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REVISTADA ESCOLA DA

MAGISTRATURA REGIONALFEDERAL DA 2ª REGIÃO

EMARF

Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Volume 10Dezembro de 2008

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Esta revista não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem autorização

Revista da Escola da Magistratura Regional Federal / Escola

da Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional Federal da 2ª

Região. N. 1 (ago. 1999)

Rio de Janeiro: EMARF - TRF 2ª Região / RJ 2008 - volume 10, n. 1

Irregular.

ISSN 1518-918X

1. Direito - Periódicos. I. Escola da Magistratura Regional

Federal.

CDD: 340.05

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Diretoria da EMARF

Diretor-GeralDesembargador Federal André Fontes

Diretor da RevistaDesembargador Federal Clélio Erthal

Diretor de EstágioDesembargador Federal Luiz Antonio Soares

Diretora de Relações PúblicasDesembargadora Federal Maria Helena Cisne

Diretora de PesquisaDesembargadora Federal Liliane Roriz

EQUIPE DA EMARFLenora de Beaurepaire Schwaitzer - Assessora Executiva

Carlos José dos Santos DelgadoEdith Alinda Balderrama Pinto

Leila Andrade de SouzaLiana Mara Xavier de Assis

Lucia Helena de Souza FernandesMargarete de Castro Amaral

Maria de Fátima Esteves Bandeira de MelloReinaldo Teixeira de Medeiros Júnior

Foto da Capa:Prédio do Centro Cultural Justiça Federal no Rio de Janeiro à época em que era

sede do Supremo Tribunal Federal.Arquivo Nacional - Correio da Manhã (18/01/1938)

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Presidente:Desembargador Federal CASTRO AGUIAR

Vice-Presidente:Desembargador Federal FERNANDO MARQUES

Corregedor-Geral:Desembargador Federal SERGIO FELTRIN CORRÊA

Membros:Desembargador Federal PAULO FREITAS BARATA

Desembargadora Federal TANIA HEINEDesembargador Federal ALBERTO NOGUEIRADesembargador Federal FREDERICO GUEIROS

Desembargador Federal CARREIRA ALVIMDesembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTODesembargadora Federal MARIA HELENA CISNE

Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMADesembargador Federal ANTÔNIO CRUZ NETTO

Desembargador Federal RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTADesembargador Federal FRANCISCO PIZZOLANTEDesembargador Federal ANTONIO IVAN ATHIÉDesembargador Federal SÉRGIO SCHWAITZERDesembargador Federal POUL ERIK DYRLUND

Desembargador Federal ANDRÉ FONTESDesembargador Federal REIS FRIEDE

Desembargador Federal ABEL GOMESDesembargador Federal LUIZ ANTÔNIO SOARESDesembargador Federal MESSOD AZULAY NETO

Desembargadora Federal LILIANE RORIZJuiz Federal Convocado MARCELO PEREIRA DA SILVA

Juíza Federal Convocada MÁRCIA HELENA PEREIRA NUNESJuiz Federal Convocado LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJOJuiz Federal Convocado JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA

Juiz Federal Convocado CARLOS LUGONESJuiz Federal Convocado RENATO CESAR PESSANHA DE SOUZA

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9

I - ORIGEM, OBJETIVOS E EVOLUÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA REGIONALFEDERAL DA 2ª REGIÃOA ODISSÉIA DE UMA ESCOLA DE MAGISTRADOS ............................................ 15Clélio Erthal

EMARF - 10 ANOS DE EXISTÊNCIA ................................................................... 25Tania de Melo Bastos Heine

UM DNA PARA UMA ESCOLA ........................................................................... 31Alberto Nogueira

EMARF - PRIMEIROS TEMPOS: BREVES NOTAS ................................................ 37Paulo Freitas Barata

AS ESCOLAS DE MAGISTRATURA ..................................................................................45Ney Moreira da Fonseca

A INTERIORIZAÇÃO DA EMARF ....................................................................... 49Liliane Roriz

O PAPEL DA ESCOLA DE MAGISTRATURA NOS RUMOS DA JUSTIÇA FEDERAL .. 53Sergio Feltrin

A EMARF E O CURSO DE APERFEIÇOAMENTO E ESPECIALIZAÇÃO DEMAGISTRADOS (CAE) ...................................................................................... 63José Antonio Lisbôa Neiva

II - LEGISLAÇÃO E NORMAS INTERNAS DA EMARFRESUMO HISTÓRICO ...................................................................................... 75ATA N° 01 (UM) DA COMISSÃO DE CRIAÇÃO DA ESCOLA DE MAGISTRATURAREGIONAL FEDERAL ......................................................................................... 77RESOLUÇÃO Nº 015 DE 01 DE AGOSTO DE 1997 ........................................... 78ATA N° 03 (TRÊS) DA COMISSÃO DA ESCOLA DE MAGISTRATURA REGIONALFEDERAL .......................................................................................................... 79RESOLUÇÃO Nº 006 DE 17 DE ABRIL DE 1998 ................................................ 80ATA N° 04 (QUATRO) DA COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO E INSTALAÇÃO DA ESCOLADE MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL .......................................................... 81ATA N° 161 (CENTO E SESSENTA E UM) DA SESSÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNALPLENO DE 20 DE AGOSTO DE 1998 ................................................................ 84

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ATA N° 01 (HUM) DA ESCOLA DE MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL .......... 85RESOLUÇÃO Nº 031, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1998 ..................................... 87REGULAMENTO DE ESTÁGIO JURÍDICO ........................................................... 89RESOLUÇÃO N° 06 (SEIS) DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA DE 13 DESETEMBRO DE 2005 ........................................................................................ 94RESOLUÇÃO Nº 35 DE 05 DE DEZEMBRO 2005 ............................................. 97RESOLUÇÃO Nº 004 DE 10 DE MARÇO DE 2006 ............................................ 99PORTARIA Nº 1, DE 27 DE SETEMBRO DE 2005 ............................................ 102PORTARIA Nº 02, DE 05 DE DEZEMBRO DE 2005 ......................................... 103PORTARIA Nº 4, DE 27 DE OUTUBRO DE 2006 ............................................ 112PORTARIA Nº 8, DE 21 DE MAIO DE 2007 .................................................... 114ANTEPROJETO DE REGIMENTO INTERNO DA ESCOLA DA MAGISTRATURAREGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO ............................................................... 116

III - TEMAS DE FILOSOFIA, METODOLOGIA E HERMENÊUTICA JURÍDICAS

CONSTITUIÇÃO E ORDEM MORAL ................................................................ 127Ricarlos AlmagroENSINO JURÍDICO NO BRASIL: ANÁLISE À LUZ DA FILOSOFIA EDUCACIONAL DEPAULO FREIRE ............................................................................................... 135Rommel Madeiro de Macedo CarneiroRECENSÃO À OBRA PENSAMENTO SISTEMÁTICO E CONCEITO DE SISTEMA NACIÊNCIA DO DIREITO DE CLAUS WILHELM CANARIS, FUNDAÇÃO KALOUSTEGULBENKIAN, 2ª EDIÇÃO, 1996, LISBOA. ...................................................... 147Eugênio Rosa de AraújoO DOGMA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E SEU ABRANDAMENTOPELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATRAVÉS DA TÉCNICADA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS ................................................................ 167Flávio Quinaud PedronCOISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ........................................................... 193Daniel Favaretto BarbosaA PRIMEIRA CONDENAÇÃO DO BRASIL PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DEDIREITOS HUMANOS .................................................................................... 233Márcia Maria Ferreira da Silva

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APRESENTAÇÃO

A Escola de Magistratura Regional Federal da 2ª Região (EMARF)completou, em agosto passado, dez anos de sua instalação, tendo sidocriada para formar juízes recém empossados e para aprimorar os vitalícios,proporcionando a todos a realização de cursos, a atualização dosconhecimentos e o aprimoramento intelectual e científico. Fora criadapara ser uma escola de magistrados, embora tivesse, desde logo, ampliadoseu campo de atuação, visando também a atender a estudantes, advogados,procuradores e servidores públicos que pretendessem atuar na JustiçaFederal. E, sem dúvida, nesses dez anos, a Escola firmou sua presença,como instituição de caráter técnico educativo, não só junto ao PoderJudiciário, como no cenário jurídico nacional, assumindo importância domaior relevo entre tantos quantos se dedicam ao estudo e aos problemasrelacionados com a magistratura e com a função jurisdicional.

Durante esse período, não houve tema de importância para juízes,procuradores, advogados, servidores, estudantes e profissionais do direitoque não tivesse sido apreciado, analisado e até dissecado nos seminários,nos simpósios, nas conferências, nos debates, nos encontros de estudoou nas salas de aula da EMARF. Demais disso, a instituição tem sidoreconhecida como Escola atuante, dinâmica, presente, meritória,culturalmente preparada e exemplar. Professores da maior expressão doconhecimento e com domínio dos temas jurídicos mais sensíveis e atuaisministraram palestras na Escola, enriquecendo sua atuação, contribuindopara o preparo dos novos magistrados e para o aprimoramento dos nossosjuízes, fossem vitalícios ou não.

Desenvolveu a Escola, com total êxito, um permanente programa decapacitação e qualificação dos nossos magistrados, visando ao

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Apresentação

aperfeiçoamento de nossa atividade jurisdicional. Com uma programação

rica pela qualificação das matérias desenvolvidas, voltadas para estudos

os mais diversos, envolvendo temas constitucionais, processuais,

tributários, criminais, administrativos e civis, e servindo-se de professores

talentosos pertencentes aos quadros de nosso próprio Tribunal, incluída

a primeira instância, bem como de profissionais de outros centros culturais

avançados, conseguiu a Escola imprimir um padrão de qualidade invejável,

capaz de responder, à altura, às pretensões para as quais fora criada. Não

é, pois, sem razão que nos orgulhamos do que já conseguimos realizar,

de modo que, após uma década de atuante e eficaz funcionamento,

podemos sustentar, sem receio, termos uma das melhores escolas de

magistratura do país, respeitada e festejada nos meios acadêmicos e

profissionais, reconhecida pela eficiência dos serviços prestados à

magistratura, disputada quanto a seus estágios forenses e assumindo já

posição de relevo nas suas atividades técnicas e de pesquisa.

A Escola instituiu ainda um programa de aperfeiçoamento ou

especialização de magistrados, destinado aos juízes em fase de aquisição

de vitaliciedade e aos já vitalícios, substitutos ou titulares, como etapa do

procedimento de obtenção de vitaliciedade ou condicionante à promoção

por merecimento, em atendimento a determinação constitucional

expressa. Foram estabelecidos os eventos que constituiriam o objeto do

programa, com a devida gradação e quantitativo necessários, tudo em

sintonia com o interesse público, evitando-se, por exemplo, disciplinas

que não teriam afinidade com a atividade judicante e carga horária que

comprometesse a jornada de trabalho do magistrado. Esse programa

resultou num curso de realização permanente, com excepcional resultado,

tornando-se a principal linha de atuação da Escola, com conferências,

estudos avançados, cursos especiais, grupos de trabalho e fóruns.

Por outro prisma, não atua a EMARF apenas na cidade do Rio de Janeiro,

estando igualmente empenhada em funcionar, com a mesma excelência,

no Estado do Espírito Santo e no interior dos dois Estados, embora

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Castro Aguiar

enfrentando sérias dificuldades estruturais e sobretudo financeiras, mas

com constante enfrentamento aos desafios. Onde foi possível, a Escola

tornou-se presente, ainda que através da tecnologia, como é o caso do

atendimento por videoconferência. Essa solução de ensino à distânciatem dado bons resultados. Não obstante, em Vitória já se implantou umnúcleo de atendimento aos magistrados, que vem ostentando trabalhobastante promissor.

Destarte, decorridos dez anos dessa profícua atuação, permito-me felicitaro Tribunal pela Escola que temos e, em decorrência lógica, pelos seusdiretores, presentes e passados, bem ainda por seus devotados servidores,seja pela excelência do trabalho realizado, seja pelo desempenho plenamentesatisfatório de tão magnífica e esplendorosa missão.

DESEMBARGADOR CASTRO AGUIAR

PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

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I - Origem, Objetivos e Evoluçãoda Escola da Magistratura Federal

da 2ª Região - EMARF

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A ODISSÉIA DE UMA ESCOLA DEMAGISTRADOS

Clélio Erthal - Desembargador do Trubunal Regional Federalda 2ª Região

Com uma década de existência, a ESCOLA DA MAGISTRATURAREGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (EMARF) já tem história para contar.

A instituição, hoje consolidada e até com projeção nacional, foi criadaem 01 de agosto de 1997 pela Resolução nº 15, da Presidência do TribunalRegional Federal, então exercida pela Desembargadora Federal TaniaHeine, para atender à sentida necessidade de adaptar, aos padrões daJustiça Federal, os novos juízes que nela ingressam. A medida já era atéprevista no art. 93, incisos II, letra c, e IV da atual Constituição Federal,em seu texto original; mas só em caráter programático, na expectativa devir a ser regulada com mais detalhe, futuramente, através de LeiComplementar. Mesmo assim, a Presidência da Corte, antecipando-se àregulamentação legal, tratou de criá-la antes de tornar-se obrigatória. Fê-lo como órgão integrado na estrutura do próprio Tribunal, sempersonalidade jurídica e nem autonomia financeira, conforme Resoluçõesnºs 5 e 6, de 01 de março e 17 de abril de 1998, respectivamente. E,dando execução ao projeto, a Corte, em Sessão Plenária de 13 de agostodesse mesmo ano, elegeu o Desembargador Federal Paulo Freitas Baratapara, na condição de Diretor-Geral, cuidar da sua instalação e montagem.Com ele foram escolhidos também os demais membros da Diretoria, entãodividida em três setores específicos: de Cursos, de Publicações e deEstágio. Foi o pontapé inicial da notável epopéia, aliás, precedida de umabem sucedida experiência de cursos de “ambientação”, introduzida pelamesma magistrada quando ainda exercia a função de Corregedora.

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A Odisséia de uma Escola de Magistrados

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A tarefa da primeira Diretoria, ainda que gratificante, foi assaz árduae difícil, por se tratar de obra pioneira. Afinal, ainda não havia no Brasilum modelo pronto a ser seguido, já que os arremedos de Escola deMagistratura no País também ensaiavam os primeiros passos, e osexemplos europeus (Portugal, Espanha, França e Alemanha), em avançadoestado de progresso, eram inaplicáveis à nossa realidade. Sobretudoconsiderando que a EMARF – como ficou conhecida a Escola – não cuidariade preparar candidatos para concursos de ingresso na magistratura, comoalgumas das instituições congêneres já em funcionamento, mas de formarjuízes recém empossados e ainda inexperientes, e também aprimorar osjá vitaliciados e tarimbados na função judicante, proporcionando-lhescursos de extensão, atualização e aprofundamento. Tratava-se, pois, deuma Escola de Magistrados, não parecendo adequado, aos encarregadosde sua montagem, desviar-lhe a finalidade, entrando em concorrênciacom cursos de preparação ao ingresso na carreira, geralmente privadose infensos à ingerência oficial.

Inobstante, ela não ficou indiferente aos jovens estudantes. A par dasatividades de pesquisa, cursos de aprofundamento científico e divulgaçãodas modernas conquistas no universo jurídico, destinados aos operadoresdo Direito em geral, cuidou também de proporcionar aos futuros juristasum programa de estágio universitário remunerado com vistas, não àpreparação para concursos, mas à familiarização deles com a práticaforense. Especialmente a prática voltada para o campo da Justiça Federal,que é muito específico, na esperança de que alguns venham a atuar nelafuturamente, com firmeza e desejado desembaraço; seja como advogadosmilitantes, seja como juízes, procuradores públicos ou funcionários doPoder Judiciário. Daí a divisão inicial da sua estrutura em quatro diretorias,com funções próprias: a Diretoria-Geral, com competência diretiva,coordenadora e representativa; a de Cursos, encarregada de planejar eexecutar a atividade pedagógica da Escola, incluindo nessa seara aelaboração e a execução de programas de ensino, a escolha de temas ea seleção dos expositores; a de Publicações, com incumbência de cuidarda parte gráfica, notadamente de sua Revista; e a de Estágio, responsávelpela regulamentação do setor, seleção dos interessados no programa efiel execução do mesmo.

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Clélio Erthal

No desempenho da nobre missão que lhe foi confiada, a primeiraDiretoria da EMARF operou verdadeiros milagres. Partindo do zero e semmodelo a seguir, em poucos meses fez a entidade funcionar com taleficiência que parecia até já possuir longa experiência. Graças aodinamismo do seu vanguardeiro Diretor-Geral, vocacionado e entusiastaadministrador público, ela logo no primeiro ano de vida alcançou todasas metas almejadas: recrutou um excelente quadro de servidores doTribunal, montando assim uma sólida estrutura de apoio, emboranumericamente reduzida; realizou memoráveis eventos culturais; lançounumerosas publicações, inclusive os primeiros números da Revista; eintroduziu com sucesso o estágio universitário no âmbito da JustiçaFederal,de 1ª e 2ª instâncias, celebrando convênios com as principaisFaculdades de Direito da região e selecionando os candidatos mediantevestibulares públicos, além de fiscalizar sua prestação, exercendorigoroso controle sobre a atuação de cada um.

Desde o início da gestão, a Diretoria da recém-criada Escola, emboraainda não houvesse nenhuma legislação regulando a matéria, cuidou deorganizá-la, orientando suas atividades dentro dos melhores padrõespedagógicos da época. Como se tratava de órgão destinado à elevaçãodo nível intelectual e funcional do Poder Judiciário Federal na 2ª Região,e não à preparação de candidatos, como mencionado, entendeu que deviapriorizar - como de fato priorizou - dois objetivos que considerava básicose até motivadores de sua criação: o preparo dos novos magistrados para oexercício da função judicante, e o aprimoramento dos já afeiçoados à práticajurisdicional, proporcionando-lhes oportunidade de permanente reciclagemde conhecimentos e facilitando-lhes o acompanhamento do progressolegislativo, jurisprudencial e doutrinário imposto pelos novos tempos.

Relativamente ao primeiro tópico, aperfeiçoou os já existentes “cursosde ambientação” da Drª Tania – semente, por assim dizer, da grandeiniciativa – estabelecendo programas curriculares mais completos queos anteriores e escolhendo uma equipe especializada de juízes eexperientes servidores da Justiça para executá-los. Da programação entãoadotada, constavam os seguintes temas: história, estrutura e competênciada Justiça Federal; prática cartorária, com visita a Varas da Seção eesclarecimentos sobre sua organização e funcionamento; administração

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A Odisséia de uma Escola de Magistrados

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judiciária, com particular ênfase para as funções da Corregedoria e daDireção do Foro; técnicas procedimentais, inclusive no que tange àcondução das audiências e à elaboração de decisões e sentenças; edeontologia jurídica, ressaltando os aspectos éticos da conduta do juizperante a sociedade, os advogados e os subordinados hierárquicos.

No que tange ao segundo objetivo, referente ao aprimoramento dosmagistrados, vitaliciados ou não, visando sua permanente atualização, aDireção da EMARF preocupou-se não apenas quanto ao nível dosprofessores convidados, como também com os temas versados nos cursos,seminários, conferências e encontros que proporcionou a juízes eadvogados interessados. Nesse sentido, celebrou convênios comUniversidades conceituadas, como a de Coimbra, e convidou juristasrenomados, nacionais e estrangeiros, para produzirem conferências epalpitantes palestras, ou mesmo cursos especializados, nos seus auditóriossempre lotados. E como não compete a estabelecimentos desse portepropiciar cursos tratando de disciplinas integrantes do currículouniversitário (Curso de Direito Civil, Curso de Direito Processual, Cursode Direito Tributário, etc), porque já conhecidas dos participantes, a Escola,como a maioria das entidades congêneres, só tratou de focar alguns aspetospontuais dessas matérias, revestidos de maior interesse para a funçãojudicante, especialmente na área federal. Por exemplo: mudançasocorridas nos vários campos do Direito, quase desfigurando institutos hámuito consagrados; nova legislação sobre propriedade industrial;alterações havidas no processo civil; recentes regras sobre regulaçãodos serviços públicos e licitações; responsabilidade objetiva do Estado eseus agentes, na reparação de danos morais e materiais; normas referentesao Mercosul e à União Européia; vários métodos de controle constitucionaldas leis, etc.

É sabido que determinados aspectos, embora importantes para a funçãojurisdicional, fogem ao âmbito das escolas. O caráter e a vocação doexercente, por exemplo, que são relevantíssimos elementos no desenhodo juiz ideal, não podem ser propiciados pela via escolar, porque sãopredicados naturais que vêm do berço. Mas a instituição pode (e deve)muito fazer para lapidar o ocupante do cargo; seja exaltando os aspectosdeontológicos da função, seja ampliando os seus horizontes intelectuais

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Clélio Erthal

com novos conhecimentos, periódica reciclagem metodológica einformações relativas às novidades que avassalam o mundo jurídico. Etambém, como não podia deixar de ser, incentivando o constante avançona carreira e o gosto pela judicatura, com revisão de valores arraigados econseqüente sintonização com as conquistas e tendências da modernamagistratura, no Brasil e no Exterior.

Nesse terreno, um dos temas que volta e meia vem a debate, noscursos e conferências, é o da independência funcional do magistrado.Não no sentido político e doutrinário, pois nem se discute no mundodemocrático atual que o juiz goza de inteira autonomia nesses doisaspectos; mas da liberdade hermenêutica, no que tange à aplicação dasleis. Todos concordam que o moderno distribuidor de justiça deve serpessoa culta, independente, serena, ponderada e firme em suas decisões,bem como simples, honesta e sensível aos problemas sociais do mundoem que vive. Mas a questão que se põe e que interessa particularmentea uma Escola de Magistratura, é saber até que ponto vai sua liberdade nainterpretação e na aplicação dos textos legislativos. Pode o juiz, porexemplo, torcer a lei ou substituí-la por um preceito que entende maisjusto, decidindo “salomonicamente” o caso que lhe é submetido, apretexto de fazer justiça social ou política de inclusão, como ummagistrado inglês o faz quando aplica o princípio da “razoabilidade”?

Alguns expositores mais avançados não titubeiam em responderafirmativamente, chegando mesmo a falar na necessidade inelutável de“libertarem-se” os magistrados modernos do “aguilhão” da lei, como seessa fosse um entrave ao livre exercício da judicatura. Segundo eles, omoderno julgador, ao contrário dos antigos – então apontados como“escravos do legislador” – não está mais preso ao dever de aplicarexegeticamente a norma jurídica, tal como elaborada pelo Poderencarregado de fazê-la; ainda que o sistema vigorante seja o do Direitocodificado (romano- germânico). Afirmam até que está na hora do PoderJudiciário compenetrar-se da nova missão que o destino lhe confia,dividindo, com o Legislativo, a tarefa de criar o Direito; seja adaptando asleis à realidade dos fatos, seja substituindo-as, se necessário, por outrasnormas mais condizentes com as mutações sociais. Por isso, acusam aconcepção kelseniana, que prega a prevalência do Direito editado

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regularmente pelo Estado (o “Direito Puro”) sobre as cogitaçõesdoutrinárias e filosóficas (os “princípios”), como velharia a ser banida.

Embora a Escola não possa tomar partido nessa disputa, por se tratarde instituição democrática, aberta a todas as correntes, é inegável querecebe com reserva tais idéias, quando levadas ao extremo. Segundoentendimento unânime dos seus integrantes, manifestado desde o início,os juízes modernos têm, sim, mais liberdade de interpretação da lei queos antigos; sendo mesmo esse um dos motivos que levaram os Estadosmodernos a criar escolas de magistrados: prepará-los adequadamentepara o desempenho da elevada missão que têm de cumprir, dentro dosmelhores padrões da recente jurisprudência. Mas não a ponto de sesobreporem ao Poder Legislativo, com a excelsa faculdade de “consertar”as leis ou de desconhecê-las olimpicamente, criando, ele mesmo, a normaditada pela própria consciência; sob pena de descambar para o perigosoterreno do Direito Alternativo, pondo em xeque a segurança dosjurisdicionados e a própria legitimidade de seu poder judicante, que derivada lei. Afinal, nem ao Supremo Tribunal Federal, guardião máximo daCarta Magna, é dado o poder de legislar positivamente. Aliás, a prevalecera teoria liberal, nos termos às vezes pretendidos, seria até imprópriofalar-se em “Estado de Direito”; com o risco de implantar-se o arbítrio doJudiciário, pior que o do legislativo, que ainda tem corretivos.

Essa, repita-se, tem sido a linha (não oficial, é claro, porque uma Escolalivre não possui alinhamento obrigatório, mas predominante) da EMARFdesde a sua criação: a da estrita legalidade, com os temperos naturais daevolução das idéias, ou seja, obedecer à lei, sem desprezar os “princípios”diretores do pensamento jurídico. A propósito, cumpre acentuar quenem mesmo Hans Kelsen, tão combatido pelo seu “rigorismo legalista”,pregava a aplicação mecânica e silogística da lei; mas sim através de umsistema racional, com observância do princípio teleológico que todomagistrado deve observar: atenção aos fins sociais que as leis devemperseguir. O que ele ensinava – e nesse particular parece que só mereceaplausos – é que o juiz não deve colocar-se na posição de criador doDireito, função específica do legislador; deve, isso sim, posicionar-secomo seu intérprete, podendo, no exercício desse mister, dilatar, restringire adaptar a norma ao caso concreto, sem alterá-la ou afastá-la por

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considerá-la mal feita ou injusta; salvo, evidentemente, nas hipóteses deinconstitucionalidade manifesta da norma e lacuna no sistema, quando ojulgador pode (e deve) usar o seu talento criativo para compor a lide.Mas mesmo assim, aplicando as diretrizes indicadas no art. 4 da LICC. Eao orientar-se neste sentido, a nossa Escola sempre seguiu a modernaconcepção jurisprudencial, sem abandonar o sagrado princípio dalegalidade vigente.

Se assim foi nas gestões dos Desembargadores Federais Paulo FreitasBarata, Carreira Alvim e Julieta Lídia Lunz, quando a EMARF nem sequertinha regulamentação legal, mais ainda agora, que tem seus parâmetrostraçados na própria Constituição Federal, por força da Emenda nº 45/2004, integrando-a no Poder Judiciário.

A reforma introduzida pelo referido adendo, que alterouprofundamente a redação do artigo 93, incisos II, letra c e IV, da CartaMagna, e pelas normas supervenientes, não só tornou obrigatória aexistência de entidades regionais desse gênero, como também as colocousob a coordenação de outra, de âmbito nacional (Escola Nacional deFormação e Aperfeiçoamento de Magistrados) com indisfarçável propósitouniformizador, dando-lhes até a importante tarefa de participarem doprocesso avaliatório dos juízes para fins de apuração do merecimento.Ao atribuir-lhes a incumbência de fornecer aos respectivos Tribunais, listasde freqüência e aproveitamento dos juízes nelas inscritos, para aferiçãodo merecimento deles, como condicionantes de vitaliciamento epromoção, a Reforma introduzida pela Emenda nº 45/2004, sem dúvida,valorizou e aumentou muito a responsabilidade das Escolas de Magistraturana formação dos ocupantes do cargo.

Coube à Diretoria eleita para o biênio de 2005/2006, sob a batuta doeficiente e idealista Desembargador Federal Benedito Gonçalves,implantar na EMARF o novo sistema. Autorizado pela Resolução nº 35/2005 da Presidência do Tribunal, então exercida pelo DesembargadorFederal Frederico Gueiros, e especialmente pela sua Resolução nº 4/2006, que explicita os critérios de aferição do merecimento para fins depromoção dos magistrados, o recém-eleito Diretor-Geral baixou asPortarias nº1, de 27-09-2005, e nº 2, de 11-12-2005, criando o programadenominado Curso de Aperfeiçoamento e Especialização (CAE), que

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A Odisséia de uma Escola de Magistrados

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praticamente engloba toda a atividade pedagógica da Escola. E para colocá-lo em prática, nomeou uma Comissão de quatro juízes com a funçãoespecífica de acompanhar sua execução, sob a coordenação do Dr. JoséAntonio Lisboa Neiva.

O CAE, como ficou conhecido, é um “programa permanente decapacitação e qualificação de todos os magistrados federais da 2ª Região,voltado para o aprimoramento da atividade jurisdicional, como condiçãode promoção e vitaliciamento do juiz” (art. 1º). O qual, objetivandoalcançar com mais eficiência e segurança, os fins educacionais daentidade, foi esquematizado nos cinco eventos previstos no título II daPortaria nº 2/2005, a saber: Conferências, Programas de EstudosAvançados, Grupos de Trabalho, Cursos Especiais e Curso de Ambientação.Vale dizer: os mesmos objetivos tradicionalmente perseguidos pela Escola(preparação e aperfeiçoamento dos magistrados); porém, com melhorenquadramento sistemático, tendo em vista o disposto na EC nº 45/2004,na Resolução nº 6/2005 do Conselho Nacional de Justiça e na Resoluçãonº4/2006 da Presidência do TRF da 2ª Região.

Consoante, pois, o novo sistema, a EMARF, além das atividadespropriamente culturais que lhe são próprias (e que na gestão doDesembargador Federal Benedito Gonçalves foram muito ampliadas),passou a ter também o encargo de apurar a freqüência dos magistradosnos cursos que oferece, bem como o aproveitamento de cada um,prestando ao Plenário da Corte tais informações através de relatórioscircunstanciados. Com base em tais informações e nos requisitos deprodutividade e presteza revelados pelo juiz no exercício da função, é queo Tribunal afere o merecimento para fins de promoção e vitaliciamento.

Agora, já com dez anos de funcionamento, e a experiência acumuladano período, a ESCOLA DA MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL DA 2ªREGIÃO, sob a direção do Desembargador Federal André Fontes, seuDiretor-Geral desde Maio de 2007, está apta a alçar maiores vôos, comode fato tem alçado.

Ao suceder o Desembargador Federal Benedito Gonçalves, no biêniode 2007-2009, o novo ocupante do cargo recebeu a difícil e nobre tarefa

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de dar prosseguimento à obra por ele implantada; se possível no mesmoritmo e com idêntico dinamismo.

E para satisfação das pessoas que militam no órgão, ou dele colhemos proveitos, o Dr. André não só levou avante o projeto como até omajorou, aumentando a quantidade de eventos e a área de abrangênciado programa . Nos primeiros 16 meses de gestão, o ilustradoDesembargador, além de dinamizar o núcleo do Espírito Santo, dando-lhe uma estrutura diferenciada dos demais, abriu consideravelmente oleque operacional da entidade, celebrando convênios com maior númerode organizações ligadas ao ramo, tanto no Brasil como no Exterior. Naexecução do projeto educacional, hoje quase todo integrado no âmbitodo CAE, a Escola tem trazido à discussão os mais variados temas sobredireitos sociais, empresariais, ambientais, constitucionais, processuais,tributários e criminais (especialmente no aspecto internacional), bem comoa contribuição de grandes juristas nacionais e estrangeiros, notadamentenorteamericanos, alemães, portugueses e espanhóis.

Em suma, ao cabo de uma década de intenso e proveitosofuncionamento, a EMARF pode se orgulhar de ser uma das mais atuantesEscolas de Magistratura do País.

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EMARF- 10 ANOS DE EXISTÊNCIA

Tania de Melo Bastos Heine - Desembargadora Federal

A preocupação com a formação e o aperfeiçoamento dos magistradosbrasileiros já vem de longa data. A Escola Nacional da Magistratura,vinculada à Associação dos Magistrados Brasileiros, foi criada há quasecinqüenta anos. O Ministro Salvio de Figueiredo, do Superior Tribunal deJustiça, foi um dos diretores da ENM, tendo se dedicado com afinco aoaprimoramento da Escola, aos convênios com Escolas no exterior e à suadivulgação.

No Brasil, a seleção de juízes é objeto de um processo democrático,através de provas escritas e orais, além de títulos, o que, em tese, leva àaprovação dos candidatos mais capazes. Efetivamente são afastadoscritérios políticos nessa escolha, porém vários candidatos, brilhantes,inteligentes e com profundos conhecimentos de doutrina e jurisprudênciase defrontam com dificuldades na hora de exercer o cargo para o qualforam aprovados. Não bastam, para ser um bom juiz, conhecimentosjurídicos teóricos e extensa formação acadêmica. Como ser humano, omagistrado apresenta qualidades e deficiências. Compete a ele, porém,a tarefa de julgar outros seres humanos e, para isso, tem que tentar, pelomenos, se abstrair de preconceitos para enfrentar com isenção a questãoque lhe é colocada para decidir. O juiz vai lidar diretamente com seusjurisdicionados e precisa ter um mínimo de diálogo para entendê-los ese fazer compreender.

Costumamos criticar a imprensa pelas notícias divulgadas de formaerrônea ou que levam a conclusões precipitadas e, eventualmente,inverídicas. São versões facciosas, por vezes, e o leitor acaba por tirarfalsas ilações, culpando exclusivamente os poderes constituídos pelas

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mazelas com que diariamente se depara nas manchetes de primeirapágina. O Poder Judiciário é sempre alvo de críticas pela sua morosidadee pela fama de só punir a população menos favorecida economicamente,a única que cumpriria as penas privativas de liberdade. No momentoatual, muito se questiona por que a Polícia Federal prende e o PoderJudiciário manda soltar. Todas as explicações apresentadas pelos juízessão vistas como esprit de corps, como se depreende das cartas dos leitorespublicadas nos jornais e revistas, após a divulgação de alguma notíciaque envolva o Poder Judiciário. Creio que falta a muitos magistrados acapacidade de se dirigir a um público leigo com a linguagem adequada,aceitando as críticas e procurando oferecer soluções e explicaçõesplausíveis ao homem médio. O diálogo com a imprensa é indispensável,porém, até algum tempo atrás, era proibido, pois o juiz “só fala nos autos”.Hoje o contato se tornou realidade. Temos que distinguir o juiz quepretende utilizar as matérias jornalísticas para se promoverindividualmente, papel inadequado à sua função, daquele quetranqüilamente esclarece as questões que lhe são apresentadas,geralmente através do Setor de Comunicação Social, com discrição esobriedade, falando, porém, linguagem acessível ao público de umamaneira geral, o que evita distorção de suas palavras. O Código de Éticaem estudo no Conselho Nacional de Justiça estabelece que o juiz devese comportar de maneira “prudente” com os meios de comunicação. Oque poderia ser visto como restrição à liberdade de expressão tambémpode ser interpretado como inexistência de proibição a esse contato,desde que não seja para “ busca injustificada e desmesurada dereconhecimento social”.

Essa experiência não pode ser exigida do juiz recém aprovado. Podeacontecer, em casos específicos, que a sua experiência de vida eprofissional anterior, aliada ao seu temperamento, propicie essacapacidade de comunicação.

Com essa visão e sentindo a necessidade de transmitir aos novos juízesas experiências positivas dos mais antigos, foi implantado um Curso deAmbientação para os Juízes Federais Substitutos aprovados no 3º Concursodesta Corte, em junho de 1996, à época em que eu era CorregedoraGeral da Justiça Federal, no biênio 1995 a 1997.

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Tania de Melo Bastos Heine

Naquela ocasião, através do Of.Circular nº 15/96 - VPC, de 12/06/96,salientei a necessidade de se organizar uma Comissão para acompanharo vitaliciamento dos Juízes Federais Substitutos, como já ocorria em outrosTribunais Regionais Federais, mas a idéia não prosperou.

Esse foi o embrião dos cursos organizados para os juízes aprovados nosConcursos que se sucederam, aprimorando-se o conteúdo das palestras eas experiências práticas, com simulação de audiências. O objetivo eramostrar ao juiz recém empossado os problemas que teria que enfrentar,estranhos ao conteúdo teórico das provas a que se submetera. Nesse intuitoas palestras abordavam temas com “Juiz de Plantão”, “Noções Básicas dePráticas Cartorárias”, “Relacionamento Interpessoal: Desembargador, JuizFederal, Juiz Substituto e Servidor”, “Justiça e Cidadania”, “O Juiz e a Mídia”,“A Ética e o Magistrado”, “O Juiz e o Advogado”, “O Juiz e o MinistérioPúblico”, apresentação da área de Comunicação Social do TRF e da PrimeiraInstância, dinâmicas de grupo, visitas às Varas Federais com contato diretocom Juízes Titulares, ensejando esclarecimentos como se pode verificarno Programa de Ambientação de Juízes de dezembro de 1998, quando fuia Coordenadora, apesar de já ocupar a Presidência da Corte, sendo, noentanto, a Diretora de Cursos da EMARF.

Implantada a ambientação para os juízes novos, surgiu a necessidadede se criar uma Escola de Magistratura que prosseguisse com oaperfeiçoamento dos magistrados.

Foi então designada uma Comissão, presidida pelo DesembargadorFederal Paulo Barata, para que fosse apresentado ao Plenário um esboçodo que se pretendia implantar.

Na sessão administrativa de 01 de agosto de 1997 o Plenário do TribunalRegional Federal da 2ª Região aprovou a criação da Escola da MagistraturaRegional Federal - EMARF, com natureza jurídica de fundação de direitoprivado. Na mesma data, como Presidente desta Corte, assinei a Resoluçãonº 015, autorizando a criação da EMARF, nos termos em que foi aprovada.

A preocupação com a natureza jurídica da Escola dizia respeito aosrecursos necessários à implementação de suas finalidades. Estudosposteriores, entretanto, acabaram por demonstrar que seria mais adequadoque a EMARF fosse integrada à estrutura do Tribunal Regional Federal da

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2ª Região, o que acabou sendo aprovado na sessão plenária de 16/04/1998, determinando-se que essa alteração constasse no Regimento Interno.É interessante salientar que, naquela ocasião, ficou consignado, na atada sessão, que se deixaria para o futuro o exame de sua transformaçãoem entidade fundacional.

Posteriormente, na sessão administrativa de 13/08/1998, o Plenárioelegeu o nome do Desembargador Federal Paulo Barata para Diretor Geralda EMARF, com mandato até 30/03/2001. Na sessão de 20/08/1998 ficoudefinido que a EMARF seria composta por três Diretorias: Publicações,Cursos e Estágios. Em continuação àquela votação foram eleitos os demaisDiretores, tendo sido escolhidos o meu nome para a Diretoria de Cursose o do Desembargador Federal Clélio Erthal para a Diretoria de Estágios.Este último veio a ocupar Diretorias em gestões posteriores, sendo,atualmente, o Diretor de Publicações, o que vem demonstrar seus estreitoslaços com a Escola, mesmo após a aposentadoria.

Ao concluir o Curso Normal no Instituto de Educação, na década de1960, iniciando o magistério em Bangu, eu perseguia um ideal decombater o analfabetismo nas populações carentes dos subúrbios cariocas.Aquele espírito de educadora continuou vivo no meu âmago, mesmoapós o ingresso na Magistratura.

Quando dei posse ao Desembargador Alberto Nogueira, em abril de1999, na Presidência do TRF da 2ª Região, tive a sensação do devercumprido, porém, mais que isso, em relação à criação da EMARF, sentique havia concretizado um sonho, tanto que aceitei a Diretoria de Cursos,nela permanecendo até 2001, com a certeza de que aqueles colegas quenos sucederiam saberiam , cada vez mais, aprimorar a nossa Escola.

Entre os vários cursos realizados à época vale salientar a Pós-Graduaçãolato sensu sobre “Direito da Integração Econômica União Européia eMercosul”, em convênio com a Universidade Salgado de Oliveira e aUniversidade de Coimbra, no período de novembro de 1999 a novembrode 2000, que foi o pioneiro dos que se seguiram posteriormente.

Este Tribunal não foi o único a se preocupar com esse aperfeiçoamentodos juízes. Outros Tribunais Federais também implantaram suas Escolas,bem como diversos Tribunais Estaduais.

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Tania de Melo Bastos Heine

As Escolas de Magistratura foram se tornando uma realidade e umanecessidade com o passar dos anos, até que a Emenda Constitucional nº45, de 30/12/2004, ao dar nova redação ao artigo 93 da ConstituiçãoFederal alterando o seu inciso IV, tornou os cursos etapas obrigatóriaspara a carreira dos magistrados, ao dispor:

IV) previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento epromoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processode vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido porescola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados.

Por sua vez, o parágrafo único do art. 105, passou a ter dois incisos,“in verbis”:

parágrafo único - Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:

I - a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados,cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiaispara o ingresso e promoção na carreira;

II - O Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma dalei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal deprimeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e compoderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

Pela Resolução nº 03, de 30/11/2006, o Superior Tribunal de Justiçainstituiu a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento deMagistrados, como previsto na Emenda Constitucional, dentro daformatação atual, fruto de amplos estudos no seio daquela Corte.

No Encontro de Diretores de Escolas da Magistratura, ocorrido emCuritiba, em novembro de 2006, alguns Enunciados, a seguir transcritos,demonstram a preocupação e o conceito atual da formação do juiz, quenão se exaure com o Concurso:

- A preparação do magistrado recém-empossado, com formaçãopreponderantemente deontológica, comportamental e multidisciplinar,tem por finalidade o desenvolvimento gradativo das habilidadesnecessárias ao exercício da jurisdição.

- A Escola acompanhará e avaliará o magistrado durante o período devitaliciamento.

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- O magistrado deve estar atento às transformações sociais, de modoa obter soluções justas na composição e pacificação dos litígios. Énecessária a constante atualização multidisciplinar, técnica eprofissional, por meio das Escolas de Magistratura.

A discussão a respeito da função das Escolas da Magistratura, entre o modeloaqui adotado e aqueles de Escolas Européias, onde o concurso é realizadopara ingresso na Escola, sendo que, após um curso de cerca de dois anos éque se avalia se o candidato está apto a exercer a magistratura, está maislongínqua, diante na redação adotada pela Emenda Constitucional nº 45.

As transformações sociais, que ocorrem em ritmo cada vez mais célere,não são acompanhadas simultaneamente por alterações legislativas.Diante de uma lei engessada no tempo, resta ao magistrado, que a analisano caso concreto, interpretá-la para que seja adequadamente aplicada.

A Justiça é qualificada como lenta, crítica que procede, mas quedemanda um estudo mais acurado das causas, sendo o magistrado apenasuma das vertentes do problema, talvez uma das menores.

A legislação superada e distante da realidade, com lento mecanismode alteração pelo Poder Legislativo, aliada à burocracia exigida para oandamento dos processos e aos infindáveis recursos, com prazos maislongos para os entes públicos, são os maiores responsáveis por essademora na entrega final da prestação jurisdicional, especialmente naesfera do Poder Judiciário Federal, onde a maioria dos processos estásujeita ao duplo grau de jurisdição.

Nestes dez anos que transcorreram desde a Resolução nº 015, de 01/08/97, que autorizou a criação da EMARF, muitas foram as inovaçõesimplantadas. O dinamismo e o empenho de seus Diretores transformaramessa Escola no que ela hoje simboliza: os magistrados do século XXI.

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UM DNA PARA UMA ESCOLAAlberto Nogueira - Desembargador do Tribunal Regional Federal

da 2ª Região

ÍNDICE

1. A Incubação. 2. Os Testes de Modelagem. 3. O Desenho Genético

4. Gestação e Parto. 5. A Maturidade no seu 10º aniversário

6. Pré, In e Pós, ou “Parabéns para Você!”

1. A Incubação

O título deste item procura refletir a percepção que identifiquei noamável convite do estimado amigo e colega (duplamente, primeiro noConcurso para Juiz Federal e após na magistratura monocrática e colegiada).CLÉLIO ERTHAL, para elaboração de texto destinado ao númerocomemorativo dos 10 anos da EMARF, de sua consagrada Revista.

Na condição de ter participado, com outros colegas do Tribunal dostrabalhos que antecederam à criação da Escola, à guisa de rememória(institucional), peço licença para recorrer a algumas metáforas comoexpressão de modesto depoimento.

A primeira delas já revela o clima que permeou sucessivas e agradáveisreuniões do grupo em busca de um DNA para a Escola – e explica a razãodo título deste texto.

Como deveria ser a Escola, seguir modelos existentes no Brasil emesmo no exterior? Sem querer cometer qualquer tipo de inconfidência,relembro-me que vários modelos foram examinados e intensamentediscutidos. Embora aproveitando a experiência de bons modelos deEscola, o grupo preparatório quis construir algo “especial”. Não que se

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Um DNA para uma Escola

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tivesse a pretensão ou mesmo tolice de construir algo “grandioso”, forados padrões existentes para instituições do gênero.

O tópico seguinte talvez explique a circunstância gestante (sem quererfazer qualquer alusão ao emprego que palavra tão humana e digna fezfortuna recentemente na mídia em caso emblemático).

2. Os Testes de Modelagem

Naquele “laboratório”, o grupo realizou diversos ensaios demodelagem para se chegar ao desenho da embrionária Escola. Tinhampor propósito definir aquilo que, numa palavra, deveria corresponder ao“ideal”, entendido como tal o “melhor dentro do possível”, já que inúmerasforam as dificuldades e restrições existentes. Afora isso, deveria seratendida uma exigência específica para sua futura identidade. A de serao mesmo tempo uma escola “de” magistratura regional.

Nesse modelo, seu espírito (ou substância) seria diverso do local(cidade do Rio de Janeiro) estadual (RJ) ou nacional.

Diverso, mas não excludente. Ao contrário, buscava-se uma identidadede nível regional aberta para os demais espaços local, estadual e nacional.

Mais do que isso, um caráter comunitário de múltipla abrangência. Nessaperspectiva, a Escola não deveria ser (como não o é ainda hoje), “da”magistratura ou “de magistrados” ou ainda só de magistratura, mas namagistratura, vale dizer, da cidadania.

Em suma, uma instituição intra, inter, extra e ultra, voltada para dentro(o ambiente profissional e cultural dos magistrados e funcionários doTribunal em suas duas instâncias), para fora (toda a família forense, comrelevo para o Ministério Público Federal e Advocacia na dupla dimensãopública e privada), para mais além (Universidades, Institutos de Pesquisa,mundo jurídico de modo geral) e também com funções agregadoras(espaço comunitário e da cidadania).

O próximo tópico pretende agregar mais algumas tintas a esse desenhoesboçado.

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Alberto Nogueira

3. O Desenho Genético

Começando pelo visual. O logotipo configura com suas duas letrasEM o contorno do Estado do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, este últimosimbolizado no ícone mundialmente identificado do “Pão-de-Açúcar”.

No formato jurídico, de início foi adotado o de fundação de direitoprivado (ef. Resolução nº 015, de 01 de agosto de 1997 do TRF- 2ª Região).Evoluiu-se para um modelo tecnicamente autônomo (autonomiaacadêmica), porém integrado na estrutura do Tribunal (Resolução nº 006,de 17 de abril de 1998, também do TRF-2ª Região), precedida de outra,nº 005/98, que “abriu” espaço funcional para a Escola.

No tópico a seguir, mais algumas “reflexões” sobre a transgênica escola.

4. Gestação e Parto

A Escola Nacional da Magistratura (ENM) até hoje, ao que se saiba,padece de indigência doméstica, decorrente de sua originária virtualidade(embora bem administrada e com rico acervo de grandes eventos, eracomo aquela música da casa “que não tinha nada”, nem porta, nem janela,nem parede...).

A EMARF recebeu, além do “berço genético”, um “lugar para morar”(pela referida Res. 005/98, foi “localizada” na sede do Tribunal, ondeocupa espaço físico independente, sendo dotado do necessário apoiologístico, como o tem, de resto, a atividade-fim da Corte para prestar oseu ofício jurisdicional).

A Escola, guardadas as proporções, se insere nesse mesmo espaçode atuação (apoio material da Administração e regras próprias deatuação acadêmica).

Essa é a abreviada e simbólica crônica da gestação e parto da Escola.

Assim concebida e assim crescida, agora ela é uma maternidade parao nascimento de muitos frutos acadêmicos e profissionais, no seio dacidadania jurisdicional. Algumas palavras são reservadas, no tópicoseguinte, para esse especial aspecto da pujante escola.

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5. A Maturidade no seu 10º aniversário

A Escola nasceu, vigorosa, já podendo ostentar extensa e brilhantefolha e serviços prestados à magistratura e à comunidade como um todo.A qualidade de seus cursos, seminários, oficinas de trabalho, Congressos,eventos em geral, apesar da carência de verbas públicas, é vista nosmeios acadêmicos e profissionais como de excelência.

O Estágio forense oferecido através de diversos convênios (OAB,Universidades, instituições públicas e privadas (abrangendo não apenasa área jurídica mas todo um universo de múltiplas atividades de pesquisa,treinamento e desenvolvimento das mais variadas atividades técnicas) évisto pela sociedade e organismos especializados como uma referência.

O padrão de eficiência, transparência e moralidade administrativa eacadêmica é modelo para qualquer instituição do gênero.

É de se ressaltar, para alegria deste depoente/escritor, a inestimávelcontribuição que vêm prestando à Escola e ao Tribunal, dela integrantes,magistrados aposentados da Judicatura – mas bem ativos nas atividadespertinentes à EMARF – sem qualquer remuneração.

Tem-se, no ponto, o verdadeiro espírito de uma Escola de magistratura(veja-se, a respeito, o Regimento Interno do Tribunal, arts. 7º e seg.), queé o de servir à Justiça mesmo após a aposentadoria como juiz, mas nãoinativado, como educador e instrumento de cidadania.

Minhas metáforas e expressões simbólicas já parecem demasiadas,posto que, logo no início deste texto, revelei o intento de utilizá-las comosucedâneo de depoimento, relembrando o DNA da EMARF.

No último tópico, fecho tais recordações reflexivas.

6 – Pré, In e Pós, ou “Parabéns para Você!”

Sobre a pré (infância) da Escola já me manifestei.

No entanto, fica uma observação que faço de público (uma vez que otexto ora elaborado por natureza tem essa destinação – a publicidade). Eo faço com espírito acadêmico (uma crítica voltada para o debate desse

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Alberto Nogueira

DNA emarfiano). O nome correto (sobretudo sob o aspecto de suainstituição oficial) é ESCOLA DE MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL –EMARF, e não, Escola da Magistratura Regional Federal – EMARF (onde opossessivo da usurpou ainda que involuntariamente o aspecto comunitárioda instituição, que não pertence à magistratura, sendo tão somenteinstrumento ou função de disseminação de conhecimentos e práticas).

É como se fosse possível ou mesmo aceitável, uma escola, por exemplo,ser do Direito, da Química, da Filosofia, ou do dono da bola de futebol.

Há que se corrigir, por configurar mero erro material, o da para de, noRegimento Interno e nas publicações da própria EMARF, a exemplo doconsignado no Projeto 2006/2007.

Esse registro liga o “pré” (o antes) ao “in” (o agora).

Resta anotar que, nessa fase do in, a própria E.C. nº 45/2004 usa asdesignações apropriadas para “Escola Nacional de Formação eAperfeiçoamento de Magistrados” (CF/88, art. 93, IV) e “Escola Nacionalde Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados” (idem, art., 105, I).

Com a Reforma do Judiciário, as escolas de magistratura passam adesempenhar novas e importantes funções.

No conjunto, já estavam elas, embutidas no DNA da EMARF.

Entra-se, com as novas diretrizes, no pós da EMARF que, em últimaratio, é o desdobramento das cepas cultivadas há mais de 10 anos no seufeliz e bem-sucedido processo de incubação.

Vida longa e cada vez mais produtiva para a EMARF, na passagemgloriosa de seu décimo aniversário.

“Parabéns Para Você” (vejo e sinto a EMARF como um ser vivo – daí ametáfora aqui utilizada do DNA, e mais do que um ser vivo, uma pessoa).

Não propriamente uma pessoa jurídica (posto que, como se disse atrás,não teve desdobramento a primeira fórmula jurídica adotada oficialmentede fundação de direito privado), mas – melhor e superiormente – a deuma personalidade acadêmica, com rosto, alma e espírito visíveis.

Em suma, uma instituição judiciária de magistratura.

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EMARF – PRIMEIROS TEMPOS:BREVES NOTAS

Paulo Freitas Barata – Desembargador Federal do Tribunal RegionalFederal da 2ª Região e 1º Diretor-Geral da EMARF

A pedido do Desembargador Federal Clélio Erthal refleti sobre fatosdos primeiros tempos da EMARF e passo a narrar aqueles que maisfacilmente recordei e que entendo relevantes.

Muito se ponderou, neste tribunal, sobre a criação de uma escolaregional de magistratura, até que, em 1º de agosto de 1997, em sessãoplenária administrativa, decidiu-se, por unanimidade, criar a Escola deMagistratura Regional Federal – EMARF, com natureza jurídica de fundaçãode direito privado, decisão que foi objeto da Resolução nº 15 (Presidente:Dra. Tânia Heine), da mesma data, publicada no Diário da Justiça do diaonze seguinte.

Foi nomeada, então, Comissão de Organização e Implantação para asprovidências pertinentes, composta dos Desembargadores Federais PauloFreitas Barata (Presidente), Alberto Nogueira e Carreira Alvim.

Na 3ª reunião da Comissão, realizada em 16 de abril de 1998 (Ata nº03) ficou decidido que a EMARF integraria a estrutura administrativa dotribunal e foi confeccionado o organograma da Escola.

A primeira decisão foi acolhida na sessão plenária administrativarealizada no dia 16 de abril de 1998 (Resolução nº 06, de 17 de abril de1998 – Presidente: Dr. Alberto Nogueira).

Quanto ao organograma, foi eliminada a Diretoria de Concursos nasessão administrativa do tribunal pleno realizada no dia 20 de agosto de1998 (Ata nº 161). A Escola ficou, então, com três Diretorias: de Cursos

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EMARF – Primeiros Tempos: Breves Notas

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(Tânia Heine), de Estágio (Clélio Erthal) e de Publicações (Carreira Alvim),um Diretor-Geral (Paulo Barata). Contamos com uma Assessoria-Executiva(Christiane Maria Novellino dos Santos) e a seguir, com a participação daservidora Herane Costa Peixoto. Ambas acumulavam suas funções daComissão de Concursos para provimento de cargos de juiz federalsubstituto nesta 2ª Região com as da Escola. A primeira atividade realizadapelas duas servidoras foi o levantamento das escolas de magistratura doBrasil e posterior contato para intercâmbio.

Era uma estrutura simples, mas adequada ao momento inicial da EMARF,e que conferia agilidade à sua Administração.

As dificuldades foram muitas e de diversas naturezas, todas enfrentadascomo desafios e superadas mercê do esforço, da capacidade de trabalho,da inteligência e do idealismo de todos os pioneiros, que fizeram história,a história da estruturação, instalação e funcionamento da EMARF, emboratrabalhássemos sem prejuízo de nossas funções judicantes.

Questões de suma relevância, me preocuparam inicialmente: qual afinalidade da EMARF e como organizá-la? Como conseguir professores eespecialistas sem remunerá-los? Os cursos seriam gratuitos? Comoselecionar os estagiários sem protecionismos? Como estabelecer – ecumprir – um calendário de eventos sem recursos financeiros suficientes?

Tais preocupações eram também as dos meus colegas Diretores, etomamos decisões importantíssimas, que definiram o perfil e o rumo daEscola: ela seria destinada ao aperfeiçoamento de magistrados e não umaescola preparatória de candidatos a concursos para ingresso namagistratura; serviria de elo de integração com a comunidade; dedicar-se-ia ao desenvolvimento de estudos e pesquisas; poderia celebrarparcerias com Universidades, Centros de Estudos e outras instituições derenome (Ata nº 01 da Comissão de Criação da EMARF. Reunião do dia 2de julho de 1997).

Agimos de acordo com tais princípios, desde o início.

Em 03 de agosto de 1998 (Ata nº 04 da Comissão de Organização eInstalação da EMARF), a Comissão, já mais experiente, resolveu àunanimidade, sugerir diretrizes gerais para o funcionamento da Escola e

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Paulo Freitas Barata

para a elaboração dos seus Estatutos, valendo destacar a que permitia aosJuízes Federais de 1º Grau de Jurisdição atuarem como Diretores ouCoordenadores-Adjuntos, após serem indicados pelos titulares e aprovadospelo Plenário do Tribunal.

Os primeiros Diretores-Adjuntos indicados pelo Plenário foram osjuízes Maria Tereza Carcomo Lobo (Publicação); Liliane Roriz (Cursos) eAndré José Kozlowski (Estágio). Posteriormente o Diretor de Publicaçõese sua Diretora-Adjunta colocaram o cargo a disposição do Diretor-Geralda Escola e foram substituídos, respectivamente, pela DesembargadoraFederal Tanyra de Almeida Vargas Magalhães e como seu adjunto, Dr.Ricardo Perlingeiro.

Também merece menção especial a diretriz de que os cursos dedestinariam ao aperfeiçoamento de juízes e servidores, mas poderiamser realizados cursos abertos à comunidade, além de palestras, seminários,simpósios, e outras atividades afins.

Nessa mesma oportunidade a comissão deu por concluído o seutrabalho, devendo ser dissolvida.

A elaboração do Estatuto foi postergada para momento mais oportunoa fim de não “engessar” a Escola em seus primeiros momentos, na fasede experimentação e de busca da rota mais segura e curta para levá-la aocumprimento de suas finalidades.

O Programa de Estágio, desenvolvido pelo Desembargador Federalaposentado Clélio Erthal (Diretor de Estágio), que fez o 1º Regimento deEstágio da Escola (publicado em 28 de julho de 2000), serviu de eficazmeio de ligação entre o Poder Judiciário Federal e as Universidades,abrindo inestimável oportunidade de aperfeiçoamento dos alunos e derelacionamento dos magistrados com professores e doutrinadores dasmais diversas áreas do saber jurídico e da cultura em geral.

Desde logo, decidimos que a seleção de estagiários deveria ser feitapelo critério do mérito de cada um, aferido em provas de conteúdopertinente aos períodos letivos já cursados (1º ao 8º período) e nãoidentificadas, corrigidas com extremo cuidado. A 1ª prova foi realizadaem 26 de novembro de 2000.

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Os candidatos aprovados eram chamados observada a rigorosa ordemde classificação, sem protecionismos.

As atividades docentes realizadas possuíam tão elevada qualidade quepensamos em reproduzi-las no interior do Estado, onde houvesse Vara daJustiça Federal, para beneficiar aos colegas e à comunidade local.

Criamos, então, Núcleos da EMARF, que ficaram sob a responsabilidadedo Juiz da 1ª Vara Federal da localidade.

O boletim informativo EMARF VOX, nº 01, de dezembro de 2000,publicou a seguinte matéria sobre a implantação de Núcleos da EMARF:

“A idéia de implantar núcleos da EMARF fora do Rio de Janeiro surgiuda repercussão alcançada pelos eventos organizados na capital. Apartir de agora, as Varas do Interior também poderão oferecer palestras,seminários e cursos de curta duração voltados às populações locais.Embora a EMARF tenha estagiários em quase todas as Varas Federaisdesde 1999, só agora com a interiorização, o vínculo entre a Escola eestas Varas trará frutos a toda a sociedade.

E assim, o dia 06 de outubro de 2000 foi um marco na história daEMARF. Instalado em Petrópolis, o primeiro núcleo da Escola deMagistratura Regional Federal da 2ª Região em uma cidade do interiordo Estado foi inaugurado oficialmente às 11h30min, depois daassinatura do convênio de cooperação entre a Universidade Católicade Petrópolis e a EMARF. “Optamos por iniciar a interiorização daEscola neste município em virtude de sua importância histórica e daproximidade com a nossa sede”, explica Dr. Paulo Freitas Barata, Diretor-Geral da EMARF.

A solenidade teve início com uma palestra sobre Medidas Liminaresem Direito Processual, proferida pela Juíza da 29ª Vara Federal do Riode Janeiro, Simone Schreiber. O Juiz da 1ª Vara Federal de Petrópolis,Marcelo Guerreiro, é o representante local da EMARF e já planejauma série de atividades para o próximo ano, a partir de uma pesquisasobre os assuntos de maior interesse para a população serrana.

A inauguração do núcleo da EMARF em Vitória, no dia 16 de outubro,foi outro ponto alto do processo de interiorização. Com o apoio daAssessoria de Comunicação da Seção Judiciária do Espírito Santo,comandada pela incansável Ana Paola Dessauene, a equipe da EMARFpôde transformar o momento em um acontecimento memorável. A

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Paulo Freitas Barata

palestra A importância das Escolas de Magistratura na formação dosjuízes, proferida pelo Desembargador Federal Antônio Cruz Nettocontribuiu para o sucesso do evento. “A iniciativa da interiorizaçãomerece nossos aplausos. A expectativa é a de que as realizações daEMARF possam ser desenvolvidas também em vitória e,posteriormente, em Cachoeiro do Itapemirim e São Mateus, cidadescapixabas onde já existem Varas Federais”, elogia Alexandre Miguel,juiz da 6ª Vara Federal de Vitória e representante da EMARF.

No dia 13 de novembro foi a vez de Volta Redonda receber a visita daDiretoria da EMARF. O Professor Gustavo Sampaio deu início ao evento,ocorrido na seccional da OAB, palestrando sobre O Tribunal PenalInternacional Permanente e a Constitucionalidade de suas Normaspara uma audiência bastante eclética. Estudantes do CentroUniversitário de Barra Mansa compareceram e participaram ativamentedo debate com perguntas polêmicas sobre o tema. “O encontro contoucom grande apoio da comunidade jurídica do Sul Fluminense,demonstrando o empenho de procuradores, advogados e juízes emcolaborar e apoiar os cursos da EMARF”, afirmou Edna Kleemann,Juíza da 1ª Vara Federal de Volta Redonda e representante da EMARF.

Cerca de 900 pessoas compareceram à implantação do núcleo daEMARF em Campos dos Goytacazes. Recepcionados pelo Prefeito deCampos, Arnaldo Vianna, e pela Primeira Dama, Ilsan Vianna, osconvidados lotaram o auditório do Teatro Trianon. “A chegada da EMARFa Campos foi muito útil para aproximar a sociedade da Justiça Federal,que pela sua própria área de atuação é uma justiça muito distante dapopulação”, declarou José Arthur Diniz, juiz da 2ª Vara Federal erepresentante da EMARF em Campos.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Jorge Flaquer Scartezzini,foi o debatedor da palestra proferida por sua esposa, a DesembargadoraFederal, Ana Maria Scartezzini, sobre A tutela antecipada contra aFazenda Pública. Com a presença do Secretário de Justiça do Estadodo Rio de Janeiro, João Luís Duboc Pinaud, representando o GovernadorAnthony Garotinho, e da Deputada Federal, Alcione Oliveira, o eventocontou, ainda, com a participação de grande parte dos estudantesdas seis Faculdades de Direito do Norte Fluminense, além dosservidores e estagiários das Varas de Campos e Itaperuna.”

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A EMARF realizou inúmeras atividade, todas gratuitas, dentre as quaisdestaco:

- Pós-Graduação Lato sensu em direito da integração econômica UniãoEuropéia e Mercosul de novembro de 1999 a novembro de 2000, comdiploma fornecido pelas duas universidades conveniadas, quepossibilitaram a realização do curso: a de Coimbra (Portugal) e aSalgado de Oliveira – UNIVERSO (Brasil-RJ); os diplomas obtiveramregistros nos respectivos órgãos competentes. Segundo soubemos,foi a primeira vez que a mundialmente conhecida Universidade deCoimbra saiu de terras portuguesas para realizar curso de tal naturezae envergadura;

- Curso de Ambientação de Juízes Federais recém empossados;

- Organização da parte didática em Encontros de Magistrados;

- Organização e lançamento do primeiro número da revista da Escolae dos subseqüentes;

- Confecção e realização da primeira prova de estagiários; lotaçãodos mesmos; programa de ambientação e cerimônia de formaturacom a entrega dos certificados para os que completaram o estágio;

- Participação em vários Congressos Internacionais;

- Criação do site da EMARF;

- Confecção e lançamento do Informativo EMARF VOX;

- Programa de interiorização da escola;

- Visitas técnicas ao INPI, ao INMETRO;

- Exposição de artes plásticas do artista Jaderson Passos;

- Lançamento de livros de diversos juízes;

- Eventos culturais em universidades. Proposta do Juiz Federal RicardoPerlingeiro Mendes da Silva;

- Convênio com 28 Faculdades para realização de estágio reconhecidopelo MEC;

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Paulo Freitas Barata

- Exposição de Direitos Humanos com fotos cedidas pelo fotógrafoSebastião Salgado e fotografias da coleção particular do Diretor-Geralda EMARF (Paulo Barata) sobre a 2ª Guerra Mundial;

- 1º Concurso de Monografias da Escola de Magistratura.

A EMARF foi premiada pela Universidade Estácio de Sá por ter sido aentidade que mais oportunidades de estágios ofereceu aos estudantesde direito.

Atualmente, as recentes reformas do Poder Judiciário ampliaram,consideravelmente, a competência e o papel das escolas de magistratura,agora ligadas à Escola Nacional de Magistratura.

A EMARF adaptou-se aos novos comandos legais e vem atendendosatisfatoriamente ao que dela se espera, notadamente com a realizaçãode atividades docentes necessárias à aferição do merecimento dosmagistrados por ocasião de remoção ou promoção.

Os tempos atuais reclamam reformas cada vez mais freqüentes doPoder Judiciário, a fim de que possa com mais segurança e celeridaderesolver pacificamente os conflitos que lhe são submetidos.

Nenhuma reforma produzirá efeitos significativos sem que seus juízesestejam profissional e moralmente capacitados, o que aumenta aresponsabilidade das escolas de magistratura. Ressalto que, recentemente,foi publicado pelo Conselho da Justiça Federal o Código de Ética daMagistratura, demonstrando justa preocupação com a formação de seusmembros.

Para encerrar essas breves e saudosas lembranças afirmo que o passadonão passa e nem termina; o passado é hoje e o amanhã não é apenasoutro dia, mas possibilidades infinitas.

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AS ESCOLAS DE MAGISTRATURANey Moreira da Fonseca - Desembargador do TRF da 2ª Região

Na oportunidade festiva em que a Revista da Escola da MagistraturaRegional Federal - a nossa querida EMARF - edita a sua histórica décimaedição, sobremodo honrado pelo convite formulado por seu atual ediligente Diretor, o eminente Desembargador Federal André Fontes eseu igualmente operoso e douto diretor da Revista, o DesembargadorFederal aposentado, meu particular amigo, Cléliio Erthal, tenho muitasatisfação, pessoal e profissional, em tecer algumas brevíssimasconsiderações acerca da importância e valia das escolas de magistratura,em especial da nossa EMARF, de que, quando na ativa, tive a honra de serseu Diretor de Cursos.

As escolas de magistratura, com atividades voltadas para o constanteaperfeiçoamento profissional do magistrado, existem de longa data. Aprimeira foi a de Minas Gerais, criada em 13 de agosto de 1977 - a EscolaJudicial Desembargador Edésio Fernandes - destinada à freqüênciaobrigatória dos magistrados mineiros, após aprovação em concursopúblico para ingresso na magistratura.

A nossa EMARF foi implantada no TRF da 2ª Região em agosto de 1998e seu primeiro Diretor foi o Desembargador Federal Paulo Barata, semprecom o propósito do desenvolvimento, aperfeiçoamento e atualizaçãoprofissional dos magistrados com jurisdição nos Estados do Rio de Janeiroe do Espírito Santo.

No desempenho de suas finalidades institucionais desenvolveuintocáveis cursos; promoveu intercâmbios culturais, nacionais einternacionais; promoveu seminários, enfim, desenvolveu e vemrealizando intensa e profícua atividade cultural em prol do necessárioaprimoramento dos juízes.

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As Escolas de Magistratura

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Quando exerci o mandato de Diretor de Cursos da EMARF e também ode Corregedor Geral do TRF-2, tive sempre uma preocupação, em verdademais que isto, uma verdadeira obsessão, dar à nossa EMARF e também,por consectário, a todas as demais escolas de magistratura - sejam as denível federal como as de nível estadual - além da sua função deaprimoramento do magistrado, também a de seleção. Nosso propósitoera que a seleção dos magistrados não se fizesse apenas pelo critériodas provas (escritas e orais) e de títulos, nos termos em que está posto noinc. I do art. 93 da Constituição Federal, mas no modelo seletivo dosdiplomatas, com etapa seletiva em curso, após aprovação em provasescritas e orais, no famoso Instituto Rio Branco, bem como na seleção daPolícia Federal e do Ministério da Fazenda. Com essa atividadecomplementar as escolas de magistratura vão adquirir formidáveldesenvolvimento operacional, com emprego dos magistrados que sejamprofessores universitários, além de outros, contribuindo enormementepara uma seleção mais eficiente dos novos juízes.

O entendimento hoje ainda prevalente é que a escola de magistraturasirva basicamente como instrumento de treinamento e atualizaçãoprofissional do magistrado, máxime os novos, logo após a aprovação nosconcursos.

Sem olvidar os benefícios desse treinamento, que deveria ocorrer juntocom os demais critérios já existentes na fase do vitaliciamento, entendoque o curso nas escolas de magistratura, como etapa seletiva, como osexemplos antes referidos da Diplomacia, da Fazenda Nacional e da PolíciaFederal, seria de fundamental valia para a obtenção de uma seleção maisconsentânea com os objetivos sociais da prestação jurisdicional, por sersabença comum que do juiz exige-se mais do que o só conhecimento doDireito. Exige-se vocação, exige-se caráter, exige-se imparcialidade, exige-se conduta continente, exige-se independência e, ao mesmo tempo,profundo sentimento de solidariedade humana e até humildade parasuportar o pesado ônus das atribuições legais de julgar e impor decisões.

No tempo de duração do curso, etapa do processo seletivo, o candidatopode ser melhor treinado e, sobretudo, avaliado sob a ótica doconhecimento jurídico, mas também sob as demais características

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Ney Moreira da Fonseca

pessoais que se exige do juiz em termos de personalidade,independência, consciência profissional, conduta continente e todas asdemais que o magistrado deve ter para poder exercitar o pesado munusde julgar com imparcialidade e senso de justiça.

A existência das escolas de magistratura é hoje obrigatória, por força danorma insculpida no inc. IV do art. 93 da Constituição Federal, com a redaçãoque lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004.

O juiz é, a meu sentir, o que está magnificamente dito por PieroCalamandrei:

“Não conheço outro ofício que exija, de quem o exerce, mais que dojuiz, um forte senso de viril dignidade, aquele senso que impõe buscarna sua consciência, mais que nas ordens alheias, a justificação do seumodo de agir, e de rosto descoberto assumir plenamente aresponsabilidade por ele.

A independência dos juízes, isto é, aquele princípio institucional peloqual, no momento em que julgam, eles devem sentir-se desvinculadosde toda e qualquer subordinação hierárquica, é um duro privilégioque impõe a quem o desfruta a coragem de ficar a sós consigo mesmo,frente a frente, sem se esconder atrás do cômodo biombo da ordemdo superior.

Por isso, o caráter colegiado, que se costuma considerar como garantiade justiça para os réus, talvez tenha sido concebido, antes de maisnada, para conforto dos juízes, para lhes dar um pouco de companhiana solidão da sua independência.”

Temos certeza de que outras e muitas outras edições da revista daEMARF, como esta, serão editadas para comemorar com júbilo a realizaçãoefetiva de seus desideratos na direção de alcançar-se JUSTIÇA JUSTA, ágil,imparcial e soberana, em proveito da sociedade.

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A INTERIORIZAÇÃO DA EMARFLiliane Roriz - Desembargadora Federal, Diretora de Pesquisa - EMARF

EMENTA: O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO DA EMARF NOS SEUS DEZANOS DE EXISTÊNCIA.

No momento em que comemoramos os dez anos da Escola deMagistratura Regional Federal da 2ª Região — EMARF, faço uma reflexãosobre o início do processo de interiorização da Escola.

Exerci a função de Diretora Adjunta de Cursos da EMARF entre outubrode 1998 e abril de 2001. À época, o Diretor-Geral da Escola era oDesembargador Federal Paulo Barata, sendo os demais Diretores aDesembargadora Federal Tania Heine (Diretora de Cursos), oDesembargador Federal Clélio Erthal (Diretor de Estágio) e aDesembargadora Federal Tanyra Vargas (Diretora de Publicações). CadaDiretor era auxiliado por um Juiz Federal, na qualidade de Diretor Adjunto,sendo os outros dois adjuntos os Juízes Federais André Kozlowski (Estágio)e Ricardo Perlingeiro (Publicações).

Participei, assim, do sonho de levar as atividades promovidas pelaEscola às comunidades do interior dos Estados integrantes da 2ª Região.

Assumi a incumbência de elaborar o Projeto de Interiorização,concluído em março de 2000, tendo em vista a necessidade verificadapela Diretoria de aproximar a EMARF de seu público, realizando cursos,palestras e viabilizando o processo de estágio de Direito fora da sede doTribunal Regional Federal da 2ª Região.

Importante lembrar que, à época em que o projeto foi elaborado, aJustiça Federal na 2ª Região, presidida pelo Desembargador Federal

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A Interiorização da EMARF

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Alberto Nogueira, encontrava-se já empenhada na interiorização, buscandoalcançar toda a população dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo,de forma a cumprir o mandamento constitucional do acesso à Justiça.

Dessa feita, o projeto de interiorização da EMARF se desenvolveu emconformidade com um sentimento maior de toda a Justiça no sentido dese otimizar a integração e a eficiência em sua atuação.

Assim, foram considerados três aspectos no processo de interiorização,a saber: o critério de escolha das localidades onde seriam instalados osprimeiros núcleos de representação; o critério de escolha dorepresentante da EMARF, nas cidades onde houvesse mais de uma varainstalada; e, por fim, o cronograma de instalação dos núcleos.

Quanto ao primeiro aspecto — o critério de escolha das cidades emque seriam instalados os primeiros núcleos —, optou-se, por uma questãológica, por dar preferência às localidades onde já houvesse quatro oumais varas instaladas, que naquela ocasião correspondiam às cidades deVitória (sete varas), Niterói (cinco varas), São João de Meriti (cinco varas)e Volta Redonda (quatro varas).

Num segundo momento, seriam instalados os núcleos de representaçãoda EMARF nas cidades atendidas por duas varas – Campos dos Goytacazese Petrópolis –, e, por fim, numa terceira etapa, nas cidades em quehouvesse apenas uma vara federal instalada, mas que possuíssemfaculdade de Direito em efetivo funcionamento, o que, na ocasião,somente Nova Friburgo e Cachoeiro do Itapemirim atendiam.

Foram observados, ainda, os seguintes aspectos:

· Embora Volta Redonda não contasse com faculdade de Direito, acidade de Barra Mansa – que é muito próxima – possuía, suprindo, assim,a falta. Além disso, Volta Redonda era provida de quatro varas federais,havendo, portanto, uma demanda razoável de eventos jurídicos.

· Entendeu-se desnecessária a representação em Resende – apesarde ser também próxima a Barra Mansa –, pois a de Volta Redonda supririaa ausência, podendo-se, eventualmente, prestigiar o Juiz Federal daquelacidade, realizando ali um evento jurídico.

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Liliane Roriz

· Da mesma forma, entendeu-se desnecessária a representação daEscola em Três Rios, não obstante a proximidade com Valença – cidadeque conta com faculdade de Direito –, para não fugir aos critérios adotadospara a terceira etapa.

· Nas cidades que, embora contassem com vara federal já instalada,não existisse nenhuma faculdade de Direito, entendeu-se desnecessáriaa representação da EMARF, por haver, ao menos aparentemente, poucointeresse em eventos na área jurídica.

Diante da existência de mais de um Juiz Federal nas localidades dasduas primeiras etapas, seria necessário definir previamente um critériode escolha do representante da Escola nos núcleos avançados.

Destarte, o critério adotado pelo projeto foi o da antigüidade, assimentendido como o Juiz Titular mais antigo na cidade, tendo em vista sertradição na Justiça Federal o prestígio por este critério, bem como pelofato de que haveria uma presunção de que o juiz que estivesse há maistempo na cidade teria maior contato com a sua comunidade.

Estabelecidos os critérios de escolha das localidades que primeiroseriam atendidas pelos núcleos de representação da EMARF e dos seusrepresentantes, foi desenvolvido um cronograma para a instalação dasrepresentações, obedecendo ao critério da quantidade de varas instaladas.

Assim, a EMARF se faria representar numa primeira fase do processo deinteriorização, de forma sucessiva, em Vitória, Niterói, São João de Meriti,Volta Redonda, Campos, Petrópolis, Nova Friburgo e Cachoeiro do Itapemirim.

A instalação em cada um desses locais se daria com um evento jurídico,já organizado pelo representante local da EMARF.

A prática da interiorização, contudo, não se desenrolaria conformeprevia o cronograma do projeto. Dificuldades de ordem prática e financeiraobstariam a atuação efetiva da Escola fora da cidade do Rio de Janeiro.

Não obstante todas as dificuldades enfrentadas para levar aos Juízes,servidores, advogados e estudantes de direito das cidades do interior dosEstados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, a EMARF logrou interiorizar erealizar eventos em Vitória, Petrópolis, Volta Redonda e São João de Meriti,

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sendo que, ao longo desses anos, a atuação dos núcleos de representaçãotem sido fundamental para a viabilização dos concursos para estágio de Direitoem diversas cidades dos dois Estados que integram a 2ª Região.

Por outro lado, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de2004, trouxe para a Escola a necessidade de reformatar a sua atuação, ematendimento às novas disposições sobre as condições para o vitaliciamentoe a promoção por merecimento dos juízes federais, que culminou com acriação do Curso de Aperfeiçoamento e Especialização – CAE.

Nesse novo contexto, a interiorização das atividades da EMARF sedesenvolve, atualmente, de forma mais adaptada à era tecnológica, pormeio de videoconferência, sendo que o núcleo de Vitória agrega ademanda do Estado do Espírito Santo.

A atuação local dos núcleos de representação junto aos processos deestágio de Direito continua sendo de grande importância para acomunidade acadêmica das cidades do interior.

Atualmente na função de Diretora de Pesquisa, verifico, com amaturidade que a experiência nos confere, que o compromisso com oideal de levar as atividades da Escola aos quatro cantos da 2ª Região nãopode se deixar esmorecer diante das dificuldades, ainda que se desenrolede forma mais lenta e menos eficaz do que gostaríamos.

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O PAPEL DA ESCOLA DE MAGISTRATURANOS RUMOS DA JUSTIÇA FEDERAL

Sergio Feltrin - Desembargador do Tribunal Regional Federalda 2ª Região

Introdução:

O presente estudo tem por escopo analisar o papel estratégico daEscola de Magistratura Nacional para o desenvolvimento e aprimoramentoda Justiça Federal nos anos vindouros. Para tanto procura traçar umhistórico desde sua instalação, nos primórdios do sistema republicano,enfatizando os avanços e retrocessos que lhe conferem sua configuraçãoatual, dando especial enfoque ao irreversível processo de interiorizaçãoque se desenvolveu nos últimos anos.

Uma vez traçado este panorama, procurou-se abordar os problemas edificuldades que obstacularizam o aprofundamento desta evolução,relacionando-os à figura do Magistrado Federal – peça chave para o sucessode tal mister – sobretudo no que se refere ao seu compromisso com aJustiça Federal e à sua adequada formação, aspectos estes diretamenteligados às funções atribuídas à Escola de Magistratura Nacional.

Histórico da Justiça Federal: a constante superação de desafios.

A Justiça Federal tem sido regularmente submetida a toda espécie deprovas e exigências, superando-as sempre com base na experiência e,mesmo, na ousadia de seus magistrados e servidores. Surgida no cenáriobrasileiro com os primeiros raios da República, ao final do século XIX,prestou ao País grandes serviços até que, em razão de múltiplos

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movimentos políticos, a par da contrariedade de muitos interesses, findoupor ser riscada da estrutura judicial nos anos 30 do século XX.

O grande embate daí surgido mostrou a imensidão do erro cometido,o que levou a um parcial reconhecimento efetuado pelo constituinte de46, ao inserir na nova Carta então dada a conhecer um ordenamento decerto modo estranho, porém aquele possível nas circunstâncias, qual sejao de se ter um Tribunal Superior, o renomado Tribunal Federal de Recursos,destinado a apreciar os recursos nas causas de interesse da União e suasentidades especificadas, interpostos perante os juízos estaduais,competentes estes para processar e julgar tais questões, ante ainexistência de uma justiça federal de 1º. Grau.

Essa curiosa composição, claramente voltada a prestigiar a justiçaestadual, onde tais feitos se arrastavam por anos e anos, bem próximosdas estruturas de mando estaduais, permaneceu válida até que surgida alei 5.010, em maio de 1966, quando uma nova ordem, no plano dosfeitos de interesse da União e suas entidades, passou a contar com juízesfederais, sendo os primeiros ocupantes desses cargos ao tempo nomeadospela Presidência da República, não se exigindo destes a prestação deconcurso público, sem que tal detalhe em nada seja capaz de empanaros valorosos esforços empreendidos para realização das múltiplas tarefasa cada um deles atribuídas.

Em suma, restabelecida foi pela legislação ora em destaque a lógicade o Tribunal Superior competente, o TFR, passar daquele momento emdiante a examinar os recursos ofertados perante os juízes federais a elediretamente vinculados.

Não há de ser necessário muito esforço para perceber que a estruturaentão legalmente ordenada para a Justiça Federal já nasceu absolutamentesufocada, quer pelo reduzido número de magistrados, em razão dorecrutamento de servidores, estes em geral oriundos dos mais distintosorganismos federais e quase sempre sem preparo algum para o manuseiodo grande volume de feitos remetidos pelas então denominadas Varas deFazenda Pública nos estados ou, ainda, dentre outros relevantes fatores, aabsoluta ausência de condições materiais em quase todo o território nacional.

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Sergio Feltrin

É necessário ressaltar aqui o singular aspecto de que estes e os muitosoutros obstáculos antepostos aos juízes federais pioneiros, bem comoaos seus igualmente dedicados sucessores, jamais ocasionaram qualquerespécie de desânimo. Ao contrário, o que se constata, passados mais de40 anos da edição da lei 5.010, em 1966, é uma extrema segurança deobjetivos por parte de magistrados e servidores no sentido de construiruma nova estrutura, eficiente, ágil, moderna, integralmente preparadapara enfrentar e vencer todos e quaisquer desafios.

É indispensável esclarecer, no tocante aos primeiros momentos, temposverdadeiramente heróicos, que a Justiça Federal somente era localizadanas capitais dos estados federados, circunstância que logicamente tornavaextremamente difícil e onerosa ao cidadão comum acessá-la.

Passados cerca de vinte anos de seu ressurgimento, com base emargumentos de toda sorte, sumamente díspares e variados, ao sabor demúltiplas conveniências, viu-se esta Justiça fustigada por intensa campanhaencetada junto ao legislador constituinte para que de novo fosse ela excluídada estrutura judiciária, retornando em seu lugar o modelo anterior.

Resta nítido, creio, que o empenho, a firmeza de propósitos, oacentuado amor de muitos de seus integrantes, dentre outros, é quetornou possível a superação desse angustiante momento, como afinalrestou definido na Carta Magna de 88.

A partir daí, e sendo Presidente do extinto Tribunal Federal de Recursoso Ministro LAURO LEITÃO, de grande vivência, afeito às lides políticas,com longa trajetória pessoal pelos três Poderes, quase todos se voltarampara a consolidação de uma nova realidade, diga-se, ao tempointernamente alvo de recusa por expressivo contingente de magistradose servidores, qual seja, a interiorização da Justiça Federal.

Processo claramente irreversível, tem sido desde seu surgimento objetode inúmeras leis, possibilitando a localização de varas estratégicas, deque são exemplos ao longo do tempo, Marabá e Santarém, no Pará,Imperatriz, no Maranhão, Campos dos Goitacazes, no Rio de Janeiro, PassoFundo, no Rio Grande do Sul, Londrina, no Paraná, Petrolina, emPernambuco, Blumenau, em Santa Catarina, Campina Grande, na Paraíba,Tabatinga, no Amazonas, dentre muitas outras.

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Nos dias atuais a maioria das cinco regiões em que se acha dividida aJustiça Federal já conta com expressivo número de varas espalhadas pelointerior, propiciando não só maior agilidade no uso de seus serviços pelosjurisdicionados ali residentes, como também permitindo mais amploconhecimento de sua estrutura e seus fins.

Se antes a Justiça Federal limitava-se a cuidar de execuções fiscais,discussões relacionadas ao sistema financeiro habitacional, açõesprevidenciárias, penais diversas, além de seu regular dia-a-dia e de algumasoutras questões revestidas de mais acentuado destaque, vencida a batalhade sua pretendida extinção, passou ela a ser responsável peloencaminhamento e solução de relevantes questões postas no planonacional, fruto da lucidez e ampla visão do legislador constituinte de 88,ao acolher os argumentos que lhe foram trazidos por uma imensa parcelade abnegados, tendo à frente Comissão especialmente designada peloentão Tribunal Federal de Recursos por meio do ato número 1126, de 31de agosto de 1988, sendo Presidente daquela C. Corte o eminente MinistroEVANDRO GUEIROS LEITE, e cujos ilustres integrantes, Ministros ANTÔNIODE PÁDUA RIBEIRO, este seu dedicado Presidente, CID FLAQUERSCARTEZZINI, CARLOS AUGUSTO THIBAU GUIMARÃES, NILSON NAVES,EDUARDO RIBEIRO e ILMAR GALVÃO, deixaram em definitivo seus nomesmarcados na honrosa galeria dos construtores de um novo tempo para ajustiça brasileira.

Todas essas afirmações fazem ver da necessidade de se refletir sobre ofuturo do Judiciário brasileiro como um todo, e da Justiça Federal, em particular.

O indispensável comprometimento do Juiz com a evolução da Justiça Federal.

As modificações introduzidas a partir da Emenda Constitucional 45,de 2004, apontam para novas realidades, a demandar especial cautelano encaminhamento de soluções, como também para que estas estejamaptas a expressar a exata vontade dos brasileiros, via legisladores.

Se, na visão autorizada de alguns, a contar da CF 88 o Poder Judiciárionão conseguiu oferecer projeto viável de redesenho da instituição,restando apenas fortalecido como poder, porém, incapaz de responder

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de modo eficaz quanto a sua missão, interpretando os avanços operadoscomo um mero passo à frente, é induvidoso que esse caminhar adiante,em momento de intensa atividade política poderá ser avaliado mesmocom o alcance de um novo disciplinamento na partilha orçamentária,quando antes sequer possuidor de autonomia. A partir daquele momento,a autonomia adquirida nos planos administrativo e financeiro permitiudiversas modificações que, se inicialmente aparentavam ser pequenas,o tempo se incumbiu de exibir a extrema relevância de cada uma delas,importando reconhecer, no que respeita à Justiça Federal, a continuidadedo processo de crescimento, interno e externo, assim compreendidas asiniciativas de informatização ampla, com o processo virtual se antecipandoà própria lei, da busca incessante de ocupação de novos espaços no interior,do aperfeiçoamento dos magistrados, via Escolas de Magistratura, enfim,toda uma gama de valorosas medidas destinadas não só ao fortalecimentoda instituição, como ainda à valorização daqueles que a integram.

Porém, indispensável se apresenta dizer, também, no exclusivo âmbitodeste modesto trabalho, que alguns pontos estão a merecer maisaprofundado tratamento. Nesse rumo, tem-se uma incompreensívelresistência de vasta parcela de magistrados federais quanto ao dispostono artigo 93, II, b) e inciso VIII-a) da CF, a ordenar que a promoção pormerecimento, ou eventual remoção “... pressupõe dois anos de exercíciona respectiva entrância ...” , entendendo inaplicável tais disposições aosjuízes federais por inexistência de entrância na JF. Ora, não parece crívelque o legislador tenha cuidado estabelecer no “caput” do mencionadoartigo 93 serem os princípios ali detalhados de rigorosa observância pelofuturo Estatuto da Magistratura, e queiram alguns excepcionar com baseem detalhe incapaz de criar separações injustificadas para todos aquelesque optaram por desempenhar o mesmo mister, seja no plano estadualou federal.

O fato, inquestionável, em se tratando de Justiça Federal, é a existênciade uma verdadeira obsessão por parte de muitos, felizmente não de todos,em buscar carreiras meteóricas visando a, com máxima brevidade,tornarem-se titulares de Varas situadas na Capital do estado, ou, pelomenos, em sua região metropolitana.

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Esquecem-se os que assim agem e pensam que, ao se submeterem aoConcurso Público para ingresso na Magistratura de Carreira, aceitaramtodas as normas vigorantes, inclusive, lógica e imperativamente, aquelasrelacionadas ao processo de interiorização, a que o legislador temdedicado claro e cada vez mais acentuado carinho.

Além disso, é bom que se diga, não disputaram eles ao longo doscertames a que submetidos o direito de se tornarem em brevíssimo tempojuízes da Capital.

Resta de todo modo bastante nítido, em tais condições, estarem muitossituando seus interesses pessoais em plano superior ao interesse público,em absurda inversão de valores, impedindo em muitos casos que ojurisdicionado sequer saiba quem é o juiz responsável pela condução daVara situada em sua cidade, tal a rotatividade com que operadas aspromoções e remoções ou ainda, possibilitando até mesmo o surgimentode um quadro verdadeiramente caótico em muitas dessas Varas localizadasem cidades do interior.

Como, sobre remoções e promoções já existem notícias de valiosospronunciamentos do E. Conselho Nacional de Justiça, e do C. SupremoTribunal Federal, penso não deva aprofundar a discussão.

Outra polêmica compreende a atuação de juízes federais nomagistério. A missão de transmitir conhecimentos deve sempre serincentivada e, sem perda ou qualquer desvio de seus reais objetivos,vista com temperamentos e cautelas, especialmente em país com tantase tamanhas injustiças e limitações sociais. Sabidamente, o professor é abase, o elo capaz de conduzir à formação de uma sociedade mais justa.

Contudo, incabível é se extrair dessa valiosa contribuição ao aperfeiçoamentoa certeza ostentada por alguns de que podem sem riscos situar em planoinferior a atuação como magistrados, relegando-a de modo ostensivo.

Não têm sido poucas, porém quase sempre sem êxitos maisexpressivos, as reiteradas tentativas de se estabelecer limites para queos juízes equacionem a utilização de seu tempo, de modo a que omagistério não se torne empecilho invencível ao desempenho da nobremissão confiada pela sociedade ao seu magistrado.

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Os argumentos empregados pelos que assim agem variam conformeobjetivos pessoais, porém, nenhum deles explica, ou justifica, dentremuitos outros, a angústia de um jurisdicionado à espera de que seuprocesso, afinal, mereça julgamento, quando o magistrado incumbidode fazê-lo desdobra-se em proferir aulas, palestras, participar deconferências e seminários os mais diversos e em pontos longínquos doterritório nacional, enfim, a cuidar de outros propósitos, e não doprimordial dever de acelerar a tramitação dos feitos que lhe foramconfiados, e de julgá-los com segurança e brevidade.

Ora, certamente outro não parece haver sido o desejo do legisladorao estabelecer como condição fundamental ao progresso na magistraturaque se promova a apuração do merecimento por via da análise dodesempenho, a par de critérios objetivos de produtividade, presteza, bemcomo “pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais oureconhecidos de aperfeiçoamento”

Afinal, cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoçãoconstituem etapas obrigatórias do processo de vitaliciamento, ao lado daparticipação em cursos de escola nacional de formação e aperfeiçoamentode magistrados (CF art. 93, IV)

Desse modo, a relevante missão já exercitada até este instante pelaEscolas de Magistratura da Justiça Federal está a merecer os devidoselogios. Entretanto, a sociedade brasileira, ciosa de seus direitos, exige edelas espera mais, bem mais do quanto está sendo proporcionado.

É neste contexto de ampla integração com outros componentes daestrutura judiciária que acredito deva situar-se, com especial destaque, opapel de cada Escola de Magistratura Federal, para que bem e fielmentecumpridas restem as exigências de que trata o art. 93 da CF.

O papel essencial das Escolas de Magistratura

Não se desconhece, porém, o vasto rol de embaraços com que sedefrontam a todo momento essas Escolas, tendo que improvisar e, muitasvezes, ousar para que objetivos mínimos sejam alcançados.

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Contudo, é plenamente crível, em direta obediência aos dizeressurgidos com a EC 45/2004, que as Escolas de Magistratura passarão acontar com meios bastantes ao seu regular desempenho, aptas a orientare formar magistrados capazes de enfrentar dilemas e angústias diários,solvendo tempestiva e eficazmente as divergências que lhes forem trazidasa exame, além de poderem eles, em muitos casos, exercitar até mesmomais adequada comunicação com seus jurisdicionados. Enfim, uma Escolade Magistratura com seu olhar, projetos e atividades inteiramente voltadospara o futuro, atualizando de forma constante os magistrados em atuaçãoe, ademais, formando e conduzindo todo o processo de sólida preparaçãodos novos juízes, sem que a estes mecanicamente se repita a prática deum pequeno curso de formação, durante 3 ou 4 meses, a que se segue olançamento em atividade. Nada, nem mesmo a afirmada carência demagistrados, justifica essa terrível rotina, certo ainda que a aprovação emum exigente concurso público de provas e títulos não se presta também paraamplamente qualificar com tamanha ligeireza quem quer que seja para onobre mister de julgar, com toda a complexidade de que se acha revestido.

A sociedade não compreende e, certamente, não quer que seus destinose sonhos sejam apreciados e decididos por quem, em muitos casos, nãodetém ainda a indispensável experiência ou sofreu o fundamentalacompanhamento de sua real aptidão para o exercício da magistratura. Osexemplos são muitos e só fazem comprovar as afirmações ora lançadas.

É nesse rumo, utilizando meios modernos e ágeis de comunicação,preparando plenamente o juiz para o exercício de sua relevante missão,proporcionando eventos que, a partir de um local, possam ser assistidospor todos aqueles interessados, ainda que atuantes em distintas paragens,que certamente poderemos ver definitivamente concretizado o sonhodaqueles pioneiros a que antes me referi, ansiosos não apenas em manteracesa a chama da existência da JF, mas, além disso, de projetá-la para ummaior e mais vitorioso futuro, fazendo-se permanentemente útil a quantosdela necessitem se valer.

Conclusão:

Como toda obra humana resulta claro que num dado instante houve

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consenso no sentido de se restabelecer a JF. Após algum tempo, vinteanos passados, novas vozes se elevaram com o propósito de desmontartoda a estrutura erguida a partir da lei 5.010/66.

Porém, o acerto dos vitoriosos não consistiu apenas em vencer a primeirae importante batalha. Ao revés, prosseguiram, ao tempo com o surgimentodo processo de interiorização da JF, hoje integralmente consolidado erevestido de pleno êxito, apesar de muitas e importantes manifestações,inclusive internas, em contrário e ao longo de todo o desenrolar.

O quadro perceptível a partir daí é, lamentavelmente, de uma mudançade atuação por parte dos que persistem renegando a interiorização. Dessemodo, valem-se agora de toda sorte de artifícios para que o tempo depermanência à frente de uma vara federal situada no interior seja o mínimopossível, como se fossem estas varas de segunda classe, inaceitáveis parao magistrado cujo único interesse parece haver sido o de submeter-se aoconcurso da Justiça Federal para dela receber apenas o que entendeconsistir em bônus, esquecendo-se que toda e qualquer atividade públicacarrega em si mesma intensa parcela de ônus, impossíveis de seremignorados e/ou simplesmente desprezados.

Por todos estes aspectos, às Escolas de Magistratura, elevadas pelalargueza de visão do legislador a um patamar importantíssimo na estruturajudiciária, cumpre desenvolver, ampliar horizontes e, acima de tudo, ousarpermanentemente, por meio de iniciativas capazes de forjar inovadoras eeficazes soluções destinadas à obtenção de ganhos seguros no preparosólido e consistente de novos magistrados e, ademais, levar seus cursos,trabalhos, encontros e eventos ao interior, mostrando à sociedade brasileiraque vieram para ficar e crescer com firmeza, tornando-se partícipesfundamentais de um pensamento irreversível que, desde o início, jamaisse afastou do sumo respeito ao interesse público e, como tal, acompanhandocom a máxima proximidade possível, e interagindo eficazmente, em facedo vasto elenco de problemas que sabidamente emperram a estrutura doJudiciário, propiciando por estas e outras vias legítimas o surgimento deeficientes centros de prestação de serviço público também para aquelescidadãos brasileiros que, embora residentes fora da Capital ou de outrosgrandes núcleos urbanos, têm o legítimo e induvidoso direito de se fazerembeneficiários em plenitude dessa nova ordem.

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A EMARF E O CURSO DEAPERFEIÇOAMENTO E ESPECIALIZAÇÃO DE

MAGISTRADOS (CAE)Por José Antonio Lisbôa Neiva1

No ano de 2005, o eminente Desembargador Benedito Gonçalves, noexercício da Direção-Geral da EMARF, decidiu efetivar o comando da alínea“c” do inciso II do artigo 93 da Constituição Federal2 e do inciso IV domesmo dispositivo constitucional3, acrescidos pela Emenda Constitucionalnº 45/2004, notadamente diante da orientação estabelecida na Resoluçãonº 06 do Conselho Nacional de Justiça, a exigir a instituição de umprograma destinado aos magistrados em vitaliciamento e àqueles quedesejam obter aperfeiçoamento e especialização na carreira,especialmente para obter promoção por merecimento.

Inicialmente, o Diretor-Geral da Escola instituiu Comissão de juízespara auxílio na concretização do Curso de Aperfeiçoamento eEspecialização para magistrados federais da Região, competindo àComissão o auxílio à Escola “em todo trabalho didático e pedagógico”para realização dos eventos necessários, nos prestigiando com indicação

1 Juiz Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.2 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatutoda Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) II - promoção de entrância para entrância,alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: (...) c) aferição domerecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza noexercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos deaperfeiçoamento;”.3 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatutoda Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IV previsão de cursos oficiais de preparação,aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo devitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação eaperfeiçoamento de magistrados;”.

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A EMARF e o Curso de Aperfeiçoamento e Especialização de Magistrados (CAE)

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para compor à Comissão, juntamente com os Drs. Aluisio Gonçalves deCastro Mendes, Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva e Flávio de OliveiraLucas (Portaria nº 01, de 27 de setembro de 2005)4.

Considerando que se tratava de trabalho pioneiro a ser realizado, misterque houvesse respaldo do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Regiãopara implantação dos eventos e da forma de avaliação, como etapaobrigatória do vitaliciamento e como elemento objetivo para a aferiçãodo merecimento. Em parceria com a Presidência da Corte, na épocaexercida pelo eminente Desembargador Frederico Gueiros, obteve-sechancela do Plenário do Tribunal para a edição da Resolução nº 35, dedezembro de 2005, nos seguintes termos:

“O PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, nouso de suas atribuições, tendo em vista o decidido pelo Plenáriodesta Corte na sessão de 01/12/2005,

RESOLVE:

Art. 1º. Fica o Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federalda 2ª Região (EMARF) autorizado a instituir programa deaperfeiçoamento ou especialização de magistrados, destinado aosjuízes em fase de vitaliciamento e aos juízes federais já vitaliciados,substitutos ou titulares, como etapa do procedimento de vitaliciamentoou condicionante à promoção por merecimento, em atendimento àalínea c do inciso II e ao inciso IV, ambos do art. 93 da Constituição

Federal, com a redação dada pela Emenda nº 45/2004, e aos incisos IIe III do art. 4º da Resolução nº 6/2005 do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 2º. O programa de aperfeiçoamento deverá atender ao critério daisonomia, possibilitando aos magistrados participar de eventosnecessários à obtenção da freqüência e do aproveitamento, durante oano, para os fins de vitaliciamento ou de promoção, conforme o caso.

Parágrafo único. Poderá o Diretor-Geral da EMARF, por sua vez, dianteda limitação de vagas, restringir a participação de juízes, emdeterminados eventos, levando-se em conta o público alvo primordial,os objetivos didáticos pedagógicos, a atividade exercida pelomagistrado e sua condição na carreira, adotando sempre critérioobjetivo e transparente para a seleção.

4 As Portarias podem ser acessadas na página da EMARF na Rede de Computadores, no sítio http://www.trf2.gov.br/emarf/

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José Antonio Lisbôa Neiva

Art. 3º. Ato do Diretor-Geral da EMARF estabelecerá os eventos queserão objetos do programa de aperfeiçoamento ou especialização,com a devida gradação e quantitativo necessário, em sintonia com ointeresse público e a indispensável razoabilidade, evitando-sedisciplinas que não tenham qualquer afinidade com a atividadejudicante e carga horária que comprometa o trabalho do magistrado.

Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação”.

Em seguida, após a realização de debates que ocorreram na esfera daComissão e com o eminente Diretor-Geral, que sempre se esmerou empropiciar ambiente democrático para a troca de idéias, conseguiu-sechegar a um ato normativo que concretizou a espinha dorsal do Curso deAperfeiçoamento e Especialização de Magistrados (CAE), consubstanciadona Portaria nº 02, de 05 de dezembro de 2005, na qual se estipulou umacarga horária mínima de vinte horas anuais para conclusão do curso comaproveitamento, mediante a realização de quatro Conferências, comprevisão individual de duas horas cada uma, um Programa de EstudoAvançado (PEA) ou, alternativamente, em um Curso Especial (CE), comcarga horária de oito horas, e um Grupo de Trabalho (GT), com cargahorária de quatro horas (arts. 4º e 9º), sem prejuízo de os juízes em fasede vitaliciamento ainda se sujeitarem ao curso de ambientação (art. 10).

O ato normativo que estipulou os eventos destinados aos juízes no CAEestabeleceu a respectiva definição, para exata e fácil compreensão por partedo público-alvo (art. 4º da Portaria nº 02/05), sendo certo que as conferências5,os estudos avançados6 e os cursos especiais7 assumiam contorno maisexpositivo e teórico, nos quais a participação do magistrado seriapreponderantemente passiva. Por sua vez, em relação aos Grupos de Trabalho8“,

5 “As conferências destinam-se ao desenvolvimento de temas específicos e atuais no cenáriojurídico” (art. 4º, inciso I).6 “Os PEA são cursos de pequena duração, voltados para a atualização do magistrado, sob o enfoquedoutrinário e jurisprudencial mais contemporâneo, buscando incorporar os debates atuais, maisrelevantes no cenário nacional” (art. 4º, inciso II).7 “Os CE são cursos voltados para o aprimoramento do magistrado, em áreas de conhecimentodistintas do Direito, mas com ele interligadas, pretendendo-se estimular uma formaçãointerdisciplinar do juiz, enquanto elemento de maior adequação e aproximação da realidade social”(art. 4º, inciso IV).8 “Os GT são grupos de discussão voltados para a troca de experiências profissionais sobre questõesvivenciadas no cotidiano do juiz, relacionadas diretamente à prestação jurisdicional e definidas apartir das matérias de competência da Justiça Federal” (art. 4º, inciso III).

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a integração do magistrado na troca de idéias seria de fundamentalimportância para o sucesso do evento, eis que normalmente inexistiriaqualquer expositor, cabendo aos componentes do grupo discutir a respeitode questões previamente elaboradas por um coordenador.

A sensação da Comissão do CAE à época foi, sem qualquer divergência,de que os magistrados tinham grande apreço pelos Grupos de Trabalho,eis que estes discutiam diretamente os problemas submetidos, com trocade idéias e experiências, em eventos que tinham a participaçãoexclusivamente de juízes, o que facilitava uma abordagem franca e objetiva.

Posteriormente, foi inserido junto à programação do CAE o Grupo deEstudos, consistente na formação de grupos destinados às “atividades deleitura e debates, voltadas para o estudo reflexivo, aprofundado e críticosobre temas, questões, obras e autores que sejam do interesse daMagistratura Federal, admitindo-se, inclusive, uma abordageminterdisciplinar e/ou em perspectiva comparada do objeto de estudoescolhido” (Portaria nº 04 de setembro de 2006), com diversas reuniõesentre os juízes participantes.

Na medida em que o CAE era um programa inédito na Escola, emfunção de sua nova formatação de propiciar o aperfeiçoamento e aespecialização de juízes, como etapa essencial do vitaliciamento demagistrados e instrumento objetivo para a aferição do merecimento, comodispõe a Constituição Federal, inevitável que aparecessem as dificuldadesnaturais de um recém instituído programa, em especial o problema dosjuízes em atuação nas varas do interior, sendo certo que, em relação aosmagistrados do Espírito Santo, decidiu-se atribuir aos juízes ali lotados aescolha dos eventos e as respectivas coordenações.

Cumpre registrar que a disponibilidade de tão-somente um aparelhode videoconferência, para a transmissão de eventos realizados na cidadedo Rio de Janeiro para Vitória, no Espírito Santo, e vice-versa,impossibilitava a realização de tal transmissão para núcleos que poderiamser escolhidos no interior do Estado, o que facilitaria a participação dosmagistrados que atuassem em varas federais mais distantes da capital e aadministração da movimentação pela própria Corregedoria, tendo em vistaos problemas decorrentes dos deslocamentos de juízes para a capital e o

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conseqüente risco de haver ausência de magistrados nos juízos paradespachar urgências. Exigiu-se, dessa forma, uma atuação em conjuntoda EMARF com a Corregedoria, no sentido de se viabilizar a realização,por parte do magistrado, do quantitativo mínimo de eventos necessáriopara cumprimento de sua carga horária anual, mas com restrições àparticipação em relação ao excedente, em prol do bom funcionamentodo serviço.

A necessidade de se implantar o denominado “ensino à distância”,mediante a utilização de meio eletrônico, com base na experiência desucesso em evento organizado pelo Conselho da Justiça Federal e pelaUniversidade Federal Fluminense, passou a ser crucial para a eficiênciado aperfeiçoamento dos juízes, notadamente se analisarmos Regiões comuma dimensão territorial bem superior à nossa. Aliás, quando participamosdo CEMAF (Conselho de Aperfeiçoamento e Pesquisa das Escolas deMagistratura Federal) verificamos que, em conversas com colegas de outrasRegiões, existia um consenso quanto à necessidade de se criar mecanismoque viabilizasse o aperfeiçoamento e a especialização sem a necessidadede o magistrado se locomover diversas vezes de sua sede para realizarcursos, concluindo-se por ser o ensino mediante o uso do meio eletrônicoo instrumento mais eficaz para o preenchimento da carga horárianecessária, sem prejuízo ao regular exercício da judicatura, dispensando-se as autorizações da Corregedoria para deslocamentos e eventuais gastospara o erário.

Em novembro de 2006, o Conselho da Justiça Federal editou aResolução nº 532, com o objetivo de fixar regras gerais, no âmbito daJustiça Federal, para os cursos “oficiais de preparação e aperfeiçoamentode magistrados como requisitos para ingresso e promoção na carreira”,razão pela qual instituiu o Plano Nacional de Aperfeiçoamento e Pesquisa,com dois programas a serem desenvolvidos: (1) o de ingresso,vitaliciamento e aperfeiçoamento e o de (2) pesquisa, editoração eintercâmbio, que visava subsidiar as atividades de aperfeiçoamento.

O Diretor-Geral da EMARF à época nos indicou para compor o ComitêTécnico de Aperfeiçoamento, enquanto o eminente juiz federal AluisioGonçalves de Castro Mendes foi indicado para o Comitê de Pesquisa,Editoração e Intercâmbio, ambos previstos nos artigos 3º, 7º a 9º daResolução nº 532 do CJF.

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O artigo 8º da citada Resolução estabeleceu a competência dos Comitês:

“Art. 8º Compete aos Comitês Técnicos elaborar e encaminhar aoConselho de Aperfeiçoamento e Pesquisa:

I – a proposta do plano nacional para o biênio; e

II – o relatório de avaliação de resultados dos programas.

Parágrafo único. O Comitê Técnico de Aperfeiçoamento auxiliará oCentro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e asEscolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais na execuçãodo plano nacional”.

Os membros dos Comitês, indicados pelos Diretores das EscolasRegionais Federais, deviam, então, discutir a proposta a ser apresentadacomo plano nacional para o biênio, devendo ser consignado que o artigo2º da citada Resolução estabeleceu os subprogramas do programa deingresso, vitaliciamento e aperfeiçoamento, nos seguintes termos:

“I – do programa de ingresso, vitaliciamento e aperfeiçoamento,estabelecido em consonância com o disposto no art. 93, II, “c”, e IVda CF, que ensejará a implementação dos seguintes subprogramas:

a) subprograma de ingresso na carreira e formação inicial, consistentena unificação dos conteúdos programáticos básicos dos concursos ena preparação dos juízes federais recém-ingressos;

b) subprograma de preparação para o vitaliciamento, de caráter teórico-formal e prático, consubstanciado na realização de cursosindispensáveis ao referido processo;

c) subprograma de aperfeiçoamento continuado, por meio defreqüência e aproveitamento em cursos e eventos, inclusive comorequisito para promoção por merecimento”.

Procuramos levar para as reuniões no CEMAF a experiência da Escolada 2ª Região, em especial quanto aos Grupos de Trabalho e de Estudos,eventos que inexistiam nas demais Escolas Regionais Federais, sendocerto que, por força de divisão de trabalho, nos coube a elaboração deum esboço referente ao subprograma de vitaliciamento (alínea “b” doart. 2º da Resolução), esboço este que logrou obter a aprovação tanto doComitê como, posteriormente, do próprio CJF, consistente em um modelo

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bem próximo ao existente na 2ª Região, com preponderância de cursospráticos, como restou consignado no item 5.1.2 do Plano Nacionalaprovado pelo CJF9. Vejamos:

“Metodologia:

Durante os dois anos o juiz federal substituto para vitaliciar deverárealizar:

(a) os eventos em que a configuração expositiva é preponderante,com duração de duas horas;

os cursos teóricos de média duração, de oito horas,

os cursos com contorno eminentemente prático, com carga horáriaaproximada de quatro horas.

Os cursos teórico-formais podem ser:

i) preponderantemente expositivos, de curta duração (duas horas):palestras ou conferências.

ii) preponderantemente expositivos, de média duração (oito horas):

Estudos avançados;

Cursos especiais.

Os cursos práticos podem ser sobre:

i) elaboração de sentenças;

ii) realização de audiências;

iii) inquirição de testemunhas;

iv) técnicas de interrogatório;

v) técnicas de conciliação e mediação;

vi) grupos de trabalho;

vii) grupos de estudo.

9 O Plano Nacional pode ser encontrado na página: http://www.trf2.gov.br/emarf/images/Pna20071.pdf

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Conteúdo:

Matérias relacionadas com o Direito ou correlacionados, sendoobrigatório que o juiz curse nesse período eventos com os seguintestemas: (a) deontologia jurídica; (b) relações interpessoais; (c)administração da Justiça e (d) lógica jurídica. Os eventos podem utilizaro mesmo conteúdo programático previsto no item 1.3 Subprogramade aperfeiçoamento continuado – 1.3.1 Programa de especializaçãoprofissional.

Devem ser prestigiados, para os novos juízes, os cursos comconfiguração prática com troca de informações. Os eventos devemapresentar situações que exijam do juiz em treinamento solução doincidente de forma adequada, com o indispensável equilíbrio, massem perder a necessária segurança na prestação da tarefa de decidir.

Conveniente registrar que é possível a realização de eventos nosquais os juízes discutam temas jurídicos relevantes de seu dia-a-dia,com soluções apontadas necessariamente qualquer manifestaçãoexpositiva de palestrante”.

O Plano Nacional, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal,normatizou uma carga de 30 horas semestrais para o subprograma devitaliciamento, durante dois anos, enquanto que o programa de avaliaçãode merecimento (item 5.1.3.3 do Plano) recebeu um quantitativo de 20horas por semestre, a ser preenchido pelo magistrado interessado, comavaliação orientada, “sobretudo, pela freqüência, assiduidade e grau departicipação na execução das tarefas e na avaliação da produção científica”,a ser obrigatoriamente apresentada.

Cumpre consignar que a ENFAM, a Escola Nacional de Formação eAperfeiçoamento de Magistrados, editou a Resolução nº 02, de 17 desetembro de 2007, que dispõe sobre regras a respeito dos cursos deaperfeiçoamento para fins de vitaliciamento e promoção de magistrados,em sintonia, em sua essência, com o que foi disciplinado pelo Conselhoda Justiça Federal. Vale conferir:

“Art. 1° Os cursos de aperfeiçoamento destinados à formaçãocontinuada e à atualização de magistrados serão aproveitados para ovitaliciamento, bem como para a promoção por merecimento, desdeque preencham os requisitos mínimos explicitados na presenteresolução.

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Art. 2° A organização e a execução dos cursos caberão, no âmbitofederal, aos Tribunais Regionais Federais por intermédio das respectivasescolas da magistratura e ao Conselho da Justiça Federal por meio doCentro de Estudos Judiciários; no âmbito estadual, caberão aos Tribunaisde Justiça também mediante as respectivas escolas da magistratura.

Art. 3° A habilitação para o vitaliciamento ou para a promoção pormerecimento pode decorrer da titulação em cursos não-oficiais,eventualmente contratados pelo Poder Judiciário ou com eleconveniados, reconhecidos e credenciados pela Enfam.

Art. 4° Os cursos de aperfeiçoamento para fim de vitaliciamentoocorrerão no período de vitaliciamento (dois anos).

Art. 5° O magistrado, durante o período de vitaliciamento, deverácumprir carga horária mínima de trinta horas-aula por semestre ou desessenta horas-aula por ano.

Parágrafo único. Cada tribunal fará o controle da participação e doaproveitamento do vitaliciando.

Art. 6° O magistrado, para a promoção por merecimento, deverácumprir, com aproveitamento, carga horária mínima de vinte horasaula semestrais ou de quarenta horas-aula anuais em curso deaperfeiçoamento, por ano em que permanecer em exercício naentrância, para a Justiça Estadual, e no cargo, para a Justiça Federal.

Parágrafo único. Não poderá haver aproveitamento de um mesmocurso para diferentes promoções.

Art. 7° A metodologia dos cursos consistirá em aulas, teóricas e práticas,seminários e outros eventos, presenciais e a distância.

Art. 8º O conteúdo programático dos cursos incluirá, no mínimo,estudos relacionados com os itens seguintes:

I - alterações legislativas;

II - situações práticas da atividade judicante; e

III - temas teóricos relativos a matérias jurídicas e disciplinas afinscomo filosofia, sociologia e psicologia.

§ 1º Será dada ênfase aos aspectos humanísticos, à ética e à deontologiado magistrado.

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§ 2º Os cursos abordarão também a administração judiciária, a gestãoadministrativa e de pessoas, bem como estudos de casos concretos.

Art. 9º Para efeito de credenciamento, as instituições encarregadasda organização e da execução dos cursos submeterão à apreciaçãoda Enfam o conteúdo programático, a carga horária, os professores esuas respectivas qualificações.

Art. 10. Esta resolução entra em vigor em 1º de janeiro de 2008".

Diante da regulamentação efetivada pelo CJF e pela ENFAM, houve anecessidade de ajustes, pela EMARF, quanto à carga horária e à avaliaçãodos magistrados, em especial no que se refere àqueles que realizamcurso para promoção por merecimento, tendo em vista o aumento daquantidade de horas-aula que era exigida anteriormente, para vinte horassemestrais ou quarenta horas por ano, e a necessidade de apresentaçãode trabalho de cunho científico.

Com encerramento da gestão pioneira do Desembargador BeneditoGonçalves quanto à implantação do CAE, foi iniciada a nova Direção-Geral,por parte do também eminente Desembargador André Fontes, que amplioulogo de início a composição da Comissão do CAE, com a participação dejuízes mais novos, e instituiu Comissões por área jurídica, com finalidadede descentralizar a organização de cursos para os juízes. Outrossim, foramcriados os Fóruns, eventos que englobam “duas conferências, com temáticasemelhante, que serão ministradas por professores convidados, derenomada reputação acadêmica e profissional, admitindo-se inclusive queos próprios desembargadores ou juízes federais sejam os conferencistas”(Portaria nº 13 de março de 2008), com o salutar aumento das modalidadesde cursos que são oferecidos ao público-alvo.

Em poucas palavras, este trabalho buscou propiciar um panorama doCAE, programa que constitui a principal linha de atuação da EMARF e quevem cumprindo de modo satisfatório o seu papel constitucional. Valedestacar que a sua concretização material seria impossível se inexistisseo incansável apoio dos servidores da Escola, sempre sob um comandoeficiente e acessível da assessoria-executiva, exercida esta, no difícilinício, por Regina Elizabeth Tavares Marçal e, atualmente, para não perdera qualidade, por Lenora de Beaurepaire Schwaitzer.

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RESUMO HISTÓRICOExtraído do Relatório Anual de 2007

A EMARF teve sua criação autorizada pela Resolução nº 15, de 1º deagosto de 1997, da Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,e a localização de sua sede determinada pela Resolução nº 05, de 1º demarço de 1998, também da Presidência do TRF.

Através da Resolução nº 6, de 17 de abril de 1998, a EMARF foiintegrada à estrutura do Tribunal, tendo sido realizada a primeira eleiçãopara sua Diretoria-Geral na Sessão Plenária de 13 de agosto de 1998.

Em 20 de agosto de 1998, foram aprovadas as demais Diretorias daEscola, a saber: Diretoria de Cursos, Diretoria de Publicações e Diretoriade Estágio. Mais tarde, nova decisão plenária alterou os nomes dasdiretorias, que passaram a figurar da seguinte maneira: Diretoria deEstágio, Diretoria da Revista, Diretoria de Relações Públicas e Diretoriade Pesquisa.

A atribuição precípua desta Escola da Magistratura encontra-seestabelecida no art. 7º do Regimento Interno do TRF. Constitui-se napromoção de cursos de preparação e aperfeiçoamento de magistrados,podendo também organizar outros cursos, de interesse público e abertosà comunidade, conforme estatuído no §4º do art.8º, além de gerir oprograma de estágio jurídico nos Gabinetes do Tribunal e de todas asVaras Federais da 2ª Região.

Já em 2005, com o objetivo de atender ao estabelecido na EmendaConstitucional nº 45, que veio a lume em dezembro de 2004, a qualdetermina que o vitaliciamento e a promoção por merecimento dosmagistrados estão condicionados à aferição de freqüência eaproveitamento em cursos, foi criado o CAE – Curso de Aperfeiçoamento

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e Especialização para Magistrados Federais da 2ª Região, o qual se encontraregulamentado pela Resolução nº 35, de 05 de dezembro de 2005, epelas diversas Portarias da EMARF.

A EMARF conta hoje com cinco Diretorias, a Diretoria-Geral, a Diretoriade Estágio, a Diretoria da Revista, a Diretoria de Relações Públicas e aDiretoria de Pesquisa, cada uma delas comandada por um Membro doTribunal, além de uma Assessoria Executiva. Ao todo, a Escola conta com7 servidores no Rio de Janeiro e um servidor no Núcleo do Espírito Santo.A EMARF mantém uma Comissão de Acompanhamento para as atividadesdo CAE, formada por Juízes Federais da 2ª Região.

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RESOLUÇÃO Nº 015 DE 01 DE AGOSTO DE 1997

A DOUTORA TANIA HEINE, PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONALFEDERAL DA 2ª REGIÃO,no uso de suas atribuições, e tendo em vista odecidido na sessão Plenária Administrativa, realizada no dia 01-08-97 ,RESOLVE:

Art. 1º - AUTORIZAR a criação da ESCOLA DE MAGISTRATURAREGIONAL FEDERAL - EMARF, com natureza jurídica de fundação de direitoprivado.

Art. 2º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

TANIA HEINE

Presidente

Publicada no DJ II de 11.08.1997, p. 61652

Obs.: A Res. Nº 15 foi alterada pela Res. Nº 06/1998

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ATA N° 03 (TRÊS) DA COMISSÃO DAESCOLA DE MAGISTRATURA REGIONAL

FEDERAL

Aos dezesseis dias do mês de abril do ano de mil novecentos e noventae oito, às doze horas, no Gabinete do Presidente da Comissão da Escolade Magistratura Regional Federal, no oitavo andar do prédio n° 80, daRua Acre, na cidade do Rio de Janeiro, reuniu-se a Comissão da Escola deMagistratura Regional Federal. Presentes os membros Paulo Freitas Barata,Presidente da referida Comissão, Alberto Nogueira e Carreira Alvim.Aberta a reunião, a Comissão aprovou: 1) a EMARF integrará a estruturado TRF - 2a Região, o que será levado para apreciação no Plenário; 2) Aestrutura administrativa da EMARF, conforme o organograma em anexo,assinado por todos os membros da comissão, que será apresentado aoConselho de Administração. Nada mais havendo, foi encerrada a reuniãoàs doze horas e quarenta e cinco minutos, eu PAULO FREITAS BARATA,Presidente da Comissão, lavro e encerro a presente ATA, que seguedevidamente assinada pelos membros da Comissão.

Rio de Janeiro, 23 de abril de 1998.

PAULO FREITAS BARATAPredidente da Comissão

ALBERTO NOGUEIRAMembro

CARREIRA ALVIMMembro

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RESOLUÇÃO Nº 006 DE 17 DE ABRIL DE1998

O DOUTOR ALBERTO NOGUEIRA, PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, no uso de suas atribuições,e tendo em vista o decidido na sessão Plenária Administrativa realizadano dia 16-04-98, RESOLVE:

Art. 1º - ALTERAR, em parte, a Resolução nº 15, de 01-08-97, para quea ESCOLA DE MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL - EMARF passe a integrara estrutura do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Art. 2º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,revogadas as disposições em contrário.

CUMPRA-SE. REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE.

ALBERTO NOGUEIRA

Presidente em exercício

Publicada no DJ II, de 25.05.98, p. 427

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RESOLUÇÃO Nº 031, DE 19 DE NOVEMBRODE 1998

Dispõe sobre a concessão de estágio a estudantes de Nível Superiorno âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º Graus da 2ª Região.

A DOUTORA TANIA DE MELO BASTOS HEINE, PRESIDENTE DO TRIBUNALREGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, no uso de suas atribuições legais eregimentais, e

CONSIDERANDO que a concessão de estágio no âmbito da JustiçaFederal de 1º e 2º Graus desta 2ª Região encontra-se disciplinada pelaResolução nº 21, de 15.09.97, desta Presidência;

CONSIDERANDO que a efetivação das atividades do estágio junto aosMagistrados e à área de apoio judiciário foi deslocada para a Escola daMagistratura Regional Federal - EMARF, cabendo à Secretaria de RecursosHumanos sua execução apenas na área administrativa;

CONSIDERANDO que o intercâmbio entre os profissionais e estagiárioscontribuirá para um aperfeiçoamento constante das atividades da JustiçaFederal desta Região, tanto na esfera judicial quanto na administrativa;

R E S O L V E:

Art. 1º. Os Parágrafos 1º, 2º, inciso V, 4º e 5º do Art. 2º da Resoluçãonº 21, de 15.09.97, desta Presidência, passam a ter as seguintes redações:

“Art. 2º..................................................................................................

Parágrafo 1º - Os estudantes, a que se refere o caput deste artigo,devem estar freqüentando curso de Nível Superior em áreas compatíveiscom as atividades dos Órgãos concedentes.

Parágrafo 2º - .........................................................................................

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..................................................................................................................

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V - até 20 (vinte), junto às Secretarias Administrativas das Seções Judiciárias,sendo até 15 (quinze) destinadas à Seção Judiciária do Estado do Rio deJaneiro e até 05 (cinco) à Seção Judiciária do Estado do Espírito Santo.

.......................................................................................................................................................

Parágrafo 4º - A Escola de Magistratura Regional Federal - EMARF éresponsável pela realização das atividades de planejamento, execução,acompanhamento e avaliação do estágio junto aos Magistrados desteTribunal e Seções Judiciárias, e área de apoio judiciário, cabendo àSecretaria de Recursos Humanos a execução dessas atividades junto àárea administrativa.

Parágrafo 5º - As Seções Judiciárias desenvolverão as atividades deestágio relativas à área administrativa, sob a orientação da área de recursoshumanos do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Art. 2º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,revogando-se as disposições em contrário.

CUMPRA-SE. REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE.

TANIA HEINE

Presidente

Obs. A Res. Nº 31 foi Revogada pela Res. Nº 16/2001

Publicada no DJ II, de 25/11/98, p. 66

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REGULAMENTO DE ESTÁGIO JURÍDICO

O estágio prestado por estudantes de Direito no âmbito da 2ª Região,disciplinado pelas Resoluções nos 21, de 15 de setembro de 1997, e 002,de 28 de janeiro de 2000, da Presidência do Tribunal Regional Federal da2ª Região, deverá observar as seguintes normas:

1 - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

1.1 - O Tribunal Regional Federal da 2ª Região e as Seções Judiciáriasdo Rio de Janeiro e do Espírito Santo podem, mediante convênioscelebrados com Faculdades de Direito públicas ou particulares, oficiaisou reconhecidas, oferecer programas de estágio para estudantes nelasregularmente matriculados.

1.2 - A Justiça Federal, de 1º e 2º Graus, será representada, na celebraçãodesses convênios, pela Escola de Magistratura Regional Federal – EMARF,que se encarregará de encaminhar os estudantes aos setores competentes.

1.3 - As Faculdades escolhidas pela Diretoria da EMARF deverão, tãologo recebam os ofícios comunicando a existência das vagas, manifestarinteresse na participação do programa e fornecer lista dos alunos queatendam às condições estabelecidas no item 4 abaixo, especificando asituação de cada um deles.

2 - OBJETIVOS DO ESTÁGIO

2.1 - O estágio jurídico visa, precipuamente, aos seguintes objetivos:

a - melhorar os serviços prestados ao Tribunal e às Seções Judiciárias aele subordinadas, através de aprimoramento dos recursos humanos e dointercâmbio acadêmico-profissional;

b - possibilitar a complementação do ensino e aprendizagem práticade aplicação do Direito pelos estagiários, como instrumento de integraçãoe aperfeiçoamento técnico-profissional;

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c - desenvolver, entre os estudantes, o gosto e a vocação para oexercício de atividades ligadas à judicatura.

3 - VAGAS PARA BOLSA DE ESTÁGIO

3.1 - O Tribunal Regional Federal da 2ª Região e as Seções Judiciáriasa ele subordinadas oferecem bolsas de estágio, na seguinte proporção:

a - até o máximo de 3 (três), junto a cada Magistrado da Corte;

b - até o máximo de 30 (trinta), junto à área de apoio judiciário (Plenário,Sessões e Turmas);

c - até o máximo de 2 (duas), junto a cada gabinete de Juiz nas SeçõesJudiciárias.

4 - ESCOLHA DE ESTAGIÁRIOS

4.1 - A escolha dos alunos fica a critério da Faculdade, que os indicadentre os que estiverem cursando com proveito e regularmente os 30(trinta) últimos meses ou 5 (cinco) últimos períodos do curso de Direito.

4.2 - Apresentada a lista dos candidatos ao estágio, a Escola de MagistraturaRegional Federal – EMARF realizará processo seletivo para verificar quaisdeles preenchem as condições para realizar o programa de estágio.

5 - OPERACIONALIZAÇÃO

5.1 - Aprovados os candidatos no processo seletivo e firmado o termode compromisso de que trata o item 8, abaixo, eles serão encaminhadosaos Gabinetes, Varas, Plenário, Sessões e Turmas, observado o númerode vagas oferecidas e as peculiaridades de cada um.

5.2 - A operacionalidade das atividades de Planejamento, Execução eAvaliação do estágio será de competência da Diretoria de estágio da EMARF,e de cada Magistrado, na área do Tribunal, e dos Juízes de 1º Grau deJurisdição, relativamente aos estágios prestados junto a eles, observadas, emqualquer hipótese, a orientação da Escola de Magistratura Regional Federale a articulação com as instituições de ensino freqüentadas pelos estagiários.

6 - DURAÇÃO DE ESTÁGIO

6.1 - A duração do estágio deve ser fixada pela EMARF, observado o

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período mínimo de 1 (um) ano, prorrogável até o máximo de 2 (dois) anos.

7 - JORNADA DO ESTÁGIO

7.1 - Para que o estagiário tenha direito à bolsa de que trata o item 9, infra,deverá cumprir uma jornada de trabalho de 4 (quatro) horas diárias, perfazendo20 (vinte) horas semanais, jornada esta previamente definida pela chefia doGabinete ou da área de apoio judiciário (Plenário, Sessões e Turmas) ondefor prestado o estágio, observado o turno escolar do estudante.

7.2 - Caso o estagiário tenha de se ausentar antes de completar a jornadade 4 (quatro) horas, poderá, com assentimento da respectiva chefia,compensar em dia imediato o tempo faltante.

7.3 - Os estagiários poderão ser dispensados do expediente nos diasem que, comprovadamente, tiverem de realizar provas nas respectivasinstituições de ensino, sem necessidade de compensação.

8 - CONTRATAÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS

8.1 - A contratação dos estagiários será feita após a conclusão doprocesso seletivo a que devem ser submetidos, mediante assinatura deTermo de Compromisso, por período mínimo de 1 (um) ano de validade,prorrogável até o máximo de 2 (dois) anos, celebrado entre o estagiárioe a EMARF, com interveniência obrigatória da instituição de ensino.

8.2 - Através do Termo de Compromisso o estagiário obrigar-se-á acumprir as normas funcionais e disciplinares de trabalho estabelecidaspara os servidores do órgão junto ao qual prestará o estágio.

8.3 - É vedada a acumulação do estágio de que trata este Regulamentocom outro prestado a órgão público, empresa ou escritório, sob pena decancelamento do mesmo.

9 - BOLSA DE ESTÁGIO

9.1 - O órgão perante o qual os estudantes prestarão o estágio arcarácom as despesas da bolsa correspondente, desde que haja prévia esuficiente dotação orçamentária.

9.2 - A bolsa de estágio deve corresponder ao valor de R$ 300,00

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(trezentos reais), deduzindo-se dessa importância os dias de falta nãojustificada e suspendendo-se a partir da data do desligamento do estagiário.

9.3 - A dedução prevista no subitem anterior incidirá na proporção de1/30 (um trinta avos) para cada dia de falta não justificada ou de 1/120(um cento e vinte avos) para cada hora de ausência não autorizada pelosupervisor do estágio.

9.4 - O mesmo critério acima referido deve ser adotado nas hipótesesde desligamento previsto no item 10, infra, ocorridas antes do términodo mês, salvo por motivo de abandono, caso em que não será devido opagamento proporcional aos dias trabalhados.

9.5 - Inexistindo disponibilidade orçamentária, ou sendo estainsuficiente, poderão ser admitidos estagiários sem direito à bolsa, emregime de trabalho de 2 (duas) horas diárias ou 10 (dez) horas semanais.

9.6 - Ao servidor público somente se admitirá a prestação de estágiosem direito à bolsa, e desde que não haja incompatibilidade com a funçãode apoio à jurisdição, a critério da EMARF.

9.7 - Além da bolsa prevista nos subitens 9.1 a 9.4, supra, a JustiçaFederal fará, em favor de cada estagiário, seguro de acidentes pessoais,na forma do artigo 8º do Decreto nº 87.497/82, desde que tais acidentestenham como causa o desempenho de atividades decorrentes do estágio.

10- DESLIGAMENTO DO ESTAGIÁRIO

10.1 - O desligamento do estagiário ocorrerá nas seguintes hipóteses:

a - automaticamente, ao término do prazo de validade do Termo deCompromisso, ou da prorrogação, se houver;

b - por abandono, caracterizado por ausência não justificada por 8(oito) dias consecutivos ou 15 (quinze) intercalados, no período de ummês, entendendo-se como tal também o afastamento do estagiário antesde deferido seu pedido de desligamento pela EMARF;

c - por conclusão ou interrupção do curso na Faculdade;

d - a pedido do estagiário;

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e - por interesse ou conveniência da Administração;

f - por pontuação inferior a 50% (cinqüenta por cento) na avaliação dedesempenho;

g - por descumprimento, pelo estagiário, de qualquer cláusula do Termode Compromisso;

h - por conduta incompatível com a realização do estágio.

10.2 - Para fins do disposto no item 10.1, letra “c”, supra, oestabelecimento de ensino a que pertence o estagiário deverá comunicarao Tribunal ou à Seção Judiciária correspondente a conclusão ou ainterrupção do curso.

11 - MOVIMENTAÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS

11.1 - Durante a prestação do estágio o estudante poderá ser submetidoa processo de rodízio, a fim de melhor conhecer as diversas tarefas daunidade em que estiver lotado.

11.2 - O deslocamento do estagiário do local para o qual foioriginariamente designado para outro far-se-á mediante permuta, a pedidode ambos os permutantes e concordância dos Magistrados interessados.

11.3 - A dispensa de permuta somente ocorrerá no caso de existênciade vaga, quando também deverão ser ouvidos ambos os Magistrados.

12 - CONTROLE E AVALIAÇÃO

12.1 - Até o segundo dia útil de cada mês, deverão ser remetidas à EMARFa folha de freqüência e a avaliação de cada estagiário, relativas ao mês findo.

13 - EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO E DE DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO

13.1 - Concluído o estágio, o órgão fornecerá certificado aos estudantes queobtiverem aproveitamento satisfatório, ou declaração comprobatória departicipação, no período correspondente, aos que não atenderam a tal requisito.

14 - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO

14.1- O estágio, ainda que remunerado, não gera vínculo empregatíciode qualquer natureza, nem assegura direitos específicos dos funcionáriosda Justiça.

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RESOLUÇÃO Nº 35 DE 05 DE DEZEMBRO 2005

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2 ª REGIÃO,no uso de suas atribuições, tendo em vista o decidido pelo Plenário destaCorte na sessão de 01/12/2005, RESOLVE:

Art. 1º. Fica o Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federalda 2ª Região (EMARF) autorizado a instituir programa de aperfeiçoamentoou especialização de magistrados, destinado aos juízes em fase devitaliciamento e aos juízes federais já vitaliciados, substitutos ou titulares,como etapa do procedimento de vitaliciamento ou condicionante àpromoção por merecimento, em atendimento à alínea c do inciso II e aoinciso IV, ambos do art. 93 da Constituição Federal, com a redação dadapela Emenda nº 45/2004, e aos incisos II e III do art. 4º da Resolução nº6/2005 do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 2º. O programa de aperfeiçoamento deverá atender ao critério daisonomia, possibilitando aos magistrados participar de eventos necessáriosà obtenção da freqüência e do aproveitamento, durante o ano, para osfins de vitaliciamento ou de promoção, conforme o caso.

Parágrafo único. Poderá o Diretor-Geral da EMARF, por sua vez, dianteda limitação de vagas, restringir a participação de juízes, em determinadoseventos, levando-se em conta o público alvo primordial, os objetivosdidáticos pedagógicos, a atividade exercida pelo magistrado e suacondição na carreira, adotando sempre critério objetivo e transparentepara a seleção.

Art. 3º. Ato do Diretor-Geral da EMARF estabelecerá os eventos queserão objetos do programa de aperfeiçoamento ou especialização, coma devida gradação e quantitativo necessário, em sintonia com o interessepúblico e a indispensável razoabilidade, evitando-se disciplinas que não

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tenham qualquer afinidade com a atividade judicante e carga horária quecomprometa o trabalho do magistrado.

Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE E CUMPRA-SE

Des. Federal FREDERICO GUEIROS

Presidente

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Legislação e Normas Internas da EMARF

RESOLUÇÃO Nº 004 DE 10 DE MARÇODE 2006

Dispõe sobre a valoração de desempenho dos magistrados para efeitode promoção por mérito.

O Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no uso desuas atribuições, considerando o disposto no art. 93, II, “c”, da ConstituiçãoFederal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 dedezembro de 2004, e no art. 4º, I e II, da Resolução nº 6, do ConselhoNacional de Justiça, de 13 de setembro de 2006, e tendo em vista odecidido pelo Egrégio Plenário, em sessão realizada em 09 de março de2006, nos autos do Processo Administrativo, Prot. nº 199/02/2006-PES,resolve editar a presente Resolução:

Art. 1º A aferição do merecimento, para fins de promoção de magistrado,compete ao Plenário do Tribunal, que analisará o desempenho dos candidatosde forma fundamentada, utilizando-se de critérios objetivos para apuraçãoda produtividade e presteza no exercício da jurisdição e da freqüência eaproveitamento em cursos, oficiais ou reconhecidos, de aperfeiçoamento.

Art. 2º A aferição do desempenho do magistrado compreenderá, alémda análise da produtividade e presteza no exercício da jurisdição e dafreqüência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento, averificação do cumprimento e observância dos deveres e vedaçõesfuncionais estabelecidos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional,inclusive de eventuais penas disciplinares impostas pelo Tribunal.

...........

Art. 4º A apuração da freqüência e do aproveitamento em cursosoficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento será realizada anualmentepela Escola da Magistratura Federal da 2a Região, em consonância com oscritérios objetivos estabelecidos pela Resolução nº 35, de 05 de dezembrode 2005, deste Tribunal, incumbindo ao Plenário deliberar definitivamenteacerca de tal análise.

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§ 1º Até o dia 31 de janeiro de cada ano, a EMARF remeterá ao Plenáriorelatório descritivo das atividades de aperfeiçoamento desenvolvidas pelosmagistrados ao longo do ano anterior, analisando a situação de cada juizpara o concurso por merecimento.

§ 2º O magistrado cuja apuração concluir pela inaptidão serácientificado para, querendo, apresentar suas ponderações e justificativas,no prazo de 10 dias.

§ 3º O Plenário deliberará sobre o relatório da EMARF conformeprevisto no § 3º do artigo anterior.

Art. 5º Aberta promoção por merecimento, a Presidência remeterá atodos os Desembargadores Federais os históricos com as aferições deprodutividade, presteza e aperfeiçoamento de cada candidato, assim comoinformará eventuais penalidades disciplinares aplicadas desde a possedo magistrado.

....

Art. 10 ....

§ 3º Os Juízes convocados ao Tribunal sem atuação jurisdicional, bemcomo os Diretores de Foro que atuarem com prejuízo da jurisdiçãooriginal, mantêm a classificação de produtividade e presteza adequadadurante o período de afastamento da jurisdição, mantidas as exigênciasgerais de desempenho e de aperfeiçoamento (arts. 2º e 4º destaResolução), devendo ainda ser encaminhado ao plenário, ao final de cadaano, relatório das atividades desempenhadas na função, a cargo daautoridade responsável pela convocação ou nomeação.

§ 4º Observar-se-á a sistemática prevista no parágrafo anterior emrelação aos Juízes afastados para realização de curso de aperfeiçoamentono exterior, por período igual ou superior a seis meses, dispensando-se,neste caso, a exigência de participação em cursos oficiais da EMARF,desde que apresentados os relatórios previstos no art. 7º, da Resoluçãon° 28, de 30 de agosto de 2004, deste Tribunal.

§ 5º Os Juízes licenciados por motivo de saúde ou maternidade, porperíodo igual ou superior a seis meses, mantêm, durante o período de

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Legislação e Normas Internas da EMARF

afastamento da jurisdição, a classificação de produtividade e prestezaobtida no ano anterior, dispensando-se a exigência de aperfeiçoamentoenquanto perdurar tal situação.

Art. 11. O Juiz cuja produtividade e presteza for definida comoinadequada pelo Plenário, além de ficar inapto a concorrer à promoçãopor merecimento, sujeitar-se-á aos seguintes impedimentos temporários,só podendo afastá-los mediante obtenção de classificação adequada:

....

V – impossibilidade de afastamento para participação em cursos eseminários, ressalvados os eventos de aperfeiçoamento promovidos pelaEMARF, em conformidade com o disposto no art. 4º desta Resolução.

....

Art. 14 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

FREDERICO GUEIROS

Presidente

Publicado no Diário da Justiça, Seção II em 16/03/2006, às fls.174/175

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PORTARIA Nº 1, DE 27 DE SETEMBRODE 2005

O Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federal da2ª Região - EMARF, no uso de suas atribuições,

CONSIDERANDO que a Emenda Constitucional nº 45/2004 instituiu aobrigatoriedade de constante aperfeiçoamento e especialização para osjuízes;

CONSIDERANDO que a EMARF instituiu um programa deaperfeiçoamento e especialização para magistrados federais destaSegunda Região, RESOLVE:

CONSTITUIR COMISSÃO composta dos seguintes Juízes Federais: JoséAntonio Lisbôa Neiva, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes,Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva, Flávio de Oliveira Lucas,presidida pelo Juiz Federal mais antigo, para acompanhar a 2ª Etapa doCAE - Curso de Aperfeiçoamento e Especialização dos Magistrados Federaisde Primeira Instância, auxiliando a EMARF em todo o trabalho didático epedagógico para realização dos módulos e conferências.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

Desembargador Federal BENEDITO GONÇALVES

Diretor-Geral da EMARF

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Legislação e Normas Internas da EMARF

PORTARIA Nº 02, DE 05 DE DEZEMBRODE 2005

Disciplina o Curso de Aperfeiçoamento e Especialização (CAE) deMagistrados Federais vinculados ao Tribunal Regional Federal da 2ªRegião.

O Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região(EMARF), no uso de suas atribuições legais,

Considerando a necessidade de se instituir, com base na alínea c doinciso II e inciso IV do artigo 93 da Constituição Federal, com a redaçãodada pela Emenda nº 45/2004, e incisos II e III do artigo 4º da Resoluçãonº 6/2005 do Conselho Nacional de Justiça, curso de aperfeiçoamento eespecialização de juízes como condição para a promoção pormerecimento;

Considerando a necessidade de se propiciar aperfeiçoamento eespecialização aos juízes federais em fase de vitaliciamento, nos termosdo inciso IV do art. 93 da Constituição Federal;

Considerando, finalmente, a Resolução nº 35, de 05 de dezembro de2005, da Presidência desta Corte, aprovada pelo Plenário deste Tribunalna sessão do dia 01/12/2005;

RESOLVE disciplinar o Curso de Aperfeiçoamento e Especialização demagistrados federais vinculados ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região(CAE), nos termos abaixo.

I. DO CURSO DE APERFEIÇOAMENTO E ESPECIALIZAÇÃO (CAE).

Art. 1o. O Curso de Aperfeiçoamento e Especialização (CAE) é umprograma permanente de capacitação e qualificação de todos os magistradosfederais da 2a Região, voltado para o aprimoramento da atividadejurisdicional, como condição de promoção e vitaliciamento do juiz.

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Art. 2o. O CAE será coordenado por uma Comissão, composta por quatrojuízes indicados pela Direção da EMARF, que deverá organizar e planejaras atividades que compõem o CAE.

II. DOS EVENTOS PREVISTOS NO CAE.

Art. 3o. O CAE é constituído de um conjunto de diferentes atividades,com distintas cargas horárias, oferecidas pela EMARF ou por instituiçõespor ela credenciadas, a permitir a ampla possibilidade de desenvolvimentode conteúdos relevantes e pertinentes para o bom desempenho da funçãojurisdicional.

Art. 4o. As atividades que compõem o CAE são:

I – Conferências

a) As conferências destinam-se ao desenvolvimento de temasespecíficos e atuais no cenário jurídico;

b) Serão ministradas por professores convidados, de renomadareputação acadêmica e profissional, admitindo-se inclusive que os própriosdesembargadores ou juízes federais sejam os conferencistas;

c) As conferências, a critério da Direção da EMARF, poderão ser abertasao público;

d) A carga horária de cada conferência será, em regra, de 2 horas;

II – Programas de Estudos Avançados (PEA)

a) Os PEA são cursos de pequena duração, voltados para a atualizaçãodo magistrado, sob o enfoque doutrinário e jurisprudencial maiscontemporâneo, buscando incorporar os debates atuais, mais relevantesno cenário nacional;

b) A coordenação dos PEA será atribuída a um desembargador ou juizfederal que se responsabilizará pela elaboração de proposta do conteúdoprogramático do curso, bem como pela indicação dos professoresparticipantes;

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Legislação e Normas Internas da EMARF

c) Os PEA serão ministrados, preferencialmente, por professoresconvidados e/ou magistrados federais que tenham afinidade com ostemas propostos;

d) Cabe à Direção da EMARF, facultada a consulta à Comissão do CAE,indicar os juízes coordenadores, mediante convite prévio, bem comodeliberar sobre o conteúdo programático dos PEA e seus respectivosprofessores;

e) A carga horária de cada PEA será, em regra, de 8 horas;

III – Grupos de Trabalho (GT)

a) Os GT são grupos de discussão voltados para a troca de experiênciasprofissionais sobre questões vivenciadas no cotidiano do juiz, relacionadasdiretamente à prestação jurisdicional e definidas a partir das matérias decompetência da Justiça Federal;

b) A coordenação dos GT será atribuída a um desembargador ou juizfederal que se responsabilizará pela elaboração das questões que serãodebatidas pelo grupo e da respectiva bibliografia;

c) Cabe à Direção da EMARF, facultada a consulta à Comissão do CAE,indicar os magistrados coordenadores dos GT, mediante convite prévio,bem como deliberar sobre seu conteúdo;

d) A carga horária de cada GT será, em regra, de 4 horas;

e) Os GT terão de vinte a trinta participantes, a critério do respectivocoordenador;

IV – Cursos Especiais (CE)

a) Os CE são cursos voltados para o aprimoramento do magistrado, emáreas de conhecimento distintas do Direito, mas com ele interligadas,pretendendo-se estimular uma formação interdisciplinar do juiz, enquantoelemento de maior adequação e aproximação da realidade social;

b) A coordenação dos CE será atribuída a um desembargador ou juiz federalque se responsabilizará pela elaboração de proposta do conteúdo programáticodo curso, bem como pela indicação dos professores participantes;

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106 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

c) Os CE serão ministrados, preferencialmente, por professoresconvidados e por magistrados federais que tenham afinidade com ostemas propostos;

d) Cabe à Direção da EMARF, facultada a consulta à Comissão do CAE,indicar os magistrados coordenadores, bem como deliberar sobre oconteúdo programático dos CE e seus respectivos professores;

e) A carga horária de cada CE será definida, caso a caso, pela Direçãoda EMARF.

V - Curso de Ambientação (CA)

a) O Curso de Ambientação é composto por uma série de atividadesvoltadas para os juízes recém-ingressos na magistratura federal e destina-se a introduzi-lo na função de julgar, bem como a facilitar a integraçãodo juiz em sua carreira;

b) As atividades do CA deverão oferecer aos juizes iniciantesreferenciais pragmáticos mínimos para a realização dos atos necessáriosao dia-a-dia do juiz;

c) A Coordenação do CA será atribuída a magistrados federais que seresponsabilizarão pela elaboração de proposta do conteúdo programáticodo curso, bem como pela indicação dos professores participantes;

d) O CA será ministrado, preferencialmente, por desembargadoresou juízes federais que tenham experiência profissional nos temas queserão abordados;

e) Cabe à Direção da EMARF indicar os magistrados coordenadores,bem como deliberar sobre o conteúdo programático do CA e seusrespectivos professores.

f) A carga horária atribuída ao CA será definida, caso a caso, pelaDireção da EMARF.

III. DA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO E DOS COORDENADORES.

Art. 5º. Caberá à Comissão prevista no art. 2º, designada pelo Diretor-

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Legislação e Normas Internas da EMARF

Geral, colaborar no planejamento e organização dos eventos integrantesdo Curso de Aperfeiçoamento e Especialização de Magistrados, podendoos seus membros participar das atividades.

Art. 6º. A EMARF designará coordenadores para os eventos, que ficarãoresponsáveis, conforme a atividade, pela condução acadêmica, com aindicação dos temas e palestrantes para os Estudos Avançados e dosrelatores, temas e bibliografia para os Grupos de Trabalho.

Art. 7º. A participação efetiva dos membros da Comissão de Apoio aoCAE e dos respectivos coordenadores nos eventos não exigirá inscriçãoprévia e será devidamente computada para fins de freqüência eaproveitamento.

IV. DA FREQÜÊNCIA E DO APROVEITAMENTO.

Art. 8º. Os magistrados federais deverão comparecer a um númeroanual mínimo de eventos para atender a freqüência exigida no CAE,necessária à promoção por merecimento ou à obtenção do vitaliciamento,conforme o caso.

Art. 9º. Salvo estipulação em contrário da Direção da EMARF, o númeroanual mínimo exigido será atingido com a participação cumulativa em:

I - Quatro Conferências;

II - Um Programa de Estudo Avançado (PEA) ou, alternativamente, emum Curso Especial (CE);

III - Um Grupo de Trabalho (GT);

Art. 10. Os juízes substitutos recém-ingressos na carreira tambémdeverão freqüentar obrigatoriamente o Curso de Ambientação (CA)elaborado pela EMARF.

Art. 11. A participação de juiz federal em curso de pós-graduaçãocredenciado pela EMARF ou pelo Conselho da Justiça Federal dispensará,no respectivo período, a freqüência nos eventos mencionados nos incisosI e II do art. 9º desta Portaria, para fins de promoção por merecimento.

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Art. 12. A participação de juiz em qualquer evento mencionado noart. 9º desta Portaria como coordenador ou palestrante produzirá efeitospara fins de freqüência e aproveitamento.

Art. 13. Os juízes deverão, para fins de aproveitamento, elaborarrelatório ou trabalho escrito a respeito do Programa de Estudo Avançado(PEA) ou Curso Especial (CE) realizado, dirigido ao respectivo coordenador,em trinta dias a contar do evento.

§ 1º. Em caso de oferecimento de relatório, ou de trabalho, sempertinência temática ou fora do prazo, poderá o coordenador comunicara EMARF tal circunstância, ficando prejudicado o aproveitamento domagistrado no aludido evento, devendo, nesse caso, ser assegurado odireito de defesa.

§ 2º. Poderá ser relevada a intempestividade diante de justo motivo,devidamente demonstrado.

Art. 14. A participação do juiz nas discussões do Grupo de Trabalho(GT), diante da especialidade da própria atividade desenvolvida, ensejaráa conclusão de que houve o devido aproveitamento, salvo se ficarconstatado o patente desinteresse no debate das questões submetidas,sendo aplicável, no que couber, a comunicação prevista no § 1º do artigoanterior.

V. DAS INSCRIÇÕES.

Art. 15. Os juízes deverão se inscrever para participar das atividadesque integram o CAE até a véspera do respectivo evento, salvo disposiçãoem sentido contrário da EMARF. (artigo alterado pela portaria nº 3, de 20de Março de 2006)

“Os juízes deverão se inscrever para participar das atividades queintegram o CAE até o terceiro dia útil que antecede o evento, salvodisposição da EMARF em sentido contrário”.

Art. 16. No que se refere aos Grupos de Trabalho (GT), as inscriçõesserão abertas 30 dias antes da realização da atividade e se encerram 15dias após a sua abertura.

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Art. 17. Os Grupos de Trabalho terão um número de participanteslimitado, nos termos da alínea e do inciso III do art. 4º, levando-se emconta o público alvo primordial, os objetivos didáticos pedagógicos, aatividade exercida pelo magistrado e sua condição na carreira.

Parágrafo único. Deverão ser oferecidas oportunidades suficientes paraque todos os juízes interessados possam efetuar sua capacitação parafins de vitaliciamento e promoção.

Art. 18. Em caso de limitação de vagas, a participação dos juízes ficacondicionada ao deferimento de sua inscrição pela EMARF.

§ 1º. Os critérios aplicáveis para o deferimento das inscrições são:

I - Posição na carreira (substituto/titular);

II - Vitaliciedade;

III - Pertinência temática (exercício efetivo de competênciacorrelata ao tema da atividade);

IV - Participação pretérita do magistrado durante o respectivo anoem outro Grupo de Trabalho;

§ 2º. A antiguidade é o critério a ser aplicado para o desempate;

§ 3º. Excepcionalmente e de forma fundamentada, a Direção da EMARFpoderá autorizar o deferimento de inscrições em número superior aoinicialmente previsto e oferecido, mediante a oitiva prévia da Comissãodo CAE e do juiz coordenador da atividade.

Art. 19. Ao divulgar as atividades do CAE, a EMARF indicará seu públicoalvo prioritário, o número de vagas disponíveis e os critérios a seremconsiderados para o deferimento das inscrições, observando-se o dispostono artigo antecedente.

Art. 20. Fica a EMARF autorizada a estabelecer, para os Grupos deTrabalho (GT), e se for o caso, uma lista de espera para participação, sehouver desistência de juiz com inscrição já deferida, observando-se osmesmos critérios aplicados no art. 18.

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110 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

Art. 21. As inscrições poderão ser realizadas, a critério da EMARF, pormeio eletrônico.

VI. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS.

Art. 22. Nenhum magistrado poderá ser prejudicado caso não tenhaconseguido, comprovadamente, atingir a freqüência anual exigida paraos Grupos de Trabalho (GT), em virtude de limitação quanto ao númerode participantes, devendo, nessa hipótese excepcional, ser computada aparticipação para fins de freqüência e aproveitamento.

Art. 23. Os eventos da EMARF anteriores a 01 de janeiro de 2006 nãoserão considerados para fins de promoção por merecimento, ressalvadoo disposto no artigo 25.

Art. 24. A participação nos eventos previstos para o ano de 2006, eassim sucessivamente, produzirá efeitos apenas no ano subseqüente, parafins da aferição da freqüência e do aproveitamento destinada à promoçãopor merecimento.

§ 1º. Em relação aos juízes em fase de vitaliciamento, o exame dafreqüência e participação envolverá todo o período em que o magistradoestiver em estágio probatório, a contar do respectivo exercício como juizsubstituto.

§ 2º. Os atuais juízes substitutos estarão sujeitos à disciplina destaPortaria a partir do ano seguinte à sua edição (2006), sendo-lhes aplicável,no que couber, o disposto no artigo 22, no que se refere à freqüência eao aproveitamento, para avaliação do vitaliciamento.

§º 3º. Caberá ao Diretor da EMARF atribuir a devida pontuação aoseventos realizados pela respectiva Escola antes de 2006, em relação aosjuízes em estágio probatório, notadamente no que se refere ao Curso deAmbientação (CA).

Art.25. Competirá ao Tribunal dar o devido valor à participação demagistrado em conferências, cursos ou seminários realizados pela EMARF,Conselho da Justiça Federal e à realização de pós-graduação stricto ou

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Legislação e Normas Internas da EMARF

lato sensu, se assim entender conveniente, no momento de eventualvotação para promoção por merecimento no ano de 2006, tendo em vistao disposto nos artigos 23 e 24.

Art. 26. Existindo condições tecnológicas, poderão ser realizados porvideoconferência alguns eventos, a critério da Direção da EMARF.

Art. 27. Os casos omissos serão resolvidos pela Direção da EMARF.

Art. 28. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

CUMPRA-SE. REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE.

Desembargador Federal Benedito Gonçalves

Diretor-Geral da EMARF

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112 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

PORTARIA Nº 4, DE 27 DE OUTUBRODE 2006

Cria o Grupo de Estudo (GE) como parte integrante do Curso deAperfeiçoamento e Especialização (CAE) para Magistrados Federaisvinculados ao Tribunal Regional Federal da 2a. Região.

O Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federalda 2ª Região (EMARF), no uso de suas atribuições legais, e emcomplemento às disposições pertinentes ao Curso de Aperfeiçoamentoe Especialização para os Magistrados Federais vinculados ao TribunalRegional Federal da 2ª Região (CAE), determina que:

Art. 1o. O Grupo de Estudo (GE) passa a integrar o CAE, além dasatividades previstas na Portaria 02, de 05 de dezembro de 2005.

Art. 2o. Os GEs são atividades de leitura e debates, voltadas para oestudo reflexivo, aprofundado e crítico sobre temas, questões, obras eautores que sejam do interesse da Magistratura Federal, admitindo-se,inclusive, uma abordagem interdisciplinar e/ou em perspectiva comparadado objeto de estudo escolhido.

Art. 3o. Os GEs serão coordenados por juízes federais, admitindo-setambém o exercício da coordenação por pessoas indicadas à EMARF, porinstituições de ensino e pesquisa, ou congênere que mantenhamconvênios de cooperação científica e cultural com a EMARF.

Art. 4o. Cabe ao coordenador do GE elaborar proposta de trabalho, aser aprovada pela Direção-Geral da EMARF, facultada a consulta à Comissãodo CAE.

Art. 5o. A proposta de trabalho deverá observar os termos do Anexo 1,com a indicação da temática a ser discutida, nome e qualificaçãoacadêmica dos participantes, o cronograma de trabalho, a carga horária,a bibliografia a ser trabalhada, bem como a definição do espaço ondeocorrerão as reuniões de trabalho.

Art. 6o. Cabe ao coordenador do GE tomar as medidas administrativas

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Legislação e Normas Internas da EMARF

necessárias para o funcionamento do grupo, bem como definir sua equipede trabalho.

Art. 7o. Os GEs poderão ser realizados em locais distintos da EMARF,situados nas dependências da Justiça Federal de Primeira ou SegundaInstância.

Art. 8o. Os GEs estão abertos aos juízes federais e também a pessoasindicadas pela EMARF e/ou instituições de ensino e pesquisa, ou congênereque mantenham convênios de cooperação científica e cultural com aEMARF, mediante anuência do coordenador também.

Art. 9o. Caberá à EMARF divulgar entre os juízes os GEs. Os juízesinteressados em fazer parte de um GE deverão procurar seu respectivocoordenador e ajustar sua participação.

Art. 10o. Ao final do GE, deverá o coordenador apresentar um relatóriode trabalhos desenvolvidos, acompanhado de lista de freqüência, nostermos do Anexo 2.

Art. 11o.Os GEs serão desenvolvidos sem ônus financeiro para a EMARF.

Art. 12o. Os membros participantes do GE estranhos à magistraturapoderão requerer, junto à EMARF, declaração de participação no GE,observadas as normas regulamentares de praxe.

Art. 13o. A participação de juiz em um GE, no ano equivale àparticipação em um PEA (Programa de Estudos Avançados) ou CE (CursoEspecial), nos termos do art. 9o, inciso II, da Portaria 2, de 05 de dezembrode 2005, cabendo ao juiz requerer à Direção-Geral da EMARF que sejadeferida a equivalência de atividades, juntando, para tanto, relatório defreqüência e aproveitamento, conforme Anexo 3.

Art. 14o. Os casos omissos serão resolvidos pela Direção-Geral da EMARF.

Art. 15º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

CUMPRA-SE. REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE.

Desembargador Federal Benedito Gonçalves

Diretor-Geral da EMARF

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PORTARIA Nº 8, DE 21 DE MAIO DE 2007

Disciplina a validação de atividades desenvolvidas por juízesintegrantes do corpo discente dos Programas de Pós-Graduação StrictoSensu em Direito ou Áreas Afins, nos termos do art. 93, II, c) da CRFB/88, na redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

O Diretor-Geral da Escola da Magistratura Regional Federal da2ª Região - EMARF, no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO a Portaria nº 6, de 20 de abril de 2007, RESOLVE:

Art. 1º. Disciplinas cursadas no Programa de Pós-Graduaçãoequivalerão a 1 (um) Programa de Estudos Avançados – PEA ou a 4 (quatro)Conferências, limitada a uma disciplina por ano.

Art. 2º. Os juízes discentes dos referidos Programas que desejemvalidar as atividades desenvolvidas na Pós-Graduação Stricto Sensudeverão, ao final de cada ano, requerer à EMARF a validação pretendida,instruindo o requerimento com o aproveitamento das disciplinascumpridas no Programa ao longo do ano.

Art. 3º. A validação de atividades desenvolvidas em Programas dePós-Graduação Stricto Sensu, em Áreas Afins ao Direito, será examinadacaso a caso, observando-se:

I. A existência de autorização do Programa pela CAPES e atribuiçãode grau mínimo 3 (três); e

II. A relação de afinidade e pertinência da área de conhecimento ouda disciplina.

Art. 4º. Os demais casos omissos serão decididos pela Direção daEMARF, ouvida a Comissão de Acompanhamento do Curso deAperfeiçoamento e Especialização para Magistrados Federais da SegundaRegião – CAE.

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Legislação e Normas Internas da EMARF

Art. 5º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação e aplica-se, no que couber, aos pedidos de convolação ainda não apreciados.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

ANDRÉ FONTES

Diretor-Geral da EMARF

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116 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

ANTEPROJETO DE REGIMENTO INTERNODA ESCOLA DA MAGISTRATURA

REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

TÍTULO I

DA INSTITUIÇÃO, FINS E ATIVIDADES

Art. 1º A Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região – EMARF,instituída pela Resolução nº15, de 01 de agosto de 1997, do TRF da 2ªRegião, como órgão integrante do próprio Tribunal, tem sede na cidadedo Rio de Janeiro, sucursal em Vitória e núcleos representativos em váriascidades dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Art. 2º A Escola tem por objetivo principal: cooperar na formação,aperfeiçoamento e especialização de magistrados, assim como nacapacitação de funcionários da Justiça Federal, e promover pesquisas,estudos e projetos destinados ao aprimoramento da atividade judicanteno âmbito da 2ª Região.

Art. 3º Na realização dos seus fins, a Escola promoverá:

a) cursos de iniciação à magistratura (ambientação);

b) cursos de aperfeiçoamento e especialização de magistrados;

c) seminários, encontros, simpósios, palestras e painéis, envolvendotemas jurídicos e administrativos de interesse da Justiça Federal;

d) atividades de ensino e pesquisa;

e) Estudos, visando ao aprimoramento da legislação relativa à aplicaçãodo Direito;

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Legislação e Normas Internas da EMARF

f) Publicação periódica da Revista, Boletins e trabalhos jurídicos deinteresse do Poder Judiciário;

g) Aproximação com outras Escolas de Magistratura e instituições afins,ensejando contatos com magistrados brasileiros das diferentes regiões etambém estrangeiros;

h) Estágios universitários, com vistas à integração de estudantes aoPoder Judiciário e à complementação do ensino prático, de modo adespertar vocações e o gosto por atividades ligadas à judicatura;

i) Elaboração de metas a serem atingidas em lapsos temporais pré-definidos, objetivando garantir a continuidade administrativa do órgão, adespeito das periódicas substituições dos seus gestores.

§1º Os cursos previstos na letra a deste artigo são de freqüênciaobrigatória para os juízes novos, recém-investidos na magistratura e aindasem experiência judicante.

§2º Quando da realização dos eventos de que tratam as letras b, c, d,e e, a Escola efetuará o controle da freqüência e aferirá o aproveitamentodos magistrados neles inscritos, para fins do disposto na letra h do artigo 8º.

§3º A Diretoria da Escola pode, para melhor esquematizar suasatividades pedagógicas, estabelecer, através de portarias, programasdisciplinando os eventos, bem como constituir comissões específicas dejuízes e funcionários para coordenar e acompanhar sua execução.

TÍTULO II

DA ADMINISTRAÇÃO

Art. 4º A EMARF é administrada por um Diretor-Geral, assessorado porum quadro de apoio fornecido pelo Tribunal, e 4 (quatro) Diretores comfunções específicas, a saber: um Diretor de Cursos, um Diretor de Eventose Relações Públicas, um Diretor de Publicações e um Diretor de Estágios.

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118 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

§ único. A Diretoria pode autorizar o Diretor-Geral a nomear, porportaria, juízes auxiliares para assessorarem os Diretores na realizaçãode suas tarefas, como Adjuntos, sem ônus para a entidade.

Art. 5º Os cinco Diretores são eleitos pelo Plenário do Tribunal RegionalFederal da 2ª Região, em chapa única, na mesma oportunidade em queelege sua Presidência, com mandatos de 2 (dois) anos, vedada arecondução para as mesmas funções.

§1º O cargo de Diretor-Geral deve sempre ser ocupado por membroefetivo do Tribunal, podendo as demais Diretorias ser exercidas pormembros da Corte já inativados.

§2º Nos casos de impedimento e afastamento, o Diretor-Geral serásubstituído pelo Diretor da EMARF mais antigo no Tribunal, observado odisposto no parágrafo anterior.

Art. 6º O quadro de apoio administrativo, referido no artigo 4º capute destinado a assessorar o Diretor-Geral na execução dos seus objetivos,compõe-se de um Assessor Executivo e de vários funcionários do Tribunal,lotados na Escola.

TÍTULO III

DA DIRETORIA-GERAL

Art. 7º A direção executiva da EMARF compete ao Diretor-Geral, eleitopelo Plenário dentre seus membros efetivos, com apoio do quadromencionado no artigo anterior.

Art. 8º Compete ao Diretor-Geral:

a) representar a entidade interna e externamente; especialmente junto

à Presidência do Tribunal, ao Conselho Permanente de Diretores de Escolas

Federais da Magistratura (CPDEFM) e a outras instituições congêneres, do

País e do Exterior;

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Legislação e Normas Internas da EMARF

b) dirigir os serviços administrativos da Escola, escolhendo o Assessor

Executivo e os ocupantes dos cargos comissionados;

c) presidir as reuniões da Diretoria e orientar a atuação da Escola, com

vistas à realização dos seus objetivos;

d) presidir as solenidades de abertura dos cursos e demais eventos,

quando presente;

e) obter, junto às instituições interessadas, com a cooperação do Diretor

da respectiva área, patrocínio e apoio financeiro para auxiliar o custeio

financeiro de eventos e publicações;

f) elaborar, de comum acordo com os demais membros da Diretoria, o

plano das metas a serem alcançadas em períodos definidos de tempo;

g) apresentar, ao final de cada ano, um relatório circunstanciado das

realizações da EMARF no período;

h) remeter ao Plenário do Tribunal, até 31 de janeiro de cada ano,

relatório descritivo da freqüência e das atividades de aperfeiçoamento

desenvolvidas pelos magistrados ao longo dos doze meses anteriores,

analisando a situação de cada um, para fins de apuração de merecimento,

com vistas à sua promoção e vitaliciamento;

i) conferir, juntamente com o Diretor específico, diplomas ou

certificados de freqüência e aproveitamento dos cursos, eventos e estágios

promovidos pela Escola;

j) indicar à Diretoria e em seguida nomear, se aprovados, os

magistrados adjuntos de que trata o parágrafo único do artigo 4º, bem

como os membros das comissões previstas no parágrafo 3º do artigo 8º.

k) expedir portarias e atos regulamentando as atividades da Escola;

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120 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

TÍTULO IV

DA DIRETORIA DE CURSOS

Art. 9º A Diretoria de Cursos, conduzida por um Diretor próprio comauxílio do quadro de apoio, tem por objetivos:

a) promover e realizar, juntamente com o Diretor-Geral, cursos deformação de magistrados recém aprovados em concursos públicos deingresso na magistratura;

b) realizar cursos de aperfeiçoamento e especialização de magistradosjá integrados na carreira, com ajuda das comissões referidas no artigo 3º,parágrafo 3º;

c) organizar e implementar cursos de aprimoramento e capacitaçãode servidores da Justiça Federal, com exercício no primeiro e no segundograus de jurisdição.

Art. 10. Os cursos de formação de magistrados destinam-se àambientação dos novos juízes à atividade judicante, constando dorespectivo currículo matérias relacionadas com o exercício da função e oramo do Judiciário em que vão desempenhar suas tarefas; especialmente:

a) história e estrutura atual da Justiça Federal;

b) competência e dinâmica desse ramo do Poder Judiciário, nos doisgraus de jurisdição;

c) prática cartorária, compreendendo atividades específicas de cadaVara, organização e funcionamento da respectiva Secretaria; distribuiçãoe andamento dos feitos; especialização, controle e fiscalização dosserviços de apoio;

d) noções práticas de Direito Processual; notadamente no que tangeà atividade do juiz: seu poder de polícia, independência funcional eliberdade de convencimento, obrigatoriedade de decidir,responsabilidade, técnicas de elaboração de sentenças e decisões edinâmica das audiências;

e) a Ética e a Magistratura, compreendendo a postura moral do juiz e

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Legislação e Normas Internas da EMARF

seu comportamento perante a sociedade, os advogados e os servidores aele subordinados;

f) administração judiciária, com particular ênfase para as funções dadireção do foro e da corregedoria.

TÍTULO V

DA DIRETORIA DE EVENTOS E RELAÇÕES PÚBLICAS

Art. 11. A Diretoria de Eventos e Relações Públicas, exercidas tambémpor um Diretor específico, tem por objeto:

a) manter relações com setores idênticos de outras Escolas deMagistratura, bem assim com centros de estudos e pesquisas jurídicas,Universidades públicas e privadas e com juristas de renome, objetivandotrazer, para debates na EMARF, temas de alto interesse da Justiça;

b) promover eventos, tais como: seminários, encontros, simpósios,palestras, painéis e estudos especializados, diversos dos previstos no artigo9º, letras a e b, destinados a magistrados, membros do Ministério Público,procuradores e advogados, nos termos do respectivo Regulamento;

c) organizar eventos destinados a aperfeiçoar os mecanismosadministrativos da Justiça Federal, especialmente o seu corpo funcionale os métodos empregados no exercício da atividade-meio da prestaçãojurisdicional;

d) pesquisar, junto aos magistrados, os assuntos de maior interessepara o bom desempenho da função judicante, encarregando-se deelaborar o conteúdo programático dos eventos incluídos na área desua atuação.

§ único. Compete ao Diretor de Eventos e Relações Públicas, aoelaborar o respectivo programa, escolher e contactar os palestrantes,magistrados ou não, fixando a remuneração correspondente e o eventualvalor a ser cobrado dos participantes.

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TÍTULO VI

DA DIRETORIA DE PUBLICAÇÕES

Art. 12. Compete à Diretoria de Publicações:

a) promover a publicação da Revista editada pela EMARF, destinada adivulgar trabalhos jurídicos produzidos por Magistrados Federais da 2ªRegião e também por autores consagrados, do País ou do Exterior,considerados de interesse, pelo órgão;

b) publicar e divulgar obras de elevado interesse jurídico ouadministrativo para a atividade jurisdicional, especialmente nos Estadosque integram a Segunda Região;

c) organizar a biblioteca, indicando ao setor competente, para a devidaaquisição, livros e material bibliográfico necessários à execução dosprogramas culturais e didáticos da instituição;

d) instrumentalizar e tornar efetivo o patrocínio e o apoio financeirode que trata o artigo 8º, letra e.

TÍTULO VII

DA DIRETORIA DE ESTÁGIOS

Art. 13. A Diretoria de Estágios tem por objeto elaborar e oferecer oprograma de estágio referido no artigo 3º, letra h, mediante convênioscelebrados com Faculdades de Direito públicas e particulares, oficiais oureconhecidas, em favor de estudantes nelas matriculados.

Art. 14. O estágio jurídico visa, precipuamente, aos seguintes objetivos:

a) melhorar os serviços prestados ao Tribunal e às Seções Judiciárias aele subordinadas, através de aprimoramento dos recursos humanos e deintercâmbio acadêmico-profissional;

b) possibilitar a complementação do ensino e aprendizagem práticade aplicação do Direito pelos estagiários, como instrumento de integraçãoe aperfeiçoamento técnico-profissional.

Art. 15. A escolha dos estagiários é feita mediante concurso, efetuado

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Legislação e Normas Internas da EMARF

diretamente pela Diretoria própria ou pelos Núcleos regionais, levandosempre em conta o número de vagas fixado anualmente pelo Tribunal.

Art. 16. Cada estagiário deve firmar, antes de iniciar a prestação dosserviços, um Termo de Compromisso contendo os direitos e as obrigaçõesque assume, entre os quais a duração do programa, a jornada de trabalhoe o valor da respectiva bolsa.

Art. 17. A concessão do estágio não implica vínculo empregatício,nem assegura aos estagiários direitos específicos dos funcionáriospúblicos.

Art. 18. Ao final do estágio, o estudante que o cumprir regularmentereceberá um certificado, nos Termos do respectivo Regulamento.

TÍTULO VIII

DA REGULAMENTAÇÃO

Art. 19. Cada Diretor específico (de Cursos, de Eventos, de Publicaçõese de Estágios) deve elaborar, de comum acordo com o Colegiado, umRegulamento explicitando a atuação da entidade na área de suacompetência.

Art. 20. Todas as atividades básicas da Escola, como: organizaçãoadministrativa, cursos, eventos sócio-culturais, publicações e estágiouniversitário, são sistematizadas e realizadas de acordo com osRegulamentos próprios, referidos no artigo anterior.

TÍTULO IX

DO CORPO DE APOIO

Art. 21. O corpo de apoio administrativo da EMARF é composto defuncionários do Tribunal nela lotados, sob a chefia imediata do AssessorExecutivo livremente escolhido pelo Diretor-Geral e sujeito à orientação deste.

Art. 22. A organização interna do órgão, compreendendo os serviços

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de secretaria, as áreas de competência e as atribuições de cada funcionário,é definida em Regulamento específico.

TÍTULO X

DA SUCURSAL E DOS NÚCLEOS REGIONAIS

Art. 23. Objetivando interiorizar sua atuação, a EMARF manterá uma Sucursalem Vitória, ES, e Núcleos representativos nas cidades-pólos dos dois Estadosintegrantes da 2ª Região Judiciária Federal (Rio de Janeiro e Espírito Santo).

Art. 24. A Sucursal de Vitória será dirigida por três juízes federais; umcom funções diretiva, representativa e coordenadora; e outro encarregadodos cursos e eventos culturais; e o terceiro, da aplicação do estágiouniversitário no Estado do Espírito Santo.

Art. 25. Os Núcleos regionais ficarão a cargo dos juízes titulares dasrespectivas Varas Federais ou do diretor do foro local, se houver mais deuma Vara na circunscrição.

Art. 26. Em cada Núcleo interiorano, cabe ao juiz representante daEMARF promover os eventos culturais de interesse local e que se insiramnos objetivos dela.

Art. 27. Os eventos culturais de interesse comum, sempre que possível,serão transmitidos diretamente, pelo processo de vídeo-conferência.

Desembargador Federal André FontesDiretor-Geral

Desembargador Federal Clélio ErthalDiretor da Revista

Desembargador Federal Luiz Antonio SoaresDiretor de Estágio

Desembargadora Federal Maria Helena CisneDiretora de Relações Públicas

Desembargadora Federal Liliane RorizDiretora de Pesquisa

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III - TEMAS DE FILOSOFIA,METODOLOGIA E HERMENÊUTICA

JURÍDICAS

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CONSTITUIÇÃO E ORDEM MORALRicarlos Almagro - Juiz Federal na 2ª Região*

1. INTRODUÇÃO

A Constituição é como um feixe de luz branca. Complexa em suacomposição, ao atravessar o prisma social refrata-se em múltiplos matizes.Captando o fenômeno, JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO1, na busca por umarecomposição desse quadro variegado, propõe a busca por umaConstituição pluridimensional. Aponta-nos para uma tensão, já surgidana origem do termo, entre o império normativo e a realidade viva2, reúneesses diversos matizes em dois grupos: as teorias da Constituição formale da Constituição material. No último contexto e sob o manto de umrealismo constitucional sociológico, expõe as teorias da Constituição comoforma de domínio, como quadro de luta política (concepçãoprocedimentalista sociológica), como ordem fundamental ou instituiçãoe como decisão fundamental. Por outro lado, ainda sob o viés materialista,reúne concepções normativas, tais como as de orientação essencialista ea real-material (realismo constitucional normativo).

Esse breve intróito apenas reforça a densidade do conceito, a qual,contrariando a própria noção que dele deriva, como idéia deaprisionamento da realidade3, reage a perspectivas unilaterais, rebelando-se

* O autor é Juiz Federal e Mestre em Direito (UGF-RJ).1 SAMPAIO, José Adércio. Teorias constitucionais em perspectiva. Crise e desafios da constituição.Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 3-54.2 “Se a palavra constitutio, já nas origens, remetia à dualidade do nascimento e do nascituro, doconstituir-se limitado pela própria Constituição, sua ambigüidade se alargou com o passar do tempopelo cultivo de uma antinomia entre o império normativo e a realidade viva” (SAMPAIO, JoséAdércio Leite. Ob. cit., p. 4-5).3 Conceito é expressão que deriva do latim cum + capere, remetendo-nos à idéia de captura, deaprisionamento da realidade.

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no mundo da vida contra essa captura doutrinal que o conceito pretende.Essa decomposição analítica é fecunda, permitindo enxergar naConstituição exatamente esse papel múltiplo decorrente dessacomplexidade intrínseca a ela.

Nesse contexto, o presente trabalho visa a colaborar nessa perspectivae, sem qualquer pretensão inovadora ou criativa, resumidamenteapresentar o paralelo demonstrado por WILLIAN J. BENNETT entre ordemsocial e Constituição4.

2. A ORDEM MORAL

A ordem moral é vista por W. BENNETT como “Uma sutil medida dasaúde da sociedade, um acesso baseado no caráter do seu povo e no tipode espírito que o move em sua vida diária”5. Para tanto, seria precisoresguardar determinados valores básicos, essenciais à auto-sustentaçãonacional e, sem os quais, aquela saúde ver-se-ia comprometida.Exemplifica com o respeito às pessoas; a consideração pela justiça,revelada na igualdade de tratamento; no respeito à liberdade em suasvariadas formas de manifestação (expressão, culto, associação, locomoçãoetc.); na possibilidade de mobilidade social; na existência de um sistemaeducacional confiável; na domesticação do poder em todas as esferas(governamental, nos negócios e na vida privada); no exercício datolerância, na valorização das pessoas pelo seu status de agente moral; etambém no estabelecimento de condições que promovam a concretizaçãodesses valores.

Esse substrato essencial à convivência humana é associado à idéiagrega de eunomia, referida inicialmente como “ordem social sob boasleis”6. Ocorre que apenas boas leis não a sustentam; necessário o

4 BENNETT, William J. The constitution and moral order. Hastings Constitutional Law Quarterly,v. 3. San Francisco: University of California, p. 899 –918.5 Ob. cit., p. 902.6 Webster’s New International Dictionary, 2. ed, 1941, apud BENNETT, William J. The constitutionand moral order. Hastings Constitutional Law Quarterly, v. 3, p. 902.

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comprometimento dos cidadãos com aqueles valores por elasexpressados. Nas palavras de W. BENNETT7:

Eunomia não é alcançada simplesmente quando as leis são boas oubem consideradas. Mais que isso, ela é uma condição que dependeda tomada de consideração de toda a sociedade para os valores queas leis expressam e que fora das quais eles emergem (...) na sociedadeeunômica, a vida agregada dos cidadãos fornece a evidência crucial.

Sem esse comprometimento, sem a existência de um plexo de valoresbásicos na sociedade, sem a crença no certo e no errado, perde-se osenso de justiça e, juntamente com ele, esvai-se a função simbólica dasleis e da Constituição, gerando-se um quadro de decadência social quese reflete nas comoções intestinas, não sendo raros os exemplos históricosde falência de grandes impérios por tal motivo8.

Mostra-se que a formalização de boas leis e de uma constituição exemplarnão corroboram uma autêntica eunomia, a qual depende daquele vínculosubjetivo comunitário de compromisso com os valores inerentes àquelasnormas. E esse vínculo se dilui quando a tarefa de sustentação daquelesvalores são relegados aos legisladores e aos tribunais.

Assim, o papel da Constituição e das leis mostra-se paradoxalmenterelevante. De um lado, a perda do seu papel simbólico compromete asaúde social; de outro, o êxtase desse papel, demonstrado nairresponsabilidade social pela conformação daqueles valores, que ficamrelegados ao Poder Público Estatal gera um agir descompromissado e aperda de consciência do papel dos cidadãos como agentes morais.

Por tudo isso, a missão das Cortes Judiciárias é relativa na conformaçãodeste quadro de eunomia. De fato, afirma W. BENNETT, “Uma sociedadeem que o espírito de moderação se foi, nenhuma corte pode salvar; aquela

7 Ob. cit., p. 903.8 O autor, citando THEODORE WHITE, traz o exemplo de Roma (ob. cit., p. 903):“... primeiro eles mataram César, o homem que Cícero pensava ser o maior inimigo da Justiça e dobem comum. E quando eles decapitaram Cícero um ano depois, foi pela mesma razão. Vingança,paixão, assassinato, regiam Roma. As pessoas permaneciam afastadas dos assassinatos e da mesmamaneira das execuções porque eles não sabiam mais em que acreditar e reconheciam que os seuslíderes não acreditavam em mais nada. Até aquele momento, a República estava morta, o mito dalei que tinha unido os romanos no início, perdeu o seu significado, reduziu-se a frases decorativasgravadas nos muros de mármore do império e nos palácios dos tiranos que os acompanhavam.“

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sociedade onde tal espírito floresce, nenhuma corte precisa salvar”. Há,assim, um papel compartilhado entre a auto-consciência da sociedade e ofomento proporcionado pelas Cortes Judiciais em direção ao ideal de vidamoral boa. E aqui menciono as Cortes Judiciais em razão do importantepapel por elas desempenhados na interpretação da Constituição e das leis,sobretudo nos momentos de conflito social. Há aí uma marcante tarefaeducativo, formatada por aqueles valores plasmados no sistema normativo.

3. CONSTITUIÇÃO E SEU SIGNIFICADO

A Constituição não é um documento auto-gerado. Mais do quepalavras redigidas sobre o papel e voltadas à manutenção da ordem e dogoverno, são necessários vínculos pessoais que mantenham os homensem seus deveres, os quais são forjados em suas ações. Tais vínculos estãocentrados na ética humana.

Lembra-nos W. BENNETT que “A constituição foi certamente planejadapara ter força moral, mas tal força era para ser alçada das fontesfundamentais, que os framers perceberam no ambiente da nova naçãomais do que no documento constitucional mesmo. A constituição foiprojetada para lembrar aos americanos daquilo que eles já conheciam”9.

A Constituição não é auto-sustentada. Da mesma forma que osconstituintes norte-americanos não acreditavam que criavam direitos eliberdades para os cidadãos, tampouco a existência da Constituição seriaela mesma suficiente para mantê-los. As concepções normalmente aceitasrevelam que a Constituição depende de valores externos para mostrar-seefetiva. Se esses valores e princípios não são suportados na vida doscidadãos, “a Constituição poderá ser mero conjunto de palavras no papel,mais uma relíquia do que uma herança”10-11.

9 Ob. cit., p. 907.10 Ob. cit., p. 905.11 W. BENNETT exemplifica com a Constituição Soviética de 1936, a qual, apenas no papel,assegurava um catálogo de direitos e garantias similar ao Bill of Rights, incluindo a liberdade deexpressão, de imprensa, de associação e de reunião, a inviolabilidade do lar e da correspondência,dentre outros. (ob. cit., p. 905, nota de rodapé n.º 37).

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Ricarlos Almagro

Enfim, a ordem legal não pode, por sua mera existência em código, leie documento, alimentar os valores sobre os quais ela repousa e depende.

A questão pode ser relembrada no debate que tomou lugar acerca daextensão dos direitos previstos no Bill of Rights. Para alguns, esse papelatributivo de direitos teria sentido em épocas memoráveis onde eles eramadquiridos por liberalidade do rei que os conferiam aos barões (HAMILTON),ou porque seria mesmo desnecessária a extensão para a sua efetividade,ou ainda porque se conformaria em tarefa impossível, porquanto sempredeixaria um espaço de ampliação ilimitado12. Prevalecia a idéia de que osdireitos fundamentais devem ser preservados pela solidez do senso ehonestidade do coração, não pela articulação constitucional.

Se hoje, efetivamente não se discute a importância daquela lista; certoé que a sua efetivação não é garantida pelo simples fato de estaremconsignados em uma folha de papel. Os valores constitucionais somentevicejarão diante do compromisso moral da sociedade com a suarealização. Nas palavras de W. BENNETT:

A autorizada exegese da Constituição é enfática que a sobrevivênciada nação como uma ordem moral secular depende primariamentede seus cidadãos, mais do que dos seus documentos fundantes. Suporque alguma forma de governo assegurará a liberdade ou a felicidadesem qualquer virtude do povo é uma idéia quimérica. Os autores deThe Federalist foram explícitos ao asseverar que a tarefa de forjar emanter um governo republicano, enquanto dependente em partede uma boa Constituição e instituições apropriadas, é primariamenteo trabalho da virtude.

4. O MITO DOS DIREITOS

O mito dos direitos é fundado na falsa crença da eficácia política e dasuficiência ética da lei. Cria-se uma viciada dependência à lei, emsubstituição às nossas responsabilidades morais e éticas. O problema,

12 Tal foi a sátira de Noah Webster, citada pelo autor (ob. cit., p. 908), questionando por que entãonão declarar que todos podem pescar em rios públicos, que o Congresso não deve restringir o direitode todos beberem e comerem , ou prever o direito de repouso sobre o lado esquerdo, em uma longanoite de inverno, ou ainda sobre o dorso, quando estiver cansado de deitar sobre o lado direito.

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que é originariamente de ordem moral, é deslocado para a insuficiênciada lei, a qual poderia ser resolvida por obra do legislador ou pelainterpretação judicial, em substituição à atividade moral dos cidadãos.“Sob o mito dos direitos, a lei serve como princípio moral e preceitoreligioso, e ela é chamada a substituir os pais, o professor e o rabinocomo mentora moral. A Constituição é a Bíblia deste dogma dedesenvolvimento secular, o Bill of Rights o seu Decálogo”13-14.

A veneração a esse mito nos conduz a uma perigosa situação em quea sociedade tende a ser mais litigiosa e focada em uma moralidade falsa,porque compulsória e heterônoma, obscurecendo a relação eunômicaentre boas leis e bons homens. Por outro lado, a confiança excessivadepositada no papel atribuído às leis, porque falseia o real problemamoral, deslocando-o da esfera ética, acaba por torná-las inefetivas,incapazes de atender a essa demanda moral. Por sua vez, isso tambémse reflete na constatação de um sistema jurídico-legal extremamentecambiante, uma vez que é a ele atribuída a responsabilidade pelo desviomoral incessante, daí a necessidade de propostas de modificaçãoconstantes. Tudo isso gera um quadro desgastado que acaba,paradoxalmente, revelando uma descrença nesse papel simbólico quedevem possuir a legislação e a jurisdição.

Como afirma W. BENNETT, a lei pode nos instruir acerca daresponsabilidade moral e proporcionar oportunidades, servindo deinstrumento para o nosso crescimento moral, mas não pode ela mesmacriar esses valores15.

Essa veneração a esse falso Deus decorre da idéia equivocada de queas considerações de ordem legal são mais palpáveis do que aquelasetéreas, próprias dos discursos morais. “Assim, uma visão do que é justo,do que é apropriado para o homem, é sempre precedido e repousa sobreuma noção de utilidade”16. Enfim, trata-se da substituição do discursomoral pelo pragmático.

13 W. BENNETT, ob. cit., p. 914.14 O autor esclarece que “A consciência da Constituição, particularmente do bill of rights e a 14.ªEmenda, cresce, mas o foco é legalista, centrado primariamente na Corte e na legislatura, e aindacomo exclusivo significado de promoção da consciência de decência e de civilidade” (ob. cit., p. 914).15 Cf. ob. cit., p. 315.16 Ob. cit., p. 916.

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5. CONCLUSÃO

Uma sociedade saudável não se sustenta sem o aporte de uma estruturabásica de valores, cuja sustentação e geração somente pode ser atribuídaaos próprios cidadãos. Nesse contexto, entretanto, leis e Constituiçãotransparecem como agentes de fomento na condução desse desiderato.Em última análise, as Cortes Judiciais, sobretudo as Constitucionais, acabampor encorparem esses valores, como um seu símbolo, afirmando-se asua responsabilidade nesse papel condutor da sociedade no ajuste docomportamento dos cidadãos ao quadro axiológico que nela é plasmado.

Desconsiderar essa responsabilidade pessoal, extasiando o papel daConstituição e das Cortes, pode conduzir-nos à veneração do mito dosdireitos, com as nefastas conseqüências daí decorrentes e já abordadas.É preciso realçar a confiança última em que as mais profundasnecessidades da civilização são encontradas fora das suas reivindicaçõesnas Cortes de Justiça; estando elas na atividade diária dos cidadãos.

Não se vai dizer, entretanto, que o domínio da moral é restrito aonível da consciência individual, na crença de que a lei está limitada aquestões de ordem não moral, não podendo ela criar valores, já que osdomínios do legal e da moral são mutuamente excludentes. O que épreciso é destacar que entre o mito dos direitos e a posição que acaba deser destacada repousa um largo meio termo de interação social onde acivilidade deve ser forjada.

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ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: ANÁLISE ÀLUZ DA FILOSOFIA EDUCACIONAL DE

PAULO FREIRERommel Madeiro de Macedo Carneiro*

1- Educação e valores humanos

Já na Antigüidade, encontram-se no pensamento de Platão idéiasbasilares para a formação de uma sociedade calcada na democracia e noideal de Justiça. Daí o destaque conferido à educação em sua obra ARepública, na qual se destaca que:

(...) a educação não é o que alguns apregoam que ela é. Dizem elesque arranjam a introduzir ciência numa alma em que ela não existe,como se introduzissem a vista em olhos cegos. (...) A presentediscussão indica a existência dessa faculdade na alma e de um órgãopelo qual aprende; como um olho que não fosse possível voltar dastrevas para a luz, senão juntamente com todo o corpo, do mesmomodo esse órgão deve ser desviado, juntamente com a alma toda,das coisas que se alteram, até ser capaz de suportar a contemplaçãodo Ser e da parte mais brilhante do Ser. A isso chamamos bem. (...) Aeducação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira maisfácil e mais eficaz de fazer dar volta a esse órgão, não a de o fazerobter visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele está na posiçãocorreta e não olha para onde deve, dar-lhe os meios para isso.1

Para Platão, a justiça só seria realmente alcançada se houvesse umaorganização educativa em busca da harmonia social. Tal filósofo se

* Advogado da União e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília(UniCEUB).1 PLATÃO. A República. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2001, p. 213-214.

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Ensino Jurídico no Brasil: Análise à Luz da Filosofia Educacional de Paulo Freire

136 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.1-264, dez.2008

contrapôs à política legalista, que classificava como algo inferior, consoanteobserva Judith Shklar.2

No estudo voltado à formação de uma sociedade justa e democrática,partindo-se do desenvolvimento da educação, observa-se também a importantecontribuição promovida por Aristóteles3. Veja-se o que afirma RolandCorbisier, comentando o Livro III da obra Política, do filósofo grego: “olegislador, antes de mais nada, deve ocupar-se com a educação da juventude,adaptando-a à forma particular de Constituição, pois costumes democráticosgeram uma democracia, e costumes oligárquicos, uma oligarquia”. 4

Além de Platão e Aristóteles, filósofos como Locke e Rousseau aliaramconceitos jurídico-filosóficos ao desenvolvimento de idéias pedagógicas.Neste sentido, cumpre trazer a lume o apanhado histórico-filosóficoefetuado por Leif e Rustin5, os quais ressaltam a visão que Locke possuíaacerca da ação poderosa da educação para fazer homens virtuosos, bemcomo apontam a confiança de Rousseau no desenvolvimento humano apartir do contato com a realidade e com os problemas da vida.

Outra relevante concepção educacional se encontra na obra de Kant6,seguida por filósofos como Fitche7 e Hegel8. Enxergando-se a educaçãocomo instrumento fundamental na formação do ser humano, chega-se àclara percepção de sua influência no processo de construção e difusãode valores.

Outros relevantes estudos acerca da educação são encontrados nadoutrina de Karl Marx9. Como bem assinala Moacir Gadotti, a referidadoutrina prega que “a transformação educativa deverá ocorrerparalelamente à revolução social. Para o desenvolvimento total do homeme a mudança das relações sociais, a educação deveria acompanhar e

2 Cf. SHKLAR, Judith N. Direito, política e moral. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 113.3 ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2001, passim.4 CORBISIER, Roland. Introdução à filosofia. São Paulo: Civilização Brasileira, 1984, v. 2, p. 243.5 LEIF, J., RUSTIN, G. Pedagogia geral: pelo estudo das doutrinas pedagógicas. São Paulo: CompanhiaEditora Nacional, 1960, passim.6 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2001, passim.7 Cf. GURVITCH. Le système de la morale concrète de J. G. Fitche. Tubingen: Éd. Mobr., 1924,passim.8 HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. 3. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, passim.9 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Crítica da educação e do ensino. Lisboa: Moraes, 1978, passim.

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acelerar esse movimento, mas não encarregar-se exclusivamente dedesencadeá-lo, nem de fazê-lo triunfar”.10

Pestalozzi, por sua vez, defendia a reforma da sociedade através daeducação das classes populares, consoante demonstra Frederick Eby:

(...) após a revolução suíça (1799), que liberou a classe desprotegida,Pestalozzi passou a sentir, mais profundamente que nunca, queuma educação melhor para cada indivíduo era o único meio deconservar os privilégios obtidos com a mudança política. A obtençãode direitos políticos, sociais e econômicos pouco significava a menosque fosse acompanhada do desenvolvimento de suas capacidadesde usufruir e utilizar suas liberdades. O direito ao desenvolvimentoindividual deve preceder qualquer outro direito, seja qual for. Semo desenvolvimento das capacidades de uma criança, todos os outrosdireitos são inúteis e ridículos.11

No Brasil, propugnando por uma educação de caráter transformadore democrático, Rui Barbosa reservou especial atenção aodesenvolvimento das doutrinas pedagógicas, como essência do próprioaprimoramento dos valores humanos. Tal jurista abraçou o princípio daliberdade de ensino, consagrado pela Revolução Francesa. Para ele, odesenvolvimento social só se alcançará pela renovação dos métodosde ensino, de modo que “cumpre renovar o método, orgânica esubstancial, absolutamente nas escolas. Ou antes, cumpre criar ométodo, porquanto o que existe entre nós usurpou um nome, que sópor antífrase lhe assentaria: não é o método de ensinar; é, pelo contrário,o método de inabilitar para aprender”.12

Traçado este breve apanhado de algumas relevantes idéias pedagógicas,cumpre adentrar ao pensamento de Paulo Freire, que tanto influxo exerceusobre uma série de doutrinadores nacionais e estrangeiros.

10 GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 130.11 EBY, Frederick. História da educação moderna: teoria, organização e práticas educacionais. 2. ed.Porto Alegre: Editora Globo, 1976, p. 383.12 BARBOSA, Rui. A reforma do ensino primário. Rio de Janeiro: MEC, 1983, p. 143.

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2 - A filosofia educacional de Paulo Freire

A busca pela formulação de princípios e métodos educacionais denatureza democrática representa uma constante no desenvolvimento dafilosofia educacional de Paulo Freire, para quem a educação se deveembasar no diálogo e não numa visão unilateral do conhecimento13.Partindo da premissa de que tanto o professor como o aluno sãodetentores, cada qual, de conhecimentos que precisam sercompartilhados, o referido doutrinador conferiu uma relevantecontribuição à teoria dialética do conhecimento. Tal autor prega que:

(...) a educação ou a ação cultural para a libertação, em lugar de seraquela alienante transferência de conhecimento, é o autêntico atode conhecer, em que os educandos – também educadores – comoconsciências intencionadas ao mundo ou como corpos conscientes,inserem-se com os educadores – educandos também – na busca denovos conhecimentos, como conseqüência do ato de reconhecer oconhecimento existente.14

Segundo o mencionado doutrinador, a formação da autonomiaintelectual do cidadão para intervir sobre a realidade deriva da educação.Neste sentido, deve-se observar que:

(...) duplamente importante se nos apresenta o esforço dereformulação de nosso agir educativo, no sentido da autênticademocracia. Agir educativo que, não esquecendo ou desconhecendoas condições culturalógicas de nossa formação paternalista, vertical,por tudo isso anti-democrática, não esquecesse também sobretudoas condições novas da atualidade. De resto, condições propícias aodesenvolvimento de nossa mentalidade democrática, se não fossemdistorcidas pelos irracionalismos.15

Ainda de acordo com tal filósofo e educador, “falar, por exemplo, emdemocracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar

13 FREIRE, Paulo, GUIMARÃES, Sérgio. Sobre educação (diálogos). Rio de Janeiro: Paz e Terra,1982, passim.14 FREIRE, Paulo,. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1979, p. 99.15 IDEM. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 90-91.

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os homens é uma mentira”.16 A autonomia do educando17 é, com efeito,um dos pilares dessa democrática visão educacional.

Comentando a ação cultural para a libertação apregoada por Paulo Freire,Carlos Alberto Torres demonstra a complexidade filosófica de seu pensamento:

A filosofia subjacente ao pensamento freireano se configura a partirde vertentes filosóficas distintas, em um amálgama de envergadura,reunindo, em confluência, o pensamento existencial (o homem comoser em construção), o pensamento da fenomenologia (o homemconstrói sua consciência enquanto intencionalidade), o pensamentomarxista (o homem vive no condicionamento econômico da infra-estrutura e do condicionamento ideológico da superestrutura) e adialética hegeliana (o homem como auto-consciência, parte daexperiência comum para elevar-se à ciência e, através do movimentodo devir dialético, o que é em si passa a ser em para si). No marcodesta confluência, a dialética hegeliana apresenta maior peso.18

O caráter holístico da obra de Paulo Freire, que não apenas contribuiupara o aprimoramento das idéias pedagógicas, como também das ciênciassociais como um todo, é ressaltado pelo filósofo Moacir Gadotti, a partirde uma compreensão da educação como um momento de transformaçãodo homem pela transformação do mundo.19 Decerto que Paulo Freireacentuou o papel político do ser humano, como agente histórico20,possuindo uma ampla visão das ciências sociais.

Para Paulo Freire, a formação de uma sociedade guiada pelo idealdemocrático apenas se alcançará por meio da implementação de métodoseducacionais embasados no princípio democrático, que levem à formaçãocidadã. Prega ele, assim, uma educação libertária, calcada no diálogo,vez que “a própria essência da democracia envolve uma nota fundamental

16 IDEM. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 82.17 IDEM. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,1996, passim.18 TORRES, Carlos Alberto. Consciência histórica: a práxis educativa de Paulo Freire. São Paulo:Editora Loyola, 1979, p. 52.19 GADOTTI, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Editora Scipione, 1989, p. 76.20 FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993, passim.

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que lhe é intrínseca – a mudança. Os regimes democráticos se nutrem naverdade de termos em mudança constante. São flexíveis, inquietos, devidoa isso mesmo, deve corresponder ao homem desses regimes maiorflexibilidade de consciência”.21

A visão existencial de Paulo Freire, de homem como ser em construção,é compartilhada por Álvaro Vieira Pinto, que exara, em artigo compiladopor Moacir Gadotti: “a educação é um processo, portanto é o decorrer deum fenômeno (a formação do homem) no tempo, ou seja, é um fatohistórico. Porém, é histórico em duplo sentido: primeiro no sentido deque representa a própria história individual de cada ser humano; segundo,no sentido de que está vinculada à fase vivida pela comunidade em suacontínua evolução”.22

As idéias de Paulo Freire se encontram, inclusive, em consonância coma concepção adotada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,a Ciência e a Cultura (UNESCO), segundo a qual a educação deve ser:

(...) um processo formativo de valores e atitudes em favor da paz, dacompreensão internacional, da cooperação, dos direitos humanos edas liberdades fundamentais (...). Em suma, seu conteúdo estabeleceu:(...) as instituições educacionais devem-se tornar locais de exercíciode tolerância, respeito pelos direitos humanos, prática da democraciae aprendizagem sobre a diversidade e a riqueza das identidadesculturais.23

3 - Ensino jurídico no Brasil à luz da filosofia de Paulo Freire

Apesar do advento da filosofia educacional de Paulo Freire, antecedidapor todo um avanço da doutrina pedagógica, a atual conjuntura educacionalbrasileira se encontra permeada por métodos unilaterais de ensino,mediante os quais o aluno é enxergado como mero sujeito passivo. Talrealidade também é observada, especificamente, no ensino jurídico

21 FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 90.22 GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Editora Ática, 2001, p.250.23 GOMES, Cândido Alberto da Costa. Dos valores proclamados aos valores vividos. Brasília:UNESCO, 2001, p. 23-24.

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hodiernamente praticado no Brasil, tendo por agravantes o excessivoaumento do número de cursos jurídicos nas duas últimas décadas, bemcomo a ausência das correspondentes políticas públicas necessárias aoaprimoramento dos métodos educacionais.

O ensino jurídico brasileiro atualmente apresenta, comumente, osseguintes traços característicos: a) educação calcada no mero estudo dasleis, fenômeno designado por Getúlio do Espírito Santo Maciel como“codigomania”24; b) carência de uma visão interdisciplinar do Direito,correlacionando seu estudo ao de outras áreas do conhecimento; c)ausência de fomento ao trinômio ensino, pesquisa e extensão. Todosestes aspectos são corolários de uma concepção educacional na qual oaluno não é encarado como um sujeito ativo, apto a inovar na interpretaçãodos diplomas normativos e dos entendimentos jurisprudenciais; apto aconciliar o estudo do Direito com estudo sociológico, político, pedagógico,dentre outras vertentes; apto a elaborar pesquisas que inovem asconcepções jurídicas existentes e a desenvolver projetos de extensãoque contribuam para o desenvolvimento social.

Não basta aos cursos superiores de Direito o desenvolvimento de novasdoutrinas jurídicas, sendo necessário que os mesmos atendam à suafunção transformadora, de construção de uma nova realidade social, deinspiração democrática, atenta ao atual estágio evolutivo em que seencontram os direitos fundamentais. Leiam-se, neste sentido, as palavrasde Fernando Catury Scaff:

(...) a escola é um dos principais aparelhos ideológicos do Estado,sendo que as escolas de Direito são, dentre todos, o principal deles,em razão de sua destacada importância na formação de um dosPoderes do Estado. Se não for transmitido nas Escolas de Direito que,quando faltar saúde, escola e pão, deverá haver justiça para corrigiresta distorção, de nada adiantará o discurso inflamado e a retóricavazia de nossos mestres, sempre tão ciosos de seu bem-falar, e nemsempre preocupados com o conteúdo e a ideologia subjacentes aseus ensinamentos.25

24 MACIEL, Getúlio do Espírito Santo. Por um ensino jurídico crítico. Seis temas sobre o ensinojurídico. São Paulo: Cabral editora / Robe editorial, 1995, p. 94.25 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. OAB recomenda: um retrato dos cursos jurídicos.Brasília: Conselho Federal da OAB, 2001, p. 65.

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Foi justamente partindo de uma visão transformadora para a época,que se criaram os primeiros cursos de Direito no Brasil, consoante assinalaNilo Pereira, ao afirmar que “a disciplinação jurídica iria ser a grandefonte geradora dos grandes princípios que passaram a informar anacionalidade”.26 Não é outra a opinião de Luís Delgado, ao explicitar asidéias que nortearam a criação dos cursos jurídicos no Brasil, exaltando opapel fundamental de tais cursos na própria formação do povo brasileiro.27

Tal visão é corroborada pelo magistral estudo da história do ensino jurídicono Brasil promovido por Clóvis Beviláqua.28

Hodiernamente, mostra-se clara a necessidade de se adotar umaconcepção libertária e transformadora do ensino jurídico, dotando-o demétodos democráticos, a partir de uma relação de colaboração e diálogoentre professores e alunos, na construção (e não na transmissão unilateral)do conhecimento. No atendimento de tais demandas, vê-se, pelo acimaexposto, a enorme contribuição a ser dada pelo pensamento de Paulo Freire.

No que tange ao excessivo normativismo que tem caracterizado oensino jurídico no Brasil, necessárias se mostram duas mudanças: a) umano que se refere ao objeto de estudo das disciplinas jurídicas,compreendendo-se o Direito não apenas no plano normativo, mas tambémfático e axiológico, nos termos bem expostos por Miguel Reale em suateoria tridimensional do Direito29 (que apresenta grande afinidade com opensamento de Recasens Siches30 e de Roger Bonnard31); b) outra no quetange à necessidade de se conceder um caráter interdisciplinar ao ensino doDireito, buscando sua correlação com outros ramos do conhecimento, nostermos expostos por Falcão Neto, para quem é imperioso “o desenvolvimentodas ciências humanas e sociais através do conhecimento empírico-científico,e a necessária interpenetração que faz progredir as disciplinas”.32

26 FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Criação dos cursos jurídicos no Brasil. Rio de Janeiro:Centro de Informação e Documentação da Câmara dos Deputados, 1977, p. LIV.27 Ibid., p. LIII.28 Vide BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Rio de Janeiro: INL/CFC/MEC, 1977.29 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1968, passim.30 SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del Derecho. México: Editora Porrua S.A., p. 63.31 Cf. REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 283.32 FALCÃO NETO, J. A. Mercado de trabalho e ensino jurídico. Fórum Educacional. nº 1. Rio deJaneiro: Fundação Getúlio Vargas, janeiro / março, 1997, p. 6.

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Destarte, mostra-se necessário conciliar ensino, pesquisa e extensãonos cursos jurídicos brasileiros, de modo que professores e alunos, numprocesso conjunto, tenham uma efetiva participação na construçãodoutrinária do Direito e no próprio desenvolvimento social. Consoanteaduz Leonardo Greco, deve-se “também, através das atividades de pesquisae extensão e da produção científica dos professores e alunos, contribuirpara o aprimoramento das instituições jurídico-políticas e promover oprogresso científico e dogmático do Direito”.33

Por fim, mister adotar métodos de ensino que fomentem o senso críticodos estudantes de Direito, incentivando “a sua participação dentro e forada sala de aula (...), tornando as demais áreas do desenvolvimentoacadêmico – pesquisa e extensão universitária - muito mais ágeis eexigidas por seus agentes”, nos termos do que defende Sérgio Coutinho.34

4 - Conclusão

Analisando a concepção freireana de educação, resta claro que oensino jurídico não poder ser meramente legalista, devendo, outrossim,preocupar-se com os valores subjacentes às normas estudadas,enxergando o aluno como um ser dotado de capacidade crítica e comrelevante papel na inovação das normas e princípios jurídicos.

A educação como prática de liberdade, as escolas como “centrosdemocráticos”, a visão dialogal da educação, a concepção dialética doconhecimento, a visão pragmática do saber e outras idéias de Paulo Freiretêm nítida aplicabilidade ao ensino jurídico.

À luz das idéias de Paulo Freire, vê-se que o desenvolvimento doensino jurídico no Brasil demanda: a) a superação da visão unilateral doensino, na qual o aluno é encarado como um sujeito passivo no processode transmissão do conhecimento; b) um estudo do Direito não apenascalcado nas normas, mas também nos fatos e nos valores; c) a necessidade

33GRECO, Leonardo. O Ensino jurídico no Brasil. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>.Acesso em 13 de fevereiro de 2005.34 COUTINHO, Sérgio. Por uma reforma didático-pedagógica do ensino jurídico. Disponível em:<http://www.serrano.neves.nom.br/cgd/010501/aldir001.htm>. Acesso em 13 de fevereiro de 2005.

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de efetiva aplicação, nos cursos jurídicos, do trinômio ensino, pesquisae extensão, levando o aluno a desenvolver projetos que contribuampara o desenvolvimento social.

A filosofia educacional de Paulo Freire muito tem a contribuir para aspolíticas públicas voltadas ao ensino jurídico, vindo a dotá-lo de carátercrítico, transformador, dialogal e, portanto, democrático. Isto, ademais,revela-se fundamental para o alcance das diretrizes pedagógicasformuladas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, aCiência e a Cultura (UNESCO).

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RECENSÃO À OBRA PENSAMENTOSISTEMÁTICO E CONCEITO DE SISTEMA NACIÊNCIA DO DIREITO DE CLAUS WILHELM

CANARIS, FUNDAÇÃO KALOUSTEGULBENKIAN, 2ª EDIÇÃO, 1996, LISBOA.

Eugênio Rosa de Araújo - Juiz Federal na 2ª Região

1 – A questão do significado da idéia de sistema para a ciência doDireito é dos temas mais discutidos da metodologia jurídica.

Em particular, para o direito privado, a discussão metodológica maisimportante do século XX foi a controvérsia sobre o sentido, a forma e oslimites da formação do sistema jurídico (jurisprudência dosconceitos[positivismo] versus jurisprudência dos interesses [o Direitoexiste para realizar os interesses da vida]).

Theodor Viehweg renovou a discussão pela sua crítica ao sistema aodesenvolver o tema da tópica, permitindo o melhor entendimento dosfundamentos da metodologia jurídica em especial do autoconhecimentoda ciência do Direito como ciência, da especificidade do pensamento eda argumentação jurídicos.

Como a metodologia jurídica guarda uma estreita conexão com aFilosofia do Direito, ficamos diante da problemática dos valores jurídicosmais elevados e da relação entre eles.

2 – A Função da idéia de sistema na ciência do Direito

O conceito de sistema jurídico pressupõe a identificação do conceito

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Recensão à obra Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do Direitode Claus Wilhelm Canaris, Fundação Kalouste Gulbenkian, 2ª Edição, 1996, Lisboa

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geral ou filosófico de sistema e a tarefa particular que ele podedesempenhar na ciência do Direito.

3 – As qualidades da ordem e da unidade como características doconceito geral de sistema.

Sobre o conceito geral de sistema podemos identificar duascaracterísticas básicas: a da ordenação e a da unidade. No que tange àordenação, pretende-se com ela exprimir um estado de coisas intrínsecoracionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. Evitando adispersão em uma multiplicidade de singularidades desconexas, a unidadeé característica do sistema que atua já na ordenação por intermédio deprincípios fundamentais que lhe conferem sentido.

4 – A adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídicacomo fundamentos do sistema jurídico. Adequação e unidade comopremissas teórico-científicas e hermenêuticas.

Num prisma metodológico, tais premissas devem ser consideradascomo evidentes, considerando-se, desde logo, o Direito como ciência,isto porque o sistema jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto dajustiça, com referência a uma forma determinada de vida social, a umasoma de princípios racionais. A hipótese fundamental de toda ciência é ade que uma estrutura racional, acessível ao pensamento, domine o mundomaterial e espiritual.

Dessa forma, a metodologia jurídica parte, nos seus postulados, daexistência fundamental da unidade do Direito. Ela o fez, por exemplo,com a regra da interpretação sistemática ou através da pesquisa deprincípios gerais de Direito, no campo da denominada analogia,colocando-se, com isso em sintonia com as doutrinas da hermenêuticageral; realmente, pertence a estas o chamado “cânon da unidade” ou da“globalidade”, segundo o qual o interprete deve pressupor e entenderseu objeto como um todo em si significativo.

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Eugênio Rosa de Araújo

5– Adequação e unidade como emanações e postulados da idéia deDireito.

A ordem interior e a unidade do Direito são mais do que pressupostosda natureza cientifica da jurisprudência e postulados da metodologia:elas pertencem às mais fundamentais exigências ético-jurídicas e radicamna própria idéia de Direito.

Assim, a exigência de “ordem” resulta diretamente do postulado dajustiça, de tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente,de acordo com a medida da sua diferença.

Tanto o legislador como o juiz estão adstritos a retomar os valoresencontrados, “pensando-os até o fim”, em todos as conseqüênciassingulares e afastando-os apenas justificadamente.

Devem, portanto, agir com adequação. Mas a adequação racional é,como foi dito, a característica da “ordem” no sentido do conceito desistema, e por isso a regra da adequação valorativa (retirada do princípioda igualdade) constitui a primeira indicação decisiva para a aplicação dopensamento sistemático na Ciência do Direito.

Do mesmo modo, a característica da unidade tem sua correspondênciano Direito, embora a idéia de “unidade da ordem jurídica” pertença aodomínio das considerações filosóficas. A unidade não é apenas umpostulado lógico-juridico, posto que se reconduz ao principio da igualdade.

Procura a unidade garantir a ausência de contradições na ordemjurídica (seu componente negativo) e promover a realização da tendênciageneralizadora da justiça (componente positivo), superando aspectospossivelmente relevantes no caso concreto, em favor de uns poucosprincípios abstratos e gerais.

Diante de tais considerações sobre o pensamento sistemático, vê-seque a idéia do sistema jurídico se justifica a partir de um dos mais elevadosvalores do direito, nomeadamente o princípio da justiça e das suasconcretizações do princípio da igualdade e na tendência para ageneralização.

Outro valor supremo a justificar a idéia do sistema jurídico é o da

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segurança jurídica. Tal valor pode ser traduzido na determinabilidade eprevisibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da legislaçãoe da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicaçãodo Direito.

A formação de um sistema portanto agrega tais postulados através deum Direito adequadamente ordenado, dominado por princípios e nãoum aglomerado inabarcável de normas singulares, desconexas e emdemasiada contradição umas com as outras.

O pensamento sistemático revela, assim, na idéia de Direito, umconjunto de valores mais elevados imanente a cada Direito positivo, istoé, o papel do conceito de sistema é o de traduzir e realizar a adequaçãovalorativa e a unidade interior da ordem jurídica.

6 – Conceito de sistema a partir das premissas da adequação valorativae da unidade da ordem jurídica.

Sendo o ordenamento jurídico de natureza eminentemente valorativa(axiológica), seu sentido teleológico se completa na realização deobjetivos e valores.

Um sistema representa a captura e a tradução de unidade e ordenação deum determinado âmbito material, com os meios racionais do pensamentoteleológico adequados a realizar conexões de valorações jurídicas.

É necessário ter como premissa científica a hipótese de que opensamento jurídico axiológico ou teleológico seja demonstrável de modoracional e abarcado em um sistema correspondente.

Tal é a condição de qualquer pensamento jurídico, principalmente comopressuposto do cumprimento do princípio da isonomia de tratar o igualcomo igual e o desigual desigualmente na medida de sua desigualdade.

7 – O Sistema Como Ordem de Princípios Gerais de Direito

Caracteriza-se o sistema como ordem teleológica, devendo ser

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identificados os elementos que possam nele revelar a unidade interna ea adequação da ordem jurídica.

Devemos encontrar os elementos na sua multiplicidade de valoressingulares e suas conexões, reconduzindo a multiplicidade do singular aalguns poucos princípios constitutivos, fundamentais e mais profundos,i.e., até os princípios gerais da ordem jurídica.

Trata-se, pois, de buscar por trás da lei a ratio juris determinante, postoque só assim podem os valores singulares sair do seu isolamento,encontrar sua conexão orgânica e obter aquele grau de generalizaçãosobre o qual a unidade se torna perceptível.

O sistema deixa-se definir então como uma ordem axiológica outeleológica de princípios gerais de Direito, na qual o elemento deadequação valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológicae o da unidade interna à característica dos princípios gerais.

Não é possível determinar, de antemão, quando deva um principiovaler como “geral”, posto que para a ordem jurídica, não se podeconsiderar todos os princípios como portadores de unidade e , por isso,sistematizadores.

Nem todos os princípios são relevantes para o sistema, como porexemplo, para o Direito das Obrigações: pode haver a formação desubsistemas menores, com princípios autônomos como o dos atos ilícitos,enriquecimento sem causa e o da responsabilidade.

De qualquer modo, uma parte do subsistema penetra, como geral, nosistema mais largo e, inversamente, o subsistema, só em parte se deixaretirar dos princípios do sistema mais largo.

Dessa forma, modifica-se a generalidade de um principio com aperspectiva do ponto de vista; é sempre decisiva a questão de quais osprincípios jurídicos que se devem considerar constitutivos para a unidadeinterior do âmbito parcial de que se cuida, de tal modo que a ordem deleseria modificada, em seu conteúdo essencial, com a alteração de umdesses princípios.

Para o Direito Civil, por exemplo, poderíamos citar como exemplos

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de princípios constitutivos do sistema, os princípios da autodeterminação,da auto-responsabilidade, da proteção do tráfego e da confiança, daconsideração pelas esferas da personalidade e da liberdade de outrem,da restituição do enriquecimento sem causa etc.

8 – As vantagens na formação do sistema, dos princípios gerais dedireito, perante normas, conceitos, institutos jurídicos e valores.

A questão que se impõe é se o sistema deva ser composto de princípiosou se outros elementos gerais como normas, conceitos, institutos jurídicosou valores também participam de sua formação.

No que tange a um sistema de normas é preciso procurar justamentea conexão das normas e esta conexão não pode, também, consistir emuma norma. Os princípios jurídicos só excepcionalmente são formuladoscomo normas, daí porque estas recuam perante a articulação mais flexíveldo princípio.

No que concerne a um sistema de conceitos gerais de Direito, esteseria pensado como um sistema teleologicamente emulsionado,preenchido de uma determinada ordem jurídica. No entanto, elesdeveriam ser conceitos teleológicos ou conceitos de valor; além dissodeveriam ser considerados para a formulação do sistema apenas osconceitos concretos e não os conceitos gerais abstratos, vez que apenasos conceitos concretos são capazes de aglutinar em si o pleno sentidoconstitutivo da unidade interna.

O sistema deve promover a adequação valorativa e a unidade interiordo Direito, e, para tanto os conceitos não estão aptos. Podemos dizer,então, que no conceito a valoração está implícita, ao passo que noprincipio, a valoração está explicita e por tal razão ele é mais adequadopara extrapolar a unidade valorativa do Direito.

A formulação dos conceitos é imprescindível para a subsunção,devendo ser ordenado um sistema de conceitos jurídicos correspondenteaos princípios.

Ressalte-se que os princípios têm natureza teleológica e que, em caso

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de dúvida é necessária a valoração neles incluída; por exemplo: sendoduvidoso se determinado ato deva ser qualificado como negócio jurídicoou se uma posição jurídica pode ser considerada como um direitosubjetivo, deve-se perguntar se, no caso concreto, procede a regulaçãopreordenada pela auto-determinação privada ou se se deparam aqui osvalores que indiquem tratar-se de direitos subjetivos.

No caso do sistema de institutos jurídicos, estes não tornam a valoraçãounificadora imediatamente visível. Eles se ligam a várias idéias jurídicasdistintas; o complexo regulador da autonomia privada (instituto do direitoprivado) só pode ser compreendido a partir de uma atuação conjunta dosprincípios da auto-determinação, da auto-responsabilidade e da proteçãoda confiança e do tráfego. Todos os institutos jurídicos estão sujeitos auma pluralidade de princípios fundamentais.

Na procura da unidade do Direito, sempre há o retorno aos princípiosgerais do Direito, vez que o sistema resulta de uma concatenação eordenação interna.

Pode-se entender, portanto, o sistema como ordem de valores. Cada ordemjurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja proteção ela serve.

O princípio possui um grau de concreção maior que o valor,compreendendo já a característica de proposição de Direito de estatuição(previsão) e conseqüência jurídica – ele se encontra em pontointermediário entre o valor e o conceito.

Assim, os valores se deixam reformular nos princípios – onde asdelimitações são fluidas – descendo, em um processo de concreçãosimultânea, em direção a norma.

9 – Os Tipos de Funções dos Princípios Gerais do Direito na Formaçãodo Sistema

Em relação a função sistematizadora dos princípios pode-se elencarquatro características: 1) os princípios não valem sem exceção e podementrar em contradição; 2) eles não têm uma pretensão de exclusividade;3) eles possuem sentido próprio apenas numa combinação de

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complementação e restrição específicas; 4) para sua realização, precisamde uma concretização através de sub-princípios e valores singulares, comconteúdo material próprio.

É evidente que entre a mera exceção e o princípio contrário existeuma passagem fluida, necessitando a verificação se o valor que requer alimitação possui uma generalidade tais que atuem como princípioconstitutivo do sistema.

Os princípios não têm pretensão de exclusividade, o que implica dizerque uma mesma conseqüência jurídica característica de um determinadoprincípio, também pode ser conectada com outro princípio.C o m oexemplo, a doutrina do negocio jurídico só se torna compreensível apartir da ligação dos três princípios da auto-determinação, da auto-responsabilidade e da proteção da confiança.

Junto de uma tal complementação surge a limitação recíproca. Oprincípio da auto-determinação só se deixa apreciar se incluirmos naponderação, os princípios contrapostos e limitativos e o âmbito deaplicação que lhe seja destinado, por exemplo, quando atuem as previsõesde obrigação de contratar, da proteção no despedimento ou na legítima,de modo a atenuar a autonomia privada.

Finalmente, os princípios necessitam para sua realização, daconcretização através de subprincípios e de valorações singulares comconteúdo material próprio. De fato, eles não são normas e, por isso,incapazes de aplicação imediata, devendo, antes, ser normatizados.

Vê-se que as conseqüências jurídicas quase nunca se deixam retirar,de forma imediata, da mera combinação dos diferentes princípiosconstitutivos do sistema, mas antes nos diversos graus da concretizaçãocom o surgimento de novos pontos de vista valorativos autônomos.

Não se pode reconhecer aos valores a categoria de elementosconstitutivos do sistema em razão de sua generalidade e seu peso ético-jurídico normalmente fraco. Eles não são constituintes de unidade desentido do âmbito jurídico considerado, portanto, do Direito Privado.

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10 – A Abertura do Sistema

Fixou-se a definição de sistema como uma ordem teleológica deprincípios gerais de Direito sendo, ainda, importantes duas qualidadessuas: a abertura e a mobilidade.

No que tange à característica da abertura é preciso frisar que um sistemafechado se caracteriza em uma ordem jurídica constituída casuisticamente,apoiada na jurisprudência e dominada pela idéia da codificação.

Por abertura, entende-se a incompletude, a capacidade de evolução ea alterabilidade do sistema. Ele se coloca em uma mudança permanenteem razão da incidência de novos princípios.

Para melhor análise da abertura do sistema é preciso analisar doislados do seu conceito, isto é, o sistema científico e o objetivo.

No que toca ao sistema científico a abertura do sistema significa aincompletude e a provisoriedade do conhecimento científico. Cadasistema científico é assim, um projeto de sistema, que apenas exprime oestado dos conhecimentos do seu tempo; por isso e necessariamente,ele não é nem definitivo nem fechado, enquanto uma reelaboraçãocientífica e um progresso forem possíveis.

Dessa forma, nunca pode ser tarefa de um sistema a de fixar a ciênciaou o desenvolvimento do Direito num determinado estado.

11 – A abertura do sistema objetivo como modificabilidade dos valoresfundamentais da ordem jurídica

O Direito positivo mesmo numa ordem jurídica codificada é suscetívelde aperfeiçoamento em vários campos.

Os valores fundamentais constituintes, assim, devem mudar o sistemacujas unidades e adequação eles corporifiquem. Princípios novos podemter validade e ser constitutivos para o sistema, conferindo historicidadeem reforço à sua dinâmica.

Nesse diapasão, sempre que um novo princípio para o sistema para o

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sistema obtenha validade, pode-se aceitar o nascimento de outro sistema,que absorve o já existente.

Tal modificação não se dá em saltos, mas paulatinamente. Porexemplo: se o legislador consagrar sempre mais previsões deresponsabilidade pelo risco, se elevaria assim um novo princípio jurídicoà categoria de um elemento constitutivo do sistema, modificando-o.

12 - O significado da abertura do sistema para as possibilidades dopensamento sistemático e da formação do sistema na ciência do direito

A abertura atua como incompletude do conhecimento científico e comofator de modificabilidade da própria ordem jurídica. Ambas são as formasde aberturas essencialmente próprias do sistema jurídico e ela não podeconsistir em entrave à formação do sistema na Ciência do Direito, ou atémesmo caracterizar um sistema aberto como uma contradição em si.

A abertura do sistema científico resulta dos condicionamentosbásicos do labor científico que somente produz resultados provisórios.Enquanto for possível um progresso, o trabalho científico fará sentido.

13 - Os pressupostos das modificações do sistema e a relação entremodificações do sistema objetivo e do sistema científico

O círculo de questões sobre a abertura do sistema não se esgota coma mera justaposição da incompletude do sistema científico com amodificabilidade do sistema objetivo.

É necessário analisar o problema de saber sob que condições sãopossíveis modificações em um dos dois sistemas, bem como o problemada relação na qual ambos os sistemas se encontram e que influência temas modificações de um deles no outro.

À primeira vista o sistema científico se modifica quando tenham sidoobtidos novos ou mais exatos conhecimentos do Direito vigente ou quandoo sistema objetivo ao qual o científico tem de corresponder, se tenhaalterado; o sistema objetivo se modifica quando os valores fundamentaisconstitutivos do Direito vigente se alteram.

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Em conseqüência, o sistema científico está em estreita dependência doobjetivo e deve mudar-se sempre com este, enquanto o sistema objetivo,pelo seu lado, não é influenciado por modificações dentro do científico.

O problema conduz a duas questões complexas: a validade das fontesdo Direito e a relação entre o Direito vigente objetivo e os seusconhecimentos de aplicação. Diz-se isso porque a questão dos fatores epressupostos de uma modificação do sistema objetivo é idêntica a daadmissibilidade de uma modificação do Direito vigente.

Ao problema das fontes do Direito e a questão da relação entre o sistemaobjetivo e científico é apenas um sub-problema da questão geral das relaçõesentre o Direito vigente objetivo e o seu conhecimento. Aqui, a validade e asfontes do Direito devem ser entendidas em seu sentido normativo, como oenunciado das proposições jurídicas que devam ser aplicadas.

14 – Modificações do Sistema Objetivo

As fontes do Direito, de regra, são modificadas pelo Legislador. Nemsempre, entretanto, é necessária a intervenção direta do Legislador. Asmodificações do sistema podem resultar de atos legislativos que respeitema domínios jurídicos diferentes.

Um dos exemplos é a doutrina da eficácia externa dos direitosfundamentais, compreensível sob a ótica da unidade da ordem jurídica eque, na forma da eficácia externa indireta imediata ou mediata, modificouessencialmente o nosso sistema de Direito Privado (no caso do direitogeral de personalidade torna-se particularmente claro).

A força modificadora do sistema do Direito consuetudinário permitiua alteração do sistema de Direitos Reais, com o reconhecimento datransmissão de garantias que devem ser considerados comoaperfeiçoamento contra legem do Direito, e, assim, só se pode apoiar naforça derrogadora do Direito consuetudinário.

Sabe-se que a legislação e o Direito consuetudinário não são os únicosfatores para as modificações do sistema objetivo. Coloca-se então oproblema de como esclarecer todas as modificações do sistema quereconduzam a criações jurisprudenciais do Direito.

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Como entender, por exemplo, a culpa in contrahendo e aresponsabilidade pela aparência jurídica, a violação positiva crédito e ocontrato com eficácia protetora de terceiros, a exceptio doli e a suppressio,o dever de contratar e a doutrina da alteração das circunstâncias, o Direitodas sociedades e das relações laborais de fato?

Tais institutos surgiram independentes de uma intervenção dolegislador e é pouco satisfatório apoiar sua validade no Direitoconsuetudinário, porque os pressupostos deste, não se verificavam nomomento primeiro do seu aparecimento, de tal modo que se deveriamconsiderar, inicialmente, como inválidos e só posteriormente legitimadosatravés de um Direito consuetudinário derrogante.

Explica-se o fenômeno porque o sistema objetivo é constituído porvalores fundamentais ou por princípios fundamentais de Direito, fazendoisso pressupor que aquelas figuras novas respeitam a valores, que, deantemão estavam imanentes ao nosso Direito Privado: a problemáticadeságua no fundamento da validade dos princípios gerais de Direito.

Dessa forma, deve-se, primeiro referir o Direito legislado, do qual,freqüentemente, se deixam obter princípios gerais, através de analogia,i.e., da indução. Realmente, algumas das mencionadas construçõesderivam dos valores da lei (Ex: a responsabilidade pela aparência jurídica,violação positiva do crédito e a doutrina da sociedade de fato).

Em casos que tais, o reconhecimento de um novo instituto nãorepresenta qualquer mudança no sistema objetivo, mas apenas umaalteração no sistema científico, uma vez que os valores relevantes já secontinham de antemão na lei e apenas não eram reconhecidos no seualcance total.

Nem todos os citados institutos, porém, podem se apoiar nos valoresda lei. Muitos deles não são “exigidos” através da teleologia imanente dalei, mas apenas “inspirados” por ela; de outros, nem isso se poderá afirmar.

Segundo Wieacker, existe uma “ordem jurídica extra-legal”. Asmodificações no sistema podem, também, partir dela. Na maioria dasnovas formações já referidas, elas dispuseram de um “apoio” jurídico-positivo mas que não obtém, da lei, uma verdadeira legitimação.

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Em tais casos, pode-se dizer que os valores de base já estavamimanentes à nossa ordem jurídica e tinham apenas sido identificados,tratando-se apenas de alteração no sistema científico, mas não no objetivo.

Faz-se necessário indagar porque razão tais valores, apesar de nãoconstarem na lei, devem ser parte do Direito, quando se coloque a questãodo seu fundamento de validade? E porque a lei e o costume se colocamfora do problema, surge a necessidade de uma reformulação dastradicionais fontes do Direito, a qual pode tornar duas direções: ou se colocaa jurisprudência na categoria de fonte autônoma do Direito (ao lado da leie do costume) ou devemos reconhecer critérios de validade “extra-positivos”oferecendo-se então, a “idéia de Direito” e a “natureza das coisas”.

Não é possível considerar a jurisprudência como fonte do Direito,porque a proposição colocada pelo Judiciário como fundamento de umadecisão não vale por ter sido exteriorizada pelo juiz, mas sim por estarconvincentemente fundamentada, i.e., porque deriva de critérios devalidade bastantes, exteriores à sentença judicial.

A segunda opção parece a mais acertada porque os princípios gerais deDireito podem ter também o seu fundamento de validade para além da lei,na idéia de Direito, cuja conscientização histórica eles largamenterepresentam, e na natureza das coisas; por isso, tais critérios podem serreconhecidos como fontes do Direito, subsidiárias em face de lei e do costume.

Dessa forma, para além da lei e do costume também podem conduzira alterações do sistema objetivo aqueles princípios gerais do Direito querepresentam emanações da idéia de Direito e da natureza das coisas.

Tais critérios, no entanto, não devem ser entendidos de modo a-históricoe estático; ao contrário, os princípios redutíveis à idéia de Direito só ganhamo seu poder concreto em todas as regras através da referência a umadeterminada situação histórica e da mediação da “consciência jurídica geral”respectiva, do mesmo modo em relação a natureza das coisas.

Assim, por exemplo, o princípio da confiança é de se considerar comouma emanação de idéia de Direito, sendo modelo de capacidade demodificação interna que se operou diante de determinada situaçãohistórica, determinada, essencialmente, através do Direito legislado e doestado de “consciência jurídica” geral.

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Dessa forma, se pode afirmar que a doutrina da culpa in contrahendonão se baseou sempre no princípio da confiança, mas pode aspirar ao

reconhecimento como fundamento legítimo de aperfeiçoamento jurídico

depois de uma determinada modificação na consciência jurídica geral,

que tivesse conduzido a um acentuar mais forte de valores ético-jurídicos.

Outro tanto, se demonstra para o exemplo a partir de uma

argumentação retirada da natureza das coisas, por exemplo, as concepções

sobre a “natureza” da relação de trabalho sujeitaram-se a fortes mudanças

e obtiveram validade em um processo paulatino.

O mesmo ocorreu com as cláusulas gerais carecidas de preenchimento

com valorações, como as remissões para os bons costumes ou a boa-fé,

nas quais a própria lei deixa margem para a erupção de valorações extra-

legais e, necessariamente mutáveis: também aqui existe um início de

modificação do sistema objetivo, que decorre de modo semelhante aoda concretização de princípios gerais de Direito (para os quais as cláusulas

gerais remetem com freqüência).

15 – Modificações no sistema científico

As modificações do sistema objetivo reportam-se, no essencial, a

modificações legislativas, a novas formações consuetudinárias, à

concretização de normas carecidas de preenchimento com valorações e

à erupção de princípios gerais de Direito extra-legais, que tem seu

fundamento de validade na idéia de Direito e na natureza das coisas.

As modificações do sistema científico resultam dos progressos do

conhecimento dos valores fundamentais do Direito vigente e traduzem,

por outro lado, a execução de modificações do sistema objetivo.

As modificações do primeiro seguem, fundamentalmente, as alterações

do último; os sistemas objetivo e científico estão também ligados na

dialética geral entre o Direito objetivo em vigor e a sua aplicação.

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16 – A mobilidade do sistema

A mobilidade do sistema não se confunde com a sua abertura. Comose verá, um sistema móvel pode ser aberto ou fechado e um sistemaaberto pode ser móvel ou rígido.

17 – As características do sistema móvel, no conceito de Wilburg

Tais características aparecem claras na sua teoria da responsabilidade civil.

Para Wilburg não há um princípio unitário que solucione todas asquestões da responsabilidade civil e coloca nesse lugar, uma multiplicidadede pontos de vista, elementos ou forças móveis, a saber:

1) Uma falta causal para o acontecimento que se situe do lado doresponsável. Esta falta tem peso diferenciado se provocada peloresponsável ou pelos auxiliares ou tenha até surgido sem culpa, porexemplo, em uma falha irreconhecível de uma máquina;

2) Um perigo que o autor do dano tenha originado, através de umaação ou posse de uma coisa, e que tenha levado ao dano;

3) O meio de causalidade entre as causas provocadoras e o dano verificado;

4) A ponderação social da situação patrimonial do prejudicado e doautor do prejuízo.

A conseqüência jurídica só emerge a partir da concatenação desteselementos, segundo seu número e peso. As “forças” não são, portanto,absolutas, de dimensões rígidas, mas, definem seus efeitos pela suaarticulação variável, podendo mesmo bastar apenas um dos elementos,desde que apresente um peso especial.

Inexiste uma hierarquia entre os elementos; todos se situam no mesmonível e não precisam estar todos juntos, podendo haver, inclusive, asubstituição de uns pelos outros. Nisso reside a mobilidade do sistema.

Dessa forma, as características essenciais do sistema móvel são, pois,a igualdade fundamental de categoria e a substitutividade mútua doscompetentes princípios ou critérios de igualdade.

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Como se vê, tais critérios não se confundem com a abertura do sistema,posto que a modificabilidade dos valores e dos princípios (abertura) nãoprecisa ocorrer em um sistema móvel, pois nele podem os elementosser firmes. Não é característica da abertura a igual categoria dos seusprincípios e a renúncia a previsões firmes.

Em síntese: um sistema móvel pode ser aberto ou fechado e um sistemaaberto pode ser móvel ou rígido.

18 – Sistema móvel e conceito geral de sistema

Com sua concepção, Wilburg não quis dar uma idéia global de sistema,mas apenas apresentá-lo como móvel.

Típicos do sistema são as características da unidade e da ordem. Notocante a unidade, Wilburg optou pela elaboração de alguns poucosprincípios constituintes, de cuja concatenação resulta toda a multiplicidadedas decisões singulares, tornando perceptível a unidade na pluralidade –um sistema consiste, em regra, de vários princípios fundamentais.

Juntamente com a unidade, deve afirmar-se a ordem, pois, uma nãoexiste sem a outra. Wilburg anotou a necessidade de uma “ordeminterior”, ou de uma “coexistência interna” do Direito. Tal necessidadenão se contradiz com fato de os critérios serem mutuamente substituíveis,posto que apenas um elemento dentre um determinado número pode,para uma matéria regulativa concreta, colocar-se no lugar do outro.

Por outro lado a ordem não se choca com a igualdade fundamentalentre os elementos (multiplicidade de pontos de vista), pois a igualdadena ordenação é uma forma de ordem. Embora a idéia de hierarquia estejaligada ao conceito tradicional de sistema, esta categoria não éirrenunciável, desde que a sua falta não torne possível a existência deordem interior.

Wilburg não considera todos e quaisquer pontos de vista relevantesna ordem jurídica fundamentalmente como iguais; ao contrário: a idéiade hierarquia não lhe é estranha pois em muitos problemas particulares,surgem pontos de vista secundários os quais possuem um peso menor.

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Só dentro dos princípios fundamentais ordenadores existe, portanto,igualdade de categoria; poderá haver hierarquia, na relação entre aquelese os critérios relevantes para um problema singular.

Assim, perante um caso de enriquecimento, se poderá, em caso dedúvida, ponderar a situação patrimonial dos implicados, portanto, apenasonde os restantes critérios não permitam uma solução justa, isto é, apenassubsidiariamente, o que, implica uma relação de hierarquia.

19 – Sistema móvel e Direito vigente. A prevalência fundamental daspartes rígidas do sistema

O sistema analisado aqui é o de Direito Alemão que não é,fundamentalmente, móvel, mas imóvel. Ele atribui, em regra, aosprincípios singulares, âmbitos de aplicação delimitados, dentro dos quaiseles não são substituíveis e prefere a formação rígida de previsõesnormativas, que exclua uma determinação variável das conseqüênciasjurídicas, em função da discricionariedade do juiz.

Mantendo-se o exemplo da responsabilidade civil, está determinadono Direito alemão quais são as consequências do princípio da culpa, dorisco e sob que pressupostos se pode, excepcionalmente, considerar asituação patrimonial dos implicados. O parágrafo 829 do Código Civildetermina que o inimputável autor de certos danos possa, nada obstante,ser obrigado a indenizar, segundo a eqüidade, desde que não seja possívelobter tal indenização do terceiro obrigado a vigiá-lo e na condição de oinimputável em causa não ficar privado dos meios materiais necessários.Não há aqui qualquer espaço para uma ponderação de critérios “de acordocom o número e o peso” e isso vale para todas as outras partes do Direitoprivado alemão e sua ordem jurídica.

20 – A existência de partes móveis no sistema

O Direito alemão, contudo, contém hipótese que permite reconheceruma limitação: o princípio do tudo-ou-nada do parágrafo 254 do CódigoCivil, segundo o qual o montante da indenização depende das

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Recensão à obra Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do Direitode Claus Wilhelm Canaris, Fundação Kalouste Gulbenkian, 2ª Edição, 1996, Lisboa

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“circunstâncias”, desde que tenha havido igualmente culpa do lesado outenha atuado também um perigo inerente ao empreendimento.

Surge aqui o quadro característico do sistema móvel de Wilburg: devemser ponderados vários fatores entre si, podendo um substituir o outro esem que exista entre eles qualquer hierarquia rígida. Assim por exemplo,em vez do concurso de culpas, pode operar também um perigo doempreendimento; a concorrência de culpas pode levar a diminuição dapretensão indenizatória do lesado.

Não é possível concretizar uma previsão normativa rígida, mas apenasponderar entre si determinados critérios “de acordo com o número e opeso”, no sentido de Wilburg, sem fixar uma relação de hierarquia, porexemplo entre a culpa e o risco.

Adite-se que não são quaisquer pontos de vista (estado civil,nacionalidade etc) mas apenas critérios de imputação específicos,geralmente rígidos, como a intensidade da culpa, a periculosidade deum empreendimento ou de uma coisa, ou a intensidade do nexo decausalidade, referentes aos princípios que dominam o Direito daresponsabilidade civil.

O seu sistema compreende, ao lado de uma “imobilidade” de princípio,

um setor no qual os pontos de vista valorativos competentes são “móveis”.

Existem muitos exemplos de mobilidade do sistema, principalmente

onde as previsões normativas rígidas se complementam e acomodam

através de cláusulas gerais: para determinar se um despedimento é anti-social, se existe um fundamento importante, se um negócio jurídico ou

um comportamento são contrários aos bons costumes etc, é necessário

ponderar entre si determinados pontos de vista “segundo o número e o

peso”, sem uma relação hierárquica firme.

Assim, a formação rígida de proposições normativas representa a regrae a “mobilidade” a exceção. O Direito positivo, compreende, portanto,

partes do sistema imóveis e móveis, com o predomínio dos primeiros.

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Eugênio Rosa de Araújo

21 - O significado legislativo e metodológico do sistema móvel. Osistema móvel e a necessidade de uma diferenciação mais marcada

É preciso marcar a função sistematizadora dos princípios, posto queestes não têm uma pretensão de validade exclusiva, antes surgindo emcomplementação mútua, não sendo aptos para a formação de proposiçõesjurídicas (Wilburg luta contra a falsa absolutização dos princípios).

22 - Sistema móvel e cláusula geral

Apenas as especificidades do sistema móvel são decisivas, i.e., aausência de uma formação rígida das previsões normativas, bem como apermutabilidade livre e a igualdade de categoria dos princípios devaloração. A ausência de rigidez das previsões normativas põe a questãode sua relação com as cláusulas gerais.

É característica da cláusula geral ser ela carente do preenchimentocom valorações, i.e., o fato de ela não fornecer os critérios necessários àsua concretização, permitindo que estes surjam apenas diante do casoconcreto e revelando pontos de erupção da equidade.

23 – A posição intermédia do sistema móvel entre a cláusula geral ea previsão normativa rígida e a necessidade de uma ligação entre estastrês possibilidades de formulação

O sistema móvel guarda um certo parentesco com as cláusulas geraiscarecidas de preenchimento com valorações; aquele ocupa uma posiçãointermediária entre a posição rígida e a cláusula geral.

O sistema móvel garante em menor grau a segurança jurídica do queo sistema imóvel, com forte hierarquização e previsões normativas firmes.(é o caso, por exemplo, dos Direitos Reais).

Deve ser levado em conta, ainda, que para além do valor segurançajurídica, também o da justiça pode entrar em contradição com um sistema

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móvel, pois a tendência “generalizadora” do princípio da igualdade podeentrar em conflito com as circunstâncias do caso singular e a ponderaçãodos elementos deste.

A justiça não remete apenas para uma tendência generalizadora, mas,também, para uma individualizadora, sendo compreensível que se recorraa esta característica para justificar o sistema móvel.

É necessário cuidado. Só se pode edificar o Direito a partir de umaconcatenação de todas estas possibilidades de formulação. O sistemamóvel se situa, assim, entre a formulação rígida de previsões normativase a pura cláusula de equidade ou cláusulas gerais.

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O DOGMA DA SUPREMACIA DO INTERESSEPÚBLICO E SEU ABRANDAMENTO PELA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL ATRAVÉS DA TÉCNICA DA

PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOSFlávio Quinaud Pedron¨

RESUMO: O presente trabalho pretende reconstruir a compreensãojurisprudencial do STF acerca da relação entre interesses públicos einteresses privado a fim de demonstrar como o primeiro não mais podeavocar primazia sobre o segundo. Tal conclusão, no direito brasileiro, foiobtida a partir do uso pelo Tribunal da técnica de “ponderação deprincípios” de Robert Alexy, que também será analisada. Ao final , conclui-se leitura jurisprudencial, em razão do uso de tal técnica, não é uma viaadequada ao Estado Democrático de Direito.

PALAVRAS-CHAVE: Supremacia do interesse público; Aplicação e conflitoentre princípios; legitimidade das decisões judiciais.

ABSTRACT: The following article intent rebuilt the argumentative base ofthe STF’s precedents in order to demonstrate that the public interestcannot assume supremacy over the private one. In Brazilian law, thisunderstanding is a result of the use of the Robert Alexy’s technique of“balancing” between principles. In the end, concludes such techniqueis not appropriate to a Constitutional Estate.

KEYWORDS: Public and private interests; adjudication and conflictbetween principles; legitimacy of adjudication.

* Mestre e doutorando em Direito pela UFMG. Professor de Teoria Geral do Processo e DireitoProcessual na PUC-Minas. Professor de Hermenêutica Jurídica no Uni-Centro Izabela Hendrix,Belo Horizonte/MG. Advogado.

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O Dogma da Supremacia do Interesse Público e seu Abrandamento pela Jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal através da Técnica da Ponderação de Princípios

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“Em que medida a Constituição de 1988 importa numa mudança najurisprudência do Supremo Tribunal Federal? Em que medida as basesinterpretativas no Supremo Tribunal Federal foram modificadas após apromulgação da Constituição de 1988?” Essas são as perguntas principaisfeitas por Baracho Júnior (2004:509), em seu ensaio sobre a possibilidadede se identificar uma “nova hermenêutica” nos julgados do SupremoTribunal Federal (STF).

Ora, se é possível identificar alguma forma de inovação, no curso dalinha de raciocínio que o Tribunal vinha tomando, é de se pressuportambém a existência de algo anterior, algo que foi ou está sendo superado.1

Para tal empreitada, faz-se necessária a observância dos julgados nãoapenas como casos isolados, mas como “precedentes”, ou seja, comofundamentos para as decisões seguintes – prática utilizada pelo STF parapossivelmente representar uma forma de sistematizar a suajurisprudência.2

Mas, diante da história institucional brasileira, esse trabalho pode sever ameaçado: “Evidentemente que uma corte cujo trabalho éconstantemente interrompido por golpes de Estado, tem maior dificuldadeem consolidar uma orientação jurisprudencial minimamente coerente”(BARACHO JÚNIOR, 2004:510).

O tema que pode funcionar como guia dessa tarefa, uma vez quesempre esteve presente, sendo tomado como um dogma, é a prevalênciado interesse público sobre o interesse privado. Como lembra Ávila(2005:171), para a dogmática jurídica, seu desenvolvimento teórico viria

1 Torna-se muito comum a afirmação de uma mudança hermenêutica no Direito brasileiro, ver, porexemplo, os trabalhos de Streck (2003) e Barroso e Barcelos (2004), que vêm desenvolvendodiversas pesquisas sobre o que seria essa “nova interpretação” assumida pelo Supremo TribunalFederal em seus julgados.2 “Na Suprema Corte Americana é possível identificar nitidamente alguns períodos nos quais houvea consolidação de determinados princípios de interpretação constitucional, como o período deprevalência do devido processo substantivo, entre 1905 e 1937, o período da Corte de Warren, apartir de 1954, até 1969, que foi um período fortemente interventivo em relação às leis estaduais.Ou, ainda, a suprema Corte da Década de 1990, que é uma Suprema Corte fortemente preocupadacom o princípio federativo e, por outro lado, abandona, em certa medida, os direitos fundamentaiscomo principal foco de sua atuação, possibilitando que os Estados tenham maior liberdade deatuação legislativa em questões que importam em restrição ao exercício de tais direitos” (BARACHOJÚNIOR, 2004:511).

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Flávio Quinaud Pedron

a partir dos estudos do Direito Administrativo,3 mas com ramificações einfluências para outros “ramos” do Direito, como o direito tributário.

Se, por um lado, a discussão sobre a supremacia do interesse públicosobre o privado era posta como um axioma4 – por partir das lições dopositivismo jurídico, que considerava a separação rígida entre Direito ePolítica, excluindo a possibilidade de um Tribunal apreciar “questõespolíticas” – por outro, tal afirmação também serviu como “forma defragilizar a tutela de direitos individuais em face do poder público”(BARACHO JÚNIOR, 2004:513).

Com isso, evitava a tutela de direitos individuais. E essa não era umdebate novo no Supremo Tribunal Federal. Já no governo FlorianoPeixoto, no início da República, logo após a implantação do SupremoTribunal Federal, algumas questões que envolviam ofensas a direitosindividuais não foram por ele apreciadas, pois, segundo dizia a Corte,eram questões políticas. Em 1893, em estado de sítio decretado porFloriano Peixoto, o Supremo se recusou a apreciar uma série de lesõesa direitos individuais ao argumento de que aquelas questões erampolíticas e que, portanto, não poderiam ser objeto de apreciação peloPoder Judiciário (BARACHO JÚNIOR, 2004: 512-513).

Entretanto, havia opositores a essa tese, como lembram Rodrigues(1991:20) e Souza Cruz (2004:277). Segundo a historiadora, o discursode Rui Barbosa,5 na defesa dos direitos individuais, representa umcontraponto necessário ao exercício democrático dos direitos políticos:

3 Nesse sentido, encontra-se a lição de Bandeira de Melo (2003:60): “Trata-se de verdadeiroaxioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse dacoletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo dasobrevivência e asseguramento deste último”. Todavia, nota-se que essa afirmação parte, ainda, deuma compreensão paradigmática do Direito que se olvida do atual paradigma procedimental doEstado Democrático de Direito. Como será explorado, no quarto capítulo, Habermas (1998) buscareconstruir os princípios do Estado de Direito e da Democracia para lançar uma compreensão nãomais dicotômica da relação público/privado, mas, ao invés disso, equiprimordial. Para o filósofoalemão: “Os cidadãos só podem fazer um uso adequado de sua autonomia pública quando sãoindependentes o bastante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimemente assegurada;mas também no fato de que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, sefizerem uso adequado de sua autonomia política enquanto cidadãos” (HABERMAS, 2002:294).4 Como lembra Ávila (2005:176): “Axioma (usado, originalmente, como sinônimo de postulado)denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nemnecessário prová-la. Por isso mesmo, são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio dalógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista materiais”.5 Como lembra Souza Júnior (2004:89), a figura de Rui Barbosa foi determinante para odesenvolvimento do debate sobre as questões políticas, pois “[p]ropunha um diálogo franco entre

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As palavras de Rui Barbosa em 1892 indicam essa concepção: “oscasos, que, se por um lado toca a interesses políticos, por outro lado,envolvem direitos individuais, não podem ser defesos à intervençãodos tribunais, amparo de liberdade pessoal contra as invasões doexecutivo. [...] Onde quer que haja um direito individual violado, háde haver um recurso judicial para a debelação da injustiça. Quebradaa égide judiciária do direito individual, todos os diretos desaparecem,todas as autoridades se subvertem, a própria legislatura esfacela-senas mãos da violência; só uma realidade subsiste: a onipotência doexecutivo, que a vós mesmos vos devorará, se nos desarmardes davossa competência incontestável em todas as questões concernentesà liberdade” (RODRIGUES, 1991:20-21, grifos no original).

Dessa forma, como afirma Souza Júnior (2004:88), foi-se construindoa noção de que a condição para o exame judicial de questões políticasseria a possibilidade de lesão a direitos individuais.

Em um dos [julgados] mais antigos (HC 3061, julgado em 1911), oSupremo afirmou a possibilidade de conhecimento judicial do casopolítico quando acompanhado de uma questão judiciária. Logo depois,em 1914, aquela corte resguardou do exame judicial os motivosdeterminantes ou as conseqüências políticas dos atos de intervençãonos Estados. Construiu também o entendimento de que podia oJudiciário conhecer de casos puramente políticos, desde que sealegasse lesão de direito individual (SOUZA JÚNIOR, 2004:88).

Todavia, a noção de prevalência do interesse público sobre o interesseprivado, mesmo com riscos à violação de direitos fundamentais, acabase fortalecendo, principalmente a partir de 1960, intensificando-se noperíodo autoritário que se seguiu.

Vamos ter, especialmente, a partir de 1965, com a edição do AtoInstitucional n. 2, decisões do Supremo Tribunal Federal que importamem negar tutela de uma série de direitos individuais, fortalecendo aidéia de prevalência do interesse público sobre o privado. É o quevamos ver em algumas decisões, como por exemplo, no caso João

os grandes poderes do Estado, estipulados em textos formais, de um lado, e, de outro, os direitosindividuais, taxativamente assegurados. A interpretação judicial desempenha, neste diálogo, a missãode mediação com o objetivo de evitar as possíveis colisões. Se os poderes exercidos extrapolam ocírculo de competências, ou se direitos individuais são feridos, a intervenção judicial é legítima. Sese quer debater a existência constitucional de uma faculdade administrativa ou legislativa, tambémo judiciário será o assunto”.

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Goulart, em 1967. De uma maneira geral, as questões que envolviama segurança nacional, se pautavam pela idéia de prevalência dointeresse público sobre o privado (BARACHO JÚNIOR, 2004:514).

Essa interpretação permaneceu, contudo, com o advento da Constituiçãoda República de 1988; como afirma Baracho Júnior (2004-514), bastaanalisar a decisão proferida na ADI n. 47, que tratou da interpretação doart. 100 da Carta Magna, estabelecendo que “à exceção dos créditos denatureza alimentícia, a execução contra a fazenda pública se fará atravésde precatório”.6

De uma maneira geral, para os publicistas, mas principalmente paraos administrativistas, o princípio da supremacia do interesse público sobreo particular se apresenta como um princípio implícito na ordem jurídicabrasileira e seria usado para justificar uma série de prerrogativastitularizadas pela Administração Pública. Isso ocorre por se entender quea mesma seria a “tutora” e a “guardiã dos interesses da coletividade”(SARMENTO, 2005:24). Como conseqüência, verifica-se a existência de umaverticalidade na relação entre a Administração Pública e os administrados,de modo que o desequilíbrio seria sempre em favor do Estado.

Mas o que se pode considerar como interesse público? Talvez essaquestão devesse ser mais bem problematizada pelos publicistas, quemuitas vezes igualam a dimensão do público à coletividade e, outrasvezes, ao estatal (governamental).

Para Bandeira de Melo (2003:57) – valendo-se das lições de Alessi7,seria possível distinguir dois tipos de interesse público: interesse públicoprimário e interesse público secundário (SARMENTO, 2005:24; BARROSO,2005:xiii). Nessa ótica, identifica-se o interesse primário como sendo arazão de ser do Estado ou como os interesses gerais da coletividade; já osegundo tipo representa os interesses particulares que o Estado possui

6 Lembra Baracho Júnior (2004:514-515): “ Nesta [ADI], o Supremo Tribunal Federal interpretouo art. 100 de uma maneira que contraria os próprios anais da Assembléia Nacional Constituinte. OConstituinte pretendeu retirar os créditos de natura alimentícia desta forma de execução, qual seja,a execução através de precatórios. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, afirmou que a únicaespecificidade que decore do art. 100 da Constituição é a possibilidade dos créditos de naturezaalimentícia terem prioridade em relação a outros créditos contra a fazenda pública. Assim, oscréditos alimentícios terão sempre prioridade na ordem de pagamento em relação a outros créditos”.7 Sistema Istituzionale del diritto amministrativo ilaliano, 1960, p. 197, apud Bandeira de Melo (2003:57).

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como pessoa jurídica e não mais como expressão de uma vontade coletiva.Logo, alguns administrativistas buscam fazer uma ponte entre o interessepúblico primário e o bem comum como forma de afirmação de suasuperioridade em face do interesse privado.

Binenbojm (2005:137) faz uma crítica precisa à tentativa de algunsjuristas de justificar a supremacia do interesse público como princípionorteador da ação administrativa. Nesse sentido, a supremacia do interessepúblico atuaria como garantia de proteção, inclusive do interesse privado,já que impediria o Estado de atuar a favor de interesses privatísticos,desviando-se dos fins coletivos. Todavia, a corrente a que se filia Di Pietro(2004:69-70) nada esclarece sobre a relação público/privado; além domais, os problemas por ela apontados não são resolvidos nesse plano,mas no plano dos princípios da impessoalidade e da moralidade.

Salles (2003:58) reconhece a dificuldade de se chegar a um conceitode fácil assimilação, haja vista a natureza genérica que o conceito deveassumir para abranger uma pluralidade de interesses dispersos pelasociedade. Dessa forma, vale-se do Teorema de Arrow (Arrow’s theorem)8

para assegurar que tomadas de posição que parecem envolver umadiscricionariedade, seria melhor, se deixadas a cargo da decisão estatal(política), representativa do interesse público. Todavia, tal posição podeparecer por demais cética e, até mesmo, ingênua – por vezes, autoritária– ao imaginar que o Estado seja capaz de corporificar todos os anseios edesejos de uma sociedade. Além do mais, vale aqui o alerta de Sarmento(2005:27), já que tal tese pode representar uma forma de ressurreiçãodas “razões de Estado”, colocando-se como obstáculo intransponível parao exercício de direitos fundamentais.9

8 Segundo Salles (2003:59), Kenneth J. Arrow “demonstrou [seu teorema] no começo da década de60. Arrow tomou hipoteticamente três indivíduos com poder para tomar uma decisão e, considerandoque cada um deles tem uma ordem de preferências diferentes, demonstrou, matematicamente, queo cruzamento dessas preferências individuais pode levar a decisões inteiramentes aleatórias,dependendo de fatores estruturais do processo decisório”.9 Aragão (2005:7) alerta para o risco de que supostos “interesses públicos” sejam utilizados peloEstado como forma de justificar restrições aos direitos fundamentais. Cita, para tanto, doisprecedentes norte-americanos: no primeiro, Dennis vs. United States, esse dogma possibilitourestrições à liberdade de manifestação de idéias que fossem consideradas esquerdistas; no outro,Korematsu vs. United States, permitiu que cidadãos norte-americanos de origem japonesa ficassemconfinados em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

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Flávio Quinaud Pedron

A outra proposta que identifica o público ao componente majoritáriotambém se mostra delicada. Tomando como referência aplicada dessaconcepção a decisão proferida no julgamento do Recurso Extraordinárion. 153.531-8, de Santa Catarina, fica claro que o interesse público aqui éigualado a uma maioria da sociedade. Ao examinar o questionamento dese a farra do boi – prática de alguns descendentes de açoreanos residentesem Florianópolis – representaria um risco para a segurança dos participantese uma ação cruel para com os animais, Baracho Júnior afirma que:

O Supremo Tribunal Federal trabalha com dois fundamentos para dizerque o Estado de Santa Catarina deveria atuar, através da Polícia Militar,no sentido de reprimir a farra do boi. O primeiro argumento é que osanimais estariam submetidos à crueldade. O art. 225 da Constituição,inciso VII, diz que o Estado não deverá tolerar crueldades contraanimais. O segundo fundamento é o mais curioso desta decisão, porqueé exatamente a prevalência de uma visão majoritária sobre a de umacoletividade [minoritária]. Há uma idéia de que as tradições de umgrupo minoritário não podem prevalecer sobre as tradições que nãosão compartilhadas pela maioria da sociedade brasileira. As expressõesutilizadas no voto vencedor são ilustrativas, pois os descendentes deaçoreanos são comparados a uma “turba ensandecida”que adotaprocedimentos estarrecedores (2004:516).

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deixou de observar adimensão hermenêutica envolvida na questão. Tomando apenas a posiçãode um observador sociológico, compreendeu-se que o interesse públicoaqui seria o de proteger os animais de uma prática violenta. Todavia,

[...] esta idéia de violência não existe para os açoreanos. Osdescendentes de açoreanos que faziam da farra do boi uma celebraçãoanual, não associavam à manifestação uma idéia de violência quenós, que não somos descendentes de açoreanos, associamos. Este éum dado importante, pois, na Espanha, por exemplo, em práticassemelhantes, a idéia de violência não está associada. Dificilmentetais práticas seriam atribuídas a uma “turba ensandecida” na Espanha.Muito menos seriam os procedimentos considerados comoestarrecedores (BARACHO JÚNIOR, 2004:517).

Dessa forma, pode-se perceber que a associação do interesse públicoao interesse de uma maioria da sociedade mostra-se insuficiente sob oprisma de uma democracia pluralista, que garante a inclusão da perspectivade todos os envolvidos.

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Logo, definir o interesse público como interesse geral de umacoletividade e contrapô-lo a um interesse privado limitado ao perímetrodas vivências experimentadas pelos indivíduos fora do alcance da polis(SARMENTO, 2005:30) é insuficiente. Primeiro, porque não pode o indivíduoignorar a dimensão imposta pela vida em sociedade; sua casa não podeservir como metáfora da ilha imaginada por Crusoé, ou ser entendida comouma fortaleza que coloque o público na porta da rua; pois o processo desocialização acontece concomitantemente com o processo deindividualização.10 Sarmento (2005:47) lembra que a sociedadecontemporânea é por demais complexa para se apoiar em pilares estanques.Vive-se em um tempo que imprime um novo sentido à concepção de espaçopúblico, que não vem mais associada unicamente ao elemento estatal.11

A pergunta sobre qual é o interesse da coletividade leva, então, a umaoutra pergunta: quem é a coletividade?, ou a outra ainda mais radical:“quem é o povo?”, que já suscitou um importante ensaio pelo juristaalemão Müller (1998). Nesse trabalho, Müller alerta para a figura do povocomo um ícone – em igual precisão, Carvalho Netto (2003:84) lembraque o conceito de povo é por demais “gordo”, isto é, pode ser manipuladoao sabor de conveniências políticas.

Outro importante trabalho é o texto de Rosenfeld sobre a Identidadedo Sujeito Constitucional (2003). Através das reflexões do professor daCardozo School of Law, pode-se compreender o conceito de povo comoum eterno hiato, aberto a um processo dinâmico de elaboração e revisão.É justamente no seu fechamento como conceito que se encontra o perigopara a democracia:

10 Ver HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio BenoSiebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Teoría de la accióncomunicativa. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1987. 2 v. (Tomo I: Racionalidadde la acción y racionalización social; Tomo II: Crítica de la razón funcionalista); e FERREIRA,Rodrigo Mendes. Individualização e Socialização em Jürgen Habermas: um estudo sobre a formaçãodiscursiva da vontade. São Paulo: Annablume, 2000.11 “De fato, se no Estado Liberal o público correspondia ao Estado e o privado a uma sociedade civilregida pelo mercado, considerada como o locus em que indivíduos perseguiam egoisticamente seusinteresses particulares, robustece-se agora um terceiro setor, que é público, mas não estatal. Ele écomposto por ONG’s, associações de moradores, entidades de classe e outros movimentos sociais,que atuam em prol de interesses da coletividade, e agem aglutinando e canalizando para o sistemapolítico demandas importantes, muitas vezes negligenciadas pelas instâncias representativastradicionais” (SARMENTO, 2005:48).

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Flávio Quinaud Pedron

Esse rápido olhar inicial sobre a identidade constitucional, bem comosobre o sujeito e a matéria constitucionais revela que é bem maisfácil determinar o que eles não são do que propriamente o que elessão. Ao construir essa intuição, esse insight, exploro a tese segundo aqual, em última instância, é preferível e mais acurado considerar osujeito e a matéria constitucionais como uma ausência mais do quecomo uma presença. Em outros termos, a própria questão do sujeitoe da matéria constitucionais é estimulante porque encontramos umhiato, um vazio, no lugar em que buscamos uma fonte última delegitimidade e autoridade para a ordem constitucional. Além do mais,o sujeito constitucional deve ser considerado como um hiato ou umaausência em pelo menos dois sentidos distintos: primeiramente, aausência do sujeito constitucional não nega o seu caráter indispensável,daí a necessidade de sua reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeitoconstitucional sempre envolve um hiato porque ele é inerentementeincompleto, e então sempre aberto a uma necessária, mas impossível,busca de completude. Conseqüentemente, o sujeito constitucionalencontra-se constantemente carente de reconstrução, mas essareconstrução jamais pode se tornar definitiva ou completa. Da mesmaforma, de modo consistente com essa tese, a identidade constitucionaldeve ser reconstruída em oposição às outras identidades, na medidaem que ela não pode sobreviver a não ser que pertença distintadessas últimas. Por outro lado, a identidade constitucional não podesimplesmente dispor dessas outras identidades, devendo então lutarpara incorporar e transformar alguns elementos tomados deempréstimo. Em suma, a identidade do sujeito constitucional só ésuscetível de determinação parcial mediante um processo dereconstrução orientado no sentido de alcançar um equilíbrio entre aassimilação e a rejeição das demais identidades relevantes acimadiscutidas (2003:26-27).

Para isso, Rosenfeld utiliza três instrumentos teóricos:

A negação, a metáfora e a metonímia combinam-se para selecionar,descartar e organizar os elementos pertinentes com vistas a produzirum discurso constitucional no e pelo qual o sujeito constitucionalpossa fundar sua identidade. A negação é crucial à medida que osujeito constitucional só pode emergir como um “eu” distinto pormeio da exclusão e da renúncia. A metáfora ou condensação, poroutro lado, que atua mediante o procedimento de se destacar assemelhanças em detrimento das diferenças, exerce um papelunificador chave ao produzir identidades parciais em torno das quaisa identidade constitucional possa transitar. A metonímia ou

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deslocamento, finalmente, com a sua ênfase na contigüidade e nocontexto, é essencial para evitar que o sujeito constitucional se fixeem identidades que permaneçam tão condensadas e abstratas aoponto de aplainar as diferenças que devem ser levadas em conta sea identidade constitucional deve realmente envolver tanto o euquanto o outro (2003:50).

Dessa forma, dentro de uma mesma sociedade, há não apenas umaidentidade coletiva, mas diversas e até mesmo concorrentes, de modoque uma interpretação da Constituição que leve em conta apenas umaidentidade, por mais majoritária que seja, pode lançar complicações parao desenvolvimento da democracia. Afinal a identidade constitucional,embora aberta às diversas identidades coletivas, não se confunde comnenhuma delas.

Todavia, como o próprio julgamento do Recurso Extraordinário n.153.531-8 irá revelar, a noção de interesse público não foi tomada comoum dogma, mas sim compreendida de maneira a ter de se “compatibilizar”com o interesse privado pela via da utilização. Para tanto, conformeinspiração no Direito alemão, mais exatamente na tradição dajurisprudência de valores alemã, o STF fez uso da técnica de ponderação,por meio da qual: “[...] Quanto maior o grau de não satisfação ou deafetação de um princípio, tanto mais tem que ser a importância dasatisfação do outro” (ALEXY, 1997:161, tradução livre).12

Como observa Souza Cruz (2004:160), o pensamento utilitarista servede base para a ponderação;13 todavia seus defensores alegam que o“princípio” da proporcionalidade seria capaz de impedir a escolhaarbitrária, vinculando o operador jurídico ao uso de meios adequados eproporcionais. Um desses defensores é o jurista de Kiel, Alexy (1997).

12 “[...] Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un principio, tanto mayortiene que ser la importancia de la satisfacción del otro”.13 A popularidade do método da ponderação adquire cada dia mais destaque nos julgamento proferidospelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF). Tanto assim, que Barroso e Barcelos (2004:471)e Baracho Júnior (2004:520) defendem que sua adoção representa uma mudança no curso dainterpretação levada a cabo pelo tribunal, equivalendo à adoção de uma Nova Hermenêutica naJurisprudência do STF. O precedente representado pelo HC n. 82.424/RS mostra-se como exemplo deuma aplicação prática da teoria de Alexy. Isso porque o caso ganhou notoriedade por examinar umsuposto conflito entre os princípios da liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana,envolvendo a acusação de prática de racismo durante a publicação de livros anti-semitas. As bases daponderação foram bem explicitadas através dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

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Mas, como se verificará, o presente trabalho irá sustentar a tese de que,no pensamento de Alexy, ainda persiste uma dificuldade em assimilarcompletamente o giro hermenêutico-pragmático,14 por ainda buscar nométodo a expressão de uma racionalidade capaz de neutralizar toda acomplexidade inerente à linguagem (ALEXY, 1998:32; 2003:139; 1997:98;1997b:136).15

A partir dessa ótica, tanto o interesse público quanto o interesse privadopodem ser considerados à luz de princípios. Alexy (1998:09) concordacom a compreensão de regras e de princípios como espécies de normasjurídicas – o que leva à necessidade de empreender uma digressão sobreuma compreensão do Direito para além de um mero conjunto de regras.16

Partindo dessa premissa, lembra-se que freqüentemente a distinçãoentre ambos os standars normativos se dá em razão da generalidade dosprincípios frente às regras. Isto é, muitos autores compreendem osprincípios como normas de um grau de generalidade relativamente alta,ao passo que as regras seriam dotadas de uma menor generalidade.17

Contudo, tal abordagem quantitativa, levada adiante por autores comoDel Vecchio e Bobbio, mostra-se insuficiente à luz do pensamentodesenvolvido já em Esser,18 como demonstra Galuppo (2002:170-171).

14 Cabe destacar, desde já, que, diferentemente de Alexy, Dworkin desenvolve sua teoria levando emconta o giro hermenêutico empreendido por Heidegger e Gadamer, sendo que o último irá adotaruma postura de ruptura com as posições objetivistas de Schleiermacher e Dilthey, radicalizando aexperiência hermenêutica e se apoiando principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-aí)heideggeriano. Desta forma, a Hermenêutica Filosófica entende que “a compreensão humana seorienta a partir de uma pré-compreensão que emerge da eventual situação existencial e que demarcao enquadramento temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação” (GRONDIN,1999:159). Os reflexos da percepção de tal “consciência histórica” podem ser sentidos nopensamento de Dworkin, como lembra Carvalho Netto: “Para ele, a unicidade e a irrepetibilidadeque caracterizam todos os eventos históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qualse pretenda tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar noordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para este caso específico irrepetívelpor definição” (1999:475).15 Importante lembrar a colocação de Cattoni de Oliveira (2001:77-78) no sentido de que, paraAlexy (2001:17-18), a racionalidade de um discurso prático pode ser mantida se forem satisfeitasas condições expressas por um sistema de regras ou procedimentos.16 Aqui é preciso lembrar, que Alexy toma como referência de norma o conceito “semântico” denorma (GALUPPO, 1999:135-136) presente já em Kelsen (1999), de modo que compreende quea norma é o significado extraído de um enunciado.17 Nesse sentido, ver Hart (1994:321-325) em resposta a distinção dworkiana entre princípios e regras.18 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinadomandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição

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Tal tese é denominada por Alexy (1998:09) como a tese fraca da separação,de modo que uma tese forte, como a que o autor pretende adotar,considera a distinção como qualitativa. Logo, pode-se perceber que ageneralidade não é um critério adequado para tal distinção, pois é, quandomuito, uma conseqüência da natureza dos princípios, sendo incapaz deproporcionar uma diferenciação essencial (GALUPPO, 1999:137).

Afirma-se, então, que regras, diferentemente dos princípios, sãoaplicáveis na maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion);19 issosignifica dizer que, se uma regra é válida, ela deve ser aplicada da maneiracomo preceitua, nem mais nem menos, conforme um procedimento desubsunção silogístico (AFONSO DA SILVA, 2002:25). Todavia, o principaltraço distintivo com relação aos princípios é observado quando, diantede um conflito entre regras, algumas posturas deverão ser tomadas paraque apenas uma delas seja considerada válida (ÁVILA, 2004:30). Comoconseqüência, a outra regra não somente não será considerada peladecisão, mas deverá ser retirada do ordenamento jurídico, como inválida,salvo se não for estabelecido que essa regra se situa em uma situaçãoque excepciona a outra – trata-se do critério da excepcionalidade dasregras. Um exemplo é fornecido pelo próprio Alexy (1997b:163-164):uma Lei Estadual proibia o funcionamento de estabelecimentos comerciaisapós as 13:00 e, concomitantemente, existia uma Lei Federal estendendoesse funcionamento até às 19:00. Nesse caso, o Tribunal Constitucionalalemão solucionou a controvérsia, apoiando-se no cânone da hierarquiadas normas, de modo a entender pela validade da legislação federal.

Já os princípios, por sua vez, não são determinantes para uma decisão,de modo que somente apresentariam razões em favor de uma ou deoutra posição argumentativa (ALEXY, 1998:09-10); logo apresentamobrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas em

normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critériodistintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativopara a tomada de decisão” (ÁVILA, 2004:27).19 Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e princípios; todavia,esses se olvidam do importante ensaio publicado por Dworkin, Model of Rules, originalmente, naChicago Law Reviewno. 35 (1967-1968), sendo, depois, republicado como o capítulo 2 da obraLevando os Direitos a Sério (com tradução para o português pela Editora Martins Fontes, em2002). Todavia, importante lembrar, mais uma vez, que a distinção dworkiana se pauta pelo prismalógico-argumentativo, e não por critéiros estruturais – ou morfológicos –. Reconhecendo isso,tem-se Sarmento (2000:44).

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função de outros princípios (ÁVILA, 2004:30; AFONSO DA SILVA, 2005:32),o que difere na natureza de obrigações absolutas das regras. É, por isso,que o autor afirma existir uma dimensão de peso entre princípios – quepermanece inexistente nas regras – principalmente nos chamados casosde colisão, exigindo para a sua aplicação um procedimento de ponderação(balanceamento). Destarte, em face de uma colisão entre princípios, ovalor decisório será dado a um princípio que tenha, naquele caso concreto,maior peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípiocompreendido como de peso menor. Em face de outro caso, portanto, opeso dos princípios poderá ser redistribuído de maneira diversa,20 poisnenhum princípio goza antecipadamente de primazia sobre os demais.21

É desta forma que Alexy (1998:12) apresenta a distinção fundamentalentre regras e princípios:

[...] princípios são normas que ordenam que algo se realize na maiormedida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Osprincípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização que secaracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes graus eporque a medida de seu cumprimento não só depende daspossibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. [...].Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimentopleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ounão. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente oque se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por issodeterminações no campo do possível fático e juridicamente (ALEXY,1998:12, grifos no original, tradução livre).22

20 “No caso das colisões entre princípios, portanto, não há como se falar em um princípio que sempretenha precedência em relação a outro. [...] É por isso que não se pode falar que um princípio P1 sempreprevalecerá sobre o princípio P2– (P1 P P2) –, devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1sobre o princípio P2 diante das condições C– (P1 P P2) C” (AFONSO DA SILVA, 2005:35).21 Isso pode ser percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. Como já comentado, o STF identificouum conflito envolvendo os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de expressão.Em momento algum, afirmou-se que a dignidade da pessoa humana (ou mais exatamente, nãodiscriminação) seria hierarquicamente superior à liberdade de expressão. Assim, um ou outro princípiopode ser ponderado através de sua aplicação gradual no caso sub judice. Assim, como bem reconheceo Min. Marco Aurélio em seu voto, “as colisões entre princípio [sob essa ótica] somente podem sersuperadas se algum tipo de restrição ou de sacrifício formem impostos a um ou os dois lados.Enquanto o conflito entre regras resolve-se na dimensão da validade, [...] o choque de princípiosencontra solução na dimensão do valor, a partir do critério da ‘ponderação’, que possibilita ummeio-termo entre a vinculação e a flexibilidade dos direitos”.22 “[...] principios son normas que ordenan que se realice algo en la mayor medida posible, enrelación con las posibilidades jurídicas y fácticas. Los principios son, por consiguiente, mandatosde optimización que se caracterizan por que pueden ser cumplidos en diversos grados y porque la

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Mas como explicar a natureza de mandamentos de otimização23

atribuída aos princípios? Ou de outra forma, como uma norma pode tersua aplicação em diferentes graus? Para Alexy (1998:14, 1997:138), issopode ser explicado quando se compreende que princípios podem serequiparados a valores. Uma concepção sobre valores – isto é, axiológica– dirá Alexy (1997:139), traz uma referência não no nível do dever-ser(deontológico), mas no nível do que pode ou não ser considerado comobem. Os valores têm como características a possibilidade de valoração,isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado,comparado ou medido. Destarte,

Com a ajuda de conceitos de valor classificatório se pode dizer quealgo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com a ajuda deconceitos de valor comparativo, que a um objeto que se deve valorarcorresponde um valor maior ou o mesmo valor que outro objeto e,com ajuda de conceitos de valor métrico, que algo tem um valor dedeterminada magnitude (ALEXY, 1997:143, tradução livre).24

Todavia, apesar de dizer que princípios podem ser equipados aosvalores, Alexy (1997:147) dirá que princípios não são valores. Isso porqueos princípios, como normas, apontam para o que se considera devido, aopasso que os valores apontam para o que pode ser considerado melhor.25

Assim, mesmo tendo uma operacionalização idêntica aos valores, aindaassim princípios apresentam uma diferença básica frente aos valores.26

medida ordenada de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades fácticas, sino también delas posibilidades jurídicas. […] En cambio, las reglas son normas que exigen un cumplimiento plenoy, en esa medida, pueden siempre ser sólo o cumplidas o incumplidas. Si una regla es válida, entonceses obligatorio hacer precisamente lo que ordena, ni más ni menos. Las reglas contienen por ellodeterminaciones en el campo de lo posible fáctica y jurídicamente”.23 Afonso da Silva (2002:25) alerta que, devido à influência das traduções espanholas das obras deAlexy, tornou-se comum referir-se aos princípios como “mandados de otimização”. Todavia,trata-se de utilização imprópria, preferindo esse autor o termo mandamentos de otimização.24 “Con la ayuda de conceptos de valor clasificatorios se puede decir que algo tiene un valorpositivo, negativo o neutral; con la ayuda de conceptos de valor comparativos, que a un objeto quehay que valorar le corresponde un valor o el mismo valor que a otro objeto y, con la ayuda deconceptos de valor métricos, que algo tiene un valor de determinada magnitud”.25 “La diferencia entre principios y valores se reduce así a un punto. Lo que en el modelo de losvalores es prima facie lo mejor es, en el modelo de los principios, prima facie debido; y lo que enel modelo de los valores es definitivamente lo mejor es, en el modelo de los principios,definitivamente debido” (ALEXY, 1997:147).26 Apenas para demarcar a dissonância, adianta-se que tese alexyana é refutada tanto por Dworkinquanto por Habermas, que defendem a impossibilidade de equiparar princípios a valores, sob penade desnaturar a própria lógica de aplicação normativa. Ambos os autores ainda lançarão mão não de

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Para concluir, dirá que, se alguém estiver diante de uma norma queexige um cumprimento na maior medida do possível, estará diante deum princípio; em contrapartida, se tal norma exigir apenas o cumprimentoem uma determinada medida, ter-se-á uma regra. Logo, a diferença secentraria em um aspecto da estrutura dos princípios e das regras, de umamaneira morfológica, fazendo com que regras sejam aplicadas de maneirasilogística e princípios, por meio de uma ponderação ou balanceamento(ALEXY, 2003; AFONSO DA SILVA, 2002:25).

Dessa forma, os princípios que prescrevem a proteção tanto dointeresse público de um lado, quanto do interesse privado de outro,deverão ser ponderados por meio do “princípio” da proporcionalidade,27

para que se possa atingir um resultado em face de um caso concreto.Assim, o próximo passo da presente explanação é analisar melhor omecanismo da proporcionalidade teorizado por Alexy. Para tanto, deve-se lembrar que nem princípios nem regras são capazes de regular por simesmos suas condições de aplicação, de modo que o jurista de Kielreconhece a necessidade de promover uma compreensão da decisão

uma diferenciação morfológica entre princípios e regras, preferindo o que se pode considerar comouma distinção em razão da natureza lógico-argumentativa.27 Afonso da Silva (2002:24-27) sustenta que seria errônea a referência à técnica da ponderaçãocomo “princípio da proporcionalidade”. Segundo o autor, “[o] chamado princípio daproporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com base na classificaçãode Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de formaconstante, sem variações”. Dessa forma, tratar-se-ia de uma regra de ponderação, aplicável pormeio da subsunção, bem como suas sub-regras. Ávila (2005) refere-se a um dever de proporcionalidade,termo considerado correto por Afonso da Silva, mas pouco adequado, já que a idéia de dever remeteapenas ao gênero norma jurídica, sem explicitar sua espécie – princípios ou regras. Também não sedeve confundir proporcionalidade com racionalidade, como lembra Afonso da Silva (2002:28).Muitos juristas tratam como se fossem termos sinônimos, como se proporcionalidade fosse otermo adotado pelos autores de tradição germânica, ao passo que a razoabilidade tivesse sua difusãona tradição do common law. Segundo o constitucionalista, a diferenciação se dá não pela origem,mas pela estrutura. “A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitosfundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e nãoé uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem umasimples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucionalalemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análiseda adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em umaordem pré-definida e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia,claramente, da mera exigência de razoabilidade” (AFFONSO DA SILVA, 2002:30). É, por isso, queesse autor afirma que o STF apenas consegue exercer sua função nos limites da razoabilidade, poucoou nada compreendendo sobre a dimensão da proporcionalidade. O órgão judicante, então, apenasmencionaria as sub-regras da proporcionalidade, sem, contudo, analisá-las perante o caso específicoque tem a sua frente.

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jurídica regrada por uma teoria da argumentação (ALEXY, 1997b:173).28 Apartir disso, o sistema jurídico, além de conter regras e princípios, comportaum terceiro nível, no qual são feitas considerações sobre umprocedimento – seguindo o modelo da razão prática – que permitiriaalcançar e assegurar a racionalidade de aplicação jurídica (CHAMONJUNIOR, 2004:103).

A argumentação jurídica é vista por Alexy (1998:18) como um casoespecial da argumentação prática geral, ou seja, da argumentação moral.Sua peculiaridade, contudo, está na série de vínculos institucionais que acaracteriza, tais como a lei, o precedente e a dogmática jurídica.29 Masmesmo esses vínculos – concebidos como um sistema de regras,princípios e procedimento – são incapazes de levar a um resultadopreciso. As regras do discurso serviriam apenas para que se pudessecontar com um mínimo de racionalidade. Tudo, para Alexy (1998:18-19),gira em volta de um problema referente à racionalidade jurídica. Comonão é possível uma teoria moral de cunho substantivo, somente se podeapelar para as teorias morais procedimentais, que formulariam regras oucondições para a argumentação ou para uma decisão racional.30

Para desenvolver sua teoria da argumentação, o professor alemão iráproceder a uma minuciosa análise de diversas teorias, retirando delas oque considera notável, como lembra Souza Cruz:

28 “[...] el agregado del nivel de los principios conduce sólo condicionadamente a una vinculación enel sentido de una determinación estricta del resultado. También después de la eliminación de laslagunas de apertura a nivel de las reglas quedan las lagunas de indeterminación del nivel de losprincipios. Sin embargo, de aquí no podrían inferirse un argumento a favor del modelo de la reglae en contra del modelo regla/principio, tampoco si ésta fuera la última palabra. Lo que hasta ahorase ha descrito, el nivel de la regla y el de los principios, no proporciona un cuadro completo delsistema jurídico. Ni los principios ni las reglas regulan por sí mismos su aplicación. Si se quiereobtener un modelo completo, hay que agregar al costado pasivo uno activo, referido al procedimiento,de la aplicación de las reglas y los principios. Por lo tanto, los niveles de las reglas y los principiostienen que ser completados con un tercer nivel. En un sistema orientado por el concepto de larazón práctica, este tercer nivel puede ser sólo al de un procedimiento que asegura la racionalidad”(ALEXY, 1997b:173, grifos nossos).29 Sobre isso, um maior detalhamento pode ser obtido pela leitura do capítulo 3 da obra ALEXY,Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a Teoria do Discurso Racional como Teoria da JustificaçãoJurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.30 Em consonância com essa afirmação, tem-se Souza Cruz (2004:164-165), que observa que Alexyirá divergir da Corte Constitucional alemã, uma vez que essa exige a relativização de todos osdireitos fundamentais, inclusive o da dignidade humana (ALEXY, 1997:108-109). Assim, a adoçãopelo paradigma procedimental sustenta uma proteção aos direitos fundamentais por um aspectodialógico do discurso e conforme a racionalidade do método de ponderação.

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Dos julgamentos morais de Stevenson, destacou as distintas formasde argumentos e de argumentações. Da filosofia lingüística deWittgenstein, observou que a linguagem normativa não poderia serreduzida à linguagem descritiva, ao passo que da Teoria Discursiva deAustin aproveitou os aspectos performativos da linguagem e sua relaçãocom os dados da realidade.

Da teoria metaética de Hare, destacou o esforço na comensurabilidadede valores, ao exigir que o juiz não apenas se colocasse na posiçãodo réu, mas que levasse a sério todos os interesses daqueles que dealguma forma pudessem ser afetados pela decisão, enquanto dafilosofia psicológica de Toulmin aproveitou a concepção da existênciade regras no discurso moral que permitiam um exame racional.

Da Teoria da Argumentação Moral de Baier notou que a argumentaçãoprática possui regras distintas da argumentação desenvolvida nasciências naturais, mas que ambas devem/podem ser taxadas comoatividades racionais. Por sua vez, da Teoria do Consenso da Verdadede Habermas, ele percebeu que as ações são jogos de linguagem eque num discurso é possível depurar-se argumentos válidos deargumentos inválidos, em razão de sua aceitabilidade numa “situaçãoideal de discurso”.

Contudo, ao entender que tal situação dificilmente ocorreriafactualmente, Alexy estipulou o critério de Hare como condição mínimade sua teoria. Da Teoria da Liberação Prática da Escola de Erlanger,observou a necessidade da padronização da linguagem.

Finalmente, da Nova Retórica de Perelman assumiu a idéia de quenão é possível definir um único resultado como correto e duradouro,dando abertura a um criticismo heurístico (2004:165-166).

Todo esse instrumental teórico irá contribuir para estruturar oprocedimento da ponderação a partir de três sub-regras (regra deadequação, regra da necessidade e regra da proporcionalidade em sentidoestrito). Essas sub-regras são estruturadas de maneira a funcionaremsucessiva e subsidiariamente, mas nunca aleatoriamente;31 por isso nemsempre será necessária uma análise de todas as três sub-regras.32

31 “Se simplesmente as enunciarmos, independentemente de qualquer ordem, pode-se ter a impressãode que tanto faz, por exemplo, se a necessidade do ato estatal é, no caso concreto, questionadaantes ou depois da análise da adequação ou da proporcionalidade em sentido estrito. Não é o caso.A análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidadeem sentido estrito” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).32 “A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade,

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Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer quea análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já nãotiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise daproporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se oproblema já não tiver sido solucionado com as análises da adequaçãoe da necessidade (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

Afonso da Silva alerta que, no Brasil, difundiu-se o conceito deadequação como aquilo que é apto a alcançar o resultado pretendido(SARMENTO, 2000:87; MENDES, 1994:371). Todavia, trata-se de umacompreensão equivocada da sub-regra, derivada da tradução imprecisado termo alemão fördern como alcançar, ao invés de fomentar, o queseria mais correto. Nessa leitura:

Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização umobjetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização arejeição de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivonão seja completamente realizado. Há uma grande diferença entreambos os conceitos, que fica clara na definição de Martin Borowski,segundo a qual uma medida estatal é adequada quando o seu empregofaz com que o “objeto legítimo pretendido seja alcançado ou pelomenos fomentado”. Dessa forma, uma medida somente pode serconsiderada inadequada se sua utilização não contribuir em nada parafomentar a realização de objetivo pretendido (AFONSO DA SILVA,2002:36-37).

Pode-se tomar o exemplo da ADC n. 9-6 (racionamento de energia),como forma de esclarecer melhor o conteúdo da regra da adequação:para impedir o risco de questionamento judicial, principalmente dos artigos14 a 18 da Medida Provisória n. 2.152-2 – que disciplinava as metas deconsumo de energia elétrica e previa as sanções no caso dedescumprimento, foi proposta a ADC n. 9-6, visando à declaração deconstitucionalidade, com efeitos vinculantes. O STF entendeu, em sedede medida cautelar, que estava demonstrada a proporcionalidade e arazoabilidade das medidas tomadas pelo governo. Como lembra Afonsoda Silva, o teste de adequação da medida deveria se limitar “ao exame

é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato consideradoabusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É justamente na relação de subsidiariedade acimamencionada que reside a razão de ser da divisão em sub-regras” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

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de sua aptidão para fomentar os objetivos visados” (2002:37). Assim,mesmo que fosse questionável o fato de essas medidas tomadas seremas mais adequadas, para o constitucionalista, mostra-se inegável – devidoao caráter coercitivo – que as medidas levariam os consumidores aeconomizarem energia elétrica e, mesmo que sozinhas não possamsolucionar o problema de interrupção do fornecimento de energia elétrica,as medida tomadas mostram-se capazes de colaborar para que o mesmoseja atingido. Por tal observação, elas poderiam ser consideradasadequadas nos termos exigidos pela proporcionalidade.

Mas será que elas poderiam passar também pelo grifo da regra denecessidade? Essa afirma o seguinte: “Um ato que limita um direitofundamental é somente necessário caso a realização do objetivoperseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meiode outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido”(AFONSO DA SILVA, 2002:38). Segundo Sarmento, “impõe que o PoderPúblico adote sempre a medida menos gravosa possível para atingir adeterminado objetivo” (2000:88). Assim, a adequação exige um exameabsoluto do ato, ao passo que a necessidade, um exame comparativo(ALEXY, 1998:30), isto é:

Suponha-se que, para promover o objetivo O, o Estado adote a medidaM1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2

que, tanto quanto M1, seja adequada para promover com igualeficiência o objetivo O, mas limite o direito fundamental D em menorintensidade, então a medida M1, utilizada pelo Estado, não é necessária(AFONSO DA SILVA, 2002:38).

Voltando ao exemplo do julgamento da ADC n. 9-6, Afonso da Silvaconsidera que as medidas tomadas pelo governo podem ser consideradasadequadas, por ajudarem a promover a economia de energia. Mas o exameda necessidade exige que, primeiro, se identifique os direitos que serãolimitados. Muitos, então, poderiam ser apontados como direitospossivelmente lesionados: direito de acesso a um serviço público, direitode igualdade, direito à livre iniciativa, direito ao trabalho, e, em últimaanálise, o direito a uma vida digna (AFONSO DA SILVA, 2002:38-40).

O passo seguinte seria identificar medidas alternativas que também

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pudessem satisfazer os objetivos da medida governamental.33 Se fossedemonstrada a existência – o que é bem plausível – de medida tão (ouaté mais) adequada que as tomadas pelo governo, o STF teria de considerara medida escolhida como desproporcional e, por isso, declarar ainconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.152-2.

O último passo a ser verificado, a proporcionalidade em sentido estrito,apenas acontecerá depois de verificado que o ato é adequado e necessário(ALEXY, 1998:31). Por isso,

[...] o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consisteem um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direitofundamental atingido e a importância da realização do direitofundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção damedida restritiva (AFONSO DA SILVA, 2002:40).

Segundo Sarmento (2000:89), há aqui um raciocínio baseado narelação custo-benefício da norma avaliada, isto é, o ônus imposto pelanorma deve ser inferior ao benefício que pretende gerar. A constataçãonegativa deve ser tomada, portanto, como um juízo pelainconstitucionalidade do ato. Todavia,

[p]ara que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidadeem sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realizaçãode um direito fundamental. Também não é necessário que a medidaatinja o chamado núcleo essencial de algum direito fundamental.Para que ela seja considerada desproporcional em sentido estrito,basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida nãotenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamentalatingido. É possível, por exemplo, que essa restrição seja pequena,bem distante de implicar a não-realização de algum direito ou deatingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direitofundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente parajustificá-la, será ela desproporcional (AFONSO DA SILVA, 2002:41, grifono original).

No exemplo que até agora foi desenvolvido, o STF, por olvidar analisar

33 Afonso da Silva (2002:39-40) destaca que, durante o julgamento da ADC n. 9-6, deixou-se deproceder à identificação de medidas alternativas para a crise brasileira de energia, mesmo havendooutras soluções que foram apresentadas e discutidas pelos meios de comunicação na época. Logo,ficou prejudicada a aplicação da proporcionalidade neste caso específico.

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a necessidade das medidas do governo, prejudicou a análise daproporcionalidade em sentido estrito. Mas, em um outro exemplo – ADIn. 855-2 (pesagem de botijões de gás), a exigência de pesagem dosbotijões de gás na presença dos consumidores foi considerada adequadapelo STF. Também pode ser considerada por Afonso da Silva (2002:40-41) necessária, pois a medida alternativa apresentada – pesagem poramostragem – embora pudesse restringir em menor escala a livreiniciativa das empresas distribuidoras de gás, não pareceu ter a mesmacapacidade de fomentar a proteção do consumidor. Assim, pode-se avançarpara a análise da proporcionalidade em sentido estrito: verificar se aproteção ao consumidor se justifica em face da limitação à liberdade deiniciativa sofrida pelas empresas distribuidoras de gás. Para Afonso daSilva (2002:41), o peso maior deveria ser dado à proteção do consumidor,todavia o entendimento do STF pendeu para uma solução inversa.

Evidenciar-se-ia, então, uma mudança em termos de compreensão doSupremo Tribunal Federal sobre a questão da supremacia do interessepúblico. Todavia, os julgados existentes ainda revelariam que o dogmapersiste; o que se teria admitido seria apenas a relativização através datécnica de ponderação da supremacia do interesse público em algumassituações especiais, mas com um caminho aberto para revisão dessacompreensão (BARACHO JÚNIOR, 2004:520). Cattoni de Oliveira,entretanto, apresenta uma outra leitura desse quadro:

O que eu discordo, em princípio, é quanto à afirmação de parte dadoutrina atual segundo a qual, recentemente, o STF estaria relativizandoo “princípio da supremacia do interesse público”, ao ponderar, usandocomo critério a proporcionalidade, interesse público (estatal) einteresse privado. Não penso assim. Há uma tendência jurisprudenciala se relativizar, isto sim, a distinção entre questões políticas e questõesjurídicas, com conseqüências para a compreensão da separação depoderes, para o papel do STF, para a práxis e para a metódicaconstitucionais. Por exemplo, ao considerar que, no exercício docontrole concentrado, o STF exerce “tarefas não somente jurídicasmas políticas”, ele é “legislador negativo”, mas também “legisladorpositivo”, ainda que excepcional, em prol de um “interesse públicoou social maior” (2006:12).

A partir da crítica acima, deve ser posta uma questão: mesmo se o STFlevasse a sério a ponderação – o que foi demonstrado que não ocorre,

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conforme a técnica desenvolvida por Alexy – poder-se-ia considerar essauma resposta adequada ao paradigma procedimental do EstadoDemocrático de Direito?

Cattoni de Oliveira (2004:535), pautando-se no pensamento deHabermas (1998:327-333), apresentará uma resposta negativa à questão.Como problemas que pesem contra a sua utilização podem ser levantadosos seguintes: (1) ao se admitir uma compreensão dos princípios jurídicoscomo mandamentos de otimização, aplicáveis de maneira gradual, Alexyemprega uma operacionalização própria dos valores: isso faria, então,com que os princípios perdessem a sua natureza deontológica,transformando o código binário do Direito em um código gradual;34 (2)como conseqüência desse raciocínio, o Direito passaria a indicar o que épreferível, ao invés de o que é devido;35 (3) o Direito – como pretensãode universalidade sobre a correção de uma ação – então, não mais podeser considerado como um “trunfo”,36 como quer Dworkin, nas discussõespolíticas que envolvam o bem-estar de uma parcela da sociedade;

34 “O Direito, ao contrário do que defende uma jurisprudência dos valores, possui um código binário,e não um código gradual: que normas possam refletir valores, no sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve questões não só acerca de o que é justo para todos (morais), mas também acercade o que é bom, no todo e a longo prazo para nós (éticas), não que dizer que elas sejam ou devam sertratadas como valores [...]” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:88-89, grifos no original).35 “[...] normas – quer como princípios, quer como regras – visam ao que é devido, são enunciadosdeontológicos: à luz de normas, posso decidir qual é a ação ordenada. Já valores visam ao que é bom,ao que é melhor; condicionados a uma determinada cultura, são enunciados teleológicos: uma açãoorientada por valores é preferível. Ao contrário das normas, valores não são aplicados maispriorizados” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90). Em outro texto, lembra o mesmo autor: “[...]ou nós estamos diante de uma conduta ilícita, abusiva, criminosa, ou então, do exercício regular, enão abusivo, de um direito. Tertium non datur! Como é que uma conduta pode ser considerada, aomesmo tempo, como lícita (o exercício de um direito à liberdade de expressão) e como ilícita(crime de racismo, que viola a dignidade humana), sem quebrar o caráter deontológico, normativo,do Direito? Como se houvesse uma conduta meio lícita, meio ilícita?” (CATTONI DE OLIVEIRA,2006:6-7, grifos no original); é por isso mesmo que: “Esse entendimento judicial, que pressupõe apossibilidade de aplicação gradual, numa maior ou menor medida, de normas, ao confundi-las comvalores, nega exatamente o caráter obrigatório do Direito. Tratar a Constituição como uma ordemconcreta de valores é pretender justificar a tese segundo a qual compete ao Poder Judiciário definiro que pode ser discutido e expresso como digno de valores, pois haveria democracia, nesse ponto devista, sob o pressuposto de que todos os membros de uma sociedade política compartilham, outenham de compartilhar, de um modo comunitarista, os mesmos supostos axiológicos, uma mesmaconcepção de vida e de mundo. Ou, o que também é incorreto, que os interesses majoritários de unsdevem prevalecer, de forma utilitarista, sobre os interesses minoritários de outros, quebrandoassim, o princípio do reconhecimento recíproco de igual direitos de liberdade a todos” (CATTONIDE OLIVEIRA, 2006:7, grifo no original).36 “[...] um direito não pode ser compreendido como um bem, mas como algo que é devido e nãocomo algo que seja meramente atrativo. Bens e interesses, assim como valores, podem ter negociada

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desnatura-se, portanto, a tese de Rawls (2003:199; 1996:171) sobre aprevalência do justo sobre o bem; (4) além disso, a tese de Alexy nega adiferenciação entre discursos de justificação e discursos de aplicação,transformando a atividade judiciária em um poder constituintepermanente; e, por fim, (5) olvida-se da racionalidade comunicativa, umavez que todo o raciocínio é pautado a partir de uma racionalidadeinstrumental, deixando a aplicação jurídica a cargo de um raciocínio deadequação de meios a fins, ficando para segundo plano a questão dalegitimidade da decisão jurídica; exatamente por isso o raciocínio sobrea ponderação acaba por cair em um decisionismo de cunho irracionalista,isto é, ausência de uma racionalidade comunicativa (HABERMAS,1998:332).37

Essas críticas servem para fomentar a discussão e sinalizam anecessidade de uma compreensão do Direito à luz do paradigmaprocedimental do Estado Democrático de Direito. Por isso, a propostahabermasiana desponta como a mais adequada. Mas as razões de tal opçãotransbordam os limites do presente artigo, devendo ser exploradas emoutro estudo.

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COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL*Daniel Favaretto Barbosa**

1. Observação preliminar: crítica à terminologia empregada

O fenômeno de que se tratará nesta oportunidade vem sendodesignado, genericamente, de “relativização da coisa julgada” ou “coisajulgada inconstitucional”. Ambas as expressões, contudo, são inadequadaspara retratá-lo com precisão, ainda que sob enfoque superficial.

“Relativização da coisa julgada” não constitui novidade alguma, pois acoisa julgada, no Brasil, é e sempre foi relativa1. A ação rescisória é omais vivo exemplo de que a imutabilidade da sentença de mérito,adquirida com o trânsito em julgado, pode ser afastada, para que outrojulgamento substitua o anterior. Melhor seria dizer, não fosse oinconveniente da amplitude dos termos, “relativização da coisa julgadaalém das hipóteses legais” ou “relativização atípica da coisa julgada”,expressão que começa a ganhar força entre os doutrinadores.

A expressão “coisa julgada inconstitucional”, da mesma forma, mal seadapta aos fatos que visa a nomear. A coisa julgada, em si, consiste namera imutabilidade da sentença e tem status constitucional2. Ela não seconfunde com a regra concreta que é o conteúdo da sentença, e que ela

* Palestra apresentada por ocasião do Programa de Estudos Avançados “Constituição e Processo”,promovido pela Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª região no dia 30 de maio de 2008 no Riode Janeiro – coordenação de Paulo André Espírito Santo, a quem o autor manifesta especial gratidão.** Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade do Estadodo Rio de Janeiro e professor da Universidade Cândido Mendes e do curso preparatório da AMPERJ.1 Relativa até demais, como demonstra Leonardo Greco em trabalho que aborda as causas dafragilidade da coisa julgada no Brasil. Vide GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnesde constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior. In: Relativizaçãoda coisa julgada. Enfoque crítico. (org. Fredie Didier Jr.). Salvador: Juspodivm, 2004; pp. 145/157.2 A Constituição de 1934 foi a primeira, no Brasil, a fazer expressa referência à garantia da coisajulgada, em termos idênticos aos que hoje se conhecem (art. 113, 3). A garantia, como outras, foiomitida na Constituição de 1937 e restabelecida, definitivamente, pela de 1946 (art. 141, §3º).

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Coisa Julgada Inconstitucional

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torna, eventualmente, imutável – de maneira que é difícil imaginá-la“inconstitucional”. A coisa julgada, repita-se, visa tão-somente a conferirestabilidade ao conteúdo3 da sentença; este sim, passível de afrontar asnormas constitucionais. Assim, se algo pode ser acusado deinconstitucional, não é a coisa julgada em si, mas a sentença ou acórdãosobre a qual ela eventualmente se formou. Opção mais adequada,portanto, seria o termo “julgamento inconstitucional acobertado pela coisajulgada”, ou algo semelhante.

Apesar de óbvia4, a observação se faz necessária para que se evitem,desde logo, desentendimentos de origem terminológica. No entanto,diante da utilização generalizada da expressão “coisa julgadainconstitucional” – escolhida, inclusive, como título da presente palestra– ela será empregada normalmente ao longo da exposição, subentendida,sempre, a crítica que a ela ora se dirige.

2. O grande impulso dos debates: acórdão do Superior Tribunal deJustiça no Recurso especial nº 240.712/SP

A doutrina voltou suas atenções para o tema quando um acórdão daPrimeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Ministro JoséAugusto Delgado, deu provimento ao recurso especial nº 240.712/SP, paraconceder antecipação de tutela em “ação declaratória de nulidade de atojurídico”, suspendendo o pagamento de indenização, em contrariedadeao que fora antes determinado por acórdão transitado em julgado5.

3 Abstrai-se, aqui, da discussão doutrinária sobre a exata incidência da coisa julgada, por se tratar detema indiferente ao que se pretende discutir.4 Um dos primeiros a apontar a inexatidão dessasexpressões foi Barbosa Moreira, em seu artigo intitulado Considerações sobre a chamada“relativização” da coisa julgada material. In:Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado doRio de Janeiro, vol. 62 (janeiro a março de 2005). Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2005, pp. 43/68. No mesmo sentido, vide LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos dasentença, “coisa julgada inconstitucional” e embargos à execução do artigo 741, parágrafo único.In: Revista do Advogado, nº 84 (dezembro de 2005). São Paulo: AASP, 2005, pp. 145/167.5 O acórdão tem a seguinte ementa: “PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS.COISA JULGADA. 1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos pagamentosde parcelas acordados em cumprimento de precatório expedido. 2. Alegação, em sede de AçãoDeclaratória de Nulidade, de que a área reconhecida como desapropriada, por via de AçãoDesapropriatória Indireta, pertence ao vencido, não obstante sentença trânsito em julgado. 3.Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da controvérsia. 4.Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da moralidade pública e da segurança

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Anos antes, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo haviacondenado a Fazenda Pública a pagar indenização a particulares, emdecorrência do reconhecimento de desapropriação indireta de terrasdeles, inseridas no Parque Estadual de Jacupiranga. Transitado em julgadoo acórdão e expedido o respectivo precatório, as partes celebraram acordo,homologado pelo Juízo, para pagamento parcelado do débito. Finalmente,depois de pagas treze das trinta parcelas acordadas, e depois de expiradoo prazo da ação rescisória, propôs o Estado de São Paulo nova demanda,que batizou de “declaratória de nulidade de ato jurídico”, pedindo adeclaração de nulidade do aludido acórdão, sob a alegação de que oimóvel em relação ao qual se reconheceu a desapropriação indiretapertencia, na verdade, ao próprio Estado! O Juízo de primeiro grauconcedeu antecipação de tutela, que veio a ser cassada pelo Tribunal deJustiça em virtude de agravo de instrumento. O Superior Tribunal deJustiça, admitindo o recurso especial contra esse acórdão, deu-lheprovimento, para restabelecer a tutela antecipada até o julgamento domérito da ação declaratória.

Curioso registrar, todavia, que, antes mesmo do julgamento do recursoespecial 240.712/SP, os recorridos já informavam que o processo origináriohavia sido extinto, sem resolução do mérito, diante do acolhimento dapreliminar de ausência de interesse, já que entendeu o Juízo que o autordeveria ter proposto ação rescisória. O relator no STJ o levou a julgamentoainda assim, pois constava dos autos que a questão ainda estava pendentede confirmação, em virtude de reexame necessário e apelação interposta– nos quais posteriormente se veio a cassar a sentença6.

jurídica. 5. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que devem serasseguradas. 6. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda e da suapossibilidade jurídica. 7. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social eestatal, os direitos das partes litigantes. 8. Recurso provido para garantir os efeitos da tutelaantecipada, nos moldes e nos limites concedidos em primeiro grau.” BRASIL. SUPERIORTRIBUNAL DE JUSTIÇA. Acórdão proferido no Recurso especial nº 240.712/SP, julgado pelaPrimeira Turma em 15/02/2000 e publicado em 24/04/2000. Decisão majoritária, ficando vencidosos ministros Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.6 BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação cível nº 155.890-5/5-00, julgada em 28 de março de 2001 pela 9ª Câmara de Direito Público, relator o Des. YoshiakiIchihara, votação unânime. Participou da votação o então Desembargador, e agora Ministro doSTF, Ricardo Lewandowsky.

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Certamente, este não foi o primeiro caso em que se desconsiderou acoisa julgada material formada em demanda anterior7-8, mas circunstânciasespeciais – dentre elas a própria fundamentação do acórdão –transformaram-no definitivamente em paradigma, a partir do qual surgiramos principais trabalhos doutrinários sobre o assunto. O próprio Ministrorelator, José Augusto Delgado, publicou artigo tratando do tema9, instigadopelas reflexões que o levaram a decidir daquela forma. Em sua esteiravieram autores consagrados, como Humberto Theodoro Jr., Cândido RangelDinamarco e Teresa Arruda Alvim Wambier, defendendo a “relativizaçãoda coisa julgada inconstitucional” em termos amplos, conforme se veráno item subseqüente.

3. O debate no plano doutrinário: as posições de Humberto TheodoroJr., Cândido Rangel Dinamarco e Tereza Arruda Alvim Wambier.

Como adiantado, o acórdão paradigma proferido pelo STJ instalouintensa polêmica no meio doutrinário, onde as obras pioneiras seguiram,

7 Em pesquisa de jurisprudência é possível encontrar acórdão do STF de 1982, autorizando a novaavaliação de imóvel expropriado, de forma a se conservar o justo valor da indenização. Vide, porexemplo, acórdão proferido no Recurso extraordinário nº 93.412-SC, julgado em 04 de maio de1982 pela 1ª Turma, Relator Min. Rafael Mayer (votação majoritária). Publicado no DJ de 04 dejunho de 1982, p. 5461. Eis a ementa: “DESAPROPRIAÇÃO. INDENIZAÇÃO (ATUALIZAÇÃO).EXTRAVIO DE AUTOS. NOVA AVALIAÇÃO. COISA JULGADA. NÃO OFENDE A COISAJULGADA A DECISÃO QUE, NA EXECUÇÃO, DETERMINA NOVA AVALIAÇÃO PARAATUALIZAR O VALOR DO IMÓVEL, CONSTANTE DE LAUDO ANTIGO, TENDO EM VISTAATENDER A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA JUSTA INDENIZAÇÃO, PROCRASTINADAPOR CULPA DA EXPROPRIANTE. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIONÃO CONHECIDO.” Embora a atualização do valor da indenização por desapropriação tenha sidouma das primeiras situações de suposta “relativização da coisa julgada” apresentadas à jurisprudência,há quem defenda, como Ovídio Araújo Baptista da Silva, que tal atualização, para preservar o valorda indenização fixada em sentença, não ofende a coisa julgada, pois o valor, e sua atualização,seriam mero efeito (condenatório) da sentença – sobre o qual não incide a imutabilidade, conformese defende, hoje, majoritariamente no Brasil. A propósito, vide SILVA, Ovídio Araújo Baptista da.Coisa julgada relativa? In: Relativização da coisa julgada. Enfoque crítico (org. Fredie Didier Jr.).Salvador: Juspodivm, 2004; pp. 213/228.8 Em plano doutrinário também é antiga a discussão acerca da validade da “sentença injusta”. Paraum panorama sobre o tema e as soluções doutrinárias clássicas – que nunca chegaram ao ponto quese tem hoje – vide MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código deprocesso civil, tomo V – Arts. 444 a 475. 3ª ed., atualizada por Sergio Bermudes. Rio de Janeiro:Forense, 2002, pp. 113/114.9 DELGADO, José Augusto. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas.efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: Revista de Processo, vol. 103 (julho asetembro de 2001). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; pp. 09/36.

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em linhas gerais, as conclusões do Ministro José Augusto Delgado,defendendo uma ampla flexibilização da coisa julgada,independentemente – e mesmo depois de transcorrido o prazo – da açãorescisória, a ser exercida a qualquer tempo, em qualquer grau dejurisdição e sem a necessidade de observância de formas ou instrumentospreviamente definidos, desde que se encontre diante de hipótese que,em tese, se enquadre em uma das situações abstratamente consideradaspelos defensores dessa flexibilização.

O volume de trabalhos publicados nesse período relativamente curtodemonstra que a flexibilização atípica da coisa julgada não constitui meromodismo, como se poderia pensar num primeiro momento. Hoje existemdiversas monografias exclusivamente dedicadas ao tema10 – que tambémvirou ponto obrigatório nas mais recentes obras sobre coisa julgada11 enos manuais de processo civil. Um número significativo de processualistasvêm redigindo artigos sobre o assunto, publicados em revistasespecializadas ou obras conjuntas dedicadas à “coisa julgadainconstitucional”, enriquecendo a polêmica e tornando-a multifacetada.

A riqueza de posicionamentos, num dos temas mais palpitantes dosúltimos tempos em matéria de processo civil, dificulta o tratamentouniforme do assunto, ao mesmo tempo em que impossibilita, ao menosnesta sede, a análise individualizada de todas as opiniões. Por causadisso, e considerando que o tema central ainda está por vir, o presentetrabalho limitar-se-á à análise de alguns posicionamentos, dando-sepreferência a autores pioneiros no trato da matéria e de grande renome,como aqueles já mencionados – aos quais se retorna neste momento.

10 BATISTA, Deocleciano. Coisa julgada inconstitucional e a prática jurídica. Rio de Janeiro:América jurídica, 2005; MACHADO, Daniel Carneiro. A coisa julgada inconstitucional. BeloHorizonte: Del Rey, 2005; LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisajulgada. Temática processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005; SIQUEIRA,Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de. A coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: Renovar,2006. Dentre os livros voltados ao assunto, vale referência à obra conjunta dos autores MEDINA,José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O dogma da coisa julgada. Hipóteses derelativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.11 Vide, por exemplo, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de processocivil, vol. IV (arts. 332 a 475). Rio de Janeiro: Forense, 2003 e TALAMINI, Eduardo. Coisajulgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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3.1 – Humberto Theodoro Jr.

Nesse sentido, merece registro a posição de Humberto Theodoro Jr.,que vem se destacando como grande defensor da relativização da coisajulgada além das hipóteses legais. Seu interesse pelo tema é anterior, ese relaciona, com o próprio acórdão do STJ, pois foi de sua autoria oparecer juntado aos autos do recurso especial acima mencionado12. Poucotempo depois, inspirado pelo sucesso de seu posicionamento no acórdãoparadigma, cuja fundamentação acolhe suas idéias, o processualistamineiro publicava expressivo artigo em co-autoria com a professora JulianaCordeiro de Faria, em obra coletiva integralmente dedicada ao tema13.

Os autores começam sua obra convidando o leitor à reflexão. Aduzemque durante muito tempo as decisões judiciais, muito embora tivessemsempre de guardar compatibilidade com as normas constitucionais – aexemplo de todo e qualquer ato do Poder Público –, vinham sendoconsideradas intangíveis, mormente depois de consumada a coisa julgadamaterial. Tal posição, segundo os autores, com base em Paulo Otero,explicar-se-ia pela antiga concepção do Poder Judiciário como meroaplicador automático de leis; como a bouche de la loi, tão ao gosto dosideais emergentes da Revolução Francesa. Criou-se, assim, um mito; o“mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto é, de sua imunidadea ataques, ainda que agasalhassem inconstitucionalidade (...)”14.

Essa concepção, contudo – prosseguem – encontra-se superada, nãomais se coadunando com a realidade atual. Hoje é conhecido o relevantepapel exercido pelo Poder Judiciário na concretização da Constituição,interpretando-a e aplicando-a a casos concretos, com o risco – não menosconcreto – de incorrer em inconstitucionalidades. Essa situação, segundoos autores, “ganha relevância quando se verifica a cada vez mais freqüenteatribuição aos juízes de poderes, erigindo-os em guardiões da

12 O parecer fora posteriormente publicado com a seguinte referência: THEODORO JÚNIOR,Humberto. Embargos à execução contra a Fazenda Pública. In: Regularização imobiliária de áreasprotegidas, vol. II. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1999, pp. 119/137.13 FARIA, Juliana Cordeiro de e THEODORO JÚNIOR, Humberto. A coisa julgada inconstitucionale os instrumentos processuais para seu controle. In: Coisa julgada inconstitucional (org. CarlosValder do Nascimento). 3ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003; pp. 77/126. Nessa obracoletiva há outro artigo de José Augusto Delgado, além de trabalhos de Carlos Valder do Nascimentoe Leonardo de Faria Beraldo; todos defendendo a “relativização”.14 Idem, p. 80.

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constitucionalidade e da legalidade da atividade dos demais poderespúblicos”15, o que deve afastar a noção consagrada de insindicabilidadeabsoluta das decisões judiciais, ainda que daquelas acobertadas pela coisajulgada material. Daí surge a necessidade de, nesse cenário atual,“repensar-se o controle dos atos do Poder Público em particular da coisajulgada inconstitucional (...)”.16 Em suma, o que se passa pelas idéiasacima é que, à medida em que o Poder Judiciário cresce de importância,conquistando maiores atribuições e maior liberdade na solução decontrovérsias, maior também deve ser o controle sobre suas decisões.

Isto posto, passam os autores a trabalhar com conceitos prévios, taiscomo os de coisa julgada17 e inconstitucionalidade, até chegar ao cernedo trabalho. Neste, traçam uma premissa relevante, no sentido de que “aintangibilidade da coisa julgada, no sistema jurídico brasileiro, não temsede constitucional, mas resulta, antes, de norma contida no Código deProcesso Civil (art. 457)”18, razão pela qual não pode estar imune aoprincípio da constitucionalidade, “hierarquicamente superior.” Adotam,portanto, uma acepção restritiva da norma constitucional que consagra acoisa julgada – insculpida no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República–, segundo a qual tal norma se limita a resguardar a coisa julgada dosefeitos das leis novas, que passam a viger após a sua consumação.19 Seriaela destinada, tão-somente, ao legislador, que, ao editar novas leis, ficaproibido de interferir nas relações jurídicas já definidas por decisão judicialtrânsita em julgado. Nada além disso, pois todo o resto da disciplina dacoisa julgada é estabelecido por normas infraconstitucionais.

Daí decorre, para os autores, que a intangibilidade da coisa julgada,baseada em normas hierarquicamente inferiores à Constituição, deve-sedobrar a esta sempre que se deparar com algum conflito entre elas; émera questão de hierarquia jurídico-positiva. A sentença inconstitucional,

15 Idem, pp. 81/82.16 Idem, p. 83.17 Neste ponto, adotam o conceito de coisa julgada material extraído de Sérgio Gilberto Porto, quenão guarda exata coincidência com o adotado por Humberto Theodoro Jr. em seu manual – e maisfiel à origem liebmaniana.18 Os autores provavelmente referiam-se ao art. 467 do CPC, que conceitua a coisa julgada.19 Essa interpretação do art. 5º, XXXVI, da Constituição, é defendida por LIMA, Paulo Roberto deOliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997 – obratambém apreciada e transcrita por José Augusto Delgado em seu artigo já citado.

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embora juridicamente existente, é inválida (nula), por violar o princípioda constitucionalidade. Em síntese, se uma decisão judicial é incompatívelcom a Constituição, ela pode (e deve) ser modificada, ainda que depoisde acobertada pela coisa soberanamente julgada, pois esta não teria sedeconstitucional.

Passando aos mecanismos de controle desse fenômeno, os autoresmineiros defendem que a coisa julgada inconstitucional, como ato nuloque é, “não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais”20; trata-se, ademais, de “aparência de coisa julgada, pelo que, a rigor, nem sequerseria necessário o uso da rescisória.”21

Com base nessas considerações, arrematam:

Os Tribunais, com efeito, não podem se furtar de, até mesmo deofício, reconhecer a inconstitucionalidade da coisa julgada o que podese dar a qualquer tempo, seja em ação rescisória (não sujeita a prazo),em ação declaratória de nulidade ou em embargos à execução.22

Ou seja, a coisa julgada afrontosa à Constituição é nula, sendo cabívelseu desfazimento, mesmo depois de transcorrido o prazo para a açãorescisória, tendo em vista que a estabilidade ou imutabilidade da sentençadecorre de normas infraconstitucionais, que devem obediência àConstituição. Sendo assim, qualquer meio impugnativo é válido para se aatacar, inclusive o reconhecimento de ofício pelo órgão jurisdicional.Imagine-se, para facilitar a compreensão, que B, derrotado em demandaanterior movida por A, volte a juízo pedindo novo julgamento sobre amesma relação jurídica, já acobertada pela auctoritas res iudicatae. Aindaque A advirta ao juízo sobre a existência de coisa julgada, este poderiaafastá-la por entendê-la inconstitucional e julgar novamente a mesmarelação jurídica, inclusive atribuindo-lhe definição diversa daquelaimposta no primeiro processo.

Os autores defendem expressamente, portanto, uma espécie de “podergeral” dos juízes, para o exercício de um “controle incidental daconstitucionalidade da coisa julgada”, a exemplo do que hoje ocorre no

20 Op. cit. , p. 108.21 Idem, pp. 108/109.22 Idem, p. 109.

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Brasil em relação às leis.23 É em virtude desse poder que o magistradopoderia, segundo os juristas mineiros, proceder à revisão do caso julgadoem qualquer instrumento processual: ação rescisória (independentementede prazo), execução de sentença, ação comum de competência do juízode primeiro grau de jurisdição etc. O reconhecimento, contudo, teriaeficácia ex nunc, respeitando-se os atos praticados sob o império da “coisajulgada inconstitucional”, a fim de... Evitarem-se maiores violações aoprincípio da segurança jurídica!24 Este, em apertadas linhas, o raciocíniodesenvolvido por Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro de Faria.

3.2 – Cândido Rangel Dinamarco

Cândido Rangel Dinamarco também se viu instigado pelo tema epublicou artigo defendendo uma ampla flexibilização da coisa julgada25.No afã de sistematizar o assunto, firmou conceitos abstratos, cujaincidência no caso concreto autorizaria o imediato afastamento daimutabilidade da sentença, independentemente do meio utilizado paratanto. Parece que com isso pretendia criar uma espécie de “teoria geralda relativização da coisa julgada”, sistematizando melhor as opiniões atéentão divulgadas.

Nesse sentido, desenvolve raciocínio que tenta levar em conta a técnicaprocessual, servindo-se da seguinte argumentação: como seguidor deLiebman, Dinamarco defende que a coisa julgada é uma qualidade queatinge o comando emergente da sentença, ou seja, não só o comando noseu aspecto formal, mas também os seus efeitos. Sendo assim, argumentaque a coisa julgada “não tem dimensão própria”, isto é, não é um efeitoem si mesma, mas uma qualidade que recai sobre os efeitos da sentença,tornando-os imutáveis26. Nessa linha de raciocínio, pondera que nasocasiões em que a própria sentença produzir efeitos que não tenhamcondições de se impor, será natural que também a coisa julgada não se23 Idem, p. 110.24 Idem, pp. 119 e ss.25 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In: Revista de Processo,vol. 109 (janeiro a março de 2003). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pp. 09/38.26 Posição que veio a ser abandonada por grande parte da doutrina nacional, mormente após opioneiro texto de Barbosa Moreira: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada.In: Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, pp. 133/146.

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imponha, como numa relação entre principal e acessório: caindo os efeitosda sentença (principal), cai também a qualidade que os reveste (acessório)– a coisa julgada. Destarte, produzindo a sentença efeitos “juridicamenteimpossíveis”27, inexistirá coisa julgada: da inexistência jurídica dos efeitosda sentença – conseqüência de sua impossibilidade jurídica – decorrelogicamente a inexistência da coisa julgada material “sobre a sentençaque pretenda impô-los.”28 Ou, de forma mais clara: “sentença portadorade efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais coberta pelares judicata, porque não tem efeitos suscetíveis de ficarem imunizadospor essa autoridade.”29

Mesmo conferindo maior amplitude ao disposto no art. 5º, XXXVI daConstituição – que se destinaria não só ao legislador, como defendem osautores acima examinados, mas também ao próprio juiz, que não poderiareexaminar aquilo que já foi decidido – Cândido Rangel Dinamarco ensinaque não existe “uma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada,que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demaisou dos valores que elas representam.”30 O que significa que mesmo emse considerando a coisa julgada uma garantia constitucional, sabe-se quenão há direitos e garantias absolutos, razão pela qual cabe a ponderaçãocom outros direitos e garantias também consagrados pela Constituição.A leitura clássica da coisa julgada, como se ela fosse um valor absoluto,é inconstitucional – daí a defesa que faz da propriedade da expressão,“aparentemente paradoxal”, “coisa julgada inconstitucional.”31

Quanto aos instrumentos adequados para promover o afastamento da“coisa julgada inconstitucional”, Cândido Dinamarco, apoiando-se emPontes de Miranda, menciona a possibilidade de propositura de novademanda – desconsiderando-se a coisa julgada anterior – bem como autilização de embargos à execução e até mesmo a alegação incidentertantum em outro processo qualquer, “inclusive em peças defensivas.”32

27 O autor menciona o exemplo daquela sentença que “permite que um Estado se retire da federação” ouque “imponha por execução forçada o cumprimento da obrigação de dar um peso da própria carne”.28 Idem, p. 27.29 Idem, pp. 27/28.30 Idem, p. 28.31 Ibidem.32 Idem, p. 33.

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Isso sem prejuízo da flexibilização dos casos de cabimento de açãorescisória, a ser alcançada através de uma interpretação extensiva dashipóteses arroladas no art. 485 do CPC.

Por fim, o renomado professor paulista destaca que suas posiçõessobre a “relativização da coisa julgada”, que será sempre excepcional,não têm qualquer engajamento político, devendo ser aplicadas parafavorecer quem quer que se encontre na situação por ele delineada;independentemente de ser a Fazenda Pública ou o cidadão privado –ressalva importante, dadas as circunstâncias em que se deu o famosoprecedente jurisprudencial, acima analisado.

Como se vê, os fundamentos e conclusões de Humberto Theodoro Jr.e Juliana Cordeiro de Faria, de um lado, e Cândido Rangel Dinamarco, deoutro, coincidem em essência. Ressalvados aspectos circunstanciais, todospartem da premissa básica de que a coisa julgada não é um fenômenoabsoluto, motivo pelo qual não se pode deixar de submetê-la a ponderação,quando esteja servindo de obstáculo à reapreciação (e conseqüenteremoção) de decisão considerada incompatível com a Constituição.Vislumbram aí, os autores, um conflito entre valores constitucionais: deum lado a garantia à coisa julgada, essencialmente relacionada àsegurança jurídica e, de outro, o valor constitucional porventura lesadopela sentença ou acórdão.

Para Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro de Faria, a superioridadedas normas constitucionais em relação à coisa julgada autoriza odesfazimento desta em nome do restabelecimento da “justiça”, a qualquertempo. Cândido Rangel Dinamarco prefere defender que, sendo nula asentença inconstitucional, não poderá produzir efeitos, o que impede aformação da coisa julgada. Todos defendem, por fim, a utilização dequalquer meio processual, a qualquer tempo, para afastar a sentençainconstitucional, ainda que imutabilizada pela coisa julgada. Nasce, aí,uma “teoria geral de relativização atípica da coisa julgada”, ainda que osautores tentem defender – inutilmente, como se verá – que sua aplicaçãoseja excepcional e igualitária.

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3.3 – Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.

Ainda mais radical, contudo, foi a obra de Teresa Arruda AlvimWambier, em co-autoria com José Miguel Garcia Medina33. No que importaao presente trabalho, pode-se sintetizar que os autores demonstram certoinconformismo com a relevância que se dá ao instituto da coisa julgada,verificando, porém, a existência de uma aspiração, uma tendência, de seabrir mão da segurança jurídica, em certa medida, para que se favoreçaa efetividade do processo.

Por conseguinte, propõem-se os autores a traçar critérios“razoavelmente objetivos” para a “relativização da coisa julgada material”,sem se comprometer demais, e indesejadamente, o valor segurança.Passam a trabalhar, portanto, com duas linhas de raciocínio – calcadas,segundo eles, somente no próprio direito positivo. A primeira linhaconsiste em alargar a noção de “sentença juridicamente inexistente”,pois sobre ela é pacífico que não se forma a coisa julgada; a segundatrabalha com a ampliação, através da própria hermenêutica, das hipótesesde cabimento da ação rescisória, previstas no art. 485 do CPC.

No primeiro aspecto, servindo-se do entendimento, já consagrado, deque a sentença “juridicamente inexistente” não produz efeitos – não havendofalar-se, portanto, em coisa julgada –, os autores defendem que, na ausênciade qualquer pressuposto processual de existência (que arrolam como sendojurisdição, petição inicial, citação e capacidade postulatória pela juntada deprocuração aos autos34), inexistente será o processo todo e –conseqüentemente – a sentença, como parte integrante do todo. Trata-se deinexistência jurídica, à evidência, que impede a formação da coisa julgada.

Até aí, tendo-se em conta que a doutrina é tranqüila no sentido de quea ausência de pressupostos de existência do processo leva, de fato, à suainexistência jurídica – com prejuízo à formação da coisa julgada –, aúnica novidade no trabalho em análise consiste na aparente amplitudeque se deu ao conceito de pressupostos processuais de existência. Masos autores vão além.

33 MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O Dogma da coisa julgada.Hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.34 Idem, p. 30.

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Para eles, a ausência de condições da ação também levaria àinexistência da sentença. Segundo os professores, se o autor nãopreenchia as condições da ação, ação não foi exercida, mas mero direitode petição – donde se conclui que a questão por ele suscitada sequerpoderia ter sido apreciada pelo Poder Judiciário. Sendo assim, a sentençade mérito, proferida em processo cujo autor seja carente de interesseprocessual; ou em que as partes sejam ilegítimas; ou, finalmente, cujopedido seja juridicamente impossível, é ato juridicamente inexistente.Aqui se vê ousada inovação, conforme se demonstrará adiante.

Finalmente, também seriam juridicamente inexistentes as sentençasininteligíveis – pois careceriam de existência física, daí decorrendonaturalmente a inexistência jurídica –; bem como as sentenças portadorasde impossibilidades lógicas ou jurídicas, aproveitando os exemplos dePontes de Miranda das sentenças que, respectivamente, “pusesse alguémsob regime de escravidão” e “instituísse concretamente um direito realincompatível com a ordem jurídica nacional”. Nesses casos ter-se-iamsentenças acolhedoras de pedidos juridicamente impossíveis formuladospelo autor, o que as faz ingressar na categoria acima indicada, qual seja,de sentenças proferidas em processos instaurados por quem não tinhadireito de ação35.

A sentença juridicamente inexistente, como dito, não faz coisa julgada;e por isso pode ser declarada como tal a qualquer tempo,independentemente do prazo de dois anos da ação rescisória – que, paraeles, se reserva apenas às sentenças nulas. Da mesma forma, qualquermeio pode ser utilizado para o reconhecimento de inexistência jurídicada sentença, como a ação declaratória, os embargos do executado ou atémesmo a mera alegação incidental em qualquer processo.

Em raciocínio análogo, defendem que a decisão do STF que declarainconstitucional uma lei em controle abstrato de constitucionalidade, porter, em regra, efeitos ex tunc, leva à “inexistência da lei”, o que permitiriaa desconstituição da coisa julgada operada em sentença que tivesseaplicado a lei declarada inconstitucional, a qualquer tempo e por qualquermeio, independentemente de propositura de ação rescisória.

35 Idem, p. 33.

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Na segunda linha de raciocínio, acima referida – de alargamento dashipóteses de cabimento da ação rescisória – os autores defendem, porexemplo, o cabimento de ação rescisória quando houver alegação deviolação a princípio jurídico, afastando-se, portanto, a interpretaçãomeramente literal que a doutrina tradicional vem emprestando ao dispostono art. 485, V, do CPC. Argüindo que a doutrina vem evoluindo no sentidode conferir importância cada vez maior aos princípios – superando-se aantiga concepção de mera legalidade –, entendem necessária a revisãoda interpretação do referido dispositivo legal, passando-se a admitir aação rescisória sempre que se apontar violação a princípio jurídico –inclusive e principalmente se for princípio constitucional.

Ainda na mesma linha, refletindo sobre a ação de investigação depaternidade, aduzem os autores que, embora trate ela de direitoindisponível – o direito à filiação –, sua sentença faz coisa julgada, adespeito do que defende parcela da doutrina, em sentido oposto. Noentanto, diante do já célebre caso da obtenção de exame positivo deDNA depois de consumada a coisa julgada sobre a sentença deimprocedência, os autores defendem a possibilidade de ajuizamento deação rescisória com fulcro no art. 485, VII do CPC: atribuindo-lheinterpretação ampliativa, entendem que o dispositivo admite a rescisóriacom base em exame pericial novo, pois este seria tão (ou mais) seguroquanto o documento novo a que a lei se refere – mormente no caso deDNA, cuja possibilidade de êxito é tão apregoada pela doutrina.

O trabalho dos autores se conclui pela defesa de novos critérios parase iniciar a contagem do prazo para a propositura da ação rescisória, jáque seria injusto contar um prazo extintivo do direito de uma pessoaquando esta nem sabe que seu direito foi violado – e portanto não vênecessidade de defendê-lo. Nessa esteira, defendem a contagem doprazo da ação rescisória a partir da decisão que não admite o últimorecurso; e não da última decisão, contra a qual fora interposto o recursotido por inadmissível, por exemplo – ressalvado o caso de manifestaintempestividade do último recurso. Também defendem que, no casodo exame de DNA, o prazo para a rescisória com base no art. 485, VII,comece a correr a partir do momento em que o interessado tem

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conhecimento do próprio exame, e não do trânsito em julgado da sentençaanterior. Não “se extingue direito que sequer tenha nascido”36, dizem eles.

Como se vê, o empenho de Teresa Arruda Alvim Wambier e José MiguelGarcia Medina em enfraquecer ainda mais a coisa julgada brasileira sebaseia em outros pressupostos, afastando-se um pouco dos ensinamentosdos demais autores já analisados. A pretexto de não fugirem do direitopositivo e não ofenderem em demasia o valor “segurança”, os autorescriam subterfúgios para, numa perspectiva, ampliar as hipóteses decabimento da ação rescisória; e caso, mesmo assim, se pretendadesmanchar coisa julgada que porventura tenha conseguido sobreviverà ampla possibilidade de ataques pela rescisória, os autores, em outraperspectiva, munem os ataques ao instituto através de uma concepçãolarguíssima de “sentença juridicamente inexistente”, em amplitude talque se desconhece na doutrina brasileira.

Com base em apenas três opiniões, portanto, e uma decisão judicialversando sobre antecipação de tutela, a doutrina brasileira passou a vivernuma realidade nova e bastante diferente no que tange à coisa julgada,cujo tratamento – a prevalecer tais entendimentos – fica delineado, deforma geral, da seguinte maneira: (i) primeiramente, ampliam-sesobremaneira as hipóteses de cabimento da ação rescisória, através deinterpretação ampliativa dos arts. 485 e 495 do CPC, admitindo-se, porexemplo, o seu cabimento quando o acórdão rescindendo houver violadoa lei ou princípio jurídico; ou quando se obtiver qualquer dado novo, quepassa a se enquadrar no conceito de “documento”, além de se defendernova maneira de contagem do prazo de dois anos, que começa a fluirnão exatamente do trânsito em julgado, mas de quando efetivamente seteve acesso ao documento novo, por exemplo; (ii) caso, ainda assim, seescoe o prazo da ação rescisória sem a sua propositura, deve-se analisarse a sentença não se enquadra no conceito, agora muito ampliado, de“sentença juridicamente inexistente”, sobre a qual não se forma coisajulgada, o que possibilita a sua completa e incondicionadadesconsideração; (c) finalmente, caso não seja a hipótese de “sentençainexistente”, ainda assim a coisa soberanamente julgada poderá serafastada se ela for inconstitucional – designação que abrange uma gama

36 Idem, p. 206.

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infindável de características e situações, tais como a sentença “injusta”,“absurdamente lesiva”, “imoral”, “inadequada à realidade dos fatos” etc.Essa sistematização, que vem sendo perigosamente aceita por diversosdoutrinadores e até pela jurisprudência, é o que se pode chamar de uma“teoria geral de relativização atípica da coisa julgada”.

4. Crítica às teorias gerais e apriorísticas de relativização atípica dacoisa julgada considerada inconstitucional.

4.1 – A relativização atípica (José Augusto Delgado, HumbertoTheodoro Jr. e Juliana Cordeiro de Faria; Cândido Rangel Dinamarco).

As teorias de relativização da coisa julgada além dos limites legais – eindependentemente de autorização normativa –, explorada, dentre outros,por José Augusto Delgado, Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro deFaria e Cândido Rangel Dinamarco, devem ser imediatamente rechaçadas,sob pena de total esvaziamento do art. 5º, XXXVI da Constituição daRepública, e conseqüente desmoronamento do próprio sistema processualbrasileiro – que vem sendo alvo de inúmeros ataques recentemente.

Com o respeito devido aos autores que as defenderamentusiasticamente, as teorias acima não têm o menor cabimento. E issopor vários motivos.

Em primeiro lugar, porque a premissa fundamental dessas teorias éfalsa: a partir do momento em que inexiste um conceito substancial dejustiça, qualquer análise sobre essa qualidade, na sentença, fica sujeitaao subjetivismo de quem a analisa; de forma que nem é possível dizerque a primeira sentença foi injusta, nem muito menos substituí-la poruma segunda, supostamente “justa”, sem que isso não passe de umaconcepção subjetiva do autor – como fica claro em textos como o de JoséAugusto Delgado.

Afinal, desde os gregos antigos, pelo menos, se discute o que é Justiça,sem que se tenha logrado chegar a qualquer conceito substancial aceitável,diante da complexidade e fluidez do fenômeno. E é exatamente por isso

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que o Direito, mormente em países de tradição romano-germânica, comoo nosso, se desenvolve através de preceitos genéricos e abstratospreviamente definidos por representantes do povo, cuja função, em últimaanálise, é precisamente reduzir os problemas do subjetivismo que imperaquando se trata de definir o que é justo: substitui-se a justiça do indivíduopela justiça da lei, previamente definida – o que não significa outra coisasenão segurança. Em outras palavras, diante da ausência de um conceitomaterial de justiça, toda a justiça que o Estado pode oferecer a seuscidadãos é a segurança: justiça formal, por assim dizer. Conforme salientaTeóphilo Cavalcanti Filho37, “a justiça não consegue estabelecer-se numambiente de incerteza e de insegurança”; muito pelo contrário, quantomais fortes forem observados os valores da certeza e da segurança, maisjustiça poderá haver, pois tais valores são “exigências fundamentais daprópria justiça.”

A argumentação dos defensores da “relativização da coisa julgadainconstitucional” pode parecer sedutora quando manifestada em relaçãoa um determinado caso concreto, geralmente absurdo; mas perde toda asua força quando transferida, indevidamente, para a generalização doraciocínio indutivo, que leva à abstração típica das ciências exatas! Numahipótese extrema, como, por exemplo, a de se “condenar o réu a pagarum peso de sua própria carne”38, é confortante saber que o jurista defendao afastamento da coisa julgada material, para que outra sentença,substituindo a primeira, venha a condenar o réu, quando muito, a pagarsimplesmente determinada quantia em dinheiro, restaurando-se, assim,a “justiça” então afrontada... Mas, a se aplicar seu próprio raciocínio, asegunda sentença também poderia condenar o réu a pagar um peso desua própria carne, além de um peso da carne de seu filho!

Pense-se no caso concreto que deu origem ao recurso especial 240.712/SP: para o magistrado que o julgou, pode ter parecido mais justo bloquearum pagamento determinado por acórdão trânsito em julgado, diante dasuspeita de que parte das terras indenizadas pertenceria ao próprio Estado.Mas – presumindo-se que a primeira condenação tenha sido fruto de um

37 CAVALCANTI FILHO, Theophilo. O problema da segurança no Direito. São Paulo: Revista dosTribunais, 1964, p. 52.38 O exemplo é de Dinamarco, conforme citado à nota de rodapé nº 27, supra.

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processo regular, com correção e imparcialidade dos que o julgaram –,será que tal sentimento será compartilhado pelos autores da primeiraação, que durante anos litigaram com o Estado para ver reconhecida suapretensão indenizatória, em processo no qual ambas as partes tiveramampla oportunidade de produzir provas?

Em síntese, a ausência de um conceito substancial de justiça, quepossa definir com precisão a essência do que é justo, joga por terra osargumentos dos defensores da relativização generalizada da coisa julgada,que, ainda que bem intencionados, estão a piorar a situação, já que, paraa sociedade, melhor é que se cometa “injustiça” uma única vez,preservando-se o valor segurança – o que, por si só, já é uma forma dejustiça – do que se ver sem justiça e sem segurança!

É claro que fogem a essa crítica algumas hipóteses em que o problemanão é exatamente de justiça, mas de má avaliação dos fatos provados ouaplicação equivocada da lei, causando situações aparentemente contráriasa normas ou valores constitucionais. Essa hipótese não é fácil de seridentificada, pois a Constituição também é um conjunto de normas quemuitas vezes conflitam entre si, de forma que, geralmente, aquelassentenças que aparentemente violam a Constituição sob um ponto-de-vista, o fazem para salvaguardar outro direito, também assegurado porela; mormente num Estado como o nosso, em que a Constituição éexageradamente normativa.

Mas essas hipóteses também não podem ser resolvidas conformedefendem os autores supracitados: nesses casos, de sentença“equivocada”, o que se observa é que das premissas invocadas nãodecorre a conclusão alcançada: o problema do erro ou da injustiça dasdecisões judiciais é um problema que diz respeito aos recursos, e não àcoisa julgada. É lição antiga que a coisa julgada ocupa uma funçãomeramente prática, de evitar que os processos se repitam – e isso érealmente necessário! A sentença injusta, iníqua ou contrária à realidadedos fatos deve ser atacada pelos recursos, que são bastante numerososem nosso sistema processual. Somente quando não mais cabíveis, ounão utilizados pelas partes, porque conformadas, é que incidirá a coisajulgada, sem qualquer compromisso com a justiça da decisão, mas com oobjetivo de atender a uma necessidade prática que existe em todo lugar,

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de não se submeter novamente o mesmo caso ao Poder Judiciário – que, nanossa realidade, já se encontra assoberbado o suficiente para os casos novos!

A presente crítica corre o risco de ser acusada de “positivista”. Mitificaruma concepção e acusar as pessoas de partilharem dela vem-se tornandoalgo comum na modernidade líquida39, principalmente quando se vaicontra o senso comum. Fato é que a coisa julgada não tem função ética,como podem ter a lei ou os recursos, numa concepção “pós-positivista”.Como esclarecido alhures, a justiça e o acerto da decisão judicial, isto é,se ela aplica corretamente o Direito, são problemas da formulação daregra concreta que é o núcleo da sentença; e para resolver razoavelmenteesse problema é que existe o sistema de recursos, além das “súmulas”vinculantes, recentemente inseridas no ordenamento jurídico brasileiro.A coisa julgada material se forma após a formulação da regra concreta, enão pode responder pelo acerto ou erro dela.

Nesse sentido, é incoerente também a defesa feita pelos autoressupracitados – Humberto Theodoro Jr., Juliana Cordeiro de Faria e CândidoRangel Dinamarco – no sentido de que o Poder Judiciário ponde ponderarentre a preservação de uma sentença injusta ou a prevalência do valorconstitucional nela violado. O equívoco dessa afirmação reside no fatode que ela tenta conciliar institutos diversos, que operam em camposdistintos – e por isso não podem mesmo ser conciliados. Veja-se que aponderação é uma técnica de decisão, por intermédio da qual o juizatribui peso maior a um ou outro princípio constitucional, quando doisou mais deles estejam em conflito no caso que a ele se apresenta, desdeque a hipótese não seja subsumível a uma regra40. Por exemplo, um juizpode ponderar entre os direitos fundamentais à intimidade e àinviolabilidade da vida privada, de um lado, e o da liberdade de imprensa,de outro, para decidir um caso concreto em que alguém lhe pede queimpeça um órgão de comunicação de veicular determinada notícia que

39 O termo é de Bauman, apud SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Op. Cit., esp. p. 213. Vide, ainda,ABBOUD, Georges. Da (im)possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional. In:Revista de Direito Privado, nº 23 (jul/set-05). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; pp. 47/74.A expressão “modernidade líquida” é utilizada por seu célebre criador para fazer alusão ao momentoatual, em que tudo o que nasce já traz em si a idéia de transitoriedade; símbolos e valores sãoderrubados e substituídos por outros, que, também transitórios, logo são novamente derrubados.40 Vide ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos.4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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lhe pareça desfavorável ou ofensiva. A coisa julgada não tem qualquerenvolvimento nessa decisão, como parece óbvio. Ela se forma depois,quando tal decisão tenha sido tomada e discutida em vários graus dejurisdição, até se cristalizar pela ausência superveniente de recursoscabíveis, num determinado momento. Aí vem a coisa julgada, apenaspara impedir que a mesma discussão – inclusive com os mesmos riscosde erros ou injustiça – venha a se apresentar novamente ao PoderJudiciário, por uma necessidade exclusivamente prática, que acabapromovendo a segurança jurídica.

Como se vê, não se ponderam institutos que têm campos de aplicaçãoe finalidade distintos! Como ponderar a sentença com a coisa julgada, seno processo esta pressupõe aquela? A ponderação, repita-se, é técnicade decisão, e somente se aplica quando, não sendo o caso de subsunçãoa alguma(s) regra(s), o juiz dela se utilize para encontrar a solução queirá formular na sentença.

Nem se diga que essa ponderação se faz no segundo processo, onde sediscute o conteúdo de sentença trânsita em julgado. Nesse caso, o afastamentoprévio da coisa julgada em nada interfere na suposta “justiça” que os defensoresda relativização acreditam será alcançada no segundo julgamento!

Em suma, se por um lado é fato que haverá, na dinâmica dos processos,casos excepcionais que mereçam solução específica do órgão julgador,por outro lado essa possibilidade não justifica a criação de uma “teoriageral de relativização atípica da coisa julgada” apoiada em conceitosgenéricos e abstratos que, nessa qualidade, não se sustentam, conformese vem demonstrando.

Outro vício, ainda de índole constitucional, e extremamente relevante,que se observa nas teorias ampliadoras da relatividade da coisa julgada,é que elas não explicam muito bem o afastamento de uma garantiaconstitucional sem prévia autorização legal. Como se sabe, a coisa julgadaé estabelecida na própria Constituição, e mesmo em se adotando ainterpretação restritiva do art. 5º, XXXVI, defendida, por exemplo, porJosé Augusto Delgado e Humberto Theodoro Jr., há um dado que nãopode ser omitido: pela própria localização do dispositivo e pelo fato deele estar a resguardar um valor assegurado no caput do art. 5º, não se

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pode deixar de admitir que a coisa julgada, ou o direito a ela, constitui umdireito fundamental, assim como todos os demais arrolados no art. 5º.

Sendo um direito fundamental, sua restrição somente poderá ocorrerpor força de lei, desde que isso se verifique necessário, observado opostulado da proporcionalidade, para salvaguardar outro direito, tambémfundamental. Eis uma lição de inegável relevância, omitida pelosdefensores da relativização atípica da coisa julgada inconstitucional.

Assim, segundo leciona Gilmar Ferreira Mendes, os direitos individuais,catalogados que são na própria Constituição, “somente podem ser limitadospor expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediantelei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição(restrição mediata).”41 Destarte, a alegação de alguns autores de quequalquer meio processual, ainda que não previsto em lei para esse fimespecífico, pode ser usado para afastar-se a coisa julgada formada emdemanda anterior, não atenta ao fato de que a coisa julgada é,inquestionavelmente, um direito individual, e fundamental, cuja restriçãodeve dar-se por lei, sempre por lei; e dentro da estrita proporcionalidadenecessária para assegurar outro direito fundamental – exatamente comoocorre com a ação rescisória, disciplinada por lei para assegurar os valoresconstitucionais que dão ensejo à sua utilização (imparcialidade e correçãodo juiz, igualdade entre as partes, legalidade e até mesmo... a própriacoisa julgada!).

Enfim, por mais que surjam na prática forense casos que mereçamuma atenção individualizada, diante de circunstâncias inusitadas, essaexceção – que representa exatamente os “desvios” a que todo sistemaestá sujeito – jamais poderá ser convertida em regra, e nem tratada dentrode uma “teoria geral” que a amplie de tal maneira que se jogue por terrao direito fundamental ao respeito à coisa julgada. A injustiça pode servista em qualquer sentença, e é por isso que não convence, comoantecipado acima, a ressalva que fazem alguns autores de que arelativização seria excepcional...

41 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Estudos dedireito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28.

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Há uma última crítica merecedora de registro, que diz respeito àaparente alteração no conceito de “nulidade” da sentença, promovidapor Cândido Rangel Dinamarco. É da essência do processo que a nulidadeda sentença somente ocorra em casos de vícios formais; a sua “justiça”,ou seja, o seu acerto ou não, não implica em nulidade, apesar de tambémser impugnável atualmente pelos recursos.

E isso é assim há bastante tempo: desde os romanos, atribuía-setratamento diverso à nulidade formal da sentença e à “justiça” de seuconteúdo: apenas a sentença proferida com error in procedendo eraconsiderada nula (ou inexistente), de forma a se dispensar a utilizaçãode qualquer meio impugnativo, bastando ao condenado suscitar a suainexistência na actio judicati. A “injustiça” da sentença, ou seja, opronunciamento eivado de eror in judicando, deveria ser objeto deappellatio, sob pena de preclusão. Assim, quando se falava em sentençainjusta, proferida com error in judicando, tinha-se claramente que não seestava diante de sentença nula. Esse é o conceito que se desenvolveu ese cristalizou no ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, defender hojeque a injustiça da decisão a torna nula é regredir, contra legem e semnenhuma explicação, a hipóteses excepcionais do direito romano anteriorà appellatio.42 Pois o direito brasileiro, desde as Ordenações portuguesas,somente taxa de nula a sentença formalmente viciada; e, ainda assim, hojeessa nulidade se convalesce diante da sanatória geral da coisa julgada.

4.2 – A posição peculiar de Teresa Arruda Alvim Wambier e José MiguelGarcia Medina: uma crítica e um elogio.

Vistos os motivos de rejeição das teorias acima analisadas, resta passarvistas sobre a teoria de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel GarciaMedina – que, como se demonstrou acima, parte de pressupostos distintosdaqueles utilizados por José Augusto Delgado, Humberto Theodoro Jr. eJuliana Cordeiro de Faria e Cândido Rangel Dinamarco.

Quanto a ela, merece crítica o fato de que alguns aspectos de suaconstrução, sem se descurar do respeito que também merecem seus

42 Vide MOREIRA, José Calos Barbosa. Comentários ao Código de processo civil, vol. V (arts. 476a 565). 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 101.

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autores, carecem de validade dogmática e apresentam-se como artifíciospara conferir ares de cientificidade ao arbítrio de quem pretende reduzirqualitativamente as sentenças sujeitas à coisa julgada, esvaziando, damesma forma, não só o art. 467 do CPC – que está em vigor – mas também,e principalmente, a garantia estatuída no art. 5º, XXXVI, da Constituição.

É que, a pretexto de sistematizar a “relativização da coisa julgada”,ampliando-a sem se afastar do direito positivo, os autores criaram argumentosfalsos, por intermédio dos quais pretendem ampliar a categoria de “sentençasjuridicamente inexistentes”, sobre as quais não se forma a coisa julgada,segundo entendimento há muito arraigado na dogmática nacional.

O principal desses argumentos, nitidamente artificial, é considerarjuridicamente inexistente a sentença proferida “em processos geradospela propositura de ‘ações`, sem que tenham sido preenchidas ascondições de seu exercício.”43 Note-se que os autores referem-se àsentença de mérito proferida em processo onde “inexistiam” as condiçõesda ação, pois somente esta faz coisa julgada material (art. 268, CPC).

É sabido que a teoria eclética de Liebman não goza de aceitaçãoabsoluta, não sendo poucas – nem de fácil superação – as críticas que aela se vêm opondo.44 Uma das mais certeiras consiste na reprovação dese condicionar o exercício da jurisdição à demonstração de elementosdo direito material, num retorno, ainda que parcial, à concepçãoprivatística do processo.45 No entanto, o raciocínio de Teresa Wambier eJosé Medina pode ser combatido mesmo sem questionamentos à teoriaeclética, que não integram o objeto deste trabalho.

Isso porque sua tese guarda uma contradição dentro de si, que pareceinsuperável. Defendem os autores que a sentença de mérito, proferidaem processo gerado por ação irregularmente exercida, jamais transitaem julgado, eis que inexistente o processo, já que “a questão submetidaao juiz sequer poderia ter sido apreciada”46. O próprio Liebman não foi

43 MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 31 e ss.44 A título de exemplo, vale conferir as críticas formuladas em GOMES, Fábio e SILVA, OvídioAraújo Baptista da. Teoria geral do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000e PASSOS, José Joaquim Calmon de. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador:Progresso, s.d.45 Cf. GOMES, Fábio e SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Op. cit., p. 116.46 Op. cit., p. 32.

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tão longe, admitindo que a ação “irregularmente exercida” – ou seja,sem a presença das “condições da ação”47 – dava ensejo a um processoválido, com sentença válida, inclusive para que se pudesse, validamente,declarar a carência de ação. Mas isso diz respeito à sentença terminativa,o que ainda não é a tese dos referidos professores.

O que eles defendem, na verdade, repita-se, é que mesmo a sentençade mérito, se proferida em “processo instaurado por ação irregularmenteexercida”, será considerada juridicamente inexistente e,conseqüentemente, não haverá falar-se em coisa julgada material. E éexatamente aí que está o paradoxo que se pretende demonstrar: quem sepronuncia acerca da existência ou inexistência das condições da ação éo juiz: se ele se convence da inexistência de qualquer uma delas, nãopode proferir sentença de mérito, porque o autor, carecedor de ação,não tem direito a ela e isso leva, inexoravelmente, à sentença terminativa,que visa a pôr termo ao processo sem qualquer manifestação do PoderJudiciário quanto ao mérito. Ou seja, a ausência de condições da ação,por assim dizer, obsta – lógica e juridicamente – a que se profira umasentença de mérito.

Por outro lado, caso o juiz se convença de que estão presentes ascondições da ação – porque regularmente exercido o direito pelo autor –então prossegue para adentrar o mérito, como ensinava Liebman48, proferindosentença definitiva. Ora, como se insistir, nesse caso, que o autor eracarecedor da ação, se o Poder Judiciário declarou exatamente o contrário?

Ainda que silencie o juiz sobre as condições da ação, é claro que, seele julgou o mérito, só pode ser porque vislumbrou sua presença, já quea sua análise precede logicamente a análise do mérito. A tese de Wambiere Medina, portanto, é contraditória neste ponto, ao afirmar a ausênciadas condições da ação em processo em que, por força da lógica, elasestão presentes! Dizer que “o juiz errou” é tão consistente quanto dizerque ele errou no mérito, e por isso sua sentença não mereceria a

47 A ausência de condições da ação, para Liebman, tem como conseqüência a inexistência do direitode ação: a “irregularidade” de seu exercício como conseqüência de sua ausência, como se sabe, foiabrandamento posteriormente admitido por alguns de seus seguidores.48 LIEBMAN, Enrico Túlio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004,p. 101.

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imutabilidade da coisa julgada: é substituir a palavra do Judiciário – ajurisdição – pela palavra do particular – autotutela. Nesse ponto, portanto,a tentativa de alargamento do conceito de sentenças juridicamenteinexistentes não merece adesão.

Quanto à inexistência do processo por ausência de pressupostosprocessuais, embora tal categoria também seja objeto de severas críticas,que justificam a releitura que, apropriadamente, vem sendo feita pela doutrinaatual49, os autores conseguiram manter-se nos limites da lógica e de acordocom a quase unanimidade da doutrina, no sentido de que apenas a ausênciade algum dos pressupostos de existência do processo é que acarretará ainexistência jurídica do mesmo, e, conseqüentemente, da sentença, sobre aqual não se formará coisa julgada material – eis que inexistente.50

Apesar das críticas acima, deve-se reconhecer o mérito de uma parteda construção dogmática dos mestres de São Paulo. Sua concepção acercado alargamento excepcional das hipóteses de cabimento da ação rescisóriaajuda a resolver aqueles problemas que eventualmente possam surgirno dia-a-dia da Justiça, causando perplexidade ao juiz. Talvez esteja aí,precisamente, a solução para casos esdrúxulos que ocorram na prática,abstraídos exemplos absurdos que somente se verificam na imaginaçãodo doutrinador. Se o julgador não tem a mesma posição estápermanentemente obrigado a resolver os casos concretos submetidos aoseu conhecimento, então poderá, eventualmente, e sob o crivo dajurisprudência, interpretar ampliativamente as hipóteses de cabimento daação rescisória, bem como o termo a quo do prazo para a sua propositura,adequando-os ao caso excepcional que porventura se lhe apresente.

Dessa maneira, estar-se-á dando solução individualizada a um caso que,por suas características únicas, merece tratamento individualizado, e semafronta ao direito fundamental à coisa julgada, respeitando-se minimamente

49 Quanto ao tema, irrespondíveis as críticas em MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre pressupostosprocessuais. In: Temas de direito processual, quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, pp. 83/93. Emsentido análogo, cf. JARDIM, Afrânio Silva. Estudos sobre os pressupostos processuais (processopenal). In: Direito processual penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 51/58.50 A peculiaridade de seu pensamento consiste tão-somente, neste ponto, no fato de defenderem quea ausência de capacidade postulatória, se a parte jamais juntou procuração aos autos, configuraausência de pressuposto processual de existência do processo, enquanto a doutrina majoritária nãofaz referida distinção, atribuindo a qualquer tipo de ausência de capacidade postulatória o efeito deausência de pressuposto processual de validade do processo.

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o valor segurança – até que lei regulamente melhor os inúmeros problemasque vêm sendo levantados pela doutrina em relação à coisa julgada. É oque defende Barbosa Moreira quanto às ações de investigação depaternidade, cujo pedido tenha sido julgado improcedente e depois surjaexame de DNA que comprove, cientificamente, o vínculo biológico.51

5 – A tomada de posição do legislador: o art. 741, parágrafo único, doCPC como forma típica de relativização da coisa julgada.

Ainda na fase inicial dos debates doutrinários, foi editada medidaprovisória que, alterando o Código de Processo Civil, tomou partido emrelação a um dos inúmeros problemas apontados nas discussões que entãose travavam sobre a “relativização da coisa julgada inconstitucional”.Refere-se aqui à medida provisória nº 1984-17, publicada no dia 05 demaio de 2000, que, depois de oito reedições, teve seu texto aproveitado52,sem solução de continuidade, pela MP 2102-26, publicada em 28 dedezembro de 2000, para – finalmente, depois de outras seis reedições –ter seu texto novamente acolhido pela MP 2180-33, publicada em 29 dejunho de 2001.53 A MP 2180-33, por sua vez, foi reeditada outras duasvezes, até que sua última versão – a MP 2180-3554 – veio a ser atingidapela emenda constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, publicada(e com início de vigência) no dia seguinte, que prorrogou sua eficácia.

51 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgadamaterial. In: Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, vol. 62 (janeiroa março de 2005). Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2005, pp. 43/68; esp. p. 61.52 O vocábulo “texto” se refere tão-somente à parte da medida provisória que interessa às presentesconsiderações, ou seja, o dispositivo que acrescentou parágrafo único ao art. 741 do CPC.53 Cf. dados colhidos em BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lista de medidas provisórias,disponível em <www.planalto.gov.br. Link para “medidas provisórias” >. Acesso em 26/12/2005.Araken de Assis informa que, pouco menos de um mês antes da MP 1984-17, acima mencionada,o dispositivo teria sido verdadeiramente inaugurado pela MP 1997-37, de 11 de abril de 2000. Cf.ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In: Revista Jurídica Nota 10, nº 301(novembro de 2002), pp. 7/29; esp. p. 13. Curioso notar, ainda, que, segundo informa EduardoTalamini, a redação desse primeiro dispositivo (na MP 1997-37) era um pouco mais restritiva queaquela adotada a partir da MP 1984-20, a partir da qual a redação não mais se modificou. Cf.TALAMINI, Eduardo. Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade(CPC, art. 741, par. un.). In: DIDIER JR., Fredie (org.). Relativização da coisa julgada. Enfoquecrítico. Salvador: Juspodium, 2004; pp. 87/144; esp. p. 88. No entanto, a doutrina não distingueos efeitos práticos das diferentes redações, atribuindo-lhes a mesma interpretação.54 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lista de medidas provisórias, disponível em<www.planalto.gov.br. Link “medidas provisórias” >. Acesso em 26/12/2005.

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Como se sabe, a emenda constitucional nº 32/01, em seu art. 2º,estabeleceu que as medidas provisórias, que estivessem eficazes no diaem que a emenda entrasse em vigor, assim permaneceriam até ulteriorrevogação expressa por outra medida provisória, ou deliberação definitivado Congresso Nacional. Diante disso, o art. 741, parágrafo único do CPCse manteve eficaz, com a redação da MP 2180-35, até a edição da lei11.232/05, que o manteve. Sua redação, portanto – e agora ratificadapela referida lei55 – , é a seguinte, verbis:

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput desteartigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado emlei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo TribunalFederal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou atonormativo tidas pelo Supremo Tribnal Federal como incompatíveiscom a Constituição Federal.

Embora a medida provisória tivesse duvidosa constitucionalidade sobo aspecto formal, por não se haver observardo os respectivos pressupostosde edição e em virtude das sucessivas reedições56, essa polêmica acabouarrefecida pela aprovação da lei 11.232/05, que promoveu a reforma daexecução no Código de Processo Civil, a ele adicionando, agora por atonormativo formalmente válido, o mesmo parágrafo único do art. 741, alémde dispositivo com a mesma redação no art. 475-L, §1º57.

Atualmente, posto que superada a discussão sobre a eventualinconstitucionalidade formal dos dispositivos retro mencionados, há quemdefenda que eles são materialmente inconstitucionais. Nesse sentido, osempre lúcido Leonardo Greco. Aduz o autor que os embargos comfulcro no art. 741 (e parágrafo único), assim como a própria ação rescisória,somente serão admissíveis quando, no caso concreto, constituírem a únicaforma de se assegurar a prevalência de outro direito fundamental, comono caso do art. 741, I, em que se optou, razoavelmente, por dar prevalênciaao direito de ampla defesa, em colidência com o da segurança.

55 A redação da lei não alterou em substância a redação da medida provisória.56 A própria conversão automática e geral de medidas provisórias em leis, operada por normatransitória de emenda constitucional (Art. 2º da EC 32/01) também parece padecer de duvidosaconstitucionalidade, por violação ao processo legislativo, que constitui limitação implícita aopoder reformador.57 A inserção do mesmo texto no art. 475-L, §1º, foi necessária em virtude do desmembramentotopológico das regras pertinentes à defesa do executado, que antes se concentravam no art. 741.

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No entanto, prossegue o autor, não há sentido em afastar-se o direitofundamental da coisa julgada, que preserva o valor segurança, quandose visa a defender outros direitos, a ele inferiores: a própria ação rescisóriafundada no art. 485, V, com vistas a rediscutir direito exaustivamentedebatido na demanda originária, parece ao autor violadora da garantia dacoisa julgada, pois inexistente outro direito fundamental a ser resguardadocom efetividade no caso em tela. Pelos mesmos motivos, e acrescentandoque a decisão proferida pelo STF em controle abstrato deconstitucionalidade não tem o poder de sobrepor-se a demandasindividuais já julgadas, que têm elementos próprios e distintos, orespeitado professor da UFRJ defende que o art. 741, parágrafo único, doCPC, é inconstitucional, por violar a garantia da coisa julgada e,conseqüentemente, a segurança jurídica.58

Leonardo Greco não está sozinho. Sem prejuízo de posições análogasno plano dogmático, vale o registro de que existe ADIn em trâmite noSupremo Tribunal Federal59 impugnando ambos os dispositivos, além deprojeto de lei60 em desenvolvimento na Câmara dos Deputados, cujo texto– se aprovado – revogará o art. 475-L, § 1º, do CPC, pois, segundo o autordo anteprojeto, o dispositivo não só ofende a segurança jurídica comocontribui para “manchar a imagem do Poder Judiciário”, conforme se lê darespectiva exposição de motivos. Frise-se, por oportuno, que, caso o projetoseja levado a plenário, é de se esperar que nele se inclua a revogaçãotambém do art. 741, parágrafo único do CPC, de forma a evitar que o danoseja ainda maior: caso se mantenha o dispositivo em vigor, apenas a FazendaPública poderá servir-se do instrumento, quando executada.

No entanto, como os dispositivos em análise foram recepcionadoscom entusiasmo pela maior parte da doutrina nacional, e também porquenossa Constituição, diferentemente de outras, não contém norma queimpeça, ao menos expressamente, a retroatividade dos efeitos dadeclaração de inconstitucionalidade em relação a demandas já decididas

58 Op. cit., esp. p. 157. Na época em que publicou seu artigo, inexistia ainda o art. 475-L do CPC.59 ADIn 3740, proposta pela OAB para impugnar os arts. 475-L, §1º e 741, parágrafo único, ambosdo CPC, inseridos pela lei 11.232/05. Não houve apreciação do pedido de suspensão cautelar daeficácia dos dispositivos, pois o Ministro relator, Cezar Peluso, optou pelo rito previsto no art. 12da lei 9868/99. Segundo informação obtida no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, osautos estão com o Procurador-Geral da República, para manifestação, desde o dia 26/09/2006.60 PL nº 2066/07, de autoria do Deputado Federal Manoel Alves da Silva Junior.

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definitivamente – o que talvez permita uma antevisão da posição do STFnas ADIn´s que lhe forem dirigidas, mormente porque ao menos um deseus Ministros, Gilmar Mendes, já se manifestou, em texto doutrinário,favorável às mudanças61 –, é necessário preparar-se para a aplicação dessesdispositivos, o que demanda uma análise cautelosa quanto à suainterpretação, de forma a traçar seu sentido e alcance.

De qualquer maneira, curioso o registro prévio de que repentinamentea doutrina, que sempre defendeu a irretroatividade das decisões proferidaspelo STF em controle abstrato de normas às relações jurídicasdefinitivamente julgadas pelo Poder Judiciário62, passou a aceitarnaturalmente o disposto no art. 741, parágrafo único, do CPC – em redaçãoagora contida também no art. 475-L, §1º. Gilmar Mendes, por exemplo,em artigo dedicado às inovações legislativas, aceita tacitamente suavalidade diante da Constituição, limitando-se a dizer que constituem“mecanismo semelhante àquele previsto no §79 (3) da Lei orgânica daCorte Constitucional alemã”63 e, que, “respeitando a separação de planosde validade da lei e do ato concreto”64, acaba por conceber fórmulaadequada de impugnação do ato concreto baseado em lei posteriormentedeclarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

5.1 – O sentido e o alcance dos dispositivos inseridos no código,ampliando as hipóteses de relativização típica da coisa julgada (arts. 475-L, §1º e 741, parágrafo único, do CPC).

Diante da situação acima narrada, segundo a qual os novos dispositivos,

61 A Ordem dos Advogados do Brasil impugnou, primeiramente, a própria medida provisória quecriou o art. 741, parágrafo único, do CPC, mas somente no aspecto formal, como se vê da ADIn nº2418, relator o Min. Cezar Peluso. No entanto, com o advento da lei 11.232/05, propôs a ADInnº 3740, para impugnar as alterações promovidas pela medida provisória e pela referida lei.62 Vide, por todos, GRECO, Leonardo, Op. cit., pp. 152/155, com citação de entendimento, nessesentido, de Gilmar Ferreira Mendes, que era o Advogado-Geral da União quando da edição daprimeira medida provisória – em sentido contrário a tal entendimento.63 MENDES, Gilmar Ferreira. Coisa julgada inconstitucional: considerações sobre a declaração denulidade da lei e as mudanças introduzidas pela lei nº 11.232/2005. In: Coisa julgada inconstitucional(org. Carlos Valder do Nascimento e José Augusto Delgado). Belo Horizonte: Fórum, 2006, pp. 87/103; esp. p. 101. Ressalte-se, contudo, que, conforme demonstrado por Leonardo Greco, a normaalemã foi importada pela metade, pois, lá, preservam-se os atos já praticados sob a égide dasentença desconstituída (Op. cit., p. 157).64 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 103.

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que ampliam as hipóteses de relativização da coisa julgada, provavelmentenão serão nulificados pelo Supremo Tribunal Federal, deve-se analisar osentido e o alcance dos arts. 475-L, §1º e 741, parágrafo único, do CPC –referentes, respectivamente, ao cumprimento de sentença e à execuçãocontra a Fazenda Pública.

Essa análise deve responder às questões mais comumente levantadasem relação ao alcance e aplicabilidade dos aludidos dispositivos legais.Mais especificamente, a redação dos dispositivos não responde àsseguintes perguntas, que deverão ser solucionadas por intermédio damelhor técnica de interpretação: (a) a declaração de inconstitucionalidadeou a interpretação tida por incompatível com a Constituição, pelo STF,deve ocorrer em controle abstrato, ou também no controle concreto deconstitucionalidade? (b) A relativização da coisa julgada prevista nosdispositivos supra pode ocorrer a qualquer momento? (c) Os dispositivossão aplicáveis em relação a sentenças ou acórdãos trânsitos em julgadoantes de sua entrada em vigor?

Antes de se adentrar nessas questões, porém, mister registrar a faltade técnica nos termos empregados pela lei. Se o que se pretende énegar eficácia prospectiva ao título proveniente de pronunciamentojudicial que se fundou em lei declarada inconstitucional, não se está,obviamente, diante de inexigibilidade do título, como quer a redação dalei. O título é inexigível quando a obrigação nele consubstanciada estápendente de termo ou condição65, tratando-se a inexigibilidade decondições da ação executiva66. O fenômeno de que se trata é diferente,muito mais grave: nega-se mesmo eficácia ao título, sob a perspectiva daseparação entre a sentença (título) e os atos nela lastreados. Não setrata, por isso, de inexigibilidade.

Feita esta breve observação, retorna-se às indagações acimaformuladas.

65 Vide CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Desconsideração da coisa julgada. Sentençainconstitucional. In: Revista Forense, vol. 384 (março-abril de 2006). Rio de Janeiro: Forense,2006; pp. 229/241; esp. p. 233, nota de rodapé nº 7.66 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, “coisa julgadainconstitucional” e embargos à execução do artigo 741, parágrafo único. In: Revista do Advogado,nº 84 (dezembro de 2005). São Paulo: AASP, 2005, pp. 145/167; esp. p. 161.

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A resposta à primeira pergunta tem gerado maior polêmica no seiodoutrinário. Teori Albino Zavascki67, dentre outros, sustenta que oprecedente do STF sobre a inconstitucionalidade pode ser extraído decontrole direto ou incidental de constitucionalidade, ou seja, até mesmoa declaração incidental de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,realizada em controle concreto, num processo entre partes definidas,poderá ser motivo para se afastar a exigibilidade de título lastreado namesma norma.

O entendimento, contudo, não se coaduna com a natureza do controleconcreto de constitucionalidade e parece violar a garantia da coisa julgada,sujeitando-a a uma vulneração exagerada, desproporcional, que acabaesvaziando a norma constitucional que a agasalha.

O controle concreto de constitucionalidade da norma, realizado nobojo de um processo entre partes definidas, como mero incidente para aanálise do pedido, tem, por natureza, eficácia inter partes, não seespraiando para além dos limites subjetivos daquele processo. Sustentarque a decisão de inconstitucionalidade proferida dentro desse processoterá o condão de se impor a todos os outros processos, entre partesdiferentes, é subverter a própria essência do controle concreto deconstitucionalidade, atribuindo-lhe força que não tem. Ora, se a decisãode inconstitucionalidade proferida em controle concreto não vincula ojuiz sequer na fase cognitiva do processo – eis que não está obrigado aacatar o entendimento do STF – então com muito menor razão se poderiaadmitir que esse mesmo controle servisse de fundamento para afastar osefeitos de uma sentença trânsita em julgado!

Ademais, a se atribuir à norma tal amplitude, a garantia da coisa julgadarestará totalmente esvaziada, pois é fértil – e nem sempre coerente,registre-se – a produção do STF em controle concreto deconstitucionalidade, dado o expressivo número de recursos extraordináriosque tramitam na Corte.

A posição acima defendida parece ganhar peso, e começa a apresentar-se

67 ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art.741, parágrafo único do CPC. In: Revista de processo, vol. 125 (junho de 2005). São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005; pp. 79/91.

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como a preferida pela maioria dos autores. Paulo Cesar PinheiroCarneiro68, em interessante parecer proferido em relação a um casoocorrido na Justiça Federal do Rio de Janeiro, fixa esse entendimento,aduzindo o seguinte.

36. Restringir a aplicação do art. 741, parágrafo único, do Código deProcesso Civil, às decisões fundadas em lei ou ato normativo quetenha sido alvo de declaração de inconstitucionalidade (total ou parcial)em controle abstrato ou incidental (este, desde que suspensa a normapelo Senado) é uma maneira de evitar a sucessão – talvez interminável– de quebras da coisa julgada, dando ao Supremo Tribunal Federal,como convém, a palavra final sobre o assunto.

37. Ademais, cuida-se o instituto da coisa julgada de uma concretizaçãodo próprio acesso à justiça e de uma exigência do Estado de Direito.Justamente em decorrência do princípio constitucional da segurançajurídica, as causas de relativização da coisa julgada devem se limitar, emregra, àquelas hipóteses excepcionais previstas no direito positivo, desorte a causar o menor abalo possível à estabilidade das relações jurídicas.

O entendimento acima, posto que não o revele expressamente, traduza aplicação do postulado da proporcionalidade na restrição de um direitofundamental, que, no caso, é o direito à estabilidade das relações jurídicas,concretizado na coisa julgada. Sem dúvida, a restrição a esse direito,feita por lei e com vistas a preservar outros direitos fundamentais, deveobservar a proporcionalidade, de forma a restringir o mínimo possível acoisa julgada. Defender, portanto, a ampla admissibilidade dedesconstituição do título quando houver qualquer decisão deinconstitucionalidade do STF, inclusive em controle concreto, ultrapassariaos limites impostos ao legislador, violando-se a proporcionalidade, porexpor o direito fundamental à coisa julgada a ataques extremados, queatingiriam a sua própria essência, seu núcleo.

Registre-se, contudo, a tendência, admitida por Carneiro e outros69,de se admitir a desconstituição do título diante de declaração incidentalde inconstitucionalidade, desde que a norma venha a ter a sua execuçãosuspensa pelo Senado, na forma do art. 52, X, da Constituição da República.

68 CARNEIRO, Paulo Cesar Pinheiro. Op. Cit.; esp. pp. 234/235.69 No mesmo sentido, ASSIS, Araken de. Op. Cit., pp. 31/63.

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Isso não altera em nada a fundamentação acima, pois a suspensão daexecução da norma, pelo Senado, nada mais é que uma forma de conferireficácia erga omnes a uma decisão que, até então, somente a tinha interpartes. Nesse caso, não é ilógico que se aplique, num caso concreto jádecidido, o entendimento do STF que veio a ser generalizado, em suaaplicação, pela atividade normativa negativa do Senado.

É por esse mesmo motivo, aliás, que aqui se defende também apossibilidade de negativa de execução do título quando a declaraçãoincidental de inconstitucionalidade, proferida pelo Supremo TribunalFederal em controle concreto, seja alçada ao status de “súmula” vinculante:nesse caso – embora ainda não tratado pela doutrina com a devidaimportância –, observa-se que, à maneira do que ocorre com a suspensãoda eficácia da lei pelo Senado, a criação de súmula generaliza e tornaabstrata e obrigatória aquela decisão que também se limitava às partesdo processo70. Por isso, torna-se viável admitir-se a aplicação dosdispositivos legais em análise quando houver “súmula” vinculantedeclarando a inconstitucionalidade de determinada norma ouinterpretação, sem que isso consista em ofensa extremada ao direitofundamental à coisa julgada, eis que a súmula deve ser discutida, aprovadapor quorum específico – diante de requisitos específicos, estabelecidosna própria Constituição – e devidamente publicada, para que tenhavalidade. Toda essa cautela lhe confere razoável segurança.

Um último ponto a ser tratado neste item, que também costuma seromitido pela doutrina, diz respeito às decisões de procedência proferidaspelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias deconstitucionalidade, declarando a compatibilidade de lei, ato normativoou interpretação com o texto da Constituição. Nesse caso, caberá o óbiceà execução por parte daquele que, tendo tido negada a aplicação de leiem seu processo, por considerá-la o Juízo inconstitucional, viu-sesucumbente? Suponha-se, por exemplo, o caso de pessoa física quepropõe ação em face de instituição financeira, pedindo a redução dosjuros de um determinado empréstimo contraído, alegando, em seu favor,

70 Sobre a natureza das “súmulas” vinculantes, vide STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante e abusca da efetividade da prestação jurisdicional – da revisão constitucional de 1993 à reforma doJudiciário (EC 45/04). In: Comentários à reforma do Poder Judiciário (org. Walber de Moura Agra).Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 148/205.

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a existência de lei que limita os juros. O juízo nega aplicação à lei,invocando a sua inconstitucionalidade, com o que julga improcedente opedido do autor e ainda procedente a reconvenção do réu, para que oautor pague a quantia devida com os juros previstos no contrato. O queocorre se, ao se iniciar a execução do débito, sobrevém decisão do STFem ADC, considerando constitucional aquela lei que limitava os juros?

Embora os arts. 475-L, §1º e 741, parágrafo único, do CPC, mencionemtão-somente a “inconstitucionalidade” da lei como causa dedesconsideração do título, está claro que a interpretação deve ser feitatambém no sentido de que a declaração, obviamente abstrata, deconstitucionalidade da lei, também autoriza, se for o caso, adesconsideração do título onde se negou aplicação àquela lei. Essainterpretação conforme se faz necessária para que se preserve o princípioconstitucional da isonomia. De qualquer maneira, o problema dessaprevisão legal é que ela somente resolve a “inconstitucionalidade” desentenças condenatórias.

Em relação ao momento em que se pode utilizar do disposto nos arts.475-L, §1º e 741, parágrafo único, do CPC (item b, supra), vem prevalecendoo entendimento segundo o qual a desconstituição do título somente serápossível no momento da impugnação do cumprimento da sentença ou daoposição de embargos do executado. Assim, não poderá o executado,depois de expirado o prazo para a oposição dos embargos, e já expedido oprecatório, por exemplo, querer discutir a validade do título.

Finalmente, em resposta ao item c, supra, também vem ganhando forçao entendimento segundo o qual a utilização dos novos dispositivos legaissomente será possível em relação a decisões que tenham transitado emjulgado após o seu advento, evitando-se, assim, a aplicação retroativa. Éo que defende Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, verbis:

45. Do ponto de vista prático, tal norma aprsenta novos fundamentospara a desconstituição da coisa julgada ou pelo menos para impedir aprodução dos seus efeitos próprios, e, assim, não poderá ser aplicadaàs sentenças pretéritas transitadas em julgado, seja porque a regra éde que a lei nova não tem efeito retroativo, seja pela própria garantiada coisa julgada (ambas situações com previsão da Constituição Federal,art. 5º, XXXVI), a impedir que esta mesma lei possa ter o efeito deapanhá-la retroativamente.

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(...)

47. Esta situação é praticamente idêntica àquela que ocorreu quandoo novo Código de Processo Civil (1973) entrou em vigor. Discutiu-seà época se os novos fundamentos para a ação rescisória aplicar-se-iam às sentenças transitadas em julgado anteriormente à vigência donovo código. O STF reconheceu expressamente que não, isto é, osnovos fundamentos que ensejariam a ação rescisória somentepoderiam ser opostos nas sentenças tranistadas em julgadoa após asua vigência.71

Com o mesmo entendimento, Teori Albino Zavascki72 e o SuperiorTribunal de Justiça, onde a jurisprudência parece apaziguar-se, ao menosquanto a este ponto.73

6. Conclusão.

Como se vê, o tema “coisa julgada inconstitucional” abrange uma sériede discussões sobre fenômenos diversos, embora relacionados entre si.Sob a mesma nomenclatura é possível verificar posicionamentos esituações as mais diversas, o que dificulta o tratamento uniforme do tema.

O objetivo desta apresentação foi realizar um breve escorço históricoque desvendasse o início e o desenvolvimento das discussões sobre asteorias “relativizadoras” no Brasil, que, repentinamente, diante dasurpreendente acolhida que recebeu, passou a ser tema obrigatório nosmais diversos trabalhos sobre coisa julgada, além de ter contribuído parauma rápida mudança de paradigmas no trato da coisa julgada no país –basta observar a alteração do texto do Código de Processo Civil, que passaa contar com mais uma hipótese (e respectivo) instrumento derelativização da coisa julgada.

71 Op. Cit., pp. 236/237.72 Op. Cit.73 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Acórdãos proferidos no Recurso especial nº883338/AL, julgado pela 6ª Turma em 16/08/2007, relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura,votação unânime, publicada no DJ de 01/10/2007 (p. 380) e Recurso especial nº 692788/SC,julgado pela 1ª Turma em 21/02/2006, relator Min. Teori Albino Zavascki, votação unânime,publicada no DJ de 06/03/2006, p. 191. Curioso notar, todavia, que no recurso especial nº 883338/AL, considerou-se expressamente que o primeiro ato normativo que inseriu o art. 741, parágrafoúnico, no ordenamento jurídico, teria sido a MP 2180/01.

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Foi objetivo também, em seguida à análise retrospectiva, realizar umestudo sobre os arts. 475-L, §1º e 741, parágrafo único, do CPC, que sãouma nova realidade, com a qual os operadores do Direito haverão delidar diariamente.

A quem teve a paciência de permanecer até o final, talvez tenha restadoapenas a frustração de não ouvir soluções precisas ou fórmulas abstratasque tudo resolvem, de forma a solucionar os tormentosos problemasenvolvendo a prestação jurisdicional e a coisa julgada, com os quais sedeparam, com maior ou menor freqüência, os operadores do Direito emgeral – e, em especial, os magistrados.

Isso contudo, não deve servir de desalento: o Direito não é uma ciênciaexata, e muitos de seus problemas devem ser tratados individualmente,à medida em que se manifestem, evitando-se uma desnecessáriageneralização – com o risco que causa de promover distorções.

Enfim, quanto ao autor dessas palavras, este se sentirá compensandose, ao termo da presente exposição, ficar para reflexão dos presentes anecessidade de se preservar a coisa julgada como direito fundamentalque ela efetivamente é, independentemente da forte carga ideológicaque costuma se ocultar nas discussões sobre coisa julgada inconstitucional– preservação essa que pode ser feita pela rejeição das teorias derelativização atípica da coisa julgada e pela aplicação moderada eresponsável dos novos dispositivos legais, que criam mais uma hipótesee mecanismo para se negar eficácia a sentença imutável, fragilizandoainda mais a coisa julgada e o próprio Poder Judiciário no Brasil.

Rio de Janeiro, maio de 2008.

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A PRIMEIRA CONDENAÇÃO DO BRASILPERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE

DIREITOS HUMANOSMárcia Maria Ferreira da Silva1

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar, de modo geral, o funcionamentoda Comissão e da Corte interamericanas de Direitos humanos e relatar aprimeira condenação do Estado brasileiro perante a Corte, órgão dejurisdição supranacional, que se deu em virtude da morte do sr. DamiãoXimenes, paciente de uma clínica psiquiátrica do município deGuararapes, no Estado do Ceará.

PALAVRAS-CHAVE

Sistema interamericano de proteção aos Direitos humanos. Convençãointeramericana. Condenação brasileira.

SUMÁRIO

I. Introdução. II. A Convenção interamericana de Direitos Humanos:perspectivas gerais. II.1.A Comissão interamericana de Direitos doHomem. II.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos. III.O casoDamião Ximenes e a condenação brasileira. IV. Conclusão. V. Bibliografia

I. Introdução

A justificativa da defesa dos direitos do homem teve como fundamentoinicial a doutrina jusnaturalista, a qual reconhecia ao homem apenas osdireitos à vida, sobrevivência, liberdade e a propriedade, como se ditos

1 Juíza Federal substituta em auxílio ao 3° JEF/RJ; especialista em Direito Processual Público pelaUFF/CJF; especialista em Responsabilidade Civil e em Direito imobiliário pela EMERJ/UNESA.

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direitos fizessem parte de um “estado de natureza”, obviamente, uma ficçãoque esconde o inegável: a exigência da existência e proteção dos direitos dohomem se basearam em lutas, contradições históricas, avanços, retrocessos,enfim, em movimentos históricos variáveis conforme a realidade social decada época. O fundamento real está numa construção histórico-filosóficaligada às lutas sociais que marcam o advento do mundo moderno.

Neste diapasão, cabe ressaltar que sobretudo a partir de 1948, muitopor influências das atrocidades ocorridas na 2ª Grande guerra, a atençãomundial voltou-se para a necessidade de proteção dos Direitos do Homemno plano internacional. A idéia de relativização do conceito clássico desoberania veio a lume, ante a necessidade de esforço conjunto dacomunidade internacional em elaborar uma série de instrumentosinternacionais que garantissem os direitos humanos, e, por outro lado,vinculassem seus signatários frente à comunidade internacional. Assimfoi feito: uma enxurrada de Tratados internacionais sobre o tema severificou no pós-guerra e conjuntamente, a indagação de que outrosmecanismos seriam úteis nesta tarefa. A criação de grandes sistemasregionais de proteção ao direitos humanos parece ter sido uma saídafeliz, cuja inserção histórica ainda está em evolução.

O Estado democrático de Direito deve pautar-se, sobretudo, no respeitoaos direitos do homem, que constitui alicerce da própria democracia, jáque o desenvolvimento, o respeito aos direitos humanos e liberdadesfundamentais são conceitos interdependentes que se reforçammutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressapelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos,sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos desuas vidas. Nesse contexto, a promoção e proteção dos direitos humanose liberdades fundamentais, em níveis nacional e internacional, devemser universais e incondicionais.

A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoçãode democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos eliberdades fundamentais no mundo inteiro. Assim, os Estados e asorganizações internacionais, em regime de cooperação com asorganizações não-governamentais, devem criar condições favoráveis nosníveis nacional, regional e internacional para garantir o pleno e efetivo

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exercício dos direitos humanos. Os Estados devem eliminar todas asviolações de direitos humanos e suas causas, bem como os obstáculos àrealização desses direitos.

II. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos: perspectivas gerais

Também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, a Convençãofoi assinada em 1969, em uma Conferência intergovernamental celebradapela OEA, só entrando em vigor em 1978. Estima-se que atualmente, dos35 Estados-membros da OEA, 25 aderiram à Convenção2, sendo certo quesomente os Estados membros da Organização dos Estado Americanos (OEA)têm a faculdade de adesão ao Pacto. Ressalte-se que o Brasil somenteaderiu à Convenção em 25 de Setembro de 1992. Trata-se do maiorinstrumento no sistema interamericano de efetivação dos Direitos humanos.

Os Estados que não ratificaram a Convenção Interamericana sãoobrigados a respeitar os Direitos humanos a partir das disposições daOEA que é operacionalizada por 4 órgãos: a Comissão Interamericana deDireitos Humanos, o Conselho Interamericano Econômico e Social, oConselho Interamericano para a Educação, Ciência e Cultura e o ConselhoPermanente da OEA.

O art. 78 da Convenção estabelece que os Estados só podem denunciara Pacto de San José um vez passado o prazo de cinco anos contados desua entrada em vigor, mediante o aviso prévio de um ano, devendo oEstado denunciante ser responsabilizado por violação cometidasanteriormente à data na qual a denúncia possa produzir efeito. Trêsimportantes documentos integram o sistema interamericano: a DeclaraçãoAmericana dos Direitos e Deveres do Homem, a Carta da OEA e aConvenção Americana de Direitos Humanos.

Deve-se logo identificar que o sistema interamericano funciona por meiode dois subsistemas normativos, produto da diversidade de fontes jurídicas

2 Segundo dados da OEA, os seguintes países fazem parte da Corte: Argentina, Barbados, Bolívia,Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti,Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname,Trinidad e Tobago, Uruguai, Brasil e Venezuela.

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aplicáveis, bem como de diferentes graus de vinculação dos Estados; osdois subsistemas que não se excluem, mas se reforçam mutuamente.

No continente americano a preocupação com os direitos humanos foise desenvolvendo paralelamente à idéia de solidariedade pan-americana,apresentando três fases. A primeira teve seu início marcado peloCongresso do Panamá em 1826 e se estendeu até 1889. Neste congressoforam aprovados o Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entreos Estados hispano-americanos; a adoção do princípio do arbitramentona solução dos desacordos interamericanos; o compromisso de preservara paz nas Américas; o princípio da cidadania continental prevendo aigualdade jurídica entre nacionais e estrangeiros e a abolição daescravidão.

A segunda fase deu-se entre 1889 e 1945, caracterizando-se por ciclosde Conferências entre Ministros das Relações Exteriores. Estas aconteciamem diferentes capitais do continente americano, a cada quatro anos, eforam interrompidas somente pela primeira guerra mundial3. Na primeiraConferência Internacional Americana – em Washington, 1889-1890, foicriada a União Internacional das Repúblicas Americanas, com o propósitode reunir e divulgar informações comerciais. Nesta fase destaca-se apreocupação com a questão da segurança e dos direitos humanos. Sobreo primeiro tema, em 1936 em Buenos Aires teve lugar a ConferênciaInteramericana para Manutenção da Paz. Neste evento foi criado ummecanismo de consulta para situações de emergências que funcionariapela reunião de Ministros de Relações Exteriores de cada Estado Membroda OEA. Esse instrumento foi consagrado no Tratado Interamericano deAssistência Recíproca (TIAR) de 1947, e na Carta da OEA de 1948.

A terceira fase de desenvolvimento do sistema interamericano teveinício com o fim da Segunda Guerra Mundial. A ConferênciaInteramericana de 1945 teve como objetivo discutir os Problemas deGuerra e Paz, e foi o passo inicial para institucionalização do sistema da

3 As Conferências foram: em Washington, EUA (1889), na Cidade do México, México (1901), noRio de Janeiro, Brasil (1906), em Buenos Aires, Argentina (1910), em Santiago, Chile (1923), emHavana, Cuba (1928), em Montevidéu, Uruguai (1933) e em Lima, Peru (1938). Fonte: BibliotecaVirtual de Direitos Humanos – Universidade de São Paulo. Disponível em<www.direitoshumanos.usp.br>

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OEA. Nesta Conferência foram reafirmados os princípios da democraciae da conciliação dos interesses da sociedade com os direitos individuais.Dentre algumas resoluções aprovadas nesta conferência, duas sedestacam pela capital importância: a resolução XXVII sobre Liberdade deInformação e a resolução XL sobre a proteção internacional aos direitosessenciais do homem.

Em uma outra forma de periodização, Cançado Trindade4 aponta quatrofases que marcam o desenvolvimento do Sistema Interamericano: 1)Antecedentes, ou a fase anterior à adoção da Declaração Americana (querepresentariam as fases descritas por Hanashiro); 2) Formação do sistema,com a ampliação gradual da competência da Comissão Interamericana;3) Consolidação do sistema com a entrada em vigor da ConvençãoAmericana e 4) O aperfeiçoamento, a partir das atividades da Corte, comformação de Jurisprudência e da adoção do Protocolo de San Salvadorsobre direitos econômicos, sociais e culturais5.

II.1. A Comissão Interamericana de Direitos do Homem

Criada em 1959, este organismo foi o pioneiro em zelar efetivamentepela proteção dos Direitos Humanos, tendo por objetivo inicial a promoçãodos direitos previstos na Carta da OEA, e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, elaborada em Bogotá em 1948, através daresponsabilização dos Estados por descumprimento de direitos previstosna Carta.

A Comissão interamericana6 é composta de sete membros, dereconhecido saber em matéria de direitos humanos, eleitos a títulopessoal pela Assembléia Geral da OEA, a partir de uma lista de candidatospropostos pelos governos dos Estados-membros, os quais poderão proporaté três candidatos. Os membros da Comissão são eleitos por quatro anos,somente cabendo a reeleição por uma vez, e neste caso, para um mandatode três anos.

4 CANÇADO TRINDADE. La protección Internacional de los Derechos Humanos em AmericaLatina y El Caribe apud ZOLOTAR, op. cit p. 675 Proclamado em 17/11/1988, este protocolo entrou em vigor em 16/11/1999. Atualmente contacom 19 países signatários, sendo que 13 países já o ratificaram.6 Artigos 34 a 40 da Convenção.

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Dentre as atribuições da CIDH está, acima de tudo, a promoção dadefesa dos direitos humanos, o que se dá através de inúmerosinstrumentos, tais como, a elaboração de informes sobre a situação dosdireitos humanos em determinado país, e de informes anuais dirigidosà Assembléia Geral da OEA; a edição de resoluções em relação a casosparticulares, revelando a opinião da Comissão sobre as áreas nas quais énecessário redobrar esforços e propor novas normas; visitas in loco paraverificar a realidade fática dos casos submetidos à Comissão. Além disto,cabe a ela fazer recomendações aos governos dos Estados-parte paraque adotem medidas adequadas à proteção dos direitos humanos; esolicitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadassobre a aplicação concreta da Convenção.

Uma vez elaborada alguma recomendação a um Estado, sendo esta descumprida, a Comissão decide7 pelo encaminhamento do caso ‘a Assembléia Geral8 da OEA, a fim de que esta adote, como órgão político, medidas para fomentar o respeito aos direitos humanos, através daimposição de sanções coletivas. Exemplo disto ocorreu com o Haiti em1991, após o golpe militar contra o Presidente Jean Bertrand Aristide, em29/09/1991, o que ensejou intenso monitoramento do país, contandoinclusive com envio de delegação especial da Comissão, que ensejou aedição da resolução 1/91, a qual condenou o Haiti pela ruptura de seuregime democrático, impondo-lhe a suspensão das relações comerciaise ajuda militar dos países membros da OEA.

Percebe-se, assim, que a Comissão possui duplo tratamento normativo,um, ligado à OEA; já o outro, relativo à Convenção Americana de DireitosHumanos, podendo agir como órgão da OEA, ou como órgão da Convenção.

Esclarece Héctor Fix-Zamudio9:

A Comissão realiza as seguintes funções: a) conciliadora, entre umGoverno e grupos sociais que vejam violados os direitos de seus

7 Conforme dispõe o estatuto da Comissão no artigo 18, alínea f.8 Dispõe o artigo 53, alínea a, da Comissão, que compete à Assembléia Geral “decidir a ação e aspolíticas gerais da Organização (...) incumbindo organizar as sanções coletivas pelo descumprimentodos preceitos da OEA”.9 FIX-ZAMUIDIO, Héctor, “Protección jurídica de los derechos humanos”. México: ComisiónNacional de Derechos Humanos, 1991.

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membros; b) assessora, aconselhando os Governos a adotar medidasadequadas para promover os direitos humanos; c) crítica, ao informarsobre a situação dos direitos humanos em um Estado membro daOEA, depois de ter ciência dos argumento e das observações doGoverno interessado, quando persistirem estas violações; d)legitimadora, quando um suposto Governo, em decorrência do resultadodo informe da Comissão acera de uma visita ou de um exame, decidereparar as falhas de seus processos internos e sanar as violações; e)promotora, ao efetuar estudos sobre temas de direitos humanos, afim de promover o seu respeito e f) protetora, quando além dasatividades anteriores, intervém em casos urgentes, para solicitar aoGoverno, contra o qual se tenha apresentado uma queixa, quesuspenda sua ação e informe sobre os atos praticados.

Como importantíssimo mecanismo de efetivação da jurisdiçãointernacional na matéria de direitos humanos, aliado ao Princípio doAcesso à Justiça sob o aspecto substantivo, a Comissão tem competênciapara receber e examinar comunicações encaminhadas por particulares,grupo de indivíduos ou entidades não governamentais. Significa dizerque o processo de verificação de violação dos direitos humanos éextremamente democrático, já que qualquer pessoa, não só as vítimas,poderão encaminhar à Comissão petições denunciando as violações dedireitos humanos de Terceiros. Dito procedimento individual é consideradode adesão obrigatória.

O procedimento de resolução de conflitos é formado por quatro fasesdistintas: a fase de admissibilidade; a fase da conciliação; a fase doprimeiro informe e a fase do segundo informe. A Comissão é provocada por meio de petição escrita, na qual a parte interessada relata os fatoscomprovadores de sua alegação de violação de direitos humanos.Devemser respeitados alguns requisitos de admissibilidade da petição, a saber:o esgotamento das recursos locais, como forma de diminuição das tensõesentre os Estados e em face ao caráter subsidiário da jurisdiçãointernacional; a ausência do decurso do prazo de 6 meses para arepresentação, contados a partir da decisão interna definitiva sobre osfatos; a ausência de litispendência internacional, como forma de coibira utilização simultânea da apresentação de petições perante à ONU e aosistema regional interamericano; e, finalmente, a ausência de coisajulgada internacional.

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A Primeira Condenação do Brasil Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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Acrescenta Antônio Augusto Cançado Trindade10 sobre o prévioesgotamento dos recursos internos:

Como se sabe, estamos diante da regra de Direito internacional emvirtude da qual se deve dar ao Estado a oportunidade de reparar umsuposto dano no âmbito de seu próprio ordenamento jurídico interno,antes de que e possa invocar sua responsabilidade internacional;trata-se de uma das questões que, com maior freqüência, é suscitadano contencioso internacional , concernente tanto à proteçãodiplomática de nacionais no exterior, como à proteção internacionaldos direitos humanos.

O ônus da prova da alegação do esgotamento dos recursos internoscaberá à parte peticionária, já que o sistema de proteção internacional ésubsidiário na medida que somente poderá ser invocado quando o Estadoquedar-se omisso na tarefa de proteger os direitos fundamentais.

Ainda dentro da fase de admissibilidade, imperioso notar que aComissão analisará os critérios definidores de competência, tais como oratione personae (haverá a verificação se as vítimas são naturais dosEstados signatário da Convenção); ratione materiae (será analisado se adenúncia trata de matéria objeto da Convenção); ratione temporis ( aComissão verificará se os fatos ocorreram após a adesão do Estado- violadora Convenção) e ratione loci ( analisar se a ocorrência da alegada violaçãoocorreu em território de Estado-parte da Convenção).

Passada a fase da admissibilidade da petição perante à Comissão,ingressa-se na fase conciliatória.O art. 48 “f” da Convenção exige que aComissão Interamericana de Direitos Humanos tente estabelecer umasolução amistosa do litígio. Caso isto seja possível, a Comissão elabora umrelatório, contendo os fatos e o acordo alcançado, sendo o mesmo remetidoao peticionário, aos Estados e também ao Secretário-Geral da OEA.

Firmado um acordo, este é fiscalizado pela Comissão Interamericanade Direitos Humanos, que deverá verificar se o compromisso é adequado, fundando-se no respeito aos direitos humanos previstos na ConvençãoAmericana de Direitos Humanos.

10 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. El agotamiento de los recursos internos em elsistema interamericano de protección de os derechos humanos. San José da Costa Rica: InstitutoInteramericano de Derechos Humanos, 1991.

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Esgotada a fase da conciliação, a Comissão delibera, editando ochamado primeiro informe ou relatório, que constata ou não uma violaçãoda Convenção Americana de Direitos Humanos. Verificada a ausência deviolação de direitos humanos, a Comissão não leva o caso à Corte, e opeticionante, que levou o caso à Comissão, não tem a seu favor recursodisponível para rever a decisão.

A Comissão, ao não-acionar a Corte, é transformada em verdadeiro dominus litis absoluto da ação de responsabilidade internacional do Estadono sistema interamericano, colocando-se no papel de intérprete final daConvenção Americana de Direitos Humanos.

De outro giro, restando demonstrada a existência de violação daConvenção Americana de Direitos Humanos, a Comissão acionará o Estadoviolador, posto que órgão internacional, repise-se, incumbido dapromoção e proteção de direitos humanos. Este Estado deverá cumprir asrecomendações de relatório elaborado (o primeiro informe).

O Estado tem até três meses, contados da remessa do relatório pelaComissão, para resolver o caso; caso não o solucione, poderá sersubmetido ‘a Corte, desde que já tenha reconhecido sua jurisdição.Infelizmente, não é reconhecida a legitimação do indivíduo para submetero caso à Corte, conforme artigo 61 da Convenção.

Conforme ensinamento de Flávia Piovesan11:

Em conformidade com o artigo 44 do novo Regulamento daComissão, adotado em 1° de maio de 2001, se a Comissão considerarque o Estado em questão não cumpriu as recomendações do informeaprovado nos termos do art. 50 da Convenção Americana, submeteráo caso à Corte Interamericana, salvo decisão fundada da maioriaabsoluta dos membros a Comissão. O novo regulamento introduz,assim, a justicialização do sistema interamericano. Se, anteriormente,cabia À Comissão interamericana, a partir de uma avaliaçãodiscricionária, sem parâmetros objetivos, submeter à apreciação daCorte interamericana caso em que não se obteve solução amistosa,com o novo Regulamento, o encaminhamento à Corte se faz deforma direta e automática. O sistema ganha maior tônica de

11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ª ed. São Paulo:Saraiva..p 236

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A Primeira Condenação do Brasil Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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“juridicidade’, reduzindo a seletividade política, que, até então, erarealizada pela Comissão interamericana. Cabe observar, contudo, queo caso só poderá ser submetido à Corte se o Estado-parte reconhecer,mediante declaração expressa e específica, a competência da Corteno tocante à interpretação e aplicação da Convenção – emboraqualquer Estado-parte possa aceitar a jurisdição da Corte paradeterminado caso.

Poderá a Comissão Interamericana de Direitos Humanos nãoencaminhar o caso à Corte, mesmo que o Estado violador tenhareconhecido a jurisdição da Corte, não havendo, previsão de recurso aser manejado por particulares, o que enfraquece de sobremaneira aefetiva proteção dos direitos humanos, já que a deliberação da Comissãopode sofrer influências políticas, tendentes à fomentar a inação do Órgão.

Havendo descumprimento do primeiro informe e, não sendo ajuizadaação perante a Corte, deve a Comissão Interamericana de DireitosHumanos elaborar um segundo informe, o qual também possuirecomendações ao Estado transgressor, com prazo para que as medidasrequeridas sejam efetuadas.

Após o decurso desse prazo, a Comissão delibera se a Estado efetuouas medidas requeridas e se publica o segundo informe. Esclareça-se, poroportuno, que estes informes elaborados pela Comissão têm caráter demera “recomendação não-vinculante”, “reprovações morais”, conformeentendimento inicialmente adotado pela Corte. Felizmente, oentendimento da Corte tem avançado.

A Corte, hodiernamente, tem diferenciado os dois informes daComissão. O primeiro informe é enviado ao Estado, que possui o prazode até três meses para cumprir as recomendações. Esse informe continuanão vinculativo, pois não é definitivo. Descumpridas as recomendações, a Comissão, obrigatoriamente, deverá optar entre acionar o Estado perantea Corte ou editar um segundo informe.

Na primeira hipótese, haverá uma sentença da Corte, dotada deforça vinculante, podendo inclusive contrariar o entendimento daComissão. Entretanto, se o caso não for submetido à Corte, editar-se-á osegundo informe. Pelo princípio da boa-fé, os Estados, segundo a Corte,devem cumprir com as condutas determinadas por esse segundo informe.

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II.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos

O segundo órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos, aCorte Interamericana de Direitos Humanos, é uma instituição judicialautônoma, não sendo órgão da OEA. Compõe-se por sete juízes nacionaisde Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados partesna Convenção, na Assembléia Geral da OEA, de uma lista de candidatospropostos pelos mesmos Estados.

Trata-se de um órgão judicial internacional que, de acordo com o art.33 da Convenção Americana, é competente para reconhecer casoscontenciosos quando o Estado demandado tenha formulado declaraçãounilateral de reconhecimento de sua jurisdição. Além disso, pode seracionada por qualquer país membro da OEA para interpretar norma relativaa tratados de direitos humanos no seio interamericano. Ressalte-se que,ao efetuarem o reconhecimento da jurisdição da Corte, os Estadoscomprometem-se a aceitar, como obrigatória e de pleno direito, a decisãoda Corte relativa à interpretação e aplicação da Convenção Americana deDireitos Humanos.

Os juízes da Corte serão eleitos para um mandato de seis anos e sópoderão ser reeleitos uma vez. Os juízes gozam, desde o momento desua eleição e enquanto durarem os seus mandatos, das imunidadesreconhecidas aos agentes diplomáticos pelo Direito Internacional. Noexercício de suas funções gozam também dos privilégios diplomáticosnecessários ao desempenho de seus cargos. Não deve haver mais de umJuiz da mesma nacionalidade na composição da Corte.

No que tange ao funcionamento da Corte, estabelece o art.22 doEstatuto que esta realizará sessões ordinárias e extraordinárias, já quenão é um tribunal permanente. Os períodos ordinários de sessões serãodeterminados pela própria Corte. Os períodos extraordinários de sessõesserão convocados pelo Presidente ou por solicitação da maioria dos juízes.O quorum para as deliberações da Corte é constituído por cinco juízes,sendo que as decisões da Corte serão tomadas pela maioria dos juízespresentes. Em caso de empate, o Presidente terá o voto de qualidade.

Os sujeitos processuais que atuam perante a Corte são a ComissãoInteramericana de Direitos Humanos e os Estados. Excepcionalmente,

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A Primeira Condenação do Brasil Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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admite-se a participação do indivíduo na fase processual de estipulação dareparação devida. Estipula o art. 23 do Regulamento da Corte que, na fasede reparações, os representantes das vítimas ou de seus familiares poderão,de forma autônoma, apresentar seus próprios argumentos e provas.

O processo de um Estado, apontado como violador de direitoshumanos, perante a Corte Interamericana dá-se da seguinte forma: aComissão, após o não-acatamento das conclusões do seu primeiro informe(também denominado relatório) pelo Estado, pode acioná-lo perante aCorte Interamericana de Direitos Humanos, caso o estado tenhareconhecido a jurisdição da Corte.

Além da Comissão, os outros Estados contratantes, que tenham tambémreconhecido a jurisdição da Corte, podem acionar um Estado, já que agarantia de direitos humanos é uma obrigação objetiva. Proposta a ação,esta é dirigida à Secretaria da Corte, mediante a interposição da petiçãoinicial da demanda, indicando as partes no caso, o objeto da demanda,uma exposição dos fatos, as provas oferecidas, com a indicação dos fatossobre os quais as mesmas versarão, a indicação das testemunhas e peritos,os fundamentos de direito e as conclusões pertinentes, bem como osnomes do agente ou dos delegados.Caso seja a Comissão a autora daação, acompanhará a petição inicial o relatório a que se refere o art. 50da Convenção.

Após a propositura da ação, cabe o exame preliminar da demandapelo Presidente da Corte, que pode verificar se os requisitos fundamentaisforam ou não cumpridos, solicitando ao demandante que supra as lacunasdentro do prazo de 20 dias.Em seguida, o Presidente ordena a citação doEstado réu, o qual pode argüir exceções preliminares no prazo de doismeses seguintes à citação da demanda.

As partes interessadas podem expor suas razões, por escrito, sobreas exceções preliminares, dentro do prazo de 30 dias, contado a partir dorecebimento da intimação da interposição das exceções. Sendo consideradas pertinentes, a Corte poderá convocar uma audiência especialpara o exame das exceções preliminares, depois da qual decidirá sobreas mesmas. Nesta fase de exame das preliminares, poderá a parte

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demandante requerer à Corte a desistência do processo. Caso não tenhaainda sido citado o Estado réu, a desistência será aceita obrigatoriamente.

Entretanto, após a citação, a Corte decidirá, ouvida a opinião das demaispartes do caso, bem como dos representantes das vítimas ou de seusfamiliares, se cabe ou não a desistência e, portanto, se o caso é ou nãode arquivamento. Se o Estado demandado comunicar à Corte seuacatamento às pretensões da parte demandante, a Corte, ouvido o parecerdesta e dos representantes da vítimas ou de seus familiares, resolverásobre a procedência do acatamento e seus efeitos jurídicos. Neste caso,a Corte fixará as reparações e indenizações cabíveis, tanto a título deressarcimento por danos materiais, como também para compensareventuais danos morais sofridos.

Admite-se também a solução conciliatória, sendo o acordo das partessubmetido à homologação da Corte, que agora desempenha o papel defiscal do respeito aos direitos protegidos na Convenção. Pode a Cortefixar a reparação na própria sentença que reconheceu a responsabilidadeinternacional do Estado por violação de direito protegido.

É possível que a Corte, levando em conta as características do acordoproposto, não o homologue, decidindo pelo prosseguimento do examedo caso, demonstrando a indisponibilidade dos interesses envolvidos.

Dentro dos quatro meses seguintes à notificação da demanda, odemandado apresentará por escrito sua contestação. Após este prazo, oPresidente da Corte fixará a data de abertura do procedimento oral eindicará as audiências necessárias. As provas apresentadas pelas partessó serão admitidas caso sejam indicadas na petição inicial e na suacontestação. Excepcionalmente, a Corte poderá admitir uma prova sealguma das partes alegar força maior, impedimento grave ou fatosocorridos em momento distinto dos anteriormente assinalados.

A Corte poderá, em qualquer fase da causa, produzir prova, ex offício,que considere útil (art. 44 de seu regulamento). O que demonstra apreocupação na busca da verdade dos fatos. Conforme o art. 50 doRegulamento da Corte, os Estados não poderão processar as testemunhase os peritos, nem submeter a represálias os mesmos ou seus familiares,por motivo de suas declarações ou laudos apresentados à Corte.

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A Primeira Condenação do Brasil Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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A sentença internacional é similar à sentença interna; conterá os nomesdo Presidente e dos demais juízes que a tenham proferido, do Secretárioe do Secretário Adjunto. Em virtude de ser a Corte um órgão colegiadointernacional, há o dever de expressar o resultado da votação e aindaindicar o idioma do texto que faz fé.Todo juiz que houver participado doexame de um caso tem o direito de expor publicamente seu votodissidente ou concorrente. Essa fase não é obrigatória, ocorrendo apenasquando a sentença sobre o mérito do caso não houver decididoespecificamente sobre reparações.

Na fase da reparação, a vítima e seus representantes são ouvidos pelaCorte, com base em seu Regulamento interno, o que, com já dito,representa fundamental passo rumo à integração completa do indivíduono sistema interamericano.

A Corte determina o início de uma nova etapa do processo, intimandoo autor e a vítima ou seus familiares para apresentar os pleitos dereparação e respectivas provas, bem como o estado, para impugnar eapresentar as provas cabíveis.

No sistema judicial interamericano, há o dever do Estado de cumpririntegralmente a sentença da Corte. De fato, o art. 68.1 dispõeexpressamente que “Os Estados-partes na Convenção comprometem-sea cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”. Assim,exige-se o cumprimento no sistema interamericano por parte do Estadodas necessárias obrigações de fazer e não-fazer exigidas para que asvítimas possam fazer valer o seu direito violado. Para tanto, não podealegar impedimento de Direito interno.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos aplica o DireitoInternacional e decide sobre a responsabilidade internacional do Estado,sem necessariamente determinar a forma pela qual deverá o Estadoviolador executar a Sentença da Corte; tarefa que ficará a cargo daautoridade nacional ou o órgão interno ao qual foi imputado o fatointernacionalmente ilícito. Isto porque a determinação do meio deexecução é tarefa interna, que em geral depende do tipo de órgãoimputado; do seu status normativo e da legislação interna de cada País. Adecisão da corte tem força jurídica vinculante e obrigatória.

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No caso da ausência de implementação das decisões da Corte, há aprevisão do art. 65 da Convenção que possibilita à Corte a inclusão doscasos em que o Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças noseu relatório anual à Assembléia Geral da OEA. Segue a dicção do artigo:

A Corte submeterá à consideração da Assembléia Geral da Organização,em cada período ordinário de sessões, um relatório sobre as suasatividades no ano anterior. De maneira especial, e com asrecomendações pertinentes, indicará os casos em que um Estadonão tenha dado cumprimento a suas Sentenças.

A Assembléia Geral, por ser destinatária final dos informes da Corte eda Comissão, deve sempre garantir em suas sessões ordinárias a promoçãoefetiva de direitos humanos. No âmbito da OEA, a obrigação de garantia dedireitos humanos é inserida no art. 5° da Carta da OEA, mas não há nenhumprocedimento expresso de edição de sanção por violação destes direitosprotegidos, o que revela a insuficiência do modelo atualmente adotado.

Pode-se, em apertada síntese, resumir a competência da Corte à atividadeconsultiva e atividade contenciosa. No primeiro caso, qualquer membroda OEA pode solicitar o parecer da Corte em relação à interpretação daConvenção ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitoshumanos, podendo, ainda opinar sobre a compatibilidade de leis internasem face dos tratados internacionais sobre o assunto.

No plano contencioso, a competência da Corte limita-se aos Estadosparte da convenção que já tiverem aderido à jurisdição da Corte, nãopossuindo o indivíduo legitimidade para acionar a Corte, conformepreceitua o art. 61 da Convenção:

Somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter umcaso à decisão da Corte.

A Corte, repise-se, é o único órgão judicial12 competente para apreciarmatérias relativas à Convenção Americana de Direitos Humanos, apesarde não ser órgão de cunho revisional sobre as conclusões da Comissão.

12 Até janeiro de 2005, dos vinte e cinco Estados-partes da Convenção Americana de DireitosHumanos, vinte e um haviam reconhecido a competência contenciosa da Corte. O Brasil reconheceua competência jurisdicional da Corte Interamericana em dezembro de 1998, por meio do DecretoLegislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998.

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A Primeira Condenação do Brasil Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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A Corte pode, atendendo solicitação da comissão, ordenar a adoçãode medidas provisórias, em casos de extrema gravidade e urgência paraevitar danos irreparáveis a direito, na tentativa de equacionar o ônustemporal do processo e a apuração detalhada e completa dos fatosnarrados. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 63, 2ª parte daconvenção, in verbis:

Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessárioevitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de queestiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias queconsiderar pertinentes. Tratando-se de assuntos que ainda estiveremsubmetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.

Importante discorrer sobre a natureza das chamadas medidas provisóriasprevistas no artigo acima transcrito, bem como perquirir se na concepçãode tais medidas, estariam incluídas as chamadas medidas preventivas oude cunho inibitório, ou seja, aquelas cujo objetivo seria a remoção doilícito ou a sua não reiteração. Internamente, no Ordenamento JurídicoBrasileiro, têm amparo constitucional no art. 5º, XXXV da Constituição Federalde 1988, e são espécie do gênero medidas de urgência.

Tais medidas provisórias têm a mesma natureza das medidas cautelaresdo direito brasileiro, previstas a partir do artigo 796 do Código de ProcessoCivil pátrio. Registre-se que o referido diploma processual enumera umasérie de medidas cautelares típicas, admitindo, também as chamadasmedidas cautelares atípicas cujo fundamento é o poder geral de cautelado Juiz, ex vi o artigo 798 do CPC, e o art. 5º, XXXV da Constituição Federal/ 88.

Entendo que o mesmo ocorre no artigo 63 da Comissão. A ratio danorma, indubitavelmente, é amparar as situações de iminente perigo,nas quais resta plausível o direito que se quer proteger. Neste particular,estas medidas provisórias se confundem com o instituto da antecipaçãodos efeitos da tutela jurisdicional brasileira, prevista no art. 273 do CPC,já que de cunho satisfativo e cognição exauriente. Neste caso, não sequer garantir a efetividade de provimento jurisdicional futuro; não háreferibilidade e nem instrumentalidade hipotética, características básicasdas medidas cautelares; apenas se quer a nível inibitório ou repressivoremover o perigo, a ameaça ao bem da vida que se quer assegurar, ouseja, o próprio direito.

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Quando o artigo 63 da Comissão dispõe sobre a possibilidade da adoçãode “medidas provisórias que considerar pertinentes”, o faz de maneiratécnica ao não enumerá-las, deixando a critério da Corte a verificação damelhor medida a ser tomada. Esta hipótese se assemelha em muito aopoder geral de cautela do art. 798 do CPC brasileiro e ao art. 273 domesmo diploma. Pode-se, então, afirmar que as medidas previstas noartigo 63 são dotadas da chamada “tipicidade aberta”. Não se pode olvidarque em recente reforma processual civil, o legislador consagrou afungibilidade entre as medidas cautelares e a tutela antecipada. O queimporta, ao final, é a adoção dos mecanismos mais eficazes para a garantiamaterial dos direitos humanos.

A garantia constitucional da efetividade do processo e do acesso àJustiça, consagrados também em Tratados Internacionais, são os pilaresdas tutelas de urgência .Deve-se prestigiar a chamada “divisão isonômicado tempo do processo”, e a mitigação do dogma de que o julgamentoseguro é aquele proveniente de uma cognição exauriente, que, na maioriados casos, demora muito tempo. Assim, não é razoável que um indivíduo,ante a iminência de que seu direito seja prejudicado pela demora doprocesso, não possa obter a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional,fruto geralmente de cognição sumária, de cunho satisfativo e objetivandoevitar os chamados danos marginais ao autor.

Entretanto, não se pode olvidar que quase sempre nestas hipóteseestarão tencionados os princípios da segurança jurídica e o da efetividadedo provimento jurisdicional. Sempre haverá um risco na prolatação deum provimento jurisdicional, isto é irrefutável. A solução deverá serencontrada pela ponderação dos interesses em jogo, principalmentequando estes interesses são direitos humanos ou direitos fundamentais.

A primeira condenação de um Estado americano por um órgão judicialinternacional ocorreu através da Sentença prolatada pela Corte em 21/07/1989, no caso Velásquez Rodrigues13, em que o Estado de Honduras

13 Angel Manfredo Velásquez Rodrigues, estudante da Universidade Nacional Autônoma de Honduras,foi preso violentamente, sem ordem judicial, por membros da Direção Nacional de Investigação edo G-2 das Forças Armadas de Honduras, em 12/09/1981. O fato foi presenciado por váriastestemunhas, sendo o mesmo levado para a cela da II Estação da Força de Segurança Pública, localem que fora torturado e interrogado, sob a acusação de cometimento de crimes políticos. Após 5dias, Velásquez foi transferido para o I Batalhão de Infantaria, onde continuaram as agressões,

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fora condenado, dentre outras obrigações a ele impostas, a reparar àfamília da vítima os danos morais por ela suportados.

Merece registro que o Estado-brasileiro já foi sujeito de quatroresoluções da Corte, por conta do caso da Penitenciária de Urso Branco(referente à denúncia de maus-tratos de detentos no presídio de Rondônia,na cidade de Porto Velho), datadas respectivamente de 18.06.2002,29.08.2002, 22.4.2004 e 7.7.2004, violência que culminaram na mortede mais de 25 detentos.

III. O caso Damião Ximenes e a Condenação Brasileira

Em 1/10/2004, a Comissão Interamericana de direitos humanos, comfulcro nos artigos 50 e 61 da Convenção, submeteu à Corte demandacontra a República Federativa do Brasil, decorrente da denúncia nº 12237,recebida pela Secretaria da Comissão em 22/11/1999. Imputou-se aoEstado brasileiro violação dos direitos consagrados nos artigos 1º,1(obrigação de respeito aos Direitos Humanos); 4º (direito à vida); 5º(direito à integridade pessoal); 8º (direito às garantias judiciárias) e 25º(direito à proteção judicial), em prejuízo de Damião Ximenes Lopes, pelascondições desumanas e degradantes de sua hospitalização porenfermidade mental na Casa de Repouso Guararapes, no Município deSobral, Estado do Ceará.

Damião foi internado em 1/10/1999 para receber tratamentopsiquiátrico na referida casa de saúde, que apesar de privada, eraconveniada ao SUS. Ao final de três dias de internação, Damião foiencontrado morto, em 04 de outubro de 1999, aproximadamente às 9:00horas da manhã, com sinais evidentes de tortura, fruto de golpes e ataquescontra ele perpetrados pelos funcionários da Clínica, aproximadamenteduas horas depois de ser medicado pelo diretor clínico do Hospital. Apóso óbito, um dos médicos da Casa de repouso atestou que a causa damorte havia sido parada cardio-respiratória.

Em 8 de dezembro de 1999, o Delegado de Polícia de Sobral remeteuao Ministério Público do Estado do Ceará um informe concluindo queexistiam fortes indícios de responsabilidade da clínica pela morte de

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Damião, em razão de maus tratos, tortura e homicídio. Em 25 de fevereirode 2000, a Delegacia Regional de Sobral enviou ao Juiz titular da Comarcade Sobral as peças de investigação. Em 27 de março de 2000, o Promotorde Justiça de Sobral, com atribuições criminais, apresentou denúncia contraSérgio Antunes Ferreira Gomes, Carlos Alberto Rodrigues dos Santos,André Tavares do Nascimento e Maria Salete Moraes Mesquita, pelo crimedo art. 136, §2º do Código Penal brasileiro, que tipifica o crime de maustratos seguidos de morte. Desde 24 de maio de 2000, e durante doisanos, o Juízo da 3ª Vara da Sobral celebrou audiências , das quais muitasforam adiadas por vários motivos, realizando-se dias ou meses depois dadata originalmente designada.

Em dezembro de 2002, a 3ª Vara declarou encerrada a etapa deinstrução do processo determinando a intimação das partes para aapresentação das alegações finais, conforme o art. 499 Código deProcesso penal brasileiro. Em 22 de setembro de 2003, a promotorasolicitou o aditamento da denúncia em relação aos senhores FranciscoIvo de Vasconcelos e Elis Gomes Coimbra, pelo crime do art. 136,§2ª doCódigo Penal. Somente em 17 de Junho de 2004, o Juiz, reconhecendo amorosidade excessiva da instrução do processo, finalmente recebeu oaditamento, determinando a citação dos novos acusados.Noticia aSentença da Corte que em 14 de fevereiro de 2005, os autos do processoforam remetidos à conclusão do Juiz para que este emitisse decisãointerlocutória que decida sobre a suspensão ou não do processo.

A situação de precariedade da Clínica já era há muito conhecida pelasautoridades locais. Conforme o informe do grupo de acompanhamentode assistência psiquiátrica hospitalar emitido em 5/11/1999, na casa derepouso Guararapes, existia um contexto de violência, agressões e maustratos, em que diversos internos apresentavam freqüentemente lesõesnos membros superiores e inferiores causados pelos empregados eauxiliares de enfermaria, que utilizavam a força para conter os internosem crise, aplicavam-lhe “gravatas”, sendo tal prática tida como “lei paramanter a ordem”, sendo certo que a contenção física era aplicada deforma indiscriminada, sem que houvesse recomendação médica para estetipo de prática. Além das condições desumanas e degradantes, o hospitalficou por muito tempo sem um consultório médico adequadamenteaparelhado, visto que sempre faltavam medicamentos.

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Antes do óbito de Damião, outras duas mortes suspeitas ocorreram nacasa de repouso, num quadro de golpes na cabeça com objetoscontundentes contra a senhora Raimunda Ferreira de Sousa, falecida emoutubro de 1987; e o senhor Gerardo Alves Silva, cujo óbito ocorrera emfevereiro de 1991. As denúncias de maus-tratos incluíam suspeitas deestupros e de que um auxiliar de enfermaria teria quebrado um braço deum dos pacientes, fatos estes que não foram sequer investigados pelodiretor da clínica, que, segundo fundamentação da Sentença da Corte,não visitava a instituição, nem mantinha contato com a equipe médica,com a enfermaria, nem com os familiares dos pacientes.

A Comissão acrescentou que os fatos do caso Damião agravaram-sepelo fato da vítima encontrar-se em situação de vulnerabilidade naturaldaqueles acometidos de enfermidades mentais, sendo certo que istoacarretaria um dever especial do Estado de reforçar a proteção a estaspessoas, considerações que foram totalmente encampadas nafundamentação da sentença da corte.

Em 22/11/1999, a irmã de Damião, Irene Ximenes Lopes Miranda,apresentou uma petição perante à Comissão interamericana contra oEstado Brasileiro, denunciado os fatos ocorridos com seu irmão. Em 14/12/1999, a Comissão iniciou o processamento da petição, protocoladasob o número 12.237, solicitando que o Brasil informasse qualquerelemento jurídico que permitisse a verificação do prévio esgotamentodos recurso de jurisdição interna pertinentes ao caso. Em 09/10/2002,durante o 116º período ordinário de sessão, a Comissão , tendo em vistaa inércia do Estado brasileiro não oferecendo resposta, aprovou o relatóriode admissibilidade nº 38/02, transmitido à peticionária e ao Brasil em25/10/2002.

Já em outubro de 2003, durante o 118º período ordinário de Sessão, aComissão aprovou o relatório nº 43/03, concluindo que o Estado Brasileirotinha responsabilidade por ter violado os direitos consagrados nos artigos5; 4; 25; 8 e 1.1 da Convenção Interamericana de Direitos humanos,recomendando que o Brasil adotasse uma série de medidas para sanaras violações constatadas. Em 31/12/2003, a Comissão transmitiu orelatório ao Brasil, fixando-lhe o prazo de 2 meses para que informassesobre a adoção das medidas.

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Em 08/03/2004, a Comissão recebeu uma comunicação dospeticionários, informando que era extremamente importante o envio docaso ‘a Corte Interamericana, já que o Brasil não cumpriu as trêsrecomendações feitas pela Comissão, a pesar de ter requerido e obtido aprorrogação do prazo. Somente em 29/09/2004, três dias após o términodo prazo, o Brasil apresentou contestação às alegações da Comissão.Diante disto, em 30/09/2004, a Comissão decidiu submeter o caso à Corte,apresentando o requerimento em 01/10/2004. Dito requerimento,acompanhado de prova documental e oferecimento de produção de provatestemunhal, imputaram ao Brasil o descumprimento de obrigaçõesrelacionadas à tutela de direitos humanos, tais como a vida, a integridadefísica, a obrigação estatal de respeito de direitos desta natureza, o direitoà proteção judiciária, todos estes desrespeitados em relação ao senhorDamião Ximenes Lopes e seus familiares.

Uma audiência pública foi marcada para 30/11/2005, na qualcompareceram parentes da vítima, testemunhas do Estado brasileiro edos peticionários. Esta audiencia foi presidida pelo Presidente da Corte,Sergio Garcia Ramirez, contando com a presenta de outros Juízes da Corte,como Alirio Abreu Burelli; Antonio Augusto Cançado Trindade; CeciliaMedina Quiroga e Manuel E. Ventura Robles. O Brasil apresentou exceçãopreliminar, alegando descumprimento do prévio esgotamento dosrecursos internos, o que fora rechaçado pela Corte, nos seguintes termos:

Desestimar la excepción preliminar de no agotamiento de los recursosinternos interpuesta por el Estado. Continuar con la celebración de laaudiencia pública convocada mediante Resolución de la CorteInteramericana de Derechos Humanos de 22 de septiembre de 2005,así como los demás actos procesales relativos al fondo, y eventualesreparaciones y costas en el presente caso.

No início da Audiência, o Estado Brasileiro reconheceu14 suaresponsabilidade internacional por violação aos artigos 4 e 5 da

tendo a Polícia sempre negado a detenção. Diante da narrativas de fatos tão graves, a Comissãotransmitiu ao Estado as denúncias que lhe foram feitas, solicitando informações, o que foi repetidoinúmeras vezes, até a edição da resolução 22/86, de 18/04/1986, segundo a qual a Comissãoresolveu submeter o caso à Corte.14 A Comisión Interamericana, nesta audiência pública, asseverou: “la actitud positiva, ética,responsable y constructiva del [… Estado] manifestada en su declaración cuando reconoce laresponsabilidad por la violación de los artículos 4 y 5 [de la Convención]”. La Comisión además

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Convenção, cessando a controvérsia sobre os fatos relacionados aosreferidos artigos. Ainda assim, foram ouvidas as testemunhas arroladas.Em 23/12/2005, a Comissão apresentou suas alegações finais escritas.

A produção de prova testemunhal e documental foi muito farta, tendosido colhida a prova testemunhal de peritos, testemunhas apresentadaspelos peticionários e pelo Estado Brasileiro, seguindo os ditames dosartigos 44 e 45 da Corte. Estes artigos, em homenagem ao princípio docontraditório, garantem que a cada início de etapa processual, as partesdevem indicar, por escrito, quais as provas que oferecerão, na primeiraoportunidade para tanto.

O perito Eric Rosenthal, expert internacional em matéria deenfermidade mental, arrolado pela Comissão, salientou que as pessoascom enfermidade mental estão sujeitas a prejuízos e fortes estigmas,constituindo , portanto, um grupo vulnerável a sofrer violações de direitoshumanos a nível global. Quatro relatórios das Nações Unidas constataramque as pessoas com incapacidade mental sofrem as mais perversas formasde discriminação. Tais práticas discriminatórias dirigidas ao enfermosmentais seguem, via de regra, os mesmos padrões no mundo inteiro:segregação, tortura e tratamento desumano.

A Convenção Interamericana sobre a eliminação de todas as formasde Discriminação contra as pessoas com incapacidade mental foi umdos primeiros instrumentos internacionais de direitos humanos específicosobre o tema, representando importante compromisso dos Estados

manifestó que “[u]na actitud de esta naturaleza contribuye a resolver el caso presente, perotambién contribuye a sentar un precedente muy importante en el Brasil y en la región de cómo losEstados deben actuar responsablemente cuando los hechos son incuestionables y cuando también esincuestionable la responsabilidad del Estado en materia de derechos humanos en el marco delSistema Interamericano”. Finalmente, la Comisión señaló que entendía que ya había cesado lacontroversia sobre los hechos y el derecho en relación con los artículos 4 y 5 de la Convención.A su vez, los representantes manifestaron, en la audiencia pública, que reconocían la importanciade la declaración efectuada por el Estado respecto al reconocimiento de su responsabilidad por laviolación de los artículos 4 y 5 de la Convención Americana.Posteriormente, en sus alegatos finales el Estado expresó que en una evidente demostración de suefectivo compromiso con la tutela de los derechos humanos, optó éticamente por admitir las fallasen el deber de fiscalizar la Casa de Reposo de Guararapes en el período de internamiento del señorDamião Ximenes Lopes. En vista de la muerte y los malos tratos de que fue objeto dicho paciente,el Estado reconoció su responsabilidad internacional por la violación de los artículos 4 y 5 de laConvención (supra párrs. 36 y 63)” .Intens 64/66 da Sentença da Corte.

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americanos para a garantia de normas amplas de direitos humanosdedicadas ao adequado tratamento da saúde mental. O Direitointernacional garante aos indivíduos com enfermidade mental internadosem instituições psiquiátricas o direito ao consentimento informado e,por isto, o direito de rejeição ao tratamento, geralmente feito pela família,na hipótese de total incapacidade mental, pela qual o enfermo não têmcondições de optar pelo melhor e mais adequado tratamento. O tratamentocoercitivo é indicado apenas em casos extremos e excepcionais. Continua,analisando que no caso do senhor Damião15, não existia risco iminentenem imediato que justificassem a segregação, já que inexistentes asevidências de que o mesmo representasse perigo a si mesmo ou aterceiros. De outro lado, também não havia nenhuma decisão emitidapor autoridade médica independente que justificasse o tratamento adotado.Concluindo sobre o caso do tratamento inadequado conferido ao senhorDamião, salienta o perito:

Cuando el aislamiento y la fuerza son utilizados como medios decastigo, coerción o para objetivos impropios, la violación de losderechos humanos es todavía más grave. En los casos en que el usode la fuerza haya provocado un gran dolor o sufrimiento físico opsíquico, su indebida utilización con fines impropios podrá constituirtortura. Jamás resulta necesario golpear a un paciente psiquiátrico

15 Parte da íntegra do parecer emitido pelo perito nomeado pela Comissão: “Dada la naturalezapotencialmente peligrosa y además dolorosa que producen los efectos colaterales de las medicacionespsicotrópicas, el uso injustificado e impuesto de dicha medicación, en contravención de lo dispuestopor los estándares internacionales, debe ser considerado una forma de tratamiento inhumano ydegradante y una violación del artículo 5.2 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.La contención física en tratamientos psiquiátricos, cuando es utilizada adecuadamente, tiene elobjetivo de prevenir cualquier daño que pueda ocasionar el paciente a sí mismo o a terceros. Causardaño al paciente bajo la excusa de querer controlar sus emociones es un indicador claro de la faltade una adecuada capacitación del personal de la institución para el empleo de métodos correctospara la utilización de la contención. En el caso del señor Ximenes Lopes no hay evidencias de queél representara un peligro inminente para sí mismo o terceros. No se ha comprobado que seintentara utilizar un método menos agresivo para controlar un posible episodio de violencia dedicho señor. Por lo tanto, el uso de cualquier forma de fuerza física para ese caso fue ilegal. Unavez sujetado, con las manos amarradas hacia atrás, le correspondía al Estado el deber supremo deproteger al señor Damião Ximenes Lopes debido a su condición de extrema vulnerabilidad. El usoexcesivo de fuerza física y la golpiza constituyó una violación de su derecho a una atenciónhumanitaria. Existen otras alternativas que pueden ser utilizadas antes de hacer uso de la fuerza odecidir el aislamiento de un paciente. Los programas de salud mental deberían esforzarse pormantener un ambiente y una cultura de cuidado que minimice la utilización de dichos métodos. Eluso injustificado y excesivo de la fuerza en el presente caso constituye una práctica inhumana y untratamiento degradante.”

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u ocasionarle cualquier tipo de daño o sufrimiento. El hecho deque el señor Ximenes Lopes estaba desarmado y bajo la custodia delEstado, demuestra que una acción de esa naturaleza no seríaproporcional a la eventual amenaza que él pudiera representar. Dadala gran vulnerabilidad de una persona con crisis psiquiátrica, cabe alas autoridades del Estado un nivel mayor de responsabilidad en laprotección de estos individuos. La golpiza al señor Damião XimenesLopes -y su posterior muerte- podría haber sido evitadas si elEstado hubiese cumplido con su obligación de proporcionarleuna institución con funcionarios capacitados para asistirle ensu enfermedad mental. (original sem negrito).

A irmã da vítima, a senhora Irene Ximenes, em impressionantedepoimento perante à Corte, aduziu que seu irmão já havia sido internadoem 1995 e 1998 na Casa de repouso Guararapes, ocasião em que podeobservar que o mesmo apresentava cortes e feridas nos tornozelos e joelhos,justificadas pelos funcionários numa suposta tentativa de fuga de Damião.Em 4/10/1999, já e outra internação, quando a mãe da vítima o visitou naCasa de repouso, o encontrou agonizando, pelo que pediu ajuda ao médicoFrancisco Ivo de Vasconcelos, o qual, segundo a versão apresentada, nãoprestou assistência ao ferido.A morte ocorreu no mesmo dia: punhosdilacerados, marcas de unhas em seu corpo; mãos perfuradas e parte deseu nariz golpeado. Os médicos atestaram que a causa da morte foi naturalpor “parada cardio-respiratória”. Realizada a autópsia na cidade de Fortaleza,concluíram que a morte deu-se por “causa indeterminada”.

A médica psiquiátrica Lídia Dias Costa, nomeada pelos peticionários,relatou que esteve presente na exumação do cadáver, mas que este já seencontrava em estado avançado de decomposição, somente restando aparte esquelética. Informou que visitou a Casa de repouso em 2000, períodoem que a mesma estava sob intervenção, mas que para sua surpresa, osacusados no processo penal que apurava a morte de Damião encontravam-se regulamente trabalhando.Concluiu que Damião morreu em decorrênciade lesões traumáticas, típicas de tortura. Após insistir com os médicoslegistas da cidade de Fortaleza, os mesmos confirmaram que a morte, naverdade, ocorrera por lesões traumáticas, como traumatismo, que fora feitocom objetos contundentes, fato só descoberto posteriormente.

Tendo em vista que o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidadeinternacional pela violação ao direito à vida e à integridade física e psíquica

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de Damião, entendeu a Corte estar encerrada a constrvérsia sobre osfatos relacionados aos mencionados direitos violados. A controvérsiasubsistiu16 sobre a alegada violação aos artigos 8 (garantias judiciais) e25 (proteção judicial) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos,não tendo o Brasil reconhecido sua responsabilidade por violação a estesdireitos. Em contradita, os peticionários ratificaram a violação dos referidosartigos, ao argumento de que após 6 anos da morte do senhor Damião, oprocesso criminal e cível movido em face dos responsáveis ainda nãohavia sido concluído, em conseqüência de atrasos indevidos deresponsabilidade exclusiva do Estado.

Desta forma, em apertada síntese, a Corte entendeu que subsistia acontrovérsia em relação a: alegada violação da obrigatoriedade de o Estadorealizar investigação efetiva dentro de prazos razoáveis, a luz dos artigos1.1; 8 e 25 da Convenção a determinação das indenizações compensatóriasdevidas aos familiares da vítima,e por fim, a responsabilidade pelas custase gastos com o processo.

Reconhecida parcialmente a responsabilidade internacional do Estado,a Corte em fundamentação da Sentença, sustentou que que os artigos 1.1e 2 constituem a base para a determinação da responsabilidadeinternacional de um Estado. O primeiro artigo coloca comoresponsabilidade dos Estados signatários da Convenção17 promover, garantire proteger os direitos humanos titularizados por todos os indivíduosindistintamente, segundo as regras de direito internacional, de tal formaque quaisquer ações e omissões de autoridades públicas a âmbito interno,

16 Apesar de inúmeras tentativas, não consegui ter acesso à defesa apresentada pelo Brasil perantea Corte, o que elucidaria os motivos pelos quais o Estado Brasileiro resistiu a reconhecer suaresponsabilidade pela violação Às garantias judiciais e ao direito de proteção judicial, direitosconsagrados respectivamente nos artigos 8º e 25º da Convenção.17 Es ilícita toda forma de ejercicio del poder público que viole los derechos reconocidos por laConvención. En tal sentido, en toda circunstancia en la que un órgano o funcionario del Estado ode una institución de carácter público lesione indebidamente, por acción u omisión 17, uno de talesderechos, se está ante un supuesto de inobservancia del deber de respeto consagrado en el artículo1.1 de la Convención. La Corte, además, ha establecido que la responsabilidad estatal tambiénpuede generarse por actos de particulares en principio no atribuibles al Estado. Las obligacioneserga omnes quetienen los Estados de respetar y garantizarlas normas de protección, y de asegurarla efectividad de los derechos, proyectan sus efectos más allá de la relación entre sus agentes y laspersonas sometidas a su jurisdicción, pues se manifiestan en la obligación positiva del Estado deadoptar las medidas necesarias para asegurar la efectiva protección de los derechos humanos en lasrelaciones inter-individuales

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se importarem violação aos direitos humanos serão considerados fatosimputáveis ao Estado, posto que são direitos oponíveis erga omnes. Já osegundo artigo preconiza a adoção de medidas em duas vertentes, quaissejam, a supressão das normas e práticas de qualquer natureza quecorrespondam à violação das garantias previstas na Convenção, bem comona expedição de normas e práticas que garantam eficazmente aobservância às garantias aos direitos humanos.

Neste sentido, os Estados devem cuidar dos gupos de pessoas quevivem sob quaisquer circunstânicas adversas, tais como aqueles quevivem em condição de extrema pobreza; crianças,adolescentes;população indígena, e aqueles que sofrem de enfermidademental, como era o caso de Damião Ximenes Lopes. Há inegaével esignificativo vínculo existente entre a incapacidade , a pobreza, por umlado e a exclusão social, por outro. Daí porque o dever estatal de adoçãode medidas de cunho legislativo, social, educativo, ou qualquer outraadequada à eliminação da discriminação e promoção da plena integraçãode tais pessoas na sociedade.

Entendeu a Corte que, justamente por ter o Estado brasileiroconhecimento da situação em que se encontravam os pacientes da clínicade repouso, bem como todo o sofrimento que a família de Damiãopadeceu, tem o Estado basilero a obrigação de garantir os direitoshumanos consagrados na Convenção, restando provadas a dor e a tristezada família, pelo que condenou o Estado brasileiro a compensar, a títulode responsabilidade civil, os danos morais sofridos pelos familiares. Asentença determinou, ainda, que o Brasil investigue os responsáveis pelamorte de Damião e realize programas de capacitação para profissionaisde atendimento psiquiátrico, além de elevar o valor da indenização aosfamiliares.O tribunal enfatizou que é a primeira vez que julgou a “violaçãodos direitos de uma pessoa portadora de deficiência mental”.

Assim, a Corte condenou o Brasil de violar quatro artigos da ConvençãoAmericana de Direitos Humanos: o 4º (direito à vida), o 5º (direito àintegridade física), o 8º (direito às garantias judiciais) e o 9º (direito àproteção judicial). O país foi obrigado a pagar, no prazo de um ano,indenização por danos materiais e imateriais à família, no valor de US$146 mil. Pelo Decreto presidencial n° 6185, de 13/08/07, foi determinado

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que a Secretaria Especial de Direitos humanos da Presidência da Repúblicacumprisse a Sentença exarada pela Corte em 04/07/2006, realizando opagamento da indenização.

Apesar da tímida condenação, trata-se de um importante marco daluta pela proteção dos Direito Humanos no Brasil, o que poderá servir devalioso precedente para futuras condenações do Estado brasileiro.

IV-CONCLUSÃO

O Sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, tal comodisposto no Pacto de San Jose da Costa Rica, é composto basicamentepela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; a CorteInteramericana; a própria Organização dos Estados Americanos; os Estadossignatários e os indivíduos que, ao exercerem o direito de petição, emmuito fortalecem a efetivação material dos direitos humanos.

Estes mecanismos protetivos, traduzidos tanto no sistema americano,como no europeu e no africano, repise-se, são fruto de lenta construçãohistórica. O que se pode afirmar é que o ideal de solidariedade e deinibição às atrocidades cometidas contra os direitos do homem inspirarama Declaração de 1948, marco fundamental da promoção dos Direitos dohomem no século XX e fonte inspiradora à elaboração de inúmeros Tratadosinternacionais sobre o tema.

O Sistema Interamericano inspirou-se no modelo europeu, masvivenciou circunstâncias bem distintas deste. Enquanto o Sistema Europeufunciona numa realidade democrática, o Sistema Interamericano, durantea maior parte de sua história enfrentou os problemas e as tensões dasditaduras militares e dos governos autoritários.Embora atualmente arealidade no continente seja outra, é preciso constantemente fortalecera democracia e as suas instituições, pois não há direitos humanos semdemocracia. É preciso que as sociedades latino-americanas e os Estadospercebam a importância dos direitos humanos como um indicador dedesenvolvimento e qualidade de vida e se empenhem cada vez mais emsua defesa e promoção, promovendo as necessárias alterações nalegislação interna, e até nas Constituições, de molde a evitar antinomias

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entre o sistema internacional e o sistema interno de cada país.Isto porque osdireito humanos não podem ter somente um conteúdo programático, sobpena de ficar aos sabores políticos da composição de cada governo, apesarde a maioria dos países viverem no jogo democrático em que, pelo menosem tese, o Congresso, ou o Parlamento, deveriam ser a voz do povo.

Infelizmente, existem inúmeros limitadores da atuação da Corte e daComissão interamericana de direitos humanos, como , por exemplo,aqueles ditados pela falta de recursos financeiros.O orçamento destinadotanto para a Comissão quanto para a Corte precisa ser imediatamenterevisto, tendo em vista a quantidade de trabalho, crescente a cada ano.Torna-se inviável esperar que estes organismos consigam operaradequadamente em face do aumento da demanda sem que possam contarcom o funcionários especializados e em tempo integral, recursos parapublicações e visitas freqüentes in loco aos países que recebemrecomendações da Comissão, bem como aqueles que já foramefetivamente condenados pela Corte.

Em apertada síntese, verifica-se, globalmente, que os direitos humanossão protegidos através da assinatura de Tratados internacionais, que vinculamseus signatários; pela construção de verdadeiros Sistemas regionais decunho contencioso e não contencioso e pelo exercício de petiçãoconferidos aos indivíduos, tudo como forma de otimização da proteção.

Não se pode negar, pelo menos no sistema interamericano, a existênciade inúmeras falhas, que acabam por enfraquecer a proteção dos direitos;a saber, a não existência de funcionamento permanente da Corte, já quesomente as Secretarias funcionam sempre; o direito de petição individualem caráter excepcional (ao contrário do sistema europeu, em que aoindivíduo é assegurado ampla e irrestritamente o direito de petição); aslimitações orçamentárias e a deficitária fiscalização da Corte sobre ocumprimento de suas Sentenças.

Por outro lado, a primeira condenação do Estado brasileiro na Corteinteramericana de direitos humanos foi paradigmática. Após inúmerasrecomendações feitas pela Comissão em diversos casos vinculados doBrasil submetidos à Comissão, como Carandiru e Eldorado dos Carajás,finalmente o Estado Brasileiro suportou responsabilização de ordeminternacional, que, apesar de tímida, ante a gravidade do caso envolvendotortura e morte de um doente mental, demonstrou a atuação firme edireta dos Juízes da Corte e o dever internacional, assumido pelo Brasil

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desde 1998, quando se submeteu à jurisdição da Corte, de cumprir umasentença proferida por juízes de uma Corte internacional que denunciaram,através dos votos que embasaram a decisão, a gravíssima situação dedesrespeito contínuo aos direitos humanos no Brasil. Espera-se, desta forma,que o governo brasileiro se empenhe de forma mais efetiva, com apoio dasociedade, na luta contra o desrespeito aos direitos humanos, fazendo valer,efetivamente, os princípios internacionais com os quais se comprometeuao assinar os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.

É claro que o Sistema interamericano apresenta falhas inegável, maseste também não é um dado estático, está em processo contínuo deaperfeiçoamento e construção; sendo absolutamente necessário, e osesforços devam ser concentrados em seu aprimoramento, o que seguiráinevitavelmente a lógica histórica: luta e resistência.

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