269
REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM MÚSICA ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ISSN 2317-6776 V.14 - N.2 - 2014

revista do programa de pós-graduação - mestrado em música

  • Upload
    lykhanh

  • View
    355

  • Download
    24

Embed Size (px)

Citation preview

REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM MÚSICAESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

ISSN 2317-6776

V.14 - N.2 - 2014

Esta publicação foi realizada com os apoios:

Volume 14 - Número 2 - 2014

ISSN Impressa: 1676-3939 ISSN Online: 2317-6776

Universidade Federal de GoiásProf. Dr. Orlando Afonso Valle do Amaral(Reitor)

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-GraduaçãoProf. Dr. José Alexandre F. Diniz Filho(Pró-Reitor)

Escola de Música e Artes CênicasProfa. Dra. Ana Guiomar Rêgo Souza(Diretora)

Programa de Pós-Graduação em MúsicaProf. Dr. Carlos Henrique Costa(Coordenador)

REVISTA MÚSICA HODIEConselho EditorialProfa. Dra. Sonia Ray - Presidente (UFG, Goiânia, GO)Prof. Dr. Anselmo Guerra (UFG, Goiânia, GO)Prof. Dr. Aaron Williamon (Royal College of Music, INGLATERRA)Profa. Dra. Cristina Gerling (UFRGS, Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Eliane Leão (UFG, Goiânia, GO)Prof. Dr. Fausto Borém (UFMG, Belo Horizonte, MG)Prof. Dr. Florian Pertzborn (Escola Politécnica do Porto, Porto, PORTUGAL)Prof. Dr. James Grier (University of Western Ontario, CANADÁ)Profa. Dra. Lasse Thoresen (Norwegian State Academy of Music, NORUEGA)Profa. Dra. Louise Meintjes (Duke University, EUA)Profa. Dra. Lúcia Barrenechea (UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Richard Taruskin (University of California, EUA)Profa. Dra. Tânia Lisboa (Royal College of Musica, Londres, INGLATERRA)

Conselho ConsultivoProf. Dr. Ângelo Dias (UFG, Goiânia, GO)Profa. Dra. Beatriz Ilari (University of South California, EUA)Profa. Dra. Catarina Domenici (UFRGS, Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Cesar Traldi (UFG, Goiânia, GO)Prof. Dr. Daniel Afonso (California State University-Stanislaus, Turlock, EUA)Prof. Dr. Daniel Barreiro (UFU, Uberlândia, GO)Profa. Dra. Isabel Nogueira (UFPel, Pelotas, RS)Profa. Dra. Lilia Gonçalves (UFU, Uberlândia, GO)Profa. Dra. Marília Álvares (UFG, Goiânia, GO)Prof. Dr. Marcos Vinicio Nogueira (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Mario Ferraro (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Mikhail Malt (IRCAM, Paris, FRANÇA)Profa. Dra. Mônica Lucas (USP, São Paulo, SP)Profa. Dra. Nancy Lee Harper (Universidade de Aveiro, Aveiro, PORTUGAL)Prof. Dr. Rafael dos Santos (Unicamp, São Paulo, SP)Prof. Dr. Ricardo Freire (UnB, Brasilia, DF)Profa. Dra. Rosane Cardoso de Araújo (UFPR, Curitiba, PR)Profa. Dra. Sonia Regina Albano de Lima (Unesp, São Paulo, SP)Profa. Dra. Valerie Albright (Unesp, São Paulo, SP)

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)(GPT/BC/UFG)

________________________________________________

Música Hodie; Revista do Programa de Pós-gradua-ção Stricto-Senso da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás. Vol. 14 (n. 2, 2014) Goiânia: UFG, 2012.

v.: Il. Semestral Descrição baseada em: Vol. 14, n. 1 (2014)

ISNN 1676-3939

1. Música Periódicos I. Universidade Federal de Goiás. Escola de Música e Artes Cênicas.

CDU: 78(05)________________________________________________

Editor Convidado para o Volume 14 n.2 de 2014Prof. Dr. Florian Pertzborn (Universidade do Porto)

Consultores do Volume 14 n.2Banco de Pareceristas da ANPPOMwww.anppom.com.br

RevisãoFlorian Pertzborn e Sonia Ray

CapaMódulos (Colagem) Samuel Kerr 2012

Editoração:Franco Jr. / FGA Editoração Gráfica

Site: www.musicahodie.mus.brJudson Costa (Webmaster)

A Revista Música Hodie foi criada no PPG Música da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás e é publicada ininterruptamente desde dezembro de 2001 em 2 números por ano. Seu Conselho Editorial é presidido pela Profa. Dra. Sonia Ray desde sua criação e conta com representação regional, nacional e internacional. Desta mesma forma está composto o Conselho Consultivo. Os indexadores da MH são RILM – International Repertory of Music Literature, Arts & Humanity Index, The Music Index (EBSCO), e CAPES-Periódicos Qualis “A1”. A publicação visa incentivar a produção científica e artística sobre Música, particularmente temas relacionados a Performance Musical e suas Interfaces, Composição e Novas Tecnologias, Educação Musical, Música e Interdisciplinaridade, Musicoterapia, Linguagem Sonora e Intersemiose, Musicologia, concentrando-se na produção musical mais recente.

MÚSICA HODIEV.14 - n.2 - 2014ISSN: 1676-3939

Foi com muita curiosidade que aceitei a oportunidade de atuar como editor convi-dado da Revista do Vol. 14 n.2 2014 no âmbito de Cordas em Multiples Contextos.

O grande número e qualidade das submissões que recebi de vários países demons-tram o reconhecimento nacional e internacional da Revista Hodie que mostra uma riqueza das pesquisas em música em desenvolvimento na atualidade.

O presente número conta com trabalhos de alta qualidade de pesquisadores de diversas instituições nacionais e internacionais. Entre os autores estão pesquisadores de Portugal, EUA, Canada e de diversas regiões brasileiras.

Queria agradecer todos os autores que submeteram os seus artigos e aceitaram o de-safio de uma avaliação de alto nível científico e profissional prestados pelos investigadores do Banco de Pareceristas da ANPPOM. Gostaria de agradecer aos Pareceristas ad hoc que prontamente colaboraram no processo avaliativo.

Por fim gostaria agradecer o convite da presidente do conselho editorial da Revista Música Hodie, Profa. Dra. Sônia Ray, pelo convite a da confiança que me ofereceu durante todo o processo da avaliação da presente edição.

Desejamos que todos os leitores possam encontrar neste volume valiosas contribui-ções para seus estudos e pesquisas.

Porto, Outubro/2014

Prof. Dr. Florian PertzbornESMAE - UNIMAE -i2ADS - UP

Universidade do PortoInvestigador Integrado

Editorial

Sumário

Artigos CientíficosDemAnDAs TéCniCAs pArA A mão esquerDA Do ViolonCelisTA nA músiCA ConTemporâneA BrAsileirATechnical Demands on Cellist s Left hand Technique by the Brazillian Contemporary Repertoire

Fabio Soren Presgrave (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN) ...........................................................8Cello DeVelopmenT from GABrielli To ViVAlDiO Desenvolvimento do Violoncelo de Grabielli a Vivialdi

André Luis Giovanini Micheletti (Escola Municipal de Música de São Paulo, São Paulo, SP)William Teixeira da Silva (Escola Municipal de Música de São Paulo, São Paulo, SP) ..................................................... 21

A HisTóriA Do i ConCurso BrAsileiro De Composição De músiCA eruDiTA pArA piAno ou ViolãoThe History of the First Brazilian Contest of Classical Musical Composition for Piano or Classic Guitar

Clayton Vetromilla (Inst. Villa-Lobos da Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ) ............................. 31o ConTrABAixo: um insTrumenTo musiCAl Do nosso TempoThe Contrabass: a Musical Instrument for our Time

Bertram Turetzky (Univ. of California at San Diego; Univ. of California at La Jolla, San Diego, California, EUA)Tradução de Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG) ............................................... 41

A esCriTA iDiomáTiCA De sAlVADor AmATo pArA o ConTrABAixoSalvador Amato’s Idiomatic Writing for the Double Bass

Rodrigo Olivárez (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG) ...............................................................54

NaNcy De BerTrAm TureTzky: CinesioloGiA e práTiCA DeliBerADA DA TéCniCA esTenDiDA arco + Pizz. no ConTrABAixoBertram Turetzky’s Nancy: Cinesiology and Deliberate Practice of the Arco + Pizz. Extended Technique on the Double Bass

Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)Leonardo Lopes (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)Guilherme Menezes Lage (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG) .................................................67

músiCA no proGrAmA mAis eDuCAção: DisCuTinDo A DiVersiDADe DAs práTiCAsMusic in the “Mais Educação” Brazilian Program: Discussing the Diversity of Practices

Maura Lucia Fernandes Penna (Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB) ......................................................84sArGACeiros De ApúliA e orquesTrA De CorDAs: ConTriBuTos pArA umA eTnopeDAGoGiA musiCAlSeaweed Gatherers and a String Orchestra: Contributions for a Musical Ethnopedagogy

Hugo Manuel Soares de Brito (Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, Portugal)Maria Helena Gonçalves Leal Vieira (Centro de Investigação em Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga, Portugal) ...................................................................................................................................... 99

THe preVAlenCe of plAyinG-relATeD musCuloskeleTAl DisorDers (prmsD) AmonG professionAl orCHesTrA plAyersA prevalência de lesões músculo esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) entre músicos de orquestras profissionais

Cláudia Maria Gomes de Sousa (Universidade do Porto, Porto, Portugal)Henry Johannes Greten (Instituto de Ciências Biomédicas - Universidade do Porto, Porto, Portugal)Jorge Machado (Instituto de Ciências Biomédicas - Universidade do Porto, Porto, Portugal)Daniela Coimbra - Coordenadora do Projeto (Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto - ESMAE/IPP - Instituto de Investigação em Artes, Design e Sociedade da Universidade do Porto) ........................................11

AqueCimenTo VoCAl pArA o CAnTo eruDiTo: TeoriA e práTiCAVocal Warm-up in Classical Singing: Theory and Practical Application

André Luiz Lopes de Araújo (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)Teresa Maria Momensohn dos Santos (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)Susana Pimentel Pinto Giannini (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)Fabio Miguel (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, SP)Andréa Petian (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP) ................................................122

o álBum pArA CAnTo e piAno – CinCo peçAs em VernáCulo De HosTílio soAresAlbum for Voice and Piano – Five Pieces in Vernacular of Hostilo Soares

Márcia Maria Reis Teixeira (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)Mauro Camilo de Chantal Santos (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG) .....................................138

ABorDAGem HisTóriCA DAs TéCniCAs esTenDiDAs pArA o sAxofoneHistorical Approach of Extended Techniques for the Saxophone

Kleber Dessoles Marques (Escola Técnica de Artes / Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL) ................................156inVesTiGAnDo proCeDimenTos poéTiCos e esTruTurAis em “proloGue” De GérArD GriseyInvestigating Poetic and Structural Procedures in “Prologue” by Gérard Grisey

Felipe de Almeida Ribeiro (Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba, PR) ..................................................165umA Análise DA esCriTA musiCAl pArA orquesTrA De CorDAs no ArrAnjo De ClAus oGermAn pArA DesafiNaDo (1967) e suA ConTriBuição pArA A BossA noVAAnalysis of the Musical Writing of of Claus Ogerman the String Orquestra Arangment for Desafinado (1967) and its Contribution for the Bossa Nova

Flávio Régis Cunha (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP) .............................................................180mArCo uCCellini’s sonATA oTTAVA op. 4: perspeCTiVes in GroupinG, meTer AnD meTriCAl DissonAnCeA Sonata Ottava op. 4, de Marco Uccellini: Perpectivas em Agrupamento, Métrica e Dissonância Métrica

Eduardo Solá (University of Toronto, Faculty of Music, Toronto, Canadá) ...............................................................199As práTiCAs DeVoCionAis luso-BrAsileirAs no finAl Do AnTiGo reGime: o reperTório musiCAl DAs noVenAs, TrezenAs e seTenários nA CApelA reAl e pATriArCAl De lisBoALuso-Brazilian Devotional Practices at the end of the Ancien Régime: the Musical Repertoire of Novenas, Trezenas and Setenários at the Lisbon Royal and Patriarchal Chapel

Cristina Fernandes (Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal) ......................................................................................................................... 213

A reCepção De DeBussy em espAnHA AVAnços e reTroCessos nA muDAnçA De um pArADiGmA esTéTiCoThe Reception of Debussy in Spain Advances and Setbacks in the Transformation of an Esthetic Paradigm

Maria João Neves (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal) ..... 232

primeira impressãolAnA TAi – “no DiA em que nAsCeu umA AquArelA”

Ivan Eiji Simurra (Universidae Estadal de Camapainhas) .................................................................................. 249

Chamada para artigos, gravações e partituras ................................................................................. 262

Call for articles, recordings and scores .......................................................................................... 266

Normas para formatação das referências ........................................................................................ 267

Arti

gos

Cien

tífi

cos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

8

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Demandas Técnicas para a mão esquerda do Violoncelista na música Contemporânea Brasileira

Fabio Soren Presgrave (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN)[email protected]

Resumo: O presente trabalho discorre sobre alguns dos novos desafios impostos à técnica da mão esquerda do vio-loncelista, pelo repertório contemporâneo brasileiro. Para a análise das novas técnicas foram escolhidos excertos de peças escritas nos últimos vinte anos pelos compositores Alexandre Ficagna, Ignácio de Campos, Silvio Ferraz, Ta-deu Taffarello, Roberto Victório, Rodrigo Cichelli e Rodrigo Lima. Como procedimento metodológico foi realizado um estudo de técnicas e dedilhados propostos por Heinrich Schiff e Darrett Adkins além de textos sobre técnica do violoncelo escritos por autores como Tortelier, Cherniavsky e Zukofsky com a objetivo de gerar exercícios para vio-loncelistas que estejam envolvidos com a perfomance de técnicas estendidas de mão esquerda.Palavras-chave: Violoncelo; Técnicas estendidas; Música Contemporânea Brasileira.

Technical Demands on Cellist s Left hand Technique by the Brazillian Contemporary RepertoireAbstract: This research deals with some of the challenges presented to cellist´s left hand technique by the Brazil-lian contemporary repertoire. For the analysis of the setech niques, pieces by Alexandre Ficagna, Ignácio de Cam-pos, Silvio Ferraz, Tadeu Taffarello, Roberto Victorio, Rodrigo Cichelli e Rodrigo Lima were chosen. The goal of this study was the creation of specific exercises to address those difficulties. As a methodological procedure we studied fingerings and techniques proposed by Heinrich Schiff e Darrett Adkins and analyzed texts about cello technique by authors such as Tortelier, Cherniavsky, and Zukofsky with the goal of proposing exercises for cellists interested in left hand extended techniques.Keywords: Violoncello; Extended Techniques; Brazillian; Contemporary Music.

1. Introdução

A Música escrita nos Séculos XX e XXI para o violoncelo traz consigo novas formas de pensar e utilizar a mão esquerda. Uitti (2007, p. 211) destaca que a mão esquerda foi liber-tada, na música atual, das suas posições tradicionais graças ao cromatismo, quartos de tons, aplicações extremas de vibrato e a cordas duplas e acordes dissonantes ou não.

O surgimento de novos procedimentos técnicos para a mão esquerda do violonce-listafoi possível graças à colaboração de compositores com instrumentistas que transcen-diam qualquer limitação técnica e que, ao mesmo tempo, se interessavam em buscar novas possibilidades para o violoncelo. Segundo Mark Kosower1 (2013): “os grandes pedagogos do Século XX como Janos Starker, Bernard Greenhouse, AndréNavarra, Paul Tortelier,entre outros, formaram verdadeiros “exércitos”de excelentes violoncelistas”. A existência de um expressivo númerode violoncelistas com proficiência técnica em várias partes do mundo permitiu aos compositores a expansão das possibilidades de escrita, pois a mesma ésempre relacionada e de certa forma condicionada àinteração com intérpretes capazes de trazer a música composta do campo da abstração para a performance.

Para apontarmos algumas das novas técnicas da mão esquerda, destacamos como exemplos obras escritas para dois violoncelistas: Mstislav Rostropovich e Sigfried Palm. Ambos proporcionaram aos compositores com quem colaboraram a possibilidade de escre-ver sem preocupação comlimitações técnicas de dedilhados, intervalos e formas de utiliza-ção de pressão (harmônicos, pressão normal e meia-pressão, com combinações diferentes em cordas duplas)

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 08/07/2014 - Aprovado em: 25/07/2014

9

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Nas 12 Hommages A Paul Sacher, encomendadas por Rostropovich, podemos ci-tar peças como: Sacher Variations de Witold Lutoslawsky – que utiliza sequências extensas com quartos de tom, sempre ao redor de uma nota gravitacional (Exemplo 9) –; e a “Puneña 2” de A. Ginastera – onde o compositor escreve passagens que de forma rápida alcançam toda a tessitura do violoncelo.

Figura 1: Puneña nr. 2, op. 45 de Alberto Ginastera (Harawi), pg. 4

Encomendadas por Rospotrovich para o Concurso que levava seu nome em Paris po-demos citar peças como Kottos de Iannis Xennakis – com glissandi que aparecem em veloci-dade rápida, que se distanciam da função tradicional do efeito (portamento de voz) para se aproximar de inflexão da voz remetendo a gritos, soluços e murmúrios – e Spins and Spells de K. Saariaho – peça em harmônicos com scordatura e que utiliza pressão harmônica e pressão normal ao mesmo tempo, bem como trinados entre pressão normal e harmônicos.

Sigfried Palm inspirou compositores como Mauricio Kagel e Bernd Alois Zimmerman. Kagel compôs Sigfriedp que segundo Uitti (2002, p. 215) combina o controle de harmônicos da mão esquerda com “respiração pesada, murmúrios e gemidos”. No Concerto pour violoncelle et orchestre em forme de “pas de trois”, Zimmerman escreve passagens ex-tensas que demandam grande controle da utilização dos microtons.

Figura 2: Microtons no Concerto de B. A. Zimmerman, primeiro movimento, pg. 1

Para esse trabalho escolhemos refletir sobre dificuldades técnicas para a mão es-querda encontradas em peças de compositores brasileiros que utilizem materiais caracte-rísticos da música nova.

Dentre as demandas técnicas apresentadas nas peças contemporâneas, discutire-mos quatro nesse trabalho: a utilização dos intervalos menores que o de semitom, que não fazem parte das formas de digitação automatizadas pelo treinamento tradicional; o uso constante de intervalos como segundas, sétimas e nonas, que requerem um diferente ba-

10

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

lanceamento da mão esquerda; as extensões atípicas e os glissandi usados com uma função distinta do portamento de voz.

2. Aspectos técnicos da mão esquerda destacados

2.1 Intervalos não usuais na tradição musical anterior ao século XX

Os intervalos usados na música atual apresentam dois problemas básicos para o violoncelista: um auditivo e outro de memória muscular. O auditivo se deve ao treinamen-to de percepção musical que em geral os músicos recebem. Nesse processo quase nunca al-cançamos a audição dos intervalos mais comuns da música moderna. O muscular resulta do fato que esses intervalos não são normalmente inseridos no treinamento técnico básico do violoncelista. Podemos observar que intervalos como terças, sextas e oitavas são exausti-vamente estudados nos métodos tradicionais em todas as suas formas e combinações possí-veis no espelho do violoncelo, mas raramente são trabalhados saltos como sétimas e nonas.

Segundo o violinista Paul Zukofsky (1992, p. 2), a preocupação com o conhecimen-to de todos os intervalos já fora exposta há mais de dois séculos:

No que tange aos problemas da mão e do braço esquerdo, algo básico como a sugestão de Geminiani de estudar todos os intervalos dentro da oitava ainda não foi levada a sério após 239 anos! O estudo de todos os intervalos dentro da oitava é benéfico não só para o ouvido, mas também para ‘balancear” a mão, pois fisicamente a inversão de uma oitava (primeiro dedo na corda grave e quarto na nota aguda) é a inversão de uma segunda, o inverso físico de uma terça é uma sétima e de uma sexta é uma quar-ta. Não podemos esperar que estejamos confortáveis com a afinação e os referenciais intervalares da música atual, quando não temos condições auditivas e físicas que anos de estudo de terças, sextas e oitavas fizeram com a música diatônica. Incorporar todos os intervalos em nossa rotina diária de estudo, seria um grande passo adiante para podermos melhor servir a música atual.2

Enrico Mainardi em seus 21 Studien zur Technik dês Violoncellospiels3 abordou inú-meros intervalos em que a formação geral dos violoncelistas é frágil como segundas, sétima e nonas. Como exemplo da tentativa de familiarizar o violoncelista com diferentes interva-los, transcrevemos aqui parte do seu sexto estudo (p. 7, 1976):

Figura 3: Excerto do sexto estudo de Enrico Mainardi

11

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Como exemplo de uma peçacontemporânea brasileira que utiliza os intervalos como os descritos acima, podemos citar a obra Circuncello, de Rodrigo Lima. A peça contém diver-sos intervalos não contemplados no treinamento básico do violoncelista. Demonstraremos aqui um exemplo de um salto de nona e a sugestão de exercícios para a sua solidificação do salto guiado por algo mais comum no treinamento do violoncelista que é a referência das oitavas (relação entre polegar e terceiro dedo):

Figura 4: Exercício sugerido para a peça “Circuncello”, de Rodrigo Lima

Em Chronos III de Roberto Victório encontramos um desafio semelhante. Um sal-to de sétima maior na posição do polegar em que a nota superior deve ser atingida com um forte súbito.

12

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Figura 5: Excerto da peça Chronos III de Roberto Victório com salto de sétima maior nas posições do polegar

O violoncelista Darrett Adkins (2002), professor da Juilliard School of Music, enfati-zava a importância da confiança na memória muscular para o tipo de passagem no exemplo acima. O exercício proposto por Adkins consistia de três etapas: 1 - Tocar a nota mais aguda sustentando-a vigorosamente com vibrato por aproximadamente 30 segundos; 2 - Continuar a sustentar a nota aguda, reparando a abertura do cotovelo, a posição dos ombros, atétrans-formar essa nota na “melhor sensação possível”, 3 - estudar o salto objetivando chegar não ao sol sutenido mas na sensação adquirida nos dois passos anteriores.

Em outra passagem de Chronos III podemos notar uma sequência de sétimas maio-res. Utilizando a constatação de Zukofsky (2002) que a sétima é o inverso físico da terça, um exercício que propomosé o estudo das terças maiores (comuns ao treinamento do violonce-lista) para então realizarmos o estudo das sétimas conforme descrito abaixo.

13

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Figura 6: Exercício proposto para Chronos III de Roberto Victório

2.2 Quartos de Tom

Uma das grandes revoluções na escrita dos Séculos XX e XXI para instrumentos de cordas é a utilização dos microtons. O violoncelo fornece aos compositores uma gama de possibilidades para a utilização desse recurso. Conforme Uitti (p. 216): “os compositores re-centemente se voltaram ao violoncelo como um dos instrumentos preferidos para a escrita microtonal devido ao comprimento de suas cordas e a clareza do timbre”

Para examinarmos melhor o estudo dos microtons realizaremos uma divisão em duas funções possíveis para o aparecimento dos mesmos: uma função melódica e outra harmônica.

2.3 Função Melódica

Os quartos de tom podem possuir uma função melódica. Esse fato se deve ao esgo-tamento do cromatismo, e à influência da música oriental na Música Atual. Para violonce-listas habituados à “afinação expressiva”, a audição melódica dos quartos de tom é uma evo-lução natural dessa técnica. Sobre o conceito de afinação expressiva proposto por Casals, observamos o comentário de Cherniavsky (1952, p. 1):

Casals fala da “justesse expressive”, ou ‘afinação expressiva’, o que ele define como uma forma muito mais natural e articulada do que a que é normalmente empregada. Como ele nota, a afinação regular tem sido muito influenciada pela afinação tempe-rada dos instrumentos de teclado, de tal forma que as notas têm sido consideradas quase que entidades independentes de posições fixas ao invés de diferentes passos de uma linha orgânica. Esses passos, ao invés de serem determinados mecanicamente, ou pelo compromisso artificial da afinação temperada, deveriam responder de forma sensívelàs implicações melódicas e às progressões harmônicas nas quais estão basea-das. Progressões estas que tendem a atrair algumas notas e separar outras.4

O violoncelista francês Paul Tortelier, no seu livro “How I Play, How I Teach” (p. 36, 1975) também comenta sobre os usos dos semitons na afinação expressiva:

Sabemos que afinação absoluta não existe. O que importa é que um equilíbrio satis-fatório seja encontrado na relatividade e atratividade dos sons. A melhor forma de

14

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

obter isto é ser capaz de distinguir claramente as pequenas diferenças determinantes dos três diferentes tipos de semitom, que caracterizam os intervalos. 1 - O semitom diatônico, entre a sensível e a tônica, que será descrito como VS (muito pequeno), 2 - o outro semitom diatônico, que será descrito como S (pequeno), 3 - o semitom cromáti-co que será descrito como L (grande).”5

Uma forma de utilização da função melódica dos quartos de tom pode ser encon-trada na peça “Circuncello” de Rodrigo Lima. Nela o autor usa um processo composicional onde a peça que consiste em uma nota central circundada a notas próximas a ela, incluin-do os quartos de tom. O nome da peça se deve a esse processo composicional. No início de “Circuncello”, a nota Lá é o centro gravitacional sobre o qual são atraídas as diversas notas que a circulam, como Si bemol, lá sustenido (acrescido de quarto de tom), Sol sustenido e Lá bemol (abaixado em quarto de tom).

Figura 7: Excerto da peça “Circuncello”, de Rodrigo Lima

É importante notar que os quartos de tom nesse caso devem ser executados pela memória muscular da mão esquerda, e não atingidos através de glissandi, a não ser que isso seja especificado pelo compositor. Para tal propomos os exercícios abaixo, em que a distân-cia do primeiro para o quarto dedo deve ser uma segunda maior e não uma terça menor como na posição tradicional:

Figura 8: Exercício para a afinação dos quartos de tom

Podemos notar este mesmo tipo de procedimento na peça Sacher Variations, de Witold Lutoslawsky (p. 1, 1980). Ao observarmos o dedilhado proposto pelo editor Heinrich Schiff6 (dedo 1 no si bemol abaixado de quarto de tom, dedo 2 no Si bemol, dedo 3 no si bemol acrescido de um quarto de tom) nós vemos que os quartos de tom precisam ter uma “forma” da mão muito clara, sem que se faça glissandi entre as notas:

15

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Figura 9: Excerto inicial de “Sacher Variation”, de Witold Lutoslawski

Há casos no entanto em que os quartos de tom devem ser alcançados por meio de Glissandi. Na peça Aspidospermapolyneuron, de Tadeu Taffarello (p. 1, 2006), o compositor um uníssono de fás sustenidos entre a primeira e segunda corda que logo é dissolvido pela movimentação de glissando na corda Lá entre fá sustenido aumentado de quarto de tom e mi sustenido aumentado de quarto de tom.

Figura 10: Excerto de Aspidospermapolyneuron de Tadeu Taffarello com a utilização de microtons em glissando

2.4 Função Harmônica

Os quartos de tom podem ser utilizados também com uma função harmônica. Um exemplo dessa utilização está na peça Supreme Fiction de Ignácio de Campos. O compo-sitor se utiliza da seguinte “scordatura”7: Lá quarto de tom acima, Ré, Sol Sustenido e Si Quarto de somacima. Não se trata de uma atração melódica, mas sim, da criação de um es-pectro de harmonias e reverberações no violoncelo. Como exemplo, podemos citar a seguin-te passagem:

Figura 11: Excerto da peça Supreme Fiction, de Ignácio de Campos

16

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Uma forma de abordar o estudo desta peça é utilizar cordas duplas, provenientes dos acordes escritos por Ignácio de Campos, para que seja gerada uma memória auditiva e muscular desta combinação não usual de sons, como no exercício abaixo:

Figura 12: Exercícios sugeridos para “Supreme Fiction”, de Ignácio Campos

2.5 Extensões atípicas da mão esquerda

Na música contemporânea o conceito de extensão é expandido: o uso tradicional da extensão de meio tom é aumentado em um ou mais semitons, fazendo com que o polegar te-nha que ser utilizado de forma rápida e flexível.

Esta situação acarreta um processo completamente novo, não só para a realização das próprias extensões, mas também para se chegar e sair delas, sendo que o relaxamento do polegar nestes casos torna-se imperativo não apenas para se alcançar as notas, mas prin-cipalmente para manter este dedo saudável.

Para o funcionamento das extensões é necessário que os dedos, a mão e o pulso mantenham exatamente o mesmo ângulo em relação ao espelho no momento em que o po-legar for retirado de trás do braço do instrumento. Em outras palavras, ao se executar as ex-tensões sugerimos o ângulo formado com relação ao espelho pelo pulso deverá ser alterado o mínimo possível.

Na peça “Circuncello” (p. 1, 2006), de Rodrigo Lima, sugerimos que o eixo do se-gundo deva permanecer totalmente inalterado com a subida do polegar ao espelho. O po-sicionamento dos dedos deve se dar com tal independência que nenhum deles encoste na corda vizinha.

17

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Figura 13: Exemplo de extensão atípica em Circuncello de Rodrigo Lima

Sugestões de exercícios:

Figura 14: Exercícios sugeridos para a manutenção do eixo do pulso e flexibilidade do polegar

Encontramos outro exemplo de extensão atípica na peça Linha Torta (p. 2, 2007), de Silvio Ferraz, quando temos que tocar um Mi com o polegar na quarta corda e um sol be-mol na terceira corda.

Figura 15: Exemplo de extensão atípica na peça “Linhas Tortas”, de Silvio Ferraz

Para esta passagem complexa, sugerimos o seguinte exercício, para a fixação da me-mória muscular:

Figura 16: Sugestão de exercício para a fixação da memória muscular de uma passagem da peça “Linhas Tortas”, de Silvio Ferraz

18

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

2.6 Glissandi

Os glissandi na música atual têm uma função bem distinta do portamento usado na tradição romântica, o qual imita gestos típicos do bel canto. Na Música Nova eles não funcionam comoponte entre as notas, mas sim, como eventos sonoros específicos, podendo gerar sons multifônicos, diferentes combinações de harmônicos, gestos, entre outras pos-sibilidades. Na música escrita desde o início do Século XX, quando o compositor indica o glissando, significa que o mesmo deve ser realizado logo no início da nota e não no final como na tradição romântica.

Na passagem abaixo, da peça de “Latitudes Emaranhadas” (p. 7, 2002), de Rodrigo Cicchelli, durante os glissandos nos harmônicos artificiais, o terceiro dedo move em velocidades distintas indicadas pelo compositor, esta técnica gera inúmeros tipos de sonsmultifônicos.

Figura 17: Exemplo de glissando extraído da peça “Latitudes Emaranhadas”, de Rodrigo Cicchelli

Na peça Linhas Soltas (p. 5, 2006), de Silvio Ferraz, para violoncelo e piano, pode-mos observar uma utilização complexa dos glissandi. Neste caso, uma das vozes está sem-pre em movimento, a mão é dividida em duas partes, uma que se movimenta ascendente-mente na corda Lá e outra que se movimenta ascendentemente na corda Ré em tempos e momentos diferentes.

Figura 18: Exemplo de glissando extraído de excerto da peça “A quem interessar possa...”, de Vanessa Rodrigues

Figura 19: Exemplos de glissando com ritmos diferentes extraído da peça “Linhas Soltas”, de Sílvio Ferraz

Para treinar diferentes coordenações de glissandi, aberturas e contrações da mão esquerda presentes nesta passagem, propomos o seguinte exercício:

19

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

Figura 20: Exercício com exemplo de coordenações diferentes de glissando

Considerações finais

A música dos Séculos XX e XXI requer do violoncelista um conhecimento ainda mais complexo da “geografia”do espelho do instrumento. Os grandes saltos, a audição e o reconhecimento físico de intervalos, incluindo as divisões menores que o semitom, que não estão presentes no treinamento tradicional do violoncelo, consistem em desafios da técnica de mão esquerda atual.

O estudo das novas técnicas auxilia o violoncelista não somente na performance na Música Nova contemporâneo mas também em peças de outros estilos. Ao desenvolvermos a sensibilidade auditiva e física para os microtons, temos a sensibilidade geral para a afina-ção aguçada. O mesmo pode-se dizer a respeito das extensões atípicas e glissandi solicitados pela Música Contemporânea, eles servem para ampliar as habilidades do instrumentista em todos os tipos de repertório.

As novas complexidades técnicas têm as suas soluções em procedimentos jáesta-belecidos por gerações de violoncelistas, as novas técnicas nesse sentido são expansões da técnica tradicional do instrumento e nessa acepção da palavra o termo estendido ganha sig-nificado especial.

Notas

1 Mark Kosower - Violoncelista Americano, professor do Cleveland Instituteof Music e Primeiro Violoncelo da Cleveland Orchestra

2 Texto Original: “As regards left hand/arm problems something as basic as Geminiani’s suggestion of practicing all the intervals within the octave has still not been taken seriously after only 239 years! The practice of all the intervals is not only beneficial as regards training the ear, but also serves to ‘balance’ the hand, in that the phy-sical inverse of an octave (first finger on lower string, fourth finger on upper string) is a second (first finger on upper string, fourth finger on lower); the physical inverse of a third is a seventh; and that of a sixth is a fourth. We can hardly expect to feel comfortable with the pitch and intervallic concerns of today’s music when we have neither the aural nor physical coziness that the habitual practicing of traditional interval scales (thirds, sixths, octaves and tenths) provides for diatonic music. Incorporating all the other intervals in our daily practice routi-ne would be an enormous step forward in our ability to be of service to today’s music”.

3 21 StudienzurTechnik des Violoncellospiels–Mainardi, E. Ed: Schott, 1976.4 Texto Original: “Casals speaks of “la justesse expressive”, or ‘expressive intonation’ by which he means a far

more natural and articulate than that which is usually employed. As he points out, ordinary intonation has become much too influenced by the equal temperament of keyboard instruments, and in such a way that notes have come to be regarded as almost independent entities of fixed positions rather than as variable stages in an unfolding organic line. Now the stages, instead of being determined mechanically or by the artificial compro-mise of equal temperament, should respond sensitively to their melodic implications and to the harmonic pro-gressions on which they are based – progressions that tend to draw certain notes together and drive other.”

5 Texto Original: “We all know that an absolute intonation does not exist. What matters is that satisfactory equi-librium be found in the relativity and the attractiveness of sounds. The best way to attain this is to be able to distinguish as clearly as possible the minute determining differences between the three kinds of semitones, which caracterise the intervals. 1- The diatonic semitone, between the leading note and the tonic, the smallest of the three, which will be annotated by VS (very small), 2- The other diatonic semitone, which will be annotated by S (small), 3- The chromatic semitone which will be annotated by L (large)”.

20

PRESGRAVE, F. S. Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 8-2011_artigo

6 Heinrich Schiff - Violoncelista e maestro austríaco, conhecido por sua colaboração com compositores como Be-rio, Casken, Henze e Penderecki.

7 Afinação das cordas diversa da usual.

Referências

ADKINS, Darrett. Aula de Mestrado na Juilliard School of Music, 10 de Maiode 2002. Nova Iorque.

CAMPOS, Ignácio de. SupremeFiction. Partitura, São Paulo: Manuscrito, 2006.

CHERNIAVSKY, David. Casals s Teaching of the Cello.Musical Times, Londres, página 1, Setembro, 1952.

FERRAZ, Silvio. Tríptico das Linhas. Partitura. São Paulo: Manuscrito. 2006.

GINASTERA, Alberto. Punenanr 2. Partitura. Londres: Bosey and Hawkes, 1977.

KOSOWER. Mark. Entrevista a Fabio Presgrave no Festival de São Braz do Suaçui (MG). 2013.

LIMA, Rodrigo. Circuncello. Partitura. São Paulo: Ed. Rodrigo Lima, 2006.

LUTOSLAWSKY, Witold. Sacher Variation for Solo Cello. Partitura. London: Chester Music, 1980.

MAINARDI, Enrico. 21 Studienzur Technik des Violoncellospiels. Mainz: Schott Music, 1976.

TAFARELLO, Tadeu. Aspidosperma Polyneuron. Londrina: Manuscrito. 2006.

TORTELIER, Paul. How I Play, How I Teach. 1. ed. Londres: Chester Music, 1975.

UITTI, Frances-Marie. The Frontiers of Technique. In: STOWELL, Robin. The Cambridge Companion to the Cello. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

VELLOSO, Rodrigo Cichelli. Latitudes Emaranhadas. Partitura. Rio de Janeiro: Manuscrito. 1993.

VICTÓRIO, Roberto. Chronos III. Partitura. Cuiabá: Manuscrito, 2000.

ZIMMERMANN, Bernd Alois. Concerto pour violoncello et orchestra en forme de “pas de trios”. Mainz: Schott Music, 1965.

ZUKOFSKY, Paul. Aspects of contemporary technique. In: STOWELL, R. (Ed.). The Cambridge companion to.

Fabio SorenPresgrave - Bacharel e Mestre pela JuilliardSchool em Nova Iorque onde estudou com H. Shapiro e J. Krosnick. Apresentou-se como solista com orquestras como Qatar Philarmonic, Sinfônica Brasileira, Orquestras Sinfônicas do Paraná, Campinas, Espírito Santo, Sergipe, Minas Gerais dentre outras. Atuou como professor convi-dado na Musikhochschule de Münster, RoyalAcademyofMusic - Aarhus, Festival de Campos do Jordão, Folkwan-gUniversitat der Künste-Essen. É Doutor pela UNICAMP e Professor da UFRN.

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

21

12_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 15/05/2014 - Aprovado em: 17/08/2014

Cello Development from Gabrielli to Vivaldi

André Luis Giovanini Micheletti (Escola Municipal de Música de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

William Teixeira da Silva (Escola Municipal de Música de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

Resumo: Esse artigo apresenta uma história do violoncelo como instrumento solista. Desde a primeira obra escrita com esse objetivo, os Ricercare de Domenico Gabrielli, até as Sonatas para violoncelo solo, de Antonio Vivaldi, hou-ve um intervalo de apenas cinqüenta anos, todavia, grandes aperfeiçoamentos técnicos mudaram as maneiras atra-vés das quais o violoncelo poderia ser utilizado na música. Através do conhecimento desse desenvolvimento, vio-loncelistas serão capazes de procurar melhores maneiras de identificar questões técnicas nesse repertório, de modo coerente, assim como músicos em geral poderão apreender sobre os caminhos que levaram o instrumento a figurar como um personagem fundamental na história da música.Palavras-chave: Boccherini; Vivaldi; Violoncelo; Performance histórica; Música barroca.

O Desenvolvimento do Violoncelo de Grabielli a VivialdiAbstract: This paper presents a history of the cello as a soloist instrument. Since the first piece written with this in-tention, Domenico Gabrielli`s Ricercare up to Antonio Vivaldi`s Sonatas there is a gap of only fifty years, but huge improvements have changed the ways the cello was used in music. Through the knowledge of this development the cello player will be able to search for a better comprehension of technical demands of these pieces of music and mu-sicians in general will be able to learn about the paths taken by the instrument to build it up as a canonic character of music history.Keywords: Boccherini; Vivaldi; Cello; Performing practice; Baroque music.

1. The Cello and its Idiom

At the end of the seventeenth century and the beginning of the eighteenth, the school of Bologna in Northern Italy was the birthplace of the violoncello (popularly kno-wn as the cello) as a solo instrument and responsible for its initial technical evolution. The School of Bologna can be divided into two institutions: the Accademia Filarmonica and the Basilica di San Petronio (Saint Petronio Basilica).1 Besides being in the mainstream of the development of cello technique, Bologna was the cornerstone of cello literature. This “new” instrument became popular after passing through Vivaldi’s Venice, coming back from Corelli’s Rome, and finally reaching Lucca, where it found its apogee in Boccherini.

Until fairly recently, performers and scholars assumed that the Ricercate sopra il violoncello ó clavicembalo, written in 1687 by the Bolognese composer Giovanni Battista degl’Antonii (ca. 1610-1698), were the first pieces written for solo cello. The word “sopra” makes us aware that these pieces were in fact written-out continuo parts – as the title says, for violoncello or harpsichord – especially if we take into account the figured bass written in the cello/harpsichord line.2 As further proof, Marc Vanscheeuwijck recently found violin parts for these pieces in the Biblioteca Ducal di Modena (Italy). The continuo parts require relative technically advanced playing by the performer, which is probably why they survi-ved as solo pieces for many years.3

The canzone, the ricercare, and the sonata, common instrumental genres in the late seventeenth century, took vocal music as their departure point. The first true set of pie-ces for cello solo were the Ricercare written in 1689 by Domenico Gabrielli (1640-1690), a composer and cellist born and active in Bologna, otherwise known, because of his size, as

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

22

12_artigothe “Mingéin dal viulunzèl” in Bolognese dialect, or “Minghino del violoncello” in Italian. Mingéin or Minghino means both the diminutive for Domenico and “pinkie.” Until then, the cello was mainly used as a continuo instrument, and often not specified in the music. The cello was by that time smaller in its proportions and faster in response than other common bass instruments.4

Gabrielli composed a group of seven ricercari for solo cello, a Canon for two celli, and finally four pieces for cello and basso continuo, apparently intended as a four-move-ment sonata. These pieces have improvisatory characteristics,5 where the performer mixes chordal and scalar passages.6

Example 1: Domenico Gabrielli, Ricercar No. 2, opening

In the three first beats of Ricercar No. 2, Gabrielli transforms a chord (A minor) into a melody. This technique is used repeatedly throughout the piece, as if the performer were looking for cadences, each of these cadences delineates one section of motivic exploration from another, bringing to us directly to the word Ricerca, which means “searching” in Italian.

The cello literature that emerged in the late seventeenth century also mirrored the violin literature and technique of the time. For instance, Gabrielli’s Ricercar No. 7 uses dou-ble stops (see Ex. 2), just as Biagio Marini did in his violin sonatas. The change of character with the change of meter in between the second and third lines antecipated the function of separate movements less than a decade later.

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

23

12_artigo

Example 2: Gabrielli, Ricercar No. 7, mm. 61-89

Another common form was the canon. Example 3 shows Gabrielli leaving aside the modal texture and going toward a contrapuntal and tonal structure (D major), another step in the evolution of compositional style in that period.

Example 3: Gabrielli, Canon for two celli, opening

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

24

12_artigoGabrielli’s four last ricercari are for cello and basso continuo (see Ex. 4), which can

be taken to be a sonata in four movements. The movements are well defined and all in G major. The opening movement, Grave, is marked at entry 8 in the facsimile and Allegro at entry 9, which can therefore be considered as the second movement. As in most of Corelli’s violin sonatas, the movements are separate. At the end of the Grave there are two measures of Adagio and four measures of Presto, which add expressiveness and freedom. Gabrielli concludes this set of pieces with a singing Largo and a virtuoso gigue-like Presto.

Example 4: Gabrielli, Sonata for cello and continuo, opening

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

25

12_artigoGabrielli’s Ricercari mark the birth of a new role for the cello. After that, Petronio

Franceschini, a contemporary of Gabrielli’s and also employed at San Petronio Basilica, en-couraged other composers to write for the instrument in Bologna and elsewhere.7

2. Other Cellists and Composers of the Time

Franceschini was the first cellist employed at San Petronio, co-founder of the Accademia Filarmonica of Bologna,8 and cellist in a particular ensemble of this Accademia known as the Concerto Grande, a predecessor of the modern orchestra. He was interested in the cello not only as a continuo instrument but also as a solo instrument.

In Modena, the Bononcini brothers, Giovanni (1670-1747) and Antonio Maria (1677-1726), worked as protégés of the Duke of Modena, Francesco II. Both of them studied in San Petronio with masters such as Colonna, Legrenzi, and Franceschini, and both were in close con-tact with the cellists of Bologna. A. M. Bononcini wrote twelve sonatas between 1693 and 1725.9

Among the other virtuosi who appeared in this first stage of cello history was Domenico Galli in Parma. Little is known about him, but there is a treatise on the instru-ment written by him that can be found in the Biblioteca Estense di Modena, Trattenimento musicale del violoncello a solo (1691).10

Angelo Bovi, D. Maria Marcheselli, Benedetto Zavatteri, G. B. Vitali, and Giuseppe Jacchini were cellists in Bologna, connected with the San Petronio Basilica. Clemente Monari and G. B. degl’Antonii were also active in Bologna, but not connected with San Petronio.11

Francesco Alborea (1691-1770), better known as “Francisc(h)ello,”12 was active in Naples and Rome. J. J. Quantz described him as an “incomparable cellist,”13 who was credi-ted with the use of the thumb position (capotasto), described in Michel Corrette’s Méthode théorique e pratique pour apprendre en peu de temps le violoncello dans sa perfection.14

Franciscello’s advanced technique gives us the basis for understanding the bass parts (Violone) in Corelli’s violin sonatas (Op. 5, 1700) – in particular La Folia, which requi-res the use of capotasto, and the violoncello parts in his Trio Sonatas and Concerti Grossi. All these parts have fast runs, melodic lines, and a demanding technique, meeting the des-criptions of Francischello’s playing.

It is important to point out that the pitch in Rome was lower (A = 395). At this pi-tch for larger instruments, the strings would be too loose and lacking enough tension to play demanding technical passages such as fast sixteenth notes, which makes the use of a smaller instrument essential.

Three advanced cellists from this same period were Salvatore Lanzetti in Turin, Franchesco Tedeschini in Mantua, and Domenico Della Bella, cellist and maestro di ca-ppella in Treviso.

3. Cellists in Venice

Venice was an important music center. There cellists were employed in the Basilica di San Marco as maestri de’ concerti, among them Antonio Caldara (ca. 1670-1736), fa-mous composer and responsible for the important influence of Italian music on Austria. He worked in Vienna at the Hofkapelle.

Antonio Vivaldi (1678-1741) was one of the most important composers of operas and instrumental music. He wrote concertos and sonatas for the cello, probably inspired by

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

26

12_artigothe technique of Giacomo Taneschi, a Venetian cellist recognized for his virtuosity in 1706 and hired freelance at San Marco,15 and Antonio Vandini, cello master at La Pietà (1720).16 Vivaldi composed his sonatas around the 1720s and 30s. Six of them (nine survive) appea-red in a first edition in 1740, published by Le Clerc & Boivin in Paris17

The manuscripts of Vivaldi come from different sources. There are two manuscripts of Sonata RV 46 in B-flat major, one from the Musikbibliothek des Grafen von Schönborn-Wiesentheid and the other in the Bibliothèque Nationale, Paris, with different headings for the same movements (see Table 1).

Table 1: Antonio Vivaldi, Sonata RV 46, movements

Sonata RV 46 in B-flat majorfor cello and basso continuo Bibliothèque Nationale Musikbiblio-thek des Grafen

von Schönborn-WiesentheidFirst movement Largo Preludio Largo

Second movement Allegro Allemanda Allegro Third movement Largo LargoFourth movement Allegro Corrente Allegro

Example 5: Vivaldi, Sonata for cello and continuo, RV 46, manuscript from Wiesentheid, I, opening

The first movement of this sonata, in binary form, displays Vivaldi’s vocal treat-ment of the cello, a little like the aria “Sposa son disprezzata,” a da capo aria from his ope-ra Bajazet of 1735.

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

27

12_artigoNote the long notes right in the opening of Ex. 5, and how the cello moves do-

wnwards with faster notes in the second measure of this very example. In the last measure of the first line in Ex. 6, the voice is treated in the same way: long note, then separated faster notes in the first measure of the second line. Ex. 6 has indications of forte for the long notes, and piano for the faster ones, indicating that attention is on the long note. Vivaldi probably used the messa di voce to bring out the color of the instrument or vocal timbre (see Exx. 5 and 6). Also note that in the accompaniment of both examples, there is no movement, so as not to disturb the messa di voce.

It is also important to point out that Vivaldi uses staccato markings under a sin-gle slur. This technique is derived from vocal lines, as in Monteverdi’s “Zefiro torna” from Scherzi musicali (1632), where toward the end of the piece the two tenors perform ascending scales with staccatos under one slur, on the word “canto” (sing).

Example 6: Vivaldi, “Sposa son disprezzata” from Bajazet (the third measure of this ex.)

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

28

12_artigoVivaldi wrote a number of cello concerti, many of them for the students of the

Ospedale della Pietà, where he worked for most of his career. We know that two of them were intended for Teresa, known as La Santina.18

Example 7: Vivaldi, Concerto in G major for Cello and Orchestra, RV 413, first movement (Allegro), mm. 66–98

Vivaldi is using some of the techniques that were idiomatic of the violin, such as ondeggiando (m. 71). Also note the use of three clefs, reflecting a bigger range for the ins-trument, and more demanding and more complicated technique. This shows the rapid pro-gress of cello playing in the half century that had passed since Gabrielli’s compositions.

Conclusions

From this information it is possible to construct an overview of the technical de-velopment of the instrument, as well as understand the development of its musical pos-sibilities. That intrinsic relationship was really outstanding in that period, and it was responsible for make the cello one of the most important musical instruments in history until today.

The supporting role, it was renumbered as protagonist and, for this reason, seve-ral technical and musical demands continued to emerge. Therefore, the same method used

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

29

12_artigohere proceeds to be applied in the interpretation of historical data, based on historical tre-atises about the instrument, so it is possible to figure out the role of the cello in each piece of music history, and cello players today will be able to build more coherent performances to the musical material.

Notas

1 BONTA, 1977, p. 77.2 Cf:VANSCHEEUWIJCK, 1998.3 Cf: http://www.mozart.co.uk/mzusers/pieces/12ric.txt; transcribed from the preface to Dodice Ricercate sopra il

violoncello di G. B. Antonii (Amsterdam: Jolante de Tempe, 1999).4 BONTA, 1978, p 1.5 OSSI, Massimo. (in process of publication).6 Ibid.7 STOWELL, 1999, p. 52.8 Ibid., 52.9 BONONCINI, 1996.10 See http://ntcredazione.sbn.it/upload/sfogliatori/trattenimento/trattenimento.jsp?s=6&l=it.11 COWLING, 1983, p. 65.12 The New Grove Dictionary of Music and Musicians. [ARTICLE ON HIM]13 COWLING, 1983, p. 67. 14 WALDEN, 1998, p. 126.15 SELFRIDGE-FIELD, 1994, p. 251.16 Ibid., 43.17 Antonio Vivaldi, 2003.18 Vivaldi, IX sonate a violoncello. Preface, 27.

References

BONONCINI, A. M. Sonatas for Violoncello e basso continuo, ed. Lowell Lindgren, Recent Researches in the Music of the Baroque Era 77 (Madison: A-R Editions, 1996).

BONTA, Stephen. From Violone to Violoncello, a Question of Strings? In. Journal of the American Musical Instrument Society 3, 1977.

. Terminology for the Bass Violin in Seventeenth-Century Italy” Journal of the American Musical Instrument Society 4 (1978).

COWLING, Elizabeth. The Cello. New York: Charles Scribner’s Sons, 1983.

SELFRIDGE-FIELD, Eleanor. Venetian Instrumental Music from Gabrieli to Vivaldi, 3rd ed. (New York: Dover, 1994),

STOWELL, Robin. The Cambridge Companion to the Cello. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

VANSCHEEUWIJCK, Marc. Preface to Domenico Gabrielli: ricercari per violoncello solo. Padua: Arnaldo Forni, 1998.

VIVALDI, Antonio. IX sonate a violoncello e basso RV 39-47: Manoscritti, Napoli, Biblioteca del Conservatorio San Pietro a Majella, Paris, Bibliothèque Nationale, Wiesentheid, Musikbibliothek des Grafen von Schönborn-Wiesentheid; VI sonates violoncello solo con basso RV 47, 41, 43, 45, 40,

MICHELETTI, A. L. G.; SILVA, W. T. Cello Development from Gabrielli to Vivaldi.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 21-30

30

12_artigo46: stampa di Le Clerc et Boivin, Paris, s.d, Archivum Musicum. Vivaldiana (Florence: Studio per Edizioni Scelte, 2003).

WALDEN, Valerie. One Hundred Years of Violoncello. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

André Micheletti - Bacharel em violoncelo pela UNICAMP, possui duplo mestrado pela Northwestern University, sob orientação do Prof. Hans Jensen e duplo doutorado “Summa cum laude” pela Indiana University, tendo estu-dado com o Prof. Janos Starker. Atualmente é professor na Escola Municipal de Música de São Paulo, no Instituto Fukuda e no Instituto Baccarelli.

William Teixeira da Silva - Bacharel em violoncelo pelo Instituto de Artes da UNESP, atualmente cursa o mestrado na UNICAMP sob orientação do Prof. Dr. Silvio Ferraz e o aperfeiçoamento em violoncelo com o Prof. Dr. André Micheletti, na Escola Municipal de Música de São Paulo. É chefe do naipe de violoncelos da Orquestra de Câmara da USP e professor do Instituto Fukuda.

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

31

13_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 02/03/2014 - Aprovado em: 01/06/2014

A História do i Concurso Brasileiro de Composição de música erudita para piano ou Violão

Clayton Vetromilla (Inst. Villa-Lobos da Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ)[email protected]

Resumo: A história do I Concurso brasileiro de composição de música erudita para piano ou violão co-patrocinado pelo Instituto Nacional de Música da Fundação Nacional de Arte e pela editora Irmãos Vitale revela aspectos da pro-dução musical no Brasil durante a década de 70. Através de levantamento bibliográfico, de pesquisa no acervo do Centro de Documentação da Funarte e da consulta de periódicos da época, descrevemos a competição e estabelece-mos as circunstâncias em que a mesma ocorreu.Palavras-chave: Instituto Nacional de Música; Funarte; Política cultural; Anos 70.

The History of the First Brazilian Contest of Classical Musical Composition for Piano or Classic GuitarAbstract: The history of the First Brazilian Contest of Classical Musical Composition for Piano or Classic Guitar, co-sponsored by the National Institute for Music of National Foundation of Art (Funarte) and the publishers Irmãos Vi-tale, reveals aspects of the musical production in Brazil in the 1970s. By tracing the bibliography, researching the documents of the Centre of Documentation of Funarte and consulting the periodicals of that time, we describe the competition and state its circumstances.Keywords: The National Institute for Music; Funarte; Cultural policies; The 1970ies

1. Introdução

Vinculada ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), a Fundação Nacional de Arte (Funarte) foi instituída pela Lei n° 6.312, de 1975, e regulamentada pelo Decreto nº 77.300, de 1976. Quando do início de suas atividades, o órgão agregava quatro institutos, um dos quais – o Instituto Nacional de Música (INM) – destinado a promover ações para estimular os diversos setores da música brasileira. Entre as atividades desenvolvidas pelo INM, encontramos o I Concurso brasileiro de composição de música erudita para piano ou violão, realizado em copatrocínio com a editora Irmãos Vitale, durante o biênio 1978/1979 na cidade do Rio de Janeiro.

Do total de 108 obras inscritas, dezessete foram pré-selecionadas para a etapa fi-nal, tendo sido premiados os compositores Alberto Kaplan, Maria Helena Rosas Fernandes, Guilherme Bauer, Pedro Cameron, Nestor de Hollanda Cavalcanti e Amaral Vieira. Objeto do interesse da crítica especializada, que situou o repertório do ponto de vista das expecta-tivas contemporâneas, as obras premiadas podem ser consideradas representativas do papel que a música erudita brasileira deveria desempenhar no panorama da Cultura Brasileira. Assim, consideramos que os documentos aqui analisados guardam traços do nosso passado musical e cultural assim como que as críticas e os testemunhos por nós recolhidos ultrapas-sam a esfera dos acontecimentos que se propuseram a narrar de maneira objetiva, revelando nuances do contexto da época.

2. Sobre o concurso

KHALLYHABBY (1979, p. 8) fez um relato sucinto do I Concurso brasileiro de com-posição de música erudita para piano ou violão (doravante, Concurso). Realizado pelo INM em copatrocínio com a editora Irmãos Vitale (doravante EIV), a competição trouxe como ob-

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

32

13_artigojetivo expresso “incentivar a criação de composições eruditas brasileiras” e “imprimir gra-ficamente as obras premiadas para melhor serem divulgadas”. Visando atingir brasileiros, natos ou naturalizados, sem restrição de idade, que poderiam participar com uma única obra inédita em cada categoria, excluída qualquer associação com outro instrumento ou fita magnética, do certame participaram 108 compositores (69 obras na categoria “para piano” e 39 “para violão”, tendo três participantes em ambas as categorias).

A etapa final do evento, ou seja, o recital de julgamento e premiação ocorreu nos dias 12 e 13 de fevereiro de 1979, na Sala Funarte, atualmente Cine-Teatro Belas Artes, Museu Nacional de Belas Artes, Centro, Rio de Janeiro. Edino Krieger (n. 1928), Henrique Morelenbaum (n. 1931) e Marlos Nobre (n. 1939) foram personalidades do meio musical que integraram a comissão julgadora que pré-selecionou as obras inscritas. As peças escolhidas para participar da etapa final do concurso foram avaliadas por uma comissão de premiação integrada por João de Souza Lima (1898-1982) e Yves Rudner Schmidt (n. 1933), além dos três nomes citados anteriormente.

Até o presente momento, identificamos a autoria de três obras inscritas que não foram pré-selecionadas para a fase final do certame: Suíte da epopeia brasileira: peças ca-racterísticas, de Delsuamy Vivekananda de Medeiros (1938-2004), e Bambuí, de Norberto Pinto Macedo (1939-2011), ambas para violão; e Fantasia, de Antônio Gilberto Machado de Carvalho (n. 1952), para piano. Das dezessete obras pré-selecionadas para a etapa final do certame não foi possível identificar, até o presente momento, a autoria de Olé, lione, pseu-dônimo “Marceluan”; Suíte nº 1, pseudônimo “Jean François”, ambas para piano; e Sistema, Informação e Evolução, pseudônimo “Norberto Wiener”, para violão.

A seu respeito, sabemos apenas aquilo que relatou o compositor Ronaldo Miranda (1979, p. 2). Ele esteve presente aos recitais de julgamento e premiação de ambas as catego-rias do Concurso e fez um relato minucioso dos mesmos. Conforme suas impressões, “Com unidade estilística, mas expressivamente repetitiva quanto às soluções harmônicas”, a Suíte nº 1 demonstra ter sido escrita por um compositor talentoso, que conhece linguagem idio-mática do piano, porém, “Se a linguagem é um pouco demodée, e o primeiro movimento se alonga um pouco (apesar de o início belamente projetado), a vitalidade do tempo final e a coerência entre os movimentos consolidam a qualidade da peça”. Por sua vez, Olé, lione, segundo o mesmo crítico, a peça mais longa da categoria piano, se inicia com a delicade-za de uma peça de Robert Schumann, mas envereda “por uma tediosa sucessão de flashes (seriam variações?) gratuitos e nada valorizadores do potencial técnico do instrumento”. Finalmente, Sistema, Informação e Evolução é considerada uma obra arrojada para violão, mas um tanto desarticulada.

Das obras pré-selecionadas, identificamos a autoria de quatro, que não receberam premio. São elas: Serenada, posteriormente catalogada como Op. 113, de Ernst Widmer (1927-1990), e Ciclus, posteriormente revisada e denominada Ditirambo, de Giacomo Bartoloni (n. 1957), ambas para violão; e In tensa ad tensa, posteriormente intitulada Sonata in tensa ad tensa, ou Sonata nº 4, de Henrique David Korenchendler (n. 1948), e Tocata, de Leonardo Secioso de Sá (1954-2011), ambas para piano. A obra Serenada não foi executada por que, na noite anterior, a identidade do compositor inscrito com o pseudônimo “Caramuru”, foi revelada (Ernst Widmer).

Das obras pré-selecionadas para a final, duas receberam menção honrosa, mas não foram publicadas até o presente momento: Vértice e Três peças. A primeira, para piano, posteriormente catalogada como Op. 112, pertence a Ernst Widmer. A segunda, Três pe-ças (extraídas da Suíte, 1975), para violão, pertence a Ernest Mahle (n. 1929). Receberam os primeiros lugares no Concurso e, posteriormente, foram editadas e gravadas em long-play,

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

33

13_artigona categoria piano, as obras Suíte mirim, de José Alberto Kaplan (1935-2009), primeiro lu-gar; Ciclo, de Maria Helena Rosas Fernandes (n. 1933), segundo lugar; e Dirg, de Guilherme Carneiro da Cunha Bauer (n. 1940), terceiro lugar na categoria piano. Na categoria violão, Repentes, de Pedro Bueno Cameron (n. 1948), primeiro lugar; Suíte quadrada, de Nestor de Hollanda Cavalcanti (n. 1949), segundo lugar; Divagações poéticas, de José Carlos do Amaral Vieira Filho (n. 1952), terceiro lugar; Introdução, Ponteio e Toccatina, de Lina (Ângela) Pires de Campos (1918-2003); e Verdades, de Márcio Côrtes da França Pereira (1958-1992), men-ção honrosa.

MIRANDA (1979, p. 2) relata que, após a última prova, os idealizadores do even-to, o compositor Marlos Nobre, diretor do INM, e o empresário Fernando Vitale, diretor da EIV, subiram ao palco para discursar, comprometendo-se em dar continuidade ao projeto, abordando outros instrumentos ou combinações instrumentais, e reafirmando a importân-cia de se editar obras de compositores brasileiros. De fato, a EIV veio a se juntar novamen-te ao INM para promover, durante o biênio 1980/1981, a realização do II Concurso Vitale de composição musical para duo de violino e piano. Contudo, continua Miranda, tais questões mereceriam uma abordagem mais ampla, para além da realização de um concurso anual. Caberia ao INM e à EIV realizarem projetos individuais ou conjuntos, com a finalidade de recuperar e editar “todo um importante acervo” bem como evitar que os compositores atu-ais (jovens ou veteranos) “continuem procurando o estrangeiro ou mantendo-se em manus-critos, por não serem divulgado em seu próprio país”.

O fato de os organizadores do Concurso promoverem a execução das obras finalis-tas foi algo salutar para o esclarecimento da plateia em geral, assim como para que o jul-gamento não ficasse limitado à leitura das partituras pelos membros da banca. Ainda se-gundo Miranda (1979, p. 2), “se esta providência proporcionou uma proveitosa audição das peças para violão (...), não se pode dizer o mesmo dos resultados obtidos pelas interpreta-ções das obras para piano”. Embora, para KHALLYHABBY (1979, p. 8), a “excelente atuação dos intérpretes” tenha contribuído para o sucesso do evento, conforme Miranda (1979, p. 2), as obras para piano sofreram pela ineficiência dos jovens intérpretes (Maria Luiza Corker e Nelson José Góes Neves), cuja falta de familiaridade com o repertório da música contem-porânea, bem como a “maturidade a construir”, interferiu consideravelmente no rendimen-to alcançado na maioria das execuções. Ao contrário, os intérpretes Sérgio Assad e Odair Assad propiciaram uma “proveitosa audição” do repertório violonístico.

Segundo ELLMERICH (1979, p. 6-7), em agosto de 1979, houve o recital de estreia e lançamento da partitura de oito das obras que receberam prêmios no certame, interpreta-das por Achille Guido Picchi (Suíte mirim, Ciclo, e Dirg), ao piano, e Francisco Alexandre de Araújo (Repentes) e Edelton Gloeden (Suíte quadrada, Divagações poéticas e Ponteio e Toccatina), ao violão. Conforme MIRANDA (1980, p. 2), tal programa foi repetido na ci-dade do Rio de Janeiro em 03 de julho de 1980, no Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), trazendo ao piano Ruth Serrão e ao violão os mesmos intérpretes. O re-lato do acontecido em São Paulo, feito por ELLMERICH (1979, p. 6), inclui a transcrição de parte do discurso de Thomaz Verna, diretor do Departamento Editorial da EIV, que, entre outros temas, tratou de afirmar o compromisso da empresa em “trabalhar pela música atra-vés de concursos ou outros meios – em busca de novos valores com o firme propósito de aju-dar ao máximo o aprimoramento da cultura musical brasileira”.

Mais tarde, o repertório editado pela EIV foi gravado em discos produzidos com os auspícios do Pro-Memus vinculado ao INM. Ao abordar as obras vencedoras na categoria violão no Concurso, Moraes (1982, p. 12) pondera que, “recentes e assinadas por composito-res alguns dos quais bastante jovens”, elas não participam efetivamente dos “problemas da

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

34

13_artigocomposição” da atualidade, mas, ao contrário, se apóiam em “fórmulas gastas e melhor ex-ploradas por colegas seus do passado”. BAPTISTA FILHO (1985), por sua vez, considera o repertório como o que de melhor se produziu no Brasil dentro do cosmopolitismo caracte-rístico da música contemporânea.

Em 1985, quando do lançamento pelo selo Pro-Memus do long-play no qual a pia-nista Ruth Serrão interpreta as obras premiadas no Concurso, BATISTA FILHO (1985, p. 3) afirma que o repertório é representativo não só de uma geração de compositores de alta significação para o panorama da nossa música contemporânea, mas também de intérpretes de igual calibre. Horta (1985, p. 3) também destaca a qualidade técnica das gravações e das interpretações da mesma coleção, porém, segundo ele, ao colocar os Prelúdios tropicais, de César Guerra-Peixe (1914-1993), ao lado do repertório premiado no Concurso, Ruth Serrão expõe o quão difícil é elaborar programas com obras exclusivamente brasileiras: “nossos te-mas têm ‘sabor local’ muito forte, como uma manga arrebatada numa alameda de Belém”.

Os textos críticos que acompanham os long-plays de Sérgio Assad (Música nova do Brasil: Sérgio Assad, violão) e Ruth Serrão (Ruth Serrão, piano) não só qualificam e situam a linguagem estética do repertório como também ressaltam a importância do violão e do pia-no para a formação da identidade musical do país. Por exemplo, Escobar (1980) afirma que o primeiro se tornou o intérprete dos sentimentos e a voz mais íntima da expressão nacional: cúmplice e companheiro, ébrio e sóbrio, “autor das madrugadas, recompromissado líder en-tre os jovens músicos e poetas, representativo das linhas curvas e saborosas de um corpo de mulher” e também “legítima presença nas salas de concerto em noites de gala”. Por sua vez, Silva (1984) parte de uma constatação de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) para quem, no século XIX, o Rio de Janeiro era considerada a “cidade dos pianos”, supondo ter sido o fascínio exercido pelas virtudes do instrumento que permitiu o florescimento de personalidades como Luigi Chiaffarelli (1856-1923) e Ernesto Nazareth (1863-1934), duas fi-guras vitais para a história de nossa música popular e erudita.

Tendo levantado fatos e comentários gerais a respeito do Concurso, abordamos a se-guir as críticas que o repertório premiado recebeu quando de seu lançamento. Admitindo que elas expressem parcial, mas coerentemente, o ponto de vista adotado pelos membros da banca, as mesmas nos servem como referencial para deduzir os critérios utilizados pela banca para julgar as obras concorrentes.

3. Sobre os critérios de seleção

Das obras premiadas no Concurso que vieram a ser editadas pela EIV e gravadas pelo Pro-Memus, Introdução, Ponteio e Toccatina e Verdades receberam “menção honro-sa”. Embora MIRANDA (1979, p. 2) tenha considerado a primeira linear e demasiadamen-te curta, por ocasião do recital de lançamento das partituras editadas, Ellmerich (1979, p. 6) considerou Ponteio e Toccatina representativa do nacionalismo “de boa árvore” da compositora. Conforme Escobar (1980), o díptico foi escrito na tradição técnica e expressi-va das obras para violão do compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e, para NOGUEIRA FRANÇA (1980), ambas são peças agradáveis e bem escritas para violão. Segundo Miranda (1979, p 2), Verdades foi a peça que alcançou o intento de adaptar aos recursos técnicos e sonoros do violão certos procedimentos utilizados na música contemporânea, destacando--se também pela concisão e equilíbrio formal, tratamento inventivo, vitalidade e fórmulas rítmicas vigorosas, bem como pela “constante preocupação (ou espontânea facilidade) para renovar o interesse estético”.

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

35

13_artigoDas obras premiadas na categoria piano, Dirg, na visão de ELLMERICH (1979, p.

66), se subdivide em seções organizadas por meio de variações dos motivos apresentados inicialmente. Silva (1984) considera que a composição “é herdeira de concepções constru-tivistas, procurando expressar o som pelo som, através de contrastes dinâmicos, tímbricos e agógicos entre os diferentes motivos e suas modificações”. Para Horta (1985, p. 3), Dirg é uma peça “totalmente original, de violência inspirada, explorando contrastes tímbricos en-tremeados de perorações ardentes”, uma obra “de força poética e imensa liberdade”.

Ciclo é colocada por MIRANDA (1979, p 2) “entre o que de melhor se tem escrito na nossa atual produção para teclado”. Para ele, trata-se da obra que alcançou o melhor re-sultado entre as premiadas na categoria piano, pois a compositora explora com habilidade todo o potencial sonoro do instrumento. Conforme o crítico, “do início elegíaco e grave ao final de intensa luminosidade”, além de desenvolver pequenas células melódicas e rítmicas de maneira competente Maria Rosas Fernandes revela possuir a “noção precisa de estrutura formal e sábia dosagem do binômio repetição-variedade”. Segundo SILVA (1984), a obra é de vertente impressionista, remetendo não só a Claude-Achille Debussy (1862-1918), mas tam-bém a Oliver Messian (1908-1992).

Para MIRANDA (1979, p. 2), Suíte mirim inicia “com o estilo mozartiano-brasileiro” característico das sonatinas do compositor Camargo Guarnieri (1907-1993). Conforme o mes-mo crítico, a peça evidencia a presença de “um autor de sensibilidade e bom trato pianísti-co”, embora careça de virtuosismo (talvez justificável pelo título) e unidade (devido às di-ferentes linguagens utilizadas). Na visão de ELLMERICH (1979, p. 7), a obra se destaca pelo aproveitamento sistemático de “escalas, linhas melódicas e ritmos típicos da música popular e folclórica brasileira, tudo numa perfeita linguagem pianística”. SILVA (1984), por sua vez, localiza a Suíte mirim dentro das correntes nacionalistas do século XIX, ou seja, o composi-tor serve-se de “modelos formais consagrados nos países de tradição musical culta”, embo-ra sua “matéria sonora” possua “exigências próprias que trazem novas cores e enriquecem o conteúdo daqueles modelos, contribuindo, inclusive, para seu alargamento ou modificação”.

Do repertório violonístico premiado, Divagações poéticas, para MIRANDA (1979, p. 2), apresenta “ótimas ideias entre algumas redundâncias e dispersões estilísticas” e, segun-do Ellmerich (1979, p. 7), está estruturada como “constantes metamorfoses, sempre dentro do sentido [presente] no respectivo título”. Escobar (1980) aponta que na obra contrastam momentos coloquiais e episódios livremente estruturados, “como a dizer da memória lon-gínqua do instrumento nas primeiras pátrias”. NOGUEIRA FRANÇA considera que a com-plexidade formal da obra decorre das diferentes subseções apresentadas antes da recapitu-lação do primeiro tema ao final (1980).

MIRANDA (1979, p. 2) afirma que a Suíte quadrada possui como maior qualidade a estruturação harmônica, uma característica pouco encontrada nas obras para violão escu-tadas durante a final do Concurso. Nogueira França (1980) acrescenta que o interesse des-pertado pela peça se deve à sua escrita imaginosa: “dentro das formas de origem popular, a linguagem do autor é perfeitamente atualizada e escrita com incessantes variedades de compassos, enquanto demonstra conhecimento perfeito e criativo das possibilidades violo-nísticas”. Para ESCOBAR (1980), a Suíte quadrada é provocadora e, ao mesmo tempo, irôni-ca. Nos títulos utilizados, as designações “Samba”, “Modinha”, “Valsa” e “Choro” nos reme-tem àquilo que se poderia chamar de uma suíte de danças, canções ou motivos brasileiros; por outro lado, somados, os adjetivos “simétrico”, “tonal”, “quebrado” e “enigmático” denun-ciam tratar-se de uma crítica ou paródia de tais gêneros. Conforme o mesmo comentarista, a obra traz uma valiosa contribuição para a literatura violonística, tendo em vista sua estru-turação composicional, bem como o métier do autor.

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

36

13_artigoRepentes, segundo MIRANDA (1979, p. 2), “começa excepcionalmente bem, com

um verdadeiro deslumbramento de técnica violonística”, entretanto, “o rendimento às ve-zes oscila (as harmonias são pobres), mas voltam inúmeras sequências em que o autor uti-liza com muita propriedade e conhecimento os recursos virtuosísticos do instrumento em sua múltipla variedade”. Para ELLMERICH (1979, p. 6), a obra retrata momentos de emoções diversas, nas quais o compositor explora uma gama variada de recursos técnicos e sonoros do violão. Escobar (1980) afirma que Repentes é uma coleção de verdadeiros e estimulantes estudos para violão, “ricos e inteligentes, vivos e sensíveis”.

Os excertos aqui selecionados denotam o objetivo de localizar o repertório como expressão do estágio de desenvolvimento, ou seja, da elaboração composicional e do refi-namento formal da música erudita brasileira alcançou ao utilizar o piano ou o violão como veículo de expressão. Ao mesmo tempo, por vezes comprometidos com as instituições pa-trocinadoras, os comentaristas colocam-se como responsáveis por confirmar o resultado do Concurso, tecendo apreciações elogiosas sobre o evento como um todo e particularmente sobre o repertório. A única exceção que encontramos é o texto de MORAES (1982, p. 12), que aponta para a existência de outros “problemas da composição”, considerando os proce-dimentos utilizados nas obras premiadas como “fórmulas gastas e melhor exploradas” por outros compositores do passado próximo.

As primeiras impressões a respeito do corpus aqui estudado nos levam a refletir so-bre a capacidade da produção musical erudita brasileira expor e discutir questões significa-tivas para cultura do país, sendo observados três critérios para julgar o repertório inscrito no Concurso. O primeiro, a utilização de recursos técnicos e sonoros idiomáticos ao piano ou ao violão, que se manifestam através de sequências de grande vigor instrumental e vir-tuosidade técnica, embora Suíte mirim seja uma obra pouco virtuosística. O segundo, o do-mínio de aspectos da técnica composicional, que se manifestam na unidade estilística, co-erência entre os movimentos, inventividade e competência artesanal ou estrutura formal, por exemplo. O terceiro, influxos de procedimentos composicionais oriundos do atonalis-mo praticado na música erudita europeia das décadas mais recentes, que se manifestam na presença de elementos dodecafônicos e impressionistas, por exemplo; embora Suíte mirim e (Introdução), Ponteio e Toccatina se notabilizem pela presença de traços da música brasileira nacionalista devido ao aproveitamento sistemático de aspectos normalmente identificados como característicos da música popular e folclórica brasileira.

4. Análise

O ineditismo que se espera encontrar nas obras inscritas em tal tipo de competi-ção normalmente decorre da expectativa dos organizadores de fomentar o repertório con-temporâneo. Temos indícios conclusivos de que Suíte da epopeia brasileira, Bambuí, Ciclus, Serenada, Verdades, Dirg, Suíte mirim, Divagações poéticas, Suíte quadrada e Repentes fo-ram escritas especialmente em virtude do certame. Supomos o mesmo de Tocata, Vértice e In tensa ad tensa, embora não tenhamos tido oportunidade de examinar as referidas parti-turas ou documentos que assim o comprovem. Por outro lado, Fantasia, Três peças, Ciclo e Ponteio e Toccatina (de Introdução, Ponteio e Toccatina) foram escritas por razões diversas.

No catálogo de obras de MAHLE (2008) não há menção a Três peças. Ocorre que, conforme informações prestadas por Maria Aparecida Mahle, esposa do compositor, a obra inscrita no Concurso é uma seleção de três números extraídos da Suíte concluída em 14 de dezembro de 1975, que, na ocasião do certame, ou seja, em 1978, não havia sido editada ou

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

37

13_artigoestreada. O compositor não se recorda de quais movimentos da Suíte foram escolhidos para fazer parte das Três peças.

A partitura editada de Ciclo informa que a composição data do ano de 1977, perí-odo no qual Maria Helena Rosas Fernandes se bacharelou em Composição e Regência pela Escola Superior de Música Santa Marcelina, SP. Tal constatação nos leva a crer que Ciclo foi escrito objetivando cumprir com um dos requisitos para a conclusão do citado curso. A partitura manuscrita de Fantasia informa que a composição data do ano de 1977, perío-do no qual Gilberto de Carvalho estudava no curso de Composição e Regência da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, MG. Tal constatação nos leva a crer que também a Fantasia foi escrita objetivando cumprir com um dos requisitos para a conclusão de um Bacharelado.

O catálogo de obras de LINA PIRES DE CAMPOS (2007) informa que durante o ano de 1977 estava “em preparação” uma obra para violão intitulada Ponteio e Toccatina. Muito provavelmente, com a finalidade de participar do Concurso, a autora incluiu uma Introdução ao díptico. Por um motivo que até o presente momento não pudemos esclare-cer, a obra da compositora que veio a ser publicada pela EIV consta apenas de Ponteio e Toccatina, enquanto o autógrafo da partitura inscrita no certame contém três movimentos: Introdução, Ponteio e Toccatina.

É significativo também que, aos olhos da crítica, um aspecto aproxima Ponteio e Toccatina e Verdades: para executá-las é necessário que o intérprete possua domínio da téc-nica instrumental. Ou, em outras palavras, ambos os compositores obtiveram êxito em pro-por desafios que ampliassem o domínio dos recursos técnicos e sonoros do violão. Sabemos que Campos possuía uma trajetória consistente como compositora de estética nacionalista; e que Côrtes era um jovem violonista, explorando novas possibilidades sonoras oferecidas por um instrumento cuja técnica dominava com desenvoltura. Devemos considerar, porém, dois outros aspectos.

Primeiramente, o fato de ambos terem recebido menção honrosa demonstra que não se sustenta a hipótese de a formação acadêmica na área da composição musical ser um pressuposto suficientemente válido para alcançar domínio dos fundamentos das técnicas composicionais, aspecto passível de ser considerado relevante para selecionar e premiar os participantes de um “concurso de composição de música erudita”. Em segundo lugar, as obras citadas refletem, de maneira singular, um possível embate entre valorizar, de um lado, peças que se mantenham dentro da tradição e dos princípios da música nacionalista ou, de outro, aquelas que tendem a romper com essa tradição, utilizando princípios da mú-sica vanguardista.

Tal singularidade é observada também ao compararmos a trajetória dos composi-tores de Suíte mirim e Repentes, ambos vencedoras do certame. Segundo Kaplan (2004), foi somente a partir da Suíte mirim que começou a levar a sério sua atividade como com-positor, pois, até então, “realizara tentativas que, salvo algumas raras exceções, termina-vam na lixeira”. Devido ao resultado obtido no Concurso, sua atitude mudou. O fato de ter concorrido com compositores consagrados (Ernst Widmer, Guilherme Bauer e Maria Helena Rosas Fernandes) valorizou inegavelmente o prêmio recebido e, ainda conforme Kaplan, esse acontecimento foi determinante para sua carreira como compositor, pois lhe deu “a certeza de que os ‘rabiscos’ que costumava escrever nas horas vagas, tinham al-gum valor”.

Ao contrário, Pedro Cameron, à época, além do livro didático Estudo programado para violão, publicado pela EIV em 1978, já há havia composto outras três obras para vio-lão: Perspectivas, segundo lugar no Concurso internacional de composição para violão, re-

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

38

13_artigoalizado entre os anos 1975 e 1976, e publicado pela editora alemã Zimmermann em 1976; duas Peças, de 1971; e Trilogia, segundo lugar no I Concurso nacional de composição – prê-mio Isaías Sávio, realizado em 1977. De tal ponto de vista, parece uma consequência lógica e inevitável que a obra Repentes tenha obtido o primeiro lugar no Concurso, pois pertence a um compositor e violonista com experiência prévia e bem-sucedida em certames que pre-miavam obras para violão. Tal situação difere bastante daquela na qual Kaplan se encontra-va: um pianista, que se iniciava na carreira de compositor.

Evidentemente, porém, para o Concurso convergem múltiplas esferas de atividades ligadas a produção musical erudita brasileira (instituições, compositores, editores e instru-mentistas, por exemplo), todos interessados em obter ganhos com o seu sucesso. Reunindo os diversos aspectos analisados, concluímos que o corpus estudado expressa a produção de uma parcela de compositores brasileiros com trajetórias distintas que, para atingir seus objetivos, escreveram obras que, acima de tudo, lhes agradaram e refletiam coerentemen-te suas próprias convicções estéticas. Portanto, além de um mecanismo institucional para consolidar a trajetória das entidades patrocinadoras, revela-se a tendência de consagrar uma parcela considerável de nomes ligados às correntes vanguardistas (Côrtes e Cameron, por exemplo), representadas também por membros da banca julgadora (Krieger e Nobre, por exemplo); embora não se descarte nomes cuja obra se notabiliza pelo diálogo com aspectos da música popular e folclórica (Campos e Kaplan, por exemplo), representados também por membros da banca (Souza Lima e Schmidt).

Em tal contexto, durante o período examinado, a expectativa em relação ao papel que a música erudita brasileira deveria desempenhar no contexto da cultura nacional pas-sa pela sua capacidade de estabelecer um diálogo com a contemporaneidade. Ou seja, em-bora não se explicite ou explique de que maneira, os autores aqui arrolados, e também os organizadores do Concurso, almejaram apontar os caminhos a serem trilhados pela música erudita brasileira na busca de um motivo de Arte e Cultura nacional. Surge assim a inda-gação: em que medida a música erudita brasileira expressa e faz representar os anseios da sociedade brasileira? Ou, por outra, qual o setor da sociedade brasileira se faz representar pela música erudita brasilera?

O Concurso teve como destinatários imediatos compositores brasileiros atuantes, fomentando e ampliando as oportunidades para divulgar sua produção através da edição de partituras. Por outro, verificamos que o repertório premiado visava alcançar instrumentis-tas, intérpretes pianistas ou violonistas, interessados em executar música brasileira contem-porânea. Ao mesmo tempo, o certame deveria repercutir também entre um público amplo de consumidores, que frequentam as salas de concerto, bem como entre a crítica que, além de ratificar o resultado, assume o papel de árbitro, defensor e protetor, dos interesses da mú-sica erudita no panorama da cultura nacional.

Em tal contexto, supomos ser o repertório premiado no Concurso aquele que melhor atendeu a parâmetros compatíveis não só com as regras de competitividade no mercado na-cional de venda de partituras, representado pela EIV, mas também com a Política Cultural adotada pelo Governo brasileiro, representado pelo INM. Ou seja, se, de um lado, o perfil de tais instituições (EIV, uma empresa privada, e o INM, um órgão público) pode se confundir com os interesses daqueles que estão a sua frente, de outro, para o certame convergem múl-tiplas esferas envolvidas com a produção e circulação da música brasileira erudita da época. Por exemplo, compositores (membros da banca e concorrentes), patrocinadores (EIV e INM), críticos (que julgaram e descreveram acontecimentos e obras), pesquisadores (que analisa-ram e teceram generalizações sobre o repertório) e intérpretes (os pianistas e os violonistas que se habilitaram a executar o repertório).

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

39

13_artigoConsiderações finais

O Concurso se configura aqui, sobretudo, como uma estratégia para afirmar de-terminadas aspirações a respeito da música erudita brasileira contemporânea. Vinculada ao MEC, a Funarte foi instituída em 1975 e, entre as diversas ações desenvolvidas, rea-lizou o Concurso, em copatrocínio com a EIV durante o biênio 1978/1979 na cidade do Rio de Janeiro. O conjunto de obras premiadas no certame é representativo da produção musical erudita brasileira da época, pelo menos do ponto de vista adotado pelo corpo de jurados do qual participaram figuras proeminentes do setor musical. Ao mesmo tempo, as obras que vieram a ser publicadas pela EIV e gravadas em long-play passaram a ser objeto do interesse da crítica especializada, que as situou do ponto de vista das expec-tativas contemporâneas a respeito da música erudita brasileira no panorama da Cultura Brasileira.

Em tal contexto, verificamos que a disputa, quando da realização do Concurso, se materializa nos prêmios em dinheiro e o contrato com a EIV para a publicação das obras, mas também, ao mesmo tempo, está em jogo uma espécie de selo, ou marca, de “Música Erudita”, segundo a visão do INM, encarregado pela Funarte, setor do MEC, de atender aos anseios do Governo Federal em relação à Arte e à Cultura brasileira contemporânea. As obras premiadas atenderam não só às necessidades expressivas de seus compositores, mas também às expectativas dos setores que promoveram o certame. Entre tais expectativas, fica a certeza de que o repertório premiado não se destinava ao intérprete altamente instruí-do do ponto de vista da técnica pianística ou violonística, nem deveria explorar os recursos mais avançados da escrita contemporânea.

Em resumo, ao contrário da tendência presente nos primórdios do século XX de se defender uma música erudita “do Brasil”, ao final da década de 1970, torna-se neces-sário uma música erudita “para o Brasil”, ou seja, que atinja uma parcela cada vez mais significativa e ampla do público. Por exemplo, o evento foi recebido pelos comentaristas como uma alternativa válida para se ampliar a inserção da música erudita no panorama cultural brasileiro, atendendo aos anseios de compositores, de intérpretes e de um público amplo de interessados. Pressupomos, por conseguinte, que, além da quantia em dinheiro e dos benefícios diretos decorrentes da premiação, para os inscritos estava em jogo a ca-pacidade de se adequar ao regulamento do certame, atender aos critérios da banca julga-dora e atingir os interesses dos patrocinadores, duas prestigiosas entidades de perfil mui-to diverso.

Ao especularmos sobre a contribuição do INM, valorizamos a entidade, quais-quer que sejam as conclusões a respeito dos méritos ou deméritos de iniciativas como a do Concurso aqui apresentado. Através de novas pesquisas, alcançaremos uma consciência mais profunda, ainda que não necessariamente linear, das peculiaridades do período e do papel desempenhado pela Funarte e, em especial, pelo INM no que diz respeito às disputas por afirmar convicções de ordem estética. De tal ponto de vista, o cosmopolitismo do re-pertório contemporâneo (experimental ou vanguardista) pode ser encarado excessivamente preso a modelos já ultrapassados como o dodecafonismo e o serialismo.

Referências

BAPTISTA FILHO, Zito. Com som e selo da Funarte, uma notícia do Brasil atual, O Globo, Rio de Janeiro, ano 61, n.18.914, Segundo Caderno, p. 3, 25 ago. 1985.

VETROMILLA, C. A História do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita para Piano ou Violão.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 31-40

40

13_artigoELLMERICH, Luiz. A primeira audição das obras premiadas no ‘I Concurso Brasileiro de com-posição de música erudita para piano ou violão’ leva numeroso público ao MASP. Jornal da música. São Paulo, Ano 3, n.16, p. 6-7, set.-out., 1979.

ESCOLAR, Ailton. Música nova do Brasil: Sérgio Assad, violão (texto do encarte). Rio de Janeiro: Funarte, p1980. 1 LP MMB 81.022.

FRANÇA, Eurico Nogueira. Festival Villa-Lobos/novembro 1980/21º ano de ausência (1959-1980)/MEC - SEAC - Museu Villa-Lobos. Catálogo. Rio de Janeiro, 1980. 84p.

HORTA, Luiz Paulo. A prata da casa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 95, n.140, Caderno B, p. 3, 26 ago. 1985.

KAPLAN, José Alberto. Livreto do CD Obras para piano. PROCULT, 2004.

KHALLYHABBY, Tonian. Encerramento do ‘I Concurso brasileiro de composição de música erudita para piano ou violão’. Jornal da música. São Paulo, Ano 2, n.12, p. 8, jan.-fev. 1979.

LINA PIRES DE CAMPOS: catálogo de obras. (Brasília: Ministério das Relações Exteriores – Departamento de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica, 1977).

MAHLE, Ernest. Catálogo. Disponível em: <http://www.empem.org.br/catalogo.pdf>. Acesso em: 12 mai. 2008.

MIRANDA, Ronaldo. Piano e violão no concurso da Vitale. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 88, n.315, Caderno B (Música/Em pauta), p. 2, 19 fev. 1979.

MIRANDA, Ronaldo. Um quarteto redescoberto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 100, n.80, Caderno B (Música/Em pauta), p. 2, 27 jun. 1980.

MORAES, J. J. de. Um bom projeto da Funarte, mas que deve melhorar. Jornal da tarde, São Paulo, ano 17, n.5075, Divirta-se, p. 12, 24 jun. 1982.

SILVA, Flávio. Ruth Serrão, piano (texto do encarte). Rio de Janeiro: Funarte, p1984. 1 LP MMB 84.036.

Clayton Vetromilla - Professor de Violão no Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Atuou também na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais e no Conservatório de Mú-sica da Universidade Federal de Pelotas. É Doutor em Música pelo PPGM da UniRio, tendo concluído o Bacharela-do em Música na Universidade Federal de Minas Gerais e o Mestrado em Música (Práticas Interpretativas - Violão) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

41

14_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 17/03/2014 - Aprovado em: 55/04/2014

o Contrabaixo: um instrumento musical do nosso Tempo

Bertram Turetzky (Univ. of California at San Diego; Univ. of California at La Jolla, San Diego, California, EUA)

[email protected]

Tradução de Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Resumo: Estudo panorâmico sobre práticas composicionais e de performance do contrabaixo observadas no repertó-rio pós-1950, especialmente de compositores norte-americanos que trabalharam na escrita idiomática como contra-baixista norte-americano Bertram Turetzky. São discutidas a realização de técnicas de pizzicato, procedimentos de timbre, harmônicos naturais e artificiais, scordartura, surdina e sons vocais, exemplificadas com trechos relevantes do repertório.Keywords: Escrita idiomática para o contrabaixo; Repertório do contrabaixo; Música do século XX.

The Contrabass: a Musical Instrument for our TimeAbstract: Panoramic study about compositional and performance practices of the double bass observed in the post-1950 repertory especially that by North-American composers who worked idiomatic writing with North-Ameri-can double bassist Bertram Turetzky. Several technics, such as pizzicato, timber procedures, natural and artifi-cial harmonics, scordatura, mute and vocal sounds are discussed and exemplified with excerpts from the relevant repertory.Keywords: Idiomatic writing for the double bass; Double bass repertory; Twentieth-century music.

“Turetzky, como um desbravador e sua infatigável energia e expertise, converteu o contrabaixo de instrumento “orquestral” para um importante instrumento solista.” Mario DAVIDOVSKY (s.d.)

1. Introdução do tradutor

Conhecido hoje octogenário Bertram Turetzky (n.1933), Professor Emérito da Univeristy of California - San Diego (UNIVERISTY OF CALIFORNIA AT SAN DIEGO, 2014) há quase duas décadas e meia, por meio de carta manuscrita de 1989, em sua resposta ao primeiro artigo que publiquei no periódico Bass World (da International Society of Bassists). Ali, seu espírito sempre jovial e instigante já me surpreendia ao utilizar canetas de quatro cores, uma para cada parágrafo. Mais de dez anos depois, me enviou outra carta, também colorida (Exemplo 1), na qual falava, sobre o tom “...engajado, que é bom/honesto e neces-sário (eu acho...)...” (TURETZKY e BORÉM, 2000), do artigo que defendia, técnica e musi-calmente, uma nova visão sobre o contrabaixo, artigo que me entregaria para ser traduzido para o português, após ter vindo ao Brasil em 2000.

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

42

14_artigo

Exemplo 1: Trecho da carta manuscrita colorida de Bertram Turetzky a Fausto Borém, na qual se refere ao “tom engajado” do presente artigo, em defesa de uma nova visão sobre o contrabaixo.

Em 2000, Bert participou do 5º EINCO (Encontro Internacional de Contrabaixistas), promovido pela Escola de Música da UFG (Universidade Federal de Goiás),sob coordenação da Profa. Sônia Ray em Goiânia (RAY, 2000), quando ministrou máster classes e se apre-sentou em recital com sua esposa e flautista Nancy Turetzky (veja,nesse volume de Música Hodie, artigo sobre a obra Nancy para contrabaixo solo de Bertram Turetzky). Comigo, Bert (TURETZKY, 1982) deixou um “manuscrito” datilografado com anotações a lápis e cane-ta (Exemplo 2), que é aqui finalmente traduzido, ainda de seu período como professor na Univeristy of Californiaat La Jolla,. Esse texto reflete o espírito de seu livro seminal The Conteporary contrabass (1974, 1989), publicado pela The University of California Press.

Exemplo 2: Trecho do “manuscrito” do presente artigo, datilografado por Bertram Turetzky e com acréscimos a lápis de próprio punho.

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

43

14_artigoA ideia de Bert de escrever um livro de referência sobre a escrita idiomática con-

trabaixo foi um desenrolar natural de sua iniciativa de investir na relação compositor-in-térprete para a criação, no século XX,de um repertório mais idiomático para o contrabai-xo. Como resultado, mais de 300 obras foram escritas para ele, muitas das quais podem ser escutadas com o próprio Turetzky em gravações pelos selos Advance, Ars Nova, Desto, Finnadar, Folkways, Medea, Nonesuch, Takoma, CRI, Serenus e Nine Winds (TUREZTKY e DUFFIN, 1992). A iniciativa editorial de Bert logo se ampliou para cinco outros instrumen-tos (trombone, flauta, clarineta, violão e harpa) na série The New instrumentation series, que teve como objetivo atualizar os métodos de orquestração em relação às técnicas contempo-râneas, série que foi editada pelo próprio Turetzky em parceria como compositor e profes-sor Barney Childs [1926-2000]. Apesar de terem se passado mais de 25 anos, o conteúdo do presente artigo se mantem atualizado em sua quase totalidade e ainda surpreenderá contra-baixistas e demais instrumentistas, maestros e, principalmente, seu principal público alvo, os compositores. Sempre elegante e modesto, mas aguerrido, Bert evitou incluir, no presen-te artigo, exemplos da escrita da idiomática a partir de suas próprias composições, embora tenha criado um importante conjunto de obras, algumas premiadas pela ASCAP (American Society of Composers, Authors and Publishers).

2. Introdução

O contrabaixo, instrumento nobre, mas mal compreendido, é o mais versátil ins-trumento de cordas friccionadas da cultura ocidental. Sua tessitura vai do Dó1 até os har-mônicos artificiais no registro da flauta piccolo, e, mesmo, além disso. Não há instrumen-tos de corda em nossa cultura com um espectro sonoro tão rico. O espectro de intensidades desse enorme instrumento é comparável ao de toda a família do violino e seu potencial de timbres é superior ao do violino, viola e violoncelo. Essa última afirmativa pode soar como uma bravata, mas, caro leitor, por favor, suspenda sua descrença à medida que essa breve introdução dá lugar ao universo único do contrabaixo e, espero, dissipe qualquer sombra de dúvidas. Há ainda outro elemento que deve ser acrescentado: o fato de a maioria dos con-trabaixistas solistas renomados geralmente terem uma atitude experimental e aberta em re-lação à criação de um novo repertório, às técnicas estendidas e [às estéticas da] música do nosso tempo. Atitude essa que não acontece com [a maioria dos] violinistas, violistas e ce-listas. As informações técnicas que se seguem são derivadas de minha experiência com o contrabaixo de tamanho ¾ encordoado com cordas de aço e não se aplicam a instrumentos de dimensões maiores, ou instrumentos com cordas de tripa.

A “herança” do contrabaixo que tem se consistido de transcrições, peças rasas [de conteúdo] ou de obras de virtuosidade barata de “contrabaixistas-compositores” e algumas “pedras preciosas” ocasionais não podem ser comparadas, a rigor, com a riqueza, diversi-dade e variedade do repertório do violino ou do violoncelo. Assim, o conhecimento de pri-meira categoria sobre o contrabaixo que leva a uma cidadania artística, social e psicológica só se consolida com um repertório que pode ser levado em consideração pelos melômanos, musicistas em geral e contrabaixistas, e que tem motivado mesmo os mais conservadores em relação à musica de nosso tempo.

Meu longo e persistente trabalho, desde a década de 1950, em direção à uma expan-são e desenvolvimento de técnicas de performance do contrabaixo, do seu espectro sonoro e desenvolvimento de sua literatura foi resultado da minha não aceitação do meu instru-mento ser considerado um instrumento desajeitado, um primo pobre do violoncelo. Eu que-ria tocar o instrumento com sua individualidade e personalidade sonora e não ser obrigado

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

44

14_artigoa imitar outro instrumento cujo “ideal de som” estava firmemente enraizado na estética do século XIX. Para romper com o cordão umbilical do violoncelo, me voltei para o universo sonoro do oriente, do jazz e de outros instrumentos dedilhados.

3. Pizzicato

O ponto inicial de minha busca foi uma reavaliação das técnicas de pizzicato, trata-do como uma terra árida na música erudita. O pizzicato tem mais de um século de tradição no jazz, cujo ápice considero bem perceptível na interpretação de Scott La Faro [1936-1961] que [com os dedos da mão direita, sem arco] parecia colocar o instrumento em “órbita”. Com ele, a tradicional técnica de pizzicato utilizando apenas um ou dois dedos evoluiu para uma técnica que empregava 4 ou 5 dedos com a velocidade de um guitarrista. Conceitualmente, isso acarretou mudanças enormes. Mas me preocupavam outras questões que não envol-viam agilidade, precisão e velocidade.

Minha direção não foi escolhida em função de velocidade, mas sim, de novas ma-neiras de abordar a cor, o timbre no contrabaixo. Minhas próprias experiências com a técni-ca de pizzicato do jazz me levaram ao pizzicato tremolo, que é reminiscente dos instrumen-tos tocados com plectro, como o oud, o bazzoki e a guitarra flamenca. A primeira ocorrência desta técnica se deu no Concerto for doublé bass alone (1961) escrito para mim por Charles Wuorinen [n.1938]. A partir daí, a técnica do pizzicato tremolo se emancipou na literatu-ra. No seu Ricercar à 3 (1967, publicada em 1973), para contrabaixo solista e fita magnética com duas outras vozes, Robert Erickson [1917-1997] utiliza colorística e massivamente essa técnica, seja em passagens líricas e expressivas (Exemplo 3), seja conbravura (Exemplo 4).

Exemplo 3: Pizzicato tremolo enérgico e virtuosístico em Ricercar à 3, para contrabaixo e fita magnética, de Robert Erickson, [citado em TURETZKY, 1987, p. 22; copyright © University of California Press].

Exemplo 4: Pizzicato tremolo enérgico em Ricercar à 3, para contrabaixo e fita magnética, de Robert Erickson, [citado em TURETZKY, 1987, p. 23; copyright © University of California Press].

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

45

14_artigoOutra técnica de pizzicato aparece no final da década de 1950 com a utilização do

polegar (ao invés dos outros dedos), à maneira de um plectro aumentado, numa tentativa de emular dois dos meus principais heróis da performance musical: o violonista Andrés Segovia [1893-1987] e o alaudista Joseph Iadone [1915-2004; Iadone também tocou o contra-baixo acústico]. O som escuro e cheio que chamei de pizzicato a la guitarra (ou pizz. guitar-ra) permitia uma escrita lírica e sustentada. A primeira utilização significativa dessa téc-nica ocorreu na Monody N.2 for solo doublé bass de George Perle [1915-2009], mostrado no Exemplo 5.

Exemplo 5: Pizzicato lírico com utilização do polegar da mão direita “a lachitarra” em Monody N.2 for solo double bass de George Perle [citado em TURETZKY, 1987, p. 16; copyright © Theodore Presser].

A utilização de registros [como ocorre no órgão de tubos] no pizzicato, assim como no arco, se tornou parte corriqueira nas minhas demonstrações no final da década de 1950 e rapidamente apareceu no [novo] repertório. Richard Felciano [n.1930], por exemplo, uti-liza criativamente os timbres do contrabaixo no duo para flauta (contralto e piccolo) e con-trabaixo intitulado Spectra (1966) [no qual passa de sul tasto para ponticello duas vezes em seguida], como mostra o Exemplo 6.

Exemplo 6: Pizzicato com mudança de timbre (sul tasto para ponticello) em Spectra de Richard Felciano [citado em TURETZKY, 1987, p. 30; copyright © E. C. Schirmer].

O primeiro compositor a solicitar uma diferenciação entre o pizzicato nonespressi-vo e pizzicato espressivo foi Barney Childs [1926-2000] na Sonata for bass alone (1960). No início do segundo movimento, o compositor indica “pizzicato sempre, swing easy” signifi-cando um som escuro, cheio, sem vibrato e direcionalmente para frente [“with drive”]. Na seção central, Childs solicita que o pizzicato seja “legit legato” (“realmente ligado”). Essa preocupação com uma escrita lírica do pizzicato, visionária em 1960, ainda continua até os dias de hoje. Childs abriu uma vertente que merece investigação continuada.

Thomas Fredrickson [n.1928], em Music for the doublé bass alone (1963, publicada em 1969), explora extensivamente as possibilidades das técnicas do pizzicato. Além de tre-chos rápidos à maneira do jazz [como no bebop], há cordas duplas e triplas em pizzicato, pi-zzicati ligado, pizzicati glissando e pizzicati tremolo. Mas o tour de force nessa obra é o em-parelhamento de duas linhas simultâneas: uma linha melódica, tocada pela mão esquerda sozinha, acompanhada por um pedal em tremolo de pizzicato (Exemplo 7), resultando em uma textura a duas vozes que soa semelhante ao som da cítara e da tambura (ou tampura) combinados. A realização da linha da mão esquerda exige uma articulação enérgica dos de-dos sobre o espelho do contrabaixo chamada de fingerslap [também conhecida como ham-meron], que resulta em uma sonoridade que combina os sons do pizzicato e da percussão.

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

46

14_artigo

Exemplo 7: Tremolo de pizzicato e hammeron de mão esquerda simultâneos em Music for the doublé bass alone de Thomas Fredrickson [citado em TURETZKY, 1987, p. 23; copyright © University of California Press].

Mas devemos a Robert Erickson a introdução dessa técnica na literatura do contra-baixo em completa fruição. A reunião do pizzicato do violão, do pizzicato tremolo, do pi-zzicato glissando e do pizzicato de mão esquerda forma um conjunto de técnicas que ocu-pa, e ocupará mais ainda no futuro, um dos aspectos essenciais do potencial idiomático do contrabaixo.

4. Timbre

Quando se pensa em técnicas estendidas, o século XX nos vem à cabeça e, mais ainda, as tendências da assim chamada avant garde. Prezado leitor, não existe essa coisa chamada avant garde. As pessoas de hoje estão simplesmente 75 anos atrasadas no tempo. O padrão é se ouvir e se falar sobre a música do século anterior, numa distorção que é um factual, e não apenas minha opinião. A ideia de que timbre se tornou um importante parâ-metro musical devido aos experimentos do século XX é um mito que resiste aos resultados da pesquisa histórica. O estudo da música ocidental revela que compositores e perfórmeres se preocupavam como a questão do timbre desde os tempos mais antigos. Por exemplo, na Regolarubertina (1542-1543) de Sylvestro de Ganassi [1492-meados do séc. XVI], o primeiro método impresso para viola, podemos ver uma explicação sobre registração [como na mu-dança de timbres do órgão de tubos]. Ele nos diz que tocar sul tasto produzirá efeitos tristes e que a região perto do cavalete, ou seja, sul ponticello, deve ser utilizada para sonoridades mais fortes e duras. Diz também que a região media entre o cavalete e o final do espelho é recomendada para a performance normal, o que ainda continua válido nos dias de hoje, a menos que instrumentistas de cordas insensíveis ou sem formação adequada toquem sem-pre em sul tasto ou sul ponticello!

Há evidências históricas para afirmarmos que a técnica das violas da gamba, com sua rica paleta de timbres e seus “truques de cartas na manga” foram herdadas pela famí-lia do violino no que seria a “nova” técnica. Por exemplo, no Capriccio stravagante N.27 de Carlo Farina [1600-1639], glissandi, collegno e sul ponticello são empregados para represen-tar o latir de cachorros, o miado de gatos e o cantar de galos! A expressão Collegnobattuto apareceu pela primeira vez na música impressa em 1605 com a publicação do [Harke, harke; que faz parte do] Musicall humors [obra também chamada de First pair of ayres] de Tobias Hume [1569?-1645]. Assim, essa prática de performance, desprezada pela maioria dos ins-trumentistas de cordas vivos, não é uma invenção do “diabólico século XX”, mas uma téc-nica que precedeu a aceitação universal da família do violino.

A monumental transformação do piano por Henry Cowell [1897-1965] e John Cage [1902-1992], em um instrumento de produção sonora que vaia desde um gamelão até uma

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

47

14_artigoetérea arpa céltica tem um paralelo com a utilização dos instrumentos de cordas como se fossem instrumentos de percussão. As mãos, enquanto mais prático gerador de som, apre-senta pelo menos cinco pontos anatômicos para tocar: nós dos dedos, pontas dos dedos, unhas, palmas e mão em copo, produzindo, assim, cinco timbres diferentes. Esse cinco pontos podem ser empregados para rap, tamborilar ou bater no braço, tampo, fundo, fai-xas, cavalete, voluta, estandarte ou espelho. As combinações entre essas possibilidades, assim como as numerosas permutações disponíveis quando se usa as duas mãos, dá aos compositores tremendas possibilidades.Entretanto, eu e diversos colegas com instrumen-tos históricos com pedgree somos cuidadosos em relação a tamborilar, bater ou raspar o corpo do contrabaixo. Consideramos uma blasfêmia utilizar baquetas ou o próprio arco para bater em qualquer parte de instrumentos raros e frágeis, exceto em partes [mais re-sistentes] como a voluta ou o estandarte. Mas as técnicas percussivas certamente funcio-nam bem nos contrabaixos modernos, mais saudáveis. Lou Harrison [1917-2003] sintetizou minha posição sobre tocar percussivamente os instrumentos que não são de percussão na nota introdutória de sua Suite for symphonic strings (1961): “Acho que qualquer som que possa ser gerado por um instrumento musical é legítimo, desde eu o método não danifique o instrumento”.

5. Harmônicos naturais e artificiais

Os harmônicos do contrabaixo são esplêndidos [quando comparados aos harmôni-cos das outras cordas orquestrais] devido ao comprimento de corda e a reverberação típicos do instrumento. Eles são um tópico favorito nas minhas palestras e ainda se revelam como um aspecto problemático da moderna performance no contrabaixo.Devo observar que qual-quer harmônico natural pode ser “aquecido” com vibrato, ser tocado com crescendo ou di-minuendo, e praticamente incluir todos os outros processos e técnicas que adicionam ex-pressividade à realização musical. Não há razão para se tocar harmônicos naturais sempre dentro da tradição, ainda pouco desafiada, de “som branco”, com sua uma sonoridade mor-ta! Mas Vincent Persichetti [1915-1987] o faz, ao concluir sua Parable XVIII (Exemplo 8), para contrabaixo sem acompanhamento (1975) de uma maneira enfática ao demandar con-traste nos harmônicos naturais: um trecho expressivo, com vibrato, seguido de uma frase curta que deve ser tocada com “som branco” (white sound). O resultado é bastante efetivo para uma conclusão emocionante dessa que é uma das obras mais importantes para o con-trabaixo sem acompanhamento.

Exemplo 8: Harmônicos naturais no contrabaixo com vibrato e sem vibrato (“whitetone” ou “som branco”) [citado em TURETZKY, 1987, p. 129; copyright © Elkan-Vogel].

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

48

14_artigoEm 1960, descobri como produzir um conjunto de 8 harmônicos transversalmente

às cordas do contrabaixo, ao invés dos tradicionais 4. Ao puxar a corda lateralmente e dire-tamente no nodo do harmônico, pode-se subir a frequência da nota em microtons, um semi-tom ou mesmo, mais do que isso. Com a inovadora Monody II (1962), George Perle tornou-se o primeiro compositor a empregar “harmônicos puxados”. Uma utilização bastante evidente desta técnica pode ser apreciada na seção microtonal de Spectra (1966) para flauta piccolo e contrabaixo de Felciano.

A exequibilidade de harmônicos artificiais geralmente está relacionada com o com-primento de corda, a envergadura e comprimento de mão do instrumentista e o tempo de preparação antes da nota ser tocada. A adoção de cordas de aço facilitou muito a produção sonora dos harmônicos artificiais. Ao nos debruçarmos sobre a época das cordas de tripa, torna-se claro porque ambos Isaia Billè [1874-1961] (1922; 1953) e Franz Simandl [1840-1912] (1984,1987) sugerem que os harmônicos artificiais poderiam – ou deveriam – ser tocados apenas na Corda Sol, a corda mais fina. Hoje, com as cordas de aço e cavaletes mais baixos, os harmônicos artificiais tornam-se disponíveis em todas as cordas do contrabaixo.

6. Scordatura

O procedimento da scordatura tem sido idiomático no contrabaixo desde seu apare-cimento. Os contrabaixistas utilizando contrabaixos de apenas 3 cordas no século XVIII e início do século XIX mudavam a afinação de suas cordas de acordo com a obra a ser tocada, [obras de compositores que, muito mais que hoje, consideravam os efeitos de reverberação das cordas soltas] alternando entre Sol2-Ré2-Lá1, Lá2-Ré2-Sol1, Sol2-Ré2-Sol1 ou Lá2-Ré2-Lá1. O primeiro virtuoso do contrabaixo de renome internacional, Domenico Dragonetti (1763-1846), era conhecido por ser um mestre da scordatura. Ajustes na afinação das cordas do contrabaixo eram demandados pelos compositores e instrumentistas não apenas para faci-litar o tocar em determinadas tonalidades, mas também porque buscavam projeção sonora e interpretações mais solísticas. Assim, os instrumentistas subiam a afinação do contrabai-xo um semitom ou um tom, ou mesmo, uma quarta justa acima, no caso de se utilizar cor-das de solo agudas) para se obter mais “definição” e, mesmo, um brilho semelhante ao do violoncelo.

Essa tradição se mantem viva entre os editores europeus, compositores, pedagogos e toda a gama internacional de contrabaixistas comprometidos com a literatura solo dos sé-culos XVIII e XIX, tão fartamente disponível. Embora eu considere a importância dessa tra-dição de se tocar um instrumento grave como se fosse instrumento agudo [ou em regiões mais típicas dos instrumentos agudos], não mais a considero como a principal abordagem solística do contrabaixo.

A scordatura foi utilizada pelos compositores do século XX principalmente de duas maneiras. O primeiro é o afrouxamento da corda Mi (também chamada de corda IV ou quarta corda) para que a corda solta soe como Mi bemol, Ré, Ré bemol ou Dó, esten-dendo, assim, seu registro mais grave. Entretanto, isso deve ser feito com cautela pois [de-pendendo do tipo de corda]o afrouxamento da corda Mi abaixo do Ré pode deixar a corda sem tensão suficiente e não soar bem. Uma solução para esse problema que tenho utiliza-do com eficácia, desde o início da década de 1960, é empregar, como quarta corda, uma corda Dó ao invés da corda Mi. Esse procedimento foi utilizado por Ralph Shapey [1921-2002] na sua De Profundis (1960) e por Charles Wuorinen no seu Concerto for doublé bass alone (1961).

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

49

14_artigoO segundo procedimento ocorre quando o compositor deseja uma variedade maior

de notas em harmônicos naturais no conjunto de harmônicos parciais das cordas do con-trabaixo [com o contrabaixo tradicionalmente afinado em 4ª justas, há a repetição de notas entre cordas adjacentes; por exemplo, a nota Ré aparece como o 2º e 5º parciais na corda Sol e como o 1º, 3º e 7º parciais na corda adjacente Ré]. Com esse propósito, George Crumb [n.1929] abaixa em um semitom a corda IV, para Mi bemol, no seu Book of madrigals (1965) para soprano, vibrafone e contrabaixo. Cage, por sua vez, emprega uma scordatura cam-biante ao longo da passagem indicada “solo for bass” no seu Concerto for piano and orches-tra (1957-1958). O faz também em outras peças, o que afeta a sonoridade do instrumento, uma vez que a pressão no cavalete muda constantemente, trazendo consigo um colorido mi-crotonal. Uma scordatura bastante interessante é solicitada por Alcides Lanza [n.1929] em Strobo I (1968). As duas cordas de cima são afinadas o mais agudo possível, enquanto que as duas cordas de baixo são afinadas o mais grave possível.

Contrabaixistas de jazz na década de 1950 tinha amoda de afinar o contrabaixo de forma mais aguda – Dó3, Sol2, ré2, Lá1 – uma quarta justa acima da afinação tradicional. Esta prática teve sua origem, muito provavelmente, com o então popular “Chubby” Jackson [1918-2003], para quem a Kay Company construiu alguns contrabaixos de cinco cordas, acrescen-tando o Dó3 agudo ao contrabaixo de quatro cordas. O nível de excelência e virtuosidade no registro agudo e a nova tendência dos compositores de expandirem os registros do ins-trumento diminuíram o entusiasmo desses experimentos e, hoje, pouco se tem ouvido falar sobre essas iniciativas.

7. Surdina

A maioria dos compositores tem noção de como querem que soe um instrumento com surdina. Mas será que estão atentos aos materiais com que as surdinas de contrabai-xo são feitas e como elas soam? Acho que, na verdade, poucos compositores se pergun-tam sobre isso. Como Arnold Franchetti [1911-1993], que demonstrou uma preferência pela surdina de bronze, a qual escutou em um grupo de câmara no final da década de 1950 e, posteriormente, a empregou no contrabaixo em diversas obras de câmara e para orquestra.

De todos compositores que conheço, apenas um se mostrou conhecedor do po-tencial timbrístico das surdinas para contrabaixo. John Cage, no seu Concerto para pia-no e orquestra (1957-1958) solicita três tipos de surdina que possuam timbres diferentes. Entretanto, não especifica os tipos de material [ou nível de contraste entre eles]. Dada a importância do parâmetro timbre na música de hoje, seria muito desejável que os compo-sitores explorassem o potencial dos materiais com que as surdinas são fabricadas [metais como aço e bronze, madeiras como ébano ou jacarandá, borrachas de tamanhos e densida-des diversas].

8. Sons vocais

O conceito de utilização do som vocal como um paradigma acoplado à técnica ins-trumental se tornou cada vez mais significativo e difundido a partir da década de 1960. A utilização desse procedimento se tornou inevitável devido: (1) à busca de novos sons pe-los compositores; (2) às novas relações de colaboração entre compositores e performers e

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

50

14_artigo(3) à curiosidade e envolvimento dos instrumentistas como o potencial timbrístico do seu instrumento.

Uma afirmação reveladora e bem precisa sobre a raison d’être para se usar essas téc-nicas foi a de Donald Erb [1927-2008], que assim me escreveu:

A música é realizada pelo performer. Ela emana dele ao invés de vir do instrumento, sendo o instrumento apenas um veículo. Assim, parece lógico que qualquer som que o performer possa fazer, pode ser utilizado em uma composição.

Os sons vocais podem ser usados de diversas maneiras, incluindo (1) o solfejar ou o cantarolar ou o scatting em oitavas com o contrabaixo [que é um instrumento transpositor de uma oitava], (2) alturas vocalizadas para acrescentar peso, cor ou densidade aos sons do contrabaixo (3) sons da fala para acentuar, articular ou colorir sons instrumentais (4), sons vocais para acrescentar outra linha à linha do contrabaixo. O procedimento de cantar uma linha e tocar outra, diferente, vai além do especulativo [na linguagem tonal] em Automobile (1965) de Russell Peck [1945-2009] (Exemplo 9) ou [na linguagem modal] em Hyacinth de Christopher Rouse [n.1949] (Exemplo 10).

Exemplo 9: Tocar o contrabaixo e cantarolar simultaneamente em linguagem tonal em Automobile de Russell Peck [citado em TURETZKY, 1987, p. 75; copyright © Russell Peck].

Exemplo 10: Tocar o contrabaixo e cantarolar simultaneamente em linguagem modal em Hyacinth de Christopher [citado em TURETZKY, 1987, p. 78; copyright © Christopher Rouse].

Há diversos outros exemplos de efetiva utilização dessa prática: Sonant (1960) de Mauricio Kagel [1931-2008], Pajazzo (1963) de Folke Rabe [n.1935], Double bass at twenty pa-ces (1968) de Pauline Oliveros [n.1932].

Alguns dos mais brilhantes e integrados efeitos dessa natureza podem ser encon-trados em Surrealist studies (1970) de Jon Deak [n.1943], como pode ser apreciado no es-tudo The twosisters, dedicado a Giorgio de Chirico, no qual o compositor especifica no-tas específicas com vogais e consoantes emitidas com som nasal, com voz de cabeça, sem melodia e com murmúrio. Deak chega mesmo a criar uma terceira linha em que o contra-baixo é tocado como instrumento de percussão, batendo ou esfregando a palma da mão no seu tampo], Exemplo 11. A mistura de sons com alturas determinadas ou indetermina-das tanto no contrabaixo quanto na voz abre um grande potencial para a imaginação dos compositores.

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

51

14_artigo

Exemplo 11: The two sisters (Giorgio de Chirico), um dos movimentos do Surrealist studies (1970) de Jon Deak, com sons vocais diversos, simultâneos ao contrabaixo tocado com arco ou utilizado como instrumento de percussão [citado em TURETZKY, 1982, p. 11; copyright © Media Press].

A ideia de utilizar sons da fala, ou seja, incluindo palavras, tem se tornado cada vez mais popular. Dentro dessa tendência, um novo gênero que poderíamos chamar de peças de “talking/playing” (tocar-falar) inclui compositores como Elliot Schwartz [1936], Barney Childs, Boguslaw Schäffer e, citado acima, Jon Deak. Mas talvez o exemplo mais famoso nesse gênero seja Failing, a difficult piece for solo string bass (1975) de Tom Johnson [no qual recorre aos elementos do humor e do desafio, provocando uma intera-ção com a plateia que, invariavelmente ri. Sobre uma linha atonal gradualmente mais complicada do ponto de vista rítmico e melódico, ele solicita que o contrabaixista decla-me um texto falando das dificuldades que vai encontrando ao longo da peça e cuja in-tenção é desafiar que o contrabaixista chegue ao final da peça; veja Exemplo 12, no qual o contrabaixista deve recitar: “...cometendo erros na música. Pelo menos o compositor se sente confiante de que eu, eventualmente, terei problemas, e é por isso que a peça é cha-mada ‘Falhando’...”].

Exemplo 12: Técnica de tocar e declamar simultaneamente na humorística peça Failing, a difficult piece for solo string bass de Tom Johnson [citado em TURETZKY, 1987, p. 91; copyright © Two-Eighteen Press].

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

52

14_artigoComentários finais

Após essa breve introdução ao nobre, mas pouco compreendido contrabaixo, es-pero que tenha ficado claro como a versatilidade do mesmo está sendo redescoberta hoje. Prezado leitor, compreenda que este é apenas uma minúscula parte do espectro sonoro des-se instrumento. Para encerrar, gostaria de apontar que todos os “prazeres sônicos” mencio-nados acima não passariam de mera curiosidade a não ser que funcionem como parte in-trínseca da música. Isso me lembra o comentário de Edgar VARÈSE (2014) quando alguns críticos o associaram a Marinetti, Russolo e os futuristas:

“Os futuristas acreditavam na reprodução literal dos sons; eu acredito na metamor-fose dos sons em música.”“Soli deo Gloris”

Referências

BILLÈ, Isaia. Nuovo metodo per contrabasso. 7 volumes. Milão: Ricordi, 1922.

. Nuovo metodo per contrabasso. Parte 2. Milão: Ricordi, 1953.

DAVIDOVSKY, Mario. Bertram Turetzky. Folder sem data. Del Mar, California, (s.d.).

RAY, Sônia. V Encontro Internacional de Contrabaixistas. Ed. por Paulo Gomes. In: http://www.paulogomes.com.br/veinco.htm (Acesso em 25 de março, 2014).

SIMANDL, Franz. New method for the double bass. Ed. Frederick Zimmermann. v.1. New York: Carl Fischer, 1984.

. New method for the double bass. Ed. Frederick Zimmermann. v.2. New York: Carl Fischer, 1984.

TURETZKY, Bertram. The Contemporary contrabass. 1974.

. The Contemporary Contrabass. Berkeley: University of California Press, 1974.

. The Contrabass: a musical instrument for our time. Original datilografado. San Diego, California: University of California at San Diego at La Jolla, 1982. 12p.

TURETZKY, Bertram; BORÉM, Fausto. Carta de Bertram Turetzky a Fausto Borém. Del Mar, California: manuscrito, 2000.

TURETZKY, Bertram; DUFFIE, Bruce. Contrabassist Bertram Turetzky: a conversation with Bruce Duffie. In: http://www.bruceduffie.com/turetzky3.html (entrevista de 1992 realizada na Northwestern University, EUA).

UNIVERISTY OF CALIFORNIA AT SAN DIEGO. Bertram Turtezky: performance. In: http://musicweb.ucsd.edu/people/people.php?cmd=fm_music_directory_detail&query_Full_Name=%20Bertram%20Turetzky&query_Active_Status=Faculty%203%20Emeritus (Acesso em 21 de abril, 2014).

VARÈSE, Edgar. Excerpts from “Varèse: asketch of the man and his music”. Publicado em The Musical Quarterly, v.52, n.2, Abril, 1966. In: ttp://www.chouwenchung.org/works/varese_ske-tch.php (Acesso em 28 de abril, 2014).

TURETZKY, B.; BORÉM, F. O Contrabaixo: um Instrumento Musical do Nosso Tempo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 41-53

53

14_artigoReferências de partituras

CAGE, John. Concerto for piano and orchestra. New York: C. F. Peters: 1957-1958.

CHILDS, Barney. Sonata for bass alone. New York: McGinnis and Marx, 1960.

CRUMB, George. Book of madrigals. Para soprano, vibrafone e contrabaixo. New York: C. F. Peters, 1965.

DEAK, Jon. Surrealist studies. Para contrabaixo solo. Champaign-Urbana: Media Press, 1970.

ERICKSON, Robert. Ricercar à 3. Para contrabaixo e fita magnética. Berkeley: University of California Press, 1973.

FELCIANO, Richard. Spectra. Duo para flauta (contralto e piccolo) e contrabaixo. Boston: E. C. Schirmer, 1966.

FREDRICKSON, Thomas. Music for the double bass alone. Bryn Mawr: Theodore Presser, 1969.

HARRISON, Lou. Suite for symphonic strings. New York: C. F. Peters, 1961.

JOHNSON, Tom. Failing, a difficult piece for solo string bass. Para contrabaixo solo. New York: Two-Eighteen Press, 1975.

KAGEL, Mauricio. Sonant. Para contrabaixo solo. New York: C. F. Peters, 1960.

LANZA, Alcides. Strobo I, for double bass, miscellaneous percussion instruments, lights, audien-ce and electronic sounds. Manuscrito, 1967.

OLIVEROS, Pauline. Double bass at twenty paces. Baltimore: Smith Publications, 1968.

PECK, Russell. Automobile. Manuscrito, 1965.

PERLE, George. Monody N.2. Para contrabaixo solo. Bryn Mawr: Theodore Presser, 1962.

PERSICHETTI, Vincent. Parable XVII. Para contrabaixo solo. Bryn Mawr: Elkan-Vogel, Inc. 1975.

RABE, Folke. Pajazzo. 1963. Manuscrito, 1963.

ROUSE, Christopher. Hyacinth. Para soprano, flauta, contrabaixo e percussão. Manuscrito, 1974.

SHAPEY, Ralph. De Profundis. Para contrabaixo solo e instrumentos. Manuscrito, 1960.

WUORINEN, Charles. Concerto for double bass alone. Para contrabaixo solo. New Tork: American Composers Alliance, 1961.

Bertram Turetzky - Professor Emérito da University of California - San Diego at La Jolla, foi um dos principais res-ponsáveis pelo renascimento do contrabaixo após a Segunda Guerra Mundial, enquanto um instrumento autôno-mo. Lançou discos como solista no contrabaixo pelos selos Advance, Ars Nova, Desto, Finnadar, Folways, Medea, Nonesuch e Takoma. Publicou o livro The Contemporary Contrabass (University of California Press, 1974/1987), referência internacional da moderna escrita idiomática do instrumento. Recebeu mais de 300 novas obras para contrabaixo devido ao seu trabalho junto a compositores dos EUA, França, Alemanha, Polônia, Austrália, México e Espanha. Como compositor, escreveu diversas obras para o contrabaixo solista sem acompanhamento.

Fausto Borém - Professor Titular da UFMG, onde criou o Mestrado em Música e a revista Per Musi (Qualis A1 na CAPES e indexada no SciELO). Como solista no contrabaixo, tem representado o Brasil nos principais eventos internacionais de contrabaixo (Berlim, Paris, Londres, Edimburgo e diversas universidades nos EUA), nos quais apresenta suas composições, arranjos e transcrições. É autor de dezenas de artigos sobre práticas de performan-ce na música erudita e popular. Traduziu e publicou artigos de teóricos como Nicholas Cook, Philip Tagg, Keith Swanwick, Murray Schafer com Victor Flusser, Daniel Leech-Wilkinson, Deborah Mawer, Katherine Williams, Sarah A. Etlinger, e de contrabaixistas como Stuart Sankey, Tobias Glöckler e Anthony Scelba.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

54

15_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 20/05/2014 - Aprovado em: 22/04/2014

A escrita idiomática de salvador Amato para o Contrabaixo

Rodrigo Olivárez (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Resumo: Estudo sobre a escrita idiomática do compositor-contrabaixista argentino Salvador Amato (1928-1994), observada nos manuscritos e edições de seu conjunto de seis obras de concerto para contrabaixo (Fantasia Concer-tante, Habanera, Sonatina, Malambo, Variaciones Rapsódicase Carnavalito). A partir de entrevistas com ex-alunos de Amato e textos publicados, são levantados dados que explicam sua abordagem pedagógica, que inclui elementos programáticos, técnicas tradicionais e estendidas. A análise de sua escrita idiomática em trechos de sua obra revela um compositor preocupado com a expansão do repertório e ensino de seu instrumento e, ao mesmo tempo, atento à cultura musical de seu país.Palavras-chave: Salvador Amato; Escrita idiomática para contrabaixo; Música argentina para contrabaixo.

Salvador Amato’s Idiomatic Writing for the Double BassAbstract: Study about the idiomatic writing of Argentinean double bassist-composer Salvador Amato (1928-1994), observed in his six recital pieces for double bass (Fantasia Concertante, Habanera, Sonatina, Malambo, Variaciones Rapsódicas e Carnavalito). Data from interviews with Amato’s ex-students and published texts explain his pedagogi-cal approach, which includes programmatic elements, and both traditional and extended techniques. The analysis of his idiomatic writing in excerpts of these works reveal a composer concerned with the development of the double bass repertory and teaching in Argentina and attention to the musical culture of his country.Keywords: Salvador Amato; Idiomatic writing for the double bass; Argentinian music the double bass.

1. Introdução

O argentino Salvador Amato foi contrabaixista da Orquestra Sinfônica da Universidad Nacional de Cuyo (UnCuyo) e da Banda Sinfônica da província de Mendoza, onde nasceu, tornando-se professor de contrabaixo da UnCuyo em 1959. Um dos primeiros obstáculos que encontrou foi a ausência de materiais didáticos para ensinar seu instrumen-to. A distância dos modelos de ensino europeus e o repertório restrito do instrumento difi-cultavam a criação de uma cultura do contrabaixo na Argentina, um cenário adverso que também podia ser observado mesmo em cidades universitárias, mesmo na sua Mendoza (REY, 2003, p. 25). Para minimizar esse problema, Amato buscou se inteirar da realidade local, a partir de músicos referenciais de Mendoza ou que visitavam a região. A partir daí, começou a organizar estratégias para criar uma “escola de contrabaixo” argentina para seus alunos, especialmente visando suprir a falta de literatura. Para isso, compôs exercícios, es-tudos e obras que lhe permitiam trabalhar elementos técnicos musicalmente em sala de aula e, mesmo, serem apresentadas ao público em geral nos palcos pelos alunos e por ele mesmo (MELCHIORI 2010, p. 28). As estratégias de Amato podem ser vistas como parte de um processo didático no ambiente universitário da música, que se tornou mais comum nas últimas décadas do século XX, nos quais professores e alunos se mobilizam em frentes de estudo e pesquisa para solucionar carências, eles mesmos, por meio da interação de diver-sas áreas: performance, criação, análise, história, educação, integração entre música erudita e música popular (BORÉM, 2006, p. 46).

No presente artigo, buscou-se primeiramente levantar a literatura correlata, espe-cialmente as fontes primárias, ou seja, as obras musicais escritas por Amato. Também fo-ram relevantes as fontes secundárias constituídas de monografias e artigos, como o texto de

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

55

15_artigoCarolina MELCHIORI (2010) no periódico Bass World da International Societyof Bassists e monografias de Jimena REY (2003) e Ariel OJEDA (2003), ambas relacionadas à vida e obra do compositor. Por outro lado, foram conduzidas entrevistas com os seguintes ex-alunos de Amato: seu sucessor e atual professor de contrabaixo na UnCuyo Omar ARANCIBIA (2012), os contrabaixistas José Luis FERREYRA (2012) e Fernando POBLETE (2013), ambos na Espanha atuando como contrabaixistas da Orquestra Sinfônica de Madrid (OSM); e o contrabaixista Norberto JUEZ (2012), hoje contrabaixista da Orquestra Sinfônica de Santa Fé, Argentina. Finalmente, foram extraídos e analisados trechos selecionados das obras de Amato, a partirdos manuscritos e edições existentes, em função de seu significado dentro da técnica idiomática do contrabaixo, da natureza programática e da variedade de recursos que inspirou o compositor.

2. As obras para contrabaixo de Salvador Amato

O trabalho de Salvador Amato representou um grande avanço no ensino do con-trabaixo em Mendoza. Quando assumiu a cadeira de professor de contrabaixo na UnCuyo em 1959, logo passou a recorrer diferentes elementos idiomáticos que seriam úteis nas aulas de contrabaixo, nas apresentações de seus alunos de música de câmara e nos seus recitais concertos como solista (REY, 2003). Salvador Amato escreveu seis obras para contrabaixo e piano durante um período de 18 anos, de 1967 a 1985 (REY, 2003, p. 19, 25): a Fantasia Concertante, a Habanera, a Sonatina, o Malambo, as Variaciones Rapsódicase o Carnavalito. Todas essas peças foram escritas para afinação de solista (Fá#1, Si1, Mi2, Lá2; um tom aci-ma da afinação orquestral). Em1983, escreveu dois estudos de contrabaixo solo: o Estudio Capricho e o Estudio Concierto. Embora MELCHIORI (2010, p. 28) mencione uma peça cha-mada Concerto em Do Major, o paradeiro dessa obra é desconhecido. Além dessas obras que visam sua apresentação pública, Amato também deixou o Método para contrabaixo (FERREYRA, 2012), escrito em 1981, de finalidade apenas didática. De todas as suas obras para contrabaixo, a Fantasia concertante foi a única publicada comercialmente, o que ocor-reu em 1971, pela Editorial Korn de Buenos Aires.

Os manuscritos das seis obras de concerto de Amato estão em bom estado de con-servação, e se encontram em acervos da família do compositor; da pianista acompanhadora do Amato Beatriz Lhin Piottante; e de seus alunos (Exemplo 1).

Obras ano instrumentação/arranjo Exemplares Localização Outros dadosFantasia Concertante

1967 - Contrabaixo e Piano - Contrabaixo e Orquestra Sinfônica

Manuscritos: - partes contrabaixo e piano - Grade e partes solo e orquestra

MendozaSanta FéBuenos Aires(Argentina)

Dedicatória ao ex-aluno Angel Ridolfi

Habanera 1973 - Contrabaixo e piano- Contrabaixo e Orquestra de cordas

Manuscritos: - piano, partes e contrabaixo solo

MendozaSanta Fé(Argentina)

Arranjo para contrabaixo e orquestra de cordas (arr. Osvaldo Larrea)

Sonatina 1978 Contrabaixo e piano Manuscritos: - contrabaixo e piano

Mendoza(Argentina)

Não tem arranjo para orquestra

Malambo 1978 - Contrabaixo e piano- Dois contrabaixos e piano- Dois contrabaixos e Orquestra

Manuscritos:- parte de piano- Edição do José Luis Ferreyra para dois contrabaixos e piano/orquestra

Mendoza(Argentina)Madrid(Espanha)

A criação da versão para dois contrabaixos homenageia Amato após sua morte (1996)

VariacionesRapsódicas

1981 - Contrabaixo e Piano- Contrabaixo e Orquestra de cordas

Manuscrito: - contrabaixo, piano/Edição digital Omar Arancibia

Mendoza(Argentina)

O arranjo para orquestra foi criado pelo compositor Carlos Barraquero

Carnavalito 1985 - Contrabaixo e Piano Manuscrito: - piano.- Revisão e edição José Luis Ferreyra

Mendoza(Argentina)Madrid(Espanha)

Não tem arranjo para Orquestra

Exemplo 1: Lista das seis obras de concerto de Salvador Amato, com data de composição, tipo de instrumentação ou arranjo, tipo de manuscrito e outros dados.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

56

15_artigo3. A escrita idiomática de Salvador Amato para o contrabaixo

Nas seis peças de concerto, Salvador Amato recorre a elementos diversos da escri-ta idiomática do contrabaixo, dos quais apresentamos alguns mais relevantes por categoria de técnica utilizada.

3.1 Virtuosidade do arco

Já na primeira das peças de Amato, a Fantasia Concertante, se percebe uma forte influência da música cigana, via repertório erudito, com claras referências às Árias ciga-nas para violino e orquestra de Pablo Sarasate (1844-1908). Amato inclui passagens vir-tuosísticas que se assemelham aos elementos virtuosísticos do violino, como os trechos que percorrem grandes extensões, atravessando registros contrastantes do contrabaixo, por exemplo, indo do Sib5

1 na região super-aguda do contrabaixo até um Dó2 # na região grave, retornando novamente à região super-aguda, finalizando em um Sol4 com fermata (Exemplo 2).

Exemplo 2: Trecho virtuosístico do contrabaixo (c.8-9) na Fantasia Concertante de Salvador Amato, em que ele vai do registro super-agudo até o registro grave e retorna ao registro super-agudo.

Nas Variaciones Rapsódicas, Amato também utiliza o contrabaixo virtuosistica-mente, como no insistente e enérgico ritmo do primeiro motivo temático da obra (Exemplo 3), com cromatismo na região aguda do contrabaixo, entre o Sol3 e o Sol4.

Exemplo 3: Motivo temático inicial (c.50-56) das Variaciones rapsódicas de Salvador Amato, com utilização virtuosística do contrabaixo em cromatismo na região aguda.

Em uma passagem cadencial da Fantasia Concertante, Amato utiliza um golpe de arco,sobre o nome do qual seus alunos divergem:FERREYRA (2013) o chama de spiquetato volante, enquanto que REY (2000) e ARANCIBIA (2006) o chamam de staccato volante. Na terminologia das arcadas do violino, mais consolidada historicamente do que a do contra-baixo, poderíamos pensar em uma combinação de duas arcadas: o ricochet2 e o bariolage3. Em que pese aqui essa disparidade em relação à terminologia de arcadas, há uma concor-dância em relação à sua realização, corroborada na tradição oral que se estendeu de Amato até seus alunos citados acima. A mão esquerda, montada sobre fôrmas de cordas duplas, muda balisticamente de posição em posição, do agudo para o grave. Já ao arco, sempre com um movimento flexível do punho, recebe um impulso vertical enérgico na corda mais agu-da (Corda Sol), como no ricochet, e imediatamente, usando a inércia do arco em movimen-to, faz o cruzamento de corda para a corda mais grave adjacente (Corda Ré), como no bario-lage e, depois retorna à corda mais aguda (Exemplo 4). A transição entre esses movimentos de mão direita é mais comum no violino, mas pode ser adaptado idiomaticamente à técnica

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

57

15_artigode arco do contrabaixo. FERREYRA (2014) afirma que, no caso do contrabaixo, é mais fácil fazer essa combinação de ricochet e bariolage na região meio-ponta do arco.

Exemplo 4: Trecho da Fantasia Concertante (c.22-25), em que Salvador Amato utilizava a arcada ricochet-bariolage (também chamada de spiquetatovolante ou staccato volante pelos alunos de Amato), como elemento de virtuosidade no contrabaixo.

Nas Variaciones Rapsódicas, o compositor pede que o final da obra seja tocado com a arcada saltellato4, primeiro em uma corda e, depois, em cordas duplas, Se bem resul-te em uma escrita idiomática, aqui o deve estar atento à dificuldade de percorrer registros diferentes e manter uma sonoridade uniforme com o arco saltando transversalmente à cor-da (Exemplo 5).

Exemplo 5: Arcada virtuosística de Salvador Amato nas Variaciones rapsódicas (c.248-255): saltellato simples e em cordas duplas na região aguda do contrabaixo.

Outra arcada virtuosística utilizada por Amato é o piquetato5, que segundo ARANCIBIA (2012), o compositor-contrabaixista admirava como elemento expressivo, uti-lizando-a na Sonatina, em gestos escalares descendentes conectados por ligaduras de ex-pressão, indo do registro agudo ao registro médio (Exemplo 6). Para executar o piquetato, o instrumentista deve fazer o arco saltar na corda, ajudando cada salto com um movimento de pronação do antebraço, ajudado pelos dedos (SALLES, 1998, p. 132).

Exemplo 6: Arcada piquetato nos registros agudo e médio do contrabaixo (c.27-29) na Sonatina de Salvador Amato.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

58

15_artigo3.2. Recursos expressivos românticos

Amato fez parte de uma geração muito influenciada esteticamente pelo Romantismo e, por isso, dois recursos expressivos de mão esquerda aparecem em várias de suas obras: o glissando e o portamento. Na criação da Habanera, peça que nasceu de uma “brincadeira”, em uma improvisação, Amato partiu de um motivo temático ao qual foi acrescentando elementos até sua forma final (REY, 2003, p. 28). Nas aulas de contra-baixo, Amato utilizava esta peça para que o aluno reconhecesse a diferença entre glissan-do e portamento (JUEZ, 2012). Como os significados desses termos são muito próximos e intercambiáveis, dependendo do período histórico ou da linguagem (erudita e popular, por exemplo), recorremos a CLIFFORD (1911), por ser uma fonte do início do século XIX (período esteticamente próximo ao Romantismo tardio de Amato) e refletir uma diferença entre essas duas práticas de performance.6 Notacionalmente, Amato explicita o glissan-do com uma linha reta conectando duas notas (Exemplo 7), enquanto que o portamento é apenas sugerido por uma ligadura de expressão (ou de articulação; Exemplo 8). Tanto o glissando quanto o portamento geralmente ocorrem em intervalos de quarta justa ou quin-ta justa dentro da primeira oitava da Corda I (Sol2 a Sol3), o que sugere implica em saltos significativos da mão esquerda.

Exemplo 7: Portamento no intervalo Lá2- Ré3 na Corda I do contrabaixo (c.7-8) na Habanera de Salvador Amato.

Exemplo 8: Glissando no intervalo Lá2- Ré3 na Corda I do contrabaixo (c.99-100) na Habanera de Salvador Amato.

Outro recurso expressivo típico do Romantismo é a alteração do tempo na realiza-ção rítmica de um trecho. Na Habanera, Amato recorre ao rubato7 antes do final da casa 1 (c.15-18), para enfatizar as bordaduras em quiálteras sobre nota Lá2, reiterando a dominante de Ré menorque finaliza o trecho (Exemplo 9).

Exemplo 9: Utilização de rubato com ênfase sobre a dominante de Ré menor (c.15-18) na Habanera de Salvador Amato.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

59

15_artigo3.3 Harmônicos naturais

Harmônicos do segundo e terceiro parciais da série harmônica são usados na Sonatina na Corda I do contrabaixo (Sol3 e Re3) (Exemplo 10), confirmando a intenção do professor de que seus alunos conhecessem as possibilidades de harmônicos nos diversos re-gistros do instrumento: no registro médio sem a utilização de capo tasto,8 e no registro agu-do, com a utilização de capo tasto.

Exemplo 10: Harmônicos naturais na Corda I do contrabaixo na Sonatina de Salvador Amato: Sol3 (c.40) no registro médio sem necessidade de capo tasto, e o Ré3 (c.60-61) com utilização de capo tasto.

Em Malambo, Amato utiliza os harmônicos naturais Sol4, Si4, Ré4 e Sol5 do contra-baixo em arpejo na região super-aguda, já fora do espelho, próximo do cavalete (Exemplo 11), para emular um chamado típico dos pampas argentinos. JUEZ (2012) diz que sua intenção é imitar “... o som de um Clarín9 (corneta) no deserto, pois é o efeito Amato queria alcançar”.

Exemplo 11: Harmônicos naturais Sol4, Si4, Ré4 e Sol5 (c.1-3) na região super-aguda do contrabaixo, emulando o som de um Clarín (corneta) no deserto dos pampas argentinos em Malambo de Salvador Amato.

3.4 Pizzicati

Encontramos três tipos de pizzicatto nas obras do nosso compositor-contrabaixis-ta: o pizzicato tradicional, o pizzicato de mão esquerda e o pizzicato em cordas duplas. Na Habanera, Amato alterna notas em cordas soltas e presas nos registros médio e grave do contrabaixo buscando a escrita característica de acompanhamento do instrumento em que há grande reverberação (Exemplo 12).

Exemplo 12: Pizzicato típico de acompanhamento nos registros grave e médio do contrabaixo (c.52-53) na Habanera de Salvador Amato.

Na Sonatina Amato recorre ao pizzicatto de mão esquerda, mas o faz de maneira sofisticada, solicitando uma alternância entre arco e pizzicato. Apesar de parecer uma téc-

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

60

15_artigonica de difícil coordenação, a escrita se torna bastante idiomática pelo fato de permitir um pull off da nota presa Dó3 para a nota Sol2 em corda solta (Exemplo 13).

Exemplo 13: Alternância de arco e pizzicato de mão esquerda em pull off no contrabaixo (c.118-120) na Sonatina de Salvador Amato.

A escrita de Carnavalito, para contrabaixo e piano, foi influenciada por outra obra, o Carnavalito Humahuaqueño do compositor argentino Edmundo Zaldivar (1917-1978) que, por sua vez, teve como referência o carnaval de Humahuaca, realizado 40 dias antes da Páscoa, na província de Jujuy, Argentina. Para realizar o trecho em cantabile que se inicia no c.158, Amato recorre à grande reverberação do pizzicato no registro médio e grave do contrabaixo, o que é ampliado pelo emprego de cordas duplas e triplas sem o acompanha-mento do piano, com os tempos fortes marcados por acordes arpejados, realizados com a técnica do rasgueado do violão (Exemplo 14). Embora essa técnica virtuosística seja mais comum na família do violino, Bertram TURETZKY (1974, p. 5), que a denomina pizzicato lírico, reconhece seu desenvolvimento no contrabaixo no ambiente da música popular.

Exemplo 14: Trecho em “pizzicatolírico” no contrabaixo sem acompanhamento no Carnavalito (c.158-164) de Salvador Amato.

3.5 Cordas duplas em arco

Amato utiliza cordas duplas em arco no Carnavalito em bicordes de terças e quar-tas justas para adensar a textura e reforçar a harmonia do piano no registro médio do con-trabaixo. As cordas duplas nesta peça tem função programática, pois lembram o charango10, instrumento de cordas dedilhadas típico da instrumentação do gênero carnavalito. Tocado com a técnica do rasgueado, o charango também utiliza cordas duplas ou triplas (Exemplo 15; deve-se observar que a parte do contrabaixo nesse manuscrito está escrita em som real)

Exemplo 15: Cordas duplas no registro médio contrabaixo (notadas em som real) no Carnavalito (c.9-14) de Salvador Amato.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

61

15_artigoNo Mov.1, Andante, da Fantasia Concertante, encontramos cordas duplas nos re-

gistros médio e agudo do contrabaixo. Em relação às fôrmas de mão esquerda, Amato usa a fôrma fixa com os dedos 1 (dedo indicador) e 2 (dedo médio) para realizar e terças maio-res seguidas, o que permite uma realização mais rápida, como no trecho do c.37, no registro médio (Exemplo 16).

Exemplo 16: Cordas duplas no registro médio do contrabaixo com fôrma fixa de terça maior (c.37-38) no Mov.1 Andante da Fantasia Concertante de Salvador Amato.

Depois, no Mov.2 Adagio da Fantasia Concertante, ele inclui no registro agudo os intervalos de sexta maior e sexta menor (Re3-Si3 e Re3-Sib3), recorrendo às fôrmas de capo tasto, sempre com o dedo polegar na nota mais grave, Ré3. Inclui também os intervalos de 4ª justa Re3-Sol3 (c.70) e de 5º justa Re3-Lá3 (c.72), como mostra o Exemplo 17. O andamen-to lento (Adagio) escolhido por Amato permite uma realização mais expressiva dessas cor-das duplas. Já no Mov.3 da Fantasia Concertante, Allegro, Amato utiliza a mesma nota pedal estática, Ré3, como base para as cordas duplas. Aqui, o andamento sugere uma realização mais rítmica e virtuosística, o que facilita a acentuação binária dentro da métrica ternária (Exemplo 18).

Exemplo 17: Cordas duplas no registro agudo do contrabaixo com fôrmas de capo tasto, (c.70-72) no Mov.2, Adagio, da Fantasia Concertante de Salvador Amato.

Exemplo 18: Cordas duplas no registro agudo do contrabaixo sem mudança de posição da mão esquerda e com nota pedal no polegar (c.161-163) no Mov.3, Allegro, da Fantasia Concertante de Salvador Amato.

3.6 Técnicas estendidas

Além de se preocupar com o ensino da técnica e estética tradicionais do contra-baixo, Amato fez incursões em técnicas estendidas do instrumento, procurando conhe-cer outras possibilidades do seu instrumento, como na peça Malambo. JUEZ (2012) afirma que, nos c.175-186 dessa peça, o contrabaixista “...tem que imitar um bombo criollo,11 to-cando sozinho, batendo no instrumento com os dedos e as mãos...” Amato deixa um trecho de 12 compassos ad libitum para livre improvisação (Exemplo 19), embora sugira preen-

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

62

15_artigocher a métrica ternária do gênero malambo com a alternância de compassos com colcheias ou semínimas. A utilização do contrabaixo percutido com as mãos remete ao cenário des-sa dança folclórica da Argentina, simulando o típico acompanhamento da dança por pal-mas, cujas origens remontam a uma tradição do bombo afro-peruano (BUGALLO, 2009). Alternativamente, o contrabaixista pode também deixar o arco de lado e realizar o trecho com palmas.

Exemplo 19: Trecho de livre improvisação ad libitum sugerindo percussão das mãos no contrabaixo em Malambo (c.175-186) de Salvador Amato.

Salvador Amato como instrumentista e pedagogo levava em consideração não ape-nas o contexto musical no qual se inspirou, mas também a interação com o público. Em Malambo, eleutiliza outra técnica estendida que se consolidou na literatura do contrabaixo: a utilização da voz cantada ou falada do contrabaixista (TURETZKY, 1974, p. 44). No c.232 (Exemplo 6), há uma pausa geral com a indicação vuota (“silêncio” em italiano). Apesar de não haver uma indicação no manuscrito original, Norberto JUEZ (2012), aluno de Amato que conviveu de perto com suas performances, nos fala de uma tradição no gênero de uma interrupção instrumental súbita (como nos breaks de música popular), sugerindo que “...o contrabaixista tem que gritar a palavra “aura!” (“agora!”)...”, palavra frequentemente gritada pelos gaúchos dos pampas ao dançar o malambo.

Exemplo 20: Notação de silêncio (“vuota”) em Malambo (c.232) de Salvador Amato, durante o qual o contrabaixista deve gritar a palavra “Aura!” (“Agora”), prática típica dos dançarinos do gênero argentino malambo.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

63

15_artigoConclusão

Este trabalho apresentou exemplos da escrita idiomática de Salvador Amato nas suas seis peças para contrabaixo, revelando práticas de performance integradas ao seu pro-jeto pedagógico e à cultura de seu país. Amato explora os diversos registros do contrabaixo (grave, médio, agudo e super-agudo) de maneira expressiva, virtuosística ou, mesmo, como instrumento de acompanhamento. Utiliza os harmônicos naturais de maneira programáti-ca, imitando o clarim (Malambo) ou apenas didaticamente (Sonatina). Ele emprega diversos tipos de arcada de natureza virtuosística na região aguda do instrumento, pouco comuns no contrabaixo (ricochet-bariolage, saltellato, piquetato), em metade de suas obras com pia-no (Fantasia Concertante, Variaciones Rapsódicas, Sonatina) o que confirma uma estética ligada ao Romantismo. Com o pizzicatto, Amato valoriza o timbre e reverberação associadas ao contrabaixo popular na função de acompanhamento (Habanera), deixa o cantabile com contrabaixo sem piano ao arpejar cordas duplas e triplas no pizzicato lírico (Carnavalito) e alterna os timbres do arco e pizzicato com a técnica de pizzicatto de mão esquerda associa-da ao pull off sobre a corda solta (Sonatina). Na escrita para cordas duplas em arco, Amato se preocupa com as dificuldades de mudanças de posição da mão esquerda e, assim, facili-ta a passagem com fôrmas fixas em sequências. Por outro lado, nas cordas duplas em capo tasto, escreve a nota mais grave como nota pedal, para evitar mudanças de posição para a mão esquerda, ao mesmo tempo em que permite mais expressividade no andamento mais lento. Apesar de sua escrita marcadamente tradicional e estética romântica, em Malambo, Amato se envereda por técnicas mais comuns à estética do contrabaixo pós-1950, como a utilização do contrabaixo como instrumento de percussão – imitando o bombo afro-perua-no – e a utilização da voz do contrabaixista para emular os gritos dos dançarinos do gênero argentino malambo.

O processo de ensino estabelecido pelo compositor, contrabaixista e pedagogo Salvador Amato na Universidad Nacional de Cuyo, reflete uma ação contínua, sistemática e integrada, buscando dar a seus alunos uma resposta imediata à carência de literatura musi-cal (repertório de concerto, estudos e métodos) na Argentina. A análise da escrita idiomáti-ca de suas obras revela uma abordagem que visa mostrar, didaticamente, uma variedade de técnicas e recursos expressivos do contrabaixo.

Notas

1 Neste estudo, os registros do contrabaixo são classificados da seguinte maneira (considere o Dó central do piano como Dó3): registro grave (Mi1 – Sol2); registro médio (Sol2 – Lá3); registro agudo (Lá3 – Sol4); registro super-agudo (Sol4 – até o cavalete).

2 O termo ricochet é uma arcada em que o arco salta utilizando o impulso de ricochetear da corda para iniciar a produção sonora de outras notas (SALLES, 1998, p. 94; BOYDEN e WALLS, 2014); nesse caso de Amato, duas notas para cada ricochet.

3 O termo francês bariolage, que tem vários significados na literatura (DOURADO, 2004, p. 43; OXFORD MUSIC ONLINE, 2014), literalmente significa “estanha mistura de cores”, mas implica sempre na execução de notas em cordas adjacentes, geralmente em arcadas ligadas. O termo é utilizado aqui porque a intenção de Amato era criar um efeito em que as quatro notas da cada grupo de colcheias se misturassem em um único gesto (FERREYRA, 2013).

4 O saltellato é uma arcada com o movimento de rebote do arco na corda em uma velocidade rápida. Pode ser des-crito também como “um spiccato sem controle” (HUGILL, 2004).

5 O piquetato é uma sucessão de pequenos golpes de arco na corda, executados na mesma direção. Atualmente, essa arcada é mais conhecida como staccato (SALLES, 1998, p. 35).

6 Para CLIFFORD (1911, p. 133), o portamento, termo derivado de portamento della voce (ou seja, “transporte da voz”), apareceu como uma prática vocal do século VII, mas que foi emulada pela família do violino e por outros

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

64

15_artigoinstrumentos de sopro. No presente artigo, ele se refere a um deslizamento discreto entre duas notas, às vezes com o sentido de antecipar a nota-alvo. Já o glissando, que também é um deslizamento entre duas notas, implica em uma evidência maior dos sons intermediários entre essas notas (CLIFFORD, 1911, p. 74).

7 Para CLIFFORD (1911, p. 148) o termo rubato (“roubado” em italiano) significa acelerar ou desacelerar ligeira-mente o andamento em uma peça pelo solista ou maestro.

8 Capo tasto é a técnica geralmente utilizada no violoncelo e contrabaixo em que o polegar da mão esquerda sai de sua posição atrás do braço do instrumento para apertar e tocar a corda sobre o espelho do instrumento.

9 O clarim é um instrumento de sopro com bocal em forma de taça, tendo o tubo um pouco mais estreito que o da corneta de pistões, e que produz um timbre mais claro e brilhante (SADIE, 1994, p. 200).

10 O charango é um instrumento de cordas dedilhadas de origem peruana, dos índios quíchuas, cuja caixa de res-sonância é feita com a carapaça do tatu (SADIE, 1994, p. 187).

11 O bombo criollo, ou tambor crioulo, é um membranofone popular no folclore argentino, originário da província de Santiago del Estero. De práticas de performance geralmente intensas, seria ouvido, supostamente, até mesmo a uma légua de distância (BUGALLO, 2009).

Referências

ARANCIBIA, Omar. La Música de um pedagogo y Compositor: Salvador Amato. “Variaciones Rapsódicas”. Mendoza, Argentina: Edição do Autor, 2006.

. Entrevista de Omar Arancibia a Rodrigo Olivárez. Mendoza, Argentina. Fevereiro, 2012.

Aura. Glosario, Proyecto Biblioteca Digital Argentina. Grupo Clarín. Disponível em: http://www.biblioteca.clarin.com/pbda/glosario.htm. (Acesso em 10 de abril de 2013)

BORÉM, Fausto. Por uma unidade e diversidade da pedagogia da performance. Revista da Abem. Porto Alegre, Brasil. 2006. p. 45-54.

. Um sistema sensório-motor de controle da afinação no contrabaixo: contribuições in-terdisciplinares do tato e da visão na performance musical. Tese de Pós-doutorado ed. Belo Horizonte: UFMG, 2011. v.1. 187p.

BOYDEN, David D.; WALLS, Peter. Bariolage. In: Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponívelem: http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/gro-ve/music/02060?q=bariolage&search=quick&pos=1&_start=1#firsthit (Acessoem14 de maio, 2014)

BUGALLO, Rubén Pérez. El bombo. Argentina, 2009. Disponível em: http://www.gruposolar-gentino.com/bombo.html (Acesso em 15 de janeiro, 2013).

CLIFFORD, John. The musiclover’s handbook: containing (1) a pronouncing dictionary of musical terms and (2) biographical dictionary of musicians. EUA: University Society, 1911. 468p.

DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo: Editora 34, 2004.

FERREYRA, José Luis. Entrevista de José Luis Ferreyra a Rodrigo Olivárez. em Teatro Real de la Opera de Madrid. Madrid, Espanha. Novembro. 2013 (Vídeo)

. Método Amato. Correspondência de e-mail de José Luis Ferreyra a Rodrigo Olivárez. 18 agosto de 2012.

HUGILL, Andrew. The orchestra: a user’s manual: Double bass bowing. Inglaterra. 2004. Disponível em: http://andrewhugill.com (Acesso em 20 do fevereiro, 2013).

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

65

15_artigoJUEZ, Norberto. Entrevista virtual de Norberto Juez a Rodrigo Olivárez pelo Skype. 14 de julho de 2012.

MELCHIORI, Carolina. Salvador Amato: Crossing borders with the Double Bass. Bass World, The magazine of Internacional Society of Double Bass. Volume 34. Dallas: ISB, 2010. p. 27-30.

OJEDA, Ariel. El autodidacto, artista de la búsqueda: Estudio sobre la formación de la escuela de Salvador Amato. Tesina de licenciatura. Mendoza, Argentina:Universidad Nacional de Cuyo, 2003. 57p.

OLIVENCIA, Ana María; LOYOLA, Enriqueta. Memoria histórica de la Escuela de Música, Universidad Nacional de Cuyo. 1940-1994. Mendoza, Argentina:Secretaría de Ciencia y Técnica, UNCuyo, 1994.(Edição das autoras).

OXFORD MUSIC ONLINE. Oxford University Press. Disponível em: http://www.oxfordmu-siconline.com/subscriber/article/grove/music/02060?q=bariolage&search=quick&pos=1&_start=1#firsthit (acesso em 14 de maio, 2014)

POBLETE, Fernando. Entrevista de Fernando Poblete a Rodrigo Olivárez no Teatro Real de la Opera de Madrid. Madrid, Espanha. Novembro. 2013.

REY, Jimena. Salvador Amato, El Contrabajo, vida y obra. Mendoza, Argentina: Universidad Nacional de Cuyo, 2003. 39p (Monografía de Licenciaturaem Música).

SADIE, Stanley. Dicionário Grove de música: edição concisa/editado por Stanley Sadie; editora- assistente: Alison Latham; tradução: Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994.

SALLES, Mariana Isdebski. Arcadas e Golpes de Arco 1a edição. Brasilia: Editorial Thesaurus, 1998. 143p.

TURETZKY, Bertram. The Contemporary Contrabass. Berkeley: University of California Press, EUA, 1974. 114p.

Referências de partituras

AMATO, Salvador. Fantasía Concertante. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: 1967. (Manuscrito).

. Fantasía Concertante. Partitura para contrabaixo e piano. Buenos Aires: Editorial Korn, 1970.

. Habanera. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: 1973.(Manuscrito).

. Sonatina. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: 1978.(Manuscrito).

. Malambo. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: 1978.(Manuscrito).

. Malambo. Partitura para dois Contrabaixos e piano. Madrid: Edição José Luis Ferreyra, 1996.

. Carnavalito. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: 1985. (Manuscrito).

. Carnavalito. Partitura para contrabaixo e piano. Madrid: Edição José Luis Ferreyra, 1996.

OLIVÁREZ, R.; BORÉM, F. A Escrita Idiomática de Salvador Amato para o Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 54-66

66

15_artigo . Variaciones Rapsódicas. Partitura para contrabaixo e piano. Mendoza: Edição Omar Arancibia, 2000.

Rodrigo Olivárez - Mestrandoem Música na UFMG, é Bacharelem Contrabaixo pela Universidad Nacional de Cuyo, Argentina. Apresentou comunicações de pesquisa sobre as edições de performance das Lições para contrabaixo de Lino Jozé Nunes em congresso sinternacionais ( IV Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ, 2013; Inter-national Society of Bassists Convention, Eastman School of Music, EUA, 2013) e sobre a música de câmara do com-positor polonês Walerian Gniot (22º Congresso da ANPPOM, João Pessoa, 2012). Atualmente, desenvolve pesquisa sobre a obra do compositor argentino Salvador Amato (incluindo as edições de performance de sua obra completa).

Fausto Borém-Professor Titular da UFMG, ondecriou o Mestradoem Música e a revista Per Musi (Qualis A1 na CAPES e indexada no SciELO). Como solista no contrabaixo, tem representado o Brasil nos principais eventos internacionais de contrabaixo (Berlim, Paris, Londres, Edimburgo e diversas universidades nos EUA), nos quai-sapresentasuascomposições, arranjos e transcrições. É autor de dezenas de artigos sobre práticas de performance na música erudita e popular. É pesquisador do CNPq e coordena o grupo de pesquisa interdisciplinar ECAPMUS (EstudosemComportamento e Aprendizagem Motora na Performance Musical).

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

6767

16_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e prática Deliberada da Técnica estendida arco + Pizz. no Contrabaixo

Fausto Borém (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Leonardo Lopes (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Guilherme Menezes Lage (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Resumo: Estudo de caso sobre Nancy, quinta peça da suíte Poems, portraits ballades and blues, para contrabaixo sem acompanhamento, do compositor-contrabaixista-pedagogo norte-americano Bertram TURETZKY (Poems..., 1987). A partir de seu livro seminal sobre o contrabaixo (TURETZKY, The Contemporary..., 1989) e entrevistas exclusivas (TURETZKY e BORÉM, Questions..., 2014; TURETZKY e BORÉM, More questions..., 2014), discute-se o contexto his-tórico e realização da obra, especialmente em relação à cinesiologia dos movimentos dos membros superiores envol-vidos na técnica estendida privilegiada em Nancy: arco + pizzicato simultâneos. São propostos exercícios educati-vos no contrabaixo, a partir de modelos de seleção de excertos de música sinfônica (BALDWIN, 1995) e do campo da educação física (NOGUEIRA, 2013), visando a aprendizagem dos movimentos e sua coordenação motora em partes e no todo (MAGILL, 2000). Palavras-chave: Bertram Turetzky; repertório para contrabaixo no século XX; técnicas estendidas para contrabaixo; cinesiologia da performance musical; exercícios educativos na performance musical.

Bertram Turetzky’s Nancy: Cinesiology and Deliberate Practice of the Arco + Pizz. Extended Technique on the Double BassAbstract: Case study about Nancy, fifth piece from the suite Poems, portraits ballades and blues, for double bass alone, by North-American composer-double bassist-pedagogue Bertram TURETZKY (Poems..., 1987). Departing from his seminal book on the double bass (TURETZKY, The Contemporary..., 1989) and exclusive interviews (TURETZKY e BORÉM, Questions..., 2014; TURETZKY e BORÉM, More questions..., 2014), it discusses the piece’s historical con-text and its realization, especially in relation to the kinesiology of the upper limbs involved in the extended technic favored in Nancy: simultaneous arco + pizzicato. It proposes drill exercises on the double bass, departing from mod-els of selection of symphonic music excerpts (BALDWIN, 1995) and from the physical education field (NOGUEIRA, 2013), aiming at the learning of its movements and motor coordination in parts and in the whole (MAGILL, 2000).Keywords: Bertram Turetzky; twentieth-century double bass repertory; extended techniques on the double bass; ki-nesiology in music performance; instructional exercises in music performance.

1. Turetzky: compositor, arranjador, intérprete e pedagogo

Quando vieram ao Brasil em 2000, Bertram Turetzky (n.1933), Distinguished Emeritus Professor da Escola de Música da University of California em San Diego, e sua es-posa Nancy Turetzky se encantaram com a natureza virgem das cachoeiras de Pirinópolis. Nessa pequena e pitoresca cidade de Goiás, Bert (como é chamado afetivamente no meio contrabaixístico) participou do V EINCO (Encontro Internacional de Contrabaixistas), even-to realizado pela UFG (Universidade Federal de Goiás) e organizado pela “madrinha” dos contrabaixistas brasileiros e fundadora da Associação Brasileira de Contrabaixistas, Profa. Sônia Ray (GOMES, 2000). Nancy se animou a descer o despenhadeiro que leva a uma das mais bonitas quedas d’água da região e Bert, mesmo cansado da viagem dos EUA ao Brasil, não teve como dizer não. Ali, mais uma vez, se via o gesto de amor do “contrabaixista” pela “flautista”, cuja união com mais de 55 anos1 tem sido celebrada como o duo que formam na vida e na profissão (TURETZKY e TURETZKY, Spirit song, 2009):

Recebido em: 20/05/2014 - Aprovado em: 22/07/2014

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

6868

16_artigoEm 2009, Nancy e eu celebramos 50 anos de parceria no casamento e na música. Para celebrar, gravamos esse álbum [Spirit song] para documentar parte da música que amamos e temos realizado juntos todos esses anos.

A trajetória de Turetzky como pedagogo se estende além das diversas gerações de contrabaixistas que tem formado, especialmente na sua marcada atuação junto aos compo-sitores no desenvolvimento de suas habilidades de compreender o contrabaixo na sua to-talidade, cuja imagem, em alguns meios, ainda é associada ao “...Elefante de Saint-Saëns, com suas citações satíricas dos Sonhos de uma noite de verão de Mendelssohn e o Ballet des Sylphes de Berlioz.” ou às famigeradas, mas nem sempre eficientes, transcrições “...uma oita-va abaixo e mais lentas...” de obras concebidas para o violoncelo (TUREZTKY, 1989, p.ix-x). Turetzky não é avesso às transcrições, mas defende a ideia de uma escrita sempre idiomá-tica, que respeite os limites e valorize as potencialidades do instrumento. Entre suas trans-crições e arranjos para o contrabaixo, está seu arranjo de Oh! Susannah (1848) de Stephen Foster (1826-1864), no qual dá uma aula de como utilizar cordas duplas e triplas em pizzi-cato (TUREZTKY, 1989, p. 19). Noutro exemplo, na sua transcrição de três madrigais de Jacopo de Bologna (c.1340-1386) para flauta e contrabaixo, ele aproxima o contrabaixo da sonoridade da flauta piccolo por meio dos harmônicos naturais, sons que doravante chama-remos apenas de harmônicos. Turetzky diz que ficou

...intrigado pela possibilidade de emparelhar o registro grave do piccolo com os har-mônicos naturais do contrabaixo... [o que revelou] como a sonoridade colorida mais aguda das madeiras no registro grave e o arco no instrumento mais grave das cor-das orquestrais no seu registro mais agudo produzem uma textura sem precedentes, bastante evocativa daquilo que muitos instrumentistas pensariam como a música medieval poderia soar” (TUREZTKY, 1989, p. 127).

Esse último recurso, Tureztky volta a utilizar em Nancy, como veremos mais à fren-te. O continuado interesse pedagógico de Turetzky em ampliar as possibilidades composi-cionais e de práticas de performance do contrabaixo, o levaram a ampliar e revisar seu livro The Contemporary contrabass, de 1974, cuja segunda edição saiu 13 anos depois. A segun-da edição, de 1989, contem cerca de 5 páginas a mais de informações sobre pizzicato e cer-ca de 22 páginas a mais de informações sobre harmônicos.2 Assim, Nancy é uma peça da fase madura de Turetzky, na qual o compositor já detinha grande conhecimento sobre es-sas duas formas de produção sonora em que a peça é baseada. O livro seminal de Turetzky reverberou não apenas nos EUA, mas nos meios musicais eruditos de todo o mundo. Havia uma nova curiosidade pelo contrabaixo enquanto um instrumento autônomo, pelos novos recursos desenvolvidos, muito além do contexto sinfônico ou do seu papel tradicionalmente subserviente na música de câmara. Da Europa, chegavam pedidos para a realização de pa-lestras e gravações com as novas sonoridades anunciadas apenas em forma de texto, reve-lando a origem da peça Nancy, para contrabaixo sem acompanhamento:

...Comecei a escrever peças curtas sem acompanhamento, por volta de 1985, para atender a demanda de diversas estações de rádio europeias, que me convidavam para fazer gravações... depois de um tempo, me dei conta que tinha uma pequena suíte e, então, a publiquei [em 1987, sob o título de Poems, portraits ballades and blues pela editora Elkan-Vogel], e vejo essas peças dançando e cantando pelo mundo afora. Nancy era uma das minhas favoritas! (TURETZKY e BORÉM, Questions..., 2014).

O longo e contínuo trabalho de Bertram Turetzky junto aos compositores (o que in-clui ele mesmo), instrumentistas eruditos e populares e maestros em prol de uma nova cul-

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

6969

16_artigotura da produção sonora no contrabaixo, desde o início da década de 1950, (TURETZKY, The Contemporary..., 1989, p.x), principalmente nos Estados Unidos e Europa, até os dias de hoje, tem reverberado significativamente não apenas no surgimento de um repertório solís-tico, de câmara ou sinfônico do contrabaixo mais atualizado (como será discutido no pre-sente artigo, antes de sua conclusão), mas também na divulgação de novas práticas de per-formance de seu instrumento e sua realização mais eficiente. Por outro lado, se percebe um maior interesse científico sobre os processos de produção sonora no contrabaixo, a exemplo das teses de doutorado de PAYTON (1988) e DENSON (2010), cujas pesquisas experimentais são frutos posteriores e decorrentes do ativismo acadêmico de Bertram Turetzky.

2. A suite Poems... e Nancy de Turetzky: variedade de práticas de performance

Apesar de escritas individualmente, as seis miniaturas que formam a suíte Poems, portraits, ballades and blues, da qual Nancy faz parte, trazem uma grande variedade de téc-nicas do contrabaixo, tanto tradicionais quanto estendidas. Revelam também a orientação pedagógica de Turetzky em ampliar o vocabulário dos contrabaixistas, especialmente da-queles que tem ou tiveram contato apenas com aprendizagens ou repertório predominante-mente tradicionais. Ele diz: “...a maior parte de minha música tem uma intenção pedagógi-ca, assim espero; sutil, mas está sempre lá...” (TUREZTZKY e BORÉM, Questions..., 2014).

Na primeira peça, Numerology: “A song”, TURETZKY (Poems..., 1987, p. 3), ele utili-za um texto da obra Vienna blood do poeta norte-americano Jerome Rothenberg (n.1931; da chamada Escola de Nova Iorque), que deve ser sussurrado, falado ou cantado simultanea-mente com outra linha independente tocada no contrabaixo, com diversos tipos de pizzicato (hammer on no c.1, Bartok no c.7, fingertip roll no c.8, a la guitarra no c.10, e harmônico de mão esquerda no c.15) e outros tipos de articulação (como arco, em harmônico, percussão com rufo de pontas de dedos no tampo do contrabaixo).

A segunda peça (TURETZKY, Poems..., 1987, p. 4-5), Lou Harrison, é uma homena-gem ao compositor norte-americano Lou Silver Harrison (1917-2003), conhecido por sua afi-nidade com culturas não-ocidentais. Em meio a métricas cambiantes (5/8, 6/8, 7/8, 9/8, 2/4, 3/4, 4/4, 5/4, 6/4) e dispostas assimetricamente, Turetzky utiliza a técnica estendida de alter-nar timbres, ora percutindo as cordas do contrabaixo com palitos chineses (chopsticks), ora tocando o contrabaixo tradicionalmente com o arco.

Na terceira peça, Lament, TURETZKY (Poems..., 1987, p. 6-7) integra a voz com o contrabaixo em cordas duplas com arco (melodia sobre pedais de corda solta). Longas li-nhas modais em cantabile criam um ambiente reflexivo, que esporadicamente repousa em fermatas, sobre as quais o contrabaixista deve realizar a leitura dramática de frases de texto do poeta e filósofo judeu da Andaluzia Solomon Gabirol (c.1012-c.1058): “Veja o sol em di-reção à noite vermelha...”.

Na quarta peça, Segovia, toda em pizzicato, TURETZKY (Poems..., 1987, p. 8) pres-ta uma homenagem ao célebre violonista espanhol Andrés Segovia (1893-1987), na qual ele adapta a técnica do violão clássico espanhol, tanto arpejado como em plaqué, ao contrabai-xo, técnica que “...é um pouco diferente da técnica do violão folk. A utilização tradicional de cordas duplas e acordes em cordas adjacentes ainda acontece, mas há cordas duplas em cordas não adjacentes e que demanda uma técnica diferente de pizzicato e não apenas o ras-gueio do polegar” (TURETZKY, The Contemporary..., 1989, p. 19).

Na sexta peça, Mingus, TURETZKY (Poems..., 1987, p. 10-11) homenageia o também contrabaixista Charles Mingus (1922-1979), considerado um dos ícones do jazz norte-ameri-

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7070

16_artigocano e com o qual chegou a tocar. Assim, deixa uma opção para não-improvisadores e outra em que o instrumentista deve estar familiarizado com a realização de cifras em meio a ter-mos como funky, swing, send off, double time. Outra característica que remete ao universo do contrabaixo popular é o fato do compositor deixar as dinâmicas a cargo da “...expressi-vidade e criatividade do intérprete.” (TURETZKY, 1989, p. 10).

Voltando à quinta peça, Nancy, que é tratada em detalhe no presente estudo, TURETZKY (Poems..., 1987, p. 9) contrapõe duas técnicas contrastantes. Primeiro, a simul-taneidade de harmônicos em arco acompanhados por pizzicato (técnica doravante chamada apenas de arco + pizz.), que é o foco do presente artigo. Segundo, o que denominou no seu livro de pizzicato lírico (TURETZKY, The Contemporary..., 1989, p. 21), que explora a resso-nância característica no contrabaixo de uma maneira mais solística, especialmente na mú-sica popular, diferenciando timbres e duração das notas.3

A forma de Nancy – um ABA’ em miniatura (com tempo estimado de 2’15’’; TUREZTKY, Poems..., 1987, p. 9) – pode ser vista como um reflexo de sua dedicatória, ain-da que não explicitada na partitura. Como uma homenagem à esposa e sua flauta, ele pede que todas as seções sejam em cantabile (“slowly singing” na Seção A (c.1-7) e na Seção A’ (c.18-26), e “singing expressively” na Seção B (c.8-17), evitando linhas melódicas marcadas ou enérgicas. Além disso, ele acrescenta expressividade à música, ao anotar na partitura que “todos os harmônicos devem ser tocados com vibrato”. Mas Turetzky não se esquiva de fazer um jogo de contrastes, contrapondo linguagens (erudita e popular), timbres (harmô-nicos e pizzicato), rítmica (escrita em notas longas e escrita sugerindo improvisação). Além disso, ele trata o contrabaixo como um instrumento harmônico, um reflexo de sua experi-ência de tocar instrumentos harmônicos como o piano, o banjo e o violão (TURETZKY e TURETZKY, 2009), e não apenas melódico, como o contrabaixo é conhecido pela maioria dos músicos. Ele comenta sobre:

“...Eu brincava de tocar solos em uma corda só ala Charlie Christian [guitarrista norte-americano; 1916-1942]. Fiz algumas coisas harmônicas como jovem tocador de banjo, mas nada substancial. Quase me dediquei ao piano de jazz nos tempos de es-cola, e foi nessa época que experimentei com progressões e condução de vozes. Talvez a peça Nancy tenha este sabor, exceto pelo fato de que é um ABA e não um AABA [a forma mais comum no jazz)]...” (TURETZKY e BORÉM, More questions..., 2014).

Turetzky aborda o contrabaixo oharmonicamente sugerindo encadeamentos, tan-to por meio de melodias auto acompanhadas na Seção A e na Seção A’, quanto por meio de cifras na Seção B. Assim, ele é hábil em desafiar o senso comum entre compositores e, mesmo, contrabaixistas, no qual o contrabaixo deve se limitar a uma escrita apenas melódica.

Para isso, nas Seções A e A’, ele recorre à técnica estendida de melodia em arco acompanhada por pizzicato simultaneamente – que será tratada em detalhe no presente ar-tigo, gerando bicordes com intervalos de notas muito distantes: no grave, as cordas soltas to-cadas pela mão esquerda; e no super-agudo, os harmônicos dedilhados com a mão esquerda e friccionados com o arco na mão direita. Na superposição das duas linhas simultâneas, ele sugere, predominantemente, acordes maiores com sétima maior (Sol+Fá# no c.1; Ré+Dó# nos c.3, 7 e 19; Lá-Sol# no c.6) e acordes maiores com nona maior (Ré-Mi no c.2 e 5; Sol-Lá no c.20). Turetzky recorre também a alguns encadeamentos tradicionais com a sugestão de cadências no movimento da linha do baixo harmônico: Lá-Ré-Sol, ou seja, um V/V - V - I no final da Seção A (c.6-7) e, depois, Ré-Sol-Mi-Lá, ou seja, um V/ii-II-V- I no final da Seção B (c.23-26).

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7171

16_artigoNa Seção B, Turetzky recorre à técnica do pizzicato lírico, entremeando bicordes e

tricordes (em cordas duplas e triplas) na linha melódica, como os acordes de Si bemol maior (c.8), Ré maior (c.9), Fá maior com sétima maior (c.10), Lá com nona maior (c.12), e Mi com nona maior (c.16). Ele também dá ao performer improvisador a opção de escolher outra rea-lização, pessoal, mas que, minimamente, lembre o texto original em suas escolhas de notas e ritmos (de fato, anota essa recomendação na partitura). A continuidade da linha melódica na Seção B é garantida pela utilização do pizzicato lírico, mais comum no jazz (e pouco co-mum na escrita orquestral), cuja reverberação é obtida por meio de acentos (c.10), glissan-di (notados na partitura esporadicamente, como nos c.10, 12 e 13, ou sucessivos, como no c.16), portamenti (mais discretos que os glissandi e inseridos ao gosto do performer, dentro da tradição da linguagem do contrabaixo popular), legato de mão esquerda (c.10 e 15) e cor-das soltas em l.v. (laissez vibrer, nos c.12, 16 e 17).

3 Nancy: cinesiologia do arco + pizz. e sua prática deliberada

Na realização da técnica estendida arco + pizz. em Nancy, é importante a com-preensão, sob o ponto de vista da cinesiologia4, de como alguns movimentos dos dois con-juntos braço-antebraço-mão-punho-dedos são gerados e coordenados entre si. A partir daí, essa compreensão permite escolher e organizar melhor práticas estruturadas especifica-mente para aumentar o nível corrente de performance, práticas essas conceituadas como deliberadas (ERICSSON, KRAMPE e TESCH-RÖMER, 1993; SLOBODA,1996) para otimi-zar o processo de aprendizagem e performance da peça, especialmente em trechos consi-derados nevrálgicos do ponto de vista de precisão de movimentos. Na técnica arco + pizz. observamos algumas variações que podem ocorrer no repertório: (1) o som do pizzicato de mão esquerda ser articulado depois que o som em arco já estiver em curso; (2) o som do pizzicato de mão esquerda ser articulado ao mesmo tempo que o som arco já estiver em curso, o que exige maior coordenação; (3) a articulação simultânea do pizzicato de mão es-querda e arco se repetir, o que aumenta ainda mais o grau de dificuldade de sua execução; (4) o pizzicato de mão esquerda ser realizado pelo polegar (5) o pizzicato de mão esquerda ser realizado por outro dedo que não o polegar, o que aumento o grau de dificuldade na sua realização.

A seguir, escolhemos algumas passagens em arco + pizz. nas quais, com base na nossa experiência em sala de aula, os contrabaixistas demonstram maior dificuldade em realizar os movimentos precisos do membro superior esquerdo necessários (relacionados à localização e busca de notas-alvo) ou coordená-los com precisão a movimentos do membro superior direito (relacionados ao manuseio do arco pela mão direita, como em seus planos de abordagem das cordas nas Seções A e A’). Além da complexidade de alguns movimentos isolados, a simultaneidade de alguns movimentos se coloca como um dos maiores desafios para o intérprete, especialmente considerando a grande precisão de timing requerida na performance musical em tempo real.

Os exercícios educativos no campo dos esportes (NOGUEIRA, 2013) visam, inicial-mente, por meio de análise, a decomposição de movimentos complexos em unidades mais simples, treináveis por meio de repetição e realizados em tempo de execução maior do que em tempo real para facilitar para sua aprendizagem. Posteriormente, as repetições das uni-dades fragmentadas são realizadas em tempos menores, se aproximando do tempo real. Esses procedimentos, na área de Aprendizagem Motora, são conceituados como prática or-ganizada por partes (MAGILL, 2000). Elementos de variação podem também ser inseridos

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7272

16_artigopara interferir positivamente na aquisição das habilidades motoras. Finalmente, por meio de síntese, os movimentos são realizados sequencialmente e sem interrupção, o que é defi-nido como prática do todo (MAGILL, 2000). Na música, BALDWIN (1995, p. 51-53) propôs a prática deliberada de excertos orquestrais complexos a partir da elaboração de “etudes” (pe-quenos fragmentos ou motivos, à maneira dos exercícios educativos), selecionando e anali-sando as dificuldades técnicas envolvidas e priorizando sua repetição com diversos tipos de variação: tipo de articulação, tipo de dinâmica, graus da escala, etc.

Nos exemplos ilustrativos aqui apresentados sobre a técnica estendida arco + pizz., consideramos as etapas sequenciais de preparação (apontamento e posicionamento) e ação muscular (força, amplitude e direção de movimento). Assim, cada exemplo da realização sequencial de movimentos simples ou complexos traz passos numerados (Passo 1, Passo 2, Passo 3 etc.) para explicar a origem e características desses movimentos. Nosso objetivo é que a prática deliberada de cada passo, primeiro isoladamente e, depois, sem interrupção (como acontece em tempo real na música), configure exercícios educativos para a realiza-ção consciente das passagens selecionadas, e sirva de modelo para a aprendizagem de mo-vimentos em outras técnicas e outros repertórios.

Nos novos conteúdos acrescentados na segunda edição de seu livro The Contemporary contrabass, Turetzky inclui algumas técnicas que chama de two-handed technique (técnicas com duas mãos), significando a utilização das duas mãos para produzir notas independen-tes, o que permite a criação de duas linhas independentes (técnica hoje popularizada como tapping, especialmente a partir do trabalho do guitarrista norte-americano Stanley Jordan). Isso abriu a possibilidade de se utilizar o contraponto no contrabaixo, instrumento consi-derado capaz de realizar apenas uma linha ou, no máximo, linhas com mesmo ritmo, como no caso de acordes em cordas duplas ou triplas. Ele cita o trabalho exploratório do contra-baixista-compositor Mark Dresser (TURETZKY, 1989, p. 27), iniciado por volta de 1979 e que resultou na peça Trenchant (DRESSER, 1983), citada como exemplo pioneiro da técni-ca no contrabaixo. TURETZKY (1989, p. 25 e 28) atualiza os relatos sobre a técnica, dando exemplos da música de Jon Deak (Readings from Steppenwolf, 1982) and de Edward Knight (Moods for Double Bass, 1985). Mas ele cita apenas dois exemplos em que há simultaneidade na produção de notas com o legato do arco na mão direita e a percussividade do pizzicato na mão esquerda: For Double Bass Alone (1959) de William Sydeman e Kaleidoscope (1984) de Mel Graves (TURETZKY, 1989, p. 29). Entretanto, em nenhuma dessas obras se observa o grande contraste de registros e timbre, inspirado pelos instrumentos principais do casal Turetzky: a flauta e o contrabaixo. Talvez Bertram tenha optado, mais uma vez, pela modés-tia, por não citar a preciosidade de instrumentação e contrastes de sua Nancy: pizzicati no grave acompanhando melodias em harmônicos no agudo.

Turetzky minimiza a complexidade motora requerida na execução da técnica arco + pizz. Além disso, ele utiliza uma abordagem mais “alemã” ou “norte-americana” (TURETZKY, The Contemporary..., 1989, p. 119-120) visando “nenhuma” ou “pouca movi-mentação” do conjunto braço, antebraço e mão esquerda, respectivamente. Essa abordagem, com movimentos mais finos, envolvendo menor número de grupos musculares, e transver-sais da mão às cordas, evita mudanças de posição, ao contrário da abordagem “italiana”, com movimentos mais grossos, requerendo a ação de um maior número de músculos, e lon-gitudinais às cordas, que resulta em uma sonoridade mais lírica, mas que envolve muitos saltos ao longo do espelho do contrabaixo e um risco maior de erro no apontamento e busca de notas-alvo. O sistema nervoso central lida melhor com a precisão em movimentos mais finos, ao passo que movimentos grossos que solicitam a ativação de mais grupos muscula-res estão sujeitos a maior variabilidade e erros de precisão (MAGILL, 2000).

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7373

16_artigoA utilização de fôrmas de mão esquerda baseadas em informações proprioceptivas,

táteis e visuais melhora significativamente a precisão no apontamento, busca e realização de notas-alvo (BORÉM et al., 2006). Do ponto de vista espacial, a localização dos harmôni-cos no contrabaixo ocorre em uma região em que a mão esquerda está mais distal (afastada) da parte superior do tronco do contrabaixista, posicionamento devido, principalmente à ex-tensão do cotovelo, o que torna mais difícil a localização de notas-alvo:

Se por um lado, o contrabaixo produz harmônicos naturais muito intensos (especial-mente se comparados às outras cordas orquestrais), a sua técnica demanda grande precisão no posicionamento da mão esquerda. Qualquer erro na estimativa de suas distâncias absolutas (da mão esquerda em relação ao contrabaixo) ou relativas (entre os dedos na fôrma de mão esquerda), pode resultar em notas falhadas ou ruído, e não a nota desejada. (BORÉM, 2011, p. 94)

Assim, não há como evitar a abordagem “italiana” na longa trajetória da mão es-querda do registro médio para o registro super-agudo, quando passamos da Seção B para a Seção A’ (c.17-18) de Nancy. Por outro lado, Turetzky concentra todas as linhas melódicas das Seções A e Seção A’ em torno de uma única posição de mão esquerda (uma abordagem “ale-mã”). Essa posição contem o 4º, 5º, 6º e 7º harmônicos parciais da série harmônica que re-quer o posicionamento correto dos dedos 0 (polegar), 1 (indicador), 2 (médio) e 3 (anelar), ou seja, a fôrma do acorde de sétima da dominante a partir da fundamental (por exemplo, na Corda I, são as notas Sol5 - Si5 - Ré6 - Fá6)5. Tanto o longo salto de registros pela mão esquerda (Exemplo 1a e b) quanto os posicionamentos precisos dos dedos da mão esquerda (Exemplo 1c) podem ser eficientemente guiados pelas pistas de busca visual (BV7, BV8, BV9 e BV10; BORÉM, 2011, p. 95) marcadas no espelho. Em Nancy, Turetzky utiliza somente notas re-ferentes aos dedos 0 (polegar), 1 (indicador) e 2 (médio), correspondentes a BV7, BV8 e BV9.

Exemplo 1a, b e c: Utilização de pistas visuais no espelho (BV7, BV8, BV9 e BV10) para mudança de posição da mão esquerda da região media para a região aguda (exemplo 1a e b) e posicionamento dos dedos da mão esquerda (exemplo 1c, polegar, indicador, médio e anelar) em notas-alvo nos harmônicos Sol4-Si4-Ré5-Fá5 (o acorde de sétima da dominante contido na série harmônica) na Corda I.

A execução da técnica estendida de arco + pizz. demanda a atuação simultânea de dois dedos da mão na localização de notas diferentes (um dedo para cada nota articula-da) e da ação simultânea de dois geradores de som (arco e pizzicato). Sua complexidade em Nancy reside na coordenação de ações sequenciais ou simultâneas, um contínuo que pode ser fragmentado em quatro passos: (1) um dedo da mão esquerda localiza um harmônico pressionando levemente a corda,6 o que é seguido pela (2) mão direita que puxa o arco do contrabaixo para a direita ou esquerda, o que é seguido por, (3) outro dedo da mão esquer-

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7474

16_artigoda que localiza e dedilha outra corda em pizzicato de mão esquerda,7 esticando e liberando essa corda lateralmente ao mesmo tempo em que (4) a mão direita muda a direção do arco. O acionamento lateral da corda por um dedo da mão esquerda (geralmente o polegar) em pizzi-cato pode representar uma dificuldade a mais nesse já complexo sistema de ações e movi-mentos em diversos eixos espaciais, especialmente para o contrabaixista não familiarizado com o repertório de técnicas estendidas. As ações desses dois dedos geram um movimento semelhante ao movimento de preensão de um objeto (flexão do polegar em oposição à fle-xão dos outros dedos), característica que difere os primatas dos outros animais. Mas, nesse caso, o que ocorre, mais especificamente, é uma maior flexão do polegar, acompanhada de uma rotação interna, passando do ponto que caracteriza a oposição. Nessa ação, o apoio de um dedo permite o outro pivotar, se deslocando até outra corda, ali se apoiar e, após esticar a corda via flexão, liberar esta corda dedilhando o pizzicato. Um exemplo dessa ação pode ser vista nas fotos dos Passos 3 e 4 do Exemplo 2, mais à frente.

Passando à música de fato, todas as fotos dos exemplos de Nancy a seguir são do ponto de vista do contrabaixista, para facilitar seu visual controle na execução dos exercí-cios educativos. na Seção A de Nancy, temos 7 instâncias de pizzicati soando simultanea-mente com arco, dos quais apenas 3 requerem uma articulação simultânea no início de sua produção sonora (c.1, 6 e 7). É essa coordenação que nos interessa nessa seção do presente artigo. No c.1, para realizar o bicorde de sétima maior composta (Sol2 + Fá#4), os dedos 0 (polegar) e 1 (indicador) devem articular notas distintas ao mesmo tempo em cordas adja-centes (Corda I e Corda II), como mostra o Exemplo 2. Essa passagem é melhor compreen-dida em três passos. Passo 1: o dedo 0 (polegar) pressiona levemente a Corda I e toca o har-mônico Sol3 com a mão esquerda puxando o arco “para cima”. Passo 2: enquanto o dedo 0 (polegar) e a mão direita continuam a tocar na Corda I, o dedo 1 (indicador) localiza e pres-siona levemente o harmônico a Fá#3 na Corda II. Passo 3: a mão direita interrompe o movi-mento do arco e, com o com dedo 1 (indicador) apoiando-se na Corda II e servindo de pivô, o dedo 0 (polegar) passa da posição superior para uma posição mais lateral na Corda I, fle-xionando a falange distal (popularmente conhecida como falangeta), esticando levemente essa corda. Passo 4: simultaneamente, o dedo 0 (polegar) dedilha a nota Sol2 em pizzicato na Corda I com a falange distal, e o dedo 1 (indicador) e a mão direita puxando o arco “para baixo”, tocam o harmônico Fá#3 na Corda II.

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7575

16_artigo

Exemplo 2: Análise de movimentos da técnica arco + pizz. no c.1 de Nancy de Bertram Turetzky, e respectivos exercícios educativos (Passos 1, 2, 3 e 4).

Na realização dos exercícios educativos aqui propostos, é importante a questão do timing tanto na repetição de cada passo quanto na integração entre os passos sequencial-mente. Sugerimos, inicialmente, a duração de 1 segundo para cada passo (ou semínima = 60), tempo que deverá ser diminuído à medida que o instrumentista melhore sua habilidade e precisão em cada movimento.

Uma sequência de movimentos ainda maior ocorre nos c.5-7 (Exemplo 3), com duas instâncias de arco + pizz. Na primeira (c.6), o bicorde de 7ª maior composta Lá1-Sol#3 é realizado pelos dedos 0 (polegar) e 1 (indicador). Na segunda (c.7), o bicorde de 10ª maior Sol2-Si3 é realizado pelos dedos 0 (polegar) e 2 (médio). A análise dos movimentos pode ser descrita em doze passos. Passo 1: simultaneamente, o dedo 2 (médio) toca o harmônico Mi4 na Corda III e a mão direita empurra o arco “para cima”; Passo 2: com o arco e o dedo 2 (médio) tocando, o dedo 0 (polegar) posiciona-se lateralmente na Corda II para tocar o pi-zzicato de mão esquerda; Passo 3: com o arco e o dedo 2 (médio) tocando, o dedo 0 (polegar) toca o Ré2 em pizzicato na Corda II; Passo 3: com o arco e o dedo 2 (médio) tocando, o dedo 0 (polegar) posiciona-se lateralmente na Corda II e dedilha o Ré2 em pizzicato de mão es-querda; Passo 4: com o dedo 2 (médio) e a mão direita tocando, o dedo 1 (indicador) localiza e pressiona o harmônico Sol#3 na Corda IV; Passo 5: com o dedo 1 (indicador) apoiado na Corda III e servindo de pivô, a mão direita interrompe o movimento do arco e o dedo 0 (po-legar) se apoia lateralmente na Corda III, preparando-se para tocar o pizzicato de mão es-querda Lá2; Passo 6: simultaneamente, a mão direita puxa o arco “para baixo” com o dedo 1 (indicador) tocando o harmônico Sol#3 na Corda IV e o dedo 0 (polegar) dedilha a cor-da solta Lá2 na Corda III; Passo 7: o dedo 1 (indicador) sai da corda IV e, transversalmen-te, localiza e pressiona o harmônico Dó#3 na corda III; Passo 8: com o dedo 1 (indicador) apoiado na Corda III e servindo de pivô, o dedo 0 (polegar) se apoia lateralmente na Corda II, preparando-se para tocar o pizzicato de mão esquerda Ré2; Passo 9: simultaneamente, a mão direita empurra o arco “para cima” com o dedo 1 (indicador) tocando o harmônico Dó#4 na Corda III, e o dedo 0 (polegar) dedilha a corda solta Ré2 em pizzicato na Corda II;

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7676

16_artigoPasso 10: o dedo 2 (médio) localiza e pressiona o harmônico Sol#3 na Corda IV; Passo 11: com o dedo 2 (médio) apoiado na Corda IV e servindo de pivô, o dedo 0 (polegar) tangen-cia a Corda II, sem encostá-la, e se apoia lateralmente na Corda I, preparando-se para tocar o pizzicato de mão esquerda; Passo 12: simultaneamente, a mão direita puxa o arco “para baixo” com o dedo 2 (indicador) tocando o harmônico Si4, e o dedo 0 (polegar) dedilha a corda solta Sol2 em pizzicato na Corda I. A fragmentação dessa sequência em onze passos revela a complexidade de movimentos e coordenação envolvidos na passagem. Nessa sequ-ência, também destacamos a grande dificuldade de realizar o bicorde Sol2-Si3 na Corda I e IV simultaneamente, pois são cordas não adjacentes (separadas pelas Cordas II e III) no final da sequência (c.7), o que exige uma amplitude muito grande entre a falange distal do dedo 0 (polegar), que passa por baixo da palma da mão para chegar à Corda I, e o dedo 2 (médio), que se estica em direção contrária para tocar na Corda IV (veja foto do Passo 11 do exercício educativo no Exemplo 3)

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7777

16_artigo

Exemplo 3: Análise de movimentos da técnica arco + pizz. nos c.5-7 de Nancy de Bertram Turetzky, e respectivos exercícios educativos (Passos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12).

No c.18, os eventos envolvendo o arco + pizz. são muito semelhantes àqueles do c.1, apresentado no Exemplo 2 e Exemplo 3 acima. A partir desses modelos, o leitor não encon-trará dificuldades em analisar e criar exercícios preparatórios para realizar o bicorde Sol2 - Si3 dessa passagem.

Nos c.23-24, duas instâncias da técnica arco + pizz. ocorrem sem interrupção, ge-rando os bicordes Ré2-Lá3 e Sol2-Si3 (Exemplo 4). Além do desafio do timing menor para re-alizar dois arco + pizz. em seguida, há também a dificuldade da troca de função dedos da mão esquerda para realizar essa sequência de bicordes: o dedo 0 (polegar) toca um harmôni-co em arco e em seguida deve tocar uma corda solta em pizz.; e o dedo 2 (médio)8 toca uma corda solta em pizz. e em seguida deve tocar um harmônico em arco. Essa inversão de fun-ções exige uma coordenação ainda maior do contrabaixista. Até aqui, todas as instâncias do pizzicato de mão esquerda (l.h. pizz.) em Nancy foram realizadas pelo dedo 0 (polegar), cujo movimento é facilitado devido à sua capacidade de rotação no eixo transversal às cor-das (ao contrário dos outros dedos). Mas no c.23, dentro da perspectiva de Tureztky de não movimentar a mão esquerda ao longo do espelho (o que chama de “escola alemã” ou “escola norte-americana”), isso não é mais possível. Isso é melhor compreendido ao analisarmos e descrevermos, em sete passos, a realização desse trecho complexo, o que é seguido da ela-boração de exercícios educativos com vista à aprendizagem de seus movimentos e coorde-nação no contrabaixo. Passo 1: o dedo 2 (médio) localiza e toca o harmônico Mi4 na Corda III com a mão direita puxando o arco “para baixo” nessa corda; Passo 2: a mão direita inter-rompe o movimento do arco ao mesmo tempo em que o dedo 2 (médio) levanta-se da corda e o dedo 0 (polegar) localiza e pressiona o harmônico Lá3 na mesma Corda III; Passo 3: com o dedo 0 (polegar) apoiado na Corda III, o dedo 2 (médio) se apoia lateralmente na Corda II, ambos se preparando para fazer o arco + pizz.; Passo 4: simultaneamente, o dedo 2 (médio) dedilha o Ré2 em pizzicato na Corda II, a mão direita empurra o arco “para cima” e o dedo 0 (polegar) toca o harmônico Lá3 na Corda III; Passo 5: a mão direita interrompe o movimento do arco, enquanto o dedo 2 (médio) localiza e pressiona o harmônico Si3 na Corda IV; Passo 6: com o dedo 2 (médio) apoiado na Corda IV e servindo de pivô, o dedo 0 (polegar) sai da Corda III e se apoia lateralmente na Corda I, tangenciando a Corda II sem encostar nela, e a mão direita muda o plano do arco da Corda III para a Corda IV. Passo 7: simultaneamente,

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7878

16_artigoa mão direita puxa o arco “para baixo” na Corda IV, o dedo 2 (médio) toca o harmônico Si3 na Corda IV e o dedo 0 (polegar) dedilha a nota Sol2 em pizzicato na Corda I.

Exemplo 4: Análise de movimentos da técnica arco + pizz. nos c.23-24 de Nancy de Bertram Turetzky, e respectivos exercícios educativos (Passos 1, 2, 3, 4, 5 e 6).

Por outro lado, dentro da perspectiva da “escola italiana” (TURETZKY, The Contemporary... 1989, p. 119), que favorece mais o trânsito da mão esquerda ao longo do es-pelho (e resulta em muitas mudanças de posição), apresentamos uma alternativa, também em sete passos (Exemplo 5), para manter sempre o polegar realizando o pizzicato de mão es-querda. Passo 1: o dedo 2 (médio) localiza e toca o harmônico Mi4 na Corda III com a mão direita puxando o arco “para baixo” nessa corda; Passo 2: a mão direita interrompe o movi-mento do arco ao mesmo tempo o conjunto antebraço-mão-dedo médio esquerdo (com fle-xão do cotovelo) muda de posição, recuando uma 5ª justa na Corda III, com o dedo 2 (médio) localizando e pressionando o harmônico Lá3 na mesma Corda III,, o que pode ser feito com precisão a partir de pistas visuais (de BV9 para BV7).; Passo 3: com o dedo 2 (médio) servin-do de pivô na Corda III, o dedo 0 (polegar) se apoia lateralmente na Corda II; ambos se pre-parando para fazer o arco + pizz.; Passo 4: simultaneamente, o dedo 0 (polegar) dedilha o Ré2 em pizzicato na Corda II, a mão direita empurra o arco “para cima” e o dedo 2 (médio) toca o harmônico Lá3 na Corda III; Passo 5: a mão direita interrompe o movimento do arco, a mão direita muda de posição, subindo diagonalmente da Corda III para Corda IV (combi-nando circundução do punho e extensão a partir do cotovelo) uma 5ª justa, localizando e pressionando o harmônico Si3 na Corda IV; Passo 6: com o dedo 2 (médio) apoiado na Corda IV e servindo de pivô, o dedo 0 (polegar) se apoia lateralmente na Corda I, e a mão direita

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

7979

16_artigomuda o plano do arco da Corda III para a Corda IV. Passo 7: simultaneamente, a mão direita puxa o arco “para baixo” na Corda IV, o dedo 2 (médio) toca o harmônico Si3 na Corda IV e o dedo 0 (polegar) dedilha a nota Sol2 em pizzicato na Corda I.

Exemplo 5: Dedilhado alternativo (polegar realizando todos os pizz. de mão esquerda) nos c.23-24 de Nancy de Bertram Turetzky, e respectivos exercícios preparatórios (Passos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7).

Observamos que a complexidade de movimentos do membro superior esquerdo em qualquer uma das alternativas para os c.23-24 (com ou sem mudança de posição da mão esquerda), apresentadas acima, é ainda maior quando consideramos que o membro superior direito também está atuando de forma complexa, envolvendo em maior ou menor grau, movimentos de abdução e adução do ombro no plano frontal (o ir e vir do arco para a direita e esquerda, mais conhecidos entre os instrumentistas de cordas como “arcada para baixo” e “arcada para cima”), flexão, extensão do cotovelo, abdução e adução do co-tovelo e punho (nas mudanças de angulação do arco para realizar os planos tangencias a cada corda).

4. Nancy: reverberações no repertório

Trazemos aqui exemplos de duas influências que a escrita idiomática de Nancy de Bertram Turetzky exerceu no repertório latino-americano do contrabaixo com a utilização

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

8080

16_artigodo arco + pizz. Ao participar do VI Encontro de Compositores e Intérprete Latino-Americanos (MENEGALE, 2002), realizado na cidade de Belo Horizonte em 2002, o primeiro autor do presente artigo recebeu a incumbência de estrear no Brasil a obra Tulipanes negros (1992), para clarone e contrabaixo da compositora argentina María Cecilia Villanueva. Os primei-ros 32 compassos (as duas primeiras páginas) da parte do contrabaixo nessa obra traziam a escrita de cordas duplas em arco, nota-contra-nota (semínimas ou mínimas), entre registros extremos: bicordes plaqué sobrepondo um harmônico a uma corda solta adjacente. O gran-de desafio era produzir sons de registros tão díspares (com intervalos de notas separadas de duas a três oitavas de distância!) com a mesma região de corda, a mesma região do arco e a mesma quantidade de crina, desafio cuja realização se mostrou muito insatisfatória. Recorrendo à minha experiência com Nancy, propus à compositora realizar essas cordas duplas separando-as em dois tipos de articulação (e timbres): realizando a voz superior dos harmônicos como na escrita original – com arco – e a voz inferior, sempre em cordas soltas, com pizzcati com o polegar da mão esquerda (Exemplo 6), o que se mostrou satisfatório para a compositora (BORÉM e SANTOS, 2003, p. 69-70), embora se se torna extremamente tra-balhoso, pois a escrita nota-contra-nota implicou em constantes mudanças de posição, com as notas da voz superior sendo tocado sempre com o dedo 2 (indicador).

Exemplo 6: Reflexo da escrita idiomática de Nancy (1987) de Bertram Turetzky em Tulipanes negros (1992) de Maria Cecilia Villanueva: simultaneidade de arco (harmônicos) e pizzicati (cordas soltas) como solução composicional para a parte a duas vozes do contrabaixo.

O segundo exemplo é retirado da obra cênico-musical Não atire o pau no gato (BORÉM, 2010), para contrabaixo solista, narrador e orquestra sinfônica, de autoria do pri-meiro autor do presente artigo, escrita sob encomenda do Maestro Fábio Mechetti para a Série Concertos Didáticos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. No trecho em que o personagem do Velho Fazendeiro passa um sermão naqueles que maltratam os animais, o contrabaixista deve coordenar não duas, mas três linhas independentes, combinando a re-alização dessa técnica de arco (aqui com harmônicos simples e em cordas duplas) + pizzi-cato (em cordas soltas) simultâneos com um terceiro estrato sonoro: a encenação do texto “ecologicamente correto”, como mostra o Exemplo 7.

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

8181

16_artigo

Exemplo 7: Reflexo da escrita idiomática de Nancy (1987) de Bertram Turetzky em Não atire o pau no gato (2010) de Fausto Borém: ampliação da técnica estendida de arco + pizz. para a escrita a três vozes, com o acréscimo de declamação encenada.

Considerações finais

Parte da suíte de peças que compõe Poems, portraits ballades and blues, a peça Nancy é uma miniatura que reflete escolhas importantes na vida do contrabaixista-com-positor-pedagogo BertramTuretzky. Primeiro, como compositor, sintetiza sua longa par-ceria na vida e na profissão com a esposa e flautista Nancy Turetzky, o que transparece na peça com a emulação do timbre, registro e cantabile da flauta acompanhada pelos pi-zzicati do contrabaixo. Turetzky consegue essa atmosfera utilizando a técnica estendida arco + pizz. que permeia a obra. Como contrabaixista, sua dedicação ao instrumento mo-tivou compositores relevantes na criação de um novo repertório para o contrabaixo a par-tir da segunda metade do século XX. Como pedagogo, formou gerações de instrumentis-tas abertos às novas potencialidades sônicas do contrabaixo e documentou as práticas de performance e a escrita idiomática contemporânea no seu livro seminal The Contemporary contrabass.

Podemos enxergar a peça Nancy (e sua construção) como uma metáfora na qual contrastes (o contrabaixo e a imitação da flauta pelo contrabaixo) se tornam unidades ao longo de sua forma ternária ABA’: unidade entre o grave e o agudo, entre o legato do so-pro na flauta e a percussividade do pizzicato no contrabaixo, entre os parceiros de um duo que dura mais de 55 anos, entre o homem e a mulher que construíram um casamen-to também longevo; ideia corroborada pelo compositor-intérprete (TURETZKY e BORÉM, Questions..., 2014).

No presente estudo de caso, pudemos analisar os movimentos dos membros su-periores no contrabaixo, especialmente o esquerdo, e propor exercícios educativos para as cinco variações da técnica arco + pizz. detectadas em Nancy: (1) com o pizzicato de mão esquerda sendo articulado com nota em arco já em curso; (2); com o pizzicato de mão esquerda sendo articulado simultaneamente com a nota em arco; (3) com o pizzica-to de mão esquerda sendo articulado simultaneamente com a nota em arco mais de uma vez em seguida; (4) com o pizzicato de mão esquerda realizado pelo polegar, mais comum devido à sua maior capacidade rotação desse dedo opositor na preensão, o que lhe permi-te maior mobilidade espacial e maior força; (5) com o pizzicato de mão esquerda realiza-do por outro dedo (indicador, médio ou anelar), menos comum mas necessário para evitar mudanças de posição da mão esquerda. Os reflexos da técnica estendida arco + pizz. de Nancy foram também percebidos fora do eixo Estados Unidos-Europa em obras posteriores latino-americanas.

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

8282

16_artigoNotas

1 Todas as traduções do inglês para o português foram realizadas pelo primeiro autor do presente artigo.2 Em The Contemporary contrabass, as técnicas de pizzicato são discutidas às p. 1-14 da 1ª edição e às p. 13-33 da 2ª

edição, enquanto que as técnicas de harmônicos são discutidas às p. 60-73 da 1ª edição e às p. 104-139 da 2ª edição.3 Turetzky menciona a Sonata for Double Bass Alone (1960) de Barney Childs como a primeira instância do pizzi-

cato lírico na literatura erudita do contrabaixo.4 Cinesiologia aqui é entendida como o estudo do movimento biológico, no qual se aplica conhecimento de dife-

rentes áreas de estudo, tais como o comportamento motor, a biomecânica, a fisiologia e a anatomia.5 As cordas do contrabaixo de 4 cordas aqui referidas são denominadas Corda I (a corda solta Sol), Corda II (a

corda solta Ré), Corda III (a corda solta Lá) e Corda IV (a corda solta Mi).6 Para se tocar um harmônico, não há necessidade de se pressionar a corda até encostá-la no espelho, pois no ponto

da nota-alvo existe um nodo correspondente da série harmônica que interrompe a vibração da corda.7 O pizzicato de mão esquerda normalmente é indicado na partitura pelo símbolo de uma cruzinha e/ou l.h. pizz

(left hand pizzicato; TURETZKY, 1989, p. 28-29).8 Embora, nesse caso, a realização do pizz. de mão esquerda com o dedo 2 (médio) seja mais fácil devido à sua

centralidade na mão, é possível a sua realização também com o dedo 1 (indicador) ou o dedo 3 (anelar).

Referências

BALDWIN, Robert. Orchestral excerpts as etudes. American String Teachers Association. Summer. EUA: ASTA, 1995. p. 51-53.

BORÉM, Fausto. Não atire o pau no gato, para contrabaixo solista, narrador e orquestra sinfôni-ca. Belo Horizonte: Musa Brasilis, 2010 (Partitura).

. Um sistema sensório-motor de controle da afinação no contrabaixo: contribuições in-terdisciplinares do tato e da visão na performance musical. Belo Horizonte: UFMG, 2011. 187p. (Tese de Pós-Doutorado).

BORÉM, Fausto; LAGE, Guilherme M.; VIEIRA, Maurílio N.; BARREIROS João P. Uma pers-pectiva interdisciplinar da visão e do tato na afinação de instrumentos não-temperados. In: Sônia Albano. (Org.). Performance e interpretação musical: uma prática interdisciplinar. 1ed. São Paulo: Musa Editora, 2006. p. 30-45.

BORÉM, Fausto; SANTOS, Rafael dos. Práticas de performance “erudito-populares” no contra-baixo: técnicas de estilo de arco e pizzicato em três obras da MPB. Música Hodie. v.3, n.1/2. Ed. Sônia Ray. Goiânia: UFG, 2003. p. 59-74.

DENSON, Jeff. Melodic and chordal applications for harmonics on the double bass: a study of techniques, chords, and compositions. San Diego: University of California at San Diego, 2010 (Tese de Doutorado).

DRESSER, Mark. Trenchant. In: Bass Excursion. Lamont Wolfe, 1983 (disco LP de áudio).

ERICSSON, K. A.; KRAMPE, R. T.; TESCH-RÖMER C. The role of deliberate practice in the ac-quisition of expert performance. Psychology Review. v.100. p. 363-406, 1993.

GOMES, Paulo. V Encontro Internacional de Contrabaixistas. In: http://www.paulogomes.com.br/veinco.htm. 2000 (Acesso em 10 de abril, 2014).

MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 5.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2000.

MENEGALE, Berenice. VI Encontro de Compositores e Intérprete Latino-Americanos. Belo Horizonte: Fundação de Educação Artística, 2002.

BORÉM, F.; LOPES, L. LAGE, G. M. Nancy de Bertram Turetzky: Cinesiologia e Prática Deliberada da Técnica Estendida Arco + Pizz. no Contrabaixo.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 67-83

8383

16_artigoNOGUEIRA, Quéfren Weld. Esporte e a experiência do jogo como formação. Educação & Realidade. v.38, n.3, jul/set. Porto Alegre, 2003. p. 873-893.

PAYTON, Leonard Richard. Contrabass harmonic potential: a study in acoustics and composi-tion. San Diego: University of California at San Diego, 1988 (Tese de Doutorado).

SLOBODA, John. The acquisition of musical performance expertise: desconstructing the “ta-lent” account of individual differences in musical expressivity. In: The road to excellence: the acquisition of expert performance in arts and sciences, sports and games. Ed. por K. A. Ericsson. New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1996. p. 107-126.

TURETZKY, Bertram. The Contemporary contrabass. 1a. ed. de Bertram Turetzky e Barney Childs. Berkeley: University of California, 1974.

. The Contemporary contrabass. 2. ed. revisada de Bertram Turetzky e Barney Childs. Berkeley: University of California Press, 1989.

TURETZKY, Bertram. Nancy. In: Poems, portraits ballades and blues. Bryn Mawr: Elkan-Vogel, 1987.

TURETZKY, Bertram; BORÉM, Fausto. Questions about “Nancy”. Entrevista de Bertram Turetzky a Fausto Borém por e-mail em 7 de abril de 2014.

. More questions about “Nancy”. Entrevista de Bertram Turetzky a Fausto Borém por e-mail em 22 de abril de 2014.

TURETZKY, Bertram; TURETZKY, Nancy. Bertram & Nancy Turetzky: Spirit song. In: http://www.isbstore.com/bertram-amp-nancy-turetzky-spirit-song.html. 2009 (Acesso em 21 de abril de 2014).

VILLANUEVA, Maria Cecilia. Tulipanes negros, para clarinete bajo y contrabajo. Khöln: Thürmchen Verlag, 1992 (Partitura).

Fausto Borém - Professor Titular da UFMG, onde criou o Mestrado em Música e a revista Per Musi (Qualis A1 na CAPES e indexada no SciELO). Como solista no contrabaixo, tem representado o Brasil nos principais eventos internacionais de contrabaixo (Berlim, Paris, Londres, Edimburgo e diversas universidades nos EUA), nos quais apresenta suas composições, arranjos e transcrições. É autor de dezenas de artigos sobre práticas de performance na música erudita e popular. É pesquisador do CNPq e coordena o grupo de pesquisa interdisciplinar ECAPMUS (Estudos em Comportamento e Aprendizagem Motora na Performance Musical).

Leonardo Lopes - Mestrando em música pela UFMG, onde também se graduou Bacharel em Contrabaixo acústico. Atualmente é músico instrumentista da OSMG (Orquestra Sinfônica da Minas Gerais) e professor nas Escolas Mu-nicipais de Música “José Luiz Pinto Coelho” em Santa Bárbara (MG) e “José Acácio de Assis Costa” em Nova Lima (MG).

Guilherme Menezes Lage - Professor Adjunto da UFMG, Doutor em Neurociências, Mestre e Bacharel em Educação Física. Desenvolve pesquisa e ministra disciplinas na área de Comportamento Motor.

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8484

17_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 14/06/2014 - Aprovado em: 15/07/2014

música no programa mais educação: Discutindo a Diversidade das práticas

Maura Lucia Fernandes Penna (Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB)[email protected]

Resumo: Com base em diversas pesquisas de campo, este texto apresenta uma análise de atividades musicais desen-volvidas pelo Programa Mais Educação em escolas públicas paraibanas. Através de estudos de caso/multicaso, fo-ram investigadas práticas pedagógicas em música desenvolvidas em oficinas do programa, sendo os dados coletados através da observação, entrevistas semiestruturadas e fontes documentais. Mostramos que os resultados musicais mais efetivos foram encontrados em duas situações: i) quando se trabalhava com grupos pequenos, havendo ou não processos excludentes; ii) quando os monitores responsáveis pelo desenvolvimento das atividades eram herdeiros de uma tradição musical. Com frequência, era encontrada uma concepção assistencialista do programa, cujo princi-pal objetivo seria “tirar a criança da rua”, aliada à ausência de atividades que incorporassem a vivência musical do aluno. Concluímos que, embora o Mais Educação contribua para a realização de atividades musicais nas escolas, a diversidade de práticas é grande, na medida em que dependem diretamente dos agentes locais. Assim, existem nu-merosas contradições entre as propostas do Ministério da Educação e os objetivos do programa e, por outro lado, sua realização concreta no cotidiano escolar. Palavras-chave: Educação musical; Programa Mais Educação; Prática pedagógica em música.

Music in the “Mais Educação” Brazilian Program: Discussing the Diversity of PracticesAbstract: Based on field researches, this paper analyzes musical practices developed by “Mais Educação” (More Education) Program in public schools at the Brazilian state of Paraíba. Through case or multicase studies, music education practices developed by the program were investigated and the data collected through observation, semi-structured interviews and documentary sources. We show that the most effective musical results were found in two situations: i) when the group of students was small, due to selection processes or not; ii) when the monitors who were in charge of developing the activities were heirs of a musical tradition. Frequently, it was found an assistive conception of the program, whose main objective was usually perceived as “to take children off the street”, along with an absence of activities which would include the students’ musical experience. We conclude that, although the “Mais Educação” Program helps to increase the presence of musical activities in schools, there is a lot of diver-sity because they depend directly upon local agents. Therefore there are huge contradictions between the propos-als of the Ministry of Education and the goals of the program and, on the other hand, the actual accomplishments in school daily routine. Keywords: Music education; “Mais Educação” Program; Pedagogical practice in music.

Projetos governamentais voltados para a expansão da jornada escolar têm contribu-ído para aumentar a presença da música na escola de educação básica, através de diversas atividades com caráter extracurricular. Dentre eles, destaca-se o Programa Mais Educação, responsável pelo oferecimento de “oficinas de música” em diversas escolas públicas.

A proposta de expansão da jornada escolar e implantação das escolas de tempo in-tegral já está presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, que estabelece, em seu Art. 34, a progressiva ampliação do “período de permanência na escola” e, no parágrafo 2º, especificamente, que “O ensino fundamental será ministrado progres-sivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino”, sendo que as disposições transitórias (Art. 87, parágrafo 4º) propõem “a progressão das redes escolares públicas ur-banas do ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral” (BRASIL, 1996).

No entanto, até pelo menos a primeira década que se seguiu à homologação da LDB, a proposta de ampliação da jornada escolar caminhou a passos muito lentos, com possibi-lidade real em poucos municípios em que o padrão educacional já tinha avançado em ter-mos quantitativos e qualitativos (GUARÁ, s/d). Podemos citar como exemplo o Programa Escola Integrada, da rede municipal de Belo Horizonte (MG), que foi criado em 2006, ini-cialmente como uma experiência-piloto em sete escolas, sendo progressivamente ampliado (MACEDO, 2012, p. 416).

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8585

17_artigo1. O Programa Mais Educação

É dentro deste quadro que é criado o Programa Mais Educação (PME), instituído através de uma portaria interministerial em 2007 (BRASIL, 2007) e regulamentado atra-vés de decreto no início de 2010 (BRASIL, 2010). Coordenado pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com secretarias de educação em âmbito estadual ou municipal, o pro-grama desenvolve “ações socioeducativas no contraturno escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer” (BRASIL, 2007). O Mais Educação configura-se, as-sim, como uma “estratégia intersetorial do governo federal para indução de uma política de educação integral, promotora da ampliação de dimensões, tempos, espaços e oportunidades educativas” (MOLL, 2012b, p. 132). Como discutem Machado e Thiesen (2014, p. 2-6), o ca-ráter indutor do programa refere-se a provocar discussões sobre a proposta, apoiar tranfor-mações, articular-se a iniciativas já existentes1 e financiar projetos até que as prefeituras se-jam capazes de sustentá-los.

Como indica material do próprio programa, em 2008 o Mais Educação estava sen-do implantado em 55 municípios, 25 estados e no Distrito Federal, abarcando 1.380 escolas em cidades com 200 mil habitantes ou mais (BRASIL, 2009a, p. 25). Em rápida expansão, conforme Moll (2012b, p. 134-136), em 2010 o programa já atendia a 10.026 escolas em to-dos os estados brasileiros e, para 2011, a proposta era atender a escolas de baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), situadas em regiões que apresentassem alto grau de vulnerabilidade social, alcançando cidades menores, com mais de 18.800 mil ha-bitantes, visando atender a 15.018 escolas em 1.354 municípios. Nas ações do programa, é investido um significativo montante de recursos – em 2010, foram mais de 387 milhões de reais e, para 2011, estavam orçados cerca de 566 milhões. (MOLL, 2012b, p. 134-135). O fi-nanciamento das atividades do Mais Educação é realizado através do Programa Dinheiro Direto na Escola (BRASIL, 2009d), que, ao enviar os recursos diretamente para a unidade escolar, procura evitar a corrupção e também atender às necessidades locais.

O Mais Educação “tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matri-culados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral.” (Decreto 7.083/2010, Art. 1º). Propondo-se a combater as “desigualdades nas condições de acesso, permanência e aprendizagem na educação escolar”, cumpre clara função social. Neste sen-tido, Moll (2012b, p. 134) atribui às ações do programa um “caráter de discriminação posi-tiva e de política afirmativa”.

Assim, com vistas à melhoria do desempenho educacional, à garantia da proteção social e à formação para a cidadania, o programa oferece diversas atividades no turno opos-to, de modo a expandir a jornada escolar e a garantir uma maior permanência do aluno na escola. No entanto, o material produzido para a divulgação do programa, onde se destaca o texto elaborado por um grupo de trabalho convocado pelo MEC para servir como referência para o debate nacional (BRASIL, 2009a), vincula o programa à perspectiva da educação in-tegral, em função da qual deveriam ser estabelecidas a organização curricular e a jornada escolar. Neste sentido, uma proposta de educação integral coloca em questão a organização por turno – especialmente o padrão historicamente dominante nas escolas brasileiras do turno único de quatro horas –, incentivando a superação de “dicotomias presentes no cur-rículo escolar, tais como formal/não formal, curricular/extracurricular, turno/contraturno” e, por conseguinte, a “superação do caráter acessório ou alternativo que têm caracterizado, até então, as experiências educativas desenvolvidas fora do turno regular ou do espaço da escola” (TITTON; PACHECO, 2012, p. 150-151).

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8686

17_artigoNas propostas do Mais Educação, é destacada ainda a legitimação de saberes comu-

nitários e dos saberes do mundo da vida, já que a articulação das disciplinas curriculares com diferentes campos de conhecimento e práticas socioculturais constitui um dos princí-pios da educação integral (cf. BRASIL, 2010, 2009b, 2009c). Têm especial relevância no pro-grama as atividades de cultura e artes, que abrangem também o campo da música:

A jornada escolar diária será ampliada com o desenvolvimento das atividades de acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes, esporte e lazer, cultura digital, educação econômica, comunicação e uso de mídias, meio ambiente, direitos humanos, práticas de prevenção aos agravos à saúde, promoção da saúde e da alimentação saudável, entre outras atividades (BRASIL, 2010 – grifos nossos)

Este artigo apresenta uma discussão a respeito de práticas educativas musicais de-senvolvidas pelo Programa Mais Educação, com base em diversas pesquisas de campo re-alizadas pelo Grupo de Pesquisa Música, Cultura e Educação (MUCE) em escolas públi-cas paraibanas (BRITO, 2011; BARROS; PENNA, 2012; PEREIRA; PENNA, 2012; BARROS; PENNA, 2013; PEREIRA; PENNA, 2013; FÉLIX, 2013; MENDES, 2013; BARROS, 2014; PEREIRA, 2014; BARROS; PENNA, 2014; PEREIRA; PENNA, 2014; BRITO; PENNA, 2014). Através de estudos de caso ou multi-caso, tais pesquisas investigaram as práticas pedagógi-cas em música desenvolvidas em diversas oficinas do Mais Educação em escolas da capital e sua região metropolitana2 – incluindo os municípios de Bayeux, Cabedelo, Conde e Santa Rita –, buscando compreender as situações, concepções, estratégias e processos de ensino e aprendizagem da música que as caracterizavam. A principal técnica de coleta de dados foi a observação – das aulas, principalmente, mas também de ensaios e eventuais apresen-tações. Buscamos realizar a observação das aulas com continuidade, de modo a apreender o processo pedagógico e a minimizar o “efeito do observador” – também conhecido como reatividade (VIANNA, 2007, p. 42). Entretanto, questões do cotidiano escolar e da própria operacionalização do programa por vezes afetaram a coleta, de modo que, na discussão aqui apresentada, dados de relatórios de pesquisa que não se mostraram adequados foram desconsiderados. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os diversos agentes envolvidos e utilizadas fontes documentais, especialmente os documentos oficiais do próprio programa (como BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c, 2012, 2013).

Consideramos indispensável ampliar a discussão a respeito desta temática, na me-dida em que a escola de tempo integral oferece perspectivas para a expansão das atividades musicais nas escolas. Na área de educação musical, já existe o trabalho de Veber (2012), re-lacionado à sua pesquisa de mestrado, que analisa a música em uma experiência de educa-ção em tempo integral, numa Escola Pública Integrada da rede estadual de Santa Catarina. Neste caso, no entanto, faziam parte do currículo todas as atividades oferecidas, inclusive as musicais, que estavam a cargo de uma professora do quadro da rede, com formação es-pecífica (VEBER, 2012, p. 41-42). Por tais características, essa experiência diferencia-se das práticas de educação musical desenvolvidas através do Mais Educação, já que estas têm ca-ráter extracurricular e estão a cargo de monitores – que atuam como voluntários no progra-ma – com formações as mais variadas (cf. PENNA, 2011).

Até pelo fato de ser um programa relativamente recente, encontramos poucos tra-balhos específicos sobre o Mais Educação, produzidos até 2011, em levantamento bibliográ-fico sobre o tema, em que a grande maioria dos textos encontrados é da área de educação/pedagogia. Nos limites deste artigo, não cabe tratar de todos, pois não abordam nossa temá-tica específica e, na maior parte das vezes, não trazem dados significativos sobre as práti-

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8787

17_artigocas educativas desenvolvidas, mesmo quando propõem estudos de caso. No entanto, desta-camos alguns: o texto de Parente e Azevedo (2011), um dos mais interessantes, que envolve grupos de discussão sobre a implementação do programa com os agentes envolvidos (ges-tores e monitores); o trabalho de Soares, Braz e Meireles (2010) sobre uma oficina de rádio escolar em escola pública de João Pessoa, um dos poucos textos que tratam de experiências do Mais Educação em escolas públicas do estado da Paraíba, ao lado de duas monografias de graduação que, com base em questionários, abordam sua concretização em escolas das cidades de Campina Grande (OLIVEIRA, 2013) e de Patos (OLIVEIRA, 2012), fazendo refe-rência às diversas oficinas oferecidas em cada escola pesquisada, que incluíam atividades musicais3.

No entanto, essa produção vem aumentando, devido, inclusive, ao incentivo do pró-prio Ministério da Educação, destacando-se os trabalhos realizados em cursos de especia-lização sobre educação integral em universidades federais e a extensa coletânea organiza-da pela Profa. Dra. Jaqueline Moll (2012a), primeira coordenadora nacional do programa. Esta obra traz, além de artigos teóricos sobre a educação integral, diversos capítulos sobre sua implantação – inclusive através do Mais Educação – em diferentes localidades, mas ne-nhuma da Paraíba. Vale ressaltar ainda a tese de Mosna (2014), que, através da análise de documentos, entrevistas e questionários, busca avaliar os processos de implementação do programa e seus impactos na qualidade da educação, em escolas de ensino fundamental da rede estadual do Rio Grande do Sul.

Particularmente sobre nossa temática, afora as pesquisas que o nosso grupo de pes-quisa vem desenvolvendo, encontramos apenas dois trabalhos sobre oficinas de música do Programa Mais Educação: de Sobczack (2013) e de Souza (2013), realizados em cursos de especialização na área de educação, sem um maior diálogo com a produção do campo da educação musical – até pelo fato de suas autoras não terem formação específica. O primei-ro é especialmente relevante, por analisar a trajetória das atividades de música numa esco-la municipal de Esteio (RS) desde a sua adesão ao Mais Educação, revelando a importância fundamental do comprometimento dos agentes envolvidos, especialmente do professor res-ponsável pelas atividades do programa na escola (SOBCZACK, 2013, p. 16)4.

Neste mesmo sentido, Mendes (2013) ressalta, em sua pesquisa em uma escola esta-dual localizada no município de Conde, na Paraíba, o papel fundamental da “professora co-munitária” – denominação do programa para o professor da escola que coordena as ativida-des do Mais Educação5 (MOLL, 2012b, p. 134) –, reforçando a importância dos gestores em todo o processo. Na mesma direção, Cavaliere (2010) coloca que a implementação do progra-ma traz desafios em termos de gestão e administração, pois, apesar de seu caráter federal, tem uma estrutura descentralizada, dependendo diretamente dos agentes locais. Sendo as-sim, não é possível adotar estratégias padronizadas para a concretização de suas propostas na realidade específica de cada escola, o que lhe dá “uma feição indutora, de difícil avalia-ção [a] curto prazo”. Neste sentido, as várias pesquisas que nosso grupo de pesquisa, MUCE, vem desenvolvendo têm evidenciado a diversidade de práticas existentes.

2. Nas pesquisas de campo, uma diversidade de práticas

Segundo documento atualizado destinado à operacionalização do Programa Mais Educação (BRASIL, 2013, p, 8-9), as atividades oferecidas às escolas urbanas (que já partici-pavam do programa em 2012) estão agrupadas em sete macrocampos: 1) acompanhamento pedagógico; 2) comunicação, uso de mídias e cultura digital e tecnológica; 3) cultura, artes

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8888

17_artigoe educação patrimonial; 4) educação ambiental e sociedade sustentável; 5) esporte e lazer; 6) educação em direitos humanos; 7) promoção da saúde6. As atividades especificamente mu-sicais, oferecidas no macrocampo Cultura, Artes e Educação Patrimonial são: banda (fanfar-ra), canto coral, percussão, iniciação musical por meio da flauta doce e iniciação musical de instrumentos de cordas (BRASIL, 2012, p. 9; BRASIL, 2013, p. 8).

Banda e coral, práticas que tradicionalmente têm estado presente nas escolas como atividades extracurriculares, foram as mais correntemente encontradas nas escolas investi-gadas, ao passo que não foi possível desenvolver pesquisas de campo com coletas em ofici-nas de flauta ou cordas, atividades que foram acrescentadas mais recentemente ao progra-ma. As ementas das oficinas estão centradas na prática, no fazer musical, apesar de também enfatizarem objetivos de cunho social e, portanto, de caráter contextualista (cf. PENNA; BARROS; MELLO, 2012, p. 66-67):

• Banda Fanfarra – Iniciação musical por meio da Banda Fanfarra. Desenvolvimento da auto-estima, integração sócio-cultural, trabalho em equipe e civismo pela valori-zação, reconhecimento e recriação das culturas populares.7

• Canto Coral – Propiciar ao estudante condições para o aprimoramento de técni-cas vocais do ponto de vista sensorial, intelectual e afetivo, tornando-o capaz de expressar-se com liberdade por meio da música e auxiliando na formação do ouvinte, de forma a contribuir para a integração social e valorização das culturas populares. (BRASIL, 2012, p. 22)

Pelas normas de operacionalização do Mais Educação, de acordo com os manuais de 2012 e 2013 (BRASIL, 2012; 2013), em cada escola que está implantando o programa deve-riam ser selecionados, a princípio, 100 alunos para participar do mesmo. Progressivamente, o programa deve ser estendido a pelo menos metade dos alunos matriculados (BRASIL, 2012, p. 4). Ambos os manuais estabelecem a formação de turmas com 30 estudantes, que poderão ser de idades e séries variadas, conforme as características de cada atividade (BRASIL, 2013, p. 23). O manual de 2012 indica que os estudantes participantes devem es-tar inscritos no mínimo em cinco atividades diferentes (BRASIL, 2012, p, 12), enquanto o documento de 2013 explicita apenas a necessidade de garantir sete horas diárias (35 horas semanais) de atividades (BRASIL, 2013, p. 23), provavelmente indicando um passo à frente na proposta de integrar as atividades curriculares e extracurriculares, rumo à construção da educação integral.

Por sua vez, o trabalho de monitoria é de caráter voluntário, de modo que os mo-nitores responsáveis pelo desenvolvimento das atividades nas diversas oficinas recebem apenas um ressarcimento de despesas de transporte e alimentação, com base no número de turmas que atendem. A orientação do programa é que esse trabalho seja desempenhado, preferencialmente, por estudantes com formação específica nas áreas de desenvolvimen-to das atividades, ou por pessoas da comunidade com habilidades, competências e saberes apropriados (BRASIL, 2012, p. 13). Já o manual de 2013 estende ainda aos estudantes do en-sino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) a possibilidade de ser monitor do Mais Educação (BRASIL, 2013, p. 23).

Nas pesquisas sobre o Programa Mais Educação que servem de base a essa discus-são, os resultados mais efetivos quanto ao desenvolvimento musical foram encontrados em dois tipos de situação. A primeira era quando se trabalhava com grupos menores – como no caso das oficinas de banda fanfarra investigadas por Félix (2013, p. 61; 78) em duas escolas estaduais de Cabedelo, onde 15 foi o número máximo de alunos presentes nas aulas obser-vadas. Em ambas, as bandas do Mais Educação conseguiram desenvolver uma prática mu-sical que lhes permitiu participar do Desfile de 7 de Setembro na cidade. Nesses casos, apa-

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

8989

17_artigorentemente, o número relativamente reduzido de alunos participantes parecia resultar do (des)interesse dos alunos, sendo que a desistência da maioria da turma era aceita como fa-zendo parte, naturalmente, do processo de trabalho, não tendo sido observadas, pelo menos durante o período de coleta de dados, práticas diretas de seleção.

Também no município de Santa Rita, da Grande João Pessoa, encontramos uma ofi-cina de música do Mais Educação, cadastrada como de percussão, que alcançava um efetivo desenvolvimento musical, agrupando treze alunos – doze entre 10 e 14 anos e outro com 17 anos. Eles formavam uma banda, com dois saxofones alto, um saxofone tenor, três clarine-tas, três trompetes, dois trombones, bateria e percussão. As aulas observadas tinham caráter de ensaio, e a banda de música, com repertório popular, costumava se apresentar em diver-sas ocasiões. Como relata o diretor da escola em entrevista (em 05/11/2013), a banda até ga-nhou certa visibilidade, pois “já foi fonte de entrevista, e nós não chegamos à TV, a TV veio a nós para entrevistar a banda. Isso foi muito bom, levantou a autoestima dos alunos e fez essa representatividade da escola” (BRITO; PENNA, 2014, p. 23). No caso desta banda, pare-ce ter ocorrido um processo seletivo “natural”, a partir da proposta de um novo direciona-mento para o trabalho musical: a oficina de percussão vinha funcionando desde 2011 com 40 alunos, mas gradativamente foi incorporando instrumentos de sopro e finalmente teve seu número reduzido a 13 alunos. De acordo com o relato do monitor, essa redução deveu--se ao fato de que “houve um processo de ‘musicalização’, onde eram trabalhadas rítmica e leitura musical, acarretando a desistência de diversos alunos” (p. 6-7).

Já no caso da oficina de banda fanfarra de uma escola estadual de João Pessoa, que também desenvolvia um fazer musical envolvendo instrumentos de metal e de percussão, a seleção era explícita, desconsiderando, inclusive, a manifestação de interesse dos alunos, como a cena seguinte ilustra exemplarmente.

Os outros alunos, que não são selecionados para participar da banda, ficam na outra oficina que está acontecendo simultaneamente e [...] não há uma troca de turma. Como só ficam na banda fanfarra os alunos “aptos”, muitos ficam chateados porque querem estar na banda e não podem. Verificamos isso na 2ª observação (04/12/12), quando um aluno perguntou por que toda vez ele ficava fora da oficina da banda fanfarra, não obtendo resposta do monitor. Em seguida, neste mesmo dia, uma aluna entrou na sala e insistiu durante a aula toda para que o monitor a deixasse tocar junto com os outros alunos. Depois de muito tempo, o monitor passou com ela uma escala, apenas uma vez. (BARROS; PENNA, 2013, p. 12)

A professora comunitária da escola assim justificava a prática adotada, em entre-vista (em 18/01/2013):

Tem que ter aptidão. Para tocar um instrumento de percussão ele [o aluno] tem que ter ritmo. Então, há um teste, mas há uma insistência... revisa, faz de novo, para poder ver se fica. Para estar na banda tem que ser um aluno exemplar. Entrou na banda, vai ter que ter notas, vai ter que se comportar. A gente não vai sair com a banda com aluno bagunceiro. O aluno não vai deixar de estar em uma aula de revisão para estar na banda, se ele está com nota baixa. (BARROS; PENNA, 2013, p. 12)

É clara aqui, portanto, a adoção de uma prática excludente, que inclusive desvalori-za o interesse dos alunos. Mesmo encontrando-se diversas justificativas, que se respaldam ainda na concepção de talento, corrente em práticas tradicionais de ensino de música, cabe questionar os efeitos dessa exclusão sobre a autoestima dos alunos, como já discutido por Penna, Barros e Mello (2012, p. 75), contrariando a própria ementa proposta pelo manual de operacionalização do Mais Educação (acima apresentada).

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9090

17_artigoPor outro lado, também foram encontrados resultados musicais efetivos em situa-

ções em que os monitores eram da comunidade ou então eram praticantes de um fazer mu-sical e “herdeiros” de uma certa tradição – o que é mais comum no contexto das bandas de música. Nos casos estudados por Félix (2013, p. 63), acima mencionados, os dois monitores de banda fanfarra das escolas estaduais de Cabedelo tiveram grande parte de sua formação em bandas – inclusive um deles na banda marcial da própria escola em que atuava, sendo esta herança bastante significativa, mesmo quando combinada, posteriormente, a outros es-tudos formais, inclusive em nível superior (p. 79). Também na banda da escola municipal de Santa Rita o monitor tinha uma larga experiência em bandas de música, participando de diversas delas, como regente ou como saxofonista (BRITO; PENNA, 2014, p. 42).

Vale salientar, no entanto, que este não é um fator suficiente ou determinante para um resultado musical satisfatório. Em uma oficina de canto coral estudada por Brito (2011, p. 35-43; 53), o monitor, que tinha toda sua formação em bandas de música, dedicava-se apenas a en-sinar teoria musical, sem que fosse proposta aos alunos alguma prática musical que fizesse uso da partitura. No entanto, ele havia assumido uma oficina com proposta distante de sua experi-ência musical, na qual os modelos tradicionais de sua prática não cumpriam a mesma função.

Por sua vez, o monitor da oficina de canto coral de uma escola estadual do municí-pio de Conde, investigada por Mendes (2013), era o regente do coral de uma igreja evangéli-ca da comunidade, ao mesmo tempo em que toda a sua formação e atuação musical haviam sido construídas nesse contexto. Nesta medida, ele também se configura como herdeiro de uma prática, como fica claro pela...

[...] importância que ele atribui ao ensino tradicional de música, centrado nos conhe-cimentos do professor, com referência na notação musical tradicional. O solfejo na es-cala tonal é uma técnica muito utilizada durante as aulas e ele se orgulha de ter apren-dido com sua professora e ter desenvolvido a percepção auditiva para escrever seus próprios arranjos, tanto para o coral quanto para a banda [sinfônica da igreja]. Para estruturar suas aulas, tanto na igreja quanto no Programa Mais Educação, utiliza os livros de teoria musical, além de hinários sacros de sua igreja. (MENDES, 2013, p. 90)

No entanto, mesmo neste caso, apesar de sua experiência musical, a falta de um adequado preparo pedagógico para trabalhar com crianças em escola de educação básica revela-se no momento em que o monitor trabalhou uma música em uma tonalidade que não era adequada para os alunos, comprometendo inclusive a afinação, aspecto que ele tanto prezava (MENDES, 2013, p. 70). A princípio, o conhecimento da tessitura adequada para trabalhar com crianças de diferentes faixas etárias, assim como de recursos básicos de re-gência devem fazer parte de uma licenciatura em música, a formação inicial ideal para um educador musical (cf. PENNA, 2007, p. 50).

Neste sentido, diversos problemas observados em práticas educativas musicais do Mais Educação têm relação, a nosso ver, com a falta de formação pedagógica dos monito-res. Ao estudar uma oficina de canto coral em uma escola municipal de João Pessoa, Pereira (2014, p. 45-47) encontrou um monitor com uma formação musical não formal que, embora bastante dedicado e esforçado, não conseguia resolver os problemas de afinação que os alu-nos apresentavam: “talvez pelo fato de o monitor não ter um preparo pedagógico e/ou um domínio técnico do canto coral que lhe permitisse perceber as características vocais de seus alunos, levando em consideração a idade deles, ele não tenha conseguido uma saída para o problema da desafinação”, que poderia se amenizado buscando-se uma tonalidade mais ade-quada para as músicas ensaiadas. Problemas similares foram constatados por Brito (2011, p. 44-51) em outra escola da mesma rede, onde o monitor desenvolvia um prática de can-to constante, utilizando como recurso playbacks8 retirados de caraoquês – que nem sempre

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9191

17_artigoestavam em uma tonalidade adequada às possibilidades vocais dos alunos. Por outro lado, apesar de estar cursando um bacharelado em instrumento, esse mesmo monitor apresenta-va dificuldades sistemáticas de dar a entrada para os alunos, contando “um, dois” ou “um, dois, três”, embora nem sempre essa contagem fosse adequada ao início da frase rítmica.

Algumas das práticas observadas não conseguiam, na verdade, promover o desen-volvimento musical dos alunos, como Brito (2011) verificou nas oficinas de canto coral de duas escolas municipais de João Pessoa:

Nas duas escolas, A e B, a ênfase maior – no discurso e nas intenções – esteve centra-da nos aspectos sociais, como: respeito mútuo, disciplina, prevenção das drogas e da prostituição; tirar o aluno da rua enquanto seus pais trabalham, para não se envol-verem com o mundo do crime [...] Mas, contraditoriamente, isso não aconteceu. Na escola B, por exemplo, o monitor não conseguia dar aulas por causa da indisciplina dos alunos, nem reservava um momento para discutir com os alunos sobre os aspec-tos sociais, como respeito e disciplina [...]. Na escola A, a discussão sobre os aspectos sociais acontecia, porém a vivência musical através do canto não era desenvolvida. (BRITO, 2011, p. 52)

No entanto, de modo bastante recorrente, problemas relativos à falta de desenvolvi-mento musical dos alunos eram minimizados por uma concepção assistencialista do Mais Educação, que enfatizava o caráter salvacionista do programa, cujo foco era entendido como “tirar a criança da rua” (cf. BARROS; PENNA, 2013b, p. 588). Esse entendimento manifesta-va-se constantemente nas entrevistas com os diversos agentes envolvidos – professores co-munitários, monitores e mesmo diretores. Neste sentido, destaca-se o depoimento da pro-fessora comunitária de uma escola estadual de João Pessoa, sobre os aspectos positivos do programa, em entrevista (em 23/01/2013):

Ah, o bom de tudo é que eles têm um momento de mais aprendizagem, ficam na es-cola ao invés de estar no meio da rua porque a gente tem um índice de crianças que vivem em comunidades carentes. Então, se a gente está com eles na escola, a gente está protegendo eles da violência. (PEREIRA; PENNA, 2013, p. 27 – grifos nossos)

Assim, para essa mesma professora comunitária, a noção de educação integral se reduz ao fato de “o aluno chegar às oito horas da manhã e sair às cinco e meia da tarde” (PEREIRA; PENNA, 2013, p. 27). No mesmo sentido, o monitor de banda fanfarra de uma escola municipal de João Pessoa, estudada por Barros (2014, p. 51), declara que o programa veio para “ajudar as crianças e os adolescentes a não entrar nas drogas, no tráfico, na violên-cia... Então, para eles não ficarem em casa em uma hora oposta da sala de aula” (entrevista em 29/11/2011). Neste quadro, então, o objetivo maior é ocupar o tempo do aluno, de qual-quer jeito, de modo que a intenção formativa fica em segundo plano.

No entanto, esta concepção diverge da proposta de educação integral do Mais Educação, que defende uma formação global do aluno, em suas várias dimensões, o que não se reduz à mera ampliação da jornada escolar, como diversos estudiosos discutem (MAURÍCIO, 2009, p. 26; GUARÁ, 2009, p. 65-66). Nas várias pesquisas aqui analisadas, são raras as falas que revelam essa compreensão da educação integral, mas elas ocorreram algumas vezes – cabendo considerar que, embora significativas, essas concepções expres-sas podem não se refletir diretamente nas práticas desenvolvidas. Em seu estudo multicaso sobre oficinas de banda fanfarra do programa, Barros (2014, p. 51 – acima citada) deparou--se tanto com a visão assistencialista manifesta pelo monitor da escola municipal A, quanto com a atribuição de uma função distinta ao programa, na entrevista (em 14/04/2013) com a diretora da escola estadual B, onde eram alcançados melhores resultados, tanto nas ques-

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9292

17_artigotões sociais, quanto no desenvolvimento musical. Para a referida diretora, educação integral é: “integrar toda esta escola, cooperar com o desenvolvimento e aprendizagem e os direitos humanos da criança e do adolescente. É para a gente criar, realmente, uma cultura de paz, uma educação que promova o ser humano” (BARROS, 2014, p. 53). A perspectiva da educa-ção integral também foi encontrada na entrevista do coordenador geral do Mais Educação na rede municipal de Cabedelo9 (em 14/02/2014), que considera que o programa “é uma das maiores perspectivas que foi criada até hoje, para ampliação da jornada escola e o estabele-cimento da educação integral e integrada. Porque não é só aumentar o tempo, devemos tam-bém aumentar a formação em si” (BARROS; PENNA, 2014, p. 51),

Um dos documentos que fundamentam o Programa Mais Educação, proposto in-clusive com a intenção de um “debate nacional”, deixa claro que não é suficiente ocupar o tempo do aluno de qualquer jeito para simplesmente mantê-lo na escola:

Nesta perspectiva, entende-se que o tempo qualificado é aquele que mescla ativida-des educativas diferenciadas e que, ao fazê-lo, contribui para a formação integral do aluno, para a superação da fragmentação e do estreitamento curricular e da lógica educativa demarcada por espaços físicos e tempos delimitados rigidamente. Neste sentido, entende-se que a extensão do tempo – quantidade – deve ser acompanhada por uma intensidade do tempo – qualidade – nas atividades que constituem a jornada ampliada na instituição escolar. (BRASIL, 2009a, p. 28)

Como discutem Penna, Barros e Mello (2012, p. 72), é fundamental que o trabalho de educação musical “consiga envolver os alunos e ser significativo para eles” – constituin-do, portanto, um tempo de qualidade –, pois sem isso as funções contextualistas, de caráter social, não conseguem se sustentar:

Assim, é possível questionar as reais funções de diferentes propostas voltadas para “ocupar o tempo” e “tirar da rua” crianças e jovens [...] Se essas propostas não se articu-larem a um trabalho educativo capaz de promover o desenvolvimento dos alunos, não estariam, na verdade, atuando simplesmente no controle e vigilância do outro, na busca de disciplinar seu tempo e mesmo seu corpo? (PENNA; BARROS; MELLO, 2012, p. 73)

Esse entendimento da “rua” – ou seja, o ambiente de vida do aluno – como uma ame-aça da qual é preciso salvá-lo a todo custo contradiz a própria proposta do Mais Educação de integração dos saberes escolares e comunitários, promovendo o diálogo entre a cultura local e os currículos escolares, com base no reconhecimento de que “as experiências edu-cacionais se desenvolvem dentro e fora da escola” (BRASIL, 2009c, p. 13). A ênfase nos pro-blemas das “comunidades carentes” e na “ameaça da rua” pode levar, ainda, à desconsidera-ção dos elementos positivos da experiência do aluno fora da escola, inclusive a sua vivência musical, ou pode até mesmo conduzir à “estigmatização de indivíduos ou grupos”, como apontam Cavaliére e Maurício (2011, p. 11).

Nesse sentido, significativamente, na grande maioria das pesquisas realizadas so-bre as oficinas de música do Mais Educação não foram observadas atividades pedagógicas que partissem ou englobassem, intencionalmente, a vivência musical do aluno, seja porque a escolha do repertório era determinada pelo monitor sem qualquer consulta à turma, seja pela clara desconsideração das manifestações musicais espontâneas dos alunos. Duas ce-nas ilustram exemplarmente esta questão: durante o intervalo de uma aula de canto coral em uma escola municipal de João Pessoa, alguns alunos cantavam, bastante afinados, uma música gospel que não fazia parte do repertório, mas que se encaixaria perfeitamente para a apresentação do dia das mães (BRITO, 2011, p. 48). Por outro lado, é uma batida funk que surge em uma oficina de banda fanfarra de uma escola estadual:

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9393

17_artigo[...] o aluno novato, que tinha mais dificuldade com o instrumento (trombone), co-meçou a fazer uma batida de funk no instrumento e com estalos da língua. A batida era muito dançante e ritmada e todos os outros alunos apreciaram. No entanto, o mo-nitor apenas observou e depois continuou com a tarefa que estava dando. (BARROS; PENNA, 2013, p. 14)

Nestas e em inúmeras outras cenas que poderiam ilustrar a questão, fica claro que as diversas discussões de nossa área sobre educação musical e cotidiano (SOUZA, 2000; 2008), sobre o multi/interculturalismo (PENNA, 2012) ou sobre a convivência de “mundos musicais” na escola (ARROYO, 2002) estão imensamente distantes das práticas desses mo-nitores, não só por que a maioria não tem formação específica na área, mas talvez ainda pela conhecida defasagem entre as discussões acadêmicas e as práticas no cotidiano escolar.

No entanto, cabe assinalar a única situação diferenciada encontrada em uma esco-la municipal de Bayeux, onde dois monitores (que atuavam em conjunto) incorporaram ao repertório da oficina – cadastrada como de percussão, mas com diversas práticas de banda, pelo uso de instrumentos de sopro – o funk “Show das Poderosas” (composição de Larissa de Macedo Machado e sucesso da cantora Anitta), claramente escolhido pelos alunos, pela cena a seguir:

Enquanto os alunos estavam ensaiando o funk “Show das Poderosas”, eles erraram a entrada. O mesmo erro foi cometido mais umas duas vezes: ou eles atrasavam ou adiantavam o momento da entrada do funk. O monitor D1 resolveu contar “2, 3, 4” e depois dizer “prepara” (primeira palavra da letra de “Show das Poderosas”). Os alunos da percussão deveriam entrar na sílaba “pa” da palavra “prepara”. Com ar de quem estava chateado com a música, o monitor D1 disse à turma, em tom de ironia: “Se vocês soubessem o amor que eu tenho por essa música... Pense! Eu só vou botar essa música por causa de vocês”. (PEREIRA; PENNA, 2014, p. 24)

Neste caso, a abertura de um espaço para a música da vivência do aluno carrega contradições, na medida em que é clara a ironia e a atitude de preconceito do monitor, que revelam sua hierarquização das práticas musicais. Assim, é quase uma concessão força-da a aceitação da música do aluno, em lugar de uma prática de educação musical baseada em uma concepção ampla de música, capaz de apreender todas as manifestações musicais como significativas.

Considerações finais

As atividades musicais desenvolvidas através do Mais Educação nas escolas públi-cas paraibanas analisadas pelas várias pesquisas realizadas por nosso grupo apresentam uma diversidade de práticas, reforçando as colocações de Cavaliere (2010, p. 9) de que as respostas encontradas para a implantação do programa não são padronizáveis, na medida em que dependem dos agentes locais. A princípio, como já discutido, o programa deveria ter um caráter indutor, estimulando discussões e apoiando projetos próprios de educação in-tegral. No entanto, de modo geral, não observamos maior integração entre as atividades do Mais Educação e o projeto político-pedagógico da escola, entre o corpo docente e os agentes do programa, embora seja necessário ressaltar que o foco da maioria das pesquisas era as práticas pedagógicas em música, incluindo também entrevistas com os professores comu-nitários e ainda, por vezes, com os diretores. Na mesma direção, Mosna (2014, p. 181; 196) também constata, em sua pesquisa, a ausência das mudanças curriculares propostas pelo programa e a resistência do corpo docente, tanto em relação a essas mudanças quanto em

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9494

17_artigorelação aos monitores (os “oficineiros”), que poucas vezes são aceitos como educadores no processo de ensino-aprendizagem (p. 149, 225).

Embora não pretendamos generalizar a partir dos diversos casos estudados, apon-tamos, ao longo da discussão, alguns fatores que influem sobre os resultados das práticas, refletindo sobre questões mais amplas que dizem respeito à educação musical. Neste senti-do, nossos estudos têm indicado algumas questões recorrentes: práticas que não se mostram adequadas às capacidades dos alunos ou que não consideram o desenvolvimento da turma, por falta de perspectiva pedagógica ou mesmo de formação adequada dos monitores; práti-cas e concepções que não levam em consideração a vivência musical do aluno e sua experi-ência cultural, contrariando as diretrizes do programa quanto à articulação entre os saberes escolares e as experiências cotidianas; a prevalência de uma concepção restrita da proposta do programa, como tendo como meta apenas “tirar a criança ou jovem da rua”, o que leva, inclusive, à desvalorização e desconsideração das diversas vivências comunitárias.

Sem dúvida, o Mais Educação propicia o aumento de atividades musicais (extracur-riculares) nas escolas, como já constataram Wolffenbüttel e Ertel (2011, p. 1672) em estudo sobre as escolas públicas do Rio Grande do Sul. Contudo, ao mesmo tempo, o programa car-rega contradições entre as propostas do MEC e as realizações efetivas no cotidiano da esco-la, entre as intenções e fundamentações de sua proposta e as concepções que norteiam os agentes envolvidos, entre as concepções contemporâneas de educação musical e as práticas realizadas, inclusive refletindo tradições musicais correntes. No que concerne à concepção de educação integral que fundamenta o programa, o que constatamos nas pesquisas desen-volvidas, em relação às diversas oficinas de música, é que o programa tende a se concretizar como atividades extracurriculares de cunho assistencialista, sendo percebido como algo que vem proposto (ou mesmo imposto) de cima para baixo – pelo Ministério da Educação. Neste quadro, mesmo que possa trazer benefícios para a escola, o Programa Mais Educação está longe de se consolidar, nas instituições paraibanas pesquisadas, como um projeto co-letivamente assumido e construído – ou, nos termos de Moll (2012b, p. 152), como um pro-cesso de “construção de um entendimento de educação enquanto compromisso coletivo”.

No entanto, é preciso considerar que qualquer processo de transformação mais pro-funda da prática escolar não poderia ocorrer sem tensões e conflitos, pois envolve “re-lações de poder, hierarquia de papeis, identidades docentes, relação com a comunidade, concepções de educação e de disciplina, dentre outros elementos” (TITTON; PACHECO, 2012, p. 152). Sendo assim, uma vez que “as políticas não podem ser analisadas apenas por seus objetivos, mas pelas realidades efetivas que engendram quando de sua implementação” (CAVALIERE; MAURÍCIO, 2011, p. 12), cabe acompanhar o desenvolvimento deste progra-ma federal, que canaliza tantos recursos, em suas realizações efetivas diferenciadas, com pesquisas sistemáticas que apreendam a diversidade das práticas desenvolvidas. Afinal, essas experiências “precisam ser monitoradas e alimentadas por continuadas reflexões, de modo a administrar o possível fosso” entre as propostas e as práticas efetivas (TITTON; PACHECO, 2012, p. 154). Esperamos, portanto, ter contribuído neste sentido.

Notas

1 Ver, p. ex., Macedo (2012, p. 421), sobre a articulação de recursos do PME ao Programa Escola Integrada. 2 Agradecemos a todos – gestores, educadores e seus alunos – que participaram das pesquisas, contribuindo assim

com o desenvolvimento do conhecimento em educação musical, permitindo-nos uma maior compreensão de práticas pedagógicas concretas, em suas dificuldades e positividades.

3 A monografia de graduação – Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – configura, em geral, a primeira experiên-cia de pesquisa do estudante. No entanto, é importante ressaltar que o Mais Educação, em escolas paraibanas,

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9595

17_artigoestá sendo objeto de diversos tipos de estudos, em diferentes cursos. Ambas as monografias mencionam ativi-dades musicais, embora não analisem a prática pedagógica específica – em Campina Grande, há referência à oficina de canto coral (OLIVEIRA, 2013) e de flauta doce, na escola de Patos (OLIVEIRA, 2012).

4 Este texto faz referência a uma dissertação de mestrado sobre esta experiência em Esteio, de autoria de Tiago Pavinato Klein, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No entanto, o referido trabalho não está disponível on line no site da instituição.

5 “Cabe à Secretaria Estadual, Municipal ou Distrital de Educação disponibilizar um professor vinculado à escola, com dedicação de no mínimo vinte horas, preferencialmente quarenta, denominado ‘Professor Comunitário’. Este será o responsável pelo acompanhamento pedagógico e administrativo do Programa e seus custos referem--se à contrapartida oferecida pela Entidade Executora” (BRASIL, 2013, p. 22). Apesar desta indicação do pro-grama, em alguns espaços – como as escolas estaduais da Paraíba – a designação corrente para este professor é simplesmente “coordenador” – das atividades do PME naquela escola.

6 Para as escolas urbanas de 2013, são oferecidos apenas os cinco primeiros macrocampos – com eventuais dife-renças nas suas atividades. Há uma maior abrangência em: 4) educação ambiental, desenvolvimento sustentável e economia solidária e criativa/educação econômica (BRASIL, 2013, p. 7).

7 As denominações dos macrocampos, das atividades e as próprias ementas sofrem alterações conforme as edições do manual de operacionalização do PME. Em 2013, a atividade passa a ser designada apenas como “banda” e a ementa é simplificada, sendo retirada a primeira frase, relativa à iniciação musical (BRASIL, 2013, p. 14). Já a ementa de canto coral permanece a mesma.

8 O uso regular de playbacks em aulas de canto coral também foi observado numa oficina do PME em uma escola estadual em João Pessoa (PEREIRA; PENNA, 2013, p. 57-59; 63). Em uma das observações, acompanhadas com o áudio, as crianças cantavam praticamente gritando, mas as monitoras pareciam não se importar com isso.

9 É interessante ressaltar que, apesar de mudanças políticas, este coordenador geral está no cargo na Secretaria de Educação de Cabedelo desde que o programa foi implantado no município, em 2009, em contraste, por exemplo, à constante mudança da coordenação do programa na Secretaria de Educação do município de Santa Rita, onde, em menos de um ano de pesquisa, já presenciamos três mudanças (cf. BRITO; PENNA, 2014, p. 5). Certamente, a falta de continuidade na gestão tem efeitos sobre o processo de implantação e operacionalização do programa.

Referências

ARROYO, Margarete. Mundos musicais locais e educação musical. Em Pauta: Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v.13, n.20, p. 95-121, 2002.

BARROS, Olga Renalli de Nascimento e. A banda da escola: um estudo multicaso nas ofi-cinas de banda fanfarra do Programa Mais Educação em João Pessoa. 2014. 78f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Licenciatura em Música, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2014.

BARROS, Olga Renalli de Nascimento e; PENNA, Maura. Oficinas de banda fanfarra e hip hop no Programa Mais Educação: um estudo multicaso em escolas municipais de João Pessoa. João Pessoa: MUCE, 2012. Digitado. (Relatório Final de Pesquisa - PIBIC 2011-2012)

BARROS, Olga Renalli de Nascimento e; PENNA, Maura. Oficinas de banda fanfarra e flauta doce no Programa Mais Educação: um estudo de caso múltiplo em escolas estaduais de João Pessoa. João Pessoa: MUCE, 2013. Digitado. (Relatório Final de Pesquisa - PIBIC 2012-2013)

BARROS, Olga Renalli de Nascimento e; PENNA, Maura. Oficinas de música do Programa Mais Educação em escolas públicas de Cabedelo. João Pessoa: MUCE, 2014. Digitado. (Relatório Parcial de Pesquisa - PIBIC 2013-2014)

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://goo.gl/i25UyY. Acesso em: 10 mar. 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Portaria Normativa Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação... Disponível em: http://goo.gl/dVPLZC. Acesso em 27 maio 2010.

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9696

17_artigoBRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Educação integral: texto referência para o debate nacional. Brasília: MEC/SECAD, 2009a.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Gestão intersetorial no território. Brasília: MEC/SECAD, 2009b.

BRASIL.. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Rede de saberes mais educação: pressupostos para projetos pedagógicos de educa-ção integral. Brasília: MEC/SECAD, 2009c.

BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Conselho Deliberativo. Resolução nº 04, de 17 de março de 2009. Dispõe sobre os processos de adesão e habilitação e as formas de execução e prestação de contas referentes ao Programa Dinheiro Direto na Escola... 2009d. Disponível em: http://goo.gl/K83opJ. Acesso em: 29 maio 2010.

BRASIL. Decreto 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o Programa Mais Educação. 2010. Disponível em: http://goo.gl/4TX2Kd. Acesso em: 25 maio 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Manual de educação integral para obtenção de apoio financeiro através do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE/Integral ano 2012. 2012. Disponível em: http://goo.gl/GefCrH. Acesso em: 30 jul. 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Manual Operacional de Educação Integral. Brasília: 2013. Disponível em: http://goo.gl/vTMi5k. Acesso em: 06 nov. 2013.

BRITO, Alan de Araújo de. O ensino do canto coral no Programa Mais Educação em escolas mu-nicipais de João Pessoa. 2011. 59 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Licenciatura em Música, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011.

BRITO, Luã Nóbrega de; PENNA, Maura. Oficinas de música do Programa Mais Educação em es-colas públicas de Santa Rita. João Pessoa: MUCE, 2014. Digitado. (Relatório Parcial de Pesquisa - PIBIC 2013-2014)

CAVALIERE, Ana Maria. Questões sobre uma proposta nacional de gestão escolar local. CONGRESSO ÍBEROBRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 1, 2010, Elvas, Portugal. 2010. Disponível em: http://goo.gl/KVj2SU. Acesso em: 15 mar. 2013.

CAVALIERE, Ana Maria Villela; MAURÍCIO, Lúcia Velloso. As práticas de ampliação da jornada es-colar no ensino fundamental: sobre modelos e realidades. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 34, 2011, Natal. Trabalhos. Natal, ANPED, 2011. Disponível em: http://goo.gl/TNmSa7. Acesso em: 15 mar. 2013.

FÉLIX, Michel Charles Nunes. A banda vai passar: oficinas de banda fanfarra no Programa Mais Educação em escolas de Cabedelo. 2013. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) Programa de Pós-Graduação em Música – Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2013.

GUARÁ, Isa Maria F. Rosa. Educação integral: articulação de projetos e espaços de aprendiza-gem. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. s/d. Disponível em: http://goo.gl/dDNKW8. Acesso em: 25 jan. 2010.

GUARÁ, Isa Maria F. R. Educação e desenvolvimento integral: articulando saberes na escola e além da escola. Em Aberto, Brasília, v.22, n.80, p. 65-81, 2009.

MACHADO, Lurdes Regina Borges Lima: THIESEN, Juares da Silva. Educação integral no EBIAS: o Programa Mais Educação como transitoriedade e ação indutora. In: CONGRESSO

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9797

17_artigoDE EDUCAÇÃO BÁSICA, 4., 2014, Florianópolis. 2014. Disponível em: http://goo.gl/UXkxwR. Acesso em: 20 abr. 2014.

MACEDO, Neuza Maria Santos et al. A experiência da escola integrada em Belo Horizonte (MG). In: MOLL, Jaqueline (Org.). Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 413-423.

MAURÍCIO, Lúcia Velloso. Escritos, representações e pressupostos da escola pública de horário integral. Em Aberto, Brasília, v.22, n.80, p. 15-31, 2009.

MENDES, Eliane Josefa Ribeiro. Música no Programa Mais Educação: um estudo sobre práticas de canto coral em escolas paraibanas. 2013. 115f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2013.

MOLL, Jaqueline (Org.). Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012a.

MOLL, Jaqueline. Agenda da educação integral: compromissos para sua consolidação como política pública. In: MOLL, Jaqueline (Org.). Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012b. p. 129-146.

MOSNA, Rosa Maria. Avaliação da política pública “Programa Mais Educação” em escolas de ensino fundamental da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul: impactos na qualida-de da educação e no financiamento do ensino fundamental. 2014. 249f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2014. Disponível em: http://goo.gl/VNANEz. Acesso em: 2 jun. 2014

OLIVEIRA, Maria Helena Almeida de. As contribuições do Programa Mais Educação em uma escola estadual do município de Campina Grande - PB. 2013. 40f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Bacharelado em Administração, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2013. Disponível em: http://goo.gl/cTjUPk. Acesso em: 27 maio 2014.

OLIVEIRA, Priscilla da Silva. O Programa Mais Educação como meio de inclusão socioeduca-cional na escola Nosso Lar Tio Juca. 2012. 40f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Licenciatura em Computação, Universidade Estadual da Paraíba, Patos, 2012. Disponível em: http://goo.gl/6M1vH8. Acesso em: Acesso em: 2 jun. 2014.

PARENTE, Cláudia da Mota Darós; AZEVEDO, Érica do Nascimento. Monitoramento do pro-grama mais educação: educação integral em construção. CONGRESSO ÍBEROAMERICANO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 2, 2011, São Paulo. 2011. Disponível em: http://goo.gl/zIQbp9. Acesso em: 24 jul. 2013.

PENNA, Maura. Não basta tocar? discutindo a formação do educador musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, n.16, p. 49-56, mar. 2007.

PENNA, Maura. Educação musical e educação integral: a música no Programa Mais Educação. Revista da ABEM, Londrina, v.19, n.25, p. 141-152, jan.-mar. 2011.

PENNA, Maura. Música (s) e seu Ensino. 2. ed. rev. ampl. 1. reimpr. Porto Alegre: Sulina, 2012.

PENNA, Maura; BARROS, Olga Renalli Nascimento e; MELLO, Marcel Ramalho de. Educação musical com função social: qualquer prática vale? Revista da ABEM, Londrina, v.20, n.27, p. 65-78, jan.jun 2012.

PEREIRA, Raquel Dantas Gomes. A música na ampliação da jornada escolar: o canto coral no Programa Mais Educação numa escola municipal de João Pessoa. 2014. 68 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Licenciatura em Música, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2014.

PENNA, M. L. F. Música no Programa Mais Educação: Discutindo a Diversidade das Práticas.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 84-98

9898

17_artigoPEREIRA, Raquel Dantas Gomes; PENNA, Maura. Oficinas de canto coral e percussão no Programa Mais Educação: um estudo multicaso em escolas municipais de João Pessoa - PB. João Pessoa: MUCE, 2012. Digitado. (Relatório Final de Pesquisa - PIBIC 2011-2012)

PEREIRA, Raquel Dantas Gomes; PENNA, Maura. Oficinas de canto coral e percussão no Programa Mais Educação: um estudo multi-caso em escolas estaduais de João Pessoa - PB. João Pessoa: MUCE, 2013. Digitado. (Relatório Final de Pesquisa - PIBIC 2012-2013)

PEREIRA, Raquel Dantas Gomes; PENNA, Maura. Oficinas de música do Programa Mais Educação em escolas públicas de Bayeux. João Pessoa: MUCE, 2014. Digitado. (Relatório Parcial de Pesquisa - PIBIC 2013-2014).

SOARES, Cybele; BRAZ, Sandrine; MEIRELES, Norma. Comunicação e educação: um estudo de casos da oficina de rádio escolar no Programa Mais Educação em João Pessoa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33., 2010, Caxias do Sul. 2010. Disponível em: http://goo.gl/gJtcR3. Acesso em: 27 jun. 2012.

SOBCZACK, Nara Rejane. A música abrindo caminhos: oportunidades formativas a partir do Programa Mais Educação. 2013. 16 f. Artigo (Trabalho de conclusão de especialização) – Curso de Especialização em Educação Integral Integrada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. Disponível em: http://goo.gl/04e71g. Acesso em: 20 mar. 2014.

SOUZA, Jusamara (Org.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: PPGM/UFRGS, 2000.

SOUZA, Jusamara (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008.

SOUZA, Sinára Ferreira de. A música e as aprendizagens dos alunos: um estudo em educação integral. 2013. 17f. Artigo (Trabalho de conclusão de especialização) – Curso de Especialização em Educação Integral Integrada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. Disponível em: http://goo.gl/jykcus. Acesso em: 20 mar. 2014.

TITTON, Maria Beatriz Pauperio; PACHECO, Suzana Moreira. Educação integral: a construção de novas relações no cotidiano. In: MOLL, Jaqueline (Org.). Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 149-156.

VEBER, Andréia. A escola de tempo integral: um espaço potencial para as aulas de música na educação básica. Revista da ABEM, Londrina, v.20, n.29, p. 23-38, jul.-dez. 2012.

VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Liber Livro, 2007.

WOLFFENBÜTTEL, Cristina Rolim; ERTEL, Daniele Isabel. O ensino de música no Rio Grande do Sul: investigando escolas públicas do estado. In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 20., 2011, Vitória. Anais... Vitória: ABEM, 2011. p. 1665-1674.

Maura Lucia Fernandes Penna - GRaduada pela Universidade de Brasília em Licenciatura Plena em Educação Artística (1983), Licenciatura em Música (1983) e Bacharelado em Música (1979). Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (1990) e Doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Pernambu-co (1997). Atualmente é Professora Adjunto II do Departamento de Educação Musical da Universidade Federal da Paraíba (desde agosto 2009), onde atua como pesquisadora e docente dos cursos de Licenciatura em Música e no Programa de Pós-Graduação em Música (mestrado e doutorado). Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa Músi-ca, Cultura e Educação, e desenvolve pesquisa sobre as práticas educativas musicais no Programa Mais Educação.

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

9999

18_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 25/02/2014 - Aprovado em: 25/04/2014

sargaceiros de Apúlia e orquestra de Cordas: Contributos para uma etnopedagogia musical

Hugo Manuel Soares de Brito (Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, Portugal)[email protected]

Maria Helena Gonçalves Leal Vieira (Centro de Investigação em Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga, Portugal)

[email protected]

Resumo: O ensino da música em conservatórios e academias tem privilegiado o formalismo das obras da cultura oci-dental dita “erudita”, deixando de parte a música tradicional dos povos, tantas vezes inspiradora dessa mesma músi-ca “erudita”. Isto conduz a um crescente fosso entre a matriz cultural dos estudantes e a da comunidade em que estão inseridos. Através de um trabalho baseado na componente auditiva, realizado com a música tradicional dos Sargacei-ros de Apúlia (Braga, Portugal), foi possível compreender algumas potencialidades pedagógicas do patrimônio oral local para a aprendizagem musical, bem como obter um retrato sobre a relação dos alunos com a música tradicional.Palavras-chave: Música Tradicional, Competências Auditivas, Ensino Instrumental em Grupo

Seaweed Gatherers and a String Orchestra: Contributions for a Musical EthnopedagogyAbstract: Music education in conservatories and music education in music academies have focused on western and so-called “classical works”, leaving traditional and folk music aside (despite the fact that composers were and are often inspired by that music). This leads to a growing distance between music students and their cultural roots, the community in which they live. Through an action research project centered on audition, the pedagogical potential of the music of Sargaceiros [seaweed gatherers] of Apúlia (Braga, Portugal) was discovered, organized and registered. This also allowed for an intensive description of the relationship established between the students and traditional music of their region.Keywords: Traditional music, aural skills, string group pedagogy

1. Introdução

A pesquisa apresentada inscreve-se no âmbito do Mestrado em Ensino de Música da Universidade do Minho, Braga, Portugal. Esta formação contou com a operacionalização de uma intervenção pedagógica em dois diferentes contextos numa escola de música espe-cializada: uma Orquestra de Cordas e aulas individuais de instrumento (violino); contou ainda com uma vertente de investigação aplicada à prática pedagógica, que incidiu na cren-ça sobre o potencial pedagógico da tradição oral local na aprendizagem musical em contex-to de Orquestra de Cordas. Será sobre esta vertente que o presente artigo irá incidir, uma vez que se tratou do foco do processo de investigação-ação.

Desde meados do século passado que, em Portugal, tem sido questionada a perti-nência da utilização do patrimônio etnográfico na construção de uma obra de educação mu-sical infantil. De acordo com Lopes-Graça (1959, p. 109),

(...) não seria muito mais educativo e muito mais são que, em vez das chochices re-visteiras ou quejandas patacoadas para aí comercialisticamente confeccionadas para uso dessas crianças por indivíduos que têm tão pouco de artistas como de pedagogos, se fosse, direta ou indiretamente, buscar ao nosso folclore o material adequado a uma séria obra de educação musical infantil?

Esta proposta adquire especial pertinência quando compreendemos que, como su-blinhou Vieira (1998, p. 26) a ontogenia segue a filogenia, não apenas na biologia, mas

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

100100

18_artigotambém na aprendizagem musical, então, de acordo com a autora, “a educação musical da criança deveria seguir os mesmos passos que ocorrem no desenvolvimento musical dos po-vos, partindo da música, do movimento e da fala, enquanto elementos inseparáveis do ato criativo”.

Porém, este trabalho não trata apenas de uma aproximação entre a música tra-dicional e a sala de aula de uma orquestra de cordas. Através da compreensão das me-todologias informais de ensino e aprendizagem propostas pelas diferentes comunidades regionais de músicos (GREEN, 2002) foi possível traçar uma planificação de actividades que corresponde às práticas comuns de transmissão oral do conhecimento. Sublinha-se, no entanto, que as propostas pedagógicas de Lucy Green (2002) se aplicaram aqui à mú-sica “popular” no sentido da sua raiz tradicional e etnográfica, e não à música “popular” no sentido mais abrangente que os ingleses dão a “pop music”. Os processos pedagógi-cos são, contudo, profícuos em ambos os casos. Ao nível dos conteúdos esta opção pela transmissão oral encontrou um profundo eco na proposta de organização metodológica de Swanwick (2001, p. 43):

A Audição, (...) é uma forma muito especial de pensamento, muitas vezes envolvendo empatia com os artistas, um sentido de estilo musical relevante para a ocasião, uma vontade de se deixar ir com a música e, finalmente, talvez muito raramente, uma capacidade de responder e de se relacionar intimamente com o objecto musical en-quanto entidade estética.1

A problemática subjacente à necessidade de utilização da audição como principal estratégia pedagógica, advém do seu parco desenvolvimento nas atividades lectivas tradi-cionalmente propostas, tanto para as aulas de instrumento, como para as aulas de classe de conjunto, na instituição onde se realizou o estágio e nas escolas de ensino especializado em geral. Paul Haack (1992, p. 451) afirma que “alguns filósofos da estética defendem ou suge-rem que até que os sons sejam ouvidos ou entendidos como música, não existe música”2, e que “tal audição é uma destreza em si mesma e para si mesma, bem como uma parte vital de todas as outras competências musicais”3. Neste contexto tentamos cobrir as insuficiên-cias detectadas durante a fase de observação pedagógica através da utilização, completa ou parcial, de processos pedagógicos encontrados em várias culturas, modelos institucionais e estruturas curriculares. Uma transformação efetiva, como a que aqui se propõe, sobre o trabalho e estudo da componente auditiva inclui a imitação, a improvisação, a total ausên-cia de notação bem como outras estratégias tidas em conta. Nesta pesquisa foi também le-vada em consideração a necessidade de guiar as crianças “ou ensiná-las a audiar4 e cantar padrões tonais e entoar padrões rítmicos nos níveis auditivo/oral e de associação verbal da sequência de aprendizagem de competências, durante as aulas”, conforme afirma Gordon (2000, p. 135).

As músicas utilizadas para a operacionalização das propostas de trabalho foram recolhidas na comunidade dos Sargaceiros de Apúlia. Gentes ligadas à atividade agro-ma-rítima, esta é uma das mais representativas comunidades do país, assumindo característi-cas particulares ao nível das práticas agrícolas, das danças, das canções e do traje. No que respeita às práticas agro-marítimas o sargaceiro não é “um homem do mar”, mas antes um agricultor da segunda linha dunar – dos campos de masseira – onde pratica agricultura in-tensiva para autossustento com características de exploração familiar. Foi no seio desta co-munidade que encontramos a matéria-prima perfeita para a construção da nossa proposta, dado que os alunos da Orquestra de Cordas, onde o projeto foi operacionalizado, pertenciam ao mesmo concelho desta comunidade de Sargaceiros.

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

101101

18_artigoPara além do desenvolvimento da audição como factor primordial da actividade e

aprendizagem musicais, os principais objectivos desta pesquisa estavam focados na com-preensão do valor atribuído ao património oral local e no desenvolvimento do referencial cultural dos alunos com base na recolha de repertório local, visando contribuir para o de-senvolvimento da matriz cultural da comunidade educativa e para o desenvolvimento da relação com a comunidade, com a sua produção e prática musical. Este trabalho teve, ainda, a ambição de compreender as possibilidades de permuta com a comunidade, tendo em vista o melhorar das competências auditivas e estabelecer um conjunto de práticas e repertórios que promovam a audição participada dos alunos em contexto de sala de aula, mas passíveis de serem realizadas em contexto artístico. Desta forma, a intervenção proposta realizou-se através de um conjunto de 10 aulas com a duração média de 90 minutos ao longo de 10 se-manas letivas.

2. Metodologias de investigação

Ao nível metodológico, esta investigação foi inspirada na Investigação-Acção dado que, desta forma, foi possível conciliar a intervenção pedagógica com uma componente de pesquisa. O projeto de intervenção, que foi pilar do contexto académico em que a pesquisa esteve inserida, conduziu a uma postura contínua de reflexão e de ajustamento às necessi-dades didáticas, pedagógicas, culturais e sociais dos alunos.

A intervenção pedagógica consistiu na planificação de um conjunto de 10 aulas com periodicidade semanal e com duração aproximada de 90 minutos. As actividades didáticas propostas assentaram em conteúdos de ordem etnomusicológica, com base na contextualização social, histórica e cultural das obras em estudo (“Olívia” e “P’ra Praia!”), e de ordem técnica e musical através da audição estruturada e comentada dos temas do repertório tradicional local, do estudo da estrutura formal da canção popular (AABB e ABABA), do seu ritmo, da melodia, textura e, por fim, da harmonia, criando propostas de harmonização baseadas na voz liderante (melodia) com acompanhamento (harmonia). Durante a intervenção pedagógica esteve sempre presente a tentativa de fusão entre a re-alidade sócio-cultural dos alunos e a utilização de práticas pedagógicas e didáticas que fossem significativas e funcionais para o desenvolvimento da audição com vista à reali-zação de um concerto final que fosse, também ele, inclusivo e refletisse a totalidade do trabalho levado a cabo pelos alunos, juntando em palco a comunidade de Sargaceiros e a orquestra de cordas.

A forma como a Investigação-Acção se desenrolou permitiu que os intervenientes tivessem um papel ativo no rumo de todo o processo, o que fez com que não existisse uma simples operacionalização do projeto por parte do investigador. Desta forma, a investigação foi conduzida etnograficamente através da descrição dos factos centrados na perspetiva dos intervenientes, com uma observação sistemática e comparativa das várias fases da interven-ção e investigação, que assumiram a forma de acompanhamento direto sobre a evolução das componentes de investigação – o potencial pedagógico da música popular e o desenvolvi-mento da audição.

Os instrumentos de recolha de informação utilizados resultaram da opção meto-dológica para o desenvolvimento deste trabalho. Foram adotadas as metodologias qualitati-vas, dado que o projecto está fortemente relacionado com as necessidades de compreensão e transformação das relações entre comportamento e cultura. Devido à necessidade de flexi-bilidade e adaptação do projeto à realidade dos alunos, da estrutura da aula, do currículo e

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

102102

18_artigodo ambiente formal da escola a Investigação-Acção tornou-se, metodologicamente, um pla-no seguro para a concretização do projecto.

Ao nível técnico as metodologias foram implementadas através da análise docu-mental, da observação participante e da realização de Focus Group – Grupos Focais, em formato semiestruturado (transcrições em BRITO, 2013, p. 78-89). No caso particular deste estudo, a observação participante teve um lugar importante devido à natureza da própria informação recolhida da comunidade, informação da tradição oral local que se encontra plasmada na memória coletiva dos intervenientes. Igualmente a análise documental teve também um importante papel, isto porque muita da informação que poderia estar já com-pilada num cancioneiro ou em diversos ramalhetes de canções tradicionais encontrava-se unicamente disponível por meios audiovisuais, no caso o vídeo, a fotografia e a gravação áudio em formato digital. O Focus Group aparece, no final, como balanço, como discussão e recolha das vivências do grupo que foi alvo da intervenção (no caso, a Orquestra de Cordas dos alunos do Curso Básico da escola).

Perante as técnicas e estratégias descritas, a recolha de informação passou pela observação sistemática, pela análise de conteúdo, pela realização do guião do Focus Group e pela entrevista. A operacionalização destes instrumentos resultou numa descrição cen-trada na perspectiva do investigador, que liderou e observou presencialmente os fenóme-nos em estudo, na elaboração de pequenas notas de conversação, interacção e diálogo com participantes e intervenientes, na análise formal e de conteúdo dos objetos musicais reco-lhidos – vídeos e gravações áudio – e na recolha através do Focus Group, (aqui semiestru-turado, devido aos objectivos claros mas de não directividade, e tendo em conta a cons-trução prévia do guião para orientação da sessão que foi feita em dois momentos distintos, tendo a primeira sessão a duração de 30 minutos e a segunda sessão a duração 20 minu-tos; ambas as sessões contaram com 12 participantes e tiveram o investigador como único moderador).

3. Resultados

Este projeto de investigação pretendeu contribuir para desenvolvimentos futuros e para a confirmação de uma expectativa do próprio aluno em estágio. Um dos princi-pais instrumentos utilizados na recolha de dados foi o Focus Group, um instrumento de natureza qualitativa e de forte potencial descritivo que se afigurou apropriado, devido às características etnográficas do próprio estudo, dado que outros dados foram recolhidos através de gravações fonográficas. Esta parte da apresentação de resultados tem, por isso, o objetivo de disseminar o conteúdo da entrevista através da descrição das categorias de sentido identificadas e organizadas durante o processo de pesquisa. Estas categorias tor-nam mais visíveis a riqueza dos resultados provenientes da implementação da interven-ção pedagógica.

O trabalho analítico e de organização dessas categorias permitiu identificar carac-terísticas relevantes no discurso dos intervenientes sobre os assuntos tratados na entrevis-ta. Particularmente, nesta análise, falamos das características atribuídas pelos sujeitos: 1) ao conceito de música tradicional, 2) à perspectiva da autoria singular e coletiva, 3) à con-cepção de intérprete, 4) à natureza dos instrumentos e timbres tradicionais, 5) ao tipo de público deste género de música, 6) ao seu grau de actualidade e 7) às fronteiras entre estilos e sua valoração moral.

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

103103

18_artigo1) Música tradicional - Conceito

Neste campo os alunos não foram capazes de aprensentar uma síntese conceptu-al de “música tradicional” mas enunciaram uma variedade de características que lhe atri-buíram. Uma dessas foi a de um trabalho que nasce de um grupo e não de um indivíduo (BRITO, 2013, p. 83-84, ¶185 - ¶197), também o intérprete se relaciona com o autor, parti-lhando muitas vezes a dupla função. Todavia, aqui (Id., ibid., p. 84, ¶197 - ¶207) os alunos foram prontos em não confundir o intérprete e o objeto artístico e afastaram qualquer sus-peita ou confusão que existisse entre forma e conteúdo. Na formação de um conceito aju-dou também recolher a opinião particular de um aluno que afirma que a música popular tem um timbre mais “aberto” e a música erudita é mais “fechada” (Id., ibid., p. 85, ¶240). Os alunos foram ainda capazes de atribuir à música popular algumas características fun-cionais, principalmente relacionadas com o trabalho físico no sentido em que afirmaram que a música serviria “(...) para se entreterem enquanto fazem o trabalho” (Id., ibid., p. 87, ¶318), “[p]ara alegrar o trabalho” (Id., ibid., ¶320), para “o ritmo do trabalho...” (Id., ibid., ¶321), “[p]ara não o tornar tão cansativo e tão entediante.” (Id., ibid., ¶323), etc. e reconhe-ceram ainda algumas competências sociais à música, quando afirmaram que servia “[p]ara as pessoas conviverem...” (Id., ibid., ¶331). Embora não tenha sido possível isolar um conceito de música popular, foi possível compreender quais as características que se lhe atribuem.

2) Autoria - Singular vs ColectivaNo que diz respeito à autoria da música tradicional, ou à composição, ela foi sem-

pre identificada e caracterizada pelos alunos como sendo colectiva. Esta não foi, exata-mente, a primeira palavra a ser utilizada pelos alunos; contudo, uma grande maioria, que participou activamente na resposta a esta pergunta, foi bastante clara ao indicar que não há autor individual (Id., ibid., p. 84, ¶189) e que este é sempre “(...) um trabalho que as pes-soas realizam... todas em conjunto (...)” (Id., ibid., ¶188 e ¶190). Assim, a informação ain-da foi contrastada com a música erudita, na busca de eventuais contradições; todavia, os alunos provaram que tinham as diferenças correctamente identificadas e compreendidas, respondendo inequivocamente que na música clássica o autor era “um compositor” (Id., ibid., ¶196), constituindo esta autoria singular uma característica diferenciadora de ambos os géneros musicais.

3) Intérpretes - o PovoNeste item as perguntas não foram direcionadas de forma directa; contudo, foi no-

tória a separação que os alunos fizeram entre intérprete e objeto artístico, mostrando que um não influencia ou altera o outro. Isto fica comprovado pela resposta a perguntas como “(...) se um dos sargaceiros aprendesse a cantar uma canção de Schubert, a canção passaria a ser popular?” (Id., ibid., ¶197). A resposta é inequívoca: “Não!!!” (Id., ibid., ¶198). Mais al-gumas tentativas houve para compreender melhor a relação que os alunos faziam entre a forma e o conteúdo, ente o objecto e o intérprete (Id., ibid., ¶197-¶207); porém, a percepção dos alunos era, para eles, clara: não é o intérprete que confere a uma determinada música o seu estilo (popular ou outro). Em contexto semelhante foi possível recolher opinião dos alu-nos sobre o que pensam eles do autor e principal intérprete colectivo da música popular: o Povo. A discussão foi longa, talvez das perguntas que tenha gerado mais entradas, de ¶264 a ¶341 (Id., ibid., p. 86-88).

A maioria dos alunos acabou por ligar o povo à classe trabalhadora, usando expres-sões como “[t]rabalham [...] por uma causa.” (Id., ibid., p. 87, ¶317), “[é] um grupo de pesso-

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

104104

18_artigoas que trabalha...que vive na cidade.” (Id., ibid., p. 86, ¶271), e concluíndo que “[a]cho que o povo é trabalhador e por isso inventam as músicas para se entreterem enquanto fazem o trabalho” (Id., ibid., p. 87, ¶318); houve porém, algumas intervenções inusitadas como a do Aluno 3 que afirmou “(...) são as pessoas que pagam impostos...” (Id., ibid., p. 87, ¶314). Houve ainda o Aluno 4 que se identificou e tomou o povo como autoconceito dizendo que “[n]ós somos todos o povo.” (Id., ibid., p. 86, ¶288). Existiu ainda uma expressão, à qual não foi dada especial atenção naquele momento, que foi “Povo de Portugal” (Id., ibid., ¶295). É difícil entender a real amplitude desta expressão; contudo, à luz do direito constitucional moderno o povo é, efetivamente, o conjunto de cidadãos de um país.

4) Instrumentos e TimbresQuanto aos timbres e instrumentos as respostas foram bastante mais inconclusivas

que nas questões da autoria ou do intérprete. Os alunos foram quase sempre capazes de as-sociar a existência dos mesmos instrumentos aos dois contextos musicais, servindo ambas as linguagens; porém, foram, em contradição, alimentando a existência conceptual de ins-trumentos eruditos e instrumentos populares apesar de aceitarem a sua presença em ambas as valências. Foi o caso dos instrumentos abordados como o violino (Id., ibid., p. 84, ¶214-¶217), a guitarra (Id., ibid., p. 85, ¶221-¶227), o reco-reco (Id., ibid., ¶229-¶232), a concerti-na (Id., ibid., ¶233-¶239 e ¶241-¶256) e o triângulo (Id., ibid., ¶241-¶246). Entre a menção de cada um desses instrumentos apareceram intervenções dos alunos, que os associavam quer à música erudita, quer à música popular. Tornou-se, assim, evidente a contradição entre a perspectiva teórica que tinham anteriormente e a compreensão de que, afinal, na prática, essa divisão era ilusória. Um dos exemplos é o Aluno 7 que sintetiza “que todos [os instru-mentos] são eruditos e populares.” (Id., ibid., ¶228), o que faz supor que, na sua opinião, não existem diferenças organológicas entre os instrumentos, mas apenas nas linguagens ou gé-neros musicais que eles veiculam. Ainda, quanto ao timbre, o Aluno 1 salienta as diferen-ças da seguinte forma: “É mais aberto o popular e o... erudito, se calhar, é... mais fechado (...)” (Id., ibid., ¶240).

5) Recepção - Moda e PúblicoA percepção da música popular é intrinsecamente influenciada por factores so-

ciais. Contudo, esta influência é mais forte se se olha para a música popular como forma de fruição (por exemplo, “fora de moda”). Quando a perspetiva recai sobre a funcionalidade dessa música, a percepção mantém-se razoavelmente inalterada (com a maioria dos alunos a identificá-la com situações de trabalho manual, por exemplo). Do ponto de vista da músi-ca como objeto cultural foi importante descobrir se os alunos já tinham tido contacto com este género musical e o que dele conheciam (Id., ibid., p. 78-79, ¶5-¶55). A maioria dos alu-nos revelou não conhecer nada deste género musical (Id., ibid., ¶6, ¶14, ¶31, ¶52, ¶54); po-rém, existem ainda os que conhecem uma música da tradição oral local – “Trai-Trai” – (Id., ibid., ¶17, ¶19, ¶43).

De seguida os alunos foram questionados sobre a sua perspetiva sobre a actualida-de da música popular. Um dos alunos qualificou-a como sem gosto ou estética, mal feita, sem graça (Id., ibid., p. 80, ¶92). Os alunos prontamente responderam que achavam a músi-ca popular “foleira”5 (Id., ibid., ¶96). Todavia, um aluno considerou que não; não é “foleira” (Id., ibid., ¶98). O aluno justificou que o seu avô gostava e que cada pessoa tem o seu estilo, apesar do próprio não gostar (Id., ibid., ¶100). Esta foi a altura ideal para perceber se os alu-nos achavam que este tipo de música se encontra mais direccionado para um público maior (com idades superiores aos 65 anos) ou para um público mais jovem. Os alunos responde-

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

105105

18_artigoram que seria música para os mais velhos (Id., ibid., ¶95, ¶100) e justificaram afirmando que “antigamente dava-se mais valor” (Id., ibid., p. 81, ¶102) a este género musical e que é um mote de convívio social entre pares (Id., ibid., ¶103).

Em síntese, quando se situam num ângulo de observação segundo a perspetiva da música enquanto fator de fruição, os alunos situam a música tradicional numa perspetiva claramente negativa (“foleira”, “fora de moda”); quando o ângulo de observação se orienta pelo conceito de funcionalidade, os alunos associam a mesma música ao fator positivo (ou mesmo lúdico) do trabalho. No entanto, a associação deste tipo de música às camadas mais idosas da população faz concluir, obviamente que hoje, o povo, adquiriu uma nova relação com o trabalho.

6) Valoração estética, formal e moralPorque os alunos afirmaram que no passado se dava mais valor à música tradicio-

nal, tornou-se importante compreender que valor davam eles, atualmente, ao género em dis-cussão. Na verdade a maioria dos alunos não tem uma opinião muito definida sobre o “va-lor” ou que valor atribui à música tradicional. Questionados directamente sobre o assunto a maioria dos alunos afirma simplesmente que não sabe ou que não gosta (Id., ibid., ¶111, ¶113, ¶115, ¶117); porém, há um aluno que adianta que será “música para a brincadeira” (Id., ibid., ¶113).

Dado que o Focus Group tinha a intenção de contribuir para melhor descrever e avaliar o projeto de intervenção pedagógica, foi perguntado aos alunos se a sua opinião, quanto ao valor da música popular, tinha sofrido alterações (Id., ibid., ¶118). Neste ponto as respostas oscilaram entre respostas de conteúdo moral e formal, mas todos os alunos rela-taram transformações e alterações que sentiram na percepção da música tradicional (Id., ibid., ¶119). Quando questionados de forma mais individualizada foram dizendo “[q]ue não é assim tão mau!!” (Id., ibid., ¶121), que “[a] música popular é tão digna quanto a que nós to-camos!” (Id., ibid., ¶124, ¶128) mas também construíram juízos formais quanto à dificulda-de musical dado que consideraram que “[p]ode ser complicada, mas que não é (...)” (Id., ibid., ¶123) ou “(...) é mais difícil do que algumas que nós tocamos” (Id., ibid., ¶129).

Quando se abordou a questão timbrica e instrumental, houve uma intervenção que trouxe uma homogeneização do valor dos diferentes instrumentos dizendo “(...) que acabam por ter todos o mesmo valor...” (Id., ibid., p. 84, ¶219).

7) Genealogia e fronteiras dos estilosEm um determinado momento da entrevista mostrou-se oportuno partilhar com

os alunos uma experiência feita por um grupo brasileiro – “Camerata Brasil” – que resol-veu juntar de forma particularmente interessante dois estilos aparentemente opostos: a música popular brasileira (o samba, o choro, o forró, etc.) e a música barroca do composi-tor Johann Sebastian Bach (Id., ibid., p. 83, ¶165). Esta mistura de estilos/géneros confron-tou os alunos com a sua própria dificuldade em atribuir fronteiras e definir de forma es-tanque os domínios das diferentes linguagens musicais. Assim, num primeiro momento houve logo um aluno que não hesitou em classificar o que acabara de ouvir como sendo samba (Id., ibid., ¶173). Embora esta opção seja válida, a verdade é que outros colegas logo de seguida resolveram reformular a opinião do colega e disseram que era Bach e samba: “as duas coisas!” (Id., ibid., ¶174-¶175), identificando que no início da música a linguagem é predominantemente a de Bach (Id., ibid., ¶177), isto apesar do instrumental ser de tim-bre aparentemente popular – timbre mais aberto – conforme classificação própria de um aluno (Id., ibid., p. 85, ¶240).

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

106106

18_artigoAinda sobre os diferentes estilos musicais foi necessário perguntar ao grupo se es-

taria disponível para, em casa ou noutro qualquer contexto, fazer de forma acompanhada ou autónoma, o tipo de exercício auditivo que foi operacionalizado durante a intervenção pedagógica, embora com outros estilos diferentes e não apenas com a música tradicional. Apesar de alguma aceitação da ideia, um dos alunos tomou a dianteira e mostrou-se con-tra esta possibilidade. O aluno expressou que “não ach[a] que seja para tocarmos as músi-cas que nós conhecemos nos instrumentos” (Id., ibid., p. 82, ¶131), “[n]ão acho correto.” (Id., ibid., ¶133), continuou durante algumas intervenções, desde ¶131 até ¶146 (Id., ibid.), fa-zendo alguns risos e ironizando a proposta, embora com argumentação pouco sustentada. Mesmo assim, outros alunos disseram que não soa mal, apenas diferente (Id., ibid., ¶137), que soa “original” (Id., ibid., ¶138) e ainda “[e]u acho que fica interessante!” (Id., ibid., ¶148), afirmou outro colega.

Conclusão

Num estudo com uma componente de recolha etnográfica, sobre a qual os inter-venientes são ouvidos com o objectivo de compreender a percepção das suas vivências, a melhor forma de plasmar resultados será citar os participantes directamente envolvidos na realização do concerto, no final do Projecto Artístico; neste caso, um dos Sargaceiros de Apúlia escreveu, dia 6 de Junho de 2013, no seu perfil público de uma rede social o seguin-te comentário à actividade:

A propósito de um projecto de mestrado em ensino de música do amigo Hugo Brito, há uns dias tive o privilégio de participar, enquanto elemento dos Sargaceiros, num evento único que juntou a música erudita à música popular. Preenchi-me com a sim-biose perfeita entre violinos, cavaquinhos, violas de arco e concertinas. Dois esti-los tão distantes são, afinal, separados por uma ténue fronteira. E, no final, aquelas pessoas em pé, a aplaudirem, faz mexer qualquer coisa cá por dentro! É grande o orgulho em fazer parte do movimento folclórico mas, acima de tudo o orgulho em ser Sargaceiro.

Foi possível, através da transcrição das duas entrevistas colectivas (Focus Group) realizadas, mostrar um retrato semelhante por parte dos alunos, embora com conteúdo mais técnico, ligado fortemente ao processo de sala de aula, à novidade dos conteúdos e à nova consciência sobre os processos de aprendizagem desenvolvidos pelo projeto. A con-cretização do Projeto Artístico (um dos módulos do Estágio que se interrelacionava com a Prática de Ensino Supervisionada e com a pesquisa) foi um dos momentos de materializa-ção dos resultados de desenvolvimento auditivo propostos nesta intervenção. Porém, não apenas as competências auditivas saíram reforçadas, mas também as competências sociais e de aprendizagem sofreram alterações de percepção por parte dos alunos.

Existem vários balanços possíveis retirados da implementação deste projecto. Um deles está diretamente ligado com a operacionalização de modelos pedagógico-didáticos que contrastam com a perspectiva reprodutora e maioritariamente ligada à leitura que tra-dicionalmente ocorre nas aulas individuais de instrumento. Outro está intimamente ligado às novas conquistas realizadas pelos alunos face ao seu envolvimento cultural, ao desen-volvimento auditivo nos domínios do ritmo, da melodia e da harmonia mas também face ao entusiasmo e à motivação. Na fase final manifestaram também dúvidas sobre se seriam “povo” ou não, revelando nessa dúvida o confronto entre uma conceptualização histórica

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

107107

18_artigotradicional de que se apropriaram e a sua intuição primordial de uma igualdade inegável entre todas as pessoas. Alguns alunos remeteram a música tradicional para uma esfera so-cial afastada que pensavam não lhes dizer respeito; outros, pelo contrário confirmaram a referida intuição de que todos eram povo. O aparecimento desta dúvida e desta ambiguida-de tornou presente e efectivo o imenso poder de transformação social que a música tem e pode ter na escola.

A operacionalização deste projeto conduziu à construção, por parte dos alunos, de uma nova visão sobre o património musical local, assente em experiências com característi-cas muito fortes. Vários parâmetros sofreram evoluções consideráveis, entre os quais a cons-trução conceptual sobre a música tradicional e a música erudita, as possibilidades de inte-racção entre ambas, a permeabilidade e aceitação dos alunos de uma didáctica direcionada para o desenvolvimento da linguagem musical através de processos auditivos, muitas vezes desprezados em contexto escolar, em detrimento da leitura da partitura.

Com a planificação de um conjunto extenso de actividades direcionadas exclusi-vamente para o trabalho auditivo (que incluíram actividades de ditado melódico e rítmi-co, de improvisação, de harmonização e compreensão formal dos temas em estudo, etc.), foi possível projectar, ao longo de 10 semanas, a realização de um concerto em conjunto entre a Orquestra de Cordas e a comunidade local dos Sargaceiros de Apúlia. Neste con-certo (culminar do Projecto Artístico) a orquestra tocou sem estantes, sem partituras e ao lado de outros músicos que tinham do palco uma noção de maior fruição e de menor ava-liação formal do que aquela que os alunos transportavam originalmente. O concerto teve um formato tríptico em que a Orquestra de Cordas executou, na primeira parte, uma obra do seu repertório (Concerto Grosso de António Vivaldi) tendo-se seguido a apresentação do Grupo de Sargaceiros (adulto e infantil) com cinco temas do seu repertório. Na parte final da apresentação os dois grupos, Orquestra de Cordas e Sargaceiros de Apúlia, subi-ram juntos ao palco para executar em conjunto dois temas provenientes da tradição oral local e que foram trabalhados com os alunos durante a intervenção pedagógica, seguindo o processo de descodificação da melodia e construção da harmonização, sempre de forma auditiva e sem recurso a suporte escrito. Esta atividade contou com a participação de to-dos os elementos de ambos os grupos e obteve uma resposta entusiasmada e mesmo emo-cionada do público.

Foi possível concluir que a forma como os alunos estabelecem diferenças entre es-tilos e linguagens musicais é baseada na identificação de características próprias dessas linguagens, mas não numa compreensão delas enquanto fenómenos globais e contextua-lizados. Desta forma, ao considerarem-se pertencentes a uma classe diferente da do povo, os alunos não foram capazes de formular uma definição de música tradicional, embora te-nham identificado um número alargado das suas características enquanto objeto artísti-co e realtivas ao seu ambiente direto (como o autor, o intérprete ou o receptor – público). Algumas destas características apresentaram-se de forma muito clara e directa para os alu-nos, dentre as quais a autoria. Apesar desta convicção com que os alunos reconheceram tais características, nem sempre a sua formulação foi coincidente com o ponto de vista etnomu-sicológico. Contudo, este facto não representou qualquer impedimento para a compreensão. Os alunos mostraram conhecer e compreender o processo de criação artística colectiva, o qual relacionam, de forma direta, com a música tradicional.

A relação entre a forma e o conteúdo, uma discussão inesgotável da estética, foi também confrontada com a opinião dos alunos, naturalmente com nuances muito práticas e menos filosóficas. Porém, os alunos foram capazes de separar a linguagem do objecto esté-tico (o seu conteúdo), do seu intérprete (que se enquadra no espectro das questões formais).

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

108108

18_artigoDo ponto de vista do intérprete, o Povo, é possível concluir que os alunos têm uma sensação quase nula de pertença a este grupo. Houve ainda uma expressão singular que é facilmen-te relacionada com o período de carestia vivido atualmente e que relacionou o Povo com o pagamento de impostos. Todavia, a principal referência leva-nos a concluir que os alunos encontram alguma relação entre o Povo e o trabalho; isto apesar de não serem, ainda, ca-pazes de discorrer sobre a organização social do trabalho, as suas manifestações plurais e complementares, e a forma como o mesmo estratifica a sociedade.

Foi igualmente possível perceber que, após alguma discussão, também a ambígua divisão entre instrumentos eruditos e populares acaba por cair, à medida que os alunos os identificam como pertencentes a ambos os contextos. Todavia, alguns alunos revelaram uma certa insistência em manter, de um ponto de vista teórico, esta divisão. Foi possível, por exemplo, obter de um aluno uma síntese que mostra a capacidade de distinguir forma e conteúdo. Não serão, por isso, os instrumentos que são populares ou eruditos, mas antes a linguagem que eles veiculam. Esta postura leva-nos a concluir que os conteúdos e os mo-delos pedagógicos desenvolvidos neste projecto podem abrir portas para uma nova aprecia-ção, organização e categorização dos géneros musicais, instrumentos e respectivos tímbres, bem como para um novo enquadramento sociológico dessas realidades.

Podemos ainda concluir que os alunos olham para a música popular como um produto fora de moda e dedicado a um público maior de idade (superior a 65 anos) e que, segundo os mesmos, isto se deve às variações do valor dos produtos culturais (isto, por-que antigamente se dava mais valor à música tradicional). Actualmente podemos con-cluir que, à luz do relato dos próprios alunos, os gostos mudaram, e a música tradicional goza de pouco valor junto das camadas mais jovens. Porém, este projeto de intervenção veio redimensionar o valor da música tradicional para esta classe de jovens instrumen-tistas. Já com alguns hábitos de músico erudito começaram por afirmar que a música tra-dicional trabalhada no projecto era tecnicamente mais difícil do que algumas obras que usualmente executam e, após a reflexão sobre esta apreciação, foi possível perceber tam-bém que, afinal, não era música de má qualidade. Um aluno acrescentou ainda um dado importante, dizendo que a música tradicional é tão “digna” quanto a música erudita que habitualmente estudam. A escolha da palavra dignidade é reveladora da transformação exercida pela atividade e, simultaneamente, da forma como esta foi desenvolvida e dos re-sultados a que conduziu.

Sobre as origens e fronteiras dos diferentes estilos musicais voltamos a deparar-nos com a proposta de uma divisão difícil de aceitar. Após terem sido expostos a música que funde diferentes linguagens musicais, tais como música popular brasileira e música barro-ca de Johann Sebastian Bach, foi muito difícil para os alunos classificarem o que tinham acabado de ouvir, sendo a resposta mais ouvida que aquela música pertencia a ambas as linguagens simultaneamente. Houve ainda um aluno que não achava correcto a execução de outros estilos musicais nos instrumentos que habitualmente trabalham, dizendo que so-aria mal. Todavia, outros colegas argumentavam o contrário, não sendo possível daqui reti-rar qualquer conclusão que não seja a de uma opinião pessoal baseada em alguma falta de experiência e relacionamento com o fenómeno musical de maneira mais informal e menos académica.

Os instrumentos, a sua classificação, a genealogia, fronteiras dos estilos e o valor formal e moral formam um conjunto largo de características, nas quais se detetou algumas divisões ambíguas e difíceis de sustentar. É também evidente que a divisão que existe entre as diferentes linguagens musicais é, também, incerta e contraditória. Assim, a exploração pedagógica destas “divisões” poderá ser um dos pontos mais atraentes para a construção de

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

109109

18_artigouma nova didáctica musical baseada em elementos de maior proximidade cultural com a população alvo que, neste momento tende a aumentar e a tornar-se mais plural.

São raros os casos de alunos que chegam à escola com o objetivo particular de aprender “música erudita” (ou “clássica”). Apesar dos professores serem hoje uma classe profissional de origens sociais muito mais variadas do que no passado e de muitos poderem já estar abertos a géneros e repertórios variados, o que é certo é que os programas oficiais do ensino especializado da música em Portugal assentam predominantemente no repertório designado por “clássico” ou “erudito” e no modelo pedagógico do ensino individual. Outros tipos de repertórios, como o tradicional, têm-se mantido basicamente ausentes. No entanto, a história dá-nos a lição de que muitos compositores beberam a seiva da música tradicional para alimentar as suas composições, que vieram a ser associadas ao círculo “erudito” dos intérpretes e dos ouvintes. Na aprendizagem musical, este problema fere de morte os pró-prios processos de apreensão do fenómeno sonoro, da interpretação e do desenvolvimento da criatividade, uma vez que não permite o desenvolvimento de um folclore interior, ma-triz primária da criação e da cultura. Este projecto sublinhou a importância de reconquis-tar para a prática pedagógica e para a escola as raízes genealógicas da música, isto é, a mú-sica tradicional e os processos pedagógicos que lhe são inerentes, com vista a que os alunos possam completar o círculo hermenêutico dos sentidos que atravessam a música, a arte, a cultura, a sociedade, e a própria vida, no seu pulsar individual e colectivo.

Notas

¹ Notas de Tradução. Texto original: “Audition, (...) is a very special form of mind often involving empathy with performers, a sense of musical style relevant to the occasion, a willingness to ‘go along with’ the music, and ulti-mately and perhaps all too rarely, an ability to respond and relate intimately to the musical object as an aesthetic entity.”

² Notas de Tradução. Texto original: “some aestheticians argue or imply that until sounds are heard and perceived as music, there is no music”

³ Notas de Tradução. Texto original: “such listening is a skill in and of itself, as well as a vital part of all other musical skills”

4 Gordon (2000; p. 17) define “audiação” como a capacidade de compreender interiormente a linguagem musical enquanto conjunto de sons organizados, mesmo quando o som não está fisicamente presente (à semelhança da compreensão que possuímos da linguagem materna e da sua gramática, mesmo quando estamos em silêncio; a “audiação”, mais do que a “audição”, seria, assim, uma espécie de “pensamento musical”).

5 “Foleira” é uma palavra coloquial que, em Portugal, tem um sentido equivalente a “brega” no Brasil.

Referências

BRITO, Hugo. Contributos para uma Etnopedagogia Musical. 2013. 93p. Dissertação (Mestrado em Ensino de Música) – Universidade do Minho. Instituto de Educação, Campus Gualtar em 28 de novembro. Suporte papel.

Gordon, Edwin E. Teoria de Aprendizagem Musical para Recém-Nascidos e Crianças em Idade Pré-Escolar. 6ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. 172p.

Green, Lucy. How Popular Musicians Learn: A Way Ahead for Music Education. London: Ashgate Publishing Limited, 2002. 238p.

Haack, Paul. The Acquisition of Music Listening Skills. In: COLWELL, Richard (Ed.). Handbook of Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 451-465.

BRITO, H. M. S.; VIEIRA, M. H. G. L. Sargaceiros de Apúlia e Orquestra de Cordas: Contributos para uma Etnopedagogia Musical.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 99-110

110110

18_artigoLopes-Graça, Fernando. A Música Portuguesa e os seus problemas II. Coimbra: Textos Vértice, 1959. 220p.

Swanwick, Keith. A basis for music education. London: Routledge, 2001. 124p.

Vieira, Maria H. O papel de Maria de Lourdes Martins na Introdução da Metodologia Orff em Portugal. Revista Arte Musical, sem local, v.3, n.10/11, p. 23-30. 1998.

Hugo Brito - Licenciado em violino, mestre interpretação artística pela Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo do Instituto Politécnico do Porto (Portugal) e mestre em ensino de música pela Universidade do Minho (Braga, Portugal) onde se encontra actualmente a frequentar o Doutoramento em Estudos da Criança – Especializa-ção em Educação Musical, sob a orientação da Professora Maria Helena Vieira.

Maria Helena Vieira - Professora Auxiliar da área de Educação Musical no Instituto de Educação da Universidade do Minho e membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC). Aliando a área da performance à da pedagogia e políticas educativas, tem desenvolvido a sua carreira de ensino, investigação e orientação de alunos nacionais e internacionais de mestrado e doutoramento nas áreas da Edu cação Musical, Currículo e Políticas Edu-cativas, e sobre o papel do Ensino Instrumental nos ramos especializado e genérico.

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

111111

19_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 03/08/2014 - Aprovado em: 20/09/2014

The prevalence of playing-related musculoskeletal Disorders (prmsD) Among professional orchestra players

Cláudia Maria Gomes de Sousa (Universidade do Porto, Porto, Portugal)[email protected]

Henry Johannes Greten (Instituto de Ciências Biomédicas - Universidade do Porto, Porto, Portugal)[email protected]

Jorge Machado (Instituto de Ciências Biomédicas - Universidade do Porto, Porto, Portugal)[email protected]

Daniela Coimbra - Coordenadora do Projeto (Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto - ESMAE/IPP - Instituto de Investigação em Artes, Design e Sociedade da Universidade do Porto)

[email protected]

Abstract: The prevalence of playing-related musculoskeletal disorders (PRMSD) among musicians is high and sever-al causes, such as the quality of working conditions can influence their onset. The aim of this study was to study the influence of working conditions on the prevalence of PRMSD. Three professional orchestras were invited to take part in the study. They were then divided into two groups according to the working conditions they offered. Group A was considered to present adequate working conditions and group B was not. PRMSD and its intensity, as measured by Verbal Numeric Scale (VNS), were registered through an individual semi-structured interview. Group B presented a higher percentage of self-reported PRMS complaints (67.4%) than group A (59.4%). VNS values were also higher (p value= 0.021) in group B (VNS=5.1) than in group A (VNS=4.0). Results suggest that the prevalence and the sever-ity of PRMSD could be reduced by adequate working conditions.Keywords: Working conditions; Playing-related musculoskeletal disorders; Orchestra musicians; Working related problems; Professional musicians.

A prevalência de lesões músculo esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) entre músicos de orquestras profissionaisResumo: A prevalência de lesões músculo esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) entre os músicos é ele-vada e várias causas, entre as quais a qualidade das condições de trabalho, são descritas como variáveis importantes que podem influenciar o seu aparecimento. O objectivo deste trabalho foi examinara influência das condições de tra-balho sobre a prevalência de LMERT entre os músicos. Três orquestras profissionais foram convidadas a participar no estudo. Os músicos participantes foram divididos em dois grupos de acordo com as condições de trabalho provi-denciadas pelas orquestras em que trabalhavam. O grupo A foi considerado como apresentando condições adequa-das de trabalho e o grupo B foi considerado como não apresentando condições adequadas de trabalho. As LMERT e a sua intensidade, medida pela escala verbal numérica (EVN), foram registadas através de uma entrevista semiestru-turada individual. O Grupo B apresentou uma maior percentagem de pessoas com mobilidade reduzida e de queixas (67,4%)do que o grupo A (59,4%). Os valores da EVN também foram mais elevados (p = 0,021)no grupo B (EVN= 5,1) do que no grupo A (EVN = 4,0). Os resultados sugerem que tanto a prevalência como a gravidade das LMERT poderiam ser reduzidas através de condições de trabalho adequadas.Palavras-chave: Condições de trabalho; Lesões músculo esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT); Músi-cos de orquestra; Músicos profissionais.

1. Background

The prevalence of playing-related musculoskeletal disorders (PRMSD) among mu-sicians is well documented in literature (Ostwall et al., 1994). Lockwood (1989) reported that almost 50% of musicians experience PRMSD to a level that could threaten or end their careers. According to Zaza (1998) the percentage of affected musicians ranged from 39% to 87% in adult musicians and from 34% to 62% in secondary school music students. More recent data states that 50% to 76% of musicians are affected by PRMSD (Heinan, 2008). An Australian study that involved 485 orchestra musicians referred to a 42% prevalence of PRMSD (Fry, 1996) while 86% of elite professional musicians of British symphonic orches-

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

112112

19_artigotra claimed to have suffered some type of musculoskeletal pain during the last year (Leaver, Harris, Palmer, 2011).

However, in spite of the historical importance of such statistics it is clear that the problem of PRMSD among musicians is far from being solved, since the numbers have re-mained almost the same over several years. Common solutions used to treat musculoskel-etal complaints include rehabilitation programs and drugs such as paracetamol, a very well-known pain killer (Schnitzer, 2006). In fact, 49% of orchestra musicians mention the use of paracetamol to control their pain and 64% had been examined or treated by a health care professional, such as a physiotherapist (Paarup, 2011). However, according to Curatolo and Bogduk (2000), many drugs are ineffective while others reduce pain only modestly and brieflyand have only a minimal effect on musicians’ quality of life. Other strategies include rehabilitation programs, and the recommendation to stop playing, with approximately one third of the affected musicians having to stop playing for a period of time (Heming, 2004).

PRMSD may bring emotional, physical, financial, occupational and social conse-quences to a musician’s life (Zaza, Charles and Muszynski, 1998). The fear of losing their work might be responsible for the dangerous attitude of ignoring pain, the symptoms re-quiring treatment or the necessary rest (Suskin et al. 2005; Llobet, 2004; Shafer-Crane 2006). The consequence of this behaviour may be the development of acute to chronic con-ditions. Indeed, musculoskeletal disorders often become chronic and painful causing de-creased quality of life (Zaza, 1998; Lockwood, 1989). Data shows that 73% of orchestra mu-sicians mention the need to change their way of playing, 55% reported feeling difficulty in daily activities at home, and 49% reported having difficulty in sleeping (Paarup et al., 2011). PRMSD may also have a negative impact on the quality of a musician’s performance and Ackermann et al. (2012) or Zaza et al (1998) suggest that PRMSD adversely affect a mu-sician’s ability to play to their optimum level.

According to the Portuguese Health Ministry, an occupational disease is a condi-tion directly caused by working conditions that can lead to incapacity or death during per-formance of the occupation (Decreto Regulamentar Nº 76/2013). Unfortunately, perhaps because of the fact that performing arts are so much a part of everyday life, they are not re-garded as a perceived occupation and job (Lederman, 2003). However, like many other oc-cupational diseases, PRMSD have multifactorial causes and several risk factors that could contribute to their onset.

As common occupational diseases, factors such as awkward static or dynamic pos-tures, repetitive movements, unhealthy habits, the lack of ergonomic precautions and pre-ventive wellness behaviour, age, gender or stressful environments could influence their onset (Costa, Vieira, 2010; Paarup et al, 2011). Additionally, individual issues specifically related to musicians’ activity such as technique, number of years of experience, type of rep-ertoire, previous trauma, or the individual adaptation to the instrument itself, could influ-ence the appearance of PRMSD (Frank and Mühlen, 2007; Fragelli, et al, 2008; Wu, 2007; Hansen & Reed, 2006;Nyman, 2007). As previously mentioned, it is also known that organi-zational management and working environment could influence the prevalence of PRMSD. The extremely competitive environment, the self-imposed pressures, the average of playing hours, inadequate material resources or warm-up before playing could highly influence the development of PRMSD (Cohen and Ratzon, 2011).

Zander et al (2002) identified 3 main groups of risk factors that can preclude the de-velopment of PRMSD: environmental aspects, physical demands and activities, and person-al characteristics. Environmental aspects include temperature, confined spaces, space lay-

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

113113

19_artigoout, equipment, equipment layout or configuration, surfaces (floor) and lighting. Physical demands include aspects such as long-duration activities with inadequate rest and person-al characteristics include e.g. psychological stress, age and gender.

If some of those causes and risk factors such as the musicians’ individual char-acteristics could not be changed, variables related to environmental aspects and working conditions within the orchestra framework, such as adequate material resources, could be ameliorated. Recent studies alert that providing adequate working conditions could reduce the appearance of PRMSD (Shafer-Crane, 2006; Zander et al, 2002). For instance, depend-ing on the problem, ergonomic instrument modifications may influence the prevalence of musculoskeletal pain. To avoid diseases related to incorrect body posture, which can influ-ence the appearance of muscle or spinal injuries, it is necessary to keep the body in an er-gonomically recommended posture during a musical performance. To control this problem, the chair should be adapted to the musician’s individual characteristics. It must be support-ive in order to maintain a proper posture that allows a view of the conductor (Heinan, 2008; Suskin et al, 2005).

Light and temperature conditions in the rehearsal and concert room can also in-fluence the onset of PRMSD. Poor light conditions could cause eyestrain and cool temper-atures slow nerve conduction, making the finger response harder and diminishing finger sensitivity (Hansen and Reed, 2006; Norris, 2011).

The possibility of taking breaks during practice is also very important. Taking short breaks during long practice could contribute to reducing the appearance of musculo-skeletal pain (Zaza and Fareweel, 1997, Zander et al). In addition to this, Suskin et al (2005) suggest that warming-up and breathing exercises before performance, and strengthening and stretching exercises are considered to be good health habits to prevent PRMSC among musicians. According to the authors, regular health examination by a doctor must also be included within those preventive strategies and therefore it is very important that the or-chestra management provides musicians with a medical examination to diagnose health problems like hearing alterations, psychological stress or physical complaints, among oth-ers conditions.

One other aspect to consider is the fact that musicians are subjected to noise ex-posure that could threaten their hearing acuity and is responsible for hearing impairment. Therefore, the orchestra should provide individual solutions to hearing protection in or-der to prevent future damage (Royster, Royster, and Killion, 1991; Hansen and Reed, 2006; Behar, Wong, and Kunov, 2006; Russo et al, 2013)

As previously stated, the fear of losing work is one of the main facts responsible for musicians neglecting their musculoskeletal problems. Consequently, a stable work contract could alter this behaviour and have a positive influence on the chronicity of PRMSD. Maybe if musicians know that their job is secure, they treat their injury at an earlier stage.

According to Allemendiger (1996), managers and artistic directors are in the chal-lenging position of providing stability to the orchestra. Creating opportunities, promoting the professional development of musicians, controlling the fairness and efficacy of the re-cruitment/selection process, dealing with the conception of authority and promoting ade-quate financial and material resources are some of the variables that could influence the working stability of musicians.

By analysing all these preventive strategies one could define adequate working conditions as:

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

114114

19_artigo- The presence of ergonomic chairs exclusively made to respect the individual

characteristics of the musician, stable light and temperature conditions and a fixed rehearsal room;

- The possibility of taking adequate breaks during rehearsal;- The possibility of using hearing protection;- The possibility of having regular health examinations to prevent hearing im-

pairment and the appearance of PRMSD;- A stable work contract.

2. Method

The aim of this research was to ascertain whether there is an association between the defined adequate working conditions and the prevalence and severity of playing-related musculoskeletal complaints. The inclusion criteria to consider that the orchestra has ade-quate working conditions were as below:

- The presence of ergonomic chairs exclusively made to respect the individual characteristics of the musician,

- Fixed rehearsal room,- Stable light and temperature conditions in the rehearsal room- Adequate breaks during rehearsal - Possibility of using hearing protectors- Regular health examinations- Stable work contract

Three professional orchestras from Portugal were invited to take part in this re-search, totalling 162 professional orchestra musicians. To form part of the study the musi-cian had to comply with the following inclusion criteria:

- Musculoskeletal pain present at the time of the interview and stable for at least seven days

- Diagnosis of PRMSD by a physiotherapist

In an individual semi-structured interview acute playing-related musculoskeletal self-reported complaints (PRMSC) and their intensity (measured by Verbal Numeric Scale-VNS) were registered. The data was collected between September of 2012 and June of 2013 after ethical approval and the informed consent of all participants, in accordance with the Helsinki declaration.

The numeric verbal scale (NVS) for pain intensity is a valid instrument to assess changes in pain intensity and it is one of the most frequently used pain scales (Holdgate et al, 2003). The person estimates their pain on a scale of 0 to 10 (Sousa and Silva, 2005). 0 represents no pain, from 1 to 3 represents mild pain, from 4 to 6 represents moderate pain and from 7 to 10 represents severe pain.

VNS values were analysed using SPSS (version 21.0, SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA). The Mann-Whitney test was performed to analyse the difference of VNS values be-tween groups (Fortin, 1999).

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

115115

19_artigo3. Results

Recruitment- 1st inclusion criteriaOne out of the three professional orchestras complied with the inclusion criteria

and 69 out of 89 (77.5%) musicians agreed to participate into the study- Group ATwo out of three professional orchestras did not comply with the inclusion criteria

and of those 43 out of 73 (68.9%) musicians participated in this research – Group B

- 2nd inclusion criteria41 out of 69 (59.4%) musicians of group A complied with the inclusion criteria and

29 out of 43 (67.4%) musicians of the group B complied with the inclusion criteria.

The recruitment procedure is represented in the following flow chart

Figure 1: Recruitment flow chart

Sample characteristics

The following table contains the sample characteristics.

Table 1: Sample characteristics

Age GenderGroup A (n=41) 41.7 (SD=8.9) 14 women (34%)Group B (n=29) 31.8 (SD=7) 11 women (38%)

Prevalence of self-reported PRMSC

As shown in table 2, group B has a higher percentage of self-reported PRMSC (67.4%) than group A (59.4%). However, the number of complaints per affected musician is higher in group A (1.9 against 1.6).

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

116116

19_artigoTable 2: prevalence of self-reported PRMSC

Interviewed Self-reporting PRMSC

% of affected musicians

Number of reported complaints

Complaints/Musician

Complaints/affected musician

Group A n= 69 n=41 59.4% 79 1.1 1.9Group B n=43 n=29 67.4% 47 1.1 1.6

Pain intensity

Pain intensity was measured by verbal numerical scale (VNS) from 0 to 10. Table 3 and figure 2 show the VNS values.

Table 3: Pain intensity

Group A Group BVNS 4.0 (SD=1.9) 5.1 (SD=1.9)

Figure 2: Distribution of VNS values

Results show that comparing VNS values through a Mann-Witney test, VNS values are statically significant (p value= 0.021).

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

117117

19_artigo4. Discussion

Results show a higher percentage of PRMSC among group B. The difference be-tween groups is 11%. This value suggests that working conditions may influence the preva-lence of playing-related musculoskeletal disorders. Although the percentage of affected mu-sicians is higher in group B, the number of self-reported complaints per affected musician is higher in group A. Despite the fact that the difference between groups is almost nil (0.3), it is important to consider that those data came from interviews and the complaints were self-reported by the musicians. According to Suskin et al. (2005), Shafer-Crane (2006) and Llobet (2004) the recommendation to stop playing and the fear of losing their work could be responsible for a dangerous tendency to ignore pain and symptoms requiring treatment or rest. It is also important to bear in mind that group A has more stable working contracts than group B. In this way, we can speculate that perhaps the musicians of group B tend to ignore some of their complaints because they fear losing their jobs.

As far as pain intensity measured by VNS is concerned, results clearly show a sta-tistical difference between groups (pvalue=0.021). Group B (VNS=5.1) states more intense musculoskeletal pain than group A (VNS=4.0). Those results also tally with the hypothesis that working conditions may influence the severity of PRMSD. Nevertheless, those values are concerning because musicians are working with moderate pain.

Literature states that PRMSD could be explained by several causes and several risk factors could preclude their appearance. Individual musicians’ characteristics like age and gender have a strong influence on the prevalence of PRMSD. Women are more af-fected than men and increased age is also a risk factor to their development (Paarup et al, 2011, Lobet, 2004, Russo et al, 2013). As regards gender, our sample is equivalent, and thus we can affirm that the difference between pain intensity could not be explained by this variable.

In our sample the difference between ages in group A and B is 10 years. A study performed with 1613 musicians of different ages and professional levels demonstrated that 90% of the musicians aged between 30 and 40 were affected by physical problems, com-pared with 55% in adults aged from 20 to 30 (Llobet, 2004). According to this informa-tion, it could be expected that older musicians present a higher prevalence and severity of PRMSC than younger musicians. In terms of the age variable it could be expected that group A presented more PRMSD than group B. This was not the case and the highest per-centage of PRMSD in group B may well be explained by the influence of adequate work-ing conditions preventing PRMSD, since musicians in Group B are younger but work under poorer working conditions.

Taking another perspective, it is known that the lack of efficacy of individual tech-nique could also contribute to musculoskeletal pain. Although we are aware of the difficul-ty of defining a good individual technique, we can speculate that perhaps older musicians present a technique which is more adequate to the function they perform than younger mu-sicians and therefore this variable could also have influenced our results.

Yet another perspective is presented by Warrington (2002), according to whom PRMSD must be analysed by three different pathological groups: “trauma” “degenerative” and “non-specific pain”. The author states that there are no differences between ages in the prevalence of PRMSD caused by trauma. Degenerative conditions are most common over-the age of 40, but “non-specific arm pain” is much higher in musicians under 25. Thus, al-though age could help to explain our results, there are several variables which are impos-sible to control.

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

118118

19_artigoConclusion

According to our data, the prevalence and intensity of playing-related musculo-skeletal disorders is associated with less adequate working conditions, suggesting their im-portant role in professional musicians’ health and well-being. In fact, it is documented that PRMSD have multifactorial causes and risk factors, and that adequate working conditions proved to be an important variable to promote good quality of life.

Although adequate working conditions are important to promote a good working environment, other variables should also be considered. As Allmendiger (1996) suggested, the orchestra management board is in the challenging position of providing the orchestra with stability, creating opportunities, promoting the professional development of the or-chestra musicians, and promoting adequate financial and material resources. Nevertheless, adequate working conditions could be expensive. Providing stable contracts, the aforemen-tioned ergonomic chairs, or adequate rehearsal rooms costs money. But it is our belief that the investment may prove worthwhile when the expected number of sick leaves decreases. However, the monetary factor is not the most important at play. Institutions and the indi-viduals that work in them have a lot to gain if a healthy orchestra is to be promoted and it is everyone’s moral and ethical duty to promote the healthiest possible working environment.

Although it is known that PRMSD have multifactorial causes, it is difficult to iso-late and to study only one of those causes, risk factor or variables. Our results do not allow the establishment of a direct cause-effect relationship between adequate working condi-tions and the prevalence and intensity of PRMSD. We are aware that variables like gen-der, age, repertoire or individual technique could not be changed or controlled by us and that they could have influenced our results. This fact represents the main limitation of our study and further studies are needed to ameliorate our conclusions.

Nevertheless, our results tally with the hypothesis that adequate working condi-tions may influence the prevalence and the severity of PRMSD in professional orchestra musicians. It is possible to change this variable. Providing adequate material and stable working conditions is an ethical duty of both employers and their co-workers. The orches-tra management has also the ethical duty of preserving quality of life, promoting health and avoiding illnesses among musicians and of promoting more responsible behaviour on the musician’s part. With this research we hope to have raised awareness about the importance of adequate working conditions, especially when research at a national level in Portuguese orchestras is so scarce.

References

ACKERMANN B, DRISCOLL T, KENNY D. 2012. Musculoskeletal pain and injury in pro-fessional orchestra musicians in Australia.Medical Problems of Performing Artists, v.27, n.4, p. 181-187, 2012. Available from: http://www.sciandmed.com/mppa/journalviewer.aspx?issue=1198&article=1962. Cited in: 2014 January 31.

ALLMENDINGER J, HACKMAN R, LEHMAN E. Life and work in symphony orchestras. Musical Quarterly, London, v.40, n.20, p 194-219, 1996.

BEHAR A, WONG W, KUNOVH. Risk of hearing loss in orchestra musicians. Medical Problems of Performing Artists. n.4, p. 64-168, 2006 Available from: http://individual.utoronto.ca/willy/review.pdf. Cited in: 2014 March 21.

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

119119

19_artigoCOHEN K, RATZON N.Correlation between risk factors and musculos keletal disorders among classical musicians. Occupational Medicine. n.61, p. 90-95, 2011. Available from: http://occmed.oxfordjournals.org/content/61/2/90.full. Cited in: 2014 March 21.

COSTA B, VIEIRA E. Risk Factors for Work-Related Musculoskeletal Disorders: A Systematic Review of Recent Longitudinal Studies. American Journal of Industrial Medicine. n.53, p. 285-323. 2010. Available from: http://www.nersat.com.br/wp-content/uploads/2011/02/Risk_Factors_for_Work_Related_Musculoskeletal_Disorders_A_Systematic_Review_of_Recent_Longitudinal_Studies1.pdf. Cited in: 2014 March 30.

CURATOLO M, BOGDUK N. Pharmacologic Pain Treatment of Musculoskeletal Disorders: Current Perspectives and Future Prospects. Clinical Journal of Pain. n.17, p. 25-32, 2001. Available from: http://journals.lww.com/clinicalpain/Fulltext/2001/03000/Pharmacologic_Pain_Treatment_of_Musculoskeletal.5.aspx. Cited in: 2014 January 31.

Decreto Regulamentar n.º 76/2007. Lisboa: Diário da República. 2013. Available from: http://www.min-saude.pt/NR/+rdonlyres/AF267FFC-1E51-41DC-8736-D52019BCAB6F/0/0449904543.pdf. Cited in: 2014 January 2.

FORTIN MF. O processo de investigação: da concepção à realização. Loures: Lusociência,1999, p 388.

FRAGELLI T, CARVALHO G, PINHO D. Musician’s injuries: whenpainovercomesart. Rev Neurosciences. n.16, v.4, p. 303-309.2008. Available from: http://twingo.ucb.br:8080/jspui/bit-stream/10869/293/1/Les%C3%B5es_m%C3%BAsicos.pdf. Cited in: 2014 March 30.

FRANK A, MÜHLEN C. Playing-Related Musculoskeletal Complaints Among Musicians: Prevalence and Risk Factors. RevistaBrasileita de Reumatologia. n.47, v.3, p. 188-196. 2007. Availablefrom: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0482-50042007000300008&script=sci_arttext&tlng=es. Cited in: 2014 March 30.

FRY H. 1986. Incidence of overuse syndrome in the symphony orchestra. Medical Problems of Performing Artists. n.1, p. 51-5, 1986. Available from: https://www.sciandmed.com/mppa/jour-nalviewer.aspx?issue=1152&article=1514&action=1. Cited in: 2014 January 31.

HANSEN P, REED. Common Musculoskeletal Problems in the Performing Artists. Physical Medicine and Rehabilitation Clinic of North America. n.17, p. 789-801, 2006. Available from: http://www.med.nyu.edu/pmr/residency/resources/PMR%20clinics%20NA/PMR%20clin-ics%20NA_performing%20arts%20medicine/MSK%20problems%20in%20performing%20art-ists.pdf. Cited in: 2014 March 30.

HEINAN M. A review of the unique injuries sustained by musicians. JAAPA. n.21, v.4, p. 45-51. 2008. Available from: http://media.haymarketmedia.com/documents/2/musician0408_1280.pdf. Cited in: 2014 February 15.

HEMING M. Occupational injuries suffered by classical musicians through overuse. Clinical Chiropractice. n.7, v.2, p. 55-66, 2004. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1479235404000185. Cited in: 2014 February 15.

HOLDGATE A et al. Comparison of a verbal numeric rating scale with the visual analogue scale for the measurement of acute pain. Emergency Medicine. n.15, v.5-6, p. 441-446, 2003.

LEAVER R, HARRIS E, PALMER T. Musculoskeletal pain in elite professional musicians from British symphony orchestras. Occupational Medicine. n.61, p. 549-555, 2011. Available from: http://occmed.oxfordjournals.org/content/61/8/549.full. Cited in: 2014 February 10.

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

120120

19_artigoLEDERMAN R. Neuromuscular and musculoskeletal problems in instrumental musicians.Muscle nerve. n.27, v.5, p. 549-561, 2003. Available from: http://depts.washington.edu/resneuro/emg/resources/Monograph43InstrumentalMusicians.pdf. Cited in: 2014 March 15.

LLOBET R. Musicians health problems and in their relation to musical education.Barcelona and Tenerife: XXVI Conference of the International Society for Music Education & CEPROM Meeting; 2004. Available from:http://institutart.com/index./ca/divulgacio/item/musicians-health-prob-lems-and-in-their-relation-to-musical-education. Cited in: 2014 February 10.

LOCKWOOD M. Medical Problems of Musicians.New England Journal of Medicine. n.320, p. 221-7, 1989. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJM198901263200405.Cited in 2014 February 15.

NORRIS, R. The musicians s survival manual – A guide to preventing and treating injuries in in-strumentalists. 5th Edition. Northampton: ICSOM. 2011. Available from http://musicianssurvival-manual.com/Download_Book_files/Final%20master%20MSM.pdf. Cited in: 2014 February 20.

NYMAN T, et al. Work postures and neck–shoulder pain among orchestra musicians. American Journal of Industrial Medicine.n.50, v.5, p. 370-376, 2007. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajim.20454/abstract.Cited in: 2014 January 21.

OSTWALD et al. Performing arts medicine. West Journal of Medicine; n.160, p. 48-52, 1994. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1022254/pdf/westjmed00065-0050.pdf. Cited in: 2014 March 21.

PAARUP H,et al. Prevalence and consequences of musculoskeletal symptoms in symphony orchestra musicians vary by gender: a cross-sectional study. BMC Musculoskeletal Disorders. n.12, p. 223. 2011. Available from: http://www.biomedcentral.com/1471-2474/12/223/. Cited in: 2014 January 31.

ROBINSON D, ZANDER J, RESEARCH B. Preventing Musculoskeletal Injury (MSI) for Musicians and Dancers: A Resource Guide. Vancouver, Canada: SHAPE (Safety and Health in Arts Production and Entertainment). 2002. Available in http://www.actsafe.ca/wp-content/uploads/resources/pdf/msi.pdf. Cited in: 2014 January 31.

ROYSTER J, ROYSTER L, KILLION C. Sound exposures and hearing thresholds of symphony orchestra musicians. Journal of Acoustic Society America. n.89, v.6, p. 2793-2803, 1991. http://www.etymotic.com/publications/erl-0022-1991.pdf. Cited in: 2014 March 25.

RUSSO F, et al. Noise exposure and hearing loss in classical orchestra musicians. International Journal of Industrial Ergonomy. n.43, p. 474-478, 2013. Available from: researchgate.net. Cited in 2014: March 14.

SCHNITZER, T. Update on guidelines for the treatment of chronic musculoskeletal pain. Clinical rheumatology. n.25, v.1, p. 22-29,2006. Available from: http://link.springer.com/arti-cle/10.1007/s10067-006-0203-8.Cited in: 2014 February 15.

SHAFER-CRANE G. Repetitive stress and strain injuries: preventive exercises for the musi-cian. Physical Medicine and Rehabilitation Clinic of North America. n.17, v. 4, p. 827-842, 2006. Available from: http://www.med.nyu.edu/pmr/residency/resources/PMR%20clinics%20NA/PMR%20clinics%20NA_performing%20arts%20medicine/Repetitive%20Stress%20and%20Strain%20Injuries%20Preventive%20Exercises%20for%20the%20Musician.pdf. Cited in 2014 January 21].

SOUSA F, SILVA J. 2005. The metric of pain: theoretical and methodological issues. Revista dador. Lisboa. n.6, v.1, p. 469-513, 2005.

SOUSA, C. M. G.; GRETEN, H. J.; MACHADO, J; COIMBRA, D. The Prevalence of Playing-related Musculoskeletal Disorders (PRMSD) Among...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 111-121

121121

19_artigoSUSKIN E et al.Health Problems in Musicians – A Review. Acta Dermatovenerol Croat? n.13, v.4, p. 247-251. 2005.

WARRINGTON J, WINSPUR I, STEINWEDE D. 2002. Upper-extremity problems in musicians related to age. Med Probl Perform Art 17(3): 131-134.

WU S. Occupational risk factors for musculoskeletal disorders in musicians: a systematic re-view. Medical Problems of Performing Artists. n.22, v.2, p. 73,2007. Available from: https://www.sciandmed.com/mppa/journalviewer.aspx?issue=1083&article=935. Cited in: 2014 January 14.

ZAZA C, CHARLES C, MUSZYNSKI A. The meaning of playing-related musculoskeletal dis-orders to classical musicians.Society Science Medicine. n.47, v.12, p. 2013-2023, 1998. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277953698003074. Cited in: 2014 March 30.

ZAZA C, FAREWELL V. Musicians’ playing-related musculoskeletal disorders: an examination of risk factors. American Journalof Industrial Medicine. n.32, v.3, p. 292-300, 1997. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/(SICI)1097-0274(199709)32:3%3C292::AID-AJIM16%3E3.0.CO;2-Q/abstract. Cited in: 2014 April 16.

ZAZA C. Playing-related musculoskeletal disorders in musicians: a systematic review of in-cidence and prevalence. Canadian Medical AssociationJournal. n.158, v.8, p. 1019-1025, 1998. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1229223/pdf/cmaj_158_8_1019.pdf. Cited in: 2014 January 2.

Cláudia Maria Gomes de Sousa - Licenciada em Fisioterapia pela Universidade de Aveiro; mestre em medicina tradicional chinesa pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS) - Universidade do Porto; dou-toranda em ciências biomédicas pelo ICBAS – UP. Bolseira de mérito da UP no ano lectivo 2009/2010. Concluiu o curso complementar de flauta transversal no conservatório de música do Porto.

Henry Johannes Greten - Licenciado em medicina pela universidade de Heidelberg. Especialista em medicina tra-dicional chinesa e homeopatia. Graduado em psicoterapia. Professor associado do ICBAS-UP. Vice-Presidente De Bakey Living Heart Alliance, Houston. Membro do Standardisation Committee for TCM.

Jorge Machado - Licenciado em Biologia, Ramo Científico pela Universidade do Porto. Doutorado em Ciências Biomédicas. Especialista em Fisiologia Aplicada. Professor Associado em Fisiologia no Instituto de Ciências Bio-médicas (ICBAS-UP). Coordenador do curso de Especialização e Mestrado de Medicina Tradicional Chinesa (IC-BAS-UP).

Daniela Coimbra - Professora adjunta na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto. Licenciada em Educação Musical, Doutorada em Psicologia da Música na Universidade de Sheffield, coordenadora do Núcleo de Investigação em Música e Artes do Espetáculo do i2ADS-UP (Instituto de Investigação em Artes, Design e So-ciedade da Universidade do Porto).

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

122

20_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 31/03/2014 - Aprovado em: 03/06/2014

Aquecimento Vocal para o Canto erudito: Teoria e prática

André Luiz Lopes de Araújo (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

Teresa Maria Momensohn dos Santos (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

Susana Pimentel Pinto Giannini (Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

Fabio Miguel (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, SP)[email protected]

Andréa Petian (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP)[email protected]

Resumo: A realização do aquecimento vocal se torna essencial no processo de formação técnico do cantor, para uma boa fonação e performance, indispensável para uma boa saúde vocal e longa carreira profissional. Objetivo: Analisar a teoria e a prática sobre o aquecimento vocal no canto erudito, a partir da ótica de diferentes profissionais da área da voz: professores de canto, cantores e fonoaudiólogos. Método: Pesquisa de caráter descritivo, de natureza quan-titativa, de corte transversal, com aplicação de um questionário para professores de canto, cantores e fonoaudiólo-gos. A amostra foi composta por 165 sujeitos: 86 professores de canto, 64 cantores e 15 fonoaudiólogos. Resultados: Professores de canto (97,7%), cantores (95,3%) e fonoaudiólogos (93,3%) utilizam o aquecimento estético. Conclu-são: a partir dos resultados desta pesquisa pode se inferir que a maioria dos profissionais pesquisados apontam a im-portância da realização do aquecimento vocal antes de uma performance, e a estratégia mais utilizada para realizar o aquecimento vocal pela maioria dos professores de canto, fonoaudiólogos e cantores é o vocalise, ou seja, aqueci-mento estético.Palavras-chave: Aquecimento vocal; Canto; Voz; Música.

Vocal Warm-up in Classical Singing: Theory and Practical ApplicationAbstract: Vocal warm-ups are essential for the technical training of the singer, for good speech and performance, as well as essential for good vocal health and a long-lasting career. Objective: To analyze the theory and practice of the vocal warm-up in classical singing, from the perspective of different professionals in the voice field including: teachers, speech therapists and singers. Method: descriptive search, quantitative in nature, cross-sectional, with a questionnaire for voice teachers, singers and audiologists. The sample consisted of 165 subjects: 86 voice teachers, 64 speech pathologists, and 15 singers. Results: Teachers of Singing (97.7 %), singers (95.3 %) and students (93.3 %) use the vocal warm-up. Conclusion: From the results we can infer that most of the professionals surveyed point to the importance of the implementation of the vocal warm-up before a performance, and the strategy used by most voice instructors, speech therapists and singers is vocalization, i.e. aesthetic warm-up.Keywords: Vocal warm-up; Singing; Voice; Music.

O cantor lírico ou estudante de canto, ao iniciar uma atividade vocal, realiza uma série de exercícios para proporcionar um melhor condicionamento da musculatura vocal; essa prática denomina-se aquecimento vocal.

Tal prática vem sendo realizada pelos professores de canto e cantores no decorrer dos tempos e aprimorando-se gradativamente com a inserção dos estudos científicos a res-peito da voz cantada, contribuindo para compreensão, funcionamento e melhor desempe-nho do cantor.

O início da ópera no século XVII foi o marco inicial para o desenvolvimento da voz cantada. O novo gênero musical traz consigo novas exigências vocais que no decorrer dos tempos foram se aprimorando empiricamente; somente no século XIX com Manuel Garcia II que se iniciam os estudos com base na fisiologia da voz, após inventar o laringoscópio. Posteriormente, com novas tecnologias vários autores/cientistas desenvolveram diversos es-tudos científicos que contribuíram para melhor compreensão da aplicação dos exercícios de

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

123

20_artigoaquecimento vocal. Esses exercícios preparatórios podem ter numerosas formas e variados objetivos específicos contribuindo para melhor funcionamento da musculatura vocal e exe-cução do canto (FARAH 2010; CHAVES 2012).

Atualmente, percebe-se, pela literatura e a observação em alguns contextos de aula/ensaio, que nenhuma prática de aquecimento vocal existente no canto erudito é universal-mente usada entre os professores de canto e cantores. Essa falta de uniformidade induz a uma ampla variedade de práticas de aquecimento vocal no canto. A esse respeito PESSOTTI (2006) diz que,

As técnicas de canto desenvolvidas durante os séculos e pelos diversos países sempre envolveram preferências ligadas às suas respectivas línguas. Dentre aqueles se desta-cam, nos dias de hoje, Itália, Alemanha, França e Inglaterra. Tais técnicas possuem o embasamento cultural e a influência da produção da fala sobre a voz cantada, que pode refletir ideais estéticos na pedagogia vocal. (p. 1).

Em concordância, (CHAVES 2012) afirma que;

Para atender às diferentes exigências das composições escritas para voz em diversas épocas históricas, estilos musicais e idiomas, desenvolveram-se as chamadas ‘esco-las’ de canto. Aquelas que apresentam as abordagens técnicas mais tradicionais e influentes, até os dias de hoje (...). (p. 17).

Muitas dessas práticas, influenciadas especialmente pela estética italiana de can-to, difundiram-se dentro e fora do continente Europeu chegando até o Brasil. Há uma gran-de variedade de exercícios de aquecimento vocal; muitos deles são praticados ao longo dos tempos; outros, foram sendo desenvolvidos e inseridos na prática dos cantores, professores de canto e fonoaudiólogos. Torna-se necessário, portanto, estudar os efeitos destes sobre as pregas vocais e a saúde vocal; bem como determinar os tipos de exercícios vocais mais co-muns e utilizados numa rotina de aquecimento vocal; estabelecer a duração média e frequ-ência, assim como, catalogar as dificuldades vocais encontradas pelos cantores, professores de canto e os fonoaudiólogos (MILLER 1990: GISH 2010; 2012).

A definição de aquecimento pode ser encontrada em várias áreas do conhecimento: medicina esportiva, fisioterapia e educação física e corresponde a todas as medidas que ser-vem como preparação, antes de uma carga esportiva, seja no treino ou em competição, para obtenção de um estado psicofísico e coordenativo cinestésico-muscular ideal, assim como para prevenção de lesão (PINHO E SCARPEL, 2001; DI ALENCAR E MATHIAS, 2010).

Em concordância, CAMPOS et al (2006) e BARQUILHA (2010) afirmam que o aque-cimento se fundamenta em preparar o sistema muscular e articulatório para os exercícios subsequentes, antevendo o imprevisto do movimento e desenvolvendo a flexibilidade; au-mento da temperatura, vasodilatação, aumento do metabolismo e do fluxo sanguíneo, libe-ração de nutrientes, principalmente para áreas lesadas, a remoção de células mortas, bene-ficiando, desta forma, a regeneração dos tecidos e evitando lesões da musculatura.

Nas literaturas de ciência da voz e de pedagogia vocal encontram-se descrições dos benefícios do aquecimento antes de uma performance, ensaio ou estudo de canto; e a neces-sidade de uma rotina da prática de aquecimento vocal. Nesse contexto, aquecimento vocal é definido como um conjunto de exercícios respiratórios e vocais que tem como finalidade preparar a musculatura vocal para uma atividade mais intensa, evitando a fadiga e sobre-carga da musculatura do trato vocal, possibilitando a emissão da voz sem esforço, com mais resistência e flexibilidade (MILLER, 2004; AMIR, AMIR E MICHAELI, 2005; ANDRADE,

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

124

20_artigoFONTOURA E CIELO, 2007; MCHENRY, JOHNSON E FOSHEA, 2009; QUINTELA, LEITE E DANIEL, 2008; GISH, 2010, 2012).

CHAVES (2012, p. 10) acredita que,

Além de propiciar um melhor condicionamento muscular, a realização desses vocali-ses visa ao desenvolvimento técnico do cantor, ou seja, possibilita que este desenvol-va a capacidade de domínio ou controle de toda a musculatura atuante na fonação: a musculatura respiratória, a laríngea e a facial. (p. 10).

O que a literatura mostra é que existem diferentes pontos de vista ou definições para o aquecimento vocal. Pode-se dizer que o aquecimento vocal é classificado em dois ti-pos: aquecimento corporal e aquecimento estético.

Aquecimento corporal, que são atividades físicas com o corpo, como estratégias de alongamento corporal, postura, exercícios de respiração e fonoarticulatórios. Em relação a esses procedimentos, MARTINS (2008) comenta que,

(...) aquecimento corpóreo é um convite à entrada no mundo sonoro(...) No início da aula cada estudante chega de um jeito da rua, com toda sua vida fluindo, o jogo vocal de aquecimento, neste sentido, é um convite para centrar-se no instante presente da aula, isolando o cotidiano lá fora. É o afinar-se a si, acordando o corpo, alongando a musculatura, movimentando as articulações, ampliando a respiração e desenvolven-do uma observação atenta de como estão: a postura, as tonicidades das musculaturas e os apoios corpóreos, naquele momento, (...) traz atenção do corpo a um mergulho dentro de si e disponibiliza as energias para a criação. A prática de aquecimento vocal deve ter como linha condutora o direcionamento específico dos sons a serem trabalhados segundo os objetivos que se quer alcançar (...), assim, promove-se o de-senvolvimento da consciência de forma gradual, disponibilizando o corpo-vocal à abertura da qualidade energética que se quer desenvolver (...). (p. 29-30)

No aquecimento corporal, as estratégias trabalhadas estão restritas ao corpo e ser-vem para qualquer estilo de canto, erudito ou popular.

O aquecimento realizado com vocalises é denominado aquecimento estético, pois buscam o ajuste do timbre, da afinação e da sonoridade, bem como a ativação da musculatura vocal. A pedagogia vocal descreve que a estratégia mais utilizada pelos professores de canto e cantores, e acrescento aqui, os fonoaudiólogos, para aquecer a voz é o vocalise, que pode variar de pequenas estruturas melódicas ascendentes e descendentes, a estruturas mais complexas (FERNANDES, 2009; FARAH, 2010; CHAVES 2012). Este tem sido objeto de estudo de vários textos históricos sobre o treinamento e prática vocal (PACHECO, 2004; FERNANDES, 2009).

O aquecimento estético, que emprega vocalises, será determinado pelas preferên-cias acerca da sonoridade vocal que é influenciada pela(s) escola(s) de canto que orienta(m) a pedagogia vocal do professor, tais como: respiração, emissão, ressonância, extensão, entre outros, com vistas à execução de um determinado repertório. É a utilização de parâmetros técnicos vocais como meio para a interpretação da obra. Este, também se busca por meio dos vocalises, contemplar as necessidades vocais do aluno para a realização de determina-do repertório que está estabelecido dentro de certos padrões estilísticos previamente conhe-cidos pelo professor.

CHAVES (2012) afirma que,

Os vocalises de aquecimento e aperfeiçoamento técnico também são uma forma de o cantor treinar determinados ornamentos e exigências musicais relacionadas aos estilos. Como exemplos de ornamentos pode se citar a messa di voce e os trinados, ambos necessariamente aprendidos e trabalhados anteriormente à realização de pe-ças musicais que os contenham. (p. 10)

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

125

20_artigoHá diversas definições de vocalise na literatura. A própria grafia da palavra pode ser

encontrada de diferentes formas como; vocalize, vocalise ou vocalizo (PAPAROTTI E LEAL, 2011; CHAVES, 2012). A escolha da grafia dependerá do autor e, neste estudo, optou-se pela grafia vocalise.

O Dicionário Grove de Música (SADIE, 1994) define vocalise como,

Exercício vocal ou peça de concerto, sem texto, cantada sobre uma ou mais vogais. Desde meados do séc. XVIII, os professores de canto utilizam música vocal sem pa-lavras como exercícios, e no início do séc. XIX começaram a publicar solfejos e exer-cícios sem palavras para voz com acompanhamento. Escreveram-se muitas composi-ções em estilo vocalise, incluindo uma sonatina com piano de Spohr, peças de Fauré, Ravel, Rachmaninoff, Medtner, Giordano e Respighi; existe um concerto para sopra-no e orquestra de Glière. A ‘vocalização’ coral foi utilizada por vários compositores, incluindo Debussy (Sirenes) e Holst (The Planets). No Jazz, “vocalizar” refere-se a um arranjo vocal de um número instrumental). (p. 1004)

No Novo Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986)

1.mús. exercício vocal que consiste em cantar uma vogal uma série de notas conve-nientemente escolhidas com objetivo didático. 2. Mus. Trecho vocal sem palavras, sobre tudo na música polifônica dos sécs. XIII e XV, quando as partes nem sempre ti-nham textos”. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, 2001, p. 2877), o termo vocalise significa “MÚS: 1 melodia vocal sem palavras; 2 exercício vocal cantado, em que a voz se apóia em uma vogal, para percorrer a escala cromática, subindo e descendo. Exercício escrito para estudo da vocalização; parte cantada sem pronúncia de palavras. (p. 1786)

Segundo CHENG (1999), “a vocalização é um exercício de aquecimento que visa ati-var e coordenar os músculos e a respiração para a produção da voz” (p. 33).

Para COSTA (2001),

Os vocalises são exercícios que desenvolvem a voz. Cantados com as vogais, todas as escalas ascendentes e descendentes, quer sejam cromáticas ou não, acordes e interva-los, exercitam o canto com objetivos artísticos. (p. 85)

Segundo CHAVES (2012), existem três tipos de vocalises: a) vocalise de aquecimen-to e aperfeiçoamento técnico – que são os vocalises para o desenvolvimento e preparação vo-cal; b) vocalise de estudo – são os métodos vocais (Vaccaj, Panofka, Concone, Marchesi dentre outros) que tem como objetivo levar o cantor para o desenvolvimento de variados elementos musical em uma melodia vocal; c) vocalises artísticos – uma canção sem palavras, sem ser um recurso didático de desenvolvimento vocal; exemplo Bachiana n° 5 de Villa-Lobos.

No século XIX, muitos manuais para voz incluem composições originais especial-mente compostas para o mesmo propósito: melodias sem palavras, oferecendo aos alunos todas as dificuldades da canção. Mas é no início do século XX que muitos compositores transformam um grande número de vocalises em peças de concerto. Com isso, o vocalise como gênero musical assume uma nova missão: a libertação da música vocal da palavra, o canto como linguagem puramente musical (CHAVES 2012).

É importante ressaltar que os vocalises são cantados com vogais; fato que deve ser destacado, visto que muitos exercícios vocais utilizam vogal precedida de consoante. A for-ma de execução, seja somente com vogal ou não, com estruturas melódicas simples ou com-plexas, dentre outros, é uma escolha do profissional que está aplicando ou executando o aquecimento.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

126

20_artigoNo aquecimento estético, utiliza uma prática vocal que consiste na realização de

exercícios que visam a modificar a produção da voz por meio de novos ajustes e memórias musculares, objetivando uma emissão com o mínimo de esforço e o máximo de eficiência. Com os exercícios do treinamento vocal, importantes estruturas como cartilagens, múscu-los e mucosa são manipuladas e submetidas a diversas modificações e ajustes (BOLZAN, CIELO E BRUM, 2008).

Do ponto de vista da fisiologia vocal, os exercícios vocais realizados no aquecimento estético favorecem flexibilidade aos músculos responsáveis pela produção da voz, proporcio-nando maior tempo de fonação, melhor adução e abdução das pregas vocais, reduzindo as fen-das glóticas, melhora a lubrificação laríngea, reduzindo a viscosidade; alterando o padrão vo-cal aumentando o pitch e loudness. (QUINTELA, LEITE E DANIEL, 2008; GISH, 2010 E 2012).

Segundo MILLER (1990), a técnica de aquecer a voz deveria ser parte importante de qualquer sistemática da pedagogia vocal, e não deve consistir de uma execução de improvi-sação de vocalises. O autor recomenda que o conjunto de exercícios vocais no aquecimen-to comece com exercícios suaves e curtos, desloque-se dentro de uma tessitura confortável para voz, utilize exercícios com nasais e sequência de vogais, exercícios de vibração de lín-gua, de agilidade, e que vocalises em escala ascendente e descendente possam ser gradual-mente adicionados. Observa, também, que após os exercícios iniciais, são indicados alguns minutos de descanso, antes de começar os exercícios de passagens, que lidam com defini-ção e modificação de vogais.

Para CHAVES (2012),

O desenho melódico de um vocalise de aquecimento e aperfeiçoamento técnico pode ser elaborado segundo vários princípios que justifiquem sua execução(...) A forma de execução dos vocalises de aquecimento e aperfeiçoamento técnico fica, geralmente, sujeita àquilo que o professor de canto e o aluno pretendem alcançar. Normalmente, o cantor realiza vocalises buscando certa ‘colocação da voz’, buscando ainda expandir sua extensão, tessitura e aumentar sua agilidade vocal. Esses vocalises frequentemen-te são iniciados, conforme indicação da maior parte da bibliografia sobre o tema, no registro grave ou médio. Posteriormente, são repetidos em diversas alturas, de manei-ra ascendente, de meio em meio tom (cromaticamente), até atingirem a região aguda; em seguida, retorna-se (também cromaticamente), ao tom em que foram iniciados. O nível de dificuldade dos exercícios deve ser crescente, conforme o desenvolvimento do estudante de canto; para isso, os mesmos exercícios podem receber variações que atendam a suas necessidades de evolução no estudo. (p. 10-11)

A realização do aquecimento vocal torna-se essencial no processo de formação téc-nico do cantor, para uma boa fonação e performance, indispensável para uma boa saúde vo-cal e longa carreira profissional.

Em vista dessa diversidade de pontos de vista do aquecimento vocal, deve ser feito.O objetivo desta pesquisa é analisar a teoria e a prática sobre o aquecimento vocal

no canto erudito, a partir da ótica de diferentes profissionais da área da voz: professores de canto, cantores e fonoaudiólogos.

1. Método

Trata-se de pesquisa de caráter descritivo, de natureza quantitativa, de corte transver-sal, com aplicação de um questionário para professores de canto, cantores e fonoaudiólogos.

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP, sob o parecer de número 040/2011. Foram obede-

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

127

20_artigocidos os princípios éticos para realização de pesquisas em seres humanos, nos quais todos os sujeitos receberam, via correio eletrônico ou pessoalmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da pesquisa. Todas as medidas para garantir o sigilo da identida-de dos sujeitos foram adotadas. Aqueles que concordaram em participar assinando o TCLE, por sua vez, tiveram a liberdade de retirar seu consentimento a qualquer tempo.

2. Caracterização da amostra

A amostra foi composta por 165 sujeitos, que foram convidados a participar deste estudo a partir de vários critérios de busca. Inicialmente, foi utilizada a técnica Snowball Sampling (amostra bola de neve), na qual o sujeito participante da pesquisa indica dois ou-tros profissionais para participar e, assim, sucessivamente. Outras buscas ativas ocorreram na rede social Facebook, por meio do levantamento de perfis de professores de canto e canto-res conhecidos e autores de artigos científicos; por busca de conservatórios estaduais e mu-nicipais de música no site Google e, ainda, por entrega de questionários a coros profissionais.

Após o contato com os profissionais, foram considerados critérios de inclusão para cada área profissional, a saber: professores de canto erudito, cantores e fonoaudiólogos.

Foram considerados aptos a participar deste estudo os profissionais de canto que fossem docentes de faculdade de música, conservatórios públicos ou privados e escolas de música. Para os cantores eruditos, a inclusão dependeu de o participante ter formação em canto, atuar em coros de teatros ou ser solistas. Já para os fonoaudiólogos, para serem inclu-ídos no estudo, deveriam atender cantores eruditos. Todos os profissionais deveriam ter no mínimo dois anos de atuação profissional na área.

A partir dessa busca, e dos critérios de inclusão estabelecidos, foram convidados a participar da pesquisa 90 professores de canto erudito do Brasil e de Portugal, 120 cantores eruditos do Brasil e de Portugal e 30 fonoaudiólogos do Brasil que trabalhassem com o canto erudito. Desses, aceitaram participar, respondendo ao questionário, 86 professores de canto, 64 cantores e 15 fonoaudiólogos (Quadro 1).

O instrumento utilizado foi um questionário fechado, elaborado pelo pesquisador e sua orientadora, tomando-se por base dois questionários internacionais relacionados a aquecimento vocal para o canto lírico (Trends of Vocal Warm-ups and Vocal Health From the Perspective of Singing and Medical Professionals Vocal Warm-up Methods Survey - Voice Teachers/Pedagogues; Vocal Warm-up Methods Survey; Singers/Performers Sugars, 2009; Vocal warm-up Practices and Perceptions in Vocalists: A Pilot Survey, Gish, 2010). Foram tra-duzidas as perguntas que estavam de acordo com o objetivo desta pesquisa, avaliadas por profissionais da área para testar a clareza e fidelidade da tradução. Após este processo, as questões foram adaptadas para os grupos específicos.

O questionário contém as alternativas de resposta em escala Likert de cinco pontos: sempre, normalmente, às vezes, raramente, nunca, além da opção “não soube responder”. Essas seis alternativas de respostas do questionário foram configuradas como frequência de execução na prática do aquecimento vocal realizada pelo profissional da voz entrevistado, professor de canto, fonoaudiólogo e cantor lírico.

O pesquisador enviou uma mensagem convite, por correio eletrônico, para uma lista de profissionais da área, contendo informação a respeito da pesquisa. Após o aceite, foi enviado o questionário, instrução de preenchimento e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O prazo para preenchimento do questionário foi de dez dias corridos. Um dia antes do vencimento do prazo, caso o questionário não tivesse sido devolvido devidamente pre-

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

128

20_artigoenchido, era enviado uma mensagem via correio eletrônico, reiterando o convite para parti-cipação na pesquisa e o prazo de entrega. A coleta ocorreu no período de 90 dias corridos, entre os dias 1º de julho e 31 de outubro de 2011.

3. Análise dos dados

Após a realização dos procedimentos, os dados coletados foram digitados no pro-grama EPIDATA 3.2. e, posteriormente, submetidos a análises estatísticas por meio do sof-tware STATA versão 10.0. Foi realizada análise descritiva e os resultados estão apresentados na forma de Quadro e Tabelas.

4. Resultados

Participaram deste estudo 86 professores de canto, 15 fonoaudiólogos e 64 cantores líricos, de ambos os sexos.

As Tabelas foram organizadas por eixos temáticos e distribuídas pelos grupos de profissionais que compuseram a amostra deste estudo, sendo Professores de canto, Fonoaudiólogos e Cantores eruditos.

O Quadro 1 apresenta as características gerais da população.

Quadro 1: Distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Fonoaudiólogos e Cantores, em número (n) e em porcentagem (%), quanto a gênero, idade, nível educacional, tempo de profissão e região.

DescriçãoProfessor de Canto Fonoaudiologos Cantoresn % n % n %

SexoMasculino 37

4943,057,0

411

26,773,3

3826

59,340,7Feminino

Idade22 – 30 16 19,3 7 46,7 33 51,631 – 40 29 35,0 2 13,3 19 29,741 – 50 25 29,4 4 26,7 9 14,051 – 60 15 12,0 2 13,3 3 4,761 – 70 3 3,7 - - - -Nível EducacionalTécnico 1 1,2 - - - -Superior 43 50,0 2 13,3 50 78,1Especialização 12 14,0 5 33,3 4 6,2Mestrado 14 16,3 6 40,0 10 15,7Doutor 16 18,7 2 13,4 - -Tempo de Profissão1 – 10 32 37,2 10 66,7 39 65,011 – 20 28 33,8 1 6,7 16 26,721 – 30 20 23,5 3 20,0 4 6,731 – 40 5 5,9 1 6,7 1 1,7LocalBrasil/regiãoNorte 7 8,1 3 20,0 2 3,1Nordeste 19 22,1 2 13,4 21 32,9Sul 8 9,3 1 6,7 3 4,7Sudeste 40 46,5 9 60,0 23 36,0Centro-Oeste 2 2,3 - - 3 4,7Portugal 10 11,6 - - 12 18,8

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

129

20_artigoNa Tabela 1 apresenta a realização de aquecimento vocal no inicio de uma aula/

intervenção/ensaio-estudo. É possível notar que a maioria dos profissionais da voz realiza aquecimento vocal.

Tabela 1: Distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Fonoaudiólogos e Cantores, em número (n) e em porcentagem (%),na realização de aquecimento vocal.

Professor de Canto Fonoaudiólogo Cantoresn % n % n %

Quando você inicia uma aula/intervenção/ensaio, você realiza aquecimento vocal?Sempre 79 91,9 8 53,3 42 65,7Normalmente 7 8,1 4 26,7 19 29,7Às Vezes - - 2 13,3 3 4,7Raramente - - 1 6,7 - -

Não houve respostas para as opções nunca ou não soube responder.

Na Tabela 2, pode-se observar uma variação da realização de uma rotina de aque-cimento vocal entre os Professores de Canto com relação aos Fonoaudiólogos e Cantores.

Tabela 2: distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Fonoaudiólogos e Cantores, em número (n) e em porcentagem (%), criação de uma rotina de aquecimento vocal.

Professor de Canto Fonoaudiólogo Cantoresn % n % n %

Você cria sua própria rotina de aquecimento?Sempre 49 57,0 6 40,0 23 36,0Normalmente 34 39,5 7 46,7 25 39,1Às Vezes 3 3,5 1 6,7 12 18,8Raramente - - 1 6,7 2 3,1Nunca - - - - 1 1,6NSR - - - - - 1.6

A Tabela 3 mostra uma variação entre os profissionais da voz em realizar o mesmo aquecimento vocal em aula/intervenção/estudo – ensaio.

Tabela 3: Distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Fonoaudiólogos e Cantores, em número (n) e em porcentagem (%), na utilização do mesmo aquecimento em aula/intervenção/ensaio-estudo

Professor de Canto Fonoaudiólogo Cantoresn % n % n %

Você usa o mesmo aquecimento em cada aula/intervenção/ensaio-estudo?Sempre 1 1,2 - - 5 7,9Normalmente 34 40,4 3 20,0 29 45,3Às Vezes 40 47,7 10 66,7 25 39,1Raramente 8 9,5 2 13,3 2 3,1Nunca 1 1,2 - - 3 4,7

Não houve respostas não soube responder.

Conforme é possível observar na Tabela 4, há uma variação nas respostas dos pro-fissionais da voz quanto a aquecer a voz cantando uma canção.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

130

20_artigoTabela 4: Distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Fonoaudiólogos e Cantores, em número (n) e em porcentagem (%), se aquece a voz cantando uma canção.

Professor de Canto Fonoaudiólogo Cantoresn % n % n %

Você aquece a voz (aluno/intervenção/cantor) cantando uma canção?Sempre 1 1,9 - - 1 1,7Normalmente 2 2,3 2 13,3 8 12,5Às Vezes 12 17,7 5 33,3 25 39,1Raramente 23 27,1 3 20,0 14 21,9Nunca 43 50,6 5 33,3 15 23,4NSR 1 1,2 - - 1 1,7

Na Tabela 5 pode-se observar quais os tipos de exercícios os profissionais da voz uti-lizam para aquecer a voz. Em todos os grupos o vocalise foi o procedimento mais utilizado.

Tabela 5: Distribuição dos grupos pesquisados: Professor de canto, Cantores e Fonoaudiólogos, em número (n) e em porcentagem (%), quanto ao tipo de exercício de aquecimento.

Professor de Canto Fonoaudiólogo Cantoresn % n % n %

Que tipo de exercícios você mais utiliza para se aquecer/alunos/intervenção?Exercícios Fisiológicos 56 70,9 13 86,7 48 76,2Vocalises 84 97,7 14 93,3 61 95,3Método de canto 23 12,8 1 6,7 7 11,0

5. Discussão

De acordo com os dados expostos no Quadro 1, nota-se que o maior números de participantes desta pesquisa eram da região sudeste, e o menor número da região centro- oeste, fato relevante, pois a região possui faculdade e escola técnica de música com ex-pressiva produção musical; mas, mesmo assim, houve pequena participação no presente estudo.

Na região norte, só foi possível colher dados dos Estados do Acre e Pará, dos três grupos pesquisados. Deve-se ressaltar que há importantes festivais de ópera em dois esta-dos – Amazônia e Pará – entretanto, há pouco conhecimento do movimento de canto erudi-to no que diz respeito a ensino e pesquisa. Uma possível hipótese para esse fato, talvez, seja a falta de tradição de pesquisa em música desta natureza.

Os dados da região nordeste (Quadro 1) chamam atenção por ser uma região que possui um movimento de música erudita consolidado, com festivais nacionais e interna-cionais de canto, master class, dentre outros, havendo pouca representatividade dos grupos pesquisados.

Segundo a Tabela 1, é possível constatar que a grande maioria dos sujeitos pes-quisados, sempre realizam aquecimento vocal antes de uma performance/ensaio/interven-ção, e que uma minoria, tanto de fonoaudiólogos como de cantores, às vezes, ou raramente, executam o aquecimento. QUINTELA, LEITE E DANIEL (2008) afirmam que os cantores, e acrescenta-se aqui professores de canto e fonoaudiólogos, priorizam a prática do aqueci-mento vocal.

Dentre os profissionais que trabalham com a voz, os fonoaudiólogos estão inseridos na área da saúde e, no processo de sua formação, têm como base a fisiologia e a anatomia, ao contrário dos outros grupos profissionais, que, muitas vezes, só têm na sua formação in-trodução à fisiologia da voz.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

131

20_artigoDe acordo com a Tabela 2, os professores de canto e fonoaudiólogos sempre criam

uma rotina de aquecimento, enquanto os cantores apresentaram resultados diversos, fato que deve ser destacado, pois esses profissionais têm como instrumento de trabalho a voz cantada erudita, e pelos dados apresentados, demonstram uma inconstância em manter uma rotina de aquecimento quando comparado com as demais categorias.

AMIR, AMIR e MICHAELI (2005) relatam que o aquecimento é visto por cantores profissionais e artistas como algo essencial, porém, alguns cantores o consideram como op-cional ou até mesmo prejudicial para o seu desempenho, enquanto MILLER (1990) e GISH (2010) acreditam que cantores profissionais e estudantes de canto devem estabelecer uma rotina de aquecimento vocal, pois é fundamental para um bom desempenho vocal. Os da-dos da Tabela 2 estão de acordo com os autores citados, a diversificação das respostas dadas pelos cantores demonstram que não há um consenso a respeito da prática do aquecimento. Entretanto, os professores de canto e fonoaudiólogos, em sua maioria, acreditam na neces-sidade de uma rotina de aquecimento.

Acredita-se que uma rotina de aquecimento vocal deva ser feita mediante objetivos estabelecidos pelo profissional da voz: professor de canto, fonoaudiólogo e cantor. A primei-ra, para manutenção vocal e aprimoramento técnico, em que o tempo de duração poderia ser maior, com a finalidade de exercitar a musculatura vocal, ajustar o timbre e a sonorida-de, sem execução de repertório, ou seja, seria um trabalho técnico de aperfeiçoamento vo-cal (CHAVES 2012); a segunda seria uma rotina de aquecimento para estudo e execução de repertório, o tempo de duração do aquecimento deve ser menor para evitar uma sobrecarga da musculatura vocal (QUINTELA, LEITE e DANIEL 2008), porém, deve-se ressaltar que, a duração do aquecimento, não é o único fator a ser considerado para evitar uma sobrecarga da musculatura vocal. Dependendo do exercício e de que como ele é feito, num tempo pe-queno pode-se ocasionar uma sobrecarga vocal.

Este estudo mostrou que não existe uma disposição dos sujeitos na utilização do mesmo exercício vocal, de acordo com a Tabela 3. As categorias pesquisadas apresentam frequências de execuções variadas. Tanto professor de canto como cantores obtiveram a mesma predisposição nesta questão, enquanto os fonoaudiólogos apresentam frequências de execução bem menor que as demais categorias quando comparados. Uma hipótese para essa variedade na aplicação de exercícios vocais pode ser devido ao objetivo vocal que se al-meja alcançar, pois, na pedagogia vocal, os exercícios têm uma finalidade técnica para de-senvolver qualquer habilidade vocal do cantor; agilidade, legato, dentre outros.

As respostas à questão “você aquece a voz cantando uma canção” (Tabela 4), varia-ram consideravelmente entre todas as categorias pesquisadas. Nota-se que todos os grupos têm a possibilidade de realizar o aquecimento desta forma, mesmo em graus de execução diferentes, porém, maior prevalência foi entre os fonoaudiólogos (33,3%) e cantores (39,1%).

Em alguns contextos do ensino de música, alguns professores de instrumento acon-selham seus alunos a realizar o aquecimento com uma música do próprio repertório, deno-minando essa prática de “técnica aplicada”. Possivelmente, a questão acima mencionada, possa estar relacionada a esse contexto, visto que, todo procedimento preparatório já foi re-alizado nas aulas/ensaios.

Os procedimentos utilizados para realização do aquecimento vocal podem variar entre aquecimento corporal e aquecimento estético (vocalises). Neste estudo, 70,9% dos pro-fessores de canto, 76,2% dos cantores e 86,7% dos fonoaudiólogos utilizam aquecimento corpóreo, porém a maioria absoluta dos professores de canto (97,7%), dos cantores (95,3%) e fonoaudiólogos (93,3%) utiliza vocalises como estratégia principal para o aquecimento vo-cal (Tabela 5).

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

132

20_artigoOs resultados deste estudo estão de acordo com PINHO (2001), COSTA (2001),

MUNIZ e PALMEIRA (2008) e CHAVES (2012), que afirmam que muitos exercícios vocais utilizados pelos fonoaudiólogos são emprestados do canto, adaptados ou simplesmente rea-lizados na íntegra como uso de escalas ascendentes e descendentes, diatônica ou cromática, sequências tonais variadas, intervalos de terça, quinta, oitavas e nonas, trinado, articula-ção em staccato ou legatto, mezza di voce e demais vocalises similares aos do canto lírico.

De acordo com os resultados da presente pesquisa e a literatura citada, surge uma questão: o que diferencia uma intervenção feita pelo fonoaudiólogo no cantor lírico profis-sional para uma aula de canto ministrada por um professor de canto, visto que ambos uti-lizam os mesmos procedimentos, o vocalise, para aquecer a voz?

Aquecimento corporal é composto por estratégias que trabalham o corpo, como ali-nhamento postural, alongamento, relaxamento, exercícios de respiração e exercícios fono-articulatórios. Todos esses procedimentos não utilizam alturas de nota, foca-se no limiar do corpo.

MELLO, ANDRADA e SILVA (2008) apontam que exercícios de alongamento são complementares na preparação da voz cantada, pois garantem ao cantor mais resistência, flexibilidade para execução de movimentos e postura mais adequada para o canto. Os auto-res sugerem que esses exercícios sejam executados com regularidade para que as respostas motoras sejam mais eficazes na execução do repertório.

Sempre que há referência a aquecimento vocal, os autores recorrem a algumas su-báreas como educação física, medicina esportiva e fisioterapia, pois há uma associação do aquecimento físico que o atleta realiza com o aquecimento corporal praticado pelo cantor. Porém, surgem algumas dúvidas a respeito do aquecimento corporal.

ROSA e MONTANDON (2006) realizaram um estudo de revisão crítica de literatura dos efeitos do aquecimento realizado com alongamento e concluíram que não há consenso acer-ca das respostas motoras que o aquecimento pode causar com respeito à prevenção de lesão.

Alongar o corpo, antes de vocalizar, como a literatura da ciência da voz sugere, tem efeitos objetivos reais? Como o professor de canto, fonoaudiólogo e cantor podem compro-var cientificamente os reais efeitos deste procedimento? Os testes realizados nas subáreas de educação física, medicina esportiva e fisioterapia (SIMÃO et al, 2003) FERMINO et al, 2008) vêm desconstruindo essa idéia do alongamento. A questão que se coloca, portanto, é como os profissionais da voz, que sempre tiveram como base científica essa literatura, po-dem comprovar a eficácia deste procedimento para uma boa emissão vocal?

Uma possível hipótese é que a realização de alongamentos e outras atitudes corpo-rais tenham mais um efeito subjetivo. Realizar tais atividades organiza mentalmente o cor-po e prepara para as atividades subsequentes do canto. A resposta, neste caso, seria mais cerebral do que muscular e motora. Sob essa ótica, seria uma ruptura com a dinâmica social cotidiana para uma dinâmica artística.

Aquecimento estético são exercícios vocais realizados através dos vocalises. Esses exercícios trabalham com o alongamento e flexibilidade das pregas vocais, fazendo ajusta-mento do timbre, da afinação e da sonoridade.

A falta de uniformidade na vocalização induz a uma ampla variedade de práticas de aquecimento vocal no canto erudito, que, conforme a estética (escola de canto), o repertó-rio e o método de estudo vocal podem ter resultados diversos. O vocalise é a estratégia mais utilizada entre os profissionais da voz cantada; porém, não existe consenso desta prática. A utilização de sons nasais, humming/bocca chiusa, por exemplo, é desaconselhada por al-guns autores (COFFIN, 1989), enquanto outros acreditam que esta prática deve estar sempre presente no aquecimento (GREGG, 1996; BOLZAN, CIELO e BRUM; 2008).

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

133

20_artigoMILLER (1996) ressalta que a vocalização pesada, ou seja, da técnica vocal/prepara-

ção vocal, nunca deve fazer parte da série de aquecimento, e que o objetivo do aquecimento vocal não é alvejar problemas técnicos, mas preparar a voz para uso mais extenso do traba-lho técnico. FERNANDES (2009) acredita que preparação vocal não é sinônimo de aqueci-mento vocal; entretanto, GISH (2010; 2012) conclui, por meio de uma pesquisa com 117 su-jeitos entre estudantes de canto e cantores eruditos profissionais, que os mesmos vocalises que são utilizados no trabalho de técnica vocal/preparo vocal em sala de aula ou em estudos técnicos de canto são realizados para aquecimento vocal.

Em experiência pessoal, acompanhando a disciplina de canto e de prática vocal em três diferentes universidades, pode-se observar que as práticas realizadas, tanto em sala de aula para técnica vocal, como em aquecimento para performances dos cantores solistas ou em corais, não se diferenciavam: a mesma série de vocalises era realizada e, quase sempre, pelo mesmo tempo, de 15 a 20 minutos. Há, portanto, necessidade de rever essa nomencla-tura, uma vez que, ou há uma distorção referente a esse nome, ou uma confusão em termos de práticas. Caso exista uma prática diferenciada para tal, a própria literatura precisa ser mais especifica, pois os procedimentos descritos na bibliografia pesquisada remetem, to-dos, às práticas de “técnica vocal”.

Os resultados desta investigação apontam que o vocalise é a estratégia mais utili-zada pelos profissionais da voz cantada para realização do aquecimento. Diante deste fato, surgem algumas questões: Como diferenciar aquecimento vocal de trabalho de “técnica vocal/preparo vocal”, visto que o procedimento utilizado para aquecer a voz é o vocali-se? Como determinar essa diferença, uma vez que os mesmos vocalises (GISH 2010, 2012; CHAVES 2012), quer sejam de estrutura melódica simples ou complexa, leve ou pesada, ou ainda uma escolha metodológica de cada profissional da voz, são utilizados tanto para o tra-balho de técnica vocal/preparo vocal como para a realização do aquecimento?

CHAVES (2012) em sua pesquisa intitulada “ O vocalise no Repertório Artístico Brasileiro...” classifica o vocalise em três tipos: vocalise de aquecimento e aperfeiçoamento técnico; vocalise de estudo; vocalise artístico. Essa classificação realizada pela autora su-pracitada ajuda a elucidar a questão, pois juntamente com CHENG (1999), PAPAROTTI e LEAL (2011) não diferencia aquecimento vocal de “técnica vocal”, como ocorre muitas vezes na fala de alguns profissionais da voz.

A questão fica mais clara quando se observa o significado de técnica em diferen-tes áreas do conhecimento. De acordo com o Dicionário de Ciências Médicas (DORLAND’S 1965, p. 1420), técnica é o “conjunto de procedimentos e recursos de que se serve uma ciên-cia ou uma arte”; no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1986, p. 1656) define como “1. Parte material ou conjunto de processo de uma arte: 2. Maneira, jeito ou habilidade espe-cial de executar ou fazer algo”; já no Dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001 p. 2683) “conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência”; no Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO 1962) descreve que,

O sentido geral do termo coincide com o sentido geral de arte. Compreende todo con-junto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer. Neste sentido não se distingue nem da arte nem da ciência nem de qualquer processo ou operação aptos a conseguir um efeito qualquer: e seu campo estende-se tanto quanto o das atividades humanas. (p. 905-906)

Na fonoaudiologia BEHLAU (2004, p. 45) afirma que “técnica é o conjunto de mo-dalidades de aplicação de um exercício vocal utilizadas de modo racional para um fim específico”.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

134

20_artigoNeste caso, a técnica vocal não é um objeto isolado, algo de natureza própria para se

autodesenvolver, ele faz parte de algum processo científico, terapêutico ou estético, é uma estratégia para realização de algo, é um meio facilitador, nesta questão, meio pelo qual se busca uma boa emissão da voz cantada. Logo, pode-se afirmar que o aquecimento vocal é realizado por meio de uma técnica ou conjunto de técnicas para um fim específico, é um conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado no apri-moramento vocal.

A realização do “aquecimento estético”, como aqui se denomina, ou “vocalises de aquecimento vocal e aperfeiçoamento técnico” como Chaves nomeia, seria o que no senso comum habituou-se a chamar de “técnica vocal”.

Essa dúvida que ocorre entre alguns profissionais da voz, e neste caso específico, cantores e professores de canto justificam-se por ser uma área que tem como base a oralida-de. Os conhecimentos são transmitidos de um professor/cantor experiente para um apren-diz (PACHECO 2004).

No campo da fonoaudiologia, essa questão também não é consenso, pois há uma tentativa de se distinguir uma coisa da outra; segundo alguns profissionais da área, tem ou-tro sentido. Porém, deve-se ressaltar que as práticas terapêuticas da clinica de voz são em-prestados do canto ou realizados na integra, como afirmam PINHO (2001), COSTA (2001), MUNIZ e PALMEIRA (2008) e CHAVES (2012), assim, uma suposição acerca desta questão é que muito dos vícios de oralidade existente no canto, provavelmente a fonoaudiologia te-nha absorvido.

Com toda a ciência que o século XXI tem desenvolvido e as facilidades tecnológi-cas que a atualidade proporciona, não se pode negar que a oralidade em todas as áreas de conhecimento ainda é muito presente. A clínica de voz cantada é algo recente, uma ciên-cia nova; acredita-se que ainda esteja estruturando seu objeto de funcionamento. Se há di-ferenças de práticas e princípios entre a “técnica vocal” e o aquecimento vocal, então, a fo-noaudiologia tem que deixar mais claro o que distingue uma coisa da outra, assim como os questionamentos a respeito de um e de outro. Estendem-se as mesmas indagações para o campo da música/canto.

Ao mesmo tempo, percebe-se que a nomenclatura utilizada causa ainda certa con-fusão, sendo difícil, para o senso comum, estabelecer a fronteira entre “aquecimento vocal” de “técnica vocal”. Ou seja, o significado no senso comum de uma palavra pode ser muito distinto do seu significado real, do que essa ideia representa. Na prática, tanto os procedi-mentos de aquecimento vocal quanto da “técnica vocal” são as mesmas, assim como o tem-po de realização. Duas possíveis hipóteses para tais fatos: primeiro, porque nas performan-ces, tanto em conjunto como solo, a sequência de exercícios vocais e o tempo de execução podem ser menores do que no contexto de aula/ensaio, de acordo com as circunstâncias onde ocorrerá a apresentação; a segunda hipótese seria que o repertório a ser desenvolvido em cantores profissionais ou em estudantes de canto demanda um período de vocalização maior, ou seja, de aquecimento estético/vocalises de aquecimento vocal e aperfeiçoamento técnico (CHAVES 2012) para ajuste do timbre, sonoridade, interpretação e adaptação mus-culatura vocal para o novo repertório. Concluído o preparo e ajustes desse novo repertório, não há mais necessidade de um longo período de vocalização, e sim, só alguns exercícios para reativar a memória musical.

Com estas considerações, sugere-se que novas pesquisas possam ser realizadas acerca do tema, para confrontar com os resultados, aumentando a população e, principal-mente, abrangendo todo território nacional.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

135

20_artigoConclusões

Com os achados desta pesquisa, pode-se concluir que:1. A maioria dos profissionais da voz pesquisados sempre realiza o aquecimento

vocal antes de uma performance.2. Professores de canto e fonoaudiólogos mantêm uma rotina de aquecimento vo-

cal, enquanto os cantores apresentaram resultados diversos. 3. Não existe uma disposição dos sujeitos pesquisados na utilização dos mesmos

exercícios vocais no aquecimento.4. Nas categorias pesquisadas, observa-se grande variação na prática de aquecer a

voz executando uma canção, porém, todos os grupos pesquisados veem possibi-lidade de aquecer a voz desta forma.

5. As estratégias mais utilizadas para realizar o aquecimento vocal pela maioria dos professores de canto, fonoaudiólogos e cantores é o vocalise, ou seja, aqueci-mento estético.

6. Os cantores realizam o aquecimento com frequência diferente da indicada por professores de canto e fonoaudiólogos.

Acredita-se, portanto, que aquecimento vocal pode ser considerado um trabalho de aprendizagem, desenvolvido por um determinado período de tempo com o objetivo de con-dicionamento neuromuscular (memória e condicionamento físico e vocal), com o uso de técnica com o propósito de desenvolver uma estética vocal para execução de um determi-nado repertório.

Percebe-se, ainda, que a nomenclatura utilizada é confusa, pois, enquanto no sen-so comum há uma busca em separar “aquecimento vocal” de “técnica vocal”, os resultados deste estudo e a literatura consultada demonstram que não há diferença dos exercícios, nes-te caso, o vocalise e suas variantes: mezzo di voice, sustenuto.

Portanto, propõe-se aqui classificar a terminologia para aquecimento em dois tipos: Aquecimento Corporal e Aquecimento Estético. Sendo aquecimento corporal as atividades desenvolvidas no corpo, como alongamentos; e aquecimento estético, as atividades vocais, como os vocalises.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982. p. 905-906.

AMIR, Ofer; AMIR Noam; MICHAELI, Orit. Evaluating the influence of warm-up on singing voice quality using acoustic measures. Journal of Voice. v.19, n.2, p. 252-260, 2005.

ANDRADE Simone R.; FONTOURA Denise R.; CIELO Carla A. Inter-Relações entre Fonoaudiologia e Canto. Revista Música Hodie. v.7, n.1, p. 83-98, 2007.

BARQUILHA, Gustavo. Alongamento Estático e Treinamento de Força: Uma Breve Revisão de Literatura. Revista Educação Física. Rio de Janeiro, p. 37-41,2010.

BEHLAU, Mara. Técnicas Vocais. In: FERREIRA, Leslei P; BEFI-LOPES, Débora M; LIMONGI, Suelly C.O. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. cap. 5, p. 42-58.

BOLZAN, Geovana. P; CIELO, Carla. A; BRUM, Débora M. Efeitos do som basal em fendas gló-ticas. Revista CEFAC, v.10, n.2, p. 218-225, 2008.

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

136

20_artigoCAMPOS, Guilherme K. D; MENDES, Frederico V.C; JUNIOR, José M. M. A; BRANDÃO, André L. C; SANTOS, Eleonardo S.; SOUZA, Luciano A. F.; JUNIOR Rossine P. A.; JUNIOR, Silvo M. S.; AITA, Edson; DA CUNHA Rafael S. P. O efeito de diferentes formas de aquecimento sobre teste de força máxima em alunos do instituto militar de engenharia. Revista de Educação Física. v.135, p. 28-35, 2006.

CHAVES, Patricia C. O Vocalise no Repertório Artístico Brasileiro: Aspectos históricos, catálo-gos de obras e estudos da obra Valsa Vocalise de Francisco Mignone. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. Belo Horizonte: UFMG, 2012. 184p.

CHENG Stephen C-T. O Tao da voz: Uma abordagem das técnicas do canto e da voz falada com-binando as tradições oriental e ocidental. Trad. Anna Christina Nystrom. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

COFFIN, Berton. Historical Vocal Pedagogy Classics. Lanham, Maryland and London: The Scarecrow Press, Inc., 1989.

COSTA, Edilson. Voz e Arte Lírica. São Paulo: Lovise, 2001. 118p.

DI ALENCAR, Thiago A. M.; MATIAS, Karinna F. S. Princípios fisiológicos do aquecimento e alongamento muscular na atividade esportiva. Revista Brasileira Medicina do Esporte, Niterói, v.16, n.3, 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922010000300015

DORLAND’S. Dicionário de Ciências Médicas. 24. ed. Buenos Aires: El Ateneo. 1965.

FARAH, Heliana. Canto Lírico: Primazia da Técnica ou da Estética. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: 2010. Rio de Janeiro, 2010.

FERNANDES, Angelo J. O Regente e a construção da sonoridade coral: uma metodologia de preparo vocal para coros. Tese de Doutorado. São Paulo: Instituto de Arte da Universidade de Campinas: 2009. Campinas, 2009.

FERMINO, Rogério C.; WINIARSKI, Zegmundo H.; ROSA, Rafael J.; LORENCI, Luiz G.; BUSO, Sérgio.; SIMÃO, Roberto. Influência do aquecimento específico e de alongamento no desempe-nho da força muscular em 10 repetições máximas. R. bras. Ci e Mov. v.13, n.4, p. 25-32, 2005.

FERREIRA, Aurélio. B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Nova Fronteira; 1986, p. 1-175.

GISH Allison K. Vocal warm-up practices and perceptions in vocalists: A pilot survey. Dissertação de Mestrado. B.M., Louisiana State University, 2010.

Gish Allison K.; KUNDUK Melda.; SIMS, Loraine.; MCWHORTER, Andrew. J. Vocal Warm-Up Practices and Perceptions in Vocalists: A Pilot Survey. Journal of Voice. v. 26, n.1, p. 1-10, 2012.

GREGG, Jean. W. What humming can do for you. Journal of Singing. v.52, n.5, p. 37-38, 1996.

HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janiero: Objetiva, 2001.

MARTINS, Janaína. T. A Ludicidade do Jogo Vocal no Desenvolvimento da Consciência Criativa. Revista Cientifica FAP, Curitiba, v.3, p. 25-28, 2008.

MELLO, Enio. L. ANDRADA E SILVA, Marta. A. O corpo do cantor: alongar, relaxar ou aque-cer? Revista CEFAC, v.10, n.4, p. 548-556, 2008.

MILLER, Richard. Warming up the voice. The NATS Journal, v.46, n.5, p. 22-23, 1990

ARAÚJO, A. L. L.; SANTOS, T. M. M.; GIANNINI, S. P. P.; MIGUEL, F.; PETIAN, A.Aquecimento Vocal para o Canto Erudito: Teoria e Prática.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 122-137

137

20_artigo . On the art of singing. Oxford. Oxford University Press, 1996.

. Solutions for Singing. New York: Oxford; 2004.

MCHENRY, Monica. JOHNSON, Jim. FOSHEA, Brianne. The Effect of Specific Versus Combined Warm-up Strategies on the Voice, Journal of Voice, v.23, n.5, p. 572-576, 2009.

MUNIZ, Maria. C. M. C. PALMEIRA, Charleston. T. Ciência e arte – Teoria e vivência músical como auxílio à formação de fonoaudiólogos. Revista. Música Hodie. v.8, n.1, p. 55-74, 2008.

PACHECO, Alberto. J. V. Mudanças na pratica vocal da escola italiana de canto: uma analise comparativa dos tratados de canto de Pier Tosi, Giambattista Mancini e Manuel P. R. Garcia. Dissertação de mestrado. Instituto de Arte da Universidade de Campinas, 2004. Campinas: UNICAMP, 2004, p. 327.

PAPAROTTI, Cyrene. LEAL, Valéria. Cantonário: Guia Prático para o Canto. Salvador, BA: Musimed, 2011.

PESSOTTI, Aantonio. C. S. Influência da técnica vocal sobre a emissão cantada no vernáculo Estudos Lingüísticos XXXV. 2006; 353-360.

SCARPEL, Renata. D.; PINHO, Silvia. M. R. Aquecimento e desaquecimento vocal. In: PINHO, S.M.R. Tópicos em voz. Rio de Janeiro: Guanabara, 2001, p. 97-104.

PINHO, Silvia. M. R. Tópicos em voz. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 2001.

ROSA, Alexandre. C. MONTANDON, Ivana. Efeitos do aquecimento sobre a amplitude de mo-vimento: uma revisão critica. R. bras. Ci e Mov. v.14, n.1, p. 109-116, 2006.

QUINTELA, Amdréa. S. LEITE Isabel. C. G. DANIEL, Renata. J. Práticas de aquecimento e de-saquecimento vocal de cantores líricos. Rev. HU, v.34, n.1, p. 41-46, 2008.

SADIE, Stanley. Dicionário Grove de música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

SIMÃO, Roberto. GIACOMINI, Matheus. B. DORNELLES, Thaís. S. MARRAMOM Maria. G. VIVEIROS, Luís. E. Influência do aquecimento específico e da flexibilidade no teste de 1RM. Rev. Bras. de Fisio. do Exer. v.2, p. 134-140, 2003.

André Luiz Lopes de Araújo - Graduado em Licenciatura em Musica pela Universidade Católica do Salvador (UC-SAL-BA), Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Teresa Maria Momensohn dos Santos - Doutora, Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - São Paulo (SP), Brasil; Diretora Clínica e de Pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Audição - IEAA - São Paulo (SP), Brasil.

Susana Pimentel Pinto Giannini - Fonoaudióloga, Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e fonoaudióloga do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM/SP).

Fabio Miguel - Doutorado em Música pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Mes-trado em Música Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Cantor, Professor de Canto e Regente Coral. Professor no Instituto de Artes da UNESP.

Andréa Petian - Graduada em Fonoaudiologia pela Universidade de Mogi das Cruzes. Especialista em Audiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

138

21_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 25/02/2014 - Aprovado em: 25/04/2014

o álbum para Canto e piano – Cinco peças em Vernáculo de Hostílio soares

Márcia Maria Reis Teixeira (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Mauro Camilo de Chantal Santos (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG)[email protected]

Resumo: O compositor mineiro Hostílio Soares (1898-1988) compôs cerca de 40 canções ao longo de sua vida, divi-didas em canções sacras, canções patrióticas, hinos-canções e canções de câmara. Na produção dessas, merece des-taque o Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo, obra premiada em concurso, que foi o objeto de estu-do da dissertação As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo. Neste artigo, apresentaremos um estudo desse álbum de canções, a obra representativa de seu cancioneiro.Palavras-chave: Canção brasileira; Hostílio Soares; Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo.

Album for Voice and Piano – Five Pieces in Vernacular of Hostilo SoaresAbstract: The Brazilian composer from the State of Minas Gerais, Hostílio Soares (1898-1988), composed approxi-mately 40 songs, which can be classified in: sacred songs, patriotic songs, hymns and art songs. Among the later group, one work stands out: the prize-winning Álbum para canto e piano - cinco peças em vernáculo (“Album for voice and piano – five songs in vernacular”). This Album was discussed in the Thesis As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo. This article will present a study of this song album, the most representative work among his vocal compositions.Keywords: Brazilian art song; Hostílio Soares; Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo.

1. Introdução

O Maestro Hostílio Soares (1898-1988), com atuação expressiva no cenário musical de Minas Gerais (décadas de 1940, 1950 e 1960), legou-nos, em sua produção, uma quanti-dade de composições significativas, sendo que, ainda hoje, uma parte permanece inédita e desconhecida tanto do público quanto dos profissionais de música.

Natural de Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, Hostílio Soares iniciou seus estudos em sua cidade natal. Em 1923, mudou-se para o Rio de Janeiro onde foi aluno de Composição e Instrumentação do Maestro Francisco Braga1, terminando o curso em 1928, no antigo Instituto Nacional de Música. De volta a Visconde do Rio Branco, fundou e di-rigiu, durante seis anos, a Escola de Música Francisco Braga e o Coro Santa Cecília. De 1934 a 1968, foi professor catedrático de Contraponto e Fuga do Conservatório Mineiro de Música2 de Belo Horizonte, e professor designado para as cadeiras de Harmonia Elementar e Superior, Composição e Instrumentação. Foi também docente-livre das cadeiras de Canto Coral e Teoria Musical da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil3.

A produção de Hostílio Soares abrange tanto a música instrumental (sinfonias, duos, solos) quanto a música vocal (óperas, peças para canto e piano, missas, coro a capella), além dos livros Miniaturas e Aquarelas, Técnica de Canto Coral e O Estudo de Solfejo (Tese apresentada ao concurso para catedrático de Teoria Musical da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro).

Nessa produção, ressaltam-se as canções para canto e piano, (compostas durante toda a sua vida), das quais destacamos o álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo4, com o qual ele venceu o concurso para compositores residentes em Minas Gerais, pro-movido pelo governo do estado, no ano de 1963. O Álbum é composto pelas seguintes peças:

– “Livros e flores” - poesia de Machado de Assis (1839-1908);

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

139

21_artigo– “Quando ela fala” - poesia de Machado de Assis;– “À Carolina” - soneto de Machado de Assis;– “Sinos” - soneto de Carmem Melo (19-);– “As duas sombras” - poesia de Olegário Mariano (1889-1958).

Estudos sistemáticos sobre qualquer aspecto da obra do maestro Hostílio Soares começam a surgir com o resgate e agrupamento de suas obras, dados biográficos e apre-sentações ao público de algumas de suas obras mais significativas, como: As Sete Palavras de Christus Cruxificatum, Missa São João Batista e Sinfonia Sirius, executadas, regidas e dirigidas pelos professores Oiliam Lanna5 e Arnon Sávio Reis de Oliveira6. Destacamos a dissertação de Arnon Sávio, na qual foi feito o primeiro estudo sobre o compositor, por meio da apresentação de sua biografia e da análise da obra As Sete Palavras de Christus Cruxificatum7.

Na dissertação de mestrado As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e pia-no – cinco peças em vernáculo8 fez-se o resgate desse álbum de canções, uma apresentação de todas as canções escritas pelo compositor mineiro e sua catalogação atualizada. Dada a expressão de Hostílio Soares no quadro musical de Minas Gerais, o resgate do Álbum con-tribuiu para a divulgação da obra deste compositor e professor junto ao público e profissio-nais da música.

Como ferramenta de análise musical foram utilizados os parâmetros sugeridos por LA RUE (1970)9 e para as análises literárias os parâmetros indicados por GOLDSTEIN (1989)10, adotados nas análises realizadas pelo Grupo de Pesquisa da UFMG “Resgate da Canção Brasileira”. Este grupo desenvolve metodologias próprias de estudo de relações texto-música, que têm sido aplicadas em disciplinas do curso de graduação da Escola de Música da UFMG e em trabalhos de pesquisa realizados nos níveis de iniciação científica, mestrado e doutorado (CASTRO; BORGHOFF; PEDROSA, 2003).

Destacamos o trabalho de pesquisadores, que, seguindo a proposta de pesquisa des-se grupo, vêm contribuindo para o resgate e pela divulgação das canções de câmara brasi-leiras. Tais como, PEIXOTO (2009) que realizou um estudo sobre três canções de Eunice Katunda (1915-1990), SANTOS (2009), com uma pesquisa sobre as Lendas Amazônicas de Waldermar Henrique (1905-1995). Bem como em PEREIRA (2012), com seu estudo sobre O Livro de Maria Sylvia, da compositora Helza Camêu (1903-1995), que também foi o tema de sua dissertação de mestrado. Em CHAVES (2012), foi realizada uma pesquisa sobre a peça “Valsa-vocalise” de Francisco Mignone (1897-1986), e em SILVA (2012) se analisou três can-ções do compositor Arthur Bosmans (1908-1991).

Para o estudo das canções do Álbum, o primeiro passo foi o acesso às partituras, as quais estão localizadas no Centro de Pesquisas Musicais da Escola de Música da Universidade Estadual de Minas Gerais. O trabalho começou com o registro fotográfico das peças: tal pro-cedimento é o mais indicado ao se lidar com manuscritos, pois as partituras já apontam iní-cio de desgaste físico, devido ao passar dos anos e do uso para leitura. Foram usadas luvas de plástico para manipulá-las, para evitar que os manuscritos fossem danificados pela gordura e o suor das mãos, e também para nos proteger de possíveis microrganismos.

Após serem fotografadas, as partituras foram copiadas para o computador. Este pro-cedimento de registro fotográfico permite que as peças sejam acessadas com a freqüência desejada e por várias pessoas ao mesmo tempo.

Foram encontradas duas versões distintas do Álbum, assim, denominadas versão 1 e versão 211. A versão 1 está escrita em papel vegetal, tem a assinatura do copista Afonso de Paula Silva (s.d.) e foi feita em Belo Horizonte. A versão 2, com exceção da peça “As duas

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

140

21_artigosombras”, também tem a assinatura do copista Afonso de Paula Silva e foi feita em Belo Horizonte. Até o momento não encontramos os manuscritos desta versão, somente tivemos acesso às suas fotocópias. Já a segunda versão da canção “As duas sombras” está impressa pela Casa Manon S. A.12 localizada na cidade de São Paulo. Ainda não se sabe por que só esta peça foi impressa nesta casa. No caso da peça “As duas sombras”, foram encontradas três versões. A versão 2 é, em grande parte, a mesma da versão 3, apenas com algumas alte-rações; já a versão 1 é muito distinta da versão 3 e, portanto, também da versão 2.

As principais diferenças entre as versões do Álbum consistem em acréscimo de no-tas — em alguns casos acarreta o acréscimo de uma nova voz no piano; mudanças de notas — com alteração da harmonia em alguns casos; acréscimo de indicações técnicas pianísti-cas, como utilizar a mão esquerda ou direita para executar determinado trecho; acréscimo de sinais de expressão, de sinais de dinâmica e de indicações interpretativas para o piano, como acionar o pedal; indicações de ornamentos. Na peça “As duas sombras”, na versão 1, há o acréscimo de um compasso com relação às versões 2 e 3; esse compasso finaliza uma frase, portanto, sua presença ou ausência não cria mudanças estruturais nas peças.

2. Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo

Ao final do estudo da obra para canto e piano de Hostílio Soares, percebe-se que as canções do Álbum se destacam das demais. Com exceção da peça O leque, são as únicas canções de câmara que não tiveram a letra escrita pelo próprio compositor. Além disso, a escrita musical das cinco peças do Álbum é mais complexa e elaborada do que a das demais canções de câmara. Apesar de não constar nas partituras a indicação do naipe vocal ideal para executar as peças, nota-se que a escrita é para vozes agudas, devido à tessitura em que se encontra a melodia do canto.

Após os estudos do Álbum, pode-se notar a existência de um fio narrativo entre as peças. No poema Livros e flores, o narrador, que é também o eu-lírico, demonstra seu amor por sua amada; ele está realizado e feliz com esse amor. Em Quando ela fala, o eu-lírico con-tinua apaixonado por sua amada e permanece feliz, mas já não está tão realizado como an-tes, pois pressente a perda de sua amada, perda esta que é confirmada no soneto À Carolina. Nesse poema, é retratada a perda da amada do eu-lírico que sofre profundamente. Sinos é uma elegia que dá continuidade ao poema À Carolina, pois se trata de um soneto construí-do sob uma ambientação fúnebre. Na finalização do ciclo, temos o poema As duas sombras, que narra o encontro de Amor e Saudade, que são os principais sentimentos presentes nos quatro primeiros poemas. A união desses sentimentos em As duas sombras sintetiza os cin-co poemas, uma vez que em Livros e flores e em Quando ela fala o amor é o sentimento re-gente, e em À Carolina e em Sinos é a saudade o sentimento pulsante na narrativa dos so-netos. Hostílio Soares, ao agrupar esses poemas em um álbum de canções, nos transmite a mensagem de que o amor e a saudade são sentimentos intrínsecos, inseparáveis; é um ciclo que trata do amor, desde a beleza de seu nascimento até a dor de sua perda.

3. O Álbum como um ciclo

Devido à existência desse fio narrativo entre as peças do Álbum, consideramos que esta obra se trata de um ciclo. Em Pereira (2007), há a seguinte definição de ciclo, na qual nos baseamos para definir o Álbum como tal:

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

141

21_artigoCiclo de canções – Série especial de canções, que apresenta um fio narrativo, uma temática unificadora, uma inter-relação entre as canções, como, por exemplo, uma história a ser contada com início, meio e fim. A temática unificadora ou o fio narra-tivo não implicam necessariamente na escolha de textos de um mesmo poeta. Aliás, a escolha de texto de poetas diferentes, obedecendo a uma temática, pode fortalecer a idéia de uma linha central que “costura” – que une – essas canções. O ciclo pode se caracterizar também pela unidade temática advinda de procedimentos musicais, como relações tonais entre as canções; passagens, motivos e canções recorrentes; e estruturas formais, por exemplo. Este fio narrativo pode vir só de procedimentos mu-sicais ou textuais, bem como de ambos, combinados. (p. 32-33)

A parte musical das canções do Álbum também reforça a ideia de que fazem parte de um ciclo, como poderá ser visto abaixo na análise musical sugerida por Jan La Rue13, no parâmetro Crescimento, em que ele apresenta o tópico das considerações de larga escala na macro-estrutura da obra, no caso de ciclos ou série de canções agrupadas. Essa análise per-mite que o intérprete busque pela relação existente entre as peças de uma obra.

4. Análise musical

4.1 Parâmetro crescimento

Notamos um agrupamento entre as canções de andamentos próximos. As duas pri-meiras canções têm andamentos mais rápidos, enquanto que as três últimas têm o anda-mento mais lento. Há uma ruptura entre esses agrupamentos das canções entre “Quando ela fala” e “À Carolina”. A segunda canção do Álbum termina em Tempo de Tango enquanto que a terceira tem andamento de Adagio. Apesar desta mudança, Hostílio Soares escreve na canção “Quando ela fala” nove compassos em andamento Lento. Tal procedimento prepara o ouvinte e intérprete também para a mudança futura na próxima peça.

“Livros e flores” > Tempo de Habanera“Quando ela fala” > Tempo de Tango/Lento/Iº Tempo“À Carolina” > Adagio“Sinos” > Larghetto“As duas sombras” > Lento/Moderato/Andante/Andante molto/Lento

Apesar de não estarem todas as peças escritas em tonalidades maiores, todas elas terminam em tonalidades maiores, no caso daquelas que estão em tonalidades menores, suas terminações são em acordes maiores, graças à “Terça de picardia”.

“Livros e flores” > Dó Maior“Quando ela fala” > Sol Maior/Si bemol Maior/Sol Maior“À Carolina” > Fá Maior“Sinos” > Lá menor (Lá Maior > “Terça de picardia” no final)“As duas sombras” > Sol menor/Dó Maior/Sol menor (Sol Maior > “Terça de picar-

dia” no final)

Sobre a textura, nas cinco canções do Álbum, a escrita é para canto e piano, e em todas, estes instrumentos executam as mesmas funções. O piano, além da função de acom-panhar o canto, também executa vozes independentes ao canto, enquanto que este último

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

142

21_artigomantém seu papel de narrar o texto das canções através da melodia. Com relação à dinâmi-ca e ao âmbito de intensidades, em todas as peças, encontramos as mesmas indicações de dinâmica, de piano a forte, crescendo e diminuendo.

4.2 Parâmetros Melodia e Ritmo: Intertextualidade musical

Dentro da análise dos parâmetros Melodia e Ritmo, de Jan La Rue, foi incluída pelo grupo de pesquisa Resgate da Canção Brasileira14 a análise intertextual musical, que tam-bém será acrescentada em nossa análise.

Encontramos nas peças do Álbum elementos unificadores desta obra, como é o caso de citações de motivos de outras peças deste álbum. Um exemplo desta intertextualidade está na peça “Quando ela fala”, na qual há uma citação do motivo principal da peça “As duas sombras”, como é possível observar nas partituras abaixo.

“Quando ela fala”:

Exemplo 1: “Quando ela fala”, compassos 9-12. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“As duas sombras”:

Exemplo 2: “As duas sombras”, compassos 1 e 2. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

Em “Sinos”, há a antecipação das quiálteras de “As duas sombras”.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

143

21_artigoSinos:

Exemplo 3: “Sinos”, compasso 1. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“As duas sombras”:

Exemplo 4: “As duas sombras”, compasso 60. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

Em “À Carolina” e em “Sinos”, há a presença de quiálteras de seis tempos na escri-ta para o piano.

“À Carolina”:

Exemplo 5: “À Carolina”, compassos 1 e 2. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“Sinos”:

Exemplo 6: “Sinos”, compassos 13 e 14. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

144

21_artigoUma mesma célula rítmica sincopada está presente em três das cinco canções:

“Livros e flores”, “Quando ela fala” e “As duas sombras”. Tal célula rítmica é de fundamen-tal importância nessas peças, pois define o ritmo das canções.

“Livros e flores”:

Exemplo 7: “Livros e flores”, compassos 11 e 12. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“Quando ela fala”:

Exemplo 8: “Quando ela fala”, compassos 21-24. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“As duas sombras”:

Exemplo 9: “As suas sombras”, compassos 50-52. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

O cromatismo é também um elemento unificador do Álbum, pois está presente em todas as peças de forma significativa, bem como em toda a obra de Hostílio Soares, sendo, portanto, uma das características desse compositor.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

145

21_artigo“Livros e flores”:

Exemplo 10: “Livros e flores”, compasso 7. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“Quando ela fala”:

Exemplo 11: “Quando ela fala”, compassos 1-4. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“À Carolina”:

Exemplo 12: “À Carolina”, compassos 11 e 12. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“Sinos”:

Exemplo 13: “Sinos”, compassos 15 e 16. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

146

21_artigo“As duas sombras”:

Exemplo 14: “As duas sombras”, compassos 50-52. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

Ainda com relação ao cromatismo, há uma característica comum em “Livros e flo-res”, “Quando ela fala” e em “Sinos”, que é a finalização de frases da linha do canto com melodia ascendente cromática.

“Livros e flores”:

Exemplo 15: “Livros e flores”, compassos 13 e 14. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

“Quando ela fala”:

Exemplo 16: “Quando ela fala”, compassos 46 e 47. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

147

21_artigo“Sinos”:

Exemplo 17: “Sinos”, compassos 7-9. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

5. As canções do Álbum

5.1 “Livros e flores”Autor da Letra: Machado de Assis

“Livros e flores” é a primeira das cinco canções do álbum de Hostílio Soares. O poema Livros e flores é de Machado de Assis e foi publicado no livro “Falenas”, em 1870. O eu-lírico do poema tem o amor correspondido por sua amada: ao dizer, na primeira estro-fe, que os olhos da sua amada são seus livros, ele demonstra poder ver nestes olhos o amor, sendo eles o melhor livro onde se pode lê-lo. Na segunda estrofe, o eu-lírico compara os lá-bios da sua amada às flores: diz não existir melhor lugar para se beber o bálsamo do amor do que nos lábios dela. Na última estrofe, há uma predominância da consoante b, consoante bilabial, ligando o efeito sonoro do fonema/b/às palavras ‘lábios’, ‘beba’ e ‘bálsamo’, que pos-suem relação com a boca, com os lábios.

A predominância de paralelismos, ou seja, de repetições simétricas de palavras, es-truturas sintáticas, estruturas rítmico-métricas ou conteúdos semânticos, no poema Livros e flores se apresenta desde a construção sintática até o posicionamento de palavras da mesma categoria gramatical. Hostílio Soares obedece à forma do poema Livros e flores ao compor a canção homônima, que é pequena, considerando-se o número de compassos, dezessete ao todo. São duas seções, em que há uma correspondência estrutural direta entre os versos e as semi-frases e entre as estrofes e os períodos.

A canção é tonal, tendo sido escrita em Dó Maior. Hostílio inverte a posição dos substantivos e seus respectivos pronomes do primeiro verso; no original temos: “Teus olhos são meus livros” e o compositor o substituiu por “Meus livros são teus olhos”. A voz execu-ta a melodia principal, acompanhada pelo piano, o qual, no primeiro compasso, apresenta um motivo rítmico e melódico que será repetido durante toda a peça. Nos compassos 4 e 5, Hostílio escreve uma linha melódica vocal ascendente, reforçando a pergunta do poema “Que livro há aí melhor...?”.

Um dos elementos que caracteriza o contraste entre as duas seções é a linha meló-dica vocal, que inicia a seção 2 em tempo tético e não em anacruse como na seção 1. Uma possível explicação para essa alteração é a prosódia da palavra ‘flores’, a primeira palavra da seção 2, que possui o acento tônico na primeira sílaba. Como de costume, o compositor respeitou a prosódia ao compor a melodia, assim, iniciou a segunda seção em tempo téti-co, como o fez o poeta Machado de Assis na segunda estrofe do poema. A articulação entre

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

148

21_artigoas duas seções é caracterizada por uma mudança na textura do piano, que assume o papel de instrumento solista, imitando a melodia que a voz executou anteriormente. Nos últimos compassos da canção, o compositor pede ao intérprete uma inversão da dinâmica natural da voz, que é soar mais na região aguda e menos na região grave, colocando como indicação de dinâmica, piano no agudo e forte no grave ou região média.

5.2 “Quando ela fala”Autor da Letra: Machado de Assis

“Quando ela fala” é a segunda das cinco canções do álbum de Hostílio Soares. De acordo com fontes pesquisadas15, o poema Quando ela fala de Machado de Assis, foi escrito para sua esposa Carolina. Este poema foi publicado no livro “Falenas”, em 1870. O eu-lírico declara durante todo o poema seu amor pela amada e insiste no encanto da maneira de ela falar. O poema nos remete a um ambiente celestial pelas alusões que faz e por seus versos de aspirações e felicidade, que são interpretados em parte por Hostílio com estes mesmos sentimentos. O resultado é uma canção alegre, ágil, leve e sonhadora.

O compositor repete alguns versos do poema na primeira e última estrofe, não se-guindo, além disso, a métrica exata do mesmo, pois aumenta o número de sílabas de alguns versos, optando por não fazer algumas elisões. A prosódia é respeitada ao longo da canção, com exceção das palavras ‘conseguira’ e ‘alçá-la’, sendo importante que o intérprete tenha o cuidado de acentuar as sílabas tônicas destas palavras, mesmo que com isso resulte um deslocamento da acentuação métrica do compasso.

Hostílio Soares obedece à forma do poema ao compor esta canção: há correspon-dência entre os versos do poema e as semi-frases musicais, com algumas exceções. A voz executa a melodia principal acompanhada pelo piano, que apresenta uma escrita densa, em contraponto a quatro vozes. A análise harmônica da canção revelou uma forte tendên-cia do compositor em utilizar apojaturas de quartas, sextas, sétimas e nonas. O andamento inicial é de Tempo de Tango: um andamento Moderato que dá à peça um caráter ágil e leve. Em outro momento, Hostílio indica o andamento Lento, o qual deixa a canção mais calma e romântica.

Quando são cantadas as palavras ‘emudece’ e ‘cala’, o compositor indica uma dinâ-mica mais piano, o que resulta em um sussurro do canto, que interpreta o silêncio da bri-sa e dos anjos, como escreve o poeta. O verso “Quando ela fala” é repetido por Machado de Assis muitas vezes em seu poema. Hostílio segue o poema original e destaca essa caracte-rística em sua música ao prolongar as notas nas quais está disposta a palavra ‘fala’, fato este que se pode interpretar como o desejo do eu-lírico em ouvir eternamente a voz da amada. É desejável que o intérprete enfatize tal palavra, destacando-a entre as demais.

5.3 “À Carolina”Autor da Letra: Machado de Assis

“À Carolina” é a terceira das cinco canções do álbum de Hostílio Soares. Machado de Assis escreveu o soneto À Carolina em homenagem à sua esposa Carolina que acabara de falecer16. É uma declaração de amor do poeta à sua amada. Em determinados momentos do poema, é utilizada a primeira pessoa do singular, como no verso 12: “Que eu, se tenho nos olhos malferidos”. O poema é denso e triste, retratando a perda sofrida pelo autor.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

149

21_artigoHostílio Soares escreve a canção “À Carolina” na tonalidade de Fá Maior, em com-

passo quaternário simples e no andamento Adagio. O piano permanece durante quase toda a peça, exceto nos três últimos compassos, em quiálteras de seis semicolcheias na mão direita, formando arpejos melódicos que criam uma leveza na peça, em contraste com a mão esquer-da, cuja linha melódica é densa. Na pauta inferior há três diferentes vozes, sendo que na do meio há um motivo recorrente em toda a peça. O percurso harmônico da peça é Fá Maior > Ré menor > Mi menor > Fá Maior > Fá menor > Fá Maior, que, após a passagem pelo homô-nimo menor, só retorna à tonalidade inicial no último compasso. Como nas peças anterio-res do Álbum, há uma correspondência direta entre a estrutura do soneto e a da canção: os versos correspondem às frases musicais e as estrofes correspondem aos períodos da canção.

O compositor segue a estrutura original do poema de Machado de Assis, apenas modificando o verso 8 ao repetir as palavras finais: “um mundo inteiro”. A prosódia é res-peitada ao longo da canção, no entanto, há duas exceções: as palavras ‘aqui’ (verso 3) e ‘pen-samentos’ (verso 13), nas quais Hostílio desloca o acento rítmico natural, colocando-o em sílabas que deveriam ser átonas. Nestas palavras, o intérprete deve seguir a prosódia e não a métrica do compasso. Há no compasso 34 duas opções de notas para as sílabas finais da palavra ‘formulados’. Nossa sugestão é que o intérprete opte pelas notas mais graves, que nos dois casos é a nota dó3, pois se cantando tal nota transmite-se uma sensação de peso, densidade, sugerida pela canção.

5.4 “Sinos”Autor da Letra: Carmem Melo

“Sinos” é a quarta das cinco canções do álbum de Hostílio Soares. No poema Sinos, os versos nos sugerem tratar-se de sinos de igreja por citar elementos sacros, como os cilí-cios, os ascetas e os hinos. Para o narrador, as canções dos sinos são canções tristes e que amenizam as tardes, sendo os sinos caracterizados como instrumentos que sempre remetem as pessoas a lembranças tristes, saudosas e que fazem parte de ambientes de dor, de sacri-fícios e de mágoas. O narrador descreve os sinos como um poema de tristeza e de sonhos perdidos. A canção “Sinos” soa como uma marcha fúnebre, devido à presença recorrente de um motivo característico de marchas fúnebres:

Exemplo 18: “Sinos”, compasso 1. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

Além desse motivo, há outros que ilustram diferentes sinos, desde os pequenos de sons agudos, até os maiores com sonoridade médio-grave e majestosa. A harmonia da peça oscila entre Lá menor e Lá Maior, apresentando, em alguns pontos, passagens por outras to-nalidades, como Mi menor, Mi Maior, Ré menor, Fá sustenido menor e Fá Maior, mas sem modulações. A melodia do canto é independente da parte do piano — a voz soa como a de um narrador, enquanto o piano soa como os sinos durante a peça. Mais uma vez há uma correspondência direta entre a forma do soneto e a forma da canção, que pode ser dividida em três seções, tendo como principal elemento contrastante entre elas a escrita do piano.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

150

21_artigoNa primeira seção, o piano executa acordes e o motivo principal da canção. Na

segunda seção, a escrita para o piano realiza uma imitação do som de sinos agudos e, na terceira seção, há uma alternância entre acordes graves e acordes arpejados em tessitura aguda, criando para o ouvinte a imagem de sinos maiores; além disso, nota-se a presença contínua do motivo fúnebre.

Hostílio Soares não altera a forma original do poema ao escrever a canção. A pro-sódia é respeitada ao longo da canção, no entanto há como exceção a palavra ‘cristalinos’ (verso 6). Nas palavras ‘quietas’ (verso 2), ‘destinos’ (verso 4), ‘cristalinos’ (verso 6) e ‘secre-tas’ (verso 8), dispostas nos finais de versos, o compositor coloca as suas últimas sílabas átonas no início do compasso, ou seja, no tempo forte. É importante, portanto, que o can-tor não acentue essa sílaba átona, mesmo que isso resulte em deslocamento da métrica do compasso.

5.5 “As duas sombras”Autor da Letra: Olegário Mariano

“As duas sombras” é a quinta e última das cinco canções do álbum. O poema é construído com a apresentação de três personagens no decorrer do texto, que são um nar-rador e duas sombras. O narrador, personagem que inicia o poema, é um observador que conta uma história. Ele também é o personagem que termina o poema. A primeira sombra se apresenta para a segunda sombra como sendo o Amor: um ser iluminado, forte, desejado. A segunda sombra se apresenta como sendo a Saudade, um ser presente na tristeza e sofri-mento das pessoas, e diz pertencer ao Amor como uma “flama do teu incêndio” (versos 10 e 11). Após esse encontro, o Amor e a Saudade se tornam dois sentimentos intrínsecos um do outro, mas ao mesmo tempo distintos.

Hostílio Soares também não altera nessa canção a forma original do poema. Mais uma vez a prosódia é respeitada ao longo da canção, exceção feita à palavra ‘devora’, no fi-nal do verso 11, sendo importante, portanto, que o cantor não acentue esta sílaba átona. Há na canção um motivo recorrente, formado por graus conjuntos em figuras de semicolcheias:

Exemplo 19: “As duas sombras”, compasso 1. Copyright 2010 Márcia Maria Reis Teixeira.

O percurso harmônico é Sol menor > Ré Maior > Sol Maior > Dó Maior > Lá me-nor > Lá Maior > Sol menor > Sol Maior. Durante a canção, há duas mudanças na arma-dura de clave: na modulação para Dó Maior e no retorno à tônica inicial. Hostílio segue a forma do poema ao compor a canção, mas não há uma correspondência fiel em toda a estru-tura. A peça pode ser dividida em quatro seções, correspondendo essa divisão à mudança do personagem que está se apresentando no poema: na primeira seção, quem canta é o nar-rador; na segunda seção, o Amor; na terceira, a Saudade; e, na última, outra vez o narrador. Nas mudanças de seção, há também mudança de andamento e armadura de clave, contri-buindo tais elementos para criar um novo caráter a cada seção.

Na segunda seção, quando o Amor se apresenta para a Saudade, Hostílio representa o caráter do sentimento descrito no poema através de células rítmicas curtas, de andamen-

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

151

21_artigoto mais movido e tonalidades em modo Maior. O resultado obtido é a sensação de um senti-mento avassalador, ansioso, tal como o amor. Quando a Saudade se apresenta, o compositor utiliza um andamento mais lento, tonalidade em modo menor e ritmo sincopado. Tais ele-mentos tornam essa seção mais melancólica, retratando a maneira como a Saudade se des-creve. A presença do ritmo sincopado nessa parte da canção cria uma sensualidade inédita até então, e que será retomada no final da última seção.

6. Modelo de Análise Musical

Abaixo, apresentamos sumariamente o modelo da análise musical sugerida por La Rue:

– Ambiente composicional (Background).– Observação geral dos 3 níveis estruturais ou 3 dimensões padrão – nível ima-

nente: macro-estrutural, meso-estrutural e micro-estrutural.– Observação dos parâmetros SHRMC (Som, Harmonia, Ritmo, Melodia e Cresci-

mento) nos níveis meso e microestruturais da obra.• Som: timbre, textura ou fabrico e dinâmica• Harmonia• Ritmo• Melodia• Crescimento

– Considerações de larga escala na macro-estrutura (caso de ciclos ou série de can-ções agrupadas):• Fontes de Movimento (graus de mudança e sua freqüência)• Fontes de Contorno (forma)

Conclusão

Esse artigo não teve como objetivo comprovar a qualidade da obra do compositor Hostílio Soares, pois isso já é fato, dadas as premiações conquistadas por ele, os depoimen-tos de quem o conheceu e, o principal, as execuções de suas peças. O presente trabalho teve como principal objetivo a propagação da obra desse compositor, em especial de suas canções.

O estudo do Álbum nos revelou que esta obra se trata de um ciclo, não uma série, como se acreditava no início das pesquisas, graças a elementos musicais unificadores e à existência de um fio narrativo entre os cinco poemas, nos quais o amor é o tema central. E nos revelou a destreza e o cuidado de um grande compositor e poeta com as palavras de cada um dos poemas escolhidos por ele para compor as cinco canções do Álbum. Cada eta-pa que aprofundávamos no seu estudo, nos fazia entender o mérito dessa obra digna de premiação.

Há ainda uma infinidade de temas a serem pesquisados na obra de Hostílio Soares, tendo sido esse artigo apenas um dos primeiros passos, assim como as duas dissertações de mestrado realizadas até então. O próprio Álbum ainda oferece muitas possibilidades de fu-turas pesquisas, dentre elas o estudo das versões encontradas, pois, apesar de apresentadas aqui as principais diferenças entre elas, não nos aprofundamos nesse assunto. Além disso,

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

152

21_artigoas trinta e quatro canções restantes de Hostílio Soares, catalogadas até o momento, foram apenas brevemente estudadas e apresentadas na dissertação As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo, e estão, portanto, à espera de novos descobridores.

Notas

1 Compositor, regente e professor, Antônio Francisco Braga nasceu no Rio de Janeiro, no dia 15 de abril de 1868. Faleceu nesta mesma cidade, no dia 14 de março de 1945. Aluno de Massenet (1842-1912), foi o regente do concerto de inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909. Foi professor do Instituto Nacional de Música. Em 1905, compôs o Hino à Bandeira, cujos versos são de Olavo Bilac (1865-1918). Compôs óperas e canções para canto e piano. Presidente perpétuo da Sociedade Pró-Música e fundador do Sindicato dos Músicos, Francisco Braga foi escolhido como Patrono da Cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Música.

2 O Conservatório Mineiro de Música passou a se chamar Escola de Música da UFMG em 1972.3 No ano de 1965, a Universidade do Brasil transformou-se em Universidade Federal do Rio de Janeiro.4 Doravante, usarei o nome Álbum para me referir ao Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo.5 Natural de Visconde do Rio Branco, o compositor e professor Oiliam Lanna trabalhou diretamente com Hostílio

Soares, sendo um dos grandes incentivadores da divulgação de sua obra.6 Foi o responsável pelo primeiro trabalho de levantamento histórico sobre o compositor Hostílio Soares em sua

dissertação de mestrado. Atualmente é professor da Escola Superior de Música da Universidade Estadual de Minas Gerais. Atua como regente de vários coros de Belo Horizonte, dentre eles o coro Madrigale.

7 OLIVEIRA, Arnon Sávio Reis de. Hostílio Soares: As Sete Palavras de Christus Cruxificatum - Edição Crítica. Dissertação de Mestrado. 2001. Centro de Letras e Artes da Universidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UNI-RIO 2001. 122p.

8 TEIXEIRA, Márcia Maria Reis. As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e piano – cinco peças em verná-culo. Dissertação de Mestrado. 2010. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. 187p.

9 Os parâmetros são: som, harmonia, melodia, ritmo e crescimento.10 Parâmetros relacionados aos aspectos formais e aos aspectos da linguagem nos níveis lexical, semântico e sintá-

tico.11 TEIXEIRA, Márcia Maria Reis; BORGHOFF, Margarida UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. As

canções de Hostílio Soares: álbum para canto e piano - cinco peças em vernáculo. 2010. 119 f. Dissertação (Mes-trado em Música) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Música, Belo Horizonte, 2010.

12 A Casa Manon S. A., existente até os dias de hoje, foi fundada em 2 de abril de 1917 pelos músicos Henrique Fac-chini, flautista, e Dante Zanni, violinista, que por serem admiradores da ópera Manon, de Massenet, decidiram dar o nome à loja em homenagem à obra deste compositor. Atualmente a Casa Manon atua na área de venda de instrumentos e acessórios musicais.

13 LA RUE, Jan. Guidelines for Style Analysis. New York: W.W. Norton and Company, 1970.14 Grupo de Pesquisa Resgate da Canção Brasileira da Escola de Música da UFMG, criado em 2003, reúne profes-

sores de diferentes áreas desta Universidade, interessados pela canção de câmara brasileira.15 Academia Brasileira de Letras. Conferencista: Professor Cláudio Murilo Leal. Tema: A vocação narrativa da po-

esia de Machado de Assis. 2000. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=machadodeassis&infoid=265&sid=37> Acesso em: 5 ago. 2009.

GONÇALVES, Fabiana. Machado de Assis e seus versos: um passeio guiado pelo instinto de americanidade. XI Congresso Internacional da ABRALIC: Tessituras, Interações, Convergências. São Paulo. USP. Disponível em: <http://www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/074/FABIANA_GONCALVES.pdf>Acesso em: 5 ago. 2009.

16 SALGADO, João Amílcar. Machado de Assis, Minas e a história da medicina. Belo Horizonte. Disponível em: <www.medicina.ufmg.br/cememor/arquivos/machadodeassis.pdf> Acesso em: 5 ago. 2009.

SONETO “A Carolina” foi o último escrito por Machado de Assis; leia poema. Folha Online, São Paulo, 22 setem-bro 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u447990.shtml>. Acesso em: 30 dez. 2009.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

153

21_artigoReferências

CAMPOS, Geir. Pequeno Dicionário de Arte Poética. 4. ed. revista e aumentada: Rio de Janeiro: Ediouro, 1989.

CASTRO, Luciana Monteiro de; BORGHOFF, Margarida Maria; PEDROSA, Mônica. Em defe-sa da canção de câmara brasileira. In: Per Musi: Revista de Performance Musical, v.8. Belo Horizonte: Escola de Música da UFMG, 2003.

CHAVES, Patrícia Cardoso; DUTRA, Luciana Monteiro de Castro Silva. O vocalise no repertó-rio artístico brasileiro: aspectos históricos, catálogos de obras e estudo analítico da obra Valsa-vocalise de Francisco Mignone. Dissertação de Mestrado. 2012. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2012. 107f.

DICIONÁRIO Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001. 5 v.

DUTRA, Luciana Monteiro de Castro. Crepúsculo de Outono op. 25 n. 2 para Canto e Piano de Helza Camêu: Aspectos Analíticos, Interpretativos e Biografia da Compositora. Dissertação de Mestrado. 2001. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 214p.

ENCICLOPÉDIA Barsa Universal. São Paulo: Barsa Planeta, 2007. 18 v.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.

FINALE 2009: installation and tutorials: for windows and macintodh. Eden Prairie, Mn.: Makemusic, 2008.

FRANÇA, Júnia Lessa, et al. Manual para Normalização de publicações técnico-científicas. 8. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. 9. ed. São Paulo: Ática, 1995.

LA RUE, Jan. Guidelines for Style Analysis. New York: W.W. Norton and Company, 1970.

MED, Bohumil. Teoria da música. 4. ed. rev. e ampl. Brasília, CF: Musimed, 1996

OLIVEIRA, Arnon Sávio Reis de. Entrevista de Márcia Maria Reis Teixeira em 6 de maio de 2010. Belo Horizonte. Gravação em cassete. Escola de Música da Universidade Estadual de Minas Gerais.

. Hostílio Soares: As Sete Palavras de Christus Cruxificatum - Edição Crítica. Dissertação de Mestrado. 2001. Centro de Letras e Artes da Universidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UNIRIO 2001. 122p.

. O catálogo de obras de Hostílio Soares. Per Musi. Belo Horizonte, v.5/6, 2002. p. 167-175.

OLIVEIRA, Patrícia Valadão Almeida de Entrevista de Márcia Maria Reis Teixeira em 12 de maio de 2010. Belo Horizonte. Gravação em cassete. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

PASCHOALIN, Maria Aparecida; SPADOTO, Neuza Terezinha. Gramática Teoria e Exercícios. São Paulo: FTD S.A., 1989.

PEREIRA, Marcus Vinicius Medeiros. O livro de Maria Silva, op. 28, para canto e piano, de Helza Camêu (1903-1905): uma análise interpretativa. Belo Horizonte: Escola de Música da UFMG, 2007 (Dissertação de mestrado).

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

154

21_artigo . Maria Sylvia Pinto: dos traços biográficos à sua importância para a canção de câma-ra brasileira. In: Per Musi: Revista de Performance Musical, n.26. Belo Horizonte: Escola de Música da UFMG, 2012.

PEIXOTO, Melina de Lima; BORGHOFF, Margarida UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. A obra para canto e piano de Eunice Katunda: três momentos. Dissertação de Mestrado. 2009. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2009. 129f.

SADIE, Stanley (ed.). Dicionário Grove de música. Edição concisa. Trad. Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

SANTOS, Isabela de Figueiredo; BORGHOFF, Margarida UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Lendas Amazônicas de Waldemar Henrique: um estudo interpretativo. Dissertação de Mestrado. 2009. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2009. 107f.

SILVA, Lígia Ishitani; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. Um olhar interpretativo para as canções de Arthur Bosmans. Dissertação de Mestrado. 2012. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2012. 149f.

TEIXEIRA, Márcia Maria Reis. As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e piano – cinco peças em vernáculo. Dissertação de Mestrado. 2010. Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. 187p.

Documentos eletrônicos

LEAL, Cláudio Murilo. A vocação narrativa da poesia de Machado de Assis. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. 2000. Disponível em: <www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgi-lua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=machadodeassis&infoid=265&sid=37> Acesso em: 5 ago. 2009.

GONÇALVES, Fabiana. Machado de Assis e seus versos: um passeio guiado pelo instinto de ame-ricanidade. In: Congresso Internacional da ABRALIC: Tessituras, Interações, Convergências, 11, São Paulo. Disponível em: <www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/074/FABIANA_GONCALVES.pdf> Acesso em: 5 ago. 2009.

SALGADO, João Amílcar. Machado de Assis, Minas e a história da medicina. Belo Horizonte. Disponível em: <www.medicina.ufmg.br/cememor/arquivos/machadodeassis.pdf> Acesso em: 5 ago. 2009.

Site da Escola de Música da UFRJ. Disponível em: <http://www.musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&task=view&id=59&Itemid=94> Acesso em: 15 out. 2009.

Site da loja de instrumentos Manon S. A. Disponível em: <http://www.casamanon.com.br/> Acesso em: 16 out. 2009.

Site da Sociedade Teosófica no Brasil. Disponível em: <http://www.sociedadeteosofica.org.br> Acesso em: 16 nov. 2009.

SONETO “A Carolina” foi o último escrito por Machado de Assis; leia poema. Folha Online, São Paulo, 22 setembro 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u447990.shtml>. Acesso em: 30 dez. 2009.

TEIXEIRA, M. M. R.; SANTOS, M. C. C. O Álbum para Canto e Piano – Cinco Peças em Vernáculo de Hostílio Soares.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 138-155

155

21_artigoPartituras

SOARES, Hostílio; ASSIS, Machado de. “Á Carolina” (versão 1): álbum para canto e piano - cin-co peças em vernáculo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “À Carolina” (versão 2): álbum para canto e piano - cinco peças em vernáculo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “Livros e flores” (versão 1): álbum para canto e piano - cinco peças em vernácu-lo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “Livros e flores” (versão 2): álbum para canto e piano - cinco peças em vernácu-lo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “Quando ela fala” (versão 1): álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “Quando ela fala” (versão 2): álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; MARIANO, Olegário. “As duas sombras” (versão 1): álbum para canto e piano - cinco peças em vernáculo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “As duas sombras” (versão 2): álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [1937].

; . “As duas sombras” (versão 3): álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [1937].

; MELO, Carmem. “Sinos” (versão 1): álbum para canto e piano - cinco peças em verná-culo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

; . “Sinos” (versão 2): álbum para canto e piano - cinco peças em vernáculo. Para canto e piano. Partitura. Belo Horizonte: manuscrito, [19–].

Márcia Maria Reis Teixeira - Graduada em Canto e Mestre em Performance Musical pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduanda em Medicina pela Faculdade de Medicina de Barbacena. Professora de educação musical infantil na rede privada de ensino em Barbacena/MG.

Mauro Camilo de Chantal Santos - Graduado em Canto e Piano e Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Música pela Universidade Estadual de Campinas. Professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

156

22_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

Abordagem Histórica das Técnicas estendidas para o saxofone

Kleber Dessoles Marques (Escola Técnica de Artes / Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL)[email protected]

Resumo: Este artigo apresenta um apanhado histórico das técnicas estendidas, no repertório de música de concerto para o saxofone, desde o início do século XX até os dias de hoje. A metodologia constou de pesquisa bibliográfica e documental. A primeira parte aborda obras, compositores e performers que influenciaram diretamente na ampliação do repertório saxofonístico. A segunda parte traz uma discussão sobre as técnicas estendidas e o saxofone, com en-foque nas publicações com fins didáticos sobre as técnicas estendidas para o instrumento. Concluiu-se que a siste-matização do ensino de tais técnicas pode ter influenciado compositores e performers a utilizarem tais aspectos idio-máticos do instrumento.Palavras-chave: Saxofone; Técnicas Estendidas; Performance.

Historical Approach of Extended Techniques for the SaxophoneAbstract: This article presents a brief history of extended techniques found within concert saxophone repertoire, from the beginning of the 20th century until today. The methodology utilized consisted of bibliographical and docu-mented research. The first part discusses works, composers, and performers who directly influenced the growth of saxophone repertoire. The second part opens up a debate about extended techniques and the saxophone, focusing on educational publications that deal with extended techniques on the instrument. We’ve concluded that the sys-temization of teaching such techniques may have influenced composers and performers to utilize these idiomatic aspects of the instrument.Keywords: Saxophone; Extended Techniques; Performance.

1. Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado em música, mais abrangente, que tem como objetivo elucidar questões performáticas do uso de técnicas estendidas em músicas compostas por meio de colaboração compositor-performer. O texto a seguir apre-senta um apanhado histórico da utilização de técnicas estendidas, no repertório de música de concerto, para o saxofone desde o início do século XX até os dias de hoje. Para tanto, fo-ram utilizadas pesquisas bibliográficas e documentais dos principais libretos, livros e mé-todos sobre as técnicas estendidas para o saxofone acreditando que, a sistematização do en-sino dessas técnicas em livros e manuais, dentre outros fatores, possam ter influenciado, de forma significativa, instrumentistas e compositores a tocarem e incluírem em suas compo-sições tais aspectos idiomáticos do instrumento.

O documento a seguir reúne fatos históricos que margeiam a inserção das técnicas estendidas para o saxofone no repertório de música de concerto.

2. Repertório Clássico para o Saxofone

O Saxofone é um instrumento de sopro, da família das madeiras, que utiliza boqui-lha e uma palheta simples para a produção do som, acoplados a um corpo metálico, em for-ma de cone, para a ampliação, projeção e definição das alturas sonoras. Foi inventado por volta de 1840, pelo belga Adolphe Sax, e logo passou a ser usado nas bandas militares por se mostrar mais eficaz, quanto ao volume de som, que os oboés e os fagotes utilizados à época. (RAUMBERG; VENTZKE, 2013).

Recebido em: 02/06/2014 - Aprovado em: 02/08/2014

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

157

22_artigoNa música de concerto, o saxofone foi introduzido em 1844, na ópera bíblica Le

Dernier Roi de Juda, do compositor francês Georges Kastner (1810-1867). Na ocasião, o com-positor utilizou o saxofone baixo em dó, tipo raro de saxofone, não mais fabricado hoje. Mais tarde, começou-se a utilizar os outros membros da família do saxofone, em especial o saxofo-ne alto, com maior notoriedade em solos como os do Hamlet (1868) e da L’Arlésiense (1872), dos também franceses Ambroise Thomas (1811-1896) e George Bizet (1838-1875), respectivamente.

Desde então, o saxofone vem ganhando popularidade e ampliando seu repertório, tanto na música sinfônica quanto na música solista ou de câmara, de maneira que mui-tos compositores passaram a escrever obras importantes que utilizaram o instrumento de forma bem marcante. Dentre estas, pode-se destacar a Rhapsodie (1904) para Orquestra e Saxofone de Claude Debussy, o Romeu e Julieta (1936) de Sergei Prokofiev, o Concerto para Violino (1935) de Alban Berg, o Quarteto Op. 22 de Anton Webern, o Gruppen (1955-57) de Karlheinz Stockhausen, a West Side History (1961) de Leonard Bernstien, o Uirapuru (1917) de Heitor Villa-Lobos, a Sequenza IXb (1980) de Luciano Berio, o Bolero (1928) de Maurice Ravel, o American in Paris (1928) de George Gershwin, a Sinfonia no. 1 (1933) de Aaron Copland, o The Wooden Prince (1914-16) de Béla Bartók e a Neues vom Tage (1929) de Paul Hindemith, dentre muitos outros.

Do repertório que utiliza princípios estéticos mais tradicionais, podem-se destacar obras importantes para a história e mesmo para afirmação do saxofone como concertista. Dentre estas, podemos citar: o Concerto em Eb (1933) do compositor russo Alexander Glasunov (1865-1936), escrito para saxofone alto em Eb e orquestra de câmara, dedicado a Sigurd Raschèr1; o Concertino da Câmara (1938) do compositor francês Jacques Ibert (1890-1962), escrito em dois movimentos para saxofone alto solista, acompanhado por uma pequena orquestra de cordas e sopros (flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa e trompete), também dedicada a Sigurd Raschèr; e a Fantasia (1948) do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1958), escrita para saxofo-ne soprano em Bb e orquestra de câmara e duas trompas, dedicada a Marcel Mule2.

Nos anos 80, a música para saxofone solo ganhou grande visibilidade, princi-palmente na França, graças ao Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique (IRCAM), grupo criado e coordenado por Pierre Boulez3 no final da década de 1970, um es-túdio de música computadorizada com a finalidade de “trazer a ciência e a arte juntas, a fim de ampliar a instrumentação e rejuvenescer a linguagem musical” (IRCAM, 200?, p,8; GRIFFITHS; SANTARRITA; BRANDÃO, 1995, p. 29). Essa ampliação do próprio concei-to de música trouxe consigo a necessidade de potencializar o aprimoramento dos instru-mentos musicais, bem como a expansão das possibilidades técnicas de tocá-los. Assim, co-meçou-se a escrever não mais apenas para o saxofone alto, mas também para o restante da família, com destaque para as vozes extremas como o saxofone baixo em Bb e saxofone so-pranino em Eb. (CHATEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990, p. 37).

Com a necessidade de tocar instrumentos de dimensões diferentes e até mesmo de trocá-los, algumas vezes, numa mesma música com rapidez, surge uma nova noção de vir-tuose, o saxofonista que consegue adaptar-se, em frações de segundos, a diferentes tama-nhos de embocaduras. Sendo assim, o instrumentista virtuoso não é simplesmente aquele capaz de tocar o máximo de notas em um curto período de tempo, e sim aquele que conse-gue dominar as diversas possibilidades de execução dos vários instrumentos. (CHATEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990, p. 37)

Das obras mais importantes escritas para saxofone nos últimos anos, com as mais diversas estéticas musicais, pode-se citar: Tre Pezzi (1984) do compositor italiano Giacinto Scelsi (1905-1988), escrita em três movimentos para saxofone soprano; Sonata (1970) do compositor russo Edson Denisov (1929-1996), para saxofone alto e piano; Sequuenza IXb

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

158

22_artigo(1980) do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003), escrita para saxofone alto solo; Épisode Quatrième (1983) da compositora francesa Betsy Jolas (1926), escrita para saxofone tenor solo; Le Frêne Égaré (1978) do compositor francês François Rossé (1945), escrita para saxofone alto solo e dedicada a Jean-Marie Londeix4.

3. As Técnicas Estendidas e o Saxofone

As obras anteriormente citadas têm um ponto em comum ligado à performance: o uso de técnicas não usuais para o saxofone, as chamadas Técnicas Estendidas, termo que refere-se “a todos os sons, cores ou requisitos da performance que exploram além dos parâ-metros normais do instrumento”. (MURPHY, 2013)

Segundo Padovani e Ferraz (2011, p. 11):

“[...] a expressão técnicas estendidas se tornou comum no meio musical a partir da segunda metade do século XX, referindo-se aos modos de tocar um instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões estabelecidos principalmente no período clássico-romântico.”

Os dois autores definem que estas seriam “a técnica não-usual: maneira de tocar ou cantar que explora possibilidades instrumentais, gestuais e sonoras pouco utilizadas em de-terminado contexto histórico, estético e cultural”. (PADOVANI; FERRAZ, 2011, p. 11)

É necessário esclarecer que, historicamente, desde a consolidação da composição instrumental e da notação musical, a partir do Renascimento Tardio e do início do século XVII, o uso de técnicas estendidas se tornou inerente a toda prática instrumental, tendo em vista que elas são derivadas da experimentação dos recursos instrumentais e vocais. Sendo assim pode-se dizer que, o surgimento dessas técnicas é um processo natural e funciona em ciclos. Portanto, o que antes era tido como técnica estendida hoje pode ser considera-do como “lugar comum” da prática instrumental. A esse respeito, pode-se citar o tremulo e o pizzicato para instrumentos de corda, que foram aplicados na música de concerto pela primeira vez, segundo Padovani e Ferraz (2011, p. 12), em 1624 na obra Il Combattimento di Tancredi e Clorinda de Claudio Monteverdi, com a intenção de produzir um efeito sono-ro que reforçasse o drama da cena operística. Ou seja, a utilização das técnicas estendidas, oriundas das experimentações de instrumentistas e cantores, não é um fim em si mesmo, pois elas são aparatos técnicos disponíveis a compositores e intérpretes. Quando elas são utilizadas como reforço do desenho dramático de uma obra, podem potencializar o discur-so musical e trazer referências extramusicais.

Assim como no caso das cordas anteriormente citado, compositores exploraram os recursos instrumentais do saxofone a fim de reforçar os discursos musicais nos mais di-versos contextos. As técnicas geradas pela experimentação têm sido utilizadas no saxofone desde a sua criação, tendo em vista que a maioria delas não é oriunda desse instrumento e sim adaptada de outros mais antigos, como é o caso da respiração circular, algo que já era utilizado há cerca de 1500 anos, na Austrália, para se tocar o Digeridoo, ou mesmo o stacat-to duplo e triplo e o flatterzung, que já eram utilizados por instrumentos como trompetes, trombones, tropas e flautas.

Em meados de 1920, com a popularização do instrumento e sua utilização em ban-das militares e de Jazz e Swing nos Estados Unidos, começaram a surgir os chamados “efei-tos” sonoros do instrumento. Os ditos “efeitos” remetiam ou imitavam situações do cotidia-no das pessoas e eram geralmente tocados pelos solistas dos naipes dos saxofones, de forma

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

159

22_artigojocosa e virtuosística, dando um toque bem-humorado aos seus solos. Eram tidos como os principais efeitos da época: o rosnado, a buzina de carro, a risada, o choro, o espirro, o mia-do, entre outros (WEBER, 1926). Pode-se citar como principal expoente desse tipo de técni-ca o saxofonista Rudy Wiedoeft5 (1893-1940).

Apesar de os saxofonistas do início do século XX utilizarem técnicas não usuais em suas práticas musicais, esses elementos só foram absorvidos pela música de concerto a partir de sua sistematização, em forma de livros e métodos com fins didáticos. Nesse senti-do, deve-se citar alguns trabalhos que fizeram com que as técnicas estendidas utilizadas à época fossem popularizadas e consequentemente assimiladas como prática usual dos saxo-fonistas e por conseguinte aplicada por diversos compositores em suas obras.

O primeiro trabalho ao qual esta pesquisa teve acesso a esse respeito é o Sax-Acrobatix (1926) de Henri Weber. Trata-se de um libreto escrito com linguagem simples e descontraí-da, que tem por finalidade explicar, por meio de exemplos musicais e pequenos textos des-critivos, como aprender a tocar os principais efeitos/técnicas da época anteriormente citados.

Exemplo 1: capa e página 12 do libreto Sax-Acrobatix de Henri Weber publicado em 1926. Na página 12 o autor explica como tocar a técnica que simula uma risada

Nos anos subsequentes, diversos trabalhos foram publicados sobre o assunto. Alguns abordavam as novas técnicas de maneira mais detalhada, outros de forma mais ge-ral, enquanto que alguns nem mesmo citavam tais técnicas. Até o momento, esta pesquisa pôde ter acesso aos seguintes trabalhos: Staccatos and Legatos (1927) de Jascha Gurewich, Modern Method for the Saxophone (1927) e Advanced Etudes & Studies for the Saxophone (1928) de Rudy Wiedoeft, Tongue Gymnastix for the Developement of Speed in Single-Double and Triple Tongueing (1927) de Henri Weber, The Henri Lindeman Method for Saxophone (1934) e A Detailed Analysis of Embouchure, Breathing, Tone Production, Vibrato, Tonguing, Phrasing, Articulation (1934) de Henry Lindeman.

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

160

22_artigoAlguns trabalhos ganharam notoriedade por terem o intuito de abordar apenas

uma técnica de maneira bastante aprofunda. Nesse sentido, o primeiro trabalho de grande repercussão no meio foi a primeira edição do Top-Tones for the Saxophones (1941) de Sigurd Raschèr. O livro trata especificamente de um aspecto das técnicas estendidas, os sobreagu-dos ou overtones, que são as notas que ultrapassam o registro normal do instrumento, ou seja, as notas posteriores ao F#56 (Fá sustenido cinco). O livro trabalha inicialmente a quali-dade sonora por meio de exercícios de variações súbitas de dinâmica, passando por estudos de legatto em diferentes registros do instrumento e finalmente chega aos sobreagudos. Para tanto, Raschèr sugere exercícios que utilizam os lábios e a coluna de ar para obtenção dos harmônicos naturais do instrumento. Na segunda parte do livro, os sobreagudos são am-plamente trabalhados por meio dos harmônicos naturais do instrumento e posteriormente, o autor traz dedilhados específicos para os sobreagudos.

O que difere o trabalho de Raschèr dos outros da sua época é justamente o fato de que ele visava dar mais possibilidades sonoras ao instrumento, expandindo a extensão do saxofone para além das duas oitavas e meia habituais (RASCHÈR, 1977, p. 11). Saxofonistas como Marcel Mule restringiam os seus trabalhos a estudos de mecanismo nas duas oitavas e meia (de Sib 2 ao Fá# 5) do instrumento, usando como base adaptações de melodias escri-tas para flauta, violino e clarinete.

Exemplo 2: capa do e página 12 do método Top-Tones for the Saxophone de Sigurd Raschèr publicado em 1941. Exemplo dos estudos sugeridos dos harmônicos naturais

Nos anos seguintes à publicação de Raschèr, surgiram diversos métodos de es-tudos para desenvolver os sobreagudos, dos quais pode-se citar: Ted Nash’s Studies in High Harmonics (1946) de Ted Nash, Beginning Studies in the Altíssimo Register (1971) de Rosemary Lang, Saxophone High Tones (2002) de Eugene Rousseau, Voicing: an approa-ch to the saxophone’s third register (199?) de Donald J. Sinta e Denise C. dabney, e o Los Armonicos em el Saxofon (199?) de Pedro Iturralde.

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

161

22_artigoA segunda publicação de grande repercussão entre os saxofonistas é o Preliminary

Exercises & Etudes in Contemporary Techniques for Saxofone (1980) de Ronald L. Caravan (1946). Conforme o próprio autor, o livro tem o intuito de assistir o desenvolvimento de téc-nicas não usuais para saxofonistas, técnicas estas que o autor considera necessárias para a prática da música contemporânea. Os estudos e exercícios trazidos por Caravan abordam, de maneira bastante didática, principalmente os dedilhados não convencionais utilizados para variação de timbre, a produção de quartos de tom, e a execução de sons múltiplos ou multifônicos. (CARAVAN, 1980)

Exemplo 3: páginas 14 e 23 respectivamente, do Preliminary Exercises & Etudes in Contemporary Techniques for Saxofone (1980) de Ronald L. Caravan

O Livro de Caravan faz uma ligação direta entre a música contemporânea, a nota-ção musical específica dessa música e a sistematização do ensino das novas técnicas ins-trumentais. O autor trás explicações técnicas e uma série de sugestões de exercícios desti-nados ao aprimoramento necessário do performer, para que ele possa atingir as sonoridades idealizadas pelos compositores.

Em 1985, Hubert Prati parte do mesmo princípio que Caravan e publica o Approuche de la Musique Contemporaine. Trata-se de 15 estudos melódicos que têm por finalidade in-troduzir progressivamente os saxofonistas às técnicas estendidos para o instrumento, bem como familiarizar os performers aos sinais de notação musical de cada uma das técnicas expostas no livro. Desta forma, o foco deste trabalho de Prati, não está somente na explora-ção das técnicas estendidas, mas sim na escrita de música contemporânea para o saxofone. (PRATI, 1985)

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

162

22_artigo

Exemplo 4: páginas 3 e 11 respectivamente, do Approuche de la Musique Contemporaine (1985) de Humbert Prati

Somente em 1989 surgiria na França, a primeira publicação escrita por Jean-Marie Londeix, que abordava de maneira abrangente as técnicas estendidas para o saxofone, um livro chamado Hello! Mr. Sax or Parameters of Saxophone. A obra traz informações perti-nentes sobre os recursos idiomáticos do ins-trumento, delimitando o que é ou não pos-sível tocar, inclusive as técnicas estendidas anteriormente citadas, de modo que compo-sitores e intérpretes puderiam utilizá-lo para nortear os seus trabalhos. Diferentemente dos escritos anteriores, o livro de Londeix não traz exercícios nem estudos técnicos e sim um texto sólido sobre acústica do ins-trumento, mecânica, técnica e recursos instrumentais.

Mais recentemente, outros dois im-portantes trabalhos, similares ao de Londeix, foram publicados. O primeiro chama-se The Techniques of Saxophone Playing, dos auto-res Marcus Weiss e Giorgio Netti, e o segun-do é Un Saxophone Contemporain de Jean-Denis Michat. Este último difere dos demais por se propor a ampliar as discussões peda-gógicas em torno das técnicas estendidas, em forma de exercícios, e por trazer diagra-mas sobre a anatomia relacionada à prática das técnicas estendidas (MURPHY, 2013). Exemplo 5: capa do livro HELLO! Mr. Sax or Parameters of

Saxophone de Jean-Marie Londeix publicado em 1989

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

163

22_artigoConsiderações finais

Ao final desta pesquisa, as consultas bibliográficas e documentais forneceram in-formações a respeito da história do repertório de música de concerto para o saxofone, desde suas primeiras aparições no final do século XIX até a sua intensa atuação na música con-temporânea. A análise da bibliografia gerou um documento descritivo de seus conteúdos, discussões e metodologias, que poderá ser utilizado para nortear, historicamente, professo-res e alunos da área interessados em ampliar seus conhecimentos acerca das técnicas es-tendidas para o saxofone.

Deste modo, verificou-se que as técnicas para o saxofone vêm sendo utilizadas com muita frequência no repertório contemporâneo de música de concerto, o que torna o estudo dessas técnicas indispensável para o aprimoramento técnico e o fazer artístico/profissional do performer. As principais técnicas estendidas utilizadas hoje no instrumento são: som de percussão de chaves, gliss ou portamento, microintervalos, destimbrado ou subtones, mani-pulação de vibratos, slap, flatterzung ou fluratto, bisbigliando, sons múltiplos ou multifôni-cos, respiração circular, staccato duplo e triplo, aeolion sound e overtones ou sobreagudos. (CHATEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990; LONDEIX, 2010).

Por fim, espera-se ter estabelecido e apontado um possível caminho para outras pesquisas relacionadas ao objeto de estudo deste trabalho e ao mesmo tempo ter gerado um material de referência sobre as técnicas estendidas para o saxofone.

Notas

1 Sigurd Raschèr (1907-2001): saxofonista e professor a alemão erradicado nos Estados Unidos no final da década de 1930, onde trabalhou com solista de diversas bandas e orquestras. Era conhecido pela sua principalmente pela sua habilidade em tocar os sobretons. Raschèr também fundou o Raschèr’s Saxophone Quartet, grupo com o qual ele gravou muitos trabalhos de compositores como Berio, Glass e Xenakis. Teve mais de 140 composições dedicadas a ele por compositores como Glazunov, Ibert, Hindemith Milhaud entre outros. Deu aulas na Juiliard School, na Manhattan School e na Eastman School. (GELLES; SCHMELZ, 2002)

2 Marcel Mule (1901- 2001): saxofonista e professor francês foi o primeiro a ganhar notoriedade tocando saxofone à maneira clássica e influenciou todos os seus contemporâneos; construiu o que hoje chamamos de quarteto de saxofones francês - utilizando os saxofones soprano em Bb, alto em Eb, tenor em Bb e barítono em Eb - adaptando e arranjando o repertório tradicional dos quartetos de cordas (dois violinos, uma viola e um violoncelo). Em 1942 assumiu o posto de professor de saxofone do Conservatório de Paris tendo sucedido o próprio Adolphe Sax. Mule conciliou as carreiras de professor e solista até o ano de 1968, quando aposentou-se, mas a sua maneira de tocar e pensar o saxofone continua, ainda hoje, a influenciar saxofonistas e professores da escola clássica. (ROSSEAL, 1985)

3 Pierre Boulez (1925-) Compositor e regente francês, autor de diversos trabalhos sobre a música contemporânea. No início de sua carreira estudou com Messiaen (1944-5) no conservatório, em seguida estudou as obras de Scho-enberg com René Leibowitz (1945-6). Nesse período, suas composições combinavam dodecafonismo e a influ-ência de Messiaen, tendo assim desenvolvido em 1952, o serialismo total. Também era fortemente influenciado pelo trabalho literário de René Char. (GRIFITHIS; SANTARRITA; BRANDÃO, 1995, p. 29).

4 Jean-Marie Londeix (1932-) é um saxofonista e professor francês que estudou com Marcel Mule no Conservatório de Paris em sua adolescência, onde recebeu inúmeros prêmios. Como solista teve cerca de 250 obras dedicadas a ele. É fundador da French Saxophonists Association e do International Saxophone Comittee. Além de ter escrito diversos livros e métodos sobre o saxofone e suas possibilidades sonoras. (JEAN-MARIE, 2013)

5 Rudy Wiedoeft é natural de Detroid nos Estado Unidos, originário de uma família de músicos, e foi mais conhe-cido principalmente por utilizar um saxofone Melody em C e pelas suas notáveis aptidões técnicas quanto ao stacatto duplo e triplo, o slap tong, as digitações falsas e a “risada”. Dentre as suas mais notáveis composições estão Saxophobia, Saxemia e Saxarella. (CHATEMPS; KIENTZY; LONDEIX, 1990, p. 43)

6 Neste trabalho, tomou-se como referência o saxofone alto da época, que ia regularmente do Sib 2 ao Fá5.

MARQUES, K. D. Abordagem Histórica das Técnicas Estendidas para o Saxofone.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 156-164

164

22_artigoReferências

CARAVAN, R. L. Preliminary Exercises & Etudes In Contemporary Techniques for Saxophone. Dorn Productions, 1980.

CHAUTEMPS, Jean-Louis; KIENTZY, D.; LONDEIX, Jean-Marie. El Saxofón. Traduçción de Carles Lobo e Sastre. Bacelona: Editora Labor, 1990.

GELLES, G.; SCHMELZ, P. Sigurd Raschèr. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, 2002. Disponível em: <www.grovemusic.com>. Acessado em: 01 mai. 2014.

GRIFFITHS, Paul; SANTARRITA, Marcos; BRANDÃO, Eduardo. Enciclopédia da música do século XX. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 257p.

HARRISON, Iain. An Exploration Into the Uses of Extended Techniques in Works For the Saxophone, and How Their Application May Be Informed By a Contextual Understanding of the Works Themselves. 2012. 244f. Tese de Doutorado. Univerty of Hudderfield.

IRCAM solo instruments. [S.l.]: Ircam- Centre Pompidou, [200?]. Disponível em: <http://cdn.waycom.net/media/universsons/uvisoundsource.com/demo/doc/Ircam_Preset.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2013.

JEAN-MARIE Londeix Saxophonist. Biography. Disponível em: <http://www.jm-londeix.com/en/biography-londeix.htm> Acesso em: 13 dez. 2013

LONDEIX, Jean-Marie. Hello! Mr. Sax: parameters of the saxophone. Paris: Alphonse Leduc, 2010.

MURPHY, Patrick. Extended Techiniques for Saxophone an Approach Through Musical Exemplos. 2013. 223 f. Tese (Doutorado) - Curso de Doctor Of Musical Arts, Arizona Sate University, Arizona, 2013.

RASCHÈR, S. M. Top-tones for the Saxophone: four-octave range. New York: Carl Fischer, Third Edition, 1977.

RAUMBERG, C.; VENTZKE, K. Saxophone. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, 2012. Disponível em: <www.grovemusic.com>. Acessado em: 15 jan. 2013.

ROUSSEAU, Eugene. Marcel Mule: his life and the saxophone. Saxophone Journal, v.10, n.3, 8-16, 1985.

PADOVANI, José Henrique; FERRAZ, Sílvio. Proto-História, Evolução e Situação Atual das Técnicas Estendidas na Criação Musical e na Performance. Revista Música Hodie, Goiânia, v.11, n.2, 2011, p. 11-35.

PRATI, Humbert. Approche de la Musique Contemporaine. Paris: Gérard Billaudot, 1985.

WEBER, Henri. Sax Acrobatix. New York: Belwin Inc. 1926.

Kleber Dessoles Marques - Mestrando em Música na área de Performance (saxofone) (2013), Especialista em Música na área de Performance (saxofone) (2012) e Bacharel em Música (saxofone) (2011), todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor de Saxofone, Clarineta e Teoria Musical da ETA - UFAL. Atua principalmente nos temas: saxofone, performance e música de câmara.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

165

23_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

investigando procedimentos poéticos e estruturais em “prologue” de Gérard Grisey

Felipe de Almeida Ribeiro (Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba, PR)[email protected]

Resumo: Este artigo busca investigar a poética de Gérard Grisey (1946-1998) e a estrutura composicional na obra Pro-logue (1976) para viola solo. Esta pesquisa apresenta não somente uma análise da obra contida na partitura publica-da, mas também explora os manuscritos e rascunhos contidos nos arquivos da Paul Sacher Stiftung (Basiléia, Suíça) para o ciclo Les Espaces acoustiques e uma versão de Prologue com live-electronics.Palavras-chave: Prologue; Grisey; Espectralismo.

Investigating Poetic and Structural Procedures in “Prologue” by Gérard GriseyAbstract: This article investigates Gérard Grisey’s poetics and the composicional structure in Prologue (1976) for solo viola. This research presents not only an analytical approach to the work but also explores the manuscripts and sketches stored at the Paul Sacher Stiftung (Basel, Switzerland) revealing plans for the cycle Les Espaces Acoustiques and a live-electronics version of Prologue.Keywords: Prologue; Grisey; Spectralism.

1. Quarenta anos de Espectralismo

Eu não gostaria de repetir o famoso ‘inútil’ de Boulez quando descreveu aqueles não familiarizados com o serialismo; entretanto, considero os compositores de hoje que são insensíveis ao espectralismo como no mínimo menos interessantes. (HARVEY, 2001, p. 11)1

Em 2013 completaram-se 40 anos da criação do grupo l’Itinéraire (1973-), um dos ‘ensembles-laboratórios’ musicais responsáveis pelo florescimento e desenvolvimento da música espectral. Prologue (1976), de Gérard Grisey (1946-1998), foi composta no início dessa vertente musical francesa e é hoje um obra/objeto de estudo que representa a autenticidade proferida no início do movimento. Entretanto, isso não faz de Grisey um compositor exclusi-vamente espectral, como pode-se verificar em peças como Vortex temporum (1995) e Quatre chants pour franchir le seuil (1998). Nas palavras do próprio Grisey, “No início, comecei com espectros reais que eu analisava e depois transformava em tipos de escrita externos. Mas agora, não mais. Eu desisto. Isso foi a 20 ou 30 anos atrás.” (GRISEY in BUNDLER, 1996, p. 3)2

O espectralismo recebeu muitas definições assim como muitas críticas. Por cau-sa do caráter quase didático das primeiras peças espectrais – isto é, pela forte exploração técnica de fenômenos acústicos em contextos musicais –, o movimento espectral sofreu (e ainda sofre) críticas que, em muitos casos, não alcançaram na experiência auditiva a po-ética profetizada nos escritos de Grisey e Tristan Murail (1947). De acordo com Grisey (in BUNDLER, 1996, p. 3):

Espectralismo não é um sistema. Não é um sistema como a música serial ou mesmo música tonal. É uma atitude. Ela considera os sons, não como objetos mortos que você pode facilmente e arbitrariamente permutar em todas as direções, mas como objetos vivos com nascimento, vida e morte. Isto não é novidade. Creio que Varèse pensava nesta mesma direção. Ele foi o avô de todos nós. A segunda afirmação do movimento espectral – especialmente no início – foi tentar encontrar uma equação melhor entre conceito e percepção – entre o conceito da partitura e a percepção que o público pode ter. Isso foi extremamente importante para nós.3

Recebido em: 02/06/2014 - Aprovado em: 24/07/2014

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

166

23_artigoA estética, propriamente dita, foi concretizada em diversas obras musicais, como

por exemplo Prologue (1976) e Partiels (1975) de Grisey e Treize Couleurs du soleil couchant (1978) e Désintégrations (1982) de Murail. Grisey ressaltou alguns pontos cruciais no es-pectralismo, como por exemplo: uma interpretação e integração mais natural entre timbre e harmonia; uma expansão do sistema fixo temperado para um sistema aberto microtonal; uma escrita que valoriza a fenomenologia da percepção; o entendimento da temporalida-de como elemento catalisador de forma (GRISEY, 2000). Ressalta ainda que “(...) a aventura espectral permitiu a renovação, (...) pois não é uma técnica fechada mas sim uma atitude.” (GRISEY, 2000, p. 3)4

Do ponto de vista poético, o espectralismo pode ser compreendido como uma ex-ploração da rede de conexões entre som enquanto fenômeno acústico e referencialidade cul-tural. O aspecto técnico do espectralismo, como a análise espectral ou síntese instrumen-tal por modulação de frequência por exemplo, não deve ser interpretado como a gênese ou elemento crucial para sua existência. A poética está acima dessas técnicas. Nesse sentido, o espectralismo é resultado de uma formulação muito mais complexa. A questão da expansão da referência cultural sonora foi uma das grandes demandas de desenvolvimento e conse-quências da pesquisa espectral. Retirar do timbre o próprio material para o desenvolvimen-to musical, e não necessariamente depender das relações entre alturas e/ou ritmos, como tem se desenvolvido a música ocidental de concerto até então.

O que gera um pouco de confusão entre compositores e teóricos, às vezes levando a um irritamento geral, é o fato de que muitos simplificam o movimento espectral a um re-pertório de técnicas. Grisey, mais tarde, também se irritou bastante ao ser associado a esse tipo de música. David Bundler, em uma entrevista a Grisey, perguntou se ele se considera um compositor espectral. Grisey (in BUNDLER, 1996) explica:

Bem, eu não me importo! (risos) Eu realmente não me importo. É apenas – como havia lhe dito – apenas uma etiqueta que recebemos em um determinado período. Creio que minha atitude é basicamente a mesma, mas o ponto de partida do espectralismo foi (...) a fascinação pela expansão temporal e pela continuidade. Como compor um tipo expandido de tempo em uma composição sem escrever os tipos de clusters cromá-ticos como Ligeti em Atmosphères. Que linguagem essa expansão temporal implica? Isso é realmente o ponto de partida do espectralismo e não a escrita de espectros ou seja o que for. (p. 3)5

Apesar disso, Grisey foi associado como um dos principais ícones da música espec-tral, uma vertente composicional originada e desenvolvida em Paris durante os anos 1970 – junto com Tristan Murail (1947-) e o Ensemble l’Itinéraire. Como já afirmado muitas vezes por Grisey, assim como Murail, a música espectral não deve ser resumida a uma coletânea de técnicas. A ideia não é a aplicação de técnicas composicionais, como a orquestração de um determinado espectro, geração de material via modulação por anel ou por FM, nem tan-to o uso de sistemas microtonais. Tudo isso são consequências exigidas por um pensamento de natureza complexa e profunda. Música espectral repensa a temporalidade, nos convida a refletir como percebemos música: “(...) assim como a série [dodecafônica] não trata a ques-tão do cromatismo, música espectral não é uma questão de cor sônica. Para mim, música espectral tem uma origem temporal.” (GRISEY, 2000, p. 1)6

Grisey, assim como Murail, sempre defendeu que as experiências realizadas, prin-cipalmente na década de 70, tiveram o intuito de repensar a música erudita como um todo, levando em consideração não somente a questão do elemento gerador de material harmôni-co, mas principalmente aspectos relativos à temporalidade e nossa percepção em geral, re-pensando historicamente o que gerações passadas experienciaram. Assim como Schönberg

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

167

23_artigoadvertiu uma nova geração sobre as minúcias estilísticas relacionadas à técnica dodecafôni-ca, Grisey fez o mesmo em diversos de seus textos. Uma das grandes contribuições da músi-ca espectral foi a demanda criada por uma concentração por parte do ouvinte na sonoridade exposta, isto é, de não exigir do ouvinte pré-requisitos para escuta. A compositora israelen-se Chaya Czernowin (1957) nos alerta da necessidade do compositor em buscar isto: “Cada obra deve ensinar o ouvinte como ouvi-la: o que importa, o que não importa, o que está em jogo” (CZERNOWIN, 2008, p. 3)7

2. Les Espaces Acoustiques

“Música espectral é aliada à música eletrônica [eletroacústica]: juntas alcançaram um renascer da percepção” (HARVEY, 2001, p. 11).8 Durante um período de mais de 10 anos, Grisey trabalhou em um ciclo de peças intitulado Les Espaces Acoustiques – os espa-ços acústicos. Neste ciclo, Grisey compôs seis peças de instrumentação e densidade dife-rentes: Prologue (1976) para viola solo, Périodes (1974) para 7 instrumentistas, Partiels (1975) para 18 instrumentistas, Modulations (1977) para 33 instrumentistas, Transitoires (1981) para grande orquestra e Épilogue (1985) para 4 trompas e grande orquestra.

Les Espaces Acoustiques foi para Grisey um grande laboratório no qual permitiu ex-plorar os fundamentos do que ficou conhecido posteriormente como espectralismo. O ciclo inteiro baseia-se na ideia de proporcionar um grande crescendo instrumental: partindo de um instrumento solo até grande orquestra com quatro solistas. Baseia-se também em um mesmo material harmônico: o espectro extraído de uma nota pedal do trombone. “No ciclo Les Espaces acoustiques, o harmônico de referência (...) é o Mi (41,25 Hz).” (DELIEGE, 2003, p. 877)9 Curiosamente, Prologue foi escrita após Périodes e Partiels e apresenta-se como a única peça para instrumento solo do ciclo, completando o formato de crescendo instrumen-tal e de densidade deste.

Apesar de primeiro movimento no ciclo, mas terceira obra na ordem cronológica de criação, Prologue apresenta a viola como instrumento solista. Essa escolha foi feita com base no movimento seguinte – Périodes. Este, já existente no período de criação de Prologue, apresenta material inicial expositivo com características similares ao material final de Prologue. Este material sonoro – mais especificamente na quarta página da edição publica-da de Prologue – funciona como um prelúdio/transição para a exposição inicial de Périodes. Em {4 5 6} Grisey apresenta dois caminhos para o intérprete: execução de Prologue enquan-to peça solo ou execução seguida de Périodes em se tratando da peça dentro do ciclo.10 Na figura 1, podemos verificar uma flecha em {4 5 6} que sinaliza a mudança para Périodes.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

168

23_artigo

Figura 1: Transição de Prologue e início de Périodes

Iniciaremos agora uma análise musical de Prologue apresentando a fundamenta-ção teórica do movimento espectral. Trechos desta investigação abordarão os manuscritos de Grisey existentes na Paul Sacher Stiftung, revelando o a poética do compositor, estrutura geral da peça e o planejamento de uma versão com live-electronics.11

3. Prologue

Em uma entrevista com Guy Lelong, Grisey (in BAILLET, 2000) sintetiza a genesis de Les Espaces Acoustiques e o surgimento de Prologue:

“Tudo começou com Périodes para sete músicos, que foi criada em 1974 na Villa Médicis. Esta peça consiste, do ponto de vista formal, em uma sucessão de episódios e, no último deles, experimentei pela primeira vez uma técnica que me parecia dever ser desenvolvida. Foi-me necessário então compor uma outra que foi Partiels para de-zoito músicos que incluem os instrumentos de Périodes. Em seguir decidi finalmente constituir um ciclo inteiro que começaria com uma peça para instrumento solo e terminaria com a grande orquestra. Como a viola teve um papel preponderante em Périodes, a peça solo devia ser escrita para este instrumento e foi Prologue para viola solo.” (p. 97)12

Escrita em homenagem ao violista francês Gérard Caussé (1948), Prologue apre-senta uma característica singular dentro do repertório espectralista: o uso de melodia.13 Grisey criou uma obra na qual envolveu o conceito de melodia de uma maneira diferente às análises ‘polifônicas’ de timbre – trabalhou com a melodia expondo o material harmô-nico. Nesta peça, de aproximadamente dezoito minutos, a melodia em si é limitada a um padrão facilmente reconhecível e de duração extremamente curta, se comparada à dura-ção da peça inteira. O que dá um caráter novo à melodia é a maneira com a qual é desen-volvida, não por variações tonais ou seriais (direcionais), mas por permutações de har-mônicos – influência oriunda, provavelmente, de seu antigo professor, Olivier Messiaen (BAILLET 2000).

A estrutura geral do ciclo Les Espaces Acoustiques é inteiramente baseada na análise espectral de um Mi grave de um trombone. A performance deste instrumento apoia-se no conceito da série harmônica enquanto método de obtenção das alturas – sal-vaguardando as amplitudes dos respectivos harmônicos desse instrumento. Levando em consideração as diferenças microtonais e os diferentes níveis sonoros de cada harmôni-co, Grisey adaptou um pequeno trecho deste espectro para todas as peças do ciclo Les Espaces Acoustiques. O compositor trabalhou com o conceito de espectro como funda-

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

169

23_artigomental geradora de material harmônico para a peça. A coleção de harmônicos da figura abaixo são orquestrados por ele neste ciclo de obras e diretamente aplicados em Prologue (Figure 2). A exceção são os dois primeiros harmônicos (as duas notas Mi), em que Grisey os exclui em função da natureza do instrumento executante. O terceiro harmônico, Si, será abordado a seguir.

Figura 2: Espectro de Mi grave de um trombone

Grisey começa a peça com os seguintes harmônicos: [5 4 6 9 7 3] ou Sol#, Mi, Si, Fá#, Ré e Si – sendo [5] o quinto harmônico, [6] o sexto harmônico, etc. É importante salien-tar que o compositor fez uso de scordatura baixando a quarta corda da viola em um semi-tom (de Dó para Si). Desta maneira, Grisey adaptou o instrumento ao espectro gerado pela análise do Mi grave (Figure 2 e 3).

Figura 3: Uso de scordatura

O sétimo harmônico (Ré) apresenta uma alteração microtonal a partir da notação da nota temperada. Grisey utiliza o sétimo harmônico do espectro original que é aproxima-damente 31 cents abaixo da nota correspondente da escala temperada.14 Para obter resulta-dos mais satisfatórios, Grisey utiliza, às vezes, os harmônicos naturais da corda. Esse pro-cedimento reforça o uso daquilo que Grisey julga ser um uso mais ecológico do som: uma integração entre altura definida e ruído. A peça apresenta diversas seções, e cada uma apre-senta níveis diferentes de harmonicidade e inarmonicidade, ou consonância e dissonância. Trataremos disto na seção “Divisão Formal”.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

170

23_artigo4. Objetos sonoros

Prologue é inteiramente construída com o uso de três gestos/objetos sonoros. Em seus manuscritos contidos na Paul Sacher Stiftung, Grisey classifica esses objetos em três categorias: batimento cardíaco, eco e melodia (Figure 4).

Figura 4: Batimento cardíaco, eco e melodia, respectivamente.

Porém, o próprio Grisey, em seus manuscritos e rascunhos, pensa esses três elemen-tos enquanto um conceito apenas: neumes. Essa interpretação é bem parecida com aquela realizada por Stockhausen em seu famoso artigo ...wie die Zeit vergeht... em que trata ritmo e altura como percepções de uma mesma escala (frequência). Grisey parte do princípio que o batimento cardíaco é 1 unidade, passando para gestos com 2, 3, 5, 7, 9, 11, 13 unidades até atingir uma sonoridade contínua – ruído –, muito similar com a escala em Hertz, em que teoricamente passamos a ter a sensação de ritmo – unidades – abaixo de 20Hz e de altura – contínuo – acima de 20Hz.

Em Prologue, cada evento é seguido por uma pausa com fermata ou por outro objeto sonoro dos acima citados. A peça possui o forte caráter de uma grande permutação dinâmi-ca desses materiais: tanto o batimento cardíaco quanto eco e melodia se desenvolvem a par-tir dos baixos harmônicos {1 1 1}, passando pelos altos harmônicos com alto caráter disso-nante {3 6 1} e finalizando com o próprio ruído {3 8 7}. Esta obra é um grande crescendo de vários parâmetro: densidade, consonância/dissonância, andamento, entre outros.

A melodia {1 1 1}, ou os neumes responsáveis por aquilo que percebemos tradicio-nalmente enquanto melodia, apresenta um agrupamento de harmônicos em grupos de 3 a 13 notas. A peça apresenta a tendência de aumento proporcional entre número de harmôni-cos e dissonância; isto é, ao introduzir grupos com mais notas, Grisey caminha para os altos harmônicos que apresentam, por sua vez, uma maior tendência à inarmonicidade. Nota-se na Figura 5 o crescimento na quantidade de harmônicos e naturalmente o caminhar para notas mais agudas (clave de sol).

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

171

23_artigo

Figura 5: Trechos com 3, 5, 7, 9, 11, 13 notas e contínuo (da esq. para dir.)

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

172

23_artigoUm aspecto interessante e muito importante nesta obra é o uso de permutação de

harmônicos na melodia. Os grupos de harmônicos apresentam uma tendência gravitacio-nal (fundamental da série harmônica), mas sem contudo externar um sentimento tonal no sentido romântico. O uso da permutação acaba exaltando um caráter não-teleológico desta peça, pois a saturação do material traz uma perda de significado após diversas repetições caleidoscópicas. O material sonoro se liberta de referências culturais externas e se afirma enquanto sonoridade independente. Por exemplo: os primeiros quatro objetos sonoros apre-sentam a seguinte permutação de harmônicos: [5 4 6 9 7], [5 6 4 9 7], [5 4 6 10 7] e [4 6 5 9 7 ]. Esse procedimento é utilizado em toda peça, independente da quantidade de harmôni-cos utilizados em cada grupo. Temos na figura 6 os seguintes harmônicos: [6 5 4 10 8], [5 4 6 11 8], [3], [4 8 6 7 10].

Figura 6: Permutação de 5 harmônicos em {1 1 7}

A figura do eco {1 8 1} é quase que inteiramente precedido pela figura da melodia. Seu conteúdo, na verdade, é gerado pelo objeto-sonoro melódico, quase sempre a partir das duas últimas notas. Em uma primeira análise, pode-se concluir que o objeto melódico da figura 7 aparenta possuir 17 notas. Entretanto, uma investigação mais cautelosa revela uma estrutura de 11 notas enquanto que as outras 6 representam o eco – a própria indicação de dinâmica do compositor mostra essa tendência fraseológica, sem contar a indicação textual na partitura: “como um eco” (Figure 7).

Figura 7: Eco em {1 9 2}

O eco é muitas vezes repetido com distorção; não é um eco estático, mas as frequ-ências das repetições são levemente alteradas, normalmente por um quarto-de-tom abaixo para cada eco via glissando. Isso nos lembra um empréstimo conceitual da acústica, mais precisamente com o conceito de Efeito Doppler, em que a percepção da frequência muda conforme a movimentação do ouvinte e/ou da fonte sonora.15

Finalmente, o batimento cardíaco {1 1 2} é sempre representado com o Si na quar-ta corda (scordatura). Normalmente, cada instância do batimento cardíaco é caracterizado por dois ataques seguidos de harmonics-stop (leve abafamento da corda com a mão esquer-da, obtendo assim um harmônico). Esse objeto sonoro é o único que não sofre considerável modificação ao longo da peça – exceção é a mudança da quantidade de repetições dentro de cada barra de ritornelo (Figure 8).

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

173

23_artigo

Figura 8: Batimento cardíaco no fim da primeira ideia musical da peça.

Baillet (2000, p. 100) faz uma analogia do contorno melódico das melodias com uma onda senoidal – novamente um empréstimo conceitual da acústica. Segundo ele, o tra-tamento dado à melodia respeita o caráter oscilatório da onda senoidal, isto é, a alternância entre +1 e −1. Na prática, Grisey abstrai deste conceito cartesiano e cria uma ideia orgâni-ca, salvaguardando a poética encontrada no conceito acústico (Figure 9).

Figura 9: Onda senoidal {1 4 1}

Esse empréstimo da acústica se repete em outras obras do autor. Em Vórtex tempo-rum (1995), por exemplo, Grisey faz uso dos conceitos de onda senoidal, onda quadrada e onda dentes de serra no tratamento melódico dos instrumentos (HERVE, 2001, p. 21).

5. Divisão formal

Como visto anteriormente, Prologue é uma obra exemplo daquilo que Grisey afir-mou em relação à ecologia do som: basear uma obra no som em si. A peça é arquitetada para caminhar da harmonicidade à inarmonicidade – da consonância à dissonância. Isto é atingido ao atribuir a cada seção um seleto grupo de harmônicos. Ao respeitar-se esta estrutura, gera-se uma seleção de notas referentes ao espectro analisado. A Figura 10 e Tabela 1 mostram a estrutura de alturas em Prologue e sua consequente influência na di-visão formal da peça.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

174

23_artigo

Figura 10: Seções A a H.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

175

23_artigoTabela 1: Divisão formal

Seção Quantidade de notas por grupo Localização Harm./Inarm.A 5 {1 1 1} CONS.B 3 {1 2 5}

Transição gradual

C 7 {1 2 11}D 11 {1 4 8}E 9 {2 3 3}F 13 {2 9 4}G não medido/gliss. {3 6 2}H ruído {3 8 7} DISS.I glissandi longo {4 1 1} -J glissandi ornamentado {4 2 2} -K Périodes {4 5 6} -

O número de harmônicos agrupados em um objeto sonoro melódico determina a es-trutura geral da obra. O seu conteúdo revela o nível de harmonicidade e inarmonicidade. Por exemplo, a seção A é mais consonante que C, pelos harmônicos envolvidos (e da densidade resultante): A (harmônicos 3 a 12) e C (harmônicos 3 a 21). Um fato curioso é que Grisey, em seus rascunhos, chega a esboçar o trecho {1 2 5} enquanto um gesto contínuo, apenas com uso de glissando ou, nas suas palavras, de uma forma a “deslizar os dedos bem lentamente”.16

Figura 11: Seções A a H.

Esse aspecto de crescimento em direção a uma inarmonicidade também é realizada não somente pelo acréscimo de altos harmônicos, mas também pelo aumento da densidade. Como exemplo, analisemos {3 7 1} e {3 8 1} (Figure 12):

Figura 12: {3 7 1} e {3 8 1}

Nesta seção (G, não medido), apenas a primeira e última notas são notadas com al-tura precisa. Toda parte do meio é um longo glissando, pontuado por novos ataques (>). Note como Grisey move de objeto {3 7 1} para {3 8 1}. Ele comprimi os ataques aumentando

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

176

23_artigoo número de ocorrências (como um stretto): de seis ataques {3 6 3} até treze não medidos {3 8 6}. Essa ideia de aumentar um parâmetro para saturar a ideia de dissonância também é presente no número de repetições de glissandi. Por exemplo, na seção F, repare no aumento do número de glissandi: de dois {3 3 1} para doze {3 6 1} glissandi (Figure 13).

Figura 13: {3 3 1} e {3 6 1}

Há também a tendência natural de aumentar a velocidade e dinâmica dos even-tos ao mover-se para os altos harmônicos. Aqui, Grisey distorce a característica natural de nossa percepção dos harmônicos de um timbre. Em sons com alto grau de harmonicidade – como o som de trombone analisado por Grisey – sabemos que à medida que caminhamos para os altos harmônicos, perdemos energia (dinâmica). Em Prologue há uma certa inversão das dinâmicas se comparado à série harmônica, pois a viola executa os baixos harmônicos com menos intensidade do que os altos.

A última página de Prologue pode ser classificada como uma peça com final ‘em aberto’ – ou mesmo como uma transição astuta para a próxima peça do ciclo, Périodes. Quando o intérprete alcança o sinal de flecha em {4 5 6}, deve-se imediatamente começar Périodes. Ou, em sua versão solo (fora do ciclo), continua-se até o fim da página quatro. A fi-gura 14 mostra o início de Périodes marcado pela nota Ré, ponto exato de transição no even-to {4 5 6} de Prologue (também um Ré).

Figura 14: Primeiro compasso de Périodes, parte da viola

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

177

23_artigoNos arquivos da Paul Sacher Stiftung, encontram-se nos manuscritos de Périodes

anotações que sugerem que o compositor estava de fato pensando na quarta página como um prelúdio para o próximo movimento de Les Espaces Acoustiques. Podemos concluir, de certa forma, que Prologue é representada pelas primeiras três páginas da partitura. A quar-ta é a transição para Périodes.

Finalmente, vale também frisar a estrutura planejada para os parâmetros de anda-mento, dinâmica e técnica de execução. Existe uma tendência gradual e linear em Prologue de se acompanhar a trajetória dos harmônicos. Em {1 1 1} temos uso de scordatura, sur-dina e andamento de colcheia = 70/90 bpm. Em {1 4 8} temos senza surdina e colcheia = 160/260. Já em {2 9 4} temos colcheia = 190/300 (BAILLET 2009). O desenvolvimento com-pleto da obra em relação a esses parâmetros é representado na Tabela 2:

Tabela 2: Técnica de execução, andamento e dinâmica

Seção Técnica de execução Andamento Dinâmica{1 1 1}

scordatura, surdinacolcheia = 70/90 ppp, mp

{1 2 5} colcheia = 100/60 pp, mp{1 2 11} colcheia = 100/160 pp, mp{1 4 8}

sem surdina

colcheia = 160/260 mp, f{2 1 2} semínima = 60/a tempo mp{2 3 3} colcheia = 190/130 p, mf{2 6 3} colcheia = 130 p, mf{2 7 1} colcheia = 190/130 mf, ff{2 9 4} colcheia = 190/300 mf, ff{3 8 7} segundos fff

Para concluir, nota-se em Prologue um certo tratamento cartesiano dos parâmetros. Dos baixos harmônicos, para os altos harmônicos; de sonoridades pianíssimo para outras fortíssimo; de andamento lento à frenético; etc. Apesar disso tudo, é exatamente essa sim-plicidade que possibilita ao ouvinte perceber as relações, as permutações do material esco-lhido. Música espectral exige tempo para a percepção. Este é o cuidado com a escuta sonora que Grisey referenciava.

Conclusão

Grisey morreu aos 52 anos de idade. Foi um compositor com uma carreira re-lâmpago. De suas obras editadas, a composição mais antiga data de 1968 quando tinha 22 anos – Echanges, para piano preparado e contrabaixo – e sua última de 1998 – Quatre chants pour franchir le seuil, para uma voz e de dez a vinte e cinco instrumentistas (RIGAUDIÈRE).17 Coincidentemente, sua última obra trata da questão da morte. Aluno e admirador de Olivier Messiaen, Grisey foi um dos compositores marco na história da mú-sica do século XX.

O espectralismo trouxe uma maneira diferente de refletir o som daquelas já abor-dadas na história da música. Tem sua gênesis com figuras como Claude Debussy e Edgar Varèse, além do próprio Stockhausen (Stimmung). Nas próprias palavras de Grisey, o es-pectralismo apresenta uma atitude diferente em relação à composição musical e percep-ção sônica. Prologue é uma obra que apresenta essa característica de uma maneira bem didática ao leitor, pois desenvolve seus parâmetros de forma linear e gradual sem se trans-formar em uma peça técnica, no sentido banal da palavra. Prologue é uma das grandes obras para viola solo do repertório musical do século XX, escrita por um dos compositores

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

178

23_artigomais criativos deste período. Espera-se, por meio deste artigo, tornar a poética composi-cional de Grisey e do espectralismo mais acessível ao leitor. Refazer os caminhos e passos dos grandes mestres já é um bordão na rotina de estudo de um compositor, mas reitero aqui a importância de refletir uma obra “aos avessos” para se aproximar de sua realidade e essência durante seu processo de criação. Nas palavras de Philippe Leroux, Grisey “(...) lançou as bases para o que poderia ser uma nova forma de compor.” (LEROUX in COHEN-LEVINAS, 2004).18

Notas

1 Tradução nossa. Texto original: “I would not want to echo Boulez’s famous ‘inutile’ when he described those not acquainted with serialism; nevertheless, I find those composers working today who are completely untouched by spectralism are at least less interesting.”

2 Tradução nossa. Texto original: “At the very beginning, I started with real spectrums that I would analyze and then transform into external types of writings. But now, not any more. I quit. That was 20 or 30 years ago.”

3 Tradução nossa. Texto original: “Spectralism is not a system. It’s not a system like serial music or even tonal mu-sic. It’s an attitude. It considers sounds, not as dead objects that you can easily and arbitrarily permutate in all directions, but as being like living objects with a birth, lifetime and death. This is not new. I think Varese was thinking in that direction also. He was the grandfather of us all. The second statement of the spectral movement – especially at the beginning – was to try to find a better equation between concept and percept – between the concept of the score and the perception the audience might have of it. That was extremely important for us.”

4 Tradução nossa. Texto original: “The spectral adventure has allowed the renovation, (...) because it is not a clo-sed technique but an attitude.”

5 Tradução nossa. Texto original: “Well, I don’t care! [laughs] I really don’t care. That’s just – as I told you – just a sticker that we got at a certain period. I think my attitude is basically the same, but the departure point of spectralism was (...) the fascination for extended time and for continuity. How to compose an extended type of time in a composition without writing the sort of chromatic clusters like Ligeti in Atmospheres. What language does that extended time imply? That is really the starting point of spectralism and not the writing of spectrums or whatever. “

6 Tradução nossa. Texto original: “(...) just as the [12-tone] series is not a question of chromaticism, spectral music is not a question of sonic color. For me, spectral music has a temporal origin.”

7 Tradução nossa. Texto original: “Every piece has to teach the listener how to listen to it: what matters, what does not matter, what is at work.”

8 Tradução nossa. Texto original: “Spectral music is allied to electronic music: together they have achieved a re--birth of perception.”

9 Tradução nossa. Texto original: “Dans le cycle Les Espaces acoustiques, la basse harmonique de référence (son 1) est le MI (41,25 Hz).”

10 A partitura desta peça raramente utiliza barras de compassos. As poucas existentes são atribuídas à mudança de tempo e seção. Para fazer referência à partitura, realizarei a seguinte metodologia: {1 1 1}, no caso, se refere à primeira página, primeiro sistema da página, e primeiro material musical so sistema.

11 Estadia do autor deste artigo na Paul Sacher Stiftung em outubro de 2013 na Basiléia, Suíça, enquanto pesquisa-dor visitante. Foram analisados 13 folhas A3 e 38 folhas A4 contendo anotações, esquemas, tabelas, além de um versão quase finalizada de Prologue. Importante notar que fotocópias de manuscritos são proibidos pela funda-ção, apenas anotações à mão pelo pesquisador.

12 Tradução nossa. Texto original: “Tout a commencé avec Périodes pour sept musiciens, qui a été créé en 1974 à la Villa Médicis. Cette pièce consiste, d’un point de vue formel, en une succession d’épisodes et, dans le dernier d’entre eux, j’expérimentais pour la première fois une technique qui me paraissait devoir être développée. [...] Il me fallait donc écrire une suite et ce fut Partiels pour dix-huit musiciens qui inclut les instruments des Périodes. Puis je décidai finalmente de constituer un cycle entier qui commencerait par un pièce pour instrument seul, et finirait par le grand orchestre. Comme l’alto jouait un rôle prépondérant dans Périodes, la piece soliste se devait d’être écrire pour cet instrument et ce fut Prologue pour alto seul.”

13 Originalmente intitulada de Essai pour Alto, pode se verificar nos manuscritos a existência de uma versão com live-electronics para Prologue. Esta versão, não oficializada pelo compositor e nem por sua editora, foi intitulada de Prologue pour Alto et quelques résonateurs. Foi implementada pelo Ircam em 2011, em Paris. Desde então, alguns instrumentistas a executam nesta versão, como o faz Christophe Desjardins (1962).

14 Toda quantia de cents referente à série harmônica leva em consideração o sistema temperado enquanto padrão de referência.

RIBEIRO, F. A. Investigando Procedimentos Poéticos e Estruturais em “Prologue” de Gérard Grisey.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 165-179

179

23_artigo15 Cabe aqui lembrar a importância e reconhecimento que Grisey tinha no Ircam, instituto de pesquisa e coordena-

ção acústica-musical em Paris. Verifica-se isto, por exemplo, na tela de abertura do software Ircam OpenMusic em que é dedicado a Grisey além da forte inclinação da pesquisa do Ircam em geral à música espectral – algo minimamente curioso visto que o Ircam foi fundado por Pierre Boulez, um compositor pouco inclinado à estéti-ca em questão.

16 Anotações e ilustrações do próprio autor do artigo. Texto original contido no manuscrito em questão: “glisser très lentement les doigts”.

17 Disponível em <http://brahms.ircam.fr/gerard-grisey>. Acesso em 31 maio 2014.18 Tradução nossa. Texto original: “(...) il a aussi posé les fondements de ce qui pourrait être une nouvelle manière

de composer.”

Referências

BAILLET, Jérôme. Gérard Grisey – Fondements d’une écriture. Paris: L’Harmattan, 2000.

BUNDLER, David. Interview with Gérard Grisey. Twentieth Century Music. v.1, Março 1996.

COHEN-LEVINAS, Danielle. Le temps de l’écoute – Gérard Grisey, ou la beauté des ombres sono-res. Paris: L’Harmattan, 2004.

CZERNOWIN, Chaya. The other tiger. Search Journal for New Music and Culture, 2008, issue 2. Disponível em: http://www.searchnewmusic.org/index2.html. Acesso em: 31 maio 2014.

DELIÈGE, Célestin. Cinquante ans de modernité musicale: de Darmstadt à l’IRCAM. Contribution historiographique à une musicologie critique. Paris: Mardaga, 2003.

GRISEY, Gérard. Did you say spectral? Translated by Joshua Fineberg. Contemporary Music Review, 2000, v.19, Part. 3, p. 1-3.

. Périodes, per sette strumenti. Partitura. Milano: Ricordi, 1974.

. Prologue: pour alto seul. Partitura. Milano: Ricordi, 1978.

HARVEY, Jonathan. Spectralism. Contemporary Music Review, 2001, v.19/3, p. 11-14.

HERVÉ, Jean-Luc. Dans le vertige de la durée. Vortex Temporum de Gérard Grisey. Paris: L’Harmattan, 2001.

RIGAUDIÈRE, Pierre. Gérard Grisey. Disponível em: <http://brahms.ircam.fr/gerard-grisey>. Acesso em: 31 maio 2014.

Felipe de Almeida Ribeiro - Doutor em Composição Musical (Ph.D.) pela State University of New York at Buffalo (Estados-Unidos). Sua música tem sido executada e premiada nos Estados-Unidos, Canadá, Alemanha, Hungria, Brasil, Inglaterra, México, e interpretada por artistas como o Ralf Ehlers (Arditti Quartet), New York New Music Ensemble (EUA), Norbbotten Neo (Suécia), Thresensemble (Hungria), Arditti Quartet (Reino Unido), Nieuw En-semble (Holanda), etc. Atualmente é professor na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

180

24_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

uma Análise da escrita musical para orquestra de Cordas no Arranjo de Claus ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição para a Bossa nova

Flávio Régis Cunha (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP)[email protected]

Resumo: A escrita para orquestra de cordas do compositor Claus Ogerman é o cerne deste artigo. Começa por levan-tar questões sobre o movimento da Bossa Nova argumentando que este movimento não se desenvolveu esteticamente como um estilo exclusivamente brasileiro, mas que durante o desenvolvimento da estética do estilo, ocorreram pro-cessos transformadores que envolveram instituições transculturais, empresas fonográficas transnacionais e músicos não brasileiros, mais concretamente o orquestrador Claus Ogerman. Pretende, também, identificar a contribuição de Ogerman para a construção e consolidação da Bossa Nova como meio de expressão da cultura brasileira analisando sua escrita para orquestra de cordas. Essa análise será uma análise musical comparativa entre as linguagens musicais em que Ogerman transitou e a aplicação dessas influências na parceria que estabeleceu com Antonio Carlos Jobim. Em concreto, e com o propósito específico de identificar as relações entre as linguagens da música erudita e popular, será objecto de análise detalhada o arranjo que Claus Ogerman fez para a canção Desafinado.Palavras-chave: Análise musical; Orquestra de Cordas; Claus Ogerman.

Analysis of the Musical Writing of of Claus Ogerman the String Orquestra Arangment for Desafinado (1967) and its Contribution for the Bossa NovaAbstract: The writing for string orchestra by composer Claus Ogerman is the core of this article. It raises raising ques-tions about the movement of Bossa Nova arguing that this movement might not be only considered as a uniquely Bra-zilian style. During the development of the aesthetic style, occurred processes involving cross-cultural institutions, transnational record companies and non-Brazilian musicians, specifically the orchestrator Claus Ogerman, have to be considered. By analysing his writing for string orchestra, this article intends to identify Ogermans contribution for the construction and consolidation of Bossa Nova Style as a means of expression of Brazilian culture. This analysis will provide a comparative analysis between the musical languages in which Ogerman transitioned, also in regard to influences on the partnership established with Antonio Carlos Jobim. With the specific purpose of identifying the relationships between the languages of classical and popular music, the arrangement of Claus Ogermans song Jobim (Desafinado) will be analysed in detail.Keywords: Musical analysis; String Orchestra; Claus Ogerman.

1. Introdução

A escrita, os procedimentos e técnicas composicionais para orquestra de cordas do compositor germânico Claus Ogerman (1930), são o centro do estudo deste artigo. Claus Ogerman é habitualmente reconhecido por sua importância na música popular brasileira, cumprindo importante e duradoura parceria musical com um dos nomes mais importantes da música brasileira do séc. XX, a saber, o compositor António Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994). Cabe, ainda, destacar a notoriedade obtida por Ogerman durante a ex-pansão da Indústria Cultural1, produzindo inúmeros álbuns para renomados artistas repre-sentados por indústrias fonográficas transnacionais.

Claus Ogerman, arranjador, compositor e maestro recebeu sua formação musical dentro da música ocidental de tradição europeia, a qual obedece às diversas regras que se originam nos processos composicionais praticados pelos inúmeros compositores que segui-ram esta tradição, entre o período do fim da Renascença ao fim do século XIX e aplicou es-tes conhecimentos dentro dos estilos musicais pelos quais transitou.

O presente artigo começa por levantar discussões sobre a contribuição de Claus Ogerman para a construção e expansão da Bossa Nova, argumentando que este movimento não se desenvolveu e se solidificou esteticamente como um estilo exclusivamente brasilei-

Recebido em: 15/05/2014 - Aprovado em: 13/08/2014

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

181

24_artigoro, mas que durante o desenvolvimento da estética do estilo, ocorreram processos transfor-madores que envolveram instituições transculturais, empresas fonográficas transnacionais e músicos não brasileiros, mais concretamente o orquestrador Claus Ogerman. Pretende, também, identificar a contribuição de Ogerman para a construção e consolidação da Bossa Nova como meio de expressão da cultura brasileira analisando sua escrita para orquestra de cordas. Realizamos, portanto, uma análise da escrita musical com o intuito de averiguar quais foram os procedimentos composicionais usados pelo compositor focando a orquestra de cordas no arranjo que desenvolveu para Desafinado. Pretendemos também, investigar os pontos de contato e conexão entre as linguagens musicais nas quais Ogerman transitou e, a aplicação dessas influências na parceria que estabeleceu com Antonio Carlos Jobim. Em concreto, e com o propósito específico de identificar as relações entre as linguagens da mú-sica erudita e popular, será objeto de análise detalhada o arranjo para orquestra de cordas que Claus Ogerman fez para a canção Desafinado.

Com esse procedimento, o intuito foi averiguar se Ogerman valeu-se de sua forma-ção na música erudita tradicional europeia, sintetizando à sua ampla experiência como ar-ranjador de importantes artistas da indústria cultural de seu tempo, e se conseguiu hibri-dizar2 elementos das duas linguagens musicais, criando e desenvolvendo material original dentro do contexto da música brasileira, a saber, a Bossa Nova.

Levando em consideração que Ogerman produziu uma enorme quantidade de ar-ranjos e composições, sobretudo no campo da música popular, conquistando, assim, noto-riedade nesta área e, posteriormente, fazendo uso de sua experiência e conhecimento ao hi-bridizar elementos das linguagens da música popular e da música erudita, o presente artigo pretende analisar algumas das técnicas composicionais usadas na produção dos seus arran-jos, e especificamente, no arranjo para a canção Desafinado.

Acreditamos que o presente trabalho contribuirá para despertar e suscitar discus-sões acerca da obra do compositor Claus Ogerman não somente no que se refere à função primordial que Ogerman exerceu como arranjador na parceria musical entre o compositor Antônio Carlos Jobim, apresentando meios pelos quais o arranjador intervém na criação de uma obra, hibridizando a suas próprias referências e experiências musicais durante o pro-cesso de criação do arranjo, aplicando na composição original, a reelaboração das ideias originais do compositor, modificando a estrutura formal, harmônica, rítmica e melódica da obra.

Para concluir, o presente artigo anseia despertar o interesse de músicos intérpretes, compositores e musicólogos para que não somente a escrita para cordas do compositor Claus Ogerman mas a sua obra como um todo seja cada vez mais objeto de estudo e pesquisa.

2. A contribuição de Claus Ogerman para a construção e expansão da Bossa Nova

No início de sua carreira musical, fixou-se em Nuremberg, realizou seus estudos preliminares de música, piano, regência e composição com Ernst Groeschel, Karl Demmer e Richard Ottinger. Suas influências mais próximas são os compositores J. S. Bach, Max Reger, Alexander Scriabin e Igor Stravinsky. Na Alemanha participou de diversos grupos de jazz e também compôs música para o cinema. Em 1959, emigrou para os Estados Unidos de América, para a cidade de Nova Iorque, importante polo cultural da época, onde conheceu importantes músicos que o ajudaram a ingressar no mercado de música comercial ameri-cana, alcançando projeção nos Estados Unidos e no mundo como arranjador dos principais artistas de seu tempo.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

182

24_artigoEntre os anos de 1963 a 1980, além de uma longa parceria musical com o músico

brasileiro Antonio Carlos Jobim, Claus Ogerman trabalhou com os principais nomes da mú-sica popular americana, tais como Don Costa (1925-1983), Creed Taylor (1929), Francis Albert Frank Sinatra (1903-1998), e Quincy Delight Jones Jr. (1933). A partir de 1979, Ogerman, aos poucos, vai se retirando do mercado de gravação e inicia sua fase de maturidade composi-cional, criando suas próprias composições, permeadas de influências e reminiscências da música popular, como também, da música erudita de tradição europeia.

Um movimento original estava aparecendo no Brasil na época em que Ogerman se mudava de Munique para Nova Iorque em 1959: a Bossa Nova. Suas figuras de proa fo-ram o cantor e violonista João Gilberto e o pianista e compositor Antonio Carlos Jobim. Concomitantemente ao surgimento da Bossa Nova no Brasil, sobreveio o que o antropólogo e professor argentino Néstor García Canclini3 chamou de “fusão inter-americana”, isto é, o conjunto de processos de “norte americanização” dos países latino-americanos e “latiniza-ção” dos Estados Unidos. Este autor atribui o termo fusões a essas hibridizações4, já que a palavra fusão empregada preferencialmente em música, emblematizou o papel proeminente dos acordos entre indústrias fonográficas transnacionais:

É mais claro do que quando escrevi este livro que a interação dos setores populares com os hegemônicos, do local com o transnacional, não se deixa ler somente em cará-ter de antagonismo. As majors da indústria musical, por exemplo, são empresas que se movem com desenvoltura entre o global e o nacional. Especialistas em glocalizar [sic], elas criam condições para que circulemos entre diversas escalas da produção e do consumo (CANCLINI, 2011, p. XXXVII).

Embora não trate de globalização a priori, Canclini analisa processos de internacio-nalização e transnacionalização, uma vez que dá atenção às indústrias culturais e às migra-ções da América Latina para os Estados Unidos. Em seus estudos, o autor inclui até o arte-sanato e as músicas tradicionais, onde são analisados com referência aos circuitos de massa transnacionais, em que os produtos populares costumam ser expropriados por empresas turísticas e de comunicação.

Ao estudar movimentos recentes de globalização, Canclini adverte que estes não apenas integram e geram mestiçagens, mas também segregam, produzem novas desigual-dades e estimulam reações diferenciadoras. Algumas vezes, utiliza-se da globalização empresarial e do consumo para afirmar e expandir particularidades étnicas ou regiões culturais, como ocorre com a música latina e por que não dizer a música brasileira na atualidade.

Alguns atores sociais encontram, nesses processos, recursos para combater a glo-balização ou transformá-la e repropor as condições de intercâmbio entre as culturas, mas o exemplo das hibridizações (fusões) musicais, entre outros, destaca as diferenças e desigual-dades que existem quando elas se realizam nos países centrais ou periféricos (CANCLINI, 2011, pp. XXXI - XXXII).

O crítico de música canadense, biógrafo, letrista, e jornalista Frederick Eugene John “Gene” Lees (1928-2010) traduziu para o inglês algumas das canções de Jobim, tais como Corcovado (Quiet Nights of Quiet Stars) e Desafinado (Off Key). No período da Bossa Nova, LEES (2003) escreveu traduções ou adaptações das canções de Jobim ao lado do próprio compositor e, também, com Ogerman. O crítico canadense (2003) relata que, no período em que esteve no Brasil, um álbum de canções de Bossa Nova feito por Stan Getz e o guitarris-ta Charlie Byrd, produzido por Creed Taylor por meio do importante selo de jazz chama-do Verve, ganhou destaque nos Estados Unidos. Neste álbum, figurava a canção Desafinado

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

183

24_artigoque passaria a ser trabalhada por muitos dos grandes nomes da música popular da época, a saber, Tom Jobim, Claus Ogerman, Frank Sinatra e João Gilberto.

Em 1967, Frank Sinatra convidou Antonio Carlos Jobim para participar de um disco inteiro com versões das músicas de Jobim em inglês com os arranjos compostos por Claus Ogerman. Sinatra, que era conhecido como “A voz” (The Voice) gravou Garota de Ipanema, Dindi, Água de Beber, Desafinado, dentre outras composições de Tom Jobim. Como resul-tado desta parceria musical, foram lançados vários outros álbuns, a saber, Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967), Sinatra & Jobim (1970), Sinatra & Company (1971), até a última sessão de gravação dos dois juntos: Fly Me To The Moon, para o álbum Duets II (1994), de Frank Sinatra, pouco tempo antes de Tom Jobim falecer.

Apesar da ascensão do rock-and-roll, a sofisticada e altamente inteligente melodia de Tom Jobim, Desafinado, se tornou um poderoso hit. A Bossa Nova, então, se tornou uma espécie de moda ou modismo; em questão de meses, cresceu e espantosamente se espalhou, culminando em um concerto no Carnegie Hall (1962), incluindo Jobim e João Gilberto. Gene Lees apresentou Jobim para diversos músicos de Nova Iorque, dentre eles, Gerry Mulligan, com quem formou uma amizade tardia, mas produtiva, pois logo estariam escrevendo can-ções juntos.

Por intermédio da Verve, Creed Taylor produziu um álbum juntamente com Stan Getz, João Gilberto e Jobim (Getz/Gilberto), de enorme sucesso. Creed Taylor acabou por descobrir as habilidades de Jobim como pianista e decidiu, então, produzir um álbum que ganhou o título de Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays. Foi então que Creed Taylor contratou Claus Ogerman como arranjador do álbum. Sobre a gravação des-te disco, LEES (2003) relata que ele e Ogerman relembraram esta ocasião durante os anos que se passaram, pois, quando o disco foi confiado a Ogerman para criar os arranjos, Gene Lees conhecia apenas o seu trabalho de música comercial e na ocasião, disse não conse-guira entender porque Creed Taylor arregimentou um arranjador alemão para trabalhar em um disco onde figuraria um estilo de música brasileira de atributos sensuais e sensi-tivos. Numa entrevista mais recente, Creed Taylor disse a Gene Lees que, baseado em to-das as sessões de gravação em que tinha visto Ogerman trabalhar, Creed Taylor sabia que Ogerman poderia executar muito bem a tarefa: “Ele conhecia os espaços e tinha bom gos-to”, diria Creed Taylor.

Apenas pelo fato de Claus só escrever música ligeira e escrever de maneira convin-cente, não significaria que ele não poderia dar a volta e escrever um tipo de ma-terial completamente diferente. Eu apenas sabia que ele era o homem certo para o trabalho de Jobim (LEES, 2003, p. 186, grifo nosso).

De acordo com CABRAL (2008, pp. 183-184), nos dias 9 e 10 de maio de 1963, foi gravado o LP Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays, novamente no es-túdio A&R. Seguidamente à primeira conversa entre Jobim e Creed Taylor, Jobim pediu a indicação de um arranjador local, uma vez que Jobim só se sentia seguro quanto aos ar-ranjos quando sabia para quem estava escrevendo, e o agravante era que Jobim não co-nhecia os músicos norte-americanos. Quando Taylor revelou a Jobim que o alemão Claus Ogerman estava designado para a tarefa, Jobim demonstrou espanto e teria dito descon-fiado: ‘Ele vai transformar a minha música em marcha quadrada de banda prussiana’. Daí em diante, Ogerman recebe de Tom, o apelido carinhoso de Prussiano, usado durante o tempo em que trabalharam juntos. Sobre isso, Oliveira (2000) escreveu para o jornal Folha de São Paulo:

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

184

24_artigoAs reservas que Tom tinha com relação a um possível “temperamento prussiano” do arranjador caíram por terra nos primeiros encontros de trabalho. O resultado foi um disco primoroso - o primeiro de uma parceria que Tom fez questão de repetir em outras ocasiões (OLIVEIRA, 2000, grifo nosso).5

Gene Lees, parceiro nas versões de Jobim para o inglês havia se mostrado reticen-te com a escolha, pois tinha ouvido alguns trabalhos de Ogerman (muito provavelmente, as gravações de música comercial) e o achava péssimo. Como se viu, logo nos primeiros en-contros, a má impressão foi desfeita. Jobim deu um depoimento ao jornalista João Máximo, apropriando-se do jargão musical: “Afinamos logo. Claus é um músico sensível”. Gene Lees, por sua vez, disse: “Eu não tinha a menor ideia de que Ogerman era o brilhante arranjador que ele é” (CABRAL, 2008, p. 183-184).

Nasceu, então, uma espécie de conexão musical entre Antonio Carlos Jobim e Claus Ogerman. Trabalharam em diversas gravações juntos e a proximidade da linguagem artís-tica de ambos é perceptível. Para CABRAL (2008, p. 183 - 184), não há nada mais parecido com um arranjo de Tom do que outro arranjo de Ogerman.

Para Oscar Castro Neves, o que aconteceu durante o período em que trabalharam juntos foi que Ogerman teve boa vontade de aceitar todas as sugestões de Jobim desde o pri-meiro encontro, no disco Antonio Carlos Jobim, the Composer of Desafinado Plays:

Se ouvirmos todos os contrapontos, todas as linhas eram mesmo de Jobim. Ele deu a Claus tal riqueza de material que praticamente fez os arranjos junto com ele. Claus entrou com a concepção do peso da orquestra, a escolha dos instrumentos, a escrita e a valorização das cordas. Mas, se você ouvir as gravações brasileiras, o contraponto já estava lá. Os arranjos de Tom passaram a fazer parte das músicas (CABRAL, 2008, p. 183-184, grifo nosso).

Também sobre este álbum, Helena Jobim relata, na biografia que fez de seu ir-mão, que se iniciava uma amizade duradoura entre Jobim e Ogerman. Segundo Helena, Tom Jobim sempre preferia que Ogerman realizasse os arranjos das suas músicas (JOBIM, 1996, p. 121).

O disco foi bastante bem recebido e assentou Tom Jobim definitivamente como es-trela de primeira grandeza da música nos EUA. Foi então que o crítico de música americano Pete Welding escreve um artigo para a Down Beat,6 uma consagradora crítica que, na versão do disco lançada no Brasil por meio da gravadora de discos Elenco, o diretor da gravadora (na ocasião, Aloysio de Oliveira) sequer se deu ao trabalho de traduzi-la e publicou na con-tracapa do LP em inglês, ao invés de português. Segundo a crítica de Welding (1967):

[...] Os arranjos para cordas feitos por Claus Ogerman captam perfeitamente a es-sência da alegria flutuante e de tristeza pensativa da música de Jobim, e levam adiante as linhas sem esforço e enganosamente simples do piano-de-um-dedo-só do compositor, complementando-as e secundando-as com maravilhosa força rítmica e claridade melódica. Cada acompanhamento destaca soberbamente a essência carac-terística da melodia à qual foi acoplado [...] (Welding, 1967, p. 32, grifo nosso).7

No artigo da ‘Down Beat’, o disco foi premiado com cinco estrelas, o que para a épo-ca era a nota máxima.

O álbum Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays ainda é conside-rado uma referência para muitos. A escrita orquestral é econômica, usando poucos instru-mentos da orquestra, mas com uma escrita para cordas diferenciada no ritmo, na harmonia e na transparência melódica.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

185

24_artigoGene Lees deixa bem claro que o álbum Antonio Carlos Jobim, The Composer of

Desafinado Plays, foi um ponto importante em sua vida, na medida em que sua amizade com Ogerman ficou consolidada. Para Ogerman, o álbum o guiou para um amplo relacio-namento de trabalho com Jobim; o mesmo feito que havia conseguido com Creed Taylor. Segundo Ogerman, os dois produziram em torno de dezessete álbuns juntos.

Provavelmente, todo o sucesso de Ogerman como músico, arranjador e compositor, não se deve simplesmente a esse episódio (microambiente) e ainda, não colocamos em ques-tão se sua música possuía propriedades criativas, suficientes para alcançar o gosto do públi-co; no entanto, deve-se ao que CANCLINI (2011, p. XXXI) designa de processos globaliza-dores, os quais acentuam a interculturalidade moderna quando geram mercados mundiais de bens materiais e dinheiro, mensagens e migrantes:

Os fluxos e as interações que ocorrem nesses processos diminuíram fronteiras e al-fândegas, assim como a autonomia das tradições locais; propiciam mais formas de hibridação produtiva, comunicacional e nos estilos de consumo do que no passado. Às modalidades clássicas de fusão, derivadas das migrações, intercâmbios comer-ciais e das políticas de integração educacional impulsionadas por Estados nacio-nais, acrescentam-se as misturas geradas pelas indústrias culturais (CANCLINI, 2011, p. XXXI, grifo nosso).

Como vimos, a partir do momento em que Creed Taylor arregimentou Ogerman para trabalhar na produção do disco Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays, e o faz encontrar-se com Jobim, o sucesso de Ogerman como músico e arranjador, e também a bossa nova, ganharam lugar de honra na comercialização de música popular, sen-do alvos da indústria cultural.

De fato, o que ocorreu no macro ambiente foi um processo de internacionaliza-ção e transnacionalização entre culturas, a saber, a cultura brasileira (com Jobim), a alemã (Ogerman), e, por fim, a americana, com a gravadora Verve, por intermédio de Creed Taylor. Com Creed Taylor, segundo LEES (2003, p. 187), Ogerman produziu cerca de sessenta ou, talvez, setenta álbuns.

Durante os vinte anos seguintes (1959–79), escreveu música (arranjos e orquestra-ções) e produziu álbuns para um infindável número de cantores, e nesse período, a Bossa Nova estava surgindo no Brasil, mais precisamente em 10 de junho de 1959 com o lança-mento do LP Chega de Saudade com João Gilberto interpretando as composições de Tom Jobim e do poeta Vinícius de Moraes. De acordo com LEES (2003, p. 185-192), foi o período onde escreve novamente arranjos para João Gilberto no álbum chamado Amoroso (1977), e também para Jobim, no álbum Terra Brasilis (1979).

O trabalho em parceria com Jobim vai muito além de simples arranjos das canções de Jobim. De acordo com LEES (2003, p. 177) uma parceria de trabalho que é difícil deli-mitar onde o compositor e também maestro Antonio Carlos Jobim começa e em que ponto Ogerman termina.8

De acordo com LEES (2003, p. 177), durante o período de 1959-79 e segundo a pró-pria estimativa de Ogerman, participou ou como arranjador ou como produtor em mais de trezentos álbuns. Claus Ogerman demonstra um enorme conhecimento musical que vai desde a música pop comercial até as belas e luxuosas linhas melódicas dos seus arranjos de cordas, e as elegantes harmonias do jazz. Sobre isso, Gene Lees relata um fato curioso

Uma vez – acho que foi em 1979 – nós estávamos jantando em Nova Iorque. Fiquei com a sensação de que ele estava vagamente envergonhado daquilo que ele havia fei-to. Disse a ele que ele tinha pensado no plano perfeito: feito muito dinheiro com músi-

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

186

24_artigoca, escrevendo música comercial, uma imensa quantidade de lixo musical para dar a si mesmo a liberdade de escrever aquilo que lhe daria prazer. ‘Ah, mas não havia plano nenhum, eu só queria o dinheiro’, respondeu Ogerman com aquela honestidade que lhe era peculiar. ‘Também, eu às vezes pensava se havia feito a coisa certa. Eu tinha dúvidas sobre onde eu deveria ficar na música clássica. Mas então eu poderia ser um homem infeliz em algum lugar na Alemanha, escrevendo obscuros sextetos de cordas que ninguém nunca iria tocar e ninguém nunca iria ouvir (LEES, 2003, p. 177, grifo nosso).9

LEES (2003, p. 194) argumenta que após a produção do álbum Terra Brasilis de Jobim em 1979 ele se afastou da música comercial e dá total prioridade às suas próprias composições de música erudita e, assim como Maurice Ravel, Steve Reich e outros compo-sitores do início do século XX, utilizou o jazz como material composicional.

Claus Ogerman foi indicado ao prêmio de música Grammy Awards em diversas ca-tegorias quinze vezes, mas ele venceu apenas uma vez, na categoria melhor arranjo instru-mental para a música Soulful Strut do guitarrista George Benson. LEES (2003) concorda que Ogerman mereceria ganhar sozinho nesta categoria com as composições Boto, Saudade do Brasil (ambas dentro do álbum Urubu em parceria com Tom Jobim), Wave, dentre outras mais. No entanto, isso é demasiado significante, pois Ogerman foi o arranjador que apare-ceu em trinta e seis álbuns que foram apontados para concorrer ao Grammy e, apenas em 1976, foi indicado ao prêmio em nove álbuns.

3. A escrita musical, o tratamento e os procedimentos composicionais para a orquestra de cordas no arranjo para Desafinado

O arranjo de Ogerman que analisaremos é o que foi registrado no disco A Certain Mr. Jobim (1967), é posterior ao arranjo de Jobim, gravado para o disco première de João Gilberto, Chega de Saudade (1959). Escolhemos este exemplo devido à importância que Desafinado representou na obra de Jobim como também na obra de Ogerman.

Para construir seu arranjo, Ogerman certamente se baseou em um arranjo anterior de Jobim, gravado no disco de Chega de Saudade (1959). Ogerman também colaborou com Jobim no arranjo de Desafinado, registrado no álbum que analisamos previamente (Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays), escrevendo para a orquestra (cordas, ma-deiras e metais) mas, no entanto, não realizaremos neste trabalho, a análise deste arranjo de 1963, por não possuirmos a partitura. A análise da linguagem artística do compositor foi realizada baseando-nos no arranjo de 1967 (do álbum A Certain Mr. Jobim), com a referência do manuscrito do próprio Ogerman10.

Para a realização da análise de Desafinado também nos serviu de orientação o tra-balho de DUARTE (2010) uma análise da obra musical de Antonio Carlos Jobim produzi-da em parceria com Claus Ogerman, buscando evidenciar os meandros da contribuição de Ogerman na obra de Jobim, e como esta contribuição se estruturou ao longo dos anos que trabalharam em conjunto.

O arranjo foi escrito para a seguinte instrumentação: três flautas, trombone, violi-nos, violoncelos e os habituais instrumentos da sessão: piano, violão, bateria e contrabaixo. Ogerman projeta o arranjo para a tonalidade de Ré Maior, diferentemente do arranjo ante-rior de Jobim, o qual foi escrito para flauta, trombone, violinos, violoncelos e sessão rítmi-co-harmônica (baixo, bateria e violão). No arranjo de Jobim, a tonalidade escolhida difere em um tom acima ao arranjo de Ogerman (Ré maior), o qual foi escrito para a tonalidade de Mi maior.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

187

24_artigoCuriosamente, Ogerman exclui as violas do naipe das cordas, provavelmente e in-

tencionalmente para proporcionar brilho e clareza à sonoridade das cordas na região mé-dio-aguda do naipe. Apesar de dar ênfase na combinação de texturas e na exploração da região extremo aguda do naipe das cordas, Ogerman escreve, de certa forma, de maneira minimalista, fazendo uso de poucos elementos, dentro de uma instrumentação simplifi-cada e suave, explorando dinâmicas leves e as combinações dos timbres das flautas e das cordas.

Os possíveis elementos que Ogerman toma emprestado do arranjo anterior (de Jobim, 1959) são os contracantos simultâneos entre violinos e trombone, que, no arranjo de Ogerman, ocorrem nas flautas e nos violinos, para a mesma passagem. Ogerman utiliza o recurso da orquestra (e principalmente o naipe das cordas) para imprimir sua característica pessoal à composição de Jobim. Assim como Jobim empregou em seu arranjo de 1959, para demonstrar suas habilidades como exímio orquestrador, Ogerman faz uso das cortinas har-mônicas11 e contracantos ativos12 e passivos13 para expandir a textura orquestral do arran-jo, mas com o acréscimo de uma enorme quantidade de contrapontos melódicos. De acor-do com GUEST (1996, p. 119) muito se fala sobre uma cortina harmônica por trás de uma melodia principal e, segundo este autor, uma cortina harmônica é um contracanto passivo harmonizado em bloco. Primeiramente é necessário criar um contracanto melodioso; de-pois esse contracanto deve ser composto em bloco. Segundo o autor, o fato do contracanto ser passivo ou de pouca mobilidade, não diminui sua força melódica. É a sua elaboração em bloco que resultará em uma cortina harmônica forte e vigorosa, por ser dirigida por uma melodia previamente composta. Também de acordo com GUEST, um contracanto ativo é uma melodia composta para funcionar com a melodia principal, em articulação rítmica complementar e em contraste com esta melodia. Complementar por ser articulado em mo-mentos de relativa estabilidade da melodia principal.

Dentro dos 81 compassos, o arranjo possui a seguinte estrutura formal:

INTRODUÇÃO A | A’ | B | A’’ | CODA

INTRODUÇÃO [12 c.14], A [c. 11-26], A’ [c.27-38], B [c.39-58], A’’ [c.59-77], CODA [c.78-81].

Ogerman faz a anotação da contagem dos compassos após os dois compassos ini-ciais do arranjo, indicando a letra A de ensaio, para o início da parte A do arranjo. Com este procedimento a intenção do arranjador é de meramente indicar a letra A de ensaio, coin-cidindo com o início da melodia original de Jobim para Desafinado. Portanto, o início da contagem dos compassos ocorre dois compassos depois que o arranjo é introduzido pelas cordas e no terceiro tempo do segundo compasso (que não possui número de compasso in-dicado) pelas flautas.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

188

24_artigo

Figura 1: Manuscrito original (partitura de Ogerman) de Desafinado indicando o procedimento da contagem de compassos.

Os dois compassos iniciais antes da letra A de ensaio representam a primeira parte da introdução de doze compassos, pois os dois primeiros não são contados. Duas melodias são escritas, a saber: uma para os violinos e uma segunda para os violoncelos, as quais ca-minham paralelamente em colcheias e em movimento contrário. No segundo compasso, os violinos apoiam a nota Sol4, enquanto os violoncelos sustentam a nota La1, as quais são no-tas dos extremos melódicos do acorde dominante de Lá maior, com sétima menor e quinta diminuta, que é construído no terceiro tempo do compasso.

Exemplo 1: Dois primeiros compassos iniciais de Desafinado (partitura criada por este autor).

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

189

24_artigoA partir da letra A de ensaio, a segunda parte da introdução é iniciada (c. 1-10),

onde uma melodia em colcheias é citada pelo piano e acompanhada pela cortina harmôni-ca das cordas, na técnica de composição denominada bloco. A técnica de distribuição das vozes nos blocos dessa passagem obedecem ao caminho descrito a seguir: entre o compasso 1 e os dois primeiros tempos do compasso 6, os contrabaixos realizam uma linha cromáti-ca descendente, dobrando a linha com os violoncelos à distância de uma oitava. Com isso, configura-se uma distribuição em posição espalhada (spread). Partindo do terceiro tempo do compasso 6, os violinos e os cellos se distinguem do contrabaixo.

A passagem é antecipada e reforçada pelo acorde de Lá maior com décima terceira, executado pelo trio das flautas. Até o final da introdução (c. 10 escrito), as cordas percor-rem um caminho dentro a técnica composicional denominada Drop 2. A passagem que é iniciada a partir do terceiro tempo do compasso 7, a voz mais aguda, escrita para os primei-ros violinos, ascende até ao extremo agudo. Ogerman faz uso recorrente desse recurso or-questral, característico de sua obra. Os segundos violinos realizam um divisi15 com a função de concluir as vozes restantes do Drop 2. Observemos o exemplo na partitura por reeditada pelo autor do presente artigo:

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

190

24_artigo

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

191

24_artigo

Exemplo 2: Letra A de ensaio [c. 1-12] de Desafinado.

Analisando a parte A da melodia (c. 11-26), surgem contracantos de resposta que imitam a melodia e a cortina harmônica em posição espalhada. Na parte A, também ocor-rem contracantos de resposta executados pelas cordas em harmônicos (c.30). No entan-to, devemos salientar os contracantos realizados simultaneamente pelas flautas e violinos (c.33-39). O contracanto executado pelos violinos é um típico contracanto passivo, utilizan-do notas longas (c. 37-44). No caso das flautas, ocorre um contracanto ativo, executando a melodia em uníssono. Os contracantos são acompanhados pela cortina harmônica das cor-das, dentro de uma técnica composicional de distribuição das vozes bastante diversifica-da, sendo que é possível identificar as técnicas de construção em blocos. O contracanto das flautas, escrito com grandes saltos intervalares e notas longas, é bastante característico da linguagem composicional de Ogerman (DUARTE, 2010, p. 62-63). Observemos os exemplos a seguir:

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

192

24_artigo

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

193

24_artigo

Exemplo 3: Letras B, C, D e E de ensaio [c. 13-44] de Desafinado.

A partir dessa passagem surgem diferentes contracantos com as mesmas característi-cas. Na letra E de ensaio [c. 39-58], os violinos realizam um contracanto ativo com muitos sal-tos intervalares. No compasso 56, surge um contracanto para as flautas, modificando o con-tracanto ativo dos violinos, fazendo com que este aos poucos se torne mais passivo, com notas prolongadas e com menos saltos intervalares. Por consequência, o contracanto das flautas se torna ativo, com o surgimento de grandes saltos intervalares e notas mais articuladas. Os dois contracantos caminham paralelamente até o compasso 59, observando o procedimento des-crito acima; enquanto um realiza um contracanto ativo, o outro fica mais passivo.

Prosseguindo, podemos encontrar na parte A’ da melodia (c.59-77) contracantos com características mais passivas, realizados conjuntamente pelos violinos e pelas flautas. Observando os compassos 65 e 66, ocorre um breve contracanto realizado pelos violinos em um ritmo uniforme, juntamente com a melodia principal. O contracanto é iniciado tan-to pela melodia quanto pelas cordas, por meio da mesma nota; no entanto, seguem seu dis-curso em movimento contrário.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

194

24_artigo

Exemplo 4: Letras G e H de ensaio [c. 53-68] de Desafinado.

Nos compassos finais (c.78-79), surge uma pequena Coda. Ocorre uma modulação por meio de um acorde pivô, o acorde de Dó maior com sétima maior para a tonalidade ho-mônima (Si maior) do relativo menor (Si menor) da tonalidade original da composição (Ré maior). Na nova tonalidade, dentro do naipe das cordas, os violinos constroem uma abertu-ra de acordes (upper structure) sobre o acorde de Si maior. A abertura é a tríade superior, Ré sustenido menor, que está acima do acorde de Si maior (DUARTE, 2010, p. 63).

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

195

24_artigo

Exemplo 5: Letras I e J de ensaio [c. 69-81] de Desafinado.

No arranjo, é possível notar que Ogerman prefere valorizar as ideias originais de Tom Jobim, expandindo e reorganizando as ideias musicais de compositor por meio de sua nova orquestração, e, ainda, trazendo elementos de contraste.

Comparando o arranjo original de Jobim com o arranjo de Ogerman, na introdu-ção, a melodia permanece a mesma (c.1-8), mas com algumas diferenças: no arranjo de Jobim, a passagem em que a melodia estava escrita para o trombone passa a ser executada pelas cordas no arranjo de Ogerman, proporcionando mais leveza ao trecho. No arranjo de Jobim, o instrumento por ele escolhido (o trombone) garantia ao trecho uma sonorida-de mais incisiva e marcante, devido à sonoridade se localizar na região médio-aguda do instrumento.

Numa análise comparativa entre o arranjo de Jobim de 1959, e o de Ogerman, de 1967, o arranjo de Ogerman traz pouca inovação no que se refere à estrutura formal. É no tratamento harmônico que Ogerman faz suas incursões, utilizando passagens do texto de Off Key (Desafinado), para acrescentar, cada vez mais, trechos com dissonâncias até então não usuais ao estilo da Bossa Nova, valendo-se das técnicas de distribuição de vozes em blocos. Na passagem onde o texto em inglês diz: “you insist my music goes against the ru-les”, com o intuito de dar suporte ao texto, o compositor desenvolve uma melodia harmoni-zada em blocos, recorrendo a significativo número de dissonâncias nos acordes (DUARTE, 2010, p. 108).

O fato do arranjador Claus Ogerman ter usado principalmente a orquestra de cor-das é um dado significativo para a fusão das linguagens da música erudita e da música po-pular, uma vez que na música popular as formações instrumentais frequentemente são me-

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

196

24_artigonores, como por exemplo os trios, quartetos e quintetos de Jazz e de música instrumental. O uso de uma orquestra de cordas e algumas madeiras não foi propriamente uma inovação de Ogerman para a música popular, mas foi um meio de expressão próprio da música erudita do qual Ogerman usou para compor seus arranjos. O modo como usou foi inovador, combi-nando timbres dentro do naipe das cordas, excluindo as violas e escrevendo a voz das vio-las para os primeiros violoncelos. Ogerman orquestrou muitos de seus arranjos e também em Desafinado de maneira econômica, usando poucos instrumentos, explorando dinâmi-cas muito leves e mistura dos timbres das flautas e das cordas. Para este arranjo Ogerman também escreveu linhas diferentes para três flautas, fazendo com que as flautas executas-sem harmonias e contracantos ativos e passivos. Ogerman também proporcionou sonorida-de única ao naipe das cordas devido ao frequente uso da cortinas harmônicas, dentro de uma técnica composicional de distribuição de vozes e técnicas de construção em blocos.

Considerações finais

Realizando procedimentos de análise da partitura Desafinado nos foi possível iden-tificar na orquestração, na composição dos contracantos e no uso da harmonia tradicio-nal juntamente com a técnica de composição em blocos, a hibridização das duas lingua-gens musicais (a erudita e popular) que fizeram parte da formação artística do compositor Claus Ogerman e vislumbrar uma faceta de sua produção artística na canção Desafinado. O arranjo que Ogerman desenvolveu para Desafinado apresenta uma intervenção direta e intensa no que diz respeito à inclusão de ideias e da ampliação do papel da orquestra, em-bora Ogerman ainda empregue muitas das ideias composicionais de Antonio Carlos Jobim (DUARTE, 2010, p. 64). Segundo DUARTE:

Apesar da ênfase na combinação de texturas e da exploração das regiões agudas das cordas de forma pontual, o intimismo e a contenção são preservados nesse arranjo pelo uso de uma instrumentação de timbres suaves, com base nas cordas e flautas, e dinâmicas leves (DUARTE, 2010, p. 64, grifo nosso)

Concluímos portanto que o surgimento e a atuação do compositor Claus Ogerman no cenário da música comercial americana e, posteriormente da Bossa Nova, concretizada por meio da duradoura parceria com Antonio Carlos Jobim, contribuiu para a construção e o desenvolvimento da sonoridade musical de uma parcela da obra do próprio Jobim, abrin-do os ouvidos do mundo para um estilo novo de música popular brasileira.

Notas

1 Analisando o período em questão, inevitavelmente nos remete ao pensamento do filósofo e músico Theodor W. Adorno (1903-1969), a quem se atribui a criação do conceito, em coautoria com o filósofo e sociólogo Max Horkheimer (1895-1973), do termo Indústria Cultural. Tal como diz ADORNO (1996), o termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Theodor Adorno, numa série de conferências radiofônicas, pronunciadas em 1962, explicou que a expressão Indústria Cultural tende a substituir cultura de massa, pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos deten-tores dos veículos de comunicação de massa (Adorno, In: Os Pensadores, 1996, p. 7, grifo nosso).

2 Termo cunhado pelo antropólogo Néstor Garcia Canclini para designar fusões, sincretismos ou mestiçagens.3 CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade/Néstor García Canclini; tra-

dução Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. - 4. Ed. 5. reimp. - São Paulo: EDUSP, 2011. - (Ensaios Latinoamericanos, 1).

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

197

24_artigo4 CANCLINI (2011, p. XXXIX) considera atraente tratar a hibridação como um termo de tradução entre mestiça-

gem, sincretismo, fusão e os outros vocábulos empregados para designar misturas particulares. Segundo CAN-CLINI. Parto de uma primeira definição: ‘entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estrutu-ras ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas’ (CANCLINI, 2011, p. XIX, grifo nosso).

5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29315.shtml>. Acesso em: 13 Mai 2014.6 Importante publicação norte-americana especializada em música popular. 7 Tradução nossa.8 Tradução nossa.9 Tradução nossa.10 O manuscrito completo de Desafinado pode ser consultado no site do Instituto Jobim. Disponível em: <http://

www.jobim.org/jobim/handle/2010/7701>. Acesso em 12 Mai 2014.11 De acordo com Guest “a boa cortina harmônica é um contracanto passivo harmonizado em bloco. Primeiro,

cria-se um contracanto melodioso; depois, esse contracanto deve ser elaborado em bloco. O fato do contracanto ser passivo ou de pouca mobilidade não diminui sua força melódica. Sua elaboração em bloco resulta em ‘cortina harmônica’ forte e vigorosa, por ser encabeçada por uma melodia previamente criada” (GUEST, 1996, p. 119, grifo nosso).

12 “Um contracanto é criado para funcionar com a melodia principal, em articulação rítmica complementar e em contraste com esta melodia. Complementar por ser articulado em momentos de relativa estabilidade da melodia principal. Falamos de contracanto harmonizado quando o fundo melódico, passivo ou ativo, for realizado em bloco”. Cf. GUEST, Ian. Arranjo: Método Prático vol. 2. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1996, p. 119, grifo nosso.

13 Contracanto melodioso. Cf. GUEST, Ian. Arranjo: Método Prático vol. 2. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, g.14 Compassos.15 Divisi: (It., “dividido”) Instrução para que uma sessão da orquestra (particularmente das cordas) divida-se

em duas ou mais, assumindo partes separadas, frequentemente notadas no mesmo pentagrama. Cf. Dicionário Grove de Música. Edição Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994, p. 270, grifo nosso.

Referências

ANDERSON, M. FANFARE. The magazine for serious Record Collectors. Claus Ogerman, Acessible Composer. January/february 2003. Volume 26, Number 3.

CABRAL, Sérgio. Antonio Carlos Jobim: uma biografia/Sérgio Cabral. São Paulo: Lazuli Editora: Companhia Editora Nacional, 2008.

CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade/Néstor García Canclini; tradução Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. 4. ed. 5. reimp. - São Paulo: EDUSP, 2011. – (Ensaios Latinoamericanos, 1).

. Música no Brasil: História e Interdisciplinaridade Algumas Interpretações (1926-1980). In: História em debate. Atas do XVI Simpósio Nacional de História, ANPUH/CNPQ, Rio de Janeiro, 1991, p. 151-189.

DUARTE, Luiz de Carvalho. Os Arranjos de Claus Ogerman na Obra de Tom Jobim: Revelação e Transfiguração da Identidade da Obra Musical. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília - DF, 2010. DF: UnB, 2010. 121p.

GUEST, Ian. Arranjo: Método Prático vol. 2. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1996.

. Arranjo: Método Prático vol. 3. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1996.

JOBIM, Helena. Antonio Carlos Jobim: um homem iluminado/Helena Jobim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

LEES, Gene. Friends along the way: a journey through jazz/Gene Lees. Yale University press. New Haven & London, 2003.

CUNHA, F. R. Uma Análise da Escrita Musical para Orquestra de Cordas no Arranjo de Claus Ogerman para Desafinado (1967) e sua Contribuição...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 180-198

198

24_artigoOLIVEIRA, Luis Roberto. Tom Jobim e seus maestros. In. Folha de São Paulo, Caderno ilustrada, 9 de dezembro de 2002.

STRUNK, Steven. Grove Music Online. Item Ogerman, Claus. Disponível em: <http://www.oxfordmusiconline.com:80/subscriber/article/grove/music/J336100>. Acesso em: 23 Nov 2012.

WELDING, Pete. Antonio Carlos Jobim. Texto na contracapa do disco. Elenco ME-9, 1963.

Flávio Régis Sudário Cunha - (n. 1979) Regente, pianista e compositor. Graduou-se em Publicidade, Propagan-da e Marketing pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001) e em Regência pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (2009) e é Mestre em ‘Educação, Arte e História da Cultura’ pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Trabalha na “Coordenadoria de Arte e Cultura” da Universidade Presbiteriana Mackenzie com compo-sição, regência e gravações para as diversas formações corais e instrumentais da instituição. São Paulo, SP, Brasil; E-mail: [email protected].

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

199

25_artigo

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

marco uccellini’s sonata ottava op. 4: perspectives in Grouping, meter and metrical Dissonance

Eduardo Solá (University of Toronto, Faculty of Music, Toronto, Canadá)[email protected]

Abstract: Rhythmic and metric perception has changed drastically over time, and it is at least dangerous to over-look its significance for performance. Current methods for analyzing grouping and displacement dissonances, here in combination with a unique approach to the elasticity of rhythmic cells, shed some light on the composi-tional complexity in this specimen from seventeenth-century violin repertoire. The main goal in this study is to promote an expansion in contemporary metric/rhythmic perception with special attention to historical context. It also deals with rhythmic notation, challenging the purpose of modern edition making in relation to the origi-nal musical text.Keywords: Violin; Marco Uccellini; Seventeenth (17th) century; Metrical dissonance; Rule of Down-Bow; Musical notation.

A Sonata Ottava op. 4, de Marco Uccellini: Perpectivas em Agrupamento, Métrica e Dissonância MétricaResumo: A percepção rítmica e métrica mudou drasticamente através do tempo, e é pelo menos perigoso descon-siderar sua significância para a performance. Métodos atuais para análise de dissonâncias de agrupamento e des-locamento, combinadas aqui a uma abordagem única da elasticidade de células rítmicas, lança alguma luz sobre a complexidade compositiva nesse espécime do repertório violinístico do século XVII. Esse estudo tem como princi-pal objetivo promover a expansão da percepção métrica/rítmica contemporânea, com atenção especial para o con-texto histórico. Ele também diz respeito à notação rítmica, desafiando o propósito de edições modernas em relação ao texto musical original. Palavras-chave: Violino; Marco Uccellini; Século XVII; Dissonância métrica; Rule of Down-Bow; Notação musical.

1. Introduction

The present study aims at exploring how the early-seventeenth-century violinist may have perceived and interpreted meter in a particularly challenging repertoire and its problematic issues to do with tempo and rhythm. Marco Uccellini’s Sonata ottava a Violino e Basso, from his op. 4 (1645), will be used here to exemplify the way in which these prob-lems come into existence, being even more salient to the modern musician, and how some practical historical guidelines offer a unique alternative to performing metrical stress. The absence of bar lines in Italian instrumental works in the first half of the century required an alternative way of perceiving local metrical units that essentially differs from the ones available today. The current tendency to inevitably analyze and interpret this repertoire with modern eyes, even in a “historically informed” approach, has doubtlessly interfered in the way we understand it. To be sure the advent and establishment of the bar line in music notation is a significant landmark in the realm of metrical perception and performance, but not the only system. Although it eventually replaced the mensural legacy from several past centuries, both notational systems still coexisted throughout the theoretical limbo the be-ginning of the seventeenth century eventually became.

As a general proposition this study will focus on a contextual approach to this repertoire, taking into consideration the substantial lack of bar lines found in some of these works and drawing upon treatises and performing instructions from authors active around the time and place where Uccellini wrote his op. 4, no. 8. However, especially be-cause it was conceived at a time when a clear theory of rhythm and meter could not be

Recebido em: 07/03/2014 - Aprovado em: 26/04/2014

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

200

25_artigodevised, some modern analytical tools will become useful in understanding the richness of its rhythmic intricacies and ambiguities. For that purpose this study will make use of a transcription elaborated by the author specifically for the present research, as well as some recent analytical systems, especially the unique view on metrical dissonances in Harald KREBS’s text (1999). Some of the historical documents and treatises, often contain-ing straightforward performing instructions and rules directed specifically to actual play-ers, largely amateurs, did not require a profound knowledge of the complications related to tactus; on the contrary, they were expected to be a solution for those who did not have the time (or the knowledge required) to spend in trying to figure them out. Nonetheless, although a thorough comprehension of meter was concealed from the performer, the com-poser was more likely to have been able to master it. Meter becomes of particular interest in regards to the way in which Uccellini notated this specific sonata, as well as the metri-cal dissonances resulting from both his compositional wit and the performer’s execution of the written music.

Approaching early-Baroque repertoire inevitably touches more general issues per-taining to its performance as well, such as the validity of modern editions and transcrip-tions and their function in contributing to historicity. Seventeenth-century music has re-cently received a boost when it comes to modern transcriptions from early editions, as more and more works, including those by minor composers, are becoming available in print as an alternative to facsimile editions. The only authoritative published transcription of the op. 4 presently available (UCCELLINI, 2000) comprises a clean and fresh rendition of all twelve sonatas in modern notation. But, in reality – and especially in the context of rhythm and meter –, what is a transcription for? Does it facilitate performance? Does it make the no-tation more accessible to the performer? Does it bring out rhythmic, metrical features and other musical qualities that are not clear from the first edition? Is it, therefore, ultimately significant for historicity? While these inquiries can be difficult to answer depending on the repertoire and work under study, there are cases that prove a challenge to editors. The Sonata ottava might well be one of them .

2. Overview and Background: Tactus and the “Rule of Down-Bow”

Justin LONDON (2013), in the New Grove article on rhythm, suggests that, as far as its history is concerned, it is not possible to come up with a single, unified theory of rhythm and meter by the beginning of the seventeenth-century. In this sense one could al-most say that there are as many interpretations of tactus and tempo as there are authors writing about them at the time. It was probably in this context that some theorists voiced their concern about issues to do with rhythm, especially the ones related to proportions and time signatures (in duple or triple meter). Michael Praetorius (2001), in 1618, talking about tactus, says:

When I examine the compositions of contemporary Italians, which within very few years have come to be set in an entirely new manner, I find many discrepancies and great variety in their use of signatures in both tactus aequalis and inaequalis. (p. 61)

He also shows his indignation at how carelessly contemporary composers them-selves regarded some of their own guidelines:

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

201

25_artigoI see that most [writers] do not observe their own rules [concerning signatures] and use one indiscriminately in place of the other. Therefore it is my humble opinion that in order to keep from hindering students and singers with superfluous matters, all signatures shown above should be eliminated without hesitation (the more so since they prove unnecessary, useless, and indeed extremely involved), even though famous musicians have used them until now. Only the signature 3/1 or 3 should be used in tripla and 3/2 in sesquialtera. (p. 61)

In the specific case of time signature here, Praetorius has a very good reason to try to untangle the enormous amount of conflicting information accumulated throughout the Middle Ages and Renaissance and still very much present in the beginning of the seven-teenth century. But, on the other hand, so do all other authors, and yet nearly every single one of them comes up with a different, “better” solution, thus giving way to even more dis-crepancies. The problem is that concepts such as time signature and proportion not only indicated the tempo (or were supposed to do so), they actually influenced the way the notat-ed values were to be grouped and interpreted, becoming especially crucial in performance whenever bar lines were not notated.

It must have been in this context as well that performing musicians, in writing on instrument playing and other musical matters – and probably amateur musicians strug-gling to understand the complicated state rhythm and meter had reached –, started to de-velop essentially practical, rather simple rules intended for actual music making. One of the most well known of them concerns bowed instruments and right-hand technique. Although recent scholarship is not clear as to when exactly the “Rule of Down-Bow” was first coined as a term, different authors start giving distinctive indications that tackle a basic component of tactus: the difference between stress and release. Sylvestro GANASSI (2004, p. 26), in his Regola Rubertina from 1542, already hints on the relationship be-tween the down-bow and stress, suggesting that it should be preferably used on metrically strong notes. As BOYDEN (1990, p. 159) points out in his major historical work on the vio-lin, the physiological implications of drawing the bow are obvious enough in violin tech-nique. It is not only easier to draw the bow downwards because of the aid of gravity, but it technically requires a little more effort to draw it upwards – resulting in a weaker stroke –, even though the baroque bow at this time would probably weigh as little as 60 grams. Hence, the sonorous product of a down-bow is usually a naturally more stressed stroke and, though the physics of drawing the bow varies from instrument to instrument (take the violin and the violoncello, for instance), the Rule of Down-Bow holds the same for all members of the violin family. In the viol family the opposite is logically applied, due to the different bow grip, with up-bow-strong and down-bow-weak strokes. George HOULE (1987, pp. 91-109), in his book on meter in the seventeenth and eighteenth centuries, pro-vides a comprehensive overview of how the Rule of Down-Bow is paralleled in wind and keyboard instruments, by means of specific tongue articulations and fingering patterns in function of the either metrically strong or weak notes. Girolamo DIRUTA (1983, p. 6), like many other authors, makes a clear distinction between note buone (good notes) and note cattive (bad notes), as well as how likewise “good” and “bad” fingers should be employed in playing them (DIRUTA, 1984, p. 56).

Modern bowing technique for the violin family, in its desperation to equalize and stabilize the sound and to make sure the bow stroke is steadily healthy through-out, choked some of the bow’s original speaking qualities. The outcome is, ideally, the achievement of a similar sound product between up and down bows, as well as an avoid-ance of effects that were fundamental to earlier technique and repertoire (such as messa

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

202

25_artigodi voce, for instance) thus gradually eliminating the natural nuances, irregularities and variations of the bow stroke. In hearing a recording by a modern violinist, it is rather hard to tell nowadays in which direction he is drawing the bow. Bowings in solo and or-chestral repertoire are rather linked to physical commodity and comfort in playing spe-cific passages, instead of to any original major concern with metrical stress. Since bow strokes in both directions should possess the same strength, they can be organized as the player sees fit.

In some historical studies to do with the Rule of Down-Bow, researchers draw guidelines from what is probably the most well-known text on the subject: Georg MUFFAT’s (2001) preface to Florilegium secundum (1692), applying them to seventeenth-century violin music in general. There are, nevertheless, two main problems with that approach. First, that text has to do with French music by the end of the century. The Florilegium is a collection of works comprising dance music and, therefore, essential-ly differs from the compositions of the first half of the century in Venice. To be sure many of Uccellini’s compositions are still very much rooted in the stylus phantasticus established in Italy by Claudio Merulo and Girolamo Frescobaldi and, although a large amount of Italian musical production at this time is in fact dance music, only a small number was intended for actual dancing (BOYDEN, 1990, p. 150). Contrarily, French dance music is to a large extent governed by conventional metrical patterns pertaining to baroque dance itself, based on balance between specific steps and movements, thus shaping the structure of such pieces in a very idiosyncratic way. Italian instrumental music and especially works pertaining to the early Sonata genre, in turn, derive from the rhythmically freer toccatas and fantasias, being rather more flexible not only when it comes to any sort of metrical structure, but also to the actual notated surface rhythm. The second problematic point is that Muffat’s bowing propositions concern a repertoire that already counted on an established tradition of notated bar lines. Some of his in-structions require, if not a visual perception of bar lines, a relatively accurate notion of where they are placed. Uccellini’s op. 4, no. 8, because of its almost complete lack of notated bar lines in the separate parts, calls attention to a more contextual study of the Rule of Down-Bow in the first half of the century.

Riccardo ROGNONI (2002, p. 42) is the one to make a clear distinction between ti-rare (“T”, down-bow-strong) and pontare (“P”, up-bow-weak) bowings for the violin in 1592, but the instructions related to the “Rule” that approximate Uccellini’s music the most are found in the writings of his son Francesco Rognoni (1620), J. A. Herbst (1642) and Gasparo Zannetti (1645). The summary of the four most relevant guidelines from these authors, as collected by BOYDEN (1990, p. 159), is particularly thorough. The first general guideline is that, if there is a notated measure, a down-bow is used in the first note (Figure 1a). The sec-ond overwrites the first guideline and states that the first note of a measure (again, if there are notated bar lines) should start down-bow if the total number of notes in that bar is even; if it is odd it should start up-bow (Figure 1b, four notes in three beats, following a rest). It is of interest to note that this repertoire, unlike a great deal of dance music, does not pres-ent many upbeats containing an odd-numbered group of notes. The third guideline allows for alternated bowings in triple meter, meaning that in a group of four bars (here left to the reader’s imagination) with three notes each, bars one and three will start down-bow (Figure 1c). The fourth has to do with arrangements and bow corrections, implying two consecutive bow strokes in the same direction, either down or up, so as to accentuate the right notes in a given passage (Figure 1d).

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

203

25_artigo

Figure 1: Examples of bowings from Rognoni (1620), Herbst (1642) and Zannetti (1645), applied to passages from Uccellini, Sonata ottava, op. 4. The square-shaped symbol stands for down-bow as in modern usage, as well as the “V”-shaped symbol stands for up-bow.

The goal of these guidelines is that whenever possible a down-bow should be used on a metrically strong notated value. Of course this becomes particularly more complicated whenever there are few or no bars, as in Uccellini’s op. 4, no. 8, which will be analyzed in more detail below. More important than these four aspects of the Rule of Down-Bow, how-ever, is the fundamental instruction given by Francesco Rognoni (1970, Parte Seconda, p. 2): “the manner of handling the bow is that it is always drawn downwards in the beginning of the melody”1 (Figure 1e), or the prominent melodic figure (theme or larger motive), regard-less of its position in the bar or metrical unit. In fact, in this repertoire, the canto frequent-ly starts on an actual metrically strong point, but not in all cases. This rule will become invaluable in Uccellini’s Sonata ottava because its thematic material is very recurrent and the main motive appears time and again throughout the piece, giving a general indication of when the ‘canto’ starts and a down-bow should be used. However, this fundamental in-struction clashes with one of the options in the second guideline mentioned above, namely the one that states an up-bow should be used in the beginning of an odd-numbered group of notes preceding a metrically stronger one (such as a downbeat). Again we go back to the problem of missing notated bar lines. It is likely that musicians had to rely on a general feel-ing of metrical units, being able to perceive stronger and weaker starting points depending on where rests were placed and on the general flow of the music, although that becomes challenging when metrical dissonances and changes are involved. In this sense whenever there are no bar lines, a first-level default would be to draw the bow down in the beginning of melodic figures; overwritten by the second-level default up-bow – used whenever one is more sure of the metrically weak character of the first note and/or aware of an immediately subsequent strong metrical point.

3. Marco Uccellini’s Op. 4, No. 8 - General Considerations

This contrapuntally interesting and unique specimen from the repertoire is an as-tounding example of rhythmic ambiguity, metrical changes/reinterpretations and metrical dissonances at multiple levels. It certainly goes beyond the concept of bar line, to be fully developed and established about half a century down the road from when it was composed. The almost complete absence of bar lines in the first edition requires the application of the Rule of Down-Bow, and especially the fundamental instruction given by Rognoni regard-ing melodic groups; that of a down-bow in the beginning of a theme. Employing the Rule of Down-Bow will not only help the music to keep flowing and the player to keep track of his part in the metrical chaos that it eventually becomes, but it will also be the very factor em-phasizing these metrical conflicts by creating non-coinciding local accents. The continuo part has more notated bar lines (15 in total), but not consistently or periodically distributed throughout the staves.

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

204

25_artigoThe form of the Sonata ottava is a simple, tripartite A-B-A’ layout (Figure 2), com-

prising an imperfect-perfect-imperfect prolatio setup in the time signature that helps to di-vide the piece into three visually distinct blocks. The first question is how long the measure unit is in A. Although the semicircular symbol “C” in the key signature represents 4/4 in modern notation, some treatises allow for other interpretations: 2/2, 4/2, and so forth. In this sense the tactus could be as long as a breve. Nevertheless, Uccellini provides a bar line in the first staff of the violin part (Figure 3). Since the number of crotchets preceding this bar line (indicated by the arrow) is 28, the number of bars preceding it should be either 7 semi-breve-long, 14 minim-long, or 28 crotchet-long bars (!). As the last two options are rather ab-surd, the best option is 7 semibreve-long bars (“C” = 4/4). As shown in Figure 3, breve-long measures would ignore the notated bar line provided by Uccellini in the violin part, because measure groupings that are longer than a semibreve would exceed it. Even though it may be hard for the violinist to notice that, Uccellini placed that specific bar line there for a reason, which is probably to inform the performer that the meter is indeed 4/4 and that at that point he is crossing a metrical boundary of some sort. The bar unit in B is more straightforward, being as long as a dotted breve. In modern notation the 3/1 provided in the score (accompa-nying the dotted semicircle in the time signature) is equivalent to a 3/2 signature. Again, the quantitative, notational length of the tactus still varies from author to author at this time.

Figure 2: Form of Uccellini’s Sonata ottava, op. 4, no. 8.

Figure 3: One of the few notated bar lines in the first staff of the violin part. Uccellini, Sonata ottava, op. 4. Vertical lines stand for hypothetical metrically strong points at the minim, semibreve and breve levels.

The end of section A elides with the beginning of B in a perfect authentic cadential point at the fifth D minor. This turning point between A and B is an example of one of the main struggles for practical musicians at the time: figuring out the metrical proportion be-tween two sections comprising different meters or prolatio. The aforementioned discrepan-cies in defining proportions from author to author still allow for some flexibility in choos-ing an adequate tempo at the point of change. The favourite candidate would probably be the equivalence between a half note in the duple meter and a dotted half note in the triple meter. Consequently, in the beginning of the B section, a whole bar in the triple signature would correspond to half a bar in the original duple signature. In other words, the com-plete cycle of arsis and thesis accomplished in one whole bar in A corresponds to two bars in the new tempus imperfectum–prolatio maior in B (duple tactus, triple subdivision – one

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

205

25_artigobar being metrically strong and one weak), indicated in the time signature (a dotted semi-circle in the original edition, reproduced in Figure 2). In this sense all three sections are in duple meter at a tactus level, B being in triple meter at the “bar” level and both A and A’ being duple. Thus, the 48 bars of B can be regarded as 24 in relation to A and A’, making it the shortest section, resulting in a rough balance between B + A’ and A.

One last consideration on bar lines has to do with the B section. In Figure 4a Uccellini curiously uses a tie over a minim and a crotchet, instead of the dotted minim used in all ensuing motivic groups. He certainly wanted to inform the violinist that he was cross-ing an omitted bar line there. Interestingly in Figure 4b, where another omitted bar line is crossed, he uses a dotted minim in place of the tied notes in 4a. This is probably due to the fact that 4b is very close to one of his rare notated bar lines, meaning the performer was less likely to have trouble with the meter. All in all, despite Uccellini’s endeavours to indicate omitted bar lines, the Rule of Down-Bow remains the preferred guidance for the performer.

Figure 4: Notation related to omitted bar lines. Uccellini, Sonata ottava, op. 4.

Each of the sections in the piece (A-B-A’) comprises a wandering away from and back to metrical consonance (C in Figure 2). It is in these three dissonant cores (D) that met-rical conflict arises, apart from which the music is quite stable. Given the fact that poly-phonic music is rather likely to be metrically dissonant to some extent, due to imitative contrapuntal activity, conflicting regions chosen for this analysis include only tighter dis-sonances that call for attention, where at least one part is dislocated in relation to the bar line in the transcription (larger motivic materials that are out-of-phase by a whole bar or more are not, for the present purpose, analyzed as metrical dissonances due to their looser nature). As for the relationship between the dissonant portions from each sections, they go along with the piece’s A-B-A’ formal structure. While the metrically dissonant areas in the A and A’ sections are analogous, the one in the contrasting middle is clearly more energetic, suggesting an intensification of the dissonance quality from A into the B section, and a re-lease towards the recapitulatory end – A’. In spite of the impossibility to draw parallels to a “tonal realm”, given the modality of the repertoire, the middle section opens at the fifth D minor creating a harmonic contrast, while A and A’ are mostly centered around a G minor aura2. The instability of the Dorian mode (also evidenced by the B-flat in the key signature) is felt throughout, especially when it comes to the ambiguity between E-flats and E-naturals.

4. Metrical Dissonance

Attempting to identify larger hypermetrical units proves to be quite problematic in this piece, but the opening twelve measures, paralleled in the beginning of section A’ (mm. 94-99) do give a general sense of an alternate strong-weak structuring (at every two bars). The same holds true for the beginning of the B section, probably one of the only mo-ments of the piece where a stable, quasi-dance-like character is felt. Of interest in this so-nata, however, are the metrical dissonances in each of the sections. Although the following analyses of these dissonances rely chiefly on KREBS’s (1999, pp. 22-61) system3, their na-

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

206

25_artigoture in this repertoire is largely distinct from the post-Classical works he deals with in his book. The achievement and intensification of the actual metrical dissonance are much sim-pler in construction and generally freer, also due to their independence from tonality and other musical factors pertaining to later composition techniques. Extensively, dissonances occur in this piece depending on the relationship between what is hereafter called motivic cells. In this sonata metrical dissonances are ultimately created, intensified and resolved by means of (1) mutation within a cell or (2) overlapping of two adjacent cells. In the case of mutation, Uccellini altered specific cells by means of shortening (SC, Figure 5) or extend-ing them (EC, Figure 6). Both a cell that is shortened one beat, and a cell whose last beat overlaps with the first in the next cell (OC, Figure 7), will cause the ensuing motivic cell to come in one beat sooner. A cell that is extended one beat, in turn, will logically cause the subsequent cell to come in one beat later. It is generally by employing these three devices (each time resulting in a displacement equivalent to one beat) that Uccellini either created, intensified or resolved these metrical dissonances.

Figure 5: Example of a shortened cell (SC). In this piece a shortening occurs by means of eliminating the last beat of a motivic cell immediately followed by the next. Like in the OC case in Figure 7, the result is the subtraction of an entire beat4.

Figure 6: Example of an extended cell (EC). In this sonata the extension can occur in either the first or last beat of the motivic cell, indicated by the arrows.

Figure 7: Example of overlapping cells (OC). The arrow indicates the point where cells overlap in this piece, resulting in the subtraction of one beat.

Because the continuo line in this sonata is basically the same as the Basso and both complement each other, they will generally be considered to be essentially one part. The slight variations between them are likely to be related to the instrument devised to play-ing them: the bottom part is idiomatically a continuo line with a few figurations, and the middle part is intended for a solo instrument, probably a dulcian. Therefore, with a few ex-ceptional instances in which the middle part is elaborated by means of diminutions on the bass line (not contrapuntally significant to be a third part), this is essentially a two-part so-nata for violin and continuo with a supporting bass instrument.

A section. The first section is characterized by KREBS’s (1999, pp. 30-38) displace-ment dissonances only, and its metrically dissonant core takes place in bars 13-23 (Figure 8). The first beat of measure 13, in the violin part, holds the ending note of the previous melodic line, thus already creating the first set of displacements against the bass, due to a succession of bar-long motivic cells starting immediately on the second beat. These cells

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

207

25_artigoderive from the beginning of the opening theme (more precisely – the entire first bar) and will become the most recurrent rhetorical unit.

Figure 8: Sonata ottava, mm. 13-24. Author’s transcription5 based on the original edition (UCCELLINI, 1984). Metrical dissonance in the A section.

According to Rognoni’s fundamental rule discussed above, this motive (canto) should begin with a down-bow. The bass carries the same motivic cells in succession, only they are in-phase with the grid. The resulting displacement dissonance – D4+16 in KREBS’s terms (1999) – is carried out for three bars and the first altered motivic cell (EC) is intro-duced in the bass (m. 16). The extra beat (+1) in this instance is found on the downbeat of that bar. The result is an immediate synchronization of the two parts (mm. 17-21). In spite of being synchronized with one another, both parts generate a displacement dissonance with the metrical grid (D4+1). Now, as far as bowings are concerned in this passage, one of the two early-seventeenth-century available bow-grip techniques used in Italy at the time placed the thumb on the bow-hair, instead of on the stick, making it more difficult for the violinist to retake the bow as freely in playing two consecutive down-bows. Therefore, the bow must rest on the string almost constantly, requiring a brief pause in between two bow-ings in the same direction, so as to actually detach the two. This may create a slightly lon-ger break between those two notes than in drawing the bow alternately down and up. In playing the scalar motivic cells in bars 19-21 (first introduced by the bass by means of its EC in bar 16), for instance, every one of them would be to some degree detached from the following as a melodic unit, due to the repeated bowings in the same direction, consequent-ly intensifying the thematic cells in the bass with which they are in-phase. When the same scalar motivic cells happen in the continuo part, in addition to similar rules to do with fin-gering, the keyboardist is likely to slightly detach one melodic unit from the other due to the downward skips between them. The thumb is not as frequently employed in some six-teenth- and seventeenth-century instructions as it is in modern keyboard technique, mean-

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

208

25_artigoing the player had to physically move the entire hand in order to cover the gap between the two notes on the keyboard. DIRUTA (1984, pp. 63-65) talks about the “good” and “bad” leaps in both hands, and addresses some difficulties to do with fingering (“good” and “bad” fingers), providing exercises for the left hand that are in fact very similar to this passage.

The downbeat of bar 22 comprises an overlap in the violin part, between the last beat of the motivic cell in bar 21 and the first beat of the new cell in bar 22, bringing back the main thematic element. The violin part is finally in-phase with the grid again, but the bass remains out-of-phase with it for a little longer. Since the violin part is now lingering one beat behind in relation to the bass, the metrical dissonance comes back in the form of D4-1. A scheme of the dissonance trajectory is provided in Figure 9.

Figure 9: A section. Scheme of metrical dissonances changes by means of extended and overlapping cells, mm. 13-23. Rectangles above the arrow indicate occurrence in the violin part, and below in the bass parts.

The point of synchronization (“SYNC” in Figure 9, mm. 17-21) is hereafter referred to as such, instead of consonance (although the dissonance is in fact temporarily resolved between the parts), because both parts are still out-of-phase in relation to the grid. It is true that in the original edition there are no bar lines, but Uccellini was certainly aware of this metrical shift. In this sense, bars 13-16 work as a metrical transition to the upbeat-strong meter (mm. 17-21), gradually setting both parts to be out-of-phase with any metrical sense the performer might still have at this point. Hence, he creates an ambiguity between the original downbeat and the (now strong) second beat. What is important for the violinist in keeping track of the beat rate is to rely on the Rule of Down-Bow to play the succession of motivic cells, instead of trying to keep track of the original meter.

A’ section. The architecture of the final section is in many ways analogous to the first, though shortened in length. Its dissonant core, despite being constituted of the same thematic material only, is slightly larger in comparison to the A section and heightened in activity (mm. 100-112, in Figure 10). It starts identically to the corresponding passage in A, but is promptly disturbed by an EC. It is difficult to tell how this cell is employed, since this is a spot in which what happens in the continuo differs considerably from the soloing middle part (mm. 102-103). An EC seems to occur in the bass in bar 103 (similarly to bar 16 in the first section), where an extra beat is added to the beginning of the cell. What happens in the middle part, however, suggests that it is bar 102, instead, the one to be extended (+1) in the last beat of the cell. The latter interpretation is supported by an immediate identical occurrence in the violin, another EC. In any case, since all parts are extended one beat the D4+1 displacement dissonance between the parts remains the same. Now the scalar motiv-ic cell is used in both parts in counterpoint to one another, which does not happen at all in the A section – an evidence of heightening activity in A’.

The overlapping cells in measures 106-107 drag the bass part one beat behind, al-lowing for a looser D4+2 dissonance. Though quite simple musically and perhaps dull when it comes to the counterpoint, the flexibility of these motivic cells (liable to be super-posed in a variety of ways) advocates for Uccellini’s careful composition. The ensuing com-bination of two adjacent OCs in the upper part (m. 109) and an EC in both bass parts (mm. 109-110 – identical to mm. 102-103) resolves the D4+2 dissonance at once into a synchroni-

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

209

25_artigozation – again out of-phase with the grid and at last moving into different material, from bar 113 (an imitative descending melodic pattern between the parts), that quickly brings the so-nata to an end. This heightened dissonance trajectory is portrayed in the chart in Figure 11.

Figure 10: Sonata ottava, mm. 97-114. Metrical dissonance in the A’ section.

Figure 11: A’ section. Scheme of metrical dissonances changes by means of extended and overlapping cells, mm. 100-113.

B Section. The dissonant core of the contrasting middle constitutes what is by far the most interesting and metrically intricate spot in the whole work (mm. 67-78, Figure 12). Uccellini seems to utterly ignore the bar line here, or any feeling of meter, providing a cha-

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

210

25_artigootic chain of motivic cells that convey a duple quality, rather than the triple organization suggested by the time signature. The violin comes in abruptly in measure 68 after a short pause, imitating the opening motive from the duple prolatio carried by the bass. This is the first time the main theme is heard in a D4+2 dissonant displacement against itself. Because this motivic cell is used in the triple prolatio, this metrical dissonance becomes especially noteworthy. The only occurrence of a shortened motivic cell (SC) is found in this core, and its employment in the violin part delays the upper part creating a tighter D4+1 (mm. 71-72). The beginning of this passage in the basses (m. 67) offers this same shortened motivic cell. The end, bringing about a not less metrically unstable hemiola in bars 76-77 (by definition a G3/2 grouping dissonance against the grid7), achieves a general synchronization, due to the overlapping cells in the violin part (mm. 76-77). The music cadences in the final of the mode, being followed by metrical consonance and a partially homophonic structure, thus dissipating the energy of the dissonance.

Figure 12: Sonata ottava, mm. 67-78. Metrical dissonance in the B section.

The following chart depicts the metrical dissonance trajectory in B (Figure 11). Apart from the concluding hemiola, the basses have six straightforward, duple meter cells with no overlaps or mutations, being in a constant grouping dissonance G4/3 (KREBS, 1999, pp. 30-38) against the bar line – the intensification and resolution of the dissonance are left to the upper part (Figure 13). The asterisks in Figure 10 indicate the points where the cells are in-phase with the visual grid, both in the bass and in the violin.

Figure 13: B section. Scheme of metrical dissonance changes by means of shortened and overlapping cells, mm. 68-77.

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

211

25_artigoConclusion

Perhaps needless to say, this whole sonata transcends the bar line to a great extent. The Rule of Down-Bow, as a historical tool, is in itself enough guidance for the violinist throughout the piece, since the composer intended it to be metrically ambiguous and most probably omitted the bar line indications so as to allow for a freer perception and interpre-tation in which this dubiousness in meter could be both seen in the notation and heard in sound. Such liberty from the notated grid would only be substantially felt again years later in music history, since the establishment of the bar line, though a major accomplishment in music theory as an organizing factor, is in many ways psychologically restricting in com-position and performance.

A second rather obvious concluding outcome is that a modern edition intended for performance, at least in the case of this sonata, does not prove to be at all useful. The ad-dition of bar lines is not only unnecessary, but also quite disturbing in the process of both understanding and performing meter/rhythm, rather clouding the original music instead of clarifying it. It also does not bring out any musical features by means of the modernized vi-sual representation, since the first edition of 1645 is already very clear (although it is true that some effort is required from a modern performer to get used to some of the notational symbols and style). The positive aspect in transcribing music from historically early edi-tions is the correction of eventual obvious mistakes, but in this case that does not occur. From the stand point of analysis only, however, snapping this music to a grid with either bar lines or periodic indications of some sort, helps defining and visually observing how these motives and figures trick any sense of metrical continuity indicated in the time sig-nature. I particularly believe that what is ultimately at stake here is the visual aspect of bar lines – while they may complicate performance, especially at first sight, they become ben-eficial for analytical purposes as an aid in identifying metrical dissonance.

Notes

1 La maniera di portar l’arco e questa ache sempre si tira l’arco in giù nel principiar del canto. In this passage Fran-cesco Rognoni is talking about the viola da gamba, but, in any case, both he and Riccardo Rognoni agree that the bow direction is the same for the da gamba and da braccio families (which is the case of the violin).

2 Speaking strictly of tonality here is not only out of context, but will also prove unnecessary in analyzing this repertoire.

3 Although Harald KREBS’s (1999) procedures for analyzing metrical dissonance are quite straightforward and rather intuitive, reference to his full text is highly recommended for clarifications on nomenclature and usage within this article.

4 In examples 5 through 7 the dots represent the number of beats in the cell. The arrows indicate potential points of shortening or extension equivalent to one beat (+1 or -1).

5 The transcription used in this research paper was elaborated by the author and based on the original 1645 edi-tion (UCCELLINI, 1984). The bar line divisions used in this transcription were added for analytical purposes and also appear in Alessandro Bares’s modern edition (UCCELLINI, 2000).

6 KREBS (1999, pp. 22-61) suggests the nomenclature Da+b for a displacement dissonance between two metrical layers of equal metrical cycles, where a stands for the number of beats in a given metrical layer, and b for the number of beats in the displacement. Thus, D4+1 indicates that two superposed metrical layers, both compris-ing 4-beat-long cells, are displaced by one beat. Throughout this article displacements dissonances generally have the bass as reference, since they always begin in-phase with the grid in all three dissonant sections of the piece. Therefore, the first number (a) will always refer to the bass part, while the second (b) will refer to the soprano part.

7 KREBS (1999, pp. 22-61) suggests the nomenclature Ga/b for grouping dissonances between two metrical layers of different metrical cycles, where a stands for the number of beats in one of the layers and b for the number of beats in the other.

SOLÁ, E. Marco Uccellini’s Sonata Ottava op. 4: Perspectives in Grouping, Meter and Metrical Dissonance.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 199-212

212

25_artigoReferences

BOYDEN, David. The History of Violin Playing from its Origins to 1761: and its Relationship to the Violin and Violin Music. New York: Oxford University Press, 1990.

DIRUTA, Girolamo. Il Transilvano: (1593, 1609). Buren: F. Knuf, 1983.

DIRUTA, Girolamo. Il Transilvano. Murray C. Bradshaw and Edward J. Soehnlen, ed. Henryville: Institute of Medieval Music, 1984.

GANASSI, Sylvestro. Regola Rubetina (1542) e Lettione Seconda (1543). Christine Vossart, ed. Sprimont: Pierra Madarga, 2004.

HOULE, George. Meter in Music, 1600-1800: Performance, Perception, and Notation. Bloomington: University of Indiana Press, 1987.

KREBS, Harald. Fantasy Pieces: Metrical Dissonance in the Music of Schumann. New York: Oxford University Press, 1999.

LONDON, Justin. “Rhythm, §II: Historical studies of rhythm”. Grove Music Online. Available at: http://www.oxfordmusiconline.com.myaccess.library.utoronto.ca/subscriber/article/grove/music/45963pg2#S45963.2. Accessed November 10, 2013.

MUFFAT, G.; WILSON, D. K. George Muffat on Performance Practice: The Texts from Florilegium Primum, Florilegium Secundum, and Auserlesene Instrumentalmusik. Bloomington: Indiana University Press, 2001.

PRAETORIUS, Michael, Hans Lampl, and Margaret Boudreaux. The Syntagma Musicum of Michael Praetorius, Volume Three: An Annotated Translation. [S.l.]: American Choral Directors Association, 2001.

ROGNONI TAEGGIO, Francesco. Selva de varii passaggi. Facsimile edition. Bologna: Forni, 1970.

ROGNONI, Richardo. Passaggi per potersi essercitare nel diminuire. Facsimile edition. Bologna: A. Forni Editore, 2002.

UCCELLINI, Marco. Sonate, correnti, et arie da farsi con diversi stromenti si da camera, come de la chiesa, à uno à due, à trè. Opera Quarta. Facsimile edition. Florence: Archivum Musicum, 1984.

UCCELLINI, Marco. Sonate, correnti, et arie da camera e da chiesa, a uno, due e tre strumenti: op. 4, Venezia, 1645. Modern edition by Alessandro Bares. Albese con Cassano, Italia: Musedita, 2000.

Eduardo Solá - Bacharel em violino barroco e performance histórica (BMus) pelo Koninklijk Conservatorium Den Haag (Conservatório Real de Haia), na Holanda, e em violino moderno (BMus) pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. É mestrando em musicologia (MA) pela University of Toronto, Canadá, onde também trabalha como professor assistente em pesquisa histórica e música do século XX para o teatro. Em 2014, lançou no Brasil o seu primeiro livro “O Menino e o Som”, pela editora Metanoia. Atua como violinista internacionalmente tanto como solista como músico de câmara e em formações orquestrais.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

213

26_artigoAs práticas Devocionais luso-brasileiras no final do Antigo regime: o repertório musical das novenas, Trezenas e setenários na Capela

real e patriarcal de lisboa

Cristina Fernandes (Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal)

[email protected]

Resumo: Em paralelo com a liturgia regular, as práticas devocionais constituem uma importante vertente das mani-festações religiosas da sociedade luso-brasileira do Antigo Regime. Podiam funcionar como extensão ou antecipação dos rituais oficiais, mas também como expressões informais da religiosidade popular. Uma grande diversidade de modelos percorria todas as camadas sociais e múltiplos espaços, acompanhada por música com graus de complexi-dade diferente. O repertório devocional constituiu também uma das raras excepções de uso do português cantado na música sacra (nomeadamente nas Jaculatórias) face ao domínio do latim. O presente artigo procura contextualizar os repertórios musicais ligados às práticas devocionais, centrando-se nos modelos propostos pela monarquia através das cerimónias realizadas na Patriarcal e nas Capelas Reais de Lisboa antes da partida da família real para o Brasil. O estudo dos modelos emanados do poder central permitirá compreender no futuro de forma mais abrangente de que modo aspectos dessas práticas se reflectiram na Capela Real do Rio de Janeiro, bem como noutros espaços e contex-tos sociais luso-brasileiros, e interagiram com tradições locais.Palavras-chave: Práticas devocionais; Novenas; Latim e português cantado; Capela Real e Patriarcal; Sociedade luso- brasileira do Antigo Regime.

Luso-Brazilian Devotional Practices at the end of the Ancien Régime: the Musical Repertoire of Novenas, Trezenas and Setenários at the Lisbon Royal and Patriarchal ChapelAbstract: In parallel with regular liturgy, devotional practices were an important component of religious manifesta-tions within Luso-Brazilian society at the end of the ancien régime. They could function as an expression or antici-pation of official rituals, but also as informal expressions of popular religiosity. A wide variety of models covered all social classes and multiple spaces, accompanied by music with different levels of complexity. The devotional reper-toire also represents one of the rare exceptional uses of Portuguese chant in religious music (namely in Jaculatórias) in the face of Latin predominance. The present paper seeks to contextualize the musical repertoires linked to devo-tional practices, focusing on the models put forward by the monarchy through the ceremonies of the Lisbon Royal and Patriarchal Chapels before the departure of the Royal Family for Brazil. The study of the models established by the central power will enable us at some point in the future to come to a more comprehensive understanding of those practices and of their possible influence on the Royal Chapel of Rio de Janeiro ceremonies and in other Luso-Brazil-ian social contexts. It might also permit us to detect in what way they interacted with local traditions. Keywords: Devotional practices; Novenas; Chant sung in Latin and Portuguese; Lisbon Royal Chapel and Patriarchal Church; Luso-Brazilian society of the Ancien Régime.

1. Introdução

Em paralelo com a liturgia oficial, as práticas devocionais do foro pessoal ou de na-tureza colectiva constituem uma importante vertente das manifestações religiosas da so-ciedade luso-brasileira do Antigo Regime. Embora dependentes do calendário religioso, po-diam funcionar como extensão ou antecipação dos rituais oficiais (geralmente na forma de Tríduos, Setenários, Novenas e Trezenas), mas também como expressões informais da reli-giosidade popular. Uma grande diversidade de modelos – das simples orações a cerimónias relativamente complexas com a intervenção do canto e de instrumentos musicais – percor-ria as várias camadas sociais e tomava forma em espaços múltiplos: as grandes catedrais, as igrejas, as capelas, as ermidas, o espaço doméstico ou a mesmo a via pública. As pequenas imagens que abundavam nas ruas e estradas das principais povoações congregavam tam-bém regularmente reuniões de devotos que lhes dedicavam preces e louvores e lhes canta-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 18/05/2014 - Aprovado em: 11/07/2014

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

214

26_artigovam ladainhas. Em qualquer dos casos eram ocasiões privilegiadas para uma interacção so-cial intensa em que o testemunho da fé e a vivência religiosa coexistem sem complexos com o apelo lúdico da festa colectiva (NERY, 2006, p. 15).

As irmandades e confrarias laicas ligadas à maior parte das igrejas eram respon-sáveis por um grande número de práticas devocionais e funcionavam como entidade fi-nanciadora e reguladora das cerimónias. Em Portugal e no Brasil a rede de irmandades era suficientemente extensa e diversificada para enquadrar directa ou indirectamente vários estratos da sociedade – da aristocracia aos mulatos e negros libertos, passando também pela representação de diferentes ofícios – e servir de veículo à construção de identidades colec-tivas como demonstram os importantes estudos sobre este universo reunidos por István Jancso e Iris Kantor (2001). Irmandades e Ordens Terceiras solicitavam com frequência pri-vilégios como a celebração de funções solenes, que compreendiam missas cantadas, nove-nas e ladainhas e acompanhar procissões, geralmente previstas pelos seus compromissos e estatutos.1

Sendo transversais a toda a sociedade e envolvendo amiúde transferências cultu-rais complexas, as devoções tanto estavam presentes na vivência das elites, podendo a mú-sica selecionada e o aparado cerimonial funcionar como elemento de distinção, como das classes populares. O presente artigo procura contextualizar e caracterizar os repertórios musicais associados às práticas devocionais a partir dos modelos propostos pela monarquia e pela mais alta hierarquia da Igreja portuguesa, através dos rituais realizados na Patriarcal e nas Capelas Reais de Lisboa (bem como noutras igrejas com patrocínio real) no século XVIII e inícios do século XIX.2 Devido à maior quantidade de documentação histórica e de fontes musicais sobreviventes, o estudo centra-se na segunda metade de setecentos, embora com referências e considerações sobre as épocas anterior e posterior. O enfoque nos padrões emanados do poder real (principalmente ao nível das Novenas, mas também das Trezenas e Setenários) contribuirá para compreender de forma mais abrangente através de futuras eta-pas da pesquisa de que modo particularidades dessas práticas se reflectiram na Capela Real do Rio de Janeiro (com um exemplo emblemático nas composições de José Maurício Nunes Garcia), bem como noutros espaços e contextos sociais luso-brasileiros, e interagiram com tradições locais.

2. Música e práticas devocionais nos circuitos da monarquia

Ao longo do século XVIII, Novenas, Trezenas e festas dos mais variados Santos eram ocasião para a saída dos membros da família real em direcção a várias igrejas e con-ventos da cidade de Lisboa e as devoções particulares da monarquia contribuíram para ampliar a rede de estabelecimentos religiosos que beneficiavam do patrocínio da Coroa no domínio da música (FERNANDES, 2010, p. 163-183). A maior parte destas visitas eram fei-tas em larga comitiva (podendo o acompanhamento incluir os principais Oficiais da Casa Real), o que implicava um clima de festa e espectáculo ao longo do percurso e em toda a área envolvente. Parte das devoções em vigor em Portugal nos finais do Antigo Regime ti-nham já lugar no reinado de D. João V como se pode verificar através dos relatos do Núncio Apostólico em Lisboa publicados por Gerhard Doderer e Cremilde Rosado Fernandes (1993, p. 69-146), entre outras fontes:

Terminada na Igreja de São Roque a dita Novena de S. Francisco Xavier, que foi fre-quentada pelo Rei, e pela Rainha, se deu princípio a outra na Patriarcal em honra do

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

215

26_artigogl[orioso] Patriarca S. José com Sermões, e Música da Capela. (I-Rasv, Secretaria de Estado, Portugal, vol. 89, f. 392, 16-3-1734).3

Terminou na Quarta-feira passada a devota Novena celebrada na Igreja dos Padres Carmelitas descalços (...) quando em forma pública Sua Majestade a Rainha acompa-nhada pela Sra. Princesa do Brasil, e pelo Sr. Infante D. Pedro assistiram às Ladainhas, que foram cantadas em Música. (I-Rasv, Secretaria de Estado, Portugal, vol. 92, f. 131, 21-5-1737).4

Terminou-se na Quarta-feira passada a Novena preparatória da Festa do glo[orioso] Patriarca S. Caetano, a qual foi celebrada pelos BB. PP. [Beatíssimos Padres] da divina Providência com rico aparato e seleccionadíssima Música, que foi feita com despesas a cargo do Sr. Gaetano Mossi, músico da Capela Real, tendo havido uma numero-sa afluência de Povo devoto do Santo, e depois de almoço, ali se deslocou também Sua Majestade a Rainha acompanhada da Sra. Princesa do Brasil, e do Sr. Infante D. Pedro. (I-Rasv, Secretaria de Estado, Portugal, vol. 92, f. 207-207v, 13-8-1737)5

Decorrendo ontem o último dia da Novena de S. Francisco Xavier, Sua Majestade a Rainha, acompanhada pelas Princesas e Príncipes Infantes deslocou-se depois de almoço em forma pública à igreja de São Roque para assistir à exposição do SSmo. Sacramento e na noite desse mesmo dia foi também o Rei ao solene Te Deum que foi cantado com Música seleccionada e grande concurso de Gente. (I-Rasv, Secretaria de Estado, Portugal, vol. 97, f. 78-78v, 13-3-1742).6

Principalmente no que diz respeito às Novenas, uma considerável quantidade de cerimónias era frequentada por membros da família real fora dos domínios do Paço da Ribeira em paralelo com as que eram celebradas na própria Capela Real, promovida ao esta-tuto de Patriarcal em 1716, mediante a obtenção de sucessivos privilégios do Vaticano e da poderosa acção diplomática de D. João V junto da Santa Sé. A adopção dos padrões cerimo-niais e musicais do barroco eclesiástico romano ligados às Capelas e Basílicas Pontifícias no plano da liturgia não excluiu práticas consideradas paralitúrgicas, com destaque para a Novena de São José, interpretada com grande aparato na Patriarcal até a partida da família real para o Brasil em 1807, ou para o Setenário de Nossa Senhora das Dores, referido pelo Núncio Apostólico em 1721.7

Com efeito, o modelo supremo emanava do poder monárquico e daí decorre a pre-ocupação pela sistematização e uniformização patente, por exemplo, nas Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso patriarcha S. Joseph, impressas em Lisboa em 1724 na Officina Joaquiniana de Musica e novamente editadas em 1758, pelo li-vreiro José da Costa Coimbra (ALBUQUERQUE, 2006, p. 34). O Prólogo da edição de 1724 dá a entender que Novena tinha já uma tradição solene estabelecida na Basílica Patriarcal de Lisboa:

A pia, e louvável emulação, com que as principaes Igrejas não só desta Corte, mas de todo o Reyno, à imitação da Bazílica Patriarchal, se empenhão em celebrar com a mayor solenidade a festa do Glorioso Patriarcha S. Joseph, tem feyto tão comum o uso da sua Novena, que para satisfazer à Devoção dos Fieis, que dezejão empregarse neste santo exercício, foy preciso repetir nos três annos próximos outras tantas impresso-ens do livro da mesma Novena. Como porèm tem mostrado a experiência que em al-gumas Igrejas servia de embaraço para não se fazer a Novena com toda a solenidade, que no mesmo livro se prescreve, a falta da composição Musica dos Hymnos, e mais partes do exercício, que devem ser cantadas em canto plano, e figurado; pareceo con-veniente fazer aqui publica pela estampa a forma do canto, que se pratica na mesma Bazílica. [s/p.]

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

216

26_artigoAo longo da segunda metade do séc. XVIII, a Santa Igreja Patriarcal, a Capela Real

da Ajuda8, a Capela Real da Bemposta9 e outros templos sob a alçada da monarquia eram palco regular de práticas devocionais. As Novenas de São José, do Santíssimo Coração de Jesus e de Nossa Senhora da Piedade eram de tal forma importantes no âmbito do ceri-monial da Patriarcal de Lisboa que são mencionadas com carácter de obrigatoriedade nos Estatutos dos Padres Capelães Cantores, mandados publicar pela Rainha D. Maria I em 1788: “[O Prioste] terá obrigação de averiguar os que assistem às Novenas de S. Joseph, do Santíssimo Coração de Jesus, e de nossa senhora da Piedade, para saber os dias que venceo cada um, e os assentar no rol, que se fizer das mesmas Novenas na forma do costume” (Cap. VIII. 5, p. 26).

Destacam-se também a Trezena de Santo António, o Setenário de Nossa Senhora das Dores e a Exposição do Santíssimo Sacramento (incluindo o Lausperene ou Adoração das 40 Horas),10 bem como as Novenas de São Francisco Xavier e de Santa Margarida de Cortona, tratadas musicalmente por autores tão importantes como David Perez (Compositor da Real Câmara e Mestre de Suas Altezas Reais entre 1752 e 1778) ou José Joaquim dos Santos, um dos mais prestigiados Mestres do Real Seminário de Música da Patriarcal de Lisboa nos finais do séc. XVIII. Também neste domínio, o poder real procurava formular modelos estéticos e rituais ao mais alto nível, susceptíveis de se propagarem por todo o sis-tema de produção litúrgica do Reino.

Algumas devoções ganharam um novo impulso no reinado de D. Maria I, sendo a mais importante ligada ao culto do Coração de Jesus, ao qual a soberana dedicou a Basílica da Estrela, mandada edificar na sequência de um voto realizado em 1760 no sentido do nas-cimento de um herdeiro varão para coroa portuguesa. Em 1778, a Rainha determinou que a respectiva Novena fosse celebrada na Patriarcal com a mesma solenidade da Novena do Glorioso Patriarca São José, a qual se encontrava no topo da hierarquia em termos do grau de solenidade.11

3. As Novenas na Patriarcal de Lisboa: virtuosos italianos, cantores portugueses e tiples do Seminário

Uma vez que não faziam parte da liturgia oficial, as Novenas e Trezenas implica-vam pagamentos adicionais aos Capelães Cantores, Músicos (designação habitual no séc. XVIII para os cantores profissionais) e restantes Ministros da Patriarcal.12 Analisando as listas de pagamentos, detectam-se alguns padrões regulares na participação dos músicos, que se prendem com a importância atribuída à cerimónia e com o repertório interpretado. No topo encontrava-se a Novena de São José, na qual participava um grande número de can-tores italianos da Patriarcal.

Por exemplo em 1765, esta função contou com 25 cantores italianos, 16 cantores portugueses (recebendo em ambas as categorias um total de 9$600 réis cada um), 39 cape-lães cantores (com 2$400 réis cada) e 15 Seminaristas (800 réis), para além do celebrante, do mestre de cerimónias, do altaneiro, dos sacristas e de outro pessoal auxiliar. A despe-sa final foi de 606$240.13 Todavia, o número total de músicos não significa necessariamen-te uma actuação em conjunto, já que estes costumavam alternar ao longo dos nove dias da devoção.14

Iniciada com D. João V na sequência da já referida promoção da Capela Real ao estatuto de Patriarcal em 1716, a importação de cantores italianos, incluindo vários cas-trati, com elevados salários e regalias laborais muito superiores às dos portugueses pros-

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

217

26_artigoseguiu até a partida da família real para o Brasil em 1807. Depois do terramoto, tanto na Capela Real da Ajuda como na Patriarcal, a distinção entre “Coro dos Italianos” e “Coro dos Portugueses” na organização interna das respectivas estruturas musicais tornou-se ainda mais evidente, implicando diferentes estatutos profissionais e artísticos e contemplando a possibilidade dos melhores cantores portugueses serem “agregados ao Coro dos Italianos” (FERNANDES, 2007, p. 242).

Com actuações nos teatros reais (principalmente no caso dos “Virtuosi” da Capela Real da Ajuda) e nas grandes obras religiosas da Patriarcal associadas ao calendário li-túrgico e às efemérides da família real, os cantores italianos da corte portuguesa tinham igualmente um papel activo no âmbito das práticas devocionais mais valorizadas pela mo-narquia. Durante as décadas de 1770 e 1780, as listas de “despesas extraordinárias” da Patriarcal que se guardam no Arquivo Nacional da Torre do Tombo mostram uma quanti-dade de cantores italianos relativamente elevada, com destaque para a Novena do Coração de Jesus:

Quadro 1: Despesas com a Novena do Coração de Jesus na Patriarcal de Lisboa em 1784. Dados extraídos de um documento existente em P-Lant, Patriarcal de Lisboa – Despesas Extraordinárias, Cx. 106, Mç. 76-1.

Participantes Quantia monetária21 Cantores Italianos 960 réis por dia a cada um

19 Cantores Portugueses 960 réis por dia a cada um42 Capelães Cantores 240 réis por dia a cada um

12 Seminaristas 800 réis cada um7 Organistas 240 réis por dia a cada um

Celebrante, Altaneiro, Sacristas, etc. [valores vários]Total da despesa indicado no documento = 809$200

Trata-se de um investimento de vulto, motivado pela especial devoção da soberana ao culto do Coração de Jesus, que marca a diferença em relação a cerimónias como a Novena de Nossa Senhora da Piedade ou a Trezena de Santo António, as quais eram asseguradas apenas por um pequeno grupo de cantores portugueses e de alunos do Seminário de Música da Patriarcal que faziam as partes de soprano com remunerações mais baixas (7$200 cada). A Novena de Nossa Senhora da Piedade contava normalmente com seis ou sete cantores portugueses (em 1784 eram dois contraltos, três tenores e dois baixos), tiples e um organis-ta, dirigidos pelo Mestre de Capela.15 Para a Trezena de Santo António, são mencionados apenas dois cantores portugueses, tiples do Real Seminário de Música da Patriarcal, um or-ganista e o Mestre de Capela durante a década de 176016 e um conjunto um pouco maior, com dois tenores (um deles podia ser o Mestre de Capela), dois contraltos, três baixos e um organista nos anos 80.17

As devoções descritas são das poucas cerimónias que incluem menção explícita à participação musical dos alunos do Real Seminário de Música da Patriarcal na documenta-ção de arquivo (FERNANDES, 2013, p. 31). Nas Novenas de São José e do Coração de Jesus, a sua intervenção limitava-se decerto ao reforço das partes de “ripieno” ou da textura coral global (já que os sopranos italianos podiam cantar os eventuais solos e assegurar o naipe), mas no caso da Novena de Nossa Senhora da Piedade e da Trezena de Santo António, os se-minaristas eram os únicos responsáveis pelas partes de soprano. Por exemplo, na lista de 1784 mencionam-se “três tiples do Seminário” com 7$200 (2$400 para cada um) em conjun-to com contraltos, tenores e baixos adultos.18

A proximidade das datas comemorativas de alguns Santos, a duração das Novenas e a coincidência com outras ocasiões importantes do calendário litúrgico dava origem em de-terminadas épocas do ano a uma intrincada sobreposição de devoções, conforme documen-

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

218

26_artigota o Diário da Real Capela da Ajuda do Mestre de Cerimónias da Patriarcal Francisco Braga Lage (1817, p. 59-59v) em relação aos meses de Março e Abril de 1793. Durante um curto espaço de tempo realizaram-se três Novenas (Santa Margarida de Cortona, São Francisco Xavier e São José) e o Setenário de Nossa Senhora das Dores em paralelo com a Missa e o Ofício.19 Esta passagem em concreto não faz referências explícitas à música, mas existem várias outras fontes que atestam o papel da arte dos sons. O depoimento de Braga Lage ilus-tra também a associação das devoções a espaços próprios (diferentes Capelas no interior da Patriarcal da Ajuda) e as imagens dos respectivos Santos. Em Junho de 1793, a Novena do Coração de Jesus coincidiu em alguns dias com a Trezena de Santo António, dando origem novamente a sobreposições:

Na Igreja Patriarcal na quinta-feira se fez a Novena do Coração de Jesus depois de Completa e antes da Ladainha se cantarão [o Responsório] Si quaeris miracula a Sto. António porém somente neste dia se não for a Trezena separada e depois a Procissão do Oitavo dia. Na sexta-feira houve sermão e depois Te Deum de Muzica do Coreto e não respondido pelos Capelães para complemento da Novena a que assi-tio S. Alteza e S. Ema. e se incensou o Sacramento e depois se fez Trezena” (LAGE, 1817, p. 74-74v).

Quando a família real se encontrava nas suas residências fora de Lisboa, as prin-cipais devoções eram transferidas para esses locais. Assim, em 1796 a Novena de São Francisco Xavier e o Setenário de Nossa Senhora das Dores realizaram-se em Queluz e não na Patriarcal (LAGE, 1817, p. 113).

4. Repertórios impressos, estrutura das cerimónias e práticas interpretativas

A música que acompanhava as Novenas inclui um leque variado de práticas e variantes consideráveis em termos da complexidade musical – das simples melodias de cantochão a peças polifónicas e em stile concertato da autoria dos mais importantes com-positores da época – dependendo dos agentes envolvidos, do seu prestígio e poder mone-tário, bem como da participação de cantores profissionais ou amadores. A dimensão co-munitária destes rituais levava também a que se procurasse difundir paralelamente o seu conteúdo espiritual e a sua componente musical, sendo habitual a circulação dos textos e melodias em forma manuscrita ou impressa. Por outro lado, a transmissão oral tinha igualmente um papel importante no caso das secções que implicavam a participação da assistência.

Conforme demonstrou Maria João Albuquerque (2006, p. 34-35), entre os repertó-rios de cantochão impressos em Lisboa por editores livreiros entre 1750 e 1807, as publi-cações associadas às devoções correspondiam a 16 por cento da produção total de música sacra impressa. Na maior parte dos casos, editavam-se Novenas usadas por ordens religio-sas (sediadas em Lisboa ou noutras cidades do país, como Coimbra ou Aveiro), com ou sem identificação de autor.20 Algumas chegaram a ter várias edições como a Novena de São José, do Padre José Maria Prola,21 que conheceu quatro traduções do italiano para português entre 1754 e 1791 e que era normalmente publicitada na Gazeta de Lisboa.22 No conjunto de exemplares sobreviventes, catalogados por Maria João Albuquerque, não se encontram Novenas ou Trezenas em cantochão ligadas expressamente à Patriarcal ou à Capela Real da Ajuda, mas existe um exemplar da Novena do Coração de Jesus usado na Capela Real da Bemposta.23

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

219

26_artigoNo que diz respeito ao repertório impresso em Portugal no século XVIII, a única

obra musical com “unidades funcionais”24 polifónicas destinada a este tipo de devoções são as já mencionadas Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso pa-triarcha S. Joseph, publicadas em 1724 e reeditadas em 1758. O conjunto consta de quatro volumes, um para cada voz: Tiple, Alto, Tenor, Baixo.25 A sua disseminação parece ter sido considerável e terá chegado ao Brasil, sendo provável que os “Doze livrinhos da Novena de São Jozé” mencionados numa relação de “Livros Novos” datada de 11 de Janeiro de 1753 do cardeal de Mariana correspondesse a esta publicação (COTTA, 2001, p. 4).

Embora com variantes locais e pequenas mudanças ao longo do tempo, a estrutu-ra base das Novenas incluía as seguintes unidades funcionais, objecto de tratamento musi-cal: Invitatório; Veni Sancte Spiritus (em geral designado por hino neste contexto, mas tra-tando-se na realidade de uma Sequência); Jaculatória; Ladainha; Antífona alusiva à festa; Tantum Ergo, mais 3 Jaculatórias na parte final. No dia da festa era habitual interpretar-se o Te Deum no fim da Novena. Da Trezena de Santo António, além destas secções, fazia parte o Responsório Si quaeris miracula e no Setenário de Nossa Senhora das Dores tinha parti-cular destaque o Stabat Mater.

A maior parte das fontes manuscritas com música para Novenas restringem-se às unidades funcionais de composição musical mais elaborada, mas os livrinhos setecentis-tas impressos dedicados às Preces para a Novena de São José permitem reconstituir as vá-rias etapas da cerimónia na íntegra ao longo dos nove dias e identificar as suas diferen-tes práticas performativas. Estas incluem orações faladas, fórmulas de recitação (ou recto tono), cantochão, canto figurado e polifonia, bem como a discriminação dos intervenientes (Sacerdote, Coro dos Músicos, Povo).

Figura 1a: Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso Patriarcha S. Joseph. Lisboa: na Officina da Musica, 1724. P-Ln, MP 149 v. Folha de rosto e excertos do volume da voz de Tiple.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

220

26_artigo

Figura 1b: Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso Patriarcha S. Joseph (1724). Excertos do volume da voz de Tiple (continuação).

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

221

26_artigoNo seu estudo Para além das barras duplas: uma reflexão preliminar sobre as práti-

cas musicais nas novenas dos séculos XVIII e XIX, André Guerra Cotta (2001, p. 10-20)26 faz uma análise detalhada da estrutura e das particularidades da cada “unidade funcional” da Novena de São José a partir desta fonte, apresentando vários esquemas, que podemos sinte-tizar do seguinte modo:

Quadro 2: Síntese estrutural da Novena e das práticas interpretativas usadas em cada secção de acordo com as Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso Patriarcha S. Joseph (1724).

Unidades Funcionais Texto Intérpretes Práticas interpretativasInvitatório Christum Dei filium Músicos Canto Figurado

Oração Aperi Domine Sacerdote (Músicos e Povo no Amen) Recitação (recto tono)

Hino [Sequência] Veni Sancte Spiritus Coro dos Músicos / / Duo / Povo (alternado) Canto Figurado

Verso / Resposta Emitte Spiritum tuum / Et renovabis Dois tiples / Músicos e Povo Cantochão

Verso / Resposta Dominus vobiscum / Et cum spiritu tuo.

Sacerdote / Músicos e Povo Recitação (recto tono)

Oração Deus qui corda fidelium Sacerdote (Músicos e Povo no Amen) Recitação (recto tono)

Versos Ave Joseph fili David Coro dos Músicos Canto FiguradoMeditação Sacerdote

Pai Nosso / Ave Maria / Gloria Patri

Pater noster / Ave Maria / Gloria Patri

Coro dos Músicos / Povo Recitação (recto tono)

Jaculatória Amado Jesus... o meu coração... Coro dos Músicos / Povo Canto Figurado com resposta

em Cantochão

Hino Coelitum Joseph Coro dos Músicos / / Duo / Povo (altermado) Canto Figurado

Antífona Joseph fili David Músicos CantochãoLadainha de Nossa Senhora Kyrie eleison... Músicos e Povo (alternada) Canto Figurado

Antífona Sub tuum Praesidium Músicos Canto FiguradoTantum ergo Tantum ergo Coro dos Músicos Canto Figurado

1ª Jaculatórias Amado Jesus... o meu coração... Coro dos Músicos / Povo Canto Figurado com resposta

em Cantochão

2ª Jaculatória Amado Jesus... assiste-me... Coro dos Músicos / Povo Canto Figurado com resposta em Cantochão

3ª Jaculatória Amado Jesus... expire... Coro dos Músicos / Povo Canto Figurado com resposta em Cantochão

Ao longo das décadas seguintes, os compositores ligados à Casa Real continuam a escrever música para ser enquadrada nesta estrutura. No caso concreto da Novena do Glorioso Patriarcha S. Jozé veja-se por exemplo a composição de 1812 do cantor castrato, compositor e antigo Mestre de Suas Altezas Reais Giuseppe Totti,27 mas há vários outros casos. Todavia, é importante ter em atenção que apesar das festividades serem repetidas anualmente, estas não constituem uma estrutura fixa totalmente rígida, podendo ser ob-jecto de mutações. As estruturas formais incluíam também a flutuação de elementos que podiam desaparecer, enquanto outros novos eram incorporados e havia até a possibilida-de de ressurgimento dos que tinham sido abandonados ou esquecidos (COUTO, 2008, p. 3). Um olhar geral sobre o repertório ligado às práticas devocionais em Portugal nos finais do Antigo Regime permite detectar facilmente pequenas variantes, o mesmo sucedendo nou-tros contextos. Os estudos de Pablo Sotuyo Blanco (2004) em relação aos Tríduos e Novenas na Bahia mostram bem a flexibilidade e a permeabilidade a mudanças dentro de um con-junto de padrões gerais que perduram no tempo.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

222

26_artigo5. As obras musicais manuscritas dos compositores da Capela Real e Patriarcal

Numerosas Novenas e Trezenas manuscritas em cantochão ou polifonia (em stile pieno ou concertato), provenientes de várias instituições ou de colecções particulares, po-dem encontrar-se em diversos arquivos e bibliotecas portuguesas e brasileiras. A consulta dos catálogos disponíveis, quer em versão impressa, quer on-line, permite verificar a exis-tência de uma quantidade imensa de material, do qual nunca foi realizado um levantamen-to exaustivo.28 Além das obras identificadas, uma grande quantidade de música permanece em acervos por tratar e inventariar. Subsistem também colectâneas com acompanhamen-tos destinados a serem realizados pelo órgão como suporte às secções de cantochão e “can-to figurado”. É o caso dos Acompanhamentos da Novena e Offcio de N. PE. S. Francisco: do Officio de N. Sra. Da Piedade: do Officio da Conceição: Do Hymno Te Deum Laudamus fi-gurado: e das Salvas do seu respectivo tempo ou dos Fundamentos das Novenas q. s cantão: e do Setenario, e Missas de Canto Cham. Sequencia do SS.mo Te Deu[m]. Salve de N. Sra Invitat.os Callenda e Lamentassoes.29

Em relação às Novenas e Trezenas interpretadas na Patriarcal de Lisboa e nas Capelas Reais sobreviveram várias peças para coro, solistas e baixo contínuo, escritas por compositores ligados a estas instituições, no Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa, na Biblioteca Nacional de Portugal e na Biblioteca da Ajuda, entre outros locais. David Perez e José Joaquim dos Santos, duas figuras cruciais no âmbito da criação do repertório religioso em Portugal na segunda metade de setecentos, fizeram música para a Novena do Coração de Jesus e de Santa Margarida de Cortona.30 Desta última existem igualmente versões do organista da Capela Real da Ajuda Joaquim Pereira Cardote31 e do Mestre do Seminário da Patriarcal, Pe. Nicolau Ribeiro Passo Vedro.32 Eleutério Franco de Leal escreveu vários trechos para a Novena de São João Baptista e António Leal Moreira, Marcos Portugal e Giuseppe Totti, entre outros, dedicaram também diversas páginas musicais a diversos tipos de devoções.33 Conhece-se ainda uma versão autógrafa da Novena de Santa Anna, para dois tenores, dois baixos, coro e órgão obbligato, de João José Baldi, destinada ao Convento do Bom Sucesso,34 instituição com patrocínio real.

Os próprios monarcas encomendavam música para as cerimónias devocionais que deviam ser celebradas na Patriarcal e nas Capelas Reais. Já depois de ter regressado do Brasil, D. João VI ordenou a composição de uma Novena de Nossa Senhora da Conceição da Frei José Marques e Silva, cujo autógrafo datado de 182435 apresenta na folha de rosto a inscrição seguinte: “Por Ordem de Sua Magestade o S.r D. João 6º” (...) “feita pª a R. Capella da Bemposta”. No mesmo ano compôs ainda uma Trezena de St.o Antonio de Lisboa, para quatro vozes e órgão, da qual existem várias cópias.36 Os exemplos mencionados são ilus-trativos dos contributos de alguns dos mais importantes compositores do círculo da corte (incluindo a sua rede de instituições eclesiásticas e os Mestres de Música do Seminário da Patriarcal) tendo em vista as cerimónias frequentadas pela monarquia, mas em muitos ca-sos escreveram também peças destinadas às devoções promovidas por outras entidades, ir-mandades e particulares. A listagem apresentada anteriormente não é exaustiva pois uma inventariação completa não é viável nesta fase da pesquisa devido à extensão e dispersão do material.37

Grande parte do repertório musical das Novenas realizadas na Patriarcal e nas Capelas Reais no séc. XVIII destinava-se a coro (com ou sem solistas e partes concertantes) e órgão ou baixo contínuo – seguindo assim a tradição herdada do tempo de D. João V que ia ao encontro das práticas das Capelas Pontifícias romanas – mas tal não quer dizer que os conjuntos instrumentais ou mesmo a orquestra não pudessem ser usados nas cerimónias da

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

223

26_artigoliturgia oficial da mesma festa. É a partir da transição para o séc. XIX que começam a ser mais comuns versões com efectivos instrumentais maiores no caso das Novenas e Trezenas. Em meados de oitocentos é frequente a composição de peças imponentes com orquestra des-tinadas às devoções, como sucede com as criações de Joaquim Casimiro Júnior, mas esses desenvolvimentos posteriores, já em plena época do Liberalismo, saem fora do âmbito pro-posto para este estudo.

Na época de setecentos, entre as poucas obras destinadas às devoções que requerem dispositivo orquestral da autoria de compositores que trabalhavam para Patriarcal encontra--se Setenário de Nossa Senhora das Dores, para quatro vozes e orquestra (dois oboés, duas trompas e cordas), de José Joaquim dos Santos.38 A partitura inclui as seguintes unidades funcionais: Invitatório Doloris gloriosa virginis; Veni Sancte Spiritus; Recordare virgo Mater; Ave Maria (repetida seis vezes e seguida da doxologia Gloria Patri); Stabat Mater; Ladainha.

O Setenário de Nossa Senhora das Dores, cuja festa era celebrada na sexta-feira de-pois do domingo da Paixão, terá sido realizado na Patriarcal pela primeira vez entre 29 de Março e 4 de Abril de 1721. Em cada um dos dias foi cantado pelos músicos italianos um Motete e um Stabat Mater diferente com a assistência da família real na tribuna.39 Nos fi-nais do século XVIII continuava a celebrar-se, conforme atesta Braga Lage no seu Diário em relação ao ano de 1794: “fez-se o Setenário de N. Sra. das Dores que consistia em hum Moteto, e vindo o celebrante capitulante o Hino Stabat Mater, e este diria a Oração e se re-tiravam todos e acabava” (LAGE, 1817, p. 84v).

A obra que José Joaquim dos Santos escreveu em 1780 insere-se certamente na con-tinuação dessa tradição mas não foi, por enquanto, possível apurar se as peças musicais das principais secções continuavam na segunda metade do século XVIII a variar todos os dias nas Capelas Reais e/ou na Patriarcal. São escassas as colecções com música do mes-mo autor para todas as rubricas da cerimónia, mas existem numerosas versões do Stabat Mater, de Motetes ou de Jaculatórias de compositores ligados à Casa Real que poderiam ter sido utilizadas. No Inventário das músicas que existem no archivo da Sé Patriarchal de Lisboa redigido por Ernesto Vieira em 189340 são referidas Sequências para as “Sete Dores de Nossa Senhora” da autoria de António Leal Moreira, Antonio Tedeschi, Giovanni Giorgi, João Rodrigues Esteves, Gioachino Pecorario, José Joaquim dos Santos, Luciano Xavier dos Santos, Pascale Piseri e Vicente Miguel Lousado. Algumas delas encontram-se ainda no dito arquivo. Também no caso das Ladainhas existem vários exemplares independentes suscep-tíveis de integrar o alinhamento das Novenas e Trezenas. Um testemunho desse procedi-mento pode verificar-se através da colecção de partituras que pertenceu ao Real Seminário de Música da Patriarcal, na qual uma Ladainha de Francisco António de Almeida se en-contra anotada pela mesma mão nos materiais musicais da Novena do Coração de Jesus de David Perez.41

A interpretação de peças musicais mais elaboradas, por vezes com conjuntos ins-trumentais de dimensões consideráveis a acompanhar as vozes, tinha já uma forte tradi-ção no Brasil no século XVIII como atestam numerosos estudos – ver por exemplo a lista relativa ao uso de conjuntos instrumentais nas festividades contratadas pelas irmanda-des religiosas em distintas comarcas das Minas Gerais apresentada por Sérgio Dias (2010, p. 308-311) a partir das referências extraídas dos escritos de Curt Lange. O próprio José Maurício Nunes Garcia contava já com uma imponente produção neste campo (em especial Ladainhas, Novenas, Trezenas e versões do Tantum ergo) como se pode verificar através do Catálogo Temático de Cleofe Person de Mattos (1970, p. 89-93; p. 102-118; 123-129).

Com a transferência da corte para o Rio de Janeiro em 1807, o Príncipe Regente D. João empenha-se em recriar as grandes solenidades da Capela Real e Patriarcal de Lisboa

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

224

26_artigoao mesmo tempo que se apropria das devoções locais no âmbito das festas a celebrar (por exemplo a devoção a Nossa Senhora do Carmo). Como tal, é natural que o recém-nomeado Mestre de Capela José Maurício Nunes Garcia componha expressamente obras para estes ri-tuais, algumas delas hoje perdidas mas mencionadas em documentos históricos. É o caso da Novena de São José para a Capela Real. Cantada primitivamente de cor e depois organizada em partitura. 4 v. e órgão de 1809; da Novena do SSmo. Coração de Jesus, a 4v., fag. e órgão do mesmo ano; ou da Novena de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Composta com todo o instrumental no ano de 1824 e por ordem de S. M. O Imperador reduzida para 4v. e órgão no ano de 1832, mencionadas pelo arquivista Joaquim José Maciel em 1887 (apud MATTOS, 1970, p. 340). Após ter chegado ao Brasil, em 1811, também Marcos Portugal compõe uma Novena de Nossa Senhora do Carmo (referida na sua Relação Autógrafa) para a Capela Real do Rio de Janeiro, da qual hoje subsiste apenas uma Ladainha em várias versões e cópias, bem como uma Novena dedicada a São João Baptista para a Quinta da Bella Vista em 1813 (hoje perdida) (MARQUES, 2012, p. 638-642).

6. O uso do português cantado face ao domínio do latim

A dimensão participativa das devoções e o facto de não estarem integradas na litur-gia oficial levou a que o seu repertório constituísse uma das raras excepções a contemplar o uso do português cantado na música religiosa luso-brasileira dos finais do Antigo Regime face ao domínio regulamentar do latim. Considerando a estrutura base da maior parte das Novenas, encontramos a seguinte distribuição linguística: Invitatório (latim); “Hino” Veni Sancte Spiritus (latim); Jaculatória (português); Hino (latim); Ladainha (latim); Antífona (la-tim); três Jaculatórias (português); Te Deum do final da Novena no dia da festa (latim).

Nas Novenas, Trezenas e Setenários, a língua portuguesa restringia-se às Jaculatórias, invocações breves que adquirem normalmente o perfil de uma fórmula melódica própria fa-cilmente memorizável, tanto nas versões mais simples do repertório como no contextos de composições mais elaboradas. Convém contudo ter em conta que o uso do português não era apenas uma forma de comunicação simplificada ligada às passagens cantadas pela assistên-cia (ou seja, pelo “Povo”). Por um lado, há algumas Jaculatórias atribuídas a músicos profis-sionais no repertório mais tardio; por outro, existem secções em latim (em cantochão) que também são atribuídas ao Povo, tanto nas Novenas e Trezenas como noutro tipo de obras, em particular no Te Deum alternado que se cantava no Dia de São Silvestre.

Como foi referido atrás, a partir dos inícios do século XIX tornam-se cada vez mais comuns as obras com acompanhamento instrumental para além do órgão, incluindo peque-nos grupos com cordas e sopros e mesmo a orquestra completa. Paralelamente, as mudanças na linguagem e na estética musical surgidas ao longo do tempo têm igualmente repercus-sões nas Jaculatórias em português. Assim, as melodias simples, de âmbito reduzido, quase sempre silábicas, e as texturas homofónicas a três vozes dão lugar a uma maior variedade de opções e a linhas melódicas mais ornamentadas. A comparação das Jaculatórias da Novena do Coração de Jesus, de David Perez, datada de 1763 e objecto de grande disseminação, com exemplos de compositores das gerações seguintes como António Leal Moreira, António José Soares e Joaquim Casimiro Júnior é bastante elucidativa (ver Figuras 2, 3, e 4). A “profis-sionalização” do canto das Jaculatórias interpretadas em ocasiões especiais, contrariando a sua dimensão participativa, coexiste porém com antiga prática ligada a melodias mais sim-ples e imediatas, frequentemente cantadas de memória pela assistência.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

225

26_artigo

Figura 2: David Perez (1711-1788), Novena do Coração de Jesus (1763). P-Lf, 165/44/D1. Alguns excertos das partes de Soprano.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

226

26_artigo

Figura 3: António Leal Moreira (1758-1819), Jaculatória da Novena de São João Baptista. P-Ln, CN 133/8.

Figura 4: António José Soares (1783-1865), Jaculatória a Duo (dedicada a São Caetano). P-Ln, MM 456.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

227

26_artigoO uso do português em repertório devocional de tradição oral encontra ainda eco

actualmente nalgumas regiões de Portugal e do Brasil, mas esta última vertente sai fora do âmbito do presente artigo, já que exige uma outra metodologia de trabalho. As possí-veis pontes entre a tradição oral e a tradição escrita, bem como outras problemáticas liga-das às práticas devocionais, merecem contudo uma abordagem futura que ultrapasse os limites convencionais da musicologia história e envolva também a vertente etnomusicoló-gica. Entre outros aspectos, seria pertinente explorar as transformações sofridas pela es-trutura compartimentada e codificada das Novenas do século XVIII em relação às mani-festações mais tardias do género, quer em relação ao próprio texto, quer às reminiscências melódicas do repertório anterior, bem como ao peso crescente da língua portuguesa e da sua utilização ao nível da prosódia. No caso do Brasil vários passos importantes nesse sen-tido foram dados pelos projectos “A Música das Novenas em Salvador” e “O Patrimônio Musical da Bahia”, apoiado pelo PIBIC-UFBA,42 encontrando-se vários resultados já publi-cados (SOTUYO BLANCO, 2004).

Considerações finais

Associadas pelo imaginário colectivo às manifestações da religiosidade popular, as práticas devocionais eram transversais a toda a sociedade luso-brasileira durante o Antigo Regime, dando origem a uma grande quantidade e variedade de repertórios musicais, aos quais estavam associadas diferentes práticas de execução. A sua promoção pelas elites polí-ticas e religiosas, nomeadamente pela própria monarquia no âmbito da rede de instituições da música sacra de corte, constituía por um lado um factor de distinção (através da mobili-zação dos melhores intérpretes como é o caso dos cantores italianos da Capela Real e do en-volvimento dos principais compositores ligados à Coroa na produção de novas obras) e por outro um meio difusor e regulamentador de modelos rituais que aspiravam a propagar-se a todo o Reino. Constituindo celebrações paralitúrgicas eram plenamente aceitadas pelas au-toridades religiosas e eram admitidas inclusive no contexto do rigor cerimonial da Capela Real e Patriarcal de Lisboa. Um dos aspectos mais interessantes das práticas devocionais prende-se com a sua dimensão participativa, incluindo a interacção directa e o diálogo da assistência com os músicos profissionais através da entoação de melodias facilmente me-morizáveis e de passagens em cantochão. A comunicação e a participação era de tal modo crucial, que se trata do único repertório religioso da época a incorporar o português can-tado em unidades funcionais circunscritas como as Jaculatórias. Não obstante a existência de várias fontes escritas que documentam com considerável detalhe essas práticas, este é um repertório que se cruza também com a tradição oral e que envolve crenças individuais e colectivas, transferências culturais e fortes laços de sociabilidade. É portanto pertinente que venha a ser abordado sob outras perspectivas (etnomusicológica, antropológica, socio-lógica, cultural, religiosa, etc.) para além da musicologia histórica convencional, caminhos que já têm sido abertos por alguns estudos. Centrando-se nos modelos emanados pelo po-der real, o panorama apresentado neste artigo pretende contribuir para uma compreensão mais abrangente do papel da música neste universo, podendo servir também como ponto de comparação em relação a diferentes contextos geográficos e sócio-culturais e a possíveis cruzamentos entre a cultura erudita e popular.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

228

26_artigoNotas

1 Um útil balanço relativo à bibliografia sobre devoções, festas e ritos no plano historiográfico é fornecido por Edilece Souza Couto (2008).

2 Sobre a promoção da Capela Real de Lisboa ao estatuto de Patriarcal, a organização interna das suas estruturas musicais e a rede de produção de música sacra de corte ver (FERNANDES, 2010; 2012).

3 Texto original em italiano: “Terminatasi nella Chiesa di San Rocco la scritta Novena di S. Francesco Saverio, cj’è stata frequentata dal Rè, e dalla Regina, si è dato principio ad altra nella Patriarcale in onore del gl: Patriarca S. Gioseppe con Sermoni, e Musica della Cappella” (I-Rasv, Segretaria di Stato, Portogallo, vol. 89, f. 392, 16-3-1734).

4 ”Si terminò Mercoledi scorso la divota Novena celebratasi nella Chiesa de PP. Carmelitani scalzi (...) quanto in forma publica la Maestà della Regina acompagnata dalla Sig.ra Principessa del Brasile, e dal Sig.re Infante D. Pedro assistendo alle Litanie, che vi furono cantate in Musica” (I-Rasv, Segretaria di Stato, Portogallo, vol. 92, f. 131, 21-5-1737).

5 “Terminandosi Mercoledi scorso la Novena preparatoria alla Festa de gl: Patriarca S. Gaetano, la quale fù ce-lebrate da BB. PP. della divina Providenza con ricco apparato, e sceltiss.ª Musica, che fù fatta a spese del Sig.r Gaetano Mossi, musico della Cappella Reale, essendovi stato un numeroso concorso di Popolo divoto del Santo, e nel dopo pranzo visi portò anche la Maestà della Regina accompagnata dalla Sig.ra Principessa del Brasile, e del Sig.r Infante D. Pedro” (I-Rasv, Segretaria di Stato, Portogallo, vol. 92, f. 207-207v, 13-8-1737).

6 “Correndo ieri l’ultimo giorno della Novena di S. Francisco Xaverio, la Mtà della Regina acompagnata delle Principesse, e Principi Infanti il doppo pranzo si portò in forma publica alla chiesa di S. Rocco per assistere alla esposizione del Ssmo. Sagramento e la sera di dº giorno ui se rese pure il Rè el solemne Te Deum che fu cantato con scelta Musica, e gran concorso di Gente” (I-Rasv, Segretaria di Stato, Portogallo, vol. 97, f. 78-78v, 13-3-1742).

7 “Principiò Sabato nella detta Chiesa Patriarcale la Novena in honore di N.ra Sig.ra de’ sette dolori, con assisterui [il Rè e la Reina] ogni sera in una Tribuna con grate a lo Mottetto, e Stabat Mater, che ui si cantano di suo ordine da Mu-sici Italiani, e sempre di Composizioni differenti” (I-Rasv, Segretaria di Stato, Portogallo, vol. 76, f. 10, 01-04-1721). Transcrito em (DODERER e FERNANDES, 1993, p. 95). O Núncio refere-se a uma Novena em vez de Setenário, mas deve ser um lapso, já que a festa de Nossa Senhora das Dores era tradicionalmente precedida por um Setenário.

8 Com a promoção ao estatuto de Patriarcal em 1716, a Capela Real de Lisboa passou a incorporar as funções de catedral metropolitana. De acordo com este modelo, o Patriarca era o chefe da Igreja Portuguesa e ao mesmo tem-po o Capelão Mor do rei. A destruição do Paço da Ribeira (onde estava sediada a Capela Real e Patriarcal) com o Terramoto de 1755 e a sucessiva mudança de residência da família real para o “sítio da Ajuda” veio alterar a lo-gística da estrutura, tendo os dignitários eclesiásticos e os músicos sido repartidos por dois locais. A Capela Real foi anexada à nova residência da corte, na Ajuda, e a Patriarcal transitou por sucessivas residências nos 37 anos seguintes antes de ser de novo reunida à Capela Real da Ajuda em 1792 (FERNANDES, 2010, p. 2-4 e p. 21-29).

9 A Real Capela do Paço da Bemposta pertencia à Casa do Infantado, organização patrimonial destinada aos filhos segundos dos Reis de Portugal criada por D. João IV e extinta em 1834, com o Liberalismo.

10 A devoção do Sagrado Lausperene remonta ao século XVI e evoca as 40 horas que o corpo de Jesus Cristo es-teve no sepulcro. O cardeal D. Luís de Sousa, arcebispo de Lisboa, solicitou à Santa Sé privilegio da exposição permanente do Santíssimo Sacramento nas igrejas de Lisboa, como se praticava em Roma, obtendo em 1682 do papa Inocêncio XI a bula do jubileu do Lausperene. Esta concessão teve renovações contínuas antes de se tornar perpétua a partir de 1784. Na Patriarcal e nas Capelas Reais era celebrada com grande solenidade e implicava despesas regulares, mas são raras as referências à música nas fontes de arquivo, com excepção das exposições do Santíssimo Sacramento durante o Oitavário do Corpo de Deus ou da participação de cantores da Capela Real e da Patriarcal nos períodos que a família real passava no Paço de Salvaterra.

11 P-Lant, Patriacal Igreja e Fábrica - Avisos, Cx. 59. Também em P-Lant, Patriarcal Igreja e Fábrica, Maço 18, Doc. Nº 38: “Passe ordem ao Pe. Thesoureiro Matheus Simões para que na forma do Despacho do Excelentíssimo Co-légio expedido por ordem de Sua Majestade Fidelissima, mande por pronto tudo o necessário para que se faça a Novena do Santíssimo Coração de Jesus, com a mesma Solenidade culto com que se celebra a Novena do Glorioso Patriarca São Jozé na nossa Igreja (Lisboa, 16 de Junho de 1778).”

12 Estes contributos monetários nem sempre eram saldados no devido tempo como demonstra uma nota de 1764 (Relação das Novenas que se estão devendo aos Capellaens e Muzicos da Sta. Igreja Patriarcal), onde se registam dívidas em relação às Novenas de N. Sra. da Piedade e de S. José e à Trezena de S. António, entre 1761 e 1764, no valor de 2991$040 (P-Lant, Patriarcal Igreja e Fábrica, Maço 9, Doc. Nº 9).

13 Dados extraídos da Relação das Novenas que se estão devendo aos Capellaens e Muzicos da Sta. Igreja Patriarcal na forma costumada. P-Lant, Patriarcal Igreja e Fábrica, Maço 10.

14 Na Biblioteca da Ajuda existem também algumas listas de despesas relativas às Novenas de S. José e São Francis-co Xavier em 1790. No primeiro caso é registada a participação de 25 Múzicos a 9600 reis (totalizando 240$000), 7 Organistas a 4800 reis (33$600), Capitulante (9$600), Mestre de Cerimónias (4$800), três tesoureiros e um guarda cera a 2400 (7$200), 23 Pes. Capellaens a 2400 (55$200), 16 sacristas a 1200 (19$200), 6 Faquinos a 600 (3$600) e 2 Sineiros a 600 (1$200) (P-La 54-IX-18; 175, 175 a-b). A despesa total (374$400) é inferior à da década anterior, mas o conjunto musical continua a ser alvo de considerável investimento. No mesmo ano (1790), também na Capela Real da Ajuda, foram gastos com a Novena de S. Francisco Xavier 351$600 reis, mantendo-se os preços individuais da anterior para cada uma das funções. Participaram 28 Músicos e 7 Organistas (P-La 54-IX-18; 175, 175 a-b).

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

229

26_artigo15 Idem.16 Ver por ex. P-Lant, Patriarcal – Igreja e Fábrica, Maço 9, Doc. Nº 163, ou Maço 10, Nº 124 e Nº 257.17 P-Lant, Patriarcal de Lisboa – Despesas Extraordinárias, Cx. 106, Mc. 76-1.18 Idem.19 “Notta = Fez-se na Capella do Sto. Christo a Novena de Santa Margarida de Cortona, e no dia que se rezava que

foi ao décimo da dita Novena depois de Vésperas na Basílica sendo Quaresma se celebrou Missa na dita Capela por um Monsenhor mitrado com Beneficiados, Arciprestes e os Mestres de Cerimónias e Muzicos Devotos houve Sermão e também de tarde outro com Te Deum a que assitiu S. Alteza. Também no dia 3 de Março começou a Novena de S. Francisco Xavier que se fez com Sacramento exposto na Capela do Santíssimo mudando-se o Ta-bernáculo para o Altar abaixo entre a Basílica que he do Coração de Jesus e no dia houve Capella que foy a 12 de Março veyo S. Ema assistir por devoção: cantou-se a Missa de São Gregório Papa depois de Tertia da Basilica (...)

E porque se misturarão dois, esta Novena com a de S. José, se deu somente depois da Ladainha a Antífona de Santo Xavier a Oração e no mais como era na mesma Capela se fez toda a de S. José como é costume, excepto que sendo os Santos de Pratta Nossa Sra. e S. José a pozerão entre Capella dous de esculturas encarnadas e ainda mais tanto Nossa Sra. como São José ambos com meninos nos braços (...) Também como S. José caiu em 3ª feira da Semana da Paixão não cobrirão as imagens de Nossa Sra. e São José o que podiam fazer em todo o dia excepto a Novena (...)

Embaraçou-se a Novena de S. José com a das Dores que se armou na Capella do Santo Christo, e depois da No-vena de São José se faria a da Sra. das Dores na outra Capella. Muitas vezes de manhã se fazia este Septenário e outras depois da Novena de São José” (LAGE, 1817, p. 59-59v).

20 Ver os nº 154 a 161 do Catálogo de Edições de Musica Impressas em Portugal nos finais Antigo Regime (1750-1834), de Maria João Albuquerque (2006, p. 260-263), onde se descrevem os exemplares dedicados às Novenas do Glorioso Patriarca S. Domingos de Gusmão; de São José; do Sacro Santo Coração da Virgem N.S.M.S.; dos Santos Martyres Menores; de Jesus, Maria, José; e da Conceição da Virgem, entre outras. Inclui ainda a Trezena do glorioso Santo Antonio de Lisboa, para uso dos irmãos da irmandade do mesmo santo da Villa de Penacova. Coimbra: na Real Impressão da Universidade, 1778 (nº 195).

21 Nºs 326 a 329 do Catálogo citado na nota anterior.22 Ver por exemplo a Gazeta de Lisboa de 1 de Março de 1791.23 Novena em obsequio do Santíssimo Coração de Jesus, culto, que se lhe tributa na Real Capela da Bemposta, ordena-

da por um indigno devoto do mesmo Santíssimo Coração. Lisboa: na Officina de Francisco Borges de Sousa, 1778.24 Recorre-se aqui aos conceitos de “unidade cerimonial” e “unidade funcional” usados por Paulo Castagna (2000,

p. 35-36) para a análise da música religiosa brasileira dos séculos XVIII e XIX.25 Na Biblioteca Nacional de Portugal existem exemplares dos quatro volumes, respectivamente com as cotas: CIC

22 V, MP 149 P, MP 150 P e MP 151 P.26 Agradeço a André Guerra Cotta por gentilmente nos ter cedido uma cópia deste trabalho, não publicado.27 P-Ln, FCR 216//43.28 Um elenco dos principais catálogos portugueses e brasileiros relativos a arquivos e bibliotecas que contêm fontes

musicais relacionadas com as Novenas e outras práticas devocionais consta do trabalho de André Guerra Cotta (2001, p. 2).

29 Respectivamente com as cotas P-Ln, CN 211 (Acompanhamento da Novena de São Francisco, cópia com data de 1805) e MM 1647.

30 No Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa existem exemplares da Novena do Coração de Jesus composta por David Perez em 1763 (P-Lf, 165/44/D1) e do hino para a Festa de Santa Margarida de Cortona O Margarita poenitens (1770, aut.) (P-Lf, 165/28/C7). O hino de Santa Margarida de Cortona foi também posto em música por José Joa-quim dos Santos em 1773 (P-Lf, 193/10/D5) e 1775 (P-Lf, 193/11/D5). Na Biblioteca da Ajuda guardam-se ainda versões de David Perez das Novenas de Santa Margarida de Cortona (1777) (P-La, 48-VI-17) e do Coração de Jesus (P-La, 48-VI-18 e P-La, 48-VI-19) para além de várias novenas e trezenas anónimas. Música para as Novenas do Coração de Jesus de Perez e de José Joaquim dos Santos pode encontrar-se ainda na Biblioteca Nacional de Por-tugal, na colecção de partituras do Seminário da Patriarcal (por exemplo no volume P-Ln, CN 69).

31 P-La, 48-VI-26 (para dois tenores, baixo e órgão).32 P-Lf, 253/3/E5.33 Alguns exemplos em volumes P-Ln, CN 31, CN 69 e CN 133. Sobre o papel dos diversos compositores no âmbito

das estruturas musicais da corte ver (FERNANDES, 2012, p. 395-401).34 P-Ln, MM 1133.35 P-Ln FCR 198//41. Cópia em partes separadas em P-La 48-VI-8 (19-23).36 P-Ln FCR 198//81 e MM 152; P-La 48-VI-8 (24-28).37 No que diz respeito aos compositores da Capela Real e Patriarcal, a consulta do Catálogo on-line da Biblioteca

Nacional de Portugal, dos catálogos das bibliotecas da Ajuda e do Paço Ducal de Vila Viçosa, bem como dos manuscritos do Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa que constam da base de dados RISM, permite detectar uma quantidade de considerável de música destinada às Novenas e a outras devoções.

38 P-Ln, MM 193.39 Referência nos Relatórios da Nunciatura Apostólica em Lisboa. Ver Nota 7.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

230

26_artigo40 P-Ln, MM 4990.41 Novena do Ss.mo. Coração de Jezus del Sig.re David Perez, P-Ln, CN 69//3, partes; CN 133//9, partitura. A La-

dainha de F. A. Almeida foi inserida entre as partes da obra de Perez, encontrando-se também disponível em partitura em CN 45//1.

42 Projecto Institucional de Pesquisa do PPGMUS-UFBA financiado pela CAPES na modalidade PRODOC.

Referências

ALBUQUERQUE, Maria João Durães. A Edição Musical em Portugal (1750-1834). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. 402p.

CABRAL, Rui. Inventário Preliminar dos Livros de Música do Seminário da Patriarcal. Lisboa: Biblioteca Nacional, Centro de Estudos Musicológicos, 1999. 54p.

CARDOSO, André. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro (1808-1889). Tese de Doutoramento. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro, 2001. 329p.

CASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX. Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000. 3 vols.

COTTA, André Guerra. Para além das barras duplas: uma reflexão preliminar sobre as práticas musicais nas novenas dos séculos XVIII e XIX. Monografia de Especialização em Musicologia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. 54p.

COUTO, Edilece Souza. Devoções, festas e ritos: algumas considerações. Revista Brasileira de História das Religiões, Ano I, n.1 - Dossiê Identidades Religiosas e História, p. 1-10, 2008.

DIAS, Sérgio. Análise das Principais Características da Música Mineira através de uma Nova Percepção das suas Fontes – uma Observação Crítico-Analítica da Produção Musical desde a Escola Napolitana até Minas Gerais – Introdução à Teoria Reducionista. Tese de doutoramento. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010. 431p.

DODERER, Gerhard; e FERNANDES, Cremilde Rosado. A Música na Sociedade Joanina nos relatórios da Nunciatura Apostólica em Lisboa 1706-1750. Revista Portuguesa de Musicologia, vol. 3, p. 69-146, 1993.

Estatutos dos Padres Capelães Cantores da Santa Basílica Patriarcal de Lisboa nos quaes se estabelece a Forma de sua residência, e obrigações por ordem da Rainha Fidelíssima D. Maria I. Lisboa: Na Officina Patriarcal, 1788. 35p.

FERNANDES, Cristina. La fortuna del Coro dos Italianos della Cappella Reale e della Patriarcale di Lisbona nel secondo settecento. Rivista Italiana di Musicologia (Periodico della Società Italiana di Musicologia), v.XLII, n.2, pp. 235-268, 2007.

FERNANDES, Cristina. O sistema produtivo da Música Sacra em Portugal no final do Antigo Regime: a Capela Real e a Patriarcal entre 1750 e 1807. Tese de doutoramento. Universidade de Évora, 2010. 2 vols. 561p.+323p.

FERNANDES, Cristina. A Patriarcal e as Capelas Reais da Corte portuguesa entre 1750 e 1807: rede institucional, organização interna e perfil musical. In NERY, Rui Vieira; e LUCAS, Maria Elizabeth (coord.). As Músicas Luso-Brasileiras no Final do Antigo Regime. Repertórios, Práticas e Representações. Lisboa: Fundação Gulbenkian/INCM, 2012. p. 385-425.

FERNANDES, Cristina. Boa voz de tiple, sciencia de música e prendas de acompanhamento”. O Real Seminário da Patriarcal (1713-1834). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal/INET-MD, 2013. 155p.

FERNANDES, C. As Práticas Devocionais Luso-brasileiras no Final do Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na...Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 213-231

231

26_artigoJANCSO, István e KANTOR, Íris. (orgs.) Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: Universidade de São Paulo. Hucitec: Edusp: Fapesp: Imprensa Oficial, 2001. 990p.

LAGE, Francisco Braga. Diário Histórico e Litúrgico das Funções que se tem feito na Real Capela de N. Senhora d’Ajuda depois que existe ahi a Sabcta Igreja Patriarchal desde o anno de 1792 athe 1816. Para lembrança de Francisco Jozé Braga Lage, Beneficiado e Primeiro Mestre de Cerimónias da Real Capela da Sancta Igreja Patriarchal. Tomo Terceiro. Lisboa 1817. Arquivo Distrital de Braga, Ms. 692. 306p.

MARQUES, António Jorge. A obra religiosa de Marcos António Portugal (1762-1830): catálogo temático, crítica de fontes e de texto, proposta de cronologia. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal/CESEM, 2012. 1050p.

MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/Fundação Biblioteca Nacional – Departamento Nacional do Livro, 1997. 372p.

MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do Padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1970. 413p.

NERY, Rui Vieira. Espaço Sagrado e Espaço Profano na Música Luso-Brasileira do Século XVIII. Revista Música, São Paulo, v.11, p. 11-28, 2006.

Preces que se devem cantar nos dias da novena, e festa do glorioso patriarcha S. Joseph. Lisboa: na Officina Joaquiniana de Musica, 1724.

SANTOS, Mariana Amélia. Biblioteca da Ajuda, Catálogo de Música Manuscrita, 9 vols. Lisboa: Biblioteca da Ajuda,1958-1968.

SOTUYO BLANCO, Pablo; NUNES, Bárbara Brazil. A Novena de Nossa Senhora da Conceição da Praia: um estudo contextualizado da prática musical. In: Anais do II Encontro Nacional da ABET-Etnomusicologia: lugares e caminhos, fronteiras e diálogos, 2004, Salvador - BA. II Encontro Nacional da ABET Anais. Salvador - BA: Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET), 2004 [sem numeração de páginas].

SOTUYO BLANCO, Pablo. Tríduos e novenas em Salvador (Bahia): aspectos estruturais compa-rados. In: Música Colonial Iberoamericana: interpretaciones en torno a la práctica de ejecución y ejecución de la práctica. Actas del V Encuentro Simposio Interna- cional de Musicologia. Santa Cruz de la Sierra: Asociación Pro Arte y Cultura, 2004a. p. 121-134.

SOTUYO BLANCO, Pablo. Tríduos e novenas em Salvador: aspectos diacrônicos nessa práti-ca religiosa e musical. In: II Encontro Nacional da ABET - Etnomusicologia: lugares e cami-nhos, fronteiras e diálogos, 2004, Salvador - BA. Anais... Salvador: Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET), 2004c. [sem numeração de páginas].

SOTUYO BLANCO, Pablo. Tríduos e novenas em Salvador: Relações de prestígio e poder através da prática devocional e musical. In: II Encontro Nacional da ABET - Etnomusicologia: lugares e caminhos, fronteiras e diálogos. Anais... Salvador: Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET), 2004d. [sem numeração de páginas].

falta

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

232

27_artigoA recepção de Debussy em espanha Avanços e

retrocessos na mudança de um paradigma estético

Maria João Neves (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal)

[email protected]

Resumo: Este artigo pretende dar conta da recepção de Debussy na imprensa espanhola nas primeiras décadas do séc. XX desde a sua estréia em 1904 até 1935, data da última representação de Iberia em Espanha antes da guerra ci-vil. O estudo segue não apenas as reações do público e da crítica musical do momento mas pretende também acom-panhar a discussão filosófica que se gerou a propósito da mudança de paradigma estético que a nova música susci-tou. Têm-se em conta as diferentes posições de músicos e musicólogos da época, procurando mostrar como o debate e o trabalho didático de alguns críticos contribuiu para a modificação da percepção do público.Palavras-chave: Debussy; Espanha; Crítica musical; Percepção do público.

The Reception of Debussy in Spain Advances and Setbacks in the Transformation of an Esthetic ParadigmAbstract: This article gives an account of the reception of Debussy in the Spanish press in the early decades of sec. XX since his debut in 1904 until 1935, date of the last performance of Iberia in Spain before the Civil War. The study follows not only the reactions of the audience and the music critics of the time but also tries to follow the philosoph-ical discussion it generated by the purpose of changing the aesthetic paradigm raised by the new music. The paper has taken into account the different positions of musicians and musicologists of the time, trying to show not only the debate but also the didactic work of some critics who contributed to changes in perception of the audiences. Keywords: Debussy; Spain; Musical criticism; Perception of the audiences.

A estreia de Debussy em Madrid dá-se na Sociedad Filarmónica em 1905 com o Quarteto em Sol menor, composto em 1893. Do programa fazia parte um outro quarteto de autoria do compositor espanhol Manrique de Lara1, o que não deixa de ser curioso pois Lara foi dos seus principais antagonistas em Espanha. Estavam criadas condições para a polémi-ca que não tardou em surgir num público e numa crítica que se dividem, como testemunha Roda (1905):

Ayer apareció por vez primera, en un programa de artistas españoles, el nombre mo-dernísimo de Claudio Debussy. Los que conocíamos su obra temíamos que el sedi-mento arcaico de nuestro público recibiera con hostilidad este encantador cuarteto. Al terminar el primer tiempo se produzco en el público una impresión de extrañeza: aplaudimos unos cuantos y nadie protestó; al terminar el segundo grandes aplausos y bis; el tercero causó un hondo efecto poético; el cuarto, por cuya suerte temíamos bastante, fue aplaudido tibiamente. En el intermedio los comentarios eran unánimes: todos encantados con los dos tiempos centrales, y declarando francamente que no ha-bían entendido el primero y el último; todos menos algunos músicos, que en nombre de los cánones sagrados, que en otro tiempo aprendieron, que fija la vista en su ta-blatura, señalaban como modernos Beckmesser, las faltas graves en que el innovador había ocurrido (p. 1).

Roda (1905) tinha perfeita consciência do atraso musical espanhol face à Europa mais a norte, pelo que a estreia de Debussy vem significar o início de uma tentativa de in-versão desta tendência:

En nuestra música dramática estamos perfectamente anticuados; en música coral completamente ayunos; en música sinfónica, los grandes nombres de los composito-res modernos nos son totalmente desconocidos; oratorios, cantatas, lieder, sabemos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 03/04/2014 - Aprovado em: 03/07/2014

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

233

27_artigoque existen porque lo dicen los catálogos editoriales, porque los periódicos extranje-ros hablan de sus ejecuciones y porque podemos leer las partituras los aficionados a ello (p. 1).

Apesar de tudo, pelos documentos consultados constata-se que o Quarteto em Sol menor de Debussy recebeu uma melhor recepção na estreia2 do que nos anos subsequentes. Veja-se a crítica de D. Dur (1906), sobre a mesma obra, um ano mais tarde:

(...) insoportables el primero y el último tiempos, principalmente este, en que no apa-rece por ningún lado la expresión grande y apasionada que el autor se propone, a no ser que haya tratado de despertarla en contra de él, porque en este caso si creo que lo consigue por completo de la mayor parte del auditorio (p. 3).

Consideramos que escutar Debussy partindo do princípio que o compositor pre-tende uma “expressão grande e apaixonada” é condenar a audição ao fracasso, pois nada mais longe dos ideais estéticos do compositor francês que os sentimentais arrebatos típi-cos do Romantismo musical. Por outro lado, exactamente sobre o mesmo concerto Roda (1906, p. 4) diz-nos: “La actitud del público con el cuarteto de Debussy fue de lo más curioso que darse puede, aplaudió con mucho calor el primero, pidió la repetición del ori-ginal scherzo y del poético andantino, y aun á las crueles disonancias del final no puso cara tan hosca como se temía”. Como se pode observar, as percepções de Dur e Roda so-bre o mesmo concerto variam bastante: um põe em relevo a rejeição do público, o outro considera que o acolhimento superou as suas expectativas. Este facto alerta-nos para a necessidade de tomar sempre em consideração as simpatias musicais dos críticos pois es-tas parecem condicionar a sua visão, sendo muito difícil encontrar uma crítica imparcial. Enquanto Dur considera que Debussy carece de sentimento e realiza “amaneiramentos” do pior gosto possível3, Roda ouve em Debussy algo novo que considera que marcará a música vindoura e encontra no compositor francês poesia, cor, originalidade e uma ver-dadeira alma de artista4.

Em 1906 é a vez da Orquestra Sinfónica de Madrid estrear o Prélude à l’après midi d’un faune5 de Debussy sob direcção de Enrique Fernandéz Arbós. O musicólogo e crítico musical Adolfo Salazar (1933) revisita este momento:

Debussy fue, como primero de todos, el más violentamente atacado, insultado inclu-sive. Y de que manera! No puedo citar aquí las frases galanas con que le obsequiaba algún wagnerista a ultranza, como Manrique de Lara, ni me da empacho citar como muestra uno de sus juicios sobre cierta obra suya: ‘La vomitadura de un perro’, decía del Preludio a la siesta de un fauno (p. 6).

Não deixa de chocar a linguagem dos críticos espanhóis quando sentem aversão por um determinado compositor ou obra. São frequentes as alusões a animais: “vómito de um cão”, no texto acima citado; “linguagem da raça felina”6 atribuída a Debussy por Dur (1906, p. 3), que também refere que as primeiras composições de Schumann produziam o efeito de “um saco cheio de gatos”7. Mesmo quando pretendem ser elogiosos falando com orgulho dos seus compositores nacionais a deselegância das expressões é notória, veja-se, por exemplo, o título do artigo de Corpus Braga (1920, p. 5): “A careca de Falla e o chapéu de três bicos”8.

Aliando-se a Salazar na defesa da nova música, Ortega y Gasset (1921, p. 3) conside-ra que “Debussy, en ‘la siesta del fauno’, ha descrito la campiña que ve un artista, no la que ve al buen burgués”9. Para o filósofo (2009, p. 34) “Debussy deshumaniza la música, y por

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

234

27_artigoello data de él la nueva era del arte sonoro”, querendo com isto dizer que Debussy erradica da música o sentimentalismo fácil.

Quando em 1908 se estreiam dois Nocturnos de Debussy, Nuages e Fêtes, pela Orquesta Sinfónica de Madrid dirigida pelo maestro Arbós, Parmeno (1908) comenta o con-certo do seguinte modo:

Como nota de color, como estudio de sonoridad, la pagina Nubes no es inferior a la magnífica impresión La siesta del fauno. En esta hay más languidez, más apasionada blandura; en la anterior mayor misterio y melancólica serenidad.Al concluir la obra las opiniones se dividieron; no tiene nada de extraño, tratándo-se de una obra nueva y de moderna composición. Lo mismo ha ocurrido con otras obras en los años pasados estrenadas y que hoy, después de insistentes ejecuciones, el público acoge con franco entusiasmo. Tenemos la esperanza de creer que otro tanto ocurrirá con el Nocturno de Debussy.

Ortega y Gasset reflecte profundamente sobre a questão da impopularidade da nova música perguntando-se se, de facto, a música de Debussy deixasse de ser nova através das ditas “insistentes execuções” passaria então a agradar. Este assunto abordado pela primeira vez no texto Musicalia I, tomará grande relevância no ensaio La deshumanización del arte e, no que se refere à dicotomia elite/massas no ensaio La rebelión de las masas. A conclu-são de Ortega (1921, p. 3) é de que a música de Debussy permaneceria impopular: “Si todo lo nuevo es impopular, hay, en cambio, cosas que lo siguen siendo aún llegada la vejez. (...) Yo creo que la música de Debussy pertenece a este linaje de cosas irremediablemente impo-pulares.” A música do compositor francês jamais agradará às massas, é uma música de eli-tes que exige refinamento intelectual e uma verdadeira atitude estética, oposta ao contágio emotivo que vinha acontecendo com a música romântica. De facto, a aceitação de Debussy tardará.

Em 1912 Rogelio del Villar dá uma conferência no Ateneo de Madrid onde deixa constância da sua repulsa pela música francesa e do perigo que esta significa para o nacio-nalismo espanhol:

Una avalancha de vulgaridad y de barbarie que viene del norte, está invadiendo nues-tro arte de fealdad; un sensualismo grosero de la técnica por la técnica, confundiendo lo bello con lo sonoro, parece ser el ideal de algunos compositores contemporáneos. El trabajo de la concepción de las ideas, el dolor de producir, se desconoce. Hace falta una terapéutica para las enfermedades de la música actual, que padece hipocondría, neurastenia, melancolía enfermiza (p. 81).

Como se pode verificar, certos críticos cujos ouvidos estão demasiado habituados às grandes massas orquestrais de Wagner, reagem mal à redução de meios proposta por Debussy, à sua contenção e busca de essência, confundindo a delicadeza e o refinamento da sua arte com “neurastenia”.

A nova música não surge sozinha, pelo contrário, ela forma parte de uma mudança de paradigma estético que envolve outras artes tais como a pintura e a literatura. Quando a seis de Dezembro de 1914 a pianista M. Dumesnil estreia na Sociedad Filarmónica de Madrid Arabescos de Debussy, obra composta em 1891, há que ter em conta que os arabes-cos são comuns à música do compositor francês e à pintura do austriaco Klimt, por exem-plo. A utilização do arabesco significa para as artes visuais a independencia da imitação pois permite o afastamento da arte figurativa e abre caminho rumo à arte abstracta cujo va-lor reside na pura forma. Em Espanha Manuel Abril (1915) é um dos intelectuais que se de-bruça sobre as afinidades entre a música e a pintura que se vivem nesta época:

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

235

27_artigoLos músicos que quisieron seguir rutas análogas [às da pintura impressionista] pa-rece que se dijeron: si en pintura no debe existir linea, en música no debe existir tema melódico; si en pintura no es preciso perseguir asunto, en música no hay que buscar tonalidades espirituales; la pintura y la música han de ser, para ser puras, ex-clusivamente cromáticas, en color y sonoridad, respectivamente; han de dedicarse á la reproducción imitativa de trozos naturales; y en lo que se refiere a la técnica, si la pintura emplea el sistema de la disociación y los pequeños toques, del esfumado in-deciso, por obra de la luz, que borra contornos, la música empleará igualmente tonos complementarios, temas breves, fugaces, que aparecen y desaparecen al momento y tienden á formar entre todos la impresión total, por conjunto, á la manera con que en el mar el cabrilleo de la superficie total se forma por la conjunción de múltiples cule-brillas luminosas, esto, en parte, Debussy; esto en parte Dukas y sus secuaces más ó menos directos (p. 2).

A partir de 1915 estão criadas condições para um maior conhecimento da músi-ca moderna, sobretudo em Madrid e Barcelona, devido à criação de novas orquestras sin-fónicas e de câmara, de sociedades e de associações musicais10. O repertório da Sociedad Filarmónica de Madrid privilegiou, durante os seus primeiros quinze anos de existência, a música romântica11. Como refere María Zambrano (1989, p. 143) a audição da Quinta Sinfonia de Beethoven quase que se tinha convertido num exercício ritual12: “La Quinta Sinfonía [de Beethoven] era escuchada como una misa, como un auto sacramental. En otros tiempos era devorada, más que oída, como un sacramento”. Nas revistas especializadas o debate centra-va-se sobre questões como o nacionalismo musical13 que em nada se deveria confundir com a cópia fácil14 ou a relação do músico com a cultura15. É também neste ano que Manuel de Falla (1916) dará no Ateneo de Madrid a conferência intitulada “Introducción a la nueva música” que terá um grande impacto estabelecendo de forma definitiva o lugar de Debussy:

He nombrado a Claudio Debussy porque puede afirmarse sin temor a ser desmentido, que de su obra ha partido de una manera definitiva el movimiento innovador del arte sonoro (...) Claro está que esta innovación, como todas las registradas en la historia de la humanidad, fue preparándose gradualmente por las obras musicales (nunca por los tratados técnicos) de otros compositores europeos; pero el espíritu, la estética y los procedimientos de la música nueva, no fueron afirmados de un modo preciso, cons-tante y definitivo hasta la aparición de los Nocturnos, del Cuarteto en sol menor, de Prélude à l’après midi d’un faune, de Pelléas et Mélisande y de tantas otras obras con las que Claudio Debussy reveló al mundo musical la nueva doctrina que había de ser punto de partida de un arte sonoro esencialmente nuevo, y cuyo espíritu, al modifi-carse según los diversos caracteres personales de aquellos artistas que han seguido el camino por él abierto, ha producido obras de tal fuerza de expresión y evocación, de tal variedad de sentimientos que jamás se hubiesen podido presentir. (pp. 3-4)

A 18 de Março de 1915 a recém formada Orquestra Filarmónica de Madrid estreia no Teatro Price a obra sinfónica El Mar de Debussy, composta em 1905. O aparecimen-to desta orquestra é extraordinariamente importante pois o seu maestro, Bartolomé Pérez Casas, mostrou-se verdadeiramente empenhado em dar a conhecer ao público espanhol as obras dos compositores modernos. Com efeito, há registo de mais de cinquenta audições das obras de Debussy entre 1915 e 193616. Adolfo Salazar (1933) reflecte sobre o trabalho da Filarmónica:

Y fue entonces cuando la prudente labor del maestro Pérez Casas, prudente sin dejar de ser entusiasta, hizo que la música moderna, que comenzaba tímidamente a apa-recer en nuestros programas, llegase a obtener instantes de triunfo. Por lo menos de discusión, viva y encendida, en la cual el publico joven llevaba la bandera avanzada, mientras que los aficionados calvos y ventrudos, amén del cortejo de críticos de gran circulación, servían de rémora. (p. 6)

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

236

27_artigoPelo comentário de Salazar podemos depreender a clara separação que se deu a de-

terminada altura entre os entusiastas da música moderna e aqueles que se lhe opuseram ferozmente. Esta divisão ocorreu não somente na crítica especializada mas também no pú-blico melómano.

Em 1916 estreiam em Madrid os Ballets Russes com Petrouska e O Pássaro de Fogo de Stravinsky. Espanha torna-se a partir de então local de refugio para a companhia de Diaghilev durante a guerra. Afonso XIII renova o convite à companhia que virá diversas ve-zes, registando-se um forte eco na imprensa espanhola17.

A dez de 10 de Maio deste mesmo ano a Orquestra Filarmónica de Madrid sob direcção de Pérez Casas estreia no Teatro Real o tríptico sinfónico completo de Debussy Nuages, Fêtes e Sirènes. Os dois primeiro nocturnos já tinham sido apresentados pela pri-meira vez em Madrid em 1908, pela Orquestra Sinfónica sob direcção de Arbós, e não ti-nham sido bem recebidos pelo público. Agora, oito anos depois, permanece a resistência do público face ao tríptico de Debussy. Salazar (1916) admite que o coro de Sereias esteve mui-to aquém do desejável mas não compreende o mau acolhimento que receberam também os outros dois Nocturnos:

Decíamos de Debussy, y la perplejidad nos asalta nuevamente. Que las “Sirenas” no le parecieran bien al público, se comprende. Las señoritas del coro no tenían la menor noción de lo que significaba su intervención en la masa instrumental; mal colocadas en el escenario, oyéndolas lamentablemente unas vocalizaciones que apenas deben ser perceptibles, cortando la línea melódica mas deliciosamente suave e imprecisa de contornos... Pero las ‘Fiestas’, y las ‘Nubes’ también pasaron sin dejar huella. ¿Estará uno tonto, o loco? ¿Verá uno visiones?... ¿Pero a qué esforzarse en convencer ante un Whistler un Manet o un Garriere a un señor que no haya pasado de Palmaroli o de Madrazo? (p. 11)

Não é apenas o público vulgar que rejeita Debussy, o compositor encontra em emi-nentes figuras da música espanhola fortes opositores. Luis Villalba (1916), por exemplo, con-sidera que a música de Debussy é um fenómeno transitório que passará sem deixar marca:

Por esto esta música de Debussy es un fenómeno transitorio, que aunque se quiere de-dicar a la expresión de esos estados psíquicos de una vaguedad sombría; de unos en-sueños entre sensuales y fantásticos; de esa especie de ánimo gris que a veces colorea todo el sentir humano, no por eso deja de ser transitorio, pues que esas situaciones de espíritu y de sentido, que parecen intraducibies por la música moderna de los tonos mayor y menor, tienen su verbo expresivo en tonalidades definidas, a las que, en fin, se vendrá a parar. (p. 3)

É significativo verificar que compositor sobre o qual se afirma, hoje em dia de for-ma apodíctica, que inaugurou a era moderna da música, em Madrid, a dois anos da sua morte, a sua obra ainda era considerada um fenómeno transitório por alguns especialis-tas. Debussy falece, pois, em 1918, precisamente quando estava programada a sua vinda a Espanha. Organizam-se, então, homenagens ao compositor sobre as quais escreve o musicó-logo e crítico musical Adolfo Salazar (1919):

La Nacional se significó desde el primer momento por su gran entusiasmo hacia la música de Claudio Debussy; llegó a entablar relaciones con él, y el gran músico había aceptado el venir a la Sociedad, mostrándose como intérprete de sus propias obras, cuando sobrevino su muerte. Era deber de la Nacional el consagrarle un homenaje, que al propio tiempo era la confirmación de los ideales artísticos, por los que lucha y existe. Este homenaje se verificó el día 7 de diciembre de 1918. Estaba a cargo de los

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

237

27_artigodos más admirables y significados intérpretes de la música del genio francés: Ricardo Viñes, en la de piano y Mme Magdeleine Greslé, en la de canto. Se interpretaron obras de todas las épocas del maestro y además el violinista-concertino de la Filarmónica, Fernández Ortiz, con Viñes, estrenó en España la Sonata de violín y piano, una de las últimas obras del admirable renovador de la música contemporánea. (p. 49)

Neste mesmo ano a Orquestra Sinfónica de Madrid estreia Gigues do compositor francês. Muñoz (1918) espraia-se em considerações sobre os possíveis paralelismos entre a tristeza que, a seu juízo, a obra indicia e a consciência da chegada ao fim da vida do seu autor:

‘Gigas’, obra perteneciente a los días en que la terrible dolencia que mató a Debussy se exacerbaba dolorosamente cercana ya a su trágico fin, tiene como un sobrehumano vislumbre de misteriosos espacios. ‘Gigas’ es una dolorosa obra ‘spectral’: olaridades misteriosas como gemidos fugitivos de almas cautivas en fantásticas envolturas, ecos largos y dolorosos y el ritmo bailable surgiendo de vez en cuando como una mueca, como una risa macabra. ‘Gigas’ es una obra de alucinado, de torturado, una obra en que se quintaesencia el dolor y se bucea desesperadamente en los arcanos del miste-rioso ‘más allá’. (p. 3)

Já Barrado (1918) expressa veementemente o seu desagrado pela obra que considera que cultiva o feio na música::

La otra novedad del programa, ‘Gigas’, primer número de la tercera serie para orques-ta de Debussy, titulada Imágenes, no convenció sino a una mínima parte de los oyen-tes. Ni podía ocurrir otra cosa. (...) es algo así como el cultivo de Lo Feo en Música, empleando cuantos recursos puede proporcionar a una incapacidad de crear seres melódicos y armónicos. (p. 2)

Num tom bastante mais profissional que o dos outros dois críticos atrás citados, Salazar (1918) refere-se à estrutura do programa onde a omissão e articulação de compo-sições, não obedecem à ordem original podendo, por este motivo, prejudicar a recepção da obra:

“Los tres números de que se compone la tercera serie de Imagenes, de Debussy, no for-man, es cierto, un todo inseparable, si se atiende a la unidad interior de las piezas que la componen (Gigues, Iberia y Rondas de Primavera); pero, a excepción de Iberia, que, a su vez, es un conjunto de tres componentes, los otros dos números sueltos, resultan solitarios y desamparados. Aun ambos, en compañía, se hubieron prestado mutua ayuda; pero se prefirió acompañar a las Gigas con el segundo Nocturno, Fiestas. Se ha hecho ya corriente el prescindir del tercero de estos Nocturnos (Sirenes), a causa del pequeño coro que exige. Esta desmembración es aún inexcusable en una obra es-trechamente unida por su trabazón temática; pero, con todo, la pareja Nubes-Fiestas no deja de ser satisfactoria. Sospechamos que, en cambio, la unión Gigas-Fiestas no hubiera agradado mucho al compositor.” (p. 3)

Um ano mais tarde Salazar (1919) continua a apontar para a dificuldade acrescida, ou até mesmo insuperável, de acesso às composições de Debussy quando são desmembradas:

Las Gigas de Debussy, fuera del cuerpo total de la obra en que se incluyen, son de una vaguedad inasequible al gran público. Ciertamente constituyen una página exquisita; pero en Debussy la sutileza de su pensamiento, tanto como la de su expresión musi-cal, requiere que no se corte el hilo lógico que engarza sus series, sin comprometer la particular significación de cada trozo. (p. 49)

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

238

27_artigoAinda sobre a estreia de estreia de Gigues Salazar (1918, p. 3) insiste na controvér-

sia que se criou no público: “Fue muy alabado el trabajo de la Sinfónica, y la obra bien esco-gida, sin que dejasen de emitir su opinión los que utilizan los pies como vehículo expresivo. Arbós, con muy buen acuerdo, complació a la mayoría con el bis”.

Em redor da morte de Debussy e no contexto dos actos de homenagem prestados ao compositor, é de notar como críticos que pretenderam ser elogiosos no seu tempo, aos olhos de hoje denigrem a imagem que temos e o lugar que acreditamos que Debussy ocupa mere-cidamente na história da música. Margarida Nelken (1918), por exemplo, apesar de conside-rar o compositor como uma figura significativa afirma que não pode ombrear com os mes-tres principais. Fazendo um paralelismo com as artes visuais, atribui a Debussy o papel de um gravador que, embora importante, não pode comparar-se ao de um pintor:

Lo cierto, lo indiscutible es que, con la desaparición de Claude Debussy la música moderna ha perdido una de sus figuras más significativas. No digo una de las más grandes, pues no hay derecho a decirlo cuando nos quedan un Strauss y los magos de la Escuela Rusa, pero no hay que olvidar, en la ligereza aparente de Debussy, que este fue un verdadero iniciador que con sus armonías de paisajes y de sensaciones, ensanchó considerablemente el campo de la composición musical y que su produc-ción hermana de la producción pictórica de un Claude Monet, si bien no puede pa-rangonarse con la de los maestros fundamentales (tampoco Manet fue un Greco o un Rembrant) perdurará como una de las expresiones más sabias y más justas de algunos momentos nuestros. Y por ahí la obra de Claude Debussy es tan significati-va e importante como lo son junto a las de los grandes pintores, las obras de ciertos grabadores que sin profundizar en las grandes emociones, supieron darnos íntegra una impresión.

Na mesma linha, Lázaro Guillen (1918) padece de confusão terminológica mistu-rando decadentes e simbolistas, desconhece o novo paradigma estético que Debussy inau-gura, facto em virtude do qual o acusa, precisamente, de carência de valores estéticos e de “pobreza melódica disfarçada através de efeitos rebuscados”. Como se não bastasse, quali-fica Debussy como músico “apagado” pois é incapaz de compreender que o compositor não pretendia emocionar plateias como os compositores românticos:

Cláudio Debussy, en nuestro concepto, pertenece a la agrupación de aquella pléyede de artistas franceses de fines del pasado siglo − poetas, pintores, músicos, etc − que exaltaron y pusieron en moda la novísima forma del decadentismo. Originales en todo, las composiciones de distintas clases de aquellos artistas ocultaban su pobre-za melódica entre efectos rebuscados de una técnica irreprochable, que dominaban a fuerza de estrucharla y exprimirla. (...) Pero, a pesar de su intensa emoción, las composiciones de los originalísimos artistas decadentes o simbolistas eran acusadas de carencia de valor estético y producción de cansancio en el ánimo del espectador, maravillado y atraído por su primer impulso. (...) Debussy, por el contrario, fue, en ge-neral, un músico de ideas, silencioso, apagado. Su música, de unidad y aparente sen-cillez, pierde en cualidades de expresión y amplitud para convertirse en ingeniosas combinaciones orquestales que seducen y embelesan al oyente unos minutos (p. 1).

Consciente da mudança de paradigma estético é Salazar (1918) quem professa exac-tamente o contrário afirmando que o compositor fugiu sempre dos ditos efeitos rebusca-dos18. Embora nesta altura já se saiba interpretar Debussy19 continuam a apresentar-se as obras do compositor de forma desmembrada, o que, como já foi referido antes, afecta a sua compreensão e por conseguinte a sua recepção. A Orquestra Filarmónica de Madrid espe-cializa-se precisamente na interpretação de música moderna mas mesmo assim, Salazar (1918) considera que a apresentação de obras de compositores modernos ainda não é sufi-

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

239

27_artigociente e que não se deveria condicionar a sua programação pelo acolhimento um tanto ou quanto frio do público:

Por qué nos sirve a Debussy, a Ravel y a Dukas con tanta parsimonia? Que el publico los acoge con tibieza? Y qué? Para eso se despepita con los otros. Se olvida, además, el éxito alcanzado con ‘El Mar’; pero no ha vuelto a repetirse esa obra espléndida. Se acometen las obras de esos autores con demasiada timidez y no dándolas más que en pedacitos. (p. 2)

O ano de 1919 é marcado pela estreia de Pelleas et Melisande, a única ópera de Debussy, em Barcelona. No entanto, uma vez mais, a obra não é apresentada da melhor for-ma pois não se sabe interpretá-la como se requer, como mostra Adolfo Salazar (1919):

Al estrenarse en España − en Barcelona − ‘Pelleas et Melisande’, no se ha supuesto necesario ningún cuidado previo. Se ha mostrado al publico junto a operas indiferen-tes con una interpretación asimismo indiferente. Al sonar el último acorde artistas y auditores se han vuelto las espaldas como dos recién conocidos que sienten que uno y otro se han equivocado. Y aun los mas enterados han quedado un poco sorprendi-dos ante una música que jamás llega a desbordarse; que lo evita cuidadosamente; que quiere ser solo atmósfera sentimental en la que se mueve este drama inconcreto; que no quiere más que sugerir; que evade lo categórico; dónde el matiz más sutil suple al color, y cuya emoción y tragedia se deslizan al través del velo sonoro que Debussy ha tejido con su más angustioso cuidado. (p. 5)

Tocar Debussy como se fosse Wagner produziu resultados desastrosos e a cenogra-fia desadequada constituiu mais um obstáculo à apresentação da obra:

Las tres únicas representaciones que ‘Pelleas’ ha tenido en el Tivoli, fueron dirigidas por M. Ernest Gooris, excelente artista cuyo único defecto consistía en no ver que el modo expresivo de Debussy no tiene nada común con la forma de expresión románti-ca que nos vino de más allá del Rin; que no hay en el melodías predominantes, frases que exijan ser subrayadas fuertemente, y que la emoción radica en la perfecta homo-geneidad del conjunto, en la fusión interna de los sonidos, de un modo análogo al co-lor de los impresionistas. La escenografía era de una incomprensión absoluta; aun se llegaba a suspender el proceso orquestal para dar tiempo al cambio de decoraciones. ‘Pelleas’ se basa en un criterio teatral moderno, y aquellos viejos cromos, vulgares y pretenciosos, prohibían toda propensión al ensueño.” (ibid.)

Estas graves incorrecções estéticas vêm progressivamente a ser colmatadas a partir de 1920, ano em que é criada a Orquestra Pau Casals em Barcelona. Neste mesmo ano Falla (1972, p. 71) publica em Paris, na Revue Musical, o artigo “Claude Debussy et l’Espagne” no número dedicado ao compositor. Nele pode ler-se: “Debussy, que no conocía realmen-te España, creaba espontáneamente, yo diría de manera inconsciente, música española ca-paz de dar envidia a otros que la conocían demasiado...” Segundo Laborda (2005, p. 254), o artigo tem bastante repercussão em Espanha vindo a servir de base não só a programas de concertos mas também para artigos de Adolfo Salazar e talvez tenha constituído o impulso principal para a estreia de Iberia em Espanha no ano seguinte.

O percurso musical que temos vindo a descrever da recepção da obra de Debussy em Espanha é feito de avanços e retrocessos. Assim, quando neste ano, em Madrid, a Orquestra Filarmónica estreia a obra La demoiselle élue de Debussy, para não correr riscos resolve co-locar também no programa o Sonho de uma noite de verão de Mendelssohn20. De facto, o público aplaude Mendelssohn e reage com fria indiferença a Debussy21.

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

240

27_artigoNo entanto, pouco a pouco, vozes mais positivas vão-se fazendo ouvir, e músicos es-

pecialistas na interpretação da música moderna vão ganhando fama, como demonstra este artigo publicado em La correspondencia de España (Aa 1920):

Ricardo Viñez, inimitable en la interpretación impecable de la nueva música fran-cesa, singularmente en la de Debussy, que le apasiona, tuvo ayer momentos inol-vidables. El publico, delirante de admiración y entusiasmo, hizo a Viñez ruidosas ovaciones y le obligó a tocar nuevas obras de Rameau, Debussy, Rimsy-Korsakoff y Mussorgsky. (p. 5)

Juan del Brezo (1920) deixa bem patente a evolução musical da capital, com o au-mento de número de concertos e a modernização dos programas:

Quien había de decirnos hace veinte años, que no se hacían más que cinco o seis conciertos en la temporada, conciertos en los que aun se discutían las excelencias de Beethoven, en los que se rechazaba a Wagner, que en apenas un cuarto de siglo se llegaría al concierto diario, y que la multitud había de aguzar su percepción para pa-sar sin esfuerzo de los clásicos o primeros románticos hasta los impresionistas. (p. 4)

A importância de Debussy é reafirmada por músicos, musicólogos e intelectuais

(Ab 1920):

En efecto, hoy es imposible escribir la música como si Debussy no hubiera existido. Acéptense más o menos sus puntos de vista estéticos, las innovaciones aportadas por él a la técnica y a la forma constituyen la base del artista actual, y aun su huella se reconoce en los músicos más apartados a su criterio y a sus normas. (p. 3.)

Existem mais exemplos de como a partir de 1920, sensivelmente, a música moder-na e em particular Debussy, começa a ter uma melhor aceitação por parte do público e da crítica22. No entanto, quando a 24 de Janeiro de 1921 estreia Ibéria do compositor francês, pela Orquesta Filarmónica de Madrid dirigida por Bartolomé Perez Casas, onze anos depois da sua estreia em Paris, a obra ainda é mal recebida pela maioria do público espanhol. Do programa faz parte a terceira Sinfonia de Mendelssohn, Escocesa, e um fragmento do ora-tório da Redenção de C. Frank. Ao contrário de Iberia, a Escocesa, recebe ovações. Salazar (1921) escreve no jornal El Sol comentando extensamente o ensaio de Falla, que versa pre-dominantemente sobre Ibéria publicado na Revue Musical no ano anterior em Paris, e faz também a crítica do concerto estreia, onde pode ler-se o seguinte:

Y anunciábamos el estreno en Madrid de ‘Iberia’, verificado ayer por la Orquesta Filarmónica. Bella tarea la suya; notabilisimo su trabajo. Pero no menos significativa para el público de Price, que sabe defender vibrantemente su derecho a la admiración frente a los recién llegados, aquellos cuyos pies hablan cuándo su cabeza calla. (p. 2)

Não é apenas o público indiferenciado que protesta. Na crítica especializada Debussy tem ferozes antagonistas, como Rogelio Villar que publica este ano Solilóquios de un Músico Español onde deixa patente a sua aversão pela música francesa. Carlos Bosh (1921, p. 186), que aprecia Debussy, mostra-nos, perplexo, a indignação do público: “El Sr. Pérez Casas in-terpretó la ‘Iberia’, de Debussy, que escandalizó a un nutrido grupo. ¡Debussy!... ¿Pero estas sutilezas artificiosas tienen algo que ver en España? ¿A qué se mete con nosotros?”. Tardará ainda para que se entenda em Espanha que inspirar-se no tradicional não quer dizer copiar. De facto, como bem observou Manuel de Falla (1972):

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

241

27_artigoDebussy ha completado lo que el maestro Felipe Pedrell nos había ya revelado de riquezas modales contenidas en nuestra música y de las posibilidades que de ella derivaban. Pero mientras que el compositor español emplea el documento popular auténtico en gran parte de su música, se diría que el maestro francés ha huido de ellos para crear una música propia, no tomando prestado sino la esencia de sus elementos fundamentales (p. 75).

A batalha em defesa do novo paradigma estético que a música de Debussy encarna continua. Ortega y Gasset (1921, p. 3) provavelmente referindo-se à estreia de Ibéria, no en-saio Musicalia I publicado em 1921 no jornal El Sol, afirma: “El público de los conciertos si-gue aplaudiendo frenéticamente a Mendelssohn y continua siseando a Debussy. (...) Preferir Mendelssohn a Debussy es un acto subversivo: es exaltar lo inferior y violar lo superior”.

Adolfo Salazar, por seu lado, continua o seu labor didáctico. Quando em 1922 a Orquestra Sinfónica de Madrid estreia Rondas de Primavera de Debussy Salazar (1922) faz uma análise detalhada da obra e contribui para a sensibilização do público, sendo conside-rado por muitos o principal formador do juízo estético em Espanha:

‘Gigas’ y ‘Rondas de Primavera’ son admirables e insuperables ejemplos de desarrollo rítmico, de un valor tan excepcional en la segunda, que aún hace olvidar el trato ex-quisito que, como variación melódica, dispensa a la vieja ronda ‘Nous n’irons plus au bois’. Es en esas dos obras además, donde Debussy muestra también su deseo de mo-verse en unos términos de color de ámbito tan exiguo, que las hace aparecer, a su vez, como estudios de desarrollo de un tono de color instrumental que recorriese todos los matices de una sola y exclusiva gama. Con ello la cohesión que la obra presenta es de una ‘autenticidad’, de una seguridad tanto más grande cuanto que es una cohesión por razón de sentido, no por razones de forma o tonalidad, como en los clásicos, o por motivos pasionales, como en los románticos (p. 6).

Continua a existir público antagónico e descontente embora pareça tratar-se já de uma minoria:

Es probable que la minoría ‘pateante’ que aún deja oír la delicada expresión de sus juicios en los conciertos, para vergüenza de nuestro público, no viese nada de todas esas cuestiones en las ‘Rondas de Primavera’, o que, de percibirlas, no le importen un ápice, puesto que no contribuyen a divertir sus gustos, bien establecidos (ibid).

Debussy já não choca como outrora como demonstra Arconada (1926, p. 25) que publica, a expensas próprias, o livro En torno a Debussy onde afirma: “Felizmente, hoy Debussy ya es familiar para todos”.

Em 1927 a Orquesta Sinfónica de Madrid dirigida por Arbós apresenta-se com a pe-culiaridade da transposição orquestral de duas obras originalmente compostas para piano: L’isle joyeuse de Debussy composta em 1904 e Navarra de Albéniz. Sobre Navarra, orques-trada pelo próprio maestro Arbós, a crítica é muito elogiosa e unânime. Já com respeito à obra de Debussy, orquestrada por Molinari que terá recebido instruções directamente do compositor, o resultado não parece ser satisfatório e, de novo, como salienta Juan del Brezo (1927) estão criadas condições para a dificuldade de acolhimento das obras de Debussy em Espanha:

A pesar de lo que dice el programa, que Molinari recibió instrucciones de Debussy para la instrumentación de ‘La isla Alegre’, no encuentro su orquestación muy fe-liz con relación a las intenciones que me parece entrever en esta obra de piano de Debussy, ni aun en el sentido general que informa este tipo de orquestación de su último período. (p. 3)

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

242

27_artigoIgualmente insatisfeito, Carlos Bosh (1927, p. 5) chega a perguntar-se se os compo-

sitores serão os que melhor se traduzam a si próprios numa transposição. Podemos considerar que o modernismo musical começa a afirmar-se de forma mais

acentuada na capital espanhola a partir de 1928: Salazar publica um ensaio sobre Debussy no seu livro Musica e Músicos de Hoje enquanto na Residencia de Estudiantes de Madrid Maurice Ravel dá um concerto, do qual Salazar fará a apresentação, interpretando com a cantora M. Grey e o violinista C. Levy algumas das suas obras: Sonata para piano y violín, Le Paon, Le Grillon, Nicolette, Ronde, Aria de Concepción de la ópera L’Heure Espagnole, Chant hébraïque, Pavane pour une infante défunte y Tzigane. Neste mesmo ano no “Festival Falla” o proprio compositor interpreta El retablo de Maese Pedro. Paralelamente, continuam a surgir homenagens ao génio de Debussy como refere Adolfo Salazar (1928):

Alguna de las personas que más interés consagran a la Sociedad Nacional de Música y que al mismo tiempo, sienten por el arte de Claudio Debussy el más fervoroso entu-siasmo juntamente con un afecto filial hacia la persona, le hicieron saber el invierno pasado que en ese centro artístico se congregan los más ardientes partidarios de su música, y, en general, de la nueva musicalidad, de que el fue el más glorioso represen-tante. (...) En la Nacional se verificó en seguida un concierto conmemorativo, en el que Rubinstein tocó música de Debussy y de Albéniz, en testimonio de homenaje a la fuer-te corriente de ideales entre ambas genialidades establecida; influencia recíproca de las más admirables consecuencias para el arte de las nuevas generaciones latinas (p. 9).

A partir de 1933 o bom acolhimento da música de Debussy é já geral. Salazar (1933) escreve sobre Le Martyre de Saint Sebastien:

‘La pasión’ quizá pueda ponerse a la altura de las mejores páginas de Debussy. Su exquisita paleta harmónica, su tacto para dar a este genero de valores la traducción más adecuada, más ‘sensible’ (si se quiere, más ‘sensual’, aunque dentro de una gama suave de sensualidad, sin arrebatos ni hemiplejías), la ultraesencia de sus ideas tan musicales como sea posible, toda esa música de Debussy, que es como el extracto de la música misma, esta llevada a un termino insuperable en esta páginas. Y como rei-teradamente he afirmado que Debussy es para mí, el más “moderno” de los músicos y el más ‘avanzado’ de procedimientos, en el sentido de evolución de la sensibilidad que supone el termino ‘moderno’ y de evolución en el concepto de los procedimientos técnicos que supone el adjetivo ‘avanzado’ (p. 6).

Com respeito a Iberia, nesta altura a obra já se encontraria assimilada pois nos jornais diários desse ano não existe praticamente nenhuma referência à composição. Salazar centra-se na vinda secreta de Ravel a Madrid e na obra ‘Sinfonia Breve’ do maestro Ingelbrecht. Ibéria é referida en passant, longe dos escândalos de outrora, já ninguém repara nela23. O mesmo acontece em 1936, naquela que será a última apresentação de Ibéria antes da guerra civil24. No entanto, nas vésperas do conflito, com a atenção talvez dirigida para outros problemas, há agora um retrocesso do público que se apresenta apático, desinteres-sado, como bem mostra Salazar (1935):

No importa que lo que se oiga sea ‘El martirio de San Sebastian’ y que su música −quizá la más perfecta que existe, la más admirable en su sublime continencia, la emo-ción más exquisitamente retenida y expresada en términos comparables−, esa música esté interpretada de un modo primoroso; tocada como sin duda no se toca en ninguna parte del mundo, pues que hemos podido comprobarlo en fecha bien reciente, cuando vienen directores de lo mejorcito de un país a interpretar sus glorias nacionales: Nada importa todo eso, decimos, porque el amable lector se halla embargado por la lectura e los periódicos de la noche, otros piensan que si les tocará de cerca la solución de la crisis, alguno bosteza y otro más se va (p. 2).

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

243

27_artigoNum artigo sobre a XIV reunião da Sociedade Internacional de Música

Contemporânea (S.I.M.C.) em Barcelona, Salazar (1936) insiste na necessidade de cultivar e divulgar a música contemporânea, pela qual continua a ser necessário lutar:

En 1915 fue menester luchar a favor de los músicos del período Debussy-Ravel, el de la música rusa entonces reciente, el de las primeras composiciones de Strawinsky, Bartok y Falla. La Sociedad nacional de Música se fundó entonces y atendió a esa ne-cesidad. Pero desde que dejó de funcionar en 1922, precisamente cuándo se fundaba la S.I.M.C., cesó en Madrid la comunicación regular con los músicos modernos y se perdió el sincronismo con la marcha de la evolución musical (p. 2).

De acordo com Carol Hess (2001, p. 82), entre 1914 e 1918, seis dos jornais mais li-dos na capital espanhola, a saber, El Imparcial, El Liberal, El Debate, la Correspondencia de España, La Época, e El Sol, publicam artigos sobre a música de Debussy sendo a maioria elogiosos, continuando a ser esta a tendência a partir de então. Não é essa a percepção que obtivemos na consulta documental que realizámos, que cobre um período bastante mais longo, a saber, de 1905 a 1936 e que inclui não apenas os jornais mas também as revistas da especialidade. Debussy tem fortes opositores na crítica musicológica espanhola, tais como Manrique de Lara, Joaquín Fesser, D. Dur, Rogélio Villar e Luis Villalba, para citar alguns dos mais emintentes. Entre os entusiastas encabeçados por Adolfo Salazar, encontramos o compositor Manuel de Falla, o pianista Joaquín Nin, Juan del Brezo (pseudónimo de Juan José Mantecón), Carlos Bosh, Tristan (pseudónimo de Santiago Arimón), A. Barrado ou C. Roda. De todos eles, sem dúvida foi Salazar aquele que elaborou um maior trabalho peda-gógico junto do público espanhol, contribuindo para uma progressiva aceitação do compo-sitor francês. No entanto, apesar da evolução de uma generalizada perplexidade e aversão, até ao acolhimento caloroso da maioria, a aceitação da música moderna jamais será unâ-nime. Vozes iradas continuam a fazer-se ouvir, embora muito mais timidamente. Tal como professa Ortega y Gasset, a música de Debussy, permanecerá, pelo menos para alguns, irre-mediavelmente impopular, devido aos requisitos prévios de uma verdadeira atitude estética e atenção refinada.

Notas

1 Contrastando con el valiente trabajo de Debussy, figuraba en el programa otro cuarteto escrito por nuestro compatriota Manrique de Lara autor de La Orestiada. Não Ass., “Teatro de la Princesa. Cuarteto Francés” in El Heraldo de Madrid, 24/02, 1905, p. 2.

2 “Fue interesantísima la sesión de música de cámara. Un cuarteto de Debussy, maestro francés de fiera indepen-dencia como compositor, se aplaudió vivamente por el público devoto de los que vienen rompiendo moldes. La composición es verdaderamente original y en algunos momentos alcanza prodigiosa sonoridad el cuarteto. Ibid.

3 “Hace bastante tiempo que conozco algunas de las obras de C. Debussy; que las he estudiado y que las sigo es-tudiando, sin prejuicio alguno, hasta con el deseo de que me gusten, y no he podido conseguirlo, pues parece que este compositor se complace en destruir el efecto agradable que cualquier pasaje de sus obras produce en el oyente, con cualquiera de estos giros extraños, rebuscados y faltos de verdadero sentimiento, que constituyen su procedimiento único y constante, que no es otra cosa que un amaneramiento del peor gusto, convertirlo en sistema.” D. Dur, “Teatro de la Comedia. Cuarteto Francés” in La Correspondencia de España, Madrid, 02/03, 1906, p. 3

4 “No diré yo que ese cuarteto ni que esa tendencia vaya á echar por tierra el género clásico ni los nombres consa-grados; pero no creo que niegue nadie que en él hay poesía, mucha poesía, color, un alma de artista, originali-dad, y sobre todo, que Debussy aporta algo nuevo á la música, que quedará en esa forma ó se transformará, pero que seguramente no ha de ser rechazado por los que vengan después.” C. Roda, “Teatro de la Comedia. Cuarteto Francés. Tercer Concierto” in La Epoca, Madrid, 02/03, 1906, p. 4.

5 A obra tinha estreado em Barcelona no ano anterior. O pianista Joaquín Nin refere-se à “novedad y colorismo de esta música” Joaquín Nin, “Conciertos Lamoureaux” in Revista Musical Catalana, II, 23, 1905, p. 223, citado em

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

244

27_artigoGarcía Laborda, “Nuevas perspectivas Historiográficas en torno a la primera recepción de Debussy en España”in Revista de Musicología, XXVIII 2, 2005, p. 1349. Ao analisar os programas dos três concertos dados em Barce-lona verifica-se que Debussy aparece num pot-pourri musical,facto em virtude do qual a sua estreia fica desa-percebida. “En el propio teatro ha dado tres conciertos la célebre orquesta Lamoureux, de Paris, dirigida por el maestro Chevillard. Los programas se componían de las piezas siguientes: las sinfonías quinta, sexta y séptima y el sherzo de la octava de Beethoven: la obertura de Los maestros cantores de Nurembeerg, la escena de Venus-berg de Tannhäuser; Los murmullos de la seiva, la escena de la consagración de Parsival, y el preludio del primer acto y muerte de Isolda de Tristan e Isolda, de Wagner; la Sinfonía en Sol menor, de Mozart; el poema Muerte y Transfiguración, de Strauss; la obertura de Euryanthe, de Weber; Concierto de Handel; Redención, de Cézar Frank; Fiesta en casa de Capuleto e Caza y Tempestad, de Berlioz; El campamento de Wallenstein, de Indy; El aprendiz de brujo, de Dukas; En las estepas de Asia, de Borodine; La siesta de un fauno, de Debussy; y Preludios, de Liszt. Por la simple enumeración de las piezas se comprende la importancia de los conciertos; en cuánto a su ejecución fue magistral, perfecta, maravillosa, produciendo en todos los momentos el entusiasmo del público, que al final de cada obra prorrumpía en estrepitosos aplausos y aclamaciones.” Não Ass. La Ilustración Artística, nº 1215, 1905, p. 242.

6 “Su música me suena siempre como la onomatopeya de su apellido, que el pronunciarlo hace acudir a la mente de modo irresistible el lenguaje de la raza felina.” D. Dur, “Teatro de la Comedia. Cuarteto Francés” in La Corres-pondencia de España, Madrid, 02/03, 1906, p. 3

7 “Cuando Monasterio ejecutaba por vez primera las obras de Schumann, el 95 por 100 de los que asistían á aquellas sesiones declaraban a voces que no era música: critico hubo que escribió en letras de molde que le ha-cían el mismo efecto que un saco lleno de gatos.” Ibid.

8 C. Braga, “Nuestras Crónicas de Paris. La calva de Falla y el Sombrero de Tres Picos. Reflexiones sobre las Bellas Artes” in El Sol, Madrid, 13/02/1920, p. 5.

9 Ortega y Gasset, “Incitaciones. Musicalia I”, in El Sol, Madrid, 24/03, 1921, p. 3. Ortega refere-se ao primeiro andamento (Allegro ma non troppo) intitulado “Sentimentos agradáveis ao chegar ao campo” da Sexta Sinfonia de Beethoven: Pastoral.

10 “La creación de nuevas orquestas como la Filarmónica de Madrid com B. P. Casas (en 1915) o la Orquesta Pau Casals de Barcelona (en 1920), así como la fundación de Sociedades como la Sociedad Nacional de Música (en 1915) en Madrid y la Asociación de Música de Cámara de Barcelona (en 1913) crearon un clima propicio para la difusión de la música moderna y especialmente para la promoción de la música de Debussy, que se vio acre-centada por la presencia en España e agrupaciones camerísticas nacionales (Cuarteto Español, Trío Hispania, Cuarteto Renacimiento de Barcelona, etc) o extranjeras (Cuarteto Pro-Arte de Bruselas, Cuarteto kolish, Cuarteto Londres, Cuarteto Rosé de Viena, Cuarteto Roth, etc.).” García Laborda, “Los escritos musicales de Ortega y su circunstancia histórica” in Revista de Estudios Orteguianos nº 10/11, 2005, p. 250.

11 “(...) Beethoven figura con 315 audiciones, Bach con 117, Shubert con 139, Shumann con 216, Chopin con 129 y Brahams con 118. Mozart figura interpretado 52 veces y Mendelssohn 46. Lizt alcanza, como Mozart, un número de 52 audiciones, y Frank el de 33. De los demás autores no se alcanza una trientena, aun cuando algunos como Wagner o Strauss andan cerca. La mayoria de los autores antiguos y modernos anteriores a Bach o posteriores a Frank alcanzan solamente de una a cinco audiciones”. Não Assinado, “La Sociedad Filarmónica de Madrid” in Revista Musical Hispano-Americana, 1917, p. 9.

12 A notícia de apresentações insistentes da música de Beethoven chegam-nos também por outras vias: “Las obras de alarido estaban bien representadas: la overtura (u obertura) de ‘Maestros Cantores’, tan robusta como de cos-tumbre; la ‘Sinfonía Pastoral’ (imposible ya poner la ‘Quinta’); el ‘Largo’ de Haendel (que por si parece corto es de rigor tocarlo dos veces), y... la ‘Invitación al vals’ de Weber Weingartner”. Adolfo Salazar, “Gacetilla Musical. Orquesta Filarmonica.” in El Sol, 21/12, 1918, p. 2. “(...) ahí está Beethoven del que el público aun no se ha can-sado” Juan del Brezo, “Música y Músicos. Primer Concierto de la Orquesta Filarmónica” La Voz, Madrid 06/11, 1920, p. 4.

13 “– Sí– contesta Turina –, la música también tiende a nacionalizarse. Cada país quiere tener ‘su’ música, llena del alma nacional. Le explicaré a usted detenidamente esto. En Francia, por ejemplo, hay dos grupos de músicos: los de la orientación clásica franco-alemana, y los que a toda costa quieren separar la música francesa de toda influencia exótica. Son, podríamos llamarlos así, los ‘separatistas’, pero separatistas de todo lo que no sea fran-cés. A la cabeza de este movimiento van Debussy, Ravel, etc.” Tomás Borrás, “Los músicos nuevos. El maestro Joaquín Turina”, Por esos Mundos, Madrid, 1915, p. 206.

“Hasta ahora el españolismo de nuestra música consistía, para los compositores, en coger del folklore melodías y más melodías, y emplearlas en obras propias. Pero esto no es hacer música española. A lo sumo, será hacer fotografía de música española. (...) Luego vino Albéniz. Albéniz es el precursor de la música española de España. Albéniz se identificó con el fondo y con la forma de la música popular andaluza, él hizo la música artística (lla-memosla así) de Andalucía. A mí me persuadió, me encauzó Albéniz. Porque cuándo yo me marché a París, era antiespañolista en lo que respecta a la música.” Ibid.

15 “Para escribir música es indispensable la cultura. (...) La melodía es en Música la inspiración; pero antes de ves-tirla, hay que aquilatarla, cincelarla. Ponerla tal como viene es pobreza.” Ibid.

16 “De Debussy estrenó P. Casas algunas de sus obras más emblemáticas como Berceuse héroïque, El hijo pródigo, El mar (cuatro veces), El martirio de San Sebastián (cinco veces), Iberia (cuatro veces), Jeux, Marcha escocesa,

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

245

27_artigoNocturnos (siete veces), Petit Suite (cinco veces), Primera rapsodia para clarinete y orquesta (dos veces), Sara-banda y Danza (dos veces). También fue la orquesta que más veces tocó el famoso Preludio a la siesta de un fauno (doce audiciones), lo cual demuestra la afinidad de la orquesta con la estética impresionista”. García Laborda, “Nuevas perspectivas Historiográficas en torno a la primera recepción de Debussy en España” Ed. cit., 2005, p. 1350.

17 Vejam-se, a título de exemplo, as críticas de Joaquín Fesser, “Los Bailes Rusos - Epílogo” in Revista Musical Hispano-Americana 30/06, 1916., pp. 4-5 e de Luis Brun, Revista Teatral. Nuestro Tiempo nº 212, Madrid, Agos-to, 1916, p. 186.

18 “Debussy era uno de los más característicos representantes de la novísima escuela musical francesa, que tanto se aparta del estilo Wagneriano como del de César Frank. Debussy ha escrito una extensa colección de melodías sentimentales y poéticas, huyendo siempre del excesivo empleo de efectos rebuscadas y de ingeniosas combina-ciones orquestales. Su técnica era irreprochable.” Adolfo Salazar, El Sol, 27/03, 1918.

19 “‘Nubes’ y ‘Fiestas’ se oyeron con cierto nerviosismo. Verdadera lástima, porque su interpretación fue algo de lo mejor de estos últimos tiempos. La ponderación de valores y la graduación de matices fue realmente admirable; pero más que nada, la comprensión de la idea debussysta y la manera inteligente de revelarla. Desde que se fundó esta orquesta está a su lado nuestra admiración, por su modo de interpretar a los rusos y a los franceses modernos.” Adolfo Salazar, “Gacetilla Musical. Orquesta Filarmonica” in Madrid, El Sol, 21/12, 1918, p. 2.

20 “La Orquesta Filarmónica, al presentar ayer a su publico esa obra temprana de Debussy, [La Demoiselle Élue] se imponía el no despreciable sacrificio del aumento de coros y solistas, tanto más cuanto que sabía que no era una obra provocadora de entusiasmos. Para equilibrar el resultado, incluyó en su programa la serie completa de los números que forman la música de escena compuesta por Mendelssohn adolescente para “El sueño de una noche de verano”. Musica fácil, extremadamente dulce y cuyo empalago resulta ya excesivo hasta para este mismo publico de Price, tan ingenuamente goloso...” Adolfo Salazar, “La Demoiselle Élue y el Simbolismo. Orquestra Filarmónica. Otras obras” in El Sol, Madrid, 28/02, 1920, p. 4.

21 “‘La demoiselle élue’, a pesar de que fue primorosamente interpretada, se oyó con gran indiferencia, no obtenien-do tampoco ‘L’après midi d’un faune’ del mismo Debussy, el éxito que legítimamente le correspondía, por ser una de las más sobrias y emotivas composiciones del glorioso maestro francés” J.P. “De Música. Concierto en Price”, in El Heraldo de Madrid, 28/02, 1920, p. 3.

22 “(...) numerosos extras de lo que agradaron especialmente ‘La catedral sumergida’ de Debussy y ‘Juego de niños’, el espiritual ‘Scherzo’ de Mussorsky” A.B., “Orquesta Sinfónica”, La Época Madrid, 10/02/1920 p. 3.

“Del programa del segundo concierto, consagrado como el primero á la música francesa moderna, se aplaudie-ron, especialmente la ‘Pavana’, con coros, de Fauré; ‘Dafnis y Cloe’, de Ravel, también con intervención de la coral, y ‘La Demoiselle élue’, de Debussy, para dos sopranos, voces de mujer y orquesta, figurando como solistas Mme Greslé y Doerken.” Não Ass. 1920. La Semana Francesa de Madrid. Conciertos en el Real. La Época, Madrid, 24/05, p. 2.

23 “(...) en el programa de los músicos franceses que viene a ofrecernos el actual director de la Orquesta Nacional de Paris, integrado por obras de Berlioz (‘Benvenuto Celini’), Debussy (‘Iberia’ y una agradable ‘Marcha Escoce-sa’, hace años dada a conocer aquí por el maestro Pérez Casas), un fragmento de ‘Le roi malgré lui’ de Chabrier; ‘El aprendiz e brujo’, de Dukas, y la ‘Sinfonía breve’, del propio Ingelbrecht.” Adolfo Salazar, “La Vida Musical. Orquesta Sinfonica. Ingelbrecht” in El Sol, Madrid 22/03/1933, p. 2.

24 “(...) dirigió Pérez Casas la octava sinfonía de Beethoven y la quinta de Dvorak; ‘Iberia’, de C. Debussy, un trozo de Wagner y varias piezas rusas firmadas por Musorgsky, Rimsky-Korsakoff y Glazunoff.” Jesus A. Ribó, “Musi-cografia. Vida Musical”, in Musicografia (Monovar) nº 38, Madrid, 1936. p. 92.

Referências

Aa (Anónimo). Los Conciertos de Price. Ricardo Viñez, La correspondencia de España, Madrid, 07/02/1920.

Ab (Anónimo). “Gazetilla Musical. Las Conferencias del Instituto Francés. Final” in El Sol Madrid, 21/04/1920.

ARCONADA, M. En torno a Debussy, Madrid, Espasa-Calpe, 1926, p. 25.

ABRIL, Manuel, El impresionismo musical in Revista Musical Hispano-Americana nº 13, 1915.

BARRADO, A. La Época, Madrid, 26/10/1918.

BOSH, Carlos. Cosmópolis nº 26, 1921.

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

246

27_artigoBOSH, Carlos. “Concierto de la Orquesta Sinfónica. En la Zarzuela” in El Imparcial, Madrid, 17/03/1927.

BRAGA, Corpus. Nuestras Crónicas de Paris. La calva de Falla y el Sombrero de Tres Picos. Reflexiones sobre las Bellas Artes in El Sol, Madrid 13/02, 1920.

BREZO, Juan del. Música y Músicos. Primer Concierto de la Orquesta Filarmónica, in La Voz, Madrid 06/11/1920.

BREZO, Juan del. Información Musical. Un concierto por la Sinfónica en el Teatro de la Zarzuela, in La Voz, Madrid, 16/03/1927.

DUR, D. Teatro de la Comedia. Cuarteto Francés in La Correspondencia de España, Madrid, 02/03/1906.

FALLA, Manuel de. Introducción al estudio de la música nueva, in Revista Musical Hispano-Americana nº12, 31/12/1916.

FALLA, Manuel de. Claudio Debussy y España in Escritos sobre música y músicos, Madrid, Espasa-Calpe, 1972.

GARCÍA, Laborda. Los escritos musicales de Ortega y su circunstancia histórica in Revista de Estudios Orteguianos nº 10/11, 2005.

GUILLEN, Lázaro. En el Ateneo. Homenaje a Debussy, in La Acción, Madrid 28/04/1918.

HESS, Carol A. Manuel de Falla and Modernism in Spain 1898-1936, University of Chicago, 2001.

MUÑOZ, M. Teatro del Centro. Tercer Concierto de la Orquestra Sinfónica in El Imparcial, Madrid, 27/10/1918.

NELKEN, Margarida. La Vida Musical. En el Ateneo Homenaje a Debussy in El Día, Madrid, 29/04/1918.

ORTEGA Y GASSET, José. Incitaciones. Musicalia I, El Sol, Madrid, 24/03/1921.

ORTEGA Y GASSET, José. La Deshumanización del Arte, Madrid, Revista de Occidente en Alianza, 2009.

PARMENO, Real. Orquesta Sinfónica. Primera Sesión in Heraldo de Madrid, 30/03/1908.

RODA, C. Cuarteto Francés. Dos cuartetos de Debussy y Manrique de Lara, in La Época, 24/02/1905.

RODA, C. Teatro de la Comedia. Cuarteto Francés. Tercer Concierto, in La Época, Madrid, 02/03/1906.

SALAZAR, Adolfo. La vida musical. Orquestas Filarmónica y de Cámara. Cuarteto Rafael. Obras Nuevas, in El Sol, Madrid, 1933.

SALAZAR, Adolfo. Los Festivales del Teatro Real, in Revista Musical Hispano-Americana nº5, 31/05/1916.

SALAZAR, Adolfo. Gazetilla Musical. Orquesta Sinfónica in El Sol, Madrid, 28/10/1918.

SALAZAR, Adolfo. El año musical, balance de la temporada 1918-19 in La Lectura, 1919.

SALAZAR, Adolfo. En el Tivoli ‘Pelleas et Melisande’ in El Sol, Madrid, 20/10/1919.

NEVES, M. J. A Recepção de Debussy em Espanha Avanços e Retrocessos na Mudança de um Paradigma Estético.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 232-247

247

27_artigoSALAZAR, Adolfo. Crónicas Musicales. Le tombeau de Debussy – Iberia y la Orquesta Filarmónica, in El Sol, Madrid, 25/01/1921.

SALAZAR, Adolfo. La Vida Musical. Rondas de Primavera de Claudio Debussy. Orquesta Sinfónica in El Sol, Madrid, 23/11/1922.

SALAZAR, Adolfo. Gazetilla Musical. Claudio Debussy y la S.N,. in El Sol, Madrid, 15/12/1928.

SALAZAR, Adolfo. La vida Musical. Orquestas Filarmónica y de Cámara. Cuarteto Rafael. Obras Novas, in El Sol, Madrid, 04/04/1933.

SALAZAR, Adolfo. La vida Musical. Orquesta Filarmónica, in El Sol, Madrid, 31/03/1935.

SALAZAR, Adolfo, La Vida Musical. La XIV Reunión de la S.I.M.C. en Barcelona. X. La Música de Cámara (2º) Bartok, in El Sol, Madrid, 16/05/1936.

VILLALBA, Luis. Debussy. La Música Nueva in Arte Musical nº 45 15/11, 1916.

VILLAR, Rogelio. Orientaciones in Revista Musical 4, Bilbao, 1912.

ZAMBRANO, María. Delirio y Destino, Mondadori, Madrid, 1989.

Maria João Neves - Portuguesa, Investigadora do Centro de Estudos em Sociologia e Estética Musical (CESEM) da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, bolseira de Pós-Doutorado da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Professora Associada do Instituto Superior D. Afonso III (INUAF). Doutorou-se em Filosofia Contemporânea em 2002, tem vários livros e artigos publicados em revistas científicas nacionais e inter-nacionais.

Prim

eira

Impr

essã

o

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

249

PI

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

lana Tai – “no Dia em que nasceu uma Aquarela”

Ivan Eiji Simurra (Universidae Estadal de Camapainhas) [email protected]

Apresentamos a aplicação de descritores de áudio para planejamento orquestral e de escritura na elaboração da obra “Lana Tai – no dia em que nasceu uma aquarela”, para orquestra de cordas. A sua estreia foi realizada pela Orquestra Sinfônica da Unicamp (OSU), sob a regência de Akira Miyashiro.

Os recentes métodos de análise e composição com suporte computacional, possi-bilitam a extração de vários parâmetros ou curvas que descrevem características sonoras a partir do espectro de frequências. Muitos desses modelos computacionais focam a “recupe-ração da informação musical”, área de estudo que é denominada na literatura como “Music Information Retrieval” ou simplesmente MIR (BYRD; FINGERHUT, 2009). Tal área utiliza recursos de processamento de sinais para realizar a extração de características sonoras a partir de medidas estatísticas aplicadas sobre o espectro do sinal digitalizado. Tais medidas são denominadas de “descritores de áudio”.

A obra “Lana Tai – no dia em que nasceu uma aquarela” foi elaborada a partir de um diálogo com suportes tecnológicos advindos, principalmente, dos descritores de áudio. O ponto de partida vinculou-se a dois universos: a) as técnicas de execução estendidas e b) as ferramentas computacionais para avaliar o conteúdo espectral dos sons gerados por essas técnicas. Desenvolveu-se então um método para auxiliar o compositor a relacionar: a) des-crições de alto nível ou simbólicas como as noções de “sonoridade” com b) os modos espe-cíficos de execução instrumental estendida. Utilizou-se diversas possibilidades de análise via descritores de áudio, tais como: “Centróide Espectral” e “Chroma”.

De um ponto de vista generalizado, o Centróide Espectral extrai informações do formato e da distribuição da magnitude dos componentes espectrais de uma dada janela de análise sonora. Por intermédio do centroide, é possível medir a percepção de “brilho” do si-nal sonoro analisado. Analogamente, tal descritor pode ser definido como o centro de mas-sa ou baricentro do espectro analisado. Quanto mais alto o valor de seu centroide, dado em Hz, maior será a concentração de energia nas componentes espectrais de frequências altas, i.e., a percepção de um som mais “brilhante”. O “Chroma”, por sua vez, calcula a distribui-ção estatística acumulada da magnitude do espectro de Fourier por bandas fixas de frequ-ência. Essas referem-se às classes cromáticas de alturas musicais

Implementamos um ambiente computacional, em Pure Data (PD), utilizando a bi-blioteca de funções de análise sonora PDescriptors (MONTEIRO, 2012), o qual possibilitou estudar configurações orquestrais, denominadas Marcos Sonoros (MS). Os MS foram cons-truídos a partir de amostras de um banco sonoro digital, com diversas técnicas estendidas de instrumentos de cordas. Tais configurações orquestrais relacionaram-se com os descri-tores espectrais, estabelecidos anteriormente.

O projeto composicional de “Lana tai – no dia em que nasceu uma aquarela” con-centrou-se em explorar um espaço timbrístico, restrito ao efetivo instrumental de uma or-questra de cordas, de cujo objetivo foi iniciar o processo de orquestração com o mínimo de multiplicidade de timbre, i.e., uma única altura musical e, a partir daí, transformar a so-

Recebido em: 23/04/2014 - Aprovado em: 02/07/2014

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

250

PInoridade da orquestra, de modo a torná-la mais complexa e agregando diferentes modos de ataque das cordas.

Referências

BYRD, D; FINGERHUT, M. The History of ISMIR – A Short Happy Tale. D-lib Magazine, v.8, n.11, 2002.

MONTEIRO, A. Criação e Performance Musical no Contexto dos Instrumentos Digitais. Dissertação de Mestrado. Núcleo Interdisciplonar de Comunicação Sonora. Universidade Estadual Campinas. 2012. 159 pgs.

Ivan Eiji Simurra - Compositor e pesquisador, Bacharel em Composição Musical e Mestre em Processos Criativos no IA/UNICAMP. Atualmente, desenvolve sua pesquisa de doutorado em Processos Criativos no IA/UNICAMP e NICS/UNICAMP, com o financiamento da FAPESP. Professor de Harmonia, Teoria e Composição Musical. Partici-pou de vários festivais, Master Classes e Workshops. Suas obras são executadas no Brasil, Argentina, Chile, Estados Unidos, Israel e Rússia.

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

251

PI

Lana Tai no dia em que nasceu uma aquarela

para Orquestra de Cordas

(Score)

Ivan Eiji Simurra

2012

Revised in 2013

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

252

PI

NOTA

É um momento de festa e alegria!

Formas desconexas e desproporcionais. Assimétricas. Mas que de algum jeito,

com uma beleza indescritível!

Que todos possamos celebrar sempre esse momento singular!

“no dia em que nasceu uma aquarela” é o primeiro resultado de alguns novos

procedimentos, conceitos e técnicas dentro de minha escritura que, de alguma

forma, se relaciona com a produção que já vinha desenvolvendo. Ou seja, é o

novo não “tão novo” assim.

Um bom vinho e um queijo cairia muito bem agora!

Señoras y senhores

Esta es nuestra primera palabra.

- Nuestra primera y última palabra -

Los poetas bajaron del Olimpo

Para nuestros mayores

La poesía fue um objeto de lujo

Pero para nosotros

Es un artículo de primera necesidad:

No podemos vivir sin poesia.

A diferencia de nuestros mayores

- Y esto lo digo con todo respeto -

Nosotros sostenemos

Que el poeta no es un alquimista

El poeta es un hombre como todos

Un albañil que construye su muro:

Un constructor de puertas y ventanas.

Nosotros conversamos

En el lenguaje de todos los días

No creemos en signos cabalísticos.

Manifesto (Otros Poemas1950 - 1968) – Nicanor

Parra (1914 – )

Ivan Eiji Simurra

2012

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

253

PI

Instrumentação

Violinos I

Violinos II

Violas

Violoncelos

Contrabaixos

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

254

PI

&

&

B

&

?

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

43

43

43

43

43

Violin I

Violin II

Viola

Violoncello

Contrabass

.úm œ œ œÓ . ‰ œm œ

!

!

!

q = 53

q = 53

q = 53

q = 53

molto sul ponticello

ƒFsenza Vibrato

Farco ord.

solo

solo

q = 53

ú œ œ œ

w!

Œ ‰ œm ú!

poco Vibrato

Farco ord. senza Vibrato

solo

poco Vibrato

solo

œ œ œ œ œ ‰ Œ

w œúm œ œ ú

ú ú œ ‰

‰ œm œ .ú

P

Fparco ord. poco Vibrato

poco Vibrato

Fmolto sul ponticello

solopoco Vibrato

q = 53

!

Ó . œm

œ œ ú œ œ

" .œm .úw

p

p F

F

‰ œm œ œ œ ú

ú .úú œ œ ú

w œœ œ œ .ú

Farco ord. poco Vibrato

Fmolto sul ponticellosub

senza Vibratosub

sV

&

&

B

&

?

43

43

43

43

43

44

44

44

44

44

85

85

85

85

85

44

44

44

44

44

87

87

87

87

87

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. II

Vla.

Vc.

Cb.

Glissando

6

œ ‰ ‰ " œm œ

œ ‰ ‰ " œm œœ ‰ ‰ " œm œ

œ ‰ ‰ " œm œœ ‰ ‰ " œm œ

Fmsp poco Vibrato

tutti

Fmolto sul tastotutti

Fpoco Vibratomsptutti

ƒmolto sul tastotutti

ƒmsp poco Vibrato

tutti

ƒ

ƒ

w

w

.ú œ œm

ww

poco Vibrato

poco Vibrato

œ ‰ ·œnn æ

œ œ ‰ j¿¿nn

É

œ œ �q Jœn

œ ‰ œm œ œ œ œ œ œ œ œ6 3?

œ Œ jœn

pmolto sul tasto

FP

Pmsp

ƒ

·œæ ·œæ ·œæ ·úæ

¿¿w

œœmæ

œœæœœæ ‰ œn - œ- œ- œ- œ- œ- œ-7

œm œ œ œ” œ œ œœm œœ ‰3 B

Œ ‰ œn ú

F

f

fmolto sul tasto

Fmolto Vibrato

#

·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰6 6

¿¿ ¿- ¿- ¿- ¿- ¿- ¿- ¿- ¿- ‰

‰ œm - œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- ‰

‰ œm œ œn œn œn œn œm œm Jœ6 ?

. .ú

fmolto sul tasto

fPsolo

A

F p F

&

&

B

?

?

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

43

43

43

43

43

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. II

Vla.

Vc.

Cb.

11 ·únn æ ·œæ ·œæ ·úæÓ ‰ ¿¿

É

¿¿h

‰ œnæ œæ œæ œ œ œœmæ

œœæwwmn” œœ

!

Fpsolo

fsolo

molto Vibrato

ƒsub FFau talonmspsolo

Fsolo

·wæ ·œæ

¿¿w

¿¿q

ww朜æ

ww œœ

Πwn fmstmV

·wæ ·œæ

¿¿w

¿¿q

ww朜æ

ww œœ

w œrit.

rit.

rit.

rit.

rit. ·úæ ·œæ ‰ ŒÄ

¿¿h

¿¿ ‰ ŒÄ

úúæœœæ ‰ ŒÄ

úú œœ ‰ ŒÄ

œ œ ‰ ÓÄ

ún œ œœnn œœ

œn œ œœn œœ œœ œ>‰ œm œ œœn œ œœn œ

‰ œm œ œœn ú

ún œ œ œ-

a tempo

a tempo

a tempo

a tempo

a tempo

p

p

f

f

F

p

p

arco ord.

arco ord.

arco ord.

arco ord.

arco ord.

B

ÍsV poco a poco

œœ œ œœn œœ œ>

œ œ œœm œœœ œ œ œ

œ œœm œœ œ

œn - œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ-

f

fmV

F

ƒ

Lana TaiIvan Eiji Simurra

2012

Scoreno dia em que nasceu uma aquarela

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

255

PI&

&

&

B

&

?

?

?

45

45

45

45

45

45

45

45

43

43

43

43

43

43

43

43

45

45

45

45

45

45

45

45

85

85

85

85

85

85

85

85

Vln. I

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc.

Vc. 2

Cb.

Glissando

Glissando

GlissandoGlissando

Gliss.

17œn � � � � � � � � � � œm

Œ3 3 3 3

œ � � � � � � � � � � œn Œ3 3 3 3

!

œ œœn�� �� �� �� �� � �� �� ��

œœnm

Œ3 3 3 3

!

œ Jœœm œœ œ � � œm � � � œm

Œ3 3 3 3

!

œn œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Œ3 3 3 3

q = 69

q = 69

q = 69

q = 69

fp

p f

p f

F p

p f

·wmm ·œ

Ó .ún

Œ ‰ œn ú œ œ

Ó ‰ œm ú&

Ó . ‰ œn œ

! ‰ œµæ

Œ ‰ œm œ œ œ œ

!

Fpmst poco Vibrato

mst

fmV

mst mV

PsV

mstsV

Fmst

mst

mst

P#

p

tutti

tutti

tutti

tutti

tutti

tutti

tutti

..·ú

œ œ œ œ

.úæœ úæ

Œ ‰ œn œmst sV

F

mV

tutti

·œ ·œæ ·úæú œ ‰

ú œm œm œ œn œn5

.úæ

œæ œ œm œ œn œm œm œ œn œm7

ú œ œmV

p

p

·œæ ‰ !

!

œ œ œm œm œm œn ‰ Ó .6

œ œ œm > œm œ œn œn œm œm ‰ Œ5

œn ‰ !

œ œm œm œn œ œ ‰ Ó

œ ‰ !

ú œ œ ú

p

ƒ

p

p

&

&

&

&

&

&

?

?

?

85

85

85

85

85

85

85

85

85

45

45

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

44

44

43

43

43

43

43

43

43

43

43

44

44

44

44

44

44

44

44

44

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc.

Vc. 2

Cb.

Glissando

Glissando

Glissando

Glissando

Glissando

Glissando

Glissando

22 !

!

‰ ún

Œ . œn

Ó Jœm

ún jœ

! &

! &

œ œ- œ- œ- œ- ‰ ‰

mst

mst

f

Farco ord.

P

Farco ord.

C

..·úmm ·œ ·œ ·œ

!

œ w

w œ w q

ú œ œ �

.úm

h

h

Ó . ‰ œn œ!

!

tutti

p F

Farco ord.tutti

..·ú ·ú

!

�h .ún

w

w q

œœn

Ó.úm

w

!

mV

ftutti

�� �� ·œbnh ·œ

!

w

� úmh

w

..·ún

!

FmV poco a poco

P

·w..·úbn ·œ

w

w

w

w·w

� .úq

!

mV

F

sV

sV

col legno tratto

tutti

·w·w

w

w

w

w·w

wÓ . œm

sV

sV

ƒtutti

..·ú

..·ú

.úæ

œ œ œ œ

ú œ œ

ú œ œ·œ ·ú

sV

f p

f p

f

F

..·ú

..·ú

.úæ

ú œ œ

œ ú

œ ú..·ú

p

mV

mV

2

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

256

PI&

&

&

&

&

&

&

&

?

44

44

44

44

44

44

44

44

44

85

85

85

85

85

85

85

85

85

44

44

44

44

44

44

44

44

44

87

87

87

87

87

87

87

87

87

45

45

45

45

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc.

Vc. 2

Cb.

30 ·œbn - ·œ- ·œ- ·œ- ·œ- ·œ- ‰ Ó5

·œ ·œbn - ·œ- ·œ- ·œ- ·œ- ·œ- ‰ Œ3 3

Ͼ

Ͼ

úæ

œ œ- œ- œ- œ- œ-6

ú œm - œ- œ- œ- œ- œ- ‰5

œ œm œ œ œ œ œ œ œ ‰ Œ7

œ œm œ œ œ œ œ œ œ ‰ Œ7

B

·ú ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ6

œ œ œ œ œm - œ- œ- œ- œ- œ- œ- ‰7

œ œm . œ. œ. œ. œ. œ. œ. ‰ Ó7

col legno tratto

p ƒ

Ísub

f

F

F

p

p

f

!

!

Jœn Œ œn ¯ œ œ œ

!

!

!

·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰6 6

!

!

pmsp

solo

P f

!

!

œn ¯ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ‰

!

Œ ‰ œm œ œ œ œ œ œ œ œ!

!

!

!

Pmsp

solo

ƒ

!

!

!

!

œm œ œ œ œ œ œ œ œ ‰3 3 3

!

! ?

! ?

!

f P

q = 92

q = 92

q = 92

q = 92

con sordina

con sordina

con sordina

&

&

&

&

?

?

?

?

45

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

44

85

85

85

85

85

85

85

85

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vla.

Vc.

Vc. 2

Cb.

Cb. 2

34 !

!

!

!

Ó .úm

Ó . ún

.ún ú

Πwm

con sordinamst sV

#con sordina

#mst

con sordina

#mst

mst sV

con sordina

#sV

tutti

tutti

tutti

tutti

D

!

!

!

!

ú œ œ œ œm œ œ œ œ œm5

œ úæ œæ œ œ

.ú œ œ œ œ- œ- œ- œ- œ-6

œ úæ œæ œm œ

sV

f #

fsub

!

!

!

!

w

w

œ- œn .ú

w

con sordina

con sordina

#sub

!

!

!

!

w

w

w

w

Œ·úmm æ

·úæÓ .úµ

Ó . ún

wm œœ œ ‰ Œ úm

œ œ ‰ Ó .

.ú Œ œn

.ú Ó

mst

F p

pmst

pmst

# pmst

tutti

fmst

mst

f

tutti

tutti

tutti

tutti

tutti

·wæ.ú œµ - œ- œ- œ- œ- œ-6

w

.ú œm < œ< œ< œ< œ<5

.ú œm < œ< œ< œ< œ<5

!

w

!

f

3

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

257

PI

&

&

&

&

B

?

?

?

85

85

85

85

85

85

85

85

45

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

44

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vla.

Vla. 2

Vc. 1

Vc.

Cb.

40 ·œæ·œmm ·œ ·œ ·œ ·œ

J·œ5

œµ - ‰ Œ ‰

ú jœj

œm -Ó

!

!

!

ú jœ

F

Ísub

!

!

œ œ œn - œ- œ- œ- œ- œ- ‰ Œ3 3

! B

!

! ‰ œµ

! ‰ œµ

ú Ó Œ

senza sord.

Pmst sV

Pmst sV

senza sord.

senza sord.

tutti

solo

senza sord.

senza sord.

senza sord.

ß

œµ ú œ œ œ

œµ ú œ œ œ

Ó ‰ œn ú

Ó . œµ œ œÓ . œµ œ œ

w œ

w œ

!

$mst

sV

f

f

P f pmst

P f pmst sVsolo

tutti

p$mst

sVtutti

p$mst

sVsolo

E

ú œ œ ú

œ w

œ œ œ ú œ œ

.úµ œ œ œ

.ú ú

ú- œ- ú-

ú- œ- ú-

œµ .ú œ

pmV

Í ƒ

p

solo

f

œ œ ú œ œ-

w

ú œ œ œ

œµ œ- œ œn œ œ œn œ œ ‰ Œ6

œ œ- œ œµ < œ< œ< œ< œ< œ< ‰ Œ6

.ú œ œ-w

œ œµ - œ- œ- œ- œ- œ- œ- ‰ Œ6

p

mV

f

p

divisi

P

&

&

&

&

?

?

?

85

85

85

85

85

85

85

43

43

43

43

43

43

43

44

44

44

44

44

44

44

Vln. I

Vln. I 2

Vln. 2

Vln. II

Vc. 1

Vc.

Cb.

Glissando

Glissando Glissando

Glissando45 œ œn œn œn œ‰

œnJœn œn œm œn

33

œ œ ‰ Ó

œ œ œn œ œnœn œn œ œ3

3

wn

œ œn œn œ œn ‰ ‰ œµ œn œ˜ Jœn3 3

œ œµ - œ- œ- œ- ‰ Ó

‰ œµ � � � � � � � � �3 3 3

msp

f

Fon the bridge

msp poco a poco

P

msp

fp

p

F � � � � � � � � � � � �3 3 3 3

!

� � � � � � � � � � � �3 3 3 3

œ œ ‰ Ó

Œ ‰ œn œµ ‰ œn ‰

!

� � � � � � � � � � � �3 3 3 3

pizz. msp

F

� � � � � �Jœ˜3 3

!

� � � œn ‰ œn3

!

œµ ‰ ‰ œµ œ œ3

!

� � � jœn > � � �3 3

$

pizz.mst

f

œ˜ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ " œ˜5 5

!

œ œ˜ œn œn œ˜ œ œn œ˜ œ œn œ5 5

!

œµ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ5 5 5

!

� � � � � � � � � � � � � � �5 5 5

q = 55

q = 55

q = 55

q = 55

pmolto legato

$

mstpoco Vibrato

$ú œ œ œ

!

œ œ .ú

!

œµ ‰ Œ ‰ œµ œ

!

� .ún

mst

ƒarco ord. sV

ƒmst

p

p

4

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

258

PI

&

&

&

B

B

?

?

45

45

45

45

45

45

45

85

85

85

85

85

85

85

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. I 2

Vln. 2

Vla.

Vla. 2

Vc. 1

Cb.

Glissando50 œ œ œ œ˜ œn œn ‰ ‰ œn >

!

ú œ œ œm œ œn œm œ5

!

!

.ú œn œm œ œn œ5

œ œ- œ- œ œn œm œn œ ‰

laisser vibrer

ß

F f

p

p

f

laisser vibrer

‰ œn œ .�h .

!

œn ‰ Ó ‰ œn œ

Ó ‰ œn > .œm > œm > œ œn >

!

!

Œ œn ú œ œ

Fmst

Í farco ord.

p

mst

fmspsolo

G

�hJœn

!

ú jœ

œ .œ

!

!

Jœ Œ ‰ Jœnƒ

solo

mV

œ œ œ .ú

Ó .úm

.ú ú

œ jœm jœ œn œ œm ú3 3

!

œn œ œ œ œ œ ‰ ‰ œµ ú5

Ó . ‰ œn œ

p

p

ricochet

Parco ord.

f

Farco ord.

poco a poco

arco ord. sV poco a poco

sV msp

ppoco a poco

w

œ œ œ ú

w

.ú œ œŒ ‰ œ˜ ú

w.ú œ œ

msp

p

ƒ

tutti

FmV

mst

&

&

&

B

B

?

?

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. I 2

Vln. 2

Vla.

Vla. 2

Vc. 1

Cb.

Glissando

Glissando

55 .ú ú

w œ

w œ

œ w

ú œ œ- œ œ œ œm œ œm œn6

œ œ ww œ

msp

msp

msp

ƒ

p

ú œ œ> œ œn œnœn œn œn6

œ œn œn œn œn œm œ œ ún7

œ œn œn œn œ œm œ œ ‰ Œ ‰ œn7

œ œm œ œn œn œn .úm6

œn‰ .úm

ú œn œn œnœn œm œn ‰5

œ œ œ- œ œ œm œn œ ‰

p

f

p pmst

p pmst

pmsp

p

p

w œ

w œ

w œ

w œ

w œ

wn œwn œ

p

F

pmsp

F

H

w œ

w œ

w œ

w œ

w œ

w œw œ

f

œ‰ Œ Œ ‰ ·œmm

ú œ ‰ ·œnn

.ú œ

Ó ‰ œn œ

œ ‰ œm ú

w

! &

sV

P

fmsp

ƒsolo

tutti

msp

psolo

tutti

·w

·ú ·œ ·œ ·œ

�h � œ˜ œ

œ œ œ ú

œ œ .úœn

‰ ‰ œn ú&

Œ úm œ œ

fpoco a poco

p

Fmsp

F

f parco ord.solo

mV

Pdivisi

5

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

259

PI&

&

&

&

B

B

&

?

&

45

45

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

44

44

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc. 1

Vc.

Cb. 1

% %

Glissando

61 ·œ ·w

·ú ..·ú

.ú˜ œ œ œ

œn œ œ .�h .

w œ

w œn - œ- œ- œ- œ- œ-6

œ œ œ ú œ œ-úè œ œ- ú

w œ

mV

mst

F

f

tutti

senza Vibrato

Fmsp

fp

mV

·œ ·w

·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰ Œ ‰ ·œmm6

œ œn œ œ œ œ œ ‰ œn

�q � œm ú œ ‰

ú œn œ œ œ œ œ œ Œ6

œn - ‰ ‰ œ˜ .ú

œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ Œ œn � œn7

œ˜ œ œ œ œ œ œ‰ .ún

6

&

.ú œ œ œ- ‰

P

msp

fmst

Í

p f

p

p

Ímsp

f

·ú ..·ú

..·ú ·œ ·œ ·œ

œ œ œ œ ún

Ó ‰ œm ú

‰œn ú ú

ú ú œn - œ- œ- œ- œ- œ-6

.ú œ œ œ- œ- œ- œ- œ- œ- œ-7

�q � œµ .ú

Œ ‰ œµ .ú

f

arco ord.

P

P

f

arco ord.

f

f

F

mst

p

p

f

·w

·œ ·œmm ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰ Œ7

œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ Œ ‰ œn >7

.ú œ œœn ¯ œ œ œ œ

‰ Ó

œn - ‰ Ó . &

œn - ‰ Œ Ó

œ œ œ œn œ œ œ œ œ œ œ ‰7

œ œ œ œn œ œ œ œ œ œ œ ‰7

f

P

p

ƒmst

f

Ísub

ƒ

ƒ

ƒ

&

&

&

&

B

&

&

&

85

85

85

85

85

85

85

85

43

43

43

43

43

43

43

43

45

45

45

45

45

45

45

45

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc.

Cb. 1

Glissando

%

Glissando Glissando Glissando

(%)

65 ·œ ‰ Œ ‰ ·œmm ·œ

Œ ‰ ·œmm ·ú

‰ œm > ‰ œn > ‰ œn > ‰ œn >

œ ‰.úm

!

Ó . ‰ œn

Ó . ‰ ·œbn

!

mst

P

mst

mst

pmst

mst

f

tutti

tutti

PsV

f

I

J�� J

·œnn ��q J·œnn

·œ ..·œ

‰ œm > ‰ œn > ‰œ .œ

Œ ‰œn

.œ œ

..·œ ·œ!

f

ƒ

F

F

fmst

tutti

mVsub

..·únn

·œ ·œ ��h

œn œ œ œú œ œ>

.� h .

..·ú!

ƒmst

P

..·ú

·œbn ·œmm·œnn

.úú œ œ

�q úm

..·ú!

sub sV

6

SIMURRA, I. E. Lana Tai – “No Dia em que Nasceu uma Aquarela”.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 249-260

260

PI&

&

&

&

B

&

&

45

45

45

45

45

45

45

44

44

44

44

44

44

44

45

45

45

45

45

45

45

43

43

43

43

43

43

43

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

Vln. II 2

Vla.

Vla. 2

Vc.

(%)

(%)

69 ·œ ·w

..·ú ·ú

w œ.ú ú

·wm ·œ

ú œ œ œ> œ

·ú ·œ> ·œ ·œ> ·œ

poco Vibrato

ƒ

p

F

sub

ß

ß

·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰ Œ ‰·œnn ·œ7

·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰7

œn œ œ œ œ ‰ Œ ‰ ·œµµ ·œœ œ> ú œ œ> œ

·œ> ·œ> ·œ> ·œ> ·œ ‰

œn - œ- œ- œ- œ- ‰ Ó .

·œ ·œb ·œ ·œ ·œ ‰ Ó .

f

F

solo

solo

fmV

·w

Ó ·únn

·w

!

!

!

!

Fsolo

J ·œ ·w

·w ·œ

·œ ·w

!

!

!

!

&

&

&

43

43

43

44

44

44

43

43

43

Vln. I

Vln. I 2

Vln. II

73..úú

..úú

..úú

·œ ·œnn ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ‰

7

·œ ·œn ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ‰7

·ú ·œnn ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ ·œ7

p

ƒ

f

ff

FF

F

Ó ‰ ·œmm ·œ

Œ ..·únn

·wnn

f

F

F

·w·ú ·œ ‰ Œ

·ú ·œ ·œ ·œ ‰ƒ

·œ ·œ ‰ Œ

!

!

ƒ

7

Cham

ada

para

Tra

balh

os

Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 262-266

262

ChamadasREVISTA MÚSICA HODIE

Programa de Pós-Graduação em Música da EMAC-UFGIninterrupatmente desde 2001 – ISSN: 1676-3939

Indexadores: Rilm, EBSCO e Arts & Humanity IndexClassificação CAPES: Qualis A2SITE: www.musicahodie.mus.br

Desde o início de 2012 Música Hodie conta com um Editores-convidados a cada número, sempre um profissional de reconhecida competência na função no Brasil ou exterior. O edi-tor-convidado atua dentro das diretrizes definidas pelo Conselho Editorial da MH e conta com a assessoria do Conselho Consultivo sob supervisão da presidência do Conselho. A ex-periência de 2012 deixou evidente que a grande demanda de artigos nos impossibilitará man-ter uma data final para submissões. Assim, MH já está aceitando submissões os números de 2013. A submissões serão encerradas quando o editor atingir o limite de textos aprovados por número. Textos aprovados após o fechamento de um número poderão ser considerados para números futuros.

Todas as submissões devem ser enviadas para o editor do volume (veja abaixo)Outras questões devem ser enviadas a Presidência do Conselho

Editores convidados Temas da Música Hodie 2013-2016:OBS: veja CHAMADA abaixo e normas de submissão no site: www.musicahodie.mus.br

Submissões abertas

Vol. 13 n.1 (jan-jun de 2013) – Número Temático: Música e Improvisação

Editores Convidados: Cesar Traldi e Daniel Barreiro (UFU) Submissões abertas continuamente até completar os artigos do número (9 a 18 artigos)Submissões: “Daniel Barreiro” [email protected] ou “Cesar Traldi” [email protected]

Vol. 13 n.2 (jul-dez de 2013) – Número Geral sobre música

Editor Convidado: Carlos A. Figueiredo (UNIRIO)Submissões abertas continuamente até completar os artigos do número (9 a 18 artigos)Submissões: “Carlos Alberto Figueiredo” [email protected]

Aguardem informações sobre submissões de 2014 a 1016Editor Convidado Vol. 14 n.1 (jan-jun de 2014): Música Eletroacústica e Sonologia - Anselmo Guerra (UFG)Editor Convidado Vol. 14 n.2 (jul-dez de 2014): Cordas Orquestrais em Múltiplos Contextos - Florian Pertzborn (ESMAE/IPP/Portugal)Editora Convidada Vol. 15 n.1 (jan-jun de 2015): Performance Musical - Cristina Gerling (UFRGS)Editora Convidada Vol. 15 n.2 (jul-dez de 2015): Música em Musicoterapia - Claudia Zanini (UFG) Editor Convidado Vol. 16 n.1 (jan-jun de 2016): Música e Cinema - Ney Carrasco (Unicamp)

Sonia RayPresidente do Conselho Editorial da Revista Música Hodie

[email protected]

Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 262-266

263

ChamadasCHAMADA PARA A REVISTA MÚSICA HODIE 2013

Normas para envio de artigos e resumos para publicação

1. Os artigos ou resumos, além de inéditos, devem abordar um tema relacionado àqueles men-cionados acima como objetivos da publicação. Os textos podem estar redigidos em portu-guês, inglês ou espanhol e devem ser apresentados no editor de texto e salvos como arquivo .DOC ou .RTF, sempre em fonte Times New Roman.

2. O autor deve incluir o seguinte cabeçalho no topo da primeira página, antecedendo o título do artigo:

“Submeto este artigo/resumo para apreciação do Conselho Editorial da Música Hodie”. No caso de aprovação do meu trabalho, autorizo Musica Hodie a publicá-lo de forma im-pressa, em CDRom ou on-line no site e no portal do periódico. OBS: a distribuição da revis-ta será feita apenas por via eletrônica e em CDRom. A versão impressa será encaminhada (quando disponível) apenas para bibliotecas, conselheiros, pareceristas e autores.

Dados dos autores:1º autor (nome em publicações): __________________________________________________Endereço completo: _____________________________________________________________Telefone: (____) ____________________ e-mail: ______________________________________2º autor (nome em publicações): __________________________________________________Endereço completo: _____________________________________________________________Telefone: (____) ____________________ e-mail: ______________________________________

3. Logo abaixo do cabeçalho, deverá ser incluída síntese da atuação profissional ou formação acadêmica (até 5 linhas fonte Times New Roman tamanho 10, espaço simples)

4. O texto a ser publicado como artigo deverá ter entre 7 e 20 páginas (incluindo resumo, abs-tract, exemplos, notas e referências bibliográficas), e deverá ser apresentado em fonte Times New Roman tamanho 12 e espaço 1,5; exceções serão apreciadas pelo Conselho Editorial.

5. Para a SEÇÃO ARTIGOS será exigido um resumo com cerca de 100 palavras (tamanho 10, espaço simples), e indicação de palavras-chave (de três a seis) que devem ser apresenta-das no início do texto na língua utilizada no artigo, seguido do title, abstract and keywor-ds, para os trabalhos em português e espanhol. (OBS: os trabalhos redigidos em inglês de-vem apresentar o título, resumo e palavras-chave em português logo após o title, abstract e keywords).

6. Para a SEÇÃO RESUMOS serão aceitas sínteses de pesquisas concluídas, desde que se en-quadrem na proposta da publicação, apresentadas em texto com cerca de 250 palavras, ta-manho 12, espaço 1,5.

7. Exemplos musicais (Ex.), figuras (Fig.), tabelas (Tab.) etc. devem ser inseridos no texto como figura com resolução baixa para internet (.jpg 72dpi), numerados e acompanhados de legen-da explicativa clara e objetiva de no máximo 3 linhas em fonte Times New Roman tamanho 10, espaço simples, e devem também ser enviados em arquivos de imagem (.tiff ou .jpeg) separados com resolução de 300 dpi.

8. As notas de texto deverão ser colocadas no final do texto (como endnotes).9. As normas de editoração devem estar conforme o detalhamento abaixo. O que não estiver

previsto abaixo deve seguir as normas da ABNT;10. Artigos e resumos devem ser enviados exclusivamente por e-mail para o editor do número

desejado enquanto a submissãoestiver aberta (vide editorial da presidência do Conselho na página principal do site)

11. A aprovação do artigo ou resumo é de inteira responsabilidade do Conselho Editorial, ouvi-dos o Conselho Consultivo e os consultores ad-hoc.

Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 262-266

264

Chamadas12. O conteúdo dos textos publicados, bem como a veracidade das informações neles forneci-

das, são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam a opinião dos editores ou da equipe editorial de Música Hodie.

13. As seções Resumos, Resenhas, Primeira Impressão e Primeira Audição são facultativas em cada número e são avaliadas pelo editor, ouvidos membros do Conselho Consultivo sempre que necessário.

Normas para envio de artigos para a seção Outras Palavras

Os artigos escritos para a seção Outras Palavras não têm o compromisso de serem re-sultado de pesquisas formais, porém devem ser textos acadêmicos, fundamentados e apresen-tados no formato (espaçamento, fontes...) exigido por este periódico na seção Artigos. São bem vindos nesta seção textos inéditos de conferências, palestras, relatos de experiência, revisões de literatura, etc.

Normas para envio de textos para a seção Resenhas

As Resenhas devem ser apresentadas em textos de 800 a 1200 acompanhados de ima-gem em jpg (300 dpi) do item resenhado (CD, DVD, Livro, etc), ficha técnica do item (autor, in-térprete, editora, gravadora, ano, duração, no páginas, preço, site, etc.). O autor deve enviar tam-bém um texto de ca. 150 palavras com sua biografia.

Normas para envio de Partituras para a seção Primeira Impressão

As Partituras devem ser enviadas em versão final (Grade) no formato PDF sem nume-ração de páginas. O Compositor deve enviar também um texto de ca. 150 palavras com sua bio-grafia e outro texto de cerca de 500 palavras sobre a obra.

Normas para envio de gravações para a seção Primeira Audição

1. As gravações devem contemplar obras inéditas (preferencialmente inéditas) as quais serão oferecidas em formato de CD como encarte da Revista Música Hodie.

2. As gravações podem ser enviadas nos formatos: AUDIO CD ou arquivo MP3 de qualidade, com duração máxima de 10 minutos.

3. A submissão de gravações devem ser acompanhadas de uma declaração do/s autor/es da/s obra/s cedendo os direitos de publicação da mesma para a Revista Música Hodie de forma impressa e on-line.

4. A submissão de gravações devem incluir ainda:4.1 Identificação do/s interprete/s ou responsável pelo grupo (como no item 2 das normas

para envio de artigos e resumos acima)4.2 Informações sucintas sobre a obra (aproximadamente 200 palavras)4.3 Breve curriculum do/s compositor/es (aproximadamente 100 palavras)

5. A aprovação da gravação é de inteira responsabilidade da Conselho Editorial, ouvidos o Conselho Consultivo e, quando necessário, consultores ad-hoc.

Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 262-266

265

ChamadasEtapas na avaliação de textos submetidos para Música Hodie

1. Triagem pelo editor que verificará a pertinência do conteúdo e a adequação do texto às nor-mas editoriais de Música Hodie;

2. Envio do texto aprovado na triagem a dois pareceristas ad-hoc;3. Envio do texto a um terceiro parecerista, caso haja empate nas decisões dois primeiros

consultados;4. Notificação ao autor sobre o resultado das avaliações;5. Retorno do texto aprovado para o autor para revisão e possíveis modificações sugeridas pe-

los pareceristas e pelo editor;6. Aprovação final do texto peldo editor que informa o autor da previsçao de disponibilização

da publicação;7. Prazo estimado a partir do recebimento do texto até a aprovação final: 90 dias.

Importante: a data de recebimento será a data em que o autor entregar o texto totalmente den-tro das normas de formatação e conteúdo exigidos nas normas da revista; a data de aprovação será a data em que o autor devolver o texto revisado de acordo com as orientações dos parece-ristas e editores.

DÚVIDAS:Sobre os volumes e números: escreva para o editor do número em questão. Outros assuntos: Sonia Ray

Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.2, 2014, p. 262-266

266

ChamadasREVISTA MÚSICA HODIE

www.musicahodie.mus.br Call for articles, recordings and scores

Submissions active for 2013

Revista Música Hodie is listed by RILM, The Arts & Humanities Index and EBSCO. It is a Brazilian scholarly journal, which publishes articles in Portuguese, English and Spanish on music performance, musical analysis, music theory, composition, music and technology, music therapy, esthetics and musicology as well as interdisciplinary works evolving music.

Vol. 13 n.1 (jan-jun de 2013) – Thematic: Music and Improvisation

Guest Editors: Cesar Traldi e Daniel Barreiro (UFU) Submissions opened until the number is completed (9 to 18 approved articles)Submissions should be sent to: “Daniel Barreiro” [email protected] or “Cesar Traldi” [email protected]

Vol. 13 n.2 (jul-dez de 2013) – General on Music

Guest Editor: Carlos A. Figueiredo (UNIRIO)Submissions opened until the number is completed (9 to 18 approved articles)Submissions should be sent to: “Carlos Alberto Figueiredo” [email protected]

Música Hodie s Editorial Guidelines1. The papers should be in Microsoft Word for Windows (or compatible), Page Layout (A4 8,27”

x 11,69”) Times font, 12 size, space 1,5, with 8 to 20 pages (exceptions will be evaluated by the Editorial Committee), musical examples, figures, tables, abstract, vitae, footnotes and bi-bliographic references included.

2. Examples (musical examples, tables and figures are all called Ex.) should be numbered and have a clear and concise heading with 3 lines at most (Times, size 10, single-spaced), pre-sented in the text and in separate files.

3. For additional information, comments or references to quotations ONLY ENDNOTES (Times, size 10, single-spaced) should be used. The complete bibliographical references should be placed at the end of the text (e.g., GRIFFITHS, Paul. The string quartet. New York: Thames & Hudson, 1983).

Obs: See full information on references formatting at www.musicahodie.mus.br/normas.php4. An abstract with 100-150 words (Times, size 10, single-spaced) and keywords (3-6) should

be presented in both Portuguese and English before the complete bibliographic references, after which should come the author s vitae (Times, size 10, single-spaced, up to 10 lines).

5. After being proofread, the originals should be submitted to Revista MUSICA HODIE (e-mail only) to the editor responsible for the number in which you with to address your submission to, containing the title and author s name, address, telephone, fax and e-mail.

6. Scores submissions to the review section (Primeira Impressão) should be sent in Finale Format (or pdf) via e-mail to the editor. Composer should also send a short bio (approx. 150 words) and a text about the work (approx. 500 words).

Send inquires about submission to the appropriate guest editor (see contacts on top of this page)

Send other inquires: Sonia Ray [email protected]

Normas para Formatação das Referências.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 267-269

267

NormasREVISTA MÚSICA HODIEPublicação do Programa de Pós-graduação - Mestrado em Música

Escola de Música e Artes Cênicas da UFG

NORMAS PARA FORMATAÇÃO DAS REFERÊNCIASReferences Formatting Guidelines

Somente as obras citadas no corpo do artigo. Devem ser apresentadas em espaço simples, com alinhamento justificado e seguindo as normas da ABNT/2000 (NBR 6023) e do Manual da PRPPG (Cegraf, 2005), abaixo exemplificadas. Fonte Times New Roman, tamanho 12. PapelA4. Margens: dir 2,0 cm; esq 3,0cm, sup 3,0cm e inf 2,0 cm.

Only the works cited within the article. References are to be presented in single space, justified and following ABNT/2000 (NBR 6023) and Manual of PRPPG (Cegraf, 2005), guide-lines exemplified below. Font Times New Roman, size 12. Paper A4. Margins: right 2,0 cm; left 3,0cm, sup. 3,0cm and inf. 2,0 cm.

Livros: BOOKSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for a primeira]. Local de publicação: Editora, ano. Número de páginas.MEYER, Leonard B. Music, the Arts, and Ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. 235p.COHEN, Louis; MANION, Laurence. Research Methods in Education. 4. ed. London: Routledge, 1994. 298p.

Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas, etc.) CHAPTERSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor da Parte da Obra. Título da parte. In: SOBRENOME, Prenome(s) do Autor da Obra. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for a pri-meira]. Local de publicação: Editora, ano. Capítulo ou páginas inicial-final da parte.WEBSTER, Peter. R. Research on Creative Thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, Richard (Ed.). Handbook of Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.

Artigos em periódicos: JOURNALSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Artigo. Título do Artigo. Título do Periódico, Local de publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-final do artigo, data.LOANE, Brian. Thinking About Children’s Compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v. 1, n. 3, p. 205-231, 1984.

Trabalhos em anais de eventos científicos: PAPERS IN PROCEEDINGS OF SCIENTIFIC EVENTSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO, número do evento, ano de realização, local. Título. Local de publicação: Editora, ano de publi-cação. página inicial-final do trabalho. DELALANDE, François. A Criança do Sonoro ao Musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.

Normas para Formatação das Referências.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 267-269

268

NormasDissertações e Teses: DISSERTATIONS AND THESISSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do Trabalho, ano da defesa, Instituição. Local de publicação: Editora, ano de publicação. Numero de páginas. PRESGRAVE, Fábio S. Aspectos da Música Brasileira Atual: violoncelo. Tese de Doutorado. Instituto de Artes da Universidade de Campinas, 2008. Campinas: UNICAMP, 2008. 247p.

Partituras publicadas PUBLISHED SCORESSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publi-cação: Editora, ano de publicação. MOZART, Wolfgang Amadeus. Don Giovanni. Libretto por Lorenzo da Ponte com versão em in-glês de W. H. Auden e Chester Kallman. New York: G. Schimer, 1961.

Partituras não publicadas UNPUBLISHED SCORESSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publi-cação: informação sobre o tipo de registro gráfico da obra (informar o editor e ano da edição, se houver), ano da composição. VILLANI-CÔRTES, Edmundo. Casulo. Para violoncelo, piano e soprano. Partitura. São Paulo: manuscrito, 1992.CUNHA, Estércio Marquez. Movimento para Contrabaixo e Orquestra. Partitura. Goiânia: Finale (ed. Sonia Ray, 2003), 2000.

Gravações em CD e Cassete RECORDINGS (CD, Tape)SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Gravação. Tipo de gravação. CD nú-mero de série (ou informe a origem da gravação. Ex: independente, caseira). Identificação da Gravadora [se houver], ano [obrigatório. Se incerto, acrescente uma interrogação no último dí-gito. Ex: 198?].EVORA, Cesaria. Café Atlantico. CD 74321678022. BMG Brasil, 1999.

Gravações em Vídeo RECORDINGS (DVD, VHS)SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do Video. Produção (direção, regência...) de Nome do Responsável. Tipo de fita, duração da gravação. Local de publicação: Editora ou Gravadora, ano de publicação. PERLMAN, Itzak. Itzak Perlman: in my case music. Produzido e dirigido por Tony DeNonno. Videocassete, 10 min. New York: DeNonno Pix, 1985]

Entrevistas não publicadas UNPUBLISHED INTERVIEWSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Entrevista de Nome e Sobrenome do entrevis-tador em data da entrevista. Cidade. Tipo de registro. Local. NORMAN, Jesse. Entrevista de José da Silva em 20 de novembro de 1998. Chicago. Gravação em cassete. Chicago Symphony Hall.

Trabalhos em anais ON LINE de eventos científicos: PAPERS IN ON LINE PROCEEDINGSSOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO, número do evento., ano de realização, local. Título. Local de publicação: Editora, ano de publi-cação. página inicial-final do trabalho. Disponível em <endereço do sítio>. Data do acesso.BARRENECHEA, Lúcia. Homenagens Pianisticas de Camargo Guarnieri: um estudo de in-tertextualidade. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 19., 2010, Curitiba. Anais... Goiânia, 2009, 627-629. Disponível em <http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2009/VII_Performance.pdf>. Acesso em 26 jun 2012.

Normas para Formatação das Referências.Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 267-269

269

NormasObs: o mesmo processo pode ser feito com outras fontes cujos dados estejam todos dis-poníveis mas o acesso for feito on-line. The same process can be done with other sources whose data are all available but the access is done on-line.

Outras fontes pesquisadas na rede OTHER ON LINE SOURCES SOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Disponível em <endereço do sítio>. Data do acesso.ONOFRE, Cíntia C. de. Música por Computador: novas possibilidades de criação e profissio-nalização. Disponível em <http://www.iar.unicamp.br/disciplinas/am625_2003/Cintia_artigo.html>. Acesso em 14 ago 2004.

PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO DIRETADIRECT CITATIONSSobrenome (ano de publicação, página) - Neste caso a citação deve vir com aspas e traduzida (se em língua estrangeira)De acordo com Silva (2005, p. 47), “o fazer musical está associado...”“O fazer musical está associado...”, afirma Silva (2005, p. 47).

Nota: quando a citação direta é acima de 3 linhas, destaca-se os palavras citadas com um espa-ço duplo antes e depois do texto citado, em fonte Times, tamanho 10. Não se usa aspas e inclui--se o número de página ao final da citação.

De acordo com Cardassi (2000),

O resultado final de um recital depende de como ele foi concebido e de toda a preparação a que o músico se submeteu, às vezes durante meses. A escolha do repertório, a ordem de execução das peças, e cada item relacionado à produção e divulgação do evento pode fun-cionar a favor ou contra o músico. É fundamental que o intérprete mantenha-se atento aos detalhes. (p. 257).

As conclusões de Cardassi somam-se a vários estudos...

PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO INDIRETAINDIRECT CITATIONS

(SOBRENOME, ano de publicação. Página de onde foi tirada a citação) – Neste caso o número de páginas opcional, porém, recomendada.A música de câmera tem recebido significativa atenção de pesquisadores na área de psicologia da performance nos últimos cinco anos. (SILVA, 2005, p. 236) De acordo com SILVA (2005, p. 236), a música de câmera tem recebido significativa atenção de pesquisadores na área de psicologia da performance nos últimos cinco anos.