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Revista dialogos 4

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Page 1: Revista dialogos 4

SAÚDEPSICOLOGIAe

Os desafios teóricose práticos e as conquistasno cuidado com o sujeito

ANO 3 – Nº 4 – DEZEMBRO/2006Diálogos

Page 2: Revista dialogos 4

Expediente

EDITORES RESPONSÁVEIS

Monalisa Nascimento dos Santos Barros(CFP)

Marcus Vinícius de Oliveira Silva(CFP)

Marcos Ribeiro Ferreira(convidado)

CONSELHO EDITORIAL

Cármen Maria Mota Cardoso(Região Nordeste)

Eleonora Arnaud Pereira Ferreira(Região Norte)

Daniela Sacramento Zanini(Região Centro-Oeste)Tonio Dorrenbach Luna

(Região Sul)

Esta revista é produzida pelo Sistema Conselhos de Psicologia,composto pelos 16 Conselhos Regionais de Psicologia

(ver 3ª capa) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) SRTVN,Quadra 702, Edifício Brasília Rádio Center, 4º andar, Conjunto 4024-A

CEP 70719-900Tel: 61 21090100Fax: 61 21090150

E-mail: [email protected]

Distribuição gratuita aos psicólogos inscritos nos CRPsVersão on line no site www.pol.org.br

JORNALISTA RESPONSÁVELMônica LimaMTB 17025

IMAGENSInez Laranjeiras, Jefferson Coppola, Paulo Reis, Roberto Caiafa

e Carlos Gutemberg de Assis (fotografias),Ramon Muniz (ilustração)

IMPRESSÃOPosigraf - Gráfica e Editora S/A

Novembro/2006

TIRAGEM130 mil exemplares

Diálogos

www.pol.org.br

ANO 3 – Nº 4 – DEZEMBRO/2006

Page 3: Revista dialogos 4

Índice

20 HISTÓRIADA PSICOLOGIAHOSPITALARUma análise da aproximaçãoentre a Psicologia e oscuidados dentro dos hospitais

26 MÚLTIPLASFACESA atuação do psicólogohoje inclui atendimentoaté nas áreas da belezae da odontologia

40 O PROJETOCANGURUComo o programa estáajudando na recuperaçãodos bebês prematuros

46 CARA A CARAGINA FERREIRA EMARY JANE SPINKAs duas especialistasdiscutem a formaçãodo profissional

4 CARTAS EREPERCUSSÃO

5 EDITORIAL

6 ENTREVISTASÔNIA FLEURY

34 ENTREVISTAJOSÉ RICARDOAYRES

24 COLUNA DOPSICÓLOGO

REPORTAGENS

14 A FORMAÇÃO DOPSICÓLOGO

18 CRESCIMENTO DOSCUIDADOS PALIATIVOS

30 DROGAS EREDUÇÃO DE DANOS

32 OS DESAFIOS DOSEXO ADOLESCENTE36 OS PSICÓLOGOSNO PODER

43 O INSTITUTO PAPAI,NO RECIFE

50 A SÍNDROME DOBURNOUT

52 ENCONTRO COMA DIVERSIDADE

ARTIGOS

9 Cidadania com arte,por Rosalina Teixeira

17 O lugar do saber,por Emerson Merhy

39 A inserção do psicólogono SUS, por Carmen Teixeira

55 Saúde do trabalhadore psicologia, por IôneVasques-Menezes

49 Prosa

RESENHA 13 Livro: Quando a vida começa diferente

10 A HUMANIZAÇÃODA UTIMedidas simples podemauxiliar na diminuiçãodo sofrimento do paciente

56 EM NOME DAINCLUSÃO

Page 4: Revista dialogos 4

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 1ª REGIÃOENDEREÇO: SRTVN QD. 702 ED. BSB RÁDIO CENTER SALA 1031-BBAIRR0: PLANO PILOTOCIDADE: BRASÍLIACEP: 70.719-900 UF: DFTELEFONE: (61) 3328-3480 / 3328-3017 / 3328-0406FAX: (61) 3328-4660E-MAIL: [email protected]ÇÃO: DF/AC/AM/RR/RO

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 2ª REGIÃOENDEREÇO: RUA AFONSO PENA, 475BAIRR0: SANTO AMAROCIDADE: RECIFE CEP: 50050-130 UF: PETELEFONE: (81) 2119-7272FAX: (81) 2119-7262E-MAIL: [email protected]ÇÃO: PE/FERNANDO DE NORONHA

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 3ª REGIÃOENDEREÇO: R. AGNELO BRITO, 141 ED. VERSALHES SL.03TÉRREOBAIRR0: GARIBALDICIDADE: SALVADOR CEP: 40.170-100 UF: BATELEFONE: (71) 3332-6168 / 3245-4585FAX: (71) 3247-6716E-MAIL: [email protected] / [email protected]ÇÃO: BA/SE

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 4ª REGIÃOENDEREÇO: RUA TIMBIRAS, 1532 – 6º ANDARBAIRRO: LOURDESCIDADE: BELO HORIZONTE CEP: 30.140-061 UF: MGTELEFONE: (31) 2138-6767FAX : (31) 2138-6767E-MAIL: [email protected] / [email protected]<PARA E-MAILS URGENTESJURIDIÇÃO: MG

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 5ª REGIÃOENDEREÇO: RUA DELGADO DE CARVALHO, 53BAIRRO TIJUCACIDADE: RIO DE JANEIRO CEP: 20.260-280 UF: RJTELEFONE: (21) 2139-5400 / 3872-3756 / 3872-7150FAX: (21) 2139-5419E-MAIL: [email protected] / [email protected]ÇÃO: RJ

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 6ª REGIÃOENDEREÇO: RUA ARRUDA ALVIM, 89BAIRRO: JARDIM AMÉRICACIDADE: SÃO PAULO CEP: 05.410-020 UF: SPTELEFONE: (11) 3061-9494 / 3061-9617 / 3061-0871FAX: (11) 3061-0306E-MAIL: [email protected] /[email protected] / [email protected]ÇÃO: SÃO PAULO

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 7ª REGIÃOENDEREÇO: AV. OSVALDO ARANHA, 1423 SALA 102BAIRRO: BOM FIMCIDADE: PORTO ALEGRE CEP: 90035-191 UF: RSTELEFONE: (51) 3334-6799FAX: (11) 3334-6799E-MAIL: [email protected] / [email protected]ÇÃO: RS

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 8ª REGIÃOENDEREÇO: AV. SÃO JOSÉ, 699BAIRRO: CAJURUCIDADE: CURITIBA CEP: 80050-350 UF: PRTELEFONE: (41) 3013-5766FAX: (41) 3013-5766E-MAIL: [email protected]ÇÃO: PR

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 9ª REGIÃO

ENDEREÇO: AV. T-2 , QD. 76, LOTE 18, N.º 803BAIRRO: SETOR BUENOCIDADE: GOIÂNIA CEP: 74210-070 UF: GOTELEFONE: (62) 3253-1785 / 3253-1079FAX: (62) 285-6904E-MAIL: [email protected]ÇÃO: GO/TO

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 10ª REGIÃOENDEREÇO: AV. GENERALÍSSIMO DEODORO, 511BAIRRO: UMARIZALCIDADE: BELÉM CEP: 66.055-240 UF: PATELEFONE: (91) 3224-6690 / 3224-6322FAX: (91) 3225-4491E-MAIL: [email protected]ÇÃO: PA/AMAPÁ

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 11ª REGIÃOENDEREÇO: RUA CARLOS VASCONCELOS, 2521BAIRRO: JOAQUIM TÁVORACIDADE: FORTALEZA CEP: 60115-171 UF: CETELEFONE: (85) 3246-6879 / 3246-6887FAX: (85) 3246-6924E-MAIL: [email protected]ÇÃO: CE/PI/MA 2ª À 6ª - 8H ÀS 17H

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 12ª REGIÃOENDEREÇO: RUA PROFESSOR BAYER FILHO, 110BAIRRO: COQUEIROSCIDADE: FLORIANÓPOLIS CEP: 88080-300 UF: SCTELEFONE: (48) 244-4826FAX: (48) 244-4826E-MAIL: [email protected] /[email protected]ÇÃO: SC

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 13ª REGIÃOENDEREÇO: AV. MANOEL DEODATO, 599 ED. EMPRES. TOWERSL 301BAIRRO: TORRECIDADE: JOÃO PESSOA CEP: 58040-180 UF: PBTELEFONE: (83) 3244-4246FAX: (83) 3244-4151E-MAIL: [email protected]ÇÃO: PB/RN

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 14ª REGIÃOENDEREÇO: AV. FERNANDO CORREA DA COSTA, 2044BAIRRO: JOSELITOCIDADE: CAMPO GRANDE CEP: 79004-311 UF: MSTELEFONE: (67) 3382-4801FAX: (67) 3382-4801E-MAIL: [email protected] / [email protected]ÇÃO: MT/MS

NOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 15ª REGIÃOENDEREÇO: RUA PROF. JOSÉ DA SILVEIRA CAMERINO, 291(ANTIGA RUA BELO HORIZONTE).BAIRRO: FAROLCIDADE: MACEIÓ CEP: 57055-630 UF: ALTELEFONE: (82) 3241-8231 / (82) 9306-1964FAX: 82) 3241-3059 FAX COOP. (82) 336-5555E-MAIL: [email protected]ÇÃO: AL

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 16ª REGIÃONOME: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – 16ª REGIÃOENDEREÇO: RUA FERREIRA COELHO, Nº 330 - SALA 805 A 807BAIRRO: CENTROCIDADE: VITÓRIA CEP: 29055-250 UF: ESTELEFONE: (27) 3324-2806FAX: (27) 3315-2807E-MAIL: [email protected] /[email protected] /[email protected]ÇÃO: ES

CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA

Page 5: Revista dialogos 4

Diálogos

PSICOLOGIA C

iência

eProfissão

www.pol.org.br

Page 6: Revista dialogos 4

4 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Cartas

REPERCUSSÃO

edição de Diálogos dedicada aos dilemas da avaliaçãopsicológica foi bastante oportuna. Procurou abordar asprincipais questões de um dos pontos mais polêmicos na

Psicologia, como ciência e como profissão. Se por um ladoa avaliação psicológica é prerrogativa do psicólogo e base paratoda e qualquer intervenção, por outro, é alvo de ataques severos emuitos mal-entendidos dentro e fora da comunidade de psicólogos.

As matérias refletem de modo fiel a diversidade de opiniõesno amplo contexto da nossa sociedade. Há textos mostrandoa valorização da cientificidade dos instrumentos e técnicasde avaliação são destacadas como ponto primordial e outrosem que se observa o questionamento sobre a tarefa de avaliar,testemunhos contra e testemunhos a favor. E há, felizmente,autores que demonstram bem quanto o ensino da Psicologia temsido falho na formação do profissional e do cientista nessa áreade atuação, ponto a meu ver primordial – o calcanhar-de-aquilesde toda a questão. Tomando por esse ângulo, o da formação, vê-seque certamente as falhas existentes nas grades curriculares sãodecorrência da forte pressão contrária que se instaurou naPsicologia em oposição à avaliação ou ao uso de testes. Pressãoessa originada seja nas lacunas no desenvolvimento científico,em nosso país, de boa parte dos procedimentos de avaliação,ou calcada em um viés ideológico que considera a avaliaçãopsicológica como prática de exclusão social. Esse viés ideológico,fruto da incompreensão a respeito da verdadeira funçãodo avaliar, impregna vários setores da Psicologia e marcadesfavoravelmente os cursos, principalmente na graduação,onde o espaço para disciplinas relacionadas à avaliação fica cadavez mais restrito. A conseqüência é a formação de profissionaisque utilizam com freqüência avaliações formais ou informais demodo às vezes desastroso, provocando um considerável reforçoaos velhos ataques. O problema da composição dos currículose das cargas horárias dedicadas à avaliação pode ser apontadocomo um dos principais desafios que enfrentam os professoresda área para garantir uma estrutura que viabilize uma formaçãoverdadeiramente capacitante.

De todo modo, transparece pela leitura de Diálogos queos argumentos nem sempre consideram a abrangência ecomplexidade do problema, já que suas vantagens e desvantagensdependem de um universo diversificado de questões que vão doensino de técnicas e teorias, da formação ética, passando pelodesenvolvimento científico da Psicologia como um todo, danatureza do seu objeto, até chegar à visão do papel do psicólogona sociedade e de suas contribuições para o bem-estar das pessoas.

Depreende-se que algumas visões polarizadas não levam emconta que toda intervenção requer um diagnóstico e que tododiagnóstico só se justifica se produzir efeitos que lhe dêmcontinuidade. Os destinos dos resultados dos processos deavaliação dependem de aspectos éticos e ideológicos que nãosão exclusivos do ato de avaliar em si, mas que se encontramna visão que se tem de homem, de sociedade e cultura.

A revista traz também informações importantes aos profissionaisque não têm acompanhado de perto os desenvolvimentosna área. Fornece dados sobre a história da avaliação psicológica,profissionais que influenciaram os destinos da área, novas práticas,aspectos legais da comercialização das técnicas, eventos futurose uma lista de debates na internet – a Avalpsi – que,diferentemente do que foi noticiado, já conta com quase500 participantes e continua em expansão.

A edição de Diálogos chamou a atenção dos seus milharesde leitores. As matérias abrem espaço para um debate ainda maisabrangente e profícuo, pois mostram que há total ausência deunanimidade na área. Felizmente, já que a unanimidade é paralisante.

Anna Elisa de Villemor-Amara é doutora pela UNIFESP/EPM,pós-doutorada pela Universidade de Savoia, na França, e professora

do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UniversidadeSão Francisco e da PUC–SP. Preside a Associação Brasileira

de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo).

■ Sobre a entrevista de Luiz Pasqua-lino último número da DIÁLOGOS,Pierre Weil validou seu teste INVem todos os estados do Brasil e atéentre indígenas. Isso naquelas épo-cas sem militares na Psicologia... Háos magníficos trabalhos da Ana Ma-ria Popovic com seu Rorschach emCrianças (edição Vetor). O CEPApesquisou muitos testes e até invali-dou para o Brasil muitos testes fa-mosos na Europa e nos USA. Na-quelas épocas priscas, não haviacomputador e levamos mais de duassemanas de cálculos estatísticos – 12horas por dia) para invalidar o Gor-don (os dois). Fizemos o primeiroCódigo de Ética dos Psicólogos emque já se falava da validação de tes-tes. Fizemos o texto aprovado peloMinistério da Educação da elabora-ção de laudos psicológicos de sele-ção de pessoal. Fizemos todo o sis-tema de testes psicotécnicos paramotoristas utilizado no Detran deSão Paulo. Ele deveria reverenciaresses pioneiros...

Berje Luis RaphaelianSão Paulo (SP)

■ Ao receber a última revista DIÁ-LO GOS, fiquei muito satisfeita pelotema escolhido, que é muito polêmi-co mas é da nossa área e temos queter domínio sobre ele. Mas ao ler omaterial, fiquei surpresa ao perceberque a área que mais usa testes, que éa de Seleção de Pessoas, novamentenão foi contemplada.

Patricia MeinhartNovo Hamburgo (RS)

■ A revista DIÁLOGOS é uma deminhas preferidas, um material per-tinente e necessário para a reflexão eprática profissinal. No entanto, poralgum motivo que desconheço, nãorecebi o exemplar nº 2 (Direitos Hu-manos - Subjetividade e Inclusão).

Izabel Mª da C. CidadeAlto Piquiri (PR)

■ Em primeiro lugar, gostaria deagradecer à revista Psicologia Ciên-cia e Profissão – DIÁLOGOS pelaabordagem de temas tão importantesem uma profissão que tem um cam-po de atuação tão diversificado, fa-zendo, assim, uma grande diferençana prática do psicólogo. Mais ummotivo para orgulho da profissão: éuma equipe tão competente, além decomprometida com um material tãovalioso. Sou uma psicóloga que, embusca de desafios, saí de São Paulo eestou aqui, no Portal da Amazônia,trabalhando em um programa decombate ao tráfico, abuso e explora-ção sexual de crianças e adolescen-

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Page 7: Revista dialogos 4

5CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

CARTAS PARA O CONSELHO FEDERAL DEPSICOLOGIA (CFP) – STRTV, Quadra 702, Edi-fício Brasília Rádio Center, 4º andar, conjunto4024-A – CEP 70719-900. Esta seção reserva-se ao direito de resumir os textos enviadospara publicação. Serão divulgadas apenas asmensagens que estiverem acompanhadas denome e endereço completos, telefone ou e-mail para contato. Recomenda-se que pedidose sugestões sejam enviados fora do contextodos comentários e informações. As solicitaçõesde natureza não editorial serão encaminhadasaos setores competentes do CFP.

tes – “Programa Sentinela”. Gostariade receber os dois números anterio-res da DIÁLOGOS, e algum outromaterial que por ventura venham adisponibilizar gratuitamente, pois,aqui, ter o conteúdo desta equipe erevista me será de grande valia.

Rejane Maria Ferreira AndradeRorainópolis (RR)

■ Somos da Fundação Universidadedo Contestado. Recebemos e agrade-ce mos o envio da revista DIÁLO-GOS nº 3, e gostaríamos de receberas de nºs 1 e 2. Parabéns pelas publi-cações de trabalhos de alta qualidade.

Maria Inês/RosaneMafra (SC)

■ Gostaria de saber o que precisofazer para receber o nº 1 da revistaDIÁ LOGOS, sobre Psicoterapia.Aproveito a oportunidade para elo-giar as publicações de nºs 2 e 3, estãoexcelentes!

Kelly(SC)

■ Gostaria de parabenizá-los pela re-vista DIÁLOGOS. A avaliação psicólogica é responsabilidade nossa enão pode ficar restrita a “bastidores”.O tema deve ir para a discussão pú-blica, de toda a classe profissional.Sou a “criadora” do Avalpsi e fiqueimuito contente de ver esta lista dediscussão divulgada na revista! Sógostaria de corrigir que não temosmais de 160 profissionais, mas 466!Acabei de verificar no site e temos466 membros + 24 inativos (proble-mas provisórios com envio de e-mail). Isto significa: são 500 profis-sionais dispostos a discutir, a pedirmaterial e a pensar sobre a avaliaçãopsicológica brasileira!

Cristina CoutinhoMarques de Pinho

Araras (SP)

■ Gostaria de parabenizá-los peloformato e os conteúdos da revista.Gostaria de saber se ainda é possívelreceber um exemplar da DIÁLO-GOS nº 1, que trata de Psicoterapia.

AndriaPorto Alegre (RS)

tema da nossa revista neste número é a psicologia e a saúde. Ahistória da psicologia no Brasil tem seguido caminhos que per-passam a saúde desde seus primórdios. Entretanto, o encontrodestas duas áreas do conhecimento humano era restrito ao cam-

po das atuações psicoterapêuticas e da saúde mental. Nos últimosanos, esta relação tem se intensificado e diversificado, principalmen-te depois da reforma sanitária, da ampliação do conceito de saúde edo desenvolvimento, no ambiente da classe de psicólogos, do com-promisso social.

Vários fatores contribuíram para esta evolução e abertura de ques-tões que se colocam hoje como desafio para os psicólogos: a expan-são do conceito de saúde, que sai do modelo biomédico para incor-porar os diversos fatores que interagem para determinar a saúde,enfatizando as influências mútuas entre os contextos biológicos, psi-cológicos e sociais da saúde; aumento da expectativa de vida; surgi-mento de patologias crônicas e de transtornos relacionados ao estilode vida; conseqüências do uso de alta tecnologia na saúde.

As questões que têm sido colocadas são amplas e diversificadas,demonstrando o desenvolvimento da intervenção: a inserção do psi-cólogo na saúde pública, o atendimento ao paciente internado emtratamento intensivo, aos pacientes sem possibilidades terapêuticas esob iminência da morte, o estresse do trabalho que acomete o traba-lhador da saúde, a humanização das relações, a contribuição da psi-cologia para a construção de políticas públicas de saúde ou para agestão de serviços, a incorporação da dimensão subjetiva no atendi-mento odontológico, no atendimento hospitalar, no uso e abuso dedrogas, na prevenção da Aids, a avaliação e contribuição para aformação do psicólogo e de outros profissionais de saúde.

Saúde é, também, um tema de todos na vida cotidiana. As pessoastêm, na saúde, um campo de necessidades e demandas sociais varia-das. Poder estar atentos a elas e respondê-las com nossa competênciaprofissional é tarefa colocada, historicamente, para nossa profissão.

As respostas existentes na psicologia, sua tecnologia e todo supor-te teórico são a riqueza de uma profissão e fontes de muitos temas aserem debatidos. A experiência profissional diversificada tem tidopouca organização, exigindo referências que garantam a qualidadetécnica e o compromisso ético dos serviços prestados em área tãocara a toda a população.

A desigualdade social tem gerado diferentes níveis de acesso deatendimento à saúde e os psicólogos, na medida em que tenham ocompromisso social como um dos lemas da sua intervenção profissi-onal, devem tomar essa questão para o debate.

Por fim, o tema da formação aparece como ponto importante.Sermos capazes de implicar a dimensão subjetiva em todas as ques-tões de saúde tem sido um desafio para o próprio psicólogo em suaintervenção, assim como para os demais profissionais de saúde paraqualificar a interlocução multiprofissional.

Este número da Revista Diálogos Ciência e Profissão tem o objeti-vo de aprofundar e ilustrar diversas vertentes da psicologia na saúde,resgatando um pouco da história da psicologia hospitalar, reconhe-cendo a diversidade do fazer, questionando e apontando questõesrelativas à formação e apresentando contribuições para a prática pro-fissional do psicólogo na saúde seja na prestação de serviços, seja nagestão de serviços.

O espectro é amplo, muita coisa está sendo produzida e merece tervisibilidade. Esperamos oferecer ao leitor uma agradável viagem poralgumas destas questões. Boa leitura!

OS NOVOS PAPÉISDO PSICÓLOGO

Editorial

O

Page 8: Revista dialogos 4

6 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Entrevista SÔNIA FLEURY

psicóloga Sônia Fleury nãocostuma usar meias-palavraspara criticar certa visão daPsicologia de que ao profis-sional recém-saído da uni-

versidade cabe apenas abrir um con-sultório e tratar as neuroses da clas-se média. “É uma visão estereoti-pada e elitista. O sofrimento é vivi-do individualmente, mas a determi-nação do sofrimento é coletiva”,analisa. Desde os anos 70, quandose formou pela Universidade Fede-ral de Minas Gerais e começou atrabalhar na área social, Sônia Fleu-ry milita por uma Psicologia quediscuta sua relação com a socieda-de, as instituições e as políticas pú-blicas de saúde. O contrário, acre-dita, é alienação.

Os caminhos trilhados pela es-tudiosa (mestre em Sociologia edoutora em Ciência Política peloIUPERJ) confirmam sua trajetóriade luta por uma relação entre Psi-cologia e saúde que passe pelatransformação das idéias em açõesconcretas. “A política de saúde de-termina o lugar de tratamento ins-titucional dos problemas sobre osquais o psicólogo vai atuar. As-sim, ele precisa se apropriar desseconhecimento para conquistar maisespaço”, defende, sugerindo mu-

Sônia Fleury propõe que os profissionaisnão se limitem ao atendimento nasclínicas e passem a se envolver emprogramas dirigidos à saúde coletiva

CONSULTÓRIO

A PSICOLOGIA DEVE IRmuito além do

danças nos currículos universitáriose muita propaganda sobre a funçãosocial do psicólogo.

Professora da Escola Brasileira deAdministração Pública e de Empre-sas (Fundação Getúlio Vargas), Sô-nia Fleury é coordenadora do Pro-grama de Estudos sobre a Esfera Pú-blica, integrante do Conselho de De-senvolvimento Econômico e Social eautora de várias pesquisas e análisesinstitucionais sobre saúde e previdên-cia social para organizações no paíse no exterior. “É preciso coragem eimaginação para tentar não fazer amesmice de sempre. Sem desqualifi-car o trabalho nos consultórios, acho

que a Psicologia ainda tem um traba-lho amplo e uma importante contri-buição a dar à sociedade e ao país”.

DIÁLOGOS – De que forma a Psi-cologia contribuiu para o seu tra-balho na área de sanitarismo?Sônia – Formei-me em Psicologia naUFMG e trabalhei como psicólogasocial, ainda em Montes Claros, nosanos 70. Fiz mestrado em Sociolo-gia, no Rio de Janeiro, e doutoradoem Ciência Política, o que denotauma formação não muito típica deum psicólogo. Sempre me interesseipelo lado social da Psicologia, portrabalhar com grupos e instituições,e acabei entrando para a área de saú-de, porque na Psicologia Social lida-se com a questão da representaçãosocial da relação saúde-doença. Ouseja, a forma como a população re-presenta saúde e doença.

DIÁLOGOS – O que facilitou aaproximação?Sônia – O aprendizado na área de Psi-cologia Social, especialmente com re-lação às instituições, me aproximoumuito de várias questões da área desaúde, especialmente a dos hospitaispsiquiátricos. Eles eram vistos comoinstituições totais, que reproduziam cer-tas dinâmicas da sociedade por meio

A

6 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Page 9: Revista dialogos 4

7CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Iniciativas foramfeitas e criaram a

Reforma Psiquiátrica.Antes, a loucura

deveria ficar só noshospitais. A sociedade

não queria vê-la

Hoje, muitosprofissionais de

saúde ainda mantêma visão tradicional deque tudo se trata com

medicamentos eintervenções médicas

de um aparato repressivo e, digamos,pouco terapêutico. Havia toda uma dis-cussão da antipsiquiatria, que passavapela Psicologia Social e trabalhava coma questão das instituições. A aproxi-mação com a saúde veio por meio daprópria Psicologia, considerada nãocomo tratamento individual, clínico,mas como saúde coletiva.

DIÁLOGOS – O que significa saú-de coletiva?Sônia – O conceito surgiu da discus-são sobre quais seriam os determi-nantes do processo de saúde e doen-ça, em meio a uma revisão de con-teúdos, ocorrida nos anos 70 nos De-partamentos de Medicina Intensiva.Por exemplo: o barbeiro, em si, nãoprovoca a doença de Chagas, mas asituação de pobreza que leva a pes-soa a viver em determinadas condi-ções a torna suscetível ao contato como barbeiro. Começamos a mostrarque, além das bactérias da água e detodos os agentes do processo saúde/doença, considerados pela saúde pú-blica tradicional, soma-se o determi-nismo de um contexto socioeconô-mico. Não se quer negar a existênciadas bactérias e agentes, mas por queas pessoas ricas não se contaminamcom eles? Porque vivem em outrocontexto. A discussão sobre a saúdecomo um processo social e coletivoleva ao surgimento dessa noção desaúde coletiva, muito ligado à causasocial do processo saúde/doença.

DIÁLOGOS – Qual a participaçãoda Psicologia nesse novo contexto?Sônia – Além da abordagem a par-tir da perspectiva institucional, vistado lado da Psicologia Social ou dasrepresentações sociais, houve tam-bém uma discussão em relação à clí-nica, com a humanização dos trata-mentos na área psiquiátrica e umamudança da visão da figura do lou-co, que deixou de ser visto comoaquele que deveria estar preso e tra-tado como uma manifestação singu-lar de sofrimento, mas não necessa-riamente com processos químicos oucom encarceramento.

DIÁLOGOS – A Psicologia ajudoua mudar as técnicas de tratamento?Sônia – A Psicologia teve uma im-portante contribuição no conjunto detécnicas de tratamento, desde terapiasocupacionais até sócio e psicodramas.Uma série de coisas foram feitas nasinstituições e ajudaram na constru-ção do que hoje se chama de Refor-ma Psiquiátrica no Brasil, trabalhoinfluenciado pela Reforma Psiquiá-trica da Itália, cujo impacto foi mui-to forte aqui. Isso ocorreu em parale-

lo à Reforma Sanitária e teve grandeinfluência no projeto de “desospitali-zação” da loucura, que culminou naredução das internações hospitalarese na criação de outros formatos detratamento. Antes, a loucura deveriaser circunscrita aos hospitais, deve-ria estar presa, porque a sociedadenão queria ver.

DIÁLOGOS – O que falta consoli-dar no campo interdisciplinar dasaúde?Sônia – Com a criação do SUS (par-te do processo da Reforma Sanitária)

houve a universalização da saúde, queantes não era um direito constitucio-nal. A mudança abriu espaço para queos psicólogos pudessem cada vezmais se inserir no sistema, mas aindase discute sua participação nas equi-pes de saúde da família. Então, faltaconsolidar isso. Na medida em que

se começa a perceber que os grandesfatores de morbi-mortalidade na so-ciedade atual, nas metrópoles, estãoligados ao modo de vida, há um enor-me campo para o psicólogo que tra-balha com essa dimensão. Por que aspessoas morrem hoje ou ficam en-fermas? Basicamente por questões li-gadas à violência. Cada vez mais aviolência, o consumo de drogas e deálcool são problemas comportamen-tais ligados a uma dada tensão da so-ciedade, que não podem ser tratadosexclusivamente do ponto de vista mé-dico, mas a partir de uma série de

perspectivas interdisciplinares emque a Psicologia tem uma grandecontribuição a dar.

DIÁLOGOS – E o tratamento dedoenças crônicas degenerativas?Sônia – Essa é outra importantecausa de morbi-mortalidade. Como envelhecimento da população,aumenta cada vez mais o númerode idosos com limitações físicas,seja por problemas de locomoção,como as causadas pela osteopo-rose ou pelas ocasionadas por tu-mores. São sofrimentos muitograndes, crônicos, com os quaisas pessoas precisam convivermuitos anos, e que representamuma enorme transformação na suacapacidade de se relacionar como mundo. Isso requer um suportepsicológico, pois essas pessoastendem a gerar quadros depressi-vos e limitações no relacionamen-to social. Já um indivíduo que re-cebe um diagnóstico de câncer re-quer um tipo de apoio para atra-vessar o problema e até melhoraros resultados do tratamento. Por-tanto, há cada vez mais necessi-dade de o psicólogo se engajarnos tratamentos.

DIÁLOGOS – Esse espaço nãoestá consolidado?Sônia – Acho que não. Sei queos tratamentos no Instituto Nacio-nal do Câncer (INCA), do Rio deJaneiro, têm apoio de assistentesocial e de psicólogo. Mas nãosei se outras unidades sanitárias,que lidam com um profundo so-frimento, uma profunda perda, sãosensíveis a essa necessidade. Mui-tos profissionais da área de saúdee dirigentes hospitalares aindamantêm a visão tradicional de quetudo se trata com medicamentose intervenções médicas, quando oser humano é muito mais com-plexo. Há situações que envolvema disposição afetiva e emocionalda pessoa, e o apoio psicológicopode ter um forte impacto, inclu-sive, no resultado dos tratamen-tos médicos.

DIÁLOGOS – Como mudar oquadro atual na saúde pública?Sônia – A Psicologia deveria seapropriar mais da discussão sobrea saúde coletiva. Entender o que éa saúde coletiva, o funcionamentoe a própria política nacional desaúde e compreender o funciona-mento do Sistema Único de Saú-de. Essas matérias, dos cursos deSaúde Pública, não estão nos cur-sos de Psicologia. Forma-se um

7CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

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Entrevista SÔNIA FLEURY

A Psicologia tem umavisão individualistada saúde. É preciso

mudar a idéia de queela deveria limitar

sua ação aosconsultórios

O Brasil avançou naluta antimanicomialmais do que outros

países. É um exemplotanto nesse assuntoquanto na Reforma

Sanitária

Entrevista SÔNIA FLEURY

profissional para trabalhar na áreade saúde, mas ele não sabe nadasobre o sistema de saúde, qual aconcepção que o orienta. Acho quea própria formação do psicólogodeveria ser mudada.

DIÁLOGOS – Em geral, quandose pensa em Psicologia, surge aimagem do consultório de psico-terapia...Sônia – Trata-se de uma visãomuito elitista da Psicologia e,além de tudo, muito individualis-ta, pois supõe que as questões se-jam individuais. O sofrimento évivido individualmente, mas a de-terminação do sofrimento, mui-tas vezes, é coletiva. É precisodiscutir a Psicologia do ponto devista de sua relação com a socie-dade, com as instituições e as po-líticas da sociedade. A política desaúde determina o lugar de trata-mento institucional dos proble-mas de saúde onde o psicólogovai atuar. E ele precisa se apro-priar desse conhecimento paraconquistar mais espaço, caso con-trário fica alheio a tudo.

DIÁLOGOS – Seria necessáriofazer mudanças nos currículosuniversitários?Sônia – Sim, na Psicologia e naMedicina. Não se pode mais for-mar um médico que sabe tudo so-bre como funciona o organismo deuma pessoa, mas desconhece o fun-cionamento, as concepções, as jus-tificativas da criação do SistemaÚnico de Saúde na qual ele vaitrabalhar. As doenças devem seratacadas dentro de um sistema po-lítico institucional porque o trata-mento dependerá dele.

DIÁLOGOS – Quais os proble-mas no relacionamento Psicolo-gia e Saúde?Sônia – Entre os principais estájustamente o fato de que a Psico-logia ainda tem uma visão indivi-dualista das questões de saúde. Aperspectiva geral é de que o má-ximo para um psicólogo é abrirum consultório e receber a classemédia para tratar de neurose. Essaé uma visão estereotipada da Psi-cologia, que deveria ser alteradaaté dentro da sociedade, pois a Psi-cologia tem muito mais a contri-buir do que isso.

DIÁLOGOS – Como a Psicolo-gia pode contribuir socialmente?Sônia – Por exemplo, ela temtodo um trabalho a fazer em ins-tituições com crianças com pro-

blemas de aprendizagem, que aten-dem deficientes, instituições hospi-talares. Mas ela mesma está aindacontaminada da visão que passa paraa sociedade, de que o psicólogo seforma para tratar da neurose da ma-dame que tem dinheiro para o aten-dimento num consultório superchi-que. Não é essa a perspectiva para onosso país. É fundamental o traba-lho de consultório, tratar de neuro-ses é importante também, porém éuma limitação achar que a Psicolo-gia é só isso. É preciso ampliar avisão, discutindo os porquês e suge-

rindo mudanças para que a Psicolo-gia passe a se inserir mais nas are-nas públicas de políticas da constru-ção do Sistema Único de Saúde.

DIÁLOGOS – Por que isso aindanão aconteceu?Sônia – Os processos de transforma-

ção são longos e demorados. Muitascoisas ocorreram a partir da reforma,da luta antimanicomial. Há um tra-balho grande dos psicólogos inseri-dos em unidades locais de saúde ex-tremamente importantes. Mas talveza sociedade ainda não tenha percebi-do isso e a Psicologia não tenha con-seguido mostrar à sociedade a impor-tância da atuação vinculada às insti-tuições. É preciso um pouco de ma-rketing. E falta uma atuação mais po-lítica dos psicólogos como grupo or-ganizado, como atores políticos na dis-cussão do Sistema Único de Saúde.

DIÁLOGOS – Como é a relação daPsicologia com a saúde na AméricaLatina? O Brasil precisa avançar?Sônia – O Brasil avançou muito naluta antimanicomial, mais do que ou-tros países da América Latina. É umexemplo tanto na Reforma Sanitáriaquanto na luta antimanicomial. Nestesentido, temos sido procurados poraqueles que buscam aprender um pou-co com as novidades que consegui-mos. Apesar de um contexto interna-cional desfavorável (todo o mundoquerendo reduzir o Estado ao mínimoe cada pessoa comprando seu seguro-saúde), conseguimos construir um sis-tema que, apesar de inúmeros proble-mas, abriu, pela primeira vez, a possi-bilidade de as pessoas terem acessouniversal à saúde.

DIÁLOGOS – O sistema único exis-te nos demais países latinos?Sônia – A maioria não passou poresse processo. Somente Costa Rica eCuba têm um sistema único e univer-sal de saúde, e os resultados são me-lhores do que os do Brasil. Eles sãoanteriores. O caso da Argentina cha-ma muito a atenção pela generaliza-ção da Psicanálise e a grande influên-cia disso nas áreas cultural, educacio-nal e da própria saúde. Houve umatroca muito grande entre os brasilei-ros e os argentinos. Poderia citar, ain-da, a experiência de Bogotá, cujo pre-feito iniciou no final dos anos 90 umtrabalho de reconstrução do imaginá-rio coletivo da cidade, promovendointervenções sobre componentes cívi-cos, que tiveram um impacto enorme:Bogotá conseguiu reduzir a mortali-dade por causas externas, por violên-cia, drasticamente. É considerado umexemplo no mundo.

DIÁLOGOS – Como foi a experiên-cia de Bogotá?Sônia – Para ficar apenas no uso daPsicologia vou citar o evento “A Noi-te das Mulheres”, que ocorria todo anono dia 8 de março: a prefeitura pediaque as mulheres saíssem às ruas, en-quanto os homens permaneceriam emcasa. Ou seja, criava um sociodrama,usando um instrumento da Psicologia.Depois discutiam e analisavam, emcada bairro, em cada instituição, o quehavia acontecido de diferente, se asmulheres usam o espaço público dife-rentemente dos homens, se havia me-nos mortes e menos agressões, se asmulheres de classe pobre se compor-tavam da mesma forma que as dasclasses média e alta.

DIÁLOGOS – Os comportamentosmudavam de acordo com as classessociais?

8 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

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Artigo

Há mais de 13 anos investi-mos em uma idéia simples e degrande poder transformador.Acreditamos que o protagonismoinfanto-juvenil seja essencial àconquista da cidadania, que so-mente se consolida numa cons-trução cotidiana, profundamentecomprometida com os princípiosdo Estatuto da Criança e do Ado-lescente. Temos a convicção deque as crianças em rota de exclu-são social precisam de espaçosonde possam reafirmar seus talen-tos e aptidões, de modo a toma-rem nas próprias mãos a constru-ção de seus destinos e a se capa-citarem para pôr em prática osseus projetos individuais. Para rea-lizarmos essa idéia não precisa-mos de grandes estruturas ou deum contingente operacionaloneroso e complexo. Aocontrário, trabalhamosem pequenos núcle-os espalhados pe-los bairros, emespaços anexosa igrejas, cen-tros culturais,moradias demonitores, en-fim, espaçosdisponibiliza-dos pela própriapopulação. Nossosmonitores são mora-dores das comunidadesonde atuamos. Nelas, eles são se-lecionados por suas qualificaçõespara lidar com crianças e adoles-centes e por deterem habilitaçõesprofissionais específicas.

O público-alvo que atendemosé formado por crianças em rotade exclusão social – crianças en-caminhadas por suas escolas oufamiliares às equipes de saúdemental dos centros de saúde. Emgeral são crianças levadas à saúdemental por se tornarem refratáriasàs escolas. Meninos e meninas pe-jorativamente denominados de‘crianças-problema’. Recentemen-te fomos chamados a ampliar nos-sas vagas para atendimento dascrianças abrigadas e das integran-

tes do PETI (Programa de Erradi-cação do Trabalho Infantil).

O projeto Arte da Saúde é es-sencialmente um processo de re-conquista da auto-estima por meiodas descobertas dos talentos e ap-tidões. É a busca do exercício dacidadania, que se fundamenta noexercício do direito de expressãona perspectiva de que o predicarseja, também, uma forma de cons-trução da subjetividade e uma to-mada de posição no mundo. Oprojeto visa, assim, a construçãoda cidadania pelo fortalecimentodo protagonismo infanto-juvenil.Atualmente mantemos seis ofici-nas espalhadas por vários bairrosda região leste de Belo Horizonte.

Atendemos criançasdos bairros Taqua-ril, Alto Vera Cruz,Santa Inês, Granjade Frutas e Vera

Cruz. Somos umapequena ini-ciativa em umu n i v e r s oimenso de cri-anças ávidaspor algumachance, por

uma sorte queas desvie da ro-

tina desumana defalta de assistência,

da carência mais ab-soluta, do tráfico de

drogas tão presente e organizado.O Projeto Arte da Saúde cons-

titui uma prática intersetorial deiniciativa das Secretarias Munici-pais de Saúde e de Assistência So-cial de Belo Horizonte. Mantémparcerias com a Cáritas Brasilei-ra, Regional Minas Gerais, e o Fó-rum Mineiro de Saúde Mental.Atualmente, se constitui numa po-lítica pública da Regional Leste,tendo sido indicado nas últimasConferências dos Direitos da Cri-ança e do Adolescente e Confe-rências da Saúde Mental comoprática a ser ampliada para todasas regionais da cidade.

Rosalina Martins Teixeira, coordenadora eidealizadora do projeto

Cidadania com arte

As crianças em rotas de exclusão socialprecisam de espaços para

reafirmar seus talentos e aptidões

Por ROSALINA MARTINS TEIXEIRA

Sônia – As mulheres pobres iampara a rua, avós dançavam com ne-tas e as mulheres ricas se compor-tavam um pouco como homens,iam aos bares beber. A partir des-sas e outras informações, a prefei-tura discutia como a questão de gê-nero impacta no uso do espaço pú-blico. Mudou o prefeito, mas mui-tas coisas foram incorporadas,como a presença dos agentes cívi-cos, meninos de periferia educadospara discutir com a população, porexemplo, sobre o uso do cinto desegurança ou da obediência aos si-nais de trânsito e alertar dos riscosde quem desobedece regras. São for-mas de educar a população paracomponentes cívicos do uso do es-paço urbano. Isso tudo teve um im-pacto fenomenal na saúde pública.Num país em plena guerra civil, hojese morre menos em Bogotá por vio-lência do que em Belo Horizonte.

DIÁLOGOS – Há troca de infor-mações entre os profissionais lati-no-americanos?Sônia - Na verdade, cada vez maisos países estão criando formas dese organizar e trocar experiências econhecimentos, o que proporcionouum intercâmbio maior. Já existeminstituições voltadas para essa tro-ca de experiências, como a Associ-ação Latino-Americana de Medici-na Social (Alames). No próximoano haverá um encontro internacio-nal de saúde pública no Brasil, eeste será um momento importantede reflexão e troca coletiva.

DIÁLOGOS – Haveria espaçopara uma experiência como a deBogotá no Brasil?Sônia – É preciso coragem e ima-ginação suficiente para tentar nãofazer a mesmice de sempre.

DIÁLOGOS - O que esperar daligação entre Psicologia e saúde?Sônia – A relação entre Psicologiae a saúde passa pela política, portransformar a discussão, as idéias,em políticas públicas. Não é ape-nas uma relação entre as discipli-nas. Discutir Psicologia e saúdecomo uma relação disciplinar, comoconhecimento, é uma coisa, masacho que o debate deve passar tam-bém pela construção de políticaspara a aplicação. Por isso, os psi-cólogos deveriam ter mais em con-ta o espaço da política. Construiresse espaço. A Psicologia deveriapreparar políticas públicas que le-vassem em conta, em suas inter-venções, os sofrimentos coletivose individuais.

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Interlocutor do paciente, psicólogoque atua na UTI também faz a triangulaçãocom a família e a equipe muldisciplinar

UM ELOUM ELOESSENCIALESSENCIAL

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UTI

a ampla Unidade de TerapiaIntensiva (UTI) de um hospi-tal de Cleveland, nos EstadosUnidos, todos os leitos esta-vam voltados para a janela de

parede inteira, com vista para copasde árvores. Só um leito estava em sen-tido contrário. Era ocupado por umpaciente que, anos antes, ti-nha sido piloto durante aguerra do Vietnã. Neste pa-ciente, a visão das árvores,de cima, provocava muitaagitação. “Ele tinha a im-pressão de estar sobrevoan-do de novo o Vietnã, parajogar bombas”, conta a psi-cóloga Bellkiss Romano, so-bre uma de suas primeirasexperiências em Unidade deTerapia Intensiva, durantevisita ao hospital americano,em meados da década de 80.Uma das pioneiras em Psi-cologia Hospitalar no Brasile diretora do Serviço de Psi-

cologia do Instituto do Coração (In-Cor), em São Paulo, desde a sua cri-ação, em 1974, Bellkiss lembra o re-curso adotado pelos profissionaisamericanos para tranqüilizar o pilotoao definir o papel do psicólogo emuma UTI. “Lidar com as emoções,tendo como referência o paciente”,diz. “O ambiente da UTI, por si só, éfacilitador do surgimento de quadrospsico-patológicos, a começar pela ar-quitetura.”

Numa UTI tradicional, sem janelasnem luz natural, até mesmo o pacien-te consciente tende a perderreferências fundamentais para seuequilíbrio. Em pouco tempo, ele ficasem saber se é dia ou noite, se faz frioou calor. Aliada a essa sensação estáa ansiedade sobre o próprio estado desaúde, a alteração do sono devido aosprocedimentos médicos, os ruídosconstantes dos equipamentos hospita-lares, a movimentação da equipe desaúde, os gemidos e a visão dos ou-tros pacientes. “O paciente fica deso-rientado no tempo e no espaço, numconfinamento que pode levar inclusi-ve a alucinações”, afirma Bellkiss.Esse quadro se chama síndrome deUTI. Para amenizar o problema, osarquitetos já começaram a fazer a suaparte, colocando relógios nas acomo-dações e construindo unidades com ja-nelas, ou seja, com vínculos com omundo externo.

Aos psicólogos, por sua vez, cabeadotar o que Bellkiss chama de “prá-ticas terapêuticas”, sem nenhum pre-fixo “psico”, mas extremamente efi-cazes no combate à síndrome. Umadelas é orientar a equipe a dar sem-pre bom-dia, boa-tarde ou boa-noiteaos pacientes; fazer comentários so-bre o dia da semana, levar informa-ções sobre o tempo, sobre o que estáacontecendo além das quatro pare-des da unidade. As medidas indivi-dualizadas vão depender, é claro, daobservação do psicólogo. Para quemperde toda a capacidade de interven-

ção no ambiente a seu redor – numaunidade intensiva, o paciente não de-cide nem a hora do próprio banho –,ficar meia hora por dia com a camalevantada, por exemplo, pode sermuito gratificante. “O psicólogo é ointerlocutor do paciente. Quando secoloca no lugar dele, descobre suasnecessidades e, assim, pode atuar”,afirma Bellkiss, que comanda a equi-pe de 30 psicólogos do InCor. Dezdeles são aprimorandos, ou seja, es-tão fazendo sua especialização pro-fissional em regime similar ao da re-sidência médica.

Junto à equipe multidisciplinar umdos aspectos fundamentais da atua-ção do psicólogo é reconhecer e diag-nosticar as manifestações comporta-mentais decorrentes de patologias or-gânicas. Há cinco anos no HospitalIsraelita Albert Einstein, em SãoPaulo, a psicóloga Ana Lucia Mar-tins da Silva ressalta que uma gran-de quantidade de quadros – comoinfecções, encefalopatias, distúrbiosmetabólicos e insuficiência renal –pode desencadear manifestações queparecem, mas não são, mentais.“Muitas vezes o paciente está comum delírio de fundo orgânico e, se opsicólogo não fizer prontamente odiagnóstico diferencial, toda a inter-venção pode ficar desacreditada”,afirma Ana Lucia. Como Bellkiss,Ana Lucia constatou na prática quedeterminados manejos no ambientepodem reduzir ou até evitar proble-mas nos pacientes. No hospital ondetrabalha, as UTIs contam com ilu-minação natural, o que ajuda o pa-ciente a preservar a orientação notempo e no espaço. Uma reforma,cujo término está previsto para me-ados do próximo ano, deixará umadas unidades com blocos individu-ais, em vez de leitos separados porbiombos. “Isso reflete uma mudan-ça de cultura, cujo critério é o bene-fício para o paciente”, explica AnaLúcia. “Além de ganhar maior priva-

cidade, ele poderá passara noite acompanhado deum familiar”, adianta.

O apoio à família é ou-tro vértice importante datriangulação feita pelo pro-fissional de Psicologia nasunidades de terapia inten-siva. “Como a imagem deuma UTI está, inicialmen-te, associada a um momen-to limite, é preciso auxiliara família a reconhecer a si-tuação real”, pondera AnaLucia. “Trata-se de mobili-zar recursos internos e so-ciais, de forma que osmembros dessa família pos-Bellkiss: na UTI perde-se a noção de tempo e espaço

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12 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

sam se reorganizar para dar conta dasituação”, explica. A vida não pára,mas, num primeiro instante fica emsuspense. Embora a internação na UTInão seja mais vista como uma espéciede sentença de morte, tanto o pacien-te quanto seus familiares e amigos sa-bem que o momento é grave. A situa-ção fica ainda mais complicada quan-do existe um vínculo de dependênciafinanceira ou emocional com o paci-ente. “Em geral, quando a pessoa in-ternada é o chefe da família no senti-do de provedor, a tendência é de umdesequilíbrio maior, mas o mesmo fe-nômeno ocorre quandoo paciente é aquele quemantém os vínculosfamiliares”, observa apsicóloga do AlbertEinstein.

Com 19 anos deprofissão, os últimossete trabalhando naUTI do Hospital Por-tuguês, no Recife, apsicóloga Luciene Car-neiro Leão tambémlida no dia-a-dia coma ansiedade, a angústiae os medos do pacien-te e de sua família.“Trabalho muito nosentido de desmistifi-car o ambiente da UTI,a idéia da morte”, dizLuciene. Em algumassituações, no entanto,não há como escaparda realidade da perda.Um dos casos que maismarcaram a psicóloganos últimos tempos foio de uma paciente de41 anos, mãe de três fi-lhos pequenos, que foifazer um exame, entrouem choque anafiláticoe acabou sofrendomorte encefálica. “Elajá chegou em comaprofundo, mas o painão tinha coragem decontar para os filhos”,recorda Luciene. “Emmomentos como esse,o psicólogo precisaajudar a família a su-perar o problema, as-sim como ele é funda-mental na intermedia-ção da família com aequipe médica, atémesmo para esclarecera situação do paciente,usando uma linguagemmenos técnica”, relata.Há casos nos quais osmédicos esclarecem de

forma bastante acessível o quadro dopaciente e as intervenções que estãosendo realizadas, mas o impacto emo-cional da internação é tamanho que acapacidade de compreensão da famí-lia fica comprometida.

No contato com o doente, às vezesé preciso lançar mão da criatividade.“Aprendi a fazer leitura labial na prá-tica”, conta Luciene. “O fundamentalé escutar verdadeiramente o pacien-te”, defende. A ponderação parecesem sentido quando se lembra que,numa unidade intensiva, podem estarinternadas pessoas inconscientes ou

entubadas. No primeiro caso, o psi-cólogo atua mais diretamente com afamília, em especial preparando-apara se tornar parceira do tratamen-to. Quando o paciente não consegueverbalizar, mas tem movimentaçãonos braços, a escrita é uma das alter-nativas mais utilizadas para captarsuas demandas e, na medida do pos-sível, resolvê-las. Como resultado, ospsicólogos envolvidos com o cotidi-ano de unidades intensivas recebemcada vez mais retornos positivosquanto a sua atuação. Luciene, quetem entre seus méritos a implantação

do serviço no HospitalPortuguês, conta que oprocesso de conquistade espaço junto à equi-pe de médicos e enfer-meiros foi tranqüilo. “E,à medida que os resul-tados começaram a apa-recer, a demanda peloatendimento aumentou”,diz.

A observação de Lu-ciene encontra eco nasUTIs pediátrica e neo-natal do mesmo hospi-tal onde trabalha a psi-cóloga Cynthia Chagas.“A receptividade é gran-de por parte dos outrosprofissionais da saúde,que valorizam muito apresença do psicólogona equipe”, afirma Cyn-thia. Ela já trabalhavahá oito anos na institui-ção quando, dois anosatrás, passou a se dedi-car exclusivamente àsduas unidades intensi-vas destinadas a crian-ças. Na unidade neona-tal constatou que, naprática, pode se trans-formar em suporte paraos pais. A ida de umbebê para uma UTI re-presenta, num primeiromomento, o desmoro-namento dos planos esonhos do casal. “Tudoo que eles imaginavamfica diferente”, afirmaCynthia. “A alimenta-ção é por sonda, o to-que através da incuba-dora. Muitas vezes, ofato de não poder ama-mentar gera na mãe asensação de que ela nãoestá fazendo nada pelofilho”, conta. Nessasocasiões, uma das prin-cipais metas do psicólo-go é ajudar os pais a

UTI

Como base, umaespecialização intensiva

Já se foi o tempo no qual, ao terminar afaculdade, o psicólogo estava preparadopara assumir todas as funções apresenta-das pela sociedade. Com a crescente diver-sidade do campo de atuação, cada vez maisse requer preparo e especialização, em es-pecial quando se trata de integrar equipesmultidisciplinares e prestar atendimento emsituações de emergência. “O intensivismo éuma especialidade voltada para o cuidadoda pessoa em estado crítico, de forma inin-terrupta, por uma equipe de profissionais desaúde com treinamento e competências específicas”, defineAna Maria Pueyo Blasco de Magalhães, presidente do Depar-tamento de Psicologia Aplicada à Medicina Intensiva da Asso-ciação Brasileira de Medicina Intensivista Brasileira (AMIB).

Entre os profissionais que conquistaram espaço na espe-cialização está a psicóloga Lilian Almeida Couto Viana, queimplantou e comanda o serviço de Psicologia do HospitalVila da Serra, na cidade mineira de Nova Lima. “Na faculda-de, todos são treinados para trabalhar em consultório”, dizLilian. “Na urgência, as coisas borbulham, muitas culpassurgem e o psicólogo está onde a crise acontece”, explica.Como os demais profissionais acostumados a enfrentar adura rotina de uma UTI, Lilian defende que, para trabalharem equipes intensivistas, todo psicólogo passe por umaformação específica. “Um curso que invista na teoria, mas,principalmente, na prática. E a prática se aprende dentro do

hospital, ao lado dosupervisor”, acredi-ta. A psicóloga, quecoordena o Departa-mento de Psicologiada Sociedade Minei-ra de Terapia Inten-siva, fala de cátedra.Entre os muitos cur-sos de aprimora-mento que fez estáa conceituada espe-cialização em Psico-logia Clínica Hospi-talar aplicada à car-diologia, do InCor,em São Paulo.

Ana Maria:trabalhoexigetreinamento

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13CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

manter o vínculo com a criança, ape-sar das adversidades.

Nem sempre os pais conseguemencarar o problema que têm pelafrente. “Há casos em que a mãe des-compensa”, observa Cynthia. “Quan-do isso ocorre, é preciso encontraroutro familiar que assuma o seu lu-gar”, diz. A psicóloga relata que aparticipação dos pais no processo deconvalescência do filho também éum aspecto sempre levado em contana UTI pediátrica. Mesmo aquelesque jamais pisaram em um hospitalpodem ajudar em diversas situações,entre elas na identificação do estadode espírito do filho e na execuçãode atividades rotineiras. “Quando acriança está na unidade de terapia,os cuidados com ela são delegadosà equipe de profissionais da institui-ção”, diz Cynthia. “Se os pais aju-dam a equipe, dentro do possível decada quadro, como dar a alimenta-ção, o benefício é duplo. De umlado, a criança fica melhor, pois elessão as pessoas nas quais ela maisconfiança. De outro, ospais se sentem recon-fortados, por estaremfazendo algo pelo fi-lho”, explica. Eviden-temente, em determina-dos momentos a psicó-loga não recomenda apresença deles na uni-dade durante procedi-mentos mais dolorosos.

É nesse ambiente re-pleto de dor, medo eangústia que os psicó-logos vêm marcandopresença, não apenascom o desafio de hu-manizá-lo, mas tam-bém como coadjuvan-tes fundamentais doprocesso de tratamento. Expostosdiariamente a uma intensa sobrecar-ga emocional, os especialistas nãotêm dúvidas quanto aos pré-requisi-tos para desempenhar suas ativida-des dentro de uma UTI: formaçãoespecializada e constante trabalhopessoal. “O psicólogo está tão vul-nerável à síndrome de Burnout quan-to qualquer outro membro da equi-pe multidisciplinar”, afirma a psicó-loga Ana Lúcia Martins da Silva, re-ferindo-se à manifestação provoca-da pelo estresse da exposição pro-longada ao sofrimento e, mais espe-cificamente, ao contato humano (leiamais à pág 50). Em contrapartida,há a gratificação de ver muitos pa-cientes saírem de lá recuperados paraa vida, com o apoio de uma famíliaque se reorganizou e ficou emocio-nalmente mais forte.

Livro

Quando a vidacomeça diferente

esta coletânea, a experiênciade ter um filho recém-nasci-do internado na UTI é abor-dada em várias dimensões.

Seu objetivo é ser uma ferramentapara pais e familiares que enfren-tam essa dramática situação. Ostextos foram escritos em linguagemclara para serem compreendidospelos usuários dos serviços de saú-de. Certamente ajudarão os pais aentenderem melhor o funciona-mento desse mundo inusitado deaparelhos, silêncios e jalecos bran-cos onde se vêem subitamente in-troduzidos. Além da participação

dos especialistas, as organizadorasinseriram testemunhos de pais e fa-miliares que passaram por essa ex-periência e compartilham suas per-cepções. Muitas vezes, os relatosadquirem o tom de desabafo tal é asinceridade neles contida.

O livro proporciona uma visãocompleta do atendimento na UTI.Os capítulos iniciais discutem osriscos gestatórios, as implicaçõesde alguns exames e os cuidados du-rante o período pré-natal. Em se-guida, são apresentadas as situaçõesque envolvem um nascimento di-ferente e por que a criança nessascondições pode necessitar de cui-dados intensivos. Fornece ainda umglossário dos termos mais usados.Coerentemente com o projeto derepartir informações com o usuá-rio, o volume explica as funções e

qualificações dos profissionais dasaúde presentes nesse cenário, taiscomo enfermeiros, auxiliares de en-fermagem, médicos e fisioterapeu-tas. E mostra em detalhes a rotinade um bebê nesse tipo de UTI.

Com grande sensibilidade, as re-lações familiares também são ava-liadas. Descrevem-se as formas deinteração com o bebê, suas com-petências e potencialidades para fa-cilitar a construção de sua subjeti-vidade. Outro tema delicado são ossinais depressivos nos pais durantea internação do bebê. Fala-se tam-bém da importância da família am-

pliada. Seu papel paraconstrução de vínculosem tramas transgeracio-nais é analisado e exem-plificado na narrativa deum avô. Nesta parte,discute-se de que modoa família pode se orga-nizar e atender melhoràs demais crianças.

Por fim, o livro reú-ne as informações sobreos direitos e conquistasdos pais e das criançasque têm um nascimentodiferente. O artigo es-clarece, por exemplo,dúvidas das mães em re-lação ao aleitamento noperíodo da internação.

Outro aspecto trabalhado é a mor-te. Fala-se da extensão da dor, dasaudade, da tristeza e da existênciade um tempo de cunho mais subje-tivo na expressão desses sentimen-tos. As diversas formas de elabo-ração da perda são apontadas. Denada adianta, por exemplo, tentardiminuí-la por meio de artifícioscomo desmontar imediatamente oquarto do bebê. Pela seleção de te-mas, o livro se constitui um instru-mento valioso para apoiar pais, fa-miliares e aqueles que se relacio-nam com a internação de um bebêde alto risco em unidade de terapiaintensiva. Por isso, sua leitura tam-bém é obrigatória para o psicólo-go que deseja trabalhar em umaUTI neonatal ou em Obstetrícia. In-clusive, tem a participação de umapsicóloga na sua organização.

Organizadores: Denise Streit Morsch,Maria Elizabeth Lopes Moreira e Nina de

Almeida Braga (Editora Fiocruz, 2003)

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14 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Ensino

FORMAÇÃO DEFASdiscussão sobre a formação pro-fissional do psicólogo no Bra-sil tem despertado polêmicadesde que o conceito do pro-cesso saúde/doença passou a ser

visto como o resultado de um com-plexo processo que deve levar em con-ta o contexto socioeconômico. O psi-cólogo pode se manter alheio a ques-tões ligadas ao sistema de saúde doPaís? O sistema de saúde pode excluiro psicólogo das equipes hospitalares?Qual a função do psicólogo nessasequipes? O psicólogo está preparadopara integrar o sistema de saúde e

As faculdades ainda não preparam profissionaisde saúde para atuar de maneira mais abrangente

acrescentar qualidade ao atendimen-to? E os demais profissionais de saú-de, aceitam e entendem a importânciado papel do psicólogo nos tratamen-tos? Muitas perguntas têm sido levan-tadas dentro dos departamentos de Psi-cologia de algumas universidades bra-sileiras e em instituições ligadas ao en-sino. As professoras Odete Pinheiro,da Universidade de São Paulo (USP),Eliane Seidl, da Universidade de Bra-sília (UnB), e Rosa Spinelli, da Asso-ciação Brasileira de Medicina Psicos-somática, são unânimes na resposta: aformação dos profissionais de saúde,

não só dos psicólogos, ainda é falha.Para entender as razões da afirma-

ção é preciso olhar para trás. A preo-cupação em trabalhar com uma visãomais ampla da doença chegou ao Bra-sil ainda nos anos 50, com a MedicinaPsicossomática. Esta área de estudo jápostulava a idéia de que o profissionalda saúde deveria adquirir conhecimen-tos para interagir em um processo bio-psicossocial. Porém, a idéia provocouresistências desde o início, principal-mente no que se refere ao reconheci-mento do psicólogo. “Esse reconheci-mento como um profissional importan-

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15CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

ASADADESCOMPASSO Jovens

precisam aprender atrabalhar em equipes

multidisciplinares

Mas algumas iniciativas apontamcom mudanças. Há oito anos, porexemplo, o Instituto de Psicologia daUnB oferece a disciplina Psicologia daSaúde aos alunos do departamento edas faculdades de Medicina, Odonto-logia, Nutrição e Enfermagem, na quala disciplina será obrigatória. Tambémno curso são discutidos os aspectos psi-cológicos da dor. O objetivo é ampliaro conceito de tratamento e mostrar queo homem é um ser com diferentes di-mensões que precisam ser atendidas.Além das atividades em classe, ElianeSeidl trabalha com pacientes com HIV/Aids. Trata-se de um fruto de um pro-jeto de extensão universitária desenvol-vido no Hospital Universitário de Bra-sília (HUB) de atendimento a soropo-sitivos com ações de assistência, pre-venção e capacita-ção de profissio-nais de saúde. Deacordo com a es-pecialista, os resul-tados são animado-res. “Os alunosampliam bastante avisão que têm doindivíduo. Come-çam a entenderque a saúde/doen-ça não é só umadeterminação bio-lógica, fisiológica,mas que possui as-pectos psicológi-cos, sociais, socioculturais, socioeco-nômicos. Eles têm de entender a pes-soa em um contexto de qualidade devida”, explica.

Porém, na opinião de Eliane, o mé-dico não entende todas essas dimen-sões, e a única maneira de aprender éabrir-se para novos conhecimentos. Noentanto, até mesmo os cursos de Psi-cologia reforçam o modelo da clínica,sem pensar num panorama mais ge-ral. “Aqui na UnB a realidade é dife-rente das outras universidades, masmesmo assim os futuros médicos ain-da não freqüentam muito o curso emfunção da carga horária excessiva etambém por uma questão de cultura”,acredita a professora. Há outro pro-blema. Nos últimos cinco anos aumen-tou a oferta de disciplinas obrigatóri-as ou optativas na grade curricular daPsicologia, mas muitas delas enfocam

Os alunos começam a entenderque a saúde/doença não é só umadeterminação biológica

Eliane Seidl, psicóloga

te na área da saúde foi recebido deforma ameaçadora pela Medicina, des-de a instituição da Psicologia como pro-fissão e a criação dos cursos de gradua-ção”, afirma a professora Odete Pinhei-ro, supervisora de estágio no curso dePsicologia da PUC/SP desde 1981 (áreade Saúde Pública). Além da ameaça àcorporação, havia, na opinião da pro-fessora, uma questão de fundo relacio-nada à abertura para as ciências huma-nas (Psicologia, Antropologia, Socio-logia, Filosofia). “Mexer com elas sig-nifica introduzir questões relacionadasao contexto psicossocial e ao redimen-sionamento do conceito de saúde e do-ença”, analisa. O resultado desse pro-cesso é que a formação dos profissio-nais de saúde em geral não contemplatodos os aspectos do ser humano.

o psicólogo que atua estritamente emhospitais. “Gosto de uma visão maisabrangente, que dê condições ao pro-fissional de atuar em uma comunida-de, em um centro de saúde e na linhade promoção de saúde”, afirma Elia-ne. A especialista Odete Pinheiro con-corda com a visão mais abrangenteda atuação profissional e vai além.“Os avanços da participação e da con-tribuição do psicólogo nas equipes desaúde dependem muito da formaçãodos alunos nos cursos de graduação”,defende. “Embora não negue a im-portância das especializações, deve-ríamos cuidar para dar ao aluno umpreparo básico para preservar a visãogeral das questões desta área, apro-ximando-as de leituras teóricas e per-cebendo as possibilidades de interlo-

cução com ou-tros campos desaber”, afirma.

Na opinião daespecialista, asteorias psicológi-cas dão a basesólida para pen-sar o fenômenopsicológico emsua complexida-de. “Os alunosnão devem sertreinados sobre aaplicação de dife-rentes técnicas deavaliação psico-

lógica e intervenções terapêuticas ex-clusivamente em situações protegidas,como as clínicas-escola ou equivalen-tes. Isto poderá dificultar o seu relaci-onamento com outros profissionais daárea, na medida em que este alunonão tem a vivência de trabalho emequipe multiprofissional”, acreditaOdete. A professora explica que aidéia de que a Psicologia só é convo-cada para solucionar os chamados‘problemas psicológicos’ ainda persis-te. Por chegarem à faculdade com estaidéia os alunos facilmente caem naarmadilha de se transformar nos guar-diães das emoções ou sentimentos en-tendidos como ‘profundos’, que per-passam as relações no âmbito dos ser-viços. Porém, o conceito de ‘guardião’deve ser entendido no sentido de queo aluno constrói um muro em que tudoo que é pensado ou feito não se tra-

Os demaisprofissionais

entendema importânciado psicólogo,por exemplo?

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16 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

duz para os outros profissionais. “Elestendem a transformar suas interven-ções em settings psicoterápicos sujei-tos ao sigilo ético”, afirma ela.

Outro fator importante é o investi-mento no autoconhecimento e no re-forço da identidade profissional do psi-cólogo. Esta é a opinião, por exem-plo, de Maria Rosa Spinelli. Desde1994, ela é responsável pelo Curso deFormação em Psicossomática ofereci-do pela Associação Brasileira de Me-dicina Psicossomática a profissionaisda área da saúde e estudantes do últi-mo ano de graduação. “Observei que,

ao ser arguído dentro de uma equipeinterdisciplinar, muitas vezes o psicó-logo tem uma resposta médica. Entãoele acaba sendo visto como um ele-mento híbrido, o que desfavorece seureconhecimento profissional. No nos-so curso fazemos um treino para queele perceba que está respondendo poroutra área, não pela dele”, explica.Rosa acredita que ainda não existemverdadeiras equipes interdisciplinares,embora se caminhe para isso. “Dizemque esses grupos já existem, mas atéque ponto isso é verdade?”, indaga.Na sua opinião, o psicólogo não é ou-vido e não se sente verdadeiramenteinserido no trabalho social da saúde.“Isso causa baixa auto-estima. Não sedá a importância devida ao psicólogodentro da gestão pública. Ele não par-ticipa, por exemplo, do planejamentode verbas”, afirma.

Um dos motivos, segundo a especia-lista, é que a Psicologia como ciênciaestá muito defasada na discussão deimportantes questões sociais. “A Psi-cologia é a última a se abrir para adiscussão de questões que afetam o gru-po social. Sabemos, por exemplo, quea doença do pânico é hoje uma dasmaiores causas de abandono de traba-lho, mas a Psicologia não tem estudossobre o assunto”, cita a professora. Ou-tra situação de conflito bastante preo-cupante, segundo Rosa, são as altera-ções de comportamento sexual, tão co-muns nos dias de hoje. “Quando digoalterações não se deve entender o con-ceito como patologias. Um númeroimenso de pessoas hoje se deprimepor falta de uma identidade sexual de-finida ou por medo de colocar suaidentidade. E a Psicologia fala muito

O psicólogo não se sente inseridono trabalho social da saúde. E issocausa baixa na auto-estimaRosa Spinelli, psicóloga

As relações entre universidadee centros de saúde são mais

fáceis em cidades menoresOdete Pinheiro, psicóloga

Ensinopouco disso, pesquisa pouco”, critica.

Na opinião da especialista, somentecom um bom preparo o psicólogo vaiadquirir uma identidade profissionalque irá ajudá-lo em todas as situações,inclusive nas equipes interdisciplinares.“O psicólogo não atua apenas dentrodo quarto do paciente. Muitas vezesele pode ser fundamental para resolveras dificuldades de um profissional daequipe, seja o médico ou um enfer-meiro. O médico, por exemplo, é pre-parado para trabalhar tecnicamente,sem emoção, mas o psicólogo tem essaleitura”, afirma. Segundo ela, em de-

terminados momentos o médico segu-ra tanto a emoção que precisa de al-guém que divida com ele algumas coi-sas. “Neste momento a psicoterapia en-tra para manter o controle do ambien-te. Infelizmente, o trabalho de suportea outros profissionais não está bem de-senvolvido”, diz.

Nesse panorama, a inclusão da Psi-cologia nas equipes hospitalares podefavorecer mudanças de paradigmasbiomédicos rígidos e mecanicistas epermitir o fortalecimento de práticasinterdisciplinares ou multidisciplina-res. “Há dez anos, quando iniciei o

trabalho com HIV/Aids, a interaçãocom a equipe médica era mais difícil.Isso já mudou, há um entendimentomaior do papel do psicólogo. Esse éum ganho em termos da qualidade deassistência. É uma interação que acon-tece no contexto do trabalho cotidia-no, nas discussões de caso”, exempli-fica Eliane Seidl.

As três especialistas concordam queessa compreensão é fundamental. Elia-ne, por exemplo, registra a importân-cia do trabalho preventivo desenvol-vido pelos psicólogos na equipe.“Mesmo estando em um serviço dereabilitação, o componente preventi-vo está presente todo o tempo. Tome-

mos o caso de um paciente com lesãomedular que esteja retomando sua vidasexual: o psicólogo pode favorecertodo esse processo, atender também oparceiro ou parceira, fazendo um tra-balho integrado com o outro implica-do na questão, prevenindo uma dis-função sexual, uma não vivência dasexualidade, uma superação de limi-tes”, analisa ela.

Rosa Spinelli destaca ainda a atua-ção do psicólogo no atendimento a fa-mílias de pacientes. “Isso é fundamen-tal, dá respaldo ao tratamento. Trazequilíbrio ao ambiente. Quem melhorpara conversar com famílias de pacien-tes terminais, por exemplo?”, pergun-ta. O psicólogo conduz o trabalho paraque elas tenham um pouco de tranqüi-lidade, de contenção, de suporte emo-cional. “O ambiente fica mais tranqüi-lo”, diz a presidente da ABMP-SP. Nasua opinião, o psicólogo funciona comoum auxiliar de morte, ajudando a pes-soa a morrer. “Isso é uma das coisasmais difíceis de fazer”, afirma.

De acordo com a professora OdetePinheiro, uma das maneiras de melho-rar a formação é realizar um bom pla-nejamento dos estágios. “Há diferentescontextos e em alguns este planejamen-to é facilitado. As relações entre uni-versidade e serviços de saúde em terri-tórios bem definidos parecem ocorrercom maior facilidade principalmenteem municípios menores”, conta. No en-tanto, em grandes cidades como SãoPaulo, esta relação é bastante difícil.“Na área pública as políticas de parce-ria são instáveis e no setor privado sãoexigidas contrapartidas materiais, o que

gera competição entre as instituiçõesde ensino”, critica.

Segundo Odete, só garantem o es-paço para o estágio as instituições querespondem a essa exigência, sem le-var em conta a proposta de trabalho eas possíveis contribuições da univer-sidade. “Instaura-se, assim, a lei domercado e todas as perversões conse-qüentes. O desafio está em inventar-mos dispositivos em que essa relaçãoseja mantida, preservada a identidadede cada instituição e garantida a in-serção do aluno num projeto de par-ceria de longo alcance em que o seupapel de aprendiz ativo seja preserva-do”, defende. D

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Artigo

AS NOVAS APLICAÇÕES DOCONHECIMENTO PROFISSIONAL

compreensão das particu-laridades do trabalho emsaúde tem permitido cons-truir um referencial con-

ceitual que reconhece o fato deque saúde e cuidado se produ-zem “em ato”. Ou seja, o produ-to do trabalho em saúde realiza-se durante sua própria produçãoe para os diretamente implicadoscom o processo: trabalhadores eusuários. Para realizar um ato desaúde, os trabalhadores utilizamuma valise tecnológica compos-ta por três modalidades de tec-nologias. As duras correspon-dem aos equipamentos, consul-tórios e medicamentos. As leve-duras têm a ver com os conhe-cimentos estruturados, como éa clínica, a epidemiologia e oplanejamento. Já as tecnologiasleves referem-se às relacionais,que permitem ao trabalhador es-cutar nem que seja para não ou-vir, comunicar-se nem que sejade modo unilateral, compreen-der, estabelecer vínculo, cuidardo outro, acolher nem que sejapara despachar. Portanto, não éporque é relacional que é boa.Há várias possibilidades inscri-tas nas relações, assim como nouso das outras valises.

Entretanto, o que confere vidaao trabalho em saúde é justamen-te a tecnologia leve. Ela permiteao trabalhador agir sobre as rea-lidades singulares de cada usuá-rio e dá direcionalidade ao usodas dura e leve-dura, que servemde referências, em particular aleve-dura. Quanto menos inven-tivo o trabalho, menos vivo emais morto será a produção docuidado. Quanto menor a flexi-bilidade para enfrentar o ato docuidado como um acontecimen-to que a singularidade do outroimpõe, mais morto será o traba-lho em saúde e menor a capaci-dade de manejo do trabalhador.

É nesse espaço do trabalho vivo emato que os trabalhadores de saúde rein-ventam, a cada dia, sua autonomia naprodução do cuidado. É nesse espaçoprivado em que ocorrem as relaçõesintersubjetivas entre trabalhador e usuá-rio, em que se constroem e recons-troem a liberdade de fazer as coisas demaneira que produzam sentido paraambos. Longe de ser “vazios”, cadatrabalhador e cada usuário tem idéias,desejos, valores e conceitos sobre saú-de, trabalho em saúde e como isto de-veria ser realizado. Todos trabalhado-res utilizam ativamente seus pequenosespaços de autonomia para atuar na

*Emerson Elias Merhy, médico com mestrado em Medicina Preventiva, doutorado em SaúdeColetiva e atualmente professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Por EMERSON ELIAS MERHY

saúde como lhe pareça mais acer-tado e segundo seus interesses, dosmais amplos aos mais mesquinhos.

Nesse lugar de produção deações, micropolítico, devemosrepensar o lugar que tem tido osaber profissional. Parece que es-tamos em um momento no qualde lugar central para a constru-ção do perfil de ação dos traba-lhadores, deva-se passar para umsubsidiário, abrindo-se para oimperativo do mundo das neces-sidades do outro – o usuário, emsua leveza e transversalidade àsprofissões e suas valises. D

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18 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Apoio

O CRESCIMENTO DOS

PALIATIVOSCUIDADOS

Cada vez mais,profissionais dãoassistência aospacientes queestão no final

da vida

eceber o diagnóstico de uma enfermidade comocâncer ou qualquer outra doença grave é um cho-que para o paciente e sua família. Em geral, nãose está preparado para encarar a morte, por mais

que ela seja a única certeza que o ser humano tenha navida. Aparecem logo uma cascata de sentimentos confu-sos como o próprio medo da morte, o desconhecimentoda doença e o que será dali para frente. Em muitos ca-sos, o paciente recorre aos tratamentos tradicionais, àsinternações, até que não reste mais nada a fazer. Para asorte dos brasileiros, muitos profissionais da saúde, en-tre eles os psicólogos, estão direcionando as suas carrei-ras e se especializando no cuidado em assistir ao doentenesses momentos finais para que o sofrimento seja ate-nuado. São os especialistas no setor de cuidados paliati-vos, preocupados com o bem-estar do paciente diante deuma situação irreversível. O serviço consiste em atender

a doentes com enfermidades graves dan-do conforto e proporcionando maior qua-lidade de vida a ele e a seus familiaresenquanto estão internados ou até mesmo emcasa. O trabalho é executado por uma equipemultidisciplinar formada por médicos, psicó-logos, assistentes sociais, nutricionistas, fisiote-rapeutas e enfermeiras. Eles entram em cena as-sim que o doente recebe o seu diagnóstico e oacompanham até o momento de sua morte. Muitasvezes, dão assistência à família mesmo após o luto.

Com a enorme divulgação do serviço na Europa,Estados Unidos e Canadá, a Organização Mundial daSaúde elaborou em 1990 um documento que define Cui-dados Paliativos. Entre as orientações está a de que oserviço deve ser oferecido a todos os pacientes e seusfamiliares diante de uma doença ativa e progressiva, que

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enfermagem sobre como lidar comdeterminado problema dentro de cadacaso. Também é dado respaldo psi-cológico aos profissionais que traba-lham com os pacientes em fase ter-minal. Outro projeto, o “Cuidando doCuidador”, oferece aos familiares cur-sos de artesanato, além de exibir fil-mes com temáticas ligadas ao assun-to e que depois serão discutidas. E oúltimo, o “Cuidando do Luto”, é des-tinado às famílias que perderam al-gum ente querido. Após o falecimen-to, a equipe envia uma carta de con-dolências, faz uma visita de luto para

avaliar a situação dosfamiliares e realiza en-contros semanais duran-te os quais se realizamsessões de terapia, sem-pre orientados por umpsicólogo, para quemestiver interessado.

O psicólogo tambémé responsável por detec-tar o grau de conheci-mento do diagnósticoque o paciente possui.Ele auxilia o doente aprocessar a informação.

Isso, garantem os especialistas, ajudao doente a ter paz, tranqüilidade, atomar decisões importantes e a deixaras coisas arrumadas na família. “Tudoisso é para que ele possa decidir comovai viver o tempo que lhe resta, se vaifazer testamento, por exemplo. Certavez, depois de entender a gravidadeda sua situação, uma paciente man-dou vir os filhos do Norte para fica-rem a seu lado até a hora da sua mor-te”, diz Ana Geórgia. É o psicólogo

quem detecta a dificuldade do doenteem aceitar e enfrentar a doença, pos-turas que influenciam bastante a res-posta ao atendimento. Ele também faza aproximação da comunicação entrepaciente e família. Segundo a psicó-loga Cristiane Agra Ferraz, coordena-dora do setor de Cuidados Paliativosdo Hospital Albert Einstein, em SãoPaulo, é comum pacientes e familia-res explorarem suas fantasias acercada morte, reavaliarem suas vidas, en-contrarem pendências, expressaremdesejo de remediarem ações do pas-sado. “O suporte psicológico pode ofe-recer recursos para o doente e seusfamiliares se organizem melhor paraenfrentar a situação”, explica.

A atuação dos psicólogos, de umamaneira geral, se dá de maneira in-dividual ou em grupo, dependendoda necessidade de cada paciente. NoHospital Albert Einstein, por exem-plo, os atendimentos acontecem dia-riamente ou também uma ou duasvezes por semana. Em alguns casos,a própria doença já é vista como umestigma, como no caso da Aids. Terde lidar com esse diagnóstico e maisa possibilidade da morte é uma situa-ção que exige a constante presençade um psicólogo. No Hospital Emí-lio Ribas, centro de referência emdoenças infecto-contagiosas do País,os profissionais procuram identifi-car e trabalhar com questões comoestresse, depressão e outros proble-mas que pioram a situação. Além deajudar o paciente e os familiares nacompreensão da doença. “A famíliasente-se mais segura. Se a comuni-cação for feita de maneira errada nahora errada, aumenta muito o sofri-mento do doente e de seus paren-tes”, assegura Andréa Souza. Sejaem hospital público, seja privado, aconstatação desses profissionais é ade que com os Cuidados Paliativosos pacientes sentem-se mais segu-ros para enfrentar as dificuldades dadoença e a própria morte. Conse-guem se preparar para deixar a fa-mília, ficam mais calmos, tranqüi-los, passam serenidade aos familia-res e aprendem a tratar a morte comouma coisa natural da vida.

Os Cuidados Paliativos vierampara ficar, mas ainda há muito espa-ço a ser conquistado. Principalmenteno que diz respeito à formação aca-

dêmica. Este tipo deatendimento não é con-siderado especialidadee não há cursos de es-pecialização. Por outrolado, não há exigênci-as para trabalhar naárea. Alguns profissio-nais, no entanto, reco-

mendam cursos fora do País ou cur-sos de especialização em Luto ouDor. “É importante ter formação paraentender a filosofia e a dinâmica deum trabalho multiprofissional”, afir-ma Andréa Souza, que fez cursos naArgentina. Mas para outros profissi-onais o que conta mesmo é a voca-ção. “Não adianta nada ter vários di-plomas se o profissional não souberlidar humanamente com o paciente”,acredita Ana Geórgia. Para trazer oassunto à tona e torná-lo mais popu-lar, no dia 8 de outubro ficou instituí-da a comemoração do Dia Mundialde Cuidados Paliativos. Quem sabeno próximo ano o Brasil possa co-memorar com mais fervor.

ameace a continuidade da vida ou atoda morte não súbita ou por aciden-te. Têm direito ao atendimento ido-sos, portadores de doenças crônicas,com falências funcionais ou vítimasde doenças incuráveis. Aqui no Bra-sil, o setor de Cuidados Paliativos tema sua força. Em 1997, a psicólogaAna Geórgia Cavalcanti de Melo fun-dou a Associação Brasileira de Cui-dados Paliativos com o objetivo deagregar as pequenas organizações eserviços que existiam espalhados peloPaís. Ela começou o seu trabalho nosetor de CP no Hospital Pérola Byton,em São Paulo. Prova deque a tendência do setoré crescer, existe tambéma Academia Nacional deCuidados Paliativos,presidido pela médicaMaria Goretti Sales Ma-ciel, coordenadora deCuidados Paliativos doHospital do Servidor Pú-blico do Estado de SãoPaulo. Ela batalha noMinistério da Saúde peloreconhecimento do se-tor. Esse movimentotambém está ancorado em uma cons-tatação óbvia. “A população está en-velhecendo, vivendo mais e os cui-dados paliativos estão sendo mais di-vulgados”, acredita Andréa Cristinada Silveira Souza, psicóloga da equi-pe de Cuidados Paliativos do Institu-to de Infectologia Emílio Ribas.“Com a tecnologia, nos voltamospara novos tratamentos e nos esque-cemos de como oferecer qualidade devida aos enfermos”, diz Ana Geórgia.

O papel do psicólogona equipe de CuidadosPaliativos é de funda-mental importância. Sejaem qualquer instituição,hospital público ou pri-vado, é ele quem vai es-tar ao lado do pacientedesde o primeiro mo-mento, o do recebimento do diagnós-tico. O profissional dá respaldo àsdores emocional e psíquica do doen-te e oferece amparo à família, quepassa a assumir papéis que o pacien-te não pode mais. “O doente vive umconstante momento de perda: da saú-de, da vida, de suas tarefas, da suafamília. Mas ele ainda tem vida, pre-cisa de um cuidado digno, afetivo”,afirma Débora Genezini Costa, psi-cóloga voluntária do Programa deCuidados Paliativos do Hospital doServidor Público do Estado de SãoPaulo e coordenadora de outros trêsprojetos dentro do setor. O “Cuidan-do de Quem Cuida” oferece infor-mações e orientações para equipes de

A atuação do psicólogose estende aos familiares e

outros profissionais de saúde

Ana Geórgia é uma daspioneiras na área

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Tradição

A história da Ps iurante séculos, a atenção psi-cológica aos enfermos confun-diu-se com a atenção religiosa.O acompanhamento em clíni-cas e hospitais era realizado, so-

bretudo, por freiras, cujas preces au-xiliavam a restabelecer a confiança dospacientes. Em condições especiais, umsacerdote ministrava a unção dos en-fermos, que, ao contrário do quese imagina, não se aplica somenteaos doentes terminais.

No Brasil, esse modelo de as-sistência ganhou especial desta-que no trabalho missionário deAmábile Lúcia Visintainer(1865-1942), mais conhecidacomo Madre Paulina, a primei-ra santa brasileira. Seu trabalhocom os enfermos em Santa Ca-tarina e na capital paulista fo-ram um exemplo de dedicaçãoe sensibilidade. Mais do que re-zar, Madre Paulina ouvia os doentese lhes restituía a esperança.

Um dia, um meninocaiu da cama

O trabalho da religiosa constituiu-se em exemplo, ainda hoje seguido.A irmã Lavínia, personagem vividapela atriz Letícia Sabatella na novela

HOSPITALARglobal Páginas da Vida, de ManoelCarlos, revive esse ideal solidário.Após a Segunda Guerra Mundial, omundo viveu uma grande metamorfo-se, com a adoção de novos sistemasde gestão em empresas privadas e ins-tituições públicas. Os hospitais passa-ram, paulatinamente, a constituir equi-pes interdisciplinares, capazes de ofe-

recer respostas diferenciadas às com-plexas demandas da sociedade. Co-meçaram, ainda que lentamente, acumprir o papel de instâncias promo-toras da saúde, construindo sistemasde atenção integral ao indivíduo.

Dessa forma, fez-se necessário queo acompanhamento psicológico evo-luísse da concepção puramente reli-giosa e missionária para a atençãopsicológica profissionalizada. Em

1954, o Hospital das Clínicas em SãoPaulo mantinha um serviço de refe-rência, o Instituto de Ortopedia. Ali,pessoas de todas as partes do Paíseram examinadas, tratadas e, muitasvezes, submetidas a cirurgias correti-vas. Logicamente, os períodos pós-operatórios eram caracterizados pelador e pela inquietude, especialmente

no caso das crianças.Certo dia, em desespero, um ga-

roto imobilizado se atirou do lei-to. Espanto geral. O que os médi-cos, com atenções voltadas paraos aspectos clínicos do tratamen-to, poderiam fazer? Como acalmaro rapazinho? Convocado ao insti-tuto, o psiquiatra considerou quepouco podia contribuir para modi-ficar a situação. O coordenador daárea decidiu, então, recorrer aospréstimos de uma jovem e dedica-da psicóloga, diplomada na Uni-

versidade de São Paulo (USP), onderecebera uma formação interdisciplinare humanista. Mathilde Neder, à épocacom 30 anos, já desenvolvia estudos eatividades nessa área desde 1952. Alémdisso, revelava uma inclinação naturalpara lidar com gente.

Numa tarde morna, ao atender o pri-meiro paciente, um jovenzinho triste,limitado por talas de gesso, Mathildeiniciava uma silenciosa revolução no

No Hospital mineiro, há uma clínicade Psicologia e Psicanálise

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21CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

s icologiaatendimento médico-hospitalar. Já nes-sa primeira missão, aliou seus conhe-cimentos técnicos à sensibilidade fe-minina. Percebeu que teria de adaptarmetodologias, desenvolver novos pro-cessos e lidar com o imprevisível.

Hoje, aos 82 anos, a simpática pro-fessora ainda se recorda daquele pri-meiro desafio. “Aprendi que o prin-cipal dessa missão era a considera-ção humana, a presença, a solidarie-dade e a compreensão”, relembra.“Os conhecimentos técnicos, sempreimportantes, precisavam estar subme-tidos ao reconhecimento da especifi-cidade de cada situação.”

Por conta do trabalho de Mathil-de, muitos garotos e garotas atraves-saram confiantes o período de trata-mento. No leito hospitalar, tinhamquem os ouvisse: contavam do dese-jo de brincar, correr e pular. Cons-cientes do que representava o trata-mento, uma grande parte deles, defato, pôde concretizar esse sonho.

Paradigmasem metamorfose

No ano de 2000, no V CongressoIbero-americano de Psicologia da Saú-de, uma pesquisa do Dr. Jorge Grauapontaria o trabalho de Mathilde Ne-der como pioneiro no mundo na cons-trução de metodologias específicas econsistentes nessa área do conhecimen-to humano. Portanto, quem se orgulhade Santos Dumont e de Pelé não podese esquecer dessa amável senhora.

Em meados dos anos 50, a vida hos-pitalar ainda seguia as normas rígidasda Medicina Científica. O pensamentocartesiano vigorava, com as ciênciasdivididas em herméticos compartimen-tos. Pensava-se na relação entre causa

e efeito. O paciente era vistocomo uma máquina a ser repa-rada. Elogiava-se academica-mente certa frieza e distancia-mento no procedimento médico.Valorizavam-se a neutralidade, aassepsia e a intervenção consi-derada objetiva.

Nessa época, no entanto, jáse questionava a eficácia do mo-delo biomédico. Os trabalhos deFreud, Jung, Lacan, entre outros,mostravam claramente a intera-ção entre mente, corpo e ambiente. Osproblemas humanos residiam para alémdas artérias entupidas e dos tendões in-flamados. A sociedade, a cultura, a eco-nomia e o comportamento influíam de-cisivamente na manutenção da saúde ena ocorrência de desequilíbrios que re-sultavam em doenças. Naquele mo-mento de inauguração da pós-moder-nidade, começava a surgir um modeloalternativo, biopsicossocial, no qual ga-nhavam relevância todos os aspectosda existência e suas combinações.

Naqueles anos, surgia o rock n’roll,o mundo tomava descobria as carnifi-cinas promovidas por Stálin e toma-vam corpo as primeiras manifestaçõesda contracultura. James Dean encarna-va o “rebelde sem causa”. O mundocomeçava a se fragmentar. As certezasse pulverizavam. O homem se distan-ciava do ideal positivista. Tornava-semais complexo e punha-se a questio-nar seu lugar no mundo.

Em 1957, Mathilde Neder passou atrabalhar no Instituto Nacional de Rea-bilitação, organismo que contava como financiamento da Organização dasNações Unidas (ONU). Essa parceriainternacional contribuiu para que seutrabalho fosse difundido em territóriosalém-fronteiras. Entre os anos 50 e 60,novos fundamentos filosóficos condu-

ziram a uma ampliação do conceito dePsicologia Hospitalar. Antes de ser re-gistrado como “doente”, condição pas-sageira, o indivíduo pode ser o profis-sional competente, o ser político, o me-lhor amigo, o pai de um, o filho deoutro, o objeto da paixão avassaladorade outra pessoa.

Para muitos especialistas, o termomais adequado para designar esse tipode estudo e atenção seria, portanto, Psi-cologia da Saúde. Essa disciplina com-binaria os saberes educacionais, cientí-ficos e profissionais da Psicologia emações integradas para a prevenção dedoenças, promoção do bem-estar e ma-nutenção da saúde. Desse ponto de vis-ta, patrocinava-se um casamento entreas ciências médicas e sociais. Os nor-te-americanos acreditam que o termoPsicologia da Saúde tenha surgido em1974, na criação de um novo currículode Psicologia na Universidade da Cali-fórnia. Nessa época, entretanto já fun-cionava a Sociedade Cubana de Psico-logia da Saúde.

Em 1978, a Associação Americanade Psicologia criou a Divisão de Psi-cologia da Saúde. Nesse ano, a Asso-ciação Pan-americana de Saúde defi-niu a Psicologia da Saúde como o con-junto de contribuições científicas e pro-fissionais da Psicologia para a promo-

Da religiãoà assistênciaespecializada.Uma evoluçãopara oatendimentoprestado pelaPsicologiadentro doshospitais

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22 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

ção e a manutenção da saúde, a pre-venção e o tratamento das doenças,além do desenvolvimento dos sistemasde assistência e da elaboração de polí-ticas sanitárias. Da Psicologia da Saú-de derivaram outras modalidades comoa Psicocardiologia e a Psiconeurologia.

Hoje, a Psicologia Hospitalar abran-ge as atividades de assistência, ensinoe pesquisa. O psicólogo é personagemimportante nas unidades médica e par-ticipa das decisões. Isso quer dizer quedeixou de ser um consultor extraordi-nário para situações de emergência.Nesse contexto, sua ação tem caráterestratégico na elaboração de diagnósti-cos e na aplicação de terapias, estabe-lecendo relações cooperativas entre pa-cientes, famílias e equipes de saúde.

De acordo com a professora Heloi-sa Benevides de Carvalho Chiattone,coordenadora dos Serviços de Psico-logia Hospitalar do Hospital Brigadei-ro e do Hospital do Servidor PúblicoMunicipal, ambos em São Paulo, ocampo de atuação do psicólogo defi-ne-se pela consideração de que a doen-ça tem como princípio a desarmoni-zação do indivíduo. Num de seus ar-tigos, a professora escreve: “Estardoente implica desequilíbrios que po-dem ser compreendidos, em uma vi-são holística, como um abalo estru-tural na condição de ser, chocando-se ao processo dinâmico de existir,rompendo as relações normais do in-divíduo tanto consigo quanto com omundo que o rodeia.” Segundo ela,em sua prática clínica, o objetivo doprofissional é buscar a restituição des-se equilíbrio e a reintegração do in-divíduo em seu contexto psico-soci-ocultural. Cada paciente, portanto,tem uma história e um padrão parti-cular nos vínculos com a sociedade.Conhecer esses elementos biográfi-cos, bem como seus receios e dese-jos, é fundamental na busca da cura.

Tradição

Fora doHOSPITAL

No Recife, em Pernambuco, apsicóloga e psicoterapeuta Mari-sa Sá Leitão desenvolve um tra-balho diferenciado, referência in-ternacional na prestação de ser-viços à comunidade. Ela é funda-dora do Centro de Psicologia Hos-pitalar e Domiciliar (CPHD), em ati-vidade desde 1983, que oferece

Após a Segunda Guerra M uconstituir grupos interdisci p

De acordo com Mathilde Neder,ainda dedicada a cursos de pós-gra-duação e de especialização na área,essa consciência interdisciplinar éfundamental na formação dos novosprofissionais. “Existe uma formaçãobásica, fundada nos conhecimentosespecíficos, mas é importante que opsicólogo da área saiba interpretarcorretamente as relações entre o pa-ciente e seu meio ambiente”, afirma.“Há sempre especificidades em cadacaso e uma grande quantidade de va-riáveis”, afirma, seguindo conceitosensinados desde 1959, quando criouo curso de Psicologia em Reabilita-ção, na PUC-SP.

O observador qualificadoDiretora do Serviço de Psicologia

do Instituto do Coração do Hospitaldas Clínicas de São Paulo, a dra. Bel-lkiss Romano considera que o psicólo-go é hoje figura-chave nas equipes desaúde. “Ele acompanha os casos e temacesso às informações”, destaca a psi-cóloga, responsável pelos programas deAprimoramento em Cardiologia e dePacientes Crônicos do Hospital das Cli-nicas da FMUSP.

Bellkiss iniciou suas atividades, em1972, como estagiária no Hospital dasClínicas da USP. No ano seguinte, im-plantou o Serviço de Psicologia no Ins-tituto do Coração. Em 1.984, criou epassou a coordenar o Departamentode Psicologia da Sociedade de Cardi-ologia de São Paulo. A partir daí, oscongressos da entidade passaram acontar com a Psicologia em sua pro-gramação científica.

Bellkiss adverte que, em vários cur-sos, a formação do psicólogo ainda ca-rece de disciplinas teóricas ou de está-gios vinculados à saúde. “A instituiçãohospitalar continua com interesse no

psicólogo, mas aindanão sabe o que pedir”,analisa. “E o psicólogonão sabe o que ofere-cer.” De acordo com aprofessora, o profissio-nal da área deve ser vis-

to como um “observador qualificado”,um porta-voz dos anseios do pacientee da família, um intérprete privilegia-do das normas da instituição. “Ele deveatuar como um guardião da pessoa narelação com as tecnologias e como umagente de transformação, capaz de apre-sentar as possibilidades para o surgi-mento de um novo ser no processo dereabilitação”, assinala.

Segundo Bellkiss, o hospital estrei-tou seu compromisso com a comuni-dade, envolvendo-se não só nos pro-blemas da doença, mas também cui-dando de aspectos do período pós-hos-pitalização. A professora acredita que,hoje, os médicos mais sensíveis já têmnoção da morbidade psicológica de de-terminados pacientes e da necessidadede um processo de ajustamento. “Osaspectos emocionais podem alterar aresposta ao tratamento e aumentar aschances de sobrevivência”, afirma.“Além disso, a própria populaçãoaprendeu a reconhecer que as emoçõesalteram o bem-estar, e que são respon-sáveis por muitas doenças”, afirma.

Nunca me senteinuma rede

Ela utiliza como exemplo o trata-mento de obesos mórbidos que preci-sam emagrecer antes de cirurgias, tra-

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23CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

um conceituado curso de especiali-zação em Psicologia Hospitalar. Quan-do fundou a entidade, Marisa traba-lhava num hospital e acreditava queos acompanhamentos tinham que serfeitos também a domícilio. O cursotem, portanto, várias disciplinas as-sociadas ao atendimento extramuros:Políticas Públicas de Saúde, Epide-miologia Básica, Aspectos Evolutivose Culturais da Família e AssistênciaDomiciliária – Ética e Bioética.

O CPHD presta hoje serviços dequalidade às comunidades carentes.É o caso projeto “Bola na Rede”, emGuabiraba, no Grande Recife. A equi-pe de Marisa interage diretamentecom agentes de saúde e líderes co-

Para Marisa, é importante saber ouvir o doente

M undial, centros como o InCor passaram aci plinares capazes de dar respostas diferenciadas

balho integrado desenvolvido por psi-cólogos e nutricionistas no Institutodo Coração. “Uma pesquisa dos pró-prios nutricionistas mostrou que o pa-ciente preparado somente por eles ten-de a perder cerca de 300 gramas porsemana”, relata. “Mas, se a prepara-ção for realizada com os psicólogos,o paciente chega a perder cerca deum quilo.” Segundo Bellkiss, é im-portante que os psicólogos apresen-tem à comunidade científica e à soci-edade dados dessa natureza, pois com-provam a eficácia de suas interven-ções no ambiente hospitalar.A atualpresidente da Sociedade Brasileira dePsicologia Hospitalar (SBPH), TâniaRudnicki, destaca que, hoje, o inte-resse maior do profissional da área é

a forma como o sujeitovive e experimenta seuestado de saúde ou dedoença em sua relaçãocom os outros e consigomesmo. “Precisamos fa-zer com que as pessoasincluam em seus proje-tos de vida um conjuntode atitudes e comporta-mentos favoráveis à pro-moção da saúde e à pre-venção da doença”, aler-ta. “É necessário compre-ender que atuamos nosdomínios da doença, mas

também no campo da saúde, focandoaspectos de promoção, proteção e pre-venção”, defende.

Esses conceitos estão presentes noconsagrado trabalho da professora Ma-risa Decat de Moura, uma das funda-doras da SBPH, em 1997, entidadeque presidiu entre 1999 e 2001. Se-gundo ela, a função do psicólogo dasaúde é humanizadora e de fundamen-tal importância nas complexas socie-dades atuais. “O ser humano é, acimade tudo, um ser falante, que sempretem algo a dizer e precisa ser ouvi-do”, ensina. “Esse acesso à linguageme à manifestação lhe garante dignida-de”, explica.

Marisa, hoje com 62 anos, é umaespécie de propagadora missionária dos

princípios e valores da Psicologia daSaúde. Educadora e palestrante requi-sitada, percorre o Brasil semeando boaspráticas transformadoras. “É precisocompreender que o momento da doen-ça se reveste de especial importância,revelador na vida do indivíduo”, ad-verte. “A urgência precipita a questãodo sujeito, de modo que impressões esentimentos guardados há anos são su-bitamente exibidos ao mundo”, diz.

Profissional polivalente, Marisa écoordenadora do curso de pós-gra-duação em Psicologia Hospitar naUniversidade Fumec, em Minas Ge-rais, e dirige a Clínica de Psicologiae Psicanálise do Hospital Mater Dei,de Belo Horizonte. No trabalho coti-diano, atua especialmente em atendi-mentos no Centro de Terapia Inten-siva. Ela destaca que os avanços tec-nológicos e científicos no ramo daMedicina devem ser acompanhadosde uma atenção especial à subjetivi-dade dos indivíduos. Nesse sentido,acredita que o psicólogo vem tendofunção importante também na ade-quação da relação entre médico e pa-ciente. “Eles buscam interlocuçõesnesses momentos decisivos e preci-samos estar ali”, explica.

Ao trabalhar com a situação limi-te, Marisa tem uma visão clara dasdemandas dos personagens do teatrohospitalar. Segundo ela, os dramasestimulam os pacientes a reavaliarsuas trajetórias e projetos de vida.“Um paciente vítima de enfarte, porexemplo, lamentou-se de nunca terse sentado numa rede”, recorda.“Nesse momento, temos de estar pre-parados para uma escuta planejadapara que o indivíduo se escute”, ex-plica. De acordo com Mathilde Ne-der, esse é o desafio do profissionalna Psicologia Hospitalar: ter coragempara enfrentar um novo e maiúsculodesafio. Segundo ela, o psicólogo dasaúde precisa de equilíbrio e de umconhecimento ampliado das questõesque cercam cada caso. “No entanto,tem de perceber que sua missão éespecial, pois somente é plena de êxi-to se a sustenta na mais autêntica prá-tica do amor”, sentencia.

munitários. Além disso, vai até osPostos de Saúde da Família e rea-liza visitas domiciliares. “O ambi-ente hospitalar reflete, em minia-tura, o ambiente externo”, explicaMarisa. “Vale conhecer o ambien-te real em que vivem as pessoas.”

A psicóloga Ester Affini coorde-na o programa de estágios doCPHD e acompanha as turmas notrabalho de campo. Ela comemoraa quebra das barreiras. “Extrapo-lamos os muros do hospital e atua-mos nas comunidades, realizandoum trabalho de prevenção e ma-nutenção”, diz. “A meta é evitarque essas pessoas tenham de irou retornar ao hospital”, afirma.

D

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Coluna do Psicólogo

24 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Olhares num cotidiano especialA ONG ImageMagica está desenvolvendo este anoo projeto “Humanizando Relações”. Partindo de

metodologia premiada pela OPAS, que utiliza a fotografiacomo ferramenta de educação, sensibilização e

comunicação para a saúde e o desenvolvimento humano,o projeto está sendo realizado em vários hospitais do

Brasil. O foco é a relação equipe de saúde-criança-família.Por meio de oficinas e outras atividades, todos retratamo seu olhar sobre o cotidiano das relações na situação

de convívio hospitalar. Com a participação de psicólogos,educadores e fotógrafos, o projeto se desdobrará em

exposições, livros e documentários mirando ahumanização em saúde. Mais informações podem serencontradas em www.humanizandorelacoes.com.br.

O perfil dopsicólogo

Resultados preliminares da pes-quisa “Inserção do Psicólogo emServiços Públicos e Privados deSaúde do Distrito Federal” apon-tam para a maioria de mulheres(94,1%), idade média de 36 anos,solteiras (50%), com rendimentosvariando entre sete e nove saláriosmínimos (39,4%) para uma cargahorária de 40 horas semanais(41,2%). Coordenado por ElianeFleury Seidl, Aderson Luiz CostaJúnior e Adriano Holanda, do Ins-tituto de Psicologia e do Labora-tório de Saúde e Desenvolvimen-to Humano da Universidade deBrasília, o trabalho está em fasede conclusão. Segundo Eliane Sei-

dl, no fim dos anos 90 constatou-se atendência de aumento do número depsicólogos nos serviços públicos desaúde do Distrito Federal. A idéia étraçar um panorama atualizado coma inclusão dos serviços privados. Aamostra é composta por psicólogosque atuam nas duas esferas há pelomenos três meses. A pesquisa indi-ca que a contratação é prioritaria-mente por concurso (52,9%), masquase 30% possuem contratos tem-porários. E que 76,5% dos profissi-onais exercem outra atividade, amaioria em consultório particular(clínica). A maior parte fez estágio(55,9%), cursou disciplinas voltadaspara a saúde durante a graduação(57,6%) e tem mais de dez anos deformado, sendo que 38,2% têm títu-lo de especialista do CRP. Cerca de

57,6% estão satisfeitoscom sua atuação em

Psicologia da Saúde.

Atividades da Alapsa– A Alapsa (Asociación Latinoamericana de Psicología

de la Salud) mantém site de difusão científica(www.alapsa.org) com diversos serviços disponibilizados aosprofissionais interessados na área: informações sobre even-tos, cursos, congressos, textos científicos para download eboletim eletrônico, entre outros. Dentro do escopo da enti-dade estão a difusão científica, o fomento ao intercâmbiolatino-americano em pesquisas, atividades de formação, pu-

Troca deexperiências

O Centro de Referência Técnicaem Psicologia e Políticas Públicas(CREPOP) inaugura a experiência decoleta de dados sobre a prática pro-fissional do psicólogo nos Fóruns Re-gionais de Psicologia e Saúde Públi-ca. Esta primeira etapa compreendeuma pesquisa exploratória, sem rigoramostral. A proposta é conhecer arealidade do psicólogo que exercesuas atividades nesse contexto paraviabilizar um diagnóstico e a poste-rior formulação de políticas voltadasde fortalecimento profissional. Des-tacamos as seguintes informações:■ Aproximadamente 40% dos parti-cipantes nos Fóruns contribuíramcom a coleta de dados do CREPOP(422 psicólogos). Destes, 254 traba-lham no âmbito do governo, sendo68% na esfera municipal;■ A maioria – 44,5% – concentra-sena Política de Saúde Mental;■ 81% avaliam que o programa noqual atuam cumpre parcialmente osobjetivos propostos. Os 52,8% des-tes afirmam que o fraco desempenhose deve à insuficiência/ineficácia doatendimento do programa;■ 81,5% afirmam ter obtido conhe-cimento para sua atuação em políti-cas públicas no exercício da práticaprofissional e 81,9%, em sua forma-ção acadêmica(múltipla escolha).

Debatesno Fórum

Em um ano de grandes debates so-bre a inserção do psicólogo na saúde,nada mais oportuno do que a realiza-ção do I Fórum Nacional de Psicolo-gia e Saúde Pública, em Brasília, nofinal de outubro. O encontro pôs empauta a discussão sobre a política desaúde e as propostas de intervenção daPsicologia na rede pública. Entre ostemas, tiveram espaço a formação pro-fissional e os desafios para ampliar aatuação do psicólogo no SUS. Cercade 600 teses foram enviadas pelos con-selhos regionais de todo o Brasil. Maisinformações no site www.pol.org.br eno Jornal do Federal.

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25CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Cursos deespecialização

O Conselho Federal de Psicologia ofereceuma rede de cursos de especialização cre-denciada pela entidade. Após a participação,os psicólogos têm direito a solicitar o títulode especialista pelo CFP. A seguir, a listados cursos e núcleos formadores:

blicações conjuntas. Existem disponíveis para aquisiçãovárias publicações com participação de pesquisadores dediversos países da América Latina entre livros, CD-ROMe a revista oficial da entidade “Psicología y Salud”. Paracontato com a Coordenação para o Cone-Sul o email é[email protected].

- No próximo ano, a entidade realizará o IV CongressoLatino-Americano de Psicologia da Saúde e o IX Encon-tro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar, em SãoPaulo. Podem participar do evento psicólogos, enfermei-

ros, médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, tera-peutas ocupacionais, dentistas e estudantes de áreasafins. Entre os temas, estão projeções da Psicologia daSaúde na América Latina; Psicologia, ideologia e hu-manismo em saúde; sexualidade, reprodução e saúdematerno-infantil; Aids e criminalidade. O encontro serárealizado entre os dias 15 a 18 de novembro de 2007no campus Indianópolis da Universidade Paulista(Unip). Os interessados poderão obter mais informa-ções no site da entidade a partir de novembro de 2006.

Humanizaçãoem pauta

De 9 a 11 de maio de2007 ocorrerá no Hotel

Othon, em Salvador, na Bahia,o 8º Simpósio Internacional de

Humanização e TerapiaIntensiva. Promovido pelaAssociação de Medicina

Intensiva do Brasil,o encontro tem por objetivo

o debate de temas comoBioética, Humanização e

qualidade no atendimento aospacientes internados. Outros

dados podem ser obtidosno site www.amib.org.br

Aniversárioda PsicologiaHospitalar

No próximo ano, a Soci-edade Brasileira de Psico-logia Hospitalar completa-rá uma década de existência. Os dezanos dessa trajetória serão o tema prin-cipal do VI Congresso da SBPH, aser realizado de 12 a 15 de setembrode 2007 no Hotel Blue Tree PirâmideNatal, na capital do Rio Grande doNorte. Os organizadores prometem umevento repleto de assuntos e palestran-tes importantes na área. Entre os tópi-cos a serem expostos, estão: Psicolo-gia Hospitalar – Ensino e FormaçãoProfissional; Psicologia da Saúde; In-serção do Psicólogo na Saúde Pública(SUS); Atuação do Psicólogo em Es-pecialidades Médicas; Luto e Cuida-dos Paliativos; Avaliação Neurop-sicológica; Trauma/Reabilitação; Psi-co-Oncologia; Psicólogo em UTI;Grupos na Instituição Hospitalar; Éti-ca/Bioética e o trabalho do psicólogono hospital; Atendimento a doentescrônicos; Trabalho multi, inter e trans-disciplinaridade; Pesquisa em hospi-tal geral. Mais informações pelo sitewww.sbph.org

123456789

101112131415

NúcleoFormador

CursoCredenciado

Especialidade Localidade Validade

CPHD – Centro de PsicologiaHospitalar e Domiciliardo Nordeste Ltda.

Especialização emPsicologia Hospitalar– Hospital Geral

PsicologiaHospitalar

Recife/PE 2002 a 2006

CEPSIC – Centro de EstudosPsicocirúrgicos

Psicologia emEspecialidadesMédicas

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 ameadosde 2006

Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicinada USP

Psicologia Hospitalar emAvaliação Psicológica eNeuropsicológica

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 ameadosde 2006

Hospital das Clinicasda Faculdade de Medicinada USP

Psicologia emHospital Geral

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 ameadosde 2009

INCOR do Hospital dasClínicas da Faculdadede Medicina da USP

Psicologia ClínicaHospitalar AplicadaÀ Cardiologia

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 a 2006

INCOR do Hospital dasClínicas da Faculdadede Medicina da USP

Psicologia ClínicaHospitalar EmHospital Auxiliar

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 a 2006

Irmandade da SantaCasa de Misericórdiade São Paulo

Especialização emPsicologia Hospitalar

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2002 a 2009

Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo

Psicologia e Saúde:Psicologia Hospitalar

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2003 ameadosde 2007

UNISA – Universidadede Santo Amaro

Pós-graduação Latusensu em PsicologiaHospitalar

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP 2003 ameadosde 2007

LIGARE – Centro deDesenvolvimento da PessoaHumana - S/C LTDA

Análise BionergéticaPsicologia e Saúde

Psicologia Clínica Americana/SP De set/2006a set/2009

FAMERP – Faculdadede Medicina de SãoJosé do Rio Preto

Curso deEspecialização emPsicologia da Saúde

Psicologia Clínica São José do RioPreto/SP

2003 ameadosde 2007

Instituto Sedes Sapientiae Psicossomática Psicologia Clínica São Paulo/SP 2000 a 2005

LABORE – Cursos, OrientaçãoVocacional, Profissionale Psicologia Clínica

Especialização emPsicossomática

Psicologia Clínica São José dosCampos/SP

De abr/2006a abr/2009

Faculdade de Medicina daUSP

Especialização emPsicologia Hospitalarem reabilitação

PsicologiaHospitalar

São Paulo/SP De jun/2006a jun/2009

LABORE – Cursos, OrientaçãoVocacional, Profissionale Psicologia Clínica Ltda

Especialização emPsicologia Hospitalar

PsicologiaHospitalar

São José dosCampos/SP

De set/2006a set/2009

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26 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Diversidade

ofício do psicólogo tem muito do caleidoscópio,o artefato capaz de produzir múltiplas imagens.Mas, enquanto o caleidoscópio cria novas com-binações a partir do movimento em torno de simesmo, o profissional que lida com as dimen-

sões subjetivas amplia seu raio de ação em sintoniacom a passagem do tempo e com as transformaçõesocorridas na sociedade. Em 1962, quando a profissãofoi regulamentada no Brasil, seu campo de atuação nasaúde era restrito ao consultório. Apenas 44 anos de-pois, o cenário mudou de forma radical. Integrado aequipes multidisciplinares, o psicólogo se tornou ele-mento importante na clínica geral, na cirurgia, na On-cologia, na Nefrologia, nos tratamentos da obesidade edos distúrbios do sono. Sua intervenção se mostroufundamental ainda em outras áreas, entre elas, a Odon-tologia, o esporte e a dependência química.

“Hoje não se fala mais no modelo biomédico desaúde, mas no biopsicosocial, no qual o psicólogo estáincluído por definição”, afirma Suely Sales Guima-rães, coordenadora do Laboratório de Desenvolvimen-to em Condições Adversas da Universidade de Brasí-lia (UNB). Responsável pela criação do Serviço dePsicologia do Hospital Universitário da instituição,Suely pondera que o aumento do trabalho do psicólo-go no contexto da saúde decorre não só da inserçãodo profissional nos serviços, como também da cres-cente demanda. “Passamos de um momento no qual opsicólogo era considerado quase um assistente do psi-quiatra, convocado para aplicar testes e encontrar aorigem de doenças sem explicação orgânica, para aconquista de espaço junto a médicos, enfermeiros, den-tistas”, compara Suely. “Desenvolvemos nossas técni-

Após poucomais de quatrodécadas de aprofissão serregulamentada noPaís, o psicólogoconquistaespaço emdiversas áreasda saúde

MÚLTIPLASFACES

Procuramos ampliar asfronteiras do hospital comprogramas que estimulam aparticipação da famíliaLuiza Forte, psicóloga

O

CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

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28 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Diversidadecas e, nas equipes interdisciplinares,não fazemos terapia à beira do leito.Interferimos diretamente no proces-so saúde/doença.”

Ao participar da prevenção, do tra-tamento e da reabilitação, o psicólo-go demonstrou, em pouco tempo, aeficácia de seu trabalho. O reconhe-cimento é tamanho que, no HospitalUniversitário de Brasília, o único dacapital que faz gastroplastia peloSUS, o procedimento só é realizadodepois que o paciente passa pelo aten-dimendo psicológico. Esse processodemora, no mínimo, quatro meses.Há casos de o paciente ficar até doisanos sendo preparado para a cirur-gia. Depois de operado, ele recebeassistência pelo período que se fizernecessário. A medida não reflete ne-nhuma reserva de mercado para oprofissional da área. “O paciente pre-cisa mudar o próprio comportamen-to”, diz Suely. Caso contrário, podedesenvolver algum distúrbio, como abulimia. “Nesse caso, com a falta denutrientes, há a possibilidade de ocor-rer um quadro severo de avitaminoseque pode até levar à morte”, explica.

Na saúde, um dos papéis essenciaisdo psicólogo é atuar para que o paci-

Técnica de alta complexidade, otransplante também implica acompa-nhamento psicológico em suas diver-sas etapas. Mesmo depois de receberum órgão novinho em uma cirurgiade sucesso, a pessoa precisa apren-der a lidar com uma nova realidade.Além de conviver com o fantasmada rejeição, ela continua com a insu-ficiência que exigiu a troca do ór-gão, o que requer mudanças de hábi-

tos. Antes de tudo isso, po-rém, no complexo univer-so dos transplantes, o psi-cólogo atua na preparaçãodo receptor e do doador.

Há mais de 20 anos tra-balhando no Hospital In-fantil Pequeno Príncipe,em Curitiba, a psicólogaLuiza Tatiana Forte lem-bra que cada processo depreparação para transplan-te é único. Entre os casosque mais a marcaram estáo de um adolescente, cria-do pela avó materna, cuja

história havia sido contada em umprograma de tevê. Três dias depoisda exibição da reportagem, a mãe dogaroto, que o havia abandonado dezanos antes, apareceu no hospital, ofe-recendo-se como doadora. “O reen-contro criou uma expectativa muitogrande na equipe mas o menino nãoquis a mãe como doadora”, relata apsicóloga, conhecida pelo nome domeio, Tatiana. “Atuamos no sentidode respeitar a decisão desse meninoe ajudar a reatar os laços entre mãe e

ente desenvolva adesão ao tratamen-to. Para recuperar a saúde, a pessoaprecisa, antes de tudo, estar dispostaa alterar sua rotina, a começar pelaalimentação. Suely destaca a hemo-diálise como um dos tratamentos nosquais a presença do psicólogo é fun-damental. Isso porque esse pacientevive na dependência de uma máqui-na, à qual recorre, em média, três ve-zes por semana. O seu dia-a-dia temde ser reorganizado em função disso.E não há expectativa de romper estevínculo. “O pacienteprecisa ter uma adesãoótima ao tratamento,pois o mais provável éque permaneça na he-modiálise”, sintetiza apsicóloga. “Em muitoscasos, ele está na filapara o transplante.”

filho, que haviam sido perdidos.”Mais tarde, o garoto recebeu a doa-ção do órgão que precisava da cen-tral de transplante.

Precursor em ações junto à socie-dade, o Hospital Pequeno Príncipeconta com psicólogos em sua equipedesde 1982, ano em que Tatiana en-trou na instituição, ainda como esta-giária. “Procuramos ampliar as fron-teiras do hospital através de progra-mas que estimulam a participação dafamília no tratamento e por meio depesquisas”, diz. Um dos projetos en-volve o atendimento dos alunos darede municipal de ensino, para diag-nóstico e encaminhamento conformeas necessidades individuais. “A abor-dagem está em sintonia com o Esta-tuto da Criança e do Adolescente”,esclarece Tatiana. “Entre as décadasde 80 e 90 a perspectiva de atenção àsaúde da criança mudou muito.”

Essa mudança também é percebi-da no atendimento à população comoum todo. “No Brasil, o psicólogo temparticipado da construção de um co-nhecimento sólido sobre a qualidadede vida da população, ainda que per-maneça o grande desafio de superaras ações individuais em prol de ou-tras conjuntas”, afirma Sebastião Be-nício da Costa Neto, cuja opinião écompartilhada com Tereza CristinaCavalcanti Ferreira de Araújo, am-bos psicólogos e professores univer-sitários. “No estudo dos aspectos es-pecíficos das condições de vida, amultidimensionalidade sugere que aqualidade de vida não se restringe ao

que ocorre ao estadodo corpo ou aos bensmateriais, pois incorpo-ra, também, as relaçõescom outras pessoas, aintimidade da fantasia,os hábitos de vida dacomunidade e as cren-ças religiosas.”

Muitos clientes precisam de apoiopara vencer o medo do dentista

No esporte, o objetivo do psicólogoé ajudar os atletas a terem preparoemocional para enfrentar a disputa

A inserção do profissional em outras áreas de atuação atinge até o para o os psicólogos ajudam pacientes com doenças como o vitiligo e a psoríase a

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29CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Coordenador do projeto Moinhoda Luz, instalado em plena Craco-lândia, a região central paulistanaque carrega no nome o drama desuas ruas, Cláudio Loureiro é umexemplo de psicólogo com visãomultidimensional. Há pouco mais deum ano, junto com uma equipe queinclui psiquiatras, arte-educadores,terapeutas ocupacionais e assisten-tes sociais, ele abriu perspectivas

para uma legião de garotos aparen-temente sem futuro. À frente daque-la unidade do Projeto Quixote, cria-do em 1995 pela Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp), Cláu-dio usa a arte como fator intermedi-ário no atendimento tanto de crian-ças de rua quanto daquelas em situ-ação de risco. “Trabalhamos com oconceito de hospitalidade incondici-onal”, esclarece Cláudio. “No come-ço, as pessoas passavam e nos con-vidavam para usar drogas.” Hoje, oMoinho da Luz contabiliza uma mé-dia de 150 atendimentos por mês. Osresultados começam a aparecer. Afi-nal, trabalhar com usuários de dro-gas exige um olhar diferenciado.“Tem paciente que atendo há quatro,cinco anos no ambulatório. Possoconsiderar o processo um sucesso, in-dependentemente da abstinência.”

Outra profissional vinculada à Uni-fesp, mais especificamente ao Cen-tro de Estudos de Psicobiologia eExercício Físico, a psicóloga MaraRaboni está entre os desbravadoresde novas áreas de atuação. Mara tra-balhava com estresse pós-traumáticoquando, há cerca de cinco anos, aten-deu um jogador de tênis e um árbitro

de futebol. “Com o atleta, a prepara-ção é no sentido de lidar com situa-ções que geram ansiedade e melho-rar a performance”, afirma. Um deseus objetivos é evitar que o atleta“trave” na hora que deveria revelar omelhor de si. Nas Paraolímpíadas deAtenas, em setembro de 2004, Maraintegrou a equipe de três psicólogosque acompanhou a delegação brasi-leira e ganhou espaço próprio na clí-nica montada na Vila Olímpica. “OBrasil foi o único país que levou psi-cólogos. Muitos se surpreenderamcom essa preocupação do Comitê Pa-raolímpico”, conta Mara. “Atende-mos um atleta às dez da noite, navéspera de sua prova.”

Autora do livro “Psicologia eOdontologia: uma abordadem inte-gradora”, Liliana Seger-Jaboc des-taca a importância do profissionalno apoio ao dentista e no trato como paciente. “A Psicologia se insereem diversas especialidades, como aOdontopediatria, em decorrência doshábitos e medos e a Periodontia, porcausa do estresse”, registra a psicó-loga. Não há dúvida de que, na prá-tica, a demanda pelo psicólogo andacada vez mais intensa e diversifica-

da. Em Brasília, o derma-tologista Erasmo Tokarskiconta que trabalha emparceria com um psicólo-go em casos de vitiligo ea psoríase, doenças queinfluenciam na aparênciae podem gerar dificulda-des no relacionamentopessoal. Mas Tokarskipropõe o trabalho conjun-to também por outros mo-tivos. “O vitiligo e a pso-ríase indicam um históri-co emocional bastanteforte, principalmente emcrianças. O mesmo acon-tece com a chamada acneescoriada, que aparececom maior freqüência emmulheres e se caracterizapor escamações que ge-ram pequenas feridas”.Os resultados da parceria,atesta o dermatologia, sãosempre muito bons.

Um dos trabalhosmais importantesé feito juntoàs crianças quemoram nas ruas.A prática da arteentra como recursoterapêutico e deresgate de vínculos

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ra o campo da beleza. Nessa questão,se a reencontrar a auto-estima

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30 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

Drama

A difícil e vitoriosa

rabalhar no atendimento a usuá-rios de drogas e álcool não étarefa das mais fáceis. O psi-cólogo precisa gostar de desa-

fios. É uma rotina de vai-e-vem naqual quase sempre o paciente come-ça o atendimento, some por uns tem-pos, reaparece, e assim vai. Mas éesse movimento constante que há 12anos move Marlize Rêgo, psicólogae psicanalista do Centro de Estudose Terapia do Abuso de Drogas (Ce-tad), da Faculdade de Medicina daUniversidade Federal da Bahia, umaclínica de referência no atendimentoe na pesquisa de drogas e álcool.Acostumada a receber em média 80novos pacientes por mês, o centro écomposto basicamente por psicólo-gos e psiquiatras também psicanalis-tas. “Não fazemos análise propria-mente dita com os pacientes, mas elaé a nossa sustentação”, explica Mar-lize. A equipe, na qual Marlize coor-dena o grupo de atendimento aos fa-miliares, não trabalha com a absti-nência dos usuários. Esse não é o focoprincipal do trabalho. A proposta doCetad é fazer com que o usuário en-tenda por que ele usa droga, qual asua necessidade. Eles podem até con-tinuar usando desde que compreen-dam os motivos pelos quais fazemisso. Os profissionais envolvidos nes-se trabalho acreditam que os toxicô-manos não são iguais e que cada umtem uma razão para o consumo e tam-bém um modo de fazer isso.

Assim como em outros centros deatendimento público, a maioria dosusuários atendidos é pobre, mas háum aumento da procura por pessoasda classe média que não podem pa-

gar uma terapia ou um tratamentomais longo. O indivíduo passa poruma entrevista com um psicólogo,que faz uma avaliação detalhada doseu vínculo com a droga. Ser ou nãodependente ou usuário social de dro-ga depende mais de como a pessoase relaciona com ela do que com afreqüência com que faz uso. “Muitasvezes, o indivíduo acha que é apenasum usuário leve porque usa drogaapenas uma vez por mês. Só quequando a utiliza, passa três dias forade casa e comete várias atitudes re-prováveis”, explica Marlize. É no mo-mento da primeira entrevista que seráanalisada a situação do usuário e qual

a função da droga na sua vida. Podeser uma transgressão, um sinal deabandono ou um problema psíquico.É considerado também o tipo de dro-ga usada e o meio sociocultural. Asdrogas mais freqüentes são álcool,crack e medicamentos lícitos, aque-les comprados em farmácias sem re-ceita médica. Após o acolhimento, opaciente é encaminhado ao tratamen-to adequado, seja com psiquiatra, compsicólogo ou com os dois. As psico-terapias são as mais recomendadas.

No Cetad são feitos atendimentosindividuais, em grupos e para as fa-mílias. Em muitos momentos, a tera-pia voltada para a família surte mais

Especialistasusam a reduçãode danos comoinstrumentopara conseguirbons resultadoscontra adependência

No CRT/Aidsde São Paulo,usuários recebemkit com agulhase seringasdescartáveis

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31CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

a batalha contra as

DROGASefeito para o paciente do que se podeimaginar. “Às vezes a família não temo distanciamento necessário para cui-dar do doente”, diz Marlize. Nessassituações, ela usa de discurso analíti-co, reflexões e intervenções muitasvezes provocativas no depoimentoalheio para que os familiares refli-tam no seu problema e no dos ou-tros. “É comum a mãe voltar na se-mana seguinte dizendo que pensoumuito a respeito do que foi dito naúltima sessão”, explica.

Outra estratégia criada no Cetadpara ajudar no tratamento de usuáriosde drogas e álcool são as oficinas dearte. São oferecidas aulas de teatro,grafite, artes plásticas e fotografia. Oobjetivo é separar o indivíduo da dro-ga, instalar o chamado vazio produ-tivo entre ele e a droga. “Aos poucosele se dá conta de que há uma enor-me diferença entre ser, pensar e fa-zer. Ele pode continuar a se drogar,mas pode se dar conta de que tam-bém pode ser um artista”, explica apsicóloga. A idéia dos profissionaisda equipe é fazer com que os usuári-os possam construir outras coisas nes-ses espaços antes só preenchidos peladroga. “É bom inclusive para a auto-estima”, diz Marlize. É verdade quemuitas vezes o resultado não é o quese espera. Mas o centro baiano sem-pre se renova. Isso pode ser compro-vado pelo interesse que essa área deatuação tem despertado em jovenspsicólogos, observado pelo grandenúmero de inscrições para os estági-os oferecidos pelo Cetad.

A redução de danos pode ser usa-da também em casos nos quais a de-pendência de álcool e droga não é a

enfermidade principal. É o caso dospacientes que procuram o Centro deReferência e Treinamento DST/AIDSde São Paulo. Lá, eles chegam à pro-cura de atendimento para a doença,mas acabam recebendo assistência emum setor específico para usuários dedrogas injetáveis, crack e álcool, prin-cipalmente. “Tivemos de destinar umolhar para as drogas, nos envolvercom o assunto, com a farmacologia.Montamos uma equipe e fizemos trei-namento. Passamos a ser capacitadose qualificados para atender esse gru-po”, diz Sueli Santos, psicóloga doambulatório de HIV/Aidsdo CRT DST/Aids queatende pacientes usuáriosde drogas e álcool. Essaadaptação no atendimentoaos portadores de Aids sefez necessária depois quediversos doentes foram re-cusados em lugares especí-ficos para tratamento dedrogas ou álcool por causade sua condição.

Da mesma maneira comque atua o Cetad, o CRTtem como política a redu-ção de danos. O pacientenão é obrigado a largar asdrogas para receber qualquer tipo deatendimento. Pelo contrário. Lá, elesainda recebem os kits com agulhas eseringas descartáveis e recebem orien-tação sobre prevenção e não compar-tilhamento de seringas e cachimbospara o uso de crack. Nesse caso, elessão encaminhados para entidades queoferecem cachimbos novos. Mas emsituações extremas, como pacientestambém com tuberculose e usuário

de crack, os psicólogos pedem queeles reduzam o uso por algum tempopara se recuperarem da tuberculose.“Já tivemos muitos casos de sucessocom moradores da Cracolândia, nocentro de São Paulo, que concorda-ram em diminuir o uso até melhora-rem. E deu certo”, comemora Sueli.A prática da redução de danos já estáregulamentada pelo Ministério daSaúde e incorporada na política deatendimento dos Centros de Assis-tência Psicossocial em Álcool e Dro-gas espalhados pelo País.

O psicólogo é o primeiro profis-sional da saúde mental aatender o portador de HIVusuário de drogas/álcool.É ele quem faz o diagnós-tico e analisa qual o tipode atendimento. Em casosde doentes com outras en-fermidades agregadas,como tuberculose, há a in-dicação para um tratamen-to individualizado. Em pa-cientes com Aids tambémé comum o aparecimentode depressão. Por isso apresença constante de umpsicólogo é imprescindí-vel. O acolhimento é feito

com um psicólogo. No caso do CRTnão há uma exigência quanto à for-mação dos profissionais. O que im-porta é seguir a política da institui-ção de aplicar o programa de redu-ção de danos. “A instituição respei-ta o profissional. Muitos dos pro-gramas que temos aqui foram cria-dos por iniciativa dos psicólogos”,diz Sueli. Um bom incentivo paraquem quer investir na área.

Sueli e equipepassaram por

um intensotreinamento

especial

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Jovem

SEXUALIDADE O universitário

não estudaas tecnologiasde prevenção

discutidasno Brasil

‘‘‘‘SAÚDE

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E NAá no Brasil cerca de 30 milnovos casos de Aids registra-dos anualmente. Portanto, hámuito a ser feito no que dizrespeito à prevenção sexual

com adolescentes e jovens, que res-pondem por cerca de 500 destes ca-sos. Para a psicóloga Vera Paiva, co-ordenadora do Núcleo de Estudospara Prevenção da Aids do Institutode Psicologia da Universidade deSão Paulo, é preciso mudar asestratégias de trabalho para atingiro objetivo com mais eficácia. Partedessa transformação deveria acon-tecer dentro das universidades. “Te-mos estudos nacionais que falam danossa realidade, mas eles não sãoincorporados à formação acadêmi-ca. O aluno não estuda as tecnologi-as de prevenção discutidas no País.Eles ainda têm como base teoriasuniversalistas, como se fosse possí-vel falar de sexo no Brasil com con-ceitos da época de Freud”, diz.

Se a formação acadêmica aindanão encontrou seu ideal, outra ques-tão que preocupa é o atendimentoprestado hoje nessa área de atuação.“No Sistema Único de Saúde, faltamrecursos aos profissionais para queeles possam fazer a mediação entre oque aprenderam e a realidade. Pen-sa-se apenas no consultório particu-lar, onde o paciente vai e discute seusproblemas. O menos favorecido, combaixa escolaridade, não entende essetipo de atendimento. Não acredita quesentar e ficar falando vai lhe trazerbenefícios”, pontua.

O mais comum é que os psicólo-gos que se disponham a tratar de se-xualidade e prevenção sigam os mo-delos-padrão de aconselhamento psi-cológico ou adotem o papel de edu-cador, apenas distribuindo informa-ção. Porém há um caminho de eficá-

cia comprovada por pesquisas emcampo. É o que se chama de encon-tro psicoeducativo, no qual estimula-se o debate da realidade sob a óticado público-alvo, abordando valoreslocais, conceitos de gênero e de di-reito à prevenção. “Temos que levarem conta as crenças, a classe social,a cultura do lugar. Numa cidade comoSão Paulo, por exemplo, isso variade região para região”, explica a pro-fessora. A cultura co-letiva é importanteporque é muito maisdifícil mudar umcomportamento indi-vidual se ele não forreferendado pelo gru-po. “Não adiantaaconselhar uma ado-lescente a levar cami-sinha na bolsa se aatitude a tornará mal-vista em seu ambien-te social”, esclarece.

Em relação à pre-venção de DST/Aidsentre adolescente e jo-vens adultos, tidoscomo grupo vulnerá-vel já que estão se ini-ciando na vida sexuale não têm normalmen-te parceiros fixos,nota-se um grande es-forço governamental nos anos maisrecentes. Cerca de 60% das escolasdo País têm ações de prevenção, prin-cipalmente no ensino médio, e desdeagosto de 2003 os ministérios da Saú-de e da Educação têm buscado arti-cular os trabalhos, incluindo até mes-mo a disponibilidade de preservati-vos para alunos a partir de 14 anosem 9,1% das escolas.

Os resultados mostram uma mu-dança de comportamento. O uso de

preservativos, por exemplo, aumen-tou em todas as faixas etárias entre1998 e 2005, mas a maior adesão estáentre os jovens com primeiro graucompleto. Por outro lado, jovens de15 a 24 anos compõem o grupo quemenos identifica corretamente as for-mas de transmissão do HIV e as jo-vens mulheres são as que menos sesentem à vontade de exigir o uso depreservativos. Elas têm dificuldade denegociar a prática com o parceiro.Como se altera esse quadro? Com avalorização das diferenças de gêne-ro. Um estudo de intervenção, publi-cado há dois anos, feito com 394 alu-nos de escolas públicas de São Pau-lo, mostrou que a freqüência do usoconsistente de preservativos era bai-xa (33%) e que existiam diferençassignificativas entre homens e mulhe-res no trato da sexualidade e na pre-

venção. A pesquisamostrou a eficácia deoficinas em que os jo-vens dramatizavamseus papéis sexuais ea discussão sobre aprevenção com seusparceiros. Os melho-res resultados foramnotados entre as mu-lheres. A posiçãomasculina, mais cen-trada no pensamentode “sei tudo sobresexo”, deixava menorabertura para compar-tilhar dificuldades edúvidas. Isso mostraque é preciso compre-ender que as diferen-ças no modo de vivera sexualidade entrehomens e mulherestêm conseqüências sé-

rias no uso de preservativos.A abordagem que leva em conta

esses aspectos pode estimular o con-ceito de autonomia, que se baseia nadefesa dos direitos sexuais. A pro-posta é que os jovens sejam conside-rados capazes e tomem para si a res-ponsabilidade de lutar por ter dispo-nível, na escola ou no bairro, a orien-tação sexual e os métodos de contra-cepção, sem alguém que dite a eles oque e quando fazer.

Vera Paiva, do Núcleo de Estudospara Prevenção da Aids, defende queo psicólogo deve se adequar à realidadede jovens e adolescentes, levando emconta os valores locais e as dificuldadesculturais do meio em que vivem

Cerca de 60%das escolas doPaís têm ações

preventivas,principalmente

no ensinomédio

E PÚBLICA

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Entrevista

AIDS. O QUE NOS Tmundo está vivendo a terceiradécada da epidemia da Aids.O vírus foi isolado em 1983,ano em que o número de in-

fectados com a doença explodiu nosEstados Unidos. No Brasil, 49,4% daspessoas contaminadas têm entre 13 e34 anos, sendo que 10% estão en-trando na adolescência. São meninose meninas infectados pelas suas mães,durante a gestação. “Esses jovens têmum papel histórico a desempenhar.Sobreviveram não apenas para con-tar, mas para ajudar a mudar a histó-ria”, diz o médico José Ricardo Car-valho Mesquita Ayres, professor daFaculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo. Na análise da evo-lução da epidemia desde o surgimentodos primeiros casos, em 1981, nosEstados Unidos, o especialista tam-bém enxerga várias outras nuances.Uma delas defende que a vulnerabi-lidade à doença não é atributo ape-nas do indivíduo, mas de um conjun-to de fatores. Na sua opinião, a res-ponsabilidade pela contaminação pelaAids se estende igualmente ao Esta-do e ao meio social.

Diálogos – Qual foi o impacto do sur-gimento da Aids na medicina?José Ricardo Ayres – Foi o abalo deum tsunami. No começo a epidemiaera um mistério. O que em vigilân-cia epidemiológica é chamado deagravo inusitado à saúde, ou seja,uma doença sem nenhum relato an-terior semelhante, ninguém sabianada a respeito. E a doença surgiunos Estados Unidos na era RonaldReagan, muito retrógrada e conser-vadora. As autoridades demoraram aorganizar programas mais efetivos decombate ao que chegou a ser chama-do de ‘peste gay’. Isso fez com que aepidemia se espalhasse rapidamenteentre as populações mais vulneráveis:pobres, negros e homossexuais.Diálogos – E como os diversos seto-res envolvidos reagiram no Brasil?Ayres – No Brasil foi o inverso doque aconteceu nos EUA. A área desaúde se politizou rapidamente coma democratização na década de 80 etrabalhava com a idéia de que não se

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faz prevenção sem tratar de questõesestruturais. Estávamos construindo oSistema Único de Saúde e ele estavavinculado ao estado e às normas danova constituição de 1988. O que fezcom que a sociedade civil tivessemeios para acionar o estado e cobrarseus direitos.Diálogos – E isso aconteceu de fato?Ayres – Sim. Foi uma ação judicialmovida por organizações não-gover-namentais ligadas aos homossexuaisque exigiu que os primeiros medica-mentos surgidos nos EUA para tratara Aids fossem disponibilizados aosportadores do vírus no Brasil.Diálogos – Por que o programa decombate à Aids funcionou bem noBrasil? A ponto de virar um modelode referência.Ayres – Foi um conjunto de fatores.A epidemia começou nos grandescentros, afetou grupos que se organi-

zaram coletivamente para respondera ela. Outro fato foi a existência deuma medicina preventiva e social quepropôs uma ação em que o estado ea sociedade civil atuassem juntos. Eexistia um sistema universalizado desaúde.Diálogos – O que mais falta?Ayres – Muito. É imprescindívelcombater a estigmatização. O pre-conceito exclui socialmente, é comose as pessoas infectadas fossem ci-dadãos de segunda classe, sem aces-so a produtos e serviços para se pro-teger. Do ponto de vista social estãosujeitos ao isolamento, perseguição,violência. E do ponto de vista indi-vidual à baixa auto-estima, desâni-mo, depressão.Diálogos – E como melhorar a pre-venção? Como devem atuar os ser-viços sociais?Ayres - Uma das formas clássicas de

Ayres diz que abordagens interdisciplinares ajudam nos cuidados

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TORNA VULNERAVEISredução de contamina-ção é informar as pes-soas qual é o compor-tamento de risco. Mase se a pessoa tem in-formação e se contami-na? O que se presumedaí? Que ela se com-portou mal ou é maso-quista? Não. O objeti-vo não deve ser só in-formar. É sensibilizar,capacitar e organizar aspessoas.Diálogos – Como o se-nhor encara a questãoda responsabilidadeindividual e socialpela contaminação?Ayres – A grande maio-ria das pessoas infec-tadas estava em condi-ções que iam além da

capacidade individual delas de dizersim ou não. Na sociedade em queum casal heterossexual, monogâmi-co e estável não conversa sobre pre-venção, e em que o jovem homosse-xual não pode ir num serviço pegarcamisinha para se proteger, porquevai ser estigmatizado, isso é respon-sabilidade social. Se alguém quer seprevenir, mas não tem dinheiro paracomprar camisinha, isso é responsa-bilidade do estado. Não dá para pen-sar individualmente, mas também nãose pode retirar a responsabilidade doindivíduo. Não existe estado respon-sável sem indivíduos responsáveis.Diálogos – Como está a doença hojeno País?Ayres – A epidemia desacelerou bas-tante no Sul e no Sudeste, mas aindatemos áreas fora de controle no norteno Rio Grande do Sul.Diálogos – Qual o grande desafio quese coloca hoje?

Ayres – Fazer com que o número deinfecções diminua e achar a cura dadoença. Mas a outra questão crucial éa geração que está crescendo com oHIV. Essa é a primeira geração quechega à adolescência convivendo como vírus graças à política brasileira deacesso universal. Mas aí eles chegamà adolescência e ninguém sabe o quefazer com eles. Nem a instituição, nemos pais, nem as casas de apoio. E elesvão começar a vida sexual, vão co-meçar a vida social, estão nas escolas.É preciso saber lidar com eles.Diálogos – E como lidar com eles?Ayres – Em primeiro lugar, respei-tando a sua cidadania e garantia deseus direitos. Essa geração tem papelfundamental. Cresce com a infecçãoe tem um papel histórico a desempe-nhar. Podem nos ensinar um modode viver mais generoso e o que aspessoas que têm o vírus precisampara viver bem. Eles têm um lugardestacadíssimo e devem ser estimu-lada nesse sentido. É um grupo comuma experiência ímpar. Conheceramde perto o que é ter a doença e sofrero seu estigma, mas sobreviveram paramudar a história.Diálogos – Qual a importância doacompanhamento psicológico parao portador do HIV? Que influênciaele tem para o equilíbrio entre a car-ga viral e o número de CD4 e naadesão ao tratamento?Ayres – O acompanhamento psicoló-gico é muito relevante para o bomcuidado às pessoas que vivem com ainfecção pelo HIV e/ou doentes deAids. Aliás, abordagens interdiscipli-nares tendem a apresentar impactopositivo no cuidado em saúde demodo geral. E em casos como a Aidsestão envolvidas questões delicadas:estigma e a discriminação dos infec-tados, falta de perspectiva de cura,

ao menos no curto prazo, uso de me-dicamentos que por si só são umaagressão à saúde (efeitos colateraisincômodos, alterações na aparência,número excessivo de doses e com po-sologias complicadas etc), implica-ções sobre a vida sexual e a vida re-produtiva. Tudo isso torna ainda maisimportante o enfoque interdisciplinare o papel da Psicologia aí é central.Penso que o seu grande papel é aju-dar as equipes a construir planos decuidado para as pessoas infectadas,atentas à complexidade da situação esensíveis à diversidade e especifici-dade das características e necessida-des individuais.Diálogos – E como se dá a interven-ção?Ayres – Cuidar é participar ativamen-te da construção dos projetos de feli-cidade do outro, numa construção con-junta entre profissionais e usuários. Háalgumas tarefas específicas do psicó-logo em particular que podemser apoios psicoterápicos em algunscasos. Tão equivocado quanto acharque toda pessoa vivendo com HIVprecisa de psicoterapia é só encami-nhar ao psicólogo os “pacientes difí-ceis”, que não seguem as prescriçõesmédicas. As dificuldades de adesãodevem ser encaradas como um desa-fio de toda a equipe, não apenas dopsicólogo. O psicólogo pode ser peça-chave na facilitação do diálogo quepoderá abrir o caminho para a cons-trução de planos de cuidado efetiva-mente adequados para as pessoas vi-vendo com HIV, tanto da perspectivaclínica como ética, emocional e práti-ca. Carga viral controlada, CD4 alto eboa adesão são elementos fundamen-tais na boa evolução clínica de umapessoa vivendo com HIV, mas são asconseqüências do bom cuidado, nãouma finalidade em si.

O médico José Ricardo Ayres afirmaque o paciente não é o único responsávelpelo crescimento da epidemia no País

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Política

PSICOLOGIA NO

PODERo pequeno espaço dos con-sultórios particulares aos ga-binetes da política e à parti-cipação efetiva na elaboraçãode diretrizes de saúde. Esse

é o movimento de expansão de ati-vidades que os psicólogos vêm ex-perimentando nos últimos anos noBrasil e no mundo. Essa partici-pação cada vez mais ativa na áreapública é resultado da constataçãode que esses profissionais são fun-damentais para ajudar na compre-ensão do ser humano como umtodo, premissa que deve permearqualquer programa de assistênciaque almeje sucesso.

A presença do psicólogo nos es-paços de gestão pública é crescen-te particularmente na esfera muni-cipal. A grande maioria está na saú-de, mais precisamente no SistemaÚnico de Saúde (SUS). E sua atua-ção vai além da área desaúde mental. Os pro-fissionais da Psicologiatrabalham em progra-mas de doenças sexual-mente transmissíveis(DST/AIDS), em Cen-tros de Referência daSaúde do Trabalhador,

O psicólogo encontra novas frentes detrabalho no setor, mas ainda há o quemelhorar na formação do profissional

Unidades Básicas de Saúde, no Pro-grama Saúde da Família, em hos-pitais públicos e também no plane-jamento de políticas públicas desaúde. “Nos últimos 20 anos, hou-ve uma enorme ampliação das va-gas para o psicólogo na saúde pú-blica. Os profissionais descobrirama potencialidade dessa atividade etêm construído espaços importan-tes de trabalho”, afirma a psicólo-ga Lumêna Furtado, coordenadorade Apoio à Gestão Descentraliza-da (CGAGD) do Ministério daSaúde. Na sua linha de ação, ospsicólogos têm contribuído na re-construção de estratégias de aco-lhimento nas unidades de saúde eno reforço dos vínculos das equi-pes de saúde com a população. “Ospsicólogos também são responsá-veis pela inclusão dos segmentosmais vulneráveis, participam da

criação de redes, comoa rede substitutiva emsaúde mental”, contaLumêna.

Na verdade, hoje apresença do psicólo-go se faz sentir emtodos os pontos derede de atenção,contribuindo parasua qualif icação.Atualmente, inclusi-ve, a Associação Bra-sileira de Ensino em Psi-cologia (ABEP) tem comoponto de partida que toda aPsicologia cabe no SistemaÚnico de Saúde. Isso significaque os psicólogos estão e podemestar em todos os espaços de aten-ção à saúde. “Isto se justifica por-que o SUS não se limita à organi-zação da assistência à saúde dos

brasileiros. Ele con-siste em um projetodemocrático de socie-dade ao defender prin-cípios fundamentais,como a integralidadeda saúde, a participa-ção social e universa-lidade”, afirma a psi-

Sua presença nos espaçosde gestão pública é crescente

na esfera municipal

Sua presença nos espaçosde gestão pública é crescente

na esfera municipal

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CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

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cóloga Mônica Lima, mestra e dou-tora em Saúde Coletiva.

No entanto, não existe ainda umaespecialização que prepare melhoro psicólogo para trabalhar no SUS.“Isto reflete um dos maiores desa-fios para o ensino em Psicologia”,acredita o psicólogo Francisco JoséMachado Viana, vice-presidente daABEP e profissional atuante tam-bém da Maternidade Odete Valada-res, da Fundação Hospitalar, em Mi-nas Gerais. Segundo o especialista,até o momento esse conhecimentotem sido adquirido exclusivamenteem cursos de pós-graduação em saú-de pública/coletiva.

Considerando este panorama,neste ano a ABEP realizou a Ofici-na Nacional de Psicologia e SaúdePública/Coletiva. O evento foi pre-

cedido por 37 oficinas regionais econsolidou a construção de 35 Nú-cleos Regionais da entidade. Nes-ta tarefa, a convite da associação edos seus parceiros – Ministério daSaúde, Ministério da Educação, Fó-rum Entidades de Profissões daÁrea de Saúde, Organização Pan-americana de Saúde, Conselhos Fe-deral e Regionais de Psicologia –,mais de seis mil psicólogos, estu-dantes, professores e gestores deinstituições de saúde e de ensinoestiveram na linha de frente pararefletir sobre como e quais aspec-tos devem servir como orientado-res para a formação em Psicologia.“A ABEP proporcionou uma opor-tunidade concreta de produção deuma Psicologia efetivamente com-prometida com a realidade política

e sócio-sanitária brasileira”, comen-ta a psicóloga Liliana Santos.

Uma das pretensões da entidadeé trazer para o campo da graduaçãoo conhecimento que for necessáriopara incentivar a aproximação realdos estudantes a partir do fomentode estágios básicos e específicos ede pesquisas nos vários cenários eâmbitos do SUS. “A ABEP com-partilha do ideal de que precisamosconhecer onde e o que os psicólo-gos estão desenvolvendo no Siste-ma”, garante Francisco José. Nestadireção, a associação vem promo-vendo uma investigação para mape-ar a inserção dos psicólogos no se-tor de saúde, conhecer a produçãocientífica desse campo e apontar la-cunas para novas averiguações e ori-entar intervenções.

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Mas o leque deatuação dos profis-sionais hoje vaimuito além da atu-ação no SUS. Am-parados no conhe-cimento angariadona organização elutas em suas pró-prias entidades eem favor de movi-mentos sociais, ospsicólogos estãoocupando novos emaiores espaçosem escolas, fábri-cas, nos poderesJudiciário e Legis-lativo e em váriasposições da admi-nistração pública.“Eles se apropriamdas técnicas, métodos de atuação ede postura política, transformando-as em ferramentas para desenvol-ver sua prática profissional”, afir-ma a psicóloga Conceição Rezen-de, ex-secretária Municipal da Saú-de de Betim (MG). Na verdade,na opinião da especialista, ao es-tudar para conhecer e melhorar asrelações entre os sujeitos e a socie-dade, o psicólogo se comprometecom o conjunto da sociedade. “APsicologia é uma ciência que pen-sa o homem como ser social e nãoapenas como indivíduo, resguar-dando o respeito à diferença comocaracterística constitutiva do serhumano e reafirmando sua impor-tância para o convívio em socie-dade”, afirma.

Sua colega Maria do CarmoLara, psicóloga e deputada federal(PT/MG), concorda. “A psicologiaabre espaço para trabalhar a con-vivência institucional e a cidada-nia por meio dos serviços presta-dos”, explica. Maria do Carmo, in-clusive, garante que sua experiên-cia como psicóloga lhe permitiudar uma contribuição especial naPrefeitura de Betim, em Minas Ge-rais. “Com um olhar que me pos-sibilitava várias leituras e abria es-paço para a análise dos fenôme-nos psicossociais de uma formaglobal e operativa, coordenei equi-pes que, como gestoras das açõesdo sistema de saúde municipal, in-teragiam com os segmentos esta-dual e federal”, afirma.

Para chegar a esse estado atualde posicionamento profissional, foipreciso um longo caminho. Deacordo com Jefferson de Souza Ber-nardes, professor da UniversidadeFederal de Alagoas, no início dacomposição do campo profissional

no Brasil, os psicólogos acadêmi-cos e os práticos, que trabalhavamcom uma psicologia aplicada –principalmente nos campos da edu-cação, organizações e saúde –, com-partilhavam de concepções muitopróximas. “Apesar do aparente em-bate existente entre os teóricos epráticos, eles possuíam pensamen-tos complementares. A relação en-tre os dois grupos encobria um mes-mo modelo de construção de co-nhecimento e de aplicação em psi-cologia”, lembra.

Porém, na década de 80, ao es-tudar a situação das mulheres grá-vidas, suas experiências psicológi-cas e vivências junto ao sistema(público e privado) de atenção aopré-natal, ao parto e ao puerpério,Conceição Rezende já acreditavaque o acompanhamento psicológi-co junto a essas mulheres deveriacaminhar lado a lado com uma ação

Políticapolítica. “Nessaépoca, a exemplodo que havia ocor-rido na Itália, teveinício em várias re-giões do País o pro-cesso de questiona-mentos sobre omodo como eramtratadas as pessoasportadoras de sofri-mento mental den-tro das instituiçõesmanicomiais”, lem-bra Conceição. Na-quele momento, lu-tava-se por uma so-ciedade que in-cluísse as pessoasdiferentes, conside-rando-se o modo deser, de viver e adoe-

cer de cada um, em um movimen-to que avançou para a defesa dosdireitos humanos. Foi a partir deentão que surgiram instalações deserviços inovadoras tanto no setorprivado quanto no público.

Porém, apesar dos avanços,muitos trabalhos ainda estão sen-do feitos em um modelo mais an-tigo, baseado em uma concepçãoque individualiza e naturaliza asrelações sociais, lançando para aesfera privada e íntima toda a di-mensão da Psicologia. São açõesque fazem lembrar, por exemplo,o primeiro projeto de lei para a re-gulamentação da profissão, envia-do em 1958 para o Congresso Na-cional. Nele, havia um artigo queimpedia os psicólogos de assumi-rem cargos de chefia ou diretoriaem estabelecimentos de saúde, ca-racterizando-os como assistentestécnicos dos médicos.

Para incentivar uma maior in-teração entre a categoria e o setorpúblico, o psicólogo Bernardes de-fende um intenso diálogo com to-dos os interessados no campo daPsicologia, principalmente os usuá-rios dos serviços – no caso, as co-munidades atendidas. “Acreditoser um caminho interessante parasair da lógica intimista e indivi-dualizante que marca nossa ativi-dade profissional”, afirma. Na suaopinião, o caminho pela gestão noserviço público passa necessaria-mente pela abertura ao público eà permissão que os próprios psi-cólogos devem se dar para perce-ber o que acontece ao redor.“Quem sabe assim, inspirados nopsicólogo catalão Tomas Ibáñez,conseguimos abrir a psicologia ala irupción de la gente, como de-sejamos”, almeja Bernardes.

Para Conceição, ao estudar as relações entre o sujeito e asociedade, o psicólogo se compromete com a coletividade

Maria do Carmo usou suaexperiência como psicóloga

em seu trabalho na Prefeiturade Betim, em Minas Gerais D

CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006

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39

Artigo

A construção do Sistema Úni-co de Saúde (SUS) vem sendodesenvolvida a partir da formu-lação e implementação de políti-cas e estratégias que incidem so-bre o financiamento, a gestão e aorganização dos serviços. Umadas questões centrais diz respei-to ao desencadeamento e conso-lidação de um processo de mu-dança do modelo de atenção quecontemple a articulação do enfo-que clínico-assistencial, ainda he-gemônico, com o fortalecimentodo enfoque epidemiológico e aincorporação de um enfoque so-cial. Este último se expressa na

articulação entre as práticas as-sistenciais com as ações de vigi-lância ambiental, sanitária e epi-demiológica, bem como como naimplementação de ações interse-toriais e setoriais de promoção dasaúde e da melhoria das condi-ções de vida dos diversos gruposda população brasileira.

Um processo dessa naturezaimplica em mudanças na organi-zação e no conteúdo do trabalhoem saúde, o que induz a altera-ções no perfil ocupacional dosprofissionais e trabalhadores atu-antes na área. De fato, a imple-mentação de políticas e estratégi-

INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NASPRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS

As práticas de acolhimento criam para o psicólogo oespaço de exercício de uma escuta qualificada da dor

Por CARMEN TEIXEIRA*

* Carmen Teixeira é médica, doutoraem Saúde Pública, Professora do Insti-tuto de Saúde Coletiva da UniversidadeFederal da Bahia

as de reforma na organização dos ser-viços, como o Programa de Saúde daFamília, ao contemplar a constituiçãode equipes multiprofissionais nas uni-dades e incorporar princípios e dire-trizes como base territorial, enfoquepor problemas, planejamento local eoutros, demandam mudanças nas prá-ticas dos profissionais – médicos, en-fermeiros, odontólogos – envolvidos,o que vem sendo, inclusive, tema deestudos, investigações e debates.

Especificamente com relação aopsicólogo, duas questões, ora em pau-ta no âmbito do SUS, apresentam-secomo oportunidade de mudanças naprática profissional, seja pela mudan-

ça de cenário seja por modificaçõesna dinâmica da prática em si mesma,redefinindo objetos e meios de tra-balho dessa categoria. Refiro-me àimplantação da reforma psiquiátricaque enfatiza a ambulatorização, o en-volvimento da família e da comuni-dade nos cuidados terapêuticos e,conseqüentemente, redefine as pos-sibilidades de atuação dos psicólo-gos envolvidos nas equipes dosCAPS – Centros de Atenção Psicos-social, núcleo central da rede de ser-viços pretendida no âmbito da atualpolítica de Saúde Mental do SUS.

Além disso, o profissional da psico-logia vislumbra em seu horizonte de

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práticas possíveis um cenário com-pletamente novo criado pela buscade “humanização” da prestação econsumo de serviços de saúde noSUS. Aspiração antiga e políticaprioritária na atual conjuntura, a“humanização” expressa a crítica aoviés que generaliza e reduz a abor-dagem aos problemas e necessida-des de saúde dos indivíduos e gru-pos da população, ao discurso abs-trato da patologia e aos procedi-mentos da clínica. Em contrapon-to, a implantação de práticas deacolhimento, o esforço em estabe-lecer adesão e vínculos entre osusuários e os serviços de saúde,

cria para o psicólogo o espaço deexercício de uma escuta qualifica-da da dor e do sofrimento, das ne-cessidades e demandas da popu-lação que vai aos serviços de saú-de. Torna-se assim um elementoimprescindível na reorientação domodelo de atenção na medida emque circunscreve o espaço de va-lorização e do reconhecimento dasingularidade do modo de andara vida de cada pessoa, e do seusentir-se saudável ou enfermo.

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Como o projetoMãe-canguru está

revolucionando aassistência aos

bebês prematurose à sua família

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Filhos

Tecnologia doidéia de usar mães comoincubadoras para tratar re-cém-nascidos de baixopeso, a princípio, pode pa-recer uma alternativa pou-

co eficiente. Mas não é. O méto-do Mãe-canguru, técnica queconsiste em manter o bebê pre-maturo preso ao corpo da mãealgumas horas por dia, é uma al-ternativa comprovadamente efi-ciente para recuperação e de-senvolvimento dessas crianças.Durante o período emque ficam no hospital,em vez de passar todoo tempo numa incuba-dora recebendo calor ar-tificial, esses pequenosficam aninhados ao colomaterno. Esse aconche-go traz benefícios quevão do estímulo ao alei-tamento e o ganho depeso mais rápido à me-nor permanência dobebê no hospital. E nãoé apenas isso. Ali, cola-do ao seio da mãe, rece-bendo calor, afeto, ouvindo a voze as batidas do coração da ma-mãe, os vínculos afetivos se for-talecem, estabelecendo uma re-lação de cumplicidade e carinhofundamentais para o equilíbrio fí-sico e psicológico de ambos.

O método não substitui con-dutas e tampouco entra no lu-gar de procedimentos terapêu-ticos. Mas é efetivo na ajuda aalguns obstáculos físicos que acriança prematura enfrenta.Quando nasce antes do tempo,ela não sabe respirar sozinha –por isso a necessidade de ficarligada a um respirador artificial

ACONCHEGOem muitos casos. Porém, o fatode ficar amarrada ao corpo damãe, ouvindo os batimentos car-díacos, faz com que ela não se“esqueça” de respirar. Outroproblema é o engasgo, comumporque o bebê também nãosabe respirar e deglutir ao mes-mo tempo. Isto pode inclusivelevar à morte. Mas como ele ficaem contato com a mãe na posi-ção vertical, não engasga. A téc-nica também permite um melhor

controle da temperatura corpo-ral – outra dificuldade para ospequenos. A estabilidade datemperatura da mãe ajuda a dacriança também a se normali-zar, evitando a necessidade deusar um berço aquecido.

Na prática, o esquema de fun-cionamento do programa é sim-ples. Ao nascerem, os bebês pre-maturos ou de baixo peso sãolevados para a UTI neonatal ondeficam por até cinco dias. Depoiseles são retirados da incubado-ra e passam viver no colo damãe. “Isso promove um ambien-te propício para o fortalecimen-

to dos vínculos entre mãe e fi-lho. Sem falar da satisfação dasmulheres em tomar conta deseus bebês”, acredita o médicoErnani Ximenes Rodrigues, dire-tor do Hospital César Cals, emFortaleza. O especialista traba-lha há dez anos adotando o mo-delo da Mãe-canguru. “É cuidan-do de seus filhos que elas resol-vem suas angústias e ganhammais segurança”, afirma.

A humanização dos cuidadoscom o bebê de baixopeso é uma das expli-cações para o sucessodo Mãe-canguru. Huma-nizar, segundo os espe-cialistas, significa adotarum novo modelo de cui-dar. E essa estratégia setraduz em um estreita-mento das relações en-tre quem cuida e quemé cuidado, com benefí-cios para ambos. “É ine-gável que esse trabalhointerfere positivamentena saúde do bebê e na

segurança da mãe”, afirma o mé-dico Lauro Hagemann, coordena-dor da unidade neonatal do hos-pital Fémina, de Porto Alegre, noRio Grande do Sul. No programaMãe-canguru, esse cuidado é me-diado por uma equipe multidisci-plinar composta por médicos, en-fermeiros, psicólogos, fisiotera-peutas e assistentes sociais.

Para a psicóloga Diana Duca-ti, que integra a equipe de pro-fissionais do Mãe-canguru noHospital Fémina de Porto de Ale-gre, o trabalho do grupo tem umaimportância grande na recupe-ração do bebê e também da mãe.

Pai e mãe estabelecem vínculo com seu bebê

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Isso porque, em geral, essasmulheres chegam ao hospitalmuito fragilizadas e aflitas. Oparto prematuro provoca aba-lo psicológico com conse-qüências importantes nessasmães. Afinal, não se progra-ma a chegada de um filhoprematuro. Para muitas des-sas mulheres, essa situação deameaça e riscos é quase insu-perável. “Elas chegam muitofragilizadas e inseguras. Al-gumas até com sentimento deculpa pelo nascimento prema-turo do filho”, conta a psicó-loga. “Por isso, temos de cui-dar também dessa mãe. Nes-ses casos a intervenção é vol-tada para superação dessa in-segurança”, explica.

O apoio psicológico come-ça com uma abordagem paraavaliar a situação da família.Em que condições esse bebêveio e como estão lidando com o fato.Em grupo ou individualmente, os paisvão revelando suas angústias e me-dos. A superação dessas dificuldadesé um passo importante para aceitar ecompreender o cenário que se dese-nhou inesperadamente. Esse entendi-mento é ainda mais fundamental nocaso das mães adolescentes. Se com-paradas a uma mulher mais madura,elas se sentem mais amedrontadas eassustadas com a fragilidade de seusbebês. O medo de perder o filho é aameaça mais relatada pelas mães.“Numa situação normal já ficariaminseguras para cuidar do bebê. Nocaso de prematuro elas não sabemcomo lidar e sentem até medo de to-car”, relata Diana. Nesses casos, ospsicólogos fazem um trabalho de

Filhosto, mas muito importante.Mesmo sem poder pegá-losno colo, elas tocam e conver-sam com seus filhos e até osalimentam. O leite materno écoletado e colocado numa se-ringa, via usada para alimen-tar os pequenos. “Esse conta-to vai fortalecendo os víncu-los entre eles porque a mãesente que está exercendo amaternidade”, afirma Rober-ta. Aos poucos a inseguran-ça, as angústias e o medo dãolugar à esperança e à alegriade poder cuidar do filho. Já acriança sente e reage a essecarinho da mãe. Elas ficammais calmas e reagem melhorao tratamento”, diz

Depois dessa etapa a crian-ça fica em contato com o cor-po da mãe 24 horas. Orienta-da sobre os cuidados básicosde higiene, ela passa a cuidar

integralmente do filho. Esse períodopermite que mãe e filho se tornemcúmplices de seus desejos e sonhos. Afamília também deve participar. O psi-cólogo ajuda o pai a construir um vín-culo afetivo com a criança e a prepararos irmãos para a nova criança. Elestambém podem ver, sentir e acariciar onovo membro da família.

No Brasil, onde a taxa de bebêsprematuros é de cerca 10% entre osnascimentos, o Mãe-canguru virouprograma de política pública de saú-de. Atualmente cerca de 500 mater-nidades brasileiras, públicas e parti-culares, aplicam o método. Um tra-balho da Fundação Orsa, entidade quetem parceria com o Ministério daSaúde na implantação do Mãe-can-guru, evidenciou os bons resultadosdesse trabalho. De acordo com a pes-quisa, 57,8% das mães relataram queo método deixa o bebê mais calmo,melhora o sono, os permite ficar maisseguros e com maior sensação de pro-teção, além de se desenvolverem me-lhor e mais rápido. Também relata-ram que seu amor e carinho pelo bebêaumentaram. Percepções positivascomo felicidade e segurança foramrelatadas por 73% das entrevistadas.O estudo envolveu 370 famílias e 402bebês prematuros tratados em cen-tros de referência de Recife (PE), Flo-rianópolis (SC) e Itapecerica da Ser-ra (SP). Essa perfeita combinação decarinho e cuidado foi inspirada nocomportamento natural dos cangurus.Após o nascimento, o pequeno ani-mal fica protegido dentro da bolsada mãe até ficar maduro o suficientepara andar sozinho. Assim, cercadode calor e atenção da mãe, eles sedesenvolvem para a vida.

A idéia de usar mães como incubadoras paratratar bebês prematuros surgiu na década de70 na Colômbia. O objetivo era reduzir os altosíndices de mortalidade neonatal naquele País,provocado pela falta de infra-estrutura hospi-talar. Na opinião dos médicos que idealizaramo “Mãe-canguru”, essa experiência poderia tra-zer resultados importantes no desenvolvimen-to desses prematuros. O contato do recém-nascido com o colo da mãe, além de manter aestabilidade térmica, ajudaria a reduzir os ris-cos de infecção hospitalar e, principalmente,contribuiria para acelerar a alta desses bebês.Inicialmente, a técnica colombiana não trouxeos resultados esperados. Porém, pesquisasrealizadas no mundo todo ajudaram a com-provar a eficiência do método, referendando-ocomo prática de assistência. O resultado é oque se vê hoje. A terapia tornou-se referênciamundial e foi adotada em vários países.

Como nasceu a técnica

aproximação, estimulando o contatoentre mãe e filho. São eles que a pre-param para a visita, explicam sobreo ambiente da UTI, escutam seus me-dos e ensinam, entre outras coisas, aimportância do toque e da voz da mãepara o conforto emocional da crian-ça. Eles também auxiliam a mulher areconhecer as respostas do bebê e apreparam para possíveis seqüelas,morte ou alta.

O papel do profissional nesse ce-nário vai ainda mais além. Ele tam-bém exerce a função de mediador en-tre a família e a equipe médica. Issoé importante porque a comunicaçãoàs vezes não é bem compreendidapela mãe. “Em uma linguagem clara,ajudamos a dirimir possíveis dúvidassobre o quadro clínico do bebê”, ex-plica a psicóloga Roberta PenteadoBiglieri. Ela trabalha há seis anos noprojeto Mãe-canguru do Hospital Ge-ral de Itapecerica da Serra, em SãoPaulo. Em relação à equipe, o psicó-logo também faz uma preparaçãopara que os médicos tentem sempre

que possível diminuir sofrimentosevitáveis e individualizar o trata-

mento, entre outras ações.Com todo esse amparo, o vín-

culo entre mãe e filho vai seconstruindo diariamente. Na

primeira etapa, enquan-to ainda estão na

incubadora, ocontato damãe é discre-

No colo da mãe, arespiração e a temperaturado bebê se estabilizam

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PATERNIDADEPRECOCE

uando se fala em gravidez naadolescência, o pensamentocomum dirige-se imediatamen-te às meninas, como se os ga-

rotos estivessem fora da questão. Éassim com a sociedade civil. Não é oúnico segmento, porém, que age des-se modo. No sistema de saúde e noatendimento psicológico também severifica isso: a maioria dos serviçoscriados nessa área está voltada parao cuidado e o acompanhamento dasjovens mães. É sabido que muitospais adolescentes se recusam a assu-mir qualquer responsabilidade quan-do descobrem que a namorada ou aparceira engravidou, entregando à jo-vem todo o peso da gestação e donascimento do filho. Entretanto, é co-mum que os profissionais de saúdenão se preocupem com o futuro pai.Desse modo, eles excluem os jovensdo atendimento. E, assim, os adoles-centes ficam fora dos programas quedão atenção à gravidez precoce.

Felizmente, há serviços que desa-fiam essa postura. Dez anos atrás opesquisador Jorge Lyra preocupava-se com o tratamento dispensado aosrapazes que cedo se tornavam pais.Tanto que, com a intenção de pro-blematizar a questão do jovem pai,ele acabou sendo um dos fundadoresdo Instituto Papai, o Programa deApoio ao Pai Adolescente, que fun-ciona no Recife (PE). “A ausência

Instituto papai

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Programa com focono atendimento

de jovens paistraz resultados

premiadospela OMS

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de informações era completa.Como se na gravidez de uma ado-lescente, não existisse o pai”, ob-serva. De acordo com a Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS), aentidade pernambucana foi a pri-meira iniciativa do gênero na Amé-rica Latina. O reconhecimento foibastante celebrado. “O instituto nas-ceu e se desenvolveu como parte deuma luta para aumentar a eqüidade,a justiça social, os direitos humanose diminuir a discriminação que en-volve o pai adolescente”, diz Lyra.

O foco do Instituto Papai são osgarotos de 15 a 24 anos. As açõesacontecem nas escolas, nos bairrose na área de saúde, sempre obede-cendo a três orientações que são ospilares desse programa: estimularmedidas preventivas (principalmen-te contra as doenças sexualmentetransmissíveis DST, como a Aids),promover o exercício da paternida-de e a redução da violência sobre-tudo contra as mulheres. “É um tra-balho de formiguinha”, comparauma das coordenadoras da entida-de, Nara Vieira. “Trabalhar as ques-tões de gênero e direitos humanoscom os jovens é o melhor caminhopara combater a violência contra amulher”, completa.

É nessa linha que a entidade apos-ta. Ela atua em hospitais e unidadesda rede pública de saúde, onde sãorealizados encontros semanais compais adolescentes ou jovens queacompanham adolescentes grávidasno serviço de pré-natal. Nesse caso,procuram discutir com os rapazes anova condição, suas características edilemas. Há também uma parceriacom a Universidade Federal de Per-nambuco para produção de trabalhosacadêmicos nessa área, implementa-

Instituto papai

ção de políticas públi-cas orientadas para essefim e capacitação de ou-tras organizações não-governamentais.

O atendimento pres-tado em bairros carentes do Recifefunciona por meio de programas deeducação sexual e de gênero, pro-movidos por um grupo de jovens ca-

pacitados pelo InstitutoPapai para atuar comoagentes de saúde. Sãodiversas atividades re-alizadas na cidade. Ca-pacitados dessa forma,

os novos agentes se tornam multi-plicadores dos conceitos e práticasdesenvolvidas pela entidade, quevão, aos poucos, sendo incorpora-dos no dia-a-dia das pessoas atendi-das. Conscientizar desse modo é umamedida importante. A experiência daentidade mostra que o machismo,por exemplo, nem sempre é a únicacausa do pouco envolvimento dospais nas questões de paternidade.“Muitas vezes, a resistência à parti-cipação masculina parte dos própri-os sistemas de saúde que não incor-poram os pais em seus programasde acompanhamento das jovens grá-vidas, por exemplo”, explica Nara.

Um dos objetivos do Instituto Pa-pai é justamente combater o machis-

mo. É uma dura missãoque procura atacar va-lores culturais cristaliza-dos em nossa sociedadehá centenas de gerações.Esse modo de pensar atéhoje leva muitos pais adeixar exclusivamentecom a mãe os cuidadoscom o filho. Mas não éapenas isso. Tais traçosculturais podem vir a serresponsáveis por com-portamentos masculinospredatórios, como defi-ne Pedro Nascimento,que integra o corpo pe-dagógico da entidade.“A chamada maior li-berdade masculina fazcom que o homem te-nha relações com mui-tas mulheres para mos-

A entidadetrabalha comgarotos entre15 e 24 anos.

Abaixo, reuniãopara formar

novos agentes

Sirley Vieira:educador do projeto

preocupado empromover o acesso

dos jovens pais

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trar que é ‘homem deverdade’ e não recuseuma relação sem cami-sinha para não passarpor mole”, analisaNascimento, que atuanos projetos com jovens e tambémna prevenção de DST/Aids. Em suaspalavras, a suposta autonomia, for-ça e coragem masculina, acaba portorná-los vulneráveis à contamina-ção pelas enfermidades sexualmen-te transmissíveis. E, por conta dasidéias machistas, freqüentemente serecusam a negociar o uso do preser-vativo com parceiras fixas.

Os conceitos do Instituto Papai sãotransmitidos – em linguagem acessí-vel ao público-alvo – pelos jovensativistas capacitados pela entidade.Um núcleo de trabalhos acon-tece em Camaragibe, no Reci-fe, inclusive com adultos. Asações do grupo incluem as con-versas informais que se dão emespaços tipicamente masculi-nos, como campos de futebol,rodas de dominós e bares. Nadescontração desses ambientes,é possível discutir os problemasque rondam os adolescentespais e incentivar o interessepela paternidade. Essa iniciati-va foi premiada pela Organiza-ção Nacional de Saúde e peloPrograma Conjunto das Nações Uni-das em HIV/Aids. E os esforços des-se gênero prometem continuar pormais tempo. Na capital pernambuca-na, um grupo de 18 garotos com ida-des entre 15 e 24 anos compõe a sextaequipe do projeto Jovens Ativistas.A meta desses times especiais é esti-mular os jovens dos bairros a exer-cer com mais responsabilidade o pa-pel de pai, promovendo saúde e pre-venindo as doenças sexualmentetransmissíveis. Eles foram seleciona-

dos entre 155 candida-tos e são os novos pro-motores de saúde doinstituto.

Mas para iniciaremesse trabalho, é neces-

sária muita dedicação. Após passa-rem por um curso teórico e prático –a cargo do Instituto Papai –, eles es-tão prontos para visitar as comunida-des e colocar em prática o que apren-deram. Vão falar de métodos contra-ceptivos, de paternidade e sexualida-de responsável, com discussões a res-peito do uso da camisinha e de con-sultas regulares aos médicos, porexemplo. “O homem acha que nãoprecisa se cuidar, que isso é uma prer-rogativa feminina. Tentamos aproxi-má-los dos serviços de saúde”, afir-

ma Maristela Moraes, coordena-dora do instituto e integrante daRede Pernambucana de Reduçãode Danos.

O sucesso desses jovens agen-tes de saúde em Pernambuco foitão grande que eles foram incorpo-rados pelo Programa Saúde da Fa-mília (PSF). Os ativistas acompa-nham a equipe de médicos e assis-tentes sociais nas visitas domicilia-res. Nesse caso, o papel deles não éconversar com toda a família – issocabe à equipe do PSF. Os agentes doInstituto Papai se dirigem para lá como objetivo de falar diretamente aosrapazes da residência.

Há outro trabalho fundamental deconscientização preparado pelo Ins-tituto Papai. Maristela atua numa áreabastante delicada: sensibilizar os jo-vens para o grave problema da vio-lência contra mulheres, um dos temasmais recentemente abordados pelo go-verno federal. “No início desse traba-lho, era um desastre. Para os homensque têm histórico de brigar na rua,bater na mulher e agir com violêncialhes parece tão natural quanto usar bi-gode”, conta a coordenadora da enti-dade. Ela tentou quebrar a resistênciainicial indo diretamente aos bairrosque registravam maiores índices deviolência doméstica e urbana na capi-tal pernambucana. Seu trabalho con-siste em desenvolver oficinas partici-pativas, com esquetes teatrais, exibi-ção de filmes e discussão.

Se no começo a participação dacomunidade era ínfima, hoje Maris-tela tem sempre grupos completos,

com homens e mulheres. “Oque funcionou melhor nesseprojeto foi o teatro”, informa.Os jovens montam cenas emque cada personagem exerceum papel que reproduz situa-ções sociais e de rua comunspara os moradores daquelasregiões. Ao final da peça, to-dos comentam as atitudes e asrazões do personagem que in-terpretaram, fazendo uma aná-lise da problemática dentro deum contexto que lhes é aces-sível. “Eles expunham a rea-

lidade que viviam mais facilmente.É como se não falassem deles mes-mos, mas do personagem”, explicaMaristela. Funcionou tão bem que oworkshop, batizado de Teatro e De-senvolvimento Participativo, come-çou a ser aplicado em 2002 e atual-mente é o principal método de tra-balho do programa de combate à vio-lência feminina. Sinal de que o es-forço tem surtido o efeito desejado,promovendo melhorias na vida tan-to da mulher, quanto do homem.

O timecombate o

machismo, queleva muitos

homens a nãoaceitar o usoda camisinha

Ana Funghetti:psicóloga que investe

no debate paraenfrentar a violênciacontra as mulheres

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diálogos

CARA A

A ATUAÇÃOCOMOPROFISSIONALDE SAÚDE

Um debate na ponte aérea: as psicólogas GINA FERREIRA, do Rio de Janeiro, e MARY JANE SPINK, de SãoPaulo, conversam aqui sobre as formas de atuação do psicólogo no campo da saúde. Ele está preparado paraexercer esse papel? O que é preciso aperfeiçoar? Entende a importância da dimensão subjetiva no processode cura e prevenção? De correntes distintas, Gina e Mary Jane têm em comum a Psicologia Social. A carioca édoutoranda da área na Universidade de Barcelona, na Espanha, e especialista em Psiquiatria Social pela EscolaNacional de Saúde Pública. Coordenou a Casa das Palmeiras, trabalhando com Nise da Silveira e o Programa deSaúde Mental de Paraty e de Angra dos Reis. Lá, criou o Projeto de Volta Para Casa para pacientes crônicos earrebatou o Prêmio Internacional da WARP. Implantou ainda a Primeira Residência Terapêutica do Ministério daSaúde fora dos muros hospitalares. É consultora do governo da Catalunha para adoção internacional no Brasil.

Mary Jane é professora titular e coordenadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Socialda Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora I A do CNPq, desenvolve, desde 1998, pesquisasrelacionadas aos discursos sobre risco na sociedade contemporânea. É autora dos livros ”Psicologia Sociale saúde” (Vozes) e “Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano” (Editora Cortez).

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A CARADIÁLOGOS – Quais os elementos te-óricos metodológicos mais impor-tantes para a orientação dos psicó-logos na área de saúde?Gina Ferreira – Todos os elementosteóricos metodológicos no campo dasaúde são ferramentas de trabalho quepodem ser afirmadas, questionadas etrocadas de acordo com o contextoem que a questão se revela. Antes deter as ferramentas na mão é precisoter clareza da dimensão política e fi-losófica do trabalho em saúde. Acomplexidade política institucionalmuitas vezes anula o instrumento téc-nico. Diante disso, recordo-me de queno início da transformação da assis-tência psiquiátrica, nas duas últimasdécadas, experiências biológicas, psi-cológicas ou psicanalíticas eram rea-lizadas inutilmente em asilos insanos.Foi necessária a união entre técnica,política e ética para dar início ao quechamamos hoje de Reforma Psiquiá-trica. Como em toda profissão, tam-bém, há de se considerar o perfil ade-quado, que inclui sensibilidade, bomsenso e a noção de compromissocomo primordiais para qualquer cam-po da área de saúde.Mary Jane Spink – Primeiro é todo oarsenal técnico que permite ao pro-fissional trabalhar as questões espe-cíficas do processo saúde/doença. Porexemplo, promoção de saúde, preven-ção, tratamento, apoio em tratamen-tos clínicos, tratamento psicoterápi-co. Esse arsenal técnico, de maneirageral, os psicólogos obtêm em seuscursos de graduação e estágios. Massempre defendi que não basta só isso.O segundo elemento é o conhecimen-to aprofundado das propostas de aten-ção à saúde preconizadas no SUS:ter afinidade com esses princípios,entendê-los, dissecá-los, é fundamen-tal. A capacidade de trabalhar emequipe e olhar o paciente para alémde sua queixa específica, olhá-lo noseu contexto social, familiar e etc. Oterceiro é o conhecimento das espe-cificidades do contexto do atendimen-to. E aqui incluo a escuta das de-

mandas. Não somente demandas dapopulação usuária dos serviços desaúde, mas as da própria equipe, dosprofissionais que integram a equipe.

DIÁLOGOS – O psicólogo está bempreparado para atuar na área de saú-de? Quais os principais problemasdetectados atualmente?Gina – A universidade oferece ins-trumentos para a atuação do psi-cólogo. No entanto, percebe-se quena área de saúde mental, por exem-plo, a reforma da assistência psi-quiátrica que ocorreu nos últimosanos andou em passos rápidos, nãohavendo ainda uma total adequa-ção teórica por parte da Academia.Em alguns aspectos, essa reformaé uma prática ainda em busca deuma teoria, necessitando de umacurta distância entre a teorização eo campo de trabalho.

Mary Jane – Para começar, arsenaltécnico sem o outro substrato, quelhe dá um conteúdo político, não levaa nada. As pessoas em geral vão fa-zer atendimento em hospital ou emunidade básica de saúde, ou na co-munidade, como se bastasse um ar-senal técnico, sem entender que es-sas habilidades em diferentes contex-tos organizacionais têm sentidos di-versos. Acho que o psicólogo não estábem preparado. Há vários esforçospara trazer à graduação este tipo desensibilidade em relação ao SUS eàs especificidades de cada atendimen-to. Os alunos saem da faculdade comvárias habilidades de trabalho em gru-po, de escuta terapêutica, de aconse-lhamento, de diagnóstico, etc. Entre-tanto, considerando a forma em queos cursos estão atualmente estrutura-dos, é muito difícil saber como pro-piciar a familiarização com os prin-cípios do SUS, assim como o conhe-cimento das especificidades dos con-textos de atendimento. Acho que se-ria absolutamente inócuo criar umadisciplina específica para isso.

DIÁLOGOS – Como o psicólogo é vis-to por gestores públicos ou priva-dos quando atua na área de saúde?Gina – Dentro do aspecto multidisci-plinar que a área de saúde exige, opsicólogo tem mostrado boa flexibi-lidade, e isto permite maior aceita-ção por parte dos gestores. No entan-to, não podemos negar que a hege-monia médica na área de saúde, emalguns serviços, torna a atuação dopsicólogo restrita – as informaçõesnão são compartilhadas, o acompa-nhamento psicológico não se integrana proposta terapêutica.Mary Jane – As pessoas sempre fa-lam a partir de posições. Então, de-pende da posição que o gestor ocu-pa. Por exemplo, duvido que o ges-tor de uma empresa que contrata umpsicólogo para a área de recursos hu-manos vá considerar que ele ou elaé um psicólogo da saúde. O gestorde um hospital de alta complexida-Mary Jane: alguns não são ouvidos

Gina: dados não são divididos

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de provavelmente vai perceber psi-cólogos como apoiadores das açõesclínicas médicas. Se são gestores deserviços de saúde coletiva, o psicó-logo é um membro da equipe, temum outro estatuto completamente di-ferente. Então, é possível ver comoé importante entender qual o con-texto de atuação. De qualquer for-ma, existem psicólogos ouvidos pe-los gestores assim como existem psi-cólogos que são desconsiderados.

DIÁLOGOS – O que é necessário paraaperfeiçoar a atuação do psicólogocomo profissional de saúde?Gina – É necessária uma aproxima-ção entre a teoria e a prática. A su-pervisão é o campo onde essas duasesferas se cruzam. Sen-do assim, as universi-dades deveriam estarpresentes na articulaçãoentre a vivência e o co-nhecimento. Além dis-so, a pesquisa, comoum processo que pro-duz e elabora conheci-mento para novas inter-venções no campo dasaúde, é outro pontoonde cruza criativa-mente a teoria e a prá-tica, fundamental parao aperfeiçoamento pro-fissional.Mary Jane – Acho queisso se aprende na prá-tica, por meio da inte-ração com superviso-res, gestores, colegasde trabalho nos espa-ços de discussão exis-tentes em um contextoespecífico. É na dis-cussão de casos espe-cíficos de atendimentoem serviços de saúdede vários tipos que se aprende. Oestágio é um espaço privilegiadopara isso, mas é necessária uma in-tegração maior entre os serviços euniversidades, por exemplo, de talmaneira que essa aprendizagem sejauma via de mão dupla e não fiquetudo na responsabilidade do profes-sor, do supervisor de estágio.

DIÁLOGOS – Quais são as principaisdificuldades no diálogo entre a Aca-demia e os serviços?Gina – Prefiro falar das dificuldadesapontando os caminhos nos quais essediálogo deve ser construído. Ele cres-

ce proporcionalmente à ampliação deestudantes nos serviços. Portanto,deve-se expandir o campo de estági-os que atualmente é limitado. O diá-logo amplia-se também quando aAcademia enfatiza a importância daprodução teórica advinda do campoda prática.Mary Jane – A principal dificulda-de é a falta de espaços de discussãocompartilhados pelos profissionaisdas duas instâncias. De maneira ge-ral, ou a Academia vai aos serviçosou vice-versa. Mas para todos, do-centes, estudantes de Psicologia, pro-fissionais recém-concursados e pro-fissionais que já estão trabalhandohá muitos anos, para que o diálogopossa existir é preciso que sejam

criados espaços nos quais essasquestões são discutidas, não tanto emtermos teóricos, mas nos termos dasações de todo o dia.

DIÁLOGOS – Qual é a compreensãoque o psicólogo precisa ter sobre asaúde na sua formação?Gina – Diante do trabalho na saúde,o psicólogo deve ter noção de inte-gralidade, entendendo que as neces-sidades dos pacientes são mais am-plas do que se supõe a técnica. Éimportante abandonar a idéia univer-salista sobre a doença e considerar asingularidade apontada pela história

social e a diversidade cultural queconstitui a relação do sujeito com omundo.Mary Jane – Saúde é um estado mui-to fluido, difícil de precisar. Se dis-sermos que Psicologia é uma pro-fissão da saúde, tiramos as especifi-cidades desse campo de atuação.Acho que todas as ações públicas,sejam das ciências, das políticas pú-blicas, visam ao estado de saúde ebem-estar da população. Não existenenhuma arena de atuação humanaque não esteja agindo em prol dasaúde e do bem-estar individual oucoletivo. Então, prefiro dizer queapenas algumas práticas da Psicolo-gia estão diretamente voltadas parao processo saúde/doença. Aqui, sim,

o profissional é, de fato,o profissional da saúde.

DIÁLOGOS – Qual a im-portância da dimensãosubjetiva para a melho-ria da saúde?Gina – A escuta, comsua dimensão subjetiva,é importante em qual-quer área de saúde. Nosofrimento psíquico, porexemplo, no qual os sin-tomas têm significado efunção, a escuta possi-bilita ir para além dossintomas, testemunhan-do e compreendendo areal dimensão da dor.Mary Jane – A pergun-ta que eu faria antes depoder responder a estaquestão é “sobre quemestamos falando?”. Ousual é pensar a subje-tividade apenas na pers-pectiva de quem buscaos serviços de saúde, oude quem trabalha na

prevenção e tratamento de doenças.Mas para um psicólogo que atua apartir da abordagem discursiva, sub-jetividade é sempre uma questão deinteração. É resultado da co-cons-trução de sentidos sobre um deter-minado acontecimento historica esocialmente contextualizado. Emsuma, se não entendemos os pro-cessos de interanimação dialógicapresentes nas interações que têm asaúde por foco, não entenderemosa dimensão subjetiva associada àmelhoria da saúde. Mas, nessa pers-pectiva dialógica, certamente a di-mensão subjetiva é fundamental.

CARA A CARA

Para Mary Jane,a atuação podeser melhoradana práticapor meio dainteração comsupervisores,gestores eoutros colegas

As faculdadesdeveriam estar

presentes naarticulação entre

a vivência e oconhecimento,de acordo com

a psicólogaGina Ferreira

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Prosa

No fundo do poço

* Benedito Donisete Packer é agricultor presidente do Conselho Municipal de Saúde, Segmentos dosusuários, membro do Pólo Permanente de Educação em Saúde do Sudoeste Paulista

Legal, encontrei uma escada, dessas com extensão,com os espaços, dez metros.

Foram momentos difíceis, o caminho e colocaraquela escada dentro daquele poço, o risco de atingirteu ser me preocupava, alguns gemidos fracos certifi-cavam a tua presença, mesmo não lhe vendo, tinha acerteza que você queria sair do poço.

– Ei, você está me ouvindo?– Sim!– Está vendo a escada?– Sim!– Então, suba!Senti, ao segurar a escada mexendo, afinal, a vitó-

ria! No oitavo metro vi teu rosto, teu corpo, me faziamedo o estado assombroso que te encontravas. Derepente, soltou-se! Pensei que tinha morrido. Entre osdegraus da escada se debatia, aos gritos de dor, dedesespero. Você não sabe o quanto foi difícil pramim, já era tarde, o dia se findava como muitos ou-tros dias. Desci pela escada, procurando por você, oescuro era tanto, não via o teu rosto, mas sentia o teucorpo em farrapos, todo machucado.

Disse: deita-te no meu ombro, vou tirar-te daqui!Fixou aqueles olhos nos meus e colocou as mãos nomeu rosto a chorar, me perguntou:

– Quem disse que eu quero sair daqui?Paro aqui o meu conto, ficando no meu canto a

pensar, você no teu poço.– Um abraço do tamanho da escada.

Por BENEDITO DONISETE PACKER*

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A o passar por uma estrada, estava eu a observaraquela beleza rural quando escutei:

– Ei, ei! Tem alguém aí?Por um instante procurei o autor do chamado e,

logo, encontrei um poço após a cerca, depois da es-trada de terra batida.

Fixei os olhos a procurar o autor ou autora dochamado naquela escuridão profunda. Eram mais oumenos dez metros de profundidade. Ficaste alegre ame ver nas bordas, onde havia luz. Não sei o quantode tempo estavas ali, mas ali estavas, fazia tempo.

– Lhe tiro daí!Busquei uma corda forte e comprida.– Alcançou?– Sim! – respondeu você.Comecei a puxar. Tinha subido dois metros e sol-

tou! Com a queda machucou-se muito, gemeu de dor...As quedas machucam, cada um sabe a dor.

Puxei a corda. A cada metro dei um nó como umaescada.

– Agora você sobe que eu seguro.– Creio que sim! – respondeu-me.Percebi tua silhueta, mesmo gemendo de dor,

alcançavas o quinto metro. Era a metade do cami-nho. De repente, soltou! Choros, gemidos e gritosforam constantes após a queda. Lamentei, mas tirarvocê do poço era um desafio pra mim, agora, maisdo que nunca.

– Me espera! Alguns quilômetros só.

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Trabalho

a gíria inglesa, a palavraBurnout serve para expli-car algo que deixou defuncionar por falta deenergia. Na saúde, o ter-

mo é usado para definir um es-gotamento físico e mental crôni-co causado pelo trabalho. Trata-se da síndrome de Burnout, umtipo de estresse ocupacional, ca-racterizada por exaustão emoci-onal, apatia extrema, desinteres-se pelo trabalho e lazer, depres-são, alterações de memória e dohumor, fadiga, enxaqueca, doresmusculares e distúrbios do sono.A enfermidade acomete princi-palmente profissionais que lidamdiretamente com pessoas. Nes-sa categoria estão incluídos pro-fessores, policiais e trabalhado-

Psicólogos estão entre osprofissionais mais atingidospela síndrome do Burnout,caracterizada por umaextrema exaustão emocionalASSIANTU RADSADSA

ACABAres da saúde como médicos, en-fermeiros, assistentes sociais etambém os psicólogos, expos-tos a situações de extrema pres-são, jornadas exaustivas, respon-sabilidade e frustração.

Os números evidenciam uma si-tuação grave. Uma pesquisa rea-lizada pela International StressManagement Association no Bra-sil, entidade que estuda o estres-se, apontou que cerca de 30% dostrabalhadores no País são vítimasdo Burnout. Outro estudo, da Con-federação Nacional dos Trabalha-dores em Educação, mostrou que48% dos empregados na área so-frem com algum sintoma e 25%dos professores apresentam a sín-drome completa. A pesquisa, de-senvolvida em parceria com o la-

ENERGIAQUANDO A

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boratório de Psicologia do Traba-lho da Universidade de Brasília(UnB), durou dois anos e meio eanalisou a saúde de 52 mil pro-fessores, funcionários e especia-listas em educação de 1.440 es-colas. Desde 1999, o Ministério daSaúde reconhece a síndromecomo uma doença do trabalho.

Uma das explicações para queo Burnout seja mais comum emprofissionais que cuidam de pes-soas – portanto mais propensosa estabelecer vínculos afetivos –diz respeito à impotência, cobran-ça e frustração da vida diária. Umprofessor, médico ou psicólogorecém-formado, motivado e comelevada expectativa, pode nãoencontrar na profissão o que es-perava. Isso, associado à sensa-ção de impotência, pode ser de-terminante para levar à síndrome.“Essas pessoas têm no trabalhosua principal fonte de satisfação.Por isso são mais vulneráveis”,explica o psicólogo Cloves Amo-rim, professor da PUC/Paraná.

Os primeiros sintomas foramidentificados pelo psiquiatra Her-bert Freudenberg, em 1970, emprofissionais que lidavam compacientes psiquiátricos. Um sen-timento de fracasso e exaustãocausado pelo excessivo desgas-te de energia os atingiu, afastan-

do-os das tarefas cotidianas. Maso Burnout traz outras conseqü-ências devastadoras. As vítimaspodem manifestar agressividade,hostilidade e outros sentimentosque comprometem o convívio so-cial e familiar. “É um dos prejuí-zos mais severos da condição”,diz Cloves. Sem contar que a sín-drome provoca uma erosão naauto-estima do profissional.

É importante saber que a sín-drome é diferente do estresse.Este não tem necessariamenteorigem no trabalho e demandamedidas mais simples. “Um bomperíodo de férias pode melhoraruma situação de estresse”, ex-plica Cloves. No caso do Bur-nout, ao contrário, as férias ten-dem a piorar o quadro, pois oindivíduo se mantém ligado aotrabalho e sofre com a possibili-dade de retornar. “Portanto, énecessário fazer uma interven-ção mais ampla com o apoio demédicos e psicólogos”, afirma.

Aí está um dos desafios da Me-dicina e da Psicologia: diag-nosticar e combater adequada-mente o Burnout. Muitos pacien-tes são tratados como depressi-vos. “Tanto um como outro apre-sentam disforia e desânimo. Noentanto, pessoas deprimidas têmletargia e sentimentos de culpa,

e no Burnout, ocorrem predomi-nantemente tristeza e desapon-tamento”, diferencia Amorim. Odiagnóstico deve ser sintomáticoe feito por equipe que inclui psi-quiatra e psicólogo. Exames clí-nicos e testes psicológicos, en-tre eles o Maslach Burnout Inven-tory (MIB), ajudam no diagnósti-co. “O tratamento é multidiscipli-nar e tem dupla abordagem, como uso de fármacos e acompanha-mento psicoterapêutico para me-lhorar a auto-estima”, informaCloves. Também é necessáriauma mudança na relação do pa-ciente com o seu trabalho. “Eleprecisa reavaliar o espaço queessa atividade ocupa na sua vidae adotar hábitos mais saudáveis:dedicar mais tempo à família, aolazer, ao esporte e a práticas re-ligiosas”, diz o psicólogo.

Outro obstáculo é o baixo in-vestimento em programas volta-dos para a saúde do trabalhador.“As empresas estão preocupa-das, mas isso ainda não se tra-duz em ação”, afirma a psicólo-ga Ana Maria Rossi, presidenteda ISMA-BR. Apenas 5% dascompanhias oferecem programasde qualidade de vida de forma re-gular a seus funcionários. Comose vê, ainda falta muito o que fa-zer nesta área.

SINAIS QUE PODEM IDENTIFICAR O PROBLEMAFísicos: fadiga constante e progressiva; dores musculares,distúrbios do sono, enxaquecas, perturbações gastrointesti-nais, transtornos cardiovasculares e disfunções sexuaisPsíquicos: falta de atenção e de concentração, alterações dememória e tentativa de suicídioDefensivos: tendência ao isolamento, sentimento de impo-tência, perda do interesse pelo trabalho e lazer, absenteís-mo, ironia, cinismo (em especial nos profissionais de saúde)Comportamentais: negligência, irritabilidade, perda da iniciati-va, resistência a mudanças

COMO TRATARO método tradicional envolve o uso de medicamentos associado asessões de psicoterapia. Mas alguns hábitos também podem trazerbenefícios importantes para o paciente:● Pratique meditação ou relaxamento● Faça exercícios regularmente● Estabeleça um ritmo de trabalho que não prejudique suavida social● Não se sobrecarregue com responsabilidades. Delegue tarefas● Desenvolva a espiritualidade

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Cotidiano

ENCONTRO

Trabalhar com saúde pública,principalmente nas unidadesbásicas, é um desafio diário paraos psicólogos. Eles precisamlevar em conta contrastes sociais,aspectos culturais e questõescomo violência, pobreza e outrosproblemas da comunidade

DIVERSIDCOM A

entrada dos psicólogos na redede saúde pública brasileira sedeu, relativamente, há poucotempo. Foi em 1976, quandofoi desenvolvido o Programa

de Psiquiatria Preventiva com AçãoComunitária, um projeto da Secreta-ria Estadual de Saúde de São Paulo,com o objetivo de promover ativida-des com a participação de equipesmultidisciplinares. Inicialmente, essasações foram aplicadas em três cen-tros de saúde: o da Penha de França,da Vila Maria e da Vila Prudente, oschamados Distritos Sanitários, extre-mamente carentes de recursos em

Asaúde mental. Mas foi a partir do iní-cio dos anos 80 que a Psicologia co-meçou a ser, de fato, incluída nasações de saúde mental das UnidadesBásicas de Saúde e os psicólogos pas-saram a integrar as equipes multipro-fissionais dessas unidades, antes co-nhecidas como postos de saúde. Ospsicólogos iniciaram a prestação deassistência aos usuários nos progra-mas da unidade, começaram a traba-lhar junto à comunidade e a ir até ospacientes quando necessário. É a cha-mada atenção primária. A partir daí,era feita a integração dos psicólogoscom os demais programas, como os

direcionados ao diabetes, à hansenía-se, às gestantes e às crianças que jáeram desenvolvidos nas unidades.Também era função do psicólogo ela-borar diagnósticos e dar assessoriaaos outros profissionais da unidade.

O conceito da atuação dos psicó-logos nas unidades básicas de saúdese mantém, mas nesses 30 anos o quese viu foi uma adequação meio àsavessas à realidade brasileira, tantoem relação à saúde pública quanto àformação dos profissionais em psi-cologia. A psicóloga Monica Lima,professora da Universidade Federaldo Vale do São Francisco e mestre

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IDADEdoutora em saúde coletiva com a tese“Atuação da psicologia em serviçospúblicos de saúde do ponto de vistados psicólogos”, conseguiu traçar umpanorama da situação dos psicólogosna Bahia. Segundo ela, os psicólogossão levados a se organizar de maneiramais tradicional, com agendamento ehora marcada. Isso seria decorrênciada maneira como saem das faculda-des, sem uma visão adequada de comose faz um atendimento na área públi-ca, que é completamente diferenciadodaquele aprendido em livros, voltadopara clínicas particulares. “A realida-de nas unidades básicas é outra. O

paciente muitas vezes chega para aconsulta e reclama de fome. Além dis-so, eles não conseguem se manter nes-se tipo sistemático de atendimento,onde têm de expor seus sentimentosde forma mais intimista. Até mesmoa forma como o psicólogo se expres-sa, já que está acostumado a atender àclasse média, acaba afastando o paci-ente”, afirma Monica. Nesse contex-to, os próprios psicólogos acabam sefrustrando, pois acreditam que têmpouco a fazer. Mas, na verdade, o quefalta é habilidade para tratar com te-mas como fome, violência e outrosproblemas sociais importantes.

Essa situação não é exclusividadeda Bahia. Segundo especialistas, essedescompasso entre profissionais erealidade é comum em todo o País.“O psicólogo chega às unidades bá-sicas com a expectativa de reprodu-zir o modelo clínico, quer ter auto-nomia, se dispõe pouco a mudar oseu modelo de atendimento. Eles nãoentendem que esse é um trabalho co-letivo. Muitos dos psicólogos quepassaram em concursos para o setorpúblico não têm conhecimento bási-co de saúde pública, não tem forma-ção”, assegura Magda Dimenstein,professora do curso de psicologia naUniversidade Federal do Rio Grandedo Norte (UFRN) e coordenadora docurso de pós-graduação.

Na UFRN, os alunos de pós-gra-duação em Saúde e Cidadania desen-volvem projetos dentro das unidadesbásicas de Natal. Em um deles, osestagiários fizeram um levantamentosobre os principais problemas da co-munidade e perceberam que precisa-vam trabalhar com os jovens. For-maram um grupo de discussão noqual os próprios jovens escolhiam otema a ser debatido, como sexo, pri-meiro emprego, política. A partir daí,eram trazidos filmes, livros e especia-listas para tratar do assunto. “Muitospsicólogos dizem que trabalhar nes-sa área não dá retorno. Lidar com amiséria humana realmente não é fá-cil, mas é um campo que traz muitasatisfação. Com poucos recursos e in-tervenções simples conseguimos bonsresultados”, garante Magda.

O grande diferencial entre o aten-dimento clínico e o que deve ser rea-lizado em rede pública de saúde nãoé propriamente a linha terapêutica aser seguida, mas sim a maneira comoo profissional vai agir para se apro-ximar do paciente. Para trabalhar coma população mais carente, o psicólo-go precisa ter em mente que ele fazparte de uma equipe e que todo o seutrabalho deve ser realizado dessa for-ma. Além disso, deve-se levar emconta a comunidade, o meio em queele vive, as suas dificuldades e osseus problemas. Se uma criança apre-senta um quadro de hiperatividade,por exemplo, o trabalho do psicólo-go deve envolver a escola. Se for umcaso de violência doméstica, deve-seenvolver toda a família, além de con-tar com a participação dos outros pro-fissionais da unidade como pediatra,assistente social, nutricionista e en-fermeiro. Para um atendimento ideal

Em Diadema (SP), Osmar Zambellireúne as pessoas em grupos decompartilhamento para conversarsobre problemas semelhantes

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em UBS, o psicólogo necessita terainda conhecimento e entender do sis-tema de saúde pública, políticas pú-blicas e gestão. É assim que funcio-na a Unidade Básica de Saúde de VilaNogueira, em Diadema, na GrandeSão Paulo. Há 12 anos trabalhandoem UBS, o psicólogo Osmar Zambel-li conseguiu, junto com sua equipe,montar um trabalho global envolven-do o paciente e a comunidade. “Esta-mos inseridos no meio de um bair-ro carente de Diadema. Não dápara ignorar isso. Temos delidar com questões de vi-olência diariamente”,diz. Ele usa como re-curso terapêuticoos grupos de

compart i -lhamento, querepartem a aten-ção de problemassemelhantes entre osparticipantes. Entre outrascoisas, isso ajuda a preveniro agravamento de determinadosproblemas, como violência domés-tica e alcoolismo, por exemplo. Alémdisso, ele organiza grupos específi-cos, como um voltado para a terceiraidade. Nesse grupo, formado por mo-radores do bairro, o psicólogo tratade assuntos voltados para o envelhe-cimento. “São conversas sobre edu-cação, sobre como envelhecer comsaúde, com dignidade. O resultado émaravilhoso. Nós não aprendemossaúde pública na faculdade, os pro-

fessores vivem em outro mundo.Aqui, conseguimos perceber e aten-der casos de mulheres que sofrem deviolência sexual, por exemplo. Já es-tamos incorporados às abordagens es-pecíficas”, orgulha-se Zambelli.

O ideal é que fosse assim em to-das as unidades, mas nem todas con-seguem. Além da falta de preparodos profissionais, outra razão forteé a grande demanda de pacientes, o

que acaba dificultando um traba-lho mais elaborado. “O psicólo-

go quase sempre depara comuma UBS que não está or-

ganizada e, por isso, temde trabalhar com toda

a demanda que alichega. Esse fa-

tor acabainflando o tra-

balho do psicólo-go. Se o serviço de-

senvolver ações deacordo com o que é de

sua responsabilidade, as ta-refas do psicólogo e dos de-

mais profissionais estarão imbuí-das de mais qualidade, controle eresolutividade” acredita Maria JoséM. R. Berto, psicóloga na área desaúde pública, especialista em clíni-ca e mestre em Ciências da Saúde.Junto com a colega Rejane Caval-canti, ela fez parte do conselho or-ganizador do Fórum Nacional dePsicologia e Saúde Pública, realiza-do em outubro. A organização deum evento desse porte se fez neces-

sária depois que o sistema de conse-lhos de psicologia definiu que 2006seria o ano da saúde. A psicólogaRejane acredita que a realização doFórum foi importante para discutiras principais dificuldades enfrenta-das pelos psicólogos no seu cotidi-ano, as possibilidades de melhorarseu desempenho, como promover obem-estar e melhoria da qualidadede vida de indivíduos, comunida-des e instituições e ampliar a atua-ção profissional nesse campo. “Ainserção do psicólogo na área desaúde pública vem crescendo e exi-gindo mudanças na política de saú-de pública implantada no País. Exi-ge um aperfeiçoamento na forma-ção profissional que contemple oatendimento ao cidadão brasileiroem sua integralidade”, diz Rejane.

A participação da categoria foiampla e um dos principais pontos dis-cutidos foi a capacitação dos profis-sionais nessa área. Segundo MariaJosé, pela distância da formação emPsicologia e os requisitos para o tra-balho em saúde pública, pode-se di-zer que a habilitação da categoriaocorre in loco. Para a grande maio-ria, nada foi aprendido sobre saúdecoletiva em salas de aula. “O despre-paro aponta que são necessárias asmedidas relativas à formação, o en-contro durante a formação com as po-líticas públicas de saúde, a avalia-ção das produções do profissional, aeducação permanente e um plano decarreira que fortaleça o cargo técni-co”, afirma a psicóloga. Atualmente,cerca de 20 mil psicólogos atuam nasaúde pública. É consenso entre osespecialistas que há uma grande la-cuna nos cursos de graduação em psi-cologia nessa área da saúde. Não háaulas de gestão e políticas públicas,por exemplo. Na contramão da maio-ria das faculdades, a UniversidadeFederal de Santa Catarina oferece umcurso de Residência Multiprofissio-nal em Saúde da Família, além de

Cotidiano

A CONSTRUÇÃO DO SABERs psicólogos que atuam naárea da saúde enfrentam o de-safio de ultrapassar as fron-

teiras da sua prática profissionalpara participar do esforço de cons-trução do campo da saúde coleti-va. Trata-se de um conceito emelaboração que, por sua amplitu-de, concentra grande potencial dearticulação com diversas discipli-nas, uma prática fundamental para

uma discussão mais profunda sobreo objeto saúde-doença-cuidado. Naverdade, o debate em torno dessetema – a construção do campo da saú-de coletiva – tem origem nas trans-formações promovidas pela globali-zação e suas conseqüências, como oscortes nos gastos públicos, especial-mente no âmbito da saúde.

Atualmente, há inúmeras propos-tas para a superação das dificuldades

apresentadas pelos modelos atuais desaúde pública, especialmente na Amé-rica Latina. Fruto do processo de dis-cussão dessas idéias, os profissionaisda saúde se vêem diante da oportuni-dade de abordar o problema de ma-neira transdisciplinar. Um dos resul-tados desse compartilhamento de sa-beres e práticas, por exemplo, é a des-coberta de novos objetos de conheci-mento e intervenção, como a vigilân-cia e a comunicação social em saúde.

As plenárias do I Fórum Nacionalde Psicologia e Saúde Pública, em ou-tubro, trouxeram mais dados para os

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CIÊNCIA E PROFISSÃO – DIÁLOGO – nº 4 – Dezembro 2006 55

Artigo

A saúde do trabalhadore a Psicologia Por IÔNE VASQUES-MENEZES

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ste artigo parte da ausência dosujeito singular nas áreas deatenção à saúde do trabalhador,

na Psicologia do Trabalho e das or-ganizações. Um dos pontos impor-tantes que podem sustentar esta re-alidade é o processo de transforma-ção gradativa das doenças do traba-lhador para doenças do trabalho, ali-enando o sujeito do seu adoecimen-to. As lutas ideológicas ocorridasnos séculos XIX e XX em torno dopapel do indivíduo se substancia-ram, de um lado, nas correntes con-servadoras que se amparavam numaconcepção individualista, recusan-do-se a reconhecer as determinaçõessociais. Por outro lado, correntesmais progressistas criticavam essaconcepção e buscavam uma deter-minação social que pudesse estarrelacionada ao adoecimento do in-divíduo.

Num movimento pendular, o in-divíduo passa a ser visto como pro-duto das condições históricas, con-siderando as determinações decor-rentes de sua classe social, de seumeio, de seu trabalho. Assim, numgesto de proteção ao trabalhadorculpado como único responsável doseu destino e sofrimento, passou-sea enfocar o ambiente em que eleestá inserido e a preocupação coma sua saúde passou a ser uma preo-cupação com as doenças do traba-lho. Essa mudança implica, de umlado, positivamente, assumindo arelação existente entre condições detrabalho e adoecimento. Porém, aose alocar o problema no traba-lho, afasta-se o sujeito daação. O problema passa a sertratado coletivamente, alie-nando-se o sujeito doseu processo de adoe-cimento.

Se a doença é dotrabalho, é este queestá doente, o que,em muitos casos, nãoestá longe da verda-de. Porém, é de seesperar que quemconvive com ele,os trabalhadores,também adoeça ousejam passível deadoecimento. Nes-sa situação, os tra-balhadores per-dem a sua identi-

dade, primeiro para o trabalho emsi e depois para o grupo, para acategoria, para os dados epidemio-lógicos. O processo de adoecimen-to e a doença tornam-se distantesdo sujeito. Quando a Psicologia doTrabalho se vê obrigada, em fun-ção das mudanças históricas, a re-pensar a doença do trabalhador pelaótica da doença do trabalho, exclui,por sua vez, o sujeito como indiví-duo e adota para si o ter, olhando otrabalhador pela ótica da produçãoe não pela da sua identidade. Aatenção à saúde também respondea esse quadro de forma semelhan-te: afasta o paciente do processo deadoecimento ao qual foi submeti-do. Primeiro respondendo à repa-ração pelo seguro, depois deslocan-do seu atendimento do processo queo adoeceu, destituindo-o de seucontexto, reduzindo sua queixa esintomas a sinais e signos referen-tes ao saber médico, para quem in-teressa o que o sujeito tem e não oque ele é.

Contudo, é interessante lembrarque Ramazzini, já no século XVIII,apontava para a importância de sesaber a ocupação e condição socialdo paciente para entender o seuadoecimento. E ia além: “...Tal per-gunta (que arte exerce?) considerooportuna e mesmo necessária lem-brar ao médico que trata do ho-mem do povo, que dela se valepara chegar às causas ocasionaisdo mal, a qual quase nunca é pos-ta em prática, ainda que o médico

a conheça. Entretanto, se ahouvesse observado, po-

deria obter uma curamais feliz.” A curamais feliz poderiaaqui ser interpre-tada como a sín-tese dos olharesda Medicina eda Psicologia,com a inclu-

são dos con-textos social,econômico, psí-quico e biológi-co do sujeito.

Iône Vasques-Me-nezes, pesquisado-

ra do Laboratório dePsicologia do Traba-lho-LPT/Universidadede Brasília

E

psicólogos compreenderem seu pa-pel nessa questão. Um dos estudosmencionados, conduzido por cien-tistas sociais, abordou a ação depsicólogos e neurologistas no di-agnóstico e na terapia do transtor-no de déficit de atenção e interati-vidade. A atividade dos especialis-tas foi analisada como uma interfe-rência cultural e seu impacto avali-ado na sociedade. Percepções co-mo essa revelam o caráter múltiplodo debate e mostram o quanto atransdisciplinaridade é necessáriapara uma ação e produção críticas.

um curso de especialização na mes-ma área. Além da teoria, os alunosaprendem na prática o que é traba-lhar com pessoas de baixa renda, edesenvolvem projetos em duas uni-dades básicas de saúde de Florianó-polis. “Eles aprendem a olhar o indi-víduo dentro do contexto familiar eda sua comunidade”, ensina MariaAparecida Crepaldi. Para isso, os es-tudantes implementam ações na co-munidade que resgatam a cidadania,trabalhando com os próprios recur-sos da comunidade. “O psicólogo,para ser bom, precisa obrigatoriamen-te criar um vínculo com a comunida-de ao seu redor. Ele tem a função depreservar e cuidar da história do in-divíduo para ganhar a sua confian-ça”, diz Carmem Moré, supervisoraacadêmica da residência. O que seespera é que esses novos profissio-nais que estão chegando ao mercadode trabalho levem adiante essa ma-neira diferenciada de olhar o indiví-duo como um todo.

Para Rejane Cavalcanti,a formação de psicólogos

que atuarão em saúde públicaprecisa ser reformulada

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Psicólogos têm papel fundamentalna luta antimanicomial e no

resgate dos direitos humanos dospacientes psiquiátricos

Até a década de 1980,os usuários dos serviçosde saúde mental eramabandonados em hospícios.O empenho de centenasde profissionais da área desaúde mudou essa realidade.Porém ainda há muito a ser feito

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Perspectiva

exibição do documentário Em nome da razão não dura mais do que20 minutos. Neste curto espaço de tempo, o cineasta Helvécio Rat-ton descortinou o degradante cotidiano do Hospital Psiquiátrico deBarbacena, em Minas Gerais. Lançado em 1979, quando Rattoncursava o quarto ano de psicologia, o documentário revelou que o

famoso “hospício de Barbacena” estava mais para campo de concentraçãodo que para centro de tratamento da saúde mental. Além de marcar épocacomo denúncia contundente, Em nome da razão ajudou a impulsionar oquestionamento da ordem psiquiátrica instituída, um movimento que coin-cidiu com a luta pelas liberdades democráticas no Brasil. O final dos anos70 marcou também a primeira passagem pelo País de Franco Basaglia, oprecursor da reforma psiquiátrica italiana. “O louco é uma pessoa comoqualquer outra”, afirmou Basaglia durante debate no Rio de Janeiro. “E omanicômio é a resposta que a sociedade dá ao desespero”, disse.

Vinte e cinco anos depois, as pa-lavras de Basaglia ainda produzemeco nos quatro cantos do Brasil. Ocenário, no entanto, passou por sig-nificativas transformações. O hospí-cio de Barbacena, que integra a redeestadual de saúde e já encerrou maisde três mil pessoas em seus imensospavilhões, hoje tem cerca de 260 pa-cientes crônicos internados. Rebati-zado como Centro Hospitalar Psiquiá-trico de Barbacena, deixou de funcio-nar como pólo para a série de peque-nos hospícios da rede privada queproliferou na cidade no período daditadura militar. A psicóloga MariaHelena Jabur, coordenadora de saú-de mental do município em 2001,quando começou a reforma psiquiá-trica em Barbacena, reconhece atransformação, embora ressalte queainda há muito a fazer. “Hospício éhospício, o ideal é que acabe”, afirmaMaria Helena. “Mas hoje Barbacenatem 24 residências terapêuticas, queabrigam 157 moradores, a maioria vin-da de hospital público”, conta.

Entre aqueles que saíram do hos-pital e não reestabeleceram vínculoscom suas famílias, há pessoas queficaram até 50 anos internadas. Alémdo acolhimento nas residências tera-pêuticas, recebem uma bolsa de de-sospitalização no valor de R$ 240 pormês, graças ao programa De VoltaPara Casa, instituído pelo governo fe-deral em julho de 2003, como auxí-lio-reabilitação para portadores detranstornos mentais com histórico deinternação psiquiátrica igual ou su-perior a dois anos. “O dinheiro é umoperador social da maior importân-cia”, pondera Maria Helena. “O fatode ter acesso aos bens de consumo efazer suas próprias escolhas é um pas-so de grande importância no ganhode autonomia”, afirma.

No resto do País, a situação é simi-lar à de Barbacena, a começar pelaqueda no número de hospitais psiquiá-tricos, sinal da mudança de foco napolítica de saúde mental nas últimasdécadas. Em 1961, o Brasil tinha 135

hospitais, 54 deles da rede pública e81 privados. Durante o regime mili-tar, houve um expressivo aumento des-se quadro. O fenômeno, por um lado,era uma resposta à opção governamen-tal de contratar serviços privados,aproveitada à exaustão pelos empre-sários do setor. Por outro lado, refle-tia muito do autoritarismo da época,que tornou corriqueira a internação depacientes contra a própria vontade. Em1981, quatro anos antes da derrocadada ditadura, o País atingiu oápice dessa política cen-trada na internação,com 430 hospitaispsiquiátricos, sen-do 73 públicos e357 privados. Emapenas 20 anos, oaumento das ins-tituições foi de35% na rede pú-blica e de 164% naparticular.

Atualmente, o nú-mero de hospitais no Paísnão passa de 228, de acordocom levantamento do Ministério daSaúde divulgado em junho de 2006.E o número de leitos não pára dediminuir. De 72.514 em 1996, elesbaixaram para 60.868 em 2000 e, noano passado, caíram para 42.076. Portrás dessa mudança, esteve e conti-nua presente o empenho de centenasde profissionais da área de saúde,além do esforço governamental. Navirada dos anos 80, a crise da Previ-dência Social, aliada à constataçãoda existência de leitos ocupados des-necessariamente, reforçou a ação deuma ala progressista da psiquiatriaque questionava o modelo vigente.Dois anos depois, o então Ministérioda Previdência e Assistência Socialaprovou o Plano de Reorientação daAssistência Psiquiátrica, que tinhacomo meta a substituição dos hospi-tais por uma rede ambulatorial desaúde mental, a ser operada por umaequipe multidisciplinar. Começava,então, uma nova etapa também para

o psicólogo, que passou a ser incor-porado à política oficial.

Diretor de informações do InstitutoFranco Basaglia, no Rio de Janeiro, ousuário Milton Freire se lembra comclareza da entrada do psicólogo no ser-viço de saúde mental. Na década de60, Freire passou por dez anos de in-ternações intermitentes. “Nós éramostratados como bichos doentes, crimi-nosos, ninguém conversava com agente. Imperava uma visão estritamen-te organicista”, lembra Freire. “Quan-do surgiu o psicólogo, o tratamento ga-nhou outra dimensão, com a terapiacolocada no mesmo patamar do re-médio”, recorda-se. Integrante da RedeInternúcleo da Luta Antimanicomial,Freire conta que foi contatado por in-tegrantes do movimento em 1989,pouco depois da divulgação de um tra-balho coletivo, do qual participou, noMuseu de Imagens do Inconsciente,criado em 1952, no Rio de Janeiro,pela psiquiatra Nise da Silveira.

O Movimento Antimanicomial, porsua vez, estruturou-se durante o II

Congresso Nacional de Tra-balhadores de Saúde

Mental, realizado em1987, na cidadepaulista de Bauru.Seu lema – “Poruma sociedadesem manicômi-os” – em poucotempo passou a

ser divulgado portodo o País. No

mesmo congresso,instituiu-se o 18 de

maio como o Dia Nacio-nal da Luta Antimanicomial,

o que também ajudou a consolidar omovimento na sociedade como umtodo. Ainda em 1987, ano efervescentepara a reestruturação da assistência aoportador de transtornos mentais, inau-gurou-se em São Paulo o primeiroCentro de Atenção Psicossocial(CAPS) do Brasil. Atualmente, alémde 426 residências terapêuticas, exis-tem 882 CAPS espalhados pelo terri-tório nacional, sendo que 29 deles fun-cionam 24 horas por dia, segundo orelatório do Ministério da Saúde di-vulgado em junho.

A psicóloga Marcela Lucena, quejá atuou como coordenadora de saú-de mental de Recife, integra a equipeinterdisciplinar do único CAPS dePernambuco que jamais fecha suasportas. “Como trabalhamos com aperspectiva de evitar a internação psi-quiátrica e não fechamos o serviço,temos condições de absorver as situa-ções mais graves, que remetem à ne-cessidade de um cuidado mais inte-

A substituiçãodos hospitais por

uma rede ambulatorialde saúde mental

incorporou opsicólogo à política

oficial

CONQUISTA

A

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58 CIÊNCIA E PROFISSÃO – DIÁLOGO – nº 4 – Dezembro 2006

gral e intensivo”, afir-ma Marcela. “No aten-dimento ao usuário emmomento de crise, oscentros que não funcio-nam 24 horas por diaenfrentam maiores li-mites”, explica. No co-tidiano, esses centros,além dos cuidados clí-nicos, desenvolvemuma série de atividadespara estimular a recu-peração e a integraçãosocial do usuário. “Bus-camos no dia-a-dia adesconstrução dos ma-nicômios concretos e imaginários e aconsolidação da reforma psiquiátri-ca”, reflete Marcela.

Nesse processo, a Lei nº 10.216,conhecida como Lei Paulo Delgado,tem um papel marcante. Promulgadaem abril de 2001, ela garantiu a pro-teção aos direitos humanos dos porta-dores de transtornos mentais e redire-cionou o modelo de assistência à saú-de mental. Especializada em saúde pú-blica e saúde mental, Marcela já esta-va envolvida com essa nova aborda-gem quando a lei foi aprovada. Naseqüência, entre 2001 e 2004, à frenteda Coordenadoria de Saúde Mental deRecife, ela teve a oportunidade de par-ticipar diretamente da implantação doplano de desinstitucionalização deusuários do antigo sistema. “Comogestora, respaldada pela administraçãomunicipal da época, procurei provo-car o diálogo entre os diversos atores,ou seja, os técnicos, usuários e familia-res, facilitando a construção coletivada proposta de atenção à saúde men-tal”, lembra Marcela. Atualmente, co-mo consultora do Ministério da Saú-de e integrante da equipe de saúdemental da cidade do Paulista, na Gran-de Recife, a psicóloga procura mantera mesma linha de atuação.

O papel dos gestores de saúdemental têm uma faceta árdua: li-dar com a resistência da maio-ria dos defensores de hospitaisem aceitar o novo sistema deatenção psiquiátrica, dirigidopara uma rede de base comu-nitária e com forte participa-ção da sociedade. O governofederal tenta fazer a sua par-te. Desde 2001, está implan-tado o Programa Nacional deAvaliação dos Serviços Hos-pitalares (PNASH), que faz fis-calizações periódicas nas insti-tuições. Não há dúvida de que,em muitas delas, o atendimento foihumanizado. Mas há também casosem que o hospital, na esteira dos re-sultados constatados pelo PNASH, foi

descredenciado do SUS mas continuaa funcionar normalmente, à custa deliminares conquistadas na Justiça.

Em Goiás, a batalha da psicólogaDeusdet do Carmo Martins é contra aimplantação de um manicômio judi-ciário. De 2001 para cá, ela e um gru-po de profissionais da região conse-guiram barrar duas tentativas de cria-ção de um hospital de custódia. “Omais recente espaço que criaram equeriam chamar de Centro de Trata-mento de Doentes Mentais foi barra-do, em primeiro lugar, porque mani-cômio não é lugar de tratamento. Emsegundo, porque foi construído emcima de um lixão, em um lugar total-mente insalubre”, relata Deusdet. In-tegrada a uma equipe multidisciplinarque trabalha com portadores de trans-tornos mentais que estão sob medidade segurança, a psicóloga defende oacompanhamento ambulatorial comoprioritário. “Na prática, a internação

A reforma psiquiátrica encontrou, desde o começo,grande receptividade entre os psicólogos. Na prática, ela re-

presentou a possibilidade de fazer avançar concepções maishumanizantes e democráticas de atenção. Ao mesmo tempo, per-

mitiu romper com o monopólio do poder médico no interior dos hospí-cios, abrindo novos espaços para a atuação dos psicólogos e quebran-

do a hegemonia do trabalho antes existente.No decorrer do processo, o engajamento dos psicólogos se deu em diver-

sos níveis. No fazer clínico, levou para o cotidiano novas maneiras de lidar coma loucura. Tratar esse fenômeno em regime de liberdade significa superar desa-fios, a começar pela complexa articulação de recursos, conhecimentos e atoressociais. E, como operadores do novo fazer, os psicólogos se destacam ao coor-denar essa articulação. Na gestão e formulação da política para a saúde mental,sua participação é de tamanha importância que muitos ocuparam e aindaocupam postos estratégicos, tanto municipais quanto estaduais e federais.

Quanto à mobilização da opinião pública a favor da reforma, o papeldos psicólogos não poderia ser mais relevante, incluindo o empenhodo Conselho Federal de Psicologia na luta pela aprovação da Lei

Paulo Delgado. Em sintonia com essa realidade, pesquisas reali-zadas por institutos de opinião pública revelaram que uma das

ações mais valorizadas pelos psicólogos é a participaçãodos conselhos na luta antimanicomial. Como se não bas-

tasse, nos últimos anos, os psicólogos e suas orga-nizações incorporaram um novo componente

à reforma psiquiátrica: a luta pelosdireitos humanos.

no manicômio transfor-ma a pena em prisão per-pétua”, diz Deusdet. “Seo louco já é excluído, olouco infrator é o excluí-do do excluído”, afirma.

A justa indignação dapsicóloga se transformaem otimismo quando eladescreve as conquistasda equipe na qual traba-lha, sempre na perspec-tiva de proporcionaracompanhamento am-bulatorial. “A experiên-cia é fantástica”, contaDeusdet. “Pessoas que

pareciam sem a menor condição deconvivência social estão se adaptandoe se revelando pessoas como as ou-tras, só que têm um rótulo a mais”,analisa. Resultados como esses são,sem dúvida, produto da ação de pro-fissionais da saúde mental, mas hácasos nos quais a vontade política foideterminante. No Brasil, o episódiomais emblemático ocorreu em 1989,durante a administração da prefeitaTelma de Souza, em Santos, no lito-ral paulista, que se tornou a primeiracidade do Brasil sem manicômio.“Foi o ato mais difícil de meu gover-no”, costuma repetir Telma ao se re-ferir à intervenção na Casa de SaúdeAnchieta, uma fábrica de fazer di-nheiro à custa do sofrimento de maisde 600 internos, espremidos em umespaço capaz de abrigar no máximo200 pessoas. Com a reviravolta, o fimda chamada “Casa do Horror” viroureferência internacional.

Perspectiva

NA LINHA DE FRENTE

Marcela Lucena (ao fundo) atende em um CAPS que nunca fecha

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