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Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

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Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

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Expediente

Conselho Editorial

Abelardo Pio Vilanova e Silva

Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco

Guilherme Xavier de Oliveira Neto

Olavo Rebelo de Carvalho Filho

Luciano Nunes Santos

Joaquim Kennedy Nogueira Barros

Waltânia Maria Nogueira de Sousa Leal Alvarenga

Jaylson Fabianh Lopes Campelo

Jaime Amorim Júnior

Delano Carneiro da Cunha Câmara

Jackson Nobre Veras

Alisson Felipe de Araújo

José Araújo Pinheiro Júnior

Plínio Valente Ramos Neto

Raïssa Maria Rezende de Deus Barbosa

Leandro Maciel do Nascimento

Márcio André Madeira de Vasconcelos

Direção Geral Pres. Cons. Joaquim Kennedy Nogueira Barros

Coordenação Cláudia Brandão de Oliveira

Supervisão Carol

Diagramação Paulo Braga

Projeto Gráfi co S/A Propaganda

Normalização Débora Araújo Machado Teixeira

Revisão Rosa Pereira

Editora Tribunal de Contas do Estado do Piauí

Impressão Gráfi ca do Povo

Page 3: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

- ISSN - 1980-7481 -

R E V I S T A

Tribunal de Contas do Estado do Piauí

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 1 - 151 jan./dez. 2011

Page 4: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piaui.

– Vol. 15, n.1 (2011) – Teresina : TCE–PI,

1974 –

Anual

1974 à 2005 – Periodicidade irregular

ISSN 1980–7481

1. Administração pública – Periódicos. 2.

Controle externo. I. Piauí, Tribunal de Contas do

Estado do Piauí.

CDD: 351.05

Bibliotecária responsável: Débora Araújo Machado Teixeira

© 2011 TCE - PI

Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí

Rua Pedro Freitas, 2.100 • Bairro São Pedro Centro Administrativo

64.018-200 - Teresina - Piauí

Telefone: (86) 3215-3800 Fax: (86) 3218-3113 • e-mail: [email protected]

As opiniões emanadas nos artigos são de inteira

responsabilidade de seus respectivos autores, não refl etindo,

necessariamente, o posicionamento desta Revista.

Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida,

desde que citada a fonte.

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CONSELHEIROS

Joaquim Kennedy Nogueira Barros

Presidente

Waltânia Maria Nogueira de Sousa Leal Alvarenga

Vice-Presidente

Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco

Corregedor-Geral

Luciano Nunes Santos

Abelardo Pio Vilanova e Silva

Olavo Rebelo de Carvalho Filho

Guilherme Xavier de Oliveira Neto

AUDITORES

Jaylson Fabianh Lopes Campelo

Jaime Amorim Júnior

Delano Carneiro da Cunha Câmara

Jackson Nobre Veras

Alisson Felipe de Araújo

PROCURADORES

José Araújo Pinheiro Júnior – Procurador Geral

Plínio Valente Ramos

Raïssa Maria Rezende de Deus Barbosa

Leandro Maciel do Nascimento

Márcio André Madeira de Vasconcelos

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Sumário

Auxílio-doença: um dos mais intrigantes benefícios

da previdência social

Caroline Leal Feitosa

Controle social: o papel do conselho do Fundeb na

fi scalização dos recursos públicos da educação

André Flor de Lima

A efetivação dos direitos fundamentais sociais

pelo poder judiciário

Gustavo Nascimento Torres

Novos rumos para o ministério público do estado

do Piauí

Antônio Gonçalves Vieira

Os 80 anos da realização de um projeto: a faculdade de

direito do piauí e uma refl exão à luz das teorias marxistas

Ana Carolina Sousa Barbosa, Lívia Maria da Silva

Oliveira e Thiago Rodrigues Lula Eulálio

Precatórios: aspectos essenciais e suas alterações

Mario Henrique de Freitas Mendes

Penas alternativas e ressocialiazação prisional:

saídas à atual política prisional

Werner Oliveira Henriques

Ao limite do poder de cautela dos tribunais

de contas na sustação dos contratos

realizados pela administração pública

Kaléo Alves Peres

O caminho do individualismo

na sociedade moderna

Geysa Elane Rodrigues de Carvalho Sá

Uma análise do controle externo sobre

as parcerias público-privadas

Vivian Cristiane

Licitações sustentáveis: um instrumento

de gestão na administração pública

Liana de Castro Melo, Maria Valéria Santos Leal

Bitributação do comércio eletrônico:

uma inconstitucionalidade

Luiza Lourdes Pinheiro Leal Nunes Ferreira

CIDEs – Contribuições de Intervenção

no Domínio Econômico

Anfrisio Antonio Nogueira Paes Castelo Branco

10 82

94

100

118

126

134

20

34

42

48

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70

Artigos Doutrinários

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O Tribunal de Contas do Estado Piauí está

passando por grandes e profundas reformas, vol-

tadas para um modelo de administração ágil, mo-

derno e transparente. Estamos mudando valores,

procedimentos e, em alguns casos, até mesmo a

cultura da organização. Não é tarefa fácil, temos

consciência disso. Mas é imprescindível para acom-

panhar as exigências da sociedade atual, que cobra

mais rigor no controle das contas públicas.

Instituímos a GIP – Gratifi cação de Incre-

mento de Produtividade - para estimular os ser-

vidores desta Corte a produzirem mais e melhor.

Desta forma, trazemos para o serviço público uma

ferramenta há muito empregada, com sucesso,

na iniciativa privada, que é a de premiar fi nancei-

ramente os servidores que mais se destacam no

cumprimento das metas estabelecidas pelo órgão.

A inauguração do novo prédio anexo,

iniciado ainda na gestão do Conselheiro Abe-

lardo Vilanova, trouxe mais espaço e conforto,

proporcionando estrutura adequada não só para

os servidores que aqui trabalham, mas também

para quem nos procura em busca de informa-

ção ou orientação. O atual plenário oferece ago-

ra espaço suficiente e digno para a realização

das sessões.

Com isso, ganham todos os cidadãos

piauienses, que passam a contar com um sistema

Palavra do Presidente

mais célere de avaliação e julgamento das presta-

ções de contas dos gestores públicos. Nos dias atu-

ais, a injustifi cada demora na apreciação das contas

púbicas só benefi cia os que têm interesse em lesar

o Erário, por meio de prestações de contas fraudu-

lentas, que escondem o mau uso do dinheiro pago

pelos contribuintes piauienses.

Outra medida importante adotada por

este Tribunal foi o aumento do número de inspe-

ções in loco, no sentido de trabalhar preventiva-

mente, evitando as possíveis falhas que possam

ocorrer nos processos de licitação, bem como

na realização de obras por todo o Estado. É pro-

pósito nosso, também, intensificar as auditorias

operacionais, que vão muito além da análise fria

de números e tabelas, verificando a eficácia do

programa e a relação custo/benefício do objeto

em questão. Da mesma forma, a realização de

audiências públicas pode ser destacada como

mais uma conquista no aprofundamento do de-

bate de assuntos de relevante interesse para a

população, com o intuito de aperfeiçoarmos as

práticas da administração pública.

A aproximação com os demais órgãos de

controle externo, como Polícia Federal, Ministério

Público, Controladoria Geral do Estado, Tribunal de

Contas da União e Controladoria Geral da União,

tem se mostrado por demais proveitosa, estreitan-

do os laços com aqueles que trabalham em parce-

ria conosco, com o mesmo objetivo de zelar pelos

recursos públicos.

E, para garantir a indispensável transpa-

rência que deve nortear a nossa missão fi scalizado-

ra, passamos a transmitir todas as sessões de julga-

mento desta Corte, on-line, por meio do nosso site

na internet. Desta forma, todos os cidadãos, ges-

tores, mídia, e demais interessados, podem acom-

panhar integralmente, em tempo real, tudo o que

acontece no plenário do TCE.

É com esta visão inovadora e otimista,

que lançamos uma nova edição da Revista do

TCE, mais um importante instrumento na divul-

gação e propagação do conhecimento na área

do controle externo. Os artigos aqui publicados

reproduzem os estudos e pesquisas desenvolvi-

dos por quem, como nós, sonha e trabalha por

um sistema de fiscalização e controle moderno e

eficaz da gestão pública.

Cons. Joaquim Kennedy Nogueira Barros

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 111010111111

Caroline Leal FeitosaAdvogada. Bacharel em Direito pela Faculdade de Saúde, Ciên-cias Humanas e Tecnológicas de Teresina - NOVAFAPI.

• RESUMO

O presente artigo trata do benefício previden-

ciário por incapacidade auxílio-doença, trazen-

do seu conceito e características, bem como

promove sua correlação com os outros benefí-

cios por incapacidade, pagos pela Previdência

Social, na pretensão de se fazer a mais comple-

ta contextualização desse que é um dos mais

importantes e reclamados benefícios junto ao

INSS. Pontua-se, ainda, as exigências adminis-

trativas bem como a interpretação judicial da-

quelas mais controvertidas. Verifi cando-se que

se fossem observadas todas as diretrizes tra-

çadas na Lei, regulamentos e, em especial, nas

Instruções Normativas, verdadeira “Bíblia” dos

servidores autárquicos, muitas lides perderiam

seu sentido. Por fi m, apresentam-se, até mes-

mo, posicionamentos que começam a ser ab-

sorvidos pela Advocacia Geral da União – AGU,

também, preocupada, como não poderia dei-

xar de ser, com a paz social, que sempre deve

ser perseguida por todos.

• PALAVRAS-CHAVE:

Previdência Social. Auxílio-doença. Benefício

previdenciário. Diminuição dos efeitos judiciais.

1 INTRODUÇÃO

O benefício auxílio-doença, especial-

mente a partir do ano de 2006, quando o go-

Auxílio-doença: um dos mais intrigantes

benefícios da previdência social

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

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verno o intitulou o novo vilão (do défi cit) da

Previdência Social, tem merecido especial en-

foque no respeitante ao malsinado rombo do

Instituto Nacional do Seguro Social.

A escolha do título do presente artigo

científi co, o auxílio-doença (ante suas carac-

terísticas e inúmeras particularidades por se

tratar de benefício que pode ser concedido

quando presente incapacidade temporária

ou permanente, a depender da dimensão da

incapacidade, às vezes confundido com o be-

nefício auxílio-acidente) sempre foi objeto de

numerosos questionamentos.

Nesse sentido, mostrar-se-ão as confu-

sões advindas, principalmente, da falha (ou até

mesmo ausência) na orientação por que pas-

sa o quadro de servidores do INSS e que tem

refl etido, inclusive, na análise dos direitos dos

segurados quanto ao auxílio-doença.

Objetiva-se, também, traçar os

principais pontos de confronto entre o po-

sicionamento administrativo, adotado pelo

INSS, e o entendimento que vem sendo

implementado pelos Tribunais no tocante

a tais conflitos.

Por fi m, oportuno ressaltar o trata-

mento dispensado pelo INSS quanto aos se-

gurados em gozo de auxílio-doença, ocasião

em que se apontarão entendimentos que irão

confrontar com tal garantia constitucional, na

medida em que se diminui a capacidade eco-

nômica justamente em um momento que o

segurado, a rigor, mais precisaria de assistência

fi nanceira, considerando os necessários gastos

com medicamentos e procedimentos médicos

na busca da sua recuperação.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

2 O AUXÍLIO-DOENÇA NO REGIME

GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Cuida-se de benefício por incapacida-

de “de pagamento sucessivo, substitutivo do

salário-de-contribuição ou do rendimento do

trabalhador”(GONÇALVES, 2005, p. 151), tendo

em vista que irá substituir a renda do segurado

durante o intervalo que estiver assistido pelo

Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

“Com início do pagamento do benefício – que

corresponde a 91% do salário-de-benefício (cal-

culado a partir dos salários-de-contribuição do

segurado) – pela Previdência Social”(CORREIA,

2007, p.300).

Encontra previsão legal nos artigos 59

a 63 da Lei de Benefícios da Previdência Social

– LBPS.

Já o Decreto nº 3.048, de 8 de maio de

1999 – Regulamento da Previdência Social, o

regulamentou nos artigos 71 a 81.

Trata-se de um benefício que, uma vez

cumpridos os requisitos, atende a todas as es-

pécies de segurados, conforme lecionam For-

tes e Paulsen(FORTES; PAULSEN, 2005, p.137),

valendo ainda ressaltar que:

Também aqui a ocorrência do risco social é jus-

tamente o fato gerador ou evento determinan-

te para a concessão do benefício.

Os caracteres do risco social incapacidade, to-

davia, neste caso são menos gravosos do que

ocorre em relação à aposentadoria por invali-

dez: deve ela ser total, porém não para quais-

quer atividades laborativas, mas para aquela

exercida pelo segurado (sua atividade habi-

tual); deve ser ela temporária, havendo, pois,

prognóstico de recuperação; deve a incapaci-

dade perdurar por mais de 15 dias.

Quanto ao requisito período de carên-

cia, a regra é que sejam exigidas 12 (doze) con-

tribuições mensais, entretanto será o benefício

concedido sem a exigência de carência se decor-

rer de acidente de qualquer natureza, bem como

nos casos em que o segurado, após fi liar-se ao

RGPS, for acometido de alguma das doenças ou

afecções previstas em lista elaborada pelos Minis-

térios da Saúde e da Previdência Social.

Por decorrência lógica, por exclusão,

não sendo uma doença que se inclua na lista

anteriormente citada, nem se tratando de en-

fermidade decorrente de algum acidente ou

equiparado – onde não há cobrança de carên-

cia, repito – serão exigidas, sempre, pelo me-

nos 12 (doze) contribuições.

Como benefício substitutivo da remune-

ração, a regra é que não pode alcançar valor in-

ferior a um salário mínimo, atualmente R$ 545,00

(quinhentos e quarenta e cinco reais), conforme

artigo 201, § 2º da Constituição Federal.

Limitando-se, por outro lado, o salário

mínimo ao teto dos salários-de-contribuição,

hoje R$ 3.689,66 (três mil, seiscentos e oitenta

e nove reais e sessenta e seis centavos), nos ter-

mos da Portaria Interministerial nº 568 MPS/MF,

de 31 de dezembro de 2010.

Entretanto, o INSS, por meio do Decre-

to nº 4.729/2003, ferindo de morte a Constitui-

ção Federal, disciplinou que, quando o segura-

do contar com mais de uma renda, poderá, no

caso da soma de referidos rendimentos com

o valor do auxílio-doença alcançar um salário

mínimo, esse benefício ser pago em patamar

inferior (art. 73, § 1º c/c § 4º do RPS2 ).

Segundo este dispositivo, o auxílio-

-doença do segurado que exercer mais de

uma atividade abrangida pela Previdência So-

cial será devido, mesmo no caso de incapaci-

dade apenas para o exercício de uma delas; en-

tretanto, a perícia médica deve conhecer todas

as atividades que o mesmo estiver exercendo.

Assim, o benefício será concedido em relação

2. O artigo abordado está inserido no Decreto n. 3.048/99 e dispõe sobre o Regulamento da Previdência Social.

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à atividade para a qual o segurado estiver in-

capacitado. Se nas várias atividades o segura-

do exercer a mesma profi ssão, será exigido de

imediato o afastamento de todas.

A renda mensal do auxílio-doença

corresponde a 91% (noventa e um por cento)

do salário-de-benefício. A propósito, o salário-

-de-benefício, neste caso, consiste na média

aritmética simples dos maiores salários-de-

-contribuição correspondente a 80% (oitenta

por cento) de todo o período contributivo.

Vale ressaltar que não há possibilidade

de acumulação do benefício auxílio-doença

com qualquer aposentadoria.

É o que se extrai do artigo 124 da Lei

de Benefícios da Previdência Social(BRASIL. L.

8.218/91).

Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não

é permitido o recebimento conjunto dos se-

guintes benefícios da Previdência Social:

I – aposentadoria e auxílio-doença;

II – mais de uma aposentadoria;

III – aposentadoria e abono de permanência

em serviço;

IV – salário-maternidade e auxílio-doença;

V – mais de um auxílio-acidente;

VI – mais de uma pensão deixada por cônjuge

ou companheiro, ressalvado o direito de opção

pela mais vantajosa.

No entanto, no que diz respeito ao

auxílio-acidente, com este é possível o rece-

bimento simultâneo, desde que oriundo de

eventos diversos, ou seja, que não tenham a

mesma origem, o mesmo fato gerador. Esse é

o ensinamento do mestre Ibrahim(2006, p.544)

Entretanto, se o segurado voltar a se afastar

por novo evento (doença ou acidente), poderá

acumular o novo auxílio-doença com auxílio-

-acidente. Basta que sejam oriundos de even-

tos distintos. Existindo, porém, nova sequela,

não haverá concessão de novo auxílio-aciden-

te. (destaque original)..

2.1 AS PRESTAÇÕES ACIDENTÁRIAS

Não existe muita diferença entre

um benefício previdenciário (comum) e um

benefício acidentário, isto se dá, porque as-

pectos dos valores dos benefícios aciden-

tários não são diferentes dos aspectos do

benefício comum. Para ilustrar tal afirmação,

observa-se que a aposentadoria por invali-

dez acidentária é 100% (cem por cento) do

salário-de-benefício, tendo a comum o mes-

mo valor, assim também o auxílio-doença

que, seja previdenciário ou acidentário, tem

o valor de 91% (noventa e um por cento) do

salário-de-benefício.

Vale ressaltar um fator que difere os

dois tipos de benefício: é quanto ao aspecto

pessoal destes. Ao passo que todos os segu-

rados fazem jus ao benefício por incapacida-

de comum, somente o segurado empregado,

o avulso e o segurado especial têm direito ao

acidentário. Isto ocorre, pois não existe fi nan-

ciamento através do Seguro de Acidentes de

Trabalho (SAT) para os contribuintes individuais

e empregados domésticos.

2.1.1 ESTABILIDADE PROVISÓRIA

DO SEGURADO EMPREGADO ACIDENTADO

Vige, ainda, no artigo 118 da Lei de Be-

nefícios da Previdência Social uma estabilidade

provisória, com duração mínima de 12 meses,

assegurada somente aos segurados emprega-

dos (exceto domésticos) decorrente da ocor-

rência de acidente de trabalho.

Nesse sentido, tem-se que o segu-

rado acidentado do trabalho não poderá ser

dispensado sem justa causa por um período

mínimo de um ano a contar de seu retorno do

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benefício por incapacidade, no caso, o auxílio-

-doença acidentário.

Questão de interessante deslinde diz

respeito à possibilidade de que o segurado em-

pregado ainda na vigência de seu contrato de

experiência possa valer-se de tal prerrogativa.

A princípio a resposta seria negativa,

ante a avença de que tal vínculo já teria termo

defi nido; contudo, o Tribunal Superior do Tra-

balho – TST, tem decidido de forma diversa, a

exemplo do que restou julgado nos autos do

Recurso de Revista 1762/2003-027-12-00, publi-

cado no DJ de 04/04/2008, cujo acórdão, con-

quanto relativamente extenso, pede-se vênia

para apresentar, dada a sua clareza quanto à

elucidação do tema em estudo, verbis:

ACIDENTE DE TRABALHO. PERÍODO DE EXPE-

RIÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPEN-

SÃO CONTRATUAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA

NO EMPREGO. ARTIGO 118 DA LEI Nº 8.213/91.

COMPATIBILIDADE COM O CONTRATO DE TRA-

BALHO TEMPORÁRIO DE EXPERIÊNCIA. PACTO

CELEBRADO COM ÂNIMO DE CONTINUIDADE.

Discute-se a possibilidade de se aplicar a esta-

bilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei

nº 8.213/91 a empregado submetido a contra-

to de trabalho temporário de experiência. No

caso sob exame, o contrato encontrava-se em

vigor quando ocorreu o infortúnio evento im-

previsível e capaz de impedir que o contrato

alcançasse o termo fi nal predeterminado pe-

las partes. O artigo 472, § 2º, da Consolidação

das Leis do Trabalho deve ser interpretado de

forma sistemática, em consonância com outras

normas de caráter tutelar consagradas no or-

denamento jurídico pátrio, entre elas o artigo

476 da Consolidação das Leis do Trabalho e o

artigo 63 da Lei nº 8.213/91. Tais dispositivos

consagram proteção especial ao trabalhador

acidentado, devendo prevalecer sobre outras

normas, de caráter genérico, como o artigo

472, § 2º, da CLT, cuja aplicabilidade restringe-

-se aos períodos de afastamento não resul-

tantes de acidente de trabalho. De se notar,

entretanto, que a estabilidade acidentária é

compatível com o contrato a termo somente

quando este for celebrado a título de experi-

ência, porquanto, neste caso, presente o âni-

mo de continuidade da relação de emprego.

Conquanto não se possa antecipar se a expe-

riência será exitosa ou não, o incidente ocor-

rido no curso desse contrato a termo frustra

totalmente a possibilidade de permanência do

trabalhador no emprego após o período de

experiência. Ora, o ânimo de permanência no

emprego, que resulta da celebração do con-

trato de experiência, é o elemento que distin-

gue esta modalidade de contrato a termo das

demais hipóteses para efeito de incidência da

norma garantidora da estabilidade acidentária.

Assim, o acidente de trabalho ocorrido por cul-

pa do empregador, que detém o encargo de

estabelecer mecanismos tendentes a evitar in-

fortúnios no ambiente laboral - cumprindo as

normas de saúde, segurança e higiene -, bem

como a responsabilidade social do detentor

dos meios de produção pelos riscos do empre-

endimento inferida da exegese do artigo 170,

inciso III, da Carta Política -, coloca sob ônus do

empregador a manutenção do vínculo empre-

gatício enquanto o obreiro estiver em período

de incapacidade ou redução da capacidade

laborativa que, de acordo com a norma preco-

nizada no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, tem a

duração de um ano. Não se olvide, ainda, que

o juiz aplicará a lei atendendo aos fi ns sociais

a que ela se dirige e às exigências do bem co-

mum (artigo 5º da Lei de Introdução ao Código

Civil). Ao aplicador da lei, portanto, cabe lançar

mão do método teleológico, para encontrar

o sentido da norma que realize os fi ns sociais

por ela objetivados. Assim, não se realizarão os

fi ns sociais da lei de proteção ao trabalhador

se este, vítima de acidente laboral, for lança-

do ao mercado de trabalho. A difi culdade de

colocação desse trabalhador no mercado de

trabalho afeta o ideal de realização de justiça

social e atenta contra o princípio da dignidade

da pessoa humana consagrado no artigo 1º, III,

da Constituição da República. Recurso de revis-

ta conhecido e provido.

2.1.2 RESPONSABILIDADE CÍVEL

DO EMPREGADOR DECORRENTE

DO ACIDENTE DE TRABALHO

A tendência atual é inserir o acidente

do trabalho dentro dos riscos cobertos pela

Previdência Social, deslocando-se dessa forma

a responsabilidade patronal para a responsabi-

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

lidade social. Assim, pela teoria do risco social,

todos os riscos gerados pela vida social devem

ser arcados por toda a sociedade.

Observa-se que no ordenamento ju-

rídico brasileiro a cobertura do acidente do

trabalho cabe à Previdência Social, eis que tem

por base a teoria da responsabilidade objetiva,

uma vez que não se indaga de quem foi a cul-

pa pela ocorrência do infortúnio. Dessa forma,

esclarece-se que a responsabilidade previden-

ciária, independe da responsabilidade civil do

empregador decorrente do acidente de traba-

lho, consubstanciada nos artigos 5º, inciso X e

7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal e arti-

go 927 do Código Civil.

Nesse sentido, também se manifestou

o STF, a partir da Súmula 229, que fi xou enten-

dimento que a indenização acidentária não ex-

clui a do direito comum, em caso de dolo ou

culpa grave do empregador.

Verifi ca-se que a responsabilidade do

empregador é subjetiva, posto que para ter di-

reito à indenização, o trabalhador deverá com-

provar a existência de dolo ou culpa, pois ao

contrário do que ocorre nos pedidos de bene-

fícios previdenciários decorrentes de natureza

acidentária dirigidos ao INSS, que, por se tratar

de responsabilidade objetiva, independem de

culpa ou dolo para seu deferimento.

No ordenamento jurídico brasileiro, a

responsabilidade civil assenta-se no princípio

da culpa, onde o legislador subordinou o dever

de reparar aos casos em que ocorre a previsão

contida no artigo 186 do Código Civil.

A noção de culpa tem, por conse-

quência, fundamental importância na carac-

terização do ilícito e imputação da respon-

sabilidade. A culpa poderá englobar tanto

o dolo, direcionado para causar dano a ou-

trem, quanto à culpa em sentido estrito, ou

seja, quando o indivíduo deixa de agir com o

devido cuidado, de forma negligente, impru-

dente ou sem a devida perícia.

Portanto, parece claro que a responsa-

bilidade do empregador fi ca adstrita à falta de

observância das normas de segurança e à me-

dicina do trabalho, de forma a demonstrar que

a ocorrência do acidente do trabalho decorreu

da sua conduta culposa, entretanto, não restará

caracterizada a culpa do empregador, quando

o empregado desobedecer a suas, bem como

tiver o obreiro provocado o acidente.

3 POSICIONAMENTOS

JURISPRUDENCIAIS

E DOUTRINÁRIOS E SUGESTÕES

SOBRE PONTOS

CONTROVERSOS DO

AUXÍLIO-DOENÇA

3.1 DO PODER-DEVER DO INSS

DE CONCEDER O BENEFÍCIO DEVIDO

MAIS VANTAJOSO

Cuida-se de obrigação do inss verifi -

car o melhor enquadramento da situação do

segurado posta a seu exame, que se inicia nas

suas agências.

Nesse sentido, inclusive, é o teor do

Enunciado nº 05 do Conselho de Recursos da

Previdência Social – CRPS: “A Previdência Social

deve conceder o melhor benefício a que o se-

gurado fi zer jus, cabendo ao servidor orientá-

-lo nesse sentido”.

Contudo, segundo Saravis(2008,

p.67-68)

A atuação administrativa na análise de requeri-

mentos de benefícios previdenciários é marca-

da por uma postura que se distancia dos prin-

cípios constitucionais que devem informar sua

relação com o particular que busca sua prote-

ção previdenciária. Por meio de ações conhe-

cidas de todos, a Administração Previdenciária,

para nos restringirmos a três exemplos corri-

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 16

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

queiros, contraria o direito constitucional de

petição aos órgãos públicos (quando se recusa

a formalizar o requerimento administrativo do

potencial benefi ciário).

[...]

O autor da demanda não tem conhecimen-

to preciso acerca da resposta administrativa.

Embora receba a carta de indeferimento, ela

não expressa o que de fato foi admitido pelo

instituto de previdência e o que foi desconsi-

derado. Como consequência disso, não raro se

busca em juízo o reconhecimento de todas as

circunstâncias de fato que constituem o direito

pretendido, mesmo daquelas porventura aco-

lhidas pela autarquia previdenciária.

Desta forma, se uma pessoa enferma,

de época em que ainda era segurado, busca

a Previdência Social em data que não mais

ostenta tal condição - após 04 (quatro) anos

de afastamento das atividades laborais, por

exemplo -, não se atentando o servidor da au-

tarquia para tal conjuntura - que seguiria, até

mesmo, a disposição contida no artigo 15 da

Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de

outubro de 2007 – nega seu pleito, ou “autori-

za” a concessão de um benefício assistencial,

que não reclama qualquer vinculação ao INSS,

o que não raro acontece, seguramente estaria

aí criada mais uma situação a ser resolvida pelo

Poder Judiciário.

Aliás, recentemente a Advocacia Geral

da União editou o enunciado de nº 25(BRASIL.

SUMULA 25)

Será concedido auxílio-doença ao segurado

considerado temporariamente incapaz para o

trabalho ou sua atividade habitual, de forma

total ou parcial, atendidos os demais requisitos

legais, entendendo-se por incapacidade par-

cial aquela que permita sua reabilitação para

outras atividades laborais.

Para a concessão de benefício por in-

capacidade, não será considerada a perda da

qualidade de segurado decorrente da própria

moléstia incapacitante.

Tais exemplos reforçam a tese acerca

de urgente necessidade de reavaliação dos

procedimentos autárquicos, especialmente

aqueles relativos aos benefícios por incapaci-

dade, no que se sobressai o auxílio-doença.

3.2 A NECESSÁRIA APLICAÇÃO

DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

POR INCAPACIDADE

Diante da falha constatada no proce-

dimento efetivado pelo INSS no seu dia a dia,

conforme restou comprovado nos itens acima,

o Poder Judiciário vez ou outra se vê na situa-

ção de, além de dirimir confl itos que poderiam

ser resolvidos facilmente na via administrativa,

ainda enfrentar as oposições de julgamento

extra ou ultra petita ante a concessão de bene-

fício diverso do reclamado ou além do que foi

pedido, respectivamente.

Sobre tal tema, interessante o artigo

de Demo e Somariva(2005), do qual se trans-

creve o seguinte excerto:

Em se tratando da defi nição da DIB de bene-

fícios incapacitantes concedidos judicialmen-

te, aplica-se o seguinte raciocínio para todos,

distinguindo-se duas situações: a) não houve

prévio requerimento administrativo ou segre-

gação compulsória do trabalho: a DIB há de

ser fi xada na data da juntada do laudo pericial

em juízo; b) houve: a DIB pode então ser fi xada

retroativamente, se assim determinar o laudo

pericia?. Vale registrar que a hipótese (b) se

satisfaz com o requerimento de qualquer dos

benefícios incapacitantes, em virtude do prin-

cípio da fungibilidade entre estes, de modo

que, ilustrativamente, havendo requerimento

de auxílio-doença deferido e posteriormente

cancelado, a DIB de aposentadoria por invali-

dez concedida judicialmente poderá ser fi xada

na DCB do auxílio-doença.

O princípio da fungibilidade é aplicado aos be-

nefícios oriundos de incapacidade tout court,

permitindo que o juiz conceda, v.g., aposenta-

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17

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

doria por invalidez mesmo que o autor pleiteie

apenas a concessão do auxílio-doença ou au-

xílio-acidente, se resulta da perícia médica que

a incapacidade laboral do segurado é total e

permanente, caso em que não há error in pro-

cedendo nem nulidade por julgamento extra

petita. Há aqui uma fl exibilização do rigor cien-

tífi co por questão de política judiciária: consi-

derando que se trata de processo de massa,

como são as causas previdenciárias, não seria

razoável impor aos segurados - nem mesmo à

tão crédula quanto famosa “Velhinha de Tau-

baté” -, o ajuizamento de nova ação para obter,

no caso e após repetida a mesma liturgia, o re-

conhecimento da aposentadoria por invalidez.

Não menos igual seria a situação de

requerimento de um benefício assistencial “re-

clamado” por um segurado que busca na Jus-

tiça um benefício previdenciário, valendo-se

para tanto da assertiva de que o servidor que

o atendeu deveria ter seguido a orientação dis-

posta no Enunciado nº 05 do CRPS, anterior-

mente citado.

Nesse sentido também caminha o en-

tendimento dos pátrios Tribunais, a exemplo

dos seguintes julgados do Tribunal Regional

Federal da 1ª Região, verbis:

E nem se objete que a parte autora, ao for-

mular seu pleito de amparo assistencial o fez

com arrimo em legislação já revogada, pois se

trata de seara de seguridade social. Com efei-

to, nas ações previdenciárias em sentido lato

(nas quais a parte vindica benefício previden-

ciário ou assistencial), o que a parte pretende,

e a que efetivamente tem direito, é a correta

concessão do benefício - previdenciário stricto

sensu ou assistencial -, e, se for o caso, sua re-

visão para a verifi cação do cálculo adequado,

é dizer, conforme a lei, da renda mensal inicial

do benefício, bem como de seus reajustes, seja

ele de natureza previdenciária/regime geral ou

previdenciária/estatutária (servidor público) ou

assistencial. (AC 199801000260196, 1ª Turma

Suplementar, Relator: Juiz Federal Cláudio An-

tônio Macedo da Silva (conv.), j. 3/2/2004, DJ de

19/2/2004). (BRASIL. Apelação civil, 2007).

Esta Corte fi rmou entendimento no sentido

de que não há julgamento ultra ou extra pe-

tita na decisão que concede aposentadoria

por invalidez ao segurado que havia requeri-

do amparo social ou vice-versa, haja vista que

em ambos, o benefício tem origem na mesma

situação fática, cabendo ao juiz o adequa-

do enquadramento legal. Precedente: (EDAC

96.01.49985-7/MG, Rel. Desembargador Fede-

ral José Amilcar Machado, Primeira Turma, DJ

de 09/09/2003, p.51).(AC 200501990615510/MG,

1ª Turma, Relator: Luiz Gonzaga Barbosa Morei-

ra, j. 28/11/2007, DJ de 11/03/2008). (2008, p.67).

De tudo que se evidencia, sobressai

a impressão de que muitas vezes os magis-

trados, em que pese seu dever de prestar

um justo e célere julgamento das causas que

lhes são impostas, tem seu mister prejudica-

do pelo “problema de má limitação da lide

previdenciária”, nas exatas palavras do mes-

tre Savaris(2008, p.67).

4 CONSIDERAÇÃOES FINAIS

Diante do exposto, constata-se que,

assim como no corpo da legislação brasileira

como um todo, as disposições legais relativas

aos benefícios da Previdência Social são bem

elaboradas – aqui incluídos, além da Lei de

Benefícios, o respectivo Regulamento da Pre-

vidência Social e Instruções Normativas -, em

que pese uma incongruência aqui ou ali, con-

tudo, a ausência de qualifi cação de intérpretes

é que tem feito com que milhares de causas

previdenciárias que poderiam ser solvidas na

via administrativa acabam por escoar para o

Poder Judiciário.

Felizmente, tais defi ciências estão

sendo minoradas ante as reiteradas decisões

judiciais, a exemplo da edição dos recentes

enunciados pela Advocacia Geral da União

consignados no corpo do presente trabalho, o

que seguramente trará uma maior celeridade

ao desfecho das ações ajuizadas com o intuito

de obtenção do benefício auxílio-doença.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 18

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

Oportuno ressaltar que, entre 2001 e

2004, os gastos com o auxílio-doença subiram

de R$ 2,5 bilhões para R$ 9 bilhões anuais, evi-

denciando uma verdadeira indústria do auxí-

lio-doença envolvendo, ao que tudo indica, os

próprios servidores do INSS, médicos-peritos

credenciados, advogados e até políticos. Para

estancar essa fraude setorial foram nomeados

médicos-peritos concursados, passo signifi ca-

tivo para a efi ciência do serviço público previ-

denciário.

Entretanto, a questão não se esgota

na fraude. Constatou-se que a maioria dos be-

nefícios incapacitantes que o INSS nega admi-

nistrativamente são concedidos judicialmente.

O Poder Judiciário concede, porque os juízes

empolgados, às vezes, com a denominada ju-

risprudência de valores, pretendem agir como

instrumento de distribuição de renda, atuando

até como legislador positivo; já o INSS, que tem

seus servidores sobrecarregados de serviço

implicam decisões sem legitimidade, o que

potencializa as chances de, levadas ao crivo do

Poder Judiciário, serem revertidas.

Para se atingir a Previdência Social ide-

al, há um longo caminho a ser percorrido, que

necessariamente passa pela solução das ques-

tões acima mencionadas.

Desta feita, conclui-se pela necessida-

de de se chegar a um ponto tal que somente

as causas previdenciárias efetivamente “com-

plexas” ou de difícil solução devam ser leva-

das para o Poder Judiciário; para tanto, devem,

a Justiça e o Poder Executivo, caminharem

juntos, de “braços dados” na busca da solu-

ção mais adequada, tanto para os segurados

quanto para o INSS, já que como Poderes da

República, seguramente almejam a paz social

e a preservação da dignidade humana.

Sickness benefi t: one of the most intri-

guing benefi ts of Social Security

• ABSTRACT

This article deals with the social security be-

nefi t for incapacity sickness, bringing its con-

cept and characteristics, and promotes its

correlation with other disability benefi ts paid

by Social Security, on the pretense of doing

a complete background of this is that one of

most important and claimed benefi ts from

the INSS. The jury was also the administrative

requirements as well as judicial interpretation

of those more controversial. Noting that they

were observed all the guidelines set forth in

the Law, Regulation and in particular, the Nor-

mative, the true “Bible” of municipal servants,

many labors would lose its meaning. Finally, we

present, even positions that begin to be absor-

bed by the Attorney General’s Offi ce - AGU also

worried, as it should be, with social peace, whi-

ch must always be pursued by all.

• KEYWORDS

Welfare. Aid and disease. Benefi ts. Decrease in

court made.

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cial.gov.br>. Acesso em: 14 mar.2009.

Page 19: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

19

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 10 - 19 jan./dez. 2011

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_______. Tribunal Regional Federal da

1ª Região. Inocorrência de julgamen-

to extra ou ultra petita. Apelação Cível

200501990615510/MG. Relator: Luiz Gon-

zaga Barbosa Moreira. Brasília, 28.11.2007.

_______. Tribunal Regional Federal da 1ª Re-

gião. Inocorrência de julgamento extra ou

ultra petita. Apelação Cível 199801000260196/

MG. Relator Juiz Federal Cláudio Antônio Ma-

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 20

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

TrTTribibibuuunnnnnnaaaaaaaaaaalaaalaallla ddddddddddddddddddeeeeeeeeee CCoCoooonnntntntntntttttnttttttttttasasasasassassasasaasas dddddddddddooo Esstatattattaddoddodo ddddooo PiPiPiPiauuaua íííí í |||| AA RR TTT II GG OG OO SSS 2020020202020202220

André Flor de LimaBacharel em Ciências Contábeis graduado pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.Especialista em Auditoria Governamental pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.Pós-graduando em Gestão em Saúde pela Universidade Esta-dual do Maranhão - UEMA. E atualmente trabalha na Controladoria Geral do Município de Timon - MA. E-mail: andrefl [email protected]

• RESUMO

O presente artigo aborda o controle social

do FUNDEB, tendo como foco principal a dis-

cussão de qual seria o papel do Conselho do

FUNDEB na fi scalização dos recursos públicos

da educação, pautando entre os objetivos o

próprio estudo do papel do CACS do FUN-

DEB, evidenciando sua composição, deveres

e responsabilidades, bem como os aspectos

de como melhorar a atuação do controle so-

cial. O ponto abordado pela hipótese é que a

redução das falhas, erros e fraudes no sistema

FUNDEB está diretamente relacionado à utiliza-

ção de políticas que visem a fortalecer o papel

do Conselho. Para tanto, o estudo foi realizado

tendo como base os procedimentos científi cos.

No que concerne aos procedimentos, refere-se

a um estudo bibliográfi co; no tocante aos obje-

tivos, este consiste num estudo do tipo descriti-

vo; quanto à abordagem do problema, utiliza a

abordagem qualitativa. Durante a análise dos

resultados, observou-se, com base nas auditorias

realizadas pela Controladoria Geral da União, que

a maioria dos conselhos não tem atuação efeti-

va, deixando de realizar reuniões e de fi scalizar a

aplicação dos recursos. No sentido de contribuir

para a elevação do grau do controle social bra-

Controle social: o papel do conselho

do FUNDEB na fi scalização dos recursos

públicos da educação

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sileiro, este estudo apresentou 05(cinco) práticas

de aprimoramento que, se implementadas, po-

dem melhorar a qualidade do controle social dos

conselhos do FUNDEB.

• PALAVRAS-CHAVE:

Educação - Finanças - Brasil. Fundo de Manuten-

çào e Desenvolvimento da Educação Básica e da

Valorização dos Profi ssionais da Educação (Brasil).

Conselho FUNDEB - Fiscalização de Recursos.

1 INTRODUÇÃO

A educação pública e gratuita no Brasil

é um direito fundamental do cidadão e objeto

de fi nanciamento dos 03(três) níveis de governo:

união, estados e municípios. Os Conselhos, pen-

sados a partir da constituição, representam mais

um dos mecanismos de fi scalização dos gastos

públicos, além de garantir a participação do ci-

dadão no processo de controle social. Destaca-

-se, portanto, a atuação dos conselhos como

um tema atual e de interesse tanto do Estado

quanto da sociedade. Esse estudo, realizado a

partir da literatura disponível, procura eviden-

ciar qual o papel do Conselho de Acompanha-

mento e Controle Social do FUNDEB - CACS do

FUNDEB e tem como objetivo geral estudar o

próprio papel do CACS do FUNDEB, pautando

entre os objetivos específi cos, sua composição,

deveres e responsabilidades no acompanha-

mento e fi scalização dos recursos da educação,

bem como os aspectos de como melhorar a

atuação do controle social do FUNDEB.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 22

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Se há um ponto pacífico entre con-

selheiros, gestores públicos e a sociedade,

esse se refere à importância da atuação do

conselho no controle social do FUNDEB. Para

que o conselho possa exercer de forma efe-

tiva seu papel, faz-se necessário capacitá-lo,

a fim de que possa desempenhar bem sua

tarefa. Dessa forma, uma das hipóteses a ser

trabalhada neste artigo é a de que a redu-

ção das falhas, erros e fraudes no sistema

FUNDEB está diretamente relacionada à uti-

lização de políticas que visem a fortalecer o

papel do conselho. Portanto, adoção ou não

de políticas de aprimoramento de controle

social terá um impacto sobre a atuação do

conselho. Se adotadas, terão um impacto

positivo, pois elevariam o grau de autoco-

nhecimento do conselho do seu real papel

na sociedade, enquanto se não forem adota-

das terão um impacto negativo, pois os con-

selheiros exerceriam um papel meramente

formal, abrindo espaço para que práticas de

corrupção possam ocorrer.

Para a realização deste estudo, faz-se

necessário a utilização de uma metodolo-

gia para conduzir a pesquisa. Nesse sentido,

passa-se a identificar as tipologias de pesqui-

sa quanto aos objetivos, aos procedimentos

e à abordagem do problema. No tocante

aos objetivos, esta consiste em um estudo

do tipo descritivo. De acordo com Andrade

(2002) apud Ilse Maria (2007, p.81), a pesqui-

sa descritiva preocupa-se em observar os

fatos, registrá-los, analisá-los, classificá-los e

interpretá-los e o pesquisador não interfere

neles. No que concerne aos procedimentos,

refere-se a um estudo bibliográfico. Quanto

à abordagem do problema, o estudo utiliza

a pesquisa qualitativa que, segundo Minayo

(1998. p.65), é capaz de analisar questões e

intencionalidades inerentes aos atos, rela-

ções e estruturas sociais.

2 UM BREVE HISTÓRICO

DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

NO BRASIL

Desde a época da Colônia até os dias

atuais, o fi nanciamento da educação no Brasil

pode ser sintetizado em três grandes períodos:

• 1º (primeiro) período vai de 1549 a

1759, quando o Estado delega aos jesuítas a

exclusividade para o exercício do magistério

público no país.

Nesse período, o fi nanciamento da educação

se constituía num sistema de auto-investimen-

to jesuítico, pois os jesuítas não fi caram espe-

rando os recursos da Coroa e trataram de obter

privilégios de comércio e concessões de terra

para auferir recursos. Dessa forma, pelo que

hoje se denomina terceirização, a Coroa asse-

gurava o ensino à Colônia, sem nenhum custo

(MONLEVADE, 1997, p. 10).

• O 2º (segundo) período começa a par-

tir de 1759, quando sobe ao cargo de primeiro

ministro português, o Marquês de Pombal.

Pombal idealizou e implementou as

aulas régias e implantou um novo modelo de

fi nanciamento de educação ofi cial para o rei-

no da Colônia, o Subsídio Literário, buscando

assegurar uma fonte estável e específi ca de re-

cursos para a manutenção do ensino primário.

A estratégia residia em tributar produtos como:

carne, sal, aguardente, vinagre, com a intenção

de aferir recursos a partir de duas atividades

econômicas do mercado local: os açougues e

os alambiques. Vale destacar que esse meca-

nismo de obtenção de recurso se mostrou in-

sufi ciente e permitia apenas um atendimento

extremamente precário, além de ter sido de-

tectada várias práticas de fraudes em sua utili-

zação. Esse período vai de 1759 até a República

Velha (MONLEVADE, 1997, p. 11).

• O 3º (terceiro) período é marcado

pela vinculação de um percentual mínimo de

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recursos para a educação, objeto perseguido

pela maioria das Constituições a partir de 1934.

A Constituição Federal de 1934 obrigava a União (o Governo Federal) e os Municípios a aplicarem no mínimo 10% da receita de impos-tos na educação e Estados e Distrito Federal, 20%. A CF de 1946 repercutia os percentuais mínimos da CF de 1934, com exceção do per-centual dos Municípios, que passou obrigato-riamente para o mínimo de 20%. Essa obriga-toriedade só foi alterada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 (Lei nº 4.024), que ampliou o percentual mínimo da União de 10% para 12% (DAVIES, 2004, p. 14).

Essa vinculação constitucional passou

por avanços e recuos; teve desvinculação nos

períodos de 1937-1942 e 1964-1985, e sofreu

restauração nos períodos de 1946-1967 e 1984

até os dias atuais. Nesse sentido, Patrocínio

(2007, p. 48 apud Nicholas Davies, 2004, p.15)

chama a atenção para que, coincidentemente,

os períodos de vinculação de recursos se de-

ram, quase que na sua totalidade, em períodos

relativamente democráticos, e desvinculação

em períodos autoritários.

3 O CONTROLE SOCIAL DO FUNDEB

A sociedade participa de todo o pro-

cesso de gestão dos recursos do FUNDEB, por

intermédio do controle social. Alguns estudiosos

defi nem controle social como:

Para PEREIRA (2008), controle social é o

controle exercido pela sociedade sobre o gover-

no. Por meio do controle social, a sociedade é en-

volvida no exercício da refl exão e discussão dos

problemas que afetam a vida coletiva.

Já FONSECA (2009) defi ne controle social como

um instrumento democrático no qual há a parti-

cipação dos cidadãos no exercício do poder co-

locando a vontade social como fator de avaliação

para a criação de metas a serem alcançadas atra-

vés das políticas públicas.

Para a CGU (2008), o controle social é a

participação da sociedade civil nos processos

de planejamento, acompanhamento, monito-

ramento e avaliação das ações da gestão pú-

blica e na execução das políticas e programas

públicos. Vale destacar que essa participação

é formalizada através do Conselho de Acom-

panhamento e Controle Social do FUNDEB -

CACS do FUNDEB, de criação obrigatória nas

três esferas de governo.

Carlos R. J. Cury procura explicitar o con-

ceito de conselho a partir da origem etimológica

do termo, acrescida da conotação histórica:

Conselho vem do latim Consilium. Por sua vez, consilium provém do verbo consulo/consulere, signifi cando tanto ouvir alguém quanto subme-ter algo a uma deliberação de alguém, após uma ponderação refl etida, prudente e de bom-senso. Trata-se, pois, de um verbo cujos signifi cados postulam a via de mão dupla: ouvir e ser ouvi-do. Obviamente, a recíproca audição se compõe com o ver e ser visto e, assim sendo, quando um Conselho participa dos destinos de uma socieda-de ou de partes destes, o próprio verbo consule-re já contém um princípio de publicidade (CURY, 2000, p. 47).

Dessa forma, concebe-se que o Con-

selho do FUNDEB é um grupo formado por

representações sociais variadas de natureza

pública, mas sem subordinação à adminis-

tração pública federal, estadual ou municipal

para aconselhar, dar parecer e deliberar sobre

questões de interesse público, referentes à

gestão e à aplicação dos recursos do FUNDEB.

3.1 A CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO CON-

SELHO

DO FUNDEB

O Conselho deve ser criado por meio de

ato legal e a indicação dos seus membros deve

ser realizada pelos segmentos sociais que têm di-

reito de contar com representantes no colegiado.

Para essa indicação, cada segmento social deve

promover a realização de eleição específi ca, no

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 24

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

âmbito da categoria representada.

A Lei nº 11.494/2007 destaca em seu art. 24, que o Conselho do FUNDEB deve con-tar, no mínimo, com a seguinte composição:

I - [...]II - em âmbito estadual, por no mínimo 12 (doze) membros, sendo:a) 3 (três) representantes do Poder Executi-vo estadual, dos quais pelo menos 1 (um) do órgão estadual responsável pela educação básica;b) 2 (dois) representantes dos Poderes Executi-vos Municipais;c) 1 (um) representante do Conselho Estadual de Educação;d) 1 (um) representante da seccional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educa-ção - UNDIME;e) 1 (um) representante da seccional da Confe-deração Nacional dos Trabalhadores em Edu-cação - CNTE;f) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação básica pública;g) 2 (dois) representantes dos estudantes da educação básica pública, 1 (um) dos quais in-dicado pela entidade estadual de estudantes secundaristas;III - no Distrito Federal, por no mínimo 9 (nove) membros, sendo:Essa composição determinada pelo disposto no inciso II deste parágrafo, excluídos os mem-bros mencionados nas suas alíneas b e d;IV - em âmbito municipal, por no mínimo 9 (nove) membros, sendo:a) 2 (dois) representantes do Poder Executivo Municipal, dos quais pelo menos 1 (um) da Se-cretaria Municipal de Educação ou órgão edu-cacional equivalente;b) 1 (um) representante dos professores da educação básica pública;c) 1 (um) representante dos diretores das esco-las básicas públicas;d) 1 (um) representante dos servidores admi-nistrativos das escolas básicas públicas;e) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação básica pública;f) 2 (dois) representantes dos estudantes da educação básica pública, um dos quais indica-do pela entidade de estudantes secundaristas. (BRASIL, Lei nº 11.494/2007)

Vale destacar que a escolha dos con-selheiros não pode recair sobre pessoas impe-didas de participar do colegiado. A legislação

proíbe a participação de:

1) Cônjuges e parentes consanguí-

neos ou afi ns até o 3º grau:

a) do prefeito municipal e do vice-pre-

feito;

b) dos secretários municipais;

c) do tesoureiro, do contador ou de

funcionário de empresa que presta serviços

relacionados à administração ou controle dos

recursos do Fundo.

2) Estudantes não emancipados;

3) Pais de alunos que, em relação

ao Poder Executivo municipal:

a) exercem cargos ou funções de con-

fi ança, de livre nomeação;

b) prestem serviços terceirizados.

Depois da escolha dos representantes,

eles devem ser apresentados (indicados) ao

Poder Executivo para que seja realizada a no-

meação, mediante edição e publicação de ato

específi co para esse fi m.

Finalmente, com o Conselho criado,

ele deve ser cadastrado junto ao FNDE/MEC,

podendo, para isso, ser utilizado o sistema in-

formatizado disponível na Internet que permi-

te o cadastramento por meio eletrônico.

3.2 CONHECENDO A LEGISLAÇÃO DO

FUNDEB

O FUNDEB foi instituído pela Emenda

Constitucional nº 53/2006 e regulamentado

pela Medida Provisória nº 339/2006, convertida

na Lei nº 11.494/2007, que posteriormente foi

complementado pelo Decreto nº 6.253/2007,

para substituir o FUNDEF, que vigorou de 1998

a 2006. Trata-se de fundo especial, formado

por uma parcela fi nanceira de recursos federais

e por recursos provenientes dos impostos e

das transferências dos Estados, Distrito Federal

e Municípios vinculados à educação por força

do art. 212 da Constituição Federal. O quadro 1

Page 25: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

25

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

ilustra a origem e a composição dos recursos

do FUNDEB.

É importante destacar que indepen-

dentemente da origem, todo o recurso gerado é

redistribuído para aplicação exclusiva na educa-

ção básica, que compreende: a educação infantil,

ensino fundamental, ensino médio e a educação

de jovens e adultos, abrangendo a zona urbana,

zona rural, área indígena e quilombola.

Nesse contexto, vale destacar que

somente terão complemento da União os

Estados que não atingirem o índice de valor

mínimo por aluno definido nacionalmente.

Conforme estabelece a Lei nº 11.494/2007,

essa complementação vem sofrendo um

aumento gradual desde a implantação do

FUNDEB, alçando em 2010 o patamar de

10% da contribuição total dos Estados, DF

e municípios. O desembolso desse recurso

observará o cronograma da programação fi-

nanceira do Tesouro Nacional e contemplará

pagamentos mensais de, no mínimo, 5% da

complementação anual, a serem realizados

até o último dia útil de cada mês.

3.3 A DISTRIBUIÇÃO E APLICAÇÃO DOS

RECURSOS PELOS ESTADOS, DISTRITO FED-

ERAL E MUNICÍPIOS

Os recursos do FUNDEB serão distribu-

ídos na proporção do número de alunos ma-

triculados nas respectivas redes de educação

básica pública presencial, conforme o art. 8º da

Lei nº 11.494/2007 e devem ser empregados em

ações de manutenção e de desenvolvimento da

educação básica pública, devendo ser subdivi-

didos em duas parcelas, da seguinte forma:

A) PARCELA MÍNIMA DE 60%

DO FUNDEB

Calculada sobre o montante anual

dos recursos creditados na conta no exercício,

(*) Inclusive receitas correspondentes à dívida ativa, juros e multas relacionadas aos respectivos impostos.(**) Valores originais, a serem atualizados com base no INPC/IBGE.

Fonte: BRASIL, FNDE - Manual de Orientação do FUNDEB, 2009.

Quadro 1 - Origem e composição dos recursos do FUNDEB

UFs Origem dos recursos

Contribuição à formação do Fundo

2007 2008 2009 2010 a 2020

Estados, Dis-

trito Federal e

municípios

FPE, FPM, ICMS, LC 86/96 E

Iplexp(*)

16,66% 18,33% 20% 20%

ITCMD, IPVA, ITRm e outros

eventualmente instituí-

dos(*)

6,66% 13,33% 20% 20%

União Complementação fede-

ral(**)

R$ 2 bilhões R$ 3

bilhões

R$ 4,5

bilhões

10% da contribuição

total de Estados, DF e

municípios

Page 26: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 26

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

a parcela mínima de 60% do Fundo deve ser

destinada à remuneração dos profi ssionais do

magistério em efetivo exercício, conforme dis-

crimina o quadro 2.

B) PARCELA DE ATÉ 40% DO FUNDO

Cumprida a exigência mínima relacio-

nada à garantia de 60% para remuneração do

magistério, os recursos restantes (de até 40%

do total) devem ser direcionados para despe-

sas diversas consideradas como de Manuten-

ção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), rea-

lizadas na educação básica, na forma prevista

no artigo 70 da Lei nº 9.394/96 (LDB), observa-

do o seguinte critério por ente governamental:

• Estados: despesas com MDE no âmbito dos

ensinos fundamental e médio;

• Municípios: despesas com MDE no

âmbito da educação infantil e fundamental.

• Distrito Federal: despesas com MDE

no âmbito da educação infantil e dos ensinos

fundamental e médio;

O art. 70 da LDB ainda destaca de forma mi-

nuciosa o conjunto de despesas com MDE na

qual essa parcela de 40% do FUNDEB deve ser

aplicada, compreendendo:

• Remuneração e capacitação, sob a

forma de formação continuada, de trabalha-

dores da educação básica, com ou sem car-

go de direção, incluindo os profissionais do

magistério e outros servidores que atuam na

realização de serviços de apoio operacional

e administrativo.

• Aquisição, manutenção, construção e

conservação de instalações e de equipamen-

tos necessários ao ensino.

• Uso e manutenção de bens vincula-

dos ao sistema de ensino.

• Levantamentos estatísticos, estudos

PARCELA O QUE É PODE NÃO PODE

Mínimo

de 60%

Parcela mínima de

60% do FUNDEB:

total de pagamentos

devidos aos profi s-

sionais do magistério

da educação básica

em decorrência do

efetivo exercício em

cargo, emprego ou

função integrante

da estrutura do ente

federativo.

Salário ou vencimento;

Décimo terceiro salário;

1/3 de adicional de férias;

Férias vencidas, proporcionais ou

antecipadas;

Gratifi cações inerentes ao exer-

cício de atividade ou funções de

magistério, inclusive gratifi cações

ou retribuições pelo exercício de

cargos ou funções de direção ou

chefi a.

Horas extras,

Aviso prévio,

Abono salarial;

Salário família, quando as despesas

correspondentes recaírem sobre o

empregador;

Encargos sociais (previdência e

FGTS) devidos pelo empregador.

Auxílio-transporte ou apoio

equivalente destinado a assegurar o

deslocamento do profi ssional de ida

e volta para o trabalho;

Auxílio-alimentação ou apoio

equivalente;

Apoio fi nanceiro para aquisição de

vestuário utilizado no trabalho ou

benefício equivalente;

Assistência social, médica, psicológi-

ca, farmacêutica, odontológica ofer-

ecida diretamente pelo empregador

ou mediante contratação de serviços

oferecidos por entidades especializa-

das, sob a forma de planos de saúde

ou assemelhados, em suas variadas

modalidades e formas de pagamen-

to e cobertura;

Previdência complementar;

PIS/PASEP;

Serviços de terceiros, ainda que

contratados para substituição de

profi ssionais do magistério.

Quadro 2 - Origem e composição dos recursos do FUNDEB

Fonte: NACIF, Carlos. O desafi o dos conselheiros do FUNDEB. Brasília: ESAF 2010, pág. 49 apud BRASIL, FNDE - Manual de Orientação do FUNDEB, 2009.

Page 27: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

27

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

e pesquisas visando precipuamente o aprimo-

ramento da qualidade e expansão do ensino.

• Realização de atividades-meio neces-

sárias ao funcionamento do ensino.

• Concessão de bolsas de estudo a alu-

nos de escolas públicas e privadas.

• Amortização e custeio de operações

de crédito destinadas a atender investimentos

em educação básica pública.

• Aquisição de material didático-esco-

lar e aquisição e manutenção de transporte

escolar.

3.4 IMPEDIMENTOS DE UTILIZAÇÃO

DE RECURSOS DO FUNDEB

O art. 71 da LDB prevê, ainda, a impossi-

bilidade de aplicação dos 40% referente aos re-

cursos do MDE, conforme o destaque a seguir:

Art. 71. Não constituirão despesas de manu-

tenção e desenvolvimento do ensino aquelas

realizadas com:

I - pesquisa, quando não vinculada às institui-

ções de ensino, ou, quando efetivada fora dos

sistemas de ensino, que não vise, precipua-

mente, ao aprimoramento de sua qualidade

ou à sua expansão;

II - subvenção a instituições públicas ou pri-

vadas de caráter assistencial, desportivo ou

cultural;

III - formação de quadros especiais para a ad-

ministração pública, sejam militares ou civis,

inclusive diplomáticos;

IV - programas suplementares de alimentação,

assistência médico-odontológica, farmacêutica e

psicológica, e outras formas de assistência social;

V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas

para benefi ciar direta ou indiretamente a rede

escolar;

VI - pessoal docente e demais trabalhadores

da educação, quando em desvio de função ou

em atividade alheia à manutenção e desenvol-

vimento do ensino. (BRASIL, Lei nº. 9.394/96 -

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

4 O PAPEL DO CONSELHO DO FUNDEB

O trabalho do conselheiro não é remu-nerado, mas sua atuação é de grande impor-tância para a educação pública, para assegurar o cumprimento do seu papel na sociedade é vedada a exoneração do seu cargo ou trans-ferência involuntária do estabelecimento em que atua sem justa causa. Durante a análise da literatura disponível sobre atuação do con-selho na sociedade, foram elencadas algumas responsabilidades inerentes ao seu papel no acompanhamento e fi scalização dos recursos

do FUNDEB:

RE

SP

ON

SA

BI

LI

DA

DE

S

CO

NS

EL

HO

D

O

FU

ND

EB

Verifi car todos os aspectos relacionados à

aplicação, acompanhamento e controle

sobre os recursos do FUNDEB. O que in-

clui o exame dos registros contábeis e

dos demonstrativos gerenciais mensais,

relativos aos recursos repassados e rece-

bidos à conta do fundo, assim como os

referentes às despesas realizadas.

Supervisionar o censo escolar anual e a

elaboração da proposta orçamentária

anual, no âmbito de suas respectivas es-

feras governamentais de atuação, com

o objetivo de concorrer para o regular

e tempestivo tratamento e encaminha-

mento dos dados estatísticos e fi nancei-

ros que alicerçam a operacionalização do

Fundo.

Acompanhar a aplicação dos recursos

federais transferidos à conta do Programa

Nacional de Apoio ao Transporte do Es-

colar - PNATE, e do Programa de Apoio

aos Sistemas de Ensino para Atendi-

mento à Educação de Jovens e Adultos

e, ainda, receber e analisar as prestações

de contas referentes a esses Progra-

mas, formulando pareceres conclusivos

acerca da aplicação desses recursos e

encaminhando-os ao Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação - FNDE.

Quadro 3 – Responsabilidades

do Conselho do FUNDEB.

Fonte: BRASIL, Lei nº. 11.494/2007 – Lei do FUNDEB.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 28

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

Mas além de cumprir bem com suas

responsabilidades, espera-se de todo conse-

lheiro do FUNDEB uma prática mais atenta das

atribuições exercidas e, em especial, no mo-

nitoramento e controle do fundo. Não só um

controle realizado via conferência documental,

mas um controle efetivo, um acompanhamen-

to crítico de todas as informações que são dis-

ponibilizadas e um monitoramento das ações

a fi m de assegurar que aquilo que está escrito,

relatado e disponibilizado nos demonstrativos

seja o efetivamente praticado em prol da edu-

cação pública.

Nesse sentido, a Controladoria Geral

da União – CGU, demonstrou, através de um

processo de verifi cação, a realidade pela qual

passa o controle social no Brasil:

Em 49 dos 50 municípios fi scalizados nesta 4ª

edição do Programa de Sorteios constatou-se

que os conselhos e as comissões municipais

não têm atuação efetiva. Em alguns municípios,

os conselhos e as comissões foram constituídos

apenas formalmente, mas não desempenham

suas atribuições, deixando de realizar reuniões e

de fi scalizar a aplicação dos recursos federais nos

programas executados pelos municípios.

Entre as irregularidades constatadas, a composi-

ção incorreta dos conselhos é comum na gran-

de maioria dos municípios. Muitas das direções

dos conselhos são indicadas pelos prefeitos, que

efetivam parentes e compadres seus ou de seus

secretários municipais. Os membros do conse-

lho são, muitas vezes, funcionários da Prefeitura,

o que pode comprometer a imparcialidade das

decisões. (BRASIL, CGU, 2003).

Dessa forma, tão importante quanto o

exercício de prática atenta, será o exercício da

prática da denúncia, pois o conselho do FUN-

DEB também tem o papel de agir ao constatar

irregularidades; para tanto se faz necessário,

em primeiro lugar, reunir elementos (denún-

cias, provas, justifi cativas, base legal, etc.) que

possam esclarecer a irregularidade ou a ilegali-

dade praticada e, com base nesses elementos,

encaminhar, por escrito, pedido de providên-

cias ao governante responsável (se possível,

apontando a solução ou correção a ser ado-

tada), de modo a permitir, se possível, que os

problemas sejam sanados no âmbito do pró-

prio Poder Executivo.

5 ASPECTOS DE COMO

MELHORAR O CONTROLE SOCIAL

DO FUNDEB

O modelo mais adotado de controle

social no Brasil tem sido o formato de con-

selhos, órgãos defi nidos legalmente e que

funcionam como instrumento da atuação da

sociedade. Se por um lado é obrigação do

próprio Estado bem aplicar os recursos do

FUNDEB, por outro é um direito da sociedade

fi scalizar a boa aplicação desses recursos. Para

que o conselho possa exercer de forma efetiva

seu papel de controle social, faz-se necessá-

rio capacitá-lo a fi m de que possa desempe-

nhar bem sua tarefa. Nesse contexto, a lei nº.

11.494/2007 atribui essa competência para o

Ministério Público, que tem por missão prover

recursos e executar ações para o desenvolvi-

mento da educação junto ao FUNDEB, visando

garantir um ensino de qualidade para todos os

brasileiros, conforme destaque a seguir:

Art. 30. O Ministério da Educação atuará: I - no apoio técnico relacionado aos procedi-mentos e critérios de aplicação dos recursos dos Fundos, junto aos Estados, Distrito Federal e Municípios e às instâncias responsáveis pelo acompanhamento, fi scalização e controle in-terno e externo; II - na capacitação dos membros dos conse-lhos; (grifo nosso).

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

III - na divulgação de orientações sobre a ope-racionalização do Fundo e de dados sobre a previsão, a realização e a utilização dos valores fi nanceiros repassados, por meio de publica-ção e distribuição de documentos informativos e em meio eletrônico de livre acesso público; IV – na realização de estudos técnicos com vis-tas à defi nição do valor referencial anual por aluno que assegure padrão mínimo de quali-dade de ensino; V – no monitoramento da aplicação dos re-cursos dos Fundos, por meio de sistema de informações orçamentárias e fi nanceiras e de cooperação com os Tribunais de Contas dos Estados e Municípios e do Distrito Federal; VI – na realização de avaliações dos resultados da aplicação desta Lei, com vistas à adoção de medidas operacionais e de natureza político--educacional corretivas, devendo a primeira dessas medidas se realizar em até 2 (dois) anos após a implantação do Fundo. (BRASIL, Lei 11.494 de 20 de junho de 2007).

No que diz respeito ao § 3º do Art. 30º

da Lei 11.494/2007, o FNDE edita um manual de

orientação do FUNDEB que é um suporte bá-

sico para o exercício da função de conselheiro.

Esse manual cita que o poder executivo tem

duas grandes obrigações em relação ao Con-

selho do FUNDEB:

1) Oferecer o apoio que assegure o seu fun-cionamento, garantindo material e condições, como local para reuniões, meio de transporte, materiais, equipamentos etc., de maneira que seja possível a realização periódica das reuni-ões de trabalho, permitindo que o Conselho desempenhe suas atividades e efetivamente exerça suas funções com autonomia;2) Elaborar e disponibilizar mensalmente os registros contábeis e os demonstrativos geren-ciais mensais e atualizados relativos aos recur-sos repassados ou recebidos à conta do Fundo, deixando-os, permanentemente, à disposição do Conselho, inclusive solicitações de dados e informações complementares formuladas sobre o assunto. (BRASIL, FNDE, 2009, p. 34-35)

Nesse contexto, Nafi c (2010) pontua

05 (cinco) aspectos que, se bem empregados

podem contribuir para o aprimoramento do

controle social do FUNDEB, entre os quais po-

demos destacar:

A) FORMAÇÃO PRÉVIA PARA

O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO

DE CONSELHEIRO

A formação prévia é essencial para o

exercício a contento, da função de conselheiro.

Como o exercício do seu mandato é de dois

anos, podendo ser reconduzido por igual pe-

ríodo, é importante que este processo de for-

mação seja permanente. Para isso, é necessária

uma política mais séria e clara para que os no-

vos conselheiros sejam bem formados.

B) PARTICIPAÇÃO

EM CAPACITAÇÕES

Compete ao Ministério da Educação

atuar na capacitação dos membros dos conse-

lhos (§ 2º do art. 30, Lei 11.494/2007). Em um

país com dimensões de continente, como o

Brasil, é impossível para qualquer órgão reali-

zar capacitações presenciais em todas estas ci-

dades. Tecnologias para formação em grande

escala, hoje disponíveis, devem ser utilizadas,

especialmente os cursos via internet. É neces-

sário que o FNDE adote essa política para esti-

mular e disponibilizar cursos de capacitação à

distância para todos os conselheiros.

C) MANUAL DE BOAS PRÁTICAS.

A elaboração de um manual de boas práticas pode ser uma ferramenta útil colocada à disposição. Também este item é de responsa-bilidade do Ministério da Educação, conforme § 3º do art. 30 da Lei 11.494/2007. Esta proposta de manualização é diferente das orientações básicas aos conselheiros, aspectos legais e normativos. Trata-se de um catálogo de boas práticas de como bem efetuar o controle so-cial, ponto timidamente tratado no Manual de Orientação do FUNDEB publicado e disponibi-lizado na internet pelo FNDE.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 30

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

D) TEMPO MÍNIMO PARA

DEDICAÇÃO AO CONTROLE

SOCIAL DO FUNDEB

É possível a todo gestor, seja municipal

ou estadual, garantir que haja esse tempo mí-

nimo defi nido para esta função, e inserido na

lei de criação do conselho e na regulamenta-

ção do seu regimento interno. Se há difi culda-

de para garantir este mínimo de tempo para os

conselheiros representantes de pais e estudan-

tes, não há nenhum impedimento para que os

representantes dos professores, dos servidores

administrativos e outros servidores públicos

tenham este tempo mínimo dedicado ao con-

trole social do FUNDEB.

E) REDES SOCIAIS DE DISCUSSÃO

Hoje, o acesso à tecnológica tornou-

-se mais fácil; e o alcance pode ser abrangen-

te para a formação de espaços de articulação;

através das redes sociais de discussão, pode-se

inclusive disseminar entre os conselheiros uma

cultura de acompanhamento dos gastos públi-

cos e dos recursos transferidos por meio dos

portais governamentais.

Vale destacar que nossa intenção

não é esgotar o assunto, mas contribuir para

o avanço do controle social do FUNDEB, uma

vez que há pesquisa de outros métodos que

podem melhorar a qualidade desse controle

social.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O controle social no cenário brasileiro

ganhou força a partir de 1988 com a publica-

ção da chamada Constituição Cidadã; desde

então, a legislação vem criando formas para

garantir os direitos dos cidadãos. A educação

pública e gratuita é um direito fundamental

do cidadão. Para assegurar que esse direito

efetivamente se estenda a todos os brasileiros,

foi criado em 1998 um fundo específi co para

fi nanciar a educação: o FUNDEF, que vigorou

por 10(dez) anos. No ano de 2006, o FUNDEF

passa por uma nova roupagem, passando a se

chamar FUNDEB, trazendo como consequên-

cia a inclusão de toda a educação básica no

fi nanciamento do fundo, tendo sua implanta-

ção em 1º de janeiro de 2007.

Este estudo teve como foco eviden-

ciar qual o papel do CACS do FUNDEB – Conse-

lho de Acompanhamento e Controle Social do

FUNDEB, e como objetivo geral estudar o pa-

pel do CACS do FUNDEB no acompanhamento

e fi scalização dos recursos públicos, pautando,

entre os objetivos específi cos, sua composição,

deveres e responsabilidades, bem como os

aspectos de como melhorar o controle social

do FUNDEB. Dentre as hipóteses elaboradas

destacou-se que a redução das falhas, erros, e

fraudes, no sistema FUNDEB, está diretamente

relacionada à utilização de políticas que visem

a fortalecer o papel do conselho. Dessa forma,

a adoção ou não de políticas de aprimoramen-

to de controle social teriam um efeito sobre a

atuação do conselho. Se adotadas, terão um

impacto positivo, pois elevariam o grau de

autoconhecimento do conselho do seu real

papel na sociedade, enquanto se não forem

adotadas, terão um impacto negativo, pois os

conselheiros exerceriam um papel meramente

formal, abrindo espaço para que práticas de

corrupção pudessem ocorrer.

Na procura de respostas, traçou-se um

plano para conduzir a pesquisa, através de pro-

cedimentos científi cos. No que concerne aos

procedimentos, refere-se a um estudo biblio-

gráfi co; no tocante aos objetivos, este consis-

te em um estudo do tipo descritivo; quanto à

abordagem do problema, utiliza a abordagem

qualitativa, uma vez que pesquisa qualitativa é

Page 31: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

31

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

capaz de incorporar questões e intencionalida-

des inerentes aos atos, às relações e às estrutu-

ras sociais.

Nosso ponto de partida foi pesquisar

um pouco da história da educação, incluindo

aspectos relacionados à legislação constitu-

cional, políticas de fi nanciamento e controle

social. A partir disso, passou-se a analisar a le-

gislação do FUNDEB, destacando a origem, a

distribuição e aplicação dos recursos pelos Es-

tados, Distrito Federal e Municípios. Utilizaram-

-se tabelas e citações para ilustrar bem todos

os aspectos relacionados às parcelas de 60% e

40%, que correspondem a valores para serem

empregados em ações voltadas exclusivamen-

te para a educação.

No que concerne ao CACS do FUN-

DEB, tendo a clareza de que a estrutura legal

é que dá suporte à organização dos conselhos,

teve-se a preocupação de detalhar sua com-

posição, bem como identifi car os indivíduos

que não podem assumir o posto de conselhei-

ro. Além disso, destacou-se o papel dos conse-

lheiros evidenciando cada atribuição sua, dei-

xando claro que seu verdadeiro papel é exercer

um controle social mais atento e crítico sobre

todas as informações disponibilizadas sobre as

despesas do FUNDEB. Para auxiliar nessa tarefa,

foram elencadas algumas responsabilidades

inerentes ao acompanhamento e fi scalização

dos recursos do FUNDEB.

Para a verifi cação das hipóteses, este

estudo utilizou os resultados das auditorias da

Controladoria Geral da União, através do pro-

grama de fi scalização por sorteios. Segundo

a CGU, em 49 dos 50 municípios fi scalizados,

constatou-se que os conselhos não têm atua-

ção efetiva. Em alguns municípios, foram cons-

tituídos apenas formalmente, sendo o cargo

de presidente ocupado por indicação do chefe

do executivo. Além disso, o próprio conselho

não desempenha suas atribuições, deixando

de realizar reuniões e de fi scalizar a aplicação

dos recursos nos programas executados pelos

municípios.

Esses fatos revelam as constantes fa-

lhas do controle social e a persistência das

práticas de corrupção no país. Através disso,

pode-se constar que se houve aumento de

falhas e de práticas de corrupção no controle

do FUNDEB é porque o controle social deixou

a desejar no cumprimento do seu papel na

sociedade. Logo, a hipótese trabalhada neste

artigo, foi ratifi cada, observando-se os resulta-

dos das auditorias da CGU. Nesse aspecto, para

que fatos como esses não aconteçam, é preci-

so que o controle social fortaleça o seu papel;

para tanto, faz-se necessária a adoção de polí-

ticas de aprimoramento do controle social.

Por fi m, este estudo, no sentido de

contribuir para o aprimoramento do controle

social, destacou 05(cinco) práticas: a formação

prévia para o exercício da função de conselhei-

ro, participação em capacitações, a criação de

um manual de boas práticas, o estabelecimen-

to de um tempo mínimo para dedicação ao

controle social do FUNDEB, e a criação de re-

des sociais de discussão, que, se implementa-

das, poderão melhorar a qualidade do controle

social dos conselhos do FUNDEB.

• ABSTRACT

The present article discusses the social control

of FUNDEB, with the main focus of the discus-

sion which would be the board’s role in the

FUNDEB surveillance of public funds in educa-

tion, among the objectives guiding the study

of the role of the CACS FUNDEB, showing its

composition, duties and responsibilities as well

as aspects of how to improve performance of

social control. The point approached for the

hypothesis is that the reduction of the faults,

mistakes and guile in the FUNDEB system, is

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 20 - 33 jan./dez. 2011

directly related to uses of politics that aim to

fortify the play of the council. To this, the sear-

ch was made having as base the scientifi c pro-

ceedings. About the proceedings, it refers to

a bibliographic study; about the goals it con-

sists in a descriptive study; about the problem

approaching, it uses the qualitative approach.

During the analysis of the results could be ob-

served with base in the auditing made for the

General controller of the Union that the great

part of the advices has no eff ective acting, and

do not made councils in order to invigilate the

applications of the funds. In order to contribute

to an evolution of the degree of the Brazilian

social control, this study presented 05 (fi ve)

practices of improvement that if implemented

can make better the quality of the social con-

trol of the FUNDEB council.

• KEYWORDS:

Education. Social Control. FUNDEB Council.

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TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 333434433333

Gustavo Nascimento TorresGraduado em Direito pelo Instituto Camilo Filho - ICF e Comu-nicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, pós-graduando em Civil e Processo Civil pela Universi-dade Católica Dom Bosco – UCDB, Advogado, Assessor Jurídico no Ministério Público de Contas – TCE/PI.

• RESUMO

Com o advento da Constituição Federal de

1988, o legislador constituinte originário

firmou opção por um modelo de Estado

Social Democrático de Direito para o Brasil,

sobretudo, pela constitucionalização dos

direitos fundamentais sociais. Nesse contex-

to evidenciou-se a preocupação em ofertar

condições básicas para promoção dos indi-

víduos, garantindo assim, o mínimo neces-

sário para que estes realizem seus planos de

vida dignamente. É justamente nesse ponto

que os direitos fundamentais sociais encon-

tram sua relevância jurídica e complexida-

de estrutural, pois ao Estado, como artífice

principal desse processo, incumbe o dever

de efetivação dos referidos direitos. Não

obstante, o que se percebe hodiernamen-

te é a tentativa daquele de se desvincular

destas obrigações constitucionais, o que

tem levado as pessoas a buscar através do

Poder Judiciário a efetivação das prestações

positivas negligenciadas. Assim, é que, ao

Poder Judiciário incumbe o “poder – dever”

de efetivar os direitos fundamentais sociais

quando o Estado brasileiro se furtar de im-

plementá-los, fazendo-o balizado em crité-

rios jurídicos, tais como, proibição/vedação

ao retrocesso, teoria da reserva do possível

e teoria do mínimo assistencial.

A efetivação dos direitos fundamentais

sociais pelo poder judiciário

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• PALAVRAS-CHAVE:

Direitos humanos – Brasil. Direitos fundamen-

tais – Brasil. Direitos sociais. Efetivação e valida-

de do direito – Poder judiciário – Brasil.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição da Re-

pública de 1988, os direitos fundamentais foram

erigidos ao patamar de normas constitucionais

de forma inovadora, pois, além daqueles ine-

rentes ao próprio ser humano (vida, liberdade

e propriedade) outros foram albergados com o

status de fundamentalidade. Houve, portanto,

ampliação do rol com uma farta gama de direi-

tos que passaram a ser considerados essenciais,

dentre os quais, inúmeros direitos sociais.

Estes, ao constarem expressamente

no bojo da Constituição, estão dotados de

todas as características inerentes aos direitos

fundamentais, superando o dogma positivista

que pairava sobre os mesmos ao longo da his-

tória constitucional brasileira. Neste contexto,

a Constituição de 1988 é a legítima expressão

de um Estado Democrático de Direito com-

prometido, pelo menos formalmente, com a

promoção e o desenvolvimento da dignidade

da pessoa humana.

Os direitos fundamentais sociais es-

tão esculpidos no art. 6º, caput, da Constitui-

ção Federal:

são direitos sociais a educação, a saúde, o traba-lho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL. Constituição) .

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Tais direitos foram concebidos com ob-

jetivo diminuir as desigualdades sociais, vez que

são verdadeiros instrumentos de proteção e con-cretização do princípio da dignidade da pessoa humana, pois visam garantir as condições neces-sárias à fruição de uma vida digna”(MARMELSTEIN, 2008, p.174).

Possuem natureza jurídica de presta-

ção, ou seja, são direitos que dependem de

uma atuação positiva do Estado, pressupondo

uma diferenciação de tratamento com vistas à

redução/dissolução das desigualdades. Assim,

“não são direitos contra o Estado, mas sim atra-

vés do Estado, o objeto imediato dos direitos

fundamentais, e das garantias constitucionais

respectivas”(MORAES, 2008, p.63).

A natureza prestacional confere um di-

reito subjetivo público ao particular de buscar

o Poder Judiciário para efetivá-los, em caso de

negligência do Estado. Tanto assim que tais de-

mandas ocupam cada vez mais espaço no dia

dos tribunais, à luz da moderna doutrina da efe-

tividade constitucional.

2 CRITÉRIOS JURÍDICOS PARA PAUTAR

ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA

EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS

O caráter subjetivo das normas funda-

mentais sociais emanadas da Constituição en-

contra-se alicerçado na característica da plena

aplicabilidade (art. 5º, § 1º), e, por consequência,

sustenta a legitimidade de se buscar o Poder

Judicante para efetivá-las, como decorrência do

princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário

(art. 5º, XXXV).

De modo geral, a expressão “direito

subjetivo” parte de uma relação trilateral forma-

da entre o titular, o objeto e o destinatário da

norma fundamental. No que atine aos direitos

sociais, o titular seria uma pessoa/indivíduo, o

objeto corresponderia às espécies de direito so-

cial (art. 6º da CRFB/88), e o destinatário o Estado

brasileiro.

Como necessitam de uma atuação

positiva estatal para se concretizarem, obvia-

mente que a essencialidade dos conteúdos irá

infl uenciar no momento das suas respectivas

efetivações. Daí surgirem as principais críticas

a atuação do Judiciário nesta seara. Críticas

como a complexidade havida nos conteúdos,

geralmente implementados por políticas pú-

blicas, ou que a efetivação via justiça afrontaria,

em tese, o princípio da separação dos poderes

e o princípio democrático.

A crítica sobre uma suposta afronta ao

próprio princípio democrático não se sustenta. É

fato que as políticas públicas são fruto da vonta-

de política dos Poderes Executivo e Legislativo,

como representantes eleitos em um espaço su-

postamente democrático e igualitário. Suposta-

mente, porque

sem o respeito a um conjunto básico de di-reitos fundamentais, os indivíduos simples-mente não têm condições de exercer sua liberdade, de participar consciente do proces-so político democrático, pois em condições de pobreza extrema ou miserabilidade, e na ausência de níveis básicos de educação e in-formação, a autonomia do indivíduo estará amplamente prejudicada. Nesse âmbito, o controle social de que falam os críticos do con-trole jurídico apresenta graves difi culdades de funcionamento(BARCELLOS, 2006, p. 26-27).

Evidencia-se, em verdade, um ciclo vi-cioso. A pretexto de se atribuir aos indivíduos o controle social por meio da escolha de seus representantes, o que se vê é o uso da misera-bilidade por falta da concretização dos direitos sociais básicos como fomento à corrupção, ao clientelismo. Neste cenário, os investimentos públicos não proporcionam o desenvolvimen-to pessoal da população, objetivo básico dos direitos fundamentais sociais, que, caso fossem realizados, permitiria uma participação mais consciente no processo democrático.

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A pretensa afronta ao princípio da

separação dos poderes também não proce-

de. Primeiramente, porque o Judiciário atua

essencialmente quando provocado. Neste ín-

terim, ao dar efetividade a um direito social,

necessariamente terá que ter havido negligên-

cia anterior de quem teria o dever jurídico de

promovê-lo, in casu, o Estado. Não se trata de

invasão às atribuições conferidas ao Executivo

e ao Legislativo, pois o Juiz tem o dever funcio-

nal de prestar o provimento jurisdicional quan-

do provocado.

Com efeito, se a Constituição admi-

te a plena aplicabilidade dos direitos funda-

mentais (art. 5º, §1º), disponibiliza ao indivíduo

instrumentos processuais aptos à concreti-

zação destes direitos (remédios constitucio-

nais e ações do controle concentrado) e, por

fi m, afi rma serem os poderes independentes

e harmônicos entre si (art. 2º), não há que

se falar em violação à separação dos pode-

res, como decorrência lógica dos comandos

constitucionais suso citados.

A controvérsia maior reside na com-

plexidade dos conteúdos normativos das es-

pécies de direitos sociais, impossibilitando o

Judiciário de uniformizar o tratamento. Haverá

diferenciação quanto ao grau de efetivação de-

terminado pelo Poder Judicante, dependendo

da essencialidade do direito social pleiteado.

Não obstante, tais direitos possuem um traço

comum ligado à busca das condições mínimas

de vida digna/dignidade da pessoa humana,

verdadeiro fundamento material que confere

unidade de conteúdo a todos direitos funda-

mentais.

Assim é que, por tratar-se de presta-

ções positivas do Estado, cujos conteúdos são

variáveis, necessário se faz estabelecer crité-

rios aptos a balizar a atuação do Poder Judi-

ciário na efetivação dos direitos de natureza

prestacional.

1.1 PROIBIÇÃO/VEDAÇÃO AO RETROCESSO

O critério ora abordado, em verdade,

trata-se de um princípio constitucional que

guarda estreita relação com a noção de segu-

rança jurídica. A estabilidade das relações ju-

rídicas se traduz na própria harmonização do

ordenamento jurídico como um todo, de modo

que os indivíduos possam realizar projetos,

desenvolver-se planejadamente sem serem sur-

preendidos por instabilidades momentâneas.

Percebe-se a forte ligação entre a no-

ção de segurança jurídica e dignidade da pes-

soa humana. Portanto, a proteção dos direitos

fundamentais, pelo menos no que concerne ao

seu núcleo essencial e/ou ao seu conteúdo em

dignidade, evidentemente apenas será possível

onde estiver assegurado um mínimo em segu-

rança jurídica.

O princípio da vedação ao retrocesso

dos direitos sociais restaria consubstanciado

quando uma vez obtido determinado grau de

realização daquele direito, passariam a consti-

tuir, simultaneamente, uma garantia institucio-

nal e um direito subjetivo.

Trata-se de

limite à liberdade de conformação do legis-lador e, simultaneamente, uma obrigação de realização de uma política consentânea com os direitos concretos e as expectativas subje-tivamente alicerçadas, de sorte que o núcleo essencial dos direitos sociais, já realizados e efetivados através de medidas legislativas ou políticas públicas, deve considerar-se constitu-cionalmente garantido(CUNHA JUNIOR, 2008, p. 438)

O que se objetiva nesse critério é que

os direitos sociais já consolidados por lutas no

espaço democrático sejam respeitados e não

sofram diminuição à mercê das inconstâncias

dos poderes executivo e legislativo.

Assim, havendo um direito funda-

mental social regulado por lei ou originário da

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Constituição que já tenha seu núcleo essen-

cial de proteção delineado (ligado à noção da

dignidade humana), não poderá o legislador

suprimir tais direitos escusado na liberdade de

conformação que lhe confere a Constituição.

Por exemplo, se uma lei municipal

dispusesse sobre o aumento gradativo dos

recursos a serem aplicados com projetos de

habitação em dado município – direito funda-

mental social a moradia – e o Prefeito, conjun-

tamente com a Câmara de Vereadores, contrá-

rios à linha política adotada na administração

anterior, aprovassem projeto de lei diminuindo

esses percentuais, aos benefi ciários de lei seria

conferido o direito subjetivo de ingressar com

uma ação judicial para impedir que a lei fosse

cumprida e declarada ilegal.

O critério ora proposto atuará de ma-

neira a obstar que o legislador suprima direitos

sociais anteriormente garantidos e, na defi ni-

ção do núcleo básico do direito no caso con-

creto, levando em conta a essencialidade, pro-

porcionalidade e a razoabilidade.

1.2 RESERVA DO POSSÍVEL

Os direitos de cunho prestacional de-

mandam alocação de recursos por parte do

poder público para que sejam realizados. Co-

mumente percebe-se que essa “suposta barrei-

ra” é usada pelo Estado para escusar-se de suas

obrigações constitucionais.

A teoria da reserva do possível foi de-

senvolvida no âmbito da Jurisprudência do Tri-

bunal Constitucional Federal Alemão, que en-

tendeu serem os direitos sociais dependentes

da disponibilidade de recursos públicos para

serem satisfeitos.

Inobstante, como admitir que a acep-

ção original da teoria seja encampada pelos

administradores públicos se a realidade fática

e social do Brasil é completamente oposta à

Alemanha? Como escusar-se sob o manto da

“reserva do possível” num país onde milhões de

pessoas sequer fazem uma alimentação diária?

Como alegar reserva do possível diante de uma

Constituição dirigente, que vincula a atuação de

todos os poderes à consecução dos direitos fun-

damentais?

Usar a teoria para não concretizar os di-

reitos fundamentais sociais é uma clara tentativa

de fraudar a própria CRFB/88. Primeiramente,

porque os direitos sociais gozam de plena apli-

cabilidade (art. 5º, § 1º) como direitos fundamen-

tais que são. Portanto, geram direitos subjetivos

a seus titulares que, quando negligenciados

pelo destinatário/Estado, podem ser reclama-

dos judicialmente.

Segundo, porque a tão decanta-

da liberdade de conformação do legislador

atrelada à questão orçamentária, torna-se su-

cumbente diante da vinculação que todos os

poderes da república têm com concretização

dos direitos fundamentais, como forma de

garantir os padrões mínimos à existência dig-

na dos indivíduos.

De um lado ter-se-á como certo que a im-

plementação dos direitos sociais requer a alocação

de bens materiais/fi nanceiros, portanto, sujeitos à

reserva do possível. Noutro quadrante, ter-se-á

que admitir a essencialidade dos mesmos direitos

para consecução de uma vida minimamente dig-

na para os indivíduos. Como consectário lógico,

sempre que a reserva do possível servir como ar-

gumento para escusa do Estado na efetivação do

núcleo essencial desses direitos e existir recursos

orçamentários disponíveis, não resta dúvida que o

Judiciário poderá rechaçar a omissão.

Neste contexto, se uma pessoa faz uma

representação junto ao Ministério Público e este

ajuíza uma Ação Civil Pública contra determina-

do município que não possui posto de saúde

na zona rural para que a prefeitura disponibilize

atendimento àqueles necessitados, visto que o

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Prefeito alega escassez de recursos para fazê-

-lo. Porém, descobre-se que o gestor municipal

vem sistematicamente aplicando os recursos

públicos em shows musicais no município ou

em obras que não guardam qualquer traço de

fundamentalidade, o Poder Judiciário deverá

necessariamente intervir no caso, afastando a

alegação da reserva do possível e obrigando a

prefeitura a garantir o acesso ao direito funda-

mental social à saúde.

A jurisprudência do STF (ADPF nº

45/2004) afi rmou a teoria da reserva do possível

como critério jurídico negativo apto a garantir a

efetivação dos direitos sociais via Judiciário. Ponde-

rou o Ministro Celso de Mello que ‘a cláusula da

reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a fi nalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, em particular, quando puder resul-tar nulifi cação ou, até mesmo, aniquilação de di-reitos constitucionais impregnados de um sentido essencial de fundamentalidade(CUNHA JUNIOR, 2008, p.716 - 717)

1.3 MÍNIMO EXISTENCIAL

Entende-se por mínimo existencial o

conjunto de condições materiais indispensá-

veis a assegurar uma existência digna a toda e

qualquer pessoa, considerada não apenas em

seu aspecto físico e corporal, como também em

seu sentido intelectual e espiritual(BARCELLOS,

2008, p. 230).

Deve ser compreendido como as con-

dições básicas para a existência, correspondente

a uma fração nuclear da dignidade da pessoa

humana à qual deve se reconhecer efi cácia ju-

rídica positiva, determinando a prioridade das

prestações abrangidas no seu âmbito sobre os

outros encargos do Poder Público.

Esse critério jurídico de prioridade é o

que permite o magistrado superar os obstácu-

los doutrinários da reserva do possível e da se-

paração dos poderes( TORRES, 2008, p.77), pois

a proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, tais direitos não se encon-tram sob a discricionariedade da Administra-ção ou do Legislativo(TORRES, 2008, p. 81/82)

Vislumbra-se, então, a intangibilidade do

núcleo mínimo dos direitos sociais que não esta-

ria à mercê da política ou do âmbito das decisões

majoritárias para serem efetivados. Aqui, estar-se-ia

diante do mínimo para se conceber a própria exis-

tência do ser humano como tal, portanto, inde-

pendentemente de qualquer ação do Executivo

ou do Legislativo para sua consecução.

Os direitos sociais transformar-se-iam

em mínimo existencial quando fossem alcança-

dos por interesses sociais fundamentais/jusfun-

damentalidade, correspondente com a ideia de

direitos fundamentais sociais em seu núcleo es-

sencial( TORRES, 2008, p.77). Nesse sentido, sem-

pre que um direito social intrínseco à dignidade

da pessoa humana venha a ser negligenciado, a

ponto de impedir o desenvolvimento igualitário

das pessoas, o Poder Judiciário deverá intervir

de forma positiva na sua efetivação.

Trata-se de verdadeira atuação positi-

va, utilizando-se para tanto de conceitos jurí-

dicos, tais como, essencialidade, proporciona-

lidade e razoalibilidade, à luz do caso concreto

para defi ni-los.

Assim, em todas as situações em que o argu-mento da reserva de competência do Legis-lativo (assim como o da separação dos pode-res e demais objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignida-de da pessoa humana, ou na hipótese em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais ou não) resultar a prevalência dos direito sociais, poder-se-á sustentar, na es-teira de Alexy e Canotilho, quem na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo(SARLET, 2008, p.371)

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Revela-se, então, que diante de casos

onde o direito prestacional negligenciado ve-

nha a impedir a fruição dos demais direitos fun-

damentais, crível se faz possibilidade de controle

judicial da reserva orçamentária, no critério jurí-

dico de garantir o mínimo existencial(TORRES,

2008, p.120). Nesse diapasão, a teoria do mínimo

existencial notabiliza-se como verdadeiro crité-

rio jurídico unifi cador dos parâmetros aqui apre-

sentados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao incluir os direitos sociais como espé-cie dos direitos fundamentais, o legislador cons-tituinte originário outorgou àqueles a mesma efi cácia dos ditos direitos fundamentais de liber-dade, plena aplicabilidade (art. 5º, §1º) e máxima efetividade, a teor da nova dogmática constitu-cional emancipadora. Nesse cenário vislumbra-se o direito subjetivo de se exigir judicialmente a imediata efetivação das normas constitucionais, autênti-co controle jurídico das omissões do Poder Pú-blico (destinatário da norma), com fundamento no princípio da inafastabilidade do Poder Judici-ário (art. 5º, inciso XXXV e art. 102). O poder-dever, precípuo do Judiciá-rio de buscar a máxima efetivação das normas constitucionais, caracterizado pela vinculação que todos os poderes institucionais têm com a efetivação dos direitos fundamentais, impõe uma atuação positiva da Jurisdição Constitucio-nal na defi nição do conteúdo e sentido correto dos direitos fundamentais. Portanto, não há que se falar em des-respeito ao princípio da separação dos poderes caso o Poder Judiciário venha a impor a efetiva-ção dos diretos de natureza prestacional ao Es-tado, visto que a omissão na prestação positiva dos direitos sociais (omissão do Poder Executi-vo) ou qualquer lacuna legislativa que os impe-çam de serem usufruídos (omissão legislativa), conferem aos benefi ciários da norma constitu-cional social o direito subjetivo (justiciabilidade)

de buscar judicialmente sua efetivação. Em última instância, a referida efetivação harmoniza o sistema jurídico pátrio, vez que a im-plementação dos direitos sociais visa a diminuição das desigualdades sociais e a promoção de condi-çôes mínimas de vida digna para o cidadão, que, por seu turno, é o objetivo fi nal do Estado Social Democrático de Direito adotado pelo Brasil. Desse modo é que se admite a legitimi-dade de atuação do Poder Judiciário na efetiva-ção dos direitos fundamentais sociais balizado em parâmetros jurídicos. O primeiro critério, vedação ao retro-cesso, seria autêntico parâmetro protetivo con-tra erosão e alvedrio do legislador na tentativa de minimizar as conquistas sociais já consagra-das no direito pátrio. Assim, todas as vezes que o legislador viesse a diminuir o âmbito protetivo dos direitos sociais, os benefi ciários da norma constitucional poderiam ingressar com o instru-mento processual apto ao caso concreto e pedir ao Poder Judiciário que impedisse. O segundo critério, reserva do possível, tem forte conotação quantitativa. Insere-se no âmbito da existência de recursos para efetiva-ção dos direitos fundamentais sociais. Trata-se de parâmetro negativo, pois demonstrado no caso concreto a disponibilida-de de recursos ou o uso desses em atividades não fundamentais, a teoria da reserva do pos-sível não poderá ser oposta pelo Poder Público na intenção de se esquivar da efetivação dos direitos sociais, cabendo ao Judiciário rechaçar a alegação e compelir o Administrador a cumprir seu dever constitucional.

O terceiro parâmetro sugerido, a teoria do mínimo existencial, vem a ser o critério jurí-dico unifi cador para legitimar a atuação do Judi-ciário neste âmbito. A estreita relação entre a te-oria citada e o princípio da dignidade da pessoa humana, sugere que este critério esteja sempre presente no caso concreto combinado a um dos outros apresentados, para que se afi gure legíti-ma a atuação do Poder Judiciário nesse âmbito. O “mínimo existencial” deve ser enten-dido na sua acepção ampliativa, no sentido de

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promover o desenvolvimento da pessoa huma-

na para além da própria sobrevivência. Qualquer

interpretação a menor deve ser prontamente

rechaçada pelo Poder Judicante, sob pena de

afrontar o princípio da máxima efetividade das

normas constitucionais.

Defende-se aqui uma atuação crite-

riosa do Poder Judiciário na efetivação dos

direitos de cunho prestacional. Sempre que

no caso concreto se verifi car a omissão do Po-

der Público na concretização do núcleo dos

direitos sociais, havendo disponibilidade de

recursos ou estes empregados sem qualquer

conotação de fundamentalidade, ou, ainda, se

houver a restrição das posições jurídicas so-

ciais já delineadas, ao Poder Judiciário caberá

intervir de forma a determinar a efetivação das

prestações positivas exigidas, como forma de

dar cumprimento aos preceitos fundamentais

da Constituição Federal de 1988.

• ABSTRACT

Due to the 1988 Federal Constitution, the ori-

ginal legislator signed the choice of a model of

Social Democratic rule of law in Brazil, mainly

the constitutionalization of social rights. In this

context, the original constituent revealed the

concern in off ering basic conditions for the

promotion of individuals, thus ensuring the

minimum necessary to carry out its life plans

with dignity. It is precisely here that the funda-

mental social rights fi nd their legal signifi cance

and structural complexity, because the State,

as main agent of this process, has the duty of

enforcement of those rights. Nevertheless, we

can assume the attempt of the State to relieve

these constitutional obligations, which has led

people to get through the Judiciary Power to

get the realization of these positive benefi ts

denied. So, the Judiciary Power is for the “po-

wer - duty” to accomplish the fundamental

social matters when the Brazilian government

to evade its constitutional obligations and

making it based on legal criteria, such as for-

bideness to retrocess, “reserve of the possible”

theory and existential minimum theory.

• KEYWORDS:

Legal rights constitutialization. State’s omis-

sion. Judiciary Power efetivation. Legitimate

judicial criteria.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A efi cácia jurídica

dos princípios constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. 2 ed. Rio de Ja-

neiro: Renovar, 2008.

__________. Constitucionalização das políti-

cas públicas em matéria de direitos fundamen-

tais: o controle polítco-social e o controle jurídi-

co no espaço democrático. Revista de Direito

do Estado, Brasília, ano 1, jul./set. 2006.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em:

<http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>.

Acesso em: 15 ago. 2009.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito cons-

titucional. Salvador: Jus Podivm, 2008.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fun-

damentais. São Paulo: Atlas, 2008.

MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitu-

cional: teoria dos direitos fundamentais. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos direitos

fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo

existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 42

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 42 - 47 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 44442244444

Antônio Gonçalves VieiraProcurador-Geral de Justiça do Piauí.

• RESUMO

A profi ssionalização da gestão pública brasi-

leira foi impulsionada pela recomendação do

Tribunal de Contas da União, através do Acór-

dão nº 1.603/2008, visando a implantação de

planejamento estratégico institucional e em

tecnologia da informação. O presente artigo

objetiva analisar o processo de mudanças no

Ministério Público do Estado do Piauí a partir

da elaboração do planejamento estratégico.

• PALAVRAS-CHAVE

Ministério Público – Piauí. Planejamento estratégi-

co – Ministério Público. Gestão profi ssionalizada.

1 INTRODUÇÃO

O Tribunal de Contas da União/TCU,

através de recomendação expedida pelo Acór-

dão nº 1.603/2008, impulsionou a profi ssionali-

zação da gestão pública brasileira, importando

um instrumento utilizado com sucesso pela

iniciativa privada: o planejamento estratégico.

Em cenário internacional de profundas

mudanças, o Direito e as instituições não po-

dem fi car inertes, por isso devem acompanhar

as transformações sociais, sob pena de não

atenderem suas fi nalidades existenciais.

No âmbito do Ministério Público, é

bem verdade que alguns ramos mais vanguar-

distas se adiantaram, mas o acatamento da-

quela recomendação se difundiu, chegando

Novos rumos para o Ministério Público

do Estado do Piauí

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4343333

ao Conselho Nacional do Ministério Público/

CNMP e, no momento, delineia-se um projeto

ousado, de planejar nacionalmente a atuação

de toda a Instituição, congregando em torno

de objetivos comuns seus dois grandes ramos.

Este artigo tem por objetivo analisar o

processo de mudanças impulsionado no Mi-

nistério Público do Estado do Piauí pela elabo-

ração do planejamento estratégico.

2 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO

DO PIAUÍ

A primeira etapa do processo consis-

tiu na realização de um profundo diagnóstico

da Instituição, com participação de membros

e servidores. Aqui, identifi caram-se não apenas

as fragilidades, mas também os pontos fortes,

as oportunidades e as ameaças. Em seguida,

foram indicadas iniciativas que permitissem a

melhoria dos pontos fortes, combate aos pon-

tos fracos, enfrentamento às ameaças e apro-

veitamento das oportunidades.

Esse conjunto de medidas, materiali-

zadas em objetivos, estratégias e iniciativas es-

tratégicas, moldaram o Plano Estratégico 2010-

2022, lançado ofi cialmente no dia 26.03.2010,

após 7 (sete) meses de trabalho, contemplan-

do a atuação na área fi nalística e na área meio.

Para implantação, aquele Plano foi

fragmentado no Plano Geral de Atuação 2010-

2011 e em Planos de Ação para os vários órgãos

administrativos, estabelecendo as diretrizes

gerais e de atuação para cada um dos órgãos.

O que se repetirá a cada dois anos.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 44

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 42 - 47 jan./dez. 2011

Ao assumirmos o cargo de Procura-

dor-Geral de Justiça, no dia 18 de novembro

de 2010, fi rmamos a convicção de que o plane-

jamento estratégico era um projeto institucio-

nal e não meramente de um gestor. Por isso,

resolvemos que a sua implantação deveria ter

continuidade.

Com efeito, em face da dinamici-

dade própria do planejamento estratégico,

uma das primeiras medidas foi promover as

adequações necessárias, especialmente vol-

tadas à compatibilização com o orçamento

disponível. Para alcance desse propósito, re-

velou-se oportuna a elaboração de uma Pro-

gramação Financeira e do respectivo Crono-

grama de Execução Mensal de Desembolso,

exercício de 2011, conforme previsão na Lei

de Responsabilidade Fiscal.

A Programação Financeira permite

planejar, com a devida antecedência, as des-

pesas a serem suportadas pelo orçamento dis-

ponível e priorizar os investimentos voltados à

execução da estratégia traçada pelo Ministério

Público do Piauí.

3 GESTÃO ESTRATÉGICA

A partir da Constituição Federal de

1988, o Ministério Público se tornou “uma ins-

tituição permanente, essencial à função juris-

dicional do Estado, incumbida da defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis”,

consolidando-se como um defensor dos inte-

resses difusos e coletivos. Defensor, enfi m, da

sociedade.

Tradicionalmente, desenvolvia o papel

de acusador. Era até chamado de “acusador

ofi cial”. Passou, então, a defensor dos direitos

difusos e coletivos, traduzindo-se na defesa do

meio ambiente, consumidor, saúde, educação

e patrimônio público, por exemplo. Isso só

para mostrar a necessidade de atuação ampla,

o que também prova que a atuação principal,

hoje, não se resume ao âmbito criminal.

O processo de mudanças no perfi l de

atuação do Ministério Público está sendo im-

pulsionado pelas transformações sociais, que

exigem uma atuação na defesa de interesses

difusos e coletivos, e também, pelo Conselho

Nacional do Ministério Público.

Para atender as demandas contempo-

râneas, a Instituição precisa planejar sua atua-

ção, capacitar membros e servidores, adaptar

sua estrutura tecnológica e adequar sua es-

trutura física e de recursos humanos, o que é

possível com a implantação de uma gestão

estratégica.

A gestão estratégica é formatada a

partir de um novo modo de pensar, o pensa-

mento estratégico, que permite uma adminis-

tração em busca de resultados, focalizando um

bom atendimento às demandas sociais e cele-

ridade na tomada de decisões. As ações execu-

tadas no presente cotejam as implicações para

a construção do futuro desejável.

No Ministério Público do Piauí, a opção

foi por um planejamento estratégico de longo

prazo, 12 anos, o que é plenamente justifi cável

em face da necessidade de conciliação entre

as demandas internas e o orçamento reduzido

visando garantir uma atuação mais efetiva.

4 AS MUDANÇAS NO MINISTÉRIO

PÚBLICO DO PIAUÍ

As mudanças no Ministério Público do

Piauí envolvem a área meio e a fi nalística.

Na área meio houve um fortalecimen-

to do Controle Interno e da Coordenadoria de

Tecnologia da Informação. Criaram-se a Coor-

denadoria de Comunicação Social, incluindo

as Assessorias de Cerimonial, de Imprensa e de

Relações Públicas, e a Coordenadoria de Perí-

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cias e Pareceres Técnicos. O Setor de Pessoal foi

transformado em Coordenadoria de Recursos

Humanos, com as seguintes unidades admi-

nistrativas: Assessoria para Pagamento de Pes-

soal, Divisão de Controle de Frequência, Férias

e Afastamentos e Divisão de Pessoal; e a Co-

ordenadoria de Serviços Gerais e Patrimônio,

em Coordenadoria de Apoio Administrativo.

O Núcleo de Planejamento Estratégico assu-

miu o formato de Assessoria de Planejamento

e Gestão. A Coordenadoria de Contabilidade e

Finanças foi fundida com a Coordenadoria de

Orçamento e Gestão, resultando na Coordena-

doria de Contabilidade, Orçamento e Finanças.

Também houve uma reformulação da estrutu-

ra administrativa do PROCON e a uniformiza-

ção da estrutura dos Centros de Apoio Opera-

cional. Com a extinção da Coordenadoria da

Transparência e da Tramitação de Processos,

as atribuições foram diluídas entre a Coorde-

nadoria de Apoio Administrativo, a Secretaria

Geral e a Assessoria Especial do Gabinete do

Procurador-Geral de Justiça.

Essa reestruturação administrativa

preservou a quantidade de cargos prevista na

Lei Estadual nº 5.713/07 (Plano de Cargos e Sa-

lários dos Servidores do Ministério Público do

Estado do Piauí). Ressalte-se que nem todos os

cargos foram providos, em face do programa

de contenção de despesas.

Para auxiliar as decisões do Procura-

dor Geral de Justiça, constituímos Comissões

Permanentes. Entre elas, citamos as Comissões

Permanente de Acompanhamento, Supervi-

são, Controle e Parametrização da Folha de

Pagamento e Prestação de Contas; a Comissão

Permanente para Elaboração da Programa-

ção Financeira e do Cronograma de Execução

Mensal de Desembolso.

Ressalte-se que é salutar para a Institui-

ção executar o orçamento a partir de uma pro-

gramação fi nanceira pré-estabelecida, a qual

tencionamos observar em sua inteireza, como

forma, inclusive, de evitar suplementação orça-

mentária para atender despesas regulares.

Analisando a atuação fi nalística do

Ministério Público, Marcelo Pedroso Goulart

(2000) identifi ca dois modelos dentro do perfi l

institucional consagrado na Constituição Fe-

deral: demandista e resolutivo. O primeiro mo-

delo tem como horizonte a atuação perante o

Poder Judiciário, atuando como agente pro-

cessual; o segundo, a solução direta das ques-

tões referentes aos interesses sociais, coletivos

e difusos, superando a perspectiva meramente

processual da sua atuação e atuar integrada-

mente e em rede nos mais diversos níveis.

A fase resolutiva se coaduna perfei-

tamente com uma gestão estratégica, pois

permite o planejamento de uma atuação inte-

grada da Instituição, a partir de uma visão sis-

têmica na resolução dos problemas.

Nesse sentido, no âmbito do Ministé-

rio Público do Piauí foram redefi nidas as atri-

buições dos órgãos de execução no 1º grau, os

Promotores de Justiça. Inicialmente por inter-

médio da Resolução nº 01, de 28 de janeiro de

2010, posteriormente alterada pela Resolução

nº 03, de 14 de junho de 2010, ambas do Colé-

gio de Procuradores de Justiça. A nova estru-

tura atende as peculiaridades das demandas

submetidas à Instituição, independentemente

da organização judiciária do Piauí.

Em consequência, nos Municípios

com dois ou mais Promotores de Justiça a atu-

ação passou a ser dividida em dois grandes

ramos: cível e criminal. Em matéria cível, está

contemplada a defesa dos interesses difusos e

coletivos. Nas cidades de maior porte, a exem-

plo de Teresina, Parnaíba, Picos e Floriano, ins-

tituíram-se Núcleos de Promotorias de Justiça,

com atribuições defi nidas em cada um deles.

Deveras, em Teresina, as Promotorias

de Justiça estão distribuídas em 08 (oito) Nú-

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cleos, quais sejam: Criminais, do Júri, dos Jui-

zados Especiais, Cíveis, de Defesa da Cidadania

e do Meio Ambiente, da Fazenda Pública, de

Família e Sucessões e da Infância e Juventude.

Os Centros de Apoio Operacional, por

sua vez, foram reestruturados pelo Ato PGJ nº

10/2010, posteriormente convertido em Reso-

lução nº 09/2010, do Colégio de Procuradores

de Justiça. Esses Centros permitem um auxílio

aos membros do Ministério Público naqueles

assuntos de maior relevância: Defesa da Infân-

cia e Adolescência; Defesa da Cidadania e da

Saúde; Defesa do Meio Ambiente; Combate à

Corrupção e Defesa do Patrimônio Público; De-

fesa da Pessoa com Defi ciência e do Idoso e às

Promotorias de Justiça Criminais.

Especifi camente para combate às or-

ganizações criminosas, em 2007 foi criado o

Grupo Estadual de Combate às Organizações

Criminosas/GECOC, por intermédio da Resolu-

ção nº 02, do Colégio de Procuradores de Jus-

tiça, convertido em Grupo de Atuação Especial

de Combate ao Crime Organizado/GAECO, por

intermédio do Ato PGJ nº 165/2010.

O Programa de Proteção e Defesa do

Consumidor do Ministério Público do Estado

do Piauí/PROCON, regulamentado pela Lei

Complementar nº 36/2004, passa por uma

reestruturação para atender apenas as de-

mandas envolvendo direitos difusos, coletivos

e individuais homogêneos, havendo uma co-

ordenação geral em Teresina para auxiliar os

membros em matéria consumerista. O aten-

dimento às demandas individuais está sendo

repassado aos Poderes Executivos Municipais.

Todos esses órgãos têm a missão de

defi nir políticas institucionais de atuação, vol-

tadas às suas respectivas áreas de atribuições,

proporcionando uma atuação integrada e

simultânea, como aconteceu, recentemente,

com o ajuizamento de ações civis públicas

para nomeação de delegados de polícia apro-

vados em concurso público.

A atuação do Ministério Público no

2º grau também passa por um processo de

reestruturação, tramitando perante o Colégio

de Procuradores de Justiça 3 (três) propostas

de resoluções destinadas a disciplinar as atri-

buições, inclusive no tocante à especialização;

regulamentar a distribuição de processos aos

Procuradores de Justiça e para representação

do Ministério Público nas sessões de julgamen-

to do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.

5 PARCEIRA ENTRE O MINISTÉRIO

PÚBLICO ESTADUAL E O TRIBUNAL

DE CONTAS DO ESTADO DO PIAUÍ/TCE:

FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO

Impossível pensar, na atualidade, uma

atuação efi ciente do Ministério Público sem in-

tercâmbio de informações com outras institui-

ções que atuem na defesa dos elevados interes-

ses da sociedade.

Assim, o Ministério Público do Piauí

envida esforços para aproximação com outras

instituições, a exemplo do Tribunal de Contas

do Estado do Piauí, com quem tenciona fi rmar

termo de cooperação para compartilhamento

de informações e imprimir maior efi ciência no

desempenho das respectivas atribuições.

A parceria entre os diversos órgãos que

têm, em comum, a defesa do patrimônio públi-

co, com atuação conjunta e uniforme, repercu-

tirá positivamente na defesa desse patrimônio,

com grandes benefícios à sociedade.

6 DESAFIOS

A efetiva autonomia fi nanceira pode

ser apontada como um dos maiores desafi os

para o sucesso na implantação de uma gestão

estratégica. No Ministério Público do Estado do

Piauí permitirá a oferta da infraestrutura neces-

sária ao pleno desenvolvimento das atribuições

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ministeriais, com adequação dos recursos tec-

nológicos e do efetivo de membros e de servi-

dores.

Porém, não basta a oferta de recursos

materiais e humanos. É preciso responsabili-

dade na gestão desses recursos, inclusive para

promover a motivação de membros e de servi-

dores, oferecendo-lhes capacitação, aperfeiçoa-

mento funcional e remuneração justa.

Além disso, é imprescindível transfor-

mar a cultura de atuação isolada para uma atua-

ção integrada em torno da missão e da constru-

ção da visão institucional, pautada pelos valores

institucionais (honestidade, compromisso, de-

dicação, coragem, conhecimento, unidade e

transparência).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desconforto é natural em todo pro-

cesso de mudanças. Às vezes, o comodismo

acalenta a própria essência do ser humano, tor-

nando mais cômoda a sua existência, com re-

fl exos na vida privada e na profi ssional. Assim, é

absolutamente natural a resistência à mudança

de paradigmas.

No âmbito da Administração Pública, partiu-se

de um modelo de gestão desordenada para um

novo paradigma de gestão, fundamentado no

pensamento estratégico, visando a prestação

de um serviço calcado na efi ciência, efi cácia e

efetividade.

O Ministério Público não fi cou alheio a esse pro-

cesso. Paulatinamente, está aderindo ao plane-

jamento estratégico, partindo de ações isoladas

dos diversos ramos até alcançar um plano na-

cional.

No Piauí, o Ministério Público Estadual enfrenta

o confl ito entre o “velho” e o “novo” perfi l de

atuação, mas por certo conseguirá implantar

um modelo de gestão profi ssionalizada.

E, no avançar do Ministério Público piauiense,

não podemos deixar de ressaltar a contribui-

ção do Conselho Nacional do Ministério Públi-

co, pois, com as inspeções realizadas, detectou

pontos para mudanças de paradigmas e, atra-

vés disso, é que se está construindo um novo

Ministério Público Estadual.

• ABSTRACT

The profi ssionalization of the Brazilian Public

Management was stimulated by the recomen-

dation of the Brazilian Court of Audit (TCU),

through the Judgement 1.603/2008, aiming at

the implementation on both Institutional Stra-

tegic Management and Information Technolo-

gy. This article aims to analyze the process of

changes in the Prosecuting Counsel of State of

Piauí since the Strategic Planning started to be

prepared.

• KEYWORDS:

Prosecuting Counsel. State of Piauí. Strategic

Planning.

REFERÊNCIAS

GOULART, Marcelo Pedroso. Missão institucional

do Ministério Público. In: Rev. do Ministério Pú-

blico de Pernambuco, Recife, v. 3, n. 3, p.21-40,

2000.

PIAUÍ. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PIAUÍ. Planejamento estratégico. Teresina: W-

-Lage, 2010. 198 p.

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Ana Carolina Sousa Barbosa, Lívia Maria da Silva Oliveirae Thiago Rodrigues Lula EulálioAcadêmicos de direito da Universidade Federal do Piauí.

• RESUMO

Este artigo tem como escopo iniciar as home-

nagens à data comemorativa dos 80 anos da

faculdade de Direito. Faz-se essa homenagem

por meio de um breve resumo do difícil trans-

curso histórico do ensino no Piauí até alcançar

o nível de ensino superior, enaltecendo a luta

dos intelectuais e bacharéis para a consolida-

ção da faculdade de Direito, o primeiro curso

superior do estado. Faz-se também uma refl e-

xão com um viés sociológico sobre a escolha

do Curso de Direito como o primeiro curso

superior. Essas discussões são fundamentais

para entender a importância da faculdade e

o papel dos estudantes de direito no estado.

• PALAVRAS-CHAVE:

Ensino Superior – Piauí. Faculdade de Direito –

História – Piauí. Cromwell de Carvalho – Piauí.

1 INTRODUÇÃO

O Piauí vem se mostrando no cenário

nacional como um dos estados mais pobres

da nação. Infelizmente, os dados mostram que

esse quadro parece não ter perspectiva de

sofrer alteração em curto prazo. Um exemplo

Os 80 anos da realização de um projeto: a faculdade de direito do Piauí e uma refl exão à luz das teorias marxistas

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disso é que no ano de 2002, apesar dos esfor-

ços dos governos federal e estadual, o último

censo do IBGE acusou uma cidade piauiense,

Guaribas, como a detentora do terceiro pior

IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos

5.507 municípios do Brasil e a mais pobre, sen-

do escolhida como piloto para o programa as-

sistencialista Fome Zero.

Mas nenhum estado “nasce” pobre.

Logo, o que viria a ser a causa da pobreza do

Piauí? A pobreza desse estado não se dá por

motivos de precariedade natural, isso é fato.

Apesar do clima e do solo semiáridos em algu-

mas regiões, o estado tem muita riqueza mi-

neral e ainda conta com um dos maiores len-

çóis freáticos do Brasil. Assim sendo, pode-se

concluir que a sua pobreza ocorre, na verdade,

pelas condições históricas.

A atividade econômica inicial piauien-

se foi a pecuária extensiva, uma atividade que

não incentivava o desenvolvimento de infra-

estrutura, nem a inversão de capital. Por isso,

o estado iniciou sua trajetória econômica em

desvantagem em relação aos outros que de-

senvolviam atividades de maior demanda e lu-

cratividade como o cultivo da cana-de-açúcar

e, posteriormente, a mineração.

Devido a essa precariedade fi nancei-

ra, a pequena classe detentora de poder no

estado não se sentia incentivada a urbanizar a

cidade, deixando de lado, por exemplo, a im-

plantação de uma mínima estrutura de ensino.

O resultado disso foi que pouco se moveu em

torno da implantação de um sistema educa-

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cional no Piauí desde a sua criação até meados

do século XVI.

Além disso, a devida atenção à educa-

ção não era dada pelos governantes, não só na

província, mas em todo o Brasil colonial. Não

era de interesse dos governantes da metrópole

criar polos de geração e aplicação de conhe-

cimento, uma vez que os objetivos portugue-

ses aqui eram claros: transferir ao máximo as

riquezas da colônia para Portugal. Por isso, ain-

da hoje paga-se por esse défi cit educacional,

que sem dúvida é uma das principais respostas

para a pergunta do que gerou a pobreza desse

estado.

2 A EVOLUÇÃO DO ENSINO NO PIAUÍ

Inicia-se agora um estudo que objeti-

va relatar o vagaroso processo de consolidação

do ensino no Piauí, um dos motivos principais

da pobreza histórica do estado.

O início da evolução do ensino no

Piauí registra-se pelo primeiro resquício de

educação do povo em 1733, quando padres

jesuítas do ciclo maranhense fundaram o “Ex-

ternato Hospício da Companhia de Jesus” esta-

belecimento de ensino que não logrou êxito,

em virtude das situações adversas do meio

(pobreza, dispersão demográfi ca dos núcleos

populacionais e precárias condições de comu-

nicação).

Em 1815, criam-se três escolas primá-

rias: uma em Oeiras, outra na Vila de Parnaíba e

uma na Vila de Campo Maior. O funcionamen-

to das três escolas foi seriamente prejudicado

devido ao fato de que os baixos salários não

eram atrativos o sufi ciente aos olhos dos in-

teressados em lecionar. Em contrapartida, por

conta das atividades econômicas que não per-

mitiam o intercâmbio cultural, a educação fi -

cou concentrada a essas províncias, agravando

assim o retardamento cultural e educacional

das demais províncias do Piauí.

Conquistada a independência do Bra-

sil, esperava-se que a situação educacional no

Piauí recebesse olhares mais atentos. A Consti-

tuição Imperial, retomando em parte o pensa-

mento da malograda Constituinte Monárquica,

revigora o ensino público como única solução

capaz de assegurar aos cidadãos a instrução

primária gratuita. Segundo Pereira da Costa,

em 1824, a Província contava apenas com os

seguintes estabelecimentos de ensino: três es-

colas primárias localizadas, respectivamente,

em Oeiras, Campo Maior e Valença; duas ca-

deiras de latim, uma em Oeiras e a outra em

Parnaíba.

Somente em 1845, através da Lei Pro-

vincial nº 198, do dia 6 de outubro, houve a

normatização da rede escolar, dando-lhe uma

estrutura administrativa adequada. A Lei cria o

cargo de Diretor da Instituição Pública, que de-

veria ser exercido por Juízes de Direito, defi ne

critérios para funcionamento da rede escolar

e para admissão de professores e estabelece

direitos e deveres dos mesmos. Finalmente,

cria o primeiro estabelecimento de instrução

secundária da Província, o Liceu.

O problema da qualifi cação do pesso-

al docente para o exercício do magistério pri-

mário e secundário era visível no Piauí, assim

como em outras províncias. No Piauí, o Ensino

Normal, voltado para a formação de professo-

res, data da segunda metade do século XIX, em

virtude da Lei Provincial nº 599 de 09 de outu-

bro de 1867, embora só tenha se afi rmado na

primeira metade do século XX.

O ensino confessional começa a estru-

turar-se na primeira década deste século, atra-

vés de instituições de ensino hoje com mais de

100 anos de atuação, como os colégios Dioce-

sano e Sagrado Coração de Jesus.

Vagarosamente, a educação no Piauí

foi melhorando: ensino primário, secundário,

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normal. O sistema educacional, tão fragiliza-

do desde o seu início, dá um salto inevitável,

tendo em mente a tendência natural que tudo

tem de evoluir, com a implantação da primeira

instituição de ensino superior do Estado: a Fa-

culdade de Direito do Piauí, no ano de 1931.

3 RELAÇÃO COM AS TEORIAS MARXISTAS

Mas por que o primeiro curso superior

foi Direito? De imediato, pode-se pensar que

um estado pobre não tem recursos sufi cien-

tes para criar laboratórios nem infraestrutura

necessária para implantação de cursos como

medicina e engenharia, por exemplo, que

requerem uma construção específi ca. Desse

modo, optar-se por direito, um curso de fácil

implantação estrutural, era mais viável. Ainda

mais tendo em vista que esse projeto partia

da iniciativa privada com pouca ou nenhuma

ajuda fi nanceira do governo.

Porém, essa é uma justifi cativa ingênua e sim-

plória, pois, por trás dessa escolha pode ser que

tenham existido interesses particulares:

Considerado uma porta de acesso à carreira política-conseqüentemente, ao poder, o cur-so de Direito sempre fi gurou entre os mais procurados, o que contribuiu pra transformar a Faculdade de Direito de Recife em principal centro receptor de estudantes piauienses. (VI-LHENA, 2006, p. 107)

Cabe iniciar agora uma discussão so-

bre as teorias marxistas que defendem o Direito

como instrumento de superestrutura ideológi-

ca de manipulação da classe dominante.

Karl Marx foi um economista e fi lóso-

fo alemão criador das teorias socialistas, tendo

escrito os livros “O Capital” e “Manifesto Comu-

nista”. Ele e Friedrich Engels desmascararam o

capitalismo e elaboraram a teoria socialista e

comunista como a solução natural para os pro-

blemas criados pelo capitalismo. Marx é consi-

derado por muitos um dos maiores fi lósofos da

história, e a sua obra, que data do século XIX,

ainda hoje é motivo de discussão e análise no

mundo todo, por isso o autor dispensa maiores

apresentações.

Nas suas teorias, Marx dizia que toda

a sociedade era determinada pela economia.

Na sua obra ele analisa os estágios pelos quais

a economia passou e observa que todo o res-

to é apenas conseqüencia. Os estágios da

economia seriam: o comunismo primitivo, o

modo de produção asiático, a produção es-

cravista, o sistema feudal e o último estágio

seria o capitalismo dos burgueses.

Na produção social de sua vida, os homens ingressam em relações determinadas, neces-sárias, independentes de sua vontade, relações de produção essas que correspondem a um ní-vel de desenvolvimento determinado de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econô-mica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas so-ciais de consciência. (MARX, 1961, p. 7)

Todos esses estágios da economia so-

freram crise e por isso iniciou-se o estágio se-

guinte. Assim sendo, com o capitalismo não se-

ria diferente, esse modo de produção já estava

fadado ao fracasso, suas contradições eram inú-

meras: a exploração do trabalhador por meio

da mais-valia, a riqueza do burguês, a fome e a

miséria da classe operária. Esses antagonismos

culminariam num enorme sentimento de revol-

ta que mobilizaria o operariado a fazer a revolu-

ção e tomar o poder dos burgueses.

Um dos mecanismos que os burgueses

utilizavam para manter a ordem social e con-

formar a classe operária era o Direito. Este para

Marx não passava da vontade da classe domi-

nante erigida em lei, sendo um elemento da su-

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perestrutura histórico-social. O Direito era legiti-

mado pelo Estado, o que comprovava que esse

estado apoiava a exploração e por isso deveria

ser tomado e destruído pelo operariado.

Criaram-se os direitos humanos e den-

tro deles o princípio de que todos são iguais

perante a lei com o intuito único de estabele-

cer uma conformação social. No entanto, para

Marx, tudo isso era apenas discurso ideológico

e representava na verdade o direito da desigual-

dade de classes desiguais.

Alguns exemplos históricos desse uso

do direito para manter uma situação de explo-

ração podem ser citados como: o direito da

antiguidade escravista, o direito medieval do

servilismo feudal, ou ainda o Direito Burguês da

mais-valia mediante a exploração capitalista do

trabalho assalariado, que é o enfoque marxista.

Dessa forma, para Marx, o direito exerce

um importante efeito colateral e ativo sobre o

transcurso histórico das lutas de classes. A histó-

ria recente mostra que Marx não errou ao dizer

que o direito é instrumento de manipulação de

classe, mas será que é só isso? E se não houvesse

o direito e vivêssemos em um estado despótico,

a quem a classe menos favorecida iria recorrer?

Você acha que o Direito pode ser um instru-mento de dominação? Ou garante a justiça?- Não há como negar que ele seja um pode-roso instrumento de dominação e, simultane-amente, promotor da justiça social. Como isto se faz? - Pelo equilíbrio das forças em jogo e dos inte-resses sociais. (Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)

O modelo socialista de Marx não se

concretizou, o socialismo real foi bem diferente

da teoria marxista. Não foram os operários que

tomaram o poder, e aqueles que conseguiram

chegar lá se tornaram tão autoritários como os

reis despóticos.

Todas essas discussões são muito in-

teressantes. Porém, o escopo deste trabalho é

fazer uma discussão sobre a criação da Facul-

dade de Direito no Piauí, teriam os interessa-

dos no projeto o objetivo de dominar a classe

menos favorecida utilizando o direito, como

defende Marx?

4 OS PRIMEIROS ANOS DA FACULDADE

DE DIREITO

A primeira Escola de Ensino Acadêmico

do Piauí foi fundada em 25 de março de 1931

e estabeleceu-se da iniciativa privada como re-

sultado do esforço de alguns intelectuais den-

tre eles Cromwell Barbosa de Carvalho, Luiz

Mendes Ribeiro Gonçalves, Mário José Baptista,

Giovani Costa Leopoldo Cunha, Francisco Pires

de Gayoso e Almendra, Cristino Castelo Branco,

Álvaro Ferreira e outros.

Contando com o apoio do Interven-

tor Federal, Capitão Joaquim de Lemos Cunha,

a Faculdade de Direito do Piauí é solenemente

instalada no dia 14 de abril de 1931, resultado do

decreto n. 1196 do dia 1 de abril de 1931:

Reconhece a Faculdade de Direito do Piauhy o Interventor Militar do Estado do Piauhy:Attendendo a que é de real interesse e vanta-gem a existência da Faculdade de Direito do Piauhy, crêada de accordo com os Estatutos que foram apresentados ao Governo do Esta-do, depois de regularmente approvados pela Comissão Fundadora do mesmo estabeleci-mento de ensino;Attendendo aos grandes alcances e á fi nali-dade patriotica dessa creação, que, no Estado vem incrementar e realizar defi nitivamente o estudo e o ensino das sciencias jurídicas e so-ciaes, abrindo vasto campo ao seu desenvolvi-mento cultural e scientifi co.DECRETA:

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Art. I: É reconhecida como de utilidade publica e como estabelecimento de ensino superior em todo o Estado, a Faculdade de Direito do Piauhy.Art. 2º: Os diplomas expedidos pela mesma Faculdade terão curso no Estado e serão reco-nhecidos para todos os seus efeitos dentro do território piauhyense.Art. 3º: O Governo do Estado, nos termos do accordo realizado, que fi cará archivado na re-partição competente, prestará á Faculdade a sua subvença annual que fôr estabelecida, para o que abrirá os creditos necessarios.Art. 4º: De conformidade com os Estatutos aprova-dos reconhecidos, manterão o Governo Estadual um Fiscal de sua confi ança junto á Faculdade.Art. 5º: Revogam-se as disposições em con-trario.O Secretario de Estado do Interior, Justiça e Se-gurança Publica assim o faça executar.Palacio do Governo do Estado do Piauhy, em I de Abril de 1931; 43º da Republica.(L do S)

Cap. Joaquim de Lemos CunhaJustino Barbosa de Carvalho ”

Mais tarde, em 1932, o poder público estadual fazia cessão de um prédio na Rua Co-elho Rodrigues para funcionamento da Facul-dade até então precariamente instalada. Seus idealistas e fundadores tinham evidente exercício de atividades elevadas em esferas das profi ssões liberais, na sua maioria na magistratura, no Magistério secundário e no desempenho de atividades médicas. Sem nenhuma dúvida, era essa escola a única op-ção para a juventude emergente do ensino se-cundário, de maneira particular para os jovens que, carentes de melhor situação econômica, aspiravam a uma formação profi ssional supe-

rior e não podiam conseguir fora de Teresina.

Quem fazia Direito naquela época? - Predominantemente fi lhos de famílias de elevado poder aquisitivo. Exceção para pou-cos, dentre os quais eu me incluo, que não pertencendo a este tipo de família, consegui, pelo esforço e dedicação aos estudos. O que aconteceu comigo é explicado pela ‘coopta-ção’ que o sistema dominante favorece para se auto-justifi car como de natureza democrática. Eram predominantemente homens.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)

Somente dois anos depois de sua fun-

dação o Decreto Estadual nº 1471, de 16 de

agosto de 1933 ofi cializou a Faculdade de Direi-

to como estabelecimento de Ensino Superior.

Até então, ela funcionava sem o reconheci-

mento federal e, para alcançá-lo, se dedicaram

professores, alunos e eminentes políticos.

Para a sua equiparação, o Ministério da

Educação exigia verifi cação prévia das condi-

ções de funcionamento da Faculdade através

do relatório de um inspetor enviado ao Piauí

informando com segurança os requisitos exigi-

dos pelos decretos nacionais. Entretanto, o re-

conhecimento pedido foi negado duas vezes

devido a relatórios “vagos e imprecisos” ou por

“não satisfazer às formalidades legais”. Somente

na terceira fi scalização o relatório foi aprovado

pelo Conselho Nacional de Educação, sendo,

fi nalmente, a faculdade federalizada pelo De-

creto nº 864, de 10 de junho de 1936, tendo a

decisiva cooperação do governador Leônidas

de Castro Melo.

Mesmo com a federalização, as difi cul-

dades da faculdade para se consolidar não se

extinguiram:

[...]No início de 1933 havia três cadeiras vagas na faculdade em virtude de renúncia e mortes de seus titulares [...] em sessão extraordinária de 12 de julho de 1936, deliberou a Congregação abrir concurso público pra o preenchimento dessas vagas [...]. Terminado prazo de 180 dias para inscrição, verifi cou-se que nenhum candi-dato se apresentou. (FREITAS FILHO, 2003, p.20)

Mas, por que tanto desinteresse por

parte dos letrados piauienses? A explicação

para isso está no fato de que nem todos esta-

vam engajados nesse projeto ainda considera-

do por muitos inaplicável. Aqueles poucos que

tinham formação e capital, em sua maioria, não

estavam interessados nos baixos salários que a

faculdade oferecia e nem precisavam colocar

seus fi lhos para estudar em uma faculdade

recém-federalizada.

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Devido a essa falta de interesse pela

faculdade, a diretoria provinha, mediante con-

trato, as cadeiras vagas, e diversas vezes, as

preenchia com os próprios bacharéis, recém-

-formados na faculdade, para serem admitidos

como professores.

O professor catedrático Des. Cromwell

Barbosa de Carvalho foi eleito Diretor da fa-

culdade sucessivamente, permanecendo no

poder durante 18 anos. Desde 7 de julho 1933,

quando foi eleito, até 29 de março de 1951.

Os alunos criaram o Diretório Acadêmi-

co, que tinha o objetivo de defender os interesses

da classe: promovia seminários, debates jurídicos,

disputas esportivas e publicava a “Revista Acadê-

mica”, contendo artigos doutrinários e conferên-

cia de professores, bem como trabalhos jurídicos

de estudantes. Esse Diretório Acadêmico ainda

existe e continua desempenhando importantes

funções sendo chamado, hodiernamente, de

Centro Acadêmico Cromwell de Carvalho, uma

homenagem merecida a um dos maiores idea-

lizadores da faculdade.

Com o advento do Estado Novo, muitas

mudanças foram operadas no ensino em todo o

país, não fi cando a Faculdade de Direito imune

a elas. A Constituição de 1937 minimizava o de-

ver do Estado no ensino. Além disso, a proibição

da acumulação remunerada de cargos públicos

trouxe sérios problemas, pois todo o corpo do-

cente da Faculdade era constituído justamente

de funcionários públicos e Magistrados.

Assim sendo, todos os professores, in-

clusive o Diretor, renunciaram aos seus cargos

e sugeriram ao Senhor Governador a desofi -

cialização da Faculdade, de modo que ela pu-

desse ser mantida como Escola Livre de Ensino

Superior. O alvitre dos professores foi acatado

pelo Dec. nº 30, de 08 de fevereiro de 1938, e a

faculdade começou a ser mantida como socie-

dade particular, de caráter civil. Contudo, mes-

mo desofi cializada, ela continuou a receber as-

sistência fi nanceira do Governo do Estado do

Piauí e, no ano seguinte recebeu, autorização

do Ministro da Educação para funcionar.

No ano de 1942, foi nomeada para o seu

reconhecimento uma Comissão de fi scalização.

A Comissão fez um relatório que foi enviado ao

Conselho Nacional de Educação e foi aprovado,

sendo reconhecida defi nitivamente pelo Decre-

to-lei n° 19551, de 9 de janeiro de 1945.

No ano de 1950 foi aprovada, no Se-

nado Federal, emenda de autoria do Senador

piauiense Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves que

dispunha sobre o novo sistema de ensino su-

perior, pelo qual eram federalizadas várias Fa-

culdades estaduais e particulares.

Desse modo, a Faculdade de Direito do

Piauí foi federalizada pela Lei número 1254, de 4

de dezembro de 1950, fato que determinou uma

nova fase em sua história e ensejou o aprimora-

mento de seu corpo docente, com a realização

de concursos públicos que se tornaram memo-

ráveis e estimularam a vida cultural do Estado.

É inestimável a contribuição da Facul-

dade de Direito do Piauí ao desenvolvimen-

to cultural do Estado, dela saindo nomes do

maior relevo, nas ciências jurídicas e nas letras,

dentre os quais se destacam H. Dobal, M. Paulo

Nunes, Benedito Martins Napoleão, Clemen-

te Honorário Parentes Fortes, João Martins de

Moraes, José Camilo da Silveira Filho, Paulo de

Tarso Melo e Freitas, Raimundo Wall Ferraz, Cel-

so Barros Coelho, Wilson Andrade Brandão e

tantos outros igualmente ilustres.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, neste profícuo trabalho ten-

tou-se analisar os aspectos do fenômeno edu-

cacional piauiense desde os primeiros atos ofi -

ciais da fase de capitania até o surgimento da

Faculdade de Direito, situando, ainda que de

forma embrionária, o contexto social e cultural

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do estado. Procurou-se mostrar os óbices que

a educação piauiense enfrentou, enfatizando-

-se: a pobreza, a carência de recursos humanos

e a inadequação de legislação como dominan-

tes na história educacional.

As mudanças que o Piauí sofreu du-

rante a primeira República extrapolam o nível

econômico. O relativo crescimento das cidades

e o desenvolvimento do comércio impuseram

naturalmente a formação de profi ssionais es-

pecializados fazendo com que as famílias in-

centivassem seus fi lhos a adquirirem conheci-

mento e formação técnica.

Dessa forma, a Faculdade de Direito do

Piauí foi um marco inicial do ensino superior no

estado. A formação versátil dos cursos de direi-

to possibilitava aos bacharéis adaptar-se com

relativa facilidade às novas condições políticas

e sociais de uma sociedade em mudança. Daí

o bacharelismo dominante, notadamente na

área política e cultural, e a consequente proli-

feração das faculdades de direito.

Como se observou, o Piauí tinha uma

economia predominantemente agropastoril e

mesmo assim adotava um modelo de educa-

ção que privilegiava bacharéis em direito em

detrimento de profi ssionais no campo da agri-

cultura e pecuária.

Qual a visão que as pessoas tinham do curso de Direito?- De muito respeito e admiração. Literalmente de ‘doutores’; homens da lei; futuro garantido; bom partido para um bom casamento.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)

Nesse sentido, as teorias de Karl Marx

e Friedrich Engels tomam impulso. Ao defen-

derem o direito como uma superestrutura ide-

ológica de legitimação da vontade das classes

dominantes, respaldam a ideia de que a Facul-

dade de Direito não estava dedicada à forma-

ção humanística da juventude piauiense e sim

à formação de uma classe de políticos fomen-

tadores de poder no estado.

Por que você escolheu o Direito como curso superior? O curso trazia muito status? Era um passaporte para a política?- Na época em que eu escolhi fazer Direito fui fortemente infl uenciado pela possibilidade de ascensão social e, ainda, pela infl uência do meu avô materno, que almejava ter um fi lho ou neto advogado, para seguir carreira política, o que não veio acontecer comigo.(Entrevista ao Professor Luís Soares de Araújo Filho, 2010)

Se essa era a intenção de alguns estu-

dantes piauienses como explica Tobias (1986):

Se o ideal da educação era o Doutor (Dr.), ba-charel em direito; se o país era pobre, paupér-rimo em escolas superiores; se toda mulher ti-nha sonho: casar com Doutor; se todo homem almejava ser doutor, era natural que, à seme-lhança da lei da oferta e da procura, houvesse a multiplicação anormal das Faculdades de Direito, de onde nasceu a proliferação desme-surada dos doutores em Direito.

O mesmo não se pode afi rmar sobre

seus idealizadores que seguiram a difícil traje-

tória de reconhecimento da faculdade.

Dessa forma, constata-se que os fun-

dadores da Faculdade de Direito do Piauí não

estavam procurando formar bacharéis que vi-

riam a dominar o estado e tomar as rédeas do

poder. Mas formar profi ssionais de elevada e

reconhecida competência para o desenvolvi-

mento intelectual do Piauí que lhe propiciasse

além de posse do grau do bacharelado, a visão universal, científi ca, dos processos sociais, com que se despertavam no intercâmbio das idéias, das doutrinas e das admiráveis lições de cul-tura jurídica que recebia dos ilustres mestres, abnegadamente atualizados, pela consciência e gênio da dar à escola e aos seus alunos a ca-pacidade cultural e profi ssional que recebiam os bacharéis em qualquer outra escola ou uni-versidade do país. (FREITAS FILHO, 2003, p.51)

O direito é, ainda hoje, um curso em

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que muitos ingressam objetivando adquirir

status, infl uência política e poder de manipula-

ção das classes menos favorecidas. No entanto,

buscou-se demonstrar que talvez não tenha

sido esse o escopo dos idealizadores desse

ambicioso projeto de desenvolvimento do en-

sino no Piauí.

Se essa era a intenção dos que ingres-

saram e é a dos que hoje ingressam uma Facul-

dade de Direito, só a vivência cotidiana do con-

tato com o próximo, que o curso e a profi ssão

proporcionam, poderá torná-los conscientes

da essência do curso jurídico, como defende

Eros Grau (1991): “o Direito pretende proteger

e assegurar a liberdade de agir do indivíduo,

subordinando-a ao interesse coletivo; ele de-

marca as áreas da liberdade e do interesse co-

letivo tendendo à determinação de um ponto

de equilíbrio entre esses dois valores”.

Portanto, o dever do bacharelado jurí-

dico é formar profi ssionais, mas, acima de tudo,

cidadãos aptos a combater injustiças e promo-

ver o andamento saudável da vida em socieda-

de, através de suas regras e normas previamen-

te estabelecidas que visem à manutenção da

ordem e garantam, assim como na Revolução

Francesa, os atemporais ideais de liberdade,

igualdade e fraternidade. Assim seja.

80 years of the realization of a project: the law school of Piaui and a refl ection light of Marxist theories.

• ABSTRACT

This article is scoped to start the celebrations

of the Law School 80th anniversary. This tri-

bute is made of a quick abstract of the hard

historical path of teaching on Piauí until it re-

aches the higher education, highlightning the

plight of intellectuals and college graduates to

consolidate the Law School, the fi rst college in

the state. It is also a refl ection sociological bias

about choosing Law as the fi rst higher educa-

tion course. Theses discussions are fundamen-

tal to understant the importance of the role of

the college and the students in the state.

• KEYWORDS:

Poverty historical, Piauí, education, primary

education, Karl Marx, domination, Faculty of

Law, Cromwell de Carvalho.

REFERÊNCIAS

BRITO, Itamar de Sousa, 1923 – História da Educa-

ção no Piauí, Teresina: EDUFPI, 1996, 1ª Ed.

FREITAS FILHO, Benedito da Rocha. Faculdade

de Direito do Piauí: 25 anos de sua história –

Benedito da Rocha Freitas Filho – Teresina: Gráfi -

ca Ibiapina, 2003.

VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de

Ícaro: tensões e dramas de um industrial no ser-

tão – Teresina, 2006.

GRAU, E. R. A ordem econômica na constitui-

ção de 1988: interpretação e crítica, São Paulo,

1991.

MARX, Karl. O Capital. 3. Ed., São Paulo, Nova

Cultural, 1988.

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APÊNDICE - A

Entrevista integral ao professor Luís Soares

de Araújo Filho, formado na Faculdade de

Direito do Piauí há 37 anos. (1974)

1) Por que você escolheu o Direito

como curso superior? O curso trazia muito sta-

tus? Era um passaporte pra política?

- Na época em que eu escolhi fazer Di-

reito fui fortemente infl uenciado pela possibili-

dade de ascensão social e, ainda, pela infl uên-

cia do meu avô materno, que almejava ter um

fi lho ou neto advogado, para seguir carreira

política, o que não veio acontecer comigo.

2) Como era o ensino no Piauí (básico

e superior)?

- O ensino tanto básico como superior

era enormemente elitizado. Poucos tinham aces-

so à escola, em especial ao ensino superior.

3) Quem fazia Direito naquela época?

- Predominantemente fi lhos de famí-

lias de elevado poder aquisitivo. Exceção para

poucos, dentre os quais eu me incluo, que não

pertencendo a este tipo de família, consegui,

pelo esforço e dedicação aos estudos. O que

aconteceu comigo é explicado pela “coopta-

ção” que o sistema dominante favorece para se

auto-justifi car como de natureza democrática.

Eram predominantemente homens.

4) Qual a visão que as pessoas tinham

do curso de Direito do Piauí? Tinha credibilida-

de? E a faculdade de Recife, ainda era muito

procurada?

- De muita admiração. Os professores

eram as fi guras mais proeminentes da socieda-

de piauiense; grandes juristas; desembargado-

res, pessoas notáveis, de público e notório reco-

nhecimento: Des. Edgar Nogueira (Presidente

do TJ; Desembargador Robert Wall de Carvalho

(ex-Presidente do TJ; Desembargadores Paulo

Freitas, Raimundo Batista; Professores Celso Bar-

ros Coelho; Clemente Honório Fortes Parentes;

Darcy Araújo; Camilo da Silveira Filho (ex-reitor),

Valter Alencar (fundador da TV Clube), Osmarino

do Rego Monteiro; Benjamim Monteiro; Fides An-

gélica e tantos outros. Muitos dos professores ha-

viam sido ou eram Secretários de Estado; Políticos

(Deputados Federal, Estadual)

5) Como era a estrutura física da Facul-

dade? Bem equipada ou sucateada?

- Comecei o Curso de Direito na Facul-

dade de Direito do Piauí, localizada na Praça do

FRIPISA. Era uma Unidade de Ensino Superior

isolada, federal, que tinha uma razoável estru-

tura física. Com a criação da Universidade, ela

perdeu o status de Faculdade e foi transfor-

mada em um simples Departamento de Ensi-

no Jurídico. Este momento foi razoavelmente

traumático, com perca de status. Antes elite,

transformada em “povão”.

6) Como foi a transferência da velha

Salamanca para a UFPI?

- Traumático. O sentimento era nitida-

mente de perda de status, tanto por parte dos

professores como dos alunos. Este fato agrava-

va-se em razão do Curso de Medicina perma-

necer na Frei Serafi m. Direito reivindicava fi car

na velha Salamanca.

7) Lembra de algum fato engraçado?

- Atoleiros; pura lama; comumente fal-

tava energia elétrica e as aulas eram suspensas.

Não havia ônibus sufi ciente e aí o Reitor (Ca-

milo Filho) colocou ônibus da própria Univer-

sidade, que logo foram batizados de “Camilão”.

Registre-se que o ônibus era para os alunos

pobres, pois os de Direito, quase na sua totali-

dade, tinham carro próprio.

8) Algum fato marcante?

- Os professores costumavam acompa-

nhar a turma por todo o curso, enquanto tives-

se aquela disciplina. Por exemplo: Direito Civil

I, II,III, IV e V, ministrado pelo mesmo professor

(Clemente Fortes ou Celso Barros), o mesmo se

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dava com Direito Comercial I e II (Valter Alencar

e Darcy Araújo) Penal I, II, III e IV (Flávio Teixeira)

etc. Isto criava um elo de ligação e responsabi-

lidade muito forte entre professores e alunos.

9) Quais as oportunidades que um ba-

charel em Direito tinha no Piauí?

- As melhores oportunidades. Ainda

como estudantes, a grande maioria começou

a trabalhar, predominantemente, no serviço

público (funções burocráticas, administrativas)

ou no magistério particular. O salário permitiu

que muitos de nós casássemos ainda estudan-

tes. Ainda hoje, as melhores oportunidades de

trabalho e de salários estão reservadas para as

carreiras jurídicas.

10) Seus ex-colegas de classe se desta-

caram? (Destaque alguns)

- A grande maioria se destacou e a

quase totalidade se realizou social e profi ssio-

nalmente. Lembrar nomes e cargos é compli-

cado. É provável que a memória falhe. Mesmo

assim, vamos lá: Des. Raimundo Alencar (Bran-

co), Presidente do TJ; Francisco Alencar, Secre-

tário de Educação e de Finanças; Auditor Fiscal;

atual Dirigente da NOVAFAPI; Maria Eugênia,

Auditora Fiscal, Madalena Duarte Lopes – Fis-

cal do Trabalho; Cineas Santos – Professor; Ada-

la Carnib – Secretário de Educação; Professor

Universitário: Francisco das Chagas Rodrigues

– Professor Universitário;. Diretor do CCHL, Júlio

..... - Secretário da Fazenda; Orlando Pinheiro –

Juiz; José Alencar – Juiz; João Benigno – Pro-

motor; João .....- Juiz , Belizário – Juiz; Haroldo

– Secretário da Fazenda etc.

11) Foi importante o curso pra você,

em relação à prosperidade financeira, social

e pessoal?

-Sim. Sem nenhuma modestia, me

destaquei na área educacional, tendo inclusive

realizada cursos de pós-graduação latos e strito

sensu: Especializações (2) Mestrado e Doutora-

do, e exercido as mais diferentes funções na

educação piauiense (Chefe do Departamen-

to de Ensino de 1º Grau; Chefe da Assessoria

de Planejamento; Chefe do Departamento de

Fundamentos da Educação- CCE/UFPI; Diretor

do Centro de Ciências da Educação/UFPI; Di-

retor Pedagógico do Centro Tecnológico de

Teresina Prof. Marcílio Flávio Rangel Reis – CTT

etc.) e brasileira (Subsecretário de Desenvolvi-

mento Educacional do Ministério da Educação;

Assessor Superior de vários Ministros da Educa-

ção). Ainda hoje atuo como Consultor Educa-

cional para o Ministério da Educação (Avaliador

Institucional); UNESCO, Banco Mundial e Facul-

dades Particulares do Piauí, Maranhão, Paraíba,

Pará, Ceará e Pernambuco.

- Financeiramente, tenho as minhas

necessidades e as de minha família atendidas,

sem nada a reclamar.

- O mais importante é a realização pes-

soal, no que garanto me sentir plenamente re-

alizado. Embora tenha migrado do Direito para

a Educação, e realizado quatro pós-graduação,

inegável reconhecer que atribuo ao Curso

de Direito como o curso que me abriu todas

as portas e que foi a base para toda a minha

formação intelectual, favorecendo uma visão

e compreensão do Estado e da sociedade,

permitindo-me por eles transitar com bastante

desenvoltura.

12) Como você vê a importância do

curso para o Estado?

- Ele é de fundamental importância

como instrumento assegurador da justiça social.

13) Você acha que o Direito pode ser um ins-

trumento de dominação? Ou garante a justiça?

- Não há como negar que ele seja um

poderoso instrumento de dominação e, simul-

taneamente, promotor da justiça social.

Como isto se faz?

- Pelo equilíbrio das forças em jogo e

dos interesses sociais.

Data 1/11/2010

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 60

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 66660066666

Mario Henrique de Freitas Mendes Bacharel em Direito (NOVAFAPI) e Contador (UFPI). Especialista em Gestão Financeira (CEUT). Auditor Fiscal de Controle Exter-no do Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

• RESUMO

O sistema de precatório é uma questão com-

plexa, que envolve um grande volume de re-

curso, e engloba a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios. Corresponde à dívida

pública, e ocorre quando a Fazenda Pública

tem uma quantia a pagar, oriunda de uma

decisão judicial, que tem regras diferentes da-

quelas aplicáveis às dívidas dos particulares.

Trata-se de um instituto jurídico com sede na

própria Constituição Federal de 1988, mas que

não vem funcionando como deveria, haja vista

que várias modifi cações foram feitas.

• PALAVRAS-CHAVE:

Direito Constitucional – Brasil. Precatório. Dívi-

da Pública.

1 INTRODUÇÃO

O instituto do precatório surgiu da ne-

cessidade de dar um tratamento adequado às

dívidas da Fazenda Pública. Trata-se de uma or-

dem de pagamento, que se materializa através

da expedição de um ofício, emitido pelo Presi-

dente do Tribunal que proferir a decisão exe-

quenda referente a pagamentos devidos pelas

Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e

Municipal, em virtude de sentença judiciária.

O particular pode sofrer constrição no

Precatórios: aspectos essenciais

e suas alterações

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seu patrimônio, decorrente de um processo de

execução e com a sua consequente penhora,

que hoje passou a ser on line. Enquanto que

o Estado desfruta de uma série de privilégios

não conferidos aos seus cidadãos, como a in-

disponibilidade, inalienabilidade e impenhora-

bilidade dos bens públicos; sendo essa impe-

nhorabilidade o fundamento para a existência

do precatório.

O sistema de precatório iniciou-se com

a Constituição Federal de 1934 e passou a fazer

parte de todas as constituições seguintes. Atu-

almente, vivemos sob a égide da Constituição

Federal de 1988 (CF/88), cujo sistema de preca-

tórios já contabiliza três Emendas Constitucio-

nais (EC), e é objeto de várias Ações Diretas de

Inconstitucionalidade pendentes de julgamen-

to. Apesar dessas três emendas, a situação está

longe de encontrar uma solução adequada,

pois já estamos na terceira moratória constitu-

cional. Mas, para tentar resolver essa questão,

foi promulgada a EC nº 62, de 9 de dezembro

de 2009, que trouxe importantes e polêmicas

alterações, que serão analisadas no decorrer

deste trabalho com mais detalhamento.

Este estudo está organizado em capí-

tulos que versam sobre os pontos fundamen-

tais para se compreender a matéria. O primeiro

analisa o instituto do precatório judicial, seu

conceito, sua situação no direito comparado

e a sua evolução histórica, culminando na su-

premacia do poder público e as suas implica-

ções. No segundo capítulo, a intenção é situar

o tema na conjuntura da Constituição Federal

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 62

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de 1988, com destaque para as recentes mu-

danças, inclusive no âmbito das normas infra-

constitucionais.

2 PRECATÓRIO JUDICIAL

O precatório é uma ordem de paga-

mento, que se materializa através da expedi-

ção de um ofício, que é uma requisição de pa-

gamento, emitido pelo Presidente do Tribunal

que proferir a decisão exequenda referente a

pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas

Federal, Estadual, Distrital e Municipal, em vir-

tude de sentença judiciária.

O sistema de precatórios é uma cria-

ção genuinamente brasileira, pois se desco-

nhece a existência desse instituto em outros

países. E esse não é um fato do qual podemos

nos orgulhar. Muito pelo contrário. É motivo de

críticas de toda a sociedade e dos doutrinado-

res, exceto a Fazenda Pública, que se benefi cia

dessa situação, em detrimento do particular.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O Brasil esteve sujeito às leis portugue-

sas até obter a sua independência, em 7 de se-

tembro de 1822. Por isso, se torna importante

compreender as leis lusitanas correspondentes

ao período do Brasil colonial, haja vista que

Portugal passou pelo período das ordenações.

Segundo os ensinamentos de Delgado apud

Simionato (2008, p.387), “nas ordenações Ma-

nuelinas e Filipinas a execução contra Fazenda

Pública se processava da mesma forma contra

qualquer pessoa, inclusive com penhora”.

Conforme estudos de Silva apud Si-

mionato (2008, p.388), só em 1851 é que se

começou a vedar a penhora sobre bens da

Fazenda Pública, quando o Directório do Juízo

Fiscal e dos Feitos da Fazenda Pública editou

instrução, instituindo em seu art. 14, a impe-

nhorabilidade dos bens da Fazenda Pública

Nacional. Logo em seguida (1863 e 1865), pas-

sou-se a prescrever a impenhorabilidade dos

bens provinciais e municipais.

As duas primeiras constituições brasilei-

ras (1824 e 1891) deixaram a cargo do poder legis-

lativo a atribuição de legislar sobre a dívida públi-

ca e estabelecer os meios para o seu pagamento.

O precatório somente apareceu na

Constituição Federal de 1934. Esta Constituição

tratava apenas dos pagamentos devidos pela

Fazenda Federal, deixando de lado a Fazenda

Estadual e Municipal.

A Constituição Federal de 1937 pratica-

mente repetiu o que estava disposto na Cons-

tituição anterior, exceto quando defi niu que os

pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em

virtude de sentenças judiciárias, seriam incluí-

dos nas verbas orçamentárias. A Constituição

de 1934 se refere a verbas legais.

Os pagamentos devidos pela Fazen-

da Estadual e Municipal passaram também

a ser submetidos ao sistema dos precatórios

a partir da Constituição de 1946, pois, antes,

apenas a Fazenda federal estava submetida a

esse sistema.

A Constituição Federal de 1967 (e a

Emenda Constitucional n° 1, de 1969), nos ter-

mos do §1º do art. 112, tornou obrigatória a in-

clusão, no orçamento das entidades de direito

público, de verba necessária ao pagamento

dos seus débitos constantes de precatórios ju-

diciários apresentados até primeiro de julho.

2.2 SUPREMACIA DO PODER PÚBLICO

E AS SUAS IMPLICAÇÕES

Se a Fazenda Pública cumprisse ime-

diatamente com a sua obrigação de pagar, não

haveria necessidade de expedição de precatório.

E essa obrigação de pagar é uma dívida pública,

que, por ter esse sistema especial de pagamento,

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faz surgir o instituto jurídico do precatório.

O instituto do precatório tem como

fundamento a impenhorabilidade dos bens

públicos. O Estado e os seus cidadãos não es-

tão no mesmo nível. Existe uma supremacia do

poder público sobre o particular, que faz com

que o Estado tenha alguns privilégios, que ser-

vem para dar uma maior proteção aos seus

bens e direitos. Entre esses privilégios, temos a

indisponibilidade, inalienabilidade e impenho-

rabilidade dos bens públicos, e, ainda, o fato de

que esses bens não estão sujeitos a usucapião.

A Fazenda Pública, quando é parte em

um processo, goza de alguns privilégios, tais

como o prazo em quádruplo para contestar

e em dobro para recorrer (art. 188 do Código

de Processo Civil - CPC), as despesas dos seus

atos processuais serão pagas ao fi nal pelo ven-

cido (art. 27 do CPC), a dispensa de preparo

dos recursos interpostos (§1°, art. 511 do CPC)

e o reexame necessário das sentenças contra

si proferidas (art. 475, II, do CPC). Esse último ar-

tigo determina que está sujeita ao duplo grau

de jurisdição, não produzindo efeito senão de-

pois de confi rmada pelo tribunal, a sentença

que julgar procedentes, no todo ou em parte,

os embargos à execução de dívida ativa da Fa-

zenda Pública.

A execução contra a Fazenda Públi-

ca não segue as mesmas regras aplicáveis ao

particular. Por isso é que o Código de Processo

Civil colocou em uma outra seção a execução

contra a Fazenda, que está na seção III, capítulo

IV - Da execução por quantia certa contra de-

vedor solvente, arts. 730 e 731.

3 O PRECATÓRIO NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

A carta magna trata do instituto dos

precatórios no art. 100, que é complementado

pelos seguintes artigos do ADCT: 33, 78 (inclu-

ído pela EC nº 30), 86 e 87, que foram incluídos

pela EC nº 37/2002 e 97 (incluído pela EC nº

62/2009).

O sistema de precatórios está presente

na redação original da CF/88, que foi modifi ca-

do por três Emendas Constitucionais (EC): a EC

nº 30, de 13 de setembro de 2000 - que alterou

a redação do art. 100 da CF e acrescentou o

art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias (ADCT), referente ao pagamento

de precatórios judiciários -, a EC nº 37, de 12

de junho de 2002 - que alterou os arts. 100 e

156 da CF e acrescentou os arts. 84, 85, 86, 87 e

88 ao ADCT - e a EC nº 62, de 9 de dezembro

de 2009 - que alterou o art. 100 da CF e acres-

centou o art. 97 ao ADCT, instituindo regime

especial de pagamento de precatórios pelos

Estados, Distrito Federal e Municípios.

Atualmente, está em vigor a terceira

moratória aplicável ao sistema de precató-

rios. A primeira delas foi disposta no art. 33 do

ADCT, em que, ressalvados os créditos de natu-

reza alimentar, o valor dos precatórios judiciais

pendentes de pagamento na data da promul-

gação da CF, incluído o remanescente de juros

e correção monetária, poderá ser pago em

moeda corrente, com atualização, em presta-

ções anuais, iguais e sucessivas, no prazo máxi-

mo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989.

A segunda moratória está presente no art. 78

do ADCT, em que ressalvados os créditos de-

fi nidos em lei como de pequeno valor, os de

natureza alimentícia, os de que trata o art. 33

do ADCT e suas complementações e os que

já tiverem os seus respectivos recursos libera-

dos ou depositados em juízo, os precatórios

pendentes na data de promulgação da EC nº

30/2000 e os que decorram de ações iniciais

ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão

liquidados pelo seu valor real, em moeda cor-

rente, acrescido de juros legais, em prestações

anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 64

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de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

A terceira moratória é fruto da EC nº 62/2009, e

está situada no art. 97 do ADCT, que estipulou

o prazo de quinze anos (art. 97, §1º, II, do ADCT)

ou por um prazo indeterminado (art. 97, §14º,

do ADCT).

A Emenda Constitucional nº 30/2000

está sendo objeto das seguintes Ações Diretas

de Inconstitucionalidade (ADI): ADI nº 2.356,

ajuizada pela Confederação Nacional da Indús-

tria (CNI), tem como relator o ministro Néri da

Silveira (aposentado), cuja petição entrou no

STF em 28/11/2000 e a ADI nº 2.362, ajuizada

pelo Conselho Federal da Ordem dos Advo-

gados do Brasil (CFOAB), tem como relator o

ministro Celso de Mello e cuja petição entrou

no STF em 05/12/2000. Essas duas ADIs tiveram

um julgamento de medida liminar em conjun-

to, em 10.02.2010, havendo um empate nessa

data. Mas que, em 25/11/2010, teve o voto de

desempate do ministro Celso de Mello, ausen-

te no julgamento de fevereiro devido a licen-

ça médica. O decano acolheu a posição do

relator em relação à procrastinação no tempo

dos precatórios pendentes na data da promul-

gação da referida emenda que acabaria por

fulminar a efi cácia imediata de uma sentença

judicial transitada em julgado, atentando con-

tra a independência do Poder Judiciário. Assim,

suspendeu-se a expressão contida no caput

do art. 78, do ADCT, incluído pela EC 30/2000 –

“os precatórios pendentes na data da promul-

gação desta emenda”.

3.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009

A Emenda Constitucional nº 62/2009

trouxe importantes e polêmicas alterações ao

sistema de precatórios. Ela modifi cou a reda-

ção original do caput do art. 100 e alguns de

seus parágrafos, e incluiu mais alguns pará-

grafos, também a esse mesmo artigo. E ainda

acrescentou o não menos polêmico art. 97 ao

ADCT.

A Resolução nº 115, de 29 de junho

de 2010, foi deliberada pelo Plenário do CNJ,

e regulamenta aspectos procedimentais da

emenda em comento, e dispõe sobre a Gestão

de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário.

Esta resolução entrou em vigor na data de sua

publicação, revogando a Resolução nº 92, de

13 de outubro de 2009.

Posteriormente, veio a Resolução nº

123, de 9 de novembro de 2010, que acres-

centa e altera dispositivos da Resolução nº 115

do CNJ. Conforme disposição expressa de seu

texto, essa nova resolução foi publicada consi-

derando as diretrizes traçadas no Encontro Na-

cional do Judiciário sobre Precatórios, realizado

em 30 de setembro de 2010, com a participa-

ção de representantes dos 56 tribunais brasilei-

ros com precatórios a pagar; e a necessidade

de tornar exequível a EC nº 62/2009, que insti-

tuiu o regime especial de pagamento de pre-

catórios, de modo que não se torne moratória

permanente.

Da mesma forma que a emenda nº

30/2000, a EC nº 62/2009 também está sendo

objeto de Ações Diretas de Inconstitucionali-

dade (ADI), que são as seguintes: ADI nº 4.357,

ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil (CFOAB) e outros, que

teve parecer do Procurador Geral da Repúbli-

ca a favor da sua inconstitucionalidade, ADI nº

4.372, ajuizada pela Associação Nacional dos

Magistrados Estaduais (ANAMAGES), ADI nº

4.400, ajuizada pela Associação Nacional dos

Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMA-

TRA) e a ADI nº 4.425 ajuizada pela Confede-

ração Nacional da Indústria (CNI). Todas essas

ADIs referentes a essa emenda têm como rela-

tor o ministro Carlos Ayres Britto e estão con-

clusas ao relator.

Em relação à ADI nº 4.357, o Procurador

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011

Geral da República se manifestou da seguinte

forma:

O parecer é pela procedência do pedido, em face da inconstitucionalidade formal relativa ao modo como se deu a votação da proposta que veio a resultar na EC 62. Acaso superada essa questão, é pela procedência parcial, a fi m seja declarada a inconstitucionalidade do art. 97 do ADCT, introduzido pela EC nº 62/2009.

A redação original do caput do art. 100

da CF foi modifi cado pela EC nº 62/2009, mas

foi mantida a exclusividade da ordem cronoló-

gica de apresentação dos precatórios e a conta

dos créditos respectivos, para os pagamentos

devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Es-

taduais, Distrital e Municipais, em virtude de

sentença judiciária, proibida a designação de

casos ou de pessoas nas dotações orçamentá-

rias e nos créditos adicionais abertos para este

fi m. Com isso, respeita os princípios da impes-

soalidade e da moralidade na Administração

Pública, expressos no caput do art. 37 desta CF.

O art. 4º da Resolução nº 115/2010

defi niu como momento de apresentação do

precatório o do recebimento do ofício peran-

te o tribunal ao qual se vincula o juízo da exe-

cução. Essa defi nição é importante, pois dela

decorrem várias situações jurídicas, tais como a

atualização de valores de requisitórios (§12) e a

apuração de sua liquidação regular (§7º).

Uma importante inclusão feita pela

Resolução nº 123/2010 foi o acréscimo de um

parágrafo ao art. 9º da Resolução nº 115/2010,

que faculta aos Tribunais de Justiça, de co-

mum acordo com os Tribunais Regionais Fe-

derais e do Trabalho, optar pela manutenção

das listagens de precatórios em cada Tribunal

de origem dos precatórios, devendo o Comitê

Gestor de Contas Especiais defi nir e assegurar

o repasse proporcional das verbas depositadas

nas contas especiais aos Tribunais que tenham

precatórios a pagar. Nesse caso, as impugna-

ções à ordem cronológica serão resolvidas

pelo Presidente de cada Tribunal.

O §1º do art.100 da CF defi ne os dé-

bitos de natureza alimentícia como sendo

aqueles decorrentes de salários, vencimentos,

proventos, pensões e suas complementações,

benefícios previdenciários e indenizações por

morte ou por invalidez, fundadas em respon-

sabilidade civil, em virtude de sentença judicial

transitada em julgado. Esse caráter alimentar

faz com que esses créditos, que são débitos

para a Fazenda Pública, sejam dotados de pri-

vilégios ou preferências, que foram objeto da

súmula nº 144 do STJ, segundo a qual os cré-

ditos de natureza alimentícia gozam de prefe-

rência, desvinculados os precatórios da ordem

cronológica dos créditos de natureza diversa.

Outra súmula, desta vez do STF, que

trata de créditos de natureza alimentícia e or-

dem cronológica dos créditos de outra natu-

reza é a de nº 655, que dispõe que a exceção

prevista no art. 100, caput, da CF, em favor dos

créditos de natureza alimentícia, não dispensa

a expedição de precatório, limitando-se a isen-

tá-los da observância da ordem cronológica

dos precatórios decorrentes de condenações

de outra natureza.

O §2º do art. 100 da CF retrata um pri-

vilégio especial ou qualifi cado que foi introdu-

zido pela EC nº 62/2009, e está regulamentado

pela Resolução nº 115/2010.

Com relação aos portadores de doen-

ças graves essa resolução prescreveu, no seu

artigo 14, que em caso de insufi ciência de re-

cursos para atendimento à totalidade dos pe-

didos de preferência, dar-se-á preferência aos

portadores de doenças graves sobre os idosos

em geral, e destes sobre os créditos de nature-

za alimentícia, e, em cada classe de preferência,

à ordem cronológica de apresentação do pre-

catório.

O art. 7º da Resolução nº 115/2010 con-

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011

sidera como momento de requisição do preca-

tório a data de 1º de julho, para os precatórios

apresentados ao Tribunal entre 2 de julho do

ano anterior e 1º de julho do ano de elabora-

ção da proposta orçamentária.

Em 29/10/2009, portanto antes da pu-

blicação da EC nº 62/2009, o STF editou a sú-

mula vinculante nº 17, que estabelece que du-

rante o período previsto no §1º do art. 100 da

CF, não incidem juros de mora sobre os preca-

tórios que nele sejam pagos. Onde está escrito

§1º, leia-se §5º, pois essa emenda modifi cou a

redação original do art. 100 e seus parágrafos.

A caracterização de crime de respon-

sabilidade praticado pelo Presidente do Tri-

bunal na forma do art. 100, §6° e 7°, da Carta

Política, não prejudicará a abertura de proce-

dimento administrativo adequado pelo Ple-

nário do CNJ, por omissão na adoção das me-

didas previstas na Resolução nº 115/2010, e as

modifi cações introduzidas pela Resolução nº

123/2010, nos termos dos arts. 38 e 39.

Não incluir no orçamento das entida-

des de direito público a verba necessária ao

pagamento de seus precatórios e o desvio de

recursos destinados ao seu pagamento consti-

tui crime de responsabilidade e ato de impro-

bidade administrativa do Presidente do Tribu-

nal, que responderá, também, perante o CNJ.

Em relação aos crimes de responsabi-

lidade, temos a lei nº 1.079, de 10 de abril de

1950, que defi ne os crimes de responsabilidade

e regula o respectivo processo de julgamento,

aplicando-se ao Presidente da República, aos

Governadores e outras autoridades. Quanto

aos Prefeitos Municipais, aplica-se o Decreto-

-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

Os atos de improbidade administrati-

va estão previstos na lei nº 8.429/92, sendo que

nesse caso se subsume o art. 11, I (praticar ato

visando fi m proibido em lei ou regulamento

ou diverso daquele previsto, na regra de com-

petência), desviar recursos destinados ao pa-

gamento de precatórios e II (retardar ou deixar

de praticar, indevidamente, ato de ofício), não

incluir no orçamento a verba necessária ao seu

pagamento.

O caráter administrativo do processo

de expedição, processamento e pagamento

do precatório está expresso nos §§ 2º e 3º do

art. 6º da Resolução nº 115/2010, e, também,

está presente na súmula nº 311 do STJ, que dis-

põe que os atos do presidente do tribunal que

disponham sobre processamento e pagamen-

to de precatório não têm caráter jurisdicional.

O §9º, art. 100 da CF, é bastante contro-

verso em muitos aspectos, sendo, inclusive, um

dos pontos mais atacados pelas ADI. A expres-

são “independentemente de regulamentação”,

contida nesse §9º, signifi ca que a compensa-

ção de que trata esse item é auto-aplicável, ou

seja, essa é uma norma de efi cácia plena, de

aplicabilidade imediata.

A Resolução nº 123/2010 deu nova re-

dação aos §§ 3º e 4º da Resolução nº 115/2010,

e agora ordena que, tornando-se defi nitiva a

decisão que determina a compensação dos

valores a serem pagos mediante precatório,

deverá a Vara ou o Tribunal, conforme o órgão

que decidiu sobre a compensação, emitir cer-

tifi cado de compensação para fi ns de controle

orçamentário e fi nanceiro, juntando-os ao pro-

cesso administrativo de expedição do preca-

tório. A antiga redação do §4º entendia como

o momento que se operava a compensação o

da efetiva expedição do documento de arreca-

dação, e, com a nova redação, a compensação

se dará no momento da efetiva expedição do

certifi cado de compensação, quando cessará a

incidência de correção monetária e juros mo-

ratórios sobre os débitos compensados.

O §12 do art. 100 da CF está sendo ob-jeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, onde destacaremos, a seguir, trechos da ADI nº 4.425:

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Duas situações podem ser vislumbradas na re-gra: uma primeira, na qual a decisão judicial já foi proferida, e uma segunda, na qual a decisão ainda está para ser tomada. Isto porque a dis-posição é ampla e geral para todas as situações existentes ou que venham a existir a partir da promulgação da Emenda Constitucional em questão.No primeiro cenário proposto, fi ca fl agrante a violação da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição), na medida em que se estará impondo como fator de correção índice diverso daquele eventualmente determinado pela decisão judicial. Ou seja, independente-mente do critério fi xado pela sentença judicial transitado em julgado, a atualização do valor da condenação após sua expedição e até o efetivo pagamento será invariavelmente feita segundo o índice ofi cial de remuneração da caderneta de poupança. Esvaziado, assim, o conteúdo da decisão e prejudicada a autono-mia e autoridade das decisões judiciais, o que também vulnera o princípio da separação de poderes (artigo 2º da CF).No segundo cenário aventado, o preceito também padeceria do vício de inconstitucio-nalidade. Com efeito, o índice ofi cial de remu-neração básica da caderneta de poupança é a Taxa Referencial (TR). Este índice cria distorções em favor do Poder Público, na medida em que, enquanto devedor, os seus débitos serão corri-gidos pela TR e, na condição de credor, os seus créditos fi scais se corrigem por meio da Selic. Assim, quando inexoravelmente se lhe é ga-rantido uma atualização de dívidas por índice inferior ao que atualiza seus créditos, estar-se-á estimulando o Estado a prolongar indefi nida-mente as discussões judiciais nas quais fi gura como devedor.

A doutrina de Harada (2010, p. 5) se

posicionou sobre os juros da seguinte forma:

A exclusão dos juros compensatórios, intro-duzidos nas expropriatórias por criação pre-toriana, está correta. Sua acumulação com os juros moratórios conduz a uma incoerência, pois o expropriado não pode ser, ao mesmo tempo, titular da coisa desapropriada a jus-tificar incidência de juros compensatórios, e da indenização a justificar juros moratórios pelo atraso no seu pagamento. Ora, a in-denização substitui a coisa expropriada re-compondo o patrimônio do expropriado em nada acrescentando.

A EC nº 62/2009 acrescentou o art. 97

ao ADCT, que estipula que até que seja edita-

da a lei complementar de que trata o §15 do

art. 100 da CF, os Estados, o DF e os Municípios

que, na data de publicação desta EC, estejam

em mora na quitação de precatórios vencidos,

relativos às suas administrações direta e indire-

ta, inclusive os emitidos durante o período de

vigência do regime especial instituído por este

artigo, farão esses pagamentos de acordo com

a opção feita pelos Estados, DF e Municípios,

nos termos dos §§ 1º e 2º, sendo inaplicável o

disposto no art. 100 desta CF, exceto em seus

§§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo

dos acordos de juízos conciliatórios já formali-

zados na data de promulgação desta EC.

Esse art. 97 do ADCT é um dos pontos

mais controvertidos dessa EC, sendo objeto de

várias ADI. Na ADI nº 4.357, o parecer da Pro-

curadoria Geral da República foi pela sua in-

constitucionalidade, cujo ponto central está na

ofensa ao próprio Estado de Direito.

Os Estados, DF e Municípios podem

optar, conforme esse art. 97, §1º e §2º, entre o

parcelamento em até 15 anos da dívida ou o

depósito mensal de um percentual calculado

sobre as suas receitas correntes líquidas (RCL).

Sendo que esse percentual da RCL pode fa-

zer com que esses entes federativos passem

décadas nesse regime especial, caso optem

por fazer o pagamento utilizando o percentu-

al mínimo exigido. Por isso é que sobreveio a

Resolução nº 123/2010 e modifi cou a Resolu-

ção nº 115/2009. Por essa nova resolução, está

fi xado o prazo máximo de quinze anos para o

pagamento integral dos precatórios atrasados,

e não o prazo indeterminado possibilitado an-

teriormente.

Algumas das mudanças mais impor-

tantes trazidas pela Resolução nº 123/2010 são

as que acrescentam os §§ 1º, 2º e 3º ao art. 20

e dão uma nova redação ao inciso IV do art. 28,

todos da Resolução nº 115/2010.

A lei no 10.522, de 19 de julho de 2002,

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 68

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 60- 69 jan./dez. 2011

dispõe sobre o Cadastro Informativo dos crédi-

tos não quitados de órgãos e entidades fede-

rais (Cadin), que, de acordo com o seu art. 2o,

conterá a relação das pessoas físicas e jurídicas

que sejam responsáveis por obrigações pecu-

niárias vencidas e não pagas, para com órgãos

e entidades da Administração Pública Federal,

direta e indireta. Essa lei fi xa sanções aos ins-

critos no Cadin. Agora temos, conforme o art. 3º

da Resolução nº 115/2010, o Cadastro de Entida-

des Devedoras Inadimplentes (CEDIN), instituído

no âmbito do Sistema de Gestão de Precatórios

(SGP), mantido pelo CNJ, no qual constarão as

entidades devedoras que não realizarem a libe-

ração tempestiva dos recursos de que tratam o

inciso II do §1º e os §§ 2º e 6º do art. 97 do ADCT.

A entidade que constar nesse cadastro não pode

contrair empréstimo externo ou interno, receber

transferências voluntárias enquanto nele fi gurar,

bem como receber os repasses relativos ao Fun-

do de Participação dos Estados e do Distrito Fe-

deral e ao Fundo de Participação dos Municípios.

Dessa forma, temos um cadastro de inadimplen-

tes também para o poder público, previsto nessa

resolução, pois o cadastro de inadimplentes para

o particular já existia.

O Estado do Piauí optou pelo paga-

mento de seus precatórios judiciários, da admi-

nistração direta e indireta, na forma do inciso II

do §1º do art. 97, de acordo com o Decreto nº

14.075, de 09/03/2010.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema de precatório é bastante com-

plexo, mas que não vem funcionando como

deveria, haja vista que várias modifi cações fo-

ram feitas.

Atualmente, vivemos sob a égide da

Constituição Federal de 1988 (CF/88), cuja siste-

mática de precatórios já contabiliza três Emendas

Constitucionais, e é objeto de várias Ações Dire-

tas de Inconstitucionalidade pendentes de julga-

mento. Apesar dessas três emendas, a situação

está longe de encontrar uma solução adequada,

pois já estamos na terceira moratória constitu-

cional. Mas, para tentar resolver essa questão, foi

promulgada a EC nº 62, de 9 de dezembro de

2009, que trouxe importantes e polêmicas alte-

rações, que modifi caram a redação original do

caput do art. 100 e alguns de seus parágrafos, e

incluiu mais alguns parágrafos, também a esse

mesmo artigo. E ainda acrescentou o não menos

polêmico art. 97 ao ADCT.

Para regulamentar aspectos proce-

dimentais da emenda nº 62/2009 e, ainda,

dispor sobre a Gestão de Precatórios no âm-

bito do Poder Judiciário, foi deliberada pelo

Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº

115/2010.

Posteriormente, veio a Resolução nº

123/2010, que acrescenta e altera dispositivos da

Resolução nº 115 do CNJ. Um dos pontos que

merece destaque é a fi xação de um prazo má-

ximo de quinze anos para o pagamento integral

dos precatórios atrasados, e não o prazo indeter-

minado possibilitado anteriormente, pois nesse

caso a moratória seria permanente.

Algumas modificações recentes fo-

ram positivas, tais como o estabelecimento

de penalidades em caso do não pagamen-

to de precatórios. No entanto, muitas dessas

modificações estão sendo objeto de críticas

pela doutrina, com destaque para a com-

pensação unilateral realizada pela Fazenda

Pública (§9° do artigo 100 da CF) e a atua-

lização de valores dos precatórios (§ 12 do

artigo 100 da CF).

• ABSTRACT

Precatory system is a complex issue that invol-

ves a large amount of resource, and includes

the Federal, State, Federal District and Munici-

palities. Corresponds to the debt, and occurs

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when the treasury has to pay an amount, co-

ming from a judicial decision, which has diff e-

rent rules from those applicable to the debts

of individuals. This is a legal institution establi-

shed in the Constitution of 1988, but that has

not working as it should, considering that seve-

ral modifi cations were made.

• KEYWORDS:

Constitutional Law. Precatory. Public Debt.

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ção da República Federativa do Brasil de 1988.

Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.

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planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm>.

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de 02 de junho de 1992, Dispõe sobre as sanções

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cargo, emprego ou função na administração pú-

blica direta, indireta ou fundacional. Disponível

em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/

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______. Presidência da República. Lei no

10.522, de 19 de julho de 2002, Dispõe sobre

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cnj.jus.br/portal/atos-administrativos/atos-da-

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______. Conselho Nacional de Justiça. Reso-

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TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 77770077777

Werner Oliveira HenriquesBacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UES-PI) e atualmente servidor público da Secretaria de Justiça do Estado do Piauí exercendo o cargo de agente penitenciário.

• RESUMO

Este estudo procura analisar uma opção à atu-

al gestão do Sistema Prisional brasileiro, enfa-

tizando a importância de efetiva aplicação de

penas alternativas dentro do Sistema Prisional,

partindo da premissa de que as alternativas às

penas privativas de liberdade poderão resol-

ver, em parte, os problemas carcerários, em

especial a superlotação. Além da possibilidade

de amenizar os problemas dentro do Sistema

Prisional, deixa-se de obstaculizar a ressociali-

zação prisional. As penas alternativas, quando

passam a ser foco de Políticas Públicas refe-

rentes à gestão do Sistema Prisional, tornam-

-se um importante instrumento para a efetiva

ressocialização prisional, como preceitua a Lei

de Execução Penal.

• PALAVRAS-CHAVE

Execução Penal – Brasil. Prisões – Político go-

vernamental – Brasil. Ressocialização – Brasil.

Penas alternativas – Brasil.

1 INTRODUÇÃO

É notório que o Sistema Prisional bra-

sileiro está imergindo em uma crise bastante

complexa, envolvendo vários setores da socie-

dade. Entre eles o Poder Judiciário, o Legislati-

vo, o Executivo, a própria sociedade e os servi-

Penas alternativas e ressocialiazação prisional:

saídas à atual política prisional

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dores penitenciários.

As penitenciárias brasileiras encon-

tram-se em situações inadequadas para a so-

brevivência humana na aplicação da pena, o

que gera uma grande debilidade fi siológica e

psicológica nas pessoas ali presas.

Alia-se a esta realidade, a difi culdade

de assistência jurídica gerada pela falta de re-

cursos, tanto por parte do detento, como do

próprio Estado. Hoje, a demanda está muito

além das disponibilidades de Defensores Pú-

blicos no país, o que gera a manutenção de

prisões ilegais, a ocorrência de detentos cum-

prindo pena privativa de liberdade além do

período determinado na sentença condenató-

ria e um abarrotamento de presos provisórios.

Diante dessa realidade, a pena privati-

va de liberdade deve ser evitada ao máximo,

sendo recomendável, sempre que possível,

substituí-la por uma pena alternativa. Neste as-

pecto, o Sistema Prisional apresenta-se muito

distante daquilo que é necessário para fazer

cumprir as funções de ressocialização e os efei-

tos da cadeia na vida criminal têm invalidado

amplamente a hipótese da ressocialização do

delinquente através da prisão.

Diante o exposto, como poderíamos

reinserir o infrator à sociedade? Diante de tan-

tas circunstâncias desfavoráveis, é possível tal

reinserção aos moldes do art 1º da Lei de Exe-

cução Penal? Que alternativa poderia ser dada

à atual Política Pública referente ao Sistema Pri-

sional?

Uma alternativa proposta seria a apli-

cação mais efetiva de penas alternativas, co-

nhecida também como penas restritivas de

direito, de forma que se possa, com ela, possi-

bilitar a ressocialização prisional.

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Seguindo esta lógica, a aplicação efe-

tiva de penas alternativas é um importante

mecanismo de ressocialização prisional den-

tro do complexo dinamismo penal, quando se

busca colocar em prática os objetivos por ela

lançados. Além do que torna possível algo que

o próprio sistema prisional tanto carece: esta-

belecimentos penais “desabarrotados”, princi-

palmente quando levamos em consideração

as estruturas debilitadas de nossos presídios.

2 PENAS ALTERNATIVAS: CONCEITOS

E REQUISITOS PARA APLICAÇÃO

As penas alternativas são punições

que substituem a pena de prisão aplicada pelo

juiz e por conta disso são consideradas como

penas substitutivas à pena privativa de liberda-

de, estando elencadas no art. 43 do Código Pe-

nal. O seu caráter substitutivo se dá porque, ao

ser anunciada a condenação, o juiz, atendendo

os requisitos, procederá à substituição por uma

pena alternativa, conforme prescreve o art. 44

do nosso Código Penal. Neste aspecto, conti-

nua sendo pena, só que não será cumprida no

presídio, mas em liberdade, junto à sociedade.

Neste sentido, Fernando Capez (2002,

p. 343) afi rma que as penas alternativas consti-

tuem toda e qualquer opção à sanção ofereci-

da pela legislação penal para evitar a imposição

da pena privativa de liberdade. E acrescenta

que os objetivos da nova lei (lei nº 9.714/98),

que insere novas penas restritivas de direitos,

seria o de dar cumprimento ao disposto no art.

5º, XLVI da Constituição Federal, que prevê a

pena de prestação social alternativa, além de

buscar metas como a diminuição da superlo-

tação dos presídios com redução de custos

para o sistema penitenciário; favorecimento

da ressocialização do autor do fato, evitando

o deletério ambiente do cárcere e a estigmati-

zação dele decorrente; redução da reincidên-

cia, uma vez que a pena privativa de liberdade,

dentre outras, é a que detém o maior índice de

reincidência; além da preservação dos interes-

ses da vítima.

O art. 44 do Código Penal dispõe so-

bre os requisitos objetivos e subjetivos para

a substituição da pena privativa de liberdade

pela restritiva de direitos, sobre o escalona-

mento das penas restritivas de direito, confor-

me a pena aplicada, e sobre a conversão da

pena restritiva de direito em privativa de liber-

dade. Orienta, ainda, o citado artigo, que se faz

necessária a presença dos pressupostos objeti-

vos e subjetivos simultaneamente.

No que tange aos pressupostos ob-

jetivos, observa-se que, para a substituição da

pena, deverá ser efetivada caso a pena privati-

va de liberdade aplicada seja igual ou inferior a

4 (quatro) anos, e no casos de crime culposo,

a substituição se fará, independentemente da

quantidade da pena imposta.

Já no requisito subjetivo para a aplica-

ção do instituto em estudo, observa-se que o

réu não deve ser reincidente em crime doloso,

assim como serão levados em conta também

a culpabilidade, os antecedentes, a conduta ou

a personalidade; ou ainda os motivos e circuns-

tâncias que recomendam a substituição.

Discussão interessante acerca de sua

aplicação se dá quando se vislumbra a possi-

bilidade de aplicação aos crimes hediondos

e a ele equiparados. Na lei nº 8.072 de 25 de

julho de 1990, em seu art. 2º, § 1º, com nova

redação dada pela lei nº 11.464/2007, estabe-

lece que a pena em crimes hediondos e a ele

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equiparados será cumprida, inicialmente, em

regime fechado, possibilitando sua progressão,

se preenchidos os requisitos objetivos do § 2º

do citado artigo. Porém, em nenhum momen-

to se mencionou da proibição da aplicação

das penas restritivas de direito, aqui chama-

das de penas alternativas. No entanto, a lei nº.

11.343/2006 (Lei de Drogas) estabelece em seu

art. 44, a proibição de conversão da pena priva-

tiva de liberdade em restritivas de direitos.

Referente à possibilidade de aplicação

de penas alternativas aos crimes hediondos e

a ele equiparados, segundo jurisprudência do-

minante do STF (Supremo Tribunal Federal), é

perfeitamente possível a aplicação de penas

alternativas ao condenado pela prática de cri-

mes hediondos, uma vez que não há vedação

expressa acerca da possibilidade. No que tange

aos equiparados, em especial aos tipifi cados

na lei nº 11.343/2006 (arts. 33 a 37), há recentes

decisões do STF no sentido de ser possível a

aplicação das citadas penas, apesar de haver

disposição legislativa em contrário (arts. 33, §

4º e 44, da lei nº 1.343/2006).

Segundo o informativo 615 do STF, a

2ª turma concedeu Habeas Corpus para de-

terminar ao juízo da execução que proceda

ao exame da possibilidade de substituição da

pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos ou, no caso de o paciente não preen-

cher os requisitos, que modifi que o regime de

cumprimento da pena para o aberto. No caso

em tela, o paciente foi condenado à pena de

1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão a ser

cumprida inicialmente em regime fechado,

conforme estabelece a lei de Crimes Hedion-

dos. Porém, em sede de Habeas Corpus, o Min.

Gilmar Mendes determinou a substituição de

pena de reclusão imposta por restritiva de di-

reito, uma vez preenchidos os requisitos para

a concessão da mesma. Destaca ainda que a

determinação do legislador para cumprimen-

to da pena em regime inicialmente fechado,

independentemente do quantum da pena na

lei de Crimes Hediondos, violaria o princípio

constitucional de individualização da pena e

da proporcionalidade. A corte declarou ainda,

incidentalmente, a inconstitucionalidade da

expressão “vedada a conversão em penas res-

tritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33

da Lei nº 11.343/2006, e da expressão “vedada

a conversão de suas penas em restritivas de di-

reitos”, contida no referido art. 44 do mesmo

diploma legal. Desta forma, estenderam-se a

aplicação das chamadas penas alternativas aos

mais diversos crimes.

É observado que, em regra, é aplica-

da aos crimes de menor potencial ofensivo,

sendo, inclusive, aplicada também nos Jui-

zados Especiais Criminais. Crimes estes que

compõem uma parcela considerável da po-

pulação carcerária atual, podendo, quando

adequada a sua aplicação, evitar o contato de

criminosos eventuais com aqueles criminosos

por “profi ssão”.

3 RESSOCIALIZAÇÃO PRISIONAL

A Lei nº. 7.210 de 11 de julho de 1984

(Lei de Execução Penal), em seu art. 1º, prevê

como meta da Lei de Execução Penal propor-

cionar condições para a harmônica integração

social. Neste ínterim, as penas alternativas ob-

jetivam metas similares no intuito de facilitar a

reintegração social, de forma a dar condições

de devolver o infrator à sociedade. Visando, so-

bretudo, cessar o ciclo vicioso de prender o in-

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frator, devolvê-lo à sociedade para em seguida,

o mesmo infrator, voltar ao sistema prisional,

política essa que está mais do que provado

que não resolve o problema no sistema pri-

sional.

A aplicação de penas alternativas per-

mite-nos visualizar um processo mais tranquilo

de ressocialização, pois o condenado continua

em liberdade mantendo um elo mais próximo

com sua família e amigos, assim, não retirando

dele os seus bens mais caros: liberdade e digni-

dade humana. Mas, neste contexto, o que seria

a ressocialização?

Para Eugenio Raul Zaff aroni (2001, p.

23), a ressocialização está longe de ser objetivo

da pena de prisão, uma vez que se pauta em

objetivos antagônicos de punir e exemplariar.

Ou seja, perdeu-se muito a bússola da resso-cialização, não sendo mais possível considerá--la utopia, algo irrealizável e sim algo absurdo, aquilo que jamais poderá ser feito porque está em oposição à lógica.

Neste aspecto, o mesmo Zaff aroni

vislumbra tal absurdo quando se depara com

a prática penitenciária, que provoca vexames,

além de divergir dos seus próprios objetivos de

ressocialização, violando os direitos dos apena-

dos e os princípios de dignidade. Ou seja, na

medida em que a ressocialização é objetivada

sem alicerce para sua efetivação, torna-se algo

com escassa possibilidade de concretude.

Já Damásio Evangelista de Jesus refe-

re-se ao modelo ressocializador como sistema

reabilitador, que indica a ideia de prevenção

especial à pena privativa de liberdade, deven-

do consistir em medidas que vise ressocializar

a pessoa em confl ito com a lei. Nesse sistema, a

prisão não é um instrumento de vingança, mas

sim, um meio de reinserção mais humanitária

do indivíduo na sociedade. Porém, este mode-

lo ressocializador das nossas prisões destaca-se

por seu realismo, pois não lhe importam os fi ns

ideais da pena, muito menos o delinquente

abstrato, senão o impacto real do castigo, tal

como é cumprido no condenado concreto do

nosso tempo. Não lhe importa a pena nominal

que contemplam os códigos, senão a que real-

mente se executa nas penitenciárias hoje.

Cezar Roberto Bitencourt esclarece o

conceito da seguinte maneira:

A ressocialização passa pela consideração de uma sociedade mais igualitária, pela imposição de penas mais humanitárias, prescindindo den-tro do possível das privativas de liberdade, pela previsão orçamentária adequada à grandeza do problema penitenciário, pela capacitação de pessoal técnico, etc. Uma consequência ló-gica de teoria preventivo-especial ressocializa-dora é no âmbito penitenciário, o tratamento do delinquente. A primeira contrariedade que se apresenta em relação ao tratamento peni-tenciário é sua efi cácia diante das condições de vida que o interior prisional oferece atual-mente. Em segundo lugar, mencionam-se os possíveis problemas para o delinquente e seus direitos fundamentais que a aplicação acarre-taria. Finalmente, a terceira posição refere-se à falta de meios adequados e de pessoal capa-citado para colocar em prática um tratamento penitenciário efi caz. (2001, p. 49)

Por conta disso, busca-se tratar aqui

das penas alternativas, no contexto de um mo-

delo ressocializador e humanitário, alternativo

à Política hoje aplicada ao Sistema Prisional,

onde a pena deixa de servir como mero instru-

mento de vingança e resposta imediata à so-

ciedade contra aquele que infringiu a lei e pas-

sa a atuar como meio preventivo de possíveis

reincidências, quando se direciona ao estudo

das causas da criminalidade.

4 PENAS ALTERNATIVAS COMO MEDIDA

DE RESSOCIALIZAÇÃO PRISIONAL E FIM

PRECÍPUO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Diante das fi nalidades já apontadas

neste estudo, como as penas alternativas po-

dem favorecer a efetivação, ou pelo menos,

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011

mediar a aproximação do Sistema Punitivo

com a ressocialização?

De forma a destacar a importância da

aplicação de penas alternativas como alterna-

tiva dentro desse Sistema Punitivo do Estado,

Júlio Fabrini Mirabete (2002, p. 23) salienta que:

a afi rmação de que é possível, mediante cár-cere castigar, o detento neutralizando-o por meio de um sistema de segurança e, ao mes-mo tempo, ressocializá-lo com tratamento já não se sustenta mais, exigindo-se novos cami-nhos para a execução das penas.

A ideia de ressocialização há de co-

mungar o postulado da progressiva humaniza-

ção e liberação da execução penitenciária, de

tal modo que, asseguradas medidas como as

permissões de saída, o trabalho externo e os

regimes abertos tenha ela mais efi cácia.

Ainda nos dizeres de Mirabete (2002,

p. 24), a ressocialização não pode ser consegui-

da numa instituição como a prisão. Ele reforça

a ideia, alegando que os centros de execução

penal, em especial, as penitenciárias, tendem a

converter-se num microcosmo no qual se re-

produzem e se agravam as contradições que

existem no sistema social externo.

Neste aspecto, é possível a seguinte

indagação: por que as penas alternativas ofere-

ceriam a melhor resposta ou o melhor tipo de

sanção aos que agem à margem da lei?

Privar alguém de sua liberdade não

é a única sanção possível, mesmo dentro do

atual ordenamento penal em vigor nas de-

mocracias contemporâneas. Inúmeras penas

alternativas à privação da liberdade têm sido

aplicadas nos mais diferentes países, ainda

que, normalmente, sempre em uma escala

muitas vezes inferior às penas de prisão. Po-

de-se destacar a França, que foi um dos pri-

meiros países a perceber a necessidade de

criar alternativas à medida extrema da prisão

provisória, no início da década de 70.

Pesquisas específi cas em torno das pe-

nas alternativas têm demonstrado vantagens

comparativas que não costumam ser conside-

radas. Tal é o caso, por exemplo, do menor cus-

to e das taxas inferiores de reincidência, além

do que “desafoga” o Sistema Prisional.

As formas alternativas à prisão po-

dem ser uma resposta mais eficaz e mais

justa do que o encarceramento, ainda mais

quando consideramos o tratamento neces-

sário à integração social daqueles cuja li-

berdade não ofereça riscos consideráveis à

vida ou a integridade física dos demais. Um

conjunto de novos aportes teóricos na área

do direito vem demonstrando a possibili-

dade de formas alternativas de responsabi-

lização orientadas pela reparação do dano,

pelo apoio às vítimas e pelo arrependimento

eficaz dos perpetradores como ocorre, por

exemplo, com os movimentos em favor da

chamada “Justiça Restaurativa” 2.

A efi cácia das penas alternativas se

comprova nos baixos índices de reincidência.

No Brasil, segundo dados do Instituto Latino

Americano de Tratamento do Delinquente –

ILANUD, aproximadamente 12% seria o índice

de reincidência dos condenados a penas al-

ternativas contra 45% dos condenados a pena

privativa de liberdade em regime fechado. Es-

tes dados são de 2002, porém, são dados que

mostram bem a efi cácia de tal medida.

Deparando-se com dados mais atu-

ais, hoje, quase 80% da população carcerária

em regime fechado é oriunda de reincidentes.

Desta forma, deve-se buscar, através de Polí-

ticas Públicas, mecanismo para que se possa

reverter este quadro.

Neste contexto, observa-se que não

existe nenhuma correlação do aumento das

taxas de encarceramento à redução dos índi-

ces de criminalidade. Um possível controle da

criminalidade não passaria necessariamente

2. Justiça Restaurativa é uma alternativa à Justiça punitiva, onde o foco é, em vez de culpar e punir, restaurar as relações entre pessoas afetadas por confl itos. Con-ceito extraído do site http://www.tj.sp.gov.br/Download/FDE/2%20-%20Ofi cina%20de%20Lideran%c3%a7as%20Educacionais/Informa%c3%a7%c3%b5es%20%c3%bateis.pdf

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pelo enrijecimento da penalidade, como esta-

belece a ideologia dominante de um Estado

Penalizador. E muito menos, passaria pelo au-

mento de vagas nas penitenciárias espalhadas

pelo Brasil.

As Políticas Públicas de enrijecimento

do Sistema Penal assim como a construção de

novas penitenciárias, sem fomentar o contro-

le da base estrutural dos índices de criminali-

dade, somente contribui para o aumento da

degradação que vive o Sistema Prisional. Tal

constatação é verifi cada nos grandes índices

de superlotação nas penitenciárias brasileiras.

Pra se ter uma ideia, segundo dados

do DEPEN 3, em junho de 2010, havia, no Brasil,

2.210 (dois mil duzentos e dez) estabelecimen-

tos penais, entre estabelecimentos públicos e

terceirizados, com aproximadamente 494.237

(quatrocentos e noventa e quatro mil duzentos

e trinta e sete) detentos, sendo que são 299.587

(duzentos e noventa e nove mil quinhentos e

oitenta e sete) vagas. Ou seja, o número de

vagas é bem insufi ciente para a demanda car-

cerária, uma vez que há quase o dobro de ape-

nados para o número de vagas. Assim, se faz

necessário buscar alternativas para o “desafo-

gamento” deste sistema que só incha, impos-

sibilitando uma melhor política de ressociali-

zação e comprometendo a própria segurança

dentro dos estabelecimentos penais.

É latente que este sistema punitivo

prevalecente nas Políticas Públicas referentes à

questão prisional está fadado ao insucesso. A

própria prisão como “única” forma de reprimir

o crime não dá as respostas que queremos ter.

Pelo contrário, as prisões só geram uma imen-

sa “bola de neve” que provoca destruição e

degradação na população carcerária. A prisão

não tem serventia para o que deveria servir,

além de paralisar a formação e o progresso de

bons valores sociais, torna o ser humano estig-

matizado e atua muito mais como indústria de

reprodução para carreira do crime, faz pene-

trar na personalidade a prisionalização da ne-

fasta cultura carcerária, fomenta o processo de

despersonalização e contribui para legitimar o

desrespeito aos direitos humanos tão latentes

dentro dos Sistemas Prisionais.

O fato é que uma decisão de política

criminal orientada pelo objetivo de minimizar

o uso do encarceramento no Brasil poderia

implicar em uma rápida e profunda alteração

nas taxas atuais de superlotação. Obter-se-iam

condições mais adequadas de aplicação da

pena com vistas à reinserção do infrator à so-

ciedade.

A superlotação gera uma heteroge-

neidade maléfi ca dentro dos estabelecimen-

tos prisionais e, nos últimos anos, cresce ainda

mais o número de infratores já condenados e

não condenados que aguardam um provável

julgamento. Neste aspecto, se faz importante

mencionar que, atualmente, segundo dados

do Professor Luiz Flávio Gomes em seu blog,

44% (quarenta e quatro por cento) da popula-

ção carcerária é de presos provisórios, não ha-

vendo uma seleção entre os que se inserem no

sistema, conforme seu exame criminológico.

Há um verdadeiro ciclo vicioso no sis-

tema carcerário brasileiro, onde os delinquen-

tes, por menos perigosos que sejam, ao serem

detidos, além de fi carem isolados dos cidadãos

da sua comunidade, ainda convivem com cri-

minosos de toda espécie. Tal procedimento

faz com que estes condenados, muitas vezes

primários, sejam induzidos ao mundo da crimi-

nalidade, aperfeiçoando-se nas mais diversas

formas de se praticar delitos.

Pode-se destacar ainda como proble-

mas vividos pelo Sistema Prisional, além da

superlotação, a estrutura defi citária das Peni-

tenciárias brasileiras, que muitas vezes não têm

o mínimo de condições higiênicas para a cus-

tódia do preso. Destaca-se, também, a carência

3. Dados obtidos no portal do Ministério da Justiça

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011

de servidores preparados para as atividades de

risco que envolve o sistema, uma vez que a for-

mação de muitos deles é inadequada, o que

favorece a incidência de corrupção dentro do

sistema.

As Políticas Públicas referentes ao sis-

tema Prisional deve pautar em uma melhor

preparação do servidor que atua dentro do

sistema, na busca de uma melhor estruturação

acompanhada de perto pelos órgãos fi scaliza-

dores e, principalmente, fomentar estratégias

que possam diminuir a população carcerária.

Nesse aspecto, primeiramente, faz-se neces-

sário buscar minimizar a reincidência dos ape-

nados, pois, como já foi dito, gira em torno de

80%. Uma vez reduzido este índice, ter-se-á

uma evolução no que diz respeito à diminui-

ção da população carcerária e, consequente-

mente, uma melhor circunstância para a res-

socialização. Até porque é melhor fomentar a

diminuição da população carcerária do que a

construção de novos estabelecimentos penais

para tamanha demanda.

Ao se analisar a crise do sistema pri-

sional - notadamente o problema da super-

lotação, constata-se a impossibilidade de se

obterem resultados satisfatórios e efi cazes, no

tocante à ressocialização, à redução da rein-

cidência e à restrição do défi cit de vagas nos

estabelecimentos prisionais. Isto em razão das

Políticas Públicas adotadas pelo Estado brasi-

leiro, onde se visa à manutenção de um mode-

lo meramente punitivo.

Desse modo, tem-se a impressão que

somente a punição resolveria os problemas

da criminalidade em nosso país, o que de fato

não resolveria, haja vista que o enfoque deste

modelo punitivo é nas consequências do cri-

me, favorecendo o enrijecimento da legislação

penal, e não as causas da criminalidade.

Em face do exposto, parece que há

uma incompatibilidade nestes dois institutos: a

pena privativa de liberdade e a ressocialização

prisional.

Hoje há um crescimento assustador

da população carcerária, em que a taxa anu-

al de crescimento gira em torno de 5 a 7% ao

ano, e com um défi cit de vagas em torno de

194.650 (cento e noventa e quatro mil seiscen-

tos e cinquenta), segundo dados do DEPEN. Tal

défi cit, numa conta simples, poderia ser resol-

vido temporariamente com a construção de

396 presídios com capacidade para 500 (qui-

nhentos) detentos cada um, algo insano de se

realizar. Além disso, tomando ainda como base

dados do DEPEN, no Brasil, entre 1990 e 2010,

houve um crescimento de 450% da população

carcerária, fazendo do Brasil o campeão mun-

dial de crescimento carcerário. Nesses quadros

agravantes, acredita-se, como forma imediatis-

ta de “solucionar” a questão, na necessidade

de construção de várias penitenciárias todo

mês, o que gera elevados custos para o Estado,

assim como destaca Maurício Kuehne em seu

artigo “Desafi os da Execução Penal”, extraído

do Livro Anais da Conferência Nacional dos

Advogados do Brasil: Poder, República e

Cidadania (2006, p. 948):

As inclusões e liberações mensais do Sistema Penitenciário diagnosticam um superávit de 3.494 presos por mês. Veja-se que apenas para solucionar este número, 7 (sete) penitenciárias necessitariam ser construídas todo mês a um custo oscilando em torno de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), vale dizer, aplicação de R$ 105.000.000,00 (cento e cinco milhões) apenas para construir presídios, afora as de-mais necessidades do Sistema Prisional como um todo.

Diante dos fatos apresentados, é im-

portante mencionar o baixo custo que há na

aplicação de penas alternativas. Trazemos à

baila dados coletados em matéria vinculada no

sítio da Terra no dia 28 de setembro de 2008,

em que toma como parâmetro o Estado de

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São Paulo para informar dos baixos custos das

penas alternativas. Segundo a matéria intitula-

da “A pena alternativa é 56 vezes mais barata

que a prisão”, um levantamento realizado pela

Central de Penas Alternativas do Estado de São

Paulo revela que o custo de um condenado

que cumpre esse tipo de pena para o Estado é

baixo. Cada um custa, em média, R$ 13,70 por

mês. Segundo a Secretaria da Administração

Penitenciária (SAP) daquele Estado, o gasto de

cada preso no regime fechado no Estado é de

R$ 775 por mês.

Acrescenta ainda a matéria supracita-

da que o custo das penas alternativas se refere

ao pagamento dos funcionários que cuidam

dos processos e acompanham o cumprimento

das medidas mais brandas defi nidas pela Justi-

ça. Essa despesa é muito menor se comparada

com a prisão convencional e com seus custos

de três ou quatro alimentações diárias, segu-

rança, limpeza e atendimentos médico, odon-

tológico e judiciário.

Diante dos fatos apresentados, o Esta-

do só tem a ganhar com políticas visando às al-

ternativas penais, onde diminuiria seus custos

com o apenado, resolveria parte da superlota-

ção prisional e ainda efetivaria condições mais

favoráveis à ressocialização prisional.

Até porque as penas alternativas atin-

gem uma boa parcela da população carcerária,

que é aquela formada por crimes de menor

potencial ofensivo e sem violência como os cri-

mes de furto, porte ilegal de armas, lesão cor-

poral e uso de drogas. E, consequentemente,

reduziria a quantidade de encarcerados, neu-

tralizando um grande estimulador dos demais

problemas que faz o Sistema Prisional agonizar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ressocialização prisional, uma vez

inserida dentro de um aspecto de Sistema Rea-

bilitador como Damásio de Jesus defi ne, passa

por vários problemas para sua efetivação, den-

tre eles, o mais grave: a superlotação carcerária.

No decorrer do estudo, foram confi rmados nú-

meros desumanos de detentos encarcerados

em penitenciárias, causando défi cits de mais

de 40% em todo o sistema.

Mas o porquê de tanta demanda den-

tro do sistema?

O fato de tanta demanda advém das

atuais Políticas Públicas relacionadas ao Siste-

ma Prisional brasileiro. Políticas estas que têm

como foco um sistema meramente punitivo,

onde se busca a repreensão sem restauração.

Buscam-se combater os resultados e não as

causas. E de forma a salutar tal entendimento,

observa-se que enquanto a pena vem evoluin-

do ao longo da história, a execução penal sim-

plesmente parou.

Nesse sentido, não se deve buscar so-

lucionar a superlotação partindo da premissa

do aumento das vagas, construção de novas

penitenciárias e sim com a redução da própria

população prisional. Tal redução poderá se dá

com alternativas penais que visem à diminui-

ção do número de reincidentes, haja vista que

giram em torno de 80%, como já destacado.

A superlotação é só parte de um ciclo

vicioso que se incorporou no Sistema Prisional,

onde se aplicam penas severas, em ambientes

inóspitos, amontoando todos em uma peque-

na cela, e com servidores despreparados. Nes-

sas circunstâncias, há verdadeira formação de

escolas do crime, onde a ressocialização pouco

se faz presente, gerando altos índices de rein-

cidências e a cada momento aumentando o

número de encarcerados.

Devem-se buscar as alternativas pe-

nais, visando a ressocialização diminuindo, as-

sim, o número de reincidentes dentro das pe-

nitenciárias e por conseguinte a diminuição da

população prisional.

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Paralelamente à aplicação de penas

alternativas, é necessário humanizar o cárcere

e oferecer melhores condições para o cumpri-

mento da pena privativa de liberdade, o que

implica assistência diversifi cada, além de traba-

lho, assegurando-lhes, com igual ênfase, os de-

mais direitos previstos na Constituição, o que a

torna a verdadeira fonte de re-legitimação das

ciências penais.

A perpetuação dos problemas não

proporcionará ao apenado uma refl exão acer-

ca de sua conduta e do seu posterior convívio

social. Contrariamente a essa almejada fi nalida-

de, a prisão deixa marcas indestrutíveis, além

de exercer uma força desmoralizante sob o

condenado perante sua família e sociedade, o

que não favorece em nada a sua reintegração

no seio social.

É latente que as alternativas penais

representam um dos meios mais efi cazes de

prevenir a reincidência criminal, devido ao

seu caráter educativo e socialmente útil, pois

enseja que o infrator, cumprindo sua pena em

“liberdade”, seja acompanhado pelo Estado e

pela comunidade, facilitando bastante a sua

reintegração à sociedade.

Porém, é também do conhecimento

de todos que grande parte dos Estados não se

estruturam convenientemente para o perfeito

enquadramento da questão, não criando me-

canismos a viabilizar a fi scalização e efetivida-

de das penas alternativas.

As prisões de hoje assumem o papel

de propiciar que novos crimes sejam ali apren-

didos e planejados quase à perfeição, diante

das experiências trocadas pela escola de mar-

ginais, dos mais variados crimes. A conclusão a

que se chega é óbvia: a pena privativa de liber-

dade não funciona mais como fator de com-

bate à reincidência criminal e ressocialização

prisional, contribuindo indubitavelmente para

o aumento da criminalidade.

Dentre os benefícios apontados em

face da utilização e aplicação prática das san-

ções alternativas, em primeiro lugar, tem-se a

não redução moral e social do condenado, o

que a realidade nacional já demonstrou ser,

pela via do encarceramento, inviável.

Dessa forma, não há controvérsias de

que as sanções alternativas, quando emprega-

das para prevenção e repressão dos crimes de

menor potencial ofensivo, têm maior utilidade

como meio de recuperação do criminoso, na

medida em que conserva o delinquente no

meio social. Ao mesmo tempo em que, expian-

do seu erro, através da pena imposta, dão-lhe

o valor de membro útil à comunidade em que

está inserido, como agente de transformação

social.

• ABSTRACT

This essay shows for to analyze an option to

the current management of Brazilian s Prisional

System, emphasizing the importance of an al-

ternative penalties eff ective application inside

of the Prisional System going from the premise

of that alternative to the privative penalties of

freedom will be able to resolve, in part, the jail

problems, in special the supercapacity of them.

Besides the possibility to inside brighten up the

Prisional System s problems, it is left to hinder

the prisional sociable. The alternative penalties,

when it starts to be focus of referring Public

Politics to the management of the Prisional

System, become an important instrument for

the eff ective prisional sociable, as purpose, in

theory, the Criminal Execution s Law.

• KEYWORDS:

Criminal Execution s Law – Prisional System –

Public Politics – Alternative penalties - Sociable.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 70 - 81 jan./dez. 2011

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 88882288888

Kaléo Alves PeresAdvogado. Assistente de Controle Externo do TCE/PI. Email: [email protected]

• RESUMO

O presente estudo delineia-se a mostrar uma

das basilares funções dos Tribunais de Contas

brasileiros, partindo de um ponto inicial em

que é demonstrado seu poder de jurisdição

para, em seguida, evidenciar a aplicabilidade

do poder de cautela dessas Cortes de Contas

no processo de fi scalização, sendo dissertado

sobre os conceitos envolvidos em tal prerroga-

tiva e afunilando o debate acerca da amplitude

das medidas cautelares utilizadas no processo

de prestação de contas na procura da prote-

ção ao erário público.

• PALAVRAS-CHAVE

Medidas preventivas - Brasil. Medidas cau-

telares - Tribunal de contas. Contratos - Ad-

ministração pública.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho científico visa

explicitar as discussões emergentes no po-

der público que envolve a temática: O LIMITE

DO PODER DE CAUTELA DOS TRIBUNAIS DE

CONTAS.

Para isso, primeiramente, será apre-

sentado como ocorre a atuação jurisdicional

dos Tribunais de Contas brasileiros, bem como,

quais são as medidas cautelares utilizadas nos

processos de fi scalização.

O limite do poder de cautela dos tribunais

de contas na sustação dos contratos

realizados pela administração pública

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Dessa forma, haverá embasamento

para aprofundar a discussão no que diz res-

peito aos conflitos existentes sobre a exten-

são da competência dos Tribunais de Contas

na aplicabilidade das medidas cautelares,

fazendo um confronto com o que é instituí-

do pelo Princípio da Separação dos Poderes,

buscando assim, traçar um equilíbrio entre a

governabilidade dos administradores públi-

cos e o controle preventivo e repressivo aos

gastos, desvios e má aplicação das verbas

públicas. Passando a nortear o trabalho para

a concretização de uma análise focando os

incisos IX, X do art. 71 da Constituição Fede-

ral de 1988, que legalizam sobre a compe-

tência dos Tribunais de Contas para a susta-

ção de atos administrativos ilegais através do

seu poder implícito de cautela.

Nesse contexto, será levada em con-

sideração a apreciação do posicionamen-

to do Supremo Tribunal Federal relativo ao

problema, analisando julgados alusivos ao

assunto e fazendo um necessário aparato da

evolução interpretativa dada pela Corte Su-

prema ao caso.

Tudo isso, buscando solucionar a

complexa altercação jurídica provinda do

poder de discricionariedade do administra-

dor público em confronto com o controle

externo exercido pelos Tribunais de Contas,

que, na procura de atingir sua finalidade,

qual seja, a proteção ao Erário Público, utili-

za-se das medidas cautelares como forma de

prevenção imediata a dano irreversível aos

cofres públicos, que provavelmente ocorre-

ria se fosse esperado todo o trâmite do devi-

do processo legal jurisdicional.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 84

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011

2 EXERCÍCIO DA FUNÇÃO

JURISDICIONAL PELOS TRIBUNAIS

DE CONTAS DO BRASIL

Segundo Jacoby Fernandes, a jurisdi-

ção é atividade do Estado dirigida à atuação do

Direito Subjetivo, mediante a aplicação da nor-

ma geral ao caso concreto e à realização força-

da da mesma norma geral, ou seja, é o poder

de dizer o direito (FERNANDES, 2003, p. 89-90).

Como jurisdição é o poder de dizer o direito,

segue-se que não é todo direito que pode

ser considerado como jurisdição, mas tão-só

aquele que é declarado por quem detém tal

poder, assim, é indispensável, também, atribui-

-lhe o caráter de executoriedade e defi nitivida-

de do direito.

Porém, o conteúdo da jurisdição resta-

ria vazio de signifi cado lógico e prático se não

lhe seguisse a imutabilidade da decisão. Aliás,

se as partes pudessem acatar a decisão judicial

a qualquer tempo, seja por meio de recurso, ou

por outro processo, ela não teria efi cácia, desta

forma o instituto da coisa julgada é indissociá-

vel da jurisdição, podendo estabelecer que tal

estatuto vem para impossibilitar a perpetua-

ção da instabilidade nas relações de direito e,

portanto, fi rma, por ela, a proteção das senten-

ças defi nitivas contra qualquer ataque ou mo-

difi cação (FERNANDES, 2003, p. 95-96).

Na seara dos processos administra-

tivos é entendido por muitos doutrinadores

que não existe a coisa julgada administrativa

por força do dispositivo constitucional do art.

5º, XXXV, da CF/88, porém, é entendido por um

gama de estudiosos que divergem dos termos

preceituados de antemão ao defender a exis-

tência de limites à revisão judiciária dos atos

administrativos em geral, devendo ser atenta-

do como objeto de revisão judicial apenas o

caráter de legalidades dos atos, pois o de méri-

to é intocável, entendimento este que é adota-

do neste presente trabalho.

Assim, nos atos de jurisdição, em que

a Administração Pública decide a aplicação do

direito, é possível em vários casos encontrar a

coisa julgada, operando, preclusivamente, efei-

tos em relação à possibilidade de modifi cação,

seja no âmbito da administração, seja no âmbi-

to judicial.

Esclarecidos os pontos sobreditos, faz-

-se necessário defi nir em qual poder do Estado

se encontra os Tribunais de Contas no Brasil.

Estudos superfi ciais classifi cam as Cortes de

Contas como mero apêndice auxiliar do poder

legislativo. Desconhecendo a estrutura técnica

desses tribunais, sua autonomia administrativa

e fi nanceira, alguns autores o concebem, er-

roneamente, como órgão de assessoramento.

Diante desse absurdo descompasso entre a

imaginada pequenez das funções e a dimen-

são da estrutura, o passo seguinte seria susten-

tar que se trata de órgão concebido apenas

para acomodar apaniguados.

Porém, é defi nido constitucionalmen-

te que os Tribunais de Contas têm a qualida-

de de órgãos autônomos, não vinculados a

qualquer um dos poderes, detêm autonomia

administrativa e fi nanceira, sendo sua cons-

titucionalização decorrente da submissão da

atividade fi nanceira do Estado ao princípio da

legalidade.

Com relação ao exercício da função

jurisdicional pelos Tribunais de Contas do Brasil

é consabido que para o exercício de qualquer

função exige-se a defi nição por lei anterior e a

determinação de seus limites, portanto, na pró-

pria Constituição Federal a expressa defi nição

da jurisdição dos Tribunais de Contas.

É claro que o conteúdo da jurisdição

dos tribunais do Poder Judiciário difere do con-

teúdo da jurisdição dos Tribunais de Contas, os

destes, o conteúdo da jurisdição é exercida

com caráter de exclusividade, examinando a

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legalidade, legitimidade e economicidade ex-

pressas pelos elementos e valores contidos na

prestação ou na tomada de contas públicas; já

a jurisdição exercida pelos órgãos judicantes

do Poder judiciário, é exercida, também, com

caráter de exclusividade, examinando a legali-

dade e, de certa forma, a moralidade relativas

ao comportamento, direito e deveres das duas

partes que compõem a relação processual.

Assim, o Tribunal de Contas é órgão

público de controle externo, investido de po-

der jurisdicional, próprio e privativo, em todo o

território nacional, sobre matérias do seu rol de

atribuições, detidamente explicitadas (SOUZA,

1989, p. 176).

Aliás, desde a Constituição Brasileira

de 1967, é conferido ao Tribunal de Contas a

função jurisdicional, com a fi xação de sua ju-

risdição em todo o território nacional, ao jul-

gamento das contas dos administradores e

demais responsáveis por bens e valores públi-

cos; o julgamento da regularidade das contas

dos administradores; a ilegalidade de qualquer

despesa; a ilegalidade das concessões iniciais

de aposentadoria, reforma e pensões. A Cons-

tituição de 1969 adotou a mesma orientação

(SOUZA, 1989, p. 176).

Para alguns pesquisadores jurídicos,

a função jurisdicional dos Tribunais de Contas

não acarretaria a coisa julgada, ou seja, talvez

por desapego ao exato signifi cado do termo já

pretenderam considerar esse julgar como uma

ideia de julgamento provisório.

Mas quando se tratar de competência

dos Tribunais de Contas ditadas na CF/88, ou

seja, de sua função jurisdicional, o Poder Judi-

ciário não poderá rever suas decisões quanto

ao mérito. A revisibilidade judicial das decisões

dos Tribunais de Contas somente se dará quan-

do estiverem elas contidas pelo abuso de po-

der, em qualquer de suas espécies, excesso do

poder ou manifesta ilegalidade. A decisão do

Tribunal de Contas, portanto, somente deixará

de prevalecer quando o procedimento violar a

inafastável garantia do devido processo legal

ou a decisão contiver manifesta ilegalidade

(COSTA JÚNIOR, 2001, p. 110).

3 O PODER DE CAUTELA DO TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO

3.1 PODER GERAL DE CAUTELA E SEU LIMITE

O poder geral de cautela é quando

os órgãos juridicantes desempenham ativida-

de destinada a evitar um perigo proveniente

de um evento possível ou provável, que possa

suprimir ou restringir os interesses tutelados

pelo direito, assim, se os órgãos jurisdicionais

não contassem com um meio pronto e efi caz

para assegurar a permanência ou conserva-

ção do estado das pessoas, coisas e provas,

enquanto não atingido o estágio último da

prestação jurisdicional, esta correria o risco de

cair no vazio, ou de transformar-se em provi-

mento inócuo e inútil.

Surge, então, o processo cautelar

como uma nova face da jurisdição, tendo a um

só tempo as funções do processo de conheci-

mento e de execução, com um elemento es-

pecífi co, a “prevenção”.

Levando o que foi explanado para o

âmbito dos Tribunais de Contas, o processo

principal busca a verifi cação de dano ao erá-

rio público, enquanto o procedimento cautelar

contenta-se em outorgar situação provisória

de segurança para os interesses dos litigantes.

Ambos os processos giram em torno da “lide”,

pressuposto indeclinável de toda e qualquer

atuação jurisdicional. Mas, enquanto a lide e

sua composição apresentam-se como o obje-

tivo máximo do processo principal, o mesmo

não se dá com o processo de cautelar.

A este cabe uma função “auxiliar e

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subsidiária” de servir à “tutela do processo prin-

cipal”, onde será protegido o direito e elimina-

do o litígio.

Na realidade, a atividade jurisdicional

cautelar dirige-se à segurança e garantia do

efi caz desenvolvimento e do propício resul-

tado das atividades de cognição e execução,

concorrendo, dessa maneira, para o alcance do

escopo geral da jurisdição.

A função cautelar tem por escopo ser-

vir o interesse público na defesa do processo,

pois no momento em que o estado oferece

a tutela cautelar à parte, ou se tem ainda ou

não se tem condições de apurar, com segu-

rança, se seu direito subjetivo material real-

mente existe e merece a tutela defi nitiva do

processo de mérito. Esse reconhecimento só

será possível depois da cognição plena que o

processo principal virá ensejar. Assim, ao eli-

minar uma situação de perigo antevisto e que

não pode ser impedido pelo provimento do

processo em suma.

Como foi sobredito, as medidas cau-

telares não têm um fi m em si mesmas, já que

toda sua efi cácia opera em relação a outras

providências que hão de advir no processo

principal, assim, não se tratando de antecipa-

ção deste, pois os objetivos são diversos.

Na verdade, o processo principal bus-

ca tutelar o direito, no mais amplo sentido, ca-

bendo ao processo cautelar a missão de tutelar

o processo, de modo a garantir que o seu re-

sultado seja efi caz, útil e operante.

3.2 LEGITIMIDADE

Para salvaguardar a efi cácia da atua-

ção do Tribunal de Contas, o constituinte e o

legislador infraconstitucional defi niram a com-

petência para estabelecer medidas cautelares

específi cas de controle, podendo ter sua apli-

cabilidade até mesmo inaudita altera pars, ou

seja, sem ouvir os agentes sujeitos à jurisdição

do tribunal.

Reforçando o sobredito, as medidas

cautelares se prestam a garantir o exercício do

controle, a efetividade e a utilidade das deci-

sões do Tribunal, evitando lesões ao erário,

assim, elas podem ser decretadas no início, ao

longo ou ao fi nal do processo.

Quanto aos efeitos, a doutrina classi-

fi ca as medidas cautelares em preventivas ou

repressivas. As cautelares preventivas objeti-

vam evitar que um potencial dano aconteça,

antecipando-se a ele. As cautelares repressivas

somente produzem efeitos depois que o dano

já está presente e visam o restabelecimento da

situação anterior, o retorno ao status quo ante.

Por força da alínea i do art. 15 do Regi-

mento Interno do Tribunal de Contas da União

- TCU (RITCU), a imposição de medidas cautela-

res é de competência do plenário destas cortes

de Contas, que adotará por iniciativa própria

(ex offi cio), ou provocado por ministro, auditor,

Ministério Público junto ao TCU, unidade técni-

ca ou equipe de fi scalização.

A Lei Orgânica do TCU prevê três

medidas cautelares. São elas: o afastamento

temporário do administrador, decretação da

indisponibilidade dos bens do responsável e a

solicitação de arresto dos bens de responsável

julgado em débito.

O afastamento temporário e a indis-

ponibilidade dos bens são determinados pelo

próprio Tribunal - competência que lhe é con-

ferida pela Lei orgânica -, enquanto que o ar-

resto dos bens será determinado pelo Poder

Judiciário, provocado pela Advocacia-Geral da

União – quando se tratar da administração di-

reta e de autarquias e fundações atendidas por

ela – ou pelos dirigentes dos entes personifi -

cados da administração indireta não atendidas

pela AGU, conforme o caso após solicitação

feita pelo TCU.

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A suspensão de ato ou procedimen-

to administrativo, adotada diretamente pelo

TCU, pronuncia-se originalmente na CF/88 (art.

71, X), já a sustação de contrato não compete,

originariamente, ao tribunal, mas deve ser rela-

cionada entre as cautelares passíveis de serem

adotadas pela Corte de Contas, diante da visi-

bilidade de sua implementação.

Resumidamente, pode-se afi rmar que

a adoção de medidas cautelares visa: garantia

do desempenho das funções de controle nas

situações de urgência, fundado receio de gra-

ve lesão ao erário e a direito alheio e risco de

inefi cácia da decisão de mérito.

3.3 PROVIMENTOS CAUTELARES UTILIZADOS

PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

3.3.1 Afastamento temporário

do responsável

É incomum, mas existem oportunida-

des em que o responsável age deliberadamen-

te com o intuito de obstaculizar apuração em

curso. Nesses casos, de ofício, por sugestão da

unidade técnica ou da própria equipe de fi sca-

lização, ou ainda, a requerimento do Ministério

Público, o tribunal determina a medida caute-

lar de afastamento temporário do responsável.

O requisito específi co para a adoção do afasta-

mento temporário e a existência de indícios de

que, continuando no exercício de suas funções

o responsável possa:

• Retardar ou difi cultar a realização de

auditoria ou inspeção;

• Causar novos danos ao erário, ou

• Inviabilizar o ressarcimento de dano

causado.

Quanto aos efeitos, dependendo do

momento em que for adotada, pode-se classi-

fi car a cautelar de afastamento temporário do

responsável como repressiva ou preventiva.

Ao adotá-la em reação à obstrução dos traba-

lhos, o tribunal estará agindo repressivamente.

Se, no entanto, a decretação da cautelar for an-

terior à apuração, o correto é classifi cá-la como

preventiva.

Esta cautelar é determinada pelo Tri-bunal, mas compete à autoridade administra-tiva competente, hierarquicamente superior ao servidor a ser afastado, implementá-la. O mesmo ocorre com as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito e com a sustação de ato administrativo. Ressalta-se, tal medida cautelar em estudo pode ser aplicada, mesmo quando já impetrada ação judicial, dado o princípio da separação e independência das instâncias ad-ministrativas.

3.3.2 Decretação da indisponibilidade

de bens do responsável

Dentre as medidas cautelares voltadas

para a satisfação do débito, está a possibilida-

de de determinar, por prazo não superior a um

ano, a indisponibilidade de bens do responsá-

vel, em número sufi ciente para garantir o res-

sarcimento dos danos em apuração, mas des-

taca-se que a cautelar pode ser continuamente

renovada enquanto não estiverem concluídos

os procedimentos de apuração. Há necessida-

de de que o Tribunal, se quiser mantê-la, a cada

período delibere sobre a renovação.

Essa indisponibilidade pode ser orde-

nada diretamente aos cartórios, ao DETRAN e

a outros órgãos de registro público, com cópia

para os envolvidos.

Assim, em face da existência de funda-

dos indícios de que o ressarcimento de danos

ainda em fase apuração esteja em risco, sob

caráter de cautelaridade, pode ser decretada

a indisponibilidade de tantos bens do respon-

sável quanto forem necessários para afastar o

periculum in mora à recomposição do dano. Tal

cautelar pode ocorrer no início ou no curso de

qualquer apuração.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 88

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A expressão monetária dos bens tor-

nados indisponíveis, naturalmente limitada ao

patrimônio do responsável, deve ser sufi cien-

te para garantir o ressarcimento do eventual

dano ao erário. Para tanto, podem ser atingidos

tantos bens quantos forem necessários, até o

limite do dano em apuração. A medida opera

no sentido de assegurar, através da constrição,

que o débito em apuração venha a ser ressarci-

do, utilizando-os como garantia da efetividade

da futura deliberação.

3.3.3 Arresto de bens de responsáveis

julgados em débito

Compete ao Ministério Público de

Contas adotar as medidas destinadas à cobran-

ça judicial dos débitos decorrentes das delibe-

rações do TCU, bem como a arresto dos bens

dos responsáveis pelas dívidas.

As ações vinculadas pela Advocacia-

-Geral da União. As provenientes de processos

das demais entidades jurisdicionadas do Tribu-

nal, dotadas de personalidade jurídica própria,

são demandadas pelas suas respectivas áreas

jurídicas.

A solicitação do Tribunal à AGU ou aos

dirigentes das entidades jurisdicionadas para

que adotem as medidas necessárias ao arresto

dos bens dos responsáveis julgados em débito

tem cunho de determinação. Não pode restar

dúvida de que aquele a quem a Corte de Con-

tas fi zer a solicitação, por meio do Ministério

Público de Contas, está compelido a agir, sob

pena de responsabilização por descumpri-

mento de decisão do Tribunal.

O arresto de bens se dá somente

após o responsável ser julgado em débito, ou

seja, o dano já foi causado, está devidamente

dimensionado e a responsabilidade por ele

confi gura em julgado do TCU, que determi-

nou seu ressarcimento. A despeito de a co-

brança do débito ter por objetivo recompor

os cofres públicos, ou seja, fazer retornar ao

estado anterior, o arresto tem confi guração

de cautelar preventiva.

Nem sempre o arresto é necessário e

está adstrito ao tempo de um ano, podendo

ser renovada.

3.3.4 Sustação de atos e contratos

Sustar um contrato signifi ca retirar-lhe

a efi cácia, a produção dos efeitos fi nanceiros

(p. ex. pagamento) e executivos para a realiza-

ção do abjeto. Assim, sustação não é sinônimo

de rescisão, cabendo à autoridade que recebe

a comunicação avaliar os efeitos da sustação

na vida do contrato.

Pela norma constitucional, a sustação

de ato difere substancialmente da sustação de

contrato, em ambos os casos, há uma etapa

preliminar, a determinação ao jurisdicionado

para a sustação, assim, se o gestor atender à

determinação, encerra-se a atuação da corte

de Contas.

O art. 45 da Lei Orgânica do Tribunal

de Contas da União indica que, verifi cada a

ilegalidade de ato ou contrato em execução,

o tribunal assinará prazo para que o responsá-

vel adote as providências necessárias ao exato

cumprimento da lei, fazendo indicação expres-

sa dos dispositivos a serem observados.

Todavia, se não for atendido, caberá

ao TCU sustar, diretamente, a execução do ato

impugnado, comunicando a decisão à Câmara

dos Deputados e ao Senado Federal, e aplican-

do multa ao responsável, no próprio processo

de fi scalização.

Na hipótese de contrato, o ato de sus-

tação será adotado diretamente, mediante de-

creto legislativo, pelo congresso nacional, que

solicitará, de imediato, ao poder executivo, as

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medidas cabíveis. Tais medidas envolvem a

defesa da fazenda e incluem ações de inde-

nização, arresto de bens, assunção da obra no

estado em que se encontra, entre outras.

É de noventa dias o prazo para o Con-

gresso Nacional ou o poder Executivo tomar as

medidas sobreditas. Prevê a CF/88 que o Tribu-

nal de Contas, expirado o prazo em comento

sem resposta, tome providências no que tange

à sustação do contrato.

Assim, verifi cada a hipótese última, de-

cidindo o Tribunal pela sustação do contrato,

determinará ao responsável que, no prazo de

quinze dias, adote as medidas necessárias ao

cumprimento da decisão e comunicará o deci-

dido ao Congresso Nacional e à autoridade de

nível ministerial competente.

3.4 DISCUSSÕES E DEFINIÇÕES

Preliminarmente, compete reconhe-

cer, desde logo, que assiste ao Tribunal de Con-

tas, o poder geral de cautela. Trata-se de prer-

rogativa institucional que decorre, de forma

implícita, das atribuições que a Constituição

expressamente outorgou à Corte de Contas.

Assim, entende-se que o poder cautelar tam-

bém compõe a esfera de atribuições institu-

cionais do Tribunal de Contas, pois se acha ins-

trumentalmente vocacionado a tornar efetivo

o exercício, por essa Corte de Contas, das múl-

tiplas e relevantes competências que lhe foram

diretamente outorgadas pelo próprio texto da

Constituição da República.

Isso signifi ca que a atribuição de po-

deres explícitos, ao Tribunal de Contas, tais

como enunciados no art. 71 da Lei Fundamen-

tal da República, supõe que se reconheça, a

essa Corte, ainda que por implicitude, a pos-

sibilidade de conceder provimentos cautelares

vocacionados a conferir real efetividade às suas

deliberações fi nais, permitindo, assim, que se

neutralizem situações de lesividade, atual ou

iminente, ao erário.

Compete considerar a formulação

que se fez em torno dos poderes implícitos,

cuja doutrina – construída pela Suprema Cor-

te dos Estados Unidos da América no célebre

caso MCCULLOCH v. MARYLAND (1819) – en-

fatiza que a outorga de competência expressa

a determinado órgão estatal importa em de-

ferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos

meios necessários à integral realização dos fi ns

que lhe foram atribuídos.

Na realidade, o exercício do poder de

cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a

garantir a própria utilidade da deliberação fi nal

a ser por ele tomada, em ordem a impedir que

o eventual retardamento na apreciação do mé-

rito da questão suscitada culmine por afetar,

comprometer e frustrar o resultado defi nitivo

do exame da controvérsia.

Sintetizaram essa prerrogativa dos Tri-

bunais de Contas, Caetano e Nunes:

A tutela cautelar apresenta-se como instru-mento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempe-nha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferi-dos aos órgãos e às instituições estatais.” (CA-ETANO & NUNES, 1978, p. 641)

Vale aludir, ainda, que se revela pro-

cessualmente lícito, ao Tribunal de Contas, con-

ceder provimentos cautelares “inaudita altera

parte”, sem que incida, com essa conduta, em

desrespeito à garantia constitucional do con-

traditório.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011

É que esse procedimento mostra-se

consentâneo com a própria natureza da tute-

la cautelar, cujo deferimento, pelo Tribunal de

Contas, sem a audiência da parte contrária, mui-

tas vezes se justifi ca em situação de urgência ou

de possível frustração da deliberação fi nal des-

sa mesma Corte de Contas, com risco de grave

comprometimento para o interesse público.

Não se pode ignorar que os provimen-

tos de natureza cautelar – em especial aqueles

qualifi cados pela nota de urgência – acham-

-se instrumentalmente vocacionados a confe-

rir efetividade ao julgamento fi nal resultante

do processo principal, assegurando-se, desse

modo, não obstante em caráter provisório,

plena efi cácia e utilidade à tutela estatal a ser

prestada pelo próprio Tribunal de Contas.

Daí a possibilidade, ainda que ex-

cepcional, de concessão, sem audiência da

parte contrária, de medidas cautelares, por

deliberação do Tribunal de Contas, sempre

que necessárias à neutralização imediata de

situações de lesividade, atual ou iminente, ao

interesse público.

Assim, constata-se que a atribuição

de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas,

tais como enunciados no art. 71 da Lei Funda-

mental da República, supõe que lhe reconhe-

ça, ainda que por implicitude, a titularidade de

meios destinados a viabilizar a adoção de me-

didas cautelares vocacionadas a conferir real

efetividade às suas deliberações fi nais, permi-

tindo, assim, que se neutralizem situações de

lesividade, atual ou iminente, ao erário público.

É por isso que é revestida de integral legiti-

midade constitucional a atribuição de índole

cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria

dos poderes implícitos, permite ao Tribunal de

Contas adotar as medidas necessárias ao fi el

cumprimento de suas funções institucionais e

ao pleno exercício das competências que lhe

foram outorgadas, diretamente, pela própria

Constituição da República. Não fora assim, e

desde que adotada, na espécie, uma indevida

perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por

completo, as atribuições constitucionais ex-

pressamente conferidas ao Tribunal de Contas.

Convém enfatizar que a decisão pela

sustação de atos administrativos tem funda-

mento constitucional e se sobrepõe à decisão

das autoridades administrativas, qualquer que

seja o nível em que se insiram na hierarquia da

Administração Pública, mesmo no nível máxi-

mo da Chefi a do Poder Executivo. Assim, deve

ser necessariamente acatada pelo órgão admi-

nistrativo controlado, sob pena de responsabi-

lidade, com a única ressalva para a possibilida-

de de impugnação pela via judicial.

Evidentemente, a suspensão caute-

lar imediata deverá ser exarada somente em

hipóteses excepcionais devidamente justifi -

cadas, por meio de decisão motivada, já que,

ordinariamente, será possível assinar-se prazo à

Administração para o cumprimento da lei, nos

exatos termos do inciso IX do art. 71 da Consti-

tuição, ou aguardar-se a decisão de mérito. En-

tendimento diverso poderia atribuir às Cortes

de Contas uma ilimitada ingerência prévia em

relação aos procedimentos e atos da Adminis-

tração, contrária ao arcabouço constitucional e,

particularmente, ao Princípio da Separação dos

Poderes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nunca existiram dúvidas, na doutrina

e na jurisprudência pátrias, de que as funções

constitucionais do controle contábil, fi nancei-

ro e orçamentário atribuídas aos Tribunais de

Contas não se resumiam a providências a pos-

teriori, mas também poderiam ser exercidas

antes e durante a realização das despesas.

Porém, mesmo com a superveniência

da nova Constituição, que ampliou a compe-

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tência dos Tribunais de Contas – atribuindo--lhes o controle não apenas quanto à legalida-de das despesas, mas também quanto à sua legitimidade e economicidade. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal vinha sendo cuida-doso no reconhecimento das funções a priori do controle externo, já que, em regra, no nosso sistema constitucional são desempenhadas a posteriori. Por tal motivo, exigia o Supremo Tri-bunal que os Tribunais de Contas exercessem a sua função corretiva (CF, art. 71, incisos IX e X) seguindo o rigoroso item previsto nas normas constitucionais. De acordo com essa orienta-ção, as Cortes de Contas somente poderiam sustar atos da Administração se, depois de assi-nar prazo para a correção das ilegalidades, não fossem atendidas.

Isso porque a Constituição Federal

estabeleceu expressamente, nos incisos IX e

X do seu art. 71, as etapas que deve percorrer

o Tribunal de Contas para desempenhar a sua

função corretiva em relação aos atos da Admi-

nistração, como passamos a transcrever. Com-

pete à Corte de Contas (art. 71):

[...]IX - assinar prazo para que o órgão ou entida-de adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verifi cada ilegalidade;X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;[...]

Com base na literalidade desses dis-

positivos, o Plenário do Supremo Tribunal,

em reiterados julgamentos, fi rmou o enten-

dimento de que a autoridade administrativa

não estava obrigada a rever ato administrativo

de concessão de aposentadoria para ajustá-lo

à determinação do Tribunal de Contas, quan-

do exarada esta em sede de conversão do

julgamento em diligência. O Pretório Excelso

julgou que, nessa hipótese, em verdade, não

há determinação, mas mera recomendação

da Corte de Contas, que assinala prazo para

a adoção de providências nos exatos termos

do inciso IX do art.71 da Constituição Federal.

Somente se não atendida tal recomendação é

que o Tribunal de Contas poderia determinar

a sustação da aposentadoria, além de dene-

gar o respectivo registro, com fulcro nos inci-

sos III e X do mesmo art. 71 da CF/88.

Igualmente, a Suprema Corte brasi-leira, há tempos não remota, negou-se a re-conhecer como válida a providência cautelar determinada pelo Tribunal de Contas da União, com fulcro no art. 44 da sua Lei Orgânica, Lei n° 8.443/1992, visando ao afastamento temporá-rio de responsável de entidade particular que recebia subvenção pública.

Mas, com o decorrer das discussões

jurídicas sobre a matéria, foi se deixando de

lado a visão conservadora do Poder Judiciário

referente à competência dos Tribunais de Con-

tas na expedição de medidas cautelares, prova

disso foi a edição da Lei n° 8.666/1993, com a

redação dada pela Lei n° 8.883/1994, em cujo

art. 113, § 2°, autorizava as Cortes de Contas a

determinar à Administração a imediata corre-

ção de edital de licitação, fato este que causou

intenso debate na doutrina especializada.

Em face da celeridade inerente ao pro-

cedimento licitatório e do perigo de resultar

tardia a atuação do controle externo, notada-

mente se exercida após o recebimento e aber-

tura das propostas, estabeleceu a lei a possi-

bilidade de os Tribunais de Contas exigirem

prontas medidas corretivas.

Convém trazer à colação, para a com-

preensão da difi culdade da matéria, o texto do

art. 11 3, § 2°, da Lei n° 8.666/1993:

Art. 113. [...]§ 2° Os Tribunais de Contas e os órgãos inte-grantes do sistema de controle interno pode-rão solicitar para exame, até o dia útil imedia-tamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia do edital de licitação já publi-cado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medi-das corretivas pertinentes que, em função des-se exame, lhes forem determinadas.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 92

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 82 - 93 jan./dez. 2011

Assim, asseverou tal norma, que o

Tribunal de Contas tem competência para

sustar atos administrativos em certas hipóte-

ses, tal como no curso das licitações, sendo

inconstitucional uma interpretação do art.

113, § 2°, que reputasse que a Administração

estaria constrangida a seguir obrigatoria-

mente a determinação do Tribunal de Con-

tas, pois essa espécie de vinculação hierár-

quica ofende o princípio da autonomia dos

poderes e somente poderia ser consagrada

no texto da Constituição, mas, no caso, o dis-

positivo previu nova modalidade de atuação

preventiva da Corte de Contas, inclusive no

que tange aos efeitos perante terceiros.

Citado o exemplo sobredito, mostra-se

evidente a evolução da aplicabilidade das medi-

das cautelares pelas Cortes de Contas, e após o

estudo em análise fi cam vencidas as argumen-

tações contrárias à tese defendida tais como a

transgressão de certos diplomas normativos - Lei

nº 8.630/93 (art. 4º, § 1º), Lei nº 8.666/93 (art. 31,

§ 2º), Lei nº 9.784/99 (arts. 3º e 38º) e Decreto nº

4.391/2002 (art. 2º, § 3º, I, e art. 7º, § 1º) -, como

também a ofensa ao texto da Constituição da Re-

pública, notadamente os seus arts. 5º, incisos LIV

e LV, e 71, § 1º, assinalando que o Egrégio Tribunal

de Contas teria atuado além dos limites de sua

competência institucional.

• ABSTRACT

This study outlines to show the basic func-

tions of a Brazilian Court of Accounts, from

a starting point that is demonstrated its

power of jurisdiction, then to highlight the

applicability of the power to caution those

cuts in the process of Accounts enforcement,

being lectured about the concepts involved

in such prerogative and narrows the debate

about the extent of the measures protective

measures used in the search for accountabi-

lity in the protection to the treasury.

• KEYWORDS:

Supreme Audit; Power Stealth; Suspended.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.443, de 16 de junho de 1992.

Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de

Contas da União e dá outras providências. Di-

ário Ofi cial da União, Brasília, DF, 17 jul. 1992.

Disponível em: www.tcu.gov.br/Acesso em: 29

nov. 2009.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações

e contratos : orientações básicas. 3. ed, Bra-

sília : TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006.

CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional.

Rio de Janeiro: Forense, 1978.

COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. As funções jurisdicional e opinativa do tribunal: distinção e relevância para a compreensão da natureza ju-rídica do parecer prévio sobre as contas anuais dos prefeitos. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2001.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunal de

Contas do Brasil: jurisdição e competência.

Belo Horizonte: Fórum, 2003.

NUNES, Castro. Teoria e prática do poder ju-

diciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943.

SOUZA, Luciano Brandão Alves de. A Consti-

tuição de 1988 e o Tribunal de Contas da

União. Revista de Informação Legislativa. Bra-

sília, a. 26, n. 102, abr./jun. 1989.

Page 93: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 94

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 999494499999

Geysa Elane Rodrigues de Carvalho SáAuditora Fiscal de Controle Externo – TCE/PI; Economista (UFPI); Bacha-rela em Direito (CEUT); Especialista em Marketing (UFPI); Especialista em Controle Externo (FACID); Professora Assistente UFPI; Mestre em Políti-cas Públicas (UFPI).

• RESUMO

O presente ensaio busca fazer um paralelo

entre os autores Luis Dumont (1985) e Nor-

bert Elias (1994) com vistas a estabelecer

que, do conflito entre indivíduo e sociedade

resultam as transformações históricas e cul-

turais existentes.

• PALAVRAS-CHAVE

Indivíduo. Individualismo. Sociedade. Estado.

Liberalismo..

1 INTRODUÇÃO

Um ensaio tem por característica a

possibilidade de abrir espaço para uma inter-

pretação mais livre sobre determinado tema,

dando possibilidade de estabelecer considera-

ções que são relevantes para o pesquisador e

ilações em torno do assunto.

Nesse sentido, o que se propõe como

estudo é apresentar as relações entre os auto-

res Luis Dumont (1983) e Norbert Elias (1994),

tendo em vista as importantes contribuições

para o entendimento do tema referente à

construção da sociedade a partir da própria

compreensão do indivíduo.

O caminho do individualismo

na sociedade moderna

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95

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011

9595555

2 DO INDIVÍDUO À MODERNA

SOCIEDADE OCIDENTAL

A mudança cultural vem antes de qual-

quer mudança. O mercado não é só economia,

é, também, relação social. Ao ver a sociedade

apenas pelo interesse econômico, tende-se a

reduzir a sociedade, e, ao procedermos dessa

maneira, reduzindo tudo ao econômico, não se

sustentam, aqui, as práticas sociais. Devemos

observar, no entanto, que existem também

mudanças culturais, isso signifi ca dizer que a

sociedade não é só produção e distribuição de

bens. Karl Polanyi (2000) discute em “A gran-

de transformação” exatamente a divisão entre

economia e sociedade, chamando a atenção

da necessidade de ver essa sociedade despro-

vida das relações econômicas, questionando

paradigmas até então estabelecidas pelo libe-

ralismo.

Com efeito, não podemos falar de libe-

ralismo sem partir das grandes transformações

que propiciaram o surgimento do mundo mo-

derno que, no individualismo, encontra um de

seus fundamentos.

A ideia de indivíduo sempre esteve

presente de uma forma ou de outra na nossa

história, na história da civilização, tendo como

característica mais presente a ideia de sua cons-

tante transformação e de sua evolução com o

passar dos anos. O individualismo é o conceito

que exprime a afi rmação do indivíduo ante a

sociedade e o Estado, tendo como máximas: a

liberdade, a propriedade privada e a limitação

do poder do Estado.

O caminho percorrido pelo individualis-

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 96

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011

mo é o caminho que o renunciante percorreu.

Este renunciante é o homem que, na história da

sociedade indígena analisada por Dumont (1985,

p. 27), busca a verdade última, “abandona a vida

social e suas restrições para consagrar-se ao que

o processo e o destino propôs”.

Esse distanciamento é condição ne-

cessária para o desenvolvimento espiritual

individual. É o ser fora do mundo que não

pode ser submetido a ninguém, sendo as

suas regras pessoais que movem a sua resis-

tência, e, para a Igreja, o indivíduo era um ser

em relação a Deus.

Ao lado do indivíduo que se cons-

titui o valor supremo – caracterizado como

individualismo – temos o indivíduo que se

encontra na sociedade como um todo, ca-

racterizando o holismo, ou seja, a teoria bio-

lógica que considera o corpo humano um

todo indecomponível.

Lois Dumont (1985, p. 38-39) acentuou

como o individualismo se tornou o valor fun-

dador das sociedades modernas. Quando o

indivíduo se encontra na sociedade como um

todo, trata-se do holismo e não individualismo.

Nesse sentido, os dois conceitos se opõem. E,

em sua obra, e presente autor apresenta um

estudo sobre o desenvolvimento do conceito

moderno de indivíduo e conclui:

Se o individualismo deve aparecer numa so-ciedade do tipo tradicional, holística, será em oposição à sociedade e como uma espécie de suplemento em relação a ela, ou seja, sob a forma de indivíduo fora-do-mundo. Será pos-sível pensar no individualismo desse modo no ocidente? É precisamente isso que vou tentar mostrar; quaisquer que sejam as diferenças no conteúdo das representações, o mesmo tipo sociológico que encontramos na Índia – o in-divíduo-fora-do-mundo – está inegavelmente presente no cristianismo e em torno dele no começo da nossa era.

O cerne da herança judaica-cristã

constitui nessa valorização do indivíduo que

tem na religião sua origem e sua evolução em

seu confronto.

Tendo-se em vista que a questão do

mercado – a ser desenvolvido posteriormen-

te – passa pela questão do indivíduo e só se

viabiliza nos indivíduos, é necessário compre-

ender como se deu esse processo de desen-

volvimento de uma sociedade holística para

uma sociedade moderna.

Embora seja conceito que permeie a

sociedade ocidental, o individualismo não se

revelou abruptamente em nosso meio, pois “a

confi guração individualista de ideias e valores

que nos é familiar não existiu sempre nem pa-

rece de um dia para outro”. (Dumont, 1985, p.

22). Fez-se remeter a origem do individualismo

a uma época mais ou menos remota, segundo,

sem dúvida, à ideia que dele se fazia e a defi ni-

ção que lhe era dada.

Ainda segundo o mesmo autor (Du-

mont, 1985, p. 39):

Pode-se sustentar que o mundo helenístico estava, no que tange às pessoas instruídas, tão impregnado dessa mesma concepção que o cristianismo não teria podido triunfar, a longo prazo, nesse meio, se tivesse oferecido um individualismo de tipo diferente. Eis uma tese muito forte que parece à primeira vista contra-dizer concepções bem estabelecidas.

Temos, assim, um paralelo entre o in-

dividualismo moderno ocidental e o indivíduo

tradicional da antiga sociedade indiana. O ter-

mo indivíduo designa duas coisas ao mesmo

tempo: um objeto fora de nós e um valor. O

primeiro é um sujeito empírico que fala, pensa

e quer, é o modelo individual da espécie hu-

mana, que se encontra em todas as socieda-

des. O segundo é o ser moral independente,

autônomo, não-social, que representa a ideo-

logia moderna do homem e da sociedade.

Luis Dumont (1985) explica que quan-

do o individualismo constitui o valor supremo,

trata-se de individualismo. Nesse caso, o indiví-

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97

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011

duo não pode ser submetido a ninguém, sen-

do as suas regras pessoais que movem a sua

existência. Quando o indivíduo se encontra na

sociedade como um todo, trata-se de holismo.

O modelo indiano de sociedade é holista, a so-

ciedade moderna ocidental é individualista.

A sociedade ocidental da Idade Mé-

dia aproximava-se da sociedade holista india-

na, segundo o mesmo autor. Na Idade Média,

existia uma sociedade cristã governada pela

supremacia da Igreja e esta era constituída por

um sistema hierárquico espiritual, sendo que o

Papa era o representante supremo do poder. A

Igreja era o Estado.

Dessa forma, Dumont (1985, p. 80)

nos diz:

Se tentarmos ver em paralelo a situação cristã medieval e a situação hindu tradicional, a pri-meira difi culdade está em que, ao passo que na Índia, os brâmanes contentavam-se com sua supremacia espiritual, a Igreja no ocidente exercia também um poder temporal, sobre-tudo na pessoa de seu chefe, o Papa. Vendo as coisas grosso modo, a Idade Média parece ter conhecido uma dupla autoridade temporal. Além, disso, uma vez que a instância espiritual não desdenhava revestir-se de poder tempo-ral, podia-se perguntar até se a temporalidade não desfrutava, de fato, de uma certa primazia.

Com o surgimento do Estado moder-

no, extingue-se a harmonia universal do todo

com Deus. Para os modernos, o homem basta-

-se a si mesmo e está em relação direta com

sua razão e com Deus. O indivíduo é um ser

autônomo, integrante de uma comunidade

que forma o Estado, tomando-lhe o poder su-

premo. Para Dumont (1985, p.87):

Para os modernos, sob a infl uência do indi-vidualismo cristão e estóico, aquilo a que se chama direito natural (por oposição ao direito positivo) não trata de seres sociais mas de in-divíduos, ou seja, de homens que se bastam a si mesmos enquanto feitos à imagem de Deus e enquanto depositários da razão. Daí resulta que, na concepção dos juristas, em primeiro lu-

gar, os princípios fundamentais da constituição do Estado (e da sociedade) devem ser extra-ídos, ou deduzidos, das propriedades e qua-lidades inerentes no homem, considerando como um ser autônomo, independentemente do todo e qualquer vínculo social ou político. (grifo do autor)

A ideologia do individualismo funda

suas bases sobre a igualdade e a liberdade.

Ao desprezarem a hierarquia social, todos os

homens tornam-se iguais e livres perante o

Estado. As funções determinadas pela posi-

ção social que o indivíduo ocupa são abolidas

e, consequentemente, o Estado não conse-

gue administrar a vida social e individual do

homem. Não há referências para se espelhar,

a noção de direitos e deveres se desvanece.

O homem moderno abdica de todo sistema

de crenças e valores, negligenciando a tra-

jetória de sua história social para consagrar a

satisfação pessoal. Ocorre uma desintegração

do indivíduo em relação à sociedade. Ele vive

em função das suas necessidades individuais,

de maneira que a existência do outro varia de

acordo com sua necessidade e tem no Libera-

lismo a expressão da própria afi rmação do in-

divíduo.

O liberalismo é assim: individualista, de-

fendendo a afi rmação do indivíduo ante a socie-

dade e o Estado; é igualitário, admitindo e garan-

tindo a igualdade do homem enquanto pessoa;

é universalista, defendendo a homogeneidade

moral da espécie humana; é otimista, admitin-

do o aperfeiçoamento das instituições sociais de

cada sociedade. “O valor infi nito do indivíduo é,

ao mesmo tempo, o aviltamento, a desvaloriza-

ção do mundo tal como existe” (Dumont, 1985,

p. 43). Assim, o liberalismo defende a liberdade

como direito intrínseco de todo indivíduo e toda

autoridade é limitada por esse direito, tem seu

fundamento no individualismo, surge da valoriza-

ção do homem e prepara o campo para o surgi-

mento da democracia e para o desenvolvimento

do capitalismo.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 98

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 94 - 99 jan./dez. 2011

Norbert Elias (1994), em “A sociedade

dos indivíduos”, inicia seu tratado afi rmando

que “a sociedade, como sabemos, somos to-

dos nós” (ELIAS, 1994, p. 13), e nessa aparente

simplifi cação da realidade, ele aborda aspectos

conceituais sobre o indivíduo e a sociedade,

entendendo-os como “duas funções insepa-

ráveis dos seres humanos em seu convívio”

(idem, p. 12), oferecendo instrumentos para

pensar nas pessoas e observá-las.

Ora, a relação entre o indivíduo e a so-

ciedade, e seu desenvolvimento nesse conví-

vio é o próprio desenvolvimento social. Sendo

assim, questões como as relações econômicas

são focadas não somente como relações no

âmbito do mercado, mas também como rela-

ções humanas da própria sociedade. Socieda-

de esta que não é um ente separado do indiví-

duo, pois se assim o fosse teria vida própria, e

seria fruto de uma concepção da modernidade

que quer fazer o indivíduo acreditar que não

precisa do outro, mas a ideia de se viver em

rede é necessária para a própria sobrevivência

do indivíduo, pois os indivíduos estão ligados

uns aos outros por uma rede de funções que

as pessoas desempenham umas em relação às

outras que chamados de sociedade.

Ao fazer referência às funções desem-

penhadas pelo indivíduo na sociedade, um

exemplo pode ilustrar melhor essa concepção:

num coro composto por vozes distintas, essas

mesmas são distribuídas conforme o tom e a

sonoridade. Se de um lado temos vozes femi-

ninas, dentro dessa agregação também temos

funções diferentes. Vozes femininas mais gra-

ves são chamadas de contraltos, vozes mais

agudas seriam chamadas de sopranos. Vozes

masculinas, de acordo com essa classifi cação

seriam, respectivamente, baixos e tenores.

Nesse grupo composto por vozes di-

ferentes temos funções também diferentes.

Observar somente um grupo de vozes ou o

indivíduo em particular não vai possibilitar a

compreensão da música como um todo, ten-

do em vista que cada um dos grupos de vozes

se ajusta de forma coordenada para formar o

todo musical.

A composição dos indivíduos na socie-

dade é algo semelhante. Para compreendê-la

como um todo (a música ou a sociedade), é

necessário observar o conjunto de indivíduos

que tomados em grupo (tal como coro) for-

mam a sociedade orquestrada pelo Estado

(ou pelo maestro). É claro que um indivíduo

pode sair da harmonia, ou, numa linguagem

mais técnica, pode simplesmente desafi nar,

mas esse indivíduo tomado isoladamente não

pode ser o coral completo. O indivíduo em so-

ciedade, ao transgredir as regras estabelecidas

por ela, pode dizer que também “desafi nou”

tendo-se em vista a maestria estabelecida pelo

Estado, mas esse indivíduo, sozinho, não pode

representar toda a sociedade.

Cada um dentro do coro, com seu de-

terminado tipo de voz tem uma função (con-

tralto, soprano, tenor e baixo), bem como cada

indivíduo que vive em grupo vai exercer seu

papel numa rede de relacionamentos que, or-

questradas pelo Estado, vão ser denominadas

por aquilo que conhecemos ser a própria so-

ciedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para compreender a sociedade, neces-

sário pensar também as relações dos indiví-

duos, haja vista que essas relações variam de

época para época. Sendo assim, o indivíduo

é produto da sociedade que molda e é mol-

dado por ela, que responsabiliza, e também é

responsabilizado, que vive conforme os valores

de sua época e faz a sociedade acreditar nes-

ses valores, conjuntamente.

Esse constante confl ito das relações

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indivíduo-sociedade resulta em transformações

históricas e culturais, contrastando com a ideia

de que uma pessoa em particular pode transfor-

mar o mundo, e chama também a atenção para

a ideia de que, quando tudo parece indicar a total

supremacia do isolamento, as relações entre os

homens apontam, ao contrário, para a perma-

nente necessidade uns dos outros.

• ABSTRACT

The present rehearsal search to do a parallel

one among authors Luis Dumont (1985) and

Norbert Elias (1994) with views to establish

that, of the confl ict between individual and

society result the historical and cultural trans-

formations existent.

• KEYWORDS:

Individual. Individualism. Society. State. Liberalism.

REFERÊNCIAS

DUMONT, Louis. O individualismo: uma pers-

pectiva antropológica da sociedade moderna.

Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Roc-

co, 1985.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos.

Org. Michael Schöter. Trad. Vera Ribeiro. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994

POLANYI, Karl. A grande transformação: as

origens da nossa época, 9. ed. Rio de Janeiro:

Campus, 2000. Tradução de The Great Transfor-

mation, publicado, originalmente por Reinhart

& Company (1944).

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 100

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11000001100001 00

Vivian CristianeMonografi a de Conclusão de Curso (Especialização em Contro-le Externo) - Faculdade Integral Diferencial, Teresina, 2010.

• RESUMO

Este estudo teve como objetivo identifi car o

conceito, natureza jurídica e particularidades

deste novo modelo de contrato administra-

tivo, as chamadas Parcerias Público-Privadas,

instituídas pela Lei Federal n.º 11.079, de 30 de

dezembro de 2004. Buscou, também, observar

o controle externo de forma geral e, especifi -

camente, o controle externo exercido pelos tri-

bunais de contas, conforme preceitua a Consti-

tuição Federal de 1988, analisando-se tanto no

âmbito do Tribunal de Contas da União como

do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. A

pesquisa teve como referencial teórico o estu-

do da legislação vigente e da doutrina acerca

da matéria, sendo, pois, uma pesquisa biblio-

gráfi ca e documental. O mais importante da

pesquisa versa como deve ser feito o controle

externo das PPPs, por parte dos órgãos de fi s-

calização, para que se tenha uma regular apli-

cação dos recursos públicos e o efetivo retorno

à sociedade. Através deste estudo foi possível

concluir que uma das formas de se zelar pela

qualidade dos serviços fi nais prestados à po-

pulação é o aperfeiçoamento de todo o leque

de profi ssionais envolvidos nas mais diversas

áreas relacionadas a um projeto de PPP.

• PALAVRAS-CHAVE

Parcerias Público-Privadas. Controle Externo.

Atuação do Tribunal de Contas no Controle Ex-

terno das PPPs.

Uma análise do controle externo sobre

as parcerias público-privadas

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10101111

1 INTRODUÇÃO

O controle externo dos atos da admi-

nistração pública, considerado um dos funda-

mentos da República, segundo a Constituição

Federal de 1988, é exercido pelo Poder Legis-

lativo com auxílio do Tribunal de Contas. Esse

controle se faz necessário para se averiguar o

atendimento dos princípios e normas constitu-

cionais tanto da arrecadação da receita pública

quanto à realização da despesa pública.

Conforme o art. 71, II da Constituição

Federal de 1988 e o art. 86, II da Constituição

do Estado do Piauí enquadram-se entre as

competências dos Tribunais de Contas o jul-

gamento das contas dos administradores e

demais responsáveis por dinheiros, bens ou

valores públicos da administração direta e in-

direta, incluídas as fundações mantidas pelo

Poder Público federal e estadual, e as contas

daqueles que derem causa a perda, extravio

ou outra irregularidade de que resulte prejuízo

ao erário público.

Analisando tais artigos, e considerando

o modelo de Estado Democrático de Direito,

pautado na satisfação do interesse público,

entende-se que o controle pelos Tribunais de

Contas também é necessário nas Parcerias Pú-

blico-Privadas.

As Parcerias Público-Privadas foram

criadas com a fi nalidade de aumento da infra-

estrutura sem comprometer os recursos públi-

cos, buscando, assim, um ponto de equilíbrio

para que ocorra um crescimento ordenado.

Porém, é imprescindível a atuação do con-

trole e acompanhamento da execução dos

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 102

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contratos para que as PPPs possam represen-

tar uma forma eficiente de gestão do patri-

mônio público.

Considerando a importância do con-

trole externo exercido pelos Tribunais de

Contas e o caráter inovador das parcerias

público-privadas em nosso Estado, como um

mecanismo capaz de atrair investimentos pri-

vados, gerando inúmeros benefícios, buscou-

-se pesquisar um pouco mais sobre o assunto e

analisar como está sendo realizado o controle

externo destas parcerias.

Dessa forma, o problema posto sob

análise neste trabalho é verifi car as difi culdades

encontradas na efetivação do controle externo

pelo Tribunal de Contas sobre esse novo mo-

delo de contrato administrativo de concessão.

Para realização desta pesquisa foi ne-

cessário o estudo da Lei n.º 11.079 de 30 de de-

zembro de 2004 (que institui as normas gerais

do assunto baseada na competência prevista

no artigo 22, XXII da Constituição Federal de

88), bem como a Lei n.º 5.494 de 19 de setem-

bro de 2005, com as alterações introduzidas

pela Lei n.º 5.561 de 08 de maio de 2006 e a Lei

n.º 5.817 de 16 de dezembro de 2008 (que ins-

titui o programa de parcerias público-privadas

do Estado do Piauí e dá outras providências) e

também a Lei n.º 8.987 de 13 de fevereiro de

1995 (que dispõe sobre o regime de concessão

e permissão da prestação de serviços públicos

previsto no art. 175 da Constituição Federal e

dá outras providências). Utilizando-se de meios

qualitativos de pesquisa, identifi cou-se os prin-

cípios e a legislação que norteiam a prestação

de contas das Parcerias Público-Privadas.

A pesquisa teve como referencial teóri-

co o estudo da legislação vigente e da doutrina

acerca da matéria, sendo, pois, uma pesquisa

bibliográfi ca e documental.

O presente estudo está estruturado

em três partes.

Na primeira parte, abordam-se aspec-

tos das Parcerias Público-Privadas, como histó-

rico, conceito, natureza jurídica, regulamenta-

ção, modalidades de concessão.

Em seguida, destacam-se o controle,

conceito, classifi cação, e com foco principal no

controle externo, enfatizando o papel do Tri-

bunal de Contas da União e Tribunal de Contas

do Estado do Piauí na efetivação do controle

externo.

A terceira parte do trabalho foi dedica-

da ao estudo específi co do Controle Externo

das Parcerias Público-Privadas e às formas de

controle que devem ser realizadas, destacan-

do-se o controle externo através da prestação

de contas realizadas aos Tribunais de Contas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

2.1.1 Conceito e natureza jurídica

A Lei n.º 11.079/04 defi niu em seu arti-

go 2º, que “parceria público-privada é o contra-

to administrativo de concessão na modalidade

patrocinada ou administrativa”.

Carvalho Filho (2005, p. 340) conceitua

[...] como um contrato fi rmado entre a Adminis-tração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante fi nanciamen-to do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos ris-cos e dos ganhos entre os pactuantes.

Niebuhr (2008, p. 106/107) expõe que:

Parceria público-privada é espécie de contrato administrativo de delegação de atividades des-tinadas à satisfação de interesses públicos ou exploração de obra pública, com pelo menos, a repartição – entre os parceiros – dos riscos inerentes à atividade, de prazo de duração pro-longado e vultoso valor econômico em que se sublinha a existência de contraprestação públi-

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ca ao parceiro privado para a remuneração da atividade, de modo integral quando, para efei-to de seu custeio, o tomador da atividade for o parceiro público, ou em adição à tarifa, quando o serviço ou obra pública comportar cobrança direta dos usuários.

Os autores acima mencionados re-

tratam as Parcerias Público-Privadas como

contratos administrativos de grande vulto,

firmados entre o setor público e a iniciativa

privada, com o objetivo de atender o interes-

se público desenvolvendo grandes projetos

de infraestrutura.

Embora se utilize o termo parceria, na

verdade tem a natureza jurídica é de um con-

trato administrativo de concessão de serviços

públicos ou de obras públicas ou, ainda, de

prestação de serviços de que a Administração

Pública seja usuária direta ou indiretamente,

poder-se-ia chamá-la até mesmo de contrato

de concessão especial.

Conforme o artigo 2º da Lei n.º

11.079/04, esse contrato de parceria pode

assumir as modalidades patrocinada ou ad-

ministrativa.

A concessão patrocinada é contrato de

concessão de serviços públicos ou de obras

públicas de que trata a Lei n.º 8.987 de 13 de

fevereiro de 1995, quando envolver, adicional-

mente à tarifa cobrada dos usuários, contra-

prestação pecuniária do parceiro público ao

parceiro privado, ou seja, é pago pelo usuário

e pelo Estado. Um exemplo concreto de PPP

nesta modalidade de concessão foi a amplia-

ção do Metrô de São Paulo. A empresa vence-

dora da licitação operará a linha 4 (Linha Ama-

rela), com 11 estações: da Luz até o município

de Taboão da Serra, durante 30 anos, terá em

contrapartida ao investimento a cobrança de

tarifas no Metrô e de verba do estado. Cabe ao

estado construir estações e trilho, e à iniciativa

privada, a implantação do sistema de operação

e aquisição dos trens.

Segundo Zymler e Almeida (2008, p.

271):

Essa modalidade de concessão é utilizada para permitir a prestação de serviços públicos que não sejam auto-sustentáveis, cuja receita oriunda do recebimento das tarifas e das recei-tas acessórias seja insufi ciente para remunerar adequadamente o parceiro privado. Aduz--se que a remuneração do agente privado só será paga a partir do início da prestação dos serviços e seu valor poderá depender do atin-gimento de metas de qualidade predetermi-nadas. Assim, não há pagamento durante o período pré-operacional.

Cuida-se destacar que esse adicional mencionado pela Lei à tarifa não se confunde com a previsão do art. 11 da Lei nº 8.987/05, pois nesses, o adicional advém de terceiras fontes e não do poder concedente ou dos par-ceiros envolvidos na empreitada. No entanto, na parceria público-privada, tal como previsto no artigo 6º da Lei n.º 11.079/04, esse adicional pode ser feito por: ordem bancária; cessão de créditos não tributários; outorga de direitos em face da Administração Pública; outorga de di-reitos sobre bens públicos dominicais e outros meios admitidos em lei.

Nos termos do artigo 2º, §2º, da Lei n.º

11.079/04, “concessão administrativa é o con-

trato de prestação de serviços de que a Admi-

nistração Pública seja a usuária direta ou indi-

reta, ainda que envolva a execução de obra ou

fornecimento e instalação de bens”.

Na concessão administrativa quem re-

munera integralmente o parceiro privado é o

parceiro público, por essa razão, essa modali-

dade de concessão admite não só os serviços

públicos em sentido estrito, mas também os

serviços públicos em sentido amplo, em que a

Administração faz o papel de usuário para efei-

to de custeio integral da atividade. O Estado é

o próprio usuário do serviço a ser prestado. Um

exemplo concreto desta modalidade de con-

cessão é a construção do Centro Administrati-

vo do Distrito Federal.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 104

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

Di Pietro (2007, p. 285) faz uma síntese

englobando as duas modalidades em um con-

ceito único, afi rmando que:

[...] a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remu-nerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro pú-blico, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, me-diante contraprestação do parceiro público.

Em resumo, a concessão patrocinada

caracteriza-se por ser uma concessão comum

de serviço público, mas com subsídio parcial

pago pelo Estado; enquanto a concessão ad-

ministrativa é baseada na prestação de serviço

público por ente particular, mediante paga-

mento estatal, via subsídio integral, correspon-

dente ao serviço prestado. Como exemplo de

concessão patrocinada pode-se citar a cons-

trução de rodovias e administrativa, a constru-

ção de presídios.

2.1.2 Histórico

2.1.2.1 Precedentes internacionais

A utilização do conceito de parcerias

público-privadas na execução de grandes pro-

jetos públicos é uma experiência relativamente

recente. Internacionalmente, as PPPs são am-

plamente utilizadas para projetos de infraestru-

tura, particularmente projetos que seriam nor-

malmente providenciados por mecanismos

tradicionais de fi nanciamento pelo Estado ou

outras organizações do setor público.

Países europeus têm uma grande ex-

periência com PPPs, sendo a Inglaterra, inclu-

sive, o país utilizado como principal referência

para o desenvolvimento do modelo brasileiro

de parceria público-privada. Entretanto, países

da América, África e Ásia, como Chile, México,

Austrália, Canadá e África do Sul já iniciaram há

algum tempo os seus programas de PPP, com

relativo sucesso.

Inicialmente, as parcerias público-pri-

vadas foram utilizadas exclusivamente na exe-

cução de projetos de infraestrutura de grande

porte, que necessitariam de injeção de altos

fl uxos de capital por parte do setor público, tais

como infraestrutura de transporte (rodovias,

ferrovias, pontes, etc...), saneamento e geren-

ciamento de resíduos residenciais. A partir da

boa experiência nestes setores, sua aplicação

foi gradativamente migrando para outros seto-

res da economia, principalmente para a cons-

trução e operação da infraestrutura de hospi-

tais, escolas e universidades, presídios e outros.

2.1.2.2 Contexto brasileiro

Observando a bem-sucedida experi-

ência internacional e a grande carência nacio-

nal de recursos para execução de grandes pro-

jetos de infraestrutura, em dezembro de 2004

foi decretada pelo Congresso Nacional a Lei n.º

11.079, que regulamenta a instituição de proje-

tos de Parceria Público-Privada no Brasil.

No entanto, conforme expõe Zymler e

Almeida (2008), as raízes históricas das parcerias

entre capitais públicos e privados assentam-se

no Brasil Colônia, a exemplo das Capitanias He-

reditárias, dos contratantes de pedras precio-

sas e dos coletores de tributos.

Fazendo-se um levantamento históri-

co, observa-se que especialmente no campo

de infraestrutura, desde o Segundo Império

que D. Pedro II implantou parte das ferrovias

brasileiras, usando de uma ferramenta contra-

tual que se chamava cláusula de ouro, com fi -

nalidade semelhante às PPPs.

Avançando um pouco na histórica,

no Segundo Governo de Vargas, tem-se a

criação do Banco Nacional de Desenvolvi-

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

mento Econômico- BNDE, com vistas à rea-

lização de investimentos estatais no setor de

bens de capital.

Juscelino Kubitschek, durante seu

poder, estimulou a aceleração do processo

de industrialização resolvendo problemas

de infraestrutura, embora tenha em contra-

partida aumentado a dívida externa e a in-

flação. Nos governos militares, observou-se,

também, desenvolvimento da infraestrutura

e da economia.

Conforme preceitua Zymler e Almeida

(2008, p. 259):

A partir da década de 1990, passa-se a propug-nar pela concessão de uma maior fl exibilidade aos gestores públicos, que devem passar a se-rem avaliados a partir dos resultados obtidos e dos procedimentos adotados.

O Estado deve ser visto hoje como

fruto de uma evolução sistemática, pois exis-

te com o objetivo de proporcionar o bem co-

mum (Dallari, 2007).

A Administração Pública exerce ativi-

dade multifária e complexa, e sempre com os

olhos voltados para fi m de interesse público.

Esta Administração passou por vários estágios,

com vistas a atender da melhor forma o inte-

resse da coletividade.

No Estado Absoluto, predominava a

Administração Patrimonial ou Patrimonialista,

caracterizando-se pela confusão entre patri-

mônio público e privado, presença do nepo-

tismo e clientelismo, a privatização do Estado

para poucos.

No Estado Liberal, como forma de

combater a corrupção e o nepotismo patrimo-

nialista, presente a Administração Burocrática,

com o predomínio da impessoalidade das rela-

ções entre servidores e governantes, presença

marcante dos princípios da legalidade, impes-

soalidade, moralidade e publicidade, controle

de procedimentos, racionalidade, formalismo,

porém, pouca efi ciência e despreocupação

com o usuário fi nal de serviço.

Com o Estado Neoliberal, surge a Ad-

ministração Gerencial focada no controle de

resultados, efi ciência na prestação do serviço,

transparência, descentralização da execução

dos serviços estatais, desconcentração organi-

zacional e accountability.

Assim, com esse modelo de Adminis-

tração Pública atual, com o foco da gestão no

cidadão, torna-se evidente a necessidade de

desenvolver e incorporar tecnologias especi-

fi camente dedicadas à gestão da informação.

Com o uso da tecnologia, a gestão pública

mostra-se mais transparente e aproxima-se das

demandas da sociedade.

Este modelo atual tornou-se mais

evidente com a chamada Reforma Adminis-

trativa estabelecida no ordenamento jurídico

pela Emenda Constitucional n.º 19/98, que

acrescentou ao artigo 37 da Constituição Fe-

deral o princípio da efi ciência, como um dos

pressupostos básicos da Reforma do Aparelho

do Estado, objetivando facilitar o ajuste fi scal

necessário ao equilíbrio das fi nanças públicas.

Conforme Di Pietro (2007, p. 75):

O princípio da efi ciência apresenta, na realida-de, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente públi-co, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os me-lhores resultados; e em relação ao modo de or-ganizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Nesse sentido, é objetivo do governo

coibir o desperdício e racionalizar o gasto públi-

co. A reforma vem como instrumento através do

qual deve-se impedir que os gastos aumentem,

consumindo os recursos do Estado, sem que haja

uma contrapartida de efi ciência e qualidade nos

serviços prestados à sociedade.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 106

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

A criação das parcerias deveu-se pela

própria evolução do Estado, a necessidade de

se criar mecanismos para promover ainda mais

o desenvolvimento estatal e a promoção do

bem-estar social. O surgimento das PPPs abre

oportunidade para ampliar a participação do

setor privado na provisão de serviços, em es-

pecial no setor de infraestrutura, potenciali-

zando ganhos de efi ciência e desoneração dos

contribuintes.

2.1.3 Regulamentação

2.1.3.1 Nível federal

Como exposto anteriormente desde a

época do Brasil Colônia, a ideia destas parcerias

já existia no Brasil, porém, a regulamentação

adveio com a Lei n.º 11.079, de 30 de dezembro

de 2004, que institui normas gerais para licita-

ção e contratação de parceria público-privada

no âmbito da administração pública.A norma supramencionada instituiu a

colaboração entre o Poder Público e a iniciativa privada no fi nanciamento de obras em setores como infraestrutura rodoviária, energética, en-tre outros, mediante o compartilhamento ob-jetivo de riscos entre os parceiros.

A Lei n.º 11.079/04 defi ne a Parceria Pú-

blico-Privada em seu artigo 2º, in verbis: “Parce-

ria público-privada é o contrato administrativo

de concessão, na modalidade patrocinada ou

administrativa.”

Logo no seu art. 1º estabelece que a

quem se aplica:

Art. 1o Esta Lei institui normas gerais para licita-ção e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.Parágrafo único. Esta Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de econo-mia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A Lei nº 11.079, de 2004, traz apenas

normas de caráter geral que carecem de de-

talhamento e regulamentação em diversos as-

pectos, sobretudo, no que concerne às normas

específi cas de controle e fi scalização. É impor-

tante que cada Estado legisle supletivamente

sobre a matéria para evitar o uso indevido de

tal ferramenta.

Zymler e Almeida (2008) enfatizam al-

guns pontos importantes e genéricos desta lei,

como: além de regras gerais, ela contém dis-

posições aplicáveis exclusivamente à União, as

quais estão contidas no seu capítulo VI; o le-

gislador teve a preocupação de separar nitida-

mente as normas nacionais das federais, o que

não foi feito, por exemplo, quando da elabo-

ração da Lei n.º 8.666/93. Assim sendo, houve

um avanço na técnica legislativa empregada

na redação da lei das PPPs, o qual contribuirá

para reduzir as controvérsias suscitadas quan-

do da aplicação desse dispositivo legal; como

se verá no momento oportuno, algumas nor-

mas nacionais poderão ter sua constituciona-

lidade questionada, tendo em vista que, apa-

rentemente, pode ter havido uma usurpação

da competência legislativa dos Estados e dos

Municípios, o que confi gura uma violação ao

Pacto Federativo.

Os Estados podem legislar sobre PPPs,

porém obedecendo às normas gerais estabe-

lecidas pela Lei n.º 11.079/04.

2.1.3.2 Nível estadual

A implementação desta lei é uma for-

ma de avanço na política brasileira, pois visa a

alavancar o desenvolvimento do país, no qual

o capital privado vai se encarregar de patroci-

nar obras que o Estado não teria condições de

fazer com recursos próprios, e melhorar seto-

res mal explorados pela Administração Publica.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

A regulamentação das PPPs pelos Es-

tados demonstra comprometimento firme e

decidido dos governos em aproveitar essa

moderna alternativa de relacionamento com

a sociedade e potenciais parceiros privados

para a oferta de serviços de qualidade ao

cidadão com visão no atendimento de suas

necessidades.

No campo estadual, o estado pionei-

ro na elaboração de lei regulamentando as

PPPs foi o Estado de Minas Gerais, com a Lei

n.º 14.868 de 16 de dezembro de 2003, porém,

tal modelo foi adotado por outros Estados da

Federação, dentre eles o Estado do Piauí, Lei n.º

5.494/05, que foi alterada pelas Leis n.º 5.561 de

08 de maio de 2006 e Lei n.º 5.817 de 16 de

dezembro de 2008.

No fi nal de 2008, o Governo do Estado

do Piauí assinou Acordo de Cooperação Técni-

ca com o Banco do Nordeste e o Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão para es-

truturar sua primeira Parceria Público-Privada

(PPP): a construção da rodovia Transcerrados

(PI-397), de 330 km. O acordo fi rmado disponi-

biliza recursos não-reembolsáveis para a cons-

trução dos projetos da Rodovia Transcerrados

almejada pelos produtores da Região Sul do

Estado do Piauí.

A Transcerrados está localizada no Polo

de Uruçuí-Gurgueia, uma das áreas de maior

potencial de desenvolvimento do complexo

agroindustrial dos cerrados nordestinos, e que

tem apresentado nos últimos anos um forte

crescimento na produção de soja. No polo, já

se observa a instalação de grandes empresas

do agribusiness nacional, como Ceval, Bünge e

Cargill, entre outras.

Avançando um pouco mais com esta

ideia, o Estado do Piauí estuda a possibilidade

de ampliar o campo das PPPs para o sistema

prisional.

2.2 CONTROLE EXTERNO

2.2.1 Controle

A Administração é o instrumento de

que o Estado dispõe para colocar em prática as

políticas públicas, por meio do conjunto de ór-

gãos estatais, instrumento este submetido aos

princípios da legalidade, impessoalidade, mo-

ralidade, publicidade, fi nalidade pública, moti-

vação e efi ciência (art.37, CF). E para estabele-

cer a conformidade dos atos da administração

pública com os princípios constitucionais, bem

como obedecer aos princípios da supremacia

do interesse público sobre o privado, da razoa-

bilidade e/ou proporcionalidade e da indispo-

nibilidade do interesse público e resguardar a

efi cácia desses atos, surgem os mecanismos

ou sistemas de controle de suas atividades.

Dentre estes princípios, destaca-se o

princípio da razoabilidade e proporcionalida-

de, pois, embora não expresso no texto cons-

titucional, é também de extrema importância.

Como apontou Figueiredo (1991):

[...] não há outro meio de se aferir a legalidade de certos atos administrativos, a não ser pelo metro da razoabilidade. Impende a aferição da pertinência com a consequente correlativida-de entre o ato emanado e seu pressuposto fá-tico. Se houver qualquer possibilidade de com-petência discricionária, deverá esta também se submeter ao controle da legalidade. Em outras palavras: determinadas necessidades adminis-trativas, a serem implementadas, fazem com que, inexoravelmente, para controle do ato praticado, tenha-se de inferir a congruência ló-gica entre a atuação administrativa e a neces-sidade invocada.

A previsão de controle mostrava-se

desde a Antiguidade e Idade Média e expan-

diu-se em paralelo à formação e à consoli-

dação do Estado Moderno, tendo adquirido

maior ênfase com a Revolução Francesa.

Prova disto encontra-se na Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 108

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

agosto de 1789, que defi ne os direitos do ci-

dadão como poderes que traduzem em meios

de participação do homem no exercício do Po-

der Político. Entre esses poderes, incluem-se os

direitos de participar da vontade geral (art. 6º),

de consentir no imposto e de controlar o dis-

pêndio do dinheiro público (art. 14) e de pedir

contas da atuação de agente público, confor-

me dispõe o art. 15: “A sociedade tem o direito

de pedir contas a todo agente público pela sua

administração”.

O controle da administração pública

deve ser considerado, nesse sentido, como um

direito fundamental dos povos, relacionando-

-se, intimamente, com o Estado Democrático

de Direito e, assim, com a efetivação de todos

os direitos fundamentais, tendo em vista que

impede e reprime uma atuação estatal abusiva

ou desconforme com o direito e aos princípios

de ética pública.

O Estado Moderno mostra-se com dois

objetivos principais: coibir o abuso do poder

político-administrativo e dinamizar a efi ciência

da administração pública.

Segundo Zymler (2008, pág.96):

Visando atingir o primeiro objetivo, arranjos institucionais foram incorporados aos Esta-dos modernos com a intenção precípua de restringir o poder do governante e de corpo administrativo. Assim, foram editadas normas constitucionais limitando esse poder, foi im-plementada a separação funcional de poderes e foram criados mecanismos de competência concorrentes.

E complementa Zymler (2008, p. 98),

que o segundo objetivo

Ensejou um incremento do controle paralela-mente à racionalização dos processos adminis-trativos, à profi ssionalização da burocracia e à criação de normas formais regulando os pro-cedimentos governamentais.

De diferentes formas, os maiores ad-

ministrativistas conceituam controle, porém,

na sua essência visa conferir maior efi ciência

às suas ações, que estas estejam em confor-

midade com os princípios do regime jurídico-

-administrativo.

Carvalho Filho (2005) denomina o con-

junto de mecanismos jurídicos e administrati-

vos por meio dos quais se exerce o poder de

fi scalização e de revisão da atividade adminis-

trativa em qualquer das esferas de Poder.

Para Di Pietro (2007), o controle admi-

nistrativo consiste no poder de fi scalização e

correção que a Administração Pública exerce

sobre sua própria atuação, sob os aspectos de

legalidade e mérito, por iniciativa própria ou

mediante provocação.

2.2.2 Controle externo exercido

pelo Tribunal de Contas

Tem-se a noção de controle a partir do

Estado Democrático de Direito, que consagra,

entre os seus pilares, as ideias de separação de

funções estatais e do controle do poder polí-

tico, como formas de garantia das liberdades

individuais, de limitação do exercício do Poder.

O controle externo é o controle exer-

cido por órgãos alheios ao Poder Executivo,

podendo ser exercido pelo Poder Judiciário e

pelo Poder Legislativo.

Na lição de Meirelles (2006), o con-

trole externo visa a comprovar a probidade

da Administração e a regularidade da guarda

e do emprego dos bens, valores e dinheiros

públicos, assim como a fiel execução do or-

çamento.

A Constituição Federal de 88 em seu art.70 dispõe que: “A fiscalização contábil, financei-ra, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legiti-midade, economicidade, aplicação das sub-venções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

Observa-se que este controle abran-

ge, além da legalidade, legitimidade e econo-

micidade dos atos administrativos, o controle

operacional e patrimonial da Administração

Pública. Pelo texto constitucional vigente, os

Tribunais de Contas desempenham todas as atividades de auditoria e fi scalização contábil, orçamentária, fi nanceira, operacional e patri-monial, necessárias ao julgamento das contas dos administradores públicos, estando suas competências e atribuições estabelecidas e detalhadas nos artigos 70 e 71 da Carta Federal.

Aos Tribunais de Contas é outorgada a competência para auxiliar o Poder Legislativo no controle externo de fi scalização, na análise dos atos de receita e despesa da Administra-ção Pública. Nos incisos I ao XI do art. 71 da Constituição Federal, estão consignados, de forma pormenorizada, quais são as competên-cias atribuídas ao Tribunal de Contas da União.

As funções constantes no art.71 da Constituição Federal podem ser resumidas em apenas uma: exercer a fi scalização dos dinhei-ros públicos, apontar as práticas desviantes e, quando permitido na Lei Maior, impor sanções pecuniárias àqueles que malversam recursos públicos.

Há algum tempo, discute-se a natureza jurídica das cortes de contas, se é um órgão de-pendente do Poder Legislativo, ou um órgão independente. Pascoal (2005, p. 136), em seu livro Direito Financeiro e Controle Externo, cita posicionamento de Eduardo Gualazzi (1992)

que defi ne Tribunal de Contas como

órgão administrativo parajudicial, funcional-mente autônomo, cuja função consiste em exercer, de ofício, o controle externo, fático e jurídico, sobre a execução fi nanceiro-orçamen-tária, em face dos três poderes do Estado, sem a defi nitividade jurisdicional.

Meireles (2006) os defi ne como órgãos

independentes, mas auxiliares dos Legislativos

e colaboradores do Executivo.

Na lição do Professor Alexandre de Mo-

raes (2008), o Tribunal de Contas da União é ór-

gão auxiliar e de orientação do Poder Legislati-

vo, embora a ele não subordinado, praticando

atos de natureza administrativa, concernentes,

basicamente, à fi scalização.

Da mesma forma decidiu o Supremo

Tribunal Federal, antes mesmo da Constituição

de 88 que: “O Tribunal de Contas não é prepos-

to do Legislativo. A função que exerce recebe

diretamente da Constituição Federal, que lhe

defi ne as atribuições.”

Atualmente as Cortes de Contas são

órgãos constitucionalmente consagrados,

dotados de independência, que ao fi scalizar

fi nanceira e orçamentariamente os atos da Ad-

ministração Pública, auxilia o Poder Legislativo,

o que não signifi ca dizer que sejam órgãos me-

ramente auxiliares.

A importância da atuação das cortes

de contas aperfeiçoou-se com a CF/88, sím-

bolo maior da nova fase democrática, que

trouxe de forma detalhada suas competên-

cias, fortalecendo, assim, a efetividade do

controle externo.

Rui Barbosa, em suas palavras, explica

função a ser desempenhada pelos tribunais de

contas:

Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância, ou a prevaricação, para as punir, circunscrita a es-tes limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia ou impotente. Convém levantar, entre o Poder que autoriza periodicamente a despesa e o Poder que cotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a Legislativa, e intervindo na Administração, seja não só o vi-gia, como a mão forte da primeira sobre a se-gunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias, por um veto oportuno nos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha geral das leis de fi nanças.

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 110

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

Nesta nova fase da administração pú-

blica, deixando de lado as práticas do patrimo-

nialismo, autoritarismo, clientelismo e conside-

rando a aplicação e efetividade dos princípios

constitucionais da administração pública, o

papel do Tribunal de Contas é de extrema im-

portância no combate à corrupção e à busca

por transparência na aplicação dos recursos

públicos.

2.2.3 Atuação do Tribunal de Contas

do Estado do Piauí

O Tribunal de Contas do Estado do

Piauí é um órgão constitucional autônomo

que tem competências e atribuições próprias,

auxiliando a Assembleia Legislativa do Estado

e as Câmaras Municipais no controle dos atos

administrativos de índole fi nanceira e orça-

mentária.

Tem jurisdição estadual própria e priva-

tiva, atuando em todo o Estado, fi scalizando as

contas do Governo do Estado e de todos os

Municípios do Estado. No exercício desta juris-

dição está regido pela sua Lei Orgânica e pelo

seu Regimento Interno.

A principal atribuição desta Corte de

Contas é atuar no exercício do controle exter-

no, tendo o poder-dever de promover a fi sca-

lização de seus jurisdicionados para a correção

dos atos ilegais e também dos inconvenientes

e inoportunos.

A Constituição do Estado do Piauí es-

tabelece em seu art. 85 que a fi scalização con-

tábil, fi nanceira, orçamentária, operacional e

patrimonial do Estado e das entidades da ad-

ministração direta e indireta, quanto à legalida-

de, legitimidade, economicidade, aplicação de

subvenções e renúncia de receita, será exercida

pela Assembleia Legislativa, mediante controle

externo e pelo sistema de controle interno de

cada poder.

No art. 86, a Constituição Estadual es-

tabelece que esse controle externo a cargo da

Assembleia Legislativa será exercido com o au-

xílio do Tribunal de Contas e estabelece suas

competências: apreciar, julgar, fi scalizar.

A Lei n.º 5.888 de 19 de agosto de 2009,

que dispõe sobre Lei Orgânica do Tribunal de

Contas do Estado do Piauí, logo no seu artigo

2º regulamenta a natureza jurídica e competên-

cia do TCE/PI, dentre elas, destaca-se: fi scalizar a

aplicação de quaisquer recursos repassados pelo

Estado ou município a pessoas jurídicas de direito

público ou privado, mediante convênio, acordo,

ajuste ou qualquer outro instrumento congêne-

re. As PPPs são aplicáveis a projetos de vultoso

valor econômico, ou seja, envolvem grandes re-

cursos, tendo naturalmente que ser fi scalizados

pelo Tribunal de Contas.

O TCE/PI dispõe ainda de resoluções

que regulamentam sua atuação, objetivando

um melhor desenvolvimento de sua missão

como instituição que fi scaliza a boa aplicação

dos recursos públicos.

A Resolução TCE/PI n.º 904, de 22 de

outubro de 2009, dispõe sobre a forma e prazo

de prestação de contas ao Tribunal de Contas

pelos órgãos e entidades dos Poderes Legislati-

vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério

Público e dá outras providências e a Resolu-

ção TCE/PI n.º 905, de 22 de outubro de 2009,

dispõe sobre a forma e prazo de prestação de

contas da administração pública municipal di-

reta e indireta ao Tribunal de Contas e dá ou-

tras providências.

As mencionadas resoluções têm o

cunho de regulamentar como deve ser feita a

prestação de contas, qual documentação deve

compô-la, quais os prazos a serem cumpridos,

a obrigatoriedade de informativo prévio diante

da realização de procedimento licitatório, por

meio do sistema de Licitações Web, bem como

a previsão de multa diante do não cumprimen-

to dos prazos.

Page 110: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

111

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

Com essa regulamentação, facilita o

exercício do controle externo, através do exa-

me da legalidade, legitimidade, economici-

dade, efi ciência e efi cácia dos atos de gestão,

bem como sobre a aplicação de subvenções e

auxílios e renúncia de receitas, e assim, a efeti-

va fi scalização contábil, fi nanceira, orçamentá-

ria, operacional e patrimonial.

2.2.5 Controle externo das parcerias

público-privadas

Prestar contas é uma obrigação primá-

ria de quem gasta ou administra recursos que

pertencem aos outros. É uma atividade que

por si só não agrada a muitos. Para o Poder Pú-

blico, mais do que um dever legal que remon-

ta ao nascer da história da humanidade, é um

dever social, em busca de um objetivo sublime

e historicamente reconhecido – o exercício

da cidadania. Por outro lado, fi scalizar gastos

é uma tarefa árdua que não signifi ca apenas

cumprir uma legislação vigente. Muito além

disso, signifi ca investir-se no poder de defen-

der os interesses individuais e sociais, face ao

mau uso do poder concedido aos agentes po-

líticos através do voto popular, praticando, as-

sim, o exercício da cidadania em seu mais alto

grau: na capacidade de ser agente participante

do processo de tomada de decisão sobre os

rumos da sociedade.

As PPP’s são uma nova forma de rela-

cionamento entre o governo e o setor privado.

A iniciativa privada entra com a capacidade de

investir e de se fi nanciar a fl exibilidade e a com-

petência gerencial, enquanto o setor público

assegura a satisfação do interesse público.

Conforme a operação, poderá haver um com-

plemento de recurso público na remuneração

do parceiro privado, assegurado invariavel-

mente por garantias que impeçam os futuros

governos de descumprirem o combinado.

Como são contratos administrativos,

encontram-se no rol de fi scalizados pelos Tri-

bunais de Contas, pois envolvem recursos pú-

blicos. A comprovação encontra-se no ordena-

mento jurídico brasileiro indicado no parágrafo

único do art. 70 da Constituição Federal, quan-

do estabelece que :

“prestará contas qualquer pessoa física ou jurí-dica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União res-ponda, ou que, em nome desta, assuma obri-gações de natureza pecuniária”.

Desta forma, a Lei Maior prevê que a

prestação de contas não será obrigatória em

razão da pessoa que a presta, mas sim em ra-

zão da origem dos bens, valores e patrimônio

manuseado durante o exercício fi nanceiro. As-

sim, se a instituição usou dinheiro público para

desempenhar a fi nalidade para a qual foi cria-

da, então tem a obrigação de prestar contas.

Além disso, ressalta-se que, mesmo no

manuseio de valores advindos da esfera priva-

da, tem a Administração direta e indireta obri-

gatoriamente que prestar contas, em virtude

de que todo e qualquer bem ou valor, mesmo

que de origem privada, quando ingressa nos

cofres públicos, perde o atributo que lhe carac-

teriza como privado e adquire o predicado que

lhe dá qualidade de público, ensejando, como

já dito, a obrigação da apresentação da presta-

ção de contas para o tribunal competente.

No entanto, sabe-se que as PPPs en-

volvem recursos públicos e privados, enqua-

drando-se, pois, nas duas situações expostas

anteriormente.

Assim, consoante coloca Mileski (cita-

do por Zymler e Almeida 2008, p. 338):

Sendo a parceria público-privada uma forma de atuação administrativa do Estado, em par-ceria com o setor privado, e, por isto, confi gu-rando-se como um ato de colaboração, de re-lação negocial, para obtenção de objetivos de interesse coletivo, com direitos e obrigações fi -

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 112

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

xadas em contrato, após regular procedimento licitatório, o contrato de parceria público-priva-da está diretamente ligado aos atos negociais do Estado, envolvendo gerenciamento de recursos fi nanceiros, devendo, por essa razão, fi car adstrito ao sistema de controle público e social.

A própria lei que instituiu as PPPs atri-

buiu ao Tribunal de Contas da União a fun-

ção de analisar os relatórios de desempenho

dos contratos de parcerias público-privadas,

que deverão ser encaminhados a esta Corte

pelo órgão gestor de parcerias público-pri-

vadas federais.

O controle externo nos contratos de

PPPs deve ser iniciado com a fi scalização do

procedimento licitatório; ao Tribunal de Contas

compete acompanhar concomitantemente

todas as fases do certame, emitindo decisões

com vistas à adoção de medidas corretivas

que se façam necessárias ao regular curso do

processo; bem assim, mediante auditorias es-

peciais e concomitantes, centradas no assunto.

Corroborando com essa ideia, a própria

lei que institui as PPPs em seu art. 10 disciplina

o controle social determinando que a contrata-

ção de parceria público-privada será precedida

de licitação, estando a abertura do processo

licitatório condicionada submissão da minu-

ta de edital e de contrato à consulta pública,

mediante publicação na imprensa ofi cial, em

jornais de grande circulação e por meio eletrô-

nico, que deverá informar a justifi cativa para a

contratação, a identifi cação do objeto, o prazo

de duração do contrato, seu valor estimado, fi -

xando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para

recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-

-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data pre-

vista para a publicação do edital.

Fundamentando a necessidade de

fi scalização dos procedimentos licitatórios, o

Regimento Interno do Tribunal de Contas do

Estado do Piauí regulamenta em seu art.169

que esta Corte no exercício da fi scalização to-

mará conhecimento, por sua publicação, no

Diário Ofi cial do Estado, ou por outros meios

admitidos em lei ou normas específi cas suas

dos editais de licitações, contratos, inclusive os

administrativos, convênios, acordos, ajustes ou

outros instrumentos congêneres.

No entanto, este controle não se resu-

me à fi scalização da licitação, este é apenas o

primeiro passo. O controle externo precisa atu-

ar concomitantemente às fases do processo de

produção, detectando desvios e anomalias em

tempo compatível com a introdução oportuna

dos aperfeiçoamentos e correções que se fi ze-

rem necessários. É primordial reforçar o papel

dos Tribunais de Contas como instrumentos de

controle gerencial.

O TCE/PI pela Resolução n.º 904, 22 de

outubro de 2009 dispõe sobre a forma e prazo

de prestação de contas ao Tribunal de Contas

pelos órgãos e entidades dos Poderes Legislati-

vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério

Público não traz um capítulo específi co para a

prestação de contas das PPPs, até mesmo pelo

fato de tratar-se de um assunto novo no Esta-

do do Piauí, mas a obrigação de prestação de

contas inicia com informativo do procedimen-

to licitatório, que é a pedra inicial para uma par-

ceria público-privada.

Objetivando regular a matéria para um

controle mais efi caz, o Tribunal de Contas da

União editou instrução normativa n.º 52, de 4

de julho de 2007 que dispõe sobre o controle

e a fi scalização de procedimentos de licitação,

contratação e execução contratual de Parcerias

Público-Privadas (PPP), a serem exercidos pelo

Tribunal de Contas da União.

Segundo a referida instrução normati-

va o acompanhamento dos processos de licita-

ção e contratação de Parceria Público- Privada

(PPP) será concomitante e realizado em cinco

estágios, mediante a análise dos documentos.

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113

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

O primeiro estágio consistirá basica-

mente em pronunciamento prévio e funda-

mentado do Ministério do Planejamento, Or-

çamento e Gestão sobre o mérito do projeto;

autorização competente para abertura de pro-

cedimento licitatório devidamente fundamen-

tada em estudo técnico; estudos de viabilidade

técnica e econômico-fi nanceira do empreen-

dimento; relação de estudos, investigações, le-

vantamentos, projetos, obras e despesas ou in-

vestimentos já efetuados, vinculados ao objeto

a ser licitado, quando houver, com a discrimi-

nação dos custos correspondentes; descrição

das obras, dos investimentos e dos serviços a

serem realizados pela sociedade de propósi-

to específi co durante a execução contratual,

acompanhados dos respectivos cronogramas

físico-fi nanceiros; cópia da licença ambiental

prévia ou das diretrizes para o licenciamento

ambiental do empreendimento, na forma do

regulamento; laudo de viabilidade das garan-

tias emitido pela instituição fi nanceira respon-

sável pela administração do Fundo Garantidor

das Parcerias Público-Privadas e repartição

dos riscos entre as partes associadas ao proje-

to, inclusive os referentes a ocorrência de caso

fortuito, força maior, fato do príncipe ou álea

econômica extraordinária.

No segundo estágio, apresenta-se

a comprovação da convocação de consulta

pública, bem como relatório contendo a ma-

nifestação do gestor acerca das questões sus-

citadas, o edital da licitação, bem como qual-

quer tipo de questionamento ou impugnação

sobre o objeto do procedimento licitatório.

O terceiro estágio diz respeito à fase

de habilitação, julgamento, interposição de

recursos ou quaisquer esclarecimentos aos li-

citantes.

O quarto estágio contempla a fase

de julgamento das propostas técnicas, a fase

de julgamento das propostas econômico-fi-

nanceiras, a consistência dos fluxos de caixa

relativos ao projeto objeto da licitação, a ra-

zoabilidade e exeqüibilidade das propostas

apresentadas e as decisões proferidas em

recursos interpostos contra os resultados da

fase de julgamento das propostas econômi-

co-financeiras.

No quinto e o último estágio, apre-

senta-se o ato de adjudicação do objeto da

licitação; o ato de constituição da sociedade

de propósito específico; contrato de conces-

são assinado; proposta econômico-finan-

ceira apresentada pelo licitante vencedor e

correspondente anexos, inclusive em meio

magnético.

Como se observa analisando estes es-

tágios constantes na Instrução Normativa do

TCU, a fi scalização sobre os contratos de par-

cerias público- privadas é complexa e exige

uma atuação do Tribunal de Contas de ma-

neira concomitante às fases do processo de

produção, analisando e acompanhando cada

passo e tomando as medidas cabíveis quando

necessário.

O acompanhamento passo a passo

dos contratos de parcerias pelo Tribunal de

Contas torna-se uma ferramenta para o contro-

le e transparência do processo de implemen-

tação desta nova modalidade de contratação

pela administração pública.

A Lei n.º11.079/04, em seu art.15, prevê

que os Ministérios e as agências reguladoras,

conforme suas competências, acompanhem

e fi scalizem os contratos de parcerias público-

-privadas. E complementa no seu parágrafo

único que estes órgãos encaminharão ao Ór-

gão Gestor das Parcerias Público-Privadas, com

periodicidade semestral, relatórios circunstan-

ciados acerca da execução dos contratos de

parceria público-privada, na forma defi nida em

regulamento.

A referida lei quando menciona no §

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 114

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

5º do art.14 que o órgão, anteriormente citado,

remeterá ao Congresso Nacional e ao Tribunal

de Contas da União, com periodicidade anu-

al, relatórios de desempenho dos contratos de

parceria público-privada. Ou seja, este disposi-

tivo quer dizer que o Órgão Gestor das PPPs

estão submetidos ao controle externo, porém

estes relatórios já são a fase de execução e as

Cortes de Contas devem se preocupar em fi s-

calizar desde o início.

O TCE/PI ainda não tem uma regula-

mentação específi ca para a fi scalização desses

contratos administrativos, até mesmo por ser

uma matéria relativamente nova e em razão do

Estado do Piauí ainda não ter implementado

essas PPPs, pois a primeira encontra-se na fase

de estudos sobre viabilidade de tráfego, enge-

nharia, sócio-ambiental e jurídica do projeto,

com previsão de fi nalizar este fase no mês de

julho do corrente ano para, assim, iniciar a fase

de abertura do procedimento licitatório.

Essa parceria para a construção da Ro-

dovia dos Transcerrados, na região de Uruçuí,

será fi nanciada pelo Banco do Nordeste do

Brasil, porém, tem subsídio do Estado, e a ren-

da da iniciativa privada vai ser o pedágio co-

brado na administração da rodovia. Como há

subsídio estadual, deverá ser fi scalizado pelo

Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Zymler e Almeida (2008) entendem

que os Tribunais de Contas devem acompa-

nhar o processo de contratação das PPPs, des-

de o seu início até o seu término, com o intuito

de conferir-lhe maior legitimidade e efi ciência.

De acordo com os referidos autores, o controle

das PPPs no Brasil deve ser prévio e concomi-

tante, devendo o Tribunal de Contas verifi car o

planejamento, o processo licitatório, a elabora-

ção do projeto de parceria, a assunção de obri-

gações e a aquisição de direitos pelo Estado, o

desempenho do contratado (ZYMLER; ALMEI-

DA, 2008, p. 343-344).

Além disso, é interessante complemen-

tar que aos Tribunais de Contas cabe analisar

o cumprimento das regras previstas na Lei de

Responsabilidade Fiscal e a consulta efetiva da

população, que será a maior benefi ciada com

tais investimentos, pois a aplicação dos recur-

sos públicos somente é considerada regular

quando feita dentro dos moldes da legalidade

estrita, de forma transparente, efi caz e capaz

de gerar os resultados esperados pela socieda-

de. As cortes de contas têm papel fundamental

de avaliar a conformidade e a economicidade

dos gastos, ampliar a transparência da admi-

nistração pública. Fundamentalmente, devem

verifi car se os resultados foram alcançados e

geraram benefícios efetivos à sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado, com o passar dos anos, vem

sofrendo signifi cativas mudanças no tocan-

te à gestão pública. Esta sempre foi pautada

no modelo tradicional, no qual era o único

mecanismo capaz de fomentar as ações pú-

blico-sociais de promoção de cidadania e de

provimento da infraestrutura para o desenvol-

vimento. Posteriormente, aceitou a ideia de no-

vos modelos de gestão com a participação do

setor privado.

A entrada da iniciativa privada tem

como objetivo, através da parceria público-

-privada, propiciar o desenvolvimento social

e econômico, buscando no setor a sustenta-

bilidade desse desenvolvimento. Para que isso

ocorra, o poder público estimula o interesse

privado para efetuarem investimentos de in-

fraestrutura do Estado, oferecendo garantias e

atrativos.

Como produto da própria evolução do

Estado, ocorreu a criação das Parcerias Público-

-Privadas, contratos administrativos que envol-

vem atividades de relevante interesse público

Page 114: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

115

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

em parceria com o setor privado.

A necessidade da prestação de contas,

de fi scalização é de fundamental importância,

tendo em vista a possibilidade expressiva de

criação de PPPs, em diversas áreas.

Considerando a importância do con-

trole externo exercido pelos Tribunais de Con-

tas, o presente trabalho analisou como está

sendo e como deve ser feito esse controle ex-

terno sobre as Parcerias Público-Privadas.

No Estado do Piauí, as PPPs ainda ca-

minham em passos curtos, não existindo por

parte do Tribunal de Contas do Estado uma

regulamentação específica sobre a matéria,

mas esta é uma tendência bem próxima e

real, uma vez que já existe uma regulação

específica para fiscalização dos consórcios

públicos, que são celebrados entre os entes

federativos (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) para a realização de objetivos de

interesse comum.

As parcerias público-privadas surgi-

ram como uma alternativa aos investimentos

em serviços públicos que não eram econo-

micamente viáveis para a iniciativa privada,

seja porque não geravam lucro, seja porque o

prazo de retorno era longo demais. Por isso, é

importante que as Cortes de Contas estejam

preparadas para esse modelo de contratação,

aperfeiçoando seu papel como fi scalizador e

implantando um método especial de fi scaliza-

ção para acompanhar desde o início a implan-

tação e execução das PPPs.

O controle externo das PPPs no Brasil,

vislumbrando o atendimento dos princípios da

legalidade, legitimidade, economicidade, deve

ser prévio e concomitante, devendo o Tribunal

de Contas acompanhar, desde o planejamen-

to, o processo licitatório, a elaboração do pro-

jeto de parceria, a assunção de obrigações e a

aquisição de direitos pelo Estado até o desem-

penho do contratado.

A fi scalização exercida pelos órgãos de

controle externo é efi caz para assegurar e ga-

rantir a correta implementação das PPPs, para

que estas sejam realmente uma forma efi cien-

te de gestão do patrimônio público. Assim, a

efi ciência desta nova modalidade de contrata-

ção exige também minucioso estudo técnico e

econômico preliminar e análise.

Cabe, também, destacar que através

deste estudo foi possível concluir que uma das

formas de se zelar pela qualidade dos serviços

fi nais prestados à população é o aperfeiço-

amento de todo o leque de profi ssionais en-

volvidos nas mais diversas áreas relacionadas a

um projeto de PPP.

As parcerias público-privadas são fun-

damentais para superar as difi culdades encon-

tradas no País no campo da infraestrutura. No

entanto, o Piauí encontra-se em processo de

aprendizado, mas com planejamento, organi-

zação e uma efi ciente fi scalização, chega-se à

evolução.

• ABSTRACT

This study aimed to identify the con-

cept, the legal nature and particularities of this

new model of administrative contract, the so-

-called Public Private Partnerships, established

by Federal Law No. 11.079, of December 30,

2004. We tried also to observe the external

control in general and, specifi cally, the external

control exercised by the courts of accounts, as

provided by the Federal Constitution of 1988,

examining both in the Court of Audit as the

Court of the State of Piaui. The survey has a

theoretical study of law and doctrine on the

matter, and therefore a bibliographic and do-

cumentary research. The most important rese-

arch is how it should be done outside the con-

trol of the PPP by supervisory bodies, in order

to have a regular use of public resources and

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 116

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 100 - 117 jan./dez. 2011

the eff ective return to society. Through this

study it was concluded that one of the ways to

ensure the fi nal quality of services rendered to

the population is improving the whole range

of professionals involved in various areas rela-

ted to a PPP project.

• KEYWORDS:

Public-Privadas.Controle Externo.Atuação the

Court of Auditors in External Control of PPPs..

REFERÊNCIAS:

BRASIL, Constituição da República Federati-

va. Brasília, DF: Senado federal, 1988

_________Lei n.º 8.666 de 21 de junho de

1993. Regulamenta o art.37, XXI, da Constitui-

ção Federal, institui normas para licitações e

contratos da administração pública e dá outras

providências.

_________Lei n.º 8.987 de 13 de fevereiro

de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão

e permissão da prestação de serviços públicos

previsto no art.175 da Constituição Federal,e dá

outras providências.

_________ Lei n.º 9.074 de 07 de julho de

1995. Estabelece normas para outorga e pror-

rogações das concessões e permissões de ser-

viços público e dá outras providências.

___________Decreto-Lei nº 200, de 25

de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a orga-

nização da Administração Federal, estabelece

diretrizes para a Reforma Administrativa e dá

outras providências.

__________Lei n.º 11.079 de 30 de dezem-

bro de 2004. Institui normas gerais para licita-

ção e contratação de parceria público-privada

no âmbito da administração pública.

___________Instrução Normativa n.º 52, de 04 de julho de 2007. Dispõe sobre o con-trole e a fi scalização de procedimentos de li-citação, contratação e execução contratual de Parcerias Público-Privadas (PPP), a serem exer-cidos pelo Tribunal de Contas da União. Esta-belece normas de fi nanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fi scal e dá

outras providências.

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de prestação de contas ao Tribunal de Contas

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vo, Executivo, Judiciário do Estado e Ministério

Público e dá outras providências.

________Resolução n.º 905 de 22 de outu-

bro de 2009. Dispõe sobre a forma e prazo de

prestação de contas da administração pública

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 118

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11111111111111 88

Liana de Castro Melo1, Maria

Valéria Santos Leal 21. Auditora Fiscal de Controle Externo, Bacharel em Ciências Contábeis e Direito, Especialista em Controles da Administra-ção Pública, Auditoria e Gerenciamento Financeiro. Professora do CESVALE.2. Auditora Fiscal de Controle Externo, Bacharel em Ciências Contábeis, Especialista em Controles da Administração Públi-ca. Professora da UESPI e FAP-Teresina.

• RESUMO

A necessidade de o homem repensar seus pro-

cessos produtivos, a fi m de moldá-los segun-

do a ótica da sustentabilidade, tornou-se uma

necessidade para a sobrevivência do mesmo.

O presente artigo tem como escopo realizar

uma análise bibliográfi ca a respeito da impor-

tância da educação ambiental para a melhoria

dos impactos socioambientais, assim como, do

uso da licitação sustentável como instrumento

de implementação de políticas públicas, bus-

cando dentro desse contexto, expor como o

Estado deve agir nas contratações de obras e

serviços públicos de forma a selecionar as pro-

postas que propiciem benefícios à sociedade e

à economia e reduzam os danos ao ambiente

natural.

• PALAVRAS-CHAVE

Educação ambiental. Desenvolvimento susten-

tável. Danos ambientais - Administração Pública.

1 INTRODUÇÃO

A administração pública tem grande

responsabilidade sobre a garantia da susten-

tabilidade e, consequentemente, seus atos

Licitações sustentáveis: um instrumento

de gestão na administração pública

Page 118: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

111199999

devem visar a preservação e conservação do

meio ambiente.

A educação ambiental tenta fomentar

o pensamento crítico da sociedade, defi nindo

novas formas de aproveitamento sustentável

dos recursos naturais. Isto coloca a necessida-

de de incorporar os valores ambientais na for-

mação dos novos atores da educação ambien-

tal e do desenvolvimento sustentável.

A licitação sustentável busca integrar

critérios ambientais, sociais e econômicos em

toda tomada de decisão no processo licitató-

rio. A licitação sustentável pode ser considera-

da forte instrumento para a promoção da pre-

servação do meio ambiente.

Neste trabalho, inexiste a pretensão de

esgotar a matéria, contudo, serão abordados

alguns aspectos relevantes sobre a conscien-

tização e educação ambiental, bem como a

importância da utilização das licitações susten-

táveis na gestão pública.

O trabalho foi formulado através de

pesquisas bibliográfi cas em livros e artigos pú-

blicados relativos à temática proposta. As jus-

tifi cativas apresentadas neste artigo permitem

comprovar a relação existente entre o tema

proposto e a necessidade de uma gestão sus-

tentável no campo das licitações.

Para tanto, faz-se uma breve explana-

ção sobre a conscientização e educação am-

biental bem como sobre a importância das

licitações sustentáveis.

2 CONSCIENTIZAÇÃO E EDUCAÇÃO

AMBIENTAL

A sustentabilidade ambiental exige

uma mudança nos valores que orientam o

comportamento dos agentes econômicos e

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 120

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

da sociedade, além da transformação do co-

nhecimento e da inovação tecnológica para

resolver os problemas ambientais. A sensi-

bilização da sociedade e a incorporação do

saber ambiental no sistema educacional são

fundamentais para orientar e implementar

as políticas ambientais.

A educação e a formação ambientais

foram concebidas desde a Conferência de

Tbilisi como um processo de construção de

um saber interdisciplinar e de novos métodos

holísticos para analisar os complexos proces-

sos socioambientais que surgem da mudança

global (Unesco, 1980). Entretanto, sua aplicabi-

lidade, de maneira efetiva, está condicionada

à implantação de políticas públicas educacio-

nais que subsidiem uma mudança cultural,

de modo a afetar holisticamente os hábitos e

as posturas da sociedade, pois o fator cultural

deve ser encarado como um importante pon-

to de alavancagem rumo ao desenvolvimento

sustentável.

Nesse sentido, a busca pelo saber am-

biental exige o conhecimento dos potenciais

ecológicos e tecnológicos onde estão presen-

tes os valores morais, os saberes culturais e o

conhecimento científi co da natureza na cons-

trução de uma nova ordem social.

A Conferência Mundial sobre o Meio

Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972,

mostrou a necessidade de se criar um amplo

processo de educação ambiental, o que levou

a criar o Programa Internacional de Educação

Ambiental Unesco/PNUMA, em 1975, e a ela-

borar os princípios e orientações da educação

ambiental na Conferência de Tbilisi em 1977.

Isto levou a fundar a educação ambiental em

dois princípios básicos:

1) Uma nova ética que orienta os valores e comportamentos sociais para os objetivos de sustentabilidade ecológica e equidade social.2) Uma nova concepção do mundo como um sistema complexo, levando a uma reformula-

ção do saber e a uma reconstituição do conhe-cimento. Nesse sentido, a interdisciplinaridade se converteu num princípio metodológico privilegiado da educação ambiental (Unesco, 1980)

A consciência de que é necessário

poupar os recursos naturais, uma vez que es-

tes podem se esgotar rapidamente, mobiliza a

sociedade no sentido de se organizar para que

o crescimento econômico não seja predató-

rio, mas sim sustentável. Nesse sentido, se faz

necessária a adoção de uma postura proativa,

tendo em vista que não se conhece a capaci-

dade de carga do planeta terra e será muito

difícil conhecê-la com precisão.

A educação é essencial para o desen-

volvimento, na medida em que contribui para

o despertar cultural, a conscientização, a com-

preensão dos direitos humanos, é condição

necessária, mas não sufi ciente, para que o indi-

víduo possa ter acesso a uma condição de tra-

balho decente, devendo, porém, vir junto com

um grupo de políticas de desenvolvimento.

A questão educacional é fundamental

para a sustentabilidade, uma vez que ela passa

também pela maneira como o indivíduo utiliza

os recursos naturais a sua disposição, a qual se

evidencia através de seu padrão de consumo,

que por sinal é crítico para a sobrevivência do

planeta. Deter, ou estabilizar os níveis de con-

sumo da população pressupõe uma mudança

de atitude, de valores, que contraria a lógica do

capitalismo, que se caracteriza pela criação in-

cessante de novas necessidades de consumo.

É necessário que se modifi que a

forma como os indivíduos usam os produtos

e serviços e como lidam com seus resíduos.

Entretanto, é importante que os consumidores

acreditem que essas mudanças melhorarão as

suas vidas e as vidas de seus fi lhos.

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

Cabe salientar que o processo de

educação ambiental envolve em um primeiro

momento o processo de conscientização am-

biental, quando o indivíduo toma contato com

a realidade que o cerca e sobre os impactos

ambientais gerados pela sua existência, tanto

como cidadão quanto como profi ssional. Con-

tudo, é necessário que, além de estar conscien-

te do problema, esteja sensibilizado ou efeti-

vamente comprometido, gerando assim uma

mudança em suas atitudes.

No Brasil, foi promulgada a Lei nº

9.795/99 – Lei de Educação Ambiental que de-

fi ne no seu art. 1º:

Entende-se por Educação Ambiental os pro-cessos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, co-nhecimentos, habilidades, atitudes e com-petências voltadas para a conservação do meio ambiente.

A interpretação que se faz sobre o tex-

to da lei é que a educação ambiental pode ser

compreendida em qualquer modalidade edu-

cacional que busque ensinar o respeito, con-

servação e preservação do meio, assim como

às questões pertinentes à própria convivência

do ser humano em sociedade e na interação

que tem com todo o planeta.

3 LICITAÇÕES PÚBLICAS

A Constituição Federal de 1988, no in-

ciso XXI do art. 37, estipula a regra da obriga-

toriedade do Estado promover uma licitação

quando pretender contratar obras, serviços,

compras e alienações. In verbis:

Art. 37 - A administração pública direta e in-direta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte: [...]. XXI – ressalvados os casos especifi cados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contra-

tados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabele-çam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualifi cação técnica e econômica indispen-sáveis à garantia do cumprimento das obriga-ções. [...].

Di Pietro (2007, p. 325) conceitua licita-

ção como:

o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função adminis-trativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fi xadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais se selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.

O procedimento licitatório visa selecio-

nar a proposta de contratação mais vantajo-

sa para a Administração Pública conforme os

parâmetros fi xados no edital. O procedimento

licitatório possibilita igualdade de oportunida-

des entre aqueles que desejam contratar com

a Administração e permite que seja feita a me-

lhor escolha dentre o universo de fornecedo-

res, possibilitando a realização da melhor con-

tratação possível para a Administração Pública.

4. LICITAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Em relação à licitação sustentável, po-

demos citar a seguinte defi nição:

Compra Pública Sustentável ou Licitação Sus-tentável é um processo por meio do qual as or-ganizações, em suas licitações e contratações de bens, serviços e obras, valorizam os custos efetivos que consideram condições de longo prazo, buscando gerar benefícios à sociedade e à economia e reduzir os danos ao ambiente natural (CARVALHO FILHO, 2008, p. 5).

O artigo 225 da CF/88 prevê o meio

ambiente ecologicamente equilibrado, impon-

do ao Poder Público a obrigação de defendê-

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 122

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

O art. 170, inciso VI da CF/88, estabe-

lece como um dos princípios da ordem eco-

nômica a “defesa do meio ambiente, inclusive

mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e

de seus processos de elaboração e prestação”.

Somente propostas que considerem devida-

mente os aspectos ambientais nela embutidos

devem ser consideradas mais vantajosas para

a sociedade.

O art. 13 da Lei nº 6.938/81, que ins-

titui a Política Nacional do Meio Ambiente,

determina que o Poder Público deverá incen-

tivar atividades que busquem a diminuição da

degradação ambiental através de pesquisas

e processos tecnológicos. Ademais, a Lei nº

9.605/98, que trata de Crimes Ambientais, em

seu art. 72, § 8º, impõe sanções administrativas

restritivas de direitos para aqueles que venham

a desrespeitar as normas que visam à preserva-

ção do meio ambiente sustentável, sem prejuí-

zo das sanções penais e civis.

Em 19 de janeiro de 2010, foi pública-

da a Instrução Normativa SLTI/MP n° 01, que

dispõe sobre critérios de sustentabilidade am-

biental na aquisição de bens, contratação de

serviços ou obras pela Administração Pública

Federal.

Os arts. 1° a 3° da IN SLTI/MP n° 01/2010,

in verbis:

Art. 1º Nos termos do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as especifi cações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárqui-

ca e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas.Art. 2º Para o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa, o instrumento convoca-tório deverá formular as exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competiti-vidade.Art. 3º Nas licitações que utilizem como cri-tério de julgamento o tipo melhor técnica ou técnica e preço, deverão ser estabelecidos no edital critérios objetivos de sustentabilidade ambiental para a avaliação e classifi cação das propostas.

Adotou-se, portanto, a tendência con-

temporânea de preocupação com os interesses

difusos, e em especial com o meio ambiente.

O Ministério do Meio Ambiente publi-

cou a Portaria n° 61, de 15 de maio de 2008,

para estabelecer práticas de sustentabilidade

ambiental a serem observadas pelo Ministério

do Meio Ambiente e suas entidades vinculadas

quando das compras públicas sustentáveis.

A Lei nº 12.187, de 29 de novembro de 2009,

adotou o uso do poder de compra do Estado

como importante instrumento para imple-

mentar a política de mudanças climáticas.

A administração deve selecionar os

bens, serviços e obras mais vantajosos, em sen-

tido amplo, não abrangendo somente o pre-

ço, mas também a qualidade e a conformida-

de com o devedor do Estado de proteção ao

meio ambiente. A preservação ambiental e o

desenvolvimento econômico devem coexistir,

de modo que aquela não acarrete a anulação

deste.

Conforme afi rma Katiane Oliveira (2010),

a adoção de critérios ambientais nas compras e

contratações realizadas pela Administração Pú-

blica, adequando os efeitos ambientais das con-

dutas do Poder Público à política de prevenção

de impactos ao meio ambiente, será um avanço

em benefício de toda a coletividade presente

e futura. A política de compras orientadas para

Page 122: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 118 - 125 jan./dez. 2011

sustentabilidade é um instrumento importante

para minimizar as ações predatórias do homem

sobre o nosso planeta.

O Estado deve usar o poder de compra

para implementar políticas públicas, alocando

o gasto dos recursos públicos de forma efi cien-

te. Esta forma de uso do poder de compra deve

ter como objetivo a maximização dos recursos

públicos alocando-os em setores estratégicos

para o desenvolvimento econômico, social e

ambiental. As compras “verdes” sinalizam para

as empresas a necessidade de adaptação de

seus processos produtivos aos novos padrões

ambientais, sociais e econômicos, sob pena

de exclusão do mercado das compras públi-

cas. Nesse sentido, o procedimento licitatório

não é somente um meio para fornecer bens e

serviços necessários ao funcionamento da Ad-

ministração Pública, mas um instrumento de

implementação de políticas públicas.

A Lei nº 12.187, de 29 de novembro de

2009, adotou o uso do poder de compra do

Estado como importante instrumento para im-

plementar a política de mudanças climáticas,

in verbis:

Art. 6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:[…]XII – as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de proces-sos e tecnologias, que contribuam para a redu-ção de emissões e remoções de gases de efei-to estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências pú-blicas, compreendidas aí as parcerias público--privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públi-cos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.

Quando o Estado começa a exigir

nas suas contratações que os bens, serviços e

obras adquiridos estejam dentro de padrões

de sustentabilidade, as empresas terão que se

adaptar a essas exigências, já que essa se torna

uma condição imprescindível para a participa-

ção no mercado das contratações públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, o processo de

conscientização e educação ambiental exige

o compromisso do Estado e da cidadania para

elaborar políticas públicas, onde a educação se

defi na através de um critério de sustentabilida-

de que corresponda ao potencial ecológico e

aos valores culturais e seja capaz de gerar uma

consciência crítica na população no sentido

de deter os níveis de consumo através de uma

mudança de atitudes.

A inclusão de critérios ambientais às

contratações públicas possibilitará que o esta-

do participe do mercado tanto como consumi-

dor quanto como regulador, utilizando-se do

seu poder de compra como instrumento de

justiça social e ambiental. Existe um processo

de mudança, em busca da sustentabilidade,

que é orientado por valores econômicos, so-

ciais e ambientais. O processo licitatório deve

ser um suporte nas políticas públicas, de for-

ma a incentivar a produção de bens, serviços e

obras sustentáveis.

• ABSTRACT

The need for man to rethink their production

processes in order to mold them from the view-

point of sustainability, has become a necessity

for the survival of it. This article is scoped to

conduct a literature review on the importance

of environmental education for the improve-

ment of social and environmental impacts, as

well as the use of sustainable procurement as

a tool for implementing public policy, seeking

in this context, explain how the state should

act in contracts of public works and services in

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order to select the proposals that provide be-

nefi ts to society and the economy and reduce

damage to the natural environment.

• KEYWORDS:

Environmental education. Sustainability. Ten-

ders.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

Direito Administrativo. Lumen júris, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Admi-

nistrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

ISKANDAR. Jamil Ibrahim. Normas da ABNT –

Comentadas para Trabalhos Científi cos. 4ª

edição. São Paulo. Juruá, 2009.

PAIVA, Paulo Roberto de. Contabilidade Am-

biental. São Paulo: Atlas, 2009.

OLIVEIRA, Katiane da Silva. Licitação verde:

sustentabilidade ambiental na aquisição

de bens e serviços pela administração pú-

blica. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2672,

25 out. 2010.

Disponível em: http://cpsustentaveis.planeja-

mento.gov.br.

BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO,

ORÇAMENTOS E GESTÃO. Contratações

públicas sustentáveis. Disponível em:

http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br.

Acesso em: 10 jan. 2009.

Page 124: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí - Vol. 15

Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 126

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011

TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11222221122221 666

Luiza Lourdes Pinheiro Leal

Nunes FerreiraBacharel em DireitoEspecialista em Direito Tributário Professora da FAP e NOVAUNESC

• RESUMO

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, de

forma rígida, o Sistema Tributário Nacional. Assim

como outorgou competências tributárias aos en-

tes federativos, da mesma forma que impôs limi-

tes à sanha arrecadatória desses mesmos entes. A

dinâmica do direito nem sempre acompanha a

dinâmica social e tecnológica e por vezes, existe

uma defasagem legislativa em relação aos ne-

gócios jurídicos que se implementam de forma

inovadora, não encontrando, por isso mesmo,

albergue na legislação pertinente. A populari-

zação do comércio eletrônico veio desencade-

ar uma discussão acerca do imposto sobres as

operações relativas à circulação de mercadorias

e sobre as prestações de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação

– ICMS, já que o recolhimento desse imposto,

quando das operações realizadas via internet ou

telemarketing, pertence integralmente ao esta-

do onde está localizado o centro de distribuição

da empresa. Este artigo analisa características do

ICMS, seu impacto na arrecadação tributária dos

estados-membros, sua relação com o comércio

eletrônico e o telemarketing e as implicações

no surgimento de nova legislação no Estado do

Piauí na taxação desse comércio. O objetivo des-

se trabalho é demonstrar como uma legislação

de inconstitucionalidade traz prejuízo ao contri-

buinte na forma de bitributação.

Bitributação do comércio eletrônico:

uma inconstitucionalidade

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R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011

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• PALAVRAS-CHAVE

Comércio Eletrônico - Brasil. ICMS - In-

constitucionalidade. Bitributação

1 INTRODUÇÃO

Desde o direito romano que a divisão

entre direito público e privado permeia discus-

sões para separar normas referentes ao estado

e aos negócios jurídicos privados. Essa dico-

tomia, muito embora rechaçada por grandes

doutrinadores, ainda é bastante utilizada para

identifi car ramos da ciência jurídica. Enquanto

que no direito privado a norma é tida como

não-cogente, no direito público, o interesse

público prepondera sobre o particular.

O direito tributário aparece como ramo

do direito público, já que é através do ordena-

mento jurídico fi scal que o poder estatal se

insere na vida do cidadão na cobrança de tri-

butos, para fi nanciar os serviços públicos, que

está obrigado a prestar à sociedade. É o po-

der de império que o Estado estabelece com

o cidadão no exercício de sua soberania. Esse

poder, outorgado pela carta magna, encontra-

-se limitado por uma série de princípios cons-

titucionais, que impõe ao cidadão uma blin-

dagem, na proteção aos abusos que possam

advir desse poder.

O Sistema Tributário Nacional estabe-

lecido na Constituição Federal de 1988 é rígido,

outorga competências, veda delegação tribu-

tária, discrimina impostos, relata a divisão das

receitas arrecadadas entre os entes políticos, e,

como já frisado, cerca-se de princípios.

O engessamento constitucional do sis-

tema tributário provoca situações esdrúxulas,

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Tribunal de Contas do Estado do Piauí | A R T I G O S 128

R. TCE-PI Teresina v. 15 n. 1 p. 126 - 135 jan./dez. 2011

que fazem com que o legislador infraconstitu-

cional, no afã de atender ao poder executivo,

ultrapasse barreiras constitucionais, com a fi -

nalidade de obter mais recursos, penalizando,

sobremaneira, o contribuinte.

Este trabalho aborda os princípios

constitucionais tributários, que limitam o po-

der estatal de avançar sobre o patrimônio do

particular, bem como faz um estudo detalha-

do do imposto sobre as operações relativas à

circulação de mercadorias e sobre a prestação

de serviços de transportes interestadual e in-

termunicipal e de comunicação – ICMS, e seu

impacto na arrecadação desses Estados, em re-

lação ao ICMS, ocasionado pelo comércio ele-

trônico e telemarketing. Em seguida, averigua

a constitucionalidade de normas emitidas pelo

legislativo com o objetivo de compensar possí-

veis perdas de arrecadação. Ao fi nal, apresenta-

-se uma conclusão.

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

TRIBUTÁRIOS

Princípio, do latim principium, princi-

pii, traz a conotação de começo, origem, base.

Entende-se como a pedra angular de determi-

nado sistema. Aquela que segura.

Por serem mais abstratos que as nor-

mas, os princípios trazem uma carga de valor,

cujo conteúdo pode ser mais ou menos valora-

do, conforme o caso, para melhor adequação

às dinâmicas sociais. Podem ser implícitos ou

explícitos e, na seara tributária, trazem razoável

tutela ao contribuinte.

Para melhor entendimento da força

dos princípios, vale trazer os ensinamentos de

Melo (2001, p. 771):

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um es-pecífi co mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma

de ilegalidade ou inconstitucionalidade, con-forme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, con-tumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão da sua estrutura mestra.

Claro está que a importância dos prin-

cípios constitucionais e o respeito aos mesmos

não podem ser perdidos de vista.

Para maior clareza é salutar conhecer

os ensinamentos de Hesse (1991, p. 22):

Quem se mostra disposto a sacrifi car um inte-resse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constitui-ção e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarato, pouco a pouco, um capital que signifi ca muito mais que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais é recuperado.

As lições sobre a importância e a ne-

cessidade vital de respeito aos princípios cons-

titucionais é norma basilar em qualquer estado

democrático de direito.

Além de outros princípios não menos

relevantes, vale mencionar alguns deles, liga-

dos diretamente à seara tributária. O princípio

da capacidade contributiva informa que o con-

tribuinte deve contribuir com os tributos, na

proporção de suas rendas independentemen-

te da disponibilidade fi nanceira. O princípio da

legalidade, que não é exclusivo do direito tri-

butário, protege o cidadão contra a obrigação

de pagar tributo que não esteja previsto em lei.

O princípio da isonomia indica que, sujeitos em

igualdade de condições, devem ser tributados

igualmente. O princípio da irretroatividade tu-

tela a relação jurídica no exato momento de

sua ocorrência. O princípio da anterioridade

tem por fi nalidade proteger o contribuinte do

gravame tributário não planejado. Cabe salien-

tar que alguns impostos estão albergados pela

exceção a esse princípio, inclusive o ICMS, mas

apenas em relação à circulação dos combus-

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tíveis e lubrifi cantes. O princípio da anteriori-

dade nonagesimal informa que a lei que criou

ou majorou o tributo deverá ter vacância de

noventa dias, antes de sua entrada em vigor.

O princípio do não-confi sco está ligado à di-

minuição do patrimônio, cujo pagamento do

tributo deve estar ligado às posses de quem

paga, sob pena de desvirtuar a natureza do

tributo. Pelo princípio da não limitação ao trá-

fego de pessoas e bens é vedado que se crie

tributo que constitua restrição ao direito de ir

e vir de pessoas e seus bens. O princípio da

não discriminação baseado na procedência ou

destino veda o estabelecimento de diferenças

tributárias em razão da procedência ou do

destino.

Embora haja outros princípios consti-

tucionais tributários relevantes, os aqui alenca-

dos são uma amostra importante do freio im-

posto ao Estado, em benefício do contribuinte,

quando da imposição tributária.

3 ICMS

O ICMS é imposto de competência

dos Estados e do Distrito Federal, que incide

sobre as operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestações de serviços de

transportes interestadual e intermunicipal e de

comunicação, previsto no art. 155, II da Consti-

tuição Federal.

É imposto de caráter fiscal, já que

constitui a maior fonte de renda de arreca-

dação dos estados, mas possui traços de

extrafiscalidade, tendo em vista que pode

ser seletivo, em função da essencialidade do

produto, o que significa dizer que poderá ter

alíquotas menores a incidir sobre a circula-

ção de produtos que sejam considerados es-

senciais à população.

Por ser um imposto contemplado a to-

dos os Estados, está abrangido no texto cons-

titucional com mais normas do que qualquer

outros imposto. Essa normatização constitu-

cional se traduz na necessidade de aglutinar in-

teresses dos Estados produtores, tidos como os

mais desenvolvidos, e dos Estados consumido-

res, tidos como menos desenvolvidos, tendo

em vista que nenhum dos estados-membros

estaria disposto a abrir mão de uma arrecada-

ção considerável, que esse imposto proporcio-

na aos cofres públicos. Ademais, por ser um

imposto que incide sobre a circulação de mer-

cadorias, sobre o consumo, é também tipo de

tributo que mais produz injustiça fi scal, já que

o consumo é inerente a todas as parcelas da

população, e não só aqueles que tenham patri-

mônio ou renda sufi ciente para ser tributados.

A circulação de mercadoria é a parte

mais abrangente desse imposto, pois qualquer

bem sujeito à mercancia é considerado como

mercadoria. Vale salientar, que é necessário a

habitualidade da atividade mercantil, para es-

tar presente o pressuposto da fi nalidade co-

mercial. Nem todos que realizam a compra e

venda de determinada mercadoria praticam a

mercancia.

O ICMS tem como característica a não

cumulatividade, já que se compensa o impos-

to a cada circulação de mercadoria ou presta-

ção de serviço. A cada circulação se escritura

um crédito do valor da incidência na operação,

que poderá ser abatido na circulação subse-

quente. Com a periodicidade para o recolhi-

mento do tributo faz-se o encontro de contas,

ou como é mais comum, a compensação do

imposto, chegando-se ao valor que deve ser

recolhido.

Como a mercadoria circula entre os

Estados, foi criada uma sistemática para reco-

lhimento do imposto, mais precisamente para

determinar que Estado fi ca com a arrecadação

do imposto na realização de operações interes-

taduais, de modo que todos fossem contem-

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plados. Dependendo do tipo de operação, a

sistemática se resume a três situações distintas.

Na primeira situação, o destinatário da merca-

doria não é contribuinte do imposto e adquire

a mercadoria como consumidor fi nal. A segun-

da situação é a do destinatário da mercadoria

que é contribuinte do imposto, mas a adquire

como consumidor fi nal; e na última situação, o

destinatário é contribuinte do imposto e com-

pra a mercadoria para revender. Conforme o

art. 155, inciso VII e VIII do §2º da CF, na primei-

ra situação incide sobre o valor da operação a

alíquota interna do Estado de origem, fi cando

inteiramente nesse Estado, o montante do im-

posto a ser recolhido. Na segunda situação, o

estado de origem aplica a alíquota interestadu-

al sobre o valor da operação (a alíquota inte-

restadual é sempre menor ou igual à alíquota

interna), fi cando o estado de origem com esse

valor. Quando a mercadoria chega ao destino,

há que se pagar o restante do imposto, onde

se aplicará a alíquota interna do Estado a que

se destina, mas só se recolhe a diferença de

valores entre as duas alíquotas. Essa diferença

será recolhida aos cofres do Estado destinatá-

rio. No último caso, o Estado de origem aplica

a alíquota interestadual sobre o valor da ope-

ração, fi cando com esse valor, e o estado des-

tinatário terá direito ao crédito do valor pago

na aquisição e compensará esse valor quando

da venda da mercadoria, sobre a qual incidirá a

alíquota interna do estado de origem. A essas

regras constitucionais estão sujeitos todos os

Estados da federação e o Distrito Federal, e não

cabem interpretações sejam extensivas, sejam

restritivas.

4 COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico é uma realida-

de, onde a venda de produtos ou prestação de

serviços ocorrem num ambiente virtual. É prá-

tica comum na atualidade, entre consumidores

do mundo inteiro, pela agilidade e praticidade

dos serviços. Com um simples clique se acessa

sítios de lojas na internet e se adquirem produ-

tos de toda sorte, que são enviados diretamen-

te ao domicílio do consumidor.

Na era da globalização, onde as em-

presas se tornam cada vez mais competitivas,.

as novas formas de ganhos nos negócios, in-

fl uenciam diretamente, tanto aqueles que

oferecem produtos e serviços, quanto àqueles

que consomem esses produtos ou serviços.

Rapidamente surgiu uma forma de transação,

fora dos padrões normais do comércio, que

poderia vir a trazer prejuízo na arrecadação tri-

butária de alguns Estados.

Os números do comércio eletrônico

não param de subir. Acredita-se que no ano

passado tenha movimentado algo em torno

de 10 bilhões de reais. Cenário bastante anima-

dor e sufi cientemente interessante para fazer o

fi sco dos Estados entenderem, principalmente

aqueles Estados consumidores, que devem ter

uma participação nessa receita tributária.

Ocorre que, quando a Constituição Fe-

deral foi promulgada, a internet ainda não era

popular e as vendas através de telemarketing

ainda eram incipientes, não havendo perdas

consideráveis do ICMS, nos Estados consumi-

dores, que compram dos Estados produtores.

Com o avanço tecnológico e a socialização

dessa tecnologia, observa-se uma crescente

circulação de mercadoria, cujos negócios são

realizados através da internet ou telemarketing,

e o ICMS advindo dessas operações fi ca intei-

ramente no Estado onde está o centro de dis-

tribuição dessas empresas, quase sempre nos

grandes centros comerciais, em detrimento

dos Estados consumidores. Aí está o ultimato

para o nascedouro de uma guerra fi scal entre

os Estados.

Em 2009, os Estados do Mato Grosso e

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do Ceará promulgaram leis estaduais que bitri-

butam as compras realizadas via internet, cujo

comprador é consumidor fi nal do produto. Na

mesma linha, seguiu o Estado da Bahia que co-

meçou a tributar as vendas no ambiente virtual

a partir do mês de fevereiro de 2011. O Estado

do Piauí, a partir do mês de abril 2011, inicia a

tributação sobre o comércio eletrônico.

A Lei Estadual do Estado do Piauí nº.

6.041/2010, que entra em vigor em abril, es-

tabelece que sobre as entradas neste Estado,

de mercadorias ou bens oriundos de outras

Unidades da Federação, destinadas a pessoa

física ou jurídica não inscritas no CAGEP, inde-

pendentemente de quantidade, valor ou habi-

tualidade que caracterize ato comercial, será

exigido ICMS de alíquotas entre 4,5% (quatro e

meio por cento) a 10% (dez por cento), aplica-

da sobre o valor da operação.

Vale dizer que o produto hoje com-

prado via internet por pessoa física ou jurídica

que não seja inscrita no CAGEP, e que tenha

como destino o Estado do Piauí, será tributado

novamente, quando adentrarem em território

piauiense, sobre o valor da operação, pelas alí-

quotas ad valorem já mencionadas.

A bitributação se caracteriza pela tributação repetida sobre o mesmo fato gerador. No caso em estudo, a circulação de mercadoria. Para melhor ilustrar a questão é esclarecedora a li-ção de Zarzana (1977, p. 442):

A bitributação interna ocorre quando

poderes de um país, competentes para tribu-

tar, impõem tributos sobre fato idêntico, ou

quando o mesmo poder impõe mais de um

tributo sobre o mesmo fato gerador.

A bitributação é nefasta e traz prejuí-

zo ao contribuinte, porque na composição do

preço fi nal do produto, em seus custos estão

contabilizados, também, a carga tributária.

A base de cálculo utilizada para a inci-

dência do ICMS é o valor da operação relativa

à circulação de mercadoria, ou o preço do ser-

viço prestado. Quando o consumidor compra

uma mercadoria via internet, em seu preço já

está embutido o ICMS. A incidência de outra

alíquota sobre a mesma operação quando a

mercadoria entrar no Estado do Piauí, sendo

esse comprador o consumidor fi nal do produ-

to, é uma nova incidência do mesmo imposto

sobre o mesmo fato gerador, caracterizando

assim, a bitributação.

Antes de tudo, leis como a dos Estados

neste texto mencionados, atropelam a segu-

rança jurídica dos negócios, e levam empresas

que se acham prejudicadas com a dupla tribu-

tação, a procurarem o poder judiciário na pro-

teção de seus negócios e de seus direitos. O

descaso legislativo à obediência de princípios

constitucionais leva a guerra fi scal às barras da

justiça.

Haverá, certamente, um desrespeito

ao princípio da isonomia, porque discrimina

empresas que tenham sua base de distribuição

em outros Estados. Estas terão os seus produ-

tos menos interessantes para serem adquiridos,

por quem tenham interesse em comprá-los,

já que haverá uma majoração em seu preço,

e discrimina em função da procedência. Fica

clara a desobediência ao princípio da vedação

do confi sco, já que há uma dupla incidência do

imposto sobre a mesma mercadoria, e o paga-

mento duplo do imposto traz uma diminuição

do patrimônio do contribuinte, além do que

seria razoável.

A vedação à bitributação se justifi ca

na saúde econômica do contribuinte e na jus-

tiça fi scal. A não atenção aos princípios isono-

mia, da vedação do confi sco e ao princípio da

não discriminação baseado na procedência ou

destino fere de morte a constituição e apunha-

la o cidadão.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O comércio eletrônico é uma realida-

de que oferece vantagens ao consumidor, já

que se tornou o meio mais ágil de se realizar

negócios. A circulação de mercadoria nesse

tipo de comércio é tributada conforme regras

constitucionais.

Leis estaduais que tributam dupla-

mente determinado fato gerador na mesma

operação é caso indiscutível de bitributação e

de inconstitucionalidade, e hoje se tornou re-

alidade através de leis estaduais que tributam

de forma inclemente todas as compras reali-

zadas pela internet, quando o destinatário do

produto é consumidor fi nal.

Aliar interesses de todos os Estados da

federação em relação à repartição das receitas

tributárias é tarefa um tanto difícil, mas neces-

sária, e deve ser feita o mais urgente possível,

sob pena de o contribuinte continuar a ser

penalizado, sempre que um ente político en-

tender que está perdendo receita, pelo simples

fato de que uma sistemática de recolhimento

fi scal não lhe seja de todo satisfatória.

Por fi m, quando se descarta qualquer

princípio constitucional no interesse arrecada-

tório, que não se traduz, necessariamente, em

interesse público, é o momento de se realizar

uma grande e profunda reforma fi scal e tri-

butária. Não só no interesse dos Estados, mas,

principalmente, no interesse do contribuinte.

• ABSTRACT

The Federal Constitution of 1988 established,

so rigid, the National Tax System. Just as the

taxing power granted to federal entities, the

same way that imposed limits on tax revenue

will rage of those entities. The dynamics of

law, not always attached to social and tech-

nological dynamics, and sometimes there is

a legislative gap in relation to legal busines-ses that are implemented in innovative ways, not fi nding, therefore, the relevant legislation in the hostel. The popularization of electronic commerce sparked a discussion about the tax on transactions concerning the movement of goods and the services of interstate and inter-municipal transportation and communication - ICMS, as the collection of this tax, when the operations carried out via Internet or telema-rketing, belongs to the state is located where the company’s distribution center. This article analyzes the characteristics of the GST, its im-pact on tax revenues of the member states, their relation to electronic commerce and tele-marketing and implications in the emergence of new legislation in the state of Piaui in taxing that trade. The aim of this paper is to demons-trate how a law unconstitutional brings harm to the taxpayer in the form of double taxation.

• KEYWORDS:

ICMS. Electronic Commerce. Double taxa-

tion. Unconstitutional.

REFERÊNCIAS:

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Es-

quematizado. São Paulo: Método, 2007

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil, Brasília, DF:

Senado, 2008.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito

Constitucional Tributário. São Paulo: Malhei-

ros, 2002.

CARVALHO, Paulo Barros. Curso de Direito Tri-

butário. São Paulo: Saraiva, 2010

HESSE, Konrad. A força normativa da constitui-

ção. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

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ICHIHARRA, Yoshiaky. Direito Tributário. São

Paulo: Atlas, 2004.

MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito

Tributário. Malheiros, 2004.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de

Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros

Editores, 2001.

PIAUÍ. Lei Estadual nº 6.041, de 30 de de-

zembro de 2010. Dispõe sobre a hipótese de

incidência do ICMS.

ZARZANA, Dávio Prado. Direito Tributário.

Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Sa-

raiva, 1977.

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TrTrrTrTribibibi uuuuunnnnnnunnnnalalalalalallaaaaa dddddddddddddddddee CoCoooCooC nnnnnnnnnntnttttntnnttntasaaaasssssssssssssss ddddooo EsEsssstatatatatatataaddodododododoododo ddddddooooo PiPiPiPiPiaauauauauauuuua íííííííí í í ||||||| A RA RRR TR TTA II G OG OG O SSS 11333331133331 444

Anfrisio Antônio Nogueira

Paes Castelo BrancoAssessor Jurídico/Consultor TécnicoEspecialista em Controle ExternoEspecialista em Direito Processual

• RESUMO

O presente artigo tece comentários acerca da possibilidade das CIDEs – Contribuições de In-tervenção no Domínio Econômico, comporem a base de cálculo das transferências que o Poder Executivo Municipal deve, por determinação constitucional, repassar ao Poder Legislativo Mu-nicipal, além de especifi car quais delas estariam

abrangidas pelo artigo 29-A, da Lei Maior.

• PALAVRAS CHAVE:

Contribuições (Direito tributário) - Brasil. Direito

econômico - Brasil. Tributos-transferência.

1. INTRODUÇÃO

O Poder Legislativo Municipal recebe,

mensalmente, por determinação constitucional,

no intuito de garantir seu funcionamento, 1/12

(um doze avos) do total previsto na Lei Orça-

mentária Anual. São os chamados Duodécimos.

Porém, este valor sofre limites previstos no artigo

29-A da CF, que também determina qual será sua

base de cálculo, e está assim expresso:

Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legisla-tivo Municipal, incluídos os subsídios dos Vere-adores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no §5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior: (Incluído pela Emenda Cons-titucional nº 25, de 2000) (grifo nosso).

CIDEs – Contribuições de Intervenção

no Domínio Econômico

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Apesar da clareza solar do dispositivo,

surgiram algumas decisões em diversos Tribu-

nais de Contas do país que afi rmam que a CIDE

(de forma genérica) compõe esta base de cál-

culo, o que é apenas uma meia verdade.

De fato, “CIDE”, é um gênero compos-

to por várias espécies, já criadas ou ainda por

criar. Veja-se que a própria Lei Maior instituiu,

no artigo 177, §4º, uma CIDE que deve ser co-

brada sobre as atividades de importação ou

comercialização de petróleo e seus derivados,

gás natural e seus derivados e álcool combus-

tível. Esta é a única CIDE de sede constitucio-

nal, mas a Constituição não veda a criação de

outras, por leis infraconstitucionais, ou mesmo

por Emenda Constitucional.

Foi exatamente o que ocorreu com

a Lei nº 10.168/2000, que instituiu a chamada

CIDE-royalties, incidente sobre pessoa jurídi-

ca detentora de licença de uso ou adquirente

de conhecimentos tecnológicos, bem como

aquela signatária de contratos que impliquem

transferência de tecnologia, fi rmados com resi-

dentes ou domiciliados no exterior, e que pos-

sui por escopo o fi nanciamento do Programa

de Estímulo à Interação Universidade-Empresa

para o Apoio à Inovação.

Dessa forma, indiscutível que existem

mais de um tipo de CIDE, surgindo, então, a

questão de se descobrir quais delas compõem

a base de cálculo dos duodécimos. Para deslin-

dar tal dúvida, retornemos ao artigo 29-A, CF.

Percebe-se da leitura deste artigo, que

a Lei Magna já determinou quais as receitas

que compõem a base de cálculo destes repas-

ses. São elas:

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1- receita tributária: são todos os tri-

butos diretamente arrecadados pelo Município.

2- transferências previstas no §5º do

art. 153 e nos arts. 158 e 159 da C.F.

Passemos a considerar cada tópico.

Com relação ao primeiro item – receitas

tributárias – quais são os tributos diretamente

arrecadados pelo município?

O nosso Sistema Tributário Nacional

prevê a existência de cinco “tipos” de tributo,

são eles, impostos, taxas, contribuições de me-

lhoria, empréstimos compulsórios e as denomi-

nadas “outras contribuições”. Destes, só podem

ser instituídos e arrecadados pelo Município, os

impostos, taxas, e contribuições de melhoria.

Não são alcançados os empréstimos compul-

sórios, pois são de competência exclusiva da

União, e, das chamadas “outras contribuições”,

apenas duas são de competência do Municí-

pio, a Contribuição de Iluminação Pública (arti-

go 149-A, CF) e a Contribuição para Custeio do

Regime Próprio de Previdência (artigo. 149, § 1º,

CF). Todas as outras contribuições existentes (in-

clusive as CIDE), são de competência exclusiva

da União, de forma que não se enquadram no

conceito de receitas próprias dos municípios.

No que tange ao item número dois, a

Constituição se deu ao trabalho de especifi car

quais transferências servirão de base de cálculo

para os repasses em questão, sendo elas previs-

tas nos seguintes artigos:

a) 153, § 5º, CF: o ouro, quando defi ni-

do em lei como ativo fi nanceiro ou instrumento

cambial;

b) Art. 158, CF: Imposto de Renda in-

cidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a

qualquer título, por eles, suas autarquias e pe-

las fundações que instituírem e mantiverem;

Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural;

Imposto sobre a Propriedade de Veículos Auto-

motores; Imposto Sobre Operações Relativas à

Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações

de Serviços de Transporte Interestadual e Inter-

municipal e de Comunicação;

c) E, fi nalmente, a previsão do art. 159,

que se refere a tributos de competência da

União, que repassará percentuais aos demais

membros da Federação, e a fundos e institui-

ções fi nanceiras de caráter regional. Dentre tais

tributos, o inciso III prevê “o produto da arre-

cadação da contribuição de intervenção no

domínio econômico prevista no art. 177, § 4º”.

Vejamos o que diz o artigo 177, §4º, CF:

Art. 177. Constituem monopólio da União:[...]§ 4º A lei que instituir contribuição de inter-venção no domínio econômico relativa às ati-vidades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001).[...]

Portanto, dentre as várias CIDEs que

existem ou podem vir a existir, a Constituição

deixou claro que apenas uma única Contribui-

ção de Intervenção no Domínio Econômico

comporá a base de cálculo para a determina-

ção dos duodécimos, que é a prevista no arti-

go 177, §4, de seu corpo, qual seja, a que incide

sobre as atividades de importação ou comer-

cialização de petróleo e seus derivados, gás

natural e seus derivados e álcool combustível.

Pelo exposto, em conclusão sobre

a possibilidade das receitas provenientes da

Contribuição de Intervenção no Domínio Eco-

nômico – CIDE, comporem a base de cálculo

para efeito de repasse ao Poder Legislativo Mu-

nicipal, consideramos que apenas a CIDE pre-

vista no artigo 177, § 4º, CF comporá tal mon-

tante, por expressa disposição constitucional,

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de modo que qualquer outra CIDE existente,

ou ainda por vir a ser criada, não integrará a

citada base de cálculo.

• ABSTRACT

This article presents comments on the possibi-

lity of CIDES - Contributions on Economic Ac-

tivities, compose the basis for calculating the

transfers that the executive council should, un-

der the Constitution to pass the Legislative Hall,

in addition to specifying which ones would be

covered by Article 29-A, the highest Law..

• KEYWORDS:

Legal rights constitutialization. State’s omission.

Judiciary Power efetivation. Legitimate judicial

criteria.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

Senado, 2008.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário es-

quematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: MÉTODO, 2010.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributá-

rio. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito

Constitucional. 2. ed. Salvador: Juspodium,

2008.

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