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Revista FAE

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Com muita satisfação temos a alegria de poder colocar em suas mãos mais uma edição da Revista da FAE. Assim como todas as edições, esta também foi elaborada por meio de contribuições valiosas e primorosas de autores e pareceristas - profissionais fundamentais neste processo - para os quais desejamos agradecer em nome da nossa instituição e corroborar que este canal de conhecimento sempre estará à disposição. Durante a elaboração desta edição tornou-se possível aflorar uma percepção sobre as reflexões do ambiente acadêmico expressas nas temáticas estudadas e apresentadas pelos pesquisadores, educadores, empresários e discentes em relação a questões ligadas à compreensão dos aspectos econômicos, melhoria contínua na gestão de empresas, métodos de ensino, educação e responsabilidade social.

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F A E C e n t r o U n i v e r s i t á r i o

Sumário Summary

Eficácia da política monetária no Brasil: análise empírica pós-regime de metas de inflação

Marcos Wagner Fonseca

Capital Humano no Brasil no Período Colonial Augusta P. Raiher

A Dinâmica do Mercado Imobiliário Informal: Estudo de Caso Na Cidade de Curitiba

Maria Fernanda Prigol Becker Scalco, Gilson Batista de Oliveira

Organizações Cooperativas e suas principais participações nos Estados Brasileiros (1995-2007)

Patrícia Estanislau, Paulo Roberto Santana Borges

Atributos que influenciam a compra de automóveis por mulheresPatrícia Regina Caldeira Daré Artoni, Danilo Sofiato, Eduardo Cruz

Garcia, Rafael Porto Braga, Elton Siqueira Paiva, Vinícius Kazuo

Competências Empreendedoras em Núcleos de Associativismo: Um Estudo nos Núcleos Setoriais Brasileiros da Associação

Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú em Santa CatarinaLúcia Natália Borges Laste, Fernando César Lenzi, Ivan de Souza

Dutra, Mônica Maier

Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos (SCM) uma Estrutura Conceitual

Antonio Cezar Bornia, Joisse Antonio Lorandi

Valor Justo: Impactos do SFAS 157 nas empresas Brasileiras listadas na NYSE

Fátima de Souza Freire, Isabel Cristina Henriques Sales, Jorge Katsumi Niyama, Luciana Miyuki Ikuno

O Consumidor Pune o Comportamento Socialmente Irresponsável das Empresas?

Marie Agnes Chauvel, Renata Céli Moreira da Silva

Patrocínio Esportivo no Futebol: Convergência das Percepções entre Gestores e Torcedores

Debora Thariane Ferrari, Ricardo Boeing da Silveira

Aplicação da análise multivariada no desempenho e hierarquização das escolas estaduais do núcleo regional de

União da VitóriaJair Mendes Marques, Paulo Anselmo Santana Owsiany

Metodologia de Pesquisa em Administração: Considerações sobre Estudo de Caso

Flávio Régio Brambilla

Effectiveness of monetary policy in Brazil: empirical analisys after inflation targeting system Marcos Wagner Fonseca

Human Capital in Brazil in the Colonial PeriodAugusta P. Raiher

The dynamics of the real estate: a case study in the city of CuritibaMaria Fernanda Prigol Becker Scalco, Gilson Batista de Oliveira

Cooperative Organizations and their main participation in the Brazilian States (1995-2007)Patrícia Estanislau, Paulo Roberto Santana Borges

Attributes that influence car purchasing for womenPatrícia Regina Caldeira Daré Artoni, Danilo Sofiato, Eduardo Cruz Garcia, Rafael Porto Braga, Elton Siqueira Paiva, Vinícius Kazuo

Entrepreneurial Skills Centers in Associations: A Study in the Brazilian Industry Centers of Camboriu Balneario and Camboriu Business Association in Santa Catarina Lúcia Natália Borges Laste, Fernando César Lenzi, Ivan de Souza Dutra, Mônica Maier

Conceptual Framework of Supply Chain Management (SCM)Antonio Cezar Bornia, Joisse Antonio Lorandi

Fair Value: sfas 157 impacts on nyse’s listed Brazilian companiesFátima de Souza Freire, Isabel Cristina Henriques Sales, Jorge Katsumi Niyama, Luciana Miyuki Ikuno

Does the consumer punish the socially irresponsible behavior of Companies?Marie Agnes Chauvel, Renata Céli Moreira da Silva

Sports Sponsorship in Football: convergence of perceptions between managers and fans.Debora Thariane Ferrari, Ricardo Boeing da Silveira

Application of multivariate analysis on performance and hierarchical state schools of the Regional Centre of União da Vitória.Jair Mendes Marques, Paulo Anselmo Santana Owsiany

Research methodology in administration: considerations about case studyFlávio Régio Brambilla

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Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.

A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.eduEndereço para correspondência:

FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa AcadêmicaRua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PRTel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected]

Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus

PresidenteFrei Guido Moacir Scheidt, ofm

Diretor GeralJorge Apóstolos Siarcos

FAE Centro Universitário

Reitor da FAE Centro Universitário

Diretor Geral da FAE São José dos Pinhais

Frei Nelson José Hillesheim, ofmPró-Reitor Acadêmico

Diretor Acadêmico

André Luis Gontijo ResendePró-Reitor Administrativo

Régis Ferreira NegrãoDiretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Centro

Antônio Lázaro ConteDiretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Cristo Rei

Carlos Roberto de Oliveira Almeida SantosDiretor Acadêmico FAE São José dos Pinhais

Marcus Vinícius GuaragniCoordenador dos Programas de Pós-Graduação Lato Sensu

Gilberto Oliveira SouzaCoordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu

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Eros Pacheco NetoDiretor do Instituto de Ciências Jurídicas

Sérgio Luiz da Rocha PomboOuvidoria

Samar Merheb Jordão

Editor

Frei Nelson José Hillesheim, ofm

Coordenação Editorial Cleonice Bastos Pompermayer (coordenação editorial)

Zenira Anastácio Fernandes (revisão de texto)

Priscilla Zimmermann Fernandes (revisão de texto)

Ana Maria Coelho Pereira Mendes (normalização)

Edith Dias (normalização bibliográfica)

Braulio Maia Junior (diagramação)

Eliel Fortes Barbosa (diagramação)

Ewerton Diego Oliveira da Silva (diagramação)

Comitê Editorial

Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Phennsyl-vania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloísa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamim da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christin Luiz da Silva, Dr. (UFSC).

Pareceristas

André Carlos Martins Menck, Dr. (UFU), Edmundo Brandão Dantas, Dr. (UNB), Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE), Anivaldo Tadeu Roston Chagas, Dr. (IESCAMPM), Marcelo Weishaupt Proni, Dr. (Unicamp), Marcello da Silva Budolla, Ms. (ASCJ), Maria Alice Pereira de Moura e Claro, Dra. (FAE e CNSP), Maria Augusta de Castilho, Dra. (UCDB), Amilton Dalledone, Ms. (FAE e FALEC), Leide Albergoni do Nascimento, Ms. (UP), José Edmilson de Souza Lima, Dr. (FAE e UFPR), Arnaldo José França Mazzei Nogueira, Dr. (PUC/SP e USP), José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro, Dr. (FAE), Antonio Batocchio, Dr. (UNICAMP), Márcio Jacometti, Ms. (UTFPR), Érico Eleutério da Luz, Ms. (FAE), João Eduardo Prudêncio Tinoco, Dr. (UNIFECAP,UNISANTOS e INEP/MEC), Ana Akemi Ikeda, Dra. (USP), Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFSC E UFRGS), Alysson Ramos Artu-so, Ms. (FAE), Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE), Álvaro Martim Guedes, Dr. (UNESP), Daniele Cristine Nickel, Dra. (FAE), Débora Pereira Cláudio, Dra. (FAE, FACINTER e UTP), Bezamat de Souza Neto, Dr. (FAUF e MACKENZIE), Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (UFABC e UNICAMP), Marcel Bursztyn, Dr. (UNB), Leonardo Freire de Mello, Dr. (UNIVAP e UNICAMP), Antonio Vico Mañas, Dr. (PUC/SP) Alberto Borges Matias, Dr. (USP), Miguel Eduardo Moreno Añez, Dr. (UFRN), Ivam Ricardo Peleias, Dr. (FECAP e PUC/SP), João Zani, Dr. (UNISINOS), José Luíz Munhós, Dr. (FUNENSEG,PUC/SP, UNOCHAPECÓ E UNOPAR)

Projeto gráfico: Editorial Design

IndexaçãoCAPES/Qualis

LatindexPortal Livre/CNEN

GeoDadosDistribuição

Comunidade Científica: 500 exemplaresPermuta: 150 exemplares

Revista da FAE, n.1/2, jan./dez. 1998 –Curitiba, 1998 –

v. il. 28cm.

Semestral

Substitui ADECON: revista da Faculdade CatólicaAdministração e Economia

ISSN 1516-1234

1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I. FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.

CDD – 001

Coordenadores de Curso

Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva (Direito)

Élcio Douglas Joaquim (Informática, Sistemas de Informação Empresarial e Curso Superior de Tecnologia em Sistemas para Internet)

Cleuza Cecato (Letras, Português e Inglês)

Daniele Cristine Nickel (Psicologia)

Érico Eleutério da Luz (Ciências Contábeis)

Frei Jairo Ferrandin, ofm (Filosofia)

Heloísa de Puppi e Silva (Ciências Econômicas)

Jacir Adolfo Erthal (Cursos Superiores de Tecnologia em: Gestão de Recursos Humanos, Gestão Financeira, Logística e Marketing)

Julio Kiyokatsu Inafuco (Administração e Negócios Internacionais)

Marco Antônio Régnier Pedroso (Desenho Industrial)

Maria Paula Mansur Mader (Publicidade e Propaganda)

Marjorie Benegra (Engenharia de Produção e Engenharia Mecânica)

Silvia Iuan Lozza (Pedagogia)

Tiago Luís Haus (Engenharia Ambiental)

Coordenadores dos Núcleos

Adriana Pelizzari (Núcleo de Extensão Universitária)

André Luís Gontijo Resende (Núcleo de Legislação e Normas Educacionais)

Areta Galat (Núcleo de Relações Internacionais)

Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos (Núcleo de Educação a Distância)

Cleonice Bastos Pompermayer (Núcleo de Pesquisa Acadêmica)

Eunice Maria Nascimento (Núcleo de Carreira Docente)

Rafael Araújo Leal (Núcleo de Empregabilidade)

Rita de Cássia Marques Kleinke (Núcleo da Pastoral Universitária)

BibliotecasSoraia Helena F. Almondes (Biblioteca – Campus Centro)Edith Dias (Biblioteca – Campus Centro)Joana Paula Coradi (Biblioteca – Campus Cristo Rei)Fernanda Périco Jorge (Biblioteca – São José dos Pinhais)

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Apresentação

Prezados leitores

Com muita satisfação temos a alegria de poder colocar em suas mãos mais uma edição da Revista da FAE.

Assim como todas as edições, esta também foi elaborada por meio de contribui-ções valiosas e primorosas de autores e pareceristas - profissionais fundamentais neste processo - para os quais desejamos agradecer em nome da nossa instituição e corrobo-rar que este canal de conhecimento sempre estará à disposição.

Durante a elaboração desta edição tornou-se possível aflorar uma percepção so-bre as reflexões do ambiente acadêmico expressas nas temáticas estudadas e apresen-tadas pelos pesquisadores, educadores, empresários e discentes em relação a questões ligadas à compreensão dos aspectos econômicos, melhoria contínua na gestão de em-presas, métodos de ensino, educação e responsabilidade social.

Estes temas encontram-se sequenciados a partir de uma importante análise empírica sobre a Eficácia da política monetária pós-regime de inflação. Direcionando ainda o eixo de reflexão para o contexto macro da economia, o artigo seguinte apresenta uma análise do Capital humano no Brasil no período colonial. Mantendo o mesmo contexto, o artigo A dinâmica do mercado imobiliário informal apresenta um estudo de caso na cidade de Curitiba. E, ainda, um artigo sobre Organizações cooperativas, que analisa a contribuição das cooperativas no desenvolvimento regional dos estados brasileiros.

Voltados para um momento contemporâneo, no qual a competitividade exige cada vez mais das empresas a adoção de tecnologias de gestão, os artigos seguem claramente esta tendência.

Nesta abordagem, o artigo Atributos que influenciam a compra de automóveis por mulheres buscou identificar quais são os atributos valorizados no momento de adquirir um carro, segundo o olhar do mercado feminino. Em seguida, o artigo Competências empreendedoras em núcleos de associativismo desenvolve e apresenta os resultados de um levantamento em uma associação empresarial no Balneário de Camboriú em Santa Catarina. Complementando este enfoque, o artigo intitulado Gerenciamento de cadeia de suprimentos desenvolve um estudo conceitual à luz de visões e metodologias anco-radas na literatura específica para o tema. Esta abordagem finaliza com o artigo Valor justo: impactos do SFAS 157 nas empresas brasileiras listadas na NYSE, o qual buscou uma verificação sobre o nível de evidenciação da mensuração a valor justo.

Os artigos seguintes apresentam temas em linhas pontuais, porém com contribuições extremamente interessantes e instigadoras.

O artigo O consumidor pune o comportamento socialmente irrespon-sável das empresas buscou uma investigação sobre as atitudes e inten-ções de compra em relação a empresas que possuem práticas socialmente ir- responsáveis.

O artigo Patrocínio esportivo no futebol: convergência das percepções entre gestores e torcedores identifica e analisa no ambiente futebolístico as estratégias de patrocínio esportivo.

Para nos conduzir a uma reflexão sobre educação e práticas de ensino, dois artigos completam esta edição. O penúltimo nos traz o resultado da aplicação da Análise multivariada no desempenho e hierarquização das escolas estaduais do núcleo regional de União da Vitória; e o último proporciona uma contribuição aos estudos de Administração e Ciências Sociais como Psicologia e Sociologia, dentre outras, sobre a utilização do Método de estudo de caso orientando sobre pontos fracos e fortes para o uso do método.

Esperamos que mais uma vez tenhamos contribuído para este admirável ambiente de busca e crescimento que envolve as pessoas e as instiga a construir um mundo cada vez melhor.

Paz e Bem!Frei Nelson José Hillesheim, ofm

Editor

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Eficácia da política monetária no Brasil: análise empírica pós-regime de metas de inflação Effectiveness of monetary policy in Brazil: empirical analisys after inflation targeting system

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Eficácia da política monetária no Brasil: análise empírica pós-regime de metas de inflaçãoEffectiveness of monetary policy in Brazil: empirical analisys after inflation targeting system

Marcos Wagner Fonseca1

Resumo

Este trabalho analisa empiricamente a eficácia da política monetária em de-

terminar a trajetória da inflação e variáveis selecionadas no período pós-

-metas de inflação. Para isso, utilizou-se de modelos econométricos de séries

temporais, mais especificamente, Vetores Autorregressivos (VAR). Estima-

ram-se nove modelos VAR para as variáveis: Selic, PIB, IPCA, Câmbio, Crédito

Total, Crédito Livre, M1 e IGP-DI, tendo como base o modelo VAR1 com as va-

riáveis: Selic, Pib e Ipca. Com a aplicação das funções de resposta a impulso

(FRI), pôde-se verificar que um choque de 1 desvio padrão (aumento de 3,8

pontos percentuais) na taxa Selic, provocou queda no IPCA. Através da de-

composição da variância e dos testes de causalidade de Granger, verificou-

-se que a variável chave da política monetária é a taxa Selic e que, o objetivo

do Banco Central é manter a inflação em um patamar desejado.

Palavras-chave: Política Monetária; Taxa Selic; Inflação

Abstract

This paper empirically analyzes the effectiveness of the monetary policy in

determining the inflation trajectory and the selected variables in the post-in-

flation targeting period. For this, time series econometric models were used,

more specifically Vector Autoregression (VAR). Nine VAR models were es-

timated for the variables: Selic, GDP, IPCA, Exchange rate, Total Loans, Free

Credit, M1 and IGP-DI, based on the model VAR1 with the variables: Selic,

GDP and IPCA. With the implementation of the impulse response functions

(FRI), it was found that a shock of one standard deviation (an increase of

3.8 percentage points) in the Selic rate caused a drop in IPCA. Through the

decomposition of variance and tests of Granger causality, it was found that

the key variable of the monetary policy is the Selic rate and that the Central

Bank’s goal is to keep inflation at a desired level.

Keywords: Monetary Policy Selic Rate, Inflation. Jel Classification: E51, E52, E58.

1 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Professor da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].

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Introdução

Nos últimos anos, a inflação no Brasil, e em

alguns outros países, tem diminuído consideravel-

mente, principalmente a partir de 1990. Durante

essa década, como afirma Rocha e Oreiro (2008,

p.3), “um número crescente de países implementou

o inflation targeting – doravante IT – um regime de

metas inflacionárias. A disseminação se deu em

parte em razão do fracasso de outras estratégias de

âncoras nominais, como metas de taxas de câmbio

ou metas monetárias dirigidas por bancos centrais”.

O regime de metas inflacionárias baseia-se

na definição de uma meta explícita para a variação

dos preços por parte das autoridades monetárias e

no compromisso por parte dos bancos centrais de

utilizarem os instrumentos necessários para que se

alcance o resultado desejado. Segundo Giambiagi

e Carvalho (2001), a experiência internacional

do regime de metas tem alcançado resultados

positivos, ou seja, os países que aderiram ao regime

estão acompanhando de fato uma queda da inflação

em relação aos níveis iniciais.

Segundo Curado e Dezordi (2004), o regime

de metas remove o incentivo do Banco Central em

perseguir primordialmente uma taxa de desempre-

go abaixo da taxa natural, ou seja, o viés inflacio-

nário. Os instrumentos de política monetária visam

uma maior transparência e responsabilidade, muitas

vezes, acompanhada de independência instrumen-

tal do Banco Central. Teoricamente, a perseguição

ao objetivo central da estabilidade de preços, não

implica em desprezar outras variáveis, como taxa

de câmbio, produto ou emprego, mas reconhece

que as tentativas de realizar ajustes de curto prazo,

através da política monetária, podem ser inócuas no

longo prazo.

No Brasil, o regime foi adotado no ano de

1999, no contexto de uma grave crise cambial, com

alta acelerada da taxa de câmbio e temores de uma

retomada do processo de inflação elevada. Nesse

ambiente de incertezas, as autoridades monetárias

anunciaram que até o final de junho do mesmo ano

seriam divulgadas as características do novo regime.

Desta maneira, o regime de metas inflacionárias

passou a ser a nova forma de condução da política

monetária no país.

A política monetária propaga-se na econo-

mia por meio dos mecanismos (canais) de transmis-

são, que demonstram o efeito que as alterações na

taxa básica de juros provocam nas variáveis macro-

econômicas até atingir a inflação.

Segundo Fonseca (2008, p. 94), “identificar

os canais de transmissão presentes na economia é

relevante para a condução da política monetária”. No

Brasil, a literatura sobre mecanismos de transmissão

da política monetária é recente e possui um espa-

ço aberto a novas pesquisas. O BCB desenvolveu e

ainda desenvolve diversas ferramentas para identi-

ficar os principais canais pelos quais a política mo-

netária atinge as variáveis reais da economia. Des-

se modo, como descreve Fonseca (2008), pode-se

citar o canal da taxa de juros, o canal da taxa de

câmbio, o canal da riqueza e o canal do crédito

como sendo os principais mecanismos utilizados

pelos formuladores da política monetária para a sua

transmissão.

Apesar de existirem diversos mecanismos de

transmissão, que desempenham um papel funda-

mental na condução e eficácia da política monetá-

ria, deve-se ressaltar que desde a implantação do

regime de metas de inflação a taxa de juros do mer-

cado de reservas bancárias tornou-se o principal

instrumento utilizado pelo BCB para a condução da

política monetária. Diante da necessidade de repri-

mir a alta dos preços e evitar o descumprimento da

meta, o Banco Central eleva a taxa básica da eco-

nomia provocando a redução nos níveis de investi-

O regime de metas inflacionárias baseia-se na

definição de uma meta explí-cita para a variação dos pre-

ços por parte das autoridades monetárias e no compro-

misso por parte dos bancos centrais

Page 11: Revista FAE

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mentos e de consumo. Com demanda e investimen-

to retraídos, os preços encontram maior dificuldade

para subirem.

Com base no exposto, a problemática deste

trabalho consiste em analisar como o Banco Central

do Brasil vem conduzindo a política monetária des-

de a implantação do regime de metas inflacionárias

e se tem conseguido cumprir seus objetivos. Assim,

busca-se analisar a eficácia da política monetária

no combate à inflação e o impacto sobre as demais

variáveis macroeconômicas pós-regime de metas

de inflação no Brasil. Para isso, na sequência desta

introdução, a segunda seção apresenta uma revisão

da literatura sobre o tema, a terceira define os as-

pectos metodológicos, a quarta seção apresenta os

resultados dos modelos VAR (Vetores Autorregres-

sivos) e a quinta seção sintetiza algumas considera-

ções finais.

2 Revisão de Literatura

A revisão de literatura trata de expor de ma-

neira sucinta os principais mecanismos de trans-

missão da política monetária e, também, aspectos

conceituais e experienciais do regime de metas de

inflação no Brasil e em outros países.

2.1 Mecanismos de Transmissão da Política Monetária

Como dito anteriormente, é reconhecido que

a taxa de juros é o principal instrumento de con-

dução da política monetária para manter a estabili-

dade do nível de preços, no entanto, a política mo-

netária age sobre a economia através de múltiplos

canais, ou mecanismos de transmissão. Além da

taxa de juros, seguem os demais mecanismos que

as autoridades monetárias utilizam para tentar al-

cançar a estabilização econômica.

2.1.1 Canal da Taxa de Juros

Como já destacado, é o principal canal de

transmissão da política monetária após a implan-

tação do regime de metas. Como explica Fonseca

(2008), no modelo IS-LM, um aumento na oferta

de moeda diminui a taxa de juros de equilíbrio do

mercado monetário, afetando as decisões de inves-

timento das empresas e tornando viáveis alguns

projetos que estavam “engavetados”. Os gastos dos

consumidores com bens duráveis e moradia tam-

bém aumentam quando a taxa de juros diminui. O

aumento dos investimentos das empresas e dos

gastos dos consumidores provoca um aumento so-

bre a renda que, por sua vez, aumenta o consumo

e cria um efeito multiplicador na renda final. Esta se

ajusta ao novo nível de taxa de juros real aumentan-

do a demanda agregada, a renda e o produto.

Fonseca (2009) descreve o modelo apresen-

tado por Taylor, em 1995, que assume que uma po-

lítica monetária restritiva provoca um aumento na

taxa de juros nominal no curto prazo. Levando-se

em consideração que os agentes econômicos têm

expectativas racionais e que os preços e salários são

rígidos no curto prazo, a taxa de juros real de curto

prazo também se eleva, aumentando as expectati-

vas dos agentes quanto ao nível da taxa de juros

no futuro. Esta expectativa de aumento da taxa de

juros de longo prazo faz diminuir o investimento das

empresas, bem como os gastos dos consumidores

em bens duráveis e com moradia, ocasionando, as-

sim, queda no produto.

2.1.2 Canal da Taxa de Câmbio

Quando a política monetária provoca uma al-

teração na taxa de juros ocorre como consequência

uma modificação no nível da taxa de câmbio. Se-

gundo Fonseca (2008), quando a taxa de juros do-

méstica diminui, devido a um aumento da oferta de

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10

moeda, as aplicações realizadas em ativos em mo-

eda doméstica tornam-se menos atrativas que as

aplicações realizadas em ativos em moeda estran-

geira. A procura por aplicações em moeda estran-

geira provoca uma depreciação na taxa de câmbio,

ou seja, a moeda doméstica é desvalorizada, impul-

sionando as exportações e restringindo as importa-

ções, o que aumenta o saldo em conta corrente e o

dispêndio com bens domésticos, criando um efeito

multiplicador da renda e um aumento do produto.

2.1.3 Canal da Riqueza

Este canal de transmissão considera que os

consumidores possuem balanços patrimoniais que

podem afetar suas decisões de gastos. Como expli-

ca Fonseca (2008), a composição patrimonial será

formada pela riqueza herdada e pela acumulação

de excedente ao longo da vida produtiva dos con-

sumidores. A existência da hipótese sobre o ciclo

de vida apresenta a riqueza como um dos fatores

determinantes do consumo do indivíduo ao longo

de sua vida e condiciona a determinação do consu-

mo não pela renda corrente, mas pela riqueza, que,

por sua vez, determina o nível de consumo durante

a vida do indivíduo. Portanto, mudanças na rique-

za de um indivíduo pode ser a principal causa para

provocar alteração no consumo.

2.1.4 Canal do Crédito

Segundo Fonseca (2008), este canal não dei-

xa de ser uma interpretação sobre como a taxa de

juros afeta a economia. Diferentemente do canal da

taxa de juros, o canal do crédito enfatiza a presença

de informação assimétrica no mercado financeiro,

havendo imperfeições para a transmissão da políti-

ca monetária. O canal do crédito é um mecanismo

de transmissão que evidencia o problema da limi-

tação da oferta de crédito existente no mercado fi-

nanceiro, desde a existência de informação assimé-

trica e risco moral, até a composição, organização

e atuação do setor financeiro e do setor produtivo.

Existem dois mecanismos de transmissão da políti-

ca monetária que são consequência dos problemas

de informação assimétrica nos mercados de crédito:

o canal de empréstimos bancários e o canal de ba-

lanço. O canal de empréstimos bancários surge do

reconhecimento da função que os bancos desem-

penham no sistema financeiro, qual seja, a oferta de

crédito, mas para isso os bancos têm que buscar re-

cursos no mercado através da captação de fundos.

Esta captação depende do volume de moeda em

circulação: quanto maior o volume de moeda, maior

é a captação e, por conseguinte, a disponibilidade

de empréstimos bancários aos agentes. No canal

de balanço, a política monetária pode afetar as em-

presas da seguinte forma: um aumento na taxa de

juros, em decorrência de uma diminuição da oferta

monetária, pode levar a uma queda no preço das

ações, diminuindo o valor patrimonial das firmas e

aumentando a possibilidade de seleção adversa e

do risco moral, criando dificuldades para as firmas

conseguirem tomar recursos para continuar o pro-

cesso produtivo e também para o investimento. A

consequência pode ser uma queda no produto e no

emprego.

2.2 Regime de Metas de Inflação

O tema metas de inflação começou a ser

discutido com intensidade nos meios acadêmicos

e internacionais a partir do início dos anos 1990,

quando os primeiros países adotaram esta política

de controle da inflação. Os principais fundamen-

tos teóricos que justificam a adoção do regime de

metas para a inflação, segundo Montes (2008),

estão baseados nos argumentos relacionados à

importância da reputação, credibilidade e da trans-

parência da autoridade monetária e suas políticas

para economias que convivem com taxas de infla-

ção indesejada. O primeiro dos países desenvolvi-

dos a adotar o regime de metas de inflação foi a

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Nova Zelândia, em 1990, seguida pelo Canadá, em

1991, Reino Unido, em 1992, Suécia e Finlândia, em

1993, Austrália e Espanha, em 1994, seguidos por

muitos outros países que implementaram essa polí-

tica, inclusive o Brasil, um país em desenvolvimento,

em 1999.

Como afirmam Teles e Nemoto (2005), a

popularidade do regime de metas de inflação tem

aumentado, tanto pelo número crescente de países

que o adotam quanto pelo número de economis-

tas que o indicam como sendo o principal meio de

manter a inflação em um nível baixo e estável. Os

adeptos deste regime apontam como vantagem o

fato de o mesmo apresentar uma maior transparên-

cia de objetivos de política monetária, implicando

desta forma, um aumento da credibilidade desta

política.

Segundo Pelicione e Resende (2007), o regi-

me de metas de inflação parte da hipótese de neu-

tralidade da moeda presente na abordagem ortodo-

xa, ou seja, a moeda não afeta as variáveis reais da

economia no longo prazo. Assim, nesta abordagem,

o regime de metas de inflação, e a política monetá-

ria a ele associada, não teria efeito algum sobre o

investimento e o crescimento econômico no longo

prazo. Ainda conforme os autores, uma vez que os

agentes formam expectativas racionais sobre a po-

lítica monetária, poderiam inclusive, num contexto

de credibilidade da autoridade monetária, facilitar a

convergência da inflação esperada para a meta de

inflação.

O regime de metas tem como principal carac-

terística a fixação e anúncio de uma meta quantita-

tiva para a taxa de inflação nos próximos períodos,

ou seja, o banco central prevê o comportamento

da inflação no futuro e adota uma política restritiva

sempre que a inflação prevista for superior à meta,

ou então, uma política expansionista quando a in-

flação prevista for inferior à meta. Assim, segundo

Libânio (2004, p.16), “o banco central elevaria a taxa

de juros em relação ao seu valor natural de longo

prazo quando houver a expectativa de que a infla-

ção efetiva supere a meta”.

Quanto à condução da política monetária

pelos países que implantaram o regime de metas

de inflação, como confirma Zettel (2006), os países

emergentes encontram maiores desafios na condu-

ção e na adoção do regime de metas uma vez que,

segundo o autor, estes países possuem instituições

fracas, levando os agentes a acreditarem que em

algum momento a autoridade monetária quebrará

a regra. Este tipo de comportamento se reflete em

expectativas de inflação mais altas do que as obser-

vadas em países desenvolvidos. Além disso, as fases

iniciais de adoção do regime de metas são acom-

panhadas por altos custos de desinflação, devido

principalmente à falta de credibilidade e à inércia in-

flacionária.

Países da América Latina chegaram a atingir

a taxa de inflação média anual em 500%, no início da

década de 1990, sendo que o Brasil, a Argentina e o

Peru, tiveram inflações de quatro dígitos, enquanto

isso, no mesmo período, países desenvolvidos regis-

travam inflação de cerca de 4% ao ano. Em virtude

disso, alguns países da América Latina seguiram o

exemplo dos países desenvolvidos, adotando tam-

bém o regime de metas de inflação. As metas foram

implementadas em 1990 no Chile, em 1994 no Peru,

em 1999 na Colômbia, juntamente com o Brasil, e no

México em 2001. Durante o início da adoção do re-

gime de metas, em 1990, os países industrializados

que adotaram o regime, enfrentavam uma realidade

econômica oposta a dos países em desenvolvimen-

to. Os países desenvolvidos adotaram o regime em

um contexto de inflação moderada enquanto que,

os países emergentes viviam em uma situação em

que as taxas de inflação já se mostravam elevadas e

estavam em processo de aceleração.

Segundo Sicsú (2002), deve-se reconhecer

que a inflação assumiu uma trajetória descenden-

te durante os últimos anos nos sete países desen-

volvidos que adotaram o novo regime. A inflação

desse conjunto de países manteve a sua trajetó-

ria em declínio após a implantação do novo regi-

me, se comparada à década anterior. No entanto,

o autor destaca que o regime não foi o responsá-

vel pela trajetória descendente da inflação nesses

países, uma vez que, com exceção do Canadá, os

demais países já possuíam uma trajetória descen-

dente da inflação antes da implantação do regime

Page 14: Revista FAE

12

de metas. Assim, não existem argumentos sólidos

que garantam que a adoção de metas inflacionárias

seja a responsável pela queda da inflação. Além dis-

so, segundo o autor, países desenvolvidos que não

adotaram o regime também obtiveram sucesso no

controle do nível de preços, dentre eles estão os Es-

tados Unidos, Japão, Noruega, Dinamarca, Bélgica,

Holanda, Áustria e Portugal, o que confirma mais

uma vez que o regime de metas não pode explicar

o bom resultado da inflação nos países desenvolvi-

dos nos anos 1990. Outro ponto importante a ser

destacado é que, tanto os países desenvolvidos que

adotaram o regime, quanto os que não adotaram,

apresentam crescimento semelhante, ou seja, não é

evidente que o regime de metas tenha criado um

cenário macroeconômico mais favorável de cresci-

mento nos anos 1990.

Quanto aos países emergentes, influenciados

por um grande número de economistas e

banqueiros centrais, como afirma Zettel (2006),

adotaram o regime de metas de inflação, visando

obter sucesso no controle do nível de preços, uma

vez que os defensores deste regime afirmam que

ele favorece a redução do patamar e da volatilidade

da taxa de juros, a estabilidade do crescimento

econômico e seu desempenho frente a choques e

a diminuição dos custos associados aos períodos

A análise empírica do trabalho partiu da construção

e estimação de um mode-lo econométrico com Séries

Temporais, especialmente pela aplicação do método de Vetores Autorregressivos

(VAR).

de desinflação. No entanto, os custos ou taxa de

sacrifício, como coloca a autora, são maiores para

as economias emergentes quando comparadas

com a de economias desenvolvidas. Este argumento

baseia-se na carência de uma série de pré-requisitos

básicos para a adoção do regime enfrentados pelos

países emergentes, dentre eles, a ausência de um

mercado financeiro desenvolvido, de instituições

sólidas, de bases de dados atualizadas e a falta de

credibilidade nos formuladores de políticas.

3 Método de Abordagem

A realização da análise empírica do trabalho

partiu da construção e estimação de um modelo

econométrico com Séries Temporais, especialmen-

te pela aplicação do método de Vetores Autorre-

gressivos (VAR). Segundo Stock e Watson1 (2001),

citados por Gomes e Holland (2003), nesta meto-

dologia, cada equação definida é uma regressão fei-

ta pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários

(MQO) de determinada variável em variáveis defa-

sadas de si própria e de outras variáveis do modelo.

Algumas vantagens desta abordagem são a falta de

exigência em estipular quais variáveis são endóge-

nas e quais são exógenas (sendo todas reconheci-

das como endógenas) e também a falta de imposi-

ção de fortes restrições.

Para analisar empiricamente a eficácia da po-

lítica monetária pós-regime de metas de inflação

em determinar a trajetória da inflação e de variáveis

macroeconômicas selecionadas, se fez necessário

definir essas variáveis, e o período para a constru-

ção dos modelos econométricos.

Optou-se por utilizar no modelo econométrico

somente as variáveis que são mais relevantes no

1 STOCK, J. H. e WATSON, M. W. Vector Autoregressions. Journal of Economic Perspectives, vol. 15, n. 4, março 2001.

Page 15: Revista FAE

13R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

estudo da política monetária, sendo que o vetor de

variáveis utilizado na construção dos modelos VAR

está composto das seguintes séries econômicas:

1. SELIC: Taxa de juros Selic do Banco

Central do Brasil (definida como a série

4189, taxa de juros selic acumulada no

mês, anualizada – Banco Central do Bra-

sil);

2. IPCA: Índice Nacional de Preços ao

Consumidor – amplo (definida como a

série 433, índice nacional de preços ao

consumidor-amplo (IPCA) – variação %

mensal – Banco Central do Brasil);

3. CÂMBIO: Índice da Taxa de Câmbio Efe-

tiva Real (definida como a série 11752,

índice da taxa de câmbio efetiva real

(IPCA) jun/1994=100 – Banco Central

do Brasil);

4. PIB: Produto Interno Bruto (definido

como a série 4380, PIB mensal valores

correntes R$ (milhões) – Banco Central

do Brasil);

5. M1: Meios de Pagamento (definido como

a série 1824, meios de pagamento M1 R$

(mil) – Banco Central do Brasil);

6. CREDLIVRE: Crédito Livre (definido

como total de crédito livre R$ (milhões)

– Banco Central do Brasil);

7. CREDTOTAL: Crédito Total (definido

como total de crédito ao sistema finan-

ceiro R$ (milhões) – Banco Central do

Brasil);

8. IGPDI: Índice Geral de Preços (definido

como IGP-DI com periodicidade mensal

% a.m – IPEADATA).

Todas as séries são de periodicidade mensal

e o período é de janeiro de 2000 a junho de 2009.

As variáveis de PIB, M1, Crédito livre e total, foram

deflacionadas pelo Índice Geral de Preços Disponi-

bilidade Interna (IGP-DI) para ter seus valores reais

e, juntamente com a variável câmbio, foram trans-

formadas em log para obter resultados em valor

percentual. A seguir, as séries foram submetidas

ao teste de raiz unitária de Dickey Fuller Aumen-

tado (ADF) para verificar a estacionariedade das

variáveis, ou seja, a capacidade de uma variável de

voltar ao nível inicial, no longo prazo, após tomar

um choque. Percebeu-se que todas as variáveis são

estacionárias em primeira diferença, sendo que as

variáveis IGPDI e IPCA são estacionárias em nível a

1% de significância e a SELIC é estacionária em nível

a 5% de significância.

Dadas as variáveis selecionadas para o

modelo econométrico, foram definidos nove

modelos VAR, sendo:

VAR 1: SELIC, PIB, IPCA;

VAR 2: SELIC, PIB, IPCA, CAMBIO;

VAR 3: SELIC, PIB, IPCA, CREDTOTAL;

VAR 4: SELIC, PIB, IPCA, CREDLIVRE;

VAR 5: SELIC, PIB, IPCA, M1;

VAR 6: SELIC, PIB, IPCA, IGPDI;

VAR 7: M1, PIB, IPCA;

VAR 8: M1, PIB, IGPDI;

VAR 9: SELIC, PIB, IGPDI.

As séries foram sub-metidas ao teste de

raiz unitária de Dickey Fuller Aumentado

(ADF) para verificar a estacionariedade das

variáveis,

Page 16: Revista FAE

14

Segundo Gomes e Holland (2003), as matri-

zes de coeficientes de um VAR estimado são de di-

fícil interpretação direta e por isso faz-se necessário

a aplicação das seguintes estatísticas: Funções de

Resposta a Impulso (FRI), Decomposição da Vari-

ância dos Erros de Previsão e Teste de Causalidade

de Granger, que são definidas da seguinte maneira:

As FRI podem ser definidas como a derivada parcial de

Yjt+k tratadas como função do horizonte k, com respeito

a um choque específico no tempo ‘t’, mantendo todos

os outros choques constantes. Na sua forma conjunta,

essas funções ligam o valor corrente do termo do erro

aos futuros valores de Yt ou, equivalentemente, ligam

os valores passados e correntes do termo de erro aos

valores correntes de Yt. A Decomposição de Variância

mede a importância do erro na jth equação na explicação

dos movimentos inesperados na ith variável. Quando os

erros do VAR são não correlacionados entre as equações,

a variância do erro de previsão no período ‘h’ em diante

pode ser escrita como a soma dos componentes vindos

de cada um destes erros. O Teste de Causalidade de

Granger examina se os valores defasados da variável,

digamos Yjt, ajudam a prever outra variável, digamos Yjt,

condicional ao uso dos valores defasados de todas as

variáveis com exceção de Yjt. O teste de causalidade de

Granger é o teste ‘F’ da hipótese que valores defasados

da jth variável podem ser excluídos da equação ith na

forma reduzida do VAR. A rejeição da hipótese indica

que tais defasagens são úteis, na margem, na previsão

de Yit (STOCK e WATSON, 2001, citados por GOMES e

HOLLAND, 2003, p. 346 - 347).

Portanto, na sequência serão desenvolvidas

a análise descritiva e a análise empírica, conforme

especificado anteriormente.

4 Resultados e Discussões

A partir da definição dos modelos VAR, apli-

cou-se o teste de cointegração de Johansen para

verificar a existência de vetores cointegrantes, pois

esta é uma exigência do modelo. Os testes para os

modelos VAR 1, 7, 8 e 9 apresentaram dois vetores

cointegrantes e, os testes para os modelos VAR 2, 3,

4 e 6 apresentaram três vetores cointegrantes.

Para a realização das estimações dos mode-

los VAR é necessário escolher adequadamente o

número de defasagens a ser adotado. Para tanto,

toma-se como base de informação o critério de

Schwarz (SC), o qual aponta para o período anali-

sado que o número de defasagens mais apropriado

para os modelos são duas defasagens. O critério de

Schwarz só não apontou duas defasagens para o

VAR 7 (uma defasagem) e para o VAR 8 (três defa-

sagens). Sendo assim, decidiu-se por adotar duas

defasagens para cada modelo.

Após a obtenção dessas informações,

aplica-se a Função Resposta Impulso (FRI)

com a decomposição de Cholesky, com a aqual

verifica-se o impacto de um choque na taxa Selic

sobre as demais variáveis. Neste trabalho, as FRI

demonstraram o impacto (ao longo de 24 períodos)

nas demais variáveis, onde o choque de 1 desvio

padrão na taxa Selic provocará uma resposta por

parte das variáveis, em cada modelo VAR estimado.

No período, a taxa Selic teve média de 16,6 e o

desvio padrão de 3,8, o que significa que o choque

é de 3,8 pontos percentuais.

O modelo VAR 1 estabelece as FRI visuali-

zadas na figura 1.1, do anexo 1. Percebe-se que um

choque de 3,8 pontos percentuais na taxa Selic, ou

seja, uma política monetária restritiva, num primeiro

momento provoca uma queda no PIB, que chega

ao seu nível mais baixo por volta do oitavo mês e,

a partir daí, volta a crescer até atingir seu estado

inicial por volta do décimo nono mês. Já o efeito

esperado de um choque na taxa Selic sobre o IPCA

se mostra mais lento, sendo que, primeiro o IPCA

dá um salto atingindo o pico já no segundo mês

e, depois vai decrescendo lentamente até atingir

o nível mínimo no vigésimo mês. Este salto inicial

do IPCA em resposta a um aumento na Selic é

conhecido como price-puzzle e pode ser explicado

pelo impacto do aumento da taxa de juros sobre

a dívida pública e pela permanência da alta dos

preços por conta dos preços administrados. Apesar

deste efeito inicial, verifica-se que o nível de preços

diminui e retorna ao nível inicial no longo prazo,

Page 17: Revista FAE

15R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

o que por sua vez, demonstra que a taxa Selic é

instrumento de política monetária.

A análise da Decomposição da Variância

mostra que a taxa Selic aumentou sua influência na

variação do IPCA, ao longo do período analisado,

sendo que no primeiro mês sua influência era de

3,37% e, no vigésimo quarto mês aumentou para

19,34%. Outro fato é que o IPCA passa a influenciar

a Selic, em 23,6%, e o PIB, em 22,3%. Uma obser-

vação que chama a atenção na tabela 6.1 do anexo

6, é o fato de o IPCA influenciar a ele mesmo em

73,8% de sua variação, o que pode ser explicado

pelo efeito da inércia inflacionária.

O teste de causalidade de Granger, na tabela

2.1 do anexo 2, indica que as variáveis influenciam

umas às outras, exceto o PIB, que não influencia

o IPCA. No entanto, o mais relevante é que a Selic

causa o PIB e o IPCA, o que reforça a eficácia da

política monetária. Para que se possa verificar efeti-

vamente o efeito da política monetária é necessário

analisar os resultados com a inclusão de outras va-

riáveis no modelo.

A FRI para o modelo VAR 2, no qual se inclui

a variável câmbio, conforme figura 1.2 do anexo 1,

indica que um choque na taxa Selic faz com que

o índice da taxa de câmbio aumente sem muita

intensidade, ou seja, há uma pequena depreciação

cambial, que atinge o pico no décimo mês e,

depois declina rumo ao nível inicial. A análise da

Decomposição da Variância mostra que o câmbio

possui uma influência considerável sobre as

demais variáveis do modelo, sendo que ele passa

a influenciar 58,4% da variação da Selic, 57,3% da

variação do PIB e 31% da variação do IPCA. O teste

de causalidade de Granger, na tabela 2.2 do anexo

2, confirma a forte influência do câmbio sobre as

outras variáveis, uma vez que, verifica-se que o

câmbio causa o PIB, a SELIC e o IPCA. A influência

do câmbio, principalmente sobre o IPCA, pode ser

explicada pelo grande número de contratos que são

indexados à taxa de câmbio. Outra constatação é

que nem SELIC, nem IPCA causam o câmbio, só o

PIB pode causar, mas a um nível de significância de

10%. Se for considerado o nível de significância de

5%, nenhuma das variáveis causa o câmbio, o que

demonstra que a taxa de câmbio não é objetivo da

política monetária.

No modelo VAR 3, conforme figura 1.3

do anexo 1, a variável incluída foi o crédito total

(CREDTOTAL) ao sistema financeiro. A FRI de

Cholesky mostra que um choque na Selic, ou seja,

um aperto monetário, faz com que o crédito total

diminua até o nono mês, passa a aumentar até o

vigésimo mês, não retornando ao nível inicial e, após

o vigésimo mês cai novamente, mas com menos

intensidade. Logo após o choque, o nível de crédito

total entra em declínio devido à parcela de crédito

com recursos livres que o compõe, o qual depende

da taxa de juros. A Decomposição da Variância

mostra que CREDTOTAL influencia a variação da

SELIC em 21,7%, o PIB em 25,1% e o IPCA em 8,6%.

Pode-se verificar também que a SELIC influencia a

variação do crédito total em 11,1% e o IPCA influencia

o crédito total em 26,3%. No teste de causalidade

de Granger, tabela 2.3 do anexo 2, verifica-se que

o CREDTOTAL causa a SELIC, o PIB e o IPCA, no

entanto, ele não é causado pela SELIC, nem pelo

PIB, somente pelo IPCA a um nível de significância

de 5%. Isto quer dizer que, uma vez que o crédito

total é composto, tanto pelo crédito livre, quanto

pelo crédito direcionado, o qual não tem ligação

direta com a taxa Selic, pode-se inferir que as

variações na oferta de crédito total sofrem efeitos

de outras variáveis que não a taxa de juros Selic.

O modelo VAR 4, no qual é incluída a

variável crédito livre (CREDLIVRE), figura 1.4 do

anexo 1, indica que um aumento na SELIC provoca

uma queda significativa no CREDLIVRE nos treze

primeiros meses. Após atingir o menor valor no

décimo terceiro mês, a oferta de crédito livre volta

a subir, mas sem muita intensidade, e não retorna

ao nível inicial após percorridos os 24 períodos.

A Decomposição da Variância mostra que o PIB

é influenciado pelo crédito livre em 13,4% e que

a SELIC e o IPCA influenciam as variações do

CREDLIVRE em 25,4% e 40,2%, respectivamente.

No teste de causalidade de Granger, tabela 2.4

do anexo 2, pode-se verificar que o CREDLIVRE

Page 18: Revista FAE

16

causa a SELIC e o PIB, e causa o IPCA a um nível

de significância de 5%. Outra constatação é que

o PIB não causa o CREDLIVRE, o IPCA causa o

CREDLIVRE e, a SELIC causa o CREDLIVRE, mas a

um nível de significância de 10%. A queda na oferta

de crédito livre após o choque de 1 desvio padrão

na taxa Selic, é a resposta esperada de uma política

monetária contracionista.

No modelo VAR 5, a variável incluída foi o

agregado monetário M1, figura 1.5 do anexo 2, a FRI

mostra que um aumento na taxa Selic faz com que

M1 aumente no primeiro e segundo mês e decline a

partir daí até o décimo primeiro mês. Depois de ter

seu valor mais baixo registrado no décimo primeiro

mês, M1 retoma o crescimento aumentando até

o vigésimo quarto período. A Decomposição da

Variância indica que M1 não é responsável por

grandes alterações nas demais variáveis, sendo

responsável por apenas 9% da variação da Selic e

8,2% da variação do PIB. Pode-se verificar também

que o PIB é responsável por 44.9% das variações

de M1, ou seja, M1 depende da demanda agregada

por moeda, o IPCA é responsável por 23,1% das

variações de M1 e a SELIC é responsável por apenas

11,7% das variações de M1, o que demonstra que

não é o objetivo da política monetária controlar

o agregado monetário. O teste de causalidade de

Granger, tabela 2.5 do anexo 2, confirma o que já

foi explanado a respeito da influência de M1 sobre

as demais variáveis, sendo que, M1 não causa o PIB,

nem o IPCA e, causa SELIC somente a um nível de

significância de 10%. Outra constatação do teste

de causalidade de Granger é a influência do PIB

sobre M1, ou seja, PIB causa M1, já o IPCA e a SELIC

causam M1 somente a um nível de significância

de 5%, o que comprova que o principal papel da

política monetária é atingir o IPCA e não o agragado

monetário M1.

O modelo VAR 6, figura 1.6 do anexo 1, onde

foi incluído a variável IGP-DI, mostra que ao longo

dos 24 períodos a variável sofre oscilações, sendo

que, aumenta até o segundo mês, diminui até o sé-

timo mês, volta a aumentar até chegar no décimo

nono mês e, por fim, declina até o final do período,

até o vigésimo quarto mês. A análise da Decom-

posição da Variância mostra que o IGPDI influencia

significativamente as demais variáveis, sendo res-

ponsável por 59,9% das variações da SELIC, 50,5%

das variações do PIB e 45,4% das variações do IPCA.

Ao contrário disto, o índice não sofre influência da

SELIC, nem do PIB, somente do IPCA, em torno de

12,3%, o que indica que, ao provocar um choque na

SELIC de 1 desvio padrão, a política monetária tem

como foco atingir o IPCA e não o IGP-DI. O teste de

causalidade de Granger confirma esta relação entre

as variáveis, indicando que IPGPI causa SELIC, PIB e

IPCA, mas não é causado pela SELIC, nem pelo PIB,

somente pelo IPCA.

No modelo VAR 7 o instrumento de política

monetária, ou seja, a taxa Selic, foi substituída pelo

agregado monetário, M1, que apresentou no período

a média de 18,83 e desvio padrão de 0,17. Conforme

figura 1.7 do anexo 1, a FRI indica que um choque de

1 desvio padrão em M1, ou seja, um choque de 0,17

pontos percentuais, faz com que o PIB caia até no

segundo mês, aumente alcançando o pico no oitavo

mês e, após o pico, passa a declinar até o final do

período analisado. O IPCA aumenta até o segundo

mês, alcança seu valor mais baixo no oitavo mês e,

retoma a trajetória de crescimento até o final do

período analisado, sem retornar ao seu nível inicial.

A análise da Decomposição da Variância indica

que M1 é influenciado pelo PIB e pelo IPCA, 46,1%

e 34,5%, respectivamente. M1, por sua vez, não é

responsável pelas variações nem do PIB, nem do

IPCA. O teste de causalidade de Granger reforça

estas informações, apresentando a não causalidade

de M1 sobre as demais variáveis. E, como já visto

na decomposição da variância, PIB causa M1 e IPCA

também causa, mas a um nível de significância de

5%. A partir das informações de que M1 não causa

o PIB nem o IPCA, pode-se afirmar que M1 não é o

instrumento de política monetária do Banco Central

do Brasil.

No modelo VAR 8 ainda utiliza-se o M1 como

instrumento de política monetária, mas o IPCA é

substituído pelo IGP-DI para que se possa verificar

se o efeito de M1 sobre o IGP-DI é o mesmo que

para o IPCA, ou seja, que este efeito se apresente

nulo. Pode-se visualizar na figura 1.8 do anexo 1, a

Page 19: Revista FAE

17R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

FRI de M1 sobre o PIB e o IGPDI. O PIB cai até o

segundo mês, sobe até o nono mês onde atinge

o seu valor mais alto e volta a declinar até o final

do período. O IGPDI dá um salto no segundo mês,

diminui até o sexto mês e volta a se elevar até o final

do período. A Decomposição da Variância mostra

que as variações de M1 são influenciadas pelas

variações do PIB e do IGPDI, em 43,6% e 34,5%,

respectivamente. Não ocorre o mesmo quando se

analisa a dependência dessas variáveis para com M1,

sendo que, M1 é responsável por somente 8,2% das

variações do PIB e quanto ao IGPDI, M1 não produz

efeitos sobre esta variável, o que permite afirmar,

mais uma vez, que M1 não é instrumento de política

monetária. O teste de causalidade de Grander,

tabela 2.8 do anexo 2, confirma esta relação, visto

que M1 não causa PIB nem IGPDI.

No modelo VAR 9, volta-se a trabalhar com a

SELIC como instrumento da política monetária e, ao

invés de usar o IPCA como nível de preços, usa-se

o IGPDI. A FRI, que pode ser visualizada na figura

1.9 do anexo 1, indica que um choque de 1 desvio

padrão na taxa SELIC provoca uma queda do PIB

até o oitavo mês e depois ele volta a crescer até o

final do período analisado. O efeito sobre o IGPDI

é semelhante, diminui até o nono mês e passa a

aumentar até o final do período, mas não retorna

ao nível inicial. A Decomposição da Variância indica

que, tanto a SELIC, quanto o PIB, sofrem variações

quando o IGPDI se altera, sendo que, IGPDI influencia

SELIC em 62,9% e influencia PIB em 54,3%. Como

esperado, pode-se também constatar que, nem a

SELIC, nem o PIB, são responsáveis pelas variações

do IGPDI. Por fim, no teste de causalidade de

Granger, tabela 2.9 do anexo 2, verifica-se de fato

que o IGPDI causa SELIC e PIB, no entanto, o índice

não é causado por nenhuma das variáveis, ou seja,

está mais do que provado que o índice que a política

monetária busca influenciar, através de choques na

taxa SELIC, é o IPCA.

A análise empírica confirmou alguns pontos

levantados durante a leitura dos trabalhos que

sustam teoricamete a monografia e, também, na

análise descritiva. Primeiramente, que a política

monetária pós-regime de metas de inflação tem

sido eficiente para manter a inflação (IPCA) na meta

estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. A

taxa Selic, como taxa básica de juros, é o instumento

de política monetária utilizado pelo Banco Central

do Brasil. As demais variáveis acrescentadas nos

modelos VAR 2 a VAR 9 corroboram a eficácia da

política monetária pós-regime de metas de inflação

e a utilização da taxa Selic como instrumento de

política monetária.

5 Considerações Finais

A estimação dos modelos VAR, com a apli-

cação das funções de resposta a impulso, a decom-

posição da variância e os testes de causalidade de

Granger, indicou que a taxa de juros Selic é, de fato,

o instrumento utilizado pelo Banco Central para re-

alizar política monetária e que a Selic é capaz de

influenciar a variação da inflação.

A partir da função de resposta a impulso

(FRI), verificou-se que um aumento de 1 desvio

padrão (3,8 pontos percentuais) na taxa de juros

Selic causa uma diminuição no IPCA ao longo dos

24 períodos analisados, o que indica que a política

monetária tem cumprido o seu objetivo principal,

qual seja, controlar a inflação.

A estimação dos nove modelos VAR possibi-

litou a observação do comportamento das variáveis

As variáveis que sofrem as maiores alterações, decorren-tes da variação na taxa Selic,

são o PIB e a inflação.

Page 20: Revista FAE

18

selecionadas ao longo dos 24 períodos. Através da

decomposição da variância e dos testes de causa-

lidade de Granger, verificou-se que, ao utilizar M1

como instrumento de política monetária em subs-

tituição à taxa Selic, não se observam variações

consideráveis na inflação, ou seja, um choque de 1

desvio padrão (0,17 pontos percentuais) em M1 não

causa efeito, nem sobre o PIB, nem sobre o nível

de preços. Diante disso, é possível afirmar que M1

não é a variável utilizada pela política monetária

para controle da inflação. Outra constatação atra-

vés dos modelos e testes foi que, ao substituir a va-

riável IPCA pela variável IGP-DI, observou-se que a

influência da taxa Selic não foi a mesma, sendo que,

para as variações do IPCA, têm-se como um dos

principais resnponsáveis a taxa de juros Selic, já no

caso do IGP-DI, foi possível observar que esta vari-

ável não sofre influência da Selic, uma vez que um

choque de 1 desvio padrão (3,8 pontos percentuais)

na Selic não fez variar significativamente o nível de

preços representado pelo IGP-DI. Diante disso, foi

possível inferir que o foco da política monetária está

em atingir o IPCA e não o IGP-DI.

Uma vez verificada a transmissão da política

monetária através da taxa básica de juros Selic e,

verificada a influência desta sobre o nível de preços,

representado pelo IPCA, pode-se afirmar que, ao

longo dos 24 períodos analisados, dentro do regime

de metas de inflação, a política monetária tem

cumprido o seu objetivo de estabilizar os preços, o

que por sua vez, remete para a eficácia da política

monetária dentro do regime de metas inflacionárias.

A análise realizada neste trabalho permitiu

observar qual a relação existente entre a política

monetária e as variáveis selecionadas. Verificou-

-se que a variável utilizada como instrumento pela

política monetária é, sem dúvida, a taxa de juros

Selic e, as variáveis que sofrem as maiores altera-

ções, decorrentes da variação na taxa Selic, são o

PIB e a inflação. Observou-se que, para o período

do regime de metas, o PIB cresceu como resulta-

do da diminuição da Selic, no entanto, cresceu a

passos lentos, a taxas pequenas, ou seja, a Selic

não diminuiu o suficiente para que o produto da

economia obtivesse um crescimento expressivo

que pudesse alcançar o produto potencial. Quanto

à inflação, considerando todo o período analisa-

do, verificou-se que o nível de preços decresceu,

em resposta à variação da taxa de juros Selic que,

apesar de ter diminuído no período, ainda manteve-

-se em um patamar elevado, mantendo assim a

estabilidade inflacionária, o que aponta para a

eficácia da política monetária pós-regime de metas

de inflação.

A taxa de juros Selic é, de fato, o instrumento utilizado pelo Banco Central para realizar

política monetária e que a Selic é capaz de influenciar a

variação da inflação.

• Recebido em: 28/12/2010

• Aprovado em: 10/03/2011

Page 21: Revista FAE

19R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

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Page 22: Revista FAE

20

Response to Cholesky One S.D.Innovations 2 S.E.

Response of SELIC to SELIC

Response of PIB to SELIC

Response of IPCA to SELIC

+-

2

1

0

.02

.01

.00

-.01

-.02

-.03

-.04

-1

5 10 15 20

5 10 15 20

.20

.15

.10

.05

.00

-.05

-.105 10 15 20

ANEXO 1 FUNÇÃO RESPOSTA IMPULSO

Figura 1.1 – Função resposta impulso modelo VAR 1

Page 23: Revista FAE

21R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

Figura 1.2 – Função resposta impulso modelo VAR 2

Figura 1.3 – Função resposta impulso modelo VAR 3

-0.8

-0.4

0.0

0.4

0.8

1.2

5 10 15 20 -.02

-.01

.00

.01

5 10 15 20

-.10

-.05

.00

.05

.10

.15

5 10 15 20 -.04

-.02

.00

.02

.04

.06

5 10 15 20

Response to Cholesky One S,D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC Response of PIB to SELIC

Response of CAMBIO to SELICResponse of IPCA to SELIC

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

5 10 15 20 -.020 -.015 -.010 -.005 .000 .005 .010

5 10 15 20

-.10 -.05 .00 .05 .10 .15 .20

5 10 15 20 -.04 -.03 -.02 -.01 .00 .01 .02

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC Response of PIB to SELIC

Response of CREDTOTAL to SELICResponse of IPCA to SELIC

Page 24: Revista FAE

22

Figura 1.4 – Função resposta impulso modelo VAR 4

Figura 1.5 – Função resposta impulso modelo VAR 5

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

5 10 15 20 -.020 -.015 -.010 -.005 .000 .005 .010

5 10 15 20

-.10 -.05 .00 .05 .10 .15 .20

5 10 15 20 -.05 -.04 -.03 -.02 -.01 .00 .01

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC Response of PIB to SELIC

Response of CREDLIVRE to SELICResponse of IPCA to SELIC

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

5 10 15 20 -.03

-.02

-.01

.00

.01

.02

5 10 15 20

-.10 -.05 .00 .05 .10 .15 .20

5 10 15 20 -.06

-.04

-.02

.00

.02

.04

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC Response of PIB to SELIC

Response of M1 to SELICResponse of IPCA to SELIC

Page 25: Revista FAE

23R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

Figura 1.6 – Função resposta impulso modelo VAR 6

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

5 10 15 20 -.03

-.02

-.01

.00

.01

.02

5 10 15 20

-.10

-.05

.00

.05

.10

.15

5 10 15 20 -.2

-.1

.0

.1

.2

.3

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC Response of PIB to SELIC

Response of IGPDI to SELICResponse of IPCA to SELIC

Page 26: Revista FAE

24

Figura 1.7 – Função resposta impulso modelo VAR 7

-.01

.00

.01

.02

.03

.04

.05

5 10 15 20

-.010

-.005

.000

.005

.010

.015

5 10 15 20

-.10

-.05

.00

.05

.10

.15

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of M1 to M1

Response of IPCA to M1

Response of PIB to M1

Page 27: Revista FAE

25R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

Figura 1.8 – Função resposta impulso modelo VAR 8

-.01

.00

.01

.02

.03

.04

.05

5 10 15 20

-.010

-.005

.000

.005

.010

.015

5 10 15 20

-.2

-.1

.0

.1

.2

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of M1 to M1

Response of IGPDI to M1

Response of PIB to M1

Page 28: Revista FAE

26

Figura 1.9 – Função resposta impulso modelo VAR 9

-0.5

0.0

0.5

1.0

5 10 15 20

-.03

-.02

-.01

.00

.01

.02

5 10 15 20

-.2

-.1

.0

.1

.2

.3

5 10 15 20

Response to Cholesky One S.D. Innovations 2 S.E.+-

Response of SELIC to SELIC

Response of PIB to SELIC

Response of IGPDI to SELIC

Page 29: Revista FAE

27R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

Tabela 2.1 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 1Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

ANEXO 2 TESTE DE CAUSALIDADE DE GRANGER

Tabela 2.2 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 2Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104

CAMBIO does not Granger Cause SELIC 112 8.86793 0.0003

SELIC does not Granger Cause CAMBIO 0.04907 0.9521

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

CAMBIO does not Granger Cause PIB 112 12.9160 9.E-06

PIB does not Granger Cause CAMBIO 2.74047 0.0691

CAMBIO does not Granger Cause IPCA 112 11.9984 2.E-05

IPCA does not Granger Cause CAMBIO 0.18313 0.8329

Tabela 2.3 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 3Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045 0.0038

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104 0.0043

CREDTOTAL does not Granger Cause SELIC 112 7.81470 0.0007

SELIC does not Granger Cause CREDTOTAL 1.60076 0.2065 0.0003

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282 0.0008

CREDTOTAL does not Granger Cause PIB 112 12.7590 1.E-05

PIB does not Granger Cause CREDTOTAL 0.08163 0.9217 9.E-06

CREDTOTAL does not Granger Cause IPCA 112 7.03819 0.0013

IPCA does not Granger Cause CREDTOTAL 3.68252 0.0284 2.E-05

IPCA does not Granger Cause CAMBIO 0.18313 0.8329

Page 30: Revista FAE

28

Tabela 2.4 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 4Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104

CREDLIVRE does not Granger Cause SELIC 112 5.48850 0.0054

SELIC does not Granger Cause CREDLIVRE 2.63012 0.0767

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

CREDLIVRE does not Granger Cause PIB 112 17.4150 3.E-07

PIB does not Granger Cause CREDLIVRE 1.28456 0.2810

CREDLIVRE does not Granger Cause IPCA 112 4.62883 0.0118

IPCA does not Granger Cause CREDTOTAL 8.80257 0.0003

IPCA does not Granger Cause CREDLIVRE 0.18313 0.8329

Tabela 2.5 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 5Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104

M1 does not Granger Cause SELIC 112 3.00063 0.0540

SELIC does not Granger Cause M1 4.22425 0.0171

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

M1 does not Granger Cause PIB 112 2.19962 0.1158

PIB does not Granger Cause M1 22.5800 7.E-09

M1 does not Granger Cause IPCA 112 1.01281 0.3667

IPCA does not Granger Cause M1 3.34595 0.0389

Tabela 2.6 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 6Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IPCA does not Granger Cause SELIC 112 5.73037 0.0043

SELIC does not Granger Cause IPCA 4.77012 0.0104

IGPDI does not Granger Cause SELIC 112 13.2768 7.E-06

SELIC does not Granger Cause IGPDI 0.04987 0.9514

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

IGPDI does not Granger Cause PIB 112 7.29336 0.0011

PIB does not Granger Cause IGPDI 0.26102 0.7708

IGPDI does not Granger Cause IPCA 112 15.1449 2.E-06

IPCA does not Granger Cause IGPDI 6.89200 0.0015

Page 31: Revista FAE

29R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 6-29, jan./jun. 2011

Tabela 2.7 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 7Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause M1 112 22.5800 7.E-09

M1 does not Granger Cause PIB 2.19962 0.1158

IPCA does not Granger Cause M1 112 3.34595 0.0389

M1 does not Granger Cause IPCA 1.01281 0.3667

IPCA does not Granger Cause PIB 112 7.56433 0.0008

PIB does not Granger Cause IPCA 0.85483 0.4282

Tabela 2.8 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 8Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause M1 112 22.5800 7.E-09

M1 does not Granger Cause PIB 2.19962 0.1158

IGPDI does not Granger Cause M1 112 0.27327 0.7614

M1 does not Granger Cause IGPDI 1.52290 0.2228

IGPDI does not Granger Cause PIB 112 7.29336 0.0011

PIB does not Granger Cause IGPDI 0.26102 0.7708

Tabela 2.9 – Teste de causalidade de Granger para o grupo VAR 9Sample: 2000M01 2009M06

Lags: 2

Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob.

PIB does not Granger Cause SELIC 112 5.88396 0.0038

SELIC does not Granger Cause PIB 5.69541 0.0045

IGPDI does not Granger Cause SELIC 112 13.2768 7.E-06

SELIC does not Granger Cause IGPDI 0.04987 0.9514

IGPDI does not Granger Cause PIB 112 7.29336 0.0011

PIB does not Granger Cause IGPDI 0.26102 0.7708

Page 32: Revista FAE

Capital Humano no Brasil no Período ColonialHuman Capital in Brazil

in the Colonial Period

Page 33: Revista FAE

31R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 30-43, jan./jun. 2011

Capital Humano no Brasil no Período ColonialHuman Capital in Brazil in the Colonial Period

Augusta P. Raiher 1

Resumo

O foco deste trabalho é a análise da formação de capital humano no Brasil

no período colonial. Para isso, fez-se uma análise discriminatória, via revisão

bibliográfica, dos principais componentes do capital humano neste período,

agregando-os, posteriormente. Como resultado, observou que a formação

de capital humano no Brasil-Colônia ficou muito aquém do que se poderia

ter auferido, com uma formação ínfima, o que certamente não afetou o su-

cesso do sistema de produção do período, mas, possivelmente teve efeitos

sobre o crescimento econômico subsequente do país.

Palavras-chave: Capital humano; Brasil-Colônia.

AbstractThis work focuses on the analysis of how the human capital was formed dur-

ing the colonial period in Brazil. For that, it was made a discriminatory analy-

sis, through bibliographical revision, of the main components of the human

capital in that period, joining them later. As a result, it was observed that the

formation of human capital when Brazil was a colony fell far short of what it

could have gained with a minuscule formation. That certainly didn’t affect

the success of the production system of that period but it possibly had ef-

fects on the subsequent economic growth of the country.

Keywords: Human Capital; Brazil-Colony.

1 Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Univer-sidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected].

Page 34: Revista FAE

32

Introdução

Diversos autores argumentam que o capital

humano de um país é importante na determina-

ção do seu crescimento econômico. Miles e Scott

(2005) observaram a escolaridade média per capita

de diversos países em 1960 e seu correspondente

PIB (produto interno bruto) per capita em 1985 e

concluíram que os países com maiores níveis de es-

colaridade em 1960 tiveram níveis mais elevados de

PIB per capita em 1985.

Da mesma forma, Krueger e Lindahl (2001)

investigaram se a mudança e o nível inicial da edu-

cação estavam correlacionados com o crescimen-

to econômico e encontraram como resultado uma

relação positiva. Benhabib e Spiegel (2002), relacio-

nando o nível de capital humano e o crescimento

subsequente da produtividade, observaram a exis-

tência uma relação positiva, na qual, a nação que

possui um maior nível de capital humano tende a

exibir uma produtividade total dos fatores (PTF)

mais elevada. Além disso, os resultados sugerem

que um nível baixo de capital humano inicial de

um país faz com que este esteja, com o passar do

tempo, mais distante e mais longe do país líder em

relação à PTF. Ao mesmo tempo, o país que tem

baixa PTF inicial e baixo nível de capital humano em

relação ao país líder tem, proporcionalmente, baixo

crescimento econômico.

Assim, diversas análises empíricas revelam

que a acumulação de capital humano é uma con-

dição prévia para o crescimento econômico. Consi-

derando que isso seja verdadeiro, então, a formação

de capital humano que se teve desde o descobri-

mento do Brasil foi importante para a determinação

do seu crescimento econômico subsequente. Mas

como foi essa formação? Esse é o objetivo dessa

pesquisa, ou seja, analisar a formação de capital hu-

mano no Brasil no período colonial.

Para isso, este trabalho está divido em qua-

tro seções, incluindo esta. Na segunda seção faz-se

uma análise segmentada da evolução de cada com-

ponente do capital humano no decorrer do período

colonial, via revisão bibliográfica. Na terceira seção,

mensuram-se todos os componentes e, a partir daí,

tem-se a formação de capital humano no Brasil-Colô-

nia. As considerações finais sumarizam esta pesquisa.

2 Análise dos Diferentes Compo- nentes do Capital Humano

Qualquer fator que aumente o retorno do tra-

balho, que eleve a produtividade, é entendido como

capital humano. Assim, a elevação da produtividade

da mão de obra seria o maior benefício de se inves-

tir em capital humano, uma vez que com ele é possí-

vel ampliar o nível de conhecimento e de habilidade

de toda uma sociedade. Para Schultz (1961), a edu-

cação formal, a capacitação, a experiência, a pró-

pria alimentação, a saúde, a migração (visando tirar

proveito de melhores oportunidades de trabalho),

o ambiente familiar, cultural e a sociedade onde se

vive, formam o capital humano de um indivíduo1.

Qualquer fator que aumente o retorno do

trabalho, que eleve a produtividade, é entendido como capital humano.

O capital humano de um país é importante na de-terminação do seu cres-

cimento econômico.

1 No caso da saúde, ela tem um efeito quantitativo (crescimento populacional) e também um efeito de aumentar a qualidade dos recursos humanos. A alimentação também é um fator de qualidade em países subdesenvolvidos, ressaltando, porém, que o seu efeito diminui à medida que aumenta o seu con-sumo, chegando a um ponto que qualquer adicional se torna puro consumo. Schultz (1960) argumenta que é possível que o setor de saúde também tenha essa característica.

Page 35: Revista FAE

33R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 30-43, jan./jun. 2011

Neste contexto, pode-se dizer que a defini-

ção acerca do capital humano é significativamente

ampla, envolvendo diversos elementos, não se re-

duzindo simplesmente a educação. Por isso, neste

artigo analisaram-se, além da educação, a educação

profissional e a condição de vida da população bra-

sileira no período colonial, elementos estes que po-

dem elevar a produtividade dos indivíduos, além do

que, analisou-se a evasão de cérebros africanos que

ocorreu com a escravidão e seu efeito sobre o capital

humano brasileiro.

2.1. Educação

A vinda dos jesuítas em 1549 para o Brasil

foi o marco inicial da história da educação no país.

Desde a sua chegada, sistematizaram uma organi-

zação educacional, fundando as suas residências e

os seus centros de ações, visando à conquista e o

domínio das almas “perdidas” (OLINDA, 2003). De

acordo com Aranha (1996), quinze dias após a pre-

sença dos jesuítas no Brasil, já havia se edificado

a primeira escola elementar brasileira (em Salva-

dor), estendendo, posteriormente, de Salvador para

o Sul, onde, em1570 já possuíam cinco escolas de

instrução elementar (em Porto Seguro, Ilhéus, São

Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga)

e três colégios (no Rio de Janeiro, Pernambuco e

na Bahia).

Primeiramente, o ensino se concentrou no

catecismo, na língua dos índios, em representações

de autores, com o objetivo de impressionar os nati-

vos ingênuos. Segundo Olinda (2003), foi nestas

escolas de ler e escrever, fixa ou ambulante, que

se teve início a uma política educativa de propaga-

ção da fé e da obediência. Ressalta-se que, com o

desenvolvimento do projeto educacional jesuítico,

duas categorias de ensino foram implementadas no

Brasil: a instrução simples primária, que eram esco-

las de primeiras letras para os filhos de portugueses

e dos índios e; a educação média, referindo-se aos

colégios destinados aos meninos brancos que se

formavam mestres em artes / bacharéis em letras.

Por isso que autores, como Olinda (2003), argu-

mentam que essa forma de organização da educa-

ção foi a responsável pela determinação do grau de

acesso ao ensino, em que, poucos se beneficiaram

numa magnitude maior, enquanto que a maioria da

população pouco se beneficiou.

De acordo com Paiva (2007), a catequese foi

o interesse inicial do ensino jesuítico com o objetivo

de domesticar os índios; contudo, o interesse maior

concentrou-se, posteriormente, nas instalações dos

colégios, em que, por meio deles preparariam no-

vos missionários. Os primeiros foram construídos

em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Olinda.

Nestes colégios primeiramente se ensinava latim e

casos de consciência; em seguida, passou-se a ter

aulas de teologia, doutrina cristã, latim, sintaxe e

sílaba, gramática portuguesa, retórica, matemática,

música, artes e ofício, sempre preservando a cultura

portuguesa.

Segundo Albuquerque (1993, p.18), como

resultado do sistema educacional jesuítico teve-se:

[...]a transmissão de uma educação homogênea -mesma

língua, religião, visão do mundo, mesmo ideal de homem

culto, ou seja, letrado e erudito- plasmando, de norte ao

sul, uma identidade cultural; a catequese como processo

de aculturação, embora destrutiva, de filhos de colonos

e órfãos, trazidos de Portugal, com meninos índios e

mestiços, elidindo a distinção de raças e dissolvendo

costumes não europeus; a contraposição de escolas e da

igreja à autoridade patriarcal da casa grande [...]

Em 1759 tinham-se 25 residências, 36 missões

e 17 colégios e seminários, além de seminários meno-

res e escolas de primeiras letras instaladas em todas

as cidades onde havia casa da Companhia de Jesus

(ARANHA, 1996). Nesta fase, o ensino oficial da lín-

gua portuguesa era restrito aos filhos de portugue-

ses e aos filhos dos senhores de engenho, ou seja, a

elite brasileira, destacando que o número de letrados

não passava de 0,5% da população. Foi neste perí-

odo, 1759, que os jesuítas foram expulsos do Brasil

pelo Marques de Pombal, o qual implantou uma polí-

tica pública proibindo o uso da língua geral, impondo

o uso exclusivo do português.

Page 36: Revista FAE

34

Aranha (1996) argumenta que os jesuítas fo-

ram expulsos da colônia em função das diferenças

de objetivos que eles detinham comparados com

os interesses da corte. Enquanto os jesuítas preo-

cupavam em converter (religiosamente) os nati-

vos, Pombal preocupava-se em reerguer Portugal

da decadência que se encontrava diante da outra

potência europeia, além do que, a educação jesuíta

não convinha aos interesses comerciais emanados

por Pombal, ressaltando que se as escolas jesuíticas

tinham como objetivos servir aos interesses da fé,

Pombal buscava organizar o ensino para servir aos

interesses do Estado. Portanto, a partir de 1759, a

educação passou a ser dirigida pelo Estado, tendo,

de acordo com Olinda (2003), a primeira desastrosa

reforma do ensino no país.

Com a expulsão, levou-se também a organi-

zação monolítica baseada na Ratio Studiorium2, em

que, dessa ruptura pouca coisa restou de prática edu-

cativa no Brasil. Continuava a funcionar o seminário

Episcopal no Pará e os seminários de São José e de

São Pedro que não se encontrava sobre a jurisdição

jesuítica, a escola de artes e edificações militares na

Bahia, e a escola de artilharia no Rio de Janeiro. Por

meio do alvará de 28 de junho de 1759, Pombal su-

prime as escolas jesuíticas e cria, então, a aula régia

de latim, grego e retórico, criando, também, a dire-

toria de estudos, que só passou a funcionar após o

afastamento de Pombal. Percebendo que a educação

do Brasil estava estagnada, Portugal cria em 1772 um

subsídio literário para a manutenção do ensino médio

e primário, constituindo-se de uma taxação que inci-

dia sobre a carne verde, vinho, vinagre e aguardente.

Contudo, Aranha (1996) ressalta que esse imposto

nunca foi cobrado com regularidade, afetando dire-

tamente a manutenção dos salários dos professores

que ficavam longos períodos sem receber.

2 Constitui-se de um documento escrito por Inácio de Loiola, no qual expressava sua visão do ensino do catolicismo, servindo como modelo nos processos educativos nas épocas em que era utilizado. A Ratio surgiu devido a necessidade de unificar o procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados à Companhia de Jesus, os quais visavam a formação das elites nobres e a expansão missionária.

Esses professores geralmente não tinham

preparação para a função, já que eram improvisados

e mal pagos. Olinda (2003) argumenta que o ensino

primário, que se limitava aos colégios, dependia da

ajuda de particulares ou religiosos para a sua manu-

tenção, já que a lacuna deixada pela expulsão dos

jesuítas era preenchida apenas por alguns letrados,

enquanto que, o ensino superior dependia da instru-

ção das Universidades europeias, principalmente de

Coimbra.

Assim, apesar dos esforços, Pombal não

conseguiu implementar uma instrução popular,

gerando apenas uma fragmentação do sistema

educacional, permitindo uma pluralidade de aulas

isoladas e dispersas, consentindo que pessoas

semianalfabetas ministrassem matérias.

O resultado, portanto, da ação de Pombal so-

bre a reestruturação da educação no Brasil foi a de

que, no início do século XIX, ela estava reduzida a

quase nada. Com a queda de Pombal, a organização

escolar regrediu ainda mais, em que, os subsídios

não eram suficientes para arcar com as despesas e

os professores passavam a não receber pagamento

por meses e, até mesmo, por ano.

Segundo Olinda (2003), em 1808 tinha-se

411.141 habitantes, dos quais 21,6% eram brancos, 1,4%

índios, 43% negros e mulatos livres e 33,9% eram ne-

gros e mulatos escravos, destacando que o percentu-

al de alfabetizados correspondia apenas a população

branca. Assim, no final do período colonial tinha-se

uma enorme população de analfabetos contrastando

com uma minoria de letrados.

Com a vinda de D. João VI em 1808, junta-

mente com uma burocracia civil, militar e eclesiás-

tica (quinze mil pessoas), o Brasil passou por algu-

mas transformações, sendo criados cargos, cursos,

cadeiras, escolas e as primeiras faculdades. De acor-

do com Oliveira (2004), D. João VI permitiu a aber-

tura de escolas de primeiras letras em todo o país,

multiplicaram-se as escolas secundárias de artes e

ofícios e o ensino superior avançou enormemente

com a implantação da academia Militar, academia

da Marinha, a escola de medicina e de cirurgia no

Rio de Janeiro e na Bahia. Desta forma, a transfe-

Page 37: Revista FAE

35R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 30-43, jan./jun. 2011

rência do aparelho do Estado metropolitano por-

tuguês para o território colonial, com a vinda da

família real, inaugurou uma nova fase para o Brasil-

-Colônia, marcando o fim da etapa de colonização,

alterando conjuntamente a estrutura educacional.

2.2 Educação Profissional

A força de trabalho colonial era formada

pelos escravos e pelos trabalhadores livres. Santos

(2007) argumenta que a partir da introdução do es-

cravo em determinadas ocupações, desenvolvidas

por intermédio da força física e pela utilização das

mãos, verificou-se um consequente afastamento

dos indivíduos livres das referidas atividades como

forma de não deixar dúvidas quanto a sua própria

condição na sociedade, ou seja, a de não pertencer

ao grupo dos trabalhadores do sistema escravista e,

por conseguinte, não se identificar com eles.

Desta forma, tinha-se um tratamento discri-

minatório referente as diversas ocupações manu-

ais no Brasil-Colônia, que levou a aprendizagem das

profissões efetuadas por meio das Corporações de

Ofícios, as quais não tinham o mesmo desenvolvi-

mento que a da dos países europeus.

De acordo com Santos (2007), na Europa

tinha-se uma integração entre os homens livres e

os escravos nos locais de aprendizagem, em que,

os escravos, além de terem o mesmo tipo de for-

mação, estavam sujeitos às mesmas normas de

tratamento e de conduta no interior das referidas

Corporações. Ao contrário, no Brasil-Colônia as

Corporações de Ofícios possuíam rigorosas nor-

mas de funcionamento que contavam com o apoio

das Câmaras Municipais3 para dificultar ao máximo

e, até mesmo, impedir o ingresso de escravos. Cas-

tanho (2009) alega que o principal objetivo das

Corporações no Brasil era a de controlar o merca-

do de trabalho dos ofícios, mediante a certificação

daqueles que estavam aptos a exercê-las.

A discriminação que ocorria ao impedir o aces-

so dos negros e mulatos nas Corporações se dava a

partir das normas rígidas de ingresso e pela própria

distinção do ensino oferecido, na medida em que esta

estava centrada única e exclusivamente naqueles ofí-

cios que eram exercidos pelos homens livres. Neste

sentido, os requisitos para a admissão de aprendizes

nas Corporações contribuíram para que se tivesse o

embranquecimento dos ofícios, na medida em que os

homens brancos e livres procuravam preservar para

si algumas atividades manuais (SANTOS, 2007).

Para a época, esse processo discriminató-

rio em relação aos ofícios possivelmente não teve

consequências quanto a disponibilidade de mão de

obra na sociedade, em virtude do modelo econômi-

co a que o Brasil estava submetido, estando o siste-

ma colonial fundado no pacto colonial, com o exclu-

sivismo do comércio da colônia para a metrópole,

baseado no modelo agroexportador, imposto pelos

portugueses devido a sua resistência em permitir

que se implantassem estabelecimentos industriais

na colônia. Santos (2007) relata, cronologicamente,

o fechamento de diversas indústrias a partir de 1706,

findando, em 1785, com a expedição de um alvará

que obrigava o fechamento de todas as fábricas,

exceto as que tecessem fazendas grossas de algo-

dão, próprias para o uso do vestuário dos negros.

A ação discriminatória, que teve como conse-

quência a recusa de de-terminados grupos sociais em desempenhar alguns ofícios, aliada ao fecha-mento de indústrias e a

proibição de se construir novas unidades, produziu

como resultado a escassez de mão de

obra treinada.

3 Segundo Prado Junior (1976), as Câmaras eram responsáveis por grande parte dos negócios públicos, chegando, num dado momento, a legislar sobre quase todos os assuntos governa-mentais.

Page 38: Revista FAE

36

Assim, a ação discriminatória, que teve como

consequência a recusa de determinados grupos

sociais em desempenhar alguns ofícios, aliada ao

fechamento de indústrias e a proibição de se cons-

truir novas unidades, produziu como resultado a es-

cassez de mão de obra treinada para o século XIX.

Isso porque, com a vinda de D. João VI para o Brasil,

em 1808, retomou-se o processo de desenvolvimen-

to industrial, em que, com o alvará joanino de 1º de

janeiro de 1808, permitiu-se o livre estabelecimen-

to de fábricas e manufaturas no Brasil, revogando

a proibição total de fábricas de 1785 (CASTANHO,

2009).

A solução encontrada para a falta de mão

de obra foi a aprendizagem compulsória (Colégio

das Fábricas, criado em 1809), consistindo em

ensinar ofícios às crianças e aos jovens que não

tivessem outra opção, como era o caso dos órfãos,

encaminhados aos arsenais militares e da marinha,

onde eram encaminhados e colocados a trabalhar

como artífices de onde, após alguns anos, ficavam

livres para escolher onde e para quem trabalhar. Em

1810 instituiu-se a companhia de artífices no Arsenal

Real do Exército; em 1811 criou-se uma instituição

do aprendizado na real impressão; a Carta Régia,

de 1812, ordenou a formação de uma escola de

serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros para se

ocuparem de preparar fechos de armas na capitania

de Minas Gerais, onde ainda se deu a aprendizagem

de lapidação de diamantes e uma tentativa, não

de todo exitosa, de estabelecer o ensino têxtil. Em

1816 teve-se o grande acontecimento para o avanço

da educação profissional, com a vinda da celebrada

Missão Artística Francesa, encabeçada por Joachim

Lebreton e composta por renomados artistas da

pintura, da arquitetura e da escultura, juntamente

com alguns especialistas em ofícios como de

serralheiro, ferreiro, carpinteiro de carros, curador

de peles e curtidor.

Segundo Castanho (2009), visando justificar

a vinda da Missão, criou-se, em 1816, a Escola

Real de Ciências, Artes e Ofícios. Destaca-se que

se teve, ainda neste período, o desenvolvimento

da aprendizagem nos “trens” militares, que eram

oficinas para fabricação e conserto de armamentos,

tendo a transferência para a coroa do seminário de

São Joaquim, para o aquartelamento de tropa e a

instalação de um Corpo de Artífices Engenheiros,

além da criação do seminário dos Órfãos da Bahia,

em 1819, a ser instalado e mantido com o produto

das loterias.

Castanho (2009) argumenta, por fim, que a

independência do Brasil, proclamada em 1822, não

alterou o modelo econômico vigente, em que, a

agricultura de exportação com uma estrutura es-

cravista de produção continuou predominando,

aparecendo, subsidiariamente, atividades manufa-

tureiras e industriais.

2.3 Condições de Vida

2.3.1 Alimentação

A monocultura latifundiária que predominou

no período colonial, com o cultivo de produtos vol-

tados para a demanda externa, deixou em segundo

plano a produção de gêneros voltada para o abas-

tecimento interno. Segundo Castro (1953), uma das

consequências desse modelo de colonização foi

a ocorrência de fome endêmica nessas áreas que

detinham o predomínio de lavouras monoculturas

(cana-de-açúcar), em virtude de que, a adoção de

um sistema de exploração especializado em um

único produto comprometia a produtividade do

solo, além do que, Freyre (1978) destaca que essa

monocultura acarretava numa carência de víveres

frescos, submetendo grande parte da população a

um regime alimentar deficiente, assentado no uso

constante de peixe seco e farinha de mandioca,

bem como pela utilização de gêneros importados

que, devido as técnicas de armazenamento da épo-

ca, muitas vezes chegavam já deteriorados.

Porém, Panegasse (2008) argumenta que,

embora as regiões especializadas na produção de

cana-de-açúcar tenham sofrido limitações na ma-

nutenção de seu repertório alimentar, a produção

Page 39: Revista FAE

37R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 30-43, jan./jun. 2011

de víveres para o consumo interno não foi totalmen-

te desconsiderada. Parte dos donos de engenhos

concedia áreas para o cultivo de alimentos, além do

que, nas regiões situadas as margens das grandes

plantações de cana-de-açúcar realizavam-se o cul-

tivo de inúmeros vegetais. Contudo, sempre existiu

uma hierarquização das culturas, ficando sempre as

melhores terras para o plantio da cana-de-açúcar,

enquanto que, os solos mais pobres destinavam-se

ao plantio de hortaliças e mandioca (SCHWARTZ,

1988).

Panegasse (2008) relata que em Minas Ge-

rais também se verificou essa carência de víveres,

embora não se tivesse a prática da monocultura. O

autor argumenta que a obsessão dos mineradores

pela extração de ouro originou um absoluto desin-

teresse da população pela agricultura, mesmo de

subsistência, restringindo a disposição de gêneros

aos habitantes da região e levando-os a crise de

fome constante, sobretudo no período inicial da

exploração aurífera (final do século XVII e início de

XVIII).

Portanto, fica nítido que, embora se tenha

tido áreas que eram destinadas à produção interna,

na maioria das vezes esta era em quantidade e

qualidade insuficiente para atender a população

presente no Brasil-Colônia.

2.3.2 Condições de Vida da Maioria da População

No início da colonização, a maioria dos habi-

tantes, segundo Schwartz (1988), compunha-se dos

que forneciam o trabalho indispensável para tornar

o açúcar um empreendimento lucrativo. O autor ar-

gumenta que o capital inicial e os feitores experien-

tes e qualificados eram fundamentais para o êxito

da atividade, entretanto, os trabalhadores, qualifi-

cados e não qualificados, é que formavam o am-

plo alicerce sobre o qual se estruturava a sociedade

colonial, desempenhados pelos escravos africanos,

precedidos anteriormente pelos índios.

Entre o período de 1540 e 1570 teve-se o

apogeu da escravidão do gentio nos engenhos do

litoral brasileiro em geral. O caráter intensivo da ati-

vidade açucareira e o número aparentemente ines-

gotável de trabalhadores em potencial, contribuí-

ram para o penoso cativeiro suportado pelos povos

nativos do Brasil, destacando que o regime de tra-

balho constante e árduo deixava pouco tempo para

o lazer (SCHWARTZ (1988))4. Ressalta-se que as

doenças epidêmicas trazidas pelos europeus dizi-

maram parte dessa população indígena no meado

do século XVI, acarretando em perdas para o setor

açucareiro, além do que, acarretou em fome para a

população como um todo, tendo em vista que par-

te da produção alimentícia do Brasil era produzi-

da pelos índios. O autor destaca que, mesmo nos

anos em que não se tinha a manifestação de série

de doenças epidêmicas, a taxa de mortalidade dos

indígenas era elevada.

A transição da predominância indígena para

a africana na composição da força de trabalho

escrava ocorreu aos poucos, ao longo de aproxi-

madamente meio século. Quando os senhores de

engenhos acumulavam recursos financeiros sufi-

cientes, compravam alguns cativos africanos e iam

acrescentando outros à medida que o capital e o

crédito tornavam-se disponíveis. Schwartz (1988)

infere que no final do século XVI, a mão de obra

dos engenhos era mista, mudando crescentemente

a favor dos africanos a partir daí.

Em 1600, levando em conta apenas a popu-

lação branca e de negros, estes últimos correspon-

diam a 80% da população. Desta forma, no período

colonial, a maior parte da população brasileira tra-

balhava nas fazendas de açúcar, vivendo em sen-

zalas, com péssimas condições de higiene e misé-

ria intensa, destacando que, tanto nessas fazendas

como também nas minas de ouro (a partir do sé-

culo XVIII), eles eram tratados da pior forma pos-

sível. Trabalhavam muito, recebendo apenas trapos

de roupa e uma alimentação de péssima qualida-

de, passando as noites nas senzalas, onde muitos

eram acorrentados para evitar fugas (ANTONIL,

4 O autor ressalta que há pouca investigação, ou nenhuma, acer-ca das condições de vida dos índios nos engenhos.

Page 40: Revista FAE

38

1982). Eram constantemente castigados fisicamen-

te, sendo que o açoite era a punição mais comum

no Brasil-Colônia.

Nas minas, tinham condições de vida miserá-

veis e eram colocados para trabalhar o máximo de

horas possíveis a troco de uma alimentação muito

pobre. Viviam em constante perigo, principalmente

por causa dos desmoronamentos, no qual a maioria

morria soterrada. Assim, os donos dos escravos es-

tavam sempre a substituir escravos mortos, doentes

ou demasiadamente gastos pelo trabalho duro.

Na cidade, o trabalho dos escravos era me-

nos duro e as condições eram melhores, não haven-

do tanta violência e muitos desempenhavam boas

profissões. Os escravos domésticos, mais próximos

da casa grande, estando sob a condição de criado

de quarto, amas de crianças, mucamas, cozinheiras,

costureiras e negro de recado, apresentavam uma

posição ligeiramente melhor do que a dos negros

do campo e das minas (ANTONIL, 1982). Mas, como

a maioria dos escravos estava localizada no campo,

suas condições de vida eram as piores possíveis.

2.4 Desperdício de Cérebro

A evasão de cérebros é um tipo específico

de movimento migratório, referindo-se a emigra-

ção de pessoal altamente qualificada de uma dada

localidade. Muita ênfase foi dada à pesquisa deste

assunto, principalmente, a partir da década de 1950,

em virtude do aumento e da grande dimensão da

migração de pessoas qualificadas dos países menos

desenvolvidos para os de maior desenvolvimento

econômico e social (SABBADINI; AZZONI, 2006).

O termo “Evasão de Cérebro” normalmente é

usado como sinônimo para o movimento de capital

humano, em que, a palavra “cérebro” refere-se a

qualquer habilidade, competência ou atributo perten-

cente a um indivíduo, enquanto que, “evasão” insinua

uma taxa de saída desses indivíduos num nível maior

do que a desejada. Segundo Giannoccolo (2004), a

motivação principal para migrar consiste na busca

por renda mais elevada, melhores postos de trabalho

(que muitas vezes não existem ou são escassos nos

A evasão de cérebros é um tipo específico de movimento mi-

gratório, referindo-se a emigração de pes-soal altamente quali-ficada de uma dada

localidade.

países de origem), aspecto social, privados, entre

outros, em que indivíduos, com uma mão de obra

mais qualificada, saem, geralmente, de países pobres

para os ricos. Nos países pobres conseguem se quali-

ficar com um custo mais baixo e se deslocam para os

países mais ricos onde o retorno para o seu capital

humano é mais alto. Destaca-se que essa migra-

ção acarreta, portanto, resultados negativos para o

desenvolvimento dos países que enviam, principal-

mente porque perdem capital humano.

Contudo, essa literatura acerca da “Evasão de

Cérebros” argumenta que, por vezes, tem-se “des-

perdício de cérebros”, referindo-se ao desperdício

de habilidades que acontece quando trabalhadores

qualificados migram para outros países, empregan-

do-se em trabalhos que não requerem a aplicação

das habilidades e experiência que esses indivíduos

possuem (GIANNOCCOLO, 2004).

No caso do Brasil-Colônia, com a vinda de

escravos africanos deveria se ter uma fuga de cére-

bros positiva para o Brasil, tendo em vista que esses

africanos que aqui chegaram eram procedentes de

uma região mais desenvolvida que o Brasil naquela

época. Se considerar, conforme Acemoglu, Johnson

e Robinson (2002), que a urbanização e a renda são

positivamente correlacionados5, então, no ano de

1600 a estimativa de Maddison (2001) era a de que

no Brasil a população/Km2 era de 0,0005, enquanto

que na África era significativamente superior, sendo

5 De acordo com os autores, um país que detenha 10% de popula-ção a mais do que outro país, tem, em média, 46% de renda per capita maior, e, portanto, os autores concluem que a urbaniza-ção é um bom substituto para o rendimento.

Page 41: Revista FAE

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0,002. Portanto, considerando o período inicial do

tráfico de escravo, pode-se dizer que o desenvolvi-

mento da África era mais intenso que a do Brasil, e

consequentemente, os seus habitantes já detinham

certas habilidades.

Corroborando com esses dados, The Encyclo-

pedia of World History (2001) relata que o tráfico de

escravo da África para o Atlântico Sul claramente

conduziu a exportação de milhões de jovens, ho-

mens e mulheres produtivos. O próprio Schwartz

(1988) ressalta que a transição do uso da mão de

obra indígena para a do africano se deu parcial-

mente e crescentemente em favor do último, dada

a percepção dos portugueses quanto as habilida-

des relativas dos africanos e dos indígenas, sendo

maiores para os primeiros. Isso pode ser comprova-

do pelo preço médio de um africano que era de 25

mil-réis em 1572, enquanto que a dos nativos, com

a mesma habilidade, atingia apenas 9 mil-réis. Essa

diferença quanto ao preço, segundo o Schwartz

(1988), está intrinsecamente relacionado com a

produtividade do trabalho, relativamente maiores

para os africanos.

Portanto, a vinda dos africanos para o Brasil,

embora tenha sido uma evasão de cérebros força-

da, constituiu-se de um desperdício de cérebros, à

medida que a maioria deles foi posto para labutar

em trabalhos extremamente forçados e manuais,

com um desgaste físico intenso e com grande ex-

ploração das suas capacidades físicas.

3 Formação do Capital Humano no Período Colonial

Após a análise segmentada dos principais

elementos que formam o capital humano de um

indivíduo, resta mensurar o resultado final dessa

formação do capital humano no Brasil-Colônia.

No campo da educação, observou-se ni-

tidamente que a vinda dos jesuítas, embora com

interesses divergentes e atingindo a população

desigualmente, foi relevante quanto à introdução

da escolaridade no país, estando, em 1759, com 25

residências, 36 missões e 17 colégios e seminários,

além de seminários menores e escolas de primei-

ras letras instaladas em todas as cidades onde havia

casa da Companhia de Jesus. Contudo, a expulsão

dos jesuítas acarretou na primeira reforma desas-

trosa da educação brasileira, advinda, principalmen-

te, pela extinção das escolas jesuíticas, além do que,

os jesuítas foram substituídos por professores que,

de forma geral, não possuíam preparação para a

função. Assim, depois de dois séculos após o seu

descobrimento, o Brasil detinha apenas 21,6% de in-

divíduos alfabetizados, referindo-se basicamente à

população branca do país.

Neste contexto, fica nítido que as instituições

escolares6 do Brasil-Colônia, que inicialmente tive-

ram um crescimento significativo e que definharam

no final do período, foram criadas e organizadas de

acordo com os interesses da sociedade, do regime

de produção presente no país. E como implicação,

observa-se que o seu resultado final ficou muito

aquém do que se poderia esperar se fosse traçado

uma linha de tendência educacional apenas con-

siderando o período jesuítico. Isso significa que o

Brasil deixou de formar capital humano, no âmbito

da educação.

6 De acordo com Nascimento et al. (2007), a instituição escolar não é feita apenas de professores, alunos e métodos, embora eles sejam importantes. Ela se constitui a partir de interesses que identificam os marcos que são a identidade da sociedade. Isso se dá através de princípios em uma comunidade politica-mente organizada, ocupando determinado território e dirigida por um governo, estabelecendo desta forma as relações que absorvem as tendências dominantes em cada momento da his-tória.

Page 42: Revista FAE

40

No caso da educação profissional, a discri-

minação que ocorreu ao impedir o acesso dos ne-

gros e mulatos nas Corporações de Ofício, visando

preservar para os homens brancos e livres deter-

minadas atividades manuais, resultou num avanço

limitado do treinamento profissional. Da mesma for-

ma que a educação evolui de forma insignificante

em decorrência do interesse social e do sistema de

produção existente, a educação profissional tam-

bém evoluiu mediocremente, em que, a forma mais

visível de se avaliar isso é por meio da falta de mão

de obra que se observou no século XIX (período se-

guinte).

Outro ponto relevante na formação de ca-

pital humano dos indivíduos é a sua condição de

vida. As referências mostradas na seção anterior

evidenciam que os escravos eram representantes

da grande massa da população no período colonial,

destacando que, destes, a maioria vivia no campo,

vivendo em senzalas, com péssimas condições de

higiene e miséria, trabalhando duramente, sendo

tratados da pior forma possível. Isso significa que,

a condição de vida da maioria da população era a

pior possível.

Além disso, diversos autores argumentam que

o sistema de produção presente no país neste pe-

ríodo (constituindo-se da monocultura latifundiária)

deixou em segundo plano a produção de gêneros

voltada para o abastecimento interno, acarretando

em fome endêmica e na carência de víveres frescos,

submetendo grande parte da população a um regi-

me alimentar deficiente. Juntando isso a forma como

a maioria da população era tratada, pode-se inferir

que o nível de condição de vida não era o mais pro-

pício para alavancar a produtividade dos indivíduos,

contribuindo negativamente para a formação de ca-

pital humano do país.

Considerando que os africanos detinham de-

terminado nível de capital humano, a sua vinda de-

veria, portanto, contribuir para elevar a formação de

capital humano do país significativamente. Porém,

as péssimas condições de vida que eram oferecidas

a eles certamente impactaram negativamente sobre

suas produtividades. Por outro lado, à medida que

a maioria dos escravos foi posta para labutar em

trabalhos extremamente forçados e manuais, com

um desgaste físico intenso e com grande explora-

ção das suas capacidades físicas, também teve um

impacto negativo sobre as suas produtividades.

Além do que, a discriminação que ocorreu com a

exclusão destes escravos das Corporações de Ofí-

cio e das escolas, estagnou-os em termos de capital

humano. Isso significa que o Brasil-Colônia deixou

de ganhar em termos de formação de capital huma-

no com a vinda dos africanos, constituiu-se de um

desperdício de cérebros.

Assim, considerando a escolaridade, o treina-

mento e as condições de vida que se teve no Brasil

no período colonial, aliado ao desperdício de cére-

bros que se verificou, pode-se inferir que a forma-

ção de capital humano ficou muito aquém do que

se poderia ter, com uma formação ínfima. Isso certa-

mente não afetou o sucesso do sistema de produ-

ção do período, mas, sim, teve efeitos sobre os perí-

odos seguintes, principalmente no que se refere ao

avanço industrial, e seguramente foi um dos fatores

limitadores do crescimento econômico subsequen-

te do país.

A formação insipiente do capital humano no Brasil-Colônia possi-velmente teve efeitos

negativos sobre o cres-cimento econômico sub-

sequente do país.

Page 43: Revista FAE

41R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 30-43, jan./jun. 2011

• Recebido em: 25/11/2010

• Aprovado em: 04/04/2011

7. Referindo-se a educação, educação profissional e condições de vida.

4 Considerações Finais

O objetivo deste artigo era o de analisar a for-

mação de capital humano do Brasil no período co-

lonial. Como resultado, observou que essa formação

foi conduzida dentro dos interesses da sociedade e

do sistema de produção daquela época, com uma

formação muito aquém do que se poderia ter tido.

No acaso da educação, visualizou-se nitida-

mente um avanço inicial, com uma grande queda

no final do período, tendo como resultado final um

avanço muito pequeno comparado com o que se

poderia ter tido. Do mesmo modo, a discriminação

que ocorreu ao impedir o acesso dos negros e mu-

latos nas Corporações de Ofício resultou num avan-

ço limitado do treinamento profissional. No que se

refere ás condições de vida da população brasileira,

pode-se dizer que estas não eram as mais propí-

cias para se elevar a produtividade dos indivíduos,

principalmente pelo tratamento que era dado aos

escravos e pelo sistema de produção existente (mo-

nocultura latifundiária).

Assim, a forma como foi conduzida a evolu-

ção desses componentes do capital humano7 por

si só já resultaria naquilo que foi relatado anterior-

mente como “uma formação muito aquém da que

se poderia ter obtido”; contudo, o desperdício de

cérebros africanos que ocorreu, principalmente em

virtude das péssimas condições de vida que eram

oferecidas a eles, juntamente com os trabalhos

extremamente forçados nos quais eram obrigados

a trabalhar, contribuiu ainda mais para que o Brasil

deixasse de ganhar em termos de capital humano

no período colonial.

Dado que, muitos autores [como Miles e

Scott (2005), Krueger e Lindahl (2001) Benhabib

e Spiegel (2002)] consideram existir uma relação

positiva entre a acumulação de capital e o cres-

cimento subsequente de determinada sociedade,

essa formação insipiente do capital humano no

Brasil-Colônia possivelmente teve efeitos negati-

vos sobre o crescimento econômico subsequente

do país.

Page 44: Revista FAE

42

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A Dinâmica do Mercado Imobiliário Informal: Estudo de Caso Na Cidade de CuritibaThe dynamics of the real estate: a case study in the city of Curitiba

Page 47: Revista FAE

45R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 44-59, jan./jun. 2011

A Dinâmica do Mercado Imobiliário Informal: Estudo de Caso na Cidade de Curitiba1

The Dynamics of the Real Estate: A Case Study in the City of Curitiba

Resumo

As péssimas condições habitacionais e a segregação das classes sociais no

espaço são marcas da urbanização brasileira. Milhões de brasileiros encon-

tram alternativas para o acesso ao solo urbano e à moradia através de pro-

cessos e mecanismos informais e ilegais. São muitas as consequências socio-

econômicas, urbanísticas e ambientais desse fenômeno. No entanto, poucos

são os estudos existentes sobre o mercado informal de terras urbanas. A im-

portância atual desse mercado, a perspectiva do seu crescimento, e as con-

sequências dessa ordem urbanística excludente, justificam a escolha deste

objeto de estudo. Como resultados principais da pesquisa, ressalta-se que

a comercialização de imóveis nas áreas ocupadas irregularmente em Curiti-

ba tende a se consolidar como prática corrente, seguindo as mesmas regras

de diferenciação de preços do mercado formal, e desta forma, o mercado

imobiliário se afirma como agente estruturador da cidade, formando áreas

de expansão e desconcentração, e contribuindo para a pobreza urbana e a

desigualdade socioespacial.

Palavras-chave: Mercado imobiliário; informalidade; segregação socioespa-

cial; urbanização.

Abstract

The bad housing conditions and segregation of social classes are trademarks

in the Brazilian urbanization. Millions of Brazilians find alternative access to

urban land and housing through informal and illegal processes and mechanis-

ms. There are many socioeconomic, urban and environmental consequences

of this phenomenon. However, there are few studies on the informal market

for urban land. The importance of this current market, its prospect of growth

and the exclusion consequences of urban order justify the choice of this stu-

dy. As main results of the research, it was noticed that the trade of properties

in illegally occupied areas in Curitiba tends to be consolidated as practice,

following the same rules of differentiation of formal market prices, and thus,

the real estate market is stated as the structuring agent of the city, forming

areas of expansion and decentralization and contributing to urban poverty

and socio-spatial inequality.

Keywords: Real estate market; Informality; Socio-spatial segregation; Urban-ization.

1 Artigo baseado no trabalho de conclusão de curso da primeira autora, intitulado “A dinâmica do mercado imobiliário informal na cidade de Curitiba”, apresentado ao curso de Ciências Econômi-cas da FAE Centro Universitário. Curitiba, 2007.

2 Mestre em Master Urbanisme et Territoires pelo Institut d’Urbanisme de Paris. Assistente de pes-quisa no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. E-mail: [email protected]

3 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná Professor da Uni-versidade Federal da Integração Latino-Americana. E-mail: [email protected]

Maria Fernanda Prigol Becker Scalco2

Gilson Batista de Oliveira3

Page 48: Revista FAE

46

Introdução

A urbanização brasileira é marcada forte-

mente pelas péssimas condições habitacionais,

pelo encarecimento do preço da moradia e, prin-

cipalmente, pela segregação das classes sociais no

espaço, características comuns a todas as cidades

brasileiras. Dados recentes mostram que um em

cada cinco habitantes da Região Metropolitana de

Curitiba mora em área de ocupação irregular, nome

dado aos bairros nascidos de invasões de terras,

com condições precárias de vida.

Um dos principais mecanismos de acesso

às ocupações irregulares é a comercialização dos

imóveis, caracterizando o chamado mercado imobi-

liário informal. Esta comercialização de imóveis nas

áreas ocupadas irregularmente se consolida como

prática corrente, seguindo as mesmas regras de

diferenciação de preços do mercado formal. Esta

prática expulsa a população mais pobre destas ocu-

pações, e como consequência, tem-se uma intermi-

nável expansão espacial da localização da pobreza,

caracterizada pelo processo sequencial ocupação/

comercialização/expulsão, que reafirma e reproduz

o padrão de segregação socioespacial da cidade.

Neste sentido, a implementação de políticas

públicas deve garantir a permanência da população

envolvida nos programas habitacionais, e para isso é

preciso conhecer melhor a dinâmica deste mercado

imobiliário informal. No entanto, poucos são os es-

tudos sistemáticos e abrangentes sobre o tema. Os

estudos urbanos e de economia urbana têm, em sua

maioria, como objeto o mercado fundiário e imobili-

ário formal. A importância atual desse mercado e a

perspectiva do seu crescimento, diante dos enormes

índices de favelização, impõem a urgência de trazê-

-lo como uma das prioridades de objeto de estudo.

O objetivo geral do presente artigo é caracte-

rizar o mercado imobiliário informal presente na re-

alidade de Curitiba, com base em levantamentos de

campo realizados em ocupações irregulares localiza-

das na região oeste da cidade, nos bairros Caximba,

São Miguel, Tatuquara, Orleans, Butiatuvinha e Au-

gusta. Como objetivos específicos, destacam-se: i)

identificar os determinantes da formação de preços

imobiliários em ocupações irregulares e os principais

elementos que constituem esse mercado; ii) compa-

rar as dinâmicas imobiliárias das ocupações irregu-

lares e dos mercados formais e identificar os fatores

Um em cada cinco habitantes da Região

Metropolitana de Curitiba mora em área de ocupação irregular, nome dado aos bairros nascidos de invasões de terras, com condições

precárias de vida.

e atributos que articulem os dois mercados no que

diz respeito aos processos de valorização e desva-

lorização dos imóveis; iii) analisar de que maneira o

mercado imobiliário pode influenciar na estruturação

e na segregação da cidade de Curitiba.

1 Espaço Urbano sob a Ótica Econômica

Os processos de industrialização e urbaniza-

ção são intimamente associados. Primeiramente, a

Revolução Industrial introduz uma forte alteração

no modo de produção: o produtor é separado das

suas condições de produção. A mecanização da

agricultura no campo traz um aumento na produ-

tividade, que acaba reduzindo o nível de emprego,

induzindo a migração para as cidades, neste caso

por fatores de mudança das relações de produção.

Por outro lado, há um aumento da população no

campo, pela redução da mortalidade decorrente

das evoluções de saneamento e saúde da época. A

disponibilidade de terra, no entanto, é limitada físi-

ca ou socialmente, pois não há reservas de terras

agricultáveis ou as terras são monopolizadas por la-

tifúndios. Diante disso, se não existe a possibilidade

em que é possível adotar técnicas de cultivo que

elevam a produtividade da terra, a população é le-

vada à migração pela estagnação de seus métodos

de trabalho (SINGER, 1973).

Page 49: Revista FAE

47R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 44-59, jan./jun. 2011

Desta forma, cria-se um enorme contingen-

te populacional nas cidades em busca de emprego.

Neste momento de intensas transformações eco-

nômicas e urbanas, impulsionadas pelo desenvol-

vimento industrial, começa a crise de moradias. A

associação da pequena cultura e da indústria, com

a propriedade da terra e da moradia, anteriormente

eram a base de um certo bem-estar dos trabalhado-

res. Com o desenvolvimento industrial, esta situação

se torna um entrave para o trabalhador, e prejudica

toda a classe operária, sendo o ponto de partida da

queda dos salários. A crise da moradia seria, então,

estrutural no capitalismo; é um problema inevitável

e historicamente necessário (ENGELS, 1971).

Diante disso, as soluções para os problemas

habitacionais são paliativas, visto que as causas dos

problemas não são atacadas. Apenas transferem o

problema de lugar, e não o eliminam, pois a mesma

necessidade econômica fará com que os mesmos

problemas surjam em outros lugares.

Com o grande contingente populacional nas

cidades em busca de emprego, junto com a escas-

sez de imóveis destinados ao uso habitacional, as

casas de cômodos passam a ser negócios rentáveis.

As condições habitacionais, desta forma, passam a

ser precárias e anti-higiênicas, indicando riscos de

epidemias.

A necessidade de remodelação do espa-

ço urbano aos interesses industriais, junto com as

preocupações higienistas em relação ao perigo das

epidemias, e as preocupações político-militares, fi-

zeram com que processos de renovação urbana

se desencadeassem. Este tipo de renovação urba-

na tem como principal marca a demolição de uma

enorme quantidade de imóveis no centro da cida-

de, justamente onde os trabalhadores devem e po-

dem habitar. Desta forma começa então a produção

da crise da moradia: a combinação de um rápido

e enorme aumento populacional nas cidades com

a destruição de muitos imóveis utilizados para fins

habitacionais.

No entanto, as moradias precárias não são eli-

minadas com a destruição dos imóveis precários du-

rante os processos de renovação urbana, são apenas

deslocadas, pois novas moradias precárias surgem.

No Brasil, esse processo marca o começo da faveli-

zação das periferias das grandes cidades - no Rio de

Janeiro, a favelização dos morros do centro da cida-

de. Confirma-se a tese de que a mesma necessidade

econômica fará com que os problemas habitacionais

ressurjam em outros lugares.

Além disso, pode-se destacar obstáculos que

impedem que o setor habitacional se desenvolva. De

um lado, a propriedade privada da terra dificulta o

acesso a grandes extensões de terra, o que impede a

adoção de métodos industriais que garantiriam uma

maior produtividade. De outro, existe o problema da

falta de demanda solvável, quando se relaciona o alto

valor da moradia em relação ao poder de compra da

população. Não é possível diminuir o valor da mora-

dia enquanto não se consegue industrializar o setor,

e, além disso, a demanda formada por aqueles que

têm poder de compra (demanda solvável) tende a ser

pequena, pois o desenvolvimento da produção capi-

talista leva à proletarização da população (RIBEIRO;

PECHMAN, 1983).

A reprodução de conjuntos habitacionais nas periferias, junto com o in-

centivo à indústria de cons-trução nacional, e a ocu-

pação ilegal de terras pela população desfavorecida,

são fatores que contribuem para o crescimento

das periferias.

Page 50: Revista FAE

48

Outra característica da urbanização no Brasil, e que contribui para o entendimento do problema habi-

tacional, é o crescimento urbano em direção à periferia. O incentivo à extensão da aglomeração por meio da

especulação imobiliária, marca a lógica capitalista de produção do espaço, que procura sempre novos empre-

endimentos, novas localizações para obter lucro. Um exemplo dessa dinâmica é o deslocamento das famílias

de classe alta em busca de tranquilidade e segurança, em grandes empreendimentos imobiliários construídos

longe dos centros urbanos. Além disso, a reprodução de conjuntos habitacionais nas periferias, junto com o

incentivo à indústria de construção nacional, e a ocupação ilegal de terras pela população desfavorecida, são

fatores que contribuem para o crescimento das periferias.

2 A Evolução do Espaço Urbano em Curitiba

Até 1960, o crescimento populacional de

Curitiba ocorreu de forma radiocêntrica1, incentiva-

do pelo esgotamento de áreas disponíveis no cen-

tro e pela sua crescente especialização como área

prestadora de serviço e comércio, provocando a

ocupação de bairros limítrofes à área central. Em

1970, inicia-se o processo de ocupação de bairros

não limítrofes ao Centro, onde o custo da terra era

mais acessível, tendo início o processo de periferi-

zação da população curitibana e seu consequente

extravasamento para a Região Metropolitana, ligado

à dinâmica de reestruturação da base produtiva do

estado do Paraná.

A partir de 1980, é possível perceber a con-

solidação do modelo de ocupação da periferia. En-

quanto que as taxas de crescimento populacional se

mantinham praticamente iguais até a década de 60,

relacionando Curitiba e as cidades do seu entorno; a

partir da década de 80, percebe-se que as taxas di-

minuem para a cidade de Curitiba, e aumentam nas

cidades da Região Metropolitana. A tendência de ex-

pansão da cidade para a periferia pode ser percebida

também dentro da cidade de Curitiba, a partir da dé-

cada de 80, quando o bairro do Boqueirão torna-se

o mais populoso e o bairro Centro perde importância

relativa em termos populacionais.

TABELA 1 – População e taxa de crescimento anual de Curitiba e região metropolitana com e sem Curitiba – 1970 a 2000

LOCALPOPULAÇÃO

1970 Taxa 1980 Taxa 1991 Taxa 1996 Taxa 2000

Curitiba 609.026 5,34 1.024.975 2,29 1.315.035 2,34 1.476.253 1,83 1.587.315

RMC 901.959 5,41 1.527.129 2,94 2.099.558 3,32 2.471.771 2,87 2.768.394

RMC sem Curitiba 292.933 5,54 507.354 4,04 784.523 4,88 995.518 4,37 89.784

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, censos de 1970 a 2000.NOTAS: Dados elaborados pelo IPPUC; Taxa: média geométrica de incremento anual, que representa a evolução anual no período.

1 Crescimento urbano e populacional que se dá em torno do centro da cidade.

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49R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 44-59, jan./jun. 2011

TABELA 2 – Principais bairros de Curitiba em números populacionais - 2000

BAIRROSPOPULAÇÃO

1970 (*) 1980 (*) 1991 (*) 1996 (*) 2000 (*)

Água Verde 25.114 4 31.979 10 45.438 6 49.863 6 49.866 8

Boqueirão 27.003 2 52.668 1 64.086 3 66.462 4 68.495 4

Cajuru 15.982 11 45.425 3 76.384 2 84.286 3 89.784 3

Centro 37.086 1 42.371 4 37.003 10 35.845 13 32.623 15

Cidade Industrial

21.973 5 45.904 2 116.001 1 150.985 1 157.461 1

Sítio Cercado 993 66 20.752 15 52.498 4 89.034 2 102.410 2

(*) – os números à direita ordenam os bairros de maior populaçãoFONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, censos de 1970 a 2000.NOTA: Dados elaborados pelo IPPUC.

Nos últimos 10 anos, a cidade vem se expandindo na direção sul e sudoeste, indicando as regionais

do Portão, Pinheirinho e Bairro Novo como áreas de maior concentração populacional e maiores taxas de

crescimento. Nas demais direções, a mancha urbana ultrapassou os limites municipais, reforçando o processo

de conurbação que caracteriza a Região Metropolitana de Curitiba. Quando se analisa a distribuição espacial

da renda na cidade, percebe-se que as áreas de expansão da cidade coincidem com os locais de moradia da

população de mais baixa renda.

TABELA 3 – População e taxas de crescimento das administrações regionais de Curitiba – 1991 a 2000

ADMINISTRAÇÕESREGIONAIS

1991 1991-1996 1996 1996-2000 2000

POPULAÇÃOTAXA DE

CRESCIMENTOPOPULAÇÃO

TAXA DECRESCIMENTO

POPULAÇÃO

ABS. % R ABS. R ABS. % R ABS. R ABS. % R

R1 – Matriz 201.442 15,32 2º 0,08 8º 202.266 13,70 3º 0,00 8º 202.304 12,75 3º

R2 – Boqueirão 168.327 12,80 4º 1,04 6º 177.254 12,01 4º 1,51 6º 188.192 11,86 5º

R3 – Cajuru 153.694 11,69 5º 2,38 4º 172.886 11,71 5º 3,15 2º 195.742 12,33 4º

R4 – Boa Vista 200.934 15,28 3º 0,83 7º 209.421 14,19 2º 1,89 5º 225.696 14,22 2º

R5 – Santa Felicidade 140.250 10,67 6º 2,05 5º 155.235 10,52 6º 1,90 4º 167.387 10,55 7º

R7 – Portão 257.564 19,59 1º 2,48 3º 291.080 19,72 1º 0,89 7º 301.600 19,00 1º

R8 – Pinheirinho 126.513 9,62 7º 3,81 2º 152.542 10,33 7º 3,08 3º 172.254 10,85 6º

R10 – Bairro Novo 66.311 5,04 8º 11,75 1º 115.569 7,83 8º 3,80 1º 134.140 8,45 8º

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, censos de 1970 a 2000.NOTA: Dados elaborados pelo IPPUC; dados em números absolutos, porcentagem referente ao total e ranking dos maiores números.

Quanto à situação habitacional, de acordo com pesquisas realizadas pela Fundação João Pinheiro em 2002,

a Grande Curitiba apresenta um déficit de 75 mil unidades. No entanto, quando se analisa os dados referentes ao

cadastro de famílias em programas habitacionais, percebe-se que o número de inscritos aumentou consideravelmen-

te a partir de 2003. Levando em conta que o número de inscritos é sempre menor que o real déficit habitacional, pois

nem todas as famílias chegam a fazer o cadastro, podemos deduzir que o real déficit habitacional nos dias de hoje é

certamente muito maior.

Enquanto as necessidades habitacionais não são atendidas em sua plenitude pelos serviços públicos, a po-

pulação procura outras formas de moradia. Dados recentes (FERNANDES, 2006) mostram que um em cada cinco

habitantes da Região Metropolitana de Curitiba mora em área de ocupação irregular.

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GRÁFICO 1 – Número de inscritos por ano e região – posição em 31/12/2005

2.000

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FONTE: COHAB-CT

GRÁFICO 2 – Evolução do número de ocupações irregulares em Curitiba – 1971 a 2000

FONTE: IPPUC

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Analisando a dinâmica demográfica e a distri-

buição espacial da renda, percebe-se a evidência da

expansão urbana de Curitiba na direção sudoeste,

além da conurbação da capital com os municípios li-

mítrofes na região leste. O custo da terra nessas áreas,

principalmente a sudoeste, é mais baixo. Estas áreas

também coincidem com as áreas de implantação da

maioria dos empreendimentos de habitação social,

por parte do poder público; com as áreas de maior

incidência de ocupações irregulares e, portanto, de

vulnerabilidade social; além de coincidir com as áre-

as de fragilidade ambiental. No entanto, as áreas mais

centrais da cidade, que contam com toda a infraestru-

tura necessária já implantada, estão sendo abandona-

das. Essa observação é importante para destacar os

custos econômicos e sociais deste tipo de expansão

urbana, guiada principalmente pela especulação imo-

biliária e pela diferenciação do preço da terra urbana.

FONTE: Banco Mundial; IPEA; IPPUC.

FIGURA 1 - Custo da terra - 2002

FONTE: IPPUC

FIGURA 2 - Ocupações irregulares por bairro em

Curitiba – 1999 a 2000

Diante disso, pode-se concluir que na cida-

de de Curitiba, a região norte/nordeste concen-

tra maiores valores imobiliários, menores taxas

de crescimento populacional e menor número de

ocupações irregulares; enquanto que a região sul/

sudoeste caracteriza-se pelo oposto: menores va-

lores imobiliários, maiores taxas de crescimento

populacional e, significativamente maior número

de ocupações irregulares. Portanto, a expansão da

cidade ocorre predominantemente em direção ao

sul/sudoeste, sobre as terras de menor valor e é co-

mandada pela população de baixa renda, de forma

irregular, ou ilegal.

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3 Caracterização da Dinâmica do Mercado Imobiliário

De acordo com Gottdiener (1997), a dinâmica

do mercado imobiliário - ao contrário dos demais

mercados que têm causas essencialmente econômi-

cas (por exemplo, causadas por mudanças na locali-

zação dos empregos e das indústrias) - é orientada

por “um resultado dialético de fatores (…) que se ma-

nifestam através da linha de frente dos padrões de

desenvolvimento imobiliário que congregam a inter-

venção do Estado, formas de acumulação de capital

e a manipulação dos mercados de terra” (p.235).

Desta forma, o espaço é conformado e con-

trolado, e os estágios na produção do ambiente

construído podem ser relacionados com os ciclos de

acumulação de capital. Chegando ao apogeu de um

ciclo, quando começa a haver uma crise de supera-

cumulação no circuito primário de capital (circuito

da produção), começam os investimentos no setor

imobiliário em grande volume, o que faz disparar a

especulação, afastando a crise. A grande quantida-

de de capital investido no setor imobiliário, não pode

ser aplicada novamente no setor primário, o que leva

a uma “subcapitalização do circuito primário”, mar-

cando o declínio do ciclo de acumulação do capi-

tal (WALKER; HARVEY apud GOTTDIENER, 1997, p.

243).A lógica do mercado imobiliário pode adquirir

duas formas institucionais diferentes, diretamente

relacionadas com o capital monetário acumulado

pelos indivíduos ou grupos sociais. A primeira delas

está condicionada por um marco normativo e jurídi-

co regulado pelo Estado na forma de um conjunto

de direitos que estabelecem o marco das relações

econômicas legais. As relações econômicas que se

estabelecem à margem do sistema legal do direito

definem o campo da economia informal. Assim, a

lógica de mercado de acesso à terra urbana se ma-

nifesta através de relações legais ou ilegais. No pri-

meiro caso, a coordenação é exercida pelo mercado

formal, enquanto no segundo caso o processo de

acesso ao solo urbano é mediado por um mercado

informal (BECCATINI apud ABRAMO, 2005, p.2).

Desta forma, “para ocupar o solo urbano é necessário pagar

por ele, mediante a compra ou aluguel da propriedade

imobiliária. O mercado é o elo entre as relações sociais de

produção e a cidade, determinando a possibilidade de uso e

ocupação do solo mediante o pagamento do preço por ele

estipulado” (PEREIRA, 2002, cap.2).

Assim, os preços estipulados refletem os va-

lores desses espaços. Para Villaça (1998), o valor do

espaço urbano é determinado pelos elementos que

conformam esse espaço (edifícios, ruas, praças, in-

fraestrutura) e pela localização desses elementos,

que está ligada ao valor de toda a cidade.

O solo urbano, considerado aqui como uma

mercadoria, apresenta características particulares

que fazem com que a formação de seus preços

seja diferente das outras mercadorias (SMOLKA,

1987 apud PEREIRA, 2002, cap.2). Primeiramente

o solo não é reproduzível, pois não é produto do

O solo não é reproduzível, pois não é produto do traba-lho humano; está sujeito ao

monopólio; e é heterogêneo, pois se diferencia de acordo com suas condições físico-ambientais, localização, etc.

O espaço é conformado e controlado, e os estágios na produção do ambiente construído podem ser relacionados

com os ciclos de acumula-ção de capital.

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trabalho humano; está sujeito ao monopólio; e é

heterogêneo, pois se diferencia de acordo com suas

condições físico-ambientais, localização, etc.

Além dos aspectos que formam os preços

do solo urbano, é importante destacar que o capital

envolvido nas questões referentes ao mercado imo-

biliário deve ser aplicado corretamente para se tor-

nar lucrativo. O investimento deve ser feito de for-

ma a promover o empreendimento certo, no lugar

certo, para o consumidor certo. Para isso, o espaço

da cidade deve ser organizado, de forma a adequar

o uso do solo aos interesses do capital imobiliário.

Neste sentido, percebe-se que o planejamento ur-

bano praticado pelo poder público é subordinado

aos interesses da valorização do capital e do mer-

cado imobiliário, pois é justamente essa articulação

– Estado e setor imobiliário – que conforma o espa-

ço nos dias atuais.

Sobre o mercado informal de terras, há um

enorme desconhecimento empírico. Assim, a carên-

cia de informações produz algo como um “senso

comum” sobre esse mercado e sobre a informali-

dade urbana, alimentando reflexões, políticas urba-

nas e representações sobre o universo dos pobres.

Com o objetivo de obter uma melhor compreensão

do mecanismo do mercado imobiliário informal na

cidade de Curitiba, este artigo apresenta parte de

uma pesquisa que analisou dados coletados por um

grupo de iniciação científica. Os dados apresenta-

dos foram levantados em campo, na região oeste

de Curitiba, em ocupações irregulares existentes

nos bairros Caximba, São Miguel, Tatuquara, Orle-

ans, Butiatuvinha e Augusta. Para maiores detalhes

ver Becker (2007), que traz o detalhamento do es-

tudo realizado.

A partir da análise dos dados levantados na

pesquisa de campo, foi possível perceber como se dá

a formação de preços nestas ocupações irregulares.

Na ocupação denominada Moradias da Ordem no

bairro Tatuquara, por exemplo, não há nenhum tipo

de serviço ou infraestrutura disponível aos moradores

e isso se reflete no preço dos dois imóveis encontra-

dos à venda: R$ 2.500,00 e R$ 5.000,00.

O imóvel de menor valor na ocupação Terra

Santa está em condições extremamente precárias,

com uma construção de madeira. Na Pompeia,

a variação dos preços dos 4 imóveis à venda é

bastante grande, de R$ 3.000,00 a R$ 25.000,00.

Neste caso, a variação de preços também está

ligada às condições da edificação, pois todas as

outras características e precariedades são comuns

a todos os imóveis.

No bairro São Miguel, na regional do Portão,

a área denominada Bela Vista II está localizada em

faixa de drenagem. Os preços dos imóveis à venda

nesta área são menores que os preços da ocupação

Bela Vista I, pois a fragilidade ambiental e os riscos

são bem maiores.

No bairro do Caximba, na regional Bairro

Novo, percebe-se que as condições da edificação

também estão fortemente ligadas à diferenciação

de preços, sendo que todos os lotes estão em

área de fragilidade ambiental. A Vila Juliana é um

loteamento clandestino localizado em faixa de

drenagem. A área é toda inundável, mas mesmo

assim os preços dos 9 lotes visitados variam de R$

2.800,00 a R$ 35.000,00. Os lotes que apresentam

A carência de informa-ções produz algo como um “senso comum” sobre esse mercado e sobre a informa-lidade urbana, alimentando reflexões, políticas urbanas e representações sobre o

universo dos pobres.

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preços mais extremos, ou seja, o mais barato e o

mais caro, possuem a mesma área, 360 m2 e são

beneficiados pelos mesmos serviços urbanos e

infraestrutura: apenas água e coleta de lixo. O

que os diferencia é novamente a conservação e

a qualidade das construções. Portanto, nestes

casos, o preço dos imóveis é determinado pela

construção, e o valor da terra acaba não influindo

quando se trata da diferenciação dos preços dentro

da ocupação.

No bairro Orleans, na regional Santa Felici-

dade, foram feitos levantamentos na área de ocu-

pações irregulares denominada Real II A. Analisan-

do a diferenciação dos preços, percebe-se que as

condições de estética e de conservação dos imóveis

estariam relacionadas aos preços determinados (o

que só pode ser verificado pela análise das fotos),

pois todas as outras características são comuns. No

entanto, os preços são bastante diferentes. Para um

imóvel de 200 m2 pede-se R$ 35.000,00 e para ou-

tro, mais bem conservado, de 220 m2, o preço é R$

45.000,00.

Ainda na regional Santa Felicidade, no bairro

Butiatuvinha, a ocupação chamada Três Pinheiros

está sujeita a inundações com frequência, e ainda

está em área de preservação ambiental. Foram

encontrados 8 imóveis à venda, e os preços variam

entre R$ 90,00 e R$ 250,00 o m2. O imóvel mais

barato é uma casa, localizada em um lote onde

vivem mais duas famílias. O terreno está sujeito a

deslizamentos de terra e inundações. O imóvel mais

caro tem perfil plano e solo firme. No entanto, os

dois imóveis com valores extremos têm apenas

acesso à coleta de lixo, dentre todos os serviços

urbanos e de infraestrutura.

Diante deste caso, pode-se afirmar que, da

mesma forma que o mercado imobiliário formal

determina menores valores para as áreas de fragili-

dade ambiental, o mercado informal também esti-

pula menores valores para os terrenos expostos a

maiores riscos. Dentro de uma grande área de fra-

gilidade ambiental, ainda sim é possível diferenciar

áreas de menor valor e maior risco, e áreas de maior

estabilidade e melhores condições.

Por fim, no bairro Augusta, localizado também

na regional Santa Felicidade, foram feitos levantamen-

tos na ocupação denominada Vila São José, em pro-

cesso de regularização. Os preços dos imóveis encon-

trados à venda, variam de R$ 66 a R$ 375 o m2, valores

em sua maioria superiores aos encontrados em todas

as outras ocupações irregulares. No bairro Augusta é

que foram encontrados os 3 imóveis com maiores pre-

ços por m2, dentre todos os estudados, com valores

entre R$ 285 e R$ 375 por m2.

A pesquisa realizada neste assentamento do

bairro Augusta constata que os programas de re-

gularização fundiária impactam sobre o mercado

imobiliário informal também na cidade de Curitiba.

Os preços nestas áreas sofrem acréscimo de valor

quando enquadrados pelo poder público em planos

de melhoria e regularização. Estes programas me-

lhoram a situação das famílias moradoras, evidente-

mente, porém não são acompanhados de políticas

de controle da venda dos lotes após as melhorias.

Diante disso, os moradores muitas vezes optam pela

comercialização dos lotes recém-regularizados, que

por terem sido valorizados, mostram expectativas

de lucros, e optam pela moradia em outra área irre-

gular. Desta forma, os programas de regularização

fundiária - sem controle sobre o mercado de terras

- apesar de terem grande alcance social, não são efi-

cazes, na medida em que geram um novo processo

de expulsão da população mais pobre e um novo

ciclo de irregularidade.

A informalidade do mer-cado de trabalho é uma barreira para o ingresso no mercado imobiliário

formal de imóveis, e este seria outro motivo pelo qual as famílias optam pela moradia em áreas

irregulares.

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Diante da comparação dos preços dos mer-

cados formal e informal de imóveis, procura-se

primeiramente encontrar razões pelas quais as fa-

mílias decidem comprar moradias nas áreas irregu-

lares, já que não seria uma questão de ofertas mais

baratas. Segundo Abramo (2001), existem diversos

fatores, como por exemplo, a proximidade de fontes

de emprego e o pertencimento a uma comunidade.

Além disso, a favela pode constituir um local de con-

centração de atividades de comércio e de serviços

que pode gerar renda aos seus moradores.

A informalidade do mercado de trabalho é

uma barreira para o ingresso no mercado imobiliário

formal de imóveis, e este seria outro motivo pelo qual

as famílias optam pela moradia em áreas irregulares.

Portanto, não são só as proximidades e acessibilida-

des das favelas aos equipamentos, infraestrutura e

empregos que contam para a escolha das famílias,

mas também questões sociais e culturais.

Abramo (2001) ainda procura estabelecer re-

gras de como os preços do mercado informal são

determinados. Primeiramente, é preciso perceber

que as transformações do ambiente construído for-

mal determinam parte das dinâmicas de valorização/

desvalorização do mercado informal assim como o

inverso também é verdadeiro. Outro fato que po-

deria valorizar os preços no mercado informal seria

o surgimento de uma concentração de comércio e

serviços no entorno; além da liberdade construtiva

e plástica nas intervenções, pois as áreas irregulares

não são regidas por regras urbanísticas formais.

Além da valorização em relação à proximida-

de de serviços e comércio, as edificações são valo-

rizadas, quanto mais antiga for a área de ocupação

e quanto mais consolidada for a construção (casas

em alvenaria por exemplo, são mais valorizadas). O

investimento feito pelas famílias com materiais de

construção e melhoramentos nas suas moradias,

costuma refletir diretamente no preço do imóvel, e

estas casas costumam ser as mais valorizadas, inde-

pendente da sua localização dentro da favela.

O mercado imobiliário informal acaba sendo

autorreferenciado, isto é, não se baseia em preços

de imóveis de outras áreas irregulares, ou se baseia

apenas nos preços dos imóveis dos bairros mais

valorizados da cidade.

Analisando os dados já coletados em áreas de

ocupação irregular, e confrontando as características

dos imóveis com seus respectivos preços do mercado

informal, percebe-se que o investimento em materiais

de construção acaba sendo uma importante referência

na formação dos preços na realidade curitibana. Ressal-

ta-se também a importância da consolidação da área

de ocupação, ou seja, quanto mais antiga, maior será a

valorização.

As informações levantadas confirmam que

o mercado imobiliário nas áreas de ocupações ir-

regulares segue o mesmo padrão do mercado for-

mal. Há uma diferenciação interna dos preços dos

lotes, como na ocupação Três Pinheiros, no bairro

Butiatuvinha, onde o preço do imóvel varia entre R$

15.000,00 e R$ 45.000,00. Os preços maiores têm

relação com a acessibilidade aos equipamentos e

serviços dos bairros vizinhos, bem como às quali-

dades construtivas da edificação existente no lote, e

também em relação às condições do terreno (firme,

fora de risco de inundações, etc.). Além disso, outro

fator que eleva o preço dos lotes é o enquadramen-

to da ocupação em planos de regularização a serem

executados pelo Poder Público.

O menor preço encontrado nas áreas pesqui-

sadas está na Vila Juliana, no bairro Caximba, e é jus-

tificado pelo fato do imóvel à venda estar localizado

em área sujeita a inundações frequentes, e também

pelas condições precárias da edificação de madei-

ra. Nesse caso, verifica-se que as restrições ambien-

tais funcionam como redutor de preços tanto para

o mercado formal quanto para o informal. De fato,

as áreas com fragilidade ambiental, não edificáveis

segundo a legislação urbanística, não interessam ao

mercado imobiliário formal. Por sua vez, mesmo sem

considerar a legislação, o mercado informal incorpo-

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ra a desvalorização, tendo em vista os riscos per-

manentes a que os moradores estarão sujeitos ao

ocuparem essas áreas.

A comparação entre os preços praticados nas

áreas irregulares com aqueles dos bairros populares

vizinhos indica que não ocorre uma disparidade

exagerada de valores entre eles, o que pode ser jus-

tificado pelo fato dos preços nas ocupações irregu-

lares referirem-se ao terreno, mais a casa existente.

Entretanto, relativamente, os preços dos imóveis

nas ocupações podem ser considerados elevados,

uma vez que não oferecem ao morador as mesmas

condições de acesso aos benefícios da urbanização

a que têm direito os bairros regulares da cidade.

Abramo (2001) considera a própria irregula-

ridade como principal motivo dos preços elevados

nas favelas, porque isenta o morador das limitações

impostas pela legislação urbanística e flexibiliza a uti-

lização do imóvel, o que é especialmente valorizado

pelas famílias com renda baixa, que têm nesse imóvel

o único patrimônio. Essa flexibilidade é incorporada

ao preço, tornando o lote irregular comparativamente

mais caro do que outros nos bairros vizinhos, sujeitos

à imposição da lei.

A partir da análise do mercado imobiliário for-

mal e informal, percebe-se que a produção do espaço

e, consequentemente, a estruturação das cidades, é

um processo que está intimamente ligado ao setor

imobiliário, ou circuito secundário de capital, e legiti-

mado pela articulação deste com o Estado.

No que se refere à constituição de áreas de

expansão e desconcentração, o mercado formal de

terras procura sempre novos empreendimentos e

novas localizações para obter lucros. Desta forma, a

lógica capitalista de produção do espaço incentiva

a extensão da aglomeração por meio da especula-

ção imobiliária, ou seja, incita o crescimento urbano

em direção às periferias.

A criação de novas áreas de especulação

imobiliária, em detrimento das antigas áreas cen-

trais - que são abandonadas mesmo tendo toda a

infraestrutura necessária para o seu funcionamento

- é possível na medida em que o poder público atua

disponibilizando a infraestrutura necessária. Quan-

do a acessibilidade às áreas periféricas é melhora-

da pelos investimentos públicos, o valor de uso dos

terrenos aumenta, atraindo o capital imobiliário.

Com isso, “a sobreposição dos investimentos públi-

cos e privados acaba por valorizar o preço da terra,

o que incentiva a retenção especulativa das terras

e premia com a valorização aqueles que esperam

para utilizar seus terrenos” (BRASIL, 2001, p. 64)

É fácil perceber então como funciona a articu-

lação entre o setor imobiliário e o Estado, na cons-

tituição de novas áreas de expansão. É importante

ressaltar que, sem a intervenção do Estado, os em-

preendimentos imobiliários não são viáveis. Para Got-

tdiener, “a articulação entre o Estado e o setor imo-

biliário promove mudança desordenada numa escala

maciça” (1997, p. 248). Nestes casos, as intervenções

do governo não representam políticas de planejamen-

to e desenvolvimento do uso da terra, e não incluem

a participação da população mais afetada pelo cres-

cimento suburbano. Os efeitos sobre os padrões es-

paciais das cidades são imprevistos e desordenados,

pois não são controlados por uma política coerente

de governo.

Portanto, a ocupação das periferias não foi

feita pela livre escolha dos moradores, ao contrário

do que indicam as análises pelo lado da demanda.

A articulação entre o Estado e o setor imobiliário

favoreceu ao longo de muito tempo o crescimento

em direção às periferias, de forma desordenada, em

detrimento de um crescimento de forma planejada

e coordenada, que poderia ter preservado os

valores de comunidade.

Além disso, a comercialização de imóveis nas

áreas ocupadas irregularmente tende a se consolidar

como prática corrente, seguindo as mesmas regras

de diferenciação de preços do mercado formal. Essa

comercialização irá expulsar a população mais pobre

desses lugares, em geral também ocupado por po-

pulação de baixa renda. Como consequência, tem-se

uma interminável expansão espacial da localização

da pobreza, caracterizada pelo processo sequencial

ocupação/comercialização/expulsão, que reafirma e

reproduz o padrão de segregação socioespacial da

cidade brasileira.

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De acordo com Pereira, Becker e Scalco

(2007), a vigência, no mercado formal e informal,

das mesmas regras determinantes do preço dos

imóveis reforça a hipótese que ações/políticas que

provocassem uma redução geral nos preços dos

imóveis urbanos teriam possibilidade de gerar im-

pactos positivos para a população de baixa renda

de forma generalizada e não apenas para uma po-

pulação-alvo. Uma vez que os dois mercados, for-

mal e informal, estruturam-se da mesma maneira, e

atuam no mesmo espaço urbano, a eventual redu-

ção de preços no primeiro certamente teria rebati-

mento sobre o segundo.

Outra questão derivada da existência desse

mercado imobiliário informal refere-se à efetividade

de programas de regularização fundiária que não

estejam acompanhados de uma política de controle

da venda do lote pelo morador logo após sua re-

gularização. Evidentemente, considera-se que es-

ses programas têm grande alcance social, na me-

dida em que estende à população das ocupações

o acesso aos benefícios da cidade legal. Entretan-

to, a prática corrente da comercialização dos lotes

recém-regularizados e a expulsão da população-al-

vo, que irá iniciar o processo de irregularidade em

outro local da cidade, exigem uma discussão mais

aprofundada sobre a essência desse círculo vicioso,

a qual não se limita à questão da regularização ou

não de uma área.

4 Considerações Finais

A forma de industrialização e consequente ur-

banização do Brasil, seguindo a linha do sistema eco-

nômico capitalista, marca as cidades com o crescente

problema habitacional. Grande parte da população

brasileira encontra alternativas para o acesso ao solo

urbano e à moradia através de processos e mecanis-

mos informais e ilegais, diante da falta de políticas efi-

cazes de habitação social somada ao encarecimento

dos preços das moradias. As aglomerações urbanas

se expandem em direção às áreas periféricas, resul-

tado de um esforço do capital imobiliário em obter

maiores lucros, junto com a proliferação das alter-

nativas informais de moradia, ocupando as terras de

menor valor. Este processo também é relevante na

realidade curitibana, conforme mostram os estudos

da evolução urbana, da dinâmica populacional e da

localização dos níveis de renda na cidade.

Além disso, a comercialização de imóveis nas

áreas ocupadas irregularmente tende a se consolidar

como prática corrente, seguindo as mesmas regras

de diferenciação de preços do mercado formal, e

contribuindo para a expansão espacial da localização

da pobreza, caracterizada pelo processo sequencial

ocupação/comercialização/expulsão. Desta forma, o

mercado imobiliário se afirma como agente estrutura-

dor das cidades, formando áreas de expansão e des-

concentração, e contribuindo para a pobreza urbana

e a desigualdade socioespacial.

FIGURA 4 - Círculo vicioso de segregação socioespacial nas cidades brasileiras

FONTE: BECKER, 2007

COMERCIALIZAÇÃO DOS IMÓVEIS

EXPULSÃO DA POPULAÇÃO MAISPOBRE DESSAS OCUPAÇÕES

MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMALOCUPAÇÕES IRREGULARES

REAFIRMAÇÃO DO PADRÃO DESEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL

DA CIDADE BRASILEIRAMESMOS PADRÕES DE DIFERENCIAÇÃO

DE PREÇOS DO MERCADO FORMAL

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O presente estudo mostrou que a diferencia-

ção de preços no mercado imobiliário informal das

ocupações irregulares de Curitiba obedece a certa

lógica e regularidade, de acordo com os dados levanta-

dos em campo, confirmando a sua existência enquanto

mercado regular que controla o acesso à terra urbana.

Além disso, a análise dos dados coletados também

pôde evidenciar a existência de critérios particulares de

diferenciação de preços de acordo com as variáveis e

características específicas do território das favelas, que

não são baseados na dinâmica do mercado formal. É o

caso dos imóveis cujo preço é determinado pelas ca-

racterísticas da construção, pelos riscos oferecidos de

acordo com o grau de fragilidade ambiental, ou pelo

enquadramento da área em questão em programas de

melhoria e regularização, por parte do poder público.

As consequências sociais dessa lógica de mercado são evidentes, não só para a população

diretamente afetada, que sofre com condições sub-

-humanas de moradia e com a iminência de proces-

sos de despejo; mas também para toda a sociedade

brasileira, que se vê hoje ilhada em meio a tantos

casos de violência. Mas também há consequências

ambientais gravíssimas decorrentes dessa forma de

estruturação das áreas urbanas. As áreas de manan-

ciais, ou as beiras dos rios, assim como as áreas de

preservação, não são ocupadas por falta de cons-

cientização ambiental ou por falta de educação da

população menos favorecida. A ocupação de áreas

ambientalmente frágeis se dá simplesmente por fal-

ta de opção diante do caos habitacional e urbano.

Ou melhor, se dá pela opção escolhida pelo Estado

de articulação com o setor imobiliário, ao longo de

muito tempo, favorecendo o crescimento em dire-

ção às periferias, de forma desordenada - em de-

trimento de um crescimento de forma planejada e

coordenada, que poderia ter preservado os valores

de comunidade.

Portanto, a viabilidade da produção da cidade

nos moldes capitalistas depende da intervenção do

Estado, e a gestão pública passa a ser amarrada aos

movimentos determinados pela lógica de mercado.

Da mesma forma que, por outro lado, a superação

dessa ordem urbanística excludente depende de

ações por parte do poder público. A mudança co-

meça pela conscientização e inquietação de toda a

população diante da realidade, passando pela orga-

nização da sociedade civil, que pode então exercer

pressão em busca de soluções.

No entanto, é importante ressaltar que as

intervenções devem acontecer na escala da área

urbana como um todo, e não apenas intervenções

pontuais. Os programas de regularização fundiária

e de intervenção em favelas são importantes, e de

grande alcance social, mas acabam sendo soluções

paliativas, visto que a lógica de mercado também

atua nessas áreas, gerando processos de exclusão

intermináveis. A questão parece estar centrada,

portanto, nas possibilidades e limites de uma

intervenção sobre as regras de funcionamento do

mercado, que nada mais são do que as regras da

produção capitalista da cidade.

• Recebido em: 15/02/2011

• Aprovado em: 04/05/2011

Page 61: Revista FAE

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Referências

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Organizações Cooperativas e suas principais participações nos Estados Brasileiros (1995-2007)Cooperative Organizations and their main participation in the Brazilian States (1995-2007)

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Organizações Cooperativas e suas principais participações nos Estados Brasileiros (1995-2007)Cooperative Organizations and their main participation in the Brazilian States (1995-2007)

Resumo

O desenvolvimento econômico regional, quando visualizado no desenvolvi-

mento endógeno faz do indivíduo a principal peça do desenvolvimento lo-

cal. As cooperativas auxiliam na alocação destes atores do processo de de-

senvolvimento, quão cooperados e assalariados. Deste modo o capital social

incorpora-se nas relações. Este trabalho tem como objetivo analisar a contri-

buição das cooperativas no desenvolvimento regional dos Estados brasilei-

ros, através do número de empregos diretos fornecido pela Relação Anual de

Informações Sociais - RAIS, Produto Interno Bruto brasileiro e cooperativo,

faturamento das cooperativas e a diferenciação de IFDM entre municípios

com e sem cooperativas para o período de 1995 á 2007. Metodologicamente

utilizou-se pesquisa bibliográfica e estatística comparativa dos dados quanti-

tativos. Como resultado, há acréscimo de 4.509 cooperativas e 100.500 em-

pregos no Brasil sendo a média do Índice Firjan de Desenvolvimento Munici-

pal - IFDM maior nos municípios com cooperativas. Portanto, as cooperativas

geram empregos e atuam socialmente nas localidades.

Palavras-chave: Desenvolvimento Endógeno; Cooperativismo; Emprego.

Abstract

The regional economic development, when viewed in the endogenous de-

velopment turns the individual into the centerpiece of local development.

Cooperatives help in the allocation of these actors in the development pro-

cess, as members and employees. Thus, social capital incorporates itself in

the relations. This work aims to analyze the contribution of cooperatives to

regional development of Brazilian states through the number of direct jobs

provided by the Annual Social Information - RAIS, Brazilian Gross Internal

Product and cooperative, the cooperative sales and the differentiation among

municipalities with IFDM and without cooperatives for the period between

1995 to 2007. Methodologically, we used literature and comparative statics

of the quantitative data. As a result, there is an increase of 100,500 jobs and

4,509 cooperatives in Brazil and the average of the Municipal Development

Index Firjan - IFDM higher in municipal cooperatives. Therefore, cooperatives

generate jobs and social work in the places.

Keywords: Endogenous Development; Cooperativism; Jobs.

Patrícia Estanislau 1

Paulo Roberto Santana Borges 2

1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Pesquisadora da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. E-mail: [email protected]

2 Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Professor da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. E-mail: [email protected].

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62

Introdução

objetivo deste artigo é avaliar os impactos da

contribuição das atividades cooperativas no desen-

volvimento regional dos Estados brasileiros. Para tal

será verificada a participação das cooperativas em re-

lação ao Produto Interno Bruto - PIB, seu faturamento

nos últimos anos, número de empregos diretos gera-

dos pelas cooperativas, sua influência na renda per

capita domiciliar e a diferenciação através de indi-

cador socioeconômico, nos municípios das Unida-

des Federativas brasileiras com e sem cooperativas.

O estudo sobre a importância das coopera-

tivas nos Estados se faz necessária dado ao surgi-

mento cada vez mais intenso dessas associações e

a crescente adesão de indivíduos inserindo-se nelas

na condição de cooperados ou empregados. Em

ambos os casos há inserção deles no mercado de

trabalho ou qualificação laboral, havendo adicional-

mente elevação do capital social da região.

Fez-se o uso de pesquisa bibliográfica e

estatística descritiva. Assim se examinará dados

das cooperativas, tais como, total de ramos, total

de cooperados, empregos diretos e a participação

das mesmas no emprego formal total de cada

Estado, partindo da hipótese da alteração do

número de postos de trabalho no período de 1995

a 2007. O ano-base para a distinção dos Índices de

Desenvolvimento Econômico para Estados será o

ano de 2005.

No referencial teórico será analisado o desen-

volvimento econômico, bem como o desenvolvimen-

to regional dentro da perspectiva de desenvolvimen-

to endógeno, com breve visão sobre capital social

e o cooperativismo. Após, mostrar-se-á o número e

a participação das cooperativas, ramos, empregos

gerados no período de 1995 a 2007 a critério de re-

sultados, bem como à inserção do contexto das co-

operativas, dentro do enfoque do desenvolvimento

regional endógeno e do capital social, logo após, se-

rão apresentadas as discussões sobre os dados esta-

tísticos e a conclusão.

2 Referencial Teórico

A visão de Oliveira (2007) sobre a teoria do

desenvolvimento endógeno é que as regiões mais

desenvolvidas do País, quanto mais apropriadas à

infraestrutura para concepção de capital humano,

apresentam-se com as maiores possibilidades de

atração de empreendimentos ou sucesso desses no

local e/ou região escolhida para sua instalação.

O desenvolvimento endógeno retém a aten-

ção na regionalidade contribuindo para a redução

de desigualdades regionais, que servem como ins-

trumento de políticas públicas para correção des-

sas distorções. Responde a questões sobre o cres-

cimento variado entre regiões e nações, mesmo

dispondo das mesmas condições na busca de fato-

res produtivos. Alguns fatores tais como: o capital

social, o capital humano, o conhecimento, a pesqui-

sa e desenvolvimento, a informação e as instituições

quando originados dentro da região e tendo esses

fatores ou direcionando-os, poderia desenvolvê-los

O desenvolvimento endógeno retém a

atenção na regionalidade contribuindo para a

redução de desigualdades regionais, que servem como

instrumento de políticas públicas para correção

dessas distorções.

Pesquisa bibliográ-fica e estatística

descritiva.

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internamente, adquirindo condições de atingir o

desenvolvimento acelerado e equilibrado (SOUZA

FILHO, 2005).

Boisier (1989) coloca a comunidade como

ator principal. Ela tenderá a estabelecer priorida-

des do desenvolvimento regional e suas propostas

deverão ter dimensões sociais e políticas. O desen-

volvimento regional depende do conjunto destes

elementos: da participação da região no uso de re-

cursos nacionais, do símbolo e dimensão da colisão

da política econômica sobre a região e capacidade

de organização social em manter o crescimento em

longo prazo.

Souza Filho (2005) identificou que essas co-

operações não desencadeiam o processo econômi-

co, mas faz as regiões enfrentarem e se adaptarem

aos desafios e oportunidade. Deve também procu-

rar manter e ampliar o estoque de capital social em

sua comunidade, fortalecendo a auto-organização

social, estimulando a prática de soluções colabora-

tivas para problemas comuns e promovendo a par-

ticipação e a abertura ao diálogo com os diversos

integrantes das comunidades regionais.

Nesse sentido Lima (2004) ilustra que as

cooperativas são formas alternativas de empresas

capitalistas. Seu trabalho autogestionário possibilita

o uso da força de trabalho, permitindo a redução

dos custos e aumentando a competitividade das

empresas.

As cooperativas pos-suem três características essenciais: gestão, pro-

priedade e repartição das sobras do exercício.

Singer (2004) diferencia o desenvolvimento

capitalista e o desenvolvimento solidário. O primei-

ro é realizado sob a propriedade do capital e adap-

tado às virtudes de competição, do individualismo

e do Estado mínimo. Já o segundo é o efetivado

por comunidades de pequenas firmas associadas

ou de cooperativas de trabalhadores, com valores

da cooperação e ajuda mútua entre pessoas ou fir-

mas, mesmo quando competem entre si nos mes-

mos mercados.

Schneider (2004) caracteriza o cooperativis-

mo como uma doutrina que considera as coopera-

tivas como forma ideal de organização da humani-

dade, baseado na economia solidária, democracia,

participação e direitos e deveres iguais para todos,

sem discriminação de qualquer natureza, para to-

dos os sócios. A cooperativa é uma união voluntária

de pessoas com a finalidade de satisfazer aspira-

ções e necessidades econômicas, sociais e cultu-

rais comuns, por meio de um empreendimento de

propriedade coletiva e democraticamente gerido.

Sendo um meio para que um determinado grupo de

indivíduos atinja objetivos específicos, por meio de

um acordo voluntário para cooperação recíproca.

Quanto aos princípios doutrinários do coo-

perativismo, de acordo com Veiga e Fonseca (2001)

se destacam a adesão voluntária e livre, a gestão

democrática e a participação econômica dos mem-

bros, a autonomia e independência, educação, for-

mação e informação cooperativista e a intercoope-

ração e o interesse pela comunidade.

Os mesmos autores demonstram que a socie-

dade cooperativa funciona democraticamente. Seu

principal objetivo é a prestação de serviços aos as-

sociados, chamados de cooperados, que são donos

e usuários, com direito a um voto (correspondente

a uma cota parte) nas Assembleias Gerais (órgão

máximo de uma cooperativa) e que cada coopera-

do decide as deliberações, tomadas pertinentes à

empresa cooperativa. Logo após, as Assembleias

Gerais hierarquicamente, tem-se Conselho Adminis-

trativo e o Conselho Fiscal.

A quota parte não pode ser transferida a ter-

ceiros e quando a cooperativa no final do exercício

Page 66: Revista FAE

64

contábil auferir lucros, este retorna proporcional-

mente, em relação as operações de cada coopera-

do. As cooperativas são abertas à participação de

novos associados. Defendem preços justos, promo-

vem integração entre cooperativas e estabelece um

compromisso educativo, social e econômico.

As cooperativas possuem três característi-

cas essenciais: gestão, propriedade e repartição das

sobras do exercício. Segundo Zylbersztajn (1994) o

cooperativismo está fundamentado em questões

de solidariedade, igualdade, democracia e fraterni-

dade, objetivando o apoio e a prestação de serviços

a seus associados como empresa social.

No que tange a organização cooperativa,

Bialoskorski Neto (2007) compreende esta, como

tendo o objetivo de distribuir resultados às chama-

das “sobras” aos seus membros, em dinheiro, no fi-

nal do período contábil, demonstrando assim trans-

parência para o associado, que pode visualizar o

comportamento econômico da cooperativa. Outra-

mente pode ser objetivado resultados econômicos,

que são disseminados aos associados em forma de

melhores preços de aquisição ou venda dos produ-

tos, em forma de prestação de serviços de assistên-

cia técnica e outros.

As cooperativas vistas como empresas, exer-

cem duplo sentido, quanto ao mercado, atuan-

do com igual competitividade quanto às demais

empresas não cooperativadas e obedecem às mes-

mas regras, porém, com objetivos diferentes por

força das próprias características ideológicas.

Em seu trabalho Silva e Holz (2008) demons-

tram que, o cooperativismo não visando o lucro,

satisfaz às necessidades do grupo que dele faz

parte, com promoção de bens e serviços a custos

menores, gerando um melhor bem-estar social. Em

relação ao excedente das transações que é investi-

do e aplicado em seu local de atuação, permitindo

assim uma melhor distribuição de renda e riqueza,

que é transformado em bens e serviços, de acordo

com o ramo da cooperativa, a custos mais acessí-

veis.

Na cooperativa há integração conjunta entre

os membros, o que visa à participação cooperativa

e se recusa à competição entre si. Existe uma

igualdade entre os participantes. O objetivo máximo

dos sócios é propiciar trabalho e renda a quem

precisa para difundir no país de modo democrático

e igualitário de organizar atividades econômicas

(SINGER, 2002).

Segundo estudo desenvolvido por Oliveira,

Delgado e Oliveira (2008) algumas cooperativas

ajudam a construir e reproduzir capital social e re-

forçam o desenvolvimento da economia solidária.

Pois atuam na perspectiva de ajudar a minimização

do desemprego e a exclusão social e ao se articula-

rem umas com as outras.

Na concepção de Schneider (2004) as coo-

perativas podem contribuir para melhora das ques-

tões sociais regionais, gerando empregos, des-

fazendo a concentração de riquezas. E se houver

concentração nas cooperativas, isto não resultará

em exclusão, haverá sim uma integração/concentra-

ção da empresas que representa milhões de copro-

prietários cooperativados. É um processo que refor-

ça as condições para uma melhor redistribuição da

renda e das oportunidades.

De acordo com o trabalho por Montaldi et

al. (2004), as cooperativas permitem extensão de

consumo e investimento aos associados. Isto causa

benefícios, pois injetam, de forma direta e indireta,

recursos na economia local, implicando no seu

desenvolvimento.

As cooperativas podem ser concebidas com

inúmeros fins desde que respeitados os princípios

cooperativistas. Hoje no Brasil, se desdobram em

13 ramos, segundo a Organização das Cooperativas

Brasileiras (OCB)1 (2009): Agropecuário (composto

de produtores rurais); Consumo (dedicadas à com-

pra de artigos de consumo para seus cooperados);

Crédito (destinadas a promover a poupança e finan-

ciar necessidades ou empreendimentos dos seus

cooperados); Educacional (composto por profis-

sionais autônomos, para prestarem ou contratarem

serviços educacionais); Especial (constituídas por

pessoas que precisam ser tuteladas, ou que tenham

1 Órgão Máximo, das cooperativas no país que reúne as OCEs (Organizações da Cooperativas Estaduais) e é integrante da OCI América (Organizações das Cooperativas da América La-tina) e da OCI (Organizações das Cooperativas Internacionais).

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algum grau de deficiência, ex-condenados, depen-

dentes químicos e adolescentes a partir de 16 anos

em situação familiar difícil econômica, social ou afe-

tiva, visa à inserção no mercado de trabalho des-

ses indivíduos); Habitacional (objetiva à construção,

manutenção e administração de conjuntos habita-

cionais para o seu quadro social, podendo contratar

ou fornecer serviços); Infra-estrutura (seu quadro

social atende com serviços essenciais, como ener-

gia e telefonia); Mineral (sua finalidade é pesquisar,

extrair, lavrar, industrializar, comercializar, importar

e exportar produtos minerais); Produção (são de-

dicadas à produção de bens e produtos, quando

detenham os meios de produção, no entanto a ma-

téria-prima advir de terceiros); Saúde (dedicam à

preservação e promoção da saúde humana, poden-

do contratar ou fornecer serviços); Trabalho: (tem a

finalidade de melhorar a remuneração e as condiç

ões de trabalho, de forma autônoma); Transporte

(criado pela OCB em 30 de abril de 2002 é compos-

to pelas cooperativas que atuam no transporte de

cargas e passageiros); Turismo e lazer (criado pela

OCB no dia 28 de abril/2000, composto pelas coo-

perativas que prestam serviços turísticos, artísticos,

de entretenimento, de esportes e de hotelaria); Ou-

tro (Composto pelas cooperativas que não se en-

quadram nos ramos citados anteriormente).

Nos 13 ramos do cooperativismo brasileiro

são encontrados incalculáveis os exemplos de

impulso à economia das comunidades, de bom

emprego das vocações locais e de superação de

crises econômicas ou de problemas climáticos

(BRASIL, 2006).

3 Evolução das Cooperativas e Total de Empregos no Brasil

A participação do cooperativismo no PIB

brasileiro é notável. Sua participação das coopera-

tivas no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e o

PIB do cooperativismo, considerando os valores no-

minais, praticamente apresentaram a mesma evolu-

ção, já que sua variação foi em torno de 80%. Essa

TABELA 1 – Participação do Cooperativismo no PIB Brasileiro

Item 2002 2003 2004 2005 2006 2007

PIB Brasil (R$ trilhões)

1.256 1.543 1.669 1.938 2.118 2.262

PIB do cooperativismo (R$ bilhões)

70 86 93 108 118 126

PIB - Participação do Cooperativismo/brasileiro (%)

5,57 5,58 5,58 5,87 5,94 6,01

FONTE- OCB (2009)

ras entre 2002 e 2004 apresentou uma elevação

de 56,96%, o equivalente a R$ 23,58 bilhões. Já

entre 2004 e 2005 teve uma queda em torno de

R$ 4 bilhões (-6,22%). Mas, voltou a crescer em 2006,

ultrapassando R$ 70 bilhões em 2007. Pode-se dizer

que esse faturamento foi crescente em quase todo

o período, exceto em 2005. O faturamento das co-

operativas tem acompanhado o crescimento do PIB

brasileiro, conforme demonstrado na Tabela 2.

Segundo a OCB (2009) as cooperativas do

ramo agropecuário tiveram especial participação no

faturamento do sistema 2007, gerando R$ 60 bilhões,

o que corresponde a expressivos 83% do total o que

indica sua importância para o sistema cooperativista

e econômico do país. Pode-se concluir que grande

parte desse faturamento é proveniente das movimen-

tações monetárias de exportações ou do agronegó-

cio dessas cooperativas.

Acredita-se que com o faturamento crescen-

te, visto os princípios cooperativistas (gestão, pro-

priedade e repartição) são comprovados na prática.

Como nas Assembleias Gerais é decidido e distribu-

ída as sobras do exercício, o faturamento2 volta para

os cooperados em forma de sobras. A região em

que este cooperado está inserida é beneficiada, vis-

to que há uma maior circulação de montante mone-

tário. Este montante promove maior movimentação

2 A maioria das cooperativas retira parte de seus lucros para re-investirmos na própria cooperativa.

participação na economia brasileira foi crescente

no período conforme Tabela 1, o que incrementou o

faturamento do cooperativismo perante às transa-

ções brasileiras.

O faturamento das cooperativas brasilei-

Page 68: Revista FAE

66

TABELA 2 – Faturamento das Cooperativas em R$ Bilhões

AnoFaturamento (R$ bilhões)

% Participação

% Acumulado

% Variação

2002 41,40 11,39

2003 55,78 15,35 11,39 0,00

2004 64,98 17,89 26,75 34,73

2005 60,94 16,77 44,63 16,49

2006 68,02 18,72 61,41 -6,22

2007 72,20 19,87 80,13 11,62

Total 363,32 100,00 100,00 6,15

FONTE- OCB (2009)

Conforme OCB (2009), o cooperativismo

está presente em 1.751 municípios de todos os es-

tados do Brasil. De acordo com a Tabela 3, nota-se

o total de cooperativas no ano de 2007 é bastante

expressivo, sendo 7.682 unidades espalhadas entre

as 27 unidades federativas. Dentre os ramos de ati-

vidade entre as cooperativas, a atividade ligada ao

ramo de trabalho é que mais se destaca com 1.826

unidades. As cooperativas de crédito destacam-

-se no tocante ao número de cooperados, com

2.851.426 no ano de 2007. Porém, o ramo de ativida-

de que mais emprega formalmente é o ramo ligado

à agropecuária com 139.608 empregos.

O número de cooperados é bem expressivo.

Em 2007 no Brasil existiam 7.687.568 cooperados es-

palhados nos 13 ramos cooperativistas. E, estima-se

que 25 milhões de brasileiros estão ligados a essas

cooperativas. Conforme informações da OCB, em

1995, eram 3,5 milhões de brasileiros, ligados ao coo-

perativismo, dobrando 12 anos depois.

Segundo OCB (2009) o faturamento dessas

firmas ultrapassou R$ 72 bilhões. Os 13 ramos de

atividade juntos foram responsáveis por 6% do Pro-

duto Interno Bruto (PIB) brasileiro, somando R$ 126 bi-

lhões. Destaca-se que desta quantia, R$ 60 bilhões

foram proporcionados pelo ramo agropecuário. As-

sim, em 2007 esse ramo foi responsável por 2,85%

do PIB brasileiro e 47,45% do PIB das cooperativas

do Brasil.

Esses agentes do sistema cooperativo, sendo

cooperados, recebem incentivos em forma de assis-

tência técnica e formação cooperativista. Ao recebe-

ram assistência técnica, desenvolvem competências

e habilidades que melhoram sua contribuição na so-

ciedade. Em relação à formação cooperativista, esta,

inúmeras vezes, insere o cooperado como indivíduo

na sociedade, dando-lhe muitas vezes, oportunida-

de de trabalho e geração de renda, melhorando seus

conhecimentos ou aprimorando-os. Além de muitas

vezes, o inserir em uma rede de contatos com outros

cooperados.

TABELA 3 – Cooperativas, Cooperados e Funcionários por ramos de atividade em 2007

Ramo de Atividade Cooperativas Cooperados Funcionários

Agropecuário 1.554 879.649 139.608

Consumo 141 2.468.293 8.984

Crédito 1.148 2.851.426 37.266

Educacional 337 62.152 2.913

Especial 12 385 13

Habitacional 381 98.599 1.258

Infraestruutura 147 627.523 5.867

Mineral 40 17.402 77

Produção 208 11.553 1.427

Saúde 919 245.820 41.464

Trabalho 1.826 335.286 6.682

Transporte 945 88.386 5.363

Turismo e Lazer 24 1.094 39

Total 7.682 7.687.568 250.961

Fonte: OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras

Igualmente, como as importâncias do coope-

rado dentro da comunidade local têm-se os empre-

gos diretos ofertados pelas cooperativas, que em

2007 no total nos Estados brasileiros correspondeu

a 250.961 postos de trabalho. Os atores do contex-

to cooperativista se integram à sociedade, e distri-

buem os frutos da cooperação em forma de desen-

volvimento local, captando as potencialidades da

região em que vivem e as transformando coletiva-

mente em resultados. Há de se comentar também,

de bens e eleva o consumo, que por consequência

gera maior demanda por mercadorias pressionando

a criação de empregos, além de aumentar a arreca-

dação de impostos pelos governos das três esferas

(federal, estadual e municipal).

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sobre os indivíduos ligados indiretamente ao coope-

rativismo. Ao prestarem serviços às cooperativas ou

tendo algum grau de parentesco com cooperados

ou funcionários, o número de pessoas ligadas indi-

retamente ao cooperativismo aumenta ainda mais.

Todas as relações entre os demais integrantes

se forem respeitados os princípios cooperativistas,

contribuem para a construção de organizações de

gestão de base atuantes, de atores sociais e de so-

ciedade civil saudável. Isso faz avançar o capital so-

cial, beneficiando a localidade em que está inserida a

cooperativa. Facilita aos grupos e indivíduos, formas

recíprocas de ajuda e de cooperação, que permite

à determinada comunidade ter chances de compe-

titividade e de sobrevivência no mercado, gerando

oportunidades, capacidades e potencialidades nos

diversos atores da sociedade.

A constituição das cooperativas por vezes

leva em consideração a heterogeneidade entre as

regiões no território brasileiro. A região norte do

país, pelo contexto territorial de atividades ligadas

ao extrativismo tem potencialidades a desenvolver

práticas cooperativas (ligadas ao ramo de produ-

ção, consumo) que possibilitam melhor desempe-

nho à produção, escoamento e preços, dado a nego-

ciação conjunta. O centro oeste devido à demanda

do povoamento nas últimas décadas teve estímulo

ao surgimento de cooperativas agrícolas e urbanas,

mas, também, cooperativas habitacionais que propi-

ciaram o desenvolvimento regional. A estas duas

regiões percebe-se o salto qualitativo para o apro-

veitamento das potencialidades destas localidades

(SILVA et al. 2003).

Schneider (2004) diz que o cooperativismo

muito tem a contribuir para o desenvolvimento in-

tegral, humano e sustentável. Os sócios de uma co-

operativa são membros ativos daquela comunidade,

nela têm inserido suas raízes. Em relação às sobras

do exercício, os associados priorizam também a re-

aplicação da maior parte dos excedentes gerados

pela cooperativa dentro do próprio município ou da

Região. As cooperativas são importantes para acrés-

cimo da renda dos associados, comparativamente a

pessoas não associadas. Por exemplo, os associados

de todas as cooperativas brasileiras representam

apenas 3,02% da população brasileira, mas são res-

ponsáveis por 6% do Produto Interno Bruto do País.

Em relação ao número de cooperativas, este,

vem expandindo-se. Como apresenta a Tabela 4,

ressalta-se que no período de 1995 a 2007, há um in-

cremento de 4.509 cooperativas, respondendo por

65% de aumento no número total de cooperativas.

Alguns Estados tiveram um incremento substancial,

é o caso do Estado São Paulo com um adicional no

período de 820 cooperativas, Rio Grande do Sul com

802 cooperativas, e Minas Gerais com 744 coopera-

tivas. Mesmo olhando os Estados que menor incre-

mento de cooperativas tiveram no período de 1995

a 2007, nota-se que existia em 1995 um número pe-

queno destes estabelecimentos é o caso do Estado

de Roraima com apenas duas cooperativas em 1995

e passando a ter onze estabelecimentos cooperati-

vos em 2007, Amapá possuía três estabelecimentos

em 1995 e passou a oito estabelecimentos em 2007.

Relaciona-se o número de cooperativas com

número de empregos gerados por ela. No geral,

houve um incremento de 100.500 empregos, no pe-

ríodo. Detalha-se que o Estado que mais incremento

apresentou no período, foi o Estado do Paraná com

19.132 empregos, seguido de São Paulo com 16.267

empregos e Rio Grande do Sul com 13.181 postos de

trabalho.

No entanto, os Estados que menor tiveram

incremento no número de empregos gerados dire-

tamente por cooperativas, foi o Maranhão com re-

dução de 32 postos de trabalho, seguido do Estado

do Sergipe que contribui com apenas 182 empregos

diretos e Roraima (237).

Page 70: Revista FAE

68

TABELA 4 – Número de Cooperativas e empregos formais nos anos de 1995 e 2007

EstadosCooperativas Empregos

1995 2007 Diferença 1995 2007 Diferença

Rio Grande do Sul 1.293 2.095 802 28.385 41.556 13.181

Minas Gerais 1.148 1.892 744 19.343 29.297 9.954

São Paulo 1.032 1.852 820 28.029 44.296 16.267

Paraná 924 1.443 519 32.345 51.477 19.132

Santa Catarina 572 921 349 12.319 23.941 11.622

Rio de Janeiro 343 560 217 5.919 9.739 3.820

Goiás 262 393 131 5.513 7.964 2.451

Bahia 223 332 109 2.494 3.132 638

Espírito Santo 181 198 17 2.724 4.604 1.880

Mato Grosso 138 340 202 2.133 5.717 3.584

Ceará 121 174 53 1.598 4.460 2.862

Pernambuco 108 163 55 879 3.038 2.159

Distrito Federal 106 125 19 1.674 2.193 519

Mato Grosso do Sul 99 180 81 1.447 3.562 2.115

Rio Grande do Norte 57 93 36 835 1.657 822

Paraíba 52 76 24 506 2.303 1.797

Pará 40 128 88 787 2.192 1.405

Piauí 39 62 23 411 693 282

Rondônia 38 98 60 191 1.787 1.596

Alagoas 32 53 21 1.092 2.935 1.843

Sergipe 29 64 35 363 545 182

Maranhão 29 46 17 549 517 -32

Tocantins 19 49 30 393 897 504

Amazonas 15 57 42 366 1.472 1.106

Acre 4 20 16 86 385 299

Amapá 3 8 5 50 354 304

Roraima 2 11 9 39 276 237

Ignorado 5 0 -5 29 0 -29

Total 6.914 11.433 4.519 150.499 250.999 100.500

FONTE: RAIS (Relação Anual de Informações Sociais)

Ressalta-se a importância das cooperativas na promoção e geração de empregos, entre as Unidades

Federativas brasileiras, visto que ao possibilitarem estas vagas, condicionam seus trabalhadores, treinando-os e

remunerando-os. Essa remuneração eleva o consumo, que pede ampliação da produção e para essa aumentar,

há necessidade de promover investimentos e capital humano. Essa visão alimenta o processo econômico, que

continuado, alavanca indicadores socioeconômicos, chegando ao desenvolvimento regional.

Identificando o total de empregos diretos gerados pelas cooperativas, pode-se ver a participação do

mesmo dentro do total de emprego formal de cada Estado Brasileiro, de acordo com o Gráfico 1. Excetuando os

Estados de Amapá, Alagoas, Ceará, Maranhão, Piauí e o Distrito Federal, todos os demais mostraram crescimento

Page 71: Revista FAE

69R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 60-73, jan./jun. 2011

no número de empregos gerados pelas cooperativas, no total de emprego formal de cada Estado. Ressaltando,

que os Estados que tiveram maior aumento neste item, foram Rondônia com 0,57%, e Rio Grande do Sul atingiu

0,42% e Bahia chegou a 0,32%.

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50

RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF Total

Participação dos Empregos diretos das Cooperativas no Total de Empregos Formais em 1995 Participação dos Empregos diretos das Cooperativas no Total de Empregos Formais em 2007

FONTE: Resultados da Pesquisa

FONTE: Dados compilados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA Data e Resultados da Pesquisa.

GRÁFICO 1 – Participação dos Empregos Diretos gerados pelas Cooperativas no total do Emprego Formal nos anos de 1995 e 2007

GRÁFICO 2 – Renda domiciliar Per Capita por Estados Brasileiros em 1995 e 2007 e diferença no período.

Dada a movimentação dos atores sociais no mercado de trabalho, observa-se que o total de empregos

gerados pelas cooperativas influencia a renda domiciliar per capita no período. Fazendo uma conexão com o

total de incremento de postos de trabalho gerados pelas cooperativas no período analisado, com a diferença da

renda domiciliar per capita do mesmo período, pode-se observar a seguinte situação: nos Estados de Rorai-

ma, Acre, Rondônia, Amazonas e Amapá que apresentam menor incremento no total de empregos gerados

pelas cooperativas, também ocorreu queda da renda domiciliar per capita. Já nos Estados em que o volume de

empregos diretos gerados pelas cooperativas foi maior, como é o caso do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul,

Santa Catarina e Minas Gerais houve um incremento na renda domiciliar per capita.

-200 0

200 400 600 800

1000

AC AL AP AM BA CE DF ES GO MA MT MS MG PA PB PR PE RR SP SE TO Renda Percapita Domiciliar em 1995 Renda Per capita Domiciliar em 2007 Diferença entre a Renda domiciliar Per capita de 1995 e 2007

PI RJ RN RS RO SC

Entretanto, o Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Goiás, os aumentos da renda domiciliar per capita

foram satisfatórios, a diferença observada no número de empregos gerados pelas cooperativas no período,

não foi na mesma proporção em relação a renda.

O aumento na renda domiciliar per capita ajuda na redução da pobreza e inserção do indivíduo na so-

ciedade. A cooperativa ajuda neste contexto. Ilha (2008) em seu artigo trabalha a questão do capital social e

Page 72: Revista FAE

70

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Municípios sem Cooperativas Municípios com Cooperativas

AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO BR

FONTE: Resultados da Pesquisa

GRÁFICO 3 - Municípios por estados no ano de 2000 com cooperativas e sem cooperativas

o cooperativismo no desenvolvimento regional, ressaltando não só o papel social das cooperativas, mas seu

papel econômico na sociedade. No tocante ao aspecto social, reflete a valorização do trabalho, buscando no

coletivo, vantagens individuais, incrementando também o capital social.

A saber, se as cooperativas influenciam os indicadores de qualidade de vida, usa-se para este estudo

um indicador de desenvolvimento, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM)3, que mede o grau de

desenvolvimento dos municípios brasileiros, através de uma média simples de fatores, como renda e emprego,

educação e saúde. O índice refere-se ao ano-base de 2005, sendo o indicador socioeconômico mais atual.

Como métodos foram separados todos os municípios por Estado que possuíam uma ou mais coopera-

tivas de acordo com o total de estabelecimentos fornecido pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)

fornecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, dos municípios sem a presença deste empreendimento.

Após, foram elaborados dois valores médios dos IFDM, um com municípios com cooperativas e outro com

municípios sem cooperativas, para cada Estado brasileiro. Em todos os Estados brasileiros, a média do IFDM

foi maior nos municípios com cooperativas, que pode ser visualizado no Gráfico 3.

Estes resultados levam a constatar que no Brasil os municípios com cooperativas têm IFDM médio de

0,6132 e municípios sem cooperativas o IFDM médio é de 0,5485.

3 Varia entre 0 e 1, sendo quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento da localidade, e quanto mais próximo de 0, menor o nível de desenvolvimento. O IFDM é calculado pela FIRJAN, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro junto a Assessoria de Pesquisas Econômicas.

As análises estatísticas, obtidas de acordo com o teste t, mostram que as diferenças entre as médias dos

municípios, significativas a um nível de 99% em que, o IFDM nos municípios com cooperativas correlaciona-se

positivamente, sendo que a diferença média entre os municípios com e sem cooperativas é verdadeira.

Esse desempenho é a imagem do investimento nos indivíduos, com ações educativas, promovidas pelo

sistema cooperativista. Associados, os indivíduos são capazes de fazer as coisas acontecerem de uma forma

mais equitativa, tanto no acesso, quanto na distribuição dos recursos (BRASIL, 2006).

Com o cooperativismo há o fortalecimento da organização social das comunidades, considerado como

a capacidade de associar para obter ganhos individuais e coletivos, tendo como fontes principais a confiança,

o associativismo, a cooperação, a ação coletiva e a reciprocidade de favores. A inserção do capital social

capacita as pessoas a realizarem determinados projetos, que sozinhas não conseguiriam, condicionando-as

à mobilização dos fatores produtivos, num processo de autogestão. Assim a sustentabilidade econômica e

social contribui para a satisfação de vida dos associados (MOREIRA; MAYORGA; KHAN, 2008).

Page 73: Revista FAE

71R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 60-73, jan./jun. 2011

Em suma, considera-se que as cooperativas

indicam de certa forma uma contribuição para o de-

senvolvimento regional dos Estados brasileiros pelo

menos no tocante quantitativo. No âmbito da teo-

ria do desenvolvimento endógeno as cooperativas

são alocadoras de recursos, capazes de fomentar o

desenvolvimento das potencialidades da região, em

que está inserida. Assim, no período em questão,

sua contribuição em relação aos agentes locais foi

representativa, visto a movimentação dos postos

de trabalho assim gerados e consequente aumento

da renda per capita nos Estados citados. Enfim, no

desenvolvimento socioeconômico a presença das

cooperativas fortalece o vínculo do indivíduo com

a sociedade, visto a atuação desta, direta e indireta-

mente a promover o bem-estar.

4 Considerações Finais

O objetivo principal deste trabalho foi analisar

a contribuição das cooperativas nos Estados

Brasileiros, visto o impacto de suas atividades em

relação ao PIB, faturamento e comparações com

IFDM. Conforme visto, o desenvolvimento econômi-

co de uma região consiste na elevação de indicado-

res socioeconômicos mediante a qualidade de vida

da localidade. Propositalmente, a teoria do desenvol-

vimento endógeno trata a questão do indivíduo

inserido junto à sociedade, aumentando o capital

social que visa ações coordenadas em prol de um

objetivo comum, como peça fundamental a ocorrên-

cia do desenvolvimento local.

As cooperativas, inseridas neste contexto,

ajudam na alocação desses indivíduos como atores

do processo de desenvolvimento, ora como coo-

perados fomentando a eles cursos de qualificação,

que são usados junto à sociedade. De outra manei-

ra, as cooperativas geram como empresas empre-

gos, que contribuem na geração de renda e inser-

ção de pessoas na sociedade. Desta forma, o capital

social fomenta ações de desenvolvimento econômi-

co, pois pode ser gerador de aprendizagem coletiva,

importantes para o dinamismo econômico.

A metodologia abordada consistiu a mos-

trar os efeitos teóricos acima citados e a abordar

estatisticamente a composição das cooperativas

em ramos, empregos e sua relação com a renda e

a confirmação de que em média, municípios com

pelo menos uma cooperativa, possuem condições

socioeconômicas melhores que municípios sem a

presença das mesmas, de acordo com IFDM apre-

sentado.

No tocante ao número de empregos gerados

no período de 1995 a 2007 houve um incremento

de 4.509 cooperativas e 100.500 empregos diretos

o que ocasionou em alguns Estados como o Mato

Grosso do Sul, Goiás e o Distrito Federal aumentos

satisfatórios da renda domiciliar per capita. E no

Brasil, como visto, a média de IDFM dos Estados foi

maior nos municípios com cooperativas tendo IFDM

médio de 0,6132 e municípios sem cooperativas

IFDM de 0,5485.

O ramo agropecuário responde por 20%

do total de cooperativas registradas. Entre 2002 e

2007 o PIB do cooperativismo brasileiro apresentou

um crescimento na mesma taxa do PIB do Brasil.

O faturamento do cooperativismo foi crescente em

quase todo o período estudado, acompanhando o

crescimento do PIB. A região Sul deteve a maior

parcela da receita do cooperativismo brasileiro. Na

segunda posição ficou a região Sudeste, ainda que

a maior parte das cooperativas esteja localizada

nessa região.

Em média, municípios com pelo menos uma cooperativa, possuem

condições socioeconômi-cas melhores que municí-pios sem a presença das mesmas, de acordo com

IFDM apresentado.

Page 74: Revista FAE

72

Essa movimentação, busca a potencialida-

de local atrelada ao bem-estar, na teoria de desen-

volvimento endógeno. O cooperativismo fomenta

ações ligadas à capacitação de seus cooperados e

com o incremento da comunidade local, movimen-

ta-se em direção ao capital social, que aumentado,

fornece maiores capacitações aos atrativos locais,

aumentando o produto local e diminuindo as desi-

gualdades sociais.

O cooperativismo comprova seus impactos

positivos, enquanto sociedade eficiente, como

gerador de empregos e eficaz no foco social. As

cooperativas surgem com o intuito de melhorar a

qualidade de vida das pessoas que passaram pelo

trauma de viver a experiência da exclusão social

e econômica. Desta forma, fica eminente que há

probabilidade para vislumbrar o desenvolvimento

socioeconômico em que manifeste não somente

a questão econômica, mas a social, educacional,

cultural e humana.

Acredita-se que existem muitas possibili-

dades de gerar políticas públicas baseadas nos

princípios cooperativistas, todavia, isso depende da

constituição de parcerias entre as diversas esferas

do Poder Público, as Instituições de Ensino e de-

mais entidades. São as atuações coletivas que din-

amizam as mudanças imprescindíveis, para a con-

strução de planos locais que podem encadear ao

desenvolvimento regional.

Considerando a necessidade de contribuições

de estudos baseados na discussão crítica sobre as

modalidades de cooperativas existentes e a escolha

de uma região para a constatação da contribuição

das mesmas, julga-se fundamental a realização de fu-

turas pesquisas. Estas proporcionarão o aperfeiçoa-

mento e avaliação constante da abordagem. Nesse

sentido, a conduta das futuras pesquisas poderia, en-

tre outros, ter como objetivos:

a) desenvolver estudos que apontem para

as diferentes modalidades de cooperati-

vas adotadas numa sociedade que

representem a segmentação da atividade

econômica que regem o enquadramen-

to das vocações sociais cooperativos,

constantes nos estatutos sociais, tendo

a ver com as necessidades de todo o

conjunto comunitário; e

b) identificar o grau de sucesso de uma

região que seja imbuída pelo espírito co-

operativista e que se possa constatar o

nível de contribuição das cooperativas

em nível regional.

As cooperativas sur-gem com o intuito de melhorar a qualidade de vida das pessoas que passaram pelo

trauma de viver a ex-periência da exclusão social e econômica.

• Recebido em: 01/12/2010• Aprovado em: 29/03/2011

Page 75: Revista FAE

73R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 60-73, jan./jun. 2011

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Page 76: Revista FAE

Atributos que influenciam a compra de automóveis por mulheresAttributes that influence car purchasing for women

Page 77: Revista FAE

75R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

Atributos que influenciam a compra de automóveis por mulheresAttributes that influence car purchasing for women

Resumo

O comportamento de compra das mulheres tem sofrido mudanças devido ao seu cres-

cente poder aquisitivo e decorrentes alterações em seus papéis sociais. O mercado

automobilístico não está alheio a essas condições, sendo assim, neste trabalho buscou-

-se identificar quais são os atributos valorizados no momento de adquirir um carro pelo

mercado, lançando um olhar sob as especificidades do mercado feminino. Para tanto,

foi realizada uma pesquisa quantitativa descritiva com amostragem não probabilística,

delimitada por indivíduos entre 18 e 30 anos de idade da cidade de São Paulo. Os da-

dos foram coletados por meio de uma Survey eletrônica, em que foram discriminados

os atributos por meio de uma escala Likert. Os resultados apontam para diferenças

nas avaliações dos atributos conforme o gênero do respondente. Foi possível desta-

car diferenças significativas no comportamento de compra das mulheres que devem

ser levadas em consideração nos esforços de marketing. A pesquisa aponta ser uma

preocupação mais significativa para as mulheres os atributos como: argumentação do

vendedor no ponto de venda, os serviços pós-venda, cuidados com manutenção e

seguro do veículo. O estudo aponta também oportunidades de construção de diferen-

ciais competitivos a empresas no ramo automobilístico.

Palavras-chave: Comportamento do Consumidor; Consumidor Feminino; Atributos

de Compra.

Abstract

The buying behavior of women has changed because of their growing purchasing

power and changes in their social roles. The automotive market is not alien to these

conditions. Therefore, this study aimed to identify the attributes which are valued at the

time of acquiring a car, casting a look at the specifics of the female market. For this,

we designed a descriptive quantitative research with non-probability sampling, among

individuals aged between 18 and 30 years in São Paulo. Data were collected through

an electronic Survey, in which the attributes were discriminated using a Likert scale.

The results indicate differences in rating the attributes according to the gender of the

respondent. It was possible to highlight significant differences in buying behavior of

women that should be considered in marketing efforts. The research shows that for a

more significant concern for women are the attributes such as: the seller´s arguments

at the point of sale, after-sales services, maintenance and vehicle insurance. The study

also points out the opportunities to build competitive advantages to companies in the

automotive industry.

Keywords: Consumer Behavior; Female Consumer; Attributes Of Purchase.

Patrícia Regina Caldeira Daré Artoni1

Danilo Sofiato2

Eduardo Cruz Garcia3

Rafael Porto Braga4

Elton Siqueira Paiva5

Vinícius Kazuo6

1 Doutoranda em Administração na FGV-SP. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: [email protected]

2 Graduado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Analista Fiscal da Lác-teos Brasil. Email:[email protected] ou [email protected]

3 Graduado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Inside Sales/Pricing Coordinator da Fedex Trade Networks (Brazil). Email: [email protected]

4 Graduado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Consultor de Negócios da Tecsinapse e sócio-Diretor da Von Vögel. Email: [email protected]

5 Graduado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Assistente de Contro-ladoria e Finanças na GEP. Email: [email protected].

6 Graduado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Analista Financeiro do Banco Santander. Email: [email protected]

Page 78: Revista FAE

76

Introdução

Nas décadas de 70 e 80 o mercado brasilei-

ro tinha a sua disposição apenas quatro marcas de

fabricantes nacionais de automóveis, inclusive com

pouca variedade entre os modelos, limitando as op-

ções para o comprador. Porém, de acordo com o

relatório divulgado pela ANFAVEA (Associação Na-

cional dos Fabricantes de Veículos Automotores) em

2009, existem dezenove montadoras no mercado.

Numa perspectiva financeira, o faturamento líquido

do mercado de automóveis representou em 2008

cerca de 18% do PIB industrial do país. No entanto,

o alto faturamento da indústria não representa ne-

cessariamente um aumento no preço dos veículos, já

que o consumidor possui atualmente uma variedade

de modelos disponíveis no mercado, com diferentes

faixas de preços, além de contar com a facilidade dos

financiamentos a juros cada vez mais baixos e um

poder aquisitivo cada vez maior (YAMAGUTI, 2005).

Além da grande variedade de opções, há

também a diversidade dos consumidores, e seus

comportamentos exigem estudos mais profundos e

específicos no assunto, como por exemplo, a dife-

rença entre consumidores do sexo masculino e fe-

minino. Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000),

os gerentes de marketing sempre deram importân-

cia ao consumidor feminino por causa do volume de

produtos que consomem. Mas, recentemente ocor-

reu um maior interesse graças ao intensivo cresci-

mento do mercado feminino, proporcionado prin-

cipalmente pelo aumento dessa população frente a

masculina, uma maior participação no mercado de

trabalho e a um melhor posicionamento na hierar-

quia empresarial, em que a mulher hoje ocupa altos

cargos corporativos. Em uma escala global, elas são

responsáveis por $20 trilhões em gastos com con-

sumo e $13 trilhões em salários, o que representam

um crescimento de mercado maior que o da China

e o da Índia juntos – na verdade, mais de duas vezes

maior. (SILVERSTEIN; SAYRE, 2009).

No tangente ao principal objeto de estudo

deste artigo, uma pesquisa sobre os automóveis

publicada por Silverstein e Sayre pela Harvard

Business Review, em setembro de 2009, destaca

que as mulheres são responsáveis pela decisão

de compra de veículos em 60% dos casos. Porém,

destacam que apesar destes dados, as indústrias

automobilísticas são exemplos de empresas

que negligenciam em suas ofertas o mercado

feminino. Portanto, neste trabalho estudou-se o

comportamento do consumidor de automóveis,

com o objetivo de identificar quais são os atributos

valorizados no momento de adquirir um carro pelo

mercado, lançando um olhar sob as especificidades

do mercado feminino.

Os artigos e teses existentes são limita-

dos para responder a questão a que este artigo se

propõe. Em busca realizada nas Bibliotecas Digitais

de Teses e Dissertações (BDTD) e do Instituto Brasi-

leiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)

em outubro de 2009 utilizando as palavras-chave

“mulher/feminino”, “comportamento do consu-

midor” e “carros/automóveis” pode-se notar que

apenas cinco ocorrências tratavam do tema “mulhe-

res” e “carros”. Nenhuma delas aborda mulheres

como consumidoras no que se refere a suas especifi-

cidades em relação a compra de veículos, sendo esta

a principal contribuição do artigo.

Os gerentes de marketing sempre deram importân-cia ao consumidor femini-no por causa do volume de produtos que conso-mem. Mas, recentemente ocorreu um maior inte-

resse graças ao intensivo crescimento do mercado

feminino.

Page 79: Revista FAE

77R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

2 Referencial Teórico

As a market, women represent a bigger opportunity than

China and India combined. So why are companies doing

such a poor job of serving them? (Michael J. Silverstein

and Kate Sayre)

Segundo Kotler e Armstrong (2005) para que

um profissional de marketing consiga atingir seus ob-

jetivos, ele deve se valer de suas ferramentas, conhe-

cidas como mix de marketing: Produto, Preço, Dis-

tribuição e Promoção. Entende-se por distribuição o

esforço alocado por determinada empresa em tornar

o produto acessível para seu consumidor de forma

conveniente, sendo importante fator de influencia na

percepção do cliente, dada a diversidade de caracte-

rísticas do ponto de venda (CHURCHILL JR.; PETER,

2000; KOTLER, 2000). A promoção, segundo Kotler

e Armstrong (2005), abrange todo o trabalho relati-

vo à comunicação e promoção da empresa, de seus

produtos e de seus serviços, e o preço refere-se ao

custo de obtenção da oferta, sob a ótica do cliente e

para as empresas trata-se do único componente do

mix de marketing que produz receita. Para Mowen e

Minor (1997), o preço pode ser usado como estraté-

gia na sensibilidade do consumidor aos preços, indi-

cador para um produto que apresenta alta qualida-

de e ainda pode influenciar o consumidor de maneira

positiva ou negativa em relação ao produto, depen-

dendo da maneira como for exposto. Por fim, o pro-

duto, na definição de Kotler e Armstrong (2005, p.

416) trata-se de “algo que pode ser oferecido a um

mercado para satisfazer a um desejo ou necessida-

de”. Vale neste momento apresentar uma diferencia-

ção entre desejo e necessidade, já que este servirá

de base para a discussão sobre reconhecimento do

problema no processo de compra do consumidor.

Para Sheth, Mittal e Newman (2001):

Necessidade é a condição insatisfatória de um cliente,

que o leva a uma ação que tornará essa condição melhor.

Um Desejo é o afã de obter mais satisfação do que é

absolutamente necessário para melhorar uma condição

insatisfatória. (SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001, p. 59)

Portanto, a necessidade nasce por desconfor-

to nas condições físicas ou psicológicas dos indiví-

duos, enquanto o desejo ultrapassa o nível das suas

condições físicas ou psicológicas mínimas. Como

exemplificam os autores, qualquer carro pode levá-lo

ao seu destino, mas o indivíduo utilizar um Porsche

satisfaz um desejo de emoção, velocidade e prestígio.

(SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001)

Já para Engel, Blackwell e Miniard (2000) a

necessidade ocorre quando existe uma discrepân-

cia entre o estado desejado e a situação atual. Com

o aumento desta, ocorre uma situação de desper-

tar chamada Impulso, que quanto maior for a sua

intensidade, maior será a urgência do indivíduo em

supri-la. Com o tempo, certos padrões de compor-

tamento se tornam mais eficazes para suprir tais

necessidades, e estes surgem para funcionar como

desejos.

No desenvolvimento de qualquer produto é

necessário definir os benefícios que por ele serão

proporcionados. Esses benefícios são comunicados

e oferecidos ao mercado por meio dos atributos do

produto (KOTLER; ARMSTRONG, 1997).

De acordo com Peter e Olson (1996), os atri-

butos podem ser vistos como propriedade ou carac-

terísticas intrínsecas do produto. Seguindo a mesma

linha, Joas (2002, p. 32) acrescenta que essas pro-

priedades ou características “podem ser concretas,

observáveis, mensuráveis e de importância relevante

quando da escolha entre as alternativas disponíveis”.

De acordo com Lemos (2007, p. 29), “o estudo e a

mensuração dos atributos são fundamentais para o

entendimento das crenças do consumidor em rela-

“O estudo e a mensuração dos atributos são fundamen-

tais para o entendimento das crenças do consumidor em relação a um determina-

do produto ou marca”.

Page 80: Revista FAE

78

ção a um determinado produto ou marca”. Ainda de

acordo com o autor, os consumidores normalmente

avaliam primeiramente o produto pelos seus atribu-

tos para posteriormente avaliar a marca para formar

sua preferência. Porém, por meio de uma releitura de

Chao e Gupta por Lemos (citado por LEMOS, 2007),

a grande quantidade de informações acerca dos atri-

butos dos produtos pode tornar o processo de deci-

são de compra muito mais complexo, levando o con-

sumidor a uma extensa busca de informações.

Há diversas maneiras na literatura acadêmica

de se classificar um produto que relevam as ques-

tões concretas, mensuráveis, observáveis, tangíveis

e intangíveis. Alpert (1971) classificou os atributos

em três classes: salientes, que são aqueles perce-

bidos facilmente pelo consumidor em um produto,

mas que não possuem necessariamente relevância

no processo de compra; importantes, que são consi-

derados relevantes no momento da decisão de com-

pra de um produto e determinantes. Como exemplo,

Lemos (2007, p.30) cita os opcionais de automó-

veis, como direção hidráulica e ar-condicionado, que

mesmo sendo considerados atributos importantes

do produto, são provavelmente considerados bási-

cos em um automóvel de alto valor; e determinan-

tes, que são aqueles que podem fazer com que o

consumidor tome sua decisão de compra.

MacMillan e McGreath (1996) complemen-

tam estes conceitos classificando três classes:

básicos, que são aqueles que devem ser encontra-

dos em todos os produtos de uma categoria, sendo

considerado o “mínimo necessário” para colocar um

produto à venda; discriminadores, que diferenciam o

produto dos seus concorrentes – e quando vistos de

maneira positiva, são considerados diferenciadores.

Como citado por Lemos (2007), no ramo automobi-

lístico um poder típico diferenciador é a seguran-

ça; e os energizadores, semelhantes aos atributos

determinantes citados por Alpert (1971), pois tornam

os produtos distintos dos concorrentes, embasan-

do o consumidor em sua decisão de compra. Além

disso, os atributos podem ser considerados positivos

ou negativos, independente do seu tipo de classifi-

cação. De acordo com Lemos (2007), os positivos

agradam o consumidor, o que favorece a vendo

do produto, enquanto os negativos desagradam o

mesmo, o que dificultando a venda.

A idade destes consumidores também afeta

a avaliação de atributos, segundo Shiffman e Kanuk

(1997), sendo um fator relevante quando os atribu-

tos de um automóvel são avaliados. Consumidores

com idade entre 16 e 29 anos mostram maior pre-

ocupação com estilo e tecnologia do que as faixas

etárias mais velhas. Já os consumidores com idades

entre 30-49 anos e mais de 50 anos demonstram

uma tendência maior a sofrer influência sobre a va-

riável durabilidade.

Para Alpert (1971), consumidores de diversas

marcas, produtos e serviços normalmente possuem

personalidades distintas e possivelmente comprem

estes produtos por motivos e necessidades diferen-

tes. Outros autores também procuraram classificar os

atributos em suas categorias.

Mowen e Minor (1997) apresentam os bene-

fícios como resultados positivos que os atributos

oferecem aos consumidores, expondo a opinião dos

consumidores de três formas: Opinião sobre atribu-

to do objeto; opinião sobre os benefícios do atribu-

to; opinião sobre os benefícios do objeto. Para mos-

trar esta diferença, os autores utilizam um exemplo

de automóvel esporte ideal, como mostrado no qua-

dro 1.

QUADRO 1 - Exemplo de automóvel esporte ideal

Atributos Benefícios

Capacidade do motor

Aceleração rápidaPermite ultrapassagem mais seguraPermite a pilotagem em curvas mais rapidamenteGera sentimento de excitação e diversão

Suspensão ativa

Permite a pilotagem em curvas mais rapidamenteGera sentimento de excitação e diversão

Boa frequência de manutenção

Economia de dinheiro e tempo

Estilo futurísticoFaz o proprietário sentir-se melhor

FONTE: Elaborado pelos autores baseado em Mowen e Minor (1997)

Page 81: Revista FAE

79R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

Na abordagem do comportamento do consu-

midor, Engel, Blackwell e Miniard definem como:

“as atividades diretamente envolvidas em obter,

consumir e dispor de produtos e serviços, incluin-

do os processos decisórios que antecedem e suce-

dem estas ações” (ENGEL; BLACKWELL; MINIARD,

2000). Ainda pelos autores, a influência no compor-

tamento do consumidor pode ser um grande desa-

fio, mas uma das principais tarefas do marketing é

desenvolver um produto ou serviço que atenda as

necessidades e expectativas do consumidor.

Como demonstram Engel, Blackwell e Miniard

(2000), deve-se levar em consideração quatro

premissas fundamentais para influenciar o compor-

tamento do consumidor: o consumidor é soberano

e tem a habilidade de evitar tentativas de influên-

cia; entender sua motivação e comportamento por

meio de pesquisa; o comportamento do consumi-

dor poderá ser influenciado se o mesmo for tratado

ciente de suas ações e a persuasão e influência do

consumidor, devidamente restringidas por leis, pela

ética e pela moral, podem ser benéficas a sociedade.

Para Serralvo e Ignacio (2004) a análise do compor-

tamento do consumidor não se dá apenas por fato-

res econômicos ou ambientais, mas principalmen-

te por psicológicos e sociais, que são considerados

fatores internos. Os fatores ambientais, considera-

dos fatores externos, são impulsores que fazem com

que os consumidores respondam de acordo com o

grupo a que pertencem.

Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000)

os principais critérios de avaliação que interferem

na decisão de compra são: preço, nome da marca,

país de origem, similaridade alternativa de esco-

lha, o envolvimento, o conhecimento, e as diferen-

ças individuais, como os recursos disponíveis, sua

personalidade, valores e estilo de vida, bem como

também sua classe social, cultura e família. Existem

vários modelos que auxiliam o entendimento des-

tes fatores na consciência do comprador. Segundo

o Modelo de Estímulo e Resposta apresentado por

Kotler e Armstrong (2005) o comprador está sujei-

to tanto a estímulos ambientais - dentre eles eco-

nômicos, políticos, tecnológicos e culturais que po-

dem influenciar a compra ou rejeição de um produto

- quanto a estímulos de marketing, que empresa uti-

liza para estimular a demanda de seus produtos pe-

los compradores. Dentre esses meios, os principais

são os ‘4 Ps’, já explorados neste trabalho.

Ainda segundo Kotler e Armstrong (2005) o

comportamento do consumidor é influenciado pelas

características do comprador, que são expostos

por meio de fatores culturais, que exercem enorme

influência no comportamento do consumidor, pois

abrangem hábitos, costumes e ideologias. Estes

possuem três fatores distintos: Cultura, que são

valores e percepções adquiridas pelo convívio fami-

liar; Subcultura, que são culturas menores de grupos

de indivíduos que possuem valores semelhantes e

vida em comum; e Classe Social, partições homo-

gêneas da sociedade que partilham comportamen-

tos e valores, fatores sociais, grupos de referência,

família, papéis sociais e status. O grupo de referên-

cia diz respeito aos grupos com influência direta ou

indireta nas atitudes do comprador; a família, que

representa o fator mais influente para os indivíduos;

e os Papéis Sociais e as Posições Sociais, que dizem

Os principais critérios de avaliação que interferem

na decisão de compra são: preço, nome da marca, país

de origem, similaridade alternativa de escolha, o envolvimento, o conheci-

mento, e as diferenças indi-viduais, como os recursos disponíveis, sua persona-lidade, valores e estilo de vida, bem como também sua classe social, cultura e

família.

Page 82: Revista FAE

80

respeito a influência do status do indivíduo em seu

comportamento de compra, fatores pessoais, que

são características pessoais e experiências de vida

são fatores que também influenciam as decisões do

comprador, como Idade e Estágio de Ciclo de Vida,

que demonstram que em certos momentos da vida

o desejo de compra se modifica; Ocupação, que

diz respeito propriamente a profissão do compra-

dor; Condições Econômicas, que são o poder de

compra; Estilo de Vida, que representa o padrão

de vida do comprador por meio de seus interes-

ses e atividades; e personalidade e autoconheci-

mento, esta primeira variável importantíssima de

análise do comprador, pois cada ser humano possui

uma personalidade distinta, que tem forte ligação

com o autoconhecimento e fatores psicológicos: as

decisões do comprador também são influenciadas

por fatores psicológicos tais como: Motivação, que

representa o grau de necessidade do comprador

de adquirir um produto ou serviço; Percepção, em

que indivíduos selecionam e interpretam diversas

informações sensoriais, tais como o ambiente que o

cerca, formando uma imagem do mundo; Aprendi-

zado, que representam mudanças em seu compor-

tamento devido a experiências vividas; e Crenças e

Atitudes, que por sua vez representam um pensa-

mento descritivo sobre algo que podem definir

atitudes do comprador por meio do aprendizado as

pessoas adquirem suas crenças e atitudes. Abaixo

serão detalhados alguns fatores de maior impor-

tância para o trabalho.

Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000),

as classes sociais são grupos de indivíduos que apre-

sentam similaridades de comportamentos graças a

sua posição econômica, estando os indivíduos cien-

tes delas ou não. Os autores ainda realizam uma

releitura de Max Weber e, com alguma simplifica-

ção, pode-se dizer que as classes são estratificadas

de acordo com suas relações na produção e aquisi-

ção de bens. Já para Karsaklian (2004) a visão que a

sociedade moderna tem dos produtos não é apenas

de suprir uma simples necessidade, mas sim do valor

que ele representa. É por isso que seu consumo só

faz sentido no contexto ao qual está inserido, neste

caso, a classe social.

Como as diversas classes sociais possuem

características únicas, a estratégia da empresa pre-

cisa levar em consideração estas peculiaridades.

Segundo Karsaklian (2004), existem cinco caracte-

rísticas fundamentais de uma classe social: grandes agregações, por serem grupos em que a comuni-

cação se dá de forma indireta, diferentemente dos

grupos de tamanho reduzido; hierarquizadas, que

existe uma superioridade ou inferioridade relativa

entre as classes sociais, diferentemente das faixas

etárias e do estilo de vida, que determinam o com-

portamento do consumidor; evolutivas, puxadas

pela própria noção de hierarquização das classes

sociais, os indivíduos procuram mobilidade entre

elas, o que é possível em muitos países – consi-

derando que existem sociedades nas quais esta

mobilidade não é possível, como na Índia - e pode

exemplificar certas decisões de compra; multidi-mensionais, classes sociais não podem ser definidas

apenas por renda ou instrução do indivíduo. Como

Sheth, Mittal e Newman (2001, p. 178) ilustram, a

renda - por mais que seja um fator importante para

medir a classe social - não é um fator determinante.

Deve-se considerar também a instrução e a ocupa-

ção deste indivíduo, e relativamente homogêneas:

já que os indivíduos possuem os mesmos valores

e ocupam a mesma posição, os mesmos tendem a

ter um comportamento homogêneo, tanto de ves-

tuário como de lazer. Portanto, segundo Karsaklian

(2004), esta é a principal característica que interes-

sa ao empresário, já que é a principal característica

para realizar uma segmentação do mercado.

Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000),

os fatores que determinam as classes sociais vêm

sendo estudados desde 1920. Contudo, nove vari-

áveis foram identificadas por Gilbert e Kahl (1982)

em três categorias distintas:

– Variáveis Econômicas: Ocupação, Ren-

da e Riqueza;

– Variáveis de Interação: Prestígio Pesso-

al, Associação e Socialização;

– Variáveis Políticas: Poder, Consciência

de Classe e Mobilidade.

No estudo do comportamento do consumi-

dor, algumas variáveis são mais importantes que

outras e para a maioria dos pesquisadores desta

área, são seis as principais, ainda baseadas na relei-

tura no estudo de Gilbert e Kahl (1982):

– Ocupação, considerado o melhor indi-

cador simples da classe social, por ser

Page 83: Revista FAE

81R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

um assunto corriqueiro quando se co-

nhece outro indivíduo, já que provavel-

mente, em algum momento, alguém irá

perguntar ao outro “o que você faz”?.

Além disso, é a maior base do estilo de

vida da pessoa e dos benefícios como

prestígio, honra e respeito.

– Desempenho Pessoal, observado pelo

sucesso ou destaque perante os outros

indivíduos da mesma ocupação, um indi-

víduo pode ter o seu status influenciado.

E embora não seja um indicador deter-

minante, a renda pode ser um indicador

do desempenho pessoal. Não apenas

na sua ocupação, mas o desempenho

também pode ser apurado em outras

atividades, como filantropia, projetos

sociais, culturais.

– Interações, os indivíduos ficam mais

confortáveis quando estão em gru-

pos de valores e comportamentos se-

melhantes, portanto, as variáveis como

prestígio, que implica a outras pessoas

respeito, associação, que é determinada

pelo cotidiano de indivíduos que têm os

mesmos interesses e a socialização, em

que o indivíduo aprende habilidades,

costumes e atividades para sua convi-

vência em sociedade, são a essência da

classe social.

– Posses, que conforme citam os auto-

res Engel, Blackwell e Miniard (2000, p.

440): “[...] são símbolos de associação

de classe – não apenas o número de pos-

ses, mas a natureza das escolhas feitas”.

Como posse e riqueza estão intimamen-

te ligadas e riqueza é o acúmulo de ren-

da, posses podem ser consideradas ren-

das futuras, mas principalmente refletem

a classe social dos indivíduos. Uma casa,

a universidade, um clube, dentre outros,

são exemplos de posse. Além disso, pro-

dutos e marcas também podem repre-

sentar posses.

– Orientações de valor, em que os valo-

res são um conjunto de crenças em co-

mum que rege como as pessoas devem

se comportar. Portanto, se um deter-

minado grupo de indivíduos possui os

mesmo valores, pode-se agrupá-los em

um determinado segmento. Por isso é

importante para os pesquisadores dos

consumidores procurarem descobrir

quais são os valores deste determinado

grupo. Dentre estes estão ideais políti-

cos, religião, sistema econômico, etc.,

além de valores mais específicos, como

comportamento sexual, criação de fi-

lhos, aborto, etc.

– Consciência de Classe, em que os indiví-

duos de determinada classe social têm

a consciência de si mesmos como algo

distinto no que diz respeito aos inte-

resses políticos e econômicos. Quanto

maior o grau desta consciência, maior

a possibilidade de se organizarem para

defenderem seus interesses.

Além destas, Sheth, Mittal e Newman (2001,

p.172) expõem que a renda e a idade são também

pontos de grande influência no comportamento do

consumidor. Para eles, a idade se refere a idade cro-

nológica, ou seja, o tempo de vida de um indivíduo

desde seu nascimento, e não a idade psicológica

ou mental. Exerce a grande influência no compor-

tamento do cliente por três principais razões: as

necessidades e desejos mudam conforme a idade

do indivíduo; ajuda a determinar o ciclo de vida de

um cliente, que é a quantia de gastos que uma em-

presa pode esperar de um determinado cliente; e

finalmente é o estudo das composições etárias de

uma população, que influenciam o comportamen-

to dos mercados, valores e demandas dos clientes.

Mowen e Minor (2006, p. 317) ressaltam a importan-

te mudança da composição etária e da distribuição

de renda e como esses fatores podem se relacionar

de forma diferente de um período de tempo para

outro.

Outro forte fator de composição etária é a

imigração, pois os imigrantes tendem a ser mais

jovens e terem mais filhos. Para Engel, Blackwell e

Miniard (2000, p. 36), houve um grande aumento

na expectativa de vida da população na maioria

dos países, o que levanta questionamentos como

“se você é um administrador de uma determinada

empresa, você faria investimento pressupondo

muitos consumidores no futuro?”.

Page 84: Revista FAE

82

Solomon (2002, p. 352) apresenta o conceito

de Coorte de idade, que consiste em um grupo de

pessoas que possuem idade e experiências de vida

semelhantes e, consequentemente, recordações em

comum; portanto os profissionais de marketing pre-

cisam direcionar suas estratégias exclusivamente

para cada coorte de idade, o que pode causar certo

sentimento de nostalgia nestes consumidores.

Para Sheth, Mittal e Newman (2001, p. 222),

existem três formas de se classificar estes clientes

por grupos etários: a primeira é pelo ano de nasci-

mento, a segunda é pelo ano escolar que o indivíduo

frequenta, como pré-escolares, ensino primário e

secundário, universitários, adultos e adultos madu-

ros; a terceira é pelo ciclo de vida da família, em que

são captados os momentos do indivíduo no contex-

to familiar como casamento, divórcio, nascimento e

morte.

Segundo Kotler (1998, p. 181) não há nenhum

processo de análise único utilizado por todos os

consumidores em todas as situações de compra,

mas sim vários processos de análise de decisão. A

maior parte dos modelos atuais do processo decisó-

rio do consumidor é orientada cognitivamente, isto

é, os julgamentos sobre os produtos são formados

pelos consumidores amplamente relacionados em

bases racionais e conscientes.

Além dessas atribuições Solomon (2002,

p. 24) destaca que todas as atividades envolvidas

têm como objetivo saciar as necessidades e desejos

destes mesmos consumidores. O comportamento

do consumidor é na verdade um processo que não

se mantém apenas na ação de compra, mas sim um

processo contínuo que se estende da pré-compra,

em que o consumidor tem a necessidade de satis-

fazer um desejo, da compra, em que o consumidor

vivencia a atividade de compra, e a pós-compra, que

é a satisfação do cliente com o produto ou serviço

adquirido. A perspectiva de investigação dominante

é o positivismo lógico, em que os dois objetivos são

entender e prever o comportamento do consumidor

e descobrir relações de causa e efeito que direcio-

nam a persuasão.

Segundo Kotler (2000) o trabalho do profis-

sional de marketing não termina quando o produ-

to é comprado; ele deve monitorar a satisfação, as

ações e a utilização em relação ao produto depois

de efetuada a compra. Segundo Engel, Blackwell e

Miniard (2000) são sete os estágios de tomada de

decisão do consumidor: (1) Reconhecimento do pro-blema: quando o consumidor identifica em um pro-

duto uma capacidade de solucionar um problema

em comparação ao custo deste, fazendo com que

seja percebida uma necessidade ou um desejo não

satisfeito deste consumidor, ressaltando que existe

uma diferença entre desejo e necessidade; (2) Bus-ca de informações: os consumidores procuram por

informações e soluções para atender suas necessi-

dades. Esta busca pode ser interna, em que o indiví-

duo usa seu conhecimento armazenado na memó-

ria, ou ela pode ser externa, coletando no mercado

e no ambiente em que se vive; (3) Avaliação de al-ternativa pré-compra: os consumidores começam a

se indagar sobre quais opções existem e qual seria

a melhor na comparação entre os diversos produ-

tos disponíveis no mercado com o que consideram

de maior importância, fazendo uma seleção mais es-

pecífica do que procuram para atender a sua neces-

sidade antes da compra; (4) Compra: ainda pelos

autores, a decisão é influenciada pelos fatores indi-

viduais e ambientais; (5) Consumo: tendo sido rea-

lizada a compra seu consumo pode ser imediato ou

postergado, mas em ambos os casos a utilização do

produto influencia a satisfação do consumidor, que

determina se o mesmo irá realizar uma nova compra

ou descartar o produto; (6) Avaliação pós-consumo:

o consumidor pode experimentar tanto a satisfação,

que ocorre quando a expectativa sobre o produto é

atingida ou mesmo superada, ou a insatisfação, se

as expectativas são frustradas sobre os fatores es-

perados pelo consumidor; e (7) Descarte: o último

estágio no modelo do processo de decisão do con-

sumidor, em que os mesmos têm a opção de um

descarte sumário, reciclagem ou remarketing.

Segundo MACÊDO (2003) as concepções so-

bre gênero e a mulher sempre buscaram uma maior

compreensão sobre indivíduos socialmente discri-

minados pela determinante biológica, com o objeti-

vo de propor a superação dessa condição.

A reflexão acadêmica feminista foi desenvol-

vida próxima ao movimento feminista e foi motivada

por dois fatores: a reestruturação das Ciências So-

ciais e a formulação de um projeto de emancipação

da mulher.

Chiusoli, Pacanhan e Lopes (2004) apresen-

tam uma leitura de Blecher (citado por eles), em que

as mulheres preteridas nas propagandas e grupos

Page 85: Revista FAE

83R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

comerciais já passaram a comprar produtos de cate-

gorias que eram exclusivamente de uso dos homens,

como cuecas, ternos, etc. Os autores também des-

tacam em seus estudos o poder de decisão das mu-

lheres na compra: na indústria automobilística, cerca

de 80% de todas as vendas no ramo é da compe-

tência delas.

Segundo Engel, Blackwell e Miniard (2000),

os gerentes de marketing sempre deram importân-

cia ao consumidor feminino por causa do volume

de produtos que consomem; porém recentemente

ocorreu um maior interesse no mercado feminino

graças ao seu intensivo crescimento pelo aumen-

to de sua população em relação à masculina, pela

maior participação e melhor posicionamento no

mercado de trabalho, com altos cargos corporati-

vos.

Chiusoli, Pacanhan e Lopes (2004, p.3) afir-

mam que a fragmentação do mercado atualmente

força os profissionais de marketing a identificar os

melhores segmentos de mercado e um dos setores

que vem aumentando de forma espantosa é o de

mulheres consumidoras; os autores citam que: “[...]

são hoje responsáveis por 85% da tomada de deci-

são nos pontos-de-venda”.

Para Sheth, Mittal e Newman (2001), estes

mesmos profissionais precisam utilizar seus

conhecimentos para satisfazer tanto as mulheres

quanto os homens, já que produtos tipicamente

masculinos estão passando a ser consumidos em

peso pelo público feminino e vice-versa.

Engel, Blackwell e Miniard (2000) defendem

que o principal fator de impacto no comportamento

de compra das mulheres é justamente sua maior

participação na renda familiar. Outros fatores

abordados dizem respeito às alterações no próprio

comportamento das famílias e na disparidade entre

salários masculinos e femininos, apesar de existirem

casos em que mulheres conseguem salários maiores

do que os dos homens.

Sheth, Mittal e Newman (2001) demonstram

que com a mudança do recurso “tempo” nas famílias

duas alterações ocorrem: a redução de horas livres

e a mudança da alocação do tempo. As empresas

precisam adaptar seus horários a fim de captar o

público-alvo feminino, levando em consideração que

estes clientes têm pouco tempo livre.

Ainda segundo Sheth, Mittal e Newman

(2001), quando dois cônjuges trabalham, há cada

vez menos contato entre os membros da família e

algumas tarefas passam a ser terceirizadas, como

por exemplo, afazeres domésticos

Popcorn e Marigold (2003) apresentam um

estudo sobre o público feminino que está embasado

em oito verdades sobre o marketing direcionado às

mulheres (vide quadro 2).

QUADRO 2 - Verdades sobre o Marketing direcionado a mulheres.

1ª Verdade

Trata-se da naturalidade como as mulheres se comunicam, repartem informações, instruções ou ajuda sincera. Quando um produto ou serviço atende a uma necessidade ou desejo de uma delas, a boa referência se espalha com rapidez às outras.

2ª Verdade

As mulheres têm a habilidade de serem multitarefas e necessitam de produtos e serviços que as ajudem a integrar suas vidas de forma inconsútil.

3ª Verdade

“Se ela tiver de pedir será tarde demais”. As mulheres costumam guardar para si suas necessidades. O marketing para elas deve antecipar suas necessidades e desejos.

4ª Verdade

“Dirija o Marketing para a visão periférica da mulher e ela verá você sob uma nova luz inteiramente nova”. Isso está relacionado a capacidade que a mulher tem de captar pequenos detalhes que considera relevantes em uma escolha.

5ª Verdade

“...vá até ela, garanta a fidelidade dela para sempre”. A inserção da mulher no mercado de trabalho não a livrou das tarefas domésti-cas. Por isso, a conveniência e praticidade de alguns produtos e serviços são tão valorizadas por elas.

6ª Verdade

A influência materna é tão forte que pode influenciar os hábitos de compra futuros de seus filhos. Os consumidores se sentem mais seguros na escolha de um produto em que suas cuidadosas mães confiavam. “Esta geração de consumidoras vai levar você até a geração seguinte”.

7ª Verdade

"A cogeração é o melhor modo de criar uma marca.” Quando as consumidoras aceitam uma marca, produto ou serviço, permanecem fiéis a ela.

8ª Verdade

“Tudo tem importância...” As logomarcas e campanhas publicitárias não podem esconder informações aos olhos atentos das consumidoras.

FONTE: elaborado pelos autores com base em Popcorn e Marigold (2003)

Page 86: Revista FAE

84

3 Procedimentos Metodológicos

Malhotra (2004) considera que uma pesquisa quantitativa pode ser descritiva ou causal, em que a primeira é usada para descrever características de grandes grupos, enquanto a segunda analisa ten-dências relativas a relações de causa e efeito. Como o objetivo desta pesquisa é mensurar a importância atribuída aos diversos atributos de uma oferta de automóveis pelo mercado consumidor e verificar se há indícios de diferenças de gênero nesta avaliação, a pesquisa de campo deste trabalho pode ser classi-ficada como quantitativa descritiva.

Para Rodrigues (2005), as amostras utilizadas em pesquisas são subconjuntos, necessariamente fi-nitos, de determinada população nas quais diversos elementos serão examinados para elaborar o estu-do estatístico desejado. Segundo Hair et al. (2006), a seleção do método é dividida em duas formas, a não probabilística, em que a escolha da unidade fica a cargo do pesquisador, e a probabilística, em que cada elemento da população tem uma probabilida-de de ser selecionado.

Ambos os métodos possuem diversas ramifi-cações, mas para o propósito deste trabalho, foi uti-lizada apenas a não probabilística por amostragem, que segundo Hair et al. (2006) consiste na seleção de amostras mais disponíveis ao pesquisador, mas que são extremamente difíceis de serem generalizadas já que alguns elementos podem fugir do público-alvo desejado.

Segundo Hair et al. (2006) se o pesquisador deseja realizar um estudo descritivo, a necessidade de uma grande quantidade de dados implica na utilização de surveys ou acesso a banco de dados, que possuem características quantitativas e são utilizadas quando o pesquisador analisa modelos teóricos ou problemas de pesquisa bem definidos.

Após a obtenção dos dados, inicia-se a análise que, neste trabalho foi utilizada a análise multivariada fatorial. Para Corrar e Dias Filho (2007), a análise fatorial é uma técnica estatística em que se procura identificar dimensões de variabilidade comuns num campo de fenômenos pela avaliação de diversas variáveis. Estas dimensões, chamadas de fator, ajudam a explicar a correlação de determi-nados grupos de variáveis.

Ainda para Corrar e Dias Filho (2007), a prá-tica mais comum de análise fatorial é a explorató-ria, em que o pesquisador não tem o conhecimento prévio da relação de dependência das variáveis, mas existe também a confirmatória, que apresen-ta uma hipótese preconcebida de determinados fatores. O pesquisador precisa ainda definir alguns passos que são influenciados pelo tipo de pesquisa, que são: qual método de extração; que tipo de aná-lise será realizada; como será feita a escolha dos fatores e como aumentar poder de explicação.

Neste estudo foi utilizada uma pesquisa quan-titativa, descritiva e exploratória, com uma amostra-gem não probabilística por conveniência, delimitada por indivíduos entre 18 e 30 anos de idade da cidade de São Paulo. Os dados foram coletados por sur-veys, que foram analisados pelo método da análise fatorial exploratória e pelos testes não paramétricos de Mann-Whitney.

3.1 Instrumento Coleta de Dados

Foi elaborado um questionário com base na escala métrica Likert de “1” a “5”, na qual o entrevistado deveria responder “1” para os atributos considerados menos importantes e “5” para os mais importantes, conforme apresentado em anexo.

3.2 Análise dos Dados

As análises foram feitas com o uso do progra-ma SPSS®, utilizando-se os métodos de análise fato-rial e o teste não paramétrico Mann-Whitney, devido a falta de normalidade dos dados obtidos.

De acordo com Stevenson (2001), o teste Mann-Whitney é utilizado parar verificar se duas amostras independentes provêm de uma popula-ção com medianas iguais. O teste se baseia em uma soma de postos. Dispõem-se os dados em postos, como se todas as observações fizessem parte de uma única amostra. Freund (2006) complementa, afirmando que o teste Mann-Whitney (também co-nhecido como “Teste-U“) ajuda a averiguar se duas amostras independentes provêm de populações

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idênticas. Afirma também que o teste exige apenas que as populações sejam contínuas.

3.3 Seleção de Atributos

Com base na teoria revisão de literatura fo-ram levantados os atributos oferecidos aos consu-midores em ofertas de veículos. Foi realizada uma seleção das variáveis com base em atributos dispo-níveis no mercado automobilístico brasileiro, e nas recomendações de atributos propostas por Lemos (2007), conforme exposto no quadro a seguir, fo-ram consideradas três classificações de atributos de veículos e elaborados seus componentes constituin-tes (vide quadro 4).

Com base nestes atributos, partiu-se para a

construção do instrumento de coleta de dados.

4. Coleta e Análise de Dados

4.1 Escala Métrica e Distribuição

A distribuição do questionário foi feita eletro-

nicamente por meio do Google Docs Survey Tool, na

qual o questionário pôde ser elaborado, editado e

divulgado por meio de um endereço eletrônico ge-

rado pela ferramenta. Os 22 atributos de automóveis

considerados na pesquisa foram avaliados demons-

trando o quanto cada um deles poderia influenciar

na decisão de compra dos consumidores. O bene-

fício de utilizar uma ferramenta web para realizar a

pesquisa e armazenar os dados é a limitação de pre-

enchimento pelo usuário na programação no site,

melhorando a qualidade e confiabilidade dos dados.

A distribuição do questionário foi feita

eletronicamente por meio do Google Docs Survey Tool, na qual o questionário pôde

ser elaborado, editado e divulgado por meio de um

endereço eletrônico gerado pela ferramenta.

QUADRO 3 - Classificação dos Atributos

Classificação dos Atributos

Atributo

Características Internas (Tangível)

Ar-condicionado

Design Interno (Estofado, desenho, quali-dade)

Rádio Embutido

Quantidade de Espelhos

Tipo de câmbio manual/automático

Airbag

Direção Hidráulica

Trio Elétrico

Características Externas (Tangível)

Tamanho do porta-malas

Modelo do carro (Sedan, Pick up, Hatch, etc.)

Potência do Motor

Tipo de Combustível (Flex, diesel e gasolina)

Design externo (farol, formato, estilo, cor)

Marketing e Vendas (Intangível)

Propaganda na mídia sobre o carro

Preço de compra à vista

Preço de revenda e a desvalorização do veículo

Condições de financiamento

Zero ou usado

Marca do fabricante

Reputação do Carro (Imagem do veículo no mercado)

Serviços Pós-Venda, Manutenção e Seguro do veículo

Argumentação do vendedor no ponto de venda

FONTE: Elaborado pelos autores com base em Mowen e Minor (2006).

Page 88: Revista FAE

86

Com o objetivo de atingir a população-alvo da

pesquisada, o endereço eletrônico do questionário

foi enviado apenas as pessoas aptas a responderem

as perguntas dentro da faixa etária estabelecida

no problema de pesquisa, que são as que residem

na região de São Paulo e que estão dentro da faixa

etária entre 18 e 30 anos. Foi utilizada a técnica bola

de neve no processo de seleção dos respondentes,

em razão dela envolver “a identificação de sujeitos e

pedir-lhes que indiquem outros, os quais, por sua vez,

indicarão outros e assim sucessivamente, até que se

atinja o ponto de redundância” (ALVES-MAZZOTTI;

GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 163). No caso desse

trabalho, como ponto de partida, optou-se pela escolha

de elementos da rede de contatos dos pesquisadores

que atendessem os requisitos do público-alvo da

pesquisa e solicitou-se que enviassem o mesmo a

demais conhecidos de mesmo perfil. Dentre as 321

respostas recebidas, obtivemos 141 respostas do

público masculino e 180 do feminino.

4.2 Exclusão de Outliers

Após a coleta de dados iniciou-se a exclusão

dos outliers, responsáveis por possíveis distorções

nos resultados da análise. Entre eles estão respos-

tas incoerentes, como o grau de importância muito

elevado ou pouco elevado em sequência, respostas

repetitivas e escárnios. Dessa análise foram excluí-

das 26 repostas, restando ao final 136 respostas do

sexo masculino e 159 do feminino.

4.3 Análise Fatorial

Tendo em vista que o objetivo principal desse estudo era descobrir os fatores que influenciam a deci-

são de compra das mulheres por automóveis, foi gerada uma análise fatorial no conjunto de atributos para

agrupá-los dentro de fatores. Para essa análise a amostra foi restringida somente ao grupo de mulheres, tota-

lizando 159 indivíduos avaliados. Como o KMO da análise fatorial resultou em 0,761 e houve rejeição do teste

de Barlett´s Test, a amostra é adequada para analisar a presente pesquisa. As comunalidades também foram

adequadas, quase todas acima de 0,5, sendo que o único atributo que foi abaixo deste valor foi a potência do

motor, que teve uma comunalidade de 0,497. Porém, como o valor estava muito próximo de 0,5, ele foi man-

tido na análise.

Dos 22 atributos originais do questionário, na análise fatorial foram agrupados em 7 fatores, que explicam

65% da variância total dos dados. Para a nomeação de cada um dos fatores, consideraram-se os atributos que

o compunham, conforme o quadro 5.

QUADRO 5 - Composição dos fatores.

Aspectos Técnicos

Conforto Sensorial

Valor percebido PropagandaEspaço-Tamanho

Valor FinanceiroCustos Pós-

Posse

Ar-condicionado

Rádio embutido Zero ou usado PropagandaTamanho do porta-malas

Preço de Com-pra

Condições de financiamento

Design internoQuantidade de espelhos

Marca do fabricante

Argumentação do vendedor

Modelo de carro (Sedan, Pickup, Hatch)

Preço de revenda e desvalorização do veículo

Potência do motor

Design externo Tipo de câmbioReputação do carro

Tipo de Combustível

Direção hidráulica

Airbag

Serviços pós-venda, manutenção e seguro

FONTE: Elaborado pelos autores.

Atr

ibu

tos

Fat

or

Page 89: Revista FAE

87R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

TABELA 1 - Média, Mediana e Mann-Whitney

Atributo Sexo Média MedianaMann-

Whitney

FinanciamentoMasculino 3,06 3

0,000Feminino 3,65 4

Design InternoMasculino 3,67 4

0,030Feminino 3,94 4

Pós-VendaMasculino 3,62 4

0,003Feminino 3,99 4

RádioMasculino 2,32 2

0,001Feminino 2,87 3

EspelhosMasculino 2,17 2

0,002Feminino 2,62 3

ArgumentaçãoMasculino 2,29 2

0,021Feminino 2,58 3

FONTE: Elaborado pelos autores

No quadro 5, é interessante notar que o item

potência do motor foi alocado na análise fatorial

no mesmo grupo que atributos como “condições

de financiamento” e “tipo de combustível”, sendo

considerado um “custo pós-posse” para as mulhe-

res. A propaganda também é outro fator que pode

influenciá-las na decisão de compra, feitas estas

nas diversas mídias disponíveis hoje no mercado ou

mesmo pelo vendedor no ponto de venda. Com rela-

ção aos aspectos considerados “intangíveis”, como a

marca e a reputação do carro, mas que normalmen-

te costumam ter grande peso na decisão de compra

foi criado um fator denominado “valor percebido”. É

importante notar que este fator costuma ter relação

direta com o fator “propaganda”, já que as propa-

gandas normalmente influenciam a imagem criada

do produto na mente do consumidor.

Os atributos como ar-condicionado, direção

hidráulica e trio elétrico foram agrupadas em uma

única categoria chamada “aspectos técnicos”.

Porém, como Lemos (2007) ainda ressalta alguns

atributos considerados importantes em um carro

comum podem ser considerados básicos em carros

de luxo. Já atributos que poderiam ser considerados

determinantes na análise foram representados pelo

grupo “conforto sensorial”, que compreende rádio

embutido, tipo de câmbio, airbag e quantidade de

espelhos.

As mulheres se mostraram também influen-

ciáveis por questões ligadas a valores financeiros,

como o preço de compra a vista, o preço de reven-

da e a desvalorização do veículo ao longo do tem-

po. Por último, também mostraram que a decisão

de compra está correlacionada com o “tamanho/

espaço” do automóvel, já que este fator englobou

atributos como o tamanho do porta-malas e o mo-

delo do carro.

4.4. Teste Não Paramétrico (Mann-Whitney)

Definido os fatores que influenciam a de-

cisão de compra, foi feita uma comparação para

todos os atributos, revelando a diferença de impor-

tância entre homens e mulheres, para cada um des-

tes. Para tanto, foi utilizado um teste não paramé-

trico de Mann-Whitney, com nível de significância

de 5%.

Na tabela 1 são comparadas as médias do

grau de importância dos atributos entre os sexos,

em que são mostrados os seis atributos pesquisados

cujas médias foram consideradas distintas para um

intervalo de confiança de 95%, elucidando também

qual é a mediana de cada um desses atributos para

cada sexo, além do resultado correspondente do tes-

te de Mann-Whitney. É possível notar também que

as mulheres atribuíram maior importância do que os

homens a estes referidos atributos.

Page 90: Revista FAE

88

Como premissa básica foi considerada que

os atributos têm comportamento comum entre os

sexos, fazendo com que estes seis casos citados se-

jam opostos a premissa, corroborando com a hipó-

tese de que os homens e as mulheres se comportam

diferentemente em relação a esses atributos. Assim,

Financiamento, Desing Interno, Pós-Venda, Rádio,

Espelhos e Argumentação são os atributos que

mostraram ter importâncias distintas quando ava-

liados pelos diferentes gêneros.

Ainda de acordo com a pesquisa, 59,8% das

mulheres consideram o atributo Condições de Fi-

nanciamento um item muito importante ou impor-

tante e 20,8% um item sem importância ou pouco

importante, enquanto que, para os homens, apenas

46,3% classificam este atributo como muito impor-

tante ou importante e 35,3% o julgam como sem

importância ou pouco importante. Para o atributo

Design Interno foi demonstrado maior interesse

pelas mulheres do que pelos homens, com 67,8%

delas o considerando um atributo muito importante

ou importante, contra 42,6% deles o classificando

como um item sem importância, pouco importante

ou indiferente em relação a ele.

Com relação aos Serviços Pós-Venda, 72,3%

das mulheres o classificam como um atributo muito

importante ou importante, enquanto que 23,5% dos

homens são indiferentes e 17,6% o consideram um

item sem importância ou pouco importante. Com

relação a ter um Rádio Embutido no automóvel,

58,8% dos homens afirmam que o considera um

item sem importância ou com pouca importância,

enquanto que 36,5% das mulheres o classifica como

importante ou muito importante.

Com relação a Quantidade de Espelhos, a

maioria dos homens (65,4%) o considera um atri-

buto sem importância ou com pouco importância,

enquanto que 27,7% das mulheres o julga indiferente

e 25,2% o considera importante ou muito importan-

te. Para os homens, a Argumentação do Vendedor

é classificada como um atributo sem importância

ou pouco importante para 61% deles, enquanto que

32% das mulheres o considera um item indiferente e

20,8% um atributo muito importante ou importante.

5 Conclusão

Por meio da pesquisa foi possível atingir o

objetivo geral do presente trabalho, que se refere a

importância relativa de determinados atributos em

veículos no momento da compra. Engel, Blackwell e

Miniard (2000) mostram que o comportamento de

compra das mulheres foi modificado por sua maior

participação na renda familiar e das alterações no

próprio comportamento das famílias, o que é de-

monstrado também por Chiusoli, Pacanhan e Lopes

(2004), que afirmam que um dos setores que vem

aumentando é o de mulheres consumidoras, que

são responsáveis por 85% da tomada de decisão

nos pontos-de-venda.

Portanto, por meio do estudo realizado, foi

possível identificar e classificar com a análise fato-

rial os sete fatores que influenciam na decisão de

compra de automóveis por mulheres da amostra se-

lecionada: Aspectos Técnicos, Conforto Sensorial,

Valor Percebido, Propaganda, Espaço-Tamanho,

Valor Financeiro e Custos Pós-Posse. Além disso,

a pesquisa demonstrou uma distinção significativa

entre homens e mulheres em seis dos vinte e dois

atributos pesquisados, que são Financiamento, De-

sing Interno, Pós-Venda, Rádio, Espelhos e Argu-

mentação, ou seja, estes seis são os atributos, que

segundo Alpert (1971) são chamados como determi-

nantes, ou para MacMillan e McGreath (1996), ener-

gizadores, no que diz respeito ao comportamento

de compra das mulheres.

Sendo o carro, segundo Kotler e Armstrong

(2005), um bem durável de compra comparável e,

de acordo com Lemos (2007), que considera que

a análise dos atributos de qualquer produto é fun-

damental, uma vez que os consumidores avaliam

o produto pelos seus atributos, pode-se dizer que

pelos resultados obtidos por meio do questionário

que qualquer esforço de marketing voltado para o

público-alvo da pesquisa, ou seja, mulheres de 18-30

anos da grande São Paulo, deve focar os atributos

Page 91: Revista FAE

89R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 74-91, jan./jun. 2011

descritos no teste de Mann Whitney, já que Popcorn

e Marigold (2003) destacam nas suas verdades que

as mulheres repartem informações, e quando um

produto atende sua necessidade, a boa referência

se espalha com rapidez as outras.

Solomon (2002) destaca também que o

comportamento do consumidor é um processo que

não se mantém apenas na ação de compra e sim

um processo contínuo, que vai da pré-compra até

a pós-compra, o que na pesquisa demonstrou ser

uma preocupação mais significativa para as mulhe-

res, pois atributos como Argumentação e Pós-Ven-

da se mostraram mais importantes para as mulheres

do que para os homens.

Portanto, a identificação destes fatores

e atributos, que influenciam diferentemente a

compra do público masculino e feminino, poderá

representar um diferencial competitivo para as

montadoras de automóveis e seus respectivos es-

forços de marketing, principalmente em um merca-

do tão acirrado é o atual.

Sete fatores que influenciam na decisão de

compra de automóveis por mulheres da amostra

selecionada: Aspectos Técnicos, Conforto

Sensorial, Valor Percebido, Propaganda, Espaço-

Tamanho, Valor Financeiro e Custos Pós-Posse.

• Recebido em: 14/10/2010

• Aprovado em: 30/05/2011

Page 92: Revista FAE

90

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Competências Empreendedoras em Núcleos de Associativismo: Um Estudo nos Núcleos Setoriais Brasileiros da Associação Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú em Santa CatarinaEntrepreneurial Skills Centers in Associations: A Study in the Brazilian Industry Centers of Camboriu Balneario and Camboriu Business Association in Santa Catarina

Page 95: Revista FAE

93R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

Competências Empreendedoras em Núcleos de Associativismo: Um Estudo nos Núcleos Setoriais Brasileiros da Associação Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú em Santa Catarina

Entrepreneurial Skills Centers In Associations: A Study In The Brazilian Industry Centers Of Camboriu Balneario And Camboriu Business Association In Santa Catarina

ResumoA Associação Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú – ACIBALC pratica o associativismo por meio dos

Núcleos Setoriais brasileiros desde a sua fundação, em 2002 e, atualmente, estão em atividade os núcleos automo-

tivo, informática, farmácias magistrais, mulheres empreendedoras e moveleiro. Com a pesquisa objeto deste estudo,

buscou-se desenvolver um levantamento de competências dos empreendedores que participaram desse movimento

como forma de analisar as suas ações desenvolvidas na empresa e atribuídas a sua origem com a participação nos

nucleos setoriais. Os dados foram obtidos por meio de uma pesquisa quantitativa e descritiva composta de amostras

não probabilísticas, numa população considerada de 45 empreendedores, em que foram aplicados dois questionários

nos meses de abril e maio do ano de 2010, respondidos por empreendedores presentes nas reuniões dos núcleos. Dos

resultados evidenciados, ressaltou-se que as Competências Empreendedoras estão mais presentes nos empreende-

dores do núcleo de informática, destacando-se ações de persistência, comprometimento, busca de informações e in-

dependência e autoconfiança. Também pode-se considerar que a participação em núcleos setoriais é de grande valia

aos empreendedores. A sua participação faz com que ocorram mudanças na maneira como o empreendedor faz a

gestão e lidera sua empresa, assim como pode gerar tanto mudanças na parte física da empresa e nos colaboradores,

quanto economicamente. É possível constatar, por meio deste estudo, que a participação não deixa o empreendedor

isolado, e sim que o faz estar em aproximação com outros empreendedores, o que gera troca de experiências e infor-

mações, criando parcerias e gerando oportunidades, o que leva ao desenvolvimento de competências empreende-

doras. Quando o empreendedor passou a participar do núcleo, apenas a sua presença durante as reuniões propiciou

mudanças em sua postura empresarial, com alteração de alguns costumes e quebras de paradigmas estratégicos.

Houve ações de rede e cooperação identificadas que apontam para indícios de elementos pró-associativismo, e que

sugerem novos estudos. Os resultados da pesquisa se restringem apenas a amostra, não podendo generalizar os

resultados. Dessa forma, é possível replicar o método em outros ambientes com características semelhantes, incre-

mentando e comparando os resultados. A partir da análise e considerações feitas neste estudo, sugere-se para novas

pesquisas um estudo sobre como melhorar o comportamento empresarial dos empreendedores que participam

dos núcleos setoriais, devido às melhorias significativas que isto pode causar, bem como analisar com investiga-

ções mais profundas se as ações por competências empreendedoras mais estimulam ou inibem o associativismo.

Palavras-chave: Associativismo; Empreendedorismo; Núcleos Setoriais

AbstractThe Camboriu Balneario and Camboriu Business Association - ACIBALC - practices associations through the Brazilian

Industry Centers since its foundation in 2002 and currently the automotive, the informatics, the farmacies, the entre-

preneurial women and the furniture nuclei are functioning. It was developed in this an inventory of the skills of the

entrepreneurs who participated in this movement as a way to analyze their actions developed in the company and its

origin attributed to the participation in the sector clusters. Data were collected through a descriptive and quantitative

research consisted of non-probabilistic sample of a population of 45 entrepreneurs, in which two questionnaires were

applied in April and May of 2010, answered by entrepreneurs who participated in the meetings of the nuclei. From

the shown results, it was pointed out that the entrepreneurial skills are more present in the computer science cluster,

highlighting actions of persistence, commitment, information search, self-confidence and independence. You can

also take into account that participation in the cluster sectors is of great value to entrepreneurs. Participation makes

changes occur in how the entrepreneurs manage and lead their company, and can also generate physical changes

in the company, change the employees’ attitudes as well as make economic changes. You can observe through this

study that participation does not leave the entrepreneur alone, but that makes him or her be in proximity with other

entrepreneurs and that leads to an exchange of experiences and information, creating partnerships and creating

opportunities, which consequently leads to the development of entrepreneurial skills. Just by participating in the

clusters, the participants started to show changes in some of their business attitudes such as customs and break-

ing some strategic paradigms. It was noticed network action and cooperation which show signs of pro-associative

elements and suggest new studies. The research results are restricted only to the sample obtained and the results

cannot be generalized. Thus, it is possible to replicate the method in other environments with similar characteristics,

improving and comparing the results. From the analysis and considerations made in this study, it is suggested that

new researches on how to improve the corporate behavior of entrepreneurs who participate in sector clusters should

be done, due to the significant improvements this may cause. Further investigation should be done to check whether

the actions of entrepreneurial skills over stimulate or inhibit the association.

Keywords: Associations, Entrepreneurship, Sector Clusters

Lúcia Natália Borges Laste1

Fernando César Lenzi2

Ivan de Souza Dutra3

Mônica Maier4

1 Graduada em Administração de Empresas pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected]

2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade do Vale do Itajaí e Professor de Pós Graduação em diversas Universidades no País. E-mail: [email protected]

3 Doutor em Administração Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste Professor do Programa de Pós-Graduaçao em Administração da Universidade Estadual de Londrina E-mail: [email protected] .

4 Especialista em Gestão Financeira de Negócios pela Universidade Estadual do Centro-Oeste

Page 96: Revista FAE

94

Introdução

O Brasil é considerado um dos países com

maior índice de empreendedores do mundo, se-

gundo o Global Entrepreneurship Monitor – GEM

(2008). No relatório do GEM (2008) verifica-se, ain-

da, que, assim como acontece em outros países em

desenvolvimento, a principal motivação do empre-

endedor brasileiro é a necessidade de fazer alguma

atividade, o que pode ser observado em cerca 61%

dos casos. Apesar desse número estar diminuindo,

segundo a pesquisa este índice chegou a nove em-

preendedores por necessidade para cada dez, refle-

tindo nos altos índices de mortalidade das empre-

sas brasileiras.

De acordo com o SEBRAE (2010a), todo o

ano as Juntas Comerciais brasileiras registram a

abertura de aproximadamente 470 mil novas em-

presas no país. Muitas delas não ultrapassam a bar-

reira do segundo, terceiro ou quarto ano de vida:

49,4% morrem com até dois anos de existência,

56,4% com até três, e 59,9% com até quatro anos

de mercado. Naquele estudo também pesquisou-se

quais os motivos que levam as empresas a atingi-

rem esses altos índices de mortalidade, e uma evi-

dência é significativa no insucesso das empresas

brasileiras: baixo nível de formação gerencial.

Entre as causas ligadas ao baixo nível de ge-

renciamento merecem destaque a falta de planeja-

mento na abertura do negócio, falta de capital de

giro, problemas financeiros, ponto inadequado e a

falta de conhecimento sobre gestão. Nesse sentido

Dutra (2005), Dutra e Previdelli (2005) em estudo

sobre a mortalidade empresarial constatou que 98%

dos Micro e Pequenos negócios que encerraram ati-

vidades no norte do estado do Paraná, não tinham

plano de negócios e seus dirigentes tinham pouca

formação gerencial. Segundo o SEBRAE (2010c),

de cada dez problemas que pequenas empresas

possuem, nove são comuns a todas. Desta forma, é

possível que por meio de ações em conjunto as em-

presas possam mudar este cenário com cooperação,

advinda do associativismo.

A cooperação entre as empresas é algo que

vem crescendo no Brasil. Segundo Mattos et al.

(2002) boa parte da população mundial tem algum

vínculo com movimentos associativos. Já, na realida-

de brasileira este índice cai significativamente, che-

gando a apenas 8% da população, o que pode ser

considerado um significativo espaço para o cresci-

mento do associativismo de empreendedores. Para

Lewis (1992), as empresas criam um grande potencial

de competitividade quando envolvidas com movi-

mentos associativos. Dutra et al. (2009) apresentou

um caso bem sucedido, em que o associativismo e a

cooperação dos Hotéis Roteiro de Charme formaram

um conjunto de organizações em modelo de Rede

de Negócios com o aumento do poder competitivo.

Ou seja, esta é a era de alianças entre organizações

do ponto de vista estratégico e para as pequenas

empresas isto torna-se essencial para a sobrevivên-

cia e crescimento.

Com a finalidade de trabalhar o associativismo,

buscando a integração e fortalecimento das empresas

foi criado o Projeto Empreender no SEBRAE (2010a).

O projeto trabalha o associativismo com núcleos

setoriais, que são grupos de empreendedores do

De cada dez problemas que pequenas empresas

possuem, nove são comuns a todas.

O Brasil é considera-do um dos países com maior índice de empre-endedores do mundo,

segundo o Global Entrepreneurship

Monitor.

Page 97: Revista FAE

95R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

mesmo ramo de atividade que se reúnem para discutir

problemas em comum e soluções para estes.

Diante desse cenário e considerando a

relevância do associativismo no desenvolvimento

empreendedor, o principal objetivo da pesquisa

apresentada neste estudo foi:

identificar as Competências Empreendedoras

dos participantes de Núcleos Setoriais para o

associativismo na cidade de Balneário Camboriú-

SC e Camboriú-SC ambas no Brasil e seu reflexo nas

ações de desenvolvimento estratégico da empresa.

Para atender a esse objetivo foram consi-

deradas duas questões de pesquisa:

1. Quais as Competências Empreende-

doras dos participantes dos Núcleos

Setoriais brasileiros da Associação

Empresarial de Balneário Camboriú-

-SC e Camboriú-SC?

2. Qual o reflexo da participação nesses Nú-

cleos Setoriais acima mencionados para

o empreendedor desenvolver Competên-

cias Empreendedoras e melhorar o de-

sempenho estratégico da empresa?

O estudo está organizado de forma a apre-

sentar uma revisão da literatura, a metodologia uti-

lizada na pesquisa, os resultados encontrados e as

considerações finais, com as contribuições dadas

pela pesquisa e sugestões para futuros estudos.

1 Competências de Pessoas em Organizações e Competências Empreendedoras

Para sustentar a pesquisa proposta a funda-

mentação teórica contemplou os temas de compe-

tências e competências empreendedoras por serem

a base do conhecimento necessário para a proposta

apresentada na introdução deste estudo.

O gerenciamento de pessoas nas organiza-

ções mudou muito os perfis procurados pelas em-

presas. Para Dutra (2004), os funcionários obedien-

tes e disciplinados foram trocados pelo perfil de

autônomos e empreendedores. Essa mudança de

padrão de exigência fez com que a cultura das em-

presas estimulasse e apoiasse a iniciativa individual,

criatividade e busca autônoma para resultados da

empresa ou negócio. Esse novo modelo de gestão

que busca profissionais, com determinadas caracte-

rísticas capazes de fazer com que eles e as empre-

sas, façam a diferença no mercado, é chamada de

Gestão Por Competências.

Fleury e Fleury (2004) trazem uma defini-

ção de competência de pessoas em organizações

direcionando para os aspectos do conhecimento,

julgamento e habilidades para desenvolvimento

de determinada atividade. Dutra (2004) reafirma

a definição desse tipo de competência como um

somatório de duas linhas, a entrega e característi-

cas da pessoa que pode ajudá-la a se entregar com

maior facilidade. Sendo assim, de um lado estão as

competências como um conjunto de conhecimen-

tos, habilidades e atitudes necessárias para a pes-

soa exercer seu trabalho (input), e de outro lado, as

competências de entrega da pessoa para a organi-

zação (output).

O modelo da árvore das competências orga-

nizacionais é uma ferramenta que também possibi-

lita o direcionamento para a definição dos planos de

autodesenvolvimento e pode ser usada para mape-

ar campos de domínios de competências e planejar

metas a médio prazo (DUTRA, 2001). Segundo Gra-

migna (2002), o desenvolvimento de competências

do ser humano pode ser comparado ao processo de

crescimento.

Prahalad e Hamel (1990) comparam as com-

petências às raízes de uma árvore que oferecem à

organização o alimento, a sustentação e a estabilida-

de. O uso constante das competências impulsiona e

fortalece as organizações. Segundo Dutra (2004) a

aprendizagem está ligada à construção das relações

de trabalho na empresa.

Para cultivar uma árvore é necessário conhecer

seus componentes: raízes, tronco e copa, que juntos

formam um todo. Para crescer sadia e gerar frutos

é necessário receber em cada parte os cuidados

necessários.

Page 98: Revista FAE

96

A raiz corresponde as atitudes, valores, cren-

ças e princípios formados ao longo da vida. Pode-se

tomar como exemplo a função gerencial para listar

algumas atitudes que são diferenciais nas ações: sen-

sibilidade interpessoal, energia e iniciativa para resol-

ver problemas, disponibilidade para ouvir e receber

feedback, interesse e curiosidade, tenacidade e per-

sistência, flexibilidade e adaptabilidade, abertura e

receptividade a inovações, postura positiva e dinâ-

mica, integridade e bom senso com todas as pesso-

as, compartilhamento do sucesso com a equipe de

trabalho, reconhecer publicamente as contribuições,

sendo de honestidade e ética, compromisso com re-

sultados, senso de orientação para metas, automoti-

vação e autocontrole, busca permanente de desen-

volvimento (PRAHALAD; HAMEL, 1990).

O tronco corresponde ao conhecimento, e

quanto maior este conhecimento, mais a competên-

cia se fortalece e permite que o profissional enfrente

com flexibilidade e sabedoria os diversos desafios de

sua rotina. Na visão de Gramigna (2002), o conheci-

mento é um indicador de competências que ajuda a

lidar com o paradoxo da fortaleza e da flexibilidade.

Quanto mais conhecimento se coloca na bagagem,

mais as pessoas se tornam fortes e permite serem

flexíveis para enfrentarem as mudanças e as rupturas

que surgem em microintervalos de tempo.

Na sociedade atual, o profissional necessita

estar em constante aprimoramento, apropriando-se

de novas teorias e entendendo que o conhecimen-

to está sempre em constante evolução. Portanto, o

profissional deve traçar metas de autodesenvolvi-

mento constante.

A copa corresponde às habilidades, agir com

talento, capacidade técnica, obtendo resultados

positivos. A habilidade só é válida quando disponibi-

lizada, neste caso, é necessário demonstrar que sabe.

A habilidade é o que se pode chamar de conheci-

mento utilizado de forma correta e estas precisam

ser demonstradas na prática. O bom profissional deve

expressar em suas ações que se apropriou e entende

realmente do que está tratando, que sabe o que está

fazendo. Não adianta ter vários títulos e informações e

não aplicar este conhecimento.

Para Mills et al. (2002) e Javidan (1998) recur-

sos articulados entre si formam as Competências

Organizacionais. Como parte do sustento de van-

tagens competitivas, os recursos e competências

são parte importante para a organização. Gramig-

na (2002) define “competência” como um conjunto

de comportamentos e capacidades dominadas por

pessoas e organizações trazendo eficácia em suas

ações a cada situação enfrentada. Diante disso, o

ramo de atividade em que o indivíduo está inseri-

do determinará algumas competências que ele terá

e faz com que algumas características prevaleçam

sobre as outras.

Um conceito de uma pessoa com compe-

tência é relacionado a ter iniciativa, superando ex-

pectativas, compreendendo e envolvendo-se com o

todo, e que por suas ações é reconhecida. Analisan-

do os conceitos de Fleury e Fleury (2004), percebe-

-se que um profissional competente é alguém que

se envolve com o que realiza. Portanto, associar o

conceito de competência ao empreendedorismo

pode configurar uma forma diferente de entender o

perfil dos empreendedores a partir das suas ações

associativas.

Diante do exposto, pode-se direcionar a dis-

cussão sobre Competências Empreendedoras, quer

dizer, “competências de pessoas empreendedoras”. O

conjunto mais pertinente ao estudo das Competências

Empreendedoras é o modelo de competências indivi-

duais. Zarifian (2001) diz que não se obriga um indi-

víduo a ser competente, portanto, pressupõe-se que

não se pode obrigar ninguém a ser empreendedor.

Assim como uma pessoa pode lapidar suas próprias

competências, um empreendedor pode construir e

adequar suas individualidades a fim de criar uma com-

petência empreendedora.

A partir dos estudos de Spencer e Spencer

(1993) e Cooley (1990) pode-se identificar que as

competências mais abordadas por diversos estudio-

sos são: busca de oportunidades e iniciativa, correr

riscos calculados, exigência de qualidade e eficiência,

persistência, comprometimento, busca de informa-

ções, estabelecimento de metas, planejamento e mo-

nitoramento sistemáticos, persuasão e rede de conta-

tos, independência e autoconfiança.

No quadro 1, constata-se a divisão das Com-

petências Empreendedoras em três conjuntos de

ações: realização, planejamento e poder. Esses con-

juntos apontam uma série de competências carac-

terizadas por comportamentos manifestos pelo em-

preendedor frente aos desafios vivenciados no seu

dia a dia.

Page 99: Revista FAE

97R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

QUADRO 1 – Competências Empreendedoras em Três Conjuntos de Ações – 1990

CONJUNTO DE REALIZAÇÃO

1. Busca de oportunidades e iniciativa:

• fazcoisasantesdesolicitadoou,antesdeforçadopelascircunstâncias;

• ageparaexpandironegócioanovasáreas,produtosouserviços;

• aproveitaoportunidadesforadocomumparacomeçarumnegócio,obterfinanciamentos,equipamentos,terrenos,localdetrabalho

ou assistência.

2. Correr riscos calculados:

• avaliaalternativasecalculariscosdeliberadamente;

• ageparareduzirosriscosoucontrolarosresultados;

• coloca-seemsituaçõesqueimplicamdesafiosouriscosmoderados.

3. Exigência de qualidade e eficiência:

• encontramaneirasdefazerascoisasmelhore/oumaisrápido,oumaisbarato;

• agedemaneiraafazercoisasquesatisfazemouexcedempadrõesdeexcelência;

• desenvolveouutilizaprocedimentosparaassegurarqueotrabalhosejaterminadoatempoouqueotrabalhoatendaapadrõesde

qualidade previamente combinados.

4. Persistência:

• agediantedeumobstáculo;

• agerepetidamenteoumudadeestratégiaafimdeenfrentarumdesafioousuperarumobstáculo;

• assumeresponsabilidadepessoalpelodesempenhonecessárioparaatingirasmetaseobjetivos.

5. Comprometimento:

• fazumsacrifíciopessoaloudespendeumesforçoextraordinárioparacomplementarumatarefa;

• colaboracomosempregadosousecolocanolugardeles,senecessário,paraterminarumtrabalho;

• esforça-separamanterosclientessatisfeitosecolocaemprimeirolugaraboavontadeemlongoprazo,acimadolucroemcurtoprazo.

CONJUNTO DE PLANEJAMENTO

1. Busca de informações:

• dedica-sepessoalmenteaobterinformaçõesdeclientes,fornecedoreseconcorrentes;

• investigapessoalmentecomofabricarumprodutooufornecerumserviço;

• consultaosespecialistasparaobterassessoriatécnicaoucomercial.

2. Estabelecimento de metas:

• estabelecemetaseobjetivosquesãodesafiantesequetêmsignificadopessoal;

• definemetasemlongoprazo,claraseespecíficas;

• estabelecemetasemcurtoprazo,mensuráveis.

3. Planejamento e monitoramento sistemáticos:

• planejadividindotarefasdegrandeporteemsubtarefascomprazosdefinidos;

• constantementerevisaseusplanoslevandoemcontaosresultadosobtidosemudançascircunstanciais;

• mantémregistrosfinanceiroseutiliza-osparatomardecisões.

CONJUNTO DE PODER

1. Persuasão e rede de contatos:

• utilizaestratégiasdeliberadasparainfluenciaroupersuadirosoutros;

• utilizapessoas-chavecomoagentesparaatingirseusprópriosobjetivos;

• ageparadesenvolveremanterrelaçõescomerciais.

2. Independência e autoconfiança

• buscaautonomiaemrelaçãoanormasecontrolesdeoutros;

• mantémseupontodevista,mesmodiantedaoposiçãoouderesultadosinicialmentedesanimadores;

• expressaconfiançanasuaprópriacapacidadedecompletarumatarefadifíciloudeenfrentarumdesafio.

FONTE: Cooley (1990)

Page 100: Revista FAE

98

Com base no modelo de competências do

Quadro 1, ainda é possível pressupor que um indi-

víduo com competências individuais bem definidas

poderá utilizá-las para ações estratégicas e empre-

endedoras. No entanto, é importante ressaltar que

não basta ter competências individuais bem defini-

das, é necessário, sobretudo, que exista ou que se

busque o espaço adequado para que estas gerem

resultados concretos a organização.

Um aspecto ainda a ser observado é que se

o indivíduo não assimilar tais competências e re-

produzi-las em resultados para a organização, após

ter sido estimulado, o esforço terá pouco valor, se

tornará quase nulo para efeito dos negócios. Nesse

ponto, as Competências Empreendedoras devem

ter um foco bem definido na busca de resultados

estratégicos por parte do profissional em prol da

empresa.

Devido a significância observada nas dez

competências estudadas por Cooley (1990), foram

estas as escolhidas na base deste estudo, seguindo

a metodologia apresentada na seção seguinte.

3 Metodologia

A pesquisa realizada neste estudo está caracte-

rizada como quantitativa, sendo de caráter analítico e

descritivo, em que se buscou quantificar os dados das

competências individuais de cada entrevistado com a

finalidade de analisar as associações entre perfis dos en-

trevistados e suas ações empreendedoras.

O universo da pesquisa foi composto por 45

empreendedores que participam dos núcleos seto-

riais da Associação Empresarial de Balneário Cam-

boriú e Camboriú – ACIBALC e representam 27,2%

dos associados desta entidade. O número de pes-

soas e/ou empresas que participam dos núcleos

são: núcleo automotivo (20), núcleo das farmácias

magistrais (08), núcleo de informática (10), núcleo

moveleiro (07).

Todos os empreendedores participantes dos

núcleos setoriais da ACIBALC foram listados para

que respondessem ao questionário. Os questioná-

rios foram aplicados em reunião do núcleo, e pela

ausência de alguns participantes durante a reunião

foram respondidos 36 questionários na primeira

pesquisa de um total de 45 entregues, totalizando

80% da população indicada.

O segundo questionário foi aplicado aos

dois núcleos que obtiveram melhor pontuação na

pesquisa realizada anteriormente, sendo desta

forma, respondidos 13 questionários do total de

18 entregues, correspondendo a 72,22% do total

destes dois núcleos. A amostra aplicada é do tipo

não probabilista e intencional.

A coleta de dados ocorreu por meio de dois

questionários. O primeiro com dez questões, cada

questão com três afirmações estruturadas, apresenta-

das com situações que possivelmente foram vivencia-

das pelos empreendedores. Essas afirmações foram

construídas de forma que pudessem identificar as dez

competências abordadas por Lenzi (2008) a partir

dos estudos realizados em Spencer e Spencer (1993),

Cooley (1990), Pinchot III (1989), Dutra (2004), Fleury

e Fleury (2004) e McClelland (1971). O questionário

foi composto por 30 questões e foi respondido pelo

próprio empreendedor.

O segundo questionário foi aplicado aos dois

núcleos que obtiveram melhor pontuação na pes-

quisa realizada anteriormente, sendo desta forma,

respondidos 13 questionários do total de 18 entre-

gues, correspondendo a 72,22% do total destes dois

núcleos. Esse segundo questionário foi respondido

pela consultora dos núcleos setoriais sobre cada

participante com o intuito de comparar os resul-

tados e identificar se algum dos entrevistados se

autoavaliou significativamente diferente do que

representa ser. Essa segunda pesquisa teve como

objetivo validar os resultados finais, visto que a con-

sultora reconhece os resultados das ações de cada

um dos empreendedores pesquisados.

Cada afirmação dos instrumentos propõe

uma reflexão ao entrevistado por meio de uma es-

cala numérica. A pontuação da escala para cada afir-

mação se dá de 1 a 5, tendo 5 quando a interpretação

da questão for “sempre” e 1 quando for “nunca”. Nos

intervalos de 2 a 3 há a possibilidade de interpreta-

ções intermediárias para cada situação. As questões

são tabuladas com notas e a soma total de pontos

é de 150, representando o máximo possível de se

atingir em termos de pontuação das competências

empreendedoras.

Page 101: Revista FAE

99R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

A avaliação é feita através da pontuação por

competência. Cada questão contém 3 afirmações cor-

respondentes com o máximo de 5 pontos, totalizan-

do 15 por competência. As questões de destaque são

aquelas que obtiveram de 12 a 15 pontos, baseando-se

que cada questão é pontuada de 1 a 5 pontos, a pon-

tuação 3 representa um valor médio. Desta forma, para

que seja reconhecida a competência o empreendedor

deve estar acima da média, através do alcance de 4

pontos, que multiplicados por 3 questões totalizam o

mínimo de 12. A pontuação final ocorre através de uma

tabela que identifica a intensidade de cada um dos

comportamentos.

A tabulação das respostas ocorreu de forma

que as situações e notas mais altas correspondessem

à presença integral da competência, enquanto as

notas mais baixas caracterizam-se pela sua ausência.

Com os dados tabulados na primeira rodada

da pesquisa, pode-se observar qual o núcleo setorial

que apresenta ter a maior concentração de partici-

pantes com as competências empreendedoras. Desta

forma, foi aplicado o segundo questionário com os dois

núcleos que tiveram a melhor pontuação.

Com os empreendedores pesquisados na se-

gunda rodada da pesquisa, buscou-se identificar,

também, se a participação no núcleo setorial pode

ajudar no melhor desempenho quanto as compe-

tências identificadas nos empreendedores e quais as

mudanças estratégicas que eles consideram significa-

tivas em suas empresas desde o ingresso no grupo.

O questionário possui perguntas abertas sobre inova-

ções na empresa e fechadas quanto às competências

que o indivíduo considera que foram incrementadas

depois da sua participação no núcleo.

Na tabulação e análise dos dados obtidos

foram utilizados os recursos de funções da planilha

de dados do programa Microsoft Excel®1, quanto à

elaboração de tabelas e gráficos apresentados.

Os resultados desta pesquisa restringem-

-se apenas à amostra, não podendo generalizar

os resultados. Desta forma, é possível replicar

este método em outros ambientes com caracte-

rísticas semelhantes, incrementando e compa-

rando os resultados.

4 Resultados e Análises

A pesquisa aplicada com os empreendedo-

res entrevistados teve como objetivo identificar as

competências empreendedoras fundamentadas

em um constructo desenvolvido por Lenzi (2008)

a partir de Fleury e Fleury (2004), Dutra (2004),

Colley (1990), Spencer e Spencer (1993), McClelland

(1971) e Pinchot III (1989). Portanto, os resultados são

analisados a partir das seguintes competências em-

preendedoras:

• BOI–BuscadeOportunidadeseIniciativa

• CRC–CorrerRiscosCalculados

• EQE–ExigênciadeQualidadeeEficiência

• PER–Persistência

• COM–Comprometimento

• BDI–BuscadeInformações

• EDM–EstabelecimentodeMetas

• PMS – Planejamento e Monitoramento

Sistemáticos

• PRC–PersuasãoeRededeContatos

• IAC–IndependênciaeAutoConfiança

A Tabela 1 demonstra o resultado da pesquisa

feita com os 36 empreendedores e participantes dos

núcleos setoriais em cada uma das competências

mencionadas.

1 Microsoft Excel é um programa de computador que exerce cál-culos e funções matemáticas com dados e trabalha com ele-mentos textuais ou numéricos, e sua marca é registrada pela empresa Microsoft Corporation.

Page 102: Revista FAE

100

TABELA 1 - Distribuição do número de participantes dos núcleos setoriais por competências empreendedoras se-gundo pontuação individual-ano

COMPETÊNCIAS 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10

PONTUAÇÃO BOI CRC EQE PER COM BDI EDM PMS PRC IAC

1

2

3

4 1

5

6 1 2 1 1 1 2

7 2 1 3 3 2

8 4 1 2 2 3 2 1

9 8 5 6 2 5 7 6 1

10 2 7 5 3 4 6 6 3

11 8 3 5 2 2 4 3 3 2 7

12 7 5 7 9 5 4 9 6 6 6

13 3 7 4 8 7 7 6 4 6 6

14 1 3 8 6 12 5 2 2 3 6

15 2 1 8 10 11 1 1 6

TOTAL 36 36 36 36 36 36 36 36 36 36

FONTE: Os autores.

Pode-se constatar que os empreendedo-

res pesquisados possuem algumas competências

observadas a partir da pontuação 12. Para melhor

identificação, o gráfico 1 apresenta a distribuição do

número de empreendedores conforme a presença

das competências.

GRÁFICO 1 – Distribuição do número de colaboradores segundo o tipo e presença das Competên-cias Empreendedoras – 2010

Menos de 12 pontosDe 12 a 15 pontos

5

10

15

20

25

30

35

40

23

13

20

1617

19

5

31

2

34

9

27

18 18

24

12

20

16

12

24

01

- B

OI

02

- C

RC

03 -

EQ

E

04

- P

ER

05

- C

OM

06

- B

DI

07 -

ED

M

08

- P

MS

09

- P

RC

10 -

IAC

FONTE: Elaborado pelos autores.

No Gráfico 1 pode-se observar que as compe-

tências persistência (PER), comprometimento (COM)

e busca de informações (BDI) representam a maior di-

ferença de número de acordo com a concentração de

empreendedores. Neste caso, as respectivas compe-

tências são as que maior representam a presença nos

empreendedores. Após estas, outra competência que

apresenta número significativo é a independência e au-

toconfiança (IAC).

As competências de busca de oportunidades

e iniciativa (BOI) e planejamento e monitoramento

sistemático (PMS) também apresentam número mais

elevado de empreendedores quando comparados aos

que as possuem ou não, mas nestes casos, represen-

tam a ausência destas competências.

Pode-se dizer então que as competências per-

sistência (PER), comprometimento (COM), busca de

informações (BDI) e independência e autoconfiança

(IAC) são as de maior relação com os empreendedo-

res pesquisados, enquanto as competências busca

de oportunidades e iniciativa (BOI) e planejamento

e monitoramento sistemático (PMS) são as que me-

nor relação apresentam com os empreendedores da

pesquisa.

Page 103: Revista FAE

101R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

Para identificar qual o núcleo apresenta o maior número de participantes com as competên-cias descritas desta pesquisa, foram tabulados os resultados pessoais dos entrevistados, de acordo com seus respectivos núcleos. Procurou-se, então, identificar o núcleo com a maior concentração de participantes com as competências empreendedo-ras estudadas.

De acordo com os dados apresentados na pesquisa, o núcleo de farmácias magistrais foi o que apresentou a maior concentração de participantes com as competências empreendedoras, seguido pelo núcleo de informática.

A segunda pesquisa realizada, dessa vez apli-cada ao núcleo das farmácias magistrais e informática, pela pontuação obtida na pesquisa anterior, demons-trou que todos os participantes acreditam que o perfil empreendedor pode ser aperfeiçoado com a partici-pação deles num núcleo.

Os participantes dos núcleos das farmácias magistrais e informática apontaram que as principais ou mais evidentes competências que são aperfeiçoadas pela participação do empreendedor no núcleo são a busca de oportunidades e iniciativa (BOI), exigência de qualidade e eficiência (EQE) e comprometimento (COM).

10%

0%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90% 84,61% 84,61% 84,61%

76,92% 76,92%

30,80%

46,15% 46,15% 46,15%

23,07%

01

- B

OI

02

- C

RC

03 -

EQ

E

04

- P

ER

05

- C

OM

06

- B

DI

07

- E

DM

08

- P

MS

09

- P

RC

10 -

IAC

GRÁFICO 2 – Competências empreendedoras aperfeiçoadas pela participação nos Núcleos Setoriais – 2010

FONTE: Elaborado pelos autores.

Na primeira etapa da pesquisa, envolvendo to-

dos os núcleos, constatou-se que as principais com-

petências empreendedoras entre os entrevistados são

persistência, comprometimento, busca de informa-

ções e a independência e autoconfiança. E as com-

petências menos encontradas entre os participantes

foram a busca de oportunidades e iniciativa e o pla-

nejamento e monitoramento sistemáticos. Com isto,

pode-se identificar que as competências que foram

identificadas nos participantes não são exatamente as

que foram apontadas por eles como as principais alte-

radas pela participação no grupo.

Entre as competências que foram apresenta-

das por eles por serem aperfeiçoadas pelo núcleo e

que também foram identificadas no perfil dos inte-

grantes estão: comprometimento (COM), busca de

informações (BDI) e persuasão e rede de contatos

(PRC).

A competência exigência de qualidade e efi-

ciência (EQE) foi apresentada na pesquisa como

uma competência que é alterada pela participação

no núcleo, mas, no entanto não teve grande pontua-

ção entre os entrevistados. A busca de oportunida-

de e iniciativa (BOI) também foi identificada pelos

pesquisados como principal competência melhora-

da pela participação no núcleo e, no entanto ela foi

avaliada como uma das menos identificadas entre os

empreendedores avaliados.

Uma inferência possível de se atribuir, conside-

rando esse resultado da competência de busca de

oportunidade e iniciativa (BOI) não estar presente de

maneira significativa entre os entrevistados, é a de que

a os nucleados acreditam que essa seja uma competên-

cia que pode ser melhorada no grupo, ainda que os

resultados não sejam tão evidentes.

Quanto ao que se diz com a aplicação do se-

gundo instrumento de pesquisa, sobre quais mu-

danças ocorrem nas organizações dos empreende-

dores que participam dos núcleos, os entrevistados

citaram:a) maior conhecimento técnico dos servi-

ços prestados através da troca de expe-riências proporcionada no núcleo;

b) realização de planejamento;

c) maior visibilidade e credibilidade da em-presa perante os clientes e comunidade;

d) maior controle administrativo;

e) melhoria da rentabilidade, por melhor determinação do preço de venda e re-dução de custos;

Page 104: Revista FAE

102

f) participação em projetos sociais;

g) novas oportunidades surgem para em-

presa, pela constante busca por novida-

des do setor dentro do núcleo;

h) cooperação entre os parceiros do mesmo

setor, no qual os empreendedores se tor-

nam mais persistentes e confiantes, não

pensando em desistir nos momentos difí-

ceis da empresa;

i) aumento da rede de contatos;

j) maior comprometimento;

k) realização de ações de marketing;

l) qualificação dos funcionários através de

treinamentos, cursos, visitas técnicas e

troca de experiências com os funcioná-

rios das outras empresas do setor;

m) maior iniciativa;

n) melhor atendimento ao cliente, melhoria

dos produtos e serviços ofertados através

de treinamento cursos técnicos;

o) organização da empresa;

p) fortalecimento do setor.

Em uma análise do ponto de vista de resulta-

dos para empresa é possível mencionar que a par-

ticipação dos empreendedores nos núcleos setoriais

estimula uma série de comportamentos que podem

ser associados a ações estratégicas necessárias para

que a empresa tenha melhor desempenho de diferen-

ciação ou inovação no mercado.

Considerando o associativismo os itens de-

vem ser destacados especialmente os itens de co-

operação entre os parceiros (h), o aumento da rede

de contatos (i), e maior comprometimento (j), que

fortalecem os vínculos do associativismo e auxilia

no aumento do poder de competição dos negócios,

conforme Dutra et al. (2009).

Por meio de competências empreendedoras

mais desenvolvidas é evidente que o empreendedor

poderá melhor sua percepção de mercado no que

tange ações de diagnósticos, prognósticos, visão de

longo prazo, diferenciação, alta performance e busca

de rentabilidade.

Diante desses aspectos, parece coerente e

relevante afirmar que o envolvimento dos empre-

endedores em núcleos setoriais permite uma me-

lhora estratégica da empresa por meio do desen-

volvimento e aperfeiçoamento de competências

do empreendedor e levanta indícios de que isso

contribui para o associativismo, sugerindo estudos

sobre o que isso pode implicar nos resultados as-

sociativistas.

Essa é uma questão que pode extrapolar os

limites das fronteiras da ação empreendedora intra-

organizacional. Por esse motivo, isso levanta muita

discussão nos estudos organizacionais, especialmen-

te se a estratégia empreendedora individual conflita,

inibe ou as articulações e o alinhamento das empre-

sas para o associativismo e/ou a cooperação interor-

ganizacional.

5 Considerações Finais

Tendo como objetivo principal identificar as

competências empreendedoras e seu desenvol-

vimento estimulado na participação em núcleos

setoriais da Associação Empresarial de Balneário

Camboriú e Camboriú, pode-se considerar que esta

pesquisa alcançou seu objetivo.

O envolvimento dos empreendedores em nú-cleos setoriais permite uma melhora estratégi-ca da empresa por meio

do desenvolvimento e aperfeiçoamento de

competências do empreendedor.

Page 105: Revista FAE

103R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

A respeito das competências empreendedo-

ras, a “persistência”, o “comprometimento”, a “busca

de informações” e a “independência e autoconfiança”

foram as que mais se destacaram entre os empreen-

dedores pesquisados.

O núcleo que apresentou maior grau de com-

petências referente ao número de participantes foi

o núcleo das farmácias magistrais, seguido pelo nú-

cleo de informática.

A pesquisa com os núcleos que apresentaram

maior número de competências empreendedoras

mostrou que todos os empreendedores acreditam

que a participação em núcleos setoriais pode alterar

seu perfil empreendedor. Desta forma percebe-

se a importância de um empreendedor não ficar

isolado. A convivência com outros empreendedores

que também têm as mesmas dificuldades, que

passam por situações parecidas ou até mesmo

idênticas fazem com que o empreendedor observe

o comportamento do outro e saiba como agir em

determinadas situações, assim como se portar e se

posicionar melhor diante do seu trabalho.

Os empreendedores pesquisados acreditam

que as principais competências empreendedoras

que são aperfeiçoadas pela participação deles nos

núcleos setoriais, em ordem decrescente são: busca

de oportunidade e iniciativa, exigência de qualidade e

eficiência, comprometimento, busca de informações,

persuasão e rede de contatos, persistência, estabe-

lecimento de metas, planejamento e monitoramento

sistemáticos, correr riscos calculados, e independên-

cia e autoconfiança. Desta maneira, percebe-se que

os pensamentos das pessoas entrevistadas estão ali-

nhados com a definição de competência, como um

conjunto de habilidades que somadas atuam para o

desenvolvimento de uma gestão mais eficiente, como

tratada na teoria acima pelos autores Fleury e Fleury

(2004) e Dutra (2001).

Nota-se que todas as competências foram ci-

tadas pelos empreendedores como sendo aperfeiço-

adas durante a participação do indivíduo no núcleo.

Algumas foram mais citadas do que outras, pois são

motivadas naturalmente e com maior frequência pela

participação no núcleo, sendo assim mais observadas

por eles. Um exemplo tipicamente citado é a busca de

oportunidade e iniciativa, que é um dos principais mo-

tivadores que leva uma pessoa a participar do grupo

num primeiro momento.

Outras duas competências que foram as mais

citadas entre os pesquisados também estão próxi-

mas as ações que o núcleo provoca de imediato. A

busca pela exigência de qualidade e eficiência está

entre um dos requisitos para a participação no nú-

cleo. Os empreendedores cobram uns aos outros

pela qualidade e eficiência, pois um dos objetivos

do núcleo é ser visto como um grupo de empresas

em que se pode confiar e que prima pela qualidade

e eficiência.

A competência que trata do comprometi-

mento também é motivada a todo o momento em

que o empreendedor participa do núcleo. O empre-

endedor passa a entender seu papel na sociedade,

a importância do seu negócio e do núcleo, o com-

prometimento do empreendedor é observado neste

momento como essencial para a continuação dos

trabalhos.

Entre as melhorias causadas através da parti-

cipação em núcleos setoriais, pode-se observar que

ocorreram mudanças na empresa e nos empreen-

dedores. Entre as melhorias na empresa observa-se

que são muitos os ganhos, desde a qualificação de

funcionários, maior qualidade nos serviços e pro-

dutos oferecidos, melhora nos custos da empresa,

melhora do layout da empresa, engajamento social,

entre outros.

No empreendedor, entre as mudanças ob-

servadas está a atitude associativista. Ele passa a

integrar um grupo de empresários que se preocu-

pa com problemas da classe e sente que unido aos

seus concorrentes se torna mais forte. Além disto, o

empreendedor também passa a se preocupar com

a constante atualização técnica e capacidade de

gestão, assim seu comportamento e atitudes vão

sendo aperfeiçoados.

Com esta pesquisa pode-se confirmar que a

participação em núcleos setoriais é de grande valia

aos empreendedores. A sua participação faz com

que ocorram mudanças na maneira como o empre-

Page 106: Revista FAE

104

endedor faz a gestão e lidera sua empresa, assim

como pode gerar mudanças na parte física da em-

presa, nos colaboradores e nas condições econô-

micas. Fica evidente que a participação não deixa

o empreendedor isolado, e sim que o faz estar em

aproximação com outros empreendedores, o que

gera troca de experiências e informações, criando

parcerias e gerando oportunidades e desenvolven-

do competências empreendedoras.

A partir da análise e considerações feitas neste

projeto, sugere-se para novas pesquisas um estudo

sobre como melhorar o comportamento empresarial

dos empreendedores que participam dos núcleos

setoriais, devido as melhorias significativas que

isto pode causar. Um estudo a ser feito pode ser

realizado com os núcleos que apresentaram ter mais

competências empreendedoras neste estudo, a fim

de identificar os motivos que os fizeram ser destaque

nesta pesquisa.

Quando o empreendedor passa a participar do

núcleo, apenas a sua presença durante as reuniões já

começa a mudar sua postura empresarial, mudam-se

alguns costumes e quebram-se paradigmas. E, se o gru-

po estiver mais exposto a cursos, treinamentos e situa-

ções que o fizer trabalhar mais seu lado comportamen-

tal, acredita-se que o empreendedor conseguirá atingir

maiores resultados. Desta forma, um estudo sobre pos-

sibilidades e maneiras de melhorar o perfil empresarial

seria de grande valia para os núcleos. Cabe ressaltar que

esta melhora do empreendedor acabará refletindo nas

empresas e na sociedade.

Se o grupo estiver mais exposto a cursos, treina-mentos e situações que

o fizer trabalhar mais seu lado comporta-

mental, acredita-se que o empreendedor con-seguirá atingir maiores

resultados.

O empreendedor também passa a se preocupar com

a constante atualização técnica e capacidade de gestão, assim seu com-

portamento e atitudes vão sendo aperfeiçoados. • Recebido em: 10/01/2011

• Aprovado em: 18/04/2011

Page 107: Revista FAE

105R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 92-105, jan./jun. 2011

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Page 108: Revista FAE

Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos (SCM) uma Estrutura ConceitualConceptual Framework of Supply

Chain Management (SCM)

Page 109: Revista FAE

107R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

1 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Email: [email protected].

2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos (SCM) Uma estrutura conceitualConceptual Framework Of Supply Chain Management (SCM)

ResumoO propósito deste artigo é contribuir para a formação de uma estrutura conceitual do

Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, confrontando diferentes enfoques da sua de-

finição, evolução e analisar o gerenciamento da cadeia de suprimentos como uma filo-

sofia gerencial e como gerenciamento de processos. A metodologia de pesquisa para

atingir ao objetivo proposto é de pesquisa bibliográfica, com uma abordagem descritiva e

qualitativa do problema em estudo: o Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. Com o

Estudo evidencia-se a necessidade de um gerenciamento das organizações que busque

compreender e utilizar um modelo de gestão que considere os relacionamentos inter-

firmas, nos quais administrar uma organização é administrar os elos e interfaces de sua

cadeia de suprimentos. Os componentes do produto e a satisfação do consumidor final

são de responsabilidade de toda cadeia: fornecedores, produtores, operadores logísticos

e varejistas, o que exige processos superiores em todo canal. No contexto de modelos de

referências dos processos que compõem a cadeia, aborda-se, o GSCF – (Global Supply

Chain Forum) e o SCOR-model (Supply Chain Operations Reference) do Supply Chain

Council (SCC). Conclui-se que de forma geral os autores entendem que, gerenciar uma

empresa é administrar os processos que se desenvolvem de forma interfuncional e inte-

rorganizacional ao longo de sua Cadeia de Suprimentos, passando-se de uma realidade

individual para um conceito de redes de empresas.

Palavras-chave: Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos; Interorganizações; Filo-sofia gerencial; Redes de empresas; Processos de gestão.

AbstractThe purpose of this paper is to introduce a conceptual framework for the supply

chain management, taking into account all the different meanings of its definition,

evolution and to analyze the supply chain management as a philosophy and process

management. The research methodology to achieve the proposed objective is

bibliographic search, with a descriptive approach and qualitative study of the problem

in the Supply Chain Management. The study highlights the need for a management

that seeks to understand and use a model that considers the inter-organizational

relationships, where firms administer an organization is to manage the links and

interfaces of your Supply Chain. The product components and final consumer

satisfaction are the responsibility of the whole chain, suppliers, producers, retailers

and logistics operators, which requires superior processes throughout the channel. In

the context of the referential process versions that makes the chain, are the GSCF

(Global Supply Chain Forum), SCOR (Supply Chain Operations References), SCC

(Supply Chain Council). It is concluded that in general the authors understand that

managing a company is to manage processes that develop so inter functional and inter-

organizational along your supply chain, passing a reality individual for business networks.

Keywords: Supply Chain Management; Managerial philosophy; Business networks; Management processes.

Antonio Cezar Bornia 1

Joisse Antonio Lorandi 2

Page 110: Revista FAE

108

Introdução

A necessidade de enfrentar a competição glo-bal entre empresas tem feito evoluir o processo de gestão, de uma realidade individual para o concei-to de redes de empresas. Estas passam a competir de forma integrada através de organizações virtuais componentes de uma rede. “Uma das principais ca-racterísticas da nova economia é a transição da efi-ciência individual para a eficiência coletiva. A com-petitividade é e será cada vez mais, relacionada ao desempenho de redes interorganizacionais através de parcerias compartilhadas e não de empresas iso-ladas” (FLEURY; FLEURY, 2003, p.129).

Toda organização faz parte de uma ou mais cadeia de suprimentos (SC), quer a companhia ven-da produtos ao consumidor final, produza algum serviço, fabrique produtos, ou extraia matéria-prima (HANDIELD; NICHOLS JR., 1999; LAMBERT; COO-PER, 2000). A integração da cadeia de suprimentos a partir do seu gerenciamento caracteriza o para-digma pelo qual as empresas estão se direcionando para manter a vantagem competitiva. A forma como esta cadeia de suprimentos necessita ser gerenciada depende de diversos fatores, incluindo a complexi-dade do produto, a variedade de fornecedores e a variedade de matéria-prima (LAMBERT; COOPER, 2000). De modo crescente, as empresas estão ado-tando o Supply Chain Management (SCM) para redu-zir custos, incrementar vendas e as ações no merca-do e construir uma sólida relação com o consumidor (FERGUSON, 2000).

Nenhuma organização pode desenvolver uma estratégia de vantagem competitiva qu otimize somente suas eficiências internas, a vantagem competitiva real somente é alcançada quando o fluxo como um todo é mais eficiente e mais eficaz que o dos concorrentes. O novo paradigma competitivo é cadeia de suprimentos concorrendo com cadeia de suprimen-tos. (CHRISTOPHER, 1999). Para se ter sucesso em um mercado altamente dinâmico, as empresas não podem despender grande volume de recursos para competir como entidades individuais, antes, elas necessitam competir como redes ou canais de parceiros. Aqueles que ignorarem as forças da integração da cadeia de suprimentos somente verão uma lacuna entre eles e os líderes em ascensão (LEE, 2000).

Considerando-se um determinado produto, mesmo que o fabricante tenha conseguido a exce-lência operacional, se os membros da cadeia de su-primentos (SC) fornecedores, atacadistas e varejis-tas, continuam operando em condições precárias, o produto será penalizado pela ineficiência sistêmica

do canal, diante do consumidor final. Nenhuma ope-ração produtiva ou parte dela existe isoladamente, ou seja, todas as operações fazem parte de uma rede maior, de processos interconectados com outras operações internamente na organização e externa-mente com outras empresas (SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002).

Os processos-chave interfuncionais e inter-companhias gerenciados de forma integrada envol-vendo fornecedores, fabricantes, distribuidores e clientes é o que está se denominando de gerencia-mento da cadeia de suprimentos (SCM do inglês Su-pply Chain Management).

O gerenciamento da cadeia de suprimentos é um tema ainda em construção. Por isso, gera ambi-guidades tanto na área acadêmica como na sua prá-tica. Um significante desafio para os pesquisadores de cadeia de suprimentos é a diversidade que ainda é crescente no âmbito da literatura. Através de publi-cações em periódicos, não somente os especializa-dos, mas também em Journals populares, o SCM tem sido examinado em diferentes perspectivas cercan-do um campo de pesquisa multidimensional. Entre-tanto, a literatura referente ao SCM é composta por “retalhos” não conectados (CROMM; GIANNAKIS, 2004). O que justifica o objetivo deste artigo.

O objetivo do estudo é analisar e confrontar, a partir de um referencial teórico, as diferentes visões dos autores consultados, a fim de consolidar a for-mação de uma estrutura conceitual do gerenciamen-to da cadeia de suprimentos.

Metodologia da pesquisa quanto aos proce-dimentos técnicos, caracteriza-se como pesquisa bibliográfica, pois explica a problemática abordada a partir de referenciais teóricos. Em relação aos obje-tivos pretendidos, a pesquisa tem caráter descritivo e qualitativo que ocorre segundo Beuren, (2003), quando há a necessidade de um maior conheci-mento sobre a temática a ser abordada, o que exige

Pesquisa bibliográfica explica

a problemática abordada a partir

de referenciais teóricos.

Page 111: Revista FAE

109R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

uma investigação que possibilite o levantamento de hipóteses e a identificação de variáveis que tenham implicações com o objeto de estudo, a SCM. Para atingir ao objetivo pretendido, o artigo está estrutu-rado da seguinte forma:

Na segunda seção, apresenta-se uma confron-tação de diferentes enfoques em relação à defini-ção de supply chain, a fim de possibilitar a formação de um conceito próprio de cadeia de suprimentos. Após, faz-se uma classificação da SC quanto à sua complexidade.

Na terceira seção, apresenta-se uma confron-tação de diferentes enfoques em relação à definição de Supply Chain Management, a fim de possibilitar a formação de um conceito próprio de gerenciamen-to de cadeia de suprimentos. Após, aborda-se os as-pectos da coordenação da SCM em termos de filoso-fia gerencial ou de gerenciamento de processos. Em relação aos processos, abordam-se os modelos de referências defendidos pelo GSCF e o SCOR-model.

A quarta seção trata de um apanhado histó-rico de diferentes enfoques quanto aos motivos do seu surgimento e dos fatores responsáveis pelo que se conhece atualmente por gerenciamento da cadeia de suprimentos. E, por fim elabora-se uma conclusão geral do artigo e dos modelos apresentados.

2 Cadeia de Suprimentos

Cadeias de suprimentos existem em: indús-trias de manufatura, em indústrias de serviços, e até mesmo na casa das pessoas. Outros termos existen-tes são “cadeias de demanda” ou “cadeias de valor”, independente de qualquer termo usado, a intenção é fazer referência ao processo integrado de valor, do produtor para um usuário final. Para se formar uma estrutura conceitual de Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, cabe, inicialmente, definir cadeia de su-primentos e como esta pode ser classificada quanto à sua complexidade.

2.1 Definição de Cadeia de Suprimentos

A definição de cadeia de suprimentos demons-tra ser um termo de maior consenso entre os autores do que a do gerenciamento da cadeia de suprimen-tos (MENTZER et al., 2001). O quadro 1 apresenta al-gumas definições para cadeia de suprimentos:

FONTE: os autores

QUADRO 1 - Definições de cadeia de suprimentos na visão de diversos autores.

Lambert, Stock e Vantine (1998, p. 822)Cadeia de suprimentos é a integração dos processos do negócio do usuário até

os fornecedores originais que proporcionam bens e serviços e informações que

agregam valor para o cliente.

Christopher (1999, p. 13) A cadeia de suprimentos representa uma rede de organizações, através de ligações

nos dois sentidos, dos diferentes processos e atividades que produzem valor na

forma de bens e serviços que são colocados nas mãos do consumidor final.

Lummus e Vokurka (1999, p. 11)

Uma definição sintetizada de SC pode ser estabelecida como: todas as atividades

envolvidas na entrega do produto desde a matéria-prima até o consumidor

incluindo recursos de matéria-prima e componentes, fabricação e montagem,

armazenagem e rastreamento de estoques, entrada de pedido e gerenciamento do

pedido, distribuição através de todos os canais, entrega ao consumidor, e o sistema

de informação necessário para monitorar todas estas atividades.

Ballou, Gilbert e Mukherjee (2000, p. 9)A cadeia de suprimentos se refere a todas as atividades associadas com a trans-

formação e o fluxo de bens e serviços, incluindo o fluxo de informações, para o

suprimento de matérias-primas e ao usuário final.

Mentzer et al. (2001, p. 4)Uma cadeia de suprimentos é definida como uma equipe de 3 ou mais entidades

(organizações ou indivíduos) diretamente envolvidas num fluxo upstream e

downstream de bens, serviços, financeiro e informação para atender ao consumidor.

Handfield e Nichols Jr (2002, p. 35)

Identificam a cadeia de suprimentos como abrangendo todas as organizações e as

atividades associadas com o fluxo e a transformação de bens, deste o estágio de

matérias-primas até o consumidor final, com o fluxo financeiro e de informações

associados. Os fluxos de material e de informação correm nos dois sentidos por

toda a cadeia.

Page 112: Revista FAE

110

Cadeia de suprimentos é um assunto globalizado, ultrapassa as fronteiras dos países, autores do mundo inteiro estão escrevendo sobre isso, o que torna difícil se chegar a uma definição de consenso. Os autores aci-ma foram escolhidos porque escrevem sobre logística e supply chain há vários anos.

Na definição de cadeia de suprimentos alguns elementos chave devem ser considerados e vem comple-

mentando o conhecimento na área ao longo dos anos, estes serão demonstrados no quadro 2 onde se faz uma

confrontação dos diferentes enfoques tratados por autor.

Todavia, não é o objetivo classificar as definições analisadas em termos de boas ou ruins, já que foram estabe-

lecidas em determinado momento e através de um recorte dentro de um texto maior e o objetivo dos autores

nem sempre é descrever com detalhes os diversos elementos que caracterizam a cadeia de suprimentos, mas

muitas vezes colocar suas ideias de maneira sucinta subentendendo determinados conceitos, que poderão

ficar evidentes no decorrer do texto.

As expressões processos e atividades são usadas como sinônimo por alguns autores. Entretanto, nos

modelos de referência que estão sendo desenvolvidos para o gerenciamento da cadeia, como por exemplo o

SCOR-model, há uma diferenciação de hierarquia entre processo e atividade. Isto é, existem os processos, e den-

tro destes têm-se as diversas atividades que os compõem. Então, em termos de definição de SC, é importante se

enfatizar, que existem os processos que compõem a cadeia de suprimentos, e as atividades que operacionalizam

estes processos.

O termo fluxo é um fator importante, pois caracteriza o processo de integração entre os parceiros, como

Christopher (1999) bem coloca, as ligações se dão nos dois sentidos. O fluxo de informações e de recursos fi-

nanceiros ao longo da cadeia é outro elemento que tem sido acrescentado e se identifica como essencial para

alimentar e dar suporte aos processos de relacionamentos interfuncionais e intercompanhias.

Na figura 1 são evidenciados os fluxos upstream e dowstream de bens, serviços, informações, recursos

financeiros e conhecimento.

QUADRO 2 - Definições de cadeia de suprimentos na visão de diversos autores.

Elementos-chave na caracterizaçãode uma cadeia de suprimentos

1. integração de processos de negócio X X

2. integração de atividades X X X X

3. inclusão do consumidor final X X X X X X

4. fluxo de bens de serviços X X X X X X

5. fluxo de informações X X X X X

6. fluxo de recursos financeiros X X

7. número de entidades que compõem uma SC X

8. enfatizam a agregação de valor ao cliente X X

9. o retorno

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FONTE: os autores

Page 113: Revista FAE

111R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

FIGURA 1 - Cadeia de suprimentos integradas

Rede de Fornecedores Empresa Rede de Distribuidores

Fluxos de Informação, Produto, Serviços, Dinheiro e Conhecimento

Base de Recursos (Capacidade, Informações, “Core” Competência e Financeiro)

Co

nsu

mid

ore

s F

inais

Gerenciamento do Relacionamento

Engenharia

Logísctica

Operações

Abastecimento

FONTE: Handfield e Nichols Jr. (2002, p.09).

Em relação ao elemento chave número

mínimo de entidades que formam uma cadeia de

suprimentos Mentzer et al. (2001) têm seu mérito

no aspecto de consolidar que 3 entidades já se

caracterizam como uma cadeia.

A ênfase na agregação de valor é tratada so-

mente por dois autores, mas deve-se considerar que

está subentendida nas demais definições, já que tra-

tam do atendimento às necessidades dos clientes. E o

aspecto do retorno é um fato recente que vem sendo

destacado como componente da arquitetura da SC,

no sentido de que é necessário se pensar num trata-

mento que se deva dar aos resíduos resultantes após

o término do ciclo de vida do produto.

Uma definição de cadeia de suprimentos,

deve considerar os elementos descritos no quadro

2, mas é importante se acrescentar que, segundo

Ballou, Gilbert e Mukherjee (2000, p. 07), “cadeia

de suprimentos é um termo emergente que

enfatiza interações entre marketing, logística e

produção”. Não é um assunto estático, ele evolui

na medida em que as áreas de marketing, logística

e produção evoluam acompanhando a satisfação

das necessidades dos consumidores e também as

necessidades do planeta.

Então, a cadeia de suprimentos representa a

dinâmica integrada de redes de organizações que

compõem as relações de processos de negócios,

que produzem valor através do fluxo de produtos,

serviços, informação e recursos financeiros ao longo

do canal, desde os fornecedores de primeira linha

até o consumidor final, bem como o destino do pro-

duto após o seu uso.

2.2 Classificação da Cadeia de Suprimentos quanto à sua Complexidade

Cadeias de suprimento podem ter diferen-

tes níveis crescentes de complexidade, desde uma

cadeia de suprimento de uma única fase, podendo

chegar a ter até “n” fases. Incorpora as funções de

recebimento e fluxo de matéria-prima, manufatura

do produto, distribuição e entrega; inclui processos

de fluxo de informação e tomada de decisão e inclui

funções de administração financeira, de capital de

giro, de financiamento das atividades, estoques e de

equipamentos.

Fluxo de Informação, Produto, Serviços, Dinheiro e Conhecimento

Page 114: Revista FAE

112

Em consideração aos relacionamentos da supply chain, pode-se encontrar 3 graus de complexidade da

cadeia de suprimentos: direta, estendida e superior, conforme figura 2.

TIPOS DE DELACIONAMENTOS NO CANAL

Cadeia de suprimentos direta

Cadeia de suprimentos estendida

Cadeia de suprimentos superior

Fornecedor Organização Consumidor

Fornecedores dos fornecedores

Fornecedor Organização ConsumidorConsumidor do

consumidor

Consumidorinicial

Consumidorfinal

Fornecedor Organização Consumidor

Provedorfinanceiro

Pesquisa demercado

FIGURA 2 - Tipos de relacionamentos no canal

FONTE: Adaptado de Mentzer, et al. (2001, p.5)

Apesar de teoricamente a cadeia de supri-

mentos começar no fornecedor inicial e terminar no

varejo, a cadeia de suprimentos tem seu gerencia-

mento limitado, na esmagadora maioria das vezes, ao

elo fornecedor-cliente, e numa menor parte das ve-

zes, ao elo fornecedor de nível 2 – fornecedor de nível

1 – cliente (WANKE, 2006). Esta limitação é devido à

complexidade no gerenciamento dos interesses en-

tre os parceiros que compõem a SC, mas é factível

que o desempenho de uma empresa é amplamen-

te influenciado em um grau maior ou menor pelas

ações das organizações que fazem parte do canal na

qual operam, gerenciadas ou não.

Organizações não existem de forma isola-

da. Elas dependem das capacidades e recursos

embutidos em seus fornecedores, consumidores e

colaboradores. A definição dos limites e fronteiras

de algum sistema social é totalmente arbitrário, lar-

gamente dependente das intenções do observador

(CROOM; GIANNAKIS, 2004).

Então, um desempenho satisfatório de uma

empresa analisada individualmente depende da

qualidade de inserção desta organização nos rela-

cionamentos da rede e de como a cadeia como um

todo está sendo administrada. Esse gerenciamento

que ocorre entre os parceiros que compõem uma

rede, se caracteriza no Supply Chain Management,

que é, segundo Lambert e Cooper (2000, p. 66),

“Uma nova forma de gerenciamento dos negócios

e seus relacionamentos”. Administrar uma empresa

é gerenciar os seus relacionamentos e parcerias nos

canais onde está operando, através do SCM.

“Cadeia de supri-mentos é um termo

emergente que enfa-tiza interações entre marketing, logística e

produção”.

Page 115: Revista FAE

113R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

3 Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos

Existe a necessidade do desenvolvimento

de uma estrutura conceitual em torno do fenôme-

no cadeia de suprimentos para diminuir a confusão

em relação à natureza do SCM e tornar mais com-

preensível e aplicável para acadêmicos e práticos

(CROOM; GIANNAKIS, 2004). Ademais, a maioria

dos trabalhos publicados em SCM são identificados

por serem de natureza empírica e descritiva, adicio-

nando pouco no desenvolvimento teórico e concei-

tual e a percepção dos acadêmicos do escopo do

Supply Chain Management é variada (CROOM; RO-

MANO; GIANNAKIS, 2000).

A diversidade de publicações em Supply Chain Management não implica que haja um mape-

amento de um problema de domínio comum. Mui-

tos textos de autores em diversas áreas, oferecem

um viés compreensivo relacionado a seus campos

de atuação. Por exemplo: em uma pesquisa desen-

volvida com entrevistados europeus e americanos,

demonstrou que, para os americanos, a importância

do gerenciamento das operações é tratada como

problema principal de domínio no SCM, enquanto

europeus enfatizam primeiramente os relaciona-

mentos no canal, o que denota, divergências de

foco em torno do assunto (CROMM; GIANNAKIS,

2004). O que justifica um confronto de diferentes

enfoques, para possibilitar a formação de uma es-

trutura conceitual básica.

3.1 Definições de Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos

No quadro 3, demonstram-se definições

sobre o gerenciamento da cadeia de suprimentos,

para que a partir de diferentes enfoques se possa

consolidar uma abordagem em SCM:

QUADRO 3 - Definições de gerenciamento da cadeia de suprimentos na visão de diversos autores

FONTE: os autores

Cooper et al. (1997, p. )Gerenciamento da cadeia de suprimentos é uma filosofia integrativa do gerenciamento do

fluxo total de um canal de distribuição desde o fornecedor até o consumidor final.

Christopher (1999, p. 37)

Define gerenciamento da cadeia de suprimentos como o gerenciamento dos relacionamentos

upstream e downstream com fornecedores e consumidores para entregar um valor superior

ao consumidor com baixo custo para todos os participantes do conjunto da cadeia.

Lambert e Cooper

(2000, p. 66)

Definem gerenciamento da cadeia de suprimentos como a integração de processos-chave

até o usuário final a partir do fornecedor original que provê bens, serviços e informações que

adicionam valor ao consumidor e outros acionistas.

Ranzoline (2001, p. 53)

Conceitua SCM como sendo a administração sinérgica dos canais de suprimentos de todos

os participantes da cadeia de valor, através da integração de seus processos de negócios,

visando sempre agregar valor ao produto final, em cada elo da cadeia, gerando vantagens

competitivas sustentáveis ao longo do tempo.

Tan (2001, p. 42)

Supply Chain Management forma uma organização virtual composta de entidades inde-

pendentes com metas comuns de gerenciamento eficiente e eficaz todas estas entidades e

operações, incluindo a integração de compras, gerenciamento da demanda, design de novos

produtos e desenvolvimento e planejamento e controle de fabricação.

Mentzer et al. (2001, p. 17-18)

O gerenciamento da cadeia de suprimentos é definido como a coordenação sistêmica, estra-

tégica da tradicional função dos negócios e as táticas através destes negócios dentro de uma

companhia particular e através dos negócios dentro de uma cadeia de suprimentos, para o

propósito de aperfeiçoar o desempenho no longo prazo das companhias individualmente e

da cadeia como um todo.

Larson e Halldorsson, (2002, p. 36)

Define gerenciamento da cadeia de suprimentos como a identificação e o gerenciamento

da cadeia de suprimentos específica que são críticas para as operações de compras de uma

organização.

Page 116: Revista FAE

114

As definições do quadro 3 refletem diferentes formas de tratar o assunto, mas, segundo Tan (2001), três

descrições distintas predominam: (a) o gerenciamento da cadeia de suprimentos pode ser usado como um sinô-

nimo para descrever atividades de compras e suprimentos do manufaturador; (b) pode ser usado para descrever

as funções de transporte e logística do atacadista e varejista; (c) pode ser usado para descrever todas as ativida-

des que adicionam valor, do extrator de matéria-prima até o usuário final incluindo a reciclagem.

Para se fundamentar de uma forma mais específica descreve-se no quadro 4, fatores-chave que devem

compor a caracterização do SCM:

Ao analisar-se as definições do quadro 3 considerando seus elementos relevantes na caracterização do

SCM, percebe-se que muitos aspectos divergem principalmente em termos de nomenclatura utilizada para

descrever determinada situação. Como segue:

Por exemplo, Cooper, Lambert, Pagh (1997) tratam da filosofia integrativa (termo amplo), nem uma das

demais trata com estes termos, mas pode-se entender que todos os 8 elementos estão relacionados com uma

filosofia integrativa.

Já, o gerenciamento do fluxo total é menos abrangente que o item anterior, mas continua sendo amplo,

pois não define o que comporia o fluxo total. Esta forma de descrever o gerenciamento da cadeia de suprimen-

tos é um dos fatores que muitas vezes, inviabilizam a sua aplicação prática na medida em que não delimita os

processos que compõem este fluxo.

O fator-chave, Gerenciamento dos relacionamentos, é tratado de forma direta por Christopher (1999) e

por Ranzoline (2001) e indiretamente pelos demais autores. Este aspecto enfatiza a importância da gestão de

relacionamentos na cadeia, está diretamente ligado com as questões comportamentais que envolvem os parti-

QUADRO 4 – Elementos-chave na definição de cadeia de suprimentos

Elementos-chave na caracterizaçãodo gerenciamento da cadeia de suprimentos

1. Filosofia integrativa X

2. Gerenciamento do fluxo total X X

3. Gerenciamento dos relacionamentos X X

4. Integração dos processos-chave X X

5. Agregar valor em cada elo da cadeia X X X

6. Coordenação sistêmica, estratégica e tática da tradicional função dos negócios

X

7. Sincronizar as necessidades dos parceiros X X

8. Formar uma organização virtual X

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FONTE: Os autores

Page 117: Revista FAE

115R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

cipantes, tanto das culturas internas de cada organi-

zação, bem como das relações intercompanhias.

Integração dos processos-chave, elemento

tratado diretamente por, Lambert e Cooper (2000)

e de certa forma por Ranzoline (2001), que delimi-

tam ou simplificam os processos a serem gerencia-

dos, fator importante para viabilizar a implementa-

ção de uma SCM, já que a torna algo factível de ser

administrado. Determinam os processos-chave a se-

rem gerenciados de forma integrada interfuncional e

interorganizacional, desde a origem na extração de

matéria-prima até o consumidor final considerando

os elos e as interfaces da cadeia.

Agregar valor em cada elo da cadeia, foi

descrito de forma direta por Christopher (1999), e por

Ranzoline (2001), e de forma indireta pelos demais

autores, já que tratam de atender as necessidades

do consumidor. Entretanto, é importante se enfatizar,

que o agregado de valor deve se dar em todo o canal,

para que este possa ser competitivo isto é, todos os

parceiros devem ser competitivos individualmente e a

cadeia como um todo.

Coordenação sistêmica estratégica e tática

das tradicionais funções do negócio e sincronizar

as necessidades dos parceiros são dois aspectos

que se complementam e estão relacionados com

os demais.

Formação de uma organização virtual, outro

termo abrangente e recente, que foi tratado de forma

direta por Tan (2001), e indiretamente pelos demais,

mas o fato de defender a ideia de que o Supply Chain

Management forma uma organização virtual dá uma

versão importante para o entendimento do que seja o

SCM. Isto é, começa a formalizar os diversos aspectos

estratégicos e operacionais que vêm sendo tratados

como inerentes ao gerenciamento da cadeia de su-

primentos para que seja administrado como se fosse

uma “organização virtual”. E isto tem implicação mais

ampla, no sentido de que todas as ferramentas e mo-

delos aplicados em uma organização individualmente

possa ser adaptado ao SCM.

Concentre-se nas necessidades reais do cliente, sincronize

operações em toda a empresa, substitua ativos por infor-

mações, elimine a repetição de esforços e o desperdício.

Essas são as receitas para criar uma cadeia de fornecimen-

to (ou supply chain) integrada, colaborativa, adaptativa e

virtual (KEARNEY, 2004, p. 128).

Para que a cadeia de suprimentos atue como

um fluxo contínuo e num canal de suprimentos sem

costuras de ponta a ponta, o seu gerenciamento

deve considerar a filosofia básica da coprodução

onde o fornecedor passa a ser uma extensão da fá-

brica até o cliente (CHRISTOPHER, 1999). As ques-

tões operacionais e dos relacionamentos permeiam

as necessidades de gerenciamento da cadeia para

funcionar como uma entidade única, integrando a

coordenação de aspectos funcionais internos com

processos externos.

Então, o gerenciamento da cadeia de su-

primentos é administrar o fluxo de forma sincro-

nizada de bens, serviços, informações, finanças e

relacionamentos, através dos processos-chave in-

terfuncionais e intercompanhias, que viabilizem o

agregado de valor em cada elo e interface da ca-

deia até o consumidor final e em todo o ciclo de

vida do produto, como uma organização virtual.

Page 118: Revista FAE

116

3.1 Coordenação do Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos

Os elementos da SCM são capturados em uma

trilogia de coordenação, que são: (a) Coordenação in-

trafuncional (administração das atividades e proces-

sos dentro da função logística de uma empresa); (b)

Coordenação de atividades interfuncionais (adminis-

tração de atividades entre funções dentro da empre-

sa) e (c) Coordenação de atividades inter-organiza-

cionais na SC que estão localizadas entre empresas

dentro do fluxo do produto no canal, tal como entre

empresa e seus fornecedores (BALLOU; GILBERT;

MUKHERJEE, 2000).

FIGURA 3 - As três dimensões do gerenciamento da

cadeia de suprimentos

FONTE: Ballou, Gilbert e Mukherjee (2000, p.10)

O SCM coordena a inter-relação da função

logística da empresa com as demais áreas funcionais

internas e com os processos integrados com outras

organizações da rede. Esta coordenação das três

dimensões abarca as questões da filosofia e do

gerenciamento de processos. Alguns autores definem

SCM em termos operacionais, envolvendo o fluxo de

materiais e produtos. Outros a definem como uma

filosofia de gerenciamento e outros, ainda, como um

processo de gerenciamento. A partir da diversidade

de visões e experiências, Mentzer et al. (2001) divide

as coordenações do SCM em termos de: filosofia

gerencial e gerenciamento de processos.

3.1.1 Filosofia Gerencial

O SCM pode ser visto como uma filosofia,

baseando-se no fato que cada empresa na cadeia

de suprimentos direta ou indiretamente afeta a per-

formance de todos os outros membros da SC, bem

como o resultado de toda cadeia (COOPER; LAM-

BERT; PAGH, 1997). O efetivo uso desta filosofia re-

quer que as atividades realizadas entre os parceiros

da cadeia estejam alinhadas com as estratégias da

companhia e harmonizadas com a estrutura orga-

nizacional, processos, cultura, incentivos e pessoas

(ABELL, 1999). A intenção real é criar uma cultura

orientada para a cadeia de suprimentos (BOWER-

SOX; CLOSS, 2001) e a mudança da cultura corpo-

rativa de todos os membros da cadeia de valor é,

segundo Tan (2001), o mais importante pré-requi-

sito para conduzir ao gerenciamento da cadeia de

suprimentos.

Baseado na literatura revisada por Mentzer et

al. (2001), a filosofia do gerenciamento da cadeia de

suprimentos deve ter as seguintes características:

1. um sistema para gerir a SC como um todo

e para gerenciar o fluxo total de produtos

do fornecedor até o consumidor final;

O SCM coordena a inter--relação da função logís-tica da empresa com as demais áreas funcionais internas e com os pro-cessos integrados com outras organizações da

rede.

Coordenaçãointerfuncional

Coordenaçãointer-

organizacionalSUPPLY

CHAIN

MANAGEMENT

Coordenação intra funcional

Page 119: Revista FAE

117R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

2. uma orientação estratégica com esforço

cooperativo para sincronizar e convergir

intrafirmas e interfirmas capacidades

estratégicas e operacionais em uma uni-

dade conjunta e,

3. focar no consumidor para criar um úni-

co e individualizado recurso de valor

para entender as formas de satisfação

do consumidor final.

O Supply Chain Management é uma filosofia

de integração para gerenciar o fluxo de um canal

desde o fornecedor até o consumidor final (COO-

PER; ELLRAM, 1993). Então o efetivo gerenciamen-

to da SC requer a integração entre os parceiros.

Segundo Lee (2000), existem três dimensões cha-

ve para sua efetivação: integração da informação,

coordenação e linkage organizacional.

A integração não está completa se faltar

um firme relacionamento organizacional entre as

companhias. Por exemplo, em uma cadeia de su-

primentos ideal, segundo Lee (2000), toda infor-

mação deve ser transparente através da cadeia de

suprimentos. O compartilhamento de informações

entre os membros de uma cadeia de suprimentos é

um requisito fundamental para um efetivo gerencia-

mento do canal (HANDFIELD; NICHOLS JR., 1999).

Para que haja uma efetiva coordenação, é ne-

cessária uma estrutura de liderança e poder através

de uma empresa que assuma o papel da governan-

ça na cadeia de suprimentos (LAMBERT; STOCK;

VANTINE, 1998; BOWERSOX; CLOSS, 2001). Mas,

segundo Christopher (1999, p.13) “existe uma ética

quase Darwiniana da sobrevivência do mais forte

dirigindo a estratégia corporativa. Entretanto, tal

filosofia pode ser autodestrutiva se ela conduzir a

uma falta de boa vontade de cooperar para compe-

tir.” O desenvolvimento e a manutenção de relacio-

namentos eficazes exigem uma mudança na prática

de governança. Os executivos devem aprender a

gerenciar por meio da persuasão e da cooperação,

em vez da coerção (BOWERSOX; CLOSS, 2001).

Contudo, a integração da informação e co-

ordenação por si mesmas não podem sustentar

totalmente a integração da SC. O componente or-

ganizacional isto é, a governança também precisa

ser inserida, através da “linkage” entre as empre-

sas, a qual pode começar pelo incremento de um

conjunto de medidas de performance através da

cadeia de suprimentos (LEE, 2000). Se as empre-

sas desejam produzir desempenho operacional e

financeiro sustentável, elas devem alinhar suas es-

tratégias, capacidades e estilo de liderança com

o consumidor (CHRISTOPHER; GATORNA, 2005).

Isto é, a sua governança, em termos de filosofia de

gerenciamento, deverá refletir o alinhamento entre

as atividades operacionais da cadeia e o seu posi-

cionamento estratégico.

3.1.2 Gerenciamento de Processos Através de Modelos de Referências

Alguns autores têm focado o SCM como

gerenciamento de processos. Um eficaz geren-

ciamento da cadeia requer o entendimento e o

gerenciamento de 3 importantes fatores: quem

são os membros da SC; quais os processos da ca-

deia de suprimentos “linkados” entre eles e qual o

tipo e o nível de integração que estes processos re-

querem (SPENS; BASK,2002 LAMBERT; COOPER,

2000).

Dois destacados modelos de gerenciamento

da cadeia de suprimentos têm como componente

chave a integração dos processos partindo de ati-

vidades e tarefas que devem ser alinhadas com as

estratégias do canal. São eles: (1) o modelo GSCF

desenvolvido pelo Global Supply Chain Fórum e (2)

SCOR- model, ou modelo de referência das operações

na cadeia de suprimentos (Supply-Chain opera-

tions reference-model) desenvolvido pelo SCC ou

Page 120: Revista FAE

118

Supply-Chain Council.

(1) O GSCF - define Supply Chain Manage-

ment como a integração de processos de negócio

chave para atender ao usuário final. Neste sentido,

o sucesso do SCM requer uma mudança do geren-

ciamento de funções individuais para a integração

de atividades e processos chave na SC (LAMBERT;

COOPER, 2000). O GSCF identifica 8 processos

chave que fazem parte da essência do SCM:

1. Gerenciamento do relacionamento com o

consumidor;

2. Gerenciamento do serviço ao

consumidor;

3. Gerenciamento da demanda;

4. Atendimento do pedido;

5. Gerenciamento do fluxo de manufatura;

6. Procurement;

7. Desenvolvimento e comercialização do

produto e,

8. Retorno.

De acordo com o modelo do GSCF, o geren-

ciamento das empresas parceiras, em cada cadeia

de suprimentos deve considerar estes oito proces-

sos (LAMBERT et al., 2001). Cada um destes oito

processos é interfuncional e intercompanhias. Como

demonstrado na figura 4, cada parte do processo é

dividida em uma sequência de subprocessos estra-

tégicos e todos os subprocessos são detalhados por

um conjunto de atividades (LAMBERT et al., 2005).

A figura 4 apresenta os oitos processos de

negócios-chaves identificados pelo GSCF, que

abrangem toda a cadeia de suprimentos e cortam

a empresa através das áreas funcionais. Essas áreas

funcionais incluem o marketing, pesquisa e desen-

volvimento, finanças, produção, compras e logística

(LAMBERT et al., 2001). O SCM, como praticado

atualmente, está emergindo para o marketing, logís-

tica e produção (BALLOU; GILBERT; MUKHERJEE,

2000). Para cada um desses processos, que levam

em consideração as áreas funcionais, o modelo pre-

vê o desdobramento em processos estratégicos e

FIGURA 4 - Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos: Integrando e Gerenciando os Processos de

Negócios através da Cadeia de Suprimentos.

LogísticaMarketing e VendasCompras

P&D

Gerenciamento do Relacionamento com o Cliente

Gerenciamento do Serviço do Cliente

Gerenciamento da Demanda

Desenvolvimento de Produto e Comercialização

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Proc

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Fluxo de Informações

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Gerenciamento do Fluxo da Manufatura

Gerenciamento do Relacionamento com o Fornecedor

Atendimento de Pedidos

Fluxo do ProdutosProdução Finanças

LogísticaMarketing e VendasCompras

P&D

Gerenciamento do Relacionamento com o Cliente

Gerenciamento do Serviço do Cliente

Gerenciamento da Demanda

Desenvolvimento de Produto e Comercialização

Gerenciamento do Retorno

Proc

esso

s do

Ger

enci

amen

to d

a C

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a de

Sup

rimen

tos

Fluxo de Informações

Fornecedor1º Camada

Fornecedor 2º Camada Cliente

Cliente Final

Gerenciamento do Fluxo da Manufatura

Gerenciamento do Relacionamento com o Fornecedor

Atendimento de Pedidos

Fluxo do ProdutosProdução Finanças

FONTE: Lambert, et al., (2001, p. 14).

Page 121: Revista FAE

119R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

operacionais que permitam a sua implementação

por meio da interligação de suas atividades.

Os oito processos chave percorrem toda a cadeia de

suprimentos e através das empresas e dentro dos silos

funcionais em cada empresa. Os silos funcionais incluem

Marketing, pesquisa e desenvolvimento, finanças, produ-

ção, compras e logísticas. As atividades nestes processos

se localizam na parte interna destes silos funcionais, mas

um processo conjunto não pode estar contido dentro de

uma função (LAMBERT et al., 2001, p.14).

O modelo de Gerenciamento da Cadeia de

Suprimentos proposto por Lambert et al., (2001) é

baseado na integração dos processos-chaves de ne-

gócios das empresas, por meio de suas cadeias de

suprimentos. Para Lambert et al (2001), o sucesso

do gerenciamento da cadeia de suprimentos requer

uma integração das funções de negócios com os

processos-chave dentro das empresas. Entretanto,

as companhias tradicionais são organizadas em fases

funcionais com a divisão de responsabilidades por

funções e, muitas vezes, os limites funcionais impe-

dem o gerenciamento do processo. (CHRISTOPHER,

1999).

Um ponto chave no SCM é que todos os pro-

cessos devem ser visto como um sistema (LUMMUS;

VOKURKA, 1999). Ainda neste sentido, a maneira

ideal de gerenciar os processos é considerando-os

como entidades e não os fragmentando. Não há

nada a fazer senão uma mudança de um enfoque

funcional para um enfoque no processo (CHRISTO-

PHER, 1999).

(2) O SCOR-model - é um método que faz uso

de benchmarking e de avaliações para o aperfeiçoa-

mento do desempenho da cadeia de suprimentos. O

SCOR é um modelo de estrutura interfuncional que

contém as definições de padrões de processos, ter-

minologias e métricas associados aos processos da

cadeia de suprimentos, confrontando-os com as me-

lhores práticas. O modelo foi projetado para auxiliar

no aprendizado das companhias em relação aos pro-

cessos internos e externos ao seu ramo de atuação

(STEWART, 1997). Conforme o SCC (2006), o SCOR-

-model versão 8.0 define 5 processos-chave:

a) Planejar - no escopo do processo de pla-

nejamento e gerenciamento do abasteci-

mento e da demanda como modelo de

referência tem-se: definição de recursos

e demanda, planejamento de estoques,

distribuição, produção e planejamento de

capacidade;

b) Abastecer - aquisição de matéria-prima,

qualificação e certificação de fornecedo-

res, monitorando qualidade, negociação

de contratos com vendedores e recebi-

mento de materiais;

c) Fabricar – fabricando o produto final,

testando, embalando, mudanças nos

processos, lançamento e apropriação de

produtos;

d) Entregar – gerenciamento do pedido e

crédito, gerenciamento do armazém, do

transporte, da expedição e atendimento,

e criação de base de dados dos consu-

midores, produtos e preços;

e) Retorno – da matéria-prima, do produ-

to acabado, manutenção, reparos e ins-

peção. Estes processos estendem-se à

pós-venda dando suporte ao consumi-

dor.

O maior objetivo do modelo SCOR é aperfei-

çoar o alinhamento entre o mercado e a reação es-

tratégica de uma SC, usando indicadores que pos-

sibilitem o gerenciamento destes 5 processos, na

premissa de um alinhamento e de um desempenho

superior. O poder do SCOR é prover um formato

padrão para facilitar a comunicação. Ele é um ins-

trumento que objetiva melhor gerenciamento da

empresa para projetar e reconfigurar a SC, a fim de

atingir a performance desejada (HUAN; SHEORAN;

WANG, 2004).

Uma importante deficiência no gerenciamen-

to de cadeias de suprimentos é a comunicação entre

seus membros. O canal é composto por empresas

de diferentes segmentos, com culturas diferentes e

processos diversos. O modelo SCOR tem como pro-

posta realizar esta comunicação e o equilíbrio entre

os processos, com o uso de uma linguagem e métri-

cas padronizadas considerando as especificidades

de cada cadeia de suprimentos.

O alinhamento estratégico do modelo SCOR

é na estratégia de operações. A partir desse aspec-

to, o modelo é construído e a relação com as métri-

cas é estabelecida. O SCOR é focado na eficiência e

tudo gira em torno da movimentação dos insumos e

dos produtos manufaturados através dos processos,

Page 122: Revista FAE

120

atividades e tarefas, seja para frente ou para trás ao

longo da cadeia. O ponto-chave é a redução de cus-

tos e o ganho da eficiência de seus ativos. O SCOR

utiliza o conceito de processo de negócio a partir da

construção de um modelo de referência.

O GSCF e o SCOR representam modelos de

referência para a coordenação dos processos de

negócios ao longo do canal. O GSCF foca no ge-

renciamento de relacionamentos na cadeia de supri-

mentos e o SCOR foca na busca de eficiência transa-

cional (LAMBERT et al., 2005). Mas, em ambos, um

ponto-chave é o grau de conectividade com outras

companhias através do fluxo logístico, de materiais,

informação e financeiro ao longo do canal.

Então, a coordenação do SCM em termos de

filosofia gerencial e dos processos a partir de mode-

los de referência, alinhados com as metas e estraté-

gias do canal, possibilitam um serviço superior e a

manutenção da competitividade do canal.

As diferentes formas de definir o Supply Chain

Management, contribuem para se formar uma es-

trutura conceitual, que abarque todos os elementos

que compõem esta nova forma de administrar os

negócios. Este fato, já é percebido pela diversida-

de na descrição dos fatores responsáveis pelo seu

surgimento e evolução, que são responsáveis pelo

que se entende atualmente por gerenciamento da

cadeia de suprimentos.

4 Evolução do Supply Chain Management – SCM

Historicamente, o termo gerenciamento

da cadeia de suprimentos tem várias definições

(MENTZER et al, 2001), estas divergências surgem

já na descrição de seu histórico e no motivo de seu

aparecimento e evolução. A prática do SCM come-

ça com as empresas japonesas e em suas redes

tipo “Keiretsus”, como é o caso da Toyota, apesar

do termo (SCM) não ser utilizado por estas empre-

sas. Pode-se enfatizar que a prática do SCM foi

criada no Japão e a teoria do SCM foi desenvolvi-

QUADRO 5 - O aparecimento e a evolução do gerenciamento da cadeia de suprimentos

Tan, (2001, p. 41)

A intensa competição global nos anos 80 força as organizações de classe

mundial a oferecer produtos de baixo custo, confiáveis e de alta qualidade com

grande flexibilidade de design. No processo rápido em ambiente de manufatura

JIT just in time com pouco estoque para amortecer a produção ou problemas

de cronograma, os manufaturadores começam a visualizar o real benefício e

importância do estratégico e cooperativo relacionamento comprador-fornece-

dor. O conceito de SCM surge com manufaturadores experimentados com

parcerias estratégicas com seus fornecedores imediatos.

Croom, Giannakis (2004, p. 28)

O termo Supply Chain Management foi primeiro usado no senso comum por

Oliver e Weber (1982) e então replicado por Houlihan (1984, 1985, 1988) em

uma série de artigos para descrever o gerenciamento do fluxo de materiais

através das fronteiras organizacionais. Desde então, os pesquisadores têm

investigado o conceito de SCM. (Ellram, 1991), (Harland, 1994), estabelecendo

estas bases teóricas e operacionais como nós conhecemos hoje.

Lambert e Cooper, (2000, p. 67)

O termo SCM foi originalmente introduzido pelos consultores no início dos anos

80 e tem subsequentemente ganhado tremenda atenção. Desde então, prin-

cipalmente a partir dos anos 90, os acadêmicos têm atentado para criar uma

estrutura conceitual para o gerenciamento da cadeia de suprimentos.

Lummus e Vokurka, (1999, p. 13)

A história da cadeia de suprimentos pode ser descrita a partir da indústria têxtil

com o programa de resposta rápida (QR) (quick response) e depois pelo ECR

– resposta eficiente ao consumidor (efficient consumer response) na indústria.

Mais recentemente, uma variedade de companhias através de muitas indústrias

têm iniciado a visualizar a todos os processos da cadeia de suprimentos.

FONTE: os autores.

Page 123: Revista FAE

121R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

da no Ocidente. No quadro 5 demonstra-se alguns

pontos de vista neste sentido:

Há um consenso de que o SCM teve sua ori-

gem na década de 80 em decorrência de diversos

fatores que impulsionaram o seu surgimento com

destaque para a tecnologia da informação (EDI, có-

digo de barras, QR, ECR, RFID) e os movimentos

da produção enxuta relacionados com o TQC e o

JIT. Segundo Metz (1998), o fator que permitiu com

que o gerenciamento da cadeia de suprimentos se

desenvolvesse foi o avanço das tecnologias chave:

informação, transporte e manufatura, atrelados ao

marketing, à satisfação do consumidor, à customi-

zação e à logística.

Já para Ballou, Gilbert e Mukherjee (2000),

embora o SCM seja um termo novo para descrever o

gerenciamento das atividades do fluxo de produtos, o

conceito tem evoluído em distribuição física e logísti-

ca desde o início dos anos 60, o que é novo é a ênfase

para determinar a expansão das fronteiras.

O Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, começou a

ser aplicado apenas no início dos anos 90. Mesmo a nível

internacional, são poucas as empresas que já conseguiram

implementá-lo com sucesso e, a nível acadêmico, o

conceito ainda pode ser considerado em construção. [...]

O que parece claro é que este novo conceito chegou para

ficar (FLEURY, 2005, p. 1).

O início dos anos 90 se caracteriza no corte

epistemológico do SCM. Foi quando houve um salto

de qualidade e começou a se fundamentar uma es-

trutura conceitual e começou a se consolidar como

um modelo a ser adotado pelas empresas, caracteri-

zando-se como uma necessidade competitiva. Desta

forma, pode-se dizer que existe o antes da década de

1990, caracterizado por diversos fatores e processos

que são trabalhados de forma isolada entre os mem-

bros de uma cadeia de suprimentos, e o depois de

1990, em que estes processos são responsáveis pela

consolidação da integração compartilhada da cadeia

de suprimentos, a qual vem evoluindo ao longo do

tempo.

A partir deste período de ruptura nos rela-cionamentos da cadeia de suprimentos, uma das mais frutíferas aplicações de TI tem sido na área da coordenação intercompanhia do fluxo de materiais

e informações, identificado como Supply Chain Ma-nagement. (BARUT; FAISST; KANET, 2002) . Neste aspecto, segundo Handfiel e Nichols Jr. (1999, p.5).

[...] três maiores evoluções no mercado em tecnologia

têm trazido o gerenciamento da SC para o foco prioritá-

rio da atenção do gerenciamento:

1. A revolução da informação;

2. Demanda do consumidor em áreas do produto e cus-

tos dos serviços, qualidade, tecnologia e tempo de

ciclo tem conduzido o crescimento da competição

global;

3. O surgimento de novas formas de relacionamentos

inter-organizacionais.

São fatores relacionados a evoluções tecno-

lógicas que propiciaram a evolução da suplly chain

adequada a um ambiente globalizado. Hoje, prati-

camente todo produto tem conteúdo e implicações

globais (PALAGYI, 2005). “Temos que reconhecer

a necessidade de considerar os mercados sob um

ponto de vista global ao formularmos estratégias

de produção, distribuição e marketing” (CHRISTO-

PHER, 1999, p.115). O campo de competição está

agora deslocado para o gerenciamento da cadeia

de suprimentos global. O sucesso das companhias

como Procter-Gamble, HP, Dell Computer e Wal

Mart é testemunha que uma bem orquestrada ca-

deia de suprimentos compacta e integrada é crucial

A globalização, as inovações tecnológicas e a crescente competitividade

têm exigido com que as organizações busquem

novas formas de se manter no mercado. Dentre essas

formas, encontra-se a integração da cadeia de suprimentos através do

gerenciamento da cadeia de abastecimento.

Page 124: Revista FAE

122

para a competitividade da corporação (LEE, 2000).

A globalização, as inovações tecnológicas e a crescente competitividade têm exigido com que as orga-

nizações busquem novas formas de se manter no mercado. Dentre essas formas, encontra-se a integração da

cadeia de suprimentos através do gerenciamento da cadeia de abastecimento.

Uma importante tendência recente no SCM é o retorno, reciclando ou reutilizando os produtos depois do

usuário final ter utilizado no fim de sua vida útil, sua logística reversa. As organizações estão agora estendendo seu

canal de distribuição além do consumidor final para incluir a reciclagem do produto final (HANDFIELD; NICHOLS

Jr., 1999). A figura 5 apresenta as atividades e empresas envolvidas:

Extração minérios/matéria-prima

Manufatura MPcomponentesManufatura Manufatura

produto

final

Atacadista

Varejista

Consumidorfinal

Reciclagem

Distribuição e armazenagem física

FIGURA - 5 Atividades e empresas em uma cadeia de suprimentos

FONTE: Tan, (2001, p. 40)

As organizações estão incorporando a utilização da logística reversa na cadeia para gerenciar o fluxo

de bens e serviços movendo-se para trás em toda a SC. O gerenciamento da cadeia de suprimentos se funde

e, às vezes, se confunde com a logística, provocando divergências: se é uma extensão da logística ou se ela é

parte do SCM.

5 Conclusão

Este estudo aborda a partir de uma revisão bibliográfica fundamentada em autores do gerenciamento da cadeia de suprimentos, diferentes posições que formam a estrutura conceitual em torno do assunto. Parte-se do entendimento do que caracteriza uma cadeia de suprimentos, constatando-se que em termos de SC não há muitas divergências na sua definição.

A partir do entendimento do que é uma cadeia de suprimentos, busca-se dar uma definição de geren-ciamento da cadeia de suprimentos, confrontando a opinião de diversos autores em torno do assunto. Neste sentido, dois aspectos se destacam na explicação do que consiste o SCM, de um lado visto como uma filosofia gerencial e de outro como gerenciamento de processos.

Mas, o que se destaca e o que torna o SCM uma ferramenta que possa ser aplicada, dada a sua comple-xidade é o entendimento de que administrar a SC é administrar os processos que estão envolvidos e que estão linkados entre os parceiros que a compõem. Neste sentido, os modelos de referência do GSCF e o SCOR-model organizam e orientam para uma forma de gerenciar a SC a partir de processos e atividades.

Page 125: Revista FAE

123R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 106-125, jan./jun. 2011

• Recebido em: 12/11/2010

• Aprovado em: 10/03/2011

A filosofia gerencial deve delimitar as políti-cas e estratégias das decisões que são tomadas no gerenciamento dos processos, principalmente atra-vés da formação de uma governança corporativa, que alinhe os interesses individuais dos parceiros em torno dos objetivos da cadeia.

Para compreender uma área de estudos, é ne-cessária uma avaliação da forma como esta evoluiu ao longo dos anos para alcançar o modelo que se conhece atualmente. Isto é tratado pela análise dos fatores que são responsáveis pelo surgimento e de-senvolvimento do SCM. A determinação dos fatos que provocaram a sua evolução se caracteriza por uma discordância entre os autores da área, moti-vados principalmente pelas percepções pessoais e culturais de cada autor, considerando o contexto em que estes atuam.

As diversas ênfases em relação aos fatores responsáveis pela evolução e surgimento do Geren-ciamento da Cadeia de Suprimentos, ocorrem, porque praticamente todos os fatos relacionados, tiveram participação uns mais outros menos, ao longo de sua construção. No âmbito da SCM, devido à complexidade de seu entendimento e da forma de se aplicar na prática, não é apenas um aspecto que explica o seu desenvolvimento, mas uma série de ferramentas, modelos, que no conjunto contribuíram

e ainda contribuem para o entendimento do SCM como conhecido atualmente. Certamente, no futuro, novas ferramentas farão parte dessa nova forma de administrar os negócios.

A globalização, inovações tecnológicas e a crescente competitividade, que se tornaram deter-minantes da sobrevivência das empresas a partir dos anos 90, têm provocado com que as organizações busquem novas formas de satisfazer o consumidor. Este período, caracteriza um corte epistemológico do Supply Chain Management. Foi quando houve um salto de qualidade e começou a se formar uma estrutura conceitual e uma aplicação prática passou a se consolidar como uma necessidade do contexto do momento.

Page 126: Revista FAE

124

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Valor Justo: Impactos do SFAS 157 nas empresas Brasileiras listadas na NYSE Fair Value: sfas 157 impacts on nyse’s listed Brazilian companies

Page 129: Revista FAE

127R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

Valor Justo: Impactos do SFAS 157 nas empresas brasileiras listadas na NYSEFair Value: sfas 157 impacts on nyse’s listed Brazilian companies

1 Doutora em Economia pela Université des Sciences Sociales Toulouse I. Professora da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

2 Mestranda do Programa Multiinstitucional e Inter-Regional de Pós-Graduação em Ciências Contábeis (UnB, UFPB, UFPE e UFRN). Contadora da Eletrobrás-Eletronorte. E-mail: [email protected]

3 Pós-doutor pela University of Otago. Professor da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected] 4 Mestranda do Programa Multiinstitucional e Inter-Regional de Pós-Graduação em Ciências

Contábeis (UnB, UFPB, UFPE e UFRN).

ResumoDiante do processo de convergência internacional da contabilidade e do aumento da necessidade

da transparência e relevância das informações, a verificação do nível de evidenciação de

informações contábeis se torna oportuna. O debate sobre a mensuração a valor justo culminou

com a publicação do SFAS 157, que engloba o que foi apresentado em diversas normas. Nesse

ambiente, esse artigo tem como objetivo analisar o nível da adoção do SFAS 157 nas empresas

brasileiras listadas na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) com o intuito de verificar o nível de

evidenciação das mensurações a valor justo. A análise foi feita por meio das notas explicativas das

demonstrações consolidadas anuais no formato 20-F, em dezembro de 2008, tendo em vista a

obrigatoriedade da adoção da norma ocorrer a partir deste ano. Destarte, dentre as empresas que

estavam em conformidade com os US GAAP, todas adotaram o SFAS 157; entre as que estavam

de acordo com os BR GAAP, uma não adotou a norma; dentre as que estavam em conformidade

com os IFRS, não houve menção do SFAS 157 em suas notas explicativas ou requerimento de

reconciliação com os US GAAP. A comparação da média total de ativos financeiros (21,97%) e

passivos financeiros (1,52%) mensurados a valor justo em relação aos ativos e passivos totais, das

empresas que adotaram os US GAAP, mostrou-se incompatível. Nas que adotaram os BR GAAP, a

média total de ativos financeiros (12,54%) e passivos financeiros (16,99%) mensurados a valor justo,

em relação aos ativos e passivos totais, foram compatíveis.

Palavras-chave: Valor Justo; SFAS 157; Evidenciação

AbstractGiven the accountings’ international convergence process and the increase of the need for

information’s transparency and relevance, the verification of the disclosure of accounting information

becomes timely. The debate over the fair value measurement had its climax with the publication of

SFAS 157, which includes what was presented in various standards. In this environment, this paper

aims to analyze the level of the adoption of SFAS 157 by NYSE’s listed Brazilian companies with

the purpose of verifying the level of disclosure of fair value measurements. The analysis was done

using the notes to the consolidated financial statements presented at 20-F statement, in December

2008, the year that the standard became mandatory. Thus, among the companies that were in

accordance with US GAAP, all adopted SFAS 157; among the companies that were in accordance

with BR GAAP, one did not adopt the standard; among the companies that were in accordance

with IFRS, there were no mentions of SFAS 157 at the notes for the financial statements or request

to conciliate with US GAAP. The average comparison of total financial assets (21.97%) and financial

liabilities (1.52%) measured by fair value in relation to total assets and liabilities, within companies

that adopt US GAAP, turned out to be incompatible. Within the companies that adopted BR GAAP,

the mean comparison of total financial assets (12.54%) and financial liabilities (16.99%) measured by

fair value in relation to total assets and liabilities turned out to be compatible.

Keywords: Fair Value; SFAS 157; Disclosure.

Fátima de Souza Freire1

Isabel Cristina Henriques Sales2

Jorge Katsumi Niyama3

Luciana Miyuki Ikuno4

Page 130: Revista FAE

128

A globalização dos mercados de capitais e o

crescente aumento da necessidade de captação de

recursos em bolsas de valores estrangeiras contribu-

íram para a necessidade do aumento da comparabi-

lidade entre a contabilidade dos países. O processo

de convergência teve seu marco inicial com a criação

do International Accounting Standards Board (IASB)

em 2001, ano de transição de estrutura e objetivos do

IASC para o IASB. A partir de então, o objetivo prin-

cipal passou a ser a adoção integral das International

Financial Reporting Standards (IFRS) pelos países

e não apenas a harmonização contábil (WEFFORT,

2005).

Outro evento significativo para o processo

de convergência, em 2002, foi o acordo Norwalk

Agreement entre o Financial Accounting Standards

Board (FASB) e o IASB, através do qual os dois

Conselhos se comprometeram a convergir suas

normas por meio de esforços e trabalhos conjuntos.

Esse acordo foi reforçado em 2006 com a formu-

lação de um roteiro por ambos para o processo de

convergência a ser seguido até 2008, ano em que

foi realizada uma atualização do Memorando de En-

tendimento (Norwalk Agreement) entre os conselhos

com o intuito de identificar as prioridades e marcos

para se completar os projetos conjuntos remanes-

centes até 2011. Em cinco de novembro de 2009, os

conselhos publicaram um relatório de progresso com

a finalidade de apresentar a intensificação de seus

programas de trabalho e reafirmar os seus compro-

metimentos quanto à convergência de suas normas.

Recentemente, tanto o FASB quanto o IASB têm

procurado convergir também a contabilidade a valor

justo.

Em setembro de 2006, o FASB emitiu a nor-

ma SFAS 157 – mensuração a valor justo, com o in-

tuito de aumentar a consistência e a comparabilida-

de nas mensurações a valor justo, apresentar uma

definição única para fins de demonstrações contá-

beis e aumentar as evidenciações sobre essas men-

surações. Em novembro do mesmo ano, o IASB emi-

tiu um Discussion Paper sobre a mensuração a valor

justo baseada no SFAS 157. Já em maio de 2009, foi

emitido o Exposure Draft, semelhante ao SFAS 157.

No Exposure Draft são listados alguns pontos

de divergência, tais quais: aplicação em alguns itens,

referência ao mercado (principal ou mais vantajo-

so), requisitos de apresentação para circunstâncias

em que a entidade usa um ativo conjuntamente com

outros de maneira que difere do maior e melhor uso

do ativo, mensuração de passivos, entre outros.

A Comissão de Valores Mobiliários dos Es-

tados Unidos, Securities and Exchange Comission

(SEC), em novembro de 2007, autorizou o uso das

IFRS nas demonstrações contábeis de empresas es-

trangeiras listadas nos Estados Unidos, sem a recon-

ciliação com os United States Generally Accepted

Accounting Principles (US GAAP), a partir dos anos

posteriores a 15 de novembro de 2007 (SEC, 2007).

O intuito de se requerer o uso das IFRS é torná-las

um conjunto de normas globais uniformes a serem

adotadas integralmente e aplicadas de maneira si-

milar em todos os países. Isso devido ao fato dessa

consistência contribuir para o aumento da compa-

rabilidade da contabilidade e, desse modo, tornar as

informações mais úteis aos investidores.

No Brasil, de acordo com Instrução nº 457, de

13 de julho de 2007, a Comissão de Valores Mobiliá-

rios (CVM) determinou que as publicações das de-

monstrações contábeis consolidadas devessem estar

em consonância com as IFRS a partir do exercício

findo em 2010. O processo de convergência foi

Introdução

O aumento da utilização da contabilidade a valor justo tem feito surgir vários

desafios para usuários das informações,

especialmente em países em desenvolvimento.

Page 131: Revista FAE

129R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

fundamentado por esse órgão por meio da Delibe-

ração nº 539, de 14 de março de 2008, que aprova

o pronunciamento conceitual básico do Comitê de

Pronunciamentos Contábeis – CPC (dispõe sobre a

estrutura conceitual para a elaboração e apresenta-

ção das demonstrações contábeis, mais próximas

aos padrões internacionais) e por meio da aprovação

das leis 11.638/07 e 11.941/09, que alteram a Lei Socie-

tária 6.404/76.

Diante dessa possibilidade, a partir do ano de

2008, algumas empresas brasileiras listadas na Bolsa

de Nova Iorque (NYSE) começaram a apresentar as

suas demonstrações consolidadas no formato 20-F

em conformidade com as IFRS. As empresas bra-

sileiras listadas na NYSE também apresentam suas

demonstrações consolidadas no formato 20-F de

acordo com os US GAAP ou de acordo com os prin-

cípios geralmente aceitos no Brasil (BR GAAP), com

a reconciliação com os US GAAP.

Com a emissão do Exposure Draft sobre

mensuração a valor justo pelo IASB em 2009,

similar ao SFAS 157, cabe investigar quais são os

impactos nas evidenciações das notas explicativas

relacionadas ao valor justo por meio da análise da

adoção do SFAS 157, visto que as normas no IASB

e do FASB tendem a ser semelhantes. Acrescenta-

se a isso a afirmação de Kumarasiri e Fisher (2011)

de que o aumento da utilização da contabilidade

a valor justo tem feito surgir vários desafios para

usuários das informações, especialmente em países

em desenvolvimento.

Assim, surge o segu inte problema de pesqui-

sa: quais os impactos da adoção do SFAS 157 entre

as empresas brasileiras listadas na NYSE? Com base

no artigo de Bhamornsiri, Ghinn e Schroeder (2010)

foi realizada uma reaplicação para as empresas bra-

sileiras listadas na NYSE com o objetivo de examinar

e avaliar a adoção do SFAS 157 e as evidenciações

resultantes dessa norma. De tal forma, os objetivos

específicos do presente estudo são:

1) Determinar a proporção das compa-

nhias analisadas que foram afetadas

pelos requerimentos de evidenciação

do SFAS 157;

2) Determinar quais as atividades mais afe-

tadas pelos requerimentos de eviden-

ciação do SFAS 157;

3) Determinar as principais categorias de

ativos e passivos financeiros que foram

evidenciados pelas empresas afetadas

pelo SFAS 157;

4) Determinar em qual extensão o valor

justo é utilizado para mensurar os ativos

e passivos financeiros;

5) Determinar a proporção em que os ati-

vos e passivos financeiros são classifi-

cados em cada nível de mensuração do

valor justo;

6) Determinar quais são os principais mé-

todos utilizados para a mensuração do

valor justo;

7) Determinar quais foram os efeitos no

resultado das empresas contidas na

amostra em decorrência da adoção do

SFAS 157.

O presente trabalho é estruturado em cin-

co partes. Após esta introdução, a segunda parte

proferirá sobre o SFAS 157 e trabalhos relacionados.

Será apresentada a metodologia utilizada no estu-

do em uma etapa posterior a esta (terceira parte).

Na quarta parte serão apresentados e analisados

os resultados encontrados. Finalmente, na quinta e

última etapa serão apresentadas as considerações

finais sobre os principais aspectos referentes ao as-

sunto proposto.

A mensuração a valor justo se refere principal-mente às suas vantagens e desvantagens, à rele-vância das informações

resultantes dessa mensu-ração, à comparabilidade e à consistência resultan-tes de sua adoção, além

de seus obstáculos e problemas.

Page 132: Revista FAE

130

2 Referencial Teórico

2.1 Valor Justo

A discussão sobre a mensuração a valor justo

se refere principalmente às suas vantagens e des-

vantagens, à relevância das informações resultantes

dessa mensuração, à comparabilidade e à consis-

tência resultantes de sua adoção, além de seus obs-

táculos e problemas.

Barlev e Haddad (2003) fazem uma compara-

ção entre a contabilidade a custo histórico e a valor

justo, e se posicionam favoráveis ao valor justo. Os

autores (BARLEV; HADDAD, 2003) defendem que

as informações resultantes da contabilidade a valor

justo são mais relevantes do que as fornecidas pela

contabilidade a custo histórico, isso porque esta ten-

de a não corresponder à posição financeira e ao lucro

real. Barlev e Haddad (2003) destacam, ainda, que a

contabilidade a valor justo fornece uma evidenciação

mais completa e transparente; no sentido de serem

informações verdadeiras e precisas. Portanto, as de-

monstrações do resultado do exercício que tomam

como base o valor justo tendem a refletir o valor eco-

nômico real das atividades da empresa. Os balanços

patrimoniais dessas empresas, por sua vez, espelham

ativos, passivos e patrimônios líquidos mensurados a

valor justo (BARLEV; HADDAD, 2003).

Penman (2007) realizou um estudo envolven-

do as principais vantagens e desvantagens da men-

suração a valor justo. Em seu trabalho concluiu que,

da mesma forma em que a contabilidade a custo his-

tórico possui seus problemas de implementação, a

contabilidade a valor justo também conta com suas

próprias dificuldades. Dentre a pesquisa de opinião

realizada pelo autor (PENMAN, 2007) com base em

declarações públicas feitas em relação à contabili-

dade a valor justo, tanto a favor quanto contra, por

uma diversidade de normatizadores, reguladores,

analistas e preparadores, foram listadas uma série de

vantagens e desvantagens em relação ao valor justo.

As principais vantagens são: 1) os investidores estão

preocupados com valores e não com custos; 2) com

o passar do tempo, os preços a custo histórico se

tornam irrelevantes para avaliar a posição financei-

ra da empresa; 3) o valor justo reflete a substância

econômica verdadeira; 4) a contabilidade a valor jus-

to retrata o lucro econômico; 5) o valor justo é uma

mensuração baseada no mercado que não é afetada

por fatores específicos da entidade. Já as principais

desvantagens são: 1) os perigos de se estimar o valor

justo marcando a modelo em vez de marcado a mer-

cado; 2) preocupações a respeito da introdução do

excesso da volatilidade nos ganhos e; 3) efeitos de

feedback que podem causar danos aos negócios e

certamente aumentar os riscos sistemáticos.

Cairns et al. (2009) analisam o uso do

valor justo em empresas listadas no Reino Unido

e na Austrália por volta da data da adoção das

IFRS em 2005. Foi testada se a comparabilidade

na escolha de políticas dentro e entre países

mudou em relação às mensurações obrigatórias e

opcionais de valor justo após a adoção das IFRS.

Os resultados mostraram que em relação às normas

que requeriam o uso da mensuração a valor justo,

a comparabilidade aumentou, principalmente para

instrumentos financeiros. Porém para as normas

que davam a opção da utilização a valor justo a

comparabilidade se reduziu.

Ronen (2008) questiona o papel informa-

cional do valor justo e a contribuição dessas infor-

mações para a avaliação da eficácia e eficiência da

gerência para aumentar o valor dos acionistas. O

autor afirma que as informações obtidas no nível

1 da hierarquia do valor justo podem ser objetiva-

mente determinadas e dessa forma serem confiá-

veis. Já as informações obtidas no nível 2 e 3 da

hierarquia suscitam preocupações. Apesar de ques-

tionar a relevância das mensurações a valor justo

obtidas sob o SFAS 157, pois acredita que os valores

de saída não refletem o valor de uso do ativo, Ronen

(2008) afirma que o valor de saída é parcialmente

relevante. Isso porque quantifica o custo de opor-

tunidade de se manter determinado item engajado

em operações específicas do plano de negócios da

Page 133: Revista FAE

131R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

entidade e também fornece informações que con-

tribuem para a avaliação do risco em que a empresa

está exposta.

Já o estudo de Bhamornsiri, Guinn e Schroe-

der (2010) examina e avalia as informações eviden-

ciadas sob o SFAS 157 nas notas explicativas dos

relatórios trimestrais de empresas listadas no For-

tune 500, em 31 de março de 2008. Os autores en-

contraram que a maioria dos dados utilizados para

a mensuração a valor justo eram observáveis e men-

surados pelo nível 1 ou nível 2 da hierarquia apresen-

tada no SFAS 157. Todavia, a pesquisa mostrou uma

incompatibilidade com a extensão da mensuração

de ativos e passivos, sendo que as dos ativos eram

significativamente maiores. Essa pesquisa mostra-se

relevante no sentido que analisa as evidenciações

das mensurações a valor justo em todos os níveis da

hierarquia do SFAS 157, e deste modo tornam mais

transparentes as informações obtidas no nível 2 e

3, que de acordo com Ronen (2008), são objetos

de preocupações devido ao questionamento de sua

confiabilidade.

Nota-se que é extenso o debate sobre os prós

e contras da contabilidade a valor justo e que essa

discussão tem aumentado após a crise financeira de

2008. Todavia, de acordo com Laux e Leuz (2009),

a contabilidade a valor justo não é responsável pela

crise e também não é meramente um sistema de

mensuração que relata os valores dos ativos sem

ter os seus próprios efeitos econômicos. De acordo

com os autores, esse debate representa um dos

maiores desafios para a evolução da mensuração

a valor justo e para a ampliação por parte dos

normatizadores dessa contabilidade para as outras

áreas.

Laux e Leuz (2009) concluem seu estudo

apontando quatro importantes questões a respei-

to desses debates: 1) muito da controvérsia resulta

da confusão sobre o que é diferente ou novo sobre

a contabilidade a valor justo, bem como as visões

distintas sobre os seus propósitos; 2) enquanto há

interesses legítimos sobre a marcação ao mercado

(ou valor justo puro) em tempos de crise financei-

ra, é menos claro que esses problemas aplicam-

-se a contabilidade a valor justo como estipulado

pelas normas contábeis, tanto pelo IFRS, quanto

pelo USGAAP; 3) a contabilidade do custo histó-

rico é improvável de ser a solução, pois sobre ela

há inúmeras preocupações, bem como problemas

que podem ser maiores do que aqueles referentes

à contabilidade a valor justo; 4) poderia haver pro-

blemas de implementação na prática. Outro fator

destacado por Laux e Leuz (2009) diz respeito às

regras contábeis interagirem com outros elementos

da estrutura institucional, que podem dar origem a

consequências não pretendidas.

Apesar da discussão e questionamentos quan-

to à contabilidade a valor justo, tanto o FASB em seu

SFAS 157 (2006) quanto o IASB em seu Exposure

Draft – Fair Value Measurement (2009) defendem que

com uma definição única de valor justo, em conjunto

com a estruturação para a sua mensuração, a consis-

tência e a comparabilidade irão aumentar. Também é

esperado pelos Conselhos que as evidenciações pro-

postas sobre mensurações a valor justo irão contribuir

para a melhoria da qualidade das informações forne-

cidas para os usuários das demonstrações contábeis.

Torna-se, então, interessante estudar as evidenciações

feitas por parte das empresas sobre valor justo sob a

norma que requer essas divulgações.

Assim, esse trabalho enfoca o SFAS 157 ao in-

vés das normas internacionais do IASB, por serem

as diretrizes mais completas sobre as mensurações

a valor justo na elaboração das demonstrações con-

tábeis. Além de que, em razão do acordo Norwalk

Agreement firmado entre o IASB e o FASB, e fren-

te ao esforço contínuo para a convergência de suas

normas, o IASB emitiu um Discussion Paper baseado

no SFAS 157 (2006) em Novembro de 2006. O Ex-

posure Draft proveniente desse Discussion Paper foi

emitido em maio de 2009.

Page 134: Revista FAE

132

2.2 SFAS 157

O FASB emitiu o SFAS 157 (2006) devido

ao fato de que existiam diversas definições de va-

lor justo nos diferentes pronunciamentos, e poucas

orientações para as mensurações a valor justo. Por-

tanto, essa norma tem como objetivo: definir valor

justo, estabelecer uma estrutura para a mensuração

a valor justo e expandir as evidenciações relativas a

essas mensurações. Deste modo, busca aumentar a

consistência e a comparabilidade na contabilização

a valor justo.

No Brasil, Lustosa (2010) confrontou as ca-

racterísticas do SFAS 157 a conceitos clássicos de

capital e renda, chegando a conclusão de que a

terminologia “valor justo” presente na norma não é

correta, tendo em vista a definição e os conceitos

de mensuração do SFAS 157 serem, segundo Lus-

tosa (2010), incorretos.

De acordo com o SFAS 157 (2006, p. 2),

“valor justo é o preço que devia ser recebido na

venda de um ativo ou pago na transferência de

um passivo em uma transação ordenada entre

participantes de mercado na data da mensuração.”.

O FASB destaca que essa transação, a venda de

um ativo ou transferência de um passivo, é uma

transação hipotética na data da mensuração, vista

sob a perspectiva do participante do mercado. O

Conselho ainda destaca três conceitos relacionados

a essa definição de valor justo: transação ordenada,

participantes de mercado e mercado principal (e na

falta deste o mais vantajoso).

De acordo com o SFAS 157 (2006), as defini-

ções desses conceitos são: a) transação ordenada é

uma transação que foi exposta ao mercado anterior-

mente à data de mensuração, para que dessa for-

ma sofresse influência de atividades de marketing,

que usualmente envolvem tais ativos e passivos; não

sendo, portanto, uma transação forçada; b) mercado

principal é o mercado em que o ativo seria vendido

e o passivo transferido pela entidade com o maior

volume e nível de atividade para esses ativos e pas-

sivos, e o mercado mais vantajoso é o mercado em

que maximizaria o valor a ser recebido pela venda do

ativo e minimizaria o valor a ser pago pelo passivo; c)

participantes do mercado são compradores e ven-

dedores independentes da entidade, que possuem

um conhecimento razoável sobre esses ativos e pas-

sivos e suas transações e que são hábeis e dispostos

a negociar.

Como um dos objetivos do SFAS 157 (2006)

é justamente aumentar a consistência e compara-

bilidade das mensurações a valor justo, essa norma

apresenta uma hierarquia de mensuração que prio-

riza os inputs utilizados para a mensuração do valor

justo. São considerados três níveis na hierarquia do

valor justo em que é dada uma maior prioridade aos

inputs observáveis, que seriam os preços cotados

no mercado (sem ajuste) em mercados ativos para

ativos e passivos idênticos (nível 1); a menor prio-

ridade é dada aos inputs não observáveis, que re-

fletem as premissas da entidade sobre quais são

as premissas que os participantes de mercado uti-

lizariam para determinar o preço desses ativos e

passivos (nível 3); e em um nível intermediário se

encontram os inputs que não são aqueles do nível

1, e que são observáveis para os ativos e passivos

tanto diretamente como indiretamente, podendo

ter ajustes (nível 2).

O SFAS 157 também busca expandir a evi-

denciação das mensurações dos ativos e passivos a

valor justo, tanto em períodos intermediários quan-

to em períodos anuais subsequentes ao reconheci-

mento inicial. Bem como é descrito na norma (SFAS

157, 2006), o enfoque dado nas evidenciações é nos

inputs utilizados para a mensuração do valor justo,

e as mensurações a valor justo recorrentes que uti-

lizam inputs não observáveis (nível 3). Portanto, o

FASB lista os seguintes requisitos para a evidencia-

ção:

– As mensurações a valor justo na data do

relatório das demonstrações contábeis;

– O nível dentro da hierarquia do valor jus-

to no qual se encontram as mensurações

a valor justo em sua totalidade;

– Para as mensurações classificadas no

nível 3, a reconciliação do saldo inicial

e final, separadamente apresentando as

mudanças ocorridas no período atribuí-

vel aos seguintes fatores: total de ganhos

ou perdas do período (realizados e não

Page 135: Revista FAE

133R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

realizados), separando esses ganhos e

perdas incluídas nos lucros (ou mudan-

ças nos ativos líquidos), e uma descri-

ção da onde esses ganhos e perdas que

são incluídos nos lucros (ou mudanças

no ativo líquido) são registrados na de-

monstração de resultados (ou ativida-

des);

– O montante do total de ganhos e

perdas do período citados no parágrafo

anterior que são incluídos nos lucros (ou

mudanças nos ativos líquidos), que são

atribuíveis a mudanças dos ganhos e

perdas não realizados relacionados aos

ativos e passivos ainda mantidos na data

do relatório das demonstrações contábeis

e uma descrição de onde esses ganhos e

perdas não realizados são registrados na

demonstração de resultados (ou ativida-

des);

– Em períodos anuais, as técnicas de ava-

liação utilizadas para mensurar o valor

justo e uma discussão sobre as mudan-

ças nas técnicas de avaliação durante o

período, se ocorrer.

O FASB ainda enfatiza que as evidenciações

quantitativas requeridas pelo SFAS 157 devem

ser apresentadas em um formato tabular. O

Conselho sugere, adicionalmente, que o valor justo

evidenciado por essa norma poderia ser combinado

com as informações de valor justo evidenciadas sob

outras normas (SFAS 157, 2006).

3 Procedimentos Metodológicos

O estudo analisa as empresas brasileiras lis-

tadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE)

que apresentaram as demonstrações contábeis

anuais de acordo com o formato 20-F no ano de

2008. Para elaborar a listagem das empresas, foi

acessado o site da NYSE. Em seguida foi realizada

uma pesquisa por região, ferramenta disponibiliza-

da pela Bolsa, com base nas palavras-chave: “Amé-

rica Latina” e “Brasil”. A lista continha um total de 27

empresas. Todavia, deste total foram utilizadas para

a análise 25 empresas, pois duas não possuíam as

demonstrações para 2008. Para cada empresa fo-

ram coletadas as demonstrações contábeis consoli-

dadas no formato 20-F referentes a 31 de dezembro

de 2008. Optou-se por esse ano de análise tendo

em vista que o SFAS 157 passou a ser efetivo para

as demonstrações contábeis anuais emitidas a par-

tir do ano fiscal após 15 de novembro de 2007.

Com base na lista das 25 empresas utilizadas,

primeiramente foi realizada uma classificação entre

as companhias que adotavam as IFRS, os princípios

e práticas contábeis geralmente aceitos no Brasil (BR

GAAP) ou nos Estados Unidos (US GAAP). Ressalta-

se que foram analisadas somente as notas explicativas

das empresas que adotavam os BR GAAP ou US GAAP.

Todavia, uma empresa que adotava os BR GAAP foi

excluída da análise, pois fazia a reconciliação apenas

com as IFRS, não permitindo analisar as evidenciações

sob o SFAS 157. As empresas que adotavam as

IFRS não foram analisadas, pois não requerem as

evidenciações de valor justo do SFAS 157. Entretanto,

o estudo de empresas que adotam os BR GAAP torna-

se oportuna devido ao fato de que essas devem fazer

a conciliação com os US GAAP e, portanto, devem

evidenciar os requerimentos referentes à mensuração

do valor justo presentes no SFAS 157. De tal modo, o

grupo de estudo totalizou 21 empresas.

Após essa etapa, foi executada uma análise

do conteúdo das notas explicativas para se verificar

em qual proporção as empresas são afetadas pelo

SFAS 157, quais as atividades mais tocadas por essa

norma, quais as principais categorias de ativos e

passivos financeiros evidenciadas, qual a extensão

dessa evidenciação, qual o nível de mensuração em

cada nível da hierarquia de mensuração e quais os

efeitos no resultado da adoção do SFAS 157.

O estudo analisa as empresas brasileiras

listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE) que apresentaram as

demonstrações contábeis anuais de acordo com o

formato 20-F.

Page 136: Revista FAE

134

4 Análise dos Resultados

4.1 Companhias Afetadas pela Adoção do SFAS 157

As vinte e cinco empresas brasileiras listadas

na NYSE que foram objeto inicial de análise para a

classificação de acordo com as normas utilizadas,

foram separadas entre empresas que adotavam

as IFRS (12%), os BR GAAP (56%) ou os US GAAP

(32%), conforme a Tabela 1, a saber:

Com base na Tabela 1 é possível observar

que todas as empresas que utilizavam os US GAAP

fornecem as evidenciações requeridas no SFAS 157.

Entre as empresas que não proveem essas eviden-

ciações, uma adota os BR GAAP e o restante são

empresas que adotam as IFRS. Essa empresa que

adota os BR GAAP, que é da área de transporte

aéreo, não menciona e nem adota o SFAS 157, pois

ao invés de fazer a reconciliação com os US GAAP

como as outras empresas BR GAAP, ela realiza a re-

conciliação com as IFRS.

4.2 Áreas de Atividades que são mais Afetadas pelo SFAS 157

O SFAS 157 tem impacto em diferentes seto-

res. De acordo com as 21 empresas que compõem

a amostra e que adotam o SFAS 157, as atividades

mais impactadas são: Telecomunicações (23,80%) e

Eletricidade (14,28%). O Transporte Aéreo foi a área

de atividade menos afetada, visto que suas empre-

sas adotam as IFRS e os BR GAAP com reconcilia-

ção com as IFRS, que não requerem o SFAS 157.

TABELA 1 - Empresas classificadas por atividade - 2011

Classificação por atividade

Normas utilizadas

Empresas com

disclosure do SFAS

157

Empresas sem

disclosure do SFAS

157

Total de empresas

Aeroespacial US GAAP 1 0 1

ÁguaBR GAAP

1 0 1

Aviação

IFRS 0 1 2

BR GAAP

0 1

Banco US GAAP 2 0 2

Cervejeira IFRS 0 1 1

Commodities químicas

BR GAAP

1 0 1

ConstruçãoBR GAAP

1 0 1

Distribuição de gás

BR GAAP

1 0 1

Eletricidade

US GAAP 1 0 3

BR GAAP

2 0

Ferro e açoUS GAAP 2 0 3

IFRS 0 1

Papel US GAAP 1 0 1

Petróleo e gás US GAAP 1 0 1

Produtos alimentícios

BR GAAP

1 0 1

Retalhistas de produtos alimentares e atacadistas

BR GAAP

1 0 1

TelecomunicaçõesBR GAAP

5 0 5

TOTAL 21 4 25

FONTE: Os autores

O SFAS 157 tem impacto em diferentes setores. De acordo com as 21

empresas que compõem a amostra e que adotam o SFAS 157, as ativida-des mais impactadas

são: Telecomunicações (23,80%) e Eletricidade

(14,28%).

Page 137: Revista FAE

135R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

4.3 Principais Categorias de Ativos e Passivos Financeiros Evidenciados sob o SFAS 157

O Quadro 1, a seguir, apresenta as principais

categorias de ativos e passivos financeiros mensu-

rados a valor justo evidenciados pelas empresas uti-

lizadas na amostra dessa pesquisa.

de caixa, títulos e valores mobiliários e derivativos.

Porém os tipos de ativos e passivos financeiros

mensurados a valor justo variam de acordo com a

empresa e sua área de atividade. Muitas das empre-

sas não detalham as categorias de ativos e passivos

financeiros e apenas dão o valor total de ativos e

passivos financeiros mensurados a valor justo. To-

davia, foi observado que há uma incompatibilidade

da proporção em que ativos e passivos financeiros

são evidenciados.

4.4 Extensão em que Ativos e Passivos Financeiros são Evidenciados a Valor Justo

A análise de conteúdo das notas explicativas

permitiu verificar que todas as empresas perten-

centes ao grupo avaliado evidenciaram pelo menos

em um nível da hierarquia proposta pelo SFAS 157.

Porém, para fins de comparação, uma das empresas

foi retirada do grupo devido ao fato de evidenciar

apenas um item não recorrente (goodwill em inves-

timentos) sendo que todas as outras empresas evi-

denciaram itens recorrentes, totalizando 20 empre-

sas nessa etapa, sendo que oito dessas empresas

adotam os US GAAP e 12 adotam os BR GAAP.

No Apêndice A há os resumos das evidencia-

ções de ativos e passivos financeiros que adotam os

US GAAP. Já no apêndice B encontram-se os resu-

mos dos ativos e passivos financeiros que adotam

os BR GAAP.

Na Tabela 3 do Apêndice A, pode-se observar

que a média do total de ativos financeiros que são

mensurados a valor justo em relação aos ativos

totais das empresas que adotam os US GAAP é

de 21,97%. Pode-se notar também que a área de

atividade que mais evidencia ativos financeiros

a valor justo em relação ao total de ativos é a

bancária (instituição 1 com 31,01% e instituição 2

com 23,65%). Na Tabela 4 do Apêndice A, pode-se

observar que há uma discrepância da média dos

passivos financeiros que são mensurados a valor

Nota-se que as principais categorias de ati-

vos e passivos financeiros evidenciados pelo grupo

analisado são: equivalentes de caixa, investimentos

QUADRO 1 - Principais categorias de ativos e passivos finan-ceiros mensurados a valor justo - 2011

Empresas que adotam os US GAAP

Principais categorias de ativos financeiros

Principais categorias de passivos fin.

Certificados de depósito bancário

Contratos futuros de commodities

Contratos futuros de com-modities

Dívida a longo prazo

Fundo mútuo Dívida a curto prazo

Swap de moeda estrangeira Swap de moeda estrangeira

Swap de taxa de juros Swap de taxa de juros

Título financeiro do tesouro (LTF)

Títulos de dívida de governos estrangeiros

Títulos de dívida de soberania brasileira

Títulos do governo brasileiro

Empresas que adotam os BR GAAP

Principais categorias de ativos financeiros

Principais categorias de passivos fin.

Certificados de depósito bancário

Dívida a curto prazo

Contrato de swap com taxa de juros prefixada

Dívida a longo prazo

Contratos de swap de taxa de juros de câmbio

Empréstimos e financiamen-tos sob hedge de valor justo

Investimentos a curto prazo Swap de moeda estrangeira

Investimentos a longo prazo Swap de taxa de juros

Notas do tesouro brasileiro

Títulos de capitalização

Títulos e valores mobiliários

FONTE: Os autores

Page 138: Revista FAE

136

justo em relação aos passivos totais de empresas

que adotam os US GAAP (1,51%) e a média dos

ativos financeiros que são mensurados a valor

justo em relação aos ativos totais (21,97%). Apesar

da porcentagem do total de passivos financeiros

mensurados a valor justo em relação ao total de

passivos ser 81% na área de atividade de papel, o

seu montante (U$2.191 milhões) é menor do que o

total de ativos financeiros mensurados a valor justo

pela instituição 1 da atividade de bancos (U$134.987

milhões).

No Apêndice B, Tabela 5, é possível verificar

que a média dos ativos financeiros mensurados a

valor justo em relação à média de ativos totais de

empresas que adotam os BR GAAP é 12,54%. As ati-

vidades que possuem as maiores porcentagens do

total de ativos financeiros mensurados a valor justo

e o total de ativos são Telecomunicações (empresa

1 com 40,51% e empresa 4 com 20,77%) e Distribui-

ção de Gás (22,97%). Na tabela 6 do Apêndice B,

pode-se notar que a média dos passivos financei-

ros mensurados a valor justo em relação à média

de passivos totais de empresas que adotam os BR

GAAP é 16,99%. Dentre as atividades, as que mais

se destacam em relação à porcentagem do total de

passivos financeiros mensurados a valor justo em

relação ao total de passivos são as de Telecomuni-

cações (empresa 3 com 52,39% e empresa 4 com

31,36%) e Commodities Químicas (48,80%). As ati-

vidades relacionadas à Água e Distribuição de Gás

não evidenciaram nenhum passivo financeiro men-

surado a valor justo.

4.5 Proporção dos Ativos e Passivos Finan-ceiros de Acordo com os Três Níveis da Hierarquia da Mensuração a Valor Justo

Ainda de acordo com as Tabelas 3 e 4 do

Apêndice A e Tabelas 5 e 6 do Apêndice B, nota-

-se que entre as empresas que adotam os US GAAP

a maioria das mensurações dos ativos financeiros é

baseada no nível 1 (67,68%) e a maioria dos passivos

é mensurado com base no nível 2 (90,45%). De ma-

neira similar nas empresas que adotam os BR GAAP,

a maioria das mensurações dos ativos é baseada no

nível 1(50,55%) e a totalidade dos passivos é mensu-

rada com base no nível 2 (100%).

4.6 Efeitos da Adoção do SFAS 157 de Ganhos e Perdas no Resultado

O Quadro 2, a seguir, resume se houve ou não

impacto da evidenciação dos ganhos e perdas re-

sultantes da adoção do SFAS 157 em empresas que

adotam os US GAAP.

Em relação à evidenciação de efeitos de ga-

nhos e perdas no resultado das empresas brasileiras

listadas na NYSE que adotavam os US GAAP, não

houve impacto significativo. As empresas do grupo

analisado quase não possuíam mensurações base-

adas no nível 3. Entretanto, as que possuíam, apre-

sentaram os impactos de ganhos e perdas nas no-

tas explicativas conforme proposto pelo SFAS 157.

Das empresas brasileiras listadas na NYSE

que adotam os BR GAAP, apenas uma apresentou

mensuração baseada no nível 3 da hierarquia, con-

tudo não publicou a evidenciação a respeito do

impacto de ganhos e perdas provenientes desses

ativos nas notas explicativas.

QUADRO 2 - Evidenciação de ganhos e perdas no nível 3 de ativos e passivos financeiros de empresas que adotam US GAAP - 2011

AtividadeNão há

mensuração no nível 3

Ganhos e perdas no lucro líquido

Ganhos e perdas

em outros resultados e receitas

abrangentes

Ganhos e perdas em itens

ainda mantidos

Banco 1 X X X

Banco 2 X

Eletricidade X

Ferro e aço (n=2)

X

Aviação X

Papel X

Petróleo e gás

X

FONTE: Os autores

Page 139: Revista FAE

137R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

4.7 Principais Modelos de Mensuração a Valor Justo

A Tabela 2, abaixo, apresenta um resumo dos

principais modelos utilizados para a mensuração a

valor justo. Pode ser observado que o modelo mais

utilizado, tanto pelas empresas que adotam os US

GAAP (75%) quanto os BR GAAP (33,33%), é o flu-

xo de caixa descontado. Também é importante notar

que 4 (33,33%) do total de 12 empresas que adotam

os BR GAAP não especificam os métodos utilizados

para a mensuração do valor justo no item referente

ao disclosure sob o SFAS 157.

analisa o impacto da norma SFAS 157 nas empresas

brasileiras listadas na Bolsa de Valores de Nova York

– NYSE.

Entre as empresas listadas na NYSE foram

analisadas aquelas que adotam ou os BR GAAP (12

empresas que permitiam a comparação) ou os US

GAAP (8 empresas que possibilitavam a compara-

ção). A média do total de ativos financeiros que são

mensurados a valor justo em relação aos ativos to-

tais nas empresas que adotam os US GAAP é 21,97%

(Tabela 3 do Apêndice A) e a média dos passivos

financeiros em relação à média do total dos passi-

vos é 1,51% (Tabela 4 do Apêndice A). Todavia, nota-

-se uma incompatibilidade da proporção da média

de ativos e passivos financeiros mensurados a valor

justo. Pode-se observar também que a área de ati-

vidade que mais evidencia ativos financeiros a valor

justo em relação ao total de ativos para empresas

que adotam os US GAAP é a bancária (instituição

1 com 31,01% e instituição 2 com 23,65%). Um fator

que deve ser destacado é que apesar da porcenta-

gem do total de passivos financeiros mensurados a

valor justo em relação ao total de passivos ser de

(81%) na área de atividade de papel, o seu montante

(U$2.191 milhões) é consideravelmente menor que o

total de ativos financeiros mensurados a valor justo

pela instituição 1 da atividade de bancos (U$134.987

milhões).

TABELA 2 - Principais modelos utilizados para a mensuração do valor justo - 2011

Número de companhias

ModeloEmpresas

que utilizam US GAAP

Empresas que

utilizam BR GAAP

Fluxo de caixa descontado 6 5

Modelos de precificação geralmente utilizados em itens similares

2 0

Black-Scholes 2 1

Modelo de Monte Carlo 2 0

Modelos internos 1 1

Valor descontado do fluxo de caixa contratual

1 1

Garman & Kohlhagen 1 1

Serviços de precificação como Bloomerang, Reuters, Brokers

1 1

Não especificado 1 4

FONTE: Os autores

5 Considerações Finais

Diante da preocupação por parte do IASB e

do FASB em aumentar a consistência e a compara-

bilidade da mensuração a valor justo, bem como me-

lhorar a transparência das informações fornecidas,

torna-se viável analisar o nível de divulgação das in-

formações mensuradas a valor justo e verificar se as

empresas estão adotando e evidenciando conforme

as normas relacionadas ao assunto. O estudo, então,

A área de atividade que mais evidencia ativos

financeiros a valor justo em relação ao total de ativos para empresas

que adotam os US GAAP é a bancária (instituição

1 com 31,01% e instituição 2 com 23,65%).

Page 140: Revista FAE

138

Nas tabelas 5 e 6 do Apêndice B, pode-se

verificar que em média os ativos financeiros men-

surados a valor justo pelas empresas brasileiras que

adotam os BR GAAP representam 12,54% em rela-

ção à média dos ativos totais, sendo que a mesma

análise para os passivos financeiros mostra que a

média é 16,99%. Em relação às empresas que ado-

tam os BR GAAP a discrepância entre a extensão da

mensuração a valor justo de ativos e passivos finan-

ceiros não se destaca tanto quanto à verificada nas

empresas que adotam os US GAAP. As atividades

que possuem uma maior extensão de mensuração a

valor justo com a adoção do SFAS 157 (comparando

o total de ativos e passivos financeiros com o total

de ativos e passivos) foram as empresas de Tele-

comunicações (empresa 1 com 40,51%) e Distribui-

ção de Gás (22,7%) para ativos; e Telecomunicações

(empresa 3 com 52,39%) e Commodities Químicas

(48,80%) para passivos.

Em relação à evidenciação de efeitos de ga-

nhos e perdas no resultado das empresas brasileiras

listadas na NYSE que adotavam os US GAAP, não

houve impacto significativo.

Nota-se que a maior parte da mensuração a

valor justo é baseada nos níveis 1 e 2 da hierarquia

proposta pelo SFAS 157. Considerando que esses ní-

veis de mensuração utilizam dados observáveis e

também que a norma SFAS 157 requer a evidenciação

dos métodos utilizados para a mensuração a valor jus-

to, pode-se afirmar que a norma atende ao objetivo

de aumentar a transparência e comparabilidade das

informações fornecidas aos usuários, aumentando o

valor de relevância dessas informações.

Futuras pesquisas podem enfocar as eviden-

ciações sobre valor justo das empresas que ado-

tam as IFRS após a efetiva convergência da norma

proposta do IASB com a norma SFAS 157 do FASB

proveniente do Exposure Draft emitido em maio de

2009 e, também do Exposure Draft que o IASB es-

pera publicar no segundo trimestre de 2010 sobre a

mensuração proposta da análise incerta das men-

surações de valor justo do nível 3. Estudos com-

parativos sobre o nível de evidenciação do valor

justo entre as empresas que adotam os BR GAAP

e empresas que adotam as IFRS serão oportunos

após o ano de 2010, com o requerimento de que as

empresas brasileiras listadas publicamente deverão

cumprir as normas internacionais, para medir a efe-

tividade da convergência.

• Recebido em: 01/03/2011• Aprovado em: 25/05/2011

Page 141: Revista FAE

139R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

Referências

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de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à

elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28

de dez. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11638.htm>. Acesso em 12 jan.

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WEFFORT, E. F. J. O Brasil e a harmonização contábil internacional. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 142: Revista FAE

140

Apêndice A

TABELA 3 - Resumo das evidenciações de ativo financeiro de empresas que adotam US GAAP (U$ milhões) - 2011

Área de Atividade Nível 1 Nível 2 Nível 3Total Passivos

FinanceirosTotal Passivos

Aviação 633,20 122,30 109,70 865,20 8.643,90

% total de ativos fin. 73,18% 14,14% 12,68% 100,00%

% do total de ativos 7,32% 1,41% 1,27% 10,00% 100,00%

Banco (n=2)

Instituição 1 119.730 4.173 11.084 134.987 435.290

% total de ativos fin. 88,70% 3,09% 8,21% 100,00%

% do total de ativos 27,50% 0,96% 2,55% 31,01% 100,00%

Instituição 2 38.266 47.042 9.620 94.928 401.375

% total de ativos fin. 40,31% 49,56% 10,13% 100,00%

% do total de ativos 9,53% 11,72% 2,40% 23,65% 100,00%

Eletricidade 40 1.758 0 1.798 24.781

% total de ativos fin. 2,22% 97,78% 0% 100,00%

% do total de ativos 0,16% 7,09% 0% 7,25% 100,00%

Ferro e aço (n=2)

Empresa 1 2.408 0 0 2.408 79.931

% total de ativos fin. 100,00% 0,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 3,01% 0,00% 0,00% 3,01% 100,00%

Empresa 2 0 3.571 0 3.571 15.709

% total de ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 22,73% 0,00% 22,73% 100,00%

Papel 217 362 0 579 5.230

% total de ativos fin. 37,48% 62,52% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 4,15% 6,92% 0,00% 11,07% 100,00%

Petróleo e Gás 1.810 47 0 1.857 125.695

% total de ativos fin. 97,47% 2,53% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 1,44% 0,03% 0,00% 1,47% 100%

Todas as companhias (n=8)

Média 20.388,02 7.134,41 2.601,713 30.124,14 137.081,86

% total de ativos fin. 67,68% 23,68% 8,64% 100,00%

% do total de ativos 14,87% 5,20% 1,90% 21,97% 100,00%

FONTE: Os autores

Page 143: Revista FAE

141R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

TABELA 4 - Resumo das evidenciações de passivos financeiro de empresas que adotam US GAAP (U$ milhões) - 2011

Área de Atividade Nível 1 Nível 2 Nível 3Total Passivos

FinanceirosTotal Passivos

Aviação 0 166,5 0 166,5 6.364,6

% total de ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 2,62% 0,00% 2,62% 100,00%

Banco (n=2)

Instituição 1 0 1.999 42 2.041 398.028

% total de ativos fin. 0,00% 97,94% 2,06% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 0,50% 0,01% 0,51% 100,00%

Instituição 2 0 6.759 1.248 8.007 365.743

% total de ativos fin. 0,00% 84,41% 15,59% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 1,85% 0,34% 2,19% 100,00%

Eletricidade 0 94 0 94 15.448

% total de ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 0,61% 0,00% 0,61% 100,00%

Ferro e aço (n=2)

Empresa 1 0 380 0 380 34.884

% total de ativos fin. 0,00% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 1,09% 0,00% 1,09% 100,00%

Empresa 2 0 686 0 686 12,393

% total de ativos fin. 0,00% 100% 0,00% 100%

% do total de ativos 0,00% 5,53% 0,00% 5,53% 100,00%

Papel 0 2.191 0 2.191 2.705

% total de ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 81% 0,00% 81% 100,00%

Petróleo e Gás 7 2 0 9 63.127

% total de ativos fin. 77,78% 22,22% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,01% 0,00% 0,00% 0,01% 100,00%

Todas as companhias (n=8)

Média 0,875 1.534,687 161,25 1.696,812 112.336,575

% total de ativos fin. 0,05% 90,45% 9,50% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 1,36% 0,15% 1,51% 100,00%

FONTE: Os autores

Page 144: Revista FAE

142

Apêndice B

TABELA 5 - Resumo da evidenciação dos Ativos Financeiros (R$ Milhões)

Atividade N1 N2 N3 Total Ativos Fin. Total Ativos

Água 0 544.066 0 544.066 20.113.911

% do total ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 2,70% 0,00% 2,70% 100,00%

Commodities Químicas 778.3 2.150,8 0 2.929,1 22.701,9

% do total ativos fin. 26.57% 73,43% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 3,43% 9,47% 0,00% 12,90% 100,00%

Construção 0 541.788 0 541.788 5.538.858

% do total ativos fin. 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 9,78% 0,00% 9,78% 100,00%

Distribuição de gás 1.397,5 736,2 0 2.133,7 9.667,2

% do total ativos fin. 65,50% 34,50% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 14,46% 7,61% 0,00% 22,07% 100,00%

Eletricidade 624.588 433.395 0 1.057.983 16.243.172

% do total ativos fin. 59,04% 40,96% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 3,84% 2,67% 0,00% 6,51% 100,00%

Produtos alimentícios 82,3 654,5 0,3 737,1 11.219,5

% do total ativos fin. 11,16% 88,80% 0,04% 100,00%

% do total de ativos 0,73% 5,83% 0,00% 6,56% 100,00%

Retalhistas de produtos alimentares e atacadistas

0 1.361.702 0 1.361.702 13.546.193

% do total ativos fin. 0,00% 100% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 10,05% 0,00% 10,05% 100,00%

Telecomunicações (n=5)

Empresa 1 13.883 3.025 0 16.908 41.734

% do total ativos fin. 82,11% 17,89% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 33,26% 7,25% 0,00% 40,51% 100,00%

Empresa 2 1.974.391 2.035.430 0 4.009.821 19.992.009

% do total ativos fin. 49,24% 50,76% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 9,87% 10,18% 0,00% 20,05% 100,00%

Empresa 3 1.554.591 387.573 0 1.942.164 14.563.986

% do total ativos fin. 80,04% 19,96% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 10,67% 2,66% 0,00% 13,33% 100,00%

Empresa 4 2.126.875 2.815.033 0 4.941.908 23.785.104

% do total ativos fin. 43,04% 56,96% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 8,94% 11,83% 0,00% 20,77% 100,00%

Empresa 5 2.040.425 29.179 0 2.069.604 17.670.188

% do total ativos fin. 98,59% 1,41% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 11,55% 0,16% 0,00% 11,71% 100,00%

Todas as companhias (n=12)

Média 694.750,925 679.561,041 0.025 1.374.311,991 10.961.561,97

% do total ativos fin. 50,55% 49,45% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 6,34% 6,20% 0,00% 12,54% 100,00%

FONTE: Os autores

Page 145: Revista FAE

143R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 126-143, jan./jun. 2011

TABELA 6 - Resumo da evidenciação dos Passivos Financeiros (r$ milhões) - 2011

Atividade N1 N2 N3 Total Ativos Fin. Total Ativos

Água 0 0 0 0 10.565.996

% do total ativos fin. 0% 0% 0% 0%

% do total de ativos 0% 0,00% 0% 0,00% 100,00%

Commodities Químicas 0 9.283,7 0 9.283,7 19.022,1

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 48,80% 0% 48,80% 100,00%

Construção 0 313.557 0 313.557 3.455.037

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 9,07% 0% 9,07% 100,00%

Distribuição de gás 0 0 0 0 4.978,9

% do total ativos fin. 0% 0% 0% 0%

% do total de ativos 0% 0% 0% 0% 100,00%

Eletricidade 0 1.626.828 0 1.626.828 11.136.221

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0%

% do total de ativos 0% 14,61% 0% 14,61% 100,00%

Produtos alimentícios 0 67,5 0 67,5 7.108,9

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0,00% 100,00%

% do total de ativos 0% 0,95% 0% 0,95% 100,00%

Retalhistas de produtos alimentares e atacadistas

0 89.804 0 89.804 8.034.202

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 1,12% 0% 1,12% 100,00%

Telecomunicações (n=5)

Empresa 1 0 3.525 0 3.525 30.323

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 11,62% 0% 11,62% 100,00%

Empresa 2 0 2.452.651 0 2.452.651 9.946.317

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 24,66% 0% 24,66% 100,00%

Empresa 3 0 3.558.570 0 3.558.570 6.792.181

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 52,39% 0% 52,39% 100,00%

Empresa 4 0 4.682.786 0 4.682.786 14.929.773

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 31,36% 0% 31,36% 100,00%

Empresa 5 0 222.073 0 222.073 11.434.892

% do total ativos fin. 0% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0% 1,94% 0% 1,94% 100,00%

Todas as companhias (n=12)

média 0 1.079.928,767 0 1.079.928,767 6.354.670,992

% do total ativos fin. 0,00% 100,00% 0% 100,00%

% do total de ativos 0,00% 16,99% 0% 16,99% 100,00%

Legenda: N1: Nível 1; N2: Nível 2; N3: Nível 3.FONTE: Os autores

Page 146: Revista FAE

O Consumidor Pune o Comportamento Socialmente Irresponsável das Empresas?Does the consumer punish the socially

irresponsible behavior of Companies?

Page 147: Revista FAE

145R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

O Consumidor Pune o Comportamento Socialmente Irresponsável das Empresas?Does the consumer punish the socially irresponsible behavior of Companies?

1 Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

2 Doutoranda em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora da Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]

Marie Agnes Chauvel 1

Renata Céli Moreira da Silva 2

ResumoMundialmente há uma pressão para que as organizações tenham práticas socialmente

responsáveis. Embora alguns estudos tenham sido feitos sobre o comportamento

dos consumidores frente à Responsabilidade Social Corporativa (RSC), ainda há

divergências nos resultados encontrados. Dois pontos nesses estudos chamam

atenção: a atitude positiva dos pesquisados em relação à RSC e o fato de que esta

não resulta num comportamento de compra que favoreça as empresas socialmente

responsáveis. O presente artigo buscou contribuir para um melhor conhecimento

desse tema, investigando as atitudes e intenções de compra em relação a empresas

que têm práticas socialmente irresponsáveis. Para isso, foi realizada uma pesquisa

junto a estudantes de graduação e pós-graduação em administração. O instrumento

de coleta de dados foi um questionário compreendendo perguntas fechadas e abertas,

construído com base no material estudado para a revisão de literatura. Os resultados

encontrados confirmaram alguns achados de estudos anteriores, mostrando que os

consumidores gostariam de deixar de comprar produtos de empresas socialmente

irresponsáveis, mas de forma geral, na prática, acabam comprando.

Palavras-chave: Irresponsabilidade Social, Consumidor

AbstractWorldwide, organizations are pressured to undertake socially responsible practices.

Although some research has been developed concerning consumer behavior in re-

lation to Corporative Social Responsibility (CSR), the results are still divergent. Two

aspects of those researches have come up: the interviewee’s positive attitude towards

CSR, and the fact that such attitude does not result in a consumer behavior that en-

dorses socially responsible companies. The present article seeks to contribute to a

better understanding of this theme by investigating consumer attitudes and inten-

tions in relation to socially irresponsible companies. To this end, a survey was made

with business undergrad and grad students. The instrument used was a questionnaire

formed by open and closed questions based on the material studied in the works that

compose our bibliography. The results reaffirmed some previous studies, showing that,

although consumers prefer to stop buying products from socially irresponsible com-

panies, they generally do otherwise.

Keywords: Social Irresponsibility, Consumer.

Page 148: Revista FAE

146

O tema Responsabilidade Social Corporati-

va (RSC) tem sido alvo de muitos debates tanto no

meio empresarial quanto no meio acadêmico. Esse

assunto tem estado na pauta de diversos meios de

comunicação, como revistas, jornais, artigos e semi-

nários. Além disso, segundo Silva e Chauvel (2010),

os estudantes de administração, por exemplo, tam-

bém estão demandando das faculdades o debate

deste tema em sala de aula.

Hoje, pode-se dizer que há uma pressão cres-

cente, em âmbito mundial, para que as empresas

sejam socialmente responsáveis, ou seja, para que

elas pratiquem a Responsabilidade Social (KLEIN,

2004; CHEAH; CHAN; CHIENG, 2007). Essa pressão

pode vir de diversas partes: empregados, fornece-

dores, grupos da comunidade, organizações não-

-governamentais e governos (McWILLIAMS; SIE-

GEL; WRIGHT, 2006). Segundo Melo Neto e Froes

(2001), a globalização também acabou reforçando

essa pressão, pois trouxe uma grande concentração

do poder econômico e uma grande exclusão social.

Kotler e Armstrong (1998) sublinham que

os consumidores representam outro público que

exerce influência nesse sentido, pois eles estão mais

atentos às práticas sociais das empresas. Muitos

consumidores passam a dar preferência a produtos

de empresas socialmente corretas (LAROCHE;

BERGERON; BARBARO-FORLEO 2001), apesar de

esse critério ainda não estar na cabeça de todos no

momento de realizar uma compra (BOULSTRIDGE;

CARRIGAN, 2000). Além disso, as pessoas hoje

possuem mais informação (FUENTES-GARCÍA et

al., 2008), o que facilita saber sobre a prática de

Responsabilidade Social das empresas.

Portanto, nos dias de hoje, não é só o lucro

que é importante para a organização. É fundamen-

tal que ela pratique os princípios da Responsabili-

dade Social (MILES; WHITE, 1998). Dessa forma,

muitas empresas estão se tornando socialmente

responsáveis (BARBOSA, 2007; BIES et al., 2007) e

elas buscam comunicar aos seus stakeholders suas

ações sociais, para conquistar uma boa imagem na

sociedade.

Diversos estudos têm sido feitos sobre o tema.

Há estudos que abordam a Responsabilidade Social

na ótica do consumidor, ou seja, estudos que inves-

tigam a percepção dos consumidores no que tan-

ge ao comportamento socialmente responsável das

empresas, se eles valorizam isso na compra e se são

influenciados por isso no que diz respeito à intenção

de compra de um produto (SEN; BHATTACHARYA,

2001). Essa abordagem da Responsabilidade Social

na ótica do consumidor é relevante, pois é importante

saber se e como o comportamento socialmente res-

ponsável das organizações pode influenciar a inten-

ção de compra.

Além disso, é interessante pesquisar se o

consumidor é capaz de “punir” as empresas social-

mente irresponsáveis, isto é, se está disposto a dei-

xar de comprar algum produto ou serviço de uma

organização que se envolveu com algum escândalo

corporativo, sofreu denúncias de práticas ilegais

contra o meio ambiente ou praticou algum outro

ato socialmente irresponsável (D’ANGELO, 2003).

O objetivo deste artigo é o de contribuir para

a exploração dessa vertente de pesquisa, investi-

gando as atitudes dos consumidores em relação à

irresponsabilidade social das empresas e verifican-

do se as práticas socialmente irresponsáveis das

empresas influenciam o comportamento de compra

dos consumidores.

O presente artigo está organizado da seguin-

te forma: neste item é apresentada a introdução ao

assunto. Em seguida, é realizada uma revisão da li-

Introdução

Não é só o lucro que é importante para a organi-zação. É fundamental que ela pratique os princípios

da Responsabilidade Social.

Page 149: Revista FAE

147R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

teratura que aborda o conceito de RSC e os resul-

tados obtidos em estudos existentes sobre a Res-

ponsabilidade Social e o consumidor. Em seguida,

é descrito o método da pesquisa e são mostrados

os resultados e sua análise. Por fim, são feitas algu-

mas considerações finais e sugestões para futuras

pesquisas.

2 Revisão da Literatura

2.1 A Responsabilidade Social Corporativa (RSC)

De acordo com Carroll (1999), a discussão

sobre RSC foi iniciada com Howard R. Bowen,

quando este publicou um livro sobre os negócios

e a responsabilidade social. A definição usada para

o termo foi “obrigação dos homens de negócios

de adotar diretrizes, decisões e linhas de ações

desejáveis no âmbito dos objetivos e valores de

nossa sociedade” (CARROLL, 1999, p. 269). Essa

publicação ocorreu em 1953. Portanto, a partir da

década de 1950, a questão da RSC passou a ser

discutida e ganhar importância nos negócios.

Posteriormente, nas décadas de 1960 e 1970,

essa discussão foi disseminada por diversos países.

Começaram a ser discutidos também os problemas

de proteção ambiental, os direitos das mulheres e os

problemas que o capitalismo gerava, pois não era ca-

paz de atender às necessidades dos indivíduos de

forma equilibrada, gerando desigualdades sociais

(SCHOMMER; ROCHA, 2007).

Segundo Schommer e Rocha (2007), foi a

partir da década de 1980 que o debate a respeito da

RSC ganhou novos destaques, por causa de fatores

como: avanço da globalização, privatização de em-

presas estatais, flexibilização da produção. Com es-

ses acontecimentos, os debates começaram a abor-

dar e discutir o papel de cada ator para o equilíbrio

entre dimensões econômicas, sociais e ambientais.

Faria e Sauerbronn (2008) apontam também, en-

tre os fatores que estimularam as discussões sobre

RSC, a globalização acelerada, o crescente poder

político e econômico das grandes empresas e os

grandes escândalos corporativos. Na mesma dire-

ção, Melo Neto e Froes (2001) sugerem que uma

das origens dessas discussões foi a globalização, já

que esta trouxe concentração de poder econômico

nas multinacionais e exclusão social. Por isso, se-

gundo eles, passou-se a cobrar das empresas uma

postura socialmente responsável.

De acordo com Drucker (1995), essas discus-

sões vieram à tona devido à ineficiência do gover-

no em cumprir seu papel. Vários autores sublinham,

porém, que, ainda assim, o papel do estado conti-

nua importantíssimo. Mesmo assumindo atribuições

sociais, as empresas não o substituem (SANTOS,

2008).

Existem inúmeras definições sobre o que é

RSC. Por isso, alguns autores afirmam que se trata

de um conceito ainda em construção (ASHLEY,

2002; HIGUCHI; VIEIRA, 2007).

Segundo Carroll (1991), a RSC pode ser de-

finida por meio do modelo da “pirâmide da RSC”.

Essa pirâmide é composta de quatro dimensões:

econômica, legal, ética e filantrópica. A dimensão

econômica – que é a base da pirâmide – refere-se

“A pirâmide da RSC” é composta de quatro dimensões:

econômica, legal, ética e filantrópica.

Page 150: Revista FAE

148

a ter um desempenho consistente, maximizando os

resultados. A dimensão legal diz respeito a levar em

consideração as leis e regulamentos. A dimensão

ética refere-se a estar de acordo com as expectati-

vas (morais e éticas) da sociedade. Adicionalmente,

a dimensão filantrópica está associada a contribuir

para melhorar o bem estar da sociedade.

Ferrell, Fraedrich, Ferrell (2001) também con-

sideram essas quatro dimensões como sendo as di-

mensões básicas da RSC. Esses autores sublinham,

além disso, que a RSC ocorre quando a empresa

busca maximizar os efeitos positivos e minimizar os

efeitos negativos gerados por ela para a sociedade.

Também para Mohr, Webb, Harris (2001), a RSC é

um comprometimento da empresa em reduzir ou

eliminar os impactos negativos e elevar os impac-

tos positivos, ou seja, aumentar os benefícios para a

sociedade a longo prazo. Os autores dão exemplos

de como as empresas podem atuar de forma so-

cialmente responsável: obedecendo a leis e normas

éticas, tratando bem seus funcionários, protegendo

o meio ambiente e contribuindo com ações de ca-

ridade.

Enderle e Tavis (1998) afirmaram que a RSC

possui dimensões econômica, social e ambiental.

Esses autores também consideram a relação das or-

ganizações com seus stakeholders, apontando que

a RSC está associada a um grupo de envolvidos que

não se restringe à empresa e aos seus clientes. Os

stakeholders podem ser: funcionários, comunidade,

consumidores, investidores, fornecedores, grupos

ambientais (MAIGNAN; FERREL; FERREL, 2005).

Maignan e Ferrell (2004) consideram que há

múltiplas abordagens de RSC, que são: obrigação

social, ética, obrigação em relação aos stakeholders

e o processo gerencial (diz respeito ao gerencia-

mento que é necessário para o negócio).

Segundo Ashley (2002, p. 6), a RSC é defini-

da como o:

compromisso que uma organização deve ter para com

a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que

a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma

comunidade, de modo específico, agindo proativamente

e coerentemente no que tange a seu papel específico na

sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A

organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter

moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não

diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam

contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos.

Assim, numa visão expandida, responsabilidade social é

toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria

da qualidade de vida da sociedade.

Dessa forma, ao mostrar que a RSC apresenta

algumas dimensões, o presente estudo se posiciona

de forma a considerar o conceito de Irresponsabilida-

de Social como o desrespeito por parte da empresa

de alguma das dimensões da RSC.

2.2 A Responsabilidade Social na Ótica do Consumidor

Existem estudos que buscam investigar a

reação dos consumidores em relação às empresas

socialmente responsáveis. A seguir, são brevemente

apresentados e discutidos os resultados de pesqui-

sas que relacionam o Comportamento do Consumi-

dor e a RSC.

Dentre os estudos internacionais, Carrigan e

Attalla (2001) fizeram um estudo utilizando a téc-

nica de grupo de foco. Seus resultados trazem evi-

dências de que a crescente sofisticação dos consu-

midores ainda não necessariamente se reflete num

comportamento de compra favorável às empresas

éticas e desfavorável às empresas antiéticas. Singh

et al. (2008), em seus estudos, também obtiveram

evidências de que o impacto da comunicação das

empresas em relação à RSC sobre a percepção dos

consumidores é fraco. Sen e Bhattacharya (2001)

verificaram que as iniciativas socialmente respon-

sáveis, sob certas condições, podem até diminuir a

intenção de comprar dos consumidores.

Lichtenstein, Drumwright, Braig (2004) iden-

tificaram que a RSC das empresas afeta a decisão

de compra do consumidor e também influencia as

doações dos consumidores para causas ligadas a

organizações sem fins lucrativos. Meijer e Schuyt

(2005) obtiveram evidências de que alguns fatores

influenciam a sensibilidade do consumidor a realizar

compras socialmente responsáveis como: ter um ní-

vel maior de educação, ser do sexo feminino e ser

Page 151: Revista FAE

149R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

de uma idade mais avançada. Becker-Olsen, Cud-

more, Hill (2006), em sua pesquisa, verificaram que

o consumidor valoriza as práticas socialmente res-

ponsáveis que são relacionadas com as atividades

da empresa e também as práticas proativas de RSC.

Adicionalmente, Creyer (1997) em seu estudo mos-

trou que os consumidores se mostraram propensos a

valorizar atitudes éticas das empresas e punir as que

são irresponsáveis.

Dentre os estudos nacionais acerca do com-

portamento do consumidor e a RSC, Urdan (2001)

verificou que o consumidor ainda não está propenso

a comprar produtos de empresas que possuem um

comportamento ético. Motta e Rossi (2003) investi-

garam a influência do fator ecológico na decisão de

compra dos consumidores. Seus resultados mostra-

ram que os entrevistados não davam valor ao fator

ecológico no momento da compra, contudo tinham

uma atitude positiva frente à atuação ecológica da

empresa. Além disso, os autores concluíram que os

consumidores não possuem informações suficien-

tes sobre produtos pertencentes às empresas eco-

logicamente corretas. De modo semelhante, o estu-

do de Castro, Siqueira, Kubrusly (2007) mostrou

que os consumidores possuem atitudes positivas

em relação às empresas socialmente responsáveis,

contudo, normalmente, isso não afeta sua decisão

de compra. Silva e Bertrand (2009) também identi-

ficaram, em sua pesquisa, uma atitude positiva, que,

porém, não se refletia no comportamento de com-

pra. As autoras também identificaram que os consu-

midores estavam insatisfeitos com a quantidade de

informações sobre as ações de RSC das empresas.

Por outro lado, há também estudos que

apontam uma influência favorável da RSC. Mrtvi

(2003) obteve evidências de que a RSC é um fa-

tor que diferencia a marca em relação às outras no

setor de cosméticos. Romaniello e Amâncio (2005)

investigaram a percepção dos estudantes de admi-

nistração no que tange à RSC e os seus resultados

mostraram que o comportamento de compra dos

pesquisados é influenciado pela RSC. 53% dos en-

trevistados responderam que seu comportamento

de compra é influenciado por esse fator e 79,1% res-

ponderam que puniriam as empresas socialmente

irresponsáveis.

Serpa e Avila (2006b) fizeram um estudo

sobre os efeitos da RSC na percepção do consumi-

dor e na sua intenção de compra. Os resultados da

pesquisa mostraram que os consumidores estão dis-

postos a pagar um pouco mais por um produto que

pertence a uma empresa que pratica a RSC. Além

dessa pesquisa, Serpa e Avila (2006a) também bus-

caram identificar se uma ação social que tem impac-

to direto na vida dos consumidores afeta o processo

decisório de compra desses consumidores. Os re-

sultados apontaram que essas ações sociais de fato

influenciam de forma mais positiva as intenções de

compra dos consumidores.

Serpa e Fourneau (2007) buscaram estudar

a percepção do consumidor em relação ao tópico

RSC. Seus resultados trouxeram evidências de que

os pesquisados ainda possuem alguma dificuldade

em definir o conceito de RSC, mas consideram

que as empresas socialmente responsáveis devem

ajudar a resolver os problemas sociais do país. Os

entrevistados disseram que há pouca informação

sobre o tema no Brasil. Outro resultado foi que o

público estudado considera os aspectos negativos

na hora de fazer a compra, isto é, tende a não comprar

produtos de empresas socialmente irresponsáveis,

porém, não necessariamente compra das empresas

que praticam a RSC.

Em resumo, os resultados das pesquisas ain-

da divergem. No que diz respeito especificamente

ao Brasil, alguns estudos apontam que, apesar de

uma atitude positiva frente à RSC, esta pode exercer

As empresas socialmente

responsáveis devem ajudar a resolver os

problemas sociais do país.

Page 152: Revista FAE

150

pouca influência sobre o comportamento de com-

pra. Também é notável a questão da falta de infor-

mações sobre RSC, que surgiu em várias pesquisas.

Diante desse quadro, optou-se, neste trabalho, por

investigar os impactos da Irresponsabilidade Social.

Esperava-se, com isso, contribuir para um melhor

entendimento da influência da RSC sobre o com-

portamento dos consumidores. O intuito era que,

ao direcionar a investigação para o lado negativo

da Irresponsabilidade Social, poder-se-ia identificar

atitudes desfavoráveis às empresas que desrespei-

tam a RSC em alguma de suas dimensões (mesmo

não dando preferência a produtos ou serviços de

empresas que praticam a RSC, poderia ser detec-

tada uma rejeição aos que provêm de empresas

socialmente irresponsáveis).

do consumidor. Nesta etapa, ao mostrar que a RSC

apresenta algumas dimensões, o presente estudo se

posiciona, conforme descrito na revisão da literatura,

considerando a definição de Irresponsabilidade So-

cial como sendo o desrespeito de dimensões da RSC

por parte da empresa.

A segunda etapa consistiu na elaboração do

questionário para a coleta de dados. O questionário

foi feito com base nos estudos de Castro, Siqueira,

Kubrusly (2007) e Silva e Bertrand (2009), fazendo-

-se adaptações para o cenário de Irresponsabilida-

de Social. Como foi descrito anteriormente, Castro,

Siqueira, Kubrusly (2007) e Silva e Bertrand (2009)

realizaram uma pesquisa para investigar se a RSC

influencia na decisão de compra do consumidor. O

presente artigo realizou adaptações nos questionários

desses autores para elaborar um que pudesse captar

a influência da Irresponsabilidade Social das em-

presas no comportamento do consumidor. Ou seja,

enquanto Castro et al. (2007) e Silva e Bertrand

(2009) buscaram informações sobre a reação dos

consumidores frente à RSC, o presente estudo bus-

cou informações sobre a reação dos consumidores

no que tange à Irresponsabilidade Social.

O questionário teve perguntas para medir

se os consumidores julgam importante deixar de

comprar de empresas socialmente irresponsáveis

e também perguntas para medir o comportamento

de compra dos pesquisados em relação a produtos

de empresas socialmente irresponsáveis, para assim

comparar o que eles pensam com como eles agem.

As opções para as respostas dessas perguntas esta-

vam organizadas em escala Likert de 5 pontos (Dis-

cordo Totalmente – 1; até Concordo Totalmente – 5).

O questionário também teve perguntas para

investigar se os entrevistados estão satisfeitos em

relação às suas compras socialmente responsáveis e

se eles estão satisfeitos com as informações dispo-

níveis sobre RSC de empresas e a quantidade de

informações disponíveis sobre a Irresponsabilidade

Social das empresas. As opções de respostas para

essas perguntas foram “Sim” ou “Não”. Também

Medir se os consumidores julgam importante deixar de comprar de empresas

socialmente irresponsáveis e medir o comportamento

de compra dos pesquisados em relação a produtos

de empresas socialmente irresponsáveis,

3 Método

Este artigo é caracterizado como uma pes-

quisa descritiva (GIL, 1987). A primeira etapa da pes-

quisa consistiu em realizar uma revisão bibliográfica,

focando no conceito de RSC e as pesquisas exis-

tentes no Brasil e no exterior sobre a RSC na ótica

Page 153: Revista FAE

151R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

havia uma pergunta para saber quais fatores o

consumidor considera mais relevante para avaliar

uma empresa como socialmente irresponsável.

O questionário compreendia também uma

questão em que os entrevistados tinham que colo-

car em ordem de importância o que eles levam em

consideração no momento em que efetuam a com-

pra de um produto (reputação socialmente respon-

sável, conveniência, preço, marca e qualidade). Por

fim, foram também levantados os dados demográfi-

cos dos entrevistados. O questionário foi aplicado a

76 estudantes de administração (autopreenchimen-

to), pertencentes à graduação, mestrado e douto-

rado. A amostra foi por acessibilidade (os questio-

nários foram enviados por e-mail para os alunos de

graduação, mestrado e doutorado de uma universi-

dade, tendo um retorno de 76 questionários preen-

chidos válidos).

A próxima etapa consistiu no tratamento dos

dados, o que foi feito por meio de estatística descri-

tiva e estatística não paramétrica para as questões

de escala Likert de 5 pontos, pois, segundo McCla-

ve et al. (2008), essa é a estatística a ser utilizada

quando existem dúvidas a respeito da normalidade

da distribuição de frequência da população, como

era o caso. O teste estatístico não-paramétrico utili-

zado foi o Sign Test, que é um teste que “fornece in-

ferências sobre a mediana da população” (MCCLA-

VE; BENSON; SINCICH, 2008, p. 14-5). Em seguida,

procedeu-se à análise dos dados.

4 Análise dos Resultados

4.1 Perfil dos Entrevistados

Foram pesquisados no total 76 estudantes de

administração, pertencentes à graduação, mestrado

e doutorado. Os dados demográficos são mostrados

a seguir: (a) 34 indivíduos são do sexo feminino (45%

do total) e 42 do sexo masculino (55% do total); (b)

em relação à faixa etária, 49 (64%) pertencem à faixa

etária dos 20 anos, 20 (26%) à faixa dos 30 anos,

5 (7%) à faixa dos 40 anos e 2 (3%) à faixa dos 50

anos; (c) 32 (42%) pesquisados moram com os pais,

18 (24%) moram sozinhos, 19 (25%) moram com o

cônjuge/companheiro, 3 (4%) moram com amigos e

4 (5%) moram com “outros”, como exemplo, irmãos

ou filhos; (d) 61 (80%) entrevistados não possuem

filhos e 15 (20%) possuem; (e) 35 (46%) ajudam a

pagar as despesas de casa junto com outras pessoas

da casa, 21 (28%) não participam das despesas da

casa e 20 entrevistados (26%) pagam, sozinhos, as

despesas de casa; (f) 47 entrevistados (62%) são do

mestrado, 20 (26%) são da graduação e 9 (12%) do

doutorado.

4.2 Análise das Entrevistas

4.2.1 Julgamento dos Consumidores

Analisando as questões que buscam medir

se os consumidores julgam importante deixar de

comprar de empresas socialmente irresponsáveis

(questões de 1 a 3) por meio de estatística descriti-

va, pode-se observar que a maioria das respostas foi

positiva, ou seja, a maioria dos entrevistados possui

uma atitude positiva em relação a deixar de comprar

produtos de empresas socialmente irresponsáveis.

Eles acham importante deixar de fazer esse tipo de

compra e julgam o comportamento de deixar de

comprar produtos de empresas irresponsáveis como

algo positivo. Na Tabela 1, são mostrados a média, a

mediana, a moda e o desvio padrão das respostas

(as respostas foram em escala Likert de 5 pontos,

começando com 1 para “Discordo Totalmente”). A

maioria dos entrevistados respondeu “Concordo

em parte” para as perguntas sobre a atitude dos

consumidores em relação à compra socialmente

responsável, como pode ser visto através da média,

mediana e da moda.

Page 154: Revista FAE

152

Para avaliar essas três questões por meio de testes estatísticos, foi feito o Sign Test, conforme mencionado

no método. A hipótese nula foi Ho=3, onde 3 é o ponto “Nem Discordo, Nem Concordo” da escala Likert de 5

pontos. A Tabela 2 mostra os resultados para os testes estatísticos realizados.

Questões referentes à atitude Média Mediana ModaDesvio Padrão

É importante, para mim, deixar de comprar produtos de empresas que mostram não ser socialmente responsáveis.

33158 4 4 121338

Eu fico realmente insatisfeito em saber que a empresa da qual eu compro os produtos, não é socialmente responsável.

35658 4 4 119259

Eu gostaria de deixar de comprar produtos de empresas socialmente irresponsáveis, mas não possuo informações suficientes sobre as empresas.

39079 4 4 103509

FONTE – Os autores

TABELA 1 - Estatísticas referentes às questões de atitude

TABELA 2 – Teste não-paramétrico sign test

Questões referentes à atitude Hipóteses Resultados

É importante, para mim, deixar de comprar produtos de empresas que mostram não ser socialmente responsáveis.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Eu fico realmente insatisfeito em saber que a empresa da qual eu compro os produtos, não é socialmente responsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Rejeita Ho a 1%

Eu gostaria de deixar de comprar produtos de empresas socialmente irresponsáveis, mas não possuo informações suficientes sobre as empresas.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Rejeita Ho a 1%

FONTE – Os autores

Analisando a primeira questão, pode ser visto

que a hipótese nula não foi rejeitada a um nível de

significância de 10%, ou seja, não há evidências de

que os indivíduos entrevistados acham importante

deixar de comprar produtos de empresas

irresponsáveis. Entretanto, em relação às questões

2 e 3, ambas tiveram a hipótese nula rejeitada a

1% de significância. Com isso, há evidências a 1%

de significância de que os indivíduos pesquisados

ficam insatisfeitos em saber que a empresa na qual

eles compraram produto é irresponsável e que eles

também gostariam de deixar de comprar produtos

de empresas socialmente irresponsáveis, contudo

acham que não possuem informações suficientes

sobre as empresas.

Portanto, de forma geral, pode ser visto

que os indivíduos pesquisados demonstram que

ficam insatisfeitos ao saber que compraram algo

de uma empresa irresponsável e gostariam de

deixar de comprar desse tipo de empresa, isto é, o

julgamento deles mostra uma atitude positiva no

que tange a “punir” empresas irresponsáveis. Como

foi visto anteriormente, estudos mostram atitude e

julgamento positivos dos consumidores em relação

à compra de produtos de empresas socialmente

responsáveis (MOTTA; ROSSI, 2003; CASTRO,

SIQUEIRA, KUBRUSLY, 2007; SILVA; BERTRAND,

2009) e, quando se trata de Irresponsabilidade Social,

isso também ocorre, já que os indivíduos julgam

positivamente a atitude de punição em relação a

empresas irresponsáveis.

4.2.2 Comportamento dos Consumidores

Esse item analisa as questões 4 a 11, que se re-

ferem ao comportamento dos consumidores, ou seja,

como eles se comportam em relação à compra de

produtos de empresas socialmente irresponsáveis.

Na Tabela 3, são apresentados a média, a mediana, a

moda e o desvio padrão das respostas.

Page 155: Revista FAE

153R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

Analisando essas questões sobre o compor-

tamento dos consumidores entrevistados, pode ser

observado que a maioria dos respondentes não

possui um comportamento de compra que leva em

conta a questão da RSC, visto que a maioria res-

pondeu que não deixa de comprar um produto só

porque a empresa é irresponsável. A única resposta

que mostrou que os consumidores pesquisados já

tiveram um comportamento em que eles “puniram”

a empresa socialmente irresponsável, deixando de

comprar seu produto, foi quando o produto era

nocivo para o ambiente e para outras pessoas, mos-

trando que saúde e ambiente podem ser questões

valorizadas pelos consumidores. Entretanto, os

consumidores entrevistados continuam valorizando

qualidade e preço, pois disseram que não deixaram

de comprar um produto de uma empresa social-

mente irresponsável que tivesse qualidade ou bom

preço. Vale ressaltar também que a maioria dos

consumidores da pesquisa nunca fez boicote a em-

presas irresponsáveis e que, em geral, eles não se

preocupam em saber se a empresa é responsável

ou não.

Para avaliar essas questões através de testes

estatísticos, foi feito o Sign Test, conforme mencio-

nado no método. A hipótese nula foi Ho=3, onde 3 é

o ponto “Nem Discordo, Nem Concordo” da escala

Likert de 5 pontos. A Tabela 4 mostra os resultados

para os testes estatísticos realizados.

Questões referentes ao comportamento Média Mediana Moda Desvio Padrão

Eu comprei produtos/serviços mesmo sabendo que eles foram pro-duzidos por uma empresa socialmente irresponsável.

3,1316 3 3 e 4 1,26851

Eu deixei de comprar produtos que são nocivos para o ambiente e para outras pessoas.

3,6711 4 4 1,10016

Eu deixei de comprar produto/serviço só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

2,9079 3 4 1,24555

Eu deixei de comprar um produto que estava com o preço mais baixo, só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

2,6974 3 1 1,37618

Eu fiz boicote a produtos/serviços de empresas envolvidas em escândalos de irresponsabilidade social.

2,3816 2 1 1,38532

Eu deixei de comprar produto/serviço de boa qualidade só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

2,4737 2 1 1,30101

Em geral, quando compro um produto/serviço, eu não me preocupo em saber se a empresa é socialmente responsável.

3,2632 3 4 1,05031

FONTE – Os autores

TABELA 3 - Estatísticas referentes às questões de comportamento

O julgamento do consumidor mostra uma atitude positiva

no que tange a “punir” empresas

irresponsáveis.

Page 156: Revista FAE

154

Somente uma questão teve a hipótese nula

rejeitada, que foi a segunda questão que queria sa-

ber se o consumidor já deixou de comprar produtos

nocivos para o ambiente e para outras pessoas. Essa

questão teve a hipótese nula rejeitada a 1% de signi-

ficância, mostrando evidências de que os indivídu-

os pesquisados se preocupam em não comprar um

produto que é nocivo para o ambiente e pessoas.

Por conseguinte, ao analisar essas questões,

pode ser visto que, no que se refere ao comporta-

mento de compra, os consumidores não “punem”

as empresas socialmente irresponsáveis. Somente a

questão sobre produtos nocivos para o ambiente e

para as pessoas evidenciou um comportamento de

punição das empresas que comercializam tais pro-

dutos. Ou seja, o comportamento não é de punição a

empresas socialmente irresponsáveis, porém, referin-

do-se aos produtos que podem ser nocivos para am-

biente e pessoas, os indivíduos pesquisados “punem”

as empresas e deixam de comprar seus produtos.

Dessa forma, pode ser visto que, apesar de

os consumidores pesquisados julgarem que devem

deixar de comprar de empresas que são irrespon-

sáveis, na prática isso é difícil de ocorrer. Em outras

palavras, os entrevistados pensam que isso deve ser

feito, mas não se comportam de acordo com esse

pensamento. Essas evidências estão de acordo com

pesquisas descritas na revisão da literatura que mos-

tram que os consumidores acham que devem com-

prar produtos de empresas socialmente responsá-

veis, mas, na hora de comprar, não se comportam

dessa maneira (CASTRO et al., 2007; SILVA; BER-

TRAND, 2009). Outros pesquisadores também

mostraram essa ausência de um comportamen-

to de compra socialmente responsável (CARRI-

GAN; ATTALLA, 2001; URDAN, 2001; MOTTA; ROS-

SI, 2003).

TABELA 4 - Teste não-paramétrico sign test

Questões referentes ao comportamento Hipóteses Resultados

Eu comprei produtos/serviços mesmo sabendo que eles foram produzidos por uma empresa socialmente irresponsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Eu deixei de comprar produtos que são nocivos para o ambiente e para outras pessoas.Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Rejeita Ho a 1%

Eu deixei de comprar produto/serviço só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Eu deixei de comprar um produto que estava com o preço mais baixo, só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Eu fiz boicote a produtos/serviços de empresas envolvidas em escândalos de irrespon-sabilidade social.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Eu deixei de comprar produto/serviço de boa qualidade só porque ele foi produzido por uma empresa socialmente irresponsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

Em geral, quando compro um produto/serviço, eu não me preocupo em saber se a empresa é socialmente responsável.

Ho: mediana = 3Ha: mediana > 3

Não rejeita Ho a 10%

FONTE – Os autores

Eles “puniram” a empresa socialmente irresponsável, deixando de comprar seu

produto, quando o produto era nocivo para o ambien-te e para outras pessoas, mostrando que saúde e

ambiente podem ser ques-tões valorizadas pelos

consumidores.

Page 157: Revista FAE

155R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

4.2.3 Importância dos Atributos na hora de Fazer a Compra

Pediu-se aos pesquisados que ordenassem

por importância os atributos percebidos na hora

de decidir pela compra. Os atributos listados foram:

reputação socialmente responsável da empresa,

preço, conveniência, qualidade e marca. A ordem

de importância consistiu em colocar 1 para o mais

importante e 5 para o menos importante. A Tabela

5 mostra a média, mediana, moda e desvio padrão

das respostas.

TABELA 5 – Ordem de importância dos atributos

4.2.4 Satisfação em relação ao Comporta-mento Socialmente Responsável

No questionário, havia perguntas para avaliar

a satisfação do consumidor em relação ao seu

modo de comprar socialmente responsável e, para

essa pergunta, as respostas possíveis eram “Sim”

ou “Não.

As respostas foram bastante divididas, pois

pode ser visto que 51% dos entrevistados estão

satisfeitos com seu modo de comprar socialmente

responsável e 49% não estão satisfeitos com seu

modo de comprar socialmente responsável.

Houve uma pergunta aberta para saber por

que os consumidores estavam satisfeitos ou não

com esse modo de comprar. Os que responderam

que estavam satisfeitos com seu modo de comprar

socialmente responsável, justificaram da seguinte

forma:

“Porque são poucas empresas que realmente tentam

fazer a diferença. A maioria, a meu ver, é jogada de

marketing e hipocrisia.”

“Não é a minha primeira preocupação ao adquirir um

produto/serviço.”

“Não disponho de informações confiáveis e isentas sobre

o quanto as empresas adotam práticas responsáveis de

negócio ou não.”

“Privilegio empresas socialmente responsáveis. Penso

que assim, estou incentivando outras empresas a agirem

da mesma forma.”

“Porque muitas vezes não há disponibilidade de

informações quanto às responsabilidades sociais da

empresa.”

Analisando esses relatos, pode-se ver que al-

guns estão satisfeitos, porque consideram que há

poucas informações a respeito do tema, então não

há nada que eles possam fazer. Outros disseram

que consideram a RSC das empresas na hora de

comprar e outros mostraram ser céticos em relação

à pratica da RSC, e por isso, estão satisfeitos com

a forma de comprar, já que não acreditam muito na

RSC.

Atributos Média Mediana ModaDesvio Padrão

População social-mente responsável

4.2895 5 5 1.03041

Preço 2.4474 2 2 0.92944

Conveniência 3.4342 4 4 1.07499

Qualidade 1.3026 1 1 0.56615

Marca 3.4868 3.5 3 1.14884

FONTE – Os autores

Como pode ser visto na Tabela 5, o atributo

que os consumidores entrevistados consideram

mais importante para decidir sobre a compra de um

produto ou serviço é a qualidade (média 1,3026).

O segundo atributo em ordem de importância é o

preço (média 2,4474), seguido respectivamente da

marca, conveniência e, por último, da reputação

socialmente responsável.

Dessa forma, pode ser visto que a reputação

socialmente responsável ainda não é levada muito

em consideração na decisão de compra do consu-

midor, já que é menos prioritária que os atributos

qualidade e preço do produto. No estudo de Castro,

Siqueira, Kubrusly (2007) e Silva e Bertrand (2009)

o atributo “Reputação Socialmente Responsável foi

o quarto mais importante, porém na presente pes-

quisa este atributo ficou em quinto lugar, sendo por-

tanto o menos importante.

Page 158: Revista FAE

156

Os que responderam que não estavam

satisfeitos com seu modo de comprar socialmente

responsável, justificaram da seguinte forma:

“Existem poucas informações sobre assuntos relaciona-

dos à responsabilidade social das empresas.”

“Porque conheço empresas que são socialmente irres-

ponsáveis e mesmo assim não deixo de comprar.”

“Falta de opções e possibilidades de comprar outra marca

e de informação confiável. O fato de utilizar o argumento

socialmente responsável não me faz acreditar que real-

mente o seja.”

Analisando os relatos acima, é interessante

observar a repetição do ceticismo em relação a

ações de RSC. Há consumidores que são céticos

em relação a isso, que não acreditam nessas

práticas socialmente responsáveis. Outra questão

que está muito presente nos depoimentos é a falta

de informações existentes sobre as empresas que

praticam a RSC e empresas que são irresponsáveis.

Porém, houve um relato dizendo que mesmo

sabendo de casos de irresponsabilidade social, a

pessoa continua a comprar dessas empresas, o que

a deixa insatisfeita com esse comportamento.

Interessante ressaltar que, como foi visto an-

teriormente, houve evidências estatísticas de que

os consumidores entrevistados gostariam de deixar

de comprar produtos de empresas socialmente ir-

responsáveis e que eles não possuem informações

suficientes sobre as empresas. Esse discurso de não

haver informações suficientes foi o motivo de mui-

tos dizerem que estão satisfeitos com seu compor-

tamento de compra socialmente responsável (visto

que não há informações e então é difícil saber de

quem comprar, logo a pessoa fica satisfeita, pois não

há o que fazer mesmo) e o motivo de muitos dizerem

que não estão satisfeitos com seu comportamento

(pois como há poucas informações há uma dificul-

dade em agir de forma responsável, o que torna os

indivíduos insatisfeitos).

4.2.5 Satisfação em relação às Informações sobre RSC

Por conseguinte, foi interessante perguntar

sobre a quantidade de informações sobre RSC

que as empresas divulgam e a quantidade de

informações sobre o envolvimento de empresas

em ações de Irresponsabilidade Social. Para essas

perguntas, as respostas eram “Sim” ou “Não”.

Em relação à satisfação com as informações

sobre RSC que as empresas divulgam, somente

13% dos entrevistados disseram estar satisfeitos,

enquanto 87% deles disseram estar insatisfeitos,

mostrando que a maioria acha que há poucas

informações. Além disso, no que tange à satisfação

com as informações sobre o envolvimento de

empresas em ações de Irresponsabilidade Social,

somente 7% dos entrevistados disseram estar

satisfeitos enquanto 93% deles disseram estar

insatisfeitos, mostrando que a maioria também acha

que existem poucas informações.

Logo, pode ser visto que essa falta de infor-

mações pode ser um fator negativo. Como relatou a

pesquisa de Romaniello e Amâncio (2005) e a pre-

sente pesquisa sobre o julgamento dos consumido-

res, eles estão dispostos a “punir” as empresas irres-

ponsáveis, e, com a escassez de informação

4.2.6 Elementos de uma Empresa

Socialmente Irresponsável

Finalmente, havia uma questão para saber

quais os elementos mais importantes para avaliar

uma empresa como socialmente irresponsável. Fo-

ram dados seis elementos e os entrevistados deve-

riam escolher três deles, numerando com 1 o mais

relevante até o 3, o menos relevante. Os elementos

dados foram: (1) não respeitar as leis, (2) não pagar/

sonegar impostos, (3) não respeitar os direitos dos

Page 159: Revista FAE

157R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

funcionários, (4) produzir e comercializar produtos

ou serviços que podem causar danos aos consumi-

dores, (5) fazer propaganda enganosa e (6) causar

danos ambientais como poluição ou acidentes.

A Tabela 6 mostra os resultados descritivos

(média, mediana, moda, desvio padrão).

TABELA 6 – Elementos da irresponsabilidade social

5 Considerações Finais

O presente estudo buscou complementar os

estudos já existentes sobre a RSC, investigando se os

consumidores “punem” as empresas socialmente irres-

ponsáveis. A ideia dessa pesquisa surgiu de estudos

anteriores que relataram a disposição dos consumido-

res em comprar produtos de empresas socialmente

responsáveis (CASTRO; SIQUEIRA; KUBRUSLY, 2007;

SILVA; BERTRAND, 2009) – porém, que apesar de ha-

ver essa disposição, ela dificilmente é vista na prática

– e de uma pesquisa que mostrou uma eventual atitu-

de de “punição” de empresas irresponsáveis (ROMA-

NIELLO; AMÂNCIO, 2005), mas não aprofundou este

resultado, pois este tópico não era seu objetivo.

De acordo com os resultados, os consumidores

entrevistados possuem uma atitude positiva em rela-

ção a deixar de comprar produtos de empresas so-

cialmente irresponsáveis, isto é, eles julgam esse tipo

de ação como uma prática positiva. Entretanto, no

que tange ao seu comportamento, é observado que

o consumo de produtos de empresas que são social-

mente irresponsáveis ainda é efetuado, isto é, apesar

de acharem importante não consumir produtos de

empresas irresponsáveis, os consumidores pesquisa-

dos ainda não colocam isso em prática, não ‘punindo’

essas empresas. O resultado é relevante, pois reforça

achados anteriores como os de Urdan (2001), Motta e

Rossi (2003), Castro, Siqueira, Kubrusly (2007), Silva

e Bertrand (2009). Diferentemente do que se espera-

va quando se decidiu fazer a pesquisa, ao direcionar a

investigação para o lado negativo (irresponsabilidade

social), manteve-se a tendência de um comportamen-

to de compra que não leva em consideração a RSC.

Também se manteve a inconsistência entre atitude e

comportamento.

Contudo, somente um fator comportamental

se mostrou favorável à punição de empresas irres-

ponsáveis que foi a questão de deixar de comprar

produtos que são nocivos ao ambiente e às pesso-

as, o que mostra que esse pode ser o único fator

relevante levado em consideração nos dias de hoje

Elementos Irresponsabilidade

SolcialMédia Mediana Moda

Desvio Padrão

Não respeitar as leis 2.0625 2 3 0.92871

Não pagar/sonegar impostos

1.7143 2 1 0.75593

Não respeitar os direitos dos funcio-nários

2.9 3 3 0.31623

Produzir e comer-cializar produtos ou serviços que podem causar danos aos consumidores

1.697 1 1 0.80951

Fazer propaganda enganosa

2.3077 2 2 0.63043

Causar danos ambientais como poluição ou acidentes

1.9375 2 2 0.75935

FONTE – Os autores

Como pode ser visto na média obtida, o

elemento considerado mais relevante para clas-

sificar uma empresa como irresponsável é “pro-

duzir e comercializar produtos ou serviços que

podem causar danos aos consumidores”, o que está

de acordo com a questão que foi estatisticamente sig-

nificante sobre o comportamento dos consumidores

em relação a “punir” empresas, deixando de com-

prar produtos nocivos ao ambiente e às pessoas.

Em seguida, o fator considerado mais importante

foi “não pagar/sonegar impostos”, seguido respec-

tivamente de “causar danos ambientais como polui-

ção ou acidentes”, “não respeitar as leis”, “fazer pro-

paganda enganosa” e “não respeitar os direitos dos

funcionários”.

Page 160: Revista FAE

158

• Recebido em: 09/12/2010

• Aprovado em: 27/04/2011

para deixar de comprar de determinada empresa.

Isto é, os indivíduos da pesquisa se preocupam com

danos ambientais e com danos aos próprios indiví-

duos e já deixaram de comprar produtos que apre-

sentavam essas características danosas. Assim, o

comportamento dos entrevistados, de modo geral,

não é de punição a empresas socialmente irrespon-

sáveis, porém, isso só ocorre em relação a produtos

que podem ser nocivos para ambiente e pessoas.

Além disso, grande parte dos entrevistados

disse estar satisfeita com seu modo de comprar. As

justificativas foram que não possuem informações

suficientes para deixar de comprar os produtos de

determinada empresa. Ou seja, dentro do que sabem,

estão satisfeitos com suas escolhas de consumo, pois

não têm informações que comprovem a irresponsa-

bilidade das empresas das quais são clientes.

Indo na mesma direção, coerentemente com

estudos anteriores, a maioria dos pesquisados avaliou

que há pouca informação disponível sobre a RSC e a

Irresponsabilidade Social das empresas. É provável

que essa falta de informações contribua para minimi-

zar o desconforto causado pela inconsistência entre

atitude e comportamento. Se tivessem mais informa-

ções, os consumidores possivelmente se sentiriam

mais impelidos a “punir” as empresas irresponsáveis,

deixando de comprar seus produtos. Nesse sentido, a

imprensa e os meios de comunicação, bem como as

empresas socialmente responsáveis, poderiam, por

meio da divulgação do conceito de RSC e das práti-

cas a ele relacionadas, contribuir para incentivar um

comportamento mais vigilante dos consumidores.

Logo, as implicações gerenciais do presente

artigo apontam para a importância da divulgação das

ações de RSC das empresas, seja por elas mesmas ou

pela mídia, e também da denúncia de ações irrespon-

sáveis e escândalos vindos do ambiente corporativo.

Uma sugestão para futuros estudos que

desponta ao final desta pesquisa é a de investigar

experimentalmente o tema. Isto poderia ser feito por

meio de um experimento de campo, manipulando-

-se a variável informação sobre RSC das empresas.

Além disso, seria desejável, é claro, replicar a pesquisa

junto a outros públicos de diferente nível educacional

e formação. Outra questão que vale ser investigada é

o ceticismo expressado pelo público estudado sobre

as práticas de RSC das empresas. Esse tema surgiu

na única pergunta aberta contida no questionário.

Assim, parece indicado aprofundá-lo, verificando sua

influência sobre as opiniões e o comportamento dos

consumidores. Também seria interessante investigar

se se trata de uma característica associada à cultura

brasileira já que, segundo DaMatta (1983), a descon-

fiança é um traço marcante da sociedade brasileira.

Por fim, um estudo interessante a ser feito futura-

mente seria por meio de entrevistas em profundi-

dade ou grupos focais, ou seja, uma abordagem

qualitativa, para investigar com mais profundidade

o comportamento do consumidor em relação à

punição de empresas irresponsáveis.

A desconfiança é um traço

marcante da sociedade brasileira.

Os consumidores entrevistados, de forma

geral, ainda não possuem comportamentos punitivos

para as empresas irresponsáveis, e, uma das

possíveis causas pode ser a deficiência na disponibilidade

de informação.

Page 161: Revista FAE

159R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 144-161, jan./jun. 2011

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Patrocínio Esportivo no Futebol: Convergência das Percepções entre Gestores e Torcedores. Sports Sponsorship in Football: convergence of perceptions between managers and fans.

Page 165: Revista FAE

163R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

Patrocínio Esportivo no Futebol: Convergência das Percepções entre Gestores e Torcedores.Sports Sponsorship in Football: convergence of perceptions between managers and fans.

Resumo

O segmento desportivo vem apresentando crescimento dentro do cenário do marketing. O

futebol, como paixão nacional, é a escolha de diversas empresas que pretendem atingir um público

diversificado e massificado. O objetivo do trabalho é identificar e analisar no ambiente futebolístico

as estratégias de patrocínio esportivo das empresas que apóiam, concomitantemente, equipes rivais

de futebol e times adversários que são patrocinados por companhias concorrentes. Foi utilizada a

metodologia de pesquisa quantitativa, com abordagem descritiva, cuja coleta de dados foi através de

questionário estruturado destinado aos usuários de um site de relacionamento que são os torcedores

das equipes estudadas. Houve ainda o uso de pesquisa qualitativa dirigida aos gestores de marketing

das corporações. Tomou-se como base a percepção do torcedor, enquanto consumidor, com relação

às referidas estratégias. Os gestores das corporações que optam pelo segmento desportivo também

apresentaram suas impressões sobre o retorno proporcionado e o esperado com essa parceria. Com

a análise dos resultados das duas pesquisas percebeu-se que há grande visibilidade de marca e as

conseqüências do patrocínio são bastante animadoras para as organizações. O patrocínio beneficia

tanto a organização apoiadora quanto a equipe de futebol.

Palavras-chaves: Marketing Esportivo; Patrocínio; Futebol.

Abstract

The sport segment keeps growing in the marketing scene. Soccer, as national passion, is the choice

of several companies that intend to reach a diversified and massive public. The objective of the

work is to identify and to analyze the strategies of sportive sponsorship in the football environment

of the companies that support, concomitantly, rival teams of soccer and adversaries teams who

are sponsored by competitors companies. The methodology of quantitative research was used,

with descriptive approach whose collection of data was done through a structuralized question-

naire destined to the users of a relationship site who are the fans of the studied teams. The use of

qualitative research directed to the marketing managers of the corporations was also present. The

perception of the fans, while consuming, was overcome as basis, regarding the related strategies.

The managers of the corporations that opt for the sportive segment have also presented their im-

pressions about this partnership. With the analysis of results of the two researches it was noticed

that there is great brand visibility and the consequences of the sponsorship are extremely good for

the organizations. It was concluded that the sponsorship benefits the supportive organization as

much as the soccer team.

Keywords: Sports Marketing, Sponsorship, Soccer.

1 Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected]

2 Doutorando em Administração pela Fundação Getúlio Vargas. Professor da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected]

Debora Thariane Ferrari 1

Ricardo Boeing da Silveira 2

Page 166: Revista FAE

164

Introdução

O esporte, em especial o futebol, é uma das

maiores paixões do brasileiro e cresce devido ao

interesse demonstrado pela sociedade como um

todo. Um dos responsáveis por essa atratividade é

o patrocínio esportivo, que proporcionou divulga-

ção e evolução de várias modalidades de empresas,

o que tornou possível uma massificação do esporte

em termos de audiência, como do número dos par-

ticipantes (POZZI, 1998).

Por essa razão, neste estudo, são apresentados

pontos importantes do marketing esportivo e eviden-

cia como a escolha das estratégias de marketing e

patrocínio esportivo das empresas patrocinadoras é

de fundamental importância para o sucesso ou não

da promoção dos produtos das organizações em

questão. Logo, o objetivo desta pesquisa é analisar o

uso da estratégia de marketing esportivo da mesma

empresa junto a times rivais de futebol, e, de corpo-

rações concorrentes junto às equipes adversárias do

referido esporte.

Segundo Afif (2000) há pessoas que acham

perigoso patrocinar equipes de futebol. O argumen-

to mais comum é de que os torcedores dos outros

times poderão deixar de consumir produtos da

marca patrocinadora se esta não estiver em seus

clubes. As empresas investem quantias significati-

vas em patrocínio esportivo e utilizam-se de estra-

tégias inovadoras a fim de atingir o público alvo de

maneira eficiente.

Há exemplos de organizações concorrentes que

se utilizam de estratégias diferenciadas de marketing

esportivo e optam por patrocinar equipes esportivas

rivais a fim de conquistar como consumidor os tor-

cedores desses clubes em questão. Há ainda aquelas

empresas que preferem patrocinar os clubes opo-

nentes simultaneamente a fim de evitar qualquer

tipo de rejeição por parte dos torcedores mais entu-

siasmados, que poderiam deixar de adquirir os pro-

dutos e/ou serviços oferecidos pela organização por

saber que ela apóia a equipe rival.

Patrocínio esportivo é o investimento que

uma entidade pública ou privada faz em evento,

atleta ou grupos de atletas com a finalidade de

atingir públicos e mercados específicos, recebendo

uma série de vantagens, melhor imagem e simpatia

do público. É um acordo profissional entre patroci-

nador e patrocinado para que sejam alcançados os

objetivos predefinidos por ambas as partes. (CAR-

DIA, 2004; POZZI, 1998). A notória figura do atleta

também influencia no comportamento do consu-

midor. Os desportistas servem como espelho nos

padrões do costume, da moda e até da formação

do caráter do indivíduo. As empresas fazem uso do

endosso de atletas consagrados em seus produtos,

seja através da publicidade ou licenciamento de

produtos, extraindo o máximo do poder de imagem

que essa personalidade pode oferecer à empresa

patrocinadora.

Os desportistas servem como espelho nos pa-drões do costume, da

moda e até da formação do caráter do indivíduo.

O esporte, em especial o futebol, é uma das maiores paixões do brasileiro e cresce

devido ao interesse demonstrado pela sociedade como

um todo.

Page 167: Revista FAE

165R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

2 Fundamentação Teórica

O marketing de patrocínio representa uma

oportunidade para uma organização e suas marcas

focarem sua comunicação para públicos restritos,

específicos e altamente desejáveis. O patrocínio

não é substituto de nenhum dos conceitos do mix

promocional, mas pode ser usado como forma de

propaganda, promoção de vendas, e, certamente

como elemento de relações públicas. (SHIMP, 2001;

CARDIA, 2004)

Para Contursi (2003), patrocínio é a aquisição

dos direitos de afiliar, ou associar produtos, eventos

e/ou marcas, com o intuito de diversificar, e/ou am-

pliar os benefícios obtidos com esta associação. Não

se espera que a utilização do patrocínio substitua as

formas mais tradicionais de comunicação, e sim que

as complemente. (SHIMP, 2001).

Shimp (2001) mostra que um dos aspectos

da comunicação de marketing com maior cresci-

mento tem sido o patrocínio. Ligando seus nomes

a eventos e causas especiais, as empresas podem

evitar o ruído intrínseco à publicidade nos meios de

comunicação de massa; os patrocínios ajudam as

empresas a reagir às variações de hábitos de mídia

dos consumidores; contribuem com as empresas a

serem aprovadas por vários públicos.

De acordo com Contursi (2003) o patrocí-

nio pode incluir os seguintes pontos, não devendo,

no entanto, limitar-se apenas a eles: Os direitos de

utilização de logotipos, nomes, marcas e/ou repre-

sentações gráficas, significando uma conexão do

produto com o evento. Estas regalias podem ser

utilizadas em publicidade, promoções, propagan-

das ou outras atividades de divulgação que sejam

empregadas pelo proprietário; o direito de exclusi-

vidade na associação de um produto ou categoria

de serviços; o direito de intitular um evento ou ins-

talação esportiva; a vantagem de utilizar várias de-

signações na conexão com um produto ou evento,

tal como “patrocinador oficial”, “fornecedor oficial”,

“produto oficial”, “apoio”, etc; o direito sobre a uti-

lização de um serviço ou produto, ou o direito do

proprietário do produto em deliberar sobre o even-

to ou produto; o direito de conduzir determinadas

ações promocionais, de acordo com o contrato de

licenciamento, tais como sorteios ou vendas dirigi-

das.

As empresas estão dispostas a empregar altas

quantias em dinheiro para colocar seus nomes em

instalações públicas como estádios, universidades e

edifícios, a fim de mantê-lo bem visível. Patrocinam

também causas importantes como, por exemplo,

rejeição às drogas, melhor alimentação, etc. acre-

ditando que se relacionarem à empresa e/ou marca

à causas que muitas pessoas acreditam, melhora

a reputação da empresa, reforça a consciência da

marca, aumenta a fidelidade dos clientes, promove

as vendas e amplia favoravelmente a cobertura pela

imprensa. (KOTLER, 2002; KOTLER, 2003; SHIMP,

2001; MULLIN; HARDY; SUTTON,2004).

O termo Marketing Esportivo surgiu em

meados de 1978, pela Advertising Age (membro-

-associada da Associação Americana de Marketing)

para descrever a utilização de técnicas de marketing

dentro do esporte. Desde então os estudos no campo

do Marketing Esportivo cresceram, a ponto de tornar-

-se uma área específica de pesquisa, acompanhando

o mercado e o volume de movimentação financei-

ra gerada pelo esporte em todo o mundo. (PITTS e

STOTLAR, 2002). É possível citar trabalhos elabora-

dos por Cardia (2004), Budolla, Melo Neto (2000)

e Teitelbaum (1997) no Brasil, e no exterior, cita-se

como principais trabalhos os escritos por Cornwell,

Roy, Steinard II (2001); Pitts, Stocler (2002).

O marketing de patrocínio representa uma

oportunidade para uma organização e suas marcas focarem sua comunicação

para públicos restritos, específicos e alta-mente desejáveis.

Page 168: Revista FAE

166

Os maiores responsáveis pela popularização

do marketing esportivo em todo o mundo foram as

indústrias de cigarros e bebidas alcoólicas, como

alternativa à proibição pelo Congresso Americano

da veiculação de propagandas em determinados

horários. Não por acaso empresas como Marlboro

e Camel (cigarros), Campari e Fosters (bebidas)

apresentaram um longo e bem-sucedido histórico

de associação com o esporte, especialmente o

automobilismo. (SHANNON, 1999; POZZI, 1998;

AFIF, 2000). Sílvio Lancelloti (apud Pozzi, 1998),

informa que a história dos patrocínios no futebol

esportivo para satisfazer as necessidades ou desejos

de consumidores através do processo de troca, e,

realizar os objetivos da empresa. (AFIF, 2000; PITTS;

STOTLAR, 2002; MULLIN; HARDY; SUTTON, 2004).

Shannon (1999) informa que o crescente inte-

resse no desporto profissional tem dado enfoque no

esporte como um grande negócio rentável. As enor-

mes quantias empregadas nos mais diversos setores

de marketing esportivo não deixam dúvidas de que

o esporte é uma grande empresa de negócios milio-

nários. Zunino (2006) informa ainda que, no futebol,

frequentemente considerado como o esporte brasilei-

ro de maior atração, a estratégia de associação de

marcas ao esporte vem crescendo e aumentando as

relações entre empresas e consumidores esportivos.

Segundo o autor Melo Neto (1997) é vasto o campo

de atuação e abrangência do marketing esportivo –

desde projetos de eventos até projetos de venda de

patrocínio, franchising, licenciamento e de marketing

para clubes, federações entre outros.

Afif (2000) discorre sobre algumas ações que

as empresas podem efetuar com o marketing espor-

tivo: Alternativa à Mídia Convencional: para compa-

nhias que almejam atingir um público específico, o

marketing esportivo é um meio eficiente de comu-

nicação, pois alcança excelentes resultados, traba-

lhando com verbas menores se comparadas com o

custo de uma campanha televisiva. Outra conveni-

ência é que a marca participa do ambiente do jogo,

por meio da publicidade estática ou mais ativamen-

te, se estiver patrocinando alguma equipe ou atleta.

Reforço ou construção da imagem institucional: A

imagem institucional de uma empresa é largamente

favorecida quando se associa ao esporte por tudo

aquilo que representa como força, aventura, emo-

ção, etc. As alegrias que o esporte oferece ao torce-

dor (consumidor) acabam se transferindo à imagem

da empresa. Incremento nas Vendas: Não basta ape-

nas desenvolver um bom produto, determinar cor-

retamente seu preço e torná-lo facilmente acessível

ao cliente. Segmentação do Público-alvo: As em-

presas poderão empregar o marketing esportivo na

segmentação de seu público-alvo, componha-se ele

de homens ou mulheres, jovens ou adultos, pessoas

de baixo ou alto poder de compra. Assim, se quise-

teve início na Itália, em 1952, quando uma empresa

de bebidas colocou anúncios em todos os estádios

do país e garantiu uma cota bastante elevada na

época, a cada clube da Série A.

O marketing esportivo é uma das estratégias,

dentro de um planejamento, que utilizam o esporte

para atingir suas metas. É o processo de elaborar

e implementar atividades de produção, formação

de preço, promoção e distribuição de um produto

Os maiores responsáveis pela popularização do

marketing esportivo em todo o mundo foram as indústrias de cigarros e bebidas alcoólicas, como alternativa à

proibição pelo Congresso Americano da veiculação

de propagandas em determinados horários.

Page 169: Revista FAE

167R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

rem buscar atingir um público em especial, basta

escolher a melhor modalidade, aquela que tenha

maior ligação com o público pretendido. Rejuve-

nescimento da Imagem: Cada vez mais empresas

se utilizam do esporte para a comunicação, pois

além de ser ferramenta de marketing, constrói e

rejuvenesce um produto ou marca de uma compa-

nhia. Um case clássico é o do Banco do Brasil que

passava por problemas financeiros. Ao patrocinar o

Voleibol, obteve novas parcerias com seus clientes

atuais e a conquista de novos.

Almeida; Sousa; Leitão (2000) destacam

que, diferentemente do que ocorre na Europa,

onde os recursos do marketing esportivo do fute-

bol são provenientes principalmente da bilheteria,

no Brasil, os recursos disponibilizados através da

modalidade em questão são, em sua maioria, oriun-

dos da televisão. Barros et al. (2007) dizem que a

principal força por trás do marketing esportivo é o

patrocínio e que o patrocínio esportivo é uma opor-

tunidade de alcançar uma audiência maciça e das

empresas patrocinadoras anteciparem a exposição

de sua marca a uma platéia que vai incrementar

suas vendas. Sendo assim, é necessário conhecer

um pouco mais sobre o patrocínio esportivo, po-

der entender qual sua real importância tanto para

a empresa patrocinadora quanto para a empresa e/

ou atleta patrocinado.

No Brasil, o patrocínio de equipes teve início

nos anos 80, quando os clubes começaram a di-

vulgar o nome de empresas em suas camisas. Até

então o patrocínio ainda encontrava muita resistên-

cia por parte das agremiações e dos torcedores. O

vôlei teve papel importante nesse aspecto, pois foi

o esporte que saiu na frente na área. (AFIF, 2000).

Cardia (2004) define patrocínio esportivo

como sendo o investimento que uma entidade pú-

blica ou privada faz em um evento, atleta ou grupo

de atletas com a finalidade precípua de atingir pú-

blicos e mercados específicos, recebendo, em con-

trapartida, uma série de vantagens encabeçadas

por incremento de vendas, promoção, melhor ima-

gem e simpatia do público. As organizações con-

tinuam a intensificar, mundialmente, o patrocínio

esportivo. Uma variedade de atividades desportivas

como segmento da indústria do esporte, tem benefi-

ciado financeiramente empresas e clubes a partir da

vontade de estabelecer uma parceria com empresas

particulares, agências governamentais ou even-

tos desportivos. (BENNETT; HENSON; ZHANG,

2002).

O patrocínio esportivo tornou-se uma ferra-

menta de comunicação, sendo útil na construção de

reconhecimento da marca, imagem da marca e ima-

gem corporativa. (JAVALGI et al., 1994; MCDONALD,

1991; QUESTER, 1997; TURCO, 1995; WITCHER et al.,

1991 apud CORNWELL; ROY, STEINARD II, 2001). De

acordo com Budolla e Souza (2005), o patrocinador

pode conquistar interesse e respeito do consumidor

e, até mesmo, chegar a obter gratidão por parte do

mesmo.

Stotlar (2004) afirma também que a medida

mais adequada da eficácia do patrocínio esportivo

não é aquela da qual emana os patrocínios gerados,

mas sim de saber se os objetivos específicos do mar-

keting da organização foram cumpridos. Uma faceta

importante do marketing de patrocínio esportivo é,

segundo Lough e Irwin (2001), o tamanho do mer-

cado potencial, ou seja, a probabilidade de que exis-

te um significativo consumo básico que irá associar

o patrocinador da mensagem com o acontecimento

desportivo, e, inversamente irá associar o esporte

com a propriedade da imagem do patrocinador.

Patrocínio esportivo é uma oportunidade de alcançar

uma audiência maciça e das empresas patrocinadoras anteciparem a exposição

de sua marca a uma plateia que vai incrementar suas

vendas.

Page 170: Revista FAE

168

Crompton (apud BUDOLLA; SOUZA, 2005)

aponta alguns fatores que incentivaram o cresci-

mento do patrocínio esportivo por parte das em-

presas: aumento do custo da propaganda em tele-

visão; perda da eficiência dos anúncios nas mídias

tradicionais; crescimento do número de veículos de

comunicação; desenvolvimento da comercializa-

ção do esporte; aumento da competitividade. Tais

fatores resultaram da necessidade do desenvolvi-

mento de canais diferenciados de comunicação. No

início dos anos 80 o marketing esportivo tornou-se

disciplina envolvendo pesquisa séria, grandes inves-

timentos e planejamento estratégico. As organiza-

ções necessitaram priorizar seus gastos e justificar

as despesas.

Segundo Afif (2000), no Brasil, o futebol é

a modalidade que possui os maiores investimentos

em patrocínio esportivo, já que ele é considerado a

paixão nacional. Bennett (apud BARROS et al, 2007)

identificou em seus estudos que expectadores de

futebol percebem com maior sensibilidade a marca

patrocinadora e que mais de vinte por cento dos

torcedores estão dispostos a adquirir produtos da

empresa patrocinadora. No futebol, o patrocínio es-

portivo apresenta-se principalmente através da pu-

blicidade e propaganda nos fardamentos dos clu-

bes, nas dependências esportivas (estádios, centros

de treinamento, ônibus da equipe), e no endosso e

fornecimento de equipamentos esportivos a joga-

dores individuais de renome. (ZUNINO, 2006). Os

clubes de futebol são excelentes veículos de comu-

nicação, (BUDOLLA; SOUZA, 2005) são mais bara-

tos que a mídia televisiva, e geram mais tempo de

imagem do que se iguais valores fossem pagos para

as emissoras na forma de comerciais.

Almeida (2009) discorre que cada empresa

tem um motivo diferente na escolha do patrocínio,

podendo ser para atingir um público em especial,

levando-se em conta os objetivos estratégicos da

empresa, seja através de região, faixa etária preten-

dida e imagem que pretende passar, mas sempre

buscando o retorno financeiro esperado. Entretan-

to as empresas, embora percebam crescimento na

venda de seus produtos, após o patrocínio de equi-

pes de futebol, não sabem informar uma porcenta-

gem exata relacionada ao patrocínio, mas o retorno

sobre o investimento é essencial na decisão de con-

tinuidade do mesmo. (FERNANDES, 2009).

Cada companhia deve definir qual o melhor

tipo de patrocínio para cada situação a fim de obter

o retorno esperado, seja o incremento de vendas,

segmentação de público-alvo, construção, retorno

ou rejuvenescimento de imagem.

3 Metodologia

Este trabalho objetiva realizar uma pesquisa

qualitativa e quantitativa, de caráter exploratório

descritivo para descobrir idéias e percepções

bem como descrever características do mercado.

(MALHOTRA, 2006).

A matéria veiculada no dia 24 de julho de

2007, no Portal da Revista Exame traz equipes do

futebol brasileiro, localizas no mesmo estado, com

patrocinadores de um mesmo segmento de merca-

do, que são concorrentes entre si. Por outro lado

a edição revela times rivais que possuem a mesma

empresa como patrocinadora. Foi possível a partir

desta informação, determinar algumas equipes de

futebol do país que serviram como sujeito do es-

tudo. As outras equipes do referido esporte foram

encontradas através de pesquisa feita nos sites dos

clubes, a partir do site do Clube dos 13 – União dos

Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, associação

que abriga os maiores clubes do Brasil.

Os clubes foram selecionados além do fator

determinante dos patrocinadores e suas estratégias,

mas também por outros critérios julgados importan-

tes, como por exemplo, os times estarem inseridos

na série A do Campeonato Brasileiro, salvo raras ex-

ceções onde um dos clubes estava inserido na série

A e o maior rival estar na série B e ambos apresenta-

rem patrocinadores que se enquadravam no objeto

de estudo; times com grandes torcidas organizadas,

ou pelo fato do clube estar sempre presente na mí-

dia, seja por seu desempenho vitorioso nos campe-

onatos ou não.

Page 171: Revista FAE

169R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

Dos clubes de futebol brasileiros e rivais, que

têm como patrocinadoras organizações do mesmo

segmento e que são concorrentes, foram locali-

zadas as seguintes equipes e empresas conforme

apresentadas no Quadro 1 a seguir:

março de 2008, estão listadas: Cruzeiro Esporte

Clube; Clube Atlético Mineiro – Galo; São Paulo FC

– Tricolor; Corinthians – O poderoso Timão; Santos

Futebol Clube; Esporte Clube Bahia; Esporte Clube

Vitória; Sport Club Internacional; Grêmio; Espor-

te Clube Juventude; Sport Clube do Recife; Clube

Náutico Capibaribe; Figueirense Futebol Clube;

Avaí Futebol Clube; Atlético Paranaense – Furacão;

Coritiba Foot Ball Club – Coxa.

Para a realização dessa pesquisa, foi coleta-

do aleatória e individualmente o login dos mem-

bros usuários de cada uma das comunidades acima

descritas. Foram postados também tópicos infor-

mativos a respeito dessa pesquisa nos fóruns das

comunidades, como forma de abordar um número

maior de participantes, para os quais os questioná-

rios estruturados foram enviados, conforme indica

a Tabela 1 a população e a amostra da pesquisa. Dos clubes de futebol rivais, que apresentam

como patrocinadora a mesma companhia, foram

encontradas as seguintes equipes e empresas,

conforme quadro 2 a seguir:

Utilizou-se algumas comunidades do site de

relacionamento Orkut, as quais serviram de base

para aplicação dos questionários da pesquisa quan-

titativa (AÑANÃ et al. 2006). Foram determinadas

para a coleta as comunidades com maior número

de membros de cada equipe citada nos quadros

anteriores, as quais foram consultadas no dia 26 de

TABELA 1: Amostra Populacional das Comunidades do ORKUT - 2008

Comunidade do Orkut População em 26/03/08

Amostra

Cruzeiro Esporte Clube 313.224 399

Clube Atlético Mineiro – Galo

183.359 399

São Paulo FC – Tricolor 856.843 399

Corinthians – O poderoso Timão

633.549 399

Santos Futebol Clube 231.363 399

Esporte Clube Bahia 120.658 398

Esporte Clube Vitória 65.022 397

Sport Club Internacional 203.961 399

Grêmio 347.937 399

Esporte Clube Juventude 7.069 378

Sport Clube do Recife 94.716 398

Clube Náutico Capibaribe 38.833 395

Figueirense Futebol Clube 33.826 395

Avaí Futebol Clube 19.234 391

Atlético Paranaense – Furacão

91.518 398

Coritiba Foot Ball Club – Coxa

37.306 395

FONTE: Site: www.orkut.com

QUADRO 1 - Clubes Rivais Patrocinados por Organizações Concorrentes - 2007

Equipes Rivais Estado (UF)Empresas

Patrocinadoras

1 Cruzeiro MGConstrutora

Tenda

2 Atlético Mineiro MGMRV

Engenharia

3 São Paulo Futebol Clube SP LG

4 Corinthians SP Samsung

5 Santos SP Semp Toshiba

Fonte: Adaptado do Portal da Revista Exame de 24/07/07

QUADRO 2 - Clubes Rivais Patrocinadas pela mesma Organização - 2007

Equipes RivaisEstado (UF)

Empresas Patrocinadoras

1 Bahia Vitória BAConstrutora

Tenda

2 Grêmio Internacional Juventude RSMRV Engen-

haria

3 Sport Náutico PE LG

4 Figueirense Avaí SC Samsung

5 Atlético PR Coritiba PR Semp Toshiba

Fonte: Adaptado do Portal da Revista Exame de 24/07/07 e dos site dos clubes

Page 172: Revista FAE

170

Um dos instrumentos para coleta dos dados

para a pesquisa foi o questionário estruturado diri-

gido aos integrantes das comunidades já menciona-

das, do site de relacionamento Orkut. O questioná-

rio estruturado foi elaborado com base em Budolla

e Souza (2005) que afirmaram que os torcedores,

enquanto consumidores criam uma relação de gra-

tidão com a organização patrocinadora pelo sim-

ples fato de ela apoiar a causa esportiva. Essa grati-

dão é traduzida quando esses torcedores adquirem

os produtos/serviços da empresa apoiadora como

forma de agradecimento pela contribuição ofereci-

da. O instrumento de coleta de dados foi elaborado

com base também em Afif (2000) que acredita que

pode ser perigoso para uma companhia patrocinar

uma equipe de futebol, já que os torcedores das

equipes adversárias podem não adquirir seus pro-

dutos pelo fato de ela apoiar a equipe arquirrival.

Na pesquisa quantitativa foi utilizado a ferra-

menta disponível no site Survey Monkey, que pro-

porciona o acompanhamento das respostas duran-

te a entrevista, e um link específico para cada time

de futebol, além de dados já tabulados e gráficos

prontos. Foram elaborados dois questionários: um

específico para os clubes cujos rivais são patrocina-

dos por empresas concorrentes, e outro questioná-

rio, específico para os torcedores das equipes rivais

que são patrocinadas simultaneamente pela mesma

empresa.

O início da coleta dos dados se deu no dia 12

de maio de 2008, após fazer parte das comunida-

des já citadas anteriormente e começar a divulgar

quer seja individualmente, usuário por usuário, alea-

toriamente, quer seja publicando nos fóruns. Como

forma de incentivo para a participação dos usuários

do Orkut e integrantes das comunidades na pesqui-

TABELA 2: Amostra Atingida em Percentual - 2008

Comunidade do Orkut

AmostraTotal de

Respondentes

Percentual de Respondentes

Atingido

Cruzeiro Esporte Clube

399 100 25,06

Clube Atlético Mineiro – Galo

399 189 47,36

São Paulo FC – Tricolor

399 136 34,08

Corinthians – O poderoso Timão

399 100 25,06

Santos Futebol Clube

399 100 25,06

Esporte Clube Bahia

398 201 50,5

Esporte Clube Vitória

397 102 25,69

Sport Club Inter-nacional

399 100 25,06

Grêmio 399 129 32,33

Esporte Clube Juventude

378 180 47,61

Sport Clube do Recife

398 103 25,87

Clube Náutico Capibaribe

395 100 25,31

Figueirense Fute-bol Clube

395 144 36,45

Avaí Futebol Clube 391 124 31,71

Atlético Paranaense – Furacão

398 224 56,28

Coritiba Foot Ball Club – Coxa

395 137 34,68

Total: 6338 2169 34,22

FONTE: Elaborado pelos autores

A Tabela 2 revela o percentual de responden-

tes atingidos das referidas comunidades e usuários

pesquisados.

Para a pesquisa qualitativa, foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas para os gerentes de

marketing das empresas patrocinadoras já descri-

tas anteriormente.

Um dos instrumentos para coleta dos dados para a pesquisa foi o

questionário estruturado dirigido aos integrantes

das comunidades já mencionadas, do site de relacionamento Orkut.

Page 173: Revista FAE

171R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

sa quantitativa, foi deliberado que seria necessário

o sorteio de 3 camisas oficiais das equipes estuda-

das. Após a divulgação dessa informação, os resul-

tados começaram a surgir aumentando o número

de respostas dos questionários.

Já para os gerentes de marketing das orga-

nizações supracitadas, foi definido como instrumen-

to de pesquisa o roteiro estruturado de entrevista.

Foram realizadas duas entrevistas. Uma para as

empresas que patrocinam simultaneamente times

rivais da mesma região e outra para as corporações

concorrentes, do mesmo segmento, que patrocinam

equipes rivais da mesma região. A entrevista foi

adaptada de Ilton Teitelbaum (1997) e foram envia-

das para o e-mail dos responsáveis pelo marketing

das empresas. Algumas, após receber a entrevista

afirmaram não poder colaborar com a pesquisa ale-

gando tratar-se de informações de estratégia, e com

outras empresas não foi possível estabelecer conta-

to por telefone ou e-mail.

Para fins de tratamento de dados foi utiliza-

da na pesquisa qualitativa a categorização simples,

que permitiu compreender os motivos que levaram

as organizações pesquisadas a patrocinar as equi-

pes de futebol em questão, quais os objetivos que

as empresas pretendem atingir com essa parceria,

qual o papel do marketing nessa relação, entre ou-

tros fatores determinantes para a continuidade do

apoio ao clube de futebol.

4 Resultados

Para a pesquisa qualitativa foram elaboradas

entrevistas direcionadas aos gerentes das empresas

patrocinadoras das equipes de futebol em questão.

A primeira entrevista a ser analisada é a da

empresa Minasgás, patrocinadora das equipes do

Sport Club do Recife, Clube Náutico Capibaribe e

Santa Cruz. Foi questionado ao gerente de Market-

ing da empresa como se deu a aproximação entre o

segmento empresarial e os clubes pernambucanos,

o mesmo informou que a iniciativa ocorreu pelo

Vice-Presidente do Santa Cruz, e veio ao encontro

de uma estratégia para aproximar consumidores do

Norte e Nordeste do país.

O segundo ponto questionado foi com rela-

ção ao patrocínio simultâneo de equipes rivais de

futebol. O gerente informou que a Minasgás não pa-

trocina equipes rivais e sim equipes populares de

futebol. Considera os clubes do Recife com apelo

popular e tradição no Nordeste do Brasil.

Quando indagado sobre o uso dessa estraté-

gia, se teria sido para evitar algum tipo de rejeição

por parte dos torcedores/consumidores aos produ-

tos da empresa, o gerente de marketing informou

que não, pois patrocinava o Santa Cruz há dois

anos antes de firmar contrato com Náutico e Sport.

Classifica como ótima a oportunidade de patrocinar

mais de uma equipe. Vê como objetivo da Minasgás

a aproximação dessas torcidas com a marca, atra-

vés da venda de camisas e materiais esportivos com

a logomarca do grupo. E estabelece como meta

para o departamento de marketing/comunicação

da Minasgás a divulgação constante da marca para

capturar valor no capital investido.

O desempenho dos times não é fator determi-

nante para continuidade ou não da parceria. Como

exemplo é citado o rebaixamento do Santa Cruz para

a Série C do Brasileiro, quando foi oportunizada a re-

novação do contrato com a Minasgás. A missão da

empresa é também oferecer condições para os times

melhorarem o próprio desempenho. A ideia é buscar

um casamento ideal entre as necessidades do time

e da empresa. Na opinião do gerente de marketing

da Minasgás, Bretãs, o mercado futebolístico merece

atenção contínua.

A segunda entrevista foi feita com o gerente

de Marketing da Unimed/Florianópolis e a iniciativa

de patrocinar simultaneamente os rivais Avaí e Fi-

gueirense. Na visão da empresa, patrocinar apenas

um dos clubes seria como dividir a região (Grande

Florianópolis) em duas partes. O foco da parceria é

prestigiar a questão cultural de ambas as torcidas.

Foi considerado o alto retorno de investi-

mento no futebol, considerado o maior esporte do

país. A marca acredita na identidade com o público

Page 174: Revista FAE

172

e quer associar-se a uma imagem de saúde e qua-

lidade de vida. Deste modo, o gerente negou que a

estratégia seja para evitar a rejeição por parte dos

torcedores/consumidores de um determinado filão.

Os resultados esperados pela empresa na

parceria com Avaí e Figueirense é obter o retorno

oferecido pelo investimento em futebol, associar a

prática de esportes à saúde (ramo da empresa) e

fortalecer a marca do grupo. A Unimed/Florianópo-

lis explora a imagem de jogadores e técnicos dos

clubes patrocinados em eventos promovidos, liga-

dos a área de Saúde. São usados ainda como mate-

rial promocional da empresa tabelas de jogos dos

campeonatos, personalizados com as logomarcas

dos clubes e da empresa, além de viseiras e outros

materiais esportivos.

O Marketing da Unimed/Florianópolis é res-

ponsável por administrar todas as demandas decor-

rentes da parceria com os clubes. Desde ações de

divulgação e estudos a respeito dos retornos até a

gestão do uso de serviços da empresa pelos clien-

tes.

O gerente de Marketing da Unimed/Floria-

nópolis considera fundamental o papel da mídia

na relação. Ele considera o instrumento capaz de

delinear a imagem que a empresa pretende pas-

sar. A mídia é utilizada para ressaltar os benefícios

advindos da parceria. O desempenho de Avaí e Fi-

gueirense nos campeonatos que disputam não é

determinante para a continuidade da parceria, que

já dura seis anos.

Com a Samsung não foi possível a entrevista

completa, entretanto, a Relações Públicas da mesma

forneceu informações com relação ao futuro do ma-

rketing esportivo da empresa. Na época, a Samsung

não patrocinava mais o Corinthians.

A análise dos questionários aplicados aos

torcedores foi dividida em dois grupos. Grupo 1:

clubes rivais patrocinados por empresas concor-

rentes; Grupo 2: clubes rivais patrocinados simul-

taneamente pela mesma empresa; contando este

com subgrupos das regiões Nordeste (Grupo 2-A)

e Sul (Grupo 2-B). Todas as equipes pesquisadas

apresentaram uma maioria de torcedores do sexo

masculino, com idade até 25 anos, solteiros e com

escolaridade entre Nível Médio e Superior Incom-

pleto.

Os resultados do Grupo 1 demonstram, resu-

midamente, uma maioria de homens, solteiros, com

idade entre 18 e 25 amos, com Ensino Médio ou Su-

perior Incompleto, ditos fanáticos, que percebem os

patrocinadores do clube do coração e, às vezes, os

dos rivais. O diagnóstico comprova estudo de Mar-

shal (apud Melo Neto, 2000) e Pozzi (1998) com

relação à visibilidade e o retorno que a marca rece-

be com o patrocínio esportivo. Os torcedores deste

grupo ainda acompanham os jogos do seu time do

coração no estádio ou pela TV.

O Grupo 1 opta por, às vezes, adquirir os pro-

dutos dos patrocinadores do seu time do coração e

mostra indecisão quanto a comercialização dos arti-

gos dos clubes rivais. As opções mais votadas sobre

a aquisição de mercadorias das marcas rivais foram:

nunca, raramente ou às vezes. E a razão principal

para isto é que os torcedores não desejam contri-

buir financeiramente com o time que eles mais de-

testam. Outros disseram que a marca fica atrelada

ao clube adversário e uma parcela significativa disse

que o fato da empresa patrocinar a equipe rival não

interfere na decisão de compra deles. Por último,

o desempenho dos clubes do coração nos jogos e

campeonatos motiva os torcedores deste grupo a

adquirirem os produtos das empresas patrocinado-

ras.

No Grupo 2-A verifica-se uma maioria do

sexo masculino, solteiros, com idade entre 18 e 25

anos, com Ensino Médio ou Superior Incompleto,

são fanáticos sempre e costumam assistir aos jogos

diretamente do estádio de futebol. Esse subgrupo

sempre percebe a marca da empresa patrocinado-

ra do seu clube do coração e, às vezes, a do time

adversário. Esses torcedores às vezes adquirem os

produtos do seu clube do coração e sabem que os

rivais são patrocinados simultaneamente pela mes-

ma empresa.

A estratégia de uma empresa apoiar con-

juntamente o clube do coração do torcedor e uma

equipe adversária dividiu opiniões. Uma parcela

avaliou que a empresa deveria optar por uma úni-

Page 175: Revista FAE

173R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

ca equipe, alguns não dão importância à empresa

patrocinar simultaneamente sua equipe e a rival,

enquanto outros avaliam como boa a estratégia,

pois consegue agradar os torcedores de ambos os

clubes.

Os torcedores deste subgrupo avaliaram que

o patrocínio simultâneo ao seu clube do coração e

aos rivais não interfere no poder de compra deles e,

que o fato do patrocinador estar atrelado também

a uma equipe rival, não mudou a imagem que eles

faziam da empresa. Sentem-se também motivados a

adquirir produtos de acordo com o desempenho de

seus clubes em jogos e campeonatos.

5 Considerações Finais

Com a análise dos resultados das duas pes-

quisas utilizadas percebeu-se grande visibilidade de

marca e os efeitos do patrocínio são bastante ani-

madores para as organizações. O patrocínio benefi-

cia tanto a organização apoiadora quanto a equipe

de futebol.

No que tange à pesquisa qualitativa houve

certa dificuldade de conseguir as informações ne-

cessárias para resolução da pergunta de pesquisa

deste estudo, e como somente duas instituições

responderam a entrevista têm-se a posição apenas

das empresas que patrocinam simultaneamente

equipes rivais de futebol.

Essas informações são confirmadas através

dos resultados obtidos com as pesquisas quantita-

tivas direcionadas aos torcedores. De todo modo

foi possível perceber que o patrocínio às equipes

de futebol é uma ferramenta que o marketing

disponibiliza às organizações que pretendem utili-

zar-se de estratégias diferenciadas e capazes de

atingir um público específico e, ao mesmo tem-

po, massificado. Isso é percebido tanto com as

empresas que apóiam os clubes do Grupo 1, de

maneira focada; como com as empresas parceiras

que dão apoio aos clubes do Grupo 2, de maneira

simultânea.

Inicialmente houve a dificuldade de se con-

seguir o número de respondentes requerido, por

equipe, para o questionário. Como a pesquisa deu-

-se através do Orkut, onde havia a divulgação dos

links referentes a cada clube pesquisado, muitos

usuários desse site de relacionamento acredita-

vam tratar-se de vírus, já que essa prática de enviar

links maliciosos é bastante comum no meio virtual,

e, optavam por não clicar no referido link, e conse-

qUentemente não respondiam a pesquisa.

Um dos fatores que dificultou a efetivação

da pesquisa foi o fato das empresas patrocinado-

ras não fornecerem informações através das entre-

vistas, alegando que são informações de estratégia

e que as mesmas eram confidenciais. Outro ponto

que impediu a perfeita realização dessa pesquisa foi

a dificuldade de se contatar os responsáveis pelo

marketing das empresas patrocinadoras. Quando o

contato com a empresa era possível, o responsável

pelas decisões de marketing esportivo estava em

reunião, ou em viagem de negócios ou em férias.

Com algumas empresas não foi possível o contato

por telefone ou os e-mails enviados não obtiveram

resposta. Duas empresas que patrocinam times ri-

vais simultaneamente responderam a entrevista,

possibilitando o alcance do objetivo.

De todo modo foi possível perceber que o patrocínio

às equipes de futebol é uma ferramenta que o marketing disponibiliza às organizações

que pretendem utilizar-se de estratégias diferenciadas

e capazes de atingir um público específico e, ao

mesmo tempo, massificado.

Page 176: Revista FAE

174

Pode-se citar ainda como limitação, o estu-

do ter-se dado através do Orkut, o que restringe a

pesquisa aos torcedores que se utilizam desse site.

Foram encontrados outros times cujos patrocinado-

res se utilizam da estratégia de patrocinar ao mesmo

tempo, equipes rivais, porém, por se tratar de equi-

pes menores e estarem na segunda divisão do fute-

bol brasileiro, não se utiliza como objeto do estudo, o

que limitou a pesquisa a apenas 16 clubes de futebol.

Através das conclusões obtidas neste traba-

lho, novos estudos podem ser realizados a fim de

enriquecer as correlações conceituais iniciadas por

esta pesquisa. Faz-se possível incluir outros clubes

• Recebido em: 14/10/2010• Aprovado em: 05/04/2011

rivais do país que possuam os mesmos parceiros.

Outra sugestão é aplicar uma técnica/estatística

mais apurada, para que se confirmem a significân-

cia dos dados relatados nesse estudo. É possível

também focar no âmbito do regionalismo e, apro-

veitar o intervalo das partidas de futebol para fa-

zer abordagens diretas aos torcedores em resposta

aos questionários científicos.

Page 177: Revista FAE

175R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 162-175, jan./jun. 2011

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Page 178: Revista FAE

Aplicação da análise multivariada no desempenho e hierarquização das escolas estaduais do núcleo regional de União da Vitória.Application of multivariate analysis on performance and hierarchical state schools of the Regional Centre of União da Vitória.

Page 179: Revista FAE

177R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

1 Doutor em Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná. Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]

2 Mestre em Métodos Numéricos em Engenharia pela Universidade Federal do Paraná. Agente Educacional do Colégio Estadual Zuleide Samways Portes. E-mail: [email protected]

Aplicação da análise multivariada no desempenho e hierarquização das escolas esta-duais do núcleo regional de União da Vitória. Application of multivariate analysis on performance and hierarchical state schools of the Regional Centre of União da Vitória.

ResumoEste trabalho busca identificar a importância das variáveis referente ao desempenho e

à infraestrutura das escolas públicas estaduais do ensino fundamental pertencentes ao

Núcleo Regional de Educação de União da Vitória (NRE-UVA). Para o desenvolvimento

desta pesquisa, utilizou-se como instrumento principal a coleta de dados por meio

de questionários que foram distribuídos nas escolas divididos em três blocos:

escolas, professores e alunos, com o objetivo de obter uma descrição quantitativa de

informações. Organizaram-se os dados utilizando parte das variáveis correspondentes

formando uma matriz para cada bloco, após utilizou-se para análise dos dados a

técnica estatística da Análise Fatorial com o método da rotação Varimax, a fim de

obter os indicadores de maior poder de explicação em cada um dos blocos. A partir

desta análise utilizou-se sobre os indicadores revelados a análise de agrupamento

(Cluster) usando método de Ward, do qual identificou a formação de quatro

agrupamentos na distância um vírgula cinco no eixo das ordenadas, tendo destaque

positivo em desempenho apenas o primeiro grupo formado pelas escolas que

apresentaram as melhores condições de trabalho aos professores e o quarto grupo

formado pelas escolas com melhores recursos, demandas, condições de infraestrutura

e socioeconômica caracterizado pelos diretores e alunos.

Palavras-chave: Escolas; Desempenho; Análise Fatorial; Análise de Agrupamento.

AbstractThis paper seeks to identify the importance of the variables on the performance and

the infrastructure of public schools from elementary schools belonging to the Regional

Education Center of the União da Vitória (NRE-UVA). To develop this research the

main instrument used to collect data were the questionnaires that were distributed

to schools and divided into three blocks: schools, teachers and students, in order to

obtain a quantitative description of information. The data was organized by using a

portion of the corresponding variables in a matrix for each block, and later the statistical

technique of Factor Analysis with Varimax rotation method was used for data analysis,

to obtain indicators of greater explanatory power in each block. After this analysis

we used on the indicators revealed the cluster analysis (Cluster) using Ward’s method,

which identified the formation of four clusters of schools in the distance of a point five

in the ordinate axis, with positive emphasis on performance, with only the first group of

the schools that showed the best working conditions for teachers and the fourth group

formed by schools with better resources, demands, infrastructure and socioeconomic

conditions characterized by the directors and students.

Keywords: Schools, Performance, Factor Analysis, Cluster Analysis.

Jair Mendes Marques1

Paulo Anselmo Santana Owsiany2

Page 180: Revista FAE

178

Introdução

Embora a escola seja responsável por mudan-

ças sociais, políticas e culturais é necessário estar

sempre buscando alternativas que correspondam às

necessidades reais dos alunos e da comunidade que

possa melhorar a qualidade do ensino. Na atualidade,

a qualidade do ensino é avaliada pelo Ministério da

Educação e Cultura (MEC) por meio do Instituto Na-

cional de Ensino e Pesquisa (INEP) através do Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM), Sistema de Ava-

liação da Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil,

quando adquire o papel central e estratégico do mo-

nitoramento do sistema educacional. Mesmo com os

esforços do MEC para avaliar a qualidade do ensino e

a identificação das causas que as instituições de en-

sino enfrentam os problemas ainda continuam. Isto

ocorre pela necessidade de avaliar variáveis relacio-

nadas diretamente aos educandos, professores e as

instituições de ensino.

De acordo com Machniki (2010), o material

didático, a sala de aula, as condições de estudo,

o trabalho do professor, as condições físicas dos

estabelecimentos de ensino, o ambiente escolar e o

ambiente social influenciam no rendimento escolar.

Segundo Souza (2001), a qualidade dos ser-

viços educacionais depende, em grande parte, da

adequação de suas instalações físicas. O ambiente

de uma escola também educa e pode tornar a for-

mação de seus alunos não apenas mais eficiente

como também muito agradável. Perceber o aspecto

negativo do prédio, do pátio, das salas de aula, dos

laboratórios e as questões de limpeza deve ser uma

preocupação constante de todos os gestores.

Diante desta situação, este estudo objetiva

evidenciar a diferença no desempenho das escolas

públicas do ensino fundamental, pertencentes ao

Núcleo Regional de Educação de União da Vitória

e hierarquizá-las mediante um conjunto de indica-

dores de cada bloco: escola, professores e alunos

contendo variáveis relacionadas aos aspectos de

infraestrutura, perfil socioeconômico, localização,

cultura e outras com características diferenciadas

quanto ao desempenho. Assim será possível conhe-

cer as escolas que se destacam positivamente ou

negativamente de acordo com os diretores, profes-

sores e os alunos. É também propósito deste tra-

balho contribuir significativamente na melhoria da

qualidade do ensino e das próprias escolas em ter-

mos de infraestrutura.

1 Análise Multivariada

A análise multivariada é assim chamada por-

que os dados incluem medidas simultâneas sobre

muitas variáveis, consiste de um conjunto de técni-

cas estatísticas que possibilitam analisar e comparar

dados referentes a diversas variáveis. Tais técnicas

vêm sendo ultimamente bastante difundidas e têm

ocupado cada vez mais espaço por conferirem maior

precisão aos resultados e agilidade na mensuração

da satisfação do mesmo com aplicações em diversas

áreas do conhecimento, tais como na área econômi-

ca, ciências médicas, biologia, física e no meio aca-

dêmico. Na prática, quando se faz uma observação

de um indivíduo o mesmo é caracterizado por várias

propriedades, justificando-se assim o emprego das

técnicas multivariadas.

Segundo Chaves Neto (1997) a análise

multivariada, consiste no estudo de soluções para

problemas relacionados com:

a) inferências sobre médias multivariadas;

b) análise da estrutura de covariância de

uma matriz de dados;

c) técnicas de classificação e agrupamentos.

É necessário estar sempre buscando alternativas que correspondam às neces-

sidades reais dos alunos e da comunidade que possa melhorar a qualidade do

ensino.

Page 181: Revista FAE

179R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

1.1 Análise Fatorial

A análise fatorial é o nome genérico dado a

uma classe de métodos estatísticos cujo propósito

principal é definir estrutura subjacente em uma ma-

triz de dados, na qual todas as variáveis são simulta-

neamente consideradas, cada uma relacionada com

todas as outras (HAIR et al, 2005).

Segundo Johnson e Wichern (1998) a análise

fatorial é uma técnica estatística multivariada

que trata do relacionamento entre conjuntos de

variáveis, em que:

a) as variáveis aleatórias são agrupadas de

acordo com suas correlações;

b) dentro de um grupo as variáveis aleató-

rias são altamente correlacionadas entre

si;

c) de um grupo para outro as correlações

são baixas;

d) admissível que cada grupo represente

um fator, o qual é responsável pelas cor-

relações observadas.

O objetivo da análise fatorial é descobrir

fatores latentes ou ocultos que geram a estrutura

de correlação de um conjunto de variáveis. Esses

fatores supõem-se independentes e linearmente

correlacionados às variáveis.

1.1.1 Método das Componentes Principais

O método das componentes principais é um

dos mais usados para resolver o problema clássico

da análise fatorial. Análise de componentes princi-

pais está relacionada com a estrutura de covariância

por meio de poucas combinações lineares das vari-

áveis originais em estudo. Os objetivos dessa análise

são a redução da dimensão original e a facilitação

da interpretação das análises realizadas. Em geral

a explicação de toda a variabilidade do sistema de-

terminado por p variáveis só pode ser efetuada por

p componentes principais. No entanto, uma grande

parte dessa variabilidade pode ser explicada por um

número r menor de componentes,

pr ≤

1.1.2 Teste de Esfericidade de Bartlett

De acordo com Marques (2003) o teste de

Bartlett testa a hipótese de que as variáveis não se-

jam correlacionadas na população. A hipótese bá-

sica diz que a matriz de correlação da população é

uma matriz identidade o que indica que o modelo

fatorial é inapropriado. A estatística do teste é dada

por:

Rpn ln6

52)1(2

+

−−−=Χ

que tem uma distribuição qui-quadrado com:

2)1( −

=ppv

grau de liberdade, onde:

n = tamanho da amostra;

p = número de variáveis;

|R| = determinante da matriz de correlação.

A análise fato-rial é o nome genérico dado a uma classe de

métodos estatísticos cujo propósito principal é definir

estrutura subjacente em uma matriz de dados, na qual todas as variáveis são simultaneamente

consideradas.

Page 182: Revista FAE

180

1.1.3 Medida de Adequação da Amostra (MSA) de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)

Essa medida é representada por um índice

(MSA) que avalia a adequação da análise fatorial,

sendo calculada por:

1.1.5 Rotação de Fatores

A rotação de fatores é uma técnica para girar

os eixos de referência dos fatores em torno da ori-

gem, de forma a orientá-los a facilitar a interpreta-

ção do conjunto de variáveis em cada fator. A rota-

ção pode ser ortogonal ou oblíqua, caso os eixos se

mantiverem ou não em 90 graus entre si durante o

giro. O objetivo é facilitar a leitura dos fatores, pois

a rotação deixa pesos fatoriais altos em um fator

e baixos em outros, definindo mais claramente os

grupos de variáveis que fazem parte de um fator

estudado. A rotação oblíqua é mais realista, porém

mais controversa. O método de rotação mais uti-

lizado é o Varimax o qual simplifica as colunas da

matriz de fatores.

1.2 Análise de Cluster

O objetivo da análise é agrupar objetos se-

melhantes por meio da mínima variância e separar

os grupos pela maximização da variância entre eles,

onde o agrupamento é feito de tal forma que haja

homogeneidade dentro e heterogeneidade entre os

agrupamentos. Encontrar nos dados uma estrutura

natural de agrupamento é uma importante técnica

exploratória. A análise de agrupamento por sua vez

não considera o número de grupos e é realizada

com base na similaridade ou dissimilaridade, ou

seja, distâncias (JOHNSON; WICHERN, 1998).

∑ ∑∑∑∑∑

≠≠

+=

kjjk

kjjk

kjjk

qr

r

22

2

MSA

Onde: r2JK

é o quadrado dos elementos da

matriz de correlação original (exceto a diagonal);

q2JK

é o quadrado dos elementos fora da diagonal

da matriz anti-imagem da correlação.

Valores altos (entre 0,5 e 1) indicam que

a análise fatorial é apropriada, enquanto que os

valores baixos, abaixo de 0,5 indicam que a análise

fatorial pode ser inadequada.

1.1.4 Escolha do Número de Fatores

A escolha do número de fatores é uma das

tarefas mais importantes da Análise Fatorial. Hair

Junior et al. (2005) discutem que, se o pesquisador

opta por um número muito reduzido, não é possí-

vel identificar estruturas importantes existentes nos

dados; por outro lado, se o número é excessivo, ele

pode vir a ter problemas de interpretabilidade dos

fatores. Existem na literatura vários critérios que au-

xiliam na determinação do número de fatores, como

por exemplo:

a) número de fatores igual ao número de

autovalores maiores que 1 (critério de

Kaiser);

b) número de fatores igual ao número de

autovalores maiores que um número V;

c) número de fatores que explicam pelo

menos determinado percentual da vari-

ância total;

d) número de fatores igual a certo valor N.

Encontrar nos dados uma estrutura natural

de agrupamento é uma importante técnica ex-

ploratória.

Page 183: Revista FAE

181R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

1.2.1 Medidas de Similaridade e Dissimilaridade

Para agrupar os itens é necessário especifi-

car um coeficiente de similaridade em que quanto

maior o valor observado, mais parecidos serão os

objetos (como o coeficiente de correlação), ou um

coeficiente de dissimilaridade onde quanto maior

o valor observado menos parecidos, ou seja, mais

dissimilares serão os objetos (como a distância eu-

clidiana).

Neste estudo foi utilizada a distância eucli-

diana por ser uma das mais conhecidas e adotadas.

Para definir-se a distância entre dois objetos no es-

paço p-dimensional, sejam...

observações entre dois objetos (indivíduos),

segundo Marques (2003), pode ser calculada da

seguinte forma:

1.2.2 Método de Agrupamento Hierárquico

O método hierárquico pode ser de dois tipos:

aglomerativo e divisível, no qual se estabelece uma

relação de hierarquia entre o objeto e o conjunto de

objetos. Uma vez incorporado a um grupo, o objeto

permanece associado a ele até o final do processo

de agrupamento. Cabe destacar ainda, que o

método hierárquico apresenta como desvantagens,

o fato de que só fundem ou dividem dois clusters

de cada vez, e um cluster já formado não se divide.

Nesse método, os critérios de agrupamentos mais

utilizados são o da associação simples, que é

baseado nas menores distâncias entre os objetos,

e o da associação completa, baseado nas maiores

distâncias entre os objetos e para este estudo

destaca-se o método de Ward.

1.2.2.1 Método de Ward

Considerado um procedimento de agrupa-

mento hierárquico baseado em minimizar a “per-

da de informação” na junção de dois grupos. Este

método é geralmente realizado com a perda de in-

formações assumindo ser um aumento no critério

do Somatório do Quadrado dos Erros (ESS), que é

dado por:

[ ]pXXXX 11211'1 = [ ]pXXXX 22221

'2 =e

( )∑

=

−=p

iii yxyxd

1

2),(

)()(ESS

1

' xxxx j

N

jj −−= ∑

=

Onde xj é a medida multivariada associada

ao j-ésimo item e é a média de todos os itens.

Os resultados do método de Ward podem

ser exibidos como um dendrograma. O eixo vertical

apresenta os valores do ESS em que ocorre a fusão.

O método de Ward é baseado no conjunto de ob-

servações multivariadas que devem ser aproxima-

damente de forma elíptica (JOHNSON; WICHERN,

1998).

2 Material e Métodos

Para testar a viabilidade e a eficiência dos

modelos, foram utilizados conjuntos de dados

quantitativos extraídos da pesquisa feita nas esco-

las de ensino fundamental pertencentes ao Núcleo

Regional de Educação de União da Vitória realiza-

da através de questionários aplicados, em três seg-

mentos: o primeiro para a escola (diretor responsá-

vel por responder), o segundo aos professores e o

terceiro aos alunos. O objetivo da coleta de dados é

levantar características descritivas sobre as escolas,

tais como: educação, estrutura, ambiente, recursos,

cultura, condições socioeconômicas da comunida-

de escolar, localização, entre outras destacando o

aproveitamento na melhoria do ensino de acordo

com a caracterização das amostras.

Page 184: Revista FAE

182

Antes da aplicação dos questionários foi

obtido junto ao Núcleo de Educação informações

das escolas referentes ao início do ano de 2009,

onde foi possível verificar o número de alunos e

professores de cada instituição podendo avaliar

a quantidade de questionários que deveriam ser

usados na coleta de dados. Os dados fornecidos

pelo Núcleo Regional de Educação relataram a

existência de 1.531 professores, 25.020 alunos e

850 turmas do total geral reunindo 42 instituições

de ensino distribuídas entre 9 municípios. Para a

caracterização das amostras calculou-se o número

equivalente a 20% dos alunos e 40% dos professores

de cada instituição para que, posteriormente fossem

aplicados os questionários.

Com o intuito de mensurar estes aspectos,

devido ao número pequeno de escolas entre muitas

variáveis, foram selecionadas apenas um número re-

duzido de variáveis através de consultas as equipes

pedagógicas, diretores, professores e alunos para

cada um dos blocos:

– Variáveis selecionadas do questionário

escola:

E1 - Adaptação para deficientes;

E2 - Quadra de esportes;

E3 – Condição biblioteca;

E4 – Disponibilidade computadores aos

alunos;

E5 – Demanda de pedagogos;

E6 - Premiação na Olimpíada de Mate-

mática;

E7 - Recursos do Governo;

E8 – Grau de risco da escola devido à lo-

calização;

E9 - Nível clientela escolar;

E10 - Serviços gerais;

E11 – Condição dos banheiros;

E12 – Condição das salas de aula.

O critério usado na identificação de determi-

nadas variáveis foi o uso de respostas binárias (0 ou

1) por se tratar de uma opção para cada resposta

(apenas o diretor), considerando o valor 1 (um) para

resposta mais adequada, melhor condição ou satis-

fatório e o valor 0 (zero) para resposta considerada

inadequada, pior condição ou insatisfatório.

– Variáveis selecionadas do questionário

professor:

P1 - Qualidade do material didático do

aluno;

P2 - Condição biblioteca;

P3 - Desinteresse do professor devido ao

salário;

P4 - Desinteresse dos alunos pela condição

social, política e econômica;

P5 - Nível de aprendizagem dos alunos;

P6 - Condições de trabalho do professor;

P7 - Grau de risco da escola devido à loca-

lização;

P8 - Limpeza geral;

P9 - Condições dos banheiros;

P10 – Condições das salas de aulas;

P11- Condição quadro-negro;

P12 - Inexistência de agressão física entre

alunos.

– Variáveis selecionadas do questionário aluno:

A1 - Escolaridade do pai médio ou superior;

A2 - Renda familiar até um salário mínimo;

A3 – Condições da biblioteca;

A4 – Satisfação com a direção da escola;

A5 – Serviços gerais;

A6 - Condições dos banheiros;

A7 - Condições das salas de aula;

A8 - Famílias beneficiadas pelo programa

Bolsa Família;

A9 – Frequência dos responsáveis na escola;

A10 - Estudam no mínimo trinta minutos por

dia;

A11 – Condição quadra de esportes;

A12 – Condição do pátio escolar.

O critério usado para os professores e alunos

na identificação das variáveis foi o uso de respostas

percentuais, ou seja, quanto maior for o percentual

Page 185: Revista FAE

183R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

(mais próximo de 1) melhor é a condição ou satisfa-

ção dos mesmos para determinada variável.

O procedimento estatístico foi aplicar sobre

as matrizes o teste da Medida de Adequacidade da

Amostra (MSA) e o teste de esfericidade de Bartlett.

Após a aplicação de ambos os testes foi realizada

em cada matriz a análise fatorial, sendo a extração

dos fatores feita pelo método das componentes

principais através da rotação Varimax, tendo como

critério o número de fatores explicando no mínimo

75% da variância total a fim de obter uma melhor in-

terpretabilidade dos fatores em relação à correlação

entre as variáveis, usando o programa computacio-

nal Matlab 6.0 (MATSUMOTO, 2002).

Baseado no resultado da análise fatorial

sobre a matriz dos questionários das escolas reali-

zou-se uma interpretação sobre os escores fatoriais

finais ponderados (obtidos através a média ponde-

rada entre os escores fatoriais e a proporção de

explicação dos respectivos fatores) das 42 institui-

ções convertidos na escala entre 0 e 1 para identi-

ficar o nível de rendimento percentual das escolas.

Em seguida realizou-se a interpretação dos escores

fatoriais finais nas análises dos professores e

também dos alunos e posteriormente procedeu-se a

análise de agrupamento (Cluster), sobre os escores

fatoriais finais resultantes das análises fatoriais dos

três blocos usando o software Statistica 7.0.

3 Resultados e Discussão

Resultados da análise das escolas:

Teste de Esfericidade de Bartlett e Medida de Adequacidade da Amostra de Kaiser_Meyer Olkin (KMO):

(1) Teste de Esfericidade de Bartlett;

Q2 = 98.242, com p valor = 0 ao nível de 5% indicando que existe uma correlação significativa entre as variáveis.

(2) Medida de Adequacidade da Amostra de Kaiser _Meyer Olkin (KMO).

MSA = 0.5145, como MSA > 0.5 indica que a análise fatorial é adequada.

Na sequência realizou-se a análise fatorial

pelo método das componentes principais, da qual

revelou sete fatores cujo percentual de variância

explicada pelo primeiro fator é 20,5%, o segundo

16,17%, o terceiro 12,25%, o quarto 10,67%, o quinto

8,58%, o sexto 6,83% e o sétimo fator 6,25% de

explicação. Dessa forma os sete fatores explicam

81,08% da variabilidade total.

QUADRO 1 Variáveis que compõem cada fator, de

acordo com os pesos para cada um dos

fatores – questionário escola

No gráfico 1 verifica-se que 14,29% das esco-

las não atingiram o indicador 0,2, isso significa que 6

instituições desempenham menos de 20% dos requi-

sitos relacionados ao nível de infraestrutura e inves-

timento público pelo fato dos fatores F1 e F2 juntos

apresentarem um poder explicativo de quase 37%,

ou seja, são os fatores que mais influenciam no nível

de indicação. Deve-se levar em conta, também, os

demais fatores que correspondem às necessidades

de adaptações do espaço físico, recursos para con-

tratação de funcionários e investimentos tecnoló-

gicos e na segurança em torno da escola. Os resul-

tados apresentados para esse grupo de escolas

estão condizentes com a realidade devido à falta de

investimento no ambiente escolar, pela necessidade

Fator Variáveis de cada fator

F1E5: Demanda de pedagogosE7: Recursos do governo

F2E12: Condição das salas de aulaE3: Condição bibliotecaE11: Condição dos banheiros

F3E1: Adaptação para deficientesE10: Serviços gerais

F4E2: Quadra de esportesE4 Disponibilidade computadores na biblioteca aos alunos

F5 E9: Nível clientela escolar

F6E6: Premiação na Olimpíada de Matemática

F7E8: Grau de risco da escola devido à localização

Fonte: O autor

Page 186: Revista FAE

184

de aumento na demanda funcional, alocação de

recursos para reformas e/ou construção de novas

escolas e nas condições socioculturais da comu-

nidade. No intervalo de 0,2 até 0,4 apresenta um

percentual de 14,29% das escolas com desempe-

nhos que variam de 20% a 40% de suas necessi-

dades. Os resultados, embora um pouco melhor

do que o grupo anterior, apresentam as mes-

mas deficiências significativas nas novas variá-

veis (fatores). Nos indicadores maiores que 0,4

e menores ou iguais a 0,6, são representadas por

35,71% que atingiram um desempenho de até 60%

de aproveitamento, na outra escala cujos valores

são maiores que 0,6 estão localizadas 15 escolas

que representam cerca de 35,71% do total e são

consideradas a partir desta escala as que apon-

tam ter as melhores condições de infraestrutu-

ra, geralmente são as escolas que estão inseridas

mais próximas aos centros urbanos ou estão loca-

lizadas nos municípios com melhores condições

econômicas da região, podendo estar caracteri-

zada numa comunidade com melhores condições

sociais e culturais possibilitando maior favore-

cimento dos líderes políticos. De acordo com a

localização dessas 15 escolas, 10 estão localiza-

das nos dois principais municípios: São Mateus do

Sul e União da Vitória (sede do Núcleo Regional),

ambos com mais de 40 mil habitantes.

No geral, 64,28% das escolas não consegui-

ram obter mais de 60% dos itens necessários para

uma melhor colocação em relação às variáveis da

análise.

GRÁFICO 1 – Indicador de desempenho por escola

Para os resultados da análise da amostra dos

professores tem-se:

Teste de Esfericidade de Bartlett e Medida de

Adequacidade da Amostra de Kaiser_Meyer Olkin

(KMO):

(1) Teste de Esfericidade de Bartlett;

Q2 = 128,4091, com p valor = 0 ao nível de

5% indicando que existe uma correlação

significativa entre as variáveis.

(2) Medida de Adequacidade da Amostra

de Kaiser _Meyer Olkin (KMO).

MSA = 0,5217, como MSA > 0.5 indica que a

análise fatorial é adequada para a amostra utilizada.

Resultaram na análise fatorial seis fatores,

usando como critério que a explicação dos fatores

seja no mínimo de 75%. Sendo assim, o primeiro fator

explica 24,43% da variabilidade total e os demais

fatores apresentam uma proporção de 16,5%, 12,5%,

11,5%, 7,67% e 6,42% respectivamente e os seis

fatores juntos explicam 79% de variabilidade, este

valor é a soma da proporção de todos os fatores.

QUADRO 2 Variáveis que compõem cada fator, de

acordo com os pesos para cada um dos

fatores – questionário professor.

00,20,40,60,8

11,2

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45Escolas

Indi

cado

res

FONTE: O autor

FATOR VARIÁVEIS DE CADA FATOR

F1P2: Condição bibliotecaP6: Condições de trabalho do professorP11: Condição quadro-negro

F2P1: Qualidade do material didático do alunoP5: Nível aprendizagem dos alunos

F3

P4: Desinteresse dos alunos pela condição social, política e econômicaP3: Desinteresse Professor devido ao salárioP7 Grau de risco da escola devido à localização

F4 P8: Limpeza geral

F5P12: Inexistência de agressão física entre alunos

F6P9: Condição dos banheirosP10: Condições das salas de aula

FONTE: O autor

Page 187: Revista FAE

185R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

O gráfico 2, mostra que 8 escolas tiveram

indicadores menores ou iguais a 0,2 e isso revela

que 19,40% das escolas resumem seu rendimen-

to e condições de infraestrutura abaixo de 20%.

O baixo rendimento pode estar caracterizado

pelas condições de trabalho do professor: pode

ser pela dificuldade de acesso à escola, violência

em torno e principalmente por falta de estrutura

no trabalho apresentando um nível explicativo de

24,43% no fator F1, sendo o fator mais influencia-

do no rendimento. Os demais fatores contribuem

54,57% de explicação da variabilidade total, juntos

podem influenciar no baixo desempenho pela falta

de investimentos na qualidade da educação e nos

demais setores da sociedade. Outras 9 escolas

com uma representação de 21,43% têm um indi-

cador de aproveitamento acima de 0,2 e abaixo

de 0,4, representando um desempenho de 20% a

40% de suas características necessárias, de acordo

com a análise matemática. No intervalo entre 0,4

e 0,6 estão representadas boa parte das escolas

totalizando 19, estimando 45,24% que apresentam

aproveitamento intermediário entre 40% e 60%.

Estas escolas apresentam situações regulares de

trabalho para o professor assim como na infraes-

trutura do prédio escolar e nos materiais didáticos

para uso dos alunos. Encontram-se entre os indi-

cadores 0,6 e 1 um total de 6 escolas representan-

do 14,3% das instituições, das quais, são as que

obtiveram os melhores resultados favoráveis aos

professores em termos de condições de trabalho,

satisfação com o salário, organização do ambiente

escolar e na segurança em torno da escola. Estes

resultados estão baseados na maior representati-

vidade de explicação relacionados aos fatores F1,

F2, F3 e F4 (24,43%, 16,5%, 12,5% e 11,5%).

No geral, 85,7% das escolas não consegui-

ram obter mais de 60% dos itens necessários para

uma melhor colocação em relação às variáveis da

análise. Este resultado, na realidade pode estar re-

lacionado à insatisfação do professor devido ao

salário e nas condições de trabalho que as escolas

oferecem diante de uma sociedade cada vez mais

dependente do sistema educacional.

GRÁFICO 2 – Indicador de desempenho dos professores

por escola

Para os resultados da análise da amostra dos

alunos têm-se:

Teste de Esfericidade de Bartlett e Medida de

Adequacidade da Amostra de Kaiser_Meyer Olkin

(KMO):

(1) Teste de Esfericidade de Bartlett;

Q2 = 211,6622 com p valor = 0 (para gl = v

= 66), portanto, o teste é altamente significativo,

a matriz de correlação é adequada para a análise

fatorial.

(2) Medida de Adequacidade da Amostra

de Kaiser – Meyer - Olkin (KMO).

MSA = 0,6715, verifica-se que a medida está

acima do valor mínimo aceitável 0,5.

Os resultados obtidos do Teste de Esferi-

cidade de Bartlett e Medida de Adequacidade da

Amostra indicam que a análise fatorial é adequada.

Resultou na análise 5 fatores, usando como

critério o número de fatores que juntos expliquem

pelo menos 75% da variabilidade. Sendo assim

o primeiro fator explica um percentual de 33,33%

da variabilidade total e os demais apresentam

uma explicação de 18,92%, 10,08%, 7,92% e 7,67%

respectivamente e os cinco fatores juntos explicam

77,91% de variabilidade, este valor é a soma da

proporção de todos os fatores.

00,20,40,60,8

11,2

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45Escolas

Indi

cado

res

FONTE: O autor

Page 188: Revista FAE

186

QUADRO 3 – Variáveis que compõem cada fator, de

acordo com os pesos para cada um dos

fatores – questionário aluno

podem estar situadas em uma comunidade menos

precária nas condições social e econômica. Entre

os indicadores 0,6 e 1 encontram-se situadas nesta

faixa apenas 4 escolas, representando 9% do total

das instituições pesquisadas. Desta forma, segundo

os dados da análise fatorial, resume-se que as es-

truturas físicas do ambiente dessas escolas apre-

sentam melhores condições em comparação com as

demais pela influência da proporção acumulada dos

fatores F1 e F5 (41%). Os demais fatores podem con-

tribuir signitivamente nesses resultados. Conforme

um estudo realizado por Barbosa (2009) o fator

renda familiar e o fator tempo de estudo são uns

dos que mais influenciam o resultado do desempe-

nho das escolas e ainda de um modo mais positivo

se tiver uma clientela mais participativa a seu favor,

tornando evidente que as avaliações das escolas

devem ser baseadas num leque bastante amplo de

variáveis e que juntas trarão ganhos eficientes para

a educação.

GRÁFICO 3 – Indicador de desempenho dos alunos por

escola

De acordo com o gráfico 3, mostrou-se na

análise que 5 escolas possuem como indicado-

res valores menores ou iguais a 0,2, isso evidencia

que dos itens que fazem parte dos questionários dos

alunos, 11,90% das escolas resumem suas condições

de infraestrutura e as condições sociais e econômi-

cas das famílias dos alunos um rendimento inferior a

20%. Estes resultados baseiam-se principalmente no

fator F1, do qual tem o maior porcentual de explica-

ção (33,33%) e no fator F2 (18,92%) que correspon-

de à situação econômica das famílias dos alunos. De

antemão, pode-se afirmar que o investimento nesses

fatores pelos governantes traria melhores resulta-

dos, com exceção da variável A8 (famílias beneficia-

das pelo Bolsa Família), devido ao aumento na renda

familiar.

Entre os indicadores de 0,2 a 0,4 do intervalo

estão localizadas 11 escolas representando 26,19%

do total, cujas características de desempenho não

ultrapassam dos 40% conforme os indicadores do

gráfico 3. Ao verificar os indicadores maiores que

0,4 e menores ou iguais a 0,6, encontra-se dentro

desta faixa de intervalo o maior número de escolas

pesquisadas, atribuindo 52,38% representando mais

da metade do total das instituições com desempe-

nhos entre 40% e 60%. Neste intervalo estão as ins-

tituições com nível de infraestrutura regular e que

3.1 Análise de Agrupamentos

Para o uso da análise de agrupamentos, pri-

meiramente foi usado a Análise Fatorial para obter

os indicadores (escores) que foram convertidos

para o intervalo entre 0 e 1 a fim de facilitar a inter-

pretação dos resultados das escolas, professores e

alunos. Após, calcularam-se então as distâncias eu-

clidianas entre os escores resultando em um total

de 861 distâncias.

00,20,40,60,8

11,2

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45Escolas

Indi

cado

res

FONTE: O autor

FATOR VARIÁVEIS QUE COMPÕE CADA FATOR

F1

A3: Condições da biblioteca A4: Satisfação com a direção da escolaA5: Serviços geraisA6: Condição dos banheirosA7: Condições das salas de aula

F2A2: Renda familiar até um salário mínimoA8: Famílias beneficiadas pelo Bolsa Família

F3 A10: Estudam no mínimo 30 min por dia

F4A1: Escolaridade do pai médio ou superiorA9: Frequência dos responsáveis na escola

F5A11: Condição quadra de esportesA12: Condição do pátio da escola

FONTE: O autor

Page 189: Revista FAE

187R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

O resultado dessas ligações pode ser dis-

posto em um diagrama em árvore ou dendrograma

como é mais conhecido, do qual possui uma escala

para observar os níveis de distância. O critério de si-

milaridade é representado pela altura resultante de

cada combinação distinta entre as variáveis, ou seja,

quanto mais baixa for essa junção, maior será o grau

de similaridade entre as situações estudadas (São

Paulo, 1992). Desta forma, com intuito de não per-

der estruturas importantes e não correr o risco de ter

problemas de interpretabilidade, optou-se para este

estudo apenas o intervalo de estabilidade compreen-

dido por volta do valor 1,5 do eixo das distâncias da

ligação com uma representação de 4 agrupamentos,

conforme mostra o gráfico 4.

GRÁFICO 4 - Dendrograma referente aos agrupamentos

das escolas - Método de Ward

demanda funcional, nas adaptações físicas às

necessidades especiais e nos recursos materiais

para uso dos alunos. Por outro lado é o grupo

que apresenta a pior condição de infraestrutura

física; revela também um índice menos significa-

tivo na infraestrutura familiar dos alunos relacio-

nado à renda e a necessidade de ajuda de algum

programa social. Resume-se que embora este

grupo apresente boas condições de trabalho e

uma melhor alocação de recursos na área peda-

gógica, sugere-se investir mais em um ambiente

que satisfaça a necessidade do aluno como, por

exemplo, a melhoria nas salas de aula, banheiros e

bibliotecas. O segundo agrupamento está repre-

sentado pelas instituições 33, 25, 31, 7, 17, 18, 4, 11,

13, 39, 28 e 3 que possui indicadores baixos em

pelo menos uma das três análises, considerando-

-se o grupo que apresenta uma significativa varia-

ção entre as escolas, correspondente aos recur-

sos de investimento, tanto na escola quanto na

sociedade. A falta desses recursos, no conjunto

das variáveis utilizadas na pesquisa, reflete baixos

níveis de desenvolvimento no aspecto social e

educacional. O terceiro agrupamento é formado

pelas escolas 22, 12, 8, 6, 19, 10, 32, 30, 27, 9, 42

e 2 que revelou indicadores médios nas análises

dos três questionários não tendo variação expres-

siva entre os indicadores. Pode-se considerar que

este grupo apresenta condições regulares em

infraestrutura e nos demais fatores que envolvem

as questões socioeconômicas. No quarto grupo

estão as escolas 34, 24, 37, 20, 29, 15, 40, 26, 5,

21, 16, 1 e 38 que apresentaram as melhores condi-

ções de infraestrutura no geral, juntamente reve-

lou uma comunidade escolar mais participativa no

desenvolvimento educacional de seus educandos,

além de possuir mais recursos para as necessida-

des dos alunos, porém este grupo caracterizou

aos professores as piores condições de traba-

lho, podendo estar relacionado ao salário e prin-

cipalmente na segurança. Embora essas escolas

supram as necessidades físicas e pedagógicas é

recomendável rever e analisar as necessidades do

educador com a intenção de melhorar a educação.

FONTE: O autor

Schools

Link

age

Dis

tanc

e

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

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4

1

35

2

3

36

1

4

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2

5

31

7

1

7

18

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1

1

13

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28

3

2

2

12

8

6

1

9

10

3

2

30

2

7

9

42

2

3

8

34

2

4

37

2

0

29

1

5

40

2

6

5

21

1

6

1

Embora exista certa dificuldade em esta-

belecer uma medida que caracterize a magnitude

das condições das escolas no geral e das

condições socioeconômicas da região, é possível,

tomando-se por base os indicadores e os clusters

obtidos, fazer alguma diferenciação entre os

grupos formados, quanto à intensidade do desen-

volvimento.

Nesse sentido, pode-se dizer que o primeiro

grupo composto pelas escolas 41, 35, 23, 36 e 14

apresenta as melhores condições de trabalho ao

professor e bons resultados em investimento na

Page 190: Revista FAE

188

4 Conclusão

Este trabalho procurou através de um nú-

mero significativo de variáveis de cada bloco de

questionário, analisar e avaliar o desempenho e in-

fraestrutura das escolas levando em consideração

várias situações que são comuns no dia a dia destas

instituições.

Ao analisar as características das 42 escolas

públicas do ensino fundamental do NRE de União

da Vitória, observou-se, através dos diagnósticos da

realidade das escolas que, apesar da maioria apre-

sentar estruturas físicas necessárias, faltam recursos

financeiros para o investimento de melhorias e com

isso poder alcançar bons resultados.

Um dos principais desafios dos gestores res-

ponsáveis por estas instituições e dos professores

consiste em administrar e a trabalhar os fatores que

não dependem somente das ações das próprias es-

colas, como o baixo nível cultural da comunidade

escolar, situação socioeconômica das famílias, a in-

diferença e a falta de interesse dos pais na educa-

ção dos filhos entre outros.

Utilizado a ferramenta estatística de análise

fatorial e análise de agrupamentos sobre as três

matrizes de dados foi possível, através dos escores

fatoriais finais, analisar e classificar as escolas do

Núcleo Regional de União da Vitória em função dos

segmentos selecionados e aplicados a esta pesqui-

sa. O método proposto demonstrou que, a eficiên-

cia no sistema de educação varia sistematicamente,

quanto às características social, econômica e cul-

tural, das localizações que esses estabelecimentos

se encontram nos centros urbanos, periferias e

zonas rurais, quanto a gerências educacionais. Em

tais casos, precisa-se considerar e/ou colocar mais

condições que visem no suprimento destas defasa-

gens, compreender a situação socioeconômica para

tentar sanar as restrições desfavoráveis e, assim,

implicar positivamente nos estabelecimentos.

Com os resultados obtidos conclui-se que

11,9% das instituições atingiram resultados favoráveis

aos professores em termos de condições de trabalho,

satisfação com o salário, nível de aprendizagem,

organização do ambiente escolar e na segurança

em torno da escola, mas revelou serem as escolas

com menores indicadores nas condições de infraes-

trutura física e socioeconômica da clientela escolar;

28,57% apresentaram resultados insatisfatórios no

tocante aos fatores revelados; 28,57% atingiram

resultados menos insatisfatórios em infraestrutura,

condições de trabalho e questões socioeconômi-

cas; 30,95% apresentaram melhores indicadores de

desempenhos em infraestrutura, recursos, demandas

e nas condições sociais e econômicas na caracteri-

zação dos diretores e alunos, porém, obtiveram os

menores indicadores nas condições de trabalho dos

professores. Destas análises ficou evidenciado um

aproveitamento desequilibrado entre as escolas,

assim sugere-se que políticas compensatórias não

devam concentrar-se, basicamente, em somente

um dos grupos revelados. Além disso, algumas

escolas podem se espelhar nos trabalhos pedagó-

gicos e administrativos de outras para melhorar seu

desempenho.

Os escores e agrupamentos fornecidos pela

análise fatorial e análise de Cluster respectivamente,

podem ser um dos instrumentos valiosos para os

gestores das escolas e líderes políticos a discutirem

e direcionarem seus projetos de forma mais eficaz

na eficiência de resultados.

• Recebido em: 01/12/2010• Aprovado em: 20/05/2011

Page 191: Revista FAE

189R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 176-189, jan./jun. 2011

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Metodologia de Pesquisa em Administração: Considerações sobre Estudo de CasoResearch methodology in administration: considerations about case study

Page 193: Revista FAE

191R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

Metodologia de Pesquisa em Administração: Considerações sobre Estudo de Casoresearch methodology in administration: considerations about case study

Flávio Régio Brambilla 1

1 Doutorando em Administração pela UNISINOS. Professor da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]

ResumoA prática da pesquisa proporciona contribuições para Administração e ciências sociais, como

Psicologia, Sociologia, dentre outras. É na pesquisa que a evolução no pensar e construir

conhecimento dos sujeitos toma formas superiores, integrando leitura, interpretação,

exame das realidades e capacidade de abstração, e pensamento crítico acerca do objeto

em estudo. Acredita-se no engajamento em produção intelectual como provedor dos

conhecimentos, sendo subsídios para elaboração de cursos e para sua utilização em sala de

aula. O Estudo de Caso é uma das abordagens de apoio para o lecionar, com base empírica

ancorada por teoria, ilustrando aplicação de conceitos. O trabalho de aprendizagem com

diferentes casos e resoluções no domínio disciplinar, ilustra complexidade no âmbito social,

proporcionando aos estudantes visões menos simplistas. Pesquisa, Metodologia e Estudo

de Caso serão tratados neste ensaio teórico, tendo em vista discutir seus aspectos básicos

e de utilização prática na produção científica dos Cursos de Administração. O Estudo de

Caso como método de pesquisa é norteado por potencialidades e pontos fracos, como em

qualquer situação ou estratégia utilizada para fazer pesquisa. As vantagens são encontradas

diante de situações em que o conhecimento desejado é escasso, existe fragmentação de

conhecimentos, incompletude, unicidade, ou em situações complexas ao ponto de não

serem passíveis indicadores psicométricos diretamente empregados para compreensão dos

fatos. Também pode ser um método utilizado juntamente com outros mais generalistas,

para identificação de particularidades. No Estudo de Caso, como em outras estratégias de

pesquisa, a validade de um conhecimento está associada ao rigor e cuidados adotados pelo

pesquisador.

Palavras-chave: Metodologia de Pesquisa; Estudo de Caso; Administração.

AbstractThe research practice provides contributions for Administration and social sciences as

Psychology, Sociology among others. It is in research that the evolution in thinking and in the

building of knowledge of subjects takes superior forms, integrating reading, interpretation,

examination of realities and abstraction capacity, and critical thought concerning the object

in study. It is believed in engagement to intellectual production as a provider of knowledge,

as it subsidies for elaboration of courses and their use in the classroom. The Case Study is

one of the supportive approaches for teaching, empirically anchored by theory, illustrating

application of concepts. The learning work with different cases and resolutions in a discipline

illustrates complexity in social arena, providing to students less simplistic visions. Research,

method, and Case Study will be discussed in this theoretical paper, focusing on the

presentation of basic aspects. The case study as a research method is guided by the potential

and weaknesses, as in any situation or strategy used to do search. The advantages are

visible in situations where knowledge is scarce, where there is fragmentations of knowledge,

incompleteness, uniqueness, or in complex situations that they are not likely to be used as

psychometric indicators for understanding the facts. It can also be a method to be used

together with other more general ones, to identify particularities. In a Case Study, as in other

research strategies, the validity of knowledge is associated with the rigor and the care taken

by the researcher.

Keywords: Research Methodology; Case Study; Administration.

Page 194: Revista FAE

192

Introdução

Na vivência profissional de um professor,

comumente atenção extra é destinada aos trabalhos

de conclusão de curso. Neste período crítico do

desenvolvimento acadêmico, muitas deficiências do

ensino ou da evolução dos alunos ficam evidentes,

porque a necessidade de entendimento teórico e

científico destes é desafiada. Com certo viés popular,

mas também uma realidade facilmente diagnostica-

da, o exercício da leitura é fundamental para que

o aluno, ao escrever, desenvolva um trabalho de

qualidade. A variedade de fontes, a leitura de textos

realmente acadêmicos (como exemplo, dos artigos

de eventos e revistas científicas), ou a variedade na

leitura de livros, servem aos propósitos da crítica, e

da comparação, capacidade analítica e, porque não,

ao entendimento dos autores mais adequados para

os propósitos em estudo. Assim como o fenômeno

da ‘McDonaldização da Educação’ em geral, existe na

Administração um fenômeno que pode ser descrito

por ‘Chiavenatização da Administração’.

Não se trata de criticar a obra do autor,

tampouco discutir qualidade e competência evidentes

deste ícone da academia no Brasil; mas sim, a adoção

por docentes de seus livros como se fossem as únicas

fontes de referência disponíveis, talvez um artifício ou

caminho mais fácil para construir uma disciplina, já

que o autor apresenta, de forma direta e didática,

resultados gerais de estudos históricos consa-

grados e importantes. Será este um problema de

qualificação docente? O fruto da remuneração que

não contempla a preparação das aulas? Um exemplo

é que, apesar da comunidade conhecer os livros do

referido autor, jamais quem agora escreve encontrou

uma citação do artigo de Chiavenato (1979) sobre

teorias administrativas, que além de fazer parte

importante da área no Brasil, está publicado em

uma das revistas acadêmicas de Administração mais

importantes do país, a Revista de Administração de

Empresas (RAE), publicada pela Fundação Getúlio

Vargas de São Paulo (FGV-EAESP).

Supõe-se que se o autor é o foco, então seus

artigos e não somente os livros, deveriam ser con-

templados nos trabalhos dos alunos. Outro exemplo

de autor renomado é o caso de Michael Porter. Pelo

fato de ser um autor mais referenciado na Pós-Gra-

duação, em Mestrados e Doutorados (em especial

nas áreas de operações e estratégias), não somente

seus livros, mas também seus artigos são igualmente

utilizados nos estudos de estratégia. Aparentemen-

te, os alunos são levados a crer que a alternativa ade-

quada é utilizar da referência A ou B, sendo que a re-

alidade pressupõe que a variedade das fontes é um

requisito importante à qualidade, em especial na re-

alização da pesquisa, na responsabilidade por con-

clusões desenvolvidas. Então, para a qualidade da

pesquisa, não somente a variedade de livros, mas de

periódicos e autores devem ser contemplados, como

artifício para a redução do viés e maior abrangên-

cia teórica.

Não apenas em construções teóricas o risco

de citações inadequadas ou insuficientes é uma re-

alidade. Na questão teórica, o importante é buscar

por fontes fidedignas, variadas e não apenas livros,

também contemplando artigos científicos. Mesmas

regras valem à metodologia, e o ideal é citar a fonte

original da ideia, não sua reprodução, exceto se per-

tinente, agregando valor adicional às ideias origi-

nais. Na realidade brasileira, uma constatação é que,

na metodologia do Estudo de Caso, muitos alunos

citam, por exemplo, o livro de Gil (2002), para utili-

zar os conceitos propostos por Yin (2001), livro pu-

blicado inclusive em português. Novamente, o autor

nacional é ilustre, e inclusive autor de artigos, dentre

eles Gil, Licht e Oliva (2005), importante por tratar

do Estudo de Caso especialmente na Administra-

ção. Por serem textos de acesso gratuito, a questão

financeira não é o inibidor de sua utilização. Inde-

pendente das causas fica evidente que a falta de

material, inclusive produção adicional dos autores

utilizados comumente como padrão, não são o mo-

Assim como o fenômeno da ‘McDonaldização da

Educação’ em geral, existe na Administração

um fenômeno que pode ser descrito por ‘Chiavenatização da

Administração’.

Page 195: Revista FAE

193R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

tivo da limitação bibliográfica praticada por alunos,

especialmente ao se tratar dos trabalhos de con-

clusão de curso. Apresentados problemas gerais da

produção em Administração, a motivação deste es-

tudo é o entendimento da pesquisa e suas metodo-

logias. Em foco, o entendimento do Estudo de Caso.

2 Considerações Gerais sobre Pesquisa e Metodologia de Pesquisa

Por seu propósito de orientar, o texto pretende

evoluir de maneira sintética da origem dos métodos,

quais respondem ao propósito de realizar a investi-

gação de maneira consistente e replicável, ou seja,

desde o conceito Pesquisa, que serve para fins de

confirmação ou desconfirmação de um conhecimen-

to desejado acerca dos fenômenos. Pesquisa é “uma

ação de conhecimento da realidade, um processo de

investigação minucioso e sistemático para conhecer

a realidade, seja ela natural ou social” (TOZONI-REIS,

2005, p.7). Como ilustra o conceito essencial, a pes-

quisa é uma busca pelo conhecimento; é a orienta-

ção, que deve ser conduzida de maneira sistemática

e organizada, para objetivos relacionados com a área

de conhecimento específica, ou ainda, numa prerro-

gativa interdisciplinar.

Outros autores caracterizam este conceito.

Para Ohira (1998), a Pesquisa Científica é uma ave-

riguação conduzida por método, desenvolvida com

o intutito de responder ao problema proposto. Este

tipo de pesquisa incorpora trabalhos publicados, os

periódicos acadêmicos e a comunicação aos inte-

ressados pelo assunto, ou o público. Por definição,

Universidade deve ser o locus da pesquisa, porque

incorpora a reunião formal das ciências. A pesquisa

é geradora de autonomia, qual proporciona a ca-

pacidade para tomada de uma decisão conscien-

te. Também culmina em qualificação, dinamismo,

versatilidade, além de estimular as interações. Nas

Universidades, a tríade de sustentação (ensino, pes-

quisa e extensão) apenas pode ser adequadamen-

te articulada quando existir pesquisa, pois como

salientado por Ohira (1998), somente é possível

aprender, ou ensinar, quando existe a prática de

pesquisa. Em síntese, “o professor precisa da práti-

ca da pesquisa, para ensinar eficazmente” (OHIRA,

1998, p.73). Para que a Universidade efetivamente

seja mediadora da educação, deve realizar ativida-

des de pesquisa.

Teixeira (2009) classifica a pesquisa como

a decisão por ações e estratégias adotadas tendo

em vista desenvolver conhecimento original. Dentre

os pressupostos relevantes, é preciso delimitar um

problema a ser respondido; se for o caso, hipóteses

(projeção de afirmações) que devem ser testadas;

bem como objetivos (propósitos). O objetivo

geral é uma afirmação, e deve começar por um

verbo (exemplo: analisar, investigar, desenvolver,

etc.) que serve de resposta ao motivo de fazer a

pesquisa (uma orientação para que o estudioso

mantenha um foco bem definido) e os específicos,

complementando os parâmetros necessários para

delinear o foco do estudo.

Existem duas ideias divergentes em relação

aos objetivos específicos: uma corrente de pesqui-

sadores/orientadores os considera como elementos

adicionais, norteadores de objetivos secundários.

Por sua vez, para outros, os objetivos específicos

são desdobramentos do objetivo geral, para clarifi-

car as ideias em pauta. Uma utilização dos objetivos

específicos como orientadores e ao mesmo tempo

delimitadores pode ser possível, e o essencial em

sua concepção é clareza, e serventia para que o

pesquisador mantenha-se na direção adequada.

Outra definição é a da pesquisa como “o pro-

cedimento racional e sistemático que tem como ob-

jetivo proporcionar respostas aos problemas que

são propostos” (GIL, 2002, p.17). O conceito referido

alerta para outro importante tópico na condução

da pesquisa científica. Trata-se do Problema de

Pesquisa, o qual serve como um questionamento

(em caráter de orientação), sempre expresso na

forma interrogativa, sendo esta questão norteadora

do estudo, que o pesquisador pretende responder,

confirmar ou desconfirmar.

Caracterizar o tema é uma alternativa para

facilitar o estudo, e pode ser uma Delimitação do

Page 196: Revista FAE

194

Tema na forma textual em capítulo à parte, ou cons-

tar da própria introdução do estudo. Refere-se a

proporcionar para o leitor uma visão geral do que

se trata, sendo especialmente útil na identificação

de interesse e relevância. Ainda que deva ser uma

apresentação conceitual curta, deve ser suficiente

para orientar o leitor, e por isso, pelo menos deve

agregar alguns parágrafos quais situam o contexto

teórico central da investigação.

Uma pesquisa deve ser desenvolvida através

da “utilização cuidadosa de métodos, técnicas e

outros procedimentos científicos” (GIL, 2002, p.17).

Neste sentido, diferenciar método de técnicas e

normas é crucial. Basicamente, as técnicas se re-

ferem às estratégias utilizadas na coleta de dados,

evidências e informações, e estão relacionadas ao

método. A metodologia por sua vez, deve ser defi-

nida de acordo com os objetivos da pesquisa. Com-

pete ao pesquisador identificar qual método me-

lhor se enquadra as suas intenções de pesquisa. Por

exemplo, no Método Estudo de Caso, as técnicas

de coleta dos dados podem ser entrevistas, análise

documental, etc.; e de análise dos dados coletados,

a triangulação de dados, análise de conteúdo, ou

demais estratégias. Já a normatização, ou padroni-

zação serve ao propósito de gerar um relatório de

boa apresentação, estruturado de maneira clara.

Definitivamente, a questão normativa, ou ajuste de

estrutura não interfere na metodologia e condução

da pesquisa, apenas em sua apresentação. Existe

no meio acadêmico da graduação, certa confusão

entre método e normas, e em muitos casos, o mé-

todo é negligenciado, sendo a ênfase excessiva des-

tinada ao aspecto normativo. A consequência deste

tipo de orientação pode ser a elaboração de um tra-

balho bem apresentado, mas com resultados irrele-

vantes ou condenados quanto à credibilidade, pela

falta de procedimentos e técnicas que deem rigor.

Ao referenciar os eventos da Associação Na-

cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Adminis-

tração (ANPAD), Machado-da-Silva (2009) deixa

evidente que o maior foco de pesquisa são quali-

dades de conteúdo e metodologia e não o apego

aos preceitos técnicos, ou estruturais. O experiente

pesquisador na área destaca que a ANPAD abriu

espaço para trabalhos não apenas nas normas téc-

nicas nacionais, mas também para as internacionais.

O interessante é a razão da entidade em flexibilizar

nos formatos para 2010, por serem estas normas

parte de “um modelo mais simples, mais universal e

mais constante”. Notadamente o esforço é direcio-

nado para qualidade e não para estrutura, que ape-

sar de importante, não se sobrepõe aos requisitos

de qualidade e rigor científicos. Relevantes são os

tipos de pesquisa, e que estas sejam desenvolvidas

e classificadas de maneira adequada, o que quer di-

zer correta.

Maciel (2008) distribui as pesquisas em basi-

camente três categorias, e menciona que em todas

elas o propósito é realizar um planejado processo

de coleta, análise e interpretação dos dados. Estas

categorias propostas pelo autor são: [1] Pesquisas

Exploratórias, as quais servem para que o pesquisa-

dor obtenha “maior familiaridade com um assunto

desconhecido” (MACIEL, 2008, p.173); [2] Pesqui-

sas Descritivas, as quais contam geralmente com

uma abordagem amostral, ou seja, a amostra como

parcela representativa de uma população. Seu uso,

diz Maciel (2008, p.174), serve para “descrever os

comportamentos mais comuns da população”, ou

seja, características gerais. Por fim, as [3] Pesqui-

A pesquisa é uma busca pelo conhecimento; é a

orientação, que deve ser conduzida de maneira

sistemática e organizada, para objetivos

relacionados com a área de conhecimento específica, ou ainda, numa prerrogativa

interdisciplinar.

Page 197: Revista FAE

195R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

sas Causais, tendo em vista elucidar um problema,

por meio da relação entre suas variáveis. Trata-se de

“explicar as causas e as consequências” do evento

(MACIEL, 2008, p.175). A pesquisa causal é complexa,

porque nem sempre (e nas ciências sociais quase

nunca) a relação se dá entre uma única variável X

que exerce impacto em uma variável Y. Por sua vez,

tentar justificar que uma variável é única impactante

noutra em ciências sociais é uma falha, ou um erro

metodológico.

Dentre as ideias que definem Metodologia de

Pesquisa, a de identificar caminhos e instrumentos,

bem como uma normativa, criar quadros teóricos e

base empírica é simples, mas atende aos propósitos

deste estudo, que pretende promover uma orien-

tação inicial, e não o esgotamento do assunto. Os

métodos indicam as opções do pesquisador (uma

pesquisa pode seguir apenas um ou um conjun-

to de métodos, dependendo dos propósitos e do

tempo e orçamento, disponíveis ao pesquisador).

É possível resumir essas ideias acerca da metodo-

logia como a definição instrumental e processual

adotada para a coleta e análise dos dados, o que

proporciona melhores condições para reflexão (TEI-

XEIRA, 2009). Metodologia como se entende aqui,

são caminhos que servem para manter foco e rigor

científico, derivados da opção do pesquisador, que

igualmente proporcionam maior credibilidade à in-

vestigação.

Um conceito interessante é o da metodolo-

gia de pesquisa como “um caminho a ser trilhado

pelo pesquisador no processo de produção de

conhecimentos sobre a realidade estudada”

(TOZONI-REIS, 2005, p.17). Os métodos podem ser

classificados conforme alguns exemplos providos

por Teixeira (2009). Podem ser: [1] analíticos (foco

nas partes que compõe um todo de interesse); [2]

indutivos (busca generalizar fatos ou comporta-

mentos específicos, e visa enunciados universal-

mente aceitos); [3] dedutivos (restrito a casos

específicos e seu entendimento, particulari-

za generalizações); [4] cartesianos (ancorados

na razão); [5] teoricamente suportados (específi-

cos para uma ciência); [6] estatísticos (baseados

em técnicas, procedimentos e teorias matemáti-

cas); [7] econométricos (utilizados nas ciências

da economia e, áreas relacionadas – contam com

suporte dos preceitos estatísticos, matemáticos e

das teorias econômicas); [8] descritivos (focalizam

o todo, e fazem o relato geral e amplo de um cenário

ou contexto, relevando características e classifi-

cações); [9] quantitativos (contam com métricas

e classificações detalhadas particulares); e [10]

qualitativos (suportam “a ideia que, na produção

de conhecimentos sobre os fenômenos humanos

e sociais, nos interessa muito mais compreen-

der seus conteúdos do que descrevê-los, explicá-

-los”) (TOZONI-REIS, 2005, p.10). A definição da

abordagem metodológica mais adequada é do

pesquisador, que deve entender seus objetivos de

pesquisa. Apesar de comumente classificados como

qualitativos, estudos de caso também contam com

orientações e procedimentos de coleta e análise de

dados em panorama quantitativo. A definição do

tipo de método pode ser múltipla, e vai depender

dos procedimentos de coleta e análises adotadas.

3 Estudo de Caso

Para ser de fato um Estudo de Caso,

este precisa dispor de múltiplas fontes de evidência, que

conferem robustez aos argumentos.

O uso do Estudo de Caso como método

de pesquisa está em ascendência, o que já não é

mais uma novidade. Entretanto, apesar da boa

adaptabilidade para diversos focos em pesquisa,

a condução deste método requer maior atenção,

para evitar que os resultados sejam irrelevantes ou

inadequados (COUTINHO; CHAVES, 2002).

Page 198: Revista FAE

196

Este método é conceituado por Coutinho e

Chaves (2002, p.222) como “um plano de investiga-

ção que envolve o estudo intensivo e detalhado de

uma entidade bem definida”, que é o caso. Apesar da

aparente simplicidade, bons estudos de caso não são

tão simples como aparentam, e tendem a ser estu-

dos demorados. Dentro do Estudo de Caso existem

diferentes orientações, que requerem detalhamento,

profundidade e entendimento do contexto (tempo e

espaço), contando com as estratégias e ferramentas

adequadas à situação.

Maffezzolli e Boehs (2008) caracterizam o

Estudo de Caso, com base em ao menos quatro pre-

ceitos essenciais. O primeiro se refere à coleta de

dados, que deve ser orientada para que seja em pro-

fundidade (detalhamento/esgotamento) das infor-

mações relevantes. Julga-se neste artigo como prin-

cipal elemento o segundo preceito essencial, qual

orienta que para ser de fato um Estudo de Caso,

este precisa dispor de múltiplas fontes de evidência,

que conferem robustez aos argumentos. Como o

próprio método releva em sua conceituação, é pre-

ciso que exista um contexto especificado, que é o

próprio caso. E por fim, a observação de que um

Estudo de Caso é restrito a um contexto específi-

co e tempo específico; ideias que determinam que

o caso seja delimitado em tempo e espaço. Como

propósito à condução de um Estudo de Caso, Gil

(2002) destaca sua adequabilidade para exploração

das situações reais e de difícil compreensão, com

foco limitado, qual deve ser caracterizado para que

seja provido um entendimento de caráter específi-

co (cada caso é único, e possui suas peculiaridades).

Coutinho e Chaves (2002) são mais diretos, e men-

cionam que o propósito do Estudo de Caso está as-

sociado a motivações relativas a explorar, descrever

ou explicar uma situação.

Coutinho e Chaves (2002) complementam

a caracterização supracitada de Maffezzolli e Boehs

(2008), e adicionam uma quinta característica na

determinação do Estudo de Caso. Além deste tipo de

estudo tratar de objetivo que requer foco específico,

essencialmente deva contar com o emprego de

múltiplas fontes de dados (uma característica

imprescindível), necessariamente ter de destacar a

unicidade e singularidades (o caso) e ser limitado por

fronteiras de tempo e amplitude, ainda é importante

referenciar que “a investigação decorre em ambiente

natural” (COUTINHO; CHAVES, 2002, p.224). O

investigador é integrado ao contexto, o que elimina

a ideia do pesquisador como entidade neutra. Ainda

mais importante com relação ao autor no contexto do

Estudo de Caso, e quanto à errônea delimitação do

caso como sendo sempre uma metodologia de caráter

qualitativo, ou etapa anterior ao método quantitativo,

mencionam Coutinho e Chaves (2002, p.225) que o

autor:

é pessoalmente implicado no estudo, o que leva a que

muitos tendam a associar o Estudo de Caso à investigação

qualitativa o que é todavia uma concepção errada já que

o Estudo de Caso pode também ser conduzido no quadro

de outros paradigmas de investigação como o positivista

ou mesmo o crítico.

E como exemplo; relatam que na perspectiva

dos estudos em educação:

quando o caso é uma escola ou um sistema educativo,

fará todo o sentido que o investigador recorra a dados

numéricos de natureza demográfica, como número

de alunos, taxas de reprovação, origem social, ou seja,

indicadores quantitativos (COUTINHO; CHAVES, 2002, p.

225).

Um exemplo é a própria obra de Yin (2001),

uma das mais relevantes e citadas fontes em estu-

dos de caso na academia, de orientação positivista

e essencialmente quantitativa em grande parte das

Apesar de comumente classificados como quali-tativos, estudos de caso

também contam com orientações e procedi-

mentos de coleta e análi-se de dados em panora-

ma quantitativo.

Page 199: Revista FAE

197R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

suas ideias. Todavia, além da discussão entre quali-

tativo ou quantitativo, também não se pode deixar

de contemplar a possibilidade da abordagem meto-

dológica mista.

Mais complexas, e mencionadas por Maffe-

zzolli e Boehs (2008), são as características onto-

lógicas e epistemológicas relacionados ao método

Estudo de Caso. Considera-se a ontologia como um

aspecto de relação literal com a natureza do ser,

relevando existência e a concepção de mundo dos

indivíduos. A centralidade é orientada ao desejo de

saber, e na visão de mundo advinda do pesquisador,

qual naturalmente ocupa a posição de observador.

Por sua vez, para Maffezzolli e Boehs (2008), a epis-

temologia está relacionada à visão do pesquisador

e no seu desejo desbravador e descobridor, em co-

nexão ao método qual sustenta à intervenção para

uma descoberta, relacionada à realidade de interes-

se. Duas correntes epistemológicas importantes são

o positivismo (ciência tradicional) e o interpretati-

vismo (menos ortodoxa que os preceitos da ciência

positiva). A corrente interpretativista está mais cen-

trada em entender do que generalizar a realidade

(MAFFEZZOLLI; BOEHS, 2008). Para fins didáticos,

no quadro abaixo são sintetizadas caracterizações

de ontologia e epistemologia.

como mais próxima da realidade, tendo em vista que

trata das limitações do estudo com maior detalha-

mento. No entanto, apesar de geralmente não

observadas na interpretação, limitações nos estudos

de caso também deveriam ser identificadas, apesar

da substancial diferença entre interpretar uma reali-

dade e a tentativa de identificar suas tendências.

Existe, todavia, outra confusão entre a metodologia

do Estudo de Caso e a sua orientação, geralmente

caracterizada como qualitativa, e que também pode

ser quantitativa. Por exemplo, como é o caso na obra

de Yin (2001), quando a tentativa é a de identificar

causas, geralmente são premissas quantitativas

quais procuram por explanação e delimitação do

controle, o que também ocorre em determinadas

classificações por categorias. Já a tendência da

abordagem qualitativa é a de “compreender as

complexas inter-relações entre tudo o que existe”,

ou seja, procurar entender os objetivos centrais da

pesquisa diante do fenômeno em observação, e não

tecer estatísticas (MAFFEZZOLLI; BOEHS, 2008,

p.97).

Autores como Coutinho e Chaves (2002,

p.236) mencionam sobre a necessidade do pes-

quisador em operacionalizar procedimentos tendo

em vista prover maior credibilidade aos estudos de

caso, e exemplificam esta possibilidade por meio da

“descrição pormenorizada e abundante de todo o

processo da investigação”. Além de sistematizar e

explicitar os procedimentos de pesquisa, também

se menciona que são adequadas descrições com-

pactas, centradas no que é de fato essencial para os

propósitos da investigação.

Além de manter o foco, faz-se importante a

adequada seleção e diferenciação do que é central

e periférico no caso. Critérios de qualidade também

são salientados por outras pesquisas. Na perspecti-

va de Maffezzolli e Boehs (2008, p. 100), “critérios

de qualidade podem ser compreendidos como for-

mas de classificar um estudo”, identificando este

como compatível e adequado aos propósitos e qua-

lidade dos resultados. Alguns cuidados possíveis no

julgamento da qualidade de um Estudo de Caso por

avaliadores e pelo próprio pesquisador são: identifi-

car a existência de fidelidade ao que é inicialmente

Como ilustrado acima, ontologia trata da

realidade em duas caracterizações básicas, como

algo independente ou como parte das circunstân-

cias circundantes do estudo. Já a epistemologia,

centrada em duas e difusas orientações, delimita

uma das razões da ciência positiva ser conceituada

QUADRO 1 - Ontologia e epistemologia no método estudo de caso

ONTOLOGIA

FUNDAMENTAL ANTIFUNDAMENTAL

A realidade é independente

A realidade é circunstancial.

EPISTEMOLOGIA POSITIVISMO INTERPRETATIVISMO

Orientação metodológica central:

Quantitativa. Qualitativa.

Tratamento das limitações:

Observadas.Geralmente não ob-

servadas.

FONTE- Adaptado de Maffezzolli e Boehs (2008).

Page 200: Revista FAE

198

proposto; demonstração de que existe coerência

técnica e acurácia na coleta dos dados; verificação

da pertinência das questões com especialistas no

assunto e com os entrevistados; verificação dos re-

sultados orientada por teorias relevantes; explicita-

ção da qualidade da informação, dos informantes e

da relevância nas contribuições providas; e, efetuar

técnicas de análise como triangulações.

No entendimento de Maffezzolli e Boehs

(2008), a triangulação de dados é uma alternati-

va à verificação da validade de construtos, o que

é praticável através da convergência das informa-

ções. Além deste preceito, os autores apresentam

ainda algumas alternativas, para validar e assegurar

confiabilidade na análise dos casos, como ilustrado

abaixo.

introdução sobre o assunto, objetivo do estudo,

proposições e justificativa da relevância de conduzir

a pesquisa. Coutinho e Chaves (2002) complemen-

tam com elementos a serem inclusos no relatório

do Estudo de Caso: definição do caso com clareza;

descrição do contexto; justificativa da relevância do

estudo; objetivos e foco da investigação; delimita-

ção da estratégia de pesquisa e outras definições.

Numa perspectiva como a de Yin (2001), é

preciso ainda definir se o estudo é de caso simples

ou múltiplos; definir a unidade ou unidades de aná-

lise; fazer uma completa fundamentação teórica;

além de delimitar com clareza como os dados serão

coletados, quem os coletará e quando são relevan-

tes. A descrição adequada dos dados também é um

critério de qualidade. Abaixo, dois autores impor-

tantes acerca dos estudos de caso serão brevemen-

te citados. Trata-se de obras acerca do emprego

desta metodologia, e classificações conceituais.

3.1 Preceitos de Autores Clássicos: Robert K. Yin

O autor Robert K. Yin é um dos mais cita-

dos ao se tratar da metodologia do Estudo de Caso.

Grande parte dos preceitos utilizados por outros au-

tores de metodologia, inclusive este artigo, recebem

grande influência de suas ideias. Para tanto, muitos

dos seus preceitos estarão subentendidos nesta

orientação, o que faz com que apesar deste tópico,

não necessariamente suas ideias estejam limitadas

nestes poucos parágrafos.

Basicamente, na percepção de Maffezzolli

e Boehs (2008) com base na orientação de Yin

(2001), o Estudo de Caso pode ser classificado em

três categorias básicas e não mutuamente exclu-

dentes. Podem ser os casos [1] exploratórios: pri-

mam pelo conhecimento em maior profundidade

(buscam descobrir acerca do caso); [2] descritivos:

constituem o relato de uma situação ou do próprio

cenário do caso e; [3] explicativos: tendo em vista a

explicação das causas de uma situação ou fenôme-

no, mas em sentido diferente daquele da orientação

positivista de ciência. Seja qual for a sua classifica-

ção como caso (simples ou múltiplo), a definição de

uma unidade de análise é elemento obrigatório para

É de importância que o pesquisador registre

adequadamente os passos relacionados ao desen-

volvimento da pesquisa, para fins de atestar qua-

lidade e rigor (MAFFEZZOLLI; BOEHS, 2008). Um

protocolo de pesquisa é uma alternativa. Neste pro-

tocolo é recomendado que sejam incorporados os

instrumentos usados na coleta de dados, os proce-

dimentos e regras adotadas na categorização e in-

terpretação dos dados. Deve ser composto por uma

QUADRO 2 - Preceitos de validade e confiabilidade em estudo de caso.

VALIDADE DO CONSTRUTO

- Forma de mensuração utilizada;- triangulação realizada;- encadeamento das evidências;- revisão das informações;- críticas sobre o grau de

subjetividade atribuído ao processo.

VALIDADE INTERNA- Para a compreensão quando o foco

é uma relação causal.

VALIDADE EXTERNA

- Estabelecimento do domínio pos-sível às generalizações;

- possibilidade de replicação do estudo.

CONFIABILIDADE

- Complemento à validade externa;- capacidade de repetir o estudo e

obter ‘mesmos’ resultados;- uso do protocolo para documentar

etapas da pesquisa;- organização: dos dados e das

fontes de informação.

FONTE- Adaptado de Maffezzolli e Boehs (2008).

Page 201: Revista FAE

199R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

a condução adequada do estudo. O caso pode ser

um indivíduo, um evento ou ainda uma organização

(empresa), foco este geralmente adotado nos estu-

dos de Administração.

Não apenas o caso particular é determinante

nesta metodologia. Pode ser uma decisão de pecu-

liaridades, ou ainda advindo de casos múltiplos para

comparação de semelhanças e diferenças. Acer-

ca desta delimitação, lembram Coutinho e Chaves

(2002) que o autor separa o Estudo de Caso entre

as classificações de único ou múltiplo. O único cen-

traliza atenção em uma especificidade, uma orga-

nização, um fenômeno ou contexto. Por sua vez, o

estudo de casos múltiplos, também conhecido por

comparativo ou multicasos, geralmente compa-

ra situações, ou mais fácil de identificar, empresas

com relação a uma questão de pesquisa comum, de

onde através de semelhanças e diferenças o autor

tecerá suas conclusões.

3.2 Preceitos de Autores Clássicos: Robert Stake

Maffezzolli e Boehs (2008), acerca dos pre-

ceitos de Robert Stake lembram que nos estudos

de caso a predominância analítica é interpretativa,

e não determinística. Para Stake (2000), o Estudo

de Caso responde por três tipos. Pode ser [1] intrín-

seco, quando o interesse é um caso específico, para

a compreensão de um fenômeno singular. Refere-

-se a “melhor compreensão de um caso particular”

(COUTINHO; CHAVES, 2002, p.226). Também pode

ser [2] instrumental, quando o caso é uma fonte

para a obtenção de insights sobre o que deseja co-

nhecer, ou ainda, para realizar refino teórico, apri-

morando o conhecimento sobre algo (COUTINHO;

CHAVES, 2002). Por fim o [3] coletivo, para quando

são abordados diversos casos, ou um conjunto de

casos (o que equivale aos casos múltiplos), para que

seja analisada uma situação na relação entre seme-

lhanças e diferenças, que podem elucidar acerca do

objetivo do estudo. Este tipo de análise permite o

conhecimento aprofundado sobre algo.

Outra premissa de Stake (2000) abrange as

estratégias para análise dos dados, mais bem ilustra-

das na sequência deste texto. Basicamente o autor

classifica a análise de casos em dois grupos, que se

compõem da interpretação direta dos fenômenos

ou através do processo de formação e agregação de

categorias à medida que a interpretação dos resulta-

dos evolui. A aproximação do autor ao caso permite

uma adequada capacidade analítica.

Quanto à intimidade do autor com o caso,

se por um lado pode ser causadora de viés, por ou-

tro auxilia na compreensão dos fenômenos em ob-

servação. Porém, mesmo que exterior ao contexto

do caso, a busca por uma aproximação relativa é

recomendável, pois viabiliza futuras comparações

entre casos, através de dimensões de similaridades

e diferenças. Argumentam neste sentido Maffezzolli

e Boehs (2008), acerca de uma generalização na-

turalística para os estudos de caso. Trata-se da ex-

periência acumulada do indivíduo qual o torna apto

a realizar comparações entre casos, com base nas

situações vividas. Do ponto de vista positivista, não

é uma prática aceitável, porém, diante do aspecto

interpretativista, desde que seja uma análise bem

feita por pesquisador apto, os resultados podem

ser satisfatórios.

Apesar da falta de maturidade, práticas que

proporcionam a repetição dos estudos auxiliam na

busca por uma aproximação ao conceito de ciência,

o que é viável desde que os procedimentos sejam

registrados para que outros pesquisadores possam

aplicá-los na mesma ou em similares situações e

contextos. Esta problemática reside nos juízos de

valor.

4 Procedimentos e Exemplos de Ferramentas a serem Utilizadas em Estudo de Caso

Por sua versatilidade, o Estudo de Caso é

uma metodologia utilizável para diversos propósi-

tos. Além de ser uma condição impreterível, “a van-

tagem das múltiplas fontes de evidência para so-

lucionar problemas de pesquisa” tornam a técnica

Page 202: Revista FAE

200

adequada para situações em que estejam disponí-

veis tanto informantes quanto documentos relativos

ao assunto de interesse (MAFFEZZOLLI; BOEHS,

2008, p.96). A criação de categorias de análise, an-

teriores ou até mesmo durante a condução do es-

tudo proporcionam uma flexibilidade neste método

interpretativo não possível em estudos positivistas,

conduzidos por técnicas multivariadas, já que defi-

nidas as questões e coletados os dados, nada mais

será ajustado em termos de coleta. Algumas pos-

sibilidades para coleta de dados em casos seguem

abaixo.

de Análise. Esta é o locus de interesse, seja ela uma

empresa, uma interação ou por vezes um indivíduo.

Uma entrevista é classificada de estruturada quando

“caracteriza-se por um roteiro com questões ‘fecha-

das’ apresentadas ao entrevistado” (TOZONI-REIS,

2005, p.42). Por sua vez, a semiestruturada está

associada a um roteiro de questões, utilizado pelo

entrevistador, qual adapta as questões conforme o

momento, utilizando-as como direcionamento. Ge-

ralmente, este tipo de entrevista deve ser gravado

em aparelho de áudio, mediante o pedido ao entre-

vistado pelo consentimento de fazer o registro, para

que seja posteriormente transcrita e analisada em

detalhe pelo pesquisador. Na entrevista semiestru-

turada, o “roteiro tem o papel de recordar ao entre-

vistador os principais pontos a serem colocados no

diálogo com o entrevistado”, evitando esquecimen-

to de tópicos essenciais (TOZONI-REIS, 2005, p.47).

Outras observações são providas por

Maffezzolli e Boehs (2008) que citam outros atribu-

tos passíveis às entrevistas, que podem atender

a características como: espontaniedade (caráter

perceptivo), focada (direcionada), e devem ser

atentamente desenvolvidas para evitar viés e

imprecisão, que podem resultar da má elaboração

das questões, do roteiro. Dependem também das

habilidades do pesquisador em fazer as pergun-

tas certas, e da capacidade de ouvir e responder

(reagir) aos acontecimentos do momento.

Na percepção de Boyd e Westfall (1964, p.51),

“a maioria das informações usadas em mercadolo-

gia são obtidas por meio de entrevistas”, o que de-

monstra o intenso uso desta técnica nas pesquisas

de Administração. Neste sentido é possível afirmar

que “a linguagem verbal desempenha um impor-

tante papel na representação, armazenamento e

comunicação do pensamento” contido nas organi-

zações (ZALTMAN, 1997, p. 424). Por estas razões

é possível entender a opção dos pesquisadores por

entrevistas, técnica que tem se mostrado uma das

fontes essenciais na coleta dos dados primários, ou

seja, evidências fornecidas diretamente. Também

são importantes os dados secundários, apreciados

a seguir.

Não se pode deixar de mencionar que cada

tipo de coleta, assim como cada fonte de evidência

adotada, apresenta vantagens e desvantagens (MA-

FFEZZOLLI; BOEHS, 2008). Algumas das fontes e

técnicas de evidência serão apresentadas a seguir,

com o objetivo de uma breve descrição acerca de

sua utilização, com o foco no método Estudo de

Caso.

4.1 Dados Primários: Entrevistas

Uma das maneiras mais diretas de obter infor-

mações nas ciências sociais é através da pergunta,

diretamente feita ao informante selecionado (KER-

LINGER, 1980). Geralmente este tipo de intervenção

se dá por meio de entrevistas, sejam estruturadas

ou semiestruturadas. Justamente o fato de ser ob-

tida diretamente do envolvido no contexto, permite

a classificação de dado primário, ou seja, coletado

diretamente no contexto de interesse, na Unidade

QUADRO 3 - Procedimentos para a coleta de dados em estudo de caso.

Tipos de técnicas para coleta de dados em estudos de caso (tipologias)

Diretas / interativas: (dados primários).

Ex. entrevistas; observações; etc.

Indiretas / não interativas: (dados secundários)

Ex. análise documental (registros, cartas, diários,...); etc.

FONTE- Adaptado de Coutinho e Chaves (2002)

Page 203: Revista FAE

201R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

4.2 Dados Secundários: Análise Documental

Uma pesquisa em dados secundários, que é a

situação da pesquisa documental, se define por ter

“como principal característica o fato de que a fon-

te dos dados, o campo onde se procederá a coleta

dos dados” reside nos documentos, ou em arquivos.

Este fato não elimina a possibilidade da combinação

com outras formas de coleta das evidências, sejam

elas igualmente secundárias ou mesmo primárias,

como a entrevista (TOZONI-REIS, 2005, p.32).

Outros tipos de registros documentados em

diferentes mídias e formatos podem ser utilizados,

como cartas, memorandos, agendas, avisos organi-

zacionais, recortes de jornal, fontes impressas, fo-

tos, vídeos, arquivos digitais, etc. No entendimento

de Maffezzolli e Boehs (2008, p.102), a análise em

documentos deve ser “uma tarefa de complementa-

ridade às demais fontes de evidência”. O interessan-

te é que muitos dos dados presentes em documen-

tos são históricos e quantitativos, o que por um lado

pode ser de difícil acesso, mas por outro, configura

uma alternativa para obter uma ideia do caso com

maior precisão.

4.3 Observação

A observação apesar de inerente ao ser hu-

mano, não é uma das técnicas mais utilizadas na

Administração. Nos poucos estudos em que é em-

pregada, desponta como complementar, quando

em Estudo de Caso, (ou em posição central, em tra-

balhos conduzidos por preceitos etnográficos). A

observação atende por diferentes tipologias.

Uma das observações viáveis é a chamada

observação direta, onde o pesquisador, por exem-

plo, ao visitar uma empresa, acaba por praticá-la

com naturalidade. A observação direta é adequada

para que o pesquisador compreenda o contexto em

que o fenômeno investigado ocorre, e é uma alter-

nativa de análise em tempo real. O pesquisador não

intervém na situação.

Já na observação participante, o pesquisador

não adota uma postura passiva ou neutra. Neste

contexto, o pesquisador é parte no que investiga, e

é capaz de “perceber a realidade do ponto de vista

de alguém que está inserido no caso e não fora dele”

(MAFFEZZOLLI; BOEHS, 2008, p.103). Este tipo

de intervenção é comum nos estudos antropoló-

gicos, e por sua característica de interferência,

ainda que possa compor parte de um Estudo de

Caso, representa uma alternativa mais próxima dos

preceitos de outro método, a Pesquisa-Ação.

4.4 Artefatos

O uso de artefatos é outra prática utilizada

na Antropologia, comum em um dos seus desdo-

bramentos, a Arqueologia. Como referenciado por

Maffezzolli e Boehs (2008, p.103), os artefatos fí-

sicos são tangíveis, e seu emprego como parte do

procedimento de coleta de dados “depende da se-

letividade e disponibilidade dos mesmos”. Fotogra-

fias e vídeos, assim como em documentos, podem

ser classificados como artefatos dependendo da

percepção do pesquisador. No caso da Antropo-

logia servem como artefatos, já na Administração,

enquadra-se em artefatos, mas também podem ser

caracterizados como documentação, por exemplo,

ao demonstrarem o antes e o depois no caso de

melhoria contínua em equipamentos, etc.

Na continuidade desta apreciação acerca das

técnicas de coleta dos dados, segue uma subdivi-

são do texto destinada à análise. Tão importante

quanto uma boa coleta de dados é que estes sejam

analisados através de procedimentos bem definidos

e ancorados em teoria.

4.5 Facilitadores Conceituais, Triangulação e Análise dos Dados

O procedimento da análise dos dados consis-

te em examinar, categorizar, classificar, recombinar e

por vezes realizar testes com as evidências obtidas

em campo, durante a fase da busca por respostas

ao problema de pesquisa, e dos objetivos do estu-

do. De modo simples, a análise dos dados “consiste

em discutir, analisar e interpretar os dados coleta-

dos”, tendo em vista resultados coerentes e rigo-

rosamente construídos (TOZONI-REIS, 2005, p.73).

Page 204: Revista FAE

202

Dentre diversas possibilidades para concep-

ção dos resultados através dos dados coletados,

“a Triangulação é importante para perceber os ele-

mentos de repetição”, assim como identificar con-

sistências e discrepâncias entre teoria, casos e in-

formantes, além dos casos negativos, importantes

de averiguar (MAFFEZZOLLI; BOEHS, 2008, p. 105).

A Triangulação pode ser realizada em diver-

sas perspectivas, seja triangulação de dados, infor-

mantes ou de métodos. Na triangulação das fontes

de dados “se confrontam os dados provenientes de

diferentes fontes”, o que pode ser feito através das

combinações de técnicas, servindo à coleta de da-

dos qualitativos e quantitativos, por entrevistas, aná-

lise documental, e emprego paralelo de questioná-

rios (COUTINHO; CHAVES, 2002, p. 235). Coutinho

(2008) caracteriza a triangulação como a combina-

ção de visões, métodos e materiais coletados que

podem ser sistematicamente estudados para prover

rigor, amplitude e profundidade ao estudo. A mais

utilizada é a triangulação de dados, qual configura

a “forma de conseguir uma análise de maior alcan-

ce e riqueza” (COUTINHO, 2008, p.10). Um exemplo

na Etnografia é quando o pesquisador compara o

que as pessoas fazem ao que elas dizem fazer. Em

negócios, por exemplo, é uma forma de investigar

a coerência dos discursos de gestores. Um gestor

pode se considerar acessível aos funcionários, mas

o pesquisador através de observação e entrevistas,

quando da triangulação, poderá descobrir que os

funcionários e o que ele presenciou não condizem

ao discurso do gestor, ou vice-versa.

Também na triangulação podem ser identifi-

cados os casos negativos, quais não são compatí-

veis com os resultados gerais. Este tipo de diagnós-

tico pode requerer mais análise.

Em essência, a triangulação constitui “a base

para a validação da pesquisa qualitativa”, e está

relacionada diretamente com a interpretação do

pesquisador. Esta deve ser conduzida com base em

preceitos teóricos e mediante a análise dos dados

coletados através de fontes diversas, um requisito

central em Estudo de Caso (MAFFEZZOLLI; BOEHS,

2008, p.103).

As triangulações viáveis em uma pesquisa

podem ser:

– de dados: requer múltiplas fontes de

dados, que devem se referir ao mesmo

elemento que o pesquisador deseja elu-

cidar;

– de investigadores: quando mais de um

pesquisador participa na condução do

estudo;

– das teorias: quando teorias conflitantes

são utilizadas na interpretação dos da-

dos;

– dos métodos: quando métodos de pes-

quisa são combinados na investigação.

Nas percepções convergentes, a consolida-

ção de hipóteses em construção é possível, para

que estas sejam testadas posteriormente através de

métodos orientados para as generalizações. Já na

identificação de casos conflitantes, um dos benefí-

cios está na rejeição de conclusões prematuras ou

geração de hipóteses pouco consistentes à teoria

e à realidade. O procedimento para a relação en-

tre convergências e divergências está representado

abaixo.

Algumas idealizações podem auxiliar em pro-

cessos de análise de dados, como é o caso de sis-

tematizar categorias teóricas para auxiliar ao pes-

quisador quanto à manutenção do foco. No quadro

abaixo, está expresso um esquema de análise para o

auxílio do autor em relacionar a teoria para que sirva

como base ao processo analítico.

Na primeira coluna, a sugestão é mencionar o

grande tema, ou conceito geral acerca dos demais

pontos de análise. Por exemplo, uma aplicação de

tecnologia numa empresa pode contar com as di-

QUADRO 4 - Representatividade da triangulação de investi-gadores em estudo de caso.

Possibilidades do processo de triangulação (investigadores)

Percepções Convergentes

Favorecem o processo da construção de hipóteses fundamentadas.

Percepções Conflitantes

Evitam a elaboração de conclusões prematuras ou inadequadas.

FONTE - Adaptado de Maffezzolli e Boehs (2008).

Page 205: Revista FAE

203R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

mensões organizacional e tecnológica. No exemplo

abaixo, a dimensão tecnológica é explicitada, tendo

ao lado a subdivisão conceitual, ou seja, de compo-

nentes em análise quais compõem a referida dimen-

são. Estas variáveis podem ser como no exemplo,

conceitos, ferramentas ou demais elementos quais

sejam importantes ao estudo. Na caracterização

das variáveis são explicitados os atributos concei-

tuais que a representam na perspectiva da pesqui-

sa. Por exemplo, a Tecnologia de Informação é um

secundários. Como exemplo, dos dados primá-

rios utilizados, as entrevistas, a serem feitas com

colaboradores, gestores, clientes e outros atores

de interesse. Já os dados secundários contam com

documentos, manuais e informações do site da

empresa.

Outra estratégia facilitadora para condução

do Estudo de Caso consiste em fazer sua classifica-

ção, além dos dois tipos propostos por Yin (2001),

conceito que incorpora equipamentos e inteligên-

cia contida nos programas de computador. Por fim,

os referenciais da construção teórica, para que ou-

tros pesquisadores possam se situar na teoria e ain-

da identificar preceitos de interesse, seja por curio-

sidade ou para replicação do estudo.

Também a sistematização do método pode

servir para que o pesquisador mantenha o foco ade-

quado e siga com rigor os procedimentos de pes-

quisa. Na figura abaixo, os passos de condução da

pesquisa estão explicitados, bem como as fontes

múltiplas de dados estão identificadas, de manei-

ra a constituir uma orientação visual eficaz para que

o foco e os procedimentos de pesquisa sejam res-

peitados conforme pré-definidos pelo pesquisador.

Em caso de alterações ao longo da pesquisa, estas

devem ser integradas ao desenho de orientação. Tra-

ta-se de uma representação visual acerca dos proce-

dimentos adotados na investigação.

No topo da ‘Figura 1’, está expressa a existên-

cia de indicadores construídos em teoria, que será

a base para a análise dos dados coletados, direta-

mente ou por intermédio de estruturas de análise,

como quadros, árvores conceituais ou nós e linhas

teóricas. Abaixo as fontes de dados, primários e

de caso simples ou múltiplo, caracterizando também

abordagem ou modalidade na qual se enquadra a

pesquisa. Para Coutinho e Chaves (2002), os casos

únicos podem ser classificados dentro das seguin-

tes modalidades: histórico (evolução institucional);

observacional (observação participante); biográfico

(entrevista intensiva com o indivíduo de interesse);

comunitário (foco em uma comunidade); situacional

(avaliação de um acontecimento com base na per-

cepção dos atores participantes); microetnografia

(participação em pequenas atividades em um am-

biente). Para os casos múltiplos, os autores destacam

duas modalidades: indução analítica (busca concei-

tos abstratos baseados no contexto das observa-

ções); comparação constante (objetiva a geração

teórica mediante comparação sistemática entre di-

ferentes unidades de análise) (COUTINHO; CHAVES,

2002).

Tanto os casos únicos quanto os estudos com

casos múltiplos podem ser subdivididos em duas

modalidades. Os casos podem ser holísticos, anali-

sando o fenômeno em sua totalidade; ou inclusivos,

caso a análise seja dividida em unidades para ca-

racterizações específicas. Por exemplo, analisa-se o

todo ou divide-se por gênero, idade, renda, etc.

QUADRO 5 - Quadro de auxílio teórico para procedimento de análise em estudo de caso

Dimensões Variáveis Caracterização Referencial

Tema; ou conceitos principais.Ex: Dimensão Tecnológica.

Descrição da variável.Exs: Dados; Tecnologia de Infor-mação; Data Mining; etc.

Resumo do conceito em questão.Exs: Dados são fatos em sua forma primária.Tecnologia de Informação é composta por hardware e tam-bém por software.

Listagem das obras: princi-pais autores que abordam o assunto.Ex: Brambilla (2006); Brambilla (2009); etc.

FONTE - Adaptado de Brambilla (2006).

Page 206: Revista FAE

204

É importante destacar que o Estudo de

Caso não é baseado em amostragem estatística.

Neste sentido, a amostra sempre é determinada

por uma escolha, geralmente partindo do pesqui-

sador. Esta escolha está vinculada ao interesse da

pesquisa e também deve ser encaminhada atra-

vés do entendimento da teoria qual suportará a

investigação. No quadro abaixo, adaptado das

ideias de Coutinho e Chaves (2002), a proposta

é que o pesquisador possa classificar o tipo de

Estudo de Caso qual pretende conduzir. Reco-

menda-se que o estudioso identifique sua ideia

de pesquisa através da opção entre os espaços

possíveis dentro do quadro, o que didaticamente

pode ser feito através da marcação dos objetivos

de estudo.

Teoria. Fundamentação teórica e indicadores.

O que a literatura apresenta sobre o assunto. Questões e/ou indicadores desenvolvidos com

base no referencial.

Procedimento de pesquisa com dados secundários.

O que a documentação, os manuais, e o site da empresa proporcionam de informação

pertinente ao estudo.

TRIANGULAÇÃO

Procedimento de coleta dos dados primários (entrevista).

O que os informantes proporcionaram através do

procedimento de coleta dos dados (entrevistados).

FIGURA 1: Exemplo ilustrado do processo de triangulação de dados em estudo de caso

FONTE - Adaptado de Brambilla (2009).

Para melhor aplicação do instrumento propos-

to no ‘Quadro 6’, a explicação de como fazer a sua

utilização é importante. A primeira definição que deve

ser levada em consideração é se o Estudo de Caso

a ser conduzido será único ou múltiplo. No segundo

momento, o tipo de análise a ser conduzida, no que

diz respeito à especificidade ou amplitude da situa-

ção, o que é definido como holístico (quando o foco é

a situação geral) ou inclusivo (quando o interesse está

em um fenômeno, ou em características específicas

de uma situação). Por fim, identificar as característi-

cas que fazem parte da investigação, uma escolha não

exclusiva que pode relevar o teor do estudo quanto a

ser exploratório, descritivo, explicativo, transforma-

dor, avaliativo, ou misto. O estudo é misto quando da

combinação entre duas ou mais alternativas.

QUADRO 6: Instrumento de apoio ao pesquisador para a delimitação de um estudo de caso.

ESTUDO DE CASO Exploratório Descritivo Explicativo Transformador Avaliativo

ÚNICOGlobal (Holístico)

Inclusivo (Embedded)

MÚLTIPLOGlobal (Holístico)

Inclusivo (Embedded)

FONTE - Adaptado de Coutinho e Chaves (2002).

Page 207: Revista FAE

205R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

5 Potencialidades e Problemas no Emprego do Estudo de Caso

O Estudo de Caso como método de pesquisa

é norteado por potencialidades e pontos fracos, como

em qualquer situação ou estratégia utilizada para fazer

pesquisa. As vantagens são encontradas diante de

situações em que o conhecimento desejado é escasso,

nas quais existe fragmentação de conhecimentos,

incompletude, unicidade, ou em situações complexas

ao ponto de não serem passíveis de indicadores psico-

métricos diretamente auxiliarem na compreensão dos

fatos. Também pode ser um método utilizado junta-

mente com outros mais generalistas para identificação

de particularidades não detectáveis por estes. Porém,

os problemas também existem, e incluem a condução

isolada de investigação, o risco de apenas descrever

uma realidade sem promover avanços (sistematização

do óbvio), resultados que extrapolam o que o estudo

pode suportar, além das faltas de precisão, objetividade

e ausência de rigor. Coutinho e Chaves (2002) desta-

cam as questões referentes à inexperiência do pesqui-

sador, que podem incluir o desconhecimento ou falta

de conhecimento adequado sobre a técnica, a falta de

conhecimento ou de arcabouço teórico para susten-

tar suas análises, e a falta de contato com a vivência e

com o pensamento acadêmico. Destaca-se em Couti-

nho (2008, p.5), que a credibilidade é essencial para

qualquer tipo de pesquisa, para qualquer emprego

metodológico, e salienta que “sem rigor a investiga-

ção não tem valor”.

Com base no desenvolvido até este ponto

do ensaio teórico acerca da metodologia Estudo de

Caso, em especial em relação às observações pro-

vidas por Coutinho (2008) e Coutinho e Chaves

(2002), no quadro apresentado a seguir é feita uma

comparação didática entre o Estudo de Caso e o

mais positivista dos métodos, o Estudo Experimen-

tal. O objetivo desta relação é demonstrar as dife-

renças necessárias na observação entre as técnicas

no que diz respeito às medidas adotadas para iden-

tificar credibilidade e consistência. Embora não se

possam comparar diretamente diferentes paradig-

mas de ciência, abaixo é provida a visão geral acerca

da importância de critérios a serem atendidos tendo

como objetivo o rigor acadêmico.

Uma alternativa para prover rigor ao Estudo

de Caso é executar o p rocedimento de auditoria

na pesquisa. Para auditoria de pesquisa ser efetua-

da, “uma terceira parte examina sistematicamente o

processo de pesquisa conduzida pelo investigador”

(COUTINHO, 2008, p. 10). Por objetivo, esta prática

pretende analisar se o estudo foi conduzido de ma-

neira sistemática e metódica, e coerente com seus

QUADRO 7 - Critérios de rigor comparados entre estudos experimental e de caso

ESTUDO DE CASO X ESTUDO EXPERIMENTAL

Transferibilidade Generalização

Generalização Naturalística Validade Externa

Credibilidade Validade Interna

Consistência Confiabilidade

Na transferibilidade (confiabilidade/fidelidade/fidedignidade), o pressuposto geral remete à viabilidade de repetir um estudo. O pes-quisador é membro do caso, e por isso repetir não é viável, mas é possível descrever como fazer estudo similar através de detalhada expli-cação da metodologia empregada. Clareza e detalhamento da recolha e análise dos dados agrega o valor relativo ao aspecto de repetição, ou transferibilidade nos estudos de caso. Há a necessidade de documentação adequada dos métodos de coleta e análise de dados.

A generalização natural sofre efeito similar ao da transferibilidade. Como o pesquisador não é neutro, e conduz à interpretação dos resultados, o rigor pode ser obtido se for possível “reduzir ao mínimo a influência da subjetividade inerente ao investigador” (COUTINHO; CHAVES, 2002, p. 234). O autor precisa evidenciar que suas conclusões não são fragmentos da imaginação ou tendenciosas; favoráveis ao que entende por mais adequado aos seus propósitos ou ideologias. Os indicadores e a teoria devem prevalecer na análise dos dados, acima das crenças e ideologias defendidas pelos sujeitos e pelo autor.

Credibilidade, segundo Coutinho (2008, p. 8), “diz respeito ao quanto às construções/reconstruções do investigador reproduzem os fenômenos em estudo”. Por sua vez, a consistência, está estruturada com base na “capacidade de replicar o estudo” que outro estudioso possa seguir relevando o que estava documentado como procedimentos adotados pela investigação original (COUTINHO, 2008, p. 10).

FONTE - Adaptado de Coutinho (2008) e Coutinho e Chaves (2002).

Page 208: Revista FAE

206

propósitos. Trata-se de uma tentativa ou aproxima-

ção ao pensamento do pesquisador, traduzindo suas

premissas de verificação. A tentativa de mapear o

pensamento do pesquisador proporciona um melhor

entendimento de como os dados foram coletados e

analisados, assim como de onde surgiram suas con-

clusões. Além da auditoria, tempo prolongado de

pesquisa e análise de dados e avaliação por pares

podem ser alternativas para obtenção de estudos

com resultados mais próximos do que é possível

identificar da realidade em verificação. Assim como

os pares, participantes da pesquisa podem trabalhar

no sentido de verificar se os resultados representam

a interpretação adequada e descrição das experiên-

cias, ideias ou sentimentos (COUTINHO, 2008).

Além dos princípios relacionados com a trans-

feribilidade (capacidade de a pesquisa ser reconduzi-

da ou reaplicada por outros pesquisadores em mesmo

ou em outro contexto), é preciso que sejam segui-

dos adequados “princípios metodológicos para que a

validade de seus resultados seja assegurada” (OHIRA,

1998, p. 73). A valorização do Estudo de Caso tam-

bém transita pela consciência de que generalização

não é o único objetivo na condução das pesquisas.

Por vezes, justificativas para o estudo, sua unicida-

de, poder de elucidação, caráter crítico e exclusivi-

dade da situação proporcionam relevância (COUTI-

NHO; CHAVES, 2002). Os casos negativos ilustram

situações potenciais para estudo, porque através do

atípico é possível melhor entender o que é o padrão

dominante. Contextualização do cenário, além de

interpretação robusta da situação fortalece a impor-

tância dos casos, o que também pode servir de fon-

te para a geração de hipóteses bem estruturadas a

serem testadas por outros métodos. Para Coutinho

e Chaves (2002), os casos podem ser usados como

metodologia que resulta na geração de hipóteses a

serem testadas, ao contrário de outros métodos que

delas partem. Por fim, é importante a noção de que o

rigor científico não é exclusividade das metodolo-

gias mais ortodoxas, advindas do paradigma posi-

tivista da ciência. Os estudos interpretativos também

devem ser orientados por pressupostos voltados ao

rigor investigativo (COUTINHO, 2008).

6 Considerações Finais

O presente estudo não esgota a totalidade

das ideias da pesquisa, tampouco acerca da esco-

lha e prática do Estudo de Caso como estraté-

gia de pesquisa em ciências sociais, em especial no

âmbito da Administração e demais áreas orienta-

das aos negócios (Contabilidade, Economia, Design,

Moda, Turismo, etc.). Como lembra Coutinho (2008),

há uma dicotomia básica nas ciências sociais, entre

a perspectiva positivista e a fenomenológica. Uma

terceira via, a da teoria crítica, pode ser entendida

como parcialmente integrada ao aspecto fenome-

nológico, que juntamente com o interpretativismo

podem ser incorporadas como face anti ou não posi-

tivista de ciência. Assim, a ciência pode ser dividida

entre metodologias e pressupostos positivistas, na

lógica de ciências tradicionais, ou não positivistas,

incorporando as demais alternativas. O estudo dos

negócios atua com ambas as perspectivas, o que

faz do campo de estudo da gestão uma arena em

constante conflito acerca das questões de rigor. O

pêndulo científico por vezes balança entre extremos,

como é o caso da área de Marketing, onde os estu-

dos multivariados, como a Modelagem de Equações

A valorização do Estudo de Caso também transita pela consciência de que

generalização não é o úni-co objetivo na condução das pesquisas. Por vezes, justificativas para o estu-do, sua unicidade, poder

de elucidação, caráter crítico e exclusividade da

situação proporcio-nam relevância.

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Estruturais, representam o racionalismo extremo, e a

Antropologia de mercado ocupa a posição antagô-

nica. Em tal contexto, o Estudo de Caso apresenta-

-se como método intermediário. Por isso, tende a ser

mais bem aceito do que os paradigmas mais livres

em oposição aos preceitos positivistas.

Além da discussão entre orientações científi-

cas, ortodoxas ou não, a relação entre as definições

de estudos qualitativos e quantitativos, também é

controversa. O Estudo de Caso é confundido como

qualitativo em grande parte das situações, o que

não se aplica em todas as pesquisas. A possibilida-

de entre estes extremos é a condução de estudos

mistos. Ainda que o aspecto qualitativo seja

amplamente defendido no Estudo de Caso, por

exemplo, quando são criadas categorias e análises

como a contagem de palavras, fica evidenciada

a orientação senão quantitativa, ao menos quali-

-quantitativa, ou mista. Mais que pelo método ou

orientação escolhida, a validade de um conheci-

mento está associada ao rigor e cuidados adotados

pelo pesquisador (COUTINHO, 2008). O Estudo de

Caso, bem como outros métodos não positivistas

em essência, requerem unificação de terminologias,

como nas ciências ‘duras’, para que a credibilidade e

reconhecimento de sua validade sejam obtidos. Não

é por falta de linearidade, que a pesquisa interativa,

como o Estudo de Caso, seja inválida. Destaca Alves-

-Mazzotti (2006, p.638) que “nenhum conhecimento

é inteiramente objetivo”.

O que é importante na adoção do Estudo de

Caso como método de pesquisa é atender aos requi-

sitos de rigor que garantam sua qualidade. Os proble-

mas relacionados aos estudos com casos emergem

porque “nem sempre a adoção desse delineamento

ocorre com a observância do rigor requerido” (GIL;

LICHT; OLIVA, 2005, p. 48).

• Recebido em: 14/10/2010

• Aprovado em: 13/04/2011

Page 210: Revista FAE

208

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209R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 209-211, jan./jun. 2011

Orientações aos Colaboradores da Revista da FAE

Page 212: Revista FAE

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Histórico e Missão

A Revista da FAE, existente desde 1998, é um es-

paço para divulgação da produção científica e acadêmica

de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as

áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Direito,

Engenharia, Educação, Sistemas de Informação, Psicologia

e Filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das

organizações e o desenvolvimento local.

Pela sua missão ser a de formentar a produção e a

disseminação de conhecimento em áreas correlatas à dis-

cussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das

organizações no processo de desenvolvimento local, entre

nossos leitores, encontram-se professores, alunos de gradu-

ação e pós-graduação, consultores, empresários e profis-

sionais de empresas públicas e privadas.

Já com o tema organizações e desenvolvimento, o

objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qual-

quer que seja sua origem ou situação societária, no processo

de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.

Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos

para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou

pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam ex-

periências fundamentadas teoricamente e que contribuam

com o debate estimulado pelo objetivo da revista.

Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem

as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, es-

pecialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabal-

hos serão publicados de acordo com a ordem de aprova-

ção, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do

debate.

Todos os artigos estão disponíveis para download,

exceto a última edição.

Objetivo

O objetivo da Revista da FAE é promover a publica-

ção de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção

das organizações no processo de desenvolvimento local.

A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus

leitores a compreenderem o papel das organizações no pro-

cesso de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão

de temas atuais e relevantes para definição estratégica e op-

eracional das organizações.

Assim, será dada prioridade à publicação de artigos

que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem

sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e

discutam sobre temas contemporâneos da gestão de negó-

cios.

Orientação Editorial

Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE

serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu

objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas técnicas e

teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das

organizações no processo de desenvolvimento local.

Com o tema gestão de negócios, visa-se contri-

buir com o debate sobre sistemas de gestão de produção

e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito

de discutir o processo de desenvolvimento da organização.

Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios,

a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de

Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e

Economia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).

Focos

O principal requisito para publicação na Revista

da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma

contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado

nos seguintes tópicos:

• O tema tratado deve ser relevante e perti-

nente ao contexto e ao momento e, prefer-

encialmente, pertencer à orientação editorial.

• Oreferencialteórico-conceitualdeverefletir

o estado da arte do conhecimento na área.

• Odesenvolvimentodoartigodeveserconsis-

tente, com princípios de construção científica

do conhecimento.

• Aconclusãodeveserclaraeconcisaeapon-

tar implicações do trabalho para a teoria e/

ou para a prática administrativa.

Espera-se, também, que os artigos publicados na

Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas

estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.

Page 213: Revista FAE

211R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 14, n. 1, p. 190-208, jan./jun. 2011

Escopo

A Revista da FAE tem interesse na publicação de

artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.

Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser

sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem

propor novos modelos e interpretações para fenômenos

relevantes com relação à gestão de negócios e à interação

das organizações no desenvolvimento local.

Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao

conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-

camente, bem fundamentadas, criteriosamente conduzi-

das, e adequadamente analisadas.

data. As referências bibliográficas completas

deverão ser apresentadas em ordem alfabé-

tica no final do texto, de acordo com as nor-

mas da ABNT (NBR-6023).

• Diagramas,quadros,figurasetabelasdevem

ser numerados sequencialmente, apresentar

título e fonte, bem como ser referenciados

no corpo do artigo.

Permuta

A Revista da FAE faz permuta com as principais faculdades

e universidades do país.

Assinatura

Periodicidade: Anual

Valor: R$ 65,00

• Para assinar, favor entrar em contato pelo

telefone (41) 2105-4093 ou pesquisa@fae.

edu

Envio de Artigos

Os artigos deverão ser encaminhados para:

FAE Centro Universitário

Núcleo de Pesquisa Acadêmica

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Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e espe-

ramos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.

Notas para Colaboradores

A Revista da FAE está aberta a colaborações

do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e

perspectivas é incentivada.

Podem ser publicados artigos de desenvolvimento

teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5

mil a 8 mil palavras).

A aceitação e publicação dos textos implicam a

transferência de direitos do autor para a Revista. Não são

pagos direitos autorais.

Os textos enviados para publicação são aprecia-

dos por pareceristas pelo sistema blind review.

Os artigos deverão ser encaminhados para o

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características:

• Na folha de rosto deverão constar o título

do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s)

autor(es), acompanhado(s) de um breve cur-

rículo, relatando experiência profissional e/

ou acadêmica, endereço, números do tele-

fone e do fax e e-mail.

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título (máximo de dez palavras), o resumo

em português (máximo de 250 palavras) e

as palavras-chave (máximo de cinco), assim

como os mesmos tópicos vertidos para o in-

glês (title, abstract, keywords).

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gens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou

arial 12 e espaçamento 1,5 linha.

• Asreferênciasbibliográficasdevemsercita-

das no corpo do texto pelo sistema autor-

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