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REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO FUNDADA EM 1991 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO

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  • REVISTADO

    MINISTRIO PBLICODO TRABALHO

    FUNDADA EM 1991

    ASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHOASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHOASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHOASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHOASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO

  • COMISSO EDITORIAL

    Xisto Tiago de Medeiros Neto Presidente

    Andrea Nice Silveira Lino Lopes

    Ronaldo Jos de Lira

    Zlia Maria Cardoso Montal

  • MINISTRIO PBLICO DA UNIOMINISTRIO PBLICO DO TRABALHO

    REVISTADO

    MINISTRIO PBLICODO TRABALHO

    EDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVNIOCOM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

    E COM A ASSOCIAO NACIONAL DOSPROCURADORES DO TRABALHO

    OS ARTIGOS PUBLICADOS SO DERESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

    RedaoProcuradoria-Geral do Trabalho

    SBS Quadra 2, Bloco S, Salas 1103/1105 11 andar Empire CenterCEP 70070-904 Braslia DF

    Telefone: (61) 3325-7570 FAX (61) 3224-3275e-mail: [email protected]

    REVISTA MPT BRASLIA, ANO XX N. 40 SETEMBRO 2010

  • Revista do Ministrio Pblico do Trabalho / Procuradoria-Geral do Trabalho Ano 1,

    n. 1 (mar., 1991) Braslia: Procuradoria-Geral do Trabalho, 1991 v. Semestral.

    1. Direito do trabalho. 2. Justia do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho

    (Brasil).

    ISSN 1983-3229

    CDD 341.6

    LLLLLTTTTTr 4355.3 2010r 4355.3 2010r 4355.3 2010r 4355.3 2010r 4355.3 2010

    Produo Grfica e Editorao Eletrnica: R. PR. PR. PR. PR. P. . . . . TIEZZITIEZZITIEZZITIEZZITIEZZI

    Capa: ALEXANDRE OLIVEIRA ALEXANDRE OLIVEIRA ALEXANDRE OLIVEIRA ALEXANDRE OLIVEIRA ALEXANDRE OLIVEIRA

    Impresso: BARBARBARBARBARTIRA GRFICA E EDITORATIRA GRFICA E EDITORATIRA GRFICA E EDITORATIRA GRFICA E EDITORATIRA GRFICA E EDITORA

    So Paulo, SP Brasil www.ltr.com.brRua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 Fone (11) 2167-1101

    Todos os direitos reservados

    E D I T O R A L T D A.E D I T O R A L T D A.E D I T O R A L T D A.E D I T O R A L T D A.E D I T O R A L T D A.

    R

  • 5

    SSSSSUMRIOUMRIOUMRIOUMRIOUMRIO

    APRESENTAO .......................................................................................................... 9

    IX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVARISTARISTARISTARISTARISTO DE MORAES FIO DE MORAES FIO DE MORAES FIO DE MORAES FIO DE MORAES FILHO LHO LHO LHO LHO TRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOS

    SADE DO TRABALHADOR: DIREITO FUNDAMENTAL E SUA EFICCIAHORIZONTAL EM FACE DAS EMPRESAS. CONSEQUNCIAS PRTICAS ...... 13Ileana Neiva Mousinho

    A EFETIVAO DO DIREITO CRECHE NO BRASIL .............................................. 38Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes

    ESTUDOSESTUDOSESTUDOSESTUDOSESTUDOS

    A MOTIVAO DA DISPENSA DOS EMPREGADOS DOS CORREIOS COMOSINTOMA DA INCONSISTNCIA DA JURISPRUDNCIA CONSOLIDADA DOTST ......................................................................................................................... 63Cludio Dias Lima Filho

    CARGOS EM COMISSO E FUNES DE CONFIANA NAS EMPRESAS PBLICASE SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA .............................................................. 83Janine Milbratz Fiorot

    A INTERVENO DO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO NA JUSTIA DES-PORTIVA E DO TRABALHO PARA PROTEO DOS ATLETAS DESPORTIVOSADOLESCENTES ................................................................................................ 135Lutiana Nacur Lorentz e Rubia Carneiro Neves

    OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITODO TRABALHO .................................................................................................... 149Jlio Ricardo de Paula Amaral

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    XI PRMIO EVXI PRMIO EVXI PRMIO EVXI PRMIO EVXI PRMIO EVARISTARISTARISTARISTARISTO DE MORAES FILHOO DE MORAES FILHOO DE MORAES FILHOO DE MORAES FILHOO DE MORAES FILHOMELHOR ARRAZOADOMELHOR ARRAZOADOMELHOR ARRAZOADOMELHOR ARRAZOADOMELHOR ARRAZOADO

    AO DECLARATRIA DE INEXISTNCIA DE SENTENAS COM PEDIDO DETUTELA ANTECIPADA AJUIZADA PELA PTM DE SO MATEUS EM FACE DECRIDASA E OUTROS .......................................................................................... 181Alessandro Santos de Miranda; Fabola Junges Zani

    AO CIVIL PBLICA AJUIZADA PELA PRT 21 REGIO EM FACE DO SINDI-CATO DOS EMPREGADOS EM EMPRESAS DE PRESTAO DE SERVIOSE LOCAO DE MO DE OBRA (SINDCOM/RN) E SEUS DIRETORES ......... 212Xisto Tiago de Medeiros Neto

    PEAS JURPEAS JURPEAS JURPEAS JURPEAS JURDICASDICASDICASDICASDICAS

    INQURITINQURITINQURITINQURITINQURITOS CIVIS, TERMOOS CIVIS, TERMOOS CIVIS, TERMOOS CIVIS, TERMOOS CIVIS, TERMOS DE COMPROMISSO DES DE COMPROMISSO DES DE COMPROMISSO DES DE COMPROMISSO DES DE COMPROMISSO DEAJUSTAJUSTAJUSTAJUSTAJUSTAMENTAMENTAMENTAMENTAMENTO DE CONDUTO DE CONDUTO DE CONDUTO DE CONDUTO DE CONDUTA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAISA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAISA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAISA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAISA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAIS

    Ao Civil Pblica Dia Brasil Sociedade Ltda. e Carrefour Contratao Irregularde Trabalhadores Terceirizao em Atividade-Fim ......................................... 249

    Ao Civil Pblica Sindicato Cobrana de Mensalidade Sindical, ContribuiesConfederativa, Assistencial e Negocial Proibio de Clusulas Contrrias CF e Legislao Trabalhista .............................................................................. 285

    Ao Civil Pblica Trabalho Rural Meio Ambiente Laboral, Jornada de Trabalho,Remunerao e Dano Moral Coletivo .................................................................. 301

    Ao Civil Pblica Contratao Temporria Junta Comercial da Bahia Ati-vidade Permanente Irregularidade .................................................................. 333

    Ao Civil Pblica Atuao de Sindicato Profissional Substituio Processual Renncia e Transao de Direitos dos Trabalhadores Impossibilidade ..... 363

    Deciso em Antecipao de Tutela Atuao de Sindicato Profissional Substi-tuio Processual Renncia e Transao de Direitos dos Trabalhadores ...... 391

    Reclamao Correcional MPT Juza da Vara do Trabalho de Hortolndia Ato Processual em Execuo de TAC Deciso do TRT15 .............................. 398

    Agravo Regimental em Conflito de Competncia STJ VASP Juzo de Direitoda Vara de Falncias do Distrito Federal e 14 Vara do Trabalho de So Paulo ... 407

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    Recurso de Revista Celebrao de TAC Execuo Cobrana de Astreintes ..... 429

    Recurso Ordinrio Programa Operao Trabalho do Municpio de So Paulo Contratao Precria de Empregados Bolsistas Concesso de EfeitoSuspensivo a Recurso do Municpio .................................................................... 455

    Sentena Carrefour Assdio Moral contra Empregados e Trabalhadores Tercei-rizados .................................................................................................................. 466

    Sentena Liberdade Sindical Atos Antissindicais Dano Moral Coletivo ...... 472

    Membros do Ministrio Pblico do TMembros do Ministrio Pblico do TMembros do Ministrio Pblico do TMembros do Ministrio Pblico do TMembros do Ministrio Pblico do Trabalhorabalhorabalhorabalhorabalho ........................................................... 489

    Regras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicosRegras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicosRegras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicosRegras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicosRegras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicos ........................... 517

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    AAAAAPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTAOAOAOAOAO

    A Comisso Editorial tem a satisfao de apresentar a quadragsima edioda Revista do Ministrio Pblico do Trabalho, que, no objetivo de cada vez maisse aperfeioar, traz novo formato, novo padro de capa e, ao final, a publicaodas regras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicos.

    Seguindo fielmente a mesma linha que a consolidou, desde a sua primeiraedio, como importante veculo de divulgao das atividades institucionais doMinistrio Pblico do Trabalho, a Revista disponibiliza, tambm, aos seus leitoresexcelentes trabalhos doutrinrios de autores que se dedicam ao estudo e pesquisa de palpitantes assuntos jurdicos, sobretudo relacionados ao direitomaterial e processual do Trabalho, concebidos sob a tica constitucionalcontempornea.

    Nessa toada, a edio n. 40 da Revista oferece aos seus leitores os doistrabalhos doutrinrios vencedores do IX Prmio Evaristo de Moraes Filho, nopublicados em edio anterior, de autoria das Procuradoras do Trabalho IleanaNeiva Mousinho e Cristiane Sbalqueiro Lopes.

    Foram selecionados, ainda, outros quatro artigos que abordam interessan-tssimos temas de inegvel interesse e atualidade para a nossa atuao.

    Tambm esto sendo publicados, nesta edio, dois arrazoados vence-dores do XI Prmio Evaristo de Moraes Filho, esclarecendo que o terceirotrabalho premiado, de autoria do colega Roberto Ruy Rutowitcz Netto, foipublicado na Revista n. 39.

    Destaca-se, em seguida, a seo de Peas Jurdicas (Inquritos Civis,Aes, Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, Recursos eDecises Judiciais), revelando excelentes trabalhos, cuja excelncia no tratodos temas abordados lana parmetros para uma eficiente atuao institucional.

    Para finalizar, dever registrar nossas profundas e sinceras homenagensao colega e amigo Jos Claudio Monteiro de Brito, aposentado recentemente,pelas inestimveis contribuies prestadas Comisso, na sua composiooriginal. Sua enorme capacidade de trabalho, cultura fenomenal, experinciaincomum, coleguismo e dedicao foram fonte de inspirao e incentivo a todosns, durante os trabalhos de edio desta Revista.

    Boa leitura a todos!

    A Comisso Editorial

  • IX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVIX PRMIO EVARISTARISTARISTARISTARISTO DEO DEO DEO DEO DEMORAES FIMORAES FIMORAES FIMORAES FIMORAES FILHO LHO LHO LHO LHO

    TRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOSTRABALHOS DOUTRINRIOS

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    SSSSSADEADEADEADEADE DODODODODO T T T T TRABALHADORRABALHADORRABALHADORRABALHADORRABALHADOR: D: D: D: D: DIREITIREITIREITIREITIREITOOOOO F F F F FUNDAMENTUNDAMENTUNDAMENTUNDAMENTUNDAMENTALALALALALEEEEE SUASUASUASUASUA E E E E EFICCIAFICCIAFICCIAFICCIAFICCIA H H H H HORIZONTORIZONTORIZONTORIZONTORIZONTALALALALAL EMEMEMEMEM F F F F FACEACEACEACEACE DASDASDASDASDAS E E E E EMPRESASMPRESASMPRESASMPRESASMPRESAS.....

    CCCCCONSEQUNCIASONSEQUNCIASONSEQUNCIASONSEQUNCIASONSEQUNCIAS P P P P PRRRRRTICASTICASTICASTICASTICAS

    Ileana Neiva Mousinho(*)

    Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: O direito fundamental sade do trabalhador deve ser realizadono plano de sua eficcia vertical, frente ao Estado, e no plano de sua eficciahorizontal, obrigando-se as empresas a adotar normas de sade esegurana do trabalho. O Poder Judicirio tem um importante papel a cumprirpara assegurar a efetividade do direito fundamental sade do trabalhador,para isso, cominando obrigaes s empresas, sem que, com essas determi-naes, esteja a ferir a liberdade de iniciativa e o direito de propriedade. Huma necessidade de reinterpretao dos postulados liberais da livre iniciativae do direito de propriedade, no Estado Democrtico de Direito, para conferir--se eficcia ao direito fundamental sade do trabalho, pois a Constituiobrasileira tem a dignidade humana como eixo axiolgico a condicionar ainterpretao de todos os outros princpios e regras, constitucionais einfraconstitucionais.

    Resumen:Resumen:Resumen:Resumen:Resumen: El derecho fundamental a la salud del trabajador debe hacerrealizado en el plano de su eficacia vertical, frente el Estado, y en el planode su eficacia horizontal, obligando-se las empreas a adoptar reglas desalud e seguridad del trabajo. El Poder Judicial tiene un papel importante acumplir en la efetividad del derecho fundamental a la salud del trabajador,para tanto cominando obligaciones a las empresas, sin con esto, herir laliberdad de iniciativa e el derecho de propiedad. Hay una necesidad dereinterpretacin de los postulados liberales de la libre iniciativa e del derechode propiedad, con el objectivo de conferirse eficacia el derecho fundamentala la salud del trabajador, pues la Constituicin brasilea h erejido la dignidadhumana el eixo axiolgico y condicionante de la interpretacin de todos losotros principios e reglas, constitucionales y infraconstitucionales.

    (*) Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 21 Regio, Mestre em DireitoConstitucional.

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    Sumrio:Sumrio:Sumrio:Sumrio:Sumrio: 1. Introduo. 2. A eficcia dos direitos fundamentais. 3. Adimenso objetiva dos direitos fundamentais e a sua eficcia entreparticulares (eficcia horizontal). 3.1. Reconhecimento da eficcia horizontaldos direitos fundamentais na jurisprudncia brasileira. 3.2. Reconhecimentoda eficcia horizontal dos direitos fundamentais em outros pases. 4.Dimenso objetiva dos direitos fundamentais e o dever de proteo peloEstado. 5. Direito sade do trabalhador e sua eficcia horizontal. 6. Anecessidade de proteo judicial ao direito sade e a interpretaoconforme a constituio dos princpios da autonomia privada e dapropriedade. 7. O princpio da autonomia privada e seu desdobramento: oprincpio da livre iniciativa. 7.1. O princpio da autonomia privada najurisprudncia dos Estados Unidos e da Alemanha. 8. O princpio da funosocial da propriedade e seu subproduto: o princpio da funo social daempresa. 9. Direito fundamental sade do trabalhador e proibio daprorrogao da jornada de trabalho. 10. Direito fundamental sade esegurana do trabalhador e substituio de mquinas e equipamentos daempresa. Concluso. Referncias.

    1. INTRODUO1. INTRODUO1. INTRODUO1. INTRODUO1. INTRODUO

    A Constituio Federal de 1988 tem como centro axiolgico a proteoaos direitos fundamentais, sendo prdiga nessa enunciao ao longo do seutexto.

    Assim, no somente os direitos elencados no art. 5 da Constituio Federalapresentam a nota da fundamentalidade, mas todos aqueles que dimanam doprincpio da dignidade humana, valor-fonte de todo o ordenamento jurdico doEstado Democrtico de Direito.

    No h dvida, pois, que h direitos fundamentais previstos em outrosartigos da Constituio, alm daqueles explicitamente previstos no art. 5, pois,de forma expressa, o 2, do mesmo artigo, estatui que os direitos e garantiasexpressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dosprincpios por ela adotados, ou dos tratados em que a Repblica Federativa doBrasil seja parte.

    Nessa ordem de ideias, o direito sade do trabalhador, conquanto inseridofora do catlogo do art. 5, tem previso nos arts. 7, inciso XXII, e 200, incisoVIII, tratando-se de um direito fundamental que deflui diretamente do princpioda dignidade humana. E, sendo direito fundamental, impe-se a sua aplica-bilidade imediata, nos termos do 1, do art. 5, da Constituio Federal de1988.

    Com efeito, a norma do art. 5, 1, da Constituio Federal impe aosrgos estatais a tarefa de aumentar a eficcia dos direitos fundamentais(1), eao Poder Judicirio, como poder estatal, compete a responsabilidade pela

    (1) Cf. SARLET. p. 264, citando Flvia Piovesan e J. J. Canotilho.

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    concretizao daqueles direitos e a tarefa de afastar qualquer interpretaorestritiva, que, em vez de aumentar a eficcia dos direitos fundamentais, restrinja--lhes a eficcia.

    2. A2. A2. A2. A2. A EFICCIA EFICCIA EFICCIA EFICCIA EFICCIA DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREITOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTAISAISAISAISAIS

    Os direitos fundamentais, porque positivados em normas jurdicas, tm,naturalmente, eficcia jurdica, que o atributo associado s normas e consistenaquilo que se pode exigir, judicialmente se necessrio, com fundamento emcada uma delas.(2)

    Essa qualidade da norma, de produzir efeitos, realiza-se no plano vertical(quando impe tarefas ao Estado) e no plano horizontal (quando determinacomportamentos comissivos ou omissivos aos particulares).

    Assim, a doutrina refere-se existncia de eficcia jurdica vertical e eficciajurdica horizontal dos direitos fundamentais.(3)

    A chamada eficcia horizontal uma das consequncias de um fenmenomuito mais amplo, fruto do reconhecimento de uma dimenso objetiva dosdireitos fundamentais e da evoluo do modelo de Estado.

    Com efeito, no Estado Liberal, os direitos fundamentais eram vistos nasua dimenso subjetiva, cuja perspectiva identificava quais pretenses o cidadopoderia exigir do Estado, em face de uma norma jurdica. No Estado Liberal,essa era a nica dimenso vislumbrada.

    Todavia, com a evoluo do modelo de Estado Constitucional, surgindo oEstado Social de Direito e, posteriormente, evoluindo-se para o Estado Demo-crtico de Direito, emergiu uma nova dimenso dos direitos fundamentais adimenso objetiva, que passou a ver naqueles direitos no apenas a possibi-lidade de exigncia de prestaes diante dos poderes estatais, mas a entend--los como direitos que consagram os valores mais importantes de umacomunidade jurdica e, por isso:

    A dimenso objetiva catapulta os direitos fundamentais para o mbitoprivado, permitindo que estes transcendam o domnio das relaes entre

    (2) SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros,1988. p. 66.(3) Registra Thiago Lus Santos Sombra que a expresso eficcia horizontal recebe objees dedoutrinadores espanhis e portugueses, por entenderem que as relaes entre particulares nem sempreocorrem em um plano de inequvoca horizontalidade, pois h entes privados que desfrutam de posiode supremacia econmica e social, em face de outras pessoas fsicas ou jurdicas, o que comprometeas condies de igualdade. Nesse trabalho, adotar-se-, indistintamente, as expresses eficciahorizontal e eficcia entre particulares, por se entender que a expresso eficcia horizontal representa,com conciso, o fenmeno que se pretende destacar: o fato de que os direitos fundamentais tambmobrigam todos aqueles que esto debaixo do Poder Estatal, e no apenas ao Estado.

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    cidado e Estado, s quais estavam confinadas pela teoria liberal clssica.Reconhece-se ento que tais direitos limitam a autonomia dos atores pri-vados e protegem a pessoa humana da opresso exercida pelos poderessociais no estatais, difusamente presentes na sociedade contempornea.(4)

    A consagrao explcita da dimenso objetiva dos direitos fundamentais(5)

    ocorreu sob a gide da Lei Fundamental de Bonn, no julgamento do caso Lth,pela Corte Constitucional Alem, em 1958. Nesse julgamento, evidenciou-se oaspecto da dimenso objetiva dos direitos fundamentais a produzir uma eficciajurdica interpretativa, ou seja, uma eficcia jurdica originada a partir dainterpretao constitucional.

    Tratava-se de um julgamento sobre a legitimidade de um boicote, propostopelo Clube de Imprensa de Hamburgo, cujo presidente era Erich Lth, a umfilme dirigido pelo cineasta Veit Harlan, de passado nazista. Antes de chegar Corte Constitucional, a lide havia sido dilucidada luz do Cdigo Civil Alemo,pela Justia Estadual de Hamburgo, que determinou a cessao do boicote e aindenizao produtora e distribuidora do filme.

    Irresignado com o julgamento, Lth interps queixa constitucional para oTribunal Constitucional, que acolheu o recurso sob o fundamento de que asnormas de direito privado devem ser interpretadas ao lume da ordem de valoressobre a qual se assenta a Constituio, levando em conta os direitos funda-mentais, o que no fora feito pelo Tribunal Estadual de Hamburgo.

    Colhe-se, do paradigmtico acrdo, o seguinte trecho:

    (...) a Lei Fundamental no um documento axiologicamente neutro.Sua seo de direitos fundamentais estabelece uma ordem de valores,e esta ordem refora o poder efetivo desses direitos fundamentais.Este sistema de valores, que se centra na dignidade da pessoahumana, em livre desenvolvimento dentro da comunidade social, deveser considerado como uma deciso constitucional fundamental, queafeta a todas as esferas do direito pblico ou privado. Ele serve demetro para aferio e controle de todas as aes estatais nas reasde legislao, administrao e jurisdio. Assim, evidente que os evidente que os evidente que os evidente que os evidente que osdireitos fundamentais tambm influenciam o desenvolvimento dodireitos fundamentais tambm influenciam o desenvolvimento dodireitos fundamentais tambm influenciam o desenvolvimento dodireitos fundamentais tambm influenciam o desenvolvimento dodireitos fundamentais tambm influenciam o desenvolvimento dodireito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatveldireito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatveldireito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatveldireito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatveldireito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatvelcom esse sistema de valores e deve ser interpretado luz dessecom esse sistema de valores e deve ser interpretado luz dessecom esse sistema de valores e deve ser interpretado luz dessecom esse sistema de valores e deve ser interpretado luz dessecom esse sistema de valores e deve ser interpretado luz desseespritoespritoespritoespritoesprito.(6) (Sem destaques no original).

    (4) SARMENTO, Daniel. A dimenso objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria.In: SAMPAIO, Jos Adrcio Leite. Jurisdio constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte:Del Rey, 2003. p. 255.(5) Cf. SARMENTO. p. 262.(6) Ibidem, p. 263.

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    Nesse passo, esclarece Daniel Sarmento que o reconhecimento dadimenso objetiva dos direitos fundamentais significa que os valores que dolastro aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurdico,condicionando a interpretao das normas legais e atuando como impulsos ediretrizes para o legislador, para o administrador e para o Judicirio. Aduz quea eficcia irradiante tem na interpretao conforme a Constituio um dos seusmais frteis instrumentos e impe uma nova leitura de todo o direito positivo,pois, por intermdio dela, os direitos fundamentais deixam de ser concebidoscomo meros limites para o ordenamento e se convertem no norte do direitopositivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional.(7)

    Autores de nomeada, como Lus Roberto Barroso e Clmerson MerlinClve, discorrem sobre os efeitos dessa eficcia irradiante dos direitos funda-mentais, referindo-se, o primeiro, necessidade de reinterpretao dos institutosde outros ramos do Direito, sob uma tica constitucional; e o segundo, incidncia sobre o direito infraconstitucional dos valores substanciais daConstituio.(8)

    3. A3. A3. A3. A3. A DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIVAAAAA DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREITOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTAIS E AAIS E AAIS E AAIS E AAIS E A SUA SUA SUA SUA SUAEFICCIAEFICCIAEFICCIAEFICCIAEFICCIA ENTRE P ENTRE P ENTRE P ENTRE P ENTRE PARARARARARTICULARES (EFICCIATICULARES (EFICCIATICULARES (EFICCIATICULARES (EFICCIATICULARES (EFICCIA HORIZONT HORIZONT HORIZONT HORIZONT HORIZONTAL)AL)AL)AL)AL)

    Alm da eficcia irradiante, um outro efeito da dimenso objetiva dos direitosfundamentais a chamada eficcia horizontal, que consiste na repercussodeste direitos diretamente sobre as relaes jurdico-privadas. Em outraspalavras, afirma-se que os direitos fundamentais podem ser diretamenteinvocados nas relaes privadas.

    Nesse diapaso, a Constituio Portuguesa, no art. 18.1, dispe que asnormas jusfundamentais relativas aos direitos, liberdades e garantias so direta-mente aplicveis, vinculando as entidades pblicas e privadas. Reconhece, adoutrina lusitana, a eficcia direta e imediata dos direitos de personalidade,naquelas relaes entre particulares em que uma parte (um indivduo ou umaorganizao) dispe de um poder especial sobre a outra parte, como sucedenas relaes laborais.(9)

    Se em outros pases, em face da forma de positivao dos direitos funda-mentais, h discusses sobre se a eficcia mediata ou imediata, se dependeou no de integrao legislativa, no Brasil, como leciona Daniel Sarmento, adiscusso desnecessria em relao aos direitos fundamentais que o prprioconstituinte endereou explicitamente contra entidades privadas, como osdireitos trabalhistas (art. 7, CF) e o direito reparao dos danos materiais e

    (7) Ibidem, p. 279.(8) Apud SARMENTO. p. 280-281.(9) DAL-R, Fernando Valds. La vinculabilidad jurdica de los derechos fundamentales de la personadel trabajador: una aproximacin de derecho comparado. Revista Synthesis, 39/04, s/p.

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    morais decorrentes do exerccio abusivo da liberdade de expresso (art. 5,inciso V, CF).(10)

    Assim, esses direitos, como bvio, no podem ser exigidos diretamentedo Estado, mas constituem deveres dos particulares que, encontrando-se nasituao de empregadores, por exemplo, sujeitam-se s limitaes e condiesimpostas pelo respeito exigido aos direitos fundamentais.

    Completa Daniel Sarmento:

    A Constituio de 1988, mais do que compatvel, reclama uma vinculaodireta dos particulares aos direitos fundamentais, sobretudo quando setratar de entidades que exeram posies de poder e autoridade nasociedade (e.g. o empregador, ou o fornecedor na relao de consumo).Na verdade, a concepo de direitos fundamentais adotada deve confor-mar-se com o perfil axiolgico da Constituio, e a nossa, goste-se dissoou no, uma Constituio social, que no aposta todas as suas fichas naautonomia privada e no mercado, mas antes preocupa-se com o com-bate explorao do homem pelo homem (veja-se a importncia dadaaos direitos trabalhistas na Carta de 88).(11)

    3.1. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.1. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.1. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.1. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.1. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais najurisprudncia brasileirajurisprudncia brasileirajurisprudncia brasileirajurisprudncia brasileirajurisprudncia brasileira

    No Brasil, conquanto a discusso seja recente, h no Supremo TribunalFederal, no Superior Tribunal de Justia e no Tribunal Superior do Trabalhojulgamentos que reconhecem a eficcia horizontal dos direitos fundamentais.

    O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a eficciahorizontal do direito fundamental de ampla defesa. Tal deciso foi prolatada nojulgamento de recurso interposto por associados de cooperativa que foramexcludos do quadro social sumariamente, sem lhes ter sido dada oportunidadede ampla defesa quanto aos atos que lhe foram imputados para excluso doquadro social. Veja-se a ementa do acrdo:

    COOPERATIVA EXCLUSO DE ASSOCIADO CARTER PUNITIVO DEVIDOPROCESSO LEGAL. Na hiptese de excluso de associado decorrente de condutacontrria aos estatutos, impe-se a observncia do devido processo legal,viabilizando-se o exerccio da ampla defesa. Simples desafio do associado assembleia geral, no que toca sua excluso, no de molde a atrair adoo deprocedimento sumrio. Observncia obrigatria do prprio estatuto da cooperativa.(RE 158.215-4, 2 Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 7.6.96.)

    (10) SARMENTO. p. 291.(11) SARMENTO. p. 292.

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    Seguindo a mesma linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal,julgando outro caso de excluso de scio, desta vez da Unio Brasileira deCompositores, reafirmou que os direitos fundamentais vinculam diretamente osparticulares e considerou ilegal a excluso de scio sem as garantias da ampladefesa e do contraditrio (RE 201.819-8 RJ, 2 Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes,DJ 27.10.06).

    Em outro julgamento, o Supremo Tribunal Federal j havia assentado queo princpio fundamental da no discriminao em razo de nacionalidade aplica--se s relaes privadas. A questo versava sobre a situao de empregadobrasileiro de companhia area francesa, que ajuizou reclamao trabalhistapedindo lhe fosse dispensado o mesmo tratamento conferido aos empregadosfranceses da companhia. Eis a ementa do acrdo:

    CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCPIO DA IGUALDADE. TRABALHADORBRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA. ESTATUTO PESSOALDESTA. APLICABILDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABA-LHADOR BRASILEIRO. CF/67, ART. 153, 1, CF/88, ART. 5, CAPUT.

    I Ao recorrente, por no ser francs, no obstante trabalhar em empresa francesa,no Brasil, no foi aplicado o Estatuto de Pessoal da Empresa, que concede vantagensaos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita aos empregados de nacionalidadefrancesa. Ofensa ao princpio da igualdade (CF, 1967, art. 153, 1, CF/88, art. 5,caput).

    II A discriminao que se baseia em atributo, qualidade, nota intrnseca ouextrnseca do indivduo, como o sexo, a raa, a nacionalidade e o credo religiosoetc., inconstitucional. Precedentes do STF: Ag 110.846 (Ag. RG) PR, ClioBorja, RTJ 119/465.

    III Fatores que autorizam a desigualao no ocorrentes no caso.

    IV RE conhecido e provido. (RE 161.243-6, Rel. Carlos Velloso, DJ 19.12.97.)

    No Superior Tribunal de Justia, acrdos da lavra do Ministro Ruy Rosadode Aguiar fazem referncia eficcia dos direitos fundamentais entreparticulares. Julgando habeas corpus impetrado contra ato de Desembargadordo Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios, que mantivera a prisocivil de devedora que deixou de pagar dvida, cujo montante, em vinte e quatromeses, elevou-se de forma astronmica, o Ministro Ruy Rosado salientou quea eficcia direta dos direitos fundamentais entre particulares e o princpio dadignidade humana impem que se corrija o disparate de contratos de alienaofiduciria desvirtuados com a imposio de clusulas abusivas de juros, porbancos e instituies finaceiras. (HC n. 12.547/DF, 4 Turma, DJ 12.2.01.) Dovoto proferido, exsurge que o princpio da dignidade humana pode ser

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    diretamente aplicado para o reconhecimento da invalidade do decreto de priso,em face do reconhecimento do carter abusivo da pactuao, feita sob o mantoda autonomia privada. . . . . No julgamento do Habeas Corpus n. 14.333/DF, 4 Turma(DJ 12.2.01), repetiram-se as mesmas razes de decidir.

    A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justia tem, igualmente,sopesado escorreitamente a autonomia privada e a eficcia direta dos direitosfundamentais entre particulares em julgamentos a respeito de contratos deseguro, fiana, planos de sade, direitos reais e direitos societrios (por exemplo,no julgamento do REsp. n. 261.155/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ3.5.04).

    No mbito trabalhista, no julgamento do RR 20.539, a 2 Turma do TST(Rel. Min. Jos Luciano de Castilho Pereira, DJU 19.12.97), reconheceu aeficcia horizontal dos direitos fundamentais, uma vez que, mesmo sem lei,extraiu-se de princpios constitucionais a proibio de despedida imotivada deempregado soropositivo, enquadrando-se a conduta do empregador comodiscriminatria.

    Alm da deciso do TST, h farta jurisprudncia, nos Tribunais Regionaisdo Trabalho, repelindo as despedidas discriminatrias, o que demonstra que asemente da aplicao da eficcia horizontal dos direitos fundamentais estlanada, sendo necessrio estender-se essa eficcia ao direito fundamental sade do trabalhador, como se demonstrar a seguir.

    3.2. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.2. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.2. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.2. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais na3.2. Reconhecimento da eficcia horizontal dos direitos fundamentais najurisprudncia de outros pasesjurisprudncia de outros pasesjurisprudncia de outros pasesjurisprudncia de outros pasesjurisprudncia de outros pases

    Na Alemanha e nos Estados Unidos, a eficcia dos direitos fundamentaisnas relaes entre particulares discutida desde o trmino da Segunda GuerraMundial.

    Na Alemanha, conforme j citado, iniciou-se o estudo da eficcia entreparticulares dos direitos fundamentais (Drittwirkung der Grunrechte), mas outrospases tm julgamentos onde a teoria foi consagrada.

    No Japo, no julgamento do caso Nissan Jidosha, uma sentena do TribunalSupremo, de 24 de maro de 1981, reconheceu a vigncia do princpioconstitucional da no discriminao nas relaes privadas.

    Na Inglaterra, os juzes britnicos tm reconhecido a eficcia dos direitosfundamentais nas relaes privadas, decidindo, nos casos Madden vs MildlandBank e Foley vs Post Office, que a violao de um direito fundamental reco-nhecido no Human Right Act de 1988 um unfair demissional, que pode levar condenao do empresrio ao reengajamento (reintegrao) do trabalhador.

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    Na Blgica, a eficcia horizontal do direito fundamental de liberdadereligiosa foi reconhecida em face de colgio que previa, em seu regulamento, adespedida de docentes que atentassem contra a moral catlica.(12)

    Demonstra-se, assim, vista dos precedentes judiciais indicados, que asCortes Constitucionais de outros pases tm assentado, h bastante tempo,que os direitos fundamentais deixaram de ser direitos oponveis apenas aoEstado, mas passaram a ser reconhecidos como direitos que, por constituremvalores da sociedade, tm eficcia jurdica em face do Poder Estatal e dosparticulares, notadamente quando estes detm uma situao de supremaciaou de poder nas relaes privadas, como ocorre nos universos das relaeslaborais, fazendo-se necessrio a imposio de limites, para evitar-se que, emnome da autonomia privada, sejam desrespeitados os direitos fundamentais.

    Observa-se, ainda, que a evoluo da teoria da eficcia horizontal dosdireitos fundamentais, cujo incio ocorreu para salvaguarda dos direitos de perso-nalidade, tem-se estendido para alcanar todos os direitos fundamentais quedefluem do princpio da dignidade humana, como so os direitos fundamentais sade e educao.

    4. A4. A4. A4. A4. A DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIV DIMENSO OBJETIVAAAAA DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREIT DOS DIREITOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS FUNDAMENTAIS E O DEVERAIS E O DEVERAIS E O DEVERAIS E O DEVERAIS E O DEVERDE PROTEO PELO ESTDE PROTEO PELO ESTDE PROTEO PELO ESTDE PROTEO PELO ESTDE PROTEO PELO ESTADOADOADOADOADO

    Conforme visto, o reconhecimento da dimenso objetiva dos direitos funda-mentais importa no reconhecimento de sua eficcia nas relaes jurdico--privadas. Mas outros efeitos devem ser realados: 1) o condicionamento dainterpretao do direito infraconstitucional interpretao constitucional; 2) odever de proteo e promoo dos direitos fundamentais, por parte dos poderespblicos.(13)

    O dever de proteo do Estado aos direitos fundamentais revela-se emtrplice dimenso: na exigncia de edio de leis, na implementao de polticaspblicas e na entrega de prestao jurisdicional pelo Poder Judicirio.

    No Brasil, esse dever cometido ao Estado-legislador, quando, no art. 5,inciso XLI, a Constituio estabelece que a lei punir qualquer discriminaoatentatria dos direitos e liberdades fundamentais; ao Estado-administrador,quando determina a implementao de planos e programas de ao (polticaspblicas) para efetivao dos direitos fundamentais, e ao Estado-Juiz, quandoestabelece que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ouameaa a direito (art. 5, inciso XXXV).

    (12) DAL-R, s/p.(13) SARLET. p. 157-159.

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    Colhe-se da jurisprudncia alem um exemplo paradigma do reconhe-cimento do dever de proteo dos juzes aos direitos fundamentais, no mbitodas relaes jurdicas privadas.

    Trata-se do caso Blinkfer vs Springer, em que se discutia a licitude de umboicote feito pelo jornal Springer, conservador e de maior circulao, contra ojornal Blinkfer, de orientao comunista e de pequena circulao. O jornal maiorestava ameaando no fazer entregas aos jornaleiros que aceitassem vendero jornal comunista, o que levou este ltimo a ajuizar uma ao, objetivandoimpedir o boicote. A ao foi julgada improcedente pela Justia Comum, aolume de norma de direito privado, mas a Corte Constitucional, ao conhecer amatria, decidiu que, em virtude da ordem objetiva de valores estabelecidapela Lei Fundamental na seo dos direitos fundamentais, tal enunciaoinfluencia a exegese das normas de direito privado, razo pela qual h aobrigao dos juzes de proteger os direitos fundamentais nas relaesprivadas.(14)

    No Brasil, no julgamento j citado, do Habeas Corpus n. 12.547/DF, DJ12.2.01, o Relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, transcrevendo a lio deLus Afonso Heck, destaca:

    Para os tribunais cveis resulta disso o dever de, na interpretao e empregode clusulas gerais, prestar ateno a que os contratos no sirvam comomeio de determinao alheias. Se as partes contratuais estipularam umaregulao em si admissvel, ento regularmente ir economizar-se umcontrole de contedo amplo. Mas se o contedo do contrato para umaMas se o contedo do contrato para umaMas se o contedo do contrato para umaMas se o contedo do contrato para umaMas se o contedo do contrato para umaparte invulgarmente agravante e, como compensao de interesses,parte invulgarmente agravante e, como compensao de interesses,parte invulgarmente agravante e, como compensao de interesses,parte invulgarmente agravante e, como compensao de interesses,parte invulgarmente agravante e, como compensao de interesses,manifestamente inadequado, ento os tribunais no devem satisfazer-manifestamente inadequado, ento os tribunais no devem satisfazer-manifestamente inadequado, ento os tribunais no devem satisfazer-manifestamente inadequado, ento os tribunais no devem satisfazer-manifestamente inadequado, ento os tribunais no devem satisfazer--se com a afirmao contrato contrato. Eles devem, antes, clarificar-se com a afirmao contrato contrato. Eles devem, antes, clarificar-se com a afirmao contrato contrato. Eles devem, antes, clarificar-se com a afirmao contrato contrato. Eles devem, antes, clarificar-se com a afirmao contrato contrato. Eles devem, antes, clarificarse a regulao uma consequncia de poder de negociaose a regulao uma consequncia de poder de negociaose a regulao uma consequncia de poder de negociaose a regulao uma consequncia de poder de negociaose a regulao uma consequncia de poder de negociaoestruturalmente desigual e, dado o caso, intervir corretivamente no quadroestruturalmente desigual e, dado o caso, intervir corretivamente no quadroestruturalmente desigual e, dado o caso, intervir corretivamente no quadroestruturalmente desigual e, dado o caso, intervir corretivamente no quadroestruturalmente desigual e, dado o caso, intervir corretivamente no quadrode clusulas gerais do direito civil vigentede clusulas gerais do direito civil vigentede clusulas gerais do direito civil vigentede clusulas gerais do direito civil vigentede clusulas gerais do direito civil vigente.(15)

    Portanto, da dimenso objetiva dos direitos fundamentais exsurge o deverdos Juzes de, verificado o gizamento constitucional, conferir eficcia quelesdireitos, seja impondo aos poderes pblicos a edio de polticas pblicas, sejaimpondo aos particulares o dever de respeitar aqueles direitos, ainda que, paraisso, faa-se necessrio impor restries a outros direitos, que no defluamdiretamente do princpio da dignidade humana e, por isso, no tm tratamentoprioritrio na escala de valores que a Constituio elegeu.

    (14) SARMENTO. p. 284-285.(15) Apud SOMBRA. Op. cit., p. 150.

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    5. DIREIT5. DIREIT5. DIREIT5. DIREIT5. DIREITO O O O O SADE DO TRABALHADOR E SUA SADE DO TRABALHADOR E SUA SADE DO TRABALHADOR E SUA SADE DO TRABALHADOR E SUA SADE DO TRABALHADOR E SUA EFICCIA EFICCIA EFICCIA EFICCIA EFICCIAHORIZONTHORIZONTHORIZONTHORIZONTHORIZONTALALALALAL

    Quando a Constituio Federal de 1988 estatuiu o direito dos trabalhadores reduo dos riscos inerentes ao trabalho, mediante a adoo de normas desade e segurana (art. 7, inciso XXII), conferiu-lhes o direito fundamental sade fsica e psquica, cuja eficcia jurdica se traduz no direito dostrabalhadores exigirem das empresas a conduta necessria efetividade dodireito de tutela pela norma.

    No se trata mais de exigir uma tarefa do Estado (v. g. elaborar as normasde sade e segurana), mas de exigir-se dos particulares no caso, as em-presas e os empregadores pessoas fsicas a adoo e a implementao dasnormas de sade e segurana nas rotinas de atividades laborais.

    Portanto, da dico do art. 7, XXII, da Constituio Federal, extrai-se aeficcia horizontal do direito fundamental sade do trabalhador.

    Saliente-se que a eficcia jurdica que decorre da norma deveria produzira sua efetividade (ou eficcia social) de forma natural, em decorrncia do respeitoque os cidados e entes administrados haveriam de guardar pelas normas deseu Pas. No entanto, como a realidade no segue essa lgica, quando o cumpri-mento da norma no voluntrio, a eficcia jurdica, como atributo que permiteexigir-se judicialmente o cumprimento da norma, necessita ser alcanada.

    Ao enfocar-se o direito sade do trabalhador, verifica-se que a eficciajurdica da norma tem sido obnubilada por trs fatores:

    Primeiro, a interpretao, ainda arraigada aos cnones do liberalismo, dosprincpios da autonomia privada e da propriedade, levando os intrpretesa considerar ilegtima a imposio de limites ao poder diretivo doempregador, com o viso de salvaguardar o direito sade dos traba-lhadores.

    Segundo, a compreenso das normas da Consolidao das Leis doTrabalho CLT sobre sade do trabalhador e das Normas Regula-mentadoras NRs do Ministrio do Trabalho, apenas, como normasinfraconstitucionais e insuladas, sem atentar-se para a magnitudeconstitucional do direito sade do trabalhador e sua condio de direitofundamental, defluente de forma direta do princpio da dignidade humana.Revela-se o mau vezo de interpretar-se isolada e descontextualizadamenteas normas da CLT, e no como extenso e complemento de uma normasuperior, de matriz constitucional.

    Terceiro, a no aplicao da teoria da eficcia entre particulares (horizontal)dos direitos fundamentais.

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    Sem dvidas, esses obstculos cognoscitivos devem ser superados, sendofcil perceber-se que: 1) se o direito sade do trabalhador um direito funda-mental; 2) se os direitos fundamentais tm eficcia horizontal, isto , determinamcondutas aos particulares; 3) se os direitos fundamentais esto previstos naConstituio e as normas infraconstitucionais relacionadas queles direitos,pelo princpio da conformidade das normas infraconstitucionais com a Consti-tuio, devem ser com ela consonantes, ento: as normas da CLT sobre sadee segurana do trabalho e as Normas Regulamentadoras integradoras soirradiadas pela eficcia jurdica horizontal do direito fundamental sade dotrabalhador, e devem ser aplicadas sem perder-se o parmetro, o gizamentoconstitucional, que impe a reduo dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7,inciso XXII, da Constituio Federal). E assim, ser a rgua constitucionalque vai definir em que medida os princpios da autonomia privada e dapropriedade devem ceder em nome da concretizao do direito sade.

    6. A6. A6. A6. A6. A NECESSIDADE DE PROTEO JUDICIAL NECESSIDADE DE PROTEO JUDICIAL NECESSIDADE DE PROTEO JUDICIAL NECESSIDADE DE PROTEO JUDICIAL NECESSIDADE DE PROTEO JUDICIAL AO DIREIT AO DIREIT AO DIREIT AO DIREIT AO DIREITO O O O O SADE E SADE E SADE E SADE E SADE EAAAAA INTERPRET INTERPRET INTERPRET INTERPRET INTERPRETAO CONFORME AAO CONFORME AAO CONFORME AAO CONFORME AAO CONFORME A CONSTITUIO DOS PRINCPIOS CONSTITUIO DOS PRINCPIOS CONSTITUIO DOS PRINCPIOS CONSTITUIO DOS PRINCPIOS CONSTITUIO DOS PRINCPIOSDADADADADA AUT AUT AUT AUT AUTONOMIAONOMIAONOMIAONOMIAONOMIA PRIV PRIV PRIV PRIV PRIVADAADAADAADAADA E DA E DA E DA E DA E DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PROPRIEDADE PROPRIEDADE PROPRIEDADE

    A Constituio Federal de 1988, em seu art. 1, enuncia como fundamentoda Repblica Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa (inciso IV). No seu art. 170, a Carta Magna destaca que a valorizaodo trabalho humano constitui fundamento da ordem econmica, e estabelece,tambm, que a finalidade da ordem econmica assegurar a todos umaexistncia digna, conforme os ditames da justia social.

    Dessume-se, pois, que a ordem econmico-constitucional vigente, noBrasil, conquanto capitalista, est adstrita ao modelo de Estado definido naConstituio, que o Democrtico de Direito, no qual os princpios da ordemeconmica devem ser interpretados com o fito de harmoniz-los com os direitosfundamentais, diretamente decorrentes do princpio da dignidade da pessoahumana, eixo axiolgico da Carta de 1988.

    Por isso, o Estado capitalista contemporneo no se funda apenas nalivre iniciativa, mas a conjuga com os valores sociais do trabalho; nosacraliza a autonomia privada, mas lhe impe limites, ao fixar que pode serexercida, desde que no atinja direitos de outrem e no desborde dos fins sociaisque devem nortear os atos jurdicos. Trata-se, pois, de um Estado que condicionao exerccio da propriedade privada ao cumprimento de sua funo social (arts.5, XXII e XXIII; 170, II e III, da Constituio Federal).

    Nesse contexto, os direitos fundamentais dos trabalhadores, que, no Estadoliberal, eram relegados, sob a compreenso de que bastava assegurarautonomia/liberdade aos indivduos, para eles prprios equilibrarem suasrelaes sociais, passam a ser vistos como direitos que precisam ser protegidos

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    pelo Estado Democrtico de Direito, como forma de realizar os objetivos a quese prope no plano econmico (construir uma sociedade livre, justa e solidria;garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalizao ereduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sempreconceito de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminao art. 3 da Constituio Federal).

    No Estado Democrtico de Direito, os direitos fundamentais sociais e desolidariedade so realados no apenas por razes humanitrias, mas peloreconhecimento de que os objetivos da ordem econmica, para se realizarem,necessitam de uma racionalidade prpria a esse sistema capitalista, que precisacoibir os abusos para no se tornar autofgico.

    No que tange, especificamente, ao direito fundamental sade dotrabalhador (art. 7, inciso XXII, e art. 200, inciso VIII), a falta de efetividadedaquele direito tem gerado efeitos danosos para a economia do pas, com amultiplicao de acidentes de trabalho, que diminuem ou eliminam a capacidadelaborativa do trabalhador brasileiro, e com o dispndio de recursos pblicos, naseara previdenciria, para atender s despesas com auxlios-doena, auxlios--acidente, reabilitao profissional de trabalhadores e aposentadorias porinvalidez.

    Portanto, a correta interpretao dos princpios da livre iniciativa e da funosocial da propriedade necessria para conferir-se eficcia ao direito funda-mental sade do trabalhador, reduzindo-se acidentes do trabalho e preser-vando-se a indenidade fsica e mental do trabalhador brasileiro, o que constituium dos elementos para o desenvolvimento econmico de qualquer Pas, pois ofato sociolgico da descartabilidade da mo de obra que, num primeiromomento, pode parecer que favorece o desenvolvimento da economia pelosbaixos custos que propicia ao produto econmico, frente cobra a sua conta,diante altos custos previdencirios que somente sero cobertos com o aumentodas contribuies sociais.

    No importa o quanto a retrica globalizante se alie falsa ideia de que alivre iniciativa tem sido coartada, no Brasil, pelas exigncias descabidas dasnormas de sade e segurana do trabalhador, o fato que a negao dessedireito fundamental, pelas empresas, aos seus trabalhadores, tem gerado altoscustos para o Estado brasileiro, que, indo buscar mais recursos, atravs deimpostos, cria um crculo vicioso, fator de entrave ao desenvolvimento nacional.

    Ademais, os que alardeiam que essas exigncias no so feitas em outrospases, ou no conhecem, ou fingem no conhecer a realidade jurdica e aefeti-vidade dos direitos fundamentais em outros Estados mais desenvolvidosdo mundo.

    Como j se demonstrou, anteriormente, a jurisprudncia de outros pasesno tem titubeado em afirmar a eficcia entre particulares dos direitos funda-

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    mentais e a supremacia das normas jurdicas da Constituio sobre as normasdos Cdigos, ou seja, sobre as normas infraconstitucionais. Vale dizer, osdireitos fundamentais tm, quer perante o Estado, quer perante terceiros, posiode supremacia.

    7. O PRINCPIO DA7. O PRINCPIO DA7. O PRINCPIO DA7. O PRINCPIO DA7. O PRINCPIO DA AUT AUT AUT AUT AUTONOMIAONOMIAONOMIAONOMIAONOMIA PRIV PRIV PRIV PRIV PRIVADAADAADAADAADA E SEU DESDOBRAMENT E SEU DESDOBRAMENT E SEU DESDOBRAMENT E SEU DESDOBRAMENT E SEU DESDOBRAMENTO: OO: OO: OO: OO: OPRINCPIO DAPRINCPIO DAPRINCPIO DAPRINCPIO DAPRINCPIO DA LIVRE INICIA LIVRE INICIA LIVRE INICIA LIVRE INICIA LIVRE INICIATIVTIVTIVTIVTIVAAAAA

    Ao amalgamar, em um mesmo artigo, o valor social do trabalho e o princpioda livre iniciativa (art. 1), a Constituio de 1988 poderia ter criado um dispositivoteratolgico, elevando condio de princpios constitucionais dois valores, deaparente antagonismo, advindos da Teoria Constitucional dos DireitosFundamentais, nascidos em duas fases distintas, em que imperavam vises deorganizao social e econmica diferentes.(16)

    Com efeito, o princpio da livre iniciativa apresenta-se como corolrio doprincpio da liberdade, tal como era concebida no Estado Liberal. O princpioconstitucional da valorizao social do trabalho exsurgiu no bojo das discussessobre a necessidade de assegurar-se, nas relaes privadas, igualdade materialentre as partes, e no meramente a liberdade formal, o que ocorreu, sabida-mente, no declnio do Estado Liberal e no surgir do Estado Social.

    Porm, segundo anota, com percucincia, Ana Paula Tauceda Branco,essa aparente contradio serve para robustecer a posio do constituinteoriginrio de abarc-los, de modo a integrar todas as dimenses dos DireitosFundamentais do Homem, numa postura de plena harmonia com a doutrinaque aponta como sendo algumas das caractersticas desses direitos a indivisi-bilidade e a universalidade e, ainda, revela a inteno da Assembleia NacionalConstituinte de estabelecer o dilogo entre tais valores.(17)

    No mesmo tom, Jos Afonso da Silva leciona:

    A Constituio declara que a ordem econmica fundada na valorizaodo trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeirolugar quer dizer precisamente que a Constituio consagra uma economiade mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada um princpiobsico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, emboracapitalista, a ordem econmica d prioridade aos valores do trabalhohumano sobre todos os demais valores da economia de mercado.(18)

    (16) BRANCO, Ana Paula Tauceda. A coliso de princpios constitucionais no direito do trabalho. SoPaulo: LTr, 2007. p. 72.(17) Ibidem, p. 72 e 74.(18) Ibidem, p. 73.

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    Cotejando os dispositivos constitucionais relativos ordem econmica,Daniel Sarmento conclui que a Constituio Federal trata a livre iniciativa noa Constituio Federal trata a livre iniciativa noa Constituio Federal trata a livre iniciativa noa Constituio Federal trata a livre iniciativa noa Constituio Federal trata a livre iniciativa nocomo um fim em si, mas como um meio na busca do objetivo magno decomo um fim em si, mas como um meio na busca do objetivo magno decomo um fim em si, mas como um meio na busca do objetivo magno decomo um fim em si, mas como um meio na busca do objetivo magno decomo um fim em si, mas como um meio na busca do objetivo magno deassegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justiaassegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justiaassegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justiaassegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justiaassegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justiasocialsocialsocialsocialsocial.(19)

    Segundo o seu magistrio, embora a autonomia privada receba a proteoda ordem constitucional, no h uniformidade nessa tutela, uma vez que, nononononoquadro axiolgico delineado pela Constituio Federal de 1988, a proteoquadro axiolgico delineado pela Constituio Federal de 1988, a proteoquadro axiolgico delineado pela Constituio Federal de 1988, a proteoquadro axiolgico delineado pela Constituio Federal de 1988, a proteoquadro axiolgico delineado pela Constituio Federal de 1988, a proteoao princpio da autonomia privada, e seu desdobramento a livre iniciativaao princpio da autonomia privada, e seu desdobramento a livre iniciativaao princpio da autonomia privada, e seu desdobramento a livre iniciativaao princpio da autonomia privada, e seu desdobramento a livre iniciativaao princpio da autonomia privada, e seu desdobramento a livre iniciativa mais tnue quando aquele princpio confrontado com a necessidade de mais tnue quando aquele princpio confrontado com a necessidade de mais tnue quando aquele princpio confrontado com a necessidade de mais tnue quando aquele princpio confrontado com a necessidade de mais tnue quando aquele princpio confrontado com a necessidade depromoo da igualdade substantiva ou de outros valores solidarsticospromoo da igualdade substantiva ou de outros valores solidarsticospromoo da igualdade substantiva ou de outros valores solidarsticospromoo da igualdade substantiva ou de outros valores solidarsticospromoo da igualdade substantiva ou de outros valores solidarsticos.(20)

    E, conclui o autor:

    O advento da sociedade de massas e a progressiva democratizao doEstado levaram eroso destes postulados liberais. A crescente sensibili-dade do discurso jurdico para a desigualdade ftica e para os interessessociais e coletivos vai provocar o desmoronamento do credo liberal naexcelncia da autonomia privada no campo econmico como motor dobem comum. Amplia-se a interveno estatal seja com o objetivo de acudirs partes mais dbeis nas relaes jurdicas, seja com o propsito decondicionar a autonomia negocial prossecuo de algum interessepblico. (p. 314)

    Esse movimento de sensibilizao do discurso jurdico no um apangiobrasileiro, mas dos pases civilizados do mundo, demonstrando-se, a seguir,que dois importantes pases capitalistas e desenvolvidos no consideramabsoluto o princpio da autonomia privada, quando confrontados com a neces-sidade de efetivar direitos fundamentais decorrentes do princpio da dignidadehumana.

    7.1. O princpio da autonomia privada na jurisprudncia dos Estados Unidos7.1. O princpio da autonomia privada na jurisprudncia dos Estados Unidos7.1. O princpio da autonomia privada na jurisprudncia dos Estados Unidos7.1. O princpio da autonomia privada na jurisprudncia dos Estados Unidos7.1. O princpio da autonomia privada na jurisprudncia dos Estados Unidose da Alemanhae da Alemanhae da Alemanhae da Alemanhae da Alemanha

    Nos Estados Unidos, ao contrrio do que apregoam os que querem copiarum modelo econmico dito mais flexvel, as liberdades mais importantes, quedevem receber proteo reforada, inclusive do legislador, so as de carterexistencial, e no as liberdades econmicas.

    (19) SARMENTO. Daniel. Os princpios constitucionais da liberdade e da autonomia privada. In: Dosprincpios constitucionais. Consideraes em torno das normas principiolgicas da Constituio. SoPaulo: Malheiros, 2003. p. 330.(20) Ibidem, p. 296 e 311.

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    Naquele pas, reconhece-se a relatividade das liberdades econmicas,postas em posio inferior quando confrontadas em relao s liberdadesexistenciais e o direito sade , efetivamente, um direito que compe omnimo existencial para uma vida digna.

    Anota Daniel Sarmento que o reconhecimento da relatividade das liber-dades econmicas e da sua posio inferior em relao s liberdades existen-ciais consagradas nas Constituies, no se restringiu aos Estados Unidos.Trata-se, pelo contrrio, de um fenmeno mais amplo, que se projetou sobrepraticamente todos os Estados capitalistas na era contempornea.(21)

    Merece, contudo, especial destaque, a posio da jurisprudncia consti-tucional alem, quer pela semelhana com o modelo constitucional brasileiro deEstado social e intervencionista, quer porque a concepo de direitos fundamentaisadotada pela Corte Constitucional Alem funda-se em uma ordem constitucionalde valores, que tem no seu cume o princpio da dignidade humana.(22)

    De forma clara, a Constituio Alem revela a relatividade de princpioscom o da livre iniciativa e da proteo da propriedade. No seu art. 14.2, aConstituio Alem peremptria: A propriedade obriga. Seu uso deve servir,ao mesmo tempo, ao bem comum.

    Assim, o princpio da dignidade humana coligado com o princpio do EstadoSocial de direito justificam, segundo a jurisprudncia alem, profundas restriess liberdades econmicas em favor da proteo de interesses coletivos, desdeque observada a proporcionalidade.(23)

    Um exemplo de julgamento da Corte Constitucional Alem, em que essatese sagrou-se vencedora, foi o chamado caso das guas Subterrneas, noqual foi apreciado o contedo do direito de propriedade e da noo de direitoadquirido, em face de pedido de proprietrio de terras nas quais fluam guassubterrneas, por ele comercializadas, e que no puderam mais s-lo, em faceda negativa de prvia licena estatal, por razes ambientais.

    A Corte, ao negar o pedido, destacou que o conceito de propriedade,como direito garantido na Constituio, deve ser derivado na prpria Consti-tuio e, portanto, assentou que o dever do legislador na definio dapropriedade deve envolver no apenas a proteo ao proprietrio, mas tambmdo interesse pblico (58 BverfGE 367).(24)

    Em outro julgamento, em que se discutia a constitucionalidade de lei queassegurara a participao dos trabalhadores na gesto de empresas, atravsda garantia de metade dos assentos no Conselho de Administrao de socie-dades com mais de dois mil empregados, a Corte Constitucional Alem rejeitou

    (21) Ibidem, p. 314.(22) Ibidem, p. 324.(23) Ibidem, p. 325.(24) Apud SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 327.

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    a alegao de ofensa propriedade, sublinhando que a restrio aos poderesdos acionistas legtima, em virtude do comprometimento que devem ter osproprietrios com a sociedade em geral (50 BversfGE 290).

    Julgamentos com essa interpretao apontam para a conformao doprincpio da autonomia privada (e da livre iniciativa) ao princpio da funo socialda propriedade.

    8. O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEU8. O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEU8. O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEU8. O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEU8. O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEUSUBPRODUTSUBPRODUTSUBPRODUTSUBPRODUTSUBPRODUTO: O PRINCPIO DAO: O PRINCPIO DAO: O PRINCPIO DAO: O PRINCPIO DAO: O PRINCPIO DA FUNO SOCIAL FUNO SOCIAL FUNO SOCIAL FUNO SOCIAL FUNO SOCIAL DA DA DA DA DA EMPRESA EMPRESA EMPRESA EMPRESA EMPRESA

    No Estado Liberal, o ncleo da proteo outorgada autonomia privadacentrava-se na proteo ao patrimnio individual e nos direitos que lhe socorrelatos. No Estado contemporneo, a proteo propriedade relativa, exi-gindo-se, para a tutela dos interesses do seu proprietrio, a demonstrao documprimento de sua funo social.(25)

    Comentando o 1, do art. 1.228, do Cdigo Civil brasileiro, AlexandreAgra Belmonte declara que:

    Nos termos do 1 do art. 1.228, do Cdigo Civil, o direito de propriedadedeve ser exercido conforme as finalidades econmicas e sociais, ou seja,de modo a permitir o ajuste da convenincia privada ao interesse pblico.

    Ao contrrio da concepo individualista que caracterizava a sociedadede outrora, o direito de propriedade vem sendo cada vez mais relativizado,de modo a permitir uma insero social compatvel com o interesse coletivo.

    Em ateno funo social da propriedade, so defesos os atos que notrazem ao proprietrio qualquer comodidade ou utilidade, e sejam animadospela inteno de prejudicar outrem ( 2, do citado art. 1.228); a suautilizao deve preservar o meio ambiente; a posse por outrem, principal-mente para a explorao, pode levar aquisio (por exemplo, 4 do art.1.228); a necessidade ou utilidade de sua destinao comunidade podelevar desapropriao ( 3 do referido dispositivo legal); a liberdade deconstruir fica limitada pelas exigncias do poder pblico quanto s posturas;a liberdade de exerccio de atividade deve tambm observar as exignciasdo poder pblico.(26) (Sem destaques no original.)

    (25) Frise-se, no entanto, que a funo social da propriedade uma exigncia constitucional formuladadesde a Constituio de Weimer, permanecendo at os dias atuais nas democracias ocidentais.(26) BELMONTE, Alexandre Agra. Instituies civis no direito do trabalho: curso de direito civil aplicadoao direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 537.

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    No Estado Democrtico de Direito brasileiro, cuja diretriz de relatividadedo direito de propriedade foi reafirmada pelo Cdigo Civil, tem-se como regra no mais como exceo uma natural restrio ao uso, gozo, posse erestrio ao uso, gozo, posse erestrio ao uso, gozo, posse erestrio ao uso, gozo, posse erestrio ao uso, gozo, posse egerncia da empresa como entidade jurdica, exigindo-se-lhe uma responsa-gerncia da empresa como entidade jurdica, exigindo-se-lhe uma responsa-gerncia da empresa como entidade jurdica, exigindo-se-lhe uma responsa-gerncia da empresa como entidade jurdica, exigindo-se-lhe uma responsa-gerncia da empresa como entidade jurdica, exigindo-se-lhe uma responsa-bilidade social que recai sobre todos o seus atos e funes bilidade social que recai sobre todos o seus atos e funes bilidade social que recai sobre todos o seus atos e funes bilidade social que recai sobre todos o seus atos e funes bilidade social que recai sobre todos o seus atos e funes internas eexternas.(27)

    Assim, o exerccio da propriedade deve ser orientado pelos princpios daequidade, boa-f e da proporcionalidade, de modo a temperar e conformar aautonomia privada, expectativas sociais e fins sociais do Direito.(28)

    Conforme salienta Antnio lvares da Silva, a viso da empresa mudouno ordenamento jurdico contemporneo:

    Deixa de ser propriedade exclusiva do empregador, a que o empregadoadere apenas pelo vnculo do contrato de trabalho, para ser um locuscomunitrio, em que empregado e empregador, ou seja, capital e trabalhose compem para produzir bens e servios.(29)

    O direito de propriedade encontra, pois, limites ao seu exerccio, os quais,em ltima anlise, decorrem da necessidade de conformar-se a utilizao dapropriedade ao interesse pblico, pois no apenas os bens pblicos devem serutilizados em consonncia com o interesse geral.

    H que se observar que a empresa conquanto criada, naturalmente,para auferimento de renda em prol de seu proprietrio est inserta em umcenrio econmico e jurdico regulado pelo Estado. No cenrio contemporneo,os Estados nacionais buscam conjugar os valores da proteo ao interesseeconmico com objetivos pblicos, uma vez que as empresas so consideradasuma vez que as empresas so consideradasuma vez que as empresas so consideradasuma vez que as empresas so consideradasuma vez que as empresas so consideradasinstrumentos para a busca do pleno emprego e para reduo das desi-instrumentos para a busca do pleno emprego e para reduo das desi-instrumentos para a busca do pleno emprego e para reduo das desi-instrumentos para a busca do pleno emprego e para reduo das desi-instrumentos para a busca do pleno emprego e para reduo das desi-gualdades sociaisgualdades sociaisgualdades sociaisgualdades sociaisgualdades sociais.

    Nesse quadro, a interveno do Estado para a concretizao do direitofundamental sade do trabalhador, por meio da produo legislativa, comportaa imposio s empresas de deveres que consubstanciam a sua responsa-bilidade social em face das pessoas que colaboram com o seu processoprodutivo.

    Por isso, no demais lembrar: os direitos fundamentais relativos dignidade do trabalhador obrigam a empresa, direcionando sua conduta e inicia-tivas. A eficcia horizontal desses direitos, hodiernamente reconhecida em todaa parte civilizada do mundo, funda-se no fato de que os direitos fundamentaisvinculam-se a interesses gerais.

    (27) BRANCO. p. 79.(28) Ibidem, p. 79.(29) DA SILVA, Antnio lvares. Cogesto no estabelecimento e na empresa. So Paulo: LTr, 1991.p. 48.

  • 31

    claro que as restries s liberdades econmicas devem se fundar,sempre no interesse pblico, para serem legtimas.

    Assim, a restrio a um direito de propriedade ou a determinao de suautilizao segundo uma funo social preestabelecida na Constituio nocorresponde negao de um direito e desmedida prevalncia de outro, masatende prpria necessidade de eficcia dos direitos fundamentais, que, sendoprincpios, tm a sua efetividade sopesada, em cada caso, diante da ocorrnciade coliso de direitos fundamentais e da necessidade do intrprete apresentarsoluo justa para esse conflito.

    Recorde-se que Robert Alexy, ao tratar do tema, refere-se coliso deprincpios fundamentais distintos e enumera, como exemplos desta espcie decoliso, o direito de propriedade versus a proteo ao meio ambiente; a livreiniciativa versus a defesa dos trabalhadores; o direito de exerccio profissionalversus o direito sade, classificando essa espcie de coliso com aquela emque esto em confronto um direito fundamental e um interesse coletivoconfronto um direito fundamental e um interesse coletivoconfronto um direito fundamental e um interesse coletivoconfronto um direito fundamental e um interesse coletivoconfronto um direito fundamental e um interesse coletivo. Nessaespcie de conflito, naturalmente, o processo de ponderao, resolve-se emfavor do interesse coletivo.(30)

    Portanto, havendo confronto entre o princpio da livre iniciativa e a sadedo trabalhador, ou entre o direito de propriedade e a sade do trabalhador, hde se entender que a sade do trabalhador constitui bem de evidente interessecoletivo, apresentando supremacia, a autorizar a proporcional reduo do mbitode eficcia dos direitos empresariais e dominiais.

    Ressalte-se que as empresas so obrigadas a preservar a sade dos seustrabalhadores e a envidar esforos para isso, no s porque, em caso de eventualcoliso de princpios, a sade do trabalhador encontra-se num patamarconstitucional valorativo superior, mas porque a sade do trabalhador umdaqueles direitos fundamentais que no obrigam somente ao Estado, mas aosparticulares. Vale dizer, a sade do trabalhador um direito fundamental quetem eficcia vertical e horizontal.

    9. DIREIT9. DIREIT9. DIREIT9. DIREIT9. DIREITO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTALALALALAL SADE DO TRABALHADOR E PROIBIO SADE DO TRABALHADOR E PROIBIO SADE DO TRABALHADOR E PROIBIO SADE DO TRABALHADOR E PROIBIO SADE DO TRABALHADOR E PROIBIODA PRORROGAO DA JORNADA DE TRABALHODA PRORROGAO DA JORNADA DE TRABALHODA PRORROGAO DA JORNADA DE TRABALHODA PRORROGAO DA JORNADA DE TRABALHODA PRORROGAO DA JORNADA DE TRABALHO

    A fundamentao terica e o registro jurisprudencial feitos neste trabalhoconstituem os passos necessrios para que se possa concluir que, sendo odireito sade do trabalhador um direito fundamental, cuja eficcia jurdica exigvel tanto do Estado, quanto dos particulares, faz-se necessrio, para a suaconcretizao, que o Poder Judicirio firme a posio de que a Constituio o

    (30) ALEXY, Robert. Coliso de direitos fundamentais e realizao de direitos fundamentais no estadodemocrtico de direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 271, p. 67-79, jul./set. 99.

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    fundamento legal primeiro e mais valioso para a tomada de decises a respeitoda extenso que se deve conferir proteo sade do trabalhador.

    Em perfeita sntese, Andr Rufino do Vale afirma:

    Com a configurao de uma ordem objetiva pelos direitos fundamentais, aConstituio passou a ser um marco decisivo para o Direito Privado. Almde uma funo de preservao, apoio e garantia, Constituio tambm atribuda uma funo de guia, oferecendo ao Direito Privado diretrizes eimpulsos importantes para uma evoluo adequada.(31)

    Se o direito fundamental sade do trabalhador impe, s empresas, areduo dos riscos inerentes ao trabalho (CF, art. 7, XXII), curial que aprorrogao de jornada de trabalho somente ser juridicamente possvel, epermitida, se dela no resultar prejuzo para a sade do trabalhador.

    No obstante a regra do art. 59 da CLT dispor que permitida a prorrogaode jornada de trabalho, em at duas horas, mediante acordo escrito, no serlcita essa prorrogao quando observar-se a existncia de riscos para a sadedo trabalhador, por fora dessa condio.

    Enfatize-se que, se a norma constitucional determina a reduo dos riscosinerentes ao trabalho, norma infraconstitucional somente se pode reconhecereficcia jurdica quando no colidir com o regramento superior.

    Note-se que a coliso de normas jurdicas no ocorre somente quando otexto das normas se afigura dissonante, mas quando, na decorrncia lgica desuas aplicaes, evidencia-se o conflito.

    E como cedio, havendo conflito entre norma constitucional e normainfraconstitucional, essa ltima deve ceder, inexoravelmente, ante a superio-ridade daquela, mormente quando versar sobre direito fundamental.

    Nesse diapaso, em qualquer hiptese, demonstrando o trabalhador, oSindicato de sua categoria ou o Ministrio Pblico do Trabalho que a prorrogaode jornada de trabalho aumenta os riscos de adoecimento do trabalhador, tem--se como consequncia a impossibilidade de exigir-se o trabalho emsobrejornada, mesmo que no seja ultrapassado o limite de duas horas dirias.

    Assente, tambm, que, ainda que os trabalhadores ou o seu Sindicatocelebrem acordo escrito de prorrogao de jornada de trabalho, tal acordo podeser anulado se houver comprovao de que o aumento da jornada de trabalhotambm aumenta os riscos da atividade laboral, pois a sade do trabalhador um direito indisponvel.

    Com efeito, em atividades em que h riscos de leses por esforo repetitivoou distrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/DORTs), tem-se

    (31) Eficcia dos direitos fundamentais nas relaes privadas, p. 211.

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    como certo que a prorrogao da jornada de trabalho constitui fator de aumentodo nmero de adoecimentos de trabalhadores, pela lgica e evidente razo deque, quanto maior for a jornada de trabalho, mais movimentos repetitivos e/ouposturas prejudiciais sade sero exigidas dos trabalhadores, com maiorsobrecarga do sistema osteomusculoesqueltico.

    Destaque-se, por imperioso, que, mantida uma jornada de trabalho extensa,a adoo de medidas preventivas, como compra de mveis ergonmicos einstituio de pausas, sero insuficientes para reduzir a ocorrncia de LER/DORT nas empresas.

    A prova de que a jornada de trabalho extensa fator desencadeante deLER/DORTs constituiu uma presuno jurdica. Veja-se que a Norma Regula-mentadora n. 17, do Ministrio do Trabalho e Emprego, em seu anexo II, aotratar dos trabalhadores em telemarketing/teleatendimento, restringe a prorro-gao de jornada de trabalho.(32)

    Tal norma foi editada depois que Grupo de Estudos do Ministrio doTrabalho e Emprego, com representao do governo, empregados e emprega-dores, constatou, vista de estudos mdicos e da verificao da realidade, oreflexo do nmero de horas trabalhadas sobre a ecloso de LER/DORTs, razotambm para a instituio de pausas e da alternncia de tarefas.

    Alm disso, a prova dos danos sade do trabalhador, advindos da prorro-gao de jornada de trabalho, pode ser obtida junto ao Instituto Nacional doSeguro Social INSS. Se antes, atravs de requisio de Comunicaes deAcidentes de Trabalho CAT, autarquia previdenciria, era possvel, aoMinistrio Pblico, averiguar se, na empresa, por exemplo, havia expressivonmero de lesionados com DORTs, atualmente, com a introduo do art. 21-A, Lei n. 8.213/91 (Lei da Previdncia Social) instituindo o chamado Nexo TcnicoEpidemiolgico, que a identificao prvia de doenas e acidentes relacio-nados com o desenvolvimento de determinada atividade profissional(33), h ummeio de prova ainda mais seguro.

    Com a instituio do Nexo Tcnico Epidemiolgico possvel, a partir dosdados estatsticos coletados pelo INSS, demonstrar-se que determinadaatividade econmica tem produzido, nos trabalhadores, a ecloso de deter-

    (32) NR-17.(...)34.1. A durao das jornadas de trabalho somente poder prolongar-se alm do limite previsto nostermos da lei em casos excepcionais, por motivo de fora maior, necessidade imperiosa ou para arealizao ou concluso de servios inadiveis ou cuja inexecuo possa acarretar prejuzo manifesto,conforme dispe o art. 61 da CLT, realizando a comunicao autoridade competente, prevista no 1 do mesmo artigo, no prazo de 10 (dez) dias.34.1.1. Em caso de prorrogao do horrio normal, ser obrigatrio um descanso mnimo de 15(quinze) minutos antes do incio do perodo extraordinrio do trabalho, de acordo com o art. 384 daCLT.(33) SANTINO, Daniela. Inverso do nus da prova nos acidentes de trabalho. Revista JTb JornalTrabalhista, Braslia, ano 24, v. 1166, p. 12, abr. 07.

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    minadas doenas. O Decreto n. 6.042/07 traz uma relao entre o cdigo daatividade econmica e o CID Cdigo Internacional de Doenas. Desse modo,diante do caso concreto, o julgador poder verificar, por meio do Nexo TcnicoEpidemiolgico, que, por exemplo, determinada atividade econmica, comotelemarketing, causa adoecimento dos trabalhadores (tais como, LER/DORTse perda auditiva).

    claro que a empresa pode apresentar defesa e elidir a presuno queresulta do Nexo Tcnico Epidemiolgico, mas a sua importncia reside no fatode, por fora da lei, ter-se criado uma presuno jurdica, que inverte o nus daprova em favor do trabalhador.

    Em concluso, pode-se afirmar que o direito fundamental sade do traba-lhador, expressado, no mbito de sua eficcia horizontal, no dever do empre-gador de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, impe que a norma do art. 59da CLT seja interpretada em consonncia com o art. 7, XXII, da ConstituioFederal, somente permitindo-se a prorrogao de jornada de trabalho quandoa sobrejornada no for causa concorrente do aumento de doenas e acidentesde trabalho.

    No pode prosperar, assim, o argumento de que determinao judicialimpeditiva da prorrogao de jornada de trabalho em at duas horas diriasconstitui cerceamento do poder diretivo do empregador ou ferimento ao princpioda livre iniciativa. A dimenso objetiva do direito fundamental sade, convmlembrar, significa que a preservao deste direito fundamental constitui valorbasilar para a sociedade (e, por isso, o reconhecimento de sua fundamenta-lidade), de modo que essa opo constitucional irradia sua fora para impedirinterpre-taes desconformes com a prpria Constituio, que determina areduo dos riscos inerentes ao trabalho.

    E, sem dvida, o trabalho em sobrejornada (de forma regular, e no excep-cional como deriva da dico legal e a prtica tratou de modificar) representaum risco para a sade do trabalhador e a sua exigncia desborda do regularexerccio da livre iniciativa econmica.

    10. DIREIT10. DIREIT10. DIREIT10. DIREIT10. DIREITO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTO FUNDAMENTALALALALAL SADE E SEGURANA SADE E SEGURANA SADE E SEGURANA SADE E SEGURANA SADE E SEGURANA DO DO DO DO DOTRABALHADOR E SUBSTITUIO DE MQUINAS E EQUIPTRABALHADOR E SUBSTITUIO DE MQUINAS E EQUIPTRABALHADOR E SUBSTITUIO DE MQUINAS E EQUIPTRABALHADOR E SUBSTITUIO DE MQUINAS E EQUIPTRABALHADOR E SUBSTITUIO DE MQUINAS E EQUIPAMENTAMENTAMENTAMENTAMENTOSOSOSOSOSDA EMPRESADA EMPRESADA EMPRESADA EMPRESADA EMPRESA

    H hipteses em que o risco para a integridade do trabalhador decorredas mquinas e equipamentos utilizados pela empresa. Exemplificando: ima-gine-se uma empresa em que a fiscalizao do trabalho encontra mquinassem proteo, fios sem isolamento e maquinrio velho que produz rudo excessivo,no cuidando, a empresa, de substituir a mquina por outra mais moderna emenos barulhenta, mas, to somente, fornecendo protetores auriculares para

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    os empregados, sem, contudo, efetivamente coloc-los a salvo do rudo acimados limites de tolerncia.

    H, no exemplo dado, campo para a aplicao da eficcia horizontal dosdireitos fundamentais? A resposta afirmativa, embora a alguns causeestranheza que comando judicial possa vir a determinar a substituio dasmquinas da empresa!

    Novamente invoca-se o art. 7, inciso XXII, que determina o dever dasempresas de reduzirem os riscos inerentes ao trabalho. Se as medidas deproteo coletiva (enclausuramento de mquinas e fios) e de proteo individual(fornecimento de equipamentos de proteo individual) no conseguem afastaro risco de ocorrncia de perda auditiva, e as mquinas da empresa esto foradas especificaes tcnicas, ou mal conservadas, e sem reparos peridicos (oque levou a que se constitussem em risco para a sade e segurana dostrabalhadores), a determinao judicial de interdio do estabelecimento (e/oucompra e recuperao de mquinas), plenamente justificada pela fundamen-talidade e primazia do direito sade da coletividade de trabalhadores, emreconhecimento da sua dimenso objetiva, da qual dimana o dever do PoderJudicirio de assegurar a sua eficcia horizontal.

    Conforme o magistrio da juza federal Jane Reis Gonalves Pereira,as pessoas privadas que se encontram em posio de supremacia, porquemais intenso o seu poder, devem ter suas aes limitadas pelos direitosfundamentais.(34) justamente a hiptese do empregador que, por oferecer oemprego e poder demitir o empregado, posta-se em situao de supremacia, oque leva o empregado a abdicar de seus direitos fundamentais e aceitar ascondies de trabalho impostas para obter, ou manter, o emprego.

    Sendo assim, uma vez que o direito sade indisponvel, com o objetivode concretizar aquele direito fundamental, podem ser impostas, judicialmente,restries ao direito de propriedade, tais como a interdio do estabelecimentoe/ou imposio de mudana de seu maquinrio, como medidas concretizadorasda eficcia horizontal do direito sade.

    CONCLUSOCONCLUSOCONCLUSOCONCLUSOCONCLUSO

    A evoluo dos direitos fundamentais, que se iniciou com a necessidadede seu reconhecimento em face do Estado (direitos de Primeira Gerao),continuou na enunciao dos direitos sociais (direitos de Segunda Gerao) edos direitos de fraternidade e solidariedade (direitos de Terceira Gerao),reclama o reconhecimento de sua dimenso objetiva, isto , o reconhecimentode que os direitos fundamentais so um conjunto de valores que um determinadogrupo social, atravs de sua Constituio, prope-se a preservar e proteger.

    (34) PEREIRA. p. 494.

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    Dessa forma, tendo a Constituio brasileira de 1988 enunciado os direitosfundamentais dos trabalhadores, entre eles o direito sade, curial que aefetividade desses direitos deve ser buscada luz de uma teoria dos direitosfundamentais.

    A teoria da dimenso objetiva dos direitos fundamentais, com seus aspectosda eficcia irradiante e da eficcia horizontal, responde a esse imperativo deconferir-se eficcia aos direitos sociais dos trabalhadores, mediante o abandonoda prtica judicial de interpretar os direitos dos trabalhadores, postos na CLT ena legislao integradora, como se fossem apartados da Constituio.

    A conferncia de eficcia horizontal aos direitos fundamentais traduz hojeconsenso universal e, conquanto tenha se iniciado em relao aos direitosfundamentais de igualdade e no discriminao, tende a espraiar-se para todosos direitos fundamentais. No campo das relaes laborais, o direito fundamental sade do trabalhador e ao meio ambiente de trabalho saudvel um campofrtil, por excelncia, para os juzes aplicarem o princpio da interpretaoconforme a Constituio e imporem a eficcia horizontal daqueles direitosfundamentais.

    Afinal, como decidiu a Corte Constitucional Alem, no julgamento do casoBlinkfer vs Springer, anteriormente citado, dentro da dimenso objetiva reco-dentro da dimenso objetiva reco-dentro da dimenso objetiva reco-dentro da dimenso objetiva reco-dentro da dimenso objetiva reco-nhecida aos direitos fundamentais, encontra-se a obrigao dos juzes denhecida aos direitos fundamentais, encontra-se a obrigao dos juzes denhecida aos direitos fundamentais, encontra-se a obrigao dos juzes denhecida aos direitos fundamentais, encontra-se a obrigao dos juzes denhecida aos direitos fundamentais, encontra-se a obrigao dos juzes deproteger os direitos fundamentais nas relaes privadas, atravs daproteger os direitos fundamentais nas relaes privadas, atravs daproteger os direitos fundamentais nas relaes privadas, atravs daproteger os direitos fundamentais nas relaes privadas, atravs daproteger os direitos fundamentais nas relaes privadas, atravs dainterpretao.interpretao.interpretao.interpretao.interpretao.

    Essa interpretao no deve ser uma interpretao de bloqueio, que mitiguea eficcia dos direitos fundamentais sob o fundamento da autonomia privadaou do livre exerccio do direito de propriedade, pelo empregador. Ao contrrio, ainterpretao adequada, quando discutidos direitos relativos sade dotrabalhador, consagra que o princpio da autonomia privada (e livre iniciativa) eo exerccio do direito de propriedade podem ser exercitados na medida em queno afetem o ncleo essencial do princpio da dignidade humana, pois esteprincpio axiologicamente superior aos outros e o verdadeiro eixo gravitacionalda Constituio. Sem observar os outros direitos fundamentais, o exerccio daautonomia privada e da propriedade mostra-se abusivo.

    Assim, conforme se demonstrou, a matriz constitucional do direito sadedo trabalhador autoriza os juzes a imporem restries ao exerccio do poderdiretivo do empregador, pois, ao lado da livre iniciativa, a Constituio erigiu ovalor social do trabalho, e este princpio restar sempre descumprido quando,no obstante o risco da atividade, o empregador, por exemplo, exigir a prestaode servios em sobrejornada ou o manuseio de mquina, ou equipamento, queproduza danos sade do trabalhador.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICASREFERNCIAS BIBLIOGRFICASREFERNCIAS BIBLIOGRFICASREFERNCIAS BIBLIOGRFICASREFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALEXY, Robert. Coliso de direitos fundamentais e realizao de direitos fundamentais noEstado Democrtico de Direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 271,p. 67-79, jul./set. 99.

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    VALE, Andr Rufino do Vale. Eficcia dos direitos fundamentais nas relaes privadas.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004.

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    AAAAA E E E E EFETIVFETIVFETIVFETIVFETIVAOAOAOAOAO DODODODODO D D D D DIREITIREITIREITIREITIREITOOOOO C C C C CRECHERECHERECHERECHERECHE NONONONONO B B B B BRASILRASILRASILRASILRASIL

    Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes(*)

    Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Analisa-se o direito creche para filhos de trabalhadores combase na doutrina da proteo integral da criana e, principalmente, com oobjetivo de promover uma sociedade mais justa e equilibrada sob aperspectiva de gnero.

    1. A1. A1. A1. A1. A SITUAO DO BRASIL SITUAO DO BRASIL SITUAO DO BRASIL SITUAO DO BRASIL SITUAO DO BRASIL EM TERMO EM TERMO EM TERMO EM TERMO EM TERMOS DE DESENVOLS DE DESENVOLS DE DESENVOLS DE DESENVOLS DE DESENVOLVIMENTVIMENTVIMENTVIMENTVIMENTOOOOOHUMANO E O OBJETIVO DESTE ARHUMANO E O OBJETIVO DESTE ARHUMANO E O OBJETIVO DESTE ARHUMANO E O OBJETIVO DESTE ARHUMANO E O OBJETIVO DESTE ARTIGOTIGOTIGOTIGOTIGO

    No final de 2007, o Brasil passou a ser considerado integrante do grupodos pases com alto ndice de Desenvolvimento Humano IDH , por teratingido o IDH 0,8 (ndice que vai de 0 a 1). O pas ocupa o 70 lugar no rankingde 177 pases avaliados anualmente pelo Programa das Naes Unidas para oDesenvolvimento PNUD.

    O IDH foi criado para medir a qualidade de vida por outros indicadoresque no apenas o Produto Interno Bruto PIB que o conjunto dos bens eservios produzidos no pas, justamente porque a riqueza, por si s, no significadistribuio de renda ou qualidade de vida. O IDH considera renda (PIB percapita), sade (expectativa de vida ao nascer) e educao (taxa de alfabetizaode adultos e matrculas no Ensino Fundamental, Mdio e Superior).

    Muito se comemorou a conquista, porm, apesar do aumento no ndice,o Brasil perdeu trs posies no ranking mundial em relao ao estudo anterior,caindo do 67 para 70 lugar. Alm disso, outras sete naes conseguiram entrar

    (*) Procuradora do Trabalho na 9 Regio (Curitiba) Ncleo de Combate Discriminao e Ncleode Combate Explorao do Trabalho Infantil. Mestre e Doutora pela Universidade Pablo de Olavidede Sevilla.

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    para o grupo dos pases desenvolvidos, que antes tinha apenas 63integrantes. Se analisarmos esses dados pela tica do desempenho individualda cada um dos pases avaliados pelo PNUD, seremos forados a admitir queno conquistamos nada, apenas perdemos posies. O que h paracomemorar?

    O motivo para o Brasil ter conseguido melhorar seu ndice geral dedesenvolvimento humano foi o aumento da renda, indicador que, num pas comnossa histria, quase nunca vem atrelado distribuio de renda. Assim, nemo PIB, nem o prprio IDH, medidos isoladamente, podem espelhar o quanto umpas solidrio ou promove os direitos humanos. por isso que o PNUD vemdiversificando os ndices que pretendem mensurar o grau de desenvolvimentoe qualidade de vida dos pases, com justia social. Desde o advento do IDH,outros quatro ndices foram criados pelo PNUD: o ndice de Pobreza Humanaem pases em vias de desenvolvimento (IPH-1) e em pases selecionados pelaOCDE (IPH-2); ndice de Desenvolvimento de Gnero IDG e ndice deEquidade de Gnero IEG. Evidencia-se, portanto, que o PNUD est dedicandoespecial ateno aos pases extremamente pobres (ndices IPH-1 E IPH-2) e igualdade de gnero (IGD e IEG). Essa priorizao, evidentemente, no gratuita. Para galgar uma melhor qualidade de vida, mais justia, relaeshumanas mais equilibradas, enfim, o verdadeiro progresso da humanidade, preciso eliminar suas principais mazelas: a pobreza (e desigualdade de renda)e o patriarcado (e desigualdade de gnero).

    A desigualdade entre homens e mulheres e a desigualdade entre os sereshumanos em geral no um problema perifrico dentre as tantas mazelassociais que existem hoje em dia. central. Por isso, tambm devem ser centraise, portanto, prioritrias, as medidas tendentes eliminao das desigualdadesde poder e de renda e a promoo de relaes humanas baseadas no respeitomtuo (e no no poder hierrquico).

    Dentro da ampla gama de medidas tendentes promoo dos direitoshumanos, selecionamos uma delas, que pretenderemos defender, por sua amplaeficcia e polivalncia. Essa medida garantir a prioridade da infncia, combatera pobreza e a desnutrio, diminuir as desigualdades sociais, promover oequi-lbrio das relaes de gnero, colaborar para a igualdade de oportunidadesentre homens e mulheres no mercado de trabalho e, finalmente, diminuir adiscriminao da mu