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Revista Eletronica Nova Roma Volume 2, numero 2 (2018) Escola de Direito

Revista Eletronica Nova Roma

Escola de Direito

Volume 2, numero 2 (2018)

CORPO EDITORIAL

EDITOR-CHEFE

Professor Doutor Rodrigo Arruda Faculdade Nova Roma

EDITORES ASSOCIADOS

Professor Mestre Carlos Saraiva Universidade Federal de PernambucoProfessora Mestre Carolina Maciel Faculdade Nova RomaProfessor Mestre Eduardo Calabria Faculdade Nova RomaProfessora Mestre Isabela Lessa Faculdade Nova RomaProfessora Mestre Patrıcia Oliveira Faculdade Nova RomaProfessor Mestre Frederico Barros Faculdade Nova RomaProfessor Mestre Reili Amon-Ha Universidade Federal de Pernambuco

COMITE EDITORIAL

Professora Mestre Aline Leal Universidade Federal de PernambucoProfessor Doutor Armando Moury Fernandes Faculdade Nova RomaProfessor Mestre Flavius Sodre Universidade Federal de PernambucoProfessor Mestre Hugo Moura Faculdade Nova RomaProfessor Mestre Jair Galvao Instituto Federal de PernambucoProfessora Doutora Julia Araujo Universidade Federal do RNProfessor Doutor Lucas Varjao Instituto de Pesquisa Economica AplicadaProfessora Mestre Patrıcia Freire de Paiva Carvalho Rabelo Faculdade Nova RomaProfessor Doutora Renata Caldas University of Illinois Urbana-ChampaignProfessora Doutora Virgınia de Carvalho Leal Faculdade Nova Roma

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Revista Eletronica Nova Roma

Escola de Direito Volume 2, numero 2 (2018)

A Revista Eletronica NOVA ROMA - Escola de Direito e um publicacao com periodicidadesemestral do Nucleo de Pesquisa da Faculdade Nova Roma. Os conceitos fornecidos sao de res-ponsabilidade exclusiva do(s) autor(es). A simples submissao do artigo tem como implicacao, umavez aceito para publicacao, a concordancia do(s) autor(es) de que a Revista Eletronica NOVAROMA - Escola de Direito passa a ter os direitos autorais para veiculacao dos artigos, tanto emformato impresso como eletronico a eles referentes, os quais se tornarao propriedade exclusiva daNOVA ROMA - Escola de Direito. Ao(s) autor(es), e permitida a reproducao total ou parcial dosartigos desta periodico, desde que seja explicitamente citada a fonte completa. Revista divulgadaem versao eletronic on line, no site da Faculdade Nova Roma (www.faculdadenovaroma.com.br.).

ORGANIZACAO

Superintendencia Academica: Professor Mestre Hugo MouraCoordenador do Nucleo de Pesquisa: Professor Doutor Rodrigo ArrudaDivulgacao: Karina MendoncaWebmaster: Andre AlbuquerqueDiagramacao: Professor Doutor Rodrigo ArrudaRevisoes Linguısticas: Professora Helena Arruda (Centro de Treinamento Educacional - CTE)

CONTATO

Endereco: Estrada do Bongi, 425, Afogados, Recife - PE, 50830-260Telefone: (81) 21288000Endereco Eletronico: www.faculdadenovaroma.com.br.

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Volume 2, numero 2 (2018)

A Revista Eletronica Nova Roma - Escola de Direito e um periodico cientıfico com publicacaosemestral composto por artigos relacionados as ciencias jurıdicas. A revista possui o intuito de sercomposta por trabalhos que envolvem questionamentos referentes as diversas areas do Direito. Oobjetivo da Revista Eletronica Nova Roma - Escola de Direito e incentivar a producao cientıficaque possua a finalidade de servir como instrumento para o entendimento dos problemas sociais eeconomicos, para a criacao de novas tecnologias, de inovadoras praticas de gestao e tambem comobase para formulacao de polıticas publicas que beneficiem toda sociedade.

Professor Doutor Rodrigo ArrudaEditor-Chefe da Revista Eletronica Nova Roma - Escola de Direito

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ARTIGOS

MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIAJuliane Muniz de Lemos Costa; Ana Luiza de Mendonca F. Carlos

A INTERCEPTACAO TELEFONICA NO DIREITO BRASILEIRO: Uma analisede sua aplicacao como meio de prova na jurisprudencia dos Tribunais Superiores

John Ribeiro de Oliveira; Jose Carlos Arruda Dantas

ANALISE DA EFETIVIDADE DO DIREITO A SAUDE E SUA RELACAO COMO ATIVISMO JUDICIAL EM DECISOES JUDICIAIS DO TRIBUNAL DE

JUSTICA DE PERNAMBUCOFlorrance Ohana Jeronimo Barreto

LEGITIMIDADE DA RECUSA DE PRESTACAO DE SERVICOS COM BASE NALIBERDADE DE RELIGIAO, OBJECAO DE CONSCIENCIA, E A

HOMOAFETIVIDADEJosias Luiz de Franca; Jose Carlos Arruda Dantas

DIREITOS HUMANOS NA FORMACAO E ATUACAO DO POLICIAL MILITARDE PERNAMBUCO

Enock Flavio Cavalcanti Goncalves Espındola; Yanne Katt Teles Rodrigues Alves

DA SUBJETIVIDADE DA PONDERACAO DE INTERESSES APLICADA AODIREITO AO ESQUECIMENTO

Alysson Firmino da Silva Santos; Jose Carlos Arruda Dantas

A UTILIDADE DO REGISTRO DO SOFTWARE COMO DIREITO AUTORAL,EM DETRIMENTO DE SUA PATENTE, COMO UMA POSSIVEL INVENCAO

Jose Anderson Pacheco Nunes; Antonio Cesar da Silveira Neto

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MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Juliane Muniz de Lemos Costa1

Ana Luiza de Mendonça F. Carlos2

Resumo: Este artigo debate sobre um tema do recém projeto de Lei n° 94/2018, o qual

prevê a viabilidade de uma execução mais eficiente da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha,

mormente no que diz respeito à possibilidade de aplicação das medidas protetivas não

apenas pelas autoridades judiciais, mas também pelas autoridades policiais, dirimindo

assim, a morosidade que, atualmente, levam os trâmites para a imposição dessas medidas.

Palavras – chave: Violência contra as mulheres, Lei Maria da Penha, projeto de Lei,

medidas protetivas

1 Graduanda em Bacharelado em Direito pela Faculdade Nova Roma 2 Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco no curso de Bacharelado em Direito. Pós graduada

pela Faculdade Boa Viagem. Pós graduada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. Pós

graduada pela Escola de Magistratura do Recife. Professora da Faculdade Nova Roma e Delegada de Polícia

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Introdução

A conjuntura social vem, desde tempos, sendo marcada por casos de violência

contra mulheres no contexto doméstico e familiar, atingindo-as de diferentes etnias,

faixas etárias e classes sociais. Essa violência tem seus primórdios nas relações de poder

e hierarquia do sexo masculino para com o feminino. O problema em questão carecia da

visibilidade necessária, em que os acontecimentos acabavam ficando entre os envolvidos

no âmbito privado.

A partir de 1970, tem-se uma mudança no quadro social, com o surgimento de

movimentos feministas deu-se evidência à problemática enfrentada pelas mulheres, com

exposição de casos de assassinatos, principalmente no âmbito conjugal, e ao descaso e

negligência estatal, sempre norteados por uma cultura machista. Assim, constante tornou-

se a busca por avanços no combate e punição da referida violência, progredindo com a

promulgação da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, nome dado em homenagem à Maria

da Penha Maia Fernandes, a qual passou 20 anos em árdua batalha, até conseguir que pela

primeira vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), analisasse um

caso de violência doméstica, e só assim, depois de todo esse lapso temporal e emocional,

teve preso seu agressor.

A Lei Maria da Penha entrou em vigor em setembro de 2016, hoje se destaca

mundialmente no enfrentamento da violência contra mulheres, diminuindo os casos de

banalização e consequentemente os de impunidade em meio à agressão feminina no

âmbito doméstico e familiar. É evidente o progresso obtido referente à problemática, mas,

há muito ainda o que se fazer para um avanço mais qualitativo, sobretudo na prestação de

atendimento às vítimas.

Nesse sentido, está em tramitação o projeto de Lei n° 94/2018, o qual será debatido

no presente artigo, vislumbrado como uma proposta de evolução significativa na

aplicabilidade da Lei Maria da Penha, ampliando a legitimidade de decretação da

aplicação das medidas protetivas às autoridades policiais.

2- Conceito de violência doméstica familiar

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De acordo com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica familiar está presente

mediante ação ou omissão, ocorrida no contexto doméstico, não necessariamente

carecendo de vínculo familiar, como se constata, por exemplo, na relação de empregada

doméstica x patrão.

Segundo Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

Agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela

praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo

familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa

aliança (insere-se, na hipótese, a agressão do patrão em face da

empregada). (PINTO;CUNHA, 2018, p.57)3

Nesse contexto, se enquadram como a referida violência: a violência física,

agressão utilizando-se de força física que venha a ofender o corpo ou a saúde; violência

psicológica, caracterizada essencialmente, mediante dano emocional e diminuição da

autoestima; violência sexual, compreendida como tal, a conduta de constranger a

presenciar, manter ou participar de relação sexual ou ato libidinoso não desejados;

violência patrimonial, configurada por meio da subtração de objetos pertencentes à

mulher; violência moral, quando presentes condutas de calúnia , difamação ou injúria.

3- Medidas protetivas de urgência

A Lei Maria da Penha possui um rol com medidas que visam garantir às mulheres

vítimas da violência, uma vida digna, sem agressões, assegurando respeito aos direitos

fundamentais. A introdução dessas medidas protetivas de urgência trouxe uma

significativa contribuição à sociedade, no combate a violência doméstica e familiar.

Essas medidas referem-se à limitação do uso de arma de fogo; encaminhamento

da vítima e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de

atendimento; afastamento do local de trabalho, garantia de remoção e manutenção do

vínculo empregatício; separação de corpos e proibição de contato; obrigação alimentar;

medidas de cunho patrimonial como restituição de bens da vítima, proibição temporária

3 CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica . Lei Maria da Penha comentada

artigo por artigo. Revista dos Tribunais, 2018.p.57

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de compra, venda, ou locação de bens comuns e suspensão de procuração outorgada pela

vítima.

Como dispõe os artigos 22, 23 e 24 da Lei n. 11.343/06:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de

imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes

medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com

comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22

de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a

ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das

testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o

agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por

qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a

integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,

ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação

de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da

ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser

comunicada ao Ministério Público.

§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o

agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei

no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo

órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência

concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o

superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da

determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação

ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de

urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força

policial.

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§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber,

o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11

de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras

medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial

ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes

ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo

dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade

conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá

determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à

ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de

compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa

autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao

agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial,

por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência

doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente

para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

Urge esclarecer que essas medidas protetivas são medidas cautelares, dessa forma

servirão como garantia ao direito da mulher que foi vitimizada na relação doméstica,

assim para serem concedidas deverão preencher os requisitos do perigo da demora e da

aparência do bom direito.

3.1. Da concessão das medidas protetivas de urgência

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Diante do relato de agressão sofrida, a autoridade policial procederá com registro

da ocorrência e existindo requerimento para a aplicação de medidas protetivas de

urgência, este será remetido ao juízo pelo prazo de 48h, as referidas medidas também

podem ser requeridas pelo Ministério Público, a pedido da própria ofendida ou mesmo de

ofício pelo juiz quando entendidas cabíveis. Incube ao Juiz a decisão de deferimento da

concessão das medidas protetivas de urgência quando as entender necessárias à segurança

da vítima.

Nesse sentido os artigos 18 e 19 da Lei Maria da Penha dispõem:

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida,

caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas

protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de

assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as

providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser

concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido

da ofendida.

4- Da não possibilidade da concessão das medidas protetivas em sede de delegacia

de polícia

Diante da legislação vigente, a legitimidade para a concessão das medidas

protetivas elencadas no texto da lei, é limitada apenas à autoridade judiciária, devendo os

pedidos de concessão de tais medidas, de natureza penal, serem encaminhados às Varas

Criminais e havendo deliberações de natureza cível, proceder-se-á redistribuição

processual à Vara de Família. Assim, atualmente é vedada a concessão de medidas

protetivas às vitimas pelas autoridades policiais.

Essa competência legal, na maioria dos casos, acaba por macular o principio da

eficiência, levando em consideração a morosidade até a efetivação da proteção.

Acarretando dessa maneira, a involução no aspecto protetivo às vítimas.

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5- Proposta de alteração da concessão da medidas protetivas

Encontra-se em tramitação o projeto de Lei n° 94/2018, buscando um progresso

no que diz respeito à ampliação de direitos às mulheres vítimas da violência doméstica

familiar.

A alteração visa à outorga de poderes às autoridades policiais para que estas

possam aplicar, mediante verificação de risco atual ou iminente à vida ou integridade

física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, provisoriamente, até decisão

judicial, algumas medidas protetivas.

Embasa-se no argumento de que as autoridades policiais são representantes

estatais, possuindo capacidade técnica e jurídica, com experiência e atribuição para

determinar a medida protetiva, mais cabível ao caso, ademais, já está elencada em suas

funções a decretação de algumas outras medidas cautelares como a prisão em flagrante,

apreensão de bens, entre outras. Ressaltando-se que não se trata de usurpação da função

do Julgador, mas acautelamento de forma mais célere da violência cometida contra as

vítimas, vez que no momento da condução da ocorrência na delegacia, a autoridade

policial poderia decretar provisoriamente a medida, esta claro, devendo ser revista pela

Autoridade Judicial.

6- Considerações Finais

Diante do exposto, se pode verificar que o quadro de violência abarcado pela Lei

Maria da Penha necessita, desde tempos, ter um amparo efetivo e constante pelo poder

estatal, aquele ainda possui números alarmantes, é certo que na batalha histórica de

mulheres contra essa violência, avanços significativos já ocorreram, mas, a questão

necessita de ampliação no aspecto protetivo objetivando uma diminuição dos obstáculos

ao atendimento às vitimas, ademais, o controle judicial não será maculado, visto que,

diante da concessão da medida ser deferida pela Autoridade Policial, será a Autoridade

Judicial comunicada, e reexaminar a medida decretada.

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Dessa forma, a debatida alteração legislativa vem regada de perspectiva na busca

de progresso para que os ditames da Lei não acabem ficando apenas no texto e possam

ser aplicados com eficácia e eficiência.

7- Referências Bibliográficas:

BRASIL. Lei 11.343, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/

Acesso em 22 mar. 2019

CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. Lei Maria

da Penha comentada artigo por artigo. Revista dos Tribunais, 2018.

DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha. A efetividade da Lei 11.340/2006 de

combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Revista dos Tribunais, 2015.

p.21-23, 44-47,70-77,130-134, 177-180.

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Lei Maria da Penha Comentada sob a nova perspectiva dos

direitos humanos. Juruá Editora, 2013. p. 43-45, 55-57, 68-70,150-159.

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A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA NO DIREITO BRASILEIRO:

Uma análise de sua aplicação como meio de prova na jurisprudência dos Tribunais Superiores

John Ribeiro de Oliveira

José Carlos Arruda Dantas

RESUMO

A análise do assunto está subdividida em três capítulos. O cerne do primeiro se restringe à

análise de princípios constitucionais que se relacionam com o direito probatório processual, em

especial os que norteiam a interceptação telefônica e suas diferentes formas de utilização e

relativização. Na segunda parte, a temática principal consistirá na teoria da prova, dando ênfase

nos aspectos conceituais, classificações, meios e demais concepções acerca do tema. A terceira

e última parte terá como âmago os conceitos e definições propriamente ditos da interceptação

telefônica, a partir de uma análise mais aprofundada de sua correlação e tratamento dado pela

Constituição Federal de 1988, pela Lei 9.296/1996, e seus reflexos na doutrina, legislação e

primordialmente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Palavras-chave: interceptação telefônica; princípios constitucionais processuais; teoria da

prova; lei 9.296/96; direito constitucional; direito penal; direito processual; jurisprudência.

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, especificamente em seu artigo 5º, inciso XII, prevê que “é inviolável o

sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações

telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei

estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A par de tal

dispositivo, a doutrina passou a dividir a inviolabilidade de informações em absoluta e relativa,

classificando como absoluta a primeira parte do artigo, a qual trata sobre o sigilo das

correspondências e comunicações telegráficas, e, consequentemente entendendo pela

relativização da segunda parte, cujo cerne é a inviolabilidade do sigilo de dados e de

comunicações telefônicas condicionada a procedimentos e interesses de ordem criminal.

A parte que nos interessa é a segunda, especificamente sobre o instituto da interceptação

telefônica, que se caracteriza por ser uma forma de captação/gravação de diálogos/conversas

por telefone (ordinariamente) realizada por um terceiro, cuja ação os interlocutores não têm

ciência. A princípio tal atividade é ilegal e afronta os preceitos basilares contidos no

ordenamento, todavia, como dizem: em toda regra há exceções. Não sendo diferente, existem

hipóteses de exceções, e em meio a controvérsias jurídicas a respeito das possibilidades de sua

utilização como meio de prova, a Carta Magna estabelece determinados requisitos para sua

autorização: a) ordem judicial; b) para fins de investigação criminal ou instrução processual

penal; c) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Como adiante será demonstrado, a

interceptação telefônica guarda diversas vertentes, e embora exista previsões e vedações básicas

de sua aplicação, as decisões dos Tribunais Superiores nem sempre se mostram condizentes e

semelhantes.

Tal instituto registra diversas relações com princípios constitucionais, a exemplo do princípio

da privacidade e intimidade, preceitos dotados de características voltadas a impor barreiras à

intromissão de estranhos à vida pessoal do indivíduo e suas informações privadas, e como

qualquer outro princípio constitucional, também sofre limitações e relativizações. Assim, frente

à determinadas situações de choque, tal princípio é minimizado ou maximizado a fim de

proporcionar e assegurar a aplicabilidade de outros, tão ou mais importantes para a definição

daquela situação, tal como sua concretização e visualização no ordenamento jurídico.

Com o intuito de fazer uma análise consistente acerca do tema, primeiramente abordaremos os

princípios constitucionais processuais que mais se relacionam com a problemática, tal como: o

princípio do devido processo legal, este basilar no ordenamento jurídico pátrio, bem como

corolário do princípio da legalidade; isonomia, cuja essência caminha na ideia de trazer

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igualdade das pessoas perante a lei, ainda de forma mais incisiva, buscando a igualdade material

(tratar os iguais igualmente, e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades);

contraditório e ampla defesa, importantíssimo no sistema jurídico, ideal que torna possível o

direito do cidadão em opor-se ao que lhe está sendo imputado, além da paridade das condições

de defender-se (de forma sintética); motivação das decisões, cujo cerne é exigir que toda

decisão emana pelo poder público seja fundamentada, a fim de possibilitar a ciência do réu

quanto aos termos; duplo grau de jurisdição, ressalvada as exceções, a possibilidade que o

perdedor no litígio tem de recorrer da decisão para que um órgão hierarquicamente superior

reexamine; proibição da prova ilícita, que tem por essência defender a inadmissibilidade de

inserção no processo de algum conteúdo em desacordo com norma de direito material; e por

fim a presunção de inocência, polêmico princípio alvo de calorosos debates no momento atual,

ao qual defende a concepção de que ninguém poderá ser considerado culpado sem que alguma

decisão criminal transitada em julgado determine.

O segundo capítulo versará sobre o estudo da teoria da prova, já que a interceptação telefônica

é uma forma de produção de prova documental em matéria criminal. Inicialmente trataremos

os aspectos conceituais, sobre a origem do termo e seu sentido dentro do ordenamento jurídico,

também abordaremos a classificação e o objeto. Não menos importante as características do

fato probando também será matéria de análise, momento em que falaremos sobre os chamados

fatos incontroversos, os fatos relevantes para o processo, fato determinado e prova sobre fato

ocorrido no estrangeiro, além da finalidade da prova. Trataremos sobre a prova e a busca da

verdade, ocasião em que se verificará a relação entre a verdade real e a formal, com

exemplificações em casos jurisprudenciais. No subcapítulo referente ao procedimento

probatório o alvo consistirá no exame das fases de produção de prova no processo, ou seja, a

fase probatória propriamente dita. Discutiremos sobre o princípio da aquisição processual da

prova e suas consequências no procedimento judicial. Falaremos novamente sobre o princípio

da proibição da prova ilícita, agora sob o aspecto processual e não mais propriamente

principiológico, fazendo as diferenciações acerca do gênero prova ilegal e suas espécies, prova

ilícita e ilegítima

A terceira e última parte trará uma análise dos entendimentos jurisprudenciais relativos à

matéria processual no país, especialmente no que tange ao direito probatório e/ou direito de

produzir provas, acerca da celeuma (in)constitucionalidade/(i)legalidade de decisões judiciais

direcionadas a autorização e realização de interceptações telefônicas, notando-se, inclusive, um

cenário ainda sensível quando o assunto envolve novas formas do uso deste instituto, já que as

formas de comunicação vêm se transformando. Tais divergências refletem eventualmente em

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posicionamentos antagônicos, não só na jurisprudência - que interpreta os mesmos dispositivos

com conclusões distintas, mas também na doutrina, que aproveita o “barco” para criar teses,

nomes e vender livros. Também será objeto de exame o período anterior a vigência da lei das

interceptações telefônicas, de nº 9.296/96, e a consequência de seus julgados. As distinções

sobre interceptação telefônica, escuta e gravação clandestina também serão alvos de análise, já

que há muita confusão sobre quando ocorrem. Analisaremos as novas extensões de aplicação

da lei de interceptações telefônicas, já que a humanidade vem crescendo em ciência e

tecnologia, e consequente inovando as formas de comunicação, com o uso de e-mail, WhatsApp

e outros afins.

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2. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS INERENTES A PROVA

2.1. Noções introdutórias

Como pontos de referência que os são, os princípios são considerados por alguns doutrinadores

como “supernormas”, normas abstratas que suscitam valores, fundamentos, que balizam a

criação, modificação e extinção de leis.1

A fim de realizar um estudo sistemático a respeito da utilização da interceptação telefônica nos

processos e sua relação com o ordenamento jurídico, importa trazer à baila, de forma resumida,

os essenciais princípios que norteiam o a produção de prova e o processo como um todo.

2.2. Devido processo legal

O princípio do devido processo legal está previsto na Constituição Federal do Brasil em status

de garantia fundamental, de forma expressa no artigo 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Os estudiosos o consideram como corolário do princípio da legalidade, bem como fonte para

os demais princípios que envolvem a relação processual, criado com o fito de garantir um

resultado justo para os interessados, legítimo, com uma tutela jurisdicional adequada, o que não

se confunde com a noção de justiça comum.

Alexandre Morais traz sua perspectiva acerca do tema:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao

direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-

persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla

de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).2

Sua essência caminha no sentido de garantir ao cidadão um desenvolvimento processual

adequado, de acordo com normas previamente estabelecidas, além de, por outra vertente,

assegurar o acesso ao Poder Judiciário quando alguém se sentir ameaçado ou lesado em seu

direito.

1 TOVAR, Leonardo Zehuri. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6824>. Acesso em: 11 dez. 2018. 2 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017. Cap. 24 - Devido processo legal, contraditório, ampla defesa e celeridade processual (art. 5º, LIV, LV e LXXVIII e Lei nº 11.419/06). Não paginado.

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2.3. Isonomia

O cerne do princípio da igualdade consiste na ideia de que toda a pessoa deve ser tratada de

forma idêntica pela lei (formal), porém o sentido de isonomia vai além desta proposição, como

Aristóteles e Platão filosofavam sobre noções de justiça: “os iguais devem ser tratados

igualmente, e os desiguais, desigualmente, na medida de suas desigualdades”3, um dos

primeiros registros sobre a concepção de igualdade material/substancial.

Sobre a importância desta vertente do Princípio da Igualdade, o professor Marcelo Novelino

traz as seguintes considerações acerca do tema:

A igualdade jurídica em um sentido formal, ainda que relevante e correta, mostra-se insuficiente para

resolver o problema de saber quem deve receber um tratamento igual ou desigual e em que medida,

suscitando a necessidade de se delinear os contornos de uma igualdade jurídica em sentido material,

dirigida ao conteúdo justo das normas criadas no âmbito legislativo. A dimensão material da igualdade jurídica,

ao menos no sentido aqui adotado, impõe que o desigual seja tratado desigualmente como uma medida de justiça.

Por exemplo: um tributo fixado com um valor idêntico para todos seria formalmente igual, mas profundamente

desigual em relação ao seu conteúdo, por equiparar todos os contribuintes, independentemente de seus

rendimentos.4

Já Alexandre de Morais exemplifica as formas de exteriorização do princípio:

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao

legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias,

impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações

idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e

atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião,

convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.5

Nelson Nery Júnior traz mais um ponto de vista a respeito do tema, o chamado princípio da

isonomia processual, conceituado como: “o direito que têm os litigantes de receberem idêntico

3 CORREIA DE MELO, Bruno Herrlein. A igualdade aristotélica e o princípio da isonomia salarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 954, 12 fev. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7948>. Acesso em: 13 dez. 2018. 4 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8 ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. Cap. 23: Dos Direitos Individuais em espécie: 23.3. Direitos de igualdade. Não paginado.

5 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017. Cap. 24 - Devido processo legal, contraditório, ampla defesa e celeridade processual (art. 5º, LIV, LV e LXXVIII e Lei nº 11.419/06). Não paginado.

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tratamento pelo juiz” (in AMARAL)6. Tal concepção se relaciona com o princípio do

Contraditório e ampla defesa, que adiante será discutido.

2.4. Contraditório e ampla defesa

Como uma das ramificações do princípio do devido processo legal, o princípio do contraditório

se caracteriza pela ideia de consubstanciar o direito de defesa daquele que está sendo acusado

(administrativamente ou judicialmente), o direito de contar a sua versão sobre os fatos, de

provar que a imputação é indevida (ou reconhece-la) e opor-se a ela.

De maneira congruente é o sentido de ampla defesa, ao qual busca assegurar paridade de

condições no momento da produção e manifestação das partes nos autos, com o intuito de

garantir a plenitude de defesa, princípio que é corolário de outras garantias: direito a defesa

técnica, publicidade dos atos, citação, produção de provas, juiz natural, além de outros.

A título de exemplo, segue a súmula vinculante de número 14 editada pelo Supremo Tribunal

Federal:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados

em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao

exercício do direito de defesa.7

Além desta súmula, que ressalta o compromisso da Justiça com o Estado Democrático de

Direito, importa citar outra que abarca a importância de uma defesa bem-sucedida em um

processo, não no sentido de que o advogado deve vencer a causa a todo custo, mas no sentido

de que o cliente seja bem assistido à luz do direito, da melhor forma legal possível, ainda que

perca. Veja-se:

Súmula nº 523 do STF (não vinculante):

No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova

de prejuízo para o réu.8

6 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Princípios de processo civil na Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 11/12/2018. 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230&termo=>. Acesso em 11/12/2018. 8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 523. No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Disponível

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Nesse sentido, ainda que, no processo penal, o réu esteja assistido por advogado ou defensoria

pública (como o é imprescindível nesse âmbito), a deficiência de defesa, uma vez provada, é

causa de anulação dos atos processuais. Não menos importante, a sua total ausência, é causa de

nulidade absoluta.

2.5. Motivação das Decisões

Este princípio, dentro do contexto da prova processual, tem um papel importantíssimo, pois

assegura que toda a decisão prolatada deve ser fundamentada, de forma que, toda a prova

produzida pelas partes deve ser valorada neste momento - pelo menos as que o magistrado

entende ter relação, gerando as partes oportunidade de compreender a motivação e

eventualmente impugnar através do instrumento hábil.

Segundo Nelson Nery Júnior:

Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão

daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir

que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.

Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam “segundo os documentos e

testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido. 9

No mesmo sentido o Código de Processo Civil ressalta a previsão constitucional, e estabelece

que:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e

o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.10

em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menusumariosumulas.asp?sumula=2729>. Acesso em 11/12/2018.

9 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.175-6. 10 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 11/12/2018.

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Dessa forma o ordenamento jurídico chancela o entendimento de que todas as decisões devem

ser motivadas, sob pena de nulidade dos atos processuais, uma vez que é um princípio

primordial e que traz harmonia ao ordenamento jurídico.

2.6. Duplo grau de jurisdição

Trata-se de um princípio não explícito no corpo da Carta Magna, o que causa um burburinho

entre a doutrina em considera-lo constitucional ou não. É certo que, por força da Convenção

Americana de Direitos Humanos que prevê: “durante o processo, toda pessoa tem direito, em

plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: h – direito de recorrer da sentença para juiz

ou tribunal superior”, e após a promulgação da Emenda nº 45/04, que colocou os tratados dentro

do bloco, tal proposição ganhou definitivamente status constitucional.

Sua concepção defende a ideia de que toda parte tem o direito de recorrer de sua decisão para

um tribunal hierarquicamente superior, submetendo aquela matéria à reexame, a fim de verificar

se de fato ouve erro no julgamento do juízo a quo.

Importa ressaltar que também há hipóteses constitucionais em que não haverá a possibilidade

de revisão de decisão por um juízo ad quem, como ocorre alguns casos de competência

originária, a chamada inexistência de obrigatoriedade de duplo grau de jurisdição.

Nesse diapasão, faz-se mister citar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO

LEGAL. ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.

AUSÊNCIA. (...) 3. O legislador constituinte, ao prever ações de competência originária dos Tribunais,

limitou a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição, cogitando, nestas hipóteses, apenas de recursos

sem devolução plena. 4. Razões de agravo interno que não alteram a convicção acerca do não conhecimento do

recurso ordinário constitucional. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.11

2.7. Proibição da prova ilícita

O uso de prova ilícita é inadmissível no processo, considerada como obtida por um meio

fraudulento, contrário ao ordenamento, que infringiu normas de direito material. Esse conceito

difere da ideia sobre provas ilegítimas e ilegais, uma vez que a primeira é caracterizada quando

11 STJ - AgInt na Pet: 12190 SC 2018/0016616-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 12/06/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2018.

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há inobservância as normas de direito processual, e a segunda é gênero que abrange as espécies

ilícita e ilegítima.12

Alexandre de Morais considera:

Saliente-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir

distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê,

com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em

casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo

possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à

intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização.13

Há casos específicos (admitidos pela jurisprudência) em que a utilização de prova obtida

ilicitamente pode ser permitida, de forma a atenuar tal vedação. Isso se dá pela premissa de que

nenhuma norma pública é absoluta, abrindo margem para casos atípicos em que se faz

necessário realizar uma ponderação de valores/princípios, sob a égide da proporcionalidade,

momentos em que se percebem que o direito tutelado é mais importante que o contraposto.

2.8. Presunção de inocência

Trata-se de um tema polêmico e que vem sendo objeto de fervorosos debates nos âmbitos

acadêmicos, muito por decorrência de recentes julgados de grande repercussão política.

Também conhecido como princípio do estado de inocência, sua previsão é expressamente

contida na CF especificamente no artigo 5º, inciso LVII, que revela: “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”14.

Basicamente o constituinte estabelece que nenhum individuo poderá ser declarado culpado

criminalmente se não por uma decisão/sentença condenatória ao qual não caiba mais recurso.

Embora o conceito pareça simples, sua concepção traz diversos sentidos, razão pela qual

abordaremos sucintamente alguns aspectos.

No ano de 2016, por maioria, o Plenário do STF decidiu pela possibilidade de início do

cumprimento provisório de pena daquele que foi condenado em segunda instância.

12 Ibidem, não paginado. 13 Ibidem, não paginado. 14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 11/12/2018.

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Por meio do portal de notícias do STF15, destacamos o seguinte trecho referente ao voto do

Ministro Roberto Barroso no caso:

Seguindo a divergência, o ministro defendeu a legitimidade da execução provisória após decisão de segundo grau

e antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados.

No seu entendimento, a presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada

com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma estatura. “A Constituição Federal abriga valores

contrapostos, que entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”, afirmou. “A

presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal,

instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não

sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”.

Barroso contextualizou a discussão citando exemplos para demonstrar que o entendimento anterior do STF sobre

a matéria não era garantista, “mas grosseiramente injusto”, e produziu consequências “extremamente negativas e

constatáveis a olho nu”. Entre elas, incentivou à interposição sucessiva de recursos para postergar o trânsito em

julgado, acentuou a seletividade do sistema penal e agravou o descrédito da sociedade em relação ao sistema de

justiça – o que, a seu ver, contribui para aumentar a criminalidade.

Com isso as decisões criminais promovidas pelos demais tribunais começaram oficialmente a

seguir o entendimento da repercussão deste julgado, mas ainda sim a discussão não tinha

chegado ao seu ápice.

Em 24 de janeiro de 2018, em uma decisão que atraía olhos do mundo inteiro, o ex-presidente

Lula foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com o

intuito de retaliar a prisão, o condenado impetrou Habeas Corpus na Suprema Corte, momento

em que novamente foi debatido os termos sobre a possibilidade de início provisório do

cumprimento de pena. Sobre a síntese da discussão, veja-se trechos da notícia emitida pelo

portal do STF:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por maioria de votos, o Habeas Corpus (HC) 152752, por

meio do qual a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscava impedir a execução provisória da pena

diante da confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) de sua condenação pelos crimes de

corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Também por maioria, os ministros negaram pedido para estender a

duração do salvo-conduto concedido a Lula na sessão do último dia 22 de março (vencidos, nesse ponto, os

ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski).16

Com esta decisão do STF o HC impetrado por Lula foi denegado. Todavia, em meio a doutrina

e mídia a discussão ganhou força quanto a eventual (in)constitucionalidade do assunto.

15 Notícias STF. STF admite execução da pena após condenação em segunda instância. Data de

publicação: 05/10/2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754>. 16 Notícias STF. STF admite execução da pena após condenação em segunda instância. Data de

publicação: 05/04/2018. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=374437>.

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Alguns críticos revelam questionamentos acerca da problemática, de modo a justificar outros

pontos do entendimento do STF como: frente ao moroso ordenamento jurídico do país, com

grande número de processos e que demoram anos para serem decididos, somado a quantidade

de instrumentos/recursos disponíveis as partes que se optarem podem utilizar para procrastinar

o andamento dos autos, é injusto o réu começar a sofrer efeitos após uma decisão de

confirmação pela segunda instância? O sentimento de impunidade presente no país não se

alargaria?

É certo que o constituinte estabeleceu que o réu não poderá ser considerado culpado até o

trânsito em julgado, mas tal afirmativa leva a crer que este também não poderá ser preso após

uma decisão de confirmação em segunda instância? Culpado é o mesmo que preso? São

questionamentos de longo debate, e já que não é objeto do tema, não merece maiores

comentários.

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3. DA PROVA

3.1. Aspectos conceituais

O vocábulo prova advém originariamente do latim probare, de probus, cujo significado é

demonstrar/reconhecer17. No seu sentido amplo se caracteriza por ser o meio pelo qual torna-

se possível demonstrar a veracidade de algo18 - argumento, fato, proposição etc. Em

contrapartida, sob o aspecto jurídico, em suma, revela-se por ser o canal destinado a convencer

o magistrado a respeito de um fato levado a julgamento.

Segundo Fredie Didier:

No processo jurisdicional, o objetivo principal é a efetivação de um determinado resultado prático favorável a

quem tenha razão, que seja produto de uma decisão judicial que se baseie nos fatos suscitados no processo

(normalmente pelas partes, mas que, em algumas situações podem ter sido suscitados pelo próprio magistrado) e

postos sob o crivo do contraditório. (...) Cada uma das partes conta a sua versão sobre o que aconteceu. A versão

mais bem provada, aquela que vier a convencer o julgador, tem tudo para ser a vencedora. A ‘arte do processo não

é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas’, como afirmou Bentham, em pensamento

clássico.19

Estabelece o Código de Processo Civil, especificamente no artigo 369, que:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda

que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir

eficazmente na convicção do juiz.

Tal concepção nos leva a crer que é imprescindível ao aplicador do Direito um conhecimento

que transcenda aos aspectos processuais, que seja hábil e prático a utilizar técnicas que não

necessariamente se vislumbrem em atividades acadêmicas, mas que sejam importantes no

processo de produção de prova, uma vez que o dispositivo deixa claro liberalidade dos meios

admitidos, exceto quando ilegais, ilegítimos ou que caminhem em sentido contrário aos

princípios do ordenamento jurídico (conforme uma interpretação mais extensiva).

17 Prova. In: Origem da palavra, 2018. Disponível em: origemdapalavra.com.br/palavras/prova/. Acesso em 15/10/2018. 18 Prova. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em: dicio.com.br/prova/. Acesso em: 15/10/2018. 19 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações provatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 12. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, v2, p. 47 e 48.

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Destarte, em um processo judicial, como a prova se caracteriza por consubstanciar a existência

de uma verdade sobre aquilo que se alega, o magistrado analisando as afirmações positivas e

negativas levantadas pelas partes, tenderá a proferir decisão favorável àquela que se revelou

como a mais verídica.

3.2. Classificação da prova

Conforme ensinamentos do professor Fredie Didier Jr.20, restritamente quanto ao objeto, as

provas podem ser: a) diretas: quando se referem ao próprio fato que se busca evidenciar, como

por exemplo, testemunho sobre determinado fato ocorrido ou imagens de câmera de segurança

que filmam um acidente; b) indiretas: quando não se referem exatamente ao fato que se busca

comprovar, mas por nexo se chega até ele, por exemplo, um livro contábil que é apresentado

em juízo afim de fundamentar a existência de eventual negócio jurídico debatido.

Em relação à fonte, podem ser: a) pessoais: como o nome sugere, produzidos a partir de uma

declaração pessoal consciente, como no testemunho; b) real: que se extrai da análise de

objetos/coisas, p. ex., uma prova consubstanciada em um documento.

Quanto à forma, podem ser: a) orais: quando obtidas a partir de uma afirmação pessoal, advinda

de depoimentos, declarações ou confissões dentre outras formas; b) documentais: declaração

escrita pública ou particular, fotografias, gravações etc.; c) materiais: que guarda relação com

o meio físico, químico ou biológico que sirva de prova, como o exame de corpo de delito.

Já em relação a preparação, as provas podem ser: a) casuais ou simples: preparadas/produzidas

durante o processo; ou b) preconstituídas: em sentido amplo, quando são preparadas

preventivamente, em vista de eventual utilização futura; em sentido estrito, quando consistentes

em instrumentos públicos ou particulares que representativos de atos jurídicos.

A prova ainda pode ser composta, no momento em que há muitos meios de prova envolvidos,

cada um particularmente insuficiente para fundamentar a pretensão, de forma que, uma vez

unidos, tornam-se capazes de lograr êxito.

3.3. Objeto da Prova

20 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, v2, ibidem., p. 53 e 54.

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O objeto da prova consiste basicamente na alegação de um fato, o chamado fato probando21 -

como alguns doutrinadores denominam, ou seja, um determinado fato que se busca atestar como

existente ou inexistente, que ocorreu ou não ocorreu, cujo fundamento se mostrou verdadeiro

ou falso.

Em discussão aprofundada Marinoni22 leciona que:

Precisam ser alegados apenas os fatos principais, e não os fatos secundários, uma vez que existe a possibilidade

de os últimos serem apreciados pelo juiz ainda que não tenham sido afirmados pela parte interessada.32 Os fatos

principais (também ditos essenciais ou diretos) são aqueles que devem ser afirmados na petição inicial e na

contestação, destinando-se diretamente a demonstrar com quem está a razão. Como dito, a prova deve se situar no

âmbito das afirmações de fato que suportam o thema decidendum ou, mais precisamente, no espaço criado pelos

argumentos do autor, que embasam seu pedido, e pelos argumentos do réu, que conformam as defesas apresentadas

para a rejeição do pedido (ou seja, somente no espaço das afirmações de fato controvertidas no processo). Porém,

podem existir outros fatos que não sejam capazes de demonstrar diretamente a verdade dessas afirmações de fato,

embora sirvam indiretamente para convencer o juiz de que elas são verdadeiras. Trata-se dos fatos secundários

(também ditos indiciários).

Fredie Didier ainda exemplifica que qualquer fato pode ser objeto de prova, seja fato jurídico

ou simples – ocorrido no âmbito do direito ou não, fato positivo ou negativo, dentre outros.

3.4. Características do fato probando

Uma das particularidades desse assunto são os chamados fatos incontroversos. Se caracteriza

por reduzir-se a mera aplicação do direito os fatos cujo não existam controvérsia, ou seja,

quando não houver contrariedade no litígio não há necessidade de produção de prova, embora

a primeira proposição não exclua a possibilidade de ocorrência da segunda em casos especiais,

a ex. da previsão do art. 341 do CPC (exigências legais para a produção de prova por meio

meio/instrumento exclusivo; quando é inadmissível confissão; fato em contradição com a

defesa).

Outra característica dentro do tema é que os fatos contidos no processo devem ser relevantes

para o deslinde da situação, que tenham estrita relação/conexão com o objeto da causa (ou pelo

menos de forma reflexa), a fim de que possam influenciar na decisão do magistrado. Em

hipótese contrária, devem ser excluídos dos autos.

O fato que se busca provar deve ser determinado/específico, suscetível de identificação no

espaço tempo, não podendo ser impreciso, indeterminado ou indefinido.

21 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, v2, ibidem., p. 63. 22 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais Ltda. 2015, v2, p. 251.

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O Juiz formará a sua convicção na livre apreciação da prova e diante do nosso sistema processual o indicio

é o fato provado que por sua ligação intima com o fato probando autoriza a concluir algo sobre este, até

porque os indícios estão inscritos no título da prova, e, assim, a autoria do delito, pelo sistema do livre

convencimento, pode ser demonstrada, validamente, pela forca probante dos indícios. Por outro lado,

pequenas contradições nos depoimentos de testemunhas policiais, que não afetam no substancial a apuração

da verdade, devem ser consideradas como fruto da capacidade de observação de cada um. (...) (LCR). (TJ-

RJ - APL: 00350416319998190000 RIO DE JANEIRO DUQUE DE CAXIAS 7 VARA CIVEL, Relator: PAULO

ROBERTO LEITE VENTURA, Data de Julgamento: 03/08/1999, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de

Publicação: 27/09/1999). (Destaques inexistentes no original)

Sobre a eventual necessidade da utilização de prova sobre fato ocorrido no estrangeiro, importa

ressaltar que os meios de produção são regidos pela lei do local da ocorrência, não admitindo-

se provas obtidas de forma que a lei brasileira desconheça – de origem ilícita, ou obviamente

contrárias.

3.5. Fatos que independem de prova

Sobre os fatos que independem de prova, o contido no artigo 374 do CPC, de forma superficial,

é auto didático:

Não dependem de prova os fatos:

I - notórios;

II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III - admitidos no processo como incontroversos;

IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Com base nisto, há imprescindibilidade de produção de provas quando o fato probando for: a)

notório (claro/manifesto; possível de se enxergar); b) sem contrariedade entre as partes (em que

não há contra entendimentos); c) embora contrário entre as partes é incontroverso para o

processo; d) e os que são dotados de presunção legal de existência/veracidade.

3.6. Finalidade da prova

Dentre as diversas teorias defendidas pelos autores sobre a finalidade da prova, a presente

pesquisa se resumirá a tecer comentários da mais aceitável, que tem por definição apontar que

o fim da prova é influenciar/produzir convencimento ao juízo, possibilitar a formação de

convicção quanto à veracidade/existência do fato probando.

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Fredie Didier debate sobre o tema de forma mais aprofundada, pois indica que além da busca

de convencimento do juiz, outra característica reside na intensão de convencer também as partes

“(i) de que efetivamente são titulares das situações jurídicas que, em princípio, pensam ter e (ii)

da demonstrabilidade em juízo das alegações de fato subjacentes a tais situações jurídicas.23

O professor Flávio Luiz Yarshell leciona que:

(...) antes ou mesmo durante o processo, a prova produzida, conforme já mencionado, dirige-se também à formação

do convencimento das partes a propósito de suas chances de êxito, sendo, assim, determinante de suas condutas.24

Desta feita, em suma os doutrinadores defendem a ideia de que primordialmente à produção de

prova, antes desta servir de fundamento para o convencimento do magistrado, seus efeitos já se

exteriorizam nas análises realizadas pelas partes, a fim de se autoconvencerem de que aquela

proposição tem o condão de influenciar na decisão.

3.7. Prova e busca da verdade

A busca da verdade no processo por meio da prova tem o objetivo de se chegar a verdade dos

fatos, a fim de uma solução justa do litígio, embora haja correntes que defendam a

impossibilidade de se alcançar a verdade real, pois esta é inatingível. Por isso apontam que no

processo apenas se discute a verdade das alegações e não dos fatos propriamente, concluindo

que a verdade buscada no processo é aquela que mais se assemelha a realidade, própria da

condição humana.

Desta proposição é que surge o problema, uma vez que, por mais que não se possa alcançar a

verdade real dos fatos, a sua discussão em juízo faz-se necessária, para que com o uso de

métodos próprios e contextualizados pelos sujeitos do processo se possa chegar a uma decisão

justa.

De acordo com Taruffo, citado por Didier:

A justiça de uma decisão não depende apenas de ela finalizar um processo que transcorreu de modo correto, com

respeito a todas as garantias processuais e mediante interpretação e aplicação adequada do direito. Tudo isso é

necessário, mas não suficiente para determinar a justiça da decisão. Afinal, nenhuma decisão pode ser considerada

23 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, v2, ibidem., p. 63. 24 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova, op. cit., p. 60.

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justa se, a despeito de tudo isso, estiver baseada numa reconstrução falsa, não verdadeira, dos fatos discutidos no

processo.25

Dentro desse contexto, juristas ainda apontam diferenças entre os princípios da verdade formal

e real/substancial. A intensão do primeiro reside basicamente na ideia de limitar a utilização de

provas por aquelas contidas nos autos, ou seja, com base nessa premissa, o magistrado, no

momento da decisão deve ater-se às provas coligidas no processo.

A ideia do princípio da verdade real é distinta, mas não chega a ser antagônica, pois sua

concepção é de que as provas devem ser levadas ao processo e utilizadas pelo magistrado

independentemente da vontade ou iniciativa das partes, abrindo margem para o convencimento

a partir de provas não produzidas pela forma convencional, mas incluídas no caso por outras

vias (ex officio).

Nessa linha de raciocínio, confira-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

3. "Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem

determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante

do que expõe o art. 130 do CPC." (AgRg no REsp 1.157.796/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,

PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 28/05/2010). (Destaques inexistentes no original)

Neste julgado é possível observar a materialização do poder instrutório do juízo em um caso

concreto, de forma a deixar evidente que não só às partes é legítimo determinar a criação de

provas, mas sim todos que participam de alguma forma do processo, parcial ou imparcialmente,

podendo colaborar para a busca da verdade.

3.8. Procedimento probatório

O procedimento probatório em sentido amplo abrange a fase postulatória - onde se sustenta os

fatos e fundamentos jurídicos do pedido das partes - a fase de saneamento – momento em que

o magistrado toma as providências cabíveis a fim de sanar eventuais irregularidades

processuais, vícios e nulidades, fixando as controvérsias para uma posterior decisão, e a fase

probatória – quando se produz e expõe as provas.

Em sentido estrito o procedimento probatório se resume a fase probatória, o momento de

instrução da causa, em que as partes produzem as provas dos fatos alegados, em convergente

intensão de convencer o juiz de que sua alegação é a verídica – ou pelo menos verosímil.

25 TARUFFO, Michele. “Verità e probabilità nella prova dei fatti”, apud DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, v2, ibidem., p. 59.

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Tal procedimento nesse último sentido comumente é dividido em quatro fases: a de proposição,

admissão, produção e valoração da prova; as três primeiras ocorrendo propriamente no

processo, e a última na decisão. A primeira fase se resume ao pedido/requerimento da parte

para que possa utilizar de um meio especial de prova, a fim de se comprovar determinado fato

arguido. A segunda quando o juiz da causa a repute útil, admissível para o deslinde do caso.

Tal possibilidade não impede que o próprio juiz de ofício determine eventual produção de prova

por considerá-la importante. A terceira fase é quando ocorre a concretização do meio de prova,

com a efetiva juntada do documento, depoimento, realização da perícia e etc. Por último, na

quarta fase é a ocasião em que se dá valor/peso as provas apresentadas, quando o julgador

declara qual foi fundamental no seu convencimento.

3.9. Aquisição processual da prova

O Código de Processo Civil prevê as especificidades do princípio da aquisição processual da

prova em seu art. 371, momento em que determina o exame pelo juiz da prova produzida

independentemente do sujeito que a promoveu.

A doutrina explica tal princípio a partir da tese de que uma vez apresentada a prova, e

incorporada ao processo, o sujeito que a produziu não mais guarda vínculo com ela, salvo

exceções. Assim, independentemente de quem produziu, uma vez anexada aos autos, a prova

irá se tornar pública, comum a todos, e sopesada a fim de classifica-la como pertinente ou não

ao seu convencimento, mesmo que esta prejudique o que incluiu.

Isso se dá pela razão do dever do juiz em considerar todo o material probatório,

independentemente da sua fonte ou origem, exceto quando ilícita. Assim, uma vez incluída no

processo o seu responsável não mais tem a prerrogativa de excluí-la.

3.10. Proibição de prova ilícita no processo

Sabe-se que a proibição da produção de prova ilícita advém da previsão constitucional indicada

no art. 5, inciso LVI da CRFB – como inicialmente discutida no capítulo anterior, em correlato

com o princípio do devido processo legal (que adiante será melhor trabalhado). Dessa maneira

tal proibição se encontra em status de direito fundamental no ordenamento jurídico pátrio,

gerando ao interessado garantia de não ver contra si a produção de uma prova dotada de

ilicitude.

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Dentre as definições do tema, agora sob o aspecto procedimental, há autores que distinguem a

prova ilícita da obtida de forma ilícita. A primeira se caracteriza quando o conteúdo é viciado,

e a segunda quando o método de inserção/produção é impróprio/vedado. É certo que o

entendimento majoritário repousa na tese de que ambos os tipos são rechaçados pela

Constituição Federal.

Neste sentido importa colacionar importante entendimento do plenário do Supremo Tribunal

Federal26:

É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de

formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração

da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias

fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem

a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito

democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas

por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência

Criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5°, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras,

que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Sobre o gênero “provas ilegais” Alexandre de Morais explica:

As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. Enquanto, conforme já analisado, as

provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com

desrespeito ao direito processual79. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas

ilícitas e as ilegítimas, pois, configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao

ordenamento jurídico.27

A partir deste texto pode-se verificar que a doutrina diferencia os tipos de prova inadmitidas no

processo, sendo as chamadas provas ilegais o gênero do qual são espécies a prova ilícita e a

prova ilegítima. Uma coisa é certa, todas são inadmissíveis.

Conforme se pode verificar a prova ilícita ocorre quando há uma infringência a uma norma de

direito material, a título de exemplo podemos citar um caso de obtenção de prova mediante

confissão advinda de tortura. Já a prova ilegítima se caracteriza por uma observação a uma

norma de direito processual, exemplo básico é o caso de uma oitiva de testemunha que não

pode ser ouvida, como é o caso de alguém que guarde sigilo profissional. Ambas são casos de

arguição de nulidade.

3.11. Prova emprestada

26 BRASIL, STF, Ação Penal 307-3 DF, Plenário, Rel. Min. Ilma Galvão, DJU, 13 out. 1995; RTJ 162/03 340. 27 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003, Cap. Provas Ilícitas. Não paginado.

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A prova emprestada consiste no transporte de produção probatória de um processo para outro. É o aproveitamento

da atividade probatória anteriormente desenvolvida, através do translado dos elementos que a documentaram28.

Com base na premissa do princípio da economia processual, a prova emprestada é o instituto

pelo qual busca-se reaproveitar uma prova obtida/produzida em um processo judicial distinto,

evitando um novo dispêndio de recursos que resultariam no mesmo resultado.

Embora a prova tenha sido produzida em modalidade distinta, ela adentra no novo processo na

forma documental. Ainda sim é possível o empréstimo a partir de diversos âmbitos, como:

penal, cível, trabalhista e etc.

Todavia o CPC restringe a utilização da prova emprestada a observância do princípio do

contraditório (como não poderia ser diferente), de maneira que, além do dever de respeito no

processo antecessor, o posterior também deverá abrir margem para a parte contrária apresentar

a sua contraposição.

28 TALAMINI, Eduardo. “A prova emprestada no processo civil ou penal”. Revista de processo. São Paulo: RT, 1998, n. 91, p.93.

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4. O INSTITUTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E SUA APLICAÇÃO

NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

4.1. Noções introdutórias

Longe de pretender esgotar o debate acerca do tema, o presente estudo objetivará analisar as

hipóteses de autorização da interceptação telefônica e sua relação frente aos princípios basilares

do ordenamento, tal qual como os Tribunais Superiores se posicionam a respeito do tema.

Sabe-se que a Constituição Federal estabelece em seu artigo 5, inciso XII:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações

telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal”.29

A partir deste dispositivo extrai-se a ideia de que são necessários os seguintes requisitos para a

autorização:

• Ordem judicial;

• Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

• Nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

A possibilidade de utilização das comunicações telefônicas como meio de prova é hipótese de

exceção, necessariamente autorizada por juiz competente (cláusula de reserva jurisdicional),

uma vez que em regra o sigilo da correspondência e das comunicações são invioláveis. Frente

a tal particularidade a utilização está calcada para fins de investigação e instrução processual

criminal, visto que tal procedimento também tem por característica ser uma ultima ratio.

Da última parte do texto é possível observar que se trata de uma norma de eficácia limitada, já

que depende de edição de lei infraconstitucional para gerar efeitos no ordenamento, a fim de

prever hipóteses e formas de autorização de interceptação.

Frente a conceitos básicos acerca do dispositivo, ingressemos a uma análise mais aprofundada.

29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 11/12/2018.

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4.2. Período anterior ao surgimento da Lei nº 9.296/96

No período em que ainda não estava em vigor a Lei nº 9.926/96, que hoje rege o instituto da

interceptação telefônica, os tribunais pátrios autorizavam tal medida com fundamento no

Código Brasileiro de Telecomunicações, especificamente no art. 52, inciso II, alínea ‘e’:

Art. 57. Não constitui violação de telecomunicação:

I - ...

II - O conhecimento dado:

...

e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação dêste. (sic)30

Todavia decisões que não foram fundamentadas na atual lei foram declaradas inconstitucionais

pelo STF, ou seja, por entender que a norma constitucional não é autoaplicável a Suprema Corte

anulou diversas autorizações realizadas antes de 1996.31

HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PROVA

ILÍCITA. EXTENSÃO DA ORDEM A CO-RÉUS NA MESMA SITUAÇÃO. Escuta telefônica autorizada

anteriormente à vigência da Lei 9.296/96. Prova ilícita reconhecida em outro writ. Anulação, ab initio, da

ação penal. Extensão aos pacientes que se encontram em idêntica situação (CPP, artigo 580). Ordem

deferida. (STF - HC: 81494 SP, Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 05/03/2002, Segunda

Turma, Data de Publicação: DJ 12-04-2002 PP-00054 EMENT VOL-02064-03 PP-00604).32 (Destaques

inexistentes no original)

Tal decisão foi proferida em sede de Habeas Corpus, em processo em que se discutia a licitude

de escuta telefônica realizada antes da vigência da referida lei, e reconhecida em outro processo.

Com o advento da lei nº 9.296/96 essa problemática foi sanada, pois a previsão e hipóteses de

cabimento se tornaram específicas.

4.3. Distinções sobre interceptação, escuta e gravação telefônica

30 BRASIL. Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. Código Brasileiro de Telecomunicações. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4117.htm>. Acesso em: 11/12/2018. 31 CABRAL, Camilla Cavalcanti Rodrigues. Interceptação telefônica: Análise da Lei nº 9.296/96 segundo o entendimento dos Tribunais Superiores. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 18 abr. 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55665&seo=1>. Acesso em: 12 dez. 2018. 32 STF. HABEAS CORPUS: HC 81494 SP. Relator: Ministro Maurício Corrêa. DJ: 05/03/2002. JusBrasil, 2002. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/775244/habeas-corpus-hc-81494-sp>. Acesso em 13/12/2018.

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A interceptação telefônica se caracteriza no ato pelo qual um terceiro grava/capta a conversa

entre duas pessoas, sem que estas tenham ciência. Neste caso para que seja admissível faz

necessário, além de outros requisitos, autorização judicial.

A escuta ocorre também quando um terceiro está gravando um diálogo realizado entre duas

pessoas, todavia desta vez uma das pessoas tem ciência quanto a captação. Da mesma forma

necessita, dentre outros requisitos, autorização judicial.

No último caso, de gravação telefônica ou clandestina, acontece quando dentro de uma conversa

entre duas pessoas uma destas grava o diálogo sem o consentimento ou ciência da outro.

Sobre essa última modalidade há uma dicotomia na doutrina quanto a sua legalidade, pois

muitos afirmam que não necessita de autorização judicial para ser utilizada, outros defendem

veementemente que sua utilização sem o consentimento ou ciência do outro interlocutor fere

preceitos constitucionais, e, portanto, é inadmissível.

Assim é o entendimento de Alexandre de Morais:

Essa conduta afronta o inciso X do art. 5º da Constituição Federal, sendo gravações ilícitas, pois se caracterizam

pelo desconhecimento por parte de qualquer dos interlocutores, sendo feitas de maneira sub-reptícias, escondidas,

fraudulentas, com ferimento a intimidade e vida privada, direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos

e protegidos. Dessa forma, não se confunde interceptação telefônica com gravação clandestina de conversa

telefônica, pois enquanto na primeira nenhum dos interlocutores tem ciência da invasão de privacidade, na segunda

um deles tem pleno conhecimento de que a gravação se realiza. Essa conduta afronta o inciso X do art. 5º da

Constituição Federal, diferentemente das interceptações telefônicas que, conforme já analisado, afrontam o inciso

XII do art. 5º da Carta Magna.33

Todavia o entendimento do Supremo Tribunal Federal é consonante com a ideia de que é lícita

a gravação clandestina:

III - A gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, e difere da

interceptação telefônica, esta sim, medida que não prescinde de autorização judicial (precedentes). Recurso

ordinário desprovido. (...) HABEAS CORPUS - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – ILEGALIDADE DA PROVA -

DILAÇÃO PROBATÓRIA - DECISÃO CONCISA - ORDEM DENEGADA. I - O Supremo Tribunal Federal,

em caso similar julgado sob o regime de repercussão geral, decidiu que é lícita a prova consistente em

gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Assim, considerando

que a gravação ambiental não é abarcada pela Lei 9.296/96 e que inexiste direito absoluto no ordenamento

jurídico (no caso, a intimidade), impõe-se pela rejeição da tese suscitada. II (STF - MC HC: 148864 ES -

ESPÍRITO SANTO 0011760-61.2017.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento:

27/10/2017, Data de Publicação: DJe-250 31/10/2017).34 (Destaques inexistentes no original)

33 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de

dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017. Não paginado. 34 STF. HABEAS CORPUS: MC HC 0011760-61.2017.1.00.0000 ES - ESPÍRITO SANTO 0011760-

61.2017.1.00.0000. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJ: 27/10/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/524643646/medida-cautelar-no-habeas-corpus-mc-hc-148864-es-espirito-santo-0011760-6120171000000>. Acesso em 13/12/2018.

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4.4. Extensão da aplicação de interceptações telefônicas

No período em que foi criada - fase que sucedeu a segunda grande guerra mundial, meados da

Guerra Fria, com motivação voltada à espionagem e contrainteligência - os campos de aplicação

da interceptação telefônica eram bem perceptíveis, no entanto com a ascendente criação de

meios alternativos de comunicação e avanços tecnológicos a conversa telefônica e a troca de

cartas não são mais os principais meios, e sim um dos, somado à internet, correio eletrônico (e-

mail), WhatsApp, dentre outros.

Neste diapasão é o entendimento dos Tribunais Superiores, se não veja-se:

3. O sigilo das comunicações de dados não é absoluto, sendo válida a interceptação de comunicações por

mensagem eletrônica, disciplinada na Lei nº 9.296/1996. (...) Não há que se interpretar a autorização de forma

restritiva, sobretudo porque a própria Lei Maior remete à regulamentação, nas hipóteses e formas que

forem fixadas, o que resulta no permissivo da Lei nº 9.296/1996. Deve-se considerar, para fins do disposto

no art. 1º da mencionada lei, que a expressão 'comunicações telefônicas' abarca qualquer tipo de

comunicação da espécie, seja transmissão de voz, sons, imagens ou dados. Tal compreensão encontra

respaldo no complemento contido no mesmo artigo, que faz referência a comunicações telefônicas de

qualquer natureza. Ademais, o próprio parágrafo único do art. 1º fixa que o disposto aplica-se à

interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Ou seja, não somente a

quebra de sigilo das comunicações de voz é válida, mas também a das comunicações por mensagem

eletrônica. O contexto disciplinado não se altera com a evolução crescente dos meios de comunicação. Seria

demasiado supor que somente as mensagens de voz por sistema discado poderiam ser interceptadas,

em particular com o surgimento de novas tecnologias, como fibra ótica e banda larga para troca de dados.

Como bem apanhado por Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel, 'do ponto de vista da repressão penal (...)

pouco adiantaria só as interceptações das clássicas 'conversações telefônicas'. Se assim fosse, como já

dissemos, bastaria o criminoso 'digitar' a comunicação (entrar na era digital) e estaria fora de qualquer

controle. Seria um descalabro, um rematado disparate, concluir que o crime, se alcança o nível da

'digitação', está fora de perseguição. Não é por acaso, aliás, que as mais avançadas legislações

sobre interceptação telefônica prevêem sua incidência nas 'conversações' bem como nas 'comunicações' telefônicas

ou nas 'comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone ' (in Interceptação telefônica,

comentários à Lei nº 8.296, de 24/04/1996. 2 ed, rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 85-6).

(STJ - RHC: 96585 PR 2018/0074092-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Publicação: DJ

01/08/2018).35 (Destaques inexistentes no original)

Disto podemos perceber a necessidade de uma reinterpretação sobre os campos de aplicação do

instituto, o quanto que a expressão “comunicações telefônicas” pode ser considerada e seus

efeitos na esfera jurídica.

Em meio a discordância de decisões entre os tribunais, o STJ firmou entendimento pela

inaplicabilidade da Lei nº 9.296/96 (interceptação telefônica) nos casos que envolverem a busca

35 STJ. RECURSO EM HABEAS CORPUS: RHC 96585 PR 2018/0074092-0. Relator: Ministro Felix

Fischer. DJ: 01/08/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/607293850/recurso-em-habeas-corpus-rhc-96585-pr-2018-0074092-0>. Acesso em 13/12/2018.

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de interceptação de mensagens contidas em celulares, a exemplo do WhatsApp, devendo tal

autorização ser regulamentada a partir da Lei nº 12.965/14 (lei de usos e deveres para o uso de

internet no Brasil) e Lei nº 9.472/97 (lei que dispõe sobre a organização dos serviços de

telecomunicação). Veja-se:

I - O sigilo a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição da República é em relação à interceptação telefônica ou

telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos. Desta forma, a

obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones

não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/96. II - Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares

decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de

mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à

vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal.

Assim, somente podem ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, nos termos do art.

3º da Lei n. 9.472/97 e do art. 7º da Lei n. 12.965/14. III - A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção

deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de

aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos

("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia

no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.

(...). (Destaques inexistentes no original)36

Uma hipótese um tanto quanto curiosa de interceptação ocorreu em Santa Catarina/PR: a

polícia, após apreensão do celular de um investigado interceptou o aparelho, mantendo

monitoramento constante e conseguindo acesso irrestrito a diversas conversas deste,

descobrindo evidências que ao final fundamentaram a sua prisão preventiva. A 6º turma do

Tribunal de Justiça local considerou que a medida não poderia ser equiparada a interceptação

telefônica, uma vez que não houve prévia autorização judicial, além do acesso irrestrito a

conversas realizadas antes da apreensão.37

4.5. Diferença entre a quebra de sigilo de dados telefônicos e interceptação telefônica

Os dados telefônicos nada mais são que registros armazenados pelas prestadoras de serviço

telefônico ao qual computam a data e horário da ligação, número, tempo de chamada, dentre

outras especificidades. A interceptação telefônica como já conceituada não se confunde, uma

vez que esta busca captar conversas que estão ocorrendo, e não informações sobre dados de

linha que já aconteceram.

36 STJ - RHC: 77232 SC 2016/0270659-2, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento:

03/10/2017, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017 37 MIGALHAS. STJ anula prova obtida pelo WhatsApp Web sem conhecimento do dono do celular.

30/11/2018. Disponível em: <https://m.migalhas.com.br/quentes/292102/stj-anula-prova-obtida-pelo-

whatsapp-web-sem-conhecimento-do-dono-do>. Acesso em: 13 dez. 2018.

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Cada tipo tem sua importância e momento oportuno na fase investigativa, sendo certo que a

quebra de sigilo dos dados telefônicos não se sujeita a lei das interceptações telefônicas, sendo

um procedimento bem menos burocrático em comparação, a partir disso a doutrina aponta que

aquela não se sujeita a chamada cláusula de reserva de jurisdição em determinadas hipóteses

(como os casos de comissão parlamentar de inquérito), diferente desta que sempre se sujeita.

Assim é o fundamento dos Superior Tribunal de Justiça em casos análogos:

1. De acordo com a jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça, a quebra do sigilo de dados telefônicos,

consistentes no histórico de chamadas, dados cadastrais e extratos de ligações, não se submete à disciplina da Lei

9.296/1996, que trata da interceptação das comunicações telefônicas. 2. Na espécie, o magistrado singular

justificou a quebra do sigilo dos dados telefônico dos recorrentes com base, essencialmente, nas informações

coletadas pela autoridade policial e pelo Ministério Público indicativas da prática criminosa atribuída aos

investigados, inexistindo, assim, qualquer nulidade apta a contaminar as provas dela decorrentes. 3. Recurso

desprovido. (STJ - RHC: 53541 RJ 2014/0297673-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento:

12/09/2017, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2017).38 (Destaques inexistentes no original)

Tal distinção é severas importante, uma vez que não se pode confundir no direito o campo de

aplicação dos dois institutos, sendo o caso da interceptação uma ingerência direta a intimidade

privada do sujeito ao qual se está tentando obter informações, de forma que a quebra de sigilo

de dados se limita a identificar os registros de chamadas realizadas/recebidas, não tendo o

condão de se utilizar o conteúdo destas.

4.6. A indispensabilidade da interceptação telefônica

Assim como o direito penal é considerado como a ultima ratio, o instituto da interceptação

telefônica tem características correlatas, já que exige como requisito a necessária demonstração

de sua indispensabilidade, ou seja, para que seja válida a sua autorização na investigação ou no

processo penal faz-se imprescindível a comprovação de que não há outros meios menos

onerosos que possibilitem a obtenção das apontadas provas.

Importante ressaltar que, não obstante posteriormente a interceptação se descubra que a prova

poderia ter sido capturada de outra forma, com outros meios disponíveis, os requisitos

devidamente demonstrados no momento do requerimento/autorização validam a sua produção.

Nesse sentido é o posicionamento de Fernandes:

38 STJ. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS: RHC 53541 RJ 2014/0297673-0. Relator:

Ministro Jorge Mussi. DJ: 12/09/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/504973279/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-53541-rj-2014-0297673-0>. Acesso em 13/12/2018.

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É evidente o caráter rebus sic stantibus da decisão, isto é, passada a “urgência”, pode ser que se descubra, depois

da interceptação, que havia outros meios disponíveis. Mas se não eram evidentes no momento da decisão, a

interceptação é válida.39

Assim a demonstração de necessidade deve andar de lado com a autorização da interceptação,

uma vez que é regida com características de subsidiariedade, medida menos gravosa, por mais

que estas condições após a realização não mais subsistam.

No julgamento do Habeas Corpus nº 48.048 pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministro

Relator Rogério Schietti assim decidiu:

Quanto à alegada ausência de fundamentação do decisum que decretou a quebra do sigilo telefônico da recorrente,

faço lembrar que a Lei n. 9.296/1996, que rege a matéria atinente à interceptação de comunicações telefônicas,

dispõe que a medida, para fins de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, dependerá de

ordem do juiz competente para a ação principal e somente poderá ser decretada se houver indícios razoáveis de

autoria ou de participação em infração penal, se a prova não puder ser feita por outros meios e se o fato investigado

for punível com reclusão. Mais adiante, em seu art. 5º, a lei estabelece que a decisão será fundamentada, sob pena

de nulidade.40

4.7. Da pena de reclusão (requisito de aplicação)

Ainda com base na decisão supracitada podemos perceber outro requisito para a autorização da

interceptação telefônica, a necessidade de previsão da pena de reclusão para o crime

investigado.

Nesse sentido dispõe o art. 2º, inciso III da Lei nº 9.296/96:

Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – (...)

II – (...)

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.41

Veja-se outra decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:

HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. CRIMES CONTRA O ERÁRIO PÚBLICO E ORGANIZAÇÃO

CRIMINOSA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO FUNDAMENTADA. INDIVIDUALIZAÇÃO

39 FERNANDES, Antônio Scarance. Interceptações telefônicas: aspectos processuais da nova lei. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 45, ago. 1996. p.15-16.

40 STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 48.048 - SP (2014/0118027-4), Relator: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: não consta, Data de Publicação: DJe 07/02/2018. 41 BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Lei da interceptação de comunicações telefônicas.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm>. Acesso em: 14/12/2018.

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DA CONDUTA DO PACIENTE APURADA A PARTIR DAS QUEBRAS DE SIGILO TELEFÔNICO.

PARTICIPAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PEDIDO DE QUEBRA. PRORROGAÇÕES DE

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. FUNDAMENTAÇÃO "PER RELATIONEM". LEGALIDADE.

PRISÃO PREVENTIVA. SOLTURA POSTERIOR DO PACIENTE. PEDIDO PREJUDICADO.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. É inviolável o sigilo

das comunicações telefônicas, salvo para fins de investigação criminal e instrução penal, nos casos que a lei

permite - desde que seja determinado por decisão judiciária fundamentada, que haja indícios razoáveis de

autoria ou participação delitiva, a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e o fato de o

investigado constituir infração penal punida de forma mais severa que a detenção. 42

Importa também fazer referência sobre as hipóteses em que, embora o crime investigado seja

punido com no máximo pena de detenção, casos que hajam conexão com o crime punido com

reclusão são passíveis de admissão de autorização de interceptação telefônica.

Assim é o entendimento do STJ:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. FALTA DE

CABIMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CRIME APENÁVEL COM DETENÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE. ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL

EVIDENCIADO. (...) 2. Inadmissível a interceptação de comunicações telefônicas quando o fato investigado

constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Contudo, é possível se autorizar a quebra do

sigilo para apurar crime punível com detenção desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão.43

Dessa forma resta claro que é requisito para a aplicação do instituto da interceptação a

necessidade do crime imputado ser punido com o mínimo de pena de reclusão. Todavia torna-

se possível a inobservação estrita deste conceito em casos de crime conexo punidos com apenas

detenção.

4.8. Encontro fortuito de provas (requisito de aplicação)

É pacífico o entendimento no Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de admissão de

provas encontradas por meio de interceptação telefônica autorizada para investigação de crimes

distintos, é a chamada teoria do encontro fortuito ou casual de provas. Desse modo,

independentemente da identidade de investigados/réus é admissível as provas obtidas sobre

crimes até então desconhecidos, já que por mais que a interceptação tenha sido realizada para

fim diverso, a sua validade continua legítima, ainda que não existe conexão ou continência e

42 STJ - HC: 369887 PE 2016/0232871-5, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 23/10/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/10/2018

43 STJ - HC: 186118 RS 2010/0176160-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de

Julgamento: 05/06/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/10/2014.

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este não preencha os requisitos autorizadores, salvo caso de desvio de finalidade. Senão,

verifiquemos:

2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da adoção da teoria do encontro fortuito ou casual de

provas (serendipidade). Segundo essa teoria, independentemente da ocorrência da identidade de

investigados ou réus, consideram-se válidas as provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução

penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de

obtenção de prova de outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência com

o crime supervenientemente encontrado e este não cumpra os requisitos autorizadores da medida

probatória, desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova.44

Assim, por mais que uma investigação criminal não tenha sido diretamente instaurada para

apurar determinado crime desvendado, e que nesta tenha sido realizada/autorizada

interceptação, o ordenamento jurídico é pacífico no entendimento de que é possível a punição

de tais crimes, de tal efeito que a prova produzida possa gerar efeitos em processos criminais

distintos.

4.9. O prazo na interceptação telefônica

A lei que regula as interceptações de comunicações telefônicas estabelece que:

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência,

que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a

indispensabilidade do meio de prova.45

Da breve leitura do dispositivo fica claro que a legislador definiu como prazo máximo quinze

dias, para a decisão de autorização da medida, bem como sua hipótese de renovação, limitada

a iguais dias. Todavia, e nas hipóteses de investigação que perduram meses, normalmente

ligadas a organizações criminosas, em que se faz necessário um longo tempo de monitoração e

análise das condutas dos suspeitos, só trinta dias (quinze mais quinze) é o suficiente? É

razoável?

Sobre a problemática, a doutrina ainda é dividida. Uns dizem que o referido artigo é taxativo

em dizer que só pode haver uma renovação, contabilizando trinta dias46, outros são categóricos

44 STF - HC: 151671 ES - ESPÍRITO SANTO 0015647-53.2017.1.00.0000, Relator: Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/04/2018, Data de Publicação: DJe-075 19/04/2018 45 BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Lei da interceptação de comunicações telefônicas.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm>. Acesso em: 14/12/2018. 46 QUEZADO, Paulo N. G.; CAVALCANTE, Clarisier A. Das interceptações telefônicas para fins de

instrução criminal – comentários à Lei 9.296/96. São Paulo. p. 178.

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em afirmar que a lei não limitou as prorrogações sucessivas. Em meio ao impasse até o

momento a jurisprudência do STJ e STF entende que é admitida sucessivas prorrogações de

interceptação telefônica, de forma ilimitada, desde que, obviamente, se mostrem presentes os

requisitos autorizativos.

Nesse passo, é de todo oportuno trazer à baila o seguinte entendimento do Supremo Tribunal

Federal, mencionado pelo ilustríssimo Ministro Joaquim Barbosa:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE.

PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da

interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente

fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Precedente.

Recurso a que se nega provimento.47

Dessa forma, em meio a divergências, o entendimento majoritário ainda está calcado na ideia

permissiva de sucessivas prorrogações.

47 STF - RHC: 85575 SP, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 28/03/2006, Segunda

Turma, Data de Publicação: DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-03 PP-00413

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CONCLUSÃO

Desta forma percebemos que tornou-se importante o estudo da aplicabilidade da interceptação

telefônica, uma vez que a sua utilização atinge diretamente à vida privada/intima do indivíduo

que está sendo investigado, devendo haver de fato restrições e limitações, abordadas através de

regras estritamente disciplinadoras da matéria, de forma a prevenir e impedir eventuais

arbitrariedades, visto que tal imposição atinge diretamente a intimidade do cidadão.

Por outro lado, a possibilidade de produção de prova advinda da interceptação traz ao

ordenamento um importante meio de investigação e realização de justiça, visto que através dela

torna-se possível combater a criminalidade, principalmente contra as organizações, amenizando

a sensação de impunidade que hoje prolifera na sociedade. Com o intuito de combater o crime,

o poder público deve sempre buscar se atualizar e se aparelhar, investindo em tecnologias cada

vez mais hábeis e eficientes, a fim de possibilitar um crescimento no sistema investigatório.

No primeiro capítulo trabalhamos os princípios processuais constitucionais, e a partir deles

pudemos entender melhor em que as normas atinentes a prova e ao instituto da interceptação

telefônica se alicerçam. No subcapítulo concernente ao princípio do devido processo legal

observamos que a sua premissa é substancial no ordenamento jurídico, pois dele se extrai

diversas outras concepções de regulamentação, de maneira a possibilitar um desfecho justo para

aquele que está sujeito à tutela jurisdicional. Dentro do estudo da isonomia entendemos o seu

grau de importância sobre a defesa de um tratamento igualitário aos cidadãos perante à lei,

destarte o conceito de igualdade material, que leva a discussão a outro patamar, já que busca de

fato efetivar a justiça àqueles que se encontram em situação desigual. Sobre análise do princípio

do contraditório e ampla defesa, dentre os destaques, pôde-se observar a sua

imprescindibilidade no âmbito criminal, a tal ponto que com base no entendimento dos

Tribunais Superiores o processo em que se constatar uma defesa deficiente, este é passível de

anulação. No debate acerca dos princípios da motivação das decisões e do duplo grau de

jurisdição foi possível identificar a estreita relação dos preceitos, já que o primeiro defende a

premissa de que toda decisão deve ser fundamentada/motivada, tendo por consequência a

possibilidade de efetivação do direito contido no segundo princípio, já que o perdedor deve

saber os pontos de observação e valoração que levaram o magistrado a tal ponto de vista, que

por consequência poderá ser novamente levantado para que um órgão hierarquicamente

superior possa reexaminar. No fim deste capítulo tratamos sobre o princípio da presunção de

inocência, momento em que foi sinteticamente discutido o conceito e o caso emblemático do

ex-presidente Lula, condenado por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

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No segundo capítulo, dentro dos aspectos iniciais referentes à prova, percebemos a necessidade

do aplicador do direito em transcender os aspectos teóricos, para que com habilidade e

eficiência manuseie o processo de produção de prova com êxito, já que dentro do processo

vence àquele que melhor demonstrar a sua versão da verdade dos fatos. Dentre os temas

abordados podemos destacar a reflexão das características do fato probando, ao qual notamos

alguns elementos que servem para a construção da convicção do entendimento do magistrado,

a formação do seu convencimento. No tópico finalidade da prova observamos aspectos indiretos

que se relacionam com a fase probatório do processo, pois além do sentido direto de tentar

influir no entendimento do juiz/produzir convencimento, a temática aborda a consequência de

autoconvencimento das partes, sobre as suas próprias chances de êxito, sobre o seu ponto de

vista a respeito da problemática. No subcapítulo prova e busca da verdade foram analisadas

doutrinas que explicam a diferenciação entre o princípio da verdade formal e real/substancial,

com entendimentos jurisprudenciais acerca do poder instrutório do juiz em buscar o seu

convencimento no processo, com a conclusão de que há momentos específicos que abrem

margem e observação para a verdade formal, e outros para a aplicação da substancial.

No terceiro capítulo, estudamos propriamente as jurisprudências voltadas a aplicação do

instituto da interceptação telefônica, e identificamos como era anteriormente ao seu surgimento,

bem como vimos as distinções acerca das modalidades que por vezes se confundem:

interceptação, escuta e gravação telefônica. Na parte em que se debateu a possibilidade de

extensão da aplicação da interceptação telefônica para as interceptações de mensagens via

celular/internet, pudemos verificar ainda frágil discussão na jurisprudência, ao qual após uma

série de decisões não semelhantes por tribunais, o STJ firmou o entendimento pela

aplicabilidade de outra lei a tais casos, com a consequente inaplicabilidade da Lei nº 9.296/96,

mesmo assim não prevendo de forma específica as formas de utilização.

Por fim, percebemos que de certa forma o alcance dado pelos Tribunais Superiores ao inciso

XII do artigo 5º da CF vem se tornando mais abrangente do que o próprio constituinte poderia

prever, já que em meio ao avanço tecnológico as formas de comunicação só tendem a se

modernizar. Deste modo, a fim de se atualizar os tribunais vêm cada vez mais se reinventando

acerca do instituto da interceptação telefônica, adentrando inclusive, em alguns casos, nos olhos

de alguns críticos, em seara legislativa. Além de debatermos sobre a necessidade de previsão

de pena de reclusão para a aplicação da interceptação, vimos as importantes hipóteses de

exceção em que, mesmo que o crime investigado seja punível com no máximo detenção a

aplicação da medida de interceptação faz-se necessária. No encontro fortuito de provas

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observamos a possibilidade de admissão de provas oriundas de interceptação autorizada com

fim distinto, bem como a discussão jurisprudencial e doutrinária acerca da sucessão dos prazos

na interceptação.

Com isso podemos concluir a correlação entre os temas abordados, gerando a conclusão, sobre

o último e principal capítulo de que, é necessário que o Poder Público invista mais na legislação

e no aparelhamento investigativo, visto que com o passar das gerações as formas de

comunicação se modificam. Atribuir importância ao âmbito da ciência e tecnologia faz-se

imprescindível, pois com tal conduta a tendência se inclinará a melhores formas de se combater

a criminalidade organizada, que de forma tal violenta prejudica indiretamente a vida de milhões

de pessoas. Face a não intromissão na vida privada dos indivíduos, o Estado deve procurar

formas de melhor regularizar os meios de investigação interceptativa, se atualizando, pois, o

uso de regulamentações concernentes a outra modalidade de comunicação enfraquece os meios

pelos quais se possam chegar a realidade dos fatos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O

ATIVISMO JUDICIAL EM DECISÕES JUDICIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DE PERNAMBUCO

Flôrrance Ohana Jeronimo Barreto1

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo a análise acerca da efetividade do direito à saúde e a sua

relação com o ativismo judicial em decisões judiciais do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

A metodologia da pesquisa tem caráter qualitativa e descritiva com levantamento de dados

documentais e jurisprudenciais. Com a análise dos julgados selecionados, nota-se que o

ativismo judicial se apresenta como uma postura do Poder Judiciário que interfere na atuação

dos demais poderes na busca pela concretização do direito à saúde. Por se tratar da garantia de

um direito fundamental, esse debate se apresenta como uma temática atual e de extrema

relevância à construção de um cenário com uma sociedade democrática e pautada da justiça e

na persecução dos objetivos fundamentais da Carta Política de 1988.

Palavras Chaves: Direito à saúde; Efetividade; Separação dos poderes; Ativismo judicial;

Decisões Judiciais.

ABSTRACT

The present work has as scope the analysis about the effectiveness of the right to health and

its relation with judicial activism in the jurisprudence of the Court of Justice of Pernambuco.

The methodology of the research is qualitative and descriptive with the collection of

documentary and jurisprudential data. With the analysis of the selected judges, it is noticed

that the judicial activism presents itself as a posture of the Judiciary Power that interferes in

the performance of the other powers in the search for the realization of the right to health.

Because it is a guarantee of a fundamental right, this debate presents itself as a current and

extremely relevant issue for the construction of a scenario with a democratic society based on

justice and the pursuit of the fundamental objectives of the Political Charter of 1988.

KeyWords: Right to health. Effectiveness. Separation of powers. Judicial activism.

Jurisprudence

1Flôrrance Ohana Jeronimo Barreto, Bacharel em Direito pela Faculdade Nova Roma. Email:

[email protected]

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INTRODUÇÃO

No Brasil, o direito à saúde está previsto na Constituição Federal de 1988 como direito

e dever de todos e exige a atuação do poder público para sua concretização. De acordo com o

artigo 196 da Carta Magna, esse direito deve ser garantido por meio de políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal

e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Ocorre que a ausência dos poderes executivo e legislativo na execução dessas políticas

e na atuação da defesa em prol da saúde faz com que o indivíduo recorra ao poder judiciário

em busca da tutela jurisdicional individual sobre esse direito. Neste sentido, o judiciário passa

a ser empregado como instrumento garantidor do direito fundamental, na medida em que atua

visando à concretização do direito à saúde, seja pela concessão de medicamento, seja pela

autorização de internação.

Essa postura mais ampla e intensa do judiciário, na busca pela garantia dos valores

constitucionais, com atuação de interferência, inclusive, no exercício dos outros poderes

recebe o nome de ativismo judicial. Diante do exposto, problematiza-se a seguinte questão: É

possível analisar e identificar o ativismo judicial na atuação do Tribunal de Justiça de

Pernambuco no que tange a efetividade do direito à saúde?

Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo analisar as decisões judiciais do

Tribunal de Justiça de Pernambuco acerca da efetividade do direito à saúde e sua relação com

o ativismo judicial. Essa problemática é de suma relevância por trazer à baila a discussão

acerca da expansão da competência conferida ao Poder Judiciário e o liame com a busca pela

concretização do referido direito.

A abordagem metodológica utilizada na pesquisa tem caráter qualitativa sendo o

levantamento de dados consubstanciado por meio de documentação bibliográfica (livros e

artigos científicos), além disso, há a análise das decisões judiciais selecionadas no sítio do

Tribunal de Justiça de Pernambuco, por meio das seguintes palavras chaves colocadas no

campo “Pesquisa Livre:” “medicamento”; “saúde.

CONCEITO DE SAÚDE

Os conceitos acerca do direito à saúde relacionam-se com o princípio da dignidade da

pessoa humana e o direito à vida, sob diferentes aspectos e visões. Como explica Vinicius

Lucas Paranhos (2007, p.155)

Extrai-se do art. 1°, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, de

5 de outubro de 1988, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil. Logo, não há como recusar que um dos requisitos

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para a existência dessa dignidade de que trata a Constituição Federal, é a saúde

pública

Nesse mesmo sentido, Germano Schwartz (2001, p.52) considera a saúde como “um

dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência,

seja como elemento agregado a sua qualidade.” Vale ressaltar que a saúde também se

relaciona com estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do homem e não só

com a ausência de doença.

Ademais, considerando a saúde como direito de segunda geração, Fernando de

Oliveira Ladeira (2009, p. 110) esclarece que o “direito à saúde configura-se como direito

social prestacional que objetiva assegurar à pessoa humana condições de bem-estar e de

desenvolvimento mental e social livre de doenças físicas e psíquicas.”

ACESSO À SAÚDE E A SUA EFETIVIDADE

O direito à saúde é considerado direito social, tendo em vista o seu caráter

prestacional, integrando assim a segunda geração de direitos fundamentais (direitos de defesa

ou negativos). De acordo com o artigo 196 da CF88 a saúde é um direito de todos e dever do

Estado e sua efetividade deve ser garantida por meio de politicas sociais e econômicas que

visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Por ser um direito de defesa prestacional, o acesso à saúde exige a atuação estatal sob

duas perspectivas: a primeira (dimensão positiva), por meio da elaboração de políticas

públicas que permitam o acesso aos serviços de saúde, e a segunda (dimensão negativa) por

meio de uma atuação defensiva do Estado para proteger o cidadão de atos que comprometam

sua integridade física e emocional, mesmo que esses atos sejam cometidos pelo próprio

Estado ou por terceiros.

Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 10)

Assim, o direito à saúde pode ser considerado como constituindo simultaneamente

direito de defesa, no sentido de impedir ingerências indevidas por parte do Estado e

terceiros na saúde do titular, bem como – e esta a dimensão mais problemática-

impondo ao Estado a realização de politicas publicas que busquem a efetivação

deste direito para a população, tornando, para, além disso, o particular credor de

prestações materiais que dizem com a saúde.

A efetividade do direito à saúde, por meio da atuação positiva do Estado, reflete a

necessidade que a administração pública tem de elaborar politicas públicas adequadas para

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concretização desse direito e definir o orçamento público a ser aplicado nos projetos e

programas. Como preconiza o artigo 197 da CF88

São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo

sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa

física ou jurídica de direito privado.

Nesse sentido, cumpre ressaltar a aplicabilidade imediata conferida as normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais, conforme artigo 5, parágrafo 1 da CF88,

que impõe aos órgãos estatais a tarefa de reconhecer e imprimir às normas de direito (à

saúde) e garantias fundamentais a maior eficácia e efetividade. (SARLET, 2006, p.11 grifo

nosso).

No entanto, pelo fato da Constituição Federal não definir o objeto do direito à saúde

(SARLET, 2006) a atuação do Estado, na concretização desse direito, dar-se-á de forma

discricionária, tendo em vista que a decisão do poder público.

[...] decorre de embates e escolhas políticas realizadas pelos agentes políticos,

sedimentando ponderações realizadas entre os diversos bens a serem protegidos e os

meios necessários para tal finalidade. Isso não significa, contudo, que as decisões

políticas estejam sempre em consonância com as prioridades constitucionais. Assim,

é possível que haja controle, sobretudo pelo Poder Judiciário, no caso de normativas

inconstitucionais e ilegais, bem como no caso de omissões injustificadas da

administração pública.( MELLO, 2012. p.73)

De outro modo, acerca da atuação defensiva do Estado, Ingo Wolfgang Sarlet explica

(2006, p.12)

o direito à saúde não assume a condição de algo que o Estado (ou a sociedade) deve

fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestação concreta, tal como acesso

a hospitais, serviço médicos e medicamentos. Na assim chamada dimensão negativa,

ou seja, dos direitos fundamentais como direito negativo, basicamente isto que

significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegida contra

qualquer agressão de terceiros. Ou seja, o estado tem o dever jurídico de não afetar a

saúde das pessoas, de nada fazer no sentido de prejudicar a saúde. Assim qualquer

ação do poder público ofensiva ao direito à saúde é, pelo menos em principio,

inconstitucional, e poderá ser objeto de uma demanda judicial individual ou coletiva,

em sede de controle concreto ou abstrato de constitucionalidade

Além da existência dessas duas dimensões de acesso à saúde, referente à atuação

(positiva e negativa) do Estado, cumpre destacar a possibilidade que o titular do direito, com

base as normas constitucionais, tem de exigir do poder público a sua efetividade por meio de

prestações materiais “tal como um tratamento médico determinado, um exame laboratorial,

uma internação hospitalar, uma cirurgia, fornecimento de medicamento, enfim, qualquer

serviço ou beneficio ligado à saúde.” (SARLET, 2006. p 15).

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ATIVISMO JUDICIAL: ORIGEM, CONCEITOS E VISÃO MULTIDIMENSIONAL

Como explica Flávia Santiago Lima (2013, p. 141), a primeira vez que se falou em

ativismo judicial foi durante uma reportagem de uma revista de variedades chamada Fortune

Magazine nos Estados Unidos em 1947. O historiador Arthur Schlesinger Jr., em seu texto,

descrevia a atuação dos juízes na Suprema Corte dos Estados Unidos, classificando-os em

dois grupos: um grupo era os chamados “ativistas”, visto que, para esses juristas, não havia

respostas prontas e sim escolhas políticas e o outro grupo era os da “autocontenção”, pois

atuavam sem adentrar no mérito da execução das politicas, já que essa função, na visão deles,

não lhe pertenciam.

Após a publicação desse artigo, a expressão ativismo judicial ganhou notoriedade na

academia e imprensa estadunidense. Com o tempo, o debate acerca desse instituto

ultrapassou as fronteiras dos EUA e ganhou espaço em vários países, dentre eles, o Brasil, seu

conceito não é uniforme e possui características específicas e leituras distintas em cada

abordagem.

Para certos autores, o ativismo é uma postura ativa e proativa do judiciário que se

apresenta como instrumento para a concretização dos direitos fundamentais. Nesse sentido,

Brauner (2011. p. 617) explica que o ativismo é “[...] uma forma intersubjetiva de interpretar

a Constituição, expandindo, ou, até mesmo, restringindo o seu sentido e alcance”.

Mayra Marinho Miarelli e Rogério Montai de Lima (2012, p. 34) observam que

Por “ativismo judicial” entende-se o papel criativo dos tribunais ao fazerem uma

contribuição nova para o direito, decidindo sobre a singularidade ao caso concreto,

formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação

da própria lei. Diante de necessidades que forjam uma determinada interpretação, do

texto de lei, é o momento em que o esforço do interprete faz-se sentir. Tem-se como

ativismo judicial, portanto, a energia emanada dos tribunais no processo da criação

do direito.

Já Luís Roberto Barroso esclarece que (2001, p. 280)

A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa

do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior

interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se

manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da

Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e

independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de

inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em

critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a

imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria

de políticas públicas.

Para Luiz Roberto Barroso (2001, p.283), o instituto tem uma face positiva,

considerando que o judiciário, quando adota essa postura mais proativa, atende as demandas

da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelos outros poderes e uma face negativa, pois

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essa mesma postura, exibe as dificuldades de legitimidade tanto do poder executivo quanto do

poder legislativo.

Na visão do autor, o ativismo tem sido mais parte de uma solução do que um

problema, considerando a necessidade de se fazer valer na prática os direitos constitucionais e

os valores democráticos, inclusive em face dos outros poderes. No entanto, ressalta que seu

uso deve ser eventual e controlado para que não haja excessos.

Em contrapartida, há autores que se opõem ao ativismo justamente por argumentar que

esse instituto fere o principio da separação dos poderes. Nesse sentido Elival Ramos (2010, p.

129) explica que o ativismo é entendido como o exercício jurisdicional que atua para além dos

limites imposto pela Constituição Federal. Para ele, as práticas ativistas refletem uma atuação

negativa “por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em

detrimento dos demais Poderes”.

Nesse mesmo sentido, Lênio streck (2016, p. 724) afirma que “o ativismo sempre é

ruim para a democracia, porque decorre de comportamentos e visões pessoais de juízes e

tribunais2, como se fosse possível uma linguagem privada, construída à margem da linguagem

pública”. Para ele, o indicador de uma postura ativista está relacionado como a possibilidade

da decisão ser repetida em situações semelhantes. Se a decisão não puder ser enquadrada em

outros casos, há fortes indícios de que estejamos a ingressar no perigoso terreno do ativismo.”

Nesse aspecto, o ativismo judicial passa a se tornar um problema, na medida em que a

interferência judicial vincula um ato (decisão judicial) à vontade do julgador. (STRECK,

2015, p. 58.). Nas palavras de Lênio Streck, (2016, p. 727) “quando um magistrado diz que

julga “conforme sua consciência” ou julga “conforme o justo” ou “primeiro decide e depois

vai encontrar um fundamento” ou ainda “julga conforme os clamores da sociedade” ,é porque

está repetindo algo enraizado no imaginário jurídico”3.

Por isso, diante dessa atuação do judiciário, o autor reafirma a necessidade de se

desenvolver a hermenêutica na fundamentação das decisões, tendo em vista dois aspectos: o

primeiro é que “os ativismos judiciais e discricionariedades interpretativas caminham lado a

lado” (STRECK, 2006, p. 225) e o segundo, parte da premissa que o direito do cidadão de

2 “Os próprios textos legais, quando dão azo ao livre convencimento, livre apreciação da prova, ponderação de

valores, interesses, etc., são claros incentivos a essas práticas, que de judicialização pouco têm, mas têm muito

de ativismo” STRECK, Lenio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do

direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. Espaço Jurídico Journal of Law

[EJJL], [S.l.], v. 17, n. 3, p. 721-732, dez. 2016. ISSN 2179-7943.Disponível em:

<https://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/12206>. Acesso em: 23 Nov. 2018 3 Lênio Streck chama de “hermenêutica de resultados”. STRECK, Lenio Luiz. O passado, o presente e o futuro

do STF em três atos. São Paulo, Revista Consultor Jurídico, 15 nov. 2012. Disponível em:<

http://www.conjur.com.br/2012-nov-15/sensoincomum-passado-presente-futuro-stf-tres-atos>.

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obter respostas em conformidade com a constituição, por meio de decisões judiciais, esta

relacionada com o dever do magistrado de motivá-las.

Na concepção de Flávia Santiago de Lima (2013, p. 149), o ativismo judicial pode ser

estabelecido sob diferentes perspectivas, a saber: partidário-ideológica, metodológico-

interpretativa e institucional ou contramajoritário. Apesar da existência desta distinção, não se

deve afirmar que as características de cada abordagem estão apartadas ou individualizadas,

pois elas se relacionam.

A abordagem do ativismo partidário-ideológico é extraída no debate norte americano

acerca das características e atuações da Suprema Corte Americana. Como explica Flávia

Santiago de Lima (2013, p. 149-150)

A noção de ativismo judicial, voltada preponderantemente aos aspectos “políticos”,

constitui uma das críticas mais usuais à atuação da Suprema Corte e do Judiciário

Federal, está arraigada no debate norte-americano e guarda profunda relação com as

teorizações ali produzidas. A fundamentação desta dimensão ideológica pode ser

atribuída a diversos fatores, inclusive aos aspectos institucionais, mas o ponto mais

“incômodo” das manifestações tidas como ativistas – por repercutir na crítica

democrática – remete à perspectiva de que os juízes estão simplesmente impondo

suas preferências aos cidadãos, desprovidos dos controles eleitorais e sem fidelidade

à Constituição, numa “perversão” de sua atividade

Dentre as várias características existentes na Corte, destaca-se o reconhecimento das

influências partidárias nas decisões dos magistrados em virtude das indicações presidenciais.

Nesse ato, o presidente leva em consideração as preferências políticas e a visão de mundo dos

juízes na expectativa de que esses atributos influenciem nas decisões futuras (LIMA, 2013, p.

150).

É nesse cenário que se desenvolve o ativismo partidário-ideológico, sendo que o

ativismo partidário compreende o uso da função jurisdicional para o benefício de causas

pertinentes a certos grupos políticos simpatizantes (dai a relação com a indicação

presidencial) dos magistrados, e o ativismo ideológico representa a atuação do juiz voltada ao

interesse próprio, conforme Kmiec (2004, p. 1475) seria este “produto da atuação do juiz que

almeja determinadas finalidades com a sua decisão”.

O ativismo metodológico- interpretativo, por sua vez, relaciona-se com os métodos de

interpretação aplicados ao exercício jurisdicional quando as decisões dos magistrados “se

encontram em desconformidade com “parâmetros aceitáveis de decisão judicial”,

estabelecidos em normas jurídicas e nas construções acerca desta função” (LIMA, p. 2013, p.

154).

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O estudo dessas duas dimensões converge para o terceiro aspecto de ativismo: o

ativismo institucional4. Este reflete a autonomia de um tribunal frente aos demais sujeitos

políticos e, inclusive, frente a outros tribunais, como explica Flávia Santiago de Lima (2013,

p. 160)

A corte encarregada da revisão judicial de legislação, por deter o poder de invalidar

os atos dos demais poderes, impõe-se diante destes e perante os órgãos legislativos e

administrativos dos entes locais. O mesmo se dá em suas relações com os demais

tribunais, seja porque estes decidiram a questão no passado e viram seu precedente

ser derrubado, ou porque a decidirão no futuro, condicionados pela manifestação

anterior do órgão jurisdicional superior

Por término, sob o aspecto institucional, tem-se a noção do ativismo contramajoritário,

que “espelha a inclinação do tribunal em aplicar seu entendimento da constituição, mesmo

que contrário às maiorias políticas do momento.” (BROWN, 2002, p. 1271 grifo nosso)

SEPARAÇÃO DOS PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E

ATIVISMO JUDICIAL

Na Constituição Federal de 1988, é possível identificar o princípio da separação dos

poderes no artigo 2° que prevê a independência e a harmonia, entre os poderes legislativo,

executivo e judiciário5. Esse princípio, por se tratar de princípio constitucional fundamental, é

de respeito obrigatório (ARAÚJO 2007, p.38) e figura como cláusula pétrea, conforme artigo

60, parágrafo 4°, inciso III, da Constituição Federal, tendo em vista a sua importância no

sistema de normas.

No que tange às características do princípio, a independência reflete a autonomia dos

poderes, no exercício das suas funções, e a inexistência de subordinação entre eles. Ressalta-

se, todavia, que ela não é absoluta, haja vista a adoção do sistema de freios e contrapesos, que

autoriza a fiscalização de um poder sobre o outro, por meio de controles recíprocos.

A harmonia, por sua vez, traduz a necessidade do respeito mútuo, da colaboração

entre os poderes no que tange as atividades e na inviabilidade de separação rígida desses.

“Atualmente, fala-se em separação de poderes flexível, havendo uma maior interpenetração,

coordenação e harmonia entre eles”. (FREIXO 2014, p. 61 grifo nosso).

4 “É importante ressalvar que os diferentes comportamentos definidos como ativismo judicial convergem num

ponto: os aspectos institucionais das decisões, pois implicam na autonomia judicial frente aos demais atores do

sistema político estatal.” YOUNG, Ernest A.. Judicial activism and conservative politics. University of

Colorado Law Review, v. 73, n. 4, p. 1139-1216, 2002, p. 1143-1145, 1173. 5 “(...) o art. 2º trata do princípio da separação dos poderes, que talvez seja justamente o que a Constituição tenha

de mais caro, inclusive historicamente, por ser a garantia básica do cidadão contra o exercício arbitrário do poder

pela autoridade pública.” BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo:

Manole, 2005. v.1. p. 299-300

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´ Por meio desse principio, cada poder exerce uma função específica, conferida pela

Constituição Federal, nesse sentido, explana Araújo (2007, p. 19)

Cada órgão do poder possui função própria, a saber: a função legislativa

desempenha o papel de elaboração de pautas gerais, abstratas e impessoais,

denominadas de leis. A função executiva consiste em resolver os problemas

concretos e individualizados e exerce a administração à luz das leis elaboradas pelo

Poder Legislativo. A função jurisdicional tem por escopo a aplicação do Direito nos

casos concretos, intersubjetivos e litigiosos. Além de exercer a sua função predominantemente, a cada poder é atribuído, em

caráter subsidiário, o exercício de uma função atípica6, ou seja, de outro poder, “(...), por

exemplo, quando o Judiciário exerce funções administrativas relativas a seus assuntos

internos, ou quando o Executivo edita normas, ou, ainda, quando o Legislativo julga

autoridades nos crimes de responsabilidade” (FREIXO 2014, p. 61)

Essa nova concepção do princípio da separação dos poderes é bem explicada por J.J

Gomes Canotilho (2003 p. 250) que ensina: nos dias atuais, este princípio possui duas

dimensões complementares: (i) uma dimensão negativa, que implica em divisão, controle e

limitação do poder e (ii) uma dimensão positiva, que implica em ordenação e organização do

poder do Estado tendente a decisões “funcionalmente eficazes e materialmente justas”.

. O ativismo judicial se relaciona com este princípio justamente por, de acordo com o

posicionamento de alguns doutrinadores, como Elival Ramos e Lênio Streck, interferir nas

funções típicas dos demais poderes executivo e legislativo quando atuam na busca pela

concretização do direito.

EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE E A RELAÇÃO COM ATIVISMO

JUDICIAL

A saúde, por ser um direito humano fundamental, tem relevante tutela jurídica em

âmbito internacional e nacional. Esse direito, além de estar preconizado na Declaração

Universal da ONU de 1948 (e em outros Pactos e Convenções Mundiais), é reconhecido pelos

signatários da declaração de Alma Ata que assinala: “a Saúde para Todos contribuiria tanto

para melhorar a qualidade de vida como também para manter a paz e segurança global”.

(Relatório Mundial da Saúde, OMS, grifo nosso).

6 “Desse modo, exemplificando, de acordo com a CF/88, cabe ao Legislativo elaborar leis, mas as leis são

submetidas ao Poder Executivo que possui o poder de vetá-las total ou parcialmente. Além disso, o Poder

Judiciário possui a atribuição de declarar uma lei inconstitucional”. FREIXO, Marcia Aparecida de Andrade. O

ativismo judicial e o princípio da separação dos poderes. Revista Intervenção, Estado e Sociedade, Ourinhos -

SP, n. 1, p. 59-83, ago. 2014. ISSN ISSN 2359-3474. Disponível em:

<http://revista.projuriscursos.com.br/index.php/revista-projuris/article/view/8>. Acesso em: 07 Out. 2018. p. 60

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No Brasil, o direito à saúde está previsto na Constituição Federal de 1988 como

direito e dever de todos e exige a atuação do poder público para sua concretização. Ocorre

que, a ausência dos poderes executivo e legislativo na execução das políticas publicas e na

atuação da defesa em prol da saúde, gera inconformismo por parte da sociedade que, vendo a

lesão ao seu direito, recorre ao poder judiciário em busca de tutela- seja para concessão de

medicamento ou para tratamento de doenças. É nesta conjuntura que surge a relação da

efetividade do direito à saúde com o poder judiciário e consequentemente o ativismo judicial.

Nas palavras de Sarlet (2006, p.12) “Na medida em que o nosso poder público não

tem logrado atender o compromisso básico com o direito à saúde, constata-se a existência de

inúmeras ações judiciais tramitando nos foros e tribunais brasileiros” contribuindo assim para

atuação judiciária na busca pela concretização do direito.

Com relação ao ativismo judicial, convém destacar o posicionamento de José Sérgio

da Silva Cristóvam e Manoella Peixer Cipriani (2017, p. 168) que explicam

Essa insuficiente ação estatal na promoção de políticas públicas, na medida das

sempre crescentes demandas sociais, converte-se em terreno fértil para o

agigantamento do Judiciário na concretização de direitos sociais. Sem poder negar

jurisdição, o Judiciário passa a atender pleitos individuais típicos do anseio da

sociedade na busca pelas promessas constitucionais. Mas esse inflacionado e

descontrolado número de demandas por concretização de direitos sociais, afora a

hipertrofia e o indesejável protagonismo dos tribunais em matéria de política, traz

também como efeito imediato o intervencionismo judicial sobre os demais poderes.

ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

PERNAMBUCO

É neste cenário que se desenvolve a análise dos tipos de ativismo judicial na

jurisprudência do Tribunal de Justiça de Pernambuco- TJPE- no que tange a efetividade do

direito à saúde.

Para isso, foram recolhidos dois Acórdãos julgados no período de 1° de julho a 1° de

dezembro de 2018, no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a Remessa Necessária n°

495284-1. Número de Processo: 0038944-40.2011.8.17.0001. Relator: Desembargador

Márcio Fernando de Aguiar Silva. Data do Julgamento: 2 de outubro de 2018;

1) Apelação/ Remessa Necessária n° 510021-2. Número de Processo: 0031721-

36.2011.8.17.0001 Relator: Desembargador André Oliveira da Silva Guimarães. Data

do julgamento: 28 de setembro de 2018; e

No julgamento do recurso de Reexame Necessário n° 495284-1, tem-se a seguinte

ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO.

AUTORA PORTADORA DE DIABATES MELLITUS TIPO 1. COMPROVADA

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POR LAUDOS E EXAMES MÉDICOS. NECESSIDADE DE USO DE BOMBA

INFUSÃO DE INSULINA E INSUMOS. SÚMULA 187 TJPE. REMESSA

NECESSÁRIA DESPROVIDA

1. O caso em tela trata do custeio de insumos para garantia da sobrevivência de

paciente portadora de Diabetes Mellitus Tipo 1 - tais quais: o fornecimento de

um sistema integrado de infusão contínua de insulina, monitoração da glicose

em tempo real que consiste em bomba de infusão de insulina Paradigm mmt-

722 Real Time Medtronic, Minilinck Mmt - 7707 Medtronic, aplicador do

conjunto de infusão quick-set mmt-385, conjunto de infusão de insulina

paradigma mmt-378, aplicador do conjunto de infusão quick-set mmt-385,

reservatório paradigm mmt-332 A 3m1 e Sensor mmt-7002 (MINIMED

PARADIGM REAL-TIME REVEL INSULIN PUMP), na forma indicada na

prescrição médica. 2. Na hipótese, verifico que a pretensão da autora encontra-

se lastreada por um conjunto probatório capaz de demonstrar a existência de

todos os requisitos necessários ao seu deferimento, quais sejam; laudo médico

especializado, condição de hipossuficiência e a existência da enfermidade

diagnosticada como DIABETES MELLITUS TIPO 1, restando claro a sua

necessidade dos insumos requeridos.3. Patente, portanto, a comprovação da

utilização do sistema integrado de infusão contínua de insulina, bem como a

monitorização da glicose em tempo real, por parte da autora, chego à conclusão

de que o deferimento do fornecimento do referido sistema, é medida que se

impõe, à luz dos princípios e dos pressupostos legais, e nos exatos termos

requeridos. Não obstante, os insumos ora deferidos, serão fornecidos sem

prejuízo de reavaliações semestrais por parte da autora, cujo laudo poderá ser

exigido pelo ente estatal.

No caso em comento, os desembargadores negam provimento à remessa necessária8 da

Ação Ordinária de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela, em face do

Estado de Pernambuco na qual a autora comprovando ser portadora de "Diabetes Mellitus

Tipo I“ requer o fornecimento de um sistema integrado de infusão de insulina e monitoração

da glicose em tempo real, medicamento/ insumo não previstos na listagem oficial e nos

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde.

Como explica o Voto do Relator (TJPE, 2018, on-line)

Com efeito, o fato de determinados medicamentos e insumos não estarem incluídos

em listagem oficial e nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, por si só,

não afasta o direito do portador de doença grave ao recebimento da medicação.

Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e as Diretrizes Terapêuticas

do Sistema Único de Saúde - SUS não são inquestionáveis, o que permite sua

contestação judicial.

Patente, portanto, a comprovação da utilização do sistema integrado de infusão

contínua de insulina, bem como a monitorização da glicose em tempo real, por parte

da autora, chego à conclusão de que o deferimento do fornecimento do referido

sistema, é medida que se impõe, à luz dos princípios e dos pressupostos legais, e nos

exatos termos requeridos.

7 Súmula 18 TJPE: É dever do Estado-membro fornecer ao cidadão carente, sem ônus para este, medicamento

essencial ao tratamento de moléstia grave, ainda que não previsto em lista oficial. 8Código de Processo Civil( Lei 13.105, de 16.03.15) Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não

produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e

fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

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No teor do acordão, percebe-se a existência do ativismo judicial no trecho em que o

judiciário defere o pedido da autora e obriga o Estado a conceder o medicamento, mesmo este

não estando previsto na listagem oficial e nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do

SUS. A postura mais proativa do judiciário, interferindo, inclusive, no exercício do poder

executivo, reflete a busca pela concretização do direito à saúde, como justificado no voto.

(TJPE, 2018, on-line).

Havendo omissão do Poder Público para custear o tratamento/medicamento de que o

indivíduo necessita, o Poder Judiciário tem poder-dever de agir, quando provocado,

para compelir o Estado a assegurar direito à saúde do cidadão desamparado, de sorte

que o fato de o medicamento requerido não fazer parte do rol ordinário dos fármacos

fornecidos pelo Estado, não encerra o problema nem dá causa à perda de objeto do

feito, uma vez que, não raro, o medicamento, ainda que conste da lista, está em falta

e não se tem previsão de quando vai chegar, o que frustra, igualmente, direito à

saúde do cidadão

Essa decisão é ativista, pois quando o judiciário analisa um caso especifico ele decide

a partir de princípios e garantias preconizados na Constituição Federal, pois não há uma regra

específica para ser imposta a cada caso concreto. Nesta situação, percebe-se a interferência do

judiciário na implantação da política pública de saúde, pois mesmo o medicamento não

estando previsto na listagem médica do SUS, ele impõe a obrigação do executivo de concedê-

lo para garantir o direito à saúde previsto na carta magna. Como observado nesse trecho do

relator (TJPE, 2018, on-line).

Em meio a presente questão, ressalto a importante missão do judiciário em realizar a

implementação da efetividade das normas constitucionais, não podendo este Poder

ficar apático diante da inconstitucional omissão estatal em não conferir

concretização aos preceitos constitucionais, de modo que, no caso em tela, é

imperiosa a ingerência do Poder judiciário, para resguardar o direito público

subjetivo à saúde previsto na Constituição Cidadã de 1988

Ressalta-se ainda que o ativismo judicial, neste caso, inclui-se na categoria do tipo

institucional, de acordo com a classificação da Flavia Santiago de Lima (2013, p. 149),

considerando a intromissão do poder judiciário no exercício do poder executivo e a sua

capacidade de se institucionalizar frente a este.

Nesse mesmo sentido, tem-se o acordão n° 0510021-2, que julga o recurso interposto

pelo Estado em face da autora, com a seguinte ementa:

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE

OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO

DE MEDICAMENTO IMPRESCINDÍVEL AO TRATAMENTO DE SAÚDE DA

DEMANDANTE, PORTADORA DE MIELOMA MÚLTIPLO (CID-10 C90).

SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DA INICIAL,

CONFIRMANDO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA, NO

SENTIDO DE DETERMINAR QUE O ESTADO FORNEÇA

O MEDICAMENTO VELCADE (BORTEZOMIDE) 1,4 ENQUANTO DELA

NECESSITAR, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA NO VALOR DE R$1.000,00

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(MIL REAIS). CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS NO VALOR DE

R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE POLÍTICA

PÚBLICA PARA ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA. SISTEMÁTICA PRÓPRIA.

CENTROS DE ALTA COMPLEXIDADE EM ONCOLOGIA - CACONS.

ALEGAÇÃO QUE O REPASSE DOS RECURSOS PARA O CUSTEIO DOS

PROCEDIMENTOS CABE AO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PRINCÍPIO DA

SEPARAÇÃO DOS PODERES. RESERVA DO POSSÍVEL. UNIVERSALIDADE

À SAÚDE E OFENSA À ISONOMIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA

EFICÁCIA EXCLUSIVA DO FÁRMACO RECLAMADO. AUSÊNCIA DE

COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. EXORBITÂNCIA DA MULTA

DIÁRIA E DOS HONORÁRIOS. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE

DO MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO DA POTOLOGIA.

HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA AUTORA. DIREITO À VIDA E À

SAÚDE. OBRIGAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS. ART.196 DA CF/88. SÚMULA

Nº 18 DO TJPE. EXORBITÂNCIA DA MULTA DIÁRIA. INOCORRÊNCIA.

ASTREINTES ARBITRADAS NO VALOR DE R$1.000,00 (MIL REAIS)

DENTRO DOS PARÂMETROS DE PROPORCIONALIDADE E

RAZOABILIDADE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SÚMULA Nº

138 DO TJPE. O NÃO FORNECIMENTO IMEDIATO DO MEDICAMENTO

SOLICITADO PELA AUTORA, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA O DIREITO À

INDENIZAÇÃO MORAL, DEVENDO, AQUI, SER COMPROVADA FALHAS

OU SEQUELAS, O QUE NÃO FOI FEITO. PRECEDENTES DO STF, STJ E

DESTA CORTE. REEXAME NECESSÁRIO A QUE SE DAR PARCIAL

PROVIMENTO, À UNANIMIDADE DOS VOTOS, TÃO SOMENTE PARA

EXCLUIR A IDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREJUDICADO O APELO

VOLUNTÁRIO

Neste caso, os desembargadores julgam procedente o pedido da inicial (Ação ordinária

de Obrigação de Fazer) que confirma a antecipação de tutela concedida a autora, no sentido

de determinar que o Estado forneça o medicamento à cidadã.

O ativismo judicial do tipo institucional encontra-se no seguinte trecho do acordão:

“Que o Estado forneça o medicamento Velcade (Bortezomide) 1,4 enquanto dela necessitar,

sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil Reais) (TJPE, 2018, on-line)”. Nota-se

a intromissão do poder judiciário na execução da política publica de saúde do poder

executivo, uma vez que aquele impõe a este a obrigação de fornecer o medicamento como

forma de garantir o acesso à saúde. Vale destacar a utilização da penalidade econômica (multa

de R$ 1000,00) no caso de abstenção do cumprimento da sentença pelo executivo, mais uma

medida que busca a concretização do direito à saúde.

Com a análise dos julgados selecionados, conclui-se que a postura adotada pelo

Tribunal de Justiça de Pernambuco, no que se refere à efetividade do direito à saúde, tende a

se apresentar por meio do ativismo judicial institucional, considerando a inclinação do

tribunal de se posicionar frente aos demais sujeitos políticos, que neste caso é o poder

executivo, para garantir o acesso à saúde.

A escolha dos dois julgados reflete bem essa postura, uma vez que ao se pesquisar a

jurisprudência no sítio do tribunal, com as palavras chaves: “medicamento”; “saúde”, o

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resultado se perfaz pela apresentação de vários julgados com esse mesmo teor, representando

assim a postura ativista do supracitado tribunal.

Em contraposição, há que se refletir acerca dessa atuação do poder judiciário, pois

quando ele age assim, ele interfere na política pública geral para resolver um caso específico,

derivado de uma provocação, sem analisar a escolha orçamentária estabelecida pelo gestor

público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo analisar as decisões judiciais do tribunal de

justiça de Pernambuco no que tange a efetividade do direito à saúde e a sua relação com o

ativismo judicial. Para isso, fez-se necessário uma explanação acerca do conceito de saúde e

do instituto do ativismo judicial e sua relação com a teoria da separação dos poderes na

Constituição de Federal de 1988.

Durante a pesquisa, observou-se que a garantia do direito à saúde se relaciona com a

atuação do poder público na formulação e execução de politicas públicas e quando isso não

acontece o titular do direito recorre ao judiciário na busca pela tutela jurídica individual. É

nesse cenário que se desenvolve a relação com o ativismo judicial, considerando a atuação

mais proativa do judiciário na busca pela concretização e a interferência desse poder no

exercício dos outros poderes.

Diante do exposto e da análise dos julgados selecionados, concluiu-se que o referido

tribunal, de fato, atua com uma postura mais ativista na busca pela garantia desse direito, em

virtude da omissão do poder executivo na execução das politicas públicas. Como reiterado

nos acórdãos, o direito à saúde não pode ser violado em virtude da ausência de atuação do

poder executivo.

Essa problemática é de suma relevância por trazer à baila a discussão acerca da

expansão da competência conferida ao poder judiciário, após a redemocratização do país e a

promulgação da Constituição Federal de 1988, e a relevância dessa ampliada competência na

concretização do direito à saúde. Acredita-se que os objetivos foram alcançados e reafirma-se

a necessidade de se refletir acerca dessa atuação ativista do judiciário que garante o direito à

saúde por meio do litígio sem considerar o orçamento público direcionado a população geral.

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LEGITIMIDADE DA RECUSA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM BASE

NA LIBERDADE DE RELIGIÃO, OBJEÇÃO DE CONSCIENCIA E A

HOMOAFETIVIDADE

Josias Luiz de França

Jose Carlos Arruda Dantas

RESUMO

No presente trabalho traçamos como objetivo abordar as possíveis colisões, entre a

liberdade religiosa, objeção de consciência, e suas relações atinentes a homoafetividade.

Para tal, tomamos como referência algumas decisões atuais que foram enfrentadas tanto

nos Estados Unidos da América, como no Reino Unido. Caminhamos pela vereda

elucidativa quanto à conceituação, bem como a positivação desses direitos, tanto nos

textos constitucionais como nas legislações supranacionais, em reconhecimento de tais

institutos como direitos inerentes do ser humano. Discorremos sobre os principais

aspectos relacionados com a proteção constitucional ao direito de exercício de crença dos

religiosos, extensivo aos locais de cultos instituídos; apresentamos aspectos conceituais

e jurídicos de liberdade de religião, objeção de consciência bem como os fundamentos

que suportam tal garantia aludida ao tema, ressaltando o ser humano como essencialmente

religioso e, portanto, carente de tal garantia para determinar sua individualidade.

Destacamos, dentro das possibilidades, a justificativa para tal negação, a luz do direito

comparado, bem como no ordenamento jurídico pátrio. Tratamos, ainda, dos aparentes

conflitos, a forma de suas resoluções, possíveis limitações e como se dá, na prática, a

proteção do núcleo essencial de cada direito fundamental amparado tanto nas legislações

internacionais como nacionais.

Palavras-chave: Liberdade de Religião, objeção de consciência, homoafetividade,

Direito.

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INTRODUÇÃO

Com o fim da segunda guerra mundial, após o conhecimento das atrocidades

cometidas contra os Judeus e outras minorias pelo regime nazista, no afã de evitar

novas barbáries e, somando a isto à necessidade do combate ao preconceito e toda

forma de discriminação a nível internacional, surge as Organizações das Nações

Unidas e com ela a Dignidade da pessoa Humana como um valor ou Axioma

norteador de todo ordenamento Jurídico Nacional e Internacional.

Esta tão importante instituição, sempre vigilante, vem acompanhando e

apoiando a causa, através do fortalecimento por meios de promoções e ações

afirmativas a Grupos de minorias, tas como os LGBTS,1 a exemplo das

organizações envolvidas diretamente na defesa dos Direitos dos homossexuais e

transexuais, que vêm travando diversos embates nos tribunais de países signatários

da Declaração Universal dos Direitos Humanos, contra pessoas, estabelecimentos

ou instituições religiosas, em virtude das discriminações sofridas por esse grupo de

minoria que, segundo seus participantes, sofrem atentados a sua dignidade, por

causa da discriminação a estes imputadas, a qual decorre, em virtude de suas

orientações sexuais.

Com base no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, Na

alegação da violação deste, conflitos de interesses geram o que no âmbito do

direito, denominam-se Antinomias2, ou seja, os princípios e normas chocam-se,

exigindo do intérprete, na aplicação da lei ou busca da justiça, por meio da

ponderação, qual princípio prevalecerá. Diante de um aparente confronto entre os

Princípios Fundamentais da igualdade ou não discriminação e os Princípios das

Liberdades de Religião e Consciência, bem como o instituto da Objeção de

Consciência, qual se susterá? Uma vez que, discriminar o ser humano atenta contra

sua dignidade e, quando o Estado obriga alguém a realizar algo que fere suas

1 Significados. Sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros Lésbicas,

Gays Disponível em:> https://www.significados.com.br/lgbt/ 2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 228 .

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convicções religiosas, filosófica ou políticas, vê-se contraposto a flagrante retirada

da dignidade deste.

Hans Kelsen3 Diz que: “há antinomia quando uma norma determina certa

conduta como devida e outra norma determina também como devida outra conduta,

inconciliável com aquela”.

Logo, o propósito deste trabalho será levantar uma discussão sobre a

Legitimidade da recusa de prestação de serviços com base na liberdade religiosa e

objeção de consciência, àqueles que vivem a homoafetividade. Para isto, será

necessária uma abordagem sobre Conceito de liberdade, bem como uma analise da

liberdade de religião, desde a legislação alienígena ao próprio texto Magno Nacional.

Discorreremos sobre a posição do Estado Brasileiro, no tocante se este segue

a laicidade ou laicismo, adentrando no ponto essencial que é a limitação dos direitos

fundamentais, sem deixarmos de analisar o instituto da escusa ou objeção de

consciência, bem como se faz necessário, buscar entender o ser humano dentro do

seu aspecto religioso inerente ao sistema de religião especificamente, dentro do

conceito Cristão.

Tendo em vista, o caso base, que despertou a necessidade de analisarmos a

temática, a saber, o caso dos confeiteiros dos Estados Unidos que neste ano de

2018, teve seu desfecho. Ao final, restam questões como, poderia um cidadão com

base na liberdade de Religião e consciência, negar-se a prestar um serviço, tal como

a confecção de um Bolo ou Banners com dizeres ou frases que fazem apologia a

algo que fere sua consciência e princípios religiosos?

Ressaltamos que o Brasil, segundo dados do IBGE, referente ao ano de

2010, publicado pela Revista Veja,4 detinha a marca de 86,8% da sua população

composta de Cristãos, sendo 64,6% católicos e 22.2% Evangélicos. Por ser um País

que tem por maioria pessoas seguindo um bojo de Fé doutrinário, possuindo dentro

dos seus dogmas e ensinamentos, trazidos por seu livro sagrado, a Bíblia, um rol de

comportamentos considerados pecaminosos, entre eles a prática da

homossexualidade e, em semelhante situação, encontra se os Estados Unidos, que

detém maioria da população cristã, onde resolveu mais uma querela desta vez na

3 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 228 .

4https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-

para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/

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sua mais alta corte de recurso, a respeito da possibilidade ou não de, em nome dos

Princípios das Liberdades de Religião e Consciência, ocorrer o descumprimento de

ordenamento legal, atinente à discriminação por orientação sexual, discute-se sobre

a efetivação ou não destas liberdades garantidas tanto nas Constituições dos Países

citados, quanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos Das Nações

Unidas,5 conforme os artigos, XIV6 e XVIII7.

É notório que, em breve nossos Tribunais, cedo ou tarde, a semelhança

daqueles, hão de enfrentar tais demandas, daí surge o questionamento, que

permeou a corte americana: Aniquilar se iam de uma vez por todas os Princípios

fundamentais da Liberdade De Religião e Consciência, bem como o Instituto da

Objeção de Consciência para fazer valer, com base no princípio da não

discriminação, o Direito desta minoria, que também é amparada pelos mesmos

Diplomas Legais?

Questiona se: Poderia um Afro descendente, proprietário de uma Gráfica, se

negar a produzir faixas com dizeres “Chega de Cotas para Negros nas

Universidades,” ou um Palestino também na mesma condição de Empresário, se

negar a produzir Banners com Frases “Jerusalém Capital de Israel, Eu Apoio”, ou

como os casos dos confeiteiros nos Estados Unidos e dos padeiros da Irlanda a ser

tomado por referência; Poderia os donos cristãos de uma indústria de bolos, se

negarem a efetuar a confecção de um de seus produtos personalizados, por causa

da frase que trás apologia ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Com base nessas interrogações, surge a necessidade de adentrarmos na

seara da pesquisa acadêmica, procurando através desta, fomentar o debate com o

propósito de trazer contribuição para aqueles de se dedicam à pesquisa e, buscam

se debruçar no levantamento de fundamentos para sustentações de seus

argumentos em favor ou contra, no tocante a problemática levantada. Utilizaremos

para isto a metodologia de pesquisa bibliográfica, consultas a artigos e revistas

acadêmicas, bem como jurisprudências locais e alienígenas.

5 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948, Resolução 217 A III.

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1. LIBERDADE DE RELIGIÃO

1.1 Conceituando Liberdade

Direito inerente a todo ser humano, reconhecido, registrado ou positivado

tanto nas legislações internacionais, como nos diversos textos Constitucionais dos

vários países integrantes das Organizações Nações Unidas (ONU), a Liberdade,8 é

reconhecida como conjunto de Direitos garantidos ao individuo, isoladamente ou em

grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; ficando ainda

compreendida como grau de independência legítimo que um cidadão, um povo, ou

uma nação elege como valor supremo, ou poder a ser exercido pelo cidadão, dentro

dos limites que lhes faculta a lei.

Na tentativa de conceituar tal atributo inerente ao Ser Humano, à Declaração

de Direitos do Homem E do cidadão de 1789, no seu Artigo 4º, traz esse tão

importante Direito como um poder que consiste em realizarmos tudo que quisermos

desde que não venhamos a interferir no direito alheio, ao usufruirmos daquilo que

nos é garantido, senão vejamos:

Artigo 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Para Jose Afonso da Silva9, liberdade é a possibilidade de coordenação

consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. Entende o

ilustre autor, ser a liberdade também um poder de atuação, que traz a possibilidade

do detentor deste Direito Fundamental se posicionar de forma a resistir à opressão,

se na busca da felicidade pessoal, sofrer coerção desmedida.

Conforme os conceitos acima, a liberdade está relacionada diretamente com

a capacidade de autodeterminação, autodesenvolvimento, logo, depreende-se das

palavras intrínsecas na definição de liberdade: Poder que cada indivíduo possui de

8 HOUAISS, 2004, p. 455 9 Silva, Jose Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª. Edição, p.233, 2009.

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decidir sua própria vida sem interferência externa, desde que neste exercício

considere seu semelhante, pondo-se empático quanto a este.

Todavia, importa salientar, conforme veremos adiante, que na ocorrência de

abuso do Direito a liberdade, ocorrerá o que pela doutrina é desenvolvido como

limitação dos direitos fundamentais, tendo em vista a necessidade de atender aos

próprios conceitos, trazidos à baila, ou seja: há de se observar no exercício da

liberdade, sempre o respeito ao seu semelhante que, se não for observado,

demandará ação repressiva Estatal em face do excedente.

1.2 Liberdades de Religião no plano Internacional

Na Declaração universal dos direitos humanos 194810, sendo o Brasil

signatário desde 1955, o Direito fundamental da liberdade de religião, deslumbra de

forma notória e gritante, em seu art. XVIII, assegurando que todos os seres

humanos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, trazendo no

próprio dispositivo a abrangência deste direito que inclui a liberdade de mudar, de

religião ou crença, bem manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,

pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Conforme percebemos no referido artigo, alem de objetivar pela garantia do

direito fundamental da liberdade, há também um claro cuidado do legislador em

buscar trazer efetividade a esse direito, pois isso é demonstrado, a partir do

momento em que este procura explicar no próprio artigo, como a liberdade será

exercida, ou seja, possibilidade de mudar de religião, bem como manifesta-la,

pratica-la, ensina-la e observa-la.

Convém observarmos, para melhor compreensão que,11 manifestar, dentre

outros sentidos, significa revelar, expressar, declarar;

Quanto ao termo praticar, diz respeito a executar, trazer a realidade, significa

aquilo que não existe só na teoria; observar, por sua vez, indica cumprir preceitos e

regras. Logo, em escolhendo seguir uma religião, aquele que a escolhe, tem plena

liberdade para exercê-la, revela-la bem como cumprir, executar os ditames de sua

crença.

10

Declaração universal dos direitos humanos 1948, art. 18. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.html Acessado em 11/12/2018 11

Terra, Hernani. Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª Edição.

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16

Ao analisarmos o artigo. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos

(Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, iremos nos deparar com a alta

preocupação dos participantes daquele evento no tocante a liberdade de religião,

bem como o cuidado pela busca da concretização desta, tendo em vista a intenção

dos legisladores ao declarar que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência

e de religião, e a forma como se empenham em tornar o mais cristalino possível, o

que significa tal direito, como será exercido, a forma de limitação e ainda proibição

de perseguição em virtude da escolha em seguir ou decidir abandonar o seguimento

religioso escolhido, conforme ler se a seguir12:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Do texto acima, podemos entender ser evidente o cuidado dos legisladores

quanto à garantia do exercício da liberdade de consciência e crença, onde por meio

das quais o ser humano desenvolve sua espiritualidade, qualidade alias, intrínseca

do homem que, embora vivendo longe ou isolado da civilização, sem contato

nenhum com a sociedade moderna, no entanto, seguem como sempre seguiram,

fazendo seus rituais religiosos por meio de culto aos ancestrais ou a própria

natureza.

A Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e

discriminação fundadas na religião ou nas convicções, da (ONU) 13 nos traz que

liberdade de praticar a religião é um dos elementos fundamentais em concepção de

vida, dessa forma deve ser integralmente respeitada e garantida. Embora com a

12 Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Art.12. (Assinada na Conferência Especializada

Interamericana sobre Direitos Humanos, São José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969).

13 ONU. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 25 de novembro de 1981 -

Resolução 36/55.

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17

ressalva de que o exercício desse direito não deva ser aceito se ao exercita lo,

venha na pratica ferir preceitos da própria Organização das Nações Unidas.

Convém trazer a baila, para reforço, que o artigo 1º e parágrafo 1º, seguem

afirmando a garantia do direito a liberdade de pensamento, religião e consciência,

bem como segue explicando como se dará o gozo dos direitos garantidos, ou seja,

neste caso, traz também que é garantida a manifestação tanto em publico como em

privado mediante o culto bem como o ensino.

Convém ressaltar e reiterar, devido à suma importância desse instrumento tão

desejado pelo ser humano, dado no plano internacional, os Artigos 18 e 19 da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, o instituto ora estudado deslumbra de

forma notória e gritante ao afirmar o direito fundamental da liberdade de religião,

bem como garantir o direito de não seguir na mesma e, ainda esclarece como se

dará tal prática, alem de condicionar a possibilidade de difusão dessa religião alem

fronteira.

Com isto, verifica se na lição do Ministro Luiz Roberto Barroso14, que a

religião sendo inerente à vida do ser humano, instrumento utilizado por estes a fim

de encontrar a solução as questões seculares sobre a própria existência e uma

possível posterior existência, no encalço ao sentido da vida, vem desde as

teocracias, primeiras civilizações, passando pela adoção do cristianismo pelo

Império Romano, caminhando junta com a política de forma intrínseca na história da

humanidade, observando se assim que sempre houve discussões no plano

internacional concernente ao tema, devido à essência do ser e sua carência no

tocante a meta existência.

14

Barroso, Luiz Roberto. Legitimidade da Recusa de Transfusão de Sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, Liberdade Religiosa e Escolhas Existenciais p. 23. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf. Acessado dia 15/11/2018.

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18

1.3 Liberdades de Religião na Constituição de 1988

Na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, esse direito surge

no artigo 5º, caput, no rol dos direitos fundamentais, seguindo no texto magno, em

varias partes, de forma mais especifica e detalhada, tas como as varias liberdades,

ou seja, de Expressão, Locomoção, Profissão, Associação, Reunião e por fim, as

Liberdades de Consciência, Culto e Crença.

No tocante a Liberdade de Religião, que abrange o culto e a crença, esta,

alem de se reverberar, no rol dos direitos fundamentais, segue adiante em outras

seções do texto constitucional, assegurando que o Estado não pode violar a

liberdade de crença, e ainda deve este assegurar o livre exercício do culto ou

manifestação da religiosidade, bem como na forma da lei deve proteger os locais de

culto e suas liturgias.

Seguindo a importância de tal liberdade em que no Art.5º, VII, o constituinte

demonstra o cuidado de amparo do indivíduo, ao assegurar a assistência religiosa a

este, mesmo quando estiver internado em entidades hospitalares, civil ou militar, ou

preso. Conforme lembra o Ministro Alexandre de Moraes15, ao trazer que o artigo 24

da Lei de execuções penais foi recepcionado pela Constituição de 88, e que neste

dispositivo, o Estado coloca a disposição no estabelecimento prisional, local

reservado para culto, liberação dos que optarem em participar, bem como permissão

de portar livro religioso, conforme segue16:

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

Com isto percebemos que o legislador procurou reconhecer o devido valor da

espiritualidade do doente, do interno, bem como dos apenados e presos,

assegurando nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades

prisionais e hospitalares, dando a devida importância a tal principio e bem como o

15

Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 29. Edição. p.49, 2013. 16

Brasil, Lei de Execução Penal Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em:>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm.

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19

reconhecimento de que religião deve ser também utilizada como instrumento de

ressocialização.

Ingo Wolfgang,17 em seu Curso de Direito Constitucional, vem nos dizer que

tal Liberdade Religiosa, constitui uma das mais antigas e fortes reivindicações do

individuo, Prossegue o estimado autor18:

As liberdades de consciência, de crença e de culto, as duas últimas usualmente abrangidas pela expressão genérica “liberdade religiosa”, constituem uma das mais antigas e fortes reivindicações do indivíduo, a liberdade religiosa foi uma das primeiras liberdades asseguradas nas declarações de direitos e a alcançar a condição de direito humano e fundamental consagrado na esfera do direito internacional dos direitos humanos e nos catálogos constitucionais de direitos.

Na visão do autor acima, a proteção das opiniões e cultos de expressões

religiosas guarda direta relação com a espiritualidade e o modo de conduzir a vida

dos indivíduos e, mesmo de comunidades inteiras, e isto, para ele, sempre foi pauta

nas agendas nacionais e supranacionais em matéria de direitos humanos

fundamentais.

Interessante à lição de Jose Afonso da Silva19, ao discorrer sobre liberdade

religiosa em seu curso de Direito constitucional, onde diz que esta compreende três

formas de expressão, ou seja, três liberdades: Liberdade de crença que segundo o

autor, envolve o direito de escolher ou não crer, ter ou não uma religião, bem como o

direito de ser ateu ou agnóstico; Liberdade de culto, esta abrange, na aula do nobre

autor, a exteriorização do rito, cerimônias, reuniões, bem como fidelidade aos

hábitos e as tradições na forma indicada pela religião escolhida,

afirmando assim, que esta liberdade compreende a pratica do culto, de orações em

casa e inclusive em publico.

Por fim, Liberdade de organização religiosa, que, na fala do professor Afonso,

diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas

relações com o Estado.

Logo, percebe-se de acordo com os enunciados acima, não há que se falar

em liberdade de religião e de crença, sem a concretização destas, que serão

17

SALERT, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional, 3ª. Edição. p.473, 2014. 18

Idem. 19

Silva, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª. Edição. p.248/250 2009.

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atingidas em sua plenitude, com a conjugação dos verbos analisados, por aqueles

que detêm tas liberdades, sabendo que em regra toda religião pressupõe um

conjunto normas, Dogmas e ritos a serem observados, sob pena de, aquele adepto

que não cumpre as normas e pensamentos, estaria desagradando a sua divindade.

Impende ressaltar que, se não trouxesse a carta magna atual o direito a

liberdade de religião com tal amplitude, estaríamos frente ao retrocesso da

constituição Imperial de 1824, onde conforme o autor supracitado20·, ao comentar o

artigo 5º desta Carta magna, vem nos dizer que no Brasil Império, a liberdade

religiosa era parcial, pois não reconhecia a liberdade de culto com essa extensão

para todas as religiões, somente para a católica que era a religião oficial do estado.

Ou seja, de acordo com o exposto acima, aqueles que não eram da religião

oficial não gozavam da liberdade em seu conceito pleno. Com isso o constituinte ao

elaborar a Carta de 1988, preocupou se em trazer de fato o direito natural e

fundamental de todo ser que pertence ao Humano, ou seja, a liberdade que de fato

possibilita a autodeterminação do homem, tornando digna sua existência, ao

assegurar a manifestação ou exteriorização da sua religiosidade no texto Magno.

1.4 Liberdades de Religião e Laicidade Estatal.

1.4.1 Brasil, Estado laico ou laicista?

Conforme já analisado, não existe dificuldade em trazer resposta a esta

indagação, uma vez que de forma gritante, o texto constitucional de 1988, em seu

preâmbulo, invoca a proteção de Deus. Embora o Supremo Tribunal Federal já

tenha decidido em uma Ação direta de Inconstitucionalidade21, que tal citação não

possui força normativa, conforme lê se abaixo:

Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa.

[ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j. 15‑8‑2002, P, DJ de 8‑8‑2003.]

20

Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª. Edição. Silva, Jose Afonso, p.249, 2009. 21

A Constituição e o Supremo, 5ª edição pág. 19 vol. 1. ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j.

15‑8‑2002, P, DJ de 8‑8‑2003.

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21

Da decisão supracitada, resta claro que o Estado Brasileiro não adotou a

opção de ser Laicista, isto se torna perceptível, pois alem dos dispositivos

supracitados e comentados, pode se vê ao longo do texto magno, em outros artigos

tas como Art. 19, que proíbe o Estado e demais Entes, embaraçar o funcionamento

dos cultos religiosos e, embora o Ente não deva subvencionar as entidades nem

manter relações com tas instituições, deixou o Legislador Constituinte uma resalva

no inciso um, como se lê: “ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público”.

Importante também a fala do Ministro Luiz Roberto Barroso em seu voto ao

relatar a Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4439 22, que trata sobre o tema

em analise:

15. Diante desta realidade, o Estado deve desempenhar dois papeis decisivos na sua relação com a religião. Em primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade religiosa, promovendo um ambiente de respeito e segurança para que as pessoas possam viver suas crenças livres de constrangimento ou preconceito...

Na lição do Relator Barroso, a Nação Brasileira deve não só assegurar a

liberdade de religião, mas promover o respeito e a segurança, afim de que aqueles

que são cobertos por tal manto constitucional, gozem ou usufruam desse direito sem

constrangimento ou preconceito, ou seja, só em um Estado laico poderíamos ter tal

garantia fato que jamais ocorreria em um Estado Laicista.

Citamos ainda o Art. 143 que trata da objeção de consciência como motivo

para negação ao serviço militar, respeitando assim o legislador mais uma vez a

liberdade de religião. “Também, o ensino religioso nas escolas de forma facultativa,

que traz o Art. 210”. § 1.º, segue mostrando o amparo do Estado ao direito de

liberdade religiosa, tendo já decidido pela confirmação deste dispositivo, o STF, ao

julgar a já citada ADI 4439 conforme o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que

discordando do relator, seguido por mais cinco Ministros assim concluiu 23:

Autorizar o ensino confessional e interconfessional nas escolas públicas, nos termos acima descritos, em nada ofende o dever de neutralidade do Estado, ainda que algumas confissões possam ser predominantes, porque

22

Disponível em; https://luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/08/ADI-4439-vers%C3%A3o-final.pdf acesso em 27/11/2018, p. 10. 23

Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4439mRL.pdf p. 15. acessado em 27/11/2018.

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22

um dos propósitos da educação é justamente fornecer aos alunos o conhecimento necessário à compreensão dos valores e do papel que a religião exerce no mundo. Por isso mesmo, abrir espaço para o ensino das confissões majoritárias em uma determinada sociedade não se mostra, segundo penso, incompatível com tal desiderato.

No entendimento Min. Gilmar Ferreira Mendes24, Estado brasileiro não é

confessional, mas tampouco é ateu, isto deduz ao observar a citação preambular

que invoca a proteção divina, alem de ressaltar o nobre professor, a questão da

matrícula facultativa no ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental

que, conforme o texto constitucional permite assim, o ensino da doutrina de uma

dada religião para os alunos interessados.

A Laicidade25, característica do estado laico, forma institucional optada nas

sociedades democráticas a relação política entre o cidadão e o Estado, e entre os

próprios cidadãos, permiti instaurar a separação da sociedade civil e das religiões,

impedindo o Estado de instituir poder religioso e as igrejas qualquer poder político.

Infere se ainda do texto, que para garantir simultaneamente a liberdade de

todos e a liberdade de cada um, a Laicidade distingue e separa o domínio público,

onde se exerce a cidadania, e o domínio privado, onde se exercem as liberdades

individuais (de pensamento, de consciência, de convicção) e onde coexistem as

diferenças (biológicas, sociais, culturais).

Concluindo que pertencendo a todos, o espaço público é indivisível, logo,

nenhum cidadão ou grupo de cidadãos deve impor as suas convicções aos outros,

pois, simetricamente, o Estado laico proíbe-se de intervir nas formas de organização

coletiva (partidos, igrejas, associações etc.) às quais qualquer cidadão pode aderir e

que relevam do direito privado.

Conforme explanação quanto à laicidade, esta como característica do que é

laico, vem garantir a não interferência estatal nas questões religiosas, bem como de

igual forma, impede a instituição religiosa, interferi nas questões políticas do Estado.

Entretanto, ao tratar o espaço público como indivisível, ou igualitário, importa

ressaltar que não deve a instituição religiosa interferir nos assuntos do Estado, o que

não é verdade, ou aplicável ao cidadão enquanto individuo, uma vez que sendo este

24

Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4ª edição p. 447. 2009. 25

Alves, Ricardo. Traduzido por do original em língua francesa da Association Suisse pour la LaïcitéAcessado em 26/10/18. Disponível em: http://www.laicidade.org/documentacao/textos-criticos- tematicos-e-de-reflexao/aspl/

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23

professante de alguma fe, é garantida no Estado Democrático de Direito, não

laicista, a condição do mesmo participar das decisões política administrativas.

Ou seja, o cidadão religioso tanto pode votar como ser votado, e influenciar

nas decisões tomadas nas casas legislativas, bem como propor projetos de leis que

venham beneficiar aqueles que professam a mesma crença.

Faz se importante ressaltar ainda, que na visão do Professor Afonso 26·,

embora deva ocorrer à separação entre Estado e Igreja, tal separação não pode ser

confundida com aversão a religião, pois aí estaríamos diante de um Estado não

laico, mas laicista. Segundo Andre Ramos Tavares27 O laicismo significa um juízo de

valor negativo, pelo Estado, em relação às posturas de fé, com origem no

racionalismo e cientificismo, ou seja, é o Estado neste caso hostil à liberdade de

religião plena, bem como às suas práticas amplas.

Conforme analise dos posicionamentos e descrições dos autores, não pode

um Estado Democrático de Direito, adotar medidas ou criar leis a que venha causar

perseguição ou mesmo embaraço as pessoas que defenda ou professe tal Fe, pois

assim deixaria de ser laico, para se tornar Laicista.

A laicidade, para Marcelo Novelino, 28 não se confunde com laicismo, modelo

de comportamento antirreligioso no qual as questões religiosas são totalmente

excluídas da esfera publica. Entende o autor que argumentos religiosos não devem

simplesmente ser excluídos do debate na esfera política, pois isto seria uma forma

de privilegiar os nãos religiosos, violando a desejável simetria e o equilíbrio entre os

diferentes pontos de vista.

Para Sarlet,29o laicismo e toda e qualquer postura oficial (estatal) hostil em

relação à religião revelam-se incompatíveis tanto com o pluralismo afirmado no

Preâmbulo da Constituição Federal, quanto com uma noção inclusive de dignidade

da pessoa humana e liberdade de consciência e de manifestação do pensamento,

de modo que a necessária neutralidade se assegura por outros meios.

Necessário reafirmar, para fixação, que nos termos do Artigo 19 e inciso I da

CF, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios -

estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o

26

Silva, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª. Edição. p. 250.2009. 27

Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional, p.606.2017. 28

Novelino, Marcelo, Manual de Direito Constitucional, 8ª edição p.511.2013. 29

Curso de Direito Constitucional, 3ª. Edição. SALERT, Ingo Wolfgang, p.480, 2014.

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funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de

dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público.

Conforme o texto constitucional deve o Estado, manter uma postura neutra no

tocante a religião. Com isto, podemos observar que o Estado brasileiro, conforme a

Constituição da Republica Federativa de 1988, quedou-se Laico, não confessional,

todavia, rejeitou conforme vimos acima, tomar posição laicista, ou antirreligiosa, bem

como não aderiu o Ateísmo.Entretanto, é importante uma analise atenciosa quanto a

esta neutralidade, uma vez que em certos momentos o Estado terá o dever de sair

do campo da neutralidade e agir de forma ativa, conforme ressaltar Marcelo

Novelino30, “uma intervenção no âmbito de proteção da liberdade religiosa só será

considerada legitima se tiver uma justificação constitucional”.

1.5 Liberdades de Religião e Suas Limitações

Como outros Direitos Fundamentais, a liberdade de Religião, não é gozada de

forma absoluta, pois há de seguir em observância ao respeito do direito alheio. Nos

termos da própria Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de

Intolerância e Discriminações fundadas na Religião ou nas Convicções, conforme

Artigo 1º, parágrafo 3º, A liberdade de manifestar a própria religião ou as próprias

convicções estará sujeita unicamente às limitações prescritas na lei e que sejam

necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os

direitos e liberdades fundamentais dos demais.

De acordo com o dispositivo citado, se no exercício ou pratica da

religiosidade, o portador dessa liberdade excede, violando questões referentes à

saúde, segurança, a moral publica e os direitos fundamentais alheios, sofrerá este a

reprimenda estatal como se deu no caso do HCHC 62240, RTJ31, que tratou sobre

curandeirismo, onde na visão do STF, tal prática não pode ser confundida com o

30

Novelino, Marcelo, Manual de Direito Constitucional, 8ª edição p.515.2013.

31Brasil. Supremo Tribunal Federal HCHC 62240, RTJ, 114/1038, Rel.Min. Francisco

Resek.Disponível em:https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/908369/recurso-em-habeas-corpus-rhc-62240-sp Acesso 11/12/2018

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25

mero exercício de liberdade de religião, ocorrendo assim uma interferência Estatal

na esfera interna ou pratica daquela liturgia.

Com essa proibição, houve uma limitação direta imposta por parte do Estado,

àquele seguimento religioso, proibindo, portanto o exercício por parte dos adeptos

daquela religião que realizasse tal ato no exercício de culto, isto com base na

proteção a saúde publica.

Entretanto, embora em regra, prime o legislador pelo tratamento isonômico ou

igualitário a todos, inevitável porem será o oposto, pois, obviamente, na ceara das

exceções há de ocorrer o tratamento anti-isonômico. Uma vez assegurada à

liberdade religiosa, que abrange dentre outros o direito de auto-organizar-se sem a

ingerência Estatal, garantida no artigo 19 do texto constitucional de 1988.

Instituições religiosas são regidas por seus estatutos e, nesses, regras são

definidas para a boa convivência, isto obviamente com base em seus textos

normativos maiores, ou livro religioso considerado de origem divina. Exatamente

neste momento de aplicação das normas internas, ou estatutos, surgem possíveis

situações discriminatórias, tas como: Postos de lideranças que não poderão ser

ocupados por mulheres, limitações em alguns casos de acesso a alguns espaços ou

atos de celebrações para determinados adeptos.

Em relação à homoafetividade, em algumas instituições religiosas, ao ocorrer

cultos públicos, todos são convidados a estar presente independente de opção

sexual, sem discriminações, obviamente que sempre respeitando as regras do

ambiente. O mesmo não ocorre em relação a estas mesmas instituições no tocante

as mesmas pessoas, quanto à participação em eventos fechados ou privados a

membresia, bem como a participação ativa nas tomadas de decisões ou

participações em atividades afetos aos membros da organização religiosa, que são

vedados aqueles que não comungam ou praticam a mesma orientação de fe.

No entanto, tudo isto ocorre normalmente sem a interferência estatal, pois se

assim não fosse, perderia a força o tal dispositivo constitucional citado. Ou seja,

estaria o ente embaraçando o funcionamento daquele seguimento religioso, e com

isto obstruindo a liberdade de organização religiosa em seu núcleo essencial, fato

que jamais poderá ocorrer.

Logo, vemos estar diante de uma limitação de um também direito

fundamental, o da igualdade, em oposição à liberdade religiosa, imposta por uma

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instituição privada, e permitida pelo estado, neste caso especifico tratamento anti–

isonômico, que já vem diretamente garantido no próprio texto constitucional.

Na lição do Professor João Trindade,32 nenhum direito fundamental é

absoluto, entende o mesmo que, direito absoluto, é uma contradição em termos,

embora básicos, podem ser relativizados, pois primeiramente, porque podem entrar

em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai

“ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso

concreto. Alem de ressaltar que nenhum direito fundamental pode ser usado para a

prática de ilícitos, discorre que tas limitações não são ilimitadas.

Logo, essas não podem ser realizadas alem do estritamente necessário,

respeitando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e sendo compatível

com o que diz a constituição, ocorrendo segundo Andre Ramos Tavares33,

cedências mutuas e harmonizatórias.

Impende ressaltar que conforme Gilmar Mendes34, a técnica estabelecida e

consagrada por nosso texto magno, quanto à limitação dos direitos fundamentais, foi

à técnica de estabelecimento direta, ou restrição legal. Ou seja, de acordo com essa

técnica trazida pelo ilustre autor, o próprio texto constitucional trará como se dará a

restrição ou limitação, que será nos termos da lei, desde que compatível a própria

Constituição, alem de que, em muitos casos, o próprio dispositivo constitucional trará

a limitação, como exemplo temos o direito de locomoção que poderá ser limitado ,

se porventura estivermos em guerra conforme o artigo 5º, XV,XVI:

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI–todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

32

Trindade, João teoria geral dos direitos fundamentais. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/João

_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso29/11/2018.

33

Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional, p.388.2017.

34 Mendes, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Pag. 39/43.

Saraiva 2012.

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27

2- OBJEÇÃO DE CONCIENCIA COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL

GARANTISTA À LIBERDADE DE RELIGIAO.

2.1 Objeção de Consciência em breve processo histórico.

2.1.1 Objeção de Consciência, na Tragédia Antígona de Sófocles.

Interessante o caso da Tragédia de Sófocles35 onde trata da desobediência

de Antígona frente à ordem de Creonte, tirano, que decreta a proibição do

sepultamento de um de seus irmãos, onde a mesma se recusa a cumprir tal ordem

por entender que ao não ser sepultado, Polinices perderia a dignidade e, tal decreto

colidia com a vontade dos deuses. Conforme decreto,36Eteocle por lutar com bravura

em prou da cidade, deveria ser sepultado com todas as honrarias, enquanto seu

irmão que atentou contra a polis, seria proibido de ter um sepultamento digno, ao

que foi resistido por Antígona, conforme já citado.

Tal tragédia nos remete ao tema hora estudado, uma vem que nesta

encontram-se todos os elementos refletidos na presente pesquisa, ou seja: A

possibilidade de uma recusa de obrigação a todos imposta, o direito natural de

autodeterminação ou liberdade de seguir sua consciência, legitimidade ao direito de

resistência, bem como a velha problemática enfrentada pelo ser religioso, entre o

dever de obedecer às leis naturais outorgadas pela divindade, ou obedecer às leis

positivadas da sociedade em que se vive.

Com relação ao dilema entre o conflito lei natural x lei positivada, vê se no

embate entre as duas irmãs Antígona e Ismênia37, onde uma diz estar certa que não

obedecerá ao decreto do soberano Creonte por achar injusto e ir de encontro com

as leis dos deuses, enquanto Ismênia diz que preferirá obedecer à lei da cidade,

embora contra sua consciência. Com relação ao direito de resistência que ocorre por

parte de Antígona, Janio Dávila38, ao Comentar a Obra, entende haver inflexibilidade

por parte de Creonte, pelo fato de não entender que a transgressão de uma lei pode

35 Sófocles, Antígona Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf. 36

Idem pg. 09. 37

Idem, pag. 15/16. 38

Oliveira, Janio Davila de. O discurso de Creonte na Antígona de Sófocles, pag. 91.

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significar mais que uma simples insubordinação. Para ele, se a lei foi descumprida,

houve uma motivação, um desencontro de opiniões, que após reflexão, por sua

consciência, decide cumprir a norma superior e, com isto justificando tal resistência.

Andre Ramos Tavares39, ao comentar tal tema, comenta:

A mencionada obra de SOPHOCLES, Antígona, é um exemplo claro de direito natural atrelado à figura de uma divindade e ao caráter norteador--correcional das leis divinas, em face das humanas. ANTÍGONA, em seu áspero diálogo com CREONTE, adotava, como linha de argumentação, a existência de leis divinas, superiores às humanas: “Tampouco creio que seu decreto tenha tal força que você, um mero mortal, possa prevalecer sobre os deuses. De outra parte, CREONTE, o rei de Tebas, em suas réplicas, pautava-se no direito fruto do homem, por conseguinte, afeito ao erro e à ambição:” Mas o homem que a cidade indica como autoridade, suas regras hão de ser obedecidas, quer sejam grandes ou pequenas, certas ou erradas.

Conforme descrições acima, percebemos que a escusa de consciência,

sempre permeou a historia da humanidade, passando pelas varias civilizações

conforme veremos a seguir.

2.1.2 Objeção de Consciência, no contexto Hebraico Cristão.

Ao atentarmos para a história do povo Hebreu, exatamente durante o período

em estiveram no exílio Babilônico, encontraremos nos trechos registrados no livro do

profeta Daniel40, alguns episódios envolvendo objeção de consciência, onde alguns

jovens Hebreus, mesmo na condição de escravo resolveram seguir sua consciência

e recusar os alimentos servidos pelo palácio, uma vez que tais ingredientes não

faziam parte da dieta judaica, onde havia proibições de ingerir certos alimentos, ao

que se ingerissem estariam violando tais restrições e com isto contrariando a

divindade.

Neste mesmo Livro, temos outro caso peculiar, que foi o edito de uma lei

proibindo orações a qualquer deus em determinado período, ao que com base na

objeção de consciência, houve mais uma vez resistência por parte de um dos

39

Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional. P. 370.2013. 40

Cf. Bíblia Sagrada. Livro Daniel cap. 1versos 5/8. Versão Revista e atualizada.

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exilados41, o próprio Daniel mais uma vez porta-se como objetor ao decreto. No

capítulo 3, surge novamente outra escusa, desta vez a obrigação era que todos

prostrassem em ato de adoração ante a imagem do próprio Rei, ao que três jovens

escravos, para não descumprir preceito da lei do seu Deus, opuseram se ao decreto,

preferido a fornalha a desagradar à divindade.

Conforme vimos acima, à objeção de consciência vem marcando presença

nos vários relatos da historia, embora esse direito não ser respeitado nos governos

em que se desenvolve os episódios, percebemos que o sentimento religioso resta

tão forte a ponto dos objetores abraçarem a própria morte a desobedecerem sua

consciências.

Já no primeiro século, era do cristianismo, encontramos um relato registrado

pelo Medico historiador da igreja cristã, Lucas, em que narra o episodio onde dois

discípulos de Jesus Cristo são presos por propagarem a ressurreição do seu mestre

e, após receberem punição foram liberados na condição de não falar mais no nome

de cristo, ao que responderam42:

Então, chamando-os novamente, ordenaram-lhes que não falassem nem ensinassem em nome de Jesus. Mas Pedro e João responderam: "Julguem os senhores mesmos se é justo aos olhos de Deus obedecer aos senhores e não a Deus. Pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos".

Com isto, vemos novamente atitudes de objeção e, neste ultimo caso, uma

resposta também direta, ou seja, os objetores de forma enfática dizem que entre

obedecer à lei dos homens, preferem mesmo com um custo auto, seguir suas

consciências e não desobedecer à divindade. O que veremos adiante é o

reconhecimento dado a este tão importante instrumento, ou seja, conforme análise

acima é inegável a presença da escusa de consciência, contudo, pessoas morriam

apegadas as suas crenças por não terem a garantia que hoje temos nos textos

supranacionais e nas Constituições.

41

Livro Daniel. Cap.6 1/17. 42

Bíblia revista e atualizada. Livro Atos dos Apóstolos cap. 4, versos 5/20.

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30

2.2. Aspectos conceituais

De acordo com Ramos,43 Objeção de consciência, é a possibilidade do cidadão

invocar convicção filosófica, política ou religiosa para não cumprir obrigação legal a todos

imposta, devendo cumprir prestação alternativa fixada em lei, dizendo-nos ainda:

A proteção da liberdade de crença ou religião impede a punição daquele que a invoca para não cumprir obrigação legal a todos imposta, como vimos acima na análise da “escusa de consciência”, como também impede que alguém seja obrigado a acreditar em algum culto ou religião ou impelido a renunciar ao que acredita. Fica estabelecido o marco de tolerância a toda e qualquer religião, devendo o Estado ter uma postura de neutralidade sem

favorecer ou prejudicar qualquer uma delas.

Na lição de Nathalia Masson44·, a objeção de consciência é um direito

constitucional que permite ao indivíduo deixar de cumprir determinada obrigação

legal, ou algum ato, quando estes forem de encontro com suas convicções

religiosas, políticas ou filosóficas, sem que com isso incida sobre ele qualquer

represália quanto às suas garantias constitucionais. Sendo assim, toda vez que uma

pessoa estiver seriamente impedida de acatar uma prescrição legal, em razão de

forte e real crença/convicção, poderá se valer desse direito, que vai eximi-la da

obrigação estipulada em lei, cujo cumprimento importaria grave violência à sua

consciência.

José Carlos Buzanello,45 traz a objeção de consciência, como espécie do

direito de resistência, que possibilita a recusa ao cumprimento dos deveres

incompatíveis com as convicções morais, políticas e filosóficas, sendo uma

pretensão de direito individual de dispensar de obrigação jurídica imposta pelo

Estado a todos, indistintamente.

iego Manuel uzón Pe a,46 vem nos dizer que a liberdade de consciência

tem três facetas ou níveis: liberdade para ter certas ideias, crenças ou convicções ou

outras; em segundo lugar, liberdade para manifestá-las, e, finalmente, liberdade para

comportar-se de acordo com essas convicções e para não ser obrigado a

43

Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional, pag.695. 44

Masson, Nathalia. Curso de direito constitucional, p. 242.2016. Juspodivm, Salvador. 45

Buzanelo, Jose Carlos. Em torno da Constituição do direito de resistência. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/917/R168-02.pdf?sequence=4 p. 24. 46

Disponível em: https://revistajusticaesistemacriminal.fae.edu/direito/article/view/55/52

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contradizê-las, entendendo o autor que nesta ltima faceta ou manifestação da

liberdade de consciência é que se encaixa o possível direito à objeção de

consciência.

Leslie Magalhães47, discorrendo sobre a Objeção de consciência como Direito

natural, diz que como tal, este deve prevalecer contra a Lei Positivada, pois estas

não se sustem sem aquele, haja vista ser direito natural, direitos humanos, e que

desses, decorrem os princípios gerais, vindo depois a serem moldados a cada

sociedade, reconhecidos positivamente pelo Estado, a fim de que cada Ente os faça

valer de modo pacífico e organizado. Ou seja, o direito positivo deve está embasado

nos direitos naturais, o que não sendo assim, tal sistema passa a ser um meio de

opressão do ser humano e não de sua libertação.

Concluindo então destas colocações que, o dissenso entre uma lei civil e uma

lei natural causa uma dicotomia no sistema jurídico, que acarreta a falta de

legitimidade do direito positivo, neste caso, ainda que o direito natural não tenha sido

reconhecido pela lei, ele poderá ser invocado como direito, acarretando, portanto, o

que chama de Objeção de consciência, haja vista que uma lei injusta não é lei, é

corrupção de uma lei; não é lei em sentido material, substancial, mas somente do

ponto de vista formal.

Paulo Gonet Branco48, tratando sobre a Liberdade de Religião e o instituto da

objeção de consciência, nos diz que a atitude de insubmissão não decorre de um

capricho nem de um interesse mesquinho, tal recusa deve ser por força de

convicções seriamente arraigada no indivíduo, de tal sorte que, se o indivíduo

atendesse ao comando normativo, sofreria grave tormento moral e insuportável

violência psicológica, por tal conduta determinada, contradizer algo irrenunciável

para o indivíduo.

Depreendemos dos conceitos e explanações acima que a eficácia, ou

materialização deste tão importante direito, (Liberdade de Religião) dar-se-á por

meio da manifestação, ou seja, a concretização ou efetivação da citada liberdade,

entendo se, após reflexão, suportadas nas manifestações dos autores e documentos

legais supracitados, haver uma garantia a todos, e especificamente aos religiosos, a

efetividade da religiosidade, alem, dos locais de cultos coletivos, podendo o adepto

47

Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44949/direitos-humanos-e-objecao-de-consciencia#_ftnref6 48

Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4ª edição pág. 457.

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de qualquer religião, por em prática os ensinamentos recebidos e, expô-los de

acordo com suas convicções, por meio da objeção de consciência, ainda que

contrarie com tais atitudes, normas gerais a todos impostas.

2.3 Precedente jurisprudencial

Interessante o caso análogo do Habeas corpus nº 268.459 - SP49

(2013/0106116-5), em que discute o julgado entre o Direito a vida e a liberdade de

religião, onde o Superior tribunal de justiça decidiu absolver os pais de uma

adolescente de 13 anos que veio a óbito, porque os mesmos, em virtude crença

religiosa, decidiram que sua filha não faria o tratamento de transfusão de sangue

que poderia lhe salva a vida, conforme parte do voto abaixo50:

Em verdade, como inexistem direitos absolutos em nossa ordem constitucional, de igual forma a liberdade religiosa também se sujeita ao concerto axiológico, acomodando-se diante das demais condicionantes valorativas. Desta maneira, no caso em foco, ter-se-ia que aquilatar, a fim de bem se equacionar a expressão penal da conduta dos envolvidos, em que medida teria impacto a manifestação de vontade, religiosamente inspirada, dos pacientes. No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, o médico do hospital, crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional.

49

Moura, Maria Thereza de Assis. Habeas Corpus nº 268.459 - SP (2013/0106116-5). Colisão entre liberdade de religião e o direito a vida. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/100795/Julgados_marcantes_Maria_Thereza.pdf

50 Iden.

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33

Importa ressaltar, que, no presente caso, envolvendo decisão favorável aos

pacientes, não conseguimos vislumbrar uma vitoria completa a ser comemorada,

embora em justificativa da limitação ao direito fundamental da liberdade de religião,

a decisão, da 6ª Turma conclui que os responsáveis por tal desfecho, (Óbito da

adolescente) não seriam os pais, porem os médicos.

Há de se compreender que, nesta situação, para a Turma, tal intervenção

cirúrgica deveria ocorrer e, é neste momento que ocorre o questionamento, ou seja,

com este precedente, os pais ou responsáveis, podem por escusa de consciência

afirmar que não autorizam tal procedimento por motivos religiosos, o que os médicos

por força de juramento não devem atender. Logo, ocorrerá uma intervenção na

esfera religiosa, o que na incidência do procedimento, se por ventura, tal portador de

enfermidade sair com vida, o que ocorrerá quando o mesmo voltar para a instituição

religiosa?

Se em assembleia, decidirem pela exclusão do tal membro, por violar

preceito Bíblico, poderá este ingressar com uma ação judicial afim de que seja

aceito novamente? Sendo tal pedido acolhido, surge o questionamento se, ao

obrigar o estado, à entidade acolher tal integrante ao seio, estaria o Estado violando

o Artigo 19 da CF 8851, ou seja, embaraçando o funcionamento e intervindo na

esfera privada da religião? .

Com isto resta incoerente a comemoração do Advogado dos pacientes 52,

conforme se vê abaixo:

A decisão no STJ foi comemorada pelo advogado Alberto Zacharias Toron, que defendeu os pais da menina morta: “É um julgamento histórico porque reafirma a liberdade religiosa e a obrigação que os médicos têm com a vida. Os ministros entenderam que a vida é um bem maior, independente da questão religiosa”.

Incoerente por percebermos que, se, o pretendido era a garantia da liberdade

de religião, essa se deu em parte, quando do reconhecimento da não ocorrência de

crime por parte dos pais, ao alegarem escusas de consciência para garantia de sua

liberdade religiosa. Entretanto, conforme já dito, resta em perigo o exercício ou

pratica dos preceitos e ordenanças daquela crença, uma vez que o medico é

51 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 52

Fonte: Yahoo Notícias. http://www.nacaojuridica.com.br/2014/08/e-possivel-transfusao-de-sangue-em.html Postado por: EditorNJ \ 2 de julho de 2018

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obrigado, pelo código profissional e, autorizado, de acordo com tal decisão, realizar

a contra gosto do paciente a transfusão.

Com isto vemos que para sanar tal problema não é fácil, uma vez que,

embora incompreensível para alguns, a própria pessoa chega a declinar da própria

vida, se não há alternativa, isso se dá pela forte e legitima crença de cada individuo,

e que o estado garante, e nos remete aos episódios históricos comentados acima, a

saber: Antígona de Sófocles, bem como os episódios envolvendo os jovens

Hebreus.

Conforme já analisado, a religiosidade faz parte da essência do ser humano

e, ao ser tirado do mesmo, tal direito fundamental, estaria este fadado a viver sem

dignidade e, uma vida sem dignidade, não pode ser reconhecida como vida plena.

De outro lado, importa ressaltar mais um julgado desta vez do Supremo

tribunal federal, conforme transcrição de parte do voto do Ministro Barroso em que

reconhece o Direito das testemunhas de Jeová ter acesso a Tratamento alternativo,

condenando o estado a prover tas necessidades conforme segue:

8. [...] É importante ressaltar que, em sendo tecnicamente possível, o Poder Público deve garantir o direito à saúde de maneira compatível com as convicções religiosas do cidadão, uma vez que não basta garantir a sua sobrevivência, mas uma existência digna, com respeito às crenças de cada um, nos moldes do art. 1º, III, da Constituição Federal...

A crença religiosa53 segundo Barroso, constitui uma escolha existencial a ser

protegida, uma liberdade básica da qual o indivíduo não pode ser privado sem

sacrifício de sua dignidade. A transfusão compulsória violaria, em nome do direito à

saúde ou do direito à vida, a dignidade da pessoa humana, que é um dos

fundamentos da República brasileira (CF, art. 1º, IV). (Legitimidade da recusa de

transfusão de sangue por testemunhas de Jeová). Dignidade humana, liberdade

religiosa e escolhas existenciais.

53

Barroso, Luiz Roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolha existencial https://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf acesso em 04/12/18.

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35

2.4 Fundamentos para a garantia da objeção de consciência

Ressaltamos, desde já, a pergunta feita pelo autor Português Bacelar54

Gouveia, ao inquirir sobre onde estaria à base de tal direito que, segundo ele,

poderia por em causa os fundamentos do próprio Estado e, lançar desigualdade

entre os cidadãos, distinguindo entre os que cumprem e os que não cumprem

deveres jurídicos específicos, onde o mesmo nos traz a resposta a tal indagação nos

dizendo, que esse direito fundamentasse na própria dignidade da pessoa humana,

bem como no direito fundamental da autodeterminação.

Ou seja, percebe se que, diante da necessidade da autodeterminação

religiosa do individuo, sem a garantia fundamental ou o reconhecimento por parte do

legislador constituinte, ao direito de objeção de consciência, o ser religioso, em

virtude de sua crença, não teria outra forma de agradar o divino, se não pagando

com a própria vida, ou com a restrição da própria liberdade, bem como a espoliação

dos seus bens, por parte do Estado, fato inadmissível para os dias hodiernos.

De acordo Fábio Konder Comparato,55 o ser humano é único ser que tem

consciência que vai morrer e, devido à ânsia por escapar da morte, no afã da

imortalidade, não cessa de se dar explicações sobre esse seu destino inexorável. É

o horizonte da morte, segundo o autor que alimenta, sem descontinuar, o impulso

religioso - outra característica essencial do ser humano! - como esperança de

superação do absurdo existencial.

É cediço, de acordo com os argumentos expostos, que o ser Humano é

essencialmente voltado as questões relacionadas à espiritualidade, embora nem

todos sejam religiosos, porem tal característica no Humano é inegável, razão pela

qual se faz necessário refletir sobre o porque de tanto sacrifício para agradar a

divindade, seja qual for e, devido esta inegável constatação, é que em

reconhecimento desta característica inata do ser humano, que esse direito nos é

garantido tanto no plano internacional como no contexto nacional.

54

Gouveia, Jorge Bacelar. Objeção de consciência Direito Fundamental à. p. 12,13. Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/15162, Acesso em 11/12/2018.

55 Comparato, Fábio Konder. Fundamento dos Direitos Humanos, pag.21. Disponível

em:http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/a_pdf/comparato_fundamentos_dh.pdf Acesso 22/10/18.

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36

Ludwig Feuerbach56, tratando sobre a justificação dos sacrifícios realizados

pelos homens á Deus, em procurar dar o seu melhor ou seu tudo a divindade,

especificamente aqueles que abrem mão do prazer das mulheres, preferindo o

celibato nos diz que:

Para enriquecer Deus, deve o homem se tornar pobre, para que Deus seja tudo e o Homem nada. Mas ele não necessita ser nada em si mesmo porque tudo que ele tira de si, não se perde em Deus, mas é conservado. O Homem tem sua essência em Deus, como então poderia ele tê-la em si e para si? Para que seria necessário estabelecer ou ter uma coisa duas vezes? Tudo que o homem se priva, que ele dispensa em si mesmo, só goza ele em Deus numa intensidade incomparavelmente maior e mais rica.

Ainda discorrendo sobre a relação do homem, e a religião, o autor nos passa

o entendimento de que quanto mais o sensorial é negado, tanto mais o sensorial é

Deus a qual o sensorial é sacrificado, e o que se sacrifica a Deus, a isto se atribui

um valor especial. Com isto tem Deus um especial agrado. Concluindo que aquilo

que é mais elevado na mente do homem é naturalmente elevado na mente do seu

Deus; o que em geral agrada ao homem agrada ao seu Deus.

Atentando para a explicação do autor supracitado, percebemos que o ser

religioso, é indissociável daquilo que venera ou cultua, ou seja, tudo que possui e

administra, em sua consciência recebe da divindade reverenciada e, tudo que a ela

entrega, não tem por perda, pois ele próprio pertencer à divindade, logo continua

como coproprietário.

Faz-se importante essa analise do ser religioso e seus bens, para que se

entenda o que motiva suas decisões no tocante a relação social. Ou seja, entender-

se ia o porquê das negações que este indivíduo faz a si mesmo, como é o caso das

Testemunhas de Jeová na escolha entre receber a transfusão de sangue e

preservar a própria vida, ou recusar e correr o risco de vim a óbito, bem como o

incomodo gerado por taxitas muçulmano que, não se importando com a pressa do

passageiro, quando chega a hora de efetuar sua oração, determinada três vezes ao

dia por sua religião, para o taxi e a realisa.

56 . FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo, editora vozes, 2007, pág. 55 Original de 1841.

.

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37

Tal é a importância, e o reconhecimento deste direito fundamental pelos

legisladores pátrios, podendo ser verificado no projeto de lei, nº 2171 de 2003,

aprovado em 20 de junho de 2018, onde por iniciativa do Deputado Rubens Otoni,

sendo a Relatora a Deputada Maria do Rosário, tal projeto visou dar fim ao suplicio e

atentado sofrido em suas dignidades, por parte das comunidades religiosas

sabatistas, onde por força do escrito no livro do Êxodo, capitulo 28 e verso 11, que

impõe a guarda do sábado, estes religiosos para não desrespeitaram tal preceito

divino, viviam á margem, sendo-lhes tolhidos as condições de avanços na

sociedade, em virtude de não poderem assistir aulas, nem realisarem provas nos

dias de sextas e sábados, ate a aprovação, pois conforme voto abaixo, houve uma

vitoria, por parte desses religiosos, nos termos que seguem57:

Pelo exposto, meu voto só pode ser pela APROVAÇÃO da presente

matéria, nos termos do Substitutivo do Senado Federal, por medida de

justiça aos educandos que na atual sistemática ficam forçados a escolher

entre ser coerentes com suas crenças ou acessar os benefícios da

educação escolar de forma integral. Nos termos do artigo inaugural do

Substitutivo, a Lei nº 9.394/1996, de diretrizes e bases da educação

nacional, passa a vigorar acrescida do art. 7-A: Art. 7º-A. Ao aluno

regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada,

de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de

consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado

requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em

que, segundo os preceitos de sua religião,...

Conforme veremos a seguir, existe no sistema religioso uma tríade a ser

observada a saber: Um Plano Místico, um Sistema de Regra, visando uma Meta

existência58.

Para Marcos Valério59, o conceito de Religião, tomando por base a etimologia

do próprio termo é: "Qualquer sistema de pensamento que proponha ligar o Ser

57

Rosário, Maria do, em parecer projeto de lei, nº 2171 de 2003 e.Disponível em: >http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A6F8A1745CDE12E1F242309743C9792D.proposicoesWeb1?codteor=1665118&filename=Parecer-CE-04-06-2018 58

Valério, Marcus. Pag. 04 Religião e Ética Desfazendo a Confusão. 59

Disponível em http://www.xr.pro.br/monografias/Relica&Etigiao.html#RELIGIAO

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Humano com um possível Plano Místico, tendo como um dos principais objetivos

e/ou pressupostos a superação vitoriosa da mortalidade”.

O autor justifica sua definição, ao inferir ser impossível encontrar qualquer

sistema religioso que não possua os três elementos, a saber: Uma pressuposição

Espiritualista, ou seja, que exista um "Plano Místico", "intangível", mas causalmente

relacionado como Mundo; Pressuposição de alguma forma de superação da inegável

não existência futura, morte, e um meio vantajoso de faze La, por fim adiciona que há

um sistema de preceitos que visa relacionar o Humano com o Místico, visando obter

uma série de resultados, em especial uma Transcendência vantajosa da Morte física.

Conforme visto acima, percebemos que o ser humano tem necessidades

inerentes a sua existência, e que quase sempre buscam atendê-las por meios

espirituais, por isso seu relacionamento com a religião seja qual for. Para os

espíritas, há a crença na Reencarnação, já os Cristãos creem na ressurreição e,

fazendo uma análise mais delimitada, com ressaltar que ambas se enquadram

dentro do conceito desenvolvido pelo citado Autor acima veja: Os Cristãos creem na

existência da Santíssima Trindade (Plano Místico), Creem na Bíblia e a tem como

única regra de fé e prática, que devem ser observadas (Sistema de Regra) por fim

acreditam na ressurreição para viverem eternamente com Cristo (Meta existência).

Ainda segundo o autor, excetuando tal tríade, que é fundamental a qualquer

sistema religioso, o resto torna se secundário, pois posto em duvida qualquer destes

elementos ou pressupostos, a reação será imediata. Em suma, na visão deste, todo

sistema religioso propõe alguma explicação sobre o Universo, alguma solução para

a expectativa futura da inexistência, bem como alguma legislação sobre como se

harmonizar com o invisível, que servirá para orientar o fiel no sentido do que fazer

para lograr tais resultados.

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39

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONFLITOS APARENTES ENTRE OS

PRINCIPIOS DA LIBERDADE DE RELIGIÃO E DA IGUALDADE.

3.1 Do Principio da igualdade Após vastas considerações sobre o principio da liberdade de religião, faz se

necessário uma abordagem ao principio fundamental da igualdade, pois em caso de

recusa da prestação de um serviço posto a disposição de todos, a alguém, por

causa de sua orientação sexual, sofre violação o Artigo 3º, inciso IV da CF/88, uma

vez que o Estado Brasileiro tem como fundamento a busca do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.

No tocante a este dispositivo, convém trazer à baila desde já, o voto

esclarecedor do Ministro Ayres Britto no julgamento da ADI 4.277 e ADPF 132,

conforme segue abaixo na íntegra:

Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sócio político-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. [ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, j. 5-5-2011, P, DJE de 14-10-2011.] [grifei].

Conforme o voto acima é perceptível no entendimento da Suprema corte

desta nação que a discriminação ou violação da igualdade, em virtude de orientação

sexual, não é cabível.

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40

Corroborando com tal pensamento, vem, embora trazendo ressalvas, tas

como: não sem uma justificativa plausível, e ainda sem uma razão plausível, o

Professor George Marmelstein60:

Por força da isonomia, há um dever de não discriminar. A constituição, neste sentido, proíbe qualquer tratamento diferenciado a um grupo ou categoria de pessoas visando prejudicá-las. Dentro deste contexto, conclui-se que todos os benefícios jurídicos concedidos a qualquer pessoa não podem ser negados para outras sem uma justificativa plausível.

Discorrendo ainda o renomado autor61 sobre o Direito à diferença, aduz que a

constituição brasileira consagra o direito de cada pessoa ser tratada com igualdade

em relação a sua identidade cultural, ainda quando esta se distancie dos padrões

hegemônicos da sociedade, sendo em sua visão, o que se chama de direito à

diferença, e que, em princípio, seria inválida qualquer medida tendente a

desrespeitar as diferenças, sem qualquer critério de proporcionalidade.

Para ele, a ideia mais elementar de igualdade jurídica é precisamente que os

benefícios normativos concedidos a uma pessoa não podem ser arbitrariamente

negados a outros seres humanos sem uma razão plausível.

Importa reinterar que o autor destaca em sua fala, algumas palavras

importantes, que de pronto trata da limitação desse direito fundamental, (Não

Discriminação), já tratado anteriormente a cima, ou seja: deve haver um critério de

ponderação, não estar eivado de arbitrariedade, por fim a razão para o tratamento

de desigualdade deve estar fundamentada em uma razão plausível.

Quanto a esta parte, convém trazer a baila, a elucidação de Silvano Andrade

Bonfim62, que de forma equilibrada, nos diz:

A liberdade religiosa tem igual proteção constitucional, de sorte que não cometerá crime ou contravenção àquele que, por convicção religiosa, a entender a conduta homossexual como não condizente com os preceitos bíblicos, ou quaisquer outros preceitos emanados de textos considerados sagrados, mas poderá incidir nas penalidades existentes ou que vierem a ser criadas no caso de incitar a perseguição, a abominação, o desprezo, a repulsa, a segregação e a violência para com os homossexuais. Por

60

George Marmelstein. Curso de Direitos fundamentais, 5ª edição pág. 78. 61

George Marmelstein. Curso de Direitos fundamentais. Idem. 62

Bonfim, Silvano Andrade. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 18 – jul./dez. 2011. p.102.

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conseguinte, desde que não extrapolados esses limites, a liberdade religiosa pressupõe a divulgação de suas crenças, quer seja através dos cultos, reuniões, conversas públicas ou privadas, confecção e distribuição de panfletos, vídeos, outdoors, ou outra forma de proselitismo, sendo inconstitucional toda e qualquer medida capaz de restringir o direito de expressão, a propagação das ideias, das opiniões, conquanto possam eventualmente ser desagradáveis, atrevidas ou impopulares, diante das regras democráticas que balizam o País.

No entendimento deste autor, por força do principio da igualdade, a liberdade

religiosa não deve representar salvo conduto para violações de direitos

constitucionais igualmente conferidos aos demais indivíduos, da mesma forma, os

direitos e garantias conferidos aos homossexuais não podem acarretar diminuição

ou interferência na liberdade religiosa ou mesmo na liberdade de expressão e

opinião, posto que o que se combate não é a diferença de opiniões, mas tão

somente o ódio e a incitação à violência e à discriminação.

Interessante que André de Carvalho Ramos63 diz que a igualdade consiste em

um atributo de comparação do tratamento dado a todos os seres humanos, visando

assegurar uma vida digna a todos, sem privilégios odiosos, senão vejamos:

A igualdade consiste em um atributo de comparação do tratamento dado a todos os seres humanos, visando assegurar uma vida digna a todos, sem privilégios odiosos. Consequentemente, o direito à igualdade consiste na exigência de um tratamento sem discriminação odiosa, que assegure a fruição adequada de uma vida digna.

3.2 Do Principio da dignidade Humana

Quanto à expressão “vida digna”, do autor acima, importa ressaltar que a

Constituição da República Federativa do Brasil, ao se alicerçar, procurou

fundamentar conforme já elucidado, sua existência, sobre alguns Princípios, dentre

os quais temos o que Inocêncio Martínez Coelho64 considera como um Princípio de

valor pré-constituinte e, de hierarquia supraconstitucional, a saber: Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana.

Ao dar este tratamento ao referido Princípio, é notório que para este

renomado Autor, tal instituto, está relacionado com um Direito natural do ser

63

Ramos, André de Carvalho Curso de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. pag.625. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017 64

Curso de Direito Constitucional, 4ª edição pág. 172. Inocêncio Coelho, Gilmar Ferreira,Paulo Branco.

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humano, que antecede qualquer texto Constitucional, pois este já nasce com o

Homem, além de destaca-lo, dando lhe um status de Superprincípio, daí a

expressão Supraconstitucional.

Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, em seu

voto da ADPF 15365, tratando sobre este instrumento valorativo, diz sua Excelência

que a dignidade não tem preço, vale para todos quantos participam do humano.

Interessante o pensamento do Ministro Celso de Mello66, onde nos diz que

princípio da Dignidade da pessoa humana é princípio essencial, sendo significativo

vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo ordenamento

constitucional vigente em nosso país e que traduz de modo expressivo, um dos

fundamentos, em que se assenta entre nós a ordem republicana e democrática.

Com isto, percebemos que sendo um valor imensurável, porém valor, a este

princípio, recorrem todos os humanos que por ventura venha a ser tolhido em

qualquer grau concernente a sua condição humana, desde o sofrimento de privação

de algo comum a todos, que lhe seja negado em razão de sua orientação sexual,

bem como a imposição do Estado ao obrigar a pessoa humana a efetuar algo que

lhe fira as convicções religiosas políticas ou filosóficas.

Logo, podemos perceber a possibilidade de inevitáveis ocorrências de

aparentes conflitos e, conforme veremos a seguir, para solução dos mesmos,

seguirá o julgador, o caminho da ponderação, com fim de que haja harmonia

necessária na convivência social, trazendo também a título exemplar, o emblemático

caso ocorrido nos Estados Unidos da América, com desfecho neste ano de 2018

que envolveu tas colisões, e sua acertada decisão, a saber: Masterpiece Cakeshop,

Ltda., et al. v. Comissão de Direitos Civis do Colorado et al Certiorari ao Tribunal de

apelação do Colorado.

3.3 Da Colisão entre Princípios e suas soluções.

Para aqueles que convivem no dia a dia do mundo jurídico, não há duvidas

sobre como solucionar os possíveis conflitos entre as leis, Isto porque quando

65

A Constituição e o Supremo, 5ª edição pág. 27 vol. 1. 66

A Constituição e o Supremo, 5ª edição pág. 29 vol. 1.Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 1989, sendo o decano do tribunal desde 2007.

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ocorrem conflitos aparentes entre estas, tais soluções segue as regras já conhecidas

a saber: leis novas revogam as leis anteriores, leis especiais afastam as gerais e,

assim sucedem. O mesmo não é realizável quanto aos princípios, tendo vista que os

princípios, diferente das leis, que em regra perdem a validade, seguem validos,

ocorrendo apenas uma cedência, a depender do caso concreto.

Robert Alexy67, Ao tratar da problemática referente às possíveis colisões entre

princípios, nos traz o entendimento que devem ser solucionadas de forma

completamente diversa. Para ele, se dois princípios colidem, o que ocorre, por

exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o

outro, permitido, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem

que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser

introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos

princípios tem precedência em face do outro sobre determinadas condições.

Importante tal lição do ilustre doutrinador, pois assim poderemos chegar à

compreensão, de como os julgadores conseguem trazer soluções que

aparentemente, não poderiam ser resolvidas de forma adequada. Isto porque ao se

viver em uma democracia, a opinião de todos deve ser respeitada e resguardada ou

assegurada, por isto a importância da ponderação aplicada na decisão do caso

concreto.

Segue nos iluminando em sua fala o celebre autor, dizendo que diferente das

normas, que discutisse a validade, com os princípios, diferentemente, a discussão

dar-se-ia quanto ao peso68. Ou seja, entendemos que de acordo com esta lição que,

terá precedência o principio que no caso concreto tenha um maior peso, ou seja, á

exemplo do julgado já citado,69 da garota de treze anos, testemunha de Jeová, que

no tocante a condenação dos pais, os aplicadores do direito em ponderação entre

princípios, entenderam pesar mais a liberdade de religião, concedendo o habeas

corpos. Já em relação a adolescente, no entendimento daquela corte, pesara mais o

principio do direito a vida, em detrimento da liberdade religiosa. Ou seja, em casos

futuros, deverá o medico, a contra gosto do paciente, realizar o procedimento de

67

Alexy, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Silva, Virgílio Afonso, pag. 93 68

Idem. 69

Moura, Maria Thereza de Assis. HC Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5). Colisão entre liberdade de religião e o direito a vida. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/100795/Julgados_marcantes_Maria_Thereza.pdf

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transfusão, naquelas pessoas que a exemplo da adolescente, não poderem

expressar sua opinião.

Para uma melhor compreensão sobre como no caso concreto dar-se ia à

solução, o próprio Autor Robert Alexy, nos traz a exemplo o caso Lebach70, onde

enfrentavam se os princípios da liberdade de informação e o direito fundamental da

personalidade, e a ressocialização de um dos envolvidos:

Nessa decisão estava em questão a seguinte situação: a emissora de televisão ZDF planejava exibir um documentário chamado "O assassinato de soldados em Lebach". Esse programa pretendia contar a história de um crime no qual quatro soldados da guarda de sentinela de um depósito de munições do Exército Alemão, perto da cidade de Lebach, foram mortos enquanto dormiam e armas foram roubadas com o intuito de cometer outros crimes. Um dos condenados como cúmplice nesse crime, que, na época prevista para a exibição do documentário, estava perto de ser libertado da prisão, entendia que a exibição do programa, no qual ele era nominalmente citado e apresentado por meio de fotos, violaria seu direito fundamental garantido pelos arts. 1°, § 2°, e 2°, § 1°, da Constituição alemã, sobretudo porque sua ressocialização estaria ameaçada.

Quanto ao caso em tela, após extensa analise sobre tal querela, o Tribunal

Constitucional alemão decidiu pela prevalência, do direito a intimidade, do apelante,

em detrimento do direito da liberdade de informação, uma vez que tal informação

não era uma necessidade atual, porem atual e necessária seria a ressocialização do

apelante. Em nossa compreensão, acertadíssima tal decisão, tendo em vista que

estava em jogo a reinserção daquele eis apenado na sociedade, o que com a

veiculação de tal documentário, o mesmo estaria sofrendo atentado em sua

dignidade, tendo em vista que passaria a viver ás margem da sociedade, por esta

continuar lembrando seu feito, o que seria uma punição ad eterna.

70 Alexy, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Silva, Virgílio Afonso, pag. 99.

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4. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS INTERNACIONAIS

4.1 O caso Masterpiece Cakeshop, Ltda., et al. v. Comissão de Direitos Civis do

Colorado et al Certiorari ao Tribunal de apelação do Colorado.

No dia 04/06/2018, o Jornal o Globo bem como outros veículos de

comunicação, assim estamparam suas capas, trazendo a seguinte manchete 71:

Supremo dos EUA dá vitória a confeiteiro que negou bolo a casal gay. Tal manchete

causou perplexidade em muitas pessoas, tendo em vista uma aparente abertura ou

sinalização para o tratamento discriminatório em relação às pessoas Homossexuais.

Entretanto, a contragosto daqueles que vislumbravam dispensar tratamento

desigual, sem uma justificativa plausível, àqueles que vivem em relação

homoafetivas, tal decisão não lhes satisfaz. Haja vista que conforme analisaremos a

seguir, o tratamento desigual continua sendo vedado, exceto pelos motivos que

deram sustentação a tal acórdão, ou seja, por motivos de crença sincera, firmado no

princípio da liberdade de religião, bem como no instituto da objeção de consciência,

conforme breve relato do caso e parecer daquele tribunal72. Para confirmação do

exposto acima, se faz necessário uma breve exposição sobre o caso, conforme

relato abaixo7374:

Tudo começou em 2012 quando o casal do Colorado esteve em uma confeitaria – Masterpiece Cakesshop Ltd – de propriedade de Jack Phillips com o escopo de encomendar o bolo para celebração da união homoafetiva. Contudo, diante da recusa do confeiteiro de confeccionar o referido bolo em razão de sua oposição religiosa aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, o casal apresentou uma acusação formal à Comissão de Direitos Civis do Colorado, Cabe mencionar que tanto a referida Comissão como o Tribunal Estadual do Colorado entenderam que o confeiteiro infringiu normas legais, tendo a questão chegado à Suprema Corte, julgamento concluído em 04 de junho do corrente ano. Merece

71

Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/supremo-dos-eua-da-vitoria-confeiteiro-que-negou-bolo-casal-gay-22744369. 72

Idem 73. 73

A decisão com o acórdão em língua original encontra-se Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI270660,81042-Caso+envolvendo+liberdade+religiosa+e+discriminacao+sexual+e 74

Disponível em: https://nudiufsm.wordpress.com/2018/06/14/confeiteiro-do-colorado-decisao-judicial-versus-fomento-do-discurso-de-odio/

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destaque o fato de o relator do julgamento ter sido o Juiz Anthony Kennedy, o mesmo que reconheceu em 2015 a legalidade do casamento homoafetivo em todo território norte – americano. A questão enfrentada pela Suprema Corte foi amplamente debatida, sendo que merecem destaque os seguintes argumentos sopesados na decisão: 1- respeito aos direitos que ainda estão sendo conquistados paulatinamente bem como a dignidade dos casais homoafetivos que são casados ou desejam constituir a união, mas que ainda enfrentam discriminação quando procuram bens ou serviços; 2- respeito ao direito da liberdade, entendida também como livre manifestação religiosa e de expressão projetada na arte de criar um bolo decorativo; 3- recusa de criar o bolo para casamento gay ou a recusa de criar um bolo para celebração de casamento de pessoas do mesmo sexo com conteúdo religioso – símbolos ou palavras etc. e 4 – a prevalência do Estado laico, demonstrando assim neutralidade religiosa.

SUPREMO TRIBUNAL DOS ESTADOS UNIDOS J USTICE K ENNEDY apresentou o parecer do Tribunal:

(...) O proprietário da loja disse ao casal que ele não iria criar um bolo para seu casamento por causa de sua oposição religiosa a casamentos homossexuais... Phillips é um devoto Cristão. Ele explicou que seu principal objetivo na vida é ser obediente aos ensinamentos de “Jesus Cristo” em todos os aspectos de sua vida. ”App. 148. E ele procura “honrar a eus através do seu trabalho na Masterpiece Cakeshop”. As crenças religiosas de Phillips é que a intenção de Deus para a humanidade desde o início da história é que o casamento deve ser a união de um homem e uma mulher. “Id”. em 149. Para Phillips, criando um bolo de casamento para um casamento entre pessoas do mesmo sexo seria equivalente a participar de uma celebração que é contrário às suas crenças mais profundas.

4.2. Uma análise sobre a decisão e seus fundamentos

Ao analisar a exposição supracitada, nos deparamos com mais um caso

colidente, envolvendo princípios, a saber: Principio da igualdade, onde caberia ao

Estado, procurar por meio de suas instituições, fazer valer o direito de igualdade nas

relações de prestações serviços atinentes aos homossexuais, e o princípio da

liberdade de religião, bem como o instituto da escusa de consciência, ambos tendo

como corolário, a Dignidade humana. Alem da discussão sobre a condição assumida

pelo Estado quanto a laicismo e laicidade.

No tocante ao tratamento desigual, a Suprema corte dos Estados Unidos da

America, ao analisar o recurso dos confeiteiros, bem como todas as circunstancias

que se desenvolveram os fatos, se posicionou pela sua possibilidade, tendo em vista

que a negativa da prestação de serviços se baseou em uma causa não trivial, porem

legitima, ou seja, tal negação justificou se em uma profunda crença, sincera e

amparada no direito fundamental da liberdade de religião e consciência, pois no

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entendimento dos ministros, confeccionar aquele bolo de casamento, seria o

equivalente a participar de uma celebração que é contrário às suas crenças mais

profundas. Com isto ouve uma preservação do instituto da Liberdade de religião,

bem como a efetividade da escusa de consciência.

Interessante, comentar que, em outro caso, “A. Jack v. Azucar Bakery”, de

negativa de prestação de serviços por objeção de consciência, a Comissão de

direitos civil do colorado, não condenou três padeiros que se negaram a produzir

bolos com dizeres contrários à união homoafetivas, vindo estes a serem absolvidos

por aquela junta administrativa, fato que não ocorreu de forma semelhante e, que o

serviço foi negado, pois os donos da padaria eram a favor de tais uniões , logo

confeccionar tais bolos feria lhes a consciência. Decidiu então, a comissão, por

aprovar a negação de serviço pela Azucar Bakery75, porque o padeiro objetou a

criação de um bolo que refletia uma mensagem que ele não queria transmitir.

A despeito de tal incoerência trazida acima, e de um clássico caso de

discriminação por parte do Estado do Colorado, convém adentrarmos na decisão

acertada da Suprema corte Estadunidense. A priori, relembraremos a lição de

Robert Alexy, ao trazer a solução, quando da ocorrência de colisões entre princípios,

uma vez que tendo estes, valores idênticos, ou seja, sendo fundamentais, será

necessário um sopesamento, ou seja, qual deste terá um peso maior.

No caso em tela, quedou se os nobres julgadores pelo principio da liberdade

de religião, e a objeção de consciência, uma vem que na observação e apuração do

suporte fático, perceberam recusa a uma ideia, a do casamento entre pessoas do

mesmo sexo, ou a oposição a esta união e não a pessoa. Logo ao obrigar o estado

um cidadão a produzir algo que lhe fira a consciência, estaria o obrigado, a sofrer

atentado direto a sua dignidade, pois o confeiteiro, neste caso, ao responder

positivamente ao Estado, estaria contrariando diretamente aos preceitos bíblicos

outorgados por seu Deus e, com isto correndo o risco de viver com peso eterno em

sua consciência, comprometendo assim sua ligação com o divino, bem como sua

metaexistência, e tirando-lhe o sentido da vida, ao tolher o direito de liberdade de

religião, consciência e crença.

75Estados Unidos da America. Suprema corte dos Estados Unidos. Breve de amici curiae william Jack and o centro nacional de direito e política de apoio aos petitioners (2017) Disponível em:> http://www.scotusblog.com/wp-content/uploads/2017/09/16-111_tsac_william_jack_et_al.pdf

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4.3 O Caso Lee v Ashers Banking Company Ltd. e Ors

Por fim, convém inferir neste estudo, que tal demanda judicial, também fora

enfrentada na Europa76, especificamente a Irlanda do norte que enfrentou

semelhante conflito entre o principio fundamental da igualdade em oposição ao

principio da liberdade de religião, afetos a comunidade LGBT daquele País, (Lee v

Ashers Banking Company Ltd. e Ors), decidindo também de forma semelhante à

Suprema corte Americana, pela precedência do principio da liberdade de religião,

em detrimento do principio da igualdade, após uma minuciosa analise de todo

suporte fático, entendendo aqueles magistrados que ninguém pode ser obrigado

pelo Estado a fazer algo que atente contra a sua consciência. Conforme parte da

decisão abaixo:

Ao chegar à conclusão de que não houve discriminação com base na orientação sexual nesse caso, não busco minimizar ou menosprezar o verdadeiro problema da discriminação contra os gays. Também não ignoro a consideração muito completa e cuidadosa que foi dada ao desenvolvimento da lei neste domínio, para a qual o senhor deputado Allen QC chamou a nossa atenção de forma considerável. Todos, como o artigo 1 da eclaração Universal dos ireitos Humanos diz há 70 anos, “nasceu livre e igual em dignidade e direitos”. É profundamente humilhante e uma afronta à dignidade humana negar a alguém um serviço por causa da raça, gênero, deficiência, orientação sexual ou qualquer outra característica pessoal protegida. Mas não foi isso que aconteceu neste caso e o projeto de tratamento igual não é favorável à busca de ampliá-lo além de seu escopo adequado.

Quanto a este caso, diferente dos Estados Unidos, houve unanimidade na

decisão, ou seja, enquanto na Suprema corte America foram sete votos favoráveis

ao proprietário que negou a prestação de serviços, contra dois votos, no Reino

Unido todos os ministros seguiram o relator, legitimando tal negativa, pois se assim

não fosse, a imposição do Estado ao obrigar aquele religioso a confeccionar o bolo

em comemoração ao dia da diversidade na Irlanda, o Estado estaria atentando

contra a dignidade daquele religioso, bem como se do outro lado, estivesse um

cristão pedindo para algum empresário, homossexual, confeccionar bolos com

dizeres bíblicos condenando a pratica da homossexualidade, este também não

76

Lee v Ashers Banking Company Ltd. e Ors https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google.com&sl=en&sp=nmt4&u=http://www.bailii.org/uk/cases/UKSC/2018/49.html&xid=17259,15700023,15700124,15700149,15700186,15700191,15700201,15700237,15700242&usg=ALkJrhi-8t22KN_GihB_LsUOc8gIA_vTag Acesso em 13/12/2018.

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estaria obrigado a fazê-lo, tendo em vista sua discordância quanto aos textos, por

considera-los homofóbicos.

Com isto, verifica-se que ninguém pode ser obrigado a fazer algo que lhe fira

as convicções, sejam religiosas, políticas ou filosóficas, sob pena de

descumprimento por parte daquele ente Estatal, dos preceitos fundamentais,

constitucionais, que garantem a liberdade de crença e culto, bem como a efetividade

dessa liberdade por meio do direito de resistência, ou seja, a objeção de

consciência, reconhecido pelos vários países que vivem um Estado Democrático de

Direito.

Ainda incorreria tal decisão, em contrario com a afirmação desse instituto, em

violação ao Artigo 18 da Declaração dos direitos Humanos das Organizações das

Nações Unidas, que nos diz que todos os seres humanos têm direito à liberdade de

pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de

religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo

ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em

público ou em particular.

Conforme o próprio dispositivo citado, a liberdade de religião esta para ser

efetivada, praticada, manifestada, ou seja, trazida a público, quanto a praticar,

conforme já visto, significa trazer à realidade aquilo que esta na teoria. Logo ao

decidir pela legitimidade da recusa, o que fez esta Suprema corte a semelhança do

Tribunal superior americano, foi reconhecer e reafirmar esse direito fundamental,

milenar que é inerente ao ser humano, de praticar seu culto, mas também,

principalmente por em pratica os ensinamentos considerados sagrados para os

mesmos, a fim de seguirem em contato com o plano místico (Ser Divino) escolhido,

no afã de conseguir sua satisfação pessoal, atinente a meta existência.

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50

CONCLUSÃO

A elaboração deste trabalho permitiu-nos ter uma maior compreensão a

respeito dos direitos naturais da liberdade de religião, igualdade, dignidade da

pessoa humana, bem como do instituto da objeção de consciência, ambos

reconhecidos tanto pelo Texto Constitucional de nosso país, como pelas leis

supranacionais. Podemos observar ainda, que tais valores, a depender do caso

concreto, poderão sofrer limitações, desde que estas não venham a atingir seu

núcleo essencial. Percebendo que, para que haja um afastamento de qualquer

desses direitos, em caso de conflito entre si, será necessária a utilização de um

sopesamento entre eles, afim de que seja trazida uma solução plausível a

convivência social.

Haja vista, vivermos em uma época de pluralidade, onde cada vez mais

surgem novos arranjos familiares, e com isto, a necessidade de um amparo legal

aos mesmos, por parte dos entes Governamentais. Ao procurar amparar tais

grupos, evitando que os mesmos vivam á margem, frente à maioria tradicional, seja

através de leis, ou como nos casos jurisprudenciais trazidos a baila, deve o Ente

Estatal procurar agir com equilíbrio e evitar que institutos garantidores das

liberdades individuais, seculares ou milenares, sejam aniquilados em nome de uma

igualdade absoluta.

Percebeu se que a Suprema corte Estadunidense, bem como a Suprema

corte do reino Unido, reafirmaram a garantia dos Direitos de liberdade de religião,

assim como o instituto constitucional da escusa de consciência, ao reformar as

decisões da comissão de Direito Civis do Colorado, bem como os acórdãos dos

tribunais de apelação daqueles Estados.

Por fim, quanto ao Brasil, convém ressaltar que quando legislador

constituinte, no artigo 19 e inciso I da CF/88, veda à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios embaraçar o funcionamento das instituições, vem garantir

a organização autônoma das mesmas, logo estas instituições, são regidas por seus

livros sagrados, bem como seus estatutos, com isto, se determinada organização se

nega celebrar casamentos a pessoas em relacionamentos homoafetivos, ou ao

descobrir que algum de seus adeptos está em tal pratica e o exclui da comunidade,

tal decisão é respeitada pelo estado com fundamento no texto supracitado.

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Interessante também, que a Carta Magna de nossa nação, garante no artigo

5º, VI, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Todavia,

passamos a refletir que, se o estabelecimento, pessoa jurídica, tem toda essa

proteção constitucional e, inclusive imunidade tributária garantida pelo legislador

constituinte, compreende-se que todo esse aparato, não esta para a instituição, uma

vez que a razão desta existir são aqueles que têm o direito fundamental de

expressar sua espiritualidade, ou seja, a pessoa humana que é possuída desse

axioma, a saber, a dignidade.

Isto exposto, concluímos que se a instituição, pessoa jurídica, é respeitada

em suas tomadas de decisões pelo Estado, em virtude da força do artigo 19, VI, e,

se esta existe por conta da pessoa humana, como poderia o estado não respeitar a

consciência daqueles que exprimem uma crença sincera, e são o motivo da

existência da pessoa jurídica? Logo, em casos semelhantes em nossos tribunais,

tornar se ia possível a legitimidade de tal negação, desde que fundada nos motivos

elencados, ou seja: Com base na liberdade de religião, na objeção de consciência,

isto se verificando todo suporte fático in concreto, sendo suficiente a nossa Carta

Magna, bem como as declarações e tratados Internacionais dos quais o Brasil é

signatário, para suportar tais decisões.

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BIBLIOGRAFIA

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OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO E NA ATUAÇÃO DO POLICIAL

MILITAR EM PERNAMBUCO

Enock Flávio Cavalcanti Gonçalves Espíndola

Yanne Katt Teles Rodrigues Alves

RESUMO

A Constituição Federal Brasileira da 1988 evidenciou que não se pode ter uma polícia

sem que haja a promoção e respeito aos princípios dos direitos humanos, contudo,

atualmente ainda existe uma grande dicotomia entre a atuação do agente da segurança

pública e a defesa dos direitos humanos. O policial da atualidade deve ser educado de

forma que se transforme em um policial cidadão, garantido os direitos supracitados a

todos, sem exceção. E é deste modo que no decorrer dos anos foram inseridas matérias

humanísticas nos cursos de formação desses agentes para educá-los acerca do que se trata

os direitos humanos e como atuar na função de agente da segurança pública respeitando

esses princípios. É certo que há uma grande discrepância do que se é passado aos agente

e do que é posto em prática no momento de sua abordagem, visto que muitos docentes

não possuem formação capacitada para repassar tais matérias, o que dificulta a formação

do policial militar, pois não é somente o inserir da matéria no curso, mas sim o processo

de aprendizado e como esse processo é formado, verificando se ocorre a abordagem

transversal dos temas, bem como se propicia ao agente o vivenciar dessas matérias no

cotidiano de sua profissão. O Estado de Pernambuco foi um dos primeiros a implementar

a matéria de Direitos Humanos na Formação do Policial Militar do Estado, contudo, ainda

faz-se necessário uma capacitação do corpo docente encarregado do perpasse das matérias

humanísticas, para que não gere diferenças discrepantes no tocante ao que é passado em

sala de aula e o que é colocado em prática na atividade policial. A pesquisa tem por

objetivo abordar a evolução da matéria nos cursos de formação desses agentes, bem como

observar se o processo de formação é colocado em prática na atuação desses policiais,

baseando-se nos preceitos de uma boa educação e do respeito a dignidade da pessoa

humana no exercício da força policial. O resultado esperado será verificar se a formação

desse agente está de acordo com a legislação e os tratados da área, bem como se identifica

uma crescente evolução na promoção desses direitos pelo policiamento militar de

Pernambuco.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos. Formação do

Policial Militar de Pernambuco.

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INTRODUÇÃO

As metas estabelecidas aos militares na perspectiva do desenvolvimento

e comprometimento relacionados a cultura de respeito e promoção dos direitos

humanos é um dos grandes desafios quando há uma reflexão em como será a

aplicação de tais atos em suas funções, as quais são relacionadas ao exercício legal

da segurança pública. Dessa forma, com essas metas alcançadas, é que poderá

ocorrer a possibilidade desses agentes se tornarem os verdadeiros promotores dos

direitos supracitados.

A segurança Pública, em especial a Polícia Militar, são os principais

responsáveis pela preservação da ordem e incolumidade das pessoas e de seus

patrimônios. Antes da inserção dos direitos humanos na atuação policial, os militares

se viam muito dependentes do Estado, quando se falava em defesa de seus

interesses relacionados a defesa dos cidadãos. A ideia era buscar por meio de um

processo democrático, mais direito e com liberdade em sua atuação, um agir de

forma coerente e oportuno em relação a aplicabilidade dos direitos.

Ao falar em liberdade ou limitação da atuação policial, de imediato,

percebe-se que os poderes atribuídos a eles devem ser respeitados e controlados,

evitando ferir a dignidade e confiança social, e com essa liberdade vem a existir

muitas críticas no tocante a atuação e observância aos direitos humanos.

Atualmente, o Estado tem inserido de forma mais convicta e precisa os

princípios e métodos de atuação da força policial em consonância aos direitos

humanos, progredindo razoavelmente com o decorrer do tempo e das atualizações

na Malha Curricular perpassada aos agentes em formação.

Apesar de ser-lhes atribuídos o uso da força e a utilização de armas de

fogo contra um indivíduo que cometem algum tipo de crime, esse uso não será

voltado apenas ao dever de obediência, deverá seguir os preceitos dos direitos

humanos, possuindo o equilíbrio ético, moral, técnico e legal. Desse modo, a

sociedade passa a ver o labor policial como atividade necessária voltada a proteção

social inserida no ordenamento jurídico promovendo os direitos humanos em sua

tática de atuação.

A ONU impõe sempre o dever de planos estratégicos frente a execução

da atividade militar, tendo respeito a todos os elementos supracitados,

principalmente nos que são voltados a lei.

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2

Todo esse método estratégico está ligado a possibilidade de

relacionamento coerente perante a sociedade, agindo sempre de forma justa e

igualitária, fazendo estabelecer-se o apoio dos que habitam no meio social, visando

a cooperação em conjunto do respeito à lei e da possibilidade de evitar que novos

delitos ocorram.

O presente estudo perpassa sobre questões que envolvem a formação e

alguns pontos relacionados ao cotidiano do agente da Polícia Militar de Pernambuco,

os aspectos mais importantes da sua atividade, as políticas atuais relacionadas a

proteção de seus direitos elementares, e com base através desse levantamento,

identificar outras ferramentas eficientes que possam ser adicionadas, com o intuito

único de lapidar este agente que traz consigo a intensa tarefa de enfrentar os males

que assolam a sociedade, sem deixar de assegurar os direitos humanos dos

cidadãos.

A disciplina de Direitos Humanos foi incluída nos cursos de formação dos

Policiais Militares do Estado de Pernambuco no ano de 1998, o que foi considerado

um grande avanço no discurso desse tema na formação das corporações.

Não é difícil deixar de observar na mídia brasileira a exposição de ações

acerca da violência aplicada pelo corpo policial em sua atuação. Essa violência

herdada desde a época da ditadura, persiste por questões da não punibilidade do

agente público agressor, o que se torna notarialmente pública a cobrança para os

órgãos responsáveis estabelecer providências cabíveis.

Desta feita, o objeto do presente projeto de pesquisa é o estudo da Inserção

dos Direitos Humanos na educação no Curso de Formação do Policiais Militares do

Estado de Pernambuco (PMPE), bem como relacioná-la na atuação desses agentes,

expondo questões históricas e atuais acerca da aplicação da força policial em meio

as necessidades da população.

Para chegar ao resultado almejado, foi verificada a malha curricular do

curso de formação dos agentes da Polícia Militar do estado, visando se esta segue

os preceitos determinados com os princípios presentes no Plano Nacional de

Educação em Direitos Humanos, além de analisar os reflexos da formação na prática

do policial militar, identificando a postura dos agentes da segurança pública à luz

dos direitos preceituados.

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1. BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA MILITAR NO BRASIL

1.1 Do Brasil colônia ao Brasil Imperial

Segundo o pesquisador Durland Puppin (2011), no ano de 1500 os

portugueses chegaram no território brasileiro, iniciando definitivamente sua

colonização, sob as ordens do regime de D. João III, na aplicação do sistema das

capitânias hereditárias. Porém, D. João III constatando que as capitanias não estavam

gerando o progresso pretendido resolveu instituir um governo geral, cuja atribuição de

presidir a justiça era atribuída a um provedor geral, o governador geral.

No ano de 1599 iniciaram-se as invasões holandesas, que ocuparam o

nordeste do Brasil, conquistaram a Baía e a Paraíba, também ocuparam o Maranhão,

mas em 1654 foram expulsos definitivamente do país.

De acordo com o jornalista Marcos Luiz Bretas:

Com a chegada de D. João VI ao país com toda a Família Real Portuguesa, em 1808, foi criada a Intendência Geral da Policia da Corte e do Estado do Brasil, instaurada na então capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, visto que tal modelo funcionava bem em Lisboa, solucionando os conflitos que surgiam na capital portuguesa. Essa Intendência-Geral tinha como principais atribuições a investigação de crimes e captura de criminosos, mas principalmente a captura de escravos que fugiam de seus donos. (BRETAS, 1998).

Quem comandava era o intendente-geral da polícia, o advogado brasileiro

e formado em Lisboa, Paulo Fernandes Viana1, ocupando um cargo de

desembargador, possuindo poderes que iam além das funções policiais, pois, podia

julgar e punir pessoas acusadas de cometerem delitos menores.

Ainda nas palavras de Bretas, a criação da Intendência Geral da Polícia

tinha como ideal “civilizar” a cidade brasileira ao estilo europeu, pois o Rio encontrava-

se em meio ao caos, pois tinha como população escravos, pobres, uma cidade sem

saneamento ou coleta de lixo, o que não se enquadrava na ideia de uma cidade que

seria o local de instalação da Família Real.

1 Desembargador e ouvidor da Corte, foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, que relatava que ele possuía jurisdição ampla e ilimitada, cabendo a ele não somente as questões de polícia, como também investigações, combate ao crime, questões de ordem pública, urbanização, saneamento, controle de pestes, manutenção predial, sendo assim, possuía poderes que atualmente pode ser comparado ao exercício de uma prefeitura. Ficou no cargo por doze anos, atuando como uma espécie de ministro da segurança pública.

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4

As funções atribuídas a instituição eram muitas, algumas podem ser

comparadas as atribuições de serviços delegados por uma prefeitura, pois tal

instituição tinha o poder de urbanizar, pavimentar ruas, ampliar sistema de iluminação,

construir pontes, entre outras atribuições que no decorrer do tempo o acumulo delas

não conseguiam mais satisfazer os interesses do reino.

Foi a partir dessa Intendência-geral da Polícia da Corte e do Estado do

Brasil que surgiu as Polícias Civis presentes atualmente no nosso país, com previsão

no artigo 144, parágrafo 4º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, 1988).

Segundo Aderivaldo (2009), com o crescimento da criminalidade, era

necessária a criação de alguma força de intervenção mais eficaz e foi que no ano de

1809 que foi criada a Guarda Real de Polícia, possuindo em sua organização

características fortemente militares, visto que seus oficiais eram providos da infantaria

e cavalaria da Corte, formada por o que havia de disponível no exército, considerando-

se que os militares não queriam ceder bons soldados para a formação do corpo de

polícia, que possuía amplos poderes para manter a ordem da sociedade à época.

Relata ainda que:

A atuação de tais policiais era na maioria das vezes truculentas, cheias de violência e arbitrariedades, contudo, agradavam aos propósitos do reino, e como não possuíam recursos próprios, seus recursos eram providos por meio de taxas públicas, auxílios pecuniários de comerciantes e empréstimos privados. A cidade repleta de escravos, onde sua cultura, tida como desordem, era fortemente repelida, tudo para que a sociedade entrasse nos moldes europeus, sendo assim, qualquer forma de demonstração cultural, religiosa ou artística que não se encontrasse nos moldes previstos, eram tidos como desordem e consequentemente, impedidas de prosseguirem, isso com o abuso da violência e do autoritarismo, prática exercida por muitos até os dias atuais. (ADERIVALDO, 2009).

A Guarda Real possuía um corpo de poucos homens para uma população

em crescimento constante, além da decorrência de um grupo de amotinados.

Observando sua ineficácia, a Guarda Real foi extinta em 1813, e seus oficiais foram

redistribuídos pelas unidades do Exército e os praças, sendo criado no mesmo ano o

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Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que teve como um dos seus primeiros

comandantes o tenente-coronel Lima e Silva, futuro Duque de Caxias2. Em 1866 o

Corpo de Guardas Municipais Permanentes foi denominado de Corpo Militar de

Polícia da Corte, posteriormente, em 1920, recebeu a denominação de Polícia Militar.

A historiadora Célia Regina afirma:

Os policiais eram compostos por voluntários, na maioria das vezes optavam por tal carreira por não vislumbrar outra oportunidade de trabalho. Além do mais, por tratar-se de voluntários que não possuíam instrução técnica acerca da atividade policial, em grandes ocasiões eram acusados de indisciplina, entre outras queixas, nas quais acarretavam em uma patrulha deficiente, além de não possuírem em seu quadro um quantitativo de agentes que fossem suficientes para suprir as demandas necessárias a eles atribuídas. (PEDROSO, 2005).

Os castigos disciplinares eram demasiadamente rígidos, além de não

conseguirem almejar uma escalada social, visto que o soldo que recebiam eram

baixos demais, bem como o prestígio social, observando-se que a carreira de policial

era menosprezada na época como fatos de ascensão social.

Ainda aponta, que na verdade, os policiais eram designados apenas de

uma parte do controle social, pois visavam apenas a vigilância das classes

consideradas mais perigosas, ou seja, os escravos livres e os pobres livres, bem como

na captura de escravos fujões, e repreendiam tumultos de rua, condutas consideradas

erradas, como a prática da capoeira, e também se dedicavam a capturar indivíduos

que praticavam pequenos roubos e furtos.

A composição das polícias no Brasil foi articulada prioritariamente de forma

a conter a desordem e a imoralidade que assolavam as cidades brasileiras,

principalmente a capital federal. Por outro lado, procurou-se também conter todo e

qualquer tipo de distúrbio de origem político-social que viesse a desestabilizar o poder

nos estados brasileiros.

1.2 Brasil República (República Velha)

A Proclamação da República Brasileira aconteceu em 15 de novembro de

2 Luís Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, apelidado de “O Pacificador “e “O Duque de Ferro”, foi um militar, político e monarquista brasileiro, que seguiu a carreira militar, assim como seu pai e tios e lutou contra Portugal na Independência do Brasil.

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1889, ficando marcado na história desse país, a figura do Marechal Deodoro da

Fonseca3 como o grande responsável pela proclamação da república, liderando o

golpe contra o Império e por ter sido o primeiro Presidente da República brasileira no

governo provisório que foi de 1889 a 1891. Contudo, após as eleições de 1891, que

ocorreram de forma indireta, visto que apenas os parlamentares votaram, Deodoro

permaneceu como presidente, possuindo como vice o marechal Floriano Peixoto, que

posteriormente assumiria o cargo de presidente.

A proclamação trouxe uma nova reorganização do aparato repressivo do

estado. A nova ordem política presente no país mudou consideravelmente as relações

entre as elites políticas existentes, também alterando as relações existentes entre as

classes dominantes e subalternas, e separando a igreja do Estado.

Iniciou-se um novo período na história brasileira, além da abolição por completo da escravidão no país4 e a instauração de um federalismo descentralizado, o intenso crescimento da população urbana fez-se necessário modificações profundas nas instituições policiais (CARDOSO, 2009).

Novos mecanismos de controle social tiveram que ser desenvolvidos,

sendo assim, surgiram a constitucionalização do Habeas Corpus e ocorreu a reforma

do Código Penal em 1890, na qual deixavam os aspectos mais claros acerca da

legalidade da prisão e sobre o princípio da Ampla Defesa. Além disso, o novo código

trouxe uma maior importância acerca das práticas dos indivíduos tidos como

perigosos, que em maioria eram os escravos livres e a classe pobre brasileira. Essas

práticas que variavam de vadiagem, prostituição, até costumes de cultura como a

capoeira, foram tratadas como crimes, e eram assim que se tinha um melhor controle

sobre tais grupos.

O período republicano no Brasil, durou de 1889 a 1930, sendo uma

republica controlada pelas oligarquias agrárias dos estados de São Paulo, Minas

Gerais e Rio de Janeiro, estados interligados pela cultura do café.

3 Marechal Deodoro, alagoano, integrou tropas militares que se dirigiram a Pernambuco para combater a Revolução Praieira, sendo peça importante em outras revoluções durante o período do Império. 4 Em 13 de maio de 1988, através da lei áurea, a liberdade total e definitiva foi alcançada pelos negros brasileiros, lei assinada pela Princesa Isabel, filha de D. Pedro III, abolindo assim por completo a escravidão no nosso país.

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1.3 A Era de Getúlio Vargas

Os registros da época marcam a Era Vargas como o período em que

Getúlio Vargas governou o país por 15 anos, no qual realizou várias alterações na

política, na sociedade e na economia brasileira, iniciando seu governo com o golpe de

1930, se estendendo a 1945.

O Prof. Ms. Nilson Carvalho (2008) ressalta que a Era Vargas retirou o

poder das oligarquias cafeeiras e dividiu seu período no governo em três momento: O

Governo Provisório, que perdurou até uma constitucionalização do país em 1934,

dando origem ao Governo Constitucional e, por fim, o Estado Novo.

No tocante as forças policiais, em janeiro de 1933, houve a criação da

Delegacia especial de Segurança Política e Social (DESPS)5, a qual era a responsável

por examinar publicações nacionais e estrangeiras, além de fazer dossiês de qualquer

organização política existente que possuía políticas e indivíduos considerados

suspeitos.

Segundo a Professora Thaís Francisco, a DESPS funcionava

independentemente da polícia administrativa e da polícia judiciária, sendo

subordinada diretamente ao chefe de polícia civil do Distrito Federal, compondo uma

polícia política no Brasil, possibilitando a reformulação de toda uma estrutura policial

no país. Desta feita, a polícia política passou a concentrar em suas mãos os meios

legais que a permitiam atuar de acordo com seus próprios critérios no trabalho de

repressão por todos o país.

Foi no Governo de Vargas que a Lei Federal nº 192, de 17 de janeiro de

1936, reorganizou as Polícias Militares dos estados, a deixando como uma reserva do

exército em casos de guerra externa ou comoção interna, assim, segundo Crusuoé

Jr, essa lei demonstra uma preocupação do Governo em relação ao comando das

polícias estaduais, onde a intenção era obter um controle sob essas polícias,

centralizando o poder nas mãos do governo.

Também ocorreu nesse período a criação da Lei de Segurança Nacional

(LSN) de 1935, Lei de nº 38, pois, no decorrer do governo pro ele presidido, foram

5 A Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS) foi criada em 10 de janeiro de 1933 pelo Decreto n° 22.332 durante o Governo Provisório, com o objetivo de entrever e coibir comportamentos políticos divergentes, considerados capazes de comprometer "a ordem e a segurança pública". Era diretamente subordinada à Chefia de Polícia do Distrito Federal e possuía uma tropa de elite, a Polícia Especial.

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decretados várias vezes o estado de sítio e o de guerra, visto a ocorrência de

diferentes ideais políticos que estavam sendo disseminados, e sendo assim, em 14

de dezembro, a LSN é reforçada com a Lei de nº 136, a qual definia novos crimes em

face da ordem pública, dando mais poderes ao Estado no combate a subversão, que

possuía finalidade específica de controlar crimes contra a ordem política e social,

exercendo um regime mais rigoroso sobre tais crimes, deixando de lado as garantias

e aspectos processuais previsto em lei.

A LSN foi criada perante o grande embate político que existia na época,

visto que Vargas eleito indiretamente perante um golpe articulado por um grupo

político conservacionista, queria proteger-se de seus opositores, utilizando-se da LSN

para combater fortemente quaisquer ideais compartilhados e promulgados, bem como

realizavam perseguições e, em alguns dos casos, prisões de seus opositores e

inimigos políticos, numa crescente radicalização política contra o considerado setor

de esquerda.

Não obstante, foi no Governo Vargas que ocorreu a criação do DIP

(Departamento de Imprensa e Propaganda), onde eram realizadas as divulgações dos

feitos considerados positivos do Estado, enquanto censuravam fortemente qualquer

meio de comunicação que fosse contra aos ideais do governo.

O Governo Varguista, como qualquer outro governo, possuiu pontos

positivos e negativos, contudo, no âmbito militar, a questão de maior importância foi o

controle centralizado do governo sobre as forças policiais, como forma de priorizar o

combate aos pensamentos e indivíduos opositores. E foi com o apoio de generais que

um movimento militar liderou a queda desse governo ditatorial em 1945, depondo

Getúlio Vargas do poder, restando a Lei de Segurança Nacional ser mantida nas

Constituições brasileiras que sucederam, lhe cabendo algumas alterações.

Lígia Lopes explana que:

Vargas foi forçado a renunciar através de uma ação militar combinada entre a UDN (União Democrática Nacional) e o Exército brasileiro. Além disso, o mundo vivia o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos países democráticos contra ditaduras com caráter fascista, assim, tornava-se quase que inconcebível a manutenção de um regime anti-democrático no Brasil. Lembrando que o governo de Vargas apoiou os Aliados na luta contra os governos nazistas e fascistas. (FORNAZIERI, 2015).

Durante todo esse período, segundo Crusoé, as forças policiais militares

dos estados brasileiros progrediram na direção de serem elementos complementares

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ao Exército, tendo sempre se direcionado a atendê-lo em manobras militares. Em

decorrência desse caráter cultural, um novo ordenamento institucional, que garantisse

novos paradigmas técnicos na formação do policial, havia de estar situado num

programa militar que tivesse no Exército o seu ponto de partida, mesmo porque havia

sido o Exército um dos artífices da revolução. A historiadora continua o pensamento

afirmando que Vargas não deixou o cenário político por completo, pois tornou-se

senador do Estado do Rio Grane do Sul.

E em 1951, lançado como candidato pelo Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB)6 em uma campanha de cunho populista, obtendo a maioria dos votos e

tornando-se novamente presidente do Brasil, contudo, de maneira democrática, como

dito na época: “nos braços do povo” 7.

Com a redemocratização8, as forças policiais estavam mais atentas a

questão do cidadão. Pois, conforme afirma (OLIVEIRA, 2015):

A formação do corpo policial envolvia apenas a alfabetização dos soldados, bem como matérias que abrangiam topografia, táticas de guerra, balística, infantaria, educação física entre outras, as quais mostravam que a formação era designada unicamente para fins militares, deixando de lado questões mais humanísticas, se deparando ao combate do “banditismo9” da época.

Era na cidade de Jaboatão dos Guararapes que ocorriam os cursos que

formavam e aperfeiçoavam os oficiais e praças do Estado de Pernambuco. Esses

cursos aconteciam no Centro de Formação e Aperfeiçoamento (CFA) criado em 1961.

E foi em 1964 que foi deflagrado o golpe militar no país, onde a polícia foi utilizada

6 O Partido Trabalhista Brasileiro, também reconhecido pela sigla PTB, fundado em 15 de maio de 1945, concebido como um grande partido de massas que teria como base o proletariado urbano beneficiado pela legislação trabalhista implantada no Estado Novo 7 Getúlio Vargas venceu as eleições de 3 de outubro de 1950 pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com 48,7% dos votos. Possuindo um segundo governo considerado nacionalista, com frases de efeito divulgadas na impressa como “só morto sairei do Catete”. Na Câmara Federal, o PSD reuniu 112 deputados, a UDN conseguiu 81, o PTB conquistou 51 e o PSP (Partido Social Progressista) - comandado por Ademar de Barros, com grande força política em São Paulo - obteve 24 deputados; os demais partidos ficaram com 36 deputados. 8 Redemocratização é o termo designado ao processo de restauração da democracia e do estado de direito em países que sofreram períodos considerados ditatoriais ou autoritários. 9 O cangaço foi um fenômeno social, político e cultural de boa parte da região Nordeste (excetuando os estados do Piauí e do Maranhão). O chamado ciclo do cangaço tem diferentes datas como referência, mas abrange principalmente a segunda metade do século 19 e a primeira do século 20, possuindo Lampião como o Líder mais conhecido do movimento ao lado de Maria Bonita, ambos decapitados em 1938.

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como aparelho de repressão do governo, acontecendo nesse período a maior

vinculação e a subordinação ao Exército Brasileiro.

Com a chegada do fim da Ditadura Militar em 1985, ocorreu uma grande

expectativa de dias melhores. Foi então que em 1987 se instaurou a Assembleia

Nacional Constituinte, que veio a culminar com a Constituição Federal do Brasil de

1988, trazendo diversas inovações importantes para Segurança Pública, se

comparado com que era antes denominado "tradicional" para os policiais militares.

As inovações propostas pela Constituição, relacionadas à Segurança

Pública, foram extremamente significativas, onda há uma tentativa legal de mudança

do paradigma reativo para uma ação policial proativa (preventiva). Nota-se de

imediato, tal inovação, ao observar a inclusão do princípio da gestão participativa na

resolução dos problemas da violência e das transgressões.

A Constituição Federal de 1988 elegeu entre seus objetivos fundamentais

a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e o respeito à dignidade

da pessoa humana. Dessa forma fica perceptível, segundo Carvalho Soares

(CARVALHO, 2007; SOARES, 2006) que seguindo o modelo democrático, a

Segurança Pública é via de acesso à cidadania plena para garantir o respeito à

dignidade da pessoa humana e aos próprios Direitos Humanos.

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2. OS DIREITO HUMANOS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POLICIAL

MILITAR DE PERNAMBUCO

Uma educação eficiente na formação do profissional da segurança pública

é uma ferramenta de importância ímpar na elevação desse agente a excelência, para

tanto, requer que o Estado proporcione tal educação de forma adequada e qualificada,

com a conjuntura da sociedade presente, visando harmonizar uma educação

profissional com conhecimentos, habilidades e práticas condizentes com os Direitos

Humanos.

A Educação pela ótica dos Direitos Humanos era vista como forma

estratégica das políticas públicas de segurança e justiça, que certificava as relações

entre uma cultura de promoção e defesa dos direitos humanos e a democracia, que

busca conhecimentos técnicos, habilidades e competências dos profissionais que

coadunam com os princípios democráticos. Desse modo, o ensino dos direitos

humanos deveria ser integrado nas práticas desses profissionais, que se manifestam

nas mensagens, atitudes e valores presentes na cultura das escolas e academias,

nas instituições de segurança e justiça e nas relações sociais (BRASIL, 2007).

Os Policiais militares são agentes de transformação social, colocados num ponto privilegiado da sociedade, pois, de um lado, representam a face mais visível do Estado e do outro lado estão mais próximos da população e consequentemente, mais próxima dos seus conflitos sociais. São profissionais que podem e devem ser os mais promissores agentes de promoção dos direitos humanos. (CARVALHO, 2017).

O tema Direitos Humanos teve sua implementação nas discussões acerca

do tema nos anos de 1930, restringindo-se aos conhecimentos de determinadas

garantias sociais e direitos, que veio a se dissipar com o período de regime militar na

década de 1960, com o abuso autoritário e violento das forças policiais que serviam

exclusivamente aos desejos do Exército, desrespeitando os direitos salvaguardados.

Desta feita, foi notório o poder exercido pelo Estado, se valendo das forças

policiais para alcançar os objetivos determinados, transformando o corpo policial em

uma força violenta, e imune a reclamações, como afirma Cunha.

Naquela época, a PM foi usada como extensão dos órgãos de repressão da ditadura e o uso da violência e a tortura se tornaram rotina e práticas autorizadas pelo Estado. A polícia de São Paulo foi uma das primeiras a ser militarizada logo depois do golpe, com a imediata incorporação e comando

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da PM pelas Forças Armadas. (CUNHA, 2004).

Para entendermos melhor o histórico da formação do policial militar de

Pernambuco é necessário recorrer aos processos de formação utilizados no decorrer

do tempo.

2.1 Histórico das Malhas Curriculares dos Cursos de Formação

No período do Brasil Colonial, regido pelo Imperador D. Pedro I, a

preocupação com a formação do corpo policial era inexistente. Em 1825 ocorreu o

decreto que instaurou a criação da Policia Militar de Pernambuco.

Oliveira (2015), afirma ainda que, em 1929 a formação dos soldados era

apenas a alfabetização, enquanto os sargentos e oficiais tinham disciplinas como

topografia, educação física, infantaria e tiro, armamento e serviço de campanha, entre

outras, que demonstravam uma formação era voltada exclusivamente para criar um

contingente militar no combate ao banditismo.

Com o passar dos anos, em 1961, no município de Jaboatão dos

Guararapes, o CFA foi criado, Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos oficiais e

praças do Estado de Pernambuco. Ocorre que, com o golpe militar instaurado em

1964, o corpo policial do estado era utilizado como máquina repressiva do então

governo, criando um vínculo de subordinação ao Exército.

Cavalcanti (1995) afirma que:

Durante o período do golpe militar, o CFA não ficou responsável pela formação dos oficiais, assumindo a designação de CFAP, Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, passando a responsabilidade da formação dos oficiais a Academia de Polícia Militar de Paudalho (AMPM).

Esse período teve como marco a brutalidade, a violência e as violações

orquestradas em face dos direitos humanos por meio da força policial, que se

utilizavam desses meios para dissuadir e intimidar os que acreditavam-se ser seus

opositores ideológicos. Chegando a utilizarem-se da tortura como forma de obter

informações acerca de planos, ou organizações dos opositores do governo em

questão.

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Cabe ressaltar que, inúmeros Atos Institucionais10, que modificavam as

instituições do país, dentre eles, o Ato Institucional de número 5 (AI-5), que certamente

foi um dos mais severos existentes, decretado pelo então Presidente da República

Costa e Silva, dando poderes suficientes para poder fechar o Congresso e suspender

a garantia a população ao habeas corpus.

Segundo Boris Fausto no livro História do Brasil (2003), “O AI-5 foi o

instrumento de uma revolução dentro da revolução ou, se quiserem de uma

“contrarrevolução dentro da contrarrevolução”.

No decorrer do período militar, as disciplinas eram inseridas através do

Exército por meio de sua Inspetoria Geral dos Policiais Militares (IGPM), quando

apenas em 1999, houve a implementação de matérias que possuíam relação com os

direitos humanos, chamadas de correlatadas, segundo Oliveira (2015).

Ao fim do período ditatorial militar brasileiro e com o advento da nova

Constituição Federal de 1988, a Polícia Militar de Pernambuco inaugurou seu primeiro

Curso de Formação de Soldados (CFSd), no qual foi inserido a matéria de Direitos

Humanos, sendo alvo de muitas críticas e resistência, devido ao caráter e o sentido

histórico da matéria, como continua Oliveira (2015), expondo o adimplemento de uma

matéria isolada não surtiria efeito visto que a formação desses oficiais ainda era muito

militarizada.

Após o CFSd de 1998, o curso ocorreu por mais um ano, em 1999,

absorvendo toda a malha curricular utilizada no primeiro, o que só viria ocorrer

novamente nos próximos cinco anos, e foi durante esse período de hiato do curso que

várias mudanças aconteceram no tocante a segurança pública no Brasil e no Estado,

sendo a primeira delas a criação do SENASP, no ano de 1997.

O SENASP foi o órgão vinculado ao Ministério da Justiça, criado para

estimular ações nas organizações de segurança pública brasileira. A criação da

Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco, em 1999, englobou a Policia

Militar, e logo no ano seguinte, o Governo Federal lançou as Bases Curriculares para

a Formação dos Profissionais de Segurança e do Cidadão, apresentando em 2003 a

primeira versão da Matriz Curricular Nacional.

10 foram normas especiais elaboradas por Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ou pelo Presidente da República, com o respaldo do Conselho de Segurança Nacional, entre os anos de 1964 e 1969, e estavam acima de todas as outras normas e até mesmo da Constituição e não estão mais em vigor desde o fim do Regime Militar

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O Estado de Pernambuco foi pioneiro na aplicação da Matriz no Curso de formação de Soldados, ocorrido em 2004, justamente pela participação em sua elaboração, sendo o primeiro a apresentar uma interdisciplinaridade no currículo, pois se apresentava sob a égide de eixos articuladores e áreas temáticas propostas pela Matriz Curricular Nacional. (OLIVEIRA, 2015).

O que restou demonstrando o interesse de fomentar uma polícia mais

cidadão, obtendo disciplinas que transitavam por diversas áreas que seriam campos

de atuação desses agentes.

A criação da Academia Integrada de Defesa Social (ACIDES), órgão

subordinado a Secretaria de Defesa Social, que centralizou o ensino das unidades de

formação existentes das Instituições de Segurança Pública, oferecendo uma gama de

conhecimentos voltados a defesa social, segurança pública e defesa civil.

Foi com essa decisão de integralizar as instituições do Estado, que a ideia

de uma formação continuada com diversos atores das três instituições na mesma sala

de aula, quais são, Polícia Militar, Polícia Civil, e o Corpo de Bombeiros Militares do

Estado.

Segundo Eduardo Scanoni (2017), a ACIDES surgindo como instituição

centralizadora abarca os quatro centros de formação existentes e lhes dá outra

nomenclatura, sendo eles:

• Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP): unidade de ensino responsável pela formação e aperfeiçoamento dos praças da Polícia Militar de Pernambuco, passou a ser chamado de Campus de Ensino Metropolitano I (CEMET-I); • Academia de Polícia Militar do Paudalho (APMP): unidade de ensino responsável pela formação e aperfeiçoamento dos oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, passou a ser chamada de Campus de Ensino da Zona da Mata (CEMATA); • Centro de Ensino e Instrução Bombeiro Militar (CEIBOM): unidade de ensino responsável pela formação e aperfeiçoamento dos praças do Corpo de Bombeiro Militar de Pernambuco, passou a ser chamado de Campus de Ensino Metropolitano II (CEMET-II); • Academia de Polícia (ACADEPOL): unidade de ensino responsável pela formação dos policiais civis em todos os níveis (agentes, escrivães, peritos criminais, auxiliares de peritos, médico legistas, auxiliares de legistas, peritos papiloscopistas e delegados), passou a ser chamado de Campus de Ensino Recife (CERE).

Salienta Scanoni (2017), “desde que implementada a disciplina de Direitos

Humanos no Curso de Formação dos Soldados da Polícia Militar de Pernambuco, em

1998, até o ano de 2015 foram utilizadas cinco malhas curriculares diferentes, que

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mostra uma clara evolução no ministério da disciplina supracitada, aumentando a

quantidade de matérias humanísticas”.

A Educação em Direitos Humanos é definida como um processo

sistemático multidimensional que orienta a formação do sujeito de direito (BRASIL,

2009). Sendo assim, uma formação profissional que vislumbra a profissão policial

como um agente da garantia dos direitos dos cidadãos e possui o dever de perpetuar

tais garantias possuindo uma relação de proximidade com a comunidade na qual

exerce suas funções.

Um policial com matérias humanísticas, que tenha como base de sua

formação o respeito à dignidade humana, e que caminhe em conjunto com a

população para formar uma unidade promotora dos direitos humanos.

A finalidade maior da educação em direitos humanos é atuar em todas as dimensões da formação da pessoa, contribuindo para o desenvolvimento da sua condição de cidadão, na luta de seus direitos e cumprimento de seus deveres, fomentando sua humanidade (TAVARES, 2007, p. 488).

É certo que houve um avanço considerável na inserção de disciplinas

humanistas na Malha Curricular, havendo um aumento na carga horária da disciplina

de Direitos Humanos, o que mostra um avanço significativo quanto ao aspecto da

formação do Policial Militar de Pernambuco.

Acerca do tema, Balestreri (2003, p. 76-77) afirma que é com o

embasamento humanístico na formação da polícia que se trata de chegar a obter uma

eficiência e eficácia sem perder a humanidade, como exposto abaixo.

A partir de todo embasamento humanístico que estamos propondo para a formação da polícia, pensamos que os aspectos de capacitação técnico-científica, típicos da profissão, precisam ser retomados, revisitados, repensados, de forma a não haver dualidade, esquizofrenia, entre a cultura humanística do policial e sua cultura ferramental de intervenção no dia-a-dia. Os temas da democracia, da cidadania, da promoção dos direitos humanos, da modernidade, por exemplo, devem perpassar todos os estudos e práticas propostos pelas suas escolas e academias, tanto nos cursos formais quanto nas atividades formativas que se apresentem como oportunidades de aprofundamento. É preciso que se insiram, em cursos e módulos, temáticas específicas e técnicas do agir policial (abordagem, negociação, mediação, defesa pessoal, uso de armas letais e não letais, por exemplo), à luz da transversalidade dos princípios da cidadania democrática, tendo por meio a inteligência e o conhecimento científico e por fim a eficiência e a eficácia sem perda de humanidade.

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O policial antes de ser um promotor na defesa dos direitos humanos,

deverá ter uma educação coerente que perpassa a noção de que esse agente também

deve ter seus direitos resguardados, e isso só será demonstrado no período que

estiver sob a égide dos Cursos de Formação, visto que a educação não transforma o

mundo, mas transforma as pessoas que posteriormente transformarão o seu redor.

Embora o primeiro passo dado para a inclusão da matéria de Direitos

Humanos na formação do policial do estado apenas ocorreu cinquenta anos após a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e depois de dez anos da

promulgação da Constituição Brasileira de 1988, isso não interferiu que a educação

nessa área crescesse na formação do corpo policial.

Afirma Balestreri (2010): “Educar é sempre um “partir do que se tem para

chegar ao que se quer”. Educar em Direitos Humanos, portanto, na segurança pública

a partir da segurança como está para como achamos que deve ficar.

O tipo de profissional que a sociedade precisa, é um policial preparado a

promover a ordem pública, não servindo como agente reator da violência, muito

menos como uma arma somente para prender bandidos, ou seja, controlar do crime.

A educação em direitos humanos constitui um instrumento estratégico no interior das políticas de segurança e justiça para respaldar a consonância entre uma cultura de promoção e defesa dos direitos humanos e os princípios democráticos. A consolidação da democracia demanda conhecimentos, habilidades e práticas profissionais coerentes com os princípios democráticos. O ensino dos direitos humanos deve ser operacionalizado nas práticas desses(as) profissionais, que se manifestam nas mensagens, atitudes e valores presentes na cultura das escolas e academias, nas instituições de segurança e justiça e nas relações sociais.

Ressalta-se que em 2005, com o lançamento do Programa Mundial para

Educação em Direitos Humanos, pelas Nações Unidas, foram instituídas medidas

para incentivar a educação desses direitos na educação como um todo, a nível global.

Para que assim, todos os cidadãos se sentissem responsáveis pelos direitos

humanos. (UNESCO, 2012).

O PMEDH é composto por três "fases" de um "Plano de Ação", assim chamadas como forma de melhor encadear e articular esforços governamentais e não governamentais ao redor de uma cultura de promoção e defesa dos direitos humanos. A chamada "Primeira Fase" do Programa Mundial (2005-2009) reúne recomendações, referências e metas concretas voltadas ao ensino primário e secundário. A "Segunda Fase" do Programa Mundial (2010-2014), por sua vez, confere prioridade ao ensino superior e à formação em direitos humanos para professores, servidores públicos, forças

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de segurança, agentes policiais e militares. Na Resolução 24/15, o Conselho pediu ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que elaborasse o presente plano de ação para a terceira fase (2015-2019) do Programa Mundial, dedicado a reforçar a implementação das duas primeiras fases e promover a formação em direitos humanos de profissionais de mídia e jornalistas. (UNESCO, 2012).

A segunda fase do PMEDH, aparece como orientadora de como aplicar e

fortalecer a Educação em Direitos Humanos, no seu conteúdo mais formal, aos

governos, ressaltando a peculiaridade de cada profissão. Essa fase do plano vem

recomendar as ações dos profissionais das forças de segurança e militares, para que

tais profissionais se pautem nos princípios básicos, códigos de conduta e outros

documentos que forneçam as orientações precisas para garantir um desempenho em

consonância com os princípios e normas dos direitos humanos.

Estabelecendo estratégias políticas de formação e outras relacionadas,

para que assim produza impacto necessário no desempenho das funções desses

profissionais da segurança, estando em concordância com o que é repassado aos

aprendizes em suas respectivas instituições.

Scanoni (2017) aborda que:

Essa estratégia visa alinhar as políticas de formação com a política internadas instituições. Exemplificada através da dicotomia estabelecida no trato com o público externo versus no trato com o público interno. Essa problemática pode ser visivelmente encontrada nas rígidas normas internas das instituições policiais, especificamente as disciplinares.

Outra estratégia é referente aos processos e ferramentas de formação, que

se baseia nas metodologias e nas práticas estabelecidas a cada papel que o servido

possui, sendo específico para sua área de trabalho e cultura.

Treinar os formadores, técnicas pedagógicas interativas, especificidade do público, abordagem prática, apresentação abrangente de normas, sensibilização, flexibilidade de design e aplicação, aprendizagem entre pares (peer-learning) e o papel da auto estima. (SCANONI, 2017).

Além do mais, o policial deverá ser posto nos ambientes em que os direitos

humanos ocorram, não adiante uma formação teórica, que se baseia em todos os

princípios dos direitos humanos, se o policial não seja posto num ambiente de

aprendizagem, tratando de transformar a atividade policial numa atividade reflexiva.

O Plano Nacional de Educação em Diretos Humanos, conhecido como

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PNEDH, tem como função dar continuidade à política estabelecida pelo Programa

Mundial para Educação em Direitos Humanos, apontando ações relacionadas a uma

ampliação da interpretação de temas ligados à uma ampla garantia dos direitos civis,

políticos, econômicos, sociais e culturais, abraçando a democracia, cidadania e

justiça. Além do elevado combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e a

todas as formas de intolerância.

Uma das principais características dos projetos do PNEDH, relacionado

aos profissionais que fazem parte do sistema de justiça e segurança pública, é

combater a persistente e alarmante violência institucional, tendo como exemplo o uso

da tortura e do abuso de autoridade, que conseguem prejudicar de forma integral o

sistema, deixando evidente o quanto é necessário evoluir para que os profissionais

atuem como promotores e defensores dos direitos humanos, não sendo permitido,

de forma totalmente democrática, tratar dos sistemas de justiça e segurança, sem

que os mesmos estejam integrados excluindo os valores e princípios dos direitos

humanos.

Sendo assim, evidente que a formação desses profissionais, devem usar

como uma de suas principais bases os princípios e valores dos direitos humanos, os

quais estão previstos na legislação nacional e nos dispositivos normativos

internacionais firmados pelo Brasil, caracterizando uma estratégia para a solidificação

da democracia, devendo, desse modo, observar a linha dos princípios democráticos.

A formação dos profissionais da segurança pública deve garantir a unção

de várias áreas que consideradas como temas essenciais dos direitos humanos.

Desse modo, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos ao visar o

fortalecimento e a função de um Estado Democrático de Direito, deverá passar a

incorporar formas de incluir a cultura dos direitos humanos na formação dos agentes

que trabalham com a segurança pública.

Brasil (2019) aborda que a educação em direitos humanos na formação

do profissional de segurança pública irá deverá conter tais princípios:

1º) respeito e obediência à lei e aos valores morais que a antecedem e fundamentam, promovendo a dignidade inerente à pessoa humana e respeitando os direitos humanos; 2º) liberdade de exercício de expressão e opinião; 3º) leitura crítica dos conteúdos e da prática social e institucional dos órgãos do sistema de justiça e segurança; 4º) reconhecimento de embates entre paradigmas, modelos de sociedade, necessidades individuais e coletivas e diferenças políticas

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e ideológicas; 5º) vivência de cooperação e respeito às diferenças sociais e culturais, atendendo com dignidade a todos os segmentos sem privilégios; 6º) conhecimento acerca da proteção e dos mecanismos de defesa dos direitos humanos;

7º) relação de correspondência dos eixos ético, técnico e legal no currículo, coerente com os princípios dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito; 8º) uso legal, legítimo, proporcional e progressivo da força, protegendo e respeitando todos(as) os(as) cidadãos(ãs); 9º) respeito no trato com as pessoas, movimentos e entidades sociais, defendendo e promovendo o direito de todos(as); 10º) consolidação de valores baseados em uma ética solidária e em princípios dos direitos humanos, que contribuam para uma prática emancipatória dos sujeitos que atuam nas áreas de justiça e segurança; 11º) explicitação das contradições e conflitos existentes nos discursos e práticas das categorias profissionais do sistema de segurança e justiça; 12º) estímulo à configuração de habilidades e atitudes coerentes com os princípios dos direitos humanos; 13º) promoção da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade nas ações de formação e capacitação dos profissionais da área e de disciplinas específicas de educação em direitos humanos; 14º) leitura crítica dos modelos de formação e ação policial que utilizam práticas violadoras da dignidade da pessoa humana.

O profissional de segurança pública deve ter a liberdade de expressão para

que debata sobre tais assuntos e promova a inserção dos quesitos presentes no

PNEDH, devendo passar por uma reflexão sobre tais temas, acerca dos paradigmas,

modelos de sociedades, as necessidades da população, seguindo seu trabalho com

um olhar crítico e imparcial, conhecendo os mecanismos que serão utilizados na

promoção dos direitos humanos.

É necessário que o policial possua uma formação que lhe ofereça uma

gama de situações adversas, para que assim insira em sua atuação a melhor forma

de conter tal situação coadunando com os princípios dos direitos humanos.

O profissional de segurança pública na sua formação deverá saber identificar as normas nacionais e internacionais que tratam sobre o uso da força pelos agentes encarregados pela aplicação da lei, que no âmbito nacional perpassa por cinco princípios: legalidade, necessidade, proporcionalidade, conveniência e moderação. Princípios esses que devem sempre nortear suas ações como profissional de segurança pública, principalmente no trato com as pessoas, movimentos e entidades sociais. A formação desse profissional também deve fomentar o alinhamento do discurso com a prática profissional, evitando um discurso falacioso e cínico, onde afirma algo e sua prática se apresenta dissociada do seu discurso. (SCANONI, 2017).

A inserção da disciplina de direitos humanos na formação do policial, deve

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ser desenvolvida buscando o respeito a preservação da dignidade da pessoa humana,

e utilizando-se da transversalidade das matérias ministradas durante o curso, com o

objetivo de tornar o policial um agente ativo na promoção dos direitos humanos. E

assim, educar um agente vai além do respeito às leis, contempla conteúdos

indispensáveis para capacitar o agente visando o acesso à cultura, as diferenças, a

prática no cotidiano, utilizando-se de técnicas que não sejam apenas o controle da

violência por meio da força.

A formação e a capacitação dos profissionais de segurança pública devem compreender os verdadeiros papeis das suas instituições na construção de uma cultura de paz para a humanidade. Para tanto, a formação deve buscar o desenvolvimento de competências e habilidades que favoreçam o perfil profissional que seja capaz de se comunicar-se de forma efetiva; Relacionar-se com a comunidade; Mediar conflitos; Atuar proativamente pautado nos princípios dos Direitos Humanos; Administrar o uso da força; Utilizar técnicas e tecnologias não letais; Gerenciar crises; Lidar com grupos vulneráveis; Lidar com a complexidade, o risco e a incerteza; Utilizar tecnologias para planejar ações de prevenção; Investigar crimes e solucioná-los; Utilizar metodologias que possibilitem identificar problemas, bem como, buscar, implementar e avaliar soluções. (CORDEIRO, 2008, p.12).

Ou seja, a formação de um policial deve ser feita de uma forma que utilize

a transversalidade das matérias humanísticas, tornando-o um policial cidadão, sendo

o verdadeiro promotor dos direitos humanos no seu campo de atuação.

2.2 Comparativo das Malhas Curriculares (Evolução da Disciplina de Direitos

Humanos)

No decorrer do CFD’s é nítido o acréscimo das disciplinas humanísticas na

Malha Curricular dos Curso de Formação do PMPE. Ao analisar a evolução da

disciplina específica de direitos humanos, é observado que houve o aumento de

quantidade da sua carga horária, significando um avanço quanto ao aspecto formal

da educação de direitos humanos. Além do mais, ocorreu o acréscimo de mais oito

matérias humanísticas, e utilizando a malha curricular de 2004 a 2008 no comparativo

com a os anos anteriores, fica demonstrado o interesse estatal na construção de um

policial mais humano e preparado, que tem por finalidade proteger a sociedade,

promovendo a segurança da população utilizando métodos legais que visam suprir o

uso brutal da força, utilizando a verbalização antes do disparo de forma discriminada.

(SCANONI, 2017).

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A análise da carga horária da disciplina de Direitos Humanos na Malha

Curricular do CFSd possuiu algumas alterações no decorrer dos anos, conforme

demonstrado abaixo.

Fonte: DE / CEMET – I

Ainda utilizando o período de 2004 a 2008 como comparativo, observamos

também, que a malha contemplou disciplinas com o enfoque mais socio cultural do

serviço militar, como exemplo as disciplinas da Abordagem Sociopsicológica da

violência e a de Fundamentos e Estratégias de Defesa Social Comunitária, com 30

h/a e 20 h/a, respectivamente.

0

5

10

15

20

25

30

35

1998 1999 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2012 2014 2015 2017

Ho

ra A

ula

Min

istr

ad

a

Evolução da Disciplina de Direitos Humanos

carga horária

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Fonte:Scanoni (2017)

Essas disciplinas que preencheram espaços antes esquecidos,

proporcionaram uma maior reflexão no agente acerca de como identificar um crime,

utilizando um entendimento maior no tocante as motivações sociais e psicológicas da

ação criminosa.

No que concerne a malha curricular do curso, passada aos alunos no ano

de 2009, teve implementada a disciplina do Uso Progressivo da Força, acerca do

armamento, munições e equipamentos que possuam menor potencial ofensivo.

Fonte: Scanoni (2017)

0 5 10 15 20 25 30 35

Fundamentos Políticos da Atividade do…

Fundamentos e Estratégias de Defesa Social…

Sociologia do Crime e da Violência

Direitos Humanos

Ética e Cidadania

Saúde Psicológica

Relações Interpessoais

Abordagem Sócio-Psicológica da Violência

Matérias Humanísticas - 2004 a 2008

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

2009

Fundamentos de Gestão Integrada e Comunitária

Abordagem sócio-psicológica da violência e do…

Análise de Cenários e Riscos

Direitos Humanos

Relações Humanas

Ética e Cidadania

Uso Progressivo da Força

Matérias Humanísticas - 2009

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Em relação a matéria de Direitos Humanos, a sua carga horária teve horas

reduzidas, passando de 30 h/a para 18 h/a. Isso ocorreu devido as decisões de cunho

político, como explana Scanoni (2017), que expôs a pretensão do estado em formar

3.200 novos soldados em apenas quatro meses, e que apesar das diversas

resistências que essa ideia sofreu, a meta foi concluída, provocando assim a redução

significativa das cargas horárias nas mais diversas disciplinas, transformando-as em

palestras, e assim, não perpetrando o processo de avaliação do aluno e retirando

algumas matérias da grade curricular.

As matérias Ética e Cidadania, Análise de Cenários e Riscos e Abordagem

Socio-psicológica da Violência e do Crime foram algumas das matérias que tiveram

seu tratamento via palestras.

Verificamos que por razões políticas, tivemos um retrocesso na construção que estava ocorrendo na formação policial militar em Pernambuco. Com a diminuição da carga horária de algumas disciplinas, a modificação para palestras combinada com a retirada de outras disciplinas, vem colocar em xeque a qualidade da formação do policial militar, que se pretende que seja um profissional que priorize em suas ações os princípios dos direitos humanos e da ética. (SCANONI, 2017).

Conforme exposto no gráfico, a matéria de Direitos Humanos reconquistou

sua carga horária de 30 h/a na malha curricular do CFSd 2010 e 2012. A qual também

possui em sua malha, disciplinas que contemplavam relação direta com o evento da

Copa do Mundo de Futebol de 201411, as quais abordavam prevenção, mediação e

resolução de conflitos, policiamento desportivo em grandes eventos, disciplina esta

dedicada exclusivamente ao evento realizado no país em 2014. Bem como a

introdução de matérias do atendimento policial militar ao turista, com o objetivo de

fornecer subsídios para que o policial conseguisse atender o turista da forma mais

eficaz possível, visto que ocorreriam cinco jogos da copa na capital pernambucana, o

que representou a vinda de turistas de várias nacionalidades.

Na malha de 2014 houve a redução da disciplina de Direitos Humanos

novamente, reduzindo a carga horária de 30 h/a para 18 h/a, e isso se deve por

questões técnicas, pois foram acrescentadas matérias humanísticas que também

contemplavam o respeito e a promoção dos direitos humanos pelo agente da

11Copa do Mundo FIFA de 2014foi a vigésima edição deste evento esportivo, um torneio internacional

de futebol masculino organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), que ocorreu em doze cidades do Brasil.

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segurança pública.

Em 2015 houve a reformulação da Malha Curricular Nacional, e restando a

sua aplicação no novo CFSd desse mesmo ano. A disciplina de direitos Humanos

permaneceu com a mesma carga hora aula de 2014, contudo, trouxe em sua

construção questões metodológicas e objetivas no modo de que o policial militar

formado seguindo os preceitos dessa nova malha, fosse um agente mais habilidoso,

trazendo para a atividade policial um conhecimento maior a ser aplicado na sua rotina

seguindo os princípios dos direitos humanos vistos em sala de aula nas diversas

matérias que eram tratadas de maneira transversal e interdisciplinares.

Fonte:Scanoni (2017)

Pernambuco é um estado rico culturalmente, contudo, é repleto de

problemas sociais, os quais, em sua maioria, são abordados na formação do PMPE,

visto que trata-se de matéria humanística, debatendo e mudando a realidade interna

de cada agente, visando descontruir certos preconceitos existentes que são

carregados através da história pessoal de cada aluno.

Não é apenas a descrição do conteúdo a ser “repassado”, mas sim o que se pretende alcançar com aquela determinada disciplina no curso de formação do PMPE. Por isso, esse plano de disciplina foi construído sob o olhar de que cada conteúdo esteja interligado ao objetivo específico, e que esse contempla um dos eixos temáticos: Cidadania, Direitos Humanos, ética e Profissionalismo. (SCANONI, 2017).

Sendo assim, o aluno além de adquirir conhecimento nas aulas, deverá ser

posto em prática para que promova no decorrer de sua atividade, para que sua

0 5 10 15 20 25 30

2015

Direitos Humanos

Abordagem Histórica, Social e Psicológica da…

Diversidade étnico socio-cultural

Ética e Cidadania

Gerenciamento Integrado de Crises e Desastres

Identidade e Cultura da Organização da Polícia…

Relações Interpessoais

Resolução de Problemas e Tomadas de Decisão

Matérias Humanísticas - 2015

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atuação seja condizente com o que se é tratado no Plano Nacional de Educação em

Direitos Humanos.

Para tal, é necessário além da inserção das matérias na grade curricular

da formação dos agentes, que os docentes estejam preparados para ministrar essas

disciplinas, visto que de nada adianta possuir cadeiras humanísticas no decorrer do

curso se o corpo docente não tem preparação suficiente para repassá-las aos alunos.

É importante identificar os problemas no tocante as aulas ministradas, pois

cada docente possui uma experiência de vida pessoal e profissional que se não possui

embasamento curricular considerável acerca dos direitos humanos e sua importância

na formação dos agentes de segurança pública, este irá falhar no perpasse das

matérias e dificultará mais o entendimento que os discentes possuem sobre a

disciplina, partindo da ideia de uma cultura militarizada e violenta quando falamos da

força policial.

A proteção ao cidadão vai além do que é percebido pela sociedade quanto

ao trabalho do policial militar. O policial da atualidade deve está preparado para conter

as adversidades identificando quais técnicas utilizar e em qual momento poderá usar

da força como método de contenção do problema, e como visto anteriormente, essas

técnicas e táticas utilizadas devem ser demonstradas dentro e fora de aula,

empregando a interdisciplinaridade que é adotada na malha curricular da formação do

PMPE.

O respeito com o trato dos cidadãos, com a legislação brasileira e com os

tratados internacionais recebidos com força de emenda constitucional são bases que

os docentes devem possuir para transferir esse conhecimento ao aluno. Se a lei deve

ser respeitada, os direitos humanos presentes na legislação brasileira também

deverão ser respeitados, e com maior cuidado, visto que são direitos protegidos

internacionalmente.

Vejamos senão um breve histórico desses direitos na legislação brasileira,

bem como os motivos pertinentes que os fizeram receber tamanha importância, visto

que os direitos fundamentais do homem já eram salvaguardados.

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3. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITO HUMANOS NO BRASIL

Os direitos humanos são direitos positivados nos tratados, documentos e

convenções internacionais juridicamente protegidos, inerentes ao ser humano,

protegendo os indivíduos e grupos contra ações que interferem em seus diretos

fundamentais e a sua dignidade humana. Tais direitos não possuem distinção,

centram-se na dignidade da pessoa humana, além de possuírem caráter universal,

garantidos internacionalmente.

Esse início de conscientização iniciou-se com a criação da Declaração

Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, sendo um marco na história dos

direitos humanos, e proclamada na Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris,

por meio da Resolução 217 A, III da Assembleia Geral. Foi traduzido em mais de 500

idiomas, inspirando constituições e outros documentos que resultariam para proteger

e lutar pela segurança dos direitos humanos.

Segundo o Manual sobre a Metodologia da Formação em Direitos

Humanos das Organizações das Nações unidas, os direitos humanos possuem suas

fontes e normas derivadas de dois tipos de fontes internacionais, quais são, o direito

consuetudinário e o direito convencional.

O direito consuetudinário é o direito estabelecido como costume

internacional, ou seja, as práticas de atitudes pelos Estados que ao longo do tempo

tornam-se costumeiras e vistas como um comportamento correto e que todos assim o

deverão fazê-lo, as tornam reconhecidas como um princípio de direito internacional,

que vincula os Estados mesmo sem nenhuma forma de acordo por escrito. A própria

Declaração Universal dos Direitos do Homem possui disposições consideradas de

direito internacional consuetudinário.

No tocante ao direito convencional, nada mais é do que os direitos

consagrados nos acordos internacionais, sendo eles os pactos, tratados, convenções.

Esses direitos são elaborados pelos Estados e após analisados e retificados, são

acordados e legitimados.

Tais tratados podem abranger conteúdos que visam proteger direitos como

o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, como podem incidir acerca

de violações específicas como a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime

de Genocídio.

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Outros documentos também são dotados de certa força moral, contudo não

são vinculativos para os Estados, ou seja, apenas fornecem orientações nas práticas

que devem ser adotadas no desenvolvimento de suas condutas.

Esses documentos são valorizados pelo grande reconhecimento que seu

conteúdo possui, além do aceitamento por um número significativo de Estados. Um

importante exemplo de tal declaração é a Declaração sobre Direito ao

Desenvolvimento, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1986, onde

confirma que o desenvolvimento é um direito assistido a todos os homens.

Nas palavras do jurista e filósofo Antonio Enrique Perez Luño (2013):

Os direitos humanos aparecem como um conjunto de poderes e instituições em cada momento histórico, de modo a materializar as demandas de liberdade, dignidade e igualdade humana, devendo ser reconhecidas positivamente por o ordenamento jurídico a nível nacional e internacional.

Noberto Bobbio (2004) demonstrou que os direitos humanos nascem como

os direitos universais, desenvolvendo como direitos positivos particulares, nesse

sentido explica Canotilho:

As expressões, direitos dos homens e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimos. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta, (CANOTILHO, 1998, p. 259).

Segundo a sua origem e significado, Canotilho, que utiliza a expressão

direitos dos homens em lugar de direitos humanos, chega a conclusão de que tais

direitos possuem caráter inviolável, intemporal e universal, sendo direitos da pessoa

humana.

Sendo assim, todas essas formas de estabelecimentos de normas

precisam de uma observância firme para a promoção e garantia de aplicação das

mesmas. E essa observância ocorre em diferentes níveis. No primeiro nível, de

alcance nacional, as instituições e organizações nacionais intervém na aplicação das

normas de direitos humanos, exemplo, os organismos e serviços públicos

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competentes. Associações profissionais também fazem parte dessas instituições

competentes, como por exemplo a Ordem dos Advogados.

No tocante ao nível regional, existem as organizações que ficam

responsáveis por controlar e observar se esses direitos estão sendo respeitados e

aplicados, estes mecanismos incluem a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, por exemplo.

Enquanto que no sentido internacional, que possuem caráter universal, a

responsabilidade da aplicação dessas normas fica a cargo de Organizações

Internacionais e pelas Nações Unidas, que possui o controle baseando-se nos

tratados internacionais, exercendo portando a função de fiscalizar a aplicação por

parte dos Estados acerca do que está previsto nos tratados ratificados.

3.1 A Evolução dos Direitos Humanos no Brasil

A inserção do tema Direitos Humanos no Brasil ocorreu com o nascimento

das constituições do país, ocorrendo através de diversas garantias de direitos políticos

e civis que foram plantados no decorrer da construção da sociedade brasileira. A

primeira Constituição Brasileira, sendo a única do Brasil Império, outorgada por D.

Pedro I em 25 de março de 1824, concentrava o poder nas mãos do imperador, além

de definir o poder de voto através da renda dos cidadãos. A Constituição de 1824

trouxe a criação do Conselho de Estado, formado por conselheiros escolhidos pelo

imperador, bem como estabeleceu a criação dos poderes executivo, legislativo,

judiciário e o moderador12.

Embora possuísse tais determinações, a Constituição de 1824 também

visava proteger a liberdade, segurança individual e a propriedade, e no referente as

forças militares, deveriam esses ser totalmente obedientes ao Poder Maior, assim a

norma maior previa:

[...] Art. 147. A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legitima.

12 Poder moderador foi um dispositivo legal presente na primeira constituição brasileira de 1824, que se baseava nos ideais políticos de Benjamim Constant (1767-1830) sobre um poder neutro capaz de ajustar e regular os outros três poderes clássicos: Executivo, Legislativo e Judiciário. O poder moderador foi chave de organização política do Império e considerado um mecanismo autoritário e centralizador.

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Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á segurança, e defesa do Imperio. Art. 149. Os Officiaes do Exercito, e Armada não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em Juizo competente. Art. 150. Uma Ordenança especial regulará a organização do Exercito do Brazil, suas Promoções, Soldos e Disciplina, assim como da Força Naval. (BRASIL, 1824). [grifo nosso].

Durante o período imperial a escravidão era de grande importância para a

ordem econômica do Estado, e os escravos tratados como mercadorias de

propriedade do senhor não possuíam liberdade bem como nenhum direito salvo

guardado na Carta Maior, o que reflete um desrespeito sem preceitos aos direitos

humanos e a dignidade desse povo dominado.

A Constituição de 1891, promulgada no período republicano, trouxe

garantias no direito ao sufrágio para as eleições de deputados, senadores, presidente

e vice-presidente, contudo esse sufrágio era limitado, pois vedava o voto das

mulheres, analfabetos, mendigos, padres e os soldados. Ainda assim, a constituição

pregava a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, incluindo o direito à liberdade

ao culto religioso e a criação do habeas corpus para remediar casos que envolvessem

abuso de poder ou casos de violência por ilegalidade.

A Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida no estado de São Paulo,

teve como consequência a criação da Constituição promulgada em 1934.

Essa surgiu como uma maneira de objetivar melhorias na condição de vida

dos brasileiros, e para isso ocorrer, criou leis referentes a educação, trabalho, saúde

e cultura. Além do mais, ampliou os direitos de cidadania dos brasileiros,

possibilitando a grande fatia da população, que até então era marginalizada do

processo político do Brasil, participar então desse processo.

A Constituição de 34 na realidade trouxe, portanto, uma perspectiva de

mudanças na vida de grande parte dos brasileiros, e parte dessas mudanças

abrangeram a igualdade do tratamento dos sexos perante os serviços profissionais, a

proibição de distinguir perante a lei os indivíduos por sua raça, religião, sexo, profissão

ou ideais políticos, visando a criação de uma constituição mais satisfativa aos direitos

da sociedade, plantado uma maior inserção dos direitos humanos e o controle estatal

sobre a aplicação de tais direitos.

Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas, então Presidente da

República, por meio de um golpe de estado, dissipando o Congresso Nacional,

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revogando a Constituição existente e promulgando uma nova Carta Constitucional,

inspirada na Constituição da Polônia, o principal objetivo da nova Carta Maior do país

era o fortalecimento do Poder Executivo federal, diante os outros poderes. Durante o

período varguista, conhecido como Estado Novo, os direitos humanos não foram

devidamente respeitados.

Segundo observa Henrkenhoff:

Durante o Estado Novo, não estiveram de pé os Direitos Humanos. A magistratura perdeu suas garantias (art.177). Um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, passou a ter competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado e a estrutura das instituições (art.172). Leis eventualmente declaradas contrárias à própria Constituição autoritária, ainda assim podiam ser validadas pelo Presidente. A Constituição declarou o país em Estado de emergência (art.186), com suspensão da liberdade de ir e vir, censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas, suspensão da liberdade de reunião, permissão de busca e apreensão em domicílio (art.168). Enfim, muitas garantias individuais, até mesmo aquelas que não representavam risco algum ao regime vigente, perderam sua efetividade. (HERKENHOFF, 1994).

Com o advento da Constituição de 1946, os direitos fundamentais do

homem foram revigorados, pois a Nova Carta Constitucional tratava da nacionalidade

e cidadania, dos direitos e garantias individuais, e buscava restabelecer os direitos

fundamentais presentes na Constituição de 1934, previstos nos seus artigos 129 a

144.

Foi uma Constituição que veio com um trouxe um contexto de

democratização do país, estabelecendo a liberdade de pensamento, com exceção de

espetáculos e diversões públicas, as quais ainda podiam, dependendo do caso, serem

censuradas. Coube a ela também tratar acerca do habeas corpus, mandado de

segurança e ação popular, bem como tratar da questão da pena de morte, proibindo

sua implementação, a não ser em caso de guerra, bem como prisão perpétua.

A Constituição de 1946 introduziu o princípio da ubiquidade da Justiça (art. 141, 4º) ao enunciar que: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão de direito individual”. Para Pontes de Miranda (Cf. HERKENHOFF, 1994, p. 79), essa foi a mais prestante criação do constituinte de 1946. Foi abolida a pena de morte, a não ser em caso de guerra, bem como a prisão perpétua (art. 141, § 31). (MATOS, 2017).

No dia 1º de abril de 1964, João Goulart sofreu o golpe militar, que teve o

controle do país nas mãos dos militares, que por meio de vários Atos Institucionais

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controlavam e restringiam direitos e liberdades públicas presentes na Constituição de

1946. E foi por meio de um dos atos institucionais decretados que no AI-4, o

Congresso Nacional é convocado extraordinariamente para discutir, votar e promulgar

uma nova Constituição, com base em projeto apresentado pelo Presidente da

República. E em 24 de janeiro de 1967 entra em vigor a Nova Constituição do Brasil,

apresentando vários retrocessos.

No tocante aos direitos humanos, a nova Carta reprimia a liberdade de

publicação de livros e periódicos que eram considerados subversivos a ordem do país,

isso na visão do governo. Restringiu direitos como o de se reunir, dando faculdade a

polícia o poder de designar o local que poderia ocorrer a reunião.

A Constituição de 1946, ao determinar que a polícia poderia designar o local para a realização de uma reunião. ressalvava que, assim procedendo, não a poderia frustrar ou impossibilitar. A Constituição de 1967 não reproduziu a ressalva); estabeleceu o foro militar para os civis. O foro militar, na mesma linha da emenda constitucional ditada pelo Ato institucional n.º 2, estendeu-se aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares art. 122. 1º. Pela Constituição de 1946 o civil só estaria sujeito à jurisdição militar no caso de crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares - art. 108, 1º. (HERKENHOFF, 1994).

Além do mais, criou a pena de suspensão dos direitos políticos, para os

indivíduos que “abusassem” dos direitos políticos, ou de outros direitos como o de

manifestação do pensamento, associações, exercício dos trabalhos ou profissão, que

fosse entendida como atentado a ordem democrática. Bem como conservou punições,

exclusões e marginalizações políticas decretadas por os Atos Institucionais,

perdurando até a chegada da anistia em 1979, no qual findou com os efeitos das

medidas ditatoriais impostas.

Os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica Militar em 17 de

outubro outorgaram a nova carta ao país, sob aparência de emenda constitucional.

A emenda é a modificação de certos pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para alteração das leis ordinárias. (SILVA, 2005, p. 132).

Foi uma constituição totalmente autoritária, onde foram retirados direitos e

garantias fundamentais, concentrando o ainda mais o poder aos militares, declarando

punições aos inimigos do poder reformador, sem que fossem respeitados direitos da

ampla defesa e o contraditório.

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3.2 Constituição de 1988 e a proteção dos Direitos Humanos no Brasil

A Constituição Brasileira de 1988, promulgada em 05 de outubro daquele

ano, é a sétima constituição do país, e um marco no tocante aos direitos e garantias

aos cidadãos brasileiros, sendo promulgada após o fim do período militar, e elaborada

durante a presidência de José Sarney13.

Caracteriza-se por ser uma constituição cidadã, protegendo e garantindo a

aplicação dos direitos aos cidadãos e a dignidade humana, igualando homens e

mulheres em ambos direitos e obrigações, punindo qualquer tipo de discriminação

atentatória aos direitos e garantias fundamentais guardadas por a Carta Maior, além

de constituir como crime inafiançável o crime de racismo.

No tocante a segurança pública garantiu a segurança pública como

dever imprescindível do Estado, mas sendo direito e responsabilidade de todos,

tratando-se de um serviço público indivisível, especificando as Policias Militares o

policiamento ostensivo visando assegurar a preservação da ordem pública.

Contemplou relevantes aspectos no tocante à saúde, previdência social,

acesso a cultura e ao desenvolvimento científico.

A constituição é um organismo vivo delimitador da organização estrutural do Estado, da forma de governo, da garantia das liberdades públicas, do modo de aquisição e exercício do poder. (BULOS, 2011, p. 100).

É a Constituição de um Estado que organiza sua estrutura, visando uma

construção social que estabeleça como ordem o crescimento social de sua sociedade.

Muitas vezes o que está presente na Constituição não é cumprido, a exemplo dos

direitos suprimidos no período militar brasileiro.

Como uma constituição que trazia um sopro de redemocratização e

indicava um cuidado e respeito nos direitos dos cidadãos, abordando questões que

sempre eram esquecidas, tendo em vista os objetivos do Estado a época da

promulgação das constituições vigentes.

Na visão de Ana Lúcia Santana;

Os direitos humanos podem ser resumidos de uma forma bem simples – direitos à vida, à integridade física e moral, à igualdade, à liberdade de pensamento, de expressão, de reunião, de associação, de manifestação, de

13 José Sarney assumiu interinamente o cargo de presidente, enquanto Tancredo Neves recuperava sua saúde. Com sua Morte, Sarney assumiu definitivamente a presidência em 22 de abril de 1985.

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culto, de orientação sexual, à felicidade, ao devido processo legal, à objeção de consciência, à saúde, educação, habitação, lazer, cultura e esporte, trabalhistas, ao meio ambiente, do consumidor, a não ser vítima de manipulação genética”. (SANTANA, 2008, p.1).

Essa preocupação maior com os direitos que eram espalhados pelas

antigas constituições, teve na de 1988 um capítulo próprio, asseverando sua aplicação

imediata, em sua maioria, presentes no art. 5º.

A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil, introduzindo indiscutivelmente avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, considerando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente sobre os direitos humanos, jamais adotado no Brasil. (PIOVESAN, 1997).

Em seu artigo 5º, a norma maior traz a livre expressão da atividade

intelectual e artística, bem como no que concerne a atividade científica e de

comunicação, independentemente de qualquer forma de censura ou necessidade de

licença. Cabe ressaltar que não será impune qualquer forma atentatória à vida, e

ninguém será submetido a tortura e ao tratamento desumano ou degradante. Avanço

conferido também no tocante ao meio ambiente, a propriedade privada e os bens de

uso comum da população.

Definitivamente a Constituição de 1988 redemocratizou os direitos

essenciais ao cidadão, resguardando uma proteção aos direitos humanos que até

então não tinham recebido a atenção necessária, principalmente em um país repleto

de culturas diferentes, cabendo uma atenção especial ao respeito e a igualdade que

teria de ser atrelada a esses cidadãos.

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 1988). [grifo nosso].

Visto que, todos são iguais perante a lei, contudo, o princípio da

igualdade descrito acima deixa margem ao legislador para interpretar como tal

tratamento será aplicado ao caso, pois certo é que, existem grupos que terão de ser

tratados de forma desigual, para que assim ocorra o equilíbrio na aplicação das leis e

o respeito aos direitos a sociedade como um todo.

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Nery Junior aborda que:

O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. (NERY JUNIOR, 1999).

E é assim que a Constituição Brasileira de 1988 trata dos direitos que tanto

foram amputados da população em decorrência de governos autoritários, que em sua

maioria visava o crescimento do estado, somente de forma econômica, e tinha como

objetivo angariar mais poder, deixando melhorias e o respeito aos direitos do cidadão

em segundo plano.

3.3 O Ingresso dos Tratados Internacionais no Brasil

A criação das Nações Unidas no ano de 1945 e aprovação da Declaração

dos Direitos Humanos em 1948, desencadearam a produção de tratados a nível

internacional destinados a proteger os direitos dos indivíduos e direitos específicos,

como exemplo os direitos das mulheres, indígenas, idosos entre outros.

Esses tratados surgiram em decorrência dos fatos ocorridos no período da

Segunda Guerra Mundial, período que ocorreu a perseguição e a morte dos judeus

por parte dos nazistas, conhecido como holocausto. Que pôs em foco o desrespeito

que existia em decorrência de diferenças étnicas, políticas, raciais, entre outras,

criando tratados que pudessem objetivar a proteção desses indivíduos, resguardando

e defendendo direitos que até então não existiam.

E foi com a Constituição de 1988 que o Brasil aderiu a esses tratados,

institucionalizando os Direitos humanos no país, nas palavras de Joao Goncalves

Neto (2016), significaram a abertura jurídica a ordem internacional de proteção aos

direitos humanos fundamentais, assegurando outros direitos e garantias provenientes

de tratados ratificados pelo Brasil, expressos no seu art. 5º, § 2º.

Art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988).

Que assim trouxe mecanismos ao qual o Estado Brasileiro iria seguir nas

suas relações internacionais, guiando-se por tratados e recomendações

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internacionais na proteção e respeito aos Direitos Humanos.

Atualmente o Brasil tem em seu ordenamento vários tratados

internacionais, como exemplo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de

1966, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, assim como a

Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948, que teve como objeto de

estudo para sua promulgação as atrocidades sofridas pelos judeus no decorrer da

segunda grande guerra.

Os tratados internacionais acerca dos direitos humanos, ratificados pelo

Brasil, ingressam no país com força de emenda constitucional, segundo o

entendimento doutrinário, dessa forma, a Emenda Constitucional de nº 45 de 2004,

implantou o parágrafo 3º do artigo 5º da CF/88, conforme exposto a seguir:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo). (BRASIL, 2004).

Sendo assim, tais tratados equivalem às emendas constitucionais, o que

determina a prevalência das normas que tratam dos direitos humanos sobre outras

normas do sistema jurídico brasileiro, sendo essas normas de aplicação imediata, de

acordo com o que rege a CF/88 em seu art. 5º, § 1º, que define que as normas dos

direitos e garantias fundamentais deverão ser aplicadas imediatamente.

Desta feita, mostra como a Constituição de 1988 renovou a democratização

desses direitos em âmbito internacional e nacional, tanto na proteção dos direitos

fundamentais, quanto nos seus aspectos políticos e civis, demonstrando atenção as

questões sociais, culturais, econômicas, internacionalizando os direitos humanos,

protegendo os direitos de qualquer pessoa a uma ordem social e internacional, em

que os direitos e liberdades estabelecidos na presente declaração possam ser

plenamente realizados, como previsto no art. 18 da Declaração Universal dos Direitos

Humano.

E é com esse dever de proteção desses direitos que a Polícia Militar, sob a

égide de promover a educação em sua atuação acerca dos direitos supracitados,

deverão possuir uma abordagem de acordo com o que está previsto nas declarações

e tratados ratificados pelo país, e não abarcar uma cultura de ódio e violência que foi

o que originou a luta para resguardar tais direitos que antes passavam despercebidos

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perante a população.

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4. OS DIREITOS HUMANOS NA ATUAÇÃO DO POLICIAL MILITAR DE

PERNAMBUCO

A temática de direitos humanos, como já visto anteriormente, foi inserida

na malha curricular e teve seu início na educação dos oficiais, militares e praças em

1998, possuindo como propósito fazer um novo dimensionamento da força policial

seguindo os preceitos estabelecidos à luz dos direitos humanos, fazendo com que as

matérias humanísticas façam parte da nova educação militar, transformando o policial

em um agente ativo na promoção de tais direitos, sendo uma polícia moderna, atenta

as diversidades culturais e sociais de seu ambiente.

O Curso de Formação tem o dever de mudar a visão “crua” que o indivíduo

possui ao entrar na profissão de agente de segurança pública, mudando as

percepções que esses alunos possuem acerca do que se trata os direitos humanos e

de como aplicá-los em seu campo de atuação, possuindo um olhar mais crítico sob a

função do policial militar na segurança pública no Estado democrático de direito.

É comum escutarmos que a finalidade dos direitos humanos serve para

proteger bandidos, o que está errado, e isso deve ser erradicado do vocabulário do

cidadão. Esse sentimento também se perpetua entre grande parte dos policiais

militares do Estado, quando na verdade todos possuem esses direitos garantidos na

Constituição e em tratados internacionais. A promoção dos direitos humanos não deve

ser garantida apenas pelo Estado, a população tem o dever de promover esses

direitos em conjunto com a força policial.

Antes do profissional, o policial militar é um cidadão, possuindo no cerne

da comunidade seus direitos e deveres como qualquer outro. Essa questão acerca de

como os direitos humanos são vistos apenas para a proteção de criminosos, e que o

policiamento não aplica tais direitos na sua atuação vem se popularizando desde os

tempos do período militar, no qual teve a força policial como a força física imposta aos

considerados inimigos dos propósitos do governo à época.

Essa massa de manobra da força física do aparato policial, produto de um

autoritarismo que fez com que ocorresse uma separação da polícia com a sociedade,

gerou um sentimento de que o policial não era parte da sociedade, justamente por

utilizar da violência e impor práticas repressivas e desumanas, com o apoio do

governo vigente visando atingir seus objetivos.

E foi com estudo e pesquisa que se conseguiu chegar a uma Malha

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Curricular que abordasse disciplinas humanistas que dedicassem seu conteúdo na

construção de um policial que liga-se ao “ser” na sociedade, como afirma Cerqueira

(2015), não pode a polícia, no seu papel de responsável pelo controle da criminalidade

e manutenção da ordem, esquecer os seus compromissos com as regras

estabelecidas na declaração Universal dos Direitos Humanos.

Dessa forma, a aplicação das matérias humanísticas e o treinamento

policial acompanhado de docentes qualificados para repassar tais matérias, tem como

finalidade resgatar uma estrutura policial para que esta esteja adequada a sociedade

atual, como afirma Scanoni:

Quando se fala sobre reformulação das leis e maior apoio do governo, percebemos uma intenção de termos leis mais duras e uma maior liberdade de ação da polícia, na tentativa de resgatar de uma estrutura policial incompatível com o Estado democrático de direito. (SCANONI, 2017).

A prática policial supervisionada por instrutores serve para aplicar os

conhecimentos adquiridos por o aluno durante o CFSd, visando reconhecer se o aluno

está atento as adversidades da rotina policial, bem como está presente como ser

humano para entender os erros e temores da sociedade e agir com consciência na

aplicação de seus poderes como agente da segurança pública.

Verificar a motivação do aluno querer se tornar policial militar é de extrema

importância, e dependendo do ponto de vista desse discente, deverá ser trabalhado o

sentimento de pertencer a uma sociedade, possuir um desejo de servir a população e

ser servido, receber todos os cuidados pertinentes a sua profissão, estando com

equipamentos de qualidade e uma formação sempre atualizada, buscando uma

relação mais próxima com os cidadãos.

O uso da força policial deve ser aplicado quando necessária ao caso,

muitas notícias são publicadas acerca da violência utilizada nas ocorrências policiais,

onde os agentes utilizam-se da força física como válvula de escape de situações que

vivenciam no dia a dia, trazendo consigo uma cultura da violência passadas por

gerações desde o período da ditadura militar.

O policial pernambucano verifica desde cedo regiões de maior e menor

potencial criminoso, vivenciando a cultura de cada região, e essa vivência que oferece

uma percepção de como esse agente irá atuar em cada ambiente.

De certo, a teoria e a prática diferem quando falamos da formação do

policial militar de Pernambuco, visto que nem todas as situações conseguem ser

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vistas em sala de aula, contudo, o sentido de pertencer a uma comunidade e de que

antes de ser um profissional da segurança pública, o policial é um cidadão que possui

direitos e deveres como todos deve ser notório, e não pode deixar a cultura da

truculência utilizada no policiamento ser levada adiante. E caso essa truculência

ocorra, deverá ser denunciada e apurada, e caso seja confirmada, o agente deverá

ser punido à luz da legislação vigente.

A comunidade deve cooperar com apoio popular em relação ao trabalho do

policial, resta evidente que o trabalho mútuo, estabelecendo uma relação de confiança

entre sociedade e força policial deve existir para chegar a uma maior eficácia da

organização policial. Sendo assim, é conseguindo a confiança popular e possuindo

um bom relacionamento com a organização militar que as práticas estabelecidas no

âmbito de trabalho serão mais eficazes na manutenção da ordem pública, quanto no

controle da criminalidade.

É certo que assistimos relatos policiais nas mídias locais e nacionais,

afirmando a impunidade que os criminosos possuem enquanto a força policial é

tratada como crime de tortura, o que termina limitando a visão da sociedade em face

ao policial na relação dos conflitos existentes. Porém, é notório que a intervenção

policial em qualquer crime irá gerar conflitos, contudo, como visto em sala de aula,

qualquer atuação do policial deve ser baseada nos princípios da dignidade da pessoa

humana, agindo com proporcionalidade e legalidade, para que o protagonismo frente

a promoção dos direitos humanos na sociedade cresça e perpetue entre os cidadãos.

Essa hipótese de uma maior participação comunitária se dá a partir de unir

a força da sociedade junto com o poder público para definir em conjunto sobre as

ações da polícia na execução das políticas públicas de segurança, além da

participação já conhecida mas que deve ser perpetuada entre a população, quais são

de informar, testemunhar, o que mostra uma preocupação com a ordem pública que

pretende ser melhor desenvolvida.

A polícia não pode perpetuar ideais que foram fincados em sua cultura,

como prender para depois investigar, torturar para a obtenção de informações,

intervenções arbitrárias, e isso é mudado no ceio do Curso de Formação, mas também

com a consciência que o agente terá que ir construindo no caminhar de sua vida

profissional, pois como todas as organizações, a Polícia Militar também possui o seu

Código de Ética e Condutas que devem ser aplicadas na sua profissão.

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A PMPE tem como missão integrar o Sistema de Segurança Pública de do Estado de Pernambuco, contribuindo para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio e asseguramento da liberdade e das garantias individuais. (PLANO DE COMANDO PMPE, 2015-2018).

Essa contribuição na preservação da ordem pública irá ser atingida de

maneira mais ética e eficaz conforme seguir os preceitos dos direitos humanos, e

possuindo uma atenção as políticas criminais, as quais são as mais julgadas pela

sociedade. Além do mais, conforme a evolução de um policial político-cidadão que

saiba identificar que os Direitos Humanos é algo inerente a sua profissão, e que uma

polícia violenta é perigosa ao Estado democrático de direito.

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CONCLUSÃO

Como bem explana, a presente pesquisa buscou averiguar a evolução dos

Direitos Humanos na formação do policial militar do estado de Pernambuco,

verificando a malha curricular perpassada no decorrer dos anos, elaborando a relação

da inserção dos direitos humanos no Brasil bem como a introdução dessa matéria na

formação dos agentes.

Some-se a isto a análise da atuação do policial militar pernambucano

concernente a aplicação dos seus estudos na prática profissional, fazendo uma rápida

averiguação de como o PM pode ser considerado o promotor dos direitos humanos

na sociedade moderna.

É necessário o conhecimento da estrutura social do país, particularizando

suas culturas e comportamentos, objetivando identificar as melhores técnicas a serem

postas em prática pelos agentes da PMPE.

Desta forma, para existir uma polícia atualizada, no tocante as questões de

aplicação e promoção dos direitos humanos e outras matérias de caráter humanístico

no exercício de sua profissão, deve-se primeiro atualizar o Estado, que figura como

polo central desse dilema.

Pois, um policial mais preparado para uma sociedade moderna se depara

muitas vezes encurralado em uma burocracia estatal, além de sentir-se preso em

vários momentos de sua atuação para que proceda com ações que encontram

respaldo em uma cultura do uso arcaico do poder por parte dos legitimados do estado.

Cabe salientar que, os direitos humanos surgiram de revoluções e graves

problemas mundiais, como a Segunda Guerra Mundial, que acarretou no genocídio

judeu pelo regime nazista, devido a teorias biológicas racistas, que ameaçava a “raça

ariana” dos alemães. E sendo assim, cada nova revolução traz em seu contexto novos

sentidos e direitos que buscam entrar na legislação, o que assevera o papel relevante

dos direitos supracitados.

Assim, a pesquisa referente as malhas curriculares dos ursos de Formação

de Soldados não possuem o objetivo de comprovar que os agentes são antagonistas

na promoção desses direitos, mas sim que o agente deve construir um novo “ser

social” que aplique na sua função de trabalho os direitos passados em aula, que visam

proteger a todos, inclusive os próprios policiais.

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Além disso, muitas vezes os agentes de segurança pública são vistos como

a própria personalidade estatal, e muitos até incorporam esse pensamento,

esquecendo do seu propósito maior, que seria a proteção da comunidade como um

todo.

É perceptível a importância das matérias humanísticas e de direitos

humanos especificadamente na formação do policial militar do estado, construindo

uma conjuntura policial mais cidadão e menos militarizado, visando antes de tudo, a

proteção da dignidade humana.

Os cursos de formação dos policiais militares de Pernambuco abarcam as

matérias humanísticas em suas malhas curriculares, porém, a complexidade sobre o

assunto ainda é muito resistente, visto que o país possui uma cultura de preconceitos

que são passados de geração a geração, e é dessa forma que fica demonstrado que

o curso ainda tem muito a evoluir, justamente pela complexidade e perplexidade das

matérias abordadas.

Ressalta-se que, falta a capacitação dos docentes que repassam tais

matérias no curso de formação, muitos não possuem embasamento necessário para

tanto e mesmo assim estão no controle dessas matérias, o que evidencia um

desapreço ao respeito e promoção dos direitos humanos na atuação do policial militar,

pois como o docente conseguirá passar a matéria se o mesmo não possui

conhecimento suficiente para que isso ocorra?

E é assim que o Estado tem a obrigação de reservar políticas públicas para

atualizar os profissionais em direitos humanos, sempre alinhando aos princípios

previstos nos tratados e documentos ratificados pelo país, realizando a formação

desses agentes da segurança pública buscando formar um pensamento mais crítico

do seu campo de atuação, incentivando-o a notar que os direitos humanos são para

todos, independentemente da profissão que segue, e que além de ser detentor desses

direitos, sua função é de promove-los perante a sociedade, afastando-se do senso

comum de que os militares não possuem tais direitos em sua conjuntura.

Portanto, a reflexão dos policiais acerca dos direitos humanos inicia-se na

sua experiência de vida pessoal em sala de aula, o que comprova que esse discente

deve ter uma carga horária compatível com os conhecimentos que serão abordados,

além de possuir docentes capacitados para tal formação.

A policial militar de Pernambuco nasceu para o Estado, contudo ainda não

possui a sensibilidade de perceber que a dignidade da pessoa humana não se separar

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por conta de sua escolha profissional, não percebido por muitos de que é uma policia

cidadã, dispondo em sua atuação o dever de promover os direitos humanos, e essa

promoção se da através de uma boa educação, formando a consciência de novos

policiais cidadãos, em indivíduos transformadores.

O Estado possui o dever de modernizar a polícia, especificadamente a

Polícia Militar do Estado de Pernambuco, não somente oferecendo uma carga horária

que abranja as matérias humanísticas, mas docentes capacitados e meios de se

conseguir por em prática a promoção e respeito a esses direitos na atuação do agente

público. Esses meios não devem ser somente físicos como os equipamentos que

devem ser utilizados no labor, mas também deverão ser meios intelectuais, pois não

se pode exigir algo de um profissional sem primeiro o capacitar para que este esteja

apto a transformar o ambiente ao seu redor.

A policia militar continua ligada aos traumas que envolveram o país em sua

época de regime militar, onde eram retirados quaisquer direitos a dignidade da pessoa

humana a serviço do Estado. Com a redemocratização, as forças policiais tornam-se

forças mais cidadãs, e é papel do Estado e dos formadores desses agentes

transformar a visão no curso de formação perpassado aos alunos para que esses

percebam que a polícia mudou.

Estamos no período que os direitos humanos nunca foram tão debatidos, e

esse é o momento mais propício a se estruturar as organizações militares do país.

Cada estado possui a administração da policial militar de sua região, a de

Pernambuco não seria diferente, e é essa região tão rica em cultura e em diversidade

de gêneros, religiões, raças e cores que deve-se investir na educação desses

agentes, para que assim eles realizem em sua atuação uma de suas principais

funções, qual seja, promover o respeito e a dignidade da pessoa humana seguindo os

princípios previstos em nossa legislação e nos Tratados de Direitos Humanos, o que

está estipulado no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Assim,

teremos agente transformadores e capacitados a colocar em prática o respeito aos

direitos supracitados em seu ambiente de trabalho.

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DA SUBJETIVIDADE DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES APLICADA AO

DIREITO AO ESQUECIMENTO

Alysson Firmino da Silva Santos

José Carlos Arruda Dantas

RESUMO

A técnica de ponderação de interesses em aplicação ao direito ao esquecimento questiona

a forma como a hermenêutica jurídica tradicional se dá e estabelece novos parâmetros ou

vetores interpretativos aos princípios ou direitos fundamentais em conflito. Contudo, o

grau de abstração dessa interpretação é tão amplo que pode significar uma subversão da

aplicação justa do direito para dar aso a uma hermenêutica de valores que favoreça

interesses privados e a legitimação do poder pelo poder. É neste contexto que se propõe

a presente investigação desse método de interpretação subjetiva, permitindo que se

conheça melhor, concentrando-a no conflito entre o direito ao esquecimento com outros

direitos fundamentais. No decorrer do trabalho, propõe-se esclarecer a funcionalidade e a

aplicabilidade da ferramenta jurídica, delineando, também, os objetos da ponderação

(direito ao esquecimento e outros). O desenvolvimento do tema se desdobra em críticas

feitas ao método de solução de colisão entre princípios, inclusive, no esclarecimento da

utilidade da ponderação de interesses, como fator de solução de conflitos entre princípios.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Direito ao esquecimento. Ponderação de

interesses. Colisão de direitos fundamentais. Hermenêutica principiológica.

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INTRODUÇÃO

A técnica de ponderação de interesses nasce num contexto em que a aplicação

de uma interpretação tradicional não funciona adequadamente para as normas

princípios.

A interpretação tradicional das normas-regras se revelou através de técnicas

em que se apostava na subsunção ou no tudo ou nada da norma1 . Ou seja, na

subsunção, atinham-se as duas premissas: maior e menor, que representavam,

respectivamente, a norma e os fatos ocorridos que, sendo estes as premissas

menores, os fatos se adequavam à norma.

Inicialmente, imperiosa é a necessidade de se distinguir normas-regras de

normas-princípios. Mais especificamente sobre como se dá a classificação delas, no

contexto atual de pós-positivismo e de pós-modernidade2.

Normas-regras são comandos imperativos de regulação de conduta, sendo

“normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas” 3 . Sendo,

portanto, aplicadas de forma objetiva pelo julgador. Ou seja, havendo fato que incida

na norma, aplicar-se-á essa. Não havendo compatibilidade entre fato e norma, ela não

incidirá. É a regra do “tudo ou nada”.

Por outro lado, normas-princípios são relatos com maior ou menor grau de

abstração em que não regulam, especificamente, condutas. São, também, vetores

interpretativos das demais normas.

Robert Alexy4 conta que, diferentemente das normas-regras, o princípio é uma

norma imperativa “de que algo se realize na maior medida possível, dentro das

possibilidades jurídicas e reais existentes”. Quer dizer: os princípios não têm sua

aplicação excludente entre si, ao contrário das normas-regras, que a utilização em

determinado fato, afasta a incidência das demais.

Os princípios, portanto, podem atuar, e devem, em conjunto, de maneira que a

atuação de um não seja afastada pelo do outro.

1 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 1º ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 123. 2 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 97-148. 3 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e ..., p. 37. 4 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 128.

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Havendo essa relação entre as premissas e os fatos, era possível decidir

conforme uma norma e afastar as outras. No último caso (tudo ou nada), havendo

uma norma que rege determinado fato, essa será aplicada. Porém, o contrário não

pode ser verdadeiro.

Quer-se dizer: se se adequou ao que foi ditado pela norma, esta será aplicada.

Não havendo uma flexibilização quanto a isso. Barroso ilustra que a ponderação de

interesses é uma técnica que, na aplicação do direito, havendo princípios e direitos

fundamentais aplicáveis ao caso concreto, deve-se fazer concessões recíprocas entre

eles, evitando um sacrifício total de um para aplicação do outro, devem ser aplicados

em conjunto5.

Todo direito fundamental precisa ser interpretado. Isso é fato. Porém, além

disso, faz-se mais que necessário o envolvimento com outros direitos fundamentais.

Não se pode considerar a atuação isolada de um direito assim definido. Assim, surge

a técnica de ponderação de interesses aos direitos ou princípios fundamentais.

Ponderação significa, segundo o dicionário online6, dar o “justo equilíbrio de

forças”. Depreende-se uma relação comparativa entre dois objetos. O que, a focalizar

na temática a ser apresentada: técnica de ponderação aplicada ao direito ao

esquecimento, envolve a discussão sobre aspectos relativos à distinção entre normas

regras e normas princípios; à interpretação conjunta de direitos fundamentais; a

métodos hermenêuticos que influenciem na postura comparativa entre o direito ao

esquecimento e outros direitos fundamentais no caso concreto.

A técnica de ponderação, em síntese apertada, portanto, é um meio pelo qual,

usando ferramentas de interpretação jurídica, propõe-se a analisar direitos

fundamentais de modo que, em aplicação usualmente prática, nenhum princípio

fundamental seja eliminado sumariamente como se fosse uma norma-regra. No

mesmo sentido, é de interesse deste estudo a compreensão dessa vertente

interpretativa aplicada ao direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento tem sido palco de amplo debate tanto na

jurisprudência das várias cortes de justiça do país quanto no âmbito doutrinários entre

estudiosos do Direito. É elencado, ainda que implicitamente, pela Constituição da

República do Brasil como sendo um direito fundamental da pessoa que, apesar de

5 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e ..., p. 332. 6 PRIBERAM. Priberam Dicionário - Significado ponderação. Fonte: Priberam Dicionário. Site: <https://www.priberam.pt/dlpo/pondera%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em 03.05.2018.

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autônomo, também é reflexo do direito fundamental da dignidade humana, da honra

e da privacidade.

O direito ao esquecimento está intrinsecamente relacionado a ideia de

esquecer algum fato ou ato praticado pelo ser humano7, que o afeta de tal modo a

ponto requerer a providência de alegá-lo a quem lembrar dele.

Contudo, é sabido que, como característica de todo e qualquer direito ou

princípio, nenhum é absoluto, quer dizer, sua aplicação não se faz de forma irrestrita

e ilimitada.

Então, há casos em que eles deverão ser adequados. Isso fica evidente a partir

do momento em que, dentre outros, o direito ao esquecimento é analisado em

confronto prático (ressalta-se que, nenhum princípio é conflitante no plano teórico,

todos são harmoniosos) com a liberdade de expressão e de imprensa e o direito à

informação.

De um lado, está a ideia de que se pode ter a privacidade preservada; e do

outro, a possibilidade de outras pessoas se expressarem sobre qualquer tema e terem

o direito ao conhecimento de fatos ou atos através da informação.

Com isso, surge a necessidade de interpretação desse direito através da

técnica de ponderação de interesses.

Cabe ao poder judiciário a ponderação de princípios, funcionando como um

poder moderador. Ser o fiel da balança. A ponderação de princípios serve, também,

como um moderador em que vai abalizar os poderes, inclusive o próprio poder

judiciário.

O que, nesse aspecto, pode representar uma problemática, pois não se tem um

delineamento claro sobre tal aplicação do direito e de sua interpretação. O que pode

dar margem à efetivação e legitimação de poder, ou ser objeto de interesses pessoais

em detrimento do interesse público na aplicação do direito no caso concreto. Ou seja,

caracterizar-se-ia, potencialmente, a norma como instrumento volúvel para qualquer

interesse, seja considerado justo ou injusto.

7 LIMA, Aline Aparecida Novais Silva; AMARAL, Sérgio Tibiriçá. O Direito ao esquecimento na sociedade do superinformacionismo. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index.php/ETI C/article/viewFile/3424/3180>. Acesso em: 30 08.2018

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O presente estudo pretende analisar a subjetividade da técnica de ponderação

de interesses em suas características, relacionando sua aplicação especificamente

ao direito ao esquecimento, de modo a tentar visualizar sua aplicação concreta.

Ressalta-se que não se quer, contudo, esgotar o tema. Pelo contrário, o ideal a

ser cumprido por este trabalho é fomentar novas discussões jurídicas.

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CAPÍTULO I - PONDERAÇÃO DE INTERESSES OU PRINCÍPIO DA HAMONIZAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAIS

1. Das normas.

A estrutura dos direitos fundamentais está calcada em normas fundamentais,

estas que, por sua vez, podem se subdividir em regras e princípios. Essa divisão é

chave para a solução de problemas envolvendo a dogmática dos direitos

fundamentais. Compreender que há diferenciações explicitas, é pressuposto até para

o julgamento adequado e racional das normas.

Comumente, boa parte da doutrina costuma adota o posicionamento em que

se tem de um lado normas, sendo gênero, e, como espécies, regras e princípios. Tanto

uma quanto a outra tem como hierarquia superior o gênero norma, sobre a que,

resvala a derivação das espécies. Essas, como tais, por terem advindo da norma, pois

tanto regra, quanto princípio são normas, podem ser formuladas através de

expressões que obrigam ou proíbam determinada conduta.

1.1 Regras e princípios e sua distinção.

Regras e princípios não são sinônimos. Pode-se compreender os princípios

como “mandamentos de otimização”8. São normas que na medida do possível dão

ordem a determinada conduta para seja realizada esta na maior ou menor medida,

observadas a possibilidade dos fatos e jurídica para tanto. Tem como característica

que a satisfação de exercício se dá em graus variados, nada constantes.

Por outro lado, regras diferem em virtude de terem características binarias. Do

sim ou não. Do “é permitido” ou “é proibido”. O exercício das regras se dá com sua ou

satisfação integral ou sem qualquer satisfação.

Interessante aspecto que distinguem essas espécies de normas está quando

elas se encontram em colisão ou conflito. Quando isso acontece, o aspecto essencial

distintivo vem à tona.

Quando há conflito entre regras, no exame da adequação do fato à norma, que

alguns chamam de subsunção, verifica-se, no plano jurídico, que existem mais de uma

8ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90.

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norma-regra que hipoteticamente incide sobre o fato. Contudo, no final das contas,

apenas uma deve prevalecer, extirpando a outra que não obteve sua adequação fática

e jurídica, invalidando-a.

É o fato de fazer prevalecer uma regra em detrimento de outra. Para chegar à

conclusão de qual regra deverá prevalecer no caso concreto, deve-se envolver a

validade das normas em confronto. Uma será válida, enquanto a outra não. O

confrontamento é falado como antinomia aparente. A antinomia jurídica, a partir do

desmembramento de sua palavra, indica a contradição existente entre duas normas

regras no caso concreto. Ela pode se dividir em antinomia aparente ou real.

Na real, o confronto de normas não pode ser resolvidos por critérios de validade

da norma, devendo uma delas ser retirada do ordenamento jurídico, visto a

incompatibilidade existente, independente do contexto fático ou jurídico.

A antinomia aparente se refere a regras que estão em conflito, sendo esse

apenas aparente, uma vez que ambas as normas podem coexistir normalmente e

paralelamente no sistema jurídico de normas. Como mencionado, não há solução

através da hermenêutica para que a antinomia real seja afastada. Uma das envolvidas

será retirada das normas regras.

No caso da aparente, a solução não parte do fato problema posto no caso

concreto, mas sim no plano jurídico e hipotético da norma. As formas de validação da

norma regra são das mais diversas, quais sejam, anterioridade ou novidade,

hierarquia e especialidade.

A validação das regras em conflito, quando da novidade, se refere ao conflito

que existindo norma com diferentes idades de nascimento, deve-se prevalecer aquela

mais recente.

Advoga-se no sentido de que a norma mais nova elaborada tem maior

probabilidade de atingir sua máxima efetividade no caso concreto do que a mais antiga.

Por questões lógicas, as normas são elaboradas de acordo a refletir o contexto atual

de uma sociedade, de modo a regrar adequadamente para evitar normas vazias, que

são aquelas em que seus conteúdos não refletem a atual posição social e não

sugerem cumprimento.

Por isso, as normas mais recentes devem prevalecer ante as mais antigas.

Outra é em relação a hierarquia, cada sociedade vive sob o manto protetor de uma

constituição. Assim não poderia ser diferente com o Brasil.

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A constituição representa o ápice do ordenamento jurídico, não havendo

qualquer normativo vigente que retire sua validade. Enquanto a constituição indica a

ordem suprema, há também outras normas regras infraconstitucionais as quais se

deve obediência. São as leis, decretos autônomos, resoluções, decreto legislativo,

medida provisória, dentre outros.

A ordenação de todas essas regras é dada por meio de uma pirâmide em que,

no todo, encontra-se a constituição e abaixo, encontra-se os demais normativos

infraconstitucionais.

Essa classificação é essencial para avaliar a validade das regras por meio da

hierarquia, visto que a validade hierárquica da regra é determinada pela norma que

está em nível mais elevado do que a outra regra.

Vista a tratativa do confronto entre regras, por outro viés, seguem os princípios.

A solução dada comumente a eles não se trata de invalidar um outro princípio, mas

sim ponderá-los, de maneira a não sacrificá-los, ambos, por inteiro. Não se usa o

conceito de validade, mas sim de dar pesos adequados aos princípios em colisão. E

esse peso é definido apenas frente ao caso concreto, vez que abstratamente os

princípios se encontram em mesma posição, igual nível no plano jurídico.

2. Dos direitos fundamentais: breve excurso histórico

Os direitos fundamentais têm, por detrás, diversos contextos históricos, a sua

origem, sua construção histórica em uma ordem cronológica.

Na Revolução na França, a disputa social se dava, em essência, pela busca

pela liberdade entre os indivíduos, sem desconsiderar a fraternidade e a igualdade

formal, em contraposição à ingerência do Estado9.

Os direitos humanos de primeira dimensão exibem um modelo de transição de

um Estado autoritário para um Estado de Direito, com vistas ao respeito às liberdades

individuais. Nessa visão, o Estado deveria se afastar de gerir os direitos políticos e

civis do povo. Propriamente, um dever de abstenção. Bonavides conta que são

direitos de oposição contra o Estado10

9 CAVALCANTI FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Site:

<http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade_teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf>. Acesso em 15.10.2018.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª ed., Malheiros, 2010, p. 563 -564.

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Com isso, a primeira dimensão surgiu nesse período. Passado algum período

e tendo por carro-chefe a Revolução Industrial do século XVIII e a Revolução Russa,

XX, manifestações se deram com vistas a dar maior atenção aos direitos de segunda

dimensão, fundada na igualdade e caracterizados pelos direitos sociais, econômicos

e culturais.

O que se exigia, aqui, era uma atuação positiva do Estado para empreender

não mais uma igualdade formal diante da lei, mas, diante da realidade, igualdade

material ao povo.

Os de segunda dimensão concorrem na busca por normas de assistência

social. A evidência do direito se nota pela ênfase nos direitos sociais, culturais e

econômicos. O que teria, por consequência, não uma noção de igualdade formal, de

primeira dimensão, mas, sim, uma material, substancial. Constituição que marcou

esse momento foi a do México, de 1917, que trazia em seu esboço aspectos de

segunda dimensão.

Em meio à Revolução Tecnocientífica, temas como meio ambiente,

comunicação social, criança, adolescente, foram enfatizados, de maneira a permitir

que a 3º dimensão surgisse. A principal característica é que esses direitos seriam

supraindividuais, caracterizados pela solidariedade e fraternidade.

A globalização dos diversos eventos sociais, desde a superpopularização até

o avanço descomunal da tecnologia, aprofundaram mudanças de perspectivas e

profundas alterações nas relações econômico-sociais.

Nesse rumo, convém preocupação com o meio ambiente, proteção ao

consumidor, por exemplo. Assim, a ideia que os direitos de terceira dimensão

perpassam é que são de gênero transcendental a uma visão egoísta e individualista

do ser humano. Voltados ao gênero humano, à coletividade, à solidariedade e à

fraternidade.

Por fim, há também a 4ª e 5ª dimensões de direitos fundamentais,

modernamente em desenvolvimento, os quais transcendem também a esfera

individual, sendo, respectivamente, relacionadas a engenharia

genética11/globalização política12; e o direito à paz13.

11 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 6. 12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25. ed., São Paulo: Malheiro, p. 593. 13 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2018, pág.

961.

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14

A 4ª dimensão se caracteriza pelo avanço na área da engenharia genética,

diante da manipulação do patrimônio genético e do risco à existência humana. É no

que Bobbio acredita14. Noutro viés, Bonavides discorre que a globalização política no

âmbito jurídico traz à baila os direitos de quarta dimensão.15

Quanto à 5ª dimensão, há uma imensa discussão de quais direitos seriam

compatíveis com esse novo movimento de direitos fundamentais. Porém, Bonavides

relata ainda que estaria ligado ao direito à paz.

3. Ponderação de interesses: colisão entre princípios/direitos fundamentais.

A ponderação de interesses ganha força, sobretudo, quando do século passado.

Em que os princípios tem carga valorativa igual ou maior que regras; a Constituição

deixa de ser um complexo de normas, tendo reconhecida sua força normativa; e a

necessidade de aplicação da técnica de ponderação de valores quando existir colisão

de princípios.

O feixe de normas estruturantes abarca não só regras, mas também princípios.

E com essa frequente visita a princípios para reger um Estado Democrático de Direito

não se pode esquecer da eventual imperiosidade de compreender as normas

princípios e resolver os problemas de colisão.

Em algum momento, tentou-se adequar os princípios a uma solução comum a

regras, qual seja, a hermenêutica clássica ou pela antinomia virtual de normas. A

primeira enquanto interpretação da norma regra tem como vertentes a interpretação

literal, sistemática, dentre outros. A segunda preza pela validade da normas. Ambas,

contudo, caminham para a seguinte ideia que premeia as normas regras: adequar ao

caso fático uma norma, por um lado, e afastar uma regra, por outro.

Essa linha de pensamento não é seguida aos princípios. Se tal fosse, estaria

igualando regras a princípios, desnaturando toda a divergência clara e evidente entre

eles. Os princípios, por sua vez, caminham lado a lado com a técnica de ponderação

de interesses. Ela trata de conciliar a tensão existente entre aqueles

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Alagoas já se manifestou,

14 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 15. 15 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 25. ed., São Paulo: Malheiro, p. 603.

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15

TJ-AL - Agravo de Instrumento AI 08024675020138020900 AL 0802467-

50.2013.8.02.0900 (TJ-AL). Data de publicação: 19/10/2018. Ementa:

SOLUÇÃO DO CONFLITO RESOLVIDO PELA TÉCNICA DE PONDERAÇÃO

DE INTERESSES AVALIADOS EM RELAÇÃO AO CASO CONCRETO.

SOLUÇÃO QUE DEVE SE PAUTAR EM NÃO ELIMINAR TOTALMENTE O

DIREITO QUE NÃO PREVALECERÁ. DIREITO AO MEIO AMBIENTE

EQUILIBRADO E DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

PREPONDERÂNCIA PARCIAL DO SEGUNDO GRUPO NO CASO

CONCRETO ANALISADO. VERBA BLOQUEADA DE NATUREZA

ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. ART. 833, IV, CPC. RECURSO

CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, MANTENDO-SE AS DEMAIS

DETERMINAÇÕES DA DECISÃO RECORRIDA. DECISÃO UNÂNIME.

A ideia perpassada pelo julgado supramencionado é a de que, segundo o

Relator Des. Klever Rêgo Loureiro 16 , a ponderação é uma técnica de decisão

empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções

políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se

mostram suficientes.

É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse

caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a

especialidade para resolver uma antinomia de valores.

Para a solução da lide posta, portanto, deve ser realizado juízo de ponderação

de interesses, buscando, no caso concreto, que um direito fundamental possa se

sobressair ao outro, de forma que não elimine inteiramente o direito que não

preponderou, porque também fundamental.

Contudo, não se pode se desfazer de outras perspectivas observadas, em que

se constata que há discussão de três soluções apresentadas para os princípios em

conflito:

3.1 Declaração de invalidade de um princípio em detrimento do outro, como se fosse norma regra.

Conta-se que existem princípios que, ao ser avaliado diante do sistema de

normas, seria imediatamente declarado a sua invalidade. O princípio da segregação

16 TJAL. Agravo de Instrumento: 08024675020138020900, Tribunal de Justiça de Alagoas, Relator: Des. Klever Rêgo Loureiro, Data de Julgamento: 18.10.2018, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19.10.2018).

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16

racial, que, perdurou por algum tempo, nos Estados Unidos do século passado, ao ser

comparado com o ordenamento jurídico americano atual, seria totalmente eliminado,

declarando sua invalidade.

A tese não prospera visto que sua aplicação é isolada e analisada no âmbito

de validade ou não do direito fundamental. Quando há casos em que há uma

aberração jurídica em forma de princípio, de um lado, e, de outro, um princípio

bastante possível de aplicação.

Os princípios possuem uma estrutura de formação muito diferente das regras,

seja pelo relativo alto grau de generalidade e abstração, irradiam efeitos que vão muito

além de toda possível previsibilidade normativa, no mais das vezes, escritas. Por isso,

não se discute a validade de princípios, visto estarem em colisão, sob a perspectiva

de Alexy17, na dimensão do peso ou sopesamento.

O que se aufere que a validade é pressuposto dos princípios, a colisão sempre

ocorrerá dentro do arcabouço jurídico que é válido e por consequência garante

validade aos seus princípios.

Na verdade a colisão entre princípios não se resolve por cláusula de exceção,

tampouco, pelo critério de validade (somente princípios válidos podem colidir), mas

ocorre que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas

condições.

3.2 Existem princípios absolutos, aos quais não podem ser relativizados.

Nesse caso, parte-se do pressuposto que a validade dos princípios já foi

averiguada, visto que já permeiam no ordenamento, e, portanto, não se faz análise de

validade deles.

O pressuposto inicial é a ideia de que existem princípios relativamente e

extremamente, isto é, princípios que em caso algum prevalecem sobre outros. No

caso dos princípios absolutos trata-se de princípios extremamente fortes, isto é, de

princípios que em nenhuma hipótese cedem em favor de outros.

Alexy 18 conta que se existem princípios absolutos, então, a definição de

princípios deve ser modificada, pois se um princípio tem precedência, em relação a

17 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 111. 18 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 124

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17

todos os outros em casos de colisão, até mesmo em relação ao princípio que

estabelece que as regras devem ser seguidas.

Nesse caso, isso significa que sua realização não conhece nenhum limite

jurídico, apenas limites fáticos. Diante disso, a teoria da colisão entre princípios não

seria aplicável.

Ato contínuo, argumenta contra a existência de princípios absolutos em um

ordenamento jurídico que inclua direitos fundamentais. Princípios podem se referir a

interesses coletivos ou a direitos individuais. Se um princípio se refere a interesses

coletivos e é absoluto, as normas de direitos fundamentais não podem estabelecer

limites jurídicos a ele. Assim, até onde o princípio absoluto alcançar não pode haver

direitos fundamentais.

Se o princípio absoluto garante direitos individuais, a ausência de limites

desse princípio levaria à seguinte situação contraditória: em caso de colisão, os

direitos de cada indivíduo, fundamentados pelo princípio absoluto, teriam que ceder

em favor dos direitos de todos os indivíduos, também fundamentados pelo princípio

absoluto.

Diante disso, ou os princípios absolutos não são compatíveis com direitos

individuais, ou os direitos individuais que sejam fundamentados pelos princípios

absolutos não podem ser garantidos a mais de um sujeito de direito.

Um princípio que estabelece um direito fundamental a todos os indivíduos, de

maneira coletiva, de um lado, e, de um outro, princípio de viés individual como direito

a dignidade humana. Nesse contexto, se considerar que o direito fundamental que

estabelece interesses coletivos é absoluto, desconsideraria qualquer relação de

sopesamento com a dignidade da pessoa humana.

Seria crer alguns abusos como um caso de, por exemplo, o Estado alegar o

equilíbrio de finanças (reserva do financeiramente possível), como direito absoluto, de

interesse coletivo, em detrimento do direito individual à saúde, ao tratamento médico

adequado, como manifestação da dignidade humana. Assim, não se pode concluir

que o método seja o mais adequado.

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18

3.3 A solução de todo e qualquer interesse que pode ser colocado em um processo de sopesamento.

O conceito de princípio é muito amplo e, por isso, inútil, porque abarcaria todo

e qualquer interesse que possa ser introduzido em um processo de sopesamento.

Essa é a ideia transmitida por Robert Alexy19. Construir a solução de colisão

de princípios tem assento na garantia de equilíbrio no caso concreto de quem deve

ser aplicado com mais força e quem deve ser com menos. Caso a caso, procura-se

conciliar princípios através do sopesamento das normas.

A razão para tanto não reside apenas na abertura semântica e estrutural das

disposições de direitos fundamentais, mas sobretudo na natureza principiológica das

normas de direitos fundamentais. Essa natureza principiológica implica a necessidade

de sopesamentos.

Embora o processo de sopesamento seja um processo racional, ele não é um

processo que sempre leva a uma única solução para cada caso concreto. Decidir qual

solução será considerada como correta após o sopesamento é algo que depende de

valorações que não são controláveis pelo próprio processo de sopesar.

Nesse sentido, o sopesamento é um procedimento aberto. Mas a abertura do

sopesamento conduz a uma abertura do sistema jurídico substancialmente

determinado pelas normas de direitos fundamentais.

Assim, em virtude da vigência das normas de direitos fundamentais, o sistema

jurídico adquire um caráter de sistema jurídico aberto, independentemente da

extensão dessa abertura.

19 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 544

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19

CAPÍTULO II – DA (SUPOSTA) SUBJETIVIDADE NA PONDERAÇÃO DE INTERESSES

1. Crítica à hermenêutica na ponderação de interesses.

A principal crítica que se faz ao modelo é que o entorno subjetivo que ganha

quando da análise do caso concreto. Muitos contam que o mergulho na ponderação

faria com que o controle racional fosse afetado.20

Barroso conta que é a subjetividade sempre vai existir quando reflete que é

impossível chegar a uma objetividade plena. Que a ciência do Direito, como

característica de sua singularidade, não se serve da objetividade assertiva que

permeia as ciências naturais ou exatas. O jurista é quem produz o próprio objeto da

sua ciência, diferente das demais, as quais observam e experimentam algo já

existente.21

O instrumento da ponderação de interesses já faz parte do ordenamento

jurídico brasileiro, mas, inegável, existe muita celeuma diante de sua aplicação: não é

incomum observar diversas decisões que se fundam na ferramenta de harmonização

de princípios com deficiência ou até ausência de fundamentação adequada.

Nesse viés, termina que o magistrado, ao invés de elevar a carga

argumentativa de seus julgados, deixa de efetivar a solução com uma argumentação

coerente, subsistindo o casuísmo e ativismo judicial, totalmente desconexo com a

essência da sopesação de valores através da ponderação de interesses.

A neutralidade é inalcançável quando se tenta inseri-la no julgador. Os juízes

não são objetos, os quais sem desejos, memória, ideologia ou influência externa,

julgam no caso concreto de maneira plenamente objetiva. É de se aceitar que existe

uma margem de influência a qual o Direito não pode fazer sua ingerência.

O Direito, por sua, vez vem para tornar o mais objetivo possível a possibilidade

de julgamento. Mas, nunca, ser totalmente. A vertente extrema do objetivismo pode

exigir até mesmo o sacrifício da Justiça. Convenha-se, por exemplo, a aplicação de

20CAPISTRANO, Marcio. A técnica da ponderação de valores e a justificação racional das decisões judiciais. Site: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12517>. Acesso em 12.11.18. 21BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2º edição. Editora Saraiva, 2010, p.48.

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20

um princípio a um caso concreto sem que o analise de maneira a identificar suas

peculiaridades, moldando o julgamento de maneira a manter o objetivismo jurídico de

pé. Não é o que parece razoável.

2. Sombreamento do núcleo essencial. Direitos fundamentais pelo

sopesamento ou pela técnica de ponderação de interesses.

Muito se discute calorosamente quando há colisão de princípios fundamentais,

mas, por vezes, esquece-se que a ponderação vem bem antes, inclusive: na busca

do conteúdo essencial deles.

Aceitável que os direitos fundamentais tem um núcleo essencial para o qual

reproduz a sua natureza essencial, inclusive serve para limitação a interpretação. A

fim de se chegar a tal núcleo, o jurista sopesa e usa da interpretação dos princípios,

não apenas de um, mas eles em conjunto, de maneira a delimitar o núcleo. Delimitado

o núcleo, este servirá de limite ao interprete e julgador, o qual não poderá desnaturar

sua essência.

Nesse viés, nota-se que se a interpretação define o conteúdo essencial. E este,

por sua vez, serve de óbice à interpretação que se extrapole seu núcleo essencial.

Isso, conduz, de certo modo, a eliminação de direitos, ainda que parcial. Ora, restringir

princípios é também eliminá-los, parcialmente.

Retorna-se para sopesar: não se pode chegar a essa conclusão de eliminação

de direitos fundamentais, quando eles mesmos estão sendo usados por uma técnica

que se propõe a não eliminar direitos, mas sim a harmonizá-los, como o é a técnica

de ponderação de interesses.

A teoria que se aplica em questão é de valores relativistas, que, apesar de

conduzir, equivocadamente, às vezes, a conclusões como a de eliminar direitos, ainda

que parcialmente, não quer dizer que não haja qualquer valor, mas significa que

valores são mutáveis, relativos. Que não existe força de uma justiça absoluta, mas de

uma justiça relativa22 . Que o conteúdo valorativo, inclusive quando se sombreia o

núcleo essencial de direitos fundamentais, é resultado de juízos de valores em que,

no caso fático, se revela mais adequado. Enquadrar valores, nesse caminhar, é,

portanto, como tentar emoldurar algo que não se pode delimitar para todos os

contextos.

22 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6º ed., Martins Fontes, 1998, p. 47.

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21

3. A técnica de ponderação aplicada ao direito ao esquecimento.

Sabe-se que o direito ao esquecimento tem como finalidade apagar um registro

ou proibir de exibição futura ou seu relembre de fatos que cause efeitos deletérios à

pessoa, afetando-lhe negativamente aos direitos à personalidade; que apagar ou

impedir a demonstração futura de algum fato não pode, de modo algum, se confundir

com censura; que fatos históricos não podem ser objeto de esquecimento; que não

há meios especificamente definidos para a exposição de fatos ou de sua exibição; que

visa combater a perpetuação da condenação da pessoa pelo seu passado, evitando

que a mácula do passado possa afetar o presente e futuro.

Contudo, o acirramento da questão se dá quando há confronto de direitos

fundamentais diversos e o direito ao esquecimento. Comumente, vê-se com mais

frequência princípios constitucionais em choque com ele, como o direito à informação,

a liberdade de informação e expressão, inclusive, vedação à censura.

Então, questiona-se a necessidade de balancear os termos e promover uma

solução de comum acordo. Essa solução vem da ponderação de interesses.

Como conta Karl Larenz 23 , tal técnica serve de superação as estruturas

padronizadas de solução das normas, que a ponderação tem serventia quando não

existe norma expressa que acuda o conflito existente de normas de direitos

fundamentais que se entrecruzam, possibilitando a concretização dos direitos cujo

amplitude ficara em aberto.

4. O problema na técnica de ponderação de interesses no direito ao

esquecimento.

Na ponderação de interesses de Alexy não há indicação de critérios, segundo

os quais fosse possível avaliar a adequação de um enunciado de preferência de

princípio a outro.24 Mas ele indica as máximas da proporcionalidade.

23LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2º ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 501. 24 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral. Justificação e Aplicação. Landy: São Paulo. 2004. p. 317.

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22

A ponderação é feita pelo princípio da proporcionalidade25, e este contém três

máximas, que sempre devem ser observadas. Estas máximas são, a adequação,

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito26.

Adequação significa, que as medidas tomadas são aptos para atingir o fim

desejado. Necessidade significa verificar, se a medida tomada é a menos gravosa

para alcançar os fins desejados, e a proporcionalidade em sentido estrito é a análise

se as vantagens superam as desvantagens27.

Na colisão de princípios se pondera os princípios em colisão. No caso concreto

será analisado, se a aplicação de ambos os princípios é adequada e necessária, e se

realmente for, será analisado, a proporcionalidade em sentido estrito.

Assim, por exemplo, em casos de colisão do princípio do direito a imagem,

como vertente do direito ao esquecimento, com o direito à liberdade de imprensa,

muitas vezes já se pode constatar, que a transmissão da imagem não é a medida

menos gravosa para atingir o fim informar a população. Poder-se-ia se limitar a apenas

mencionar o nome, ou narrar o fato.

Ou seja, no conflito de princípios, o juiz pondera em cada caso, conforme as

circunstâncias, qual princípio deve prevalecer, fazendo com que o direito ao

esquecimento possa ou não ser prevalente no caso fático.

4.1 Conceitos abertos ou indefinidos.

O expansionismo do ordenamento jurídico a norma cujas cláusulas são abertas,

normas princípios, permite conduzir, em certa maneira, a uma direção subjetiva que

mais se faça aos caprichos de quem julga do que, propriamente, a justiça adequada

aos princípios fundamentais.

Não é diferente quanto ao direito ao esquecimento. Por vezes, o abuso ao uso

da técnica de ponderação, haja vista se tratar de sopesação de valores, faz evidenciar

a possibilidade ou não de ter aplicado o direito ao esquecimento no caso concreto.

Generalidade é inerente aos princípios. Como são realizados em maior ou

menor grau, seu conteúdo se reveste de tal característica, para que, justamente, seja

possível a sua concretização, visto que se estabelecessem conceitos estanques e

25 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Suhrkamp: Baden-Baden. 4ª ed., 2001, p. 100. 26 ALEXY, Robert. Theorie …, p. 100. 27 ALEXY, Robert. Theorie ..., p. 100-105.

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23

rígidos estariam mais próximos de serem denominados de normas regras e não

princípios.

Por outro lado, uma crítica que se faz é sobre o que Alexy 28 chama da

possibilidade de um “pretenso caráter generalizante” quando do sopesamento entre

princípios conflitantes.

Como cláusula de interpretação aberta, o direito ao esquecimento pode ser

manipulado de acordo com a conveniência do(s) julgador(es). Pode ser afastado de

sua aplicação quando o interprete acreditar que o direito à informação, por exemplo,

deve preponderar. Então, o dilema moderno do Direito é reconhecer que tais

fenômenos sociais existem e quais as soluções são viáveis para, ao menos, reduzir a

subjetividade no sopesamento, uma vez que impossível é alcançar a objetividade

plena, tampouco neutralidade.

28 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 109.

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24

CAPÍTULO III - DIRETO AO ESQUECIMENTO COMO MANIFESTAÇÃO DO DIREITO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1. Princípio da dignidade como vetor interpretativo dos direitos

fundamentais e do direito ao esquecimento.

A dignidade da pessoa humana é, antes de mais nada, vetor de interpretação

constitucional. Moraes acrescenta que ela concede unidade aos direitos e garantias

fundamentais. Que é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, com

manifestações singularmente propiciadas pela autodeterminação consciente e

responsável da própria vida29.

A tal dignidade, de ainda difícil categorização ou definição, não cabe

exatamente em determinada dimensão, seja na primeira, seja na segunda. Seu

conteúdo vai além disso, e deve ser observado caso a caso, podendo-se falar que se

permeia entre ambas.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 3.510/DF, o Supremo

Tribunal Federal30, citando o direito à vida, corroborou tal linha de raciocínio antes

mencionada, isso lastreado na interpretação da própria dignidade do ser humano, uma

vez que tal direito não reconhece apenas a existência do ser (claro apego à primeira

dimensão), mas também a uma vida digna (reconhecendo a participação positiva do

Estado para que isso aconteça, referência à segunda dimensão).

“A garantia da dignidade da pessoa humana é o princípio mais importante na

Constituição de 1988”, disse Carmén Lúcia, Ministra do Supremo Tribunal Federal, na

abertura do Seminário Nacional sobre Direitos Humanos.31

A conceituação da Dignidade não tem limites bem definidos como outrora

mencionada. Porém, uma coisa é certa: a dignidade humana sempre foi colocada

acertadamente como sendo um direito individual. Kant conta certa vez, em seus

ensinamentos, uma passagem que transmite uma visão semelhante e individual da

dignidade do ser humano.

29 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.41. 30 STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADIN 3510/DF. Direito à existência e a vida digna.

Site: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723&pgI=226&pgF=230>. Acesso em 15.10.2018.

31 STF. Notícias STF. Carmém Lúcia. Site: [https://bit.ly/1FUxy46]. Acesso em 15.10.2018.

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25

Fala que uma coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite

equivalência, compreende uma dignidade; ou quando diz que o sujeito dos fins ou ser

racional não pode ser posto como simples meio, mas sim como fim. 32

Contudo, essa visão individualista tradicional não se aplica ao indivíduo,

modernamente. Transcende a cadeia individualista, já que a dignidade humana pode

representar em algum momento a necessidade positiva do Estado em sua efetivação,

por exemplo, tutela estatal acerca da melhor condição de trabalho ao empregado, o

que clareia a segunda dimensão.

A dignidade da pessoa humana sempre foi, na melhor definição da palavra,

dar dignidade à pessoa, de forma mais ampla possível. A história demonstra a

importância de tal direito fundamental quando liberdades foram rasgadas e

desumanidades foram patrocinadas. O pós-Revolução Francesa ou após as guerras

mundiais evidenciam um pouco da razão de ser do direito, quando se observou

dizimação humana a mando e em busca, incessante, do poder.

Os eventos retrabalham ideias de períodos de sofrimentos, de violação aos

direitos humanos sem qualquer precedente tamanho. Que se seguiram por meio dos

mais diversos tipos de extinção do gênero humano. Nesse viés, e no pós-guerra, em

meio a um mundo despedaçado existente, a Organização das Nações Unidas – ONU

– surgiu com o emblema de priorizar a discussão sobre a dignidade da pessoa

humana e a preocupação sobre os rumos a tomar a partir dali.

Há quem diga que a preocupação com a dignidade do ser humano foi teve

marcos bem anteriores aos eventos mencionados. Citam, por exemplo, Rousseau,

que retrata a dignidade humana diante de uma frase amplamente difundida, que o

homem seria bom em sua essência, e que a sociedade é que transforma.

Pode-se relatar que a dignidade da pessoa humana não é uma forma

esculpida a toda e a qualquer sociedade atual. O elemento cultural também manipula

o contexto de aplicação da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, o uso da burca,

em regiões islâmicas. Aqui, tal exigência de modo impositivo seria um empecilho

frontal ao direito da dignidade da pessoa humana, na vertente da liberdade individual.

Questões intrigantes também refletem a instabilidade interpretativa da

dignidade humana em determinadas sociedades, como nos Estados Unidos da

América. Nesse Estado, tópicos como a manutenção da prisão, na Baía de

32 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo:

Martin Claret, 2002, p. 65 – 68.

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26

Guantánamo, são alguns fatos que afetam diretamente o sentido da dignidade

humana, o que, por vezes legitima ao retorno de antigas práticas.

A prisão, localizada em Cuba, que abriga diversos presos por terrorismo,

desde 2002, foi estrategicamente implantada fora dos Estados Unidos para não haver

a mesma aplicação da dignidade da pessoa humana que há na sociedade americana.

Com isso, a aplicação de tratamento diferenciado pode acontecer lá, como a tortura.33

Assim, em algumas comunidades, chegou-se ao ponto de achar que faziam

certas coisas porque os outros não eram seres humanos, uma vez que eles

realizavam crimes que atingiam de maneira global qualquer sociedade.

Nesse ponto, o embate entre a preservação dos direitos da dignidade da

pessoa humana versus o deliberado terrorismo existente se apresenta como de difícil

solução. Visto que há posicionamentos consistentes tanto para a defesa intransigente

da dignidade para esses casos, que seria uma vertente comumente aplicada,

atualmente, como também há correntes que defendem um rigor maior no tratamento

dos terroristas, fundamentando-se no poder comunicacional do Estado para legitimar

sua conduta, que tem como ferramenta a participação do povo para ter menor

resistência das medidas rígidas a serem tomadas34.

Parece que, então, a melhor forma para ser visto o direito à dignidade é como

um vetor interpretativo, que não deixa de considerar a pessoa como ser humano digno,

mas também com sua dignidade humana. O que não afastaria, em casos fatídicos,

como no que foi citado, a análise de ambos os lados da moeda.

Sendo de um lado, a dignidade humana aplicada às partes interessadas,

vítimas, em ver a punição do agressor terrorista, que, à compreensão dos americanos,

poderia se usar da manipulação de tal direito para encontrar um tratamento gravoso

a seu benefício em comparação a punição do acusado; do outro, a dignidade humana

do preso, que assegura tratamento imparcial no julgamento, sem que haja um prévio

clamor de punição, ainda que implícito, ou um deliberado julgamento simulado em que

seja prevista uma pena pautada não no direito das leis, mas sim na vingança dos

homens.

33 CORERA, Gordon. O que acontecerá com a prisão de Guantánamo com os EUA sob Trump?

BBC News. Site: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38611363>. Acesso em 15.10.18. 34 REBELO, Felipe. Atividade econômica, terrorismo e sistema de preservação dos direitos

humanos. Site: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/6172839.pdf>. Acesso em 15.10.18.

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27

Sobrevém ressaltar que, apesar de ser necessária essa ponderação dos

elementos do direito citado, que expõe a participação intensa da cultura de uma

sociedade e seu anseio por justiça, que, de uma forma ampla, poder-se-ia considerar

como vertente da dignidade, há também que assegurar as liberdades

supraconstitucionais da dignidade, ainda que o crime cometido tenha um viés bárbaro

ou de repúdio global da conduta.

2. Do direito ao esquecimento

A dignidade da pessoa humana está intimamente relacionada com o direito ao

esquecimento, vez que ter tal dignidade também é ter para si a preservação dela. E a

preservação da dignidade pode se dar de infinitas formas, até mesmo no dever de

exigir que terceiros se abstenham de lembrar fatos pretéritos do indivíduo, ainda que

retratem uma realidade verdadeira. O direito de exigir o esquecimento não é um tema

recente, sendo um tema recorrente na seara criminal como, por exemplo, um

elemento importante para a ressocialização do ex-detento, e, assim, ganha um

destaque preponderante na atualidade, visto a importância constitucional do debate

de direitos fundamentais do homem.

A dignidade merece o destaque no sentido de significar o merecimento de

respeito, consideração e estima do indivíduo35. Ela, como já mencionada, é inata ao

ser humano, e, como tal, visa, sobremaneira, resguardar a personalidade e seus

direitos, como o direito à vida, honra, imagem, nome, memória, intimidade e

privacidade.

Juristas assentaram o direito ao esquecimento como vertente da dignidade. É

nesse sentido o que enunciado do Conselho da Justiça Federal36 – CJF – n. 531

aprovado da IV jornada de Direito Civil de 2013 retrata: “A tutela da dignidade da

pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”. Resta

claro que, por esse direito, não oportuniza o indivíduo para apagar fatos ocorrido ou

reescrevê-los, impossível até então, mas dá o direito de discutir à pessoa sobre a

35 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8º ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 2014, p. 165. 36 Conselho da Justiça Federal. Enunciados aprovados na VI jornada de Direito Civil. Enunciado 531. Disponível em: <https://www. migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20130607-02.pdf>. Acesso em 08.10.2018.

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utilização dos fatos pretéritos no presente e no futuro, especialmente no modo e na

finalidade com os quais serão lembrados.

O manejo de tal entendimento esclarece a necessidade e o posicionamento

importante do Direito neste momento da atualidade, principalmente no que se refere

aos direitos da personalidade, em que o uso de informações pessoais se difundem

indistintamente e de maneira inegavelmente veloz por meio dos tradicionais e

recentes meios comunicativos.

Para entender o direito ao esquecimento, imprescindível se faz uma visita

histórica para verificar quando se deu o seu surgimento. Pode-se afirmar que não há

elementos suficientes para definir o momento exato de sua origem, mas há indícios

de manifestações a favor do direito ao esquecimento, desde o século passado, no ano

de 1973, quando do julgamento do caso Lebach pelo Tribunal Constitucional Federal,

na Alemanha.

No ano de 1969, em Lebach, um vilarejo do oeste da República Federal da

Alemanha, consumou-se o assassinato brutal de quatro soldados que protegiam um

depósito de munição, além de ferir um quinto soldado gravemente, durante a ação

foram roubadas do depósito armas e munições.

No ano imediatamente posterior, 1970, os principais acusados, dois, foram

condenados à prisão perpétua. Um terceiro foi condenado a seis anos de reclusão,

por ter participação menor na consumação dos fatos, na preparação para o crime.

Passados quatro anos do crime, o Segundo Canal Alemão, a

ZweitesDeutschesFernsehen (ZDF), observando a notoriedade tida do evento,

produziu um documentário sobre todo o fato ocorrido. Isso incluía a apresentação de

nomes e fotos de todos os acusados.

Além disso, haveria a encenação do crime por atores, a qual incluiria detalhes

da relação sexual dos condenados entre si. O documentário seria exibido em uma

sexta-feira à noite, momento antes da soltura do terceiro integrante do crime que já

havia cumprido parcialmente a pena.

Esse terceiro condenado, sabendo do acontecimento prestes a ocorrer,

requereu um medida liminar para impedir a apresentação da documentação, uma vez

que dificultaria a sua ressocialização. Tramitada nas instâncias ordinárias, o pedido

não foi deferido.

O que, por sua vez, exigiu que ele fosse ao Tribunal Constitucional Federal da

Alemanha (TCF) apresentar reclamação constitucional, baseando-se na proteção ao

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seu direito de desenvolvimento da personalidade, com previsão na Constituição Alemã

de 1919, em seu artigo 2º:

[Direitos de liberdade] Todos têm o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade, desde que não violem os direitos de outros e não atentem contra a ordem constitucional ou a lei moral. (tradução livre)

Tramitada a reclamação, o Tribunal procurou sopesar os direitos em conflitos,

direito à informação versus direitos da personalidade, decidiu, então, que a rede

televisiva não poderia transmitir o documentário caso a imagem do reclamante fosse

apresentada ou seu nome mencionado.

A decisão evidenciou a autonomia do programa de televisão, discorrendo

acerca de sua conveniência no sentido de exibir, selecionar conteúdos e apresentá-lo

também, como expressão da liberdade de radiofusão, esculpida constitucionalmente.

Contudo, apresentou a possibilidade de limitação de tal direito quando ofender direitos

da personalidade. Eis a ementa do julgado37:

1. Uma instituição de Rádio ou Televisão pode se valer, em princípio, em face de cada programa, primeiramente da proteção do Art. 5 I 2 GG. A liberdade de radiodifusão abrange tanto a seleção do conteúdo apresentado como também a decisão sobre o tipo e o modo da apresentação, incluindo a forma escolhida de programa. Só quando a liberdade de radiodifusão colidir com outros bens jurídicos pode importar o interesse perseguido pelo programa concreto, o tipo e o modo de configuração e o efeito atingido ou previsto. 2. As normas dos §§ 22, 23 da Lei da Propriedade Intelectual-Artística (Kunsturhebergesetz) oferecem espaço suficiente para uma ponderação de interesses que leve em consideração a eficácia horizontal (Ausstrahlungswirkung) da liberdade de radiodifusão segundo o Art. 5 I 2 GG, de um lado, e a proteção à personalidade segundo o Art. 2 I c. c. Art.5 I 2 GG, do outro. Aqui não se pode outorgar a nenhum dos dois valores constitucionais, em princípio, a prevalência [absoluta] sobre o outro. No caso particular, a intensidade da intervenção no âmbito da personalidade deve ser ponderada com o interesse de informação da população. 3. Em face do noticiário atual sobre delitos graves, o interesse de informação da população merece em geral prevalência sobre o direito de personalidade do criminoso. Porém, deve ser observado, além do respeito a mais íntima e intangível área da vida, o princípio da proporcionalidade: Segundo este, a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso nem sempre é permitida. A proteção constitucional da personalidade, porém, não admite que a televisão se ocupe com a pessoa do criminoso e sua vida privada por tempo ilimitado e além da notícia atual, p.ex. na forma de um documentário. Um noticiário posterior será, de qualquer forma, inadmissível se ele tiver o condão, em face da informação atual, de provocar um prejuízo considerável novo ou adicional à pessoa do criminoso, especialmente se ameaçar sua reintegração à sociedade (ressocialização). A ameaça à ressocialização deve ser em regra tolerada quando um programa sobre um crime grave, que identificar o autor

37 SCHWAB, Jürgen. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão.

Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 488.

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do crime, for transmitido [logo] após sua soltura ou em momento anterior próximo à soltura.

Além disso, o processo de ponderação aplicado ao caso, no sentido de não

emergir um direito excessivamente em detrimento de outro, foi explicitado também:

Em casos de conflito como o presente, vale, por isso, de um lado, o princípio geral de que a aplicação dos §§ 22, 23 KUG em face de programas de televisão não pode limitar a liberdade de radiodifusão excessivamente. De outro lado, existe aqui, em contraposição às demais leis gerais na acepção do Art. 5 II GG, a peculiaridade de que a limitação da liberdade de radiodifusão serve, por sua vez, à proteção de um alto valor constitucional; o interesse da pessoa em questão contra a divulgação ou apresentação de sua imagem, a ser considerado no contexto do § 23 KUG, é reforçado diretamente pela garantia constitucional da proteção à personalidade [do Art. 2 I c. c. Art. 1 I GG]. A solução do conflito deve partir do pressuposto de que, segundo a vontade da Constituição, ambos os valores constitucionais configuram componentes essenciais da ordem democrática livre da Grundgesetz, de forma que nenhum deles pode pretender a prevalência absoluta. O conceito de pessoa humana (Menschenbild) da Grundgesetz e a configuração a ele correspondente da comunidade estatal exigem tanto o reconhecimento da independência da personalidade individual como a garantia de um clima de liberdade que não é imaginável atualmente sem comunicação livre. Ambos os valores constitucionais devem ser, por isso, em caso de conflito, se possível, harmonizados; se isso não for atingido, deve ser decidido, considerando-se a configuração típica e as circunstâncias especiais do caso particular, qual dos dois interesses deve ser preterido. Ambos os valores constitucionais devem ser vistos, em sua relação com a dignidade humana, como o centro do sistema axiológico da Constituição. Certamente, podem decorrer da liberdade de radiodifusão efeitos limitadores para as pretensões jurídicas derivadas do direito [fundamental] da personalidade; porém, o dano causado à personalidade” por uma apresentação pública não pode ser desproporcional ao significado da divulgação para a comunicação livre (cf. Adolf Arndt, op. cit.). Além disso, desse valor de referência decorre que a ponderação necessária por um lado deve considerar a intensidade da intervenção no âmbito da personalidade por um programa de tipo questionável e, por outro lado, está o interesse concreto a cuja satisfação o programa serve e é adequado a servir, para avaliar e examinar se e como esse interesse pode ser satisfeito [de preferência] sem um prejuízo – ou sem um prejuízo tão grande – da proteção à personalidade.38

Assim, a resolução do virtual conflito entre os direitos foi solucionada através

da harmonização entre si do direito à informação e o direito ao desenvolvimento da

personalidade, que, trazendo ao ordenamento jurídico brasileiro, poder-se-ia denotar

de direito ao esquecimento, direito de esquecer-se, ou de ser deixado em paz39.

A ideia perpassada foi a preocupação com a personalidade do indivíduo, na

medida em que proteger sua dignidade, representaria a proteção também à sua

38 SCHWAB, Jürgen. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão.

Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 488. 39 COSTA JÚNIOR, Paulo José. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 4 ed., São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 16-17.

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personalidade, que, por sua vez, prezaria pelos aspectos essencialmente humanos

como vida, honra, imagem, nome.

O caso revelou que a condenação, por si só, não pode macular a imagem da

pessoa de forma perpétua, uma vez que não prevista tal pena. Se houvesse, perderia

o sentido da ressocialização e reintegração do indivíduo na sociedade para uma nova

chance. Houve, sim, no caso, sacrifício da liberdade de informação, mas não de forma

absoluta. Apenas na medida do razoável para assegurar também o direito de ser

esquecido.

Passadas algumas décadas de amadurecimento do direito ao esquecimento,

no Brasil, pela primeira o Superior Tribunal de Justiça – STJ – aplicou pela primeira

vez a tese do direito ao esquecimento explicitamente ao caso que foi amplamente

conhecido pela Chacina de Candelária.

1993, antes da meia-noite de 23 julho, próximo à igreja da Candelária, no

centro do Rio de Janeiro, 8 (oito) jovens (seis menores, dentre eles) em situação de

rua foram brutalmente assassinados. 7 pessoas foram indiciadas por participar do

crime, direta ou indiretamente.

O evento tomou, socialmente, proporções enormes a ponto de uma emissora

conhecida como TV Globo documentar, em junho de 2006, os fatos e apresentar a

sociedade como envolvido o nome de um dos indiciados que foi posteriormente

absolvido das acusações de envolvimento na Chacina. Este, por sua vez, buscou as

instâncias ordinárias, posteriormente à exibição, a reparação do dano e exigiu o direito

ao esquecimento.

A tese do autor foi a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito

de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos

desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que,

posteriormente, fora inocentado. Tramitado por diversas instâncias, o seu pedido foi a

julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual, por sua 4ª turma, fixou

entendimento no sentido de que ninguém é obrigado a conviver para sempre com

erros do passado. Reforçou o aparecimento do direito ao esquecimento, vertente do

direito da personalidade que deseja proteção. 40

40STJ. Recurso Especial (Resp. n. 1.334.097). Superior Tribunal de Justiça. Site: <https://bit.ly/2Cay4nk>. Acesso em 28.10.18.

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Em outros momentos, a jurisprudência do STJ também foi tranquila em

reconhecer o direito ao esquecimento, de maneira implícita, dos condenados que

cumpriram pena ou dos absolvidos:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FOLHA DE ANTECEDENTES. CANCELAMENTO DE REGISTRO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, por analogia aos termos do art. 748 do Código de Processo Penal, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados relativos a inquéritos arquivados, a ações penais trancadas, a processos em que tenha ocorrido a reabilitação do condenado e a absolvições por sentença penal transitada em julgado ou, ainda, que tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado decorrente da prescrição da pretensão punitiva do Estado. 2. Recurso provido para que sejam canceladas as anotações realizadas pelo Instituto de Identificação Ricardo Glumbenton- IIRGD relativas ao Processo-Crime 240/92, em que ocorreu o trancamento da Ação Penal nº 240/05. (RMS 24099/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 08/05/2008, DJe 23/06/2008) Julgados de igual posicionamento: RMS 18.540/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ 30/03/2007, p. 300; RMS 15.634/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 05/02/2007, p. 379; REsp 443.927/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2003, DJ 04/08/2003, p. 366.

Assim, o STJ trouxe à tona, novamente, o problema da atualidade: o conflito

da liberdade de expressão, substanciada pelo documentário exibido na Rede de

Televisão Globo, e o direito de ser esquecido, da pessoa absolvida pelo crime ao qual

foi indiciado. Invocou a necessidade de interpretar os direitos fundamentais no sentido

de conduzir a uma ponderação de interesses dos direitos fundamentais ora elencados.

A solução oportuna foi a de que se deveria ser dado o direito ao esquecimento

do autor. Ainda elencou que não se proibiu a exibição de um evento marcante da

história de sangue do País, mas o modo e a forma como foi exibido prejudicou o direito

da personalidade do recorrente, assim como no caso de “Lebach”, os fatos poderiam

ser mostrados, mas havendo de se ter precaução em evitar a exposição do indivíduo.

Pelo próprio voto do Min. Relator. Luis Felipe Salomão:41 “Os valores sociais ora

cultuados conduzem a sociedade a uma percepção invertida dos fatos, o que gera

41 STJ. Recurso Especial (Resp. n. 1.334.097). Superior Tribunal de Justiça, pág. 42. Site: <https:// www.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf>. Acesso em 28.10.2018.

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também uma conclusão às avessas: antes de enxergar um inocente injustamente

acusado, visualiza um culpado acidentalmente absolvido”.

Paralelamente a esses marcos históricos, indaga-se, também, para que serve

a discussão do direito ao esquecimento? Ou para que esse surgiu? Para obter tais

respostas, restaura-se a ideia de que a dignidade humana sempre estará

acompanhada do ser humano, e como tal, permite-lhe a segurança de não ser

lembrado daquilo que um dia foi seu passado e que, ao mesmo tempo, causa-lhe

algum constrangimento ou embaraço.

Da mesma maneira que grandes feitos são lembrados de maneira positiva,

Invenção da roda, primeiro telefone, televisão, dentre outros, por que não permitir que,

de modo contraposto, não sejam esquecidos fatos relativamente negativos da pessoa.

Em algum momento, uma pessoa, redenta por sua conduta, não pode ter seu

direito a ser esquecido? Mas é claro que sim. Já dizia o poeta Leandro Mendes42, em

uma de suas aventuras literárias,

Quero ser lembrado, quando não mais estiver aqui… Pelos sorrisos que proporcionei, não pelas lágrimas que ocasionei Pelos abraços que dei, não vezes que cruzei os braços Pelos beijos que dei, não pelas vezes que virei o rosto Pelas palavras de carinho, afeto e amor que proferi Não pelas vezes que ofendi e magoei (…).

As pessoas tendem a escrever sua história de vida ou levá-la, através de um

papel em branco. Se esse folheto em branco já estiver manipulado negativamente por

fatos outrora já cometidos e que de alguma forma afetem negativamente a pessoa,

ainda que já tenha sido reparado o que fora feito ou que fora remediado, será difícil

acreditar numa reescrita de uma mudança no presente ou no futuro quando se é

constantemente manchado pelo seu passado.

A essência do direito a ser esquecido é esta: a permissão para seguir em

frente, sem que seja, repetidamente, lembrado de determinados contextos históricos

passado, ainda que verdadeiros. Para que esse direito serve, Jean-Jacques

Rousseau43 já o afirmara, ainda que sem noção da amplitude de seu discurso, que

“liberdade comum é uma consequência da natureza do homem. Sua primeira lei

consiste em proteger a própria conservação, seus primeiros cuidados os devidos a si

42MENDES, Leandro. Quero ser lembrado…. Site: <https://bit.ly/2BfVJBk>. Acesso em 17.10.18. 43 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. 1ª ed., Ridendo Castigat Mores, 2002, p. 11.

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mesmo, e tão logo se encontre o homem na idade da razão, sendo o único juiz dos

meios apropriados à sua conservação, torna-se por si seu próprio senhor.”.

Decorre, o direito, da própria autoconservação do ser humano, que, sendo

julgador e julgado, em mesmo instante, de seus atos, vê em suas determinadas

condutas, e, apesar delas, uma maneira de redimir-se e realinhar-se ao presente e ao

futuro.

Então, viabilizar o esquecimento é medida que merece alto grau de respeito,

sobretudo, por acreditar na possibilidade sempre do desenvolvimento humano, e não

a sua degradação, através de correção de rotas, possibilidade de novas escolhas,

sem, contudo, estar ancorado a um passado embaraçoso, o qual deseja não recorrer

através de lembranças.

A Constituição da República Federativa do Brasil44 disciplina no seu corpo as

penas permitidas e proibidas, dentre estas a impossibilidade de obter sentença a qual

se condene a perpetuação de uma pena para toda uma vida: “(…) XLVII – não haverá

penas: de caráter perpétuo”.

De certa forma, permitir que um fato seja relembrado, como no caso de

“Lebach”, apesar de condizer com a realidade ocorrida, mas reparado o dano,

cumprida a sentença penal, é uma maneira de munir os meios comunicativos ou

pessoas de poder punitivo. É fazer com que seja dada uma pena de valor atemporal

a que decide escolher novas rotas.

Possibilitar a lembrança é negar a ideia de ressocialização do indivíduo, apesar

dos tempos conturbados vividos pela democracia brasileira, em que o sentimento

social se dissocia dessa possibilidade.

Antes de se chegar a uma conclusão do direito ao esquecimento, é merecido

conhecer seus elementos e o que se desdobra diante de seus conceitos.

Para se chegar ao entendimento do direito a esquecer-se, é imperiosa a

compreensão da liberdade de expressão e pensamento. Sendo tal, depreende-se

como garantia constitucional, artigo 5º, inciso IX, da CRFB/88, a qual permite a

utilização de qualquer meio para expor suas convicções, informações, ou qualquer

elemento que possibilite expor alguma coisa, livre de censura ou licença em seu

exercício.

44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, out. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 17.10.2018.

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35

A liberdade de informação segue viés próximo e está intimamente relacionado

àquela garantia. Essa, por sua vez, segue-se por dois elementos: o primeiro está para

a construção da informação para si, é de conhecer, de formar opinião própria através

de outros emaranhados informativos, e, portanto, ter o cidadão o direito de receber

informações; o segundo é a liberdade de informar, uma vez que já formada opinião, já

agregadas as informações, há a faculdade e poder de informar o que bem lhe for

conveniente.

Retirar essas garantias seria voltar-se às assombrações passadas, em que

arbitrariedades foram cometidas em nome da livre censura. Com esse entendimento,

o Supremo Tribunal Federal decidiu pela liberdade de informação e expressão no caso

do uso de bibliografias não autorizadas.45

A decisão46:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou

procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação

conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de

texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de

pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica,

declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a

obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária

autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares,

em caso de pessoas falecidas).

A decisão reafirma o posicionamento pró direito à informação estando a priori

em detrimento de outros, como evidente neste outro trecho47:

A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra

norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia

inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e

proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da

inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem.

Outra decisão que corroborou tal posição fora o julgamento do caso New York

Times Co. v. Sullivan. Caso histórico americano discutido em 1964 que envolveu a

45STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815. Supremo Tribunal Federal. Site: < https://bit.ly/1FUxy46>. Acesso em 28.10.18. 46 Idem. 47 Idem. Idem.

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liberdade de imprensa e informação a priori. A Corte Suprema Americana instituiu o

“actualmalice”, em tradução livre, o padrão real de malícia48.

Representou uma vitória a imprensa americana, visto que qualquer acusação

de calúnia feita por funcionário público contra a imprensa deve ser comprovada a real

intenção de manchar a imagem do agente público.

Assim, o autor em um caso de difamação deve comprovar que a informação

patrocinada por empresas de notícia foi editada com sabendo que a mesma era falsa

ou era imprudente, de modo a não considerar a verdade dos fatos ou a falsidade.

Devido à dificuldade de aferir tais alegações, na prática, raramente é possível

comprová-las. Então assim decidiu a Corte49, em tradução livre do trecho:

Para sustentar uma reivindicação de difamação ou difamação, a Primeira

Emenda exige que o autor mostre que o réu sabia que uma declaração era

falsa ou foi imprudente ao decidir publicar a informação sem investigar se ela

estava correta.

Em uma opinião unânime de autoria do juiz Brennan, o Tribunal decidiu pelo

Times. Quando uma declaração diz respeito a uma figura pública, a Corte

considerou que não é suficiente mostrar que é falso a imprensa ser

responsabilizada por calúnia. Em vez disso, o alvo da declaração deve

mostrar que foi feito com conhecimento ou negligência imprudente por sua

falsidade. Brennan usou o termo "malícia real" para resumir este padrão,

embora ele não pretendesse o significado usual de um propósito malicioso.

Na lei de difamação, “malícia” significava conhecimento ou imprudência

grosseira ao invés de intenção, já que os tribunais achavam difícil imaginar

que alguém disseminasse intencionalmente informações falsas sem más

intenções.

Assim, pode-se deduzir que os defensores dos posicionamentos a favor da

irrestrição do direito à liberdade de informação podem em algum momento

desprender-se de outros direitos também assegurados constitucionalmente como os

direitos decorrentes da personalidade.

48 CHEQUER, Cláudio. O acolhimento da doutrina da “actual malice” pelo Superior Tribunal de Justiça. Ed. 05.05.2014. Site: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-acolhimento-da-doutrina-da-actual-malice-pelo-superior-tribunal-de-justica/13628> Acesso em 30.11.18. 49 Oyez. New York Times Company v. Sullivan. Site: <https://www.oyez.org/cases/1963/39>. Acesso em 17.10.2018.

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37

Há também aqueles que defendem um posicionamento tendente a permitir o

uso do direito ao esquecimento como manifestação das liberdades individuais e da

personalidade.

Como expressão da dignidade da pessoa humana, aquele direito teria uma

predileção sobre a liberdade de informação acerca de fatos passados. Nessa

perspectiva, assumir posição contrária é permitir, no ordenamento jurídico brasileiro,

a existência da pena de caráter perpétuo, que é abolida constitucionalmente. A

Chacina da Candelária50 é um caso que repercutiu muito socialmente e que está

atrelado a esse posicionamento de ter o direito de não ser lembrado de fatos contra a

sua vontade.

A legislação brasileira não deixa de fora resquícios da aplicação do direito ao

esquecimento. O estatuto dos servidores públicos federais, lei n. 8.112/1990, que rege

os servidores públicos federais em suas condutas funcionais demonstra apreço pelo

viés do direito supramencionado, até por questão de coerência com a perpetuação da

pena, que é proibido. Assim fez saber em seu corpo51:

Art. 110. O direito de requerer prescreve:

I – em 5 (cinco) anos, quanto aos atos de demissão e de cassação de

aposentadoria ou disponibilidade, ou que afetem interesse patrimonial e

créditos resultantes das relações de trabalho;

II – em 120 (cento e vinte) dias, nos demais casos, salvo quando outro prazo

for fixado em lei.

Parágrafo único. O prazo de prescrição será contado da data da publicação

do ato impugnado ou da data da ciência pelo interessado, quando o ato não

for publicado.

(…)

Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora

determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.

A prescrição no direito é um instituto jurídico de ordem pública imperativa que

está diretamente relacionada com o direito de ação, o direito de exigir perante o

50 Memória Globo. Chacina de Candelária. Ed. 23.07.1993. Site:< http://memoriaglobo.globo.com/ programas/jornalismo/coberturas/chacina-na-candelaria/jornal-nacional-sobre-a-chacina.htm>. Acesso em 28.10.18. 51 BRASIL. Lei 8.112/1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, Brasília, DF, dez, 1990. Disponível em: <http://www.imprensanacional.gov.br/mp_leis/leis_texto.asp?ld= LEI%209887>. Acesso em: 25.10.2018.

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Estado-Juiz uma medida acerca de fatos que interessem a quem o for de direito.

Afirma que não se pode deixa à mercê das circunstâncias o direito de agir.

Deve-se averiguar o interesse nesse direito de exigir por meio do

estabelecimento de um prazo razoável, o qual permita o cidadão ou pessoa jurídica

alavancar o Estado a fim de obter uma resposta. Escoado o prazo, nada se pode obter

diante de uma pretensão jurídica prescrita.

Diz-se acerca da relação com o direito ao esquecimento, porque a prescrição

assenta-se, sobremaneira, no direito de esquecer fatos ou condutas, as quais não são

de interesse jurídico relevante para mover o Estado-Juiz, apesar da possibilidade de

existirem realmente ou de serem verídicos, não importa mais.

Retomando ao previsto na legislação infraconstitucional, a existência de prazos

explicita a necessidade de temporalidade para que não haja a perpetuação na

possibilidade de punir. Se assim o fosse, o servidor teria contra si, em toda sua

existência, assombrações de sua conduta, uma preocupação permanente com o que

já fora feito ou ocorrido. E isso não pode admitir, se há direito de pretensão, se há

conduta a ser averiguada em procedimento administrativo ou sindicância, que seja

feita a averiguação, mas que seja razoável a ponto que medir, dentro de um lapso

temporal, o interesse agir com tais medidas da pessoa jurídica ora mencionada, que

seria a administração pública federal.

Um ponto específico mencionado já mencionado, o artigo 170, conta que já

extinta a punibilidade pela prescrição, o julgador determinará a anotação dos fatos no

assentamento funcional do agente público. O Supremo Tribunal Federal, em

julgamento52, já expôs questionável tal norma, e, ainda, determinou a inconstitucional

dela. Dias Toffoli, Ministro do Tribunal e relator da demanda, conta que:

(…)

não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do

servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório

(sindicância ou PAD) ou da decisão que reconheça a incidência da prescrição

antes de deliberação definitiva de culpabilidade.

Compatibilizado com esse entendimento, pode-se afirmar que:

52 STF. Mandado de Segurança n. 23.262/DF. Julgado em 23/04/2014. Supremo Tribunal Federal. Site: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342516/mandado-de-seguranca-ms-23262-df-stf/inteiro-teor-159438024>. Acesso em 28.10.18

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a) a formação de culpa decorre de condenação definitiva, não da execução

da penalidade. Em outras palavras, a implicação dos fatos na caracterização

de reincidência ou de maus antecedentes decorre de decisão condenatória

irrecorrível proferida em regular processo administrativo disciplinar encerrado

antes de esgotado o prazo prescricional inscrito no art. 142 da Lei nº 8.112/90,

não se podendo erigir a anotação nos assentamentos funcionais como

condição necessária para a produção de seus efeitos. (grifo do autor)

(…)

Em proferindo o voto nesse mesmo julgado, o Ministro Luiz Fux53 , também

seguiu o voto do relator no sentido de que anotar no assentamento funcional do agente

a conduta seria um “simulacro de punição”, tendo em questão a situação existente em

que não seria visto com bons olhos do gestor público o seu antecedente específico.

Que teria efeitos danosos e nocivo ao servidor.

Recordo-me que a Turma julgou um caso em que o Conselho do Ministério

Público arquivou o procedimento contra o seu integrante, mas determinou o

arquivamento sugerindo, e, nessa sugestão, acolheu uma dicção de uma

verdadeira advertência. “Mutatis mutandis” é o que ocorre aqui. Isso aqui é

um simulacro de punição - essa anotação na ficha funcional. E quem é

servidor público de há muito, como muitos aqui o são, sabem que uma

anotação na ficha funcional tem efeitos deletérios para toda a carreira do

servidor. Então, à luz dos princípios constitucionais, e até da própria

razoabilidade que a lei deve conter—e ela não contém porque esse parágrafo

é antinômico com relação ao próprio artigo —, acompanho integralmente o

Ministro Dias Toffoli.

Apesar de o julgado ter invocado preponderantemente o princípio da presunção

de inocência como vetor principal, não se deve perder de vista que as considerações

realizadas nada mais são que também recorrentes do direito ao esquecimento. Da

obviedade de um fato perdurar em um momento e ser esquecido em outro, em

diminutas palavras.

53 STF. Mandado de Segurança n. 23.262/DF. Julgado em 23/04/2014. Supremo Tribunal Federal. Site: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342516/mandado-de-seguranca-ms-23262-df-stf/inteiro-teor-159438024>. Acesso em 28.10.18

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Qualquer implicação desabonadora da conduta funcional não poderá ser

realizada pelo ente administrativo federal, ainda que pela inscrição em registro da

ocorrência nos assentamentos individuais, quando da prescrição consumada.

Assim, por ocasião do embate entre o direito à informação, que, no caso

mencionado, seria a inscrição dos fatos no registro funcional do servidor, e o direito

ao esquecimento, que se moldaria pela exigência de que houvesse um determinado

momento em que se deveria esquecer os fatos passados, ainda que verdadeiros, para

não servir como substituição de pena por conta da prescrição consumada, este tomou

posição dominante.

Em continuidade, e, por fim, há aqueles que não defendem um ou outro direito

preponderando em detrimento de outro. No caso prático, advoga que os direitos

fundamentais em conflito se devem dar as mãos e não ser manejados de modo a ser

um ou outro extirpado liminarmente sem que haja uma prévia análise por trás do

núcleo essencial dos direitos fundamentais. A ideia requer compreender as

implicações da adoção, na análise do caso concreto, da interpretação e, também, da

ponderação de interesses dos direitos, vez que, igualmente direitos constitucionais

assegurados, não se pode assegurar no plano teórico que são desiguais, que não são.

Durante a audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal54, O Senhor

Roberto Algranti Filho, advogado dos recorrentes, corroborou o entendimento

supramencionado55,

(…) temos o cuidado para não tratar o direito ao esquecimento de uma forma

binária. Não é sim ou não! Entre o “zero” e o “um”, há um mundo. Há um

mundo de circunstâncias que caberá aos magistrados, em todos seus níveis

e instâncias, sopesarem. A invocação do direito ao esquecimento, por quem

quer que seja, não é uma coisa automática que gerará o cerceamento de uma

divulgação. E, a meu ver, a minha humilde sensação é de que—sem nenhum

medo de prepotência, estou sendo muito sincero nesta afirmação—o direito

ao esquecimento, em gênero ou espécie, é inevitável. É uma questão de

tempo. Isso poderá acontecer agora, o julgamento com repercussão geral

que Vossa Excelência (Ministro Dias Toffoli) mencionou. Isso poderá

acontecer por obra do Legislativo, eventualmente. Poderá acontecer, sabe-

54 STF. Recurso Extraordinário n. 1.010.606. Supremo Tribunal Federal. Relator Ministro Dias Toffoli.

Site: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/AUDINCIAPBLICASOBREODIREITOAOESQUECIMENTO_Transcries.pdf. Acesso em 19.10.2018

55 Idem.

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se lá, é o sentimento de isolamento que venhamos a ter no futuro não tão

longínquo em relação ao que o mundo pensa e faz sobre o assunto.

Diante do que fora exposto, nada mais coerente se faz mister que tentar

compreender o conceito do direito ao esquecimento, ou, sendo impossível, definir

parâmetros, ou elementos que o circundam.

A finalidade do direito fundamental é apagar um registro ou proibir de exibição

futura ou seu relembre de fatos que cause efeitos deletérios a pessoa, afetando-lhe

os direitos à personalidade. Registro nada mais é que o ato de registrar algum fato ou

ato, um dado qualquer e específico. Exibição é efeito de mostrar ou demonstrar algo.

Assim, apagar ou impedir a demonstração futura de algum fato não pode, de modo

algum, se confundir com censura.

A censura é ato deliberadamente astucioso que tem por motivos escusos,

ilegais e inconstitucionais, a necessidade de apagar, esconder, delimitar, destruir

informações que abneguem seu interesse pessoal ou grupal. Ela se predispõe na

análise prévia da circulação e veiculação de dados informacionais por qualquer meio,

obstruindo aqueles que não lhe forem conveniente.

Diversos atos de censura cultural e política ocorreram no Brasil durante o

período conhecido por Ditadura Militar (1964-1985), em que muitas vezes se limitava

a liberdade de expressão como forma de controle social de massa e expressão de

poder estatal.

Cabe ressaltar, portanto, que a censura não se serve ao proposto pelo direito

fundamental, tampouco se coaduna, em virtude de ser não possui a teleologia

finalística de proteção de direitos à dignidade da pessoa humana, mas sim assegurar

ilícitos ou promovê-los.

O Direito, também, não se digna a excluir os fatos claramente delineados como

históricos, os quais se servem para a formação cultural de uma sociedade. Um fato

histórico é definido por ser um acontecimento ou caso que, no passado, se

concretizaram. É obtido através de indícios, vestígios e documentos que indicam as

ações passadas do homem, e, fatalmente, influenciam o futuro. Portanto, não podem

ser objeto de esquecimento.

Da mesma forma, não se pode ampliar o conceito de fato histórico para todo e

qualquer acontecimento social. Uma simples caminhada matinal pode ser considerada

um fato histórico, quando realizado por uma sociedade, durante um extenso lapso

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temporal, a qual influenciou a formação cultural daquele grupo, portanto, fato histórico.

Mas, também, pode ocorrer de ser um evento isolado, de exíguas quantidades de

pessoas que a pratica, de forma eventual. Isso, contudo, não é fato histórico.

Portanto, na análise do direito ao esquecimento é também imprescindível que

seja essa discussão seja submetida ao crivo dos seus fatos serem históricos ou não,

ou de se subverterem pela censura ou não. Vale lembrar que não há um direito

genérico explícitos nas normas brasileiras.

Outro elemento importante do direito ao esquecimento é meio pelo qual é

lembrado o fato. Já se esclarece que não há um meio específico para que ocorra.

Com todo o arsenal tecnológico atual, e, vindouro, impossível relativizar os meios a

determinados canais de comunicação como rádio, televisão ou internet. Pode-se

muito bem nascer novos meios em que seja possível alavancar e expor fatos.

Frequentemente, esses eventos tendem a acontecer pelos dois últimos meios citados.

Outra característica presente é evitar a perpetuação da condenação pelo seu

passado, é a mácula do passado a afetar o presente e futuro. Aqui se traz à baila o

que certa vez um sítio na internet citando Machado de Assis56 comentou “Esquecer é

uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso,

precisa de apagar o caso escrito”.

A permissão de que tudo e todos possam ser expostos, sem considerar o

razoável e proporcional, é supraelencar o direito à informação, massificando-o de

maneira a destruir o núcleo essencial de existência do direito ao esquecimento. A

consequência disso é exigir da pessoa a frequente revisitação ao passado, que,

eventualmente, poderá causar-lhe reflexivos danos.

Além de tudo que foi exposto, vale citar o que não é o direito a ser esquecido,

o oportunismo e a instrumentalização do poder judiciário para que, com um

fundamento aparente naquele direito fundamental, aquilo seja obtido. A Associação

Brasileira de Jornalismo Investigativo – ABRAJI – já alerta para tal tendência

usurpativa do direito57, principalmente no meio eleitoral, local em que já se encontra

indícios do uso ilegal do direito ao esquecimento.

56 ASSIS, Machado de. Obra Completa de Machado de Assis. Vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. Site <https://www.pensador.com/frase/MTA5MTI/>. Acesso em 19.10.2018. 57 STF. Recurso Extraordinário n. 1.010.606. Supremo Tribunal Federal. Site: <http://www.stf.jus.br/ arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/AUDINCIAPBLICASOBREODIREITO AOESQUECIMENTO_Transcries.pdf>. Acesso em 19.10.2018

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Nas palavras da ABRAJI58,

Então, é só para esclarecer, Excelência, mais um dado aqui, é a diferença

das eleições municipais de 2012 e 2016. Houve um aumento, nessas duas

eleições municipais - e estamos falando das eleições municipais porque são

as eleições que têm mais candidatos, não é eleição presidencial -, de 35%

em 2016 com relação a 2012 e, em 2016, o período de propaganda eleitoral

foi a metade, muito mais curto do que o de 2016, porque tinha reduzido de 90

para 45 dias, e, mesmo assim, ainda houve um aumento de 35% dos políticos

e partidos políticos que requereram o direito à remoção de conteúdo.

Bom, isso tudo é para chamar a atenção do oportunismo e também da

instrumentalização do Judiciário que se pode ter nessas situações. É para

isso que eu pretendo, que a ABRAJI pretende chamar à atenção, que pode

ser.

Ainda, continua a associação indicando seu posicionamento de modo a

desconsiderar o direito ao esquecimento. Permitir que o direito à informação não seja

restringido. Que a informação publicada, ainda que errônea, ilegal, e suas derivações,

seja posteriormente, quando for o caso, ser corrigida, indenizada, complementada,

mas nunca removida59.

Daí a importância, Excelência, de que seja prestigiado o direito à informação.

A ABRAJI, inclusive - o que eu vou falar aqui pode causar espanto -, defende

que mesmo informações erradas não sejam removidas. As informações

erradas devem ser corrigidas, complementadas e, eventualmente, até

indenizadas, se for informação que tiver sido errada, mas não removida dos

arquivos, porque a existência dessas informações, quando elas forem

corrigidas e complementadas, eventualmente, serve e servirá, no futuro, para

nós percebemos o quanto que, eventualmente, os veículos, blogs, erraram.

É importante a gente saber essa informação, então, mesmo a informação

errada tem que ser complementada, tem que ser corrigida, mas pode ser

corrigida na internet, pode-se colocar link, pode-se colocar uma nota de que

aquela informação foi considerada errada e daí a versão correta, mas não

removida, não retirada. Isso daí parece-me desculpa, é completamente

abusivo.

58 Idem. 59 Idem. Idem.

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Assim, reunindo todos os elementos, conclui-se que o direito ao esquecimento

tem como finalidade apagar um registro ou proibir de exibição futura ou seu relembre

de fatos que cause efeitos deletérios à pessoa, afetando-lhe negativamente aos

direitos à personalidade; que apagar ou impedir a demonstração futura de algum fato

não pode, de modo algum, se confundir com censura; que fatos históricos não podem

ser objeto de esquecimento; que não há meios especificamente definidos para a

exposição de fatos ou de sua exibição; que visa combater a perpetuação da

condenação da pessoa pelo seu passado, evitando que a mácula do passado possa

afetar o presente e futuro.

3. Direito a informação no aspecto da social.

Em princípio, o Direito à Informação, em seu aspecto social, é o direito que os

cidadãos, em conjunto ou individualmente, têm, valendo-se dele para dar informações

ou obter informações de interesse particular, social, e coletivo ou geral.

Não há um histórico em que se possa efetivamente afirmar o surgimento do

direito. A informação molda a sociedade desde a sua constituição. Ou melhor, ainda

bem antes. A amplitude do termo permite inferir que ele coexiste com a existência

humana. Diz-se isso, porque se o ato de expressar uma informação já se tem o

exercício do direito, então a reunião de pessoas, outrora, através de suas trocas de

relações sociais envolvendo informação, ainda que sem necessidade de ser uma

sociedade no sentido técnico do termo, já indica o uso do direito à informação.

Modernamente, o uso da informação alcançou uma amplitude nunca vista. A

globalização é fenômeno diretamente relacionado. Além, também, de não deixar de

lado o avanço tecnológico que ultrapassa os territórios soberanos em todo o mundo.

Constitucionalmente, compreende-se o direito à informação como sendo a

todos assegurado o seu acesso, sendo possível seu sigilo apenas quando da

necessidade do exercício profissional. Corrobora, em sua as palavras o pensamento

exposto: Art. 5. (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado

o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (...)60.

Além disso, a regulação constitucional do direito à informação encontra

diversas passagens no texto constitucional, como o direito voltado aos julgados dos

60 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, p. 7.

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órgãos do poder judiciário que serão públicos, ou a manifestação do direito à

informação que não sofrerá sob qualquer forma restrição, art. 5, XIV, e art. 220, da

CRFB/88, respectivamente.

No Brasil, tem-se, modernamente uma preocupação maior com o interesse

público à informação. A consequência de tal maneira fora a legislação de normas que

regulassem o acesso à informação, visando, sobretudo, extirpar ilegalidades e abusos

de poder quando do acesso a informação pública. A Lei de Acesso à Informação – LAI

– n. 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional ao acesso à informação pública.

Com base nessa situação o Supremo Tribunal Federal já decidiu 61 que o

parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer seu direito fundamental de acesso

à informação, de interesse pessoal ou coletivo, fundado no artigo 5, XXXIII da

Constituição da República.

Como todo direito não é absoluto ou irrestrito, para o direito à informação

também há limitações que, à primeira vista, pode até parecer censura, mas não é, é

a coerência do ordenamento jurídico, a coexistência de outros direitos fundamentais

que também merecem respeito em sua devida medida.

Dentre as exceções à publicidade das informações, constitucionalmente,

encontra-se quando o interesse público ou social o exigir o sigilo ou, mesmo, quando

o direito à intimidade requer.

Infraconstitucionalmente, A Lei de Acesso à Informação – LAI – n. 12.527/2011

prevê que dados pessoais, vez que informações pessoais não são públicas, devem

ser restritas. Embora haja casos em que a legislação indique como informação pública,

ainda que sendo informação pessoal, como a remuneração de pessoal da

Administração Pública, nome, lotação do agente público, entre outras; também,

informações classificadas “sigilosas”, que são aquelas em que há possibilidade de

colocação em risco pessoas ou o Estado quando fornecidas. Assim, essas, também,

se cobrem do manto do sigilo.

3.1 O Direito à Informação como vertente do Direito à Segurança nos Estados Unidos: um paralelo com o Brasil

61STF. Recurso Extraordinário n. 865401. Supremo Tribunal Federal. Julgado em 25/04/2018. Acesso em 28.10.18. Site: <https://bit.ly/2zWXgfQ>.

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O direito da sociedade de ter segurança é resguardar-se de informação que a

assegurem. Nos Estados Unidos, essa corrente encontra respaldo até mesmo do

Estado.

Em 2003, DruSjodin62, uma adolescente americana de 22 (vinte e dois anos)

fora sequestrada e assassinada no mesmo ano. Diante da repercussão atingida,

inclusive na imprensa internacional, o Estado ofereceu à população um banco de

dados denominado de “National Sex OffenderPublic Website”, criado em dois anos

após a conduta criminosa. Um ano após a sua criação, renomeado foi para

“DruSjodinNational Sex OffenderPublicWebsite”, que, em tradução livre, significa “Site

Público Nacional do Criminoso Sexual de DruSjodin”.

A essência das informações lá contidas está em obter a informação de quem já

fora condenado por crimes sexuais, bastando apenas indicar nome e sobrenome no

site.

Para os Estados Unidos, a informação ainda que privada, ainda que possa de

alguma forma prejudicar o indivíduo, em sua ressocialização, depois de cumprida a

pena, não desfaz a necessidade de haver um banco de dados em que conste

condenações acerca de crimes sexuais cometidos.

Isso é virtude do garantismo da informação como vertente segurança da

sociedade em detrimento do direito do condenado a relevar tais fatos, do direito à

ressocialização e do direito ao esquecimento de fatos negativos de seu passado.

Todos esses últimos sendo relativizados em nome da segurança social através da

informação.

No Brasil, o garantismo penal relativo ao condenado, acusado ou agente

delituoso, e o encurvamento das normas para com esses não permitem que haja, até

então, banco de dados semelhante.

Respinga-se a ideia de que ter consigo fatos criminosos cometidos pelo

condenado, quando já houve o cumprimento da(s) pena(s), faz com que a

ressocialização seja impossibilitada.

62 Wikipédia. Assassinato de DruSjodin. Ed. 23.09.18. Site: <https://en.wikipedia.org/wiki/ Murder _of_Dru_Sjodin>. Acesso em 31/10/18.

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Os tribunais brasileiros, sobretudo, o Superior Tribunal de Justiça, já

sinalizaram nesse sentido63, in verbis, “um direito de não ser lembrado contra sua

vontade”.

A proteção dada amplamente pelos tribunais brasileiros incide diretamente na

inflamação do direito à segurança, com viés informativo. Alguns julgados retirados do

Supremo Tribunal Federal64 indicam o uso generalizado da busca pela ressocialização,

fundando indiscriminadamente na dignidade da pessoa humana, enquanto medida

que não importa limitação, à vista dos julgados65.

Quando se fala em garantismo penal não se cogita a eliminação da existência

de garantias penais, mas sim a crítica ao que se pode visualizar no extremo

posicionamento quando adotadas.

Garantias penais são vastas no ordenamento jurídico, que vão desde o texto

normativo constitucional, por exemplo, no artigo 5º, inciso XLIX, em que é assegurado

o respeito à integridade física e moral do preso, às normas infraconstitucionais,

constantes, por exemplo, no Código Penal, Decreto Lei n. 2.848 de 1940, com redação

modificada pela Lei n. 7.209/84.

Não se nega a importância de tais direitos, os quais servem de balizadores

contra arbitrariedades verticais, enfrentamento do Estado, e horizontais, contra os

particulares que cometem abusos e ilegalidades.

Contudo, não se pode fechar os olhos aos fatos jurídicos que repercutem no

uso exagerado das garantias penais, que, muitas vezes, priorizam pessoas que, no

caso específico de quem já cumpriu pena, possam usar tal instituto jurídico ao seu

benefício próprio, sem considerar contextos de coalisão de direitos fundamentais.

O uso indiscriminado do princípio da dignidade do ser humano é fundamento

para as mais diversas decisões que possibilitem a ressocialização daqueles que já

cumpriu pena.

63STJ. Recurso Especial n. 1.334.097/RJ. Superior Tribunal de Justiça. Julgado em 11/10/2017. Site: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/509639798/re-no-recurso-especial-re-no-resp-1334097-rj-2012-0144910-7>. Acesso em 28.10.2018. 64 STF. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347 MC, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 9-9-2015, P, DJE de 19-2-2016. Também, RE 592.581, voto do rel. min. Ricardo

Lewandowski, j. 13-8-2015, P, DJE de 1º-2-2016, rg.; ADPF 153, voto do rel. min. Eros Grau, j. 29-4-

2010, P, DJE de 6-8-2010. 65 Tribunal Supremo, Jurisprudência, Brasil. Coletânea Temática de Jurisprudência: direitos humanos. Pág. 22-25. Supremo Tribunal Federal. Brasília: Ed. Supremo Tribunal Federal, 2017. Site: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/CTJ_Direitos_Humanos.pdf. Acesso em 31.10.18.

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48

O uso de informações relativamente aos fatos passados e cometidos pelo

agente criminoso não pode ser utilizado para assegurar outros direitos como o direito

à informação. Que, por meio desse, poderia a sociedade ser beneficiada no que se

refere a transparência de informações acerca das condenações penais. Usar essas

informações, no Brasil, pode ser compreendida como um atentado à dignidade da

pessoa humana, visto que a pessoa sobre a qual recai a condenação, segundo

entendimento das diversas Cortes Judiciais do País tem o direito a ser ressocializado.

A ressocialização nada mais é que permitir ao indivíduo uma segunda chance

em sua integração na sociedade. É permitir que haja reabilitação da pessoa para fins

de que a transgressão penal não se perpetue de modo a tomar-lhe a possibilidade de

ter uma nova vida.

Considerar tal conceito não necessariamente exclui a possibilidade de

transparência das informações e da sociedade em conhecer determinados delitos

cometidos por criminosos. O direito à segurança é também um direito fundamental

que, exercido individual ou coletivamente, propõe-se a nada mais nada menos que o

óbvio: dar segurança aos indivíduos numa comunidade.

Essa segurança pode se dar através de diversas perspectivas, dentre elas: uma,

quando o Estado, usando de seu poder estatal, por meio de suas polícias, reprime

crimes cometidos ou os previne; outra, quando do uso de informações imprescindíveis

à segurança da comunidade.

O uso de informações de antecedentes criminais pode ser utilizado como forma

de prevenção a crimes, principalmente no País, onde é de conhecimento notório e

público que medidas de ressocialização são minimamente eficazes na atual

conjuntura Brasileira, inclusive entre os jovens, que se é mais evidente66.

Explica-se. A relevância da informação de que medidas de ressocialização não

são bem implementadas pode servir para a prevenção de crimes. Que, de uma

perspectiva comum e genérica, pode ser bem mais eficaz que as atuais medidas.

Outro ponto relevante é que, ao se adotar tal posicionamento, não se exclui,

necessariamente, a ideia de ressocialização, mas sim dá possibilidade de andar em

conjunto ambos os direitos: direito à informação como vertente do direito ao

66 SAPORI, Luis Flávio, FERNANDES SANTOS, Roberta, WAN DEER MAAS, Lucas. De novo na Prisão. Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp) da PUC - Minas Artigo publicado eletronicamente. Site: <http://www.revista.pucminas.br/materia/de-novo-na-prisao/>. Acesso em 31/10/18.

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esquecimento e o direito de ressocialização, que tem, entre suas vertentes, a ideia

básica do direito ao esquecimento, qual seja, a desconsideração de fatos pretéritos

cometidos, ainda que verdadeiros.

Em uma visão centrada, num primeiro momento, na harmonização pretendida

nos parágrafos anteriores entre o direito à segurança da sociedade pela informação e

o direito ao esquecimento, poderia se pensar que o direito ao esquecimento terá sido

liminarmente excluído quando da análise.

Porém, não se é prudente retirar tal conclusão. Ora, o direito ao esquecimento

é, sobretudo, o direito de ser esquecido; o esquecimento de fatos criminais relativos

ao agente que cometeu, por outro lado, não pode ser usado para,

indiscriminadamente, eliminar o direito à informação.

A harmonização de tais direitos fundamentais concorrem a uma perspicaz

interpretação em que os valores sociais, morais e culturais de uma sociedade e o

contexto em que se inserem se propõem a influenciar diretamente na decisão de qual

direito fundamental irá prevalecer no caso concreto.

Por fim, é possível a adoção de uma posição intermediária em que, em

igualdade de condições para o caso citado em que há um banco de dados que indica

quem já fora condenado por crimes sexuais, disponibilizado através de site próprio,

não parece a vista do direito à informação uma dela embaralhada publicação acerca

de crimes sexuais, mas sim um banco de dados reservado a aqueles que acreditam

na relevância da informação e vão busca-la em tal local.

O direito ao esquecimento, nesse caso, está sendo efetivamente cumprido,

visto que não nenhuma e voluntária ação de qualquer cidadão de forma a expor

determinados fatos cometidos. Há tão somente um banco de dados em que consta as

informações. Tal banco de dados pode ser, paralelamente, comparado ao local em

que os processos judiciais arquivados e julgados são colocados. Os processos

judiciais depois de julgados não serão esquecidos, mas sim transferidos a local

reservado para conservação das informações. Que podem, a qualquer momento, ser

solicitado o acesso por pessoa devidamente autorizada.

Em relação aos processos judiciais como dito as informações não serão

esquecidas, pelo contrário, elas só serão transferidas para o local em que só

determinados interessados poderão ter acesso. No caso do banco de dados em que

consta as pessoas condenadas por crimes sexuais, essa tem como engrenagem a

mesma do poder judiciário: as informações são deslocadas do poder citado ao banco

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de dados, sendo colocado à disposição da sociedade para que se efetive o direito à

segurança pelo viés informativo.

A ideia de compatibilização entre esses direitos fundamentais é, sobretudo, no

sentido de que o direito da ressocialização não será afetado e, ao mesmo tempo, a

segurança da sociedade através das informações relevantes, ao menos preventiva,

será reforçada.

Em arrematação, contudo, o excesso dado ao garantismo penal brasileiro,

como dito anteriormente, isola tal perspectiva de equilíbrio entre direitos fundamentais.

As diversas cortes judiciais veem com repulso qualquer acesso a informações que

indique um fato que possa, ainda que indiretamente, prejudicar aquele em que se dá

uma segunda chance, qual seja, a ressocialização.

Assim, no que se refere ao direito à segurança como corolário do direito à

informação, nos Estados Unidos, a prioridade é dada à sociedade através da

informação facilmente obtida em um banco de dados67 acessível a todos, permitindo

que qualquer cidadão conheça, por exemplo, informações penais relevantes sobre o

Diretor de uma escola em que a sua filha estuda; enquanto, no Brasil, persiste a

corrente, resumida em poucos termos, em que tudo que prejudique, direta ou

indiretamente, a segunda chance de uma pessoa que já foi condenada e cumpriu pena

não pode ser seguida à risca. Ainda que, por outro viés, possa assegurar outro direito

fundamental, como o direito fundamental à segurança.

67 The U.S. Department of Justice. Banco de Dados de Crimes Sexuais. Criado em 2003. Site: <https://www.nsopw.gov/pt?AspxAutoDetectCookieSupport=1>. Acesso em 31/10/2018.

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CONCLUSÃO

Ainda que pouco frequente no âmbito jurídico, o direito ao esquecimento é,

sobretudo, um direito fundamental. Como tal, representa um valor constitucional de

igual hierarquia a qualquer ou direito constitucional ou princípio fundamental elencado

constitucionalmente.

Como direito fundamental, cumpre sua função de possibilitar o direito a ser

esquecido. Mas nem sempre isso é possível de se efetivar na prática, visto que, como

todo e qualquer princípio fundamental, ele não é absoluto. Não o sendo, a relativização

principiológica é a regra.

Essa relatividade, inerente aos direitos fundamentais, encontra respaldo na

necessidade de permitir a existência harmoniosa dos direitos, inclusive. Não existindo

tal característica, seria possível admitir que certos direitos fossem absolutos, como o

direito à vida, o qual pode ser afastado em determinadas situações, como no caso de

guerra declarada.

Ato contínuo, o direito ao esquecimento, sendo relativo, pode ter sua efetivação

obstada ou permitida em detrimento de outros direitos fundamentais.

A decisão de quem irá prevalecer no caso fático é do intérprete ou magistrado,

o qual usará da ferramenta de ponderação de interesses para dar pesos adequados

aos direitos fundamentais em colisão.

Como meio para chegar a sua conclusão, o jurista não usará de meios

tradicionais de normas, como a análise da validade de regras, usará valores.

Diante desses valores, o intérprete dará peso adequado a cada direito

fundamental. Que os colocando sob o peso de uma balança, mostrará o qual direito

ou princípio fundamental tem mais relevância para ser efetivado, no caso concreto.

É preciso acenar, novamente, que a solução para a colisão de direitos

fundamentais, como o direito ao esquecimento e outros, é a técnica de ponderação

de interesses.

Contudo, dentro dela, sempre irá existir a subjetividade, inerente a qualquer

interpretação, que, muitas vezes, apesar disso, encontra ausência de argumentação

convincente e adequada à colisão de princípios, uma das preocupações desde o

começo de seu uso.

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Isso não reflete o problema na técnica, mas no seu uso. Na verdade, no seu

mal uso. O fato é que os valores e princípios não regulam sua aplicação, são conceitos

abertos. E sopesar, sendo um procedimento que não conduz, em todo e qualquer caso,

a um único resultado e inequívoco, indica o uso juízo de valores quando se disposto

ao caso fático. Nesse momento, o controle racional se dispersa e liberta de qualquer

amarras o julgador.

Robert Alexy 68 conta que quando surgem dúvidas entre colisão de direitos

fundamentais, um sopesamento é inafastável. E que os critérios livres de

sopesamento apresentados por outros estudiosos são, na verdade, sempre resultado

de um resultado de um sopesamento que sustenta as suas teses, e, quando não, são

para resumi-las de maneira geral.

Então, tentar afastar a subjetividade, como visto, é algo já descartado. Mas

tentar vê-lo com bons olhos é a melhor solução.

A negativação que permeia o termo “subjetividade” é tamanha que, por vezes,

não se percebe a importância de seu uso. Ter a hermenêutica no Direito é não se

limitar a ver e a compreender de estruturas lógico-formais das normas, mas sim

interpretar a conduta que interessa ao Direito no caso concreto. Que dar justeza a

decisão não é aplicar friamente a legislação, mas sim enfatizar a subjetividade e a

intersubjetividade, permitindo coerência entre justiça, norma e caso concreto.

O Superior Tribunal de Justiça já explicitou também tal ideia,

[...] O direito deve ser encarado como uma ciência de experiência, na medida

em que a interpretação não pode ser resumida a uma mera operação lógico-

formal, ou seja, deve recair sobre a conduta do agente e não sobre a norma

jurídica. Ao se dar ênfase à subjetividade e a intersubjetividade, valorizando

a ação humana, aproxima-se o direito da aplicação do justo, tocado pelo

critério da razoabilidade.” [...].69

Em mesma linha de raciocínio, a subjetividade também é instrumento

hermenêutico. As normas, inclusive a Constituição, se prestam a atender os anseios

sociais de determinado momento. De certo, elas cumprem esse papel através do

magistrado, que, por sua vez, cumpre função intermediária ao fim da justiça.

68ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5º ed., São Paulo: Malheiros, 2008. p. 128 69 STJ. Habeas Corpus n. 166.523. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 09/11/2010; DJE 13/12/2010.

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Nesse momento, a subjetividade do magistrado gravita na fusão das normas,

correlacionando racionalmente normas, preceitos jurídicos e a realidade fática

apresentada. A subjetividade chega a consistir em complexo de conhecimento interior

que conduz a uma justiça feita aos jurisdicionados. Ela permite a humanização da

Justiça.

Quando se fala em mal uso, a técnica não é tida, em tese como o problema,

mas sim a subjetivismo que, diferente da hermenêutica, no caso, é usada como vício

de interpretação. A pessoalidade e peculiaridade podem se mostrar como excessos

que prejudicam o julgamento, negando a ideia da justificação adequada para subsistir

interesses diferentes de justiça, no caso concreto. Tal uso é proibido pelo Direito, haja

vista este não se prestar a anseios individualistas e egocêntricos do julgador.

Por esse motivo que pode se chegar à conclusão de que a solução de conflitos

entre direitos e princípios fundamentais não necessariamente deverá eliminar a

subjetividade do julgador, mas sim a subversão de seu uso para fins diferentes do

Direito.

Nesse contexto, essa extrapolação do uso da hermenêutica na técnica de

ponderação de interesses, inclusive aplicada ao direito ao esquecimento, em algum

momento pode parecer de poderes ilimitados, mas o ordenamento já prevê medidas

que a obsta, sobretudo, o Código de Processo Civil (CPC).

A norma processual indica (art. 489, §2) que, em um julgamento, em que haja

colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação

efetuada, contando as razão de ser que permitiram a interferência de uma norma no

afastamento de outra e as premissas fáticas que dão fundamento a conclusão

explanada.

Portanto, a hermenêutica sempre vai existir, visto que afasta a ideia de

mecanicismo judicial em que a norma é brutamente aplicada ao caso, e inclui a

humanização da justiça, a avaliação de valores do caso concreto e da norma em

hipótese.

Se sempre há de estar no ordenamento, deve-se, ao menos, assegurar

proteções, como a já suscitada pela norma processualista, para ocasiões em que que

o subjetivismo, versão extremada da subjetividade, não se exponha de maneira

manchar a marca da Justiça.

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A UTILIDADE DO REGISTRO DO SOFTWARE COMO DIREITO AUTORAL,

EM DETRIMENTO DE SUA PATENTE, COMO UMA POSSIVEL INVENÇÃO

José Anderson Pacheco Nunes

Antonio Cesar da Silveira Neto

RESUMO

Este artigo tem como objetivo mostrar os principais aspectos legais envolvendo a

proteção jurídica dada ao software, de maneira a mostrar os aspectos da propriedade

intelectual e industrial juntamente ao programa de computador com base na legislação

nacional e internacional, demonstrando as formas de proteção dos programas de

computador, tal como direito de autor, e patente. Visando garantir o melhor benefício

para o autor ou titular no tocante ao registro ou a patente, assim, faz uma análise

comparativa de qual seria a forma mais eficiente, de acordo com os interesses destes,

demonstrando assim qual a mais adequada ou benéfica para este. E faz um breve relato

sobre o movimento software livre, que tem como objetivo a liberdade de uso e criação

dos softwares.

Palavras-Chaves: Software; Direito autoral; Patente; propriedade intelectual;

propriedade industrial.

ABSTRACT

This article aims to show the main legal aspects regarding the legal protection given to

software, in order to show the aspects of intellectual and industrial property together with

the computer program based on national and international legislation, demonstrating the

forms of protection of the programs of computer, such as copyright, and patent. In order

to guarantee the best benefit to the author or holder in relation to the registration or the

patent, thus, makes a comparative analysis of which would be the most efficient,

according to the interests of these, thus demonstrating which is the most appropriate or

beneficial for this. In addition, it makes a brief report on the free software movement,

which aims at freedom of use and creation of software.

Keywords: Software; Copyright; Patent; intellectual property; Industrial property.

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INTRODUÇÃO

No Brasil é possível analisar a figura do programa de computador (software), tanto

como direito autoral, ou como propriedade industrial. O software apresenta-se em regra como

direito autoral sob regimento da lei 9.609/98, mas em alguns casos específicos podem assumir

a natureza de propriedade industrial.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei 9.279/96 que regula os direitos relativos a

propriedade industrial, conhecida também por lei de Patentes, não é a que rege o software e sim

a Lei 9.610/98 de Direitos Autorais, ou seja, o programador é protegido da mesma forma de

proteção que recebe o músico ou escritor. Portanto ao contrário do que muitos pensam, as leis

de patentes não são aplicadas aqui no território nacional, diferente de outros países, como é o

caso dos Estados Unidos, em relação a software.

Em decorrência de uma maior utilização da tecnologia no cotidiano das pessoas, novos

softwares são criados para suprir a demanda por produtos e serviços para o trabalho, lazer e

interação entre as pessoas. Assim sendo, entender como se dá a proteção desses softwares se

mostra de extrema relevância ao direito.

No nosso pais, existe uma legislação específica sobre o tema abordado, que é a Lei 9.609

/98. Mas mesmo com o regimento legal, não existe convergência de ideias sobre os mecanismos

de proteção dos programas de computador. É de suma importância estudar essa legislação e ver

como essa tecnologia é protegida, compreendendo, assim, como ela pode ser difundida, isso é

de real importância para a sociedade, tendo em vista que o monopólio de conhecimentos poderia

gerar retrocesso na tecnologia, e até mesmo no desenvolvimento do país.

É notório que a legislação atual e os órgãos que tratam do assunto são claros em dizer

que no caso de softwares, a proteção deve ser exercida por meio dos direitos autorais, porém o

ponto central da discussão se revela no fato de os programas de computadores, smartphones, e

outros aparelhos tecnológicos, moverem o mundo, consequentemente gerando capital e

desenvolvimento. Pensando na fragilidade dessa medida protetiva, os direitos autorais, não se

mostra como a melhor forma de proteger algo tão poderoso como é o caso dos softwares, pois

muitos entendem que o direito autoral não confere proteção suficiente ao dono do software,

pois o direito autoral confere proteção contra violações morais e patrimoniais da sua obra,

porém não protege o processo ou o produto decorrente de sua aplicação.

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O presente trabalho tem como objetivo geral compreender o método de proteção dado

na questão de software, analisando assim, as razões da concepção das proteções jurídicas do

software e motivos pelo qual é utilizada as medidas regulamentadoras que existem,

demonstrando as possibilidades de diferenciação dessa norma, que é a possibilidade de patente.

A sociedade está em volta à tecnologia, é importante entender a base da propriedade

intelectual para assim chegarmos ao entendimento do tipo de proteção dada a ela, assim visando

trazer à tona essa discussão, mostrando os pontos de vista e tentando fechar o tema com uma

possível alternativa à questão.

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1. CONCEITO, HISTÓRIA E A PROTEÇÃO JURÍDICA DO SOFTWARE

NO BRASIL E NO MUNDO

É de grande importância conhecer um pouco sobre a base conceitual e histórica do

software, pois dentro da sua origem podemos tirar a essência que justifica o entendimento que

utilizaram para então chegar nos regimes jurídicos que regulam este, a progressão de estudos e

discussões a partir do conhecimento dos elementos básicos da constituição do objeto são

essências para chegar no entendimento mais adequado das normas a serem atribuídas.

1.1. Uma breve explicação conceitual do Software

Os Softwares consistem em um conjunto de instruções, programas, logicamente

ordenados que fazem com que o Hardware, ou seja, no caso o computador, realize determinado

trabalho. O software é um termo coletivo que tecnicamente possui algumas categorias,

programas que podem ser subdivididos de acordo com o tipo de trabalho a ser efetuado. Tendo

como algumas de suas principais categorias:

Os sistemas operacionais, também conhecidos como softwares básicos, são aqueles que

controlam o funcionamento do computador e seus periféricos. Portanto os softwares básicos

cuidam de atividades essenciais ao funcionamento do Hardware.

Os softwares aplicativos, são aqueles que fornecem informações necessárias ao

computador que após serem processadas, servirão para executar tarefas específicas, que

suportarão os requerimentos de interessados, isto é, os usuários.

Os softwares de rede, que permitem a comunicação dos computadores entre si.

As linguagens, que fornecem aos programadores as ferramentas que necessitam

para escrever programas.

Programas, que são uma sequência de instruções que orientam o computador para a

execução de uma tarefa determinada. Podemos dividir os programas em duas grandes

categorias:

Aplicativos, são programas destinados a auxiliar o operador de computados na execução

de uma ou várias tarefas.

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Utilitários, são programas para uso de técnicos de computador e programadores pois sua

finalidade é a de auxiliar estes na manutenção do próprio equipamento e softwares.1

É recomendado que o programa de computador esteja finalizado para se fazer o pedido

do registro e ser depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial- INPI, pois assim

será garantido o máximo de amplitude da proteção do código-fonte. Pois conforme novas

versões deste mesmo software forem sendo desenvolvidas, estas também deverão ser

registradas. Os softwares apenas conceituais, ou seja, aqueles que ainda se encontrem no campo

da ideia, não são passíveis de proteção.

1.2. A história do software

Nos primórdios da informática os softwares eram desenvolvidos e comercializados com

os seus códigos fontes, pois, devido a pequena quantidade de computadores existentes no

mercado, o valor agregado estava basicamente no Hardware e não tanto no software, que já

vinha pré-instalado neste. Sendo assim, a venda do software ainda era inimaginável.

Esta prática fez com que se chamasse o software de “Software Livre”, livre não na

questão de ser gratuita, mas sim pela liberdade de uso, ou seja, a disponibilização dos seus

códigos, quando era realizada a compra do mesmo.2

Com a disponibilização do código fonte as empresas compradoras possuíam a liberdade

de fazer mudanças no software para benefício próprio, fazendo melhorias, podendo estudar o

código fonte, e utilizando para desenvolver um novo software.

1 ROCHA, Hilton Ricardo. Software & Direito - Definição, Criação e Propriedade. In: Âmbito Jurídico,

Rio Grande, VIII, n. 23, nov. 2005. Disponível em:<http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigoigos_leitura&artigoigo_id=149 >. Acesso em dez 2018.

2 ROCHA, Hilton Ricardo. Software & Direito - Definição, Criação e Propriedade. In: Âmbito Jurídico, Rio

Grande, VIII, n. 23, nov. 2005. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigoigos_leitura&artigoigo_id=149>. Acesso em dez 2018.

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14

Com o aumento da busca por tecnologias, no final dos anos 70, aconteceu um alto

crescimento das indústrias de Hardwares e Softwares, surgindo um novo conceito chamado de

“Softwares Proprietários”.

Os Softwares Proprietários são as modalidades de comercialização do software em que

o comprador não mais tem direito sobre os códigos fontes, consequentemente, isto fez com que

o lucro entre os fabricantes de softwares aumentasse, observada essa maneira outras fabricas

começaram a adotar esta modalidade.

A adoção do conceito de software proprietário levou ao aumento da concorrência entre

as fabricas, motivo este que instigou o setor a buscar mecanismos de proteção de propriedade

intelectual, como direitos autorais e patentes. A partir desse momento o código-fonte passou a

ser protegido, pois ele é o próprio conhecimento do software e a própria vantagem competitiva

entre os fabricantes.

1.3. Proteção jurídica do software

A proteção jurídica do software foi um problema pouco relevante no início, em parte

por razões objetivas, relativas ao limitado desenvolvimento da indústria de software,

desproporcionalmente pequena, face à indústria de hardware; em parte por razões subjetivas,

visto haver monopólio de fato no setor, os pouquíssimos produtores temiam que qualquer forma

de proteção jurídica pudesse frear o seu crescimento.

Todavia, a informatização da sociedade demonstrou a necessidade de uma regulamentação

do software, para o seu próprio desenvolvimento. A pirataria e o plágio crescente passaram a

ser preocupação constante.

Desta forma, foram surgindo leis para a proteção do software. Porém, sempre existindo o

debate a respeito de qual tipo de proteção seria adequado.

1.3.1. A proteção jurídica do software no mundo

Países que foram pioneiros no desenvolvimento de software que são o caso do Reino

Unido (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte) e os Estados Unidos, com o

interesse na defesa de suas corporações, requereram que houvesse proteção legal dos softwares

nos diversos países do mundo.

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15

Um dos argumentos levantados na época era o de que a inexistência de uma tutela

jurídica para os programas de computador já representava perdas expressivas no diz respeito ao

lucro das organizações empresariais, que diante desse cenário, estavam desestimuladas ao seu

desenvolvimento e comercialização. 3

A inexistência de um regime que pudesse proteger os programas em si, causava a

impossibilidade de se constranger terceiros que deles se utilizassem, copiassem e

comercializassem, a aqueles que não o fizeram, consequentemente repercutia na

impossibilidade de aumento nos lucros, no caso, da comercialização pelas empresas que os

desenvolveram.

Em 1978, uma lei modelo sugerida pela Organização Mundial da Propriedade

Intelectual considerava que uma proteção sui generis - nem só de direitos de autor, nem só de

patentes, nem de só de segredo industrial -, seria mais adequada do que uma proteção

exclusivamente sob o regime de copyrights.

Os Estados Unidos foi o primeiro país a modificar sua lei de direitos autorais para

expressamente contemplar a proteção ao programa de computador, pela então Lei de Copyright

de Programas de Computador de 1980 (US Computer Software Copyright Act 1980)4. A

proteção então conferida aos softwares estava sob o regime geral do copyright norte-americano,

que se assemelha ao regime conhecido pelos países civilistas, de tradição jurídica romana, como

“direito de autor”, já que ambos se destinam à proteção de obras literárias, artísticas e

científicas, tais como textos, figuras, obras de artes plásticas e produções científicas.

Em 1983, o Ministério da Indústria e Comércio Internacional do Japão propôs5 um

modelo parecido com os direitos de autor, mas com um tempo de proteção menor6, sem direitos

morais7 e com diversas hipóteses para licenciamento compulsório.

3 BAINBRIDGE, David. Software Copyright Law. Londres: Butterworths, 1999. 4ª ed. p. 43.

4 Computer Software Copyright Act of 1980, Pub. L. No. 96-517, 94 Stat. 3015 (1980).

5 Information Industry Committee, Industrial Structure Council, Protecting Software. Interim Report,

December 1983 (não publicado) apud BARBOSA, Denis Borges. Software and Copyright: a Marriage of

Inconvenience. 1987.

6 O tempo mínimo de proteção de uma obra autoral sob a Convenção de Berna de 1886 é de 50 anos, a

contar da morte do autor.

7 Pela Convenção de Berna de 1886, ao menos 2 direitos morais deveriam constar nas leis dos países ao

redor do mundo: o direito à paternidade ou à “autoria”, consistente no direito do autor ver seu nome eternamente

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No mesmo ano, um estudo do Escritório de Patentes da França sugeriu um modelo8 que

guardava características mais próximas do regime patenteário daquele já conhecido por direitos

de autor: o depósito do software perante o órgão competente seria constitutivo de direito, não

declaratório como é no direito de autor; haveria requerimento de um certo grau de não-

obviedade para a concessão da proteção; e, ao final do período de proteção, os elementos

constitutivos do programa seriam levados ao conhecimento e utilização públicos, ato que, no

direito patenteário, é atribuído como forma de se garantir a evolução da técnica existente.

1.3.2. A proteção Jurídica do software no Brasil

A primeira menção na legislação brasileira a respeito do programa de computador foi

proporcionada pela Lei n.7.232, de 29 de outubro de 1984, que regulou a Política Nacional de

Informática, mas nesta Lei não há qualquer definição a respeito da natureza jurídica do

software, nem ficou determinado qualquer tipo de proteção.

Depois de três anos foi criada a Lei n. 7.646, de 18 de dezembro de 1987, que

estabeleceu a proteção do programa de computador como direito autoral. O artigo 2º da Lei

7.646/87 descreveu que o regime de proteção à propriedade intelectual de programas de

computador seria o disposto na Lei n. 5.988, de 14 de dezembro de 1973, com as modificações

que a Lei estabeleceu para atender às peculiaridades inerentes aos programas de computador.

A Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que atualmente regula os direitos autorais e

conexos, dispõe no artigo 7º, inciso XII, da Lei 9.610/98 que os programas de computador são

obras intelectuais regidos pelo direito autoral. Buscando ainda mais a adequação jurídica a

respeito do tema, foi criada uma nova legislação sui generis. A Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro

de 1998, conhecida como Lei do Software, dispõe que o regime a proteção de programa de

computador é o mesmo que se dá às obras literárias pela legislação de direitos autorais.

ligado à sua obra; e o direito à integridade, que é o direito do autor se opor a modificações que impliquem em

prejuízo à sua honra ou à sua reputação.

8 Vers Une Protection des Logiciels Informatiques. 100 Revue de la Propriété Industrielle 380, Paris, 1984

apud BARBOSA, Denis Borges (1987). Op. cit.

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17

Uma observação a ser feita é que embora a Lei do Software ser sui generis, ela segue

uma tendência mundial firmada em acordos internacionais de comparar o software às obras

literárias.

1.4. Direitos autorais e a Lei nº 7.646/87

Em 1987, surge uma legislação específica acerca da proteção jurídica do software,

acabando com as discussões sobre a admissibilidade ou não dos regimes autorais para a

proteção dos programas de computador, visto o artigo 2º da Lei nº 7.646, de 18 de dezembro

de 1987, dispor expressamente que se aplica ao caso a Lei dos Direitos Autorais, com as

modificações dadas por aquela legislação.

A Lei nº 7.646/879 manifestava forte caráter protecionista ao condicionar a

comercialização de programa desenvolvido por empresas estrangeiras à inexistência de

programa similar desenvolvido por empresa nacional (artigo 8º, § 2º), além de serem

estabelecidas diversas exigências para que as empresas oriundas de outros países possam

comercializar seus programas (artigo 28-29). Também foram estabelecidas regras de proteção

ao consumidor, estabelecendo-se que a retirada do programa do mercado antes do prazo de

validade técnica gera para o consumidor um direito a indenização (artigo 25), além da

necessidade de que a embalagem do programa contenha o nº de ordem do cadastro e o prazo de

validade técnica da versão comercializada (artigo 23), além da obrigatoriedade de garantir-se

assistência técnica (artigo 24, § 2º).

Já o artigo 5º da Lei nº 7.646/87 estabelecia que pertenciam ao empregador ou

contratador os direitos relativos ao programa de computador desenvolvido durante vínculo

estatutário ou vigência de contrato desde que a tarefa esteja prevista.

1.4.1. As alterações causadas pela Lei n. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998

Conforme indicado acima em 19 de fevereiro de 1998, foi promulgada a Lei nº 9.609,

que revogou a Lei nº 7.646/87. A nova lei regulamenta a matéria em apenas 16 artigos, evitando

9 Revogada pela Lei 9.609/98 que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de

computador, sua comercialização no País, e dá outras providências.

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18

maiores detalhamentos, como se dava, por exemplo, às normas relativas ao registro do

programa de computador na legislação anterior.

A nova lei mantém a mesma conceituação de programa da Lei nº 7.646/87, mostrando

assim a preferência em delimitar já de antemão qual o objeto de direito protegido. Mantém, da

mesma forma, a aplicação da legislação dos direitos autorais (artigo 2º), excluindo, para os

softwares, a aplicação das disposições atinentes aos direitos morais, garantindo, contudo, a

possibilidade de o autor reivindicar seus direitos sobre o programa, bem como opor-se a

alterações não autorizadas, “quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra

modificação do programa de computador”, que prejudiquem a honra ou reputação do autor

(artigo 2º, § 1º).

As alterações mais importantes, e que são os maiores motivos para se ter uma nova lei

de proteção da propriedade intelectual, são o aumento do prazo de proteção e a extinção do

exame de similaridade. O prazo de proteção aumentou de 25 para 50 anos, procurando seguir a

tendência mundial.

Uma observação importante é a respeito da verificação da inexistência de programa

nacional similar ao estrangeiro, como condição para a comercialização deste no país, prevista

pelo artigo 8º, § 2º, da Lei nº 7.646/87, isto foi suprimido pela nova lei. Assim, abrindo o

mercado para os programas de origem externa, rompendo com a proteção dada à indústria

nacional do software. O que ficou exigido é que o contrato de licença para a comercialização

do programa de origem externa contenha, obrigatoriamente, os tributos e encargos exigíveis, a

responsabilidade pelos pagamentos e a remuneração do titular dos direitos de programa de

computador residentes no exterior (artigo 10, caput, da Lei nº 9.609/98).

Segundo o artigo 1º da Lei n. 9.609/98, programa de computador é:

“A expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou

codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em

máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou

equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los

funcionar de modo e para fins determinados”.

O regime de proteção é o mesmo conferido às obras literárias pela legislação de direitos

autorais e conexos vigentes no País (artigo 2º) da Lei 9.609/98. A proteção aos direitos de autor

da obra independe de registro (artigo 2º, § 3º), mas os programas de computador poderão, a

critério do titular, ser registrados nos órgãos designados pelo Poder Executivo, o Decreto n.

2.556/98 designou o INPI, (artigo 3º) da Lei 9.609/98.

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19

Os direitos relativos ao programa de computador ficam assegurado pelo prazo de 50

(cinquenta) anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação

ou, na ausência desta, da sua criação (artigo 2º § 2º) da Lei nº 7.646/87. Não se aplica o direito

moral, que permite ao autor preservar o vínculo pessoal com a sua obra, com exceção de duas

qualidades: o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o

direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação,

mutilação ou outra modificação do programa de computador que prejudiquem a sua honra ou a

sua reputação (artigo 2º, § 1º) da Lei nº 7.646/87.

Fica disposto na Lei o direito exclusivo do titular de autorizar ou proibir o aluguel

comercial, não sendo exaurível pela venda, licença ou outras formas de transferência da cópia

do programa (artigo 2º, § 5º) da Lei nº 7.646/87. Não se considera ofensa ao direito autoral a

reprodução, em um só exemplar, de cópia legitima de salvaguarda ou armazenamento; a citação

parcial do programa, para fins didáticos, desde que identificados o programa e o titular dos

direitos; a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força

das características funcionais de sua aplicação, de preceitos normativos e técnicos ou de

limitação de forma alternativa para a sua expressão; e a integração de um programa, mantendo-

se suas características essenciais, a um sistema aplicativo ou operacional, desde que para o uso

exclusivo do usuário (artigo 6º) da Lei nº 7.646/87.

O uso ou comercialização de programa de computador deve ser objeto de contrato de

licença. Na hipótese de eventual inexistência do contrato, o documento fiscal relativo à

aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso

(artigo 9º) da Lei nº 7.646/87.

Nos casos de transferência de tecnologia de programa de computador, o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial (INPI) está autorizado a fazer o registro dos respectivos

contratos (artigo 11) da Lei nº 7.646/87. Para aquele que comercializar programa de

computador, o titular do programa ou dos direitos de comercialização fica obrigado, durante o

prazo de validade técnica do programa, a assegurar aos usuários a prestação de serviços técnicos

complementares relativos ao adequado funcionamento do programa (artigo 8º) da Lei nº

7.646/87.

Violar direitos de autor de programa de computador tem pena de detenção de seis meses

a dois anos ou multa (artigo 12) da Lei nº 7.646/87. No caso da violação consistir na reprodução

do programa, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor

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tem pena de reclusão de um a quatro anos e multa (artigo 12, § 1º) da Lei nº 7.646/87. Para

quem vende, expõe à venda, introduz no país, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de

comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito

autoral também tem pena de reclusão de um a quatro anos e multa (artigo 12, § 2º) da Lei nº

7.646/87.

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21

2. REGISTRO DO PROGRAMA DE COMPUTADOR

O Registro de Software estabelece a autoria e titularidade do programa de computador,

assim o registro é de extrema relevância, pois o software é um patrimônio daquele que é titular,

e ao efetivar essa formalidade lhe é garantido direitos patrimoniais sobre o software.

O registro de software tem um processo diferenciado daquele realizado para se registrar

uma marca ou patente. Esse procedimento é de extrema importância e necessário para garantia,

e segurança de seu trabalho, evitando assim o mal-uso de outrem.

Uma vez reconhecido o direito de Propriedade Intelectual sobre o programa de

computador, essa garantia tem a duração de 50 (cinquenta) anos, sendo inclusive reconhecida

internacionalmente, seguindo acordos internacionais, de comprovação da autoria.

2.1. O registro do software

O Decreto n. 2.556, de 20 de abril de 1998, regulamentou o registro previsto no artigo

3º da Lei n. 9.609/98 e estabeleceu no artigo 1º que “os programas de computador poderão, a

critério do titular dos respectivos direitos, ser registrados no Instituto Nacional da Propriedade

Industrial - INPI”.

A Resolução do Conselho Nacional de Direito autoral - CNDA n. 057, de 6 de julho de

1988, dispôs sobre o registro do programa de computador no INPI. O INPI publicou o Ato

Normativo n. 95, de 05 de dezembro de 1988, e posteriormente o Ato Normativo n. 122, de 29

de dezembro de 1993, para regularizar o registro do programa de computador no órgão.

Finalmente a Resolução INPI n. 58, de 14 de julho de 1998, estabeleceu as normas e

procedimentos relativos ao registro de programas de computador e descreve no artigo 1º que “o

registro de programa de computador poderá ser solicitado ao INPI, para segurança dos direitos

autorais a ele relativos, imediatamente após sua data de criação”.

No parágrafo 2º da Resolução INPI n. 58/98 expõe que “na inexistência de informação

comprovável, poderá o requerente indicar como data de criação a data do depósito do pedido

de registro”. O pedido de registro do programa de computador deve ser dirigido ao INPI

mediante requerimento próprio e ser constituído por documentação formal e documentação

técnica.

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A documentação técnica é composta pela listagem integral, ou parcial, do programa-

fonte e, ainda, memorial descritivo; especificações funcionais internas; fluxogramas e outros

dados capazes de identificar e caracterizar a originalidade do programa. Ela fica sob guarda

sigilosa, tornando-se, o INPI, seu fiel depositário, cabendo-lhe inteira responsabilidade no caso

de quebra de sigilo que, comprovadamente, ocorra no âmbito da instituição. Os programas de

computador podem ser registrados coletivamente desde que constituam um conjunto técnico e

comercialmente indivisível, destinado a aplicação específica, recebendo neste caso um único

número de registro.

O programa de computador é considerado registrado no INPI assim que for expedido o

Certificado de Registro. No Certificado de Registro consta o número do registro; o nome do

autor, o nome ou razão social do titular dos direitos patrimoniais; os períodos de vigência dos

direitos e de guarda sigilosa da documentação técnica e outras informações consideradas

pertinentes pelo INPI. A Resolução INPI n. 59, de 14 de julho de 1998, estabelece os valores

das retribuições pelos serviços de registro de programas de computador.

Segundo o Instituo Nacional da Propriedade Industrial – INPI, o programa de

computador ou software é um conjunto de instruções ou declarações a serem usadas direta ou

indiretamente por um computador, a fim de obter um determinado resultado. Ele é composto

por um código-fonte, desenvolvido em alguma linguagem de programação. O registro do

programa de computador no INPI, por força da Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98), da Lei

de Software (Lei nº 9.609/98) e do Decreto n° 2.556/98, é a forma mais segura de garantir sua

propriedade e provar sua autoria.10

Com a reestruturação ocorrida no INPI ao final do ano de 2016, a Divisão de Programas

de Computador e Topografias de Circuitos Integrados – DIPTO foi realocada na nova estrutura

da Diretoria de Patentes - DIRPA. A partir daí, iniciaram-se estudos buscando a remodelagem

dos sistemas de registro de programas de computador e topografias de circuitos integrados,

acarretando nova visão de negócio.

Hoje, o sistema de registro de software remodelado passou a ser totalmente eletrônico e

automatizado, tendo entrado em produção em de setembro de 2017, a partir da vigência da

Instrução Normativa nº 074/2017.

10 Disponível em: Programa de computador - Mais informações. <http://www.inpi.gov.br/menu-

servicos/programa-de-computador/guia-completo-de-programa-de-computador>. Acesso: 09 de dez. 2018.

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23

Daí em diante, não é mais permitido depósitos e demais serviços de programa de

computador no INPI em papel, deverá ser utilizado os meios eletrônicos. Um interessante

comparativo entre as características das normas em vigor até e após o dia 11 de setembro de

2017:

COMPARATIVO ENTRE AS NORMAS EM VIGOR ATÉ E APÓS 11 DE

SETEMBRO DE 2017

Até 11 de setembro de 2017

- IN nº 071/2017 -

Após 11 de setembro de 2017

- IN nº 074/2017 -

Taxa de depósito

RS 142,00 – R$ 2.960,00

RS 185,00

Serviços oferecidos

26

7

Apresentação do código fonte

Sim

Não

Certificado de registro

100 a 1300 dias

Até 7 dias

Responsabilidade da guarda do código-fonte em sigilo

INPI

Titular do Registro

Formulário

Papel

Eletrônico

Disponibilidade

Horário comercial

24 x 7

Validão das assinaturas

Reconhecimento de firma em cartório

Certificado Digital ICP-Brasil

Suporte físico do código-fonte

Papel ou CD

Resumo digital hash

Validade do registro

10 anos, prorrogáveis por até 50 anos

50 anos

Disponibilidade do Certificado de registro

Enviado pelos correios

Online

Etapas administrativas

Sim

Não

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24

Disponível em: COMPARATIVO ENTRE AS NORMAS EM VIGOR ATÉ E APÓS

11 DE SETEMBRO DE 2017. < http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/arquivos-

programa-de-computador/copy_of_Comparativo.pdf>. Acesso: 08 de dez. 2018.

O novo sistema de registro de software no INPI, através do formulário eletrônico e-

Software, implementa importantes inovações. Dentre elas, a assinatura digital e o resumo digital

hash.

A assinatura digital é realizada nos documentos Declaração de Veracidade – DV e

Procuração Eletrônica (quando for o caso). Tendo em vista o sistema declaratório, assinar

digitalmente estes documentos garante o nível de segurança jurídica necessária ao processo, de

modo a assegurar, com elevado grau de confiança, a autenticidade, integridade e o não repúdio

da autoria destes documentos.

O resumo digital hash, por sua vez, mecanismo de verificação de integridade de

arquivos largamente utilizado como prova eletrônica na forense computacional, é a chave dessa

quebra de paradigma, por conta da adoção dessa tecnologia, o INPI não mais necessita

armazenar a documentação técnica sigilosa (o CD contendo o código-fonte do software

registrado) por 50 (cinquenta) anos. Agora, o titular do direito deverá gerar o resumo digital

hash a partir do arquivo contendo o código-fonte do programa de computador, transcrevendo o

resultado no formulário eletrônico de depósito, e armazenar este arquivo.

O resumo digital hash constará do certificado de registro, e compreende o elemento

mais importante do registro do software: é de posse dessas informações que, em caso de

demanda judicial, um perito técnico nomeado pelo Juiz irá requisitar o código-fonte guardado

pelo titular do registro, gerar o resumo digital hash desta documentação técnica, para então

compará-las e assegurar, inequivocamente, se houve ou não a alteração no documento original,

bem como atestar (ou não) a autoria do software.11

Essas inovações permitiram um processo de registro completamente desburocratizado e

automatizado, com segurança jurídica e celeridade, por meio da expedição do certificado de

registro em até sete dias úteis.

11 (CGCOM, 2018)

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25

2.3. O software como patente no Brasil

Na lei que vigora o conteúdo a respeito de patentes, houve uma primeira menção ao

programa de computador na Lei n. 5.772, de 21 de dezembro de 1971, que instituiu o Código

da Propriedade Industrial (CPI), onde o item H do artigo 9º descreveu, entre outros, que

sistemas e programações não eram invenções privilegiáveis.

A Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 5º, inciso XXIX, que a lei

assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem

como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a

outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e

econômico do País.

2.3.1. A Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996

A Lei 9.279/96, é a que regula a propriedade industrial (ou seja, marcas, patentes e

desenho industrial), em seu artigo 10, inciso V, deixa bem claro a objetivação a respeito dos

programas de computador, no qual, é falado que os softwares em si não são considerados

invenções ou modelos de utilidade. Assim deixando claro que isso funciona como um

desencorajamento ao registro de patentes de software, uma vez que para registro de uma patente

é necessário que haja uma invenção ou modelo de utilidade, conforme os artigos 8º e 9º da

mesma Lei.

A definição de patente, encontrada na página eletrônica do INPI, é assim descrita:

“Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade,

outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas

detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar

detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente”.

Invenção tem várias definições. Dentre elas, Gabriel Di Blasi (DI BLASI, 1997) define

que “Invenção é um bem intangível do qual pode resultar um bem material, como, por exemplo,

um produto ou processo suscetível de ser utilizado pela indústria”.12

12 (DI BLASI, 1997) Pág. 15.

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Os requisitos legais para obtenção de uma patente de invenção são: novidade, atividade

inventiva e aplicação industrial (artigo 8º) da Lei 9.279/96. Uma invenção é considerada nova

quando não compreendida no estado da técnica (artigo 11) da Lei 9.279/96. O estado da técnica

é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido

de patente, seja por uma descrição escrita ou oral, ou por qualquer outro meio, no Brasil ou no

exterior, ressalvado o disposto nos artigos 12 (período de graça), 16 (prioridade unionista) e 17

(prioridade interna) (artigo 11, § 1º) da Lei 9.279/96. Entender a relação de como se dar a

constituição para se obter a patente de uma invenção é relevante para a ideia de qual registro é

adequado para o projeto que aquele autor está designado.

Uma invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto,

não decorra de uma maneira evidente ou óbvia em relação ao estado da técnica (artigo 13) da

Lei 9.279/96. Uma invenção é suscetível de aplicação industrial quando pode ser utilizada ou

produzida em qualquer tipo de indústria (artigo 15) da Lei 9.279/96.

O software sofre várias alterações em pouco tempo, coisas relacionadas a atualizações

de melhorias e para resolver possíveis defeitos, logo seria preciso realizar várias renovações no

registro já que a patente é um monopólio temporário e a sua vigência, como invenção, tem um

prazo de 20 (vinte) anos, contado a partir da data de depósito do pedido (artigo 40) da Lei

9.279/96.

Quando se realiza uma primeira leitura no que diz a legislação, existe o entendimento

de que não é possível o registro de patentes de software. No entanto, quando a Lei menciona

que o software, no caso programa de computador, em si não é patenteável nos traz outra

possibilidade. O que se entende disso é que segundo NYBO e LIPO:

“O código fonte em si não pode ser patenteado. No entanto, o software que atende

aos requisitos de novidade, invenção e aplicação industrial (previstos na Lei) e que está atrelado a um hardware pode ser patenteado desde que seja em seu conjunto, ou

seja, software e hardware. Isso significa que o software embarcado em um hardware,

essencial ao funcionamento deste, pode ser patenteado desde que atendidos os

requisitos de novidade, invenção e aplicação industrial. ” (NYBO, 2016)

Ou seja, cabe dizer que mesmo sendo raro e até em algumas ocasiões indesejável, o

registro de patente poderá ser feito se atender esses requisitos legais.

Mesmo que seja possível, tem que ser feito uma avaliação dos aspectos práticos desses

registros. Como no processo de pedido de registro da patente de software é necessário descrever

exatamente a invenção criada e essa invenção será detalhada em todas as suas etapas e

características, teoricamente, uma nova versão desse software não estaria protegida pela patente

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solicitada. Como exemplo, se alguém registrar uma versão beta de um programa de computador,

a versões seguintes que ele fizer daquele software não estará protegida. Como o lançamento de

novas versões é constante, do ponto de vista prático, a princípio não faz sentido patentear um

software.

De outro lado, muitos entendem que o direito autoral não confere proteção suficiente ao

dono do software. O direito autoral confere proteção contra violações morais e patrimoniais da

sua obra, porém não protege o processo ou o produto decorrente de sua aplicação.

Sobre essa questão Bernardo Grossi argumenta que:

“A proteção de um programa de computador conferida por uma patente, resultaria,

também, na proteção da ideia implícita no programa – haja vista incidir sobre o

processo realizado. A proteção patentária de um sistema operacional, exempli gratia,

acabaria por inviabilizar todo o mercado, já que vincularia a implementação de uma

solução nos demais programas ao pagamento de royalties específicos. Os programas

disponíveis no mercado, em si, são muito parecidos, variando, via de regra, apenas

algumas especificidades funcionais e visuais. Teríamos, com a adoção do regime

autoralista, a proteção sobre a obra e sua expressão. Mais especificamente sobre a

forma com que se criou (foi escrito) o código-fonte. Assim sendo, mesmo que um programa desempenhe a mesma função, alcance o mesmo objetivo, se valha da mesma

idéia, enfim, satisfaça a necessidade do usuário sem copiar o código fonte de um outro

pré-existente, não haveria incompatibilidade jurídica em sua coexistência no mercado.

Em contrapartida, sob a égide da patente todo o processo seria protegido: idéias,

sistemas, métodos, algoritmos e funções do programa, todos seus componentes

estariam, “eternamente”, protegidos sob o manto de um “monopólio informático”.

(GROSSI, 2014)

Um exemplo que pode ser utilizado, sobre essa questão, é se um programador no

desenvolvimento de um código fonte utilizar um tipo de linguagem, e outro programador

resolver desenvolver um programa com interface idêntica, porém com uma linguagem diferente

fazendo com que o código fonte seja diferente, o primeiro não estará protegido e esse outro

programador poderá desenvolver um programa idêntico sem problemas, pois não há uma

proteção garantida por patente.

Por causa desse problema, apesar de não ser obrigatório, foi criada a possibilidade de

registro de software no INPI, o que não se deve confundir com o direito autoral ou patente. Esse

registro concede ao proprietário o controle de autenticidade para que ele trabalhe de forma

exclusiva na produção, uso e comercialização do software registrado, no período de 50

(cinquenta) anos. Sendo imprescindível que se demonstre sua autoria daquele que pretende

reivindicar a criação deste software.

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2.3.2. O registro do software como Patente no INPI

O INPI considera como efeito técnico aqueles alcançados ao longo de todas as etapas

desenvolvidas pela invenção implementada pelo software. Alguns exemplos para ser

considerados a respeito desses efeitos técnicos um deles é a otimização (dos tempos de

execução, de recursos do hardware, do uso da memória, do acesso a uma base de dados),

aperfeiçoamento da interface com o usuário (não meramente estética), gerenciamento de

arquivos, transmissão de dados, entre outros.

É importante frisar que a relação entre o software e o hardware não dá qualquer garantia

de que tal invenção seja patenteável. É preciso que além disso tenha um efeito técnico

intencional e diretamente controlado pela invenção que vá além dessa relação.

O manual de exame do INPI lista 3 tipos de problemas para os quais soluções

implementadas por software têm a possibilidade de ser patenteáveis, desde que cumpram os

demais requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial):

Grandezas físicas em um processo em que um produto físico é gerado - A transformação

ou a redução de um produto a um estado diferente ou para um novo produto pode ser um

indicativo de que uma criação implementada por programa de computador constitua invenção,

embora não seja o único indicativo. Exemplos: controle da temperatura de um forno;

estabilização do comportamento dinâmico de um veículo ao longo de uma trajetória pré-

estabelecida; um sistema de transmissão automática em veículos; controle de impressão;

controle de máquinas industriais;

Grandezas Físicas em um processo em que um produto virtual é gerado - O

processamento de dados que representam características físicas de um objeto (dimensão, cor,

atraso) gerando um produto intangível (vídeo, música, imagem). Exemplos: tratamento de

imagem e de áudio envolvendo as grandezas físicas Amplitude e Fase.

Grandezas abstratas em um processo em que um produto virtual é gerado - O

processamento que não manipula diretamente forças da natureza ou proporciona a

transformação da matéria, tampouco representa dados físicos, que não se enquadrem nos incisos

do Artigo 10 da LPI e que proporcionem efeitos técnicos tais como métodos que otimizam

recursos de hardware ou que confiram maior confiabilidade e segurança. Exemplos:

compressão de dados, criptografia, gerenciamento de bancos de dados, sistemas operacionais,

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interfaces gráficas (desde que não sejam meras apresentações de informações), protocolos de

comunicação de dados.

Além desses, o manual também apresenta 3 casos para que possa haver a possiblidade

dessas invenções serem implementadas por um programa de computador:

Algoritmo: Um algoritmo, a ser executado em determinado hardware e composto por

instruções básicas, cujo objetivo é a resolução de um problema técnico produzindo efeito

técnico pode ser considerado invenção. No entanto um algoritmo que se proponha a meramente

solucionar uma função matemática é considerado um método matemático, e, portanto, não é

considerado invenção.

Software embarcado: O fato do programa de computador estar ou não embarcado, não

é um critério determinante para definir a patenteabilidade. Contudo, estar embarcado, é um

indicativo para ser considerado invenção, por inerentemente estar associado a um produto

(aparelho, equipamento, etc.), gerando efeitos técnicos.

Processamento e processadores de texto: Consideram-se processadores de texto, o

software ou programa de computador em si que são usados para editar textos. Criações

aplicadas a processadores de texto (métodos de processamento de texto), que tragam efeitos

técnicos, tais como: a otimização de recursos de hardware ou da interface homem-máquina,

podem ser consideradas invenção. Por exemplo, um mecanismo de busca de palavras em uma

base de dados que armazena diversos documentos de texto e que faz uso de índices ou um

sistema de pontuação para priorização de documentos a serem buscados, seguindo uma

metodologia específica capaz de prover resultados mais rápidos e eficazes, pode ser

considerado invenção.13

13 Disponível em: PATENTE DE SOFTWARE: NOVA RESOLUÇÃO.

<https://ilupi.com.br/blog/registro-de-patente/patente-de-software-nova-resolucao/>. Acesso: 23 de nov. 2018.

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3. OS INTERESSES, CONFLITOS E ALTERNATIVAS.

A regulamentação que dá proteção dos direitos de propriedade industrial deve levar em

consideração o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. A patente

de certo modo incentiva a inovação tecnológica, pois permite que seus desenvolvedores,

obtenham um retorno financeiro por seu trabalho e investimento. Mas, deve ser observado o

sistema de concessão utilizado, pois as patentes podem servir apenas como armamento para

grandes empresas destruírem a concorrência.

Por outro lado, o direito autoral, permite que empresas desenvolvam programas

diferentes com uma mesma função, impulsando desenvolvedores e empresas trabalharem

constantemente em novos projetos, pois a principal barreira imposta pela patente, é que

qualquer semelhança entre um projeto e outro possa acarretar em litigio judicial, prejudicando

assim aquele trabalho que está sendo desenvolvido.

O registro do software possui um processo diferenciado daquele realizado para registrar

marcas ou patentes. Esse processo tem uma grande importância, principalmente para aqueles

que desejam possuir uma segurança sob seu projeto, evitando que ele seja utilizado de maneira

indevida por terceiros. Quando é concedido, o direito de Propriedade Intelectual sobre o

programa de computador, possui garantia de 50 (cinquenta) anos, até internacionalmente, é

comprovado a autoria ou titularidade, deste registro.

É visto a discussão e o interesse de algumas pessoas sobre o movimento do software

livre, que luta por um direito livre do software, realizando a distribuição para uso de programas

de computador de livre acesso, havendo uma cobrança de valores facultativa por parte de seus

desenvolvedores e daqueles que consomem esse tipo de produto.

3.1. Os interesses do registro e a patente.

O artigo 5°, inciso XXIX, da Constituição Federal, juntamente com o artigo 2° da Lei

n° 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial) tem como regulamentação que a proteção dos

direitos de propriedade industrial deve levar em consideração o interesse social e o

desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

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Visando consultar a opinião da população a respeito de patente de softwares, o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI (INPI, 2016) formulou uma diretriz de exame de

pedidos de patentes envolvendo invenções implementadas por programa de computador e

propôs uma consulta pública sobre o assunto, logo uma surgiu a dúvida de que impactos trariam

essa medida traria no meio econômico, social, e judicial, ao pais.14

É importante observar que o aumento do monopólio de uma patente aumenta o benefício

privado e, em contrapartida, diminui o benefício público, tendo em vista que a comercialização

desse seria o ponto chave do negócio já que a proteção jurídica dele irá deixar uma tranca no

que diz a respeito do acesso a suas informações, impedindo o conhecimento do conteúdo

daquela matéria patenteável, por não ser livre sua utilização por toda a sociedade, na pesquisa

e desenvolvimento de novos produtos.

Um dos objetivos principais da patente é incentivar a inovação tecnológica, ao permitir

que seus desenvolvedores, aqueles que detém a patente, obtenham um retorno financeiro por

seu trabalho e investimento. Mas, a depender do sistema de concessão utilizado, faz com que

as patentes sirvam como um travamento à inovação, pois são utilizadas apenas como armas

contra a concorrência.

Um exemplo disso são as brigas judiciais que ocorreram entre as grandes empresas

tecnológicas mundiais como é o caso do Google, Apple, Motorola, Samsung e Microsoft, onde

travaram verdadeiras batalhas comerciais por supostas quebras de patentes. “Em muitos casos,

as patentes evoluíram para uma forma de as empresas ganharem dinheiro com bobagens, ”

segundo Sérgio Palma Medeiros, professor do Departamento de Engenharia da Computação da

14 Ministério da indústria, comércio exterior e serviços, Instituto Nacional da Propriedade industrial.

Resolução / INPI/PR nº 158. De novembro de 2016.

Considerando o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do pais.

Resolvem:

Art. 1º Instituir as Diretrizes de Exame de Pedidos de Patentes envolvendo invenções implementadas por

programas de computador, anexa a esta resolução.

Art. 2º Aos casos omissos aplicar-se-ão as Diretrizes Gerais de Exame de Pedidos de Patentes.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação na Revista Eletrônica da Propriedade

Industrial.

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Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)15. Isso acontece porque,

as empresas muitas vezes obtêm um grande número de patentes, pois quando uma empresa

compra ou desenvolve uma patente, ela pode licenciá-la para cobrando royalties por seu uso,

sendo assim uma forma de lucrar e enfraquecer seus concorrentes.

O fato dos softwares serem protegidos por direito autoral, permite que empresas

desenvolvam programas diferentes com uma mesma função, sendo assim dando mais confiança

para desenvolvedores e empresas trabalharem constantemente em novos projetos de criação de

programas de computador, pois a regulamentação através de patente inibe a projeção desses

novos desenvolvedores, como disse Richard Matthew Stallman “As patentes de software são o

equivalente a uma mina terrestre em um projeto de software: cada decisão de design ou

funcionalidade carrega o risco de se pisar numa patente, o que pode destruir seu projeto. ”16

Os cientistas têm depositado sua atenção cada vez mais para as questões relacionadas

aos direitos de propriedade intelectual, considerando os impactos dessa relação. Tendo em vista

o fenômeno de sua expansão e de sua presença na vida social, aumenta-se a preocupação dos

pesquisadores acerca dos procedimentos de registro de patentes e com as formas de proteção

dos produtos.

O conhecimento deve ser uma matéria de compartilhamento global havendo uma

diferenciação entre serviço intelectual e a troca de ideias de base matemática e estudos, pois

para ter avanço em certas pesquisas é necessário de toda informação testada antes, é o conjunto

que se dá a formação da ideia para ser reproduzida e assim chegar na criação e desenvolvimento

de tal projeto. Richard Stallman, em certa ocasião, disse: “O que os meus colegas de laboratório

estavam fazendo consistia, em última instância, na recusa em compartilhar o conhecimento,

implicando em uma ameaça ao avanço das pesquisas. ”17 Ou seja, a apropriação individual ou

empresarial de porções significativas do conhecimento, acaba até, de certo modo numa

regressão tecnológica.

15 Disponível em: Disputas judiciais entre gigantes de tecnologia levantam discussões sobre o uso de

patente.<https://oglobo.globo.com/economia/disputas-judiciais-entre-gigantes-de-tecnologia-levantam-

discussoes-sobre-uso-de-patentes-4328188>. Acesso: 07 dez. 2018.

16 Disponível em: Combatendo Patentes de Software - Uma a uma e Todas Juntas.

<https://www.gnu.org/philosophy/fighting-software-patents.pt-br.html>. Acesso: 08 dez. 2018.

17 Disponível em: Software livre como alternativa ao regime de propriedade intelectual. <

http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=48&id=606&print=true>. Acesso: 08 dez.

2018.

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Um grande problema na questão da propriedade intelectual é a de tratar bens imateriais

e intangíveis, como software e conteúdos digitais, no mesmo nicho dos bens materiais, ou seja,

os quais são suscetíveis à rivalidade de sua utilização. É prejudicial de modo social tentar

regular de maneira tão restrita algo peculiar ao desenvolvimento, principalmente na era

tecnológica, e tecnológica.

Por outro lado, no que diz respeito ao registro do software no brasil, o efeito desse

registro perante o INPI traz garantias judiciais na proteção daquele que detém o direito sobre

essa criação, pois no caso de utilização ilegal ou cópia desse programa de computador, existe a

inversão do ônus da prova, de modo que, se alguém, tem o registro do seu programa de

computador perante o INPI, entrar com uma ação referente a infração de direitos autorais sobre

programa de computador contra outrem que venha a lhe prejudicar, se esse alegar autoria da

obra, ele terá a obrigação de produzir as provas que comprovem sua autoria. Por isso, o registro

perante o INPI, apesar de não ser obrigatório, é extremamente recomendável.

Os meios de prova de autoria sobre um programa de computador, seja pela parte

demandante, seja pela demandada, não se restringem ao registro no órgão competente, mas

amplia-se para todos os meios de prova admitidos em direito, dentro dos princípios processuais

da livre produção de provas e do livre convencimento do juiz.

Outra coisa que deve ser levado em consideração é que a utilização não autorizada de

um banco de dados por um terceiro, principalmente por meios que venham a atentar à boa

concorrência, causa um prejuízo patrimonial ao titular do software. E avaliação desse dano

patrimonial, deve levar em consideração a atividade desenvolvida pelo titular, do utilizador não

autorizado, os fins para os quais a base foi desenvolvida e os fins para os quais ela foi utilizada.

É permissível que haja uma identificação visual, mas não técnica. Há um respaldo com mais

oportunidade para criação de novos desenvolvimentos, e havendo ao mesmo tempo a proteção

legal para que não haja cópias fiéis daquilo.

O registro de software envolve todo um processo diferenciado daquele realizados para

registrar marcas ou patentes. Esse processo é de extrema importância e necessário a todos que

desejam garantir a segurança de seu trabalho, evitando assim o mal-uso de terceiros. Uma vez

reconhecido o direito de Propriedade Intelectual sobre o programa de computador, essa garantia

tem a duração de 50 (cinquenta) anos, sendo inclusive reconhecida em outros países, signatários

de acordos internacionais, para comprovar a autoria.

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Além do mais, o registro estabelece garantias sobre os direitos patrimoniais do software,

sem falar o fato de que uma oferta de capital, ou uma oferta de aquisição, ficará mais segura e

tranquila, tanto para o investidor quanto para o desenvolvedor, pois, não haverá dúvidas sobre

quem é o autor do software, tendo em vista sua regulamentação legal dentro daquilo que rege a

lei brasileira.

Outros benefícios do registro de Software, é a garantia para o cliente que está obtendo

o licenciamento, que aquele software que está sendo vendido ou licenciado, está sendo feito

pelo verdadeiro titular, lhe dando assim proteção legal em caso de processos que venham a

ocorrer. Pois se caso o software licenciado sofra uma ação, se quem licenciou não possuir uma

garantia de que comprou um software original e não um software pirata, esse poderá responder

também pela ação, por aquisição de software pirata, pois a ação judicial poderá se estender para

todos os compradores desse sistema.

3.2. Conflitos da patente do software

Existem milhares de opiniões conflitantes a respeito do registro de patente do programa

de computador. A lei n. 9.279/96 prevê que o conjunto entre o programa e o computador tem

natureza de invenção, podendo ser patenteável, desde que preencha os requisitos legais.

Um dos fortes argumentos contrário ao patenteamento do software é que o programa de

computador em si escapa da ideia de industriabilidade, pois a máquina faz o processo produtivo

e o programa somente o conduz. Se não está inserido em um processo industrial, não pode ser

patenteado. José Ascensão (1980) lembra que diversos programas fogem totalmente da ideia de

industriabilidade como, por exemplo, um banco de dados de decisões jurisprudenciais, onde o

sistema de patentes não seria, de forma alguma, aplicável. 18

No Brasil existe como jurisprudência, através de uma disputa judicial entre NVL

Software e Multimídia Ltda. versus Reinaldo de Paula Machado e outro, a ministra do

Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi, relatora do recurso especial n. 443.119 -

RJ (2002/0071281-7), relata no seu voto, entre outros, que:

18 Disponível em: A proteção jurídica do software, com ênfase em patente. <

https://jus.com.br/artigos/10312/a-protecao-juridica-do-software-com-enfase-em-patente/2>. Acesso: 18 nov.

2018.

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“[...] O software, ou programa de computador, como disciplinado em leis

específicas (9.609/98 e 9.610/98), possui natureza jurídica de direito autoral (trata-

se de ‘obra intelectual’, adotado o regime jurídico das obras literárias), e não de

direito de propriedade industrial. Esse entendimento resulta não apenas da exegese

literal dos artigos. 7º, inc. XII da Lei nº. 9. 610/98 e 2º da Lei nº. 9.609/98 e das

expressivas contribuições de diversos doutrinadores, mas também da

interpretação, a contrário sensu, do dispositivo da lei de propriedade industrial (Lei n.

9.279/96, artigo 10, inc. V) que afasta a possibilidade jurídica de se requerer a patente

de programa de computador, por não o considerar seja invenção, seja modelo de

utilidade. Se o direito de propriedade industrial, como positivado no Brasil, expressamente rechaça proteção ao software, não resta outra solução senão a de

aceitá-lo enquanto modalidade de direito de propriedade intelectual (autoral), pois do

contrário ficaria o seu titular despido de qualquer proteção jurídica a reprimir atos de

contrafação”.

O engenheiro eletrônico, Antonio Carlos Souza de Abrantes, examinador de patentes do

INPI, publicou um artigo no site eletrônico Comciencia, atualizado em 16 de setembro de 2004,

sob o título “ Patentes no setor de informática: a visão do INPI”, e expõe, entre outros, que:

“ [...] O segundo aspecto comporta os elementos não literais do programa de

computador, ou seja, seus aspectos funcionais, suas características técnicas

operacionais expressas por métodos e sistemas que são passíveis de proteção por

patentes. Uma criação industrial relativa a programa de computador será considerada invenção desde que a criação como um todo apresente um efeito técnico, isto é, venha

a resolver um problema encontrado na técnica, que não diga respeito unicamente à

forma como este programa de computador é escrito, isto é, ao programa de

computador em si”. 19

A declaração do eng. Abrantes foi comentada por Pedro Rezende e Hudson Lacerda no

artigo “Computadores, Softwares e Patentes” que, entre outros, esclarece:

“A função técnica do hardware é processar sinais. Sinais per se nada significam, porque não são símbolos. Sinais veiculam símbolos através de códigos.

Portanto, o significado das seqüências de bits manipuladas por esses programas é

função semiológica das camadas de código que a lógica e ontologia dos demais

programas envolvidos permitem aos seus autores representar. O funcionamento

técnico de um hardware é determinado na sua fabricação, explorável através do

domínio de sucessivas camadas de codificação, por programadores que podem criar

programas independentemente. As simbolizações que dão funcionalidade a

programas de computador só se estabelecem pelo e no contexto dos demais programas

envolvidos, inclusive "programas cognitivos" imersos na cultura dos usuários. Assim,

o significado das seqüências de bits manipuladas por esses programas não só não

altera, como também não pode ser entendido como artigo da função técnica do

hardware onde executa. Da mesma forma que um disco não altera o funcionamento técnico de um toca-discos, ou, uma nova partitura não altera o funcionamento técnico

de um violino. O funcionamento prático do processador, isto é, a utilidade do

repertório de comportamentos de programas nele executáveis, limitado por fatores

como tempo de execução, capacidade de armazenagem e de fluxo dos demais

dispositivos do computador, e codificações que se sobreponham para os dados

manipulados, em nada afeta a relação causal entre o projeto do processador e seu

19 Disponível em: Patentes no setor de informática: a visão do INPI. < http://www.comciencia.br/dossies-

1-72/presencadoleitor/artigo19.htm>. Acesso: 17 nov. 2018.

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funcionamento técnico, entre a matriz dos seus circuitos eletrônicos e o repertório de

comportamentos dos programas nele executáveis”. (Rezende, 2005)

Não é exemplificado como um programa de computador pode alterar o funcionalismo

do computador. Rezende, matemático e professor de Ciência da Computação da Universidade

de Brasília, explana que o programa de computador não altera o funcionamento técnico do

hardware, assim como um disco não altera o funcionamento técnico de um toca-discos.

O eng. Abrantes quando relata que “elementos não literais do programa, ou seja, seus

aspectos funcionais, suas características técnicas operacionais expressas por métodos e sistemas

que são passíveis de proteção por patentes”, ele descreve na realidade o conceito americano de

invenção para programa de computador-relacionado, ou seja, que o programa tenha uma

funcionalidade, uma aplicação prática na área tecnológica.

Em outro trecho do artigo, Abrantes relata que:

“O INPI tem considerado portanto como patenteáveis os programas de computador que evidenciem um efeito técnico novo, e que portanto não podem ser considerados

como programas em si. Diretrizes de exame do início da década de 90 já estabeleciam

tal conceito: "A concessão de patentes de invenção que incluem programas de

computador para realização de um processo ou que integram equipamentos que

realizam tais processos tem sido admitidos pelo INPI há longos anos. Isto porque não

pode uma invenção ser excluída de proteção legal, desde que atendidos os requisitos

convencionais de patenteabilidade, meramente pelo fato de que para sua

implementação utilizem programas de computador. Assim o programa de computador

em si é excluído de proteção patentária, todavia, se o programa controla a operação

de um computador mesmo convencional, de modo a alterar tecnicamente o seu

funcionamento, a unidade resultante do programa e do computador combinados pode

ser uma invenção patenteável como método ou dispositivo”. (Abrantes, 2004)

As diretrizes de exame do INPI foram comentadas por Rezende e Lacerda:

“ [...] dizer que o funcionamento técnico de um processador é alterado por um

programa nele executável, ou que um tal programa altera esse funcionamento técnico, não faz sentido exceto no ilusionismo, já que a autoria, representação ou

conhecimento de um tal programa em nada altera a coleção dos executáveis à qual ele

já pertence, por definição do projeto do chip do processador. Tampouco faz sentido

dizer que a funcionalidade de um tal programa altera o repertório dos possíveis

comportamentos do processador. Por outro lado, se a finalidade (causa final) de um

tal programa altera a utilidade do processador onde executa, isso em nada modifica

seu funcionamento técnico, pois em nada afeta as causas eficientes, aqui explicadas,

que o processador é capaz de instrumentar. Pode-se perguntar, então, que programas

poderiam alterar o funcionamento técnico de um processador. Somente as instruções

propriamente ditas, fisicamente expressas por circuitos eletrônicos no desenho do chip

e nele imersas na fabricação, e não as seqüências de suas representações binárias,

pode-se admitir que alterem esse funcionamento: mas apenas no estrito sentido em que determinam o código de máquina do processador, através do código subjacente

dos circuitos eletrônicos, quando inseridos no desenho do seu chip durante a etapa de

projeto. [...] A diretriz do INPI inverte, portanto, uma relação de causa que não é

inversível”. (Rezende, 2005)

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O professor Rezende explica que o programa de computador não pode alterar

tecnicamente o funcionamento do computador. Pois segundo ele, somente no desenho do chip,

durante a etapa do projeto do computador, é possível alterar a funcionalidade do computador.

O software possui duas perspectivas, de um lado liga-se à realização de uma função por

meio de um hardware, com a produção de resultados práticos; nessa perspectiva, o software é

um produto. De outro, é uma criação que expressa uma ideia de determinada forma; nesse caso,

o software é equiparável à expressão artística de uma ideia.

Em artigo publicado no site Software Livre (Livre, 2012), é feito um exame a respeito

do porquê de não ser viável a questão do registro do software como patente:

“A legislação brasileira vê o software menos como produto e mais como expressão

intelectual, prevendo que os direitos de autor são o mecanismo próprio de proteção ao

software e excluindo explicitamente patentes como opção (Lei 9609/98 e Lei 9279/96,

artigo 10). O mecanismo de patentes, mais restritivo, levaria ao extremo oposto,

tratando o software como algo incorporado a um produto ou processo industrial. Essa

visão retroage aos primórdios da computação em que o software praticamente não

tinha autonomia em relação ao hardware. Na medida em que o software passou a ser

considerado independente, esse vínculo entre a solução computacional e a máquina

deixa de fazer sentido; insistir em amarrar o software à máquina ou processo industrial

seria o mesmo que patentear o livro de receitas da Dona Ofélia em conjunto com o

fogão elétrico. Essa inadequação da aplicação de patentes ao software e seus

malefícios já vêm sendo amplamente discutidos pela comunidade de software livre e

por membros de indústria de software (Stallman, 2002; Irlam & Williams, 1994). ”

Ele segue com raciocínio falando na questão social e comercial desse tipo de registro:

“A proteção pelo direito de autor é favorável ao compartilhamento e ao software livre, pois permite que várias expressões diferentes de uma mesma ideia coexistam e, assim,

possibilita a criação de software livre para tratar qualquer tipo de problema, mesmo

que já haja programas restritos similares. As patentes, por outro lado, pressupõem a

existência de apenas uma ou algumas poucas soluções baseadas na mesma

abordagem, todas formalmente autorizadas pelo detentor da patente, em geral com

base em um acordo comercial. Esse tipo de organização evidentemente não se adequa

ao software livre, onde pode haver múltiplas implementações e variações de um

mesmo código sem que haja uma entidade central responsável.

Apesar dessas considerações, os advogados desenvolveram habilidade especial para

descrever o software como se fosse parte de um processo industrial, o que tem

viabilizado nos Estados Unidos (Samuelson, 1990), e mesmo no Brasil, a sua patente,

ao arrepio do espírito da legislação. Um agravante desse problema é que o escritório de patentes americano tem apresentado níveis de exigência quanto à originalidade e

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não-trivialidade muito baixos para o registro de patentes de software, o que torna o

número de patentes artificialmente grande. ”20

Além dos problemas discutidos acima, o efeito desse tipo de registro dificulta a posição

das pequenas empresas, enquanto empresas grandes têm acordos mútuos de licenciamento de

patentes, as microempresas podem ser consideradas infratoras, só de houver qualquer

equiparação com outro software. Ao mesmo tempo, dado o grande número de patentes

existentes e sua não-especificidade a uma única área, o custo para o levantamento de possíveis

patentes em uso chega a ser proibitivo. Significa que o risco para a entrada de novas empresas

no mercado de software é muito maior que em outras áreas, o que pode levar à concentração e

até mesmo ao monopólio.

Desse modo, as patentes de software não exercem um efeito satisfatório ao ambiente de

compartilhamento do conhecimento típico do software. Ao mesmo tempo, se esse tipo

mecanismo de patentes tem funcionado adequadamente em outras áreas, é demonstrado que o

mesmo não se aplica ao software em geral. Até porquê as Patentes não tiveram um papel

relevante no desenvolvimento da tecnologia relacionada ao software nos últimos 50 (cinquenta)

anos, sendo assim demonstrado ser uma certa irrelevância econômica e social, sendo que na

parte econômica traria grandes riscos a sociedade, além do que seria um gatilho para as brigas

judiciais das grandes empresas.

3.3. Alternativas

Podemos observar que apesar de haver um tipo de regulamentação no qual é indicada o

registro do software como direito autoral, sendo guiado assim pela propriedade intelectual, não

é exigido que se faça esse registro, ele fica opcional para que seu desenvolvedor venha a ser

protegido de forma legal, e venha dar proteção a sua criação.

A Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 5, inciso XXIX, que a lei assegurará

aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como

proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros

20 Disponível em: Inadequação das patentes de software. < https://softwarelivre.org/patentes-nao/por-que-

nao>. Acesso: 02 dez. 2018.

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signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e

econômico do país.

O artigo 2º da Lei de Propriedade Industrial n. 9.279/98 determina que a proteção dos

direitos relativos à proteção industrial considera o seu interesse social e o desenvolvimento

tecnológico e econômico do país.

Tanto a Constituição quanto a LPI não deixam dúvida que a invenção visa o interesse

social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Em artigo publicado por Luiz Antônio Xavier dos Santos (Santos L. A., 2007) foi falado

que vários setores de áreas de conhecimento, resolveram procurar uma solução para resolver o

déficit comercial que existia, e viram na utilização do registro de patente uma maneira de

crescimento econômico nesses setores, tendo em vista a constante crescente na economia do

comercio mundial.

“As Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

(PITCE), publicadas em 26 de novembro de 2003, definiu como objetivo na linha de

ação oficial “opções estratégicas” a concentração dos esforços em áreas intensivas

em conhecimento, como semicondutores, softwares, fármacos e medicamentos, e bens

de capital. Estes quatro setores apresentaram déficits comerciais, que tendem a se

ampliar com o crescimento da economia. “ (Santos L. A., 2007)

Além do que é falado sobre a questão do investimento produtivo, afim de haver a

instigação para que novos programadores e empresas utilizem de seus serviços para criação e

desenvolvimento de novos programas de computador, tendo um papel importante para o

crescimento econômico e tecnológico no pais.

“A Lei n. 11.196, de 22 de novembro de 2005, na esfera da PITCE, prevê medidas

para desonerar o investimento produtivo, estimular o setor de software e a inclusão digital, assim como incentivar a inovação tecnológica. Na questão da Tecnologia da

Informação (TI) determina que serão suspensos o PIS/Pasep e a COFINS incidentes

sobre as contas no mercado interno e sobre as importações de produtos e serviços

destinados ao desenvolvimento no país de software e de serviços de TI para

exportação. ” (Santos L. A., 2007)

Assim sendo criado nos valores e no modo de organização social da cultura hacker,

nasceu o movimento do software livre, que tem como principal ideal os princípios de um direito

livre na questão do software. Eles realizam a distribuição e uso de programas de computador

de livre acesso, não se confundindo livre acesso com ser gratuito, esses desenvolvedores podem

cobrar pela utilização de seus códigos e de seu licenciamento para uso, porém não obriga aquele

que vai utilizar disso a pagar por eles, fica opcional.

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A ideia é de que os usuários de computador devam ter liberdade acerca dos softwares,

devendo ter liberdade para usar o programa, para qualquer proposito; modificar o programa

para adequá-lo as suas necessidades, redistribuir cópias, cobrando ou não por elas; distribuir

versões modificadas do programa, fazendo com que a sociedade possa se beneficiar dessas

melhorias adicionadas ao programa. Portanto colocar o software em domínio público já foi e é

bastante discutido no Brasil e no mundo.

É visto que os programas de computador são protegidos pelo direito autoral. Sendo

assim os direitos relativos à propriedade intelectual do software surgem automaticamente com

a criação da própria obra, ou seja, sua proteção independe de qualquer registro e basta a

demonstração da autoria para o criador ter seus direitos garantidos. Esses direitos são

reconhecidos internacionalmente pelos países signatários do acordo TRIPS (trade-related

aspects of intellectual property rights) e sua validade é de 50 (cinquenta) anos.

Também é visto que na Lei 9609/98 foi viabilizado para o criador do software a

possibilidade de registrar o programa no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI –

com o intuito de simplificar a identificação da autoria em casos em que exista a dúvida a respeito

da autoria ou litígio. Criando-se discussão jurídica a respeito disso, pois de um lado, o registro

não é necessário para a proteção jurídica, de outro, ele também não constitui comprovação

absoluta dessa autoria, pois sempre existirá a possibilidade de questionamento judicial sobre

quem foi o efetivo autor. Nesse caso a vantagem do registro está em ser presumido a autoria do

software, a aquele que tem o registro desse, cabendo a inversão a este que entrou com ação a

comprovação de se provar que ele é o verdadeiro autor do programa de computador.

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CONCLUSÃO

A existência de um regime de proteção ao programa de computador, se mostra de grande

importância, pois dá a possibilidade de se constranger terceiros que venham a utilizar, copiar e

comercializar, sem a permissão do autor, permitindo assim a singularidade dos objetivos

técnicos de tais criações, pois além de haver uma identificação de autoria, há uma norma de

obrigações a serem seguidas, repercutindo assim na possibilidade de lucros e comercialização

desses programas de computador, consequentemente na motivação de novos desenvolvedores

desenvolverem diversos software ao longo da evolução tecnológica.

Nesse estudo é visto a regulamentação do regime de proteção do software no Brasil, é

o mesmo conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no

País pela Lei n. 9.609/98. Porém, mesmo que o tipo de proteção seja dado por uma legislação

sui generis, segue a tendência da maioria dos países do mundo que compreendem que o

programa de computador deve ser tratado igual às obras literárias pela legislação de direito

autoral.

Entretanto a proteção jurídica do software no Brasil passou por diversas etapas

evolutivas até chegar no conceito atual, onde teve uma primeira menção pela Lei n.7.232/84,

que regulou a Política Nacional de Informática, onde não existia definição da natureza jurídica

do software, nem qualquer tipo de proteção. Mas em seguida foi criada a Lei n. 7.646/87, que

estabeleceu a proteção do programa de computador como direito autoral. E na busca de uma

adequação jurídica a respeito do programa de computador, foi criada então a Lei n. 9.609/98,

conhecida como Lei do Software.

Pensando na segurança relativa ao direito autoral desses, foi realizado o Decreto n.

2.556/98, que regulamentou o registro previsto no artigo 3º da Lei n. 9.609/98 e estabeleceu no

artigo 1º que “os programas de computador poderão, a critério do titular dos respectivos

direitos, ser registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI”. A

documentação técnica é composta pela listagem integral, ou parcial, do programa-fonte e, ainda,

memorial descritivo; especificações funcionais internas; fluxogramas e outros dados capazes

de identificar e caracterizar a originalidade do programa. Ficando sob guarda sigilosa, tornando

o INPI, seu fiel depositário, cabendo a ele a responsabilidade no caso de quebra de sigilo que,

comprovadamente, ocorra no âmbito da instituição.

O registro não é obrigatório, ficando a critério dos autores, porém o registro do programa

de computador no INPI, por força da Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98), da Lei de

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Software (Lei nº 9.609/98) e do Decreto n° 2.556/98, é a forma mais segura de garantir sua

propriedade e provar sua autoria. Além do que o sistema de registro de nos dias atuais passou

a ser totalmente eletrônico e automatizado, facilitando ainda mais a realização desse registro,

pois não é mais permitido depósitos e demais serviços de programa de computador no INPI em

papel, deve ser utilizado os meios eletrônicos.

É visto que é possível a realização de registro de patente do software desde que esse

atenda aos requisitos de novidade, invenção e aplicação industrial (previstos na Lei) e que esteja

atrelado a um hardware, desde que seja em seu conjunto, ou seja, software e hardware. Mas

essa alternativa é pouco viável tendo em vista que o software sofre várias alterações em pouco

tempo, com atualizações de melhorias e para resolver possíveis defeitos, sendo assim necessário

realizar várias renovações no registro, pois ele ficaria desprotegido, já que a patente é um

monopólio temporário e a sua vigência, como invenção, tem um prazo de 20 anos, diferente do

registro como direito autoral que no caso de software, seguindo sua lei, é de 50 anos.

Por outro lado, é importante identificar que o direito autoral confere proteção contra

violações morais e patrimoniais das obras, fazendo com que muitos entendam que o direito

autoral não confere proteção suficiente ao dono do software, pois não protege o processo ou o

produto que resultante de sua aplicação. Por exemplo se um programador no desenvolvimento

de um código fonte utilizar um tipo de linguagem, e outro programador resolver desenvolver

um programa com interface idêntica, porém com uma linguagem diferente fazendo com que o

código fonte seja diferente, o primeiro não estará protegido e esse outro programador poderá

desenvolver um programa idêntico sem problemas, pois não há uma proteção garantida por

patente.

Entretanto o fato dos softwares serem protegidos por direito autoral, permite que

empresas e desenvolvedores desenvolvam programas diferentes com uma mesma função, sendo

assim dando mais confiança para esses trabalharem constantemente em novos projetos de

criação de programas de computador, pois a regulamentação através de patente inibe a projeção

desses novos desenvolvedores, pois na proteção por patente qualquer semelhança pode ser

litigada e assim podendo destruir o seu projeto.

Todavia há quem critique as regulamentações e proteções dadas através da propriedade

intelectual e industrial, pois traz impactos negativos a relação humana, pois o conhecimento

deve ser uma matéria de compartilhamento global havendo uma diferenciação entre serviço

intelectual e a troca de ideias de base matemática e estudos, pois para ter avanço, é necessário

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de toda informação testada antes, é o conjunto que se dá a formação da ideia para ser

reproduzida e assim chegar na criação e desenvolvimento de tal projeto.

Além de tudo, podemos ver que uma possível alternativa a esses conflitos judiciais,

tecnológicos, comerciais, sociais e etc. Seja a propagação do movimento do software livre, que

tem como principal ideal os princípios de um direito livre na questão do software, onde é

realizado a distribuição e uso de programas de computador de livre acesso, esses

desenvolvedores podem cobrar pela utilização de seus códigos e de seu licenciamento para uso,

porém não há obrigação.

A ideia é de que todos devam ter liberdade acerca dos softwares, tanto para uso, para

modificação do programa para adequá-lo as suas necessidades, redistribuir cópias, distribuir

versões modificadas do programa, fazendo com que a sociedade possa se beneficiar dessas

melhorias adicionadas ao programa, ou seja, colocar o software em domínio público.

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