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V. 7 1978 DISTRITO FEDERAL REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL · aspectos da competÊncia dos tribunais de contas estaduais_____ 41 orlando morais _____41 o empenho da despesa e suas implicaÇÕes_____

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V. 7 1978

DISTRITO FEDERAL

REVISTADO

TRIBUNAL DE CONTASDO

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SUMÁRIO

I - DOUTRINA ____________________________________________________________ 4

ORÇAMENTOS PÚBLICOS ________________________________________________ 5JESUS DA PAIXÃO REIS____________________________________________________________5

A LICITAÇAO NAS ENTIDADES PARAESTATAIS ____________________________ 33HELY LOPES MEMELLES _________________________________________________________ 33

ASPECTOS DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS ESTADUAIS ______ 41ORLANDO MORAIS ______________________________________________________________ 41

O EMPENHO DA DESPESA E SUAS IMPLICAÇÕES___________________________ 46SENITHES GOMES MORAES e JANES FRANÇA MARTINS______________________________ 46

INSTITUTO DO REGISTRO. ATUAL SISTEMA DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃOFINANCEIRA___________________________________________________________ 58

JOSÉ BORBA PEDREIRA LAPA _____________________________________________________ 58

INSTITUTO DO REGISTRO. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 7.________________ 68

APOSENTADORIA - PROVENTOS INFERIORES AO SALÁRIO MÍNIMO _________ 73MANFREDI MENDES DE CERQUEIRA _______________________________________________ 73

O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS_________________ 76Múcio V. R. DANTAS______________________________________________________________ 76

AXIOLOGIA DO CONTROLE _____________________________________________ 85JOSÉ JAPPUR____________________________________________________________________ 85

CONCEITUAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTÁBIL NA FISCALIZAÇÃOFINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA_________________________________________ 96

ROBERTO MAIA DE ATAÍDE e OTÁVIO DE SOUZA MACHADO_________________________ 96

INSTITUTO "RUY BARBOSA" ___________________________________________ 103ANAHID DE LIMA MARCONDES e SÉRGIO CIQUEIRA ROSSI _________________________ 103

CONTRATAÇÃO DE PROJETOS__________________________________________ 106OLAVO EGYDIO SETUBAL_______________________________________________________ 106

CONTENCIOSO FISCAL TRIBUTARIO FEDERAL (A redação do anteprojeto) _____ 112GERALDO ATALIBA ____________________________________________________________ 112

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA______________________________ 115ROBERTO ROSAS_______________________________________________________________ 115

II – VOTOS E PARECERES _______________________________________________ 122

FEIÇÃO ANTICONGRESSUAL DA LEI N.º 6.223/75___________________________ 123PARSIFAL BARROSO ____________________________________________________________ 123

EMPENHO ____________________________________________________________ 127JESUS DA PAIXÃO REIS__________________________________________________________ 127

FUNDOS ESPECIAIS____________________________________________________ 133JESUS DA PAIXÃO REIS__________________________________________________________ 133

CONVÊNIO. FORNECIMENTO DE RECURSOS FINANCEIROS. EMPRESA PÚBLICA.ATENDIMENTO DAS FINALIDADES ESTATUTARIAS _______________________ 140

RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA _________________________________________________ 140

REVISÃO DE PROVENTOS. VIGÊNCIA ____________________________________ 146ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO____________________________________________ 146

TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO A FUNDAÇÃO____________________________ 152LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ _______________________________________ 152

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CONDENAÇÃO CRIMINAL. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. SERVIDORAPOSENTADO. ________________________________________________________ 157

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ _______________________________________ 157

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. OPERAÇÕES BANCARIAS. CONTRATOS. ________ 160ROBERTO ROSAS_______________________________________________________________ 160

III – NOTICIÁRIO _______________________________________________________ 162

LEI N° 6.525, DE 11 DE ABRIL DE 1978 _____________________________________ 163

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I - DOUTRINA

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ORÇAMENTOS PÚBLICOS

JESUS DA PAIXÃO REIS(*)

0.1 - ORIGEM DAS INSTITUIÇÕES ORÇAMENTARIAS

O orçamento não nasceu das elucubrações dos técnicos nem da preocupaçãode racionalizar a administração financeira. Sua origem prende-se às necessidadesda vida prática.

A investigação de seus primórdios perde-se nos confins da Idade Média,quando as instituições feudais debilitaram o poder real.

Os Monarcas, naquela época, viviam precipuamente de seus rendimentosdominiais e dos direitos regalianos, restringindo-se as imposições a formas antigas ebrandas.

Quando necessitavam de maiores recursos, formulavam um "pedido" e osrepresentantes mais categorizados das classes pelas quais se dividia o poderpolítico, em reunião solene, após debates em que se regateava o quantum,assentiam no "donativo", ou na "benevolência", limitada àquele caso concreto.

Assim foi na Península Ibérica, com as chamadas Cortes; foi assim em França,com os Estados Gerais.

As instituições orçamentárias deitam, pois, suas raízes naquele períodohistórico, em que os dirigentes não podiam criar impostos novos, ou majorar osantigos, nem levantar empréstimos forçados, sem o consentimento de certos órgãoscoletivos, que se arrogavam o direito de falar em nome dos contribuintes.

Segundo alguns pesquisadores, na Inglaterra, antes da conquista normanda,nenhum Rei ousara impor tributos ou exigir serviço militar, sem o consentimento deuma assembléia.1

É certo que JOÃO SEM TERRA amargou a imprudência de tributar sem aanuência de um Conselho de Contribuintes, quando os barões feudais, vencendo-opelas armas, em 1215, o fizeram assinar a Magna Carta, cujo artigo 12 dispunha:

"Nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino, senão pelo seuConselho Comum, exceto com o fim de resgatar a pessoa do Rei, fazer seuprimogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez: os auxílios paraessas finalidades serão razoáveis em seu montante."

O princípio do consentimento do tributo foi a causa da guerra de Independênciados Estados Unidos. Dizia WASHINGTON que a "revolução americana nãosignificava apenas o repúdio armado à cobrança de um miserável tributo sobre o

(*)Conselheiro Substituto do TCDF.1 Cf. Aliomar Baleeiro; Uma Introdução à Ciência das Finanças, Revista Forense, 1958, vol. II, passim.

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chá, mas, acima de tudo, a defesa do direito pertencente ao povo de votar seuspróprios impostos".

Informa AGENOR DE ROURE que "ainda em 1814 a Constituição Francesaera omissa em matéria de iniciativa da despesa, deixando ao Rei a livre disposiçãodo produto dos impostos". Só com a lei de 1817 ficou estabelecida a regra devotação das despesas pelo Parlamento e a respectiva distribuição pelos Ministérios.2

0.2 - A CONTRIBUIÇÃO INGLESA

Na Inglaterra, onde caíram no oblívio conquistas da Magna Carta, com aRevolução de 1688 e a Declaração de Direitos, no ano subseqüente,estabelecera-se novamente:

"A partir desta data, nenhum homem será compelido a fazer qualquerdoação, empréstimo ou caridade, ou a pagar imposto, sem o consentimentocomum, por intermédio do Parlamento."

Em conseqüência desses acontecimentos, foi instituída a Lista Civil (1689) ,pela qual se separaram os gastos da Coroa dos dispêndios públicos.

Para garantir a observância dessas providências, o Legislativo reservou-se odireito de autorizar também as despesas.

Com o objetivo de livrar-se de aborrecimentos, o Rei Jorge III, em 1760, abriumão de grande parte dos rendimentos hereditários, em troca de uma dotação anual,votada pelo Poder Legislativo.

Desde 1706 a Câmara dos Comuns passara a não considerar despesa alguma,senão aquelas propostas pela Coroa.

Em 1787, foi aprovada a Lei do Fundo Consolidado, caixa geral destinada areceber os ingressos públicos e a registrar todas as receitas e despesas. Servia,assim, de base para um sistema racional de contabilidade e de prestação de contas.A partir de 1802, começou de ser publicada, anualmente, uma exposição sobre oestado das finanças públicas. De 1822 em diante, o Chanceler do Erário passou aapresentar ao Parlamento uma relação das receitas e despesas, para as quaissolicitava aprovação.

Normalmente, considera-se esta última data como a que marca o início de umsistema orçamentário completo na Grã-Bretanha.

Como se vê, seis séculos de tenazes lutas parlamentares contra soberanosrecalcitrantes foi o preço das instituições orçamentárias fundamentais, que,entretanto, foram postergadas na Espanha, em Portugal e na França.

0.3 - AS CARACTERÍSTICAS DO ORÇAMENTO CLÁSSICO

BENEDITO SILVA resume os estágios da evolução orçamentária nas seguintesconquistas:

1ª ) aprovação pelo povo dos impostos e outros meios de levantamento derendas para o soberano;

2ª ) aprovação parlamentar das despesas por meio do appropriation(especialização das despesas);

2 Apud Jurandyr Coelho: Teoria e Processo do Orçamento, 2 â ed., Imprensa Nacional, 1952, pág. 16.

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3ª ) discussão anual, pelo Parlamento, da receita e despesa públicas,ordenadas sob a forma de plano financeiro.3

São essas práticas que, juntamente com o controle externo da execução dareceita e da despesa, constituem as instituições orçamentárias fundamentais.Fizeram elas, de par com os princípios orçamentários clássicos, a glória dosParlamentos e assinalaram o esplendor do Estado liberal.

Sintetizando tal evolução, disse RUY BARBOSA, com a grandiloqüência que ocaracterizou, ter sido o orçamento "... a arma com que os parlamentos domaram osReis... o instrumento com que as Câmaras populares conquistaram a liberdadepolítica".4

Como já visto, de 1706 em diante a Câmara dos Comuns passou a nãoconsiderar despesa alguma, senão aquelas propostas pela Coroa. Essa praxe foiconvenientemente formalizada por Resolução Interna de 1713, permanecendo comoprática típica da Inglaterra. Não acarretou qualquer capitis diminutio para osRepresentantes: a) porque foi uma deliberação espontaneamente tomada por eles;b) o Gabinete é mera Comissão da Câmara dos Comuns.

0.4 - A EXPERIÊNCIA AMERICANA

Colige-se desse apanhado histórico, que, em 1776, ano da Independência dosEstados Unidos, não existia ainda, em qualquer parte do mundo, um sistemaorçamentário completo, pois estava em gestação no ventre da História, ao sabor dosacontecimentos políticos. Por essa razão, os autores da Constituição americana nãotiveram um exemplo em que se inspirar, ao redigirem a sua Carta Política. Emconseqüência, parcimoniosas são as disposições daquele documento sobre amatéria.

Apesar disso, na apreciação de eminentes eruditos, o governo federal dosEstados Unidos era menos possuidor de um "orçamento" nos princípios do séculoXX do que o fora em sua infância no século XVIII; o país, em matéria de finançaspúblicas, retroagira, ao invés de progredir.5

É que as despesas públicas inicialmente eram pequenas naquele país, queprogredia continuamente, proporcionando significativos superávites. Além disso,dadas as peculiaridades do desenvolvimento histórico daquela nação, sua classemais poderosa - os empresários - desdenhavam os negócios públicos, preferindoconstruir fortunas com a exploração dos recursos dados por uma naturezaparticularmente generosa.

Esses fatos faziam com que ali reinasse "o caos em matéria orçamentária",consoante observação de ALIOMAR BALEEIRO, repisada por numerosos autoresque tratam desses aspectos da vida pública americana.

JAMES BRYCE, facundo publicista daquela época, fustigava: "Sob o sistemafinanceiro congressional aqui descrito, os Estados Unidos desperdiçam milhõesanualmente. Mas sua riqueza é tão grande, sua receita tão elástica, que o país nãose dá conta do prejuízo. Os Estados Unidos têm o glorioso privilégio de juventude, oprivilégio de cometer erros sem sofrer as conseqüências."

E continuava: 3 Apud Jurandyr Coelho, ob. cit., pág. 15. (4) Comentários à Constituição Brasileira, vol. II, pág. 192.4 Comentários à Constituição Brasileira, vol. II, pág. 192.5 Cf. Dwight Waldo: Problemas e Aspectos da Administração Pública, Livraria Pioneira Editora, 1966, pág. 360.

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"... Os Estados Unidos vivem em um mundo próprio... a salvo deataques, a salvo mesmo de ameaças, ouvindo de longe os gritos de guerrados povos europeus, como os deuses de Epicuro ouviam os murmúrios dainfeliz terra espalhada sob suas moradas de ouro..." 6

Nesse período, o maior problema do Congresso era a aplicação do enormessaldos financeiros, resultantes da tarifa aduaneira.

Em mensagem dirigida aos representantes, advertia o PresidenteCLEVELAND, a 6 de dezembro de 1887:

"Vós enfrentais, no limiar de vossas obrigações legislativas, umasituação nas finanças nacionais que demanda imediata e cuidadosa atenção.O montante do dinheiro anualmente arrecadado por intermédio da execuçãodas leis atuais, às atividades econômicas e ao povo em geral, excede emmuito o necessário ao atendimento das necessidades governamentais.

... Essa injustiça cometida contra aqueles que suportam a carga dosimpostos nacionais, como outros erros, traz uma série de conseqüênciasfunestas. O Tesouro Público ... se transformou em um esconderijo onde seguarda o dinheiro desnecessário arrancado ao comércio e ao uso do povo,desgastando as energias nacionais... e despojando o povo."

Estimou o Presidente que o Tesouro estava acumulando um superávit quechegaria, provavelmente, a 140 milhões de dólares, no fim do exercício financeiro.7

Em conseqüência, salienta o preclaro Conselheiro GERALDO FERRAZ, esseperíodo da história do Congresso americano é caracterizado por "extremairresponsabilidade" e por "mal disfarçadas incursões sobre o Tesouro". Conformeobservou HENRY JONES FORD, "o que mais surpreende não é que o sistemagerasse corrupção, mas que conseguisse funcionar".

De sua parte as repartições do Executivo incorriam propositadamente naschamadas "insuficiências coercitivas", isto é, se a dotação era menor do que asolicitada, realizavam as despesas conforme as propostas que haviam mandado,obtendo posteriormente os créditos suplementares, que nunca eram negados.8

A indiferença era geral e os empresários não consideravam digno de si cogitardesses assuntos.

Os Diretores de jornais não atribuíam aos acontecimentos financeiros o menorvalor como notícia. Quando se pediu a um deles que publicasse em seu jornaldeterminados fatos a respeito do orçamento da cidade, ele respondeu: "Não podeser. Nós não fazemos notícias; nós imprimimos notícia".9

Relata eminente autor que as cidades americanas estavam gastando dinheiro,umas aos milhares, outras aos milhões de dólares anualmente, com pouca ounenhuma reflexão sobre a procedência do dinheiro ou com o que os contribuintesestavam recebendo em troca deles. Os Estados "iam indo" financeiramente demaneira ainda mais empírica do que muitas cidades. O governo nacional estava noapogeu do apadrinhamento político.10

6 Apud Jesse Burkhead: Orçamento Público, FGV, 1971, pág. 15.7 Apud Jesse Burkhead: Orçamento Público, FGV, 1971, págs. 15/16.8 Relatório e Parecer Prévio ás Contas do GDF, exercício de 1971, in Pareceres Prévios, vol. III, 1976, pág. 129.9 Cf. A. E. Buck, apud Dwight Waldo: ob. cit., pág. 371.10 Id., ib., pág. 370.

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0.4.1 - A REAÇÃO

Passara, todavia, o período dos contínuos superávites, a que se referiraCLEVELAND. Já não eram freqüentes, depois de 1894.

Os déficits ocorreram em dois dos quatro anos de mandato do PresidenteTHEODORE ROOSEVELT. No primeiro ano da Presidência TAFT foi para 89milhões de dólares, numa despesa de 694 milhões.

Com o aumento das atribuições governamentais, as despesas elevavam-secontinuamente e, em 1909, chegaram a 700 milhões. O Governo tornava-se umcliente desejável, mas não era possível transacionar com ele em bases racionais,devido ao apadrinhamento, forma de corrupção.

A reação se impunha e ela não se fez esperar.

Foi enorme o impacto de uma declaração do Senador ALDRICH, feita em1909, segundo a qual o Congresso esperdiçara, só naquele ano, 50 milhões dedólares com gastos desnecessários...

O estudo acadêmico dos sistemas orçamentários europeus atuava comosugestão. Os escritos da época aludem freqüentemente à experiência britânica e àcontinental.

O movimento em prol de uma reforma governamental, anterior à PrimeiraGrande Guerra, que no seu auge se chamou Progressivismo, também acrescentouforte ímpeto.11

As associações cívicas empenharam-se na luta.

Era necessário destruir o governo invisível, constituído pelos chefes políticos,donos da máquina eleitoral, que não eram responsáveis perante ninguém. Erapreciso caracterizar essas responsabilidades e não deixar que os orçamentoscontinuassem a ser elaborados de maneira improvisada, ao sabor dos interessescircunstanciais, pelas duas Casas do Congresso, sem proposta anterior doExecutivo.

Desencadeou-se a luta por maior espírito empresarial no Governo o quesignificava maior economia e mais eficiência, propósitos esses fortementealiciadores naquele país de empresários.

Esses movimentos pressionavam os governos em todos os níveis.

As municipalidades, sentindo a necessidade de pavimentar as ruas em virtudedo aumento de veículos motorizados, além de construir mais escolas, exigidas pelacrescente urbanização, trataram de racionalizar os seus serviços e o emprego dosdinheiros públicos, o que era feito, geralmente, por intermédio da adoção de umsistema orçamentário e da concorrência para as transações públicas.

Ao avaliar a contribuição das diversas correntes para a adoção um tanto rápidade sistema orçamentários por parte das municipalidades. DESSE BURKHEADchega à conclusão de que o .elemento fundamental para tal êxito foi a pressão dasclasses empresariais. Os homens de negócios que, antes de 1900, eram totalmenteindiferentes aos assuntos governamentais, estavam agora extremamentepreocupados.12

11 Cf. Dwight Waldo: Problemas e Aspectos da Administração Pública, Livraria Pioneira Editora, 1966, pág. 359.12 Jesse Burkhead: Orçamento Público, FGV, 1971, pág. 20.

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Foi nesse meio assim agitado por reivindicações e por reformas que oPresidente TAFT, em dezembro de 1909, solicitou ao Congresso uma dotação paraque pudesse promover pesquisas "sobre os métodos que regem as transaçõesgovernamentais". A 25 de junho do ano seguinte, o crédito foi concedido e oPresidente designou, para logo, a Comissão de Economia e Eficiência.

Essa Comissão se propôs objetivos bastante amplos e, por quase dois anos,realizou estudos e pesquisas sobre: a) orçamento como programa financeiro anual;b) a organização e as atividades do Governo federal; c) problemas de pessoal; d)contabilidade, relatórios financeiros e e) métodos e processos empresariais noGoverno.13

A 17 de janeiro de 1912, o Presidente TAFT enviou ao Congresso mensagemsobre os trabalhos da Comissão de Economia e Eficiência no Serviço Público.

Era o primeiro levantamento sério da administração federal norte-americana,sua estrutura e composição das despesas governamentais.

Foi, informa ALIONIAR BALEEIRO, um libelo com mais de 500 páginas contraa desordem orçamentária.

A 27 de junho do mesmo ano era divulgado um documento, sob o título TheNeed for a National Budbet, expondo os resultados dos trabalhos da Comissão.

Acentuou-se a importância da criação de um sistema orçamentário federal,como instrumento de administração executiva, responsabilidade e controle.

Asseverava o Presidente: "Desejamos economia e eficiência; desejamospoupança para um objetivo certo. Queremos economizar dinheiro para permitir aoGoverno encetar certos projetos úteis, que não podemos executar, pelaimpossibilidade de aumentar as despesas".

"O objetivo do relatório ora apresentado é sugerir .............. um plano emque o Presidente e o Congresso possam cooperar - o primeiro, apresentandoao Congresso e ao país um programa administrativo de trabalho claramenteexpresso, para ser cumprido; o segundo, dando ao Presidente uma lei que lhecaberá cumprir".

"A fim de que possa pensar com clareza sobre o problema de suaresponsabilidade, o administrador precisa ter diante de si dados que reflitamresultados, em termos de qualidade e quantidade, precisa estar habilitado amedir a qualidade e quantidade dos resultados por unidades de cresto e deeficiência".14

Mas o Presidente TAFT foi derrotado nas eleições presidenciais de 1912. OPresidente WILSON, que o substituiu, foi tratar de outros assuntos, que entendiamais importantes. A maioria do Congresso era contra a inovação pretendida.

Com a criação do imposto de renda para as pessoas físicas, desafogou-se asituação financeira.

Mas a luta continuava, ainda que de maneira menos intensa. A CâmaraNacional do Comércio realizou uma pesquisa entre seus membros, com o fito deestimular o interesse pela reforma. O relatório apresentado a esse respeito dizia: "Os

13 ld., ib., pág. 24.14 Dados colhidos em Jesse Burkhead, ob. cit., pág. 25 usque 30.

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empresários do país constituem, praticamente, um grupo unido em prol da reformaencetada pelo Governo Federal".

Na eleição de 1916, progressistas, republicanos e democratas incluíam emsuas plataformas o apoio a um sistema orçamentário federal.(14)

Segundo A. E. BUCK, a maior contribuição isolada à literatura daquelacampanha foi feita pela Comissão de Economia e Eficiência. Em conseqüência dela,diversos Estados imediatamente estabeleceram comissões de economia e eficiênciapara proceder a estudos sobre sua organização e métodos administrativos...Praticamente, todas recomendaram, entre outras coisas, o estabelecimento de umsistema orçamentário estadual.

Com o desenvolvimento das novas formas de governo da cidade, a saber, asformas de comissão, de gerente e de prefeitura centralizada, o orçamento começoua desempenhar um papel importante nas finanças municipais.15

Desse modo, a reforma espalhou-se rapidamente. Em 1920, 44 Estados jáhaviam adotado algum tipo de melhoria em seus orçamentos.

0.4.2 - A INSTITUIÇÃO DO SISTEMA ORÇAMENTÁRIO FEDERAL

Nesse mesmo ano de 1920, o Congresso aprovou a Lei de Orçamento eContabilidade, a qual criou um órgão (General Accouting Office), o qual seria dirigidopor um funcionário (General Comptroller), que seria nomeado pelo Presidente, masnão poderia ser por este afastado. O Presidente WILSON então vetou a lei,alegando inconstitucionalidade no tratamento diferente para nomeação e demissão.

Com a vitória do Presidente HARDING, empenhado em uma administração dotipo empresarial foi aprovada a lei no dia 10 de junho de 1921.

Esperava-se uma redução da carga tributária, principalmente nos impostossobre lucros extraordinários, causa principal da inconformidade dos empresários.16

Mas a palavra economia evoluiu de sentido. Deixou de significar despesaspequenas e orçamentos equilibrados. Passou a ter a acepção de despesas"economicamente desejáveis" - embora talvez grandes - e administração eficiente defunções e programas, qualquer que fosse a magnitude dos últimos.17

O sistema orçamentário, que chegou aos Estados Unidos com um século deatraso, atribuiu ao Presidente a responsabilidade de preparar o orçamento e criou,como órgão específico dessa atividade, o Bureau de Orçamento.

Ao documento elaborado sob a responsabilidade do Presidente foi dado onome de "executive budget", para distingui-lo das improvisações legislativasanteriores a 1921. Mas consagrou-se um orçamento do tipo tradicional, que punhaênfase no controle legal e contábil.

Além disso, o referido Bureau foi colocado no Departamento do Tesouro,embora sob a direção imediata do Presidente. Essa colocação, manifestamenteinadequada, deixa entrever compromisso político para a aprovação do "Budget andAccouting Act 1921".

15 Apud Dwight Waldo, ob. cit., pág. 372.16 Cf. Jesse Burkhead, ob. cit., pág. 36.17 Dwight Waldo, ob. cit., págs. 381/2.

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Nos primeiros 13 anos, funcionou ele razoavelmente, sem maiores atritos como Presidente ou com os Secretários (Ministros).

1 - A EVOLUÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO

1.1 - ANTECEDENTES

Como visto, o orçamento clássico nasceu e se desenvolveu ao influxo dosacontecimentos históricos e consolidou como sua finalidade precípua a de asseguraro controle político das atividades governamentais pelos órgãos legislativos.

Os Estados, para poderem enfrentar os desafios da ordem econômica e socialmoderna, transformaram-se em organismos agigantados. Esse gigantismo outracoisa não é senão uma expressão do gigantismo das sociedades contemporâneas.

Premidos pelas necessidades, os estadistas puseram de lado as concepçõesdo Estado liberal e passaram a intervir na vida social. Utilizaram-se, para isso, emépoca recente, das "finanças funcionais", isto é, da atividade financeira com oobjetivo de influir na conjuntura econômica.

Vem daí a concepção dos orçamentos cíclicos. Com eles, procurava-seequilibrar a economia, poupando nos tempos de prosperidade, para aplicar nos diasde depressão, ou injetando recursos na economia nos períodos de crise, pararecolhê-los nas épocas de expansão. Mas não existe o orçamento cíclico. O queexiste, na realidade, consoante ensina MATEO KAUFMAN, é uma política financeiraque, atuando como auxiliar da política econômica, enxerta veladamente noorçamento anual um orçamento plurianual, que corresponde mais ou menos àduração do ciclo.18

Tem a mesma origem a teoria do orçamento compensatório, que buscava, nãoo equilíbrio do orçamento, mas a prosperidade do sistema econômico, aceitando odéficit, sem cogitar de cobri-lo, sequer a longo prazo, embora não o procurasse.

Ainda não estavam em voga essas teorias, quando, nos Estados Unidos, em1921, foi aprovada a Lei de Orçamento e Contabilidade.

A Comissão TAFT de Economia e Eficiência, já em 1912, acentuara aimportância de uma técnica orçamentária "relacionando o trabalho a ser realizado".Inicialmente entretanto, em virtude da consagração de um orçamento do tipotradicional, muito do agrado dos políticos, pouco se fez nesse sentido.

Com a crise que se iniciou em 1929, especialmente a partir dos ensinamentosde KEYNES, aceitou-se que o orçamento público fosse utilizado como uminstrumento de intervenção na ordem econômica, já para redistribuir a rendanacional, como uma política de reencontro com a prosperidade, já para manter umprogresso contínuo.

Em 1934, o Departamento de Agricultura apresentou seu projeto de orçamento,com base em projetos e escalas de atividades. A Administração do Vale doTennessee (TVA), mais ou menos pela mesma época, empreendeu umaclassificação orçamentária, segundo programas e realizações.

Algumas outras repartições federais também passaram a apresentar suasatividades segundo padrões que se aproximavam das técnicas doorçamento-programa.

18 Apud José Afonso da Silva - Orçamento-Programa no Brasil, 1973, pág. 6.

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Com a ascensão de FRANKLIN DELANO ROOSEVELT à Presidência no anode 1933, principiaram os desentendimentos entre esse estadista e o Bureau deOrçamento. Porém, com o Plano de Reorganização n° 1, de 1939, foi o Bureau ofBudget transferido para a Casa Branca, passando a ser um órgão de assessoria doPresidente, em assuntos orçamentários.

Só a partir daí começaram a ser postas em prática as indicações da Comissãode Economia e Eficiência, enriquecidas pelas idéias de KEYNES e outros grandeseconomistas.

Com as experiências decorrentes, o orçamento, além de conservar as funçõesanteriores, passou a acumular também as de instrumento da planificação, de direçãoe controle da administração pública, além de ser um poderoso meio de influir sobretoda a economia.

Vulgariza-se, então, o conceito de que um orçamento é, essencialmente, umplano de governo expresso em termos monetários, colocação de manifestainsuficiência à vista dos conhecimentos teóricos já então disponíveis, pois deixavana penumbra o "trabalho a ser realizado".

Aliás, os grandes financistas e políticos de outras épocas já haviam percebidoa riqueza de aspectos do orçamento, embora não houvessem doutrinadosuficientemente a respeito do assunto. É o caso, por exemplo, de GLADSTONE, ogrande estadista inglês da Era Vitoriana, com a sua conhecida afirmação de que "Oorçamento não é apenas um trabalho de aritmética, mas, por milhares de caminhos,ele vai à base da prosperidade dos indivíduos, das relações entre as classes e dopoderio dos reinos".

Nos Estados Unidos, nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra,estimularam-se melhorias nas técnicas de elaboração e apresentaçãoorçamentárias.

A Marinha fez seu pedido de recursos para o ano de 1948, baseando-se tantona classificação tradicional por elementos como numa classificação por programas.Tais aperfeiçoamentos foram aproveitados pelo recém-criado Departamento deDefesa, de onde foram influenciar os trabalhos da Comissão HOOVER - informaBURKHEAD.

Entrementes, o Bureau do Orçamento completara uma classificação para finsde sumarização contábil - a classificação funcional.19

Assevera JOSÉ TEIXEIRA MACHADO JCNIOR que, com os progressosrealizados, foram os Estados Unidos uma das primeiras nações a introduzir oorçamento no nível federal, visando não somente ao aspecto de controle político,mas também ao aspecto técnico-administrativo.20

1.2 - O "PERFORMANCE BUDGET"

A 15 de fevereiro de 1949, HERBERT HOOVER, Presidente da Comissão deOrganização do Poder Executivo norte-americano, remeteu ao Congresso seuprimeiro relatório, no qual verberava:

"Existe grande necessidade de reformar-se o método de elaboraçãoorçamentário:

19 Cf. Jesse Burkhead: Orçamento Público, págs. 176/7.20 Administração Orçamentária Comparada, FGV, 1960, pág. 59.

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O orçamento federal é um documento inadequado, organizado cominópia e impropriamente destinado a servir ao seu principal objetivo, qual o deapresentar um plano financeiro inteligível e exeqüível para as despesas doGoverno."

E apresentava a Recomendação n° 1:

"Recomendamos que todo o conceito orçamentário do Governo Federalseja remodelado pela adoção dum orçamento baseado em funções, atividadese projetos: é isso que nós chamamos de performance budget."

Observa MACHADO JÚNIOR que, embora a idéia não fosse nova, faltava-lhe,todavia, uma denominação e esta foi dada pelo ex-Presidente HOOVER.

Tal orientação foi acolhida pela Lei do Processo Orçamentário e Contábil, de12 de setembro de 1950. Não cogita ela de orçamento por programa, mas,autorizando a apresentação dos dados pela maneira que se julgasse conveniente,possibilitou variada gama de experiências. A partir de 1951, os Estados Unidospassaram a adotar o performance budget.

A tradução desse nome tem sido objeto das maiores confusões. Ora otraduzem por orçamento funcional, ora por orçamento-programa, orçamento porprogramas, orçamento de desempenho, orçamento por realizações e orçamento deexecução.

Observe-se que a terminologia ainda é vacilante até mesmo nos EstadosUnidos, onde os termos "program", performance", activity" e "function" ora sãousados um pelo outro, ora são utilizados com significação própria.

1.3 - CARACTERISTICAS DO ORÇAMENTO MODERNO

Todavia, o que há de importante, na evolução do orçamento, foi a mudança deconcepção e de técnica orçamentárias, sendo despicienda a questão terminológica.Passou o documento a ser considerado como uma etapa do planejamento, a queprecede imediatamente a execução. Segundo MUNOZ AMATO, é "uma fase doplanejamento" e, em conseqüência, acrescenta que tudo o que disse sobre aplanificação, em sua obra, aplica-se ao orçamento.

Preleciona que o orçamento deve "ser governado por planos de alcance maisamplo, que incluem todas as principais fases do programa e compreendam umperíodo de tempo mais longo".21

Esclarece o MANUAL DE ORÇAMENTO POR PROGRAMAS EREALIZAÇÕES, DA ONU, que "No processo de planejamento, o sistemaorçamentário do governo assume naturalmente grande significação e cedo se tornouóbvia e devidamente reconhecida a necessidade de sua modernização. Aelaboração de novas técnicas orçamentárias e de novos métodos de administraçãofinanceira, capazes de fortalecer o papel do sistema orçamentário como uminstrumento efetivo na realização dos planos de desenvolvimento, surgiu como umimperativo categórico". 22

A integração orçamento-planejamento, segundo GONZALO MARTNER,justifica-se com o fato de que "os programas de curto prazo, que não se formulamdentro de um contexto de programas de longo prazo, só podem representar a

21 Introdução à Administração Pública, FGV, 1955.22 Pág. 18.

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racionalização das decisões imediatas, mas não garantem a própria eficácia eestabilidade, se. não levam em conta objetivos a conseguir em períodos de maioralcance". E continua com a observação de que a planificação é formada por doistipos de instrumentos: "Um de orientação da conduta de desenvolvimento e outro deoperação da ação imediata". "Os planos de longo e médio prazos devem serexecutados em curto prazo, geralmente um ou dois anos, por intermédio deprogramas específicos de ação imediata". "O orçamento moderno é, emconseqüência, um conjunto harmônico de programas e projetos a realizar-se emfuturo imediato e se chama orçamento-programa".23

Sob o aspecto técnico distingue-se do orçamento tradicional por focalizar,

a atenção nos "trabalhos a serem realizados, ou serviços a serem prestados",no invés de o fazer sobre os "meios que o Estado usa para realizar os seus fins(pessoal, material, etc.)".

Exige, além disso, uma classificação característica: a classificação porprogramas, que, quase sempre, nos orçamentos, é apresentada como umdesdobramento de outra classificação mais ampla - a classificação funcional.

É o que recomenda o MANUAL das Nações Unidas, quando ensina que "aestrutura para um orçamento por programas e realizações supõe a identificação de:a) funções, vale dizer, os grandes agrupamentos operacionais que correspondem aocumprimento de um fim principal de governo; b) programas, ou seja, as categoriasamplas, dentro de uma função, que identificam os produtos finais das organizaçõesprincipais. . ." 24

Nos Estados Unidos, 1956, acolhendo sugestões da segunda ComissãoHOOVER, introduziram-se modificações no sistema de contabilidade. O orçamentopassou a ser baseado em custos, em toda a administração federal, além de seremsimplificadas as dotações.

Iniciou-se, desse modo, o chamado cost-based-budget, que põe especialrelevo na medição dos custos das atividades empreendidas para a realização dosprogramas. Assim, o orçamento moderno enriqueceu-se com mais um elemento - ocusto dos programas e projetos, o que exige um sistema contábil adequado.

O orçamento hoje deve ser elaborado com base nos custos apurados pelacontabilidade e é apresentado em termos físicos e financeiros, dentro de umaclassificação típica - a funcional-programática, no Brasil.

Com a experiência que se vai acumulando, pode-se fazer uma projeção maisrealística do trabalho a ser executado e das despesas a serem realizadas noexercício seguinte. Assim, dá seqüência à orçamentação, que se torna "um processocontínuo e sistemático". Também é necessário descentralizar a elaboração doorçamento por todo o aparelhamento administrativo. Cada repartição, com base noslimites que lhe são sugeridos ou fixados, elabora o seu programa de trabalho, queserá aceito ou modificado pelos órgãos superiores. Daí o dizer-se que o orçamento éuma "rua de duas mãos", na qual os dados, os estudos e os esclarecimentostransitam da cúpula para a base e. desta para cima, em idas e vindas até que sechegue a uma deliberação definitiva.

23 Gonzalo Maruier: Planificación y Presupuesto por Programas, pág. 63.24 Op. cit., pág. 36.

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Durante a execução, o sistema de demonstrativos contábeis e de relatóriosperiódicos fornece informações sobre o "trabalho executado e o gastocorrespondente, que se analisam em função um do outro"25 e se cotejam com osplanos e as previsões de despesa, aprovados para o exercício. É o chamadocontrole programático.

Outra característica não menos importante é a sua potencialidade como indutorde estudos, principalmente de organização e métodos, de pesquisa operacional, deanálises de custos-benefícios,26 tudo isso fornecendo "uma base mais realística paradecisões de alta relevância, quanto à ordem de prioridades e à oportunidade dosvários programas".

O contínuo analisar e reexaminar terá, muitas vezes, a virtude de apontarfalhas administrativas e desajustamentos de organização, que serão corrigidos.

Por isso, MACHADO JÚNIOR vê como uma das grandes virtudes doorçamento moderno a de obrigar a pensar, racionalizando a gestão e permitindo umdoseamento ótimo de recursos em todos os setores e eliminando o apadrinhamento,o favoritismo e o personalismo, pois a administração que renega na prática oprincípio de que todos são iguais perante a lei "não é administração: é corrupção",no expressivo dizer de JOHN R. P. FRIEDMANN.

1.4 - O SIPPO

Em 1961, com a gestão McNAMARA na Secretaria da Defesa, passou-se abuscar maior entrosamento entre o orçamento daquele órgão e o seu sistema deplanejamento e programação.

No Pentágono, "os objetivos mais altos são determinantes dos objetivos dosescalões inferiores. Cada decisão mais próxima da base se enriquece depormenores operativos, depois de haver incorporado uma decisão de nível mais altoe mais abrangente".

De cima para baixo, o processo decisório lá percorre três fases: oplanejamento, a programação e a orçamentação.

Na fase de planejamento, o Estado-Maior Conjunto elabora a estratégia,"culminando com a recomendação das forças havidas como necessárias para ospróximos 5 a 8 anos. O Secretário de Defesa revê essas recomendações. Estudossobre custo e eficácia são realizados para esclarecer as questões críticas ou maisdifíceis. (Por exemplo, uma destas questões: quantos bombardeios e quantosmísseis são necessários para destruir os alvos prioritários?)".

Na fase seguinte, de acordo com a concepção estratégica adotada, elabora-seo "Programa Qüinqüenal de Estrutura das Forças e suas Estimativas Financeiras",aprovado pelo Secretário de Defesa, com a especificação dos propósitos e custosem relação a cada uma das missões do Departamento de Defesa (Forças deRetaliação, Forças de Defesa Continental, Pesquisa e Desenvolvimento, etc. ). OPrograma é permanentemente atualizado."

"Na terceira fase, o orçamento, a depender do Congresso, vai minuciar asdotações para a realização, no próximo ano fiscal, dos propósitos estruturados no

25 Herbert Emmerich, apud Geraldo Ferraz: Relatório às Contas do GDF in Pareceres Prévios, TCDF, 1976, pág.147.26 Coronel Luna Freire: Orçamento-Programa Governamental, in Boletim da Inspetoria Geral de Finanças,maio/junho de 1971, números 24/25, pág. 13.

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"Programa Qüinqüenal'. Obviamente, se o Congresso recusa créditos ou altera a suacomposição, a programação terá de adaptar-se ás dotações autorizadas." 27

Essa prática, ao ser introduzida, não tinha nome especial. O seu êxito foiconsiderado tão grande que o Presidente, em 1965, determinou se estendesse atodos os órgãos federais da Administração direta e indireta. O sistema passou entãoa ser conhecido pela sigla PPBS (Planning-Programming, B2idgeting-System). Essadenominação tem sido traduzida por Sistema Integrado de Planejamento,Programação e Orçamentação, donde a sigla nacional SIPPO.

As opiniões sobre tal sistema divergem. Para alguns, é a maior invençãohumana desde a criação da roda. Para uns tantos, inútil tentativa de quantificar eprocessar eletronicamente o imponderável, ou esforço ousado dos tecnocratas paramonopolizar as decisões nos regimes democráticos.28

Para outros é unicamente o que um homem inteligente faria, se tivesse de gerira maior unidade administrativa do mundo, que é o Pentágono.

Esclarece um autor que "muito pouco é realmente novo em termos deconceitos individuais no SIPPO. Os conceitos de orçamento-programa e orçamentode desempenho (performance budgeting) com o seu uso de dados sobre carga detrabalho e ênfase em programas ao invés de objetos de despesas (pessoal, materiale serviços) na classificação orçamentária têm sido usados por um grande número degovernos pelo menos desde 1949, quando a Comissão Hoover recomendouvivamente o seu uso. Os métodos analíticos, como análise marginal e a análisecusto-benefício, são instrumentos corriqueiros da análise econômica. O que éefetivamente novo é a combinação num Único grande conceito e aplicaçãosistemática desse todo no planejamento governamental global.

São características centrais desse sistema:

a) identificação dos objetivos fundamentais do Governo;

b) a análise explícita de futuras implicações da decisão; e

c) a análise sistemática dos meios alternativos para alcançar os objetivosgovernamentais. Este requisito é o cerne do sistema. A seleção de critériosapropriados para a avaliação de cada alternativa em vista dos objetivos relevantes éassunto central.

Cabe notar que as expressões SIPPO e "orçamento-programa" não sãosinônimas. Esta última tem sido tradicionalmente limitada aos sismas orçamentáriosque se baseiam em classificação por funções e programas, sem a preocupaçãoexplícita de análise sistemática e perspectiva plurienal.29

Quanto à análise de sistema. consiste ela no processo de identificação doselementos significativos de um problema e descrição, de preferência em formaquantitativa, de suas relações - tudo considerado no contexto real em que estáinserido. A análise deve conter as características essenciais do método científico,isto é, consistência, lógica interna, explicitude e objetividade.

27 Agneno Uchôa Bittencourt: Teoria da Opção Orçamentária, RAP, n.º 2, 2.º semestre, 1967, págs. 185/6.28 Charles L. Schultze, in Harley H. Hinrichs e Graeme M. Taylor: Orçamento Programa e Análise deCusto-Beneficio, FGV, pág. 5.29 Harry P. Hatry: apud ob. cit., pág. 147.

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Esse método analítico é fenômeno recente, não porque não se tivessecompreendido o problema antes, mas devido à impossibilidade funcional, demanipular, seira o auxílio de computadores eletrônicos, os dados envolvidos numsistema real.

A função da análise de sistemas, no SIPPO, consiste em ordenar a massa dedetalhes que tende a afogar aquele que decide num mar de dados. Possui afaculdade de tornar mais claros esses dados, de sorte a evidenciar os pentesrelevantes e, o que é mais importante, de modo que os custos e benefícios totaisesperados, associados a cada alternativa, sejam distintamente ressaltados.

O SIPPO é um instrumento pira ajudar na escolha do uso de recursosescassos. Não cabe a ele decidir principalmente porque nem chega a reduzir oproblema da decisão à seleção de um curso de ação único. Pelo contrário, seuobjetivo intrínseco consiste em ampliar o número de alternativas disponíveis. Nãoobstante, tem a faculdade de tornar os ingredientes da escolha e as prováveisconseqüências das alternativas extraordinariamente claros.

Procurou-se implantar na administração civil norte-americana. não um sistemaigual, irias similar ao adotado pelo Departamento de Defesa. Notou-se que a tarefade instalá-lo em outras áreas é muito mais difícil do que no setor militar. Apesardessas dificuldades, os Estados e Municípios vêm tentando desenvolver sistemasparecidos, com características próprias.30

Pelo que se colhe do histórico apresentado e dos autores citados, a integraçãoorçamento-planejamento é fórmula buscada no Ocidente pelo menos desde o inícioda década dos 50. O que há de verdadeiramente novo é a sua consagração pelanação líder do mundo capitalista, que, no início, repudiou a planificação comoinstrumento de socialização.

A meu ver, o SIPPO representa unicamente a conexão de idéias correntes comuma tecnologia altamente avançada, disponível no contexto da sociedadenorte-americana. Um de seus fundamentos, di-lo CHESTER WRIGHT, cum granosalis, é a "esperança de que a maioria dos homens é racional e que, de posse demelhores informações, escolherá melhor".31

A riqueza, o estágio cultural adiantado e a aparelhagem sofisticada àdisposição do homem convenientemente preparado é que possibilitaram orefinamento do sistema. Sua adoção verificou-se em conseqüência da magnitude ecomplexidade dos problemas com que se defronta a sociedade norte-americana, emvirtude do inusitado crescimento do setor público da economia. Segundo os autoresde Orçamento-Programa e Análise Custo-Benefício, os Estados Unidos convivemcom a revolução. As despesas governamentais, em 1970, devem ter atingido o triplodo PNB daquele país em 1940.32

Devido às enormes possibilidades do sistema na informação do processodecisório, ensejando deliberações mais adequadas aos fatos reais, têm sido feitosesforços para adaptar os seus princípios à Administração do Canadá.

Na Inglaterra, após o relatório Plowden, introduziram-se inovações noorçamento; França e Holanda também modernizaram os seus. Nos países

30 Chester Wright: apud ob. cit., págs. 45. 46, 38 e 37.31 Apud ob. cit., pág. 47.32 Harley H. Hinricns e Graeme M. Taylor, ob. cit., página V (Prefácio).

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socialistas, onde a planificação é obrigatória e a austeridade é característicadaquelas sociedades, planeja-se e desenvolve-se aceleradamente. As nações doTerceiro Mundo procuram implantar modernos sistemas de planejamento eorçamento. A América Latina, sob a assistência da CEPAL, busca atualizar seussistemas administrativos, notadamente com a adoção do orçamento-programa,pré-requisito para a adoção de um SIPPO, "embora nem todos estejam nasmelhores condições instrumentais para acolher a nova técnica".33

1.5 - RESTRIÇÃO AOS PARLAMENTARES EM MATÉRIA FINANCEIRA

Um dos custos deste extraordinário progresso, pesado para os espíritos deformação liberal, tem sido a restrição imposta ao Legislativo, em matéria financeira.

Como salientou o Deputado Rafael de Almeida Magalhães, em passagem jácitada nesta Introdução, seria absurdo obrigar o Estado ao planejamento e, aomesmo tempo. submeter, sem restrições, a sua programação global à mutilaçãodecorrente de emendas dispersas, isoladas, desordenadas, como pretendiam algunspolíticos, que se recusavam a uma mentalidade arejada.

Após a última Grande Guerra, as praxes britânicas, que vinham de 1706,começaram de prosperar em outras plagas, limitando estreitamente o poder deiniciativa dos parlamentares, em matéria de finanças públicas.

Observa-se que, em França, o art. 10 da Constituição de 4 de outubro de 1958acabou esta evolução, proibindo toda proposição ou emenda que tivesse porconseqüência "a criação ou a agravação de uma carga pública". A regra éabsolutamente geral: aplica-se tanto às leis de finanças quanto às outras leis. Elanão se refere exclusivamente ao direito de emenda (quer dizer, ao direito de propormodificações a um projeto ou a uma proposição de lei) mas também ao direito deiniciativa (isto é, ao direito de apresentar uma proposta de lei nova).

Muito mais: ela não concerne somente ao direito de propor diretamente oaumento de despesas existentes ou de criar despesas novas, mas ao próprio direitode apresentar uma proposição ou uma emenda que "terá por conseqüência acriação ou a agravação de uma carga pública", mesmo de maneira indireta. A regraé mais severa que o velho princípio britânico. É mesmo excessivamente severa,porque ela pode terminar por suprimir inteiramente toda iniciativa parlamentar emmatéria legislativa, uma vez que a maior parte das leis tem por conseqüência indiretao acarretar despesas. Em 1959, recusou-se uma proposta de ratificação de umaconvenção internacional, relativa à repressão ao lenocínio e ao tráfico de mulheres,porque sua adoção teria obrigado a aumentar os efetivos da polícia, portanto aelevar as despesas públicas! Por outro lado, não se admite a compensação, isto é.uma emenda que propusesse despesa prevendo simultaneamente uma receitacorrespondente, não poderia, em princípio, ser recebida.34

Rigorosas são também, atualmente, as restrições ao poder de emenda e àiniciativa dos congressistas no Brasil, quando a matéria envolve despesas públicas.

Estudando a evolução atual do orçamento, Maurice Duverger diz que "odesenvolvimento da concepção orçamentária é dirigido por princípios econômicos.Ao contrário, na elaboração do orçamento, é o aspecto político que representa opapel essencial. Certamente, nem as considerações de ordem econômica nem

33 Agnello Uchôa Bittencourt: Teoria da Opção Orçamentária, RAP n.º 2, 2º semestre, 1967, pág. 167.34 Cf. Maurice Duverger: Finances Publiques, Presses Universitaires de France - 1971. págs. 291/2.

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aquelas concernentes à técnica financeira propriamente dita estão ausentes:algumas têm até um papel muito relevante.

"A fixação do orçamento constitui o ato fundamental da vida do Estado.Prepará-lo é traçar o programa de ação governamental para um exercício;aprová-lo é tornar esse programa operativo e adotar decisões políticas dasmais importantes. A evolução histórica revela claramente esta importânciapolítica do mesmo passo que a reforça. Já se disse: a própria noção deorçamento apareceu como meio de assegurar o controle do governo peloParlamento e se constituiu num dos principais elementos de desenvoluçãodos regimes democráticos do tipo ocidental. O princípio de que o orçamento évotado pelo Legislativo caracteriza o termo final dessa evolução e seconsidera um princípio fundamental da democracia política.

"Todavia, o próprio país que mais contribuiu para expandi-lo - aGrã-Bretanha - desde cedo lhe assinalou limites precisos, objetivando umaboa administração financeira. Admitiu-se especialmente que, se o orçamentoé votado pelas assembléias, é preparado pelo Executivo. Chegou-se, assim, adois estágios sucessivos na elaboração do orçamento, preparação executiva evotação parlamentar.

"O controle parlamentar tende, aliás, a se restringir sob a influência deconsiderações econômicas e financeiras. As contas da nação sãonecessariamente obra de técnicos e peritos: a ligação prática entre elas e oorçamento diminui, todavia, a liberdade de ação do Parlamento. Algumaspessoas ficam indignadas com isso e protestam contra o poder dos técnicos,que julgam abusivo. Na realidade, os técnicos não tèm nenhum poder, excetoo de verificar os fatos. Não é a autoridade dos peritos que limita a liberdade dedecisão dos políticos: são os fatos, que aos especialistas cabe apenasanalisar. Outrora, esses fatos eram mal conhecidos: a ignorância dava ailusão de liberdade, mas os desacertos eram sancionados com perturbaçõesfinanceiras e econômicas. Hoje os fatos são melhor conhecidos e é tudo. Aliberdade do Parlamento é limitada como a de uma população à qual seensinassem os perigos das águas poluídas e os meios de as reconhecer; issonão impede que se beba em todas as fontes, como outrora. Mas, já agora,conhecem-se as conseqüências.35

8.2 - ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASIL

2.1 - PROPRIEDADE DO VOCÁBULO

A língua portuguesa, tão pobre em palavras técnicas, possui, para designar alei de meios, um vocábulo preciso - orçamento. É muito mais adequado que aspalavras correspondentes de alguns idiomas estrangeiros conhecidos. Em inglês, otermo equivalente é "budget", também usado pelos franceses. É impreciso,simbólico, distante da realidade.36

De 1822 em diante, lia Inglaterra, o Chanceler do Erário adotou o costume deapresentar ao Parlamento a relação das receitas e despesas, levando adocumentação em pasta de couro: Começou-se a dizer: "O Chanceler abre a suapasta (opens his budget)." A palavra "budget", que provém do velho trances

35 Maurice Duverger: ob. cit., págs. 259/60.36 Cf. Arizio de Viana: Orçamento Brasileiro, 2.a edição, pág. 72.

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"bougette", passou a designar o conteúdo da bolsa do Chanceler e por metonímia,evoluiu para significar "orçamento".37

Os povos de língua espanhola usam a palavra "presupuesto", que encerra aidéia de pressuposição, de previsão de alguma coisa que se pretendepreestabelecer. Os italianos empregam a expressão "bilancio di previzione". Para oportuguês, o orçamento é uma das raras palavras técnicas de absoluta exatidão. Emsua acepção gramatical, esta palavra indica o ato ou a ação) de orçar, isto é, deprever, calcular, comparativamente, o que se pode arrecadar com o que se podegastar. O idioma luso-brasileiro, neste particular, possui um vocábulo técnico quesatisfaz plenamente.38

2.2 - INTRODUÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO

Assevera Antônio Barsante dos Santos que o nosso direito orçamentárioencontra suas origens em grande número de Cartas Régias e Alvarás (mormentedepois de D. João VI), os quais vão a pouco e pouco tomando consistência orgânica,até firmar-se em princípio constitucional expressamente estabelecido na Cartaoutorgada pelo Imperador em 1824.39 Essa evolução pacífica é geralmente atribuídaà influência inglesa. Os britânicos teriam prestado aos administradores portugueseso que hoje se denomina assistência técnica. Dadas as condições peculiares daEuropa à época, encontrando-se o Continente sob o domínio de Napoleão, essaversão parece bastante provável.

A Constituição de I824, em seu art. 172, determinava que o Ministro daFazenda apresentasse o orçamento geral das despesas públicas para o ano futuro eo do montante de todas as contribuições e rendas públicas. Eram duas leis distintas:uma para a receita e outra para a despesa.

Todavia, só em 1830 tivemos o primeiro orçamento geral, votado para oexercício de 1831/1832.

Se a influencia dominante, no início, foi a inglesa, o influxo prevalecente nasépocas posteriores foi o francês. Com efeito, uma vez transportada para a França, adoutrina orçamentária desenvolveu-se admiravelmente e os ensinamentos dosmestres gauleses foram difundidos e observados por quase todo o mundo.

A Constituição de 1891, modelada à feição da Carta Política norte-americana,deixava muito a desejar. Como já tivemos oportunidade de ver, à época daIndependência dos Estados Unidos, ainda não havia no mundo um sistemaorçamentário completamente desenvolvido e os constituintes daquele país nãotiveram um modelo em que inspirar-se. Em conseqüência, parcimoniosas são asdisposições daquele documento político em matéria orçamentária.

Decorrentemente, a nossa primeira Carta Política Republicana absorveu todosos defeitos de seu paradigma. O art. 34 atribuía ao Congresso Nacional competênciaprivativa para "orçar a receita e fixar a despesa federal, anualmente".

O Executivo, contudo, nunca deixou de apresentar proposta orçamentária aoLegislativo, por força do art. 2° daquela Constituição, que lhe atribuía competênciapara oferecer projetos ao Congresso.

37 Cf. Machado Júnior, apud Samuel H. Jameson: Orçamento e Administração Financeira, FGV, 2ª ed., 1963,pág. 54.38 Arízio de Viana: op. cit., pág. 72.39 Apud Jurandyr Coelho: Teoria e Processo do Orçamento, DIN, 1952, pág. 21.

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Não foram ainda esquecidos - obtempera Sebastião Santana e Silva - osgrandes males que advieram às finanças nacionais, da iniciativa do Congresso emmatéria orçamentária. Bastará recordar as famosas "caudas orçamentárias" (nosEstados Unidos "riders"), introduzidas em emendas de última hora, nas quais secriavam cargos públicos, se majoravam vencimentos, instituíam-se ou suprimiam-seimpostos e tarifas, criavam-se ou extinguiam-se serviços públicos, etc., etc., ficandoa cargo da administração livrar-se depois das aperturas.40

Consoante Dídimo da Veiga, "a anomalia chegou ao ponto de revogar noorçamento dispositivos do Código Penal, de ampliar a ação penal por denúncia doMinistério Público e até regular a propositura da ação de desquite (art. 6`' da Lei deDespesa para o exercício de 1925)".

(40)

30

Impunha-se pôr cobro a tal situação. Para isso, com a reforma de 1926,acrescentaram-se dois parágrafos ao art. 34 da Carta de 91. O primeiro proibiu queos orçamentos contivessem disposições estranhas à previsão da receita e à fixaçãoda despesa, ressalvada a autorização para abertura de créditos suplementares epara operações de crédito como antecipação da receita e disposições sobreaplicação do saldo ou a cobertura do déficit. No segundo, vedou-se a concessão decréditos ilimitados.

2.3 - A NIODERNIZAÇAO DO ORÇAMENTO BRASILEIRO

Não se pode identificar na reforma de 1926 uma tentativa para a modernizaçãodo orçamento público, uma vez que sua principal finalidade foi a de consagrar o quese denominou "princípio da exclusividade".

Só com a Revolução de 1930, podemos vislumbrar alguns pruridos derenovação orçamentária e de melhoria administrativa.

O Decreto n.º 20.631, de 9 de novembro de 1931, criou a Comissão de EstudosFinanceiros e Econômicos dos Estados e Municípios, com o objetivo de "proceder aoestudo minucioso da situação econômico-financeira de cada Estado e seusMunicípios facultando ao Governo Provisório, com os subsídios que lhe oferecer, adecretação de medidas necessárias à reorganização econômica. e administrativa doPaís". (Grifo nosso.)

No seu primeiro relatório, o Secretário-Geral Valentim F. Bouças fustigou adesordem, o desperdício e a irresponsabilidade, decorrentes da desorganizaçãocontábil, dos procedimentos anacrônicos.

A situação era tal que impossibilitava qualquer estudo comparativo.

Teixeira de Freitas denunciou que "em grande número - senão na maioria - dosmunicípios brasileiros não existe ainda uma verdadeira contabilidade, sendo muitopoucas as municipalidades que organizam balanços regulares de sua receita edespesa, e pouquíssimas as que levantam o balanço do ativo e passivo, profligando"a disparidade e a falta de boa técnica na discriminação dos títulos gerais dosbalanços conseguidos".

40 Apud Jurandyr Coelho: Teoria e Processo do Orçamento, DIN, 1952, pág. 22.

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O Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, emque se transformara a Comissão de Estudos Econômicos e Financeiros, reafirmouser "imprescindível estabelecer-se uma codificação orçamentária e contabilística quepossa ser adotada pelas Unidades da Federação". Esse ponto de vista encontravajustificativa no fato de "nem sempre serem claros e precisos os títulos, nosorçamentos e balanços de mais de 1.400 municipalidades existentes no Brasil". Asituação era descrita com a palavra "caos", constantemente repetida na literaturaespecializada daquela época.

Antecedendo a qualquer providência prática para melhorar a situação,sobreveio a Constituição de 1937, que, em seu art. 67, dispunha:

"Haverá, junto à Presidência da República organizado por decreto doPresidente, um Departamento Administrativo com as seguintes atribuições:

a) o estudo pormenorizado das repartições, departamentos eestabelecimentos públicos, com o fim de determinar, do ponto de vista daeconomia e eficiência, as modificações a serem feitas na organização dosserviços públicos, sua distribuição e agrupamentos, dotações orçamentárias,condições e processos de trabalho, relações de uns com os outros e opúblico;

b) organizar, anualmente, de acordo com as instruções do Presidente daRepública, a proposta orçamentária a ser enviada por este à Câmara dosDeputados;

c) fiscalizar, por delegação do Presidente da República e naconformidade das suas instruções, a execução orçamentária."

Era, como se vê, um dispositivo altamente racionalizador. Inspirado nosprincípios da economia e eficiência, que tanta influência vêm exercendo nos EstadosUnidos, tanto no setor privado, de onde é originário, como no setor público, tinha porobjetivo arejar e modernizar toda a vida pública brasileira.

Aquele Departamento Administrativo, organizado pelo Decreto-lei n.º 579, de30 de julho de 1938, denominou-se DASP. Mas só em 1941 passou a contar, emcaráter definitivo, com um órgão central de orçamento.

Nesse ínterim, o Governo, de posse dos trabalhos do Conselho Técnico deEconomia e Finanças, convocou a I Conferência de Técnicos de ContabilidadePública e Assuntos Fazendários. A reunião verificou-se no Rio de janeiro, emoutubro de 1939.

Foi enorme o esforço de racionalização e de simplificação. Basta frisar que as2.185 diferentes rubricas de receita, encontradas nos orçamentos estaduais emunicipais em 1939, foram reduzidas a 57, uniformizadas e codificadas.

As sugestões apresentadas por aquela Conferência foram aprovadas peloDecreto-lei n° 1.804, de 14 de novembro de 1939. Convocou-se nova reunião paraapreciar os resultados da experiência que se introduzira.

A II Conferência reuniu-se também no Rio de Janeiro, em 1940, tendo sidosuas resoluções aprovadas pelo Decreto-lei n.° 2.416, de 17 de julho de 1940. Foi odiploma jurídico que até o advento da Lei n° 4.320/64 disciplinou, sob padronização,a atividade orçamentária dos Estados e Municípios. Tais regras não alcançaram o

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orçamento federal. Tratava-se de um preceituário exclusivamente brasileiro, que nãoprocurou copiar leis de outras realidades sociais mais evoluídas.

2.3.1 - O DECRETO-LEI n.º 2.416/40

José Teixeira ':Machado Júnior, estudando esse diploma legal, assevera,consoante precioso resumo elaborado pelo ínclito Conselheiro Geraldo Ferraz41 queo código numérico adotado era "assaz engenhoso" e que a despesa era classificadaem dez "serviços" (administração geral, educação pública, etc. ), desdobrados em"subserviços" (Governo, ensino superior, etc. ). Os dispêndios eram tambémapresentados por elementos, categoria compreensiva dos meios de que se serve aadministração para alcançar seus objetivos - pessoal, material, despesas diversas.

Acrescenta mais que "serviços", ali, tem o "sentido de fins, destinos atribuídosà despesa", enquanto os "elementos" representam "os meios empregados ou osinstrumentos da despesa". O sistema de classificação era "simples, prático eracional".

Elucida, outrossim, que, naquele preceituário, "estava a base para aclassificação funcional das contas públicas", não se criando, todavia, "um nome parao novo tipo de classificação que se pretendia introduzir, como viria, anos após, afazer a "Comissão Hoover", que batizou o resultado de seu trabalho com o nome de"performance budget", geralmente traduzido por "orçamento-programa".

Com a classificação por serviços, que continha os elementos essenciais paraum orçamento-programa, entende que este não surgiu antecipando-se o Brasil aosEstados Unidos, porque o contexto social "desconhecia a administração como umprocesso operacional", porque os "conceitos de teoria da administração, na qual oorçamento ocupa lugar de realce, como um dos instrumentos de formulação dosprogramas a realizar no exercício futuro", não se tinham difundido entre nós. Ospróprios estudos econômicos "pairavam em um plano eminentemente teórico". Emresumo, o estágio cultural do nosso desenvolvimento não no permitia.

"Faltava, conseqüentemente, nos idos de 1940, a infra-estrutura teóricaindispensável para o florescimento do orçamento-programa". Por isso mesmo, osadministradores não deram a ênfase suficiente à noção de "serviço" como umafunção, ou um programa de trabalho.

"Fácil é, pois, remata, identificar a inexistência de uma teoria e umamentalidade voltadas para a programação como causa suficiente de, nesseperíodo, não ter surgido uma prática de orçamento-programa, nos Estados eMunicípios brasileiros."

Foi um diploma legal simples, que prestou inestimáveis serviços ao País,entre os quais é de se ressaltar o de haver preparado terreno para o adventoda legislação posterior.

Esse decreto-lei deu gasalhado a uma classificação da despesa,combinando unidades administrativas, serviços (funções) e elementos,identificados estes pelos seguintes algarismos (0 - Pessoal Fixo, 1 - PessoalVariável, 2 - Material Permanente, 3 - Material de Consumo e 4 -DespesasDiversas).

41 Relatório e Parecer Prévio às contas do GDF, exercício de 1971, in Pareceres Prévios, 1976, págs. 139/40.

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De acordo com instruções baixadas à época, sendo o dígito 8caracterizador da despesa, o segundo algarismo identificador do serviço, oufunção, no caso 1 - Exação e Fiscalização Financeira e o terceiro assinaladordo subserviço prestado pelo órgão, teríamos, para a despesa de umaColetoria, a seguinte apresentação:

Código

Local GeralDesignação da Despesa

8-1 Exação e Fiscalização Financeira

8-1-1 Coletoria "X"

8-1-1-0 Pessoal Fixo

8-1-1-1 Pessoal Variável

8-1-1-2 Material Permanente

8-1-1-3 Material de Consumo

8-1-1-4 Despesas Diversas

Note-se que o terceiro dígito indica o subserviço pelo órgão que o presta.Coletoria: Serviço de Arrecadação, subdivisão do Serviço "Exação eFiscalização Financeira".

2.3.2 - OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

A partir de 1941, o DASP, com a estruturação do seu órgão de orçamento,notabilizou-se pelo esforço de divulgação de conhecimentos a respeito do assunto.Patrocinou a realização de cursos e conferências. Promoveu a vinda deespecialistas estrangeiros e a tradução de livros. Concedeu bolsas de estudos aestudantes brasileiros nos países mais adiantados.

Em 1943, Arízio de Viana, Chefe da Divisão de Despesa daqueleDepartamento e posteriormente seu Diretor, publicou a obra "Orçamento Brasileiro",constituída especialmente por artigos já divulgados na "Revista do Serviço Público" econferencias pronunciadas na Biblioteca Municipal de São Paulo.

Iniciara-se um movimento renovador da administração pública no Brasil.

Jurandyr Coelho, então Assistente de Administração do DASP e hoje brilhanteMinistro-Substituto do TCU, coligiu e editou em volume os melhores trabalhospublicados na mencionada "Revista do Serviço Público", preservando-os deimerecido esquecimento. Trata-se da obra "Teoria e Processo do Orçamento",datada de 1952.

Inestimáveis serviços têm sido prestados pela Fundação Getúlio Vargas, quercom a edição de trabalhos nacionais ou a tradução de obras estrangeiras, quer porintermédio da Escola Brasileira de Administração Pública, que ministra cursosregulares e tem publicado numerosos cadernos e obras sobre administração, daqual o orçamento é instrumento essencial.

Preciosa também é a contribuição do Instituto Brasileiro de AdministraçãoMunicipal (IBAM), propiciando cursos para servidores dos Estados e das

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municipalidades e levando, por esse modo, a todos os rincões deste imenso país asnoções básicas a respeito de uma administração moderna, que não é possível semum orçamento público adequado.

A 17 de março de 1964, foi sancionada a Lei n° 4.320/64, estatuindo normasgerais de direito financeiro, para elaboração e controle dos orçamentos e balançosda União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

2.3.3 - A LEI N° 4.320 E O ORÇAMENTO-PROGRAMA

Resultou esta Lei do Projeto n° 210, de 1950.

Introduziu numerosas modificações em nosso Direito Financeiro, disciplinandointeiramente todas as fases do processo orçamentário.

A estrutura interna do orçamento foi enriquecida e aprimorada, com melhoriasnas classificações provenientes do Direito anterior e a introdução de outras.

Não obstante os inegáveis progressos em que importou esta Lei,controverte-se sobre se teria ela introduzido ou não o orçamento-programa no Brasil.

Em numerosos dispositivos, tal diploma jurídico fala de programa. Sirvam demostra os seguintes: art. 2", caput e § 2°, III, arts. 23 2esqiie 26, art. 27. O art. 7 5determina que

"O controle da execução orçamentária compreenderá:

...........................................................................................

III - O cumprimento do programa de trabalho, expresso em termosmonetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços."

O parágrafo único do art. 79, fazendo remissão à disposição transcrita,determina que "esse controle far-se-á, quando for o caso, em termos deunidades de medida, previamente estabelecidas para cada caso".

Analisando essas prescrições legais, Machado Júnior conclui que nada disso,"porém, autoriza asseverar-se que a Lei n° 4.320/64 estabeleceu as bases para aimplantação do orçamento-programa nas três esferas do Governo no Brasil". E maisadiante, à mesma página: "Não existe, porém, qualquer impedimento contra aintrodução do orçamento-programa em qualquer nível de Governo, autarquia,empresa pública ou outro órgão de descentralização administrativa. Isto,evidentemente, não seria feito ao arrepio da Lei, pois, se esta não é taxativa, deixa,como vimos, contudo, em vários de seus dispositivos, imensa margem parainterpretação favorável ao orçamento-programa, chegando mesmo, ao ponto dereferir-se a controle em termos de unidade de medida, o que, necessariamente,pressupõe a elaboração de igual sistema de mensuração de atividades ou projetos,o que, de fato, além da classificação apropriada, identifica umorçamento-programa."42

Tentemos, para resolver o problema, uma interpretação sistemática.Lembremo-nos, como preliminar, de que o querer da lei é um querer normativo,independente da vontade psicológica que o emanou. Modifica-se com o evolver dasociedade e do ordenamento jurídico.

42 A Experiência Brasileira em Orçamento-Programa - Uma Primeira Visão, in RAP n.° 1, 1.0 semestre de 1967,pág. 151.

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Recordemo-nos de que, à época da promulgação da Lei n.º 4.320; 64,estávamos sob o regime da Constituição de 1946, uma carta liberal, havida porantiplanificadora. Os Estados que, anteriormente à lei de normas gerais, intentarammodernizar seus orçamentos tiveram que usar de estratagemas, para que seusesforços não incidissem na eiva de inconstitucionalidade.

Porém, com a instituição do Parlamentarismo, foi designado um MinistroExtraordinário para o Planejamento.

A Revolução de 1964 reativou as funções daquele Ministro, que se encontravarelegado.

A Constituição de 1967 e o Decreto-lei n° 200/67, são diplomas legais, técnicose renovadores.

Neste último alio, sobreveio a Lei Complementar n° 3, que dispôs sobre oPlano Nacional e o Orçamento Plurienal cie Investimento. Determinou que "osprojetos de lei orçamentária anual reproduzirão, quanto às despesas de capital, oscorrespondentes valores do orçamento plurienal de investimentos anteriormenteaprovado". No art. lá, mandou que os Estados, os Municípios e o Distrito Federaladaptassem seus orçamentos, no que fosse aplicável, ao que dispunha.

Estava, em todos os níveis da federação brasileira, induvidosamente, a meuver, institucionalizado o orçamento-programa, etapa executiva do planejamento deprazo mais largo.

Todavia, a Lei Complementar n.º 3 foi expressamente revogada pelo AtoComplementar n° 43/69, que obrigou os Estados, os Municípios e o Distrito Federalapenas â elaboração de orçamentos plurienais de investimentos.

O Decreto-lei n° 335, de 9 de setembro de 1969, em seu art. 2°, § 1º, colimou aimplantação progressiva, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, deplanos de médio prazo e de programas trienais.

Como o OPI já era obrigatório por norma de hierarquia maior, segue-se queesse parágrafo só prevalece lio que se refere aos planos de desenvolvimento.

Pelo que se colhe do estudo feito por José Teixeira Machado Júnior, na parteacima transcrita, a Lei n° 4.320/64 exige, em sua forma original, quase todos oselementos do orçamento-programa, faltando-lhe apenas uma classificaçãoapropriada, que lhe dê a estrutura interna típica. Carece, outrossim, da vinculaçãocom o planejamento, que o orçamento-programa torna operativo. A integraçãoplanejamento-orçamento é considerada pela melhor doutrina, atualmente, comoessencial à caracterização de um orçamento-programa. Sem ela, ter-se-ia umorçamento por programas, porém jamais um orçamento-programa - é inteligênciamais festejada no Brasil, atualmente.

Se, como visto, o OPI é um planejamento de curto prazo executado porintermédio do orçamento-anual, que deve preencher os requisitos mínimos àcaracterização de um orçamento-programa, podemos concluir que este é obrigatórioem todo o País, pelo menos desde a introdução da programação plurienal. O Ato n°43/69 em nada alterou a situação oriunda da Lei Complementar 11° 3/67, quanto aorçamento-programa.

2.3.3.1 - CLASSIFICAÇÕES ORÇAMENTARIAS

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Conforme se dessume de tudo que até aqui foi exposto e salientam os autores,o orçamento atual deixou de ser unicamente um meio de controle do Executivo peloLegislativo, para se transformar num instrumento positivo de formulação de políticas,de planejamento da atividade pública e de análises econômicas, sem perder afinalidade anterior.

Devido às suas funções, tem sido o orçamento comparado a uma bombaaspirante-premente, que, pelo lado da receita, suga recursos à economia nacional e,pelo lado da despesa, os devolve à atividade privada, redistribuindo a rendanacional, possibilitando a realização das obras e a execução dos serviços reputadosmais convenientes ao desenvolvimento.

De ambos os modos influencia e comanda a conjuntura econômica, buscandomanter uma prosperidade contínua.

Os sistemas de classificação orçamentária, determinantes de sua estruturainterna dele, referem-se tanto à receita como à despesa. Todavia, são os diversosmodos de agrupar os dispêndios que adquiriram maior realce, devido à importânciaque os gastos públicos assumiram nas sociedades contemporâneas, quer comopromotores do desenvolvimento, fornecedores de bens e serviços, quer comoredistribuidores de rendas.

Existem numerosos modos de classificar a despesa pública, mas as finalidadesprincipais com que se agrupam as contas são quatro, na lição de Gonzalo Martner:a) devem efetuar-se de maneira que facilitem a análise econômica e social dasatividades do governo; b) as contas devem facilitar a formulação dos programas queo governo elabora para cumprir suas funções; c) devem contribuir para facilitar aexecução orçamentária; d) devem facilitar a contabilidade fiscal.43

Não são acordes os autores em mencionar os principais critérios declassificação. Todavia, quase todos eles apontam como categorias básicas as quesão a seguir enumeradas, acolhidas pela Lei n° 4.320/64: 1) por unidadeadministrativa (Institucional); 2) por fatores ou elementos de despesa; 3) porcategoria econômica e 4) por funções.

Classificação por unidade administrativa ou institucional - por esse critério,classificam-se as contas de acordo com a estrutura organizacional da entidade.Acompanha, conseqüentemente, a orientação que serviu de base àdepartamentalização. Segundo Guilherme Moojen, "possibilita, a quem quer queexamine o orçamento, conhecer, à primeira vista, um a um, quais os órgãosadministrativos que vão executar os serviços, qual a atividade específica dosmesmos e qual o custo de cada unidade administrativa." (...) ". . . espelha a própriaestrutura organizacional do Governo e permite, a quem tenha responsabilidade pelaexecução geral dos serviços ou a quem quer que tenha interesse nisso, aquilatar daatividade e da eficiência de cada unidade de organização e, portanto, possibilita aapuração de responsabilidades." 44

De acordo com o art. 13 da Lei n° 4.320/64, as classificações por elementos epor categoria econômica, devem apresentar-se por "unidade administrativa ou órgãode governo".

É dentro dela, pois, que se apresentam as outras classificações no Brasil.

43 Planificación y Presupuesto por Programas, pág. 95.44 Orçamento Público, Edições Financeiras, S/A, Rio de Janeiro, 1959, pág. 115.

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Classificação por elementos de despesa ou por objeto - É esta a classificaçãomais tradicional. Explicita os elementos em que se farão os dispêndios. Nasceunuma época em que tanto os legisladores como os cidadãos estavam cheios dedesconfiança em relação aos administradores. Presta-se admiravelmente a umcontrole rigoroso das despesas e limita severamente o arbítrio dos funcionários. É,outrossim, de grande clareza.

Seu defeito, todavia, é que prende a atenção sobre os aspectos contábeis daadministração financeira e não proporciona base para medir o desempenho de umaunidade governamental ou o andamento de um

programa particular.

É utilizada, normalmente, em combinação com outros critérios e, consoanteNewton Corrêa Ramalho, "não poderia ser dispensada em nenhum esquema declassificação".

O art. 15, § 1°, da Lei n.º 4.320/64 define elemento como "o desdobramento dadespesa com pessoal, material, serviços, obras e outros meios de que se serve aadministração pública para consecução de seus fins". É o desdobramento mínimo dadespesa, em sua discriminação na lei orçamentária, (Art. 15, caput). O art. 13apresenta um esquema completo dos objetos da despesa pública, dentro daclassificação econômica, incluída esta, por sua vez, na unidade administrativa ouórgão.

Classificação por categorias econômicas - esta classificação divide as receitase as despesas públicas em dois grandes grupos: 1) correntes; 2) capital.

Baseia-se na distinção Keynesiana entre despesas de consumo e deinvestimento. Surgiu e desenvolveu-se sob o influxo da teoria do orçamento cíclico.

Trata-se de classificação de alta valia para análises e demais estudoseconômicos, porque permite, depois de consolidados os gastos dos três níveis dafederação, determinar o impacto das transações governamentais sobre a economiacomo um todo.

A Lei n° 4.320/64 (art. 12) adota, para esta classificação, o seguinte esquemabásico:

DESPESAS CORRENTES

Despesas de Custeio

Transferências Correntes

DESPESAS DE CAPITAL

Investimentos

Inversões Financeiras

Transferências de Capital

Classificação funcional - É uma classificação singela, que, em forma deresumo, apresenta os grandes campos da atuação estatal, com as dotaçõesdestinadas a cada um deles, possibilitando uma visão global da natureza dosdispêndios públicos.

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Presta-se admiravelmente para as tomadas de decisões nos altos escalõesadministrativos e, dada a sua simplicidade, é precioso instrumento de comunicação,pois é facilmente entendida pelo leigo.

Surgiu ela nos Estados Unidos, onde começou a ser introduzida pelasmunicipalidades em 1915. Acolhida pelo Governo Federal daquele país, difundiu-selargamente e deu origem à denominação de orçamento funcional.

Acolheu-a a Lei n° 4.320/64, que numerava as funções com os algarismos 0 a9, repartindo cada uma delas em 10 subfunções, também caracterizadas por dígitosde 0 a 9.

Combinadas de vários modos e possibilitando consolidações sob critériosdiversos, essas quatro classificações, acolhidas pelas normas gerais de direitofinanceiro em vigor, ensejam uma enorme variedade na apresentação do orçamento,como se vê dos anexos à Lei Orçamentária Anual do DF para o exercício de 1977.

Aprimoramentos posteriores - os órgãos competentes da Secretaria dePlanejamento, da Presidência da República, em obediência ao direito vigente, vêmatualizando os anexos da lei geral de direito financeiro. A classificaçãofuncional-programática, que substituiu a funcional do Anexo n° 5, apresenta,atualmente, 16 (dezesseis) funções, dividindo-se estas em programas. Osprogramas se desdobram em subprogramas e estes em projetos e atividades.Apresenta, pois, a classificação funcional-programática a seguinte estrutura:

SubprogramasProjetos e/ou

AtividadesPROGRAMAS

SubprogramasProjetos e/ou

Atividades

Subprogramas Projetos e/ouAtividades

FUNÇÕES

PROGRAMAS

SubprogramasProjetos e/ou

Atividades

Considera-se função um largo setor de atividade pública organizada, como, porexemplo, defesa nacional, educação, saúde pública ou Agricultura.45 O Manual dasNações Unidas entende por funções "os grandes agrupamentos operacionais quecorrespondem ao cumprimento de um fim principal de governo".46

Programa vela a ser cada uma das funções, quando convenientementecorrelacionada com os recursos financeiros, humanos, temporais, espaciais, etc.47

Programação é a determinação mais específica da mão-de-obra material e serviçosnecessários ao cumprimento de um programa.48

45 Herbert Hemmerich: Manual de Administração Pública, FGV, 1962, Rio de Janeiro, pág. 139.46 Manual de Orçamento por Programas e Realizações: Trad. José Machado Teixeira Júnior, 1971, pág. 36.47 José Machado Teixeira Júnior: A Experiência Brasileira em Orçamento-Programa -Uma Primeira Visão, in RAPn.º 1, 1.º semestre de 1967, pág. 166.48 José Afonso da Silva: Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 1976, pág. 273.

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Subprograma é um segmento ou uma parte bem definida de tini programa. Éestabelecido por razões de ordem prática, a fim de facilitar a programação e ocontrole da execução de um programa, inclusive a delegação de autoridade.49 ParaBernardo de Luna Freire, é uma subdivisão do programa, com vistas a facilitar aexecução de objetivos parciais.50

De acordo com a literatura oficial, para os fins da classificaçãofuncional-programática, projeto é um instrumento de programação para alcançar osobjetivos de um programa, envolvendo um conjunto de operações limitadas notempo, das quais ressalta um produto final que concorre para a expansão ou oaperfeiçoamento da ação do Governo.

A atividade é um instrumento de programação para alcançar os objetivos deum programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam de modocontínuo e permanente, necessárias à manutenção da ação do Governo.51

Os recursos, no orçamento, são destinados aos projetos e atividades.

Essas duas últimas categorias, quando necessário para melhor programação econtrole interno, podem ser desdobradas em subprojetos e subatividades.52

De acordo com a classificação funcional-programática, a função 03-Administração e Planejamento -, por exemplo, desdobra-se nos seguintesprogramas: 07 - Administração, 08 - Administração Financeira, 09 -PlanejamentoGovernamental, 10 - Ciência e Tecnologia. O Programa 08 - AdministraçãoFinanceira - é executado por intermédio dos seguintes subprogramas: 030 -Administração de Receitas, 031 - Assistência Financeira, 032 - Controle Interno, 033- Dívida Interna, 034 - Dívida Externa, 035 - Participação Societária.

No orçamento do Distrito Federal para 1977, no subprograma 030-Administração de Receitas - encontramos dois projetos:

1500.03080301.071 - Promoção de Campanha de Incentivo à Arrecadação,com a dotação de Cr$ 2.600.000,00; 1500.03080301.072 - Cadastro e Controle deArrecadação, com Cr$ 2.500.000,00. Os 4 (quatro) primeiros dígitos da codificaçãoreferem-se ao órgão, no caso a Secretaria de Finanças; os outros identificam afunção, o programa, o subprograma e o projeto, este pelos 4 últimos números: 1.071e 1.072.

2.4 - CONCLUSÃO

Por disposição do art. 8°, parágrafo único, da Constituição Federal, acompetência da União não exclui a dos Estados para legislar supletivamente sobrenormas gerais a respeito do orçamento. Assim, as unidades federativas que tiveremcondições financeiras e culturais, poderão introduzir melhorias em seus orçamentos.

A norma nacional fixa o minimum, mas não impede aquelas que podem equerem de dar o maximum .

49 Machado Júnior, in RAP n.° 1, 1967, pág. 166.50 In Boletim da Inspetora de Finanças, Ministério das Comunicações, n.ºs 24/25, pág. 12.51 Portaria n.° 9, de 28 de janeiro de 1974, do MPCG, IV, "a" e "b".52 OPI e PGD - 1976/78 - Orçamento Anual - 1976. Instruções para Elaboração das Propostas.

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A LICITAÇAO NAS ENTIDADES PARAESTATAIS(*)

HELY LOPES MEMELLES

I. Conceito e características das entidades paraestatais -II. Liberdade operacional das entidades paraestatais - III.Inexigibilidade de licitação nas entidades paraestatais - IV.Conveniência de seleção simplificada de contratantes, comobservância dos princípios da licitação - V. Conclusões esugestões.

O estudo da licitação nas entidades paraestatais exige se fixem previamente oconceito e as características dessas entidades, indicando as suas modalidades ouespécies dentro do gênero a que pertencem, para, ao depois, analisarmos o modo eforma de suas contratações e o procedimento seletivo conveniente para a escolhade seus contratantes.

É o que faremos a seguir.

I. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS ENTIDADES PARAESTATAIS

Entidade paraestatal - já o dissemos em estudo anterior - é toda pessoajurídica de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, com patrimônio públicoou misto, para a realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo,sob normas e controle do Estado. Não se confunde com autarquia, nem se identificacom entidade estatal.

O étimo da palavra paraestatal está indicando que se trata de ente dispostoparalelamente ao Estado, ao lado do Estado, para executar cometimentos deinteresse do Estado, mas não privativos do Estado. Enquanto as autarquias sãoincumbidas de atividades públicas típicas, as entidades paraestatais prestam-se aexecutar atividades atípicas do Poder Público, mas de utilidade pública, de interesseda coletividade, e, por isso, fomentadas pelo Estado, que autoriza a criação depessoas jurídicas com personalidade privada para realizar tais atividades com oapoio oficial.

O paraestatal não é o estatal, nem é o particular; é o meio termo entre opúblico e o privado. Justapõe-se ao Estado sem o integrar como o autárquico, ou

(*)Exposição apresentada ao "Seminário Nacional sobre Empresas Estatais", promovido pela "Fundação DomCabral", da Universidade Católica de minas Gerais, em Belo Horizonte, de 16 a 19 de novembro de 1977.

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alheiar-se como o particular. Tem personalidade privada, mas realiza atividades deinteresse público, e, por isso, os atos de seus dirigentes, revestindo certa autoridadee gerindo patrimônio público, expõem-se a determinados controles administrativos esujeitam-se a mandado de segurança e a ação popular.

Como pessoas jurídicas de direito privado, as entidades paraestatais exercemdireitos e contraem obrigações em seu próprio nome, saldando seus compromissosem condições idênticas às das empresas particulares. Não sendo umdesmembramento do Estado - como não são - as entidades paraestatais nãonascem com privilégios estatais, só auferindo as prerrogativas que lhes foremconferidas expressamente em lei. Em contrapartida, as entidades paraestataisdesfrutam de maior liberdade de atuação para a consecução de seus objetivosestatutários e empresariais. Daí a inexigibilidade de licitação, pelo que não se podedizer que tenham um regime jurídico uniforme e legislado para suas contratações,podendo fazê-las na forma de seus estatutos, regulamentos e deliberações daDiretoria, como veremos mais adiante.

Antes, porém, merece relembrar que o paraestatal é o gênero, do qual sãoespécies ou modalidades, a empresa pública, a sociedade de economia mista, osserviços sociais autônomos, e as fundações instituídas pelo Poder Público, as duasprimeiras (empresa pública e sociedades de economia mista) integrando a chamadaadministração indireta e as demais constituindo a categoria dos entes de cooperaçãocom o Estado (cf. nosso Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, São Paulo, 5~1ed., 1977, págs. 319 e segs. e 734 e segs.).

II. LIBERDADE OPERACIONAL DAS ENTIDADES PARAESTATAIS

A liberdade operacional das entidades paraestatais, especialmente dasempresas públicas e das sociedades de economia mista, decorre de suaassemelhação às empresas privadas, por preceito constitucional que assim dispõe:"Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas e associedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresasprivadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações" (Const. Rep.,art. 170, § 2°).

Essa disposição constitucional tem um duplo objetivo: 1°) dar a tais entidadesmaior flexibilidade operacional que aos órgãos estatais; 2°) nivelá-las, em direitos eobrigações, às organizações congêneres, da iniciativa privada, impedindo, assim, aconcorrência desleal das empresas do Estado às empresas particulares.

Para atingimento do primeiro objetivo essas organizações, embora instituídaspelo Poder Público, ficam desvinculadas da rigidez das normas administrativas doEstado, para só se sujeitarem à lei especial de sua instituição e às regrasorganizatórias e operacionais de seu estatuto e, agora, ao controle de contas naforma específica da Lei n° 6.223, de 14 de junho de 1975. Seus métodosoperacionais são os das empresas privadas; seus negócios admitem lucro; seupessoal é empregado de empresa, regido em tudo e por tudo pela Consolidação dasLeis do Trabalho e pelas normas acidentárias e previdenciárias comuns. Somentepara fins criminais, quanto às infrações relacionadas com a função, é que seusdirigentes e empregados são equiparados a funcionário público, por expressadeterminação do parágrafo único do art. 327 do Código Penal, que reza:"Equipara-se a funcionário público, quem exerce cargo, emprego ou função ementidade paraestatal". Por igual razão, os atos de seus dirigentes, quando ofensivosde direito individual, líquido e certo, sujeitam-se a mandado de segurança por

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conterem delegação do Poder Público (Lei n'' 1.533/51, art. 1º § 1º), e, se ilegais elesivos do patrimônio público, podem ser invalidados por ação popular (Lei n°4.717/65, art. 1°) .

Para consecução do segundo objetivo (igualdade com as empresas dainiciativa particular), as entidades paraestatais, notadamente as empresas públicas eas sociedades de economia mista, nascem despidas de privilégios estatais e depoder de império, só auferindo as prerrogativas que lhe forem concedidas por leiespecial, necessárias ao pleno desempenho de suas finalidades estatutárias.

Delineada, assim, a organização e a forma de atuação das entidadesparaestatais, como justificativa para sua maior liberdade operacional, vejamos omodo de suas contratações para obras, serviços, compras e alienações de seusbens, indicando-se o procedimento seletivo conveniente à escolha de seuscontratantes.

III. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NAS ENTIDADES PARAESTATAIS

No consenso da doutrina e da jurisprudência pátrias não é exigível licitação nasentidades paraestatais, para qualquer de suas contratações. A regra é a livreescolha, de seus contratantes, ou seja, a contratação direta com empreiteiros,fornecedores e adquirentes de seus bens e produtos; a exceção é a licitação formal,do Decreto-lei n° 200/67; o conveniente é o procedimento seletivo simplificado,estabelecido no regulamento da entidade.

Em monografia sobre o assunto já escrevemos que a licitação, em princípio, éobrigatória para as entidades públicas (estatais e autárquicas), não o sendo para asentidades privadas (paraestatais), e justificamos essa diversidade de tratamentoporque as pessoas jurídicas de direito público estão sujeitas a normas deoperatividade mais rígidas do que as pessoas jurídicas de direito privado, embora aserviço do Poder Público. Realmente, não se pode confundir a União, os Estados, osMunicípios e suas autarquias, que operam em moldes estritamente públicos, com asdemais entidades que prestam serviços públicos, ou realizam atividades de interessepúblico, mas em regime de direito privado (civil ou comercial). Para aquelas alicitação é obrigatória; para estas é facultativa (cf. nosso Licitação e ContratoAdministrativo, Ed. RT, São Paulo, 3ª ed., 1977, págs. 95 e segs.).

Daí por que o legislador federal, avisadamente, só sujeitou as entidadespúblicas ao sistema de licitações públicas do Decreto-lei federal n° 200/67 (arts. 125a 144), atento ao já citado mandamento constitucional de que "as empresas públicase as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis àsempresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações"(Const. Rep., art. 170, § 2° ), o que está a indicar que estas entidades podemrealizar suas contratações sem licitação. Nada impede, entretanto, que lei especiallhes imponha a obrigatoriedade da licitação pública, fazendo incluir essa obrigaçãoem seu estatuto, ou que a própria Diretoria assim o delibere, inserindo-a noregulamento da empresa, ou decida em cada caso pelo procedimento licitatório,indicando a norma legal a ser observada. O que convém acentuar é que as pessoasjurídicas de personalidade privada, como são as entidades paraestatais (empresaspúblicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais e serviçossociais autônomos) não estão originariamente sujeitas à licitação pública, que a leigeral só impõe às entidades estatais e autárquicas, na sua imprópria menção à"administração direta e autarquias" (Decreto-lei n° 200/67, art. 125).

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Diante dos textos da Constituição e da lei federal supra referidos, a doutrinaacordou no entendimento de que a licitação pública não é exigida para ascontratações das entidades paraestatais, como já havíamos dito antes, no primeirocomentário sobre as novas normas licitatórias (cf. nosso estudo "O Procedimento daLicitação", in Estudos sobre a Lei Paulista n° 10.395/70, Ed. Cedro, São Paulo,1970, págs. 9 e segs.) e repetimos em todas as edições de nosso Licitação eContrato Administrativo, até a atual (3~, ed., 1977, págs. 95 e segs. ), no que fomosseguidos pelos demais autores que abordaram o assunto (cf. Antônio Marcello daSilva, Contratações Administrativas, São Paulo, 1971, págs. 10 e 167; Caio Tácito, inRev. Dir. Adm. 113/350; Arnoldo Wald, in Rev. Dir. Adm. 118/452; Carlos MedeirosSilva e Vicente Rao, in pareceres ao Metrô de São Paulo, respectivamente de 3-1-72e 12-1-72).

Por sua vez, o Tribunal de justiça de São Paulo, nos dois únicos casos em quea questão já foi levantada, decidiu pela inexigibilidade de licitação pública deentidade paraestatal, admitindo, como sustentamos em ambos os casos, acontratação direta ou a seleção de contratantes por procedimento simplificado eadequado às peculiaridades da empresa. Assim foi julgado em mandado desegurança impetrado e denegado, contra o Metrô de São Paulo e em mandado desegurança impetrado e denegado, contra a DERSA - Desenvolvimento RodoviárioS/A. No primeiro caso, a Egrégia Câmara disse às expressas: "A obrigatoriedade delicitação só abrange a chamada administração direta e as autarquias, liberando deconcorrência as sociedades de economia mista, pertencentes à administraçãoindireta" (do Acórdão no Agravo de Petição n° 206. 895, da 3ª Câmara Civil, in Rev.Tribs. 431/130); no segundo julgado, a Colenda Câmara, embora não dizendo com amesma precisão do V. Acórdão anterior, declarou: "Vale, porém, lembrar que aobservância apenas dos princípios do instituto (licitação) é que tem bastado, por nãohaver razão essencial a que se apliquem mecanismos licitatórios iguais. O contrárioé que parece ajustar-se à natureza de entidades como a DERSA, além de outrassemelhantes, que tenham estrutura autônoma diversa das dos serviçoscentralizados ou autárquicos. O procedimento adotado pela impetrada(procedimento seletivo simplificado), ajusta-se às garantias adequadas a ummecanismo licitatório" (do Acórdão na Apelação Cível n.º 257.834, da 5á CâmaraCivil, julgada em 10-3-77, ainda não publicado em repertório de jurisprudência).

Uniram-se, assim, as afirmações da doutrina e da jurisprudência nasustentação de que as entidades paraestatais não estão sujeitas à licitação parasuas contratações, podendo realizá-las facultativamente, nos termos do Decreto-lein.º 200/67 ou da lei local a que se subordinarem, caso em que ficarão inteiramentevinculadas aos seus preceitos, como poderão contratar diretamente suas obras,serviços e compras, ou, ainda, realizar uma .seleção simplificada e adequada àspeculiaridades da empresa, sendo esta, a nosso ver, a conduta recomendável parapreservação da moralidade administrativa e atendimento dos objetivos estatutários.

IV. CONVENIÊNCIA DE UMA SELEÇÃO SIMPLIFICADA DECONTRATANTES, COM OBSERVÃNCIA DOS PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO

Se é certo que as entidades paraestatais não estão obrigadas, pela lei geral(Decreto-lei n° 200/ 67) à licitação formal das entidades públicas (estatais eautárquicas), não é menos certa a conveniência de um procedimento seletivosimplificado para suas contratações, no qual se observem os princípios (não asnormas) da licitação administrativa. A propósito, criticando a liberalidade da atual

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legislação em relação às paraestatais, sugerimos que a licitação constituísse a regrapara toda a Administração, direta, e indireta, abrangendo as contratações dasempresas públicas e das sociedades de economia mista, e, até mesmo, dasfundações instituídas ou subvencionadas pelo Poder Público, mas abrindo-se asexceções para os casos de justificada conveniência negocial, e impondo-se, comoregra, a escolha de contratantes por procedimentos seletivos simplificados,adequados ao objetivo estatutário de cada entidade (cf. nosso Licitação e ContratoAdministrativo, Ed. RT, São Paulo, 3Ç1 ed., 1977, págs. 25-26). Mas ainda não éassim. O nosso direito legislado propicia a mais ampla liberdade às entidadesparaestatais, eximindo-as totalmente de qualquer procedimento licitatório, quando,no setor privado, as empresas particulares de maior vulto já procuram resguardar-sede maus contratos, através de procedimentos seletivos próprios, ou assemelhadosaos da licitação pública.

O mesmo vem ocorrendo com algumas entidades paraestatais que, poriniciativa própria, altamente elogiável, se impuseram, por disposição estatutária oupor deliberação na Diretoria, a obrigatoriedade de um procedimento seletivosimplificado e adequado aos seus objetivos empresariais, como é o caso do METRÔde São Paulo, da EMPLASA, da CEAGESP, e outras empresas do Estado e do'Município, que se auto-limitaram na liberdade de contratar, elaborando e publicandoo seu "Regulamento de Contratações".

Essa conduta supletiva da omissão da lei nacional é salutar e recomendável,por atender à moralidade administrativa e ao mesmo tempo permitir a adequação doprocedimento seletivo às especificidades de cada entidade, além de tornar certa,estável e vinculante para as partes, todas as regras da competição seletiva.

Nada impede, entretanto, que a própria entidade que estabeleceu oprocedimento seletivo conveniente aos seus negócios, indique as hipóteses decontratação direta, as quais, em ocorrendo, serão justificadas pelo órgão interessadoe aprovadas pela Diretoria, em cada caso. Concilia-se, assim, a liberdadeempresarial da entidade paraestatal, com as exigências da moralidade e probidadeadministrativas, deveres genéricos de todo gestor de bens e dinheiros públicos,ainda que administrados em moldes da iniciativa privada.

O essencial, nesses procedimentos seletivos simplificados, é que se observemos princípios (não as normas) da licitação das entidades públicas, e tais são:formalidades mínimas; igualdade entre os proponentes; publicidade dos atos; sigilona apresentação das propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo;e adjudicação compulsória ao vencedor. Todos esses princípios são fundamentais, eda ausência ou infringência de qualquer deles resultará a ineficácia e a nulidade doprocedimento seletivo.

Formalidades mínimas, representam a garantia da regularidade do julgamento,pelo atendimento de todas as exigências procedimentais legítimas; igualdade entreos proponentes, significa isonomia, ou seja, absoluto nivelamento dos interessadosperante o edital e normas superiores; publicidade dos atos, quer dizer, divulgaçãooficial das normas da seleção e do contrato (edital, instruções específicas,Regulamento de Contratações, etc. ), e das decisões concernentes ao procedimentoseletivo e ao seu julgamento, para propiciar os recursos cabíveis; sigilo naapresentação das propostas, representa a indevassabilidade da documentação edas propostas, até o momento da abertura dos respectivos envelopes, em atopúblico, o que separa as duas fases do procedimento: habilitação e julgamento;

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vinculação no edital ou ao convite, significa integral sujeição das partes (entidadelicitadora e proponentes) ao instrumento convocatório e demais normas regedorasdo procedimento seletivo e do contrato; julgamento objetivo, quer dizer apreciaçãoda documentação e das propostas em estrita conformidade com o pedido no edital ecom o apresentado pelos proponentes, sem inovação do critério de julgamento esem valoração subjetiva do julgador; adjudicação compulsória, significa que só aovencedor de seleção pode ser atribuído o seu objeto, para o respectivo contrato.

Observados esses princípios, deve, ainda, a entidade promovente da seleçãode contratantes propiciar os recursos internos cabíveis dos atos da Comissão dejulgamento ou do julgador individual, para a Diretoria da empresa, pois é contrária àíndole do nosso direito a decisão única e irrecorrível. Além disso, os julgamentosúnicos e soberanos tornam suspeitos os julgadores e impedem a correção de erros,muitas vezes evidentes, que poderiam ser sanados pela própria direção da entidade,evitando a ação judicial, sempre de tramitação mais demorada que a das viashierárquicas.

Outra observação que se impõe é a de que as entidades paraestatais, deverãoadotar terminologia diversa da das licitações públicas, exatamente para indicar quese trata de procedimento diversificado, embora assentado nos mesmos princípioslicitatórios. Por isso, vimos propondo a designação de "Regulamento deContratações" para as normas simplificadas do seu "procedimento seletivo" ou"seleção de contratantes" (ao invés de licitação) e, para as modalidadescorrespondentes, concorrência, tomada de preços e convite, sugerimos asdenominações, respectivamente, de "convocação geral", "coleta de preços" e"pedido de cotação", como já estão sendo adotadas pelas paraestatais do Estado deSão Paulo, cujos primeiros "Regulamentos de Contratações" foram por nóselaborados com essa nomenclatura distintiva (cf. "Regulamento de Contratações" doMETRÔ, da EMPLASA e da CEAGESP).

Cremos firmemente que, atendidos esses lineamentos, as entidadesparaestatais poderão - e deverão - elaborar seus regulamentos de contratações,com procedimento seletivo simplificado e adequado aos seus objetivos estatutários,prevendo as exceções para as contratações diretas, com o que assegurarão aagilidade em seus negócios e a probidade na escolha de seus contratos,resguardando os seus contratos de crítica e impugnações. O que não se justifica é aausência de normas para suas contratações, deixando a matéria ao inteiro alvedrioda Diretoria, e propiciando favoritismo e perseguições, por predileções ouinadversões pessoais. A entidade paraestatal deve ser livre e desembaraçada nasopções de seus negócios estatutários, mas controlada por normas operacionais desua própria elaboração, para opor limites à conduta pessoal de seus dirigentes eoferecer certeza e segurança aos seus contratos, no respeito recíproco dos direitose deveres de ambas as partes.

V . CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Ao final desta sucinta exposição, calcada na legislação federal vigente, najurisprudência pertinente, na doutrina dominante e na prática dessas administrações,permitimo-nos apresentar as conclusões e sugestões seguintes:

1ª ) As entidades paraestatais - empresas públicas, sociedades de economiamista, fundações instituídas ou subvencionadas pelo Estado e serviços sociaisautônomos - não estão sujeitas à licitação, impositiva somente para as entidades

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estatais e autárquicas (Decreto-lei Federal n° 200/67, arts. 125 a 144), pelo que nãotêm um regime jurídico legislado e uniforme para suas contratações.

2ª ) As entidades paraestatais podem, em princípio, contratar livremente comterceiros, independentemente de qualquer procedimento licitatório, como podemrealizar a licitação prevista no Decreto-lei n° 200/67.

3ª ) É conveniente para o atendimento da moralidade administrativa que cadaentidade paraestatal elabore o seu "Regulamento de Contratações", estabelecendoum procedimento seletivo simplificado e adequado aos seus objetivos estatutários,com previsão dos casos de dispensa.

4ª ) O "Regulamento de Contratações" de cada entidade paraestatal deveráadotar os princípios básicos da licitação pública, mas em termos próprios e comnomenclatura diversificada, a fim de evitar confusão com os procedimentosestabelecidos para as entidades estatais e autárquicas.

5ª ) O "Regulamento de Contratações", elaborado pela entidade paraestatal,deverá ser publicado em órgão oficial, para conhecimento dos interessados em seuscontratos.

6ª ) Desde que publicado, o "Regulamento" vincula a entidade paraestatal e osproponentes às suas normas, que não poderão ser desatendidas sob pena denulidade, suscetível de declaração pelo Poder judiciário, por constituírem o regimejurídico de suas contratações.

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ASPECTOS DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAISDE CONTAS ESTADUAIS

ORLANDO MORAIS(*)

Depois que se generalizou a idéia do controle externo da administraçãofinanceira e orçamentária pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais deContas, começou-se a pensar no aprimoramento do elenco das atribuições destesúltimos órgãos. E dentre tais atribuições, queremos destacar duas importantes:

a) julgamento das contas dos responsáveis pela movimentação das dotaçõesdas unidades orçamentárias da administração direta e dos administradores dasentidades da administração indireta;

b) apreciação da legalidade das concessões iniciais de aposentadoria, pensõese reformas.

Diga-se de passagem que a generalização da idéia do controle externo, antesreferida tomou consistência com a promulgação da Constituição do Brasil, de 24 dejaneiro de 1967, tendo em vista o princípio contido no art. 1<8H, em sua primitivaredação, segundo o qual

"os Estados reformarão suas Constituições dentro em sessenta dias, paraadaptá-las, no que couber, às normas desta Constituição, as quais, findo esse prazo,considerar-se-ão incorporadas automaticamente às Cartas Estaduais."

Esse princípio, que fixou uma orientação centralizada no nosso DireitoConstitucional, foi mantido com mais ênfase pelo art. 200 da Constituição, conformeestabelecido na nova redação dada pela Emenda Constitucional n.º 1, de 17 deoutubro de 1969, verbis:

"Art. 200 - As disposições constantes desta Constituição ficamincorporadas, no que couber, ao direito constitucional legislado dos Estados."

Nessa ordem de considerações, as normas constantes da Lei Maior do País,incluídas evidentemente as referentes à fiscalização financeira e orçamentária,passaram a ser o modelo a ser seguido obrigatoriamente pelos Estados-membros epelos Municípios.

É preciso convir que a orientação traçada pelo legislador constituinte de 1967 ede 1969 foi no sentido não só de conferir hierarquia superior à Lei Básica do País,como não podia deixar de acontecer, mas de dar-lhe maior consistência, napreservação e no fortalecimento da autoridade do poder central da União,representados pela gama de importantes atribuições deferidas ao Chefe doExecutivo Federal.

(*)Conselheiro do Tribunal de Contas de Pernambuco

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Assim, assumiu crescente importância a questão da ofensa das leis estaduaise municipais ao Estatuto Maior, devendo o legislador ter o maior cuidado, no sentidode não contrariar a orientação da norma constitucional federal, mesmo que esta serefira, apenas, à estrutura e organização de serviços federais. Se o faz, o caminho aser seguido pelos Estados, em relação aos seus serviços, terá de ser idêntico, nãopodendo se afastar da linha mestra central.

Daí afirmarmos que a vigente Constituição do Brasil é a mais centralista dequantas já tivemos, desde a outorgada pelo primeiro Imperador do Brasil.

Fizemos, antes, referência a duas importantes atribuições deferidas aosTribunais de Contas. Entretanto, propomo-nos, neste modesto trabalho, enfocar acompetência dos Tribunais de Contas Estaduais para:

a) o julgamento das contas dos responsáveis pela movimentação das dotaçõesdas unidades orçamentárias da administração direta e dos administradores dasentidades da administração indireta dos Municípios;

b) a apreciação da legalidade das concessões iniciais de aposentadoria epensões dos servidores municipais.

O controle externo da execução orçamentária compreende vários aspectoscorrelacionados com a permanente vigilância e o julgamento dos responsáveis pelagestão dos dinheiros públicos, particularmente no que diz respeito à realização dasdespesas públicas.

Os Tribunais de Contas, como órgãos técnicos e auxiliares do Legislativo,desempenham papel preponderante no exercício desse tipo de controle. E as duasatribuições, antes destacadas, inerem a sistemática do controle externo, na forma doque dispõe os artigos 70 e parágrafos e 72 e parágrafos da Constituição Federal.

Em trabalho publicado na coletânea "O Controle das Finanças Públicas",editada pelo Tribunal de Contas da União, n° de agosto/ 1969, o eminente MinistroJosé Pereira Lira assim se expressou sobre o controle externo:

"Estão no campo da incidência dessa forma de controle externo:legalidade de atos; registros contábeis da receita e da despesa; programas detrabalho; execução de obras; prestação de serviços; licitações; bens e valores;e tudo que possa representar interesse para apuração da probidade naguarda e regular emprego de dinheiros públicos" (Ob. citada, pág. 21) .

Dentro do nosso sistema federativo, em que a organização política da Naçãose estrutura basicamente na "união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal edos Territórios" (art. 1° da Constituição Federal), as normas de controle dosdinheiros públicos são uniformes em relação a todas as entidades de Direito Público,não podendo ficar à margem de tal controle os Municípios brasileiros, em númeroquase igual a quatro mil, somente porque estão proibidos de possuir Tribunais deContas, menos o município de São Paulo.

Sentindo esse problema, fundamental para os interesses da comunidade, olegislador constituinte de 1969 fez inscrever na Emenda n° 1 as regras constantesdo art. 16, §§ 1° e 2°, verbis:

"Art. 16 - A fiscalização financeira e orçamentária dos municípios seráexercida mediante controle externo da Câmara Municipal e controle interno doExecutivo Municipal, instituídos por lei.

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§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com oauxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que for atribuídaessa incumbência.

§ 2° - Somente por decisão de dois terços dos membros da CâmaraMunicipal deixará de prevalecer o parecer prévio, emitido pelo Tribunal deContas ou órgão estadual mencionado no § 1°, sobre as contas que o Prefeitodeve prestar anualmente."

Os princípios do controle interno do Executivo Municipal e do controle externoda Câmara Municipal, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, seguem aorientação geral traçada nos arts. 70 a 72 da Lei Básica, com os Tribunais de ContasEstaduais incumbidos de cumprir as atribuições das Cortes de Contas Municipais,que não podem funcionar por força do disposto no art. 191 das Disposições Gerais eTransitórias da Magna Carta, verbis:

"Art. 191 - Continuará em funcionamento apenas o Tribunal de Contasdo Município de São Paulo, salvo deliberação em contrário da respectivaCâmara, sendo declarados extintos todos os outros tribunais de contasmunicipais."

Como vimos, pretende a legislação brasileira que os Municípios não continuemsem controle em sua execução orçamentária. E o controle, no caso o externo queestamos estudando, tem sentido amplo, compreendendo não só a apreciação dascontas globais e anuais dos Prefeitos pelas respectivas Câmaras de Vereadores,com o parecer prévio dos Tribunais de Contas Estaduais (julgamento político), comotambém o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis porbens e valores públicos pelos Tribunais de Contas Estaduais (julgamento técnico). Éo que resulta claro de leitura do art. 70 e parágrafos da Constituição Federal.

Não se pode prescindir, nos municípios, desse tipo de controle (externo) emtoda sua plenitude, especialmente quando seu conceito cada vez mais se amplia,pois a comunidade tem interesse em acompanhar de perto a fiel aplicação dostributos pagos, não só no que diz respeito ao aspecto da honestidade, mas tambémno que se relaciona com os próprios programas de trabalho.

Por oportuna, vejamos a análise sobre o alcance do controle externo, feita porNewton Ramalho, em seu trabalho epigrafado "Controle externo da execuçãoorçamentária", publicado na coleção Orçamento e Administração Financeira, Vol.VII, pág. 255, edição Fundação Getúlio Vargas:

"A análise feita acima das atribuições dos vários tipos de órgãos decontrole externo da execução orçamentária, embora sucinta, permite concluirsobre como tem variado a amplitude desse controle e qual o sentido prováveldo seu desenvolvimento. Verifica-se, com efeito, que a fiscalizaçãoparlamentar da execução orçamentária visava, inicialmente, a assegurarrespeito ao limite e à natureza dos créditos. Em face das concepções liberaisdominantes na época, procurava-se apenas estabelecer o policiamento doExecutivo, a fim de restringir despesas e assegurar ao Legislativo informaçõesfidedignas sobre as operações financeiras decorrentes do orçamento e,conseqüentemente, sobre como influiriam nas finanças nacionais.

Posteriormente, em virtude da importância social alcançada pelosserviços públicos, manifestou-se a tendência, ou pelo menos a idéia, de os

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órgãos de controle externo passarem a apurar os resultados da execuçãofísica do orçamento e dizerem sobre a eficiência da máquina administrativa.

Talvez por exageração, chegou-se a conceituar o orçamento como umplano de trabalho expresso em termos de dinheiro e a julgar secundários osseus aspectos financeiros; de acordo com essas concepções, os órgãos decontrole externo deveriam transformar-se em repartições preponderantementetécnicas, paralelas a órgãos de planejamento administrativo. O exemplo doRABKRIN (órgão encarregado do controle e da execução orçamentária naURSS) seria o extremo, de controle político e econômico, externo ao próprioLegislativo, como garantia para o cumprimento de medidas de transformaçãosocial de caráter revolucionário."

Aliás, não foi outra a orientação do legislador federal (Lei n° 6.223, de14-7-1975), quando dispôs sobre a fiscalização financeira pelo Tribunal de Contascompetente, dos órgãos da administração indireta e até mesmo das Fundações, nãosó da União e dos Estados, mas também dos Municípios (arts. 7° e 8º)

"Art. 7º - As entidades públicas com personalidade jurídica de direitoprivado, cujo capital pertença, exclusiva ou majoritariamente, à União, aoEstado, ao Distrito Federal, a Município ou a qualquer entidade daadministração indireta, ficam submetidas à fiscalização financeira do Tribunalde Contas competente, sem prejuízo do controle exercido pelo PoderExecutivo.

Art. 8º - Aplicam-se os preceitos desta Lei, no que couber, às Fundaçõesinstituídas ou mantidas pelo Poder Público."

Ora, qual o Tribunal de Contas competente para exercer a fiscalizaçãofinanceira e orçamentária das entidades da administração indireta dos Municípios,senão o Tribunal de Contas Estadual?

Por outro lado, a apreciação da legalidade das concessões iniciais deaposentadoria e pensões também integra o sistema de controle externo a cargo dasCortes de Contas, pois trata-se de atos de que resulta despesa para o Erário (osproventos, quando concedida a aposentadoria, correspondem a dispêndios novos,classificados em "Transferências Correntes", os quais deixam aberto e livre oquantitativo correspondente à dotação de "Pessoal"; e bem assim as pensões, umavez concedidas, criam obrigações novas para o Estado).

Concluindo, entendemos que os Tribunais de Contas Estaduais, no exercíciodo controle externo sobre a administração financeira e orçamentária, salvo emrelação aos municípios que mantêm Corte de Contas, têm competência para:

a) o julgamento das contas dos responsáveis pela movimentação das dotaçõesdas unidades orçamentárias da administração direta e dos administradores dasentidades da administração indireta dos Municípios, inclusive de suas Fundações;

b) a apreciação da legalidade das concessões iniciais de aposentadoria epensões dos servidores municipais.

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O EMPENHO DA DESPESA E SUAS IMPLICAÇÕES

SENITHES GOMES MORAES(*)

e JANES FRANÇA MARTINS

SUMARIO: I - Empenho Cria a Obrigação Jurídica dePagar. - II O Empenho Reclama a Programação Financeira. III -O Empenho Reclama o Controle Interno. IV - A BurocraciaWeberiana Força o Aperfeiçoamento das Estruturas deControle. V - Conclusões.

I - O EMPENHO CRIA A OBRIGAÇÃO JURÍDICA DE PAGAR

Quando a Lei n° 4.320, de 17-3-64, lei nacional do orçamento, postula, no art.58, que "o empenho da despesa é o ato emanado de autoridade competente quecria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento decondição", cumpre entendê-la em toda a sua virtualidade.

Arízio de Viana (Orçamento Brasileiro - Edições Financeiras - 1950/194) negaque o empenho "tenha força de criar uma obrigação definitiva, lima vez que; podeser anulado posteriormente, tanto pela mesma autoridade que o tenha expedido,como por autoridade superior a ela".

Para Oscar Victorino Moreira também o empenho não cria qualquer obrigaçãoporque pode ser anulado unilateralmente sem assentimento da outra parte e semindenização (Administração Financeira e Contábil -DASP - 1958/25).

Mais recentemente, em Orçamento-Programa no Brasil (Edit. Revista dosTribunais, 1973/338 a 341), o eminente publicista José Afonso da Silva, ao assinalarque, se o empenho gera obrigação jurídica do Estado, em contrapartida deveriagerar direito em favor de quem se dá, assim prossegue: "Parece-nos que tal nãoocorre a não ser em hipóteses menos comuns. O legislador brasileiro confundiu onosso empenho com o engagement da legislação e da doutrina francesas, quecorresponde mais ou menos ao compromisso dos povos de língua espanhola" ou aoimpegno dos italianos. O autor assimila o empenho a um ato meramente formal,"que não cria, nem extingue, nem modifica nada; simplesmente registra, certifica, fazconstar, verifica no melhor dos casos (espécies de controle primário)" mas ressalva:"Há casos, previstos na legislação. em que o empenho de despesa constitui ato

(*)Conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo, Assessor Técnico do mesmo Tribunal.

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consubstanciador de obrigações, conforme estatui o art. 134 do Decreto-lei n.º 200,como exceção. Aí, sim, ele se reveste de natureza contratual e não é mero ato deregistro de despesa".

"E porque ele é, no direito orçamentário brasileiro, ato administrativo-finaneeiro, é de competência de agentes administrativos. A autoridadecompetente, referida no art. 58 da Lei n.º 4.320, é geralmente um funcionáriodas repartições do sistema de administração financeira". Para o autor, opróprio regime de adiantamento que a Lei n° 4.320 admite (art. 68), emborasalvaguarde a exigência do empenho prévio, "claramente não impõeobrigação ao Estado".

Como se vê, há autores que negam ao empenho a força de gerar obrigaçãojurídica do Estado todavia, não indicam, nem se conhece, o preceito de lei que terámodificado ou neutralizado a regra imperativa do art. 58 da Lei n° 4.320.

Ao contrário, o que subsiste no direito positivo brasileiro é uma leiadministrativa que, de forma tão válida como em qualquer outra lei comum, civil,penal ou comercial, determina que a administração pública se obriga através doempenho prévio da despesa.

Certamente, quando for do interesse público, poderá o empenho sercancelado, porque o interesse público sobreleva o interesse privado; mas isso nãoexclui a responsabilidade civil da Administração Pública. O cancelamento doempenho, portanto, deve depender do assentimento da outra parte ou sujeitar-seaos ônus financeiros que daí decorrerem.

Se, para executar uma obra, um fornecimento ou um serviço, o beneficiário doempenho tiver comprovadamente realizado despesas ou assumido compromissosonerosos com terceiros, a Administração Pública que, unilateralmente, a seuexclusivo arbítrio, cancelar o empenho, ficará sujeita a ver-se acionada por perdas edanos, aliás em plena harmonia com o art. 107 da Constituição Federal, segundo oqual "as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seusfuncionários, nessa qualidade, causarem a terceiros".

Parece que as demais alegações tendentes a descaracterizar o empenho comoinstituidor da obrigação de pagar são irrelevantes; mas convém examiná-las.

Em princípio, o responsável pelas obrigações que a Administração Públicaassume é o Chefe do Poder Executivo, seja o Presidente da República, oGovernador do Estado ou o Prefeito Municipal, pois só a eles cabe elaborar oorçamento, executá-lo e prestar contas ao Poder Legislativo da execução; asautoridades ou funcionários que assumem a obrigação de pagar são os ordenadoresda despesa, aos quais a Constituição (no caso dos Secretários de Estado), as leis,regulamentos ou atos específicos legalmente investem na qualidade de autoridadecompetente, a que se refere o art. 58 da Lei n° 4.320. São autoridades que ordename liquidam a despesa; agem juridicamente em nome do Estado.

O adiantamento ordena a um agente público executar despesas "que nãopossam subordinar-se ao processo normal de aplicação" (Lei n° 4.320, art. 68), taiscomo as que necessariamente hão de fazer-se em viagem, longe de estaçãopagadora, ou as que por sua natureza caracterizam-se como de pronto pagamento.A obrigação está ínsita no empenho; o Estado paga antes de criar a obrigação;entretanto, como faz certo o art. 107 da Constituição, a Administração pode ser

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chamada a pagar a despesa regularmente contraída, objeto do adiantamento, se porqualquer motivo o seu beneficiário ou executor não a pagar.

Cabe perquirir sobre o que serão aquelas despesas que não se subordinam ao"processo normal de aplicação", não definidas claramente na Lei n° 4.320. Seusentido pode-se buscar no parágrafo terceiro do art. 74 da Reforma AdministrativaFederal: são aqueles "casos excepcionais" de "despesa não atendível por viabancária". Isso, afinal, é, cabivelmente, interpretar o art. 65 da Lei n° 4.320,emprestando-lhe o sentido de que o pagamento da despesa, como regra, seráefetuado por estabelecimentos bancários credenciados; subsidiariamente portesouraria ou pagadoria regularmente instituída, com vista a manter o chamado"caixa pequeno"; e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.

"Há que se estabelecer restrições ao uso do regime de adiantamento, uma daspráticas mais deformadoras e nocivas enquistada nos hábitos burocráticos doServiço Público Federal", exorta J. de Nazaré Teixeira Dias em A ReformaAdministrativa de 1967 (FGV - 1969/136) , inadvertido de que o vício é nacional.

O uso vicioso do adiantamento visa geralmente à compra de partidas diminutasde material por muitas repartições, quando deveria fazer-se a compra somatória nasfontes produtoras e através de licitação. Fora dos restritos casos legais, oadiantamento enseja o superfaturamento, a química, o desperdício de recursos, adificuldade de controle.

Aliás, não é construtivo que o órgão superior de controle, ao colher umairregularidade ou mesmo um alcance financeiro na prestação de contas aprovadapelo ordenador da despesa, equivocadamente determine a regularização ou orecolhimento do alcance não ao ordenador mas ao beneficiário do adiantamento,cuja responsabilidade é adjeta. Isso estimula a multiplicação dos adiantamentos e daprática viciosa.

O ordenador do adiantamento ao aprovar a prestação de contas estabelece umcritério ou norma administrativa, que os escalões inferiores hierarquicamente hão deconsiderar nos atos posteriores. Se o Tribunal de Contas não aprova essa norma, háde agravar o ordenador da despesa, que é quem desobedece a seus cânones. Nãoé apropriado ao Tribunal ignorar que, na Administração Pública, o civil e o militarestão sujeitos à hierarquia.

Invoca-se que quase todo o Título X - Das Normas de AdministraçãoFinanceira e de Contabilidade da Reforma Administrativa Federal é de naturezageral e não de aplicação necessariamente específica no serviço público federal; poristo, na ausência de legislação estadual ou municipal específica, pode-se, senãodeve-se, considerá-lo, em termos, como uma "norma geral sobre orçamento,despesa e gestão patrimonial e financeira de natureza pública", enquadrada nacompetência legislativa que o art. 8°, XVII, "c", da Constituição confere à União.

Outra objeção ao sentido amplo do empenho é a de que ele só consubstanciaobrigação nos casos do art. 134, II, da Reforma Administrativa Federal, isto é,quando o empenho se refere a despesa de licitação ultimada.

Mas essa é uma norma jurídica tão válida quanto a que declara constituir oempenho uma obrigação de pagamento.

A licitação é a regra; excepciona-se apenas quando não deve ser tolhida umaação administrativa que se requer expedida; quando cumpre à Administração confiar

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nos entes que ela mesma cria; quando a despesa é insignificante bastante para serdesprezível o risco econômico de não gastar-se com as formalidades da licitação;quando a natureza da despesa adstringe-se à conveniência funcional do serviço, aum fornecedor único ou de alta qualificação, ou à preferência artística de gostopessoal (D.L. 200/67, art. 126, § 2º, Lei n° 5.456/68).

A lei exige o contrato formal na concorrência (D.L. 200, art. 134, I) , não porqueo empenho não crie obrigação, mas por tratar-se de despesa cujo vulto oucomplexidade reclama minudenciar cautelas dispensáveis nas obrigações de menorvulto, discriminadas nos pedidos de material ou serviço e que geralmente seexaurem com a imediata tradição da coisa ou execução do trabalho.

Aliás, a simples ordem de fornecer ou de prestar serviço, até sem empenho,obriga, conforme decorre do art. 107 da Constituição.

Mas, ontologicamente, qual a diferença entre a compra mediante a licitação,que é princípio normativo moralizador da despesa, e a compra sem a licitação,faculdade excepcional que permite ao administrador, a seu exclusivo arbítrio, agirsem o resguardo do princípio moralizador?

Ambas constituem uma compra per se; não há diferença, salvo a de que acompra sem licitação deve tornar o administrador ainda mais rigoroso consigomesmo, ainda mais obrigado a pagar, já não devido a que o empenho juridicamenteobriga, como de direito obriga, mas porque, no dizer de Hauriou, "a Administraçãodeve agir sempre de boa fé, porque isso faz parte da sua moralidade" (Hely LopesMeirelles em Direito Administrativo Brasileiro - Editora Revista dos Tribunais,1975/82).

Também não atende ao sentido exato do empenho alegar que a obrigação depagamento só nasce após a fase orçamentária da liquidação da despesa.

A liquidação verifica o montante a pagar, através do atestado de funcionáriocom autoridade competente para dizer como foi preenchida a condição pendente,isto é, como e em que grau foi o serviço prestado, o material fornecido ou a obraexecutada, em confronto com os pedidos, as discriminações, as marcas, as plantas,os projetos ou as especificações.

"A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelocredor", diz o art. 63 da Lei n.º 4.320.

O implemento de condição não desfigura a obrigação; é corrente nas relaçõescomerciais.

Se o vendedor não remete a mercadoria como foi pedida, o compradorcoloca-a à disposição; se A acerta por troca de correspondência comprar umapartida de arroz a B, e no entrementes o preço sobe verticalmente porque, digamos,o Governo abriu a exportação, pode A comprador acionar B vendedor por perdas,danos e lucros cessantes, se B preferir remeter a mercadoria para o exterior sematender ao pedido de A.

"O empenho é o pedido de fornecimento", diz Agenor de Roure (O Orçamento,Liv. Pimenta de Mello 1926/201); e Affonso Almiro doutrina que "as conseqüênciasdo empenho prévio são de ordem jurídica, com a criação do compromisso pendenteconditione, e de ordem contábil, com a operação aritmética de dedução docompromisso na dotação correspondente" (Técnica Orçamentária - Edit. Guaíra -s/data/98).

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Nem todo empenho, aliás, pende de condições, desde que se trate de quantiase prazos de vencimento fixos e predeterminados, como aluguéis, arrendamentos,foro ou juros, sendo que quanto aos proventos da aposentadoria dos funcionárioseventualmente se lhes exige provar que estão vivos.

II - O EMPENHO RECLAMA A PROGRAMAÇÃO FINANCEIRA

No contexto da Lei n.º 4.320, em conjunção com os arts. 47 a 50, o empenhorepresenta, inclusive, uma segurança efetiva de pagamento porque há de ajustar-seà programação financeira da despesa.

Essa programação de desembolso, que há de ser baixada "imediatamenteapós a promulgação da Lei do Orçamento" em cotas trimestrais (art. 47), tem oobjetivo de "assegurar às unidades orçamentárias, em tempo útil, a sana derecursos necessários e suficientes à melhor execução do seu programa anual detrabalho" (art. 48, "a" ), e "levará em conta os créditos adicionais e as operaçõesextra-orçamentárias" (art. 49).

Essa programação não é de ordem interna; há de ser baixada por decreto elevada, portanto, para o domínio público.

Há de referir-se a todo o exercício, embora escalonada em "cotas trimestrais"(art. 47), que "poderão ser alteradas durante o exercício, observados o limite dadotação e o comportamento da execução orçamentária" (art. 50) .

Se pudesse ser baixada de trimestre a trimestre, já que em duodécimo já nemé mais lícito falar-se, remanesceriam praticamente impedidos de aplicar-se os §§ 2°e 39 do art. 60. Não se poderia fazer o empenho por estimativa de combustíveis,água, energia elétrica, telefone ou passagens, nem o empenho global das obraspúblicas, despesas todas essas que têm ou podem ter existência no decorrer detodo o exercício.

Repetir mensal ou trimestralmente o empenho de despesas dessa natureza épura burocracia estéril, que multiplica custos com papelório inútil.

O orçamento é uma autorização legislativa para gastar; a programaçãofinanceira define até quanto o Poder Público pode gastar, durante todo o exercício.

A programação financeira poderá referir-se só ao Poder Executivo, pois aConstituição postula (art. 68) que o numerário correspondente aos créditosorçamentários dos Poderes Legislativo e judiciário "será entregue no início de cadatrimestre, em quotas . . . com participação percentual nunca inferior à estabelecidapelo Poder Executivo para os seus próprios órgãos".

Na programação financeira os recursos de caixa serão divididos em duasclasses:

a) uma, relativa aos recursos que o Chefe do Governo desde logo asseguraque entregará aos órgãos administrativos no decorrer do exercício;

b) outra, relativa às parcelas diferidas, isto é, cuja entrega será programadaposteriormente, pelo menos até o terceiro trimestre, pois dependerá docomportamento da arrecadação, da efetivação de acordos, convênios, operações decrédito, ou seja, da evolução da conjuntura.

A Lei n.º 4.320 introduz na Administração Pública esse aperfeiçoamentometodológico: logo após baixada a programação financeira de desembolso, osSecretários de Estado determinarão quais programas de trabalho da sua área de

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competência serão desde logo atacados, quais deverão ter a sua execuçãoretardada ou adiada pois toda a administração há que ajustar seu ritmo de ação aofluxo de caixa programado.

A cota financeira cuja entrega é antecipadamente assegurada corresponde àreceita cuja probabilidade de recolhimento é deduzida, ou pela estatísticamatemática ou pelo conhecimento pragmático dos funcionários do Tesouro, combase nos dados comparativos do comportamento da receita em exercíciosanteriores, onde as deficiências de receita de um mês se compensam em outro. Nocaso de eventual defasagem da arrecadação das parcelas programadas poder-se-áfazer uma operação de crédito por antecipação de receita (C.F. art. 60, I) .

A programação financeira lembra, mas exclui, os antigos planos de economiaou de contenção de despesa, os quais, de resto, não impediam que obrigações depagar pudessem ser assumidas sem a segurança, que hoje ocorre, de que seriampagas.

Porque hoje já não basta haver o crédito ou dotação orçamentária para poderse empenhar; é preciso também haver recurso de caixa programado, o qual tem oobjetivo de "assegurar às unidades orçamentárias, em tempo útil, a soma derecursos necessários e suficientes à melhor execução do seu programa de trabalho"(Lei n° 4.320, art. 48, "a").

Observe-se que embora esteja implícito no art. 63, § 2°, da Lei n° 4.320, que aNota de Empenho deva ser entregue ao credor, a redação imprecisa não deveimpedir a realização desse ato de transcendente significação. Na União o Código deContabilidade Pública determina que a primeira via do empenho seja entregue aocredor (RGCPU, art. 236, § l9), e nos Estados e Municípios que ainda nãodisponham de legislação a respeito, permanece vigendo, porque ainda não revogadoo § 4° do art. 15 das então revolucionárias Normas Financeiras aprovadas peloDecreto-Lei n° 2.416, de 17 de março de 1940.

Pena é que as Confederações do Comércio e da Indústria e as associaçõesque congregam os profissionais que contratam obras e serviços não difundam entreseus filiados a alta significação jurídica da Nota de Empenho regularmente emitida,pois em muitas praças o contratante de obras, serviços ou fornecimentos nemsequer sabem da existência desse instituto que, na Itália, segundo o nosso grandeJoão Lyra Filho, é o "documento nobre da despesa" (Despesa versos Receita -Pongetti, 1956/71).

Cabe ainda observar que a exigência do empenho prévio não deve levar aoexcesso de considerar inexistente a obrigação por despesa contraída sem empenhomas em nome e para utilidade do serviço público (ver o art. 107 da Constituição).

Se a lei proíbe o enriquecimento sem causa do particular, com mais razão amoralidade administrativa impede à Administração Pública locupletar-seindevidamente. Quem deve ser punido é o funcionário que pratica a irregularidade,não o fornecedor de boa fé, que há de ser pago.

E nem sempre contrair obrigação financeira sem empenho é praticarirregularidade. Se um funcionário sai a serviço pelo interior e vê o automóvel darepartição parar por defeito, cabe-lhe zelosamente obter que a primeira oficina debeira de estrada coloque o veículo em condições de ele prosseguir a missão.

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Ao regressar à sede fará o relatório escrito da ocorrência, e merecerá entrarpara o anedotário da repartição o chefe de serviço que não aprovar o ato, determinaro empenho a posteriori, e o imediato pagamento do provavelmente modestomecânico que ajudou o servidor levar sua mensagem a Garcia.

Magalhães Júnior, no seu curioso Dicionário Brasileiro de Provérbios, diz tersido Santo Agostinho quem, nas Confissões, afirmou que a necessidade nãoconhece leis. E, irônico, acrescenta que o Chanceler do Império Alemão, em 1914,justificou ter violado a neutralidade da Bélgica porque a Alemanha estava em estadode necessidade e a necessidade não conhece leis.

Há que distinguir entre o carro que imprevistamente quebra e a violaçãodeliberada da lei.

III - O E MPENHO RECLAMA O CONTROLE INTERNO

Quando se folheiam os autores franceses sente-se bem que desde o Códigode Contabilidade da União e do seu Regulamento o nosso empenho é a exatatradução ideológica do engagement das leis de contabilidade da França.

Para Maurice Duverger (Institutions Financières - Presses Universitaires -1957/377-8), o empenho é o ato ou fato que tem por conseqüência tornar o Estadodevedor ou fazer juridicamente nascer uma despesa a seu cargo; para JulienLaferrière e Marcel Waline (Traité Élémentaire de Science et de LégislationFinancières - Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence - 1952/ 12 ), é o ato apartir do qual não depende mais da vontade do Estado ou de seus representantesque a dívida deixe de nascer, ou seja, a dívida relativa ao empenho do material oudo serviço encomendados depende da entrega de um ou da prestação do outro;Louis Trotabas não diverge desse entendimento (Droit Budgétaire et ComptabilitéPublique - Dalloz - 1972/190).

Grave meditação merecem as palavras de Aliomar Baleeiro: "esse diploma queirrita os administradores e é freqüentemente invocado como desculpa da ineficiênciaburocrática, inspirou-se na legislação francesa, que desde 1862 serve de paradigmano assunto. Várias providências, notadamente o empenho, asseguram, no Código, aobservância das regras clássicas do orçamento e previnem as malversações" (UmaIntrodução a Ciência das Finanças - Forense - 1976/437).

O empenho, há mais de um século, não impede o constante desenvolvimentode um país do nível de civilização da França. Ele, como as demais disposições daLei n° 4.320, não embaraça o administrador competente, que com clarividência ouao menos com bom senso tenha (art. 23 ) preparado o quadro de previsõesplurianuais de capital (hoje também exigência do parágrafo único do art. 60 daConstituição), tenha formulado um prudente programa anual de trabalho (art. 27 ), euma ainda mais prudente programação financeira de desembolso (art. 47) .

Mas, a remessa da Nota de Empenho, o título que documenta a obrigação, jánão cabe mais ser exigida pelos Tribunais de Contas às unidades administrativas;ressalvadas as requisições dos processos de despesa para maiores verificações, osempenhos serão contrasteados dentro das unidades orçamentárias ou onde se fizera contabilidade, através das inspeções necessárias, a que se refere o § 3° do art. 70da Constituição.

Em contrapartida, a Constituição empresta marcante responsabilidade aocontrole interno, que deve "assegurar regularidade à realização da receita e da

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despesa" (art. 71, I), em harmonia com a Lei n° 4.320, para a qual o controle internodeverá verificar "a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita oua realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações" (art.75, I e 76). Como componente básico do controle interno, compete "aos serviços decontabilidade ou órgãos equivalentes verificar a exata observância dos limites dascotas trimestrais atribuídas a cada unidade orçamentária" (art. 80).

A contabilidade guia e orienta a administração, pois deve fazer o"acompanhamento da execução orçamentária" (art. 85), e evidenciar "a situação detodos quantos, de qualquer modo, arrecadem receitas, efetuem despesas" (art. 83 ).

Esse evidenciar quantos de qualquer modo arrecadem e paguem, visa aabranger não só as operações orçamentárias como também as extra-orçamentárias,ou seja, todas as operações de que resultem débito e crédito (Lei n° 4.320, art. 93) ,tais como, entre outras, as dos repasses ou recursos financeiros havidos noexercício e não previstos no orçamento, relativos a acordos, convênios ou contratosfirmados com o Governo Federal, o BNH, a SUDENE, a Empresa Brasileira deTransportes Urbanos ou quaisquer outras fontes, os quais, muita vez, e então comséria irregularidade, são manejados sem registro na contabilidade geral e semfigurar nas demonstrações contábeis que devem ser remetidas periodicamente aoTribunal de Contas.

A rigor, as inspeções do Tribunal de Contas devem encontrar as contas dasunidades administrativas dos três Poderes com a regularidade já certificada pelocontrole interno, pois a Constituição estatui que este deve "acompanhar a execuçãodo programa de trabalho e a do orçamento" e "criar condições indispensáveis (grifonosso) para assegurar eficácia ao controle externo" (art. 71, I e II). A exigênciaconstitucional, aliás apenas confirma a Lei n.º 4.320: o controle interno atua prévia econcomitantemente (art. 77) , e os serviços de contabilidade acompanham aexecução orçamentária (art. 85) .

É evidente serem os Governos obrigados a estruturar o controle internoconforme a Constituição intimativamente comanda e, aí, o empenho sofre ocontrasteamento no nascedouro, quando pode até impedir-se a tempo aconsumação de irregularidades.

IV - A BUROCRACIA WEBERIANA FORÇA O APERFEIÇOAMENTO DASESTRUTURAS DE CONTROLE

Sabe-se que as leis administrativas visam a assegurar o melhor funcionamentodo serviço público; mas a política, aqui no sentido científico, transcende aadministração, e muita vez faz mister ao administrador adaptar o texto aos fatosadministrativos emergentes ou suprir a falta dos textos.

Max Weber, sem ter conhecido as tremendas proporções da sociedadetecnológica de hoje, desvendou que a avassaladora máquina burocrática, emqualquer organização de certo vulto, pública, privada ou religiosa, especializa-se dosmais baixos níveis até os mais altos graus hierárquicos, e cria o problema delicadode impedir que os especialistas que se infiltram nas cúpulas hierárquicas acabeminfluindo antes no sentido dos seus próprios valores profissionais do que no sentidode atender os fins sociais da organização.

Na administração pública, esse perigo sobe de ponto quando se criamempresas até pelo desmembramento de serviços públicos típicos, embora o art. 170da Constituição só permita ao Estado agir fora dos quadros do serviço público para

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explorar atividades econômicas, e assim mesmo quando essas atividades nãoatraem o interesse dos empresários privados.

Compreende-se que, na administração direta ou na indireta, possam ocorrerdistorções alheias ao conhecimento dos Governantes, os quais serão os maioresinteressados em por-lhes cobro, seja com relação à moralidade administrativa, sejacom relação aos objetivos programáticos.

Na administração indireta, a fiscalização for-se-á nos termos da Lei Federal n°6.223, de 14-7-75.

Francis Fabre ao fechar o seu pequeno mas excelente livrinho Le Controle desFinances Publiques (Presses Universitaires - 1968 ), lembra que ao Tribunal deContas, ao julgar as contas e não os que as fazem, cabe-lhe censurar faltas oureclamar sanções, mas sua finalidade superior é contribuir para melhorar acapacidade da gestão administrativa.

Já dizia Ruy que entre o poder que autoriza a despesa e o poder que aexecuta, o Tribunal de Contas é "o mediador independente, auxiliar de um e deoutro".

Essa função auxiliar ele a executa não apenas quando acompanha a execuçãodo orçamento e aprecia criticamente as contas anuais, mas, também, quando,prevenindo irregularidades, responde a consultas das autoridades federais,estaduais e municipais. Sobretudo municipais, porque os Municípios, na maioriabaldos de recursos para manterem assessorias qualificadas, têm pela mão diligentee prestadia dos Tribunais de Contas, como conhecer os sadios princípios da boaadministração financeira.

Entretanto, diante das estruturas executivas cada vez mais evoluídas, osórgãos de controle com estruturas tradicionais pesam mais sobre os atos oucontratos simples do que sobre os mais sofisticados ou de mais alta: tecnicidadefinanceira.

A administração desenvolvida ou influenciada por cúpulas hierarquicamente dealto nível reclamam o controle, interno ou externo, conduzido por pessoal da maisalta qualificação, constantemente aprimorado, pelo menos através da freqüência decongressos, simpósios ou cursos de atualização de conhecimento específico. Alémdisso, deve ser o mais bem pago possível e indispensavelmente coberto pelagarantia da estabilidade.

A alta qualificação permite surpreender, na administração direta ou indireta,mesmo as mais sutis distorções das normas da boa administração, que serão talvezas mais quantiosas ou mais insidiosamente iterativas; e a estabilidade guarda dainfluência da política partidária, das relações de amizade, das pressões de naturezaeconômica ou de qualquer outra natureza.

Dentro do mecanismo da administração planificada estatuído na Constituição,não pode haver oposição de interesses entre o Governo, o Controle Interno e oControle Externo; todos hão de ter o mesmo objetivo: ver executados os programasde trabalho expressos no orçamento, com a inevitável obediência aos princípios demoralidade expressos nas normas legais. O controle externo há que integrar-se naadministração.

O Controle Interno é a contrapartida do planejamento; indica as falhas deprevisão, permite corrigir os desvios de execução, verifica em que medida foram

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atingidas as metas programadas, mede a eficácia administrativa, verifica aregularidade da execução da receita e da despesa.

A contabilidade, porque faz o empenho, é o primeiro degrau do controleinterno, cumpre-lhe evidenciar metodicamente todos os atos e fatos financeiros daadministração. Conseqüentemente, o plano de contas tem a natureza jurídica deregulamento e há de baixar-se por decreto, para conhecimento de todos, inclusivedo Tribunal de Contas.

Ao Tribunal de Contas, com economia de meios, decidida rejeição dofetichismo processual, e acima de quaisquer preocupações com pessoas cabedeliberar através da comparação do ato ou fato financeiro com o preceito da lei. Opreceito legal necessariamente há de invocar-se na decisão, para que esta sejadecorrência lógica e obrigatória dele, e não de um puro preconceito dogmático eautoritário, incompatível com a ordem democrática, que se funda nas regras dodireito.

V - CONCLUSÕES

Pelo que se expõe, conclui-se decorrerem do empenho as seguintesimplicações:

1° - cria juridicamente a obrigação de pagamento (Lei n° 4.320, arts. 58 a 61);

2° - força a Administração Pública:

a) a baixar, em decreto, a programação financeira da despesa relativa,prospectivamente, a todo o exercício financeiro, escalonada por trimestres (Lei n.º4.320, arts. 47 a 50) ;

b) a estruturar o controle interno de forma a poder verificar a legalidade préviae concomitante dos atos da execução orçamentária, e criar condiçõesindispensáveis à eficácia do controle do Tribunal de Contas (C.F. art. 71 e Lei n°4.320, arts. 75 a 79) ;

c) a organizar ou reorganizar os serviços de contabilidade de forma a, além deoutros consectários, permitir' o acompanhamento da execução orçamentária (Lei n°4.320, arts. 80 -e 83 a 106) ;

d) a baixar o plano de contas em decreto, para que todos aí compreendido oTribunal de Contas, dele tomem conhecimento pelo Diário Oficial;

e) a remeter ao Tribunal de Contas a relação dos ordenadores de despesa,comunicando imediatamente as alterações posteriores, com vista a que o órgão decontrole externo fique no permanente conhecimento das autoridades competentespara assumir obrigações financeiras em nome do Estado (Lei n° 4.320, art. 58) ;

f) a entregar a primeira (1ª ) via da Nota de Empenho ao contratante da obra,fornecimento ou serviço, contendo basicamente o nome da repartição devedora,nome da autoridade que autorizou a despesa, designação da dotação orçamentária,especificação do material, obra ou serviço, preço unitário, parcela e importância totala empenhar, assinatura do funcionário regulamentarmente autorizado a emitir a Notade Empenho (R.G.C.P.U., art. 236, § 1°, e Lei n° 2.416, art. 15, §§ 1° e 2°);

3° - força o Tribunal de Contas a cogentemente promover junto ao Governo,informal e conciliatoriamente, as providências para se institucionalizarem,reformarem ou estabelecerem os órgãos, serviços, estruturas ou medidas referidasnas letras anteriores, ou, não sendo atendido, representar formalmente ao Poder

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Executivo ou aos Poderes Executivo e Legislativo, por compulsão do § 4° do art. 72da Constituição do País, no sentido de que se cumpram as referidas exigênciasconstitucionais e da lei nacional do Orçamento.

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INSTITUTO DO REGISTRO. ATUAL SISTEMA DECONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA

JOSÉ BORBA PEDREIRA LAPA(*)

PARECER

O eminente autor da tese, Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, a fazpreceder de uma nota introdutória, alertando que a Emenda Constitucional n° 7inscreve disposição visando modificar o exercício, pelos Tribunais de Contas, dojulgamento da legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões.Labora carreando e adentrando questões relevantes para a atividade dos Tribunaisde Contas nos níveis municipal, estadual e federal. As eventuais dificuldadesemergentes, assinala, são respeitantes ao julgamento da legalidade das concessõese seu registro, da faculdade outorgada ao Presidente da República para ordenar oregistro de concessões julgadas ilegais pelos Tribunais de Contas e da necessidadede se estender o padrão federal ao controle externo dos Estados, do Distrito Federale Municípios.

Em seguida, passa a analisar a natureza do julgamento dos Tribunais deContas.

Entende, a propósito, que não houve alteração no exame e deliberação pelasCortes de Contas, quanto aos atos de inatividade e pensões civis e militares. E ojulgamento das concessões iniciais, respaldado em argumentos de autoridades(consolidado mesmo na jurisprudência administrativa), resume-se em simplesapreciação para fins de controle jurisdicional.

A controvérsia existente em passado já remoto sobre se as decisões dosTribunais de Contas relativamente à legalidade de contratos, aposentadorias,reformas e pensões, subordinadas constitucionalmente a um órgão político, astornavam imunes à revisão judiciária, não subsistiu antes mesmo da Emenda n° 7/77, dada à permanente impossibilidade, igualmente constitucional, de subtrair-se àapreciação do Poder judiciário qualquer lesão de direito individual. E não prosperou,dizemos nós, ainda quando se pudesse deixar de lado apenas tal fundamentação, apretexto de exercerem as Casas do Congresso função judicante (nos casosestabelecidos). Todavia, o preceito que assim dispõe é indissociável daquele outrotambém da Constituição, instituídor da ação popular, permitindo, a qualquer cidadão,pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio daUnião... etc., sem limitar o exercício de tão útil e moralizador procedimento judicial adeterminada fase da formação dos atos administrativos.

(*)Auditor Jurídico do Tribunal de Contas da Bahia.

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Vejamos a respeito o magistério de Vitor Nunes Leal, em seu magistralProblemas de Direito Público - 1ª edição, pág. 236 (Valor das Decisões do Tribunalde Contas)

"... como a quase totalidade dos atos que interessam ao patrimônio daUnião depende de registro no Tribunal de Contas, a ação popular resultariainteiramente inócua, se o pronunciamento desse órgão vedasse o reexame daquestão pelo Poder judiciário. Ante a latitude da disposição constitucional,qualquer ato lesivo do patrimônio federal (a Constituição refere-se também aopatrimônio dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e dassociedades de economia mista) - pode ser apreciado pelo judiciário, mesmoque se tenha completado com o julgamento favorável de legalidade proferidapelo Tribunal de Contas.

A invocação deste argumento parece-nos decisiva para corroborar a tesede que as decisões do Tribunal de Contas sobre a legalidade de contratos,aposentadorias, reformas e pensões, embora qualificada de julgamentos pelotexto constitucional, não escapam ao controle judiciário, desde que se nãotenha consumado a prescrição, matéria sobre a qual o próprio judiciário nosdirá a última palavra."

Atualmente, já de algum temo a esta parte, o assunto se pacificou na doutrina ena jurisprudência. É que o Tribunal de Contas da União, ocupando posição singularna administração brasileira, porque instituído constitucionalmente como órgãoauxiliar do Poder Legislativo (art. 70, § 1° da Emenda n.º 1/69), nem por isso deixade desempenhar atribuições jurisdicionais administrativas, relacionadas com afiscalização da execução orçamentária, com a aplicação dos dinheiros públicos, coma legalidade dos contratos, aposentadorias e pensões. Desempenho esse a par desuas atribuições opinativas, verificadoras e assessoradoras, tambémdesempenhadas pelos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.

A observação do não menos magistral Hely Lopes Meirelles, em seu livroDireito Administrativo Brasileiro, 5ª edição atualizada, pág. 730, nota 40, fulmina oserôdio entendimento de alguns poucos recalcitrantes:

"Não se confunda "jurisdicional" com "judicial". Jurisdição é a atividade de dizero direito, e tanto diz o direito o Poder judiciário como o Executivo e até mesmo oLegislativo, quando interpretam e aplicam a lei. Todos os poderes e órgãos exercemjurisdição, mas somente o Poder judiciário tem o monopólio da jurisdição judicial, istoé, de dizer o direito com força de coisa julgada. É por isso que a jurisdição doTribunal de Contas é meramente administrativa, estando suas decisões sujeitas acorreção pelo Poder judiciário, quando lesivas do direito individual, como já foisumulado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 6) e reiteradamente decidido pelanossa justiça (Cf. STF, RTJ-32/115; RDA 47/182; 59/311; TJSP - RDA - 38/299;48/307; RT 224/341; 235/330; 252/331; 293/160; 357!466; TASPRDA 63/215; RT297/602."

Luiz Zaidman, Auditor do Tribunal de Contas do Distrito Federal, em teseigualmente brilhante, apresentada ao VII Congresso dos Tribunais de Contas doBrasil, realizado em Belém, em outubro de 1973, intitulada As Funções das Cortesde Contas Brasileiras à Luz da Teoria do Controle jurídico (Anais, pág. 890), aoanalisar o julgamento de contas que, a partir da Constituição de 1967 se inseriuentre as atividades de controle externo, também adverte com muita sabedoria, queessa atribuição ficou especificada não como julgamento dos responsáveis, nem

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mesmo das contas, como diziam as Constituições e leis anteriores. (e ainda repeteem gênero, a atual, no art. 70, § 1°) , mas, tão-somente, da regularidade das contas(art. 70, § 4°)

"Julgar, no caso, é avaliar, conferir, ajuizar a regularidade das contas. Oponto de maior proximidade entre os órgãos com essa função de controle e osjurisdicionais situa-se em que, no tocante ao ressarcimento, os primeirospodem determiná-lo, promovê-lo e, às vezes, consegui-lo na viaadministrativa, enquanto os segundos são hábeis a torná-lo efetivo, sem oconcurso da vontade do obrigado e com a força da coisa julgada."

A propósito dessa referência à coisa julgada, bem se ajusta esta outra lição deHely Lopes Meirelles, na obra citada, pág. 634, nota 13:

"Jurisdição é atividade de dizer o direito, de decidir na sua esfera decompetência. E tanto decide o judiciário como o Executivo e até o Legislativo,quando interpretam e aplicam a lei. Portanto, todos os poderes e órgãosexercem jurisdição, mas somente o Poder Judiciário tem o monopólio dajurisdição judicial, isto é, de decidir com força de coisa julgada, definitiva eirreformável por via recursal, ou por lei subseqüente (Constituição daRepública, art. 153, § 3°). Há, portanto, coisa julgada administrativa e coisajulgada judicial, inconfundíveis entre si, porque resultam de jurisdiçõesdiferentes." (Sic)

O erudito autor da tese que honrosamente relatamos reforça essas conclusõesquando aprecia, sob o ponto de vista semântico, o verbo julgar, como transitivoindireto, com acepção diversa na forma transitiva direta, até sob o prisma jurídico,daí também agasalhar o entendimento de que, em resultado do disposto no art. 153,§ 4°, da Emenda n° 1/69, a atividade do Tribunal de Contas, in casu, "reduz-se amera apreciação administrativa para avaliar a conformidade dos atos às normasregulamentares".

Bem de ver, o julgamento político não exclui o ulterior pronunciamento dojudiciário, nos mesmos termos que o julgado criminal exclui a ação civil, de sorte anão se poder questionar mais sobre a existência do fato ou quem seja o seu autor(art. 1.525, Código Civil), equívoco em que incorreu, admitindo a exclusão, orenomado Prof. Ruy Cirne Lima (Anais do 111 Congresso dos Tribunais de Contasdo Brasil - 2° volume). Na verdade, proclama Castro Nunes, de sempre lembrada ereverenciada memória, com o peso de sua respeitada autoridade de jurista eex-Ministro do STF, "o Tribunal de Contas não se reveste das característicasjudiciárias. Ele é apenas a mais alta jurisdição administrativa da República".

Outros aspectos são anotados na atualíssima e aplaudível tese do Dr. LincolnTeixeira Mendes Pinto da Luz, derredor o Registro - figura típica do sistema defiscalização anterior a 1967 - sua eficácia; o novo teor do § 8° do art. 72 daConstituição; a impropriedade técnica do Registro por ordem do Presidente daRepública; a exegese razoável do art. 72, citado; a obrigatoriedade do Modelofederal do Tribunal e a adaptação do direito legislado local, donde retira, afinal, assuas 11 (onze) conclusões.

Considerações colaterais sobre a Tese sub-exame foram apresentadas,judiciosamente, por Nilton José Cherem, digno e culto Presidente do Tribunal deContas de Santa Catarina. Com muita propriedade, destaca que o exercício dasatribuições conferidas ao Tribunal de Contas, de modo induvidoso, tem sido alvo de

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constantes mutações, notadamente entre as mais sérias a da abolição do Sistemado Registro Prévio (Constituição de 1946). Cuida, por outro lado, de emendasposteriores à introdução da moderna técnica de fiscalização através de auditoriasfinanceiras e orçamentárias (Carta de 1967) . Contudo, não estabelece comparaçõespara efeito de emissão de juízo de valor, porque ambas as formas de exercer afiscalização das finanças públicas, sublinha, apresentam méritos e imperfeições. Evai em frente:

- Como estabelecido na Constituição de 1967, a execução do ato é imediata,não dependente do registro no Tribunal de Contas; mas considerada irregular,esgotados os trâmites legais, a despesa impugnada é levada à responsabilidade doseu ordenador, na conformidade do dispositivo da Constituição, da Lei n° 4.320 e doDecreto-lei n° 200.

- Com o advento da Emenda Constitucional n° 7/77, os Tribunais de Contasapreciam a legalidade dos atos de aposentadoria, reforma e pensão para fins deregistro e se os hostiliza, o Chefe do Poder Executivo poderá ordenar a suaexecução ad referendum do Poder Legislativo (sic). Anteriormente, ao emitiremjulgamentos da legalidade das concessões iniciais dos mesmos atos, o PoderLegislativo deles não participava, eis que, exercendo o Tribunal uma atribuiçãoprópria, só o fazia em conexão com o titular da chefia do Poder Executivo.Cooperando os Tribunais de Contas na ultimação do ato complexo, o ato só era tidocomo perfeito se a sua manifestação fosse favorável; mas, se adversa, era tido porinexistente, porquanto, segundo Seabra Fagundes, "tendo por si a manifestação davontade do agente criador, ter-lhe-á faltado, no entanto, a do órgão de controle,indispensável para o seu aperfeiçoamento, como ato complexo" (sic).

Ainda anteriormente, verificando ilegalidades de quaisquer despesas, mesmoconseqüentes de contrato, poderia impugná-las o Tribunal de Contas, sustando aexecução do ato, tirante a execução de contratos, em si, a qual ficaria nadependência do pronunciamento do Poder Legislativo, cuja falta de pronunciamento,no prazo de 30 dias, implicaria na insubsistência da impugnação. Simplificando,como também observa o autor da tese, a Emenda n° 7/77 não introduziu inovaçãorelativamente aos atos enfocados e sim quanto às despesas decorrentes decontratos impugnados.

Sob a égide do novo regime, a atividade do Tribunal quanto aos atos deaposentadorias, reformas e pensões, passou a ser real e efetivo exercício deauditoria financeira e orçamentária, de que ficou constitucionalmente encarregado. Aprimeira se executa por amostragem, ao passo que a última, pelo alto teor jurídicode tais relações, se exercita como auditoria exaustiva, devendo os respectivosprocessos serem julgados, um a um, conforme a lei ou não. Sem sombra de dúvidae com efeito, no atual regime, o registro é uma verdadeira excrescência. Se nãoprevalece a premissa do veto apriorístico, típico da Lei n° 830/49, e se ao Tribunalincumbe, agora, tão-só a auditoria caso a caso, com relação às reformas, pensões eaposentadorias, pergunta com agudeza o autor da tese, qual a necessidade e osefeitos do registro?

A resposta ele mesmo dá: terá eficácia puramente formal, de estritocumprimento da Constituição e eventualmente facilita apurações estatísticas, deescasso e duvidoso valor. Do ponto de vista jurídico, será apenas uma superfetação,uma logomaquia, a adição de uma nota de legalidade a despesas já

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presumidamente conformes à lei. Ao invés do registro, o importante, agora, é adesaprovação do ato de concessão e a conseqüente impugnação pelo Tribunal.

Espancando dúvidas, então suscitadas, sobre se as despesas resultantes deaposentadorias, reformas e pensões poderiam ser sustadas, por ilegais, pelosTribunais de Contas, afirma o autor da tese, sempre de modo irreplicável, que aEmenda n° 7/77 volta à regra original da Constituição de 67, devolvendo-se aoChefe do Executivo competência para decretar a execução de todas as despesasimpugnadas diretamente pelo Tribunal de Contas. E em prol dessa interpretaçãocolaciona o magistério clarividente do Ministro Luiz Otávio Galloti, em parecerquando na Procuradoria do Tribunal de Contas da União:

"A supressão podia ser tida como irrelevante se não a precedesse, comovisto, debate sobre a restrição da faculdade presidencial no tocante a taisatos...

"Já agora parece induvidoso que os atos, cuja execução poderá serordenada pelo Presidente da República, mencionados no § 5° e alínea b, nãoincluem os de julgamento de legalidade de aposentadorias, reformas epensões, restringem-se a casos de despesas tidas como ilegais."

No item Impropriedade Técnica do Registro por Ordem do Presidente daRepública, giza que o registro há que ser feito no próprio Tribunal, pois aConstituição não alude a outro órgão, e só a ele. Vê, assim também o autor da tese,no cometimento ao Presidente da República da faculdade de "ordenar a execuçãoou o registro dos atos a que refere o Parágrafo anterior e alínea b do § 5°, 'adrefendum' do Congresso Nacional", dificuldades na solução do entendimento dotexto constitucional. Por exclusão, certo que os atos mencionados na alínea b do §5° do art. 72, sob exame, não estão sujeitos ao registro, este será, intuitivamente, odos atos de concessão a que alude o § 7°

Atento à posição de independência dos Tribunais de Contas, vê ainda comoaberração ao sistema de controle externo, possa o Presidente da República ordenarao Tribunal a declaração da legalidade de um ato que a Corte reputa ilegal, adespeito de praticado pela autoridade fiscalizadora. Também não enxerga nissonenhuma identidade com o instituto do registro sob reserva, a que parecehistoricamente filiar-se e justifica à saciedade.

De mais a mais, censura a redação adotada para o art. 72, § 8° e se mostraconvicto de que a sua interpretação, submetida ao crivo dos processoslógico-histórico-sistemático não permitirá ao Chefe do Executivo senão ordenar,apenas, a execução da despesa, como nos regimes das cartas políticas de 34 e 46.Terá, assim, o registro, natureza provisória, até seja o despacho presidencial objetodo referendum. do Congresso. Sobrevindo o referendum, o registro se tornarádefinitivo; se denegado, a Corte cancelará a anotação provisória.

Advoga, por outro lado, o acerto de que os Tribunais de Contas dos Estados,Distrito Federal e Municípios têm como paradigma, obrigatório, o Tribunal de Contasda União. A ele, pois, devem modelar-se. Em prol desse ponto de vista, alinhamúltiplos julgados, sumariados no parecer da Procuradoria-Geral da República,proferido no Recurso Extraordinário n° 78.568/AM. verbis:

"Se o Estado membro decide, à luz de seus próprios critério e interesse,instituir um Tribunal de Contas para auxiliar o Legislativo na fiscalização

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financeira e orçamentária, deverá seguir, nas suas linhas fundamentais, omodelo federal (RTJ - 73.560 )."

Incontendível é a interpretação, a esse propósito, do Supremo TribunalFederal, em face do disposto no art. 13, caput e inciso IV, da Carta Magna vigente.

Em tese que apresentamos ao VIII Congresso dos Tribunais de Contas doBrasil, e que foi aprovada, intitulada "Um Retrocesso Político-Constitucional noProcesso Evolutivo do Controle Externo Pelos Tribunais de Contas" (Anais, vol. II,págs. 523/4) , realçamos, com ênfase, ser o Tribunal de Contas da União parâmetrodaqueles outros, ao abrigo das mesmas razões verbais:

"2.0 - Ao consagrar a Emenda (artigo 13, IV) que os Estados-Membrosdevem respeito aos princípios nele estabelecidos quanto à fiscalizaçãoorçamentária e financeira, impôs, necessariamente, que os Tribunais deContas dos Estados fossem organizados e submetidos aos seus cânones.Assim, é de ver-se que o Tribunal de Contas da União é o modelo ao qualdeverão se ajustar. São eles um corolário do Princípio Maior, comandado peloTribunal de Contas da União:

Com efeito ao julgar procedente a RP 764/ES (RTJ 50/245 e seguintes)firmou essa Suprema Corte o princípio de que, se o Estado institui Tribunal deContas, deverá seguir o modelo Federal, nas suas linhas fundamentais àindependência desse órgão fiscalizador.

"2.1 - Do consignado, deduz-se, sem dificuldade, que o princípio básico eintangível dos controles externo e interno, e tudo mais que seja imanente àfiscalização orçamentária e financeira, representam o aperfeiçoamento doDireito preexistente como inspiração da consciência coletiva que ditou anecessidade de sedimentação da autonomia dos Tribunais de Contas, aindaregrada, no momento (artigos 70 e seus parágrafos e 115 da Emenda n°1/69). Daí se haver o órgão tornado mais juridicamente digno de proteção,como direito subjetivo da coletividade no conceito de Von Ihering (l'evolutióndu droit) e de Laband (droit publique de l'Empire Allemand, vol. II, págs. 260 eseguintes)."

Em suas lúcidas e judiciosas considerações, supra e retro aludidas, Nilton JoséCherem sintetiza que a Emenda n° 7/77 alterou o procedimento do Tribunal deContas naquilo que diz respeito ao sustamento de execução de contratos; se antesse deveria solicitar ao Poder Legislativo que o determinasse, agora é suficienterepresentar ao Chefe do Poder Executivo, para que este adote uma destasalternativas:

1 - Acatar a decisão impugnatória e anular o contrato.

2 - Determinar sua execução apesar da decisão contrária à legalidade proferidapelo Tribunal de Contas, submetendo seu despacho ao referendum do PoderLegislativo.

Evidencia, de outra parte, como altamente inconveniente, pelos resultadosconflitantes, de possível ocorrência, a aceitação das duas hipóteses precitadas. Oque se impõe, ex tunc, a partir da Emenda n° 7/77, é a opção pela segundahipótese, qual seja a representação ao Chefe do Poder Executivo, `forqueperfeitamente adequada à sistemática da fiscalização por auditoria e peque nãodiminui a competência do Poder Legislativo, que em última. instância administrativa,

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irá apreciar o despacho governamental e decidir sobre a legitimidade ou não docontrato apontado como irregular pelo Tribunal de Contas".

Concorda inteiramente com a tese ora relatada, na parte referente à expressão"ordenar a execução ou registro", ao fito perseguido pelo seu ilustre autor:

"Ora, se é o Tribunal que há de proceder o registro, a ele se destinará aordem emanada do Presidente, coisa que se nos afigura de todo incompatívelcom a lógica jurídica e, principalmente, com a posição de independência, queé apanágio e a própria razão de ser dos Tribunais de Contas. Constituiria realaberração a nosso sistema de controle externo que a autoridade fiscalizadapudesse ordenar ao órgão incumbido do exercício técnico do controle externo,a prática de ato contrário à sua livre convicção, ou, em termos mais simples,que o Presidente ordene ao Tribunal a declaração da legalidade de um atoque a Corte reputa ilegal."

Arremata, antes demonstrando a auto-executoriedade do co-respectivodispositivo constitucional (como tal já decidido pelas Cortes congêneres do País),mormente quando abrange princípios pertinentes à fiscalização orçamentária efinanceira, pela força emergente do mandamento contido no art. 13, inciso IV. daEmenda n° 1/69:

"Assim, transpondo para a órbita do poder estadual a disposiçãoconstante do § 8° do art. 72 da Constituição Federal, com a redação dadapela referida Emenda n° 7, entendo não prevalecer mais, embora nãorevogada expressamente, a solicitação à Assembléia Legislativa paradeterminar o sustamento do contrato impugnado por este Tribunal.

Com efeito, diz o legislador que o Presidente da República (ou oGovernador do Estado, no caso da incorporação ao texto estadual), poderáordenar a execução ou o registro dos atos a que se referem o parágrafoanterior ou a alínea "b", ad referendum do Congresso Nacional (ou aAssembléia Legislativa)".

A forma do verbo é plural - referem - o que me leva a concluir que, consideradaa nova sistemática, o Chefe do Poder Executivo poderá ordenar, ad referendum doPoder Legislativo, a execução dos atos impugnados constantes do parágrafoanterior, ou sejam aposentadorias, reformas ou pensões, bem como a execução doscontratos inquinados de vícios (alínea b, § 5°) .

Configurando simples faculdade traduzida na expressão "poderá", resta aindaao Executivo a opção de acatar a decisão impugnatória e anular o ato."

Afinal, o autor dessas apreciáveis considerações sobre a tese em relato,propõe:

"Além das recomendações formuladas que se solicite aos poderescompetentes a modificação redacional da letra b do § 5° do artigo 72, daConstituição Federal, substituindo-se a expressão exceto por inclusive e asupressão da letra e deste mesmo parágrafo, bem como a supressão do § 6°,por ineficaz."

Destarte, atendendo a que o trabalho ora examinado se apresenta, ao nossover, irreplicável, além de se afigurar notável, magnífica e atual contribuição jurídica,com vistas ao correto entendimento da Emenda Constitucional n° 7 /77 e sua boa

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aplicação (eliminadas as imperfeições e distorções postas em evidência)recomendamos a aprovação de todas as suas conclusões, assim resumidas:

1ª ) A introdução de três modificações na sistemática do controle dos atos deinativação dos servidores civis e militares e da concessão de pensões: a)asubstituição do tempo julgar por apreciar; b) o revivescimento da necessidade doregistro desses atos no Tribunal de Contas, ambas formais; e c) a última, de fundo,isto é, a faculdade conferida ao Presidente da República de ordenar ad referendumdo Congresso Nacional, a execução de despesas impugnadas pelo Tribunal a títulode ilegalidade.

2ª ) Ao Tribunal de Contas, compartindo com o Congresso Nacional, cabe oexame técnico, de natureza jurídico-contábil, no exercício do controle externo sobrea Administração financeira e orçamentária dos três Poderes da União, reservado aoLegislativo o exame político da atividade financeira federal, situando-se no âmbito docontrole, as funções da Corte de Contas, mesmo quando impliquem em julgamento.

3ª ) Os julgamentos proferidos pelos Tribunais de Contas têm a significação de"avaliar, formar juízo, ajuizar, apreciar, e não a de decidir, como juiz, sentenciar, darsentença".

4ª ) Apenas é de admitir-se, brevitatis causa, o emprego genérico da tradicionalexpressão "concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões".

5ª ) O atual sistema, inerente ao registro no Tribunal de Contas, repousa empostulado diametralmente oposto ao estabelecido no regime anterior à Constituiçãode 67, quando eqüivalia à suspensão formal de um veto legal presumido àexecutoriedade de certos atos de receita e despesa. Presentemente, o papel derelevo que se atribuía ao registro passou a caber à sustação da despesa ilegal,diretamente pela Corte de Contas, ou pelo Congresso Nacional por convocação doTribunal.

6ª ) Na sistemática da Emenda n° 7/77, o registro é um pleonasmo, umasuperfetação, uma logomaquia, por importar na outorga de nota formal de legalidadea atos ou despesas abonadas por presunção de legalidade. Deve, contudo, serefetuado, em obediência ao texto constitucional.

7ª ) Após 1967, a revisão das aposentadorias, reformas e pensões pelo controleexterno, se exercita em moldes de auditoria exaustiva, devendo operar-se aapresentação rotineira dos respectivos processos ao Tribunal, para verificação,individual, de legalidade.

8ª ) Não cabe ao Presidente da República "ordenar o registro das concessões",mas apenas determinar a execução das despesas decorrentes, ad referendum doCongresso Nacional, sem embargo da redação defeituosa emprestada ao § 8° doart. 72 da Constituição.

9ª ) Torna-se impositivo, de modo absoluto, o padrão federal da Corte deContas, ao plano dos Estados, ex vi do art. 13, caput, inciso IV da Lei Maior, emharmonia com iterativa e remançosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,estendendo-se aos Chefes dos Executivos locais a faculdade inscrita no § 8° do art.72 da Constituição.

10) Na adaptação das Cartas estaduais e leis orgânicas, é indispensável aadoção de fórmula tecnicamente mais exata, obviando a impropriedade do textofederal, conferindo-se ao Governador ou Prefeito (quando for o caso) a simples

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faculdade de decretar ad referendum do Legislativo, a execução das despesasdecorrentes do ato de inativação ou do concessório de pensões consideradas ilegaispelo Tribunal de Contas.

11) Devem adaptar-se à Emenda n° 7 /77 mesmo as Constituições de SãoPaulo e Santa Catarina, a despeito de, em princípio, já preverem a nuança depossibilidade de o Executivo remeter a decisão final desses atos ao PoderLegislativo, o mesmo não se podendo dizer da Carta Política do Maranhão, que,valendo-se de fórmula bastante genérica, já defere, claramente, ao Governador,essa competência.

Recomendamos mais, permissa vênia, passe a integrar estas conclusõesàquela a que chegou, com igual oportunidade, sabedoria e lucidez, o eminentePresidente do Tribunal de Contas de Santa Catarina, isto é, vale repetida, "que sesolicite aos poderes competentes a modificação redacional da letra b do § 5° do art.72 da Constituição Federal, substituindo-se a expressão exceto por inclusive e asupressão da letra e deste mesmo parágrafo, bem como a supressão do § 6°, porineficaz".

(Parecer oferecido ao IX Congresso de Tribunais de Contas). A tese acha-sepublicada no n° 6 desta Revista.

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INSTITUTO DO REGISTRO.EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 7.

NILTON JOSÉ CHEREM(*)

A atualidade do excelente trabalho apresentado pelo ilustre Procurador doTribunal de Contas do Distrito Federal obrigou-me a expor outros enfoques sobre amatéria, de inquestionável relevância para o desempenho da missão fiscalizadorados Tribunais do País.

Além disso, há no texto remissão expressa à Constituição do roeu Estado,Santa Catarina, em forma até mesmo elogiativa, a merecer, pelo menos, que adelegação por mim presidida não pecasse por omissão.

Destarte, permito-me solicitar aos Senhores Congressistas que, ao apreciaremo referido estudo, atentassem para as conclusões que ofereço, a título dedesinteressada contribuição.

O exercício das atribuições conferidas aos Tribunais de Contas tem sido alvode constantes mutações, entre as mais sérias, a que aboliu o sistema de registroprévio, da Constituição de 1946.

A condição que subordinava a executoriedade do ato administrativo ao prévioregistro do Tribunal foi substituída, na Carta de 67 e Emendas posteriores, pelamoderna técnica de fiscalização através de auditorias financeiras e orçamentárias.

Não pretendo aqui estabelecer juízos de comparação entre as duas formas deexercer a fiscalização das finanças públicas, visto como ambas apresentam méritose imperfeições.

O correspectivo que surgiu em 67, quando da abolição do registro prévio,consubstanciado no princípio da responsabilidade, é altamente benéfico eperfeitamente adequado à dinâmica da Administração.

O ato é executado de imediato, independentemente do registro no Tribunal;porém, se este o considerar irregular, esgotados os trâmites legais, a despesaimpugnada é levada à responsabilidade do seu ordenador, em consonância com osdispositivos da Constituição, da Lei n° 4.320 e do Decreto-lei n° 200.

Mas, interessa agora, a análise das repercussões trazidas pela Emenda n° 7,de 13 de abril de 1977, na ação dos Tribunais de Contas.

É que, na legislação pretérita, os Tribunais de Contas, ao julgarem dalegalidade das concessões iniciais de Aposentadorias, Reformas e Pensõesdesempenhavam atribuição própria, em conexão com o titular da Chefia do PoderExecutivo, sem qualquer participação do Poder Legislativo.

(*)Presidente do Tribunal de Contas de Santa Catarina.

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Ao apreciar sob esta legislação os atos de aposentadoria, reforma e pensão, osTribunais de Contas cooperavam na ultimação deste ato complexo e, se a suamanifestação fosse favorável, o ato era tido como perfeito, mas se fosse contrária, oato era considerado inexistente, porquanto -segundo preleciona o eminente MinistroSeabra Fagundes - "tendo por si a manifestação da vontade do agente criador,ter-lhe-á faltado, no entanto, a do órgão de controle, indispensável para o seuaperfeiçoamento como ato complexo" (sic).

Agora, com o advento da Emenda Constitucional n° 7/77, os Tribunais deContas apreciam a legalidade dos atos de aposentadoria, reforma e pensão, parafins de registro e se os hostiliza, o Chefe do Poder Executivo poderá ordenar a suaexecução "ad-referendum" do Poder Legislativo.

Ainda no desempenho da sua competência no império das disposiçõesconstitucionais antigas, os Tribunais de Contas ao terem verificado ilegalidades dequaisquer despesas, inclusive as decorrentes de contrato, poderiam impugná-las,sustando a execução do ato infringente da legislação vigorante, sustamento este,todavia, que não se estendia à execução de contratos, cuja medida deveria sersolicitada ao Poder Legislativo, assinando-se a este prazo de trinta dias paradeliberar a respeito, findo o qual, sem pronunciamento, a impugnação eraconsiderada insubsistente.

De outra feita, no entanto, a execução dos atos sustados pelos Tribunais deContas, poderia ser ordenada pelo Chefe do Poder Executivo, submetida à suadeterminação, em seguida, ao referendo do Poder Legislativo.

Quanto ao tratamento relativamente a estes atos, a Emenda n° 7/77 nadainovou. Mas, já no que diz respeito às despesas decorrentes de contratoshostilizados, a apreciação foi modificada.

Neste particular, também foi atribuída competência ao Chefe do PoderExecutivo para determinar a sua execução, outrossim, "ad referendum" do PoderLegislativo.

Ora, pela presente exposição fica evidenciado que a Emenda Constitucional n°7, de 13 de abril de 1977, atribuiu competência ao Chefe do Poder Executivo paradeterminar a execução, "ad referendum" do Poder Legislativo:

1 - Dos atos de aposentadoria, reforma e pensão inquinados de ilegalidadepelas Cortes de Contas;

2 - dos atos impugnados pelos Tribunais de Contas e por eles sustados, porgeradores de despesas consideradas ilegais; e

3 - de contratos impugnados por deliberação destes mesmos Tribunais.

Há, bem verdade, quem argumente que os contratos não estão sujeitos aoexame prévio do Tribunal de Contas, porquanto tal exigência não ficou expressa notexto da atual Carta, nem se compatibilizaria com o sistema de auditoria financeira eorçamentária implantado.

Não é este, entretanto, meu entendimento pessoal, pois se a Lei Maior insistiucomo conseqüência punitiva de um contrato havido por irregular pelo Tribunal, osustamento de sua execução, está, implicitamente, estabelecendo a obrigatoriedadede que tais atos sejam apreciados enquanto estejam-se realizando.

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Não poderá merecer outra interpretação o § 5°, do art. 72, da ConstituiçãoFederal, uma vez que este dispositivo autoriza o Tribunal a agir até mesmo de ofício,isto é, por iniciativa própria, independentemente de provocação.

Tal assertiva completa-se com o próprio significado da palavra "sustar", a qualsignifica interromper, fazer parar. Lógico e evidente que só se pode fazer parar umato que ainda esteja em andamento ou que não tenha-se realizado totalmente. Afiscalização exercida pelo Tribunal de Contas se não é prévia, é, sem dúvida,concomitante, simultânea. Em outras palavras, deve-se efetivar durante a realizaçãodo contrato, ou enquanto esteja ele sendo executado.

A Emenda n° 7 alterou, pois, o procedimento do Tribunal, naquilo que dizrespeito ao sustamento; se antes se deveria solicitar ao Poder Legislativo que odeterminasse, agora é suficiente representar ao Chefe do Poder Executivo para queeste adote uma destas alternativas:

1 - Acatar a decisão impugnatória e anular o contrato.

2 - Determinar sua execução, apesar da decisão contrária à legalidadeproferida pelo Tribunal de Contas, submetendo seu despacho ao referendo do PoderLegislativo.

Altamente inconveniente, pelos resultados conflitantes que poderiam advir,aceitar as duas hipóteses de o Tribunal solicitar à Assembléia o sustamento(procedimento imposto pela Constituição anterior) e representar ao Chefe do PoderExecutivo para que este determine, "ad referendum" da Assembléia a execução docontrato impugnado (atribuição que lhe foi deferida pela Emenda n° 7).

Deve-se desde a data da outorga da Emenda n° 7, optar pela segundahipótese, a representação ao Chefe do Poder Executivo, porque perfeitamenteadequada à sistemática da fiscalização por auditoria e porque não diminui acompetência do Poder Legislativo que, em última instância administrativa, iráapreciar o despacho governamental e decidir sobre a legitimidade ou não docontrato apontado como irregular pelo Tribunal.

Concordando, inteiramente, com a atecnia demonstrada pelo trabalho, na partereferente à expressão "ordenar a execução ou o registro", conforme enfatiza o ilustreautor:

"Ora, se é o Tribunal que há de proceder ao registro, a ele se destinará aordem emanada do Presidente, coisa que se nos afigura de todo incompatívelcom a lógica jurídica e, principalmente, com a posição de independência que éapanágio e a própria razão de ser dos Tribunais de Contas. Constituiria realaberração a nosso sistema de controle externo que a autoridade fiscalizadapudesse ordenar ao órgão incumbido do exercício técnico do controle externoa prática de ato contrário à sua livre convicção, ou, em termos mais simples,que o Presidente ordene ao Tribunal a declaração da legalidade de um atoque a Corte reputa ilegal."

Quero acrescentar, ainda, que a auto-aplicabilidade do dispositivo federal éincontrastável, como já têm decidido as Cortes congêneres deste País. A norma daConstituição Federal é imediata e automaticamente incorporada às ConstituiçõesEstaduais, mormente quando abrange princípios pertinentes à fiscalizaçãoorçamentária e financeira, ex-vi do que estabelece o seu art. 13, inciso IV.

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Assim, transpondo para a órbita do Poder Estadual a disposição constante do §8° do art. 72 da Constituição Federal, com a redação dada pelai referida Emenda n°7, entendo não prevalecer mais, embora não revogada expressamente, a solicitaçãoà Assembléia Legislativa para determinar o sustamento do contrato impugnado poreste Tribunal.

Com efeito, diz o legislador que "o Presidente da República (ou o Governadordo Estado, no caso da incorporação ao texto estadual) poderá ordenar a execuçãoou o registro dos atos a que se referem o parágrafo anterior e a alínea b do § 5°,"ad-referendum" do Congresso Nacional (ou Assembléia Legislativa)".

A forma do verbo é plural referem - o que me leva a concluir que, consideradaa nova sistemática, o Chefe do Poder Executivo poderá ordenar, "ad-referendum" doPoder Legislativo, a execução dos atos impugnados constantes do parágrafoanterior, ou sejam, aposentadorias, reformas ou pensões, bem corno a execuçãodos contratos inquinados de vício (alínea "b" do § 5°).

Configurando simples faculdade, traduzida na expressão "poderá", resta, ainda,ao Executivo a opção de acatar a decisão impugnatória e anular o ato.

Do exposto,

Proponho, além das recomendações formuladas, que se solicite aos Poderescompetentes, a modificação redacional da letra b), do § 5°, do artigo 72, daConstituição Federal, substituindo-se a expressão exceto por inclusive e a supressãoda letra c) deste mesmo parágrafo, bem como a supressão do § 6°, por ineficaz.

(Considerações apresentadas ao IX Congresso de Tribunais de Contas). A teseacha-se publicada no n° 6 desta Revista.

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APOSENTADORIA - PROVENTOS INFERIORES AOSALÁRIO MÍNIMO

MANFREDI MENDES DE CERQUEIRA(*)

Alicerçado em primoroso trabalho, com o tema geral em epígrafe, o ilustradoProcurador do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Prof. Roberto Rosas, submeteà superior consideração do Plenário do IX Congresso de Tribunais de Contas umproblema que se reveste de palpitante importância relacionado com a fixação dosproventos proporcionais da aposentadoria por invalidez.

Partindo da conceituação do salário mínimo e com respaldo em leis ordinárias,inclusive na Constituição Federal, o eficiente Procurador conclui pela necessidadequanto à aplicação ao caso vertente, por via analógica, do critério estabelecido pelaPrevidência Social, permissivo do cálculo dos proventos proporcionais daaposentadoria por invalidez em valor nunca inferior a 90% (noventa por cento) dosalário mínimo regional.

A forma proposta pelo douto autor da tese afigura-se-lhe como "o mais justo,legal e humano", certo que se fundamenta no salário mínimo, deste emergindo aseguinte ordem de considerações: a) é retribuição mínima devida ao trabalhador;

b) seu cálculo é feito de acordo com as necessidades essenciais da vida;

c) afastado do serviço, por força de invalidez, o trabalhador não podesobreviver com proventos calculados em valor aviltado; de resto,

d) o servidor público, dominado pela invalidez, enfrenta o mesmo problema,suporta as mesmas provações.

Seguindo a mesma linha de pensamento, chega-se à evidência de que, se aosTribunais de Contas compete, com embasamento constitucional, julgar da legalidadedos contratos, e das aposentadorias, reformas e pensões, não lhes é lícito umprocedimento omissivo à falta de um preceito legal específico. De fato e com efeito,julgar é função, para cujo exercício torna-se comportável o disposto no artigo IV, daLei de Introdução ao Código Civil, in verbis:

"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com aanalogia, os costumes e os princípios gerais de direito."

Efetivamente, como preleciona Clóvis Beviláqua, em sua Teoria Geral doDireito Civil, a Lei, porém, "por mais que se alarguem as generalizações, por maisque se espiritualize, jamais poderá compreender a infinita variedade dos fenômenossociais, que emergem da elaboração constante da vida e vêm pedir garantias aodireito. Dessa insuficiência da lei para dar expressão jurídica a todas asnecessidades sociais, que a reclamam, para traduzir o matiz da vida organizada em

(*)Procurador do Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

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sociedade, resulta, em primeiro lugar, que é forçoso manter, a seu lado, as fontessubsidiárias do direito, que, o revelem quando ela for omissa, e, em segundo lugar,que é indispensável aplicar à lei os processos lógicos da analogia e da interpretação,para que os seus dispositivos adquiram a necessária extensão e flexibilidade."

Por outro lado, merecem trazidas à colação as palavras do Presidente Butler,da Universidade de Colúmbia, proferidas há alguns lustros, singelas e memoráveis,justamente porque, cheias de verdade, gozarão sempre de perfeita atualidade:

"As duas coisas neste mundo mais preciosas são a Liberdade e a justiça.Nenhuma delas pode existir sem a outra. Juntas devem ser ensinadas eambas devem ser aprendidas."

Destarte, o critério proposto na tese, ora em exame, representa medida deindefectível justiça e, assim, sua inobservância constituiria fator de inquietaçãosocial, desestímulo, insensibilidade dos aplicadores da lei, negação de um mínimode solidariedade humana.

Conquanto a espécie não se aplique a todos os Estados da Federação, dentreeles e, em particular, o Estado do Piauí, ande o tratamento legal pertinente ésatisfatório, torna-se recomendável a aceitação da tese de lege ferenda, que éoportuna e louvável.

(Relatório apresentado ao IX Congresso de Tribunais de Contas) A tese estápublicada no n.º 6 desta Revista.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNALDE CONTAS

Múcio V. R. DANTAS(*)

SUMARIO: 1. Resenha histórica da instituição -Ministério Público. 2. O Ministério Público junto ao Tribunal deContas no Brasil. A legislação pertinente. 3. Autonomia doórgão -sua necessidade. 4. Ministério Público junto ao Tribunalde Contas e Procuradoria-Geral do Estado - confronto de suasatividades, distinção. 5. Posição do Ministério Público junto aoTribunal de Contas.

1. RESENHA HISTÓRICA DA INSTITUIÇÃO

- MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público perante a justiça tem mais antiga formação histórica doque o Ministério Público junto às Cortes de Contas. Muito embora derivem ambos dainstituição Ministério Público - cujos traços gerais e informativos nos são fornecidospela Teoria Geral do Direito - o primeiro ramo desse organismo remonta às origensdo Estado.

Assim, através da História, o papel do Ministério Público sofreu diferentesmetamorfoses. De simples órgão acusador, de mero assistente do processoautocrático, o Ministério Público passou a deter atribuições que enobreceram a suaatuação.

No Estado de Direito, veio tendo atribuições fundamentais, com seuspredicamentos de órgão, por meio do qual, o Estado lhe conferiu a missão de agentedo poder público, de instrumento de defesa da sociedade, de fiscalização documprimento da Constituição, leis, regulamentos e decisões.

Para tão altas funções de vigilância e disciplina, o Ministério Público,verdadeira magistrature débout, na expressão de H. Nézard (Eléments de DroitPublic), foi merecendo um continente próprio no vasto território estatal.

Entretanto, o crescimento progressivo do Estado teria, forçosamente, deprovocar, como evidentemente ocorreu, o desdobramento da instituição para

(*)Procurador-Geral junto ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. Professor titular de DireitoConstitucional da UFRN.

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enfrentar os novos encargos, à medida em que o aparelhamento administrativo seexpandia. No processo dessa evolução, surgiria o Ministério Público junto às Cortesde Contas, operando a modelo como funcionava o Ministério Público perante ajustiça. Produto, assim, da mesma matriz orgânica, e, por isso, da instituiçãoMinistério Público, receberia desta, mutatis mutandis, iguais padrões defuncionalidade, sem embargo da diversificação da área de atuação. Com aatribuição especial de, junto às Cortes de Contas, zelar pela integridade e execuçãofiel da lei, dentro da faixa de competência conferida às mesmas, o -MinistérioPúblico, conceitualmente especializado pelo nível desse teor de suas atribuições,assim inserido no contexto das instituições do Estado, comprovou, de logo, a suavitalidade e pronta eficácia na missão que lhe foi reservada, valendo, como resultadodisso, a sua disseminação por todos os Países modernamente estruturados.

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS, NOBRASIL. A LEGISLAÇÃO PERTINENTE.

No Brasil, a sua criação, com a designação de Ministério Público, deve-se aoDecreto Legislativo n.º 392, de 8 de outubro de 1896 (art. 19, n.°s 1 a 7),regulamentado pelo Decreto n° 2.409, de 23 de dezembro de 1896, no Capítulo V. Asua implantação, em modelo definitivo, adveio com o Decreto-lei n.º 426, de 12 demaio de 1938. Esse diploma deu nova organicidade ao Tribunal de Contas da União,padrão dos Colegiados de Contas Estaduais, colocando o Ministério Público comocorpo integrante de sua estrutura constitutiva, tal a relevância que emprestava àssuas funções. Utilizando o nomem juris de Ministério Público, sumaria no art. 23 oelenco de suas atribuições.

"Art. 23. O Ministério Público, pelos seus representantes junto aoTribunal de Contas, com a missão de promover, completar e requerer nointeresse da administração e da fazenda é o guarda da lei e o fiscal de suaexecação." (O grifo não é do original.)

Depois, a Lei n° 830, de 23 de setembro de 1949, por força dareconstitucionalização e sob o fluxo das inovações da Constituição de 1946 redefiniua competência da Corte de Contas Federal, adequando-as aos novos princípiosimpondo-lhe, em conseqüência, uma estrutura básico-organizacional dentro da qualvinha, em segundo lugar, o Ministério Público. Posicionando o nível de hierarquia doórgão, como serviço autônomo, estava, na verdade, plantando as raízes de umaevolução que, posteriormente, se consolidaria, quando prescrevia:

"Art. 3º Funcionam no Tribunal de Contas, como partes integrantes desua organização e como serviços autônomos:

I - os Auditores;

II - o Ministério Público;

III - omissis..."

A diferença de colocação do órgão na estrutura do Tribunal, no primeiro e nosegundo diploma, significa que naquele compunha o próprio corpo do Tribunal, nestepassava, simplesmente, a participar de sua organização, como um serviçoautônomo. A evolução de sua posição institucional em relação ao Tribunaltornava-se evidente.

Com o Decreto-lei n.º 199, de 25 de fevereiro de 1967, o Tribunal de Contas daUnião passou a ter uma nova Lei Orgânica, surgida em conseqüência das

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modificações introduzidas pela Constituição de 1967, encampadas pela EmendaConstitucional n° 1, de 1969, no âmbito da fiscalização financeiro-orçamentária,divindo-a em dois sistemas independentes e autônomos: o controle interno, a cargodo Executivo, e o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, tendo comoórgão auxiliar o Tribunal de Contas.

A estrutura do Tribunal de Contas, na parte organizacional, consagra aevolução da Lei Orgânica anterior (Lei n° 830, de 1949) , no sentido de individualizaro Tribunal como órgão próprio, integrando, todavia, a sua organização: o MinistérioPúblico e a Secretaria-Geral (arts. 2º e 3º, Decreto-lei n.º 199, de 1967). Apesar daintegração à sua organização, deduz-se, por outro lado, que o conjunto deatribuições fulcradas na competência do Ministério Público difere, basicamente,daquelas conferidas ao Tribunal.

A identificação dessa realidade vem levando a doutrina e especialistas avislumbrarem nesse enquadramento do órgão ministerial, junto ao Tribunal, urnaanomalia, senão um condicionamento que atrofia a sua operacionalidade, aindaporque os fatores de sua missão atributiva, representada no resguardo à integridadee fiel execução da lei, contrapunha-se, muitas vezes, às manifestações decisórias doTribunal, contra as quais teria de recorrer.

N o rol de entraves ao desembaraço de suas funções, inclui-se, ademais, amanipulação do poder disciplinar encartado na alçada do Tribunal. Seria mais umaforma de constrangimento ao exercício funcional independente, sem levar em contaos problemas surgidos com o pessoal necessário à execução de suas tarefas deapoio. O mesmo se diga quanto aos pronunciamentos jurídicos emitidos emprocesso de interesse direto dos membros do Tribunal e de seus funcionários.

O Ministério Público, instituição consagrada através do período republicano,tecnicamente aprimorado nas Cartas revolucionárias de 1967 e 1969, constitui, hoje,realidade irreversível. Nos seus desdobramentos naturais, e destacando-se comoum dos órgãos ativos do ofício ministerial, vem o Minístério Público ganhandodestaque junto aos Tribunais de Contas dos diversos Estados brasileiros, a partir domodelo federal representado pelo Tribunal de Contas da União. No julgamento daRepresentação n.º 770-GB, quando se discutia o art. 66 da Constituição daGuanabara, acoimado de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, porunanimidade, ao rejeitar a argüição, acatou o voto do eminente Relator, MinistroDjaci Falcão, que, por sua vez, acolheu parecer do então Procurador-Geral daRepública, Prof. Décio Miranda, merecendo transcrição os seguintes tópicos:

"A Procuradoria junto ao Tribunal de Contas da União já possuía,segundo o Decreto Legislativo 392, de 8-10-896 (art. 1°, n.°s 5 a 7,regulamentado pelo Decreto n° 2.409, de 23-12-1896, cap. V ), e sempremanteve, ao correr de toda a legislação subseqüente, até ao vigenteDecreto-lei n° 199, de 25-2-67, art. 18, a estrutura e a denominação do órgãodo Ministério Público.

Por isso, nosso eminente antecessor e mestre, Procurador HaroldoValladão, em seu discurso de posse, fez preceder a leitura do trecho deautoria do seu saudoso pai, Ministro Alfredo Valladão (que no passadohonrara o cargo de Procurador do Tribunal de Contas da União), dasseguintes palavras, não abrangidas pela transcrição levada a efeito (fls. 6)pelos ilustres signatários da exposição motivadora da presenteRegulamentação:

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As funções do Ministério Público se alargam dia a dia no Brasil e nomundo, segundo tenho acentuado em vários trabalhos, e cada vez mais setorna realidade o que Alfredo Valladão pôs em prática corajosamente, comoMinistério Público junto ao Tribunal de Contas da União, de 1915 a 1917, econceituou em forma brilhante em conhecido trabalho publicado em 1914,citado e recitado no Brasil e nas Américas, nos seguintes termos: (segue-se otexto de Alfredo Valladão ) (Diário do Congresso Nacional, de 4-5-67, pág.1902).

Essa conceituação legal, como órgão do Ministério Público, daProcuradoria junto ao Tribunal de Contas, que não estava explicitada naConstituição de 1946, foi expressamente consagrada na de 1967, cujo art. 73,§ 5º, relativo àquela Corte, se refere expressamente ao Ministério Público.

Decorre, assim, inequivocamente, da Lei Maior a definição da naturezada Procuradoria do Tribunal de Contas que age, como ramo especializado doMinistério Público, junto àquela Corte, da mesma forma como os demaissetores do Ministério Público atuam junto ao Poder judiciário.

Sendo o Tribunal de Contas do Estado-membro obrigatoriamenteestruturado à feição do da União, por força do art. 13, V, da Lei Básica (ecomo decidiu o Supremo Tribunal na Representação 764, do Espírito Santo,sessão de 6-3-68), não vemos como argüir de inconstitucional a Cartaestadual em que se reconheceu aos Procuradores junto à Corte de Contaslocal a condição de representantes do Ministério Público, tal como na órbitafederal" ("in" Revista Trimestral de Jurisprudência, n.° 51, pág. 219) .

E mais adiante o insigne Relator consignou em seu voto, que recebeu aconcordância de seus pares:

"Quanto à coima de inconstitucionalidade decorrente da inclusão daProcuradoria do Tribunal de Contas do Ministério Público do Estado, nãomerece agasalho.

Até a Carta Política de 1946, inclusive, não havia referência expressa aoMinistério Público junto ao Tribunal de Contas, consoante se vê no § 5º do seuart. 73. Aliás, regra de conteúdo igual está inserida no § 5º do art. 38, daConstituição da Guanabara.

A Procuradoria do Tribunal de Contas atua como ramo especializado doMinistério Público. O juízo da conveniência, ou do acerto dessa classificação,foge ao nosso mister.

Dessarte, quando a Constituição do Estado da Guanabara situou osProcuradores do Tribunal de Contas na categoria de Ministério Público, nadamais fez que se afeiçoar ao conceito editado no diploma básico. Ao invés deafronta houve, sim, adaptação ao modelo federal. Cuida-se, portanto, denorma que se compadece com a reforma adaptativa especial (art. 188 daConstituição de 1967) . A meu entender, nesta parte, o art. 66 (da Constituiçãoda Guanabara, guarda simetria com a Lei Mater. Por isso, e de acordo com opronunciamento final do douto ProcuradorGeral da República, julgoimprocedente a argüição de sua inconstitucionalidade." (Revista citada, pág.225. )

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Por sua vez, o renomado tratadista brasileiro, Themístocles Brandão Cavalcantidiz "tratar-se de velha tese, hoje definitivamente prestigiada", e "que integrou oMinistério Público entre aqueles órgãos de cooperação nas atividadesgovernamentais, como os Conselhos Técnicos e os Tribunais de Contas".(Instituições de Direito Administrativo Brasileiro, vol. I, pág. 530, 2,~ ed., 1938 -Freitas Bastos).

A atuação do Ministério Público junto às Cortes de Contas através do umaProcuradoria, foi claramente consagrada na Constituição de 1967, cujo art. 73, § 59,se refere, expressamente, ao Ministério Público. Entretanto, o Ministério Públicojunto às Cortes de Contas - é Rocha Bermudes quem afirma - "não tem a mesmanatureza, nem desempenha as mesmas funções que o Ministério Público da justiçaComum, militar, eleitoral e trabalhista" (A Procuradoria junto ao Tribunal de Contas,in Revista de Informação Legislativa, abril/junho de 1971, pág. 132).

Assim, é o Tribunal de Contas, com sua característica de "órgão autônomo eindependente, instituído com o caráter de verdadeira magistratura" (Castro Nunes,"Direito Administrativo Brasileiro", pág. 511), a razão e a causa da existência doMinistério Público especializado, destinado a funcionar junto àquele Tribunal, comnatureza e competência de órgão fiscalizador.

"A Procuradoria junto ao Tribunal de Contas tem funções próprias especiais,oriundas da natureza e atividade do órgão em que atua, fixadas, como vimos, nalegislação própria. Sua faixa de ação é aquela que lhe traçou a norma constitucionale legal" (Rocha Bermudes, in trabalho citado).

3. AUTONOMIA DO ÓRGÃO - SUA NECESSIDADE

Ora, o princípio da autonomia do Ministério Público junto ao Tribunal de Contase de sua própria estrutura de apoio, como já definida, embrionariamente, na LeiOrgânica n° 830, de 1949, representava imperativo inadiável frente ao sopro demodernização que varre as organizações administrativas. Como ressalta TomásPará Filho, insigne Procurador do Estado de São Paulo:

"Essa é a visão que o Estado moderno proporciona a quem observa oassimétrico desenvolvimento de sua ação. Inquestionavelmente relevante é oproblema da organização da defesa dos direitos e interesses jurídicos de todaordem. Cada vez mais os órgãos do Estado dependem de juristas, deprocuradores ou assessores jurídicos, que os representam, orientam,previnem e assistem. O problema da organização da Advocacia do Estadoavulta, fundamentalmente, porque se prende à própria posição do Estado nomundo do direito."

Nessa direção e para atingir os seus superiores fins, não seria possível relegara segundo plano a independência que deve presidir o comportamento, seja dorepresentante do Ministério Público junto à justiça, ou de igual órgão junto aoTribunal de Contas, seja do Procurador do Estado, no exercício de suas relevantesfunções.

Para isso, impunha-se a sua inconstitucionalização, de modo a imunizá-lo dasinfluências negativas ressurgentes dos conflitos de interesses em jogo. Essagarantia funcional teve no preclaro e saudoso Francisco Campos um defensorpermanente quando proclamava, fazendo doutrina:

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"Toda vez que um serviço, por conveniência pública, é erigido em instituiçãoautônoma, com capacidade de decidir mediante juízos ou critérios de sua própriaescolha, excluída a obrigação de observar ordens, instruções, ou aviso deautoridades, estranhas ao quadro institucional, com o fito de evitar infiltrações denatureza política no exercício de sua competência deliberativa ou decisória,impõe-se a garantia aos funcionários incumbidos de tomar as deliberações o«decisões institucionais, da necessária independência, mediante a única técnicaeficaz empregada em relação à justiça, de lhes assegurar a estabilidade das funçõese nos soldos." (RDA, vol. 62, pág. 326/330) (o grifo não é do original)

Com efeito, não só para guardar simetria com o órgão que lhe é assemelhadoe com o qual mantém as mesmas raízes institucionais - o Ministério Público perantea justiça como para tornar efetiva, correta e objetivada a recomendaçãoconstitucional da Carta Federal de 1967 e Emenda Constitucional n° 1, de 1969, aoreferirem-se, expressamente, à representação do Ministério Público junto ao Tribunalde Contas (art. 72, § 5°, Emenda Constitucional n.° 1, de 1969), é que a LeiComplementar n.° 3, de 1973, do Estado, seguindo o exemplo de outras unidadesfederativas, assegurou-lhe a indispensável autonomia administrativa e técnica e,consectariamente, a independência funcional, institucionalizando-o com o objetivonão só de balizar e definir o elenco de suas atribuições, mas, também, deestabelecer o nível de relacionamento com o Tribunal de Contas e, por via deconseqüência, com o próprio Poder a que, originariamente, está vinculado. Essediploma, além de outras medidas de reconhecido alcance, consolida princípios quedevem ser sumariados:

a) o correto nível de relacionamento do Ministério Público junto ao Tribunal deContas com o próprio Tribunal e com os órgãos e Poderes constituídos;

b) a definição precisa das prerrogativas orgânicas deste ramo especializado doministério Público em consonância com a sua destinação constitucional;

c) o perfeito grau de autonomia administrativa e técnico-funcional indispensávelà desincumbência dos misteres que lhe são afetos no âmbito da competênciaconstitucional do Tribunal de Contas;

d) a criação do Quadro próprio de Pessoal do Ministério Público junto aoTribunal de Contas, cujo provimento deixou de ser feito pelo Tribunal de Contas;

e) criação de orçamento específico do Ministério Público junto ao Tribunal deContas, cujas despesas antigamente estavam incorporadas ao Tribunal de Contas.

Também vale reproduzir o ensinamento do insigne Moacyr Amaral Santos,segundo o qual o Ministério Público representa:

"Instituição que ocupa um lugar especial na Administração Pública,dentro do qual conserva autonomia, sem o que não prestaria os serviços quelhe são atribuídos com a necessária independência. Assim, os membros doMinistério Público são funcionários da Administração Pública, masfuncionários que dos demais se distinguem por serem funcionalmenteindependentes." (Direito Processual Civil, vol. lI, pág. 154. )

Por último, para uma visão global da projeção do Ministério Público dentro dasinstituições do Estado Brasileiro, basta considerar que esse órgão, colocado comoinstrumento para zelar pela integridade da lei e assegurar a sua fiel execução nodesdobramento que sofreu com a própria evolução do conceito do Estado, opera,

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hoje, não só junto ao Tribunal de Contas da Uni<~o, através de um Procurador Gerale demais integrantes, como também perante o Supremo Tribunal Federal, TribunalFederal de Recursos, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral, TribunalSuperior do Trabalho e Tribunal Marítimo. Isso apenas no âmbito da AdministraçãoPública Federal, cujo modelo os Estados-membros obedecem, estritamente, porimperativo de determinação constitucional.

4. MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS EPROCURADORIA GERAL DO ESTADO - CONFRONTO DE SU,A S ATIVIDADES,DISTINÇÃO

Ao contrário do que alguns estudiosos defendem - e hoje raros são os queadvogam essa tese -, as atividades do Ministério Público junto ao Tribunal de Contasnão se confundem com aquelas típicas dos Procuradores do Estado. OsProcuradores junto ao Tribunal de Contas exercem atividades de Ministério Público,desempenhando o real papel de guardiães da lei e fiscais de sua execução. Atuamcomo defensores da sociedade, constituindo-se em verdadeiros advogados daAdministração Pública, por representarem e defenderem interesses públicos.

Já os Procuradores do Estado, por seu turno, representam e defendem osinteresses do Estado, no particular aspecto do Poder Executivo, além de prestaremassessoramento aos diversos órgãos da administração direta, bem assim aosnecessitados.

Alguns aspectos podem, ainda, ser elencados, no rol das característicaspróprias de ambos os órgãos. Assim, enquanto os Procuradores do Estadoacham-se subordinados ao Chefe do Poder Executivo, os Procuradores junto aoTribunal de Contas, exercendo o 'Ministério Público, revestem-se de amplaautonomia de ação, sem qualquer subordinação institucional.

Os Procuradores junto ao Tribunal de Contas não prestam assessoramento;não prestam assistência aos necessitados; não exercem a advocacia em qualquerde suas especializações. Seu múnus, verdadeiro ofício, é de excepcionalimportância, nada havendo que possa ensejar qualquer dúvida ou confusão.

E à semelhança dos Procuradores do Estado, integrados em órgão-Procuradoria ou Consultoria Gerais - vem ganhando corpo a tendência deestruturação das Procuradorias junto ao Tribunal de Contas, órgãos especializadoscapazes de imprimir as diretrizes norteadoras das atividades de Ministério Público.

Segundo a melhor tradição jurídica, o Ministério Público da União já podeapresentar alguns desdobramentos, os quais, embora diversificados quanto à suaespecialização, guardam a similitude de sua natureza ministerial.

O Ministério Público já se ramificou de tal forma, que pode apresentar, hoje, oseguinte quadro:

a) Ministério Público junto à justiça Federal comum;

b) Ministério Público do Trabalho;

c) -Ministério Público Estadual;

d) Ministério Público Militar;

e) Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

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Conclui-se que, além de realidade constitucional (Constituição Federal eEstadual), o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas já se incorpora, e mais,constitui a razão de ser de órgãos especializados, como a sua respectivaProcuradoria Geral, capaz de permitir maior operacionalidade e funcionalidade nodesempenho de tão elevadas funções. Ressalte-se que, apesar de atuar junto aosTribunais de Contas, a Procuradoria de Contas não é órgão integrante dos Tribunaisde Contas, perante os quais atua. É bastante elucidativo o comentário que, sobre oassunto, apresenta o Prof. Uchôa Bittencourt:

"A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei n° 1.341, de 30-1-51)não abrange o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nem órgãoidêntico junto ao Tribunal Marítimo. A preocupação, procedente, de classificar,de situar, de definir a posição do Ministério Público junto ao Tribunal deContas, conduziu a considerá-lo como órgão integrante dessa Corte (Lei n°830, art. 3" ), o que nos parece uma incoerência, como incoerência seriaconsiderar o Procurador-Geral da República como membro ou comofuncionário do Supremo Tribunal Federal." (Uchôa Bittencourt, in "Notas Sobreo Tribunal de Contas da União" - edição do DASP, n.° 3, pág. H3. )

5. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL. DE CONTAS

A obediência a regras jurídicas típicas da Administração, sem os liames desubordinação aos tribunais junto aos quais atua, tem caracterizado, cominsofismável nitidez, a ação do Ministério Público. Em seus "Comentários àConstituição de 1967" com a Emenda Constitucional n.° 1, de 1969, tomo III, EditoraRevista dos Tribunais (2ª edição), ensina o mestre Pontes de Miranda:

"As regras jurídicas concernentes ao Ministério Público não sãopropriamente de organização do Tribunal de Contas. A competência legislativae de nomeação, que toca aos Poderes Legislativo e Executivo federal, nãoadvém do texto que comentamos, mas do princípio implícito, segundo o qualquem organiza o serviço público é a entidade a que esse serviço pertence. OMinistério Público perante o Tribunal de Contas não é parte do Tribunal deContas." (Aut. e op. cits., pág.. 256. )

De fato, não faz parte como subordinado, embora participe do funcionamentoharmônico da instituição, nela se incrustrando como peça essencial, independente, éverdade, mas necessária, imprescindível mesmo, o que se depreende v.g. pela suaaudiência obrigatória, prevista em lei e regulamentos, nos processos de maiorrelevância submetidos ao Tribunal de Contas.

Autônomo, independente, guardião da lei, fiscal de sua execução, defensor dosinteresses da sociedade, advogado da Administração Pública, isto já basta para quese compreenda o verdadeiro alcance e a destacada importância do MinistérioPúblico junto ao Tribunal de Contas.

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AXIOLOGIA DO CONTROLE

JOSÉ JAPPUR(*)

SUMARIO: Estado e direito. As regras do controle notempo. Os princípios de controle axiológico e seu conteúdomúltiplo. Moralidade administrativa. A moral e o direito. A formae a substância. O exame do mérito. Preconceito do passado enovas linhas do presente. Moralidade como legitimidade de finse motivos determinantes. O controle da "livre discrição".Auditoria das contas como instrumento do controle axiológico.Papel moderno dos Tribunais de Contas. Conclusões.

1. O conceito de controle axiológico está vinculado com a evolução daadministração pública que se abre por exigências sociais cada vez mais intensas.Confunde-se, não raro, essa abertura com a intervenção do Estado no domínioprivado, quando, na verdade, não passa de mera iniciativa ditada por exigências dobem comum. O Estado é, antes de tudo, uma ordem normativa. Assim colho há umaordem de natureza regida por leis naturais, surge, também, uma ordem estatalpreconizando regras de conduta. Revela uma vontade que não se identifica com avolição individual. A vontade estatal não é uma soma das vontades individuais.Transcende a lucra adição para formar, no plano existencial, uma ordem válida eeficaz. A legislação é, enquanto ordem ordenadora, Estado, enquanto ordemordenada, direito. O Estado e o direito acham-se um para com o outro na mesmarelação em que se encontram, por exemplo, os conceitos de organismo eorganização. O Estado é o direito como atividade normativa, o direito é o Estadocomo situação fixada pelas suas normas ou normatividade. O Estado gira, assim,sempre dentro do direito e um Estado que agisse fora do direito deixaria de serEstado1.

2. O Estado moderno possui o condão das transfigurações, qual "Proteu" damitologia helênica. Não é apenas poder, podendo figurar como mera pessoa jurídica.É ator da vida econômica, utilizando procedimentos de direito público e, ao mesmotempo, processos de direito privado, para gerir as empresas industriais e comerciais.O Estado Nacional tornou-se presente e atuante em todos os setores da vida sociale econômica para deter, de perto, os efeitos da marcha triunfal das multinacionaisque controlam, pela direção e planejamento, 22% de toda a produção do mundo não (*)Auditor aposentado do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Advogado em Porto Alegre.1 Hans Kelsen. "Allgemeine Rehtslehre", 1925, págs. 91 e 100.

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comunista e, em 1990, chegará ao limiar de 50%. É dever do Estado preservar, pois,a soberania nacional diante desses gigantes de poder econômico, cujo lema é "lemonde est notre maison", na feliz expressão de Raymond Vernon. Para acompanhara evolução proteiforme do Estado impõe-se o chamado controle axiológico por seuconteúdo múltiplo. Assim, o ato administrativo, como pedra angular da administraçãopública, deve sujeitar-se ao controle axiológico que encerra nova modalidade deradiografia da administração na sua intimidade. Cada época teve sua tônica. Notempo de Cícero, bastava a justiça; no de Sócrates, a virtude; no de Tomaz Aquino,o bem; no de Descartes, o método; no de Rousseau, o raciocínio; no de Comte, aexperiência; no de Bergson, a intuição; no de Blondel, a ação. Na atualidade, énecessário o complexo de todos esses valores. Examina-se em cada ato suadimensão total, levando em conta, a justiça, virtude, bem, método, raciocínio,experiência, intuição e ação. Nessa nova perspectiva, cada ato administrativoenvolve o exame de legalidade e legitimidade. Isso evita que o ato administrativoseja injusto ou inconveniente, embora sustentado pelos ouropéis da regularidade defundo e de forma. No direito público, como de resto, no direito administrativo, osconceitos evoluem com os fatos e os fatos determinam novas situações jurídicasadequadas no tempo e no espaço. A regra de controle está impregnada dessamagia. Basta ver o art. 93 do Decreto-lei n° 200/67: "Quem quer que utilize dinheirospúblicos terá que justificar seu bem e regular emprego..." A expressão "bônus" éregra moral. Está mais no direito do que na lei ou mais na área da legitimidade doque da legalidade. O Decreto-lei n° 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dosprefeitos, é diploma mais saturado pelos princípios da moral administrativa do quedo estribilho da legalidade. A predisponência das necessidades modernas exigeprocesso de controle axiológico. Pressupõe prévio planejamento do objetofiscalizado. Constata-se o que "é" à luz do que "deve ser". É certo que o atoadministrativo sempre foi fiscalizado até onde se ingresse no que se convencionouchamar de "oportunidade ou conveniência" do surdo operacional. Mas hoje o atoadministrativo apresenta-se sofisticado, podendo encobrir ato arbitrário e/ou lesivo.Então, é importante verificar o conteúdo ou espessura axiológica do fatoconveniência ou oportunidade. A área, por ser de saturação subjetiva, ode motivarconflitos de visão. Tal subjetividade é, todavia, sempre relativa por possuir, no fundo,um mínimo de objetividade. De resto a visão integral da realidade sempre oscilounum claro-escuro, lembrando muito da pintura de Rembrandt.

3. A ossificada civilização das formas cede lugar à consciência crítica daverdade na sua globalidade. O controle axiológico, de maneira sintética, pressupõe oexame da legalidade, legitimidade e oportunidade do ato administrativo. O princípioda legalidade é regra constitucional. Está no art. 153, § 2° da Lei Maior: "Ninguémpode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Todo ouniverso das ações ou possibilidades estão no "fazer ou não fazer". No direitoprivado, o que não está juridicamente proibido é permitido. (Perinittitur quod nonprohibetur). já no direito público só o que é permitido não é proibido. Não existe forada órbita legal por ser verdadeiro "hortus conclusus". As posições são diferentes.Mas a superação do conflito é possível mediante a sujeição do "proibido" comregulamentação positiva e o "permitido" com regulamentação negativa. Resultadisso a fusão dum único postulado: "o que não está (positiva ou negativamente)proibido, é (negativa ou positivamente) permitido". Importa reconhecer que oprincípio pode ser aplicado no direito privado e público. No direito privado,aplicar-se-á assim: "o que não está (positivamente ) proibido, é (negativamente)permitido". No direito público, funciona assim o princípio: "o que não está

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(negativamente) proibido, é (positivamente) permitido". A legitimidade é conceitomais amplo por se fundar na moral. A oportunidade define-se pela conveniência deacordo com os fins superiores do interesse público. Na verdade, todo o controle é delegalidade. O legal é gênero próximo, abrangendo todas as modalidades. Ostécnicos, por mera metodologia de trabalho, fazem uma distinção. Separam controlede legalidade (formal) do de mérito (substancial). O primeiro seria o exame dadespesa segundo a lei ou regulamento. O segundo é o exame da despesa na suaeficiência ou resultado. Em regra, no controle de legalidade está implícito o demérito. Basta lembrar que "forma dat esse rei" ou "la forme emporte le fonde". Ocontrole mostra-se, também, dotado de certa dosimetria. É de maior ou menorincidência ou conseqüência. Prova-se, não só, mostrando, mas, também,demonstrando através do ente real e de razão. Fala-se até em controle pedagógico,ou educativo, quando apenas analisa e corrige o ato, dando-lhe rumos certos. Ocontrole é aí de mera oportunidade. A chamada moderna auditoria de contas nãodeixa de ser espécie de controle de menor incidência. A evolução dos negóciossofisticados revela que cada vez se torna mais difícil a tarefa de fiscalizar o empregodos dinheiros públicos. Haja vista os investimentos das empresas estatais no "OpenMarket". É exemplo a operação com letras de câmbio que é investimento de risco. Orisco é incompatível com o dinheiro público. Outros exemplos poderiam serdescritos, a fim de justificar-se a flexibilidade do controle para cobertura integral daárea fiscalizada. Resulta disso todo o mostruário do controle na sua índole e tarefafinal.

4. Não basta assegurar a ordem jurídica. Importa, também, o resguardo damoralidade administrativa. O legítimo gira em torno da moral, enquanto o legal, emtorno do direito. O legítimo tem, por isso, maior dimensão ou alcance decompreensão. Permite daí concluir que o legal é necessariamente legítimo, mas nemtodo o legítimo é legal. Do ângulo nosológico, o ilegal é sempre ilegítimo, mis oilegítimo nem sempre é ilegal. Assim parece porque o conceito de legalidademove-se dentro do direito positivo, enquanto a noção de legitimidade é da órbita dodireito natural. A legalidade é mais questão de direito do que de fato. A legitimidadeé mais questão de fato do que de direito. Aí reside a velha disputa do direito e damoral, que é "o Cabo de Horn" da moderna fiscalização. Benthan salienta que "odireito é um mínimo de moral", depois de enfatizar que o direito e a moral podem sercomparados a dois círculos concêntricos nos quais o pequeno círculo do direito éenvolvido pelo círculo amplo da moral. O ideal seria que todas as normas de moralfossem transformadas em normas de direito, mas o que se verifica é que apenasalgumas delas é que se transformam em normas jurídicas, integrando o elenco depostulados do direito positivo. Os atos da administração pública são marcados maispor regras de moral do que de direito, mesmo porque o direito administrativo é maisdescritivo do que prescritivo. Caminha, por certo, dentro de preceitos de lei, masprepondera, na gama das atribuições, o sentido moralístico. O exato alcance daexpressão - "legitimidade dos atos" - contido na Lei n° 6.223, de 14 de julho de 1975,disciplinando o controle das entidades da administração indireta, operou verdadeirarevolução nos métodos de fiscalização. Percebe-se aí que o legislador usou ovocábulo "legitimidade" e não "legalidade". Houve total abertura de abrangência. Aoensejo do VIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, em João Pessoa, em1975, numa rápida contribuição oferecida sob o título de "A Dialética do ControleFinanceiro", tive oportunidade de sublinhar: "Sem dúvida, a lei preconiza fins amplosno tocante ao controle da administração indireta, quando enfatiza - "verificar aexatidão das contas" e a "legitimidade dos atos". Pelas duas expressões da lei, joga-

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se às costas dos Tribunais de Contas todo um universo de atribuições. Por certo,valorizou o legislador da Lei a histórica vocação dos Tribunais, dando-se-lhe afisionomia de Atlas, carregando o controle do mundo global das operaçõesadministrativas". Nessa linha de raciocínio, tive o prazer de ser acompanhado comobservação idêntica do Dr. Aécio Mennucci, Secretário-Diretor Geral do Tribunal deContas do Estado de São Paulo, in "Fiscalização das Empresas Públicas" (doisestudos), edição São Paulo, 1977, pág. 13, advertindo o que segue:

"Apesar da norma em questão sugerir, sob um exame perfunctório, serde natureza restritiva a fiscalização, nota-se, examinando maisdetalhadamente o alcance das expressões "exatidão das contas" e"legitimidade dos atos", que as mesmas abrangem a totalidade dos atos degestão das administrações a serem verificados pelos Tribunais."

O fenômeno exegético não sofreu qualquer reparo da atual Lei Federal n.º6.404, de 15 de dezembro de 1976, uma vez que o art. 235 respeita a legislaçãoespecífica ao dispor excelentemente:

"As sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta lei,sem prejuízo das disposições especiais de lei federal."

5. É importante, no direito administrativo, observar os problemas de origem efisionomia interna do ato do que sua simples roupagem externa ou formal. A forma é,como a moda, ditada pela lei do momento. Representa o conjunto de solenidadesque dá imagem externa aos atos administrativos. A emissão ou preterição à formavicia o ato administrativo. Há formalidades substanciais e secundárias. Estas últimasnão viciam os atos uma vez inobservados. Deixa-se a película do ato,aprofundando-se até o seu âmago, para encontrar sua essência ou substância. Ocontrole axiológico está, na atualidade, mais voltado à substância do que a forma,mais à moralidade do que à legalidade do ato. No direito constitucional, falava-se emcertas orientações ou comportamentos por "razões de estado". É a supremacia doprimado da moral sobre o direito ou da substância sobre a forma. No direitoadministrativo, ad instar, pode falar-se em "razões de moralidade" capazes dejustificar a suspensão ou paralisação de um ato mesmo tangido pela lei. Surge oconflito entre o que é legítimo sobre o que é legal. É a eterna luta da moral contra odireito, mas a esfera de aplicação do legítimo é infinitamente maior do que o legal.Quando o administrador público intervém por razões teleológicas, emitindo medidasextremas que fogem da legalidade, cumpre a verificação da moralidade do ato capazde legitimá-lo. A transcendência do tema pode não ser simpático diante da doutrinalegalista. O legal é superior ao legítimo ou seja a lei está acima da moral. Nemsempre, porém, o legalismo traz, no seu bojo, a sinfonia da verdade ou o hino damoralidade, embora se reconheça que o direito dá expressão à justiça, como aforma à substância. Carnelutti diria: "a justiça está na lei, como o ouro nas moedas;o direito é o seu cunho".

6. A doutrina brasileira, na sua maioria, entende que o mérito do atoadministrativo está fora da competência do Poder judiciário. A orientação decorreude certa posição assumida pela Lei n.º 221, de 20 de novembro de 1894 que"instituiu a ação sumária especial para anulação dos atos administrativos". Diz o art.13, § 9° da referida lei revoada desde o advento do velho código de processo regidopelo Decreto-lei n.º 1.608, de 18 de setembro de 1939:

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"Verificando a autoridade judiciária que o ato ou resolução em questão éilegal, o anulará no todo ou em parte, para o fim de assegurar o direito doautor:

a) consideram-se ilegais os atos ou decisões administrativas em razãoda não aplicação ou indevida aplicação do direito vigente.

A autoridade judiciária fundar-se-á em razões judiciais, abstendo-se deapreciar o merecimento dos atos administrativos, sob o ponto de vista de suaconveniência ou oportunidade."

De igual modo, preceitua o art. 9° do Decreto-lei n° 3.365, de 21-6-41, quedispõe sobre a desapropriação: "Ao Poder judiciário é vedado, no processo dedesapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública". Ajurisprudência foi paulatinamente quebrando a rigidez da proibição, quando admite oexame, no ato, dos seguintes elementos: agente, objeto, forma, motivo e fim. Opreconceito de uma idéia já sepultada, perde, aos poucos, seu reinado como resíduoabstrato em algumas mentes.

7. A moralidade do ato administrativo enquadra-se na legitimidade dos fins oudos motivos determinantes da decisão. Na moderna legislação, o exame damoralidade pode extrai-se da Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965, que "regula aação popular". Diz o art. 2° do referido diploma:

"São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas noartigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; c) desvio definalidades."

A lei define cada categoria no parágrafo único do mesmo artigo:

"a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nasatribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ouirregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa emviolação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou dedireito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente oujuridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o atovisando a fim diverso, daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regrade competência."

Por certo, a moralidade do ato administrativo compreende o exame daexistência de motivos, finalidades adequadas e seriedade do ato. Negar ao juiz averificação objetiva da matéria de fato, quando influente na formação do atoadministrativo, será converter o judiciário em mero endossante da autoridadeadministrativa, substituir o controle da legalidade por um processo de referendaextrínseco.2 É sabido que os motivos precedem ao ato, criam as condições de suaexistência, servem de ponto de apoio ao processo intelectual e volitivo de que 2 Caio Tácito, in Direito Administrativo, págs. 60/61.

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emana a realização do objeto. A finalidade é o sentido teleológico do ato, é oobjetivo jurídico e material a que se dirige, em última análise, a ação administrativa.

8. A atividade administrativa não é obra do "acaso". Possui direção finalística.O exame não pode, pois, ficar no direito só, mas no fato como núcleo básico. Sóassim o controle é integrado e não parcial, valendo o famoso reproche de A. Sorelcontra o juiz - "il déduit et n'obsérve pas". O percurso de ato administrativo que vaida vontade do seu agente até seu fim é um itinerário que merece atenção integral doanalista. A natureza moral do ato diz respeito com o controle teleológico que repousana aplicação do ato na sua verdadeira destinação. Qualquer desvio implica emdistorção de finalidade tornando ilegítimo o ato num ângulo capaz de contaminá-lona sua globalidade. O homem, como a administração, tende a ser o legislador de simesmo. Essa tendência mostra a necessidade de afastar-se o analista dadeterminação formal para o exame real das intenções ou práticas administrativas.Entre "a lex voluit" e o "modus faciendi", lia uma distância e larga margem por ondepenetra a moral da crítica jurídica. A lei não é só texto, mas contexto. A livrediscrição não significa liberdade sem controle. Basta ver que o ato discricionáriobrota de uma opção de vários possíveis. Elege-se o mais conveniente ou oportuno.A conveniência eu oportunidade não é ato livre. Seu limite está na moralidadeinterna ou externa do ato. O interesse público serve de fiel de balança para medir oato na sua discrição. O conceito de controle axiológico alcança a área daconveniência ou oportunidade, onde imperava, até então, total imunidade de examepor razões de técnica ou falso preconceito. Os motivos e a finalidade do ato sesucedem e se completam, mas não se confundem. Toda manifestação de um agenteadministrativo está condicionada ao interesse público, como destinatário permanenteda ação do Estado. Assim, in genere, qualquer ato administrativo está vinculado aum fim público, mesmo que a ele não se reporte, explicitamente, a norma legal decompetência. Mas não é suficiente que o ato administrativo se enderece a uniafinalidade qualquer de interesse coletivo. É necessário que se observe a finalidadeespecífica, ou seja, o fim expresso ou implícito relacionado com a própria naturezado ato. Se o agente visou à realização de outro fim socialmente legítimo, mas emdiscrepância com o objetivo da regra legal executada, haverá, igualmente, víciosubstancial de nulidade.3 É assente lia doutrina que os atos administrativos têm, aseu favor, uma presunção de verdade ou legitimidade. O diagnóstico de desvio definalidades exige cautelas extraordinárias, utilizando os instrumentos de precisão nodizer de Vitor Nunes Leal "para não vestir um santo com a roupa de outro,substituindo o arbítrio administrativo pelo arbítrio judiciário.4 Nem a ditadura dosjuízes, nem a ditadura do executivo, mas justa medida da dosimetria dos atosadministrativos que, acima de tudo, devem ser bem avaliados através da lei e damoral.

8. A administração moderna necessita sempre de maleabilidade, o que nãosignifica arbítrio. Necessita a flexibilidade, o que não significa ação arbitrária. Aliberdade do ato administrativo, no fundo, sofre a pressão de um determinismoinexorável. A chamada "livre discrição" é tabu adorado e mal interpretado naadministração pública. Não tem sentido qualquer afastamento da lei. A livre discriçãorepousa, antes de tudo, na lei, mas fica ao administrador a opção diante de duas ouvárias possibilidades. No poder discricionário, a ilegalidade é manifestável, se oagente do ato discricionário se afasta da lei que, prevendo pluralidade de soluções,

3 Caio Tácito, in Direito Administrativo, pás. 61.4 Vitor Nunes Leal, "Poder Discricionário e Ação Arbitrária" in Rev. de Dir. Adro., vol. 14, pág. 53.

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não logrou ver-se aplicada através de uma delas sequer. No poder vinculante, ailegalidade é sindicável, se o agente se afasta da lei que, prevendo uma soluçãoúnica, não logrou ser aplicada com essa nota de singularidade obrigatória. Nadiscrição reside a capacidade de fazer apenas o que é conveniente, mas não defazer tudo o que se quer. A solução entre os possíveis está sempre gizada pela"conveniência ou oportunidade". A administração vincula-se no tempo àconveniência ou à oportunidade, tendo sempre o limite do interesse público. Sóassim a função do poder discricionário tende a assegurar a adaptação ao real daregra de direito. É ponto de conjugação do real com o fático. O vício, quando oculto,é de difícil averiguação prática. Os chamados motivos determinantes nem sempre sepercebem claramente. Transformar o fato em direito não é tarefa fácil àcompreensão da crítica jurídica. Está claro que a moralidade administrativa é algoessencialmente subjetivo, não obstante pode assumir sentido objetivo.5 É importantea análise da ambígua expressão "livre discrição", para que à sombra da imprecisãoconceitual não se aninhe a fraude ou se instale o permanente descalabro. Noparticular. merece lembrança o apotegma de Bentham: "A substância das coisasdepende com freqüência das palavras".

10. Pelo perfil pragmático, assume o controle axiológico, na área daadministração pública, estilo mais moral ou ético do que formal. A simples moldurada formalidade mostrou-se insuficiente para perfeito controle das contas públicas.Desfigurou-se pela ausência do fundo de quadro. Veio, então, o sistema atual deauditoria para conciliação do formal com o substancial. Na realidade, a auditoriaexpressa lima técnica a serviço da moral dos atos administrativos. É inegável oacerto de Waline: "o direito não é feito para a comodidade dos juristas"6. A face dofato moral tem maior expressão do chie a imagem legal. As regras de "boaadministração" nem sempre são escolhidas pelo seu lado moral, embora legais osseus pressupostos. Cabe ao analista visualizar a realidade na sua dimensão global,distinguindo as coisas sem separá-las. Nunca é demais repetir com Miguel Realeque "o direito não é algo diverso da moral, mas é uma parte desta, armada degarantias específicas".7 Em tudo está a moral: na economia, na política e no direito.O controle da vontade é, em parte, controle de moralidade. Toda a tecnologia doséculo XX, sem moral, seria destruição ou suicídio. De outro lado, invectiva comveemência Bilac Pinto: "A corrupção em numerosos e importantes setoresgovernamentais do nosso País assumiu tal intensidade e extensão que,desgraçadamente, parece ter sido institucionalizada. A pertinácia com que aimprobidade administrativa se exerce e a apatia da opinião pública em face delaretiraram toda a acústica às vozes isoladas que a denunciam e condenam".8 Concluio atual Ministro do Supremo Tribunal Federal na sua exposição: "Em nosso país,atualmente, ninguém se anima a denunciar as falhas de conduta moral de políticos eservidores públicos, pela certeza de que o seu zelo pela decência administrativa nãoencontrará eco favorável nas esferas responsáveis pela direção do respectivoserviço público".9 Há certa dose de pessimismo na observação do agudo tratadista,embora justificável o seu pensamento ao tempo da obra editada. Na época, ocontrole caminhava em progressão aritmética e a fraude, em progressão geométrica.

5 Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, in "O Controle da Moralidade Administrativa", Ed. Saraiva. 1474, pág. 195.6 Marcel Waline, "Les rapports entre Ia loi e le réglement avant et après Ia Constitution de 1958", in Revue deDroit Public Paris, 1959, 75.7 Miguel Reale, Lições Prel. de Dir.. SP., 1973, pág. 65.8 Bilac Pinto, Enriquecimento Ilícito do Exercício de Cargos Públicos, pág. 43.9 Bilac Pinto, ob. cit., pág. 44.

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Na atualidade, cresce uma consciência mais difusa e reflexa de moralidade no tratoda coisa pública e seu controle, a ponto de merecer mais cuidado a riqueza públicado que a privada. A crise de moralidade do "ancien régime" reverte em moralidadeda crise. A moralidade é espécie de "freios e contrapesos" presente de formadinâmica na reforma administrativa brasileira. Pelo art. 13 do Decreto-lei n° 200/67, ocontrole das atividades administrativas é exercido em todos os níveis e em todos osórgãos, compreendendo:

a) o controle, pela chefia competente, da execução dos programas e daobservância das normas que governam a atividade específica do órgão controlado;

b) o controle, pelos órgãos próprios de cada sistema, da observância dasnormas gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares;

c ) o controle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens daUnião pelos órgãos próprios dos sistemas de contabilidade e auditoria.

Freme aí a ressonância da moralidade administrativa em todos os níveis.Dentro dessa tendência, cabe aos Tribunais de Contas a grande tarefa de implantaro controle axiológico, mediante julgamento dos atos administrativos sob a ótica dodireito e da moral. A missão é árdua, porque, no mais das vezes, a questão não é delei, mas de moralidade e, quando mais não seja, choca-se a moral da lei com amoralidade do ato. A conformação protéica da decisão depende da dialética globaldos fatos. Qualquer omissão das Cortes de Contas está sempre em jogo o destinodos dinheiros públicas, o que não acontece, ostensiva e exclusivamente, com oPoder judiciário. Daí a especial cautelaridade dos Tribunais de, Contas noaperfeiçoamento dos mecanismos de controle na eterna salvaguarda do eráriopúblico. É chegada a hora de nova consciência de controle. Para isso, lança-se mãode uma axiologia, onde a moral do legal não se desaproxime do legal da moral!

11. O controle axiológico abre o conceito de tomada de contas que, ao longodo tempo, não passou de "calvário do direito". Sofreu profunda remodelagem. Noseu bojo, não se opera tão-só o processo da colheita de enganos ou coleção deirregularidades. Não basta, por certo, a exibição das imperfeições. A meta, também,consiste na avaliação dos resultados da ação governamental para indicar rumos aofuturo, "interessa ao bem comum que a ação governamental se processe comlegalidade e com moralidade. Mas interessa, também, e muito, que tal ação sejaeficiente. Esbulha o povo o administrador desonesto; mas pode esbulhá-lo maisainda o administrador indolente ou incapaz. Exige-se do governante que seja proboe respeitador da lei; mas exige-se-lhe, também, que tenha visão e descortino".10

Portanto, todo e qualquer procedimento dos Tribunais de Contas precisa adaptar-seà nova ordem de valores. A revolução não é só de processo de trabalho como defilosofia de ação. Urge a conscientização da elevada responsabilidade de sua novamissão, para que sejam autênticos instrumentos constitucionais a serviço daverdade, da moral e do futuro do País.

12. É tempo de conjurar o sortilégio dos preconceitos, quando se censura ocontrole como atividade fira e não atividade meio. A fantasia criou o estribilho de queo controle entorpece a administração ou lhe embaraça os passos livres.11 O enganoé palmar, "reverentia venia", eis o que o art. 6° do Decreto-lei n.º 200, de 25-2-67 10 Relatório sobre as Contas do Pres. da Rep. de 1913 da Câmara dos Deputados, pág. 239.11 Vide Victor do Amaral Freire, ex-Ministro do Tribunal de Contas da União, no "controle Financeiro na ReformaAdministrativa", conferência realizada no Tribunal de Contas de São Paulo, em 25 de julho de 196, pontificandona pág. 3: "O controle financeiro é uma atividade meio e não uma atividade fim".

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reputa o controle como "princípio fundamental" da administração pública.Axiologicamente, sendo o controle princípio fundamental, não pode ser atividademeio, por possuir papel preponderante num sistema de valores. É elementoessencial ao lado do planejamento, coordenação, descentralização e delegação decompetência. O controle pressupõe a idéia de ordem como exata adequação dosmeios aos seus fins. Sem controle não há ordem, assim como a verdadeira liberdadeadministrativa pressupõe a cadeia determinista dos fins. No processo revolucionáriobrasileiro, a ausência de controle pleno seria mesmo "contradiction in objecto".Andou bem Ripa Alberdi ao chamar o controle das contas públicas de "la severamagestad de Ia justicia". O controle, por sua índole teleológica, é sempre categoriaaberta e não fechada. Todo o ponto de chegada em seu caminho significa um novoponto de partida. É centro dinâmico em permanente rotatividade. Na versatilidadeestá a virtude do controle numa época em que se dilui o dinheiro público emorganismos de natureza assexuada. Mas para justificar a fuga, "alguns juristasencontram soluções para cada dificuldade e outros encontram dificuldades paracada solução". (Denning, Presidente da Corte de Apelação dos Estados Unidos daAmérica). A magia da perplexidade deve porém, ceder ao império do bom senso edas expressas tendências do Decreto-lei n° 200/67 com duração de mais de dezanos:

"Art. 6° As atividades da Administração Federal obedecerão aosseguintes princípios fundamentais:

I - Planejamento;

II - Coordenação;

III - Descentralização;

IV - Delegação de Competência;

V - Controle."

Nada mais claro ou incontestável no texto e contexto da ReformaAdministrativa.

13. Sumariando as grandes linhas da presente exposição, fácil é concluir:

a) O conceito de controle axiológico é de largo espectro e constitui exigênciaprofilática na evolução da administração pública nos seus diversos patamares.

b) Os atos considerados convenientes ou oportunos merecem cautelaridade docontrole axiológico, para que a subjetividade do administrador não ultrapasse aesfera da legitimidade.

c) O principio de reserva legal tem aplicação peculiar no setor privado epúblico, uma vez que, no primeiro, o que não está juridicamente proibido é permitido,enquanto, no direito público, só o que é permitido não é proibido. Como fusão dumúnico postulado, é possível sintetizar tudo na fórmula seguinte: "o que não está(positiva ou negativamente) proibido, é (negativa ou positivamente) permitido".

d) Todo o controle é de legalidade, abstraídas as distinções metodológicas dostécnicos, para enfatizarem a predominância essencial de tal ou qual perspectivaangular, mas se sujeita a certa escalaridade, dosimetria ou polaridade por exigênciasaxiológicas.

e) A livre discrição não se exaure na liberdade sem controle.

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f) Do ponto de vista pragmático, o controle axiológico é mais moral ou ético doque formal.

g) A moralidade do ato administrativo compreende o exame da existência dosmotivos determinantes, finalidades adequadas e seriedade do ato, podendocorolariamente ser extraídos da Lei Federal n° 4.717, de 29 de junho de 1965, cujodiploma é suporte do chamado "controle popular".

h) Cabe aos Tribunais de Contas a grande tarefa de adotar o controleaxiológico na sua plenitude, mediante julgamento dos atos administrativos sob aótica do direito e da moral.

i) É tempo - e já por demais tardio de conjurar o sortilégio dos preconceitosquando se censura o controle como atividade fim e não atividade meio, olvidando-seo art. 6° do Decreto-lei n° 200, de 25-2-67, que lhe dá suporte e acabamento de"princípio fundamental" da administração pública.

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CONCEITUAÇÃO DE RESPONSABILIDADECONTÁBIL NA FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA E

ORÇAMENTÁRIA

ROBERTO MAIA DE ATAÍDE eOTÁVIO DE SOUZA MACHADO(*)

Tem sido objeto de observação entre os estudiosos do Direito Administrativo aolado das responsabilidades administrativa, penal e civil, o aparecimento de um outrotipo de responsabilidade que se vem denominando genericamente responsabilidadecontábil.

Ainda de certo modo controvertida quanto à sua caracterização específica, eisque alguns autores a consideram semelhante à responsabilidade civil, embora deladefira essencialmente em vários pontos, e outros a entendam comoresponsabilidade substancialmente civil, nota-se que a responsabilidade contábilvem, a cada dia, ganhando campo próprio e definindo a sua aplicabilidade.

Sabido é que a responsabilidade civil se configura quando, com dolo ou culpa,um agente responsável por coisa pública causa prejuízo ao Estado ou a terceiros emvirtude de exercício irregular de suas atribuições.

Enquanto isso, a responsabilidade contábil tem sido admitida, como qualquertipo de falta que venha a ser cometida por aqueles que devam contas em virtude dasua situação de responsáveis pela manipulação ou guarda de bens ou valorespúblicos, cujo procedimento irregular não se encontre contaminado de dolo ou culpa,mesmo que dele não decorra dano moral ou efetivo.

Conquanto guarde as suas peculiaridades em relação aos demais tipos deresponsabilidade, a contábil poderá associar-se à administrativa, penal ou civil,desde que ocorra qualquer dano real que se situe simultaneamente nos respectivoscampos.

Conceituada que se encontra a responsabilidade contábil, num passo maisadiante, poderemos subdividi-Ia em responsabilidade puramente contábil eresponsabilidade contábil de caráter financeiro. A primeira deflui dos atos irregularespraticados por profissionais de contabilidade ou pessoas que editem ou que devamcumprimento a normas contábeis, na lição de A. Lopes de Sá e Antônio Calderelli. Asegunda, se configura com a existência de alcance, como tal definido em lei própria,ou de cominações pecuniárias impostas pelos órgãos aos quais compete a tomadaou julgamento das contas.

Em termos sumários considera-se alcance a falta, desvio ou má aplicação debens, dinheiros e valores públicos, com obrigação de indenização dos prejuízoscausados, podendo, ainda, acarretar a suspensão das funções, traduzindo-se as (*)Auditor Jurídico e Auditor Financeiro do Tribunal de Contas da Bahia.

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cominações pecuniárias como penalidades, em dinheiro, aplicadas pelos órgãos járeferidos, sob a forma de multas. juros e suspensão de vencimentos.

Os órgãos que exercem atribuições de controle, quer seja interno ou externo,vêem-se, no dia-a-dia, na intimidade de situações que traduzem especificamente otipo de responsabilidade enfocado como contábil, nas duas modalidades jáestabelecidas.

E verdade que correntes existem que não acolhem, de modo tranqüilo, aocorrência da responsabilidade contábil, pura e simples, preferindo admiti-lo, apenasquando se configura alcance. Tal entendimento, de certo modo superado eanacrônico, origina-se em tradicionais e antiquadas disposições legais que vêmsendo repetidas, sem maior análise da sua validade, em textos novos, confundindo eequivocando seus aplicadores. Com efeito, admitir-se que, na apreciação de contas,todo e qualquer responsável, seja ele simples aplicador de adiantamentos oudirigente de entidade autárquica ou paraestatal, tenha que ser obrigatoriamenteconsiderado quite, em débito ou em crédito para com o erário, é entendimento quenão resiste a maior exame, eis que não acompanha a realidade do que seja, nosdias atuais, uma prestação de contas de quem detém, por força do exercício decargos ou de delegação, a incumbência de gerir patrimônio ou seja o conjunto debens, direitos e obrigações de uma entidade pública. Vê-se de logo, nestaenunciação elementar do que seja patrimônio, que as relações jurídicas dadas como contrastamento da sua parte ativa bens e direitos - com a passiva - obrigações -,envolvendo atos de gerência através dos quais se possa apurar uma boa ou máação administrativa, não se podem circunscrever às situações de quitação, débito ecrédito.

Não pretendemos negar, entretanto, atualidade às referidas situações, desdeque orientadas às apurações de contas de responsáveis em que a respectivaprestação se resume mima conta corrente, cujo débito é dado pelo valor adiantado,transferido ou suprido, enquanto que o crédito é obtido mediante a sua aplicaçãocomprovada com documentos idôneos, e cujo balanceamento poderá determinar oequilíbrio - quitação - ou o excesso de um sobre o outro - débito ou crédito.

Nota-se, de logo, sem maior esforço de raciocínio que, na apreciação decontas que envolvam gestão patrimonial, os aspectos a serem analisados,pesquisados e investigados, não podem restringir-se a tal confrontação aritmética,cuja validade tem seu campo definido como acima enfatizado.

Bem mais amplo, entretanto, é o campo deferido ao controle em relação aosatos gestivos daqueles que detêm a atribuição de administrar a coisa pública,tomada na sua maior acepção. Em tais condições a ação controladora deve penetraraspectos orçamentários, financeiros, econômicos ou redituais e patrimoniais, semesquecer os atos de administração, cuja prática influi positiva ou negativamente nosresultados obtidos ao fim de um período de gestão.

Assim sendo, a equilibrada execução orçamentária, onde os planos de trabalhotenham sido efetivados com precisão cronométrica e numerária; o fiel cumprimentodas normas de arrecadação de receita e realização de despesa; a manipulaçãozelosa dos dinheiros com um controle perfeito das disponibilidades em caixa ou emmãos dos agentes financeiros; os resultados econômicos positivos com afetaçãobenéfica na riqueza gerida; o patrimônio líquido apurado no balanço de exercício,são aspectos que devem constituir, em suma, objeto de investigação por partedaqueles que examinam contas de administradores públicos.

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Logo se deduz que esse complexo de perquirição, para cujo bom êxito oanalista haverá de socorrer de profundos conhecimentos de auditoria contábil, sedistancia, em muito, daquela aptidão que seria bastante para um exame aritméticode contas que se deveria declarar o responsável quitado, em crédito ou em débito,mesmo que para tanto o caminho percorrido envolvesse situação de mérito.

No primeiro caso, a constatação de procedimento que levasse a coisa pública,em contraste, a um estado diverso, no seu aspecto estático ou dinâmico, daqueleque normalmente se previa, poderá por certo, determinar a responsabilidadepuramente contábil, o que vale dizer, sem obrigação de ressarcimento pecuniário porparte do administrador.

já no segundo caso, sem embargo de ocorrência da situação peculiar aoprimeiro, verifica-se com acentuada freqüência a apuração de responsabilidadecontábil de caráter financeiro, como tal conceituada neste trabalho.

Definida, pois, a existência e admissibilidade, de maneira induvidosa, daresponsabilidade contábil, em seus dois aspectos inconfundíveis, restaria, numaprimeira etapa, analisar-se a competência, em tese, das Cortes de Contas parasentenciarem pela desaprovação de contas dentro de uma das modalidadesestudadas.

Com efeito, não se poderá argüir qualquer vedação de ordem jurídico-legal queimpeça aos Tribunais de Contas, em relação aos administradores de bens edinheiros públicos, desaprovar-lhes as contas com ou sem ocorrência de imputaçãode sanção pecuniária, valendo a decisão rejeitadora como sanção moral na últimahipótese.

Esse procedimento, de legitimidade inconteste, além de suma conveniência,dimana da possibilidade que se enseja aos Tribunais de Contas de, em apreciandosituações as mais diversas, efetuar a distinção necessária entre aquelas quereclamariam uma pronta indenização ao erário, ou mereçam punição pecuniáriaainda que simbólica, e as que, conquanto traduzam, ostensiva ou veladamente,infração de normas legais, não determinam a reposição de dinheiros, bens ouvalores, ou a aplicação de sanções de ordem financeira.

E assim agindo, os Tribunais de Contas, no exercício que lhes é deferido pelaConstituição, estarão acautelando os interesses do Estado contra possíveis terceirosprejudicados em decorrência de atos de administradores públicos, na qualidade deprepostos seus, contra os quais, em tais casos, ficará assegurado, regressivamente,o direito ao ressarcimento das quantias desembolsadas em favor dos referidosprejudicados, isto porque a decisão naquela forma não opera efeitos de coisajulgada impeditivos de ulterior iniciativa em proteção do erário.

Além do mais ao lado da fiscalização financeira e orçamentária que osTribunais exercem, como auxiliares; elo Poder Legislativo no desempenho docontrole externo, detém eles, por delegação constitucional, a função judicante, cujasoberania se alteia ao ponto de suas decisões, em matéria de contas, não poderemsofrer revisão pelo Poder judiciário.

Em conseqüência dessa indiscutível ação jurisdicional, aos Tribunais,investidos pela Carta Magna do País da delegação de competência para julgar ascontas dos responsáveis por dinheiros e bens públicos, assiste inteira autonomiapara, em ato de discricionariedade permitida, decidirem como lhes aprouver,objetivando, em qualquer caso, salvaguardar interesses maiores do Estado.

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Vale ressaltado que a tese aqui defendida - desaprovação de contas, semresponsabilidade contábil de caráter financeiro - jamais poderá ser interpretadacomo extrapolante dos limites da mencionada discricionariedade, mas circunscrita àssuas mais restritas lindes, tendo em vista as mínimas conseqüências que defluempara os administradores que geriram a coisa pública com inobservância, de qualquerforma, da regra legal.

Por outro lado, quando nos referimos, linhas atrás, à competência, em tese,das Cortes de Contas para o procedimento, é porque pretendíamos situá-lo acoberto de disposições de ordem legal e constitucional que possam conferirtranqüilidade aos que o adotarem, permitindo que se traduza em norma uniformeentre as diversas Cortes de Contas do País.

Certo é que, pelo menos, os Tribunais de Contas da União e dos Estados deSão Paulo e da Bahia vêm praticando, com justo acerto, essa forma de decisão,constituindo-se as suas sentenças, no particular, um arrimo substancial para a teseaqui defendida, traduzindo-se em exemplos a serem seguidos pelos demaisTribunais de Contas do País, com vista ao aprimoramento da fiscalização a seucargo.

Ainda não se apagou da lembrança de todos a recente decisão do Tribunal deContas da União, que teve repercussão nacional e foi objeto de farto noticiário daimprensa, quando aquela Corte em memorável Sessão Plenária, e após mais decinco foras de debates, desaprovou as contas do Departamento Nacional deEstradas de Rodagem - DNER, relativas aos exercícios de 1965 a 1971, aplicandoaos seus então Diretores, na dualidade de responsáveis maiores do Órgão, puniçãosimbólica consubstanciada em multa que variou de um a dez salários mínimosmaiores do País.

Como já esclarecido, tal decisão reveste-se de forma de desaprovação decontas com responsabilidade contábil de caráter financeiro, uma vez que ocorreu aaplicação de penalidade pecuniária aos gestores, a que o mencionado Tribunaldenominou de punição simbólica. Vale acentuar que, tivesse a Corte de ContasFederal preferido a desaprovação pura e simples das Contas. sem nenhumacominação pecuniária aos administradores responsáveis, estaria ela tambémalcançando o seu desiderato de velar pela boa gerência da coisa pública, já que asanção de caráter moral, mais do que a multa simbólica, foi que repercutiu naopinião pública nacional, ensejando a manifestação da imprensa do País de aplausoao órgão fiscalizador e de repúdio aos maus gestores de sobremencionada entidadeautárquica.

O exemplo enfocado, ao lado de alguns outros esparsos dos Tribunais járeferidos e de outros cujas possíveis decisões no sentido não nos chegaram aoconhecimento, serve para corroborar, de maneira indiscutível, a procedência damatéria em exame e a necessidade de ser acolhida como posição uniforme pelasdiversas Cortes do País.

Não resta a menor dúvida de que a desaprovação pura e simples de contas,sem a aplicação de penalidade pecuniária constitui, por si só, uma situação dedemérito para o administrador, gerando, o fato, mediata ou imediatamente, a suaincompatibilidade para o exercício de cargo ou função pública de caráter diretivo,colocando-o, por assim dizer, no rol daqueles que não reúnem condições para gerira coisa pública.

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É oportuno que se traga à colação a realidade indiscutível de que para umadministrador público a sanção moral tem uma conotação muito mais relevante doque aquela consubstanciada no recolhimento ao erário de um valor simbólicoperfeitamente ao alcance de sua bolsa e cuja efetivação demandaria, por certo. naquitação, em face da penalidade que lhe foi imposta, enquanto que perduraria, demodo irreversível, o aspecto moral da sentença desaprovadora das contas.

De tudo até aqui exposto, colhe-se a evidência de que certos deslizes, deordem administrativa e mesmo contábil são capazes de gerar a desaprovação pura esimples de contas, podendo aliar-se a ela a cominação de pena de ordem financeira,a critério do Órgão judicante, cuja discricionariedade em matéria de contas, conferea sua decisão os efeitos de coisa julgada.

No primeiro caso, emerge a proclamada sanção moral e no segundo, a puniçãopecuniária, cuja associação como visto decorrerá das circunstâncias e do arbítriodas Instituições Superiores de controle das finanças públicas, para tanto investidasde delegação constitucional, como já explicitado ao longo deste trabalho.

Com a argumentação até aqui desenvolvida, queremos deixar patente oentendimento claro e cristalino de não se poder restringir o campo de ação dosTribunais de Contas, nos atos de julgamento das contas dos seus jurisdicionados,estreitando a faixa de suas decisões na configuração, apenas, de desaprovação decontas com responsabilidade contábil de caráter financeiro para o respectivo titular.Se assim fosse, se essa absurda hipótese encontrasse a sua realidade Haurida namá interpretação dos textos legais, uma gama de fatos irregulares originários de máação administrativa e contábil, mas não configurantes de alcance, ficariam impunesde qualquer sanção, se, por escrúpulos ou qualquer outra circunstância, não sevalesse o julgador do instituto da multa ou punição do gênero.

Certo é, devemos acentuar, que a questão trazida a lume não é nova.Renomados administrativistas estrangeiros, tais como Bielsa, Raggi, Baldi Papini,Zanobini e Benjamim Basavibalso ocuparam-se em profundidade do assunto,estabelecendo a conceituação da responsabilidade em trato, discorrendo sobre asua natureza, constituição, identidade ou distinção em relação dos demais tipos deresponsabilidade consignados em lei. Pelo que nos foi dado apreciar, o nossoentendimento não entra em conflito. em tese, com o que prelecionam, em suasobras, os nominados administrativistas.

Também a alguns autores brasileiros a matéria não passou despercebida,merecendo referência, dentre outros, os estudos realizados por Barros Júnior e TitoPrates da Fonseca.

A posição que se busca difundir e que se pretendem uniforme entre osTribunais de Contas do Brasil é tanto mais aceita, quando, nos dias correntes, oGoverno Federal vem dando, à sociedade, assinaladas mostras de irrestrito apoio àsCortes de Contas, fortalecendo-as nas suas competências de modo intensivo sobretantos quantos gerenciam dinheiros públicos.

O apoio do Poder Central, de indiscutível validade para o aprimoramento dafunção de controle externo exercida pelos Tribunais de Contas, vem de serdefinitivamente demonstrado com a edição de recente Lei que lhes subordina àfiscalização as entidades públicas, com personalidade jurídica de direito privado,cujo capital pertença exclusiva ou majoritariamente ao Estado ou a qualquer

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entidade da administração indireta, bem como as fundações instituídas e mantidaspelo Estado.

Ante as considerações expendidas ao longo deste despretensioso trabalho,ressalta de logo o seu objetivo de, em consonância com a atual filosofia dominanteno País, de fortalecer o controle externo, erigir uma nova posição de julgamentopelos Tribunais das contas de administradores, principalmente agora que se alargouo seu campo de aplicabilidade.

CONCLUSÃO

Por tudo quanto ficou exposto, propomos que o VIII CONGRESSO DOSTRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, reunido na Cidade de João Pessoa, Capitalda Paraíba, recomende, como norma uniforme a ser adotada por todos os Tribunaisde Contas, a desaprovação de contas sem responsabilidade contábil de caráterfinanceiro para o gestor, quando os atos e fatos tidos como irregulares, embora denatureza contábil, não configurem alcance ou não demandem aplicação de sançãopecuniária.

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INSTITUTO "RUY BARBOSA"

ANAHID DE LIMA MARCONDES eSÉRGIO CIQUEIRA ROSSI

I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Cabe-nos manifestação em razão da determinação de Sua Senhoria o Sr.Superintendente do Instituto "Ruy Barbosa", Dr. AÉCIO MENNUCCI.

Determinou, Sua Senhoria, opinássemos sobre o mérito da tese apresentadano VIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado em João Pessoa,Capital da Paraíba, em julho de 1975.

Pretendiam seus subscritores, a uniformização das decisões dos Tribunais deContas do Brasil, no sentido da desaprovação de contas, sem responsabilidadecontábil de caráter financeiro para o gestor, guando os atos e fatos tidos comoirregulares, embora de natureza contábil, não configurem alcance ou não demandemaplicação de sanção pecuniária.

II - RELATÓRIO

De início, pela simples leitura do enunciado da conclusão apresentada pelosdignos doutores, observa-se que quiseram eles traçar um paralelo diferenciado entrea responsabilidade contábil e a responsabilidade contábil de caráter financeiro.

Todavia, não só traçaram eles uma diferença entre as duas responsabilidadescomo criaram uma nova responsabilidade, qual seja, - a responsabilidade contábil decaráter financeiro.

Com efeito. A responsabilidade contábil é objeto de lições quando se estuda aresponsabilidade do funcionário público.

A responsabilidade contábil decorre de irregularidade de contas em que seapura débito contra o responsável, independentemente de dano, consoante ensinaCarlos S. de Barros júnior, em obra publicada lia Revista dos Tribunais, v. 191, pág.585.

Portanto, a desaprovação de contas pressupõe a ocorrência deresponsabilidade contábil que se traduz em alcance.

Ainda, a respeito escreveu Osvaldo Aranha Bandeira de Mello:

"A responsabilidade contábil consiste na efetivação de medida a fim defazer o agente empregado repor quantia que falta para que suas contas sejamexatas, sem indagação de dolo ou culpa. Ela só se refere aos que têm agestão de dinheiro público, os quais ficam obrigados à prestação de contas.Não existe vínculo de dependência hierárquica, na hipótese, pois elas sãoprestadas perante órgão de controle, fora da hierarquia." (grifo nosso) -Revista de Direito Público, volume 3, pág. 24.

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Vê-se com clareza que a responsabilidade contábil só pode ser imputada aquem esteja sujeito à prestação de contas -e que por conseqüência, na apuração desituações que retratem inexatidão, sejam passíveis da reposição das quantiasfaltantes.

Assim, a assinalação de irregularidades, nos aspectos orçamentários,financeiros, econômicos ou redituais e patrimoniais, como querem os defensores datese, não se traduz em responsabilidade contábil e sim em responsabilidadeadministrativa.

A responsabilidade contábil envolve e traduz-se na reposição de quantias tidascomo faltantes na prestação de contas, dispensada a constatação elo dolo ou culpa.

Assim, não há que se cogitar, como pretendem os doutos autores da tese, emdesaprovação, .sem responsabilidade contábil.

Poderá, pensamos, ser aprovada a conta, sem prejuízo de que se apure aresponsabilidade funcional do servidor, por meio de processo regular.

Quanto a responsabilidade contábil de caráter financeiro não vemosargumentos para aceitá-la.

III - CONCLUSÃO

Em conseqüência, propomos que se formule assim a pretensão: a aprovaçãode conta, sem a acorrência de alcance, porém, eivada de irregularidade, facultaráaos Tribunais seja determinada a apuração de responsabilidade funcional, ou,mesmo, a aplicação de pena pecuniária, devendo uma e outra das situações sercontempladas expressamente em Lei.

Era o que nos cabia e é o que submetemos agora a sua apreciação e crivo.

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CONTRATAÇÃO DE PROJETOS

OLAVO EGYDIO SETUBAL

Um dos problemas, entre os muitos com que deparei ao assumir a Prefeiturado Município de São Paulo, foi o das contratações para elaboração de projetos dearquitetura, de engenharia, de estudos de viabilidade econômico-financeira eserviços análogos.

Ocioso seria colocar em relevo a importância que tais projetos tem na açãoadministrativa municipal e, por isto, acompanho, com muito interesse, os estudosprocedidos sobre o assunto pelos assessores da área jurídico-administrativa etécnica da Municipalidade. As idéias que passo a desenvolver refletem asconclusões pessoais a que cheguei através desses trabalhos.

No início deste século, até a Segunda Guerra Mundial, a incipiente atividadeadministrativa do Município, nesse setor, se resumia a projetos referentes a edifíciosdestinados a atender seus serviços públicos, a usos especiais e, principalmente, aosistema viário, todos compreensivelmente simples.

Tais projetos, que praticamente dispensavam as contribuições de arquitetos eeconomistas, eram executados normalmente pelo engenheiro pertencente aosquadros do funcionalismo. Nos casos singulares, pela complexidade ou significaçãoda obra, adotava-se o procedimento tradicional do concurso público.

O Município de São Paulo, a exemplo das demais unidades públicas do País,foi abrangido pelo grande surto de desenvolvimento econômico que a Naçãoexperimentou após a Segunda Guerra Mundial. A ação do Estado foi compelida aampliar-se e as obras públicas demandavam projetos de elaboração cada vez maiscomplexos.

As limitações da Administração Pública, à época, fizeram com que os seusquadros técnicos não acompanhassem esse desenvolvimento, fazendo-senecessário ao atendimento daqueles objetivos recorrer a serviços de terceiros, pelaprática da contratação direta dos projetos de engenharia, arquitetura e,posteriormente, os de economia, prestados por profissionais ou firmasespecializadas.

Esse procedimento se fulcrava no disposto no artigo 51, letra "b" do Código deContabilidade Pública (Decreto Legislativo n° 4.536, de 28 de janeiro de 1922) e noartigo 246, letra "b" do Regulamento de Contabilidade Pública, que o reproduziu:

"Art. 51 - Será dispensável a concorrência:

...............................................................................................................

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b) para o fornecimento de material ou gêneros, ou realização detrabalhos que só pudessem ser efetuados pelos produtores ou profissionaisespecialistas, ou adquiridos no lugar de produção."

A premência de conferir maior mobilidade à ação pública deu início, entre nós,na década de 50, à proliferação de entidades públicas de direito privado, tais comoempresas e sociedades de economia mista. Na esteira das empresas tipicamenteindustriais como a Cia. Siderúrgica Nacional e a PETROBRAS, surgiu a NOVACAP,criada em 1958, especificamente para a construção de Brasília, exatamente porqueo Poder Público sentia não dispor, dentro das normas da administração direta, dosinstrumentos jurídico-administrativos capazes de levar avante um programa de talmagnitude.

A partir de 1964, essa tendência se acentuou. A extraordinária expansão daatividade econômica nacional, propiciada em grande parte pela reforma do sistematributário, que revitalizou financeiramente os estados e municípios brasileiros,conduziu "necessidade de elaboração de estudos e projetos de elevado níveltécnico, difíceis de serem levados a termo pelos poucos profissionais especializadosdisponíveis nas três esferas de governo, e impossíveis de serem contratados atravésde licitação, cujo processo decorre de especificações precisas antecipadas.

A contratação direta com esses técnicos e a criação de entidades deAdministração indireta foram as conseqüências naturais do esvaziamento gradual epermanente dos corpos técnicos dos órgãos públicos, motivado pelo expressivodesnível salarial entre esses profissionais e aqueles do setor privado. No caso daPrefeitura do Município de São Paulo criaram-se, por exemplo, seis sociedades deeconomia mista para obras e serviços específicos e especializados.

Paralelamente, a reforma administrativa desencadeada pelo governo federal,através do Decreto-lei n'? 200/67, estabeleceu novas "normas relativas a licitaçõespara compras, obras, serviços e alienações" estendidas aos estados e aosmunicípios pela Lei Federal n.º 5.454, de 1968. Admitida essa extensão pelacorrente doutrinária que relaciona as normas da licitação ao campo do direitofinanceiro, não se excluiu - e nisso os juristas da Prefeitura estão concordes - apossibilidade do município estabelecer as normas procedimentais da licitação, estas,sem dúvida, pertencentes ao campo do direito administrativo.

O Município de São Paulo, que dispunha de dois instrumentos legais paraoperar as licitações (Decretos n.°s 2.967/55 e 6.117/65), foi obrigado, com o adventodo Decreto-Lei n° 200/67, a reformular sua legislação, de molde a incorporar osdispositivos obrigatórios de direito financeiro, e a possibilitar a agilização necessáriaao cumprimento de suas atribuições.

Nos primeiros dias de minha gestão à frente da Prefeitura de São Paulo tive aoportunidade de sancionar a Lei Municipal n° 8.248/75, que normaliza a ação daAdministração Centralizada e Autárquica do Município, nas obras, serviços, comprase alienações.

A contratação de projetos, no entanto, ainda não se apresenta estremada dedúvidas. Ela vinha sendo, desde a edição do Decreto n° 200/67, contratada combase na letra "d" do seu artigo 126, que permitia a dispensa da licitação "nacontratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização".

Debates em torno do efetivo alcance desse dispositivo envolveram os órgãosda administração pública, das Cortes de Contas e mesmo o judiciário. Entendo que

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esta não é a oportunidade e nem o expositor seja o indicado para detalhar todos osaspectos jurídicos abordados por esses pareceres e decisões.

A questão, por momentosa, propiciou a manifestação do Consultor-Geral daRepública, síntese das decisões e interpretações juridicamente mais representativassobre a inteligência do conceito de "notória especialização , que foi, afinal, aprovadapor Sua Excelência o Presidente da República.

Devo destacar que esse parecer emergiu de consulta formulada pelo DASP,quanto à possibilidade de dispensa ampla da licitação, com base na notóriaespecialização, nos contratos de prestação de serviços técnicos relativos àelaboração de projetos de engenharia, arquitetura e cálculos complementares.

Tal pretensão, no entanto, não foi ali acolhida. A dispensa do procedimentolicitatório deveria ser considerada exceção, e como tal decorrer da interpretação amais restrita, em respeito ao princípio da isonomia e ao da preservação, para aadministração, da prerrogativa de escolha da melhor proposta.

O conceito de notória especialização, que vinha sendo emprestado pelosórgãos técnicos da Prefeitura, foi restringido naquele parecer:

"Entende-se, portanto, configurada a notória especialização, comomotivo determinante na dispensa formal de licitação, quando se tratar deserviços a serem contratados pela administração com características denotável singularidade no modo da prestação ou no resultado a obter, nãosuscetíveis de execução senão por determinados profissionais ou firmas dereconhecida e correspondente especialização, em grau incompatível com osdemais, logo, em circunstância materialmente impossibilizante de confrontolicitatório que é, sempre, o critério fundamental a justificar o contrato intuitupersonae".

O parecer, procurou, também, a compatibilização desse entendimento com aLei n.º 5.194/66, reguladora do exercício das profissões de engenheiro, arquiteto eagrônomo, que estabelece no artigo 83:

"Os trabalhos profissionais relativos a projetos não poderão ser sujeitos aconcorrência de preço, devendo, quando for o caso, ser objeto de concurso".

Deve-se observar que esse posicionamento só agora tem merecido aapreciação do judiciário, que admite, no entanto, maior largueza ao conceito danotória especialização, como, por exemplo, a recente decisão proferida pela Egrégia4ª Câmara Cível do 1° Tribunal de Alçada Civil deste Estado, em ação popularproposta contra o Prefeito do Município de Itú, na qual se encampou a linhadoutrinária que a respeito sustenta o insigne administrativista pátrio, Prof. HelyLopes Meirelles.

Nela ficou reconhecido, em princípio, que a lei, expressamente, conferia aoadministrador a faculdade de contratar a realização de serviços e obras,independentemente de licitação, desde que a empresa ou o profissional escolhidosfossem notoriamente especializados. A conveniência, ou inconveniência dadispensa, que dizem respeito ao interesse da própria administração, caberiam aoadministrador identificar através de juízo próprio. O controle da legalidade serestringiria, tão-só, aos aspectos objetivos da notoriedade da especialização. Ainda,o que a decisão também repudiou, foi a idéia de que somente quando os trabalhos

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envolvessem especificidade e subjetividade poderia ser utilizada a liberdade previstana lei.

Não obstante, a Prefeitura de São Paulo vê-se ainda compelida a aplicar a teseesposada no aludido parecer. A condição e a responsabilidade de município maisimportante do País, às voltas com expressivo número de contratações de projetos,impõem-lhe, no entanto, o dever de propugnar por modificações do texto legal emvigor.

A Prefeitura necessita projetos para as mais variadas obras e melhoramentospúblicos: pontilhões, escolas, praças, vias expressas, avenidas, edifícios, bibliotecas,praças de esporte, etc. Se esse conjunto for ordenado em função de número versoscomplexidade, verificar-se-á facilmente que a curva representativa dessa situação ésensivelmente decrescente.

Há um elevado número de projetos simples e um pequeno número de projetosde grande complexidade. Entendo ser difícil contratar esse conjunto de projetosdentro da conceituação estabelecida no parecer do Procurador-Geral da República.Contratar, sem licitação, conforme a definição ali conferida à notória especializaçãosó alcançaria umas poucas hipóteses, mesmo dentre obras complexas e de maiorvulto da Prefeitura. O concurso, por sua vez, seria extremamente lento, dispendiosoe aplicável, também a pouquíssimos casos. Não vejo, por exemplo, como se poderiacontratar, por concurso, um projeto de viabilidade econômica, ou um projeto decálculo estrutural.

A contratação de projetos de pequeno porte, por sua vez, não oferece menoresdificuldades. Contratar, por qualidade, os projetos de um posto de saúde, da reformade uma escola, da instalação elétrica de um mercado é impraticável. O que se temverificado é que, em muitos órgãos públicos, tais projetos são adjudicados emlicitação por preço ou através de sorteio, o que teia oferecido inconvenientes para oPoder Público, além de contrariar o disposto na Lei n° 5.194.

Senhores, vim da área da administração privada, onde as boas normasadministrativas adotadas pelas grandes empresas também incluem toda uma sériede providências para contratação de serviços e de obras. Essas normas sedesenvolveram basicamente nas nações mais industrializadas especialmente naInglaterra e nos Estados Unidos. Da Inglaterra e da Escócia vieram os conceitos deauditoria e controle financeiro que hoje são universais. Nos Estados Unidos, aUniversidade de Harvard, pioneira já na década de 20, na criação da Faculdade deAdministração de Empresas, estudou sistematicamente os procedimentosadministrativos desenvolvidos naquele país e seus trabalhos influenciaram todas asfaculdades e estudiosos dos problemas de administração no mundo inteiro.

Deve-se notar que esse desenvolvimento deu-se em países cujo sistemajurídico era baseado no "Commom Law" e não no Direito Romano como o nosso.Esse é um dos fatores que leva a grandes dificuldades para ajustar osprocedimentos usuais na administração empresarial aos da administração pública,dentro da atual sistemática.

O reconhecimento dessa situação, levou o atual governo a editar a nova lei dasSociedades Anônimas, com conceitos até então só adotados na legislaçãoanglo-saxônica. Entendo que essa evolução é necessária e natural, pois essespaíses, mais desenvolvidos economicamente que o nosso, acumularam umaexperiência da dual nos devemos usufruir.

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Não podemos continuar querendo administrar o País na era atômica, com asmesmas normas que até hoje nos regeram. Não é viável que a letra "d" do artigo 126do Decreto-Lei n.º 200/67 regule, através de uma interpretação jurídica formal, acontratação de toda a gama de projetos da maior importância para odesenvolvimento do País.

A análise para classificação das propostas seria feita, segundo critériostécnicos preestabelecidos, por comissão especial designada.

Os projetos de nível III seriam contratados diretamente pela administraçãopública, sempre mediante parecer de um colegiado, aprovado pela autoridadecontratante. Essa contratação se fundaria, entre outros, em dois pressupostosessenciais: a notória especialização, conceitualmente ampliada; e a confiança, nocaso de projetos de alto risco.

A nível municipal. poderiam ser citados corno exemplos de alto risco: cálculoestrutural de ponte de grande vão e a sua fiscalização; projeto das fundações de umedifício de porte, em solo fraco.

Um texto de lei que abrigasse estas sugestões seria, ao meu ver, o meioadequado para a eficaz atuação do Poder Público. E os eventuais temores de que,com ele, a administração venha a dispor de instrumento que propicie a malversaçãodo dinheiro público, não merecerão ser alentados. A Constituição Federal e alegislação vigente fornecem os meios para coibir abusos. A atividade fiscalizadorado Legislativo, exercida com auxílio da Corte de Contas e a ação popular, colocadaao alcance de qualquer cidadão, alertado sempre, pela atuação salutar da imprensa,são, por exemplo, armas admitidas na salvaguarda do interesse público.(*)

(*) Trabalho do I Congresso Nacional de Procuradores do Estado. Outubro 1977.

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CONTENCIOSO FISCAL TRIBUTARIO FEDERAL(A REDAÇÃO DO ANTEPROJETO)

GERALDO ATALIBA

A comissão elaboradora do anteprojeto, nomeada pelo Ministro da Fazenda, foipresidida pelo Dr. Gilberto Ulhoa Canto e integrada pelo Doutor Gustavo Miguez deMello e por nós. Seu ponto de partida foi um trabalho desempenhado pelaProcuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que elaborou um primeiro esboço doanteprojeto, juntamente com todo o material crítico que foi enviado por entidadesempresariais, técnicos fiscais, professores, instituições científicas e culturais deadvogados, de contabilistas e outras profissões, bem como os órgãosrepresentativos de classes produtoras. Todo esse material foi levado emconsideração na elaboração do trabalho.

Quem se debruce em meditações sobre o texto do anteprojeto, verificará queele não é dirigido, em sua redação, aos entendidos, aos especialistas, aosestudiosos e aos já versados amplamente nessas matérias, mas, pelo contrário,emprega linguagem voltada a todas as pessoas que podem vir a se interessar porele. Basta considerar que, em se tratando de lei processual - que colocamecanismos adjetivos de defesa de direitos -interessará a todas as pessoas físicas ejurídicas, que de qualquer maneira entretêm relações tributárias com a União ousuas autarquias, assim como com relações afins, classificadas de um modo amplocomo "fiscais".

Por essa razão, o projeto procura explicitar uma série de princípios e aindadesdobrar muitas normas que poderiam ser sintéticas.

Para que o novo sistema seja implantado com sucesso em todo territórionacional e possam os órgãos, assim criados, afirmar o seu prestígio -servindo àharmonização dos interesses da fazenda e dos contribuintes -haverá necessidadede bastante clareza na legislação invocada, bem como acesso de qualquer um àpossibilidade de compreensão das finalidades, que são objetivadas pelo legislador,na elaboração do texto. Como muito bem se disse, na exposição de motivos, "estanova lei será aplicada em todos os rincões do território nacional e não poderia, poramor ao apuro da técnica e ao requinte da elegância didática ser redigida como sesomente interessasse aos cultores do direito dos grandes centros.

Por isso, entre uma redação sóbria, sucinta e obediente aos rigores do estilo deelaboração legislativa mais exigente e requintado e um tipo discursivo e didático, acomissão optou para a segunda hipótese, redigindo normas que contêm minúcias ecunho acentuadamente didático. Por isso, poderá ser criticada como prolixa,repetitiva e ociosa. Acontece, porém, que a experiência da vivência do "contencioso"existente, bem como o estudo da forma de relacionamento administrativo entre ofisco e o contribuinte federal, no estágio atual, bem atentas às grandes inovaçõesintroduzidas pelo projeto, levaram a comissão à convicção de que de outra forma

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não poderia agir, senão elaborando um trabalho minucioso e de cunhoconfessadamente didático, reconhecendo a função também pedagógica da lei.

Muitos vícios arraigados somente podem ser estirpados por meios explícitos epedagógicos. Tal é a única maneira de se chegar a um contencioso que se constituanuma inovação realmente positiva. E não hesitou a comissão em optar por estalinha, como explica na exposição de motivos, porque, com isso, em nada seprejudicam quer os direitos das partes (Fazenda e Contribuinte), quer a celeridadedo andamento dos processos e o bom desempenho do sistema.

A Comissão tomou como ponto de referência para o estudo do tema edesenvolvimento de seus trabalhos o anteprojeto elaborado por Ulhoa Canto para aComissão de Reforma do Ministério da Fazenda (1964) .

Vale a pena, pois, reproduzir o que esse mestre escreveu, então, a respeito dotema:

"A necessidade de se estruturar o processo tributário no Brasil, de modo,se não uniforme, pelo menos sistemático em relação aos diversos tributos,tem sido apontada por estudiosos, juristas, técnicos e funcionários fiscais,para que possa ele assegurar rápido deslinde das controvérsias suscitadasentre a Fazenda e os contribuintes, evitando-se que a receita fiqueprejudicada por excessivas dilações, e, ao mesmo tempo, os direitos básicosdos cidadãos, no que concerne ao pagamento dos impostos, taxas econtribuições, sejam resguardados, por forma compatível com os padrõesdemocráticos de um contraditório pleno e adequado.

De fato, entre nós não se deu, até esta data, a devida importância àdisciplina integral e orientada por princípios cientificamente certos, daprocessualística tributária. Leis esparsas têm sido expedidas, algumas, velhasde décadas, outras, mais recentes, apenas corretivas de imperfeiçõesgritantes das anteriores, umas quantas, específicas no seu contexto de meradisciplina de pontos isolados, relativos a certos tributos ou a determinadasfases do processo contencioso suscitado na sua arrecadação, ou, mesmo,limitações à simples recomposição de órgãos colegiados e à modificação dasrespectivas competências decisórias.

Neste plano, como no da elaboração do direito tributário, substantivo, oque se tem visto, recentemente, é apenas improvisação revelada no envio demensagem, pelo Executivo ao Legislativo, ao fim das sessões do Congresso,com apelos angustiados para a aprovação urgente de medidas para a reduçãode déficits orçamentários, e administrativamente, a simplificação dosprocessos de cobrança, neste particular, quase que apenas visando aaumentar o número de Câmaras de Conselhos de Contribuintes, e aimpor-lhes ritmo de trabalho mais acelerado." (RDP n.º 7, págs. 168 e 169)

A vista do exposto, pode-se dizer que retomamos, agora, esse antigo e valiosoestudo, o que significa a robustez das convicções fundamentais da comissão.

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CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

ROBERTO ROSAS

SUMÁRIO: 1 - A Reforma Administrativa.Descentralização de atividades. Administração Indireta.Empresa pública e sociedade de economia mista. 2 - ReformaAdministrativa no âmbito estadual. Ato Institucional n° 8, de1969. 3 - Normas de administração financeira. Dever de prestarcontas. 4 -Os controles financeiro e orçamentário. 5 - Afiscalização da administração descentralizada. 6 - A regulaçãodo dispositivo constitucional (art. 48) . 7 - A Lei n° 6.223 e seusaspectos. 8 - As peculiaridades da administração indireta. 9 -As instituições financeiras e subsidiárias.

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

1. A filosofia da Reforma Administrativa operada com o Decreto-lei n.º 200baseou-se na descentralização das atividades da Administração. A partir dessaetapa houve grande incremento à chamada administração indireta com entidades depersonalidade jurídica própria como as autarquias, empresas públicas e sociedadesde economia mista.

Considerou-se mais a autarquia como serviço autônomo para a execução deatividades típicas da Administração Pública com gestão administrativa e financeiradescentralizada.

A empresa pública objetivará a exploração de atividade econômica peloEstado, por força de contingência ou de conveniência administrativa.

Já a sociedade de economia mista tem como escopo a exploração de atividadeeconômica, sob forma de sociedade anônima.

2. Essas orientações são válidas para o plano federal e estadual, porquanto oAto Institucional n° 8, de 1969, estendeu ao Poder Executivo dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios a competência para a realização da respectiva reformaadministrativa, observados os princípios fundamentais adotados para aAdministração Federal.

3. Dentre as normas de administração financeira e de contabilidade fixadas naReforma Administrativa está o dever da Administração Federal, lato sensu, logodireta e indireta, prestar ao Tribunal de Contas os informes relativos à administração

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dos créditos orçamentários e facilitar a realização de inspeções de controle(Decreto-lei n° 200 - art. 7 5) .

4. Daqui já entrevemos os controles que sofre a Administração do ponto devista financeiro e orçamentário. O primeiro já identificado é o controle técnico, feitopelo Tribunal de Contas. Cabe a este, o exame da legalidade e da regularidade dosgastos ou que envolvam bens e valores públicos. Não cabe ao Tribunal de Contasexaminar da conveniência ou oportunidade desses atos, e sim que suas práticassejam embasadas em aspectos legais e de regularidade incontestável.

Como sabem, a Constituição Federal instituiu o controle financeiro eorçamentário interno e externo. O controle externo é exercido pelo Poder Legislativocom o auxílio do Tribunal de Contas. É auxílio e não assessoramento. É auxíliotécnico e não político. Este é exercido pelo Poder Legislativo apoiado no exametécnico do Tribunal de Contas.

Então o Tribunal de Contas não pode acompanhar a execução orçamentária?Pode, através do desempenho financeiro, das informações dadas pelaAdministração.

Outro controle imposto pela Reforma Administrativa é oadministrativo-hierárquico, onde a autoridade subordinante vela pela execuçãofinanceira a cargo de seu subordinado, inclusive, obrigando-se por força demandamento constitucional, ao pronunciamento dessas autoridades administrativas,aprovando ou não as contas do seu subordinado, antes de enviá-las ao Tribunal deContas (CF - art. 70, § 4°). Também impõe-se o controle hierárquico com asupervisão ministerial. No entanto, no caso da administração indireta, essa tutelaadministrativa com o exercício do controle sobre essas entidades, não podeprejudicara personalidade jurídica ou a liberdade de gestão.

Pelo controle da moralidade administrativa verificam-se as regras da boaadministração (Henri Welter - Lê Controle Jurisdictionnel de Ia Moralité Administratif -pág. 77). Como acentua Seabra Fagundes: a moralidade administrativa se traduz nocomportamento adequado à isenção, ao zelo, à seriedade e ao espírito público, quecaracterizarão o administrador como mandatário da coletividade. (Os Tribunais deContas e a moralidade administrativa - Revista TCDF 2/9.)

Historicamente, desde 1824 o Governo apresentava anualmente à Câmara dosDeputados um balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do anoantecedente (Constituição de 1824 - art. 172) .

Com o advento do Tribunal de Contas, em 1890, mais acentuou-se aresponsabilidade financeira e orçamentaria do Poder Público.

A Constituição de 1934, nobilíssima por sua atualização e fixação de novosprincípios, dava ao Tribunal de Contas o acompanhamento da execuçãoorçamentária e o julgamento das contas dos responsáveis por dinheiros ou benspúblicos (art. 99), e numa antecipação do assunto que ora estudamos, administraçãoindireta, competia ao Tribunal de Contas a fiscalização financeira dos serviçosautônomos (art. 101, § 3°) .

Encontramos sempre a preocupação pela gestão de dinheiros públicos (DL.199 - art. 33 ); e não só, todos os atos que afetem o patrimônio público ou imponhamgastos.

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Desde que reconhecemos a necessidade de controle dos gastos dos dinheirospúblicos, dos valores e bens, temos que assentir na natureza pública dessa gestãopatrimonial e financeira. Daí a regra constitucional competindo à União Federal alegislação sobre normas gerais sobre despesa e gestão patrimonial e financeira denatureza pública (art. 8°, XVII, c), donde surgem os princípios gerais sobre afiscalização financeira e orçamentária que são extensíveis aos Estados-membros(art. 13, IV). (Raul Machado Horta - RDP 16/15) . Em outubro de 1977 o Governadordo Estado do Rio de janeiro enviou à Assembléia Legislativa projeto de leicomplementar sobre a organização do Tribunal de Contas do Rio de janeiro queadota expressamente os princípios esposados pela Lei n.º 6.223 quanto àfiscalização da administração indireta.

Se fizermos a interpretação sistemática da Constituição sobre o cor? trole dosgastos públicos, veremos que o Tribunal de Contas exerce a auditoria financeira eorçamentária sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes(Executivo, Legislativo e Judiciário). Todo o julgamento da regularidade das contasdos administradores é baseado em normas de fiscalização financeira e orçamentária(art. 70, § § 3° e 4°). Essas normas são aplicáveis às autarquias (art. 70, § 5º ).Aliás, na Constituição de 1946 o Tribunal de Contas julgava as contas dosadministradores das entidades autárquicas (art. 77) .

Pontes de Miranda justificou a inclusão das autarquias, porquanto essaobrigatoriedade de prestação especial de contas, impõe a prestação direta aoTribunal, e não virem essas contas englobadas nas contas gerais do Ministério aoqual se subordinem, geralmente o então Ministério do Trabalho, Indústria eComércio, por ser uma fração do Estado. Mostra ainda o insigne Pontes de Miranda,o alcance da responsabilidade dos administradores na prestação de contas, e não aprópria autarquia (Comentários à Const. 1946 - art. 77) .

Portanto, o exercício da fiscalização financeira e orçamentária será feito peloPoder Legislativo (controle externo) e pelo controle interno do próprio PoderExecutivo (art. 70) .

5. O Projeto da Constituição de 1967 não inseria a fiscalização daAdministração descentralizada. Esta surgiu através da Emenda n° 470, de autoria doilustre Senador Josaphat Marinho com o seguinte teor, que prevaleceu no textodefinitivo (art. 48)

"A lei regulará o processo de fiscalização, pela Câmara dos Deputados epelo Senado Federal dos atos do Poder Executivo e da Administraçãodescentralizada."

Esse ilustre parlamentar e jurista invocava a Emenda Constitucional n.º 17, de1965, que tinha dispositivo idêntico, não repetido no projeto constitucional.

A Emenda n.º 639/2 ao Projeto Constitucional de 1967 estendia a fiscalizaçãofinanceira e orçamentária às autarquias, sociedades de economia mista eadministração indireta. Como fora adotada a emenda sobre a administraçãodescentralizada, esta ficou prejudicada, em parte, somente aceitando-se a aplicaçãoàs autarquias.

Finalmente, na atual Constituição de 1969 prevaleceu o dispositivo:

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"A lei regulará o processo de fiscalização, pela Câmara dos Deputados epelo Senado Federal, dos atos do Poder Executivo, inclusive os daadministração indireta."

Com esse dispositivo constitucional, o Poder Legislativo exerce o controleparlamentar, autêntico controle político das entidades da administração indireta.Nesse controle incluem-se os da legalidade e de eficiência desses entes, muito alémdo que poderá fazer o Tribunal de Contas, com o controle técnico, onde alegalização é o fator mais importante.

A preocupação com as atividades da administração indireta está na razãoóbvia do grande desenvolvimento das empresas públicas e das sociedades deeconomia mista, gerindo enormes recursos públicos, não podendo ficar a salvo dafiscalização.

6. Baseado no art. 48 da Constituição, o legislador ordinário procurou dar umgrande passo no controle financeiro e orçamentário da administração indireta. Porisso, vários projetos procuraram atender ao desiderato constitucional, que seconverteu na Lei n° 6.223, de 14 de julho de 1975. Esta lei, portanto, dispondo sobrea fiscalização financeira e orçamentária da União pelo Poder Legislativo, deuprosseguimento a tão desejada regulação do dispositivo constitucional, não só emrelação a toda a Administração direta, como especialmente com a Administraçãoindireta. Ressalte-se, desde já, que as leis criadoras das empresas públicasbrasileiras (BNH, BNDE, Caixa Econômica, Casa da Moeda, etc. ), já prevêem aobrigatoriedade da prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. Com isso,a grande novidade praticamente está na obrigatoriedade relacionada com associedades de economia mista, cuja prestação de contas foi muito discutida, tendoem vista esse controle estar adstrito às assembléias onde 49% dos acionistaspoderia verificar e discutir o desempenho financeiro e orçamentário dessasociedade. Por outro lado, a maior parcela de ações está em mãos do PoderPúblico, logo recursos públicos que não são fiscalizados pela assembléia, nem estaverifica a boa aplicação, e sim o conjunto das atividades da sociedade. A discussãofoi superada pelo art. 45 da Constituição, já citado, ao prever a fiscalização dos atosdá administração indireta, nela incluída a sociedade de economia mista, por força doDecreto-lei n° 200.

7. Passemos ao exame da Lei n.º 6.223, que regulamenta a fiscalizaçãofinanceira e orçamentária da União, pelo Congresso Nacional, com o auxílio doTribunal de Contas da União. No plano estadual essa fiscalização está entregue àAssembléia Legislativa com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado. No âmbitomunicipal essa fiscalização é realizada pela Câmara Municipal com o auxílio doTribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que foi atribuída essaincumbência (Constituição federal - art. 16, § 1°), como está ocorrendo no Rio dejaneiro, Ceará e Bahia (ver nossa opinião sobre o assunto: A ResponsabilidadeFinanceira e Orçamentária nos Municípios. Revista do Tribunal de Contas do DistritoFederal, n° 5/97).

A Lei n° 6.223 abrange a apreciação das contas do Poder Executivo(Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito Municipal), isto é, odesempenho do conjunto das unidades administrativas do Poder Executivo nadeclaração geral de seu Chefe, não excluindo o exame individual das contas dosresponsáveis, quer através da auditoria financeira e orçamentária (controle internofeito pela própria Administração) e até o julgamento das contas dos administradores

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em geral e responsáveis por bens e valores públicos (art. 2°) . Nesta parte, qualqueradministrador, será fiscalizado, ou qualquer responsável, ainda que nãoadministrador, por bens e valores públicos. Por exemplo, quem receba verbas oudotações orçamentárias, como nas instituições filantrópicas, culturais oueducacionais. Estes também prestarão contas. É a regra da prestação de contaspela utilização de dinheiros públicos.

Para tornar eficaz a ação do Poder Legislativo, este poderá requisitar, e otermo é esse, no sentido de pedir ao seu órgão auxiliar, o Tribunal de' Contas, asinformações sobre as contas dos órgãos e entidades da administração, cópias derelatórios de inspeções realizadas e respectivas decisões do Tribunal de Contas, afim de que o Legislativo possa fazer a sua avaliação ou julgamento do desempenhofinanceiro e orçamentário (art. 3°).

No concernente à administração indireta, o Legislativo pode requisitar osbalanços dessas entidades. Dir-se-á que os mesmos são publicados em órgãos dedivulgação generalizada, no entanto, cabe a ponderação mais contábil do quejurídica, de que um balanço não se reduz ao publicado na imprensa. Essapublicação é o reflexo das atividades da escrituração, dos documentos queembasam esse balanço. Muitas vezes tornar-se-á impossível remeter ao Tribunal deContas toda a documentação que se destinou ao balanço, porém, o Legislativo aindausará da faculdade dada pela Lei n° 6.223, isto é, pedir a inspeção na entidade,quando o relatório de auditoria ou o certificado de auditoria apontar irregularidadesnas contas. Essa chamada inspeção in loco, admitida pela Constituição federal (art.70, § 3°, in fine) foi uma das grandes inovações na fiscalização financeira peloTribunal de Contas, pois, dá à Corte a possibilidade de verificar na própria entidadeo deslinde de possível irregularidade ou fazer o cotejo de documentos e afirmaçõesem benéfico da sadia administração, que nada tem a esconder. Por outro lado, aindano tocante aos balanços da administração indireta, a Constituição dá o julgamentoda regularidade das contas dos administradores e responsáveis, através de váriasatitudes, inclusive levantamentos contábeis (art. 70, § 4°). Verificada a irregularidadeou abusos da administração no exercício financeiro ou orçamentário, o Tribunal deContas pode representar ao Poder Legislativo (art. 5°). Essa faculdade surgeconjugada à aplicação de sanções pela Corte de Contas, que poderá nãorepresentar ao Legislativo, no entanto, comunicará ao Legislativo a aplicação dessassanções.

Se a Corte representar ao Legislativo, este, através da Comissão deFiscalização Financeira e Tomada de Contas, emitirá parecer conclusivo com projetode Decreto Legislativo, no qual o Legislativo acolhe ou rejeita a representação (Lein° 6.223 - art. 5°, § 2°) . Não poderá simplesmente arquivar a representação. Elapode ser repelida, porém, com o Decreto Legislativo.

Essas diretrizes já apontadas são peculiares a toda a Administração, direta eindireta.

Na administração indireta encontramos características próprias da empresapública e da sociedade de economia mista, onde o capital público é integrante compreponderância. Aliás, a Constituição federal impõe às empresas públicas esociedades de economia mista, as normas aplicáveis às empresas privadas,inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações (art. 170, § 2°) .

S. Partindo da singularidade das empresas públicas e sociedades de economiamista, a Lei. n° 6.223, que ora examinamos, limita a fiscalização às entidades com

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personalidade jurídica de direito privado, cujo capital pertença exclusiva oumajoritariamente ao Poder Público. Essa limitação visa respeitar as peculiaridadesde funcionamento da entidade (art. 70, § 1°), num regime híbrido atividade privada/atividade pública. Portanto, não se pode impor à sociedade de economia mista ouempresa pública a fiscalização dirigida à Administração direta pois, as peculiaridadessão dessemelhantes. Ao lado disso, a Corte fiscaliza e não planeja. Eis o dispositivolegal: "As entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado, cujocapital pertença, exclusiva ou majoritariamente à União, a Estado, ao DistritoFederal, a Município ou a qualquer entidade da respectiva administração indireta,ficam submetidas à fiscalização financeira do Tribunal de Contas competente, semprejuízo do controle exercido pelo Poder Executivo" (art. 7°) .

Avança mais a lei, limitando à verificação sobre a exatidão das contas e alegitimidade dos atos. À exatidão chegar-se-á pelo levantamento contábil. Isso nãosignifica mera soma ou numerologia aritmética, sem contraste entre os númerosapresentados. Significa, portanto, a exatidão das contas segundo os dadosapresentados. A legitimidade dos atos é contrastada pelo princípio da legalidade quedomina a Administração. Ao contrário do particular, que faz tudo aquilo que a lei nãoimpede, o administrador só faz o permitido pela lei. Dentro dessa legalidade, os atosdeverão ser examinados como obedientes aos princípios legais. Na empresa públicae na sociedade de economia mista constituídas como sociedades anônimas, a leiregedora dessas sociedades deve ser adotada como paradigma na conduçãodessas sociedades, ao lado do estatuto dessas sociedades.

Outro parâmetro a ser observado na fiscalização da administração indiretarefere-se aos objetivos sociais, à natureza empresarial e às operações segundo osmétodos do setor privado. Logo, a empresa pública e a sociedade de economiamista não podem ser analisadas, senão do ponto de vista empresarial, no cotejo dasatividades idênticas e afins da atividade privada, não podendo o Tribunal de Contasinterferir na política adotada pela entidade, senão de acordo com normas previstasna legislação geral e especial, isto é, não serão criadas normas fora da legislação.(Ver - Roberto Rosas - Tendências Atuais da Empresa Pública - Revista do Tribunalde Contas do Distrito Federal - n° 4)

Começam a surgir novidades nesse assunto.

O Tribunal de Contas poderá discutir o mérito das decisões da Diretoria dasociedade de economia mista ou da empresa pública? Pensamos negativamente. Omérito da decisão diz com as peculiaridades da sociedade, a menos que esse méritoenvolva ilegalidade.

9. As instituições financeiras, quer sob a forma de empresa pública ousociedade de economia mista (ex-BNDE, BNH, Banco do Brasil) estão excluídas dafiscalização do Tribunal de Contas, porque há o controle efetuado pelo BancoCentral?

De fato, a Lei n.º 4.595, de 1964, que teve como escopo a Reforma Bancária,deu ao Banco Central a competência para exercer a fiscalização das instituiçõesfinanceiras (art. 10, VIII), uma permanente vigilância no mercado financeiro (art. 11,VII). Essa fiscalização do Banco Central destina-se aos aspectos bancários, doponto de vista operacional e não quanto à aplicação do numerário público. O BancoCentral não interfere na política de pessoal remuneratória de um banco.

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Outro ponto a ser examinado segundo a Lei n° 6.223, diz com a sociedadeholding com subsidiárias, onde se admite a prestação única da controladora, porém,com as contas das subsidiárias (Telebrás - Revista TCU 14/ 133 e 178; Parecer doProcurador-Geral Ivan Luz - Revista TCU 14/344; Parecer do Consultor-Geral daRepública - DJ, 26-7-77, pág. 9520) .

Quando a Lei n° 6.223 submete à fiscalização financeira do Tribunal de Contasas entidades cujo capital pertença majoritariamente à União, ao Estado , nãoabrangeu a participação minoritária. (Revista TCU 14/181).

Essa matéria relativa ao controle das sociedades de economia mista eempresas públicas foi amplamente discutida na doutrina. (Caio Tácito - Controle dasEmpresas do Estado (Públicas e Mistas) - Revista do Tribunal de Contas do DistritoFederal n.º l; Hely Lopes Meirelles - A Administração Pública e seus Controles -Revista do Tribunal de Contas do DF, n 9 3; RDA 126; Arquivos do Ministério dajustiça n° 139; Luiz Navarro de Britto - Tribunais de Contas e Controle daAdministração Indireta - Revista do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, n° 6,pág. 39, 1977; Raimundo de Menezes Vieira - Revista do Tribunal de Contas do DFn.º 5; Eros Roberto Grau - Controle das Sociedades Anônimas com participaçãoestadual majoritária - RDP 30/17).

_______________________________________Nota: Após a redação deste trabalho foi sancionada a Lei n.° 6.525, de 11-4-78, alterandoa Lei n.º 6.223. Essa lei está publicada neste volume.

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II – VOTOS E PARECERES

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FEIÇÃO ANTICONGRESSUAL DA LEI N.º 6.223/75

PARSIFAL BARROSO

De há muito desejava analisar a feição anticongressual da Lei n° 6.223, de 14de julho de 1975, remontando às suas origens, de forma a se compreender porqueatravés do seu malsinado artigo 7° ela se voltou contra o próprio Congresso de quese originou, atingindo principalmente as Cortes de Contas da União, dos Estados edo Distrito Federal.

As nascentes desse famigerado diploma legal podem ser encontradas nadoutrinação em que se aprofundou o notável mestre de Direito Administrativo, oProfessor Caio Tácito, meu colega no Serviço Jurídico do antigo IAPC e braço direitodo meu Gabinete de ex-Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, como seuadmirável e respeitado Consultor Jurídico.

Com efeito, foi no Congresso dos Tribunais de Contas em São Paulo que seudefinitivo ensaio sobre "Controle das Empresas do Estado" (públicas e mistas)firmou diretrizes perfeitas para a feitura da legislação complementar, decorrente doartigo 70 da Constituição Federal. Sabe-se que a Lei n° 6.223 se originou dainiciativa do Senado Federal, mas sem que o projeto guardasse perfeitaconformidade com as diretrizes do magistral trabalho do Professor Caio Tácito,conforme o leitor verificará, através do quadro de cotejo, elaborado com essafinalidade.

Caio Tácito (conclusões) Lei n° 6.223/75

p. 13 - item I art. 7°

p. 13 - item II art. 7° - § 2°

p. 13 - item IIa art. 3°

p. 14 - item IIb art. 2° - item III

p. 14 - item IIc art. 2° - item II e art. 10

Não há negar que a tese principal da doutrinação do Professor Caio Tácitodefende o controle das Cortes de Contas sobre as sociedades de economia mista eas empresas públicas, com o auxílio de órgão especializado e através do Estatutodas Empresas Estatais. Mas a prevalência que, a partir da Constituição Federal de1967, o Senado vem exercendo no conjunto das atividades congressuais, sem razãoplausível, levou a Câmara dos Deputados a não se dar conta de que o projetodesatendia aos próprios objetivos constitucionais, além de dificultar aos Tribunais deContas o exercício pleno de suas atribuições, corno braços alongados do corpo doPoder Legislativo, em sua função primordial.

Na análise dessa terrível "nostra culpa" que me atinge, pois era deputadofederal em 1975, verifico com amarga tristeza que a inaceitação da tese favorável à

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existência de uma estrutura própria, exclusivamente destinada ao exercício dasatividades congressuais, leva a Câmara e o Senado a uma deficiente participação naelaboração de leis complementares, como ocorreu na feitura da Lei n° 6.223, e navotação do orçamento ânuo e dos Planos Nacionais de Desenvolvimento eOrçamentos Plurianuais de Investimentos.

Todavia, o inciso mais infeliz e malsinado da Lei n° 6.223 é o seu desastrosoartigo 7°, que somente permite o exercício das atividades fiscalizadoras nasentidades públicas, com personalidade de direito privado, cujo capital pertença,exclusivamente ou majoritariamente, à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aosMunicípios ou a qualquer entidade da respectiva administração indireta.

Aí foi e está aberta a sedutora brecha por onde somem e se excluem doControle das Cortes de Contas as empresas que têm em seu capital, participaçõessignificativas dos dinheiros públicos, conforme já se tornou reconhecidamentenotório, -além de ser evidente o erro da conceituação da Lei n° 6.223, ao subordinaro exercício desse controle à grandeza da participação do Estado no capital dessasentidades.

No Tribunal de Contas da União, que sempre esteve contrário a essa norma daLei n° 6.223, vem se destacando como voz mais forte e convincente em relação aessa escapatória do artigo 7°, o corajoso Ministro Baptista Ramos, justamenteaquele que mais vivência político-partidária possui.

Tomo-lhe de empréstimo o expressivo quadro que S. Ex.ª apresentou aos seusdignos pares, como prova insofismável do injusto desacerto cometido peloCongresso Nacional, ao elaborar o projeto que se converteu na Lei n° 6.223,esquecido de que estava abrindo mão da mais importante das poucas prerrogativasque ainda lhe restavam.

EMPRESAS EM QUAIS O GOVERNO É MINORITÁRIO, APESAR DO VOLUME DECAPITAL INVESTIDO

Empresas Participação da União noCapital (Cr$)

Percentual

Cia. Ind. Químicas doNordeste

33.710.387,00 37,8

CRT 114.146.302,00 10

Anhembi S.A. 25.000.000,00 3,3

CETEL 124.752.000,00 16

CTBC 38.078.511,00 9

Mineração Rio Norte S.A. 64.283.000,00 46

SOMA 361.891.689,00

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SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA EM QUE O GOVERNO É MAJORITÁRIO,NÃO OBSTANTE SER PEQUENO O CAPITAL APLICADO, SUJEITAS A

FISCALIZAÇÃO

Empresas Participação da União noCapital (Cr$)

Percentual

Seamar Shopping CO 174.906,00 99,99

Valesul Alumínio S.A. 105.000,00 70

Mineração Carmoc 50.000,00 99;99

Isopreno do Nordeste 105.000,00 70

Cosipa - Processamentode Dados

800.000,00 80

Braspetro - Algerie S.A. 20.000,00 94

SOMA 1.149.000,00

Provado fica, portanto, que se o Congresso Nacional houvesse trilhado ocaminho aberto pelo Professor Caio Tácito, com a calorosa aprovação do Congressode Tribunais de Contas, em 1972, não teria dado uma feição anticongressual aoinfeliz e defeituoso projeto, de que se originou a Lei n° 6.223, de 14 de julho de1975.

Lamentável é, finalmente, que se tenha perdido o fio às teses defendidas peloeminente Professor Caio Tácito, a partir de 1963, quando justificou perante aAssociação Henri Capitant seu trabalho em favor de uma Lei Orgânica dasEmpresas Públicas.

De 1963 a 1972 foi corporificada sua oportuna e inatacável conceituação sobrea melhor e mais eficiente forma de ser exercida pelo Poder Legislativo e pelasCortes de Contas, a árdua e pesada missão de guardiães dos dinheiros públicos. Seo Congresso Nacional não quis ou não souber seguir o imperativo das diretrizesdessa conceituação, certamente o fez ainda pela sua lamentável incapacidade deprever no mundo político, a longo prazo, as conseqüências de suas ações, e assimcontinua deixando de responder aos desafios maiores, com tamanha deficiência emsua visão de conjunto, que o leva a remar contra as marés, mas sem buscar asfontes de sua autenticação.

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EMPENHO

JESUS DA PAIXÃO REIS(*)

Não há, em nosso Direito Financeiro, outro instituto tão maltratado e tãoincompreendido como este.

Abra o leitor qualquer compêndio de Direito Financeiro ou de ContabilidadePública e verá que a lei é criticada pelo haver definido erroneamente.

Os autores começam falando de uma coisa e terminam cogitando de outra,sem considerar nas distinções perfilhadas em lei. Misturam, pois, alhos combugalhos.

Informa ALIOMAR BALEEIRO que o empenho foi introduzido na vidaadministrativa e financeira do Brasil pelo Código de Contabilidade Pública (arts. 46,47, § 4", 49) e que este diploma se inspirou na legislação francesa, que, desde 1862,serve de paradigma sobre o assunto.1

O RGCP o definia como "ato emanado de autoridade competente, que criapara o Estado uma obrigação de pagamento". (Art. 228) .

MORAIS JÚNIOR, autor do Regulamento Geral de Contabilidade Pública,atribuiu a autoria dessa definição ao deputado JOÃO MANGABEIRA.2

Provinda de tão alto, não é de crer que estejamos perante uma estultície, comoinsinuam os críticos.

Ainda assim, foi a definição muito censurada porque, segundo a maioria dosexegetas, dava a entender que se tratava de uma obrigação incondicionada, o quenão correspondia à realidade.

Por isso, MORAIS JÚNIOR, ao elaborar, de parceria com UBALDO LOBO,anteprojeto de novo Código de Contabilidade Pública, "corrigiu" a definição,complementando-a com a cláusula "dependente do implemento das condiçõesnecessárias", adminículo inútil porque qualquer interpretação em contrário teria queser eliminada pelo absurdo a que conduziria. A nova definição proposta ficou assimvazada:

"Empenho é o compromisso de pagamento, assumido pelo Estado,dentro dos créditos concedidos, dependente do implemento das condiçõesnecessárias." (Art. 86. )

Na exposição de motivos, diziam os Autores: "Alteramos a definição doempenho - melhorando-a. O empenho não representa uma obrigação líquida e

(*)Conselheiro Substituto do TCDF.1 Aliomar Baleeiro: Uma Introdução à Ciência das Finanças, 2.a edição, vol. II, págs. 755 e 758.2 Apud Agenor de Roure: O Orçamento, 1926, pág. 197.

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definitiva do Estado; é uma obrigação inicialmente condicional - pendente conditione,- que, por isso, para se tornar efetiva, depende da realização de certas condições".3

À página seguinte, observavam que o empenho se apresenta sempre sobestes dois aspectos:

"I - ato jurídico, criando um compromisso pendente conditione;

II - operação de contabilidade, deduzindo da dotação orçamentária aimportância desse compromisso." 4

Os dois aspectos notados pelos eminentes contabilistas, com o advento dasnormas gerais de direito financeiro, evoluíram para figuras autônomas.

Diz o art. 58 da Lei 11,° 4.320/64:

"O empenho da despesa é o ato emanado de autoridade competente que criapara o Estado obrigação de pagamento, pendente ou não de implemento decondição."

Temos aí, no próprio texto legal, a definição de empenho, erigindo-o àcategoria de ato genético de obrigação de pagar, condicional ou não.

Assim conceituado o empenho não obstante saber-se que um instituto dedireito, ao ser transplantado para outro sistema jurídico, adquire contornos próprios,que o distinguem de seu paradigma, são pertinentes os exemplos de engagementcitados por MAURICE DUVERGER: a nomeação de um funcionário, a encomendade materiais ou a contratação de obras públicas.

O que se não pode é confundir o empenho com a "nota de empenho",elemento puramente material, destituído de significação jurídica, uma vez que, emmuitos casos, pode ser anulado ou cancelado, sem conseqüências para aadministração.

Determina o mesmo preceituário retroaludido que,

"Para cada empenho será extraído um documento denominado "nota deempenho", que indicará o nome do credor, a especificação e a importância dadespesa, bem como a dedução dessa do saldo da dotação própria." (Art. 61)

Como se vê, são duas figuras totalmente diversas, com funções distintas. Oempenho é ato jurídico gerador de obrigação. A nota de empenho é puro documentomaterial, no qual se faz a operação aritmética de deduzir do saldo a quantiacomprometida. Sua emissão é da competência dos órgãos de contabilidade.

A finalidade dela é controlar o emprego da dotação, possibilitando àsrepartições conhecerem as despesas já efetuadas, as parcelas já comprometidas,bem como o saldo do qual se pode lançar mão. Desse modo, impõe ordem àadministração, evitando-se anulações por falta de saldo, o que seria constrangedor.Outrossim, impede se realizem despesas além dos créditos.

À vista dessas funções, pode-se deduzir que a "nota de empenho" foi instituídano só interesse da administração, embora de certo modo sirva também paratranqüilizar o credor, comprovando que foi reservada uma parcela do crédito - não

3 Ubaldo Lobo e Morais Júnior: Anteprojeto de Código de Contabilidade Pública, Exposição de Motivos, ImprensaNacional, Rio, 1941, pág. 38.4 Idem, ibidem, pág. 39.

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dinheiro - para sua satisfação. O que garante o credor é o empenho - ato gerador daobrigação - não a nota de empenho, instrumento de controle da dotação.

AMBIGÜIDADE DO VOCÁBULO EMPENHO

É de se reconhecer, porém, que tanto na doutrina quanto na legislação, ovocábulo empenho, por conhecido fenômeno de linguagem, é empregado, brevitatiscausa, em lugar da denominação "nota de empenho". Adquire, por esse modo, apalavra um significado equívoco e dá margem à confusão que predomina no setor. Éo que ocorre, por exemplo, com o derivado empenhar, quando um funcionárioindaga de outro: "Você já empenhou a despesa?", na acepção de "Você já extraiu anota de empenho da despesa?"

Em virtude desse fenômeno, para boa inteligência do texto legal, parece-menecessário distinguir na palavra empenho duas acepções: a jurídica e a contábil. Nosignificado jurídico, o nome empenho designa a origem da obrigação de pagar. Em.sentido contábil, equivale à expressão "nota de empenho".

Feitas essas distinções, voltemos aos textos legais e tentemoscompreendê-los.

Diz o art. 59 da Lei n° 4.320/ 64:

"O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditosconcedidos."

Leia-se: "O compromisso de pagamento não poderá exceder o limite doscréditos concedidos".

É o que, em outras palavras, se encontra na Constituição. Dispõe o art. 61, §1°, da Carta Política:

"É vedada:

..............................................................................................

d) a realização, por qualquer dos Poderes, de despesas que excedam oscréditos orçamentários ou adicionais."

A Constituição evidentemente não está a cogitar de "notas de empenho", masde compromissos que devam efetivamente ser pagos.

A palavra empenho está, pois empregada naquele dispositivo em acepção defonte da obrigação, embora deva seguir-se-lhe a extração da respectiva "nota deempenho".

Já o caput do art. 60 da Lei n° 4.320/64 dispõe:

"É vedada a realização de despesa sem prévio empenho."

O vocábulo aqui se encontra empregado no significado de "nota de empenho".Chega-se a esta conclusão, porque a toda realização de despesa precede aassunção do compromisso e a lei não diz coisa inútil. Demais, o § 1° seguinte, queabre exceção ao caput, permite que, em casos especiais, seja "dispensada aemissão da nota de empenho". É, pois, um controle contábil, que tem duplafinalidade:

a) para a Fazenda, significa que não será vinculada senão até o limite doscréditos concedidos;

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b) dá ao credor a certeza de que lhe foi reservada uma parcela da dotação,suficiente para solver a obrigação.

Consoante o § 2°, "Será feito por estimativa o empenho da despesa cujomontante não se possa determinar".

Aqui a palavra empenho é tomada em duplo sentido jurídico e contábil.Assume-se um compromisso de pagar quantia incerta, mas determinável. É o queacontece, comumente, com os dispêndios referentes a água, luz e telefone.

O montante exato da despesa poderá ser conhecido no exercício de origem ouno subseqüente.

No primeiro caso, são possíveis duas hipóteses:

a) se a quantia reservada for menor do que a efetivamente dispendida,extrair-se-á "nota de empenho" complementar no valor da diferença;

b) se maior, anula-se a parcela referente ao excesso, revertendo-o à dotaçãoprópria.

No caso de o total exato da despesa apenas ser conhecido no exercícioseguinte, também duas hipóteses ocorrerão:

a) se a quantia reservada, inscrita em "Restos a Pagar", for menor do que ovalor devido, extrair-se-á nota de empenho para cobrir a diferença, à conta dadotação "Despesas de Exercícios Anteriores";

b) se o montante inscrito em "Restos a Pagar" for superior ao valor devido,anula-se o excesso, contabilizando-se a importância anulada como receita doexercício em que se dá a anulação.5

O § 3° do mesmo artigo permite "o empenho global de despesas contratuais eoutras sujeitas a parcelamento". É, verbi gratia, o caso em que o poder público tomaum prédio em locação.

Ainda aqui a palavra empenho é empregada em duplo sentido. Assume-se ocompromisso pelo total e emite-se nota de empenho no mesmo valor. As quantiasefetivamente devidas serão liquidadas e pagas parceladamente, nos termos docontrato ou de acordo com as peculiaridades do caso concreto, na hipótese final dodispositivo em estudo.

EMPENHOS EXECUTIVOS, LEGISLATIVOS E JUDICIÁRIOS

Nessa ordem de idéias, o empenho, isto é, a obrigação de pagar pode decorrerde ato do Executivo, o que é mais comum, ou de ato do Legislativo, assim como dojudiciário.

Decorre de ato administrativo, em sentido material, por exemplo, a contrataçãode obras ou serviços, assim como a nomeação de funcionário.

Promana do Legislativo na concessão, por meio de Lei, de uma pensãoespecial a um benfeitor da pátria ou à sua viúva.

Advém de ato do judiciário na obrigação de indenizar determinado pedestre,por acidente de tráfego, em que seja o Estado condenado por sentença, assim comoem todos os demais casos de responsabilidade civil. 5 J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis: "A Lei n.º 4.320 Comentada", 9ª edição, 1977, IBAM, pág.124.

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Esses exemplos são calcados em MAURICE DUVERGER, ob. cit., nãoconstituindo as distinções que encimam este tópico transplantação inadaptada dodireito estrangeiro, até porque o Regulamento Geral de Contabilidade Públicaexpressamente as reconhece nos arts. 229 e seguintes, disciplinando-asminuciosamente.

Com a evolução do nosso Direito Financeiro, em um só caso, a nota deempenho passou a adquirir a eficácia de instrumento de contrato ou de atoequivalente. É o que está previsto no art. 134, item II, do Decreto-lei n° 200/67. Foradessa única hipótese, não há equiparar empenho a nota de empenho. Para oempenho-contrato, alguns órgãos do Distrito Federal têm extraído o que denominamempenho descritivo. É a nota de empenho contendo, no campo Especificação, ascláusulas do acordo de vontades.

EMPENHOS VOLUNTÁRIOS E INVOLUNTÁRIOS

Do mesmo modo, o nosso Direito conhece a distinção entre empenhosvoluntários e involuntários. Grande parte dos exemplos anteriores ilustra o primeirotipo. Os involuntários são decorrentes da responsabilidade civil do Estado.

Assim, não há no Direito Financeiro deste País, no caso do empenho, aserronias que se lhe imputam.

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FUNDOS ESPECIAIS

JESUS DA PAIXÃO REIS(*)

No regime do Código de Contabilidade Pública, definia-se fundo especial como"o produto das fontes de renda a que em virtude de preceitos de lei e deestipulações contratuais, houver sido determinada aplicação especial". (Art. 83. )

Não é mais esse o conceito de fundos especiais. A matéria hoje é tratada maisrestritivamente.

Constitui fundo especial - define o art. 71 da Lei 4.320/64, parcialmentemodificado pelo art. 62 § 2° da Constituição - o produto de receitas especificadasque, por disposição constitucional, de leis complementares ou ordinárias se vinculamà realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normaspeculiares de aplicação.

Se implicam vinculação de receita tributária, só podem ser criados por normasconstitucionais ou de leis complementares.

Acrescenta a Carta Política que a "lei poderá, todavia, estabelecer que aarrecadação parcial ou total de certos tributos constitua receita do orçamento decapital, proibida sua aplicação no custeio de despesas correntes".

Tão importantes têm sido os fundos, que, nos Estados Unidos, consoantetestemunho de Guilherme Moojen, constituem até um dos critérios de classificaçãodas despesas públicas, nos orçamentos dos condados, cidades e distritosadministrativos.

A receita geral, que abrange todos os recursos não comprometidos para finsespecíficos, é denominada fundo geral, ao passo que as somas em dinheiro ou emoutros recursos, postas de lado em virtude de determinação legal, para levar avantecertos objetivos ou atividades específicas, são denominadas fundos especiais.

O sistema de fundos especiais tem sido muito criticado nos últimos anos, porimplicar numa aplicação predeterminada dos dinheiros públicos, que nem sempre éa melhor para o momento, além de exigir administração e contabilidade distintas, oque encarece os serviços.

Porém, de outro lado, é de se reconhecer que a instituição de fundos comdestinação especial obriga a administração a empregá-los no financiamento dos finspara os quais são os mesmos destinados por lei, constituindo urna garantia para oscontribuintes, que vêem, em obras palpáveis. o resultado de seu sacrifício.1

Mas, nos dias de hoje, no Brasil, os fundos especiais, de uma maneira geral,são tidos como nocivos pelos financistas, porque, além das inconveniências acima

(*)Conselheiro Substituto do TCDF.1 Guilherme Moojen: Orçamento Público, Edições Financeiras S.A. Rio de Janeiro, 1959, págs. 128/9.

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apontadas, implicam na vinculação de receitas a determinados fins, importam nafragmentação da receita pública e na quebra da unidade de caixa, fazendo com que,de um lado, haja dinheiro ocioso e. de outro, haja carência de numerário.

Não obstante essas ponderações, os fundos encontraram sempre gasalhadoem nosso Direito Positivo.

Consoante dizia Aliomar Baleeiro, no regime da Carta Política de 1946, "noBrasil, a Constituição não as veda (receitas especializadas) e até as insinuou no art.15, § 2°, como expediente para a União obter que Estados e Municípios realizemdispêndios de interesses comum das três esferas administrativas".2

Se assim era àquele tempo, a Emenda Constitucional n° 1, não obstante aredação limitativa do art. 62, § 29, os utiliza abundantemente, com o fito de compeliras entidades políticas territoriais a empregar recursos próprios "em conformidadecom as diretrizes e prioridades dos planos e programas do Governo Federal",visando "à progressiva implantação, nos Estados, Distrito Federal e Municípios, dosistema de Planos de Desenvolvimento e de Orçamentos Plurianuais deInvestimentos". Trata-se de estratégia para a obtenção de um planejamento nacional(não apenas federal), coordenando a aplicação de recursos dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, em prol de um desenvolvimento nacional acelerado.3

Pelo que se dessume do cotejo entre os arts. 71 e 74 da Lei n° 4.320/64, "aadoção de normas peculiares de aplicação dos fundos" pode ser feita por Decreto.Inclui-se, portanto, no Poder Regulamentar do Executivo.

Esses fundos são dotados de "personalidade contábil", isto é, as contasnascem e se extinguem com ele e podem ter normas próprias de aplicação, controle,prestação e tomada de contas.

Segundo parecer do Dr. Lincoln Teixeira Pinto da Luz, aprovado por esteTribunal, os fundos que não vinculam receita tributária, mas que são custeados porrecursos de outra fonte - orçamentária ou não - podem ser livremente criados por leiordinária.

Com base nesse entendimento, julgou-se legal a criação do FundoHabitacional de Brasília, feita pelo art. 14, do Decreto-lei n° 768, de 18 de agosto de1969, porque é constituído por recursos oriundos da alienação de imóveisresidenciais de propriedade do Distrito Federal.

Informa o Ministro Vitor Amaral Freire que, antes do advento da nova ordemconstitucional, o TCU não exercia qualquer fiscalização sobre os "fundos especiais",por entendê-los inconstitucionais.

Em virtude da Carta Política de 1967, julgava que deviam desaparecer econsiderava "inexplicável" que continuassem a ser criados. Advertia que, com ainstitucionalização do planejamento, por intermédio do orçamento plurianual deinvestimento e do orçamento-programa, toda e qualquer despesa deve serprogramada e discriminada em "projetos" e 11 atividades", aprovados peloLegislativo. A técnica do orçamento-programa, consoante magistério de José Afonsoda Silva, é a mais refratária a qualquer vinculação a priori de receitas. Ela requer queos recursos estejam livres, para custear as obras e os serviços, em conformidade

2 Aliomar Baleeiro: Introdução à Ciência das Finanças", 2.a edição, 1958, vol. II, pág. 712.3 Vide D.L. n.º 835/69, que "Regula a aplicação dos Fundos previstos nos incisos I, II, e III, do art. 26 daConstituição".

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com as necessidades do momento, de acordo com a escala de prioridadesestabelecida mediante análise rigorosa da situação existente.4

Além de todos esses inconvenientes, os fundos especiais, normalmente,caracterizam-se por "lamentáveis indisciplina financeira".5

CRÉDITOS ADICIONAIS

(Retificações Orçamentárias)

Conforme é de conhecimento comum, os fatos recalcitram em comportar-se deacordo com as previsões humanas, por mais esmeradas que sejam estas.

O douto especialista Affonso Almiro observa que "o orçamento ideal seriaaquele que fosse executado na medida exata de suas previsões". Infelizmente -como salienta Willoughby -, essa condição ideal nunca se realizou e provavelmentenunca se realizará".

As estimativas são feitas com larga antecipação, dando tempo a que ascondições econômicas se modifiquem, pela superveniência de fatos imprevisíveis,ocasionando inevitáveis alterações no orçamento.

Já Gaston Jèze explicava que "as necessidades e recursos mudamrapidamente, porque os acontecimentos modificam a todo instante as condições dosproblemas políticos, econômicos e sociais e, por conseguinte, os elementos dasolução financeira que é o orçamento".6

Daí a necessidade das retificações orçamentárias, durante o exercíciofinanceiro. Os modos de correção mais conhecidos e discutidos no Direito Financeirosão: a) a instituição de orçamentos retificativos; b) a transposição de saldos dentrodo próprio orçamento, sem alteração dos limites globais da despesa; c) a aberturade créditos adicionais.

No século passado, quando tiveram nascimento, e até há pouco tempo, osprocessos retificativos encontraram sérios opositores. Mas, como o homem não éinfalível e, em conseqüência, caracterizam-se por inseguras as suas previsões, pelomenos um dos processos retificativos é de ser acolhido em cada sistema jurídico. Éo princípio da flexibilidade, que deve informar todo o planejamento governamental,do qual o orçamento anual ou orçamento-programa é, modernamente, apenas umafase.

TRANSPOSIÇÃO DE SALDOS OU ESTORNOS

Este processo retificativo foi engendrado com o intuito de evitar a abertura decréditos adicionais. Visa ele ao aproveitamento dos saldos, reais ou prováveis, dedotações orçamentárias, para suprir outras que se revelem insuficientes, semaumento da despesa global. O abuso tornou-o desaconselhável: anulavam-se oureduziam-se dotações essenciais, para depois forçar o Legislativo a autorizarcréditos adicionais, que ele, de outro modo, teria negado. Vedava-o a Constituiçãode 1946 (art. 75). Permite-o a Emenda Constitucional n° 1 (art. 61, § 1°, alínea "a" ),desde chie precedido de autorização legislativa.

4 José Afonso da Silva: Orçamento-Programa no Brasil, RT, 193, pág. 158.5 Victor Amaral Freire: Parecer Prévio sobre as Contas do Governo da República, 1957, págs. 86/7.6 Affonso Almiro: Técnica Orçamentária, Editora Guaíra, pág. 99.

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Nesta última hipótese, equivale a crédito suplementar, financiado por anulaçãoparcial ou total de dotação orçamentária. Importa, pois, em duplicidade de meiospara o mesmo fim. É um bis in idem.

Com efeito, como bem salienta Luiz Zaidman, não pode haver dúvida de quetodo ato executivo de retificação orçamentária, autorizado genericamente em lei,qualquer que seja a natureza da correção, quer com o epíteto de créditosuplementar, quer com outro nome, "encerra concretamente, se compensadomediante anulações ou reduções de outros créditos, estorno de verbas, isto é,transposição de sobras efetivas, presumidas ou apenas fictícias, de uma dotaçãopara outra".7

Se essas transposições forem feitas pelos órgãos administrativos, sem atoformal do Chefe do Executivo e rigoroso controle, fatalmente transformarão aexecução orçamentária em deplorável caos, pois esta ficará entregue aos critériosfalíveis, múltiplos e, por vezes, até contraditórios das diversas autoridades.

CRÉDITOS ADICIONAIS

Consoante definição legal, são créditos adicionais as autorizações de despesasnão computadas ou insuficientemente dotadas na lei de orçamento (Lei n° 4.320/64,art. 41) .

Os créditos adicionais são assim chamados porque se acrescentam, seadicionam ao orçamento vigente, modificando-o.8

A parcimônia em sua concessão acarreta prestígio para o Legislativo, que deveser chamado a autorizá-los a cada momento.

No vigente regime orçamentário brasileiro, esses créditos assumem trêsmodalidades:

I - suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária;

II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotaçãoorçamentária específica;

III - extraordinários, os destinados a "atender despesas imprevisíveis eurgentes, como as decorrentes de guerra, subversão interna ou calamidade pública".(C.F., art. 61, § 2°).

Essa enumeração dos casos que justificam a abertura de créditosextraordinários, no regime da Constituição de 1946, era tida como taxativa. NaEmenda Constitucional n° 1, tornou-se meramente exemplificativa.

No plano lógico, reduzem-se a duas as modalidades de crédito adicional. Aprimeira compreende os suplementos a dotações insuficientes; a segunda, apermissão de gastos imprevistos. Necessidades inesperadas e previsão deficiente,ou, numa síntese ainda mais apertada, imprevisão quanto aos fatos e imprevisão .sóquanto às quantias - eis a causa das adições orçamentárias.9

Todos os créditos adicionais são abertos por decreto do Executivo. Ossuplementares e especiais são precedidos de permissão legislativa. Osextraordinários, em virtude das causas que os legitimam - situação imprevista e

7 Luiz Zaidman: Parecer Prévio às Contas do Exercício de 1968, pág. 87.8 Cf. Sudá Andrade: Apontamentos de Ciência das Finanças, José Konfina - Editor 1962, pág. 69.9 Cf. Luiz Zaidman: Parecer Prévio às Contas do Exercício de 1968, pág. 85.

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urgente - não dependem de lei autorizativa. O Executivo os abre e deles dá imediatoconhecimento ao Legislativo, que os aprovará ou não, promovendoresponsabilidades, na última hipótese.

A abertura de créditos extraordinários, em virtude da situação que os justifica,independe da existência de meios: salus populi suprema lex esto. Já a abertura doscréditos suplementares e especiais requer a existência de recursos disponíveis paraocorrer à despesa e será precedida de exposição justificativa.

A Lei 4.320, de 11 de março de 1964, considera, no art. 43, § 1°, comorecursos disponíveis, desde que não comprometidos:

I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;

II - o excesso de arrecadação;

III - a anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditosadicionais autorizados em lei;

IV - o produto de operações de crédito autorizadas, em forma quejuridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las.

Estudando as diversas modalidades legais de recursos disponíveis, ensina oProf. CLOVIS GLOEDEN:

I - "Superávit" financeiro - Trata-se tão-somente de diferença positiva entre oATIVO FINANCEIRO e o PASSIVO FINANCEIRO, apurado no balanço patrimonialdo exercício anterior, computando-se ainda os saldos de créditos adicionaistransferidos e as operações de crédito a eles vinculadas.

II - Excesso de arrecadação - É o saldo positivo das diferenças acumuladasmês a mês, entre a arrecadação prevista e a realizada, levando-se em conta atendência do exercício, isto é, a possibilidade de arrecadação efetiva. É um dosmeios mais delicados para se encontrarem recursos realmente hábeis para acobertura de créditos adicionais. O excesso de arrecadação deve ser calculado emrelação ao total da receita orçamentária prevista e não rubrica por rubrica ou emúnica rubrica. A não observância desses critérios pode complicar a execuçãoorçamentária, ocasionando os chamados empenhos a descoberto, compromissosassumidos sem a existência de créditos efetivos, o que caracterizaria uma burla àsdisposições legais e constitucionais.

III - Anulação parcial ou total de dotações orçamentárias, ou de créditosadicionais autorizados em lei - É o processo mais fácil para se levantar a existênciade recursos disponíveis destinados à abertura de créditos adicionais, pois bastaverificar se a dotação que se pretende utilizar não é mais de utilidade no exercício.

IV - O produto de operações de crédito - Trata-se. de diversas modalidades deobter dinheiro de terceiros. É preciso que tais operações estejam autorizadas, deforma a possibilitar ao Executivo realizá-las efetivamente no exercício. Refere-se odispositivo legal a operações de crédito a médio e a longo prazos, pais osempréstimos a curto prazo, para liquidação no próprio exercício ou até trinta diasdepois do encerramento deste, configuram operações de crédito por antecipação dareceita. Estas visam a suprir deficiências momentâneas de caixa e não são recursosdisponíveis para abertura de créditos adicionais.10

10 Cf. Clovis Gloeden: Manual de Contabilidade Municipal, SENAM, ed. 1969, págs. 156/7.

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EXPOSIÇÃO JUSTIFICATIVA

Segundo a Lei n.° 4.320/64, a abertura dos créditos suplementares e especiaisdepende da existência de recursos disponíveis para ocorrer à despesa e seráprecedida de exposição justificativa (art. 43 ).

Já falamos sobre os recursos disponíveis. Incumbe-nos agora fazer algumasponderações sobre a "exposição justificativa".

Consoante magistério de ARIZIO DE VIANA e que salta à evidência, o quejustifica a abertura dos créditos adicionais é a "necessidade administrativa".11

Então a exposição justificativa referida no texto legal não poderá deixar de seruma descrição dos fatos que deram origem à necessidade administrativa, convindoque venha acompanhada de estudos, nos quais se indique o recurso disponível, se ohouver na repartição que solicita o crédito, esclarecendo a importância, a espécie ea classificação da despesa até onde for possível. (Cf. Lei n° 4.320/64, art. 46. )

Caso a repartição interessada não tenha os recursos disponíveis, fará mençãodo fato ao Chefe do Executivo, que determinará aos órgãos financeiros a pesquisanecessária à obtenção dos meios, caso entenda efetivamente configurada anecessidade administrativa.

VIGÊNCIA DOS CRÉDITOS ADICIONAIS

É intuitivo que os créditos adicionais, uma vez que retificam o orçamento,percam a vigência com este.

Isso efetivamente ocorre sempre com os créditos suplementares e é o que sedá, normalmente, com os especiais e extraordinários. (Lei n.º 4.320/64, art. 45. )

Os dois últimos, todavia, por exceção, quando o ato autorizativo tiver sidopromulgado nos derradeiros quatro meses do exercício, depois, portanto, deremetida ao Legislativo a proposta orçamentária para o ano vindouro, se reabertasnos limites dos saldos existentes, poderão viger até o final do exercício subseqüente.(Constituição Federal, art. 62, § 4°)

Vê-se, pois, que a lei autorizadora (créditos especiais) e o decreto legislativoaprovador (crédito extraordinário) continuam a viger, mas o Decreto que os abriuperde a eficácia com o exercício financeiro. Deverá ser expedido outro, se osrecursos ainda forem necessários.

Nestas hipóteses restritas, os créditos especiais e extraordinários adquiremautonomia, sobrevivendo ao orçamento a que visavam retificar.

11 Arízio de Viana: Orçamento Brasileiro, Edições Financeiras, 2.a edição, pág. 143.

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CONVÊNIO. FORNECIMENTO DE RECURSOSFINANCEIROS. EMPRESA PÚBLICA.ATENDIMENTO DAS FINALIDADES

ESTATUTARIAS

RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA(*)

Trata este processo do convênio celebrado entre o Distrito Federal e aCompanhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP, objetivando a implantação do PlanoDiretor de Sinalização do Distrito Federal.

A participação da TERRACAP no convênio prende-se ao fornecimento dosrecursos financeiros para a sua execução.

A instrução, reconhecendo a regularidade do pacto, propõe que o EgrégioPlenário dele tome conhecimento.

Ouvida a Procuradoria-Geral, esta entendeu ilegal o dispositivo estatutário emque a TERRACAP se baseou para celebrar o sobredito convênio e sugere, emconseqüência, "aplicação do disposto no art. 30, I, da Lei n° 5.538, de 22-11-68,para conceder prazo de 30 (trinta) dias à Companhia Imobiliária de Brasília -TERRACAP, para que adote as providências necessárias ao exato cumprimento daLei n° 5.861, de 12-12-72".

Em sessão de 7 de junho último, o processo foi relatado pelo ilustreConselheiro José Wamberto, ocasião em que solicitei vista dos autos.

I - CRIAÇÃO DA TERRACAP

A Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP, empresa pública sob aforma de sociedade por ações, foi instituída pela Lei n° 5.861, de 12 de dezembro de1972, para suceder a NOVACAP no tocante à execução das atividades imobiliáriasde interesse do Distrito Federal, compreendidas na utilização, aquisição,administração, disposição, incorporação, oneração ou alienação de bens (art. 2º damencionada lei).

São seus acionistas o Distrito Federal e a União. Esta, na qualidade deacionista minoritária, detém 49% do capital da empresa e o Distrito Federal, osrestantes 51%.

Consoante ficou ressaltado na exposição de motivos do Senhor Governador,acerca do projeto de lei respectivo, a finalidade da instituição da TERRACAP foi paradinamizar e aproveitar integral e racionalmente o patrimônio imobiliário do DistritoFederal, com vistas à criação de recursos que lhe permitissem maior autonomiafinanceira, cabendo salientar que esta intenção foi consagrada pelo texto legal.

(*)Conselheiro Substituto do TCDF.

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II - A DISPOSIÇÃO ESTATUTÁRIA QUE OBRIGA A TERRAL AP APLICAR PARTEDE SUA RECEITA EM OBRAS DE INTERESSE DO DISTRITO FEDERAL

Objetivando atender à finalidade de criação da TERRACAP, mas sem sepreocupar com o princípio da especialidade, o atual Estatuto Social dessa empresaprescreve no seu art. 50:

"Obriga-se a TERRACAP a aplicar parte de sua receita em obras eserviços de urbanização, de infra-estrutura e obras viárias do Distrito Federale outras de interesse do Distrito Federal, podendo, para isso, celebrarconvênios e contratos."

Esta disposição, de modo menos abrangente, estava prevista no art. 40 doEstatuto anterior, o qual teve de ser adaptado à nova Lei das Sociedades por Ações,por força de preceito nela contido.

Com base nessa prescrição estatutária, a TERRACAP celebrou o convênio deque trata o presente processo, e pelo qual a empresa arca com recursos financeirospróprios, visando a implantação do Plano Diretor de Sinalização do Distrito Federal.Tais recursos, conforme dito convênio, correrão à conta da dotação "Obras Públicas,Projeto 1.06 - Obras e Serviços de infra-estrutura no Distrito Federal", constante doorçamento da Companhia.

Na audiência da Procuradoria-Geral neste processo, seu digno representante,Procurador Dr. Roberto Rosas, entendeu ilegal a retrocitada disposição estatutária,uma vez que obriga a empresa a aplicar recursos próprios em obras não pertinentesao seu objeto.

Estou de acordo com esse entendimento. Em realidade, o emprego de receitada Companhia em obras de responsabilidade do Distrito Federal, conquanto nãosejam executadas pela TERRACAP, configura desvio indireto de finalidade.

A Assembléia Geral, ao inserir no Estatuto da empresa preceito obrigando-a aaplicar parte de suas receitas em obras e serviços estranhos ao seu objeto,extrapolou os limites de sua atuação, pois uma imposição como essa só é lícita seprovida do necessário respaldo legal. Aliás, renomados estudiosos do DireitoAdministrativo têm-se manifestado reiteradamente no mesmo sentido de que aatuação de uma empresa pública é estritamente limitada ao que for inerente aosseus objetivos primordiais, definidos em lei.

Cretella Júnior, em seu livro "Empresa Pública", ao tratar, no capítulo sobre asconotações legais da empresa pública brasileira, a propósito das finalidadesespecíficas desta, assim leciona:

"Se, no setor privado, o particular pode, na quase totalidade dos casos,fixar os próprios objetivos da empresa, inclusive alterando-os, ou deixandomesmo de persegui-los, no setor do direito público a participaçãogovernamental é vinculada ao princípio da especialidade, que impedequalquer afastamento ou desvio do fim objetivado pela entidade criada.

Criada a empresa de natureza industrial ou comercial, para a exploraçãode "atividades econômicas", ou resultante de transformação de entidade,permissionária, sociedade de economia mista ou autarquia, os finsespecíficos, explicitados na lei criadora, conservar-se-ão inalterados:atividades bancárias, serviços de seguro, fabricação e venda de motores oude carros e aviões, construção e venda de habitações "passarão" a constituir

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os fins da empresa pública, originariamente criada; educação, instrução,pesquisas científicas e tecnológicas, médico-hospitalares, eletricidade etransporte "continuarão" a ser os fins perseguidos pela empresa pública,resultante da transformação da entidade anterior que objetivava taisdesideratos.

Em suma, atividades privadas ou serviços públicos, objeto de entidadesgovernamentais, que movimentam capitais do governo, cujo móvel de criação ésempre o interesse público, continuarão as mesmas, em virtude do princípio daespecialidade."

E conclui ó ilustre administrativista, citando Rivero, Droit Administratif, 5ª , ed.,1971, pág. 47, que

"o legislador confia a uma pessoa jurídica, criada ad hoc, a consecuçãode fins públicos determinados e tais fins - certos, precisos, específicos -continuarão imutáveis.

Sejam, porém, "atividades privadas", sejam "serviços públicos administrativos",desde que assumidos pelo Estado sem o intuito primordial de lucro, mas nointeresse geral da coletividade, em prol do bem comum, permanecerão inalteráveis."(Obra citada, pág. 229. )

É pacífico, pois, que só por lei se pode criar empresa pública e definir o seuobjeto (campo de atuação), de sorte que, pelo princípio da preferência da lei, nãopode o Executivo, validamente, expedir regulamentos que possam dispor, ainda quede modo indireto, em sentido diverso do estabelecido pela norma legislativa. Ainferência, assim, ressalta clara e imediata: se é necessário lei para a definição doobjeto da empresa pública, esse objeto só por lei pode ser modificado. E mais, se alei que instituiu a TERRACAP lhe determinou o objeto, como aliás, tinha que o fazer,apenas por outra norma de igual nível hierárquico, no mínimo, se pode alterar taisdisposições.

Não se pode desconhecer a comunhão de interesses existente entre o DistritoFederal e a TERRACAP. Contudo, o patrimônio de um não se confunde com o dooutro, de vez que são pessoas jurídicas distintas.

Respeitando essa inconfundibilidade e reforçando a tese da necessidade doamparato legal para o dispositivo estatutário questionado, o art. 3º, VII, da Lei n.º5.861/72, citada, obriga a TERRACAP a doar ao Distrito Federal os terrenosnecessários aos seus serviços. Ora, se a doação de um terreno ao Distrito Federalpela empresa requer autorização legal, facilmente se verifica que a transferência doproduto de alienação de um outro lote também exige medida legislativa.

Sem a necessária base legal, a prática que vem adotando a TERRACAP, comapoio apenas em seu estatuto, pode ser condenada sob dois aspectos: o gerencial eo fiscal.

Sob o aspecto gerencial, porque é inconcebível que uma empresa apliquegrande parte de seus recursos financeiros em obras não integrantes do seupatrimônio e sem nenhuma indenização. Seria o caso, por exemplo, de uma firma terde aplicar por determinação do sócio majoritário grande parte de sua receita naconstrução da residência particular desse sócio, em detrimento dos interesses dosócio minoritário e sobretudo da própria firma.

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Do ponto de vista do fisco, a prática merece reparo por lhe ser lesiva. Somenteno exercício de 1976, a Companhia aplicou em obras públicas de interesse doDistrito Federal mais de 228 milhões de cruzeiros. Para fins do Imposto de Renda,esse valor haveria de ser acrescido ao lucro final da empresa.

Estando as empresas públicas, por força do disposto no § 3° do art. 170 daConstituição e do contido na Lei n° 6.264, de 18-11-75, sujeitas ao mesmotratamento tributário dispensado às empresas particulares, e como a legislação doImposto de Renda não permite a dedução de despesas impertinentes às atividadesou manutenção de uma pessoa jurídica, é de se concluir que o dispositivo estatutárioem questão, sob o aspecto fiscal, é redondamente ilegal.

Em suma, prática como essa não se coaduna com o desiderato de umaempresa. Todavia, de acordo com sua conveniência e por meio de medidalegislativa, o Poder Público, pode impor certas restrições ou facilidades a umaempresa pública, uma vez que ela, apesar de ser regida pelo direito privado,subordina-se também a normas de caráter administrativo.

É o que nos ensina o notável Prof. Celso Antônio Bandeira de Melo:

"A despeito de se regerem pelo direito privado, não reproduzem de modoidêntico o regime de uma sociedade comercial, posto que, sendo instrumentode ação do Estado, "administração indireta", nos termos do Decreto-lei n° 200,são atingidas por regras especiais, editadas pelo Estado, que lhes impõemuma submissão, um controle, ou limitações específicas, inexistentes,obviamente, para a generalidade das empresas de direito privado." (Prestaçãode Serviços Públicos e Administração Indireta, RT, 1973, pág. 137. )

III - SITUAÇÃO ECONÕMICA DA TERRACAP

A Companhia Imobiliária de Brasília teve o seu capital social integralizado embens imóveis, os quais foram avaliados em 1973, ano em que a empresa começousuas atividades. Para efeitos contábeis, esses imóveis integram o realizável daCompanhia, vale dizer, representam o estoque de mercadoria, cujo custo histórico(valor da avaliação) é sempre levado em conta quando da apuração do resultadoeconômico de cada exercício.

Face ás constantes elevações dos preços dos imóveis em Brasília e a suaquase improvável possibilidade de baixa, pode-se dizer que doravante, não havendoreposição de estoque, a TERRACAP terá um lucro operacional bruto superior a1.000%, como ocorreu em 1976, em que, mercadorias recebidas no valor de 34milhões de cruzeiros, aproximadamente foram vendidas por mais de 394 milhões, ouseja, lucro superior a 1.000% (Cf. Demonstração de Lucros e Perdas de 1976) .

Com referência, ainda, ao exercício de 1976, mesmo tendo aplicado cerca de228 milhões de cruzeiros em obras públicas de interesse do Distrito Federal, aTERRACAP obteve um lucro líquido, já deduzida a provisão de mais de 39 milhõespara o Imposto de Renda, correspondente a quase 3 (três) vezes o valor históricodos imóveis alienados.

Esse resultado econômico, comparado com o de outras empresas de qualquerramo de atividade, coloca a Companhia em situação ultra ótima.

E o curioso é que os seus administradores quase nada precisam fazer para aocorrência desse fato, posto que a ação natural do mercado imobiliário se encarregade elevar os preços dos lotes.

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IV - CONCLUSÃO

Ao longo dessas considerações, ficou evidenciado o meu acolhimento aoparecer do ilustre representante do Ministério Público, ria parte em que entendeuilegal o dispositivo constante do Estatuto da TERRACAP, pelo qual a empresa éobrigada a aplicar parte de sua receita em obras e serviços de interesse do DistritoFederal.

Entretanto, deixo de impugnar este convênio, não propondo,conseqüentemente, a adoção das medidas previstas na Constituição e na Lei n°5.538/68, tendo em vista os superiores interesses do serviço público vez que osrecursos serão aplicados no exclusivo interesse da coletividade, e até porque,entendo que outra forma poderia ser utilizada para a consecução do mesmopropósito, ao abrigo da lei.

Ademais, uma impugnação como essa que se pretende poderia representarsério transtorno à realização das obras projetadas, afetando a credibilidade doGoverno no que concerne às suas relações com terceiros.

Mas sou obrigado, no entanto, a sugerir que a Egrégia Corte represente aoChefe do Executivo local quanto à necessidade de buscar as medidas legislativasadequadas ao respaldo do dispositivo estatutário em causa.

(Processo n° 836/ 77 - 22-9-77. )

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REVISÃO DE PROVENTOS. VIGÊNCIA

ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO(*)

EMENTA: Reforma do Soldado PM Otacílio Gomes dosSantos e revisão dos seus proventos. 1 - Os Policiais Militaresincapacitados para o serviço da Corporação, mas não paratodo e qualquer trabalho, são reformados com proventosproporcionais ao tempo de serviço (arts. 147, II, 149, I, e 150,II, do Decreto n° 41.095/ 57, combinados com os arts. 137,138, § 2°, 139 e 140, alíneas a e b, da Lei n° 4.328/64) . 2 - Arevisão dos proventos por agravamento da doença que motivoua inativação, ou a ela superveniente, é regulada pelo art. 104,item 4, parágrafo único, da Lei n° 5.619/70. Cabe apenas noscasos em que a Junta Médica da Polícia Militar do DistritoFederal ateste que a moléstia incapacita o inativo para todo equalquer trabalho, impossibilitando-o de prover os meios desubsistência e que tem relação de causa e efeito com oexercício normal de suas funções. 3 -- A melhoria do proventovigora a partir da data do laudo da Junta Médica e é feita combase no soldo integral do posto no qual o policial foi reformado,mais as gratificações incorporáveis a que tivesse direito, naforma da legislação que vigia à data da reforma. 4 - As quantiasrecebidas a. mais por qualquer servidor em conseqüência deerrônea interpretação de lei não são passíveis de restituição(art. 20, § 2°, da Lei n° 4.863/65; Parecer 29-X, de 17-6-65, daConsultoria-Geral da República e jurisprudência pacífica doSTF) . 5 - Legalidade do ato de reforma. 6 - Necessidade deconversão do julgamento em diligência quanto ao Decreto quemodificou o provento inicial.

PARECER

I - RELATÓRIO

Em 29 de dezembro de 1967, o Soldado PM Otacilio Comes dos Santos foisubmetido a inspeção de saúde por junta Médica Oficial que emitiu laudo nestestermos:

"Moléstia ou defeito físico: 440 Parecer da junta - Incapaz definitivamentepara o Serviço Policial Militar. A moléstia é incurável e não foi adquirida em

(*)Procuradoria-Geral do TCDF.

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ato nem em conseqüência de ato de serviço. Não está impossibilitado total epermanentemente para todo e qualquer trabalho. Pode prover os meios desubsistência.

Observações: Conclusão de p/ da Cardiologia." (Fls. 13 ).

2. À vista do laudo, o Secretário de Segurança Pública, em 17 de julho de1968, reformou, "ex officio", o policial, atribuindo-lhe proventos proporcionais,calculados à fls. 35, com base nos dados de fls. 38, e compostos de 15 cotas dosoldo, 15 cotas da Gratificação de Função Militar da Categoria A e 3 qüinqüênios,perfazendo o total de Cr$ 115,92.

3. Em 30 de outubro de 1973. o inativo postulou submeter-se a inspeção desaúde por junta Médica Superior, dizendo ter sido acometido, em 16-6-73, deacidente vascular cerebral tipo trombótico, do qual resultara hemiplegia esquerda, oque impossibilitava de locomover-se livremente e desacompanhado.

4. Pedia, ainda, pelas dificuldades expostas, fosse considerada a possibilidadede ser a junta Superior constituída por Médicos do Hospital da Polícia Militar doEstado da Guanabara. A postulação visava à melhoria dos proventos de sua reforma(fls. 47 e 48). juntou ao requerimento os documentos de fls. 49 a 51.

5. O pedido foi deferido, como se vê do despacho da autoridade competente(fls. 47), que oficiou ao Comandante-Geral da PMEG pedindo a nomeação da juntaSuperior de Saúde e, feita a inspeção, lhe fosse remetida a respectiva ata,juntamente com os documentos enumerados no item 2 do Ofício à fls. 54.

6. Pelos documentos de fls. 56 a 61, verifica-se que as medidas referidas noparágrafo anterior foram tomadas, inclusive remessa da cópia da ata de inspeção desaúde a que se submetera o Policial.

7. Com base nos resultados da inspeção feita pela junta Superior de Saúde daPMEG, homologada pela junta Médica Superior da PMDF (doc. à fls. 67 ), dirigiu-seo Comandante-Geral daquela unidade ao Governador solicitando-lhe a retificação daPortaria "P" n.º 316/68-SEP, de 17 de julho de 1968, para considerar reformado, " exofficio", a contar daquela data, nos termos dos arts. 147, II, 149, I e 150, Il, doDecreto n° 41.095/57, o PM Otacílio Gomes dos Santos, na mesma graduação, comproventos integrais e Auxílio-Invalidez, na forma dos arts. 137, a e b, 139, 146, d e148 da Lei n° 4.328/64, por ter sido julgado inválido e incapaz definitivamente para oserviço da Corporação, sem poder prover os meios de subsistência.

8. Convém, para clareza da matéria, transcrever, na parte que interessa aocaso o laudo da JMS, datado de 26-4-74:

"Diagnóstico: 402 + 438 - Doença cardíaca hipertensiva mais outrasdoenças cerebrovasculares e as mal definias.

Parecer: Incapaz definitivamente para o serviço militar. A moléstia éincurável e não foi adquirida em ato nem em conseqüência de ato de serviço.Está impossibilitado total e permanentemente para todo e qualquer trabalho.Não pode prover os meios de subsistência. Necessita de cuidados médicos eassistência permanente de enfermagem.

Observações: Homologação da ata de inspeção de saúde do HPMEG(Junta Superior). É portador de Cardiopatia Grave, conforme parecer daCardiologia." (Fls. 67).

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9. À fls. 73, atendendo ao pedido da Procuradoria do Distrito Federal,esclareceu-se que a moléstia atual tem relação de causa e efeito com a queincapacitara o inativo.

10. Finalmente, foi lavrado o Decreto de fls. 85, que altera a Portaria dereforma, para declarar que os proventos do inativo passavam a ser integrais.

11. Emitida nova Carta de Provisão (fls. 87 ), foram reajustados os proventos apartir de 19 de janeiro de 1974, nos seguintes termos:

A) Tempo de serviço: inalterado.

B) Proventos e Vantagens:

- Soldo: art. 138 da Lei n° 4.328/64

(soldo integral de Soldado PM) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 576,00

- Tempo de serviço: art. 146, d da Lei n.º 4.328/64

(7 qüinqüênios) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .201,00

- Gratificação de Função Policial Militar Categoria I:

art. 132 da Lei n.º 5.619/70 (10~l, do soldo) . . . . . . . . . . . . 57,00

12. O total do provento, excluída a diária de asilado, passou a ser de Cr$834,00.

13. Vem em seguida, a tabela de Proventos e Vantagens referentes aosexercícios findos.

II - AS MATÉRIAS EM CAUSA

1. Portaria da Reforma

14. Vêm a julgamento do Tribunal dois atos distintos: a Portaria que declarou areforma e o Decreto que a alterou para conceder ao inativo melhores proventos.

15. O ato da reforma e o provento inicial estão corretos: tratando-se deinvalidez que não impossibilitava o servidor total e permanentemente para qualquertrabalho, amparou-se a Autoridade nos arts. 147, II, 149, 1 e 150, Il do Decreto n°41.095/57, e os estipêndios foram calculados com base nos arts. 137, 138, § 2°, 139e 140, alíneas a e b da Lei n° 4.328/64.

2. Revisão dos Proventos

16. O mesmo não se pode dizer do Decreto de fls. 85, que alterou a Portaria dareforma para declarar que os proventos do inativo passavam a ser constituídos dosoldo integral da graduação em que fora reformado e das gratificações incorporáveisa que fizesse jus.

17. A leitura dos laudos de fls. 13 e 67 e dos atestados de fls. 49 e 50 deixaclaro que a doença motivadora da passagem à inatividade agravou-se a tal pontoque tornou o reformado totalmente incapacitado para qualquer serviço, portador queé não só de cardiopatia grave como de hemiplegia. Os peritos que emitiram oslaudos, entretanto, não afirmam a relação de causalidade nos termos exigidos porlei.

18. A revisão do estipêndio dos policiais militares reformados por invalidez,para o efeito de se lhes atribuir proventos igual ao soldo integral e gratificações

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incorporáveis a que fizerem jus, está regulado, de maneira tortuosa, pelo art. 104,item 4 e parágrafo único da Lei n.º 5.619/70, nos seguintes termos:

"Art. 104 - O policial militar incapacitado terá seus proventos referidos aosoldo integral do posto ou graduação em que foi reformado na forma dalegislação em vigor, e as gratificações incorporáveis a que fizer jus, quandoreformado pelos seguintes motivos:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4) por doença, moléstia ou enfermidade, embora sem relação de causa eefeito com o serviço. desde que torne o policial militar total epermanentemente inválido para qualquer trabalho.

Parágrafo único - Não se aplicam as disposições do presente artigo aopolicial militar que, já na situação de inatividade adquira uma das doençasreferidas no item 4, a não ser que fique comprovada, por junta Médica daPolícia Militar do Distrito Federal, relação de causa e efeito entre a moléstia eo exercício de suas funções, enquanto esteve no serviço ativo."

19. Tal como posta pelo legislador, a medida beneficia apenas osincapacitados que padeçam de doença que os torne total e permanentementeinválidos para todo e qualquer trabalho, desde que fique comprovada, por juntaMédica da Polícia Militar do Distrito Federal, relação de causa e efeito entre amoléstia e o exercício das funções de policial enquanto esteve em atividade.

20. Visa a medida a atender à hipótese em que as tensões e emoções a queestão expostos os policiais no exercício normal de suas atividades possam conduzira uma série de doenças graves, como cardiopatia, insultos cerebrais e alienaçãomental, entre outras. Pode a doença estar em estado latente no momento dareforma ou se manifestar, a ela dando causa, em grau menor, e vir a agravar-sedepois, como no caso em exame, no qual a cardiopatia atestada no primeiro laudo(fls. 13 ), se transformou em cardiopatia grave, segundo parecer da Junta MédicaSuperior (fls. 67).

21. É oportuno esclarecer, sobretudo para orientação dos peritos médicos, que,no caso do art. 104, item 4, parágrafo único da Lei n° 5.619/70, pouco importa que amoléstia não tenha sido adquirida em ato ou em conseqüência de ato de serviço, outenha relação de causa e efeito com a que incapacitara o policial. Doença adquiridaem ato ou em conseqüência de ato de serviço pressupõe a existência ação efetivana qual se tenha envolvido o policial, enquanto que a relação de causalidade entre adoença agravada eu detectada posteriormente se refere ao exercício das atividadesnormais da função policial, estaticamente encarada. Com esse esclarecimento e àvista dos demais elementos do processo, entendo deva a matéria ser reexaminadapela junta Médica Superior da PMDF para o fim de que ateste se a cardiopatia gravede que padece atualmente o inativo, reformado por cardiopatia, tem relação decausa e efeito com as funções que exercia enquanto esteve no serviço ativo.

3. Cálculo do Provento Melhorado

22. Afirmativa a resposta o cálculo do provento melhorado deve ser feito combase no soldo integral do posto em que o policial foi reformado, isto é, o soldo quelhe era pago em 17 de julho de 1968, acrescido da Gratificação de Função Militar deCategoria A, também no seu valor integral, bem como da gratificação de tempo deserviço referente a 7 qüinqüênios, tudo conforme o art. 146 da Lei n° 4.328/64, que

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vigia à data da reforma. O novo provento vigorará a partir da data do laudo da JMS,isto é, 26 de abril de 1974, e sobre ele incidirão os aumentos posteriores,decorrentes das novas leis de reajustamento de vencimentos de ativos e inativos.

4. Inexigibilidade da Reposição de Quantias Pagas a Maior

23. Esclareço ainda que, caso se haja pago ao inativo, por errôneainterpretação da lei, mais do que porventura lhe seria devido, nenhuma devoluçãolhe pode ser exigida. Esse entendimento tem amparo no art. 20, § 2º da Lei n°4.863/65, no Parecer 29-X, de 17-6-65, da Consultoria-Geral da República (DO de17-6-65, pág. 11.894), e na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal,que nega à Administração o direito de exigir a reposição, pelos funcionários, dequantias recebidas de boa fé, mesmo nos casos de decisões judiciais reformadas nainstância recursal (cf. entre muitos outros: RE. 73.445/72, in RTJ., vol. 61, pág. 287;RE. 68.020/69, in RTJ., vol. 54, pág. 52; RE. 80.837/76, in RTJ., vol. 79, pág. 222).

III - CONCLUSÃO

24. Em face de tudo quanto foi exposto, sou de parecer que esta Corte deContas julgue legal o ato da reforma e, quanto ao Decreto de fls. 85, que revê oprovento inicial, converta o julgamento em diligência para o fim indicado no item 21deste parecer e, se for o caso, que se refaça o cálculo dos proventos nos termosindicados no item 22.

(Processo n.º 242/70 - 10-3-1978.)

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TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO A FUNDAÇÃO

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1 ) Até que venha a ser editada, para a esfera do Distrito,a anunciada lei de contagem recíproca, remanesce vigente aLei n° 3.841/60, como diploma complementar do regime jurídicodos servidores públicos locais. 2) Ao funcionário que preencheos requisitos legais para a contagem de determinado tempocomo de serviço público é reconhecido direito adquirido, contrao qual nada pode lei posterior. 3) Compreendem-se naexpressão estabelecimento de serviço público, contemplada noart. 80, V, do Estatuto, todas as formas de administraçãoestatal a cujos empregados a lei assegure a contagem dotempo como de serviço público. 4) A transformação daFundação Brasil Central em autarquia, por força da Lei n°5.365/67, garantiu a seus empregados o benefício do art. 80, V,do Estatuto. 5) Contém-se no art. 6° do Decreto n° 54.224, de1° de setembro de 1964, a norma implícita de que apenas parafins de aposentadoria deve ser contado o tempo prestado àFBC, antes de 18 de julho de 1964, pelo pessoal enquadradopor efeito desse ato. 6) Pela averbação requerida.

PARECER

1 - A questão em estudo

Por solicitação da Presidência, cabe-me examinar a legalidade da averbação,para fins de aposentadoria, do tempo de serviço prestado por S. Ex.a o Conselheiro,Raul Soares da Silveira, à antiga Fundação Brasil Central, no período de 13 deoutubro de 1944 a 17 de julho de 1963.

2. A revogação da Lei n° 3.841, de 15 de dezembro de 1960, que regulava acontagem recíproca do tempo prestado por funcionários à União, às Autarquias, àsSociedades de Economia Mista e às Fundações, operada pela Lei n.º 6.226, de 14de julho de 1975, é a razão invocada por nosso órgão de pessoal para recusaramparo legal à pretendida averbação.

3. Quer-me parecer, todavia, que alguns aspectos da questão jurídica emcausa não foram ainda examinados.

2 - Sobrevivência da Lei n° 3.841/60 tio ordenamento local

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4. Primeiramente, é preciso ponderar que a Lei n.º 3.841/60 se aplicava àesfera do Distrito na qualidade de diploma complementar do Estatuto dosFuncionários Públicos. Tratava-se de ato legislativo integrado ao ordenamentojurídico local por força do que preceitua o art. 30 da Lei de OrganizaçãoAdministrativa do Distrito Federal, a de n° 3.751, de 13 de abril de 1960. Nestascondições, só poderia ser revogada por norma em sentido contrário que incidisse naórbita jurídica do Distrito.

5. A ab-rogação expressa da Lei n° 3.841/60 decorreu, como visto, dedisposição da Lei n° 6.226/75, que ampliou o princípio e as hipóteses da contagemrecíproca do tempo de serviço para efeito de aposentadoria. De fato, em lugar deautorizar-se esse cômputo apenas para os serviços prestados em órgãos daAdministração Central e em entidades descentralizadas, facultou-se a contagemtambém do tempo de trabalho na atividade privada, fora, portanto, dos quadros daAdministração.

6. A nova lei, em princípio, seria extensiva ao pessoal do Distrito Federal, nãofosse a circunstância de haver sido alvo de veto parcial do Presidente da Repúblicao artigo 39 do projeto de lei correspondente, o qual visava justamente a assegurar aaplicação do ato às esferas dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

7. Verdade é que, nas razões do veto, inexiste menção explícita ao DistritoFederal, cingindo-se a justificativa à necessidade de preservar a autonomiaconstitucionalmente garantida aos Estados e Municípios.

8. Ainda assim, prefiro ficar com os que acreditam que a lei em referência nãoatua no âmbito do Distrito Federal, até porque, de qualquer modo, sua aplicaçãopressuporia a celebração de convênio do Governo local com o INPS quanto àcompensação dos ônus financeiros dela resultantes.

9. De irais a mais, parece que vingou a corrente de opinião contrária àaplicabilidade da lei ao Distrito, tanto que já há notícias de anteprojeto de leitendente a assegurar aos servidores locais a contagem do tempo de iniciativaprivada.

10. Estou, no entanto, convencido de que a revogação da Lei n.º 3.841/60 nocampo federal - que se justifica em última análise pela edição de nova lei sobre omesmo tema com princípios e normas com ela incompatíveis - não impediu que aLei n.º 3.841/60 remanescesse em vigor como lei local, a exemplo, aliás, do que jáocorrera com a Lei n° 4.328/64. Nesse último caso, a sobrevivência do Código deVencimentos, a princípio implícita como na hipótese em apreço, acabou sendoreconhecida formalmente pelo Decreto-lei n° 792/69.

11. A essa simples razão, que basta a meu juízo para confirmar a legalidade daaverbação desejada, somam-se ainda novas razões jurídicas.

3 - Direito adquirido à contagem do tempo de serviço

12. O tradicional princípio de que a aposentadoria se rege pela lei do tempo emque se reuniram os pressupostos de sua ocorrência ou decretação sofreu, há pouco,importante revisão por parte do Supremo Tribunal Federal, que passou a distinguirentre as regras locais que amparam o direito à aposentação e os preceitosconcernentes à contagem do tempo de serviço. As primeiras, entende o Supremo,continuam a ser as da época da aposentadoria, mas a contagem do tempo deve ser

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disciplinada pelo direito vigente no momento da prestação, ou por lei posterior quevenha a considerá-lo como de serviço público.

13. Passou, assim, o Supremo Tribunal a reconhecer o direito adquirido àcontagem do tempo de serviço, segundo expressamente consignado na ementa doRE 82.881 - SP, publicado no Diário da Justiça, de 19 de novembro de 1976:

"Servidor público estadual - Caracterização de tempo de serviço público,direito adquirido - Estabelecido, na lei, que determinado serviço se consideracomo tempo de serviço público, para os efeitos nela previstos, do fatointeiramente realizado nasce o direito que se incorpora imediatamente nopatrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica do tempo de serviço,consubstanciando direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar."

14. Por esse motivo, penso que os empregados das autarquias, sociedade deeconomia mista e fundações instituídas pelo Poder Público que preencheram ascondições exigidas pela Lei n° 3.841 de 15 de dezembro de 1960, adquiriram direitoà contagem, para fins de aposentadoria, do tempo em que trabalharam nessasentidades.

15. Como o direito adquirido não é prejudicado por disposição em contrário delei posterior, ainda que houvesse sido revogada a Lei n° 3.841/60, o ilustrerequerente faria jus à averbação desejada.

4 - Interpretação do art. 80, V, do Estatuto.

16. Convém ainda trazer à colação a regra inscrita no art. 80, V, do Estatuto,que manda contar, para aposentadoria, o período de trabalho prestado à instituiçãode caráter privado que tiver sido transformada em estabelecimento de serviçopúblico.

17. O conceito de estabelecimento de serviço público é bastante impreciso nodireito brasileiro, que não adotou esta forma inespecífica de descentralização tãoconhecida no direito francês: o établissement public.

18. Em resposta à consulta formulada pela Diretoria de Pessoal do Ministérioda Aeronáutica, foi esclarecido em parecer do DASP, publicado no DO de 24-7-55,que a expressão traduz "qualquer forma de administração estatal" e que asautarquias se enquadram no grupo dos estabelecimentos de serviço público, paraefeito de aplicação do item V do art. 80 do Estatuto.

19. Acato a conclusão, mas discordo da premissa, visto que, a meu ver, nocontexto da versão original do Estatuto, nem todas as formas de administraçãoestatal se compreendem no conceito de estabelecimento de serviço público, masapenas aquelas a cujos servidores a lei assegure direito a contagem do tempo detrabalho como de serviço público, vale dizer, os órgãos da AdministraçãoCentralizada e as autarquias.

20. Somente mais tarde, a partir da Lei n° 3.841/60, é que a expressãopassaria a abarcar todas as formas de descentralização administrativa.

21. Havendo sido a Fundação Brasil Central transformada numa autarquia, aSUDECO, por força da Lei n° 5.365, de 1° de dezembro de 1967, também por estemotivo apenas, passariam os seus servidores a contar, para inativação, o tempoprestado antes da transformação da entidade.

5 - Preceito regulamentar aplicável

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22. O derradeiro argumento favorável ao cômputo do tempo e a seu registro éo que se extrai do art. 6° do Decreto n° 54.224, de 1° de setembro de 1964, quedispôs sobre o aproveitamento do pessoal da F BC. Diz o artigo que o pessoalenquadrado, na forma do decreto, iniciará a contagem do tempo de serviço público,para outros fins que não o de aposentadoria, a partir de 18 de julho de. 1963, dondedeflui a regra implícita de que, apenas para fins de aposentadoria, deve sercomputado o tempo prestado antes dessa data.

6 - Conclusões.

23. Em decorrência de todos os argumentos expostos - e de cada um deles -não hesito pois, em opinar no sentido de que seja, desde logo, averbado, para finsde aposentadoria, o tempo comprovado na certidão de fls. 2/3.

24. Quanto ao tempo de efetivo exercício, acolho a proposta do Serviço depessoal.

25. É o parecer.

(Processo n° 1.755/77 - 15-9-1977.)

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CONDENAÇÃO CRIMINAL. PERDA DA FUNÇÃOPÚBLICA. SERVIDOR APOSENTADO.

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1) Da condenação por crime à pena "in concreto" demais de dois anos de reclusão resulta, necessariamente, apena acessória de perda da função pública (art. 68, 11, doCódigo Penal). 2) Tal pena só é, no entanto, aplicável apóstransitar em julgado a sentença condenatória (art. 691 do CPP). 3) Ao servidor em causa, condenado por sentença recorrível apena de quatorze anos de reclusão, seria imposta a perda dafunção pública. 4) Já condenado na primeira instância, foi,contudo, o servidor oficialmente havido como inválido em razãode moléstia especificada em lei e aposentado com base no art.178, III, do Estatuto. 5) A perda de função pública não podeatingir servidor aposentado, e, ipso facto, desligado do cargoque ocupava, o qual deixa de reunir os pressupostos legais deincidência da pena. 6) A cassação da aposentadoria épenalidade administrativa cominada a inativos que pratiquemos ilícitos disciplinares previstos no art. 212 do Estatuto. 7) Deafastar, na hipótese em exame, a possibilidade de repercussãoda sentença criminal no âmbito administrativo. 8) Exato ocálculo do provento. Legal o ato.

PARECER

Vem à apreciação do Tribunal o ato de aposentadoria do Mestre-de-Obras,nível 13, do quadro de pessoal do Distrito, Sr. Paulo Valente de Lima, cuja invalidezdefinitiva para a função pública só foi oficialmente reconhecida mediante o laudo deperícia médica de fls. 8, com data de 7 de agosto de 1968, muito embora jáhouvesse sido, desde 18 de dezembro de 1967, declarado portador de alienaçãomental pela junta da NOVACAP, chie subscreve o laudo de fls. 3.

2. Em razão das conclusões da perícia oficial, foi baixado, por Sua Excelência,o Governador, o decreto de fls. 29.

3. Sucede, no entanto, que, quando submetido a exame de saúde em agostode 1968, já fora o funcionário condenado à pena de reclusão superior a dois anos,por crime cometido em 15 de agosto de 1965.

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4. É incontroverso, pois, que, no momento da aposentadoria já se encontrava oservidor condenado à pena principal de que resulta, como conseqüência necessáriaa pena acessória da perda de função pública (art. 68 lI, do Código Penal). Mas talpena só vem a incidir, nos termos do art. 691 do Código de Processo Penal, após otrânsito em julgado da sentença condenatória, o que, segundo noticiam os autos,não ocorrera ainda até meados de julho do ano em curso.

5. Suscitou-se, entretanto, dúvida quanto a possíveis repercussõesadministrativas decorrentes da confirmação da sentença na segunda instância. Adúvida se afigura, nesta hipótese, descabida, por isso que, estando o servidoraposentado e, destarte, desligado da função pública, deixou de reunir ospressupostos legais para ser alvo da pena acessória em apreço, que, obviamente, éaplicável apenas aos que exerçam função pública.

6. Nem se cogite, por outro lado, da cassação da aposentadoria, por se tratarde penalidade tipicamente administrativa, cominada ao inativo que tenha cometidouma das faltas disciplinares capituladas no art. 212 do Estatuto.

7. Assim é que não vejo, no caso em tela, qualquer possibilidade de vir arefletir-se a sentença, quando passada em julgado, sobre a legalidade do atodeclaratório da aposentadoria.

8. O já referido laudo de fls. 8 faz prova bastante da definitiva incapacitaçãofísica do funcionário e lhe assegura direito à aposentadoria com proventos integrais.

9. Os cálculos do provento inicial estão inscritos no demonstrativo de fls. 86 ese afiguram exatos, inclusive quanto à parcela correspondente aos adicionais, àvista do tempo de efetivo exercício certificado a fls. 21. e 26/27.

10. Nada impede, pois, a meu critério, que a Corte dê pela legalidade do atoem causa.

(Processo n° 1.378/76, de 22-9-77.)

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INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. OPERAÇÕESBANCARIAS. CONTRATOS.

1) Dispensa da remessa de cópias de contratos quereflitam operações bancárias. Atuação do Banco Central, porforça da Lei n° 4.595/64. 2) Remessa de contratos que nãoreflitam operações bancárias. 3) Manutenção da possibilidadede inspeção in loco.

ROBERTO ROSAS

PARECER

O Diretor do Departamento de Contabilidade do Banco Regional de Brasíliaconsulta o Tribunal sobre a dispensa da remessa de cópias de contratos e convêniosfirmados por essa instituição financeira. Assim, pede, porque o Banco realizanúmero considerável de operações de empréstimo, em sua maioria através decontratos. Ouvida a Inspetoria-Geral, opinou favoravelmente, no entanto, mantendoquanto aos contratos e convênios, fora da atividade operacional do Banco.

2. Dispõe a Constituição Federal que o Tribunal de Contas verificando ailegalidade de qualquer despesa, inclusive decorrentes de contratos, deverá assinarprazo para o cumprimento da lei ou outras providências (art. 72, § 5°) .

Por isso, a Lei n.º 5.539 (art. 35, II, e), de interesse do TCDF, impõe a remessade uma via dos contratos, termos, convênios e acordos lavrados ao TCDF.

3. Não se previa o controle da Administração Indireta, mais especialmente asociedade de economia mista, e, em particular, um Banco, como é o caso tratadoneste processo. Obviamente a instituição financeira - Banco, celebra inúmeroscontratos, de maior e menor vulto, que não poderão ficar jungidos ao controle do TCsob pena da ineficácia dessa observação, tal o volume de documentos. Daí odisposto na Lei n° 6.223, de 14-7-75, que dispõe sobre a fiscalização financeira eorçamentária das entidades da Administração Indireta pelo Tribunal de Contas,fiscalização essa que respeitará as peculiaridades de funcionamento da entidade,seus objetivos, natureza empresarial e operação, segundo os métodos do setorprivado da economia (art. 7°, § 1°) .

4. Esses contratos, autênticos contratos de adesão, com cláusulaspadronizadas pelo setor bancário, nada têm de excepcional, tendo em vista essageneralidade, apenas distinguindo-se pelos valores, e o caráter intuitu personae da

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operação, obrigando a verificação casuística. Por essas razões, a Lei n° 4.595, de1964, que trata de Reforma Bancária, deu ao Banco Central do Brasil a competênciapara exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidadesprevistas (art. 10, VIII), exercendo permanente vigilância no mercado financeirosobre as empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesse mercado e emrelação às modalidades ou processos operacionais que utilizem (art. 2º, VII).

5. Essa atilada e técnica vigilância do Banco Central não tira ao Tribunal deContas a possibilidade de inspecionar in loco, caso verifique alterações substanciaisnas contas e balancetes do BRB, bem como não exclui a atividade empresarialbancária (contratos de locação, empreitada etc.) isto é, de caráter administrativo.

6. Por esses motivos, nossa opinião é favorável à consulta da direção doBanco Regional de Brasília, para:

a) dispensar a remessa dos contratos enunciados no ofício inicial (contratos decrédito, empréstimo e câmbio);

b) manter a possibilidade de inspeção in loco em todas as operações doBanco;

c) remessa ao TCDF dos contratos não discriminados acima e no ofício inicial.

(Processo n.º 2.541/77, de 29-11-77.)

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III – NOTICIÁRIO

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LEI N° 6.525, DE 11 DE ABRIL DE 1978

Altera a redação do artigo 7º da Lei n° 6.223, de 14 dejulho de 1975, que dispõe sobre a fiscalização financeira eorçamentária da União pelo Congresso Nacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA:

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 7º da Lei n° 6.223, de 14 de julho de 1975, acrescido de § 3°,passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 7° As entidades com personalidade jurídica de direito privado, decujo capital a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município ou qualquerentidade da respectiva administração indireta seja detentor da totalidade ou damaioria das ações ordinárias, ficam submetidas à fiscalização financeira doTribunal de Contas competente, sem prejuízo do controle exercido pelo PoderExecutivo.

§ 1º A fiscalização prevista neste artigo respeitará as peculiaridades defuncionamento da entidade, limitando-se a verificar a exatidão das contas e alegitimidade dos atos, e levará em conta os seus objetivos, naturezaempresarial e operação, segundo os métodos do setor privado da economia.

§ 2º É vedada a imposição de normas não previstas na legislação geralou específica.

§ 3º A União, o Estado, o Distrito Federal, o Município ou entidade darespectiva administração indireta que participe do capital de empresa privadadetendo apenas a metade ou a minoria das ações ordinárias, exercerá odireito de fiscalização assegurado ao acionista minoritário pela Lei dasSociedades por Ações, não constituindo aquela participação motivo dafiscalização prevista no calnct deste artigo."

Art. 2º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 11 de abril de 1978; 157° da Independência e 90° da República. -ERNESTO GEISEL - Armando Falcão - Mário Henrique Simonsen - João Paulo dosReis Velloso.

(DO - 13-4-78. )

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No ano de 1977 o Centro de Estudos do TCDF realizou várias conferências,algumas já publicadas no n° 6 desta Revista:

- Ministro Iberê Gilson - Fiscalização financeira da Administração Indireta.

- Prof. José Afonso da Silva - Regime jurídico da Despesa Pública.

- Conselheiro Nyvaldo Guimarães Macieira - Lei n° 4.320.

- Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto - Poder de Polícia.

- Prof. Sérgio Ferraz - Aspectos atuais da desapropriação.

- Dr. Miguel Seabra Fagundes - Ação Popular.

- Prof. Manoel Ribeiro - Contencioso Administrativo na Emenda n° 7.

- Prof. Lafayette Pondé - Processo Administrativo.