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Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15
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Expediente
Conselho Editorial
Abelardo Pio Vilanova e Silva
Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco
Guilherme Xavier de Oliveira Neto
Olavo Rebelo de Carvalho Filho
Luciano Nunes Santos
Joaquim Kennedy Nogueira Barros
Waltânia Maria Nogueira de Sousa Leal Alvarenga
Jaylson Fabianh Lopes Campelo
Jaime Amorim Júnior
Delano Carneiro da Cunha Câmara
Jackson Nobre Veras
Alisson Felipe de Araújo
José Araújo Pinheiro Júnior
Plínio Valente Ramos Neto
Raïssa Maria Rezende de Deus Barbosa
Leandro Maciel do Nascimento
Márcio André Madeira de Vasconcelos
Direção Geral Pres. Cons. Joaquim Kennedy Nogueira Barros
Coordenação Cláudia Brandão de Oliveira
Supervisão Carol
Diagramação Paulo Braga
Projeto Gráfi co S/A Propaganda
Normalização Débora Araújo Machado Teixeira
Revisão Rosa Pereira
Editora Tribunal de Contas do Estado do Piauí
Impressão Gráfi ca do Povo
- ISSN - 1980-7481 -
R E V I S T A
Tribunal de Contas do Estado do Piauí
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 1 - 151 jan./dez. 2011
Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piaui.
– Vol. 15, n.1 (2011) – Teresina : TCE–PI,
1974 –
Anual
1974 à 2005 – Periodicidade irregular
ISSN 1980–7481
1. Administração pública – Periódicos. 2.
Controle externo. I. Piauí, Tribunal de Contas do
Estado do Piauí.
CDD: 351.05
Bibliotecária responsável: Débora Araújo Machado Teixeira
© 2011 TCE - PI
Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí
Rua Pedro Freitas, 2.100 • Bairro São Pedro Centro Administrativo
64.018-200 - Teresina - Piauí
Telefone: (86) 3215-3800 Fax: (86) 3218-3113 • e-mail: [email protected]
As opiniões emanadas nos artigos são de inteira
responsabilidade de seus respectivos autores, não refl etindo,
necessariamente, o posicionamento desta Revista.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida,
desde que citada a fonte.
CONSELHEIROS
Joaquim Kennedy Nogueira Barros
Presidente
Waltânia Maria Nogueira de Sousa Leal Alvarenga
Vice-Presidente
Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco
Corregedor-Geral
Luciano Nunes Santos
Abelardo Pio Vilanova e Silva
Olavo Rebelo de Carvalho Filho
Guilherme Xavier de Oliveira Neto
AUDITORES
Jaylson Fabianh Lopes Campelo
Jaime Amorim Júnior
Delano Carneiro da Cunha Câmara
Jackson Nobre Veras
Alisson Felipe de Araújo
PROCURADORES
José Araújo Pinheiro Júnior – Procurador Geral
Plínio Valente Ramos
Raïssa Maria Rezende de Deus Barbosa
Leandro Maciel do Nascimento
Márcio André Madeira de Vasconcelos
Sumário
Auxílio-doença: um dos mais intrigantes benefícios
da previdência social
Caroline Leal Feitosa
Controle social: o papel do conselho do Fundeb na
fi scalização dos recursos públicos da educação
André Flor de Lima
A efetivação dos direitos fundamentais sociais
pelo poder judiciário
Gustavo Nascimento Torres
Novos rumos para o ministério público do estado
do Piauí
Antônio Gonçalves Vieira
Os 80 anos da realização de um projeto: a faculdade de
direito do piauí e uma refl exão à luz das teorias marxistas
Ana Carolina Sousa Barbosa, Lívia Maria da Silva
Oliveira e Thiago Rodrigues Lula Eulálio
Precatórios: aspectos essenciais e suas alterações
Mario Henrique de Freitas Mendes
Penas alternativas e ressocialiazação prisional:
saídas à atual política prisional
Werner Oliveira Henriques
Ao limite do poder de cautela dos tribunais
de contas na sustação dos contratos
realizados pela administração pública
Kaléo Alves Peres
O caminho do individualismo
na sociedade moderna
Geysa Elane Rodrigues de Carvalho Sá
Uma análise do controle externo sobre
as parcerias público-privadas
Vivian Cristiane
Licitações sustentáveis: um instrumento
de gestão na administração pública
Liana de Castro Melo, Maria Valéria Santos Leal
Bitributação do comércio eletrônico:
uma inconstitucionalidade
Luiza Lourdes Pinheiro Leal Nunes Ferreira
CIDEs – Contribuições de Intervenção
no Domínio Econômico
Anfrisio Antonio Nogueira Paes Castelo Branco
10 82
94
100
118
126
134
20
34
42
48
60
70
Artigos Doutrinários
O Tribunal de Contas do Estado Piauí está
passando por grandes e profundas reformas, vol-
tadas para um modelo de administração ágil, mo-
derno e transparente. Estamos mudando valores,
procedimentos e, em alguns casos, até mesmo a
cultura da organização. Não é tarefa fácil, temos
consciência disso. Mas é imprescindível para acom-
panhar as exigências da sociedade atual, que cobra
mais rigor no controle das contas públicas.
Instituímos a GIP – Gratifi cação de Incre-
mento de Produtividade - para estimular os ser-
vidores desta Corte a produzirem mais e melhor.
Desta forma, trazemos para o serviço público uma
ferramenta há muito empregada, com sucesso,
na iniciativa privada, que é a de premiar fi nancei-
ramente os servidores que mais se destacam no
cumprimento das metas estabelecidas pelo órgão.
A inauguração do novo prédio anexo,
iniciado ainda na gestão do Conselheiro Abe-
lardo Vilanova, trouxe mais espaço e conforto,
proporcionando estrutura adequada não só para
os servidores que aqui trabalham, mas também
para quem nos procura em busca de informa-
ção ou orientação. O atual plenário oferece ago-
ra espaço suficiente e digno para a realização
das sessões.
Com isso, ganham todos os cidadãos
piauienses, que passam a contar com um sistema
Palavra do Presidente
mais célere de avaliação e julgamento das presta-
ções de contas dos gestores públicos. Nos dias atu-
ais, a injustifi cada demora na apreciação das contas
púbicas só benefi cia os que têm interesse em lesar
o Erário, por meio de prestações de contas fraudu-
lentas, que escondem o mau uso do dinheiro pago
pelos contribuintes piauienses.
Outra medida importante adotada por
este Tribunal foi o aumento do número de inspe-
ções in loco, no sentido de trabalhar preventiva-
mente, evitando as possíveis falhas que possam
ocorrer nos processos de licitação, bem como
na realização de obras por todo o Estado. É pro-
pósito nosso, também, intensificar as auditorias
operacionais, que vão muito além da análise fria
de números e tabelas, verificando a eficácia do
programa e a relação custo/benefício do objeto
em questão. Da mesma forma, a realização de
audiências públicas pode ser destacada como
mais uma conquista no aprofundamento do de-
bate de assuntos de relevante interesse para a
população, com o intuito de aperfeiçoarmos as
práticas da administração pública.
A aproximação com os demais órgãos de
controle externo, como Polícia Federal, Ministério
Público, Controladoria Geral do Estado, Tribunal de
Contas da União e Controladoria Geral da União,
tem se mostrado por demais proveitosa, estreitan-
do os laços com aqueles que trabalham em parce-
ria conosco, com o mesmo objetivo de zelar pelos
recursos públicos.
E, para garantir a indispensável transpa-
rência que deve nortear a nossa missão fi scalizado-
ra, passamos a transmitir todas as sessões de julga-
mento desta Corte, on-line, por meio do nosso site
na internet. Desta forma, todos os cidadãos, ges-
tores, mídia, e demais interessados, podem acom-
panhar integralmente, em tempo real, tudo o que
acontece no plenário do TCE.
É com esta visão inovadora e otimista,
que lançamos uma nova edição da Revista do
TCE, mais um importante instrumento na divul-
gação e propagação do conhecimento na área
do controle externo. Os artigos aqui publicados
reproduzem os estudos e pesquisas desenvolvi-
dos por quem, como nós, sonha e trabalha por
um sistema de fiscalização e controle moderno e
eficaz da gestão pública.
Cons. Joaquim Kennedy Nogueira Barros
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 10
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 111010111111
Caroline Leal FeitosaAdvogada. Bacharel em Direito pela Faculdade de Saúde, Ciên-cias Humanas e Tecnológicas de Teresina - NOVAFAPI.
• RESUMO
O presente artigo trata do benefício previden-
ciário por incapacidade auxílio-doença, trazen-
do seu conceito e características, bem como
promove sua correlação com os outros benefí-
cios por incapacidade, pagos pela Previdência
Social, na pretensão de se fazer a mais comple-
ta contextualização desse que é um dos mais
importantes e reclamados benefícios junto ao
INSS. Pontua-se, ainda, as exigências adminis-
trativas bem como a interpretação judicial da-
quelas mais controvertidas. Verifi cando-se que
se fossem observadas todas as diretrizes tra-
çadas na Lei, regulamentos e, em especial, nas
Instruções Normativas, verdadeira “Bíblia” dos
servidores autárquicos, muitas lides perderiam
seu sentido. Por fi m, apresentam-se, até mes-
mo, posicionamentos que começam a ser ab-
sorvidos pela Advocacia Geral da União – AGU,
também, preocupada, como não poderia dei-
xar de ser, com a paz social, que sempre deve
ser perseguida por todos.
• PALAVRAS-CHAVE:
Previdência Social. Auxílio-doença. Benefício
previdenciário. Diminuição dos efeitos judiciais.
1 INTRODUÇÃO
O benefício auxílio-doença, especial-
mente a partir do ano de 2006, quando o go-
Auxílio-doença: um dos mais intrigantes
benefícios da previdência social
11
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
111111
verno o intitulou o novo vilão (do défi cit) da
Previdência Social, tem merecido especial en-
foque no respeitante ao malsinado rombo do
Instituto Nacional do Seguro Social.
A escolha do título do presente artigo
científi co, o auxílio-doença (ante suas carac-
terísticas e inúmeras particularidades por se
tratar de benefício que pode ser concedido
quando presente incapacidade temporária
ou permanente, a depender da dimensão da
incapacidade, às vezes confundido com o be-
nefício auxílio-acidente) sempre foi objeto de
numerosos questionamentos.
Nesse sentido, mostrar-se-ão as confu-
sões advindas, principalmente, da falha (ou até
mesmo ausência) na orientação por que pas-
sa o quadro de servidores do INSS e que tem
refl etido, inclusive, na análise dos direitos dos
segurados quanto ao auxílio-doença.
Objetiva-se, também, traçar os
principais pontos de confronto entre o po-
sicionamento administrativo, adotado pelo
INSS, e o entendimento que vem sendo
implementado pelos Tribunais no tocante
a tais conflitos.
Por fi m, oportuno ressaltar o trata-
mento dispensado pelo INSS quanto aos se-
gurados em gozo de auxílio-doença, ocasião
em que se apontarão entendimentos que irão
confrontar com tal garantia constitucional, na
medida em que se diminui a capacidade eco-
nômica justamente em um momento que o
segurado, a rigor, mais precisaria de assistência
fi nanceira, considerando os necessários gastos
com medicamentos e procedimentos médicos
na busca da sua recuperação.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 12
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
2 O AUXÍLIO-DOENÇA NO REGIME
GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Cuida-se de benefício por incapacida-
de “de pagamento sucessivo, substitutivo do
salário-de-contribuição ou do rendimento do
trabalhador”(GONÇALVES, 2005, p. 151), tendo
em vista que irá substituir a renda do segurado
durante o intervalo que estiver assistido pelo
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
“Com início do pagamento do benefício – que
corresponde a 91% do salário-de-benefício (cal-
culado a partir dos salários-de-contribuição do
segurado) – pela Previdência Social”(CORREIA,
2007, p.300).
Encontra previsão legal nos artigos 59
a 63 da Lei de Benefícios da Previdência Social
– LBPS.
Já o Decreto nº 3.048, de 8 de maio de
1999 – Regulamento da Previdência Social, o
regulamentou nos artigos 71 a 81.
Trata-se de um benefício que, uma vez
cumpridos os requisitos, atende a todas as es-
pécies de segurados, conforme lecionam For-
tes e Paulsen(FORTES; PAULSEN, 2005, p.137),
valendo ainda ressaltar que:
Também aqui a ocorrência do risco social é jus-
tamente o fato gerador ou evento determinan-
te para a concessão do benefício.
Os caracteres do risco social incapacidade, to-
davia, neste caso são menos gravosos do que
ocorre em relação à aposentadoria por invali-
dez: deve ela ser total, porém não para quais-
quer atividades laborativas, mas para aquela
exercida pelo segurado (sua atividade habi-
tual); deve ser ela temporária, havendo, pois,
prognóstico de recuperação; deve a incapaci-
dade perdurar por mais de 15 dias.
Quanto ao requisito período de carên-
cia, a regra é que sejam exigidas 12 (doze) con-
tribuições mensais, entretanto será o benefício
concedido sem a exigência de carência se decor-
rer de acidente de qualquer natureza, bem como
nos casos em que o segurado, após fi liar-se ao
RGPS, for acometido de alguma das doenças ou
afecções previstas em lista elaborada pelos Minis-
térios da Saúde e da Previdência Social.
Por decorrência lógica, por exclusão,
não sendo uma doença que se inclua na lista
anteriormente citada, nem se tratando de en-
fermidade decorrente de algum acidente ou
equiparado – onde não há cobrança de carên-
cia, repito – serão exigidas, sempre, pelo me-
nos 12 (doze) contribuições.
Como benefício substitutivo da remune-
ração, a regra é que não pode alcançar valor in-
ferior a um salário mínimo, atualmente R$ 545,00
(quinhentos e quarenta e cinco reais), conforme
artigo 201, § 2º da Constituição Federal.
Limitando-se, por outro lado, o salário
mínimo ao teto dos salários-de-contribuição,
hoje R$ 3.689,66 (três mil, seiscentos e oitenta
e nove reais e sessenta e seis centavos), nos ter-
mos da Portaria Interministerial nº 568 MPS/MF,
de 31 de dezembro de 2010.
Entretanto, o INSS, por meio do Decre-
to nº 4.729/2003, ferindo de morte a Constitui-
ção Federal, disciplinou que, quando o segura-
do contar com mais de uma renda, poderá, no
caso da soma de referidos rendimentos com
o valor do auxílio-doença alcançar um salário
mínimo, esse benefício ser pago em patamar
inferior (art. 73, § 1º c/c § 4º do RPS2 ).
Segundo este dispositivo, o auxílio-
-doença do segurado que exercer mais de
uma atividade abrangida pela Previdência So-
cial será devido, mesmo no caso de incapaci-
dade apenas para o exercício de uma delas; en-
tretanto, a perícia médica deve conhecer todas
as atividades que o mesmo estiver exercendo.
Assim, o benefício será concedido em relação
2. O artigo abordado está inserido no Decreto n. 3.048/99 e dispõe sobre o Regulamento da Previdência Social.
13
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
à atividade para a qual o segurado estiver in-
capacitado. Se nas várias atividades o segura-
do exercer a mesma profi ssão, será exigido de
imediato o afastamento de todas.
A renda mensal do auxílio-doença
corresponde a 91% (noventa e um por cento)
do salário-de-benefício. A propósito, o salário-
-de-benefício, neste caso, consiste na média
aritmética simples dos maiores salários-de-
-contribuição correspondente a 80% (oitenta
por cento) de todo o período contributivo.
Vale ressaltar que não há possibilidade
de acumulação do benefício auxílio-doença
com qualquer aposentadoria.
É o que se extrai do artigo 124 da Lei
de Benefícios da Previdência Social(BRASIL. L.
8.218/91).
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não
é permitido o recebimento conjunto dos se-
guintes benefícios da Previdência Social:
I – aposentadoria e auxílio-doença;
II – mais de uma aposentadoria;
III – aposentadoria e abono de permanência
em serviço;
IV – salário-maternidade e auxílio-doença;
V – mais de um auxílio-acidente;
VI – mais de uma pensão deixada por cônjuge
ou companheiro, ressalvado o direito de opção
pela mais vantajosa.
No entanto, no que diz respeito ao
auxílio-acidente, com este é possível o rece-
bimento simultâneo, desde que oriundo de
eventos diversos, ou seja, que não tenham a
mesma origem, o mesmo fato gerador. Esse é
o ensinamento do mestre Ibrahim(2006, p.544)
Entretanto, se o segurado voltar a se afastar
por novo evento (doença ou acidente), poderá
acumular o novo auxílio-doença com auxílio-
-acidente. Basta que sejam oriundos de even-
tos distintos. Existindo, porém, nova sequela,
não haverá concessão de novo auxílio-aciden-
te. (destaque original)..
2.1 AS PRESTAÇÕES ACIDENTÁRIAS
Não existe muita diferença entre
um benefício previdenciário (comum) e um
benefício acidentário, isto se dá, porque as-
pectos dos valores dos benefícios aciden-
tários não são diferentes dos aspectos do
benefício comum. Para ilustrar tal afirmação,
observa-se que a aposentadoria por invali-
dez acidentária é 100% (cem por cento) do
salário-de-benefício, tendo a comum o mes-
mo valor, assim também o auxílio-doença
que, seja previdenciário ou acidentário, tem
o valor de 91% (noventa e um por cento) do
salário-de-benefício.
Vale ressaltar um fator que difere os
dois tipos de benefício: é quanto ao aspecto
pessoal destes. Ao passo que todos os segu-
rados fazem jus ao benefício por incapacida-
de comum, somente o segurado empregado,
o avulso e o segurado especial têm direito ao
acidentário. Isto ocorre, pois não existe fi nan-
ciamento através do Seguro de Acidentes de
Trabalho (SAT) para os contribuintes individuais
e empregados domésticos.
2.1.1 ESTABILIDADE PROVISÓRIA
DO SEGURADO EMPREGADO ACIDENTADO
Vige, ainda, no artigo 118 da Lei de Be-
nefícios da Previdência Social uma estabilidade
provisória, com duração mínima de 12 meses,
assegurada somente aos segurados emprega-
dos (exceto domésticos) decorrente da ocor-
rência de acidente de trabalho.
Nesse sentido, tem-se que o segu-
rado acidentado do trabalho não poderá ser
dispensado sem justa causa por um período
mínimo de um ano a contar de seu retorno do
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 14
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
benefício por incapacidade, no caso, o auxílio-
-doença acidentário.
Questão de interessante deslinde diz
respeito à possibilidade de que o segurado em-
pregado ainda na vigência de seu contrato de
experiência possa valer-se de tal prerrogativa.
A princípio a resposta seria negativa,
ante a avença de que tal vínculo já teria termo
defi nido; contudo, o Tribunal Superior do Tra-
balho – TST, tem decidido de forma diversa, a
exemplo do que restou julgado nos autos do
Recurso de Revista 1762/2003-027-12-00, publi-
cado no DJ de 04/04/2008, cujo acórdão, con-
quanto relativamente extenso, pede-se vênia
para apresentar, dada a sua clareza quanto à
elucidação do tema em estudo, verbis:
ACIDENTE DE TRABALHO. PERÍODO DE EXPE-
RIÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPEN-
SÃO CONTRATUAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA
NO EMPREGO. ARTIGO 118 DA LEI Nº 8.213/91.
COMPATIBILIDADE COM O CONTRATO DE TRA-
BALHO TEMPORÁRIO DE EXPERIÊNCIA. PACTO
CELEBRADO COM ÂNIMO DE CONTINUIDADE.
Discute-se a possibilidade de se aplicar a esta-
bilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei
nº 8.213/91 a empregado submetido a contra-
to de trabalho temporário de experiência. No
caso sob exame, o contrato encontrava-se em
vigor quando ocorreu o infortúnio evento im-
previsível e capaz de impedir que o contrato
alcançasse o termo fi nal predeterminado pe-
las partes. O artigo 472, § 2º, da Consolidação
das Leis do Trabalho deve ser interpretado de
forma sistemática, em consonância com outras
normas de caráter tutelar consagradas no or-
denamento jurídico pátrio, entre elas o artigo
476 da Consolidação das Leis do Trabalho e o
artigo 63 da Lei nº 8.213/91. Tais dispositivos
consagram proteção especial ao trabalhador
acidentado, devendo prevalecer sobre outras
normas, de caráter genérico, como o artigo
472, § 2º, da CLT, cuja aplicabilidade restringe-
-se aos períodos de afastamento não resul-
tantes de acidente de trabalho. De se notar,
entretanto, que a estabilidade acidentária é
compatível com o contrato a termo somente
quando este for celebrado a título de experi-
ência, porquanto, neste caso, presente o âni-
mo de continuidade da relação de emprego.
Conquanto não se possa antecipar se a expe-
riência será exitosa ou não, o incidente ocor-
rido no curso desse contrato a termo frustra
totalmente a possibilidade de permanência do
trabalhador no emprego após o período de
experiência. Ora, o ânimo de permanência no
emprego, que resulta da celebração do con-
trato de experiência, é o elemento que distin-
gue esta modalidade de contrato a termo das
demais hipóteses para efeito de incidência da
norma garantidora da estabilidade acidentária.
Assim, o acidente de trabalho ocorrido por cul-
pa do empregador, que detém o encargo de
estabelecer mecanismos tendentes a evitar in-
fortúnios no ambiente laboral - cumprindo as
normas de saúde, segurança e higiene -, bem
como a responsabilidade social do detentor
dos meios de produção pelos riscos do empre-
endimento inferida da exegese do artigo 170,
inciso III, da Carta Política -, coloca sob ônus do
empregador a manutenção do vínculo empre-
gatício enquanto o obreiro estiver em período
de incapacidade ou redução da capacidade
laborativa que, de acordo com a norma preco-
nizada no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, tem a
duração de um ano. Não se olvide, ainda, que
o juiz aplicará a lei atendendo aos fi ns sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem co-
mum (artigo 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil). Ao aplicador da lei, portanto, cabe lançar
mão do método teleológico, para encontrar
o sentido da norma que realize os fi ns sociais
por ela objetivados. Assim, não se realizarão os
fi ns sociais da lei de proteção ao trabalhador
se este, vítima de acidente laboral, for lança-
do ao mercado de trabalho. A difi culdade de
colocação desse trabalhador no mercado de
trabalho afeta o ideal de realização de justiça
social e atenta contra o princípio da dignidade
da pessoa humana consagrado no artigo 1º, III,
da Constituição da República. Recurso de revis-
ta conhecido e provido.
2.1.2 RESPONSABILIDADE CÍVEL
DO EMPREGADOR DECORRENTE
DO ACIDENTE DE TRABALHO
A tendência atual é inserir o acidente
do trabalho dentro dos riscos cobertos pela
Previdência Social, deslocando-se dessa forma
a responsabilidade patronal para a responsabi-
15
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
lidade social. Assim, pela teoria do risco social,
todos os riscos gerados pela vida social devem
ser arcados por toda a sociedade.
Observa-se que no ordenamento ju-
rídico brasileiro a cobertura do acidente do
trabalho cabe à Previdência Social, eis que tem
por base a teoria da responsabilidade objetiva,
uma vez que não se indaga de quem foi a cul-
pa pela ocorrência do infortúnio. Dessa forma,
esclarece-se que a responsabilidade previden-
ciária, independe da responsabilidade civil do
empregador decorrente do acidente de traba-
lho, consubstanciada nos artigos 5º, inciso X e
7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal e arti-
go 927 do Código Civil.
Nesse sentido, também se manifestou
o STF, a partir da Súmula 229, que fi xou enten-
dimento que a indenização acidentária não ex-
clui a do direito comum, em caso de dolo ou
culpa grave do empregador.
Verifi ca-se que a responsabilidade do
empregador é subjetiva, posto que para ter di-
reito à indenização, o trabalhador deverá com-
provar a existência de dolo ou culpa, pois ao
contrário do que ocorre nos pedidos de bene-
fícios previdenciários decorrentes de natureza
acidentária dirigidos ao INSS, que, por se tratar
de responsabilidade objetiva, independem de
culpa ou dolo para seu deferimento.
No ordenamento jurídico brasileiro, a
responsabilidade civil assenta-se no princípio
da culpa, onde o legislador subordinou o dever
de reparar aos casos em que ocorre a previsão
contida no artigo 186 do Código Civil.
A noção de culpa tem, por conse-
quência, fundamental importância na carac-
terização do ilícito e imputação da respon-
sabilidade. A culpa poderá englobar tanto
o dolo, direcionado para causar dano a ou-
trem, quanto à culpa em sentido estrito, ou
seja, quando o indivíduo deixa de agir com o
devido cuidado, de forma negligente, impru-
dente ou sem a devida perícia.
Portanto, parece claro que a responsa-
bilidade do empregador fi ca adstrita à falta de
observância das normas de segurança e à me-
dicina do trabalho, de forma a demonstrar que
a ocorrência do acidente do trabalho decorreu
da sua conduta culposa, entretanto, não restará
caracterizada a culpa do empregador, quando
o empregado desobedecer a suas, bem como
tiver o obreiro provocado o acidente.
3 POSICIONAMENTOS
JURISPRUDENCIAIS
E DOUTRINÁRIOS E SUGESTÕES
SOBRE PONTOS
CONTROVERSOS DO
AUXÍLIO-DOENÇA
3.1 DO PODER-DEVER DO INSS
DE CONCEDER O BENEFÍCIO DEVIDO
MAIS VANTAJOSO
Cuida-se de obrigação do inss verifi -
car o melhor enquadramento da situação do
segurado posta a seu exame, que se inicia nas
suas agências.
Nesse sentido, inclusive, é o teor do
Enunciado nº 05 do Conselho de Recursos da
Previdência Social – CRPS: “A Previdência Social
deve conceder o melhor benefício a que o se-
gurado fi zer jus, cabendo ao servidor orientá-
-lo nesse sentido”.
Contudo, segundo Saravis(2008,
p.67-68)
A atuação administrativa na análise de requeri-
mentos de benefícios previdenciários é marca-
da por uma postura que se distancia dos prin-
cípios constitucionais que devem informar sua
relação com o particular que busca sua prote-
ção previdenciária. Por meio de ações conhe-
cidas de todos, a Administração Previdenciária,
para nos restringirmos a três exemplos corri-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 16
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
queiros, contraria o direito constitucional de
petição aos órgãos públicos (quando se recusa
a formalizar o requerimento administrativo do
potencial benefi ciário).
[...]
O autor da demanda não tem conhecimen-
to preciso acerca da resposta administrativa.
Embora receba a carta de indeferimento, ela
não expressa o que de fato foi admitido pelo
instituto de previdência e o que foi desconsi-
derado. Como consequência disso, não raro se
busca em juízo o reconhecimento de todas as
circunstâncias de fato que constituem o direito
pretendido, mesmo daquelas porventura aco-
lhidas pela autarquia previdenciária.
Desta forma, se uma pessoa enferma,
de época em que ainda era segurado, busca
a Previdência Social em data que não mais
ostenta tal condição - após 04 (quatro) anos
de afastamento das atividades laborais, por
exemplo -, não se atentando o servidor da au-
tarquia para tal conjuntura - que seguiria, até
mesmo, a disposição contida no artigo 15 da
Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de
outubro de 2007 – nega seu pleito, ou “autori-
za” a concessão de um benefício assistencial,
que não reclama qualquer vinculação ao INSS,
o que não raro acontece, seguramente estaria
aí criada mais uma situação a ser resolvida pelo
Poder Judiciário.
Aliás, recentemente a Advocacia Geral
da União editou o enunciado de nº 25(BRASIL.
SUMULA 25)
Será concedido auxílio-doença ao segurado
considerado temporariamente incapaz para o
trabalho ou sua atividade habitual, de forma
total ou parcial, atendidos os demais requisitos
legais, entendendo-se por incapacidade par-
cial aquela que permita sua reabilitação para
outras atividades laborais.
Para a concessão de benefício por in-
capacidade, não será considerada a perda da
qualidade de segurado decorrente da própria
moléstia incapacitante.
Tais exemplos reforçam a tese acerca
de urgente necessidade de reavaliação dos
procedimentos autárquicos, especialmente
aqueles relativos aos benefícios por incapaci-
dade, no que se sobressai o auxílio-doença.
3.2 A NECESSÁRIA APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE
NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
POR INCAPACIDADE
Diante da falha constatada no proce-
dimento efetivado pelo INSS no seu dia a dia,
conforme restou comprovado nos itens acima,
o Poder Judiciário vez ou outra se vê na situa-
ção de, além de dirimir confl itos que poderiam
ser resolvidos facilmente na via administrativa,
ainda enfrentar as oposições de julgamento
extra ou ultra petita ante a concessão de bene-
fício diverso do reclamado ou além do que foi
pedido, respectivamente.
Sobre tal tema, interessante o artigo
de Demo e Somariva(2005), do qual se trans-
creve o seguinte excerto:
Em se tratando da defi nição da DIB de bene-
fícios incapacitantes concedidos judicialmen-
te, aplica-se o seguinte raciocínio para todos,
distinguindo-se duas situações: a) não houve
prévio requerimento administrativo ou segre-
gação compulsória do trabalho: a DIB há de
ser fi xada na data da juntada do laudo pericial
em juízo; b) houve: a DIB pode então ser fi xada
retroativamente, se assim determinar o laudo
pericia?. Vale registrar que a hipótese (b) se
satisfaz com o requerimento de qualquer dos
benefícios incapacitantes, em virtude do prin-
cípio da fungibilidade entre estes, de modo
que, ilustrativamente, havendo requerimento
de auxílio-doença deferido e posteriormente
cancelado, a DIB de aposentadoria por invali-
dez concedida judicialmente poderá ser fi xada
na DCB do auxílio-doença.
O princípio da fungibilidade é aplicado aos be-
nefícios oriundos de incapacidade tout court,
permitindo que o juiz conceda, v.g., aposenta-
17
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
doria por invalidez mesmo que o autor pleiteie
apenas a concessão do auxílio-doença ou au-
xílio-acidente, se resulta da perícia médica que
a incapacidade laboral do segurado é total e
permanente, caso em que não há error in pro-
cedendo nem nulidade por julgamento extra
petita. Há aqui uma fl exibilização do rigor cien-
tífi co por questão de política judiciária: consi-
derando que se trata de processo de massa,
como são as causas previdenciárias, não seria
razoável impor aos segurados - nem mesmo à
tão crédula quanto famosa “Velhinha de Tau-
baté” -, o ajuizamento de nova ação para obter,
no caso e após repetida a mesma liturgia, o re-
conhecimento da aposentadoria por invalidez.
Não menos igual seria a situação de
requerimento de um benefício assistencial “re-
clamado” por um segurado que busca na Jus-
tiça um benefício previdenciário, valendo-se
para tanto da assertiva de que o servidor que
o atendeu deveria ter seguido a orientação dis-
posta no Enunciado nº 05 do CRPS, anterior-
mente citado.
Nesse sentido também caminha o en-
tendimento dos pátrios Tribunais, a exemplo
dos seguintes julgados do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, verbis:
E nem se objete que a parte autora, ao for-
mular seu pleito de amparo assistencial o fez
com arrimo em legislação já revogada, pois se
trata de seara de seguridade social. Com efei-
to, nas ações previdenciárias em sentido lato
(nas quais a parte vindica benefício previden-
ciário ou assistencial), o que a parte pretende,
e a que efetivamente tem direito, é a correta
concessão do benefício - previdenciário stricto
sensu ou assistencial -, e, se for o caso, sua re-
visão para a verifi cação do cálculo adequado,
é dizer, conforme a lei, da renda mensal inicial
do benefício, bem como de seus reajustes, seja
ele de natureza previdenciária/regime geral ou
previdenciária/estatutária (servidor público) ou
assistencial. (AC 199801000260196, 1ª Turma
Suplementar, Relator: Juiz Federal Cláudio An-
tônio Macedo da Silva (conv.), j. 3/2/2004, DJ de
19/2/2004). (BRASIL. Apelação civil, 2007).
Esta Corte fi rmou entendimento no sentido
de que não há julgamento ultra ou extra pe-
tita na decisão que concede aposentadoria
por invalidez ao segurado que havia requeri-
do amparo social ou vice-versa, haja vista que
em ambos, o benefício tem origem na mesma
situação fática, cabendo ao juiz o adequa-
do enquadramento legal. Precedente: (EDAC
96.01.49985-7/MG, Rel. Desembargador Fede-
ral José Amilcar Machado, Primeira Turma, DJ
de 09/09/2003, p.51).(AC 200501990615510/MG,
1ª Turma, Relator: Luiz Gonzaga Barbosa Morei-
ra, j. 28/11/2007, DJ de 11/03/2008). (2008, p.67).
De tudo que se evidencia, sobressai
a impressão de que muitas vezes os magis-
trados, em que pese seu dever de prestar
um justo e célere julgamento das causas que
lhes são impostas, tem seu mister prejudica-
do pelo “problema de má limitação da lide
previdenciária”, nas exatas palavras do mes-
tre Savaris(2008, p.67).
4 CONSIDERAÇÃOES FINAIS
Diante do exposto, constata-se que,
assim como no corpo da legislação brasileira
como um todo, as disposições legais relativas
aos benefícios da Previdência Social são bem
elaboradas – aqui incluídos, além da Lei de
Benefícios, o respectivo Regulamento da Pre-
vidência Social e Instruções Normativas -, em
que pese uma incongruência aqui ou ali, con-
tudo, a ausência de qualifi cação de intérpretes
é que tem feito com que milhares de causas
previdenciárias que poderiam ser solvidas na
via administrativa acabam por escoar para o
Poder Judiciário.
Felizmente, tais defi ciências estão
sendo minoradas ante as reiteradas decisões
judiciais, a exemplo da edição dos recentes
enunciados pela Advocacia Geral da União
consignados no corpo do presente trabalho, o
que seguramente trará uma maior celeridade
ao desfecho das ações ajuizadas com o intuito
de obtenção do benefício auxílio-doença.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 18
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011
Oportuno ressaltar que, entre 2001 e
2004, os gastos com o auxílio-doença subiram
de R$ 2,5 bilhões para R$ 9 bilhões anuais, evi-
denciando uma verdadeira indústria do auxí-
lio-doença envolvendo, ao que tudo indica, os
próprios servidores do INSS, médicos-peritos
credenciados, advogados e até políticos. Para
estancar essa fraude setorial foram nomeados
médicos-peritos concursados, passo signifi ca-
tivo para a efi ciência do serviço público previ-
denciário.
Entretanto, a questão não se esgota
na fraude. Constatou-se que a maioria dos be-
nefícios incapacitantes que o INSS nega admi-
nistrativamente são concedidos judicialmente.
O Poder Judiciário concede, porque os juízes
empolgados, às vezes, com a denominada ju-
risprudência de valores, pretendem agir como
instrumento de distribuição de renda, atuando
até como legislador positivo; já o INSS, que tem
seus servidores sobrecarregados de serviço
implicam decisões sem legitimidade, o que
potencializa as chances de, levadas ao crivo do
Poder Judiciário, serem revertidas.
Para se atingir a Previdência Social ide-
al, há um longo caminho a ser percorrido, que
necessariamente passa pela solução das ques-
tões acima mencionadas.
Desta feita, conclui-se pela necessida-
de de se chegar a um ponto tal que somente
as causas previdenciárias efetivamente “com-
plexas” ou de difícil solução devam ser leva-
das para o Poder Judiciário; para tanto, devem,
a Justiça e o Poder Executivo, caminharem
juntos, de “braços dados” na busca da solu-
ção mais adequada, tanto para os segurados
quanto para o INSS, já que como Poderes da
República, seguramente almejam a paz social
e a preservação da dignidade humana.
Sickness benefi t: one of the most intri-
guing benefi ts of Social Security
• ABSTRACT
This article deals with the social security be-
nefi t for incapacity sickness, bringing its con-
cept and characteristics, and promotes its
correlation with other disability benefi ts paid
by Social Security, on the pretense of doing
a complete background of this is that one of
most important and claimed benefi ts from
the INSS. The jury was also the administrative
requirements as well as judicial interpretation
of those more controversial. Noting that they
were observed all the guidelines set forth in
the Law, Regulation and in particular, the Nor-
mative, the true “Bible” of municipal servants,
many labors would lose its meaning. Finally, we
present, even positions that begin to be absor-
bed by the Attorney General’s Offi ce - AGU also
worried, as it should be, with social peace, whi-
ch must always be pursued by all.
• KEYWORDS
Welfare. Aid and disease. Benefi ts. Decrease in
court made.
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ultra petita. Apelação Cível 199801000260196/
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
TrTTribibibuuunnnnnnaaaaaaaaaaalaaalaallla ddddddddddddddddddeeeeeeeeee CCoCoooonnntntntntntttttnttttttttttasasasasassassasasaasas dddddddddddooo Esstatattattaddoddodo ddddooo PiPiPiPiauuaua íííí í |||| AA RR TTT II GG OG OO SSS 2020020202020202220
André Flor de LimaBacharel em Ciências Contábeis graduado pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.Especialista em Auditoria Governamental pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.Pós-graduando em Gestão em Saúde pela Universidade Esta-dual do Maranhão - UEMA. E atualmente trabalha na Controladoria Geral do Município de Timon - MA. E-mail: andrefl [email protected]
• RESUMO
O presente artigo aborda o controle social
do FUNDEB, tendo como foco principal a dis-
cussão de qual seria o papel do Conselho do
FUNDEB na fi scalização dos recursos públicos
da educação, pautando entre os objetivos o
próprio estudo do papel do CACS do FUN-
DEB, evidenciando sua composição, deveres
e responsabilidades, bem como os aspectos
de como melhorar a atuação do controle so-
cial. O ponto abordado pela hipótese é que a
redução das falhas, erros e fraudes no sistema
FUNDEB está diretamente relacionado à utiliza-
ção de políticas que visem a fortalecer o papel
do Conselho. Para tanto, o estudo foi realizado
tendo como base os procedimentos científi cos.
No que concerne aos procedimentos, refere-se
a um estudo bibliográfi co; no tocante aos obje-
tivos, este consiste num estudo do tipo descriti-
vo; quanto à abordagem do problema, utiliza a
abordagem qualitativa. Durante a análise dos
resultados, observou-se, com base nas auditorias
realizadas pela Controladoria Geral da União, que
a maioria dos conselhos não tem atuação efeti-
va, deixando de realizar reuniões e de fi scalizar a
aplicação dos recursos. No sentido de contribuir
para a elevação do grau do controle social bra-
Controle social: o papel do conselho
do FUNDEB na fi scalização dos recursos
públicos da educação
21
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
2221212
sileiro, este estudo apresentou 05(cinco) práticas
de aprimoramento que, se implementadas, po-
dem melhorar a qualidade do controle social dos
conselhos do FUNDEB.
• PALAVRAS-CHAVE:
Educação - Finanças - Brasil. Fundo de Manuten-
çào e Desenvolvimento da Educação Básica e da
Valorização dos Profi ssionais da Educação (Brasil).
Conselho FUNDEB - Fiscalização de Recursos.
1 INTRODUÇÃO
A educação pública e gratuita no Brasil
é um direito fundamental do cidadão e objeto
de fi nanciamento dos 03(três) níveis de governo:
união, estados e municípios. Os Conselhos, pen-
sados a partir da constituição, representam mais
um dos mecanismos de fi scalização dos gastos
públicos, além de garantir a participação do ci-
dadão no processo de controle social. Destaca-
-se, portanto, a atuação dos conselhos como
um tema atual e de interesse tanto do Estado
quanto da sociedade. Esse estudo, realizado a
partir da literatura disponível, procura eviden-
ciar qual o papel do Conselho de Acompanha-
mento e Controle Social do FUNDEB - CACS do
FUNDEB e tem como objetivo geral estudar o
próprio papel do CACS do FUNDEB, pautando
entre os objetivos específi cos, sua composição,
deveres e responsabilidades no acompanha-
mento e fi scalização dos recursos da educação,
bem como os aspectos de como melhorar a
atuação do controle social do FUNDEB.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 22
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
Se há um ponto pacífico entre con-
selheiros, gestores públicos e a sociedade,
esse se refere à importância da atuação do
conselho no controle social do FUNDEB. Para
que o conselho possa exercer de forma efe-
tiva seu papel, faz-se necessário capacitá-lo,
a fim de que possa desempenhar bem sua
tarefa. Dessa forma, uma das hipóteses a ser
trabalhada neste artigo é a de que a redu-
ção das falhas, erros e fraudes no sistema
FUNDEB está diretamente relacionada à uti-
lização de políticas que visem a fortalecer o
papel do conselho. Portanto, adoção ou não
de políticas de aprimoramento de controle
social terá um impacto sobre a atuação do
conselho. Se adotadas, terão um impacto
positivo, pois elevariam o grau de autoco-
nhecimento do conselho do seu real papel
na sociedade, enquanto se não forem adota-
das terão um impacto negativo, pois os con-
selheiros exerceriam um papel meramente
formal, abrindo espaço para que práticas de
corrupção possam ocorrer.
Para a realização deste estudo, faz-se
necessário a utilização de uma metodolo-
gia para conduzir a pesquisa. Nesse sentido,
passa-se a identificar as tipologias de pesqui-
sa quanto aos objetivos, aos procedimentos
e à abordagem do problema. No tocante
aos objetivos, esta consiste em um estudo
do tipo descritivo. De acordo com Andrade
(2002) apud Ilse Maria (2007, p.81), a pesqui-
sa descritiva preocupa-se em observar os
fatos, registrá-los, analisá-los, classificá-los e
interpretá-los e o pesquisador não interfere
neles. No que concerne aos procedimentos,
refere-se a um estudo bibliográfico. Quanto
à abordagem do problema, o estudo utiliza
a pesquisa qualitativa que, segundo Minayo
(1998. p.65), é capaz de analisar questões e
intencionalidades inerentes aos atos, rela-
ções e estruturas sociais.
2 UM BREVE HISTÓRICO
DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL
Desde a época da Colônia até os dias
atuais, o fi nanciamento da educação no Brasil
pode ser sintetizado em três grandes períodos:
• 1º (primeiro) período vai de 1549 a
1759, quando o Estado delega aos jesuítas a
exclusividade para o exercício do magistério
público no país.
Nesse período, o fi nanciamento da educação
se constituía num sistema de auto-investimen-
to jesuítico, pois os jesuítas não fi caram espe-
rando os recursos da Coroa e trataram de obter
privilégios de comércio e concessões de terra
para auferir recursos. Dessa forma, pelo que
hoje se denomina terceirização, a Coroa asse-
gurava o ensino à Colônia, sem nenhum custo
(MONLEVADE, 1997, p. 10).
• O 2º (segundo) período começa a par-
tir de 1759, quando sobe ao cargo de primeiro
ministro português, o Marquês de Pombal.
Pombal idealizou e implementou as
aulas régias e implantou um novo modelo de
fi nanciamento de educação ofi cial para o rei-
no da Colônia, o Subsídio Literário, buscando
assegurar uma fonte estável e específi ca de re-
cursos para a manutenção do ensino primário.
A estratégia residia em tributar produtos como:
carne, sal, aguardente, vinagre, com a intenção
de aferir recursos a partir de duas atividades
econômicas do mercado local: os açougues e
os alambiques. Vale destacar que esse meca-
nismo de obtenção de recurso se mostrou in-
sufi ciente e permitia apenas um atendimento
extremamente precário, além de ter sido de-
tectada várias práticas de fraudes em sua utili-
zação. Esse período vai de 1759 até a República
Velha (MONLEVADE, 1997, p. 11).
• O 3º (terceiro) período é marcado
pela vinculação de um percentual mínimo de
23
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
recursos para a educação, objeto perseguido
pela maioria das Constituições a partir de 1934.
A Constituição Federal de 1934 obrigava a União (o Governo Federal) e os Municípios a aplicarem no mínimo 10% da receita de impos-tos na educação e Estados e Distrito Federal, 20%. A CF de 1946 repercutia os percentuais mínimos da CF de 1934, com exceção do per-centual dos Municípios, que passou obrigato-riamente para o mínimo de 20%. Essa obriga-toriedade só foi alterada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 (Lei nº 4.024), que ampliou o percentual mínimo da União de 10% para 12% (DAVIES, 2004, p. 14).
Essa vinculação constitucional passou
por avanços e recuos; teve desvinculação nos
períodos de 1937-1942 e 1964-1985, e sofreu
restauração nos períodos de 1946-1967 e 1984
até os dias atuais. Nesse sentido, Patrocínio
(2007, p. 48 apud Nicholas Davies, 2004, p.15)
chama a atenção para que, coincidentemente,
os períodos de vinculação de recursos se de-
ram, quase que na sua totalidade, em períodos
relativamente democráticos, e desvinculação
em períodos autoritários.
3 O CONTROLE SOCIAL DO FUNDEB
A sociedade participa de todo o pro-
cesso de gestão dos recursos do FUNDEB, por
intermédio do controle social. Alguns estudiosos
defi nem controle social como:
Para PEREIRA (2008), controle social é o
controle exercido pela sociedade sobre o gover-
no. Por meio do controle social, a sociedade é en-
volvida no exercício da refl exão e discussão dos
problemas que afetam a vida coletiva.
Já FONSECA (2009) defi ne controle social como
um instrumento democrático no qual há a parti-
cipação dos cidadãos no exercício do poder co-
locando a vontade social como fator de avaliação
para a criação de metas a serem alcançadas atra-
vés das políticas públicas.
Para a CGU (2008), o controle social é a
participação da sociedade civil nos processos
de planejamento, acompanhamento, monito-
ramento e avaliação das ações da gestão pú-
blica e na execução das políticas e programas
públicos. Vale destacar que essa participação
é formalizada através do Conselho de Acom-
panhamento e Controle Social do FUNDEB -
CACS do FUNDEB, de criação obrigatória nas
três esferas de governo.
Carlos R. J. Cury procura explicitar o con-
ceito de conselho a partir da origem etimológica
do termo, acrescida da conotação histórica:
Conselho vem do latim Consilium. Por sua vez, consilium provém do verbo consulo/consulere, signifi cando tanto ouvir alguém quanto subme-ter algo a uma deliberação de alguém, após uma ponderação refl etida, prudente e de bom-senso. Trata-se, pois, de um verbo cujos signifi cados postulam a via de mão dupla: ouvir e ser ouvi-do. Obviamente, a recíproca audição se compõe com o ver e ser visto e, assim sendo, quando um Conselho participa dos destinos de uma socieda-de ou de partes destes, o próprio verbo consule-re já contém um princípio de publicidade (CURY, 2000, p. 47).
Dessa forma, concebe-se que o Con-
selho do FUNDEB é um grupo formado por
representações sociais variadas de natureza
pública, mas sem subordinação à adminis-
tração pública federal, estadual ou municipal
para aconselhar, dar parecer e deliberar sobre
questões de interesse público, referentes à
gestão e à aplicação dos recursos do FUNDEB.
3.1 A CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO CON-
SELHO
DO FUNDEB
O Conselho deve ser criado por meio de
ato legal e a indicação dos seus membros deve
ser realizada pelos segmentos sociais que têm di-
reito de contar com representantes no colegiado.
Para essa indicação, cada segmento social deve
promover a realização de eleição específi ca, no
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 24
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
âmbito da categoria representada.
A Lei nº 11.494/2007 destaca em seu art. 24, que o Conselho do FUNDEB deve con-tar, no mínimo, com a seguinte composição:
I - [...]II - em âmbito estadual, por no mínimo 12 (doze) membros, sendo:a) 3 (três) representantes do Poder Executi-vo estadual, dos quais pelo menos 1 (um) do órgão estadual responsável pela educação básica;b) 2 (dois) representantes dos Poderes Executi-vos Municipais;c) 1 (um) representante do Conselho Estadual de Educação;d) 1 (um) representante da seccional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educa-ção - UNDIME;e) 1 (um) representante da seccional da Confe-deração Nacional dos Trabalhadores em Edu-cação - CNTE;f) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação básica pública;g) 2 (dois) representantes dos estudantes da educação básica pública, 1 (um) dos quais in-dicado pela entidade estadual de estudantes secundaristas;III - no Distrito Federal, por no mínimo 9 (nove) membros, sendo:Essa composição determinada pelo disposto no inciso II deste parágrafo, excluídos os mem-bros mencionados nas suas alíneas b e d;IV - em âmbito municipal, por no mínimo 9 (nove) membros, sendo:a) 2 (dois) representantes do Poder Executivo Municipal, dos quais pelo menos 1 (um) da Se-cretaria Municipal de Educação ou órgão edu-cacional equivalente;b) 1 (um) representante dos professores da educação básica pública;c) 1 (um) representante dos diretores das esco-las básicas públicas;d) 1 (um) representante dos servidores admi-nistrativos das escolas básicas públicas;e) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação básica pública;f) 2 (dois) representantes dos estudantes da educação básica pública, um dos quais indica-do pela entidade de estudantes secundaristas. (BRASIL, Lei nº 11.494/2007)
Vale destacar que a escolha dos con-selheiros não pode recair sobre pessoas impe-didas de participar do colegiado. A legislação
proíbe a participação de:
1) Cônjuges e parentes consanguí-
neos ou afi ns até o 3º grau:
a) do prefeito municipal e do vice-pre-
feito;
b) dos secretários municipais;
c) do tesoureiro, do contador ou de
funcionário de empresa que presta serviços
relacionados à administração ou controle dos
recursos do Fundo.
2) Estudantes não emancipados;
3) Pais de alunos que, em relação
ao Poder Executivo municipal:
a) exercem cargos ou funções de con-
fi ança, de livre nomeação;
b) prestem serviços terceirizados.
Depois da escolha dos representantes,
eles devem ser apresentados (indicados) ao
Poder Executivo para que seja realizada a no-
meação, mediante edição e publicação de ato
específi co para esse fi m.
Finalmente, com o Conselho criado,
ele deve ser cadastrado junto ao FNDE/MEC,
podendo, para isso, ser utilizado o sistema in-
formatizado disponível na Internet que permi-
te o cadastramento por meio eletrônico.
3.2 CONHECENDO A LEGISLAÇÃO DO
FUNDEB
O FUNDEB foi instituído pela Emenda
Constitucional nº 53/2006 e regulamentado
pela Medida Provisória nº 339/2006, convertida
na Lei nº 11.494/2007, que posteriormente foi
complementado pelo Decreto nº 6.253/2007,
para substituir o FUNDEF, que vigorou de 1998
a 2006. Trata-se de fundo especial, formado
por uma parcela fi nanceira de recursos federais
e por recursos provenientes dos impostos e
das transferências dos Estados, Distrito Federal
e Municípios vinculados à educação por força
do art. 212 da Constituição Federal. O quadro 1
25
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
ilustra a origem e a composição dos recursos
do FUNDEB.
É importante destacar que indepen-
dentemente da origem, todo o recurso gerado é
redistribuído para aplicação exclusiva na educa-
ção básica, que compreende: a educação infantil,
ensino fundamental, ensino médio e a educação
de jovens e adultos, abrangendo a zona urbana,
zona rural, área indígena e quilombola.
Nesse contexto, vale destacar que
somente terão complemento da União os
Estados que não atingirem o índice de valor
mínimo por aluno definido nacionalmente.
Conforme estabelece a Lei nº 11.494/2007,
essa complementação vem sofrendo um
aumento gradual desde a implantação do
FUNDEB, alçando em 2010 o patamar de
10% da contribuição total dos Estados, DF
e municípios. O desembolso desse recurso
observará o cronograma da programação fi-
nanceira do Tesouro Nacional e contemplará
pagamentos mensais de, no mínimo, 5% da
complementação anual, a serem realizados
até o último dia útil de cada mês.
3.3 A DISTRIBUIÇÃO E APLICAÇÃO DOS
RECURSOS PELOS ESTADOS, DISTRITO FED-
ERAL E MUNICÍPIOS
Os recursos do FUNDEB serão distribu-
ídos na proporção do número de alunos ma-
triculados nas respectivas redes de educação
básica pública presencial, conforme o art. 8º da
Lei nº 11.494/2007 e devem ser empregados em
ações de manutenção e de desenvolvimento da
educação básica pública, devendo ser subdivi-
didos em duas parcelas, da seguinte forma:
A) PARCELA MÍNIMA DE 60%
DO FUNDEB
Calculada sobre o montante anual
dos recursos creditados na conta no exercício,
(*) Inclusive receitas correspondentes à dívida ativa, juros e multas relacionadas aos respectivos impostos.(**) Valores originais, a serem atualizados com base no INPC/IBGE.
Fonte: BRASIL, FNDE - Manual de Orientação do FUNDEB, 2009.
Quadro 1 - Origem e composição dos recursos do FUNDEB
UFs Origem dos recursos
Contribuição à formação do Fundo
2007 2008 2009 2010 a 2020
Estados, Dis-
trito Federal e
municípios
FPE, FPM, ICMS, LC 86/96 E
Iplexp(*)
16,66% 18,33% 20% 20%
ITCMD, IPVA, ITRm e outros
eventualmente instituí-
dos(*)
6,66% 13,33% 20% 20%
União Complementação fede-
ral(**)
R$ 2 bilhões R$ 3
bilhões
R$ 4,5
bilhões
10% da contribuição
total de Estados, DF e
municípios
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 26
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
a parcela mínima de 60% do Fundo deve ser
destinada à remuneração dos profi ssionais do
magistério em efetivo exercício, conforme dis-
crimina o quadro 2.
B) PARCELA DE ATÉ 40% DO FUNDO
Cumprida a exigência mínima relacio-
nada à garantia de 60% para remuneração do
magistério, os recursos restantes (de até 40%
do total) devem ser direcionados para despe-
sas diversas consideradas como de Manuten-
ção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), rea-
lizadas na educação básica, na forma prevista
no artigo 70 da Lei nº 9.394/96 (LDB), observa-
do o seguinte critério por ente governamental:
• Estados: despesas com MDE no âmbito dos
ensinos fundamental e médio;
• Municípios: despesas com MDE no
âmbito da educação infantil e fundamental.
• Distrito Federal: despesas com MDE
no âmbito da educação infantil e dos ensinos
fundamental e médio;
O art. 70 da LDB ainda destaca de forma mi-
nuciosa o conjunto de despesas com MDE na
qual essa parcela de 40% do FUNDEB deve ser
aplicada, compreendendo:
• Remuneração e capacitação, sob a
forma de formação continuada, de trabalha-
dores da educação básica, com ou sem car-
go de direção, incluindo os profissionais do
magistério e outros servidores que atuam na
realização de serviços de apoio operacional
e administrativo.
• Aquisição, manutenção, construção e
conservação de instalações e de equipamen-
tos necessários ao ensino.
• Uso e manutenção de bens vincula-
dos ao sistema de ensino.
• Levantamentos estatísticos, estudos
PARCELA O QUE É PODE NÃO PODE
Mínimo
de 60%
Parcela mínima de
60% do FUNDEB:
total de pagamentos
devidos aos profi s-
sionais do magistério
da educação básica
em decorrência do
efetivo exercício em
cargo, emprego ou
função integrante
da estrutura do ente
federativo.
Salário ou vencimento;
Décimo terceiro salário;
1/3 de adicional de férias;
Férias vencidas, proporcionais ou
antecipadas;
Gratifi cações inerentes ao exer-
cício de atividade ou funções de
magistério, inclusive gratifi cações
ou retribuições pelo exercício de
cargos ou funções de direção ou
chefi a.
Horas extras,
Aviso prévio,
Abono salarial;
Salário família, quando as despesas
correspondentes recaírem sobre o
empregador;
Encargos sociais (previdência e
FGTS) devidos pelo empregador.
Auxílio-transporte ou apoio
equivalente destinado a assegurar o
deslocamento do profi ssional de ida
e volta para o trabalho;
Auxílio-alimentação ou apoio
equivalente;
Apoio fi nanceiro para aquisição de
vestuário utilizado no trabalho ou
benefício equivalente;
Assistência social, médica, psicológi-
ca, farmacêutica, odontológica ofer-
ecida diretamente pelo empregador
ou mediante contratação de serviços
oferecidos por entidades especializa-
das, sob a forma de planos de saúde
ou assemelhados, em suas variadas
modalidades e formas de pagamen-
to e cobertura;
Previdência complementar;
PIS/PASEP;
Serviços de terceiros, ainda que
contratados para substituição de
profi ssionais do magistério.
Quadro 2 - Origem e composição dos recursos do FUNDEB
Fonte: NACIF, Carlos. O desafi o dos conselheiros do FUNDEB. Brasília: ESAF 2010, pág. 49 apud BRASIL, FNDE - Manual de Orientação do FUNDEB, 2009.
27
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
e pesquisas visando precipuamente o aprimo-
ramento da qualidade e expansão do ensino.
• Realização de atividades-meio neces-
sárias ao funcionamento do ensino.
• Concessão de bolsas de estudo a alu-
nos de escolas públicas e privadas.
• Amortização e custeio de operações
de crédito destinadas a atender investimentos
em educação básica pública.
• Aquisição de material didático-esco-
lar e aquisição e manutenção de transporte
escolar.
3.4 IMPEDIMENTOS DE UTILIZAÇÃO
DE RECURSOS DO FUNDEB
O art. 71 da LDB prevê, ainda, a impossi-
bilidade de aplicação dos 40% referente aos re-
cursos do MDE, conforme o destaque a seguir:
Art. 71. Não constituirão despesas de manu-
tenção e desenvolvimento do ensino aquelas
realizadas com:
I - pesquisa, quando não vinculada às institui-
ções de ensino, ou, quando efetivada fora dos
sistemas de ensino, que não vise, precipua-
mente, ao aprimoramento de sua qualidade
ou à sua expansão;
II - subvenção a instituições públicas ou pri-
vadas de caráter assistencial, desportivo ou
cultural;
III - formação de quadros especiais para a ad-
ministração pública, sejam militares ou civis,
inclusive diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação,
assistência médico-odontológica, farmacêutica e
psicológica, e outras formas de assistência social;
V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas
para benefi ciar direta ou indiretamente a rede
escolar;
VI - pessoal docente e demais trabalhadores
da educação, quando em desvio de função ou
em atividade alheia à manutenção e desenvol-
vimento do ensino. (BRASIL, Lei nº. 9.394/96 -
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
4 O PAPEL DO CONSELHO DO FUNDEB
O trabalho do conselheiro não é remu-nerado, mas sua atuação é de grande impor-tância para a educação pública, para assegurar o cumprimento do seu papel na sociedade é vedada a exoneração do seu cargo ou trans-ferência involuntária do estabelecimento em que atua sem justa causa. Durante a análise da literatura disponível sobre atuação do con-selho na sociedade, foram elencadas algumas responsabilidades inerentes ao seu papel no acompanhamento e fi scalização dos recursos
do FUNDEB:
RE
SP
ON
SA
BI
LI
DA
DE
S
CO
NS
EL
HO
D
O
FU
ND
EB
Verifi car todos os aspectos relacionados à
aplicação, acompanhamento e controle
sobre os recursos do FUNDEB. O que in-
clui o exame dos registros contábeis e
dos demonstrativos gerenciais mensais,
relativos aos recursos repassados e rece-
bidos à conta do fundo, assim como os
referentes às despesas realizadas.
Supervisionar o censo escolar anual e a
elaboração da proposta orçamentária
anual, no âmbito de suas respectivas es-
feras governamentais de atuação, com
o objetivo de concorrer para o regular
e tempestivo tratamento e encaminha-
mento dos dados estatísticos e fi nancei-
ros que alicerçam a operacionalização do
Fundo.
Acompanhar a aplicação dos recursos
federais transferidos à conta do Programa
Nacional de Apoio ao Transporte do Es-
colar - PNATE, e do Programa de Apoio
aos Sistemas de Ensino para Atendi-
mento à Educação de Jovens e Adultos
e, ainda, receber e analisar as prestações
de contas referentes a esses Progra-
mas, formulando pareceres conclusivos
acerca da aplicação desses recursos e
encaminhando-os ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE.
Quadro 3 – Responsabilidades
do Conselho do FUNDEB.
Fonte: BRASIL, Lei nº. 11.494/2007 – Lei do FUNDEB.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 28
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
Mas além de cumprir bem com suas
responsabilidades, espera-se de todo conse-
lheiro do FUNDEB uma prática mais atenta das
atribuições exercidas e, em especial, no mo-
nitoramento e controle do fundo. Não só um
controle realizado via conferência documental,
mas um controle efetivo, um acompanhamen-
to crítico de todas as informações que são dis-
ponibilizadas e um monitoramento das ações
a fi m de assegurar que aquilo que está escrito,
relatado e disponibilizado nos demonstrativos
seja o efetivamente praticado em prol da edu-
cação pública.
Nesse sentido, a Controladoria Geral
da União – CGU, demonstrou, através de um
processo de verifi cação, a realidade pela qual
passa o controle social no Brasil:
Em 49 dos 50 municípios fi scalizados nesta 4ª
edição do Programa de Sorteios constatou-se
que os conselhos e as comissões municipais
não têm atuação efetiva. Em alguns municípios,
os conselhos e as comissões foram constituídos
apenas formalmente, mas não desempenham
suas atribuições, deixando de realizar reuniões e
de fi scalizar a aplicação dos recursos federais nos
programas executados pelos municípios.
Entre as irregularidades constatadas, a composi-
ção incorreta dos conselhos é comum na gran-
de maioria dos municípios. Muitas das direções
dos conselhos são indicadas pelos prefeitos, que
efetivam parentes e compadres seus ou de seus
secretários municipais. Os membros do conse-
lho são, muitas vezes, funcionários da Prefeitura,
o que pode comprometer a imparcialidade das
decisões. (BRASIL, CGU, 2003).
Dessa forma, tão importante quanto o
exercício de prática atenta, será o exercício da
prática da denúncia, pois o conselho do FUN-
DEB também tem o papel de agir ao constatar
irregularidades; para tanto se faz necessário,
em primeiro lugar, reunir elementos (denún-
cias, provas, justifi cativas, base legal, etc.) que
possam esclarecer a irregularidade ou a ilegali-
dade praticada e, com base nesses elementos,
encaminhar, por escrito, pedido de providên-
cias ao governante responsável (se possível,
apontando a solução ou correção a ser ado-
tada), de modo a permitir, se possível, que os
problemas sejam sanados no âmbito do pró-
prio Poder Executivo.
5 ASPECTOS DE COMO
MELHORAR O CONTROLE SOCIAL
DO FUNDEB
O modelo mais adotado de controle
social no Brasil tem sido o formato de con-
selhos, órgãos defi nidos legalmente e que
funcionam como instrumento da atuação da
sociedade. Se por um lado é obrigação do
próprio Estado bem aplicar os recursos do
FUNDEB, por outro é um direito da sociedade
fi scalizar a boa aplicação desses recursos. Para
que o conselho possa exercer de forma efetiva
seu papel de controle social, faz-se necessá-
rio capacitá-lo a fi m de que possa desempe-
nhar bem sua tarefa. Nesse contexto, a lei nº.
11.494/2007 atribui essa competência para o
Ministério Público, que tem por missão prover
recursos e executar ações para o desenvolvi-
mento da educação junto ao FUNDEB, visando
garantir um ensino de qualidade para todos os
brasileiros, conforme destaque a seguir:
Art. 30. O Ministério da Educação atuará: I - no apoio técnico relacionado aos procedi-mentos e critérios de aplicação dos recursos dos Fundos, junto aos Estados, Distrito Federal e Municípios e às instâncias responsáveis pelo acompanhamento, fi scalização e controle in-terno e externo; II - na capacitação dos membros dos conse-lhos; (grifo nosso).
29
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
III - na divulgação de orientações sobre a ope-racionalização do Fundo e de dados sobre a previsão, a realização e a utilização dos valores fi nanceiros repassados, por meio de publica-ção e distribuição de documentos informativos e em meio eletrônico de livre acesso público; IV – na realização de estudos técnicos com vis-tas à defi nição do valor referencial anual por aluno que assegure padrão mínimo de quali-dade de ensino; V – no monitoramento da aplicação dos re-cursos dos Fundos, por meio de sistema de informações orçamentárias e fi nanceiras e de cooperação com os Tribunais de Contas dos Estados e Municípios e do Distrito Federal; VI – na realização de avaliações dos resultados da aplicação desta Lei, com vistas à adoção de medidas operacionais e de natureza político--educacional corretivas, devendo a primeira dessas medidas se realizar em até 2 (dois) anos após a implantação do Fundo. (BRASIL, Lei 11.494 de 20 de junho de 2007).
No que diz respeito ao § 3º do Art. 30º
da Lei 11.494/2007, o FNDE edita um manual de
orientação do FUNDEB que é um suporte bá-
sico para o exercício da função de conselheiro.
Esse manual cita que o poder executivo tem
duas grandes obrigações em relação ao Con-
selho do FUNDEB:
1) Oferecer o apoio que assegure o seu fun-cionamento, garantindo material e condições, como local para reuniões, meio de transporte, materiais, equipamentos etc., de maneira que seja possível a realização periódica das reuni-ões de trabalho, permitindo que o Conselho desempenhe suas atividades e efetivamente exerça suas funções com autonomia;2) Elaborar e disponibilizar mensalmente os registros contábeis e os demonstrativos geren-ciais mensais e atualizados relativos aos recur-sos repassados ou recebidos à conta do Fundo, deixando-os, permanentemente, à disposição do Conselho, inclusive solicitações de dados e informações complementares formuladas sobre o assunto. (BRASIL, FNDE, 2009, p. 34-35)
Nesse contexto, Nafi c (2010) pontua
05 (cinco) aspectos que, se bem empregados
podem contribuir para o aprimoramento do
controle social do FUNDEB, entre os quais po-
demos destacar:
A) FORMAÇÃO PRÉVIA PARA
O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO
DE CONSELHEIRO
A formação prévia é essencial para o
exercício a contento, da função de conselheiro.
Como o exercício do seu mandato é de dois
anos, podendo ser reconduzido por igual pe-
ríodo, é importante que este processo de for-
mação seja permanente. Para isso, é necessária
uma política mais séria e clara para que os no-
vos conselheiros sejam bem formados.
B) PARTICIPAÇÃO
EM CAPACITAÇÕES
Compete ao Ministério da Educação
atuar na capacitação dos membros dos conse-
lhos (§ 2º do art. 30, Lei 11.494/2007). Em um
país com dimensões de continente, como o
Brasil, é impossível para qualquer órgão reali-
zar capacitações presenciais em todas estas ci-
dades. Tecnologias para formação em grande
escala, hoje disponíveis, devem ser utilizadas,
especialmente os cursos via internet. É neces-
sário que o FNDE adote essa política para esti-
mular e disponibilizar cursos de capacitação à
distância para todos os conselheiros.
C) MANUAL DE BOAS PRÁTICAS.
A elaboração de um manual de boas práticas pode ser uma ferramenta útil colocada à disposição. Também este item é de responsa-bilidade do Ministério da Educação, conforme § 3º do art. 30 da Lei 11.494/2007. Esta proposta de manualização é diferente das orientações básicas aos conselheiros, aspectos legais e normativos. Trata-se de um catálogo de boas práticas de como bem efetuar o controle so-cial, ponto timidamente tratado no Manual de Orientação do FUNDEB publicado e disponibi-lizado na internet pelo FNDE.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 30
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
D) TEMPO MÍNIMO PARA
DEDICAÇÃO AO CONTROLE
SOCIAL DO FUNDEB
É possível a todo gestor, seja municipal
ou estadual, garantir que haja esse tempo mí-
nimo defi nido para esta função, e inserido na
lei de criação do conselho e na regulamenta-
ção do seu regimento interno. Se há difi culda-
de para garantir este mínimo de tempo para os
conselheiros representantes de pais e estudan-
tes, não há nenhum impedimento para que os
representantes dos professores, dos servidores
administrativos e outros servidores públicos
tenham este tempo mínimo dedicado ao con-
trole social do FUNDEB.
E) REDES SOCIAIS DE DISCUSSÃO
Hoje, o acesso à tecnológica tornou-
-se mais fácil; e o alcance pode ser abrangen-
te para a formação de espaços de articulação;
através das redes sociais de discussão, pode-se
inclusive disseminar entre os conselheiros uma
cultura de acompanhamento dos gastos públi-
cos e dos recursos transferidos por meio dos
portais governamentais.
Vale destacar que nossa intenção
não é esgotar o assunto, mas contribuir para
o avanço do controle social do FUNDEB, uma
vez que há pesquisa de outros métodos que
podem melhorar a qualidade desse controle
social.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O controle social no cenário brasileiro
ganhou força a partir de 1988 com a publica-
ção da chamada Constituição Cidadã; desde
então, a legislação vem criando formas para
garantir os direitos dos cidadãos. A educação
pública e gratuita é um direito fundamental
do cidadão. Para assegurar que esse direito
efetivamente se estenda a todos os brasileiros,
foi criado em 1998 um fundo específi co para
fi nanciar a educação: o FUNDEF, que vigorou
por 10(dez) anos. No ano de 2006, o FUNDEF
passa por uma nova roupagem, passando a se
chamar FUNDEB, trazendo como consequên-
cia a inclusão de toda a educação básica no
fi nanciamento do fundo, tendo sua implanta-
ção em 1º de janeiro de 2007.
Este estudo teve como foco eviden-
ciar qual o papel do CACS do FUNDEB – Conse-
lho de Acompanhamento e Controle Social do
FUNDEB, e como objetivo geral estudar o pa-
pel do CACS do FUNDEB no acompanhamento
e fi scalização dos recursos públicos, pautando,
entre os objetivos específi cos, sua composição,
deveres e responsabilidades, bem como os
aspectos de como melhorar o controle social
do FUNDEB. Dentre as hipóteses elaboradas
destacou-se que a redução das falhas, erros, e
fraudes, no sistema FUNDEB, está diretamente
relacionada à utilização de políticas que visem
a fortalecer o papel do conselho. Dessa forma,
a adoção ou não de políticas de aprimoramen-
to de controle social teriam um efeito sobre a
atuação do conselho. Se adotadas, terão um
impacto positivo, pois elevariam o grau de
autoconhecimento do conselho do seu real
papel na sociedade, enquanto se não forem
adotadas, terão um impacto negativo, pois os
conselheiros exerceriam um papel meramente
formal, abrindo espaço para que práticas de
corrupção pudessem ocorrer.
Na procura de respostas, traçou-se um
plano para conduzir a pesquisa, através de pro-
cedimentos científi cos. No que concerne aos
procedimentos, refere-se a um estudo biblio-
gráfi co; no tocante aos objetivos, este consis-
te em um estudo do tipo descritivo; quanto à
abordagem do problema, utiliza a abordagem
qualitativa, uma vez que pesquisa qualitativa é
31
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
capaz de incorporar questões e intencionalida-
des inerentes aos atos, às relações e às estrutu-
ras sociais.
Nosso ponto de partida foi pesquisar
um pouco da história da educação, incluindo
aspectos relacionados à legislação constitu-
cional, políticas de fi nanciamento e controle
social. A partir disso, passou-se a analisar a le-
gislação do FUNDEB, destacando a origem, a
distribuição e aplicação dos recursos pelos Es-
tados, Distrito Federal e Municípios. Utilizaram-
-se tabelas e citações para ilustrar bem todos
os aspectos relacionados às parcelas de 60% e
40%, que correspondem a valores para serem
empregados em ações voltadas exclusivamen-
te para a educação.
No que concerne ao CACS do FUN-
DEB, tendo a clareza de que a estrutura legal
é que dá suporte à organização dos conselhos,
teve-se a preocupação de detalhar sua com-
posição, bem como identifi car os indivíduos
que não podem assumir o posto de conselhei-
ro. Além disso, destacou-se o papel dos conse-
lheiros evidenciando cada atribuição sua, dei-
xando claro que seu verdadeiro papel é exercer
um controle social mais atento e crítico sobre
todas as informações disponibilizadas sobre as
despesas do FUNDEB. Para auxiliar nessa tarefa,
foram elencadas algumas responsabilidades
inerentes ao acompanhamento e fi scalização
dos recursos do FUNDEB.
Para a verifi cação das hipóteses, este
estudo utilizou os resultados das auditorias da
Controladoria Geral da União, através do pro-
grama de fi scalização por sorteios. Segundo
a CGU, em 49 dos 50 municípios fi scalizados,
constatou-se que os conselhos não têm atua-
ção efetiva. Em alguns municípios, foram cons-
tituídos apenas formalmente, sendo o cargo
de presidente ocupado por indicação do chefe
do executivo. Além disso, o próprio conselho
não desempenha suas atribuições, deixando
de realizar reuniões e de fi scalizar a aplicação
dos recursos nos programas executados pelos
municípios.
Esses fatos revelam as constantes fa-
lhas do controle social e a persistência das
práticas de corrupção no país. Através disso,
pode-se constar que se houve aumento de
falhas e de práticas de corrupção no controle
do FUNDEB é porque o controle social deixou
a desejar no cumprimento do seu papel na
sociedade. Logo, a hipótese trabalhada neste
artigo, foi ratifi cada, observando-se os resulta-
dos das auditorias da CGU. Nesse aspecto, para
que fatos como esses não aconteçam, é preci-
so que o controle social fortaleça o seu papel;
para tanto, faz-se necessária a adoção de polí-
ticas de aprimoramento do controle social.
Por fi m, este estudo, no sentido de
contribuir para o aprimoramento do controle
social, destacou 05(cinco) práticas: a formação
prévia para o exercício da função de conselhei-
ro, participação em capacitações, a criação de
um manual de boas práticas, o estabelecimen-
to de um tempo mínimo para dedicação ao
controle social do FUNDEB, e a criação de re-
des sociais de discussão, que, se implementa-
das, poderão melhorar a qualidade do controle
social dos conselhos do FUNDEB.
• ABSTRACT
The present article discusses the social control
of FUNDEB, with the main focus of the discus-
sion which would be the board’s role in the
FUNDEB surveillance of public funds in educa-
tion, among the objectives guiding the study
of the role of the CACS FUNDEB, showing its
composition, duties and responsibilities as well
as aspects of how to improve performance of
social control. The point approached for the
hypothesis is that the reduction of the faults,
mistakes and guile in the FUNDEB system, is
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 32
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011
directly related to uses of politics that aim to
fortify the play of the council. To this, the sear-
ch was made having as base the scientifi c pro-
ceedings. About the proceedings, it refers to
a bibliographic study; about the goals it con-
sists in a descriptive study; about the problem
approaching, it uses the qualitative approach.
During the analysis of the results could be ob-
served with base in the auditing made for the
General controller of the Union that the great
part of the advices has no eff ective acting, and
do not made councils in order to invigilate the
applications of the funds. In order to contribute
to an evolution of the degree of the Brazilian
social control, this study presented 05 (fi ve)
practices of improvement that if implemented
can make better the quality of the social con-
trol of the FUNDEB council.
• KEYWORDS:
Education. Social Control. FUNDEB Council.
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 34
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 34 - 41 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 333434433333
Gustavo Nascimento TorresGraduado em Direito pelo Instituto Camilo Filho - ICF e Comu-nicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, pós-graduando em Civil e Processo Civil pela Universi-dade Católica Dom Bosco – UCDB, Advogado, Assessor Jurídico no Ministério Público de Contas – TCE/PI.
• RESUMO
Com o advento da Constituição Federal de
1988, o legislador constituinte originário
firmou opção por um modelo de Estado
Social Democrático de Direito para o Brasil,
sobretudo, pela constitucionalização dos
direitos fundamentais sociais. Nesse contex-
to evidenciou-se a preocupação em ofertar
condições básicas para promoção dos indi-
víduos, garantindo assim, o mínimo neces-
sário para que estes realizem seus planos de
vida dignamente. É justamente nesse ponto
que os direitos fundamentais sociais encon-
tram sua relevância jurídica e complexida-
de estrutural, pois ao Estado, como artífice
principal desse processo, incumbe o dever
de efetivação dos referidos direitos. Não
obstante, o que se percebe hodiernamen-
te é a tentativa daquele de se desvincular
destas obrigações constitucionais, o que
tem levado as pessoas a buscar através do
Poder Judiciário a efetivação das prestações
positivas negligenciadas. Assim, é que, ao
Poder Judiciário incumbe o “poder – dever”
de efetivar os direitos fundamentais sociais
quando o Estado brasileiro se furtar de im-
plementá-los, fazendo-o balizado em crité-
rios jurídicos, tais como, proibição/vedação
ao retrocesso, teoria da reserva do possível
e teoria do mínimo assistencial.
A efetivação dos direitos fundamentais
sociais pelo poder judiciário
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 34 - 41 jan./dez. 2011
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• PALAVRAS-CHAVE:
Direitos humanos – Brasil. Direitos fundamen-
tais – Brasil. Direitos sociais. Efetivação e valida-
de do direito – Poder judiciário – Brasil.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição da Re-
pública de 1988, os direitos fundamentais foram
erigidos ao patamar de normas constitucionais
de forma inovadora, pois, além daqueles ine-
rentes ao próprio ser humano (vida, liberdade
e propriedade) outros foram albergados com o
status de fundamentalidade. Houve, portanto,
ampliação do rol com uma farta gama de direi-
tos que passaram a ser considerados essenciais,
dentre os quais, inúmeros direitos sociais.
Estes, ao constarem expressamente
no bojo da Constituição, estão dotados de
todas as características inerentes aos direitos
fundamentais, superando o dogma positivista
que pairava sobre os mesmos ao longo da his-
tória constitucional brasileira. Neste contexto,
a Constituição de 1988 é a legítima expressão
de um Estado Democrático de Direito com-
prometido, pelo menos formalmente, com a
promoção e o desenvolvimento da dignidade
da pessoa humana.
Os direitos fundamentais sociais es-
tão esculpidos no art. 6º, caput, da Constitui-
ção Federal:
são direitos sociais a educação, a saúde, o traba-lho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL. Constituição) .
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Tais direitos foram concebidos com ob-
jetivo diminuir as desigualdades sociais, vez que
são verdadeiros instrumentos de proteção e con-cretização do princípio da dignidade da pessoa humana, pois visam garantir as condições neces-sárias à fruição de uma vida digna”(MARMELSTEIN, 2008, p.174).
Possuem natureza jurídica de presta-
ção, ou seja, são direitos que dependem de
uma atuação positiva do Estado, pressupondo
uma diferenciação de tratamento com vistas à
redução/dissolução das desigualdades. Assim,
“não são direitos contra o Estado, mas sim atra-
vés do Estado, o objeto imediato dos direitos
fundamentais, e das garantias constitucionais
respectivas”(MORAES, 2008, p.63).
A natureza prestacional confere um di-
reito subjetivo público ao particular de buscar
o Poder Judiciário para efetivá-los, em caso de
negligência do Estado. Tanto assim que tais de-
mandas ocupam cada vez mais espaço no dia
dos tribunais, à luz da moderna doutrina da efe-
tividade constitucional.
2 CRITÉRIOS JURÍDICOS PARA PAUTAR
ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS
O caráter subjetivo das normas funda-
mentais sociais emanadas da Constituição en-
contra-se alicerçado na característica da plena
aplicabilidade (art. 5º, § 1º), e, por consequência,
sustenta a legitimidade de se buscar o Poder
Judicante para efetivá-las, como decorrência do
princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário
(art. 5º, XXXV).
De modo geral, a expressão “direito
subjetivo” parte de uma relação trilateral forma-
da entre o titular, o objeto e o destinatário da
norma fundamental. No que atine aos direitos
sociais, o titular seria uma pessoa/indivíduo, o
objeto corresponderia às espécies de direito so-
cial (art. 6º da CRFB/88), e o destinatário o Estado
brasileiro.
Como necessitam de uma atuação
positiva estatal para se concretizarem, obvia-
mente que a essencialidade dos conteúdos irá
infl uenciar no momento das suas respectivas
efetivações. Daí surgirem as principais críticas
a atuação do Judiciário nesta seara. Críticas
como a complexidade havida nos conteúdos,
geralmente implementados por políticas pú-
blicas, ou que a efetivação via justiça afrontaria,
em tese, o princípio da separação dos poderes
e o princípio democrático.
A crítica sobre uma suposta afronta ao
próprio princípio democrático não se sustenta. É
fato que as políticas públicas são fruto da vonta-
de política dos Poderes Executivo e Legislativo,
como representantes eleitos em um espaço su-
postamente democrático e igualitário. Suposta-
mente, porque
sem o respeito a um conjunto básico de di-reitos fundamentais, os indivíduos simples-mente não têm condições de exercer sua liberdade, de participar consciente do proces-so político democrático, pois em condições de pobreza extrema ou miserabilidade, e na ausência de níveis básicos de educação e in-formação, a autonomia do indivíduo estará amplamente prejudicada. Nesse âmbito, o controle social de que falam os críticos do con-trole jurídico apresenta graves difi culdades de funcionamento(BARCELLOS, 2006, p. 26-27).
Evidencia-se, em verdade, um ciclo vi-cioso. A pretexto de se atribuir aos indivíduos o controle social por meio da escolha de seus representantes, o que se vê é o uso da misera-bilidade por falta da concretização dos direitos sociais básicos como fomento à corrupção, ao clientelismo. Neste cenário, os investimentos públicos não proporcionam o desenvolvimen-to pessoal da população, objetivo básico dos direitos fundamentais sociais, que, caso fossem realizados, permitiria uma participação mais consciente no processo democrático.
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A pretensa afronta ao princípio da
separação dos poderes também não proce-
de. Primeiramente, porque o Judiciário atua
essencialmente quando provocado. Neste ín-
terim, ao dar efetividade a um direito social,
necessariamente terá que ter havido negligên-
cia anterior de quem teria o dever jurídico de
promovê-lo, in casu, o Estado. Não se trata de
invasão às atribuições conferidas ao Executivo
e ao Legislativo, pois o Juiz tem o dever funcio-
nal de prestar o provimento jurisdicional quan-
do provocado.
Com efeito, se a Constituição admi-
te a plena aplicabilidade dos direitos funda-
mentais (art. 5º, §1º), disponibiliza ao indivíduo
instrumentos processuais aptos à concreti-
zação destes direitos (remédios constitucio-
nais e ações do controle concentrado) e, por
fi m, afi rma serem os poderes independentes
e harmônicos entre si (art. 2º), não há que
se falar em violação à separação dos pode-
res, como decorrência lógica dos comandos
constitucionais suso citados.
A controvérsia maior reside na com-
plexidade dos conteúdos normativos das es-
pécies de direitos sociais, impossibilitando o
Judiciário de uniformizar o tratamento. Haverá
diferenciação quanto ao grau de efetivação de-
terminado pelo Poder Judicante, dependendo
da essencialidade do direito social pleiteado.
Não obstante, tais direitos possuem um traço
comum ligado à busca das condições mínimas
de vida digna/dignidade da pessoa humana,
verdadeiro fundamento material que confere
unidade de conteúdo a todos direitos funda-
mentais.
Assim é que, por tratar-se de presta-
ções positivas do Estado, cujos conteúdos são
variáveis, necessário se faz estabelecer crité-
rios aptos a balizar a atuação do Poder Judi-
ciário na efetivação dos direitos de natureza
prestacional.
1.1 PROIBIÇÃO/VEDAÇÃO AO RETROCESSO
O critério ora abordado, em verdade,
trata-se de um princípio constitucional que
guarda estreita relação com a noção de segu-
rança jurídica. A estabilidade das relações ju-
rídicas se traduz na própria harmonização do
ordenamento jurídico como um todo, de modo
que os indivíduos possam realizar projetos,
desenvolver-se planejadamente sem serem sur-
preendidos por instabilidades momentâneas.
Percebe-se a forte ligação entre a no-
ção de segurança jurídica e dignidade da pes-
soa humana. Portanto, a proteção dos direitos
fundamentais, pelo menos no que concerne ao
seu núcleo essencial e/ou ao seu conteúdo em
dignidade, evidentemente apenas será possível
onde estiver assegurado um mínimo em segu-
rança jurídica.
O princípio da vedação ao retrocesso
dos direitos sociais restaria consubstanciado
quando uma vez obtido determinado grau de
realização daquele direito, passariam a consti-
tuir, simultaneamente, uma garantia institucio-
nal e um direito subjetivo.
Trata-se de
limite à liberdade de conformação do legis-lador e, simultaneamente, uma obrigação de realização de uma política consentânea com os direitos concretos e as expectativas subje-tivamente alicerçadas, de sorte que o núcleo essencial dos direitos sociais, já realizados e efetivados através de medidas legislativas ou políticas públicas, deve considerar-se constitu-cionalmente garantido(CUNHA JUNIOR, 2008, p. 438)
O que se objetiva nesse critério é que
os direitos sociais já consolidados por lutas no
espaço democrático sejam respeitados e não
sofram diminuição à mercê das inconstâncias
dos poderes executivo e legislativo.
Assim, havendo um direito funda-
mental social regulado por lei ou originário da
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 34 - 41 jan./dez. 2011
Constituição que já tenha seu núcleo essen-
cial de proteção delineado (ligado à noção da
dignidade humana), não poderá o legislador
suprimir tais direitos escusado na liberdade de
conformação que lhe confere a Constituição.
Por exemplo, se uma lei municipal
dispusesse sobre o aumento gradativo dos
recursos a serem aplicados com projetos de
habitação em dado município – direito funda-
mental social a moradia – e o Prefeito, conjun-
tamente com a Câmara de Vereadores, contrá-
rios à linha política adotada na administração
anterior, aprovassem projeto de lei diminuindo
esses percentuais, aos benefi ciários de lei seria
conferido o direito subjetivo de ingressar com
uma ação judicial para impedir que a lei fosse
cumprida e declarada ilegal.
O critério ora proposto atuará de ma-
neira a obstar que o legislador suprima direitos
sociais anteriormente garantidos e, na defi ni-
ção do núcleo básico do direito no caso con-
creto, levando em conta a essencialidade, pro-
porcionalidade e a razoabilidade.
1.2 RESERVA DO POSSÍVEL
Os direitos de cunho prestacional de-
mandam alocação de recursos por parte do
poder público para que sejam realizados. Co-
mumente percebe-se que essa “suposta barrei-
ra” é usada pelo Estado para escusar-se de suas
obrigações constitucionais.
A teoria da reserva do possível foi de-
senvolvida no âmbito da Jurisprudência do Tri-
bunal Constitucional Federal Alemão, que en-
tendeu serem os direitos sociais dependentes
da disponibilidade de recursos públicos para
serem satisfeitos.
Inobstante, como admitir que a acep-
ção original da teoria seja encampada pelos
administradores públicos se a realidade fática
e social do Brasil é completamente oposta à
Alemanha? Como escusar-se sob o manto da
“reserva do possível” num país onde milhões de
pessoas sequer fazem uma alimentação diária?
Como alegar reserva do possível diante de uma
Constituição dirigente, que vincula a atuação de
todos os poderes à consecução dos direitos fun-
damentais?
Usar a teoria para não concretizar os di-
reitos fundamentais sociais é uma clara tentativa
de fraudar a própria CRFB/88. Primeiramente,
porque os direitos sociais gozam de plena apli-
cabilidade (art. 5º, § 1º) como direitos fundamen-
tais que são. Portanto, geram direitos subjetivos
a seus titulares que, quando negligenciados
pelo destinatário/Estado, podem ser reclama-
dos judicialmente.
Segundo, porque a tão decanta-
da liberdade de conformação do legislador
atrelada à questão orçamentária, torna-se su-
cumbente diante da vinculação que todos os
poderes da república têm com concretização
dos direitos fundamentais, como forma de
garantir os padrões mínimos à existência dig-
na dos indivíduos.
De um lado ter-se-á como certo que a im-
plementação dos direitos sociais requer a alocação
de bens materiais/fi nanceiros, portanto, sujeitos à
reserva do possível. Noutro quadrante, ter-se-á
que admitir a essencialidade dos mesmos direitos
para consecução de uma vida minimamente dig-
na para os indivíduos. Como consectário lógico,
sempre que a reserva do possível servir como ar-
gumento para escusa do Estado na efetivação do
núcleo essencial desses direitos e existir recursos
orçamentários disponíveis, não resta dúvida que o
Judiciário poderá rechaçar a omissão.
Neste contexto, se uma pessoa faz uma
representação junto ao Ministério Público e este
ajuíza uma Ação Civil Pública contra determina-
do município que não possui posto de saúde
na zona rural para que a prefeitura disponibilize
atendimento àqueles necessitados, visto que o
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 34 - 41 jan./dez. 2011
Prefeito alega escassez de recursos para fazê-
-lo. Porém, descobre-se que o gestor municipal
vem sistematicamente aplicando os recursos
públicos em shows musicais no município ou
em obras que não guardam qualquer traço de
fundamentalidade, o Poder Judiciário deverá
necessariamente intervir no caso, afastando a
alegação da reserva do possível e obrigando a
prefeitura a garantir o acesso ao direito funda-
mental social à saúde.
A jurisprudência do STF (ADPF nº
45/2004) afi rmou a teoria da reserva do possível
como critério jurídico negativo apto a garantir a
efetivação dos direitos sociais via Judiciário. Ponde-
rou o Ministro Celso de Mello que ‘a cláusula da
reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a fi nalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, em particular, quando puder resul-tar nulifi cação ou, até mesmo, aniquilação de di-reitos constitucionais impregnados de um sentido essencial de fundamentalidade(CUNHA JUNIOR, 2008, p.716 - 717)
1.3 MÍNIMO EXISTENCIAL
Entende-se por mínimo existencial o
conjunto de condições materiais indispensá-
veis a assegurar uma existência digna a toda e
qualquer pessoa, considerada não apenas em
seu aspecto físico e corporal, como também em
seu sentido intelectual e espiritual(BARCELLOS,
2008, p. 230).
Deve ser compreendido como as con-
dições básicas para a existência, correspondente
a uma fração nuclear da dignidade da pessoa
humana à qual deve se reconhecer efi cácia ju-
rídica positiva, determinando a prioridade das
prestações abrangidas no seu âmbito sobre os
outros encargos do Poder Público.
Esse critério jurídico de prioridade é o
que permite o magistrado superar os obstácu-
los doutrinários da reserva do possível e da se-
paração dos poderes( TORRES, 2008, p.77), pois
a proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, tais direitos não se encon-tram sob a discricionariedade da Administra-ção ou do Legislativo(TORRES, 2008, p. 81/82)
Vislumbra-se, então, a intangibilidade do
núcleo mínimo dos direitos sociais que não esta-
ria à mercê da política ou do âmbito das decisões
majoritárias para serem efetivados. Aqui, estar-se-ia
diante do mínimo para se conceber a própria exis-
tência do ser humano como tal, portanto, inde-
pendentemente de qualquer ação do Executivo
ou do Legislativo para sua consecução.
Os direitos sociais transformar-se-iam
em mínimo existencial quando fossem alcança-
dos por interesses sociais fundamentais/jusfun-
damentalidade, correspondente com a ideia de
direitos fundamentais sociais em seu núcleo es-
sencial( TORRES, 2008, p.77). Nesse sentido, sem-
pre que um direito social intrínseco à dignidade
da pessoa humana venha a ser negligenciado, a
ponto de impedir o desenvolvimento igualitário
das pessoas, o Poder Judiciário deverá intervir
de forma positiva na sua efetivação.
Trata-se de verdadeira atuação positi-
va, utilizando-se para tanto de conceitos jurí-
dicos, tais como, essencialidade, proporciona-
lidade e razoalibilidade, à luz do caso concreto
para defi ni-los.
Assim, em todas as situações em que o argu-mento da reserva de competência do Legis-lativo (assim como o da separação dos pode-res e demais objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignida-de da pessoa humana, ou na hipótese em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais ou não) resultar a prevalência dos direito sociais, poder-se-á sustentar, na es-teira de Alexy e Canotilho, quem na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo(SARLET, 2008, p.371)
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Revela-se, então, que diante de casos
onde o direito prestacional negligenciado ve-
nha a impedir a fruição dos demais direitos fun-
damentais, crível se faz possibilidade de controle
judicial da reserva orçamentária, no critério jurí-
dico de garantir o mínimo existencial(TORRES,
2008, p.120). Nesse diapasão, a teoria do mínimo
existencial notabiliza-se como verdadeiro crité-
rio jurídico unifi cador dos parâmetros aqui apre-
sentados.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao incluir os direitos sociais como espé-cie dos direitos fundamentais, o legislador cons-tituinte originário outorgou àqueles a mesma efi cácia dos ditos direitos fundamentais de liber-dade, plena aplicabilidade (art. 5º, §1º) e máxima efetividade, a teor da nova dogmática constitu-cional emancipadora. Nesse cenário vislumbra-se o direito subjetivo de se exigir judicialmente a imediata efetivação das normas constitucionais, autênti-co controle jurídico das omissões do Poder Pú-blico (destinatário da norma), com fundamento no princípio da inafastabilidade do Poder Judici-ário (art. 5º, inciso XXXV e art. 102). O poder-dever, precípuo do Judiciá-rio de buscar a máxima efetivação das normas constitucionais, caracterizado pela vinculação que todos os poderes institucionais têm com a efetivação dos direitos fundamentais, impõe uma atuação positiva da Jurisdição Constitucio-nal na defi nição do conteúdo e sentido correto dos direitos fundamentais. Portanto, não há que se falar em des-respeito ao princípio da separação dos poderes caso o Poder Judiciário venha a impor a efetiva-ção dos diretos de natureza prestacional ao Es-tado, visto que a omissão na prestação positiva dos direitos sociais (omissão do Poder Executi-vo) ou qualquer lacuna legislativa que os impe-çam de serem usufruídos (omissão legislativa), conferem aos benefi ciários da norma constitu-cional social o direito subjetivo (justiciabilidade)
de buscar judicialmente sua efetivação. Em última instância, a referida efetivação harmoniza o sistema jurídico pátrio, vez que a im-plementação dos direitos sociais visa a diminuição das desigualdades sociais e a promoção de condi-çôes mínimas de vida digna para o cidadão, que, por seu turno, é o objetivo fi nal do Estado Social Democrático de Direito adotado pelo Brasil. Desse modo é que se admite a legitimi-dade de atuação do Poder Judiciário na efetiva-ção dos direitos fundamentais sociais balizado em parâmetros jurídicos. O primeiro critério, vedação ao retro-cesso, seria autêntico parâmetro protetivo con-tra erosão e alvedrio do legislador na tentativa de minimizar as conquistas sociais já consagra-das no direito pátrio. Assim, todas as vezes que o legislador viesse a diminuir o âmbito protetivo dos direitos sociais, os benefi ciários da norma constitucional poderiam ingressar com o instru-mento processual apto ao caso concreto e pedir ao Poder Judiciário que impedisse. O segundo critério, reserva do possível, tem forte conotação quantitativa. Insere-se no âmbito da existência de recursos para efetiva-ção dos direitos fundamentais sociais. Trata-se de parâmetro negativo, pois demonstrado no caso concreto a disponibilida-de de recursos ou o uso desses em atividades não fundamentais, a teoria da reserva do pos-sível não poderá ser oposta pelo Poder Público na intenção de se esquivar da efetivação dos direitos sociais, cabendo ao Judiciário rechaçar a alegação e compelir o Administrador a cumprir seu dever constitucional.
O terceiro parâmetro sugerido, a teoria do mínimo existencial, vem a ser o critério jurí-dico unifi cador para legitimar a atuação do Judi-ciário neste âmbito. A estreita relação entre a te-oria citada e o princípio da dignidade da pessoa humana, sugere que este critério esteja sempre presente no caso concreto combinado a um dos outros apresentados, para que se afi gure legíti-ma a atuação do Poder Judiciário nesse âmbito. O “mínimo existencial” deve ser enten-dido na sua acepção ampliativa, no sentido de
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promover o desenvolvimento da pessoa huma-
na para além da própria sobrevivência. Qualquer
interpretação a menor deve ser prontamente
rechaçada pelo Poder Judicante, sob pena de
afrontar o princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais.
Defende-se aqui uma atuação crite-
riosa do Poder Judiciário na efetivação dos
direitos de cunho prestacional. Sempre que
no caso concreto se verifi car a omissão do Po-
der Público na concretização do núcleo dos
direitos sociais, havendo disponibilidade de
recursos ou estes empregados sem qualquer
conotação de fundamentalidade, ou, ainda, se
houver a restrição das posições jurídicas so-
ciais já delineadas, ao Poder Judiciário caberá
intervir de forma a determinar a efetivação das
prestações positivas exigidas, como forma de
dar cumprimento aos preceitos fundamentais
da Constituição Federal de 1988.
• ABSTRACT
Due to the 1988 Federal Constitution, the ori-
ginal legislator signed the choice of a model of
Social Democratic rule of law in Brazil, mainly
the constitutionalization of social rights. In this
context, the original constituent revealed the
concern in off ering basic conditions for the
promotion of individuals, thus ensuring the
minimum necessary to carry out its life plans
with dignity. It is precisely here that the funda-
mental social rights fi nd their legal signifi cance
and structural complexity, because the State,
as main agent of this process, has the duty of
enforcement of those rights. Nevertheless, we
can assume the attempt of the State to relieve
these constitutional obligations, which has led
people to get through the Judiciary Power to
get the realization of these positive benefi ts
denied. So, the Judiciary Power is for the “po-
wer - duty” to accomplish the fundamental
social matters when the Brazilian government
to evade its constitutional obligations and
making it based on legal criteria, such as for-
bideness to retrocess, “reserve of the possible”
theory and existential minimum theory.
• KEYWORDS:
Legal rights constitutialization. State’s omis-
sion. Judiciary Power efetivation. Legitimate
judicial criteria.
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 42 - 47 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 44442244444
Antônio Gonçalves VieiraProcurador-Geral de Justiça do Piauí.
• RESUMO
A profi ssionalização da gestão pública brasi-
leira foi impulsionada pela recomendação do
Tribunal de Contas da União, através do Acór-
dão nº 1.603/2008, visando a implantação de
planejamento estratégico institucional e em
tecnologia da informação. O presente artigo
objetiva analisar o processo de mudanças no
Ministério Público do Estado do Piauí a partir
da elaboração do planejamento estratégico.
• PALAVRAS-CHAVE
Ministério Público – Piauí. Planejamento estratégi-
co – Ministério Público. Gestão profi ssionalizada.
1 INTRODUÇÃO
O Tribunal de Contas da União/TCU,
através de recomendação expedida pelo Acór-
dão nº 1.603/2008, impulsionou a profi ssionali-
zação da gestão pública brasileira, importando
um instrumento utilizado com sucesso pela
iniciativa privada: o planejamento estratégico.
Em cenário internacional de profundas
mudanças, o Direito e as instituições não po-
dem fi car inertes, por isso devem acompanhar
as transformações sociais, sob pena de não
atenderem suas fi nalidades existenciais.
No âmbito do Ministério Público, é
bem verdade que alguns ramos mais vanguar-
distas se adiantaram, mas o acatamento da-
quela recomendação se difundiu, chegando
Novos rumos para o Ministério Público
do Estado do Piauí
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ao Conselho Nacional do Ministério Público/
CNMP e, no momento, delineia-se um projeto
ousado, de planejar nacionalmente a atuação
de toda a Instituição, congregando em torno
de objetivos comuns seus dois grandes ramos.
Este artigo tem por objetivo analisar o
processo de mudanças impulsionado no Mi-
nistério Público do Estado do Piauí pela elabo-
ração do planejamento estratégico.
2 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PIAUÍ
A primeira etapa do processo consis-
tiu na realização de um profundo diagnóstico
da Instituição, com participação de membros
e servidores. Aqui, identifi caram-se não apenas
as fragilidades, mas também os pontos fortes,
as oportunidades e as ameaças. Em seguida,
foram indicadas iniciativas que permitissem a
melhoria dos pontos fortes, combate aos pon-
tos fracos, enfrentamento às ameaças e apro-
veitamento das oportunidades.
Esse conjunto de medidas, materiali-
zadas em objetivos, estratégias e iniciativas es-
tratégicas, moldaram o Plano Estratégico 2010-
2022, lançado ofi cialmente no dia 26.03.2010,
após 7 (sete) meses de trabalho, contemplan-
do a atuação na área fi nalística e na área meio.
Para implantação, aquele Plano foi
fragmentado no Plano Geral de Atuação 2010-
2011 e em Planos de Ação para os vários órgãos
administrativos, estabelecendo as diretrizes
gerais e de atuação para cada um dos órgãos.
O que se repetirá a cada dois anos.
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Ao assumirmos o cargo de Procura-
dor-Geral de Justiça, no dia 18 de novembro
de 2010, fi rmamos a convicção de que o plane-
jamento estratégico era um projeto institucio-
nal e não meramente de um gestor. Por isso,
resolvemos que a sua implantação deveria ter
continuidade.
Com efeito, em face da dinamici-
dade própria do planejamento estratégico,
uma das primeiras medidas foi promover as
adequações necessárias, especialmente vol-
tadas à compatibilização com o orçamento
disponível. Para alcance desse propósito, re-
velou-se oportuna a elaboração de uma Pro-
gramação Financeira e do respectivo Crono-
grama de Execução Mensal de Desembolso,
exercício de 2011, conforme previsão na Lei
de Responsabilidade Fiscal.
A Programação Financeira permite
planejar, com a devida antecedência, as des-
pesas a serem suportadas pelo orçamento dis-
ponível e priorizar os investimentos voltados à
execução da estratégia traçada pelo Ministério
Público do Piauí.
3 GESTÃO ESTRATÉGICA
A partir da Constituição Federal de
1988, o Ministério Público se tornou “uma ins-
tituição permanente, essencial à função juris-
dicional do Estado, incumbida da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”,
consolidando-se como um defensor dos inte-
resses difusos e coletivos. Defensor, enfi m, da
sociedade.
Tradicionalmente, desenvolvia o papel
de acusador. Era até chamado de “acusador
ofi cial”. Passou, então, a defensor dos direitos
difusos e coletivos, traduzindo-se na defesa do
meio ambiente, consumidor, saúde, educação
e patrimônio público, por exemplo. Isso só
para mostrar a necessidade de atuação ampla,
o que também prova que a atuação principal,
hoje, não se resume ao âmbito criminal.
O processo de mudanças no perfi l de
atuação do Ministério Público está sendo im-
pulsionado pelas transformações sociais, que
exigem uma atuação na defesa de interesses
difusos e coletivos, e também, pelo Conselho
Nacional do Ministério Público.
Para atender as demandas contempo-
râneas, a Instituição precisa planejar sua atua-
ção, capacitar membros e servidores, adaptar
sua estrutura tecnológica e adequar sua es-
trutura física e de recursos humanos, o que é
possível com a implantação de uma gestão
estratégica.
A gestão estratégica é formatada a
partir de um novo modo de pensar, o pensa-
mento estratégico, que permite uma adminis-
tração em busca de resultados, focalizando um
bom atendimento às demandas sociais e cele-
ridade na tomada de decisões. As ações execu-
tadas no presente cotejam as implicações para
a construção do futuro desejável.
No Ministério Público do Piauí, a opção
foi por um planejamento estratégico de longo
prazo, 12 anos, o que é plenamente justifi cável
em face da necessidade de conciliação entre
as demandas internas e o orçamento reduzido
visando garantir uma atuação mais efetiva.
4 AS MUDANÇAS NO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO PIAUÍ
As mudanças no Ministério Público do
Piauí envolvem a área meio e a fi nalística.
Na área meio houve um fortalecimen-
to do Controle Interno e da Coordenadoria de
Tecnologia da Informação. Criaram-se a Coor-
denadoria de Comunicação Social, incluindo
as Assessorias de Cerimonial, de Imprensa e de
Relações Públicas, e a Coordenadoria de Perí-
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 42 - 47 jan./dez. 2011
cias e Pareceres Técnicos. O Setor de Pessoal foi
transformado em Coordenadoria de Recursos
Humanos, com as seguintes unidades admi-
nistrativas: Assessoria para Pagamento de Pes-
soal, Divisão de Controle de Frequência, Férias
e Afastamentos e Divisão de Pessoal; e a Co-
ordenadoria de Serviços Gerais e Patrimônio,
em Coordenadoria de Apoio Administrativo.
O Núcleo de Planejamento Estratégico assu-
miu o formato de Assessoria de Planejamento
e Gestão. A Coordenadoria de Contabilidade e
Finanças foi fundida com a Coordenadoria de
Orçamento e Gestão, resultando na Coordena-
doria de Contabilidade, Orçamento e Finanças.
Também houve uma reformulação da estrutu-
ra administrativa do PROCON e a uniformiza-
ção da estrutura dos Centros de Apoio Opera-
cional. Com a extinção da Coordenadoria da
Transparência e da Tramitação de Processos,
as atribuições foram diluídas entre a Coorde-
nadoria de Apoio Administrativo, a Secretaria
Geral e a Assessoria Especial do Gabinete do
Procurador-Geral de Justiça.
Essa reestruturação administrativa
preservou a quantidade de cargos prevista na
Lei Estadual nº 5.713/07 (Plano de Cargos e Sa-
lários dos Servidores do Ministério Público do
Estado do Piauí). Ressalte-se que nem todos os
cargos foram providos, em face do programa
de contenção de despesas.
Para auxiliar as decisões do Procura-
dor Geral de Justiça, constituímos Comissões
Permanentes. Entre elas, citamos as Comissões
Permanente de Acompanhamento, Supervi-
são, Controle e Parametrização da Folha de
Pagamento e Prestação de Contas; a Comissão
Permanente para Elaboração da Programa-
ção Financeira e do Cronograma de Execução
Mensal de Desembolso.
Ressalte-se que é salutar para a Institui-
ção executar o orçamento a partir de uma pro-
gramação fi nanceira pré-estabelecida, a qual
tencionamos observar em sua inteireza, como
forma, inclusive, de evitar suplementação orça-
mentária para atender despesas regulares.
Analisando a atuação fi nalística do
Ministério Público, Marcelo Pedroso Goulart
(2000) identifi ca dois modelos dentro do perfi l
institucional consagrado na Constituição Fe-
deral: demandista e resolutivo. O primeiro mo-
delo tem como horizonte a atuação perante o
Poder Judiciário, atuando como agente pro-
cessual; o segundo, a solução direta das ques-
tões referentes aos interesses sociais, coletivos
e difusos, superando a perspectiva meramente
processual da sua atuação e atuar integrada-
mente e em rede nos mais diversos níveis.
A fase resolutiva se coaduna perfei-
tamente com uma gestão estratégica, pois
permite o planejamento de uma atuação inte-
grada da Instituição, a partir de uma visão sis-
têmica na resolução dos problemas.
Nesse sentido, no âmbito do Ministé-
rio Público do Piauí foram redefi nidas as atri-
buições dos órgãos de execução no 1º grau, os
Promotores de Justiça. Inicialmente por inter-
médio da Resolução nº 01, de 28 de janeiro de
2010, posteriormente alterada pela Resolução
nº 03, de 14 de junho de 2010, ambas do Colé-
gio de Procuradores de Justiça. A nova estru-
tura atende as peculiaridades das demandas
submetidas à Instituição, independentemente
da organização judiciária do Piauí.
Em consequência, nos Municípios
com dois ou mais Promotores de Justiça a atu-
ação passou a ser dividida em dois grandes
ramos: cível e criminal. Em matéria cível, está
contemplada a defesa dos interesses difusos e
coletivos. Nas cidades de maior porte, a exem-
plo de Teresina, Parnaíba, Picos e Floriano, ins-
tituíram-se Núcleos de Promotorias de Justiça,
com atribuições defi nidas em cada um deles.
Deveras, em Teresina, as Promotorias
de Justiça estão distribuídas em 08 (oito) Nú-
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cleos, quais sejam: Criminais, do Júri, dos Jui-
zados Especiais, Cíveis, de Defesa da Cidadania
e do Meio Ambiente, da Fazenda Pública, de
Família e Sucessões e da Infância e Juventude.
Os Centros de Apoio Operacional, por
sua vez, foram reestruturados pelo Ato PGJ nº
10/2010, posteriormente convertido em Reso-
lução nº 09/2010, do Colégio de Procuradores
de Justiça. Esses Centros permitem um auxílio
aos membros do Ministério Público naqueles
assuntos de maior relevância: Defesa da Infân-
cia e Adolescência; Defesa da Cidadania e da
Saúde; Defesa do Meio Ambiente; Combate à
Corrupção e Defesa do Patrimônio Público; De-
fesa da Pessoa com Defi ciência e do Idoso e às
Promotorias de Justiça Criminais.
Especifi camente para combate às or-
ganizações criminosas, em 2007 foi criado o
Grupo Estadual de Combate às Organizações
Criminosas/GECOC, por intermédio da Resolu-
ção nº 02, do Colégio de Procuradores de Jus-
tiça, convertido em Grupo de Atuação Especial
de Combate ao Crime Organizado/GAECO, por
intermédio do Ato PGJ nº 165/2010.
O Programa de Proteção e Defesa do
Consumidor do Ministério Público do Estado
do Piauí/PROCON, regulamentado pela Lei
Complementar nº 36/2004, passa por uma
reestruturação para atender apenas as de-
mandas envolvendo direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos, havendo uma co-
ordenação geral em Teresina para auxiliar os
membros em matéria consumerista. O aten-
dimento às demandas individuais está sendo
repassado aos Poderes Executivos Municipais.
Todos esses órgãos têm a missão de
defi nir políticas institucionais de atuação, vol-
tadas às suas respectivas áreas de atribuições,
proporcionando uma atuação integrada e
simultânea, como aconteceu, recentemente,
com o ajuizamento de ações civis públicas
para nomeação de delegados de polícia apro-
vados em concurso público.
A atuação do Ministério Público no
2º grau também passa por um processo de
reestruturação, tramitando perante o Colégio
de Procuradores de Justiça 3 (três) propostas
de resoluções destinadas a disciplinar as atri-
buições, inclusive no tocante à especialização;
regulamentar a distribuição de processos aos
Procuradores de Justiça e para representação
do Ministério Público nas sessões de julgamen-
to do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
5 PARCEIRA ENTRE O MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL E O TRIBUNAL
DE CONTAS DO ESTADO DO PIAUÍ/TCE:
FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO
Impossível pensar, na atualidade, uma
atuação efi ciente do Ministério Público sem in-
tercâmbio de informações com outras institui-
ções que atuem na defesa dos elevados interes-
ses da sociedade.
Assim, o Ministério Público do Piauí
envida esforços para aproximação com outras
instituições, a exemplo do Tribunal de Contas
do Estado do Piauí, com quem tenciona fi rmar
termo de cooperação para compartilhamento
de informações e imprimir maior efi ciência no
desempenho das respectivas atribuições.
A parceria entre os diversos órgãos que
têm, em comum, a defesa do patrimônio públi-
co, com atuação conjunta e uniforme, repercu-
tirá positivamente na defesa desse patrimônio,
com grandes benefícios à sociedade.
6 DESAFIOS
A efetiva autonomia fi nanceira pode
ser apontada como um dos maiores desafi os
para o sucesso na implantação de uma gestão
estratégica. No Ministério Público do Estado do
Piauí permitirá a oferta da infraestrutura neces-
sária ao pleno desenvolvimento das atribuições
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ministeriais, com adequação dos recursos tec-
nológicos e do efetivo de membros e de servi-
dores.
Porém, não basta a oferta de recursos
materiais e humanos. É preciso responsabili-
dade na gestão desses recursos, inclusive para
promover a motivação de membros e de servi-
dores, oferecendo-lhes capacitação, aperfeiçoa-
mento funcional e remuneração justa.
Além disso, é imprescindível transfor-
mar a cultura de atuação isolada para uma atua-
ção integrada em torno da missão e da constru-
ção da visão institucional, pautada pelos valores
institucionais (honestidade, compromisso, de-
dicação, coragem, conhecimento, unidade e
transparência).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desconforto é natural em todo pro-
cesso de mudanças. Às vezes, o comodismo
acalenta a própria essência do ser humano, tor-
nando mais cômoda a sua existência, com re-
fl exos na vida privada e na profi ssional. Assim, é
absolutamente natural a resistência à mudança
de paradigmas.
No âmbito da Administração Pública, partiu-se
de um modelo de gestão desordenada para um
novo paradigma de gestão, fundamentado no
pensamento estratégico, visando a prestação
de um serviço calcado na efi ciência, efi cácia e
efetividade.
O Ministério Público não fi cou alheio a esse pro-
cesso. Paulatinamente, está aderindo ao plane-
jamento estratégico, partindo de ações isoladas
dos diversos ramos até alcançar um plano na-
cional.
No Piauí, o Ministério Público Estadual enfrenta
o confl ito entre o “velho” e o “novo” perfi l de
atuação, mas por certo conseguirá implantar
um modelo de gestão profi ssionalizada.
E, no avançar do Ministério Público piauiense,
não podemos deixar de ressaltar a contribui-
ção do Conselho Nacional do Ministério Públi-
co, pois, com as inspeções realizadas, detectou
pontos para mudanças de paradigmas e, atra-
vés disso, é que se está construindo um novo
Ministério Público Estadual.
• ABSTRACT
The profi ssionalization of the Brazilian Public
Management was stimulated by the recomen-
dation of the Brazilian Court of Audit (TCU),
through the Judgement 1.603/2008, aiming at
the implementation on both Institutional Stra-
tegic Management and Information Technolo-
gy. This article aims to analyze the process of
changes in the Prosecuting Counsel of State of
Piauí since the Strategic Planning started to be
prepared.
• KEYWORDS:
Prosecuting Counsel. State of Piauí. Strategic
Planning.
REFERÊNCIAS
GOULART, Marcelo Pedroso. Missão institucional
do Ministério Público. In: Rev. do Ministério Pú-
blico de Pernambuco, Recife, v. 3, n. 3, p.21-40,
2000.
PIAUÍ. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PIAUÍ. Planejamento estratégico. Teresina: W-
-Lage, 2010. 198 p.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 48
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 44448844444
Ana Carolina Sousa Barbosa, Lívia Maria da Silva Oliveirae Thiago Rodrigues Lula EulálioAcadêmicos de direito da Universidade Federal do Piauí.
• RESUMO
Este artigo tem como escopo iniciar as home-
nagens à data comemorativa dos 80 anos da
faculdade de Direito. Faz-se essa homenagem
por meio de um breve resumo do difícil trans-
curso histórico do ensino no Piauí até alcançar
o nível de ensino superior, enaltecendo a luta
dos intelectuais e bacharéis para a consolida-
ção da faculdade de Direito, o primeiro curso
superior do estado. Faz-se também uma refl e-
xão com um viés sociológico sobre a escolha
do Curso de Direito como o primeiro curso
superior. Essas discussões são fundamentais
para entender a importância da faculdade e
o papel dos estudantes de direito no estado.
• PALAVRAS-CHAVE:
Ensino Superior – Piauí. Faculdade de Direito –
História – Piauí. Cromwell de Carvalho – Piauí.
1 INTRODUÇÃO
O Piauí vem se mostrando no cenário
nacional como um dos estados mais pobres
da nação. Infelizmente, os dados mostram que
esse quadro parece não ter perspectiva de
sofrer alteração em curto prazo. Um exemplo
Os 80 anos da realização de um projeto: a faculdade de direito do Piauí e uma refl exão à luz das teorias marxistas
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disso é que no ano de 2002, apesar dos esfor-
ços dos governos federal e estadual, o último
censo do IBGE acusou uma cidade piauiense,
Guaribas, como a detentora do terceiro pior
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos
5.507 municípios do Brasil e a mais pobre, sen-
do escolhida como piloto para o programa as-
sistencialista Fome Zero.
Mas nenhum estado “nasce” pobre.
Logo, o que viria a ser a causa da pobreza do
Piauí? A pobreza desse estado não se dá por
motivos de precariedade natural, isso é fato.
Apesar do clima e do solo semiáridos em algu-
mas regiões, o estado tem muita riqueza mi-
neral e ainda conta com um dos maiores len-
çóis freáticos do Brasil. Assim sendo, pode-se
concluir que a sua pobreza ocorre, na verdade,
pelas condições históricas.
A atividade econômica inicial piauien-
se foi a pecuária extensiva, uma atividade que
não incentivava o desenvolvimento de infra-
estrutura, nem a inversão de capital. Por isso,
o estado iniciou sua trajetória econômica em
desvantagem em relação aos outros que de-
senvolviam atividades de maior demanda e lu-
cratividade como o cultivo da cana-de-açúcar
e, posteriormente, a mineração.
Devido a essa precariedade fi nancei-
ra, a pequena classe detentora de poder no
estado não se sentia incentivada a urbanizar a
cidade, deixando de lado, por exemplo, a im-
plantação de uma mínima estrutura de ensino.
O resultado disso foi que pouco se moveu em
torno da implantação de um sistema educa-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 50
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cional no Piauí desde a sua criação até meados
do século XVI.
Além disso, a devida atenção à educa-
ção não era dada pelos governantes, não só na
província, mas em todo o Brasil colonial. Não
era de interesse dos governantes da metrópole
criar polos de geração e aplicação de conhe-
cimento, uma vez que os objetivos portugue-
ses aqui eram claros: transferir ao máximo as
riquezas da colônia para Portugal. Por isso, ain-
da hoje paga-se por esse défi cit educacional,
que sem dúvida é uma das principais respostas
para a pergunta do que gerou a pobreza desse
estado.
2 A EVOLUÇÃO DO ENSINO NO PIAUÍ
Inicia-se agora um estudo que objeti-
va relatar o vagaroso processo de consolidação
do ensino no Piauí, um dos motivos principais
da pobreza histórica do estado.
O início da evolução do ensino no
Piauí registra-se pelo primeiro resquício de
educação do povo em 1733, quando padres
jesuítas do ciclo maranhense fundaram o “Ex-
ternato Hospício da Companhia de Jesus” esta-
belecimento de ensino que não logrou êxito,
em virtude das situações adversas do meio
(pobreza, dispersão demográfi ca dos núcleos
populacionais e precárias condições de comu-
nicação).
Em 1815, criam-se três escolas primá-
rias: uma em Oeiras, outra na Vila de Parnaíba e
uma na Vila de Campo Maior. O funcionamen-
to das três escolas foi seriamente prejudicado
devido ao fato de que os baixos salários não
eram atrativos o sufi ciente aos olhos dos in-
teressados em lecionar. Em contrapartida, por
conta das atividades econômicas que não per-
mitiam o intercâmbio cultural, a educação fi -
cou concentrada a essas províncias, agravando
assim o retardamento cultural e educacional
das demais províncias do Piauí.
Conquistada a independência do Bra-
sil, esperava-se que a situação educacional no
Piauí recebesse olhares mais atentos. A Consti-
tuição Imperial, retomando em parte o pensa-
mento da malograda Constituinte Monárquica,
revigora o ensino público como única solução
capaz de assegurar aos cidadãos a instrução
primária gratuita. Segundo Pereira da Costa,
em 1824, a Província contava apenas com os
seguintes estabelecimentos de ensino: três es-
colas primárias localizadas, respectivamente,
em Oeiras, Campo Maior e Valença; duas ca-
deiras de latim, uma em Oeiras e a outra em
Parnaíba.
Somente em 1845, através da Lei Pro-
vincial nº 198, do dia 6 de outubro, houve a
normatização da rede escolar, dando-lhe uma
estrutura administrativa adequada. A Lei cria o
cargo de Diretor da Instituição Pública, que de-
veria ser exercido por Juízes de Direito, defi ne
critérios para funcionamento da rede escolar
e para admissão de professores e estabelece
direitos e deveres dos mesmos. Finalmente,
cria o primeiro estabelecimento de instrução
secundária da Província, o Liceu.
O problema da qualifi cação do pesso-
al docente para o exercício do magistério pri-
mário e secundário era visível no Piauí, assim
como em outras províncias. No Piauí, o Ensino
Normal, voltado para a formação de professo-
res, data da segunda metade do século XIX, em
virtude da Lei Provincial nº 599 de 09 de outu-
bro de 1867, embora só tenha se afi rmado na
primeira metade do século XX.
O ensino confessional começa a estru-
turar-se na primeira década deste século, atra-
vés de instituições de ensino hoje com mais de
100 anos de atuação, como os colégios Dioce-
sano e Sagrado Coração de Jesus.
Vagarosamente, a educação no Piauí
foi melhorando: ensino primário, secundário,
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normal. O sistema educacional, tão fragiliza-
do desde o seu início, dá um salto inevitável,
tendo em mente a tendência natural que tudo
tem de evoluir, com a implantação da primeira
instituição de ensino superior do Estado: a Fa-
culdade de Direito do Piauí, no ano de 1931.
3 RELAÇÃO COM AS TEORIAS MARXISTAS
Mas por que o primeiro curso superior
foi Direito? De imediato, pode-se pensar que
um estado pobre não tem recursos sufi cien-
tes para criar laboratórios nem infraestrutura
necessária para implantação de cursos como
medicina e engenharia, por exemplo, que
requerem uma construção específi ca. Desse
modo, optar-se por direito, um curso de fácil
implantação estrutural, era mais viável. Ainda
mais tendo em vista que esse projeto partia
da iniciativa privada com pouca ou nenhuma
ajuda fi nanceira do governo.
Porém, essa é uma justifi cativa ingênua e sim-
plória, pois, por trás dessa escolha pode ser que
tenham existido interesses particulares:
Considerado uma porta de acesso à carreira política-conseqüentemente, ao poder, o cur-so de Direito sempre fi gurou entre os mais procurados, o que contribuiu pra transformar a Faculdade de Direito de Recife em principal centro receptor de estudantes piauienses. (VI-LHENA, 2006, p. 107)
Cabe iniciar agora uma discussão so-
bre as teorias marxistas que defendem o Direito
como instrumento de superestrutura ideológi-
ca de manipulação da classe dominante.
Karl Marx foi um economista e fi lóso-
fo alemão criador das teorias socialistas, tendo
escrito os livros “O Capital” e “Manifesto Comu-
nista”. Ele e Friedrich Engels desmascararam o
capitalismo e elaboraram a teoria socialista e
comunista como a solução natural para os pro-
blemas criados pelo capitalismo. Marx é consi-
derado por muitos um dos maiores fi lósofos da
história, e a sua obra, que data do século XIX,
ainda hoje é motivo de discussão e análise no
mundo todo, por isso o autor dispensa maiores
apresentações.
Nas suas teorias, Marx dizia que toda
a sociedade era determinada pela economia.
Na sua obra ele analisa os estágios pelos quais
a economia passou e observa que todo o res-
to é apenas conseqüencia. Os estágios da
economia seriam: o comunismo primitivo, o
modo de produção asiático, a produção es-
cravista, o sistema feudal e o último estágio
seria o capitalismo dos burgueses.
Na produção social de sua vida, os homens ingressam em relações determinadas, neces-sárias, independentes de sua vontade, relações de produção essas que correspondem a um ní-vel de desenvolvimento determinado de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econô-mica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas so-ciais de consciência. (MARX, 1961, p. 7)
Todos esses estágios da economia so-
freram crise e por isso iniciou-se o estágio se-
guinte. Assim sendo, com o capitalismo não se-
ria diferente, esse modo de produção já estava
fadado ao fracasso, suas contradições eram inú-
meras: a exploração do trabalhador por meio
da mais-valia, a riqueza do burguês, a fome e a
miséria da classe operária. Esses antagonismos
culminariam num enorme sentimento de revol-
ta que mobilizaria o operariado a fazer a revolu-
ção e tomar o poder dos burgueses.
Um dos mecanismos que os burgueses
utilizavam para manter a ordem social e con-
formar a classe operária era o Direito. Este para
Marx não passava da vontade da classe domi-
nante erigida em lei, sendo um elemento da su-
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perestrutura histórico-social. O Direito era legiti-
mado pelo Estado, o que comprovava que esse
estado apoiava a exploração e por isso deveria
ser tomado e destruído pelo operariado.
Criaram-se os direitos humanos e den-
tro deles o princípio de que todos são iguais
perante a lei com o intuito único de estabele-
cer uma conformação social. No entanto, para
Marx, tudo isso era apenas discurso ideológico
e representava na verdade o direito da desigual-
dade de classes desiguais.
Alguns exemplos históricos desse uso
do direito para manter uma situação de explo-
ração podem ser citados como: o direito da
antiguidade escravista, o direito medieval do
servilismo feudal, ou ainda o Direito Burguês da
mais-valia mediante a exploração capitalista do
trabalho assalariado, que é o enfoque marxista.
Dessa forma, para Marx, o direito exerce
um importante efeito colateral e ativo sobre o
transcurso histórico das lutas de classes. A histó-
ria recente mostra que Marx não errou ao dizer
que o direito é instrumento de manipulação de
classe, mas será que é só isso? E se não houvesse
o direito e vivêssemos em um estado despótico,
a quem a classe menos favorecida iria recorrer?
Você acha que o Direito pode ser um instru-mento de dominação? Ou garante a justiça?- Não há como negar que ele seja um pode-roso instrumento de dominação e, simultane-amente, promotor da justiça social. Como isto se faz? - Pelo equilíbrio das forças em jogo e dos inte-resses sociais. (Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)
O modelo socialista de Marx não se
concretizou, o socialismo real foi bem diferente
da teoria marxista. Não foram os operários que
tomaram o poder, e aqueles que conseguiram
chegar lá se tornaram tão autoritários como os
reis despóticos.
Todas essas discussões são muito in-
teressantes. Porém, o escopo deste trabalho é
fazer uma discussão sobre a criação da Facul-
dade de Direito no Piauí, teriam os interessa-
dos no projeto o objetivo de dominar a classe
menos favorecida utilizando o direito, como
defende Marx?
4 OS PRIMEIROS ANOS DA FACULDADE
DE DIREITO
A primeira Escola de Ensino Acadêmico
do Piauí foi fundada em 25 de março de 1931
e estabeleceu-se da iniciativa privada como re-
sultado do esforço de alguns intelectuais den-
tre eles Cromwell Barbosa de Carvalho, Luiz
Mendes Ribeiro Gonçalves, Mário José Baptista,
Giovani Costa Leopoldo Cunha, Francisco Pires
de Gayoso e Almendra, Cristino Castelo Branco,
Álvaro Ferreira e outros.
Contando com o apoio do Interven-
tor Federal, Capitão Joaquim de Lemos Cunha,
a Faculdade de Direito do Piauí é solenemente
instalada no dia 14 de abril de 1931, resultado do
decreto n. 1196 do dia 1 de abril de 1931:
Reconhece a Faculdade de Direito do Piauhy o Interventor Militar do Estado do Piauhy:Attendendo a que é de real interesse e vanta-gem a existência da Faculdade de Direito do Piauhy, crêada de accordo com os Estatutos que foram apresentados ao Governo do Esta-do, depois de regularmente approvados pela Comissão Fundadora do mesmo estabeleci-mento de ensino;Attendendo aos grandes alcances e á fi nali-dade patriotica dessa creação, que, no Estado vem incrementar e realizar defi nitivamente o estudo e o ensino das sciencias jurídicas e so-ciaes, abrindo vasto campo ao seu desenvolvi-mento cultural e scientifi co.DECRETA:
53
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
Art. I: É reconhecida como de utilidade publica e como estabelecimento de ensino superior em todo o Estado, a Faculdade de Direito do Piauhy.Art. 2º: Os diplomas expedidos pela mesma Faculdade terão curso no Estado e serão reco-nhecidos para todos os seus efeitos dentro do território piauhyense.Art. 3º: O Governo do Estado, nos termos do accordo realizado, que fi cará archivado na re-partição competente, prestará á Faculdade a sua subvença annual que fôr estabelecida, para o que abrirá os creditos necessarios.Art. 4º: De conformidade com os Estatutos aprova-dos reconhecidos, manterão o Governo Estadual um Fiscal de sua confi ança junto á Faculdade.Art. 5º: Revogam-se as disposições em con-trario.O Secretario de Estado do Interior, Justiça e Se-gurança Publica assim o faça executar.Palacio do Governo do Estado do Piauhy, em I de Abril de 1931; 43º da Republica.(L do S)
Cap. Joaquim de Lemos CunhaJustino Barbosa de Carvalho ”
Mais tarde, em 1932, o poder público estadual fazia cessão de um prédio na Rua Co-elho Rodrigues para funcionamento da Facul-dade até então precariamente instalada. Seus idealistas e fundadores tinham evidente exercício de atividades elevadas em esferas das profi ssões liberais, na sua maioria na magistratura, no Magistério secundário e no desempenho de atividades médicas. Sem nenhuma dúvida, era essa escola a única op-ção para a juventude emergente do ensino se-cundário, de maneira particular para os jovens que, carentes de melhor situação econômica, aspiravam a uma formação profi ssional supe-
rior e não podiam conseguir fora de Teresina.
Quem fazia Direito naquela época? - Predominantemente fi lhos de famílias de elevado poder aquisitivo. Exceção para pou-cos, dentre os quais eu me incluo, que não pertencendo a este tipo de família, consegui, pelo esforço e dedicação aos estudos. O que aconteceu comigo é explicado pela ‘coopta-ção’ que o sistema dominante favorece para se auto-justifi car como de natureza democrática. Eram predominantemente homens.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)
Somente dois anos depois de sua fun-
dação o Decreto Estadual nº 1471, de 16 de
agosto de 1933 ofi cializou a Faculdade de Direi-
to como estabelecimento de Ensino Superior.
Até então, ela funcionava sem o reconheci-
mento federal e, para alcançá-lo, se dedicaram
professores, alunos e eminentes políticos.
Para a sua equiparação, o Ministério da
Educação exigia verifi cação prévia das condi-
ções de funcionamento da Faculdade através
do relatório de um inspetor enviado ao Piauí
informando com segurança os requisitos exigi-
dos pelos decretos nacionais. Entretanto, o re-
conhecimento pedido foi negado duas vezes
devido a relatórios “vagos e imprecisos” ou por
“não satisfazer às formalidades legais”. Somente
na terceira fi scalização o relatório foi aprovado
pelo Conselho Nacional de Educação, sendo,
fi nalmente, a faculdade federalizada pelo De-
creto nº 864, de 10 de junho de 1936, tendo a
decisiva cooperação do governador Leônidas
de Castro Melo.
Mesmo com a federalização, as difi cul-
dades da faculdade para se consolidar não se
extinguiram:
[...]No início de 1933 havia três cadeiras vagas na faculdade em virtude de renúncia e mortes de seus titulares [...] em sessão extraordinária de 12 de julho de 1936, deliberou a Congregação abrir concurso público pra o preenchimento dessas vagas [...]. Terminado prazo de 180 dias para inscrição, verifi cou-se que nenhum candi-dato se apresentou. (FREITAS FILHO, 2003, p.20)
Mas, por que tanto desinteresse por
parte dos letrados piauienses? A explicação
para isso está no fato de que nem todos esta-
vam engajados nesse projeto ainda considera-
do por muitos inaplicável. Aqueles poucos que
tinham formação e capital, em sua maioria, não
estavam interessados nos baixos salários que a
faculdade oferecia e nem precisavam colocar
seus fi lhos para estudar em uma faculdade
recém-federalizada.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 54
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
Devido a essa falta de interesse pela
faculdade, a diretoria provinha, mediante con-
trato, as cadeiras vagas, e diversas vezes, as
preenchia com os próprios bacharéis, recém-
-formados na faculdade, para serem admitidos
como professores.
O professor catedrático Des. Cromwell
Barbosa de Carvalho foi eleito Diretor da fa-
culdade sucessivamente, permanecendo no
poder durante 18 anos. Desde 7 de julho 1933,
quando foi eleito, até 29 de março de 1951.
Os alunos criaram o Diretório Acadêmi-
co, que tinha o objetivo de defender os interesses
da classe: promovia seminários, debates jurídicos,
disputas esportivas e publicava a “Revista Acadê-
mica”, contendo artigos doutrinários e conferên-
cia de professores, bem como trabalhos jurídicos
de estudantes. Esse Diretório Acadêmico ainda
existe e continua desempenhando importantes
funções sendo chamado, hodiernamente, de
Centro Acadêmico Cromwell de Carvalho, uma
homenagem merecida a um dos maiores idea-
lizadores da faculdade.
Com o advento do Estado Novo, muitas
mudanças foram operadas no ensino em todo o
país, não fi cando a Faculdade de Direito imune
a elas. A Constituição de 1937 minimizava o de-
ver do Estado no ensino. Além disso, a proibição
da acumulação remunerada de cargos públicos
trouxe sérios problemas, pois todo o corpo do-
cente da Faculdade era constituído justamente
de funcionários públicos e Magistrados.
Assim sendo, todos os professores, in-
clusive o Diretor, renunciaram aos seus cargos
e sugeriram ao Senhor Governador a desofi -
cialização da Faculdade, de modo que ela pu-
desse ser mantida como Escola Livre de Ensino
Superior. O alvitre dos professores foi acatado
pelo Dec. nº 30, de 08 de fevereiro de 1938, e a
faculdade começou a ser mantida como socie-
dade particular, de caráter civil. Contudo, mes-
mo desofi cializada, ela continuou a receber as-
sistência fi nanceira do Governo do Estado do
Piauí e, no ano seguinte recebeu, autorização
do Ministro da Educação para funcionar.
No ano de 1942, foi nomeada para o seu
reconhecimento uma Comissão de fi scalização.
A Comissão fez um relatório que foi enviado ao
Conselho Nacional de Educação e foi aprovado,
sendo reconhecida defi nitivamente pelo Decre-
to-lei n° 19551, de 9 de janeiro de 1945.
No ano de 1950 foi aprovada, no Se-
nado Federal, emenda de autoria do Senador
piauiense Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves que
dispunha sobre o novo sistema de ensino su-
perior, pelo qual eram federalizadas várias Fa-
culdades estaduais e particulares.
Desse modo, a Faculdade de Direito do
Piauí foi federalizada pela Lei número 1254, de 4
de dezembro de 1950, fato que determinou uma
nova fase em sua história e ensejou o aprimora-
mento de seu corpo docente, com a realização
de concursos públicos que se tornaram memo-
ráveis e estimularam a vida cultural do Estado.
É inestimável a contribuição da Facul-
dade de Direito do Piauí ao desenvolvimen-
to cultural do Estado, dela saindo nomes do
maior relevo, nas ciências jurídicas e nas letras,
dentre os quais se destacam H. Dobal, M. Paulo
Nunes, Benedito Martins Napoleão, Clemen-
te Honorário Parentes Fortes, João Martins de
Moraes, José Camilo da Silveira Filho, Paulo de
Tarso Melo e Freitas, Raimundo Wall Ferraz, Cel-
so Barros Coelho, Wilson Andrade Brandão e
tantos outros igualmente ilustres.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, neste profícuo trabalho ten-
tou-se analisar os aspectos do fenômeno edu-
cacional piauiense desde os primeiros atos ofi -
ciais da fase de capitania até o surgimento da
Faculdade de Direito, situando, ainda que de
forma embrionária, o contexto social e cultural
55
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
do estado. Procurou-se mostrar os óbices que
a educação piauiense enfrentou, enfatizando-
-se: a pobreza, a carência de recursos humanos
e a inadequação de legislação como dominan-
tes na história educacional.
As mudanças que o Piauí sofreu du-
rante a primeira República extrapolam o nível
econômico. O relativo crescimento das cidades
e o desenvolvimento do comércio impuseram
naturalmente a formação de profi ssionais es-
pecializados fazendo com que as famílias in-
centivassem seus fi lhos a adquirirem conheci-
mento e formação técnica.
Dessa forma, a Faculdade de Direito do
Piauí foi um marco inicial do ensino superior no
estado. A formação versátil dos cursos de direi-
to possibilitava aos bacharéis adaptar-se com
relativa facilidade às novas condições políticas
e sociais de uma sociedade em mudança. Daí
o bacharelismo dominante, notadamente na
área política e cultural, e a consequente proli-
feração das faculdades de direito.
Como se observou, o Piauí tinha uma
economia predominantemente agropastoril e
mesmo assim adotava um modelo de educa-
ção que privilegiava bacharéis em direito em
detrimento de profi ssionais no campo da agri-
cultura e pecuária.
Qual a visão que as pessoas tinham do curso de Direito?- De muito respeito e admiração. Literalmente de ‘doutores’; homens da lei; futuro garantido; bom partido para um bom casamento.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)
Nesse sentido, as teorias de Karl Marx
e Friedrich Engels tomam impulso. Ao defen-
derem o direito como uma superestrutura ide-
ológica de legitimação da vontade das classes
dominantes, respaldam a ideia de que a Facul-
dade de Direito não estava dedicada à forma-
ção humanística da juventude piauiense e sim
à formação de uma classe de políticos fomen-
tadores de poder no estado.
Por que você escolheu o Direito como curso superior? O curso trazia muito status? Era um passaporte para a política?- Na época em que eu escolhi fazer Direito fui fortemente infl uenciado pela possibilidade de ascensão social e, ainda, pela infl uência do meu avô materno, que almejava ter um fi lho ou neto advogado, para seguir carreira política, o que não veio acontecer comigo.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)
Se essa era a intenção de alguns estu-
dantes piauienses como explica Tobias (1986):
Se o ideal da educação era o Doutor (Dr.), ba-charel em direito; se o país era pobre, paupér-rimo em escolas superiores; se toda mulher ti-nha sonho: casar com Doutor; se todo homem almejava ser doutor, era natural que, à seme-lhança da lei da oferta e da procura, houvesse a multiplicação anormal das Faculdades de Direito, de onde nasceu a proliferação desme-surada dos doutores em Direito.
O mesmo não se pode afi rmar sobre
seus idealizadores que seguiram a difícil traje-
tória de reconhecimento da faculdade.
Dessa forma, constata-se que os fun-
dadores da Faculdade de Direito do Piauí não
estavam procurando formar bacharéis que vi-
riam a dominar o estado e tomar as rédeas do
poder. Mas formar profi ssionais de elevada e
reconhecida competência para o desenvolvi-
mento intelectual do Piauí que lhe propiciasse
além de posse do grau do bacharelado, a visão universal, científi ca, dos processos sociais, com que se despertavam no intercâmbio das idéias, das doutrinas e das admiráveis lições de cul-tura jurídica que recebia dos ilustres mestres, abnegadamente atualizados, pela consciência e gênio da dar à escola e aos seus alunos a ca-pacidade cultural e profi ssional que recebiam os bacharéis em qualquer outra escola ou uni-versidade do país. (FREITAS FILHO, 2003, p.51)
O direito é, ainda hoje, um curso em
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 56
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
que muitos ingressam objetivando adquirir
status, infl uência política e poder de manipula-
ção das classes menos favorecidas. No entanto,
buscou-se demonstrar que talvez não tenha
sido esse o escopo dos idealizadores desse
ambicioso projeto de desenvolvimento do en-
sino no Piauí.
Se essa era a intenção dos que ingres-
saram e é a dos que hoje ingressam uma Facul-
dade de Direito, só a vivência cotidiana do con-
tato com o próximo, que o curso e a profi ssão
proporcionam, poderá torná-los conscientes
da essência do curso jurídico, como defende
Eros Grau (1991): “o Direito pretende proteger
e assegurar a liberdade de agir do indivíduo,
subordinando-a ao interesse coletivo; ele de-
marca as áreas da liberdade e do interesse co-
letivo tendendo à determinação de um ponto
de equilíbrio entre esses dois valores”.
Portanto, o dever do bacharelado jurí-
dico é formar profi ssionais, mas, acima de tudo,
cidadãos aptos a combater injustiças e promo-
ver o andamento saudável da vida em socieda-
de, através de suas regras e normas previamen-
te estabelecidas que visem à manutenção da
ordem e garantam, assim como na Revolução
Francesa, os atemporais ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade. Assim seja.
80 years of the realization of a project: the law school of Piaui and a refl ection light of Marxist theories.
• ABSTRACT
This article is scoped to start the celebrations
of the Law School 80th anniversary. This tri-
bute is made of a quick abstract of the hard
historical path of teaching on Piauí until it re-
aches the higher education, highlightning the
plight of intellectuals and college graduates to
consolidate the Law School, the fi rst college in
the state. It is also a refl ection sociological bias
about choosing Law as the fi rst higher educa-
tion course. Theses discussions are fundamen-
tal to understant the importance of the role of
the college and the students in the state.
• KEYWORDS:
Poverty historical, Piauí, education, primary
education, Karl Marx, domination, Faculty of
Law, Cromwell de Carvalho.
REFERÊNCIAS
BRITO, Itamar de Sousa, 1923 – História da Educa-
ção no Piauí, Teresina: EDUFPI, 1996, 1ª Ed.
FREITAS FILHO, Benedito da Rocha. Faculdade
de Direito do Piauí: 25 anos de sua história –
Benedito da Rocha Freitas Filho – Teresina: Gráfi -
ca Ibiapina, 2003.
VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de
Ícaro: tensões e dramas de um industrial no ser-
tão – Teresina, 2006.
GRAU, E. R. A ordem econômica na constitui-
ção de 1988: interpretação e crítica, São Paulo,
1991.
MARX, Karl. O Capital. 3. Ed., São Paulo, Nova
Cultural, 1988.
57
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
APÊNDICE - A
Entrevista integral ao professor Luís Soares
de Araújo Filho, formado na Faculdade de
Direito do Piauí há 37 anos. (1974)
1) Por que você escolheu o Direito
como curso superior? O curso trazia muito sta-
tus? Era um passaporte pra política?
- Na época em que eu escolhi fazer Di-
reito fui fortemente infl uenciado pela possibili-
dade de ascensão social e, ainda, pela infl uên-
cia do meu avô materno, que almejava ter um
fi lho ou neto advogado, para seguir carreira
política, o que não veio acontecer comigo.
2) Como era o ensino no Piauí (básico
e superior)?
- O ensino tanto básico como superior
era enormemente elitizado. Poucos tinham aces-
so à escola, em especial ao ensino superior.
3) Quem fazia Direito naquela época?
- Predominantemente fi lhos de famí-
lias de elevado poder aquisitivo. Exceção para
poucos, dentre os quais eu me incluo, que não
pertencendo a este tipo de família, consegui,
pelo esforço e dedicação aos estudos. O que
aconteceu comigo é explicado pela “coopta-
ção” que o sistema dominante favorece para se
auto-justifi car como de natureza democrática.
Eram predominantemente homens.
4) Qual a visão que as pessoas tinham
do curso de Direito do Piauí? Tinha credibilida-
de? E a faculdade de Recife, ainda era muito
procurada?
- De muita admiração. Os professores
eram as fi guras mais proeminentes da socieda-
de piauiense; grandes juristas; desembargado-
res, pessoas notáveis, de público e notório reco-
nhecimento: Des. Edgar Nogueira (Presidente
do TJ; Desembargador Robert Wall de Carvalho
(ex-Presidente do TJ; Desembargadores Paulo
Freitas, Raimundo Batista; Professores Celso Bar-
ros Coelho; Clemente Honório Fortes Parentes;
Darcy Araújo; Camilo da Silveira Filho (ex-reitor),
Valter Alencar (fundador da TV Clube), Osmarino
do Rego Monteiro; Benjamim Monteiro; Fides An-
gélica e tantos outros. Muitos dos professores ha-
viam sido ou eram Secretários de Estado; Políticos
(Deputados Federal, Estadual)
5) Como era a estrutura física da Facul-
dade? Bem equipada ou sucateada?
- Comecei o Curso de Direito na Facul-
dade de Direito do Piauí, localizada na Praça do
FRIPISA. Era uma Unidade de Ensino Superior
isolada, federal, que tinha uma razoável estru-
tura física. Com a criação da Universidade, ela
perdeu o status de Faculdade e foi transfor-
mada em um simples Departamento de Ensi-
no Jurídico. Este momento foi razoavelmente
traumático, com perca de status. Antes elite,
transformada em “povão”.
6) Como foi a transferência da velha
Salamanca para a UFPI?
- Traumático. O sentimento era nitida-
mente de perda de status, tanto por parte dos
professores como dos alunos. Este fato agrava-
va-se em razão do Curso de Medicina perma-
necer na Frei Serafi m. Direito reivindicava fi car
na velha Salamanca.
7) Lembra de algum fato engraçado?
- Atoleiros; pura lama; comumente fal-
tava energia elétrica e as aulas eram suspensas.
Não havia ônibus sufi ciente e aí o Reitor (Ca-
milo Filho) colocou ônibus da própria Univer-
sidade, que logo foram batizados de “Camilão”.
Registre-se que o ônibus era para os alunos
pobres, pois os de Direito, quase na sua totali-
dade, tinham carro próprio.
8) Algum fato marcante?
- Os professores costumavam acompa-
nhar a turma por todo o curso, enquanto tives-
se aquela disciplina. Por exemplo: Direito Civil
I, II,III, IV e V, ministrado pelo mesmo professor
(Clemente Fortes ou Celso Barros), o mesmo se
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 58
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 48- 59 jan./dez. 2011
dava com Direito Comercial I e II (Valter Alencar
e Darcy Araújo) Penal I, II, III e IV (Flávio Teixeira)
etc. Isto criava um elo de ligação e responsabi-
lidade muito forte entre professores e alunos.
9) Quais as oportunidades que um ba-
charel em Direito tinha no Piauí?
- As melhores oportunidades. Ainda
como estudantes, a grande maioria começou
a trabalhar, predominantemente, no serviço
público (funções burocráticas, administrativas)
ou no magistério particular. O salário permitiu
que muitos de nós casássemos ainda estudan-
tes. Ainda hoje, as melhores oportunidades de
trabalho e de salários estão reservadas para as
carreiras jurídicas.
10) Seus ex-colegas de classe se desta-
caram? (Destaque alguns)
- A grande maioria se destacou e a
quase totalidade se realizou social e profi ssio-
nalmente. Lembrar nomes e cargos é compli-
cado. É provável que a memória falhe. Mesmo
assim, vamos lá: Des. Raimundo Alencar (Bran-
co), Presidente do TJ; Francisco Alencar, Secre-
tário de Educação e de Finanças; Auditor Fiscal;
atual Dirigente da NOVAFAPI; Maria Eugênia,
Auditora Fiscal, Madalena Duarte Lopes – Fis-
cal do Trabalho; Cineas Santos – Professor; Ada-
la Carnib – Secretário de Educação; Professor
Universitário: Francisco das Chagas Rodrigues
– Professor Universitário;. Diretor do CCHL, Júlio
..... - Secretário da Fazenda; Orlando Pinheiro –
Juiz; José Alencar – Juiz; João Benigno – Pro-
motor; João .....- Juiz , Belizário – Juiz; Haroldo
– Secretário da Fazenda etc.
11) Foi importante o curso pra você,
em relação à prosperidade financeira, social
e pessoal?
-Sim. Sem nenhuma modestia, me
destaquei na área educacional, tendo inclusive
realizada cursos de pós-graduação latos e strito
sensu: Especializações (2) Mestrado e Doutora-
do, e exercido as mais diferentes funções na
educação piauiense (Chefe do Departamen-
to de Ensino de 1º Grau; Chefe da Assessoria
de Planejamento; Chefe do Departamento de
Fundamentos da Educação- CCE/UFPI; Diretor
do Centro de Ciências da Educação/UFPI; Di-
retor Pedagógico do Centro Tecnológico de
Teresina Prof. Marcílio Flávio Rangel Reis – CTT
etc.) e brasileira (Subsecretário de Desenvolvi-
mento Educacional do Ministério da Educação;
Assessor Superior de vários Ministros da Educa-
ção). Ainda hoje atuo como Consultor Educa-
cional para o Ministério da Educação (Avaliador
Institucional); UNESCO, Banco Mundial e Facul-
dades Particulares do Piauí, Maranhão, Paraíba,
Pará, Ceará e Pernambuco.
- Financeiramente, tenho as minhas
necessidades e as de minha família atendidas,
sem nada a reclamar.
- O mais importante é a realização pes-
soal, no que garanto me sentir plenamente re-
alizado. Embora tenha migrado do Direito para
a Educação, e realizado quatro pós-graduação,
inegável reconhecer que atribuo ao Curso
de Direito como o curso que me abriu todas
as portas e que foi a base para toda a minha
formação intelectual, favorecendo uma visão
e compreensão do Estado e da sociedade,
permitindo-me por eles transitar com bastante
desenvoltura.
12) Como você vê a importância do
curso para o Estado?
- Ele é de fundamental importância
como instrumento assegurador da justiça social.
13) Você acha que o Direito pode ser um ins-
trumento de dominação? Ou garante a justiça?
- Não há como negar que ele seja um
poderoso instrumento de dominação e, simul-
taneamente, promotor da justiça social.
Como isto se faz?
- Pelo equilíbrio das forças em jogo e
dos interesses sociais.
Data 1/11/2010
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 60
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 66660066666
Mario Henrique de Freitas Mendes Bacharel em Direito (NOVAFAPI) e Contador (UFPI). Especialista em Gestão Financeira (CEUT). Auditor Fiscal de Controle Exter-no do Tribunal de Contas do Estado do Piauí.
• RESUMO
O sistema de precatório é uma questão com-
plexa, que envolve um grande volume de re-
curso, e engloba a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios. Corresponde à dívida
pública, e ocorre quando a Fazenda Pública
tem uma quantia a pagar, oriunda de uma
decisão judicial, que tem regras diferentes da-
quelas aplicáveis às dívidas dos particulares.
Trata-se de um instituto jurídico com sede na
própria Constituição Federal de 1988, mas que
não vem funcionando como deveria, haja vista
que várias modifi cações foram feitas.
• PALAVRAS-CHAVE:
Direito Constitucional – Brasil. Precatório. Dívi-
da Pública.
1 INTRODUÇÃO
O instituto do precatório surgiu da ne-
cessidade de dar um tratamento adequado às
dívidas da Fazenda Pública. Trata-se de uma or-
dem de pagamento, que se materializa através
da expedição de um ofício, emitido pelo Presi-
dente do Tribunal que proferir a decisão exe-
quenda referente a pagamentos devidos pelas
Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e
Municipal, em virtude de sentença judiciária.
O particular pode sofrer constrição no
Precatórios: aspectos essenciais
e suas alterações
61
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
661111
seu patrimônio, decorrente de um processo de
execução e com a sua consequente penhora,
que hoje passou a ser on line. Enquanto que
o Estado desfruta de uma série de privilégios
não conferidos aos seus cidadãos, como a in-
disponibilidade, inalienabilidade e impenhora-
bilidade dos bens públicos; sendo essa impe-
nhorabilidade o fundamento para a existência
do precatório.
O sistema de precatório iniciou-se com
a Constituição Federal de 1934 e passou a fazer
parte de todas as constituições seguintes. Atu-
almente, vivemos sob a égide da Constituição
Federal de 1988 (CF/88), cujo sistema de preca-
tórios já contabiliza três Emendas Constitucio-
nais (EC), e é objeto de várias Ações Diretas de
Inconstitucionalidade pendentes de julgamen-
to. Apesar dessas três emendas, a situação está
longe de encontrar uma solução adequada,
pois já estamos na terceira moratória constitu-
cional. Mas, para tentar resolver essa questão,
foi promulgada a EC nº 62, de 9 de dezembro
de 2009, que trouxe importantes e polêmicas
alterações, que serão analisadas no decorrer
deste trabalho com mais detalhamento.
Este estudo está organizado em capí-
tulos que versam sobre os pontos fundamen-
tais para se compreender a matéria. O primeiro
analisa o instituto do precatório judicial, seu
conceito, sua situação no direito comparado
e a sua evolução histórica, culminando na su-
premacia do poder público e as suas implica-
ções. No segundo capítulo, a intenção é situar
o tema na conjuntura da Constituição Federal
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 62
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
de 1988, com destaque para as recentes mu-
danças, inclusive no âmbito das normas infra-
constitucionais.
2 PRECATÓRIO JUDICIAL
O precatório é uma ordem de paga-
mento, que se materializa através da expedi-
ção de um ofício, que é uma requisição de pa-
gamento, emitido pelo Presidente do Tribunal
que proferir a decisão exequenda referente a
pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas
Federal, Estadual, Distrital e Municipal, em vir-
tude de sentença judiciária.
O sistema de precatórios é uma cria-
ção genuinamente brasileira, pois se desco-
nhece a existência desse instituto em outros
países. E esse não é um fato do qual podemos
nos orgulhar. Muito pelo contrário. É motivo de
críticas de toda a sociedade e dos doutrinado-
res, exceto a Fazenda Pública, que se benefi cia
dessa situação, em detrimento do particular.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O Brasil esteve sujeito às leis portugue-
sas até obter a sua independência, em 7 de se-
tembro de 1822. Por isso, se torna importante
compreender as leis lusitanas correspondentes
ao período do Brasil colonial, haja vista que
Portugal passou pelo período das ordenações.
Segundo os ensinamentos de Delgado apud
Simionato (2008, p.387), “nas ordenações Ma-
nuelinas e Filipinas a execução contra Fazenda
Pública se processava da mesma forma contra
qualquer pessoa, inclusive com penhora”.
Conforme estudos de Silva apud Si-
mionato (2008, p.388), só em 1851 é que se
começou a vedar a penhora sobre bens da
Fazenda Pública, quando o Directório do Juízo
Fiscal e dos Feitos da Fazenda Pública editou
instrução, instituindo em seu art. 14, a impe-
nhorabilidade dos bens da Fazenda Pública
Nacional. Logo em seguida (1863 e 1865), pas-
sou-se a prescrever a impenhorabilidade dos
bens provinciais e municipais.
As duas primeiras constituições brasilei-
ras (1824 e 1891) deixaram a cargo do poder legis-
lativo a atribuição de legislar sobre a dívida públi-
ca e estabelecer os meios para o seu pagamento.
O precatório somente apareceu na
Constituição Federal de 1934. Esta Constituição
tratava apenas dos pagamentos devidos pela
Fazenda Federal, deixando de lado a Fazenda
Estadual e Municipal.
A Constituição Federal de 1937 pratica-
mente repetiu o que estava disposto na Cons-
tituição anterior, exceto quando defi niu que os
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em
virtude de sentenças judiciárias, seriam incluí-
dos nas verbas orçamentárias. A Constituição
de 1934 se refere a verbas legais.
Os pagamentos devidos pela Fazen-
da Estadual e Municipal passaram também
a ser submetidos ao sistema dos precatórios
a partir da Constituição de 1946, pois, antes,
apenas a Fazenda federal estava submetida a
esse sistema.
A Constituição Federal de 1967 (e a
Emenda Constitucional n° 1, de 1969), nos ter-
mos do §1º do art. 112, tornou obrigatória a in-
clusão, no orçamento das entidades de direito
público, de verba necessária ao pagamento
dos seus débitos constantes de precatórios ju-
diciários apresentados até primeiro de julho.
2.2 SUPREMACIA DO PODER PÚBLICO
E AS SUAS IMPLICAÇÕES
Se a Fazenda Pública cumprisse ime-
diatamente com a sua obrigação de pagar, não
haveria necessidade de expedição de precatório.
E essa obrigação de pagar é uma dívida pública,
que, por ter esse sistema especial de pagamento,
63
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
faz surgir o instituto jurídico do precatório.
O instituto do precatório tem como
fundamento a impenhorabilidade dos bens
públicos. O Estado e os seus cidadãos não es-
tão no mesmo nível. Existe uma supremacia do
poder público sobre o particular, que faz com
que o Estado tenha alguns privilégios, que ser-
vem para dar uma maior proteção aos seus
bens e direitos. Entre esses privilégios, temos a
indisponibilidade, inalienabilidade e impenho-
rabilidade dos bens públicos, e, ainda, o fato de
que esses bens não estão sujeitos a usucapião.
A Fazenda Pública, quando é parte em
um processo, goza de alguns privilégios, tais
como o prazo em quádruplo para contestar
e em dobro para recorrer (art. 188 do Código
de Processo Civil - CPC), as despesas dos seus
atos processuais serão pagas ao fi nal pelo ven-
cido (art. 27 do CPC), a dispensa de preparo
dos recursos interpostos (§1°, art. 511 do CPC)
e o reexame necessário das sentenças contra
si proferidas (art. 475, II, do CPC). Esse último ar-
tigo determina que está sujeita ao duplo grau
de jurisdição, não produzindo efeito senão de-
pois de confi rmada pelo tribunal, a sentença
que julgar procedentes, no todo ou em parte,
os embargos à execução de dívida ativa da Fa-
zenda Pública.
A execução contra a Fazenda Públi-
ca não segue as mesmas regras aplicáveis ao
particular. Por isso é que o Código de Processo
Civil colocou em uma outra seção a execução
contra a Fazenda, que está na seção III, capítulo
IV - Da execução por quantia certa contra de-
vedor solvente, arts. 730 e 731.
3 O PRECATÓRIO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
A carta magna trata do instituto dos
precatórios no art. 100, que é complementado
pelos seguintes artigos do ADCT: 33, 78 (inclu-
ído pela EC nº 30), 86 e 87, que foram incluídos
pela EC nº 37/2002 e 97 (incluído pela EC nº
62/2009).
O sistema de precatórios está presente
na redação original da CF/88, que foi modifi ca-
do por três Emendas Constitucionais (EC): a EC
nº 30, de 13 de setembro de 2000 - que alterou
a redação do art. 100 da CF e acrescentou o
art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), referente ao pagamento
de precatórios judiciários -, a EC nº 37, de 12
de junho de 2002 - que alterou os arts. 100 e
156 da CF e acrescentou os arts. 84, 85, 86, 87 e
88 ao ADCT - e a EC nº 62, de 9 de dezembro
de 2009 - que alterou o art. 100 da CF e acres-
centou o art. 97 ao ADCT, instituindo regime
especial de pagamento de precatórios pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Atualmente, está em vigor a terceira
moratória aplicável ao sistema de precató-
rios. A primeira delas foi disposta no art. 33 do
ADCT, em que, ressalvados os créditos de natu-
reza alimentar, o valor dos precatórios judiciais
pendentes de pagamento na data da promul-
gação da CF, incluído o remanescente de juros
e correção monetária, poderá ser pago em
moeda corrente, com atualização, em presta-
ções anuais, iguais e sucessivas, no prazo máxi-
mo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989.
A segunda moratória está presente no art. 78
do ADCT, em que ressalvados os créditos de-
fi nidos em lei como de pequeno valor, os de
natureza alimentícia, os de que trata o art. 33
do ADCT e suas complementações e os que
já tiverem os seus respectivos recursos libera-
dos ou depositados em juízo, os precatórios
pendentes na data de promulgação da EC nº
30/2000 e os que decorram de ações iniciais
ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão
liquidados pelo seu valor real, em moeda cor-
rente, acrescido de juros legais, em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 64
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
A terceira moratória é fruto da EC nº 62/2009, e
está situada no art. 97 do ADCT, que estipulou
o prazo de quinze anos (art. 97, §1º, II, do ADCT)
ou por um prazo indeterminado (art. 97, §14º,
do ADCT).
A Emenda Constitucional nº 30/2000
está sendo objeto das seguintes Ações Diretas
de Inconstitucionalidade (ADI): ADI nº 2.356,
ajuizada pela Confederação Nacional da Indús-
tria (CNI), tem como relator o ministro Néri da
Silveira (aposentado), cuja petição entrou no
STF em 28/11/2000 e a ADI nº 2.362, ajuizada
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advo-
gados do Brasil (CFOAB), tem como relator o
ministro Celso de Mello e cuja petição entrou
no STF em 05/12/2000. Essas duas ADIs tiveram
um julgamento de medida liminar em conjun-
to, em 10.02.2010, havendo um empate nessa
data. Mas que, em 25/11/2010, teve o voto de
desempate do ministro Celso de Mello, ausen-
te no julgamento de fevereiro devido a licen-
ça médica. O decano acolheu a posição do
relator em relação à procrastinação no tempo
dos precatórios pendentes na data da promul-
gação da referida emenda que acabaria por
fulminar a efi cácia imediata de uma sentença
judicial transitada em julgado, atentando con-
tra a independência do Poder Judiciário. Assim,
suspendeu-se a expressão contida no caput
do art. 78, do ADCT, incluído pela EC 30/2000 –
“os precatórios pendentes na data da promul-
gação desta emenda”.
3.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009
A Emenda Constitucional nº 62/2009
trouxe importantes e polêmicas alterações ao
sistema de precatórios. Ela modifi cou a reda-
ção original do caput do art. 100 e alguns de
seus parágrafos, e incluiu mais alguns pará-
grafos, também a esse mesmo artigo. E ainda
acrescentou o não menos polêmico art. 97 ao
ADCT.
A Resolução nº 115, de 29 de junho
de 2010, foi deliberada pelo Plenário do CNJ,
e regulamenta aspectos procedimentais da
emenda em comento, e dispõe sobre a Gestão
de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário.
Esta resolução entrou em vigor na data de sua
publicação, revogando a Resolução nº 92, de
13 de outubro de 2009.
Posteriormente, veio a Resolução nº
123, de 9 de novembro de 2010, que acres-
centa e altera dispositivos da Resolução nº 115
do CNJ. Conforme disposição expressa de seu
texto, essa nova resolução foi publicada consi-
derando as diretrizes traçadas no Encontro Na-
cional do Judiciário sobre Precatórios, realizado
em 30 de setembro de 2010, com a participa-
ção de representantes dos 56 tribunais brasilei-
ros com precatórios a pagar; e a necessidade
de tornar exequível a EC nº 62/2009, que insti-
tuiu o regime especial de pagamento de pre-
catórios, de modo que não se torne moratória
permanente.
Da mesma forma que a emenda nº
30/2000, a EC nº 62/2009 também está sendo
objeto de Ações Diretas de Inconstitucionali-
dade (ADI), que são as seguintes: ADI nº 4.357,
ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (CFOAB) e outros, que
teve parecer do Procurador Geral da Repúbli-
ca a favor da sua inconstitucionalidade, ADI nº
4.372, ajuizada pela Associação Nacional dos
Magistrados Estaduais (ANAMAGES), ADI nº
4.400, ajuizada pela Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMA-
TRA) e a ADI nº 4.425 ajuizada pela Confede-
ração Nacional da Indústria (CNI). Todas essas
ADIs referentes a essa emenda têm como rela-
tor o ministro Carlos Ayres Britto e estão con-
clusas ao relator.
Em relação à ADI nº 4.357, o Procurador
65
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
Geral da República se manifestou da seguinte
forma:
O parecer é pela procedência do pedido, em face da inconstitucionalidade formal relativa ao modo como se deu a votação da proposta que veio a resultar na EC 62. Acaso superada essa questão, é pela procedência parcial, a fi m seja declarada a inconstitucionalidade do art. 97 do ADCT, introduzido pela EC nº 62/2009.
A redação original do caput do art. 100
da CF foi modifi cado pela EC nº 62/2009, mas
foi mantida a exclusividade da ordem cronoló-
gica de apresentação dos precatórios e a conta
dos créditos respectivos, para os pagamentos
devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Es-
taduais, Distrital e Municipais, em virtude de
sentença judiciária, proibida a designação de
casos ou de pessoas nas dotações orçamentá-
rias e nos créditos adicionais abertos para este
fi m. Com isso, respeita os princípios da impes-
soalidade e da moralidade na Administração
Pública, expressos no caput do art. 37 desta CF.
O art. 4º da Resolução nº 115/2010
defi niu como momento de apresentação do
precatório o do recebimento do ofício peran-
te o tribunal ao qual se vincula o juízo da exe-
cução. Essa defi nição é importante, pois dela
decorrem várias situações jurídicas, tais como a
atualização de valores de requisitórios (§12) e a
apuração de sua liquidação regular (§7º).
Uma importante inclusão feita pela
Resolução nº 123/2010 foi o acréscimo de um
parágrafo ao art. 9º da Resolução nº 115/2010,
que faculta aos Tribunais de Justiça, de co-
mum acordo com os Tribunais Regionais Fe-
derais e do Trabalho, optar pela manutenção
das listagens de precatórios em cada Tribunal
de origem dos precatórios, devendo o Comitê
Gestor de Contas Especiais defi nir e assegurar
o repasse proporcional das verbas depositadas
nas contas especiais aos Tribunais que tenham
precatórios a pagar. Nesse caso, as impugna-
ções à ordem cronológica serão resolvidas
pelo Presidente de cada Tribunal.
O §1º do art.100 da CF defi ne os dé-
bitos de natureza alimentícia como sendo
aqueles decorrentes de salários, vencimentos,
proventos, pensões e suas complementações,
benefícios previdenciários e indenizações por
morte ou por invalidez, fundadas em respon-
sabilidade civil, em virtude de sentença judicial
transitada em julgado. Esse caráter alimentar
faz com que esses créditos, que são débitos
para a Fazenda Pública, sejam dotados de pri-
vilégios ou preferências, que foram objeto da
súmula nº 144 do STJ, segundo a qual os cré-
ditos de natureza alimentícia gozam de prefe-
rência, desvinculados os precatórios da ordem
cronológica dos créditos de natureza diversa.
Outra súmula, desta vez do STF, que
trata de créditos de natureza alimentícia e or-
dem cronológica dos créditos de outra natu-
reza é a de nº 655, que dispõe que a exceção
prevista no art. 100, caput, da CF, em favor dos
créditos de natureza alimentícia, não dispensa
a expedição de precatório, limitando-se a isen-
tá-los da observância da ordem cronológica
dos precatórios decorrentes de condenações
de outra natureza.
O §2º do art. 100 da CF retrata um pri-
vilégio especial ou qualifi cado que foi introdu-
zido pela EC nº 62/2009, e está regulamentado
pela Resolução nº 115/2010.
Com relação aos portadores de doen-
ças graves essa resolução prescreveu, no seu
artigo 14, que em caso de insufi ciência de re-
cursos para atendimento à totalidade dos pe-
didos de preferência, dar-se-á preferência aos
portadores de doenças graves sobre os idosos
em geral, e destes sobre os créditos de nature-
za alimentícia, e, em cada classe de preferência,
à ordem cronológica de apresentação do pre-
catório.
O art. 7º da Resolução nº 115/2010 con-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 66
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
sidera como momento de requisição do preca-
tório a data de 1º de julho, para os precatórios
apresentados ao Tribunal entre 2 de julho do
ano anterior e 1º de julho do ano de elabora-
ção da proposta orçamentária.
Em 29/10/2009, portanto antes da pu-
blicação da EC nº 62/2009, o STF editou a sú-
mula vinculante nº 17, que estabelece que du-
rante o período previsto no §1º do art. 100 da
CF, não incidem juros de mora sobre os preca-
tórios que nele sejam pagos. Onde está escrito
§1º, leia-se §5º, pois essa emenda modifi cou a
redação original do art. 100 e seus parágrafos.
A caracterização de crime de respon-
sabilidade praticado pelo Presidente do Tri-
bunal na forma do art. 100, §6° e 7°, da Carta
Política, não prejudicará a abertura de proce-
dimento administrativo adequado pelo Ple-
nário do CNJ, por omissão na adoção das me-
didas previstas na Resolução nº 115/2010, e as
modifi cações introduzidas pela Resolução nº
123/2010, nos termos dos arts. 38 e 39.
Não incluir no orçamento das entida-
des de direito público a verba necessária ao
pagamento de seus precatórios e o desvio de
recursos destinados ao seu pagamento consti-
tui crime de responsabilidade e ato de impro-
bidade administrativa do Presidente do Tribu-
nal, que responderá, também, perante o CNJ.
Em relação aos crimes de responsabi-
lidade, temos a lei nº 1.079, de 10 de abril de
1950, que defi ne os crimes de responsabilidade
e regula o respectivo processo de julgamento,
aplicando-se ao Presidente da República, aos
Governadores e outras autoridades. Quanto
aos Prefeitos Municipais, aplica-se o Decreto-
-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.
Os atos de improbidade administrati-
va estão previstos na lei nº 8.429/92, sendo que
nesse caso se subsume o art. 11, I (praticar ato
visando fi m proibido em lei ou regulamento
ou diverso daquele previsto, na regra de com-
petência), desviar recursos destinados ao pa-
gamento de precatórios e II (retardar ou deixar
de praticar, indevidamente, ato de ofício), não
incluir no orçamento a verba necessária ao seu
pagamento.
O caráter administrativo do processo
de expedição, processamento e pagamento
do precatório está expresso nos §§ 2º e 3º do
art. 6º da Resolução nº 115/2010, e, também,
está presente na súmula nº 311 do STJ, que dis-
põe que os atos do presidente do tribunal que
disponham sobre processamento e pagamen-
to de precatório não têm caráter jurisdicional.
O §9º, art. 100 da CF, é bastante contro-
verso em muitos aspectos, sendo, inclusive, um
dos pontos mais atacados pelas ADI. A expres-
são “independentemente de regulamentação”,
contida nesse §9º, signifi ca que a compensa-
ção de que trata esse item é auto-aplicável, ou
seja, essa é uma norma de efi cácia plena, de
aplicabilidade imediata.
A Resolução nº 123/2010 deu nova re-
dação aos §§ 3º e 4º da Resolução nº 115/2010,
e agora ordena que, tornando-se defi nitiva a
decisão que determina a compensação dos
valores a serem pagos mediante precatório,
deverá a Vara ou o Tribunal, conforme o órgão
que decidiu sobre a compensação, emitir cer-
tifi cado de compensação para fi ns de controle
orçamentário e fi nanceiro, juntando-os ao pro-
cesso administrativo de expedição do preca-
tório. A antiga redação do §4º entendia como
o momento que se operava a compensação o
da efetiva expedição do documento de arreca-
dação, e, com a nova redação, a compensação
se dará no momento da efetiva expedição do
certifi cado de compensação, quando cessará a
incidência de correção monetária e juros mo-
ratórios sobre os débitos compensados.
O §12 do art. 100 da CF está sendo ob-jeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, onde destacaremos, a seguir, trechos da ADI nº 4.425:
67
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
Duas situações podem ser vislumbradas na re-gra: uma primeira, na qual a decisão judicial já foi proferida, e uma segunda, na qual a decisão ainda está para ser tomada. Isto porque a dis-posição é ampla e geral para todas as situações existentes ou que venham a existir a partir da promulgação da Emenda Constitucional em questão.No primeiro cenário proposto, fi ca fl agrante a violação da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição), na medida em que se estará impondo como fator de correção índice diverso daquele eventualmente determinado pela decisão judicial. Ou seja, independente-mente do critério fi xado pela sentença judicial transitado em julgado, a atualização do valor da condenação após sua expedição e até o efetivo pagamento será invariavelmente feita segundo o índice ofi cial de remuneração da caderneta de poupança. Esvaziado, assim, o conteúdo da decisão e prejudicada a autono-mia e autoridade das decisões judiciais, o que também vulnera o princípio da separação de poderes (artigo 2º da CF).No segundo cenário aventado, o preceito também padeceria do vício de inconstitucio-nalidade. Com efeito, o índice ofi cial de remu-neração básica da caderneta de poupança é a Taxa Referencial (TR). Este índice cria distorções em favor do Poder Público, na medida em que, enquanto devedor, os seus débitos serão corri-gidos pela TR e, na condição de credor, os seus créditos fi scais se corrigem por meio da Selic. Assim, quando inexoravelmente se lhe é ga-rantido uma atualização de dívidas por índice inferior ao que atualiza seus créditos, estar-se-á estimulando o Estado a prolongar indefi nida-mente as discussões judiciais nas quais fi gura como devedor.
A doutrina de Harada (2010, p. 5) se
posicionou sobre os juros da seguinte forma:
A exclusão dos juros compensatórios, intro-duzidos nas expropriatórias por criação pre-toriana, está correta. Sua acumulação com os juros moratórios conduz a uma incoerência, pois o expropriado não pode ser, ao mesmo tempo, titular da coisa desapropriada a jus-tificar incidência de juros compensatórios, e da indenização a justificar juros moratórios pelo atraso no seu pagamento. Ora, a in-denização substitui a coisa expropriada re-compondo o patrimônio do expropriado em nada acrescentando.
A EC nº 62/2009 acrescentou o art. 97
ao ADCT, que estipula que até que seja edita-
da a lei complementar de que trata o §15 do
art. 100 da CF, os Estados, o DF e os Municípios
que, na data de publicação desta EC, estejam
em mora na quitação de precatórios vencidos,
relativos às suas administrações direta e indire-
ta, inclusive os emitidos durante o período de
vigência do regime especial instituído por este
artigo, farão esses pagamentos de acordo com
a opção feita pelos Estados, DF e Municípios,
nos termos dos §§ 1º e 2º, sendo inaplicável o
disposto no art. 100 desta CF, exceto em seus
§§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo
dos acordos de juízos conciliatórios já formali-
zados na data de promulgação desta EC.
Esse art. 97 do ADCT é um dos pontos
mais controvertidos dessa EC, sendo objeto de
várias ADI. Na ADI nº 4.357, o parecer da Pro-
curadoria Geral da República foi pela sua in-
constitucionalidade, cujo ponto central está na
ofensa ao próprio Estado de Direito.
Os Estados, DF e Municípios podem
optar, conforme esse art. 97, §1º e §2º, entre o
parcelamento em até 15 anos da dívida ou o
depósito mensal de um percentual calculado
sobre as suas receitas correntes líquidas (RCL).
Sendo que esse percentual da RCL pode fa-
zer com que esses entes federativos passem
décadas nesse regime especial, caso optem
por fazer o pagamento utilizando o percentu-
al mínimo exigido. Por isso é que sobreveio a
Resolução nº 123/2010 e modifi cou a Resolu-
ção nº 115/2009. Por essa nova resolução, está
fi xado o prazo máximo de quinze anos para o
pagamento integral dos precatórios atrasados,
e não o prazo indeterminado possibilitado an-
teriormente.
Algumas das mudanças mais impor-
tantes trazidas pela Resolução nº 123/2010 são
as que acrescentam os §§ 1º, 2º e 3º ao art. 20
e dão uma nova redação ao inciso IV do art. 28,
todos da Resolução nº 115/2010.
A lei no 10.522, de 19 de julho de 2002,
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 68
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
dispõe sobre o Cadastro Informativo dos crédi-
tos não quitados de órgãos e entidades fede-
rais (Cadin), que, de acordo com o seu art. 2o,
conterá a relação das pessoas físicas e jurídicas
que sejam responsáveis por obrigações pecu-
niárias vencidas e não pagas, para com órgãos
e entidades da Administração Pública Federal,
direta e indireta. Essa lei fi xa sanções aos ins-
critos no Cadin. Agora temos, conforme o art. 3º
da Resolução nº 115/2010, o Cadastro de Entida-
des Devedoras Inadimplentes (CEDIN), instituído
no âmbito do Sistema de Gestão de Precatórios
(SGP), mantido pelo CNJ, no qual constarão as
entidades devedoras que não realizarem a libe-
ração tempestiva dos recursos de que tratam o
inciso II do §1º e os §§ 2º e 6º do art. 97 do ADCT.
A entidade que constar nesse cadastro não pode
contrair empréstimo externo ou interno, receber
transferências voluntárias enquanto nele fi gurar,
bem como receber os repasses relativos ao Fun-
do de Participação dos Estados e do Distrito Fe-
deral e ao Fundo de Participação dos Municípios.
Dessa forma, temos um cadastro de inadimplen-
tes também para o poder público, previsto nessa
resolução, pois o cadastro de inadimplentes para
o particular já existia.
O Estado do Piauí optou pelo paga-
mento de seus precatórios judiciários, da admi-
nistração direta e indireta, na forma do inciso II
do §1º do art. 97, de acordo com o Decreto nº
14.075, de 09/03/2010.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema de precatório é bastante com-
plexo, mas que não vem funcionando como
deveria, haja vista que várias modifi cações fo-
ram feitas.
Atualmente, vivemos sob a égide da
Constituição Federal de 1988 (CF/88), cuja siste-
mática de precatórios já contabiliza três Emendas
Constitucionais, e é objeto de várias Ações Dire-
tas de Inconstitucionalidade pendentes de julga-
mento. Apesar dessas três emendas, a situação
está longe de encontrar uma solução adequada,
pois já estamos na terceira moratória constitu-
cional. Mas, para tentar resolver essa questão, foi
promulgada a EC nº 62, de 9 de dezembro de
2009, que trouxe importantes e polêmicas alte-
rações, que modifi caram a redação original do
caput do art. 100 e alguns de seus parágrafos, e
incluiu mais alguns parágrafos, também a esse
mesmo artigo. E ainda acrescentou o não menos
polêmico art. 97 ao ADCT.
Para regulamentar aspectos proce-
dimentais da emenda nº 62/2009 e, ainda,
dispor sobre a Gestão de Precatórios no âm-
bito do Poder Judiciário, foi deliberada pelo
Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº
115/2010.
Posteriormente, veio a Resolução nº
123/2010, que acrescenta e altera dispositivos da
Resolução nº 115 do CNJ. Um dos pontos que
merece destaque é a fi xação de um prazo má-
ximo de quinze anos para o pagamento integral
dos precatórios atrasados, e não o prazo indeter-
minado possibilitado anteriormente, pois nesse
caso a moratória seria permanente.
Algumas modificações recentes fo-
ram positivas, tais como o estabelecimento
de penalidades em caso do não pagamen-
to de precatórios. No entanto, muitas dessas
modificações estão sendo objeto de críticas
pela doutrina, com destaque para a com-
pensação unilateral realizada pela Fazenda
Pública (§9° do artigo 100 da CF) e a atua-
lização de valores dos precatórios (§ 12 do
artigo 100 da CF).
• ABSTRACT
Precatory system is a complex issue that invol-
ves a large amount of resource, and includes
the Federal, State, Federal District and Munici-
palities. Corresponds to the debt, and occurs
69
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011
when the treasury has to pay an amount, co-
ming from a judicial decision, which has diff e-
rent rules from those applicable to the debts
of individuals. This is a legal institution establi-
shed in the Constitution of 1988, but that has
not working as it should, considering that seve-
ral modifi cations were made.
• KEYWORDS:
Constitutional Law. Precatory. Public Debt.
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cnj.jus.br/portal/atos-administrativos/atos-da-
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 70
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 77770077777
Werner Oliveira HenriquesBacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UES-PI) e atualmente servidor público da Secretaria de Justiça do Estado do Piauí exercendo o cargo de agente penitenciário.
• RESUMO
Este estudo procura analisar uma opção à atu-
al gestão do Sistema Prisional brasileiro, enfa-
tizando a importância de efetiva aplicação de
penas alternativas dentro do Sistema Prisional,
partindo da premissa de que as alternativas às
penas privativas de liberdade poderão resol-
ver, em parte, os problemas carcerários, em
especial a superlotação. Além da possibilidade
de amenizar os problemas dentro do Sistema
Prisional, deixa-se de obstaculizar a ressociali-
zação prisional. As penas alternativas, quando
passam a ser foco de Políticas Públicas refe-
rentes à gestão do Sistema Prisional, tornam-
-se um importante instrumento para a efetiva
ressocialização prisional, como preceitua a Lei
de Execução Penal.
• PALAVRAS-CHAVE
Execução Penal – Brasil. Prisões – Político go-
vernamental – Brasil. Ressocialização – Brasil.
Penas alternativas – Brasil.
1 INTRODUÇÃO
É notório que o Sistema Prisional bra-
sileiro está imergindo em uma crise bastante
complexa, envolvendo vários setores da socie-
dade. Entre eles o Poder Judiciário, o Legislati-
vo, o Executivo, a própria sociedade e os servi-
Penas alternativas e ressocialiazação prisional:
saídas à atual política prisional
71
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
771111
dores penitenciários.
As penitenciárias brasileiras encon-
tram-se em situações inadequadas para a so-
brevivência humana na aplicação da pena, o
que gera uma grande debilidade fi siológica e
psicológica nas pessoas ali presas.
Alia-se a esta realidade, a difi culdade
de assistência jurídica gerada pela falta de re-
cursos, tanto por parte do detento, como do
próprio Estado. Hoje, a demanda está muito
além das disponibilidades de Defensores Pú-
blicos no país, o que gera a manutenção de
prisões ilegais, a ocorrência de detentos cum-
prindo pena privativa de liberdade além do
período determinado na sentença condenató-
ria e um abarrotamento de presos provisórios.
Diante dessa realidade, a pena privati-
va de liberdade deve ser evitada ao máximo,
sendo recomendável, sempre que possível,
substituí-la por uma pena alternativa. Neste as-
pecto, o Sistema Prisional apresenta-se muito
distante daquilo que é necessário para fazer
cumprir as funções de ressocialização e os efei-
tos da cadeia na vida criminal têm invalidado
amplamente a hipótese da ressocialização do
delinquente através da prisão.
Diante o exposto, como poderíamos
reinserir o infrator à sociedade? Diante de tan-
tas circunstâncias desfavoráveis, é possível tal
reinserção aos moldes do art 1º da Lei de Exe-
cução Penal? Que alternativa poderia ser dada
à atual Política Pública referente ao Sistema Pri-
sional?
Uma alternativa proposta seria a apli-
cação mais efetiva de penas alternativas, co-
nhecida também como penas restritivas de
direito, de forma que se possa, com ela, possi-
bilitar a ressocialização prisional.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 72
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
Seguindo esta lógica, a aplicação efe-
tiva de penas alternativas é um importante
mecanismo de ressocialização prisional den-
tro do complexo dinamismo penal, quando se
busca colocar em prática os objetivos por ela
lançados. Além do que torna possível algo que
o próprio sistema prisional tanto carece: esta-
belecimentos penais “desabarrotados”, princi-
palmente quando levamos em consideração
as estruturas debilitadas de nossos presídios.
2 PENAS ALTERNATIVAS: CONCEITOS
E REQUISITOS PARA APLICAÇÃO
As penas alternativas são punições
que substituem a pena de prisão aplicada pelo
juiz e por conta disso são consideradas como
penas substitutivas à pena privativa de liberda-
de, estando elencadas no art. 43 do Código Pe-
nal. O seu caráter substitutivo se dá porque, ao
ser anunciada a condenação, o juiz, atendendo
os requisitos, procederá à substituição por uma
pena alternativa, conforme prescreve o art. 44
do nosso Código Penal. Neste aspecto, conti-
nua sendo pena, só que não será cumprida no
presídio, mas em liberdade, junto à sociedade.
Neste sentido, Fernando Capez (2002,
p. 343) afi rma que as penas alternativas consti-
tuem toda e qualquer opção à sanção ofereci-
da pela legislação penal para evitar a imposição
da pena privativa de liberdade. E acrescenta
que os objetivos da nova lei (lei nº 9.714/98),
que insere novas penas restritivas de direitos,
seria o de dar cumprimento ao disposto no art.
5º, XLVI da Constituição Federal, que prevê a
pena de prestação social alternativa, além de
buscar metas como a diminuição da superlo-
tação dos presídios com redução de custos
para o sistema penitenciário; favorecimento
da ressocialização do autor do fato, evitando
o deletério ambiente do cárcere e a estigmati-
zação dele decorrente; redução da reincidên-
cia, uma vez que a pena privativa de liberdade,
dentre outras, é a que detém o maior índice de
reincidência; além da preservação dos interes-
ses da vítima.
O art. 44 do Código Penal dispõe so-
bre os requisitos objetivos e subjetivos para
a substituição da pena privativa de liberdade
pela restritiva de direitos, sobre o escalona-
mento das penas restritivas de direito, confor-
me a pena aplicada, e sobre a conversão da
pena restritiva de direito em privativa de liber-
dade. Orienta, ainda, o citado artigo, que se faz
necessária a presença dos pressupostos objeti-
vos e subjetivos simultaneamente.
No que tange aos pressupostos ob-
jetivos, observa-se que, para a substituição da
pena, deverá ser efetivada caso a pena privati-
va de liberdade aplicada seja igual ou inferior a
4 (quatro) anos, e no casos de crime culposo,
a substituição se fará, independentemente da
quantidade da pena imposta.
Já no requisito subjetivo para a aplica-
ção do instituto em estudo, observa-se que o
réu não deve ser reincidente em crime doloso,
assim como serão levados em conta também
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta ou
a personalidade; ou ainda os motivos e circuns-
tâncias que recomendam a substituição.
Discussão interessante acerca de sua
aplicação se dá quando se vislumbra a possi-
bilidade de aplicação aos crimes hediondos
e a ele equiparados. Na lei nº 8.072 de 25 de
julho de 1990, em seu art. 2º, § 1º, com nova
redação dada pela lei nº 11.464/2007, estabe-
lece que a pena em crimes hediondos e a ele
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
equiparados será cumprida, inicialmente, em
regime fechado, possibilitando sua progressão,
se preenchidos os requisitos objetivos do § 2º
do citado artigo. Porém, em nenhum momen-
to se mencionou da proibição da aplicação
das penas restritivas de direito, aqui chama-
das de penas alternativas. No entanto, a lei nº.
11.343/2006 (Lei de Drogas) estabelece em seu
art. 44, a proibição de conversão da pena priva-
tiva de liberdade em restritivas de direitos.
Referente à possibilidade de aplicação
de penas alternativas aos crimes hediondos e
a ele equiparados, segundo jurisprudência do-
minante do STF (Supremo Tribunal Federal), é
perfeitamente possível a aplicação de penas
alternativas ao condenado pela prática de cri-
mes hediondos, uma vez que não há vedação
expressa acerca da possibilidade. No que tange
aos equiparados, em especial aos tipifi cados
na lei nº 11.343/2006 (arts. 33 a 37), há recentes
decisões do STF no sentido de ser possível a
aplicação das citadas penas, apesar de haver
disposição legislativa em contrário (arts. 33, §
4º e 44, da lei nº 1.343/2006).
Segundo o informativo 615 do STF, a
2ª turma concedeu Habeas Corpus para de-
terminar ao juízo da execução que proceda
ao exame da possibilidade de substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos ou, no caso de o paciente não preen-
cher os requisitos, que modifi que o regime de
cumprimento da pena para o aberto. No caso
em tela, o paciente foi condenado à pena de
1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão a ser
cumprida inicialmente em regime fechado,
conforme estabelece a lei de Crimes Hedion-
dos. Porém, em sede de Habeas Corpus, o Min.
Gilmar Mendes determinou a substituição de
pena de reclusão imposta por restritiva de di-
reito, uma vez preenchidos os requisitos para
a concessão da mesma. Destaca ainda que a
determinação do legislador para cumprimen-
to da pena em regime inicialmente fechado,
independentemente do quantum da pena na
lei de Crimes Hediondos, violaria o princípio
constitucional de individualização da pena e
da proporcionalidade. A corte declarou ainda,
incidentalmente, a inconstitucionalidade da
expressão “vedada a conversão em penas res-
tritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33
da Lei nº 11.343/2006, e da expressão “vedada
a conversão de suas penas em restritivas de di-
reitos”, contida no referido art. 44 do mesmo
diploma legal. Desta forma, estenderam-se a
aplicação das chamadas penas alternativas aos
mais diversos crimes.
É observado que, em regra, é aplica-
da aos crimes de menor potencial ofensivo,
sendo, inclusive, aplicada também nos Jui-
zados Especiais Criminais. Crimes estes que
compõem uma parcela considerável da po-
pulação carcerária atual, podendo, quando
adequada a sua aplicação, evitar o contato de
criminosos eventuais com aqueles criminosos
por “profi ssão”.
3 RESSOCIALIZAÇÃO PRISIONAL
A Lei nº. 7.210 de 11 de julho de 1984
(Lei de Execução Penal), em seu art. 1º, prevê
como meta da Lei de Execução Penal propor-
cionar condições para a harmônica integração
social. Neste ínterim, as penas alternativas ob-
jetivam metas similares no intuito de facilitar a
reintegração social, de forma a dar condições
de devolver o infrator à sociedade. Visando, so-
bretudo, cessar o ciclo vicioso de prender o in-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 74
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
frator, devolvê-lo à sociedade para em seguida,
o mesmo infrator, voltar ao sistema prisional,
política essa que está mais do que provado
que não resolve o problema no sistema pri-
sional.
A aplicação de penas alternativas per-
mite-nos visualizar um processo mais tranquilo
de ressocialização, pois o condenado continua
em liberdade mantendo um elo mais próximo
com sua família e amigos, assim, não retirando
dele os seus bens mais caros: liberdade e digni-
dade humana. Mas, neste contexto, o que seria
a ressocialização?
Para Eugenio Raul Zaff aroni (2001, p.
23), a ressocialização está longe de ser objetivo
da pena de prisão, uma vez que se pauta em
objetivos antagônicos de punir e exemplariar.
Ou seja, perdeu-se muito a bússola da resso-cialização, não sendo mais possível considerá--la utopia, algo irrealizável e sim algo absurdo, aquilo que jamais poderá ser feito porque está em oposição à lógica.
Neste aspecto, o mesmo Zaff aroni
vislumbra tal absurdo quando se depara com
a prática penitenciária, que provoca vexames,
além de divergir dos seus próprios objetivos de
ressocialização, violando os direitos dos apena-
dos e os princípios de dignidade. Ou seja, na
medida em que a ressocialização é objetivada
sem alicerce para sua efetivação, torna-se algo
com escassa possibilidade de concretude.
Já Damásio Evangelista de Jesus refe-
re-se ao modelo ressocializador como sistema
reabilitador, que indica a ideia de prevenção
especial à pena privativa de liberdade, deven-
do consistir em medidas que vise ressocializar
a pessoa em confl ito com a lei. Nesse sistema, a
prisão não é um instrumento de vingança, mas
sim, um meio de reinserção mais humanitária
do indivíduo na sociedade. Porém, este mode-
lo ressocializador das nossas prisões destaca-se
por seu realismo, pois não lhe importam os fi ns
ideais da pena, muito menos o delinquente
abstrato, senão o impacto real do castigo, tal
como é cumprido no condenado concreto do
nosso tempo. Não lhe importa a pena nominal
que contemplam os códigos, senão a que real-
mente se executa nas penitenciárias hoje.
Cezar Roberto Bitencourt esclarece o
conceito da seguinte maneira:
A ressocialização passa pela consideração de uma sociedade mais igualitária, pela imposição de penas mais humanitárias, prescindindo den-tro do possível das privativas de liberdade, pela previsão orçamentária adequada à grandeza do problema penitenciário, pela capacitação de pessoal técnico, etc. Uma consequência ló-gica de teoria preventivo-especial ressocializa-dora é no âmbito penitenciário, o tratamento do delinquente. A primeira contrariedade que se apresenta em relação ao tratamento peni-tenciário é sua efi cácia diante das condições de vida que o interior prisional oferece atual-mente. Em segundo lugar, mencionam-se os possíveis problemas para o delinquente e seus direitos fundamentais que a aplicação acarre-taria. Finalmente, a terceira posição refere-se à falta de meios adequados e de pessoal capa-citado para colocar em prática um tratamento penitenciário efi caz. (2001, p. 49)
Por conta disso, busca-se tratar aqui
das penas alternativas, no contexto de um mo-
delo ressocializador e humanitário, alternativo
à Política hoje aplicada ao Sistema Prisional,
onde a pena deixa de servir como mero instru-
mento de vingança e resposta imediata à so-
ciedade contra aquele que infringiu a lei e pas-
sa a atuar como meio preventivo de possíveis
reincidências, quando se direciona ao estudo
das causas da criminalidade.
4 PENAS ALTERNATIVAS COMO MEDIDA
DE RESSOCIALIZAÇÃO PRISIONAL E FIM
PRECÍPUO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Diante das fi nalidades já apontadas
neste estudo, como as penas alternativas po-
dem favorecer a efetivação, ou pelo menos,
75
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
mediar a aproximação do Sistema Punitivo
com a ressocialização?
De forma a destacar a importância da
aplicação de penas alternativas como alterna-
tiva dentro desse Sistema Punitivo do Estado,
Júlio Fabrini Mirabete (2002, p. 23) salienta que:
a afi rmação de que é possível, mediante cár-cere castigar, o detento neutralizando-o por meio de um sistema de segurança e, ao mes-mo tempo, ressocializá-lo com tratamento já não se sustenta mais, exigindo-se novos cami-nhos para a execução das penas.
A ideia de ressocialização há de co-
mungar o postulado da progressiva humaniza-
ção e liberação da execução penitenciária, de
tal modo que, asseguradas medidas como as
permissões de saída, o trabalho externo e os
regimes abertos tenha ela mais efi cácia.
Ainda nos dizeres de Mirabete (2002,
p. 24), a ressocialização não pode ser consegui-
da numa instituição como a prisão. Ele reforça
a ideia, alegando que os centros de execução
penal, em especial, as penitenciárias, tendem a
converter-se num microcosmo no qual se re-
produzem e se agravam as contradições que
existem no sistema social externo.
Neste aspecto, é possível a seguinte
indagação: por que as penas alternativas ofere-
ceriam a melhor resposta ou o melhor tipo de
sanção aos que agem à margem da lei?
Privar alguém de sua liberdade não
é a única sanção possível, mesmo dentro do
atual ordenamento penal em vigor nas de-
mocracias contemporâneas. Inúmeras penas
alternativas à privação da liberdade têm sido
aplicadas nos mais diferentes países, ainda
que, normalmente, sempre em uma escala
muitas vezes inferior às penas de prisão. Po-
de-se destacar a França, que foi um dos pri-
meiros países a perceber a necessidade de
criar alternativas à medida extrema da prisão
provisória, no início da década de 70.
Pesquisas específi cas em torno das pe-
nas alternativas têm demonstrado vantagens
comparativas que não costumam ser conside-
radas. Tal é o caso, por exemplo, do menor cus-
to e das taxas inferiores de reincidência, além
do que “desafoga” o Sistema Prisional.
As formas alternativas à prisão po-
dem ser uma resposta mais eficaz e mais
justa do que o encarceramento, ainda mais
quando consideramos o tratamento neces-
sário à integração social daqueles cuja li-
berdade não ofereça riscos consideráveis à
vida ou a integridade física dos demais. Um
conjunto de novos aportes teóricos na área
do direito vem demonstrando a possibili-
dade de formas alternativas de responsabi-
lização orientadas pela reparação do dano,
pelo apoio às vítimas e pelo arrependimento
eficaz dos perpetradores como ocorre, por
exemplo, com os movimentos em favor da
chamada “Justiça Restaurativa” 2.
A efi cácia das penas alternativas se
comprova nos baixos índices de reincidência.
No Brasil, segundo dados do Instituto Latino
Americano de Tratamento do Delinquente –
ILANUD, aproximadamente 12% seria o índice
de reincidência dos condenados a penas al-
ternativas contra 45% dos condenados a pena
privativa de liberdade em regime fechado. Es-
tes dados são de 2002, porém, são dados que
mostram bem a efi cácia de tal medida.
Deparando-se com dados mais atu-
ais, hoje, quase 80% da população carcerária
em regime fechado é oriunda de reincidentes.
Desta forma, deve-se buscar, através de Polí-
ticas Públicas, mecanismo para que se possa
reverter este quadro.
Neste contexto, observa-se que não
existe nenhuma correlação do aumento das
taxas de encarceramento à redução dos índi-
ces de criminalidade. Um possível controle da
criminalidade não passaria necessariamente
2. Justiça Restaurativa é uma alternativa à Justiça punitiva, onde o foco é, em vez de culpar e punir, restaurar as relações entre pessoas afetadas por confl itos. Con-ceito extraído do site http://www.tj.sp.gov.br/Download/FDE/2%20-%20Ofi cina%20de%20Lideran%c3%a7as%20Educacionais/Informa%c3%a7%c3%b5es%20%c3%bateis.pdf
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 76
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
pelo enrijecimento da penalidade, como esta-
belece a ideologia dominante de um Estado
Penalizador. E muito menos, passaria pelo au-
mento de vagas nas penitenciárias espalhadas
pelo Brasil.
As Políticas Públicas de enrijecimento
do Sistema Penal assim como a construção de
novas penitenciárias, sem fomentar o contro-
le da base estrutural dos índices de criminali-
dade, somente contribui para o aumento da
degradação que vive o Sistema Prisional. Tal
constatação é verifi cada nos grandes índices
de superlotação nas penitenciárias brasileiras.
Pra se ter uma ideia, segundo dados
do DEPEN 3, em junho de 2010, havia, no Brasil,
2.210 (dois mil duzentos e dez) estabelecimen-
tos penais, entre estabelecimentos públicos e
terceirizados, com aproximadamente 494.237
(quatrocentos e noventa e quatro mil duzentos
e trinta e sete) detentos, sendo que são 299.587
(duzentos e noventa e nove mil quinhentos e
oitenta e sete) vagas. Ou seja, o número de
vagas é bem insufi ciente para a demanda car-
cerária, uma vez que há quase o dobro de ape-
nados para o número de vagas. Assim, se faz
necessário buscar alternativas para o “desafo-
gamento” deste sistema que só incha, impos-
sibilitando uma melhor política de ressociali-
zação e comprometendo a própria segurança
dentro dos estabelecimentos penais.
É latente que este sistema punitivo
prevalecente nas Políticas Públicas referentes à
questão prisional está fadado ao insucesso. A
própria prisão como “única” forma de reprimir
o crime não dá as respostas que queremos ter.
Pelo contrário, as prisões só geram uma imen-
sa “bola de neve” que provoca destruição e
degradação na população carcerária. A prisão
não tem serventia para o que deveria servir,
além de paralisar a formação e o progresso de
bons valores sociais, torna o ser humano estig-
matizado e atua muito mais como indústria de
reprodução para carreira do crime, faz pene-
trar na personalidade a prisionalização da ne-
fasta cultura carcerária, fomenta o processo de
despersonalização e contribui para legitimar o
desrespeito aos direitos humanos tão latentes
dentro dos Sistemas Prisionais.
O fato é que uma decisão de política
criminal orientada pelo objetivo de minimizar
o uso do encarceramento no Brasil poderia
implicar em uma rápida e profunda alteração
nas taxas atuais de superlotação. Obter-se-iam
condições mais adequadas de aplicação da
pena com vistas à reinserção do infrator à so-
ciedade.
A superlotação gera uma heteroge-
neidade maléfi ca dentro dos estabelecimen-
tos prisionais e, nos últimos anos, cresce ainda
mais o número de infratores já condenados e
não condenados que aguardam um provável
julgamento. Neste aspecto, se faz importante
mencionar que, atualmente, segundo dados
do Professor Luiz Flávio Gomes em seu blog,
44% (quarenta e quatro por cento) da popula-
ção carcerária é de presos provisórios, não ha-
vendo uma seleção entre os que se inserem no
sistema, conforme seu exame criminológico.
Há um verdadeiro ciclo vicioso no sis-
tema carcerário brasileiro, onde os delinquen-
tes, por menos perigosos que sejam, ao serem
detidos, além de fi carem isolados dos cidadãos
da sua comunidade, ainda convivem com cri-
minosos de toda espécie. Tal procedimento
faz com que estes condenados, muitas vezes
primários, sejam induzidos ao mundo da crimi-
nalidade, aperfeiçoando-se nas mais diversas
formas de se praticar delitos.
Pode-se destacar ainda como proble-
mas vividos pelo Sistema Prisional, além da
superlotação, a estrutura defi citária das Peni-
tenciárias brasileiras, que muitas vezes não têm
o mínimo de condições higiênicas para a cus-
tódia do preso. Destaca-se, também, a carência
3. Dados obtidos no portal do Ministério da Justiça
77
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de servidores preparados para as atividades de
risco que envolve o sistema, uma vez que a for-
mação de muitos deles é inadequada, o que
favorece a incidência de corrupção dentro do
sistema.
As Políticas Públicas referentes ao sis-
tema Prisional deve pautar em uma melhor
preparação do servidor que atua dentro do
sistema, na busca de uma melhor estruturação
acompanhada de perto pelos órgãos fi scaliza-
dores e, principalmente, fomentar estratégias
que possam diminuir a população carcerária.
Nesse aspecto, primeiramente, faz-se neces-
sário buscar minimizar a reincidência dos ape-
nados, pois, como já foi dito, gira em torno de
80%. Uma vez reduzido este índice, ter-se-á
uma evolução no que diz respeito à diminui-
ção da população carcerária e, consequente-
mente, uma melhor circunstância para a res-
socialização. Até porque é melhor fomentar a
diminuição da população carcerária do que a
construção de novos estabelecimentos penais
para tamanha demanda.
Ao se analisar a crise do sistema pri-
sional - notadamente o problema da super-
lotação, constata-se a impossibilidade de se
obterem resultados satisfatórios e efi cazes, no
tocante à ressocialização, à redução da rein-
cidência e à restrição do défi cit de vagas nos
estabelecimentos prisionais. Isto em razão das
Políticas Públicas adotadas pelo Estado brasi-
leiro, onde se visa à manutenção de um mode-
lo meramente punitivo.
Desse modo, tem-se a impressão que
somente a punição resolveria os problemas
da criminalidade em nosso país, o que de fato
não resolveria, haja vista que o enfoque deste
modelo punitivo é nas consequências do cri-
me, favorecendo o enrijecimento da legislação
penal, e não as causas da criminalidade.
Em face do exposto, parece que há
uma incompatibilidade nestes dois institutos: a
pena privativa de liberdade e a ressocialização
prisional.
Hoje há um crescimento assustador
da população carcerária, em que a taxa anu-
al de crescimento gira em torno de 5 a 7% ao
ano, e com um défi cit de vagas em torno de
194.650 (cento e noventa e quatro mil seiscen-
tos e cinquenta), segundo dados do DEPEN. Tal
défi cit, numa conta simples, poderia ser resol-
vido temporariamente com a construção de
396 presídios com capacidade para 500 (qui-
nhentos) detentos cada um, algo insano de se
realizar. Além disso, tomando ainda como base
dados do DEPEN, no Brasil, entre 1990 e 2010,
houve um crescimento de 450% da população
carcerária, fazendo do Brasil o campeão mun-
dial de crescimento carcerário. Nesses quadros
agravantes, acredita-se, como forma imediatis-
ta de “solucionar” a questão, na necessidade
de construção de várias penitenciárias todo
mês, o que gera elevados custos para o Estado,
assim como destaca Maurício Kuehne em seu
artigo “Desafi os da Execução Penal”, extraído
do Livro Anais da Conferência Nacional dos
Advogados do Brasil: Poder, República e
Cidadania (2006, p. 948):
As inclusões e liberações mensais do Sistema Penitenciário diagnosticam um superávit de 3.494 presos por mês. Veja-se que apenas para solucionar este número, 7 (sete) penitenciárias necessitariam ser construídas todo mês a um custo oscilando em torno de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), vale dizer, aplicação de R$ 105.000.000,00 (cento e cinco milhões) apenas para construir presídios, afora as de-mais necessidades do Sistema Prisional como um todo.
Diante dos fatos apresentados, é im-
portante mencionar o baixo custo que há na
aplicação de penas alternativas. Trazemos à
baila dados coletados em matéria vinculada no
sítio da Terra no dia 28 de setembro de 2008,
em que toma como parâmetro o Estado de
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 78
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
São Paulo para informar dos baixos custos das
penas alternativas. Segundo a matéria intitula-
da “A pena alternativa é 56 vezes mais barata
que a prisão”, um levantamento realizado pela
Central de Penas Alternativas do Estado de São
Paulo revela que o custo de um condenado
que cumpre esse tipo de pena para o Estado é
baixo. Cada um custa, em média, R$ 13,70 por
mês. Segundo a Secretaria da Administração
Penitenciária (SAP) daquele Estado, o gasto de
cada preso no regime fechado no Estado é de
R$ 775 por mês.
Acrescenta ainda a matéria supracita-
da que o custo das penas alternativas se refere
ao pagamento dos funcionários que cuidam
dos processos e acompanham o cumprimento
das medidas mais brandas defi nidas pela Justi-
ça. Essa despesa é muito menor se comparada
com a prisão convencional e com seus custos
de três ou quatro alimentações diárias, segu-
rança, limpeza e atendimentos médico, odon-
tológico e judiciário.
Diante dos fatos apresentados, o Esta-
do só tem a ganhar com políticas visando às al-
ternativas penais, onde diminuiria seus custos
com o apenado, resolveria parte da superlota-
ção prisional e ainda efetivaria condições mais
favoráveis à ressocialização prisional.
Até porque as penas alternativas atin-
gem uma boa parcela da população carcerária,
que é aquela formada por crimes de menor
potencial ofensivo e sem violência como os cri-
mes de furto, porte ilegal de armas, lesão cor-
poral e uso de drogas. E, consequentemente,
reduziria a quantidade de encarcerados, neu-
tralizando um grande estimulador dos demais
problemas que faz o Sistema Prisional agonizar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ressocialização prisional, uma vez
inserida dentro de um aspecto de Sistema Rea-
bilitador como Damásio de Jesus defi ne, passa
por vários problemas para sua efetivação, den-
tre eles, o mais grave: a superlotação carcerária.
No decorrer do estudo, foram confi rmados nú-
meros desumanos de detentos encarcerados
em penitenciárias, causando défi cits de mais
de 40% em todo o sistema.
Mas o porquê de tanta demanda den-
tro do sistema?
O fato de tanta demanda advém das
atuais Políticas Públicas relacionadas ao Siste-
ma Prisional brasileiro. Políticas estas que têm
como foco um sistema meramente punitivo,
onde se busca a repreensão sem restauração.
Buscam-se combater os resultados e não as
causas. E de forma a salutar tal entendimento,
observa-se que enquanto a pena vem evoluin-
do ao longo da história, a execução penal sim-
plesmente parou.
Nesse sentido, não se deve buscar so-
lucionar a superlotação partindo da premissa
do aumento das vagas, construção de novas
penitenciárias e sim com a redução da própria
população prisional. Tal redução poderá se dá
com alternativas penais que visem à diminui-
ção do número de reincidentes, haja vista que
giram em torno de 80%, como já destacado.
A superlotação é só parte de um ciclo
vicioso que se incorporou no Sistema Prisional,
onde se aplicam penas severas, em ambientes
inóspitos, amontoando todos em uma peque-
na cela, e com servidores despreparados. Nes-
sas circunstâncias, há verdadeira formação de
escolas do crime, onde a ressocialização pouco
se faz presente, gerando altos índices de rein-
cidências e a cada momento aumentando o
número de encarcerados.
Devem-se buscar as alternativas pe-
nais, visando a ressocialização diminuindo, as-
sim, o número de reincidentes dentro das pe-
nitenciárias e por conseguinte a diminuição da
população prisional.
79
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
Paralelamente à aplicação de penas
alternativas, é necessário humanizar o cárcere
e oferecer melhores condições para o cumpri-
mento da pena privativa de liberdade, o que
implica assistência diversifi cada, além de traba-
lho, assegurando-lhes, com igual ênfase, os de-
mais direitos previstos na Constituição, o que a
torna a verdadeira fonte de re-legitimação das
ciências penais.
A perpetuação dos problemas não
proporcionará ao apenado uma refl exão acer-
ca de sua conduta e do seu posterior convívio
social. Contrariamente a essa almejada fi nalida-
de, a prisão deixa marcas indestrutíveis, além
de exercer uma força desmoralizante sob o
condenado perante sua família e sociedade, o
que não favorece em nada a sua reintegração
no seio social.
É latente que as alternativas penais
representam um dos meios mais efi cazes de
prevenir a reincidência criminal, devido ao
seu caráter educativo e socialmente útil, pois
enseja que o infrator, cumprindo sua pena em
“liberdade”, seja acompanhado pelo Estado e
pela comunidade, facilitando bastante a sua
reintegração à sociedade.
Porém, é também do conhecimento
de todos que grande parte dos Estados não se
estruturam convenientemente para o perfeito
enquadramento da questão, não criando me-
canismos a viabilizar a fi scalização e efetivida-
de das penas alternativas.
As prisões de hoje assumem o papel
de propiciar que novos crimes sejam ali apren-
didos e planejados quase à perfeição, diante
das experiências trocadas pela escola de mar-
ginais, dos mais variados crimes. A conclusão a
que se chega é óbvia: a pena privativa de liber-
dade não funciona mais como fator de com-
bate à reincidência criminal e ressocialização
prisional, contribuindo indubitavelmente para
o aumento da criminalidade.
Dentre os benefícios apontados em
face da utilização e aplicação prática das san-
ções alternativas, em primeiro lugar, tem-se a
não redução moral e social do condenado, o
que a realidade nacional já demonstrou ser,
pela via do encarceramento, inviável.
Dessa forma, não há controvérsias de
que as sanções alternativas, quando emprega-
das para prevenção e repressão dos crimes de
menor potencial ofensivo, têm maior utilidade
como meio de recuperação do criminoso, na
medida em que conserva o delinquente no
meio social. Ao mesmo tempo em que, expian-
do seu erro, através da pena imposta, dão-lhe
o valor de membro útil à comunidade em que
está inserido, como agente de transformação
social.
• ABSTRACT
This essay shows for to analyze an option to
the current management of Brazilian s Prisional
System, emphasizing the importance of an al-
ternative penalties eff ective application inside
of the Prisional System going from the premise
of that alternative to the privative penalties of
freedom will be able to resolve, in part, the jail
problems, in special the supercapacity of them.
Besides the possibility to inside brighten up the
Prisional System s problems, it is left to hinder
the prisional sociable. The alternative penalties,
when it starts to be focus of referring Public
Politics to the management of the Prisional
System, become an important instrument for
the eff ective prisional sociable, as purpose, in
theory, the Criminal Execution s Law.
• KEYWORDS:
Criminal Execution s Law – Prisional System –
Public Politics – Alternative penalties - Sociable.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 80
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 82
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 88882288888
Kaléo Alves PeresAdvogado. Assistente de Controle Externo do TCE/PI. Email: [email protected]
• RESUMO
O presente estudo delineia-se a mostrar uma
das basilares funções dos Tribunais de Contas
brasileiros, partindo de um ponto inicial em
que é demonstrado seu poder de jurisdição
para, em seguida, evidenciar a aplicabilidade
do poder de cautela dessas Cortes de Contas
no processo de fi scalização, sendo dissertado
sobre os conceitos envolvidos em tal prerroga-
tiva e afunilando o debate acerca da amplitude
das medidas cautelares utilizadas no processo
de prestação de contas na procura da prote-
ção ao erário público.
• PALAVRAS-CHAVE
Medidas preventivas - Brasil. Medidas cau-
telares - Tribunal de contas. Contratos - Ad-
ministração pública.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico visa
explicitar as discussões emergentes no po-
der público que envolve a temática: O LIMITE
DO PODER DE CAUTELA DOS TRIBUNAIS DE
CONTAS.
Para isso, primeiramente, será apre-
sentado como ocorre a atuação jurisdicional
dos Tribunais de Contas brasileiros, bem como,
quais são as medidas cautelares utilizadas nos
processos de fi scalização.
O limite do poder de cautela dos tribunais
de contas na sustação dos contratos
realizados pela administração pública
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8383333
Dessa forma, haverá embasamento
para aprofundar a discussão no que diz res-
peito aos conflitos existentes sobre a exten-
são da competência dos Tribunais de Contas
na aplicabilidade das medidas cautelares,
fazendo um confronto com o que é instituí-
do pelo Princípio da Separação dos Poderes,
buscando assim, traçar um equilíbrio entre a
governabilidade dos administradores públi-
cos e o controle preventivo e repressivo aos
gastos, desvios e má aplicação das verbas
públicas. Passando a nortear o trabalho para
a concretização de uma análise focando os
incisos IX, X do art. 71 da Constituição Fede-
ral de 1988, que legalizam sobre a compe-
tência dos Tribunais de Contas para a susta-
ção de atos administrativos ilegais através do
seu poder implícito de cautela.
Nesse contexto, será levada em con-
sideração a apreciação do posicionamen-
to do Supremo Tribunal Federal relativo ao
problema, analisando julgados alusivos ao
assunto e fazendo um necessário aparato da
evolução interpretativa dada pela Corte Su-
prema ao caso.
Tudo isso, buscando solucionar a
complexa altercação jurídica provinda do
poder de discricionariedade do administra-
dor público em confronto com o controle
externo exercido pelos Tribunais de Contas,
que, na procura de atingir sua finalidade,
qual seja, a proteção ao Erário Público, utili-
za-se das medidas cautelares como forma de
prevenção imediata a dano irreversível aos
cofres públicos, que provavelmente ocorre-
ria se fosse esperado todo o trâmite do devi-
do processo legal jurisdicional.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 84
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
2 EXERCÍCIO DA FUNÇÃO
JURISDICIONAL PELOS TRIBUNAIS
DE CONTAS DO BRASIL
Segundo Jacoby Fernandes, a jurisdi-
ção é atividade do Estado dirigida à atuação do
Direito Subjetivo, mediante a aplicação da nor-
ma geral ao caso concreto e à realização força-
da da mesma norma geral, ou seja, é o poder
de dizer o direito (FERNANDES, 2003, p. 89-90).
Como jurisdição é o poder de dizer o direito,
segue-se que não é todo direito que pode
ser considerado como jurisdição, mas tão-só
aquele que é declarado por quem detém tal
poder, assim, é indispensável, também, atribui-
-lhe o caráter de executoriedade e defi nitivida-
de do direito.
Porém, o conteúdo da jurisdição resta-
ria vazio de signifi cado lógico e prático se não
lhe seguisse a imutabilidade da decisão. Aliás,
se as partes pudessem acatar a decisão judicial
a qualquer tempo, seja por meio de recurso, ou
por outro processo, ela não teria efi cácia, desta
forma o instituto da coisa julgada é indissociá-
vel da jurisdição, podendo estabelecer que tal
estatuto vem para impossibilitar a perpetua-
ção da instabilidade nas relações de direito e,
portanto, fi rma, por ela, a proteção das senten-
ças defi nitivas contra qualquer ataque ou mo-
difi cação (FERNANDES, 2003, p. 95-96).
Na seara dos processos administra-
tivos é entendido por muitos doutrinadores
que não existe a coisa julgada administrativa
por força do dispositivo constitucional do art.
5º, XXXV, da CF/88, porém, é entendido por um
gama de estudiosos que divergem dos termos
preceituados de antemão ao defender a exis-
tência de limites à revisão judiciária dos atos
administrativos em geral, devendo ser atenta-
do como objeto de revisão judicial apenas o
caráter de legalidades dos atos, pois o de méri-
to é intocável, entendimento este que é adota-
do neste presente trabalho.
Assim, nos atos de jurisdição, em que
a Administração Pública decide a aplicação do
direito, é possível em vários casos encontrar a
coisa julgada, operando, preclusivamente, efei-
tos em relação à possibilidade de modifi cação,
seja no âmbito da administração, seja no âmbi-
to judicial.
Esclarecidos os pontos sobreditos, faz-
-se necessário defi nir em qual poder do Estado
se encontra os Tribunais de Contas no Brasil.
Estudos superfi ciais classifi cam as Cortes de
Contas como mero apêndice auxiliar do poder
legislativo. Desconhecendo a estrutura técnica
desses tribunais, sua autonomia administrativa
e fi nanceira, alguns autores o concebem, er-
roneamente, como órgão de assessoramento.
Diante desse absurdo descompasso entre a
imaginada pequenez das funções e a dimen-
são da estrutura, o passo seguinte seria susten-
tar que se trata de órgão concebido apenas
para acomodar apaniguados.
Porém, é defi nido constitucionalmen-
te que os Tribunais de Contas têm a qualida-
de de órgãos autônomos, não vinculados a
qualquer um dos poderes, detêm autonomia
administrativa e fi nanceira, sendo sua cons-
titucionalização decorrente da submissão da
atividade fi nanceira do Estado ao princípio da
legalidade.
Com relação ao exercício da função
jurisdicional pelos Tribunais de Contas do Brasil
é consabido que para o exercício de qualquer
função exige-se a defi nição por lei anterior e a
determinação de seus limites, portanto, na pró-
pria Constituição Federal a expressa defi nição
da jurisdição dos Tribunais de Contas.
É claro que o conteúdo da jurisdição
dos tribunais do Poder Judiciário difere do con-
teúdo da jurisdição dos Tribunais de Contas, os
destes, o conteúdo da jurisdição é exercida
com caráter de exclusividade, examinando a
85
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legalidade, legitimidade e economicidade ex-
pressas pelos elementos e valores contidos na
prestação ou na tomada de contas públicas; já
a jurisdição exercida pelos órgãos judicantes
do Poder judiciário, é exercida, também, com
caráter de exclusividade, examinando a legali-
dade e, de certa forma, a moralidade relativas
ao comportamento, direito e deveres das duas
partes que compõem a relação processual.
Assim, o Tribunal de Contas é órgão
público de controle externo, investido de po-
der jurisdicional, próprio e privativo, em todo o
território nacional, sobre matérias do seu rol de
atribuições, detidamente explicitadas (SOUZA,
1989, p. 176).
Aliás, desde a Constituição Brasileira
de 1967, é conferido ao Tribunal de Contas a
função jurisdicional, com a fi xação de sua ju-
risdição em todo o território nacional, ao jul-
gamento das contas dos administradores e
demais responsáveis por bens e valores públi-
cos; o julgamento da regularidade das contas
dos administradores; a ilegalidade de qualquer
despesa; a ilegalidade das concessões iniciais
de aposentadoria, reforma e pensões. A Cons-
tituição de 1969 adotou a mesma orientação
(SOUZA, 1989, p. 176).
Para alguns pesquisadores jurídicos,
a função jurisdicional dos Tribunais de Contas
não acarretaria a coisa julgada, ou seja, talvez
por desapego ao exato signifi cado do termo já
pretenderam considerar esse julgar como uma
ideia de julgamento provisório.
Mas quando se tratar de competência
dos Tribunais de Contas ditadas na CF/88, ou
seja, de sua função jurisdicional, o Poder Judi-
ciário não poderá rever suas decisões quanto
ao mérito. A revisibilidade judicial das decisões
dos Tribunais de Contas somente se dará quan-
do estiverem elas contidas pelo abuso de po-
der, em qualquer de suas espécies, excesso do
poder ou manifesta ilegalidade. A decisão do
Tribunal de Contas, portanto, somente deixará
de prevalecer quando o procedimento violar a
inafastável garantia do devido processo legal
ou a decisão contiver manifesta ilegalidade
(COSTA JÚNIOR, 2001, p. 110).
3 O PODER DE CAUTELA DO TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO
3.1 PODER GERAL DE CAUTELA E SEU LIMITE
O poder geral de cautela é quando
os órgãos juridicantes desempenham ativida-
de destinada a evitar um perigo proveniente
de um evento possível ou provável, que possa
suprimir ou restringir os interesses tutelados
pelo direito, assim, se os órgãos jurisdicionais
não contassem com um meio pronto e efi caz
para assegurar a permanência ou conserva-
ção do estado das pessoas, coisas e provas,
enquanto não atingido o estágio último da
prestação jurisdicional, esta correria o risco de
cair no vazio, ou de transformar-se em provi-
mento inócuo e inútil.
Surge, então, o processo cautelar
como uma nova face da jurisdição, tendo a um
só tempo as funções do processo de conheci-
mento e de execução, com um elemento es-
pecífi co, a “prevenção”.
Levando o que foi explanado para o
âmbito dos Tribunais de Contas, o processo
principal busca a verifi cação de dano ao erá-
rio público, enquanto o procedimento cautelar
contenta-se em outorgar situação provisória
de segurança para os interesses dos litigantes.
Ambos os processos giram em torno da “lide”,
pressuposto indeclinável de toda e qualquer
atuação jurisdicional. Mas, enquanto a lide e
sua composição apresentam-se como o obje-
tivo máximo do processo principal, o mesmo
não se dá com o processo de cautelar.
A este cabe uma função “auxiliar e
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 86
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
subsidiária” de servir à “tutela do processo prin-
cipal”, onde será protegido o direito e elimina-
do o litígio.
Na realidade, a atividade jurisdicional
cautelar dirige-se à segurança e garantia do
efi caz desenvolvimento e do propício resul-
tado das atividades de cognição e execução,
concorrendo, dessa maneira, para o alcance do
escopo geral da jurisdição.
A função cautelar tem por escopo ser-
vir o interesse público na defesa do processo,
pois no momento em que o estado oferece
a tutela cautelar à parte, ou se tem ainda ou
não se tem condições de apurar, com segu-
rança, se seu direito subjetivo material real-
mente existe e merece a tutela defi nitiva do
processo de mérito. Esse reconhecimento só
será possível depois da cognição plena que o
processo principal virá ensejar. Assim, ao eli-
minar uma situação de perigo antevisto e que
não pode ser impedido pelo provimento do
processo em suma.
Como foi sobredito, as medidas cau-
telares não têm um fi m em si mesmas, já que
toda sua efi cácia opera em relação a outras
providências que hão de advir no processo
principal, assim, não se tratando de antecipa-
ção deste, pois os objetivos são diversos.
Na verdade, o processo principal bus-
ca tutelar o direito, no mais amplo sentido, ca-
bendo ao processo cautelar a missão de tutelar
o processo, de modo a garantir que o seu re-
sultado seja efi caz, útil e operante.
3.2 LEGITIMIDADE
Para salvaguardar a efi cácia da atua-
ção do Tribunal de Contas, o constituinte e o
legislador infraconstitucional defi niram a com-
petência para estabelecer medidas cautelares
específi cas de controle, podendo ter sua apli-
cabilidade até mesmo inaudita altera pars, ou
seja, sem ouvir os agentes sujeitos à jurisdição
do tribunal.
Reforçando o sobredito, as medidas
cautelares se prestam a garantir o exercício do
controle, a efetividade e a utilidade das deci-
sões do Tribunal, evitando lesões ao erário,
assim, elas podem ser decretadas no início, ao
longo ou ao fi nal do processo.
Quanto aos efeitos, a doutrina classi-
fi ca as medidas cautelares em preventivas ou
repressivas. As cautelares preventivas objeti-
vam evitar que um potencial dano aconteça,
antecipando-se a ele. As cautelares repressivas
somente produzem efeitos depois que o dano
já está presente e visam o restabelecimento da
situação anterior, o retorno ao status quo ante.
Por força da alínea i do art. 15 do Regi-
mento Interno do Tribunal de Contas da União
- TCU (RITCU), a imposição de medidas cautela-
res é de competência do plenário destas cortes
de Contas, que adotará por iniciativa própria
(ex offi cio), ou provocado por ministro, auditor,
Ministério Público junto ao TCU, unidade técni-
ca ou equipe de fi scalização.
A Lei Orgânica do TCU prevê três
medidas cautelares. São elas: o afastamento
temporário do administrador, decretação da
indisponibilidade dos bens do responsável e a
solicitação de arresto dos bens de responsável
julgado em débito.
O afastamento temporário e a indis-
ponibilidade dos bens são determinados pelo
próprio Tribunal - competência que lhe é con-
ferida pela Lei orgânica -, enquanto que o ar-
resto dos bens será determinado pelo Poder
Judiciário, provocado pela Advocacia-Geral da
União – quando se tratar da administração di-
reta e de autarquias e fundações atendidas por
ela – ou pelos dirigentes dos entes personifi -
cados da administração indireta não atendidas
pela AGU, conforme o caso após solicitação
feita pelo TCU.
87
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
A suspensão de ato ou procedimen-
to administrativo, adotada diretamente pelo
TCU, pronuncia-se originalmente na CF/88 (art.
71, X), já a sustação de contrato não compete,
originariamente, ao tribunal, mas deve ser rela-
cionada entre as cautelares passíveis de serem
adotadas pela Corte de Contas, diante da visi-
bilidade de sua implementação.
Resumidamente, pode-se afi rmar que
a adoção de medidas cautelares visa: garantia
do desempenho das funções de controle nas
situações de urgência, fundado receio de gra-
ve lesão ao erário e a direito alheio e risco de
inefi cácia da decisão de mérito.
3.3 PROVIMENTOS CAUTELARES UTILIZADOS
PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS
3.3.1 Afastamento temporário
do responsável
É incomum, mas existem oportunida-
des em que o responsável age deliberadamen-
te com o intuito de obstaculizar apuração em
curso. Nesses casos, de ofício, por sugestão da
unidade técnica ou da própria equipe de fi sca-
lização, ou ainda, a requerimento do Ministério
Público, o tribunal determina a medida caute-
lar de afastamento temporário do responsável.
O requisito específi co para a adoção do afasta-
mento temporário e a existência de indícios de
que, continuando no exercício de suas funções
o responsável possa:
• Retardar ou difi cultar a realização de
auditoria ou inspeção;
• Causar novos danos ao erário, ou
• Inviabilizar o ressarcimento de dano
causado.
Quanto aos efeitos, dependendo do
momento em que for adotada, pode-se classi-
fi car a cautelar de afastamento temporário do
responsável como repressiva ou preventiva.
Ao adotá-la em reação à obstrução dos traba-
lhos, o tribunal estará agindo repressivamente.
Se, no entanto, a decretação da cautelar for an-
terior à apuração, o correto é classifi cá-la como
preventiva.
Esta cautelar é determinada pelo Tri-bunal, mas compete à autoridade administra-tiva competente, hierarquicamente superior ao servidor a ser afastado, implementá-la. O mesmo ocorre com as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito e com a sustação de ato administrativo. Ressalta-se, tal medida cautelar em estudo pode ser aplicada, mesmo quando já impetrada ação judicial, dado o princípio da separação e independência das instâncias ad-ministrativas.
3.3.2 Decretação da indisponibilidade
de bens do responsável
Dentre as medidas cautelares voltadas
para a satisfação do débito, está a possibilida-
de de determinar, por prazo não superior a um
ano, a indisponibilidade de bens do responsá-
vel, em número sufi ciente para garantir o res-
sarcimento dos danos em apuração, mas des-
taca-se que a cautelar pode ser continuamente
renovada enquanto não estiverem concluídos
os procedimentos de apuração. Há necessida-
de de que o Tribunal, se quiser mantê-la, a cada
período delibere sobre a renovação.
Essa indisponibilidade pode ser orde-
nada diretamente aos cartórios, ao DETRAN e
a outros órgãos de registro público, com cópia
para os envolvidos.
Assim, em face da existência de funda-
dos indícios de que o ressarcimento de danos
ainda em fase apuração esteja em risco, sob
caráter de cautelaridade, pode ser decretada
a indisponibilidade de tantos bens do respon-
sável quanto forem necessários para afastar o
periculum in mora à recomposição do dano. Tal
cautelar pode ocorrer no início ou no curso de
qualquer apuração.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 88
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
A expressão monetária dos bens tor-
nados indisponíveis, naturalmente limitada ao
patrimônio do responsável, deve ser sufi cien-
te para garantir o ressarcimento do eventual
dano ao erário. Para tanto, podem ser atingidos
tantos bens quantos forem necessários, até o
limite do dano em apuração. A medida opera
no sentido de assegurar, através da constrição,
que o débito em apuração venha a ser ressarci-
do, utilizando-os como garantia da efetividade
da futura deliberação.
3.3.3 Arresto de bens de responsáveis
julgados em débito
Compete ao Ministério Público de
Contas adotar as medidas destinadas à cobran-
ça judicial dos débitos decorrentes das delibe-
rações do TCU, bem como a arresto dos bens
dos responsáveis pelas dívidas.
As ações vinculadas pela Advocacia-
-Geral da União. As provenientes de processos
das demais entidades jurisdicionadas do Tribu-
nal, dotadas de personalidade jurídica própria,
são demandadas pelas suas respectivas áreas
jurídicas.
A solicitação do Tribunal à AGU ou aos
dirigentes das entidades jurisdicionadas para
que adotem as medidas necessárias ao arresto
dos bens dos responsáveis julgados em débito
tem cunho de determinação. Não pode restar
dúvida de que aquele a quem a Corte de Con-
tas fi zer a solicitação, por meio do Ministério
Público de Contas, está compelido a agir, sob
pena de responsabilização por descumpri-
mento de decisão do Tribunal.
O arresto de bens se dá somente
após o responsável ser julgado em débito, ou
seja, o dano já foi causado, está devidamente
dimensionado e a responsabilidade por ele
confi gura em julgado do TCU, que determi-
nou seu ressarcimento. A despeito de a co-
brança do débito ter por objetivo recompor
os cofres públicos, ou seja, fazer retornar ao
estado anterior, o arresto tem confi guração
de cautelar preventiva.
Nem sempre o arresto é necessário e
está adstrito ao tempo de um ano, podendo
ser renovada.
3.3.4 Sustação de atos e contratos
Sustar um contrato signifi ca retirar-lhe
a efi cácia, a produção dos efeitos fi nanceiros
(p. ex. pagamento) e executivos para a realiza-
ção do abjeto. Assim, sustação não é sinônimo
de rescisão, cabendo à autoridade que recebe
a comunicação avaliar os efeitos da sustação
na vida do contrato.
Pela norma constitucional, a sustação
de ato difere substancialmente da sustação de
contrato, em ambos os casos, há uma etapa
preliminar, a determinação ao jurisdicionado
para a sustação, assim, se o gestor atender à
determinação, encerra-se a atuação da corte
de Contas.
O art. 45 da Lei Orgânica do Tribunal
de Contas da União indica que, verifi cada a
ilegalidade de ato ou contrato em execução,
o tribunal assinará prazo para que o responsá-
vel adote as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, fazendo indicação expres-
sa dos dispositivos a serem observados.
Todavia, se não for atendido, caberá
ao TCU sustar, diretamente, a execução do ato
impugnado, comunicando a decisão à Câmara
dos Deputados e ao Senado Federal, e aplican-
do multa ao responsável, no próprio processo
de fi scalização.
Na hipótese de contrato, o ato de sus-
tação será adotado diretamente, mediante de-
creto legislativo, pelo congresso nacional, que
solicitará, de imediato, ao poder executivo, as
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
medidas cabíveis. Tais medidas envolvem a
defesa da fazenda e incluem ações de inde-
nização, arresto de bens, assunção da obra no
estado em que se encontra, entre outras.
É de noventa dias o prazo para o Con-
gresso Nacional ou o poder Executivo tomar as
medidas sobreditas. Prevê a CF/88 que o Tribu-
nal de Contas, expirado o prazo em comento
sem resposta, tome providências no que tange
à sustação do contrato.
Assim, verifi cada a hipótese última, de-
cidindo o Tribunal pela sustação do contrato,
determinará ao responsável que, no prazo de
quinze dias, adote as medidas necessárias ao
cumprimento da decisão e comunicará o deci-
dido ao Congresso Nacional e à autoridade de
nível ministerial competente.
3.4 DISCUSSÕES E DEFINIÇÕES
Preliminarmente, compete reconhe-
cer, desde logo, que assiste ao Tribunal de Con-
tas, o poder geral de cautela. Trata-se de prer-
rogativa institucional que decorre, de forma
implícita, das atribuições que a Constituição
expressamente outorgou à Corte de Contas.
Assim, entende-se que o poder cautelar tam-
bém compõe a esfera de atribuições institu-
cionais do Tribunal de Contas, pois se acha ins-
trumentalmente vocacionado a tornar efetivo
o exercício, por essa Corte de Contas, das múl-
tiplas e relevantes competências que lhe foram
diretamente outorgadas pelo próprio texto da
Constituição da República.
Isso signifi ca que a atribuição de po-
deres explícitos, ao Tribunal de Contas, tais
como enunciados no art. 71 da Lei Fundamen-
tal da República, supõe que se reconheça, a
essa Corte, ainda que por implicitude, a pos-
sibilidade de conceder provimentos cautelares
vocacionados a conferir real efetividade às suas
deliberações fi nais, permitindo, assim, que se
neutralizem situações de lesividade, atual ou
iminente, ao erário.
Compete considerar a formulação
que se fez em torno dos poderes implícitos,
cuja doutrina – construída pela Suprema Cor-
te dos Estados Unidos da América no célebre
caso MCCULLOCH v. MARYLAND (1819) – en-
fatiza que a outorga de competência expressa
a determinado órgão estatal importa em de-
ferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos
meios necessários à integral realização dos fi ns
que lhe foram atribuídos.
Na realidade, o exercício do poder de
cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a
garantir a própria utilidade da deliberação fi nal
a ser por ele tomada, em ordem a impedir que
o eventual retardamento na apreciação do mé-
rito da questão suscitada culmine por afetar,
comprometer e frustrar o resultado defi nitivo
do exame da controvérsia.
Sintetizaram essa prerrogativa dos Tri-
bunais de Contas, Caetano e Nunes:
A tutela cautelar apresenta-se como instru-mento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempe-nha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferi-dos aos órgãos e às instituições estatais.” (CA-ETANO & NUNES, 1978, p. 641)
Vale aludir, ainda, que se revela pro-
cessualmente lícito, ao Tribunal de Contas, con-
ceder provimentos cautelares “inaudita altera
parte”, sem que incida, com essa conduta, em
desrespeito à garantia constitucional do con-
traditório.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 90
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
É que esse procedimento mostra-se
consentâneo com a própria natureza da tute-
la cautelar, cujo deferimento, pelo Tribunal de
Contas, sem a audiência da parte contrária, mui-
tas vezes se justifi ca em situação de urgência ou
de possível frustração da deliberação fi nal des-
sa mesma Corte de Contas, com risco de grave
comprometimento para o interesse público.
Não se pode ignorar que os provimen-
tos de natureza cautelar – em especial aqueles
qualifi cados pela nota de urgência – acham-
-se instrumentalmente vocacionados a confe-
rir efetividade ao julgamento fi nal resultante
do processo principal, assegurando-se, desse
modo, não obstante em caráter provisório,
plena efi cácia e utilidade à tutela estatal a ser
prestada pelo próprio Tribunal de Contas.
Daí a possibilidade, ainda que ex-
cepcional, de concessão, sem audiência da
parte contrária, de medidas cautelares, por
deliberação do Tribunal de Contas, sempre
que necessárias à neutralização imediata de
situações de lesividade, atual ou iminente, ao
interesse público.
Assim, constata-se que a atribuição
de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas,
tais como enunciados no art. 71 da Lei Funda-
mental da República, supõe que lhe reconhe-
ça, ainda que por implicitude, a titularidade de
meios destinados a viabilizar a adoção de me-
didas cautelares vocacionadas a conferir real
efetividade às suas deliberações fi nais, permi-
tindo, assim, que se neutralizem situações de
lesividade, atual ou iminente, ao erário público.
É por isso que é revestida de integral legiti-
midade constitucional a atribuição de índole
cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria
dos poderes implícitos, permite ao Tribunal de
Contas adotar as medidas necessárias ao fi el
cumprimento de suas funções institucionais e
ao pleno exercício das competências que lhe
foram outorgadas, diretamente, pela própria
Constituição da República. Não fora assim, e
desde que adotada, na espécie, uma indevida
perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por
completo, as atribuições constitucionais ex-
pressamente conferidas ao Tribunal de Contas.
Convém enfatizar que a decisão pela
sustação de atos administrativos tem funda-
mento constitucional e se sobrepõe à decisão
das autoridades administrativas, qualquer que
seja o nível em que se insiram na hierarquia da
Administração Pública, mesmo no nível máxi-
mo da Chefi a do Poder Executivo. Assim, deve
ser necessariamente acatada pelo órgão admi-
nistrativo controlado, sob pena de responsabi-
lidade, com a única ressalva para a possibilida-
de de impugnação pela via judicial.
Evidentemente, a suspensão caute-
lar imediata deverá ser exarada somente em
hipóteses excepcionais devidamente justifi -
cadas, por meio de decisão motivada, já que,
ordinariamente, será possível assinar-se prazo à
Administração para o cumprimento da lei, nos
exatos termos do inciso IX do art. 71 da Consti-
tuição, ou aguardar-se a decisão de mérito. En-
tendimento diverso poderia atribuir às Cortes
de Contas uma ilimitada ingerência prévia em
relação aos procedimentos e atos da Adminis-
tração, contrária ao arcabouço constitucional e,
particularmente, ao Princípio da Separação dos
Poderes.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nunca existiram dúvidas, na doutrina
e na jurisprudência pátrias, de que as funções
constitucionais do controle contábil, fi nancei-
ro e orçamentário atribuídas aos Tribunais de
Contas não se resumiam a providências a pos-
teriori, mas também poderiam ser exercidas
antes e durante a realização das despesas.
Porém, mesmo com a superveniência
da nova Constituição, que ampliou a compe-
91
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
tência dos Tribunais de Contas – atribuindo--lhes o controle não apenas quanto à legalida-de das despesas, mas também quanto à sua legitimidade e economicidade. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal vinha sendo cuida-doso no reconhecimento das funções a priori do controle externo, já que, em regra, no nosso sistema constitucional são desempenhadas a posteriori. Por tal motivo, exigia o Supremo Tri-bunal que os Tribunais de Contas exercessem a sua função corretiva (CF, art. 71, incisos IX e X) seguindo o rigoroso item previsto nas normas constitucionais. De acordo com essa orienta-ção, as Cortes de Contas somente poderiam sustar atos da Administração se, depois de assi-nar prazo para a correção das ilegalidades, não fossem atendidas.
Isso porque a Constituição Federal
estabeleceu expressamente, nos incisos IX e
X do seu art. 71, as etapas que deve percorrer
o Tribunal de Contas para desempenhar a sua
função corretiva em relação aos atos da Admi-
nistração, como passamos a transcrever. Com-
pete à Corte de Contas (art. 71):
[...]IX - assinar prazo para que o órgão ou entida-de adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verifi cada ilegalidade;X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;[...]
Com base na literalidade desses dis-
positivos, o Plenário do Supremo Tribunal,
em reiterados julgamentos, fi rmou o enten-
dimento de que a autoridade administrativa
não estava obrigada a rever ato administrativo
de concessão de aposentadoria para ajustá-lo
à determinação do Tribunal de Contas, quan-
do exarada esta em sede de conversão do
julgamento em diligência. O Pretório Excelso
julgou que, nessa hipótese, em verdade, não
há determinação, mas mera recomendação
da Corte de Contas, que assinala prazo para
a adoção de providências nos exatos termos
do inciso IX do art.71 da Constituição Federal.
Somente se não atendida tal recomendação é
que o Tribunal de Contas poderia determinar
a sustação da aposentadoria, além de dene-
gar o respectivo registro, com fulcro nos inci-
sos III e X do mesmo art. 71 da CF/88.
Igualmente, a Suprema Corte brasi-leira, há tempos não remota, negou-se a re-conhecer como válida a providência cautelar determinada pelo Tribunal de Contas da União, com fulcro no art. 44 da sua Lei Orgânica, Lei n° 8.443/1992, visando ao afastamento temporá-rio de responsável de entidade particular que recebia subvenção pública.
Mas, com o decorrer das discussões
jurídicas sobre a matéria, foi se deixando de
lado a visão conservadora do Poder Judiciário
referente à competência dos Tribunais de Con-
tas na expedição de medidas cautelares, prova
disso foi a edição da Lei n° 8.666/1993, com a
redação dada pela Lei n° 8.883/1994, em cujo
art. 113, § 2°, autorizava as Cortes de Contas a
determinar à Administração a imediata corre-
ção de edital de licitação, fato este que causou
intenso debate na doutrina especializada.
Em face da celeridade inerente ao pro-
cedimento licitatório e do perigo de resultar
tardia a atuação do controle externo, notada-
mente se exercida após o recebimento e aber-
tura das propostas, estabeleceu a lei a possi-
bilidade de os Tribunais de Contas exigirem
prontas medidas corretivas.
Convém trazer à colação, para a com-
preensão da difi culdade da matéria, o texto do
art. 11 3, § 2°, da Lei n° 8.666/1993:
Art. 113. [...]§ 2° Os Tribunais de Contas e os órgãos inte-grantes do sistema de controle interno pode-rão solicitar para exame, até o dia útil imedia-tamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia do edital de licitação já publi-cado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medi-das corretivas pertinentes que, em função des-se exame, lhes forem determinadas.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 92
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011
Assim, asseverou tal norma, que o
Tribunal de Contas tem competência para
sustar atos administrativos em certas hipóte-
ses, tal como no curso das licitações, sendo
inconstitucional uma interpretação do art.
113, § 2°, que reputasse que a Administração
estaria constrangida a seguir obrigatoria-
mente a determinação do Tribunal de Con-
tas, pois essa espécie de vinculação hierár-
quica ofende o princípio da autonomia dos
poderes e somente poderia ser consagrada
no texto da Constituição, mas, no caso, o dis-
positivo previu nova modalidade de atuação
preventiva da Corte de Contas, inclusive no
que tange aos efeitos perante terceiros.
Citado o exemplo sobredito, mostra-se
evidente a evolução da aplicabilidade das medi-
das cautelares pelas Cortes de Contas, e após o
estudo em análise fi cam vencidas as argumen-
tações contrárias à tese defendida tais como a
transgressão de certos diplomas normativos - Lei
nº 8.630/93 (art. 4º, § 1º), Lei nº 8.666/93 (art. 31,
§ 2º), Lei nº 9.784/99 (arts. 3º e 38º) e Decreto nº
4.391/2002 (art. 2º, § 3º, I, e art. 7º, § 1º) -, como
também a ofensa ao texto da Constituição da Re-
pública, notadamente os seus arts. 5º, incisos LIV
e LV, e 71, § 1º, assinalando que o Egrégio Tribunal
de Contas teria atuado além dos limites de sua
competência institucional.
• ABSTRACT
This study outlines to show the basic func-
tions of a Brazilian Court of Accounts, from
a starting point that is demonstrated its
power of jurisdiction, then to highlight the
applicability of the power to caution those
cuts in the process of Accounts enforcement,
being lectured about the concepts involved
in such prerogative and narrows the debate
about the extent of the measures protective
measures used in the search for accountabi-
lity in the protection to the treasury.
• KEYWORDS:
Supreme Audit; Power Stealth; Suspended.
REFERÊNCIAS:
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 94
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 999494499999
Geysa Elane Rodrigues de Carvalho SáAuditora Fiscal de Controle Externo – TCE/PI; Economista (UFPI); Bacha-rela em Direito (CEUT); Especialista em Marketing (UFPI); Especialista em Controle Externo (FACID); Professora Assistente UFPI; Mestre em Políti-cas Públicas (UFPI).
• RESUMO
O presente ensaio busca fazer um paralelo
entre os autores Luis Dumont (1985) e Nor-
bert Elias (1994) com vistas a estabelecer
que, do conflito entre indivíduo e sociedade
resultam as transformações históricas e cul-
turais existentes.
• PALAVRAS-CHAVE
Indivíduo. Individualismo. Sociedade. Estado.
Liberalismo..
1 INTRODUÇÃO
Um ensaio tem por característica a
possibilidade de abrir espaço para uma inter-
pretação mais livre sobre determinado tema,
dando possibilidade de estabelecer considera-
ções que são relevantes para o pesquisador e
ilações em torno do assunto.
Nesse sentido, o que se propõe como
estudo é apresentar as relações entre os auto-
res Luis Dumont (1983) e Norbert Elias (1994),
tendo em vista as importantes contribuições
para o entendimento do tema referente à
construção da sociedade a partir da própria
compreensão do indivíduo.
O caminho do individualismo
na sociedade moderna
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2 DO INDIVÍDUO À MODERNA
SOCIEDADE OCIDENTAL
A mudança cultural vem antes de qual-
quer mudança. O mercado não é só economia,
é, também, relação social. Ao ver a sociedade
apenas pelo interesse econômico, tende-se a
reduzir a sociedade, e, ao procedermos dessa
maneira, reduzindo tudo ao econômico, não se
sustentam, aqui, as práticas sociais. Devemos
observar, no entanto, que existem também
mudanças culturais, isso signifi ca dizer que a
sociedade não é só produção e distribuição de
bens. Karl Polanyi (2000) discute em “A gran-
de transformação” exatamente a divisão entre
economia e sociedade, chamando a atenção
da necessidade de ver essa sociedade despro-
vida das relações econômicas, questionando
paradigmas até então estabelecidas pelo libe-
ralismo.
Com efeito, não podemos falar de libe-
ralismo sem partir das grandes transformações
que propiciaram o surgimento do mundo mo-
derno que, no individualismo, encontra um de
seus fundamentos.
A ideia de indivíduo sempre esteve
presente de uma forma ou de outra na nossa
história, na história da civilização, tendo como
característica mais presente a ideia de sua cons-
tante transformação e de sua evolução com o
passar dos anos. O individualismo é o conceito
que exprime a afi rmação do indivíduo ante a
sociedade e o Estado, tendo como máximas: a
liberdade, a propriedade privada e a limitação
do poder do Estado.
O caminho percorrido pelo individualis-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 96
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011
mo é o caminho que o renunciante percorreu.
Este renunciante é o homem que, na história da
sociedade indígena analisada por Dumont (1985,
p. 27), busca a verdade última, “abandona a vida
social e suas restrições para consagrar-se ao que
o processo e o destino propôs”.
Esse distanciamento é condição ne-
cessária para o desenvolvimento espiritual
individual. É o ser fora do mundo que não
pode ser submetido a ninguém, sendo as
suas regras pessoais que movem a sua resis-
tência, e, para a Igreja, o indivíduo era um ser
em relação a Deus.
Ao lado do indivíduo que se cons-
titui o valor supremo – caracterizado como
individualismo – temos o indivíduo que se
encontra na sociedade como um todo, ca-
racterizando o holismo, ou seja, a teoria bio-
lógica que considera o corpo humano um
todo indecomponível.
Lois Dumont (1985, p. 38-39) acentuou
como o individualismo se tornou o valor fun-
dador das sociedades modernas. Quando o
indivíduo se encontra na sociedade como um
todo, trata-se do holismo e não individualismo.
Nesse sentido, os dois conceitos se opõem. E,
em sua obra, e presente autor apresenta um
estudo sobre o desenvolvimento do conceito
moderno de indivíduo e conclui:
Se o individualismo deve aparecer numa so-ciedade do tipo tradicional, holística, será em oposição à sociedade e como uma espécie de suplemento em relação a ela, ou seja, sob a forma de indivíduo fora-do-mundo. Será pos-sível pensar no individualismo desse modo no ocidente? É precisamente isso que vou tentar mostrar; quaisquer que sejam as diferenças no conteúdo das representações, o mesmo tipo sociológico que encontramos na Índia – o in-divíduo-fora-do-mundo – está inegavelmente presente no cristianismo e em torno dele no começo da nossa era.
O cerne da herança judaica-cristã
constitui nessa valorização do indivíduo que
tem na religião sua origem e sua evolução em
seu confronto.
Tendo-se em vista que a questão do
mercado – a ser desenvolvido posteriormen-
te – passa pela questão do indivíduo e só se
viabiliza nos indivíduos, é necessário compre-
ender como se deu esse processo de desen-
volvimento de uma sociedade holística para
uma sociedade moderna.
Embora seja conceito que permeie a
sociedade ocidental, o individualismo não se
revelou abruptamente em nosso meio, pois “a
confi guração individualista de ideias e valores
que nos é familiar não existiu sempre nem pa-
rece de um dia para outro”. (Dumont, 1985, p.
22). Fez-se remeter a origem do individualismo
a uma época mais ou menos remota, segundo,
sem dúvida, à ideia que dele se fazia e a defi ni-
ção que lhe era dada.
Ainda segundo o mesmo autor (Du-
mont, 1985, p. 39):
Pode-se sustentar que o mundo helenístico estava, no que tange às pessoas instruídas, tão impregnado dessa mesma concepção que o cristianismo não teria podido triunfar, a longo prazo, nesse meio, se tivesse oferecido um individualismo de tipo diferente. Eis uma tese muito forte que parece à primeira vista contra-dizer concepções bem estabelecidas.
Temos, assim, um paralelo entre o in-
dividualismo moderno ocidental e o indivíduo
tradicional da antiga sociedade indiana. O ter-
mo indivíduo designa duas coisas ao mesmo
tempo: um objeto fora de nós e um valor. O
primeiro é um sujeito empírico que fala, pensa
e quer, é o modelo individual da espécie hu-
mana, que se encontra em todas as socieda-
des. O segundo é o ser moral independente,
autônomo, não-social, que representa a ideo-
logia moderna do homem e da sociedade.
Luis Dumont (1985) explica que quan-
do o individualismo constitui o valor supremo,
trata-se de individualismo. Nesse caso, o indiví-
97
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011
duo não pode ser submetido a ninguém, sen-
do as suas regras pessoais que movem a sua
existência. Quando o indivíduo se encontra na
sociedade como um todo, trata-se de holismo.
O modelo indiano de sociedade é holista, a so-
ciedade moderna ocidental é individualista.
A sociedade ocidental da Idade Mé-
dia aproximava-se da sociedade holista india-
na, segundo o mesmo autor. Na Idade Média,
existia uma sociedade cristã governada pela
supremacia da Igreja e esta era constituída por
um sistema hierárquico espiritual, sendo que o
Papa era o representante supremo do poder. A
Igreja era o Estado.
Dessa forma, Dumont (1985, p. 80)
nos diz:
Se tentarmos ver em paralelo a situação cristã medieval e a situação hindu tradicional, a pri-meira difi culdade está em que, ao passo que na Índia, os brâmanes contentavam-se com sua supremacia espiritual, a Igreja no ocidente exercia também um poder temporal, sobre-tudo na pessoa de seu chefe, o Papa. Vendo as coisas grosso modo, a Idade Média parece ter conhecido uma dupla autoridade temporal. Além, disso, uma vez que a instância espiritual não desdenhava revestir-se de poder tempo-ral, podia-se perguntar até se a temporalidade não desfrutava, de fato, de uma certa primazia.
Com o surgimento do Estado moder-
no, extingue-se a harmonia universal do todo
com Deus. Para os modernos, o homem basta-
-se a si mesmo e está em relação direta com
sua razão e com Deus. O indivíduo é um ser
autônomo, integrante de uma comunidade
que forma o Estado, tomando-lhe o poder su-
premo. Para Dumont (1985, p.87):
Para os modernos, sob a infl uência do indi-vidualismo cristão e estóico, aquilo a que se chama direito natural (por oposição ao direito positivo) não trata de seres sociais mas de in-divíduos, ou seja, de homens que se bastam a si mesmos enquanto feitos à imagem de Deus e enquanto depositários da razão. Daí resulta que, na concepção dos juristas, em primeiro lu-
gar, os princípios fundamentais da constituição do Estado (e da sociedade) devem ser extra-ídos, ou deduzidos, das propriedades e qua-lidades inerentes no homem, considerando como um ser autônomo, independentemente do todo e qualquer vínculo social ou político. (grifo do autor)
A ideologia do individualismo funda
suas bases sobre a igualdade e a liberdade.
Ao desprezarem a hierarquia social, todos os
homens tornam-se iguais e livres perante o
Estado. As funções determinadas pela posi-
ção social que o indivíduo ocupa são abolidas
e, consequentemente, o Estado não conse-
gue administrar a vida social e individual do
homem. Não há referências para se espelhar,
a noção de direitos e deveres se desvanece.
O homem moderno abdica de todo sistema
de crenças e valores, negligenciando a tra-
jetória de sua história social para consagrar a
satisfação pessoal. Ocorre uma desintegração
do indivíduo em relação à sociedade. Ele vive
em função das suas necessidades individuais,
de maneira que a existência do outro varia de
acordo com sua necessidade e tem no Libera-
lismo a expressão da própria afi rmação do in-
divíduo.
O liberalismo é assim: individualista, de-
fendendo a afi rmação do indivíduo ante a socie-
dade e o Estado; é igualitário, admitindo e garan-
tindo a igualdade do homem enquanto pessoa;
é universalista, defendendo a homogeneidade
moral da espécie humana; é otimista, admitin-
do o aperfeiçoamento das instituições sociais de
cada sociedade. “O valor infi nito do indivíduo é,
ao mesmo tempo, o aviltamento, a desvaloriza-
ção do mundo tal como existe” (Dumont, 1985,
p. 43). Assim, o liberalismo defende a liberdade
como direito intrínseco de todo indivíduo e toda
autoridade é limitada por esse direito, tem seu
fundamento no individualismo, surge da valoriza-
ção do homem e prepara o campo para o surgi-
mento da democracia e para o desenvolvimento
do capitalismo.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 98
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011
Norbert Elias (1994), em “A sociedade
dos indivíduos”, inicia seu tratado afi rmando
que “a sociedade, como sabemos, somos to-
dos nós” (ELIAS, 1994, p. 13), e nessa aparente
simplifi cação da realidade, ele aborda aspectos
conceituais sobre o indivíduo e a sociedade,
entendendo-os como “duas funções insepa-
ráveis dos seres humanos em seu convívio”
(idem, p. 12), oferecendo instrumentos para
pensar nas pessoas e observá-las.
Ora, a relação entre o indivíduo e a so-
ciedade, e seu desenvolvimento nesse conví-
vio é o próprio desenvolvimento social. Sendo
assim, questões como as relações econômicas
são focadas não somente como relações no
âmbito do mercado, mas também como rela-
ções humanas da própria sociedade. Socieda-
de esta que não é um ente separado do indiví-
duo, pois se assim o fosse teria vida própria, e
seria fruto de uma concepção da modernidade
que quer fazer o indivíduo acreditar que não
precisa do outro, mas a ideia de se viver em
rede é necessária para a própria sobrevivência
do indivíduo, pois os indivíduos estão ligados
uns aos outros por uma rede de funções que
as pessoas desempenham umas em relação às
outras que chamados de sociedade.
Ao fazer referência às funções desem-
penhadas pelo indivíduo na sociedade, um
exemplo pode ilustrar melhor essa concepção:
num coro composto por vozes distintas, essas
mesmas são distribuídas conforme o tom e a
sonoridade. Se de um lado temos vozes femi-
ninas, dentro dessa agregação também temos
funções diferentes. Vozes femininas mais gra-
ves são chamadas de contraltos, vozes mais
agudas seriam chamadas de sopranos. Vozes
masculinas, de acordo com essa classifi cação
seriam, respectivamente, baixos e tenores.
Nesse grupo composto por vozes di-
ferentes temos funções também diferentes.
Observar somente um grupo de vozes ou o
indivíduo em particular não vai possibilitar a
compreensão da música como um todo, ten-
do em vista que cada um dos grupos de vozes
se ajusta de forma coordenada para formar o
todo musical.
A composição dos indivíduos na socie-
dade é algo semelhante. Para compreendê-la
como um todo (a música ou a sociedade), é
necessário observar o conjunto de indivíduos
que tomados em grupo (tal como coro) for-
mam a sociedade orquestrada pelo Estado
(ou pelo maestro). É claro que um indivíduo
pode sair da harmonia, ou, numa linguagem
mais técnica, pode simplesmente desafi nar,
mas esse indivíduo tomado isoladamente não
pode ser o coral completo. O indivíduo em so-
ciedade, ao transgredir as regras estabelecidas
por ela, pode dizer que também “desafi nou”
tendo-se em vista a maestria estabelecida pelo
Estado, mas esse indivíduo, sozinho, não pode
representar toda a sociedade.
Cada um dentro do coro, com seu de-
terminado tipo de voz tem uma função (con-
tralto, soprano, tenor e baixo), bem como cada
indivíduo que vive em grupo vai exercer seu
papel numa rede de relacionamentos que, or-
questradas pelo Estado, vão ser denominadas
por aquilo que conhecemos ser a própria so-
ciedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender a sociedade, neces-
sário pensar também as relações dos indiví-
duos, haja vista que essas relações variam de
época para época. Sendo assim, o indivíduo
é produto da sociedade que molda e é mol-
dado por ela, que responsabiliza, e também é
responsabilizado, que vive conforme os valores
de sua época e faz a sociedade acreditar nes-
ses valores, conjuntamente.
Esse constante confl ito das relações
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011
indivíduo-sociedade resulta em transformações
históricas e culturais, contrastando com a ideia
de que uma pessoa em particular pode transfor-
mar o mundo, e chama também a atenção para
a ideia de que, quando tudo parece indicar a total
supremacia do isolamento, as relações entre os
homens apontam, ao contrário, para a perma-
nente necessidade uns dos outros.
• ABSTRACT
The present rehearsal search to do a parallel
one among authors Luis Dumont (1985) and
Norbert Elias (1994) with views to establish
that, of the confl ict between individual and
society result the historical and cultural trans-
formations existent.
• KEYWORDS:
Individual. Individualism. Society. State. Liberalism.
REFERÊNCIAS
DUMONT, Louis. O individualismo: uma pers-
pectiva antropológica da sociedade moderna.
Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Roc-
co, 1985.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos.
Org. Michael Schöter. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994
POLANYI, Karl. A grande transformação: as
origens da nossa época, 9. ed. Rio de Janeiro:
Campus, 2000. Tradução de The Great Transfor-
mation, publicado, originalmente por Reinhart
& Company (1944).
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 100
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11000001100001 00
Vivian CristianeMonografi a de Conclusão de Curso (Especialização em Contro-le Externo) - Faculdade Integral Diferencial, Teresina, 2010.
• RESUMO
Este estudo teve como objetivo identifi car o
conceito, natureza jurídica e particularidades
deste novo modelo de contrato administra-
tivo, as chamadas Parcerias Público-Privadas,
instituídas pela Lei Federal n.º 11.079, de 30 de
dezembro de 2004. Buscou, também, observar
o controle externo de forma geral e, especifi -
camente, o controle externo exercido pelos tri-
bunais de contas, conforme preceitua a Consti-
tuição Federal de 1988, analisando-se tanto no
âmbito do Tribunal de Contas da União como
do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. A
pesquisa teve como referencial teórico o estu-
do da legislação vigente e da doutrina acerca
da matéria, sendo, pois, uma pesquisa biblio-
gráfi ca e documental. O mais importante da
pesquisa versa como deve ser feito o controle
externo das PPPs, por parte dos órgãos de fi s-
calização, para que se tenha uma regular apli-
cação dos recursos públicos e o efetivo retorno
à sociedade. Através deste estudo foi possível
concluir que uma das formas de se zelar pela
qualidade dos serviços fi nais prestados à po-
pulação é o aperfeiçoamento de todo o leque
de profi ssionais envolvidos nas mais diversas
áreas relacionadas a um projeto de PPP.
• PALAVRAS-CHAVE
Parcerias Público-Privadas. Controle Externo.
Atuação do Tribunal de Contas no Controle Ex-
terno das PPPs.
Uma análise do controle externo sobre
as parcerias público-privadas
101
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1 INTRODUÇÃO
O controle externo dos atos da admi-
nistração pública, considerado um dos funda-
mentos da República, segundo a Constituição
Federal de 1988, é exercido pelo Poder Legis-
lativo com auxílio do Tribunal de Contas. Esse
controle se faz necessário para se averiguar o
atendimento dos princípios e normas constitu-
cionais tanto da arrecadação da receita pública
quanto à realização da despesa pública.
Conforme o art. 71, II da Constituição
Federal de 1988 e o art. 86, II da Constituição
do Estado do Piauí enquadram-se entre as
competências dos Tribunais de Contas o jul-
gamento das contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens ou
valores públicos da administração direta e in-
direta, incluídas as fundações mantidas pelo
Poder Público federal e estadual, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio
ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público.
Analisando tais artigos, e considerando
o modelo de Estado Democrático de Direito,
pautado na satisfação do interesse público,
entende-se que o controle pelos Tribunais de
Contas também é necessário nas Parcerias Pú-
blico-Privadas.
As Parcerias Público-Privadas foram
criadas com a fi nalidade de aumento da infra-
estrutura sem comprometer os recursos públi-
cos, buscando, assim, um ponto de equilíbrio
para que ocorra um crescimento ordenado.
Porém, é imprescindível a atuação do con-
trole e acompanhamento da execução dos
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 102
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
contratos para que as PPPs possam represen-
tar uma forma eficiente de gestão do patri-
mônio público.
Considerando a importância do con-
trole externo exercido pelos Tribunais de
Contas e o caráter inovador das parcerias
público-privadas em nosso Estado, como um
mecanismo capaz de atrair investimentos pri-
vados, gerando inúmeros benefícios, buscou-
-se pesquisar um pouco mais sobre o assunto e
analisar como está sendo realizado o controle
externo destas parcerias.
Dessa forma, o problema posto sob
análise neste trabalho é verifi car as difi culdades
encontradas na efetivação do controle externo
pelo Tribunal de Contas sobre esse novo mo-
delo de contrato administrativo de concessão.
Para realização desta pesquisa foi ne-
cessário o estudo da Lei n.º 11.079 de 30 de de-
zembro de 2004 (que institui as normas gerais
do assunto baseada na competência prevista
no artigo 22, XXII da Constituição Federal de
88), bem como a Lei n.º 5.494 de 19 de setem-
bro de 2005, com as alterações introduzidas
pela Lei n.º 5.561 de 08 de maio de 2006 e a Lei
n.º 5.817 de 16 de dezembro de 2008 (que ins-
titui o programa de parcerias público-privadas
do Estado do Piauí e dá outras providências) e
também a Lei n.º 8.987 de 13 de fevereiro de
1995 (que dispõe sobre o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos
previsto no art. 175 da Constituição Federal e
dá outras providências). Utilizando-se de meios
qualitativos de pesquisa, identifi cou-se os prin-
cípios e a legislação que norteiam a prestação
de contas das Parcerias Público-Privadas.
A pesquisa teve como referencial teóri-
co o estudo da legislação vigente e da doutrina
acerca da matéria, sendo, pois, uma pesquisa
bibliográfi ca e documental.
O presente estudo está estruturado
em três partes.
Na primeira parte, abordam-se aspec-
tos das Parcerias Público-Privadas, como histó-
rico, conceito, natureza jurídica, regulamenta-
ção, modalidades de concessão.
Em seguida, destacam-se o controle,
conceito, classifi cação, e com foco principal no
controle externo, enfatizando o papel do Tri-
bunal de Contas da União e Tribunal de Contas
do Estado do Piauí na efetivação do controle
externo.
A terceira parte do trabalho foi dedica-
da ao estudo específi co do Controle Externo
das Parcerias Público-Privadas e às formas de
controle que devem ser realizadas, destacan-
do-se o controle externo através da prestação
de contas realizadas aos Tribunais de Contas.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
2.1.1 Conceito e natureza jurídica
A Lei n.º 11.079/04 defi niu em seu arti-
go 2º, que “parceria público-privada é o contra-
to administrativo de concessão na modalidade
patrocinada ou administrativa”.
Carvalho Filho (2005, p. 340) conceitua
[...] como um contrato fi rmado entre a Adminis-tração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante fi nanciamen-to do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos ris-cos e dos ganhos entre os pactuantes.
Niebuhr (2008, p. 106/107) expõe que:
Parceria público-privada é espécie de contrato administrativo de delegação de atividades des-tinadas à satisfação de interesses públicos ou exploração de obra pública, com pelo menos, a repartição – entre os parceiros – dos riscos inerentes à atividade, de prazo de duração pro-longado e vultoso valor econômico em que se sublinha a existência de contraprestação públi-
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ca ao parceiro privado para a remuneração da atividade, de modo integral quando, para efei-to de seu custeio, o tomador da atividade for o parceiro público, ou em adição à tarifa, quando o serviço ou obra pública comportar cobrança direta dos usuários.
Os autores acima mencionados re-
tratam as Parcerias Público-Privadas como
contratos administrativos de grande vulto,
firmados entre o setor público e a iniciativa
privada, com o objetivo de atender o interes-
se público desenvolvendo grandes projetos
de infraestrutura.
Embora se utilize o termo parceria, na
verdade tem a natureza jurídica é de um con-
trato administrativo de concessão de serviços
públicos ou de obras públicas ou, ainda, de
prestação de serviços de que a Administração
Pública seja usuária direta ou indiretamente,
poder-se-ia chamá-la até mesmo de contrato
de concessão especial.
Conforme o artigo 2º da Lei n.º
11.079/04, esse contrato de parceria pode
assumir as modalidades patrocinada ou ad-
ministrativa.
A concessão patrocinada é contrato de
concessão de serviços públicos ou de obras
públicas de que trata a Lei n.º 8.987 de 13 de
fevereiro de 1995, quando envolver, adicional-
mente à tarifa cobrada dos usuários, contra-
prestação pecuniária do parceiro público ao
parceiro privado, ou seja, é pago pelo usuário
e pelo Estado. Um exemplo concreto de PPP
nesta modalidade de concessão foi a amplia-
ção do Metrô de São Paulo. A empresa vence-
dora da licitação operará a linha 4 (Linha Ama-
rela), com 11 estações: da Luz até o município
de Taboão da Serra, durante 30 anos, terá em
contrapartida ao investimento a cobrança de
tarifas no Metrô e de verba do estado. Cabe ao
estado construir estações e trilho, e à iniciativa
privada, a implantação do sistema de operação
e aquisição dos trens.
Segundo Zymler e Almeida (2008, p.
271):
Essa modalidade de concessão é utilizada para permitir a prestação de serviços públicos que não sejam auto-sustentáveis, cuja receita oriunda do recebimento das tarifas e das recei-tas acessórias seja insufi ciente para remunerar adequadamente o parceiro privado. Aduz--se que a remuneração do agente privado só será paga a partir do início da prestação dos serviços e seu valor poderá depender do atin-gimento de metas de qualidade predetermi-nadas. Assim, não há pagamento durante o período pré-operacional.
Cuida-se destacar que esse adicional mencionado pela Lei à tarifa não se confunde com a previsão do art. 11 da Lei nº 8.987/05, pois nesses, o adicional advém de terceiras fontes e não do poder concedente ou dos par-ceiros envolvidos na empreitada. No entanto, na parceria público-privada, tal como previsto no artigo 6º da Lei n.º 11.079/04, esse adicional pode ser feito por: ordem bancária; cessão de créditos não tributários; outorga de direitos em face da Administração Pública; outorga de di-reitos sobre bens públicos dominicais e outros meios admitidos em lei.
Nos termos do artigo 2º, §2º, da Lei n.º
11.079/04, “concessão administrativa é o con-
trato de prestação de serviços de que a Admi-
nistração Pública seja a usuária direta ou indi-
reta, ainda que envolva a execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens”.
Na concessão administrativa quem re-
munera integralmente o parceiro privado é o
parceiro público, por essa razão, essa modali-
dade de concessão admite não só os serviços
públicos em sentido estrito, mas também os
serviços públicos em sentido amplo, em que a
Administração faz o papel de usuário para efei-
to de custeio integral da atividade. O Estado é
o próprio usuário do serviço a ser prestado. Um
exemplo concreto desta modalidade de con-
cessão é a construção do Centro Administrati-
vo do Distrito Federal.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 104
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
Di Pietro (2007, p. 285) faz uma síntese
englobando as duas modalidades em um con-
ceito único, afi rmando que:
[...] a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remu-nerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro pú-blico, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, me-diante contraprestação do parceiro público.
Em resumo, a concessão patrocinada
caracteriza-se por ser uma concessão comum
de serviço público, mas com subsídio parcial
pago pelo Estado; enquanto a concessão ad-
ministrativa é baseada na prestação de serviço
público por ente particular, mediante paga-
mento estatal, via subsídio integral, correspon-
dente ao serviço prestado. Como exemplo de
concessão patrocinada pode-se citar a cons-
trução de rodovias e administrativa, a constru-
ção de presídios.
2.1.2 Histórico
2.1.2.1 Precedentes internacionais
A utilização do conceito de parcerias
público-privadas na execução de grandes pro-
jetos públicos é uma experiência relativamente
recente. Internacionalmente, as PPPs são am-
plamente utilizadas para projetos de infraestru-
tura, particularmente projetos que seriam nor-
malmente providenciados por mecanismos
tradicionais de fi nanciamento pelo Estado ou
outras organizações do setor público.
Países europeus têm uma grande ex-
periência com PPPs, sendo a Inglaterra, inclu-
sive, o país utilizado como principal referência
para o desenvolvimento do modelo brasileiro
de parceria público-privada. Entretanto, países
da América, África e Ásia, como Chile, México,
Austrália, Canadá e África do Sul já iniciaram há
algum tempo os seus programas de PPP, com
relativo sucesso.
Inicialmente, as parcerias público-pri-
vadas foram utilizadas exclusivamente na exe-
cução de projetos de infraestrutura de grande
porte, que necessitariam de injeção de altos
fl uxos de capital por parte do setor público, tais
como infraestrutura de transporte (rodovias,
ferrovias, pontes, etc...), saneamento e geren-
ciamento de resíduos residenciais. A partir da
boa experiência nestes setores, sua aplicação
foi gradativamente migrando para outros seto-
res da economia, principalmente para a cons-
trução e operação da infraestrutura de hospi-
tais, escolas e universidades, presídios e outros.
2.1.2.2 Contexto brasileiro
Observando a bem-sucedida experi-
ência internacional e a grande carência nacio-
nal de recursos para execução de grandes pro-
jetos de infraestrutura, em dezembro de 2004
foi decretada pelo Congresso Nacional a Lei n.º
11.079, que regulamenta a instituição de proje-
tos de Parceria Público-Privada no Brasil.
No entanto, conforme expõe Zymler e
Almeida (2008), as raízes históricas das parcerias
entre capitais públicos e privados assentam-se
no Brasil Colônia, a exemplo das Capitanias He-
reditárias, dos contratantes de pedras precio-
sas e dos coletores de tributos.
Fazendo-se um levantamento históri-
co, observa-se que especialmente no campo
de infraestrutura, desde o Segundo Império
que D. Pedro II implantou parte das ferrovias
brasileiras, usando de uma ferramenta contra-
tual que se chamava cláusula de ouro, com fi -
nalidade semelhante às PPPs.
Avançando um pouco na histórica,
no Segundo Governo de Vargas, tem-se a
criação do Banco Nacional de Desenvolvi-
105
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
mento Econômico- BNDE, com vistas à rea-
lização de investimentos estatais no setor de
bens de capital.
Juscelino Kubitschek, durante seu
poder, estimulou a aceleração do processo
de industrialização resolvendo problemas
de infraestrutura, embora tenha em contra-
partida aumentado a dívida externa e a in-
flação. Nos governos militares, observou-se,
também, desenvolvimento da infraestrutura
e da economia.
Conforme preceitua Zymler e Almeida
(2008, p. 259):
A partir da década de 1990, passa-se a propug-nar pela concessão de uma maior fl exibilidade aos gestores públicos, que devem passar a se-rem avaliados a partir dos resultados obtidos e dos procedimentos adotados.
O Estado deve ser visto hoje como
fruto de uma evolução sistemática, pois exis-
te com o objetivo de proporcionar o bem co-
mum (Dallari, 2007).
A Administração Pública exerce ativi-
dade multifária e complexa, e sempre com os
olhos voltados para fi m de interesse público.
Esta Administração passou por vários estágios,
com vistas a atender da melhor forma o inte-
resse da coletividade.
No Estado Absoluto, predominava a
Administração Patrimonial ou Patrimonialista,
caracterizando-se pela confusão entre patri-
mônio público e privado, presença do nepo-
tismo e clientelismo, a privatização do Estado
para poucos.
No Estado Liberal, como forma de
combater a corrupção e o nepotismo patrimo-
nialista, presente a Administração Burocrática,
com o predomínio da impessoalidade das rela-
ções entre servidores e governantes, presença
marcante dos princípios da legalidade, impes-
soalidade, moralidade e publicidade, controle
de procedimentos, racionalidade, formalismo,
porém, pouca efi ciência e despreocupação
com o usuário fi nal de serviço.
Com o Estado Neoliberal, surge a Ad-
ministração Gerencial focada no controle de
resultados, efi ciência na prestação do serviço,
transparência, descentralização da execução
dos serviços estatais, desconcentração organi-
zacional e accountability.
Assim, com esse modelo de Adminis-
tração Pública atual, com o foco da gestão no
cidadão, torna-se evidente a necessidade de
desenvolver e incorporar tecnologias especi-
fi camente dedicadas à gestão da informação.
Com o uso da tecnologia, a gestão pública
mostra-se mais transparente e aproxima-se das
demandas da sociedade.
Este modelo atual tornou-se mais
evidente com a chamada Reforma Adminis-
trativa estabelecida no ordenamento jurídico
pela Emenda Constitucional n.º 19/98, que
acrescentou ao artigo 37 da Constituição Fe-
deral o princípio da efi ciência, como um dos
pressupostos básicos da Reforma do Aparelho
do Estado, objetivando facilitar o ajuste fi scal
necessário ao equilíbrio das fi nanças públicas.
Conforme Di Pietro (2007, p. 75):
O princípio da efi ciência apresenta, na realida-de, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente públi-co, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os me-lhores resultados; e em relação ao modo de or-ganizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Nesse sentido, é objetivo do governo
coibir o desperdício e racionalizar o gasto públi-
co. A reforma vem como instrumento através do
qual deve-se impedir que os gastos aumentem,
consumindo os recursos do Estado, sem que haja
uma contrapartida de efi ciência e qualidade nos
serviços prestados à sociedade.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 106
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
A criação das parcerias deveu-se pela
própria evolução do Estado, a necessidade de
se criar mecanismos para promover ainda mais
o desenvolvimento estatal e a promoção do
bem-estar social. O surgimento das PPPs abre
oportunidade para ampliar a participação do
setor privado na provisão de serviços, em es-
pecial no setor de infraestrutura, potenciali-
zando ganhos de efi ciência e desoneração dos
contribuintes.
2.1.3 Regulamentação
2.1.3.1 Nível federal
Como exposto anteriormente desde a
época do Brasil Colônia, a ideia destas parcerias
já existia no Brasil, porém, a regulamentação
adveio com a Lei n.º 11.079, de 30 de dezembro
de 2004, que institui normas gerais para licita-
ção e contratação de parceria público-privada
no âmbito da administração pública.A norma supramencionada instituiu a
colaboração entre o Poder Público e a iniciativa privada no fi nanciamento de obras em setores como infraestrutura rodoviária, energética, en-tre outros, mediante o compartilhamento ob-jetivo de riscos entre os parceiros.
A Lei n.º 11.079/04 defi ne a Parceria Pú-
blico-Privada em seu artigo 2º, in verbis: “Parce-
ria público-privada é o contrato administrativo
de concessão, na modalidade patrocinada ou
administrativa.”
Logo no seu art. 1º estabelece que a
quem se aplica:
Art. 1o Esta Lei institui normas gerais para licita-ção e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.Parágrafo único. Esta Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de econo-mia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A Lei nº 11.079, de 2004, traz apenas
normas de caráter geral que carecem de de-
talhamento e regulamentação em diversos as-
pectos, sobretudo, no que concerne às normas
específi cas de controle e fi scalização. É impor-
tante que cada Estado legisle supletivamente
sobre a matéria para evitar o uso indevido de
tal ferramenta.
Zymler e Almeida (2008) enfatizam al-
guns pontos importantes e genéricos desta lei,
como: além de regras gerais, ela contém dis-
posições aplicáveis exclusivamente à União, as
quais estão contidas no seu capítulo VI; o le-
gislador teve a preocupação de separar nitida-
mente as normas nacionais das federais, o que
não foi feito, por exemplo, quando da elabo-
ração da Lei n.º 8.666/93. Assim sendo, houve
um avanço na técnica legislativa empregada
na redação da lei das PPPs, o qual contribuirá
para reduzir as controvérsias suscitadas quan-
do da aplicação desse dispositivo legal; como
se verá no momento oportuno, algumas nor-
mas nacionais poderão ter sua constituciona-
lidade questionada, tendo em vista que, apa-
rentemente, pode ter havido uma usurpação
da competência legislativa dos Estados e dos
Municípios, o que confi gura uma violação ao
Pacto Federativo.
Os Estados podem legislar sobre PPPs,
porém obedecendo às normas gerais estabe-
lecidas pela Lei n.º 11.079/04.
2.1.3.2 Nível estadual
A implementação desta lei é uma for-
ma de avanço na política brasileira, pois visa a
alavancar o desenvolvimento do país, no qual
o capital privado vai se encarregar de patroci-
nar obras que o Estado não teria condições de
fazer com recursos próprios, e melhorar seto-
res mal explorados pela Administração Publica.
107
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
A regulamentação das PPPs pelos Es-
tados demonstra comprometimento firme e
decidido dos governos em aproveitar essa
moderna alternativa de relacionamento com
a sociedade e potenciais parceiros privados
para a oferta de serviços de qualidade ao
cidadão com visão no atendimento de suas
necessidades.
No campo estadual, o estado pionei-
ro na elaboração de lei regulamentando as
PPPs foi o Estado de Minas Gerais, com a Lei
n.º 14.868 de 16 de dezembro de 2003, porém,
tal modelo foi adotado por outros Estados da
Federação, dentre eles o Estado do Piauí, Lei n.º
5.494/05, que foi alterada pelas Leis n.º 5.561 de
08 de maio de 2006 e Lei n.º 5.817 de 16 de
dezembro de 2008.
No fi nal de 2008, o Governo do Estado
do Piauí assinou Acordo de Cooperação Técni-
ca com o Banco do Nordeste e o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão para es-
truturar sua primeira Parceria Público-Privada
(PPP): a construção da rodovia Transcerrados
(PI-397), de 330 km. O acordo fi rmado disponi-
biliza recursos não-reembolsáveis para a cons-
trução dos projetos da Rodovia Transcerrados
almejada pelos produtores da Região Sul do
Estado do Piauí.
A Transcerrados está localizada no Polo
de Uruçuí-Gurgueia, uma das áreas de maior
potencial de desenvolvimento do complexo
agroindustrial dos cerrados nordestinos, e que
tem apresentado nos últimos anos um forte
crescimento na produção de soja. No polo, já
se observa a instalação de grandes empresas
do agribusiness nacional, como Ceval, Bünge e
Cargill, entre outras.
Avançando um pouco mais com esta
ideia, o Estado do Piauí estuda a possibilidade
de ampliar o campo das PPPs para o sistema
prisional.
2.2 CONTROLE EXTERNO
2.2.1 Controle
A Administração é o instrumento de
que o Estado dispõe para colocar em prática as
políticas públicas, por meio do conjunto de ór-
gãos estatais, instrumento este submetido aos
princípios da legalidade, impessoalidade, mo-
ralidade, publicidade, fi nalidade pública, moti-
vação e efi ciência (art.37, CF). E para estabele-
cer a conformidade dos atos da administração
pública com os princípios constitucionais, bem
como obedecer aos princípios da supremacia
do interesse público sobre o privado, da razoa-
bilidade e/ou proporcionalidade e da indispo-
nibilidade do interesse público e resguardar a
efi cácia desses atos, surgem os mecanismos
ou sistemas de controle de suas atividades.
Dentre estes princípios, destaca-se o
princípio da razoabilidade e proporcionalida-
de, pois, embora não expresso no texto cons-
titucional, é também de extrema importância.
Como apontou Figueiredo (1991):
[...] não há outro meio de se aferir a legalidade de certos atos administrativos, a não ser pelo metro da razoabilidade. Impende a aferição da pertinência com a consequente correlativida-de entre o ato emanado e seu pressuposto fá-tico. Se houver qualquer possibilidade de com-petência discricionária, deverá esta também se submeter ao controle da legalidade. Em outras palavras: determinadas necessidades adminis-trativas, a serem implementadas, fazem com que, inexoravelmente, para controle do ato praticado, tenha-se de inferir a congruência ló-gica entre a atuação administrativa e a neces-sidade invocada.
A previsão de controle mostrava-se
desde a Antiguidade e Idade Média e expan-
diu-se em paralelo à formação e à consoli-
dação do Estado Moderno, tendo adquirido
maior ênfase com a Revolução Francesa.
Prova disto encontra-se na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 108
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
agosto de 1789, que defi ne os direitos do ci-
dadão como poderes que traduzem em meios
de participação do homem no exercício do Po-
der Político. Entre esses poderes, incluem-se os
direitos de participar da vontade geral (art. 6º),
de consentir no imposto e de controlar o dis-
pêndio do dinheiro público (art. 14) e de pedir
contas da atuação de agente público, confor-
me dispõe o art. 15: “A sociedade tem o direito
de pedir contas a todo agente público pela sua
administração”.
O controle da administração pública
deve ser considerado, nesse sentido, como um
direito fundamental dos povos, relacionando-
-se, intimamente, com o Estado Democrático
de Direito e, assim, com a efetivação de todos
os direitos fundamentais, tendo em vista que
impede e reprime uma atuação estatal abusiva
ou desconforme com o direito e aos princípios
de ética pública.
O Estado Moderno mostra-se com dois
objetivos principais: coibir o abuso do poder
político-administrativo e dinamizar a efi ciência
da administração pública.
Segundo Zymler (2008, pág.96):
Visando atingir o primeiro objetivo, arranjos institucionais foram incorporados aos Esta-dos modernos com a intenção precípua de restringir o poder do governante e de corpo administrativo. Assim, foram editadas normas constitucionais limitando esse poder, foi im-plementada a separação funcional de poderes e foram criados mecanismos de competência concorrentes.
E complementa Zymler (2008, p. 98),
que o segundo objetivo
Ensejou um incremento do controle paralela-mente à racionalização dos processos adminis-trativos, à profi ssionalização da burocracia e à criação de normas formais regulando os pro-cedimentos governamentais.
De diferentes formas, os maiores ad-
ministrativistas conceituam controle, porém,
na sua essência visa conferir maior efi ciência
às suas ações, que estas estejam em confor-
midade com os princípios do regime jurídico-
-administrativo.
Carvalho Filho (2005) denomina o con-
junto de mecanismos jurídicos e administrati-
vos por meio dos quais se exerce o poder de
fi scalização e de revisão da atividade adminis-
trativa em qualquer das esferas de Poder.
Para Di Pietro (2007), o controle admi-
nistrativo consiste no poder de fi scalização e
correção que a Administração Pública exerce
sobre sua própria atuação, sob os aspectos de
legalidade e mérito, por iniciativa própria ou
mediante provocação.
2.2.2 Controle externo exercido
pelo Tribunal de Contas
Tem-se a noção de controle a partir do
Estado Democrático de Direito, que consagra,
entre os seus pilares, as ideias de separação de
funções estatais e do controle do poder polí-
tico, como formas de garantia das liberdades
individuais, de limitação do exercício do Poder.
O controle externo é o controle exer-
cido por órgãos alheios ao Poder Executivo,
podendo ser exercido pelo Poder Judiciário e
pelo Poder Legislativo.
Na lição de Meirelles (2006), o con-
trole externo visa a comprovar a probidade
da Administração e a regularidade da guarda
e do emprego dos bens, valores e dinheiros
públicos, assim como a fiel execução do or-
çamento.
A Constituição Federal de 88 em seu art.70 dispõe que: “A fiscalização contábil, financei-ra, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legiti-midade, economicidade, aplicação das sub-venções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
109
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
Observa-se que este controle abran-
ge, além da legalidade, legitimidade e econo-
micidade dos atos administrativos, o controle
operacional e patrimonial da Administração
Pública. Pelo texto constitucional vigente, os
Tribunais de Contas desempenham todas as atividades de auditoria e fi scalização contábil, orçamentária, fi nanceira, operacional e patri-monial, necessárias ao julgamento das contas dos administradores públicos, estando suas competências e atribuições estabelecidas e detalhadas nos artigos 70 e 71 da Carta Federal.
Aos Tribunais de Contas é outorgada a competência para auxiliar o Poder Legislativo no controle externo de fi scalização, na análise dos atos de receita e despesa da Administra-ção Pública. Nos incisos I ao XI do art. 71 da Constituição Federal, estão consignados, de forma pormenorizada, quais são as competên-cias atribuídas ao Tribunal de Contas da União.
As funções constantes no art.71 da Constituição Federal podem ser resumidas em apenas uma: exercer a fi scalização dos dinhei-ros públicos, apontar as práticas desviantes e, quando permitido na Lei Maior, impor sanções pecuniárias àqueles que malversam recursos públicos.
Há algum tempo, discute-se a natureza jurídica das cortes de contas, se é um órgão de-pendente do Poder Legislativo, ou um órgão independente. Pascoal (2005, p. 136), em seu livro Direito Financeiro e Controle Externo, cita posicionamento de Eduardo Gualazzi (1992)
que defi ne Tribunal de Contas como
órgão administrativo parajudicial, funcional-mente autônomo, cuja função consiste em exercer, de ofício, o controle externo, fático e jurídico, sobre a execução fi nanceiro-orçamen-tária, em face dos três poderes do Estado, sem a defi nitividade jurisdicional.
Meireles (2006) os defi ne como órgãos
independentes, mas auxiliares dos Legislativos
e colaboradores do Executivo.
Na lição do Professor Alexandre de Mo-
raes (2008), o Tribunal de Contas da União é ór-
gão auxiliar e de orientação do Poder Legislati-
vo, embora a ele não subordinado, praticando
atos de natureza administrativa, concernentes,
basicamente, à fi scalização.
Da mesma forma decidiu o Supremo
Tribunal Federal, antes mesmo da Constituição
de 88 que: “O Tribunal de Contas não é prepos-
to do Legislativo. A função que exerce recebe
diretamente da Constituição Federal, que lhe
defi ne as atribuições.”
Atualmente as Cortes de Contas são
órgãos constitucionalmente consagrados,
dotados de independência, que ao fi scalizar
fi nanceira e orçamentariamente os atos da Ad-
ministração Pública, auxilia o Poder Legislativo,
o que não signifi ca dizer que sejam órgãos me-
ramente auxiliares.
A importância da atuação das cortes
de contas aperfeiçoou-se com a CF/88, sím-
bolo maior da nova fase democrática, que
trouxe de forma detalhada suas competên-
cias, fortalecendo, assim, a efetividade do
controle externo.
Rui Barbosa, em suas palavras, explica
função a ser desempenhada pelos tribunais de
contas:
Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância, ou a prevaricação, para as punir, circunscrita a es-tes limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia ou impotente. Convém levantar, entre o Poder que autoriza periodicamente a despesa e o Poder que cotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a Legislativa, e intervindo na Administração, seja não só o vi-gia, como a mão forte da primeira sobre a se-gunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias, por um veto oportuno nos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha geral das leis de fi nanças.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 110
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
Nesta nova fase da administração pú-
blica, deixando de lado as práticas do patrimo-
nialismo, autoritarismo, clientelismo e conside-
rando a aplicação e efetividade dos princípios
constitucionais da administração pública, o
papel do Tribunal de Contas é de extrema im-
portância no combate à corrupção e à busca
por transparência na aplicação dos recursos
públicos.
2.2.3 Atuação do Tribunal de Contas
do Estado do Piauí
O Tribunal de Contas do Estado do
Piauí é um órgão constitucional autônomo
que tem competências e atribuições próprias,
auxiliando a Assembleia Legislativa do Estado
e as Câmaras Municipais no controle dos atos
administrativos de índole fi nanceira e orça-
mentária.
Tem jurisdição estadual própria e priva-
tiva, atuando em todo o Estado, fi scalizando as
contas do Governo do Estado e de todos os
Municípios do Estado. No exercício desta juris-
dição está regido pela sua Lei Orgânica e pelo
seu Regimento Interno.
A principal atribuição desta Corte de
Contas é atuar no exercício do controle exter-
no, tendo o poder-dever de promover a fi sca-
lização de seus jurisdicionados para a correção
dos atos ilegais e também dos inconvenientes
e inoportunos.
A Constituição do Estado do Piauí es-
tabelece em seu art. 85 que a fi scalização con-
tábil, fi nanceira, orçamentária, operacional e
patrimonial do Estado e das entidades da ad-
ministração direta e indireta, quanto à legalida-
de, legitimidade, economicidade, aplicação de
subvenções e renúncia de receita, será exercida
pela Assembleia Legislativa, mediante controle
externo e pelo sistema de controle interno de
cada poder.
No art. 86, a Constituição Estadual es-
tabelece que esse controle externo a cargo da
Assembleia Legislativa será exercido com o au-
xílio do Tribunal de Contas e estabelece suas
competências: apreciar, julgar, fi scalizar.
A Lei n.º 5.888 de 19 de agosto de 2009,
que dispõe sobre Lei Orgânica do Tribunal de
Contas do Estado do Piauí, logo no seu artigo
2º regulamenta a natureza jurídica e competên-
cia do TCE/PI, dentre elas, destaca-se: fi scalizar a
aplicação de quaisquer recursos repassados pelo
Estado ou município a pessoas jurídicas de direito
público ou privado, mediante convênio, acordo,
ajuste ou qualquer outro instrumento congêne-
re. As PPPs são aplicáveis a projetos de vultoso
valor econômico, ou seja, envolvem grandes re-
cursos, tendo naturalmente que ser fi scalizados
pelo Tribunal de Contas.
O TCE/PI dispõe ainda de resoluções
que regulamentam sua atuação, objetivando
um melhor desenvolvimento de sua missão
como instituição que fi scaliza a boa aplicação
dos recursos públicos.
A Resolução TCE/PI n.º 904, de 22 de
outubro de 2009, dispõe sobre a forma e prazo
de prestação de contas ao Tribunal de Contas
pelos órgãos e entidades dos Poderes Legislati-
vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério
Público e dá outras providências e a Resolu-
ção TCE/PI n.º 905, de 22 de outubro de 2009,
dispõe sobre a forma e prazo de prestação de
contas da administração pública municipal di-
reta e indireta ao Tribunal de Contas e dá ou-
tras providências.
As mencionadas resoluções têm o
cunho de regulamentar como deve ser feita a
prestação de contas, qual documentação deve
compô-la, quais os prazos a serem cumpridos,
a obrigatoriedade de informativo prévio diante
da realização de procedimento licitatório, por
meio do sistema de Licitações Web, bem como
a previsão de multa diante do não cumprimen-
to dos prazos.
111
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
Com essa regulamentação, facilita o
exercício do controle externo, através do exa-
me da legalidade, legitimidade, economici-
dade, efi ciência e efi cácia dos atos de gestão,
bem como sobre a aplicação de subvenções e
auxílios e renúncia de receitas, e assim, a efeti-
va fi scalização contábil, fi nanceira, orçamentá-
ria, operacional e patrimonial.
2.2.5 Controle externo das parcerias
público-privadas
Prestar contas é uma obrigação primá-
ria de quem gasta ou administra recursos que
pertencem aos outros. É uma atividade que
por si só não agrada a muitos. Para o Poder Pú-
blico, mais do que um dever legal que remon-
ta ao nascer da história da humanidade, é um
dever social, em busca de um objetivo sublime
e historicamente reconhecido – o exercício
da cidadania. Por outro lado, fi scalizar gastos
é uma tarefa árdua que não signifi ca apenas
cumprir uma legislação vigente. Muito além
disso, signifi ca investir-se no poder de defen-
der os interesses individuais e sociais, face ao
mau uso do poder concedido aos agentes po-
líticos através do voto popular, praticando, as-
sim, o exercício da cidadania em seu mais alto
grau: na capacidade de ser agente participante
do processo de tomada de decisão sobre os
rumos da sociedade.
As PPP’s são uma nova forma de rela-
cionamento entre o governo e o setor privado.
A iniciativa privada entra com a capacidade de
investir e de se fi nanciar a fl exibilidade e a com-
petência gerencial, enquanto o setor público
assegura a satisfação do interesse público.
Conforme a operação, poderá haver um com-
plemento de recurso público na remuneração
do parceiro privado, assegurado invariavel-
mente por garantias que impeçam os futuros
governos de descumprirem o combinado.
Como são contratos administrativos,
encontram-se no rol de fi scalizados pelos Tri-
bunais de Contas, pois envolvem recursos pú-
blicos. A comprovação encontra-se no ordena-
mento jurídico brasileiro indicado no parágrafo
único do art. 70 da Constituição Federal, quan-
do estabelece que :
“prestará contas qualquer pessoa física ou jurí-dica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União res-ponda, ou que, em nome desta, assuma obri-gações de natureza pecuniária”.
Desta forma, a Lei Maior prevê que a
prestação de contas não será obrigatória em
razão da pessoa que a presta, mas sim em ra-
zão da origem dos bens, valores e patrimônio
manuseado durante o exercício fi nanceiro. As-
sim, se a instituição usou dinheiro público para
desempenhar a fi nalidade para a qual foi cria-
da, então tem a obrigação de prestar contas.
Além disso, ressalta-se que, mesmo no
manuseio de valores advindos da esfera priva-
da, tem a Administração direta e indireta obri-
gatoriamente que prestar contas, em virtude
de que todo e qualquer bem ou valor, mesmo
que de origem privada, quando ingressa nos
cofres públicos, perde o atributo que lhe carac-
teriza como privado e adquire o predicado que
lhe dá qualidade de público, ensejando, como
já dito, a obrigação da apresentação da presta-
ção de contas para o tribunal competente.
No entanto, sabe-se que as PPPs en-
volvem recursos públicos e privados, enqua-
drando-se, pois, nas duas situações expostas
anteriormente.
Assim, consoante coloca Mileski (cita-
do por Zymler e Almeida 2008, p. 338):
Sendo a parceria público-privada uma forma de atuação administrativa do Estado, em par-ceria com o setor privado, e, por isto, confi gu-rando-se como um ato de colaboração, de re-lação negocial, para obtenção de objetivos de interesse coletivo, com direitos e obrigações fi -
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 112
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
xadas em contrato, após regular procedimento licitatório, o contrato de parceria público-priva-da está diretamente ligado aos atos negociais do Estado, envolvendo gerenciamento de recursos fi nanceiros, devendo, por essa razão, fi car adstrito ao sistema de controle público e social.
A própria lei que instituiu as PPPs atri-
buiu ao Tribunal de Contas da União a fun-
ção de analisar os relatórios de desempenho
dos contratos de parcerias público-privadas,
que deverão ser encaminhados a esta Corte
pelo órgão gestor de parcerias público-pri-
vadas federais.
O controle externo nos contratos de
PPPs deve ser iniciado com a fi scalização do
procedimento licitatório; ao Tribunal de Contas
compete acompanhar concomitantemente
todas as fases do certame, emitindo decisões
com vistas à adoção de medidas corretivas
que se façam necessárias ao regular curso do
processo; bem assim, mediante auditorias es-
peciais e concomitantes, centradas no assunto.
Corroborando com essa ideia, a própria
lei que institui as PPPs em seu art. 10 disciplina
o controle social determinando que a contrata-
ção de parceria público-privada será precedida
de licitação, estando a abertura do processo
licitatório condicionada submissão da minu-
ta de edital e de contrato à consulta pública,
mediante publicação na imprensa ofi cial, em
jornais de grande circulação e por meio eletrô-
nico, que deverá informar a justifi cativa para a
contratação, a identifi cação do objeto, o prazo
de duração do contrato, seu valor estimado, fi -
xando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para
recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-
-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data pre-
vista para a publicação do edital.
Fundamentando a necessidade de
fi scalização dos procedimentos licitatórios, o
Regimento Interno do Tribunal de Contas do
Estado do Piauí regulamenta em seu art.169
que esta Corte no exercício da fi scalização to-
mará conhecimento, por sua publicação, no
Diário Ofi cial do Estado, ou por outros meios
admitidos em lei ou normas específi cas suas
dos editais de licitações, contratos, inclusive os
administrativos, convênios, acordos, ajustes ou
outros instrumentos congêneres.
No entanto, este controle não se resu-
me à fi scalização da licitação, este é apenas o
primeiro passo. O controle externo precisa atu-
ar concomitantemente às fases do processo de
produção, detectando desvios e anomalias em
tempo compatível com a introdução oportuna
dos aperfeiçoamentos e correções que se fi ze-
rem necessários. É primordial reforçar o papel
dos Tribunais de Contas como instrumentos de
controle gerencial.
O TCE/PI pela Resolução n.º 904, 22 de
outubro de 2009 dispõe sobre a forma e prazo
de prestação de contas ao Tribunal de Contas
pelos órgãos e entidades dos Poderes Legislati-
vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério
Público não traz um capítulo específi co para a
prestação de contas das PPPs, até mesmo pelo
fato de tratar-se de um assunto novo no Esta-
do do Piauí, mas a obrigação de prestação de
contas inicia com informativo do procedimen-
to licitatório, que é a pedra inicial para uma par-
ceria público-privada.
Objetivando regular a matéria para um
controle mais efi caz, o Tribunal de Contas da
União editou instrução normativa n.º 52, de 4
de julho de 2007 que dispõe sobre o controle
e a fi scalização de procedimentos de licitação,
contratação e execução contratual de Parcerias
Público-Privadas (PPP), a serem exercidos pelo
Tribunal de Contas da União.
Segundo a referida instrução normati-
va o acompanhamento dos processos de licita-
ção e contratação de Parceria Público- Privada
(PPP) será concomitante e realizado em cinco
estágios, mediante a análise dos documentos.
113
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
O primeiro estágio consistirá basica-
mente em pronunciamento prévio e funda-
mentado do Ministério do Planejamento, Or-
çamento e Gestão sobre o mérito do projeto;
autorização competente para abertura de pro-
cedimento licitatório devidamente fundamen-
tada em estudo técnico; estudos de viabilidade
técnica e econômico-fi nanceira do empreen-
dimento; relação de estudos, investigações, le-
vantamentos, projetos, obras e despesas ou in-
vestimentos já efetuados, vinculados ao objeto
a ser licitado, quando houver, com a discrimi-
nação dos custos correspondentes; descrição
das obras, dos investimentos e dos serviços a
serem realizados pela sociedade de propósi-
to específi co durante a execução contratual,
acompanhados dos respectivos cronogramas
físico-fi nanceiros; cópia da licença ambiental
prévia ou das diretrizes para o licenciamento
ambiental do empreendimento, na forma do
regulamento; laudo de viabilidade das garan-
tias emitido pela instituição fi nanceira respon-
sável pela administração do Fundo Garantidor
das Parcerias Público-Privadas e repartição
dos riscos entre as partes associadas ao proje-
to, inclusive os referentes a ocorrência de caso
fortuito, força maior, fato do príncipe ou álea
econômica extraordinária.
No segundo estágio, apresenta-se
a comprovação da convocação de consulta
pública, bem como relatório contendo a ma-
nifestação do gestor acerca das questões sus-
citadas, o edital da licitação, bem como qual-
quer tipo de questionamento ou impugnação
sobre o objeto do procedimento licitatório.
O terceiro estágio diz respeito à fase
de habilitação, julgamento, interposição de
recursos ou quaisquer esclarecimentos aos li-
citantes.
O quarto estágio contempla a fase
de julgamento das propostas técnicas, a fase
de julgamento das propostas econômico-fi-
nanceiras, a consistência dos fluxos de caixa
relativos ao projeto objeto da licitação, a ra-
zoabilidade e exeqüibilidade das propostas
apresentadas e as decisões proferidas em
recursos interpostos contra os resultados da
fase de julgamento das propostas econômi-
co-financeiras.
No quinto e o último estágio, apre-
senta-se o ato de adjudicação do objeto da
licitação; o ato de constituição da sociedade
de propósito específico; contrato de conces-
são assinado; proposta econômico-finan-
ceira apresentada pelo licitante vencedor e
correspondente anexos, inclusive em meio
magnético.
Como se observa analisando estes es-
tágios constantes na Instrução Normativa do
TCU, a fi scalização sobre os contratos de par-
cerias público- privadas é complexa e exige
uma atuação do Tribunal de Contas de ma-
neira concomitante às fases do processo de
produção, analisando e acompanhando cada
passo e tomando as medidas cabíveis quando
necessário.
O acompanhamento passo a passo
dos contratos de parcerias pelo Tribunal de
Contas torna-se uma ferramenta para o contro-
le e transparência do processo de implemen-
tação desta nova modalidade de contratação
pela administração pública.
A Lei n.º11.079/04, em seu art.15, prevê
que os Ministérios e as agências reguladoras,
conforme suas competências, acompanhem
e fi scalizem os contratos de parcerias público-
-privadas. E complementa no seu parágrafo
único que estes órgãos encaminharão ao Ór-
gão Gestor das Parcerias Público-Privadas, com
periodicidade semestral, relatórios circunstan-
ciados acerca da execução dos contratos de
parceria público-privada, na forma defi nida em
regulamento.
A referida lei quando menciona no §
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 114
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
5º do art.14 que o órgão, anteriormente citado,
remeterá ao Congresso Nacional e ao Tribunal
de Contas da União, com periodicidade anu-
al, relatórios de desempenho dos contratos de
parceria público-privada. Ou seja, este disposi-
tivo quer dizer que o Órgão Gestor das PPPs
estão submetidos ao controle externo, porém
estes relatórios já são a fase de execução e as
Cortes de Contas devem se preocupar em fi s-
calizar desde o início.
O TCE/PI ainda não tem uma regula-
mentação específi ca para a fi scalização desses
contratos administrativos, até mesmo por ser
uma matéria relativamente nova e em razão do
Estado do Piauí ainda não ter implementado
essas PPPs, pois a primeira encontra-se na fase
de estudos sobre viabilidade de tráfego, enge-
nharia, sócio-ambiental e jurídica do projeto,
com previsão de fi nalizar este fase no mês de
julho do corrente ano para, assim, iniciar a fase
de abertura do procedimento licitatório.
Essa parceria para a construção da Ro-
dovia dos Transcerrados, na região de Uruçuí,
será fi nanciada pelo Banco do Nordeste do
Brasil, porém, tem subsídio do Estado, e a ren-
da da iniciativa privada vai ser o pedágio co-
brado na administração da rodovia. Como há
subsídio estadual, deverá ser fi scalizado pelo
Tribunal de Contas do Estado do Piauí.
Zymler e Almeida (2008) entendem
que os Tribunais de Contas devem acompa-
nhar o processo de contratação das PPPs, des-
de o seu início até o seu término, com o intuito
de conferir-lhe maior legitimidade e efi ciência.
De acordo com os referidos autores, o controle
das PPPs no Brasil deve ser prévio e concomi-
tante, devendo o Tribunal de Contas verifi car o
planejamento, o processo licitatório, a elabora-
ção do projeto de parceria, a assunção de obri-
gações e a aquisição de direitos pelo Estado, o
desempenho do contratado (ZYMLER; ALMEI-
DA, 2008, p. 343-344).
Além disso, é interessante complemen-
tar que aos Tribunais de Contas cabe analisar
o cumprimento das regras previstas na Lei de
Responsabilidade Fiscal e a consulta efetiva da
população, que será a maior benefi ciada com
tais investimentos, pois a aplicação dos recur-
sos públicos somente é considerada regular
quando feita dentro dos moldes da legalidade
estrita, de forma transparente, efi caz e capaz
de gerar os resultados esperados pela socieda-
de. As cortes de contas têm papel fundamental
de avaliar a conformidade e a economicidade
dos gastos, ampliar a transparência da admi-
nistração pública. Fundamentalmente, devem
verifi car se os resultados foram alcançados e
geraram benefícios efetivos à sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado, com o passar dos anos, vem
sofrendo signifi cativas mudanças no tocan-
te à gestão pública. Esta sempre foi pautada
no modelo tradicional, no qual era o único
mecanismo capaz de fomentar as ações pú-
blico-sociais de promoção de cidadania e de
provimento da infraestrutura para o desenvol-
vimento. Posteriormente, aceitou a ideia de no-
vos modelos de gestão com a participação do
setor privado.
A entrada da iniciativa privada tem
como objetivo, através da parceria público-
-privada, propiciar o desenvolvimento social
e econômico, buscando no setor a sustenta-
bilidade desse desenvolvimento. Para que isso
ocorra, o poder público estimula o interesse
privado para efetuarem investimentos de in-
fraestrutura do Estado, oferecendo garantias e
atrativos.
Como produto da própria evolução do
Estado, ocorreu a criação das Parcerias Público-
-Privadas, contratos administrativos que envol-
vem atividades de relevante interesse público
115
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
em parceria com o setor privado.
A necessidade da prestação de contas,
de fi scalização é de fundamental importância,
tendo em vista a possibilidade expressiva de
criação de PPPs, em diversas áreas.
Considerando a importância do con-
trole externo exercido pelos Tribunais de Con-
tas, o presente trabalho analisou como está
sendo e como deve ser feito esse controle ex-
terno sobre as Parcerias Público-Privadas.
No Estado do Piauí, as PPPs ainda ca-
minham em passos curtos, não existindo por
parte do Tribunal de Contas do Estado uma
regulamentação específica sobre a matéria,
mas esta é uma tendência bem próxima e
real, uma vez que já existe uma regulação
específica para fiscalização dos consórcios
públicos, que são celebrados entre os entes
federativos (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) para a realização de objetivos de
interesse comum.
As parcerias público-privadas surgi-
ram como uma alternativa aos investimentos
em serviços públicos que não eram econo-
micamente viáveis para a iniciativa privada,
seja porque não geravam lucro, seja porque o
prazo de retorno era longo demais. Por isso, é
importante que as Cortes de Contas estejam
preparadas para esse modelo de contratação,
aperfeiçoando seu papel como fi scalizador e
implantando um método especial de fi scaliza-
ção para acompanhar desde o início a implan-
tação e execução das PPPs.
O controle externo das PPPs no Brasil,
vislumbrando o atendimento dos princípios da
legalidade, legitimidade, economicidade, deve
ser prévio e concomitante, devendo o Tribunal
de Contas acompanhar, desde o planejamen-
to, o processo licitatório, a elaboração do pro-
jeto de parceria, a assunção de obrigações e a
aquisição de direitos pelo Estado até o desem-
penho do contratado.
A fi scalização exercida pelos órgãos de
controle externo é efi caz para assegurar e ga-
rantir a correta implementação das PPPs, para
que estas sejam realmente uma forma efi cien-
te de gestão do patrimônio público. Assim, a
efi ciência desta nova modalidade de contrata-
ção exige também minucioso estudo técnico e
econômico preliminar e análise.
Cabe, também, destacar que através
deste estudo foi possível concluir que uma das
formas de se zelar pela qualidade dos serviços
fi nais prestados à população é o aperfeiço-
amento de todo o leque de profi ssionais en-
volvidos nas mais diversas áreas relacionadas a
um projeto de PPP.
As parcerias público-privadas são fun-
damentais para superar as difi culdades encon-
tradas no País no campo da infraestrutura. No
entanto, o Piauí encontra-se em processo de
aprendizado, mas com planejamento, organi-
zação e uma efi ciente fi scalização, chega-se à
evolução.
• ABSTRACT
This study aimed to identify the con-
cept, the legal nature and particularities of this
new model of administrative contract, the so-
-called Public Private Partnerships, established
by Federal Law No. 11.079, of December 30,
2004. We tried also to observe the external
control in general and, specifi cally, the external
control exercised by the courts of accounts, as
provided by the Federal Constitution of 1988,
examining both in the Court of Audit as the
Court of the State of Piaui. The survey has a
theoretical study of law and doctrine on the
matter, and therefore a bibliographic and do-
cumentary research. The most important rese-
arch is how it should be done outside the con-
trol of the PPP by supervisory bodies, in order
to have a regular use of public resources and
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 116
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011
the eff ective return to society. Through this
study it was concluded that one of the ways to
ensure the fi nal quality of services rendered to
the population is improving the whole range
of professionals involved in various areas rela-
ted to a PPP project.
• KEYWORDS:
Public-Privadas.Controle Externo.Atuação the
Court of Auditors in External Control of PPPs..
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_________Lei n.º 8.666 de 21 de junho de
1993. Regulamenta o art.37, XXI, da Constitui-
ção Federal, institui normas para licitações e
contratos da administração pública e dá outras
providências.
_________Lei n.º 8.987 de 13 de fevereiro
de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos
previsto no art.175 da Constituição Federal,e dá
outras providências.
_________ Lei n.º 9.074 de 07 de julho de
1995. Estabelece normas para outorga e pror-
rogações das concessões e permissões de ser-
viços público e dá outras providências.
___________Decreto-Lei nº 200, de 25
de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a orga-
nização da Administração Federal, estabelece
diretrizes para a Reforma Administrativa e dá
outras providências.
__________Lei n.º 11.079 de 30 de dezem-
bro de 2004. Institui normas gerais para licita-
ção e contratação de parceria público-privada
no âmbito da administração pública.
___________Instrução Normativa n.º 52, de 04 de julho de 2007. Dispõe sobre o con-trole e a fi scalização de procedimentos de li-citação, contratação e execução contratual de Parcerias Público-Privadas (PPP), a serem exer-cidos pelo Tribunal de Contas da União. Esta-belece normas de fi nanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fi scal e dá
outras providências.
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tubro de 2009. Dispõe sobre a forma e prazo
de prestação de contas ao Tribunal de Contas
pelos órgãos e entidades dos Poderes Legislati-
vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério
Público e dá outras providências.
________Resolução n.º 905 de 22 de outu-
bro de 2009. Dispõe sobre a forma e prazo de
prestação de contas da administração pública
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 118
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11111111111111 88
Liana de Castro Melo1, Maria
Valéria Santos Leal 21. Auditora Fiscal de Controle Externo, Bacharel em Ciências Contábeis e Direito, Especialista em Controles da Administra-ção Pública, Auditoria e Gerenciamento Financeiro. Professora do CESVALE.2. Auditora Fiscal de Controle Externo, Bacharel em Ciências Contábeis, Especialista em Controles da Administração Públi-ca. Professora da UESPI e FAP-Teresina.
• RESUMO
A necessidade de o homem repensar seus pro-
cessos produtivos, a fi m de moldá-los segun-
do a ótica da sustentabilidade, tornou-se uma
necessidade para a sobrevivência do mesmo.
O presente artigo tem como escopo realizar
uma análise bibliográfi ca a respeito da impor-
tância da educação ambiental para a melhoria
dos impactos socioambientais, assim como, do
uso da licitação sustentável como instrumento
de implementação de políticas públicas, bus-
cando dentro desse contexto, expor como o
Estado deve agir nas contratações de obras e
serviços públicos de forma a selecionar as pro-
postas que propiciem benefícios à sociedade e
à economia e reduzam os danos ao ambiente
natural.
• PALAVRAS-CHAVE
Educação ambiental. Desenvolvimento susten-
tável. Danos ambientais - Administração Pública.
1 INTRODUÇÃO
A administração pública tem grande
responsabilidade sobre a garantia da susten-
tabilidade e, consequentemente, seus atos
Licitações sustentáveis: um instrumento
de gestão na administração pública
119
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
111199999
devem visar a preservação e conservação do
meio ambiente.
A educação ambiental tenta fomentar
o pensamento crítico da sociedade, defi nindo
novas formas de aproveitamento sustentável
dos recursos naturais. Isto coloca a necessida-
de de incorporar os valores ambientais na for-
mação dos novos atores da educação ambien-
tal e do desenvolvimento sustentável.
A licitação sustentável busca integrar
critérios ambientais, sociais e econômicos em
toda tomada de decisão no processo licitató-
rio. A licitação sustentável pode ser considera-
da forte instrumento para a promoção da pre-
servação do meio ambiente.
Neste trabalho, inexiste a pretensão de
esgotar a matéria, contudo, serão abordados
alguns aspectos relevantes sobre a conscien-
tização e educação ambiental, bem como a
importância da utilização das licitações susten-
táveis na gestão pública.
O trabalho foi formulado através de
pesquisas bibliográfi cas em livros e artigos pú-
blicados relativos à temática proposta. As jus-
tifi cativas apresentadas neste artigo permitem
comprovar a relação existente entre o tema
proposto e a necessidade de uma gestão sus-
tentável no campo das licitações.
Para tanto, faz-se uma breve explana-
ção sobre a conscientização e educação am-
biental bem como sobre a importância das
licitações sustentáveis.
2 CONSCIENTIZAÇÃO E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
A sustentabilidade ambiental exige
uma mudança nos valores que orientam o
comportamento dos agentes econômicos e
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 120
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
da sociedade, além da transformação do co-
nhecimento e da inovação tecnológica para
resolver os problemas ambientais. A sensi-
bilização da sociedade e a incorporação do
saber ambiental no sistema educacional são
fundamentais para orientar e implementar
as políticas ambientais.
A educação e a formação ambientais
foram concebidas desde a Conferência de
Tbilisi como um processo de construção de
um saber interdisciplinar e de novos métodos
holísticos para analisar os complexos proces-
sos socioambientais que surgem da mudança
global (Unesco, 1980). Entretanto, sua aplicabi-
lidade, de maneira efetiva, está condicionada
à implantação de políticas públicas educacio-
nais que subsidiem uma mudança cultural,
de modo a afetar holisticamente os hábitos e
as posturas da sociedade, pois o fator cultural
deve ser encarado como um importante pon-
to de alavancagem rumo ao desenvolvimento
sustentável.
Nesse sentido, a busca pelo saber am-
biental exige o conhecimento dos potenciais
ecológicos e tecnológicos onde estão presen-
tes os valores morais, os saberes culturais e o
conhecimento científi co da natureza na cons-
trução de uma nova ordem social.
A Conferência Mundial sobre o Meio
Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972,
mostrou a necessidade de se criar um amplo
processo de educação ambiental, o que levou
a criar o Programa Internacional de Educação
Ambiental Unesco/PNUMA, em 1975, e a ela-
borar os princípios e orientações da educação
ambiental na Conferência de Tbilisi em 1977.
Isto levou a fundar a educação ambiental em
dois princípios básicos:
1) Uma nova ética que orienta os valores e comportamentos sociais para os objetivos de sustentabilidade ecológica e equidade social.2) Uma nova concepção do mundo como um sistema complexo, levando a uma reformula-
ção do saber e a uma reconstituição do conhe-cimento. Nesse sentido, a interdisciplinaridade se converteu num princípio metodológico privilegiado da educação ambiental (Unesco, 1980)
A consciência de que é necessário
poupar os recursos naturais, uma vez que es-
tes podem se esgotar rapidamente, mobiliza a
sociedade no sentido de se organizar para que
o crescimento econômico não seja predató-
rio, mas sim sustentável. Nesse sentido, se faz
necessária a adoção de uma postura proativa,
tendo em vista que não se conhece a capaci-
dade de carga do planeta terra e será muito
difícil conhecê-la com precisão.
A educação é essencial para o desen-
volvimento, na medida em que contribui para
o despertar cultural, a conscientização, a com-
preensão dos direitos humanos, é condição
necessária, mas não sufi ciente, para que o indi-
víduo possa ter acesso a uma condição de tra-
balho decente, devendo, porém, vir junto com
um grupo de políticas de desenvolvimento.
A questão educacional é fundamental
para a sustentabilidade, uma vez que ela passa
também pela maneira como o indivíduo utiliza
os recursos naturais a sua disposição, a qual se
evidencia através de seu padrão de consumo,
que por sinal é crítico para a sobrevivência do
planeta. Deter, ou estabilizar os níveis de con-
sumo da população pressupõe uma mudança
de atitude, de valores, que contraria a lógica do
capitalismo, que se caracteriza pela criação in-
cessante de novas necessidades de consumo.
É necessário que se modifi que a
forma como os indivíduos usam os produtos
e serviços e como lidam com seus resíduos.
Entretanto, é importante que os consumidores
acreditem que essas mudanças melhorarão as
suas vidas e as vidas de seus fi lhos.
121
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
Cabe salientar que o processo de
educação ambiental envolve em um primeiro
momento o processo de conscientização am-
biental, quando o indivíduo toma contato com
a realidade que o cerca e sobre os impactos
ambientais gerados pela sua existência, tanto
como cidadão quanto como profi ssional. Con-
tudo, é necessário que, além de estar conscien-
te do problema, esteja sensibilizado ou efeti-
vamente comprometido, gerando assim uma
mudança em suas atitudes.
No Brasil, foi promulgada a Lei nº
9.795/99 – Lei de Educação Ambiental que de-
fi ne no seu art. 1º:
Entende-se por Educação Ambiental os pro-cessos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, co-nhecimentos, habilidades, atitudes e com-petências voltadas para a conservação do meio ambiente.
A interpretação que se faz sobre o tex-
to da lei é que a educação ambiental pode ser
compreendida em qualquer modalidade edu-
cacional que busque ensinar o respeito, con-
servação e preservação do meio, assim como
às questões pertinentes à própria convivência
do ser humano em sociedade e na interação
que tem com todo o planeta.
3 LICITAÇÕES PÚBLICAS
A Constituição Federal de 1988, no in-
ciso XXI do art. 37, estipula a regra da obriga-
toriedade do Estado promover uma licitação
quando pretender contratar obras, serviços,
compras e alienações. In verbis:
Art. 37 - A administração pública direta e in-direta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte: [...]. XXI – ressalvados os casos especifi cados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contra-
tados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabele-çam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualifi cação técnica e econômica indispen-sáveis à garantia do cumprimento das obriga-ções. [...].
Di Pietro (2007, p. 325) conceitua licita-
ção como:
o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função adminis-trativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fi xadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais se selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.
O procedimento licitatório visa selecio-
nar a proposta de contratação mais vantajo-
sa para a Administração Pública conforme os
parâmetros fi xados no edital. O procedimento
licitatório possibilita igualdade de oportunida-
des entre aqueles que desejam contratar com
a Administração e permite que seja feita a me-
lhor escolha dentre o universo de fornecedo-
res, possibilitando a realização da melhor con-
tratação possível para a Administração Pública.
4. LICITAÇÕES SUSTENTÁVEIS
Em relação à licitação sustentável, po-
demos citar a seguinte defi nição:
Compra Pública Sustentável ou Licitação Sus-tentável é um processo por meio do qual as or-ganizações, em suas licitações e contratações de bens, serviços e obras, valorizam os custos efetivos que consideram condições de longo prazo, buscando gerar benefícios à sociedade e à economia e reduzir os danos ao ambiente natural (CARVALHO FILHO, 2008, p. 5).
O artigo 225 da CF/88 prevê o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, impon-
do ao Poder Público a obrigação de defendê-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 122
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
O art. 170, inciso VI da CF/88, estabe-
lece como um dos princípios da ordem eco-
nômica a “defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e
de seus processos de elaboração e prestação”.
Somente propostas que considerem devida-
mente os aspectos ambientais nela embutidos
devem ser consideradas mais vantajosas para
a sociedade.
O art. 13 da Lei nº 6.938/81, que ins-
titui a Política Nacional do Meio Ambiente,
determina que o Poder Público deverá incen-
tivar atividades que busquem a diminuição da
degradação ambiental através de pesquisas
e processos tecnológicos. Ademais, a Lei nº
9.605/98, que trata de Crimes Ambientais, em
seu art. 72, § 8º, impõe sanções administrativas
restritivas de direitos para aqueles que venham
a desrespeitar as normas que visam à preserva-
ção do meio ambiente sustentável, sem prejuí-
zo das sanções penais e civis.
Em 19 de janeiro de 2010, foi pública-
da a Instrução Normativa SLTI/MP n° 01, que
dispõe sobre critérios de sustentabilidade am-
biental na aquisição de bens, contratação de
serviços ou obras pela Administração Pública
Federal.
Os arts. 1° a 3° da IN SLTI/MP n° 01/2010,
in verbis:
Art. 1º Nos termos do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as especifi cações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárqui-
ca e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas.Art. 2º Para o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa, o instrumento convoca-tório deverá formular as exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competiti-vidade.Art. 3º Nas licitações que utilizem como cri-tério de julgamento o tipo melhor técnica ou técnica e preço, deverão ser estabelecidos no edital critérios objetivos de sustentabilidade ambiental para a avaliação e classifi cação das propostas.
Adotou-se, portanto, a tendência con-
temporânea de preocupação com os interesses
difusos, e em especial com o meio ambiente.
O Ministério do Meio Ambiente publi-
cou a Portaria n° 61, de 15 de maio de 2008,
para estabelecer práticas de sustentabilidade
ambiental a serem observadas pelo Ministério
do Meio Ambiente e suas entidades vinculadas
quando das compras públicas sustentáveis.
A Lei nº 12.187, de 29 de novembro de 2009,
adotou o uso do poder de compra do Estado
como importante instrumento para imple-
mentar a política de mudanças climáticas.
A administração deve selecionar os
bens, serviços e obras mais vantajosos, em sen-
tido amplo, não abrangendo somente o pre-
ço, mas também a qualidade e a conformida-
de com o devedor do Estado de proteção ao
meio ambiente. A preservação ambiental e o
desenvolvimento econômico devem coexistir,
de modo que aquela não acarrete a anulação
deste.
Conforme afi rma Katiane Oliveira (2010),
a adoção de critérios ambientais nas compras e
contratações realizadas pela Administração Pú-
blica, adequando os efeitos ambientais das con-
dutas do Poder Público à política de prevenção
de impactos ao meio ambiente, será um avanço
em benefício de toda a coletividade presente
e futura. A política de compras orientadas para
123
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
sustentabilidade é um instrumento importante
para minimizar as ações predatórias do homem
sobre o nosso planeta.
O Estado deve usar o poder de compra
para implementar políticas públicas, alocando
o gasto dos recursos públicos de forma efi cien-
te. Esta forma de uso do poder de compra deve
ter como objetivo a maximização dos recursos
públicos alocando-os em setores estratégicos
para o desenvolvimento econômico, social e
ambiental. As compras “verdes” sinalizam para
as empresas a necessidade de adaptação de
seus processos produtivos aos novos padrões
ambientais, sociais e econômicos, sob pena
de exclusão do mercado das compras públi-
cas. Nesse sentido, o procedimento licitatório
não é somente um meio para fornecer bens e
serviços necessários ao funcionamento da Ad-
ministração Pública, mas um instrumento de
implementação de políticas públicas.
A Lei nº 12.187, de 29 de novembro de
2009, adotou o uso do poder de compra do
Estado como importante instrumento para im-
plementar a política de mudanças climáticas,
in verbis:
Art. 6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:[…]XII – as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de proces-sos e tecnologias, que contribuam para a redu-ção de emissões e remoções de gases de efei-to estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências pú-blicas, compreendidas aí as parcerias público--privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públi-cos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.
Quando o Estado começa a exigir
nas suas contratações que os bens, serviços e
obras adquiridos estejam dentro de padrões
de sustentabilidade, as empresas terão que se
adaptar a essas exigências, já que essa se torna
uma condição imprescindível para a participa-
ção no mercado das contratações públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, o processo de
conscientização e educação ambiental exige
o compromisso do Estado e da cidadania para
elaborar políticas públicas, onde a educação se
defi na através de um critério de sustentabilida-
de que corresponda ao potencial ecológico e
aos valores culturais e seja capaz de gerar uma
consciência crítica na população no sentido
de deter os níveis de consumo através de uma
mudança de atitudes.
A inclusão de critérios ambientais às
contratações públicas possibilitará que o esta-
do participe do mercado tanto como consumi-
dor quanto como regulador, utilizando-se do
seu poder de compra como instrumento de
justiça social e ambiental. Existe um processo
de mudança, em busca da sustentabilidade,
que é orientado por valores econômicos, so-
ciais e ambientais. O processo licitatório deve
ser um suporte nas políticas públicas, de for-
ma a incentivar a produção de bens, serviços e
obras sustentáveis.
• ABSTRACT
The need for man to rethink their production
processes in order to mold them from the view-
point of sustainability, has become a necessity
for the survival of it. This article is scoped to
conduct a literature review on the importance
of environmental education for the improve-
ment of social and environmental impacts, as
well as the use of sustainable procurement as
a tool for implementing public policy, seeking
in this context, explain how the state should
act in contracts of public works and services in
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 124
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011
order to select the proposals that provide be-
nefi ts to society and the economy and reduce
damage to the natural environment.
• KEYWORDS:
Environmental education. Sustainability. Ten-
ders.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 126
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11222221122221 666
Luiza Lourdes Pinheiro Leal
Nunes FerreiraBacharel em DireitoEspecialista em Direito Tributário Professora da FAP e NOVAUNESC
• RESUMO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, de
forma rígida, o Sistema Tributário Nacional. Assim
como outorgou competências tributárias aos en-
tes federativos, da mesma forma que impôs limi-
tes à sanha arrecadatória desses mesmos entes. A
dinâmica do direito nem sempre acompanha a
dinâmica social e tecnológica e por vezes, existe
uma defasagem legislativa em relação aos ne-
gócios jurídicos que se implementam de forma
inovadora, não encontrando, por isso mesmo,
albergue na legislação pertinente. A populari-
zação do comércio eletrônico veio desencade-
ar uma discussão acerca do imposto sobres as
operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre as prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação
– ICMS, já que o recolhimento desse imposto,
quando das operações realizadas via internet ou
telemarketing, pertence integralmente ao esta-
do onde está localizado o centro de distribuição
da empresa. Este artigo analisa características do
ICMS, seu impacto na arrecadação tributária dos
estados-membros, sua relação com o comércio
eletrônico e o telemarketing e as implicações
no surgimento de nova legislação no Estado do
Piauí na taxação desse comércio. O objetivo des-
se trabalho é demonstrar como uma legislação
de inconstitucionalidade traz prejuízo ao contri-
buinte na forma de bitributação.
Bitributação do comércio eletrônico:
uma inconstitucionalidade
127
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
121277777
• PALAVRAS-CHAVE
Comércio Eletrônico - Brasil. ICMS - In-
constitucionalidade. Bitributação
1 INTRODUÇÃO
Desde o direito romano que a divisão
entre direito público e privado permeia discus-
sões para separar normas referentes ao estado
e aos negócios jurídicos privados. Essa dico-
tomia, muito embora rechaçada por grandes
doutrinadores, ainda é bastante utilizada para
identifi car ramos da ciência jurídica. Enquanto
que no direito privado a norma é tida como
não-cogente, no direito público, o interesse
público prepondera sobre o particular.
O direito tributário aparece como ramo
do direito público, já que é através do ordena-
mento jurídico fi scal que o poder estatal se
insere na vida do cidadão na cobrança de tri-
butos, para fi nanciar os serviços públicos, que
está obrigado a prestar à sociedade. É o po-
der de império que o Estado estabelece com
o cidadão no exercício de sua soberania. Esse
poder, outorgado pela carta magna, encontra-
-se limitado por uma série de princípios cons-
titucionais, que impõe ao cidadão uma blin-
dagem, na proteção aos abusos que possam
advir desse poder.
O Sistema Tributário Nacional estabe-
lecido na Constituição Federal de 1988 é rígido,
outorga competências, veda delegação tribu-
tária, discrimina impostos, relata a divisão das
receitas arrecadadas entre os entes políticos, e,
como já frisado, cerca-se de princípios.
O engessamento constitucional do sis-
tema tributário provoca situações esdrúxulas,
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 128
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
que fazem com que o legislador infraconstitu-
cional, no afã de atender ao poder executivo,
ultrapasse barreiras constitucionais, com a fi -
nalidade de obter mais recursos, penalizando,
sobremaneira, o contribuinte.
Este trabalho aborda os princípios
constitucionais tributários, que limitam o po-
der estatal de avançar sobre o patrimônio do
particular, bem como faz um estudo detalha-
do do imposto sobre as operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre a prestação
de serviços de transportes interestadual e in-
termunicipal e de comunicação – ICMS, e seu
impacto na arrecadação desses Estados, em re-
lação ao ICMS, ocasionado pelo comércio ele-
trônico e telemarketing. Em seguida, averigua
a constitucionalidade de normas emitidas pelo
legislativo com o objetivo de compensar possí-
veis perdas de arrecadação. Ao fi nal, apresenta-
-se uma conclusão.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
TRIBUTÁRIOS
Princípio, do latim principium, princi-
pii, traz a conotação de começo, origem, base.
Entende-se como a pedra angular de determi-
nado sistema. Aquela que segura.
Por serem mais abstratos que as nor-
mas, os princípios trazem uma carga de valor,
cujo conteúdo pode ser mais ou menos valora-
do, conforme o caso, para melhor adequação
às dinâmicas sociais. Podem ser implícitos ou
explícitos e, na seara tributária, trazem razoável
tutela ao contribuinte.
Para melhor entendimento da força
dos princípios, vale trazer os ensinamentos de
Melo (2001, p. 771):
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um es-pecífi co mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma
de ilegalidade ou inconstitucionalidade, con-forme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, con-tumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão da sua estrutura mestra.
Claro está que a importância dos prin-
cípios constitucionais e o respeito aos mesmos
não podem ser perdidos de vista.
Para maior clareza é salutar conhecer
os ensinamentos de Hesse (1991, p. 22):
Quem se mostra disposto a sacrifi car um inte-resse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constitui-ção e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarato, pouco a pouco, um capital que signifi ca muito mais que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais é recuperado.
As lições sobre a importância e a ne-
cessidade vital de respeito aos princípios cons-
titucionais é norma basilar em qualquer estado
democrático de direito.
Além de outros princípios não menos
relevantes, vale mencionar alguns deles, liga-
dos diretamente à seara tributária. O princípio
da capacidade contributiva informa que o con-
tribuinte deve contribuir com os tributos, na
proporção de suas rendas independentemen-
te da disponibilidade fi nanceira. O princípio da
legalidade, que não é exclusivo do direito tri-
butário, protege o cidadão contra a obrigação
de pagar tributo que não esteja previsto em lei.
O princípio da isonomia indica que, sujeitos em
igualdade de condições, devem ser tributados
igualmente. O princípio da irretroatividade tu-
tela a relação jurídica no exato momento de
sua ocorrência. O princípio da anterioridade
tem por fi nalidade proteger o contribuinte do
gravame tributário não planejado. Cabe salien-
tar que alguns impostos estão albergados pela
exceção a esse princípio, inclusive o ICMS, mas
apenas em relação à circulação dos combus-
129
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
tíveis e lubrifi cantes. O princípio da anteriori-
dade nonagesimal informa que a lei que criou
ou majorou o tributo deverá ter vacância de
noventa dias, antes de sua entrada em vigor.
O princípio do não-confi sco está ligado à di-
minuição do patrimônio, cujo pagamento do
tributo deve estar ligado às posses de quem
paga, sob pena de desvirtuar a natureza do
tributo. Pelo princípio da não limitação ao trá-
fego de pessoas e bens é vedado que se crie
tributo que constitua restrição ao direito de ir
e vir de pessoas e seus bens. O princípio da
não discriminação baseado na procedência ou
destino veda o estabelecimento de diferenças
tributárias em razão da procedência ou do
destino.
Embora haja outros princípios consti-
tucionais tributários relevantes, os aqui alenca-
dos são uma amostra importante do freio im-
posto ao Estado, em benefício do contribuinte,
quando da imposição tributária.
3 ICMS
O ICMS é imposto de competência
dos Estados e do Distrito Federal, que incide
sobre as operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de
transportes interestadual e intermunicipal e de
comunicação, previsto no art. 155, II da Consti-
tuição Federal.
É imposto de caráter fiscal, já que
constitui a maior fonte de renda de arreca-
dação dos estados, mas possui traços de
extrafiscalidade, tendo em vista que pode
ser seletivo, em função da essencialidade do
produto, o que significa dizer que poderá ter
alíquotas menores a incidir sobre a circula-
ção de produtos que sejam considerados es-
senciais à população.
Por ser um imposto contemplado a to-
dos os Estados, está abrangido no texto cons-
titucional com mais normas do que qualquer
outros imposto. Essa normatização constitu-
cional se traduz na necessidade de aglutinar in-
teresses dos Estados produtores, tidos como os
mais desenvolvidos, e dos Estados consumido-
res, tidos como menos desenvolvidos, tendo
em vista que nenhum dos estados-membros
estaria disposto a abrir mão de uma arrecada-
ção considerável, que esse imposto proporcio-
na aos cofres públicos. Ademais, por ser um
imposto que incide sobre a circulação de mer-
cadorias, sobre o consumo, é também tipo de
tributo que mais produz injustiça fi scal, já que
o consumo é inerente a todas as parcelas da
população, e não só aqueles que tenham patri-
mônio ou renda sufi ciente para ser tributados.
A circulação de mercadoria é a parte
mais abrangente desse imposto, pois qualquer
bem sujeito à mercancia é considerado como
mercadoria. Vale salientar, que é necessário a
habitualidade da atividade mercantil, para es-
tar presente o pressuposto da fi nalidade co-
mercial. Nem todos que realizam a compra e
venda de determinada mercadoria praticam a
mercancia.
O ICMS tem como característica a não
cumulatividade, já que se compensa o impos-
to a cada circulação de mercadoria ou presta-
ção de serviço. A cada circulação se escritura
um crédito do valor da incidência na operação,
que poderá ser abatido na circulação subse-
quente. Com a periodicidade para o recolhi-
mento do tributo faz-se o encontro de contas,
ou como é mais comum, a compensação do
imposto, chegando-se ao valor que deve ser
recolhido.
Como a mercadoria circula entre os
Estados, foi criada uma sistemática para reco-
lhimento do imposto, mais precisamente para
determinar que Estado fi ca com a arrecadação
do imposto na realização de operações interes-
taduais, de modo que todos fossem contem-
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 130
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
plados. Dependendo do tipo de operação, a
sistemática se resume a três situações distintas.
Na primeira situação, o destinatário da merca-
doria não é contribuinte do imposto e adquire
a mercadoria como consumidor fi nal. A segun-
da situação é a do destinatário da mercadoria
que é contribuinte do imposto, mas a adquire
como consumidor fi nal; e na última situação, o
destinatário é contribuinte do imposto e com-
pra a mercadoria para revender. Conforme o
art. 155, inciso VII e VIII do §2º da CF, na primei-
ra situação incide sobre o valor da operação a
alíquota interna do Estado de origem, fi cando
inteiramente nesse Estado, o montante do im-
posto a ser recolhido. Na segunda situação, o
estado de origem aplica a alíquota interestadu-
al sobre o valor da operação (a alíquota inte-
restadual é sempre menor ou igual à alíquota
interna), fi cando o estado de origem com esse
valor. Quando a mercadoria chega ao destino,
há que se pagar o restante do imposto, onde
se aplicará a alíquota interna do Estado a que
se destina, mas só se recolhe a diferença de
valores entre as duas alíquotas. Essa diferença
será recolhida aos cofres do Estado destinatá-
rio. No último caso, o Estado de origem aplica
a alíquota interestadual sobre o valor da ope-
ração, fi cando com esse valor, e o estado des-
tinatário terá direito ao crédito do valor pago
na aquisição e compensará esse valor quando
da venda da mercadoria, sobre a qual incidirá a
alíquota interna do estado de origem. A essas
regras constitucionais estão sujeitos todos os
Estados da federação e o Distrito Federal, e não
cabem interpretações sejam extensivas, sejam
restritivas.
4 COMÉRCIO ELETRÔNICO
O comércio eletrônico é uma realida-
de, onde a venda de produtos ou prestação de
serviços ocorrem num ambiente virtual. É prá-
tica comum na atualidade, entre consumidores
do mundo inteiro, pela agilidade e praticidade
dos serviços. Com um simples clique se acessa
sítios de lojas na internet e se adquirem produ-
tos de toda sorte, que são enviados diretamen-
te ao domicílio do consumidor.
Na era da globalização, onde as em-
presas se tornam cada vez mais competitivas,.
as novas formas de ganhos nos negócios, in-
fl uenciam diretamente, tanto aqueles que
oferecem produtos e serviços, quanto àqueles
que consomem esses produtos ou serviços.
Rapidamente surgiu uma forma de transação,
fora dos padrões normais do comércio, que
poderia vir a trazer prejuízo na arrecadação tri-
butária de alguns Estados.
Os números do comércio eletrônico
não param de subir. Acredita-se que no ano
passado tenha movimentado algo em torno
de 10 bilhões de reais. Cenário bastante anima-
dor e sufi cientemente interessante para fazer o
fi sco dos Estados entenderem, principalmente
aqueles Estados consumidores, que devem ter
uma participação nessa receita tributária.
Ocorre que, quando a Constituição Fe-
deral foi promulgada, a internet ainda não era
popular e as vendas através de telemarketing
ainda eram incipientes, não havendo perdas
consideráveis do ICMS, nos Estados consumi-
dores, que compram dos Estados produtores.
Com o avanço tecnológico e a socialização
dessa tecnologia, observa-se uma crescente
circulação de mercadoria, cujos negócios são
realizados através da internet ou telemarketing,
e o ICMS advindo dessas operações fi ca intei-
ramente no Estado onde está o centro de dis-
tribuição dessas empresas, quase sempre nos
grandes centros comerciais, em detrimento
dos Estados consumidores. Aí está o ultimato
para o nascedouro de uma guerra fi scal entre
os Estados.
Em 2009, os Estados do Mato Grosso e
131
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
do Ceará promulgaram leis estaduais que bitri-
butam as compras realizadas via internet, cujo
comprador é consumidor fi nal do produto. Na
mesma linha, seguiu o Estado da Bahia que co-
meçou a tributar as vendas no ambiente virtual
a partir do mês de fevereiro de 2011. O Estado
do Piauí, a partir do mês de abril 2011, inicia a
tributação sobre o comércio eletrônico.
A Lei Estadual do Estado do Piauí nº.
6.041/2010, que entra em vigor em abril, es-
tabelece que sobre as entradas neste Estado,
de mercadorias ou bens oriundos de outras
Unidades da Federação, destinadas a pessoa
física ou jurídica não inscritas no CAGEP, inde-
pendentemente de quantidade, valor ou habi-
tualidade que caracterize ato comercial, será
exigido ICMS de alíquotas entre 4,5% (quatro e
meio por cento) a 10% (dez por cento), aplica-
da sobre o valor da operação.
Vale dizer que o produto hoje com-
prado via internet por pessoa física ou jurídica
que não seja inscrita no CAGEP, e que tenha
como destino o Estado do Piauí, será tributado
novamente, quando adentrarem em território
piauiense, sobre o valor da operação, pelas alí-
quotas ad valorem já mencionadas.
A bitributação se caracteriza pela tributação repetida sobre o mesmo fato gerador. No caso em estudo, a circulação de mercadoria. Para melhor ilustrar a questão é esclarecedora a li-ção de Zarzana (1977, p. 442):
A bitributação interna ocorre quando
poderes de um país, competentes para tribu-
tar, impõem tributos sobre fato idêntico, ou
quando o mesmo poder impõe mais de um
tributo sobre o mesmo fato gerador.
A bitributação é nefasta e traz prejuí-
zo ao contribuinte, porque na composição do
preço fi nal do produto, em seus custos estão
contabilizados, também, a carga tributária.
A base de cálculo utilizada para a inci-
dência do ICMS é o valor da operação relativa
à circulação de mercadoria, ou o preço do ser-
viço prestado. Quando o consumidor compra
uma mercadoria via internet, em seu preço já
está embutido o ICMS. A incidência de outra
alíquota sobre a mesma operação quando a
mercadoria entrar no Estado do Piauí, sendo
esse comprador o consumidor fi nal do produ-
to, é uma nova incidência do mesmo imposto
sobre o mesmo fato gerador, caracterizando
assim, a bitributação.
Antes de tudo, leis como a dos Estados
neste texto mencionados, atropelam a segu-
rança jurídica dos negócios, e levam empresas
que se acham prejudicadas com a dupla tribu-
tação, a procurarem o poder judiciário na pro-
teção de seus negócios e de seus direitos. O
descaso legislativo à obediência de princípios
constitucionais leva a guerra fi scal às barras da
justiça.
Haverá, certamente, um desrespeito
ao princípio da isonomia, porque discrimina
empresas que tenham sua base de distribuição
em outros Estados. Estas terão os seus produ-
tos menos interessantes para serem adquiridos,
por quem tenham interesse em comprá-los,
já que haverá uma majoração em seu preço,
e discrimina em função da procedência. Fica
clara a desobediência ao princípio da vedação
do confi sco, já que há uma dupla incidência do
imposto sobre a mesma mercadoria, e o paga-
mento duplo do imposto traz uma diminuição
do patrimônio do contribuinte, além do que
seria razoável.
A vedação à bitributação se justifi ca
na saúde econômica do contribuinte e na jus-
tiça fi scal. A não atenção aos princípios isono-
mia, da vedação do confi sco e ao princípio da
não discriminação baseado na procedência ou
destino fere de morte a constituição e apunha-
la o cidadão.
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 132
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O comércio eletrônico é uma realida-
de que oferece vantagens ao consumidor, já
que se tornou o meio mais ágil de se realizar
negócios. A circulação de mercadoria nesse
tipo de comércio é tributada conforme regras
constitucionais.
Leis estaduais que tributam dupla-
mente determinado fato gerador na mesma
operação é caso indiscutível de bitributação e
de inconstitucionalidade, e hoje se tornou re-
alidade através de leis estaduais que tributam
de forma inclemente todas as compras reali-
zadas pela internet, quando o destinatário do
produto é consumidor fi nal.
Aliar interesses de todos os Estados da
federação em relação à repartição das receitas
tributárias é tarefa um tanto difícil, mas neces-
sária, e deve ser feita o mais urgente possível,
sob pena de o contribuinte continuar a ser
penalizado, sempre que um ente político en-
tender que está perdendo receita, pelo simples
fato de que uma sistemática de recolhimento
fi scal não lhe seja de todo satisfatória.
Por fi m, quando se descarta qualquer
princípio constitucional no interesse arrecada-
tório, que não se traduz, necessariamente, em
interesse público, é o momento de se realizar
uma grande e profunda reforma fi scal e tri-
butária. Não só no interesse dos Estados, mas,
principalmente, no interesse do contribuinte.
• ABSTRACT
The Federal Constitution of 1988 established,
so rigid, the National Tax System. Just as the
taxing power granted to federal entities, the
same way that imposed limits on tax revenue
will rage of those entities. The dynamics of
law, not always attached to social and tech-
nological dynamics, and sometimes there is
a legislative gap in relation to legal busines-ses that are implemented in innovative ways, not fi nding, therefore, the relevant legislation in the hostel. The popularization of electronic commerce sparked a discussion about the tax on transactions concerning the movement of goods and the services of interstate and inter-municipal transportation and communication - ICMS, as the collection of this tax, when the operations carried out via Internet or telema-rketing, belongs to the state is located where the company’s distribution center. This article analyzes the characteristics of the GST, its im-pact on tax revenues of the member states, their relation to electronic commerce and tele-marketing and implications in the emergence of new legislation in the state of Piaui in taxing that trade. The aim of this paper is to demons-trate how a law unconstitutional brings harm to the taxpayer in the form of double taxation.
• KEYWORDS:
ICMS. Electronic Commerce. Double taxa-
tion. Unconstitutional.
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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 134
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 134 - 137 jan./dez. 2011
TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11333331133331 444
Anfrisio Antônio Nogueira
Paes Castelo BrancoAssessor Jurídico/Consultor TécnicoEspecialista em Controle ExternoEspecialista em Direito Processual
• RESUMO
O presente artigo tece comentários acerca da possibilidade das CIDEs – Contribuições de In-tervenção no Domínio Econômico, comporem a base de cálculo das transferências que o Poder Executivo Municipal deve, por determinação constitucional, repassar ao Poder Legislativo Mu-nicipal, além de especifi car quais delas estariam
abrangidas pelo artigo 29-A, da Lei Maior.
• PALAVRAS CHAVE:
Contribuições (Direito tributário) - Brasil. Direito
econômico - Brasil. Tributos-transferência.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Legislativo Municipal recebe,
mensalmente, por determinação constitucional,
no intuito de garantir seu funcionamento, 1/12
(um doze avos) do total previsto na Lei Orça-
mentária Anual. São os chamados Duodécimos.
Porém, este valor sofre limites previstos no artigo
29-A da CF, que também determina qual será sua
base de cálculo, e está assim expresso:
Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legisla-tivo Municipal, incluídos os subsídios dos Vere-adores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no §5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior: (Incluído pela Emenda Cons-titucional nº 25, de 2000) (grifo nosso).
CIDEs – Contribuições de Intervenção
no Domínio Econômico
135
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 134 - 137 jan./dez. 2011
131355555
Apesar da clareza solar do dispositivo,
surgiram algumas decisões em diversos Tribu-
nais de Contas do país que afi rmam que a CIDE
(de forma genérica) compõe esta base de cál-
culo, o que é apenas uma meia verdade.
De fato, “CIDE”, é um gênero compos-
to por várias espécies, já criadas ou ainda por
criar. Veja-se que a própria Lei Maior instituiu,
no artigo 177, §4º, uma CIDE que deve ser co-
brada sobre as atividades de importação ou
comercialização de petróleo e seus derivados,
gás natural e seus derivados e álcool combus-
tível. Esta é a única CIDE de sede constitucio-
nal, mas a Constituição não veda a criação de
outras, por leis infraconstitucionais, ou mesmo
por Emenda Constitucional.
Foi exatamente o que ocorreu com
a Lei nº 10.168/2000, que instituiu a chamada
CIDE-royalties, incidente sobre pessoa jurídi-
ca detentora de licença de uso ou adquirente
de conhecimentos tecnológicos, bem como
aquela signatária de contratos que impliquem
transferência de tecnologia, fi rmados com resi-
dentes ou domiciliados no exterior, e que pos-
sui por escopo o fi nanciamento do Programa
de Estímulo à Interação Universidade-Empresa
para o Apoio à Inovação.
Dessa forma, indiscutível que existem
mais de um tipo de CIDE, surgindo, então, a
questão de se descobrir quais delas compõem
a base de cálculo dos duodécimos. Para deslin-
dar tal dúvida, retornemos ao artigo 29-A, CF.
Percebe-se da leitura deste artigo, que
a Lei Magna já determinou quais as receitas
que compõem a base de cálculo destes repas-
ses. São elas:
Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 136
R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 134 - 137 jan./dez. 2011
1- receita tributária: são todos os tri-
butos diretamente arrecadados pelo Município.
2- transferências previstas no §5º do
art. 153 e nos arts. 158 e 159 da C.F.
Passemos a considerar cada tópico.
Com relação ao primeiro item – receitas
tributárias – quais são os tributos diretamente
arrecadados pelo município?
O nosso Sistema Tributário Nacional
prevê a existência de cinco “tipos” de tributo,
são eles, impostos, taxas, contribuições de me-
lhoria, empréstimos compulsórios e as denomi-
nadas “outras contribuições”. Destes, só podem
ser instituídos e arrecadados pelo Município, os
impostos, taxas, e contribuições de melhoria.
Não são alcançados os empréstimos compul-
sórios, pois são de competência exclusiva da
União, e, das chamadas “outras contribuições”,
apenas duas são de competência do Municí-
pio, a Contribuição de Iluminação Pública (arti-
go 149-A, CF) e a Contribuição para Custeio do
Regime Próprio de Previdência (artigo. 149, § 1º,
CF). Todas as outras contribuições existentes (in-
clusive as CIDE), são de competência exclusiva
da União, de forma que não se enquadram no
conceito de receitas próprias dos municípios.
No que tange ao item número dois, a
Constituição se deu ao trabalho de especifi car
quais transferências servirão de base de cálculo
para os repasses em questão, sendo elas previs-
tas nos seguintes artigos:
a) 153, § 5º, CF: o ouro, quando defi ni-
do em lei como ativo fi nanceiro ou instrumento
cambial;
b) Art. 158, CF: Imposto de Renda in-
cidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a
qualquer título, por eles, suas autarquias e pe-
las fundações que instituírem e mantiverem;
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural;
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Auto-
motores; Imposto Sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações
de Serviços de Transporte Interestadual e Inter-
municipal e de Comunicação;
c) E, fi nalmente, a previsão do art. 159,
que se refere a tributos de competência da
União, que repassará percentuais aos demais
membros da Federação, e a fundos e institui-
ções fi nanceiras de caráter regional. Dentre tais
tributos, o inciso III prevê “o produto da arre-
cadação da contribuição de intervenção no
domínio econômico prevista no art. 177, § 4º”.
Vejamos o que diz o artigo 177, §4º, CF:
Art. 177. Constituem monopólio da União:[...]§ 4º A lei que instituir contribuição de inter-venção no domínio econômico relativa às ati-vidades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001).[...]
Portanto, dentre as várias CIDEs que
existem ou podem vir a existir, a Constituição
deixou claro que apenas uma única Contribui-
ção de Intervenção no Domínio Econômico
comporá a base de cálculo para a determina-
ção dos duodécimos, que é a prevista no arti-
go 177, §4, de seu corpo, qual seja, a que incide
sobre as atividades de importação ou comer-
cialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível.
Pelo exposto, em conclusão sobre
a possibilidade das receitas provenientes da
Contribuição de Intervenção no Domínio Eco-
nômico – CIDE, comporem a base de cálculo
para efeito de repasse ao Poder Legislativo Mu-
nicipal, consideramos que apenas a CIDE pre-
vista no artigo 177, § 4º, CF comporá tal mon-
tante, por expressa disposição constitucional,
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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 134 - 137 jan./dez. 2011
de modo que qualquer outra CIDE existente,
ou ainda por vir a ser criada, não integrará a
citada base de cálculo.
• ABSTRACT
This article presents comments on the possibi-
lity of CIDES - Contributions on Economic Ac-
tivities, compose the basis for calculating the
transfers that the executive council should, un-
der the Constitution to pass the Legislative Hall,
in addition to specifying which ones would be
covered by Article 29-A, the highest Law..
• KEYWORDS:
Legal rights constitutialization. State’s omission.
Judiciary Power efetivation. Legitimate judicial
criteria.
REFERÊNCIAS:
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2008.