legal, mesmo porque o art. 5”,XLV, da CF proibe que a pena seja estendida à pessoaoutra que o condenado; assim, no caso de sociedade quetenha administrador ou sócio controlador condenadopor crime previsto na LFRE, buscam conciliar o au. 5°.XLV, da CF e o princípio da preservação da empresa(art. 47 da LFRE) sem retirar a credibilidade da recuperação (no caso por eles comentado, judicial) por meiodo afastamento de tais sujeitos (que poderia, inclusive,ser proposto pelo próprio juiz quando a sociedade nãofor capaz de resolver por si a questão) (Amoldo Walde Ivo Waisberg, “Comentários aos arts. 47 a 49”, inOsmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão CorrêaLima (coords.), Comentários à Nova Lei de Falênciae Recuperação de Empresas, Rio de Janeiro, Forense,2009, pp. 313-352, pp. 332-333; caminhando no mesmosentido, v. Ricardo Negrão, Manual de Direito Comercio! e de Empresa p. 165).

timidadeparapropor recuperação extrajudicial (alterando-se, assim, o art. ]9 da LFRE):as demais proibições previstas no art. 20 daLFRE têm alguma justificativa — ainda quecriticável — jurídica (ordem pública), social(interesse da sociedade), econômica (riscosistêrnico) ou de política legislativa. Todavia,quanto aos entes acima referidos (não empresários e sociedades simples), entendemos queinexiste razão para o impedimento (somenteexplicável pela história).40

(vi) Ações revocatórias e declaratóriasde ineficácia: propugna-se pela exclusão dapossibilidade de os atos contemplados emplano de recuperação extrajudicial seremobjeto de frituras ações revocatórias ou declarações de ineficácia (arts. 131 e 164, § 55,

da LFRE).(vii) Extensão do beneficio previsto

no art. 67 em caso de falência: cremos nanecessidade de estender à recuperação extrajudicial o beneficio existente no art. 67,caput e parágrafo único (c/c arts. 84, V, e 83,V~ “b”), da LFRE para a recuperação judicial.Essa alteração pode representar importantemudança capaz de estimular os investimentos em empresas recuperáveis, estando emconsonância com o aumento dos incentivosao financiamento da recuperação.

(viii) Atosfalimentares: é preciso revisara questão da impossibilidade de o plano derecuperação extrajudicial conter qualquer umdos atos de natureza falimentar elencados noart. 94,111, da LFRE (art. 164, § 30, II). Deve-se privilegiar a autonomia privada das partese o exercício de sua liberdade negocial para

40. Propugna-se aqui por uma mudança geralna LFRE, estendendo o benefício dos regumes darecuperação judicial, extrajudicial e falência a todo equalquer ente que explore atividade econômica, salvopara aquelas atividades reguladas por lei específica oucujo interesse tutelado exija a manutenção da distinção.Nesse sentido, vale referir que a abertura do sistema dafalência e da recuperação dc empresas a indivíduos esociedades não empresárias é a tônica na maior partedos países desenvolvidos, com especial destaque àquelesque formam a União Europeia.

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desenhar alternativas de recuperação para aempresa em crise. As ilicitudes cometidas nocurso do procedimento devem ser punidas,evitando-se, no entanto, as hipóteses de tarifação legal das práticas.

(ix) Atuação do Ministério Público:a fim de espancar as dúvidas existentes, épreciso que a LFRE como um todo regulemais adequadamente as fases processuais emque a manifestação do Ministério Público écompulsória.4’

41. A LFRE não prevê a intervenção do MinistérioPúblico no procedimento de homologação do plano derecuperação extrajudicial: há referência indireta no art.1 ~7, § 2°, quando a LFRE trata da prática de crimesprevistos na Lei e da competência do Ministério Publicopara promover ação penal (valendo lembrar que, no finalda tramitação legislativa da LFRE, a Presidência da República decidiu vetar uma série de dispositivos do textolegal encaminhado a sua apreciação, sendo que, dentretais dispositivos, merece atenção o veto do art. 4°, queregulava a intervenção do representante do MinistérioPúblico nos processos de recuperação judicial e falência, inexistindo referência à recuperação extrajudicial).Todavia, e independentemente se existente ou não aimpugnação ao plano de recuperação extrajudicial, porentendermos que, em certa medida, existe a proteçãodo interesse público (especialmente, mas não exelusivamente, na modalidade impositiva da recuperaçãoextrajudicial), acreditamos que é devida a intervençãoministerial, como custos legis, para se manifestar sobreo pedido de homologação do plano de recuperaçãoextrajudicial e acerca de eventuais impugnações apresentadas, bem como na hipótese de alienação previstano art. 166 (aqui, com previsão expressa do art. 142, §7°). Também nesse sentido: Celso Marcelo de Oliveira,Comentários à Nova Lei de Falências, São Paulo, IOBThomson, 2005, p. 566; Vigil Neto, Teoria Falimentare Regimes Recuperatórios p. 298; e Martins, A Recuperação Extrajudicial naLein. 11.101/2005..., p. 156; eMauro Penteado assim se manifesta: “O sistema da novaLei e o quadro constitucional em que se inscre militam,entretanto, em prol da efetiva participação do MinistérioPúblico não só na recuperação judicial, mas também naextrai udicial — por força do que consta no art. 164, § 5°,que, ao atribuir ao juiz decidir sobre a prática ~de atosprevistos no art. 130’, está necessariamente reclamandoa presença do Ministério Público, que é um dos legitimados para propor a ação para a revogação daqueles atos(art. 132). Aliás, da interpretação que venha a ser dadaao § 50 do art. 164, em conjunto com o § 3°, incs. II eIII do mesmo artigo, poderá decorrer intervenção maisacentuada do MP nesse procedimento, pois alguns dosatos a que se refere o art. 94, mc. III podem constituircrime falimentar, e o ‘descumprimento de qualquer ou-

(x) Readequação do regime da recuperação extrajudicial impositiva: deve havera substituição da expressão “espécie” por“classe” no art. 163 da LFRE, além da inserção de previsão de período de suspensãode direitos, ações e execuções e de impossibilidade de pedir a falência do devedor porcredores pertencentes à classe ou ao grupode credores afetados pelo plano (art. 161, §4-°, da LFRE).

(xi) Não sucessão nas obrigações do devedor no caso de alienaçãojudicial de ativosautorizada pelo juiz após a homologação deplano de recuperação extrajudicial: alteraçãoda redação do art. 166, para que ele passe afazer referência ao art. 141, II, e não ao art.142 da LFRE, resguardando o adquirente debens do devedor da sucessão das obrigaçõesdeste. Adicionalmente, seria indispensável amodificação do art. 133, § 1~, do CTN, para

tra exigência legal’ (entendendo-se como tal a derivadanão apenas da lei comentada) é também atribuição de seufiscal, nos termos e limites do art. 83 do CPC, que atuaem defesa ‘dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, nos temsos do art. 127, caput, da CF, que podemestar presentes no plano” (Mauro Rodrigues Penteado,Capítulo 1, “Disposições preliminares”, in FranciscoSatiro de Souza Junior e Antonio Sergio A. de MoraesPitombo (coords.), Comentários à Lei de Recuperação deEmpresas e Falências, São Paulo, Ed. RT, 2007, pp. 58-129, p. 125). E, nesse sentido, por exemplo, o MinistérioPúblico do Estado do Rio Grande do Sul, por meio de suaCorregedoria-Geral (Oficio-Circular 0l2/2005CGMP, de31 de maio de 2005), vem orientando os Promotores deJustiça a intervirem como custos legis para se manifestarsobre o pedido de homologação do plano de recuperaçãoextrajudicial e sobre eventual impugnação apresentada(bem como na hipótese prevista no art. 166 da Lei11.101/2005: alienação judicial de filiais ou de unidadesprodutivas isoladas do devedor). Por outro lado, LuizFernando Paiva Valente está entre os que sustentam adesnecessidade de que se ouça o Ministério Público,salvo se existirem indícios de violação a algum dispositivo legal, pois o Parquet não teria legitimidade paradefender ou se manifestar sobre direitos disponíveis enem sobre as condições de pagamento ofertadas, excetose essas contemplarem tratamento desfavorável aoscredores não incluídos no plano (Paiva, Da RecuperaçãoExtrajudicial..., p. 591; em sentido semelhante: SouzaJunior, Capítulo VI, “Da recuperação extrajudicial...”, p.539; e, também, Santos, Capitulo VI, “Da recuperaçãoextrajudicial...”, p. 1.117).

que a ausência de sucessão nas responsabilidades do alienante no regime da recuperaçãoextrajudicial abrangesse também os créditostributários.

(xii) Ampliação do alcance do regimede recuperação: seria bastante interessanteincluir no alcance do regime da recuperaçãoextrajudicial os créditos trabalhistas e aquelesconstantes nos arts. 49, § 35, e 86, II, expressamente excluídos pela previsão do art. 161,§ 1~,daLFRE.

(xiii) Parcelamento especial de débitosreferentes às Fazendas Públicas e ao INSS:adicionalmente, tendo em vista a total omissão da Lei (e, por isso, não trabalhamos talponto anteriormente), entendemos ser importante conferir à recuperação extrajudicial obeneficio previsto no art. 68 da LFRE (e art.155-A, § 3°, do CTN).

(xiv) Impossibilidade de os credoresnão abrangidos pelo plano de recuperaçãoextrajudicial requererem a falência do devedor (pelo menos durante a tramitação doprocesso de homologação): essencial alterar,nesse sentido, a previsão do art. 161, § 4°,da LFRE.

(xv) Licitações: as compras públicas pormeio de licitações representam um importantenicho de mercado em países nos quais o Estado participa ativamente da economia, como éocaso do Brasil. Impor restrições legais42 para

42. Faz-se referência à previsão do art. 31 daLei 8.666/1993, que requer a apresentação de certidãonegativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa fisica, comorequisito para a qualificação econômico-financeiradaquele que pretende participar do certame. No entanto,mesmo diante de um edital que exija a apresentação decertidão negativa de recuperação judicial para a habilitação no certame, é preciso relativizar o rigor da lei,por meio de uma interpretação em prol da preservaçãoda empresa, impondo-se a ela as mesmas exigênciasmateriais dos demais concorrentes: comprovação dacapacidade de cumprimento do objeto contratual emquestão. Adicionalmente a isso, em razão do seu estadojurídico, pode-se pensar na apresentação de certidãoque ateste o cumprimento das obrigações assumidaspor ela no plano de recuperação. Ainda que estender

que devedores em processo de recuperação(seja judicial, seja extrajudicial) que estejamem dia com as obrigações assumidas noplano participem desses processos em iguaiscondições com os demais concorrentes significa negar uma importante fonte de rendada empresa, cujos recursos obtidos poderiamgarantir o sucesso do plano de recuperação e oinício do seu soerguimento econômico.

(xvi) Financiamentoprivado: criação deestímulos ao financiamento privado43 (fundosde investimento, sociedade de propósitoespecífico) de empresas em processo de recuperação (judicial ou extrajudicial).

esse raciocínio à recuperação extrajudicial requeiraimportantes adaptações, monuente quanto ao fato doscréditos trabalhistas e tributários não serem atingidospelo plano, a reflexão sobre ele é o primeiro passo emdireção à mudança legislativa.

43. Guardadas as devidas proporções quanto àevolução do direito falimentar e recuperatório nos EUAe no Brasil, interessante é a crítica de Douglas Baird eRobert Rasmussen, em recente artigo publicado no YaleLaw Journal, no que se refere à alteração do perfil doscredores nos processos de recuperação de empresas nosEUA e os reflexos negativos que tal mudança acarretano soerguimento da empresa em crise. “There is, hov,ever, considerable reason tu doubt that reorganizationlaw is up tu the challenge it is about tu face, at least inthe largest cases. The successes of recent years do notreadily translate tu the current economic environment.The players today are different from those in pastdownturns. For a long time, the capital structure of afirm in reorganization consisted of a senior bank witha security interest in ali the firm’s assets and a group ofdispersed, but homogenous, unsecured creditors that anactive creditors’ committee could represent. The bank,the committee, and the debtor’s managers bargainedwith each other against a backdrop of well-developednorms. Today, we no longer have a single bank anddispersed general creditors. Dozens ofconstantly changing stakeholders occupy every tranche, each pursuingits own agenda. Some seek long-term control of thebusiness, while others are passive, short-term investors. Others may hold a basket of both long and shortpositions in multiple tranches and complicated hedgesinvolving other businesses. Their concems — such aswhether a particular action will be a ‘credit event’ ina credit default swap — ofien have nothing tu do with1,reser\’ing the business or maximizing the value ofitsassets. Indeed, failure of the business can mean largeretums tu some creditors. The recent credit contractionhas meant that the saie ofthc company sometimes mustbe done too quickiy and sometimes cannot be done at

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ali. In short, lhe new world ofcorporate reorganizationshas more heterogeneous creditors whose rights againstthe business are deeply fragmented. In the past, lhebargains that parties rcached among themselves followed a few familiar patterns. While there were manypossible deals, lhe piayers naturally gravitated towardonly a few. In the new em ironment, with differentplayers holding different stakes, the old patterns nolonger apply and new ones have yet to take shape.There are no longer organized groups (like agentedlenders or even creditors’ committees), but insteadinvestors have ‘one-off’ relationships with the debtorentity (for example, counterparties with individualrepos or swaps). The types of institutions vary-frombanks and broker dealers lo hedge funds and privateequity firms. The current environment is one in whichthere are no natural ieaders (or followers) among thecreditors lo perform lhe shuttle diplomacy required tobuild a consensus. Without familiar benchmarks, thereis no shared understanding ofwhat fonn a plan shouidtake. Coahtion formation is harder. Worsc yet, in somecases there may be no stable equilibrium at ali. To usethe language ofcooperative game theory, the core maybe empty” (Douglas O. I3aird e Robert K. Rasmussen,“Antibankruptcy”, Yale Law .Journal 119/648-699,2OIO,p. 651).

44. Parecer 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos.

45. E assim afirmamos porque o Projeto de Código Comercial (Projeto de Lei 1.572/2011), apresentadona Câmara dos Deputados pelo deputado federal VicenteCândido, em nada inova no regime da recuperaçãoextrajudicial existente na Lei 11.101/2005. Muito pelocontrário. O projeto de Código Comercial, em primeirolugar, separa o tratamento processual da matéria falimentar ao tratamento de direito material (que, supostamente,deve ser dado pelo Código Comercial — art. 599). Emsegundo lugar, é extremamente sucinto, pois, além dequestões residuais (trata da necessidade de exercícioregular da atividade empresária para que se postule ahomologação da recuperação extrajudicial — arts. 17, II,e 136,11), cuida especificamente da recuperação extraiudicial em somente três dispositivos (arts. 604 a 606). E,em terceiro lugar, o tratamento específico é inócuo, emnada contribuindo para o avanço do instituto. Isso porque o art. 604 dispõe que “O devedor que preencher osrequisitos para o pedido de recuperação judicial poderápropor e negociar com credores plano de recuperaçãoextrajudicial”; já o art. 605 determina que “O devedorpoderá requerer a homologação judicial do plano derecuperação extrajudicial, na forma da Lei Processual deRecuperação e Falência”. E, por fim, o art. 606 (que, supostamente, trata do plano de recuperação extrajudicial),dispõe o que segue: “Art. 606. O plano de recuperaçãoextrajudicial não poderá contemplar: 1 créditos de

natureza trabalhista, derivados da legislação do trabalhoou deconentes de acidente de trabalho; II — créditos fiscais, tributários ou não tributários passíveis de inscriçãona dívida ativa; III — créditos excluídos dos efeitos darecuperação judicial; IV o pagamento antecipado dedívidas; nem V — tratamento desfavorável aos credoresque a ele não aderiram, salvo se homologado judicialmente na forma da Lei Processual de Recuperação eFalência”. Ademais, o art. 598, capo!, determina que “Naprevenção e solução da crise, conceder-se-á tratamentoparitário aos credores, não sendo admissível qualquerdiscriminação entre os de igual classe”, sendo que o § 1°do referido dispositivo determina que “Na recuperaçãojudicial e extrajudicial, os credores serão classificadospelo plano de recuperação segundo a correspondenteimportância estratégica para a continuidade da atividadeempresarial, observadas as especificidades da empresa

em crise”. E em quarto lugar, mantém a proteção à ineficácia falimentar somente aos atos realizados em sedede recuperação judicial (art. 628, § 2°). Nesse sentido,pode-se facilmente observar que o projeto de CódigoComercial em nada contribui para o desenvolvimentodo instituto da recuperação extrajudicial (como tambémocorre com Outros institutos do Direito Comercial), nãosendo à loa, portanto, as críticas que têm recebido. Efica, então, a pergunta: realmente necessitamos de umnovo Código Comercial?

46. Essa conclusão segue linha semelhante à datese defendida por Ligia Paula P. P. Sica no sentido dcque os parâmetros interpretativos da LFRE, mormenteno que se refere à recuperação extrajudicial, serão traçados pelos agentes do mercado, a partir das bases traçadaspela jurisprudência especializada (Sica, RecuperaçãoExtrajudicial de Empresas pp. 283-302).

(xvii) Acordos privados: é unânime nadoutrina e entre os operadores do direitoa posição de que a previsão do art. 167 daLFRE permitindo ao devedor a realizaçãode acordos privados com seus credores, semconsiderar essa prática crime ou ato falimentar, foi um dos grandes avanços da legislaçãobrasileira. Ocorre que os sete anos de vigênciada nova lei e a identificação de um maiornúmero de desvantagens que vantagens noregime colocaram em dúvida sua real utilidade, mormente quando comparada ao regimedos acordos privados coletivos, criando umaindesejável competição entre alternativasjurídicas essencialmente distintas, complementares entre si, concebidas para preencherlacunas legislativas diferentes.

É dever dos estudiosos do tema extrairlições dessa curiosa situação: um dos possíveis ensinamentos diz respeito à modelagemdo regime extrajudicial; parece-nos apropriado que o legislador, no momento de discutirreformas na sistemática recuperação extrajudicial, utilize como paradigma de comparaçãoos acordos privados e não a recuperação

Enquanto inexistir qualquer alteraçãoconsistente no plano legislativo, só umaatuação mais ativa e comprometida com oprincípio da preservação da empresa porparte dos agentes envolvidos na recuperaçãoextrajudicial (credores, devedor, MinistérioPúblico, advogados e magistrados) podefazer com que sejam superadas algumas

judicial, como fez na elaboração da LFRE,44prevendo incentivos concretos e objetivospara a utilização do regime, mantendo osacordos privados na esfera jurídica a elesreservada: o de permitir soluções pontuais eresiduais para contornar solavancos empresariais ou crises econômico-financeiras demenor envergadura.

6. Consideraçõesfinais

Somente com o enfrentamento de algunsdesses problemas é que se pode reverter opêndulo que tende a ser desfavorável à recuperação extrajudicial. Infelizmente, não é isso oque se vislumbra, mormente com o atual movimento que se descortina no País em favor dapromulgação de um Novo Código Comercial,que, em matéria de recuperação extrajudicial(bem como em outras...), não contém nenhumavanço significativo; pelo contrário, traz repetições e alguns retrocessos.45

das graves mazelas que assolam o regimejurídico em questão, tal corno tem feito ajurisprudência em diversas oportunidades,quando do exame das questões críticas darecuperação judicial.46

Não temos, no entanto, a crença de quese possa fazer tanto com tão pouco.