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Revista de Sociologia e Política ISSN: 0104-4478 [email protected] Universidade Federal do Paraná Brasil Frey, Klaus Desenvolvimento sustentável local na sociedade em rede: o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação Revista de Sociologia e Política, núm. 21, novembro, 2003, pp. 165-185 Universidade Federal do Paraná Curitiba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23802111 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Sociologia e Política

ISSN: 0104-4478

[email protected]

Universidade Federal do Paraná

Brasil

Frey, Klaus

Desenvolvimento sustentável local na sociedade em rede: o potencial das novas tecnologias de

informação e comunicação

Revista de Sociologia e Política, núm. 21, novembro, 2003, pp. 165-185

Universidade Federal do Paraná

Curitiba, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23802111

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 21: 165-185 NOV. 2003

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 21, p. 165-185, nov. 2003

Klaus Frey

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL LOCALNA SOCIEDADE EM REDE:

O POTENCIAL DAS NOVAS TECNOLOGIASDE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO1

Face às crescentes críticas aos modelos predominantes de desenvolvimento voltados ou para soluções demercado ou para ações estatais centralizadoras e impositivas, este trabalho propõe uma investigaçãoteórica das possibilidades de fomentar um desenvolvimento local mais sustentável através do fortalecimentode redes sociais e sua inserção progressiva nos processos político-administrativos locais. Partindo de umaleitura crítica da concepção do capital social, o artigo evidencia a importância de estratégias de desenhoinstitucional capazes de mobilizar o capital social e garantir às comunidades locais acesso ao poder sociale político. Na seqüência, e considerando as condições sociais e políticas específicas do Brasil, o textodiscute as possibilidades e dilemas do uso das novas tecnologias de informação e comunicação pararevigorar processos de coordenação social no âmbito das comunidades locais e para revitalizar aparticipação comunitária na gestão pública local. Por fim, discute-se o novo papel exigido pelos governoslocais visando explorar de maneira efetiva a opção comunitária para promover o desenvolvimento sustentávelna emergente sociedade em rede.

PALAVRAS-CHAVE: capital social; redes comunitárias; política local; sociedade em rede; desenvolvimentosustentável.

I. INTRODUÇÃO

Em função dos programas de ajuste estruturalimplementados em boa parte dos países nas últimasdécadas, envolvendo políticas de austeridade,desregulação, privatização e uma retração geral doEstado da esfera econômica, o setor público estásofrendo grandes transformações, sobretudo umaumento da dependência das decisões de agenteseconômicos privados. Nas cidades, particular-mente nos países em desenvolvimento, observa-se uma crescente perda de governabilidade. Faltamcondições e ferramentas adequadas de gestão paraimplementar iniciativas efetivas de desenvol-vimento local, capazes de promover um desen-volvimento sustentável no âmbito das comu-

nidades locais, respeitando as exigências de justiçasocial. Faltam estruturas e instituições de gover-nança local apropriadas para estimular a ação co-letiva e articular os diferentes atores locais em tornode objetivos comuns de desenvolvimento local.

Os recentes processos de transformação eco-nômica e social parecem exigir novos modelosinovadores de gerenciamento, assim como novosinstrumentos, procedimentos e formas de açãocapazes de criar condições favoráveis que auxiliemos administradores públicos a lidar com os novosdesafios da sociedade globalizada.

Entretanto, a crescente complexidade dos pro-cessos locais de tomada de decisão e uma agendaurbana cada vez mais ampliada – tornando maisrelevantes temas como o desenvolvimento econô-mico local, a geração de emprego, a segurançapública e a poluição e deterioração ambiental –revelaram a incapacidade das instituições políticase administrativas locais em lidar com esses novosdesafios para as políticas públicas locais.

Perante a percepção de uma aparente inca-

1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada noGrupo de Trabalho “Sociedade da Informação: redes sociais,fundamentos da sociabilidade e transformações dosprocessos políticos”, no XXVI Encontro Anual daAssociação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação emCiências Sociais (ANPOCS), realizado em Caxambu (MG),de 22 a 26 de outubro de 2002.

Recebido em 7 de março de 2003.Aprovado em 17 de julho de 2003.

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pacidade sistêmica do setor público em enfrentaros efeitos negativos da globalização, dos mercadoslivres e de sistemas enfraquecidos de segurançasocial, a “community option” (CLAVEL, PITT &YIN, 1997) apresenta-se como uma alternativapromissora, particularmente em nível local, àsestratégias tradicionais baseadas ou na ação cen-tralizada do Estado ou nas soluções de mercado.Neste trabalho estamos investigando a perspectivadas comunidades como possíveis agentes de trans-formação no contexto da atual sociedade da infor-mação ou “sociedade em rede”, levando em consi-deração as condições de governos locais em paísesem desenvolvimento e, particularmente, no Brasil.

Um ponto de partida importante para a nossareflexão é a concepção da sociedade em rede deManuel Castells, segundo a qual a sociedademoderna é caracterizada pela predominância daforma organizacional da rede em todos os camposda vida social (CASTELLS, 1999; 2000; 2001).Conforme a interpretação de Castells, os grupossociais mais poderosos adaptam-se de maneiracada vez melhor às novas condições da sociedadeda informação, utilizando as novas potencialidadesabertas pela globalização e pelo acesso às novastecnologias da informação e comunicação (TICs)em prol da consolidação de suas identidadesgrupais e do fortalecimento de sua capacidade deagir em um mundo cada vez mais interdependente.Essa situação, no entanto, contrasta fortementecom os processos de fragmentação e segmentaçãoque se observa entre os setores sociais maisfragilizados da sociedade, particularmente no nívelcomunitário dos países em desenvolvimento. Nocontexto brasileiro, em que os novos processos edinâmicas da sociedade em rede – mais nítidos evigorosos nos países econômica e tecnologica-mente mais desenvolvidos – convivem compadrões tradicionais da vida social e econômica eem que prevalecem fortes tendências de exclusãosocial e digital, o surgimento da sociedade em redeparece reforçar ainda mais a exclusão social, polí-tica e econômica, afrouxando os laços sociais nonível comunitário e colocando em risco a própriademocracia.

Colocam-se, portanto, as seguintes questões:como a opção comunitária pode ser explorada emum contexto de exclusão social e marginalização?Quais os ingredientes necessários para tornar ascomunidades locais mais vitais e aptas para agirde maneira coletiva em prol do bem comum?Como condições externas promovem ou impedem

o desenvolvimento comunitário?

Este trabalho propõe uma investigação teóricadas concepções de capital social, desenhoinstitucional e rede social no que tange à suarelevância para a compreensão do papel de redescomunitárias em processos políticos locais e paraas potencialidades das TICs e de comunidadesvirtuais de impulsionar o desenvolvimento de taisredes. As concepções teóricas são questionadas apartir da perspectiva das condições sociais epolíticas brasileiras. Ênfase especial é dada àspossibilidades de usar a internet como um meiopara o fortalecimento das comunidades locais edas práticas democráticas. Nas consideraçõesfinais, serão discutidos os principais desafios edilemas para explorar de maneira efetiva a opçãocomunitária para promover o desenvolvimentosustentável na emergente sociedade em rede.

II. CAPITAL SOCIAL

A concepção de capital social recebeu grandedestaque a partir do debate sobre desenvolvimentolocal desencadeado pela publicação do livro MakingDemocracy Work, de Robert Putnam, em 19932.Nesse estudo sobre os fundamentos da democraciaitaliana, Putnam identificou uma grande densidadede associações e a existência de relações sociaisde reciprocidade como as principais premissas deuma democracia vital e de um engajamento cívicoefetivo. Estes fatores não apenas garantem ocaráter democrático da sociedade civil, mastambém determinam o desempenho dos governoslocais e de suas instituições. Em analogia aosconceitos de capital financeiro e capital humano,para Putnam o “‘capital social’ refere-se a ele-mentos de organização social como as redes, nor-mas e confiança social que facilitam a coordenaçãoe a cooperação em benefício recíproco”(PUTNAM, 1995, p. 67). No intenso debate quese seguiu o capital social foi considerado defundamental importância não apenas para aconsolidação da democracia (PUTNAM, 1995;2000a; 2000b; ver também: WILSON, 2001), mastambém para uma efetiva governança local eurbana (MALONEY, SMITH & STOKER, 2000;LOWNDES & WILSON, 2001), para sustentarredes de inovação tecnológica e de políticaspúblicas (WEYER, 2000), para o desenvolvimentocomunitário e social (ETZIONI, 2001; BRINT,

2 A versão em português foi publicada sob o título:Comunidade e democracia (PUTNAM, 2000a).

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2001), para a implementação de projetos de de-mocracia eletrônica e de comunidades virtuais(BLANCHARD & HORAN, 1998; COLEMAN &GOTZE, 2002) e, finalmente, para a proteção domeio ambiente e o uso sustentável dos recursosnaturais (PRETTY & WARD, 2001). Isto é, sempreque o individualismo e o comportamento de escolharacional, que predomina no sistema de mercado,chegarem a exercer seus “efeitos cancerígenossobre a vida comunitária” (TAM, 1998, p. 3),minando a possibilidade de alcançar metas cole-tivas, ou, ainda, quando organizações burocráticassão identificadas como impedimentos de inovação,advoga-se abordagens de capital social em funçãode seu possível potencial para a superação dosefeitos negativos do liberalismo econômico.

Em seu estudo sobre a Itália (PUTNAM,2000a) e em seu mais recente livro sobre a socie-dade americana, Bowling Alone: The Collapse andRevival of American Community (PUTNAM,2000b), Putnam coletou evidências empíricassignificativas que parecem confirmar a supostacorrelação entre engajamento cívico e o desem-penho das instituições governamentais e sociais.Para Putnam capital social é sinônimo da existênciade confiança social, normas de reciprocidade,redes de engajamento cívico e, finalmente, de umademocracia saudável e vital. Segundo Reese-Schäfer (2001), por meio de sua fundamentaçãoempírico-científica da tese da erosão do engaja-mento cívico público, Putnam está contribuindopara as preocupações concernentes à atomizaçãoprogressiva da sociedade contemporânea, que sãoparticularmente fortes na vertente teórica docomunitarismo. Sobretudo em seu recente estudosobre o declínio das comunidades americanas,baseado em um material estatístico expressivo,Putnam detectou um crescente desinteresse doscidadãos americanos em questões relacionadas àscomunidades locais. O diagnóstico constata umdeclínio generalizado do engajamento político,taxas decrescentes de participação em eleições,em encontros públicos sobre questões referentesa cidades ou escolas, a redução de todo tipo deengajamento direto em questões políticas egovernamentais e a diminuição da disposição deassociar-se a partidos políticos e outrasorganizações sociais e políticas locais. Essedeclínio do engajamento cívico estende-se aoenvolvimento em grupos religiosos, sindicatos detrabalho, associações de pais e professores e outrostipos de organizações cívicas e fraternais.

De acordo com Putnam, essas organizaçõesbásicas da vida social são essenciais para o esta-belecimento de normas e padrões comuns, para apromoção de confiança social e interpessoal e, nofinal, para o crescimento do engajamento cívico.A suposição básica de Putnam é que membros deassociações tendem a ser política e socialmentemais ativos, dando apoio às normas democráticas.Isto significa que a densidade de todos os tipos deassociações em uma dada sociedade representa oseu estoque de confiança e reciprocidade, isto é,seu estoque de capital social. Como conseqüência,Putnam assume que o capital social pode ser medi-do por meio do levantamento quantitativo do envol-vimento e da participação em associações (GRIX,2001, p. 193).

As objeções contra a concepção de Putnamsão variadas3. A seguir gostaria de levantar algunsaspectos dessas críticas que são particularmenterelevantes do ponto de vista de países em desenvol-vimento, caracterizados por grandes fricções edesigualdades sociais e condições culturais pecu-liares.

Adotando uma abordagem basicamente quan-titativa, Putnam enfrenta o dilema de como trataros diferentes tipos de associações, cujas particu-laridades são ignoradas nas pesquisas existentes.Assim, ser membro de um clube de boliche ou deuma escola de samba é certamente algo muitodiferente do que ser membro de um partido políticoou de uma associação de moradores, sobretudoem termos de exercício de cidadania. Apesar detodos os tipos de associações, em princípio, contri-buírem para aumentar as conexões sociais, existeuma diferença muito significativa entre associaçõescujos objetivos limitam-se a praticar atividades delazer ou ritos religiosos, de um lado, e associaçõesengajadas na solução de questões públicas eproblemas da coletividade, de outro. Ainda maiscurioso certamente seria a idéia de que orga-nizações “sociais” como, por exemplo, o ComandoVermelho nas favelas do Rio de Janeiro, o PrimeiroComando da Capital de São Paulo, ou até a redeterrorista Al Caida – que certamente contribuempara o aumento do grau de conectividade nas suasrespectivas populações, e, com isso, seguindo ainterpretação de Putnam, aumentam o capital social

3 Ver por exemplo o artigo de Grix (2001) sobre a concepçãode capital social.

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–, representam uma contribuição para o forta-lecimento da cultura cívica4.

Outro ponto crítico refere-se à suposiçãoimplícita na concepção de Putnam de que sermembro formal de uma associação significa, pelomenos até um certo nível, ser membro efetivo eatuante. Nas sociedades ocidentais é um fatobastante conhecido a participação, de formapassiva, em igrejas e associações religiosas,freqüentemente resultado de uma pressão social emoral existente que torna o não-pertencimento àsigrejas dominantes um empecilho à ascensãosocial. Em contrapartida, observa-se em paísesem desenvolvimento como o Brasil exatamente ocontrário: pessoas, engajadas em atividades degrupos comunitários ou religiosos, mas sempertencerem à categoria de membros formais detais organizações. Desse ângulo, esse tipo deanálise quantitativa, que já deve ser consideradocrítico no contexto das sociedades industriaisconsolidadas, torna-se ainda mais questionável empaíses em desenvolvimento, caracterizados pelapouca tradição em associacionismo formal e, comisso, a abordagem de Putnam parece poucoapropriada para esclarecer as condições doengajamento cívico em tais países.

Levando em consideração, além disso, que oativismo associativo é mais característico dasclasses médias com nível educacional maiselevado, é preciso estar ciente de que, sobretudono contexto de desorganização social e de grandesdesigualdades, a busca pelo capital social nasorganizações civis tradicionais pode mostrar-se umempreendimento pouco útil. Freqüentemente, asorganizações tradicionais da classe média sãoconservadoras, capazes de sustentar uma ordem

social dada, mas raramente dispostas a contribuirpara a transformação social. Particularmente nospaíses em desenvolvimento, as associações civistendem a reforçar as desigualdades existentes, asestruturas paternalistas e hierárquicas e privilégiossociais e até a conviver com a corrupção.

Com sua ênfase em redes baseadas em asso-ciações cívicas tradicionais, o estudo empírico dePutnam dá apoio à versão mais conservadora docomunitarismo, que, ainda no início dos anos 1980,advogou uma moralidade mais homogênea,reclamando validade para toda a sociedade (VANDEN BRINK, 1995, p. 16). As organizações eassociações que Putnam considera mais adequa-das para a promoção do espírito comunitário sãoexatamente aquelas que tendem a ser maisexcludentes, a defender e preservar a ordem e osprivilégios existentes e que muitas vezes trabalhamem prol da privatização dos espaços e questõespúblicos. Observa-se, sobretudo nos EstadosUnidos, uma aliança estratégica entre comuni-tarismo e neoliberalismo, que ganhou influênciaexpressiva tanto no campo da teoria como na vidapolítica e social e que defende o fortalecimentodas comunidades, acima de tudo, com o intuitode mitigar os efeitos sociais nocivos daliberalização econômica e da desestatização. Desseângulo, a aposta nas comunidades locais, nasassociações sociais e no terceiro setor pode tam-bém ser vista como meio de compensaçãoindispensável para garantir a continuidade doprocesso de transformação econômico-socialiniciado como o projeto neoliberal.

Enquanto, em princípio, todo tipo de ativismopor parte de associações pode mostrar-seimportante para praticar e experimentar compor-tamentos sociais e atitudes de solidariedade,observa-se que muitas vezes essas oportunidadessão apenas proporcionadas aos correligionários quecompartilham os mesmos interesses e visões demundo. Esses tipos de associações não necessaria-mente contribuem para a tolerância e uma melhorcompreensão de outros e da diferença, o que sefaz tão necessário em nosso mundo cada vez maiscomplexo e diversificado, sobretudo em paísesem desenvolvimento, ainda mais do que nassociedades ocidentais com democraciasconsolidadas e economias mais desenvolvidas,caracterizadas por um certo grau de homogenei-dade e coesão social, a questão de como lidar comas diferenças torna-se crucial.

4 Apesar de Putnam (2000b) reconhecer essa ambigüidadeinerente ao capital social, dedicando inclusive um capítulointeiro a esse suposto “lado escuro do capital social”, elerejeita essa percepção mais cética de cunho liberal, aoremeter aos surveys realizados ao longo das últimas décadasque, segundo ele, todos confirmariam sua tese do impactogerador de solidariedade do capital social. Sua avaliaçãonão deixa sombra de dúvidas, tanto no que tange à questãoda liberdade e tolerância – “eu não encontrei nem um únicoestudo empírico que confirma o suposto vínculo entreenvolvimento comunitário e intolerância” (idem, p. 355),concluindo que “capital social e tolerância têm uma relaçãosimbiótica” –, quanto no que diz respeito à questão daigualdade: “Comunidade e igualdade reforçam-se mutuamen-te e não são mutuamente incompatíveis” (idem, p. 358).

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Nesses países os processos políticos costu-mam comportar mais conflitos em função dasprofundas fricções existentes entre os grupos eclasses sociais. No contexto da estrutura hierár-quica de dominação que reina nesses países colo-cam-se as seguintes questões: existem possi-bilidades de contribuir para a resolução de conflitossociais por meio do fortalecimento das comuni-dades locais e sem, necessariamente, seguir omodelo habitual caracterizado pela cooptação dospobres pela elite tradicional? Podem as comuni-dades locais tornar-se atores relevantes em umprocesso de contestação e transformação social,estimulando um processo de emancipação indi-vidual e coletivo?

Perante esse desafio é evidente que nãopodemos limitar nossas investigações à densidadedas associações, mas que precisamos levar emconsideração os tipos de associações e grupossociais, a profundidade do envolvimento doscidadãos em tais grupos, assim como a qualidadeda relação estabelecida entre os cidadãos e grupossociais, de um lado, e os governos e administraçõespúblicas, de outro (MALONEY, SMITH &STOKER, 2000; LOWNDES & WILSON, 2001).Com isso, surgem novas perguntas: em que medidaas organizações cidadãs são capazes dedesempenhar um papel significativo em processospolíticos de tomada de decisão, sobretudo na lutacontra as elites dominantes e em processosvisando ao fortalecimento de comunidades locais?Existem focos ou formas de organizações cidadãscapazes de superar as tendências de fragmentaçãoe atomização que caracterizam as comunidadeslocais no nível de vizinhança? E como taisorganizações podem efetivamente influenciarprocessos políticos de tomada de decisão?

No Brasil, as organizações cívicas tradicionaisnão são vistas – pelo menos não por parte dasCiências Sociais – como atores muito promissoresnesses processos, ao passo que as expectativascostumam ser mais direcionadas para osmovimentos sociais, os quais desempenharam umpapel fundamental no processo de democratização(CARDOSO, 1994).

Putnam também considera os movimentossociais como uma das tendências contrárias aodeclínio geral do capital social nos Estados Unidos.Entretanto, em comparação com as associaçõescívicas tradicionais com raízes fortes nascomunidades locais, ele vê no fortalecimento dos

movimentos sociais e das organizações do terceirosetor uma deterioração qualitativa, alegando quemuitas dessas novas relações sociais não passariamde afiliações de “talão de cheque” (PUTNAM,2000b, p. 158). Segundo Putnam, “tais organi-zações não providenciam nem conexão entremembros, nem engajamento direto em uma formacívica do dar-e-receber, e certamente elas nãorepresentam ‘democracia participativa’. Cidadaniapor representação é um oximoro” (idem, p. 160).

As principais objeções de Putnam contra osmovimentos sociais e as organizações do terceirosetor, enquanto fontes primordiais do capitalsocial, baseiam-se na suposição segundo a qualos laços e obrigações que une os membros dessesmovimentos seriam mais fracos do que emorganizações tradicionais. De acordo com Putnam,é a vida social, o contato face-a-face que mantémunidas as sociedades e não o ativismo político emmovimentos sociais, a participação em associaçõesdo terceiro setor, a colaboração em organizaçõessem fins lucrativos ou o envolvimento em gruposde ajuda. Segundo Putnam, esses tipos de gruposfalham no concernente à sua mais importantetarefa: a promoção de confiança social.

Do ponto de vista brasileiro, podemos levantarpelo menos duas objeções: Em primeiro lugar,movimentos sociais como o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ouorganizações não-governamentais como a Pastoralda Criança certamente não são, como Putnamalega, desconectados da sua base social. Aocontrário, e apesar de certas contradições que taisexperiências sempre acarretam, são novas formasemergentes de vida social e de engajamentopolítico, capazes não apenas de renovar os laçossociais das comunidades, mas também depromover novas formas de participação públicavisando à transformação das condições sociais epolíticas. De fato, tais organizações atuamlocalmente, mas, ao mesmo tempo, procuramreconhecimento em âmbito nacional e atéinternacional. Adotando a categorização de ManuelCastells, podemos enquadrá-los até nos “maisinfluentes movimentos sociais [que], simulta-neamente, são enraizados no seu contexto local evisam a alcançar impacto global. Eles necessitamda legitimidade e do apoio provido pela relação deconfiança estabelecida com grupos locais; con-tudo, não podem permanecer locais, ou perdemsua capacidade de agir sobre as fontes reais de

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poder em nosso mundo” (CASTELLS, 2001, p.143).

Em segundo lugar, o declínio das organizaçõescivis convencionais não precisa necessariamenteser interpretado como um mero declínio doengajamento cívico, mas pode representar um novoentendimento de engajamento cívico e oreconhecimento da necessidade de reinventar asformas de ativismo e envolvimento cívico em umasociedade crescentemente complexa, pluralista e– certamente também – individualista. Em lugarde apostar exclusivamente nos grupos de interesse,que costumam defender apenas interesses grupaise tendem a promover condições de coesão eexclusão, simultaneamente, talvez seja pertinentepensar nas potencialidades de novas formas deorganização e ação política capazes de promovertolerância, diálogo, compreensão mútua, pontesentre os diferentes grupos sociais, mas também,se for necessário, pressão, contestação e lutacontra as injustiças existentes na sociedadecontemporânea.

Alguns observadores do processo dedemocratização no Brasil chegaram a umaavaliação positiva e otimista da atuação dasorganizações da sociedade civil no processo sociale político. Segunda Vera Telles, a sociedade civilassumiu progressivamente responsabilidade no quediz respeito à “constituição de espaços públicosnos quais as diferenças podem se expressar e serepresentar em uma negociação possível”(TELLES, 1994, p. 92) e “nos quais os conflitosganham visibilidade e as diferenças se representamnas razões que constroem os critérios de validadee legitimidade dos interesses e aspiraçõesdefendidos como direitos” (idem, p. 101). Issosignifica que, de uma perspectiva emancipadora,a abordagem de Putnam sobre o capital socialmostra-se equivocada na medida em que a ênfaseé dada na mera densidade das organizações cívicasconvencionais, negligenciando os avanços naspráticas e padrões de atuação política por partedos novos grupos sociais. Desse ponto de vista,merecem maior atenção os movimentos eorganizações politicamente relevantes e a suacapacidade de promover redes sociais e cívicas,bem como os fatores institucionais e a qualidadedas relações estabelecidas entre os grupos inter-mediários em uma sociedade e entre associaçõessociais e poder público (GRIX, 2001, p. 197). Asqualidades dessas relações parecem cruciais para

a possibilidade de mobilização do capital social embenefício de um engajamento político e cívicoefetivo.

III. DESENHO INSTITUCIONAL

Se, como argumenta Putnam, tantocomunidades cívicas como não-cívicas costumamreforçar-se cada vez mais, fortalecendo suaspróprias características, e se esses dois tipos dife-rentes de equilíbrio têm raízes históricas e cultu-rais, as autoridades públicas não têm muito a fazerpara aumentar o estoque de capital social. Aoconsiderar o Estado um fator meramente exógeno,Putnam “negligencia o papel desempenhado porestruturas políticas e instituições em moldar ocontexto da atividade associativa e, logo, da criaçãode capital social” (MALONEY, SMITH & STO-KER, 2000, p. 803). Uma outra objeção refere-sea uma suposta correlação entre o número de asso-ciações e o acesso a informação e a redes sociais,de um lado, e o desempenho governamental, deoutro.

Se, como salientam Maloney, Smith e Stoker,“o capital social depende do contexto específico”(idem, p. 804), temos de levar em conta os arranjosinstitucionais que afetam as relações entre ogoverno e as organizações da sociedade civil. Semcanais de comunicação que proporcionem às orga-nizações comunitárias condições favoráveis paraengajar-se nas questões públicas, o capital socialdificilmente pode ser mobilizado em prol da pro-moção do bem comum. A percepção de Putnam ébastante fatalista na medida em que as raízes his-tóricas e culturais são sobrevalorizadas. Entretanto,as possibilidades governamentais para promovero capital social por meio de “políticas consti-tuidoras” (“constituent policies”) (LOWI, 1972),isto é, políticas que visam a modificar as regrasdo jogo político (BECK, 1993, p. 17), são subesti-madas.

Nesse sentido, a análise de Putnam é “dema-siadamente centrada na sociedade, subvalorizandoagências estatais e outros fatores políticos asso-ciados” (LOWNDES & WILSON, 2001, p. 629).É imprescindível avaliar a relevância do desenhoinstitucional para a relação entre capital social edemocracia e o desempenho governamental emgeral. As diferenças relativas à democracia e aodesempenho governamental certamente não estãorelacionadas apenas às particularidades sociais eculturais de cada região, como alega Putnam em

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seu estudo sobre a Itália. Pelo menos, o que osrecentes estudos sobre experiências brasileiras emdemocracia local mostram é que inovaçõesconcernentes ao desenho institucional fazem defato a diferença, não apenas para a ampliação daparticipação política mas também para o forta-lecimento da sociedade civil local e, conse-qüentemente, a criação de capital social5.

As críticas contra a concepção do capital socialde Putnam originam-se no institucionalismo que,por sua vez, costuma responsabilizar a fragilidadedas instituições como um dos fatores principaispara as dificuldades de países em desenvolvimentoem consolidar os seus jovens regimes demo-cráticos. Entre os cientistas políticos e adminis-tradores é bastante comum a convicção de que aúnica maneira de “pôr ordem no caos” que supos-tamente reina nos países em desenvolvimento seriacom o auxílio de medidas de “desenhoinstitucional” (PRITTWITZ, 1994, p. 239). Nestesentido, políticas constitutivas ou estruturantesvisam não apenas à “manutenção”, mas tambémao “desenho” e à “renovação” das instituiçõessócio-políticas (KOOIMAN, 2000, p. 158). Talcompreensão dinâmica de políticas estruturantesestá na base de abordagens de construção edesenvolvimento institucional. No passado, essasestratégias foram desenvolvidas e enfaticamenteadvogadas pelas agências internacio-nais dedesenvolvimento, que supunham que taisestratégias contribuiriam para um aumento degovernabilidade e de eficiência da “administraçãodo desenvolvimento” nos países do “TerceiroMundo”6.

As teorias institucionais partem do pressupostode uma função relacional, reguladora e culturaldesempenhada por instituições. Instituições estru-turam as relações e redes sociais, regulam a distri-buição de gratificações e de posições sociais me-diante a definição de metas e a determinação e

destinação de recursos. Sendo as instituições inter-mediadas por valores, para strong institucionalistscomo Schelsky (1970), as instituições representama índole espiritual da sociedade como um todo.Schelsky considera as instituições como positivas,por princípio, por garantirem a estabilidade de siste-mas. Conforme essa concepção, o desenvolvimen-to institucional assume o caráter de um modelogeral de progresso (WASCHKUHN, 1994).

Enquanto a abordagem de Putnam parece de-masiadamente centrada na sociedade e demasiada-mente fatalista no que diz respeito às possibilidadesde engendrar mudanças por meio da ação gover-namental, a abordagem institucional, ao menos nasua versão mais radical, parece demasiadamenteidealista na avaliação dos supostos benefícios dodesenvolvimento institucional. As instituições nãodesempenham apenas o papel de satisfazer ne-cessidades humanas e de estruturar interações so-ciais. Ao mesmo tempo, as instituições “determi-nam posições de poder, eliminam possibilidadesde ação, abrem chances sociais de liberdade eerguem barreiras para a liberdade individual” (idem,p. 188-189). A institucionalização implica elevadoscustos em termos de burocratização e de exclusãode muitas vozes (O’DONNELL, 1991, p. 30).Instituições políticas são padrões regularizados deinteração, conhecidos, praticados e em geralreconhecidos e aceitos pelos atores sociais, aindaque não necessariamente por eles aprovados.Logo, são produtos de processos políticos denegociação antecedentes, refletem as relações depoder existentes e podem ter efeitos decisivos parao processo político e seus resultados materiais(PRITTWITZ, 1994, p. 239).

Além disso, como supomos, arranjos institu-cionais influenciam também as condições para amobilização do capital social. Seria ingênuo ignoraros efeitos das condições legais e constitucionais,das estruturas e procedimentos governamentais edas tradições e práticas da vida política para“moldar” a sociedade civil (LOWNDES & WIL-SON, 2001, p. 631). Em contraposição ao institu-cionalismo tradicional, o neo-institucionalismo“não explica tudo por meio das instituições. Quantomais consolidado o processo político e quanto maisfragmentadas as instituições, tanto mais o fatorinstitucional tem força explanatória” (BEYME,1992, p. 76). Especialmente no mundo em desen-volvimento, onde os processos políticos são nor-malmente mais voláteis e as instituições sujeitas a

5 Em relação à importância de desenhos discursivos napolítica brasileira local, ver Frey (1996; 2002a); em relaçãoao caso do orçamento participativo e suas conseqüênciaspara o desenvolvimento da sociedade civil: Abers (1998a;1998b) e Santos (1998).

6 Ver Goldsmith (1992) que analisa as abordagens de insti-tution building, desenvolvimento institucional, sustentabili-dade institucional e teoria neo-institucionalista em relaçãoa suas contribuições para políticas de desenvolvimento nospaíses do Terceiro Mundo.

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mudanças permanentes, as instituições parecemmuito menos decisivas para os processos políticose seus resultados materiais.

O neo-institucionalismo mantém a rejeição doinstitucionalismo referente às abordagens de esco-lha racional e afirma que é imprescindível levarem conta, para além dos interesses pessoais, asinstituições e identidades que influenciam o com-portamento e as atitudes dos atores políticos nosprocessos de tomada de decisão. Na prática, osatores políticos estão buscando estratégias apro-priadas na base de regras, obrigações, direitos epapéis institucionalizados. Portanto, o pensamentoneo-institucionalista defende uma compreensãomais ampla do conceito de instituição: “A idéia cen-tral é que a vida é organizada por conjuntos depráticas e significados compartilhados que são con-siderados dados por um longo tempo. Ações inten-cionais e calculadas de indivíduos e coletividadessão inseridas nessas práticas e significados com-partilhados, os quais podem ser chamados de iden-tidades e instituições” (MARCH & OLSEN, 1994,p. 250).

É exatamente na valorização das práticas esignificados compartilhados que convergem a con-cepção do desenho institucional e a abordagem dePutnam sobre o capital social. No entanto, enquan-to para Putnam os lugares preferenciais para odesenvolvimento de tais práticas e significadoscompartilhados são as organizações cívicas, a vizi-nhança e a família – nos termos habermasianospodemos denominá-los de esfera do mundo devida (Lebenswelt) –, os neo-institutionalistas cha-mam a nossa atenção para as possibilidades deinfluenciar significados e práticas mediante a açãogovernamental e o desenho institucional. SegundoMarch e Simon (1994; 1995) e sua concepção da“governança democrática”, a formação e o delinea-mento da vida política e social torna-se uma dastarefas primordiais de um governo democrático:“A governança democrática é mais do que o geren-ciamento da formação de coalizões políticas e detroca política. Envolve também influenciar os pro-cessos pelos quais as restrições sobre a troca polí-tica são estabelecidas. Os processos pelos quaisatores, identidades, significados, recursos, direitose regras são criados e trocados não são exógenosà governança mas parte central dela” (MARCH &OLSEN, 1994, p. 264).

Apenas no caso de admitirmos a possibilidadede governos estarem em condições de influenciar

o desenvolvimento do capital social, “pode serpossível romper com círculos viciosos ‘não cívi-cos’ e promover ativamente a ‘virtuosa’ com-binação de engajamento cívico e boa governança”(LOWNDES & WILSON, 2001, p. 631). Apesarde existirem boas razões para assumir que as pos-sibilidades de influenciar o capital social medianteo desenho institucional podem variar significati-vamente de acordo com o contexto cultural, a des-consideração do fator institucional – instituiçõesneste caso compreendidas na sua versão mais am-pla – parece bastante problemática, até mesmoem regimes consolidados com estruturas formaisestáveis.

A opção de influenciar o desenvolvimento docapital social por meio de intervenções governa-mentais envolve, certamente, também riscos noque tange à autonomia da sociedade civil, especial-mente em uma sociedade como a brasileira, carac-terizada por uma tradição de atitudes e estruturasgovernamentais clientelistas e paternalistas. A meraexistência de organizações cívicas ainda não diznada a respeito do grau de autonomia dessas organi-zações ou da sua dependência de instituições go-vernamentais.

O exemplo brasileiro apresenta uma situaçãobastante difusa e variada de inter-relações estabele-cidas entre as organizações cívicas e as instituiçõesgovernamentais, como mostram os seguintes trêsexemplos. Em primeiro lugar, podemos mencionaruma situação bastante comum nas cidades brasi-leiras: organizações tradicionais de moradores quedependem de práticas clientelistas e buscam fazervaler os seus interesses muitas vezes às custas deoutras organizações similares. Tais associações,freqüentemente, mostram-se incapazes de engaja-rem-se em atividades que exigem a colaboraçãocom outras organizações semelhantes e, por outrolado, mostram-se bastante efetivas em obter recur-sos públicos por intermédio de vereadores. Defato, para os vereadores a atuação enquanto media-dores entre a administração pública e as organi-zações comunitárias locais é uma das fontes deci-sivas de legitimidade política.

Podemos encontrar uma outra situação pecu-liar nas favelas do Rio de Janeiro ou nas favelasde outras grandes cidades brasileiras, onde a vidasocial é dominada pelo crime organizado e onde aregulação por meio da ação governamental é defi-ciente ou inexistente. Nesses lugares encontramosformas consolidadas de interação social baseadas

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na condição de pobreza e na disseminação domedo, mas que ao mesmo tempo não deixam deoferecer estrutura e um certo grau de estabilidadeà convivência social. Nesse contexto de grandeszonas de moradia popular abandonadas peloEstado, a aceitação da ordem estabelecida pelocrime organizado representa, na verdade, a únicafonte – apesar de precária – de segurança social ea única possibilidade de sobrevivência em umaambiente progressivamente ameaçador e funesto.

Por fim, existem no Brasil também experiênciasdemocráticas interessantes em que governoslocais, comprometidos com a democratização dosistema político, procuraram reinventar as relaçõespolíticas por meio de inovações políticas institu-cionais, como, por exemplo, por meio do orça-mento participativo. Tais inovações evidenciam umpotencial elevado de solidariedade e aprendizageminstitucional em casos de governos dispostos aestabelecer processos públicos de participação edeliberação política (FREY, 2002a).

Essa variedade de situações demonstra quetanto o fator institucional, a variável “capital social”como também o contexto cultural específico sãotodos elementos cruciais que devem ser levadosem consideração para entender as potencialidadesde mudança inerentes no nível comunitário. Por-tanto, é fundamental direcionar a nossa atençãopara a interface entre as instituições governa-mentais e o capital social. Do mesmo modo comoo capital financeiro pode ser desperdiçado e sim-plesmente mantido fora de circulação, do mesmomodo como propriedades de terra podem serimprodutivas, também o capital social pode estarinativo, ou até prejudicial e contraproducente senão for conduzido de maneira a fomentar o bemcomum. Mas como será possível estimular ocapital social de modo que o bem comum possaser fortalecido?

Na seção seguinte, procuraremos evidenciar opotencial da abordagem de rede para proporcionarum referencial para um melhor entendimento dosprocessos de desenvolvimento do capital social edas possibilidades de influenciar de modo positivoo capital social em prol do desenvolvimento comu-nitário e do fortalecimento do bem comum.

IV. REDES SOCIAIS

Conforme já mencionamos na “Introdução”,os processos dominantes na sociedade moderna,segundo Castells, estão crescentemente organi-

zados em torno de redes: “As redes constituem anova morfologia social de nossas sociedades, e adifusão da lógica de redes modifica de maneirasubstancial a operação e os resultados dos proces-sos produtivos e de experiência, poder e cultura”(CASTELLS, 1999, p. 497). O novo paradigmadas tecnologias da informação é considerado porManuell Castells como a base material para aexpansão penetrante de redes em toda a estruturasocial da sociedade moderna. Apesar de as redespoderem ser consideradas formas antigas de con-vivência humana, “elas tomaram uma nova forma,nos tempos atuais, ao transformarem-se em redesinformacionais, revigoradas pela internet” (CAS-TELLS, 2001, p. 1).

Todavia, as tendências gerais do ciberespaçotendem a reforçar os já bem conhecidos processosde exclusão e de aumento de concentração depoder, tanto no âmbito econômico quanto político(CASTELLS, 1996; SASSEN, 1997). Em primeirolugar, as TICs provocam tendências de segmenta-ção e exclusão dentro do próprio ciberespaço. Asnovas redes não apenas distribuem poder, mas elastornam possível a disseminação de novas ediferentes formas de poder. Uma das importantesmanifestações de tais cibersegmentações é aproliferação das intranets privadas que sãofortalezas excessivamente vigiadas e isoladas dainternet aberta (SASSEN, 1997, p. 228). Mas essastendências de exclusão e concentração de podernão são exclusividade do ciberespaço, mas tendema determinar a vida social, política, cultural eeconômica no espaço real.

Na sua teoria do “espaço de fluxos”, ManuelCastells salienta não apenas as dimensões econô-mica e política, mas também as dimensões cultu-rais desses processos de segmentação, baseadosem estruturas sócio-técnicas. Sua interpretaçãoda dinâmica social da sociedade em rede revelainteressantes percepções sobre transformações so-ciais induzidas pelas TICs. Como resultado, pode-se chegar a um melhor entendimento das perspec-tivas de redes comunitárias e as possibilidades douso das TICs em prol do desenvolvimento susten-tável de comunidades locais.

De acordo com Castells, a articulação espacialdas funções dominantes na sociedade em redeacontece dentro de redes de interação viabilizadapela utilização de equipamentos de telecomu-nicação. A infra-estrutura pode ser vista comoexpressão dessa rede de fluxos, cuja arquitetura e

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conteúdo são determinados pelas formas existentesde poder (CASTELLS, 1999, p. 437). Isto é, abase material desse espaço de fluxos é propor-cionada pela criação de infra-estrutura de tele-comunicação, que tende a excluir grandes seg-mentos sociais dos benefícios da sociedade deinformação.

No que diz respeito à organização social espa-cial, Castells argumenta que a sociedade informa-cional é organizada de uma forma assimétrica emtorno dos interesses dominantes da elite econômi-ca: “A forma fundamental de dominação de nossasociedade baseia-se na capacidade organizacionalda elite dominante que segue de mãos dadas comsua capacidade de desorganizar os grupos da socie-dade que, embora constituam maioria numérica,vêem (se é que vêem) seus interesses parcialmenterepresentados apenas dentro da estrutura do atendi-mento dos interesses dominantes. A articulaçãodas elites e a segmentação e desorganização damassa parecem ser os mecanismos gêmeos dedominação social em nossas sociedades” (idem,p. 440).

Conseqüência dessa tendência é um crescenteafastamento do mundo do big business e da políticaorganizada – onde ocorre a acumulação de podere de riqueza e cujo espaço de referência é o mundocomo um todo – das comunidades locais, cujasexperiências são criadas localmente e baseadas nahistória e na suas culturas específicas. O poderglobal segue cada vez mais uma lógica peculiar,esquivando-se das críticas das sociedades nacio-nais e, mais ainda, das comunidades locais. Essarede global de dominação garante sua exclusividadenão por meio da obstrução explícita do acesso,mas pelo desenvolvimento de regras e códigos cul-turais específicos, cuja posse abre o acesso a essasestruturas e redes de poder.

Isso significa que, de um lado, é preciso con-servar as instituições democráticas a fim de podermanter as aparências democráticas; de outro lado,são erguidas barreiras culturais para evitar a entra-da de representantes políticos nos mais altos círcu-los do poder onde são tomadas as decisões estra-tégicas. De fato, as principais decisões são toma-das em microrredes pessoais, em comunidadessimbolicamente segregadas que representam sub-culturas de pessoas interconectadas, ligadas a loca-lidades comuns. Essas comunidades privadas re-presentam os pontos nodais nesse espaço de flu-xos, onde preocupações e interesses privados são

discutidos em círculos fechados e, subseqüente-mente, projetados para as macrorredes, sustenta-das, por sua vez, pelas tecnologias de teleco-municação.

Um segundo elemento mencionado porCastells, que contribui para a distinção cultural deelites na sociedade da informação, está relacionadoà criação de um estilo de vida peculiar que dáhomogeneidade à elite informacional e transcendeas fronteiras culturais tradicionais de sociedadesnacionais. Em conseqüência, ocorre uma certa uni-formização do ambiente simbólico das elites nomundo todo, substituindo as particularidades, his-toricamente condicionadas, de cada localidade.

A interpretação de Castells da sociedade emrede e das estratégias e mecanismos utilizados pelaelite empresarial da nova economia informacionalé bastante reveladora, especialmente se vista emcontraste com os processos de fragmentação esegmentação que podemos observar no âmbito dasociedade civil, sobretudo em nível comunitário.“Segue uma esquizofrenia estrutural entre duaslógicas espaciais que ameaça romper os canais decomunicação da sociedade. A tendênciapredominante é para um horizonte de espaço defluxos a-histórico em rede, visando a impor sualógica nos lugares segmentados e espalhados, cadavez menos relacionados uns com os outros, cadavez menos capazes de compartilhar códigosculturais” (idem, p. 451-452).

Entretanto, não se trata apenas de (re)construiras pontes culturais e físicas entre essas duas for-mas de espaço, como sugere Castells, mas tambémde criar redes similares em nível comunitário como objetivo de promover identidade, solidariedadee novas formas de cooperação e interação em con-formidade com as particularidades da sociedadeinformacional.

Mas o que são essas características particularesque diferenciam redes de outros tipos de coor-denação social, sobretudo o mercado e as orga-nizações? Os mercados são coordenados por me-canismos de preço, de uma forma específica eespontânea; as organizações, por meio de regrasformais, de uma forma não-específica e baseadasem regulamentos; já as redes são normalmentecoordenadas por meio de discurso fomentandorelações de confiança mútua.

Em relações de mercado os atores costumamser independentes. O contrário ocorre nas orga-

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nizações hierárquicas em que os atores são depen-dentes, ao passo que em redes é imprescindível aocorrência de formas de cooperação entre seusmembros, viabilizadas e sustentadas por relaçõesde interdependência. O acesso aos mercados éaberto, pelo menos para aqueles com poder aqui-sitivo. No caso de organizações o acesso é regula-mentado por normas, enquanto em redes o acessoé restrito aos seus membros, excluindo os não-membros. O horizonte de tempo, nas relações demercado, é de curto prazo; em organizações, delongo prazo; em redes, finalmente, de médio prazo.O último critério refere-se à maneira como confli-tos são resolvidos. No caso de relações de merca-do, a arbitragem é garantida por lei; nas orga-nizações, pela distribuição de poder; em redes, osconflitos são decididos via negociação (WEYER,2000, p. 5-10).

Alega-se que as redes são capazes de propor-cionar resultados que normalmente só o mercadoou as hierarquias são capazes de produzir, apre-sentando porém vantagens adicionais. Em redespode ocorrer todo tipo de troca sem os seus mem-bros serem expostos às incertezas e riscos dastransações de mercado. As redes facilitam umcomportamento coordenado, sem a necessidadede aceitar a rigidez de organizações inflexíveis eburocráticas. A rede mostra-se como a únicaestrutura de ação capaz de cumprir duas funçõesbásicas: primeiro, a função estratégica de reduziras incertezas com relação ao comportamento deoutros atores, como competidores ou parceiros;segundo, a função instrumental de melhoria dodesempenho, isto é, um aumento dos resultadosproduzidos. Além disso, as redes parecem preser-var a autonomia dos parceiros e aumentar suacapacidade de aprendizagem.

Nesse sentido, as redes sociais podem sercompreendidas como formas independentes decoordenação de interações. A marca central da redeé a cooperação, baseada em confiança entre atoresautônomos e interdependentes. Estes trabalham emconjunto por um período limitado de tempo e levamem consideração os interesses dos parceirosenvolvidos, que estão conscientes de que essa formade coordenação é o melhor caminho de alcançar seusobjetivos particulares. É em função dessa capacidadede agregação que as redes têm um grande potencialpara instigar processos de aprendizagem e sãodefendidas para a implementação de projetos deinovação, nos casos em que os riscos envolvidos

apresentarem-se altos demais para cada um dosparceiros individualmente (idem, p. 11).

Essas qualidades da estrutura de rede é quetornam a opção comunitária tão atraente para apolítica local. No entanto, resultados positivos sópodem ser esperados se as comunidades locaisconseguirem colocar em prática o modelo de inte-ração social da colaboração em rede. Infelizmente,como Castells argumenta, as condições gerais nãosão muito favoráveis para os processos de inovaçãosocial impulsionados de baixo para cima.

Dado o fato de que as mais importantes deci-sões que afetam as comunidades locais são toma-das em espaços privados ou em redes globais porelites empresariais, sem um envolvimento políticodas populações locais, as comunidades em todo omundo estão crescentemente expostas a uma in-certeza geral. Esse aumento das incertezas nãotem apenas a ver com o “sistema da irresponsabili-dade organizada” que, de acordo com Ulrich Beck(1988, p. 104), caracteriza a sociedade de risco,levando a um “fatalismo industrial” e a uma aceita-ção e um conformismo generalizados concernentesaos riscos industriais. Além disso, parece que foiestabelecido, em função dos recentes processosde desregulação e privatização, um sistema organi-zado de incerteza social, baseado na disseminaçãode insegurança e na ausência de garantias (BAU-MAN, 2000, p. 14). Essa estratégia de criação deincerteza, conscientemente promovida, resulta emmedo e aflição que fomenta atitudes individualistasde sobrevivência, mina tentativas de ação coletivae enfraquece os laços sociais que normalmentemantêm as comunidades unidas. Ambas as ten-dências favorecem o conformismo e a apatia polí-tica, impedindo a mobilização das comunidadescom o objetivo de reduzir as incertezas.

Para Beck (1993) e Bauman (2000), uma possí-vel solução para esse dilema passa necessariamentepela politização como único caminho possível parasuperar o cinismo e o conformismo que costu-mam estrangular os últimos canais de comunicaçãoexistentes entre as esferas privada e pública.

Enquanto, conforme a interpretação de Cas-tells, a elite informacional costuma discutir seusinteresses e preocupações em círculos privadosde negociação e tem à sua disposição meios paracolocar em prática as suas resoluções, a grandemassa carece de tais espaços públicos/privadosonde seus problemas particulares poderiam ser

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discutidos e tornados públicos. ConformeBauman, “a chance para mudar isso depende daágora – esse espaço nem privado nem público,porém, mais precisamente, público e privado aomesmo tempo. Espaço em que os problemasparticulares encontram-se de modo significativo– isto é, não apenas para extrair prazeres nar-cisísticos ou buscar alguma terapia por meio daexibição pública, mas para procurar coletivamentealavancas controladas e poderosas o bastante paratirar os indivíduos da miséria sofrida em particular;espaço em que as idéias podem nascer e tomarforma como ‘bem público’, ‘sociedade justa’ ou‘valores partilhados’” (idem, p. 11).

Na sociedade contemporânea, a opçãocomunitária está confrontada com dois desafiosprincipais, ambos em aparente conflito: emprimeiro lugar, trata-se de aprender com a eliteempresarial no que diz respeito à sua estratégia deorganizar-se em redes e aumentar, desse modo, acapacidade para a ação coletiva e a cooperaçãopor meio da promoção de confiança e reciprocidadeentre os membros das redes; em segundo lugar,trata-se de evitar as tendências de exclusão – muitocomuns nas redes empresariais – e garantirprocedimentos democráticos e práticas coletivasbaseadas em deliberações públicas e interativas,de modo que condições para a promoção do bemcomum possam ser efetivamente melhoradas. Nocontexto de crescentes conflitos sociais eculturais, em uma sociedade cada vez maiscomplexa e diversificada, e em face de novas einusitadas potencialidades de criação de redes emfunção da disseminação dos TICs, os riscosrelacionados à segregação, à exclusão e a umpossível aumento de conflitos e de intolerânciadevido à proliferação dessas novas estruturas derede não devem ser subestimados.

No que tange às redes comunitárias, éimportante reconhecer as novas potencialidadesque a internet proporciona para fomentar estruturasde rede no âmbito da vizinhança e de cidades e,dessa maneira, fortalecer comunidades locais emelhorar as condições de vida locais7. No entanto,simultaneamente, torna-se crucial estar ciente dosriscos que tais estratégias acarretam para a socie-dade como um todo quando as exigências demo-

cráticas são ignoradas ou negligenciadas. A opçãocomunitária tem que levar em consideração ascondições institucionais, as relações de poder locaise a necessidade de um grande esforço no que con-cerne à revitalização da democracia local e de base.

Uma das principais exigências refere-se àampliação dos espaços públicos para a deliberaçãopública e esforços de incluir amplas partes dapopulação em processos de tomada de decisãopolíticas e sociais, já que no Brasil a política semprefoi uma questão de uma elite social e política muitopequena.

Tomando as formas de coordenaçãomencionadas acima como referencial analítico,podemos tentar enquadrar as relações sociais epolíticas nessa tipologia proposta. Curiosamente,podemos constatar que no Brasil os processossociais parecem bem mais alinhados com o modelode rede do que com o mercado ou o modeloorganizacional de coordenação social. De fato, alógica do mercado costuma contrastar fortementecom as redes de interesse que determinam asrelações sociais no Brasil e que, freqüentemente,baseiam-se em laços familiares ou de amizade. Emgeral, esses tipos de redes operam em prol daanulação das leis do livre mercado. Correspon-dentemente, as regras e normas, que, em acordocom o modelo hierárquico, definem o acesso aorganizações, são também habitualmente anuladaspor essas dominantes forças sociais. Podemosdizer que as tradicionais redes sociais minam asfunções originais dos mercados e organizaçõesburocráticas. Sendo assim, elas podem ser inter-pretadas como elementos fundamentais dentro deum modelo de dominação em que uma pequena epoderosa elite explora as vantagens das relaçõesem rede, em seu próprio interesse e em detrimentodos excluídos dessas redes.

As redes sociais que existem no nível da vizi-nhança e das comunidades locais, especialmenteem comunidades pobres, são igualmente baseadasem laços familiares ou de amizade, mas em geraltêm pouco a opor a essas redes dominantes. Nesseâmbito, podemos distinguir dois tipos de redeslocais. Em primeiro lugar, observam-se redessociais nascidas das necessidades materiais. Nessecaso, a cooperação é resultado de estratégias desobrevivência pessoal e o objetivo primordial é ten-tar evitar ou restringir a degradação social. Muitasvezes tais redes dependem de sua capacidade deestabelecer relações efetivas com as elites dominan-

7 Relativamente à experiência da cidade de Bolonha, verGuidi (2002); para a de Amsterdã, ver Castells (2001, p.146-155); para as de outras cidades européias, Frey (2002b).

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tes nas administrações locais, em geral caracteri-zadas por estruturas paternalistas e clientelistas.Em segundo lugar, ganham espaço novas redessociais que surgem como novos focos de concen-tração de poder, muitas vezes relacionados ao cri-me organizado e ao tráfico de drogas. Esses tiposde redes representam uma ameaça à elite tradicio-nal. Como conseqüência, alianças entre redes docrime organizado e do tráfico de drogas, de umlado, e redes das elites políticas e sociais tradicio-nais, de outro, são traços cada vez mais comunsdo atual modelo de dominação social.

Até aqui é possível constatar que redes difi-cilmente representam uma panacéia para os proble-mas que as comunidades locais estão enfrentandonos países em desenvolvimento. Como mostra ocaso brasileiro, elas podem sustentar e perpetuarum sistema de dominação e de controle incom-patível com os princípios da democracia e da parti-cipação política. As reflexões sobre redes comuni-tárias demonstram que é preciso ficar atento parao fato de que uma concepção aparentementedemocrática pode facilmente ser transformada emuma ferramenta capaz de reforçar as relações depoder existentes, sobretudo se não houver esfor-ços explícitos para superar impedimentos institu-cionais e culturais.

Como alega Castells, a concepção de rede édiretamente relacionada ao novo paradigma dastecnologias de informação. Da perspectiva brasilei-ra, essa constatação tem que ser relativizada. Umainfluência forte de atitudes e padrões pré-moder-nos, em um contexto de uma sociedade industrialmoderna, pode também apoiar estruturas de rede.No entanto, de acordo com a argumentação deCastells, a localidade e a proximidade física perdemsua importância para sustentar redes sociais emfunção da disseminação da internet. Enquanto Cas-tells frisa a ambivalência dessa transformação para-digmática, existem outros autores com visão muitomais otimista, alegando um efeito democratizantegeral dessas novas tecnologias. A seção seguinteapresenta esse debate bastante controverso, nointuito de ajudar a reflexão acerca das possibilida-des de uso dessas novas tecnologias como instru-mentos fomentadores e sustentadores das redessociais em uma perspectiva democrática e eman-cipatória.

V. REDES COMUNITÁRIAS E TECNOLOGIASDA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Defensores do novo mundo virtual estão con-

vencidos de que na nova sociedade da informaçãoas redes globais de infra-estrutura de comunicação,exploradas por atores privados, serão instrumentosdecisivos para a promoção da democracia, dodesenvolvimento e da solidariedade, bem comopara solucionar as grandes desigualdades sociaisem nosso planeta (SFEZ, 2000, p. 51). Castellsacredita “que a internet é um instrumento fun-damental para o desenvolvimento do Terceiro Mun-do” (CASTELLS, 2001, p. 5). E, de fato, enquantoas instituições territoriais tradicionais são maishierárquicas e rígidas, a internet tende a privilegiarmodos de relacionamento transversais e estruturasmais fluidas, em maior sintonia com as estruturasde redes, que caracterizam os processos sociais epolíticos nas sociedades democráticas modernas.Sendo assim, deve-se esperar efeitos significativosdessas redes de telecomunicação não apenas noâmbito do big business, mas também nos âmbitosda sociedade, da cultura e das instituições políticas(POSTER, 1997, p. 215). De acordo comWellman, na sociedade em rede, “fronteiras sãopermeáveis, interações acontecem com diversosoutros, conexões mudam entre múltiplas redes ehierarquias podem ser reduzidas e recursivas”(WELLMAN, 2001, p. 227).

Não há dúvidas de que as redes eletrônicastransformam as dimensões de tempo e espaço. Ainformação é transmitida em tempo real e pode-seestabelecer contatos imediatamente, independen-temente da distância espacial. A comunicação emrede garante, em princípio, um acesso universal,confortável, não-filtrado e de baixo custo a infor-mações e processos políticos. Entretanto, o poten-cial democrático específico da internet baseia-seem sua estrutura não-hierárquica e cibernética que,em princípio, favorece a interatividade.

Um outro possível efeito democratizanteconsiste na expectativa de que os fatores idade,sexo, cor ou raça perdem relativamente impor-tância no ciberespaço, uma vez que “a entradados atores na internet não depende de uma situaçãopré-estabelecida, mas apenas da sua ação no pre-sente momento” (SFEZ, 2000, p. 52). Finalmente,existem expectativas de que cidadãos quenormalmente são mais relutantes em engajar-seem debates públicos poderiam acabar envolvendo-se mais diretamente em processos de deliberaçãoe tomada de decisão política, visto que a comu-nicação pelo correio eletrônico reduz os riscos daexposição pessoal que caracteriza tanto a comuni-cação face-a-face quanto debates em arenas públi-

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cas (GRAHAM, 1999, p. 68). Portanto, pareceque a relevância democrática da internet relaciona-se, antes de qualquer coisa, ao seu potencial parapromover uma comunicação direta, descentrali-zada e interativa entre o poder político e o elei-torado.

Além disso, proporcionam-se novas possibili-dades para processos informais de deliberaçãopolítica (DAHLBERG, 2001, p. 1). A comunicaçãode mão dupla, que se torna possível na internet,contrapõe-se à comunicação de mão única, queprevalece nos meios de comunicação de massa.Enquanto, por exemplo, na televisão os debatespúblicos são conduzidos em geral pelos líderes deopinião, sem uma participação ativa dos cidadãoscomuns, surgem com a internet novas possibili-dades de criação de uma esfera pública interativa,um tipo de “ágora eletrônica”, sobretudo devido àvantagem da dissolução do espaço enquanto con-dição de comunicação (ROESLER, 1997, p. 182).

Da perspectiva das comunidades locais, asTICs representam um possível novo canal por queas comunidades podem expressar as suas deman-das e expectativas, por que cidadãos podem serenvolvidos em processos de tomada de decisãopolítica e, finalmente, por que uma esfera públicalocal pode ser sustentada e a democracia localfortalecida8 . Neste artigo estamos enfocando nãoapenas as relações entre cidadão e governo, mastambém as potencialidades comunicativas entreos próprios cidadãos, e com isso as possibilidadesde fazer uso das TICs em prol do desenvolvimentocomunitário e da mobilização do capital social.

No entanto, antes de abordar a possívelcontribuição das TICs para o fortalecimento dascomunidades locais, é preciso refletir sobre ascaracterísticas de comunidades e as implicaçõesdos processos de segmentação e fragmentação paraa sua mobilização. Abordagens teóricas sobrerelações sociais comunitárias mencionam, emgeral, seis propriedades de comunidades, elen-cadas a seguir. Diferencia-se entre as variáveisestruturais, que são: 1) laços sociais densos efortes; 2) envolvimento e integração social pro-porcionado por meio de instituições comuns; 3)eventos rituais; 4) grupos de tamanho reduzido; e

as variáveis culturais que são 5) percepções desimilaridade com as características físicas, o estiloparticular, a forma de vida, ou as experiênciashistóricas dos outros e 6) crenças comuns emrelação a um sistema compartilhado de idéias, umaordem moral, uma instituição ou um grupo(BRINT, 2001, p. 3-4).

O que mostram estudos empíricos sobrecomunidades é que freqüentemente “comunidadesnão parecem muito com comunidades. Elas sãotanto penetradas por interesses, poder e divisõesquanto mercados, corporações ou governos muni-cipais” (idem, p. 6). Na prática, os contatos entremembros de comunidades não são necessa-riamente mais intensos do que com pessoas defora da comunidade. Muitas vezes comunidadescaracterizam-se por estratificação social e asdecisões relevantes são tomadas pelo grupo destatus dominante. Nem são as comunidades,necessariamente, baseadas em quaisquer laçossociais sobremaneira intensos ou altamente foca-lizados. Devido a uma crescente contestação da“imagem de relações comunitárias calorosas e deapoio recíproco” (ibidem) por parte de estudosempíricos, ganha cada vez mais atenção o refe-rencial de redes sociais. Wellman “define ‘comu-nidade’ como redes de laços interpessoais queproporcionam sociabilidade, apoio, informação,um senso de pertencimento e identidade social”(WELLMAN, 2001, p. 228).

Ao contrário das definições tradicionais decomunidade, a idéia da comunidade enquanto redefrisa mais as vantagens em termos de benefíciospráticos e materiais conferidos aos membros detais redes, e menos à idéia de crenças comuns ede uma ordem moral unificadora ou até de umtipo de “vontade natural” inerente às comunidades.Uma contribuição importante para essa discussãovem dos estudos sobre comunidades eletivas. Deacordo com Brint, comunidades de escolha sãobaseadas em interesses comuns e apoio mútuo.As interações entre os seus membros mostram-se em geral bem mais intensas e efetivas do queaquelas em comunidades que são definidasexclusivamente pela propinqüidade física.

Brint identifica diversas razões para a tendênciadas Ciências Sociais em privilegiar as redes sociaisem detrimento da abordagem da comunidade.Primeiro, parece que as formas mais estáveis decomunidades territorialmente delimitadas tendema desaparecer gradualmente na sociedade moderna.

8 Partindo do referencial teórico da esfera pública e dademocracia deliberativa eu abordei essa questão em doisoutros trabalhos recentes (FREY, 2001a; 2001b); vertambém Coleman e Gotze (2002).

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Segundo, observa-se um avanço da escolha racio-nal como pensamento predominante nas últimasdécadas. Finalmente, ele menciona o fato de queos próprios cientistas sociais e os profissionaisaltamente qualificados vivem em um mundo emque as interações de curto prazo e a pluralidade decontatos sociais são valorizados e vistos comofatores fundamentais para o sucesso social eeconômico. Essa percepção pode, no entanto,basear-se em uma apreensão equivocada,especialmente se vista da perspectiva decomunidades pobres e da necessidade de superarsituações de risco social. Segundo Brint: “Atendência atual de focalizar rituais de interaçõesde curto prazo relacionados a estruturas de redessociais corre o risco de distorcer (e apagar) arealidade daquelas estruturas de tipo Gemeinschaftque continuam existindo” (BRINT, 2001, p. 8).Sobretudo no contexto de países em desenvol-vimento com sistemas de segurança social extre-mamente precários, as comunidades locais con-tinuam desempenhando um papel importante naluta diária das pessoas pela sua sobrevivência.

Na sua conclusão, Brint constata que osmecanismos integradores de comunidades sãofortemente relacionados a interações face-a-facee a processos de monitoramento visando a alcançara conformidade, ao passo que “um ambiente deiguais autônomos, comprometidos com umconjunto de normas morais comuns, só é possívelem um mundo em que membros estão raramente,ou nunca, co-presentes” (idem, p. 20)

São exatamente essas as condições que podemser observadas em comunidades virtuais deinteresse, em que os membros dificilmente seencontram e as interações costumam limitar-seàqueles tópicos específicos que motivaram acriação da comunidade (BLANCHARD &HORAN, 1998, p. 295).

Brint tem a expectativa de que esses tipos degrupos, baseados em atividades comuns econectados de modo menos firme e permanente– uma característica cada vez mais dominante nasorganizações sociais das sociedades industriaiscontemporâneas – levam “algumas das virtudesde comunidades para o mundo moderno, evitandoao mesmo tempo seus vícios característicos e suasconotações puramente místicas” (BRINT, 2001,p. 20). Assim, a comunidade de escolha surgecomo uma forma de organização promissora parao dinamismo da vida social no mundo contem-

porâneo, capaz de criar condições para as pessoasatuarem na busca de seus interesses coletivos, sempermanecerem presos a um cânone de normaséticas e morais das comunidades tradicionais.

Existe, no entanto, o perigo de “que ‘comu-nidades virtuais’ e comunidades particulares deinteresse – enquanto elas ganham sua grande forçada sua capacidade de criar conexões – podem sertambém excludentes e elitistas” (OAKLEY, 2001,p. 3). Essa argumentação torna-se ainda maisconvincente face à tendência de tais grupos decorreligionários de discutir apenas seus interessesespecíficos, fortalecendo, dessa maneira, as opi-niões e convicções existentes no grupo e ignorandoa pluralidade de tópicos e opiniões que existemem sociedade. Isso se torna mais evidente no queRobert Bellah chama de “‘lifestyle enclaves’, asquais celebram o ‘narcisismo da similaridade’ pormeio do estilo de vida comum de seus membros”(DOHENY-FARINA, 1996, p. 50). Teme-se queas novas oportunidades para a formação de comu-nidades, guiadas exclusivamente por interesses,possam fortalecer a intolerância e o consumismo,além de fomentar a retirada da esfera pública, odesencantamento com a política e até mesmo aproliferação do fundamentalismo.

Tendo à nossa disposição novas tecnologiaspara selecionar aquelas informações que queremosacessar e para escolher as pessoas com quemqueremos comunicar-nos, nossa percepção darealidade tende a limitar-se cada vez mais. Nóspoderemos sentir-nos confortáveis e bem entendi-dos estando entre os membros de nosso grupo deescolha, porém inseguros e ameaçados fora dele.Como a sociedade depende de um tipo de soli-dariedade que transcende o engajamento em favordos correligionários, a opção comunitária podeentrar em oposição com a própria idéia de socie-dade, reduzindo a comunicação e a compreensãoentre grupos em sociedades cada vez mais mar-cadas pela diferença.

Comunidades virtuais podem contribuir paracultivar uma outra tendência crítica: na medidaem que os temas eletivos determinam cada vezmais a atenção das pessoas e podem ser ampla-mente satisfeitos devido às novas tecnologias, ointeresse e a disposição de engajar-se em favordas comunidades locais reais pode diminuir. Comosugerimos anteriormente, comunidades locais reaiscontinuam desempenhando um papel importante,especialmente em condições locais de risco social.

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Do ponto de vista de países em desenvolvimentosurgem com isso algumas questões cruciais:podemos realmente esperar que comunidades compoucas possibilidades efetivas de interação possamcontribuir para a melhoria das condições de vidano nível da vizinhança? Será que elas reforçamainda mais a tendência das pessoas a preocu-parem-se cada vez mais com seus interessesindividuais e cada vez menos com o ambiente físicoe com seus vizinhos, que residem ao lado? Existempossibilidades de fazer as vantagens de comu-nidades virtuais de interesse trabalhar em favorda intensificação de interações sociais e da coope-ração entre comunidades reais? Como comu-nidades on-line deveriam ser organizadas eestruturadas para fortalecer, simultaneamente,relações de longa distância e laços sociais locais(HORRIGAN, 2001)? E, finalmente, qual deveriaser o papel desempenhado pelas agênciasgovernamentais na criação e promoção de comu-nidades interativas locais?

As experiências com a criação de redes cívicaslocais, apoiados em aplicativos de internet,mostram a importância da ação governamental emprojetos de democracia eletrônica local que visamfortalecer tais redes dentro de uma perspectivaemancipatória e democrática (CASTELLS, 2001;FREY, 2002b). Em todas as cidades engajadas nacriação de redes cívicas observa-se uma preocu-pação grande em relação a como promover umambiente mais interativo nas comunidades locais.

Em boa parte dos casos analisados, consi-derou-se a tecnologia uma ferramenta, de um lado,para a criação de uma administração mais eficientee melhor adaptada às necessidades dos usuáriosde serviços públicos e, de outro lado, para o forta-lecimento das comunidades locais, o aumento dasolidariedade e a ampliação dos laços sociais e daparticipação política nos processos locais detomada de decisão.

Para alcançar esses objetivos “macro” asiniciativas governamentais concentram-se emquatro campos de ação preferenciais: 1) criaçãode pontos de acesso público à internet; 2)campanhas de alfabetização digital; 3) apoio acomunidades virtuais locais e 4) fortalecimentode redes “reais” de vizinhança por meio do usodas TICs.

As experiências européias sugerem que ainternet e outras tecnologias informacionais

providenciam ferramentas promissoras para ofortalecimento das comunidades locais e dos laçossociais e para a experimentação com o exercícioda cidadania e o aperfeiçoamento de processos dedemocracia local. Mas mesmo nas cidades maisavançadas estamos ainda distantes de uma situaçãoem que a nova interconectividade da internet possapromover novos padrões de tomada de decisãopolítica e uma transformação substancial no tocanteàs desigualdades sociais.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade civil global está organizando-separa preparar propostas para a Conferência Globalsobre a Sociedade da Informação, que se realizaráem Genebra (2003) e Túnis (2005)9. O movi-mento das redes cívicas adquiriu uma dimensãoigualmente global, visando a renovar a vida sociale democrática na sociedade da informaçãocontemporânea a partir do âmbito local10. No nívellocal, o número de iniciativas governamentais enão-governamentais, experimentando novas for-mas de participação via internet, está aumentandoconstantemente. Apesar da tendência dominantede um ciberespaço crescentemente privatizado ecomercializado e de um desenvolvimento do setorde telecomunicação marcado pela lógica do mer-cado e do lucro rápido, todas essas iniciativas dão-nos motivos para crer que o ciberespaço possaoperar “como um bem comum, [...] como umespaço de acesso público em que cidadãos criame compartilham bens públicos livres” (LEVINE,2002, p. 13) e como um espaço de experimentaçãodemocrática capaz de sustentar práticas demo-cráticas em geral.

Se, como salienta Castells, “o Estado na erada informação é um Estado organizado em redes,um Estado composto de um complexo web deinstituições internacionais, multinacionais, nacio-nais, regionais, locais e não-governamentais, ne-

9 Mais informações sobre a plataforma da sociedade civilestão disponíveis no seguinte sítio: http://www.geneva2003.org.

10 O movimento global de redes cívicas organizou diversoscongressos nos últimos anos: o primeiro em Barcelona, em2000; o segundo em Buenos Aires, em 2001 (http://www.globalcn2001.org) e o último congresso em Montreal,em outubro de 2002 (http://www.globalcn2002.org). Omovimento GlobalCN Partnership mantém uma plataformade cooperação no sítio http://www.globalcn.org.

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gociando a partilha de poder e a tomada de deci-são” (CASTELLS, 2000, p. 14), então os cidadãose os agentes sociais precisam estar preparados etreinados para essas novas práticas de coordenaçãosocial e de tomada de decisão. Iniciativas comoredes cívicas, fóruns de discussão e sistemas demediação on line são fundamentais para prepararas instituições e organizações para essas novasformas de uma “governança social negociada”(HIRST, 2000, p. 19), além de treinar os cidadãosna arte de conversação, negociação, argumentaçãoe deliberação.

Enquanto as democracias representativasliberais parecem funcionar melhor no contexto deuma civic culture, em que o cidadão não é ne-cessariamente racional e ativo, mas “pode combi-nar algum grau de competência, envolvimento eatividade com passividade e não envolvimento”(ALMOND & VERBA, 1963, p. 487), dando apoioa um modelo elitista de tomada de decisão política,a emergente sociedade em rede mostra-se bemmais severa: ou faz-se parte da rede e habilita-se aexplorar as oportunidades que as novas tecnologiase as redes sociais oferecem, ou está-se condenadoa ficar à margem dos processos sociais e políticos.A primeira concepção é mais alinhada com omodelo do Welfare State, em que um Estadorelativamente forte com suas instituições políticase administrativas assume responsabilidade socialpara proporcionar os serviços públicos e arbitrarem conflitos sociais. O segundo modelo é maisalinhado com o modelo neoliberal de um Estadomínimo em um mundo interdependente e globa-lizado, que cada vez menos dispõe dos meios emecanismos necessários para responder às cres-centes demandas sociais.

Esse novo contexto social, político e econô-mico exige novas abordagens e padrões políticosde ação estatal. Uma possibilidade seria tentarreverter as recentes tendências de liberalização eglobalização, buscando reforçar o modelo doEstado do Bem-estar Social e da ação estatalcentralizada e, no campo político, tentar revigoraras democracias liberais, baseadas em partidos polí-ticos fortes, e os meios de comunicação de massa.Entretanto, tendo em vista a globalização e adiversificação social e cultural, essa opção torna-se cada vez menos realista. A segunda possibi-lidade consiste na perseguição de um modelo deum “empowering State” (WRIGHT, 1996, p. 15),engajado em preparar o cidadão para que este

possa tomar o seu destino em suas próprias mãos.A promoção de redes cívicas pode ser consideradauma opção importante dentro dessa abordagemde ação estatal. Face à incapacidade das autori-dades estatais em providenciar os produtos e ser-viços sociais necessários, a concepção de um Esta-do facilitador e estimulador de inovação social emediador de conflitos sociais não é apenas umaopção mais realista. Sendo o foco da atenção con-centrado no indivíduo e no desenvolvimento desuas capacidades pessoais, assim como na melho-ria das condições para ação coletiva, por meio dofortalecimento de movimentos sociais e organiza-ções não-governamentais, a concepção tem umforte viés emancipatório, tornando os cidadãosmais autônomos frente às agências estatais.

Esse modelo encontra, entretanto, limites,particularmente em países em desenvolvimentocom suas desigualdades extremas com relação àestrutura de oportunidades, de modo que o Estadocontinua com uma grande responsabilidade con-cernente à provisão dos serviços básicos. No en-tanto, esforços adicionais são indispensáveis paraestimular as comunidades locais e as organizaçõesda sociedade civil na busca de estratégias locaisapropriadas para superar os problemas sociais.

Uma outra questão fundamental tem a ver coma necessidade de uma renovação das práticasdemocráticas. Perante a incapacidade das institui-ções políticas e administrativas tradicionais desolucionar os problemas que afetam o eleitorado,a democracia liberal, sobretudo na sua forma atual,sofre graves problemas de legitimidade política, oque demonstram os recentes números decres-centes de participação nas eleições em boa partedas democracias ocidentais consolidadas.

No futuro deve-se esperar que formas alter-nativas de participação cidadã, alinhadas às neces-sidades e expectativas dos cidadãos e das organi-zações da sociedade civil, desempenharão um papelmuito mais importante para a legitimidade políticado que o sistema representativo tradicional. A par-ticipação política via internet pode-se tornar umcanal adicional dentro de uma variedade de novasformas de engajamento cívico e participação demo-crática. A democracia eletrônica certamente nãosubstituirá a forma tradicional do processo políticorepresentativo, mas pode sim complementá-la deuma maneira que novos padrões democráticospossam emergir, ampliando o envolvimento públi-co na deliberação democrática.

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Redes comunitárias, sustentadas por espaçosvirtuais de deliberação pública, podem contribuirpara a criação de capital social. Na sociedade dainformação não é a mera densidade de organizaçõescívicas que determina a capacidade para açãocoletiva. Muito mais importante é a efetividade dasredes sociais que unem essas organizações ecapacitam-nas a agir de maneira coordenada.

Arranjos institucionais e procedimentaiscorrespondentes, que oferecem possibilidades deengajamento cívico e de participação política, sãocruciais para assegurar que essas redes cívicaspossam alcançar efetividade social e política. Odesenho institucional precisa desempenhar umpapel importante na provisão de canais departicipação e oportunidades de interação social.Se acompanhadas por medidas que garantamtransparência, acesso aberto e participação demo-crática, comunidades virtuais e redes comunitáriasnão precisam necessariamente sofrer os perigosde tornar-se excludentes e elitistas. Porém, issoexige, particularmente em comunidades maispobres, esforços para assegurar acesso ecampanhas de qualificação para a população, demodo que esta possa beneficiar-se efetivamentedas novas promessas da era digital.

Além disso, desvantagens causadas por umaestrutura desigual de oportunidades e de poder sópodem ser mantidas em limites razoáveis se

medidas de desenho institucional garantem oestabelecimento de fortes funções de mediação,que no melhor dos casos serão desempenhadaspela sociedade civil e pela esfera pública.

O progresso nessa direção, sobretudo em paí-ses com uma sociedade civil pouca organizada,depende ainda da vontade dos governos locais emdar primazia à promoção da emancipação das co-munidades e dos cidadãos. Como a experiênciados movimentos sociais e ambientais globais mos-tra11, a estratégia de rede pode ser também umaferramenta efetiva de resistência e contestaçãocontra as forças dominantes que determinam aatual sociedade em rede. A proliferação de redescomunitárias pode também representar a aspiraçãodas pessoas no que se refere a uma forma renovadade vida social, baseada na confiança e na reciproci-dade, capaz de desafiar os processos globais de-satados pelas redes transnacionais e hegemônicasdas elites econômicas. Sob tais circunstâncias, aopção comunitária pode, de fato, transformar-seem uma alternativa realista na busca de um modosustentável de desenvolvimento e de vida social.

11 Segundo a análise de Castells sobre as redes demovimentos sociais (CASTELLS, 2001, p. 138-143), asquais se originam da resistência de sociedades locais, elas“visam superar o poder das redes globais, assim,reconstruindo o mundo a partir das bases” (idem, p. 143).

Klaus Frey ([email protected]) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Konstanz(Alemanha) e Diretor do curso de Mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica doParaná (PUC-PR).

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