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Revista do Legislativo

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Em nome do povo - memória e desdobramentos da Constituinte Estadual é o título desta edição comemorativa, que relembra e reafirma a importância dos trabalhos constituintes de 1989, a partir do relato de deputados e de servidores e representantes da sociedade civil que ajudaram a escrever a Carta Estadual. Também mostra como a ALMG se organizou para aquele momento, com inovações administrativas e abertura política que viabilizou a participação popular na elaboração do Texto Constitucional. Um novo Parlamento surgiu a partir daquela época, caracterizado pelo investimento na interlocução com a sociedade por meio de audiências das comissões, de interiorização de atividades e de eventos como seminários legislativos.

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janeirodezembro2009

Compromisso com a participação ........................................................................................................... 4

Fabiana Oliveira

Interlocução institucional gera resultados ......................................................................................... 20

Maria Célia Pinto

O legado constitucional ......................................................................................................................... 25

Mar ta Mendes da Rocha e Nilson Vidal Prata

A função legislativa: um poder-dever do Parlamento ...................................................................... 35

José Edgard Penna Amorim Pereira

Um pacto pela democracia ..................................................................................................................... 39

G. Fábio Madureira

Reinauguração da cidadania ................................................................................................................ 46

Ricardo Bandeira

Anos 80: década perdida? ..................................................................................................................... 51

Adriana Gomes

O primeiro grande ensaio da modernização ...................................................................................... 63

Lydia Hermanny Peixoto Renault

Direitos assegurados na nova ordem .................................................................................................. 67

Ricardo Bandeira

Emendas populares: garantia de participação .................................................................................. 73

Adriana Gomes

Descentralização necessária ................................................................................................................ 75

José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior

Em busca da autonomia ........................................................................................................................ 79

Felipe Faria de Oliveira, Roberto Sorbilli Filho

e Sérgio Pompeu de Freitas Campos

Por uma escrita plural ........................................................................................................................... 85

Carlos Alberto Menezes de Calazans

Entrevista ................................................................................................................................................ 87

Deputados constituintes ........................................................................................................................ 91

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Compromisso com a participação

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A Constituição Estadual de 1989 sinalizou novos rumos

para a participação popular na administração pública,

reproduzindo instrumentos previstos na Constituição

Federal e também inovando em relação a ela.

Conselhos setoriais com assento da sociedade;

ouvidorias; controle direto das ações de governo por

meio de petição ou representação; e, no âmbito do

Parlamento, a iniciativa popular no processo legislativo

e as audiências como subsídio para a elaboração das

políticas públicas. Vinte anos depois, esses mecanismos

institucionalizados de participação social avançam com

forma e ritmo diferenciados e continuam exigindo

esforço e investimento para se consolidarem.

Fabiana Oliveira

Jornalista da ALMG

fotos: Marcelo Metzker e Acervo ALMG

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Em 21 de setembro de 1989, datada promulgação da Constituição Esta-dual, um parlamentar atribuiu à normaque entrava em vigor a qualidade deser a “Constituição Compromisso”. Aexpressão não ganhou fama, ao con-trário do que ocorreu com a “Consti-tuição Cidadã”, de 1988. Mas essatentativa de sintetizar em uma palavra-chave a premissa e o resultado daAssembleia Constituinte Mineira de1989 revela um importante significadodo Texto Constitucional: o compromis-so de criar canais para a efetiva parti-cipação popular, conforme destacou orelator, deputado Bonifácio Mourão, nasolenidade de promulgação. Era umcenário de esperança, alimentado peloprocesso de redemocratização do Paísapós anos de ditadura e também pelamobilização social, que buscou garan-tir direitos nos textos constitucionais.

A indagação que se faz hoje, 20anos depois, é quanto ao verdadeirosignificado da Constituição Estadualna definição de novos rumos para aparticipação popular e para a atuaçãodos Poderes. Quais mecanismosinstitucionalizados de participação te-riam determinado avanços na elabo-ração das políticas públicas e forçadonovas posturas do Legislativo, do Exe-cutivo e da sociedade? Avaliar comoesse compromisso vem sendo cum-prido pode contribuir para resgatar a

importância da Constituição Estadual,no momento em que se comemora seuaniversário. É uma reflexão que se faznecessária em um cenário não mais deesperança, mas de profundoquestionamento com relação às insti-tuições, às leis e à atuação política.

Conselhos setoriais

A Constituição Federal de 1988deu as diretrizes para que a adminis-tração pública avançasse na criaçãode órgãos colegiados no âmbito doExecutivo com representação da so-ciedade civil, atribuindo acentuada im-portância aos chamados conselhossetoriais nos diferentes níveis de go-verno. A assistente social EleonoraSchettini Martins Cunha, mestre e dou-toranda em Ciência Política e funcio-nária da UFMG, pondera que a preo-cupação era garantir que as mudan-ças de governo não interferissem naqualidade das ações públicas. “A ideiaera criar colegiados com a participa-ção da sociedade, com condições deautoridade para exercer o controle daspolíticas públicas. Foi uma propostadisseminada por todos os grupos queparticiparam da Constituinte, a partirda experiência da área da saúde, quejá contava com essas instâncias”, ex-plica ela, que participou dos debatesem Brasília.

Conselhos sempre existiram, lem-bra Eleonora Cunha, tanto na época daCoroa Portuguesa quanto na históriarepublicana brasileira, mas todos elesconsultivos, formados por “notáveis”,pessoas com renomado conhecimentoou trajetória política em determinadaárea. Com a Constituição Federal, osconselhos receberam formato diferen-ciado e inovador: passaram a contarcom o assento da sociedade e ganha-ram a capacidade deliberativa, ou seja,

de decidir os rumos da política públi-ca, efetuando também seu monito-ramento e controle. Os novos conse-lhos não mais exigiram a notabilidade,e sim experiência de vida e interesseem participar, segundo Eleonora.

Comparativamente com a Consti-tuição Federal, a Constituição Esta-dual de 1989 ampliou o rol dos conse-lhos com participação cidadã, na ava-liação do especialista e mestre emDireito Administrativo Antônio JoséCalhau de Resende, consultor daALMG. Ele cita exemplos de conse-lhos consultivos como o de DefesaSocial (artigo 134, inciso IX), órgãode consulta do governador na políticade defesa social do Estado, com re-presentantes da sociedade civil. Tam-bém destaca a determinação consti-tucional de que o Conselho de Desen-volvimento Econômico e Social propo-nha o Plano Mineiro de Desenvolvimen-to Integrado (PMDI), a ser executadopelo Estado para fomentar o desen-volvimento econômico (artigo 231). Nacomposição desse conselho, assina-la, é assegurada mais uma vez a par-ticipação da sociedade civil.

A Constituição Estadual tambémpreviu, de forma expressa, a criaçãodos Conselhos Estaduais dos Direi-tos da Criança e do Adolescente(Cedca), de Defesa dos Direitos dodo Idoso e do Portador de Deficiência(artigo 226). Determinou, ainda, queas ações na área de assistência socialseriam implementadas mediante a ob-servação de diretrizes como a da par-ticipação da população, por meio deorganizações representativas, na for-mulação das políticas e no controle dasações em todos os níveis (artigo 194).O Texto Constitucional também esta-beleceu que as diretrizes para a atua-ção estatal em áreas como saúde,

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educação, assistência social, sanea-mento básico, cultura, meio ambien-te, comunicação social, turismo e po-lítica hídrica seriam definidas conjun-tamente pelo Estado e pela socieda-de civil por meio de órgãos colegiadosa serem criados em lei (artigo 260).

Um ideal ainda em construção

O Texto Constitucional procurougarantir a participação da sociedadena definição de diretrizes para a atua-ção estatal em diversas áreas. A per-gunta que se faz é: como isso temocorrido na prática? Eleonora Cunhalembra que o governo tem um papelmuito importante na efetivação dosconselhos, pois estes são uma insti-tuição do Estado, ainda que com um

formato totalmente diferente. É o entepúblico que torna disponíveis recursosmateriais, humanos e espaço físicopara seu funcionamento. “O Estadotanto pode ser o estimulador do con-selho quanto fazer com que essa ins-tituição nem funcione”, analisaEleonora, que integra o projeto Demo-cracia Participativa, da UFMG. Essegrupo reúne professores e alunos queestudam instituições de participação.A mais recente pesquisa da equipetrata dos conselhos de saúde, assis-tência social e criança e adolescenteno Brasil. O critério que orientou o tra-balho foi a qualidade da participaçãoe da deliberação dos conselhos.

Na avaliação de Eleonora, um pri-meiro ponto de análise diz respeito aos

gestores públicos, sejam eles gover-nadores, prefeitos, sejam, ainda, in-tegrantes do segundo escalão dos go-vernos. Aqueles que não têm visãoparticipativa acabam fazendo o con-selho funcionar apenas para cumprirrequisitos legais. Isso porque, em mui-tos casos, a liberação de recursos pú-blicos para determinada área está con-dicionada à criação do conselhosetorial. Já os gestores com projetospolíticos mais participativos apresen-tam um diferencial, viabilizando a cria-ção de conselhos e comitês muito alémdo que a lei estabelece. “O que tenhoobservado é que, quando o governoacredita na participação, ele está láno conselho; não delega a função paraninguém. O secretário debate os as-

Guilherme Bergamini

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suntos com a comunidade, aceita me-lhor qualquer derrota e leva a sério asdecisões, pois considera legítimoaquele espaço”, relata.

Outro ponto de análise é a repre-sentação da sociedade civil. Na avalia-ção da pesquisadora, é preciso aten-ção para evitar as armadilhas daburocratização dos conselhos e de suatransformação em redomas, instân-cias fechadas aos segmentos que re-presentam. Ela alerta para o risco dese reproduzir um tipo de atuação con-denável, por exemplo, em parlamen-tares que, após eleitos, exercem omandato sem vínculo com sua base.Para fugir dessas armadilhas, ela su-gere que o segmento representado dêsuporte ao trabalho do conselheiro,por meio de fóruns e espaços de arti-culação que ofereçam condições paraacompanhar e cobrar posturas de seusrepresentantes. O conselheiro, por ou-tro lado, precisa ter consciência de quesua presença naquela instância de de-liberação é fruto de um mandato con-ferido por determinada entidade. Esta,por sua vez, deve estabelecer uma es-

tratégia conjunta de atuação entreseus diferentes conselheiros, a fim demanter a coerência da representação.

Outros dois pontos de análise, mascertamente não os últimos, são a cha-mada assimetria informacional entregoverno e sociedade e a falta decapacitação e apoio aos conselheiros.Representante do Conselho Regionalde Serviço Social (Cress) no Conse-lho Estadual de Assistência Social(Ceas) em 2008, Eleonora Cunha re-lata sua angústia com relação a essesaspectos. “A sensação é de impotên-cia”, afirma, ao descrever o dia a diade um conselheiro da sociedade civil.Ela conta que a área de assistênciasocial passou recentemente por gran-des mudanças normativas, rapidamen-te assimiladas pelos gestores públi-cos com sua capacidade de articula-ção e verba disponível para a promo-ção de treinamentos. Com a socieda-de civil foi bem diferente, pois nãohavia essa facilidade.

A assimetria informacional combi-nada com a pressão do gestor acabaprovocando dilemas difíceis de

equacionar. “Presenciei várias reuni-ões, como estudiosa e conselheira, emque o gestor chegou e disse que ogoverno iria liberar recursos, mas erapreciso decidir sobre aquela determi-nada ação naquele momento. O con-selheiro fica dividido entre a respon-sabilidade de deliberar algo com cons-ciência e de não votar e, com isso,prejudicar a população. Ele acaba en-tão dando um voto de confiança aogestor”, relata. A necessidade de de-dicar muito tempo para cumprir fun-ções complexas é outro ponto a des-tacar. No Ceas, o conselheiro tem vá-rias atribuições, como analisar pedi-dos de registro de instituições de as-sistência social. “É preciso visitar aentidade, conversar com os atendidos,inteirar-se daquela realidade para daro parecer”, ressalta.

Outro aspecto que, segundoEleonora, angustia o conselheiro dasociedade civil é a falta de condiçõesfinanceiras e de infraestrutura paraparticipar. Ela cita o relato de umaconselheira moradora de um pequenomunicípio que participava de um cur-

Eleonora Cunha Regina Mendes

Marcelo Metzker Willian Dias

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lei cria o conselho na estrutura orgâni-ca do governo, como órgãodeliberativo e controlador das políti-cas e ações em todos os níveis de aten-dimento. Entre suas competênciasestão a formulação da política esta-dual, fixando prioridades para a con-secução das ações, a captação e aaplicação de recursos. A lei determi-nou ainda que as entidades não go-vernamentais se reuniriam em fórumpróprio, convocado pela secretaria,para escolher seus representantes.

Segundo Fernanda Martins, tantoa secretaria quanto o Cedca têm in-vestido também na capacitação dosintegrantes dos conselhos municipaisde direitos – presentes hoje em 804dos 853 municípios mineiros. Desde2008, mais de três mil conselheirosde direitos e também tutelares rece-beram treinamento, estando o térmi-no da capacitação previsto para esteano. Também em 2009 será concluídaa entrega de computadores e impres-soras aos conselhos de direitos. Se-gundo a presidente, os recursos fo-ram garantidos também por meio deemenda popular ao Plano Plurianual deAção Governamental (PPAG).

Válido para quatro anos, o PPAGé uma lei que estabelece metas e in-vestimentos da administração públi-ca, de forma regionalizada, em seto-res como saúde, educação, seguran-ça, meio ambiente, infraestrutura eassistência social. Como acontecedesde 2003, a ALMG tem incorpora-do sugestões populares ao plano pormeio de audiências regionais, realiza-das com a parceria essencial do Exe-cutivo (leia matéria na página 14).

Na avaliação de Fernanda Martins,não somente o Estado deve dar maisapoio aos conselhos municipais, mastambém as prefeituras. “O gestor

tal, uma pessoa de sua inteira confi-ança; e ainda há situações de enviodas atas das reuniões às casas de con-selheiros apenas para que eles as as-sinem”, lamenta.

Tanto Regina Mendes quanto a atualpresidente do Cedca, FernandaFlaviana de Souza Martins, ponderam,por outro lado, que todo o esforço épara tentar reverter esse cenário decarências diversas. Os avanços come-çam, destaca a presidente, pelo pró-prio conselho estadual, que tem hojesede própria, equipe e orçamento.Segundo ela, em 2009 o governo des-tinou R$ 559 mil para o pagamentode projetos e também para a VII Con-ferência Estadual dos Direitos da Cri-ança e do Adolescente – evento emque serão formuladas propostas parao plano decenal, com diretrizes para apolítica nos três níveis de governo.

“O Cedca e o Ceas são os conse-lhos mais fortes e bem organizados noâmbito da secretaria. O governo temnoção da importância desse espaço eestá empenhado em seu fortalecimen-to”, avalia Fernanda Martins, que tam-bém é responsável pela Coor-denadoria Especial de Políticas Pró-Criança e Adolescente da Sedese. Elaenfatiza que é muito importante parao governo ouvir o que a sociedade tema dizer sobre as políticas públicas.“Isso nos ajuda a pensar um norte, umcaminho. Se não tivéssemos essesdiversos olhares e esse espaço de tro-ca, a possibilidade de erro talvez fos-se maior”, opina.

De fato, a Lei 10.501, de 1991 –que regulamentou dispositivo consti-tucional e que em outubro deste anocompletará 18 anos –, reconhece oconselho estadual como espaço dedeliberação das políticas para a infân-cia e a adolescência. O artigo 6º da

so de capacitação a distância promo-vido pela UFMG. Segundo essa alu-na, o único computador ligado àinternet de que dispunha na cidade erao do setor de contabilidade da prefei-tura. O equipamento só podia ser usa-do, no entanto, depois do horário deexpediente, quando não havia maisnenhum interlocutor do outro lado.

Experiência do Cedca

Todos esses entraves têm sidovivenciados de perto também por Re-gina Helena Cunha Mendes, que inte-gra o Cedca como representante daAssociação Profissionalizante do Me-nor de Belo Horizonte (Assprom) e foia última presidente do conselho. Mes-mo sendo, segundo ela, um conselhobem-estruturado, dispondo de recur-sos humanos e materiais para atuar, oCedca até há bem pouco tempo res-sentia-se com problemas de comuni-cação e de restrição do uso dos re-cursos das novas tecnologias. Reginaconta que, apesar de o conselho pos-suir um site, não havia autonomia parainserir informações nele, pois essa erauma prerrogativa da Secretaria deEstado de Desenvolvimento Social(Sedese). Somente em junho desteano foi inaugurado pelo governo doEstado o portal dos conselhos, no qualcada um tem autonomia para incluirdados, agilizando a comunicação.

As dificuldades se intensificamquando o olhar se volta para o interiorde Minas. “Falta tudo”, atesta aconselheira, que, assim como EleonoraCunha, também aponta o problema dacriação de conselhos municipais dosdireitos da criança e do adolescenteapenas para se ter acesso a recursospúblicos. “Infelizmente ainda há casosem que o prefeito coloca no conselho,como representante não governamen-

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Um exemplo dessa articulação foi agarantia de recursos no PPAG, por meiode emenda popular, para um diagnósti-co sobre crianças e adolescentes emsituação de rua e em trabalho infantil,que precedeu a elaboração do PlanoEstadual de Erradicação do TrabalhoInfantil e Proteção do Adolescente Tra-balhador, lançado em 2008. No textode apresentação desse diagnóstico, aconselheira Regina Mendes, à épocapresidente do Cedca, destaca o em-penho do conselho e dos diversosmovimentos sociais para conseguiressa verba. Os recursos foram garan-tidos, ainda em 2006, durante a revisãoparticipativa do PPAG 2004/2007, in-forma Fernanda Martins.

Na avaliação de Eleonora Cunha,é fundamental a articulação entreLegislativo e conselhos em mobiliza-ções conjuntas, mas não a presençaparlamentar nessas instâncias. “Tudoo que o conselho delibera, em algummomento, passa pelo Legislativo.Este, por sua vez, tem poder de deci-são sobre muitas questões, o que fal-ta ao conselho. Se existe uma boa ar-

ticulação, assuntos que emergem degrupos sociais e vão parar no conse-lho podem ser apresentados ao legis-lador”, analisa.

Exemplo disso foi a inserção doprojeto estruturador Inclusão Socialde Famílias Vulnerabilizadas na lei doPPAG 2004/2007. Esse projeto foiincorporado a partir de mobilização daárea de assistência social, que se ar-ticulou com a Comissão de Participa-ção Popular, uma das comissões en-carregadas de promover as audiên-cias do PPAG. Os estruturadores sãoprojetos prioritários, com gerencia-mento unificado e garantia de recur-sos para sua execução.

Outra forma de mobilização con-junta, finaliza Eleonora, é a promoçãode eventos que possibilitem a trocade experiências entre os conselhos,aprimorando a atuação dessas instân-cias. Na opinião da pesquisadora, aAssembleia de Minas pode ter umpapel importante no fortalecimentodos conselhos, pois tem capacidadetécnica, operacional e financeira parapromover ações desse tipo.

municipal precisa fortalecer esse ór-gão, garantindo recursos, estruturamínima e capacitação conforme anecessidade de cada região”, ponde-ra. Esse apoio deve se estender aosconselhos tutelares, que intervêmquando os direitos de uma ou váriascrianças são violados, omitidos ouameaçados. É preciso capacitar osconselheiros, pessoas escolhidas pelapopulação local entre aquelas de re-conhecido compromisso com a defe-sa da criança.

Parceria com o Legislativo

Nesse contexto de evolução lenta,mas continuada, dos conselhos, oLegislativo adquire papel importante.O deputado André Quintão (PT), pre-sidente da Comissão de ParticipaçãoPopular da ALMG e conselheiro su-plente do Cedca, lembra que, paraexercer de fato seu papel de controlesocial, o conselho deve ter incidêncianas peças do ciclo orçamentário. Issoporque as políticas públicas, comple-ta o deputado, são efetivadas por meiode leis como a do PPAG e a do Orça-mento. Então, à medida que o Parla-mento democratiza o debate sobreessas leis, acolhendo sugestões po-pulares, ele acaba subsidiando aatuação dos conselhos.

Também pensa assim a deputadaGláucia Brandão (PPS), que presidea Comissão de Cultura da ALMG e éconselheira titular do Cedca. Ela lem-bra que a articulação do Parlamentocom os conselhos é fundamental, poissão os deputados que votam as leisorçamentárias. “Estando no conselhoe conhecendo a realidade e as deman-das do setor, temos mais argumenta-ção para defender os recursos neces-sários para a implementação da polí-tica pública”, opina.

Fernanda Martins Deputada Gláucia Brandão

Alair Vieira Ricardo Barbosa

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Apesar de prevista há 20 anos, aOuvidoria só começou a sair do papelno final da década de 1990 e, aindaassim, não exatamente da forma comoo Texto Constitucional determinou. Asprimeiras ouvidorias criadas foram noâmbito do Executivo, e não doLegislativo: as de Polícia (Lei 12.622,de 1997) e Ambiental (Lei 13.214, de1999). Na esfera do Legislativo, aOuvidoria Parlamentar foi instalada emjunho de 2003 (Resolução 5.207, de2002). Mais recentemente, seis

ouvidorias tiveram a atuação centrali-zada na Ouvidoria-Geral do Estado:de Polícia, do Sistema Penitenciário,Educacional, de Saúde, Ambiental ede Fazenda, Patrimônio e LicitaçõesPúblicas (Lei 15.298, de 2004).

Mesmo que por outras vias, pode-sedizer que o objetivo do constituintemineiro foi preservado. Ou seja, o deque o ombudsman fosse uma espé-cie de fiscal da execução material doserviço público e de que o órgão fos-se um novo canal de comunicação en-tre povo e Estado.

Agora implantadas, as ouvidorias ain-da enfrentam desafios. A Ouvidoria Parla-mentar, por exemplo, tem competênciasbem específicas, entre elas “receber,examinar e encaminhar aos órgãos com-petentes as reclamações ou as represen-tações de pessoa física ou jurídica refe-rentes a membro da Assembleia”. Ouseja, reclamações e/ou denúncias doscidadãos referentes aos deputados noexercício do mandato.

Apesar disso, grande parte das so-licitações que chega à Ouvidoria Par-lamentar, ainda hoje, refere-se a outrasquestões, evidenciando que o órgãotem uma atuação mais próxima daque-la idealizada originalmente pelo consti-tuinte. O relatório das atividades de

Ouvidorias buscam se afirmar,mas evolução é lenta

Além da participação popularnos conselhos setoriais, a Constitui-ção Estadual de 1989 estabeleceuoutras formas de intervenção do ci-dadão na administração pública.Uma delas é a Ouvidoria do Povo.De acordo com o Texto Constitucio-nal, a Ouvidoria seria um órgão au-xiliar do Legislativo na fiscalizaçãoda execução dos serviços públicosestaduais. Lei complementar, de ini-ciativa privativa da Assembleia, tra-taria desse órgão (artigo 268).

Deputado Wander Borges Lúcio Urbano

Guilherme Bergamini Helena Leão

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2008 lista pedidos de informações, porexemplo, sobre piso salarial de profes-sor e sobre a Corregedoria da PolíciaCivil, além de denúncias contra prefei-tura, ocupação de praça pública porconstrutora, mau estado das estradase reclamações relativas à prestação deserviços públicos. Em todos esses ca-sos, ensina-se o “caminho das pedras”às pessoas, informando qual órgão écompetente para resolver determina-do problema.

O ouvidor da Assembleia, deputa-do Wander Borges (PSB), entende queainda há muita confusão sobre os pa-péis do Legislativo e do Executivo en-tre a população. Isso explicaria o cará-ter das solicitações feitas à OuvidoriaParlamentar. É a mesma opinião do di-retor de Processo Legislativo daALMG, Sabino José Fortes Fleury. Na

avaliação dele, o cidadão acaba procu-rando o Parlamento porque não conse-gue identificar o canal institucional cor-reto para apresentar suas demandas.Em vez de levar suas reclamações aoExecutivo, acaba recorrendo àAssembleia Legislativa.

A Ouvidoria no Executivo

No âmbito do Executivo, aOuvidoria-Geral busca se afirmar. Oouvidor-geral, Lúcio Urbano, desembar-gador aposentado do Tribunal de Jus-tiça de Minas Gerais (TJMG), temstatus de secretário. A Lei 15.298, de2004, que a criou, determinou que aOuvidoria poderá aplicar multa ao diri-gente de órgão ou entidade que nãofornecer dados, informações, certidõesou documentos relativos a suas ativi-dades. O ouvidor-geral poderá provi-

denciar a realização de inspeções, dili-gências e sindicâncias que julgar ne-cessárias, mediante solicitação enca-minhada ao titular do órgão. Outra com-petência da Ouvidoria-Geral que cha-ma a atenção é que ela deverá contri-buir para disseminar formas de parti-cipação popular no acompanhamentoe na fiscalização da prestação dos ser-viços públicos.

A indagação que se faz agora é se hámuitos conflitos na relação da ouvidoriacom os órgãos governamentais. Na ava-liação de Lúcio Urbano, não há arestasnesse processo. Se no início houve algu-ma resistência, ela pode ter ocorrido pordesinformação. O ouvidor-geral afirmaque hoje todos os secretários de Estadoestão esclarecidos sobre o papel do ór-gão. A preocupação agora, aponta, é coma expansão da ouvidoria. Atualmente exis-

O cidadão pode exercer o controle direto dos atos dos órgãos de qualquer Poder ou entidade da

administração indireta por meio de petição ou representação, direito previsto na Constituição Estadual

Guilherme Bergamini

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tem apenas 23 estruturas avançadas deatendimento, espalhadas no interior, nasunidades do Posto de Serviço IntegradoUrbano (Psiu). A possibilidade de o ci-dadão encaminhar suas demandas pelainternet (www.ouvidoriageral.mg.gov.br)tenta compensar a falta de capilari-dade da Ouvidoria, que registrou19.551 manifestações ao longo deseus cinco anos de existência. As prin-cipais queixas chegam à Ouvidoria de

Polícia e tratam de abuso de autori-dade, prisão ilegal e agressão.

Instituição relativamente nova noPaís, a ouvidoria ainda caminha a pas-sos lentos e, para se fortalecer e avan-çar, tem procurado se articular comseus parceiros. Exemplo disso foi oI Fórum de Ouvidores e Ombudsmende Minas Gerais, que aconteceu emjunho deste ano, em Belo Horizonte.Na abertura do evento, o vice-gover-

Outro instrumento de participaçãosocial previsto na Constituição de 1989,a petição, que poderia forçar novas pos-turas dos administradores públicos,permanece esquecido. Ele está detalha-do no artigo 73, integrante da seção quetrata da fiscalização e do controle.

Segundo esse artigo, os atos dasunidades administrativas dos Poderese de entidade da administração indiretase sujeitarão não somente ao controleinterno e externo, a cargo daAssembleia, com o auxílio do Tribunal deContas, mas também – e aí está o dife-rencial previsto no inciso III – ao “con-trole direto, pelo cidadão e por associa-ções representativas da comunidade,mediante amplo e irrestrito exercício dodireito de petição e representação pe-rante órgão de qualquer Poder e enti-dade da administração indireta”.

Na avaliação do consultor daALMG Antônio José Calhau de

Resende, o inciso III talvez seja o maisimportante dispositivo constitucionalno que se refere ao controle direto dosatos da administração pelos cidadãos.

Já o desembargador José EdgardPenna Amorim Pereira, do TJMG, la-menta que o artigo não seja mais uti-lizado para fundamentar as decisõesdo Judiciário. Ele ressalta que o seucaput é o princípio da ética na admi-nistração pública: a sociedade temdireito a governo honesto, obedienteà lei e eficaz. “É óbvio que não de-pende apenas da aplicação desse dis-positivo a condenação por improbi-dade e outros desvios da lei, mas éum postulado constitucional que me-receria ser mais invocado”, anali-sa o desembargador, que atuou comoassessor parlamentar na AssembleiaConstituinte Mineira de 1989.

Servidores que participaram doprocesso constituinte contam que o

caput do artigo 73 está na Constitui-ção por obra do já falecido professorPaulo Neves de Carvalho. Ele foi umdos consultores externos que auxilia-ram nos trabalhos constituintes, as-sim como os professores Raul Macha-do Horta e José Alfredo de OliveiraBaracho, também falecidos.

O consultor Calhau atesta aabismal diferença entre o Brasil legale o Brasil real. Segundo ele, temos to-dos os instrumentos necessários paracontrolar a administração, mas faltaefetivá-los. “Muitas vezes o descasocom a lei não ocorre por parte do ci-dadão, mas sim por atos e omissõesdo próprio poder público. Antes deexigir que o cidadão se inteire e res-peite a Constituição e as normas, ogoverno tem que dar o exemplo derespeito e submissão. Mas o poderpúblico é o primeiro a pisar nas nor-mas”, conclui.

nador do Estado, Antonio AugustoAnastasia, enfatizou que a ouvidoriana administração pública é um dosmais importantes instrumentos de ci-dadania, mas reconheceu que “aindanão temos a estrutura, robustez emusculatura dos países escandi-navos, berço da instituição daouvidoria, que completa 200 anos,mas estamos prosperando no papeldemocrático”.

Petição é mais um instrumento decontrole do poder público

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Da iniciativa popular ao PPAG monitorado:a experiência mineira

O constituinte mineiro estabeleceuum dos principais instrumentos de in-tervenção da sociedade na adminis-tração pública: o projeto de iniciativapopular. Constituinte mineiro, sim,pois, como informa o diretor de Pro-cesso Legislativo da ALMG, SabinoJosé Fortes Fleury, a previsão da ini-ciativa popular no processo legislativoremonta à Constituição Estadual de1947, e não à Constituição Federal de1988. Seu artigo 27 já previa que elei-tores, em número de 10 mil, pelo me-nos, poderiam propor leis. Apesar dopioneirismo, Minas não tem feito usodessa prerrogativa, que se repetiu noTexto Constitucional de 1989.

O artigo 67 da Constituição de1989 estabelece que a iniciativa po-pular pode ser exercida pela apresen-tação à Assembleia de projeto de leisubscrito por, no mínimo, 10 mil elei-tores do Estado, em lista organizada

por entidade associativa legalmenteconstituída, que se responsabilizarápela idoneidade das assinaturas. Des-sas assinaturas, no máximo, 25% po-derão ser de eleitores alistados naCapital. Na avaliação de SabinoFleury, a dificuldade operacional paraatender a essas determinações cons-titucionais pode ter contribuído pararestringir o uso do instrumento. Asexigências de um grande número deassinaturas e de sua disseminaçãoespacial são, na avaliação do diretor,um elemento dificultador para o exer-cício da participação.

O consultor Antônio José Calhaude Resende concorda. Ele lembra quea única proposição de iniciativa popu-lar que virou norma foi o Projeto deLei 1.644/93, transformado na Lei11.830, de 1995. Ela criou o FundoEstadual de Habitação, destinado adar suporte financeiro a programas de

investimento de interesse social, naárea de habitação, para a populaçãode baixa renda.

Audiência pública

Outra forma de intervenção popu-lar no processo legislativo determina-da pela Constituição de 1989 foi a au-diência pública de comissão daAssembleia em regiões do Estado (ar-tigo 60). Segundo Calhau, a Consti-tuição mineira não somente reprodu-ziu a Federal, ao prever audiência decomissão com entidade da sociedadecivil, mas foi além, ampliando essa ini-ciativa para o interior do Estado.

A Constituição de 1989 incre-mentou, portanto, as funções das co-missões do Parlamento, acompanhan-do tendência verificada nas socieda-des modernas de consolidar o papelinformacional dessas instâncias. Deacordo com Sabino Fleury, essa visão

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ganhou força na década de 1980, nosEstados Unidos. É o entendimento deque as comissões são estruturasespecializadas que fornecem as in-formações necessárias para que osparlamentares votem as leis. Informa-ções estas que são trazidas tambémpela população, destinatária das po-líticas públicas formuladas pelos le-gisladores.

Pode-se depreender que essa pre-visão constitucional foi o ponto de par-tida para uma série de iniciativas daALMG de interlocução com a socie-dade mineira, por meio de suas co-missões permanentes e temporárias,nas décadas de 1990 e 2000. Entreelas, a interiorização de eventosinstitucionais como os seminárioslegislativos e os fóruns técnicos (leiamatéria na página 20), as discussõesregionalizadas das políticas públicascom a realização das audiências e a

democratização das decisões sobre oplanejamento estatal.

Intervenção no Orçamento

O planejamento estatal é um capí-tulo a se destacar na trajetória daALMG rumo à participação popular.A Emenda à Constituição 12, de 1994,previu que, para a elaboração da leiorçamentária anual, a Assembleia iriasistematizar e priorizar, nas audiênciaspúblicas regionais previstas no artigo60 da Constituição, as propostas dosMunicípios. Assim, na década de1990, o Parlamento mineiro realizouuma série de audiências com esseobjetivo – que, no entanto, acabou nãosendo alcançado. “O resultado concre-to, que se traduz na execução orça-mentária, ficou muito aquém do quese almejava. Foi preciso, então, repen-sar todo o processo, tendo em vista ogrande desgaste de prometer algo ao

cidadão e não cumprir”, conta SabinoFleury.

O que se percebeu, continuaFleury, foi que era preciso intervir nãosomente no Orçamento, mas tambémnas demais peças do planejamento es-tatal: o Plano Mineiro de Desenvolvi-mento Integrado (PMDI) – inovação daConstituição Estadual de 1989, nãoprevisto na Constituição Federal –; e oPlano Plurianual de Ação Governamen-tal (PPAG). A partir dessa consta-tação, articulou-se, desde 2003, umprocesso sistematizado de interven-ção da sociedade no planejamentoestatal, por intermédio de parceriaentre Legislativo, Executivo e entida-des. O objetivo é democratizar as de-cisões sobre o planejamento governa-mental por meio de audiências públi-cas destinadas a colher sugestõespopulares. A iniciativa se aplica tantoao PMDI, o planejamento público de

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As audiências públicas do PPAG têm o objetivo de democratizar as decisões sobre o planejamento governamental

e são realizadas por meio de parceria entre Legislativo, Executivo e entidades, desde 2003

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longo prazo, quanto ao PPAG, que trazas metas de investimentos em saúde,educação, segurança e meio ambien-te, entre outros setores, para quatroanos.

Esse processo teve início atreladoa uma importante inovação institu-cional do Parlamento mineiro: a cria-ção da Comissão de Participação Po-pular (CPP) – Resolução 5.212, de2003. Inspirada em iniciativa seme-lhante à da Câmara dos Deputados,essa comissão foi criada para facilitara apresentação de projetos de lei deiniciativa popular – que, como se cons-tata, não tinha “vingado” da formacomo foi prevista pela Constituição de1989. Segundo a resolução, qualquerentidade associativa da sociedade ci-vil poderia apresentar proposta deação legislativa que, depois de apre-ciada pela CPP, seria transformada ounão em projeto de lei. Era uma tentati-va de fomentar a iniciativa popular noprocesso legislativo, mas sem a ne-cessidade de coleta de milhares deassinaturas, conforme determinava aConstituição.

“Num primeiro momento houvemuito entusiasmo quanto a essa no-vidade, mas as restrições normaisdo processo legislativo, como as quedizem respeito à iniciativa privativapara apresentação de projetos, aca-baram restringindo o campo de atua-ção das entidades”, avalia SabinoFleury. A pergunta que se fazia era:como, então, atender à necessidadede participação popular? A respos-ta encontrada foi atribuir à CPP acompetência também de promoveras audiências públicas para elabo-ração e revisão participativas doPPAG. Essa nova competência aca-bou diferenciando a CPP da Assem-bleia de Minas de todas as demais

existentes no Legislativo brasileiro.Esse processo teve início em 2003,durante a aprovação do PPAG2004/2007; incorporou depois aComissão de Fiscalização Financei-ra e Orçamentária, parceira essen-cial; e se estende até hoje, com no-vidades importantes.

Monitoramento do plano

O mais recente avanço é a previ-são legal da audiência semestral demonitoramento da execução do PPAG.Experiência inédita demandada pelaprópria sociedade por meio de emen-da popular, o monitoramento, realiza-do pela primeira vez em junho desteano, permitiu mais passos à frente.Entre eles, que os participantes acom-panhassem a execução das ações doPPAG 2008/2011 no período de ja-neiro a abril de 2009, e que obtives-sem informações estratégicas essen-ciais para a próxima audiência de re-visão do plano, no final do ano.

O presidente da Comissão de Fis-calização Financeira e Orçamentáriada ALMG, deputado Zé Maia(PSDB), destaca que o monitoramen-to do PPAG inova ao promover umainstância de avaliação com a partici-pação de atores sociais estratégicos:legisladores, administradores e des-tinatários das políticas públicas. Naavaliação de Maia, a opção de pro-mover o controle social da execuçãodessas políticas pelo acompanha-mento do sistema de planejamento or-çamentário “tem-se mostrado comoa principal inovação institucional daALMG direcionada à incorporação eao atendimento das demandas da po-pulação”.

O presidente da CPP, deputadoAndré Quintão, e o deputado Zé Maiaconcordam que essa instância de ava-

liação traz impactos positivos em pelomenos três dimensões: acesso a in-formações estratégicas sobre a exe-cução das metas físicas e financeirasdo PPAG; influência no direcionamentoda agenda pública, reforçando áreasque demandam a atuação do Estadoe exigindo prioridade em sua execu-ção; e consolidação de um sistemaparticipativo de acompanhamento depolíticas públicas no Estado, com aconstrução de conhecimento emetodologias. “Essa instância deavaliação não é um ator passivo,pois influencia a execução das polí-ticas públicas e afirma como legíti-ma a diversidade de pontos de vis-ta. Além disso, ela é composta domesmo grupo que irá atuar na for-mulação e nas revisões anuais doPPAG”, destaca o relatório da audi-ência de monitoramento.

Capacitação é o caminho

Esse acompanhamento das políti-cas públicas de forma participativa,com a construção de conhecimento emetodologias, é elogiado pela cientis-ta política Fátima Anastasia, profes-sora da PUC Minas e da UFMG,onde participa do Centro de EstudosLegislativos (CEL). Ela avalia que aassimetria informacional no debatesobre o PPAG é marcante, já que amatéria orçamentária é complexa, comterminologia difícil de ser compreen-dida. À medida que há participaçãocontinuada, essa assimetria tende adiminuir. “É a educação para a cida-dania ou a educação legislativa paratodos”, acentua.

A assimetria informacional é, naavaliação de Fátima Anastasia, tam-bém uma questão crucial a ser enfren-tada não apenas pela Assembleia deMinas, mas também por todos os

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legislativos, no Brasil e no mundo. Elaaponta dois grandes desafios: capa-citar os representantes eleitos e tam-bém os cidadãos para essa interação.“A questão é que as casas legislativassão – e, se não o são, deveriam ser –,a expressão da pluralidade da socie-dade. Para isso, os representantestêm que se capacitar”, enfatiza. Elaressalta que o legislador precisa sercapaz não somente de ouvir e de pro-cessar preferências, mas também deter a sensibilidade de perceber queseu mandato se fortalecerá se ele, emvez de escutar somente a sua cliente-la eleitoral, conhecer os diferentespontos de vista, que, confrontados,possam gerar consensos.

O cidadão também precisa se pre-parar para esse diálogo, e cabe aoLegislativo Estadual ajudá-lo nesseprocesso de entendimento. “Além deentender como funcionam os canais departicipação e como se dirigir à CasaLegislativa, o cidadão precisa conhe-cer previamente seus direitos e deve-

que esse tipo de evento promove ci-dadania, pois tem efeito cascata. Elelamenta que um grande número devereadores não saiba nem o básico daLei Orgânica Municipal, que é a Cons-tituição de cada cidade. “Muitos des-conhecem as leis e outros interpretamas normas e os regimentos internosdas câmaras de maneira equivocada”,relata o professor, que lembra algu-mas limitações dos Municípios, comofalta de aparelhamento técnico e derecursos.

Sabino Fleury afirma que oLegislativo Estadual tem buscado au-xiliar os vereadores com informaçõestécnicas básicas para que possamexercer seu papel. Foi o que ocorreuno primeiro semestre deste ano, comuma série de treinamentos promovi-dos pela Escola em parceria com oCeac.

Os conhecimentos adquiridosnesses cursos podem contribuir paraaprimorar a atuação parlamentar.Sabino considera que 2009 é um ano

res. Se as pessoas não sabem de seusdireitos, de fato não os têm”, alertaFátima Anastasia.

Nesse sentido, a pesquisadoradestaca o papel fundamental exer-cido pela Escola do Legislativo daALMG, criada em 1992, e, mais re-centemente, pelo Centro de Apoio àsCâmaras (Ceac), criado em 2006.É o que também ressalta o diretorde Processo Legislativo, SabinoFleury. Ele lembra que a Escola, des-de a década de 1990, tem se preo-cupado em qualificar o públicointerlocutor, promovendo cursos nãosomente para os servidores do Par-lamento, mas também para vereado-res e entidades da sociedade civil.Essa ação tem, entre outros, o obje-tivo de capacitar as pessoas para ainterpretação das informações sobreas políticas públicas disponibilizadaspelos governos.

Professor de cursos voltados paravereadores e servidores de câmaras,o consultor Antônio Calhau destaca

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A primeira audiência de monitoramento da execução do PPAG aconteceu em junho deste ano. Durante o evento, os gerentes

dos projetos estruturadores mostraram a parlamentares e entidades como os recursos públicos foram investidos

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Fátima Anastasia

Alair Vieira

importante para os Municípios, poisé o período de elaboração de seusplanos plurianuais, os chamadosPPAs. Seria uma boa oportunidade,acrescenta o diretor, para que os ve-readores incorporassem mecanismosde participação popular nessa dis-cussão.

O trabalho desenvolvido pelaAssembleia Legislativa de Minas Ge-rais com os legislativos municipais nãopassou despercebido pela comunida-de acadêmica. O CEL tem discutidocom a Escola e o Ceac um projetovinculado à UFMG, cujo objetivo é,segundo Fátima Anastasia, criar con-dições para a operação efetiva de me-canismos de interlocução com a so-ciedade no âmbito das câmaras. “Ameta é orientar e subsidiar as câma-ras para que elas se aproximem doscidadãos, respeitadas as espe-cificidades de cada casa legislativa,bem como limitações e possibili-dades, inclusive orçamentárias”,destaca.

Novas tecnologias

O Parlamento mineiro depara-seagora com mais um desafio: o do usodas novas tecnologias para o fomentoda participação popular. Em 2009, aAssembleia promoveu uma iniciativapioneira entre os legislativos, já ado-tada pelo governo federal na elabora-ção de seus projetos: a consulta pú-blica pela internet. Essa novidade foium dos destaques do Fórum TécnicoPlano Decenal de Educação em Mi-nas Gerais: Desafios da Política Edu-cacional, realizado no primeiro semes-tre para subsidiar a análise do Projetode Lei 2.215/08, do governador, quecontém o plano e está tramitando naAssembleia. Cerca de 200 propostasforam apresentadas.

A pesquisadora Fátima Anastasiaconsidera a iniciativa válida e legíti-ma, pois há pessoas que somente po-derão apresentar suas sugestões pelainternet. Mas ressalta que esse me-canismo de participação é limitado,pois, além de muitos cidadãos ainda

não terem acesso à rede mundial decomputadores, quem apresentar pro-postas estará apenas manifestandosuas preferências. Esse instrumentonão permite, acrescenta, o confrontodessas preferências num debate pú-blico presencial, a fim de se construiro consenso. “Não podemos ser ingê-nuos a ponto de imaginar que esse me-canismo substituiria a interação facea face”, opina.

Na tentativa de responder ao de-safio de usar as novas tecnologias paraestimular a participação popular, aAssembleia de Minas terá ainda umadeterminação legal a cumprir. É a obe-diência à Lei Complementar Federal131, de maio de 2009, que altera aLei de Responsabilidade Fiscal, paradeterminar que estejam disponíveis,em tempo real, informações detalha-das sobre a execução orçamentária efinanceira da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios. ALei da Transparência, como vem sen-do chamada, tem um ano para ser co-locada em prática. O diretor SabinoFleury avalia que essa determinaçãolegal traz um desafio subjacente: nãobasta tornar disponíveis as informa-ções, é preciso apresentá-las de for-ma a facilitar o entendimento, e não adificultar sua interpretação.

De volta à Constituição Estadual

Conselhos setoriais, ouvidorias,petições, audiências públicas paraelaboração e controle da execução daspolíticas públicas. Esses são algunsinstrumentos institucionalizados departicipação popular na esferagovernamental previstos na Consti-tuição de 1989. Alguns têmtrajetória ascendente, ainda quelenta; outros evoluem com maisrapidez; e outros ainda nem saíram

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Elmiro Nascimento e Ademir Lucas, deputados constituintes, Lafayette de Andrada,

Sebastião Costa e Carlos Gomes, em reunião da Comissão Extraordinária

Ricardo Barbosa

do papel. O desembargador doTJMG Edgard Amorim, assessorparlamentar na Constituinte mineira,avalia que, do ponto de vista daaplicação efetiva do Texto Consti-tucional, o esforço que se fez naquelaépoca não tem sido produtivo. “Muitacoisa boa poderia estar orientando aatuação dos Poderes e da sociedade,mas não tem sido considerada”, opina.

Também não desponta no conjun-to das agendas públicas o resgatedo momento constituinte, na marcados seus 20 anos. “Quantos jovensnunca ouviram falar daquele proces-so nem o estudam como fato da His-tória?”, questiona o desembargador.Para ele, a realização de debates,ainda que para um público selecio-nado, pode contribuir para trazer àtona não somente o contexto daaprovação do projeto da Constitui-ção de 1989, mas também as análi-ses sobre os resultados (ou a faltadeles) que o Texto Constitucionalterá gerado ao longo das duas últi-mas décadas.

A Assembleia constituiu uma co-missão extraordinária para imple-mentar, entre outras iniciativas, even-tos de debate político e formação decidadania. Coordenada pelo deputa-do Lafayette de Andrada (PSDB), acomissão também está realizando es-tudos para elaborar uma propostaque promova a adequação da Cons-tituição Estadual às alterações daConstituição Federal, explica o par-lamentar. As atividades da comissãoextraordinária têm como eixo temáticoa importância da Constituição para avida dos cidadãos, bem como o pa-pel essencial do Parlamento na cons-trução da ordem constitucional demo-crática.

Representação e participação

A Constituição Estadual de 1989avançou na combinação entre demo-cracia representativa e democraciaparticipativa. Mas a deputada GláuciaBrandão avalia que, ainda hoje, per-manece um desafio: o fortalecimentoda democracia participativa. “Se nós,

representantes eleitos, não abrirmoso diálogo para saber o que a socieda-de quer e do que necessita, não have-rá representatividade de fato. À me-dida que se criam instrumentos paraque a sociedade participe de formaefetiva da elaboração e do controle daexecução das políticas públicas,vivencia-se realmente a democracia”,destaca.

Para a pesquisadora Eleonora Cu-nha, o ideal seria a existência de varia-dos espaços de atuação, sejam elesinstâncias onde as pessoas podemopinar, mas não necessariamente de-cidir, sejam aquelas onde, além departicipar, também deliberam. “Nãobasta votar”, complementa ela,enfatizando que a lógica que impulsio-na a participação é o compar-tilhamento das decisões que todos te-rão de cumprir. O fato é que nenhu-ma das formas acima é descartável,ressalta, mas também nenhuma de-las resolve todos os problemas. Acombinação ideal ainda é uma respos-ta em construção. �

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Os movimentos populares conquista-ram espaços importantes de participaçãono âmbito do poder público no processode abertura política. Em 1988, tiveram umaatuação determinante na ConstituinteNacional e permaneceram mobilizados du-rante a elaboração das constituições esta-duais. Em Minas, a forte presença das or-ganizações sociais no decorrer dos traba-lhos da Constituinte foi prontamente aco-lhida pela Assembleia Legislativa e trouxemudanças significativas no modo de atuardo Parlamento. Foram ampliados os espa-ços e criados mecanismos de participaçãopara os novos atores políticos, incorporan-do a atuação da sociedade organizada nosprocessos de elaboração legislativa e deconstrução das políticas públicas.

A Constituição Estadual de 1989 in-cluiu vários capítulos temáticos elabora-dos a partir de ampla discussão com osmovimentos sociais. A escuta à socieda-de, por exemplo, é uma determinação pre-sente em várias partes da Constituição,sobretudo no capítulo Da Ordem Social.O Poder Legislativo deve ouvir a popula-ção para elaborar políticas públicas,

Interlocução institucionalgera resultados

Maria Célia Pinto – jornalista da ALMG

priorizar propostas orçamentárias e sub-sidiar a atuação parlamentar. Essa parce-ria na Constituinte foi, portanto, o embriãopara concepção dos eventos institucionaisdo Legislativo mineiro, que incluem a par-ticipação da sociedade e são uma carac-terística da atuação da Assembleia.

Desde 1991, a ALMG já realizou 273desses eventos, considerando-se apenasos seminários legislativos, fóruns técnicose ciclos de debates. O número sobe para504 se contadas as etapas realizadas nointerior do Estado. Myriam Costa de Oli-veira, ex-gerente-geral de Projetos Institu-cionais, avalia que a Casa soube exploraras possibilidades da Constituinte, crian-do uma infraestrutura para as discussõescom as entidades e canais duradouros derelacionamento. Para Myriam, houve atémesmo um alargamento de sentido do Tex-to Constitucional. “O Legislativo mineirofoi além do que prevê o artigo 260 dasDisposições Gerais, porque não se limi-tou a ouvir os órgãos colegiados ou con-selhos, que têm um número limitado deentidades”, acentua ela, que também as-sessorou a Constituinte.

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Seminários legislativos

Segundo Myriam, para se adequar ànova Carta mineira, a Assembleia criouum grupo chamado Projeção Mineira –que se tornou depois Comitê de Comu-nicação Institucional –, encarregado depensar uma nova política de comunica-ção para a Casa após a abertura trazidapelas constituições. “A preparação paraa abertura política já vinha sendo feita, ea ALMG teve um dos melhores níveis deorganização durante o processo de ela-boração das constituições estaduais”,enfatiza Myriam. Formado por servido-res de vários níveis hierárquicos e de di-ferentes posições políticas, como pediao momento de abertura, o Projeção Mi-neira contava com uma consultoria exter-na e tinha como maior desafio pensar afórmula para a ALMG se abrir à socie-dade. Foi nesse grupo que surgiu a ideiado seminário legislativo.

O primeiro evento realizado foi o Se-minário Legislativo Educação: a hora dachamada, em 1991. O tema foi escolhidopor meio de pesquisa encomendada pelaCasa, que apontou as áreas de saúde eeducação como prioritárias para os minei-ros. Myriam conta que o formato do even-to foi amplamente discutido com dezenasde entidades. “A Assembleia não queriaum seminário com debates puramenteacadêmicos. Era preciso haver grupos detrabalho, com propostas priorizadas”,relembra. O consenso, porém, acabou nãoexistindo.

Mesmo não resultando em propostasimplementadas, o seminário significou umprimeiro envolvimento da Assembleia coma sociedade, com reflexos importantespara ambos. O modelo do evento é o mes-mo adotado hoje, apenas com aprimora-mentos que surgiram da prática de ouviros mineiros sobre as questões relevantes

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Um dos resultados do Fórum

Técnico Políticas Públicas para

as Mulheres – Força para

Avançar foi a criação da

Coordenadoria Especial de

Políticas para as Mulheres

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para o Estado. Uma das ações acrescen-tadas foi a interiorização, buscando insti-tuir uma Assembleia verdadeiramente deMinas Gerais. A tecnologia passou a seroutra aliada, sobretudo na mobilização paraos eventos institucionais.

Alguns eventos de destaque

Várias são as leis, políticas públicas, de-cisões governamentais e outras açõesimplementadas a partir de discussões rea-lizadas pelo Legislativo mineiro. De um ex-tenso levantamento realizado pela servidoraaposentada Myriam Costa, é possível des-tacar alguns eventos marcantes e muito re-presentativos, seja pelo número de entida-des mobilizadas, pelos resultados apresen-tados, pela participação das outras esfe-ras de poder, seja mesmo pela importânciada temática (veja quadro na página 24).

É o caso do Fórum Técnico PolíticasPúblicas para as Mulheres – Força paraAvançar, de 2006, considerado um marcona luta pelas questões de gênero. Até en-tão, lembra Myriam, não havia no Estadouma ação coordenada de atendimento àsmulheres, vítimas de agressões e carentesde políticas de saúde e de geração de ren-da. Como as entidades conseguiram focarduas propostas, elas foram implementadas,a partir de pressões da chamada bancadafeminina da ALMG e dos movimentos so-ciais. O Executivo criou a CoordenadoriaEspecial de Políticas para as Mulheres, e oJudiciário, o Juizado de Violência Domésti-ca contra a Mulher.

Na área ambiental, um evento de gran-de repercussão foi o Seminário Águas deMinas, que mudou a visão do Estado sobrea questão hídrica e influenciou até mesmoas discussões nacionais sobre o assunto.Depois de um extenso debate, o modelo fran-cês baseado na gestão de bacias, com aformação de comitês tripartites, foi aprova-do. Myriam lembra que a inovação assusta-va o governo – que teria que dividir deci-

sões com empresários e sociedade civil –,assim como os consumidores, envolvidoscom a cobrança pelo uso da água e comdiscussões interestaduais, em alguns ca-sos. O ano era 1993.

Apesar dos temores, as propostas doseminário foram assumidas pelo poder pú-blico e incorporadas à Lei 11.504, de 1994,que dispõe sobre a Política Estadual de Re-cursos Hídricos. As recomendações inte-grantes do documento final do seminário ins-piraram também a versão final da PolíticaNacional de Recursos Hídricos, entre ou-tras ações do poder público.

O seminário acabou se desdobrando, em2002, no Águas de Minas II, que buscouavaliar as ações do primeiro evento e incluiua maior etapa de interiorização realizada atéhoje pela ALMG, com 17 reuniões em cida-des-polo do Estado, mais a plenária final emBH. Além da conservação dos recursoshídricos do Estado, desdobramentos recen-tes, como a cobrança pelo uso da água, sãofrutos dessas discussões.

O evento com maior número de parti-cipantes, porém, foi o Seminário DireitosHumanos e Cidadania, que trouxe comosaldo o fortalecimento dos movimentoscom atuação nessa área. Realizado em1998, com apoio de 95 entidades, o se-minário reuniu todas as minorias para co-brar uma política de direitos humanos noEstado. Já em 2000, o Movimento pelaSegurança e Vida – O Papel do Estado eda Sociedade Civil trouxe muitos desdo-bramentos, entre eles a integração dobanco de dados das Polícias Militar e Ci-vil, levando à redução dos índices de vio-lência e criminalidade.

Alguns eventos apresentaram tambémcomo resultados alterações no desenhoinstitucional do Legislativo e do Executivomineiros. Em 1995, o Seminário Turismo,Caminho para as Minas resultou na reor-ganização de uma comissão da Assembleiae de uma secretaria de Estado. Nesse

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reordenamento, o turismo foi separado deáreas como educação, esporte e lazer e ele-vado à categoria de negócio, ao lado da in-dústria e comércio. A mudança se refletiuno nome da comissão da ALMG, que pas-sou a ser de Turismo, Indústria e Comércio;e da secretaria, que se tornou de Indústria,Comércio e Turismo.

Em 2000, o Movimento pela Segurançae Vida levou à criação da Comissão Perma-nente de Segurança Pública da ALMG e daSecretaria de Estado de Defesa Social. As-sim também a Comissão Permanente deCultura e a Secretaria de Estado de MeioAmbiente e Desenvolvimento Sustentável sur-giram após eventos democráticos na Casa.Mais recentemente, o Seminário LegislativoMinas de Minas culminou na criação da Co-missão Permanente de Minas e Energia.

Futuro do modelo

Passados 20 anos desde as primeirasexperiências de abertura à participação dasociedade, a Assembleia de Minas temconsciência de que o sucesso dos eventosestá associado à mobilização e aoenvolvimento dos setores organizados. Aparticipação das organizações da socieda-

de civil é ampla, desde a preparação atéo acompanhamento da execução dasações. Grandes desafios, porém, ainda seapresentam. Para Myriam, os participan-tes precisam priorizar propostas. É neces-sário, ainda, que o Legislativo acompanheos desdobramentos dos eventos, garan-tindo, por outro lado, independência àsComissões de Representação. Formadaspor representantes de todos os segmen-tos que participam dos debates, essas co-missões são responsáveis por acompa-nhar o desenrolar dos eventos, auxiliandona implementação das propostas votadas.

O uso de novas tecnologias deinteração que conectem todo o Estadotambém é premente para se chegar aeventos com participação popular cadavez maior e mais diversificada. Nessa li-nha, a primeira experiência ocorreu noFórum Técnico Plano Decenal de Educa-ção de Minas Gerais: Desafios da Políti-ca Educacional, realizado em 2009, querecebeu propostas por meio de consultapública na internet. Diferentemente deoutros eventos, esse teve o tema defini-do por um projeto do governador do Es-tado em tramitação na ALMG.

Guilherme Bergamini

Durante o fórum técnico sobre o

Plano Decenal de Educação, a

Assembleia realizou uma inédita

consulta pública pela internet

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Alguns eventos marcantes e seus resultados

EVENTO RESULTADOS

Seminário LegislativoÁguas de Minas (1993)Entidades de apoio: 53

• Lei 11.504, de 1994, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, depoisalterada pela Lei 13.199, de 1999; e subsídios à Lei Federal 9.433, de 1997• Lei 12.188, de 1996, que transfere o Departamento de Recursos Hídricos (DRH) da áreade ciência e tecnologia para a de meio ambiente

Seminário LegislativoDireitos Humanos eCidadania (1998)Entidades de apoio: 95

• Subsídio à elaboração do Programa Estadual de Direitos Humanos• Lei 13.495, de 2000, que institui o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas deInfrações Penais• Lei 13.738, de 2000, que dispõe sobre a adequação das agências bancárias para oatendimento a portadores de deficiência visual• Lei 13.772, de 2000, que dispõe sobre o registro e a divulgação de dados relativos àviolência e à criminalidade

Movimento pelaSegurança e Vida(2000)Entidades de apoio: 71

• Lei 13.968, de 2001, que dispõe sobre a integração dos bancos de dados das PolíciasMilitar e Civil• Resolução 5.204, de 2002, que cria a Comissão de Segurança Pública na ALMG• Leis Delegadas 49 e 56, de 2003, que dispõem sobre a Secretaria de Estado de Defesa Social

Seminário LegislativoÁguas de Minas II(2002)Entidades de apoio: 48

• Criação do Núcleo de Apoio aos Comitês de Bacias Hidrográficas, vinculado ao InstitutoMineiro de Gestão das Águas (Igam)

Plano Plurianual deAção Governamental –PPAG (2003 a 2009)

• Criação do projeto estruturador Inclusão Social de Famílias Vulnerabilizadas, que reuniu asações relativas à proteção social de grupos como crianças, adolescentes e idosos (2003)• Elevação de metas financeiras de ações governamentais; introdução da merenda no ensinomédio noturno (2004)• Ampliação dos recursos do Estado nas ações que têm como unidade orçamentária o Fundo para aInfância e a Adolescência (FIA) ou o Fundo Estadual de Assistência Social (Feas) (2006)• Recursos para a implantação dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras);estruturação do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvam); equipamentos paraconselhos tutelares e de direitos da criança e do adolescente; apoio a associações decatadores de material reciclável (2007)• Obras de infraestrutura para escoamento da produção no Triângulo e Alto Paranaíba;fortalecimento dos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente; apoio àagricultura familiar; investimentos na melhoria da estrutura de unidades de conservação(UCs) como os parques; garantia de recursos para fortalecer o Sistema Único de AssistênciaSocial (Suas) (2008)• Determinação legal da realização de audiências públicas semestrais para o monitoramentoda execução orçamentária do PPAG. A primeira audiência aconteceu em junho de 2009

Seminário LegislativoRegiões Metropolitanas(2003)Entidades de apoio: 54

• Emenda à Constituição 65, de 2004, que trata de região metropolitana, aglomeraçãourbana e microrregião• Lei Complementar 88, de 2006, que dispõe sobre a instituição e a gestão de regiãometropolitana e sobre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano• Lei Complementar 89, de 2006, que dispõe sobre a Região Metropolitana de BeloHorizonte (RMBH)• Lei Complementar 90, de 2006, que dispõe sobre a Região Metropolitana do Vale do Aço

Seminário LegislativoLixo e Cidadania (2005)Entidades de apoio: 56

• Subsídio às Leis 17.503, de 2008, que estabelece incentivo à constituição de associações ecooperativas destinadas à coleta de materiais recicláveis, por meio de linhas de créditoespeciais; e 18.031, de 2009, que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos• Realização do Fórum Técnico Educação Ambiental, em junho de 2006

Fórum Técnico PolíticasPúblicas para asMulheres – Força paraAvançar (2006)Entidades de apoio: 29

• Lei Delegada 120, de 2007, que cria a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para asMulheres• Lei Complementar 105, de 2008, que institui o Juizado de Violência Doméstica e Familiarcontra a Mulher nas Comarcas de Belo Horizonte, Cataguases, Governador Valadares,Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Pouso Alegre, Ribeirão das Neves e Uberlândia• Subsídio à elaboração do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres• Garantia da previsão de programas para o segmento no PPAG/exercício 2007

I Conferência da RegiãoMetropolitana de BeloHorizonte (2007)Entidades de apoio: 4

• Instalação da Assembleia Metropolitana• Eleição dos representantes dos Municípios e da sociedade para o Conselho Deliberativo deDesenvolvimento Metropolitano• Subsídio à Lei Complementar 107, de 2009, que propõe a criação da Agência deDesenvolvimento da RMBH• Criação da Frente Parlamentar Mineira em prol da RMBH

Page 25: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 25

O legado constitucional

Mar ta Mendes da Rocha

Mestre e doutoranda em Ciência Política pela UFMG, membro

do Centro de Estudos Legislativos da UFMG

Nilson Vidal Prata

Mestre em Ciência da Informação pela UFMG, analista legislativo

da Gerência-Geral de Documentação e Informação da ALMG

A elaboração das Constituições Federal e Estadual refletiu o momento de efervescência associativa desencadeado com o fim da ditadura

militar, quando os diferentes segmentos sociais que se organizavam buscaram garantir espaço nos novos marcos jurídicos do País e de

Minas Gerais. As duas constituições estabeleceram as bases para uma democracia de contornos consensuais, o que incentiva a dispersão

de poder e a expressão da diversidade, mas implica esforço para a conciliação dos interesses dos diversos grupos políticos. Em Minas, o

diálogo com a população, explorado no processo constituinte, revelou-se uma espécie de embrião de vários mecanismos institucionais para

aproximar Parlamento e sociedade, consolidados nas décadas de 1990 e 2000.

Guilherme Bergamini

Page 26: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO26

Introdução

Em um livro publicado em 1994,

Adam Przeworski definiu a democra-

cia como “um sistema de incerteza

organizada” (1994: 77). A democra-

cia seria um sistema de incerteza por-

que, sob regras democráticas, os re-

sultados da disputa política não são

conhecidos previamente por nenhuma

das forças em disputa. E é justamen-

te por sua aparência de incerteza que

a democracia confere a todos uma

oportunidade de lutar por seus inte-

resses, pois, se os resultados fossem

predeterminados, não haveria razão

para que os atores viessem a partici-

par do jogo democrático.

Esse sistema de incerteza tem, no

entanto, uma outra característica fun-

damental: trata-se de um sistema or-

ganizado no qual a interação entre os

atores políticos é mediada por uma

estrutura institucional, composta de

regras e procedimentos estabelecidos

e conhecidos.

A organização da incerteza em re-

gimes democráticos tem na Consti-

tuição sua referência maior. O

ordenamento constitucional, que pode

ser sintetizado em um único documento

escrito e específico, como é o caso

brasileiro, ou que pode estar disperso

em um conjunto de normas escritas e

de costumes consolidados e reconhe-

cidos, como é o caso britânico, cons-

titui o conjunto de normas – regras e

princípios – que se sobrepõe a todos

os outros existentes em um Estado

soberano. Trata-se, portanto, da lei

fundamental, que alicerça e que deli-

mita todo o conjunto de normas e de

práticas jurídicas do País.

Em 2008, a Constituição Federal1

brasileira completou 20 anos de exis-

tência. Para além do exame do seu sig-

nificado e de seus impactos ou das

polêmicas que decorrem de diferen-

tes interpretações, deve-se destacar

que ela é a Constituição com maior

duração em contextos democráticos

em toda a história do Brasil. Dela de-

riva todo o conjunto de normas

estruturadoras do Estado, como são

as constituições estaduais e as leis

orgânicas municipais, produzidas, em

sua maior parte, em 1989, que agora

também atingem as duas décadas de

existência.

O processo de elaboração de uma

Constituição pode ser entendido como

um momento fundacional que se torna

uma referência para a sociedade. Nele

se busca um compromisso voluntário

entre as elites, os cidadãos e os gru-

pos sociais em torno de soluções para

os dissensos previamente existentes,

por meio da construção de regras co-

muns e compartilhadas. Nesse mo-

mento, os atores políticos, sem aban-

donar suas posições político-ideológi-

cas peculiares, expressam uma visão

de futuro para sua sociedade, estipu-

lando, por meio de mecanismos legais,

caminhos a serem percorridos e me-

tas a serem alcançadas.

No campo acadêmico discute-se,

há algum tempo, se momentos cons-

tituintes seriam marcados por maior

neutralidade dos atores políticos, os

quais estariam empenhados na defi-

nição de objetivos de mais longo pra-

zo (Elster, 1993), ou se, ao contrário,

a elaboração da Constituição seria

caracterizada por um forte conflito de

interesses no qual cada ator saberia,

não sem algum grau de incerteza, quais

arranjos institucionais seriam os mais

adequados à consecução de seus ob-

jetivos e mais coerentes com seus in-

teresses (Przeworski, 1994).

O processo constituinte brasileiro

pode ser analisado a partir de ambas

as perspectivas. Admite-se que os

atores relevantes nele envolvidos, ou

seja, as lideranças políticas, os par-

tidos e os grupos sociais que influen-

ciaram a elaboração da Constituição,

possuíam interesses e reivindicações

claras, tanto do ponto de vista proce-

dimental quanto substantivo, e se

empenharam para incluí-los em seu es-

copo (Souza, 2003; Nobre, 2008).

Pressupõe também que os constituin-

tes, ao pensarem os principais aspec-

tos do arranjo institucional inaugura-

do em 1988, em boa medida tinham

consciência de seus prováveis efeitos.

Isso, no entanto, não significa dizer

que os atores políticos não tivessem

compromisso com certos princípios.

De fato, durante o processo consti-

tuinte brasileiro, foi possível verificar

o debate de ideias em torno de vários

aspectos do arranjo político futuro e

viu-se um real compromisso com o

aperfeiçoamento institucional (Souza,

2003).

Constituição Federal de 1988

Para compreender o formato e o

conteúdo da Constituição de 1988,

Page 27: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 27

assim como as inovações que ela in-

troduziu, é indispensável entender o

momento histórico por que passava

o País. O Brasil saía de um período

de 21 anos de regime autoritário, mar-

cado por uma dura restrição das li-

berdades individuais, grande nível de

centralização política e enfraqueci-

mento do Poder Legislativo. Durante

aquele período, um grande número de

atores sociais, seus problemas e rei-

vindicações se viram abafados, sem

possibilidade de expressão. Apesar

disso – ou, talvez, devidamente por

isso –, desde meados da década de

1970 o País experimentou uma

efervescência associativa inédita em

sua história. Multiplicaram-se as as-

sociações e os movimentos que, se

se diferenciavam por suas aspira-

ções particulares, tinham em comum

a defesa da democracia e dos direi-

tos individuais e o rechaço à repres-

são e à violência praticada durante

a ditadura.

A Assembleia Nacional Consti-

tuinte, em grande parte, refletiu a

efervescência social do País, abrindo-

se para a influência dos diversos gru-

pos sociais. Embora nem todos tives-

sem a mesma capacidade de influen-

ciar o processo, em muitos momentos

os constituintes se mostraram recep-

tivos às demandas de vários segmen-

tos sociais. Essa pluralidade de vozes

marcou o processo constituinte, que

se caracterizou pela ausência de um

grupo hegemônico capaz de impor

sobre todos os demais um projeto pró-

prio de país (Nobre, 2008).2 Na au-

sência de um bloco hegemônico, os

grupos políticos foram obrigados a

discutir e buscar pontos de conver-

gência entre seus interesses particu-

lares e os princípios mais gerais que

os transcendiam.

As características do contexto aju-

dam, portanto, a compreender alguns

traços da nova Constituição. Entre

eles, o espaço privilegiado ocupado

pelas liberdades fundamentais bási-

cas. Viu-se a preocupação com o

detalhamento dos novos direitos as-

segurados e com a especificação dos

mecanismos disponíveis para a sua

defesa e promoção. Viu-se também um

alargamento radical da noção de ci-

dadania (Carvalho, 2004), que, na

nova Constituição, passou a ter nas

liberdades individuais seu pilar bási-

co, nos direitos políticos seu meio de

promoção e defesa e nos direitos so-

ciais a busca das condições adequa-

das ao seu exercício.

O contexto de elaboração da Cons-

tituição de 1988 permite entender o

caráter detalhista (para muitos, exces-

sivamente detalhista) do texto.3 Após

duas décadas de regime autoritário,

os constituintes, iluminados por seus

temores e desconfianças, buscaram

reduzir ao máximo o espaço para a in-

certeza e a discricionariedade do ad-

ministrador. O caráter abrangente do

texto reflete a pressão fragmentada

de inúmeros grupos sociais que, legi-

timamente, reivindicavam um espaço

no novo marco jurídico (Nobre, 2008).

As constituições estaduais – dentre

elas a de Minas, como se verá adiante –

não são exceção e também apresen-

tam as mesmas características. Isso

se deve, como já foi dito, em parte ao

momento histórico então vivido. Mas

também resulta da própria estrutura

jurídica da Federação brasileira, na qual

o poder constituinte estadual – o cha-

mado poder constituinte decorrente,

que tem sua fonte no artigo 25 da

Constituição da República – encontra

parâmetros e limites no Texto Consti-

tucional Federal.

O caráter abrangente e

detalhista do Texto

Constitucional de 1988 reflete a

pressão fragmentada de

inúmeros grupos sociais que,

legitimamente, reivindicavam um

espaço no novo marco jurídico

Page 28: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO28

A Constituição de 1988 é consi-

derada extremamente avançada no

campo dos direitos. Normas importan-

tes derivam dos “Direitos e Garantias

Fundamentais”, que englobam tanto os

direitos individuais quanto os sociais,

dentre as quais podemos citar o Es-

tatuto da Criança e do Adolescente

(Lei 8.069, de 1990); o Código de

Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de

1990); as leis de execução penal e di-

versos direitos trabalhistas. A saúde,

pela primeira vez, passou a ser vista

como “um direito de todos e dever do

Estado”, o que abriu espaço para a

universalização do atendimento e para

a criação do SUS (Lei 8.080, de

1990).

No tocante aos direitos de partici-

pação política, a Constituição de 1988

apresentou inovações notáveis que

deram um grande impulso à amplia-

ção do mercado político no País. Pela

primeira vez na história republicana do

Brasil, os analfabetos passaram a ter

o direito de voto, ao se abolir uma res-

trição que, durante o século XX, re-

sultara na exclusão política de um

grande contingente de pessoas. Além

disso, a idade mínima para votar pas-

sou a ser de 16 anos.

O texto da nova Constituição in-

troduziu, também, a concepção da

democracia representativa e da

participativa como elementos comple-

mentares, abrindo-se espaço para a

criação de importantes inovações

institucionais que são os conselhos

setoriais de políticas públicas. A nova

modelagem institucional para a ela-

boração e para a implementação de

políticas públicas relevantes, dentre

as quais se destacam as de saúde,

educação, meio ambiente e assistên-

cia social, não pode prescindir da

existência efetiva de conselhos demo-

craticamente escolhidos, nos quais se

assegura a participação paritária en-

tre representantes da sociedade ci-

vil e da burocracia pública. Esse mo-

delo, de inspiração constitucional,

prevalece em todos os entes

federados. Ao lado disso, instrumen-

tos como a iniciativa popular na

apresentação de projetos de lei e os

demais instrumentos de participação

semidireta, como o plebiscito e o re-

ferendo, constituem exemplos impor-

tantes da nova formatação institu-

cional democrática.

Tais inovações têm sido objeto de

intenso debate e pesquisa empírica de

estudiosos que buscam avaliar em que

medida esses mecanismos têm con-

tribuído para desafiar práticas políti-

cas tradicionais e o legado político

autoritário marcado pelo clientelismo

e pela patronagem e para disseminar

novas formas de engajamento cívico

e criar padrões de interação entre Es-

tado e sociedade civil (Wampler e

Avritzer, 2004; Avritzer e Navarro,

2003).

No tocante à organização do Es-

tado, a CF de 1988 teve como resul-

tado uma multiplicação dos atores

políticos relevantes e com poder de

veto: de um sistema bastante con-

centrado no governo federal e na Pre-

sidência da República transitou-se

para um sistema mais plural, no qual

os Poderes Legislativo e Judiciário e

o Ministério Público passaram a ser

atores importantes. Com a interme-

diação desses atores, os cidadãos

comuns passaram a ter acesso a

mecanismos pelos quais podem pro-

vocar as instâncias do Estado, em

defesa de seus direitos. Tanto o sis-

tema de separação de Poderes quan-

to os mecanismos de checks and

balances consagrados pela Consti-

O texto da nova Constituição

introduziu a concepção da

democracria representativa e da

participativa como elementos

complementares, abrindo

espaço para a criação de

inovações como os conselhos

setoriais de políticas públicas

Page 29: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 29

tuição de 1988 são considerados por

muitos estudiosos como bastante

avançados e entende-se que, em re-

lação ao período democrático de 1946-

1964, há atualmente uma maior gama

de mecanismos de fiscalização mú-

tua e melhores condições legais e

organizacionais para a accountability

horizontal (Figueiredo, 2001; Amorim

Neto; Tafner, 2002).

Um dos temas mais salientes na

Assembleia Nacional Constituinte e

que dividiu fortemente seus mem-

bros dizia respeito ao sistema de

governo a ser adotado. Propostas no

sentido da adoção do parlamentaris-

mo ou de um sistema semipresi-

dencialista foram arduamente defen-

didas por alguns grupos, mas não

lograram êxito. Essas eram

justificadas pelo temor de que, na

presença de um Poder Legislativo

fortalecido e de um contexto de alta

fragmentação partidária, os presi-

dentes brasileiros encontrassem

obstáculos à criação de maiorias de

apoio. Temia-se que, sob o presiden-

cialismo, no qual impera o princípio

da sobrevivência independente dos

Poderes, o País ficasse exposto a

permanentes crises de governa-

bilidade e paralisia decisória (Sou-

za, 2003). A experiência democráti-

ca posterior, entretanto, contrariou

os temores dos constituintes ao evi-

denciar a grande capacidade dos

presidentes brasileiros para construir

maiorias de apoio ao governo.

Segundo Figueiredo e Limongi

(1999), a explicação para esse fato

deve ser buscada nas prerrogativas

constitucionais asseguradas ao pre-

sidente, que ampliaram enormemente

seus poderes legislativos, e nas re-

gras de organização interna da Câma-

ra dos Deputados.4 Afirma-se que tal

combinação institucional teria gerado

um processo decisório altamente cen-

tralizado em torno dos líderes parti-

dários e do Poder Executivo

(Figueiredo e Limongi, 1999). Dessa

forma, este Poder se teria tornado o

centro de gravidade do novo sistema

(Amorim Neto, 2004; Shugart e

Carey, 1992), o que pode ser eviden-

ciado ao se contrastar a produção le-

gal do período de 1946-1964, quan-

do o Legislativo era responsável pela

produção da maioria das leis, com os

dados posteriores à Constituição de

1988, quando o Executivo se tornou o

principal legiferante (Pessanha, 2002;

Amorim Neto, 2004).

No “presidencialismo de coalizão

brasileiro” (Abranches, 1988) preva-

lece, então, uma divisão de trabalho

entre os dois Poderes, na qual o Exe-

cutivo detém a iniciativa privativa de

projetos de leis que tratam de assun-

tos administrativos, econômicos e fis-

cais e ao Legislativo cabe a produção

de leis na área social que, embora

relevantes no que diz respeito a as-

pectos pontuais, causam pouco im-

pacto sobre o status quo econômico

e social do País (Amorim Neto e San-

tos, 2002: 134). Os incentivos institu-

cionais gerados pelo novo marco jurí-

dico funcionam, assim, como atenuan-

tes da tendência ao comportamento

paroquialista produzido pelo sistema

eleitoral e atenuam também a ameaça

de crises de governabilidade e parali-

sia decisória. Os impactos perversos

de tal configuração sobre os atribu-

tos da representatividade e da

accountability e sobre o Poder Legis-

lativo têm sido um problema bastante

discutido na Ciência Política brasilei-

ra (Amorim Neto e Tafner, 2002;

Anastasia e Melo, 2002; Figueiredo,

2001).

Outro aspecto que tem merecido

destaque diz respeito ao arranjo fe-

derativo inaugurado em 1988. A nova

Constituição consagrou o federalis-

mo como forma de organização po-

lítico-administrativa, trazendo como

uma de suas grandes novidades e

peculiaridades o reconhecimento

dos Municípios como entes federa-

tivos. Assim como os Estados, os

Municípios possuem prerrogativa de

auto-organização, de autogoverno e

de autoadministração, de modo que,

nas três esferas de governo, o chefe

do Executivo e os legisladores são

eleitos diretamente pelos cidadãos.

O federalismo brasileiro, entretan-

to, apresenta duas tendências opos-

tas: uma de fortalecimento da União e

outra de valorização dos Estados e

Municípios. No tocante à distribuição

de competências, a CF de 1988 pri-

vilegia a União e deixa pouco espaço

de atuação aos governos subna-

cionais. Os Estados, sobretudo, dado

o reduzido número e escopo de suas

competências exclusivas (Costa,

2004; Tomio; Ricci, 2008), são espe-

cialmente afetados por esse arranjo

constitucional.

Como assinala Costa (2004), os

artigos 20 a 22 da Constituição Fe-

deral limitam bastante o espaço de

atuação dos Estados ao definirem

detalhadamente não só as competên-

cias exclusivas da União, mas tam-

bém as comuns, que todos os mem-

bros da Federação, inclusive os Muni-

cípios, podem exercer, e as concorren-

tes, sobre as quais tanto a União quan-

to os Estados podem legislar. Por ou-

tro lado, a CF de 1988 consolidou o

processo de descentralização tributá-

ria, o que evidencia o poder de influên-

cia de governadores e prefeitos, elei-

tos diretamente em 1982 e 1986, so-

Page 30: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO30

pulsionar, no âmbito estadual, o pro-

cesso de abertura das organizações

públicas para a participação dos ato-

res não governamentais. Tudo isso

está, em maior ou menor grau, pre-

sente no processo de elaboração da

Constituição Estadual de 1989, como

veremos a seguir.

Constituição Estadual de 1989

O momento histórico que o Bra-

sil atravessava à época da elabora-

ção da CF de 1988, como não podia

deixar de ser, reverberava no fazer

político das unidades da Federação

e, especialmente, nas atividades

dos legislativos estaduais, titulares

do poder constituinte decorrente.

Particularmente, a Assembleia

Legislativa de Minas Gerais passa-

va por uma crise de credibilidade

provocada, em parte, pelo esvazia-

mento das responsabil idades

institucionais do Poder Legislativo no

País durante o regime militar instau-

rado em 1964. Ao lado disso, práti-

cas arraigadas de priorização de

políticas com base em critérios de

cunho clientelista e paroquial contri-

buíram ao longo do tempo para a de-

terioração da percepção da socieda-

de em relação à atuação do Parla-

mento mineiro. No final dos anos

1970, e até depois de meados da dé-

cada de 1980, a Assembleia de Mi-

nas possuía uma imagem bastante

desgastada, tanto internamente, pe-

rante seus funcionários, quanto ex-

ternamente, perante a sociedade,

conforme demonstraram pesquisas

de opinião realizadas à época.

Esse desgaste tornou-se evidente

para a instituição por ocasião das elei-

ções de 1986, em que o índice de re-

novação da ALMG ficou próximo de

65%, ou seja, das 77 cadeiras da

Casa, cerca de 50 foram ocupadas

por novos parlamentares na legislatura

iniciada em fevereiro de 1987. Tal fato

indicava um claro sinal de descrédito

no Poder Legislativo mineiro e revela-

va a urgência de se debelar a crise de

legitimidade e de se reconstruir a ima-

gem institucional. Promulgada a Cons-

tituição Federal, eram esses o contex-

to e o desafio que os constituintes

mineiros eleitos em 1986 deviam en-

frentar e superar.

Deve-se enfatizar que em regimes

democráticos, em tese, o Poder Legis-

lativo constitui um espaço privilegia-

do de aproximação e de interação com

a esfera pública, exatamente por ser,

dentre os três Poderes estatais, o

mais aberto, devendo, pois, atuar

como um intermediador entre os inte-

resses da coletividade e a administra-

ção estatal. O seu fortalecimento como

Poder autônomo passa necessaria-

mente pelo aprimoramento de suas

funções legislativa e fiscalizadora e

pela avaliação e pelo acompanhamen-

to das políticas públicas que determi-

nam o presente e que influenciarão o

futuro da sociedade que representa.

Além disso, conforme ressalta Fleury

(2004: 120), “o processo democráti-

co de elaboração de políticas públicas

não pode prescindir do amplo debate,

com a inclusão da sociedade em to-

das as suas etapas”. Para o autor,

“esse debate deveria acontecer

prioritariamente no contexto da insti-

tuição que, por definição, seria a res-

ponsável pela representação de inte-

resses heterogêneos”, ou seja, o Par-

lamento.

Nessa linha, foi justamente a par-

tir da deflagração do processo cons-

tituinte no País que a ALMG procu-

rou implementar mudanças estrutu-

rais em que um dos objetivos era

bre o processo constituinte (Costa,

2004; Azevedo; Melo, 1997). Além

disso, a CF de 1988 inaugurou um

processo de descentralização políti-

ca e administrativa no qual os Muni-

cípios passaram a exercer importan-

tes atribuições no tocante à execução

e gestão de políticas públicas com

grande impacto sobre a sociedade

(Arretche, 2004; Anastasia; Inácio,

2006).

O contexto institucional, com suas

peculiaridades, arranjos de poder e

normas consolidadas, delimita o cam-

po de atuação lícita dos agentes polí-

ticos e sociais. Dessa forma, os ato-

res relevantes não gozam de absoluta

liberdade na manifestação de suas

preferências e na concretização de

suas escolhas. A constatação da exis-

tência de constrangimentos derivados

das estruturas institucionais é um dos

pontos recorrentes na moderna Ciên-

cia Política, na vertente que se

convencionou denominar “neoinstitu-

cionalismo”.

A partir da utilização do instrumen-

tal preconizado por essa perspectiva

analítica, deve-se procurar compreen-

der as características do processo de

elaboração da Constituição mineira de

1989 e os resultados obtidos ao seu

final. No caso brasileiro, dado o mo-

delo constitucional vigente de reparti-

ção de atribuições entre os Poderes e

de divisão de competências entre os

entes federados, alguns limites ex-

pressos em dispositivos da Constitui-

ção da República representam muitas

vezes constrangimentos intrans-

poníveis para o constituinte estadual.

Mas, ao mesmo tempo, outros elemen-

tos institucionais, como os relaciona-

dos com a expansão dos direitos fun-

damentais e a valorização da partici-

pação cidadã, contribuem para im-

Page 31: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 31

alavancar seu projeto de superação

da crise. As primeiras iniciativas do

Parlamento mineiro nesse sentido

antecederam a própria convocação da

Assembleia Nacional Constituinte.

Assim, em 1986, a Assembleia de

Minas organizou e promoveu o

simpósio “Minas Gerais e a Consti-

tuinte”, no qual, em sua primeira fase,

especialistas e autoridades participa-

ram de conferências e debates so-

bre os diversos problemas nacionais

e os eventuais impactos da elabora-

ção constitucional sobre a realidade

brasileira. Os anais desse evento fo-

ram encaminhados ao Congresso

Nacional e, pelo que se sabe, consti-

tuíram importante fonte de consulta

durante os trabalhos da Assembleia

Nacional Constituinte. O simpósio

teve ainda uma segunda etapa, que

ficou conhecida como “Minicons-

tituinte de Minas”, na qual foram

mobilizados estudantes do ensino

fundamental para ocupar os espaços

da ALMG e discutir temas de inte-

resse da sociedade, como educação,

saúde e meio ambiente. Dessa dis-

cussão resultou a “Minicarta de Mi-

nas”, entregue por representantes

dos estudantes aos chefes do Exe-

cutivo e do Legislativo nacionais.

Em 1987, a ALMG organizou o

“Encontro de Presidentes de Assem-

bleias Legislativas”, do qual resultou

o documento conhecido como “Com-

promisso de Ouro Preto”, texto em que

os chefes dos legislativos estaduais

assumiram o empenho comum de luta

pela institucionalização de uma socie-

dade participativa e democrática a

partir do processo de elaboração da

nova Carta Federal. Paralelamente a

essas ações de mobilização e subsí-

dio aos trabalhos constituintes no

âmbito nacional, ainda em 1987, a

Assembleia de Minas instalou a Co-

missão Preparatória dos Trabalhos da

Constituinte Estadual, a qual, além de

acompanhar o processo federal, ti-

nha a missão de realizar estudos acer-

ca dos processos constitucionais ocor-

ridos ao longo da história do Estado e

de elaborar o anteprojeto do Regimen-

to Interno que disciplinaria as ativida-

des dos constituintes estaduais.

Em 1988, também com o objetivo

de recolher subsídios para a elabora-

ção da nova Carta Estadual, a ALMG

realizou um segundo simpósio aberto

à participação da sociedade, este de-

nominado “A Nova Constituição Fe-

deral e o Processo Constituinte Mi-

neiro”. Ao mesmo tempo, a institui-

ção iniciou um trabalho de capacitação

de seu corpo técnico e de informa-

tização voltado exclusivamente para

o assessoramento técnico da Cons-

tituinte Mineira, instalada em 7 de

outubro de 1988, apenas dois dias

após a promulgação da Carta Fede-

ral. Na mesma data foi inaugurada,

em frente à sede da ALMG, a escul-

tura de aço – hoje famosa – que tem

a forma de um triângulo aberto en-

volto por um semicírculo, figuras ge-

ométricas que simbolizam, respecti-

vamente, a passagem à representa-

ção popular e a aliança entre a socie-

dade e o Legislativo. Com efeito, a

ampliação da interação entre cida-

dãos e Parlamento foi uma das prin-

cipais inovações do processo de ela-

boração da nova Constituição Esta-

dual. Apesar da resistência de parte

dos constituintes, que demonstrava

cautela – ou receio – em trilhar cami-

nho tão inovador, “prevaleceu a orien-

tação de abrir as portas da Assem-

bleia a todos os segmentos sociais,

com o intuito de se obterem, por meio

de debates e sugestões, subsídios

A ampliação do diálogo entre

cidadãos e Parlamento foi uma

das principais inovações da

elaboração da nova Carta

Estadual. Em Minas,

aprofundou-se a efervescência

participativa que caracterizou o

processo constituinte federal

Page 32: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO32

para elaboração da futura Carta Es-

tadual” (Ribeiro; Dias; Simões, 1999:

142).

Destarte, a efervescência partici-

pativa que caracterizou o processo

constituinte federal refletiu-se – e,

guardadas as devidas proporções,

aprofundou-se – no processo de cons-

trução da nova Carta mineira. De for-

ma inédita e inovadora, a imple-

mentação de mecanismos de incenti-

vo à participação no processo consti-

tuinte estadual criou uma oportunida-

de privilegiada para a reunião, por

parte do Poder Legislativo, de infor-

mações que se encontravam disper-

sas pela sociedade sobre os anseios

e preferências dos cidadãos em rela-

ção a questões cruciais de políticas

públicas. Por meio de audiências pú-

blicas regionais realizadas em 17 ci-

dades-polo do Estado e, posteriormen-

te, de audiências públicas temáticas

em que representantes dos segmen-

tos sociais tinham a oportunidade de

defender oralmente suas propostas,

a ALMG recolheu nada menos que

10 mil sugestões populares relativas

a diversos temas para subsidiar a

elaboração do texto da nova Consti-

tuição.

Deve-se ressaltar também que, se

por um lado o arranjo federativo inau-

gurado com a CF de 1988, com a con-

centração de competências na União

e com a elevação dos Municípios a

entes federativos, deixou aos Estados

um espaço muito restrito de atuação

(Tomio; Ricci, 2008), por outro, não

se pode afirmar que o trabalho dos

constituintes mineiros consistiu so-

mente em adaptar o Texto Constituci-

onal do Estado à Constituição Fede-

ral. Paralelamente à participação so-

cial, houve intensa mobilização e par-

ticipação dos deputados na elabora-

ção da nova Carta Estadual – e nem

poderia ser diferente, já que eram eles

os titulares de fato e de direito do

poder constituinte decorrente.

Um dos resultados dessa mobili-

zação foi a apresentação de cerca de

4,7 mil emendas parlamentares duran-

te as diversas fases do processo

constituinte. Apesar dos contornos

institucionais e político-sociais defini-

dos na nova Carta Magna do País, os

constituintes mineiros, diferentemen-

te da autorização dada ao presidente

da República pelos constituintes fe-

derais, não atribuíram ao governador

do Estado a prerrogativa de emitir

medidas provisórias com força de lei.

Além disso, promoveram importantes

debates sobre temas polêmicos já re-

jeitados pelos constituintes federais.

Exemplos disso foram as discussões

que objetivavam incluir na Constitui-

ção Estadual dispositivos que insti-

tuíam o parlamentarismo como forma

de governo e legalizavam o jogo no ter-

ritório mineiro.

Todo esse contexto, aliado ao exer-

cício concomitante, pelos constituin-

tes, da função legislativa ordinária,

bem como ao inédito processo de

impeachment do governador do Esta-

do, ocorrido em 1988/89, e às pri-

meiras eleições presidenciais pós-di-

tadura, tornou ainda mais complexo o

ambiente no qual se desenrolava o

processo de construção da nova

Constituição. Mas isso não impediu a

promulgação do Texto Constitucional

mineiro, de forma pioneira no País, em

21 de setembro de 1989.

Não se pode ignorar que as ten-

dências democratizantes da

Assembleia Constituinte de Minas

Gerais de 1989, direcionadas para tor-

nar o sistema político mais poroso aos

anseios sociais e passível de maior con-

Houve resistência às tendências

democratizantes da Constituinte

mineira. Apesar disso, o

conteúdo da Carta Estadual

deixa transparecer em diversos

pontos que prevaleceu o

objetivo de ampliar o controle

público do sistema político

Page 33: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 33

trole público, enfrentaram resistência,

pois conviviam lado a lado com visões

autoritárias da política e das relações

sociais. O conteúdo da Constituição,

no entanto, deixa transparecer, em di-

versos pontos, a prevalência da primei-

ra visão. Apesar de alguns dispositi-

vos nesse sentido nunca terem saído

do papel, como aquele que cria a

“Ouvidoria do Povo”, merecem desta-

que a iniciativa popular de lei, a partici-

pação da sociedade na elaboração de

políticas públicas por meio de organi-

zações sociais e dos conselhos

setoriais, as audiências públicas reali-

zadas pelas comissões parlamentares,

inclusive no interior do Estado, entre

outros. Seguindo a tendência da CF de

1988, a Constituição mineira também

assegurou a todos os cidadãos e orga-

nizações da sociedade civil o livre di-

reito de petição contra ato ou omissão

de agentes e órgãos públicos e o direi-

to de se manterem informados sobre a

atuação daqueles.

Em suma, pode-se afirmar que a

Constituição mineira de 1989 refle-

tiu conquistas e avanços, mas tam-

bém embaraços e impasses próprios

de uma sociedade complexa. Entre-

tanto, após duas décadas e 81 emen-

das constitucionais, o cerne demo-

cratizante da Carta Estadual se man-

teve preservado. Se não se pode di-

zer que o processo constituinte mi-

neiro debelou práticas políticas tra-

dicionais, também não se pode negar

que ao menos teve o mérito de iniciar

a abertura do Legislativo de Minas à

participação dos diversos segmentos

sociais. E se o Texto Constitucional

foi o principal produto de todo esse

processo, o seu maior legado está em

ter constituído a gênese dos meca-

nismos de aproximação e de interação

entre a ALMG e a sociedade, os

quais se aprofun-daram – e vêm aper-

feiçoando-se – a partir da década de

19905.

Considerações finais

Os processos de elaboração da

Constituição Federal, no período de

fevereiro de 1987 a outubro de 1988,

e da nova Constituição mineira, entre

1988 e 1989, representaram uma das

experiências mais ricas da história

política do País e do Estado de Minas

Gerais. A nova ordem constitucional,

então inaugurada, impulsionou mudan-

ças significativas na dinâmica social e

política desses entes, impossíveis de

serem enumeradas e analisadas em

um único artigo.

Utilizando as categorias de Lijphart

(2003), pode-se dizer que a Consti-

tuição Federal de 1988 e a Constitui-

ção mineira de 1989 estabeleceram as

bases para uma democracia de signi-

ficativos contornos consensuais, o

que, por um lado, incentiva a disper-

são de poder e a expressão da diver-

sidade e, por outro, implica a necessi-

dade de um grande esforço de

concertação entre os diferentes gru-

pos políticos.

Se é verdade que a consolidação

da democracia envolve o fator tempo,

visto como essencial para a interio-

rização das leis, dos princípios e das

regras pelas elites políticas e pelos

diversos atores sociais e para produ-

zir valores, comportamentos e atitu-

des com eles coerentes, é possível

afirmar que, em decorrência do pro-

cesso constituinte instalado há pouco

mais de duas décadas, o Brasil e o

Estado de Minas Gerais experimen-

tam algo, além de rico, inteiramente

novo em sua história.

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Notas1 Deste ponto em diante, CF de 1988.2 A indiscutível liderança do PMDB não repre-

sentava a hegemonia de um grupo sobre osdemais, uma vez que o partido era marcadopor grande heterogeneidade interna.

3 A Constituição promulgada em 1988 pos-sui 245 artigos, 1.627 dispositivos cons-titucionais, sendo que 367 estão à esperade regulamentação.

4 A CF de 1988 garantiu ao presidente daRepública importantes prerrogativaslegislativas e não legislativas, como a ini-ciativa exclusiva em algumas áreas depolíticas; a iniciativa de projetos de leiordinária e de emendas constitucionais;o poder de veto total e parcial; a possibi-lidade de requerer tramitação de urgên-cia para projetos de sua iniciativa e de

nomear e demitir livremente ministros deEstado e outras autoridades; e a prerroga-tiva mais destacada na Ciência Política, ade editar decretos com força de lei.

5 Informações detalhadas sobre o desen-volvimento do processo de aproxima-ção e de interlocução entre a ALMG e asociedade podem ser obtidas emAnastasia (2001).

Page 35: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 35

fotos: Ricardo Barbosa

A Constituição Federal determinou a concentração de

competências na União, mas não é pequeno o espaço que as

casas legislativas têm para aprovar leis. No entanto, constata-

se o descompasso entre as possibilidades de produção

legislativa e os resultados alcançados. O controle judicial da

constitucionalidade das normas tem revelado, ainda, deslizes

no exercício dessa função. Os órgãos de representação popular

têm a reserva da lei e, se os outros Poderes não podem

apropriar-se desse papel, também o Parlamento não deve

abdicar de seu dever ou exercê-lo à revelia da Constituição.

A função legislativa: um poder-dever do ParlamentoJosé Edgard Penna Amorim Pereira

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, desembargador do

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ex-procurador da ALMG

e assessor parlamentar na IV Assembleia Constituinte Mineira

Page 36: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO36

fensores, que sustentavam a neces-sidade de aprofundar-se ao máximo ademocracia, seja pela garantia da par-ticipação do povo e valorização da re-presentação popular na elaboraçãodas leis, seja pela inversão da lógicahistórica do federalismo brasileiro,cuja origem centrífuga informou sem-pre a concentração de poderes naUnião Federal.

Com efeito, relativamente ao pri-meiro ponto, avultam, no Texto Cons-titucional de 1988, exemplos de afir-mação do postulado da proteção dareserva de lei, em sentido formal ematerial, ao Parlamento da Nação.Nessa linha, há o regime do artigo 68acerca das leis delegadas, muito maisrestritivo que o da Carta Políticarevogada. Destacável, igualmente, ainédita previsão da possibilidade de oCongresso Nacional sustar os atosnormativos por meio dos quais o Po-der Executivo exorbite do seu poderde editar regulamentos ou dos limitesda delegação legislativa, insculpida noinciso V do artigo 49.

Da mesma forma – como a coroare efetivar, no período de transição,toda a principiologia constitucional deafirmação da supremacia do Parlamen-to em matéria de edição de norma ino-vadora do ordenamento jurídico – des-pontam as regras do artigo 25 do Atodas Disposições Constitucionais Tran-sitórias (ADCT), que tanto revoga osdispositivos legais anteriores que con-trariem a nova ordem jurídico-consti-tucional em matéria de delegaçãonormativa do Congresso Nacionalpara o Poder Executivo como defineos efeitos dos proscritos decretos-leisnão apreciados pelo Congresso Nacio-nal até então.

Nesse contexto, é de certa formapacífico que as medidas provisórias

constituíram um contrassenso no mo-delo constitucional democrático. Con-quanto adequado ao sistema de go-verno parlamentarista que constavados primeiros projetos apreciados naAssembleia Constituinte, tal institutosobreviveu à alteração dos rumos polí-ticos dos trabalhos – que redundou napermanência do presidencialismo –,como sucedâneo do decreto-lei nonovo Texto Constitucional.

A história mostra quão desastro-sa foi a opção constituinte para a har-monia entre os Poderes, a qual pode-ria ter sido evitada se a interpretaçãodada pelo Supremo Tribunal Federal(STF) ao disposto na redação originaldo artigo 62 prestigiasse a possibili-dade de sindicarem-se a relevância ea urgência como requisitos de valida-de das medidas provisórias excepci-onalmente adotadas pelo presidenteda República. Louve-se, a propósito,a firme decisão de constituintes dosEstados membros – como os minei-ros – de não reproduzirem, nas res-pectivas Constituições, a inserçãodessa abominável espécie, que cons-ta no rol dos veículos normativos com-ponentes do processo legislativo fe-deral (art. 59).

Concernentemente ao segundoponto sob exame – o do Estado Fede-ral instituído em 1988 –, há que sefazer análise multifacetária. Inicialmen-te, sobressai do Texto Constitucionala afirmação da autonomia político-ad-ministrativa dos entes federados, coma elevação dos Municípios e do Dis-trito Federal à condição de unidadespolíticas integrantes da Federação, aolado dos Estados e da União (arts. 1ºe 18).

Essa autonomia se traduz especial-mente na capacidade de cada uma des-sas unidades federadas produzir um

Passados 20 anos da promulga-ção do Texto Constitucional da Repú-blica Federativa do Brasil de 1988 –de que resultou “o mais bem-sucedi-do empreendimento institucional dahistória brasileira de todos os tempos:o Estado Democrático de Direito e deJustiça”1 –, configura-se a ocasião pro-pícia a uma análise, entre outras, so-bre a potencialidade estabelecida pelomomento constituinte para que fosserecomposta a capacidade de legislardos parlamentos e a realidade revela-da nestas duas décadas de re-constitucionalização do País.

Relembre-se, primeiramente, queos trabalhos de elaboração de umanova constituição para o Brasil se de-senvolveram sob o influxo de inúme-ras bandeiras políticas e ideológicase de interesses os mais diversos, querinstitucionais, quer privados oucorporativos.

Uma das expectativas marcantesera a de que se restabelecesse a har-monia entre os Poderes, mediante,sobretudo, a redução da hipertrofia dafunção legiferante exercida pelo Po-der Executivo, recrudescida não ape-nas pelos atos institucionais baixadospelo regime militar, como também pelouso excessivo dos decretos-leis.

Outro desejo merecedor de des-taque era o de que fosse finalmentealcançado o equilíbrio federativo, pormeio da distribuição de competên-cias entre os entes federados segun-do critério de proporcionalidade queassegurasse a outorga tanto dosmeios materiais para o desempenhodas tarefas administrativas quanto dalegitimidade para a normatização res-pectiva.

Como é sabido, essas duas plata-formas institucionais não lograram oêxito imaginado por aqueles seus de-

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REVISTA DO LEGISLATIVO 37

veículo normativo de natureza consti-tucional – no sentido de instituidor dasua auto-organização – promulgadopelo Parlamento respectivo. Ainda queo legislador constituinte tenha alcu-nhado de Lei Orgânica esse veículo,ao referir o Distrito Federal e os Mu-nicípios – e que tal fato venha, pormuitos, sendo considerado relevantepara estremá-lo da Constituição Es-tadual – , a verdade é que, do pontode vista ontológico, Lei Orgânica eConstituição Estadual em nada dife-rem entre si: são promulgadas pelascasas legislativas respectivas e, pois,sem a sanção do chefe do Poder Exe-cutivo, em prazo predeterminado e sobquórum qualificado (arts. 25, 29 e 32,além do art. 11 e parágrafo único doADCT). Os limites de atuação des-se poder constituinte decorrente seencontram nos princípios da Cons-tituição Federal (para os Estados eo Distrito Federal) e no disposto naConstituição Federal e na Constitui-ção do respectivo Estado (para osMunicípios).

A identificação dos campos aber-tos à produção normativa dos parla-mentos locais decorre, naturalmente,da repartição de competências entreos integrantes da Federação para le-gislarem e atuarem administrativamen-te, constante da Constituição Fede-ral. Nesse aspecto, o resultado dostrabalhos constituintes de 1987/1988revela ainda um federalismo mitigado,em que a concentração de competên-cias no âmbito da União é de tal en-vergadura que as decisões estrutu-rantes muito pouco levam em conta asrealidades locais, ao arrepio do prin-cípio da subsidiariedade, que infor-ma, por exemplo, a União Europeia,onde o exercício do poder centralsomente se legitima à medida que o

ente local se revela incapaz de seautodeterminar.

Basta um exame perfunctório doextenso rol das competênciaslegislativas privativas da União,insertas no artigo 22, para se confir-mar o acima asseverado. Aos Municí-pios se lhes assegura a disciplinanormativa em assuntos de interesselocal, ainda assim mediante respeito,se existir, à legislação federal e à es-tadual (art. 30, I e II). Aos Estados sóse reservam as competênciaslegislativas de que não sejam titula-res, por atribuição expressa, a Uniãoe os Municípios (§ 1º do art. 25), alémda competência concorrente, cujoexercício pleno se subordina à inér-cia do legislador federal (art. 24 e§§). O Distrito Federal, mercê desua anfíbia natureza, cumula os po-deres normativos estaduais e mu-nicipais (§ 1º do art. 32).

Independentemente dessas limita-ções, reconheça-se não ser pequenoo espaço aberto às casas legislativaspara atuarem na sua função precípua,que é a de aprovar leis. Além da sen-sibilidade para alcançar os anseiospopulares e as necessidades adminis-trativas, exige-se suporte técnico im-prescindível para traduzir aqueles eestas em textos normativos capazesde influir positivamente na realidadeda vida das pessoas, seus destinatá-rios. O desafio, pois, não é menor,máxime para as câmaras municipais,em face das conhecidas dificuldades,de variada ordem, por que passa arepresentação popular local.

Ao longo destes últimos 20 anos,contudo, o que se tem percebido é umdescompasso entre as auspiciosaspossibilidades de produção legislativaefetiva pelos parlamentos e os resul-tados a que se chega.

Page 38: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO38

tentava-se a necessidade de avançar,criativamente, pelos espaços abertospela técnica dos poderes reserva-dos, preferindo-se sempre o forta-lecimento da autonomia do Estadomembro, vis-à-vis os demais entesfederados, e do Poder Legislativo,em face dos outros Poderes, espe-cialmente o Executivo.

A interpretação dos tribunais, po-rém, ao menos na fase imediata, seassentou sobre jurisprudênciaamadurecida no regime constitucio-nal anterior e, pois, impregnada deautoritarismo nas relações entre asunidades da Federação ou entre osPoderes. Não foi sensível às mudan-ças esperadas pela instituição do Es-tado Democrático de Direito, o queredundou na declaração de inconstitu-cionalidade de inúmeros dispositivosnormativos – alguns inseridos no cor-po das próprias constituições estadu-ais e das leis orgânicas municipais –,a pôr em dúvida a conveniência de seinsistir nessa linha que já recebera apoda do controle judicial.

O que se tem visto, entretanto, aocontrário do que recomendava a pru-dência, é um recrudescimento da pro-dução de emendas constitucionais ede leis que não se compatibilizam coma Constituição Federal, pelo menos se-gundo a interpretação que lhe dão aSuprema Corte e os tribunais de Jus-tiça, estes no exercício do controledifuso de constitucionalidade. À cen-

sura feita ao desrespeito às regras deiniciativa legislativa privativa (art. 61,§ 1º), por exemplo, respondeu-se coma inserção de normas no corpo – per-manente ou até mesmo, em alguns ca-sos, “transitório” – das constituiçõesestaduais ou das leis orgânicas, comose tal medida tivesse o condão, por sisó, de imunizar a crítica judiciária. Aocontrário, a insistência no propósito,pelo caminho enviesado, agride o Di-reito e desqualifica o fim e o meio.

O quadro revela que, no âmbito doCongresso Nacional, as inconstitucio-nalidades se produzem ou na omissãolegislativa ou na incompatibilidadematerial, ao passo que, no âmbito dosparlamentos estaduais e municipais,os vícios se reproduzem também naincompatibilidade formal.

É hora, parece, de refletir. De re-pensar a posição em que hoje se en-contra a função primordial dos parla-mentos – a de elaborar as leis – , a fimde lhe resgatar o significado para oEstado Democrático de Direito. Estepressupõe a supremacia constitucio-nal, a harmonia entre os Poderes, mas,essencialmente, a reserva da lei emsentido formal e material aos órgãosde representação popular. Usurparemos outros Poderes desse papel doParlamento; abdicar o Legislativo des-se poder-dever – ou exercê-lo à reve-lia dos postulados constitucionais –;tudo isso avilta a democracia, que pre-cisa ser respeitada e defendida.

No âmbito do Congresso Nacio-nal – além das contingências de or-dem política e ética –, as medidas pro-visórias têm-se revelado perniciosoentrave ao desenvolvimento regulardo processo legislativo, mesmo de-pois de emendas constitucionais queprocuraram reduzir o poder do presi-dente da República de usurpar, poresse instrumento, a função parlamen-tar. Ao lado disso, o controle judicial,sobretudo mediante ações diretas deinconstitucionalidade perante o STF,tem tangenciado a produção legisla-tiva na esfera federal, ainda que, namaior parte das vezes, atue oguardião da Constituição como legis-lador negativo, apenas retirando domundo jurídico a lei incompatível coma Constituição.

Exceção foi o julgamento pelo STFde mandado de injunção, por meio doqual declarou a mora do CongressoNacional em editar lei disciplinando odireito de greve do servidor público.Nesse caso, como a inércia parlamen-tar já se revelara inaceitável, determi-nou o órgão de cúpula do Poder Judi-ciário que se observassem os dispo-sitivos cabíveis previstos na lei de gre-ve dos trabalhadores em geral.

O controle judicial de constitucio-nalidade dos atos normativos tem re-velado, igualmente, um preocupantedeslize no exercício da funçãolegislativa pelas casas parlamentares,quer estaduais, quer municipais.

É possível notar que, com a pro-mulgação da Constituição de 1988,os processos constituintes estaduaisse instalaram com claro propósito deafirmação do federalismo, o queensejou a promulgação de textosconstitucionais que interpretaramcom parcimônia os limites estabele-cidos pela Constituição Federal. Sus-

Nota

1 A feliz observação é do professor José Maria

Almeida Martins Dias, no discurso profe-

rido na Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB), seção de Minas Gerais, em 10 de

agosto de 2009, por ocasião das come-

morações do cinquentenário de formatura

dos bacharéis em Direito de 1959 pela

UFMG e pela PUC Minas.

Page 39: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 39

Um pacto pela democracia

Ao comemorar os 20 anos da Constituição Estadual, o

Legislativo deve olhar também para o futuro. É

necessário criar espaços de teorização da prática que

possibilitem aprimorar a interação entre políticos e

técnicos; instituir mecanismos de controle social sobre

a burocracia; e resgatar o saber não tecnocrático da

sabedoria popular. Esses são desafios que o

Parlamento precisa enfrentar, a fim de contribuir para

criar condições reais de aperfeiçoamento e de

consolidação da democracia.

G. Fábio Madureira

Especialista em Educação, primeiro diretor executivo do Conselho de Informação ePesquisa (Cinpe), ex-integrante do Comitê Institucional da ALMG, presidente da ONG SER

em SI, autor do livro Racionalidade da Sabedoria Popular: energia material humana e

sexualidade e autor das páginas Filosofia Popular e Poesofia do site www.seremsi.org.br

fotos: Alair Vieira e Marcelo Metzker

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A partir da implantação do taylorismo

no processo de trabalho (final do séculoXIX), vai-se consolidando, no capitalismo,uma nova classe social comumente chama-da de tecnocracia. O seu capital é o conhe-cimento, por meio do qual essa classe sesustenta e vai, paulatina e progressivamen-te, assumindo o poder.

Nesse processo histórico, a política, queantes podia viabilizar-se apenas pela capaci-dade dos indivíduos de acumular relações,passa a exigir deles, também e cada vez mais,a capacidade de acumular conhecimento.

As últimas décadas do século XX fo-ram um divisor de águas desse processo.No nosso País, em especial, marcam a as-censão e consolidação da classe tecnocrá-tica. Os militares, seus históricos represen-tantes, assumem o governo e tentam banirda sociedade todos os processos de ama-durecimento político, tanto em nível indivi-dual quanto coletivo.

Para manter as aparências de democra-cia, entretanto, permitem que o Legislativofuncione, exceto em alguns momentos pon-tuais. Mas mesmo esse funcionamento foisempre por eles, tecnocratas, militares ounão, monitorado e controlado.

Quem viveu o Legislativo desse períodohistórico deve lembrar-se facilmente de al-gumas cenas dantescas e humilhantes porque os parlamentares passavam. Qualquerautoridade do Executivo, convocada por al-guma das comissões técnicas do PoderLegislativo, quando comparecia, fazia-oacompanhada de até algumas dezenas deassessores, empilhando algumas centenasde documentos, recheados de alguns milha-res de cifras e informações. Pior que isso éque os parlamentares, geralmente no papelde inquisidores, não tinham nem conheci-mento de tais documentos, estatísticas e in-formações. Era um vexame total. A autori-dade convocada dava um show de retórica.Saía toda empinada e apinhada de assesso-res, prontificando-se a voltar “quantas ve-

zes suas excelências, os senhores parlamen-tares, achassem oportuno ou necessário”.

Foi em um ambiente como aquele queassumi a antiga Diretoria de Pesquisa eDocumentação Legislativa, em 1978.

Não foi difícil convencer os deputadosde que tínhamos que criar uma infraestru-tura de informação. Não só para minimizaras situações vexaminosas, como a descri-ta, mas, principalmente, para nos prepa-rarmos para uma abertura que já dava si-nais de se avizinhar.

Naquele mesmo ano, sob a administra-ção da Mesa presidida pelo deputado Antô-nio Dias, iniciou-se a negociação de um con-vênio com o Prodasen – a Secretaria Especi-al de Informática do Senado Federal –, quan-do se criou e implantou o quadro de estagiá-rios. Com seu concurso, a diretoria produziualguns estudos que comprovavam a neces-sidade de o Legislativo se aparelhar para, pelomenos, poder dialogar com a tecnocracia doPoder Executivo sem tanta humilhação.

Apesar do discurso reinante naAssembleia de que nenhuma mudança in-terna era possível, a Mesa seguinte, sob apresidência do deputado João Navarro,conseguiu vencer uma queda de braço po-lítica com a Prodemge e assinar o convêniocom o Prodasen. No convênio, além de aAssembleia passar a ter acesso a toda abase de dados do Prodasen, a Casa se tor-nava detentora da respectiva tecnologia edo direito de gerenciar a disseminação des-sas informações entre as demais institui-ções do nosso Estado.

Tais iniciativas exitosas criaram as con-dições para se poder enfrentar uma ideolo-gia que, no meu entender, paralisava einviabilizava qualquer processo de inovaçãointerna. Tinha-se como consagrado o prin-cípio de que qualquer melhoria para o ser-vidor, individual ou coletiva, só era possívelpor meio do modelo de troca de favorescom os deputados: geralmente por algunspunhados de votos conseguia-se uma

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melhoria funcional. Como consequência, nãohavia o menor espírito de profissionalismo.

A Mesa presidida pelo deputado JoséSantana começou a derrubar essa crença.Convencida da necessidade de se criaremcondições para o enfrentamento datecnocracia reinante, instituiu o Conselho deInformação e Pesquisa (Cinpe). Esse órgão,com um relativo grau de autonomia na estru-tura da Casa, nasce tendo como principalcaracterística a profissionalização do servi-dor. Para isso, foi instituída a classe de téc-nicos de pesquisa. Pela primeira vez, contra-tava-se uma classe formada de profissionaisde diversas áreas do conhecimento, por meiode concurso público de provas e títulos, se-guido de um período de treinamento.

Estavam dadas as condições mínimaspara se iniciar a criação de uma base dedados do nosso Parlamento, o que se deua partir da informatização da legislação es-tadual e do processo legislativo. Ao mes-mo tempo, o Cinpe assinou convênios comoutras instituições de pesquisa, para dotara Casa de informações primárias e essen-ciais à formulação das leis e à fiscalizaçãodo Poder Executivo.

Concomitantemente, buscava-se inovarnos métodos e procedimentos administra-tivos. Exemplo disso é que, pela primeiravez, uma diretoria da Casa teve o seu titu-lar nomeado pela Mesa, a partir de umalista tríplice, eleita pelos servidores da res-pectiva área. Além disso, é desse períodoa iniciativa de se realizar o primeiro semi-nário nacional de informatização doLegislativo, buscando criar-se um ambien-te de cooperação e troca de experiênciasentre as várias casas legislativas do País.

Tal evento teve papel decisivo na cria-ção posterior da Associação Nacional parao Desenvolvimento das AtividadesLegislativas (Andal), que tinha por finali-dade unir os servidores dos legislativos bra-sileiros na luta pela sua profissionalizaçãoe pela valorização do Poder Legislativo. Há

que se registrar que a Andal não prospe-rou por obra e graça da tecnoburocraciade Brasília, que não admitia o discurso doslegislativos estaduais pelo fortalecimentodo federalismo.

À medida que o processo de aberturapolítica se mostrava cada vez mais uma rea-lidade, crescia a consciência da necessida-de de se criarem canais de comunicaçãocom a sociedade.

Para tanto, era preciso, antes de tudo,mobilizar uma sociedade que havia se de-sacostumado à vivência democrática e seencontrava sujeita, pela força, a um regimede mais de 20 anos de centralismo eautoritarismo.

Foi nessa perspectiva que, na Mesa pre-sidida pelo deputado Kemil Kumaira, reali-zou-se o primeiro concurso estadual de re-dação para os alunos do ensino fundamen-tal, abordando a temática da importância doPoder Legislativo numa democracia repre-sentativa. Apesar dos limites operacionaisde então, o concurso envolveu um significa-tivo número de escolas, com a participaçãode professores e alunos no processo de ela-boração e seleção das redações, culminan-do com uma grande cerimônia de premiaçãono Plenário e a publicação de um livro comas melhores redações.

O concurso consolidou a ideia de umprojeto de atuação permanente doLegislativo no sistema educacional, com oobjetivo de aprofundar a discussão sobrea democracia representativa. O pressupos-to básico era que a juventude estaria maisaberta e motivada a essa reflexão, já queas gerações mais velhas se mostravam umtanto impermeáveis, em função de suas de-cepções com a política. Nesse sentido,elaborou-se o livro didático O Legislativo vai

à escola. Nele formularam-se questões ob-jetivas para o estudo das redações premia-das, com a finalidade de municiar os pro-fessores de Português de material didáti-co suplementar.

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A essa altura, o Cinpe já se mostravabastante desgastado. Toda iniciativa quegera mudanças institucionais produz tam-bém muitas arestas. E o Cinpe não ficouimune a essa norma. Mas, no cômputo ge-ral, cumpriu seu papel histórico. Ele já ago-nizava, mas na Assembleia, como um todo,o discurso da competência técnica já eraadotado, inclusive pelos seus adversários;a tese do profissionalismo do servidor jáse mostrava vencedora, apesar de algunsdesvirtuamentos; o processo de informati-zação da Casa já se tornara irreversível.De certa forma, pode-se afirmar que aAssembleia estava tecnicamente prepara-da para vivenciar um bom momento cons-tituinte.

Faltava, entretanto, algo essencial paradar sequência e consequência às inovaçõesintroduzidas pela nova Constituição. Isola-da institucionalmente pelos vários anos deautoritarismo, a capacidade de comunica-ção da Assembleia com a sociedade poucoou nada se desenvolvera. Daí a necessida-de de se criarem mecanismos de comuni-cação interinstitucionais.

A Mesa presidida pelo deputadoRomeu Queiroz acolheu, de pronto, essapercepção e determinou a criação de umgrupo permanente com essa finalidade.Por razões circunstanciais, esse grupopassou a ser conhecido simplesmentecomo Comitê.

A primeira ação do Comitê foi propor acontratação de uma consultoria externa decomunicação. Além de agregar a visão ex-terna sobre a instituição, tal consultoria da-ria maior credibilidade às análises e avalia-ções que já se faziam pelo Comitê.

A partir de sugestão dessa consultoria,realizou-se uma pesquisa de opinião parase avaliar a percepção que a sociedade ti-nha da Assembleia e para se detectaremsuas expectativas em relação ao Poder.Saúde e educação foram apontadas comoas maiores demandas.

No Comitê, travou-se um profundo eintenso debate sobre as estratégias parauma resposta pronta às duas demandas.Optou-se por se iniciar com a área de saú-de, realizando-se um grande seminário. Odebate prosseguiu mais acalorado aindaquando da definição do modelo de seminá-rio. O modelo tradicional de painéis de es-pecialistas dentro das plenárias de partici-pantes terminou por ser o vencedor.

Realizou-se o seminário. Gastou-se mui-to dinheiro na sua divulgação, foi necessá-rio muito trabalho para a arregimentação departicipantes, e o envolvimento dos parla-mentares foi pequeno. De acordo com omodelo proposto, entretanto, foi um semi-nário vitorioso. Renomados especialistas!Intensos debates!

E daí? Foi a pergunta que grande partedo Comitê se fez durante o processo deavaliação do evento, o que nos levou à con-clusão de que esse modelo de seminário erapróprio para entidades representativas, talcomo a Associação Médica, por exemplo,que poderia tê-lo realizado com menos custoe, talvez, até com mais resultados. O desafioque se colocava era, pois, encontrar-se ummodelo mais condizente com as caracterís-ticas do Poder Legislativo.

Como eu tinha sido o maior crítico domodelo de evento utilizado na área da saúde,recebi a incumbência e uma carta branca doComitê e da administração da Casa para or-ganizar o seminário da educação, que eraapontada como a segunda maior demanda.

Já tendo organizado o seminário deinformatização, aproveitei um pouco dessaexperiência. Além do mais, por ter atuadopor algum tempo na área da educação, co-nhecia suas principais lideranças e um tan-to de sua problemática.

As entidades e instituições afins pronta-mente atenderam ao convite da Presidên-cia. Foi-lhes colocado o desafio de, juntos,encontrarmos um novo modelo de seminá-rio. Seu principal objetivo seria oferecer sub-

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sídios para a elaboração legislativa. AAssembleia forneceria toda a infraestrutura,cabendo ao conjunto das entidades aarregimentação de seus afiliados, a definiçãodo temário a ser discutido, a formação dosgrupos de discussão, a escolha dos especia-listas e a elaboração de um documento final,contendo as propostas de alteraçõeslegislativas e de ações governamentais.

Ao seminário deu-se o nome “Educa-ção, a hora da chamada”. Ele foi a cobaia,mas já com resultados palpáveis. Além demelhorar o diálogo entre as entidades einstituições da área, ao final tínhamos umconjunto de propostas de ações para oPoder Legislativo e para as demais ins-tâncias de governo. Ressalte-se que aprincipal e antiga reivindicação da área eraa eleição dos titulares das diretorias dasescolas do sistema estadual de ensino.Como a Secretaria de Estado de Educa-ção se fez presente durante todo o pro-cesso, o seu secretário, na qualidade derepresentante do governador na plenáriafinal, informou aos participantes a deci-são do governo de encampar a eleição paradiretores das escolas.

Nascia assim o seminário legislativo.Nesse processo de reflexão com os seg-mentos organizados, o modelo foi-se aper-feiçoando a cada nova realização. Semprena busca de maior participação, maiorrepresentatividade, menos autoritarismodoutrinário, maior objetividade das propo-sições e mais consequências legislativas.Tudo isso orientado pela tese de que a últi-ma palavra caberia sempre ao PoderLegislativo, já que eram os representantes

do povo os detentores da percepção do in-teresse geral que, muitas vezes, impede arealização dos interesses de um determi-nado segmento.

Ao mesmo tempo, internamente, a cul-tura da Casa teve que ir se adaptando.

No segundo seminário legislativo, porexemplo, já não se encontrava mais a re-sistência que ocorrera no primeiro. Pelocontrário, em geral o servidor passou a secomprometer espontaneamente com essemodelo.

No plano estrutural, foram-se fazendoajustes, tanto no processo legislativo quantona estrutura administrativa. Definiu-se noRegimento Interno, por exemplo, que a au-toria das proposições derivadas dos semi-nários deveria ser creditada à respectivacomissão temática, para se impedir o usoeleitoreiro dessas iniciativas. Ao mesmotempo, criou-se uma área na estrutura fun-cional para monitorar não só a tramitaçãodas proposições oriundas dos seminários,como também as demais ações indicadasno documento final.

Pode-se afirmar hoje, com toda convic-ção, que esse formato de seminário foi umdivisor de águas na evolução do processode interação do Poder Legislativo com asociedade. A partir dele, criaram-se outrosformatos mais simples como os fóruns téc-nicos e debates públicos, para respondera outros tipos de demandas.

Foi com o seminário, pois, que se to-mou consciência da possibilidade de se mo-bilizar a sociedade para que essa, de for-ma organizada e democrática, participas-se ativamente do processo legislativo.

O modelo de seminário foi-se aperfeiçoando na busca de menos

autoritarismo doutrinário, maior participação e representatividade,

objetividade das propostas e mais consequências legislativas

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Faz-se mister frisar, entretanto, a impor-tância do papel do Comitê em todo o pro-cesso. Foi nele que se gestaram e amadure-ceram todos os ajustes do próprio formatode seminário, como também dos formatosderivados. Isso porque o Comitê preencheuum espaço sempre vazio em quase todasas instituições, o que permite e viabiliza ateorização da prática. Sem isso, a tendên-cia histórica é de que toda prática se buro-cratize, passando a ser um conjunto de nor-mas e procedimentos e, muitas vezes, sema consciência do espírito que as gerou, pro-piciando apenas a eterna e interna busca deampliação de poder pessoal.

E é aqui que acredito estar grande parteda explicação para os graves conflitos quetemos vivenciado nas nossas instituiçõespúblicas em geral.

Com a “complexificação” do conheci-mento, nem sempre o político estará ade-quadamente preparado para administraras estruturas tecnoburocráticas. Ele, po-rém, como político, pagará um preço porisso, já que sofre o controle direto da socie-dade, com as eleições periódicas. Já ostecnoburocratas não sofrem o menor con-trole social. Quem deveria exercê-lo, emnome da sociedade, são os políticos. Comoesses nem sempre estão preparados paratal (e nem sei se isso é completamente pos-sível), em algum momento, o poder real da-quela instituição será exercido pelatecnoburocracia. A recente crise do nossoSenado pode ser tomada como um tristeexemplo disso.

Um espaço institucional como o Comitê,não decisório, de reflexão livre e aberta, sem

formalidades e apenas com o compromis-so de pensar a instituição, torna-se uma ins-tância que permite aprimorar os mecanis-mos de interação entre políticos e técnicos.Ou por outra, permite que os técnicos to-mem consciência da dimensão política deseus atos (coisa que nem sempre os cur-sos acadêmicos oferecem), como tambémpermite que os políticos se inteirem da com-plexidade técnica de alguma iniciativa polí-tica que queiram tomar.

Considero que esse é o grande desafioda administração pública na realidade atual.Sem a discussão aberta e franca entre asclasses técnica e política, amplia-se o es-paço para a assessoria de pé de ouvido,dando margem para que surjam relaçõesnão muito republicanas. Como resultado,temos tido um processo democrático quepouco ou quase nada avança, quando nãoaté mesmo recua. Com isso, cresce a apa-tia política de uma forma generalizada, am-pliando-se o fosso entre a sociedade e oEstado. Vive-se, assim, a sensação dedesgoverno no essencial e paternalismo noacidental: não mais me é assegurado o di-reito de ir e vir em paz, nem de ver meufilho estudando em uma boa escola públi-ca, mas pago multa se fumar em algum lu-gar proibido ou vou preso se criar um pa-pagaio de estimação.

Claro está que a simples existência deuma instância como o Comitê não resolve-ria toda a contradição entre a classe técni-ca e a política. Essa contradição é muitomais profunda.

O surgimento do modelo de democra-cia representativa e suas respectivas ins-

O Parlamento deve estimular a criação de um espaço não decisório,

de reflexão livre e aberta, com o compromisso de pensar a

instituição, aprimorando a interação entre políticos e técnicos

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tituições é bem anterior ao surgimento e àascensão da classe tecnocrática.

E essa é uma questão até hoje relativa-mente pouco estudada. Daí nossas demo-cracias não terem ainda criado mecanismosestruturais de enfrentamento dessa contra-dição. Sobre a questão, já explicitei minhasreflexões em dois artigos publicados pelaAssembleia e que compuseram o Provoca-

ções 1, publicação do Núcleo de Estudose Pesquisas (Nepel), da Escola doLegislativo. Nesses artigos, tento mostrara total inexistência de controle social sobrea classe tecnocrática e aponto algumas al-terações no processo eleitoral e no siste-ma partidário que poderiam, de alguma for-ma, propiciar a criação de mecanismos decontrole social sobre essa classe.

Apesar de continuar assinando o que aliescrevi, tenho hoje a convicção de que oenfrentamento dessa questão passa, alémde inovações estruturais, por mudançasparadigmáticas.

Não é por acaso que nosso sistema deensino praticamente baniu o estudo de filo-sofia a partir da segunda metade do sécu-lo passado. Felizmente esse quadro estásendo aos poucos revertido, inclusive poriniciativas legislativas. Entretanto, não bas-ta a volta do estudo da filosofia, para que aformação de nossos tecnocratas passe ater um viés mais humanista. Temos tam-bém que qualificar essa filosofia. Afinal, foiesse mesmo modelo de filosofia que criouas condições conceituais para o surgimentoe a ascensão da classe tecnocrática. Mo-delo que, desde os gregos, vem separan-do e distanciando o sentimento da razão,dando a esta cada vez mais status de úni-ca medida da verdade, ao ponto deentronizá-la como deusa durante a Revolu-ção Francesa.

Dessa forma, cada vez menos tem im-portância a dimensão das emoções, tantoem nível individual quanto coletivo. E é nes-se ambiente que têm sido formados nos-

sos tecnocratas. Como resultante, tem-seuma crescente e galopante crise de éticae de valores, esgarçando-se todo o tecidosocial.

Até certo momento da história recente,essa formação ética se dava no seio dasfamílias, por meio do contato com o sabere os valores da sabedoria popular. O inten-so e progressivo processo de urbanizaçãotem, entretanto, gerado um crescentedistanciamento dos educandos em relaçãoà sabedoria popular. Daí a necessidade dese introduzir no nosso sistema de ensinoesse outro modelo de filosofia, o da sabe-doria popular, que propicia uma visão demundo em que a razão dialoga com os sen-tidos e os sentidos dialogam com a razão.Afinal, tudo está a nos indicar a urgentenecessidade de superação da atual socie-dade do conhecimento pela construção deuma nova sociedade, a da sabedoria.

Estamos comemorando os 20 anos danossa Constituinte, ponto alto na nossa ca-minhada democrática. Para que essa ca-minhada se acelere e se qualifique, temos,portanto, que atuar simultaneamente emtrês níveis. Nas instituições: criando espa-ços de teorização da prática, tais como anossa experiência com o Comitê; em nívelde sistema, criando mecanismos de con-trole social sobre a classe tecnocrática; emnível paradigmático, resgatando o milenarsaber não tecnocrático da sabedoria popu-lar. E tudo isso passa, de alguma forma,por iniciativas do Poder Legislativo!

Só assim deixaremos de ter a sensaçãode estarmos vivendo numa “democradura”,na qual uma determinada classe detém ahegemonia do poder, ao mesmo tempo so-bre as instituições, sobre o conhecimentoe sobre os processos sociais. Só assim reen-contraremos o rumo da democracia e criare-mos as reais condições para aperfeiçoá-la econsolidá-la. Só assim poderemos ter asensação de realmente sermos cidadãos li-vres e solidários. �

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fotos: Alair Vieira e Acervo ALMG

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O processo que culminou na promulgação da

Constituição Estadual de 1989 foi mais

democrático que os anteriores e deu voz a

demandas reprimidas pelos 21 anos da

ditadura militar brasileira. A memória do

processo constituinte revela a preparação

institucional para esse momento histórico;

a mobilização popular e de segmentos

organizados na Assembleia Legislativa de

Minas; e detalhes da relação que se construiu

entre deputados e corpo técnico. Casos

pitorescos e o relato de momentos nem um

pouco divertidos ajudam a compor um painel

único, ainda hoje aberto a diferentes leituras.

Ricardo Bandeira

Jornalista da ALMG

Ricardo Bandeira

Jornalista da ALMG

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Cidadã –, a Assembleia Legislativa jáprojetava a elaboração da lei principaldo Estado. O primeiro passo foi dadocom o simpósio Minas Gerais e a

Constituinte, um conjunto de 12 reu-niões realizadas entre 7 de abril e 31de outubro de 1986, com a presençade especialistas e representantes dasociedade civil (leia matéria na pági-

na 56). Hoje pode parecer incrível,mas, apenas quatro anos antes, os bra-sileiros haviam readquirido o direito devotar para governador e, naquele mo-mento, ainda não podiam escolher seupresidente em eleição direta.

Isso explica, em grande parte, osentimento de quem participou do pro-cesso. Demandas reprimidas ao lon-go de 21 anos de ditadura (1964-1985) desaguaram, com força, nasassembleias constituintes Federal e deMinas. “O povo descobriu que aquitinha de ser e era a Casa do povo”,afirma a ex-deputada Sandra Starling,que integrou a bancada de cinco par-lamentares do PT eleita para partici-par da elaboração da nova Carta Es-tadual.

Só o Comitê Mineiro pela Consti-tuinte Democrática reunia cerca de 70entidades e mantinha um posto naPraça Sete, no coração de Belo Hori-zonte, para recolher sugestões da po-pulação. Representantes de gruposeconômicos, como os produtores ru-rais e empresas de mineração, tam-bém se mobilizaram. Durante as dis-cussões da nova Carta, circulavamnos corredores e plenários daAssembleia trabalhadores da educa-ção, profissionais de saúde, servido-res públicos, portadores de deficiên-cia física, empresários e defensoresdos direitos das crianças, entre mui-tos outros. “Eles sabiam que o poderestava na Assembleia naquele mo-

mento”, diz a então secretária-geralda Mesa, Maria Coeli Simões Pires,servidora aposentada e atualmentesecretária adjunta de Desenvolvimen-to Regional e Política Urbana do Es-tado.

“O Comitê Mineiro, os trabalhado-res e a sociedade civil organizada vi-nham para dentro das comissões, naAssembleia Legislativa, e ‘quebravamo pau’, no sentido de colocar sua lei,tentar colocar sua emenda”, recorda-seo presidente do Instituto Mineiro deRelações do Trabalho, Carlos Calazans,que na época presidia a Central Únicados Trabalhadores (CUT) em MinasGerais e integrava o comitê.

Na avaliação de Flávio Couto eSilva de Oliveira, que militou a fa-vor dos direitos dos portadores dedeficiência, os movimentos sociaishaviam se tornado mais propositivos,e não apenas reivindicatórios. “Foi omomento histórico adequado paraque pudessem vir à tona nossas ban-deiras”, afirma Flávio, hoje à frente daCoordenadoria Especial de Apoio eAssistência à Pessoa Deficiente(Caad).

Diversos avanços sociais podemser atribuídos a essa intensa mobili-zação, sobretudo dos grupos maisorganizados. Entre eles, estava aFrente Estadual de Defesa dos Direi-tos da Criança e do Adolescente. Ain-da na ativa, ela é composta de di-versas entidades, que se organiza-ram na época, para garantir que aConstituição Estadual reproduzisseas conquistas da Constituição Fede-ral, a primeira a considerar a criançae o adolescente como sujeitos de di-reitos.

“Nós fomos procurar o relator enos apresentamos em nome do movi-mento para dizer que íamos partici-

Eram 17h50 de 21 de setembrode 1989, em Belo Horizonte, quandoa Assembleia Legislativa de MinasGerais pôs o ponto final no que podeser considerado o principal documen-to da história política recente do Es-tado: a mais democrática das consti-tuições mineiras, responsável porreinaugurar uma cidadania sufocadapor duas décadas de ditadura. Naque-le dia e horário, encerrava-se a ceri-mônia de promulgação, no Plenário.“Foi uma festa inesquecível. AAssembleia estava num dia de gala”,lembra o então presidente da Casa, oex-deputado Kemil Kumaira, então noPMDB, que conduziu a solenidade.

Terminava ali uma longa caminha-da, iniciada quase três anos e meioantes, que envolveu deputados, ser-vidores da ALMG, consultores exter-nos e os mais diversos setores da so-ciedade. A Constituição Estadual de1989 tem como marca uma participa-ção popular nunca registrada na ela-boração das anteriores, concebidasdentro de gabinetes ou mesmo de for-ma arbitrária, como em 1967, duran-te a ditadura.

Antes mesmo da Carta Federalde 1988 – a chamada Constituição

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par. Nós marcávamos presença cons-tante na Assembleia”, diz a coordena-dora nacional da Pastoral do Menor,Marilene Cruz, que em 1989 já milita-va na Frente. Alguns gabinetes parla-mentares, nesse período, viraram“quartéis-generais” de movimentossociais. “Fizemos do gabinete do de-putado Nilmário Miranda praticamen-te o nosso; tínhamos o apoio dele”,recorda-se Marilene, citando o entãolíder do PT na Assembleia.

A possibilidade de participar demo-craticamente após tantos anos de di-tadura deu espaço, também, a situa-ções pitorescas. Carlos Calazans lem-bra que uma associação de camelôsde Belo Horizonte reivindicava um ca-pítulo inteiro da Constituição pararegular sua atividade. “Foi difícilconvencê-los do contrário”, conta.

Isenção para o leite

Um dos momentos de maior pres-são foi protagonizado por um grupobem mais forte, os produtores de lei-te do Estado. O deputado Elmiro Nas-cimento, que foi constituinte pelo PFLe atualmente integra a bancada doDEM na Assembleia, apresentou

emenda ao projeto da Constituiçãopropondo para o setor a isenção doImposto sobre Circulação de Mer-cadorias e sobre Prestações de Ser-viços de Transporte Interestadual eIntermunicipal e de Comunicação(ICMS). Na justificativa, o parla-mentar apontava a necessidade dese reduzir a carga tributária e, emconsequência, o custo operacional daatividade.

Do lado do deputado estavam ospequenos e grandes produtores deleite, além de entidades como a Fede-ração da Agricultura e Pecuária doEstado de Minas Gerais (Faemg) e aOrganização das Cooperativas doEstado de Minas Gerais (Ocemg).Contra a emenda, posicionaram-se ogoverno, na época comandado porNewton Cardoso, e o relator da Cons-tituinte, o então deputado BonifácioMourão. Para desequilibrar a dispu-ta, Elmiro mobilizou um grande núme-ro de produtores, que lotaram aAssembleia. “Nós juntamos aqui mi-lhares de produtores de leite de todoo Estado. Talvez tenha sido um dosmovimentos mais marcantes da Cons-tituinte”, recorda-se o deputado.

A pressão deu certo e o Plenárioderrubou o parecer contrário do relator.A isenção, no entanto, nunca chegoua entrar em vigor, uma vez que o go-verno de Minas conseguiu barrá-la naJustiça por meio de uma Ação Diretade Inconstitucionalidade (Adin). Se-gundo a Constituição Federal, a con-cessão de isenções relativas ao ICMSdepende de convênio celebrado entretodos os Estados e o Distrito Federal(art. 155, § 2º, XII, “g”).

O episódio foi marcante tambémpara Bonifácio Mourão, então um jo-vem deputado do PMDB em primeiromandato. Um de seus maiores desa-fios como relator foi assinar o parecercontrário à isenção do ICMS do leite.Filho de produtor rural e criado emGovernador Valadares, uma região deforte presença da agropecuária, elerecebeu diversas manifestações derepúdio. Um dos produtores de leitereunidos na Assembleia o abordou edisse que sua posição como relator eraapenas mais um palpite, entre tantosoutros, sobre aquela matéria polêmi-ca. “Palpite, não! É um parecer”, rea-giu Mourão. Um amigo do relator che-gou a enviar um telegrama lamentan-do sua postura. “Respondi a ele queeu não estava fazendo uma Constitui-ção para minha família, mas para meuEstado”, conta o ex-deputado, atual-mente subsecretário de Obras Públi-cas de Minas.

Emancipação polêmica

Outro assunto controvertido foi atentativa de emancipação de distritospor meio de emenda ao projeto daConstituição. Se aprovada, ela dariaorigem a 55 Municípios. Embora nãose tratasse de matéria constitucional,a emenda foi objeto de forte lobby dedeputados e líderes municipais. Mais

Marilene Cruz Flávio Couto e Silva de Oliveira

Guilherme BergaminiCarol Coelho

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uma vez, Bonifácio Mourão deu pare-cer contrário. Entretanto, quem sen-tiu mais de perto a pressão pró-eman-cipação foi o ex-lateral-direito do Atlé-tico e do Cruzeiro e deputado consti-tuinte Nelinho Rezende (PDT). O ex-jogador foi abordado por um dos líde-res municipais e travou com ele o se-guinte diálogo, segundo relato do pró-prio Nelinho:

– Toma cuidado, Nelinho, estamosde olho em você. Se você votar “não”,vai receber uma vaia...

– Quantos de vocês estão aquipara me vaiar?

– Aqui, nós somos 500, mas lá nacidade tem mais 5 mil.

– É muito pouco. Eu já joguei noMaracanã lotado e já recebi vaia demais de 100 mil torcedores, doFlamengo, do Vasco... Essa vaia nãovai me incomodar, com certeza.

A conversa foi motivo de garga-lhadas entre as pessoas que a pre-senciaram e entrou para o folclore da

Assembleia. Apesar da pressão, aemenda foi derrubada e Nelinho nãorecebeu vaia alguma.

Trabalho invadiu madrugadas

Quem conhece Bonifácio Mourãosabe que uma das marcas pessoaisdo relator da Constituição mineira é amagreza, o que provoca comparaçõescom a silhueta de outro magro famo-so na política, o senador pernambu-cano Marco Maciel. Pois até Mourãoperdeu peso durante a fase mais agu-da da Constituinte. “O trabalho eragrande. Emagreci uns cinco ou seisquilos”, comenta.

Os servidores que atuavam maispróximos ao relator também sofreramnaquele período. Era comum o traba-lho começar cedo e avançar até altashoras da madrugada. Às vezes, inva-dia fins de semana e feriados. A en-tão secretária-geral da Mesa, MariaCoeli Simões Pires, que coordenavauma equipe de 18 assessores encar-

regados de auxiliar na elaboração depareceres sobre as emendas, chegoua dormir no Palácio da Inconfidência,em algumas ocasiões.

Coeli conta que, durante os 11meses e meio que durou a Constituin-te, costumava sair de casa por voltadas 6h30. Sua rotina na Assembleia in-cluía a distribuição de tarefas para aequipe, o cumprimento da agendainstitucional, a leitura de todas as emen-das e os respectivos pareceres, a par-ticipação em reuniões e o atendimentoàs demandas do gabinete do presiden-te da ALMG. Nos dias em que o tra-balho ia até o meio da madrugada, nãovalia a pena ir para casa e dormir algu-mas poucas horas. O jeito era se aco-modar no salão perto do Plenário. Umavez, com o salão já fechado, ela dormiuno próprio Plenário, numa das cadei-ras destinadas aos deputados.

Os números impressionantes doprocesso constituinte explicam tantotrabalho. Em 9 de março de 1989,

Atrás da bancada, deputados Anderson Adauto, Agostinho Patrús, Elmiro Nascimento e Jorge Hannas; em frente a ela,

deputados José Militão e Ronaldo Vasconcellos, observados por integrantes de movimentos pela emancipação de distritos

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Bonifácio Mourão entregou à Comis-são Constitucional o anteprojeto danova Carta, baseado no texto daConstituição Federal e nas 10 mil su-gestões populares recebidas poucomais de um mês antes. O anteprojetofoi publicado no dia seguinte, no Diá-rio do Legislativo. De 10 a 21 de mar-ço, ficou aberto o prazo para apresen-tação e discussão de emendas. Foramexatas 2.411. Em 3 de abril, duas se-manas depois, foi publicado no Diáriodo Legislativo o parecer do relatorsobre todas elas.

O anteprojeto foi aprovado pelaComissão Constitucional em 6 deabril, com emendas, à exceção das340 que foram destacadas. Estasforam votadas em separado, ao lon-go de dez reuniões extraordinárias.Duas delas chamaram a atenção peloteor inusitado. A primeira determina-va a adoção do regime parlamenta-rista em Minas Gerais, a despeito dea Constituição Federal adotar o pre-sidencialismo; a segunda legalizavaos cassinos no Estado. Ambas rece-beram parecer contrário do relator,mas foram aprovadas pela comissão.Elas acabaram derrubadas na faseseguinte, durante a análise do proje-to da Constituição, entregue ao Ple-nário da Assembleia ConstituinteMineira, em reunião solene, no dia 2de maio.

Emendas populares

Os 18 assessores comandadospor Maria Coeli liam e analisavamos milhares de emendas apresenta-das, para, em seguida, auxiliar orelator na elaboração dos parece-res. Mas a rotina de trabalho erapesada também para quem atuava naponta do processo, recebendo asemendas. Era o caso da servidora

A década de 1980, embora cha-mada de “década perdida” peloseconomistas brasileiros por causa daestagnação econômica e da inflaçãodescontrolada, não foi, de forma al-guma, um período de retrocesso emoutros campos. Pode não ter tido ocharme dos anos 1960, com a bos-sa nova, que fez a cabeça do Primei-ro Mundo. Ou a intensidade dos anos1970, com a música e o teatro deprotesto e com a irreverenteTropicália.

Mas, musicalmente, é a déca-da da consolidação do rock nacio-nal, de grupos como Kid Abelha,Paralamas do Sucesso, Blitz, Titãs.É também a década de Madonna,Michael Jackson, Cindy Lauper,Xuxa, segundo o livro Almanaque

dos anos 80, de Luiz André Alzer eMariana Claudino. Na TV faziamsucesso o seriado Chaves, o humo-rístico TV Pirata e o infantil BalãoMágico. As crianças e os adoles-centes brincavam com o Atari e oGenius.

Mas os anos 1980 foram, sobre-tudo, a década da redemocratização,com a volta das eleições diretas paragovernador de Estado, em 1982; oretorno de um civil ao comando daNação, em 1985, ainda que escolhidode forma indireta pelo Colégio Eleito-ral; e, finalmente, com a primeira elei-ção direta para presidente da Repú-blica, em 1989, num novo cenário par-tidário marcado pela afirmação de si-glas como o PT e o PSDB – este últi-mo fruto da dissensão ocorrida noPMDB, em 1988.

Foi ainda o tempo em que os brasi-leiros reaprenderam a se manifestarpoliticamente, voltando às ruas paraprotestar contra a inflação, os preçosaltos, os salários baixos. Os anos 1980foram marcados principalmente pelareorganização de sindicatos de servi-dores públicos, professores e trabalha-dores da saúde. Em 1986, houve 2 milgreves no País, culminando em 1989com 4 mil paralisações, segundo dadosdo Núcleo de Pesquisas da Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp).

Anos 80:

década perdida?Adriana Gomes – jornalista da ALMG

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Ponto alto da mobilização popularfoi a emenda das Diretas Já (emen-da Dante de Oliveira), que previaeleição presidencial já em 1985. OPaís se mobilizou de norte a sul emgigantescos comícios, mas, votadano Congresso, em novembro de1984, a proposta foi derrotada. Em1985, houve o retorno à legalidade departidos como o PCB e o PCdoB, e deentidades como a União Nacional dosEstudantes (UNE). E a liberdadese estende também aos costumes,como comprova o sucesso da no-vela Roque Santeiro, da TV Glo-bo, de autoria do dramaturgo DiasGomes, um deboche dos costumesbrasileiros.

O mundo apresenta transforma-ção que, sutil no início da década, de-ságua na completa reformulaçãogeopolítica do planeta. São dessa dé-

cada os primeiros passos da abertu-ra política (Glasnost) e econômica(Perestroika), do então presidente daUnião Soviética, Mikhail Gorbachev,que resultam na fragmentação daque-le país, no final dos anos 1980. O co-munismo sofre mais um duro golpe,com a queda do Muro de Berlim, emnovembro de 1989, e com a reuni-ficação das Alemanhas, no ano se-guinte. A China ensaia os primeirospassos de abertura ao capitalismo,depois das manifestações estudan-tis na Praça da Paz Celestial, em1989.

A década tem também a marca dasolidariedade. Assim foi em 1985, coma gravação da música We are the

world, que gerou uma série de showsbeneficentes mundo afora, pelas víti-mas da fome e da Aids na África. Étambém o período que mudou a forma

de se pensar o mundo, a partir dosnovos paradigmas de comunicaçãotrazidos com o início da World Wide

Web (www), em 1989. Antes disso,em 1986, ocorre o pior acidente nu-clear do mundo, em Chernobyl, naUnião Soviética.

A volta de um civil à presidência

A eleição indireta do mineiroTancredo Neves para presidente, peloColégio Eleitoral, em janeiro de 1985,foi a sequência da mobilização dasDiretas Já e um arranjo que uniu di-versos partidos. Arranjo este materi-alizado na Frente Liberal, criada pelotambém mineiro Aureliano Chaves,vice-presidente do último governo mi-litar, o de João Figueiredo. Tancredomorre em 21 de abril de 1985, semassumir o poder. Seu corpo é levadoem carreata por São Paulo, Brasília eBelo Horizonte, arrastando milhares depessoas às ruas e causando enormecomoção pública. Na Capital mineira,uma multidão se espreme nos portõesdo Palácio da Liberdade, fazendo de-sabar uma grade, que deixa quatromortos.

Ao assumir o governo federal, ovice-presidente José Sarney encon-tra um cenário econômico adverso,fruto de políticas econômicas ilusó-rias, como o “milagre econômico” dosanos 1970. Sucessivos ministros daFazenda basearam a política econô-mica do País em planos para contro-lar a inflação, como ocorre tambémem fevereiro de 1985, com o Plano

Cruzado. Saudado como “a salvaçãoda Pátria”, o plano substituiu a moe-da, congelou os preços e salários,acabou com a correção monetária einstituiu o reajuste salarial mediantegatilho, a cada vez que a inflação atin-gisse 20%.

O presidente da Constituinte Federal, Ulisses Guimarães, participa de

encontro de presidentes de Assembleias promovido pela ALMG em 1987

Marcelo Metzker

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É desse período o movimento dos“fiscais do Sarney”, que levava hordasde populares aos supermercados paradenunciar os aumentos de preço. Osucesso do Plano Cruzado influenciadecisivamente as eleições estaduaisde 1986, levando o PMDB àhegemonia em 22 dos 23 Estados bra-sileiros. Mas se, por um lado, o con-gelamento reduz a inflação, por outro,provoca uma explosão de consumo edesabastecimento. A população con-vive com a falta de produtos básicos,como feijão, carne, óleo, café. Açõeseram perpetradas pela Polícia Fede-ral, como o confisco de bois no pasto,para garantir o abastecimento de car-ne. Após a eleição, vieram o Plano

Cruzado II e o Plano Bresser, quetambém não conseguiram reduzir ainflação. A última cartada foi o Plano

Verão, em janeiro de 1989, que tam-bém fracassou em seus propósitos.

A música brasileira se esbaldavacom o fracasso político e econômico,como a letra da música Tô pê da vida,do grupo Dominó, que cantava “tô pêda vida, mas não me sinto derrotado,não tem gatilho, nem cruzado”. A frus-tração com a derrota das Diretas Já ea ausência ainda das eleições diretaspara presidente levam o grupo Ultrajea Rigor a parodiar a voz corrente deque o brasileiro não estava pronto paravotar: “inútil, a gente somos inútil/agente não sabemos escolher presiden-te/a gente não sabemos tomar contada gente/a gente não sabemos nemescovar os dentes”.

Constituinte Federal

Os debates sobre a redemo-cratização refletem-se na convocaçãoda Assembleia Nacional Constituinte,um dos principais consensos políticosjá na época dos acordos para a eleição

de Tancredo Neves pelo Colégio Elei-toral. Em 1987, a Constituinte é insta-lada sob intensa mobilização de toda asociedade, e seu produto, a Constitui-ção Federal, torna-se a primeira Cartaa receber emendas populares. A im-prensa, livre das amarras da ditadura,reflete os debates da Constituinte ediscute livremente temas como direi-tos das minorias, reforma agrária, for-ma de governo, reforma política, tem-po de mandato presidencial. Promul-gada em 5 de outubro de 1988, aConstituição aprova mandato de cincoanos para Sarney e reafirma o regimepresidencialista no Brasil. É também oinício dos trabalhos constituintes mi-neiros.

Minas acompanha as mudanças

Minas vive o reflexo do contextonacional e internacional e, em 1985,começam a se intensificar os movi-

O então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva discursa em manifestação do movimento grevista do

funcionalismo público na ALMG, em1987, acompanhado por sindicalistas e parlamentares

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mentos de servidores públicos. O fun-cionalismo se organiza a partir das gre-ves de professores e da criação daUnião dos Trabalhadores do Ensino(UTE), em 1983. Em Belo Horizonte,intelectuais, professores, estudantese artistas mineiros se reúnem em tor-no das peças de Pedro Paulo Cava,das conversas na Cantina do Lucas,das bebedeiras no Chorare e no

Saloon e nos fins de semana dançan-tes do Western House.

Em 1986, é eleito Newton Cardo-so para o governo mineiro, no esteioda onda oposicionista liderada peloPMDB. Da mesma forma, a Assem-bleia Legislativa reflete a ondapeemedebista, elegendo 45 deputa-dos por essa sigla, 55% do total dascadeiras do Legislativo. A oposiçãoa Newton Cardoso é comandada en-tão pelo PFL, que elege 17 deputa-dos; pelo PT, com cinco parlamenta-res; e, em determinados momentos,pelo PDT.

O funcionalismo público estadualdeflagra greves e paralisações suces-sivas sob a bandeira do arrocho dos sa-lários. É criada a Coordenação Sindicaldos Trabalhadores no Serviço Público,que dita oposição ao governo do Esta-do. Um dos movimentos mais marcantesfoi a greve dos professores de 1987,cujos manifestantes acamparam no Halldas Bandeiras, hoje Espaço Democrá-tico José Aparecido de Oliveira daALMG por 71 dias. Ali os grevistas co-zinhavam, lavavam roupas e criaram atéum cardápio denominado Sopa Jaburu,referência ao presidente da Assembleiaà época, deputado Neif Jabur (PMDB).A ocupação só termina em 9 de julho de1987. Antes desse grande movimento,houve a passeata de 50 mil servidorese estudantes na Praça da Rodoviária,em Belo Horizonte.

Impeachment do governador

O governador Newton Cardoso foipressionado pela oposição e opinião

pública, sendo alvo de dois pedidosde impeachment, por iniciativa da Co-ordenação Sindical. No segundo se-mestre de 1988, foi apresentado naAssembleia o primeiro pedido, anexa-do a um abaixo-assinado com mais de100 mil assinaturas. O pedido foi ar-quivado pelo então presidente, NeifJabur. Também na Assembleia, é ins-talada a Constituinte Mineira, em 7de outubro. Ainda nesse ano, cuja in-flação acumulada foi de 1.037,56%, oentão governador de Alagoas,Fernando Collor, já aparece na mídianacional como o “caçador de marajás”.

Em 1989, a Coordenação Sindicalreapresenta o pedido de cassação deNewton Cardoso, amparada no“Dossiê da Corrupção”, que contémdenúncias de irregularidades naCemig, nas Secretarias de Estado deEducação e de Justiça, no Departa-mento de Estradas de Rodagem(DER), na Hidrominas, na Loteria Mi-neira e na Fundação Hospitalar do Es-

Em 1988, integrantes da Coordenação Sindical e parlamentares entregam ao então presidente da ALMG,

deputado Neif Jabur, pedido de impeachment do governador Newton Cardoso

Ala

ir Vie

ira

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REVISTA DO LEGISLATIVO 55

tores. Entretanto, segundo Mônica,aparecia de tudo no protocolo, inclu-sive gente pedindo informações di-versas. “Trabalhávamos em pé otempo todo. O cansaço era grande,mas a gente sabia que não era emvão”, afirma.

E as emendas não paravam dechegar. No 1º turno, o projeto deConstituição recebeu 2.013, sendo22 populares. A votação estendeu-se de 10 a 26 de julho de 1989. No2º turno, foram outras 280 emen-das, agora para corrigir omissões,erros e contradições no texto. A vo-tação foi de 24 a 30 de agosto. Nodia 14 de setembro, foi votada a re-dação final da nova Constituição doEstado.

Mônica Campomori, da Gerência deAcompanhamento da Execução Orça-mentária, que cumpriu jornada dupladurante a Constituinte. De manhã, tra-balhava como técnica de pesquisa daCasa, seu cargo na época. À tarde,ficava no protocolo da Constituinte,num espaço montado no térreo doPalácio da Inconfidência.

Nesse lugar, Mônica recebia asemendas de deputados e também asemendas populares, mais um meca-nismo de participação da sociedadeprevisto no Regimento Interno (leia

matéria na página 73). Elas podiamser apresentadas por qualquer cida-dão, por meio de entidades legalmen-te constituídas, desde que tivessema assinatura de pelo menos 5 mil elei-

Deputado Agostinho Patrús, deputada Maria Elvira e deputados Antônio Genaro,

Narciso Michelli e Domingos Lanna, durante os trabalhos da Comissão Constitucional

tado de Minas Gerais (Fhemig), en-tre outros órgãos. Já sob a presi-dência do então deputado KemilKumaira (PMDB), o processo é ins-taurado e analisado por uma comis-são especial de 21 deputados, du-rante uma convocação extraordiná-ria da ALMG, de 24 a 31 de julho.

O processo foi acompanhado por in-tensa mobilização social com o apoiodos jornais Estado de Minas e Diá-

rio da Tarde, que faziam oposiçãoao governador. Ao final, em 9 deagosto de 1989, foi aprovado o re-latório do deputado João Rosa(PMDB), com parecer pelo arquiva-mento do processo.

Nesse mesmo período, aAssembleia experimentava aefervescência dos trabalhos da Car-ta mineira e, além do impeachment,vivia a polêmica de Comissões Par-lamentares de Inquérito (CPIs),como a da Loteria Mineira. Em 21de setembro de 1989, é promulga-da a Constituição Estadual. Nessemesmo ano, começam os trabalhosda Lei Orgânica da Capital. E, de-pois de 21 anos de ditadura militar,1989 traz de volta a eleição diretapara presidente da República, comFernando Collor ganhando do hojepresidente Luiz Inácio Lula da Silva,no segundo turno.

Pesquisa:

– Diálogo com o tempo: 170 anos doLegislativo Mineiro – Maria Auxiliadora de

Faria e Otávio Soares Dulci

– Impeachment do Governo do Estado –

Assembleia Legislativa – 1988

– Sandra Starling – Uma eterna aprendiz no PT– publicação da internet

– jornais da época

Marcelo Metzker

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A preparação da AssembleiaLegislativa para elaborar a Carta Es-tadual envolveu também o acompa-nhamento do processo constituinte fe-deral. Após o simpósio Minas Gerais

e a Constituinte, em 1986, a Casapromoveu, em parceria com as Secre-tarias de Educação do Estado e de BeloHorizonte, a Miniconstituinte de Mi-nas. Entre 29 e 31 de outubro de 1986,foram recolhidas sugestões de estu-dantes da Capital para a nova Cons-tituição da República. O documento

com as propostas foi entregue emBrasília. Quase dois anos depois, emmeados de 1988, os estudantes vol-tariam a opinar, por meio de um con-curso de redações sobre o tema A im-

portância do Legislativo na democra-

cia representativa, que mobilizou 80mil alunos de escolas de 150 cidadesmineiras.

Em 1987, nos dias 20 e 21 deabril, a ALMG esteve à frente da or-ganização do I Encontro de Presiden-tes de Assembleias. A cidade esco-

lhida foi Ouro Preto, no aniversáriode 198 anos da Inconfidência Minei-ra. O encontro culminou com a assi-natura do Compromisso de Ouro

Preto, que estabelecia as diretrizespara a participação das AssembleiasLegislativas na elaboração da Cons-tituição Federal.

A discussão da Carta Federal ain-da estava em andamento quando aALMG instalou, em 8 de outubro de1987, a Comissão Preparatória dosTrabalhos da Assembleia Constituin-

Inovação institucional orientoutrabalhos preparatórios

Alair Vieira

O professor Paulo Neves de Carvalho discursa durante o Simpósio A nova Constituição Federal e o processo constituinte mineiro, em

dezembro de 1988. O eventou contou com a participação, entre outros, de Antonio Anastasia e do então sindicalista Roberto Carvalho

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te, com a dupla função de elaborar oRegimento Interno da ConstituinteMineira e acompanhar os trabalhos emBrasília. Vinte deputados integrarama Comissão Preparatória, presididapor Kemil Kumaira. O vice-presidenteera Luiz Vicente Calicchio (PFL-PSDB); o secretário, Márcio Maia(PMDB); e o relator, José BonifácioTamm de Andrada (PDS).

Com o auxílio do corpo técnico daALMG, a Comissão Preparatória pro-moveu o resgate da história constitu-cional de Minas Gerais, ao editar co-letâneas de Regimentos Internos dasAssembleias Constituintes Mineiras eo livro Constituições do Estado de

Minas Gerais – 1891, 1935, 1945,

1947 e 1967 e suas alterações.Os mais de dois anos de prepa-

ração permitiram à ALMG instalar aAssembleia Constituinte de MinasGerais em 7 de outubro de 1988, ape-nas dois dias após a promulgação daCarta Federal. Ela era composta dosdeputados eleitos em 1986. O presi-dente da Casa era José Neif Jabur(PMDB) – Kemil Kumaira assumiriao posto em 1º de março de 1989. Nadata da instalação, foi inaugurado omonumento do artista plásticoAmílcar de Castro que marca obicentenário da Inconfidência Minei-ra. Produzido em ferro, ele é forma-do por um triângulo vazado que, sim-bolicamente, dá passagem à repre-sentação popular e por um círculo queretrata a aliança entre o PoderLegislativo e a sociedade.

Em 22 de dezembro, foi eleita aComissão Constitucional, com 21 de-putados. O presidente era CamiloMachado, e o relator, BonifácioMourão. No mesmo dia, foi promul-gado o Regimento Interno da Consti-tuinte, que já previa a participação po-

pular na elaboração da nova CartaEstadual. Um dos pontos altos dessaparticipação deu-se nas audiênciaspúblicas de janeiro e fevereiro de1989.

“Nós convocamos o povo minei-ro para vir até a Assembleia dizer oque pensava e pretendia”, lembra opresidente da Assembleia Constitu-inte Mineira, deputado KemilKumaira. E não só o povo veio àAssembleia, como a Assembleia foiao interior. De 18 a 21 de janeiro de1989, a Comissão Constitucionaldividiu-se e percorreu 17 cidades-polo do Estado, em audiências pú-blicas regionais. A peregrinaçãocomeçou em Ouro Preto e passou tam-bém por Ponte Nova, Ipatinga,Divinópolis, Patos de Minas, Curvelo,Juiz de Fora, Governador Valadares,Passos, Uberlândia, Montes Claros,

Deputado Antônio Faria entrega a estudante diploma de participação na

Miniconstiuinte de Minas, que colheu sugestões para a Constituição Federal

Almenara, Poços de Caldas, TeófiloOtoni, Lavras, Uberaba e Unaí.

Logo em seguida, entre 23 de ja-neiro e 3 de fevereiro, a ComissãoConstitucional promoveu mais umarodada de audiências públicas. Foram19 reuniões, divididas por temas, to-das elas no Palácio da Inconfidência.Durante os encontros, a Comissão deSegmentos, formada por 33 entida-des, fomentava a mobilização e auxi-liava os representantes da sociedadea elaborar propostas.

Ao fim das reuniões na Capital eno interior, a Comissão Constitucio-nal acumulou o incrível volume de 10mil sugestões da sociedade, reunidasem 2,8 mil documentos. Começava alio período mais intenso de trabalhopara os deputados e servidores daALMG, que foi a votação do projetoda nova Constituição Estadual.

Acervo ALMG

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Atuação política ganhou comassessoria técnica

anos, já era considerado um especia-lista em Direito Administrativo e Cons-titucional. Coeli, que havia sido colegade Anastasia na Faculdade de Direitoda UFMG, lembra que ele chegou àAssembleia cercado de alguma descon-fiança do corpo técnico da Casa. Como tempo, no entanto, entrosou-se detal forma, que é apontado, do ponto devista técnico, como um dos pilares doprocesso constituinte.

Apesar do volume de emendas e doprazo apertado, o resultado final daConstituição de 1989 é consideradoexemplar pelos que participaram do pro-cesso e chegou a servir de modelo paraoutras cartas estaduais. Parte dessemérito deve ser creditada à qualidadedo corpo técnico da AssembleiaLegislativa e dos consultores externoschamados a contribuir na elaboraçãodo Texto Constitucional.

Além dos assessores subordina-dos à Secretaria-Geral da Mesa, ha-via uma equipe de servidores da Casatrabalhando no apoio à ComissãoConstitucional. Dos que não faziamparte da ALMG, quatro nomes se des-tacaram. O assessor do relator daConstituinte era o então técnico An-tonio Augusto Anastasia, da Funda-ção João Pinheiro, atualmente vice-go-vernador de Minas Gerais. Aos 27

Deputado Camilo Machado, presidente da Comissão Constitucional, recebe sugestões de grupos

de professoras da rede estadual durante os trabalhos de elaboração da nova Carta, em maio de 1989

Marcelo Metzker

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Além de Anastasia, a Assembleiacontou com o auxílio externo dos pro-fessores de Direito Paulo Neves deCarvalho, Raul Machado Horta e JoséAlfredo de Oliveira Baracho, todos jáfalecidos. Eles formaram uma comis-são de notáveis que prestou consul-toria à ALMG.

Segundo Maria Coeli, o mais en-tusiasmado dos três era Paulo Nevesde Carvalho, mestre dela e deAnastasia nos tempos de faculdade.O professor chegava a passar horasno Palácio da Inconfidência, envolvidonas discussões técnicas sobre a novaConstituição. A então secretária-ge-ral da Mesa lembra, particularmente,de uma frase que ele gostava de re-petir: “Eu queria ter a caneta do consti-tuinte para escrever apenas isto: ‘Opovo tem direito a governo honesto edecente’”. Carvalho não teve a ca-neta do constituinte, mas, por influ-ência dele, o artigo 73 da Constitui-ção Estadual diz o seguinte: “A socie-dade tem direito a governo honesto,

obediente à lei e eficaz”. Apesar deseu caráter mais pedagógico do queefetivo, o artigo foi uma novidade àépoca e não tem paralelo na Consti-tuição Federal.

“A estrutura da Assembleia para orelator e a Comissão Constitucionalera muito grande, bem montada. Ocorpo técnico era de altíssimo nível.Havia a comissão de notáveis, refe-rência para o trabalho, além do pro-fessor Anastasia, que passou a inte-grar a equipe a partir de indicação dorelator”, lembra o desembargador doTribunal de Justiça de Minas Gerais(TJMG) Edgard Amorim, na épocaassessor jurídico do gabinete deSandra Starling.

“Eles eram meus anjos da guarda”,afirma Bonifácio Mourão, sobre Ma-ria Coeli e Antonio Anastasia. Eram osdois que socorriam o relator, quandohavia necessidade de emitir um pare-cer no meio de uma reunião. Mourãoacrescenta que Maria Coeli, apesar dejovem, esbanjava habilidade política na

relação com os deputados e os de-mais servidores. Ela se destacou, ain-da, por sua capacidade de trabalho.“A Coeli foi a alma da assessoria daConstituinte”, diz o ex-diretor-geral daALMG Antônio Geraldo Pinto, hojeaposentado. Servidor da Casa desdea década de 1950, assessorou a Mesada Casa durante a elaboração da novaCarta.

A reunião de novos talentos e ser-vidores experientes marcou a atuaçãodo corpo técnico na ocasião. Entre osjovens estavam a própria Maria Coeli,Anastasia e Menelick de CarvalhoNetto, integrante da assessoria e hojeprofessor da Universidade de Brasília(UnB). A eles coube a maior parte dotrabalho pesado. Tanto que, para su-portar as longas jornadas, Menelickrecorreu a um composto antiestresse,vendido em farmácias, e recomendou-oà colega Maria Coeli.

De acordo com o relato da entãosecretária-geral da Mesa, tudo iabem até que, num mesmo dia, ela e

A secretária-geral da Mesa, Maria Coeli Simões Pires, deputados Kemil Kumaira e Romeu Queiroz e os servidores Maria das Dores

Abreu Amorim, Menelick de Carvalho Netto, Sebastião Moreira, Natália de Miranda Freire e Marcílio França Castro

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Menelick chegaram à Assembleiaqueixando-se de fortes dores nas per-nas. Um médico consultado por elesdiagnosticou como causa o uso docomposto antiestresse, que provoca-va problemas na circulação sanguínea.Mesmo sem o remédio, Maria Coeli eMenelick levaram o trabalho até o fim,com muitas madrugadas em claro.

Entre os servidores experientes,destacaram-se dois ex-diretores-ge-rais da ALMG: Sebastião Moreira, jáfalecido, e Antônio Geraldo Pinto.Moreira chamava a atenção pelo bomtrânsito entre os deputados e ajudoua aparar arestas entre parlamentarese servidores. Antônio Geraldo, espe-cialista no Regimento Interno doLegislativo mineiro, é o pai de uma ino-vação que perdura até hoje e que con-tribuiu para a agilidade do processo.

Até a Constituinte, o Plenário vo-tava as proposições artigo por artigo,emenda por emenda, o que tornava oprocesso muitas vezes exaustivo. An-tônio Geraldo elaborou um sistema quepermite a apreciação de projetos emsua totalidade e de emendas em blo-co. Por sua vez, as emendas sobre asquais não houvesse concordância pas-sariam a ser votadas em separado.

Por esse e outros motivos, MinasGerais foi o primeiro Estado brasileiroa promulgar sua nova Constituição, 11meses e meio após a entrada em vi-gor da Carta Federal.

Relação com a assessoria técnica

A harmonia entre o corpo técnico eos parlamentares é apontada pelos doislados como um dos fatores da qualida-de e abrangência da Constituição mi-neira. De acordo com o gerente de Re-dação da Gerência-Geral de Consul-toria Temática da ALMG, Marcílio Fran-ça Castro, havia a preocupação de con-

ciliar os aspectos técnicos e as deman-das políticas na elaboração do texto.“Nenhuma proposta era negligenciadaou tratada como menor. Havia sempreuma atenção muito grande com tudoaquilo que aparecia, vindo de quem fos-se, pois havia a participação parlamen-tar e também a popular. É lógico quehavia, muitas vezes, uma pressão doponto de vista teórico e técnico parareprimir a entrada de certas demandas.Só que naquele momento existia umanecessidade de afirmação política, eessa afirmação se dava, muitas vezes,pela presença no texto na Constitui-ção”, diz Marcílio, na época um dosassessores da Secretaria-Geral daMesa.

Mas nem tudo eram flores nessarelação. O desequilíbrio de forças en-tre a equipe do relator e os assesso-res da minoria parlamentar, represen-tada sobretudo pelo PT, provocou atri-tos. “O relator tinha uma assessoriaenorme, inclusive assessor plantadoali no Plenário. E a gente se virava”,lembra Sandra Starling.

A então deputada do PT destacaa competência do corpo técnico, masdiz que a voz da minoria era abafadapelo aparato institucional vinculado àPresidência da ALMG. Com a ressal-va de que não se trata de crítica pes-soal, mas à instituição, Sandra cita es-pecificamente a atuação de MariaCoeli e Antônio Geraldo. “Eu, com todoo respeito à Coeli, chamava-a de 78ªdeputada. E, toda vez que a gente fa-zia uma questão de ordem, o AntônioGeraldo ia lá falar na orelha do presi-dente para dar uma solução, paraafastar a resposta que a gente sabiaque era correta. Quero enfatizar isso.De um lado, a competência técnica daspessoas; de outro, a estrutura, que éfeita para esmagar a minoria”, afirma.

O período da Assembleia Cons-tituinte foi um dos mais conturba-dos, na história mineira, na relaçãoentre Legislativo e Executivo. Minasera um Estado dividido entre os de-fensores do governo Newton Car-doso e seus opositores. Na ALMG,não era diferente. A relação tensadesembocou num inédito processode impeachment contra o governa-dor. A votação final foi em 9 de agos-to de 1989, durante a Constituinte,com vitória apertada de Newton.

Como os deputados dividiam-se entre a elaboração da nova Car-ta e a atuação parlamentar de roti-na, os embates entre os dois ladosrefletiam-se na Constituinte. “Foium momento grave, porque muitasvezes a discussão era distorcida.Felizmente, nós tínhamos na oposi-ção um bom diálogo. O radicalismoàs vezes aparecia em alguns, mas agente conseguia, com os mais ex-perientes, chegar ao entendimentoe fazer um texto que fosse não a fa-vor de um governador nem contraele, mas a favor de Minas”, avalia odeputado Sebastião Helvécio (PDT),que foi, naquele período, líder dabancada do PMDB, partido deNewton Cardoso.

O ex-deputado Felipe Néri(PMDB), que era líder do Governo,resgata uma frase do colega SamirTannús (PDS) para resumir sua atua-

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Constituinte foi marcada por tensão entreExecutivo e Legislativo

ção naquele período: “Ser líder doGoverno é igual a carregar embrulhode manga, tem sempre uma escapan-do aqui ou ali”. Certamente, as man-gas daquele embrulho eram bem maio-res que as habituais.

De acordo com Maria Coeli, o Po-der Executivo acabou tendo uma par-ticipação tímida nas discussões do

Texto Constitucional, em comparaçãocom o Poder Judiciário, o MinistérioPúblico e os diversos segmentos so-ciais. Mas os atritos entre governo eoposição quase mancharam a festa depromulgação da Constituição mineira.

A solenidade, que começou commissa na Praça da Assembleia, cele-brada, entre outros, pelo então arce-

bispo de Mariana, Dom Luciano Men-des de Almeida, teve momentos ten-sos na tarde de 21 de setembro de1989. Os vereadores petistas RobertoCarvalho (hoje vice-prefeito da Capi-tal) e Durval Ângelo (atualmente de-putado estadual) e o sindicalista EulerRibeiro montaram uma banca de fru-tas na Praça, como parte do protesto

Deputado Narciso Michelli, deputada Sandra Starling e deputado Luiz Vicente Calicchio (de frente), durante

os trabalhos da Comissão Constitucional, cuja rotina era acompanhada por entidades da sociedade civil

Marcelo Metzker

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contra o governador. A Polícia Militarentendeu que eles pretendiam arre-messar as frutas em Newton e pren-deu os três. Eles foram soltos apósquase uma hora, com a intervençãode Kemil Kumaira.

Houve tumulto também quandodezenas de servidores públicos ten-taram entrar no saguão do Palácio daInconfidência com faixas e cartazes deprotesto contra o governador. Elesentraram em choque com a seguran-ça da Casa e uma porta de vidro che-gou a ser quebrada. Para completar,no dia mesmo da promulgação,Newton fez críticas a alguns pontosdo texto, como a isenção de ICMSpara os produtores de leite.

Radicalismo político

A oposição ao governador chegoua unir dois adversários ferrenhos daditadura militar, o PT e o PFL. E issonão era pouco. Naquele tempo, oPartido dos Trabalhadores, com menosde dez anos de existência, era sinôni-mo de radicalismo político. “Era o PTcontra todos. Nós já estávamos na de-mocracia, mas agíamos como se aindaestivéssemos na ditadura”, lembra opresidente da Fundação PerseuAbramo, Nilmário Miranda, que lidera-va a bancada petista na Constituinte.

Fo i também uma época deaprendizado democrático. SegundoNilmário, a relação com os outros par-tidos na Assembleia proporcionou a elee aos colegas de bancada uma expe-riência fundamental para os anos se-guintes. “Na Constituinte nós abrimosum canal de diálogo, aprendemos aconversar. Eu resumiria assim a expe-riência: brigam as ideias, não os ho-mens. Como deputado federal eu jálevei em conta isso, tanto que fui con-siderado um dos bons negociadores

nos 12 anos que passei na Câmarados Deputados”, assinala.

Um sintoma da mudança de pos-tura ao longo da Constituinte foi a as-sinatura do original da Constituiçãomineira pelos cinco integrantes dabancada do PT. Um ano antes, os par-lamentares do partido na Câmara dosDeputados haviam-se recusado a as-sinar a Carta Federal, por discorda-rem de diversos aspectos do texto.

Experiência compartilhada

No mesmo momento em que aAssembleia Legislativa pôs o pontofinal na Constituição mineira, teve iní-cio um novo capítulo da história políti-ca do Estado. “O processo constituin-te tem de se tornar algo referencial, éo nosso ponto de partida na ordemdemocrática. Não é tanto o texto queimporta, mas muito mais o que somoscapazes de fazer com esse texto acada geração”, afirma Menelick deCarvalho Netto.

A primeira consequência foi ime-diata. O material reunido nas audiên-cias públicas regionais e temáticas foiaproveitado em uma série de ativida-des de orientação às câmaras munici-pais para a elaboração das leis orgâ-nicas dos municípios. “Essas comis-sões temáticas foram tão profícuas eo material que se coligiu foi tão gran-de que nós discutimos como aprovei-tar o acervo que havíamos recebido.Era um excesso de democracia, apósum período ditatorial, termos aquilonas mãos, que era a vocação do povocolocada ali, junto aos deputados. Nósficamos com uma preciosidade nasmãos”, afirma o ex-deputado LuizVicente Calicchio (PFL-PSDB).

A solução foi compartilhar o mate-rial com as câmaras municipais. Logoapós o encerramento da Constituinte,

a Assembleia Legislativa promoveuuma reunião de vereadores para tra-tar das leis orgânicas. Os deputadosfizeram também visitas ao interior,com o objetivo de orientar os parla-mentares municipais, que já eram alvode escritórios oportunistas. “Chegueiaté a fazer, juntamente com o pessoalda Assembleia, uma cartilha elemen-tar, que foi usada depois pelos verea-dores. Na época, a novidade era tãogrande que apareceram escritórios deadvocacia, propondo lei orgânica pron-ta para vender aos municípios. Erauma coisa absurda. Então, eu saía pre-gando por aí, dizendo: ‘Olha, é prefe-rível uma colcha de retalhos, uma leimalfeita, mas que vocês tenham fei-to’”, recorda-se Calicchio.

E a Constituição de 1989 continuaa produzir efeitos, entre os quais umaAssembleia Legislativa mais aberta àsdemandas populares. “Quanto maisnós tivermos audiências públicas, par-ticipação de todos os níveis, ouvindoàqueles que pensam de forma dife-rente, mais nós estaremos próximosdesse projeto permanente de constru-ção de cidadania que uma Constitui-ção democrática requer”, diz Menelick.

Para Calicchio, a maior virtude daConstituição mineira, que foi promul-gada há 20 anos, pode ser assim resu-mida: “Ela abriu a boca do povo. O povofala, esta é a grande conquista”.

As falas de Carlos Calazans, Felipe Neri, Flávio

Couto e Silva de Oliveira, Kemil Kumaira, LuizVicente Calicchio, Menelick de Carvalho Netto,

Nelinho Rezende e Sandra Starling utilizadasnesta reportagem foram retiradas de depoi-

mentos concedidos à coleção de documentários

Memória & Poder, da TV Assembleia

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O primeiro grande ensaioda modernização

Lydia Hermanny Peixoto Renault – jornalista da ALMG

A Constituinte mineira impulsionou umprocesso anterior de modernização ereestruturação administrativa da AssembleiaLegislativa de Minas Gerais. Com a retoma-da da democracia, a ALMG já vinha sereadequando aos novos tempos. “A Consti-tuinte foi o primeiro grande ensaio de umanova estrutura que começou a se delinearantes, no início dos anos 1980, quando oLegislativo mineiro saiu na frente ao investirem profissionalização do corpo técnico, mo-dernização administrativa e informatização”,avalia a servidora da Assembleia CláudiaSampaio, que integrava a equipe de apoiotécnico daquela época.

Segundo Cláudia, ex-diretora da Es-cola do Legislativo e das áreas de Plane-jamento, de Consultoria Temática e deProcesso Legislativo, o elo entre todas

essas vertentes já era a valorização daatividade-fim da instituição, ou seja, o pro-cesso legislativo. As mudanças empreen-didas antes e após a Constituinte parti-ram da compreensão de que o Parlamentomineiro tinha que se equipar para vir a serum interlocutor confiável para a socieda-de, após décadas de esvaziamento da par-ticipação política.

Informatização, criação ou reestrutura-ção de setores, novo desenho para o fun-cionamento dos gabinetes parlamentarese da consultoria institucional foram algu-mas ações adotadas, paralelamente à rea-lização de concursos públicos, à criaçãoda Escola do Legislativo e à instituição deplano de carreira, que valorizou, além dotempo de serviço, o mérito como fator deascensão do servidor.

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Concurso e meritocracia

Nos anos 1980, a Assembleia reali-zou dois concursos públicos que foramembriões da profissionalização do corpotécnico rumo ao modelo hoje consolida-do. O primeiro foi em 1982, para pes-quisadores do então Conselho de Infor-mação e Pesquisa (Cinpe), e o segundo,em 1986, que avançou no conceito deconsultor do processo legislativo, aindaque não específico por áreas. Em 1991,foi promovido o primeiro concurso paraconsultor por área de especialização,institucionalizando a opção de qualificaro mandato parlamentar por meio tambémdo apoio de servidores efetivos capazesde subsidiar o processo legislativo – ini-ciativa inédita entre as assembleiaslegislativas.

Além desses avanços, a ALMG, pormeio da Resolução 5.086, de 1990, criouo sistema de carreira da Secretaria, ado-tando a capacitação profissional, a avalia-ção de desempenho e a igualdade de con-dições como pressupostos básicos, mo-delo que viria a ser repetido pelo Executi-vo anos mais tarde. “Era preciso oferecerao servidor condições de crescer na pró-pria área administrativa da instituição, enão nos gabinetes”, frisa o ex-diretor-ge-ral e servidor aposentado Dalmir de Je-sus. Por esse motivo, o acesso à carreirapassou a ser restrito ao servidor efetivoque estivesse na área administrativa.

Formação e cidadania

Além do sistema de carreira nessesmoldes, foi criada em 1992 a Escola doLegislativo, suprindo, no momento inicial,a carência de treinamento para requalificaro servidor e apoiar o processo legislativo.Na sequência, firmou-se como centro deensino, pesquisa e extensão na árealegislativa, abrindo-se também à socieda-

de por meio de intercâmbios com outroslegislativos e de programas de formaçãopara a cidadania.

Assim como aconteceria com a TVAssembleia em 1995, também voltadapara informar e formar o cidadão, a Esco-la do Legislativo foi a primeira criada noPaís. Para Cláudia Sampaio, uma de suasfundadoras, isso também não foi por aca-so. “Ela nasceu no Parlamento, que tevea coragem de refletir sobre seu papel ede admitir suas deficiências. Isso nummomento em que as pesquisas de opiniãomostravam que tanto a sociedade como oservidor faziam uma avaliação negativa daimagem do Legislativo e dos deputados”,recorda.

Pioneirismo na informatização

A ALMG também foi a primeiraAssembleia do País a ser informatizada,tendo sido visitada por isso na época daConstituinte por representantes de outroslegislativos. “Eram pessoas que queriamver como havíamos nos preparado e comoestávamos conduzindo o processo”, des-taca o servidor aposentado PauloNavarro, que foi presidente da Comissãode Informatização da ALMG na época e,depois, secretário-geral da Mesa pornove anos.

Segundo ele, por visão estratégica,dois anos antes da Constituinte aAssembleia de Minas já estava razoavel-mente informatizada para suportar o vo-lume de trabalho que viria. Entre outrasprovidências, foi adquirido um computa-dor central gigante, mas que era o quehavia de melhor na época. Ele ocupavaquase uma sala inteira, conhecida como“a geladeira”, por causa da baixa tempe-ratura exigida para manter o equipamen-to. Ficava no espaço que hoje dá acessoàs Assessorias da Maioria e da Minoria,

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A servidora Teresa Christina

Afonso de Oliveira (em primeiro

plano), da equipe que implantou a

informatização, conversa com o

presidente Kemil Kumaira,

observada por Maria Coeli, pelo

deputado Romeu Queiroz e por

Paulo Navarro

nos fundos do Salão de Chá do andar SEdo Palácio da Inconfidência.

Conforme registros da época, tambémforam instalados no Salão 35 terminaispara processar informações sobre emen-das e pareceres da Assembleia Constitu-inte, dois deles estando disponíveis paraa imprensa e o público. Os terminais fo-ram dimensionados para receber até 2mil emendas em cada uma das etapasdo processo constituinte, com os com-putadores preparados para emitir 300cópias imediatas de cada etapa.

Afirmação de independência

A informatização foi delineada paracomeçar pela área do processo legisla-tivo, chegando depois aos gabinetes par-lamentares e à área administrativa. PauloNavarro destaca que a ALMG optou porassumir com o próprio orçamento todo oprocesso, da compra de equipamentos àimplantação de programas, em vez de vira se informatizar por meio de outras es-truturas já existentes, como a Prodemge,

empresa de processamento de dados dogoverno do Estado.

A vanguarda, contudo, não significouapenas glórias. Segundo Paulo Navarro,foi preciso quebrar resistências internas,inclusive de partidos da oposição, paraque o projeto de informatização vingas-se da forma como foi planejado, além deoutras dificuldades surgidas. Ele lembraque, na época, o então governadorNewton Cardoso atropelou o processo,enviando à Casa projeto que abria umalinha de crédito de US$ 20 milhões parainvestimento na remodelagem daProdemge e na informatização daAssembleia. “Mas o projeto não vingou.A Assembleia, sabiamente, resolveu ca-minhar com as próprias pernas, dandoexemplo de profissionalização e indepen-dência”, relata.

Ajustes, hoje pitorescos, também se-riam necessários. Uma vez pronta a pri-meira síntese do anteprojeto da novaConstituição – batizada de “catatau” pelopessoal técnico, tal o volume de papel,

Ace

rvo A

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G

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quase meio metro de altura –, foi marcadauma demonstração da impressão do con-teúdo armazenado no computador. Aperta-do o botão da impressora no final da tarde,a primeira página foi sair da máquina ape-nas no dia seguinte.

Reestruturação começou antes

Assim como a informatização começouantes, a Resolução 3.800, de 1985, e a Lei9.384, de 1986, também prepararam aestrutura da Assembleia Legislativa para aConstituinte, dessa vez na área adminis-trativa. A grande mudança foi a criação docargo de secretário-geral da Mesa, já coma visão de apoiar a área legislativa, segun-do Fádua Hamdan de Matos Bayão, asses-sora da Diretoria-Geral na Constituinte.

Novos ajustes se seguiram, mas Fáduadestaca que essa decisão significou o marcoda transição, a abertura necessária à cons-trução do novo modelo de funcionamento doParlamento. “O objetivo já era vencer buro-cracias estanques e sentimentos de feudos,trazendo mais agilidade ao processo”, opina.

Ela destaca, ainda, a posterior flexi-bilização da estrutura dos gabinetes parla-mentares, por meio da Lei 9.767, de 1989.Respeitando o limite da despesa, igual paratodos, cada deputado passou a ter liber-dade de montar a sua própria equipe combase em um sistema de pontuação para oscargos. “É a justiça do gasto”, defendeFádua. Segundo ela, os governos Federal edo Estado viriam a adotar, anos mais tar-de, o mesmo princípio.

Outros passos vieram depois, como adefinição de áreas imprescindíveis para ofuncionamento da Assembleia, enxugandoe reordenando a estrutura administrativa daCasa. Fádua Hamdan destaca, por exemplo,a adoção do conceito de gerências para co-ordenar equipes de trabalho, reduzindo-se as-sim o número de diretorias.

Comunicação renovada

Recém-chegada à área de Comunica-ção da Assembleia de Minas quando aConstituinte iniciou seus trabalhos, a jor-nalista Sílvia Rubião lembra que o setorse restringia a uma pequena assessoriade imprensa. “Mas procuramos nos adap-tar e nos estruturamos para dar as res-postas que os diversos segmentos dasociedade começaram a exigir”, recordaSílvia, ex-diretora de ComunicaçãoInstitucional e servidora aposentada.

Se até a Constituinte a rotina da áreade Comunicação refletia o ostracismo deum Legislativo sem um papel relevante, ademanda por informação passou a mar-car a agenda do setor. Mais do que infor-mar, lembra a ex-diretora, tornou-se ne-cessário criar canais de interlocução e departicipação da sociedade, dando novossaltos e também repensando o papel dacomunicação naquele novo momento.

A partir de 1990, iniciou-se a moder-nização do setor. Foi realizado um semi-nário e contratada uma consultoria exter-na para discutir a área e pensar sua novaestrutura, que cresceu e incorporou no-vas atribuições, a partir da criação do De-partamento de Comunicação Social e,anos mais tarde, da Diretoria de Comuni-cação Institucional.

A comunicação agregou, por exemplo,a área de Relações Públicas, que, alémde separada, praticamente se restringiaa atividades de cerimonial. “Partimospara uma nova fase, de grande articula-ção com todos os setores”, recorda. Emetapas seguintes, foram feitos tambémtreinamentos internos e concursos públi-cos para o setor, cujo norte passou aser a visão integrada e estratégica dacomunicação, num cenário de imprensalivre e crescente interlocução com a so-ciedade. �

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Direitos asseguradosna nova ordem

Ricardo Bandeira – jornalista da ALMG

Muito além da frieza da palavra ins-crita no papel ou na tela do computador, aConstituição mineira de 1989 continua aproduzir efeitos no ordenamento jurídico doEstado, na atuação dos Poderes e na vidacotidiana. O viés democrático que orien-tou o trabalho dos parlamentares influen-cia as iniciativas do poder público e asse-gura uma série de direitos inéditos em rela-ção às constituições anteriores. Áreascomo educação, saúde, cultura e ciênciae tecnologia ganharam nova dimensão. OExecutivo passou a adotar o planejamen-to de longo prazo, a Justiça saiufortalecida e a Assembleia Legislativa deMinas abriu-se como nunca às deman-das populares, após duas décadas sobo jugo da ditadura.

“Considero que o ponto alto da Cons-tituição é seu caráter democrático. Ela foi

feita em função dos anseios do povo”,avalia Natália de Miranda Freire, profes-sora de Direito Constitucional e assesso-ra pedagógica da Consultoria Jurídica daPUC Minas. Redatora aposentada daALMG, Natália integrou a equipe da Se-cretaria-Geral da Mesa durante o proces-so constituinte. De acordo com ela, aAssembleia optou por fazer uma consti-tuição mais próxima das demandas popu-lares do que de uma suposta perfeiçãotécnica.

A opção da ALMG resultou no primeiroTexto Constitucional mineiro elaborado soba influência de diferentes segmentos e ato-res sociais. “As Cartas Federal e Estadualsão constituições de motivação popular.Esse é o grande mérito. O Estado Demo-crático de Direito que sai, pelo menos juridi-camente, dessa cena assinala perspectivas

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interessantes de articulação com a socie-dade civil”, afirma o professor da Escola doLegislativo Leonardo Noronha, também in-tegrante da equipe da Secretaria-Geral daMesa na Constituinte.

Diversos órgãos e mecanismos de par-ticipação hoje adotados no âmbito do Exe-cutivo e do Legislativo tiveram origem naConstituição de 1989 ou repetiram a Car-ta Federal, como os conselhos setoriaiscom assento na sociedade, as ouvidorias,o controle das ações de governo por meiode petição e as audiências públicas, queampliaram a presença da sociedade nosdebates da ALMG (leia matéria na pági-

na 6).O caráter democrático mencionado

por Natália e Noronha esteve presente emtodo o processo constituinte, desde asaudiências públicas regionais e temáticas,no início de 1989, até a apresentação deemendas populares ao projeto da Consti-tuição (leia matéria na página 73), pas-sando pela participação de entidades naComissão Constitucional. As sugestõese reivindicações que nasceram dainterlocução com a sociedade foramencampadas pelos parlamentares e, alia-das às contribuições dos técnicos, resul-taram num texto com diversos avanços,até mesmo em relação à Constituição Fe-deral de 1988.

Solução mineira na saúde

Um caso exemplar foi o da vinculaçãode recursos orçamentários à saúde, queera vedada pela Constituição Federal. Sen-do assim, a Carta Estadual não podia ino-var nesse aspecto. Mas os deputados en-contraram um caminho alternativo paradestinar mais recursos ao sistema de saú-de pública de Minas, que enfrentava ummomento de crise.

“Estudamos o Orçamento do Estadonos anos anteriores e vimos que havia umapreferência dos últimos três governado- Deputado Sebastião Helvécio

res pela construção de estradas, que con-sumia entre 9% e 12% dos recursos. En-tão, garantimos na Constituição, de for-ma inédita, que os recursos para o servi-ço público de saúde do Estado não fos-sem inferiores àqueles aplicados na áreade transporte rodoviário. Foi o jeito minei-ro encontrado para haver a vinculação”,relembra o médico e deputado SebastiãoHelvécio (PDT, na época no PMDB).

A vinculação era uma reivindicação demovimentos de defesa da saúde pública,que tentaram incluí-la na Constituição Fe-deral, sem sucesso. Segundo SebastiãoHelvécio, a Carta Estadual foi a única aprever o mecanismo na época, ainda quede forma indireta. A determinação estáexpressa no parágrafo 1º do artigo 158 esó se tornou obsoleta em 2000, com apromulgação da Emenda 29 à Constitui-ção Federal, que instituiu a vinculação nostrês níveis da Federação (União, Estadose Municípios).

Cientistas e deputados

Situação semelhante ocorreu na áreade ciência e tecnologia. Nesse caso, a

Ricardo Barbosa

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vinculação era permitida pela Constitui-ção da República, graças a uma emendado deputado federal constituinte e soció-logo Florestan Fernandes (PT/SP). Foi asenha para que a comunidade científicamineira se mobilizasse e passasse a de-fender a destinação de parte da receitacorrente do Estado para o setor. Aqui, adeputada que abraçou a ideia foi a petistaSandra Starling.

Por causa da imagem de radicalismoentão associada ao PT, Sandra preferiuatuar nos bastidores, a fim de não com-prometer a causa. “Para que isso passas-se, meu lema era este: não quero saberquem é o pai da criança; a criança tem denascer. Então, não assinei nada, mas tudoera feito lá no meu gabinete”, afirma. Adeputada negociou até com empresários,que não eram interlocutores comuns dospetistas naquela época. “Foram envolvi-dos os setores empresarial, científico,universitário, dos trabalhadores. Isso seconcretizou por meio das audiências públi-cas regionais, quando a questão da ciên-cia e tecnologia foi levada às bases, bus-cando legitimação das propostas”, conta

Paulo Gazzinelli

o desembargador do Tribunal de JustiçaEdgard Amorim, então assessor deSandra.

Mesmo assim, não foi fácil estabele-cer um diálogo entre o espírito pragmáti-co dos deputados e a visão de longo pra-zo dos cientistas. “No início, era uma con-versa meio de surdo e mudo, porque a gen-te falava uma coisa e eles respondiamoutra. As pessoas se esquecem de quenenhuma área consegue prosperar e sedesenvolver sem o suporte da ciência etecnologia”, afirma o professor PauloGazzinelli, então diretor científico da Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Estadode Minas Gerais (Fapemig).

Mas a mobilização deu certo, e a Cons-tituição foi promulgada com o artigo 212,que previa a alocação de 3% da receitacorrente para a ciência e tecnologia. Omais importante, segundo Gazzinelli, é quea Carta destina esses recursos àFapemig, uma forma de evitar que o di-nheiro seja desviado para outro fim. Em1995, a Emenda à Constituição 17 redu-ziu o índice de 3% para 1%, após negocia-ção entre governo e comunidade científi-ca. O próprio Gazzinelli afirma que os 3%não se mostraram efetivos, uma vez quedois terços dos recursos deveriam sertransferidos a projetos de pesquisa deórgãos estaduais, menos numerosos queos das universidades federais. Com a re-dução para 1%, a divisão acabou.

Avanço ambiental

O meio ambiente foi mais uma área queconheceu avanços a partir de 1989. Alémde reproduzir novidades da Carta Fede-ral, os deputados atenderam a reivindica-ções dos ambientalistas, que estavamentre os mais organizados militantes aatuar na Constituinte. “A Constituiçãomineira ficou muito avançada na questãoambiental por causa da Carta de 1988 eda participação de setores organizados da

Ricardo Barbosa

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sociedade civil”, recorda-se o secretário deMeio Ambiente da Prefeitura de Belo Hori-zonte, Ronaldo Vasconcellos, que foi deputa-do constituinte pelo PMDB.

Na avaliação do secretário, graças às con-quistas daquela época, Minas foi pioneira, nosanos seguintes, na implementação das políti-cas estaduais de recursos hídricos e de resí-duos sólidos, além de dotar o Ministério Pú-blico de mecanismos para fiscalizar os crimesambientais. Mas a ideia mais original aindacarece de regulamentação. O parágrafo 2º doartigo 250 diz que a lei estabelecerá as hipó-teses em que o lançamento de efluentes in-dustriais deverá ser feito a montante do pon-to de captação. Em outras palavras, se umalei nesse sentido for editada, uma empresaque polui um rio poderá ser obrigada a captarágua abaixo do ponto onde despeja os resíduos,o que a forçaria a mantê-lo limpo.

O Texto Constitucional mineiro sintetizououtras conquistas sociais e econômicas dedestaque: a gestão democrática da educa-ção, que inspirou, anos depois, as eleiçõesdiretas para diretores de escolas estaduais(art. 196, VII); a criação da Universidadedo Estado de Minas Gerais (Uemg) e aestadualização da Unimontes, hoje Univer-sidade Estadual de Montes Claros (respec-tivamente, art. 129 e § 3º do art. 82, am-bos do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias); a abordagem da criança e doadolescente como sujeitos de direitos, comatenção prioritária do Estado (art. 222); oreconhecimento de manifestações culturaispopulares e regionais (arts. 207 e 208); e ainclusão de seções exclusivas para o turis-mo (arts. 242 e 243) e a política rural (arts.247 e 248), sem paralelo na ConstituiçãoFederal.

O presidente do Comitê

Popular na Constituinte,

Eni Carajá (ao microfone),

entrega emendas

populares para a análise

dos deputados da

Comissão Constitucional,

em junho de 1989

Alair Vieira

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Planejamento de longo prazo

A Constituição mineira de 1989 alteroude forma positiva a atuação do poder públi-co. Uma de suas inovações diz respeito aoplanejamento de longo prazo. A Carta Esta-dual introduziu o Plano Mineiro de Desen-volvimento Integrado (PMDI), que projetaas ações de governo em longo prazo (art.231). O PMDI é proposto pelo Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social, quetem participação da sociedade, e orienta aelaboração do Plano Plurianual de Ação Go-vernamental (PPAG), com prazo de quatroanos; da Lei de Diretrizes Orçamentárias(LDO) e do Orçamento do Estado, essesdois anuais.

“O PMDI reflete a parceria direta entresociedade e governo e só existe em nossoEstado. Tanto a Constituição Federal quantoos outros Estados se prendem aos outrostrês itens, que são o PPAG, a LDO e a LeiOrçamentária. Então, Minas tem quatro pe-ças de planejamento. Você tem uma políti-ca de Estado, independentemente de quemvai ser o próximo governador”, afirma Se-bastião Helvécio. Para o relator daAssembleia Constituinte Mineira e atualsubsecretário de Obras do Estado,Bonifácio Mourão, a instituição do PMDIfoi um golpe no coronelismo em Minas. “An-tes, o prefeito que tinha um padrinho con-seguia as coisas com um pedido. Agora,só com projeto debaixo do braço”, compa-ra Mourão.

A ideia de planejar a ação governamentaltambém norteou a inclusão no Texto Consti-tucional de diretrizes para a política deregionalização do Estado. O tema foi forte-mente influenciado pelo professor de DireitoPaulo Neves de Carvalho, um dos consulto-res externos da ALMG durante o processoconstituinte. Era, inclusive, uma reação ao mo-vimento pela separação do Triângulo Minei-ro, que tinha muitos adeptos na época. Osdeputados concluíram que, para manter Mi-nas unida, era necessário reconhecer sua di-

versidade regional e descentralizar o de-senvolvimento.

“A existência dessa força centrífugapredominante nas diversas regiõeslimítrofes do Estado tornou imperativo oreconhecimento, em todos os níveis, dasespecificidades que caracterizam as re-giões do Estado. O anteprojeto, por essarazão, define instrumentos das mais diver-sas naturezas, para garantir a unidade dasregiões em uma Minas que conviva e seenriqueça com a diversidade das regiõesque a constituem”, escreveu BonifácioMourão no relatório preliminar sobre o an-teprojeto da Constituição. A ideia prevale-ceu no texto final, nos artigos 41 a 51, queestabelecem critérios para a criação e ges-tão de regiões de desenvolvimento,microrregiões, regiões metropolitanas eaglomerados urbanos.

A política de regionalização prevista naConstituição Estadual teve como resulta-dos posteriores, entre outros, o ProjetoJaíba, no Norte de Minas, e a criação doInstituto de Desenvolvimento do Norte eNordeste de Minas Gerais (Idene).

A Constituição mineira inova, ainda,nos parâmetros que regem a administra-ção pública. O texto lista 11 objetivosprioritários do Estado (art. 2º), contra ape-nas quatro na Constituição Federal; proí-be que pessoas em litígio com órgãos eentidades estaduais sejam discriminadasou prejudicadas (art. 4º, § 3º); introduz oprincípio da razoabilidade, inexistente noâmbito federal, que inibe excessos e im-põe coerência aos atos da administraçãopública (art. 13); e estabelece o deverdo agente público de motivar decisões,ou seja, apresentar fundamentos (art. 13,§ 2º).

No âmbito da Justiça, a Carta mineirareproduz algumas das principais conquis-tas do texto federal. Os constituintes mi-neiros incluíram os juizados especiais naestrutura do Judiciário (art. 96), o que con-

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tribuiu para agilizar os procedimentosjudiciais, e fortaleceram o Ministério Pú-blico (arts. 119 a 123) e a DefensoriaPública (arts. 129 a 131), órgãos queatuam em defesa do interesse social edo cidadão.

Excessos justificados

As muitas demandas apresentadasaos deputados e a necessidade de se-guir a espinha dorsal da Constituição daRepública resultaram num texto extensoe com muitas medidas pendentes de re-gulamentação e até mesmo difíceis decumprir. Residem aí as principais críti-cas à Constituição Estadual de 1989.“Ela trouxe, por exemplo, a questão dosdireitos e garantias fundamentais (Títu-lo II), que não precisaria ser repro-duzida, pois faz parte da ConstituiçãoFederal e vale para todos os Estados”,afirma Natália.

A professora também considera ex-cessivo o espaço dedicado aos Atos dasDisposições Transitórias, que disciplinama transição entre a ordem constitucionalanterior e a atual, estendendo para o fu-

Natália de Miranda Freire

turo uma série de situações a serem apre-ciadas pelo Legislativo. Na avaliação deNatália, o fato de que tantos assuntosdependam de regulamentação posteriorcria insegurança jurídica, o oposto do quese espera de uma constituição.

Leonardo Noronha vê outro problema:a falta de mecanismos que garantam ocumprimento de algumas conquistas.“Há uma série de direitos contempladossem a correspondente definição de obri-gações. Tem-se, às vezes, a titularidadedessas obrigações, mas não a vinculaçãoque garanta efetividade ao direito. Issoé fruto de ingenuidade, da ausência deuma visão financeira e orçamentária dascoisas, que está surgindo somente ago-ra”, afirma.

Tanto Natália quanto Noronha ressal-vam, no entanto, que esses não são pon-tos necessariamente negativos, mas ca-racterísticas de uma constituição elabo-rada num momento em que vieram à tonademandas reprimidas pela ditadura.

Embora concorde que o texto é ex-tenso, o gerente de Redação da Gerên-cia-Geral de Consultoria Temática daALMG, Marcílio França Castro, que as-sessorou a Secretaria-Geral da Mesa naConstituinte, é mais enfático ao desta-car as circunstâncias da época. “Aqueletexto é o resultado de um jogo político ede um jogo social necessário. Vejo-ocomo uma etapa importante, não negati-vamente”, afirma.

As falas de Paulo Gazzinelli, Ronaldo Vasconcellos e

Sandra Starling utilizadas nesta reportagem foramretiradas de depoimentos concedidos à coleção de

documentários Memória & Poder, da TV Assembleia

Ricardo Barbosa

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REVISTA DO LEGISLATIVO 73

Um dos instrumentos de intervençãosocial na Assembleia Constituinte Minei-ra foram as emendas populares. Na faseem que os constituintes já analisavam oprojeto da Constituição de 1989, foramapresentadas 22 emendas, todas subs-critas por mais de 5 mil pessoas, confor-me exigência do Regimento Interno. Mui-tas delas foram incorporadas ao texto na-quela etapa, sendo que algumas tiverampequenas alterações. Além do conteúdodas emendas, importa destacar o momen-to de sua apresentação. Naquela época,retomava-se a participação social nasdecisões governamentais, que havia sidoabafada pelos anos de ditadura. Nesseprocesso, as diferentes entidades aindaestavam reaprendendo a eleger suas rei-vindicações prioritárias e a dialogar comas instituições públicas, a fim de ver seuspleitos atendidos.

A Emenda 1.158, dos servidores daextinta MinasCaixa, contou com mais de30 mil assinaturas. Os servidores daque-

Emendas populares:garantia de participação

Adriana Gomes – jornalista da ALMG

le banco pediam isonomia salarial entre elese os funcionários de carreira do Banco deDesenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).O texto da emenda está contido no artigo40 do Ato das Disposições Transitórias.Outra emenda de destaque foi apresenta-da pela Conferência Nacional dos Bisposdo Brasil (CNBB)/Regional Leste II, quesolicitava a inclusão do ensino religiosocomo disciplina de matrícula facultativa noshorários normais das escolas públicas dosensinos fundamental e médio. O texto, al-terado para retirar o ensino médio, está noartigo 200.

O Comitê Popular na Constituinte apre-sentou sete emendas, representando asáreas de saúde, educação, criança e ado-lescente e portadores de deficiência. Foramsugeridas a introdução de um capítulo so-bre os direitos dos portadores de deficiên-cia física; a adoção de políticas sociais eeconômicas para garantir à população o di-reito à saúde; e a inclusão de dispositivosque assegurassem os direitos da criança e

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do adolescente no atendimento às suasnecessidades básicas. Essa emenda foisubscrita pela Frente de Defesa dos Di-reitos da Criança e do Adolescente, cons-tituída por 42 entidades governamentaise não governamentais. Diversos artigosda Constituição tratam dos temas pro-postos, que também foram objeto deemendas apresentadas por outros seg-mentos. Na área de saúde, por exemplo,são 20 artigos.

Duas emendas populares reivindican-do a emancipação de distritos foram apre-sentadas pela Associação dos Amigos deJaíba e pela Associação Comunitária doBairro Atalaia, de Justinópolis. A primei-ra pedia a criação do Município de Jaíba,e a segunda, do Município de Justinópolise do distrito de Areias. Elas não foramaproveitadas no texto final.

Entidades do funcionalismo público tam-bém apresentaram emendas. Exemplos deaproveitamento dessas iniciativas são oartigo 26 do Ato das Disposições Transi-tórias, que trata da estrutura de cargos daárea de educação; e o artigo 248 da Cons-tituição, que dispõe sobre a política rural, econtou com a participação de servidores daEmpresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural do Estado de Minas Gerais(Emater) em sua elaboração. Já a Associa-ção Brasileira de Agências de Viagem(Abav) apresentou emenda estabelecendoque o Estado e os integrantes do ConselhoEstadual de Turismo definiriam a política es-tadual para o setor. O texto está contido,com pequenas alterações, no artigo 243.

A Federação dos Trabalhadores naAgricultura do Estado de Minas Gerais(Fetaemg) foi autora da emenda que pe-dia a destinação de 3% da receita do Or-çamento para o desenvolvimento social eeconômico da região do Vale doJequitinhonha. Além dessa emenda, a en-tidade também apresentou outra, que es-tabelecia que a Bacia Hidrográfica do Rio

Jequitinhonha fosse declarada patrimônioestadual, objeto de proteção especialcomo forma de diminuir os efeitos da mi-neração predatória de diamantes no rio.Esta última foi transformada no artigo 84do Ato das Disposições Transitórias.

Destacam-se também as emendasapresentadas pela Federação Nacional deAssociações de Medicinas Alternativas,reivindicando o direito de acesso às tera-pias naturais e aos métodos alternativosde assistência, preservação e recuperaçãoda saúde do indivíduo; pelo ConservatórioEstadual de Música Cora Pavan Capparelli,assegurando aos conservatórios estaduaisdotação orçamentária especial; e pela Es-cola Estadual Governador Milton Campos,estabelecendo a criação de hortos flores-tais municipais. As duas primeiras não fo-ram aproveitadas. A terceira teve parte in-corporada na Constituição, garantindo queo Estado auxiliará o Município na criaçãodos hortos (art. 216, § 2º).

Além da apresentação das 22 emen-das populares, a sociedade se mobilizoude outras formas, tanto é que foram re-colhidas quase 10 mil sugestões duranteas audiências realizadas na Capital e nointerior, no início de 1989. Muitas dessaspropostas foram incluídas no anteprojetodo relator, deputado Bonifácio Mourão.Segmentos da sociedade que abrangemambientalistas, professores, pesquisado-res e trabalhadores da área médica tam-bém apresentaram suas sugestões dire-tamente aos parlamentares. Além disso,ideias que inspiraram emendas populares,ainda que não incorporadas ao Texto Cons-titucional, foram depois aproveitadas nalegislação ordinária.

Na opinião do professor da UnBMenelick de Carvalho Netto, assessor doprocesso legislativo na Constituinte, aparticipação popular foi intensa, com dis-cussões importantes acerca dos proble-mas do Estado. �

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A Constituição Federal de 1988 conjugou competências privativas, comuns e concorrentes entre os entes federados, o que criou um

importante potencial de conflitos. Um deles reside no fato de que a Federação brasileira permanece voltada para o poder central, em

prejuízo da autonomia dos Estados e de seus legislativos, que continuam reféns das questões burocráticas regionais ou das decisões

tomadas no âmbito da União. Nesse contexto, a ideia da descentralização é bem-vinda, pois pode permitir que ordens jurídicas

parciais tenham maior flexibilidade para integrar as diferenças dos Estados.

José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior

Mestre e doutor em Direito Constitucional, master of Lawpela Harvard Law School, professor do Programa de

Pós-Graduação em Direito da PUC Minas

Descentralização necessária

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A forma federal de Estado pode ser, fun-damentalmente, o resultado de dois proces-sos de organização geográfica do poderpolítico: um processo centrífugo ou um pro-cesso centrípeto.

Federações como a norte-americana e aalemã surgiram por meio de um processocentrípeto, no qual organizações políticassoberanas se uniram para a constituição deum poder central que não sofre, no planointerno, qualquer concorrência e que tenha,no plano externo, o reconhecimento de ou-tras organizações políticas soberanas.

No caso do Brasil, o processo de forma-ção da Federação foi centrífugo. Uma orga-nização política soberana conduziu o proces-so de criação de organizações políticas au-tônomas, as unidades federadas. O podercentral, nesse caso, precede os poderes re-gionais.

A forma de surgimento das federaçõesé um dos elementos relevantes para a defi-nição do caráter centralizado ou descentra-lizado dessa forma de Estado, em que pesenão ser o único. A federação norte-america-na é um bom exemplo, visto que, desde oseu surgimento, houve um progressivo for-talecimento do governo central, em particu-lar após a guerra civil (1865) e após a criseeconômica que se instalou a partir de 1929.Apesar desses momentos de centralização,os Estados Unidos têm uma das mais sóli-das federações e um caráter significativa-mente descentralizado.

Já a Federação brasileira surgiu em1890, mais descentralizada do que é hoje,ainda que não pudesse ser comparada como nível quase fragmentário de descen-tralização dos Estados Unidos, anterior a1865. No Brasil, na década de 1930 foramoperadas mudanças significativas, resulta-do do movimento militar de 1930, as quaisforam iniciadas com a federalização do Di-reito Eleitoral em 1932, consolidadas com aConstituição de 1934 e conduzidas ao ex-tremo com a Carta de 1937.

Em que pesem os projetos federaisdescentralizadores das Constituições de1946 e de 1988, a Federação brasileirapermanece fortemente voltada para opoder central, em prejuízo da autonomiaprincipalmente dos Estados Federados.Tal característica torna-se nítida quandoexaminamos o sistema de repartição decompetências da Constituição de 1988.

A repartição de competências legis-lativas e materiais em um Estado de for-ma federal define o próprio caráter da dis-tribuição geográfica do poder. É o termô-metro da Federação, pois delimita o es-paço de atuação de cada um daqueles quea integram.

Fernanda Dias Menezes de Almeidaafirma:

Como já se frisou, o problema nuclear da

repartição de competências na Federa-

ção reside na partilha da competência

legislativa, pois é através dela que se

expressa o poder político, cerne da auto-

nomia das unidades federativas. De fato,

é na capacidade de estabelecer as leis

que vão reger as suas próprias ativida-

des, sem subordinação hierárquica e sem

a intromissão das demais esferas de po-

der, que se traduz fundamentalmente a

autonomia de cada uma dessas esferas.

Autogovernar-se não significa outra coi-

sa senão ditar-se as próprias regras.

(...)

Assim, guardada a subordinação apenas

ao poder soberano – no caso o poder

constituinte, manifestado através de sua

obra, a Constituição –, cada centro de

poder autônomo na Federação deverá

necessariamente ser dotado da compe-

tência de criar o direito aplicável à res-

pectiva órbita. E porque é a Constitui-

ção que faz a partilha, tem-se como

consequência lógica que a invasão – não

importa por qual das entidades federadas

– do campo da competência legislativa

de outra – resultará sempre na

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REVISTA DO LEGISLATIVO 77

inconstitucionalidade da lei editada pela

autoridade incompetente. Isto tanto no

caso de usurpação de competência

legislativa privativa como no caso de

inobservância dos limites constitucionais

postos à atuação de cada entidade no

campo da competência legislativa con-

corrente. (Competências na Constitui-

ção de 1988. 2ª ed. São Paulo: Atlas,

2000, p. 97).

O Brasil consagrou, na Constituiçãode 1891, a forma horizontal de repartiçãode competências, a qual privilegia a atri-buição de competências exclusivas e pri-vativas aos entes da Federação, restrin-gindo a possibilidade de conflitos ou tor-nando mais objetivas as formas de solu-ção de tais conflitos.

O federalismo de cooperação, con-sagrado a partir da Constituição de1934, tornou mais complexa a reparti-ção de competências, à medida que aforma horizontal cedeu espaço para aforma vertical, com a previsão de com-petências comuns e concorrentes entreUnião e Estados.

A Constituição de 1988 articula a re-partição de competências entre União eEstados de forma conjugada, estabele-cendo competências exclusivas e privati-vas, além das comuns e concorrentes.

No sistema atual de repartição de com-petências, destacam-se os artigos 21 e 22como definidores das competências exclu-sivas e privativas da União e o artigo 25como definidor das competências privati-vas dos Estados. Os artigos 23 e 24 con-sagram as competências comuns e con-correntes, respectivamente. Há ainda arepartição de competências em matéria tri-butária, que, nos termos do artigo 150 eseguintes, prefiguram uma forma especí-fica de repartição de competências.

As competências privativas da União,consagradas no artigo 22, contêm um rolbastante extenso de matérias, o que defi-

ne uma posição proeminente para o po-der central no quadro da Federação bra-sileira. Mas não é somente a extensão dasmatérias do artigo 22 que coloca a Uniãonuma posição privilegiada. É também aqualidade das matérias lá previstas.O Direito Civil e o Direito Penal, matériasde extrema sensibilidade para o exercícioda cidadania, são colocados como com-petência exclusivamente da União, ao con-trário do que ocorre em outras federações,como a norte-americana, em que tais ma-térias são legisladas pelos Estados.Conjugadas a extensão e a qualidade dasmatérias do artigo 22, temos uma restri-ção importante à capacidade legislativados Estados.

Devemos nesse contexto lembrar queo parágrafo único do artigo 22 permite àUnião, por meio de lei complementar, de-legar competências aos Estados para le-gislar sobre matérias de competência pri-vativa da União, hipótese que tem ocorri-do de forma bastante escassa.

A competência privativa implica o de-ferimento a um titular, com a exclusão detodos os demais. O que é determinadopela Constituição como matéria de com-petência privativa da União, como é ocaso daquelas constantes no artigo 22,não pode ser objeto de atuação legislativaestadual, salvo se ocorrer a delegaçãoprevista no parágrafo único, o queensejaria uma atuação suplementar dosEstados.

A questão, entretanto, torna-se umpouco mais complexa, à medida que aConstituição da República adota não so-mente a técnica horizontal de repartição decompetências, mas também a vertical.

A adoção da forma vertical de reparti-ção de competências legislativas foi feitapor meio da mesma técnica que define acompetência privativa da União, ou seja,a enunciação de um rol exaustivo de ma-térias, constantes no artigo 24.

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A conjugação das técnicas de reparti-ção horizontal e vertical, por meio daenunciação do rol de matérias sujeitas acada uma delas, cria um potencial confli-tuoso importante. Partiremos de uma si-tuação real para exemplificar essa dimen-são conflituosa.

O artigo 22, inciso IV, estabelece quecompete privativamente à União legislarsobre águas. Entretanto, alguns Estados,por exemplo, Minas Gerais, editaram leisdispondo sobre a política estadual de re-cursos hídricos (Lei Estadual 13.199, de29 de janeiro de 1999), afirmando ampa-ro no artigo 24, inciso VI, da ConstituiçãoFederal, à medida que esse artigo confe-re aos Estados competência para legislarsobre meio ambiente e proteção dos re-cursos naturais.

Há um espaço bastante nebuloso noqual é árdua a tarefa de definir, de formaobjetiva, a existência ou não de invasãode competência. O Supremo Tribunal Fe-deral (STF) tem enfrentado casos de difí-cil solução em matéria de conflito de com-petências entre a União e os Estados, emespecial conflitos que envolvem asuperposição entre o exercício de compe-tência legislativa privativa da União e oexercício de competência concorrente porparte dos Estados.

O que se observa, por outro lado, éque tais conflitos têm sido, de modo ge-ral, solucionados em favor da União. Asdecisões do STF sobre tais matériasconstituem uma boa expressão da formacomo os casos têm sido resolvidos, nosentido de privilegiar a atuação do âmbi-to federal.

A tal fato soma-se a organização dasestruturas e competências locais defini-das na própria Constituição da Repúbli-ca, o que também contribui para restrin-gir a atuação dos Estados. No exercíciode suas competências, os Estados encon-

tram-se entre o amplo espaço conferido àUnião e o que foi deferido aos Municípios.Com as restrições que têm sido impostasaos Estados no âmbito da atuaçãolegislativa concorrente, o papel legislativodos Estados está cada vez mais relegadoa um plano secundário, tornando ainda maisfrágil a Federação brasileira.

Não podemos nos esquecer da experiên-cia que levou ao processo de centralizaçãoque vivemos após 1930. A denominada“República Velha” viveu contradições quenegavam a própria ideia republicana e, semdúvida, a descentralização federal teve suaparcela de contribuição para que tais con-tradições se aprofundassem.

Entretanto, temos que pensar a ideiade descentralização, em especial em dire-ção aos Estados, no quadro que inauguraas instituições brasileiras no século XXI. Apossibilidade de organizar a unidade doEstado brasileiro em um quadro de diver-sidade jurídica é um de nossos principaisdesafios.

Os Estados brasileiros têm diferençasimportantes quanto à cultura, à economia,aos costumes e à criminalidade, e essasdiferenças têm peso na construção da or-dem jurídica. Permitir que ordens jurídicasparciais tenham maior flexibilidade para in-tegrar essas diferenças é hoje uma de nos-sas questões centrais e uma forma de res-gatar a posição dos legislativos estaduais,reféns das questões burocráticas regionais(legislação administrativa e tributária) oudas decisões tomadas no âmbito do podercentral.

Reconhecemos os riscos que adescentralização nos traz, mas não pode-mos deixar de admitir que a centralizaçãopolítica tem também seus efeitoscolaterais, em especial porque inibe a ab-sorção do pluralismo pela ordem jurídica, oque é uma das principais justificativas paraa adoção da forma federal. �

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A Constituição Estadual disciplina de maneira peculiar temas como regionalização, processo legislativo, direitos sociais e

difusos, demonstrando originalidade e compromisso público ao estabelecer que o povo tem direito a governo honesto e que a

razoabilidade é um dos princípios da administração pública. Os constituintes mineiros foram além da reprodução pura e simples do texto

federal, mantendo esse caráter inovador em emendas que se seguiram. No contexto do federalismo brasileiro, lembrar todo esse

trabalho implica também reacender o debate sobre temas como a autonomia dos Estados e a centralização excessiva do poder político.

Felipe Faria de Oliveira

Mestre em Direito Público pela PUC Minas e professor do Centro Universitário Newton Paiva

Rober to Sorbilli Filho

Mestre e doutor em Direito Administrativo pela UFMG e professor da PUC Minas

Sérgio Pompeu de Freitas Campos

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG e professor da Faculdade Estácio de Sá

Consultores da ALMG

Em busca da autonomia

Guilherme Bergamini

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lho realizado por esta AssembleiaLegislativa em fins da década de1980, disciplina de maneira peculiar eoriginal aspectos de importantes te-mas, como administração pública,regionalização, processo legislativo,Ministério Público, finanças e orça-mentos públicos, Municípios, direitossociais e difusos, entre outros.

Observa-se, entretanto, que, du-rante estas duas décadas, a Consti-tuição da República foi bastante mo-dificada, sendo objeto de 57 emendasde reforma e outras seis de revisão.Essas emendas alteraram ou inovaramo Texto Constitucional em matériasespecialmente relevantes para os Es-tados, como administração pública,previdência social, serviços locais degás canalizado, educação, criação, in-corporação, fusão e desmembramentode Municípios, regime dos militares,direito à moradia, sistema único desaúde, precatórios judiciários, siste-ma tributário nacional, imunidadesparlamentares e Poder Judiciário.

Tendo em vista a pretensão de es-tabilidade inerente à Constituição,decisão política fundamental da so-ciedade, esse expressivo número deemendas indica certo casuísmo doCongresso Nacional e desafia a pró-pria consistência do texto original daCarta de 1988. De fato, arranjosconjunturais, alguns insustentáveisem longo prazo, e disposições opor-tunistas foram aprovados no bojo docomplexo processo constituinte.Sabe-se, porém, que as concepçõesde Estado dominantes naquela épo-ca sofreram abalos e transformaçõesa partir da década seguinte. Alter-nâncias no governo federal, normaisem uma república, também impulsio-naram projetos de reforma do Esta-do brasileiro.

Ademais, a Constituição de 1988caracteriza-se pelo caráter analítico.Além de extensa, disciplina uma sé-rie de matérias em um nível dedetalhamento impróprio para umaconstituição teoricamente ideal, peloque se sujeita a eventuais alteraçõescomuns às leis ordinárias, emboradependentes de quórum qualificado.E, por outro lado, suas cláusulaspétreas preservam-lhe os princípi-os essenciais.

A Constituição do Estado tam-bém foi muito modificada desde a pro-mulgação. Já foram aprovadas 81emendas ao seu texto, entre as quaisse encontram importantes inovaçõesno ordenamento jurídico estadual. As-sim, por exemplo, garantia concretada representação sindical dos ser-vidores públicos; limitação ao aumen-to da despesa pública com pessoal;previsão de participação social emaudiências públicas regionais no pro-cesso de elaboração das leis orça-mentárias; controle parlamentar so-bre a indicação de membros de con-selhos estatais e dirigentes de enti-dades da administração indireta;proibição de projeto de instituição oumajoração de tributo nos 90 dias an-teriores ao término de sessãolegislativa; proteção dos locais de cul-to religioso em face dos poderes deordenação territorial dos Municípios;exigência de quórum qualificado paraautorização legisla-tiva de alteraçãono controle ou na estrutura de socie-dade de economia mista ou empresapública estadual e de referendo po-pular para eventual desestatizaçãodas principais empresas do Estado;definição, a partir do princípio daeficiência, das bases da reforma ad-ministrativa estadual; possibilidadede reeleição para os cargos da Mesa

1. Os 20 anos da Constituição do Estado

de Minas Gerais

Em 21 de setembro de 2009, avigente Constituição do Estado deMinas Gerais completa 20 anos. Adata merece comemoração. Produtode poder constituinte decorrente daConstituição da República de 1988,a Constituição do Estado organizouseus Poderes e regulou o exercíciode direitos fundamentais no âmbitode seu território, com base em prin-cípios que marcaram a ruptura dasociedade brasileira com o regimeditatorial instalado nas décadas an-teriores e a instituição formal de umEstado Democrático de Direito noPaís. Na trilha da sua congênere fe-deral, tem dessarte contribuído noprocesso de consolidação daquelaque é certamente a mais democráti-ca experiência de estabil idadeinstitucional da história nacional.

A organização constitucional dosEstados membros à imagem e seme-lhança da União é uma constante nofederalismo brasileiro. Em que pese ainspiração no modelo estadunidense,caracterizado por significativadescentralização política, a Federação,ainda que instituída simultaneamenteà República, desenvolveu-se a partirde um Estado imperial unitário, demodo que a força da tradição prejudi-cou o avanço da autonomia dos entesfederados. A exigência de respeito doconstituinte estadual aos princípios daConstituição da República é normadesde a Carta de 1891, e sua inter-pretação pelos órgãos políticos e ju-diciários da União e dos próprios Es-tados normalmente tendeu à restriçãoda capacidade de auto-organizaçãoestadual.

Não obstante isso, a Constituiçãomineira, resultado de profícuo traba-

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REVISTA DO LEGISLATIVO 81

da Assembleia; novo delineamento dainstituição das regiões metropolitanas;extensão da sessão ordinária daAssembleia Legislativa; constitu-cionalização da transição governa-mental municipal.

Outras emendas adaptaram aConstituição do Estado a reformasrealizadas no âmbito federal. Nessesentido, foram incorporadas a seutexto alterações promovidas nos sis-temas tributário e financeiro nacio-nais, nos regimes dos militares e dosdemais servidores públicos, da ad-ministração pública e da previdên-cia social, na disciplina das imunida-des parlamentares e na organizaçãodo Poder Judiciário e da DefensoriaPública.

Entretanto, por uma questão deautonomia, o constituinte derivadoestadual não acompanhou pari passu

o federal. Há, com efeito, disposi-ções da Constituição do Estado quenão seguem à risca as normas daConstituição da República introdu-zidas ou alteradas por emenda. Em-bora a maioria dessas normas seapliquem diretamente aos Poderesdo Estado, bem como às demaispessoas e aos bens em seu territó-rio, a Assembleia Legislativa de Mi-nas Gerais, comprometida com asegurança jurídica, promove em2009 novo trabalho de adequação daConstituição Estadual à redação vi-gente da Carta Federal, oportunida-de na qual estuda também aperfei-çoar pontualmente seu texto. Criou-se, para tanto, a Comissão Extraor-dinária dos 20 Anos da Constituiçãodo Estado de Minas Gerais.

O desafio, mais uma vez, é identi-ficar o campo de liberdade que o Es-tado detém para efetuar essa refor-ma. E a ausência de um debate mais

aprofundado acerca do tema, tanto noâmbito dos tribunais pátrios quanto naesfera da doutrina jurídica, torna ain-da mais complexa a tarefa.

2. A prerrogativa de auto-organização

estadual

Em visão um tanto reducionista daautonomia dos entes regionais e locais,ancorados em tradição mais que secu-lar, por vezes os tribunais do Paíspropugnam, de modo pouco reflexivo,pela incidência de um princípio de sime-tria na definição da capacidade de Esta-dos e Municípios se auto-organizarem1.

Para fixar as suas normas básicasde organização e funcionamento, osentes políticos da Federação deveriamobedecer à grande parte dos conteú-dos normativos da Lei Maior, mesmoàqueles que não lhes tenham sido ex-pressamente dirigidos. Tal perspecti-va, se adotada sem maiores questio-namentos, pode restringir o campo deabrangência das constituições esta-duais, já deveras limitado pelo espa-ço que hoje ocupam as leis orgânicasmunicipais.

Uma leitura adequada da Consti-tuição da República, no intuito de com-preender os limites traçados ao po-der constituinte estadual, exige, an-tes de tudo, que se leve em conta aautonomia política dos Estados. O ar-tigo 18 do Texto Constitucional de1988 assevera que a organizaçãopolítico-administrativa da Repúblicacompreende a União, os Estados, oDistrito Federal e os Municípios, to-dos autônomos, nos termos da Cons-tituição. Segundo o artigo 25, os Es-tados organizam-se e regem-se pe-las Constituições e leis que adota-rem, observados os princípios cons-titucionais.

Há disposições da Constituição

Estadual que não seguem à risca

as normas introduzidas ou

alteradas por emenda federal.

O desafio é identificar o campo

de liberdade que o Estado detém

para efetuar suas reformas

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Se ao Estado membro foi conferidaa capacidade de elaborar a própriaConstituição, devendo, ao fazê-lo, ze-lar pela integridade dos princípios daConstituição da República, é porquedeve ir além do Texto Constitucional,e não apenas reproduzi-lo, com bre-ves adaptações.

O limite dos Estados são os prin-cípios. E, por mais difícil que seja di-visar a extensa relação dos princípiosconstitucionais, como também formu-lar-lhes um conceito preciso, é certoque a Constituição não se forma uni-camente de princípios. Os princípioshão de ser entendidos, de modo sin-tético, como aqueles comandos que,normalmente dotados de mais gene-ralidade e abstração, expressam osvalores fundamentais de determinadaordem normativa. Os demais coman-dos, a que se pode chamar de regras,contribuem para dar concretude aosprincípios2.

Por outro lado, não é porque asregras da Constituição dãoconcretude aos seus princípios queelas devem necessariamente ser se-guidas pelos Estados. Isso só deveocorrer quando não houver outro meiode normatizar determinada matériasem que se ofendam os princípiosconstitucionais3.

É com base nesse critério abertoque se delimita o raio de atuação dopoder constituinte decorrente. A priori,a menos que a Constituição Federalregule diretamente essa atuação, de-vem os Estados estatuir as própriasregras de organização e funcionamen-to4. Há modos diversos de darconcretude aos princípios constitucio-nais, prerrogativa que precisa ser com-partilhada entre as esferas políti-cas da Federação, desde que não seponham em risco a sua unidade, o

equilíbrio de forças que deve haverentre a União, os Estados e os Muni-cípios, assim como os objetivos públi-cos que lhes foram prescritos.

Quanto aos constituintes mineiros,têm eles assumido postura corajosa eresponsável no desempenho dessasfunções normativas. O texto inaugu-ral da Constituição do Estado revelouoriginalidade e compromisso público.O povo tem direito a um governo ho-nesto. São princípios da administra-ção pública, entre outros, os darazoabilidade e da motivação. Funda-ções públicas só podem ser criadasna forma do direito público, umaobviedade necessária à época, comvistas a impedir o uso clientelista dasestruturas públicas.

Nas áreas de intensa conurbação,forma-se um colar, o colar metropolita-no, feliz expressão do saudoso PauloNeves de Carvalho. Aliás, as regiõesmetropolitanas se organizaramnormativamente, por meio de assem-bleias integradas por representantespolíticos estaduais e locais. A ativida-de administrativa estadual deveregionalizar-se mediante a criação deentidades públicas de naturezaautárquica. Os serviços de saneamen-to básico serão prestados por meioda cooperação entre o Estado e os Mu-nicípios, perspectiva que só nos últi-mos anos ganha corpo em escala na-cional.

No decorrer da sua história, vie-ram outras tantas medidas de aper-feiçoamento da Constituição mineira,emendas diversas, muitas delas como claro propósito de conferir ânimorenovado ao espírito democrático daordem jurídica nacional. Destacam-sealgumas:

• A Emenda à Constituição 26, de9 de julho de 1997, determinou a exi-

Diversos são os modos de dar

concretude aos princípios

constitucionais, prerrogativa

que precisa ser compartilhada

entre as esferas da Federação.

O poder constituinte estadual

rechaça a fidelidade literal à

Constituição da República

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REVISTA DO LEGISLATIVO 83

gência de aprovação prévia, pelaAssembleia Legislativa, da escolhados presidentes das entidades da ad-ministração indireta e dos presiden-tes e dos diretores do sistema finan-ceiro estadual, fixando disposição quenão encontra correspondente de igualteor na Lei Maior. Questionada amatéria, o Supremo Tribunal Federal(STF) decidiu pela constitucionalidadeda norma (ADI 1642), embora tenharestringido a sua aplicação à indica-ção de dirigentes de autarquias oufundações públicas. Se tal restriçãodemonstra certa timidez do STF noresguardo da autonomia política es-tadual, ainda assim a Corte Superiordo País permitiu que o poder consti-tuinte decorrente expressasse suaopção política, rechaçando de certomodo a concepção de fidelidade lite-ral ao texto da Constituição da Re-pública.

• As Emendas à Constituição 50,de 29 de outubro de 2001, e 66, de25 de novembro de 2004, estabele-ceram o quórum de 48 deputados,ou seja, três quintos dos membrosda Assembleia Legislativa, para aaprovação de lei que permita a alte-ração da estrutura societária ou acisão de sociedade de economia mis-ta e de empresa pública ou a aliena-ção das ações que garantem o con-trole direto ou indireto dessas enti-dades pelo Estado. Ademais, adesestatização de empresa de pro-priedade do Estado prestadora deserviço público de distribuição degás canalizado, de geração, trans-missão e distribuição de energia elé-trica ou de saneamento básico deveser submetida a referendo popular.Tais mudanças, que não encontramexpresso respaldo em normas daConstituição da República, conce-

dem densidade à mais expressivamatriz do sistema jurídico nacional,o princípio democrático.

• A Emenda à Constituição 64, de10 de novembro de 2004, que alterouo inciso II do parágrafo 3° do artigo 53da Constituição do Estado. Nela ad-mitiu-se que a Mesa da Assembleiaseja eleita para mandato de dois anos,permitida uma única recondução parao mesmo cargo na eleição subsequente,na mesma legislatura ou na seguinte.A correspondente regra da Constitui-ção da República, dirigida às Mesasda Câmara e do Senado, veda a reelei-ção para o mesmo cargo no período ime-diatamente subsequente (conforme en-tendimento há muito sedimentado, sónão veda a reeleição em troca delegislatura). Além de se escorar emdecisões do Supremo Tribunal Federal5,já que tal medida não afronta qualquerprincípio constitucional, observa-se queela ainda tem o condão de zelar pelorespeito ao fluxo de continuidade dostrabalhos administrativos do PoderLegislativo.

3. Perspectivas de avanços no

federalismo brasileiro

O sistema de Direitos, para alémde sua inegável função conservadora,genericamente entendida como a ex-pressão normativa dos costumes dedeterminado grupo social, também exer-ce um papel transformador da realida-de, à medida que assegura carátercogente às formulações teóricas queidealizam novas formas de Estado ede sociedade. Se tais formulações sãoimpulsionadas por mudanças previa-mente ocorridas no ambiente social ouse são mais fortemente influenciadaspelo pensamento científico, isso im-porta menos. O que mesmo importa é

que documentos normativos como aConstituição da República de 1988 ea Constituição do Estado, que agoracompleta 20 anos, vêm propiciandoboas condições para a efetivação doregime político democrático.

O constituinte mineiro, originalmen-te arrojado, avança na auto-organiza-ção estadual, em que pesem as res-trições decorrentes da interpretaçãotradicional do seu papel. A redaçãovigente da Constituição do Estadocontém decisões singulares dos repre-sentantes do seu povo, sem descui-dar os princípios da Constituição daRepública. Expressa, assim, de ma-neira exemplar, a autonomia estadualno contexto do federalismo brasileiro.

Um passo adiante pressupõe ummaior reconhecimento da força polí-tica dos Estados membros. A acei-tação de que devem eles possuir efe-tiva capacidade para ajustar oslídimos princípios do Estado Demo-crático de Direito às carências e aosanseios das populações que habitamo seu território.

O princípio federativo demandaequilíbrio entre unidade e diversida-de. Não se coaduna com centraliza-ção excessiva do poder político,impeditiva de adequado tratamentodas questões regionais e da explora-ção da criatividade das populaçõesmais diretamente afetadas, tampoucocom descentralização radical, prejudi-cial à união nacional.

A progressiva consolidação dademocracia tende a possibilitaraprofundamento nas discussões so-bre as potencialidades do federalis-mo no Brasil, que, em face das di-mensões continentais e diversidadecultural, não devem ser subestima-das. Cumpre registrar, a propósito,recente movimento, com participação

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REVISTA DO LEGISLATIVO84

destacada desta Assembleia, demobilização dos legislativos estaduaispara, em iniciativa inédita, proporememendas à Constituição da Repúbli-ca, com o objetivo de redesenhar aautonomia dos Estados na Federa-ção.6 À medida que o País supera pro-

blemas prementes de instabilidadeeconômica e institucional, o pacto fe-derativo passa a ocupar papel cen-tral na agenda política, até porqueguarda estreita relação com a histó-rica questão das desigualdades re-gionais e sociais.

Notas1 Exemplificativamente, pode-se evocar a re-

cente decisão do Supremo Tribunal Fede-

ral (julgamento em 2/2/2009), segundo

a qual, “nos termos do art. 75 da Consti-

tuição, as normas relativas à organização

e fiscalização do Tribunal de Contas da

União se aplicam aos demais tribunais de

contas”. (ADI 916 / MT)2 Normas constitucionais que se configuram

como regras costumam ser englobadas no

conceito de princípio por parte da doutri-

na do Direito Constitucional, o que faz

ampliar as limitações do poder constituin-

te dos Estados. Alexandre de Moraes

(MORAES, Alexandre. Direito Constitucio-

nal. São Paulo: Atlas, 2009, p. 248 e ss.)

relaciona algumas normas constitucionais

que, segundo seu entendimento, devem

ser observadas pelo poder constituinte

decorrente. Tais normas, muitas delas tí-

picas regras, seriam os princípios consti-

tucionais sensíveis (apontados no art. 34,

VI, da CR, de 1988, e cuja inobservância

pode ensejar intervenção federal nos Es-

tados); os princípios constitucionais ex-

tensíveis (normas comuns a todos os en-

tes federativos, por exemplo, o art. 93 da

CR, de 1988, que estrutura o Poder Judi-

ciário); e os princípios constitucionais es-

tabelecidos (responsáveis por delinear a

Federação, tais como as normas de divi-

são de competência e as normas de

preordenação, como o art. 37 da CR, de

1988, que dispõe sobre a Administração

Pública).

3 Nada impede, por exemplo, que o Estado

resolva definir data diversa para o reces-

so parlamentar; tal medida, num primeiro

momento, não ofende princípios constitu-

cionais. No entanto, se o Estado resolve,

diversamente do que dispõe o art. 47 da

Constituição da República, dispensar a

presença mínima (maioria absoluta) de

legisladores para que se possa deliberar

sobre qualquer matéria em Plenário ou nas

comissões, haverá evidente ofensa ao prin-

cípio democrático, pois a representação

popular ficará comprometida.

4 No plano doutrinário, cabe fazer referência

à posição avançada de Paulo Gustavo

Gonet Branco: “Esse princípio da sime-

tria, contudo, não deve ser compreendido

como absoluto. Nem todas as normas que

regem o Poder Legislativo da União são

de absorção necessária pelos Estados.”

(MENDES, Gilmar Ferreira, et al. Curso

de Direito Constitucional. 4 ed. São Pau-

lo: Saraiva, 2009, p. 864).

5 Ver, a respeito, ADI nº 793/RO, ADI nº

2.262/MA, ADI nº 2.292/MA, ADI nº

792-1/RJ, ADI nº 1.528/AP.

6 Ver as Resoluções 5.318, 5.319, 5.320 e

5.321, de 18 de dezembro de 2008, da

Assembleia Legislativa do Estado de Mi-

nas Gerais.

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REVISTA DO LEGISLATIVO 85

Por uma escrita plural

O momento constituinte de 1989 deu continuidade à mobilização popular que havia

se iniciado alguns anos antes, durante a campanha pelas Diretas Já. O Comitê

Mineiro pela Constituinte Democrática ar ticulou-se para imprimir, no Texto

Constitucional do Estado, a marca da participação. No diálogo com os

parlamentares, as diversas vozes experimentavam o exercício da cidadania,

aprimorado no decorrer dos novos tempos.

Car los Alber to Menezes de Calazans

Presidente do Instituto Mineiro de Relações do Trabalho, ex-presidente da

CUT-MG (1989-1994), ex-delegado regional do Trabalho (2003-2007),

integrante do Comitê Popular na Constituinte

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REVISTA DO LEGISLATIVO86

nas Gerais (Fetaemg), da Agriculturae Pecuária do Estado de Minas Ge-rais (Faemg), das Indústrias do Esta-do de Minas Gerais (Fiemg) e do Co-mércio de Bens, Serviços e Turismodo Estado de Minas Gerais(Fecomércio), além do Sindicato Úni-co dos Trabalhadores em Educação(Sind-UTE), entre outras.

A Assembleia Legislativa de Mi-nas Gerais dialogava cada tema comtoda a sociedade civil e buscavaapreender seus interesses mais diver-sos, por meio de discussões inflama-das em busca da efetiva participaçãopopular nos novos rumos do Estado.

As sugestões populares versavamsobre os avanços do ordenamento ju-rídico do Estado, a eleição dos direto-res na escola, a organização dos ser-vidores públicos, a liberdade e auto-nomia sindical, os tributos do Estado,o sistema de saúde e educação, os di-reitos humanos, a proteção da criançae do adolescente, os direitos da po-pulação negra e dos afrodes-cendentes, o direito da mulher, daspessoas com deficiência, do idoso, aquestão ambiental e a demarcação deparques ecológicos, enfim, a partici-pação popular em toda sua plenitudee soberania.

Fruto dessa grande diversidade edo concurso de inúmeras mãos, aConstituição mineira foi promulgada,marcando o início de um novo capítuloda história de Minas.

Espero que este artigo, escrito comluta, amor, dedicação e esperança,possa contribuir para que as próximasgerações tenham conhecimento dopassado para que venham a transfor-mar o futuro dos seus.

A construção da participação po-pular na Assembleia Constituinte Mi-neira de 1989 foi um dos maiores acon-tecimentos do final da década de 1980,em Minas Gerais. Finda a elaboraçãoda Carta Magna, o País se viu diantede uma nova realidade de ordenamentojurídico, que orientou a construção dasconstituições estaduais.

Os movimentos sociais do Estadoviviam um processo de grandemobilização, que se refletia nas me-moráveis manifestações da campanhaDiretas Já, da qual me orgulho de tersido um dos organizadores. Eram atosque chegavam a reunir mais de 300mil pessoas, mobilizadas pelo anseiode participar das mudanças que es-tavam ocorrendo no País.

Convocada a Assembleia NacionalConstituinte para dar o passo princi-pal na redemocratização do País, foi ins-talado em 1986 o primeiro Comitê Mi-neiro em prol da Constituinte Nacio-nal. O Comitê Mineiro abrigava repre-sentantes de vários segmentos da so-ciedade civil organizada, como sindi-calistas, empresários, juízes, advoga-dos, professores, membros de asso-ciações comunitárias, cada qual con-tribuindo com suas ideias, opiniões eposicionamento ideológico específico.

O ponto alto das mobilizações foi,sem dúvida, a apresentação das emen-das de iniciativa popular. Essas emen-das conseguiram reunir aproximada-mente 2 milhões de assinaturas e ti-nham como temas as seguintes reivin-dicações: a redução da jornada de tra-balho para 40 horas; a liberdade e au-tonomia sindical; o seguro-desempre-go; a universalização da educação; aestruturação do Sistema Único de

Saúde (SUS); a questão dos direitoshumanos; a proteção ambiental; e aabertura de concursos públicos paraservidores em todas as esferas da Fe-deração.

Temos que ressaltar aqui a bela his-tória de vitórias e derrotas escrita pe-las forças democráticas que lutarampara que houvesse avanços na Cons-tituição. Cito algumas como exemplo:a construção de novos partidos políti-cos (PT, PMDB, PSDB, entre outros)e das grandes centrais sindicais comoa Central Única dos Trabalhadores(CUT) e a Central Geral dos Traba-lhadores do Brasil (CGT); o ressurgi-mento do movimento estudantil e deentidades poderosas como a Ordemdos Advogados do Brasil (OAB), aAssociação Brasileira de Imprensa(ABI) e a Conferência Nacional dosBispos do Brasil (CNBB).

Nesse contexto, Minas Geraismostrava-se preparada para o novodesafio, pois naquele momento osmovimentos sociais e os segmentosque representavam se encontravamdevidamente organizados. Havia umamobilização geral em torno de umideário de liberdade, que resultou nacriação do Comitê Mineiro pela Cons-tituinte Democrática. O Comitê promo-veu a união dos movimentos sociais edos parlamentares e reviveu, em todaa sociedade civil, o espírito de liber-dade que sempre tentaram cercear nopovo mineiro.

Faz-se necessário registrar apluralidade dos segmentos sociais queparticiparam daquele momento histó-rico, representados por entidadescomo as Federações dos Trabalhado-res na Agricultura do Estado de Mi- �

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REVISTA DO LEGISLATIVO 87

entrevista

Alberto Pinto Coelho

Presidente da ALMG

Inovação política

A novidade mais importante da Constituição Estadual tem um caráter político: a ampliação dos mecanismos de participação popular na

elaboração das políticas públicas. Essa é a avaliação do presidente da Assembleia de Minas, deputado Alberto Pinto Coelho (PP), ao analisar

a Carta de 1989 e os desdobramentos dos trabalhos constituintes. Em entrevista ao jornalista e redator Jurani Garcia, o presidente fala sobre

esse e outros temas, como a mobilização de representantes do Legislativo e do Executivo pela revisão do pacto federativo.

Marcelo Metzker

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REVISTA DO LEGISLATIVO88

Revista do Legislativo – Qual arelevância de comemorar os 20 anosda Constituição mineira num cenáriode questionamento com relação àsinstituições públicas, às leis e à atua-ção política?Alberto Pinto Coelho – O senti-do maior dessa comemoração é lem-brar a contribuição do Texto Cons-titucional de 1989 para o aprimora-mento das instituições públicas emnosso Estado, do ordenamento jurí-dico que rege a vida dos mineiros edas relações entre os poderes pú-blicos e a sociedade, com vistas àconstrução de um projeto de desen-volvimento que atenda ao conjuntodos cidadãos. Os eventos comemo-rativos têm ainda o propósito deestimular uma reflexão crítica emsentido contrário: que lacunas foramdeixadas pela Constituição de 1989e o que pode ser feito paraaprimorá-la? A história contribui paramostrar os acertos e os erros dosque nos antecederam e apontar ca-minhos para a evolução. Da mesmaforma, os contextos de épocas di-ferentes determinam que as institui-ções públicas passem por um pro-cesso de contínua transformação.Precisamos, portanto, de nos atua-lizar para ficar em sintonia com asdemandas, os valores e os questio-namentos da sociedade.

RL – Em que aspectos a Constitui-ção de 1989 contribuiu para melho-rar a vida dos mineiros?Alberto Pinto Coelho – Contribuiuem muitos aspectos, como a criaçãode instrumentos de planejamento parao Estado, a exemplo do Plano Mineirode Desenvolvimento Integrado, doPlano Plurianual de Ação Governa-

mental e da Lei de Diretrizes Orça-mentárias; a criação de juizados es-peciais para facilitar a vida do cida-dão; a autonomia para o MinistérioPúblico; a destinação de percentualorçamentário para investimentos emciência e tecnologia; a instituição demecanismos de proteção do meioambiente e dos patrimônios históricoe cultural. Várias dessas mudanças,é oportuno lembrar, decorreram denormas aprovadas pela ConstituiçãoFederal de 1988. Mas a inovaçãomais importante foi de caráter políti-co, atendendo a uma forte demandados movimentos sociais: a ampliaçãodos mecanismos de participação po-pular na elaboração das políticas pú-blicas. A título de exemplo, a criaçãode conselhos setoriais de governocom representação da sociedade e ainstituição de espaços para que osmovimentos sociais tomem parte noprocesso legislativo.

RL – Que reflexos tiveram essas ino-vações no âmbito do Parlamento?Alberto Pinto Coelho – Podemosdizer, sem receio de errar, que pro-vocaram uma transformação extre-mamente positiva na Assembleia. Nacondição de membro do Poder des-de 1994, acompanhei de perto e par-ticipei de muitas decisões que, for-malizando diretrizes constitucionais,viabilizaram essa transformação. Ini-ciativas como a realização de audi-ências e debates públicos das comis-sões temáticas da Casa; de seminá-rios legislativos, fóruns técnicos e ci-clos de debates; de visitas e encon-tros no interior do Estado; e a criaçãoda Comissão de Participação Popular– todas com o propósito de ampliar ainterlocução com a sociedade – tive-

“Precisamos de nos atualizar

para ficar em sintonia com as

demandas, os valores e os

questionamentos da

sociedade”

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REVISTA DO LEGISLATIVO 89

ram inegável contribuição para oaprimoramento do processo legisla-tivo. A elaboração e a aprovação dasleis na Assembleia hoje resultam deum exaustivo trabalho de discussãocom especialistas e representantesdos setores interessados, o que con-fere às normas maior qualidade e le-gitimidade. As inovações nessa áreacolocam o Parlamento de Minascomo pioneiro e modelo para outrascasas legislativas implantarem pro-jetos semelhantes.

RL – Além da melhoria das leis pelacontribuição da sociedade, que avan-ços no Parlamento o senhor apontacomo decorrentes da Constituição de1989?Alberto Pinto Coelho – Na ver-dade, a participação dos cidadãos foium dos componentes do aprimora-mento da função legislativa na Casa.Para exercer melhor essa função,como também as de fiscalizar os atosdo Executivo e de acompanhar aimplementação das políticas públi-cas, a Assembleia de Minas passoupor um intenso processo de moder-nização, investindo na capacitação docorpo técnico, principalmente pormeio de concursos públicos, paramelhorar o assessoramento aos de-putados; na criação de gerênciasespecializadas para dar suporte aoprocesso legislativo; na ampliação efortalecimento das comissões perma-nentes; na informatização ereestruturação administrativa; nacriação de espaços de reflexão e es-pecialização, como a Escola doLegislativo. Na esteira dessas ini-ciativas, vieram outras voltadaspara o público externo, como os pro-jetos de formação para a cidadania

e a criação do Centro de Apoio àsCâmaras Municipais.

RL – O que faltou na Constituição de1989 para adequar-se às necessida-des do Estado e de suas instituições?Alberto Pinto Coelho – Natural-mente, toda norma da magnitude deuma Carta Constitucional apresentalacunas ou excessos, principalmenteem circunstâncias como as de 20anos atrás, propícias à proliferação dedemandas reprimidas durante o regi-me militar. Podemos destacar, porexemplo, que o texto foi muito exten-so, com reprodução desnecessária deconteúdos expressos na ConstituiçãoFederal, diversas medidas pendentesde regulamentação e falta de meca-nismos para garantir o cumprimentode algumas conquistas. Mas a limita-ção maior da Carta mineira é, sem dú-vida, o pequeno espaço deixado àcompetência legislativa estadual, emrazão da excessiva concentração depoderes no âmbito da União e dasdelegações repassadas aos Municí-pios, elevados em 1988 à condiçãode entes federados.

RL – O que fazer para corrigir essasdeficiências?Alberto Pinto Coelho – Com rela-ção a questões pontuais, a Assem-bleia elaborou e aprovou, ao longodestas duas décadas, uma série deemendas à Constituição, procuran-do torná-la mais próxima da realida-de do Estado. Paralelamente aoseventos comemorativos deste ano, aMesa da Assembleia criou a Comis-são Extraordinária dos 20 anos daConstituição do Estado de MinasGerais, com a finalidade de adequaro texto estadual à redação vigente

“A limitação maior da

Carta mineira é, sem

dúvida, o pequeno

espaço deixado à

competência legislativa

estadual”

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REVISTA DO LEGISLATIVO90

da Carta Federal e de promover aper-feiçoamentos nos pontos em que sefizerem necessários. No que con-cerne às restrições da competêncialegislativa, estamos realizando ummovimento, com as demais assem-bleias legislativas, para que os par-lamentos, em conjunto, proponhamemendas à Constituição da Repúbli-ca com o objetivo de dotar os Esta-dos da autonomia política, adminis-trativa e financeira que, em tese, te-riam assegurada pelo princípio fede-rativo. Princípio este, a propósito,inscrito no artigo primeiro da Cons-tituição Federal.

RL – A proposta de instituição de umnovo pacto federativo tem sido de-fendida pelo senhor na condição depresidente da Assembleia de Minase do Colegiado dos Presidentes dasAssembleias Legislativas. Além domovimento pelas alterações no TextoConstitucional, o que tem sido feito,no âmbito das duas instituições, parafortalecer a ideia?Alberto Pinto Coelho – Procura-mos disseminá-la em todas as opor-tunidades em que a discrepância en-tre as competências da União e dosEstados aparece como pano de fun-do dos problemas em discussão. Nociclo de debates “Minas combate acrise”, por exemplo, que a Casa pro-moveu em abril deste ano para levan-tar subsídios para o enfrentamentodos problemas conjunturais no Esta-do, fizemos questão de frisar essa dis-crepância. Presentes ao encontro, ogovernador Aécio Neves e o vice-go-vernador Antonio Anastasia tambémse posicionaram enfaticamente a fa-

vor de um novo pacto federativo. Emtermos práticos, propusemos, duranteo evento, a renegociação das dívidasdos Estados com a União, como for-ma de amenizar suas dificuldades fi-nanceiras e dotá-los de condiçõesmais favoráveis para superar a crise.Apresentamos a mesma proposta noencontro do Colegiado dos Presiden-tes das Assembleias Legislativas, re-alizado em maio, em São Paulo.

RL – A comemoração dos 20 anos daConstituição Estadual pode ser ummomento importante para Minas darum alerta ao País sobre a necessida-de de revisão do pacto federativo?Alberto Pinto Coelho – Acredita-mos que não só a data, mas tambéma receptividade que a proposta temencontrado, favorecem uma mobili-zação nesse sentido. Em todas asocasiões em que o assunto vem à tonaentre representantes do Legislativo edo Executivo estaduais e municipais,evidencia-se a insatisfação com o mo-delo vigente. O Brasil é um país dedimensões continentais, com enormesdiferenças regionais, socioeconô-micas e culturais. É preciso que aConstituição Federal reflita essas di-ferenças e tenha a flexibilidade neces-sária para que a legislação se amoldeàs diversas realidades. O Brasil emque vivemos, redemocratizado, masainda com grandes problemas a se-rem resolvidos, exige a compatibi-lização do poder central com a auto-nomia dos entes federados, a repar-tição mais equânime dos encargos erecursos, com responsabilidade mú-tua e compartilhada. Esse é o espíri-to de uma verdadeira federação.

“O Brasil em que vivemos,

redemocratizado mas ainda

com grandes problemas a

serem resolvidos, exige a

compatibilização do poder

central com a autonomia dos

entes federados”

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REVISTA DO LEGISLATIVO 91

Deputadosconstituintes

Efetivos e suplentes que assumiram mandato

Adelino Dias (PMDB) Ademir Lucas (PMDB)

Agostinho Patrús (PFL) Agostinho Valente (PT) Ailton Neves (PMDB)

Aloísio Garcia (PMDB) Amílcar Padovani (PDT) Anderson Adauto (PMDB) Antônio Fagundes (PFL)

Antônio Genaro (PMDB) Armando Costa (PMDB) Bené Guedes (PTB) Bernardo Rubinger (PMDB)

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REVISTA DO LEGISLATIVO92

Bonifácio Mourão (PMDB) Camilo Machado (PFL) Carlos Pereira (PMDB)

Chico Ferramenta (PT) Cleuber Carneiro (PFL) Delfim Ribeiro (PFL)

Dirceu Pereira (PMDB) Domingos Lanna (PFL) Eduardo Ottoni (PL)

Elmiro Nascimento (PFL) Elmo Braz (PMDB) Eurípedes Craide (PMDB)

Felipe Neri (PMDB) Ferraz Caldas (PMDB) Geraldo da Costa Pereira (PMDB)

Page 93: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 93

Geraldo Rezende (PMDB) Irani Barbosa (PMDB) Jaime Martins (PFL)

Jairo Magalhães Alves (PMDB) Jamill Júnior (PMDB) João Bosco Martins (PDT)

João Lamego (PFL) João Pedro Gustin (PFL) João Pinto Ribeiro (PMDB)

João Rosa (PMDB) Jorge Gibram (PMDB) Jorge Hannas (PFL)

José Belato (PMDB) José Bonifácio Filho (PDS) José Duarte (PFL)

Page 94: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO94

José Ferraz (PMDB) José Laviola (PMDB) José Maria Chaves (PMDB)

José Maria Pinto (PTB) José Militão (PFL) José Renato (PMDB)

Kemil Kumaira (PMDB) Lacyr Andrade (PMDB) Luís Gambogi (PMDB)

Luiz Vicente Calicchio (PFL) Márcio Maia (PMDB) Maria Elvira (PMDB)

Maria José Haueisen (PT) Maurício Moreira (PMDB) Mauro Moraes (PFL)

Page 95: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 95

Mendes Barros (PMDB) Milton Cruz (PTB) Milton Salles (PFL)

Narciso Michelli (PFL) Neif Jabur (PMDB) Nelinho Rezende (PDT)

Nilmário Miranda (PT) Ninico Resende (PMDB) Otacílio Miranda (PFL)

Paulo César Guimarães (PDT) Paulo Fernando (PL) Paulo Pereira (PMDB)

Paulo Pettersen (PMDB) Péricles Ferreira (PDS) Raimundo Albergaria (PDS)

Page 96: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO96

Raul Messias (PT) Roberto Luiz Soares (PDS) Romeu Queiroz (PMDB)

Ronaldo Vasconcellos (PMDB) Rubens Garcia (PTB) Saint’Clair Souto (PMDB)

Samir Tannús (PDS) Sandra Starling (PT) Sebastião Helvécio (PMDB)

Serafim Godinho (PMDB) Sérgio Emílio (PMDB) Silvio Mitre (PMDB)

Tancredo Naves (PMDB) Vitor Penido (PFL) Wellington de Castro (PDT)

Os partidos citados são aque-

les pelos quais os parlamen-

tares foram eleitos para a 11ª

Legislatura (1987-1991)

Page 97: Revista do Legislativo

REVISTA DO LEGISLATIVO 97

Impressão: Diretor de Infraestrutura: Evamar José dos Santos; Gerente-Geral de Suporte Logístico: Cristiano Félix dos Santos Silva;

Gerente de Reprografia e Transportes: Osvaldo Nonato Pinheiro.

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